Wesley Santos Almeida - Universidade Católica de Brasília

Transcrição

Wesley Santos Almeida - Universidade Católica de Brasília
Universidade
Católica de
Brasília
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
UNIÃO HOMOAFETIVA:
UMA ENTIDADE FAMILIAR EM BUSCA DE IDENTIDADE
JURÍDICA
Autor: Wesley Santos Almeida
Orientador: Prof. Me. Marcos Bemquerer Costa
BRASÍLIA
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WESLEY SANTOS ALMEIDA
UNIÃO HOMOAFETIVA:
UMA ENTIDADE FAMILIAR EM BUSCA DE IDENTIDADE JURÍDICA
Monografia
apresentada
examinadora da
à
banca
Faculdade de Direito da
UCB – Universidade Católica de Brasília,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Me. Marcos Bemquerer Costa
BRASÍLIA
– 2007 –
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TERMO DE APROVAÇÃO
WESLEY SANTOS ALMEIDA
Monografia intitulada “União Homoafetiva: Uma Entidade Familiar em Busca
de Identidade Jurídica”, aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito no curso de graduação da Faculdade de Direito da Universidade
Católica de Brasília, pela seguinte banca examinadora:
_____________________________________________
Prof. Me. Marcos Bemquerer Costa (Orientador)
_____________________________________________
_____________________________________________
Brasília, 2007
Universidade Católica de Brasília
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Dedicatória
A Deus, por me guiar pelos
caminhos certos.
À minha mãe, que me ensinou a
ser forte e lutar pela minha felicidade.
A Wagner, companheiro de
todas as horas, que me deu a honra
de dividir a vida, e centro da minha
pequena entidade familiar.
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Agradecimentos
A todos que de alguma forma
contribuíram para a realização deste
trabalho, em especial:
Professor Marcos Bemquerer, pela
orientação e paciência.
Clodoaldo, Wilson e Diogo, amigos
que me apóiam a todo instante e
fazem a vida mais divertida.
Carlos, que está sempre em nossas
lembranças.
Filipe e Sandro, pelo grande apoio
psicológico; e por serem padrinhos
maravilhosos.
Itamar, pelo ajuda constante com
artigos e matérias para a realização deste
trabalho.
E a todos que, direta ou indiretamente,
lutam pelos direitos homoafetivos.
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Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor
paga do seu trabalho. Porque se um cair, o outro
levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só;
pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também,
se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um
só, como se aquentará? E, se alguém prevalecer
contra um, os dois lhe resistirão, e o cordão de três
dobras não se quebra tão depressa.
Eclesiastes 4:9-12.
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RESUMO
Os novos contornos das entidades familiares existentes na sociedade
moderna obrigaram os pensadores do Direito de Família a (re)avaliarem seus
conceitos, ampliando a importância da família. Juridicamente, tem-se procurado
afastar cada vez mais a imagem arcaica formada pelo homem provedor e chefe do
lar, detentor de todas as decisões, para se adentrar em uma família onde seu núcleo
é o afeto.
Focado neste novo paradigma, novas entidades vêm se consolidando no
ordenamento jurídico pátrio, em especial a entidade familiar formada por pessoas do
mesmo sexo, que longe de ser um fenômeno novo, apenas se tornou mais visível
com o advento das diversas manifestações sociais que ocorreram a partir da
segunda metade do século XX.
Este trabalho visa demonstrar a importância do reconhecimento da entidade
familiar homoafetivo como forma de inclusão social, embasado em princípios
jurídicos constitucionais, em especial o macroprincípio da dignidade da pessoa
humana, tendo ainda como apoio estrutural o pensamento doutrinário e
jurisprudencial em torno das famílias formadas por pessoas do mesmo sexo.
PALAVRAS-CHAVE: família – homossexualidade – entidade familiar homoafetiva –
Constituição de 1988 – adoção.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 8
CAPÍTULO I – FAMÍLIA............................................................................................. 10
1.1 Evolução histórica............................................................................................... 10
1.1.1 A família primitiva ou família tribal.................................................................... 11
1.1.2 Os primórdios de família na civilização romana............................................... 12
1.1.3 A família sobre a influência canônica............................................................... 14
1.2 Evolução histórica da família no Brasil................................................................ 16
1.3 Um novo conceito de família............................................................................... 18
1.3.1 A revolução da mulher e o novo contexto de família...................................... 19
1.3.2 Afeto, um novo fator familiar........................................................................... 21
CAPÍTULO II – HOMOSSEXUALIDADE................................................................... 27
2.1 Histórico da homossexualidade........................................................................... 27
2.1.1 A homossexualidade na sociedade grega e romana....................................... 28
2.1.2 Outras sociedades e a homossexualidade....................................................... 32
2.1.3 A homossexualidade na Idade Média.............................................................. 34
2.1.4 Segunda metade do século XX: décadas de transformação........................... 36
2.2 O que é a homossexualidade.............................................................................. 39
CAPÍTULO III – UNIÃO HOMOAFETIVA.................................................................. 46
3.1 O projeto de lei no 1151/1995.............................................................................. 46
3.1.1 As audiências públicas..................................................................................... 51
3.2 O passado obsoleto. O futuro vanguardista........................................................ 56
3.2.1 União estável homoafetiva............................................................................... 57
3.2.2 A entidade familiar homoafetiva e ao artigo 226 da Constituição Federal....... 59
3.2.3 Lei Maria da Penha.......................................................................................... 65
3.2.4 Adoção homoafetiva......................................................................................... 67
3.3 Princípios constitucionais.................................................................................... 72
3.3.1 Dignidade da pessoa humana.......................................................................... 72
3.3.2 Liberdade.......................................................................................................... 74
3.3.3 Igualdade.......................................................................................................... 75
3.3.4 Pluralidade familiar........................................................................................... 77
CONCLUSÃO............................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 83
ANEXOS.................................................................................................................... 88
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8
INTRODUÇÃO
O Direito tem exercido um papel importantíssimo na regulamentação da
convivência humana. Viver em sociedade só se tornou possível devido a normas
estabelecendo deveres e regulamentando direitos. Nesta perspectiva, vê-se que o
Direito nasceu em razão da sociedade e não vice-versa. Assim, quanto mais evolui a
sociedade, tanto mais deverá evoluir o Direito, para se adequar à realidade exposta
pelo progresso social.
Visto que a evolução societária é dinâmica, o Direito vem se adaptando as
novas realidades emergentes. E uma das mais novas realidades enfrentada é a
visibilidade homossexual na vida contemporânea. Embora não seja um fenômeno
novo, sua exposição vem se tornando cada vez maior nos últimos tempos e, com
isso, vem trazendo a tona fatos existentes dentro deste contexto que é visto, se não
de modo preconceituoso, ainda com certa apreensão.
Mas o enfoque deste projeto de monografia é limitar o tema da
homossexualidade dentro de um dos fenômenos que vem surgindo em decorrência
de sua visibilidade: as uniões de fato que vem ocorrendo entre pessoas do mesmo
sexo com a finalidade de constituir família. Ou seja, com um cunho de vanguarda, o
tema se restringirá sobre a união homoafetiva como entidade familiar.
As uniões existentes entre pessoas do mesmo sexo vêm sendo deixadas à
margem da sociedade, fazendo esta não mais do que fechar os olhos para uma
realidade que se faz presente. Assim, esta monografia visa demonstrar que numa
sociedade moderna, que vive novos paradigmas consolidados, principalmente, após
a promulgação da Constituição Federal de 1988, não mais se cabe ver as uniões
homossexuais com o fulcro do preconceito embutido para se postergar ou negar
direitos.
Relevante é encarar essa nova realidade que se insurge essencialmente
forjada nos mesmos fatores que preconizam a existência das uniões heterossexuais:
afeto, amor, convivência, objetivos comuns, e outros tantos que caracterizam a
mudança paradigmática do novo conceito de família na sociedade hodierna.
Assim, esta monografia divide-se em três principais capítulos. No primeiro,
faz-se uma leitura da evolução histórico-social do conceito de família, desde a pré-
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9
história até os dias atuais. O segundo capítulo trata da homossexualidade, também
dentro de uma perspectiva histórico-social.
No último e mais importante capítulo, será analisado a entidade familiar
homoafetiva, dentro de uma análise constitucional, com leitura jurisprudencial e
doutrinária,
como
forma
de
corroborar
nova
entidade
familiar
digna
de
reconhecimento jurídico.
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10
CAPÍTULO I
FAMÍLIA
1.1 Evolução histórica
Qualquer ser humano tem como vínculo primeiro na sociedade a “família”. E
conceituar esta entidade é arriscado, para não dizer de grande dificuldade, pois os
conceitos, tantos nas ciências jurídicas quantos em outras existentes, se alteram de
acordo com o momento histórico-cultural em que a sociedade está inserida, fazendo
dela um fenômeno dinâmico por si só.
Dentro do contexto atual, o conceito de família se multiplica de acordo com a
fonte buscada. No Minidicionário Ruth Rocha, família é “1 Conjunto de ascendentes
e descendentes, colaterais e afins de uma linhagem. 2 Mais restritamente, o pai, a
mãe e os filhos. 3 Descendência; linhagem.”1.
A família, sociologicamente, é definida como um sistema social, dentro do
qual podem ser encontrados subsistemas, dependendo de seu tamanho e da
definição de papéis. É através das relações familiares, que os próprios
acontecimentos da vida recebem seu significado e, através dele são
entregues a experiência individual. É ela, portanto, unidade básica de
desenvolvimento das experiências das realizações e dos fracassos do
homem. Sua organização e estrutura não são estáveis. A sociedade fornece
diretrizes para o seu funcionamento a fim de que ela lhe seja útil. A família,
portanto, é ama rede complexa de relações e emoções pela qual perpassam
sentimentos e comportamentos sendo a simples descrição de seus elementos
de uma família, insuficiente para transmitir a riqueza e complexidade
2
relacional de sua estrutura .
Para o Direito, um dos importantes ramos das ciências humanas, os conceitos
são os mais variados possíveis, como ensina Eduardo Espínola:
Em acepção ampla, a família compreende as pessoas unidas pelo
casamento, as provenientes dessa união, as que descendem de um tronco
ancestral comum e as vinculadas por adoção. Em sentido restritivo,
correspondendo ao que os romanos denominavam domus, a família
compreende apenas os cônjuges e os filhos. Algumas disposições do Código
Civil, como acontece também nos vários sistemas legislativos, aplicam-se à
família, em sentido mais ou menos lato, considerando certas relações de
parentesco. Outras, porém, visam tão-somente às relações entre os cônjuges
e entre estes e os filhos, isto é, aplicam-se às duas pessoas unidas pelo
3
casamento e aos seus descendentes .
1
ROCHA, Ruth. Minidicionário enciclopédico escolar Ruth Rocha/Hindenburg da Silva Pires.
SPROVIERI; ASSUMPÇÃO JR., 2001.
3
ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito civil brasileiro, 2001, apud MEDEIROS, 2006.
2
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11
Segundo o jurista brasileiro Clóvis Beviláqua, família é:
um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja
eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as varias
legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os
4
cônjuges e a respectiva progênie .
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 16, inciso III,
longe de conceituá-la, assevera sua extrema importância como fator social: “A
família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da
sociedade e do Estado” (1793).
Mas todos esses conceitos estão embutidos de um valor histórico que a
família desenvolveu pela própria evolução da sociedade. Não haveria a sociedade
sem o suporte basilar desta instituição por trás, nos seus mais variados formatos.
Necessário se faz um entendimento da evolução da família dentro da história
mundial. Somente por meio desta viagem temporal se fará possível compreender os
diferentes conceitos e importâncias auferidos à entidade familiar desde os primórdios
até os tempos atuais.
Para esta análise evolutiva do contexto histórico, três momentos em especial
destacam-se no que tange a apreciação do conceito familiar existente. Enquanto
uma se desenvolve vinculando-se ao fator de proteção e perpetuação da raça
humana, outros dois momentos se destacam pela grande influência que sofreram de
fatores religiosos predominantes à época.
Pode-se, assim, dividir a evolução de família em a família primitiva ou tribal, a
família no contexto da civilização romana, e a família sobre a influência dos dogmas
cristãos.
1.1.1 A família primitiva ou família tribal
Em um ambiente hostil, cercado de predadores, o homem adaptou sua
sobrevivência por meio da associação. Agrupando-se, ele criou na tribo, ou no clã, a
4
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família, 2001, Apud MEDEIROS, op. cit.
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12
forma mais simples e ao mesmo tempo mais segura de superar as adversidades
impostas pela natureza, à época o inimigo natural do homem.
O instinto de preservação da espécie foi de suma importância para a
perpetuação da raça humana. Viver em grupos foi o primórdio da vida em sociedade.
Verificava-se, já neste momento, que o homem era um ser social, de modo imposto
mais do que pela vontade.
E neste meio social, a família adquiriu um papel importante mas totalmente
diferenciado do conceito hodierno civilizado. As uniões familiares eram voltadas para
perpetuar a espécie, e os filhos resultantes eram de responsabilidade de todo o
grupo. Amamentar, alimentar, educar e preparar a prole não estava vinculado ao
casal, mas a todo o grupo social. Todos deviam zelar pelo futuro do grupo social5.
Assim, neste momento primitivo, família e grupo social têm a mesma
valorização, o mesmo conceito. Não há de se procurar diferenciá-los, pois um é
sinônimo do outro.
Mas a família, visto que é um fenômeno social em mutação, há de evoluir
também com o tempo. O modelo tribal existente foi tomando forma distinta à medida
que a sociedade foi assumindo um novo aspecto.
Onde antes havia pequenas sociedades tribais, passou-se para os grandes
grupos, que deixaram de ser nômades para fixar estada em lugar certo. E o
crescimento destes foi criando as primeiras cidades e as primeiras civilizações, onde
um novo conceito de família surgiria.
1.1.2 Os primórdios de família na civilização romana
Das grandes civilizações existentes, grande destaque deve ser dado, por
fatores econômicos, sociais e políticos ao Estado Romano, que impôs seu
pensamento dominante entre os séculos V a.C. ao século V d.C.
5
Esse conceito, embora seja vinculado a uma sociedade primitiva, ainda hoje encontra-se no
contexto tribal de vários grupos indígenas brasileiros, assim como em outras comunidades tribais
ao redor do mundo, onde a responsabilidade pela criação dos filhos esta a cargo de todos. O
mundo já assimila esse mesmo processo no contexto mundial contemporâneo, chamando este
novo fenômeno de “famílias comunitárias”.
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13
No período romano o contexto familiar estava inteiramente ligado ao “pater
famílias”. Este conceito era puramente patriarcal, onde o ascendente mais velho
mantinha sobre seu julgo e ordenamento seus descendentes. O pater acumulava as
funções de chefe político, sacerdote e juiz, sendo que somente a ele era permitida a
aquisição de bens e a detenção do poder sobre o patrimônio familiar, a mulher e os
filhos.
Esta subordinação ao patriarca era conhecida como “patria potestas”. Ela se
caracterizava pela autoridade indiscutível do patriarca sobre seus filhos, filhas e
escravos. Esse poder era de domínio, de posse, de modo que o ascendente mais
velho era o proprietário em face da coisa (a família).
Este formato, onde o patriarca exercia a posse, buscava sua existência em
um conceito religioso. Havia dentro deste núcleo a idéia sagrada da religião
doméstica, que consistia na obrigação de todos os membros manter o culto em
honra aos deuses e antepassados do grupo familiar dentro de seu lar e seria o
patriarca o responsável por manter essa tradição. A família romana era um
ajuntamento de pessoas ligadas pelo culto aos mortos, pois para eles os
antepassados continuavam a viver no túmulo, transformando-se em deuses
protetores.
O casamento, dentro deste contexto romano, poderia representar tanto a
permanência no seu grupo original quanto a passagem da filha para a propriedade
de um novo grupo familiar. Para isso, ao assumir o casamento, a filha retirava-se do
seu núcleo para adentrar a do esposo, devendo manter a liturgia doméstica desse
novo agrupamento, sob pena de que, se estes não fossem cultuados, todos da nova
família cairiam em desgraça. Ela poderia, ainda, optar por permanecer vinculada ao
seu grupo original, venerando estes antepassados, sendo impedida apenas de
pertencer simultaneamente a duas famílias.
Assim, mostrava-se bem mais interessante ter filhos, pois estes poderiam
trazer novos membros sem jamais ingressar a associação familiar da esposa. Ter
uma filha representava desvantagem já que, como mulher, não traria ninguém para
engessar o culto do seu núcleo e poderia, ainda, representar a saída deste, caso
optassem por cultuar a religião doméstica do esposo, pois ao fazerem esta escolha,
abandonaria por completo o culto original, passando, a partir de então, a cultuar a
religião e os ancestrais de seu marido e de sua nova linhagem.
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14
O casamento dentro desta sociedade não tem em seu objeto principal a união
de duas pessoas por afeto, felicidade, prazer e, muito menos, por amor. O afeto não
era item relevante na estruturação da família romana. Visa, tão somente, a
perpetuar, por meio dos novos descendentes, o culto familiar. O que realmente
importava era o fato de invocarem em culto os mesmos antepassados, sob a
autoridade do chefe da família (pater familias).
Embora o afeto não fosse o enfoque principal, a finalidade essencial do
matrimônio, não se pode dizer que este estava completamente afastado na união
entre os nubentes. Tanto a mulher quanto o homem não eram obrigados a casar por
imposição familiar. Somente com o consentimento mútuo haveria o casamento. E
para sua conservação havia a necessidade de ambos estarem satisfeitos. Dependia
da vontade de ambos em querer mantê-lo. Se qualquer um deles demonstrasse
insatisfação, a dissolução do casamento poderia ser solicitada por meio do divórcio.
A família romana estava, assim, voltada para o cunho religioso, onde o culto
ao antepassado era uma forma de manter e alcançar a prosperidade familiar. E, de
forma precária, já trazia em seu esboço algo que será rechaçado veemente pelo
novo contexto familiar em ascensão após o declínio Romano: a possibilidade de
dissolução do casamento.
1.1.3 A família sobre a influência canônica.
Enquanto perdurou a influência e, sobretudo, a força do poder romano na
civilização ocidental, assim persistiu o modelo familiar por eles adotado. Mas sua
força não durou eternamente e já por volta do século IV seu declínio demonstrava-se
irreversível. A religião politeísta perdia sua força e um novo pensamento religioso,
que nascera em meio ao próprio império, ganhava imposição frente ao pensamento
romano. Era o Cristianismo.
Como meio de ainda tentar manter o Império Romano unido, Constantino
proclamou o Cristianismo a religião oficial. Com toda essa nova influência, a igreja
passou a elaborar regras e preceitos que influenciavam nos diversos aspectos
sociais, políticos e econômicos da época. A estes preceitos dava-se o nome de
cânon.
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15
Não deixou a Igreja de editar regras sobre a família e, em especial, o
casamento. Fizeram oposição ao divórcio, aceito na sociedade romana. O
casamento não era mais um contrato de vontades, e foi elevado ao status de
sacramento, um sinal instituído por Deus e por Jesus Cristo como auxiliador
indispensável para a pessoa conseguir a salvação eterna6.
Como sacramento, estaria o homem impossibilitado de dissolver o que por
Deus foi unido: quod Deus conjunxit homo non separet. Passagens bíblicas eram
citadas como meio de corroborar a idéia sacramental do casamento e sua
indissolubilidade (Gênesis 2,24 e Evangelho de São Mateus 19,6).
O Concílio de Trento regulamentou definitivamente em 1563, dentro dos
preceitos canônicos, o casamento como a união entre Cristo, os noivos e a Igreja. E
esta mesma idéia é que perdura no âmbito católico até os dias atuais.
As relações familiares durante toda a Idade Média vão sofrer influência deste
ideal. O casamento, além de indissolúvel, adquirirá um novo aspecto. Apoiando-se
ainda nos textos da Bíblia, a Igreja determinará a procriação como finalidade
essencial do casamento. Enquanto na civilização romana a finalidade é a mantença
do culto familiar, aqui se propaga um discurso reprodutivo-indissóluvel.
Perante o direito canônico, não bastava a cerimônia de casamento, onde se
declarava o consenso dos nubentes. Deveria haver, para convalidá-lo, a relação
sexual. Deste pressuposto, haveria impedimento para contrair matrimônio baseado
numa incapacidade (idade, deficiência física, impotência).
Mas a sociedade medieval, deixando de lado a feição religiosa, encontrava no
casamento semblantes econômicos e políticos relevantes. Tendo o enlace
matrimonial a característica de unir duas pessoas de modo vindouro, não bastava a
anuência dos noivos. Deveria haver a concordância das famílias.
Neste aspecto, havia uma divergência entre o direito canônico e o direito civil
da época. Enquanto para o enlace matrimonial perante a igreja bastava a anuência
dos noivos e a capacidade procriativa, para o direto civil o assentimento patriarcal
era fator essencial. Vários interesses políticos e financeiros cercavam a decisão da
união das famílias abastadas.
6
MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos,
1998.
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16
Esse problema perdurara até o fim da Idade Média, quando, à luz do
pensamento Iluminista, consagrar-se-á a idéia de criação de um Estado laico, com
separação entre o Estado e a Igreja.
Conclui-se, assim, que a família e o direito de família neste terceiro momento
histórico é marcado pela dicotomia de duas grandes forças: a da Igreja, por
influência das normas eclesiásticas, que elevaram o casamento ao patamar de
sacramento indissolúvel e com finalidade essencialmente procriadora, e a Força
Política, onde o casamento convalida-se como forma de barganha para a
manutenção ou reforço do status familiar.
1.2 Evolução histórica da família no Brasil
O pensamento Iluminista trouxe consigo grandes ideais de transformações. A
idéia da tripartição de poderes entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Trouxe
também o ideal de laicização ou secularização, onde o poder da Igreja não mais se
confundia ou mesmo se sobrepunha ao poder estatal.
Este vínculo entre Igreja e Estado mostrou-se tão entrelaçado que o poder
canônico determinava os rumos sociais, políticos e econômicos de muito países. E
quebrar este vínculo, que se perpetuou na Idade Média durante mais de 600 anos, e
toda essa influência, seria praticamente impossível.
No Brasil, não foram diferentes os aspectos sociais influenciados pelos
dogmas cristãos da época. O advento da colonização portuguesa trouxe consigo as
características de um Estado contaminado com o pensamento canônico e que
influenciará na formação do modelo da família colonial.
O que marca essencialmente a família desta época é aquilo que Antônio
Candido chamou
de “núcleo legal”, composta de um centro principal e outro
periférico. O núcleo principal, legalizado, era formado pelo casal e seus filhos
legítimos. O núcleo periférico eram os agregados, formados, em geral, por negros,
amantes e os seus filhos bastardos. Será um modelo familiar que persistiu até
décadas atrás:
O núcleo legal era o coração da organização doméstica e no começo se
desenvolveu de acordo com os moldes que persistiram até décadas atrás. O
domínio do chefe era praticamente absoluto, correspondendo às
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17
necessidades de organização social em um grande país (...) era um tipo de
organização social na qual a família necessariamente era o grupo dominante
no processo de socialização e integração, um grupo no qual as distâncias
7
estavam rigidamente marcadas e reguladas pela hierarquia .
O modelo colonial de entidade familiar estabelecia o conceito de união entre
um homem e uma mulher, com finalidade primeira de procriar. Trouxe a idéia de
uma família presidida pela imagem paterna (núcleo central conforme Cândido), onde
o homem era o detentor do poder de mando, tomando para si as rédeas do destino
familiar. A esposa nada mais era que mero instrumento procriador, conforme já
embutido no pensamento canônico-patriarcal da época.
O afeto foi deixado em segundo plano, ressaltando-se o grande número de
casamentos arranjados para saciar os anseios do patriarcado de cada família.
Demonstrava-se um caráter negocial com a realização do casamento.
Dentro do aspecto jurídico, somente a Constituição da República de 1891 traz
no seu bojo, pela primeira vez, o Estado laico, separando a Igreja das decisões
estatais. Mas ainda pouco disse sobre o Direito de Família, valendo-se apenas de
seu artigo 72, § 40 para afirmar o reconhecimento apenas do casamento civil, com
celebração gratuita.
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
0
§ 4 - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será
gratuita.
Embora almejasse demonstrar a laicização, o Estado ainda trouxe influência
do direito canônico quando da elaboração da Constituição de 1934. Enquanto a
anterior nada dedicou à família, esta trouxe quatro artigos para regulamentar este
ramo do Direito. Contudo manteve a idéia de casamento indissolúvel, que, conforme
visto, era uma idéia sempre ratificada pela Igreja. A idéia de divórcio, aceita frente à
sociedade romana, não existia no texto constitucional e era inconcebível à época.
7
Tradução livre de: “The legal nucleus was de core of the domestic organization and from the
beginning it developed according to molds which persisted until a few decades ago. The chief’s
dominance was almost absolute, corresponding to the necessities of social organization in an
immense country (…) it was a type of social organization in which the family necessarily was the
dominant group in the process of socialization and integration, a group in which the distances were
rigidly marked and regulated by the hierarchy”. CANDIDO, Antônio. The Brazilian Family. In: SMITH,
T. Lynn; MARCHANT, Alexander. Brazil: portrait of half a continent. New York: The Dryden Press,
1951, p.294. Citado por Edmar de Assis Campelo Ávila. Amar, verbo intransitivo – o retrato literário
de uma sociedade de aparências. Disponível em: http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/l5_4.doc.
Acesso em 15 de março de 2006.
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18
As constituições que se seguiram (1937, 1946, 1967, 1969) em nada
inovaram no texto quanto ao Direito de Família, mantendo a idéia de união
indissolúvel.
No entanto, o mundo estava em plena mutação. Duas grandes guerras já
haviam ocorrido. E a realidade social ensejou por mudanças radicais no Direito de
Família.
Em 1977, a Emenda Constitucional no 9 instituiu no Brasil, diante de muitos
protestos, em especial advindos da Igreja Católica, a Lei do Divórcio. Ela traz a tona
o purgatório existencial da família brasileira, ao revelar a insatisfação da mantença
obrigatória de uma relação falida. O que se vê é a busca pela realização pessoal,
mesmo havendo vínculo matrimonial anterior.
O que antes era impossível e impensável deu espaço a uma realidade cada
vez mais crescente existente na sociedade brasileira. A lei não consentir na
dissolução do casamento não foi empecilho para que casais se separassem na
esfera real. A lei do divórcio veio tão somente corroborar a realidade social.
