CD X.cdr - Fundação Torino

Transcrição

CD X.cdr - Fundação Torino
REVISTA CULTURAL
CARPE DIEM
Revista dos alunos da Fundação Torino - Número X - Fevereiro, 2011 - Distribuição gratuita
Editorial
Mais uma Carpe Diem, mais uma confirmação
de que vale a pena acreditar nos jovens. Mais
uma vez, uma equipe, um olhar, uma publicação,
que se concretiza no ato de escrever com
confiança e prazer, num movimento que educa
pela leitura e por novas descobertas. Com
autonomia e competência, os alunos nos
mostram, na maneira em que se expressam, a
voz própria daqueles que sabem “dar o seu
recado”. Sem dúvida, sabem tratar das coisas
do nosso tempo com criatividade.
Queria escrever alguma coisa que demonstrasse
minha alegria de ver mais este novo número da
revista. Queria falar do desafio de um trabalho
como este. Queria mostrar o comprometimento
do grupo que se reúne todas as sextas-feiras.
Queria descrever o envolvimento que percebo e
a cumplicidade que vejo se consolidar todos os
dias. Não é fácil! E me dou conta de que, na
verdade, estou meio fora de tudo isso. Mais uma
observadora que uma coordenadora. Qualquer
coisa que eu diga parece que deixa escapar o
que eu queria dizer. Não posso usar palavras em
vão. Disponíveis, elas são vulneráveis e tenho de
tratá-las com um cuidado de que temo não
dispor. A pequena sala em que se realizam os
encontros é um espaço que, mesmo democrático,
é muito particular. É o universo da confabulação,
da troca, da interação, da amizade, por isso
indizível. O fato é que este projeto tem se
mostrado uma ferramenta eficaz na criação do
vínculo intelectual, no aprimoramento da escrita,
na relação qualificada de colegas. Um jeito
dinâmico de pensar a língua, a liberdade de
trânsito nos múltiplos trajetos do texto impresso,
não só em português, vem conquistando outros
públicos, fora do ambiente escolar. Isso é muito! E
muito bom!
As palavras concretas e atentas de Arnaldo
Antunes, o entrevistado nesta edição, ilustram de
maneira brilhante a relação que este grupo da
Fundação Torino, através da linguagem,
estabelece com o mundo. Como acho que faz
parte da natureza humana querer retribuição
pelo esforço, faço aqui um agradecimento
especial a Amanda, que com talento, dedicação
e responsabilidade, trabalhou nos últimos 4 anos
para que a Carpe Diem continuasse cada vez
melhor.
Boa leitura!
Lourdinha
Professora de português da Fundação Torino
Arte: Chiara Costanzi
I Liceo
Cartas
É realmente engraçado como, quando paro
mesmo que um minuto para reparar em um ou
outro detalhe da revista – alguma imagem que
me chama a atenção ou algum poema – sempre
acabo por passar quase horas inteiras lendo e
relendo-a, e simplesmente me esqueço do que
estava fazendo ou iria fazer. A Carpe Diem tem
essa característica meio viscosa - por mais que
soe um adjetivo terrível em se tratando de
elogio; ela consegue captar a atenção do leitor
e transmitir tanta informação útil de uma forma
fluida, sutil, mas que se conserva, permanece na
gente. E dá vontade de mais, depois disso: o
visco se adere na gente. Até mesmo o fato de ter
matérias em quatro idiomas faz com que o
interesse cresça: as palavras possuem uma
significação inerente às respectivas línguas, o
que dá margem ao leitor que as interprete
dentro das características culturais de cada
idioma. É ótimo poder ver o trabalho tão
interessante que alunos – humanos e cidadãos,
antes de qualquer outra coisa – mantêm, e é
ainda melhor ele existir de forma tão palpável –
na palavra impressa.
Carolina Santana
Colaboradora
Index
Cartas 3
Pelo Mundo 4
Entrevista 5
Clinamen 8
Opinião 14
Poesias 16
Perfil 18
Biografia 20
Etimologia 21
Carpe Noctem 21
Recomenda 22
Tirinha 24
Passatempo 25
Seção Curinga 26
Plunkt Plakt
Zum 27
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comentários:
[email protected]
Praga
Scendendo le scale di una vecchia bottega c’è
una pasticceria.
Nuotando tranquillamente in mezzo alla
rumorosa folla si vedono piuttosto spesso dei
cigni.
Conosciuta per i suoi bellissimi ponti , i suoi caffè
e, naturalmente, le defenestrazioni di Praga, la
città mostra un movimento culturale molto forte.
Con un gran numero di teatri e diversi spettacoli
di burattini essa offre un’incredibile gamma di
possibilità turistiche o meno.
Essendo una città ancora profondamente legata
all’Impero Austroungarico essa ha una struttura
architettonica assai bella e particolare.
Ci sono, inoltre, da assolutamente visitare, le
PeloMundo
04
birrerie e, per i fan del cinema europeo, diversi
set cinematografici , musei e castelli.
La così detta “Roma del Nord” ha, inoltre, pure
lei un suo Tevere. Il fiume Moldava, che da
un’aria, in un certo senso, magica alla città, è
forse la più bella “attrazione” di Praga. Cigni e
anziani aspettando il tramonto compresi.
Saranno le pasticcerie in vicoli nascosti, o gli
uomini leggendo il giornale nelle piazze oppure,
ancora una volta, i cigni. Non so.
Fatto sta che la città di Kafka ha qualcosa di
speciale.
Mantenuta attraverso i secoli.
Laura Rende
III Liceu
Como é seu processo criativo?
Eu sempre trabalho com muito
rascunho, com muitos pedaços
de papel, nunca penso em uma
coisa, e ela já está feita. Eu
tenho sempre um momento de
criação que é mais um insight aquela coisa que sai mais
espontânea. Só que sempre
existe um trabalho de reler, de
lapidar, editar, tirar o que está
s o b r a n d o, i n c l u i r a l g o,
retrabalhar - a criação tem uma
função muito seletiva.
O engraçado é que às vezes o
resultado ao qual se chega é
muito diferente da ideia inicial.
Às vezes é o próprio processo
que dá o caminho para o
resultado final.
No ritual da criação, você
pensa em como o seu trabalho
será recebido pelo público e
como o afetará?
Não penso muito no público,
não. É um impulso de expressão
emocional e acho que a graça
de se fazer produção artística é
sempre a imprevisibilidade, a
surpresa: cada pessoa vai
entender e se sentir de um jeito.
No universo da música popular,
o aspecto coletivo faz parte da
linguagem, aquela coisa de
todo mundo cantar junto, mesmo
assim eu tenho a mesma
liberdade de não me reger por
expectativas externas. Não dá
para pensar de maneira
uniforme sobre o público.
