A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL

Transcrição

A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL
Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu
Direito Constitucional
MIGUEL ARCANJO NETO
A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO
NO BRASIL: desafios da regulação econômica
Brasília – DF
2009
i
MIGUEL ARCANJO NETO
A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO
NO BRASIL: desafios da regulação econômica
Monografia apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional no Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.
Orientador: Professor
Nascimento
Brasília – DF
2009
MIGUEL ARCANJO NETO
Bruno
Dantas
ii
A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO
NO BRASIL: desafios da regulação econômica
Monografia apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional no Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em 08/10/2009, com menção máxima e recomendação de publica da obra.
Banca Examinadora:
_________________________________________________________
Presidente: Prof.
__________________________________________________________
Integrante: Prof.
___________________________________________________________
Integrante: Prof.
iii
Dedicatória
À esposa, Lucimar, e aos filhos, Ana Carolina, Augusto e Gustavo, pela cumplicidade e capacidade de
relevar os momentos de impaciência e isolamento
próprios da produção acadêmica.
Aos meus Pais, Irmãos e familiares pelo incentivo
sempre renovado.
iv
Agradecimentos
Ao Ricardo Mourão pela disponibilidade e pelas contribuições revisionais e de conteúdo, com a ressalva
de que eventuais erros devem ser debitados ao autor.
Aos colegas do Deban2, em especial ao Marciano e
à Adriana Soares, Chefe e Chefe Adjunto do Departamento, respectivamente, pelo apoio e incentivo.
Ao Professor Bruno Dantas pela orientação segura.
2
Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos do Banco Central do Brasil.
v
RESUMO
O trabalho aborda tema que está na ordem do dia das discussões técnicas e
políticas no Brasil: a indústria de cartões de pagamentos, campeã de reclamações
dos consumidores. Enfrenta duas das questões mais polêmicas que permeiam os
debates doutrinários e jurisprudências, o enquadramento do negócio como atividade
de intermediação financeira e a ausência de marco legal que autorizaria o agir das
Autoridades Monetárias. Conclui que o negócio com cartão de pagamento não só
envolve atividade tipicamente bancária como o marco legal existente autoriza a atuação do Estado-regulador.
Palavras-chave: atividade bancária; autoridades monetárias; Bacen; cartão bancário; cartão de crédito; cartão não bancário; cartão de pagamento; CMN; consumidor; poder normativo;
regulação.
vi
ABSTRACT
The present paper addresses that issue is on the agenda of political and
technical discussions in Brazil: the card payments industry, champion of consumer
complaints. The study faces two of the most controversial issues that permeate the
doctrinal debates and jurisprudences, the framework of the business and activity of
financial intermediation and the lack of legal framework that permits the act of Monetary Authorities. The conclusion is that the deal with payment card activity typically involves not only the bank as existing legal framework empowering the role of stateregulator.
Keywords: banking, monetary authorities; Bacen; bank card, credit card, no
bank card, payment card; CMN; consumer, legal power, regulation.
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO___________________________________________2
1 BREVE HISTÓRIA_____________________________________9
2 A PLATAFORMA DE NEGÓCIO DO CARTÃO DE CRÉDITO_15
2.1 A organização da indústria de cartões______________________17
2.2 Os tipos de cartões de crédito em função do emissor__________18
2.3 As partes intervenientes_________________________________21
3 A EMISSÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E A ATIVIDADE
FINANCEIRA ___________________________________________26
3.1 A natureza financeira da atividade do Cartão de Crédito______29
3.2 A Atividade de intermediação da indústria de cartões e a
legislação do Sistema Financeiro Nacional__________________31
3.3 Os emissores não bancários e a cláusula mandato____________37
3.4 Os emissores bancários__________________________________41
3.5 O guardião da legislação infraconstitucional e a indústria de
cartões________________________________________________42
4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PODER NORMATIVO
DAS AUTORIDADES MONETÁRIAS_______________________48
4.1 A função regulamentadora da Administração Pública no
domínio econômico_____________________________________52
4.2 O marco da Lei de Reforma Bancária e o poder normativo das
Autoridades Monetárias_________________________________56
4.3 A adequação constitucional do poder normativo das
Autoridades Monetárias_________________________________60
_______________________________________________________68
5 CONCLUSÃO_________________________________________69
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________72
INTRODUÇÃO
O trabalho de pesquisa discute desde a perspectiva da regulação econômica
a indústria de cartões de pagamento no Brasil, segmento econômico que tem atingi do considerável grau de desenvolvimento e penetração como elemento que reúne
dois predicados: a concessão de um crédito pré-definido e instrumento de pagamento substituto quase perfeito do papel-moeda 3.
A pujança da indústria de cartões de pagamento tem relação intrínseca com
o desenvolvimento tecnológico e a busca de eficiência na realização de pagamentos, o que redunda numa tendência cada vez mais forte de eletronização dos instrumentos de pagamentos de varejo.
No mercado, quer nacional, quer internacional, são encontrados cartões de
pagamentos de diversos tipos e finalidades, tais como os cartões de crédito 4, os cartões de débito5 em sentido estrito, a moeda eletrônica (e-money), os cartões de loja
(private label) e os cartões pré-pagos. Sem dúvida, os cartões modificaram a forma
como se faz pagamento de bens e serviços, ensejando melhorias de bem-estar social.
No âmbito internacional, o rápido crescimento da indústria de cartões de pagamento tem induzido entidades de defesa da concorrência e bancos centrais a atuarem nesse mercado, visando, particularmente, a defesa dos usuários finais do sistema (consumidores e fornecedores de bens ou serviços).
No Brasil, só recentemente o tema passou a ser tratado de forma mais sistemática, sendo certo, porém, que de há muito gera discussões doutrinárias, jurisprudências e legislativas (iniciativas), particularmente no que concerne o cartão de pagamento na sua vertente creditícia.
3
Os outros meios de pagamentos são o cheque, as transferências de crédito interbancárias e débito
direto em conta-corrente.
4
Na modalidade crédito, o cartão de pagamento comporta, no mínimo, o pagamento diferido da despesa feita, entendido como diferido o termo da fatura que, se paga integralmente, não gera nenhum
ônus financeiro (juros) para o titular, e não necessariamente tem vinculação com a existência de conta corrente bancária. Pode, contudo, converter-se em financiamento se o titular opta por pagar ape nas parte da fatura.
5
Na modalidade débito, o cartão de pagamento pressupõe a sua vinculação a uma conta corrente
bancária, haja vista que a despesa é imediatamente subtraída da disponibilidade do titular junto a
uma instituição financeira bancária, ou seja, não há diferimento do pagamento, salvo por alguma falha
operacional do sistema de pagamentos.
3
O escopo da pesquisa restringir-se-á a explorar o segmento de cartões de
pagamento na modalidade crédito.
A razão de ser do recorte investigativo no cartão de pagamento, modalidade
crédito, reside no fato de que a doutrina, a jurisprudência e o próprio Estado, na sua
função reguladora, divergem a respeito do enquadramento jurídico que deve ser
conferido à indústria de cartões de crédito, ou seja, se o negócio com o cartão carac terizaria ou não uma atividade imbricada com o direito bancário, logo atividade privativa de instituição financeira.
Na perspectiva da regulação econômica, exame mais acurado da postura de
órgãos e entidades do Estado revela ausência de políticas públicas claras em maté ria de regulação e fiscalização desse importante segmento econômico num mundo
globalizado e de substituição do papel-moeda pela moeda eletrônica.
Simples pesquisa no sítio do Banco Central do Brasil 6, link “Serviços ao cidadão”, “Perguntas mais freqüentes”, ou no de uma empresa intitulada “Cosife Eletrônico”, revela a ambivalência do tema. Confiram-se:
.O papel do Banco Central
1. O Banco Central fiscaliza as administradoras de cartão de crédito?
Nos termos do disposto pelo artigo 17 da Lei 4.595, de 31 de dezembro de
1964, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central não detêm competência para regulamentar e supervisionar as atividades das administradoras de cartões de crédito, por não serem consideradas instituições financeiras.
No entanto, quando a emissão e administração desses cartões são exercidas por instituições financeiras, a atividade está sujeita à ação normativa e fiscalizadora do Banco Central. Os serviços prestados pelas instituições devem observar o disposto na Resolução 2.878 7, de 26 de julho de
2001, alterada pela Resolução 2.892, de 27 de setembro de 2001. (destacou-se)
.Cosife Eletrônico8
Segundo o site do Banco Central, Cartão de Crédito é um serviço de intermediação que permite ao consumidor adquirir bens e serviços em estabelecimento comerciais previamente credenciados mediante a comprovação
de sua condição de usuário. ... O cartão é emitido pelo prestador de serviço
Banco Central do Brasil, disponível em:
http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/cartao.asp?
idpai=faqcidadao1, acesso em 16 de maio de 2009.
6
Rotulada pelo sistema financeiro como o Código de Defesa do Consumidor Bancário (CDCB), foi revogada pela Resolução nº 3.694, de 31.3.2009, porque o Supremo Tribunal Federal a considerou ile gal no julgamento da ADI nº 2.591-1/DF, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro
(Consif), que perseguia a declaração da inconstitucionalidade, formal e material, da expressão “inclu sive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” contida na parte final do § 2º do art.
3º da Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
7
8
http://www.cosif.com.br/mostra.asp?arquivo=admcartaocred#, acesso em 16 de setembro de 2008.
4
de intermediação, chamado genericamente de administradora de cartão de
crédito.
O Banco Central menciona em seu site que somente supervisiona as instituições financeiras e assemelhadas. Assim, não autoriza e nem fiscaliza o
funcionamento das empresas administradoras de cartão de crédito. E continua explicando:
1. Quando o usuário do cartão de crédito opta por não pagar total ou parcialmente a fatura mensal, as instituições financeiras são as únicas
que podem conceder financiamento para quitação desse débito junto
a empresa administradora.
2. É importante esclarecer que as operações realizadas pelas instituições
financeiras, inclusive o financiamento referido aos usuários para o pagamento da fatura mensal, estão sujeitas à legislação própria e às normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central.
Por isso, o Banco Central Adverte: Reclamações sobre cartões de crédito
deverão ser encaminhadas à Secretaria de Direito Econômico do Ministério
da Justiça, ou às suas representações nos Estados (PROCON ou
DECON)–destacou-se.
A aridez do tema sobreleva de simples leitura do esclarecimento sobre o
“Papel do Banco Central” e da interpretação da entidade privada que se propõe a
aclarar a mensagem. Para os usuários finais da indústria de cartões (titulares e estabelecimentos filiados) resta a dúvida: afinal, os emissores de cartão de crédito estariam ou não sujeitos ao dever-poder normativo e de fiscalização da autoridade monetária?
Essa ausência ou falta de clareza de políticas públicas, por seu turno, gera
novas distorções, posto que as disputas entre os titulares de cartões e as entidades
emissoras terminam por desaguar no Poder Judiciário, dando ensejo a decisões não
menos conflitantes.
A confusão e o desconhecimento sobre a própria gênese da indústria de cartões é fato, a ponto de o Superior Tribunal de Justiça, por uma construção que teve
como pêndulo decisório a “cláusula mandato” e a interpretação integrativa do art. 17
5
da Lei 4.595, de 19649, e do § 1º do art. 1º da Lei Complementar 105, de 2001 10, ter
sumulado o seguinte verbete: “Súmula 283. As empresas administradoras de cartão
de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas
cobrados não sofrem as limitações da Lei da Usura.”
Na doutrina a questão também é confusa. Elege-se às vezes determinado
ângulo de análise, porém focado na figura da “administradora de cartões de crédito”
para sustentar ou afastar da ação reguladora e fiscalizadora do Estado no negócio
com cartões de crédito.
Tome-se, a título ilustrativo, a doutrina de RONCAGLIA 11 que se dispõe a estudar o negócio com cartões de crédito sob a perspectiva da tributação. Logo no início do capítulo que discorre sobre “O sistema de cartões de crédito e as atividades
privativas de instituições financeiras”, assim se posiciona esse autor:
Antes de abordamos as diversas modalidades de cartões de crédito existentes, cabe analisar se a emissão e administração de um sistema de cartões
de crédito configura atividade privativa de instituição financeira. E a resposta, na nossa opinião, é negativa, tendo em vista que essa atividade não envolve o trinômio coleta, intermediação e aplicação de recursos financeiros.
Esses três requisitos têm sido enumerados pela doutrina como os necessários para identificação da prática de atividades financeiras, além de estarem
expressamente previstos no artigo 17, caput, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
E prossegue:
Com base nesse dispositivo, e de acordo com uma interpretação puramente
literal de seus termos, poder-se-ia concluir que qualquer pessoa que reali9
A Lei nº 4.595, de 1964, “Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”, constando de seu “Art. 17. Consi deram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplica ção de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia
de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.
10
A Lei Complementar nº 105, de 2001, “Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências”, assim se expressando o seu “Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:
(...)
VI – administradoras de cartões de crédito;
11
RONCAGLIA, Marcelo Marques. Tributação no Sistema de Cartões de Crédito. São Paulo: Quartier
Latin, 2004, p. 110-111.
6
zasse, isoladamente, a coleta, a intermediação ou aplicação de recursos financeiros, ainda que próprios, seria caracterizada como instituição financeira e estaria submetida às regras previstas naquela lei e à fiscalização das
autoridades do Banco Central do Brasil
Maria Helena Diniz12, por seu turno, destaca a inexistência, nos ordenamentos jurídicos, quer pátrio, quer alienígena, de legislação específica sobre a emissão e
o uso do cartão de crédito, aplicando-se-lhes, por analogia, “o Código de Defesa do
Consumidor, uma vez que é um instrumento para operacionalizar a concessão de
crédito pelo fornecedor ao consumidor. Urge que se providencie uma regulamentação especifica, contendo normas que visem proteger o usuário.”
Como se pode notar, sob qualquer dos três ângulos de abordagem do tema
sobressaem visões díspares a respeito de qual diretriz regulamentar deveria ser
adotada visando a harmonizar ou pelo menos minimizar os conflitos entre emissores
e titulares/usuários do sistema de cartões de crédito.
O próprio Banco Central do Brasil passa idéia dúbia sobre o papel que lhe
cabe em sede de regulação e fiscalização do setor, sobressaindo uma espécie de
sentimento público de que os consumidores 13 estariam desamparados, afinal não se
sabe, claramente, qual órgão do Estado teria o dever-poder de regular e fiscalizar a
indústria de cartões de crédito.
Uma coisa, porém, é fato: a indústria de cartões de pagamento tem merecido, nos últimos tempos, destacada atenção do Poder Legislativo 14 e de entidades da
sociedade civil organizada.
A explicação para esse fenômeno visando a enquadrar as “administradoras
de cartões de crédito” como instituição financeira repousa em duas constatações, a
saber:
i) o marco teórico, o Poder Judiciário e órgãos e entidades do Estado têm vi são desencontrada a respeito do enquadramento legal do negócio com cartão de
crédito; e
12
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol. 3, 6ª edição revista, ampliada e
atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva,
2006, p. 120.
O direito do consumidor visto sob a perspectiva macroeconômica, isto é, da organização, funciona mento e fiscalização da indústria de cartões.
13
A título ilustrativo: i) no Senado Federal: Projetos de Lei nºs 213, 538, 677, 678 (complementar) e
680, todos de 2007, de autoria do Senador Adelmir Santana; ii) na Câmara dos Deputados: Projetos
de Lei Complementar nºs 106, de 2007, de autoria da Comissão de Legislação Participativa, e 392,
de 2008, de autoria do Deputado Federal Vital do Rego Filho.
14
7
ii) o senso comum tem percepção dúbia a respeito da figura da “administradora de cartões de crédito”, ora associando-a aos proprietários (bandeiras) da marca
de determinado cartão, ora associando-a ao ente que se relaciona com o titular do
cartão (emissor) ou ora associando-a ao ente que se relaciona com o comercianteprestador de serviços (credenciador).
O interesse do autor pela pesquisa reside na esperança de poder trazer para
o debate público aspectos que têm passado ao largo das discussões doutrinárias, jurisprudências e legislativas (iniciativas) que envolvem o tema da indústria de cartões,
ressalvado que as opiniões constantes do documento são de exclusiva responsabili dade do autor e não refletem necessariamente as do Banco Central do Brasil.
Como objetivo geral pretende-se abordar as principais características da
plataforma de negócios que sustenta o cartão de crédito e sistematizar o debate das
correntes doutrinárias e jurisprudenciais que pregam a existência de duas categorias
de cartões de crédito: o cartão de crédito bancário e o cartão de crédito não bancário, categorização essa que tem sua centralidade na análise estanque das relações
jurídicas bilaterais entre os intervenientes da indústria.
É dizer, a investigação tentará averiguar se uma tal postura analítica seria
bastante para identificar se a indústria de cartões de crédito deveria submeter-se à
tutela reguladora e fiscalizadora das autoridades monetárias.
Como objetivo específico a pesquisa tem a pretensão de evidenciar que a
definição da natureza jurídica do emissor do cartão de crédito não deve ser extraída
a partir do predicado atribuído ao emissor (nomen juris), mas, contrariamente, da
atividade que exerça em caráter permanente e com abrangência universal.
Mais que isso, pretende-se demonstrar que o Conselho Monetário Nacional
é titular de capacidade normativa que lhe autoriza a dispor sobre a organização, o
funcionamento e a fiscalização da indústria de cartões, mesmo na ausência de norma primária e específica, lei em sentido formal.
Numa sentença: o trabalho tem por escopo demonstrar que o instituto do
cartão de crédito envolve matéria imbricada com a atividade bancária e que a regulação e a fiscalização da atividade poderiam ser materializadas pelas Autoridades
Monetárias sem nenhuma usurpação da competência institucional do legislador primário e, por conseguinte, de transgressão aos princípios da separação de poderes e
da legalidade.
8
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro é feito breve
apanhado histórico a respeito do surgimento e da evolução do cartão de crédito na
perspectiva de pontuar a mutação ocorrida com a entrada de novos participantes e
que possibilitou que o cartão de crédito revolucionasse o modo de relacionamento
comercial. O segundo capítulo enfoca a plataforma de negócio da indústria de cartões, a tipologia dos cartões de crédito, a organização da indústria sob o olhar dos
usuários finais e dos participantes diretos e a natureza das relações jurídicas bilaterais. O terceiro e o quatro capítulos retratam a razão de ser da investigação e caminham na perspectiva de contribuir para a ação do Estado na sua função reguladora
e fiscalizadora. Por fim, a conclusão, que constitui a síntese das principais idéias discutidas no trabalho.
9
1 BREVE HISTÓRIA
Expostas as grandes linhas da investigação inicia-se com breve história a
respeito do surgimento do cartão de crédito e a sua transmutação temporal, que
evoluiu de uma relação bilateral, elitizada e de utilização com cunho eminentemente
mercantil e restrita às grandes redes de negócios para uma dimensão trilateral ou
quadrilateral, a depender do arranjo da plataforma de negócio, de uso massivo e
aceito como instrumento de pagamento nacional e internacionalmente.
O recurso à contextualização histórica tem por objetivo exclusivamente evidenciar que o negócio com cartões de crédito sofreu mutação com a inserção de um
terceiro agente como intermediário entre o titular do cartão e os fornecedores de
bens ou serviços, isto é, a partir do momento em que o modelo organizacional se
desgarra da relação bilateral emissor/fornecedor de bens ou serviços e o titular do
cartão.
Em obra que explora diversos ângulos da indústria de cartões, MANAUT 15
faz interessante abordagem numa ligação do passado e do presente para mostrar o
surgimento e a evolução do cartão de crédito.
Sob a perspectiva histórica, o autor aponta os Estados Unidos da América
como sendo o berço do nascimento e institucionalização do hoje difundido e quase
indispensável cartão de crédito, destacando que quando surgiu no início do século
passado (1914) o cartão de crédito trazia ínsita função similar a uma carta de crédito, credenciando o seu portador a receber dinheiro ou adquirir determinados bens 16.
