Oxente Essa é a Nossa Gente - Osmario

Transcrição

Oxente Essa é a Nossa Gente - Osmario
Oxente!
Essa é a nossa
gente
!
e
t
n
e
x
O
Essa é a nossa
gente
Osmário Santos
2004
Copyrigth by Osmário Santos
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido
por qualquer meio sem autorização do autor
Ilustrações
José Fernandes
Projeto Gráfico
Adilma Menezes
Capa
Paulo Ricardo sobre arte de José Fernandes
Revisão
Marcos Cardoso
S237
Santos, Osmário
Oxente! Essa é a nossa gente/Osmário Santos. - - Aracaju: Editora Ós, 2004.
526p. Il. 85 desenhos.
1. Sociologia. 2. Cultura popular - Sergipe.
3. Memórias - personalidades sergipanas. I. Título.
CDU. 32 (813.7) (093.3)
com grande alegria que o BANESE — Banco do Estado de Sergipe
patrocina a publicação de mais um livro do jornalista Osmário Santos, que lançou há dois anos, a edição do alentado “Memórias de Políticos de Sergipe no Século XX”, consagrado como sucesso editorial e comercial. O novo livro de Osmário Santos, OXENTE! ESTA É A NOSSA
GENTE, cuida das pessoas normais, no sentido de mais comuns, personagens cotidianos da sociedade sergipana na última metade do século
passado. Sergipanos comuns são, em última instância, aqueles a quem o
BANESE serve, certamente a razão primeira da sua existência. O primeiro livro já se consagrou como importante registro documental da história
e atende aos objetivos do banco de incentivar a produção cultural local,
além do que a classe política é digna do nosso mais sincero respeito. Mas
este, que tem cheiro de memórias populares, empolga mais a nós dirigentes bancários, acostumados a lidar com a economia popular.
Ao longo dos seus 40 anos, comemorados neste ano, o BANESE depositou sua confiança na capacidade produtiva do povo sergipano, sacou os movimentos da marcha cotidiana da história, somou-se aos esforços de desenvolvimento do Estado de Sergipe e dividiu com os sergipanos
a contrapartida pela confiança e preferência nele empenhadas. O incentivo às atividades sociais, esportivas e culturais insere-se nessa filosofia
de repartir nossos ganhos, sonhos e expectativas.
Jair Araújo
Presidente do BANESE
Oxente! essa é a nossa gente
É
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Aos meus filhos Linna Rosa e Paulo Ricardo, incentivo permanente no trabalho e alegria na minha vida.
À memória de meu pai, José dos Santos, presença na
história do comércio sergipano, longa e árdua trajetória de trabalho, com seriedade e honestidade, iniciada numa pequena loja de tecidos no mercado e concluída com o Magazin dos Móveis.
A Tiffany Tavares, pelo carinho com que me fez valorizar mais a ternura.
Aos amigos Jadson Ricarte e Jouberto Uchôa de Mendonça, que muito nos ajudaram com seus corações
de bondade.
Ao jornalista Eugênio Nascimento, pela amizade e
companheirismo, extensivos a todos os colegas de trabalho do Jornal da Cidade, Sergipe Mais, Infonet e Cehop.
Ao economista Sérgio Fontes, sempre leal, sincero e
amigo desde os momentos da juventude.
Oxente! essa é a nossa gente
À minha querida mãe Maria de Lourdes Santos e aos
meus irmãos Jeane, Osman, Osmax, Osanan, Márcio,
Greciane, Carlinhos e Ivana, laços de família em constante floração da primavera.
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Palavras do Autor
enho aprendendo e descobrindo muitas coisas no contato semanal
que mantenho com pessoas que fazem parte da história de Sergipe,
no registro que faço para a memória do nosso Estado na página dominical do Jornal da Cidade, já há 15 anos sem interrupção. É um trabalho
jornalístico que quebra a frieza do texto puramente noticioso diante do
relato da história dos entrevistados, que, de maneira espontânea, diante
das perguntas e provocações, revelam os fatos mais interessantes de suas
vidas, alguns deles até de desconhecimento da própria família.
Depois do trabalho iniciado com as entrevistas de professores, políticos, empresários, religiosos e profissionais da comunicação, senti a necessidade de resgatar e preservar vidas consideradas esquecidas pela
história. Abri espaço para essa gente de simplicidade infinita, uma ciranda de pessoas que passaram a ser observadas e até mesmo amadas pela
maneira de viver, que supera todas as circunstâncias adversas e percorre
uma existência traçada pela autenticidade.
São personagens que jamais pensaram em ter suas vidas reveladas e
tampouco imaginavam que o que fizeram ou vêm fazendo fosse ter alguma importância para que os sergipanos pudessem descobrir Sergipe na
verdadeira história de seu povo.
Como as coisas acontecem de forma imprevista — e é bom que seja
assim — da página semanal do Jornal da Cidade surgiu o nosso primeiro
livro, Memórias de Políticos do Século XX em Sergipe, 824 páginas, lançado em setembro de 2002 e edição já prestes a esgotar.
A receptividade à nossa incursão literária e a constatação de que o
nosso trabalho de jornalista memorialista não poderia ficar somente na
folha de um jornal, para garantia de gerações futuras e facilidade de pesquisadores e estudantes, nos deram forças para enfrentar um novo desafio, vencido com este livro, preparado com muito carinho e dedicação.
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
OXENTE! ESSA É A NOSSA GENTE tem muito de pessoas amigas
que contribuíram para a sua realização. O artista plástico José Fernandes,
que deu seu tempo e criatividade às ilustrações. O meu filho, o publicitário Paulo Ricardo, que tratou da concepção da capa. O jornalista Pedro
Valadares, responsável pelo batismo da obra. A incansável Adilma
Menezes, pelo longo trabalho de digitação e projeto gráfico. O jornalista
e pesquisador Luiz Antônio Barreto, que nos incentiva desde os primeiros momentos do nosso trabalho de organização da memória sergipana e
que elaborou com toda satisfação o prefácio. O jornalista e diretor de
Redação do Jornal da Cidade, Marcos Cardoso, pelo zelo da revisão e
pela apresentação da primeira orelha do livro. O Banese, na pessoa do
seu presidente Jair Araújo Oliveira, pelo valioso patrocínio.
Os 85 personagens aqui apresentados com o relato de suas vidas são
todos merecedores de honrarias, pois mexem com emoções e são personagens da cidade. O suficiente para a garantia de uma leitura sem compromisso, mas repleta de surpresas e envolvida pela magia de identificar
o povo que nos brinda com o encantamento de simplesmente ser e viver.
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Um novo livro de biografias
Oxente! essa é a nossa gente
O
smário Santos, autor do livro Memórias de Políticos de Sergipe no
século XX (Aracaju: UFS/Fundação Oviêdo Teixeira/Banese, 2002),
organizado com a colaboração do professor Afonso Nascimento, repete o
feito de retirar das páginas domingueiras do Jornal da Cidade os textos
que emolduram biografias sergipanas. Não há mesmo como não comparar um e outro livros. OXENTE! ESSA É A NOSSA GENTE, de mais de
500 páginas, 85 nomes, não tendo a pretensão de ser um dicionário de
memórias, ao final complementa o livro anterior, ampliando não apenas
as 123 biografias, distribuídas em 824 páginas, mas a visão do Estado e
especialmente da vida política e social de Aracaju.
Um livro sobre ou de políticos é sempre alguma coisa pesada e medida, rebuscada para deixar a melhor das impressões, como uma exigência
comportamental, perante um leitorado que julga, aplaude e vota. Já um
livro de pessoas simples, flagradas em seu cotidiano e urdidas em suas
histórias de vida, é outra coisa, mais livre, límpida, sincera.
Os jornais são fontes preciosas de documentos, sempre fornecendo
dados, fatos, opiniões, perfis, que podem servir de roteiro ao conhecimento ampliado da realidade. O dia a dia do jornal nas mãos dos leitores
encobre essa função profunda, exclusiva, que a imprensa desempenha
ao fixar na memória social as suas páginas, e notadamente as suas colunas. Osmário Santos fez da sua página semanal um amplo registro e
agora seleciona, organiza e oferece, de uma só vez, o produto de anos de
trabalho.
Os livros de Osmário Santos, bem preparados, mantendo informações substanciosas, construídas através dos depoimentos tomados e gravados, são singulares, únicos e estão destinados a cumprir, no futuro
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bem próximo, um papel referencial igualmente destacado. Tudo começa
com a escolha das personalidades entrevistadas, espécie de calçada da
fama, ditada pelo prestígio de cada um, no seu ambiente de convivência.
Depois, a edição, limitada ao espaço de uma página, deixando aparas e
sobras que passam desapercebidas do leitor comum. Por fim, depois de
anos nas estantes das bibliotecas, quase sem consulta, eles ganham nova
vida nas páginas dos livros, onde vão recircular.
A fórmula de Osmário Santos deu certo. Tanto ele já produziu um
número gigantesco de horas gravadas, com centenas de pessoas, como
soube selecionar dois conjuntos de personagens, primeiro os do mundo
da política, agora os dos vários segmentos sociais, apanhados como se
fossem tipos populares, sem aquela conotação de pessoas excêntricas,
portadoras de singularidades.
Os homens e mulheres que figuram em OXENTE! ESSA É A NOSSA
GENTE ocupam, na memória sergipana, lugares especiais, por conta do
modo como viveram ou vivem. São pessoas das mais variadas profissões
e condição social, alguns dos quais marginalizados pelas suas opções de
vida, e que engrossam os grupos que dão calor e ritmo ao viver sergipano.
Explorando particularidades, Osmário Santos produz a oportunidade
de revelar, integralmente, pessoas que, nem sempre, o tempo glorifica.
O leitor terá uma agradável surpresa ao folhear e ao consultar OXENTE!
ESSA É A NOSSA GENTE e aprenderá, de forma simples, com quantos
sergipanos se faz uma cultura. E terá, ainda, a certeza de que os jornais
guardam tesouros em suas páginas, como as entrevistas de Osmário Santos. Uma riqueza agora partilhada, como exercício jornalístico da melhor
validade.
Luiz Antonio Barreto
Um novo livro de biografias ..................................................................... 11
Alfredinho: uma metamorfose ambulante ............................................... 17
Almir Santana: um médico humanista ................................................... 23
Antônio Gonçalves: o popular Feola .......................................................28
Arnaldo Silva e seu carro de propaganda ............................................... 34
Barreto Mota: terror dos ladrões de Sergipe ...........................................40
Cabo Duda e sua história de pescador .................................................... 46
Caio: o engraxate modelo de Aracaju ......................................................51
Candelária: uma vida de luta e martírio ..................................................55
Chico Piloto e seus 80 anos ...................................................................... 62
Ciganinha abre o jogo sobre a sua e outras vidas .................................. 69
Cleomar Brandi e sua vida cheia de emoções ........................................ 79
Djalma Borboleta: de bedel a bacharel ..................................................... 89
Dom Altamiro, primeiro e único ..............................................................94
Domingo Félix: o tabelião construtor ......................................................99
Dona Ana: a lavadeira ............................................................................. 105
Dona Carlota: a serviço da educação .................................................... 109
Dona Finha: a torcedora símbolo do futebol ....................................... 114
Dona Hildete Falcão: uma história de amor ......................................... 119
Enaldo: o padre das calçadas de Aracaju ............................................ 126
Eroltides Araújo: o corretor do calçadão ............................................. 134
Eurico Luiz: um artista em novo momento ......................................... 141
Eurípedes: o pioneiro da musculação em Sergipe .............................. 145
Expedita: a filha de Lampião ................................................................. 150
Ezequiel Monteiro: intelectual a serviço de Deus ............................... 153
Galego: patrimônio da Praia 13 de julho ............................................. 159
Geraldão: um patrimônio do esporte .................................................... 163
Ginaldo: o campeão de coquetelaria ..................................................... 167
Oxente! essa é a nossa gente
SUMÁRIO
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Oxente! essa é a nossa gente
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Herílio Alves: o popular Goiabinha ......................................................
Hilton Lopes: o agitador da alegria .......................................................
Ilma Fontes: de lenda a mito ..................................................................
Ildete Nabuco Teixeira: a fada dos bolos ..............................................
Jácome Góes: o comunicador da esperança .........................................
J. Inácio: o pintor das bananeiras .........................................................
João da Cruz: o fundador do Arranca-Unha .......................................
João de Barros: o colunista das revelações ..........................................
João do Alho, do esporte, da política e do bar ....................................
José Eugênio de Jesus: o comentarista esportivo ................................
José Orico: introduziu Jingle em Sergipe .............................................
José Ramos: barbeiro de gente famosa ..................................................
Josias Passos: conquistas no comércio .................................................
Juca Beato: pioneiro em turismo ...........................................................
Lídio da cocada .......................................................................................
Lisboa: um artista em três dimensões ..................................................
Luiz Adelmo: quem não me aceita que se azare .................................
Manequito: figura carismática da Atalaia .............................................
Manoel d’Almeida Lima: o poeta de cordel .........................................
Manoel Felizardo: o conhecido Pirricha ..............................................
Maria Feliciana: a rainha da altura ........................................................
Mário: o bedel do Tobias ........................................................................
Marizete Silva: a sucessora de Mãe Nanã ............................................
Mestre Euclides e o Guerreiro Treme-Terra ..........................................
Nestor Braz: um maquinista de teatro ..................................................
Orlando Machado: o cacique do mercado ...........................................
Osório de Matos: guia turístico de Aracaju .........................................
Osvaldo Tavares: uma caminhada de resignação e fé .........................
Padre Pedro: uma vida de doação .........................................................
Pinga: o empresário das grandes estrelas .............................................
Popó: um aposentado da Petrobras em ação ........................................
Ribeiro: simplicidade e muito trabalho ................................................
Rita Peixe: mulher de muitas histórias ................................................
Roberto Tunes: o sedutor dos anos 50 .................................................
Rubens Chaves: um arquiteto de muitos sonhos ...............................
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Oxente! essa é a nossa gente
Sapatão: cidadão do bairro Industrial ..................................................
Sargento José Luiz e sua volante ...........................................................
Seu Álvaro: o mais antigo garçom de Aracaju ....................................
Seu Jonas: o vendedor das frutas importadas .....................................
Seu Oscar: monumento do samba em Sergipe ....................................
Seu Osvaldo: o faroleiro que faz molduras ..........................................
Seu Ribeiro: 82 anos de Estrada ...........................................................
Sílvio Santos: o pintor de parede .........................................................
Sobó do Iate .............................................................................................
Thenysson Araújo: um aviador sorveteiro ..........................................
Tia Rute: a fundadora da Avosos ..........................................................
Tô Te Ajeitando está vivo! .....................................................................
Tonho do Mira: o rei das noites dos anos 60 ......................................
Toni Chocolate do rádio sergipano .......................................................
Tuca: o bodegueiro da zona sul .............................................................
Ursino Ramos: a imagem de um intelectual ........................................
Valadão: o pipoquinha da TV ...............................................................
Wellington Elias: o diabinho da vida esportiva ..................................
Wilson Silva: amante da moda e da natureza ......................................
Zamor: professora caridosa e viajada ...................................................
Zé de Raul: o bonachão ..........................................................................
Zé Peixe: o folclórico prático do Brasil ................................................
Zelito Machado: lições de um guerreiro ..............................................
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Alfredinho: uma metamorfose ambulante
m mutante, que diz que gostaria de ser a mosca que
pousou na sopa, Alfredinho é
uma figura da cidade que pensa
e age diferente. Responsável pela
transformação da noite em Aracaju, foi quem laçou a boate Top
Som, apresentando música pop
num ambiente em que o som era
mais importante do que
qualquer outra coisa.
Um artesão de alto quilate, vencedor do V Salão de Artes Plásticas do
Festival de Arte de São
Cristóvão, artista do som,
dos teares e das idéias, sonhador de um projeto de transformação da vida para todos os homens.
José Alfredo Amaral Mendonça nasceu a 23 de julho de 1943, na cidade
de Aracaju, tendo como pais Benjamim Mendonça e Iracema Amaral
Mendonça. Ser um sonhador é algo de fantástico que herdou do pai. Da
mãe Iracema, o trabalho.
Uma infância de muita peraltice, cheia de aventuras, entre a liberdade
das brincadeiras de rua e o compromisso com os livros, intensamente
vivida.
Publicado no Jornal da Cidade em 26.7.1993
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
Com Dona Margarida, sua primeira professora, na escola do bairro
Santo Antônio, sentiu o calor da palmatória em suas mãos e vibrou com
a dor dos colegas, pois recebia e dava, nas movimentadas rodadas da
sabatina de que tanto gostava.
Marchou pelas ruas da cidade, em dias de 7 de Setembro, garbosamente, com a farda do Educandário Duque de Caxias, onde fez o curso
primário, aprontou pouco e até tocou na banda do colégio, mostrando
ser bom de prato e bumbo.
Sente-se feliz por ter gozado bastante os momentos da juventude,
deitando, rolando, bordando até acordar, como disse ao repórter, em seu
depoimento para a memória de Sergipe, arregalando bem os olhos castanhos.
De positivo dessa época ficou o propósito de persistir, de lutar constantemente por uma “organização” concebida pela sua mente fértil, uma
concepção que por ela briga. Insiste e diz, brandando aos ventos: “Sempre fui um guerreiro.”
O ginásio foi concluído no Colégio Tobias Barreto, descobrindo depois o mundo do Atheneu Sergipense, onde estudou o curso clássico,
deslumbrando-se com a disciplina Filosofia, e sentindo que tinha vocação para ser humanista.
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DESCOBERTAS - Um período estudantil de mil e uma aventuras, com o
propósito maior de descobrir, de conquistar e de revolucionar. Os números, tão bem trabalhados em sala de aula pelo professor Genaro, ficaram
bem alojados na memória, por isso sempre se deu bem com a Matemática. História Geral, gosto passado pela professora Maria Augusta Lobão, é
outro fascínio.
“Acabamento”, é o que considera fundamental ao ser humano. Para
consegui-lo, diz, é preciso muito exercício. “Temos sempre que estar
acrescentando, porque da argamassa e do tijolo aparece a parede. Assim
é como eu vejo uma coisa acabada. Por isso eu tenho essa convicção:
tudo tem de ter acabamento.”
Natural do bairro Santo Antônio, passou a ter contato com os estudantes do Atheneu, quase todos da zona sul, defrontando-se com um
grupo de colegas que deixou sua cabeça a mil. “Renato Garcia, Duílio,
MILONGAS - Chegando o momento de penetrar no mundo universitário, ensaiou seguir a carreira de advogado, tão desejada pelo pai. “Fui
fazer o vestibular e aconteceu o que a vida lhe impõe, e você não pode
fugir. Apareceu a vida noturna e, no terceiro dia, abandonei as provas,
para ir tratar do Milongas Bar, na praia de Atalaia.”
O primeiro tostão veio da Empresa Cunha, quando exerceu a função
de auxiliar de almoxarife, em Nossa Senhora do Socorro, aos 16 anos de
idade.
Não ter nenhuma religião e não ter aptidões para a vida são o maior
massacre que considera que pode o homem experimentar. É egocêntrico
ao extremo. Uma inutilidade, é o que pensa de quem se preocupa com
sua maneira de agir e de pensar. Mas tem certeza de que é uma pessoa
razoável, podendo chegar a ser uma bomba atômica. “Me acho um mutante,
uma metamorfose ambulante. Queria ser a mosca que pousou na sopa.
Me sinto um louco, vivendo uma eterna alucinação, com a porteira de Sá
Marica sempre aberta. Não entro em conflito comigo mesmo, pois eu
curto tudo isso, já que temos de prevenir a linha avançada de pensamento, para podermos trabalhar as energias estacionadas. Nisso, a renovação
de valores é imprescindível, porque não é uma mutação política na sociedade. Precisamos tomar o poder, porque não precisamos criar uma confraria das elites, afinal, poder não é ter, é ser.”
Oxente! essa é a nossa gente
Sérgio Garcia, Pedrão, Heráclito, pessoas que tinham outro tipo de informação e com os quais eu aprendi muito. Eles me aceitaram fácil,
pelo meu discurso, pela minha forma de ser. Tudo começou num recreio. Havia algo mais que me diferenciava deles, além de eu ser do
Santo Antônio e eles da Augusto Maynard. Numa conversa sobre preferência de leitura, eles falavam que tinham lido O Pequeno Príncipe.
Isso foi uma coisa absurda, pois eu não tinha lido, mas já tinha devorado livros de Freud, Platão, Sócrates. Foi um choque, pois percebi que,
enquanto eles estavam naquela coisa infantil, eu já sabia o que era
parapsicologia.”
Sempre colocou na cabeça, o propósito de ser um trabalhador da organização social, seguindo o lema de vida adotado pelo avô, Alfredo Mendonça, figura marcante quando foi juiz de Menores de Aracaju.
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Oxente! essa é a nossa gente
Alfredinho diz que faz parte de um processo da vida, que é um bom
soldado e que curte o batalhão, estando ele com a divisa de general. Do
tempo que serviu ao Exército, boas lembranças e risadas: “Adorei todos
os exercícios e mais a instituição, por ter ordem e disciplina. Era o 723,
que serviu por exercício. Um, dois, três, ordinário, marche, pra frente.”
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TOP SOM - Foi responsável por uma mudança de comportamento da
noite de Aracaju quando lançou a boate Top Som, primeira a apresentar
música pop em Aracaju. “Tudo começou na galeria do Hotel Palace, com
a loja de roupa Wash, que não deu certo. Tinha Antônio Manuel Santos
Silva, que comprou um som Sony e colocou na loja. Eu tinha uns discos
e tudo aconteceu. A loja era de Antônio Manuel e Gilberto Vila Nova”.
Da transformação da loja de roupas em boate, lembra que foi de grande
importância no processo a participação de Antônio Manuel e, mais ainda, de Wilson Silva e Pedrito Barreto. “A loja não deu certo. Tinha um
som e, do som, surgiu a Top Som.”
A proposta inicial era de um inferninho para os executivos. Um
inferninho “genérico”, frisa bem Alfredinho, dizendo que era curtição de
Hélio Ribeiro, Wilson Silva, Gilberto Vila Nova. Mas a história da boate
Top Som, tem ainda em Luís Durval Tavares outra participação especial.