Foto: Divulgação - Márcia Xavier
O músico e poeta Arnaldo Antunes esteve em
Belo Horizonte para uma performance
poética. Apresentou-se no auditório da
Reitoria da UFMG, convidado pelo projeto
Sentimentos do Mundo. A equipe assistiu à
performance, participou de uma conversa
aberta ao público e teve o prazer de conhecêlo. Trazemos para vocês trechos do batepapo.
O seu trabalho tem um humor
sutil, simplicidade e, às vezes,
teor infantil. Já aconteceu de
você estar fazendo uma
música e colocar algumas
palavras complexas, longe do
vocabulário popular, e então
voltar atrás e colocar alguma
coisa mais simples?
Não, nunca pensei “ah, vou usar
aqui uma linguagem mais
simples”. Ac ho que isso
naturalmente se adequa à
natureza de cada composição.
Às vezes soa quase infantil,
porque às vezes tem essa coisa
de revelar algo que é óbvio,
mas passa a ser estranha no
momento em que você
menciona, porque ninguém
Entrevista
Arnaldo
Antunes
05
estava reparando daquele
ponto de vista, causando
sempre um estranhamento, mas
ao mesmo tempo sendo muito
simples e claro.
Você acha que qualquer um
pode criar?
Eu acho, sim, que qualquer um
pode criar. Acho que existem
pessoas que conseguem ser
artistas na maneira como
exercem suas atividades, não
precisa ser um poeta ou um
artista plástico ou um músico.
Conheci cantadores do
Nordeste que eram
analfabetos, mas viviam de
uma tradição oral. Conheci até
um poeta cego que era
interessantíssimo, cheguei até a
copiar muita coisa dele e
depois mandar para ele
poder vender.
Às vezes a pessoa não tem o
código escrito, mas tem o
código oral impregnado e faz
um sistema de línguas
complexo, uma estrutura bem
Entrevista
06
«[...] acho
que a
graça de
se fazer
produção
artística é
sempre a
imprevisibilidade, a
surpresa
[...]»
elaborada. Consegue ser um
bom poeta sem ter uma
formação tradicional. Claro
que todas as informações que
você tiver, todas as leituras,
vão se somar e lapidar o tipo
de produção que você vai ter.
Isso pode melhorar a sua arte,
mas existe sempre o mistério
que faz com que as pessoas
possam ser artistas. Acho que
a questão da produção
artística tem muito mais a ver
com o ‘como’ do que com o
‘que’ até. É o como você faz.
O que você pensa da relação
entre música e poesia? Como
funciona esta fronteira?
Eu vivo o paradoxo de fazer
as duas coisas: trabalho com
música popular e publico livro
de poesia, ambos têm
penetração, público, natureza e
linguagem diferentes. A
palavra na canção está
associada à melodia, ao ritmo,
ao acompanhamento, ao
Quem é?
Arnaldo nasceu em São Paulo em 1960. Sua carreira de músico e compositor teve início em 1982,
com a banda Titãs, e continuou em discos solo e parcerias, como os projetos musicais Os Tribalistas,
ao lado de Marisa Monte e Carlinhos Brown, e Pequeno Cidadão, junto a Edgard Scandurra,
Taciana Barros e Antonio Pinto, só com músicas para crianças. Sua obra poética está mergulhada
na sonoridade e nas imagens que as palavras evocam - inspirada em Haroldo e Augusto de
Campos. Publicou diversos livros, entre eles As coisas, ilustrado pela filha Rosa, então com três
anos, e Como É que Chama o Nome Disso, que reúne poemas, ensaios, letras de música e
caligrafias. Lançou o disco Iê Iê Iê no ano passado e, mais recentemente, o livro n.d.a..
Isabel Pellegrinelli
ex-aluna
De que maneira as pesquisas
sobre as poesias de
vanguarda (que no início do
século romperam a barreira
dos sentidos) influenciam a
matriz sonora do seu
trabalho?
N u n c a f i z u m exe r c í c i o
totalmente sonoro de poesia,
como vários artistas da época
dadaísta experimentavam. Mas
a minha poesia, várias vezes,
usa a sonoridade como
elemento material. De certa
forma, as linguagens
experimentais servem pra
alimentar um repertório de
ousadias que qualquer artista
deve ter, sem ter que seguir uma
escola ou repetir o que já foi
feito. Eu conheço muita coisa,
sempre tive interesse nessas
manifestações artísticas, mas
nada que eu tenha pesquisado
metodicamente para o meu
trabalho, ou me inspirado com
mais afinco.
Na cena artística brasileira,
quais os nomes você acha que
merecem destaque?
Nossa, tanta coisa, né? De
música popular: Noel Rosa,
Sinhô, Luiz Gonzaga, Dorival
Caymmi; de Bossa Nova: Tom
Jobim, João Gilberto, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Chico
Buarque, Luiz Melodia, Tim
Maia, Jorge Ben Jor; depois
vem Paulinho da Viola, Roberto
Carlos, Erasmo Carlos; sem
falar da minha geração, Os
Paralamas do Sucesso, Legião
Urbana, Lobão, Titãs; e depois,
tem mais coisa dos anos 90, mas
é muito pra falar.
E sobre a musicalidade
mineira?
Não citei antes, mas adoro e
cresci escutando Milton
Nascimento, Beto Guedes, Lô
Borges, o pessoal do Clube da
Esquina. São muito importantes
na minha formação. Gosto,
conheço e admiro Pato Fu,
Skank e Jota Quest, colegas de
gerações mais próximas à
minha.
Você consegue enxergar na
sua obra algum eixo central
que se desgalha?
Acho que tem alguns eixos: um
lado mais construtivista, um mais
lírico, um mais comportamental.
Falei há pouco dos rascunhos, e
acho que são uma espécie de
eixo. Acho que a preocupação
material em coisificar a
linguagem também pode ser um
tronco que norteia tudo que
faço. Tem algumas imagens
recorrentes, como o sol, a morte,
as coisas do mundo, mas não dá
pra dizer que há um eixo
temático.
Editada pela equipe
Entrevista
timbre, ao comportamento no
palco, a todo um universo muito
diferente do ato solitário de
quem lê a palavra impressa no
livro ou em outro meio. A música
popular tem uma penetração
de massa, já a poesia possui um
público minoritário, é uma arte
para quem se interessa. Eu acho
que o trânsito entre essas duas
coisas é muito fluente, já crio
sabendo se aquilo é para ser
cantado ou se é para ser lido, ou
visto como elemento gráfico.
Mas é importante citar que
muita gente menospreza a
canção popular, como se ela
fosse só uma ar te de
entretenimento e a poesia uma
a r t e m a i s c u l t a ,
intelectualizada. Não
compartilho esse preconceito, é
claro. Me interessa desfazer
este tipo de compartimentagem
de territórios.
07
Vivaldi Variante
-
Clinamen
08
Vivaldi!
Raquel França Batista
ex-aluna
-Verônica?
-Venha varrer o vedete!
-Vai varrer você!
-Vagal! Vagabundo!Vergonhoso- vive do ventriloquismo.