1.3 Um novo conceito de família
Um novo conceito familiar vem se agrupar à sociedade brasileira reflexo de
décadas de mudanças importantes no aspecto global. Se antes as transformações
levavam séculos para ocorrer, o mesmo não se pode dizer aos acontecimentos
mundiais no final do século XX.
Após a Segunda Guerra Mundial, a civilização moderna vem experimentando
mudanças sociais em um ritmo frenético, onde uma década representou mais
mutação que séculos representaram. E a instituição familiar não ficou incólume a
estas alterações.
Enquanto a Europa enfrentava uma guerra dentro de seu continente, os
Estados Unidos a enfrentava além mar, distante do seu território. E isso
representava guerrear sem ter suas terras devastadas por bombas e ter a paisagem
de suas cidades transformadas em escombros.
Com o mundo em guerra, os homens foram convocados para o fronte, e com
isso uma nova função foi dada à mulher. Se antes ela ficava em casa, cuidando da
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19
prole e aguardando o marido voltar do trabalho, figura emblemática da conhecida
Amélia, agora ela assume as duas responsabilidades: trabalhar e cuidar da casa.
Essa nova mulher vai participar indiretamente da guerra, por meio de trabalho
industrial, principalmente nas indústrias bélicas. A fabricação de material bélico é
deixada a cargo do sexo feminino, enquanto seus companheiros estão em campo de
batalha.
A grande luta feminina fica por conta de aliar o novo dever trabalhista, que
consiste não apenas em manter a indústria beligerante mas também a produção em
todos os setores da economia, principalmente nos segundo e terceiro setores, com o
dever de cuidar do lar, de se impor como o novo chefe da casa.
E quem conhece o poder, dele não quer de abdicar. Após o fim da Segunda
Guerra, e o retorno dos homens ao cotidiano de seus lares, estes encontram uma
nova mulher, que está disposta a manter o controle de seus lares, de tomar as
decisões referentes a sua família. Se antes a família estava focada na figura
comandatória do patriarca, essa nova mulher insurge com veemência em busca de
seu lugar de destaque não somente frente à família, mas dentro da própria
sociedade.
Se antes a guerra era entre nações, a nova batalha está no núcleo da
sociedade: a família. À frente desta luta há uma figura feminina indisposta a abrir
mão do poder experimentado e alcançado durante a Segunda Grande Guerra.
É
nesse
contexto
que
começam as
lutas
sociais
femininas
para
reconhecimento de sua igualdade frente ao homem, e onde nasce um novo modelo
de mulher que, além de estar em construção, influenciará diretamente a concepção
do modelo de família vigente.
1.3.1 A revolução da mulher e o novo contexto de família
O histórico mundial reflete uma verdade incontestável: não há mudanças sem
lutas. Mas longe do contexto bélico, a luta da emancipação feminina foi uma batalha
corpo a corpo contra o modelo econômico-social vigente à época.
Dentro de um novo modelo a ser criado e que era almejado por essa nova
mulher, o casamento representava um modelo de vida totalmente assustador e
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20
ultrapassado, “[...] matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e
heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal”8.
O matrimônio passa a ter pouca importância para o contexto feminino. Frente
a tantos casamentos arranjados, a mulher descobre que o importante na relação é a
felicidade, a cumplicidade, o afeto. Questões subjetivas antes afastadas passam a
ter relevância no momento de tomar a decisão do casamento.
A mudança econômica do status feminino foi de extrema importância para
outra mudança no contexto familiar. A mulher deixou a dependência financeira do
homem para conseguir seu meio de sustento, não precisando mais se apoiar em
uma figura masculina. O reflexo dessa liberdade foi a mudança do modelo patriarcal
de família existente. Não quis a mulher que a idéia de família estivesse ligada a
figura do pai, com a mãe em segundo plano.
Esta hierarquia era algo inaceitável para essa nova mulher, que sabia onde
estava sua importância não só frente à família, mas frente ao mundo. Em um
primeiro momento feminista, a luta foi por mostrar superioridade ao homem, o que
hoje já demonstra superado, pois o objetivo agora é a igualdade em amplo sentido.
É a busca da igualdade sem deixar de levar em conta os fatores diferenciais
existentes entre homens e mulheres. É o princípio da igualdade que impõe o dever
de tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Busca-se a
igualdade de direitos e deveres.
A década de 70 trouxe ainda grande mudança no contexto sexual vigente,
amparado em grande desenvolvimento científico. Com a invenção de métodos
contraceptivos eficazes, esta época viu nascer uma mulher que descobriu no sexo
um contexto mais que reprodutivo, que descobriu a prática sexual como forma de
realização pessoal.
A evolução científica foi grande aliada na tão almejada revolução feminista,
possibilitando à mulher alcançar a revolução sexual. A grande mudança no contexto
sexual tornou a mulher capaz de tomar as rédeas da sua vontade reprodutiva e
sexual.
Às mulheres solteiras foi dada a oportunidade de expressão sexual antes do
casamento, sem o receio de uma gravidez indesejada.
8
DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei.
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21
À casada, ampliou-se mais ainda o benefício, pois a estas foi dada também a
efetiva capacidade de planejamento familiar e ela passou a aguardar o momento
mais oportuno para a constituição de sua família. O controle familiar trouxe a
diminuição da prole, uma característica marcante desse novo modelo familiar visto
no final do século XX.
Essas mudanças foram de relevante importância para o contexto familiar
vigente até os dias atuais. A satisfação pessoal é a busca permanente dessa
mulher, que traz no seu íntimo a vontade de transcender o modelo colonial imposto
durante tantos séculos.
Unir-se a alguém e ter filhos não deixou de ser parte de um objetivo familiar
futuro, mas o que se tornava relevante neste momento é conjugar esta vontade por
desejo próprio, e não mais por imposição social.
A busca é pela felicidade, pelo afeto como forma essencial de constituição da
família, não mais enraizada em preceitos morais e sociais que escravizavam a
mulher
a
um
papel
de
menor
importância
frente
a
entidade
familiar
constitucionalizada por meio de casamentos arranjados e que deveriam permanecer
por força de aparências e circunstâncias.
1.3.2 Afeto, um novo fator familiar
Diante de todo o exposto até o momento, o que vem marcar a nova face da
família mundial e sua inclusão no momento social, observadas as rápidas mudanças
que se fazem presentes no mundo contemporâneo, é a evolução do foco
interpessoal das entidades familiares.
No antigo foco está o desgastado modelo clássico, que cria seu vínculo por
meio do matrimônio, focado na idéia do patriarca gerente da vida familiar, tendo a
mulher e filhos sobre seu comando, e onde a supremacia econômica exercida por
ele define este poder de mando frente a estrutura do casal.
Neste novo modelo emergente, a opção é por uma prole reduzida, onde o
chefe de família não é visto dentro do patriarcado, mas na divisão de tarefas em
benefício de todos. O homem sai do centro de poder para dar espaço a entidade
familiar em si, onde os rumos são decisões conjuntas entre marido e mulher.
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22
Mas lógico que tanta mudança não veio sem grandes desgastes. É premissa
maior que quem está no poder, dele não quer abdicar-se. E essa nova mudança
estrutural trouxe grandes transformações para a figura masculina.
[...] é importante ressaltarmos que a atual crise masculina é fruto das várias
transformações históricas, merecendo destaque as várias lutas e conquistas
femininas que vem redefinindo o papel social da mulher e ao mesmo tempo
exigindo que o homem faça o mesmo, bem como, o profundo processo de
mudanças ocorridas com o advento da modernidade, que ao afirmar a
intrínseca relação da sociedade atual com a ciência, a tecnologia, o
materialismo, a competição e a globalização, ou seja, com o progresso
científico, impõe uma ênfase no presente e no futuro com um crescente
descaso pelo passado, pela tradição, pela religião [...] resultando em perda
dos modelos e paradigmas tradicionais, sem haver segurança nos dias
9
futuros .
Acostumado ao comando, adaptar-se a este novo fenômeno familiar foi uma
grande dificuldade para este homem de final de século. Dividir o poder familiar com
esta figura feminina ciente de seu papel social e da importância que tinha frente a
nova sociedade que se formava foi uma tarefa de árdua adaptação.
Desencadearam-se sobre o homem uma série de transformações
pressionadas por ela (a evolução da mulher), pela família e pelo social, uma
vez que as exigências atuais contrastam com o até então concebido como
10
“privativo do masculino” .
Uma das grandes mudanças sentidas no constante a essas transformações
no núcleo familiar foi a sua dissolução. Se antes a manutenção era um fator
arraigado por pressões religiosas, sociais, políticas e econômicas, agora não mais
se sobressaem esses arquétipos para a mantença da união matrimonizada.
A experiência de um casamento acabado não impediu outro fenômeno nessa
nova sociedade contemporânea: mesmo impossibilitados de adquirir a dissolução do
casamento por meio legal, cada membro da entidade familiar desfeita foi em busca
de novas parcerias, voltando-se então para uma forma de união informal, onde o
bem estar comum e o crescimento mútuo eram as regras mais importantes.
E a legislação omitiu-se por demasia para sanar esta realidade que fazia
presente no mundo real, conforme palavras da Dra. Maria Berenice Dias,
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
A legislação, além de omitir-se por longo tempo em regular relações
informais, expungia, com veemência, a possibilidade de se extraírem
conseqüências jurídicas de todo e qualquer vínculo afetivo outro. Proibiu
9
BOECHAT, Walter (org.) O Masculino em questão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. In: BOSCO FILHO,
João. Papai é gay.
10
DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei.
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doações, seguros, bem como a possibilidade de herdar, em face de ligações
tidas por espúrias. Tal ojeriza, entretanto, não coibiu o surgimento de
relacionamentos sem respaldo legal, levando seus partícipes, quando do
rompimento da união, às portas do Judiciário. Viram-se os juízes forçados a
criar alternativas para evitar flagrantes injustiças, tendo sido cunhada, via
jurisprudencial, a expressão companheira, como forma de contornar as
proibições para o reconhecimento dos direitos banidos pela lei.
Em um primeiro momento, aplicou-se por analogia o Direito Comercial, face à
aparência de uma sociedade de fato entre os convivas. Quando ausente
patrimônio a ser partilhado, passou-se a ver verdadeira relação laboral, dando
11
ensejo ao pagamento de indenização por serviços prestados .
Mas a possibilidade de dissolução ocorreu, após um caminho longo. Como já
abordado antes, somente na final da década de 70, mais precisamente com o
advento da Emenda Constitucional no. 09 de 1977, foi adotada a possibilidade do
divórcio no ordenamento jurídico brasileiro.
A entrada da lei no mundo jurídico só veio realçar a realidade que se fazia
presente no mundo dos fatos. Embora lei nenhuma regulasse, nada impedia a
separação real entre os cônjuges que não mais harmonizavam dentro da relação
interpessoal do casamento. A separação era fenômeno real constante e presente na
sociedade brasileira.
Dentro de um enfoque jurídico, pouco fez a legislação pátria para regular as
novas realidades familiares que surgiam. Após a lei do divórcio, calou-se o
legislativo, ficando a regulamentação das relações familiares sobre os pilares do
judiciário. Impedido por princípio legal de deixar de dar respostas aos interesses
litigados, a jurisprudência foi a alternativa para a ausência de lei.
Somente com o advento da Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 228,
que se passou a regular, de forma ainda muito tímida, as novas concepções de
família e de entidades familiares, deixando ainda muitas questões em aberto.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
0
§ 1 O casamento é civil e gratuita a celebração.
0
§ 2 O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
0
§ 3 Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
0
§ 4 Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
12
qualquer dos pais e seus descendestes .
O novo texto constitucional trazia em seu corpo a simples corroboração que
se aplicava na ampla jurisprudência dos tribunais brasileiros. Reconheceu a união
11
12
DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei.
BRASIL. Constituição (1988).
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24
estável, tendo como formandos desta união a idéia de companheiros. E ainda
ampliava a concepção de entidade familiar ao arranjo feito entre um dos pais e sua
prole, que ficou conhecido como entidade familiar monoparental.
Após este momento jurídico, somente em 1994 surgiu a Lei no 8.971, que
também em pouco modernizou o entendimento jurídico já aplicado à época. Esta lei
só reconheceu a união estável com vigência de 5 anos ou com filhos. Ampliou ao
companheiro o direito a vocação hereditária e o direito à meação quando a herança
era resultado da participação do companheiro.
Novo momento jurídico adveio com a Lei no 9.278 de 1996, que ampliou mais
todo o ordenamento existente, não especificando tempo para a caracterização da
união estável e definindo-a como a convivência duradoura, publica e continua de um
homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família13.
Mas conforme jurisprudência já empregada pelo Supremo Tribunal Federal,
tais normas já se fazem revogadas frente ao Código Civil de 2002, que trouxe em
seu contexto a regulamentação da união estável em seu corpo normativo, em
especifico nos artigos 1.723 a 1.727.
EMENTA: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA
RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO
PERTINENTE
ÀS
UNIÕES
HOMOAFETIVAS.
PRETENDIDA
QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES.
DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº
9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART.
1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE
IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE,
POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE
OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA
ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART.
226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF).
NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES
ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA
SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER
VEICULADA EM SEDE DE ADPF?
[...] Extremamente significativa, a tal respeito, a observação de CARLOS
ROBERTO GONÇALVES (“Direito Civil Brasileiro – Direito de Família”, vol.
VI/536, item n. 3, 2005, Saraiva):
“Restaram revogadas as mencionadas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 em face
da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, que fez
significativa mudança, inserindo o título referente à união estável no Livro de
Família e incorporando, em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios
básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em
outros capítulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação
alimentar (art. 1.694)”.
13
o
0
Lei n 9.278, Art. 1 : É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
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25
A ocorrência da derrogação do art. 1º da Lei nº 9.278/96 – também
reconhecida por diversos autores (HELDER MARTINEZ DAL COL, “A União
Estável perante o Novo Código Civil”, “in” RT 818/11-35, 33, item n. 8;
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “Comentários ao Novo Código Civil”, vol.
XX/3-5, 2004, Forense) – torna inviável, na espécie, porque destituído de
objeto, o próprio controle abstrato concernente ao preceito normativo em
questão. É que a regra legal ora impugnada na presente ação direta já não
mais vigorava quando da instauração deste processo de fiscalização
14
concentrada de constitucionalidade .
Neste ínterim, o novo código ampliou mais as mudanças significativas das
novas entidades familiares existentes. Consagrou a possibilidade da união estável
entre pessoas casadas desde que estas estivessem separadas de fato.
Com o intuito de proteção que a lei deve buscar frente à sociedade, o novo
código civil disciplinou, em conjunto com o princípio da igualdade, a polêmica da
distinção entre os filhos legítimos e os adotados, e ainda os filhos ocorridos fora do
casamento.
Disciplinou ainda o novo ordenamento que a família se encontrava dirigida
pelo casal, não estando o homem como único chefe do núcleo familiar. A
divergência entre ambos agora deveria ser levada ao âmbito judiciário. Reforça-se a
idéia de paridade e igualdade entre os membros da entidade familiar.
Todo o esboço da evolução do instituto família é para fortalecer o
entendimento sobre as novas forças que rege a sua formação. À procura do que se
pode conceituar como família neste novo contexto histórico, o laço consangüíneo
vem em paralelo com um novo paradigma, o afeto.
Ao disciplinar o amparo ao filho fora do casamento, levou em consideração a
proteção do laço sangüíneo como elemento suficiente em si mesmo para criar laços
de responsabilidade e familiaridade. Mas ao mesmo tempo vem este novo
paradigma tentar disciplinar este elemento subjetivo essencial para a formação da
entidade familiar. Valerá agora, primordialmente, a afetividade, o carinho, a vontade
mútua de construir, em comum acordo, um caminho melhor para se viver.
Todas essas mudanças para alcançar o afeto como fonte essencial para a
formação familiar emergiu de uma longa jornada que só no final do século XX se
consagrou, após dura luta dos manifestos sociais.
14
STF. ADI 3300 – Relator Ministro Celso de Mello – Julgamento em 03 de fevereiro de 2006. Vale
o
ressaltar que há divergência doutrinaria a cerca da revogação das Leis n 8.971/94 e 9.278/96 em
face do advento do Código Civil de 2002.
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26
Vários movimentos sociais se destacaram nesta época, por reivindicar o
direito à igualdade, à liberdade de viver, pois não há de se negar que a busca
suprema de todo o ser humano é a felicidade.
Esse sentimento foi estopim dos principais movimentos surgidos na década
de 70, e o movimento feminista foi apenas um dos vários movimentos sociais em
busca de visibilidade.
O ser humano, mais ciente de seus direitos, foi às ruas buscá-los, após vários
fenômenos jurídicos de âmbito internacional, como a Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Entre estes grupos reivindicatórios, além das mulheres, pode-se
destacar o movimento em busca da igualdade cultural dos negros.
No mesmo caminho de luta e reivindicação veio a busca de reconhecimento
da homossexualidade e a quebra do preconceito. É a busca da felicidade de ser
quem se é.
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27
CAPÍTULO II
HOMOSSEXUALIDADE
2.1 Histórico da Homossexualidade
A grande transformação sentida na sociedade da segunda metade do século
XX foi a conscientização do indivíduo frente a seus direitos, sua certeza quanto à
importância de lutar pela efetivação da justiça.
Esta consciência coletiva fez surgir a ação das minorias que viam seus
direitos diminuídos ou mesmo suprimidos diante da elite dominante da sociedade.
Reivindicar tornou-se lema nesta nova sociedade contemporânea, que almeja
tratamento igual dentro de sua diferença. E dentre estas minorias, que surgem neste
momento histórico de reivindicação de direitos iguais, estão os homossexuais.
Mas
a
contra-senso,
a
homossexualidade
não
é
um
fenômeno
contemporâneo. Sua atual visibilidade nada mais é que o reflexo das diversas lutas
travadas pelas várias minorias reprimidas durante séculos.
Em algum momento histórico toda e qualquer forma de identidade
homossexual existente foi suprimida, por não se encontrar dentro do padrão social,
econômico e religioso vigente da época. Mas conforme será demonstrado neste
capítulo, nem sempre a homossexualidade foi tratada como tabu ou mesmo com,
usando de eufemismo, descaso.
Diversos momentos da história humana demonstraram a aceitação e convívio
com a homossexualidade de forma tranqüila e pacificada, inserida na sociedade
como prática usual de seus membros.
A ascensão do pensamento Canônico, que trazia em sua raiz o pensamento
Judaico, trouxe um outro olhar sobre a homossexualidade, imbuindo-a de um caráter
pecaminoso, lascivo, criando um parâmetro discriminatório que se fará presente até
os dias atuais.
Para
compreender
a
luta
pelo
reconhecimento
e
visibilidade
da
homossexualidade moderna, é extremamente importante perceber as nuances de
sua evolução histórica.
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28
Três momentos históricos se destacam em especial. O primeiro por uma
sociedade que vê na homossexualidade uma extensão de sua cultura, assimilando-a
de forma natural.
O segundo momento destaca-se pela inversão total de conceitos, onde um
forte sentimento religioso repudiará por completo a homossexualidade.
Por fim surgirá este momento atual, onde a luta é para reverter o conceito
discriminatório criado e perpetuado durante séculos, pelo reconhecimento e
aceitabilidade da homossexualidade como algo inerente ao ser humano.
2.1.1 A homossexualidade na sociedade grega e romana
A homossexualidade tinha um caráter muito peculiar dentro da sociedade
grega. Sua aceitação era comum, e em nada causava estranheza aos seus
membros. Na conjuntura histórica grega, a homossexualidade era vista como prática
aceitável e recomendada.
Como já salientado no primeiro capítulo deste trabalho, para os antigos
gregos, o casamento entre homem e mulher não estava essencialmente vinculado
ao amor, mas sim a um forte aspecto religioso, com o interesse doméstico embutido.
O amor, um sentimento nobre, e o prazer sexual eram assuntos vinculados
aos cidadãos15. Havia uma concepção de que tais sentimentos só poderiam ser
exercidos e sentidos, em sua plenitude, por pessoas de níveis iguais. Assim, seria a
mulher incapaz de entender a perfeição destes sentimentos, sendo eles permitidos
somente aos homens.
O homem devia dividir a beleza, o amor e o prazer com outro homem, pois só
a eles era possível a real apreciação e deslumbramento de sentimentos tão nobres.
A homossexualidade é, a esta época, a manifestação de um machismo supremo.
As Olimpíadas era mais um reflexo dessa sociedade essencialmente voltada
para o “cidadão-homem”. Às mulheres era vedada a presença nas arenas, e os
atletas competiam nus, como forma de mostrar todo o vigor e superioridade da
15
A sociedade grega dividia-se em três classes: (1) a dos cidadãos livres, (2) a dos comerciantes e
artesãos, (3) e a dos escravos e mulheres. Somente a primeira classe, a dos cidadãos livres, tinha
direitos políticos, isto é, quem pertencesse a este grupo podia participar da esfera pública, sendo
que o que a caracterizava era a ação política. CASTRO, Susana de. O enigma de Hannah.
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29
beleza masculina. As mulheres seriam incapazes de compreender a essência do
belo, do harmonioso.
Dentro do treinamento militar, a prática homossexual também ganhava
grande força. Primeiro porque o treinamento de guerra era feito por um grupo de
“guerreiros-treinadores”, e fazia parte das obrigações do treinado satisfazer por
todos os meios àquele que o treinava.
Segundo porque, dentro de um aspecto psicomilitar, o apego afetivo entre os
guerreiros era algo incentivado, visto que se criando um vínculo de apego, amor e
carinho, grande seria o empenho em proteger alguém com quem se tem uma
relação mais íntima no campo de batalha.
Embora fosse uma sociedade preparada para a guerra, não só do combate
vive o grego. O estudo contínuo e o questionamento como forma de alcançar o
conhecimento são bases do pensamento filosófico grego. Os primórdios da filosofia
é uma das grandes heranças deixadas por esse povo, que aprendeu a questionar e
deixou esse princípio como legado.
Pensar e questionar estavam ligados ao poder na sociedade grega. Para
manter-se no poder era preciso desde cedo preparar a futura elite pensante. Mais do
que nunca, conhecimento é poder. E com vistas a manter essa hegemonia, as
famílias mais abastadas preocupavam-se em preparar seus filhos para manter este
poder. Assim, desde cedo era importante pensar na educação que seus filhos
teriam.
O aprendizado era incentivado dentre os jovens cidadãos gregos, pois a certa
idade eles eram colocados à disposição de adultos, para que com eles aprendessem
a Cultura Grega. Este jovem serviria ao seu tutor e comum se tornava a prática
homossexual entre eles.
A homossexualidade grega – originalmente – tinha caráter inicial: em uma
sociedade dividida em classes etárias, a relação sexual com um adulto
acompanhava o rito de passagem dos jovens do sexo masculino da
adolescência à maturidade e, neste contexto, servia a instruir o jovem a fazer
16
dele um homem capaz de assumir seu posto na coletividade .
16
CANTARELLA, Eva. L’omosessualità nel diritto ateniense. In: MATOS, 2004, p. 35. No original:
“L’omosessualità greca – originariamente – era iniziatica: in uma società divisi per classi de età, il
rapporto omosessuale com um adulto accompagnava il rito di passagio dei giovani maschi
dall’adolescenza allá maturità e, in questo contesto, serviva a instruire il giovane e a fare di lui um
uomo capace di assumere il suo posto nelle collettività”.
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30
A homossexualidade vincula-se a um pressuposto de passagem da infância
para a adolescência e desta para a fase adulta, após a devida instrução. O
importante era o treinamento em favor da polis, onde o indivíduo estaria se
preparando para adentrar a vida adulta de forma a se inserir por completo na
política, função essencial na sociedade.
A naturalidade com que a homossexualidade estava disposta na sociedade
grega se mostra evidente nas diversas ramificações existentes dentro dela. Na
educação, nos esportes, na guerra. No teatro, os papéis femininos eram
desempenhados por homens, que se travestiam para encenar.
A homossexualidade se fazia presente na religião, povoada por deuses
dotados de características inerentes aos homens, diferenciando-se destes apenas
pelo poder e pela imortalidade. Os deuses eram o reflexo da própria sociedade
grega, onde a homossexualidade não foi deixada de lado.
Na mitologia grega, Ganímedes era um príncipe de Tróia, por quem Zeus se
apaixonou. Nas imediações de Tróia, o jovem cuidava dos rebanhos do pai,
quando foi avistado por Zeus. Atordoado com a beleza do mortal, Zeus
transformou-se em uma águia e raptou-o, possuindo-o em pleno vôo.
Ganimedes foi levado ao Olimpo e, apesar do ódio de Hera, substituiu a
deusa Hebe e passou a servir o néctar aos deuses, bebida que oferece a
imortalidade, derramando, depois, os restos sobre a terra, servindo aos
17
homens .
Há inúmeras histórias homossexuais dentro dos mitos gregos. Apolo (deus do
sol, da cura e das doenças), que teve entre seus amantes Jacinto. Pátroclo, que
seria amante de Aquiles. Posseidon teria se apaixonado por Pélope.
Quando voltado para a realidade, encontramos referências sobre Alexandre,
O Grande, Zenão de Cítio, fundador do estoicismo. Alcebíades, importante general e
político do século V a.C. era famoso por seu poder de conquista, pois “… na sua
adolescência, ele afastou os maridos de suas esposas, e quando adulto as esposas
de seus maridos”18.
17
Uma releitura da mitologia grega de Ganímedes pode ser vista no vídeo de animação que
participou da 8ª edição do Festival Mix Brasil "The Rape of Ganymede", em novembro de 2000. O
vídeo foi realizado por Tom Whitman & Dustin Woehrmann e está disponível em
http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/10_111_59525.shtml; Ganímedes. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/ganímedes. Acesso em 30 de maio de 2006.
18
Tradução livre feita do texto Homosexuality and the anciant greeks. Disponível em
http://www.religionfacts.com/homosexuality/ancient_greeks.htm. No original: "in his adolescence he
drew away the husbands from their wives, and as a young man the wives from their husbands."
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31
A sociedade grega mostra-se evidentemente adepta da homossexualidade,
pois fazia parte de sua cultura, enxergando-a de forma natural e benéfica. Uma
sociedade que exclui a mulher e que coloca o homem em um papel central.
Mas a homossexualidade não está vinculada apenas à sociedade grega. A
sociedade romana tinha em seu esboço a representatividade homossexual mas o
contexto de sua prática em tudo era diferente no mundo helênico.
