Esporte e política: um estudo da profissionalização do futebol na

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Esporte e política: um estudo da profissionalização do futebol na
VIII Semana de História Política
V Seminário Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade
ISSN 2175-831X – PPGH/UERJ, 2013
Esporte e política: um estudo da profissionalização do futebol na Colômbia
(1948-1951)
Eduardo de Souza Gomes1
Resumo: Este presente trabalho tem como objetivo analisar o desenvolvimento do
profissionalismo no futebol colombiano e seus efeitos no país entre os anos de 1948 a 1951.
A morte do líder liberal Jorge Gaitán em 1948 e as constantes disputas políticas entre os
Partidos Liberal e Conservador na Colômbia, caracterizam o período conhecido no país
como La Violencia. Nesse mesmo ano de 1948 o futebol se tornou um esporte profissional.
O objetivo dessa pesquisa é, a partir principalmente da análise privilegiada de periódicos
colombianos e brasileiros do período estudado, investigar o desenvolvimento do
profissionalismo no futebol colombiano, a transformação do futebol em esporte espetáculo e
a importância do esporte nesse contexto político e social, tendo surgido como uma opção
nacionalista no meio de um país completamente dividido pelas disputas entre liberais e
conservadores.
Palavras-chave: Futebol colombiano; Profissionalismo; Nacionalismo.
Abstract: This present study aims to analyze the development of professionalism in
Colombian football and its effects on the country between the years 1948 to 1951. The death
of liberal leader Jorge Gaitán in 1948 and the constant political wrangling between the
Liberal and Conservative parties in Colombia, characterized the period known as La
Violencia in the country. That same year 1948 football became a professional sport. The
objective of this research is mainly from the analysis of privileged Colombian and Brazilian
journals of the period studied, to investigate the development of professional football in
Colombia, the transformation of football sport spectacle and the importance of sport in social
and political context, have emerged as an option in the middle of a nationalist country
completely divided by disputes between liberals and conservatives.
Keywords: Colombian football; professionalization; politics.
A FORMAÇÃO DA DIMAYOR E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO FUTEBOL
Em 1948, a política colombiana se encontrava completamente dividida entre os
partidos dos liberais e dos conservadores. A morte do maior líder liberal colombiano do
1
Graduando em História pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ, sob orientação da Profª. Drª. Joana D`Arc do
Valle Bahia; Membro do “Sport”: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (PPGHC/UFRJ) e do NIESE – Núcleo
Interdisciplinar de Estudos Sociais sobre Esporte (FFP/UERJ); Realizou intercâmbio em 2012 pela Universidad de Antioquia
(Colômbia), com bolsa do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades; E-mail:
[email protected].
período, Jorge Eliécer Gaitán, agravou uma situação de violência política que já ocorria no
país desde 1930. O período de 1930 a 1946, conhecido como Republica Liberal, marcou não
só o fim de uma longa hegemonia conservadora na Colômbia, como o início da violência no
país devido às disputas políticas entre esses dois maiores partidos. Como afirma Forrest
Hylton, “Quando o domínio conservador terminou, em 1930, as tensões que vinham
aumentando dentro do país começaram a explodir” (HYLTON, 2010: 68). Com a eleição do
conservador Mariano Ospina Pérez para presidente em 1946, o Partido Conservador retornou
ao poder, porém a série de violência na Colômbia não parou. De acordo com Hobsbawm,
[…] a Colômbia foi, e continua sendo, prova de que a reforma gradual no marco da
democracia liberal não é a única, nem sequer a mais plausível alternativa das revoluções
sociais, incluindo aquelas que fracassaram ou que foram abortadas. [...] um país em que
a impossibilidade de fazer uma revolução social fez com que a violência fosse a
essência constante, universal e onipresente da vida pública. (HOBSBAWM, 2002).
A violência explicitada por Hobsbawm terá seu ápice a partir, como já dito, do
assassinato de Jorge Gaitán, em 1948. Sobre a morte de Gaitán, Forrest Hylton afirma que “as
notícias do seu assassinato desencadearam os maiores distúrbios da história da Colômbia do
século XX, o chamado Bogotazo, uma revolta sociopolítica que arrasou tanto as províncias
quanto a capital.” (HYLTON, 2010: p.73).
A série de violência após o assassinato do líder liberal teria se espalhado da capital
Bogotá para todo o resto do país. Mesmo com a afirmação dos conservadores a todo o
momento de que haviam sido os comunistas os mandantes do assassinato de Gaitán2, os
principais conflitos ocorreram entre os próprios conservadores e os liberais, já que possuíam
uma grande rivalidade política desde o século XIX. Assim, até o fim dos anos 1950,a
violência política se tornou frequente na Colômbia, caracterizando momentos de intensa
Guerra civil.