-Verdade, viciei veemente.
-Verme.
-Vou vegetar vergonhosamente.
-Vivi vitalizando você, que viveu vagalmente! Vergonhoso, você!
-Vergonhoso...Vergonhoso?Vadia!
-Vagabundo!
-Virei VERUSCA!
-VERUSCA? Que vulgar...
-Vegetariano também.
-Você virou variante!Que vedetismo!
-Velha varizenta!
-Vacilou,vadio!
-Vai me vaiar?
-Vou.
-Venha!
-Vulturino!
-Vultosa!
-Voyer!
-Vesga! Vesga! Vesga!
-Vitrola!
-Viscosa!
-Vigarista!
-Vulgar!
-Vurmoso!
-Ah, vou vadiar.
-Vá.
-Vou viajar.
-Vá!
-Vou para Varginha.
-VÁ!
-Vou vegetar!
-Vá, que vou viver
minha vida!
Arte: Raquel França Batista - ex-aluna
Story
knew that I had to do it. Very, very slowly, I
walked a few more reluctant steps towards the
plane, and climbed up the stairs that brought me
to the door of the white robotic bird. I would be
fine. I told myself, as I
ignored the stares and
showed my ticket to
the smiling flight
attendant with her
perfect white teeth.
14-D, 14-D .... there it
was! I sat down
mec hanically and
hugged my bag,
disgusted at the cold
and hospital-like air
conditioner that
silently blew in every
direction of the plane.
It soon started to get
fuller, as worried
mothers and
uninteresting
businessmen sat down.
Suddenly, a little
porcelain-skinned boy
sat down beside me, proudly showing off his
“Unaccompanied Minor's” card. I could still run, I
desperately thought. At some point, he asked me
“Are you okay?”, but I did not have the time to
even nod, because the plane started moving. I
clutched my bag even more frantically.
“You're afraid, aren't you?” he asked in his
slightly mocking voice. “Don't worry, you'll be
okay. I used to be afraid too, you know, but I got
used to it. It even gets to be kind of fun. I mean,
when the bumps aren't too violent, because
then...”
My eyes
widened with fear.
“Oh, I'm sorry. Look, at
least you're not as
bad as the lady over
there” he said,
pointing to a chubby
dark-skinned woman
with closed eyes that
trembled and
desperately prayed.
“Here, have some
gum,” he said, as he
took out a tablet of
mint Trident. “It helps
the pressure.” I stared
at him inquisitively, but
took one. The plane's
movement got faster.
Foto: Alexandre Fonseca
“Take my hand” he
whispered, as the
plane took off.
Well, I survived.
Laura Lobato-Baars
II Liceu
Clinamen
I had never felt so nervous in my life, but I
09
O Túnel
Clinamen
10
de um túnel de uma cidade grande, paredes
pichadas (ou grafitadas? Ela nunca entendeu
qual era a diferença). As paredes estavam
fracamente iluminadas por uma
luz que parecia vir de trás. Ela se
virou e viu uma iluminação
fortíssima na saída do túnel que
penetrava muito pouco dentro
dele.
“Irônico”, pensou, “uma luz no
fim do túnel.”. Ela sentiu uma
enorme vontade de ir em
direção à luz, era
completamente branca, limpa e
convidativa. Curiosa, ela deu o
primeiro passo, o túnel ficou mais
escuro, ele fedia, era úmido e
frio, a luz era um convite bem
mais agradável.
Ela deu mais um passo, o túnel
ficou ainda mais escuro, úmido e
malcheiroso. “O lugar de onde
vem essa luz provavelmente terá
algo para comer, eu estou
morrendo de fome!”, pensou.
Antes que ela desse o próximo
passo, a luz no fim do túnel
falhou, mas ela estava decidida
a seguir em frente.
“Carregue em cento e cinquenta!” , disse uma voz
ainda muito baixa em sua cabeça, antes de a luz
falhar mais uma vez. Ela não deu importância,
quando chegasse à luz, tudo aquilo acabaria.
“Dora! Dora!”, disse outra voz dentro de sua
cabeça. Parecia muito com a de seu marido, a
voz parecia assustada, mas não deu
importância, ele deveria
estar no fim do túnel,
esperando por ela.
“Duzentos!” a luz oscilou
novamente. “Dorinha, minha
filha!”, chamou a voz de sua
mãe. “Ela parece
preocupada. O que
aconteceu?”, pensou ela.
“Trezentos 'joules'!” a luz
falhou e ficou um pouco mais
fraca do que antes. “Dora,
minha filha, não se vá!”, a
mãe agora estava chorando
e Dora finalmente entendeu
o que estava acontecendo,
ela tinha que decidir: ir ou
não até a “luz”.
Ela estava cansada do túnel,
aquele lugar sujo, fétido e
frio, apesar dos momentos de
claridade. O outro lado do
túnel era um lugar onde a
“luz” predominava, um lugar
onde a visão não era
limitada por paredes. Mas
Dora não queria deixar seus amigos e família
para trás… ela não sabia o que fazer…
A luz estava ficando cada vez mais fraca, agora
estava na hora de decidir… “Não nos deixe,
Arte: andmo nkeysmightfly
Estava escuro, ela podia ver que estava dentro
Um breve relato sobre a televisão e
seus telespectadores
Henrique Pimenta
III Média A
Fernanda Santos Rossi
aluna em intercâmbio
Cliname
meu amor! Agora ela está nas mãos de
Deus, Ricardo…”.
Dora deu um passo à frente, foi até a
“luz”, minutos antes de ela se apagar…
A televisão brasileira é hoje alvo de inúmeras críticas,
muitas vezes fundamentadas. Entende-se televisão
brasileira pela famosa TV aberta, que consiste em
alguns canais lutando pela audiência, na maioria das
vezes, a qualquer custo. O grande público de suas
programações é a corriqueiramente denominada
“massa”, que normalmente não tem acesso a uma
“televisão a cabo”. O que acontece no final das contas
é uma interminável disputa da atenção de seus
telespectadores. Suas principais armas são o
sensacionalismo e a “enrolação” (não caberia outro
verbete mais adequado), os quais prendem a atenção
utilizando-se da emoção e da curiosidade. Posso
criticar de diversas maneiras as artimanhas da nossa
querida televisão, mas não posso deixar de destacar
que essa também possui a sua qualidade. Muitas
emissoras apostam em programas informativos e
culturais, o que pode ser extremamente útil, pois
dispensa muitas vezes a leitura de um jornal renomado
quando não temos tempo ou até mesmo disposição.
E o que dizer sobre as pessoas que têm acesso a outros
canais que não sejam somente da televisão aberta?
Acredito por incrível que pareça que esse privilégio
pode acarretar em certa alienação, digo
principalmente no universo dos mais jovens. O fato é
que, ao se deliciar com seriados e programas de
entretenimento em geral, o jovem de hoje, já muito
atarefado e sem tempo para se informar com
qualidade, acaba por viver sem procurar nenhuma
fonte de informação, seja ela televisiva ou não.