“Luís ganhou uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Ao retornar,
trouxe dois álbuns de discos com lançamentos da música pop. Ele trouxe até Miriam Maquiba”. Sucessos do momento, que atraíram os estudantes da elite, que estudavam no Rio de Janeiro e que passavam as
férias em Aracaju. Um local para ouvir as mesmas músicas que eram
tocadas em boates cariocas. Alfredinho cita os nomes de alguns desses
estudantes: Lourivalzinho, Ernanizinho, Meinha, Lulinha, Godô, Lúcia
Franco, Ana Conceição. Explica que a explosão da boite não foi devido a
um processo social e sim pelo som. “Isso é uma coisa fantástica.”
Um suceso que levou o governador da época, Lourival Baptista, a
convidar Alfredinho e os principais freqüentadores da boate para um
jantar no Palácio do Governo.
OXENTE - Uma Top Som que funcionava até as 7h da manhã, com todo
embalo, com seus freqüentadores mais preocupados com a música.
POLIMENTO DA VIDA - Foi dono de empresa de prestação de serviço,
foi pioneiro em locação de vídeo, deixando tudo para tratar de um
novo processo social, a partir de uma obra que ainda pretende realizar,
através de núcleos educacionais, oferecendo trabalho e lazer, localizados nas comunidades periféricas da cidade, sendo a fonte geradora de
energia da comunidade, dando ao homem necessitado a oportunidade
de poder entrar em contato, com o que chama de polimento da vida.
Oxente! essa é a nossa gente
Alfredinho recorda-se dos fiéis freqüentadores da Top Som. “Celinha
dos Anjos, Pedrito Barreto, Pedro Rodrigues, Tonho Vieira, Luís Durval,
Edgarzinho, Renato Garcia, Guga, Lânia Duarte, Fernandinho Duarte,
Lícia Violeta, Leonísia Fonseca, José Amado, Doda, Suely Pacheco, Norma, Vera Sobral, Rita Peixe, Eliane Chocolate, Eliane Leal, Fernando Silva, Carmem Pacheco, Ruperts, Guga Bastos, Dudu Gordo, César Franco,
José Franco, Jane Vieira, Nega, Joubert Morais, Marinho Tavares, Viana
de Assis e Iara, Olimpinho, Luís Carlos Resende e Zulmira, Sérgio Melo
e Selma.
Sem ter a Top Som mais condições físicas para suportar tanta gente,
Alfredinho arrendou a boate Oxente, pertencente ao Cotinguiba, preferindo deixar o nome Top Som na saudade.
Com a Oxente, uma virada histórica na noite de Aracaju, chegava a
promover noites culturais, levando para os freqüentadores da boate a
arte da poesia e do teatro, como fez na apresentação da peça Vôos, Mitos
Coloridos, que lotou a casa.
Coube a Alfredinho a instalação do primeiro bar na areia da praia de
Atalaia, funcionando bem pertinho do mar, com fogueira, movimentando as noites do verão sergipano com a presença da juventude vip da
cidade. “Até o ministro Armando Rollemberg curtiu nossa fogueira, como
a Derci Gonçalves, quando esteve em Aracaju apresentando um dos seus
trabalhos.”
Alfredinho artista, Alfredinho artesão, outra habilidade, bem distante da música, com o domínio dos teares, trabalhos de bom nível, hoje
espalhados pelo Brasil e em muitas residências estreladas de Aracaju.
No V Festival de Arte de São Cristóvão, Alfredinho venceu o salão, passando por cima de consagrados artistas de Sergipe.
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“Vendi a locadora, acabei com a empresa de 200 empregados, acreditei,
coloquei o dinheiro na poupança, aí veio o Plano Cruzado e eu... plá!”
Hoje, Alfredinho não anda quieto, pois está sempre buscando fazer
alguma coisa para o aproveitamento do homem socialmente carente, sempre pensando na sua concebida “organização”. Atualmente, é o secretário de Comércio e Turismo da Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro,
contando com todo o apoio do prefeito José Franco. Provou competência
na organização do São João, sempre andando com sua cabeça fervilhando de idéias, mas diz que o seu projeto na secretaria é dar emprego e
trabalho.
Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA - Casou com Renilde Santana Oliveira, união que dura 18 anos
e que lhe deu os filhos Jaciara, Paloma, Fabiana e Iracema. Por sua ideologia e por seus sonhos, considera-se uma pessoa altamente realizada.
Continua sonhando em transformar tudo numa estrutura, espécie de
uma cidade social, espalhando-se a partir das periferias das cidades.
Sobre a entrevista: “O repórter exigiu de mim uma coisa mais particular,
e não política, o que só veio acontecer no fim, quando já não tinha mais
fita. Política é o seguinte: é mandar esse bando de filho da p... pra bosta,
todos eles, sem excluir nenhum deles.”
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Almir Santana: um médico humanista
m herói que luta contra o preconceito
que normalmente envolve a Aids, perdendo consultório, gastando metade do salário, que não chega a 400 reais, com seus
pacientes. Um médico que não pode circular
em um outro hospital que não seja o João
Alves Filho, pois logo as pessoas ficam pensando que ali existe um doente de Aids, que
não pode ir a um enterro pelo mesmo motivo. Outros constrangimentos foram revelados num clima de emoção no depoimento ao
Jornal da Cidade. Internacionalmente conhecido pelo trabalho que desenvolve no campo
das doenças sexualmente transmissíveis, conta sua vida desde a realização do primeiro
sonho, que foi a compra de uma bicicleta,
até a forte emoção que viveu no último Natal, quando um paciente, que não tinha condições de andar, foi com sacrifício até sua
casa para desejar-lhe feliz Natal.
José Almir de Santana nasceu em Aracaju
a 30 de janeiro de 1953. Os pais: José Alves de
Santana e Maria Gisélia de Santana. Filho de chofer de táxi, Almir aprendeu
com o pai a dedicação ao trabalho. De sua querida mãe Maria Gisélia, companheira dos poucos momentos que passa em casa, herdou a solidariedade
Publicado no Jornal da Cidade em 3.7.1994
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Oxente! essa é a nossa gente
com o próximo. No bairro Santo Antônio viveu uma infância de menino
pobre, porém com liberdade para todas as brincadeiras de rua, principalmente o futebol. Chegado o tempo de alfabetização, foi matriculado no
Colégio Simeão Sobral, onde aprendeu as primeiras letras com a professora Vilma. No mesmo colégio concluiu o primário e o curso ginasial.
A juventude foi marcada pelo tempo que dedicava ao futebol, jogando
na prainha do bairro Industrial. Um torcedor fanático do Confiança, com
presença constante em todos os jogos do time proletário azul e branco.
O curso científico foi realizado no Colégio Atheneu, como integrante
de uma turma em que todos os colegas, na primeira investida, ingressaram no curso superior, tendo a maioria dado preferência à área de saúde.
O Atheneu faz parte de uma época importante na vida de Almir Santana,
pela convivência com mestres do porte do professor Leão Magno Brasil,
professor Patrocínio e outros que foram decisivos na preparação para
enfrentar o vestibular.
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VOCAÇÃO - A vocação para Medicina surgiu quando ainda era garoto,
quando gostava de brincar de médico, utilizando estetoscópio e maletinha.
Antes de ser chofer de táxi, o pai trabalhava como mecânico e não gostava que o filho se envolvesse com o trabalho que desenvolvia. Procurava
influenciá-lo a ser médico, fazendo de tudo para que o filho se envolvesse com o estudo, coisa que não teve. Almir, hoje, reconhece que seu pai
fez parte do processo de escolha de sua profissão.
Não tendo condições financeiras de estudar em curso pré-vestibular,
meteu a cara nos livros, sendo bem sucedido no vestibular que fez para
a Faculdade de Medicina de Sergipe no ano de 1973. Pela necessidade de
trabalhar, o curso foi suspenso pelo período de um ano.
À época do científico dava aulas particulares de Matemática. Com o dinheiro na “banca”, conseguiu realizar o grande sonho de sua vida. “Era o
sonho de ter uma bicicleta. Tive a famosa Monark Rei Pelé, que tinha uma
roda no quadro. Eu ia para o Atheneu de bicicleta. Uma vez roubaram o meu
veículo e foi um drama em minha vida. Mas recuperei logo em seguida,
quando acharam a minha bicicleta, numa casa perto do Atheneu (risos).”
Concluir o curso de Medicina foi um problema para Almir Santana, que
pensou em desistir no meio do caminho. “Dava aula de Biologia no Curso
FORMATURA - Com o anel de doutor, saindo da faculdade com toda a
garra do mundo para enfrentar nova vida profissional, logo percebeu que
emprego, mesmo para médico, não cai do céu. Sem espaço para o trabalho, teve de se contentar com a sala de aula, passando dois anos vivendo
da renda do trabalho de professor. “Um período muito difícil, momento
de angústia. Queria trabalhar, mas não tinha oportunidade. Sendo uma
pessoa calada, sem saber pedir, continuei na minha maneira de ser.”
Contando com o incentivo do pai, dividiu um consultório com um
colega, iniciando o trabalho de médico. Tempos depois, surgiu a oportunidade de ingressar no Estado, fato que mudou completamente sua
vida. Mesmo com emprego garantido, não abandonou a sala de aula, só
o fazendo recentemente, após atuar 23 anos como professor.
Quando começou a trabalhar no Estado, fez um pedido estranho ao
então secretário de Saúde: ser colocado numa unidade de saúde que
fosse a mais problemática, pois estava disposto a enfrentar todos os problemas, pelo imenso desejo de começar um trabalho. “Geralmente, a pessoa quando chega num emprego, quer uma coisa que seja mais conveniente. Quer trabalhar num centro de saúde que seja o mais perto de sua
casa. Eu, não. Eu não podia depender de distância, pois queria desenvolver um trabalho de saúde pública. Aí fui colocado no Centro de Saúde Machado de Souza, no Santos Dumont.”
CLÍNICO GERAL - Ao sair da faculdade para o exercício da profissão,
fez a opção pelo trabalho de clínico geral. Tempos depois, fez o curso de
especialização em saúde pública, em Ribeirão Preto. Almir ficou à vonta-
Oxente! essa é a nossa gente
Visão, do qual fui fundador e tinha turmas em todo o período da manhã, a
fim de segurar a barra da compra dos livros e da própria sobrevivência. Me
envolvi muito, tranquei o curso e por pouco não abandonei. Isso foi graças à
interferência de minha mãe. Aí entrou o lado da família, que é o lado mais
importante na vida da gente. Minha mãe dizia sempre que eu precisava terminar o curso e isso pesou. Quero dizer que uma coisa que me desestimulou
muito foi a falta de empenho de alguns professores da faculdade. Como eu
gosto de me dedicar muito aos meus alunos, de me empenhar como professor, eu gostava também que fizessem isso comigo, que me incentivassem.”
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Oxente! essa é a nossa gente
de no trabalho que passou a desenvolver no Santos Dumont, porque não
queria ser só um médico de consultório.
Numa época em que ainda não se falava em Aids, o trabalho de atendimento do médico na área de saúde pública era voltado para as doenças
sexualmente transmissíveis. “Eu descobri que o Santos Dumont era um
bairro que tinha muitos prostíbulos. Fiz um mapa do bairro e comecei a
visitar um por um, atendendo às prostitutas, solicitando exames de sífilis.”
Tudo que possui foi conquistado com muito suor. A compra do carro, confessa que não foi fácil. “Nada cai do céu. Volto a lembrar do sonho
da bicicleta que foi comprada depois de muita batalha. Depois consegui
realizar um outro sonho que era ter um relógio. Comprei o famoso Mido.”
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PRECONCEITO - Revela que o médico que deseja trabalhar com saúde
pública, jamais pode pensar em dinheiro, ou nada desenvolve. Por causa do trabalho com Aids, foi forçado a fechar o consultório, vítima dos
preconceitos existentes em torno da doença. “Perdi o consultório. Tentei
por duas vezes. Na primeira vez, tentei um consultório no edifício Paulo
Figueiredo, mas o que recebia não dava para pagar o aluguel. Muita gente
não ia porque dizia assim: para o doutor Almir só vai quem tem Aids.
Muita gente que não me conhecia, gostava, voltava e quando descobria a
verdade, chegava a me perguntar: o senhor é aquele médico da Aids?
Como clínico geral que é e pelo conhecimento em sala de aula, acredita que, financeiramente, poderia estar em outra situação, pois o ordenado que recebe atualmente não chega a 400 reais. “Esse fato de eu ter
me comprometido tanto, tem situações que me constrangem um pouco.
Se eu for num hospital que não seja o Hospital João Alves, as pessoas
dizem: sabe quem está aí? O doutor Almir! Já sei, tem alguma coisa de
Aids aqui dentro. Se eu for a um enterro, as pessoas especulam sobre
minha presença. Quem foi que morreu? Sabe quem estava lá, o doutor
Almir!”
Conta que tinha um paciente que não conversava com ele na rua, pelo
medo de alguém avistá-lo e associá-lo com a Aids. Mas aprendeu que é
possível extrair coisas boas das coisas ruins. Considera bom, por exemplo, o reconhecimento do povo pelo que faz para amenizar a dor dos
semelhantes.
EMOÇÃO - No Natal, teve a emoção que considera a maior de todas.
“Um paciente que não estava bem, sem ter mesmo condições de andar.
Ele se esforçou, pegou um táxi e foi lá em casa para me desejar feliz
Natal. Deixou uma lembrança e, três dias depois, morreu.”
Guarda com muito carinho as lembranças que recebe dos pacientes.
Outra emoção foi a publicação de uma nota de agradecimento, em um
dos jornais da cidade, de uma pessoa que perdeu uma irmã vítima de
Aids, pela dedicação do médico nos momentos difíceis da paciente. Em
Sergipe, existem atualmente 157 pessoas com Aids, enquanto 111 morreram até agora. “É uma doença muito difícil, porque a gente trabalha
com a morte. Uma coisa muito deprimente. Dizem que a maioria dos
profissionais que trabalha com Aids só passa cinco anos no máximo. Eu
já passei desse limite.”
No momento em que o médico estava dando o depoimento de sua
vida para a memória de Sergipe, recebeu o comunicado de que a turma
de formandos do primeiro semestre de 1994 das Faculdades Integradas
Tiradentes recebia seu nome. Almir ficou emocionado, com os olhos em
lágrimas.
FAMÍLIA - Solteiro, vive com a mãe e possui quatro irmãos: Maria Aparecida e Ana Angélica, que moram em Aracaju; Cleide, que mora em
Salvador; e Altair, que mora em São Paulo. Seu sonho é poder proporcionar o bem-estar à sua família e continuar a luta contra a Aids.
Oxente! essa é a nossa gente
Do ordenado que recebe, metade vai para atender às necessidades
dos clientes portadores do vírus da Aids. “Vou fazer uma revelação que
eu nunca fiz publicamente. Tem uma pessoa na equipe que eu pago para
trabalhar, porque eu não consegui ninguém para colher sangue.
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Antônio Gonçalves: o popular Feola
Oxente! essa é a nossa gente
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oi jogador, técnico e dono de time de futebol.
Uma figura das mais conhecidas da cidade e
das mais reverenciadas no calçadão da João Pessoa
nos fins de tarde, quando vai passar momentos de
descontração, ocupando o tempo nas conversas com
outros colegas aposentados. Uma pessoa simples e
de muitas histórias. Antônio Gonçalves revela sua
vida, falando de sua experiência como técnico em
Contabilidade, do tempo em que foi carteiro dos
Correios, delegado de polícia na cidade de Simão
Dias, professor de Educação Física e auditor fiscal
da Prefeitura de Aracaju. Fala do susto que levou
por causa de um cachorro e do seu prazer quando
é reconhecido na rua por um ex-aluno que diz:
“Fala Feola!”
Antônio Gonçalves Lima, nasceu na cidade de
Propriá (SE), no dia 27 de outubro de 1937, filho
de Arnufo Gonçalves Lima e Josefina Gonçalves
Lima. O pai era funcionário público estadual, atuante como auditor fiscal do Estado. Dele, o filho
aplica em vida honestidade, completa dedicação
à família e preservação da amizade. De sua mãe,
exemplos de uma mulher que fez o máximo para
educar os filhos, não faltando bons conselhos e amor em demasia.
Publicado no Jornal da Cidade em 11.2.1996
CARTEIRO - Desanimado pela decepção do primeiro contato com o trabalho como técnico contábil, deixou a profissão de lado e só aplicou os
conhecimentos adquiridos no curso mais adiante, quando trabalhou no
setor de Contabilidade na tesouraria dos Correios. Através de Francisco
Leite Neto, conseguiu emprego nos mesmos Correios como carteiro, no
ano de 1961.
Depois de passar alguns anos circulando pela cidade entregando cartas, foi trabalhar na manipulação domiciliar. Foram 14 anos de Correios.
Participou da ampliação do número de carteiros, de 24 para 44. “Isso
Oxente! essa é a nossa gente
Com a professora Noêmia Maia Palmeira, o primeiro contato com os
estudos, na cidade natal, fazendo com ela os dois primeiros anos do
curso primário.
Com oito anos de idade deixa Propriá e vai para Aracaju, por conta
da preocupação dos pais com os estudos dos dois filhos: Antônio e
Gisélio. “Eles sonhavam com a formatura dos filhos.”
Chegando em 1945, passou a morar na Rua Boquim, 329, local onde
o pai reside até hoje. A continuidade dos estudos aconteceu no Colégio
Tobias Barreto, onde concluiu o curso primário e estudou o primeiro e o
segundo ano ginasiais.
Do tempo em que foi aluno do Tobias Barreto, muitas lembranças,
destacando a convivência com os professores Alcebíades Melo Vilas Boas,
professor Portugal e as noitadas dos sábados, quando o diretor do colégio, professor Alcebíades, em vista da falta de divertimento naquela época em Aracaju, proporcionava aos alunos exibição de filmes no colégio.
Transferido para o Atheneu, concluiu o curso ginasial, retornando para o
Colégio Tobias Barreto para fazer o curso técnico em Contabilidade.
No ano de 1956, sai do colégio como técnico contábil, profissão escolhida por influência da família. Por indicação do pai, passa a trabalhar
num escritório famoso de contabilidade, que era localizado na rua São
Cristóvão. Trabalho sem remuneração, apenas para ganhar prática e promessa de uma posterior remuneração. “No primeiro dia, o homem mandou que eu organizasse umas fichas; no segundo, mandou que efetuasse
uns pagamentos; e, no terceiro, mandou que voltasse para casa e nunca
mais me chamou, até hoje (risos).”
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Oxente! essa é a nossa gente
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aconteceu em vista da chegada da Petrobras, que ampliou bastante a população da cidade.”
Do período de carteiro, momentos inesquecíveis. Em primeiro lugar,
a possibilidade de conhecer uma cidade que até então desconhecia, pois
só andava no Centro. O orgulho de uma profissão que exigia muita disposição e resistência. “Um tempo em que as cartas eram muito solicitadas, pois não existia telefone. Quando a gente passava, as moças, que
aguardavam com ansiedade cartas dos namorados, faziam reclamações,
chegando a dizer que o carteiro tinha má vontade. Cheguei a presenciar
moças chorando por causa de rompimento de namoro através de cartas.
Uma delas me reclamou por ter trazido a carta. Logo respondi que não
tinha nada a ver com o rompimento do namoro (risos).”
Não esquece das “carreiras” que levou de cachorros. A principal aconteceu na rua Rio Grande do Sul, na casa de um coronel da Polícia Militar
que mantinha um cachorro amarrado. Num belo dia, quando Antônio
chegou para entregar uma carta, o cachorro sentiu algo estranho, não se
conteve, partiu a corrente que o prendia, pulou a janela e foi em sua
direção. Diante da situação de desespero, saiu em disparada, escapando
por pouco de ser mordido. Foi um susto e tanto, precisando ser socorrido por vizinhos, com água e bastante açúcar.
Na mesma rua, outro fato interessante da vida de carteiro. Ao bater
numa casa, um menino disse para a mãe que tinha um homem. Do quarto,
ela falando alto, pediu para esperar. Depois de um certo tempo, chega a
mulher toda pronta e perfumada e, ao ver Antônio, que logo tratou de
mostrar seus dentes diante do que estava presenciando, disse para o menino que era apenas o carteiro, para frustração de Antônio.
DIREITO - Como tinha o sonho de ser juiz de Direito, fez vestibular e se
deu bem, ingressando na Faculdade de Direito no ano de 1971. Do curso
superior, feito com garra, uma homenagem aos professores que considera que mais se destacaram, como Balduíno Ramalho, Artur Déda, Luis
Carlos Alencar e Jussara Leal. Foi colega de Antônio Carlos Valadares,
Leopoldo Souza, Divaldo Andrade, Rui Pinheiro e Mirena Góis.
Toda vez que passa em frente ao prédio da antiga Faculdade de Direito, onde hoje funciona o Cultart, transporta-se ao passado, pelos bons
ESPORTE - Atuou com destaque no setor esportivo sergipano. Um envolvimento que durou muitos anos, iniciado no tempo em que era estudante do Atheneu, quando criou o time Internacional, ponto de partida
para que organizasse juntamente com o irmão Gisélio e André Mesquita
um campeonato estudantil de futebol.
Da sua habilidade como técnico da equipe Internacional, foi convidado por Roger Torres para ser técnico da equipe de amadores do
Cotinguiba, passando no clube da avenida Augusto Maynard como treinador pelo período de dois anos. Transferindo-se para o Sergipe, passou a atuar como treinador dos juvenis. Depois, aceitou o convite para
ser treinador do Vasco, onde dirigiu não só a equipe juvenil como a
profissional.
Registrou passagem como técnico de futebol da equipe juvenil e da
equipe profissional do Confiança. Voltou ao Cotinguiba para dirigir a
equipe profissional e terminou a carreira de treinador de futebol no Lagarto Esporte Clube. Como treinador, foram 12 anos, chegando a conquistar títulos nas equipes juvenis, mas não conquistou nenhum título
como treinador de equipe profissional. Sua atenção maior era para equipes juvenis, por sentir prazer em revelar craques para o futebol sergipano.
“Muitos passaram para o time profissional e faço o registro de Evangelista,
Vevé, que chegou a jogar no Náutico do Recife, e uma porção de jogadores que no momento me falha a memória.”