É nesse contexto de extrema violência política em todo o país que ocorrerá a
profissionalização do futebol na Colômbia. Como afirma López Vélez,
El proceso de popularización que se había dado a lo largo de las dos décadas anteriores
desembocaria en la profesionalización de esta práctica en nuestro país. El mismo
proceso se había dado años antes en la mayor parte de los países europeos y en algunos
de América Latina, como Argentina, Brasil, Paraguay, entre otros. (LÓPEZ VÉLEZ,
2004: 125).
A profissionalização do futebol ocorreu em agosto de 1948, apenas quatro meses depois
da morte de Jorge Gaitán, ocorrida em 9 de abril. E a peculiaridade do surgimento do
profissionalismo no futebol colombiano, em relação a outros países sul-americanos como os
2
El Colombiano, 10 de abril de 1948, p. 1
citados por López Vélez, se encontra nos anos seguintes, a partir de 1949. Devido diversos
fatores que são abordados nessa investigação, o futebol colombiano se transformará num
“celeiro” de grandes craques estrangeiros que fizeram do esporte no país um verdadeiro
espetáculo para a população. Como afirma Pierre Bourdieu,
O esporte espetáculo apareceria mais claramente como uma mercadoria de massa e a
organização de espetáculos esportivos como um ramo entre outros do show business, se
o valor coletivamente reconhecido à prática de esportes (principalmente depois que as
competições esportivas se tornaram uma das medidas da força relativa das nações, ou
seja, uma disputa política) não contribuísse para mascarar o divórcio entre a prática e o
consumo e, ao mesmo tempo, as funções do simples consumo passivo. (BOURDIEU,
1983)
Essa pesquisa defende, a partir das fontes analisadas até o presente momento, a
hipótese de que com a profissionalização e a chegada dos grandes craques estrangeiros que
transformaram o futebol colombiano em um espetáculo, teria assim surgido no país uma
identidade pelo esporte, pautada como uma opção nacionalista num contexto de extrema
violência política e de divisão do país entre conservadores e liberais. Como já explicitado
anteriormente, a profissionalização do futebol colombiano ocorre no ano de 1948. Até então,
o campeonato do esporte no país era disputado apenas de forma amadora. A Adefútbol3, que
era a federação máxima responsável pelo futebol colombiano nesse contexto, era muito
criticada pelas federações estaduais devido sua má organização nas competições do esporte no
país. Como afirma Ruiz Bonilla (2008),
la falta de registros elaborados con base estadística, con todos los detalles individuales
de jugadores y de clubes en general; la falta de responsabilidad y respecto a los
procedimientos y la negligencia de los dirigentes, vendrían a ser consecuencias de una
deficiente organización. (RUIZ BONILLA, 2008: 19).
Com o interesse não só de diversas federações em âmbitos regionais e dos dirigentes
dos clubes, mas também de empresários que enxergavam no “mercado moderno” do futebol
uma boa oportunidade de investimento financeiro, foi criada em 26 de junho de 1948 em
Barranquilla, como afirma López Vélez (2004), la Dimayor4, a partir de uma assembleia que
contou com a “ participación de los delegados de los equipos que pretendían ser profesionales
y los representantes de las ligas de fútbol existentes em el país (…).” (LÓPEZ VÉLEZ, 2004:
125). Nessa mesma assembleia ficou estabelecido que a cidade sede da nova liga profissional
de futebol, a Dimayor, seria Bogotá, e que uma nova assembleia seria realizada nessa
localidade no dia 17 de julho de 19485. Após a efetivação definitiva da Dimayor, que teve
3
Adefútbol: Asociación Colombiana de Fútbol
4
División Mayor – liga profissional do futebol colombiano
El Colombiano, 12 de julio de 1948, p.8
5
como seu primeiro Presidente Humberto Salcedo Fernández6, pode-se iniciar o campeonato
profissional em 15 de agosto de 1948, com 10 equipes espalhadas pelo país disputando o
título.7 Como fica explicito no periódico El Colombiano, ocorreu uma série de tensões entre
as federações estaduais e a Dimayor, devido essa ter decidido que apenas dez equipes, sendo
no máximo duas por estado, disputariam o primeiro campeonato profissional. Isso causou
uma série de problemas, principalmente com a Fedefútbol8, onde os representantes dessa