Obviamente, existem as exceções, que conseguem lidar
com a vida escolar e extra-escolar sem perder o que
acontece de mais importante ao seu redor e no mundo.
Deixo enfim o meu alerta a qualquer pessoa, não
importando a idade ou condição financeira:
informação enriquece e te faz sentir mais “participante
do mundo”, e mais, o primeiro passo para qualquer
solução de qualquer problema é conhecê-lo a fundo.
11
Epidemia
O
Arte: Celtic Beauty
Clinamen
12
amor contaminou minha razão, meus
pensamentos e meus sonhos.
O amor afetou todos os membros do meu corpo.
O amor se alastrou pela minha pele e trouxe
arrepio, tremedeira e suor frio. O amor se
espalhou pelo meu sangue, minhas veias e foi
direto para o meu coração. O amor atacou meus
pulmões. O amor se instalou como borboletas em
meu estômago.
O amor contaminou meu sistema imunológico. O
amor desarmou minhas defesas, me deixou
vulnerável.
O amor tornou inútil todos os antibióticos, todas
as receitas, todos os remédios. O amor passou
despercebido pelo raio x, pelo ultrassom e pela
ressonância. O amor contaminou meus
diagnósticos que agora estão cheios de amor,
amor e mais amor.
O amor tirou o meu sono, minha fome, minha
sede. O amor me trouxe dor de cabeça, enjoo,
dificuldade para respirar. O amor acelerou
meus batimentos cardíacos. O amor enfraqueceu
meus ossos e músculos, enrouqueceu minha
garganta, assumiu o controle dos meus nervos.
O amor se fortaleceu e me causou delírios. O
amor me causou amnésia, me fez esquecer quem
eu sou, onde estou e para onde vou.
Insatisfeito, o amor contaminou os meus DVDs,
meus livros e meus CDs. O amor contaminou
minhas idas ao cinema, ao teatro, à ópera. O
amor passou pelos meus álbuns de fotografia,
contaminou meus desenhos e meus poemas. O
amor desequilibrou meus passos de dança.
O amor contaminou minhas conversas, meus
gestos, meus sorrisos. O amor se espalhou pelo
meu rosto, meus olhos, meus cabelos.
O amor contaminou minhas memórias, minha
identidade, minhas certezas. O amor não deixou
possibilidade de cura.
Mariana Ribeiro
II Liceo
Crônica de fim de primavera
Desde o início, pra Jui, mo chara. Mo anamchara.
Ei, só tô te escrevendo pra dizer que estou feliz.
Amanda Bruno
ex-aluna
Arte: Juily Manghirmalani
Clinamen
Pra você não ficar preocupada como ficou
aquele dia. É que a gente acha demais que ficar
até tarde de noite no computador trabalhando
não faz mal, que no dia seguinte vai estar tudo
bem. É que a gente pensa demais que pode viver
como se não fosse com a gente, como se não
tivesse nada a ver com isso. E continuaria
pensando que viver assim também pode ser
felicidade, se não existissem esses dias de fim de
primavera. Esses em
que a gente vive como
se fosse assunto nosso.
Esses em que a gente
não vai à aula ou ao
trabalho para fazer
teatro, e vê mais cedo a
luz do dia que aparece
pela primeira vez em
algumas semanas. Aí a
gente entende que
existe plenitude, e se
sente o super homem do
Nietzsche em alegria.
Se permite correr na
rua quanto e como quer,
e entrar até nas lojas
que não têm nada a ver,
e de repente se vê no
alto do arco do viaduto
de Sta. Tereza, em
plena luz do dia, e se
acha dono do mundo.
Hoje eu iria a pé do
Floresta até Nova Lima,
e já fiz metade do
caminho. É que me sinto
vontade de Schopenhauer e todo mundo é igual
a mim. Hoje realizo a vontade toda e ela se
desfaz, e o mundo todo é radiante como eu.
Não tenho coragem de ouvir minhas músicas e
ligo o rádio, quero cantar e só na minha língua.
Até os cafés que tanto amo para escrever me
parecem repugnantes com sua luz baixa e cheiro
de gente que não descansa. Hoje quero receber
luz e achar que crio vento quando corro e meus
cabelos parecem rir.
Quero também alguém com quem eu possa
compartilhar tudo isso,
mas não tem...
Todos meus amigos
estão longe: pro norte,
pro sul, pra dentro.
Dentro de si ou de
preocupações... mas
tudo bem. Hoje posso
reinventar vocês todos
e compartilhamos do
mesmo desvario, entre
nós não há mais espaço
que num abraço.
Amo vocês, e lembremse sempre que amo
vocês como só é possível
em dias como esse.
Mesmo nos outros dias,
mesmo quando e se
voltar a achar que se
pode viver de outro
jeito.
Sejam felizes também,
queridos.
13
O excesso que pode gerar a falta
Mundo
Opinião
14
virtual, realidade.com, espaço
cibernético, era da informação, cultura digital,
conexão on-line são algumas das denominações
ligadas às revoluções tecnológicas que
invadiram nosso mundo, promovendo mudanças
fascinantes e assustadoras, numa velocidade
incontrolável. A internet, pilar dessas revoluções,
alterou definitivamente os modos de interação
social.
Eu, que não faço parte dessa nova geração,
tento pegar o bonde que está aí para todos
exceto para os excluídos digitais, que no Brasil,
infelizmente, ainda são milhões. É muita
novidade para pouco tempo. E circular com
segurança nesse universo recém-descoberto não
é fácil. Provavelmente alguém já disse (uma
consulta à internet pode confirmar) que como
um novo Renascimento, marco da Idade
Moderna, o ciberespaço inicia a “Idade
Virtual”, alterando o comportamento e as
relações humanas. O homem
contemporâneo, como o renascentista, já
não é o mesmo, sente-se mais confiante
numa nova realidade, que lhe traz na
ponta do dedo todo conhecimento
produzido, com respostas imediatas e
variadas a todas as suas indagações.
Atraídos e levados por um turbilhão de
informações, pegamos, confiantes, o
barco da tecnologia e continuamos na
incessante busca da felicidade. Do
mundo virtual ao real, do real ao virtual,
z i g u e z a g u e a m o s s e m r u m o, n a
expectativa e no deleite de novas
descobertas. Agora somos (li não sei onde)
“Homo Digitalis”. O crescimento vertiginoso
da informatização trouxe muito da ficção
Arte: Deviantart
científica para o cotidiano. Somos todos seres
reais e virtuais. Nossa subjetividade e nossa
memória se transformam. O tempo se torna mais
veloz, pois temos de dividi-lo entre o mundo
concreto e o on-line, que, distantes num primeiro
momento, agora se misturam, sendo quase
impossível separá-los. Mais ocupados, nossa
memória registra menos. Transferimos para a
“máquina” a tarefa de memorizar e,
desincumbidos desta função, já não somos os
mesmos.