Oxente! essa é a nossa gente
momentos ali vividos. “Debaixo das árvores, conversávamos com os colegas sobre os projetos que sonhávamos realizar no futuro.”
Após a formatura, atende ao convite de Adroaldo Campos, então secretário de Segurança Pública, que resolveu fazer uma nova equipe de
delegados do interior, dando preferência aos bacharéis em Direito. Com
satisfação, foi ser delegado de polícia na cidade de Simão Dias, passando
sete anos e meio no cargo. “Consegui contornar a situação política.”
Na Segurança Pública, terminou como chefe de gabinete do general
Antônio Carlos do Nascimento Júnior, que foi secretário no governo de
Djenal Queiroz. Aprovado em concurso público, foi ser auditor fiscal da
prefeitura de Aracaju, trabalho que exerceu até o ano de 1992, quando
requereu aposentadoria.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Dessa época, a recordação mais triste foi como técnico do Confiança.
“Tinha o jogador chamado Zazir. Houve uma censura porque ele tinha
sido vendido. A diretoria do Confiança se reuniu num sábado pela tarde, foi até o campo, fez uma roda e expulsou o jogador do time, que saiu
do campo chorando. Foi um quadro triste, pela humilhação que fizeram
com o jogador, expulsando-o na véspera de um jogo e, de forma drástica,
sob a alegação de que ele se vendia.”
O nome Feola foi dado pelos radialistas Alceu Monteiro e Edvaldo
Menezes, conhecido como Capitão Galdino. “Eles dois, num programa
de esporte que era comandado por Raimundo Luiz, resolveram, no ano
de 1958, ano em que o Brasil foi campeão do mundo, me chamar de
Feola, pois eu era gordinho e brincalhão. Antônio Gonçalves, o popular
Feola, pegou e até hoje quando passo pelas ruas as pessoas me cumprimentam dizendo: ‘Fala Feola!’”
No futebol de salão, em sua melhor fase, quando o futebol chegou
em Aracaju comandado por Lélio Fortes, recebeu convites para dirigir
alguns times, mas só registrou uma pequena passagem no River Plate,
de Geraldão.
Por gostar de vários esportes, recebeu o convite do professor
Jouberto Uchôa para dirigir, na realização dos segundos Jogos da Primavera, as equipes de futebol de salão e futebol de campo, do Colégio
Tiradentes. Diante do sucesso, o professor Uchôa induziu Antônio
Gonçalves a ser professor de Educação Física. “Essa investida do
professor Uchoa foi bastante decisiva em minha vida, pois foi quando
resolvi voltar a estudar, me preparando para o vestibular do curso de
Direito.”
Para atuar como professor de Educação Física, fez curso de suficiência na cidade do Recife. “Ensinei no Atheneu, Tiradentes, Pio X. Foram
15 anos como professor de Educação Física. Depois, encerrei a vida de
professor ensinando Direito e Legislação, no Colégio Graccho Cardoso
em Estância, no curso de Contabilidade. Também ensinei Direito e Legislação no Milton Dortas, na cidade de Simão Dias.”
Sente-se feliz ao encontrar em todos os cantos da cidade seus exalunos de Educação Física e a alegria torna-se maior ao ouvir o cumprimento: “Fala professor Feola!”
Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA - Casou no dia 28 de maio de 1975, com Elze Fonseca Souza
Lima. Do casamento, três filhos: Tereza Cristina Souza Lima, que é médica pediátrica que trabalha no Hospital São Lucas e no Ipes; Cristiane
Fonseca Lima, que estuda Assistência Social na UFS e Direito na Tiradentes; e Marcos Antônio, que cursa Administração na Tiradentes.
É uma pessoa realizada na vida, por ter uma base familiar. “Dinheiro
não faz tudo. O que faz é a família. Se a pessoa não for feliz na família,
não tem nada na vida.”
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Arnaldo Silva e seu carro de propaganda
Oxente! essa é a nossa gente
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om a Organização Lincoln de Propaganda, seu
carro de som dotado de enormes bocas de
alto-falantes trabalhou até em duas campanhas políticas na Bahia. Em Sergipe, sua presença era indispensável não só na política, como na realização de todos os eventos. Com 70
anos de vida, a história do
comunicador Arnaldo, seu lado de
contabilista e o orgulho de ter bisneto.
Arnaldo Correia Silva nasceu na cidade de Aracaju, a 10 de julho de 1926.
Seus pais: Juvenal Correia Silva e Dalva de Siqueira
Silva.
Filho de um pequeno comerciante de secos e
molhados, age com honestidade, principal herança recebida do Sr. Juvenal. De sua querida
mãe, uma profunda admiração pelo excesso de
carinho que ela dedicava a todos os dez filhos
e pelo zelo com a família, criada na prática da
religião católica. Uma mulher perseverante na
educação dos filhos, com princípios éticos.
INFÂNCIA – Nasceu na rua Bonfim, número 84, onde passou a infância
e a adolescência. Recordação de um tempo de muitas brincadeiras e estudos, iniciados no Colégio Tobias Barreto.
Publicado no Jornal da Cidade em 27.10.1996
Da primeira professora não esquece, nem das demais mestras do curso primário. “Iniciei como aluno da professora Almerinda Cardoso, filha
do grande mestre Zezinho Cardoso. Depois tive outras, como a professora Briolângela Brandão e a professora Estelita.”
MORRO DO BONFIM - Foi freqüentador do Morro do Bonfim, local
famoso de uma Aracaju do passado, que abrigava no Centro da cidade os
conhecidos cabarés.
Vivendo uma juventude bastante aberta, considera-se um doutor da
noite, do seu tempo. “Hoje, nós não encontramos uma vida noturna
como existia na minha época. Havia o respeito das mariposas que moravam entre famílias das ruas Bonfim e Lagarto e elas se comportavam com
dignidade perante a sociedade.”
Ao lado do alto do morro de areia tinha um pequeno pedaço que favorecia a prática da tradicional pelada. Arnaldo, que gostava de futebol, fez
uso desse espaço nas proximidades de sua casa desde os sete anos de
idade. No tempo que era molecote, teve como companheiro de peladas o
médico José Maria Rodrigues, filho de Zozó – Zoroastro Rodrigues.
Por saber fazer gol e pela categoria de atacante, foi além da pelada,
chegando a jogar no Palestra. Considera um bom tempo do futebol em
Aracaju, quando havia menos arrogância e menos violência. “Um futebol, no meu ponto de vista, melhor do que o de hoje, pois a bola era
tratada com carinho e, por isso, havia muitos gols. Raramente encerravase uma partida com empate. E, quando existia, o escore final era 3 x 3 ou
4 x 4. Sempre havia gols.”
NAMORADA – Por causa de uma namorada, depois de um ano de Palestra, refletiu e percebeu que era muito melhor cair nos braços de uma
Oxente! essa é a nossa gente
GINÁSIO – Estudou o ginásio no Colégio Atheneu. Aluno dos professores José Augusto da Rocha Lima, Gentil Tavares, professor Zequinha e
Felte Bezerra, sente-se privilegiado por ter tido oportunidade de beber do
saber de uma safra de professores que fizeram história na educação em
Sergipe. Reconhece que não era um aluno aplicado, mas apenas razoável. Em casa, em vez dos contatos com os livros, ficava ouvindo rádio.
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Oxente! essa é a nossa gente
mulher do que rolar com a bola nos fins de semana. “Foi aí que despertou a curiosidade para o namoro. Futebol já estava me tirando o prazer
de ter uma namorada. Fui deixando-o, e passei a viver mais do gostoso
lado do amor.”
Não teve apelido como era costume em sua época de jogador de
futebol, mas conquistou um como estudante do Atheneu. “Diziam que
eu comia muito e daí uns colegas passaram a me chamar de anta. Coube
ao finado Garça, o Antônio Travassos, a autoria do apelido.” Como
jogador de futebol do Palestra, Arnaldo conviveu com muitos apelidos.
“Tinha Casacudo, Jaguaré, Dedeu, Zeca das Pamonhas, Baianinho, Teleco
e Galinhão.”
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CONTABILISTA - Terminou o ginásio no Tobias Barreto, depois passou
um tempo sem estudar e retomou os estudos fazendo o Curso Técnico
em Contabilidade. Com o incentivo da mulher, faz vestibular e passa a
estudar na primeira turma de Ciências Contábeis da então Faculdades
Integradas Tiradentes. Se forma no ano de 1976.
Como contador, trabalhou no serviço público. Primeiramente, entrou na Previdência Social como técnico em Contabilidade e terminou se aposentando como secretário de Contabilidade e Finanças do
Iapas, depois de 27 anos de serviço público e nove de trabalho no
comércio.
PRIMEIRO EMPREGO - O primeiro emprego foi na firma Alfredo Leão
Mendonça, no ano de 1941, na função de balconista do armazém de
secos e molhados, que funcionava na rua Santa Rosa. Tinha 15 anos de
idade e passou a trabalhar por castigo do pai, que o obrigou a assim
proceder por ter deixado os estudos.
Menos de um ano depois voltou aos estudos, chegando a se preparar
para o concurso da ESA (Escola de Sargento das Armas) do Exército. Foi
desclassificado por ter pé chato.
Em 1946 foi para a cidade de Itabuna (BA), onde passou um tempo
trabalhando como ajudante de caminhão de um primo. No retorno a
Aracaju, foi trabalhar na Casa Lígia, de João Claudino Pereira, uma casa
de calçados e modas localizada na Rua João Pessoa.
CASA AURORA - A Casa Aurora, segundo Arnaldo, era uma das lojas
que faziam mais propagandas na época. O carro de alto-falantes comandado por ele saía pelas cidades do interior sergipano e alguns da Bahia e
Alagoas.
Como meio de comunicação, o carro de alto-falantes, nessa época, era
um dos mais eficientes. Mas em Aracaju só havia dois carros: o Lincoln,
de Arnaldo, e o Guarany, de Paulo Silva. Segundo seu depoimento, o
pioneiro em Sergipe em carros de alto-falantes foi Cláudio Silva, pai de
Paulo Silva, do Café Sul-Americano.
Para todos os eventos, ou o carro dele ou o Guarany era convidado.
Inauguração de obras do governo, de loja, enfim, todas as coisas que
aconteciam na cidade. Ele tinha uma agenda lotada e trabalhava dia e
noite, além dos domingos e feriados.
O carro de Arnaldo foi presente do dono da Casa Aurora. “Ele era
gringo e negociante. Tinha aquela de não dar dinheiro a ninguém. Ficou
naquela que um dia iria me pagar, construímos uma sólida amizade e,
quando ele se transferiu para Salvador, me deu o carro.”
LINCOLN - O nome Lincoln originou-se de um carro de som do compadre José Américo, que se chamava Lincoln Propaganda. “O José Américo
tinha feito sociedade com o Elias, da Casa Aurora, e a empresa passou a
Oxente! essa é a nossa gente
SERVIÇO DE ALTO-FALANTES – Louco de paixão pelos locutores da
Rádio Mayrink Veiga, era fã principalmente de César Ladeira, imitava-o
por todos os cantos. Até que um dia se deparou com um microfone,
iniciando-se efetivamente como locutor de um serviço de alto-falantes
instalado em uma loja no centro comercial de Aracaju.
Na loja de Zé de Eva, a Sapataria Elite, na rua João Pessoa, ficava
dentro do estabelecimento comercial com o microfone e os alto-falantes
na porta da loja, chamando os clientes. “A casa enchia.”
Deu um tempo ao microfone e aceitou emprego nas Lojas Brasileiras,
trabalhando no depósito. Só passou quatro meses, já que a saudade do
microfone apertou. “Entrei para trabalhar com o carro de propaganda da
Casa Aurora. Fui indicado por Raimundo Almeida, que terminou perdendo o emprego de locutor para mim.”
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Oxente! essa é a nossa gente
ser chamada Aurolincoln. No momento em que tomei posse do carro da
Casa Aurora, fiz opção pelo nome da empresa anterior à fusão.”
Com carro de alto-falantes, uma vida de 46 anos. “O dinheiro, deu
para criar minha família, que também precisou do meu emprego como
contador.”
Nas campanhas do Partido Comunista, a convite de Robério Garcia,
uma experiência que abriu o campo de trabalho para outras eleições.
Trabalhou na campanha de Arnaldo Garcez para o governo do Estado, na
campanha de Leandro Maciel, de Luiz Garcia, Seixas Dória e Euvaldo
Diniz. Não ficou somente em Sergipe, tendo trabalhado na Bahia, na
campanha de Juracy Magalhães e de Pedro Calmon. “O primeiro carro de
propaganda em Salvador com luz fluorescente foi o nosso. Deixamos o
baiano de boca aberta em 50, na estação de Calçada. Quando chegamos
por lá, calados, colocamos o som pra valer, acendemos a iluminação. Os
baianos arrodearam o carro e bancaram os tabaréus.”
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SOM IMPORTADO - Com o carro, uma atenção especial. Com o som,
todo o cuidado possível. Usava amplificadores americanos e bobinas
dos alto-falantes da mesma origem.
Um fato pitoresco no seu trabalho em campanhas políticas aconteceu
em um povoado do município de Ribeirópolis. “Foi na campanha de
Leandro Maciel. Estávamos trabalhando no comício com o Dr. Leandro,
quando apareceu uma turma de Cearás. Parecia um filme de cowboy. A
estrada era bem larga. Só tinha a feira e o reduto era justamente o do
inimigo de Leandro Maciel. Estes Cearás eram ligados a Leite Neto. O
Leandro era da UDN. Eles chegaram, abriram as jaquetas, mostraram as
cartucheiras e, em fila, começaram a andar em direção do carro de som.
Peguei um canivete e disse ao Antônio Dantas, que era o motorista: no
primeiro tiro, a gente corta o cabo de microfone, com o carro ligado,
deixa Leandro e se pica. Não chegamos a fazer isso, porque o Leandro
moderou as palavras e os Cearás ficaram só escutando.”
Sente saudade hoje de pegar o microfone para falar. “Se voltasse o
meu tempo atrás, seria demais.” Atuou também como mestre de cerimônia de bailes e foi por algum tempo locutor comercial da Rádio Difusora
de Sergipe.
Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA - Casou em 1955 com Marlene Noronha Silva. “Deixei de ser
o namorador das outras e passei a namorar somente ela. Por isso, estamos
juntos até hoje. Do casamento, os filhos: Alberto Jorge, Vânia Maria,
Clesson Correia Silva, Rômulo Correia Silva e Pedro Silva Neto. “Sou
avô de 13 netos e tenho uma bisneta.”
Diz que está com 70 anos bem vividos e convive bem com uma diabetes. Confessa, por fim, que sempre gostou da política para ganhar dinheiro. “Me candidataram uma vez para vereador. Foi o próprio Elias, da
Casa Aurora. Arranjei 57 votos, mas não deixei de ganhar dinheiro com
o meu carro de propaganda, juntando o útil ao agradável.”
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Barreto Mota: terror dos ladrões de Sergipe
Oxente! essa é a nossa gente
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om uma brilhante carreira militar, o coronel Barreto Mota faz parte da história de Sergipe por sua conduta no comando policial do Estado por várias décadas.
Por ocasião da sua segunda investida na
Superintendência da Polícia Civil, circulou a notícia de que foram necessários ônibus extras para atender aos ladrões que,
num só dia, resolveram sair do Estado
com receio de serem molestados. O coronel revela que conhece 90% dos marginais de Sergipe e conta muito mais.
João Barreto Mota nasceu a 24 de junho de 1924 na cidade de Divina Pastora. Seus pais: Antônio Francisco
da Mota e Celeste Muniz Barreto.
Filho de um pequeno comerciante, herdou a honestidade do pai. De
sua mãe, um reconhecimento profundo pelo amor
que ela dedicou aos filhos e à sua esposa.
Quando tinha cinco anos de idade, a família foi morar em Aracaju, transferência motivada pela preocupação dos pais
com os estudos dos filhos. Barreto,
anos depois, entrou na escola, o Grupo Municipal Manoel Luiz, como
Publicado no Jornal da Cidade em 8.12.1996
POLÍCIA MILITAR - Pela obrigatoriedade de prestar serviço militar,
chegados os 18 anos de idade, fez a opção de ingressar na Polícia Militar
de Sergipe, já que havia na época a opção de servir no Exército ou na
Polícia.
A opção pela polícia veio em função do medo de viajar para outros
lugares. Assim, socorreu-se do professor Acrísio Cruz, que fez um bilhete para o comandante da Polícia, que prontamente o atendeu.
Entrava Barreto como soldado. Nessa função militar passou apenas o
período de um ano. Fez curso para cabo e foi bem sucedido. Esta fase foi
de grande importância em sua vida, por proporcionar o retorno aos estudos. Anima-se e resolve seguir carreira na Polícia, agarrando-se ao desejo
com unhas e dentes.
Oxente! essa é a nossa gente
aluno da professora Possedônia Bragança. Despontava como primeiro
aluno da classe, feito que repetiu no primeiro e segundo ano do então
curso primário.
Já aprovado para cursar o terceiro ano, não gostou da proposta da
mãe, que queria mudá-lo de escola. “Minha mãe chegou para mim e
disse: Vou lhe botar num colégio de gente. – Não me tire do grupo que eu
estudo com Dona Possedoninha. – Tiro! – Eu não estudo! – Eu quero ver
se você não estuda.”
Dito e feito. Sua mãe era de opinião que o único colégio que prestava
era o Tobias Barreto, do professor Zezinho Cardoso. O menino João estudou apenas dois meses naquele colégio. Conforme havia dito, que não
iria estudar se não fosse com sua primeira professora, larga os estudos e
foge de casa. Em Pedrinhas, refugiado na casa de parentes, passou um
bom tempo. Um certo dia, resolve voltar ao convívio dos pais, mas não
volta a estudar.
Escolhe a profissão de pintor de parede e recebe boas lições do conhecido pintor José Ribeiro, a quem passa a oferecer seus serviços. Com
tintas e pincéis, vão-se oito anos. Como sua mãe também era comerciante, o dinheiro do trabalho dele era todo destinado às despesas pessoais.
Uma lembrança de um tempo em que jogava futebol, freqüentava o
antigo espaço da praça da Bandeira – pois morava na rua Estância –, com
direito a muitas peripécias.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Como cabo, ingressa no regimento de cavalaria, tempo que não durou
muito. Demonstrando eficiência, é reconhecido pelos superiores e logo
chega a indicação para trabalhar como ordenança do secretário de Segurança Pública, João de Araújo Monteiro.
Do contato inicial que manteve com a Polícia Civil, lembra que era
uma polícia pequena, com poucos elementos, mas eficiente no trabalho
desenvolvido com dedicação por seus integrantes.
Faz com sucesso novo curso e sai com divisa de terceiro sargento. Dá
prosseguimento, chega à segunda divisa e ingressa no curso de oficial.
Como havia a exigência de ter o curso ginasial, não concluído por ter
abandonado os estudos, prepara-se para as provas do supletivo. Ultrapassa esse obstáculo e consegue ser matriculado no curso de formação
de oficiais.
Antes de chegar ao curso de oficiais, teve a oportunidade de prestar
serviço no distrito policial do bairro Siqueira Campos. Também serviu
na cidade de Nossa Senhora do Socorro.
Terminado o curso de oficial, no ano de 1953, progrediu muito na
carreira militar, passando de aspirante para segundo tenente, logo chegando a primeiro tenente, foi capitão e tornou-se major.
Como não consegue ficar sossegado, pelo seu espírito de desafio,
vai a Brasília fazer o curso superior de Polícia. “Lembro até de um
episódio. Quando cheguei lá, no dia da aula inaugural, o presidente do
curso, na presença de todo mundo, disse: O representante de Sergipe.
– Pronto: major PM Barreto Mota. – O seu comandante não lhe disse
qual era o nível deste curso, não? – General, ele só não me disse como
eu li as instruções emanadas dessa academia. Agora, posso fazer uma
pergunta? – Pode. – Dá direito a oficial superior de polícia se inscrever
neste curso? – Dá. – Pois eu garanto que o 42º lugar não será meu. Me
sentei e, daí a pouco, foi só risada, pois eram 42 alunos (risos). Quando
terminou o curso, eu passei em nono lugar.”
Dando prosseguimento à carreira, chega a coronel. No percurso do
longo caminho, o encontro com pessoas que reconheceram seu valor.
“Encontrei Djenal Queiroz, que chegou para comandar a polícia. Encontrei uma porção de amigos.” A maior emoção foi ter recebido o título de
conclusão do curso superior de polícia.
CORPO DE BOMBEIROS - Barreto comandou o Corpo de Bombeiros e,
na corporação, uma história repleta de méritos. “Quem conseguiu passar
o Corpo de Bombeiros da Prefeitura para o Estado, fui eu. Eu pedi ao
governador, por intermédio de sua esposa, Dra. Maria do Carmo Alves, e
ele passou. Conseguiu com o marido. Eu notava que o Bombeiro era
despreparado, principalmente o material. Posso dizer que o único carro
que ele tem até hoje, fui eu que comprei: aquela escada magirus. Só tem
uma e foi João Alves Filho quem comprou. Eu estava no comando.”
O que tinha sido para ele a Polícia Militar? “A Polícia Militar foi a
minha vida nesse mundo. Tenho saudade demais, mas, voltar a trabalhar não, pois já estou velho. Fiz muitas amizades.”
Quando era segundo-tenente, por ser um ferrenho militante do PSD,
para não ir para a Penitenciária do Estado, por ordens expressas de Leandro Maciel, governador de Sergipe pela UDN, fugiu para São Paulo,
passando por lá oito anos. Trabalhou como guarda-penitenciário do
Carandiru e foi juiz da Federação Paulista de Futebol. Retornou no governo Celso de Carvalho, quando passou a atuar como juiz da Federação
Sergipana de Futebol.
SSP - Na Secretaria de Segurança Pública, tem muito para contar. “Fui
tudo: inspetor de Ordem Social, superintendente da Polícia Civil – duas
vezes – diretor do Detran. Cheguei a responder pela Secretaria de Segurança Pública.”
Considera que foi uma passagem boa pelo reconhecimento da comunidade quanto à prestação dos serviços. “Ainda hoje o povo confia demais em mim, por causa dos meus serviços.”