federação chegaram a se retirar da assembleia para formação da liga profissional que se
iniciava, como explicita o periódico:
Como lo habíamos informado en una de nuestras anteriores ediciones, la asamblea
general de dirigentes de equipos afiliados a Liga Mayor, inició labores el 15 del
corriente en la capital
de la república. (...) Hemos
sido informados que en las
celebraciones de ayer, los delegados de los conjuntos profesionales antioquenos se
retiraron de la asamblea, por no estar de acuerdo con el resto de deportistas
profesionales del país que propusieron la afiliación de solo dos equipos profesionales
por cada departamento. Oportunamente daremos más detalles sobre esta asamblea de
equipos que 'cobran por jugar y juegan por cobrar.9
Os conflitos políticos por quais passavam o país influenciaram o governo do período a
aprovarem o início do campeonato profissional, iniciado com dez clubes de todo o país. Como
afirma Ramírez “ (…) el Gobierno Nacional necesitaba motivos para calmar a la población les
hizo saber a los dirigentes del fútbol su aprobación y apoyo al torneo, que debía comenzar lo
más pronto posible.” (RAMÍREZ, 2008: 42). No dia seguinte ao do início do campeonato,
uma crônica de El Colombiano explicita o sucesso que a liga profissional já começava a
alcançar desde seus primórdios, demonstrando as mudanças que ocorreriam a partir de então
no futebol do país:
Una luminosa mañana dominical llevó a la afición balompédica antioqueña hasta el
hermoso coliseo hípico de San Fernando en Itagüi, para presenciar en su gran cancha de
fútbol el sensacional choque entre las escuadras profesionales Universidad Nacional, de
Bogotá, y Atlético Municipal de esta localidad. Indudablemente, el día de ayer
constituye para el deporte nacional una clásica fecha, ya que fue el comienzo de una
nueva etapa de nuestro balompié que pasó de la escala amateur al estrellato del
profesionalismo (…) Atlético venció a la Universidad por 2 goles a 0. Estuvo muy
concurrido el match en la cancha de Itagüí. Carlos Rodríguez (Pájaro) y Rafael Serna,
autores de los primeros tantos del campeonato de fútbol no amateur que se inició ayer
6
Um dos principais idealizadores do profissionalismo no futebol colombiano, Humberto Salcedo
Fernández Salcefer foi Presidente do América de Cali entre 1948-1949 e o primeiro Presidente da Dimayor.
7
El Colombiano, 15 de agosto de 1948, p. 4
8
Federação responsável pelo futebol no Estado de Antioquia, Colômbia
9
El Colombiano, 19 de julio de 1948, p. 8.
en Colombia, con los cuales rubricaron el triunfo de su equipo, el Atlético Municipal,
sobre el de la Universidad Nacional.10
DISPUTAS PELO PODER E A FORMAÇÃO DO FUTEBOL EM ESPETÁCULO
A aceitação do primeiro campeonato profissional oficial pelo público, vencido pelo
Santa Fé, foi maior do que se imaginava. Com o cada vez maior espaço da nova liga de
futebol, iniciou-se uma disputa pelo poder do esporte no país entre a Adefútbol e a Dimayor.
Fazendo valer sua antiguidade e supremacia no poder do futebol colombiano, a Adefútbol
passou a não reconhecer mais a Dimayor como liga oficial do futebol profissional no país,
tendo essa se tornado uma “Liga Pirata” (RACINES, 2011). Segundo Racines,
El peso político de la Dimayor en vez de disminuir antes aumentaría y, a pesar de ser
considerada una organización que había perdido su legitimidad, seguía teniendo una
gran influencia en los diferentes ámbitos de la sociedad colombiana adquiriendo más
vuelo en sus intenciones de realizar un torneo con todas las campanillas del deporte
espectáculo. (RACINES, 2012).
A busca pelo espetáculo se tornou, mesmo agora com a “ilegalidade”, um dos
principais objetivos dos dirigentes e empresários envolvidos com a Dimayor. Uma greve de
jogadores de futebol na Argentina ocorrida durante o ano de 1948 possibilitou as bases
necessárias para a formação desse espetáculo tão desejado na Colômbia. Como afirma
Maurício Drumond, os jogadores de futebol argentinos já possuíam desde 1944 um sindicato
que os representava, que era a FAA – Sindicato de Futebolistas Argentinos e Agremiados. A
FAA buscava estabelecer uma base de benefícios para os jogadores profissionais na
Argentina, algo que não era atendido pela federação do esporte no país, tendo assim gerado a
greve (DRUMOND, 2008: 72).