O surgimento de um ser mais solitário que se
comunica e relaciona virtualmente, privado da
efetiva convivência social, é uma das
consequências dessa nova era. O ciberespaço
amplia as possibilidades de interação social (é
possível fazer parte de uma comunidade como
as do
Orkut e as dos chats) e cria o
estabelecimento de laços
importantes, muitas vezes,
duradouros. Por outro lado,
traz também situações
ameaçadoras (páginas
ofensivas, com ameaças e
zombarias), que
requerem a criação de
uma nova legislação,
que proteja a
p r i va c i d a d e d o s
navegadores.
Nesse imenso
universo, livre e por
vezes tão invasivo,
surgem inúmeras
questões éticas,
difíceis de serem
Reféns das tecnologias de comunicação on-line,
a responsabilidade e o compromisso dos
professores são fundamentais. É preciso, mais do
que nunca, que repensemos continuamente nossa
função de ensinar e reconheçamos a
necessidade de assimilar, aprender e
compartilhar com os alunos toda a cultura
disponibilizada pela internet. Devemos ser
críticos para ajudar na formação de indivíduos
também críticos, que saibam relacionar fatos,
levantar questões e utilizar as informações
disponíveis com autonomia e compromisso.
Adquirindo um conhecimento sólido, esses alunos
podem transformar o mundo e deixá-lo mais
humano.
Que todo esse EXCESSO que veio encher nossa
vida não se caracterize numa grande falta!
Opinião
15
Arte: Deviantart
resolvidas! O homem quer ser reconhecido,
desejo que faz parte de sua humanidade, mas é
continuamente empurrado para o anonimato. Já
não ocupa a posição central de controle, embora
o creia, mas cedeu à interface do computador
esse lugar. E mais, deu-lhe “autonomia”,
atribuindo-lhe também responsabilidade e
culpa de suas ações. O que fazer diante desse
impasse ambíguo e sufocante? Como não ser
vítima, mas senhor desse novo universo? Como
manter a individualidade num espaço tão frio e
impessoal? Eis o novo desafio!
Difícil, impossível mesmo, privarmo-nos das
tecnologias de comunicação, responsáveis por
serviços essenciais, que facilitam nossa vida,
principalmente nos centros urbanos. E as
consequências dessa dependência tecnológica
parecem ser determinantes. Somos já seres
cibernéticos e não vamos regredir. Vivemos
ainda um momento de transição e parece normal
o receio do novo, que vai, pouco a pouco, se
firmando. A comunicação se ampliou e com ela
nossos medos também. Toda mudança traz
conflito. Eis o inevitável!
Como, então, aproveitar o melhor e minimizar o
ruim que nos é oferecido? Como, usando um
velho clichê, separar o joio do trigo? A
população de cibernautas “pré-programados”
cresce em progressão geométrica e quem está
fora do ciberespaço é excluído. Uma triste
realidade brasileira e a prova de que o mundo
virtual reflete o real. Os computadores se
modernizam num ritmo alucinante. As lan houses,
responsáveis pela maior parte dos acessos das
classes de baixa renda à internet, se proliferam
e contribuem para a inclusão digital no Brasil.
A nova ordem do dia é o letramento digital, que
passa a ser a meta minimizadora das diferenças
sociais, num momento em que o conhecimento se
expande e se torna mais democrático. Tarefa
difícil num país que primeiro tem de alfabetizar
para depois “incluir digitalmente”.
Maria de Lourdes Barreto Carneiro
Professora de Português da Fundação
Torino
viver é uma fadiga
porque mala tempora currunt
mas há sempre quem diga
que omnia abibunt.
homo homini lupus
guerrilha na alcatéia
sobreposição por insultos
mors tua, vita mea.
Porógero: que contêm ou produz esponjas
ser feliz é se adequar
pois dura lex, sed lex
tendo em mente o conselho milenar:
Poesia
16
O que perturba a mente
Consome o corpo
mens sana in corpore sano
e sempre carpe diem
antes de entrar pelo cano.
Definha a alma.
Jade Marra
ex-aluna
É preciso deixar livre as mãos
E os pés descalços
Para o corpo ter osteoporose
Para a leveza da alma se apossar dos ossos vazios
e por entre estes as gotas de chuva penetrar
Karol Penido
Colaboradora
Arte: Amanda Rodrigues
Aluna em intercâmbio
[in]finito
Poesia e amore connubio per una vita perfetta
Ti vedo tutti i giorni
Ma non mi basta
Perché tu mi illumini
In un buio che sembra non finire
Ti parlo tutti i giorni
Eppure so che non è abbastanza
Perché la tua voce mi risveglia
Dal silenzio che mi angoscia e terrorizza
Sempre caro me foi este simples arco
e não estes prédios, que de tanto céu
e da última serra a visão bloqueiam.
Mas sentada enquadrando as paisagens
que escapam deles, e além-homens
silêncios, e profundíssima paz
eu tento inventar, mas logo
o coração meu se descompassa. E como o trem
ouço rugir sob este viaduto, eu aquele
impossível silêncio a esta fúria
vou comparando: e me foge o eterno,
e os quietos tempos, e o presente
fica, e o desespero dele. Assim entre
esta agitação se perde o pensar meu:
e o naufragar me seria doce sob estes trilhos.
Amanda Bruno
ex-aluna
Poesia
Ti penso sempre
Ma non abbastanza
Perché pensarti mi rende felice
Mi rende semplicemente vivo
E m’è dolce
Il naufragar in questo mare
17
Se guardo verso l’orizzonte
Riesco a fare tutto questo
In una volta sola
Ma non basterà mai
Perché tu sei come l’infinito
Edoardo Prioglio
II Liceu
Arte: Deviantart
Non stanchi mai la vista
E di cui scopri sempre
Del nuovo.
Os irmãos Siamesmos
O
Perfil
18
“
poeta é aquele que sabe que a palavra
amor não é o amor, mas não se conforma”¹. E
nesse não se conformar ele faz o possível e o
impossível para superar o abismo que separa a
palavra do mundo e alcançar a palavra
ancestral, aquela que por si só é capaz de criar
vida, pois ela é a vida. É nesse contexto que se
insere a poesia dos irmãos Augusto e Haroldo de
Campos.
Poetas de nascença e paulistas por
excelência, em 1952 criaram junto com
Decio Pignatari a revista
Noigandres. Surgida como um
“elixir contra o tédio”² que se
instaurara no cenário
poético nacional com a
poética conservadora da
chamada “geração de
45”, ela propunha uma
nova poesia inspirada
na obra (mas não na
ideologia política) de
Ezra Pound. Esse sopro
de ar fresco se
autodenominou poesia
concreta.
Inovadora ao ponto de não
o ser, pois remontava aos
rituais animistas primitivos que
confundiam o objeto e a
palavra, a poesia concreta
propunha a ruptura da linearidade
discursiva do verso. A poesia não deveria
falar do mundo, ela deveria criar o mundo como
linguagem. Ela deveria recriar a palavra na sua
materialidade original, na sua dimensão
“verbovocovisual”.