No período que medeia o início do século passado e a Segunda Guerra
Mundial, entrecortado pela grande depressão dos anos 30 e as restrições creditícias
próprias desses momentos de turbulências econômicas e beligerantes, o instrumento do cartão de crédito sofreu significativo encolhimento, a par de se caracterizar por
MANAUT, Charles Barutel. Las Tarjetas de Pago y Crédito. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, S.A.,
1997.
15
La tarjeta de crédito surge en los Estados Unidos de América (EE.UU.) a princípio de este siglo
como um instrumento cuja presentación permite aplazar obligaciones de pago en determinadas
transaciones. La exhibición de la tarjeta acreditará a su titular para disponer de bienes o servicios sin
entrega de dinero efectivo. Realiza así, em sentido econômico, uma función similar a la que efectuó
desde hace siglos la carta de crédito, para la entrega de dinero o de determinados bienes al
designado em la misma.
16
10
seu caráter eminentemente bilateral, logo limitado. São palavras textuais de MANAUT17:
Su empleo desciende durante la crise de 1929, com la restricción creditícia y
el aumento de la morosidad ocasionados por el desplome de La Bolsa de
Valores em octubre de esse año (Crack del 29). Sin embargo, a partir de
1932 com la nueva era presidencial marcada por Roosevelt, se relanzan las
tarjetas como um instrumento de promoción de las ventas empresariales. Y
em 1936 se inicia su extensión a outro tipo de emisores como las
compañías aéreas y las de ferrocarriles.
De nuevo decae su uso, esta vez a causa de la Segunda Guerra Mundial.
Las tarjetas llegan casi a desaparecer, debido a la enorme limitación del
acceso al crédito durante la economia de guerra, y como consecuencia de
las medidas restrictivas adoptadas por el gobierno de EE.UU.
Hasta esse momento, podemos considerar que nos encontramos en el
“primer pedaño de la etapa evolutiva” de la tarjeta de crédito, en el cual es
utilizada únicamente en el mercado estadounidense e práticamente
desconocida fuera de los EE. UU. Hasta ese momento tenía un simple
caráter bilateral, mediando el empresário que venda bienes o prestaba
servicios, el cual facilitaba también la financiación.
Esse caráter de bilateralidade apontado pelo autor denuncia, a rigor, que o
cartão de crédito nasceu sob o signo do que a literatura passou a denominar de cartão private label, isto é, aquela modalidade de cartão de crédito, que persiste até
hoje, emitido por empresas comerciais como instrumento de fidelização da clientela
e de uso restrito e exclusivo interna corporis.
Nessa modalidade de cartão de crédito, o fornecedor de bens abre ao cliente
preferencial um crédito fixo, não rotativo, e que propicia a ele, cliente, adquirir produtos e serviços exclusivamente naquele fornecedor, implicando dizer que o fornecedor autoriza o diferimento do pagamento das despesas feitas pelo cliente para uma
data futura, sem possibilidade de financiamento.
MARTINS18 identifica esse momento como a primeira etapa evolutiva do sistema de cartões de crédito, particularmente porque nada mais eram do que uma espécie de cartões de identificação de bons pagadores, distribuídos entre os clientes
das empresas com a finalidade de prender esses clientes às mesmas, facilitandolhes um pagamento posterior das compras feitas em determinado período.
Após a Segunda Guerra Mundial o cartão de crédito toma novo impulso a
ponto de se projetar para além-fronteira dos Estados Unidos da América, particular-
17
18
MANAUT, Charles Barutel, cit. pp. 26-27.
MARTINS, Fran. Cartões de Crédito:natureza jurídica, cit. p. 26.
11
mente por plagas do Velho Continente (Europa do Norte, Central, do Leste e do Sul)
e da América Latina19.
Essa projeção geográfica, por seu turno, impõe a busca de associações e o
alargamento do espectro de utilização do cartão de crédito, que adquire novas funcionalidades, desgarrando-se da embrionária relação bilateral e dando origem a arranjos empresariais que vão desaguar nas hoje conhecidas marcas internacionais American Express, MasterCard e Visa Internacional.
Nesse novo desenho, rotulada como segunda fase evolutiva dos cartões de
crédito, o papel de emissor do cartão de crédito ganha autonomia e passa a ser feito
por uma companhia especializada na emissão e administração do cartão de determinada marca, que, embora integrante da associação, se dissocia do fornecedor de
bens e serviços.
É dizer, o fornecedor de produtos ou serviços e o portador do cartão de crédito passam a se reportar, em termos financeiros, diretamente à companhia especializada na emissão e administração de cartões, mas ainda sem vínculo, pelo menos
direto, com as instituições financeiras. Cabe à novel companhia fixar o limite de crédito do portador, emitir o cartão, cobrar e receber as despesas e ressarcir os fornecedores de produtos ou serviços, apropriando-se de determinada taxa de administração.
Segundo MANAUT, o Diners Club teria sido a primeira empresa especializada na emissão de cartões (1951), seguindo-se a American Express Company (1958
20
), a Sears Card (1958), e a Carte Blanche (1959) da rede hoteleira Hilton e as prin-
cipais cadeias de fornecedores de produtos no atacado.
Com a inserção da companhia especializada na emissão e administração de
cartões, o sistema passou a contar, no dizer de MARTINS 21, com um intermediário
entre o comprador e o vendedor, percebendo essa empresa duas espécies de remuneração: a primeira, pertinente ao fornecimento de cartão, a cargo do titular do cartão e cobrada a cada renovação contratual, constituindo-se receita da intermediadoPara apanhado abrangente da evolução história, inclusive com dados estatísticos e por marca de
cartão, que não constitui objeto deste trabalho, recomenda-se MANAUT, Charles Barutel., ob. cit., Capítulo I, EVOLUCIÓN HISTÓRICA DE LAS TARJETAS.
19
Data de 1850 o surgimento da American Express como empresa especializada no transporte de
mercadorias, correspondências e valores e em 1891 iniciou a emissão de cheque de viaje. MANAUT,
p. 68.
20
21
Ob. cit. p. 102
12
ra; a segunda, uma comissão sobre as vendas pagas de acordo com percentagem
fixada pelo emissor e aceita pelo fornecedor de bens ou serviços, com o objetivo de
contrabalançar o risco da obrigação assumida pela companhia emissora.
Percebendo as potencialidades do mercado de cartões, a instituições bancárias, num interregno de varia entre autores 22, aderem ao sistema na condição de
emissores, administradores e garantidores de seus melhores clientes e aí a idéia original de criação de empresa com o objetivo assegurar exclusividade na emissão e
na administração de determinada marca de cartões é colocada em xeque.
De fato, segundo DRURY e FERRIER in Credit cards, citado por MANAUT23,
a National BankAmericard Incorporated (NBI) 24, de propriedade do Bank of America
da Califórnia, emissora do cartão de crédito bancário de maior aceitação (BankAmericard), “[...] intentó sin êxito prohibir a sus miembros, los bancos emisores de la
marca BankAmericard (después Visa), que pudieran adherirse a otros sistemas de
tarjetas. La batalla legal duró seis años, pero finalmente, em 1976, um Tribunal de
Arkansas declaró la prática de la NBI discriminatoria y atentatória a la libre
competencia.”
Por outro lado, a adesão dos bancos e a política agressiva de expansão do
sistema de pagamentos, com foco no uso massivo do cartão de crédito, desencadeiam processo similar ao que, por exemplo, se verifica no Brasil nos dias de hoje, isto
é, as instituições financeiras praticavam abusos do tipo: emitir cartões sem prévia
solicitação dos clientes, cobrar anuidade mesmo que o titular não o tivesse ativado,
etc., ensejando a intervenção das autoridades financeiras federais e decisões judici-
Segundo MANAUT, Charles Barutel., Las Tarjetas de Pago y Crédito, p. 29, a primeira instituição financeira a emitir cartão de crédito foi o Flatbush National Bank de Nova York (1947), denominado
Charge-it, porém os portadores eram clientes seu; o Franklin National Bank (1951) teria sido a primeira instituição financeira a admitir portadores de outras instituições financeiras.
22
23
Ob. cit. p. 30.
A NBI, predecessora da atual Visa e que congregava vários bancos, dá origem à organização internacional IANCO (1974), posteriormente denominada Visa Internacional (1977). A atual MasterCard,
por outro lado, surgiu, segundo MANAUT, p. 31, da fusão da originária California Bank Card Association (associação dos principais bancos da Califórnia, Wells Fargo Bank, United Carlifornia Bank, Bank
of California e Crocker Naticional Bank) e a confederação denominada Interbank Card Associatión
(1966), que congregava 17 bancos que tinham seus próprios sistemas de cartões.
24
13
ais dando razão aos clientes, mesmo se tivessem feito uso do cartão não solicitado.
25
A grande diferença nessa terceira etapa do processo evolutivo dos cartões
de crédito foi a possibilidade de concessão de crédito financeiro aos titulares dos
cartões, que não mais precisavam pagar o total do valor correspondente às suas
compras na data definida contratualmente, podendo fazer uso de uma linha de crédito. Cabe ressaltar, todavia, que mesmo essa inovação não impediu que os cartões
de crédito não bancários (private label) continuassem a se desenvolver. Prova disso
é que continuam a existir entidades emissoras de cartões de crédito que não exercem suas atividades em parceria com instituições financeiras.
O aspecto relevante dessa mutação da indústria de cartões de pagamento
consiste num processo paulatino e contínuo de desmaterialização, abstração e substituição da moeda genericamente considerada na sua tríplice função: intermediária
das operações comerciais, instrumento de aferição e medição de valores e instrumento que possibilita a liquidação de obrigações. Assim, o próprio papel-moeda, os
cheques e as letras de câmbio parecem coisas de um passado cada vez mais distante.
Daí porque não mais causa espanto encontrar placas com dizeres do tipo:
“Este estabelecimento não aceita pagamento com cheque.” Como pontua LACERDA
FILHO26, “A utilidade da confiança é tanta como a desconfiança de um vendedor
com relação à pessoa de um comprador ... O cartão de crédito dissocia esses elementos ao assumir o lugar da confiança e essa pode, então, em certo modo, substituir o dinheiro e não o contrário.”
O cartão de crédito penetra no Brasil no início da década de 50 (1956), atri buindo-se a iniciativa ao empresário tcheco Hanus Tauber que teria adquirido a franquia do Diners Club nos Estados Unidos e se associado ao empresário brasileiro
Horácio Klabin.
Diz MANAUT, p. 29: “Para fomentar más esa expansión del sistema de pago, a mediados de los
años sesenta, los bancos americanos utilizaram la técnica de remitir tarjetas a clientes sin su previa
solicitud, de forma que lãs autoridades financeiras federales tuvieron que intervenir para cortar esta
prática. Hubo abuso de los bancos y críticas de los clientes, que incluso se negaram a aceptar los
cargos por no Haber solicitado La tarjeta. Y los tri bunales les deron La razón, fallando que si la tarjeta
no había sido solicitada por El cliente, no procedia El cargo em cuenta, a pesar de haberse utilizado
aquélla.”
25
26
LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de Crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p. 22.
14
Com a saída da Família Klabin da associação, o Banco Sul Brasileiro S/A
entrou no circuito associativo, mas tal relação se alterou com a intervenção no banco
sulista e a sua transformação no Banco Meridional resultou na negociação do título
para a Credicard S/A – Administradora de Cartões de Crédito.
Na seqüência, segundo registro de LACERDA FILHO 27, surgiram o Cartão
Nacional do Banco Nacional S/A, o Cartão Elo (Bradesco), associado ao sistema
Bankamericard, o Cartão Passaporte, associado ao sistema Interbank, sucedido
pela atual MasterCard, o American Express e o Ourocard, do Banco do Brasil S/A,
associado ao sistema Visa.
Atualmente no Brasil, afora os cartões emitidos na modalidade private label
(cartões de empresas), existem as seguintes principais marcas (bandeiras) de cartões de pagamentos: Visa, MasterCard, Cheque Eletrônico, American Express, Aura,
Hipercard e Diners, além de outras de menor penetração no mercado.
27
Ob. cit. p. 41.
15
2 A PLATAFORMA DE NEGÓCIO DO CARTÃO DE CRÉDITO
Atribui-se parcela das divergências doutrinárias, jurisprudenciais e dispersão
de política pública à ausência de conhecimento ou de perquirição sobre a gênese or ganizacional da indústria de cartões de crédito.
As abordagens são sempre pontuais e tentam descortinar determinada relação jurídica sem vislumbrar o modelo organizacional no seu conjunto 28.
Primeiro é preciso ter presente que o sistema de cartões de crédito existe
em função de dois atores principais: o titular e o fornecedor de bens ou prestador de
serviços; sem eles, por óbvio, o sistema não subsiste. É que o consumidor desempenha o papel principal dentro do enredo econômico, sendo o protagonista da realidade e das soluções.
Daí se pode deduzir que o sistema de cartões de crédito, nos moldes atualmente conhecidos, se estruturou sob dupla face, que reciprocamente se imbricam e
são interdependentes, com desdobramentos econômicos e jurídicos próprios, desvencilhando-se do tradicional modelo bilateral de negócio.
Isso porque um terceiro ou mais atores se interpõem no circuito econômicojurídico criando novas relações jurídicas e obrigacionais.
A literatura econômica, mas não a jurídica, já se deu conta de que o negócio
com cartões de pagamento é autocondicionado, significando dizer que o sucesso da
indústria depende do equilíbrio das relações quer sob a perspectiva do titular (lado
da demanda) quer sob a ótica do fornecedor de bens ou serviços (lado da oferta).
O recém-divulgado Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos,
trabalho conjunto desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, pela Secretaria de
Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e pela Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça, analisa, com base em vasta literatura econômica internacional, a natureza singular do mercado de dois lados (M2L) que caracteriA bem da verdade o recém divulgado Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra
conjunta do Banco Central do Brasil (Bacen), da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)
do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, dispo nível em: http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf, embora ainda tímido na questão do
enquadramento legal, pelo menos evidencia que a indústria de cartões de pagamentos merece aten ção do Estado na sua função indutora da economia, ante a evidência de importantes falhas de merca do atribuíveis à atual configuração estrutural (falta de contestabilidade, de interoperabilidade na pres tação de serviço de rede, de transparência na definição da tarifa de intercâmbio, da taxa de desconto
e da tarifa do titular do cartão e poder de mercado dos credenciadores) e que infirmam a autodisciplina do mercado, p. 150.
28
16
za a indústria de cartões de pagamento e a imperiosa necessidade de equilíbrio des se mercado sob o olhar regulamentar, concorrencial e negocial. 29
A singularidade do mercado de dois lados (M2L) reside no objetivo da plataforma de negócio da indústria de cartões de atrair (conectar) o interesse de dois usuários finais: os titulares de cartões e os estabelecimentos filiados, ou seja, a plataforma deve ser capaz de atrair muitos estabelecimentos e muitos titulares, sob pena de
o esquema perder sentido e não se auto-sustentar.
Em segundo plano, é imperioso descortinar as relações bilaterais que nas cem da operação com cartão de crédito com o olhar na unidade complexa, atípica 30
e sui generis da estrutura da indústria (arranjos jurídicos e econômicos) e não simplesmente como relações jurídicas estanques e autodeterminantes ou autônomas,
pois, insista-se, o conjunto das relações é que faz a diferença e justifica cada uma
isoladamente.
O tronco comum da estrutura criada com a indústria de cartões de pagamento repousa na figura central do emissor do cartão e a partir dele todas as demais
relações (jurídicas e econômicas) se justificam, independentemente de a formação
basear-se no modelo de três ou quatro partes.
É dizer, nenhum estudo será suficientemente lúcido e apto a conduzir a resultados condizentes com as exigências da vida contemporânea na sua complexidade e busca de inovação, enquanto se mantiver na visão interna e estanque das relações bilaterais individualmente consideradas 31.
Noutros termos, é preciso considerar os modos de conexão dos valores jurídicos e econômicos imbricados na formação da indústria de cartões de pagamento,
Para melhor entendimento sobre os aspectos econômicos do M2L, vide Relatório sobre a Indústria
de Cartões de Pagamentos, cit., pp. 33-41, e FREITAS, Paulo Spring de. Mercado de Cartões de
Crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidade de aperfeiçoamento, Consultoria de Estudos do Senado, Texto para discussão nº 37, Brasília: dezembro de 2007, disponível em http://www.senado.gov.br/conleg/textos_discussao/textoParaDiscussao37paulospringer.pdf, acesso em 14 de
maio de 2009.
29
30
A atipicidade dos contratos bilaterais decorre da ausência de regulação específica.
LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de Crédito, cit. p. 99, entende que “o cartão de crédito
configura em si mesmo um sistema operativo, constituído por diversas relações jurídicas cuja unidade se alcança e se consuma na finalidade comum do instituto, muito difícil de enquadrar-se em uma
única natureza ou identidade jurídica. As várias correntes focalizadas e que não estão esgotadas em
seu rol, como vimos, explicam essa ou aquela particularidade do cartão, distinguindo as relações que
o instituto propicia no seu aspecto trilateral já exposto, mas não são capazes de enquadrá-lo como
um todo harmônico. ... O cartão de crédito como instituto, implica, portanto, na configuração de um
sistema jurídico operacional conformado pela unidade ou complementação de diversas relações jurídicas independentes, que se integram na busca de uma finalidade que, representando os interesses
multifacetados dos intervenientes, é comum a todos eles.”
31
17
saindo dos padrões geralmente empregados pelos especialistas do direito que muitas vezes se contentam em edificar isoladamente suas colunas de valores, omitindo
ou ignorando a observação, não muito longe e umbilicalmente atrelada, daqueles estudiosos dos fenômenos econômicos.
2.1 A organização da indústria de cartões
A indústria de cartões de crédito, de modo geral, congrega quatro ou cinco
participantes, dos quais três são participantes diretos da indústria e dois usuários finais. A literatura denomina o arranjo de três partes como modelo fechado, enquanto
a organização com quatro partes de modelo aberto. A diferença entre um e outro arranjo reside no fato de que no modelo fechado as atividades de emissão de cartão e
de credenciamento dos fornecedores de bens ou de serviços são realizadas por um
único agente, o próprio emissor.
No Brasil a Visa e a MasterCard estão estruturalmente organizadas como
modelo aberto (bandeira, emissor, credenciador, titular e fornecedor), enquanto a
American Express, o Diners e o Hipercard retratam estruturas de um modelo fechado (bandeira, emissor/credenciador, titular e fornecedor). O diagrama a seguir mostra o funcionamento do modelo aberto:
Proprietário do esquema
Emissores
Banco
Emissor
Credenciadores
Credenciador
Comprador
Comprador
Vendedor
Vendedor
Encarados sob a perspectiva de interesses, seriam participantes diretos da
indústria: a bandeira, empresa proprietária e cedente da marca, que define as regras de funcionamento do negócio; o emissor, cessionário da marca, responsável
18
pela emissão do cartão e pelo relacionamento com o titular no que se refere à habilitação, à identificação e autorização, à fixação de limite de crédito e dos encargos financeiros, à cobrança da fatura e à definição de programas de benefícios; o credenciador, entidade responsável pelo credenciamento de fornecedores de bens ou de
serviços, que, no caso do modelo fechado é exercido pelo próprio emissor. O titular
do cartão e o fornecedor de bens ou de serviços formam o par de usuários finais
(demanda).
Os participantes diretos, por óbvio, se estruturam com o objetivo de atrair os
dois usuários finais: o titular do cartão e o fornecedor de bens ou prestador de serviços. Sem eles a engrenagem não se justifica, nem jurídica, nem economicamente.