Não era um superintendente de gabinete. Ia para as ruas. “Tinha que
amanhecer o dia na rua com os policiais, atrás dos bandidos. Fazia isso
direto, e assim foi por todo o tempo que passei por lá. Balas perto de
mim, senti demais. Uma vez, eu estava com Marc Klarc, atrás de um
Oxente! essa é a nossa gente
Da vida que levou na PM, garante que nunca teve decepção. Por duas
vezes chegou ao comando, três a quatro anos no total. Analisando a PM
do passado, diz que, para a época, sempre foi bem atendida pelos governos.
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Oxente! essa é a nossa gente
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bandido, e ele foi baleado junto de mim. O bandido era justamente um
dos caras que mataram o Miraldo do posto de gasolina.”
Garante que conhece 90% da marginalidade, não só de Aracaju, mas
de todo o Estado de Sergipe.
Mesmo após o longo tempo caçando bandidos, Barreto Mota continua a vida rotineira de freqüentador do calçadão da João Pessoa, onde
diariamente “assina ponto”, das 14h30 às 15h, na Agência Magazine do
Banese. Anda nas ruas sem segurança e sem nada. Revela que nunca
precisou de segurança e que não tem sentido viver uma vida sem liberdade. “Hoje, só quem manda em mim é a mulher (risos).”
Por primar pela independência no trabalho como autoridade policial,
sempre exigiu liberdade no desempenho do cargo. Uma liberdade que
não foi conquistada graciosamente. “Tive vários atritos com diversos chefes
políticos. Ninguém me dobrava.” Chegou a se envolver com a política
partidária, candidatou-se a deputado estadual pelo PSD, mas não conseguiu votos para se eleger.
Quando assumiu a Superintendência da Polícia Civil pela segunda
vez, aconteceu um fato interessante. “Fiquei sabendo da notícia de
que o terminal rodoviário teve que colocar ônibus extras para atender
aos ladrões que estavam deixando Aracaju, por causa da minha volta
à polícia.”
Barreto guarda muitos segredos desse tempo. “Tinha informantes
na rua”. Olha firme para o repórter, que sente que ele não quer falar
sobre isso. Se Barreto Mota contasse o que ele sabe, muita gente alta
cairia de cabeça para baixo? Novo olhar, uma pitada de resposta: “Algumas pessoas cairiam de cabeça para baixo.” Deixariam de ser intocadas?
Sem resposta. O segredo acima de tudo. “Se você não mantiver o segredo da coisa, ninguém confia em você. Como é que vai lhe dizer alguma
coisa? Você tem que adquirir a confiança de todos, não é?” É por isso
que sabe de muita coisa. Se fosse publicar um livro ganharia muito
dinheiro? “Ave Maria (risos)!” E outra história interessante que viveu
em Sergipe? “A outra que tenho para contar é o prazer de ter lhe conhecido (risos).”
Outra história é que passou pelo esporte, foi presidente do Sergipe e
sagrou-se tri-campeão estadual. “Fui presidente do Sergipe por três anos
FAMÍLIA - Casou com Maria Isabel Barreto. Uma prima carnal. Ela conta tudo. “O pai dele era irmão do meu pai. E sempre eu vinha do interior
para fazer curso e ficava na casa dele. Mas nós não namorávamos. Nós
noivamos sem namorar. Casamos em 54, na Catedral, no dia 3 de julho,
numa cerimônia presidida pelo padre Olívio Teixeira. Desse casamento,
já são 42 anos. Tenho uma filha, a Yara. Ela tem uma filha, a Cláudia
Luiza. Luiz Cláudio é o meu genro. Além da minha filha, criamos a
Cláudia Tereza, já casada, Maria Rosa, também casada e que tem uma
filhinha linda. Agora temos duas meninas: Kátia e Angélica.”
De volta ao Barreto, agora em outro clima. O que acha da vida com
Maria Isabel? “Tive a maior sorte do mundo de ter casado com essa coisa.
Tive uma namorada, que um certo dia chegou para mim e me disse que
eu deveria ir até o pai dela para acertar o casamento. Respondi que iria
fazer isso, mas só depois que fosse em Pedrinhas. Ela ficou muito intrigada
e quis saber o motivo. Continuei: tenho uma prima, não namoro com ela
e nunca namorei. Mas, eu só me caso com você, ou com outra qualquer,
se ela não quiser casar comigo. – Já namorou com ela? – Não, mas tenho
que perguntar se ela quer namorar comigo. Se ela disser que não, eu
caso. Me dei bem, pois ela não quis mais negócio comigo. Eu, então, fiz
um bilhete ao meu tio e, quando a resposta veio, foi aceitando. Então,
quer dizer que a minha prima já estava manjando também (risos).”
Oxente! essa é a nossa gente
e ainda estou no clube como conselheiro.” Comenda do Estado, nunca
recebeu. Título de cidadão de Aracaju, recebeu no mês passado.
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Cabo Duda e sua história de pescador
Oxente! essa é a nossa gente
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igura folclórica da Atalaia,
dono de bar, pescador de
muitos anos de mar — e dos mais
respeitados —, Arivaldo Nunes
Chagas, conhecido como Cabo
Duda, nasceu em 10 de fevereiro
de 1941 no então povoado
Mosqueiro, município de São
Cristóvão. Seus pais: José Francisco dos Santos e Nair Nunes
Chagas.
O pai era um pequeno comerciante de secos e molhados
do Mosqueiro, vendia os produtos em sua própria e pequena casa, espaço chamado pelo
povo de bodega. Com ele, o filho só veio a conversar, guardada certa distante, aos 15 anos
de idade, pois fruto de um
amor sem compromisso com a
sua mãe e ele tinha outra mulher. Após a morte, o filho teve
direito a uma parte do terreno que o pai possuía no Mosqueiro.
Publicado no Jornal da Cidade em 27.7.2003
ATALAIA - Com o crescimento dos filhos, e a necessidade de proporcionar a todos eles a escola, a mãe vende a casa do Mosqueiro e compra
uma na Atalaia. Com a mudança, Duda, já com mais de 16 anos de
idade, passou a estudar com a professora Salvelina, no Grupo Miramor,
que era localizado atrás da Sementeira. Não chegou a concluir o curso
primário: após dois anos de estudos decide se dedicar exclusivamente à
pescaria.
Oxente! essa é a nossa gente
Com a mãe Nair, Duda aprendeu muito, principalmente o amor ao
trabalho e a coragem para vencer na vida. Foram lições de uma mulher que
teve 18 filhos e que, para sustentá-los, saía do Mosqueiro a pé, carregando
um cesto cheio de aratus e camarões, para vendê-los no mercado de Aracaju. Uma caminhada penosa, que fazia ao lado de amigas, numa ida e vinda
que durava dois dias. Com a mãe, diz com orgulho, aprendeu tudo, mas
destaca a honestidade como a maior lição que recebeu dela e que aplica aos
filhos e netos.
A infância passou e, por conta da necessidade de ajudar no sustento
da família, nem aos domingos pôde desfrutar das brincadeiras. Fazia
entrega de casa em casa das carnes de boi que sua mãe vendia do seu
cunhado, que era marchante. O fascínio pela pescaria veio naturalmente,
mas só na juventude, quando ganhou uma rede de um senhor chamado
Gilberto, representante da aguardente Pitú em Sergipe, encarou a pescaria como profissão. “Ele comprou em Salvador a melhor rede que existia
na época para me dar de presente. Uma rede de arrastão, daquelas que
precisa de duas pessoas, uma de cada lado, para pescar. E eu pescava na
praia de Atalaia com o meu sobrinho, Gabriel.”
Até ganhar a primeira rede, pescava com outros pescadores no
Mosqueiro. “Era a lambuda, aquela rede que faz o cerco e que precisa de
muitos homens para puxar. De cada pescaria que participava, eu tinha o
meu quinhão. Como eles não me levavam embarcado, eu ficava em terra
para cuidar das cordas. Era uma época em que, no Mosqueiro, o oceano
dava muitos peixes, principalmente robalo, pescada branca e sauara.”
Do tempo que residiu no Mosqueiro, lembranças boas também das festas
do Bom Jesus dos Navegantes, quando corria nas canoas de pescadores
amigos.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Na época em que o bairro ainda acolhia veranistas, a lembrança do rio
da Atalaia, que dava bastante camarão. “Eu peguei muito camarão naquele rio para o Dr. Sílvio, Alfredo e Arculino Gentil, para que eles usassem
como isca em seus molinetes. E esse trabalho me dava um dinheirinho.”
Ainda na juventude, Duda batia a bomba que enchia a caixa d’água da
casa do médico Carlos Melo, que ficava na proximidade do mar. “A velha
minha mãe cuidava da casa, pois ele só fazia uso em época de veraneio.
Dr. Carlos me dava um dinheiro para bater a bomba e para manter a
cerca. Eu fazia o mesmo com a casa vizinha, que era do Dr. Raul
Rollemberg”.
Contando hoje com mais de 50 anos de pescaria, Duda revela que
entrou numa canoa para enfrentar o mar tão logo chegou à Atalaia aos 16
anos de idade. “Quem me botou na canoa foi o meu primo Gabriel, e não
tive medo. Entramos no mar direto, fomos para fora, onde hoje estão as
plataformas da Petrobras. Saímos de manhã cedo e voltamos já perto do
final da tarde, com o resultado do que pescamos com a rede. Na época, a
canoa só não ficava cheia até a tampa de peixe porque não dava para a
gente retornar à terra. Era uma época de uma Atalaia que não tinha poluição e o movimento de gente que tem hoje. A gente se dava ao luxo de
escolher o peixe que queríamos ao tirá-lo da rede. Os pequenos a gente
devolvia ao mar. Só trazíamos peixes grandes. Cheguei a pescar uma
arraia de 150 quilos, que eu nunca tinha visto em minha vida. Endoidemos
e, para levar o peixe na cidade para vender, foi preciso o jipe de Zé
Baixinho. Nós vendemos no mesmo dia, uma Quinta-Feira Maior, e o
dinheiro torramos tudo de cachaça. Foi uma cachaçada da peste (risos).”
XIMBICA - Com o dinheiro emprestado pelo amigo e publicitário Nairson
Menezes, Duda compra uma embarcação. Com ela, uma história de 15
anos de pescaria e muito trabalho para guardá-la num barraco próximo à
beira mar. “Para levá-la para o mar ou para trazê-la para o barracão de
palha, usávamos troncos de coqueiros. Termina um, botava outro. Nos
dava um trabalho danado.”
Pescador de carteira e embarcação legalizada, despachada pela Capitania dos Portos, a canoa tinha até nome. “Era a Xibica. Esse nome, que até
hoje eu não sei o que é, foi dado pelo Nairson Menezes (risos). Na verda-
CHINELA E RURAL - Mas mesmo num bar menor, mantém uma fiel
clientela. “Muitos médicos, advogados, o pai do desembargador Antônio
Góes, que não sai daqui, e o filho que morreu recentemente, quando
Oxente! essa é a nossa gente
de ele queria que eu despachasse a canoa com o nome de Delaide, que
era o nome da mulher que despachava as canoas na Capitania. O pensamento de dar o nome de Delaide, como Nairson me explicou, era como
forma de gozação, pois ao tirar e devolver a canoa a gente sempre falava:
pegue Delaide, sobe Delaide.”
Com a Xibica foram seis anos de trabalho com mais dois companheiros de pesca. Conta que só passou o barco adiante porque ninguém queria nada com o trabalho, depois que recebia o dinheiro da venda dos
peixes, inclusive ele, na sexta-feira. “No sábado, ninguém ia para o trabalho, porque ficava todo mundo bêbado.” Xibica faz falta. Até hoje, Duda
sente a sua falta. Já pensa até em mandar fazer uma embarcação no bairro
Industrial e batizá-la de Ximbica, já que o nome lhe pertence e continua
registrado na Capitania dos Portos de Aracaju.
Fora a paixão pelo mar e pela mulher e filhos, tem espaço no seu
coração para o Partido dos Trabalhadores, um namoro iniciado no seu
bar na Atalaia. “O PT foi criado aqui, com a presença de toda a turma:
Desenho, Cacau, Bobô, Dr. Emerson, Eugênio, Dorinha e outras pessoas.”
Embora já não tenha canoa, não dispensa a rede, que sempre está no
mar, pelas mãos amigas de outros pescadores que fazem ponto no seu
bar, Toca do Índio, o último da Passarela do Caranguejo, na proximidade
do Hotel Parque dos Coqueiros. Não tem mais o número de clientes de
antigamente, antes da construção da rodovia ligando a Atalaia à praia de
Aruana. O bar tinha o diferencial nas mesas sempre cheias, era bem
movimentado e tinha muito espaço no terreno repleto de coqueiros. “Era
uma festa e só tinha eu aqui. O negócio era quase todo na areia e as mesas
eram de carretéis de fios da Energipe, que o Dr. João nos mandou. Os
bancos eram de troncos de coqueiros cortados, a cobertura de palha,
tudo muito rústico e bonito. Vendia muito caranguejo e era uma festa na
sexta, no sábado e no domingo. Toda essa alegria durou quando o Dr.
Albano fez a pista.”
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podia sempre estava aqui. Pela manhã, quem sempre me vê é o Dr. Albano
Franco. Outro dia, ele foi tomar banho e levaram a sua chinela. Como ele
tem os pés finos e, para atravessar o asfalto tem ser de chinela, eu a pego,
deixo-a em cima do balcão e fico cuidando. Quando vem, entrego a ele.”
Um fato engraçado da sua vida aconteceu numa noite em que foi
pescar camarão com Nairson Menezes. “Ele tinha comprado uma Rural
e, quando veio me deixar em casa, a estrada pelo fundo era de areia, ele
fez questão de me deixar na porta da casa. A Rural tinha tração nas
quatro rodas e eu tinha uma fonte no fundo do bar, que era coberta com
palha. Naquela noite, como estávamos os dois melados de muita cachaça, quando disse, ‘Nairson, a fonte está aí’, ele já tinha metido a Rural.
Quando ele disse: ‘E agora?’, respondi: ‘Vai virar’ e pulei. Não deu outra.
A Rural só saiu no outro dia, toda cheia de água, puxada por um carro
do Touring.”
O apelido Cabo Duda foi dado por amigos, pois na proximidade do
seu bar e residência era quem cuidava de tudo e de todos. Casou com
Maria Antonieta dos Santos no ano de 1973. Conta que a paixão persiste
até hoje e, como fruto do grande amor, o filho Arivaldo Chagas Filho.
Tem um neto, Eduardo.
Conta que, com a embarcação que pretende encomendar, vez e outra
voltará a pescar no alto mar. “Vou botar uma pessoa, mas vou sair. Porque o mar é a minha vida, onde fui criado. Só me afastei da água porque
montei um barzinho, mas vou voltar.”
Caio: o engraxate modelo de Aracaju
om a magia da sua cadeira de engraxar, Seu
Caio, como é chamado por todos, é o engraxate modelo de Aracaju. São 60 anos de profissão. Seu ponto é na rua Laranjeiras, quase na
esquina com Itabaianinha. Foi o engraxate oficial do governador Arnaldo Garcez e muita gente
importante até hoje passa por lá. Uma figura
querida da cidade, um patrimônio vivo. Gente simples, pessoa humilde que faz parte
da memória da cidade.
Sua cadeira é o seu símbolo. Sobrevive
na vida moderna graças ao encanto de Caio
Francisco de Matos, que fascina a todos
com o seu trabalho de engraxar sapatos
bem em frente à sede do Correios.
O simpático velhinho da cadeira de
engraxate, que não ouve direito, tem dificuldade ao falar e facilidade para sorrir. Quem
não o conhece, não conhece o centro comercial,
onde ele é a figura mais popular. Mas os ouvidos
do engraxate não funcionam bem. É uma mão na
escova e outra no ouvido, para não perder nada.
Mas, depois, tudo fica na maior reserva.
Caio nasceu em São Cristóvão, no dia 6 de março de 1914, filho de Francisco Cirilo e de Maria Lucia Cirilo. “Eu tinha
oito irmãos, agora só tenho dois.”
Oxente! essa é a nossa gente
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Publicado no Jornal da Cidade em 7.1.1991
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Passou pouco tempo naquela cidade, logo seus pais se mudaram para
Aracaju. Chegou aqui com seis meses de idade. Seu Cirilo foi morar na
rua São João e, no bairro Santo Antônio, Caio passou a infância brincando de soltar arraia e ganhando, no jogo à vera, muitas bolinhas de gude.
“Estudei na escola, lá na rua São João mesmo. Passei um ano só e pronto”. Assim, Caio contou seu tempo de estudante. Logo, seu pai faleceu e
a necessidade obrigou o menino a trabalhar.
Ganhava a vida diária de Aracaju, um engraxate conquistador de trocados e de amigos. Um guerreiro na escova. Um menino que sabia dar um
brilho especial nos sapatos. “Peguei uma caixa pequena e botava a caixa na
rua. Comecei ganhando quatrocentos réis, naquele tempo.” Caio não tinha
tempo para deixar sua caixa de engraxar sapatos de lado e brincar com os
meninos. “Não brincava, pois estava precisando para comer.”
Na juventude, descobriu o amor pela sua querida Edite. Foram morar
juntos numa casinha no bairro 18 do Forte. Ela lavava roupa e ele engraxava sapatos. Uma vida corrida, de muito trabalho, mas com espaço para
a felicidade. “Morava com ela, depois me casei no civil. Só tive uma
filha, hoje está com 31 anos”.
Pai de família, responsabilidade a mais, freguesia formada. Caio resolve fixar ponto e iniciar sua vida de engraxate com uma cadeira. Na
época, trabalhavam no ramo somente seis engraxates. Tomou coragem,
acreditou e partiu para o seu grande investimento: “Tomei dinheiro emprestado a um freguês meu. Foi um mil e quinhentos réis”.
A primeira cadeira, não agüentou. Madeira não muito boa, muito peso,
muita chuva... A de hoje, já com 14 anos, madeira escolhida, outros
tempos.
E quanta gente, gerações passaram pela cadeira do Seu Caio? Políticos? Assim... Ficavam sentados na cadeira, ganhavam popularidade e o
Caio a grana para a sobrevivência. E foi indo devagar e sempre. Educou
a filha, hoje funcionária da Prefeitura; foi pagando seu carnet da Previdência, e agora recebe de sua aposentadoria um salário.
Foi o engraxate oficial do governador Arnaldo Garcez. Ele não tinha
tempo para a cadeira, mas mandava os sapatos e as botas para o Caio dar
uma “garibada”, com a sua arte de fazer os sapatos velhos em novos. “O
soldado trazia aqui para eu limpar.”
Oxente! essa é a nossa gente
Nomes de pessoas importantes que continuam sentando na sua cadeira. “O general Djenal Queiróz, Dr. João Garcez, os dois foram governadores viu? Eu sempre brilhei os sapatos deles.” Muita gente deixou de
sentar na cadeira, mas manda os sapatos, principalmente dia de segunda-feira, quando as botas dos fazendeiros fazem fila.
Antigamente, a coisa rendia mais. A cidade não era asfaltada, ninguém gostava de engraxar sapatos em casa, poucos engraxates, os fregueses faziam questão de ficar na fila da cadeira, a freguesia de Caio era
enorme: “Já morreu muita gente, freguês meu.”
Um fato interessante é que a cadeira de engraxar passa um período na
rua e outro na frente de uma galeria. “É por causa do sol. De seis meses
em seis meses. Daqui, depois do carnaval, eu vou para fora. Lá em outubro eu volto para aqui. Quando chove, eu coloco ela para dentro. Pelo
dia eu tomo conta do prédio e, no tempo que a cadeira está aqui, eu sou
porteiro e engraxate.”
Caio mora na avenida Maranhão, 376, com a mulher e a filha. Acorda
cedo, gosta de chegar no trabalho às 7 da manhã. Não dispensa novela e,
quando acaba Araponga vai dormir. No sábado, trabalha até o meio-dia e
passa o fim de semana recuperando as energias em casa. Gosta muito de
uma feijoada, elogia a comida da mulher e faz questão de dizer que come
tudo.
Chegou um freguês. Acompanhamos o trabalho do engraxate e a conversa:
– Como vai seu Caio?
– Vou bem, graças a Deus. Com saúde.
– E a família?
– Vai bem, vai tudo bem.
– A vida está é difícil...
– Não, a vida está boa.
– Seu Caio! Como?
– Estou gostando da vida.
– Gosta de Deus?
– Gosto de tudo, vou para missa, vou rezar.
– Seu Caio, o senhor gosta de ser engraxate?
– Gosto.
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Oxente! essa é a nossa gente
– O senhor engraxa aqui sapato de mulher?
– Muito. A mulher chega, descansa na cadeira, tira o sapato do pé e
eu dou o brilho.
Caio terminou o serviço, recebeu Cr$ 200,00, guardou o material e
ficou alegre. Qual foi, durante todo esse tempo, o seu melhor freguês? “O
general Djenal. Com o general eu converso muito, pois ele gosta muito de
mim. Eu era menino e ele era tenente do Exército. Morava na rua Pacatuba.
Ele sempre gostou de mim. Ele, o pai, a mãe e o irmão, que mora no Rio.”
O segredo de sua saúde: “Nunca bebi nem fumei”. É bom na cama?
“É...” Continua em forma? Não responde e cai na risada.
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Candelária: uma vida de luta e martírio
fastada da prostituição há 21
anos, vivendo com seus quatro filhos e criando mais um, que foi abandonado na porta de sua casa, Candelária
hoje é outra mulher. Vive da venda de
peixe e camarão, consegue tempo para
passar preciosos conselhos, no trabalho
que faz junto às prostitutas da cidade,
quando mostra o outro lado da vida. É
integrante do GAPA, desde sua fundação, sempre achando tempo para o trabalho em prol dos aidéticos da cidade.
Faz revelações do seu passado. Conta
como entrou e saiu da prostituição. Dos
encontros amorosos acontecidos em fazendas de Sergipe, das viagens em aviões particulares para programas fora do
Estado com personalidades importantes.