Com a greve, muitos jogadores que atuavam na Argentina buscaram um novo mercado
de trabalho. E é nesse momento que a nova liga profissional de futebol na Colômbia aparece
como uma boa oportunidade. Mas porque deixarem a Argentina para atuarem em um país
onde teoricamente não existia a mesma tradição no esporte e que passava por sérios
problemas políticos e sociais, devido à violência em todo território colombiano? A resposta
para essa pergunta se da, inicialmente, devido a fatores financeiros. Os jogadores argentinos
enxergaram no futebol colombiano, que a pouco havia se profissionalizado, uma oportunidade
de valorização do trabalho que realizavam dentro das quatro linhas. E como os dirigentes e
empresários envolvidos com o futebol colombiano iriam conseguir as condições financeiras
necessárias para contratarem grandes nomes do futebol argentino e mundial, como Adolfo
Pedernera, Alfredo Di Stéfano e Heleno de Freitas? A solução encontrada foi oferecer altos
10
El Colombiano, 16 de agosto de 1948.
salários esses jogadores, porém sem pagar por seus passes aos clubes de origem. Como não
possuíam reconhecimento oficial da FIFA11, da Conmebol12, da Adefútbol e das demais
federações dos outros países, os clubes da Dimayor não podiam ser cobrados e muito menos
punidos por tais federações, fazendo com que a nova liga profissional colombiana de futebol
funcionasse de forma autônoma e fosse classificada no período de “liga pirata” 13. Em pouco
tempo vários jogadores argentinos vieram atuar na Colômbia. Para muitos argentinos, a ida
para a Colômbia representaria uma “salvação” já que, insatisfeitos com a falta de valorização
em seu país, enxergaram na transferência para o El Dorado colombiano uma forma de não só
obterem uma maior remuneração financeira, como também recuperarem ou conquistarem o
status de “herói” no esporte, que talvez pudesse estar abalado em seu país de origem devido a
greve. Como afirma Ronaldo Helal,
... um fenômeno de massa não consegue se sustentar por muito tempo sem a presença de
'heróis', 'estelas' e 'ídolos'. São eles que levam as pessoas a se identificarem com aquele
evento. Eles representam a nossa comunidade, frequentemente sobrepujando obstáculos
aparentemente intransponíveis. (...) Esta característica do 'ídolo-herói' acaba por
transformar o universo do futebol em um terreno extremamente fértil para a produção
de mitos e ritos relevantes para a comunidade. (HELAL, 2001: 154).
Nesse contexto do futebol colombiano, a formação de “heróis” seria extremamente necessária
para a formação definitiva de um campo esportivo, tal como o define Bourdieu (1983).
Após o êxodo inicial, em 1949, de grandes craques argentinos, a Colômbia se tornaria
notícia por jornais de todo o mundo devido a forte liga de futebol que formava, mesmo essa
não sendo reconhecida oficialmente. A união entre empresários, dirigentes dos clubes
profissionais colombianos e do governo, que buscava pelo futebol uma unidade nacional
dentro de um país completamente dividido devido às disputas entre liberais e conservadores,
ficou cada vez mais explicita após a transferência do primeiro grande craque argentino para o
país, que foi Adolfo Pedernera. Como escreve Racines,
Un detalle que ilustraría claramente esta relación entre gobierno y dirigencia del fútbol
lo observamos cuando examinamos el portafolio que llevaba Carlos Aldabe en su viaje
a Buenos Aires para convencer al “Maestro” Pedernera de jugar en el fútbol
colombiano. En primer término, había una carta de Mauro Mórtola para empresarios del
Sur con base en lo que éste había hecho con otros creadores de espectáculos. En
segundo lugar una carta de crédito bancario, suscrita por Senior. Y, por último, una
copia de una nota enviada por la cancillería colombiana a Briceño Pardo autorizándolo
para contratar grandes figuras el balompié. (RACINES, 2011: 119)
11
12
13
FIFA: Fédération Internationale de Football Association
Conmebol: Confederación Sudamericana de Fútbol
Jornal dos Sports, 28 de fevereiro de 1950.
A partir da chegada dos craques argentinos, foi aberta as portas para grandes nomes de
outros países também se transferirem para clubes colombianos. Jogadores brasileiros,
peruanos, uruguaios e até europeus, foram “se aventurar” no “El Dorado” do futebol
colombiano. É nesse momento que começa a se formar pelo esporte a ideia do futebol
espetáculo no país. Como afirma Racines,
De esa manera se configuraría el marco del espectáculo de El Dorado. El maquillaje, la
estética, el decorado movió a las masas de espectadores que encontrarían en el
espectáculo del fútbol una forma de evasión, una forma sana de diversión a través de la
cual el hombre, el ciudadano de la calle encontraba en el fútbol un paliativo a sus
angustias cotidianas. (RACINES, 2011:272).