E é por causa desses dois usuários finais (titular do cartão e fornecedor de
bens e serviços) que surge a singularidade do mercado de dois lados (M2L) da in dústria de cartões, a reclamar análise integrada, contextual e conseqüente de cada
uma das relações bilaterais (emissor/titular; emissor/fornecedor; titular/fornecedor),
porém com foco nas ramificações de cada uma per se com a figura central do modelo, isto é, no emissor, particularmente porque a indústria de cartões se caracteriza
pela interação, interdependência e existência de externalidades positivas de rede 32
entre os dois lados do mercado (oferta e demanda).
Essa característica da indústria de cartões de pagamentos, que reflete apenas o aspecto econômico do problema, tem implicações relevantes em termos de
formulação de políticas públicas (regulação), implicando dizer que os dois lados do
mercado devem ser analisados de forma conjunta, sob pena de eventual desequilíbrio regulamentar comprometer o próprio funcionamento da indústria de cartões.
2.2 Os tipos de cartões de crédito em função do emissor
Em termos amplos é possível classificar os cartões de pagamentos, modalidade crédito, em duas categorias: os cartões de crédito não bancários e os cartões
de crédito bancários, classificação essa que se atém à origem das entidades emissoras do cartão.
Segundo Roson (2005) apud Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra conjunta
Bacen/SEAE/SDE, Brasília, 2009, p. 18, externalidade positiva de rede ocorre quando a utilidade de
um consumidor (produtor) em um mercado depende do consumo (produção) do mesmo produto ou
serviço fornecido por outros agentes.
32
19
Por cartão de crédito não bancário se deve entender aquele grupo de cartões emitidos diretamente pelos fornecedores de bens ou serviços. Trata-se daquela categoria conceituada como private label e que retrata o modus operandi do
cartão de crédito na sua origem, qual seja a bilateralidade da relação entre o titular e
o emissor do cartão/fornecedor de bens ou serviços, a desnudar a natureza tipicamente mercantil do negócio.
A princípio pode-se enquadrar na mesma categoria os cartões emitidos e administrados por empresa especializada no interesse de grupo de fornecedores de
bens ou serviços para uso exclusivo de seus clientes, desde que inexista a possibilidade de parcelamento das despesas realizadas pelo titular num determinado período de tempo, mas, ver-se-á, na prática é algo meio impossível de suceder.
Por outro lado, deve-se entender por cartão de crédito bancário os cartões
emitidos por instituição financeira em sentido amplo, isto é, não somente instituição
financeira de natureza bancária, espécie da qual aquela é gênero, mas, também,
as empresas instituídas com o propósito específico, permanente, de emitir e administrar cartões de crédito nos moldes discutidos na literatura, pertençam ou não os
emissores a conglomerados financeiros.
Não há como negar, no entanto, que é tênue a linha divisória entre uma e
outra modalidade de cartões de crédito, sendo certo que pelo menos para fins de es clarecimento público o Banco Central do Brasil passa a idéia de que se o ente não
carregar o predicado (nomen juris) instituição financeira, não se sujeita às regras do
sistema financeiro nacional.
A dificuldade de enquadramento decorre do fato de que tanto o cartão de
crédito não bancário quanto o cartão de crédito bancário trazem implícita a idéia do
crédito diferido, ou melhor, permitem que o titular pague as despesas realizadas
em determinado período em prazo futuro, geralmente um mês, sem incidência de
nenhum ônus financeiro (juros).
E nesse ponto é imperioso distinguir o crédito em sentido amplo do crédito em sentido estrito. O crédito em sentido amplo traduz a confiança que uma pessoa, física ou jurídica, deposita em outra quanto ao cumprimento de uma obrigação
assumida pela segunda. Daí dizer-se na linguagem coloquial que “crédito é
dinheiro”.
20
Já o crédito em sentido estrito 33, significa que uma pessoa coloca à disposição de outra certa soma em dinheiro e que geralmente se aperfeiçoa por intermédio
de contrato de mútuo ou abre linha de crédito que possibilita ao credor interagir com
o mercado de consumo e adquirir bens e serviços, a exemplo do cartão de crédito.
Note-se, porém, que o fator crédito (confiança) antecede o mútuo, ou seja, esse
nada mais é do que a conseqüência do crédito aberto pela pessoa que confiou em
outrem.
A segunda dificuldade reside na constatação de que os emissores de cartões não bancários passaram a firmar parcerias com instituições financeiras com o
objetivo de terceirizar o serviço de cobrança (ou agregaram a figura da cláusulamandato) e dessa interação surge a possibilidade de financiamento aos titulares que
eventualmente não tenham condições de pagar a fatura integralmente no vencimento, numa operação que se desgarra do desenho original dessa modalidade de
cartão, qual seja a obrigatoriedade do titular do cartão liquidar integralmente o débito
constante da fatura de despesas, o que permite especular a respeito de uma catego ria intermediária34. A criatividade e a inovação operacional próprias das instituições
financeiras falam mais alto e novas possibilidades negociais se abrem, particularmente quando o convênio entre a instituição financeira e o emissor do cartão não
bancário incorpora a cobrança via débito na conta corrente do titular do cartão junto
à própria instituição financeira.
Na ocorrência do fenômeno da concessão de crédito, porém, a operação cai
na vala comum de atividade privativa de instituição financeira. É o que será demonstrado mais adiante.
MANAUT, Charles Barutel, Las Tarjetas de Pago y Crédito, cit. p. 119, ensina que ‘Las tarjetas de
crédito strictu sensu (pues el término es empleado también como género), son aquellas que permitem
dispor de un límite de crédito determinado en el contrato. Están vinculadas a una línea de crédito
otorgada por ele emisor, que permite al titular efectuar compras a plazos. La devolución del crédito se
efectuará mediante cargos convenidos en una cuenta bancaria, o de otra forma acordada con el
emisor.’
33
LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 47, classifica como intermediários os
cartões “quando, não obstante privativos de lojas ou magazines, funcionam acoplados a uma empre sa de financiamento, própria ou não.”
34
21
2.3 As partes intervenientes35
Linhas atrás restou enfatizado que o arranjo organizacional da indústria de
cartões, pelo fato de reunir idiossincrasias próprias do que a literatura econômica
identifica como mercado de dois lados (M2L), precisa ser estudado como resultante
de um conjunto de relações bilaterais com foco no tronco comum do modelo: o emis sor do cartão36.
Isso porque o modelo de negócio precisa propiciar um mínimo de equilibro
que possibilite atrair e conciliar interesses aparentemente antagônicos dos dois usuários finais do cartão de crédito, isto é, do titular e do fornecedor de bens ou de serviços.
As principais obras disponíveis no Brasil a analisar em profundidade as relações jurídicas bilaterais que surgem do negócio com cartão de crédito são de autoria
de FRAN MARTINS (1976) e FAUSTO PEREIRA DE LACERDA FILHO (1990).
Embora publicadas numa época em que instrumento cartão de crédito ainda
era um produto elitizado no Brasil, são obras que se mantém atuais, desde que o
instituto seja interpretado em coerência com a Constituição Federal e com as mudanças advindas com o novo Código Civil e com o Código de Defesa do Consumi dor.
Tendo como ponto de referência o emissor, pode-se dizer que o negócio jurídico que movimenta o cartão de crédito se consubstancia, em regra, por três contratos bilaterais, autônomos, típicos, porém interdependentes entre si, haja vista que,
sob a ótica da circulação de bens e serviços, a inércia de um dos usuários finais (ti tular ou fornecedor de bens e de serviços) frustra o empreendimento.
As relações jurídicas emergentes da forma mais usual do sistema são entre:
o emissor e o titular do cartão; o emissor e o fornecedor de bens ou de serviços; o ti tular do cartão de crédito e o fornecedor de bens ou de serviços.
O presente trabalho não tem por escopo discutir a natureza jurídica das relações bilaterais per se,
razão por que para eventual aprofundamento ver, dentre outras, as seguintes obras citadas: LACER DA FILHO, Fausto Pereira, Cartões de Crédito; MANAUT, Charles Barutel, Las tarjetas de pago y
crédito; e MARTINS, Fran, Cartões de crédito: natureza jurídica.
35
No dizer de LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartões de Crédito, cit. p. 58, “O instituto do cartão
de crédito, que a maioria dos autores concorda em qualificar como complexo, não obstante essa primeira imagem, produz uma clara coordenação das relações das partes que nele intervém, integrando-as em sua própria finalidade e, também, ao vértice do sistema, que é a entidade emissora. Essa
parte é o único interveniente nas relações que o instituto cria que, de modo geral é singular.”
36
22
A relação entre o emissor e o titular, de caráter duradouro, cria dentro da estrutura multiforme da indústria uma série de direitos e obrigações regulados pelas
cláusulas do contrato de adesão e pelo Código de Defesa do Consumidor, podendose destacar a concessão de crédito rotativo, previamente definido e aprovado, em
favor do titular e a garantia do emissor37 de que pagará as despesas que o titular realizar junto aos estabelecimentos comerciais filiados ao sistema. O cartão de crédito
é utilizado pelo titular como meio de pagamento, liberando-o, sob a ótica da relação
estritamente financeira, de qualquer obrigação junto aos fornecedores de bens ou de
serviços aderidos ao sistema.
Comparativamente aos demais instrumentos de pagamentos, isto é, uso do
papel-moeda e cheque, o cartão de crédito reúne os atributos de praticidade, rapidez
e segurança e menor custo38 para os titulares (consumidores). A praticidade e a rapidez estão associadas à portabilidade do instrumento e o acesso, sem burocracia de
cadastro, avaliação de riscos, idoneidade do portador, ao mercado de produtos e
serviços. A segurança vincula-se à própria substitutibilidade entre o cartão de crédito
e os outros instrumentos de pagamento, minimizando os efeitos de fraudes e roubo
associados ao manuseio do instrumento.
A par das vantagens de ordem prática, o cartão de crédito proporciona ao titular, via crédito diferido, potencial disponibilização de recursos sem a incidência de
custo do dinheiro pelo período que medeia entre a aquisição de bens e serviços e o
vencimento da fatura.
Da interação entre o emissor e o fornecedor de bens ou de serviços nasce
outra gama de direitos e obrigações, cabendo destacar a obrigação do estabeleci mento filiado de aceitar o cartão de crédito como meio de pagamento e do emissor
de garantir o pagamento das despesas realizadas pelo titular. Dito de outra forma, o
emissor assume os riscos de insolvência do titular pelos gastos realizados com o
cartão de crédito.
No modelo aberto, no qual o serviço de credenciamento é realizado por entidade autônoma, diferente do emissor, e.g., Visanet e Redecard, o emissor se responsabiliza perante o Credenciador que
paga aos estabelecimentos filiados.
37
Estudo realizado pelo Banco Central do Brasil indica que os instrumentos de pagamento eletrônico
são mais baratos que os não-eletrônicos (papel-moeda, cheque, etc.) e os resultados obtidos mostram que o uso intensivo de meios de pagamento eletrônicos geraria ganho social de aproximadamente 0,7% do PIB brasileiro de 2005. Vide a propósito Custo e Eficiência na Utilização de Instrumentos de Pagamento de Varejo, julho de 2007, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/Nota%20T%E9cnica%20-%20Custo%20Eficiencia.pdf.
38
23
O instituto do cartão de crédito, de igual forma, traz benefícios para os estabelecimentos filiados ao sistema na medida em que potencialmente amplia o mercado consumidor com a possibilidade de venda a prazo diferido, possibilita a redução
de custos operacionais em face da desnecessidade de manter departamentos de
análise de crédito próprios, de cadastro e de cobrança, a par de diminuir os riscos de
crédito e de liquidez dos consumidores, presente que o emissor responde pela obrigação do titular do cartão (garantia), e de reduzir os riscos por conta de cheques
sem fundo, notas falsas, roubo de numerário.
Do ponto de vista da prestação de serviço, LACERDA FILHO 39 vislumbra
que a relação entre emissor e o fornecedor de bens ou de serviços “poderia ser estudada, em certos aspectos, pelas disposições disciplinadoras da estipulação em
favor de terceiro.” e nesse ponto diverge de MARTINS 40 que entende que se trata
de cessão de crédito futuro.
A divergência aberta por LACERDA FILHO aponta no sentido de que não se
poderia conceber uma cessão de crédito com base num negócio que não houve, afinal o “Código Civil, com efeito, diz que ‘o credor pode ceder o seu crédito’. Ora, se
não houve negócio, não há crédito e, por conseguinte, não pode haver sua cessão.”
Embora a análise de ambos os autores tenha por base o Código Civil de
1916, razão assiste a MARTINS. A questão é meramente temporal, ou seja, a eficácia da cessão de crédito, no particular, é dependente de uma condição futura, qual
seja a ativação do cartão de crédito pelo titular junto a rede de estabelecimentos filiados.
De fato, no tratamento que dispensa ao art. 295 do Código Civil, LOTUFO
distingue crédito futuro, expectativa de direito e crédito inexistente para afirmar que
a expectativa é a situação em que existe na esfera jurídica do cedente, e a cessão
compreende a posição que poderá transformar-se num direito de tal natureza. Sustenta, pois, no que tange ao crédito futuro, que a transferência da situação jurídica
39
LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 68.
MARTINS, Fran, Cartões de crédito: natureza jurídica, cit. pp. 119-128. DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, v. 3, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 111, também entende
que pelo contrato de filiação “O fornecedor, ao firmar o contrato com o emissor, abrirá uma conta em
seu favor, para que nela se creditem todas as quantias que lhe forem pagas e se debitem as comissões devidas. Nas relações entre o emissor e fornecedor haverá uma prestação de serviços,
pois o emissor angariará fregueses em favor do fornecedor, e uma promessa de cessão de crédito,
aceita pelo emissor”
40
24
não se opera desde logo, pois esse efeito só se produzirá se e quando o crédito for
existente no âmbito do cedente.41‾42
Por fim, a relação entre o titular e o fornecedor de bens ou de serviços. Trata-se de relação jurídica eventual e espontânea que tem o mérito de ativar o sistema
e fechar o circuito no tronco comum do sistema, o emissor. Dessa interação nascem
direitos e obrigações dissociados do pagamento, ligando-os segundo características
próprias e a natureza de cada operação entre eles realizada.
Surgem, na espécie, relações de índole eminentemente consumeristas naquilo que concerne à qualidade, quantidade ou vício do produto ou serviço e amparadas na celebração de contratos de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços. De fato, pelos vícios e defeitos no fornecimento de bens ou na pres tação de serviços responde o fornecedor perante o titular do cartão de crédito, pontuado ARNALDO RIZZARDO:
Mas diferente é a situação do comprador. Não se lhe permite a reclamação
contra o banco ou agente emissor. Cumpre-lhe pagar, nos prazos estabelecidos, as quantias que este desembolsou, sem qualquer responsabilidade
pelos defeitos. O banco ou emissor nenhuma vinculação firmou quanto à
qualidade ou quantidade dos produtos. Sua obrigação é pagar até o limite
convencionado, contra a apresentação das faturas.
(...)
Se, no entanto, os bens contiverem defeitos, o usuário do cartão não ficará
sem o respaldo do direito. Compete-lhe agir contra o vendedor, a fim de res sarcir-se dos prejuízos, ou mesmo anular a transação. 43
O aspecto relevante a descortinar é que o cartão de crédito configura um sistema jurídico operacional, complexo, conformado pela unidade ou complementação
de diversas relações jurídicas bilaterais, mas que se integram na busca de uma finalidade comum e representativa dos interesses multifacetados dos intervenientes.
LOTUFO, Renan, apud Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, Coordenador Cezar Peluso, 2ª ed. rev. e atual. Barueri, SP: Saraiva, Manole, 2008, p. 298.
41
SILVA, Orlando. Contratos, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 475, entende que haveria
sub-rogação de crédito, enquanto SANTOS, Marília Benevides. Cartão de Crédito nos Dias Atuais, 2ª
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 77, 90/91, considera que haveria sub-rogação. Diz Marília:
“Diante dessas obrigações, a doutrina tem perquirido sobre a natureza do contrato de filiação que
constitui o emissor devedor do fornecedor e credor do titular. (...). Diante de todas as teorias apresentadas: estipulação em favor de terceiro, mobilização de dívidas, sub-rogação convencional, comissão
mercantil, mandato, cessão de crédito, assunção de dívidas e negócio jurídica complexo, pode-se
concluir que as mais plausíveis seriam a assunção de dívidas, apresentada pelo eminente Desembargador Joaquim Antônio Penalva Santos, e o negócio jurídico complexo, apontado pelo autor
Fausto Pereira de Lacerda Filho.”
42
43
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.1003.
25
A engenhosidade do instituto do cartão de pagamento nas suas diversas
conformações (crédito, débito, e-money, etc.) vem ao encontro da incessante busca
do ser humano por simplificação, comodidade e segurança nas relações mercantis.
Trata-se, pois, de sistema cujas bases são eminentemente econômicas e
que se destina a incrementar o desenvolvimento da produção, do crédito e do consumo.
26
3 A EMISSÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E A ATIVIDADE
FINANCEIRA
Há uma segunda área de atuação do Banco Central que também contribui para o desenvolvimento do País: zelar por uma
intermediação financeira eficiente e segura. Numa economia de
mercado cumpre ao sistema financeiro estimular a poupança e
canalizá-la de forma eficiente para as melhores oportunidades
de investimento.
O trabalho do Banco Central, nessa área, é complementar aos
esforços da CVM e da Susep e abarca desde os aspectos defensivos da supervisão prudencial e da proteção ao consumidor, até os aspectos institucionais necessários ao desenvolvimento de mercados como os de crédito habitacional e agrícola.
Armínio Fraga Neto44
O marco teórico faz distinção entre o cartão de crédito bancário e o cartão
de crédito não bancário tomando por elemento divisor o predicado atribuído ao
emissor, isto é, trazer ou não o título de instituição financeira.
Nesse sentido, LACERDA FILHO45 classifica os cartões de crédito, tendo por
referencial “A origem ou a natureza jurídica das entidades emissoras ou operadoras dos cartões”, em: 1. cartões bancários, quando a entidade emissora é um
banco ou uma instituição financeira, considerada autonomamente ou em associação
com outros bancos ou empresas congêneres; 2. cartões não-bancários, quando
emitidos por empresas ou instituições estranhas ao mercado financeiro ou de capitais, (por exemplo, Mesbla, Hermes Macedo, Muricy, etc..) ou rede de lojas especializadas, (H. Stern), que não dependem de instituições financeiras para a concessão
de financiamento aos seus clientes. Algumas dessas, inclusive, dispõem de suas financeiras próprias, embora o grosso de seus negócios seja concentrado nas vendas; 3. cartões intermediários, quando, não obstante privativos de lojas ou magazines, funcionam acoplados a uma empresa de financiamento, própria ou não. (destaques do original)
MARTINS46 reforça a idéia de cisão entre os tipos de cartão afirmando que
embora, “[...] em regra, os contratos relativos à mobilização do crédito são da área
FRAGA NETO, Armínio. O papel do Banco Central no século XXI, apud WALD, Arnoldo. Revista do
Direito do Estado, Rio de Janeiro: Renovar, nº 6, pp. 300-308, abr.-jun./2007.
44
45
LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 47.
46
MARTINS, Fran. Cartões de crédito: natureza jurídica, cit. pp. 91 e 139.
27
do direito bancário (Lei nº 4.595, de 1965, arts. 17 e 18), não quer isso dizer que todas as operações de créditos só possam ser realizadas por instituição financeira. Os
estabelecimentos comerciais vendem a crédito, mesmo com pagamentos parcelados, sem ser instituições financeiras.”
No fundo o autor sustenta que o crédito em sentido amplo não pressupõe
disponibilizar certa quantia de dinheiro ao titular do cartão de crédito (mútuo), retratando apenas o elemento confiança, próprios da atividade comercial.