Além disso, a poesia concreta se valia da ideia
de Pound do “poeta inventor” da qual deriva o
experimentalismo concreto, que marcou
profundamente a obra dos dois poetas.
Segundo Pound, a poesia deveria continuamente
reinventar-se, criar linguagem. A criação
pressupunha o aprendizado com os inventores
do passado, experimentalistas de seu próprio
tempo. Nasce daí o conceito de “paideuma”, os
ancestrais de um poeta, os inventores do
passado que o inspiram. Essa é a motivação
também das várias traduções feitas pelos
dois ao longo de suas vidas. A escolha
dos poetas a serem traduzidos
sempre se vinculou a essa idéia.
Embora os dois poetas
tenham trilhado, durante
toda a vida, caminhos
muito semelhantes e feito
inúmeras colaborações,
após a ruptura do
grupo Noigandres, a
obra de cada um se
individualizou: Haroldo,
além de poeta, se tornou
um renomado tradutor e
teórico de poesia e
Augusto seguiu como poeta
vanguardista por excelência
apesar de ter escrito ensaios e
feito várias traduções
aclamadíssimas.
Conhecedor desde a mocidade de várias
línguas modernas e arcaicas, Haroldo foi um
tradutor muito importante trazendo para o leitor
brasileiro autores e obras até então inéditos no
país. Desde sua primeira viagem a Europa em
1959, estabeleceu vínculos que manteve com
renomados poetas, artistas e intelectuais
também muitas interpretações musicais de seus
versos.
Se algum legado a poesia concreta nos deixa é
a constatação de que toda boa poesia do
passado teve algo de concreto. A verdadeira
poesia é aquela que traz a palavra da página à
vida. Como dizia o grande inventor francês “A
flor que está ausente de todos os buquês: a
palavra flor”. Ou, parodiando Mallarmé, a
palavra flor é a flor que está presente em todos
os buquês. Ao menos para o poeta.
Sofia Caetano Avritzer
II Liceu
¹ Décio Pignatari in Comunicação Poética, Editora Moraes,
1981
² Um dos possíveis significados da palavra provençal
usada por Arnaut Daniel segundo Augusto de Campos em
“Margem da Margem”.
MINIMA MORALIA
já fiz de tudo com as palavras
agora eu quero fazer de nada
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos
Haroldo de
Campos
Na página anterior, poesia
«Código», de Augusto de
Campos.
Perfil
estrangeiros. Além disso, ele resgatou, junto com
Augusto, autores brasileiros que haviam ficado à
margem da literatura tais como Oswald de
Andrade e Sousândrade. Trabalhou em
colaboração com outros poetas na tradução de
obras do russo, como os poemas de Maiakovski,
e do hebraico, como as obras de Yehuda Amichai
e outros. Traduziu ainda nessa época a Ilíada de
Homero na íntegra. Foi também ensaísta, crítico
literário, poeta e arqueólogo de textos
preciosos. Tanto assim que sua última aventura
literária foi a tradução de poemas do egípcio
antigo.
Augusto também tem sido, ao longo desses anos,
ensaísta, tradutor e teórico, mas, acima de tudo,
um grande poeta. Seu primeiro livro, “O rei
menos o reino”, de 1951, é ainda anterior à
estética concreta. A grande aventura da poesia
concreta começa para Augusto com a
publicação, no segundo número da revista
Noigandres, de uma série de poemas com
palavras dispostas na página em arranjos de
cores aos quais ele chamou “Poetamenos” e que
são considerados os primeiros exemplos
consistentes de poesia concreta. Ao longo de sua
vida, sua produção poética foi vasta e
abrangente e acha-se quase na sua totalidade
reunida em “Viva Vaia”, “Despoesia” e “Não”.
Como tradutor Augusto tornou-se um mestre na
recriação das obras de
vanguardistas e inventores
c o m o Po u n d , J o yc e,
Cummings, Mallar mé,
Arnaut Daniel e outros.
Como ensaísta, foi co-autor
de “Teoria da poesia
concreta” e autor de
“Margem da margem”,
“Linguaviagem”, “O
anticritico”, etc. Durante
sua trajetória poética,
Augusto tem transitado em
várias mídias, colaborando
com músicos e artistas
plásticos e inspirando
19
Tiramisù
Esthio
20 D
epois de muito pesquisar sobre a origem da
mais famosa sobremesa italiana na atualidade,
o Tiramisù, encontrei histórias das mais diversas.
Assim como em vários pratos típicos e famosos
da gastronomia mundial, “lendas” são
atribuídas à sua origem, e suas receitas clássicas
sofrem alterações pelo tempo, disponibilidade
de ingredientes, preferências de paladar bem
como vaidades pessoais (chefs e cozinheiros que
alteram as receitas e creditam a si mesmos a
reinvenção de clássicos).
Farei um passeio em torno das ditas “lendas” do
delicioso Tiramisù.
1º - Comecemos pelo nome:
- “Tiramisù” significa literalmente "ponha-me
para cima", ou seja, tem doce mais alto astral do
que este? A ideia é que o açúcar, o café e o licor
que vão neste doce são capazes de levantar o
ânimo de qualquer um. Tem capacidades
afrodisíacas graças ao seu valor energético,
associado à cafeína e ao cacau.
2º - Sobre a origem do doce:
- Há muito debate em torno da origem do
Tiramisú e não há menção a ele, em documentos,
antes de 1983.
- Uma das hipótese diz que o foi criado em
Siena, por ocasião da visita do Gran Duque de
Toscana, Cosimo III de Medici, em finais do século
XVII. Como O Gran Duque era um grande
amante de culinária (um guloso) e gostava de
tudo o que era luxuoso, prepararam esta
magnífica sobremesa em sua honra batizando-a
de "Sopa del duque".
Esta receita passou a seguir O Gran Duque por
toda a Florença e mais tarde espalhou-se por
toda a Europa, tornando-se assim famosa.
A popularidade da "Sopa del Duque" aumentou
ainda mais quando lhe atribuíram propriedades
excitantes e afrodisíacas por toda a corte
italiana. Passados alguns anos, correu a lenda
de que em grandes quantidades o Tiramisù
aumentaria a performance sexual antes de um
encontro amoroso.
- Outra versão diz que foi criado no norte da
Itália por ocasião da Primeira Guerra Mundial,
quando as mulheres preparavam este doce para
os maridos levarem consigo quando iam para a
guerra, já que a cafeína e o açúcar dariam mais
energia para a luta e os trariam salvos de volta
para casa.
- Diferentes fontes creditam o aparecimento do
tiramisù na cidade italiana de Treviso, no
restaurante Le Beccherie, pelas mãos do
confeiteiro Roberto Linguanotto.