Transformar o futebol em um “esporte espetáculo” foi talvez a principal meta dos
dirigentes e empresários envolvidos com a Dimayor nesse período. E a chegada de grandes
nomes estrangeiros foi fundamental para a formação desse espetáculo dentro das quatro
linhas. Como afirma Helal (2001), dificilmente um esporte pode, sem heróis ou ídolos,
sobreviver por muito tempo. Dentro de um campo que acabara de passar por um processo de
transição, do amadorismo para o profissionalismo, e que não possuía ainda ídolos formados, o
investimento em grandes nomes estrangeiros, aproveitando-se da situação de não ser
reconhecida oficialmente nesse período, foi a principal “jogada de mestre” dos dirigentes
envolvidos com os clubes da Dimayor.
NACIONALISMO E A FORMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE
A partir de todos os fatos já explicitados, é possível perceber a formação de um
campo esportivo na Colômbia a partir da profissionalização do futebol. Tal campo,
principalmente com o investimento dos novos times profissionais em grandes jogadores
estrangeiros do esporte, se caracterizou como um espetáculo para os colombianos (RACINES,
2011), tendo o futebol rapidamente se transformado em uma das poucas manifestações na
sociedade que eram capazes de no mínimo apaziguar os conflitos existentes entre liberais e
conservadores no período, mesmo que fosse apenas durante os noventa minutos da partida.
Esse trabalho defende a hipótese de que o futebol espetáculo proporcionado na Colômbia nos
anos iniciais do período profissional teria sido o principal fator para atrair a população
colombiana do período. Seria uma tradição inventada (HOBSBAWM, 2012) que se
transformaria em identidade cultural (HALL, 2006) dos colombianos. Pode-se perceber, a
partir das fontes já analisadas até o presente momento, que essa identidade teria nascido como
algo regional ou até mesmo clubista, mas que foi o princípio para a formação de uma
identidade nacional. Em 1951 ocorreu o Pacto de Lima, que foi o resultado de uma
Assembleia realizada em Lima (Peru), onde nela ficaram estabelecidas, a partir de um acordo
realizado entre a FIFA e a Dimayor, as bases para a oficialização dessa federação na
Colômbia. A partir de então, além do campeonato profissional colombiano passar a ser
reconhecido oficialmente, todos os jogadores que teriam ido atuar na Colômbia no período
não oficial e possuíam contratos de trabalho em vigor com seus antigos clubes de origem,
teriam um período de até 3 anos para retornarem para suas antigas equipes. Mas mesmo após
o Pacto de Lima em 1951, essa identidade pelo futebol permaneceu forte na Colômbia,
estabelecendo as bases para se tornar uma identidade nacional no país, a ponto de ser até os
dias atuais o esporte mais popular dessa nação. É também válido destacar as políticas
nacionalistas, principalmente no governo de Mariano Ospina Pérez, que buscavam pelo
futebol a idealização e a unificação de uma nação que se encontrava completamente dividida
entre liberais e conservadores nesse contexto, sendo esse fator de extrema importância para o
entendimento da propagação do futebol no país. Nesse contexto, movido pelos interesses
políticos e pela transformação do esporte em espetáculo, o futebol havia sim se tornado uma
representação da Colômbia, sendo essa muitas vezes uma representação imaginária da nação.
Como define Anderson (2008), a nação pode ser classificada como
...uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente
limitada e, ao mesmo tempo, soberana. (…) Ela é imaginada porque mesmo os
membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão, ou sequer
ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a
imagem viva da comunhão entre eles. (ANDERSON, 2008: 32).
Portanto, considerando que nos dias atuais o futebol não só é o esporte mais popular
na Colômbia como se trata também de uma representação do povo colombiano, esse trabalho
trabalha com a hipótese de que exatamente o período de profissionalização desse esporte, com
todos os espetáculos proporcionados pelos jogadores estrangeiros, que teria sido fundamental
para esse processo. O período que ficou conhecido no futebol do país como El Dorado, teria
assim sido fundamental para a formação de uma forte identidade no país pelo esporte e que, a
partir da repetição, se transformaria em uma tradição da nação, deixando assim um legado que
sobrevive até os dias atuais na Colômbia.. Como afirma Herrera Correa (2008), o período “El
Dorado mostro el caminho” (HERRERA CORREA, 2008: 37)
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