Voltado para a hierarquia como forma de determinar a importância de um
indivíduo dentro do grupo social romano, o poder era exercido por um ente familiar
específico, detentor do poder de mando, devendo todos prestar respeito e
obediência. Como foi enfocado na primeira parte deste trabalho, estava Roma
baseada no “patria potestas”.
A hierarquia era uma presença forte dentro da sociedade romana, dividida
rigidamente entre escravos e cidadãos. Aos que não eram membros da família,
inseridos ainda assim dentro de um contexto de subordinação, restavam o simples
enquadramento como escravo.
A homossexualidade se dará entre estes como forma de demonstrar
dominação. Sem perder este padrão hierárquico, a experiência homossexual era
permitida entre o senhor e o escravo, mas exercendo aquele apenas o pólo ativo da
relação. Assim, “[...] os homens que, eventualmente, submetiam-se a prestar favores
sexuais a outros homens eram equiparados a escravos, não possuindo qualquer
relevância social”19.
Importe
salientar
o
papel
fixo
que
cada
um deveria
exercer
na
homossexualidade vivida na sociedade helênica. Ao cidadão cabia o papel de ativo,
mostrando sua superioridade e poder hierárquico. Ao escravo era destinado ser
passivo, reflexo da subordinação e feminilidade, o que não condizia com a
importância dentro da coletividade. Sendo uma prática usual, poderia haver a
predileção entre os escravos ou subordinados.
Famosos são alguns de seus imperadores pelas práticas homossexuais,
como Adriano, que manteve um relacionamento com seu escravo Antínuo. Júlio
César e Nero são outros conhecidos, este último especialmente pela sua crueldade.
A aceitação da
homossexualidade dentro
do mundo
antigo reflete
características distintas. Enquanto o mundo grego a aceita como forma de
19
BRANDÃO, 2002, p. 34.
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32
integração social, fazendo parte do seu cotidiano, o romano a enfoca como reflexo
de hierarquização existente dentro de sua sociedade, demonstrando formas distintas
porém abertas ao envolvimento entre homens.
2.1.2 Outras sociedades e a homossexualidade
Não se pode reduzir a análise da homossexualidade a estas duas sociedades
existentes. O enfoque é mais visível visto a grande importância que estes duas
civilizações tiveram frente ao padrão ocidental. A cultura oriental não deixou de ter
sua manifestação homossexual, destacando-se de várias formas frente aos grandes
grupos que formaram essa civilização.
O primeiro relato escrito sobre a homossexualidade remonta ao Império
Assírio, por volta de 2000 a.C., na composição de um poema babilônico chamado
Épico de Gilgamesh. Neste conto, o personagem principal é o rei Gilgamesh, que
teve o sonho de um homem caindo sobre si. Sua mãe, ao interpretar o sonho,
determina que seu filho deveria unir-se a um companheiro para governar seu país
com força. Unidos, eles foram capazes de vencer inúmeras guerras e obstáculos.
Os primeiros estudiosos da homossexualidade, ao vincularem uma forte
ligação do homossexual à figura materna, foram buscar embasamento de suas
idéias analisando a importância que a mãe teve na estrutura desta história.
Napoleão toleraria a homossexualidade entre seus soldados utilizando como
argumento não só a história de Gilgamesh e seu companheiro unidos para guerrear,
como também da visão grega de que pessoas unidas por laços afetivos se
protegeriam com mais comprometimento.
Verificou-se, também, a homossexualidade presente na sociedade egípcia,
onde os faraós dispunham de haréns com belos jovens. Nesta sociedade, a
homossexualidade estava “relacionada à religião e à carreira militar, pois a
pederastia era atribuída aos deuses Hórus e Set, que representavam justamente a
homossexualidade e as virtudes militares”20.
20
BRANDÃO, 2002, p. 31.
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33
No mundo muçulmano antigo, os poucos relatos escritos existentes
restringem-se à obra Mil e Uma Noites. Os contos refletem a sociedade existente à
época, que não via com estranheza o envolvimento entre pessoas do mesmo sexo.
Somente com o passar dos anos, quando veio a sofrer forte influência religiosa, é
que se revela um novo quadro de rejeição da homossexualidade.
Ainda mais para o Oriente, encontram-se a Índia e o Japão como culturas que
se adaptaram à homossexualidade. Na cultura hindu, o material escrito de maior
relevância é o Kama Sutra, de Vatsyayana. Uma apreciação mais atual da obra
remete às práticas homossexuais.
O Japão também viveu com grande naturalidade a homossexualidade
existente em sua cultura. Era comum a prática entre os guerreiros samurais,
principalmente entre o mestre e seu discípulo.
O livro “O Grande Espelho de Amor entre Homens”, do poeta japonês Ihara
Saikaku (1642-1693), é um dos grandes marcos da literatura japonesa, e se baseia
no relato de amor entre samurais, nobres, monges, atores e outras relações
amorosas homossexuais no Japão do século XVII21.
A religião em nada condenava a homossexualidade, visto que em nenhum
momento sofreu influência do monoteísmo hebreu, sendo comum a prática dentro
dos mosteiros budistas e mesmo entre os lamas do Tibet.
Analisando-se as culturas do mundo antigo, desde o ocidente ao oriente, vêse uma aceitação natural à homossexualidade, admitindo-a como fato comum da
sociedade.
A grande exceção foi a cultura do povo hebreu que, para manter sua
identidade cultural, ressaltava o repúdio à tradição de outros povos e, por
conseguinte, negava-se a assimilar costumes estrangeiros como forma de enfatizar
o nacionalismo. É esta mesma cultura que dará origem a três grandes ramos da
religião ocidental (cristianismo, judaísmo e islamismo).
21
Trabalhando a temática gay, o filme Tabu (Gohatto), realizado por Nagisa Oshima (Japão, 1999,
Cor – 100 min.) enfoca a beleza do jovem Sozaburo e o seu efeito nos samurai, jovens ou mais
maduros. Tudo isso como pano de fundo para desabar em um texto narrativo mais complexo, com
as intrigas e assassinatos que florescem, os confrontos com forças rivais ou o contexto sociopolítico da época.
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34
2.1.3 A homossexualidade na idade média
Todo
o
aspecto
de
aceitação
e
naturalidade
existente
quanto
a
homossexualidade reverteu-se com a influência e a assimilação do cristianismo, este
de base judaica, influenciando a civilização romana e, por conseguinte, a Idade
Média.
Se a Idade Antiga foi marcada pela condescendência e aceitação, o mesmo
não se pode dizer quanto à Idade Média, onde a perseguição e a intolerância – não
só aos homossexuais – era característico da influência canônica no padrão de
comportamento da época.
Pregava-se um comportamento heterossexual como o único permitido e
aceitável frente aos mandamentos divinos. Havia por trás uma legitimação do sexo
apenas com intuito de procriar. Como fora enfocado na primeira parte deste trabalho,
a concepção era o excepcional e real motivo da relação sexual, sendo qualquer
outro motivo considerado contradição frente aos dogmas cristãos. Assim, o contexto
familiar era baseado no sexo com finalidade de geração e pouco importava o afeto
para caracterizá-la.
Fogueiras, prisões e castigos eram as penas mais comuns imputadas aos
homossexuais. Estes eram tidos como pecadores, subversivos dos desígnios de
salvação, geradores dos males da humanidade, que mereciam a ira de Deus.
A pior conseqüência do pensamento cristão desta época foi sua grande
influência e duração. Isto fez arraigar no pensamento da época grande ódio e
repulsa à convivência entre pessoas do mesmo sexo. Quebrar os aforismos
canônicos contra os homossexuais, que influenciou durante dez séculos o
pensamento da humanidade, seria impossível.
Com toda a repressão, a homossexualidade não deixou de existir, mas
passou a ficar camuflada na sociedade, tida como uma coisa antinatural e
vergonhosa.
Todo este estágio de explícita perseguição perdurou até aproximadamente o
final do século XIV, quando a força da Igreja Católica foi abalada, entre outras
coisas, pelas mudanças trazidas pela reforma protestante e o surgimento de um
novo pensamento que marcou o final da Idade Média e deu início à Idade Moderna:
o Renascimento.
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35
O Renascimento, ligado ao humanismo, vem resgatar o conhecimento como
vertente essencial para a vida. Repudiando toda a obscuridade empregada na Idade
Media, agora procura-se vislumbrar o conhecimento, ver o mundo por completo,
resgata-se o pensamento clássico, a filosofia clássica.
Esta nova vertente pensante tem grande expressão, em especial, na Itália,
que passa a se destacar nas artes e nas ciências. É em meio a este renascimento
cultural que se vê ressurgir também uma tímida expressão homossexual, mas
constante.
Importantes personalidades da época alteraram o quadro da repressão,
demonstrando sua homossexualidade: Leonardo da Vinci com Jacopo Saltarelli,
Michelangelo com Tomasso del Cavalieri, Giovanantonio Bazzi. Entre as
personalidades famosas da França, há Henrique III, rei da França entre 1574 a
1589; Felipe de Orléans, irmão do rei Luís XVI; Vendôme e Huxelles, ambos
famosos generais.
Na Inglaterra, Shakespeare expressa em versos a homossexualidade
enquanto Christopher Marlowe (1564-1593) escreve a peça Eduardo II, baseando-se
na história real vivida pelo rei da Inglaterra Eduardo II e seu amante, Piers Gaveston.
Apesar desta pequena abertura, ainda havia uma forte influência do
pensamento canônico no cotidiano dos grandes centros urbanos. E este fenômeno
influenciou o pensamento jurídico de alguns países. Embora almejassem a
desvinculação do Direito com as determinações eclesiásticas fundadas no divino, a
homossexualidade continuou a ser vista como uma coisa antinatural e que
comprometeria a força do povo e do Estado.
Este foi um pensamento que encontrou respaldo na Alemanha e na Inglaterra,
principalmente durante o reinado da Rainha Vitória. Esta promulgou leis duras contra
os homossexuais. Uma das vítimas destas leis foi o famoso escritor inglês Oscar
Wilde, acusado de “cometer atos imorais contra rapazes” e de sodomia.
A contrário senso, a Itália e a França nada declararam em lei quanto à relação
entre pessoas do mesmo sexo. Dentro do enfoque legal, não havia para eles
qualquer relação de causa e efeito entre a prática homossexual e danos a terceiros,
requisito essencial dentro do enfoque do Direito Penal. Assim, a Assembléia
francesa de 1791 não condenou a prática e o Código Penal Napoleônico não fez
nenhuma referencia.
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36
A abertura sentida em alguns países não significou a liberação da
homossexualidade. O preconceito arraigado de séculos fez muitos homens e
mulheres se esconderem, viverem falsas vidas, mantendo aparência e vida
heterossexuais, mas na clandestinidade mantendo uma homossexualidade paralela.
Este será um fenômeno que perdurará até o século XX, sofrendo grande
transformação na sua segunda metade.
2.1.4 Segunda metade do século XX: décadas de transformação
O começo do século XX assistiu o nascimento embrionário de um movimento
homossexual. Viam-se pesquisas voltadas a explicar a origem da homossexualidade
e seu reflexo na sociedade como um todo.
Embora fosse proibido em alguns países, assistia-se ao despertar de um
público gay disposto a mostrar o rosto e freqüentar a sociedade abertamente. Já
havia lugares destinados a eles e revistas eram publicadas visando alcançar este
público específico.
Porém o pior estava por vir. Se a Idade Média fundava seu ódio nos dogmas
da Igreja, agora um novo instituto mais poderoso servirá de base para a fundamentar
uma perseguição implacável contra os interesses do Estado: a Norma Jurídica.
Surge na Alemanha um pensamento ultraconservador, de direita, embasada
em uma “limpeza” ética, moral, social e, sobretudo, racial: o Nazismo. Fortalecido
por este pensamento de limpeza e amparado na norma jurídica, assistia-se ao maior
genocídio de falso cunho racial já visto na história da humanidade22.
Em nome de um fortalecimento da unidade Alemã, estima-se a morte de mais
de quinze milhões de pessoas em virtude do pensamento de “limpeza” empregado
pelos nazistas. Com enfoque na superioridade ética do povo alemão, assistiu-se ao
Holocausto, termo cunhado para expressar o massacre ocorrido nos campos de
concentração e extermínio mantidos durante o regime do Governo de Hitler.
Visando
defender
os
interesses
do
Estado
Germânico,
matou-se
indiscriminadamente qualquer opositor ao pensamento nazista, sendo os principais
22
Marx já havia advertido que a norma jurídica poderia facilmente ser manipulada para legitimar os
interesses da classe dominante.
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37
perseguidos políticos de Hitler os judeus, os comunistas, os homossexuais,
deficientes mentais, deficientes motores, ciganos, Testemunhas de Jeová e
pacientes psiquiátricos.
Estima-se que durante o regime nazista foram presos entre 90 e 100 mil gays
e lésbicas, e que foram mortos entre 10 a 20 mil em seus campos de concentração e
extermínio. A imprecisão destes números aumenta levando em conta que um
mesmo indivíduo poderia ser classificado em mais de um grupo. Alguém que fosse
judeu e gay tinha sua situação agravada.
As penas nos campos, quando não era a morte, eram torturas como ficar de
pé, nu, exposto a baixas temperaturas. Experiências pseudocientíficas, como
castração e aplicação de hormônios, sob a expectativa de cura do mal da
homossexualidade.
Diante deste cenário de terror e medo, o enrustimento foi a atitude que cercou
a época. Apavorada e com medo de retaliações, toda a comunidade homossexual
passou a viver o chamado “inside the closet”, expressão para designar a discrição
em manter a homossexualidade camuflada.
O mundo, perplexo com todo o poder utilizado em nome de uma ideologia
política para justificar o massacre a milhões de pessoas, viu nascer, ao final da
Segunda Grande Guerra, um novo pensamento jurídico-social, centrado na
supremacia do ser humano sobre o interesse de qualquer Estado autoritário.
Vê-se aflorar um sistema de proteção de direitos aplicáveis a todos, revestido
de poderes internacionais e tutelado universalmente por entidades de Direito
Internacional Público. Nasce neste contexto mundial a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 1948, onde ocorre a institucionalização do direito individual
em âmbito internacional.
As ideologias apresentadas nesta carta mostram-se como norte edificador,
focada no ser humano como objeto fundamental merecedor de qualquer esforço
para a construção de uma sociedade moderna mais justa e equilibrada.
Porém um longo caminho ainda será trilhado entre a publicação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua efetiva internalização no contexto
mundial. Caminho este que será marcado pelo surgimento reivindicatório de diversos
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38
movimentos sociais, destacando-se entre eles, como já comentado no capítulo
anterior, o movimento negro23, a revolução feminista e o movimento gay.
Os anos 60 viram renascer uma nova comunidade gay, um movimento social
organizado, utilizador dos órgãos de mídia e com apoio político, embasado nas
transformações sociais que a segunda metade do século XX tanto almejava.
O grande marco na luta pelos direitos homossexuais dessa época foi a revolta
de Stonewall Inn, bar de Nova Iorque voltado para o público gay onde na noite de 28
de junho de 1969 os freqüentadores, cansados das humilhações e dos constantes
maltratos policiais, reagiram a uma batida, partindo para um violento protesto que
tomou as ruas por três dias, armando barricadas e expulsando a polícia. Em 10 de
julho de 1970, em comemoração ao aniversário do motim, ocorreu uma marcha que
seria a precursora das atuais Paradas do Orgulho Gay.
Essa visibilidade e exposição vieram por a tona um fato real que estava
inserido na sociedade e que a mesma apenas fingia não enxergar. A
homossexualidade se fazia presente em todas as camadas sociais, mas entre a sua
visibilidade e a sua efetiva aceitação, um longo caminho ainda seria (e será) trilhado.
Sua evolução nestas últimas quatro décadas, em especial, foi marcada por
constantes lutas e por um lento progresso. Nesse primeiro momento de
renascimento da visibilidade homossexual, apenas grandes centros urbanos se
destacaram, visto o panorama de metrópoles e acolhedoras de um movimento
vanguardista de liberdade. São Francisco, Nova Iorque e Paris são as cidades que
se destacam. No contexto brasileiro, São Paulo e Rio de Janeiro ocupam seu lugar
de destaque.
Os anos 70 foram marcados, não apenas na seara homossexual, pela grande
liberdade sexual.
Foram anos de transformações ideológicas no campo da
sexualidade, onde o desenvolvimento científico patrocinou modificações no
comportamento sexual de homens e mulheres, destacando a separação entre
intimidade e sexo. Era uma sociedade disposta a quebrar, além dos preconceitos,
tabus arraigados na cultura mundial.
23
O movimento pelos direitos civis negros não faz parte analítica desta monografia. Alguns tópicos
serão citados como fonte para futuras pesquisas de interesse pessoal do leitor. 1955 – Rosa Parks;
1957 – A Dessegregação em Little Rock; 1961 – O protesto de Greensboro; 1962 – O Caso James
Meredith; 1963 – A Marcha sobre Washington; 1964 – O Verão da Liberdade; 1964 – Prêmio Nobel
da Paz a Martin Luther King; 1965 – Selma e o Direito de Voto; 1966-1975 – O Black Power e Os
Panteras Negras.
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39
A nova ideologia era a sexualidade como forma de prazer (em especial para a
mulher, visto que lhe foi negado durante séculos), e não mais voltada para a
necessidade primordial de perpetuação da raça humana. Há o total deslocamento do
eixo sexo-procriação para a nova vertente sexo-amor, onde a homossexualidade se
encaixaria perfeitamente visto que era, à época, mais que impossível o contexto
sexo-procriação entre pessoas do mesmo sexo.
Já os anos 80 e 90 seriam marcados não por um retrocesso mas sim por uma
releitura, com o advento da AIDS, da liberdade sexual experimentada por homens e
mulheres na década anterior. Associada primeiramente a uma doença da
homossexualidade masculina, verificou-se a posteriori que estava vinculada a
comportamento sexual desregrado e inconsciente.
A vinculação entre AIDS e homossexualidade deixa evidente, à primeira vista,
o preconceito que a cerca. A liberdade sexual dos anos 70 foi um reflexo geral da
sociedade, que via finalmente a possibilidade de expressar sua sexualidade
desvinculada de preconceitos. A conduta humana é sintomática no anseio de
encontrar um culpado às dificuldades que afrontam o mundo.
Assim não foi diferente com o advento da AIDS. Tratou-se, em um primeiro
instante, de encontrar um “responsável” para o seu aparecimento e disseminação.
Com os estudos que foram surgindo, tornou-se incerto, impreciso quanto ao seu
aparecimento, porém a disseminação está abertamente ligada ao caráter sexocomportamental, também conhecido como comportamento de risco.
Se os anos 60 e 70 trouxeram timidamente a ponta do iceberg da
homossexualidade, os anos seguintes trariam o resto de um corpo multifacetar
preocupado em mostrar sua diversidade desvinculada do ponto de vista apenas
sexual para então ilustrá-la nos vários prismas das ciências humanas e biológicas,
como na medicina, política, sociologia, psicologia e tantas mais.
2.2 O que é homossexualidade
A visibilidade alcançada durante a última metade do século XX desencadeou
um processo lento de aprendizagem e convivência com a homossexualidade. Algo
que sempre existiu passou a ser comentado, a ser analisado e questionado.
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40
É da curiosidade humana querer saber o porquê das coisas, e com a
homossexualidade, não haveria de ser diferente. Com o advento do Iluminismo, o
questionamento científico e a busca pela razão colocaram o homem em uma busca
incessante pelo conhecimento. A homossexualidade não ficaria fora do campo de
análise do conhecimento científico.
O século XIX, emergente da sede de conhecimento científico, trouxe ao
enfoque da sociedade o estudo de toda uma sexualidade reprimida durante séculos
por um idealismo Canônico, focado apenas na sexualidade como meio de
reprodução.
Tanta repressão colocou o sexo em papel de destaque tanto no âmbito
público quanto privado. Mas equívocos ocorreram nos primeiros estudos feitos para
atribuir classificação às diversas expressões da sexualidade, conforme comentário
no trabalho elaborado por Ana Cristina Santos para o Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, em Portugal.
Na verdade, em especial com a emergência do vitorianismo britânico no
século XIX, os destinos da sexualidade tomaram outro rumo, uma vez que, tal
como assinalou Foucault (1994), a pesada repressão sexual acabou por
colocar o sexo no centro de uma atenção pública e privada sem precedentes.
Essa súbita efervescência da sexualidade traduziu-se por uma classificação
médica detalhada de todos os desvios conhecidos, entre os quais se
contavam a histeria, a ninfomania, a homossexualidade, a prostituição e a
masturbação. Com o surgimento da Sexologia, as diversas orientações, as
preferências e os desvios sexuais, que, entretanto, foram sendo conhecidos,
eram atribuídos a tendências do foro íntimo que poderiam ser ajustadas se
24
sujeitas a uma terapia médica adequada (sem grifos no original) .
Mergulhado neste contexto de cientificidade em torno da sexualidade,
cunhou-se pela primeira vez pela médica húngara Karoly Maria Benkert, em 1869, o
termo homossexual, derivado dos grego homos (igual) com o latim sexus (sexo). Até
então usavam-se outros termos, como pederastia (a palavra utilizada pelos gregos
definir o relacionamento de aprendizagem entre o tutor e seu aluno), e sodomia
(termo bíblico eferente a Sodoma).
Mas os primeiros estudos da homossexualidade, assim como os da
sexualidade em geral, levaram a equivocados erros, abordando seus diversos
aspectos como desvios dignos de tratamento e cura.
Ocorrera que, durante o final do século XIX, a medicina e a psiquiatria
marcaram uma competição contra a religião e a lei pela homossexualidade. O
24
SANTOS, A., 2002.
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41
discurso sobre ela saíra do campo do pecado e do crime para se inserir no campo
da patologia.
Dois
momentos,
porém,
marcarão
em
especial
a
releitura
da
homossexualidade no contexto científico. Em primeiro, os estudos do psicanalista
Sigmund Freud, que tinha padrões mais aceitantes e não a encarava como
patologia. Defendia que todos os seres humanos era bissexuais inatos e que se
tornavam heterossexuais ou homossexuais, como resultado das suas experiências
com os pais e outros (Freud, 1905).
Explica Freud a homossexualidade por meio de falha no papel do pai para
quebrar o Complexo de Édipo existente durante a infância. Próximo dos quatro anos
de idade, a criança encontra-se intensamente ligada à mãe, e haveria uma luta entre
pai e filho pela posse da mãe. Ocorre que a figura paterna deve impor limites e
quebrar este vínculo estabelecido, para então assumir seu papel frente a criação.
Será o pai então espelho para o filho, que passará a assimilar as características
masculinas, que se estruturarão por completo na adolescência.
Quando o pai não consegue quebrar este vínculo, o filho volta suas atenções
para as características maternas, assimilando-as, até mesmo seu elemento de
anseio, o homem. Um pai ausente em confronto com a superproteção da mãe
desencadearia, na perspectiva freudiana, a homossexualidade.
Mas
vale
ressaltar
que
Freud
jamais
deu
causa
a
pensar
na
homossexualidade como patologia digna de cura. Conforme análise do fragmento de
uma carta sua a uma mãe americana, vislumbra-se um pensamento de vanguarda
para a medicina psicanalítica da época:
Extraí de sua carta que seu filho é homossexual. Estou mais impressionado
com o fato de você mesma não ter feito menção deste assunto nas suas
informações sobre ele. Poderia eu lhe questionar por que você omitiu? A
homossexualidade não é seguramente uma vantagem, mas não é nada de
que nos envergonhemos, não é vicio, nenhuma forma de degradação, não
pode ser classificada como doença. A consideramos como sendo uma
variação da função sexual produzida por uma certa paragem do
desenvolvimento sexual. Muitos indivíduos altamente respeitáveis dos tempos
antigos e modernos foram homossexuais, entre eles alguns dos grandes
homens (Platão, Miguelangelo, Leonardo da Vinci, etc.). É uma grande
injustiça perseguir a homossexualidade como um crime, alem de crueldade.
Se você não acredita em mim, leia os livros de Havelock Ellis.
Quando me pergunta se posso ajudá-la você quer dizer é, creio eu, se posso
abolir a homossexualidade e fazer a normal heterossexualidade assumir seu
papel. A resposta é, de maneira geral, que não podemos prometer alcançar
isto. Em um certo número de casos nós somos sucedidos em desenvolver os
agentes das tendências heterossexuais que estão presentes em todo
homossexual, mas na maioria dos casos isto não é mais possível. Tudo é
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42
uma questão de qualidade e idade do indivíduo. O resultado do tratamento
não pode ser previsto.
O que a análise pode fazer pelo seu filho corre por uma outra linha. Se ele se
sentir infeliz, neurótico, despedaçado por conflitos, inibido na sua vida social,
a psicoanálise pode trazer-lhe harmonia, paz de espírito, total eficiência quer
25
ele permaneça homossexual ou mude[...] .
O segundo momento de suma importância para a releitura não só da
homossexualidade mas da sexualidade em geral ocorre no final dos anos 40,
quando foi publicado o polêmico primeiro volume do “Relatório Kinsey”, um estudo
feito pelo Professor Kinsey sobre a sexualidade humana.
Formado em psicologia e zoologia, ele comparou seus estudos da
sexualidade animal (em especial da vespa) com a humana, determinando assim que
haveria uma diversidade sexual comum entre animais e humanos. O estudo
baseado em pesquisas sobre a sexualidade dos adultos em diversas regiões dos
Estados Unidos resultou neste famoso relatório intitulado “Sexual Behavior in the
Human Male”. Em 1953 ele publicaria a segunda parte de sua pesquisa, intitulada
“Sexual Behavior in the Human Female”, agora voltada para a sexualidade feminina.
Os resultados alcançados por esses dois relatórios causaram abalo na
estrutura clássica da família americana da época. Suas pesquisas chegaram ao
resultado que a diversidade sexual humana não se restringe à heterossexualidade
ou homossexualidade. Seu relatório dispôs a sexualidade em oito categorias:
• heterossexual exclusivo;
• heterossexual ocasionalmente homossexual;
• heterossexual mais do que ocasionalmente homossexual;
25
Tradução livre de: “ I gather from your letter that your son is a homosexual. I am most impressed by
the fact that you do not mention this term yourself in your information about him. May I question you,
why do you avoid it? Homosexuality is assuredly no advantage, but it is nothing to be ashamed of,
no vice, no degradation, it cannot be classified as an illness; we consider it to be a variation of the
sexual function produced by certain arrest of sexual development. Many highly respectable
individuals of ancient and modern times have been homosexuals, several of the greatest among
them (Plato, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc.). It is a great injustice to persecute
homosexuality as a crime, and cruelty too. If you do not believe me, read the books of Havelock
Ellis.