Da sua expulsão, após uma assembléia
extraordinária, do único prédio
residencial de Aracaju, quando tentava
nova vida com um engenheiro que a retirou do cabaré. “Meu azar é que fui
morar justamente no prédio em que morava o governador da época.” Ela foi presa mais de uma vez pela ousadia
de ultrapassar a linha “oficial” estabelecida pela polícia, que dividia a
Oxente! essa é a nossa gente
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Publicado no Jornal da Cidade em 30.8.1996
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Oxente! essa é a nossa gente
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praia de Atalaia em duas: do lado esquerdo, tendo como limite onde
hoje funciona o Hotel Beira Mar, as prostitutas e, da outro, a “sociedade”.
Ela não sabe o dia que nasceu, nem o mês, nem o ano. Maria Niziana
Castellino foi registrada quando tinha 23 anos presumíveis, atendendo
conselhos de homens com quem fazia programas. Conselhos para abrir
uma caderneta de poupança, na época a famosa Verdinha.Conselhos para
pagar INPS. Coisas assim, da preocupação de algumas almas generosas,
preocupadas com o seu futuro. Sem certidão de nascimento, sem documento nenhum, já pensando no futuro, resolveu providenciar os documentos. Contou com a prestimosa colaboração de um rapaz, delegado de
polícia, que providenciou o registro.
Pai de quatro filhas moças, com ar de responsabilidade, ele mandou
Candelária ir até o cartório, após a escolha do nome. Niziana porque era
;hamada de Nizinha por sua mãe; Maria, “por ser um nome que todo
mundo tem e que dá sorte”; Castellino, ela não sabe o motivo até hoje.
Não sabe do paradeiro do pai. Se morreu, ou se abandonou sua mãe.
Desapareceu de casa, quando ela tinha três anos. Sabe que Maria do
Carmo é o nome da mãe. Na carteira de identidade não constam os nomes dos seus pais.
Péssimas lembranças da infância. Nasceu em Pernambuco, na cidade
de São Bento do Una, não sabe se num inverno, num verão ou no tempo
das flores da primavera. Povoa em sua mente lembrança de uma casa
grande até o desaparecimento do pai. E de um quartinho bem pequenininho, com uma mãe gravemente doente e mais duas irmãs: Teça e Lúcia.
Logo, suas irmãs foram trabalhar como empregadas domésticas, ficando
com a mãe em casa. Tinha sete anos.
ORFANATO - Com o falecimento da mãe, uma beata resolveu adotá-la.
Queria os trabalhos domésticos da menina e mais nada. Foi para o orfanato, não sabendo como chegou lá. Passagem rápida, indo trabalhar numa
casa de outra senhora, que apareceu dizendo que iria criá-la e até registrála, que seria uma boa madrinha.
Como empregada, no novo lar da dona do Externato 12 de Outubro,
agora morando na cidade do Recife, ficava admirada com a fama da “ma-
VIRA-LATA - Como castigo, a afilhada só podia comer com Faísco, um
vira-lata de cor preta. Revoltada pelo tratamento, sai de casa com destino
incerto. Encontra uma igreja aberta, por causa da cerimônia de um casamento. Fica encantada com o vestido branco da noiva. Sol bonito e quente, quando parou para apreciar a entrada da noiva na igreja. Chorou, pela
vontade de estar com aquela roupa tão bonita. Nos olhos da mulher de
hoje, na lembrança do passado, outras lágrimas e um depoimento interrompido, para dizer que estava falando, lembrando de uma imagem viva,
não apagada pelo tempo, como se fosse hoje. Querendo estar ali, sem
poder estar, prosseguiu nos seus passos descomprometidos sem destino. Usava um tamanco, que era “horroroso” e um vestido de saco.
Chegou até o mercado, deu fome, roubou um pedaço de jabá, pediu
banana, passando o dia, até mergulhar no sono, pela noite, na calçada,
sem ser molestada. Outro dia chegou, sem atrapalhar seu desejo de andar pelas ruas da cidade grande. Ficou deslumbrada com o movimento
do comércio. Prédios, o rio Capiraribe, coisas novas em sua vida. Já
estava com um vestido de chita, tirado da pequena trouxa de roupas
dadas pela madrinha.
Oxente! essa é a nossa gente
drinha”. Uma mulher de fama pelo jeito como lidava com os alunos que
chegavam em seu colégio, vindo de outros colégios sem ter nada aprendido. Por lá, sem nenhum problema, eles aprendiam bem e sem muita
demora. Um método infalível, que não chegou a ser aplicado na menina
vinda do orfanato.
Na cabeça, sonhos de um dia aprender o A, esquecendo até o B, na
troca que faria, pela sua imensa vontade de um dia qualquer vestir uma
saia plissada, sapatos pretos e meias brancas, idênticos aos das meninas
da escola.
— Madrinha, me dê uma roupa daquela...
— Deixe isso prá lá minha filha.
Na hora de lavar pratos, algumas perdas, ganhando de recompensa
uma surra de galho de goiabeira, com direito a um banho de água e sal
grosso, passado bem em cima das feridas provocadas pela surra. Uma
madrinha muito católica, que não perdia missa, nem esquecia de rezar
na hora do almoço e do jantar.
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Oxente! essa é a nossa gente
Cansada, procurou uma praça e um banco. Uma mulher bonita, bem
vestida, aproximou-se.
— Que está fazendo aí menina?
— Fugi da casa, abandonei minha mãe.
Passou os mal tratos recebidos, desabafou o que estava até então sufocado. Recebeu o convite da mulher para ir morar em sua casa. Não pensou duas vezes. A casa da mulher era um cabaré.
Providências imediatas de um banho, trocar de roupa, boas vindas
de mulheres sorridentes, cumprimentando uma menina que não sabia o
que estava por vir depois.
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PRIMEIRA NOITE - Na primeira noite, foi possível dormir sem saber
nem desconfiar de nada. No outro dia, logo cedinho, recebeu o comunicado de que poderia ficar morando, mas que teria de trabalhar.
— O que tenho de fazer?
— Só tratar as pessoas bem.
Ao saber o nome da nova hóspede, a mulher não gostou do Nizinha.
A partir daquele momento passaria a ser chamada de Candelária, por ser
bonita como a igreja.
Jamaica foi a mulher que tirou-a da praça e colocou-a na prostituição.
No segundo dia, mandou-a para um quarto com um homem. Ao vê-lo
tirando a roupa, começou a gritar. Foram necessários 10 dias até uma
nova tentativa. Jamaica deixou a menina com fome.
Candelária disse para ela que poderia cozinhar, lavar, varrer e cuidar do jardim. Recebeu a seca resposta de que ali não estava necessitando de faxineira. Tendo muito jogo de cintura, Jamaica aplicou uma
outra tática: um vestido de seda, promessas mil. Entre o retorno para
uma casa em que apanhava a todo momento, ou ficar na rua com fome
e sem ter onde dormir, passados dez dias, resolveu enfrentar a primeira
noite.
Ficou de camisola, o homem aceitou, pediu para ela ficar de boca
fechada, não contando nada para Jamaica nem para as outras meninas.
Revela que só houve penetração em Aracaju. “Os homens eram muito
dóceis.” O dinheiro era entregue antes do homem ir ao quarto para Jamaica.
Candelária não sabia o valor.
Oxente! essa é a nossa gente
ARACAJU - Jamaica trouxe seu show para Aracaju ,por intermédio de Mãezinha Gold Show. Com 14 anos, Candelária chegava para apresentações no
Cabaré Miramar. Chegou ainda virgem, tendo direito a casa e comida.
Mesmo com tão pouca idade, passou a ser a estrela da noite, abrindo
e fechando o show. Os homens usavam ternos brancos, sapatos brancos,
saindo bem vestidos de suas casas, para noitadas em cabarés. As mulheres não faziam por menos, caprichando no penteado e roupas.
Início de conquistas no mundo masculino sergipano, revelações dos
bastidores. “Tinha homens que iam para cama comigo e tremiam. Não sei
se eu era ingênua demais. Diziam que eu era um diamente bruto sem ser
lapidado.”
A primeira vez mesmo foi com um homem que ficou no pé, sempre
voltando, esperando o amanhã prometido por Candelária. “Não senti
prazer nenhum. Só senti orgasmo depois de ter uma porrada de filhos”.
Não chegou a vestir roupa de estudante, nem nunca teve um brinquedo. Sonhava em ter uma boneca. Vivendo na prostituição numa Aracaju
do passado, diz que naquele tempo os homens eram finos. De fantasias
eróticas, só teve uma. “Não tive essas coisas de apanhar, nunca fui abusada sexualmente. Nunca fiz sexo oral e nem sexo anal. Ninguém acredita,
mas nunca fiz. A única coisa que um homem fez, eu já era adulta, mais
cabeça, foi me vestir de noiva e fazer de conta que eu iria me matar. Era um
sádico que tinha aqui. Ele me levou para casa dele. Quando soube do
lance da faca, comecei a gritar e caí fora, mesmo vestida de noiva.”
Conta que vários homens não queriam nada com sexo, somente vê-la
desfilando nua. Outros, chegavam cedo para fazer Candelária propriedade deles. “Chegavam e diziam para eu não sair com ninguém, para poder
passar toda a noite comigo.”
Muitos diziam às mulheres em casa que iam para o futebol, levando
rádio de pilha para acompanhar o jogo ao lado de Candelária. Outros, mais
exigentes, chegaram a fretar avião, esticando o programa para fora de Sergipe.
Muitas mulheres ficaram revoltadas, vendo Candelária fazer compras
no comércio de Aracaju. Em termos de beleza e elegância, ela arrebentava. Aos domingos, ia até a praia de Atalaia, para quebrar a monotonia.
Quando passava, os homens olhavam escancaradamente. Naquela época
a praia era dividida: lado direito, famílias; lado esquerdo, prostitutas. Os
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Oxente! essa é a nossa gente
homens passavam para o lado das prostitutas sem problema, mas se uma
prostituta passasse para o lado das famílias, era presa. Assim, Candelária
foi presa várias vezes. E em todas as vezes, na delegacia encontrava o
mesmo delegado, cliente seu da noite, que dizia:
— Novamente?
Quando lançou biquíni, foi cercada de soldados, presa com muita
cautela pelos policiais e conduzida até o delegado.
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NO PRÉDIO DO GOVERNADOR - Com um engenheiro americano, super
feliz, saiu do cabaré e foi morar no único edifício de apartamentoS da
cidade. Quando descoberta, o caso virou problema diplomático. “Deu azar
que era o prédio do governador.” O caso foi comentado por toda cidade.
Reunião extraordinária do condomínio, contando com tradutor. O engenheiro queria levar Candelária (que fala inglês), mas não foi permitido.
Complicação que resultou na volta de Candelária ao cabaré. Anos
após, conquistou o coração de um francês. Saiu do cabaré, agora mais
experiente, para uma casa perto da ponte do rio Poxim, que passou a ser
conhecida por toda cidade, servindo até de atração turística, como a casa
de Candelária.
Com tantas histórias, saía às ruas com óculos escuros, peruca, evitando as línguas ferinas de Aracaju. Conheceu todo o Brasil e alguns Estados dos Estados Unidos.
DOS FILHOS - Cinco filhos, vivos, conhecendo todos sua vida. Um não
conheceu o seu amor. “Foi o primeiro filho que tive. Por influência do
pai, o juiz me tomou.” Mora com os quatro filhos, criando um recémnascido abandonado na porta de sua casa.
De suas frustrações: “Queria ter pai, mãe, irmãos, sobrinhos, uma
grande família. Tive um monte de filhos, pensando que iria preencher
essa vazio, e não consegui”.
Da barra de sustentar os filhos: “Terrível! Um me tomaram. Os outros,
acho que sustentei dignamente. Saí do prostítulo, vendi roupa, sapato,
perfume. Trabalho hoje vendendo peixe, camarão, para sustentá-los.”
Dos preconceitos: “Foi a maior barra. Foi a rejeição na escola, onde
eles não foram tratados dignamente. Hoje, até que eles são mais aceitos.”
Oxente! essa é a nossa gente
Da reação após o livro: “Foi verdade que houve mudanças de comportamento após a publicação do livro, quando Lânia conseguiu com
muito sacrifício sua publicação. Os preconceituosos não deixavam e o
livro ficou engavetado por muito tempo.”
De um livro temido: “Muitos homens ficaram com medo do livro, pensando que eu ia dar os nome aos bois. Foram os primeiros a comprar os
livros. Já estamos na segunda edição, depois de vendermos 1.500 livros.
A nova edição pode ser encontrada nas principais bancas de revistas.”
Da sociedade: “Saí da prostituição há uns 21 anos. Mostrei à sociedade que era um ser humano, tinha os mesmos direitos que eles tinham e
os seus filhos também.”
De um fato interessante: “As mesmas pessoas que me rejeitavam, hoje, elas
me aceitam. Os homens que me expulsaram do edifício, quando tinha sido
retirada da prostituição, eram homens que já tinham tido relações comigo.”
De uma mulher disputada: “Somente por pessoas que tinha dinheiro. Mandavam me apanhar com motorista. Ia para fazendas, fora de Aracaju, aviões pequenos fretados, etc.”
De políticos: “Fui de muitos. Nomes? Deixe em aberto. Lembre-se que
ainda tenho três filhos para colocar na faculdade. Já coloquei dois.”
Da convivência com o câncer. “No começo deu pânico, saí do ar mesmo. Tive que ir a psicólogos, analistas, depois, fui aceitando, fui cuidar
de outras pessoas cancerosas. Convivo com a doença há oito anos. Tenho muita fé em Deus. Acho que esse cara me ama, quer alguma coisa de
mim. Pena eu ser muito pequenininha e não descobri ainda.”
Revolta: “Acho que já me virei pelo avesso. Conhecer Candelária,
Candelária pessoa, Candelária gente, Candelária carente, que veio do
nada, mas é um ser humano. Tenho essa revolta da sociedade, pois ela
não me aceitou de verdade.”
Desabafo: “Eu tenho muito amor pelas pessoas. Adoro meus filhos.
Adoro as pessoas que são discriminadas, maltratadas. Não convivo bem
com o meu passado.”
Do nome: “O nome Candelária me machuca lá dentro, porém me dá
força para lutar.”
Maior desejo: “Ter uma grande família e ser chamada de Maria. Espero que um dia as pessoas me reconheçam.”
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Chico Piloto e seus 80 anos
Oxente! essa é a nossa gente
F
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rancisco Junqueira, o famoso Chico Piloto do
esporte sergipano — fundador do Paulistano
—, o Chico organizador de turmas, o senhor Chico
dos 40 anos de IBGE, vai comemorar no dia 26 de
abril, 80 anos. Ele conta os lances de sua árdua
vida. Do menino que abandonou os estudos para
ajudar nas custas da casa, ao delegado do IBGE
em Sergipe, onde passou 30 anos no cargo, dentro de uma conduta que o tornou imune aos políticos barganhadores de cargos públicos.
Chico Piloto, chefe de turma desde menino,
jogador de pelada ao lado da Catedral, uma pessoa que sempre cultivou as amizades. Foi juiz de
futebol, participou da equipe de remo do Clube
Brasil, foi diretor técnico da Federação Sergipana
de Desportos, secretário do Conselho Regional de
Desportos, sendo a primeira pessoa a organizar
os registros dos jogadores de times de futebol em
Sergipe.
Organizou três censos no Estado e deu sua
vida ao IBGE. Chegou às lágrimas quando contou
sobre os anos de entusiasmo e dedicação ao serviço público. Fica emocionado também ao lembrar-se dos amigos da meninice, do colégio, dos esportes, do Tiro de
Guerra, da turma do almoço do Maroze e dos colegas do IBGE.
Publicado no Jornal da Cidade em 22.4.1991
FILHO DE ARACAJU - Francisco Junqueira nasceu no dia 26 de abril de
1911, na cidade de Aracaju, precisamente no primeiro trecho da rua
Santa Luzia. Sua mãe não chegou a ir à maternidade, pois a eficiente
parteira cuidou de tudo. Seus pais: Messias Tavares e Filenila Junqueira.
Ele, de profissão alfaiate, e ela, modista. Com alguns meses do nascimento de Francisco, filho único do casal, seu pai foi morar fora do Estado, rompendo o casamento. O menino ficou muito apegado à mãe e à tia
Clarina Junqueira. De sua mãe, o exemplo de bondade foi seguido à risca
durante os seus passos na vida.
Na rua Capela, na escola particular de Dona Carlota, com três anos
iniciou sua vida escolar. Concluiu o primário com a professora Iaiazinha
Maia. No ano de 1924, foi estudar no colégio do professor Evangelino de
Faro, que funcionava onde hoje é o Colégio Jackson de Figueiredo, na
praça Olímpio Campos. Não chegou a concluir o ginásio, por problemas
financeiros, trocando os livros pelo trabalho.
PRAÇA DA MATRIZ - Sua meninice foi de brincadeiras com os amigos,
correndo solto na antiga praça da Matriz, hoje, Olímpio Campos. “Era
apenas uma praça sem nenhuma divisão, inclusive jogávamos uma bolinha ao lado da Catedral.” Uma infância cercada de bons amigos, com a
famosa turma da praça da Matriz, Antônio Carlos Nascimento Júnior,
Félix Figueiredo, Lauro Matos, Carlos Cardoso de Andrade, Manoel
Felizardo Nascimento, Clóvis Conceição, Autran, Américo Azevedo e
Fleury Ferreira. Francisco Junqueira, desde menino, já tinha tendência a
organizar turmas de amigos.
Um tempo inesquecível: “Brincadeiras com os companheiros depois
da escola. Uma beleza! Com os amigos íamos para as festas de Natal,
procissões e retretas na praça Fausto Cardoso. Um tempo em que havia
muita amizade.”
Oxente! essa é a nossa gente
Chico vai completar, sem festas, sem badalação, seus 80 anos. Vai agradecer ao seu “maior amigo” pelos anos de vida, na missa das 17 horas, na
Igreja de São José. Uma vida de trabalho, de sacrifícios e de conquistas. Um
nome que faz parte da memória do nosso Estado. Afinal, quem não conhece o Chico do IBGE, o Chico da perna esquerda, o Chico! Quem? Piloto...
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Oxente! essa é a nossa gente
MUDANÇA DE VIDA - Para ajudar a mãe nas despesas da casa, foi enfrentar o primeiro emprego no cartório de Lindolfo Campos. No mês de
setembro de 1924, passou a ser o entregador de recados do cartório. Aos
poucos foi conquistando espaço e chegou a ocupar o cargo de escrevente
juramentado — o substituto do escrivão —, passando dez anos levando
uma vida de funcionário de cartório.
Em maio de 1935, “uma dor” deixou sua perna esquerda defeituosa.
Uma transformação grande, pois, até então, levava uma vida esportiva
intensa, sendo atleta com destaque em diversas modalidades esportivas.
Francisco Junqueira era um nome respeitado no futebol e no remo em
Sergipe.
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JOGADOR DE FUTEBOL - Nos campos de futebol, todos aplaudiam as
jogadas mirabolantes do Francisco, que jogava na posição de centromédio. Um tempo em que o futebol era praticado com amadorismo,
sem os contratos, a burocracia e os interesses financeiros do futebol
profissional.
Sempre com seu jeito de organizar grupos de pessoas para um entretenimento, reúne alguns companheiros do grupo de futebol da praça da
Matriz e mais outros colegas de colégio e funda o Paulistano Esporte
Clube. Uma agremiação esportiva que foi destaque no cenário do esporte
amador em Sergipe, na época em que existia a Liga Sergipana de Esportes Atléticos, depois transformada em Federação. O time começou a jogar
“de pés raspados”, conhecendo depois as chuteiras.
Do tempo do Paulistano, de vez em quando encontra um ou outro
companheiro: “Emanuel Eurico da Costa Sobral, Dr. Roosevelt Meneses,
Álvaro Nascimento.” Junqueira lembra que o seu Paulistano jogava constantemente na praça Camerino. Tempos depois é que freqüentou o Adolfo
Rolemberg. Quanto ao campo de futebol que funcionou na praça Tobias
Barreto, chegou a assistir algumas partidas, ainda meninote. “O campo
era cercado de pano e naquela época a praça se chamava Pinheiro Machado.”
O TROCO - Como no futebol amador não havia compromissos de exclusividade, jogou em vários times, como Brasil, 13 de Julho e outros. Com
A ORIGEM DO APELIDO - No esporte, todos conheciam o Francisco
como Chico Piloto. Um apelido que conquistou com galhardia. Enquanto muitos detestam qualquer tipo de apelido, Francisco Junqueira
tem orgulho do seu e conta a origem: “Nós éramos de uma turma de
meninos mais moços. Tinha uma outra de meninos mais velhos. Nos
meninos mais velhos, existia um Chico Piloto. O nome dele era Chico
Quaranta, mas entrou uma barcaça e perguntaram quem era o piloto.
Disseram:
— Chico do olho torto.
Ele ficou como Chico Piloto. Tempos depois passamos para a turma
maior. Chico Piloto já não estava mais. Como gostava de liderar, meus
colegas passaram a me chamar de Chico Piloto, assumindo a direção do
grupo. Fiquei com grandes responsabilidades, pelo menos no brasão
(risos).”
No ano de 1930, prestou o serviç;o militar no Tiro de Guerra, que era
localizado na Ivo do Prado, nas imediações do prédio da atual Assembléia Legislativa. Um tempo de conquistas de novas amizades.
“Guilermando Góis, Ernani Freire, Paulo Figueiredo, o pintor Inácio,
Felte Bezerra, Walfrido Resende, Sales de Campos, Odilon Soares,
Abelardo Pinto. Era o famoso Tiro de Guerra 136.”
Oxente! essa é a nossa gente
o futebol, viajou a muitas cidades do interior. Um episódio interessante
aconteceu na cidade de Maruim. O jogador decidiu a partida com um gol
diante do time da cidade local. Naquele tempo uma partida no interior
com um time da capital era uma festa na cidade, tendo, inclusive, baile.
As moças da cidade se faziam presentes, um acontecimento e tanto. Francisco tomou banho, colocou perfume e a roupa do baile, e foi até o clube
para uma grande noitada. O riso de artilheiro tomava conta do seu rosto.
Seu olhar circulava pelas mesas à procura de uma mulher para acompanhálo na dança. Não demorou muito e foi para a ação. Na primeira investida,
recebeu um não de uma jovem da cidade. Um grande choque, pois nunca tinha recebido um não de uma mulher. Fez outra investida e recebeu
outro não. A noite foi passando e nenhuma mulher quis dançar com o
jogador. Uma represália organizada pelas mulheres de Maruim pela derrota do time da cidade.
