LIA A CIRANDEIRA DA ILHA DE ITAMARACA
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LIA A CIRANDEIRA DA ILHA DE ITAMARACA
Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 LIA: A CIRANDEIRA DA ILHA DE ITAMARACÁ - PERNAMBUCO Marcílio Alves de Freitas Bibliotecário do Colégio Equipe, Recife, PE Resumo A presente pesquisa teve como objetivos mostrar a trajetória artística de LIA de Itamaracá, a cirandeira mais conhecida no cenário nacional, bem como revelar a importância de seu trabalho para resgatar, conservar, preservar e disseminar um folguedo prestes a desaparecer. Um dos principais motivos, é a falta de políticas públicas que se preocupem com a valorização do folclore brasileiro. Além disso, esse artigo apresenta depoimentos de vários ícones de nossa música sobre a personagem estudada. Abstract This research aimed to show the artistic life of LIA the Itamaracá, the most known cirandeira in the National scenery. It also had the objective to focus on the importance of her work to rescue, preserve and disseminate a pastime about to disappear. The major reason is the lack of public policies that are concerned with the Brazilian folklore appreciation. Furthermore, this paper presents several Brazilian singers testimonies on the character studied. Fig.1 Lia a rainha de Itamaracá Introdução “Eu sou Lia da beira do mar, Morena queimada do sal e do sol Da Ilha de Itamaracá...” Esses versos, imortalizados na poesia do cantor e compositor Paulinho da Viola, podem definir com magnitude Maria Madalena Correia do Nascimento, popularmente conhecida como LIA de Itamaracá. Nascida sob o signo de Capricórnio, em 12 de janeiro de 1944, LIA de Itamaracá sempre morou na ilha que lhe rendeu o apelido. Esse paraíso dista aproximadamente 50km de Recife e tem como atividade principal o turismo. Sua população é estimada em cerca de 21 mil habitantes, mas em períodos de alta estação (verão) essa população quase que triplica, face as inúmeras casas de veraneio que passam a ser ocupadas nesse período. Apesar de se ouvir muito sobre essa ilustre personalidade e representante de nosso folclore, poucos ainda a conhecem de fato, chegando até acreditar que ela nem exista ou que simplesmente “LIA seja um ritmo de música”, como bem definiu, o músico Canibal (2008) da Banda Devotos. Um dos motivos desse desconhecimento pode ser a falta de apoio dos órgãos governamentais, em promover maior valorização do resgate e preservação da cultura popular. Isso é facilmente detectado nos grandes eventos, quando apenas são validados nomes de artistas que em nada contribuem para a identificação, resgate, preservação e disseminação da história de nosso povo. Fig.2 Convite para roda de ciranda Algumas ações isoladas vem sendo feitas, mas ainda são ineficazes, face às burocracias institucionais. Em 2002, por exemplo, o governo do estado de Pernambuco, instituiu a Lei nº 12.196 de 02/05/2002, que estabelece a nível estadual o registro de PATRIMÔNIO VIVO do estado, em que LIA de Itamaracá, a partir dessa ocasião, através dos critérios estabelecidos nessa Lei, passou a ser reconhecida pelo Estado por seu relevante e expressivo trabalho que desenvolve em prol da divulgação da cultura de Pernambuco. A ciranda é sem sombra de dúvidas uma dança desprovida de preconceito quanto a quem dela participa no tocante a idade, cor, condição social, sexo e até mesmo de religião, pois nos remete as brincadeiras que vivenciamos na nossa infância, quando brincávamos em nossas calçadas. Nela, não há limite para o número de pessoas que podem participar. Começa com uma roda pequena que vai aumentando gradativamente, à medida que as pessoas chegam para dançar, abrindo o círculo e segurando nas mãos dos que já estão dançando. Tanto na hora de entrar como na hora de sair, a pessoa pode fazê-lo sem o menor problema. Quando a roda atinge um tamanho que dificulta a movimentação circular e passa prejudicar a coreografia sincronizada dos passos, forma-se outra menor no interior da roda maior. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 em detrimento a outros folguedos populares existentes no país. Vale salientar que, graças ao empenho de seu produtor Beto Hess e apesar de todas as dificuldades financeiras enfrentadas, essa mulher, negra, de 180cm de altura, vem conseguindo sobreviver ao longo de sua trajetória artística, assegurando para quem tem o privilégio de assistir às suas apresentações a expressão e exemplo “sine qua non” de uma mulher guerreira, muito a frente de seu tempo. Como ela bem definiu em sua entrevista: “quem faz o artista é o público e público é quem faz o artista”. Fig.3 Homenagem Escola Teia Multicultural/SP Segundo o cantor Almir Rouche (2008), “Lia é a entidade maior da ciranda, pois, é um ritmo que nos lembra a solidariedade e a confraternização, pelo fato de que para se dançar ciranda temos que dar as mãos...”