By asking me if I can help, you mean, I suppose, if I can abolish homosexuality and make normal
heterosexuality take its pace. The answer is, in a general way, we cannot promise to achieve it. In a
certain number of cases we succeed in developing the blighted germs of heterosexual tendencies
which are present in every homosexual, in the majority of cases it is no more possible. It is a
question of the quality and the age of the individual. The result of the treatment cannot be predicted.
What analysis can do for your son runs in a different line. If he is unhappy, neurotic, torn by conflicts,
inhibited in his social life, analysis may bring him harmony, peace of mind, full efficiency, whether he
remains a homosexual or gets changed…” Disponível em http//wthrockmorton.com/?p=420. Acesso
em 04 de abril de 2007.
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43
• igualmente heterossexual e homossexual (bissexualidade);
• homossexual mais do que ocasionalmente heterossexual;
• homossexual ocasionalmente heterossexual;
• homossexual exclusivo;
• indiferente sexualmente.
Vários outros estudos surgiram a partir destes dois marcos: os estudos
psicanalíticos de Freud e os estatísticos de Kinsey, e que vão contribuir de forma
relevante na reformulação da visão patológica vinculada à homossexualidade. Mas
foram longos os anos até a real desvinculação entre doença e homossexualidade.
Somente em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (American
Psychiatric Association) retirou a homossexualidade do Manual de Diagnóstico e
Estatística de Distúrbios Mentais, após uma votação favorável de treze dos seus
quinze membros, visto que as análises de estudos não revelaram a compatibilidade
de comportamento homossexual como doenças mentais. Esta decisão foi polêmica,
e diversos psiquiatras exigiram um referendo diante de toda a classe psiquiátrica
americana. Nesta nova votação, ocorrida em 1974, ratificou-se pela retirada da
homossexualidade do referido rol.
A Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association –
APA)
em
1975
seguiu
esta
tendência,
abolindo
de
seu
estatuto
a
homossexualidade26. Na convenção anual que ocorreu em julho de 2004, a APA
adota a convenção sobre “Orientação Sexual e Casamento”, voltada para os casais
do mesmo sexo, onde estabelece que a “Discriminação e preconceito baseado na
orientação sexual afetam negativamente o bem estar psicológico, físico, social e
econômico” e que “A instituição do casamento civil confere status social e
importantes benefícios, direitos e privilégios legais”27.
No mesmo documento, o conselho reconhece que o preconceito, a
discriminação e a violência contra homossexuais causam transtornos gerais no bem
estar individual. A este fenômeno dão o nome de “estresse das minorias”.
26
No intuito contemporâneo de quebrar o preconceito que cerca as relações homossexuais, aboliu-se
o termo homossexualismo, que tem no seu sufixo “ismo” o indicativo de “doença”, por
homossexualidade, que possui no seu sufixo “idade” o significado de “comportamento”.
27
Tradução livre de: “Discrimination and prejudice based on sexual orientation detrimentally affects
psychological, physical, social, and economic well-being…The institution of civil marriage confers a
social status and important legal benefits, rights, and privileges”. O texto integral da resolução está
no original no anexo da presente monografia.
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44
Pesquisadores (e.g., DiPlacido, 1998; Meyer, 2003) usam o termo “estresse
das minorias” para se referir aos efeitos negativos associados com as
condições sociais adversas experimentadas por indivíduos que pertençam a
um grupo social estigmatizado (e.g., os idosos, membros de grupos
minoritários raciais e étnicos, os deficientes físicos, mulheres, pobres ou
aqueles em situação parecida, ou indivíduos que são gays, lésbicas ou
28
bissexuais) .
A Organização Mundial da Saúde (OMS) só retirou a homossexualidade da
“Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10)” em 1993, ou seja, há pouco mais de dez anos.
Mas os últimos anos trouxeram um novo enfoque de estudo da
homossexualidade. Vendo a insuficiência da psiquiatria e da psicologia em encontrar
respostas às perguntas que germinavam sobre a homossexualidade, passou-se a
examiná-la dentro do contexto científico de outros ramos das ciências biológicas.
Neste novo contexto científico onde a homossexualidade foi mergulhada, um
dos primeiros estudos realizados foi o do cientista norte-americano Simon LeVay,
que após analisar as células do hipotálamo de homo e heterossexuais de homens,
descobriu que as dos homossexuais masculino eram menores. Visto que o
hipotálamo é a região cerebral responsável pelas emoções, especulou-se então um
vínculo entre o afeto sexual e a formação das células desta região29.
A partir de então elaboraram-se inúmeras pesquisas voltadas para a
explicação científica do comportamento homossexual. Em pesquisa realizada no ano
de 1993, uma equipe comandada pelo cientista D.H. Hamer, do laboratório de
bioquímica do Instituto Nacional do Câncer, acompanhou o estudo de 114 famílias
de
homossexuais
masculinos, e
observou-se uma
maior incidência
de
comportamento homossexual em tios e sobrinhos do lado materno do que no
paterno, sugerindo a possibilidade de transmissão ocorrer por influência do
cromossomo X30.
Mas a maior repercussão foi o trabalho elaborado em 1999 pelo biólogo
americano Bruce Bagemihl que, após mais de 10 anos de pesquisas sobre o
comportamento sexual dos animais, resultou na 750 páginas do livro Biological
28
Tradução livre de: “researchers (e.g., DiPlacido, 1998; Meyer, 2003) use the term ‘minority stress’ to
refer to the negative effects associated with the adverse social conditions experienced by individuals
who belong to a stigmatized social group (e.g., the elderly, members of racial and ethnic minority
groups, the physically disabled, women, the poor or those on welfare, or individuals who are gay,
lesbian, or bisexual)”.
29
LEVAY, 1991, pp. 1034-1037.
30
HAMER, 1991, p. 321-327.
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45
Exuberance – Animal Homosexuality and Natural Diversity (Exuberância Biológica –
Homossexualidade Animal e Diversidade Natural).
A obra apresenta provas mais do que convincentes, irrefutáveis, de que o
velho modelo “macho com fêmea para criar filhotes” é apenas uma pequena
parte da história das espécies animais [...] A conclusão surpreendeu os
biólogos que ainda acreditam que só se faz sexo para produzir filhotes. Com
Bagemihl, surgiu uma idéia nova na biologia – a de que, apesar de não gerar
descendentes, o homossexualismo faz parte do dia-a-dia de um número
31
enorme de espécies na natureza .
Não obstante os estudos em busca de uma explicação científica a respeito da
homossexualidade, válidas são as reflexões erigidas por Aline Beckmann de Castro
Menezes, Mestra em Teoria e Pesquisa do Comportamento:
Pode-se considerar, portanto, que não há uma resposta para a explicação da
origem do comportamento homossexual. Dentre as múltiplas respostas
válidas que podem vir a ser encontradas estão três fatores do funcionamento
sexual humano que podem ser abstraídos da revisão de literatura aqui
apresentada e discutida: 1) A exclusividade do padrão sexual parece ser um
produto sócio-cultural que restringiria as múltiplas formas às quais o corpo
humano seria passível de estimulação; 2) Fatores genéticos e biológicos
podem afetar o desenvolvimento individual, influenciando as relações sociais
e todo o processo de constituição do repertório sexual; 3) Por mais que as
experiências iniciais tenham repercussão relevante na vida sexual futura,
estas se constituem apenas como um elo de uma cadeia complexa que
32
envolve fatores sociais e biológicos de forma indissociada .
Definir a homossexualidade apenas como a atração sexual entre pessoas do
mesmo sexo é classificá-la sem entender as nuances intrínsecas que compõem o
comportamento humano. Não se fala mais em homossexualidade, mas sim
homossexualidades, haja vista o caráter plural da sexualidade.
A verdade é que os estudos até agora vêm disponibilizando mais dúvidas que
certezas a cerca da homossexualidade. O comportamento homossexual revela-se
tão somente um dos diversos planos da sexualidade humana, que sofre não apenas
da influência de fatores genéticos como também de fatores ambientais, sociais e
culturais onde ela, a sexualidade humana, está imersa.
31
32
BURGIERMAN, 2006.
MENEZES, 2005, p. 324.
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46
CAPÍTULO III
UNIÃO HOMOAFETIVA
3.1 O Projeto de Lei no 1.151/1995
Embora se tenha falado da homossexualidade no capítulo anterior, o enfoque
deste trabalho visa delimitar-se ao campo da união estabelecida entre pessoas do
mesmo sexo, com vínculo duradouro e contínuo, que tenham como objetivo a
construção de um futuro em comum, focado no afeto e proteção mútua. São as
uniões homoafetivas. Adentra-se, assim, o cerne principal desta monografia.
Utilizado pela primeira vez pela Ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias,
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o termo “união homoafetiva” vem
sendo muito utilizado não apenas no campo jurídico mas também em diversos
ramos das ciências humanas, visando caracterizar as uniões entre pessoas do
mesmo sexo, focado no afeto, e que, por conseguinte, criam reflexos jurídicos e
sociais.
As uniões homoafetivas são, sem dúvidas, um fato presente nas mais
diversas realidades sociais, e que nos últimos anos vem emergindo em busca de
reconhecimento, batendo à porta do judiciário para ver seus direitos assistidos.
Buscam agora um amparo jurídico às lides impostas por uma sociedade moderna,
que evoluiu socialmente mas que, diante da lei, vê o positivismo legal aquém das
reais necessidade deste grupo.
Com o intuito de normatizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, em
1995 a então Deputada Federal Marta Suplicy elaborou o Projeto de Lei no 1.151.
Composto de apenas 18 artigos, ele disciplinava a união civil entre pessoas do
mesmo sexo.
A Justificação do referido Projeto esboça que este “... visa o reconhecimento
das relações entre pessoas do mesmo sexo [...] que cada vez mais vem se impondo
em nossa sociedade”33. Reforça ainda que a heterossexualidade não é a única
33
O Projeto de Lei 1.151, de 26 de outubro de 1995, publicado no Diário da Câmara dos Deputados
em 21 de novembro de 1995, faz parte do conteúdo desta monografia, encontrando-se disposto em
seu anexo.
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47
forma de expressão da sexualidade humana, ratificando que tanto o Conselho
Federal de Medicina quanto a Organização Mundial de Saúde não consideram a
homossexualidade como “desvio ou transtorno sexual”, assuntos estes já debatidos
aqui no Capítulo II.
A referida Justificação ao Projeto divide-se em sete pontos, tratando seu
primeiro tópico “Realidade e Direitos” do direito à orientação sexual (hétero, bi ou
homossexual) como inerente à pessoa humana, visto ser a busca da felicidade um
direito natural, e que muitos só são felizes se ligados a outros do mesmo sexo.
Em “Relação duradoura”, salienta-se que “... compromisso mútuo, laços
familiares e amizades duradouras são parte da vida de todo ser humano...” e que a
legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo incentivará as pessoas a
saírem da clandestinidade e, por conseguinte, ocasionará um real bem estar da
pessoa frente a si.34
“Violência”, terceiro item da justificação, ressalta as constantes agressões a
que homossexuais estão sujeitos no Brasil, e que uma das formas de amenizar este
problema seria a legalização da união, como uma das formas de mudar o
comportamento homofóbico inserido na sociedade.
“Solidariedade” retrata que as uniões legalizadas possuem um elo mais
estabelecido, ficando menos imediata sua dissolução, e sua formalidade
desvinculará a falsa imagem que se criou quanto da coabitação entre gays e
lésbicas, tida meramente como duas pessoas que dividem uma residência.
Em “Homossexualidade”, discutem-se, em pequena síntese, os estudos sobre
o assunto e salienta que “... ser homossexual é, freqüentemente, causa de grandes
problemas. A atitude preconceituosa da sociedade resulta em isolamento para
homossexuais e, freqüentemente dificulta suas vidas e até seus relacionamentos
pessoais e estabilidade emocional”.
“Diferenças entre união civil e casamento” explica a nomenclatura adotada
frente à Lei, que será de “parceria ou união civil”, deixando claro que os termos
“matrimônio e casamento” são vinculados às “implicações ideológicas e religiosas”
do casamento heterossexual. Haverá apenas as aplicações legais dadas aos
heterossexuais, como herança, patrimônio e outros, assunto este também tratado no
34
No Capítulo II desta obra foi comentada a resolução da Associação Americana de Psiquiatria (APA)
quanto aos importantes benefícios no bem-estar das minorias que são inseridas na sociedade por
meio de políticas públicas (Resolução no original disposta no anexo).
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48
tópico “Aspectos jurídicos”, que prevê consistência entre a Lei e os objetivos
fundamentais constitucionalmente garantidos de “... construir uma sociedade livre,
justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”35 (sem grifo no original).
Estabelece o projeto que a união realizar-se-á perante os oficiais de Registro
Civil, devendo os interessados exibir o instrumento de contrato de união civil, não ter
impedimento legal para o ato e capacidade civil plena36.
O contrato terá seu registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de
Pessoas Naturais e, durante sua vigência, o estado civil dos contratantes não
poderá sofrer alteração. A extinção do referido contrato ocorrerá pela morte de um
dos contratantes, por decisão judicial ou por vontade das partes.
O § 2º do art. 4º prevê a possibilidade de extinção por vontade das partes
apenas depois de decorrido o prazo de 2 (dois) anos da constituição da união. A
este dispositivo, há de correlacionar as críticas feitas ao Código Civil de 2002, que
estabelece em seus artigos 1.572, § 1º e 1.580, §§ 1º e 2º, o lapso temporal para a
efetiva realização da separação judicial e do divórcio. Estas críticas fundam-se,
principalmente, na imposição estatal de mantença do vínculo conjugal quando esta
não é mais a vontade dos cônjuges. Quanto à partilha dos bens existente, esta será
averbada pela mesma sentença que homologar a separação (art. 6º).
O projeto, visando à publicidade do ato de união civil, propõe alterações na
Lei no 6.015/73, que dispõe sobre os Registros Públicos. O mesmo projeto ainda
altera as Leis no 8.213/91 (Lei de Benefícios Previdenciários), 8.112/90 (Estatuto dos
Servidores Públicos Federais) e 6.815/80 (Lei dos Estrangeiros), com o intuito de
garantia dos direitos previdenciários, de pensão e de imigração. Garante-se aos
contratantes o direito à sucessão regulado na Lei no 8.971/94, e a impenhorabilidade
do bem próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo
sexo. Relevante ainda a precedência para exercer a curatela em caso de perda da
capacidade civil do companheiro.
Oportunas são as palavras do Doutor Luiz Mello de Almeida Neto, em sua
tese intitulada “Família no Brasil dos anos 90: um estudo sobre a construção social
35
36
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º, incisos I e IV.
“... § 1º. Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil
exibindo:
I – prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas;
II – prova da capacidade civil plena;
III – instrumento público de contrato de união civil.”
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49
da conjugalidade homossexual”, onde traça importantes observações sobre o
referido Projeto de Lei:
[...] em nenhum momento do texto do Projeto faz-se qualquer referência aos
“homossexuais” [...] não podem ser tomadas como razões daquela omissão
um pressuposto teórico acerca da inexistência de uma identidade
homossexual [...] porque, na justificação do Projeto, quase sempre as
pessoas do mesmo sexo antes referidas são explicitamente definidas como
homossexuais e em nenhum momento cogita-se que pessoas outras, que
não homossexuais vinculados afetivo-sexualmente, encontrariam abrigo na
legislação proposta (Note-se que, só após a aprovação do Projeto na esfera
da Comissão Especial, a Deputada Marta Suplicy, em face do
recrudescimento, no Plenário da Câmara dos Deputados, das resistências à
idéia de um instrumento legal que viesse a assegurar direitos civis a casais
homossexuais, começa a utilizar o argumento de que o Projeto não se
destina apenas aos homossexuais, podendo amparar também, por exemplo,
uma avó e uma neta ou um tio e seu sobrinho). [...] tal omissão funda-se [...]
no receio de que um projeto de lei onde estivesse explicitada a garantia de
direitos a homossexuais [...] poderia encontrar ainda maiores resistências no
Parlamento e na sociedade brasileira, principalmente quando esses direitos
estão situados na esfera da conjugalidade [...] não se faz alusão à dimensão
amorosa [...] As poucas vezes em que se procura explicitamente caracterizar
esses vínculos, os termos utilizados são vagos e pouco precisos, a exemplo
de “relação permanente e compromissada”, “relacionamentos estáveis” e
“relação emocional permanente”. Em nenhum momento tais relações são
caracterizadas explicitamente como fundadas no amor conjugal [...] é
proposto, assim, como um direito de cidadania originário da liberdade de
orientação sexual vigente no Brasil e não como uma decorrência da
necessidade e da legitimidade de proteção legal de uniões fundadas no amor,
que se materializam enquanto entidades familiares [...] ao se prever a
extensão de direitos de herança, previdenciários, de pensão e de imigração
aos contratantes de união [...] equipara-se expressamente a união civil entre
pessoas do mesmo sexo à união estável entre homem e mulher ou ao
casamento. Deve-se ressaltar, todavia, que, na justificação do Projeto é
explícita a preocupação em afirmar que o disciplinamento da união civil entre
pessoas do mesmo sexo não pretende conferir a esta “um status igual ao do
casamento”. Em nenhum momento, porém, está caracterizado, na mesma
justificação, que as uniões homossexuais não constituiriam uma modalidade
de família, embora a preocupação em distingui-la do casamento e mesmo da
união estável termine tendo como resultado indireto a negação de seu caráter
familiar. A tensão entre a afirmação e a negação da dimensão familiar das
uniões homossexuais é, portanto, patente, principalmente quando se observa
que, apesar desta tentativa de diferenciação formal entre união civil
homossexual e união estável heterossexual, à primeira estariam sendo
37
assegurados os mesmos direitos facultados à última .
Vale lembrar que apesar de todo o esforço para a votação do referido projeto,
este encontra-se parado e seu último registro está datado de maio de 2001, quando
houve manobra política para a retirada da pauta do Plenário. Vislumbra-se mais de 5
anos de desinteresse das autoridades públicas na manifestação política a cerca
37
ALMEIDA NETO, 1999, p. 348.
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50
deste Projeto de Lei, que tem seu histórico cercado de discursos contrários
embasados, principalmente, em argumentos religiosos e na moralidade:
[...] tenho recebido cartas de eleitores provenientes de vários municípios de
Minas Gerais pedindo para não aprovarmos o projeto de legalização de
casamento entre pessoas do mesmo sexo. Coordenados pela campanha O
Amanhã de Nossos Filhos, lembram eles, com toda razão, as condenações
38
bíblicas contra o pecado do homossexualismo .
Este é apenas um dos muitos discursos inflamados em contrariedade ao
Projeto de Lei, todos sempre alavancados, como antes mencionado, por fatores
morais e religiosos. Neste mesmo ínterim, no parecer elaborado pela Comissão
Especial, que teve como relator o então Deputado Roberto Jefferson, destacam-se
os votos em separado dos Deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti.
[...] A desmoralização que se quer legalizar, o desmantelamento da família,
com a instituição desta aberração contrária à Natureza, que criou cada
espécie dos dois sexos, afronta os mais comezinhos princípios éticos da
sociedade brasileira.
Ao regulamentar tão estapafúrdia situação, [...] o legislador esta indo abalroar
a consciência coletiva de nossos cidadãos. [...] estar-se-á lançando a
balbúrdia nos meios jurídicos, além da imoralidade atentatória aos nobres
39
princípios da comunidade, e isto tão-somente para beneficiar uma minoria .
E ainda:
[...] Tenho ocupado a tribuna para chamar a atenção desta Casa sobre a
decadência moral que vai minando todos os valores de nossa sociedade
cristã. (...) do ponto de vista moral, este projeto se apresenta como
triplamente abominável e nefasto: no campo individual, estimula o pecador a
manter-se em seu pecado – pecado este muitas vezes grave, que clama a
Deus por vingança [...] no campo social, induz a sociedade a encarar com
naturalidade e simpatia tal pecado [...] isto será mais uma afronta feita a Deus
40
pelo Estado brasileiro [...] Atrai a cólera divina sobre o Brasil
(sem grifo no
original).
O referido Projeto de Lei recebeu ainda os votos contrários dos Deputados
Jorge Wilson, Philemon Rodrigues e Wagner Salustiano. A favor votaram, além do
relator, o Deputado Roberto Jefferson, os Deputados Marilu Guimarães, Lindberg
38
Parte do discurso pronunciado pelo Deputado Lael Varella (PFL – MG) na tribuna da Câmara dos
Deputados em 26 de março de 1997. Disponível no site da Câmara dos Deputados.
<www.camara.gov.br>. Acesso em 20 de agosto de 2006.
39
Parte do voto em separado do então Deputado Salvador Zimbaldi diante da Comissão Especial
instaurada para apreciar o referido Projeto.
40
Parte do voto em separado do então Deputado Severino Cavalcante, defensor de uma ética moral
e cristã, envolvido em denúncias de corrupção, diante da Comissão Especial.
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51
Farias, Maria Elvira, Tuga Angerami, Jair Meneguelli, Sérgio Carneiro, Fernando
Lyra, Fernando Gonçalves, Fernando Gabeira e Marta Suplicy.
3.1.1 As audiências públicas
Antes da elaboração do Parecer final, houve as audiências públicas com a
participação de pessoas e entidades correlacionadas ao cerne do Projeto de Lei.
Entre os ouvidos estavam Luiz Mott, antropólogo e presidente do Grupo Gay da
Bahia. Realizada em 25 de junho de 1996, seu discurso foca-se na importância em
aprovar o referido Projeto, retirando o homossexual da clandestinidade; relata
experiência própria, ao revelar privações e discriminações sofridas por ele e seu
companheiro, e conclui dizendo:
Sra. Presidente, quero dizer que fiquei extremamente contente com o nível
das questões, com o posicionamento, mesmo aquelas pessoas que não
concordem com a totalidade de direitos dos homossexuais, mas que
concordam com um mínimo, que é: somos seres humanos, que amamos e
temos o direito ao respeito, o direito à cidadania. E espero que os Deputados
desta Comissão, assim como a Câmara dos Deputados, sejam sensíveis a
conferir finalmente a Lei Áurea aos homossexuais, que nos tirará do
anonimato, da clandestinidade, para nos fazer cidadãos plenos, pois a lei diz
que todos são iguais perante a lei, inclusive no que se refere ao direito ao
amor e à convivência social.
A segunda audiência pública, realizada em 06 de agosto de 1996, contou com
o Professor Tony Reis, Secretário-Geral da ABGLT e Presidente do Grupo
Dignidade de Curitiba. Sua exposição perante a Comissão começa embasada em
depoimento pessoal sobre a dificuldade “do que é ser homossexual neste País, de
como é triste ser homossexual e haver pessoas que discriminam outras pessoas”. E
relata ainda sobre o inconveniente episódio envolvendo ele e seu companheiro
estrangeiro com o qual convivia há mais de seis anos e que recebeu notificação para
deixar o País. Solicita ao final a aprovação do Projeto e ratifica a importância em
conceder direitos iguais, na igualdade de todos perante a lei.
A terceira audiência no dia 13 de agosto de 1996 conta com o Dr. Cláudio
Pérsio Carvalho Leite, médico psiquiatra e psicanalista. Ele abre sua exposição
afirmando que “... um homem ou uma mulher querer socorrer ou tornar sua herdeira
a sua companheira ou o seu companheiro - estou me referindo a casais
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52
homossexuais - não caracteriza nenhuma atitude antimédica nem antipsicanalítica.
Então a lei trata com alguma propriedade dessa situação”.
Porém seu discurso muda de contexto ao informar que haveria um equívoco
da lei ao permitir a possibilidade de adoção de filhos. Discorre pela impossibilidade
de adoção por pessoas do mesmo sexo, usando, conforme ele, “argumentos
médicos, médico-psiquátricos e psicanalíticos”. Foca em seu discurso que “... é
inquestionável a importância das presenças da mãe e do pai em todos os estágios
do crescimento (...) importância das presenças da mulher e do homem, bem
definidos, na constituição individual dos filhos”.
Equivoca-se o palestrante ao discorrer deste assunto, pois nem o Projeto nem
o substitutivo legislam sobre a adoção por casais do mesmo sexo.
Na quarta audiência realizada em 20 de agosto de 1996, ocorre a exibição do
filme “Servindo em Silêncio”, do diretor Jeffrey A. Blockneer, seguido do debate com
a participação dos Deputados Marta Suplicy e Eduardo Mascarenhas. Este elabora
um discurso a favor do Projeto, ratificando que a ciência ainda não foi capaz de
explicar a orientação sexual do ser humano (tanto hétero quanto homossexual),
assunto este já analisado no Capítulo 2 desta monografia.
Da exposição ocorrida em 27 de agosto de 1996, são de imenso valor as
indagações do Dr. Luiz Edson Fachin, jurista, e do Dr. Ronaldo Pamplona, psicólogo
e psicodramatista. Este corrobora em seu discurso a importância do Projeto e da
quebra do pensamento preconceituoso que vincula a heterossexualidade à saúde e
a homossexualidade à doença.
Os homossexuais, como uma minoria, não conseguiram, ainda, seus direitos
sociais. Vivem tendo de ocultar uma faceta de suas vidas, a faceta que inclui
o relacionamento amoroso. Como a discriminação e o preconceito são
grandes, evitam deixar clara ou visível socialmente a sua forma de ser e a
sua forma de amar. [...] O medo da visibilidade social só lhes traz um
desgaste emocional muito grande [...] Uma vez que a Medicina nada mais
tem a ver com essa forma de ser, que não considera essa forma doentia, só
nos resta dizer que cabe à sociedade modificar-se em relação a ela. Tudo
que se puder fazer pela liberdade dos direitos religiosos, dos direitos de raça,
dos de sexo, será importante para a cidadania dessas minorias. O projeto de
união civil dos homossexuais, da Deputada Marta Suplicy, é uma das
possibilidades de transformação da sociedade brasileira.
Dada a palavra ao jurista Dr. Luiz Edson Fachin, este começa comentando
episódio ocorrido em sala de aula:
Disse-lhes que deveríamos tratar de alguns temas de fato espinhosos, e
dentre eles, a sociedade de fato que se formava entre pessoas do mesmo
sexo e os reflexos jurídicos disso. Boa parte dos alunos, à época, “caíram na
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53
gargalhada”, e, em seguida, eu lhes perguntei o que diriam eles se vissem, há
quarenta ou cinqüenta anos, numa mesma sala de aula, alguém discutir, sob
a égide do recém implantado Código Civil, de 1917, a questão do
concubinato, que até então era um tabu.