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Oxente! essa é a nossa gente
JUIZ DE FUTEBOL - O Chico foi juiz de futebol. Ainda com um bom
preparo físico, apesar do problema físico da perna, depois de 1935 foi
apitar. Era o tempo do apito do tamanho do dedo. “Uma espécie de uma
gaita, mas era apito mesmo. Depois, chegou o apito que trinava como os
canários belgas.”
No Clube de Regatas Brasil, que tinha sua sede onde é hoje a praça
Getúlio Vargas, Chico Piloto fazia parte da equipe de remo. “Era o clube
dos almofadinhas, dos rapazes elegantes da época.” Fase gloriosa do remo
em Sergipe, quando havia clubes como Brasil, Cotinguiba, Aracaju e
Sergipe.
Chico Piloto frisa que no seu tempo de atleta, a amizade e a sinceridade estavam presentes entre os companheiros de equipe.
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IBGE - No ano de 1936, inicia suas atividades no setor público, sendo
contratado pelo Estado para trabalhar no Departamento de Estatística.
No ano de 1945, foi requisitado para trabalhar no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), como arrecadador. “A repartição vendia
selos para os bilhetes de cinema, e eu era o agente vendedor de selos.”
No IBGE, passou por um cargo técnico, sendo depois promovido a funcionário graduado. No ano de 1948, assumiu o cargo de inspetor regional. Depois aconteceu uma transformação estrutural e Francisco Junqueira
passou 30 anos na sua direção em Sergipe.
Realizou como delegado três recenseamento em Sergipe, nos anos de
1960, 1970 e 1980, além de recenseador no censo populacional de Aracaju,
no ano de 1950. Quanto aos fatos pitorescos da sua vida no IBGE, disse
que foram tantos que quase fugiu da resposta. Mas deu uma pequena
amostra dos bastidores. “Mandavam publicações do Rio com pilhérias.”
Deixou algumas coisas interessantes de lado, passando a falar da sua
árdua missão de dirigir pessoas na realização de um censo. “Não era
brincadeira.”
Ficar 30 anos dirigindo o IBGE em Sergipe, sem perder o cargo para
políticos, passando por diversos governos, é algo de fantástico no Brasil.
Quando perguntado sobre quem o segurava na direção, deu boas risadas. “Penso eu que foi a constituição de minha família que me ajudou
bastante. Se era um camarada desamparado, passei a ser uma pessoa
amparada. Tinha minha mulher, depois meus filhos chegaram. E depois
o meu caráter. Um cabedal que carrego desde o tempo de minha mãe. Por
isso os políticos me conservavam no cargo, penso eu.” O cargo nunca foi
cobiçado? (risos) “Ameaça tinha, isso era constante.” Tinha algum padrinho? “Na questão do IBGE, não. Eu fui introduzido no IBGE por um
amigo meu e de minha família, compadre duas vezes — compadre de
casamento e padrinho do meu filho —, o Dr. Armando Rollemberg Leite,
que foi ministro do Superior Tribunal de Justiça.”
Mas à pergunta sobre o que tinha sido o IBGE na sua vida, a emoção
tomou conta de Francisco Junqueira. Com os olhos molhados, deixou
seu coração falar. “Quarenta anos lá, não é sopa.”
CASAMENTO - Francisco Junqueira foi fazer um curso de estatística na
Escola Normal e lá encontrou uma jovem que tocou o seu coração. Poucos meses de namoro e foi ao altar no dia 27 de dezembro de 1947 com
Maria Rizalva Azevedo Menezes, que passou a ser Maria Rizalva Menezes
Junqueira. Do casal, seis filhos: Maria Virgínia, Mário Augusto (falecido
em julho de 1973), Maria Auxiliadora, Marco Antônio, Francisco e
Muciano. É avô de seis netos. A maior alegria de Francisco Junqueira é
quando reúne a família. “A maior alegria da vida é estar com a mulher, os
filhos, as noras e os netos.”
FEDERAÇÃO DE FUTEBOL - O futebol de Sergipe muito deve a Francisco Junqueira. Um abnegado, que batalhou muito em prol do esporte.
Foi diretor técnico da Federação Sergipana de Futebol, quando era seu
presidente Antônio Vasconcelos. “A Federação me roubava noites”. O
Chico Piloto dos esportes era o responsável pelo registro dos jogadores
Oxente! essa é a nossa gente
RECORDAÇÕES - O Francisco Junqueira de 80 anos de vida: “Muitas
recordações. Eu não sei esse poder que Deus me transmitiu de organizador,
desde o tempo do futebol, do tempo do remo, até no Tiro de Guerra,
onde era o encarregado da casa de arma, da munição. No IBGE, fui responsável por organizações de agências.”
O IBGE foi sua vida? “Foi, praticamente foi a minha vida. Minha vida
funcional, porque minha vida é minha família e meus filhos.”
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Oxente! essa é a nossa gente
dos clubes, proporcionando condições legais de jogo frente ao Conselho
Regional de Desportos. “Todos os registros passavam pelas minhas mãos,
era o secretário do Conselho e não tinha jogador que tomasse parte de
uma partida se não estivesse registrado. Registrava até no cinema. Eu
levava o número do registro na carteira e estava assistindo filme quando
o camarada do cinema me avisava que tinha um funcionário — do Sergipe,
do Própria — para registrar o jogador, para poder jogar domingo. Saía do
cinema e ia providenciar a documentação.” Chico Piloto foi a primeira
pessoa a trabalhar na organização do registro de atleta.
Um torcedor do Sergipe e fanático pelo Botafogo. “Tenho sofrido pelo
Botafogo a vida toda. Era na época um time bom. Time de Didi, Garrincha,
um senhor time.”
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O ANEL DE TOURO - Um apreciador dos astros. Um anel de rubi, que
não desgruda da sua mão de maneira alguma, chama a atenção. À pergunta sobre onde havia encomendado tamanha preciosidade, surge a
grande revelação. “Isso aqui, é... como é que a gente chama?” De touro...
“Como é? Horóscopo (risos). Praticamente de consultas, um anel de touro. O anel veio do Rio, mandei buscar pelo catálogo, a pedra de rubi me
fascinou.”
Francisco Junqueira é um homem católico e devoto de Nossa Senhora
da Conceição. “Eu apenas não sonho, eu confio em Deus e em Nossa
Senhora. Diariamente rezo ao acordar e ao deitar, agradecendo a Deus
por tudo que ele tem feito por nós.”
A MISSA DOS 80 ANOS - Na missa das 17 horas da Igreja de São José,
Francisco Junqueira vai agradecer a Deus pelos 80 anos de vida. Os familiares e seus verdadeiros amigos irão participar da grande data. O Chico
Piloto das boas amizades não precisa de convites nem de nada mais. Na
missa da comunidade, com os seus irmãos de fé, agradecerá a vida no
verdadeiro valor de uma celebração eucarística. “Eu vou com a minha
família participar da missa. Será uma missa formal, conjunta, porque
nessa idade se comemora com missa solene, mas nossas posses não permitem isso. Apenas o padre dirá da nossa parte, na missa de ação de
graças.”
Ciganinha abre o jogo sobre a sua e outras vidas
uito já se falou da condição de vida
das mulheres que se envolvem ou
são envolvidas com a difícil vida fácil. Mas
muito pouco se revelou sobre as mulheres
que atuam na noite, se são bem amadas,
mal amadas, mas que conquistam respeito
pelo papel que executam.
Ciganinha, proprietária de uma casa noturna no Bairro Santos Dumont, é uma dessas mulheres envolventes, de caráter, carinhosa e que trata clientes e amigos muito
bem. Ao menos poucos deles reclamam.
Por isso ela mantém entre a sua clientela
políticos e empresários influentes.
Na entrevista especial concedida numa
noite de terça-feira aos jornalistas Osmário
Santos, Eugênio Nascimento, José Araújo
e João Barreto Neto ela abre o jogo sobre a
sua vida, e conta que ainda hoje tem entre
seus clientes pessoas influentes na sociedade.
Ela lamenta o fato de a liberação sexual
da mulher ter desgastado as casas noturnas, mas garante que não optou pela vida que teve, “apenas fui induzida.”
Ciganinha é uma alagoana que se casou aos 13 anos e meses depois se
Publicado no Jornal da Cidade em 22.7.1991
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separou, sendo levada à tal da “vida fácil”. Depois tornou-se dona de
casa noturna, amante de político e uma respeitável senhora torcedora do
Clube Sportivo Sergipe que freqüenta as rodas sociais.
— Nome completo:
— Puxa vida! É impossível!
— Por quê?
— Na noite, Ciganinha, na sociedade, J.S.P.
Uma alagoana de São José das Lages que não conhece a cidade onde
nasceu. Capricorniana, nascida no primeiro dia de janeiro de 1940. Sergipana de coração e com muitos corações conquistados, desde que chegou à cidade de Aracaju, no ano de 1954.
Filha de ciganos, aos 13 anos, festivamente, cumprindo todo o ritual
do seu povo, casou-se com um jovem cigano de 21 anos de idade. Seu
casamento durou catorze meses. Ficou viúva e a partir daí passou a viver
um grande drama, chegando a abandonar a vida cigana.
“Foi um negócio triste para sair. Minha mãe foi me buscar no acampamento cigano, em Pão de Açúcar, Estado de Alagoas. Eu tinha muita
amizade com os filhos de Elito Maia e ele conseguiu me tirar do bando de
ciganos, pois meu sogro queria me matar. Tinha um cabelo bem grande,
e ele chegou a cortar meu cabelo.”
— O que levou o seu ex-sogro a cortar seu cabelo? Foi um ritual?
— O casamento do cigano é um negócio muito sério. Vou contar um
pouquinho da minha vida, que nunca contei para ninguém. Casamento
de cigano, você tem um filho ou uma filha. Sou sua amiga, casamos
nossos filhos sem eles nunca terem namorado, sem ter dado um bom dia
ao outro. Me casei assim. A minha família gostava de ciganos de uma
outra tribo. Nós nem éramos parentes.
A LUA-DE-MEL - “Todo o fascínio da lua-de-mel de um casal de ciganos.
O que acontece com a camisola da noite e na tenda nupcial. O enxoval do
cigano é a coisa mais bonita. Você tem apartamento, prepara carro, prepara uma lua-de-mel de viagem, mas a lua-de-mel de um cigano é a festa
aqui e mais adiante uma barraca afastada. Você casa com uma filha minha
e seu filho vai provar que a minha filha era virgem.”
— Você casou virgem?
Oxente! essa é a nossa gente
— Casei e, como estava dizendo, o enxoval do cigano é a camisola.
Aquela camisola bonita, branca. Depois que há o sexo, vão lavar a camisola e vão mostrar a mim, a você, aos mais velhos, que a minha filha era
virgem e que casou com o seu filho. Quando lava a camisola, ficam as
marcas da mancha do sangue da primeira noite.
— A mulher vibra, também com isso, não é?
— Eu não sei, não sabia de nada. Nessa época eu era muito inocente.
E eu passei três dias.
— De lua-de-mel?
— Nada, nessa luta... que tinha que acontecer. Tinha... se não, meus
irmãos, minha família era decepcionada, porque não mostrava aquele,
não é?
— Fiquei curioso com essa sua observação. E esse processo, como se
deu na sua realidade?
— Ah! Como ele se deu? Acredita que eu não lembro? Eu não sei lhe
explicar isso, pois na época não sabia o que era nada mesmo.
— E a história do assassinato do seu marido? Foi por causa de mulher?
— Não, foi um negócio totalmente diferente.
— Há fidelidade no casamento cigano?
— Se não tiver, morre.
— E o homem?
— Homem é homem, mulher sofre.
— Há perseguição quando há separações?
— Muitas vezes casam primo com primo e muitas vezes casam com
ciganos de outros bandos, totalmente diferentes. Se não der certo o casamento, eles matam.
— Você veio de um grupo nômade para outra estrutura social. Qual
foi a visão do mundo que você encontrou cá fora?
— Foi uma outra barra, pois não sabia o que era esse outro mundo e
tinha 14 anos.
— Aí você entrou na prostituição?
— Arrumei duas amigas, que eram amigas da minha mãe, elas me trouxeram para Aracaju. Fiquei morando com elas e elas começaram a me levar
a lugares, a me ensinar a se vestir, a se calçar, falar, fazer de tudo.
— Qual o momento de felicidade na noite?
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— Eu me apaixonei por um homem. Esse homem, todos vocês conhecem. Não vou citar o nome dele. Ele era uma pessoa muito importante e ainda é em Aracaju. Eu me apaixonei por ele e ele se apaixonou por
mim. Ele, um cara casado e eu, não sei porque, nós nos apaixonamos um
pelo outro. Acho que foi quando eu amei!
— Ele vive hoje?
— Vive, graças a Deus!
— É rico?
— É.
— Vocês se vêem até hoje?
— Não, não vejo.
— Depois desse caso todo de amor, como foi viver?
— Nós passamos quase dez anos sem se ver. No dia que eu o avistei,
quase que eu morro. Foi uma emoção tão grande, que eu não segurava
um copinho de café.
— Ama a ele até hoje?
— Não, eu não sei se eu amo. Sei que eu tenho um carinho muito
grande por ele.
— Tem filho dele?
— Não tenho, mas o primeiro filho realmente seria dele. Eu engravidei
e quem descobriu que eu estava grávida foi ele. Eu era tão inocente que
ele mandou me levar e extrair esse filho. Eu era tão boba que extraí esse
filho. Fui enganada.
— Ele é empresário?
— Mais ou menos isso.
— É político?
— Não.
— Qual a maior tristeza e decepção da vida noturna?
— Luto com toda espécie de gente. Rico, pobre e a maior tristeza que
tenho na vida é quando chega o rico e quer desfazer. Tanto de mim, não
respeitando o meu trabalho, como dessas meninas. Não respeitam nosso
trabalho. Fico triste.
— Considera-se uma pessoa que explora o sexo?
— Não sei se vou responder certo. Existem muitas meninas, que
convivem comigo, que precisam disso aqui. Eu também preciso, pois se
Oxente! essa é a nossa gente
não precisasse não estaria mais aqui. Para mim é um comércio como
outro qualquer, sem nenhuma diferença. Aracaju vai crescer e vai aceitar
isso aqui como um comércio qualquer. Já houve uma grande melhora nos
costumes. Sabia que antigamente existia praia separada para prostituta?
Na Atalaia, havia uma separação: de um lado as famílias, do outro, as
prostitutas. Quero trabalhar mais dois anos e quero sair, com fé em Deus.
— Seus filhos saíram da noite? Foram frutos de um caso duradouro,
de um amor que você teve?
— Meu primeiro filho foi uma paixão à primeira vista. Você acredita
em amor à primeira vista? Então, ele me viu se apaixonou por mim e eu
por ele. Acho que nós fizemos amor e o fruto foi o meu filho mais velho.
— Quantos filhos são?
— São sete, dos quais, tenho quatro de uma pessoa com quem eu
convivi sete anos.
— As mulheres e os homens que vivem em sua casa se sentem felizes?
— Graças a Deus, sim. Tenho muitos amigos da alta sociedade, da
média, e tenho certeza que me querem bem como eu quero a eles.
— A alta sociedade freqüenta seu sítio?
— Claro, por que não?
— As figuras do mundo político, evidente que não todas, algumas
figuras do mundo político, já freqüentaram ou freqüentam sua casa?
— Não vou citar nomes, não é? Claro, freqüentaram e freqüentam de
vez em quando. Uma vez no ano vêm. Para matar saudade e para me ver.
— Como é essa história de matar saudade?
— É tia Cigana, quando me vê, me abraça, eu pergunto como vai a
política. Espera que o apóie, ajude, o papo é esse.
— Já foi cabo eleitoral de algum político?
— Eu não fui não, mas trabalhei para muita gente. Já pedi muitos
votos. Na última eleição, infelizmente, eu não consegui o que queria.
— O que é ser Ciganinha gente humana?
— É uma coisa que eu não gosto de falar. É um sentimento meu que
eu escondo. Acho que todos nós temos o lado bom e o ruim. Todos nós
temos defeitos, gosto. Quando posso, faço as coisas.
— Dos seus anos de noite, qual foi a época áurea?
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— A época de Tonho do Mira-Mar, de Tefinha.
— Quando você iniciou, foi em casa noturna?
— Não, foi em casa de amigas.
— Isso é muito interessante. Você não iniciou em casa noturna, mas
veio depois a criar casa noturna. Poderia contar um pouco pra gente.
— Eu não freqüentava nenhuma casa noturna, nem fazia ponto em
lugar nenhum. Essas amigas tinham uma casa na rua Bomfim e elas acertavam o povo delas e saíam. Assim eu segui seus passos.
— Era gente da alta sociedade?
— Era gente muito escondida.
— É uma mulher feliz, Cigana?
— Não sou total, mas sou feliz.
— O que lhe motiva a não ser tão feliz hoje?
— É porque eu estou aqui. Quando eu sair daqui e for viver com a
minha família, eu acho que serei uma mulher feliz.
— Sua fonte de renda é isso aqui?
— É, tenho algumas besteirinhas por aí.
— O que define por besteirinhas: terrenos, sítios?
— Bobagem, besteira é a renda que eu tenho por fora.
— Na relação da mãe com filhos e a noite, quais os cuidados?
— Totalmente diferente. Nunca criei meus filhos aqui. Deus me ajudou, que eu tive um amigo, uma pessoa dentro de Sergipe, que me ajudou muito. Nunca eu vou pagar a essa pessoa. Não vou citar o nome,
mas é uma pessoa que eu devo muito, vocês conhecem.
— Ele é político?
— Não, ele não é, já foi, mas é uma pessoa de muito status em Sergipe.
Meus filhos eram todos pequenos e ele me ajudou a providenciar uma
casa e criar todos eles.
— Quem mais freqüenta aqui? É pobre ou rico?
— Não, o pobre é difícil, que tem medo.
— Onde você já teve casa?
— Tive perto do Ceasa, Bairro América. Não tinha nome, só essa do
Santos Dumont que pegou, Sítio do Pica Pau, que não é amarelo.
— A liberação sexual da mulher, quando ela passou a viver mais
independente, isso dificultou a vida da casa noturna? Nos últimos dez
Oxente! essa é a nossa gente
anos, digamos, se você tinha mil clientes, caiu para quantos, por exemplo?
— Primeiro, caiu muito. Quase cem por cento. Hoje, você pega uma
pivetinha e vai pra o motel. Hoje, você tem mulher fácil. Dez anos atrás,
você não tinha.
— Qual o relacionamento que você tem com a sua principal concorrente, a Vanda?
— Não tenho concorrente. Ela é minha amiga. Existe é você receber os
clientes. Só vem aqui quem gosta de mim.
— Quais os amores de sua vida?
— Tenho vários amores. Minha mãe, que está viva com 100 anos,
meus filhos e, depois de minha família, o meu time, que é o Sergipe.
— Freqüenta estádio até hoje?
— Até hoje saio chorando. Ave Maria! Tenho sofrido muito, até para
fora de Aracaju eu vou acompanhando o meu Sergipe.
— Qual a maior tristeza como torcedora do Sergipe?
— A maior tristeza eu passei em 83, quando eu vi uma porção de
jogadores expulsos que vieram parar aqui. Olhava um para o outro, sem
ninguém querer me dizer nada. Eu perguntei o motivo da tristeza. Eles
me disseram. Como todos eram de fora, o jeito foi colocá-los aqui dentro.
Foi a maior tristeza do meu time. O Sergipe perdeu o título para o Confiança, o presidente colocou os jogadores na rua, fui batalhar dinheiro
para conseguir as passagens de volta dos cinco jogadores.
— Qual a sua opção de lazer, fora daqui?
— Pegar a família no domingo, que é sagrado, vou pra praia, freqüento o Clube da Caixa, o Sergipe Country Clube, vou me divertir junto com
minhas netas.
— E as meninas daqui?
— Elas não saem comigo. Elas, no domingo, estão liberadas.
— Fale mais da noite de antigamente.
— Era um pouquinho melhor, pois você via homens que gastavam
nas noites. Homens bem vestidos, mulheres bem vestidas. Hoje, os homens não possuem o bom gosto de se vestirem bem. Me desculpem, mas
eles vinham de terno, principalmente os intelectuais.
— O seu amor atual?
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— O meu amor? É um cara humilde, é um cara que é funcionário do
Estado. É um cara que ele procura me entender e eu procuro entendê-lo.
— Quantos amores de verdade?
— Uns quatro amores.
— Por que não gosta de ser chamada de Ciganinha?
— Do portão para cá, você pode me chamar de Ciganinha. Do portão
pra lá, não me chame que não respondo. Geralmente, eu estou com minha família, estou num casamento, estou numa festa. Vivo aqui dentro,
mas eu tenho muitos convites, tenho muitos amigos fora disso aqui, com
gente que ninguém espera que eu tenha. Tenho muitas amizades boas,
graças a Deus, que me convidam para casamentos, batizados, festas e
mais festas.
— Você freqüenta os meios sociais da cidade?
— Freqüento, graças a Deus!
— E por que não assumir o nome Ciganinha?
— Aracaju é pequena e quando se diz o nome Ciganinha, todo mundo fica curioso para saber quem é a Ciganinha. Entendeu? Porque sabem
que a Ciganinha tem uma casa noturna, entendeu? Os homens não, mas
as madames, as mocinhas, ficam todas curiosas. Já cheguei em recinto e
neguei que me chamassem de Ciganinha. Dei um beliscão e disse: “Não
me chame assim não, me chame do meu nome”.
— Os homens procuraram sempre camuflar as investidas na noite?
— Tem de ser.
— Ciganinha, cá entre nós, é a Olga da “Dona do Mundo”?
— Aaaahhhh!
— Tira férias?
— Não tenho esse direito.
— Quanto você ganha por noite aqui?
— Não posso dizer. Tem noite boa e noite feia!
— Qual é a noite boa?
— Não tem assim um dia que você possa dizer que é hoje que a noite
é boa. Tem dias que a casa está vazia, mas dá um movimento bom, só
com uma mesa com gente que gasta.