HUMBERTO THEODORO et al advoga que “O cartão de crédito não pode
ser confundido com mera abertura de crédito bancário, onde há um empréstimo de
dinheiro ao titular. Na verdade, no cartão de crédito há uma concessão de crédito.”47
Sem dúvida que o conhecido adágio popular “Quem tem crédito na praça
tem dinheiro no bolso” não implica, necessária e obrigatoriamente, avançar na atividade privativa de instituição financeira.
O aspecto relevante para fins de análise do cartão de crédito não bancário,
não enquadrável no conceito private label, contudo, reside no fato de que o modelo
que se discute para traçar as diversas relações jurídicas alberga um terceiro personagem –o emissor– que se interpõe entre o titular do cartão e o fornecedor de bens
ou serviços e assume a obrigação perante esse de honrar as despesas realizadas
pelo titular do cartão.
Mais que isso, exerce a atividade de forma habitual, profissional e com fins
lucrativos, tipificada como prestação de serviços nos exatos termos do § 2º do art. 3º
do Código de Defesa do Consumidor, isto é, “Serviço é qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (...).”
É, a todo sentir e sob a ótica econômica, uma atividade de intermediação,
mormente porque ele, emissor, se dispõe a financiar, ainda que pela via transversa
da cláusula-mandato, as despesas realizadas pelo titular do cartão. Implica dizer
que, se a entidade emissora depende da captação de recursos junto ao mercado financeiro para viabilizar o próprio negócio, descabe afastar a prática de atividade
própria do sistema financeiro.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória
Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Con sumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-junho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.
47
28
Mesmo admitindo a hipótese de que as despesas constantes da fatura sejam integralmente liquidadas no prazo do diferimento, logo sem nenhum tipo de par celamento por parte do emissor e sem cobrança de encargos, ainda assim não é
possível afastar, in totum, o exercício de atividade subordinada às regras próprias do
direito bancário.
Primeiro porque a atividade de emissão e administração de cartões incorpora garantia de dupla face, seja pelo fato de deferir ao titular do cartão de crédito um
limite de crédito rotativo, seja porque assegura o pagamento (aquisição de crédito)
das despesas realizadas pelo titular do cartão perante os fornecedores de bens ou
de serviços filiados ao sistema.
Segundo porque não há vinculação ou condicionalidade entre o pagamento
da obrigação ao fornecedor de bens ou serviços e o correspondente recebimento do
titular do cartão.
Terceiro porque a posição credora dos estabelecimentos filiados decorrente
do fornecimento de bens ou da prestação de serviços é transferida ao emissor em
caráter pro soluto, ou seja, ele, emissor, assume o risco da insolvência do titular do
cartão.
Ora, se no mundo dos fatos a transação assim se passa e a atuação do
emissor “não bancário” é massificada, logo não é um ato isolado, implica dizer que
mesmo na ausência de parcelamento do débito contraído com o cartão de crédito o emissor estará, por algum lapso temporal, efetivamente financiando o titular do cartão.
Não sendo o emissor o próprio fornecedor de bens ou serviços, mas um terceiro que tem na atividade de emissão, que é o centro irradiador do instituto do cartão de crédito, o lucro econômico, a habitualidade e o exercício profissional como ve tores do negócio, é irrelevante a singularidade do diferimento do pagamento (crédito
em sentido amplo), comum a qualquer dos modelos, como justificativa bastante para
afastar a atividade de intermediação financeira.
A atividade de intermediação pelo emissor restará caracterizada em razão
de exercê-la em caráter permanente, de não empregar recursos/capitais próprios e
de figurar na dupla função de garante –do titular do cartão e obrigado junto aos estabelecimentos filiados pelas despesas realizadas pelo titular do cartão– e na circuns-
29
tância de que o cumprimento da obrigação independe de qualquer condição associada à solvência do titular do cartão.
A posição de centralidade assumida pelo emissor, razão de ser da engrenagem jurídico-operacional do instituto do cartão, provoca mutação qualitativa na ativi dade desenvolvida, haja vista que não é ela, atividade de intermediação, exercida
em caráter singular, esporádica, mas com escopo profissional, habitual e com espírito de lucro.
3.1 A natureza financeira da atividade do Cartão de Crédito
Uma indagação desde logo se impõe: é possível identificar no negócio com
cartão de crédito atividade bancária típica?
Como é sabido, as operações bancárias podem ser classificadas como típicas e acessórias, razão por que o art. 17 da Lei nº 4.595, de 1964, conceitua como
instituição financeira toda pessoa jurídica, pública ou privada, que exerça, em caráter principal ou acessório, as atividades de captação, intermediação ou aplicação de
recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a
custódia de valor de propriedade de terceiros.
As operações típicas são aquelas que implicam a intermediação de crédito e
consistem em transferência de moeda (circulação monetária) ou de crédito, tendo
por elementos de sustentação a confiança e a administração de riscos.
As operações bancárias típicas, portanto, são capazes de gerar impactos
não desprezíveis na política monetária e econômica do País.
As operações acessórias, por seu turno, podem ser definidas como verdadeiras prestações de serviço (custódia de valores, cobrança de títulos, aluguel de
cofre, negócio em bolsa de valores, etc.), logo são atividades de natureza não-financeira, sem vinculação com a política monetária, haja vista que não possibilitam nem
a concessão de crédito e nem a captação de recursos.
Para GALENO LACERDA48 “[...] a atividade bancária se desdobra em duas
categorias distintas: uma, a principal, consistente em operações, e outra, secundária, caracterizada pela prestação de serviço. As operações têm por objeto o dinheiro,
LACERDA, Galeno. Direito Comercial, Obrigações e Contratos, vol. III. Rio de Janeiro: Forense, p.
14.
48
30
ou créditos que se traduzem em dinheiro; os serviços, ao contrário, atendem a interesses acessórios do cliente, como cofres de aluguel, cobrança de títulos etc.” (destacou-se)
CARLOS COVELLO49, abordando a questão mais amiúde sustenta:
A classificação tradicional e, ao mesmo tempo, mais acolhida na prática
bancária é aquela que divide as operações de Banco, de conformidade com
o crédito, em fundamentais e acessórias.
As operações fundamentais, ou típicas, são as que implicam a intermediação do crédito, função precípua dos Bancos, que, como vimos, recolhem dinheiro de uns para concedê-lo a outros.
Dividem-se em passivas (as que têm por objeto a procura e provisão de fundos, sendo assim denominadas por importarem em ônus e obrigações para
o Banco, que, na relação jurídica, se torna devedor) e ativas (as que visam
à colocação e ao emprego desses fundos; por meio dessas operações, o
Banco se torna credor do cliente).
Constituem operações passivas os depósitos, as contas correntes, os redescontos, enquanto as principais operações ativas são os empréstimos,
os financiamentos, as aberturas de crédito, os descontos, os créditos documentários, as antecipações, etc.
As operações acessórias ou neutras (assim chamadas por não implicarem
nem a concessão e nem o recebimento do crédito) possuem significado menor para os Bancos, que só as realizam com o fito de atrair clientela. Definem-se como verdadeiras prestações de serviços: custódia de valores, caixa de segurança, cobrança de títulos e outras. (destacou-se)
É fácil perceber, pois, que as operações típicas de instituições financeiras
estão submetidas à regulamentação do Conselho Monetário Nacional e, por conseguinte, à autorização, controle e fiscalização do Banco Central do Brasil.
Numa sentença: as operações típicas envolvem atividade de natureza financeira, diferentemente das acessórias cujas atividades são de natureza não-financeira.
E são operações típicas, de natureza financeira, porque pela abertura ou a
concessão de crédito, cujo respectivo limite é definido com suporte na prévia análise
da capacidade econômico-financeira do portador, o emissor se obriga a satisfazer as
despesas contraídas pelo titular do cartão junto aos estabelecimentos filiados.
Trata-se, portanto, de crédito em sentido estrito como espécie de facilidade
creditícia que não se confunde com o contrato real de empréstimo. Na modalidade
de crédito própria do cartão de crédito não há nenhuma entrega de dinheiro, como
contrariamente ocorre com o empréstimo.
49
COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários, 4ª edição. São Paulo: Leud, 2001, p. 38.
31
3.2 A Atividade de intermediação da indústria de cartões e a
legislação do Sistema Financeiro Nacional
A Lei nº 4.595, de 1964, conhecida como “Lei da Reforma Bancária”, que
dispõe sobre a Política, as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, e o Conselho Monetário Nacional, traça como objetivos de política do Conselho Monetário
Nacional, dentre outros: i - regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo
ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna e externa,
as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais (art. 3º, II); e, ii - propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos
financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos (art. 3º, V).
Em sede de poder de polícia o art. 10, incisos VI e IX, e o art. 11, inciso VII,
da Lei nº 4.595, de 1964, estatuem ser da competência do Banco Central do Brasil,
respectivamente, “VI - Exercer o controle do crédito sob todas as formas”; IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas”; e
“VII - Exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre
empresas, que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às
modalidades ou processo operacionais que utilizem.” (destacou-se)
A definição de instituição financeira, por seu turno, pode ser extraída da conjugação dos arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595, de 1964, que dispõem, in verbis:
Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação
em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira,
e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer
das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.
Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.
§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das
cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que
for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, merca-
32
dorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações
e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais
operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.
§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização
que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições
financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena (Vetado) nos
termos desta lei. (destacou-se)
Do cotejo dos dispositivos transcritos é possível divisar que instituição financeira de natureza bancária é espécie do gênero instituição financeira, isto é, na conformação do sistema financeiro nacional há instituições financeiras bancárias e instituições financeiras não bancárias. É da espécie bancária toda instituição financeira
autorizada a captar recursos do público, ou seja, os conhecidos bancos comerciais
ou bancos múltiplos detentores de carteira comercial.
A própria Lei nº 4.595, de 1964, em diversas passagens e para propósitos
específicos (art. 4º, XVII, art. 10, V, art. 19, XI, art. 49, § 9º, e art. 58, § 2º) se encar rega de realçar a singularidade da espécie bancária, sendo ilustrativo o preceito que
define que as operações de redesconto do Banco Central do Brasil são franqueadas
às instituições financeiras, públicas ou privadas, de natureza bancária (art. 4º, XVII,
e art. 10, V).50
É possível, de igual forma, extrair da exegese contextual dos arts. 17 e 18 da
Lei nº 4.595, de 1964, que a caracterização e a subordinação à lei, para fins de regulação e fiscalização das Autoridades Monetárias, repousam no exercício profissional,
habitual e com espírito de lucro, em caráter principal ou acessório, das atividades de
coleta (captação de recursos), intermediação ou aplicação de recursos financeiros
próprios ou de terceiros e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
“Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
50
(...)
XVII - Regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de
empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária;
Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:
(...)
V - Realizar operações de redesconto e empréstimos a instituições financeiras bancárias e as referi das no Art. 4º, inciso XIV, letra "b", e no § 4º do Art. 49 desta lei;”
33
Noutros termos, em razão da estrutura rudimentar do sistema financeiro de
então (estabelecimento bancários oficiais e privados, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as caixas econômicas, as cooperativas de crédito e a
seção de crédito das cooperativas mista), o legislador deixou em aberto o conceito
de instituição financeira, de sorte que a caracterização deve ter como base de sustentação não o predicado, nomen juris, mas a atividade que desenvolva.
A segunda modelagem do conceito de instituição financeira pode ser encontrada na Lei nº 7.492, de 1986 (Lei do Colarinho Branco). Embora a lei trate de cri mes contra o Sistema Financeiro Nacional, o art. 1º, caput, qualifica como instituição
financeira toda pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou
aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira,
ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de
valores mobiliários.
A redação original do art. 1º da Lei nº 7.492, de 1986, aludia também a “recursos financeiros próprios”, porém pela Mensagem nº 252 o Presidente da República vetou tal expressão sob o fundamento de que:
No art. 1º, (veto) a expressão ‘próprios ou’, porque é demasiado abrangente, atingindo o mero investidor individual, o que obviamente não é o propósi to do legislador. Na aplicação de recursos próprios, se prejuízo houver, não
será para a coletividade, nem para o sistema financeiro; no caso de usura, a
legislação vigente já apena de forma adequada quem a praticar. Por outro
lado, o art. 16 do Projeto alcança as demais hipóteses possíveis, ao punir
quem opera instituição financeira sem a devida autorização.
Não há como desconhecer a abrangência do conceito de instituição financeira tanto na Lei da Reforma Bancária quanto na Lei do Colarinho Branco, fato que por
si só impõe ao intérprete exegese não burocrática, literal da lei, afinal ensinava RUI
BARBOSA há quase um século que “Boa é a lei, quando executada com retidão.
Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia.
Porque só a moderação, a inteireza e eqüidade, no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem.” 51
e EROS GRAU, para quem “[...] a interpretação do direito realiza-se não como mero
BARBOSA, Rui. Oração aos moços, edição popular anotada por Adriano da Gama Kury, 6ª ed. Rio
de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2003, p. 36.
51
34
exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado.”52
Uma terceira tentativa pode ser extraída da Lei Complementar nº 105, de
2001 (Lei do Sigilo Bancário), que inovando em relação às Leis nº 4.595, de 1964, e
nº 7.492, de 1986, não somente relaciona as operações financeiras que têm correla ção com as atividades privativas de instituições financeiras (art. 5º, § 1º) como qualifica, nomina, quem deve ser considerado instituição financeira (art. 1º, § 1º).
Há quem advogue interpretação restritiva da Lei do Sigilo Bancário com relação às entidades que não tenham o predicado instituição financeira, sob o fundamento de que tais entidades, a exemplo das “administradoras de cartões de crédito”,
não seriam instituições financeiras no sentido estrito do termo e que a Lei Complementar nº 105, de 2001, não teria inovado e muito menos alargado a competência
prevista na Lei nº 4.595, de 1964.
Análise contextual dos arts. 1º e 5º da lei do sigilo bancário não autoriza tal
raciocínio. Primeiro porque o legislador dispôs tanto sobre o sujeito quanto sobre o
objeto, a atividade, imbricados com o mister próprio do sistema financeiro. Para tanto arrolou doze entidades conceituadas como instituição financeira, inclusive as “administradoras de cartões de crédito” (art. 1º, VI), e quatorze operações próprias da
atividade de intermediação financeira, aí incluídas as “operações com cartão de crédito” (art. 5º, 1º, XIII).
Não só isso. Coerente com a Justificativa do PLC, que não descartava “... a
possibilidade de criação, no futuro, de novas instituições financeiras, bem como o
surgimento de novas modalidades operacionais, no âmbito das instituições hoje
existentes.”, o legislador deu um passo à frente e previu, com relação ao sujeito e ao
objeto (atividade), respectivamente, que:
i)
o Conselho Monetário Nacional poderá considerar como instituição fi-
nanceira “outras sociedades” “em razão da natureza” das operações que realizar
(art. 1º, § 1º, XIII); e
ii)
o Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro ór-
gão competente poderão considerar como operações financeiras “quaisquer outras
operações de natureza semelhantes que venham” a autorizar (art. 5º, § 1º, XV).
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, primeira parte, discurso XI.
52
35
Segundo porque um sujeito passivo atípico, ou seja, não rotulado como instituição financeira, foi incluído como destinatário do dever de sigilo. Trata-se, na espécie, das empresas de fomento comercial ou factoring (art. 1º, § 2º), que “obedecerão
às normas aplicáveis às instituições financeiras previstas no § 1º.” É dizer, o legislador distinguiu quem é instituição financeira (§ 1º) e quem a ela se equipara para fins
do sigilo (§ 2º).
HAGSTRÖM embora critique a redação do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 2001, por repetir a fórmula de ‘considerar’ as entidades que enu mera como instituições financeiras, ressalva que:
Impõe-se observar, porém, a própria evolução e diversificação das atividades financeiras, que passaram de banqueiro individual, pessoa física, às
sociedades comerciais e aos grupos empresarias, conduziram à ampliação
do círculo de pessoas obrigadas ao dever do sigilo. 53
Mais adiante ao comentar a competência atribuída ao Conselho Monetário
Nacional para qualificar, como instituição financeira, outras sociedades “em razão da
natureza de suas operações” (art. 1º, § 1º, XIII), completa HAGSTRÖM:
A norma é justificável. Há que considerar, por um lado, que o legislador,
mesmo pretendendo estabelecer uma enumeração exaustiva, fatalmente
acabaria por “esquecer” alguma entidade que deveria estar obrigada a manter sigilo. Além disso, a enumeração legal acabaria, com o passar do tempo,
por ficar superada.54
Assim, fazendo-se um recorte qualitativo da norma, é possível identificar que
o exercício da atividade de intermediação constitui o elemento fundamental para
efeito de caracterização e subordinação de determinada entidade às regras do direito bancário.
E nesse ponto ganha especial relevo na análise a distinção doutrinária entre
ato e atividade. O ato consiste numa ação isolada praticada por alguém. Trata-se,
pois, de algo episódico, ocasional. Na atividade, ao contrário, há uma sucessão de
atos, praticados de maneira organizada e repetidos no tempo, e que resultam numa
constante oferta de bens ou de serviços à coletividade, que é, por excelência, o traço característico do empresário.
SYLVIO MARCONDES assim se posiciona a respeito da caracterização de
determinada atividade empresarial:
HAGSTRÖM, Carlos Alberto. Comentários à Lei do Sigilo Bancário: Lei Complementar nº 105, de
10 de janeiro de 2001. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 212.
53
54
Idem, idem, p. 215.
36
Ora, não obstante serem os atos negociais facultados a todas as pessoas e,
por essa razão, cabíveis num direito objetivo comum, é certo que sua prática, quando continuadamente reiterada, de modo organizado e estável, por
um mesmo sujeito, que busca uma finalidade unitária e permanente, cria,
em torno desta, uma série de relações interdependentes que, conjugando o
exercício coordenado de atos, o transubstancia em atividade.55 (grifos do
original)
VERÇOSA56, por sua vez, destaca que a diferença entre ato e atividade
pode ser entendida da seguinte forma: em relação ao ato, ele se reveste da conotação de exaurimento, de completude ou de resultado. Isto significa que ele atinge a fi nalidade para a qual foi praticado sem a necessidade de algum outro ato. Já a atividade caracteriza-se pela insuficiência de um ou alguns atos, pela incompletude no
sentido da realização do objetivo, pela falta de se alcançar o resultado. Tudo isto so mente ocorrerá na seqüência orgânica dos atos praticados, ou seja, na atividade que
se prolonga no tempo.
FRANCO aduz que “Atividade, como o próprio termo indica, é um conjunto
de atos, posto que movimento. Porém não é qualquer conjunto de atos. Somente
quando os atos são coordenados, conseqüentes e tendentes a um mesmo objetivo é
que se pode visualizar a atividade.”57
Não se alegue que a evolução conceitual trazida pelas leis do colarinho
branco e do sigilo bancário não guardam relação de pertinência com a própria realidade do Sistema Financeiro Nacional, porque, reafirme-se, a atividade exercida com
habitualidade, o tipo de operação, é que constitui o substrato seguro para definir se
determinada pessoa jurídica exerce função privativa de instituição financeira.
E é atividade privativa de instituição financeira porque com a habilitação e a
entrega do cartão de crédito ao titular, o emissor o autoriza, pela via da concessão
de limite de crédito, a estabelecer relações de consumo com terceiros.
Incide em grave erro quem enxerga na relação jurídica do cartão de crédito
simples prestação de serviço e não típica intermediação financeira. Tal raciocínio decorre do fato de achar que a coleta (captação) de recursos junto ao público é condição sine qua non, prévia, para que a intermediação financeira se estabeleça. Ou
MARCONDES, Sylvio. Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1971, cap. V, p.
129 e ss.
55
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: Teoria geral do direito comercial
e das atividades empresariais mercantis – Introdução à teoria geral da concorrência e dos bens ima teriais, vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 120.