Vislumbra o palestrante, em primeiras palavras, a enorme semelhança entre o
atual preconceito perante a homoafetividade, e o caminho percorrido de
discriminação e repúdio que abraçou o concubinato e a união estável no Brasil
durante anos. Destaca logo no começo a importância do Acórdão de 30 de junho de
1990, do Relator Desembargador Narcizo Teixeira de Pinto, que concedeu, na
Apelação Cível n° 731/89 ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o direito a 25%
dos bens ao companheiro do pintor Jorge Guinle Filho, Marco Aurélio Rodrigues.
Destaca ainda o ilustre palestrante que uma lei, ao ser o reflexo dos valores
culturais e da classe dominante, poderá na verdade ter um escopo preconceituoso.
Em verdade, as noções de sexo, que fundam a discriminação; de sangue,
que instituem o parentesco; e de família, que delimitam o grupo, propiciam
que as relações jurídicas privadas modelem relações de direito e de
parentesco à luz de regras de desqualificação.
Destaca com sapiência que com norma ou sem, os fatos do mundo real
acabam se impondo perante o Direito, exemplificando com a Súmula no 380 do
Supremo Tribunal Federal, que concedeu direitos à companheira em sociedade
conjugal não matrimonializada. Mais uma vez destaca o palestrante das
semelhanças entre a união homoafetiva e a concubinária, e relembra:
[...] o que encobre os efeitos da negação à orientação sexual desconhece
algumas transformações que alteraram a razão de ser, às vésperas do
terceiro milênio, das relações familiares, que passam a dar origem a um novo
berço de afeto, de solidariedade e, para usar uma expressão do então
41
Desembargador Carlos Alberto Menezes Direito, agora Ministro do STJ ,
passam a constituir o que ele designou de “mútua constituição de uma
história em comum”.
São sábias as palavras finais do palestrante, ao afirmar:
Reaprender o significado do projeto de vida em comum é uma tarefa que
incumbe a todos, num processo sacudido pelos fatos e pela velocidade das
transformações. A nosso ver, em momento algum pode o Direito fechar-se
como uma fortaleza para repudiar ou discriminar. É preciso superar o
medievo jurídico, que deve sucumbir a uma visão mais abrangente da
realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos jurídicos que
emergem das parcerias de convívio e de afeto. É necessário compreender
que esse é um ponto de partida para uma concepção plural das relações
sócio-afetivas e para que tenhamos de fato um terceiro milênio mais solidário
e humano.
41
O referido magistrado agora é Ministro do Supremo Tribunal Federal.
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54
São de extrema importância, na base de enfoque desta monografia, a
palestra do Dr. Fachin, visto ser de longe o que melhor soube adentrar o assunto de
uma perspectiva jurídica, e que trouxe a tona, ainda que de modo mais superficial, o
aspecto da entidade familiar vivido nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo
sexo, aspecto este que o Projeto de Lei deixa de aludir, focando-se tão somente em
diferenciar o casamento e a união estável da referida união/parceria civil.
Falaram ainda em outras oportunidades o Dr. Ricardo Brisolla Balestreri (08
de outubro de 1996), presidente da Anistia Internacional do Brasil, e que expressou
favoritismo ao referido Projeto de Lei; em 15 de outubro de 1996 foi a vez do
Professor, Doutor e Padre Leonard M. Martin, diretor do Instituto Teológico (Pastoral
do Ceará) e que mostrou-se contra o projeto.
Importantes são também as palavras da Dra. Simone Nogueira, coordenadora
dos Direitos Humanos da OAB-DF. Focando-se em um discurso favorável, ela traz
argumentos focados na bioética, considerados então os direitos de quinta geração, e
que a lei deve ter cientificidade e não apenas ser reflexo de caráter pessoal,
primando por um caráter inclusivo quando esta visa promover a cidadania e os
direitos humanos.
O que é ética para esta Casa de Leis? É uma ética pessoal? [...] Será que
tenho o direito de ser contra um grupo, um segmento da sociedade que exige
mudança? Será que tenho esse direito? De acordo com o princípio da
bioética, não tenho esse direito. Tenho direito, sim, de estar aqui discutindo
isso com o maior segmento possível de diversidade de pensamentos. É com
filósofo, antropólogo, sociólogo, advogado. Aí, sim, posso tirar um critério da
minha decisão e não simplesmente dizer: “Sou contra, porque meus
princípios não permitem”. Aqui dentro, não é princípio pessoal. Aqui dentro
tem de se discutir o bom-senso, o critério de justiça e eqüidade para todos.
Se existe um grupo, um segmento que necessita, ele tem de estar
contemplado pela lei. Ele tem de estar contemplado pelos desdobramentos
dos atos que ele decidiu assumir perante a sociedade e que já existem lá
fora.
São válidas e importantes as palavras da palestrante, pois focam-se em
princípios de Direito, numa visão legal e humanista do objetivo de toda lei. O ser
humano como objetivo essencial da norma jurídica.
Na última audiência pública datada de 05 de novembro de 1996, palestrou a
Deputada Sueca Barbro Westerholm, presidente da comissão que aprovou lei de
caráter semelhante ao do Projeto em seu país, intitulado “Ato de Coabitação”.
Na justificação do encaminhamento legal, ficou estabelecido que, de acordo
com o entendimento da Suécia, o amor entre dois homens ou entre um
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55
homem e uma mulher, ou seja, o amor hétero ou homossexual não tinha
absolutamente nenhuma diferença, a não ser o fato óbvio e explícito de tratarse, num caso, de dois homens ou duas mulheres e, no outro, de um homem e
uma mulher. E afirmava-se também que o amor é uma força poderosa para o
desenvolvimento pessoal e social. E que, ademais, é algo que o mundo não
tem em abundância. Quer dizer, o amor, na verdade, é algo que precisamos e
que, portanto, precisa ser encorajado no mundo em que vivemos. E havia
menção ao fato de que a sociedade não deveria intervir no relacionamento
íntimo entre duas pessoas, sobretudo no que diz respeito ao amor que um
tem pelo outro, desde que não houvesse nenhum dano a uma terceira
pessoa.
Ressalta a nobre palestrante que os únicos impedimentos advindos com a lei
sueca foram a proibição de adoção, tanto individual quanto conjunta, a inseminação
também não é permitida e nem a custodia conjunta de uma criança. Quanto a
questões na estrutura familiar, salienta a expositora que nada mudou, vivendo as
famílias heterossexuais “a sua vida da maneira como sempre viveram” e que a
visibilidade das uniões homossexuais proporcionou um melhor entendimento deste
fenômeno diante da comunidade.
As pessoas, em conseqüência desse processo, descobrem que não há nada
de extraordinário em relação aos homossexuais, que eles são pessoas
normais, como todas as outras. A única diferença é o fato de amarem uma
pessoa do mesmo sexo.
Encerraram-se, então, as audiências públicas visando esclarecer o debate em
torno do Projeto de Lei no 1151 de 1995. Após oitiva dos palestrantes, o resultado da
Comissão foi pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto de
Lei. Já quanto ao mérito a comissão optou por apresentar um substitutivo, que
formalmente sofreu alterações mas quanto a materialidade, seu conteúdo continuou
praticamente sem modificações.
Fundado neste entendimento de nova família formada pelos laços afetivos,
pode-se afirmar que o Projeto de Lei no 1.151/1995 e seu substitutivo estão
completamente obsoletos. Como será tratado adiante, as conquistas jurisprudenciais
têm sido bem mais condizentes com a realidade fática da sociedade.
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56
3.2 O passado obsoleto. O futuro vanguardista.
Diante do quadro apresentado tanto pelo Projeto de Lei quanto pelo seu
substitutivo, vale relembrar que ambos deixaram a desejar quanto à questão familiar.
Visando ao êxito da aprovação do referido Projeto, estava a Comissão Especial mais
preocupada em demonstrar que a “união/parceria civil entre pessoas do mesmo
sexo” não pretendia alçar tais enlaces ao patamar de casamento e buscava-se a
proteção dos direitos patrimoniais, focados principalmente no direito de herança e
previdência. Distanciava-se o conteúdo normativo de uma visão de entidade familiar
e, por conseguinte, uma proteção constitucional do Estado.
A conclusão mais certa que se chega, analisando o Projeto e seu substitutivo,
é que eles não refletem a realidade dos fatos sociais que cercam a sociedade
brasileira. Passados mais de 10 anos aguardando manifestação do Legislativo,
ambos encontram-se ultrapassados frente às conquistas jurisprudenciais alcançadas
nas mais diversas esferas do Judiciário.
Parodiando La Fontaine42, se o Poder Judiciário ainda não alcançou a
velocidade da lebre frente aos direitos dos homossexuais, o Legislativo nem da
tartaruga conseguiu passar. A realidade dos tribunais tem sido bem mais
vanguardista frente às questões homossexuais, respaldando não só demandas que
envolvem herança como também assegurando às uniões homoafetivas o caráter de
entidade familiar.
Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o amor. São
relações de amor, cercadas, ainda, por preconceitos. Como tal, são aptas a
servir de base a entidades familiares equiparáveis, para todos os efeitos, à
43
união estável entre homem e mulher .
Embasando-se nesse vínculo familiar que permeia as uniões homoafetivas,
uma nova perspectiva jurisprudencial caminhou favorável em conceder direitos na
seara do Direito de Família, direitos estes, antes, vinculados somente aos
heterossexuais.
42
Jean de La Fontaine, poeta francês nascido em 8 de Julho de 1621 e que faleceu em 13 de Abril de
1695, em Paris. Conhecido pelas fábulas com críticas de moral que escreveu, é considerado o pai
da fábula moderna.
43
o
TJRS. Apelação Cível n 70013801592 – Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos –
Julgamento em 05 de abril de 2006 – Sétima Câmara Cível.
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57
3.2.1 União estável homoafetiva
As decisões dos Tribunais que envolvem, principalmente, o direito de herança
e a partilha de bens têm focado sua visão na equiparação da união homoafetiva a
uma “sociedade de fato”. Tal comparação não é uma novidade no Direito brasileiro,
visto que assim também o foi a realidade fática das relações heterossexuais que não
se encontravam asseguradas pelo elo do casamento há alguns anos.
Quando do desfazimento desses vínculos, seus membros, mesmo sem
qualquer respaldo legal, acabaram batendo às portas dos tribunais. Porém,
tal a rejeição à idéia de ver essa figura como uma família, que buscou a
jurisprudência identificá-la como se de prestação de serviços domésticos se
tratasse, ou, no máximo, a considerava uma sociedade de fato. Ditos
subterfúgios eram utilizados para justificar a partição patrimonial, evitando-se
o enriquecimento injustificado de um dos companheiros, sem que nada mais
44
se cogitasse em conceder .
Embora os tribunais já a reconhecessem, a união estável só veio ter respaldo
legal com o advento da nova Carta Constitucional de 1988, demonstrando mais uma
vez o vanguardorismo jurisprudencial.
Frente ao pensamento hodierno da magistratura, vale ressaltar que o
reconhecimento de uma “sociedade de fato” entre pessoas do mesmo sexo
demonstra um avanço, justificando-se como meio de alcançar efeitos jurídicos a um
assunto não reconhecido pelos círculos normativos, porém fica aquém da realidade
fática.
Ao equiparar tais uniões a sociedades, altera-se o foco jurídico do âmbito do
Direito de Família para o Direito Societário, ligado intrinsecamente ao Direito
Obrigacional e Comercial. Embora seja uma alternativa, está longe de aplicar a mais
justa tutela jurisdicional, visto que a sociedade de fato tem seu cerne nos fins
econômicos e lucrativos, sendo que estes não são os objetivos maiores que
comungam duas pessoas quando se unem pelos laços do afeto.
É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre
homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição
Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo
descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora,
quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos
acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando
conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das
relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas,
para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e
44
DIAS, Maria Berenice. Novos contornos do direito de família.
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58
coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade,
45
direito fundamental de todos .
Há o choque de interesses quando vislumbra-se que na sociedade de fato o
imperativo é o affetio societatis, fundado na aquiescência das partes em comungar
esforços para lograr fim comum – em geral o lucro. O imperativo que circunda as
uniões homoafetivas é o affetio conjugalis, que ultrapassa o fim comum almejado
pela entidade comercial, que não se focam em motivações materiais e vislumbram
aspectos outros bem mais subjetivos, tais como carinho, amor, mútua assistência,
solidariedade, entre tantos.
É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que
se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade
que bate à porta da hodiernidade, e, mesmo que a situação não se enquadre
nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica de atribuir à união
46
homossexual os mesmos efeitos dela .
Verdade que há uma lacuna normativa quanto às uniões estáveis
homossexuais, mas esta pode ser facilmente preenchida, de forma análoga, quando
utilizados os preceitos da união estável heterossexual àquelas. Há de se analisar
que o fundamento da formação da entidade familiar homoafetiva se baseia no afeto,
fator este nuclear da formação da família hodierna.
Ora, induvidosamente, a semelhança relevante de ambos os casos é o afeto
informal. Os dois institutos centram-se em relações interpessoais de amor
comum entre os parceiros. Não se desconhece a importância deste
sentimento, tanto para a elevação da solidariedade humana em geral como
para a felicidade das pessoas em particular. Os amantes que hoje vivem em
união estável, também já sofreram as agruras e as discriminações que hoje
sofrem as famílias homossexuais. Esta é uma semelhança histórica
relevante, que, por igual, faz aproximar algo que hoje está regulado (a união
estável) com algo que ainda aguarda regulamentação legislativa.
No caso, temos um conjunto de normas (princípios constitucionais explícitos
mais a lei da União Estável) das quais extraímos elementos que possibilitem
47
sua aplicabilidade ao caso não previsto, mas similar .
Conforme já abordado no Capítulo I desta obra, o nervo central deste novo
contorno familiar não será mais a diferença sexual dos seus membros mas a
identificação de afeto que os interligam, gerando direitos e deveres mútuos, pois
este sentimento é um bem digno de toda tutela estatal.
45
o
TJRS – Apelação Cível n 598362655 – Relator Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade –
Julgamento em 01 de março de 2000 – Oitava Câmara Cível.
46
o
TJRS – Apelação Cível n 70001388982 – Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis –
Julgamento em 14 de março de 2001 – Sétima Câmara Cível.
47
o
TJRS – Apelação Civil n 70006542377 – Relator Desembargador Rui Portanova – Julgamento em
11 de setembro de 2003 – Oitava Câmara Cível.
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59
3.2.2 A entidade familiar homoafetiva e o artigo 226 da Constituição Federal
Ao abordar o reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo
sexo, há uma dicotomia entre os doutrinadores.
[...] é perfeitamente possível que se reconheça uma sociedade de fato entre
homossexuais. Sendo tal questão puramente de direito obrigacional. Não se
cuida de estabelecer a existência de uma família entre estes parceiros, pois
como defendemos, não há família [...] essencial, entretanto, a prova de que
houve colaboração, com dinheiro ou trabalho de um na formação do
48
patrimônio do outro (sem grifo no original).
Ou ainda, como assevera Rainer Czajkowski ao afirmar que alguns enfrentam
a questão das parcerias homossexuais equivocadamente, como uma espécie de
casamento, esquecendo dos elementos essenciais para a formação da família:
O surgimento da família, modernamente, justifica-se de modo primordial na
realização afetiva, psicológica e sexual do homem e da mulher, mas jamais
pode desvincular-se completamente da idéia de procriação humana, pelo
49
menos potencial .
Nos argumentos de Ricardo Lira:
Não se trata de entidade familiar, pois o casamento e a união estável
pressupõem necessariamente um vínculo entre pessoas de sexo diferente [...]
A união civil entre pessoas do mesmo sexo é matéria que não se põe no
âmbito do direito de família, devendo as questões dela decorrentes ser
50
solucionadas estritamente dentro da portada do direito das obrigações .
Enquanto uma linha doutrinária insiste em permanecer no entendimento de
simples conjunção de vontades para a constituição de uma sociedade de fato,
deixando, assim, de abarcar uma sociedade fundada no afeto, uma outra corrente
abre-se para defender o aspecto familiar envolvendo as uniões homoafetivas.
Uma das principais conseqüências da extensão do regime da união estável
às relações compromissadas entre pessoas do mesmo sexo reside na sua
caracterização como entidade familiar. Longe de configurar uma aproximação
artificial, parece possível identificar nas uniões homoafetivas todos os
elementos que têm sido considerados determinantes para o reconhecimento
de entidades familiares. [...] A constitucionalização do direito deslocou a
ênfase do instituto para os aspectos existenciais, em substituição às questões
patrimoniais. Mais importante ainda é a caracterização que tem sido feita da
família como meio de promoção – ambiente privilegiado – para o
desenvolvimento da personalidade de seus membros, e não mais como um
51
fim em si mesmo ou um mero símbolo de tradição .
48
BRITO, 2000, p. 53.
CZAJKOWSKI, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. In: BRANDÃO, 2002, p. 77.
50
LIRA, Ricardo Pereira. Breve estudo sobre entidades familiares. In: COÊLHO, 2006, p. 97.
51
o
BARROSO, 2006, n 54.
49
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60
A afetividade assume dimensão jurídica. Migram para a “constitucionalização”
princípios e normas básicos do Direito de Família, espraiados na igualdade
[...] Na transformação da família e de seu Direito, o transcurso apanha uma
“comunidade de sangue” e celebra, ao final deste século, a possibilidade de
uma “comunidade de afeto”. Novos modos de definir o próprio Direito de
Família. Direito esse não imune à família como refúgio afetivo, centro de
52
intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível .
As divergências quanto ao aspecto familiar vivido nas relações entre pessoas
do mesmo sexo não se restringem ao campo doutrinário. Ainda hoje é divergente a
jurisprudência brasileira, com a magistratura ora opinando pelo reconhecimento
familiar homoafetivo, ao vislumbrar o afeto como sentimento digno de tutela
jurisdicional, cerne destas relações, ora por designar-se tão somente como
sociedade de fato, remetendo-as ao campo do Direito Comercial e Obrigacional.
Não configura julgamento ‘ultra petita’ quando o pedido inicial busca a partilha
do imóvel adquirido com o esforço comum, em razão da união homoafetiva, e
a decisão reconhece a existência de uma sociedade de fato, sendo
irrelevante a falta de pedido expresso da sua dissolução. Comprovada a
existência da sociedade de fato entre os conviventes do mesmo sexo, cabível
a sua dissolução judicial e a partilha do patrimônio se demonstrada a sua
53
aquisição pelo esforço comum (sem grifo no original).
Na leitura da decisão tomada pelo Desembargador José Geraldo Antônio, ele
nos remete ao pioneiro julgado alçado às esferas das Cortes Superiores. Em
acórdão do STJ, o Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar reconhece efeitos jurídicos
da união estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, porém fundamenta sua
decisão na sociedade de fato formada por seus membros.
Neste Superior Tribunal de Justiça persistiu o mesmo entendimento [a
diferença que dever ser feita entre “a sociedade de fato – que é de caráter
puramente patrimonial – e comunhão de vida”], acentuado-se a sociedade de
fato como pressuposto para o reconhecimento do direito à partilha do bem
comum dela resultante [...] Foi só mais tarde, com a evolução do direito de
família, especialmente após a Constituição de 1988, que o tema passou a ser
tratado como uma questão familiar. A hipótese dos autos não se equipara
àquela, do ponto de vista do Direito de Família, mas nada justifica que se
recuse aqui aplicação ao disposto na forma de direito civil que admite a
existência de uma sociedade de fato sempre que presentes os elementos
enunciados no art. 1.363 do CC: Mútua obrigação de combinar esforços para
lograr fim comum. A negativa de incidência de regra assim tão ampla e clara
significaria, a meu juízo, fazer prevalecer princípio moral (respeitável) que
recrimina o desvio da preferência sexual, desconhecendo que essa união –
embora criticada – existiu e produziu efeitos de natureza obrigacional e
52
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família – elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro.
2003. In: BARROSO, op. cit.
53
o
TJRJ. Apelação Civil n 2005.001.28842 – Relator Desembargador José Geraldo Antônio –
Julgamento em 04 de outubro de 2005 - Décima Câmara Cível.
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61
patrimonial que o direito civil comum abrange e regula”
original).
54
(sem grifo no
Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se
perpetua através dos séculos, não pode mais o Judiciário se olvidar de
prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem
feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e
não a diversidade de sexo. E, antes disso, é o afeto a mais pura
exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações
mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito
à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória.
55
Deixemos de lado as aparências e vejamos a essência (sem grifo no
original).
Essa divergência jurisprudencial tem reflexos nas lides e, por conseguinte,
nas varas competentes para a análise do processo em concreto. Aos que defendem
as uniões entre pessoas do mesmo sexo como simples sociedades de fato, as lides
seriam sanadas nas varas cíveis. Para a outra corrente doutrinária a competência
para dirimir as lides referentes às uniões homoafetivas seria das varas de família.
O contexto hodierno de família elege o afeto como bem maior e essencial
para marcar sua existência, digno de proteção do Estado. Porém aos homossexuais
é negado esse referencial, ao transferir suas uniões para o campo puro e simples do
direito obrigacional. Não conceder a estas uniões o caráter familiar acaba por negarlhes uma gama de efeitos jurídicos concernentes ao Direito de Família, intuição esta
que recebe especial proteção constitucional. Nega-se, a exemplo, o direito de
alimentos, a partilha dos bens, direito sucessório, dentre outros que visam à
proteção da entidade familiar.
A justificativa mais usada para não englobar a união homoafetiva dentro da
perspectiva familiar seria a falta de dispositivo legal que assim o determinasse, e em
principal, pela literalidade do artigo 226 da Constituição Federal:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
0
§ 1 - O casamento é civil e gratuita a celebração.
0
§ 2 - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
0
§ 3 - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
0
§ 4 - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.
0
§ 5 - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
54
o
a
STJ. Recurso Especial n 148.897/MG, 4 Turma. Relator Ministro Rui rosado Aguiar – Julgamento
em 10 de fevereiro de 1998.
55
o
TJRS. Apelação Civil n 70012836755. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias –
Julgamento em 17 de novembro de 2004 – Sétima Câmara Cível.
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62
0
§ 6 - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos.
0
§ 7 - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
0
§ 8 - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações (sem grifos no original).
Defendem os opositores da entidade familiar homoafetiva que suficiente é a
simples leitura do referido artigo constitucional para concluir que não há entidade
familiar senão as enumeradas no seu corpo legislativo. Entre os diversos motivos
elencados estão, primeiramente, que a família se forma pelo casamento, instituto
este sem extensão às pessoas do mesmo sexo. Vale ressaltar que o referido artigo
não menciona que o casamento há de ser entre homem e mulher, subentendendose tal referência ao valor histórico que acompanha este instrumento legal.
Asseveram, ainda, que a diversidade de sexo é fator essencial para a
formulação familiar, outro requisito ao qual as referidas uniões não alcançariam. Em
seu § 3o, reconhece que a união estável entre homem e mulher configura uma
entidade familiar, e como tal, goza de especial proteção constitucional, devendo o
Estado facilitar sua conversão em casamento. Assim, estaria a união homoafetiva
impossibilitada de equiparar-se à união estável, visto não haver a dualidade sexual
e, ainda menos, a possibilidade de mutação em casamento, fato este, como visto,
não abraçado pelas uniões entre iguais.
Apelação Cível. Ação declaratória. União homoafetiva. Impossibilidade
jurídica do pedido. Carência de ação. Sentença mantida. A impossibilidade
jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela
jurisdicional pretendida. Na esteira da jurisprudência deste Tribunal de
Justiça, diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição
da República, somente entidade familiar pode constituir união estável, através
de relacionamento afetivo entre homem e mulher; revela-se manifestamente
impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas
56
pessoas do mesmo sexo (sem grifos no original).
Manifestam, ainda, que as uniões homoafetivas são impossibilitadas de
procriação, que nos remete ao arraigado e ultrapassado modelo familiar colonial,
focado na figura paterna centralizadora e hierárquica, que tem na prole numerosa o
reflexo de sua virilidade.
56
o
TJMG. Apelação Cível n 1.0024.04.537121-8/002 – Relator Desembargador Domingos Coelho –
Julgamento em 24 de maio de 2006.
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63
A verdade é que se criam inúmeros obstáculos para se negar direitos aos
homossexuais, buscando seu embasamento em motivos há muito afastados pelo
ensinamento jurídico. Em parecer elaborado por Luís Roberto Barroso para o
Ministério Público Federal, o autor elenca outro motivo para a afastabilidade do
aspecto familiar às uniões homoafetivas:
[...] as relações entre pessoas do mesmo sexo não podem ser reconhecidas
como familiares porque escapariam aos padrões de “normalidade moral”. Não
é o caso de se enveredar aqui pela discussão acerca do que é normal,
lembrando apenas que em épocas e lugares diferentes já foram ou são
normais a tortura, a escravidão e a mutilação. O que cabe discutir aqui – e
rejeitar – é a imposição autoritária da moral dominante à minoria [...] O
estabelecimento de standards de moralidade já justificou, ao longo da
história, variadas formas de exclusão social e política, valendo-se do discurso
médico, religioso ou da repressão direta do poder. Não há razão para se
57
reproduzir o erro .
Outra justificativa elencada para a discriminação das uniões homoafetivas
forja-se em valores religiosos, de origem judaico-cristã, utilizando-se o discurso do
pecado ao qual estariam imersas as pessoas que “optam” por este tipo de vida.
Esta [a convivência de pessoas do mesmo sexo], como visto, sem desviar de
aspectos psicológicos e humanos que as possam envolver, não passam de
meras situações de fato, com repercussões apenas no plano patrimonial,
como se uma sociedade de fato houvera, o que jamais pode converter-se em
casamento, diante de sua concepção agasalhada no ordenamento jurídico
brasileiro, a partir de suas raízes históricas e em face dos valores cristãos,
58
que informam o matrimônio (sem grifo no original).
Mesmo diante destes argumentos, fracas são suas bases jurídicas, focadas
em sua grande maioria na discriminação (muitas vezes velada), visando à exclusão
de minorias que não se enquadram no formato tradicional da classe dominante e,
pior ainda, utilizando-se da própria norma jurídica para corroborar esta exclusão59.