— Quanto?
— Depende. Vinte, oitenta, tudo tem limite.
Oxente! essa é a nossa gente
— Como é seu dia-a-dia com as meninas?
— Uma casa de família, como outra qualquer.
— Possui normas?
— Claro, todas no salão às oito horas da noite. Hora de refeição. Hora
de acordar para o café da manhã.
— Controla o tempo do homem com a mulher no quarto?
— Isso não existe, não. A mulher demora o tempo que quer e vai na
mesa que quiser ir.
— Como elas chegam, como são estabelecidos os contatos?
— Todo mundo é de fora daqui. É muito difícil chegar uma sergipana.
Geralmente é gente de fora. Quando ela vem é outra que traz. Dão endereço, o telefone: “Foi fulano que mandou eu aqui”.
— Elas faturam em média quanto num mês?
— Depende do movimento, não faço a menor idéia. Tem garota que
faz sessenta, oitenta, por semana.
— Qual a época que deu mais?
— Na época que eu estava na Ceasa, pois ia muito gente rica, só ia
gente de dinheiro, de muita grana. Aracaju tinha muito americano. Eu
comprei uma casa com dinheiro americano. Agora, eu ganhava mais dinheiro de cachê do que o que eu vendia.
— E o lance do pai trazer o filho para o primeiro ato sexual?
— Geralmente os pais trazem.
— Ainda continua?
— Continua... e como continua! Muitas vezes eu perco pai e ganho o
filho. Porque, geralmente, o pai traz em confiança a mim. Eu tenho as
meninas cuidadas aqui dentro, com exames, com tudo. Só vai fazer amor
com camisinha e a turma confia em mim. “Olha minha tia, vou trazer
meu filho mais fulano”, e manda. E depois, muitas vezes quando chega
aqui, coloca o carro no portão, o filho está. Vê o carro do filho e volta. Eu
digo assim: ganhei o filho e perdi o pai.
— Um fato interessante?
— Vou dizer: uma das pessoas importantes do Estado de Sergipe: os
filhos dessa pessoa muito importante deram e fizeram amor pela primeira vez dentro da minha casa. Há uma confiança nisso. De vir carro, encostar e o motorista trazer de um por um, para fazer amor na minha casa.
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Até hoje continuam sendo meus amigos. Difícil, mas uma vez por ano,
aparecem.
— Há uma seleção para uma mulher transar com rico, com o pobre?
— Não existe isso, o cachê é o mesmo.
— Qual é o cachê?
— Elas cobram dez, quinze, seis, a depender do cidadão.
— Ciganinha, e o título de Dama da Noite?
— Me chamam de Dama da Noite? Não sabia dessa.
— E o “pendura” do amor?
— Que é isso?!!! Um cheque pré-datado é natural e bem vindo, quando é de gente importante.
— Vai sair na Globo?
— Se sair, eu convido vocês. Já tiveram aqui sondando. Por enquanto, conversas. Vou contar uma coisa: tem muita gente boa que bate no
meu ombro e diz: “Tá vendo minha tia? Ela faz parte da minha vida, do
meu mundo, da minha infância”, e me agradece por muitas coisas que
eu fiz.
— Seu relacionamento com a polícia?
— Sempre tive bom relacionamento, desde o pequenininho até o grande.
— Ciganinha, o que é amor para você?
— É um troço tão bonito que não tem explicação.
Cleomar Brandi e sua vida cheia de emoções
leomar Ribeiro Brandi nasceu no dia
18 de janeiro de 1946, na cidade de
Ipiaú, Bahia. Seus pais: Waldemar Brandi
(já falecido) e Cleonice Ribeiro Brandi.
Seu pai sempre foi comerciante. Nasceu
em Amargosa, interior da Bahia, filho do
velho José Brandi, seu avô paterno, um italiano cheio de botas altas e chapéu de aba
larga. “ Meu avô, um dia, resolveu largar-se
da ponta da bota da Sicília e escolheu a cidade de Amargosa, onde teve fazenda de
café. Com a morte de meu avô, meu pai mudou-se para Ipiaú, onde montou a Padaria
Minerva (homenagem a minha avó paterna).
Lá, conheceu minha mãe, casou-se com
dona Cleonice e teve quatro filhos: Luís Fernando Ribeiro Brandi, José Carlos Ribeiro
Brandi, eu e Francisco Ribeiro dos Santos
Neto, este último uma homenagem a meu
avô materno, uma das figuras mais
carismáticas que conheci. O velho Chico
Ribeiro era por demais conhecido em Ipiaú,
uma bela cidade que marca o início da região Sul da Bahia, onde começam as roças de Cacau, uma cidade cortada
por dois rios que ainda dançam em minha cabeça: o Rio das Contas e o
Rio da Água Branca.”
Oxente! essa é a nossa gente
C
Publicado no Jornal da Cidade em 20.12.2003
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“Comerciante, ostentava um vasto bigode em curva e era considerado
como um mentor da cidade, o grande conselheiro, cheio de sabedoria.
Filosófico e respeitado, me faz lembrar dele com saudade até hoje.
Lembro-me que na época do Integralismo, logo surgiu na cidade um
grupo seguidor de Plínio Salgado, o mentor do fascismo verde-amarelo.
Conta-se que meu avô, que odiava os integralistas, aguardou a chegada
do Carnaval e fantasiou meus dois tios (Hugo e Rubens) todo de verde (a
cor do integralismo) e, quando perguntavam a ele que fantasia era aquela, ele respondia que “integralismo era papagaiada, coisa de Carnaval.
Criou-se a maior confusão, mas ninguém ousava dar de testa com ele. A
Padaria Minerva é saudosa lembrança de minha infância. Todas as sextas-feiras à noite, lá ia a família toda trabalhar até tarde, pesando biscoitos, bolachas e pães, embrulhar no peso certo, pois no outro dia, bem
cedinho, sábado, era dia de feira e a padaria enchia de gente e lá estava
tudo arrumadinho. Na frente da padaria a feira fervilhava. Depois, meu
pai comprou um caminhão e pegou estrada e era muito bom esperar a
chegada, presentes para todos, estender a lona, dobrá-la. Mais tarde,
mudamos para Salvador, lá pelo ano de 1955.”
De seu pai, Cleomar herdou a seriedade com a postura profissional, a
honestidade levada a extremos. De sua mãe, dona Cleonice, herdou a
garra da luta pela vida, a determinação na hora de enfrentar os dissabores das dores da vida. Hoje com 77 anos, dona Cleonice reside com ele.
“É um exemplo de lucidez. Sempre atualizada com o que acontece no
mundo, cansa de surpreender quem a vê pela primeira vez pelo seu
conhecimento literário. Durante anos, muita coisa que li, ela também
devorou. Conhece a obra de Dostoievski, Manuel Bandeira, Charles
Dickens, devora e digere Drummond e costuma surpreender as pessoas
com citações de Fernando Pessoa e outros nomes da densa e bela literatura. Lê os jornais diariamente, opina sobre o Jornal da Cidade, sugere
pautas e não abre mão da raiz jornalística baiana: lê, todos os dias, o
jornal A Tarde, de Salvador, onde meu irmão, Chico Neto, é secretário de
Redação há anos e anos. Neste momento deve estar lendo alguma coisa
de Roberto Drummond, quem sabe repousa os olhos num Neruda”.
Conta que a sua infância foi bela, menino de beira de rio, abrindo o
grande portão do quintal e se deparando com o deslizar majestoso do
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Rio de Contas, onde ele e seus irmãos engoliam piaba viva para aprender a nadar. “Pescávamos belos piaus de cima do cais: plataforma exata
para grandes mergulhos na água que nos acolhia. O grande abacateiro do
quintal era a grande vigia de onde, lá de cima, me sentia Robinson Crusoé,
os babas com os irmãos, os filmes do Cine Theatro Éden, o cheiro do pão
fresco saindo do grande forno da Padaria Minerva, a manteiga derretendo no milagre do pão quente e aberto, as histórias de assombração, as
brincadeiras de guerra nas pilhas de cacau do grande armazém de Tio
Coló, os bois soltos nas ruas nos dias de matança, um corre-corre danado e a gente jogava sal no fogo, pois diziam que deixava os animais mais
brabos. Uma infância com cheiro de banhos de rio, rapé roubado do
meu avô, visgo de cacau na boca e o coração na porta, batendo forte,
esperando a chegada do meu pai que vinha da padaria, enquanto o serviço de auto-falante cantava a Ave Maria.”
Dos primeiros passos da vida estudantil, diz que não dá para esquecer a professora Cecília, que foi a sua primeira mestra. Conta que ela era
carrancuda, olhar severo, e sentia um prazer mórbido nas fatídicas sabatinas de aritmética. A pergunta era rápida e a resposta tinha que ser do
mesmo jeito.
“Como nunca fui muito afeito às ciências exatas, sempre acabava
apanhando feio, de palmatória. Como minha natureza é sólida desde
pequeno, apanhava muito, pois nem gemia nem chorava. Foram várias
vezes que cheguei em casa com as mãos inchadas.” Anos depois, em
Salvador, estudou na Escola Jesus, Maria, José, no Forte de São Pedro;
depois, na Escola Centenário, na Boa Viagem, na Cidade Baixa; no Colégio Dom Macedo Costa, exame de admissão no Colégio Getúlio Vargas e
ingressou no ginásio no Instituto Normal da Bahia. “O que bem me
lembro dessas escolas é que se valorizava muito a educação formal e a
leitura e redação diária eram obrigatórias, tanto assim que tínhamos que
fazer ditado, dissertação, redação e composição e saber distinguir cada
uma delas, o estilo e tudo mais. Acredito que isso ajudou muito em
minha carreira futura de jornalista.”
“Não pude seguir o caminho normal de todos, ou quase todos que
fizeram o ginásio, pois aos 17 anos fui atingido por um voraz vírus que
quase consome minha existência. Daí em diante minha adolescência foi
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dura: dois anos internado num hospital e mais seis em cima de uma cama,
às vezes quase morrendo, família reunida esperando o desfecho, febres diárias, eu apagava durante dias e sempre voltava, com um laivo de determinação nos olhos. É que meus olhos sempre foram temperados na forja da Fé e
acho que acreditava que a vida era muito bela para morrer adolescente. Sobrevivi a vários chamados da soturna morte e estou aqui até hoje, sentindo
o vento na pele e o cheiro do mar nas narinas. Assim, aos 17 anos o atleta
recordista de nado livre e borboleta (mais tarde golfinho) saiu da água e foi
sentir suas dores numa cama de hospital, com uma paralisia que quase me
mata. Entre febres, cirurgias, engessamentos, dezenas de escaras (medalhas
amargas), consegui sobreviver e, oito anos depois, busquei aproveitar os
anos que passei deitado, mas sempre abraçado à melhor literatura mundial.
Fiquei amigo, quase íntimo de Tolstoi, de Stendhal, de Baudelaire, de Homero,
de Goethe, de muitos escritores, bálsamo de palavras e estilos que me
ajudavam mais que as pomadas, cirurgias e internamentos. Soube armazenar meu silo com uma vasta biblioteca e esse conhecimento mostrou-se
mais tarde uma das grandes armas da minha sobrevivência profissional.
Daí, como disse, oito anos mais tarde, já numa cadeira de rodas, aprendi a
me arrastar pelas escadas, fazendo o amargo caminho da evolução da espécie pelo avesso e, em junho, prestei o Supletivo de Primeiro Grau. Passei.
Em dezembro, fiz o Supletivo de Segundo Grau. Passei. Em janeiro, fiz
vestibular na Universidade Federal da Bahia, no curso de Pedagogia, onde
fundei o primeiro diretório estudantil, com o slogan ‘Uma gota d’água
nesse oceano de inércia’, uma homenagem à peça teatral Gota D’Água, de
Chico Buarque, em plena época ditatorial, o que rendeu muita confusão
política, perseguições durante o curso. A pior delas foi a transferência da
minha sala para o quarto andar e eu tive que, durante quatro anos de
curso, arrastar-me degrau por degrau, todos os dias de aula, até o último
andar, enquanto meus colegas levavam minha cadeira de rodas. Talvez por
orgulho ou desafio, nunca permiti que me carregassem nos braços. Preferia desafiar a diretora com o estandarte político de luta do meu cansaço.
Nesse ínterim, havia recebido o convite para escrever meia página no jornal A Tarde, onde mantive durante oito anos uma bem sustentada coluna
sobre rádio e televisão. Enquanto estudava, registrei-me como jornalista e,
logo depois, prestei um concurso público para o IRDEB. Aprovado”.
Oxente! essa é a nossa gente
A juventude foi de turmas de ruas na Boa Viagem, nos mergulhos na
ponta de Monte Serrat, na Cidade Baixa. Na Cidade Alta, a melhor fase
da sua juventude, interrompida quando morava na rua Gabriel Soares,
conhecida como Ladeira dos Aflitos.
“Lá, eu e meus irmãos reinávamos, jogávamos bola na rua, corríamos
da polícia quando vinha acabar com a brincadeira. Uma juventude onde
pratiquei muita caça submarina, buscando polvo na loca, arpoando
caramuru grandão, budiões, muitos peixes. Peguei tanta prática que acabei me tornando um bom nadador. Convidado para nadar pelo Esporte
Clube Vitória, mesmo sendo torcedor do Bahia, fui porque não gostava
do técnico do tricolor. No Vitória, tornei-me um recordista de natação
durante alguns anos, até cair doente. Essa energia fez de mim um exímio
mergulhador e, com minha equipe, vasculhávamos uma área imensa do
mar, que ia de onde é, hoje, o Trapiche Adelaide, costeando a Gamboa,
toda a extensão do Corredor da Vitória até perto do Farol da Barra. Final
de tarde chegava em casa, por terra, carregando muitos peixes, polvos e
estrela do mar (essa, eu vendia). Lembro que a turma da Ladeira dos
Aflitos era muito grande unida. Antônio Pitanga, que depois se tornou o
pai de Camila Pitanga; Geraldo Del Rey, virou ator de cinema; Perna
Fróes, que fez arranjos musicais para Caetano Veloso; Thildo Gama, que
era o baixista de Raulzito e seus Panteras; mais tarde, Raulzito virou
Raul Seixas e é nome na MPB até hoje. Reencontrei Raulzito (nunca
consegui chamá-lo de Raul Seixas) anos mais tarde, em Arembepe, ele
recém-saído do hospital, com a cirrose comendo seu fígado e, debochado
como sempre, emborcou minha dose de milome, aproveitando minha
distração. Dois meses depois, ele morreu. Este ano, no encontro da turma dos Aflitos, Gamboa e outros bairros, em pleno Passeio Público, eu,
Thildo Gama e outros amigos cantamos as músicas de Raulzito embaixo
de uma mangueira. Todos se emocionaram e muita gente chorou. Esta foi
minha juventude, com muitos amigos. Ainda hoje só me conhecem por
lá com o apelido de ‘Leonam’. Explico: quando mudei-me para a Ladeira
dos Aflitos, no primeiro baba, saí driblando muitos e fui o goleador. De
repente, um adversário gritou: “Esse cara costura (dribla) mais que máquina de costura Leonam’. O apelido pegou. Está lá até hoje. Raulzito e
todos só me chamavam de Leonam.”
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Fez o curso de Pedagogia na UFBA, trabalhou como dobrador de livros, missais no Mosteiro de São Bento, aos 13, 14 anos e, aos 16, era
boy num escritório de representação dos pincéis Tigre e Decalcomonias
Fontana, que eram conhecidas como “figurinhas de passar”, antes de
pousar na cadeira de rodas. Seu primeiro emprego seguro foi no IRDEB
– Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia, quando foi aprovado em
primeiro lugar.
“Precisavam de um jornalista para montar a primeira equipe de redação da Rádio Educadora da Bahia, AM e FM (mais tarde viria a TV
Educativa ). Acredito ter feito, junto com minha equipe, um bom trabalho naquela emissora que é, até, um núcleo de resistência da MPB da
cultura contra a mesmice que impera nas emissoras de rádios. Recentemente, a Rádio Educadora completou 25 anos e emocionei-me quando
fui entrevistado para um livro contando a história da rádio. Já me mandaram o livro. Um documentário também foi produzido e exibido, e
fiquei feliz quando uma equipe da TVE da Bahia veio aqui, em Aracaju,
em pleno Pré-Caju, para pegar meu depoimento.”
“Aqui em Aracaju trabalhei três vezes na TV Sergipe, onde tenho
inúmeros amigos, na TV Jornal, na Delmar FM, no Jornal de Sergipe,
trabalho na TV Aperipê, na TV Caju e no Jornal da Cidade. Fui correspondente da revista Veja durante dois anos. Também já fiz publicidade
para algumas agências, pois gosto de me deparar com o desafio de um
roteiro. Gosto de trabalhar com o competente Euler Ferreira, no Tribunal
de Justiça, na elaboração e modernização da revista Judiciarium.”
Jornalismo lhe traz muitas emoções. A primeira cobertura que fez,
com a equipe da Educadora da Bahia, da primeira visita do Papa a Salvador, marcou época, pelos elogios que toda a equipe recebeu. Ter entrevistado, também na Educadora, Alceu Valença, o pessoal do Barão Vermelho, Caetano e tantos outros nomes que fizeram especiais naquela emissora, trouxe-lhe muitas alegrias. Ter sido um dos fundadores da emissora também lhe dá emoção, assim como ter lançado as primeiras músicas
de Raimundo Sodré, Gerônimo e tantos outros. Profissionalmente, acredita que trilhou o caminho certo: o jornalismo. Confessa que não sabe se
conseguiria fazer outra coisa na vida, pois dorme e acorda respirando
jornalismo.
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“Transpiro textos, pautas, crônicas, procuro diagramar certinho minha postura profissional. Gosto de acordar cedinho e chegar às 6 da
manhã no Jornal da Cidade, de ouvir rádio, de sair fuçando pauta por
aí.” Dos seus momentos de lazer: “Muitos me perguntam por que não
ando nos bares da moda, principalmente aos domingos, sábados, quando todo mundo procura os bares badalados da Sarney. Gosto da Orlinha,
sou assíduo ao Pastelão, na Coroa do Meio. Ali, amigos decoraram a
parede com uma confraria que leva o meu nome: Confraria de Bar Cleomar
Brandi. São muitos, na confraria e é bom ouvir aquele monte de homem
contando mentira, dizendo que está com ‘uma gata de arrasar quarteirão’,
até que é visto, andando furtivo na rua, com um verdadeiro canhão
bombardeado ao lado. E beijando, o que é pior. Não dá para enumerar
todos os nomes da Confraria, mas tem Budé, tem Edílson, tem Edson ‘da
Monza’, tem Silvino, tem Luis Matraca, Guerreiro e um monte de amigos. Sem contar que, por lá, tem a melhor ova de peixe da cidade.”
“Não sou um poeta. Sou um garimpador de palavras, um cronista
urbano, às vezes doce, às vezes sacana e, quando cronista, deixo escapar
um certo lirismo, mas não sou poeta. Poeta é Santo Souza. Realmente,
arrisquei algumas letras para músicas: ‘Pai de Rua’, para a Banda Sulanka
e algumas letras para Jorgival Porto, mas nada demais. Não sou homem
de muitos prêmios, mas me orgulho dos que recebi. O título de Cidadão
Sergipano me orgulha muito, graças à iniciativa da amiga deputada Susana
Azevedo. A Medalha do Mérito Cultural Ignácio Barbosa me deixa feliz,
concedida pelo então prefeito João Augusto Gama. E o prêmio ganho no
concurso de crônicas Cidade de Aracaju, quando cantei essa bela cidade, devolvendo a ela tudo de bonito que tem me oferecido.”
No momento atual anda com saudade do conhaque. “Um exame médico mandou moderar. Deverei incursionar pelos caminhos leves do
vinho, enólogo neófito, quem sabe pelo uísque com água de coco, mas
minha alma transcende a um bom conhaque. Um dia faremos esse belo
reencontro.”
De seus amores: “Alguns dizem que tiveram muitos amores. Talvez eu
tenha tido muitas mulheres e poucos amores, a dose exata para incendiar e maturar o fogo eterno da sensualidade e da ternura, do companheirismo. Bernadete deixou fortes marcas e um sabor de cumplicidade eter-
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na. Adna, a que soltava faíscas de ciúmes, como adagas sarracenas.
Arlinda, que trouxe a pele morena das terras de Ilhéus para meus afagos
madrugadores e hoje mergulha em livros de Mestrado na Sorbonne, em
Paris.Com essas eu convivi, anoiteci e amanheci alguns belos anos da
minha vida, compartilhei livros, vinhos e banhos oceânicos nas quebradas das praias de Salvador, Arembepe e Sergipe”.
Dos sonhos realizados: “Realizei sonhos mas tenho o pé no chão (ou
perto dele). Na verdade, o que gosto mesmo é de trabalhar, passar cedinho
na banca e ver o Jornal da Cidade, quentinho, à espreita do leitor, de ver
o olhar grudado do telespectador num noticiário e você saber que participou daquilo. Esse é o meu sal, o meu ar.”
Dos aniversários comemorados: “Interessante é que nos meus muitos
anos de Salvador nunca fui de comemorar aniversário. Aqui em Aracaju, começamos a nos reunir na casa do companheiro Goisinho, anos
atrás e, a cada ano, a festa foi crescendo. O sarapatel baiano preparado
por meu irmão, Zé Carlos, acabou sendo um forte chamariz para a festança
e todos os anos, nessa data, meu coração se enche de amigos. Paulo Lobo
e seu violão, Zé Eduardo, Cláudio Miguel, Valdefrê, Iracema, Tonho
Amaral, Osmário Santos, jornalistas, amigos, enfim, um pequeno exército de verdadeiros amigos que costumam agüentar uma farra profissional
que começa dez da manhã e não tem hora de acabar, tudo ao som de
muita cantoria e acordes de viola. Um verdadeiro encontro cirrótico.”
Revela que não é um saudosista, pois bebe barris de realidade todos
os dias. Ler é fundamental em sua vida.
“A busca do conhecimento, aprendida com minha família, é a grande
arca da sabedoria, arcabouço de sustentação da minha personalidade. A
boa leitura com a boa música formam a dualidade perfeita que me acompanha todos os dias.”