56
FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial, vol. 1, 2ª ed. revista, atualizada e
ampliada: São Paulo: RT, 2004, p. 43.
57
37
seja, se inexistente precedentemente a fonte (recurso, passivo) a atividade não se
configuraria.
Nada mais sem nexo! O próprio cartão de crédito se encarrega de desmoronar a falsa tese, haja vista que a simples portabilidade de um limite de crédito é bas tante para viabilizar que o titular interaja com o comércio e adquira bens e serviços,
sem que antes o emissor tenha realizado qualquer captação junto ao titular ou a
quem quer que seja. Nas palavras de ARNOLDO WALD 58 “Assim, ao princípio tradicional ‘deposits make loans’, acrescentou-se a sua inversão” ‘loans make deposits’.”
A atividade de intermediação financeira, portanto, se materializa tanto pelos
condutos do passivo (fontes, captação) quanto pelos condutos do ativo (usos, operações de crédito) do balanço do Sistema Financeiro Nacional. Não sem razão por diversas vezes ao longo da história as Autoridades Monetárias, visando a conter a expansão do crédito ou a evasão de divisas via compras internacionais, impuseram
restrições às “operações com cartões de crédito”.
3.3 Os emissores não bancários e a cláusula mandato
O instituto da cláusula-mandato, utilizado pelas entidades emissoras de cartão de crédito que não carregam o predicado de instituição financeira, tem gerado
acaloradas discussões na doutrina, particularmente em razão de o Código de Defesa do Consumidor prever a nulidade das cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de bens e serviços que “[...] imponham representante para concluir ou realizar
outro negócio jurídico pelo consumidor” (art. 51, VIII).
HUMBERTO THEODORO sustenta que o regramento especial da defesa do
consumidor não pode ser considerado, in limine, refratário ao instituto da cláusulamandato, isto é, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990) não
pode ser interpretado de forma “[...] simplesmente a impedir ao empresário práticas
negociais lícitas enquadráveis nas atividades econômicas próprias da livre iniciativa
em torno da produção e circulação de bens e serviços.“, afinal, prossegue o autor,
WALD, Arnoldo. O direito da regulação monetária e bancária. Revista do Direito do Estado, Ano 2,
nº 6:299-308, abr/jun 2007. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
58
38
citando Ives Gandra da Silva Martins, “[...] não é possível examinar o Direito do Consumidor senão à luz de uma visão amplificada da ordem econômica, até porque não
tem ele vida autônoma, em relação a todo o complexo institucional brasileiro, quanto
às questões econômicas.”59
De fato, a livre iniciativa reflete um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1º, IV) e um dos fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput),
enquanto a defesa do consumidor comparece como um princípio fundamental (art.
5º, XXXII) e um dos princípios da ordem econômica (art. 170, V).
O intérprete, pois, há de ponderar um e outro valor (livre iniciativa e defesa
do consumidor) na busca do equilíbrio capaz de conferir sentido ao postulado maior
do fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, e 170, caput).
Idealmente falando, correta a visão daqueles que sustentam que o micro-sistema de defesa do consumidor não pode ser encarado como uma ilha isolada dos
valores jurídicos adotados pelo Direito Privado para os contratos em geral.
Na prática dos emissores de cartão de crédito não bancários, contudo, há
evidente descompasso entre o mundo do dever ser e o mundo do ser, a realidade, a
revelar a violação do princípio da boa-fé objetiva e a caracterização de abusividade
na utilização do instituto da cláusula-mandato.
Primeiro porque o instituto da cláusula-mandato serve, na hipótese, para dar
azo à exploração de uma atividade que nada tem de mercantil, contrariamente ao
que sustenta, e.g., HUMBERTO THEODORO60 para quem:
As prestações devidas pelas Administradoras de cartões de crédito são,
pois, de natureza mercantil e não se confundem com atividades de especulação monetária exclusivas dos bancos. Daí a completa desnecessidade e
ausência de fiscalização e controle das atividades emissoras pelo Banco
Central. (destacou-se)
Raciocínio, aliás, contraditório, haja vista que noutra passagem o próprio autor reconhece que o sistema do cartão de crédito “[...] constitui um negócio jurídico
THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória
Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Consumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-junho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.
59
THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória
Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Consumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-junho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.
60
39
complexo, de conteúdo lucrativo e que tem como função primordial fomentar a aqui sição de bens ou prestação de serviços e expandir o crédito.”61 (destacou-se)
A tese de que a relação jurídica entre o emissor do cartão e o fornecedor de
bens ou de serviços encerra simples atividade mercantil deve ser afastada porque o
sistema de cartões de crédito, como negócio complexo que é, não pode ser interpretado, insista-se, sem a visão conjunta e coordenada das relações jurídicas que unem
titular do cartão e os estabelecimentos filiados ao centro irradiador do negócio, o
emissor.
De mais a mais, o emissor não adquire produtos e serviços dos estabelecimentos filiados ao sistema, mas, sim, cumpre com a obrigação que assumiu na condição de contraparte central garantidora e asseguradora da plena eficiência do sistema de cartões de crédito, enquanto instrumento que congrega dois predicados: a
portabilidade de um crédito pré-aprovado e meio de pagamento de aceitação nos
planos nacional e internacional.
Se isso é verdade, e de fato o é, o instituto da cláusula-mandato viabiliza,
nas hipóteses em que o emissor não é instituição financeira, o exercício de atividade
à margem da Lei da Reforma Bancária, porque carentes de prévia autorização das
Autoridades Monetárias.
O segundo aspecto a fragilizar a pretensa licitude do instituto da cláusulamandato pelos emissores de cartão de crédito não bancário tem conexão com o fato
de que descabe falar ser ele utilizado pela administradora para contrair, junto ao sistema financeiro, empréstimo/financiamento que permita o parcelamento do débito do
titular do cartão de crédito.
Para os adeptos dessa tese com a materialização do parcelamento da fatura
do cartão “O titular, com a abertura de crédito, passa a ser devedor do banco creditador, pagando-lhe juros, taxas e impostos devidos na operação, por intermédio da
Administradora de cartões, que assume a gestão dos negócios.” 62
Entre o mundo ideal e o mundo dos fatos a realidade é bem outra. Veja-se o
que diz a CLÁUSULA 9 – OPÇÕES DE FINANCIAMENTO, itens 9.3. e 9.7. Custo
do Financiamento, constante do contrato de adesão ao sistema PAGGO ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO LTDA:
61
Idem, idem.
62
HUMBERTO THEODORO et al, ob. cit. p. 174.
40
9.3. O custo financeiro será determinado pelo PAGGO, através dos melhores esforços, segundo regras do mercado financeiro, e será integralmente
cobrado do CLIENTE.
9.7. O custo de financiamento máximo e a remuneração máxima da garantia
referente ao próximo ciclo são informados na FATURA MENSAL.
Não precisa grande esforço interpretativo para perceber a autonomia da administradora na antecipação e fixação dos encargos financeiros do financiamento
que cobrará do titular do cartão por eventual financiamento da fatura. Em termos reais, objetivos, são reveladores da exploração profissional da moeda, enquanto mer cadoria, os dados periciais arrolados no voto vencido do Ministro Ruy Rosado de
Aguiar na qualidade de relator do Recurso Especial nº 296.678/RS, que, inclusive,
transcreve as cláusulas contratuais sobre o financiamento da fatura de determinada
“administradora de cartão de crédito”. Confiram-se os dados extraídos do voto e a
seguir resenhados63:
Data
05/10/1997
05/11/1997
05/12/1998
05/01/1998
05/02/1998
05/03/1998
05/04/1998
Custo de Captação Custo da Garantia ( Custo Serviço de
(%)
%)
Captação (%)
2,41
4,00
4,00
2,53
4,00
4,00
2,48
4,15
4,15
3,11
4,15
4,15
3,66
4,15
4,15
3,11
4,15
4,15
3,67
4,15
4,15
No voto vencido, o Ministro Rui Rosado de Aguiar conhecia parcialmente do
recurso para limitar a taxa de juros ao que a “Administradora” havia efetivamente
pago à instituição financeira, que, curiosamente, era o próprio banco controlador,
mas a Quarta Turma, reafirmando tanto a legalidade da cláusula-mandato quanto a
condição de instituição financeira de qualquer emissor de cartão de crédito não bancário, decidiu pela liberdade de incidência de juros remuneratórios superiores a 12%
ao ano, bem assim de juros moratórios de 1% ao mês, desde que previstos contratu almente. A ementa do acórdão está assim redigida:
Reprodução parcial da prestação da prestação pericial, esclarecido que no recurso a CREDICARD
havia
sido
adquirida
pelo
Banco
Bradesco
S/A.
Disponível
em:
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200001421735&dt_publicacao=01/12/2008,
acesso em 04/06/2009.
63
41
DIREITO CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO. CLÁUSULA-MANDATO. LEGALIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. DESCABIMENTO. JUROS DE MORA. PERCENTUAL.
1 - O entendimento da Segunda Seção desta Corte, a partir de 25/6/03,
quando do julgamento do REsp nº 450.453/RS, Relator o Min. Aldir Passarinho Junior, firmou-se no sentido da legalidade da cláusula-mandato e do enquadramento das empresas administradoras de cartão de crédito como instituições integrantes do sistema financeiro nacional, a elas não se aplicando
a limitação dos juros prevista no Decreto nº 22.626/33.
2 - Juros de mora no percentual de 1% ao mês, desde que pactuados. Pre cedentes.
3 - Recurso especial conhecido e parcialmente provido para afastar a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano e autorizar os juros de mora
nos termos mencionados.” (STJ, DJ de 1º/12/2008, rel. p/acórdão o Ministro
Fernando Gonçalves)
A sutileza do voto do relator original, que a Turma não chancelou, residia no
fato de que negava a possibilidade de o emissor de cartão de crédito não bancário
triplicar o ônus financeiro do titular do cartão pela via transversa do custo da garantia e do custo de serviço de captação, logo intromissão especulativa com o recurso captado no exercício de atividade típica de instituição financeira.
3.4 Os emissores bancários
Independentemente da segregação que o marco teórico faz entre o cartão
de crédito bancário e cartão de crédito não bancário, que, como demonstrado, perde
substância quando se isola a modalidade private label e se faz a devida contextualização a respeito de natureza bancária típica do negócio com cartão de crédito, há
uma nota característica da indústria de cartões de pagamentos no Brasil que merece
reflexão.
Segundo dados constantes do já citado Relatório sobre a Indústria de Cartões no Brasil as três principais bandeiras (Visa, MasterCard e American Express)
respondem por mais de noventa por cento do mercado de cartões emitidos no
território nacional.
Há que se ter presente, todavia, que o arranjo organizacional dos cartões de
crédito rotulados universais, hipótese que se enquadra as três bandeiras mencionadas, tem uma característica singular, qual seja, os emissores de cartão dessas marcas são, necessariamente, instituição financeira em sentido amplo ou empresa especializada sob controle do próprio conglomerado financeiro.
42
Implica dizer, pois, que os emissores de cartões de crédito na sua quase totalidade estão diretamente subordinados à Lei da Reforma Bancária e regulamentação complementar.
Sob essa perspectiva, soa estranho a posição vacilante do Banco Central do
Brasil sobre o dever-poder de fiscalização que lhe incumbe nessa atividade de intermediação financeira e a ausência de regulação do Conselho Monetário Nacional fixando regras de funcionamento da indústria e sua adequabilidade aos valores e
princípios constitucionais da ordem econômica.
A título ilustrativo, o Anexo K – Informações do SINDEC64 sobre reclamações
atinentes ao Cartão de Crédito deixa às escâncaras que a atividade é recordista em
termos de reclamação perante os Procons, quer se considere a estratificação por
“Área de Assuntos Financeiros”, quer no ranking dos assuntos mais demandados,
independentemente da área, na frente, inclusive, do sistema de telefonia.
Pode-se dizer, em conclusão, que a ausência reguladora das Autoridades
Monetárias escudada no fundamento de que “não autoriza e nem fiscaliza as administradoras de cartões de crédito”, passando a idéia de que só marginalmente o negócio pode adentrar, pela via do controle da expansão do crédito, na seara de sua
competência, carece de higidez.
A referência à figura da “administradora de cartões de crédito”, a rigor, termina por encobrir uma porção da realidade que, por definição, já nasce com a ingerência direta de instituição financeira no seu conceito estrito, espécie bancária, o que,
com mais razão, desnatura a postura descompromissada do Estado-regulador.
3.5 O guardião da legislação infraconstitucional e a indústria
de cartões
No âmbito da doutrina e da jurisprudência, as discussões envolvendo o cartão de crédito passaram sempre pela limitação dos encargos financeiros em 12% ao
ano e a proibição de capitalização (Lei da Usura, Decreto 22.626, de 1933), sendo
possível identificar pelo menos três correntes:
64
Anexo do Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, cit. pp. 290-297.
43
i) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que as administradoras de cartões de crédito não pertenciam ao sistema financeiro e, portanto, não
estariam livres para cobrar juros acima do limite de 12% ao ano;
ii) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que se a administradora de cartões de crédito integra Grupo Financeiro não se submeteria à limitação
da Lei de Usura; e
iii) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que as administradoras de cartões de crédito seriam instituições financeiras, logo estariam livres
para cobrar encargos financeiros no financiamento das despesas realizadas pelos
usuários.
No leading case (REsp. nº 450.453/RS65), que deu ensejo à Sumula nº 283 66,
o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Poder Judiciário, consolidou o entendimento da segunda e terceira correntes.
A tese prevalecente para enquadrar os emissores de cartão de crédito não
bancários como instituições financeiras teve por pêndulo decisório a declaração da
legalidade da cláusula mandato e a constatação de que, a teor do art. 17 da Lei
4.595, de 1964, e do § 1º do art. 1º da Lei Complementar 105, de 2001, tais entidades exercem atividade de intermediação financeira quando captam, “junto ao mercado, os recursos do financiamento da compra do usuário.” 67
No seu voto-vista, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira vislumbrou que a
atividade principal do negócio com cartão de crédito é “o pagamento de uma fatura”
e como atividade acessória os emissores “financiam o valor da despesa não coberta pelo contratante do cartão.” Eis as principais conclusões, no particular:
Isso significa que captam dinheiro no mercado, mediante remuneração típica de operações financeiras, a fim de fazer frente à despesa em aberto, que
será oportunamente recomposta pelo cliente. Essa atividade acessória
constitui tipicamente intermediação financeira, a enquadrar essas entidades no comando abstrato do dispositivo legal acima transcrito.
Não se pode olvidar, ademais, que a própria dicção legal inclui, no § 1º do
art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001, as administradoras de cartão de
crédito entre as instituições financeiras abrangidas no âmbito de sua normaSuperior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, DJ de 25/02/2004, disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200940763&dt_publicacao=25/02/2004,
acesso em 04/06/2009.
65
“As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros
remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.”
66
67
Voto-vista do relator p/acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior.
44
tividade. Essa norma, aliás, não diz que as administradoras de cartão de
crédito se equiparam a instituições financeiras para os seus fins; ao
contrário, estabelece que são elas “consideradas instituições financeiras”. (destaques do original)
Não se pode desconhecer que se trata de interpretação do órgão constitucionalmente guindado à condição de guardião da legislação federal ordinária, sendo,
pois, detentor de autoridade para decidir de forma terminativa a matéria.
A exploração profissional da atividade de intermediação no mercado financeiro, pela via da captação e aplicação de recursos e da concessão de crédito, restou demonstrada ao longo do presente capítulo e confirmada pelo Superior Tribunal
de Justiça, motivo por que carece de higidez a tese que, analisando isoladamente a
relação jurídica entre o emissor de cartão de crédito e o fornecedor de bens ou de
serviços, apregoa que se trata de simples atividade mercantil.
É preciso ter presente, contudo, que, mercê da autoridade interpretativa do
Superior Tribunal de Justiça em sede de legislação infraconstitucional, o enunciado
nº 283, por não reunir o caráter de eficácia atribuído às súmulas do Supremo Tribu nal Federal (CF, art. 103-A), não tem força para vincular e obrigar o seu cumprimento pelos órgãos e entidades da Administração Pública.
Mas aí se estabelece situação inusitada e contraditória, haja vista que os
emissores de cartão de crédito “não bancários”: i) estão livres para cobrar encargos
financeiros sem a limitação da Lei da Usura; ii) estão fora do alcance de qualquer re gulação e fiscalização das Autoridades Monetárias; e iii) podem exercer atividade de
intermediação financeira em nítida vantagem concorrencial com as instituições financeiras legalmente habilitadas.
A recente decisão proferida pela Justiça Federal no bojo da ação civil pública68 ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União (Conselho Monetário
Nacional) e o Banco Central do Brasil é sintomática da confusão reinante sobre a
gênese mesma da indústria de cartões.
Na referida ação civil pública, pretende o Ministério Público Federal que as
“sociedades operadoras de cartão de crédito” sejam declaradas “instituições financeiras e assim submetidas e subordinadas à disciplina da Lei 4.595.” e, por conseguinte, condenados tanto o Conselho Monetário Nacional quanto o Banco Central do
Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 movida pelo Ministério Pública Federal e processada
perante a Sétima Vara Federal da Justiça Federal na Capital do Estado de São Paulo, Sentença tipo
A proferida pela Juíza Federal Diana Brunstein, de 13.03.2009.
68
45
Brasil “ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em exercer em caráter
permanente e definitivo a atividade administrativa de fiscalização em relação às sociedades operadoras de cartão de crédito.” 69
A confusão começa na própria inicial, haja vista que o Ministério Público Federal circunscreve a causa de pedir à pessoa, “sociedades operadoras de cartão de
crédito”, e não à atividade de intermediação financeira.
Como demonstrado em 3.4 Os Emissores Bancários, mais de noventa por
cento dos cartões de crédito em circulação no território nacional carregam a marca
das bandeiras Visa, MasterCard e American Express e são emitidos por instituições
financeiras bancárias ou empresa do conglomerado especializada nesse mister.
Dito de outra forma, por definição e exigência dos cedentes das marcas
(bandeiras), os cartões de crédito já nascem sob o signo da atividade de intermediação financeira. Simples pesquisa no sítio da Visa na internet, seção Visa Responde70, é suficiente para confirmar tal assertiva. Extraem-se, e.g., as seguintes perguntas e respostas, in verbis:
.Como faço para obter um cartão Visa pela internet?
No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado.
Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável
pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus
clientes. Dessa maneira, você deve informar-se com nossos emissores se
pode pedir um cartão pela internet. Conheça a lista de emissores de cartões Visa clicando aqui.
.É possível adquirir um cartão que seja apenas Visa, sem vínculo com bancos?
No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado.
Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável
pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus
clientes. Dessa maneira, você só pode obter um cartão de crédito Visa solicitando-o a um de nossos emissores. Conheça a lista de emissores de cartões Visa clicando aqui.
.Como faço para aumentar o limite do meu cartão crédito Visa?
Para solicitar um aumento no seu limite de crédito, entre em contato direto
com o banco emissor do seu cartão Visa. Clique aqui para consultar os telefones da Central de Atendimento a Clientes Visa do seu banco.
.Gostaria de obter um cartão de crédito Visa, mas meu banco não trabalha
com essa bandeira. Como devo proceder?
No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado.
Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável
pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus
clientes. Dessa maneira, você deve solicitar um cartão de crédito Visa a um
69
Excertos do relatório da sentença de 13.03.2009.
70
Disponível em: http://www.visa.com.br/visaresponde/, acessado em 22 de junho de 2009.
46
de nossos emissores. Conheça a lista de emissores de cartões Visa clicando aqui.
.Como faço para saber qual é o banco emissor do meu cartão?
Caso tenha dúvidas sobre qual é o banco emissor do seu cartão, olhe o
verso do mesmo. Nele, consta a frase: "... Este cartão é de propriedade do
Banco (nome)..." Este é o banco emissor de seu cartão.