Vale lembrar que o novo enfoque do Direito de Família não visualiza a
necessidade de casamento – visto este como a formalidade escrita das vontades
dos cônjuges em um documento oficial – para efetivamente conceber a realidade
das entidades familiares. Valoriza-se agora o estado fático em detrimento ao estado
documental. É um novo estágio no Direito Familiar, onde os sentimentos
sobressaem aos sentidos.
57
o
BARROSO, 2006, n 36.
GOMES, 2004, p. 30.
59
Lassalle já havia advertido em sua palestra “A Essência da Constituição” que a norma jurídica
(especialmente a constitucional) só teria eficácia se fosse reflexo dos padrões das classes
dominantes, que ele denominou como “fatores reais e efetivos de poder”.
58
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64
Assim, frente à Constituição, ao reconhecer a união estável, deixou o
casamento, com todo seu ritualismo, de ser pressuposto essencial à formação da
família. Reconheceu-se, a priori, a integralização de um novo modelo familiar fático
que antes marginalizava-se ao redor da sociedade brasileira. Há de se enxergar um
histórico análogo entre a união estável e a homoafetiva, esta por encontrar-se no
atual contexto à margem da sociedade.
Porém ainda mais importante que o reconhecimento de união estável é o
reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo. Isto porque a
união estável nada mais é que uma forma de regulamentação, uma forma de
normatizar as uniões que se celebraram de forma livre. É o Estado interferindo na
esfera de vontade individual das partes, demonstrando, em última análise, um
retrocesso frente ao novo contexto de Intervenção Mínima do Estado às questões
familiares60. É de mais valia o reconhecimento da entidade familiar visto que esta é o
gênero de onde desenvolvem-se as espécies casamento, união estável, união
homoafetiva, monoparentalidade.
Deste entendimento insurge o princípio constitucional da pluralidade de
famílias, ao elencar as formas de famílias formadas pelo casamento, união estável e
monoparentalidade. Mas neste ponto encontra-se outra cisão entre os pensadores
do direito civilista. Afirmam alguns que apenas os elencados no corpo constitucional
do artigo 226 estariam imbuídos da proteção a que se refere o seu caput. Seria um
artigo numerus clausus.
Outros são categóricos ao afirmar que o artigo nada mais fez que apenas, e
tão somente, citar algumas espécies de entidades familiares, pois sua gama é
diversificada e esta enumeração não se faz essencial, com vistas a atender o caráter
principiológico que deve permear a norma constitucional. Paulo Luiz Netto Lôbo
afirma que “a exclusão não está na Constituição, mas na interpretação”, e corrobora
dizendo:
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da
Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os
mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais
entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência
do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo
conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência
60
Neste ínterim de Intervenção Mínima Estatal e visando agilização dos procedimentos judiciais, foi
o
aprovada a Lei n 11.441/2007, que regulariza alterações nos dispositivos do Código de Processo
Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio
consensual por via extrajudicial.
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65
da vida, conduzindo à tipicidade aberta,
61
adaptabilidade .
dotada de ductilidade e
O § 40, ao afirmar que “entende-se, também, como entidade familiar, a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (sem grifos no
original), o advérbio está exercendo a função de acréscimo, de inclusão. Vista a
família como fenômeno social, torna-se impossível e, pode-se até dizer,
desnecessária a enumeração de todas as possibilidades de uniões familiares. A
importância está em o Direito poder abarcar uma quantidade maior de entidades
familiares, quando verificados outros requisitos essenciais: afeto, estabilidade e
visibilidade.
Negar a existência da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo é
negar o próprio conceito hodierno de família, que marca seu cerne na afetividade,
compreensão e amor que une seus membros, em busca de um projeto comum de
vida, desvinculada da essencialidade procriativa. O discurso da diversidade de sexo
prende-se em valores arcaicos, que ainda se ligam à reprodução como fator
essencial para caracterizá-la. Este conceito sucumbe-se quando da análise da
família monoparental, que não se funda na diferença sexual – exemplo da família
formada por pai e seu filho – embasando-se somente nos referidos laços de afeto.
Se a família encontra-se dissociada do casamento e da procriação, se a
união homoafetiva contém respeito, consideração mútua, assistência moral e
material recíprocas, não se justifica deixar ao desabrigo essa entidade
familiar sob as normas de ordem moral ou por não se tratar de diversidade de
sexos, sobretudo diante da liberdade de opção sexual consubstanciada no
62
direito à privacidade .
3.2.3 Lei Maria da Penha
Entrou em vigor em 2006 a Lei no 11.340, conhecida como Lei Maria da
Penha. Ela foi criada para estabelecer mecanismos de repressão à violência
doméstica e familiar contra as mulheres, por meio de políticas públicas, como forma
de erradicar o alarmante número de agressões e mortes que ocorrem anualmente
dentro dos lares brasileiros.
61
62
LÔBO, 2002, p. 44.
PEREIRA, 2004, p. 122.
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66
De forma direta, a referida lei trouxe a corroboração de dois fatores
essencialmente destacados nesta monografia: a ratificação da pluralidade familiar,
alargando o entendimento de família para além dos enumerados no artigo 226 da
Constituição Federal, e a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. A
leitura do art. 50 confirma:
0
Art. 5 Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I – omissis;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual (sem grifo no original).
Família passa a compreender um sentido mais amplo, mais congruente com
o sentido moderno de família, formado por um núcleo unido pelo afeto de seus
membros. Alarga-se o sentido familiar para além dos indivíduos que “são
aparentados”, para englobar os que “se consideram aparentados”, que se unem “por
vontade expressa”.
[...] é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma
unidade doméstica, não importando o sexo dos parceiros. Quer as uniões
formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas
mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta
identidade de gênero, todas configuram entidade familiar. Ainda que a lei
tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de
família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a
união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens.
Basta invocar o princípio da igualdade [...] Sequer de sociedade de fato cabe
continuar falando, subterfúgio que tem
conotação nitidamente
preconceituosa, pois nega o componente de natureza sexual e afetiva dos
63
vínculos homossexuais .
Após anos de infrutíferas tentativas de aprovação de uma norma que
resolvesse a situação das uniões homoafetivas, uma lei federal, com intuito de
regulamentar a violência doméstica, trouxe em seu bojo a necessária resolução
jurídica para este impasse. Qualquer lei que venha a posteriori disciplinar tão
relevante assunto não poderá conceder menos que o já alcançado pela Lei Maria da
Penha, pois independente dos sexos envolvidos na formação da entidade familiar, a
63
DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica e as uniões homoafetivas.
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67
vontade que conecta um casal heterossexual é fundada no mesmo afeto, plano em
comum, vontades e interesses que unem um casal homossexual.
3.2.4 Adoção homoafetiva
A adoção homoafetiva no Brasil vem sofrendo uma radical mudança,
embasando-se em dois aspectos essenciais: uma postura de não discriminação, de
tratamento igualitário às minorias, reflexo da verdadeira aplicação do princípio da
isonomia ao caso concreto. Segundo, ao focar o bem-estar da criança como o
benefício maior a ser protegido, fator essencial da adoção. Mais importante que a
realização pessoal do adotante, o deferimento do pedido de adoção deve se basear
no melhor interesse do adotado.
Mas o preconceito permeia os enlaces de adoção no Brasil. A realidade
durante anos foi penosa com a vontade de um homossexual em formar um núcleo
familiar, imitando deste modo um padrão de heterossexualidade. Preocupados com
a busca da felicidade e da realização pessoal, homossexuais começaram a recorrer
aos órgãos competentes para pleitearem o direito de adoção.
Havia, porém, a princípio, um falseamento dos fatos, com homossexuais
escondendo sua condição para que não tivessem a negatória da adoção. O Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), ao permitir a adoção por uma única pessoa,
possibilitava contornar os entraves do sistema público por meio da criação de uma
ficção, que não condizia com a realidade onde o adotado seria inserido64. A
realidade da vida que tinham era camuflada para se alcançar um objetivo maior.
Mas os adotados, ao adentrarem este núcleo familiar, passavam a viver com
dois pais ou duas mães, divergente da estrutura falseada para agradar ao sistema. A
inexistência de leis que amparassem as uniões homoafetivas não as impediu de
existirem, e muito menos de que crianças convivessem com famílias formadas por
pessoas do mesmo sexo.
Impedidos de ter a guarda juntos, outro problema surgia: em caso de
falecimento de um dos pais, como ficaria a situação da criança. Caso falecesse o
64
Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil.
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68
adotante, a guarda não iria para seu companheiro, passando-a para os familiares
próximos. A criança era tirada do ambiente onde estava acostumada para ser
inserida em um novo contexto, divergente ao que estava. Não haveria de se falar
sequer em direito de visita, visto não haver qualquer laço de parentesco entre a
criança e o “pai” não constante do ato de adoção.
Se ocorresse, em contrapartida, o falecimento do não adotante, por não haver
laços familiares legais constantes na adoção, a criança ficaria desprotegida, não
podendo utilizar-se do direito sucessório que lhe caberia. Haveria, nitidamente, um
prejuízo no princípio essencial da adoção: o melhor interesse do adotado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma única
pessoa, não fazendo qualquer restrição quanto a sua orientação sexual.
Portanto, não é difícil prever a hipótese de um homossexual que, ocultando
sua preferência sexual, venha a pleitear e obter a adoção de uma criança,
trazendo-a para conviver com quem mantém um vínculo afetivo estável.
Nessa situação, quem é adotado por um só dos parceiros não pode desfrutar
de qualquer direito com relação àquele que também reconhece como
verdadeiramente seu pai ou sua mãe. Ocorrendo a separação do par ou a
morte do que não é legalmente o genitor, nenhum benefício o filho poderá
usufruir. Não pode pleitear qualquer direito, nem alimentos nem benefícios de
cunho previdenciário ou sucessório. Sequer o direito de visita é
regulamentado, mesmo que detenha a posse do estado de filho, tenha igual
65
sentimento e desfrute da mesma condição frente a ambos .
Porém, a jurisprudência vem à frente do seu tempo transformando a realidade
das adoções homoafetivas. Em novembro de 2005, o juiz Marcos Danilo Edon
Franco, da comarca de Bagé, autorizou duas lésbicas a adotar dois irmãos menores.
O
processo
de adoção permitiu
a concessão
a uma
das
requerentes.
Posteriormente, a companheira ajuizou ação para adotar os menores. O Ministério
Público recorreu da sentença, que em segunda instância teve como relator o
Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, onde a sentença foi mantida, por
unanimidade.
Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões
entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa
convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve ser o
mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta
concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de
adotar em conjunto (...) os estudos especializados não indicam qualquer
inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais,
mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio
familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores.
É, portanto, hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas
desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da
65
DIAS, Maria Berenice. Adoção homoafetiva.
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69
absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das
66
crianças e dos adolescentes .
Seguindo o mesmo exemplo, o juiz José Antônio Daltoé Cezar concedeu em
2006 a guarda de uma criança a outro casal de lésbicas na cidade de Porto Alegre.
Como não houve recurso, a sentença transitou em julgado e a adotada possui em
seu registro o nome de duas mães.
Vale destacar que a Justiça também inovou ao conceder a guarda do filho
biológico da cantora Cássia Eller, falecida em 2001, à companheira Eugênia. O litígio
era contra os avós maternos e, à época, houve grande apelo nacional para que o
filho, conhecido como Chicão, ficasse com a companheira de 14 anos da artista, a
quem o menino reconhecia e chamava de mãe.
Distinção semelhante é relatada por Eugenia, que era chamada de “mainha”
por Chicão, que chamava Cássia Eller de “mãe” [...] Apesar de Cássia Eller
também ser uma pessoa freqüente na mídia, não é este o foco. Apesar das
duas constituírem um casal homossexual, realidade que a sociedade
brasileira não concebe ainda com facilidade, agravada pela existência de uma
criança, a maternidade de Eugênia e seu direito à guarda de Chicão não tem
sido praticamente questionados. O argumento principal em favor dela é o fato
de ter sempre sido a mãe, assumindo todas as responsabilidades sobre a
criança. A homossexualidade das duas não tem sido tão abordada. A
67
capacidade de Eugênia cuidar de Chicão não tem sido posta em dúvida .
O ano de 2007 se tornaria novo marco da adoção homoafetiva no Brasil. A
juíza Sueli Juarez Alonso, da Comarca de Catanduva, concedeu a guarda de uma
menina a um casal de homens. Com semelhanças ao caso de Bagé, a concessão de
adoção foi dada primeiramente a Vasco Pedro da Gama Filho. Em seguida, Dorival
Pereira de Carvalho Júnior solicitou a guarda da menina, que após sentença
favorável, passou a se chamar Theodora Rafaela Carvalho da Gama.
Embora não seja um caso inédito, o fato de dois homens serem os guardiões
legais causou grande repercussão. O desejo de ser mãe é encarado como fator
natural inerente ao papel da mulher, ainda que lésbica. A vontade de dois homens
em adotar conjuntamente ainda é encarada com surpresa e preconceito.
O preconceito tem sido, aliás, a grande arma para impedir um número ainda
maior de adoções homoafetivas no Brasil. Impelidos em proibir, argumenta-se que
lares homossexuais não são propícios para o desenvolvimento sadio de crianças e
66
o
TJRS. Apelação Cível n 70013801592 – Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos –
Julgamento em 05 de abril de 2006 – Sétima Câmara Cível.
67
UZIEL, 2002, p. 226-227.
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70
que resultariam em problemas de ordem psicológica e distúrbios de identidade
sexual.
Apesar da significante presença em pelo menos 163.879 lares chefiados por
pais gays ou lésbicas na sociedade americana, três principais preocupações
a respeito da parentalidade de gays e lésbicas são comumente argüidas [...]
Elas incluem que lésbicas e gays são mentalmente doentes, que lésbicas são
menos maternais que as mães heterossexuais, e que as relações com seus
parceiros sexuais deixam menos tempo para se dedicarem às relações com
68
seus filhos .
Pesquisas
realizadas
em
diversos
países
desmascaram
essas
argumentações. Primeiro, deve-se relembrar que há anos a homossexualidade não
é considerada nem doença nem desordem psicológica, e que não há nenhuma
evidência de distúrbio psicológico causado pela orientação sexual. Os mesmos
estudos salientam, ainda, para a igualdade entre crianças criadas por lésbicas e por
mães heterossexuais, não havendo qualquer comprovação empírico-científica que
contradiga essas afirmações.
Quanto à afirmativa de falta de tempo para se dedicarem aos filhos em
contrapartida às relações com seus parceiros, evidencia-se aqui um aspecto
importante. Seguindo uma similitude heterossexual, as famílias homoafetivas
colocam a criação dos filhos em primeiro plano, deixando a vida pessoal (e íntima)
em segundo.
Na tese de doutorado elaborada pela Doutora Anna Uziel (Família e
homossexualidade: novas questões, velhos problemas. Universidade Estadual de
Campinas–SP, 2002), na análise dos processos de adoção feitos pela estudiosa
verifica-se uma tendência em comum à disponibilidade dos adotantes em abrir mão
da vida pessoal em troca da realização pessoal do sonho de adotar e constituir,
deste modo, uma família mono-homo-parental69.
68
Tradução livre feita da Resolução sobre Orientação Sexual, Pais e Filhos, adotada pelo Conselho
Representativo da Sociedade Americana de Psicologia, em julho de 2004. Integra da Resolução
disponível no anexo da monografia. No original: “Despite the significant presence of at least
163,879 households headed by lesbian or gay parents in U.S. society, three major concerns about
lesbian and gay parents are commonly voiced (…) These include concerns that lesbians and gay
men are mentally ill, that lesbians are less maternal than heterosexual women, and that lesbians'
and gay men's relationships with their sexual partners leave little time for their relationships with
their children”.
69
Vale relembrar que a pesquisa de campo realizada para a tese ocorreu anteriormente a 2002,
período em que ainda não se vislumbrava no âmbito da jurisprudência brasileira qualquer adoção
conjunto feita por homoafetivos, queira masculinos ou femininos. Nos processos analisados pela
estudiosa, somente um (Processo 7) era identificado como formado por um casal (lésbicas) desde o
inicio do processo de adoção, mas pleiteado somente em nome de um delas. A requerente foi
considerada habilitada.
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71
Nos Estados Unidos, onde o acompanhamento de famílias homoafetivas vem
sendo feito desde aproximadamente a década de 70, estudos comprovam ainda que
menos de 10% dos filhos criados em lares homossexuais seguem a mesma
orientação de seus pais. É a mesma porcentagem estipulada para o padrão de filhos
homossexuais em famílias heterossexuais.
O preconceito, a homofobia e o sexismo foram evidenciados de modo
recorrente nas entrevistas [...] O conhecimento científico mediado pela
pesquisa assim como sua divulgação podem propiciar novas reflexões e resignificar e transformar posturas preconceituosas e excludentes. [...] O desejo
de ser mãe ou pai não é incompatível com a orientação afetivo-sexual e
tampouco relacionado apenas ao gênero. Além disso, essa é uma realidade
presente e coexistente com as famílias tradicionais heterocêntricas e suas
variações. Há que se divulgar à sociedade os conhecimentos encontrados na
pesquisa sobre o funcionamento das famílias homossexuais com vistas a
uma melhor atuação em todos os campos: sociais, na escola, na saúde, nos
aspectos jurídicos, na religião. A continuidade dessa pesquisa com vistas a
ampliar a compreensão de outras dimensões da família homossexual se
70
mostra uma possibilidade .
A aceitação da adoção homoafetiva e a sua recomendação por órgãos
científicos, jurídicos e políticos, tanto nacionais quanto internacionais, vêm
corroborar com o novo perfil de entidade familiar criado a contar do século XX,
focado no afeto de seus membros, independente do sexo que os une. A adoção
vislumbra-se como um objetivo de realização da felicidade, e dentro de seu contexto,
será a busca pela felicidade em grupo.
Eu pessoalmente não vejo razão pelas quais pessoas do mesmo sexo não
devam ter permissão para se casar. Eu acredito também que o que crianças
a espera de adoção realmente necessitam é amor, cuidado e proteção de
adultos responsáveis. No mundo de hoje, alguns têm a sorte de encontrar
novos pais, outros não. Elas se tornam vítimas do preconceito e da hipocrisia
71
ostentadas de preocupações .
70
71
SANTOS, C., 2004, p.436.
Parte do discurso de Peter Schieder, Presidente da Assembléia Parlamentar do Conselho Europeu,
feito no dia 25 de outubro de 2002 em Lisboa. Tradução livre de: "I personally see no reason why
people of the same sex should not be allowed to marry. I also believe that what children awaiting
adoption really need is love, care and protection from responsible adults.In the world today, some
are lucky to find new parents, many do not. They become victims of prejudice and hypocrisy
paraded as concern”.
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72
3.3 Os princípios constitucionais
Basta a simples análise do espírito das normas constitucionais, que estão
imbuídas de força inclusiva, para entender que o cerne da Carta Magna de 1988 é a
inserção, em especial das minorias, por meio de direitos e garantias fundamentais. A
análise de alguns destes princípios é suficiente para abarcar e apaziguar qualquer
divergência referente às questões aqui levantadas.
Todos têm direito de gozar plenamente seus direitos, e de vê-los assegurados
por um Estado que vise a uma evolução ética e social. A exclusão assegurada por
ideais distorcidos não deve prevalecer no foco de uma sociedade que busca a
justiça e que quer ter orgulho de sua história, por garantir a dignidade ao seu povo.
A partir do momento que um Estado admite formas de exclusão, declara
implicitamente – ou mesmo algumas vezes explicitamente – a inferioridade de um
grupo em detrimento de outro: um se torna mais importante e se encontra em
patamar de superioridade ao outro.
Valem, por fim, as palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, ao
lembrar que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a
diferença as inferioriza, e o direito a ser diferente quando a igualdade as
descaracteriza”72.
3.3.1 Dignidade da pessoa humana
Como já salientado anteriormente, um novo paradigma surge após a segunda
guerra mundial, onde a valorização do ser humano será a primazia do novo
ordenamento jurídico mundial. Será assegurado a todos um mínimo de dignidade,
que terá proteção inclusive de órgãos internacionais.
[...] na atualidade, pauta a tendência dos ordenamentos o reconhecimento do
ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa inclinação, reforçada
depois da traumática barbárie nazi-fascista, encontra-se plasmada pela
72
O professor Boaventura de Souza Santos é sociólogo e leciona na Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais de Portugal. Foi um dos convidados do
Fórum Social Mundial que ocorreu em Porto Alegre em 2001.
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73
adoção, à guisa de valor básico do Estado Democrático de Direito, da
73
dignidade da pessoa humana .
Esse novo princípio que norteia o ordenamento internacional foi abraçado
pelo Brasil com o advento da Constituição de 1988, quando traz a “dignidade da
pessoa humana” como objetivo essencial que toda a sociedade deve almejar. Estar
no artigo 10 da nova Carta Magna o coloca em especial atenção, como princípio que
servirá de fundamento para a construção desta nova sociedade.
Desta forma e partindo-se destas premissas, temos que o principal valor
tutelado pela Constituição da Republica é, sem qualquer dúvida, a dignidade
humana; que serve inclusive de valor condicionante para a validade e a
eficácia de princípios inferiores e de toda a legislação infraconstitucional, em
nítida posição de supremacia axiológica. Possui, verdadeiramente a natureza
de super-princípio e, portanto, deve se constituir no principal ponto de análise
do hermeneuta ou do operador do direito, logo ao iniciar a busca pelo sentido
74
e alcance de determinada norma jurídica” .
O princípio da dignidade da pessoa humana é dotado de grande
subjetividade, o que acarreta ampla discussão sobre seu campo conceitual. Dentro
de uma visão Kantiana, e que se prevalece nos dias atuais, os diversos conceitos se
harmonizam ao estabelecer que será contrário à dignidade humana todo ato ou fato
capaz de reduzir o ser humano à condição de objeto, visto que para Kant, o homem
é um fim em si mesmo, e não um objeto para alcançar um objetivo maior. Mas muito
mais importante que fixar um conceito, é criar normas e meios eficazes para a real
aplicação de tão importante fundamento constitucional.
Este princípio preza pela mantença mínima de respeito à pessoa, de não ser
prejudicada nem degradada. De não ser explorada por outro ser humano em virtude
de circunstâncias, e muito menos pelo Estado. Buscar-se-á a garantia de
independência e de autonomia de cada pessoa. O Estado, imbuído de seu poder e
visando a proteção desta dignidade, assegurará os direitos inalienáveis do homem e
jamais aceitará o tratamento desumano a qualquer indivíduo.
Temos a dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de
cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham
a lhe garantir as condições existenciais para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e constituição responsável nos
73
NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa
humana. In: MATOS, 2004, p. 148.
74
MOTTA, 2007, p.16.
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74
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
75
humanos .
É imbuído deste princípio, que serve de norte para interpretar, aplicar ou
ainda criar qualquer norma jurídica pátria, que as uniões entre pessoas do mesmo
sexo se valem para assegurar sua existência e seus direitos.
Dentre as múltiplas possibilidades de sentido da idéia de dignidade, duas
delas são reconhecidas pelo conhecimento convencional: i) ninguém pode ser
tratado como meio, devendo cada indivíduo ser considerado sempre como
fim em si mesmo; e ii) todos os projetos pessoais e coletivos de vida, quando
razoáveis, são dignos de igual respeito e consideração, são merecedores de
igual ‘reconhecimento’. A não atribuição de reconhecimento à união entre
pessoas do mesmo sexo viola simultaneamente essas duas dimensões
76
nucleares da dignidade humana .
O não reconhecimento das uniões familiares que se forjam de forma diversa
ao padrão da sociedade dominante demonstra uma evidente discriminação por parte
do Estado, deixando de tutelar seus indivíduos por preconceito e estigma,
desvalorizando o ser humano pelo seu modo de ser, rebaixando-os a indivíduos
menores.
A dignidade da pessoa abarca o poder de exercer sua personalidade da
forma mais completa possível, com seus desejos e vontades. A sexualidade é parte
intrínseca de todo ser humano, parte inerente de sua personalidade.
Assim, deixando de regular as uniões homoafetivas, que se vinculam por
afeto e vontade de crescimento mútuo, o Estado está apoiando a discriminação e
violando este importantíssimo preceito, deixando de assegurar aos seus cidadãos o
direito à fruição de uma vida digna.
3.3.2 Liberdade
Um dos mais importantes princípios constitucionais está na liberdade. Na
liberdade individual de poder exercer sua vida e seus direitos da forma mais ampla
possível. Essa liberdade foca-se em poder desenvolver com amplitude a
personalidade humana, a livre expressão pessoal.
75
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. In: COÊLHO, 2006, p. 68.
76
o
BARROSO, 2006, n 45.
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75
A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem. Assim, os
exercícios dos direitos naturais de cada homem não têm limites senão os que
asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute desse mesmo
77
direito; esses limites não podem ser determinados senão por lei .
É a liberdade de ir e vir, de pensar e, no foco deste trabalho, na liberdade de
amar, sem que isso cause angustia e sofrimento. A liberdade de poder escolher a
pessoa com quem se quer passar, quando possível, o resto de sua vida, mantendo
uma relação estável de afeto e companheirismo.
É, sem dúvidas, a liberdade de poder exercer o papel familiar com a pessoa
amada, usufruindo todos os benefícios constitucionais assegurados à família. É o
poder da autodeterminação. É a mesma liberdade que inspirou a dissolução da
união inquebrantável imposto pelo Estado antes da Lei do Divórcio. A liberdade do
indivíduo em tomar as rédeas de sua vida afetiva, com o mínimo de intervenção
estatal.
Imperar exclusões jurídicas, fundadas em tabus repressores à manifestação
da sexualidade, é procurar limitar a liberdade no desenvolvimento de
questões de esfera íntima para, em seu lugar, fazer apologia a modelos de
78
família tradicionais .
Essa liberdade deixará o indivíduo exercer sua cidadania nos mais variados
ramos da vida. Na política, na vida social e, por conseguinte, na liberdade de
desenvolver a sexualidade de forma ampla.
3.3.3 Igualdade
A igualdade é um princípio consagrado na Constituição Federal, condenando
qualquer forma de discriminação e preconceito, almejando-se a construção de “uma
sociedade livre, justa e solidária”, e “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (sem
grifo no original)79.
Adiante, em seu artigo 50, a constituição assegura que “... todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No âmbito da sexualidade, onde
77
Artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 1793.
MATOS, 2004, p. 177.
79
0
Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, art. 3 .
78
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76
o foco deste trabalho é a homoafetividade, a igualdade se manifesta na aplicação
correta e justa de tratamento normativo a todos os indivíduos, independente da
orientação sexual assumida, em consonância com o direito a liberdade.