. Fig.5 Lia de Itamaracá Fig.4 Lia de Itamaracá na roda de ciranda Muitos foram os artistas que renderam homenagem a LIA, cantando as suas cirandas, dentre eles podemos destacar: Edu Lobo, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Antúlio Madureira, Capiba, Teca Calazans, Reginaldo Rossi, Ney Matogrosso entre tantos outros. Além disso, LIA participou de grandes eventos importantes no cenário nacional, como no filme Parahyba Mulher Macho (direção de Tizuka Yamazaki) e mais precisamente no ano de 1998, no Festival ABRIL PRO ROCK, quando não só fez um enorme sucesso em um palco, para um público no qual não era o seu, como passou a ser conhecida em todo o Brasil e no ano de 2008, foi destaque na Marquês de Sapucaí, no desfile da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em homenagem à cidade do Recife e aos 100 anos de frevo. Isso posto, mostra a versatilidade rítmica com a qual a ciranda se encaixa em todas as ocasiões festivas, Metodologia O trabalho de pesquisa que resultou neste artigo seguiu uma série de princípios metodológicos, nos quais estão calcadas diversas técnicas utilizadas. Essas técnicas são referentes ao desenvolvimento de pesquisas de abordagens, para a investigação aplicada, assim constituída de: levantamento bibliográfico, fotografias e entrevista com LIA, conversas informais com moradores da Ilha de Itamaracá sobre as rodas de ciranda existentes na comunidade e fotografias do espaço Centro Cultural Estrela de Lia, localizado na Praia de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá. Face a escassez de material bibliográfico a respeito de uma das maiores estrelas da cultura popular de Pernambuco e até mesmo de informações da história própria Ilha, a Secretaria de Turismo da Ilha de Itamaracá, tem ainda se mostrado ineficaz em atenuar essa lacuna, segundo FRAGOSO (2008). O que mostra, a originalidade desse estudo e a sua relevância para alcançar o inicio de um processo de discussão acerca da necessidade emergencial de se reerguer um folguedo que estava prestes a desaparecer assim como tantos outros em nosso estado, segundo GASPAR (2009). Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 decididamente entendamos que ela é uma estrela, pois vem dedicando toda a sua vida ao resgate da ciranda, uma vez que estava prestes a desaparecer sem nenhum registro. Fig.7 Ponto de cultura (Estrela de Lia) Acreditamos que LIA é a cara do seu povo. Ela representa o nosso estado e não precisou morrer para mostrar que existe. A principal voz da ciranda se encontra na Ilha de Itamaracá, onde as pessoas se reúnem para ver uma mulher negra, de voz grave, com seus 180cm de altura e seus olhos verdes, cantando ciranda para a alegria do povo. Fig.6 Momento da entrevista Por esse motivo, com o intuito de diminuir as lacunas entre o material bibliográfico disponível e a especificidade do tema, a entrevistas foi criteriosamente elaborada, uma vez que ela trouxe subsídios significativos para a construção do entendimento acerca da atual realidade em que se encontra a personagem pesquisada. Ressaltamos que a entrevista não tem fins estatísticos e sim qualitativos, pois a necessidade foi buscar o máximo de informações para o desenvolvimento do trabalho. Outrossim, vale ressaltar os relevantes depoimentos dos moradores da comunidade acerca da importância de LIA para a preservação da ciranda e a divulgação da Ilha de Itamaracá e do estado de Pernambuco no cenário nacional. Dessa forma, os princípios metodológicos demonstram que é necessário, além do embasamento teórico, uma identificação individual com o tema a ser abordado, para que se amadureçam os aportes teóricos da amplitude de um estudo e se consiga atingir o objetivo esperado. Considerações Finais A importância da preservação da ciranda, como o folguedo popular, mais representativo do litoral pernambucano, principalmente, pelo fato de termos na pessoa de LIA, sua porta-voz, faz com que Fig.8 Representação da roda de ciranda No entanto, o que nos chamou a atenção foi a falta de política cultural governamental, nas mais diferentes esferas, voltada para dar maior validação ao trabalho de resgate e preservação da ciranda, realizado por LIA e até mesmo, pelo fato de proporcionar maior visibilidade turística para o Estado, face a vasta e rica trajetória artística, com apresentações em turnês nas mais diversas capitais do país e até no exterior. Observamos que não há um acervo bibliográfico significativo a respeito de LIA, o que dificultou a nossa pesquisa, pois tivemos que utilizar de recursos de entrevistas, fotografias e conversas informais. Esse aspecto corrobora a necessidade de investir na promoção do registro de personalidades que atuem em prol de nossa cultura, para que as próximas gerações possam ter acesso a esses documentos e assim Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso promover de fato a cultura em todas as oportunidades que a vivência social possa propiciar. Referências (1) AMORIM, Maria Alice. Eu sou Lia da beira do mar. Continente Documento, Recife, a.4, n.43, p.5861, 2006. (2) FRAGOSO, Fábio. Lia de Itamaracá: a guerreira vai à luta. Revista Continente Multicultural, Recife, a,8, n.86, p.6-9, fev.2008. (3) FREITAS, Marcílio Alves de. Lia de Itamaracá. Recife. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=T_n9LHPabrg>. Acesso em: 22/06/2011. (4) GASPAR, Lúcia. Lia de Itamaracá.In: Fundação Joaquim Nabuco Pesquisa Escolar On-Line, Recife, 2009. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em: 22/06/2011. (5) RAFAEL, João; CAROLINA, Juliane; SANTOS, Milena. Eu sou Lia. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo)- Curso de Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo, Faculdade Maurício de Nassau, Recife, 2008.1 DVD (22 mim). (6) SCHNACK, Cristiane Maria; PISONI, Thais Dutra. Transcrição de fala: do evento real à representação escrita. Entrelinhas a revista do curso de letras, São Leopoldo (RS), a.2,n. 2,maio/ago.2005.Disponível em: <http://www.entrelinhas.unisinos.br/index.php?e=2&s =9&a=12>. Acesso em: 10/07/2011. (7) TELLER, Sonia. História do corpo através da dança da ciranda: Lia de Itamaracá. 2009. 149p. Dissertação apresentada ao Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre em História Social. APÊNDICE Entrevista [25 de junho de 2011(tarde de sábado)] ((Marcílio visita Lia de Itamaracá em sua residência )) Marcílio: cumprimenta Lia ao chegar. Lia: demonstra alegria ao reencontrá-lo. Marcílio: explica o motivo de sua visita que seria elaborar uma entrevista e fotografá-la. Lia: ouve atentamente a explicação. Marcílio: mostrou a cópia do resumo do artigo enviado para a AERPA. Lia: mostrou-se disponível em colaborar com a entrevista. Marcílio: iniciou fotografando LIA, devido à mesma está descontraída. Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Lia: perguntou se as perguntas eram complicadas de serem respondidas.@@@ Marcílio: mostrou para ela todas as perguntas elaboradas cautelosamente, para que ela pudesse internalizá-las. Lia: após um tempo, ela informou que já estava pronta para iniciar a entrevista. Marcílio: liga a câmera e inicia o processo de gravação. Marcílio: Quem é Lia? Lia: (sorrir) é uma artista, cantora de ciranda. Marcílio: Como você definiria essa mulher que tão bem preserva algo tão valioso na cultura do estado de PE e do país? Lia: primeiramente, elevar à cultura, o trabalho não é fácil e depois fazer com que o público se sinta feliz. Marcílio: Você, após décadas defendendo a cultura popular, sente-se uma mulher realizada? Lia: me sinto muito feliz, pois tudo que faço é com muito carinho, dignidade, responsabilidade e pensamento firmado naquilo que vou fazer. Marcílio: Tendo você, poder político em que você investiria para que a cultura popular fosse mais valorizada? Lia: ↓ investiria para que houvesse mais incentivos para a cultura, pois muitos prometem e não cumprem. Marcílio: UMA palavra que possa expressar/identificar essa personalidade de mulher guerreira! Lia: lutadora e esforçada. Marcílio: Vários “cantores” já cantaram as suas cirandas, dentre TODOS, qual o que te deixou mais emocionada? Lia: Reginaldo Rossi, ele é um grande cantor e compositor e também meu amigo. Marcílio: Qual a sensação de subir no palco do Abril do Rock em 1998? Lia: ↑ me senti muito feliz, sabia que o meu trabalho não ficaria só ali, se espalharia pelo mundo a fora, se eles me chamassem eu estaria lá de novo, porque “LIA é LIA...”. Marcílio: LIA tem algum sonho? Lia: >apenas ser feliz e viver tranqüila.<@@@ Marcílio: agradece a Lia pela colaboração e se despede. Fotos de eventos Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Fig.9 Apresentação no Colégio Equipe em 1995. Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Fig.12 Roda de ciranda em homenagem à Olinda e Recife. Fig.10 Roda de ciranda do carnaval do Recife. Fig.13 Cartaz de evento Fig.11 Roda de ciranda na Ilha de Itamaracá. Fig.14 Abertura do carnaval do Recife 2008, com Naná Vasconcelos, Marisa Monte e Elza Soares. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Discografia Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Partitura Fig.18 Elaborada por Cirinéa Amaral e W. Guedes. Fig.15 LP gravado em 1977 “A Rainha da ciranda”. Fig.19 Lia canta: Ciranda de Lia. Fig.16 CD gravado em 2000 “Eu sou Lia”. Fig.20 Letra da música Ciranda de Lia composição de Antonio Baracho. Palavras-chave: Ciranda. Lia de Itamaracá. Cultura popular. Folclore. Pernambuco. Patrimônio Imaterial. E-Mail do Autor [email protected] Fig.17 CD gravado em 2008 “Ciranda de ritmos”.