O desconhecimento sobre o funcionamento da indústria de cartões de crédito e das possibilidades inventivas próprias do negócio bancário se projeta no exame
do mérito do pedido na medida em que, tomando como base de apoio à dicção do
art. 17 da Lei nº 4.595, de 1964, o juízo federal avança em conclusões que retratam
pouca familiaridade com o tema71, a começar pelo fato de que pressupõe que a atividade de intermediação financeira é necessária e indelevelmente dependente da coleta (captação) prévia de recursos. Esse é um falso pressuposto, pois, como visto, o
processo de expansão do crédito pode ocorrer autonomamente pela simples concessão de um limite de crédito acoplado a um cartão de crédito que credencia seu
portador a interagir com o comércio e adquirir produtos e serviços de que necessite.
71
Eis o inteiro teor do mérito da decisão:
“Passo ao exame do mérito.
Nos termos do artigo 17 da lei 4595/65 consideram-se instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação
ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a
custódia de valor de propriedade de terceiros.
Essa atividade não é exercida pelas administradoras de cartão de crédito, pois estão não
captam, intermediam (sic) ou aplicam recursos próprios ou de terceiros.
Quando ocorre pagamento parcelado as administradoras devem recorrer às instituições financeiras, agindo em nome do usuário, sempre amparadas por mandatos outorgados na ocasião da
assinatura do contrato de adesão ao cartão de crédito.
Não detêm ingerência sobre a taxa de juros praticada.
Dessa forma, a Súmula 283 do STJ limita-se a excluir da lei da Usura as administradoras de
cartão, pois estas submetem-se ao (sic) encargos ditados pelas instituições financeiras.
No entanto, a interpretação adotada pelo STJ não tem efeito em casos diversos a discutidos
nos autos que deram ensejo à sua edição.
O que pretende o Ministério Público Federal não é apenas uma interpretação extensiva, mas
a inclusão de novas pessoas jurídicas no âmbito de fiscalização do Banco Central e do Conselho Mo netário Nacional, sem amparo em lei, que inclusive deveria, acaso aprovada, criar estrutura organizacional própria de modo a abarcar o incremento de atribuições daí decorrente.
Saliente-se, que há diversos projetos legislativos em tramitação na Câmara dos Deputados,
no sentido de inclusão das atividades das administradoras de cartões no rol de fiscalização do Banco
Central.
Essa inclusão somente pode ser feita por lei, pois não se restringe à mera atividade interpretativa.
Por estas razões, rejeito a pretensão formulada e julgo improcedente a ação civil pública pro posta nos termos do artigo 269, I do CPC. (...) São Paulo, 13/03/2009, DIANA BRUNSTEIN, Juíza
Federal.” (destacou-se)
47
Numa segunda perspectiva a decisão contrasta com a realidade. Sim, porque se os cartões de crédito bancários dominam mais de noventa por cento do mercado brasileiro (marcas Visa, MasterCard e American Express), como então sustentar que o negócio nada tem de atividade de intermediação financeira e que as “admi nistradoras” são simples mandatárias, “Não detém ingerência sobre a taxa de juros
praticada.”, etc.?
Ora, se os emissores de mais de noventa por cento dos cartões de crédito
no Brasil são, por definição, instituições financeiras bancárias, como bem esclarece a seção Visa Responde, é impróprio falar de “administradoras de cartões de
crédito” ou coisa que o valha.
Mesmo na hipótese de cartão de crédito não bancário, exceto na modalidade
private label, é insustentável o fundamento que afasta a atividade de intermediação
financeira e de ingerência “sobre a taxa de juros praticada” pelas “administradoras
de cartões”, consideradas meras repassadoras dos “encargos ditados pelas instituições financeiras”.
Primeiro porque, insista-se, é um falso pressuposto a tese que condiciona a
atividade de intermediação financeira à prévia coleta de recursos, haja vista que pela
sistemática do cartão de crédito é possível impulsionar o processo de expansão do
crédito autonomamente.
Segundo porque a prática de mercado infirma o fundamento de neutralidade
e passividade das “administradoras de cartões de crédito”, haja vista que são elas
próprias que definem os encargos cobrados dos titulares do cartão e em patamares
muito superiores ao custo de captação junto às instituições financeiras, como deixa
às claras os dados da perícia técnica transcritos no corpo do voto no Recurso Especial nº 296.678/RS, da relatoria do Ministro Rui Rosado (3.3 Os Emissores Não Bancários e a Cláusula Mandato). Observe-se que no momento do parcelamento é que
surge a captação de recursos, confirmando-se a inversão do princípio tradicional
“deposits make loans” para “loans make deposits”.
4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PODER NORMATIVO DAS AUTORIDADES MONETÁRIAS
A interpretação constitucional está submetida ao princípio da
ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung
der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e
pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos
da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles
tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição.
A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar,
de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa
dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. (destacou-se)
Konrad Hesse72
A separação dos poderes tem inspiração na doutrina desenvolvida por Montesquieu no Livro XI da sua obra O Espírito das leis, segundo a qual um bom governo deveria reger-se pelo princípio da separação dos poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário, cada um exercendo funções estanques, próprias, e sem nenhuma
interferência de um poder no outro, implicando dizer que aquele que legisla não
pode aplicar a lei (sentido judicial e executivo), quem executa não pode legislar nem
julgar e quem julga não pode executar nem legislar.
Como bem esclarece CANOTILHO, hodiernamente considera-se que a teoria da separação dos poderes engendrou um mito, haja vista que Montesquieu nunca advogou tal modelo teórico dos três poderes rigorosamente separados, seja porque o executivo pode interferir no legislativo (poder de veto), seja porque o legislativo exerce vigilância sobre o executivo, seja porque o legislativo interfere no judiciário
(nomeando e julgando seus titulares)73.
De forma mais enfática, EROS GRAU sustenta que a separação exposta na
obra de Montesquieu a partir do conteúdo do art. 16 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, segundo o qual “qualquer sociedade em que não
72
A força normativa da Constituição (Die Normative Kraft der Verfassung), tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 22.
73
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7º ed. Portugal: Almedina, 2003, pp. 114-115.
49
esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição.”, encerra um dos mitos mais eficazes do Estado liberal 74.
Isso porque Montesquieu jamais teria cogitado de uma efetiva separação
dos poderes, afinal detida análise do capítulo VI do Livro IX de O espírito das leis releva que Montesquieu “na verdade enuncia a moderação entre eles como divisão
dos poderes entre as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma
potência pelo poder das outras: daí por que, como observa Althusser (1985/104), a
‘separação dos poderes’ não passa da divisão ponderada do poder entre potências
determinadas: o rei, a nobreza e o ‘povo’.” (destaques do original)
A idéia subjacente ao mito da separação dos poderes teria assento no princípio da legalidade do séc. XII, de tradição inglesa e conhecido como rule of law75‾76.
Transportada para a visão moderna de Estado constitucional democrático de
direito, que procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de
direito, com mais razão perde sentido pretender cisão absoluta entre os poderes
constituídos.
Como ressalta CANOTILHO, “A constitucionalística mais recente salienta
que o princípio da separação de poderes transporta duas dimensões complementares: (1) a separação como ‘divisão’, ‘controlo’, ‘limite’ do poder –dimensão negativa;
(2) a separação como constitucionalização, ordenação e organização do poder do
Estado tendente a decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas (dimensão positiva).”
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed., revista e ampliada. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 225.
74
Para EROS GRAU, O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 225-228, a doutrina da separação dos poderes como “lei eterna” pode ser atribuída à exposição de Marx e Engels (1986/72) a respeito das idéias de classes dominantes. De passagem da citação de Marx e Engels sobreleva: “Por
exemplo, numa época e num país em que a aristocracia e a burguesia disputam a dominação e em
que, portanto, a dominação está dividida, mostra-se como idéia dominante a doutrina da divisão de
poderes, enunciada então como ‘lei eterna’.”
75
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. pp. 93-94, entende que, embora o
sentido da fórmula Rule of Law tenha variado no tempo, é possível quatro dimensões básicas. “The
Rule of Law significa, em primeiro lugar, na sequência da Magna Charta de 1215, a obrigatoriedade
da observância de um processo justo legalmente regulado, quando se tiver de julgar e punir os cidadãos, privando-os da sua liberdade e propriedade. Em segundo, lugar Rule of Law significa a proeminência das leis e costumes do ‘país’ perante a discricionariedade do poder real. Em terceiro lugar,
Rule of Law aponta para a sujeição de todos os actos do executivo à soberania do parlamento. Por
fim, Rule of Law terá o sentido de igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos a fim de
estes aí defenderem os seus direitos segundo os princípios de direito comum dos ingleses ( Common
Law) e perante qualquer entidade (indivíduos ou poderes públicos).”
76
50
Na dimensão negativa (divisão de poderes), ou seja, como forma e meio de
limite do poder, o princípio asseguraria uma medida jurídica ao poder do Estado e,
por conseguinte, garantiria e protegeria a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, a
par de evitar a concentração de poder. Na dimensão positiva (separação de poderes), isto é, como meio e forma viabilizadores da funcionalidade do Estado, o princípio assegura a adequada ordenação das funções estatais e, conseqüentemente, intervém como esquema racional de competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania.
Noutros termos, dual e imbricadamente consideradas, “separação ou divisão
de poderes significa responsabilidade pelo exercício de um poder.”77
A propósito, a Constituição Federal de 1988, bem assim quase todas as anteriores, consagra o entrosamento e a coordenação no desempenho das funções estatais. De fato, nos termos do “Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”, donde se conclui que,
além de suas funções principais, cada órgão colabora, em caráter secundário, com
os demais na busca do bem comum.
Se nem a história das Constituições e muito menos o idealizador da Separação dos Poderes revelaram a cisão absoluta no exercício das funções estatais, é
igualmente falsa a idéia de que todo o agir estatal deve reger-se pela lei em sentido
formal e material (princípio da legalidade em sentido estrito).
O princípio da legalidade, segundo CANOTILHO, foi erigido, muitas vezes,
em ‘cerne essencial’ do Estado de direito, afinal corporifica dois princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei e o princípio da reserva de
lei. O princípio da prevalência da lei significa que a lei aprovada pelo Poder Legislativo tem superioridade e preferência em relação aos atos da administração, enquanto
o princípio da reserva de lei significa que as restrições aos direitos, liberdades e garantias, bem assim o regime jurídico de determinadas matérias somente podem ser
feitas por lei ou mediante autorização desta.
Ressalva o autor que, embora tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da reserva de lei permaneçam válidos, mesmo porque num Estado democráticoconstitucional a lei emanada do Poder Legislativo “[...] é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a sua supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fun77
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 250.
51
damentais e da vertebração democrática do Estado (daí a reserva de lei).”, não se
pode desconhecer que “O princípio da prevalência ou preferência da lei sofreu um
processo de ‘erosão’ e de ‘relativização’ que importa ter em conta para se compreenderem muitas das questões a tratar em sede de parâmetro de constitucionalidade e da legalidade.” 78
A relativização opera-se, de um lado, porque surgiram outros atos com força
de lei e, de outro lado, porque em muitos casos o princípio da legalidade é substituído pelo princípio da constitucionalidade, fato que não ocorre nas situações em que a
reserva de lei se impõe.
Importa averiguar se o princípio da legalidade encerra ‘reserva de lei em
sentido estrito’ (reserva da lei) ou ‘reserva de lei em termos relativos’ (reserva da
norma). Tome-se o enunciado do art. 5º, inciso II, da Constituição brasileira: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. O texto constitucional revela que o princípio da legalidade é tomado em termos
relativos, haja vista que, nas palavras de EROS GRAU:
[...] há visível distinção entre as seguintes situações: i) vinculação às definições da lei; ii) vinculação às definições decorrentes –isto é, fixadas em virtude dela– de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da “reserva da norma” (norma que pode ser tanto legal
quanto regulamentar; ou regimental).
Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em
atos normativos não da espécie legislativa –mas decorrentes de previsão
implícita ou explícita em atos legislativos contida–, o princípio estará sendo
devidamente acatado.
No caso, o princípio da legalidade expressa reserva da lei em termos relativos (=reserva da norma), razão pela qual não impede a atribuição, explícita
ou implícita, ao Executivo para, no exercício de função normativa, definir obrigação de fazer e não fazer que se imponha aos particulares – e os vincule.
79
(destaques do original)
Na exegese do autor, portanto, o art. 5º, inciso II, da Constituição alberga o
princípio da legalidade em termos relativos (reserva de norma), sendo plenamente
consentâneo com o ordenamento jurídico o exercício do poder normativo pela Administração Pública para definir obrigações aos administrados.
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 256, e no Capítulo 2, intitulado
A Lei, p. 713 e ss., CANOTILHO mostra que a relativização do princípio da legalidade decorre de sua
substituição pelo princípio da constitucionalidade.
78
GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o direito pressuposto, 6ª edição revista e ampliada. São
Paulo:Malheiros, 2005, pp. 246-247.
79
52
Noutros termos, há que examinar, no caso concreto, se determinada norma
afronta os princípios da reserva constitucional de lei formal e de competência legislativa (e.g, CF, arts. 5º, XXXIX; 150, I; 170, parágrafo único).
4.1 A função regulamentadora da Administração Pública no
domínio econômico
Uma vez realçado o vácuo regulamentar no que concerne à indústria de cartões e contextualizado, ainda que em largas passagens, a conotação do princípio da
separação de poderes e do princípio da legalidade, cabe indagar se as Autoridades
Monetárias (Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil) disporiam de
poder normativo não refratário à ordem constitucional.
A indagação tem sua razão de ser ante o fato de que não se podem ignorar
os desafios da regulação econômica num mundo globalizado e tendencialmente
marcado por mudanças estruturais da sociedade, particularmente no campo financeiro, com desdobramentos no “complexo processo juris-sociológico de produção
do direito.”, sendo
“[...] inegável que não existe um monopólio estatal de normação constitucionalmente consagrado. Pelo contrário: vários preceitos constitucionais apontam para a necessidade de desconcentração e descentralização da regulação jurídica e para a indispensabilidade de articular, em moldes inovadores,
o direito interno com os fenómenos da internacionalização e supranacionalização.”80
O pano de fundo da inexistência de um monopólio estatal de normação (dimensão positiva do princípio da separação dos poderes) repousa na legitimidade encarada sob o ponto de vista da constitucionalidade do agir estatal. Daí porque asseverar CANOTILHO: “O que importa num estado constitucional de direito não será
tanto saber se o que legislador, o governo ou o juiz fazem são actos legislativos,
executivos ou jurisdicionais, mas se o que eles fazem pode ser feito e é feito de forma legítima.”81
No Capítulo X82 da obra O direito posto e o direito pressuposto, citada,
EROS GRAU faz interessante análise crítica a respeito do poder normativo de con80
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 703.
81
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 251.
CRÍTICA DA “SEPARAÇÃO DOS PODERES”: AS FUNÇÕES ESTATAIS, OS REGULAMENTOS E
A LEGALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO, AS “LEIS-MEDIDA”, pp. 225-255.
82
53
juntura de determinados órgãos e entidades da Administração Federal à luz do princípio da legalidade (art. 5º, II83, da CF/88), sobressaindo a idéia de que conjuntura se
contrapõe a estrutura. Conjuntural é toda situação advinda do encontro de circunstâncias vinculadas ao “agora”, sem, contudo, ter força suficiente para alterar metas e
objetivos (estrutura), implicando dizer que a capacidade normativa conjuntural viabiliza a conformação das atividades ao momento presente no intuito de assegurar que
as metas e os objetivos pré-definidos sejam alcançados.
A análise aborda as técnicas de intervenção do Estado no domínio econômico84‾85, classificando-as em: i) atuação na economia (CF, art. 173), isto é, quando o
Estado assume diretamente a posição de agente econômico, quer monopolisticamente (atuação por absorção), quer em regime de concorrência com os particulares
(atuação por participação); ii) atuação sobre a economia (CF, art. 174), ou seja, o
Estado age indiretamente sobre o comportamento dos sujeitos privados e públicos
que estiverem exercendo atividade econômica em sentido estrito (domínio econômica da esfera privada), sobressaindo o caráter regulador-normatizador.
A atuação do Estado como agente disciplinador pode assumir o caráter imperativo, isto é, o Estado estabelece mecanismos e normas de comportamento compulsório, cogentes, a serem observados pelos agentes econômicos (atuação por direção), ou a feição fomentadora, pela qual o Estado induz os agentes econômicos a
adotar determinados comportamentos (atuação por indução).
Para fins da inquietude que conduziu ao presente trabalho, há particular interesse na análise de um dos modos de intervenção do Estado na economia, qual
seja, a intervenção por direção –de atuação estatal sobre o domínio econômico–, e
sua conexão com a função normativa (aspecto material) enquanto expressão do po“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
83
(...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
84
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, cit. p. 27.
Na obra A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 9ª edição, revista e
atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 84 e ss., ao tratar das três modalidades de intervenção
(por absorção ou participação, por direção e por indução), o autor faz distinção entre os termos intervenção e atuação estatal. Intervenção em sentido forte conotaria atuação estatal em área de titularidade do setor privado (atividade econômica em sentido estrito), enquanto atuação estatal significaria
simplesmente ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularidade do
setor privado (ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo). A distinção visa
a apartar o campo dos serviços públicos do campo da atividade econômica em sentido estrito.
85
54
der estatal preordenado às finalidades de interesses coletivos e objeto de um dever
jurídico, isto é, o Estado exercendo pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade
econômica em sentido estrito.86
Isso porque, como visto na exposição do capítulo anterior, o marco teórico a
respeito da indústria de cartões aborda a matéria com visão eminente privatista das
relações jurídicas bilaterais per se, a ponto de se defender o exercício profissional
de atividade privativa de instituição pela via transversa da cláusula-mandato.
Chega-se mesmo a traçar dicotomia entre o cartão bancário e o cartão não
bancário com foco na simplória identificação se o emissor traz ou não o rótulo de
instituição financeira, logo autorizada pelo Banco Central do Brasil. Esquecem os
adeptos da auto-regulação da atividade que o nomen juris é o que menos importa
para tipificação do negócio como atividade de intermediação financeira.
A questão de fundo, contudo, repousa no indiscutível interesse público e nas
repercussões em termos de bem-estar do negócio com cartões de crédito para a coletividade, o que, de plano, afasta a tese da autonomia contratual. Isso porque não
mais impera o voluntarismo contratual do Estado liberal, caracterizado por um largo
poder de auto-regulação no negócio jurídico, posto que com a ampliação das funções do Estado sobre o domínio econômico
Os contratos, então, se transformaram em condutos da ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do
Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o
domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social, passam a ser sobre eles apostos.87
O contrato individualista e subjetivista não é uma verdade universal, inacessível à lei da evolução.88
De fato, a conclusão do trabalho de parceria entre a Autoridade Monetária e
dois órgãos que integram a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência evidencia que a indústria de cartões de pagamento apresenta importantes falhas
de mercado, com destaque para “a falta de contestabilidade na atividade de credenciamento e o significativo poder de mercado das credenciadoras Visanet e Redecard” e “forte evidência de que a regra de não sobrepreço traz distorções ao merca86
Eros Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, cit. p. 133.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988 (Interpretação e crítica), 9ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 85-86.
87
88
KHALIL, Magdi Sobhy apud Eros Grau, ob. cit. p. 91.
55
do e prejuízo ao consumidor.” 89, aspectos bastantes em si mesmas para infirmar a
autodisciplina defendida pelo mercado.
São, pois, falhas que têm interconexão com os princípios constitucionais da
livre iniciativa, da livre concorrência e da defesa do consumidor (CF, art. 170, caput,
IV e V) e com a própria estrutura do Sistema Financeiro Nacional, que deve ser instrumento viabilizador da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e servir
aos interesses da coletividade (CF, art. 192).