Embasando-se nesta busca pela igualdade é que deve-se assegurar a
equivalência entre as uniões heterossexuais e as homoafetivas. Negar direito é
insurgir contra preceitos essenciais do ordenamento pátrio, buscando brechas para
diminuir e desmerecer o ser humano por exercer sua personalidade.
A aplicação jurídica diferenciada só encontrará tutela especial se abraçada
em motivos justos e plausíveis. Assim faz-se necessário diferenciar a igualdade
formal da igualdade material. Aquela preza impedir qualquer diferenciação entre
pessoas, evitando que haja hierarquia entre iguais. A igualdade material vincula-se a
igualdade prática, observando aspectos de uma justiça mais social.
“Um eventual tratamento diferenciado seria justificável apenas se fundado em
motivos plausíveis a exigirem tutela especial, na procura da chamada
igualdade material. Ficam juridicamente obstadas as não paridades oriundas
de motivos fortuitos ou injustificados, ou incompatíveis com os demais valores
80
superiores encartados na Constituição” .
Deverá ocorrer uma igualdade formal, ao equiparar direitos entre as uniões
heterossexuais e as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Mas para a real
aplicação desta igualdade, devem-se pesar as desigualdades naturais existentes
relacionadas a este tipo de relação, que possuem suas singularidades, e que se
igualam às heterossexuais no âmago do motivo que as gerou: vontade de unir-se
por afeto em busca de um objetivo em comum.
Exemplo desta desigualdade natural está ao analisar os requisitos da união
estável, “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família”. Inegável é que a convivência pública
deverá ser analisada no caso concreto das uniões homoafetivas, visto que essas
muitas vezes estão restritas aos conviventes, não sendo de conhecimento de todos
que os cercam. Impelidos pelo preconceito, muitos casais mantêm seus
relacionamentos velados, restringindo a ciência de seus affairs a poucas pessoas.
Mas a igualdade que se procura aqui é a formal, a igualdade perante a norma
jurídica, que abarcará mais amplamente o desejo de eqüidade das uniões
homoafetivas. À igualdade material, esta se fará necessária quando da aplicação do
caso concreto, que se vinculará ao individual.
80
MATOS, 2004, p. 171.
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77
3.3.4 Pluralidade familiar
Já abordado anteriormente, este princípio baseia-se na afirmativa de haver
entidades familiares diversas àquelas elencadas no artigo 226 da Constituição.
Haverá entidade familiar onde houver configurado e elemento essencial da formação
da família moderna: o afeto, este como valor e princípio jurídico digno de proteção.
[...] a Constituição da República Federativa do Brasil [...] tratou de forma mais
pontual a família, provocando uma verdadeira revolução no Direito de Família
[...] Era imperioso que a norma constitucional entrasse em compasso com os
fatos sociais e os sentidos axiológicos dados por seus destinatários, sob pena
de nascer velha e tornar-se ineficaz. Neste sentido, houve o rompimento com
a premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador
da família brasileira, e do modelo de família hierarquizada, patriarcal,
impessoal e, necessariamente, heterossexual, em que os interesses
individuais cediam espaço à manutenção do vínculo. Esta Constituição
trouxe, além de novos preceitos para as famílias, princípios norteadores e
determinantes para a compreensão e legitimação de todas as formas de
81
família .
Resultado de um efeito social, este princípio surge no corpo constitucional
como
reflexo
da
realidade
da
sociedade,
embasadas
em
famílias
desmatrimonizadas, fundadas na simples associação entre seus membros, visando
à construção de uma vida em comum.
Ainda em sua tese de doutorado, Rodrigo da Cunha Pereira classifica as
entidades familiares em três principais grupos: família conjugal, família parental e
família unipessoal ou single82. A primeira, a família conjugal, desenvolve-se da
relação amorosa que possui, além do afeto, o desejo e o amor sexual.
Essas outras famílias podem ser recompostas, reconstituídas, binucleares,
casais com filhos de casamentos anteriores e seus novos filhos, casais sem
filhos, casais homossexuais [...] A lista dos diversos arranjos familiares é
grande. Fundamental é verificar se os sujeitos que se dispuseram a unir-se o
fazem pelos laços afetivos e se constituíram uma entidade familiar que está
além de um convívio superficial e despretensioso. Se assim for, devem ser
tomados e protegidos como família [...] A importância da aplicação do
princípio constitucional da pluralidade de formas de família às uniões de
pessoas do mesmo sexo, assim como a qualquer outro vínculo amoroso que
tenha estruturação psíquica de família, vai muito além da simples
salvaguarda de direitos patrimoniais, pessoais ou previdenciários. Esta
importância está, principalmente, na legitimação e desmarginalização das
relações familiares, o que significa, em última análise, o cumprimento da
palavra de ordem da contemporaneidade, cidadania, que por sua vez tem o
significado de uma regra de juízo universal, ou seja, fazer cumprir também o
macroprincípio da dignidade da pessoa humana.
81
82
PEREIRA, 2004, p. 117.
Id., p. 121 et seq.
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78
A família parental é a entidade familiar formada pelo agrupamento de pessoas
unidas pelo parentesco biológico ou ainda pelo “socioafetivo”. Estaria englobada na
família parental a família monoparental, tão destacada no âmbito do § 40 do art. 226
da nossa atual Constituição. Mas ainda destaca-se dentro deste novo âmbito familiar
as comunidades formadas por irmãos ou as formadas por avos e seus respectivos
netos.
Destaca Cunha Pereira, dentro da família parental, a família socioafetiva,
formada pela família substituta advinda da adoção, tutela ou guarda, e ainda as “...
chamadas
reconstruídas,
reconstituídas,
binucleares
e
famílias
‘mosaico’,
usualmente formada pelo par e os filhos advindos de relações conjugais anteriores,
surgindo assim as figuras do padrasto e da madrasta, historicamente associadas a
uma figura maligna, que busca substituir a mãe e/ou o pai”.
E por fim, haveria a família unipessoal ou single, que Cunha Pereira identifica
como sendo aquela formada pela pessoa que tanto optou quanto foi levada a viver
sozinha, distante dos familiares consangüíneos ou afetivos.
[...] indivíduos que optam ou são levados a viverem sozinhos, deslocados
fisicamente dos demais entes a ele ligados por consangüinidade ou
afetividade. São solteiros por convicção, viúvos ou separados/divorciados
sem filhos, ou os que já constituíram outras famílias, celibatários, etc. A
característica principal dos singles não é morar sozinho, pois há muitos
casais, sem filhos, que vivem cada um em uma casa. A característica
principal dos singles é não estarem vinculados maritalmente.
A verdade maior é que o ordenamento jurídico surge após a realidade social.
Vendo o legislador que uma nova realidade familiar estava presente na sociedade,
teve que legislar a fim de incluir o que estava marginalizado.
A entidade familiar homoafetiva vem se desenvolvendo à margem da
sociedade, buscando seu reconhecimento para garantir direitos e deveres. Negarlhe existência é mostrar imaturidade e remediar uma realidade que exige do
legislativo e do judiciário soluções concretas. O desafio está em respeitar a diferença
deste novo formato familiar, e promover a inclusão com dignidade.
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79
CONCLUSÃO
O Direito de Família sofreu uma grande transformação com o advento da
Constituição de 1988. A família, que antes era alicerçada e protegida pelo
casamento, passa a ter um novo paradigma, o afeto, trazendo para a norma uma
realidade que já se fazia presente na sociedade.
Esta norma modificadora foi reflexo de uma outra sociedade que se esculpia
por detrás das regras vigentes, e que se mostrava muito mais complexa. Vários
contornos de família foram tomando forma dentro da sociedade moderna. Enquanto
nos séculos passados a família estava definida pelo seu aspecto de matrimonizado,
hierarquizado e de proliferação, o novo milênio demonstra que o fator principal na
entidade familiar, e que move esta nova estrutura, é o afeto.
Nessa nova família emergente, que opta por prole reduzida, os papéis se
sobrepõem, se alternam, se confundem ou mesmo se invertem, quebrando-se por
completo com o antigo estereótipo hétero-patriarcalizado. Sendo o afeto o fator
essencial, mas não único, que caracteriza esse novo paradigma familiar, não há
como deixar à parte a entidade familiar homoafetiva.
A união homoafetiva vem quebrando preconceitos e vem galgando espaço no
seu reconhecimento como entidade familiar que é. Está nesse patamar porque suas
características são equivalentes às outras entidades familiares: amor e afeto
(fundamentos e finalidades da família), estabilidade (excluem-se os relacionamentos
esporádicos e sem compromisso), sexo (sem a finalidade procriativa), solidariedade,
mútua assistência, visibilidade (presença ou conhecimento públicos), continua e
duradoura. São todas características presentes à união estável.
Por isso não há como negar a aplicação analógica dos efeitos da união
estável às entidades familiares homoafetivas. Mas são esparsas as decisões
vislumbrando este aspecto, tutelando no ordenamento jurídico a entidade familiar
formada por pessoas do mesmo sexo. Neste âmbito, a jurisprudência tem sido de
suma importância para quebrar barreiras e preconceitos. Ainda assim, dentro do
judiciário há empecilhos a serem superados. Enquanto decisões distinguirem
entidades familiares apenas por levar em consideração o sexo de seus
componentes, injustiças serão realizadas em nome de uma “sociedade de fato”.
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80
Argumenta-se, para embasar tais injustiças, que as entidades familiares estão
e são apenas as constantes do artigo 226 da Constituição. Fica claro que esta
interpretação doutrinária e jurisprudencial se faz inadequada ao real alcance da
norma constitucional. Primeiro, porque assim só seria se a norma literalmente
vedasse. Segundo porque um dos valores principiológicos da Constituição é
promover a inclusão, fazer com que todos se sintam parte de um país mais justo e
digno para com seu povo.
Na falta de proibição expressa ou previsão positiva, postula-se a
interpretação da Constituição conforme o cânone hermenêutico da “unidade
da Constituição”, segundo o qual uma interpretação adequada do texto requer
a consideração das demais normas, de modo que sejam evitadas conclusões
contraditórias, pois, sob a ótica do direito de família, a norma do § 3º, do art.
226 da CF/88, não exclui a união estável entre os homossexuais [...] Destarte,
a solução dos relacionamentos homoafetivos só pode encontrar subsídios no
instituto mais próximo, que é a família, e dentro de seus diversos tipos,
83
naquela que se estrutura na solidariedade, a união estável .
Frente ao princípio da pluralidade familiar, esta interpretação também perde
respaldo. Vale relembrar que haverá entidade familiar onde exista por base da
formação da família o afeto. Ela não é mais caracterizada tão somente pelos laços
sexuais procriativos e consangüíneos. Estes são arquétipos desfacelados frente aos
novos valores teleológicos trazidos pela nova Carta. Além disso, norma
infraconstituicional de 2006 veio reforçar este princípio. É a corroboração da
existência plural de formas de afeto.
O princípio da pluralidade das formas de família deve ser conjugado com os
outros princípios aqui elencados para que não se excluam determinados
modelos familiares e, conseqüentemente, não se retire a dignidade dos
sujeitos que os constituíram. Um dos modelos que mais reclamam a
aplicação destes princípios são os formados por pessoas do mesmo sexo.
Tratar essas relações como sociedade de fato, inscrevendo-as no campo do
Direito Obrigacional ou Comercial é atribuir indignidade aos sujeitos ali
envolvidos e negar-lhes direitos [...] Se olharmos para estas relações sob o
ponto de vista estritamente jurídico, não há por que negar o seu
reconhecimento como entidade familiar, pois o debate em torno dela é entre
moral e ética, isto é, entre moral e cidadania. Em outras palavras, a atribuição
de direitos a essas parcerias significa dar visibilidade a um vínculo amoroso
84
que está buscando seu próprio entendimento e espaço político-social .
Esta dificuldade em absorver a relação homoafetiva como entidade familiar
ocorre do preconceito arraigado na cultura heterossexual. É o mesmo preconceito
sentido quando de outros momentos históricos, como na Lei do Divórcio, da
83
84
CÔELHO, 2006, p.127-128.
PEREIRA, 2004, p. 140.
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81
liberação do voto feminino. Os debates que se ensejam sobre o assunto estão
sobrecarregados de um cunho moral e religioso.
O Projeto de Lei nº 1.151/95, que deveria disciplinar a união civil entre
pessoas do mesmo sexo, esbarrou nesse conservadorismo e se faz, hoje, letra
morta frente às realidades jurisprudenciais de alguns tribunais. Há de se lembrar
ainda que o referido projeto fica aquém de refletir a realidade e satisfazer os anseios
sociais, deixando de enfatizar a união homoafetiva como entidade familiar. A
verdade é que não basta garantir direitos patrimoniais e previdenciários, pois este a
ampla jurisprudência praticamente já pacificou. Mais importa é a proteção
constitucional dada a toda entidade familiar, independentemente do sexo que
compõem seus integrantes.
A adoção homoafetiva também sofreu importantes mudanças nos últimos
anos. Transmutou-se da total negativa de adoção por qualquer homossexual para a
possibilidade, primeiramente, de um poder adotar. O desenvolvimento interdisciplinar
do Direito com as demais ciências humanas, em especial com a Medicina, a
Sociologia, a Antropologia, a Psicanálise e a Psicologia, possibilitaram a mudança
de estereótipos pré-concebidos, habilitando o homossexual para a adoção.
Agora desfruta a família homoafetiva de um novo horizonte familiar, ao
deslumbrar-se com a adoção conjunta. Embora ainda sejam poucas decisões neste
sentido, valem como jurisprudências importantes por não levarem em conta a
sexualidade que envolve os parceiros, mas por buscarem o real valor da adoção: o
melhor interesse do adotado.
São estas pequenas, mas importantes mudanças que vêm ratificando o valor
das
uniões
homoafetivas
como
entidades
familiares
dignas
da
proteção
constitucional de família, proteção esta esculpida em suma importância no caput do
art. 226, e será alicerce de apoio para o princípio da dignidade humana.
Fere-se o macroprincípio constitucional da dignidade da pessoa humana
quando o Direito nega existência à entidade familiar formada por pessoas do mesmo
sexo.
O primeiro deles, e que é também a base de sustentação de todos, é o
princípio da dignidade humana. É mais que um princípio constitucional, uma
vez que constitui em um imperativo ético para garantir a palavra de ordem da
contemporaneidade: cidadania. É ele que, entrelaçado, sustentando e
sustentado por todos os outros princípios, vem impedir que a história das
85
exclusões feitas através do Direito de Família se repita (com grifos).
85
PEREIRA, 2004, p. 138.
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82
Desvirtua-se a aplicação do princípio da igualdade, ao tratar de forma
diferente seres humanos protegidos pelo mesmo preceito constitucional. O valor
principiológico de não discriminar deixa de ser aplicado a determinados grupos,
criando um sistema de castas onde alguns são preteridos em detrimento de outros.
O preconceito, em muito, é resultado de um desconhecimento sobre a
realidade. A visibilidade homossexual desencadeou a mudança necessária para
vencer, ou ao menos amenizar, os preconceitos na sociedade atual e afastar este
estado de ignorância a respeito do assunto.
Fez-se notar, ao final, a similaridade entre a entidade familiar heterossexual e
a família homoafetiva. Fez-se notar que o afeto, convivência, reciprocidade,
dignidade, intimidade, igualdade, liberdade, para citar alguns poucos, são direitos
assegurados a todos, independe de cor, raça, credo, sexo, idade. O que vale, ao
final, é o direito de amar.
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83
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ANEXOS
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89
Anexo A – Projeto de Lei no 1.151-A, de 1995
De Autoria da Deputada Marta Suplicy (PT-SP)
Disciplina a união civil entre pessoas
do mesmo sexo e dá outras providências.
O Congresso Nacional Decreta:
Art. 1o. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de
sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade.
Art. 2o. A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante
registro em livro próprio, nos Cartórios de Registros Civil de Pessoas Naturais.
§ 1o. Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de
Registro Civil exibindo:
I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou
divorciadas;
II - prova de capacidade civil plena;
III - instrumento público de contrato de união civil.
§ 2o. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do
contrato de união civil.
Art. 3o. O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo
livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres,
impedimentos e obrigações mútuas.
Parágrafo único. Somente por disposição expressa no contrato, as regras
nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido
concorrência para a formação de patrimônio comum.
Art. 4o. A extinção da união civl ocorrerá:
I - pela morte de um dos contratantes;
II - mediante decretação judicial;
Art. 5o. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil:
I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;
II - alegando o desinteresse na sua continuidade;
§ 1o. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da
extinção da união civil.
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90
§ 2o. O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o
§ 1o deste arquivo, só será admitido após decorridos 2(dois) anos de sua
constituição.
Art. 6o. A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos
interessados, de acordo com o disposto no instrumento público.
Art. 7o. O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos
assentos de nascimento e casamento das partes.
Art. 8o. É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter
o contrato de união civil a que se refere esta Lei com mais de uma pessoa, ou
infringir o § 2o do artigo 2o.
Pena - detenção de 6(seis) meses a 2(dois) anos.
Art. 9o. Alteram-se os artigos da Lei No. 6.015, de 31 de dezembro de 1973,
que passam a vigorar com as seguintes redações:
"Art.29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
(...)
IX - os contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
§ 1o. Serão averbados:
(...)
g) a sentença que declarar e extinção da união civil entre pessoas do mesmo
sexo.
Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros, todos com trezentas
folhas cada um:
(...)
III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e
contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 167. No registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem
sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais
pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à
celebração do contrato.
II - a averbação:
(...)
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14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou
anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo,
quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a
registro."
Art. 10. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com
pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela lei
8.009, de 29 de março de 1990.
Art. 11. Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 passam a
vigorar com a seguinte redação.
"Art 16.
(...)
§ 3o. Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser
casada, mantém, com o segurado ou com a segurada a união estável de acordo
com o Parágrafo 3o do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa
do mesmo sexo, nos termos da lei.
Art 17.
(...)
§ 2o. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou
companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio
sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou
sentença judicial, transitada em julgado".
Art. 12. Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990
passam a vigorar com a seguinte redação.
"Art 217.
(...)
c) A companheira ou companheiro designado que comprove união estável
com entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei.
(...)
Art 241.
(...)
Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que
comprove união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do
mesmo sexo, nos termos da lei".
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Art. 13. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios
previdenciários de seus servidores que mantenham união civil com pessoas do
mesmo sexo.
Art. 14. São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas de
mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados
pela lei nº 8.971, de 28 de Dezembro de 1994.
Art. 15. Em havendo perda de capacidade civil de qualquer um dos
contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a
preferência para exercer a curatela.
Art. 16. O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a
vigorar com a seguinte redação :
"Art. 113.
(...)
I - ter filho, cônjuge, companheira de união civil entre pessoas do mesmo
sexo,brasileiro ou brasileira".
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação
Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.
Justificação
O presente Projeto de Lei visa o reconhecimento das relações entre pessoas
do mesmo sexo, relacionamentos estes que cada vez mais vem se impondo em
nossa sociedade.
A ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de
expressão da sexualidade da pessoa humana. O Conselho Federal de Medicina,
antecipando-se à Organização Mundial de Saúde, já em 1985 tornou sem efeito o
código 302, o da Classificação Internacional de Doenças, não considerando mais a
homossexualidade como “desvio ou transtorno mental”. A sociedade atual vive uma
lacuna frente as pessoas que não são heterossexuais. Elas não têm como
regulamentar a relação entre si e perante a sociedade, tais como, pagamento de
impostos, herança, etc... Esta possibilidade de parceria só é reconhecia entre
heterossexuais. E os outros tantos?
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Realidade e Direitos
Esse projeto pretende fazer valer o direito a orientação sexual, hétero, bi ou
homossexual, enquanto expressão dos direitos inerentes à pessoa humana. Se os
indivíduos têm direito à busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito
natural a todas as civilizações, não há porque continuar negando ou querendo
desconhecer que muitas pessoas só são felizes se ligadas a outras do mesmo sexo.
Longe de escândalos ou anomalias, é forçoso reconhecer que essas pessoas só
buscam o respeito às suas uniões enquanto parceiros, respeito e consideração que
lhes é devida pela sociedade e pelo Estado.
Relação duradoura
Relacionamentos pessoais baseados num compromisso mútuo, laços
familiares e amizades duradouras são parte da vida de todo ser humano. Eles
satisfazem necessidades emocionais fundamentais e provêem a segurança e
aconchego em horas de crise em vários da vida, inclusive na velhice. São um
poderoso instrumento contra a falta de raízes, protegem e mantém a integridade dos
indivíduos. Com essa intenção, a relação permanente e compromissada entre
homossexuais deve existir como possibilidade legal.
Ao mesmo tempo a aceitação legal da união cível entre pessoas do mesmo
sexo encorajara mais gays e lésbicas a assumirem sua orientação sexual. Longe de
“criar” mais homossexuais, essa realidade somente tornara mais fácil a vida das
pessoas que já vivem esta orientação sexual de forma clandestina. A possibilidade
de assumir o que se é, tem como conseqüência a diminuição da angustia e também,
segundo pesquisas uma maior possibilidade de proteção à saúde, principalmente
em relação à AIDS. O que é proibido gera vergonha, dissimulação e, muitas vezes
medo. A possibilidade da união estável, mesmo que não exercida, reduzira
problemas criados pela necessidade de esconder a própria natureza, de não ser
reconhecido (a) socialmente, viver em isolamento ou na mentira.
Violência
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O Brasil é um pais no qual os homossexuais, masculinos e femininos têm
sofrido extrema violência. Raras são as semanas que não se sabe de um
assassinato violento. Uma das portas que leva à violência é à homofobia. A
aceitação da homossexualidade – a legalização da união civil entre pessoas do
mesmo sexo favorecerá e certamente diminuirá o comportamento homofóbico e
conseqüente agressão. A lei, além de aceitar e proteger uma realidade, provê um
respaldo social importante.
Solidariedade
A possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo,
permitirá, como nas uniões heterossexuais, que em períodos de crise os casais
possam ser ajudados. Os casais heterossexuais casados quando passam por
problemas enfrentam vários fatores que impedem uma ruptura imediata. Situação
muito diferente enfrentada pelos homossexuais que geralmente mantêm relações
secretas, ignoradas pela família e amigos, que são oferecem ajuda nas situações
difíceis.
Uma parceria legalizada será sinal de que o casal, gay ou lésbica, para suas
famílias, amigos e sociedade, desejam manter uma relação de compromisso. Isso
será enfatizado no status formal e legal da união. Muitos casais homossexuais
acham uma injustiça que mesmo depois de muitos anos de coabitação, ainda são
considerados – legal, econômica e socialmente – meramente como duas pessoas
que dividem uma residência.
Relacionamentos estáveis proverão segurança e um sentimento de pertencer.
A maioria dos homossexuais sozinhos não são reconhecidos pelas famílias. As
pessoas com orientação homossexual possuem a mesma necessidade de
segurança e proximidade que pessoas com orientação heterossexual, e devem ter
direitos ao mesmo apoio nas relações permanentes.
O Projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo não vai resolver todos
estes problemas, sem fazer com que todas as famílias aceitem essa situação, mas
certamente poderá ter um efeito estabilizador e não discriminatório.
Homossexualidade
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As causas da homossexualidade são complexas. Os estudiosos acreditam
que
a
homossexualidade
não
é
uma
opção,
assim
como
também
a
heterossexualidade não é uma escolha. As pessoas se descobrem diferente por
volta da pré-puberdade, quando não sabe ainda o que e “homossexualidade”. Na
puberdade, os hormônios da sexualidade começam a funcionar com conseqüente
aumento do desejo sexual, sonhos eróticos e masturbação. A pessoa percebe sua
atração pelo mesmo sexo. Acredita-se que fora a orientação sexual, são tão normais
e tão diferentes individualmente como os heterossexuais. Entretanto, ser
homossexual é, freqüentemente, cauda de grandes problemas. A atitude
preconceituosa da sociedade resulta em isolamento para homossexuais e,
freqüentemente dificulta suas vidas e até seus relacionamentos pessoais e
estabilidade emocional.
Diferenças e semelhanças entre união civil e casamento
A possibilidade de regularizar uma situação de união já existente, tornará
estes relacionamentos mais estáveis, na medida que serão solucionados problemas
práticos, legais e financeiros. A vida social dos casais homossexuais também será
afetada, fazendo com que sejam melhor aceitos pelas sociedade e até pelas
próprias famílias.
Esse projeto procura disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e
não se propõe dar às parcerias homossexuais um status igual ao casamento. O
casamento tem um status único. Este projeto fala de “parceria” e “união civil”. Os
termos “matrimônio” e “casamento” são reservados para o casamento heterossexual,
com suas implicações ideológicas e religiosas.
Está entendido, portanto, que todas as provisões aplicáveis aos casais
casados também devem ser direito das parcerias homossexuais permanentes.
A possibilidade para casais de gays e lésbicas registrarem suas parcerias
implicará na aceitação por parte da sociedade de duas pessoas do mesmo sexo
viverem juntas numa relação emocional permanente.
Aspectos jurídicos
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O projeto de lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo vem
regulamentas, através do direito, uma situação que, há muito, já existe de fato. E, o
que de fato existe, de direito não pode ser negado.
A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso
ordenamento jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de
conteúdo. É instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais
da Republica Federativa do Brasil – constitucionalmente garantidos – de construir
uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 30,
I e IV CF).
A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem
com o instituto do casamento, regulamentado pelo Código Civil brasileiro, nem com
a união estável, prevista no parágrafo 30, do art. 226 da Constituição Federal. É mais
uma relação entre particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a
proteção do Estado e do Direito.
O projeto estabelece com clareza os direitos que visa proteger nessa relação.
As formalidades nele previstas servem não só como uma garantia entre os próprios
contratantes, mas também perante terceiros; servem, ainda, como um indicador para
a sociedade, de quão serio é o tema nele tratado e da melhor adequação ao
ordenamento jurídico, propõe-se algumas pequenas, mas significativas, alterações
de legislações especificas, como em alguns artigos: da lei de registros públicos, da
lei de benefícios previdenciários, do estatuto dos servidores públicos federais e da lei
dos estrangeiros.
A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações; o
Direito brasileiro deve acompanha as mudanças sociais e contemplar, sempre que
possível, essa diversidade. A união cível entre pessoas do mesmo sexo vem
contemplar apenas um dentre tantos aspectos dessa diversidade que compõe a
sociedade brasileira. É mister que se preencha a lacuna jurídica existente no que diz
respeito a essa forma de relação, a fim de que se proteja a dignidade da pessoa
humana que dela participe e se promova a visibilização dessa relação, com o
respeito que lhe é merecido por parte de toda comunidade.