- Em 1998, Fernando e Tina Raris (autores do
livro “La Marca Gastronomica”, dedicado
inteiramente à cuisine da cidade de Treviso)
disseram que o Tiramisù era uma invenção
recente. Enquanto revelavam sua origem ao
mundo, várias receitas e adaptações
começaram a surgir.
- Uma última versão com menos glamour diz que
o tiramusù foi criado adaptando-se uma antiga
receita de bolo, para usar os restos de bolo
amanhecido. Assim, molhava-se o bolo em café e
acrescentava-se um creme para torná-lo mais
atraente.
A meu ver, essa é a versão mais provável, já que
historicamente acontece assim: as ideias
culinárias inovadoras surgem da necessidade,
de aproveitamentos e modificações que evitam
o desperdício de alimentos. Se localizarmos sua
origem na Europa do século XVII ou durante a I
ou II Guerra Mundial, aí sim essa teoria se
contextualiza e ganha sentido prático.
3º - Receita: Tiramisù (receita “dita” original
italiana)
Ingredientes
200 de tiras de pão de ló adormecidas
4 ovos
300 g de Mascarpone
60 g de açúcar
400 ml de café preto
6 colheres (sopa) de Marsala ou conhaque
4 colheres (sopa) de cacau ou chocolate em pó.
Modo de Preparo
Misture o açúcar com as gemas até formar
espuma. Acrescente o Mascarpone e mexa bem
até formar um creme liso. Junte a metade do
Marsala às claras batidas em neve e mexa
Nonsense
armazém e bistrô
Horário de funcionamento:
de Segunda a Sexta, de 9h30 a
20h30. Sábado, de 9h30 a 15h30.
reservas e eventos: 3281-8603
www.nonfashion.com.br
Carla Prazeres
Colaboradora
para outras receitas de tiramisù e informações
sobre os ingredientes, visite
www.carpediemrevista.blogspot.com
O café funciona em um dos ambientes e na
varanda de uma loja de moda, no clima
agradável e convidativo do Bairro São Pedro.
Tem, no cardápio, cafés, sucos, cervejas
especiais, petiscos, lanches e opções para
almoço. As ervas utilizadas nas receitas e em
alguns sucos, plantadas na horta da casa,
oferecem uma ótima pausa neste mundo
sempre mais industrial, de sabores sempre
mais padronizados.
A loja também merece uma visita: além dos
chapéus Lenice Bismarcker, possui um mix de
coleções passadas de 21 marcas de moda,
com até 70% de desconto.Todos os
funcionários são estagiários de gastronomia,
moda ou arte, o que confere um atendimento
muito mais cuidadoso.
Amanda Bruno
ex-aluna
Noctem
Rua Viçosa, 226
São Pedro
cuidadosamente.
Em uma vasilha, misture o café com o restante do
Marsala. Passe o pão de ló rapidamente nesta
mistura e coloque numa forma refratária
ligeiramente untada.
Coloque, por cima, a metade do creme de
Mascarpone. Faça uma nova camada com
biscoitos passados na mistura de café. Cubra
com o restante do creme.
Coloque na geladeira, pelo menos por 3 horas.
Na hora de servir, polvilhe com cacau ou
chocolate em pó, se preferir mais doce.
Se quiser sentir um pouco mais do sabor
alcoólico, aumente a quantidade de Marsala.
21
Lenine
Recomenda
22
Pernambucano de Recife e roqueiro até os 17
anos, após começar a ouvir os discos de Milton
Nascimento e Gilberto Gil, Lenine se mudou
para o Rio e participou do festival MPB 81, da
rede Globo, concorrendo com a música “Prova
de Fogo”.
Com um som muito influenciado pela música
nordestina e ao mesmo tempo com uma pegada
de rock, ele é, na minha opinião, um dos maiores
compositores brasileiros da atualidade. Com
músicas interpretadas por diversos artistas
contemporâneos e uma discografia que começa
em 1982 com o disco “Baque Solto”, em parceria
com Lula Queiroga, o músico não se prende a
estilos e mistura como ninguém batidas
eletrônicas, música brasileira e até música pop,
com letras bem interessantes e um violão
rebuscado.
Em 1993 Lenine lança o disco “Olho de Peixe”,
em parceria com o percussionista Marcos
Suzano, um disco de arranjos simples
(praticamente só percussão, voz e violão) e que
contém obras primas como as faixas “Miragem
do Porto” (detalhe para o contra-canto entre o
violão e a voz), “Gandaia das Ondas” e “Leão
do Norte” (em que mistura rock com frevo) além
de uma samba inusitado com marcação em cinco
por quatro (para os leigos, quando a gente conta
a música de 5 em 5 tempos) faixa que dá nome
ao disco.
Me despeço aqui com a dica: Escutem com
carinho o disco “Olho de Peixe” e descubram um
compositor brasileiro que não faz só samba e
bossa (nada contra, mas o Brasil não é só isso) e,
no mais, até a próxima.
Matheus Almeida
Professor de música da Fundaçao Torino
O medo e o mar
O menino tem a chave. A chave abre o baú.
Ninguém sabe onde está o baú. Ninguém sabe o
que tem dentro do baú. Mas todos sabem de
uma coisa: alguém tem de abrir o baú.
Paraty, linda cidade litorânea do Estado do Rio
de Janeiro, é cenário de uma intrigante história
de suspense sobre uma família sem mãe, cujo
filho traz em seu pescoço uma chave, dizendo ser
um amuleto da sorte. Será mesmo um amuleto da
sorte ou uma espécie de ímã que atrai sapos,
fantasmas, espíritos e uma babá do mal, que
inicialmente se parecia com a mãe morta
reencarnada? Bom, só mesmo uma velha com
uma cobra enrolada no pescoço para responder
a essa pergunta.
Maria Camargo, autora da história intitulada “O
medo e o mar” (Cia das Letras: 2009), constrói
um suspense obscuro e hipnotizante, com uma
simples pergunta que levamos até o fim do livro:
“Miguel, uma criança hiperativa, carente do
amor da mãe, viciado em ciências e coisas
estranhas, um menino que fala muito, mesmo
ninguém querendo ouvi-lo, e Stela, sua irmã, que
não tira por nada seu iPod do ouvido e que se
auto-exclui do mundo, conseguirão abrir o baú
que salvará Paraty de uma maldição horrível”?
Eu realmente gostei do livro. É muito fantasioso
c o m u m a l i n g u a ge m , m u i t a s ve z e s,
excessivamente simples, nada que impeça a
autora de nos prender em um suspense
contemporâneo, que nos faz acabar o livro
muito, muito rápido. Sabe-se que alguns leitores,
talvez aqueles que se julgam muito maduros ou
os que perderam a imaginação da infância,
dizem que o livro é muito infantil, porém a
maioria gosta, e gosta muito. Mas há um ponto
em comum entre os que gostam e os que não
gostam da história: é impossível parar de lê-la
antes de ficar sabendo seu final.