Sob essa perspectiva, não se pode perder de vista, inclusive, que enquanto
instrumento de pagamento que dia-a-dia adquire projeção como substituto quase
perfeito da moeda, fomenta a expansão do crédito e dos negócios e tem o potencial
de propiciar bem-estar social para a coletividade, a atividade relacionada com o cartão de crédito não mais pode ser encarada com indiferença pelo Estado, haja vista
as implicações: i) na atividade de intermediação financeira; ii) no sistema de pagamentos; iii) na defesa da concorrência; e iv) para a defesa do consumidor encarada
do ponto de vista da autorização, funcionamento e fiscalização da atividade.
É dizer, o debate e as soluções não podem desconhecer a verdadeira simbiose porque passou o Sistema Financeiro Nacional pós-reforma bancária de 1964 e a
própria evolução do cartão de crédito como instrumento de pagamento e substituto
do papel-moeda e do cheque no rastro da revolução tecnológica.
O exercício da atividade normativa de intervenção por direção sobre domínio
econômico tem o mérito de dinamizar a função normativa atribuída, por lei, a órgãos
e entidades da Administração. Como ressalta EROS GRAU, “Cumpre aos titulares
da função normativa, no caso, observar os critérios e parâmetros estabelecidos na
lei que lhes autorizou esse mesmo exercício. Observe-se que não há, na hipótese,
atribuição de função legislativa, mas sim de função normativa (regulamentar) a esses órgão e entidades.”90
Mas o próprio autor destaca que o exercício dessa função normativa pode
assumir contornos mais abrangentes, verdadeiro dever-poder, a depender da singularidade da atividade sob regulação: Diz ele:
Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas à Administração,
que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, consubstanciado na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, mas agora
BRASIL: Banco Central do Brasil, Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, cit.150, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf.
89
90
EROS GRAU, O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 231-232.
56
compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulação
desse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incumbe –efetivo dever-poder, em verdade, no qual são investidos–, órgãos e entidades da Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade
normativa de conjuntura. (...) Descortina-se, assim, a evidência de que o direito –tal qual o divisou Von Ihering, em sua teoria organicista– necessita,
como todo organismo vivo, estar em constante mutação, impondo-se a superação do descompasso existente entre o ritmo de evolução das realidades sociais e a velocidade de transformação da ordem jurídica. Nesse clima
de instabilidade de determinadas situações e estados econômicos, sujeitos
a permanentes flutuações –flutuações que definem o seu caráter conjuntural–, impõe sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentos normativos de que deve lançar mão o Estado para dar correção a desvios ocorridos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públicas que esteja a implementar.
4.2 O marco da Lei de Reforma Bancária e o poder normativo
das Autoridades Monetárias
A indústria de cartões, como referido anteriormente, tem propiciado discussões de ordem várias na doutrina, na jurisprudência e no seio legislativo enquanto catalisador dos anseios da sociedade, sobressaindo a reverberação de sentimento de orfandade regulamentar da atividade. Não sem razão a doutrina conceitua a
atividade com cartão de crédito como negócio complexo e atípico, a ponto de no
Convite para Seminário – Os cartões de crédito e o consumidor, realizado em abril
de 2008, a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – PRO TESTE consignar:
O tema é bastante relevante na sociedade brasileira, dando ensejo a milhares de ações judiciais e coletivas no Brasil, questionando as variadas práticas das administradoras de cartões de crédito e o relacionamento com os
consumidores. No entanto, o que mais aflige os operadores do direito e todas as partes envolvidas é a ausência de normas específicas, que possam
regulamentar adequadamente a questão, de modo a prevenir e também resolver os conflitos de forma célere e equânime. (destacou-se)
CANOTILHO91 chama a atenção para o fato de que o princípio da democracia social e econômica, quer na sua configuração geral, quer nas concretizações re ais, constitui um limite e um impulso. Como limite, o legislador não pode executar
uma política econômica e social de sinal contrário ao imposto pelas normas constitucionais; como impulso, o princípio da democracia econômica e social exige positivamente do legislador (e aos órgãos concretizadores) a prossecução de uma política
em conformidade com as normas concretamente impositivas da Constituição.
91
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 346.
57
No mesmo sentido EROS GRAU 92 sustenta que na nova ordem econômica e
social instaurada com o advento do Estado constitucional “A ‘mão invisível’ de Smith
é substituída pela mão visível do Estado.”, posto que o Estado assume a responsabilidade pela condução do processo econômico pela via da dinamização de técnicas
específicas de atuação, quais sejam, atuação na economia (por absorção e por participação) e atuação sobre a economia (por direção e por indução).
Resta então averiguar se o atual marco legal sobre a atividade de intermediação financeira e de sistema de pagamentos (Leis nº 4.595, de 1964, e nº 10.214,
de 2001) atribui poder normativo às Autoridades Monetárias com aptidão de inovar
na ordem jurídica em sede de sistema financeiro, independentemente de inovação
legiferante primária.
Não está em discussão aqui o princípio da prevalência ou preferência da lei
sobre todos os outros atos do Estado, afinal “num Estado democrático-constitucional
a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático” 93.
Importa apurar se o atual marco legal legitima a atuação regulamentar das
Autoridades Monetárias independentemente de nova atividade legiferante originária,
particularmente em face do sentimento geral de vácuo regulamentar denunciado
pelo marco teórico.
A denominada Lei da Reforma Bancária (Lei nº 4.595, de 1964), recepcionada pela atual Constituição com status de lei complementar, consagra o Conselho
Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil como autoridades máximas do Sistema Financeiro Nacional.
O legislador de 1964 concebeu o Conselho Monetário Nacional com claro
perfil normatizador, haja vista que lhe atribuiu a responsabilidade pela formulação da
política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País
(art. 2º), objetivo esse que é referendado pelo art. 192 da atual Carta Política quando
preceitua que o sistema financeiro deve ser instrumento promotor do desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade.
A política do Conselho Monetário Nacional deve perseguir e conciliar diversos objetivos (art. 3º), inclusive a regulação do valor interno da moeda pela via da
prevenção ou correção dos surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna
ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenôme92
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto,cit. pp. 26-27.
93
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 256.
58
nos conjunturais (inciso II) e o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos
financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos (inciso V), questões que mais diretamente se imbricam com o tema
sob dissertação.
Para que bem possa desempenhar sua missão, o legislador atribuiu ao Conselho Monetário Nacional competência, para, “segundo diretrizes do Presidente da
República”, dentre outras atribuições (art. 4º): i - disciplinar todas as modalidades de
crédito e as operações creditícias em todas as suas formas (inciso VI); ii -regular a
constituição, funcionamento e fiscalização dos entes que exercerem atividades privativas de instituição financeira e a aplicação das penalidades (inciso VIII).
Observe-se que a Lei nº 4.595, de 1964, legitima, habilita, o Conselho Monetário Nacional para regulamentar a constituição, o funcionamento e a fiscalização de
qualquer entidade que exerça atividade de intermediação financeira e a disciplinar
todas as modalidades de crédito e todas as formas de operações creditícias. É dizer,
o Conselho Monetário Nacional é competente para regular —além da constituição e
da fiscalização— o desempenho das entidades que exercerem atividades de inter mediação financeira no plano do sistema financeiro, de molde que funcionem em coerência com certas diretrizes de políticas públicas (art. 3º) e com os princípios constitucionais condicionadores da própria ordem econômica (CF, arts. 5º, XXXII, 170, V,
e 192).
Leitura atenta do art. 4º da Lei da Reforma Bancária permite concluir que o
legislador de 1964 tinha clara percepção de que a atividade de intermediação financeira reúne singularidades e idiossincrasias que a distingue dos demais ramos da
atividade econômica, razão por que as atribuições normativas e de fiscalização são
amplas e de molde a possibilitar que as Autoridades Monetárias dispusessem de
instrumental para acompanhar a diversificação e sofisticação crescentes da indústria
da fidúcia. De fato, lê-se no Relatório nº 22, de 1965, de autoria do Senador Mem de
Sá, in verbis:
O anteprojeto não só determina a observância de critérios razoáveis, ...,
como arma o órgão controlador de poderes adequados à fiel observância do
determinado na lei. As prescrições legais amplas relativas à organização de
Bancos, casas bancárias, cooperativas de crédito, companhias de financiamento e investimento foram redigidas tendo em vistas a consecução dos
objetivos citados, a par de defender os interesses dos indivíduos e firmas
privadas que cedem seus recursos financeiros a estas instituições. (destacou-se)
59
É a capacidade normativa de conjuntura de que fala EROS GRAU, que, não
refratária ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, ao princípio da
legalidade, porque ungida de legalidade e ativada nos quadrantes da lei e da Consti tuição, instrumenta as Autoridades Monetárias para enfrentar o descompasso existente entre o ritmo de evolução das realidades sociais e a velocidade de transformação da ordem jurídica. Por isso mesmo o citado autor sustenta enfaticamente:
A doutrina brasileira tradicional do direito administrativo, isolando-se da realidade, olimpicamente ignora que um conjunto de elementos de índole técnica, aliado a motivações de premência e celeridade na conformação do regime a que se subordina a atividade de intermediação, tornam o procedimento legislativo, com seus prazos e debates prolongados, inadequado à ordenação de matérias essencialmente conjunturais. No que tange ao sistema financeiro, desconhece que o caráter instrumental da atuação dos seus agentes, e dele próprio, desenha uma porção da realidade à qual não se pode
mais amoldar o quanto as teorias jurídicas do século passado explicavam.
(...) Não é estranho, assim, que essa doutrina –no mundo irreal em que se
afaga– não avance um milímetro além da afirmação, por exemplo, de que
todas as resoluções do Conselho Monetário Nacional, editadas pelo Banco
Central do Brasil, são inconstitucionais! 94
Coube ao Banco Central do Brasil, autarquia especial dotada de personalidade jurídica própria e vinculada ao Ministério da Fazenda, por seu turno, o exercício de atribuições precipuamente executivas. Nesse terreno, pela sua visibilidade,
destaque-se as competências para, atendidas as disposições que lhe são atribuídas
pelas leis em vigor e pelo Conselho Monetário Nacional (art. 9º), privativamente:
exercer o controle de crédito sob todas as suas formas (art. 10, VI); exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas, regulando as
condições de concorrência (art. 10, IX, c/c o art. 18, § 2º); conceder autorização às
instituições financeiras (art. 10, X); exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem
(art. 11, VII).
É igualmente amplo o dever-poder do Banco Central do Brasil na seara da
atividade de intermediação financeira.
Pois bem. O aperfeiçoamento dos instrumentos financeiros e a maior eficiência do sistema de pagamentos, como destacado, integram os objetivos de política do
Conselho Monetário Nacional (Lei nº 4.595, art. 3º, V). A Lei nº 10.214, de 2001, que
dispõe sobre a atuação das câmaras e dos prestadores de serviços de compensa94
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 232-233 .
60
ção e de liquidação, veio ao encontro desse desiderato possibilitando a reestruturação do sistema de pagamentos brasileiro, reconhecido internacionalmente como um
dos mais sofisticados.
Outra vez o legislador, curvando-se às particularidades inerentes à indústria
da fidúcia, conferiu amplo poder normativo ao Conselho Monetário Nacional e de
execução ao Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários (Lei nº
10.214, art. 10), afinal nos termos do art. 2º da Lei nº 10.214, de 2001, o sistema de
pagamentos brasileiro compreende as entidades, os sistemas e os procedimentos
relacionados com a transferência de fundos e de outros ativos financeiros, ou com o
processamento, a compensação e a liquidação de pagamentos em qualquer de suas
formas, o que autoriza a concluir que as operações com cartão de crédito, sob a óti ca do sistema de pagamentos, também estão sob a tutela dos órgãos reguladores.
Assim, na linha do Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamento,
resta concluir que falhas na organização da indústria denunciam que a auto-regula ção da indústria é incapaz de viabilizar o bem-estar para o conjunto da coletividade,
o que demanda a conformação do direito de liberdade econômica da indústria aos
valores constitucionais da Ordem Econômica (CF, art. 170), desde a perspectiva da
regulação e da fiscalização da atividade de intermediação financeira que ela, indústria de cartões, alberga.
Com vistas, por fim, a dar consistência fática à tese do amplo poder normativo em sede de regulação da atividade de intermediação financeira far-se-á incursão
na jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal.
4.3 A adequação constitucional do poder normativo das
Autoridades Monetárias
Nas quase cinco décadas e vigência de regimes políticos antagônicas –a
Carta Política de 1967, alterada pela EC 1/69, e a de 1988– o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, foi chamado a se manifestar sobre a adequação constitucional do modelo de amplo poder normativo que a Lei da Reforma Bancária confere
às Autoridades Monetárias.
A análise dos julgados catalogados evidencia que, independentemente de
sua composição, a Corte Suprema tem legitimado tanto as funções normativas do
61
Conselho Monetário Nacional quanto a natureza das funções executivas e fiscaliza tórias atribuídas ao Banco Central do Brasil, a par de reconhecer a singularidade da
atividade de intermediação financeira.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 78.953/SP 95, no qual se discutia
a incidência da limitação de juros da Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 1933) nas
operações bancárias, o Pleno firmou o entendimento de que a Lei nº 4.595, de 1964,
revogara o art. 1º do Decreto nº 22.626, de 1933.
No seu voto o relator, ministro Oswaldo Trigueiro, explicita as incumbências
do Conselho Monetário Nacional na Lei nº 4.595, de 1964, particularmente no que se
refere: à formulação da política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País (art. 2º); aos objetivos de política de regulação do valor interno da moeda com o objetivo de prevenir ou corrigir os surtos inflacionários ou deflacionários (art. 3º, II) e de orientação de aplicação dos recursos das instituições fi nanceiras públicas e privadas (art. 3º, IV); à competência para disciplinar o crédito
em todas as suas modalidades (art. 4º, VI) e limitar as taxas de juros, descontos, co missões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários
e financeiros (art. 4º, IX).
O ministro Xavier de Albuquerque, por seu turno, destacou que o legislador
da Lei nº 4.595, de 1964, “adotando nova técnica para a formulação da moeda e do
crédito, criou o Conselho Monetário Nacional e, conferindo-lhe poderes normativos
‘quase-legislativos’, cometeu-lhe o encargo de ‘limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer forma de remuneração de operações
e serviços bancários ou financeiros’ (art. 4º, IX).”
No Recurso Extraordinário nº 90.636/SP 96, em que se discutia se o instituto
da alienação fiduciária poderia ou não ser utilizado nas operações de consórcios, a
Corte decidiu que “A garantia real (propriedade fiduciária) decorrentes da alienação
fiduciária em garantia pode ser utilizada nas operações de consórcio, que se situam
no terreno do sistema financeiro nacional, ..., da mesma forma como ocorre com as
operações celebradas pelas financeiras em sentido estrito”. (destacou-se)
STF, Seção de Jurisprudência, Pleno, julgamento 05.05.1975, Aud. Publicação de 09.04.1975, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em
11.06.2009.
95
STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 02.05.1979, DJ de 18.06.1979, Ementário nº
1136-2, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso em 12.06.2009.
96
62
O precedente é interessante porque discute tanto a natureza da atividade
quanto a higidez do poder normativo do Conselho Monetário Nacional.
Com relação à atividade, o relator, ministro Moreira Alves, após fazer longa
abordagem sobre a alienação fiduciária e sua extensão, por norma infralegal, às
operações de consórcios que integrariam matéria própria do Sistema Financeiro Nacional “o que, aliás, decorre da natureza mesma das coisas”, destaca:
Observo, ademais, que ainda que não houvesse tal delegação, nada impediria, no caso, que, por meio de interpretação impropriamente denominada
extensiva, se aplicasse o disposto no Decreto-lei nº 911 às operações como
a de consórcio, uma vez que, (...). Essa incompatibilidade não ocorre em
operações como as de consórcio, que se situam no terreno do sistema financeiro nacional, e que se realizam sob fiscalização do Poder Público, da
mesma forma como ocorre com as operações celebradas pelas financeiras
em sentido estrito.
No ponto em que discute a capacidade normativa de conjuntura do Conselho
Monetário Nacional e o dever-poder de fiscalização do Banco Central do Brasil, o
voto realça a necessidade de flexibilização da política que disciplina as matérias de
índole econômico-financeiras, nesses termos:
c) – tanto o regulamento quanto os atos normativos complementares são,
desde que não se contraponham a princípios estabelecidos na própria lei
delegante, normas com força de lei (o que, também, se tem admitido especialmente no terreno econômico-financeiro, dada a necessidade de flexibilidade da política que a disciplina, o que não se pode alcançar com a rigidez de
textos legais de caráter permanente).
Na Representação nº 1.172/CE 97‾98, na qual se discutia a inconstitucionalidade da Lei nº 10.551, de 1981, do Estado do Ceará, que reconhecia o dia 28 de agos to como o “Dia Nacional dos Bancários” e decretava o fechamento das “empresas
bancárias e creditícias estabelecidas no Território do Estado” nesse dia, veio à tona
questionamento sobre a legitimidade do Conselho Monetária Nacional para regular a
constituição, o funcionamento e a fiscalização das entidades que exercerem ativida des de intermediação financeira.
STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 31.05.1984, DJ de 03.08.1984, Ementário nº
1343-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso em 12.06.2009.
97
No mesmo sentido a MC na ADI nº 1.277-SP requerida pelo Governador do Estado de São Paulo
em face da Lei Estadual nº 9.084, de 1995, que dispunha sobre a criação de Cooperativa de Crédito
pelas Entidades de Classe dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo. STF, Serviço de Juris prudência, Pleno, julgamento 27.09.1995, DJ de 23.02.1986, Ementário nº 1817-01, disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.
98
63
O relator, ministro Rafael Mayer, num voto objetivo em que reconhece a
competência legislativa exclusiva da União para legislar sobre a política de crédito,
assim aborda a questão:
No exercício dessa competência privativa, cabe à União legislar sobre a política e as instituições monetárias, creditícias e bancário, como efetivamente
fez, editando a Lei 4.595/64, em vigor, onde se dispõe, de modo específico,
ser atribuição do Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, “regular a constituição, funcionamento e
fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a essa Lei” (art. 4º,
VIII).
E arremata:
Ora funcionamento tem a ver com o desempenho da função, com o exercício das atividades, com o andamento dos trabalhos, e esse ponto que cabe
ser disciplinado exclusivamente pela lei federal é que faz objeto da norma
estadual, ao dispor diretamente sobre a sua suspensão ou interrupção,
usurpando atribuição conferida a órgão federal.
No Conflito de Atribuição nº 35-1/RJ 99, suscitantes o Banco Brasileiro de
Descontos S/A e outros, suscitados o Juiz de Direito da 20ª Vara Cível da Comarca
da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Conselho Monetário Nacional e Banco Central e como interessado e agravante o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Curadoria de Justiça dos Consumidores), o Pleno do Supremo Tribunal Federal
confirmou o poder normativo do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central.
Confiram-se excertos do voto do ministro relator, Sydney Sanches:
Esse poder de criar direito material é, em princípio, do Legislativo, segundo
as competências constitucionalmente distribuídas, cabendo, em outros casos, delegações de poderes normativos complementares a órgãos administrativos, que os exercem como atribuições. É o que acontece com o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, no campo ora focalizado. (...)
Normas genéricas, que, além de não competirem ao Judiciário, no estrito
exercício de sua função jurisdicional, colidem frontalmente com as já baixadas pelos órgãos administrativos competentes, no exercício de poder normativo legalmente conferido (Conselho Monetário Nacional e Banco Central
do Brasil).
Não se trata, pois, apenas de incorreta interpretação de lei, no exercício de
estrita jurisdição, mas de exercício indevido de poder normativo delegado a
órgãos administrativos, que já o exerceram. (destaques do original)
STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 02.12.1987, DJ de 1º.12.1989, Ementário nº
1565-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso em 12.06.2009.