O projeto é viável, necessário e possível do ponto de vista social e,
principalmente, jurídico. Em uma sociedade que se diz e se pretende democrática e
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pluralista, o Direito não pode servir como obstáculo à transformação social, pelo
contrario, deve ser instrumento de proteção às conquistas e demandas sociais.
A possibilidade de legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo torna
possível a reparação de notórias injustiças, como os casos onde o parceiro morre e
seu companheiro ou companheira do mesmo sexo é excluído (a) de qualquer
participação em um patrimônio que também é seu, pois ajudou a construí-lo, em
decorrência de vários anos d convivência.
Acreditamos estar expressando nesse Projeto de Lei os anseios de uma
parcela de brasileiros e brasileiras, que lutam contam o preconceito justificado e
apenas esperam ver reconhecidos seus legítimos direitos de cidadãos, como já
fazem outros países.
Conclamamos os Ilustre Pares a apoiarem esta legítima iniciativa.
Sala de sessões, em 26 de outubro de 1995.
Deputada Marta Suplicy
PT/SP
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Anexo B - Substitutivo Oferecido pelo Relator do Projeto Dep. Roberto
Jefferson.
Disciplina
a
parceria
registrada
entre
pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de
sua parceria registrada, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão
e aos demais regulados nesta Lei.
Art. 2º. a parceria registrada constitui-se mediante registro em livro próprio,
nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais.
§ 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro Civil
exibindo:
I - prova de serem solteiros, viúvos, ou divorciados;
II - prova de capacidade civil;
III - instrumento público do contrato de parceria.
§ 2º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do
contrato de parceria registrada.
Art. 3º. O contrato de parceria registrada será lavrado em Ofício de Notas,
sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres,
impedimentos e obrigações mútuas.
§ 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele
estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido
concorrência para a formação de patrimônio comum.
§ 2º. São vetadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de
crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos
parceiros.
Art. 4º. A extinção da parceria registrada ocorrerá:
I - pela morte de um dos contratantes;
II - mediante decretação judicial.
Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria
registrada:
I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;
II - alegando o desinteresse na sua continuidade.
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Parágrafo
único.
As
partes
poderão
requerer
consensualmente
a
homologação judicial da extinção de sua parceria registrada.
Art. 6º. A sentença que extinguir a parceria registrada conterá a partilha dos
bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato.
Art. 7º. É nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais
de uma pessoa ou quando houver infração ao parágrafo 2º do art. 2º desta lei.
Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor
comete o crime falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art.299 do DecretoLei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Art. 8º. Alteram-se os artigos 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro
de 1973, que passam a vigorar com as Seguintes redações:
"Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
(...)
IX - os contratos de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo.
§ 1º Serão averbados:
(...)
g) a sentença que declarar a extinção da parceria registrada entre pessoas do
mesmo sexo.
Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros:
(...)
VII - E - de registro de contratos de parceria registrada entre pessoas do
mesmo sexo.
Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo que
versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a
direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos
posteriormente à celebração do contrato.
II - a averbação:
(...)
14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou
anulação do casamento e de extinção de parceria registrada entre pessoas do
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100
mesmo sexo, Quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais
sujeitos a registro".
Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria
registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições
regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990.
Art. 10. Registrado o contrato de parceria de que trata esta Lei, o parceiro
será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição
de dependente do segurado.
Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria implica o cancelamento
da inscrição a que se refere o caput deste artigo.
Art. 11. O parceiro que comprove a parceria registrada será considerado
beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990.
Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios
previdenciários de seus servidores que mantenham parceria registrada com pessoa
do mesmo sexo.
Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria registrada com pessoa
do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas
seguintes condições:
I - o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo contrato de
parceria civil registrada, ao usufruto da Quarta parte dos bens do de cujus, se houver
filhos deste;
II - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria
civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos,
embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá
direito à totalidade da herança;
IV - se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em
que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
Art. 14. O art. 454 da Lei 3.071, de º de janeiro de 1916, passa a vigorar
acrescido de parágrafo 3º , com a redação que se segue, passando o atual § 4º:
"Art. 454..................
§ 1º ............
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101
§ 2º..............
§ 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se
dará a curatela
§ 4º .............
Art. 15. O art. 113 da a Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a
seguinte redação:
"Art. 113
(...)
VI- Ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade
brasileira".
Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para
aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro
de grupo.
Art.17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para
efeitos de legislação tributária.
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.
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Anexo C - Substitutivo Adotado pela Comissão Projeto de Lei no 1.151, de 1995
Disciplina a parceria civil registrada entre
pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de
sua parceria civil registrada, visando a proteção dos direitos à propriedade, à
sucessão e dos demais regulados nesta Lei.
Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante escritura pública
respectivo registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas
Naturais na forma que Segue.
§ 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de registro,
apresentando os seguintes documentos:
I - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados;
II - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de
idade ou prova equivalente;
III - instrumento público do contrato de parceria civil.
§ 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro
próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais.
§ 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do
contrato de parceria civil registrada.
Art. 3º. O contrato de parceria civil registrada será lavrado em Ofício de Notas,
sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres,
impedimentos obrigações mútuas.
§ 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele
estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido
concorrência para a formação de patrimônio comum.
§ 2º. São vetadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de
crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos
parceiros.
Art. 4º. A extinção da parceria civil registrada ocorrerá:
I - pela morte de um dos contratantes;
II - mediante decretação judicial;
III - de forma consensual, homologada pelo juiz.
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Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria civil
registrada:
I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;
II - alegando o desinteressa na sua continuidade.
Art. 6º. A sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil
registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto
no contrato.
Art. 7º É nulo de pleno direito o contrato de civil parceria registrada feito com
mais de uma pessoa ou quando houver infração ao parágrafo 2º do art. 2º desta Lei.
Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor
comete o crime falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art.299 do DecretoLei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Art. 8º. Alteram-se os artigos 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro
de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações:
"Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
(...)
IX - os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo.
§ 1º. Serão averbados:
(...)
g) a sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil
registrada entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros:
(...)
VII - E - de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do
mesmo sexo.
Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo
que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a
direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos
posteriormente à celebração do contrato.
II - a averbação:
(...)
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14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou
anulação do casamento e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do
mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais
sujeitos a registro".
Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil
registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições
regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990.
Art. 10. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro
será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição
de dependente do segurado.
Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria civil implica o
cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo.
Art.11. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado
beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990.
Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios
previdenciários de seus servidores que mantenham parceria civil registrada com
pessoa do mesmo sexo.
Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com
pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão,
nas seguintes condições:
I - o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo contrato de
parceria civil registrada, ao usufruto da Quarta parte dos bens do de cujus, se houver
filhos deste;
II - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria
civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos,
embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá
direito à totalidade da herança;
IV - se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em
que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
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105
Art. 14. O art. 454 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar
acrescido de parágrafo 3º, com a redação que se segue, passando o atual § 3º a §
4º:
"Art. 454..................................
§ 1º............
§ 2º............
§ 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se
dará a curatela.
§ 4º.............
Art. 15. O art. 113 da a Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a
seguinte redação:
"Art. 113
(...)
VI- Ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade
brasileira".
Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para
aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro
de grupo.
Art.17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para
efeitos de legislação tributária.
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.
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Anexo D – Resolution on Sexual Orientation and Marriage
Adopted by the APA Council of Representatives, July 2004
Research Summary
Minority Stress in Lesbian, Gay, and Bisexual Individuals
Psychological and psychiatric experts have agreed since 1975 that
homosexuality is neither a form of mental illness nor a symptom of mental illness
(Conger, 1975). Nonetheless, there is growing recognition that social prejudice,
discrimination, and violence against lesbians, gay men, and bisexuals take a
cumulative toll on the well-being of these individuals. Researchers (e.g., DiPlacido,
1998; Meyer, 2003) use the term "minority stress" to refer to the negative effects
associated with the adverse social conditions experienced by individuals who belong
to a stigmatized social group (e.g., the elderly, members of racial and ethnic minority
groups, the physically disabled, women, the poor or those on welfare, or individuals
who are gay, lesbian, or bisexual).
A recent meta-analysis of population-based epidemiological studies showed
that lesbian, gay, and bisexual populations have higher rates of stress-related
psychiatric disorders (such as those related to anxiety, mood, and substance use)
than do heterosexual populations (Meyer, 2003). These differences are not large but
are relatively consistent across studies (e.g., Cochran & Mays, 2000; Cochran,
Sullivan, & Mays, 2003; Gilman et al., 2001; Mays & Cochran, 2001). Meyer also
provided evidence that within lesbian, gay, and bisexual populations, those who more
frequently felt stigmatized or discriminated against because of their sexual
orientation, who had to conceal their homosexuality, or who were prevented from
affiliating with other lesbian, gay, or bisexual individuals tended to report more
frequent mental health concerns. Research also shows that compared to
heterosexual individuals and couples, gay and lesbian individuals and couples
experience economic disadvantages (e.g., Badgett, 2001). Finally, the violence
associated with hate crimes puts lesbians, gay men and bisexual individuals at risk
for physical harm to themselves, their families, and their property (D'Augelli, 1998;
Herek, Gillis, & Cogan, 1999). Taken together, the evidence clearly supports the
position that the social stigma, prejudice, discrimination, and violence associated with
not having a heterosexual sexual orientation and the hostile and stressful social
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107
environments created thereby adversely affect the psychological, physical, social,
and economic well-being of lesbian, gay, and bisexual individuals.
Same-Sex Couples
Research indicates that many gay men and lesbians want and have
committed relationships. For example, survey data indicate that between 40% and
60% of gay men and between 45% and 80% of lesbians are currently involved in a
romantic relationship (e.g., Bradford, Ryan, & Rothblum, 1994; Falkner & Garber,
2002; Morris, Balsam, & Rothblum, 2002). Further, data from the 2000 United States
Census (United States Census Bureau, 2000) indicate that of the 5.5 million couples
who were living together but not married, about 1 in 9 (594,391) had partners of the
same sex. Although the Census data are almost certainly an underestimate of the
actual number of cohabiting same-sex couples, they indicated that a male
householder and a male partner headed 301,026 households and that a female
householder and a female partner headed 293,365 households.1
Despite persuasive evidence that gay men and lesbians have committed
relationships, three concerns about same-sex couples are often raised. A first
concern is that the relationships of gay men and lesbians are dysfunctional and
unhappy. To the contrary, studies that have compared partners from same-sex
couples to partners from heterosexual couples on standardized measures of
relationship quality (such as satisfaction and commitment) have found partners from
same-sex and heterosexual couples to be equivalent to each other (see reviews by
Peplau & Beals, 2004; Peplau & Spalding, 2000).
A second concern is that the relationships of gay men and lesbians are
unstable. However, research indicates that, despite the somewhat hostile social
climate within which same-sex relationships develop, many lesbians and gay men
have formed durable relationships. For example, survey data indicate that between
18% and 28% of gay couples and between 8% and 21 % of lesbian couples have
lived together 10 or more years (e.g., Blumstein & Schwartz, 1983; Bryant & Demian,
1994; Falkner & Garber, 2002; Kurdek, 2003). Researchers (e.g., Kurdek, in press)
have also speculated that the stability of same-sex couples would be enhanced if
partners from same-sex couples enjoyed the same levels of social support and public
recognition of their relationships as partners from heterosexual couples do.
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108
A third concern is that the processes that affect the well-being and
permanence of the relationships of lesbian and gay persons are different from those
that affect the relationships of heterosexual persons. In fact, research has found that
the factors that predict relationship satisfaction, relationship commitment, and
relationship stability are remarkably similar for both same-sex cohabiting couples and
heterosexual married couples (Kurdek, 2001, in press).
Resolution
WHEREAS APA has a long-established policy to deplore "all public and
private discrimination against gay men and lesbians" and urges "the repeal of all
discriminatory legislation against lesbians and gay men" (Conger, 1975, p. 633);
WHEREAS the APA adopted the Resolution on Legal Benefits for Same-Sex
Couples in 1998 (Levant, 1998, pp. 665-666.
WHEREAS Discrimination and prejudice based on sexual orientation
detrimentally affects psychological, physical, social, and economic well-being
(Badgett, 2001; Cochran, Sullivan, & Mays, 2003; Herek, Gillis, & Cogan, 1999;
Meyer; 2003);
WHEREAS "Anthropological research on households, kinship relationships,
and families, across cultures and through time, provide[s] no support whatsoever for
the view that either civilization or viable social orders depend upon marriage as an
exclusively heterosexual institution" (American Anthropological Association, 2004);
WHEREAS Psychological research on relationships and couples provides no
evidence to justify discrimination against same-sex couples (Kurdek, 2001, in press;
Peplau & Beals, 2004; Peplau & Spalding, 2000);
WHEREAS The institution of civil marriage confers a social status2 and
important legal benefits, rights, and privileges3;
WHEREAS The United States General Accounting Office (2004) has identified
over 1,000 federal statutory provisions in which marital status is a factor in
determining or receiving benefits, rights, and privileges, for example, those
concerning taxation, federal loans, and dependent and survivor benefits (e.g., Social
Security, military, and veterans);
WHEREAS There are numerous state, local, and private sector laws and other
provisions in which marital status is a factor in determining or receiving benefits,
rights, and privileges, for example, those concerning taxation, health insurance,
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109
health care decision-making, property rights, pension and retirement benefits, and
inheritance4;
WHEREAS Same-sex couples are denied equal access to civil marriage5;
WHEREAS Same-sex couples who enter into a civil union are denied equal
access to all the benefits, rights, and privileges provided by federal law to married
couples (United States General Accounting Office, 2004)6;
WHEREAS The benefits, rights, and privileges associated with domestic
partnerships are not universally available7, are not equal to those associated with
marriage8, and are rarely portable9;
WHEREAS people who also experience discrimination based on age, race,
ethnicity, disability, gender and gender identity, religion, and socioeconomic status
may especially benefit from access to marriage for same-sex couples (Division
44/Committee on Lesbian, Gay, and Bisexual Concerns Joint Task Force on
Guidelines for Psychotherapy with Lesbian, Gay, and Bisexual Clients, 2000);
THEREFORE BE IT RESOLVED That the APA believes that it is unfair and
discriminatory to deny same-sex couples legal access to civil marriage and to all its
attendant benefits, rights, and privileges;
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA shall take a leadership
role in opposing all discrimination in legal benefits, rights, and privileges against
same-sex couples;
THEREFORE BE IT
FURTHER RESOLVED That
APA encourages
psychologists to act to eliminate all discrimination against same-sex couples in their
practice, research, education and training ("Ethical Principles," 2002, p. 1063);
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA shall provide
scientific and educational resources that inform public discussion and public policy
development regarding sexual orientation and marriage and that assist its members,
divisions, and affiliated state, provincial, and territorial psychological associations.
______________
1
The same-sex couples identified in the U.S. Census may include couples in which one or both
partners are bisexually identified, rather than gay or lesbian identified.
2
Turner v. Safley, 482 U.S. 78, 95-96 (1987) (summarizing intangible social benefits of marriage in the
course of striking down state restrictions on prisoner marriage, “[m]arriages . . . are expressions of
emotional support and public commitment. These elements are an important and significant aspect
of the marital relationship.”); Maynard v. Hill, 125 U.S. 190, 211 (1888) (marriage is more than a
mere contract, it is “the foundation of the family and of society”); Goodridge v. Dep’t of Public Health,
798 N.E.2d 941 (Mass. 2003) (“[m]arriage also bestows enormous private and social advantages on
those who choose to marry. Civil marriage is at once a deeply personal commitment to another
human being and a highly public celebration of the ideals of mutuality, companionship, intimacy,
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110
fidelity, and family”); James M. Donovan, Same-Sex Union Announcements: Whether Newspapers
Must Publish Them, and Why Should we Care, 68 BROOK. L. REV. 721, 746 (2003) (“the intangible
benefit of public recognition is arguably the most important benefit of marriage to the couple as a
unit”); Gil Kujovich, An Essay on the Passive Virtue of Baker v. State, 25 VT. L. REV. 93, 96 (2000)
("historically, marriage has been the only state-sanctioned and socially approved means by which
two people commit themselves to each other. It has been the most favored context for forming a
family and raising children. From this perspective, creation of a same-sex alternative to marriage
amounts to an exclusion from the preferred and accepted status---an exclusion that could imply the
inferiority or unworthiness of the couples who are excluded, even if the alternative confers precisely
the same tangible benefits and protections as marriage.”); Greg Johnson, Vermont Civil Unions: The
New Language of Marriage, 25 Vt. L. Rev. 15, 17 (2000) (reflecting on the inferior status of civil
unions as compared to marriage).
3
See e.g., Goodridge v. Dep’t of Public Health, 798 N.E.2d 941, 955-958 (Mass. 2003) (outlining
Massachusetts statutory benefits and rights previously available only to married persons); Baker v.
State, 744 A.2d 864, 883-84 (Vt. 1999) (outlining Vermont statutory benefits and rights previously
available only to married persons); Baehr v. Lewin, 852 P.2d 44, 59 (Haw. 1993) (summarizing
some of the state law benefits available only to married persons in Hawaii).
4
See Note 3.
5
WILLIAM N. ESKRIDGE, JR., GAYLAW: CHALLENGING THE APARTHEID OF THE CLOSET 13435 (1999) (describing the continuing exclusion of gays and lesbians from civil marriage).
6
William N. Eskridge, Jr., Equality Practice: Liberal Reflections on the Jurisprudence of Civil Unions,
64 ALB. L. REV. 853, 861-62 (2001) (describing the “unequal benefits and obligations” of civil
unions under federal law); Mark Strasser, Mission Impossible: On Baker, Equal Benefits, and the
Imposition of Stigma, 9 WM. & MARY BILL RTS. J. 1, 22 (2000) (“[S]ame-sex civil union partners
still would not be entitled to federal marital benefits . . . .”); Recent Legislation, Act Relating to Civil
Unions, 114 HARV. L. REV. 1421, 1423 (2001) (“Furthermore, the parallel between civil unions and
marriage extends only to those aspects of each that do not implicate federal law. As the
‘Construction’ section of ARCU [the Act Relating to Civil Union] acknowledges, ‘[m]any of the laws of
[Vermont] are intertwined with federal law, and the general assembly recognizes that it does not
have the jurisdiction to control federal laws or the benefits, protections and responsibilities related to
them.’”).
7
Gary D. Allison, Sanctioning Sodomy: The Supreme Court Liberates Gay Sex and Limits State
Power To Vindicate the Moral Sentiments of the People, 39 TULSA L. REV. 95, 137 (2003)
(“Currently, eight states have domestic partnership laws in place. By the late 1990s, 421 cities and
states, and over 3,500 businesses or institutions of higher education offered some form of domestic
partner benefit.”) (citations and internal quotations omitted).
8
Eileen Shin, Same-Sex Unions and Domestic Partnership, 4 GEO. J. GENDER & L. 261, 272-78
(2002) (describing the limited reach of various domestic partnership laws); Mark Strasser, Some
Observations about DOMA, Marriages, Civil Unions, and Domestic Partnerships, 30 CAP. U. L.
REV. 363, 381 (2002) (noting that while domestic partnerships “provide particular financial benefits”
and offer “a vehicle whereby individuals can express that they have a particular kind of relationship
with someone else,” they “are neither the equivalent of civil unions nor the equivalent of marriage”).
9
Nancy J. Knauer, The September 11 Attacks and Surviving Same-Sex Partners: Defining Family
Through Tragedy, 75 TEMP. L. REV. 31, 93 (2002) (“The two major drawbacks of domestic
partnership are that it tends to grant relatively few rights and it is almost never portable.”).
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111
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113
Anexo E – Resolution on Sexual Orientation, Parents, and Children
Adopted by the APA Council of Representatives, July 2004
Research Summary
Lesbian and Gay Parents
Many lesbians and gay men are parents. In the 2000 U. S. Census, 33% of
female same-sex couple households and 22% of male same-sex couple households
reported at least one child under the age of 18 living in the home. Despite the
significant presence of at least 163,879 households headed by lesbian or gay
parents in U.S. society, three major concerns about lesbian and gay parents are
commonly voiced (Falk, 1994; Patterson, Fulcher & Wainright, 2002). These include
concerns that lesbians and gay men are mentally ill, that lesbians are less maternal
than heterosexual women, and that lesbians' and gay men's relationships with their
sexual partners leave little time for their relationships with their children. In general,
research has failed to provide a basis for any of these concerns (Patterson, 2000,
2004a; Perrin, 2002; Tasker, 1999; Tasker & Golombok, 1997). First, homosexuality
is not a psychological disorder (Conger, 1975). Although exposure to prejudice and
discrimination based on sexual orientation may cause acute distress (Mays &
Cochran, 2001; Meyer, 2003), there is no reliable evidence that homosexual
orientation per se impairs psychological functioning. Second, beliefs that lesbian and
gay adults are not fit parents have no empirical foundation (Patterson, 2000, 2004a;
Perrin, 2002). Lesbian and heterosexual women have not been found to differ
markedly in their approaches to child rearing (Patterson, 2000; Tasker, 1999).
Members of gay and lesbian couples with children have been found to divide the
work involved in childcare evenly, and to be satisfied with their relationships with their
partners (Patterson, 2000, 2004a). The results of some studies suggest that lesbian
mothers' and gay fathers' parenting skills may be superior to those of matched
heterosexual parents. There is no scientific basis for concluding that lesbian mothers
or gay fathers are unfit parents on the basis of their sexual orientation (Armesto,
2002; Patterson, 2000; Tasker & Golombok, 1997). On the contrary, results of
research suggest that lesbian and gay parents are as likely as heterosexual parents
to provide supportive and healthy environments for their children.
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114
Children of Lesbian and Gay Parents
As the social visibility and legal status of lesbian and gay parents has
increased, three major concerns about the influence of lesbian and gay parents on
children have been often voiced (Falk, 1994; Patterson, Fulcher & Wainright, 2002).
One is that the children of lesbian and gay parents will experience more difficulties in
the area of sexual identity than children of heterosexual parents. For instance, one
such concern is that children brought up by lesbian mothers or gay fathers will show
disturbances in gender identity and/or in gender role behavior. A second category of
concerns involves aspects of children's personal development other than sexual
identity. For example, some observers have expressed fears that children in the
custody of gay or lesbian parents would be more vulnerable to mental breakdown,
would exhibit more adjustment difficulties and behavior problems, or would be less
psychologically healthy than other children. A third category of concerns is that
children of lesbian and gay parents will experience difficulty in social relationships.
For example, some observers have expressed concern that children living with
lesbian mothers or gay fathers will be stigmatized, teased, or otherwise victimized by
peers. Another common fear is that children living with gay or lesbian parents will be
more likely to be sexually abused by the parent or by the parent's friends or
acquaintances.
Results of social science research have failed to confirm any of these
concerns about children of lesbian and gay parents (Patterson, 2000, 2004a; Perrin,
2002; Tasker, 1999). Research suggests that sexual identities (including gender
identity, gender-role behavior, and sexual orientation) develop in much the same
ways among children of lesbian mothers as they do among children of heterosexual
parents (Patterson, 2004a). Studies of other aspects of personal development
(including personality, self-concept, and conduct) similarly reveal few differences
between children of lesbian mothers and children of heterosexual parents (Perrin,
2002; Stacey & Biblarz, 2001; Tasker, 1999). However, few data regarding these
concerns are available for children of gay fathers (Patterson, 2004b). Evidence also
suggests that children of lesbian and gay parents have normal social relationships
with peers and adults (Patterson, 2000, 2004a; Perrin, 2002; Stacey & Biblarz, 2001;
Tasker, 1999; Tasker & Golombok, 1997). The picture that emerges from research is
one of general engagement in social life with peers, parents, family members, and
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115
friends. Fears about children of lesbian or gay parents being sexually abused by
adults, ostracized by peers, or isolated in single-sex lesbian or gay communities have
received no scientific support. Overall, results of research suggest that the
development, adjustment, and well-being of children with lesbian and gay parents do
not differ markedly from that of children with heterosexual parents.
Resolution
WHEREAS APA supports policy and legislation that promote safe, secure, and
nurturing environments for all children (DeLeon, 1993, 1995; Fox, 1991; Levant,
2000);
WHEREAS APA has a long-established policy to deplore "all public and
private discrimination against gay men and lesbians" and urges "the repeal of all
discriminatory legislation against lesbians and gay men" (Conger, 1975);
WHEREAS the APA adopted the Resolution on Child Custody and Placement
in 1976 (Conger, 1977, p. 432)
WHEREAS Discrimination against lesbian and gay parents deprives their
children of benefits, rights, and privileges enjoyed by children of heterosexual married
couples;
WHEREAS some jurisdictions prohibit gay and lesbian individuals and samesex couples from adopting children, notwithstanding the great need for adoptive
parents (Lofton v. Secretary, 2004);
WHEREAS There is no scientific evidence that parenting effectiveness is
related to parental sexual orientation: lesbian and gay parents are as likely as
heterosexual parents to provide supportive and healthy environments for their
children (Patterson, 2000, 2004; Perrin, 2002; Tasker, 1999);
WHEREAS Research has shown that the adjustment, development, and
psychological well-being of children is unrelated to parental sexual orientation and
that the children of lesbian and gay parents are as likely as those of heterosexual
parents to flourish (Patterson, 2004; Perrin, 2002; Stacey & Biblarz, 2001);
THEREFORE BE IT RESOLVED That the APA opposes any discrimination
based on sexual orientation in matters of adoption, child custody and visitation, foster
care, and reproductive health services;
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA believes that
children reared by a same-sex couple benefit from legal ties to each parent;
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116
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA supports the
protection of parent-child relationships through the legalization of joint adoptions and
second parent adoptions of children being reared by same-sex couples;
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA shall take a leadership
role in opposing all discrimination based on sexual orientation in matters of adoption,
child custody and visitation, foster care, and reproductive health services;
THEREFORE BE IT
FURTHER RESOLVED That
APA encourages
psychologists to act to eliminate all discrimination based on sexual orientation in
matters of adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health
services in their practice, research, education and training ("Ethical Principles," 2002,
p. 1063);
THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA shall provide
scientific and educational resources that inform public discussion and public policy
development regarding discrimination based on sexual orientation in matters of
adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health services
and that assist its members, divisions, and affiliated state, provincial, and territorial
psychological associations.
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