Agora cabe a você saber se vai ou não gostar do
livro. De uma coisa tenho certeza: você vai
terminá-lo em menos de um dia!
André Bicalho Ceccotti
I Liceu B
Hair
mostrando uma história sobre lealdade,
liberdade e coragem. O diretor Milos Forman,
aclamado cineasta tcheco, criador de filmes como
“Os Fantasmas de Goya” e “Amadeus” (pelo qual
ganhou o Oscar), recebeu reações controversas
pela sua obra, que, em
Foto: Divulgação
geral, apesar dos prêmios
e das boas críticas, o
mundo assistiu de olhos
arregalados. Afinal,
ninguém esperava tantos
tabus em um pacote só: no
Brasil o filme, censurado,
só foi ser exibido no início
da década de 80.
Bukowski então se
encontra, junto a seus
amigos, perante a
máquina da guerra, para nos fazer refletir sobre
a futilidade do dever para com o próprio país
para dizimar milhares de pessoas anônimas. O
final, tão surpreendente como emocionante, é
também extremamente irônico, e pode, sim,
causar algumas lágrimas. Apesar disso, o filme
não perde sua leveza, e continua a nos
impressionar, como diz o título, com os enormes,
brilhantes, diferentes e coloridos cabelos de seus
personagens.
Laura Lobato
II Liceu
Recomenda
Hair foi uma revolução. Para a época, um
escândalo, banido de casas, cinemas e países,
inclusive no Brasil. Baseado no musical de 1968
de mesmo nome, é considerado o clássico filme
ícone dos anos 60 e 70 e, em especial, do
movimento hippie.
Lançado em 1979, conta
a história de um rapaz de
uma cidade do interior,
Claude Bukowski (John
Savage), que, em sua
passagem por Nova
Iorque, um dia antes de ir
para a Guerra do Vietnã,
conhece um grupo de
hippies que vivem no
C e n t r a l Pa r k . F a z
amizade com o líder do
grupo, Berger (Treat
Williams), e começa a conviver com eles,
aderindo-se aos poucos aos seus conceitos nada
convencionais sobre o comportamento social e
mudando como vê a guerra e o mundo. Assim
vão se envolvendo em vários episódios
engraçadíssimos, intercalados por famosíssimas
músicas como “Aquarius”, “Hair”, “Three-FiveZero-Zero”, “Let the Sunshine In”.
Infelizmente Claude, mesmo apaixonado por
Shelia (Beverly d’Angelo), tem que ir à base
cumprir o próprio dever. O musical continua
simbolizando não só o espírito hippie e o
psicodelismo da época, mas também
23
Sociedade cega
Fantasmas
do passado
Visionário
Espírito
jovem
Olhos inocentes
A criança e
o herói
Arte: Brunno Coura
Tirinha
24
CaCa
A Poesia Concreta nascida no Brasil, em São Paulo, com a publicação do jornal do grupo Noigandres pelos
irmãos Haroldo de Campos (autor de Xadrez de Estrelas) e Augusto de Campos e o idealizador da "Teoria da
Poesia Concreta", Décio Pignatari, teve também a participação do jornalista José Lino Grünewald, do artista
plástico e holografista Moyses Baumstein, dentre outros. Aparentemente o nome do jornal foi emprestado de
textos do trovador Arnaut Daniel. Augusto de Campos teve uma obra que dialogava com a música e com a Bossa
Nova, fazendo parcerias com Caetano Veloso. Os dois irmãos fizeram várias traduções de textos do russo
Vladimir Mayakovski, dos italianos Umberto Eco e Dante Alighieri, do escritor Irlandês James Joyce, do alemão
Goethe e de muitos outros autores.
www.carpediemrevista.blogspot.com
Passatempo
As respostas para todos os desafios propostos pela Carpe Diem
estarão, de agora em diante, disponíveis no nosso blog. Confira!
25
Acordar
De manhã pressa. Lucky
coitadinho, sozinho, ontem
choveu. Não posso deixá-lo
sem comida. Sem jeito de ir
para a escola. Vermelho no
lugar do verde. Não,
vermelho nào, cinza.
Saxofone, eu hein… Pão de
sal, presunto, suco, leite,
acabou tudo. Tocou ou não
tocou? Cadê as horas?
Izabela Lamego
ex-aluna
Arte: Deviantart
Seção Curinga
26
Daniel Nunes
ex-aluno
O Rio
Uma cidade tinha um rio,
neste rio tinha duas cachoeiras.
Uma cachoeira era cheia de sujeira.
A outra limpa e perfumada,
como moça amada
que tinha cheiro de roseira.
Então você entendeu:
não jogue lixo no chão.
Girassol e Rosa
Primavera uma bela estação,
com muitas flores, mais as belas
mesmo são os girassóis e as rosas.
O girassol girando ao redor do
sol e a rosa com a cor de
apaixonar qualquer coração.
Matheus Barcellos Cordeiro Lages
IV Elementar
Rafael Dutra Vinci
III elementare A
Arte: Sofia
I Mésia
Coordenação Geral e revisão de português:
Maria de Lourdes Barreto Carneiro
Projeto Gráfico:
Amanda Bruno
Daniel Nunes
(baseado no de Fábio e Renato Araújo)
Diagramação:
Amanda Bruno
Isabel Pellegrinelli
Sofia Avritzer
Capa:
Raquel França
Revisão de inglês: Jaime Quintão
Textos:
Alunos, Ex-alunos, Pais, Professores, Diretores, Funcionários da
Fundação Torino, Amigos e Colaboradores-Simpatizantes do Projeto.
Equipe Carpe Diem:
Amanda Bruno*
Brunno Coura
Chiara Costanzi
Daniel Nunes*
Francesco Oviedo
Isabel Pellegrinelli*
Laura Lobato
Laura Vitral
Lorraine Moia
Raquel França*
Sofia Avritzer
*Alunos da Fundação Torino até o fechamento desta edição
Agradecimentos a:
Annie Oviedo, Mateus Portugal, Alexandre Fonseca, Sandra Cavalcante, Lucia
Ferrari, Giuseppe Ferraro, Alessio Gava, Marco Sbicego, Jeanclaude Arnod,
Alessandro Trani, Anna Motta, Daniela Mendes, Luciano Sepulveda, Jaime
Quintão, Matheus Almeida, Arnaldo Antunes, Ana Caetano, Patrícia Kauark,
Heloisa Starling, Carla Ballesteros, Juily Manghirmalani, Horácio e demais
pessoas que, indiretamente, colaboraram para a conclusão deste projeto.
Gráfica:
Pampulha Editora Gráfica - (31) 3468-3969
Rua Taquaril, 660 - Saudade, Belo Horizonte - Minas Gerais
Tiragem:
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Carpe Diem - Revista Cultural é uma publicação da Escola Internacional
Fundação Torino, produzida pelos alunos.
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“Carpe diem, quam minimum, credula postero”
Horácio