99
64
Na vigência da atual Constituição temas relevantes também foram apreciados pela Corte Suprema em matéria de atividade de intermediação financeira e a ca pacidade normativa de conjuntura das Autoridades Monetárias.
No Recurso Especial nº 242.550-2/DF questionava-se a constitucionalidade
de resoluções do Conselho Monetário Nacional que disciplinavam as operações com
ouro como ativo financeiro.
O aspecto relevante do voto do relator, ministro Ilmar Galvão, que conclui
que a captação de recursos do público para aplicação em ouro ou em certificados de
depósito em ouro, caracteriza, sim, atividade privativa de instituição financeira, reside exatamente na diferença entre ato eventual e esporádico de compra ou venda do
ativo financeiro e o exercício continuado, especulativo, da atividade, bastante para
descaracterizar o negócio mercantil puro. Confira-se:
[...], a questão que aqui se coloca para análise é a de saber se a comercialização de ouro, programada ao longo do tempo, sem finalidade industrial,
(...), configura, ou não, atividade privativa de instituição financeira, sujeita,
conseqüentemente, à prévia autorização do Banco Central.
A resposta, na verdade, não pode ser senão afirmativa. Com efeito, trata-se,
no caso, de operações motivadas por interesse não na aquisição do ouro,
ainda que para entesouramento, mas no investimento financeiro lastreado
no referido metal e voltado, principalmente, à preservação do valor aquisitivo de disponibilidades financeiras. (destacou-se)
Com relação ao poder normativo do Conselho Monetário Nacional e ao dever-poder de fiscalização do Banco Central do Brasil, endossa os fundamentos da
decisão da Justiça Federal que não vislumbrara nem ilegalidade nem ofensa ao princípio da livre iniciativa. A uma, porque “ambas as resoluções foram baixadas ao amparo de competência expressamente delegada pela Lei 4.595/64”; a duas, porque
“não se pode, em nome dessa liberdade [de iniciativa], pretender-se que o exercício
de todas as atividades não se sujeitam ao ordenamento jurídico validamente estabelecido.”
Em sede de ação direta de inconstitucionalidade alguns temas importantes
foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, sendo bastantes a título de fecho
do tópico a abordagem da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.376-9/DF e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591-1/DF, afirmativas
da adequação constitucional do modelo da Lei da Reforma Bancária 100.
No mesmo sentido: ADI nº 4-7/DF, requerida pelo Partido Democrático Trabalhista, sobre a imediata aplicação dos juros de 12% ao ano (CF, art. 192, § 3º, na redação original); MC na ADI nº 1.3980/DF, requerida pelo Partido dos Trabalhadores, questionando a criação do Fundo Garantidor de Cré 100
65
Na ADI nº 1.376-9/DF101, perseguia-se a declaração de inconstitucionalidade integral da Medida Provisória nº 1.779, de 1995, convertida na Lei nº 9.710, de
1998, que referendava o “Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, instituído pelo Conselho Monetário Nacional
com vistas a assegurar liquidez e solvência ao referido Sistema e a resguardar os in teresses de depositantes e investidores”.
O fundamento do pedido residia no argumento de que a medida provisória
teria legislado sobre matéria reservada a lei complementar (CF, arts. 192), a lei específica (CF, art. 150, § 6º) e violado os princípios da isonomia, do direito adquirido e
da não obrigatoriedade de associação (CF, art. 5º, XX) e todos foram afastados pelo
Plenário.
O voto o relator, ministro Ilmar Galvão, deixa antever que a pretensa inconstitucionalidade não subsistia porque a medida provisória se limitou a definir os con tornos de programa criado por ato do Conselho Monetário Nacional, no exercício de
atribuição que lhe foi conferida pela Lei nº 4.595/64, a quem compete zelar pela liquidez e solvência (art. 3º, VI) e regular a constituição e o funcionamento (art. 4º, VIII)
das instituições financeiras. São esses os dizeres:
Como se vê, trata-se de dispositivos que se limitam a definir os contornos
de programa criado por ato do Conselho Monetário Nacional, instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, tal como concebido na Lei nº
4.595/64, que, por haver sido editada com o objetivo justamente de organizar o referido Sistema, é de ser tida por recebida pela Carta de 1988, segundo orientação consagrada nesta Corte.
De efeito, referida lei, no art. 2º, criou o Conselho Monetário Nacional, integrado ao Ministério da Fazenda, (...), conferindo-lhe, entre outras atribuições, a de “zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras” (inc.
VI), o que se acha em perfeita consonância com a norma do art. 192, IV, da
Carta de 1988, onde está expressamente previsto que lei complementar disporá sobre “as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas”, entre as quais indubitavelmente se acha o Conselho Monetário Nacional.
Por último, a ADI nº 2.591-1/DF. O diferencial do julgamento dessa ação direta de inconstitucionalidade reside no ponto de que, de forma explícita, a Corte Suprema adotou a tese acadêmica de EROS GRAU, como integrante do órgão máximo
dito (FGC) por resolução do Conselho Monetário Nacional; ADI nº 449-2/DF, requerida pelo Procurador-Geral da República, contra o art. 251 da Lei nº 8.212, de 1990, que excluía os servidores do Banco Central do regime jurídico único.
STF, Coordenação de Análise de Jurisprudência, Pleno, julgamento 11.12.1995, DJ de
31.08.2001, Ementário nº 2041 -1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.
101
66
do Poder Judiciário, da capacidade normativa de conjuntura atribuída a determinados órgãos do Poder Executivo.
Na ação direta, entidade de classe do Sistema Financeiro Nacional pleiteava
a declaração de inconstitucionalidade formal e material da expressão “inclusive as
de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do § 2º do art.
3º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), por entender que os serviços ali veiculados envolviam matéria dependente de disciplinamento por lei complementar (CF, art. 192).
A Corte Suprema, na sua conformação plenária e por maioria, afastou o pedido veiculado na ação direta de inconstitucionalidade por entender que a exigência
de lei complementar prevista no art. 192 da Carta Política “abrange exclusivamente
a regulação da estrutura do sistema financeiro”, sendo certo que as relações particulares entre instituição financeira e cliente não se enquadram nesse escopo estrutural.
Noutros termos, o art. 192 da Constituição “consubstancia norma-objetivo
que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da co letividade.”, o que significa dizer que todas as matérias que digam respeito ao funcionamento do sistema financeiro nacional podem ser regulamentadas por intermédio
de resoluções do Conselho Monetário Nacional ou lei ordinária, sem nenhuma ofensa à Constituição Federal.
De fato, os Juízes da Corte Suprema debateram explicitamente a capacidade normativa de conjuntura das Autoridades Monetárias, concluindo que o Conselho
Monetário Nacional está habilitado a regulamentar tudo que disser respeito ao funcionamento do sistema financeiro nacional. No voto vencedor o ministro EROS GRAU
assim se expressou:
O artigo 4º, inciso VIII, da Lei nº 4.595/1964 estabelece que compete ao
Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República (redação da Lei n. 6.045/74), “regular a constituição,
funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a
este lei, bem como a aplicação das penalidades previstas”.
(...) O titular do exercício da chamada capacidade normativa de conjuntura é
o Conselho Monetário Nacional.
A questão a considerar respeita à determinação do significado, no contexto
do preceito –isto é, no mencionado artigo 4º, inciso VIII– do vocábulo funcionamento. É unicamente sobre esta matéria que o Conselho Monetário Nacional está autorizado a dispor texto normativo.
67
Os que exercem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/1964 são as instituições financeiras. Logo, é do funcionamento das instituições financeiras que
se trata. (...) O vocábulo funcionamento é, porém,mais forte, na medida em
que expressivo da circunstância de as instituições cumprirem uma função
no quadro do sistema financeiro nacional.
O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter estabelecido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação financeira, a empresa deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário
Nacional no que concerne a sua adequação a esse desempenho. (...) Digo
mais: esse exercício há de ser empreendido de modo que a empresa –isto
é, a instituição financeira– funcione em coerência com certas diretrizes de
políticas públicas, suas prerrogativas sendo exercidas conforme definições,
estruturais e conjunturais, (...).
Pode-se dizer que a regulação da atividade da indústria de cartões pode ser
materializada por resolução do Conselho Monetário Nacional sem nenhuma violação
aos princípios da separação de poderes e da legalidade. Isso porque não há falar de
autorização ampla e indefinida, mas de definição clara e objetiva de que tudo que
disser respeito ao funcionamento das entidades que exerçam a atividade de intermediação financeira pode ser instrumentalizada por norma infralegal, independentemente da regulamentação do disposto no art. 192 da Constituição.
Aliás, mesmo que o marco legal que conforma a atividade de intermediação
financeira não explicitasse a capacidade normativa do Conselho Monetário Nacional,
o ordenamento constitucional, no dizer do ministro Celso de Mello 102, “outorgou ao
Estado, o poder de intervir no domínio econômico, assistindo-lhe, nesse especial
contexto das funções estatais, competência para proceder como agente normativo
e regulador da atividade negocial (art. 174).”, de sorte que lei ordinária bastaria para
regular o funcionamento da atividade de intermediação financeira.
É que, como ressaltou o ministro Joaquim Barbosa 103, a modificação promovida pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, no art. 192 da Constituição “aumentou, portanto, o grau de vagueza do campo de competência relativo ao sistema
financeiro nacional.”, particularmente porque foram removidos da redação original
“elementos que permitiam caracterizar o âmbito das normas do sistema financeiro
nacional, limitando-se à definição da lei complementar como instrumento para dispor
sobre o assunto, ‘de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a
servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem’.”
102
Voto proferido na ADI nº 2.591-1/DF.
103
Idem, idem.
68
Posto isso, pode-se concluir com a afirmação de que a recente decisão proferida na Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 julgando: i) que “a interpretação adotada pelo STJ não tem efeito em casos diversos”; ii) que a submissão da atividade de cartões de crédito ao dever-poder de regulação e fiscalização das autoridades monetárias “somente pode ser feita por lei, pois não se restringe à mera atividade interpretativa”; e iii) se faz necessário “criar estrutura organizacional própria de
modo a abarcar o incremento de atribuições daí decorrente .”104, não encontra ressonância nem no marco legal regente da atividade de intermediação financeira e nem
na firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do amplo poder nor mativo atribuído pela Lei da Reforma Bancária às Autoridades Monetárias.
Noutros termos, mercê de gestado há quase cinqüenta anos, o modelo da
Lei da Reforma Bancária continua atual porque o legislador de então tinha clara percepção a respeito das singularidades e idiossincrasias inerentes à indústria da fidúcia, tanto que hodiernamente o Brasil é destaque nos fóruns internacionais que de batem um “novo modelo de regulação” para o sistema financeiro internacional diante
do fracasso da prática de auto-regulação adotada mundo afora.
Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 movida pelo Ministério Pública Federal e processada
perante a Sétima Vara Federal da Justiça Federal na Capital do Estado de São Paulo, Sentença tipo
A proferida pela Juíza Federal Diana Brunstein, de 13.03.2009.
104
69
5 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve a pretensão de discutir tema que tem permeado as
discussões, nos últimos anos, no âmbito do Poder Legislativo, de entidades da sociedade civil organizada, do comércio e de defesa dos consumidores, qual seja, a sub missão ou não da indústria de cartões de pagamento à regulação e à fiscalização do
Estado e mais especificamente das Autoridades Monetárias.
As discussões, de um modo geral, se concentram em dois pontos: i) enquadramento ou não do negócio com cartão de crédito como atividade de intermediação
financeira, logo matéria do direito bancário; ii) edição de norma primária para submeter a indústria de cartões à tutela regulamentar das Autoridades Monetárias ante o
sentimento de ausência do Estado-regulador.
As inquietações, portanto, são mutuamente condicionadas.
No que concerne à tipicidade do negócio, o trabalho aborda, na perspectiva
histórica e da organização da indústria, a mutação qualitativa ocorrida com a entrada
no circuito negocial de empresa especializada na emissão e administração de cartões e, num segundo momento, do sistema bancário, o que possibilitou desnaturar a
relação eminentemente mercantilista da origem do cartão de crédito, deslocando-a
para o campo de incidência da atividade de intermediação financeira própria do direi to bancário.
Nesse desiderato o trabalho explora as relações que emergem do relacionamento do emissor do cartão de crédito com os usuários finais (titular do cartão e fornecedor de bens ou de serviços), consistentes na abertura ou concessão de crédito
em sentido estrito e na concessão de garantia, além do fato de que no Brasil mais
de noventa por cento do mercado tem como emissores, por definição, instituições financeiras bancárias.
O trabalho tenta desmistificar o entendimento chavão que apregoa que a intromissão especulativa na exploração do dinheiro somente ocorre se houver prévia
captação (coleta) de recursos, isto é, a intermediação financeira seria condicionada
e dependente de captação, mostrando que a expansão do crédito pode ocorrer autonomamente pelos condutos do ativo (usos) e o sistema de cartão de crédito é a prova insofismável dessa realidade, haja vista que a captação de recursos, nos casos
em que o emissor não é a própria instituição financeira ou entidade que integra o
70
próprio conglomerado financeiro, somente ocorre por ocasião do parcelamento do
débito da fatura.
Mostra-se, de outra banda, que o instituto da cláusula-mandato serve para
encobrir uma porção da realidade e possibilitar um jogo de informações e contra-informações que contraria os interesses da coletividade e possibilita o exercício de atividade à margem da lei, razão por que conclui, no particular, que, salvo na hipótese
da modalidade de cartão private label, a distinção que o marco teórico faz entre cartão de crédito bancário e o cartão de crédito não bancário é irrelevante para fins de
enquadramento do negócio como próprio e privativo da atividade bancária.
No que concerne à pretensa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro de
norma específica, o que justificaria a ausência normatizadora do Estado-regulador
em relação à indústria de cartões e a imperiosa necessidade de atuação do legislador primário, demonstra-se que se trata de um falso problema, quiçá desdobramento
da não menos falaciosa tese que apregoa que o negócio com cartão de crédito nada
tem de intermediação financeira.
Muito embora se reconheça a primazia e a maior legitimidade de norma
emanada do legislador primário, comprova-se, com arrimo em forte doutrina sobre o
princípio da separação de poderes e de seu consectário, o princípio da legalidade, e
sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que o marco legal que paira sobre o sistema financeiro nacional não é refratário à ordem constitucional vigente, pois
a Lei da Reforma Bancária atribui ampla competência normativa ao Conselho Monetário Nacional para regular a constituição, o funcionamento e a fiscalização dos que
exercerem atividade de intermediação financeira (Lei nº 4.595, de 1964, VIII).
Claro que a questão não se exaure na atividade de intermediação financeira.
Como negócio complexo que é, a atividade com cartões de crédito tem reflexos também sobre os sistemas regulatórios: i) da compensação e liquidação de obrigações,
matéria submetida à regência da Lei nº 10.214, de 2001, que também confere amplo
poder normativo às Autoridades Monetárias; ii) da defesa da concorrência sob a ótica das atividades preventiva e repressiva (Lei nº 4.595, de 1964, art. 18, § 2º, e Lei
nº 8.884, de 1994); e iii) do micro sistema de defesa do consumidor (Lei nº 8.878, de
1990) sob o olhar do fornecimento de bens e da prestação de serviços, tanto mercantis puros quanto financeiros.
71
A rigor, pois, o problema não é de orfandade de legislação, mas de falta de
compreensão a respeito do negócio complexo que permeia a atividade com cartões
de pagamento ou de ausência de política pública transparente.
Objetivamente, portanto, o dever-poder do Estado poderia ser exercido com
respaldo na legislação em vigor sem que disso resultasse mácula a nenhum princípio consagrado na Constituição de 1988.
Tenha-se presente que as conclusões do estudo desenvolvido pela Autoridade Monetária e pelos dois órgãos que integram a estrutura do Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência105 denunciam que:
i) mais de noventa por cento dos cartões de pagamento em circulação no
território brasileiro são de emissão de instituições financeiras, o que por si só esvazia o jogo de desinformação nutrido e centralizado na figura da “administradora de
cartões de crédito” –tida como catalisadora de todas as relações tanto do lado da
oferta quando do lado da demanda–, quando, a rigor, o emissor do cartão é que é a
figura central do arranjo operacional; e
ii) a indústria de cartões no Brasil apresenta importantes falhas de mercado,
com destaque para “a falta de contestabilidade na atividade de credenciamento e o
significativo poder de mercado das credenciadoras Visanet e Redecard” e “forte evidência de que a regra de não sobrepreço traz distorções ao mercado e prejuízo ao
consumidor.”
Numa sentença: a atuação do Estado-regulador é imperativo de ordem pública a fim de conformar a realidade da indústria de cartões aos valores da ordem econômica (CF, art. 170, caput, IV e V, art. 174) e à norma-objetivo do art. 192 da Constituição Federal, segundo a qual o Sistema Financeiro Nacional deve estar a serviço
da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e dos interesses da coletividade.
Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra conjunta Bacen/SEAE/SDE, Brasília,
2009.
105
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______________________. Recurso Extraordinário nº 90.936/SP, recorrente: Mercaminas S/A-Crédito, Financiamento e Investimento e outras e recorrido: Sin-
75
dicato dos Empregados em Estabelecimentos dos Estados de Minas Gerais, Goiás,
Brasília e outros. Relator Ministro Moreira Alves. Brasília (DF), julgamento 05 mai.
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acesso em 12.06.2009.
______________________. Representação nº 1.172/CE, representante:
Procurador-Geral da República e representado: Estado do Ceará. Relator Ministro
Rafael Mayer. Brasília (DF), julgamento 31 mai. 1984, Publicação de 03 ago. 1984,
Seção
de
Jurisprudência,
Ementário
nº
1343-1,
disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso
em
12.06.2009.
______________________. Conflito de Atribuição nº 35-1/RJ, suscitantes:
Banco Brasileiro de Descontos S/A e outros, suscitados: Juiz de Direito da 20ª Vara
Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil e interessado e agravante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Curadoria de Justiça dos Consumidores). Relator Ministro
Sidney Sanches. Brasília (DF), julgamento 02 dez. 1987, Publicação de 1º dez.
1989, Seção de Serviço de Jurisprudência, Ementário nº 1565-1, disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso
em
12.06.2009.
______________________. Recurso Especial nº 242.550-2/DF, recorrente:
Ourobraz S/A-Comércio Importação e Exportação, recorrido: Banco Central do Brasil. Relator Ministro Ilmar Galvão. Brasília (DF), julgamento 28 set. 1999, Publicação
de 10 dez. 1999, Seção de Serviço de Jurisprudência, Ementário nº 1975-5, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso
em 12.06.2009.
______________________. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.3769/DF, requerente: Partido dos Trabalhadores-PT, requerido: Presidente da República. Relator Ministro Ilmar Galvão. Brasília (DF), julgamento 11 dez. 1995, Publicação
de 31 ago. 2001, Coordenação de Análise de Jurisprudência, Ementário nº 2041
-1,
disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado,
acesso
em
12.06.2009.
______________________. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.3980/DF, requerente: Partido dos Trabalhadores-PT, requerido: Conselho Monetário Nacional. Relator Ministro Francisco Rezek. Brasília (DF), julgamento 13 mar. 1996,
Publicação de 18 out. 1996, Serviço de Jurisprudência, Ementário nº 1846-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.
______________________. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.5911/DF, requerente: Confederação Nacional do Sistema Financeiro-Consif, requeridos:
Presidente da República e Congresso Nacional. Relator Ministro Carlos Velloso e relator p/acórdão Ministro Eros Grau. Brasília (DF), julgamento 07 jun. 2006, Publicação de 29 nov. 2006, Coordenação de Análise de Jurisprudência, Ementários nºs
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2249-2 e 2271-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.
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