Não esquece de falar da namorada para o desencanto de muitas mulheres que não estão satisfeitas com essa sua recente conquista que está
dando o que falar. “Hoje, trago em mim a calma de perceber a mulher
exata, quando chega, quase sorrateira, leve, brisa em fim de tarde. De
tanto garimpar, encontrei a Mariana Salerno, que chegou com jeito de
ficar, trazendo na bagagem a inteligência, a beleza, o equilíbrio. Chegou
e balançou o velho bruxo, fazendo tremer até os aros da cadeira de
Oxente! essa é a nossa gente
rodas. Aquele amor que faz você se sentir um cavaleiro templário, guardião
da menina amada, sabe? São pra ela os meus versos, meus olhos, minha
ternura e meu fogo vulcânico da têmpera baiana que me deu mais que régua
e compasso: me deu a sabedoria de saber ser companheiro. Quanto ao casamento, nada contra, mas prefiro conviver, sem maiores cerimônias.”
Do Cleomar Brandi em família: “Sou profundamente apegado à minha família, talvez herança da raiz bem italiana,de tanto assistir as grandes reuniões de pai, mãe,avós, tios, aquele monte de gente fazendo algazarra. Hoje, em Aracaju, compartilho da presença do irmão mais velho,
Luiz Fernando Ribeiro Brandi, que reside há mais de 30 anos em terras
sergipanas e é diretor da União Veículos, casado com a promotora de
Justiça Christina Brandi. Tem o José Carlos, que também reside aqui, pai
de Renata, minha afilhada, Fernanda, que trabalha no Banese e é formada em administração de empresas, e o Daniel, que parece querer trilhar
os caminhos do jornalismo. Em Aracaju, ainda compartilho das presenças dos sobrinhos Márcio Brandi, filho de Luiz Brandi e Christina,
Isabele, advogada, casada com Felipe Paixão, amigo-irmão, e José Roberto,
que no momento está residindo em Salvador, seguindo os caminhos de
um futuro executivo da Ambev. Francisco Ribeiro dos Santos Neto,
jornalista, reside em Salvador, é secretário de Redação do jornal A Tarde,
pai de outros sobrinhos: Isadora, que é jornalista no Rio de Janeiro,
Matheus, que é jornalista em Salvador, Pedro, que estuda engenharia
ambiental em Salvador, e Clarice, adolescente. E Aracaju traz essas surpresas de reencontrar Kércio Pinto, superintendente da Polícia Federal,
que é meu primo. Sua avó, Tia Lindaura, é irmã de meu pai e minha
madrinha.”
Da sua paixão por Aracaju: “Meu amor por Aracaju, por Sergipe é
belo e definitivo. Lembro-me que vim para Aracaju, a convite de
Raimundo Luiz, no governo João Alves, para integrar-me à equipe que
poria no ar a TV Aperipê. Vim para ficar um ano, passaram-se dois e o
Estado da Bahia mandando ofício pra voltar. Um dia, decididamente
apaixonado por Aracaju, mandei minha demissão de funcionário público do Estado da Bahia e me tornei cidadão sergipano, com muito orgulho. Quando falo ou escrevo sobre Aracaju, sou até suspeito, de tão
irremediavelmente perdido de amor que sou por essa cidade. Tenho,
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Oxente! essa é a nossa gente
com ela, uma doce cumplicidade amorosa e vou continuar cantando-a
em verso e prosa por onde andar. Aqui, tenho amigos, histórias para
contar.”
De quem foi importante em sua vida: “As pessoas importantes em
minha vida foram meu avô, com sua imensa sabedoria e conhecimento,
meu pai, pela lição de honestidade durante toda uma vida, minha mãe,
pela garra, determinação e grau de cultura e por ter sabido reconhecer
quando seu filho lutava, durante anos, pela vida, que a Fé em Deus é
bússola e barco na vida, o oceano a gente escolhe.”
Do Cleomar ao longo dos seus anos de vida: “Tive uma vida comum,
apenas foi mais difícil. Aprendi o sentido das dores diárias, o alcance, a
extensão da crueza que é ter beijado a face enrugada da morte e ter voltado, algumas vezes. Estou no mundo e quero cumprir o que determina
meu coração, minha vida e minha Fé. Gosto de perceber o mistério das
palavras quando escrevo, quando ouço um blues. Continuarei amando
as madrugadas e buscando compreender a humanidade. Sou o que faço.
Nada mais.”
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Djalma Borboleta: de bedel a bacharel
m homem de muitas histórias, de muitas lutas e de muitas formaturas. Por excelência, um
batalhador em contínuos passos na
busca do sucesso. Foi bedel do Colégio Tobias Barreto por longo período, auxiliar de contabilidade, balconista, oficial do Exército, contador, bacharel em Ciências Econômicas, Ciências Jurídicas e Sociais, bacharel em Geografia e História. Aposentou-se como Juiz de Direito e diz
que não chegou a desembargador,
apesar dos 32 requerimentos que fez,
porque o consideravam um juiz que
nunca foi sisudo e mal-humorado.
Djalma Ferreira de Oliveira nasceu a 19 de agosto de 1921, na cidade de
Santos, São Paulo, filho de João Ferreira de Oliveira e
Maria Ferreira de Oliveira.
O pai era um vendedor ambulante de mercadorias diversas, que dedicava a maior parte do tempo à venda do Jogo do Bicho, sempre apresentando aos clientes o certeiro palpite da borboleta. Djalma, além do apelido do pai, herdou o caráter e o dinamismo do homem trabalhador, que
viveu em prol da família, com entusiasmo pela vida.
Publicado no Jornal da Cidade em 11.9.1994
Oxente! essa é a nossa gente
U
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Oxente! essa é a nossa gente
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Da querida mãe Maria Ferreira, relembrando-a, fala emocionado do
carinho que ela dedicava aos filhos, e do incentivo nos estudos, além da
torcida para que eles fossem “alguém na vida.”
Nasceu em Santos. Foi durante uma curta experiência dos pais naquela cidade, quando foram em busca de dias melhores e retornaram em
menos de um ano, trazendo nos braços o pequeno Djalma.
Desde cedo, viveu pelas ruas de Aracaju, ao lado do pai, em seu
trabalho de vender o Bicho. Na época dos estudos, foi entregue aos cuidados da professora Jovina, que ensinava na rua Laranjeiras, entre Santo
Amaro e Capela.
Indo morar na zona Sul, precisamente na rua Lagarto, aprendeu mais
coisas quando foi aluno da professora Esmeralda de Oliveira. No Colégio
São João Batista, no ano de 1934, concluiu o curso primário. Mas viveu
uma infância de pouca brincadeira e muitas dificuldades, principalmente no momento em que o governo Dutra proibiu o Jogo do Bicho, forçando uma mudança brusca na ocupação do pai.
No ano de 1935, entrou no Colégio Tobias Barreto para cursar o secundário, após passar brilhantemente no Exame de Admissão. No ano
seguinte, sem condições de pagar o colégio, procurou o professor José de
Alencar Cardoso, o conhecido professor Zezinho, para falar da sua condição financeira. “Mestre, se for dito, por seu intermédio, que vai reduzir a mensalidade de 10 mil réis, para um, eu não terei 12 para lhe pagar
durante um ano. Eu não quero deixar de estudar e essa é a razão de estar
aqui, para lhe pedir que me deixe continuar os estudos. O professor
Zezinho me respondeu: ‘Djalma, o aluno que quiser aqui estudar, aqui
estuda, com ou sem dinheiro. E você, desde já, fique sabendo que está
isento do pagamento, enquanto for aluno desta escola.’”
BEDEL DA ESCOLA - Após um ano sem pagar o colégio, retornou ao professor Zezinho, colocando-se ao seu dispor para qualquer tipo de trabalho,
pois estava ciente de que ali teria uma boa alimentação, corte de cabelo,
sapato lustrado e não mais precisaria retornar para casa na hora do almoço.
Com o pedido atendido, ganhou o cargo de bedel do colégio, passando a circular pelos corredores, pelas salas, reservando tempo de levar os
estudos adiante, como o fez por mais seis anos, naquele colégio.
Oxente! essa é a nossa gente
De 40 a 41, no Colégio Atheneu, estudou o curso complementar de
Engenharia, pelo desejo que tinha de “construir o mundo”. Depois de
muito pensar, vendo que isso era impossível, deu uma parada nos estudos para enfrentar o trabalho, como auxiliar de contabilidade, no Sindicato dos Usineiros do Estado de Sergipe.
Trabalhava de dia e deixava a noite para estudar o curso de contabilidade na Escola Técnica de Comércio, onde saiu com diploma, que era
considerado na época de nível superior. Era o ano de 1944.
O maior incentivador de sua carreira contábil foi o contador José Dantas,
que era o responsável pela contabilidade do Sindicato dos Usineiros. Ele
deu aulas de noções de contabilidade em casa, garantindo a Djalma as
condições de trabalhar como auxiliar de contabilidade no Sindicato. Por
competência, o seu aluno logo demonstrou o que aprendeu, dando conta
do serviço com facilidade, ganhando o direito de folgar às sextas-feiras,
quando podia namorar com aquela que mais tarde seria sua mulher.
Formado, montou escritório de contabilidade na rua Laranjeiras, 204,
sala 4, com o nome de Bureau de Assistência ao Contribuinte, que conquistou inúmeras firmas do comércio sergipano, sindicatos, chegando a
ter em suas mãos a escrita das empresas do então senador da República
Albino Silva da Fonseca. Por vários exercícios, assumiu funções de contador dos sindicatos do Açúcar, Fiação e Tecelagem e dos Panificadores.
Em 46, quando tinha 24 anos de idade, com o falecimento prematuro
do pai, assumiu a responsabilidade de toda a família: “Meus avós, que
moravam em Laranjeiras, um tio paralítico e outros familiares.”
Para melhorar o desempenho nas atividades do Bureau de Assistência ao Contribuinte, resolveu fazer outro curso considerado de nível superior, de Administração e Finanças, na Escola Técnica de Sergipe, recebendo o diploma no ano de 1946.
Mesmo com muitas escritas, achou tempo para ir ao balcão da firma
Antônio Silveira & Cia, vendendo aparelhos de som, pela tentadora comissão que lhe foi oferecida. “Me pagavam bem e eu vivia no escritório
de contabilidade à noite. Por muitas noites, lá mesmo dormia.” Com
tanta atividade, chegou a perder um rádio de pilha de marca Emerson,
dos primeiros que chegaram a Aracaju, não sabendo até hoje onde deixou tamanha preciosidade para a época.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Tornou-se bacharel em Geografia e História, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Alagoas, no ano de 1954. Trabalhou como
supervisor contábil da Comissão de Abastecimento do Nordeste (CAN),
na administração do médico Carlos Firpo.
Na Rádio Liberdade, foi responsável, por mais de cinco anos, pelo programa “Hora do Ângelus”, onde foi apelidado de Frei Djalma. “Foi por
causa da minha voz, que se altera bastante no microfone”. Foi membro da
Comissão de Abastecimento, como representante dos economistas, já que
fazia parte da associação de classe, como secretário. Chegou à presidência
daquela entidade, quando solicitou demissão o jornalista Zózimo Lima.
Djalma Borboleta gosta de dizer que foi quase tudo na vida, inclusive
oficial do 28º BC, no período da 2ª Guerra Mundial. “No Exército, fui tão
perseguido por causa de minha cor, que meus colegas resolveram me
colocar como orador da turma. Quero consignar agora que minha felicidade de não ter passado por mais humilhações foi em razão de ser o
comandante do 28º BC o coronel João Batista de Matos, que era mais
escuro do que eu.”
No governo de Leandro Maciel, foi nomeado professor catedrático da
Escola Técnica de Comércio, em 1955. Como professor, ensinou contabilidade em vários colégios de Aracaju, principalmente no Tobias Barreto,
onde chegou a ser auxiliar de direção de 1936 a 1942. Entre os demais
colégios, cita os nomes do Atheneu e Marechal Costa e Silva. Também
ensinou outras disciplinas.
CONSELHO DE CONTABILIDADE - Djalma foi fundador do Conselho
Regional de Contabilidade, com número de registro número 26, sem nunca
receber nenhum reconhecimento por isso. “O CRC foi fundado no meu
escritório, na rua João Pessoa, com minha presença, a de Josino, Durval,
José Aloísio de Campos, Wilson, Arnoivo e outros.” Na Junta Comercial
do Estado de Sergipe, foi secretário no período de 55 a 58.
Sempre foi um leandrista doente, pela ligação forte que tinha com o
governador Leandro Maciel. “Fazia correspondências, notas para a imprensa e outras coisas.” Abriu espaço para registrar nomes de pessoas
que foram de grande importância em sua vida. “Meus pais, Godofredo
de Melo Cardoso, José de Alencar Cardoso, José Dantas e Leandro Maciel.”
FUNDOU GINÁSIOS - Em Porto da Folha através do Cenec, fundou o
Ginásio Nossa Senhoa da Conceição, em homenagem à padroeira da cidade. “Depois, quando eu saí de lá, resolveram mudar o nome para Ginásio Lourival Baptista.” Na comarca de Japaratuba, em 1967, fundou o
Colégio Emílio de Moura. Foi aposentado como juiz de Direito da 2ª
Entrância, quando estava na comarca de Itabaianinha, em 1980.
Não chegou a desembargador e conta os motivos. “Fiz 31 requerimentos. Todos eles foram indeferidos, sob a alegação de que eu não era um
juiz circunspecto. Sisudo e mal humorado.”
Recebeu os títulos de cidadania das cidades de Itabaianinha, Umbaúba,
Cristinápolis e Tomar do Geru, tendo sido esquecido pelos vereadores
da cidade de Aracaju e pelos deputados estaduais, que bem poderiam
prestar-lhe significativa homenagem, com o título de cidadão sergipano.
Fora os títulos de cidadania, recebeu homenagem das Faculdades Tiradentes, com a Medalha Tiradentes.
É coordenador das festividades de Senhor Bom Jesus dos Navegantes
há 16 anos. Na imprensa foi colaborador das revistas Alvorada e O Rodoviário. No jornal Correio de Aracaju, atuou como repórter.
FAMÍLIA - Casou com Maria Helena Santos em 30 de outubro de 1944. Do
casamento, cinco filhos: Sônia Maria, Djalene Santos, Djalma Ferreira de
Oliveira Júnior, Maria Hortência Santos Oliveira e Vera Maria Oliveira Caetano. É avô de 11 netos. Faz questão de dizer que tem uma esposa-mãe.
ORATÓRIA - Fazer discursos é com ele mesmo, principalmente discursos em
cemitérios. “Eu fazia discursos nos cemitérios da nossa barbosópolis, quando morria um cidadão que prestou relevantes serviços ao Estado. Depois,
comecei a me reservar, pois passaram a me chamar de orador de cemitério.”
Oxente! essa é a nossa gente
Formando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Alagoas, após fazer concurso, foi nomeado juiz de Direito da Comarca
de Porto da Folha, no dia 4 de fevereiro de 1958. “Embora tivesse tirado o
último lugar, Leandro Maciel chamou o presidente do Tribunal de Justiça,
Hunaldo Santa Flor Cardoso, e mandou que ele fizesse uma lista tríplice
para as comarcas que estavam vagas, e logo me nomeou.”
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Dom Altamiro, primeiro e único
Oxente! essa é a nossa gente
A
ltamiro Francisco de Carvalho
nasceu a 22 de dezembro de
1935, na cidade de Lagarto. Seus
pais: José Francisco de Carvalho e
Arlinda Batista de Carvalho.
O pai foi guarda noturno que
exercia, pelo dia, a profissão de ferreiro. Mesmo trabalhando dia e noite, nos momentos de folga tocava
tambor na Lira Nossa Senhora da
Piedade, de Lagarto. Dele herdou
o caráter e honestidade.
Com sua mãe, Altamiro teve
uma aproximação maior. Era mãe
e amiga ao mesmo tempo, sempre
presente em todos os momentos,
principalmente quando ele mais
necessitava. “Ela tratava seus filhos com carinho e pedia a todos que tivessem em sociedade um comportamento correto. Também era rigorosa e só permitia aos filhos homens a prática do futebol. Dela eu herdei o amor aos filhos e dedicação
por completo à família.”
A infância de Altamiro foi vivida na cidade natal, onde tinha bastante
tempo para a prática do futebol. Mas viciou-se na bola de gude. “Meu pai
me dava dinheiro para comprar cigarro para ele e, com o troco, comprava
bola de gude. Mesmo sabendo do castigo que ia levar, fazia isso com
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Publicado no Jornal da Cidade em 25.5.2003
SALVADOR - Com 16 anos de idade, parte para Salvador a fim de procurar emprego, na certeza de que seria acolhido na residência do irmão,
Raimundo Francisco de Carvalho, dono de uma banca de verdura no
famoso Mercado das Sete Portas. A seu convite aceita o desafio de ajudálo no comércio de verdura, recebendo remuneração. Assim passa os dois
primeiros anos. “Me acordava às quatro horas da manhã e gostava do
que fazia. A banca do meu irmão tinha uma boa clientela e a maioria dos
compradores eram mulheres da sociedade baiana. Como não era tímido,
cativei muitas delas. Gostava, e muito, quando elas retornavam, todas
bem vestidas e perfumadas. Ao me verem, sempre ouvia de cada uma:
‘Sergipe, tem verdura fresquinha?’ Me derretia de prazer. Dizer para essas mulheres que a sobra das verduras ia para a venda no dia seguinte,
nem pensar. Com as sobras, um cuidado todo especial, a todo momento
jogando água. Assim, elas ficavam fresquinhas, fresquinhas (risos).”
Aos 18 anos, passa a tomar conta de uma lanchonete na feira de Água
de Meninos, na Cidade Baixa. “Aí o trabalho foi pesado. A lanchonete era
de Anestino, um baiano de Feira de Santana que o conheci através de um
colega de Lagarto, também residente em Salvador, Dedé, que já trabalhava
na lanchonete. Nesse trabalho, passei três anos e daí retornei a Lagarto.”
A volta à sua cidade, no ano de 1958, deveu-se à saudade da família
e dos velhos amigos de infância. Bom de bola, acredita no seu potencial
e aceita o desafio de fazer um teste para ingressar no Confiança de Lagarto, time que logo em seguida passou a ser chamado de Lagarto Sport
Oxente! essa é a nossa gente
muito gosto. Ele batia muito. Quando doía pra valer, vez e outra fugia de
casa e só voltava depois de três dias. E mesmo assim porque minha mãe
ia me buscar.”
Não se lembra do nome da sua primeira professora, mas tem conhecimento de que ela era a avó do jornalista Euclides Oliveira. Já da segunda,
Josefita, filha de João Caçuá, boas recordações, principalmente dos momentos em que ela pegava a sua mão direita para aplicar-lhe uma boa
surra de palmatória. “Graças à sua rigorosa maneira de ensinar e ao seu
saber, por sinal, transmitido numa linguagem fácil, o que eu aprendi no
banco escolar devo a ela. Só estudei até o segundo ano primário e daí
passei a enfrentar o trabalho.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Clube. Aprovado, tomou conta do gol, mas durou pouco pois o time era
amador e isso não lhe interessava. Além do Confiança, foi goleiro do
Vasquinho, Ipiranga e Eldorado.
Procurando melhorar de vida, troca Lagarto por Aracaju no ano de
1960, passando a morar na casa de Pedro Ribeiro, na rua Capela. Com
comida, roupa lavada e dormida, esquece de procurar emprego e passa a
viajar com o Pedro Ribeiro, que vinha a ser pai do popular Pititó. “Para
que ele não viajasse sozinho, ia com ele duas vezes por semana para suas
fazendas.” Com tempo disponível, continuou a prática do futebol. “Joguei nos Diferentes, time de Wilson Anchieta, no time da Fugase, de
Calango, e encerrei a minha carreira de goleiro no Vitória, time de Sanã,
que jogava sempre no campo do Bariri.”
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POLÍCIA MILITAR - O irmão Paulo Francisco de Carvalho, que estava
preocupado com o futuro de Altamiro, pediu ao coronel Ananias, então
delegado da cidade de Lagarto, que o colocasse na Polícia Militar do Estado de Sergipe. Considerando que o irmão estava mais do que certo, ingressa na PM como soldado, no ano de 1961, precisamente no dia 5 de maio.
Encarou seriamente a profissão e só saiu da Polícia Militar no ano de
1998, quando foi reformado. “Inicialmente, trabalhei no rancho, fazendo
compras e, depois de dois anos nesse serviço, passei a ser o encarregado
do setor, onde fiquei mais dois anos. No final de 1963, a convite do
coronel José Félix, ex-vereador de Aracaju, passei a trabalhar na Secretaria de Segurança Pública como policial civil. Desempenhei essa função
até abril de 1964, quando fui designado para trabalhar no Palácio do
Governo, a convite do chefe da Casa Militar, coronel Lenine Mendes.
Passei a desempenhar a função de telefonista do palácio do governo e lá
permaneci por oito anos. Por decisão do jornalista Luiz Eduardo Costa,
que na época era secretário de Comunicação do governo Lourival Baptista,
fui transferido para a Secretaria da Comunicação, onde me deram a tarefa
de ler e recortar jornais para clipagem e fazer entrega nas emissoras de
rádio e televisão, além da redações dos jornais, do boletim oficial do
governo. Também prestei serviço do Cerimonial, a convite do Dr. Luís
Fernando Ribeiro Soutelo. Finalmente, no setor de rádio, a convite do
capitão Derós, onde me reformei.”
OS FILHOS - Casou com Maria do Carmo de Almeida Carvalho em 1963,
na Igreja do Espírito Santo em Aracaju. É pai de quatro filhos: Joelma de
Carvalho, Jussara de Carvalho, Carlos Alberto de Carvalho e José Fernandes Almeida dos Santos, este último, filho do primeiro casamento de
Maria do Carmo. Mas o criou, desde os dois anos, como verdadeiro pai,
a ponto do pintor José Fernandes assim considerá-lo.
Oxente! essa é a nossa gente
REI MOMO - A convite de Carlos Magalhães, na sua primeira passagem
pela presidência da Emsetur, aceita o desafio de ser Rei Morno de Aracaju
no ano de 1976. “O Rei Morno anterior era o Batalhinha, que por quatro
anos comandou o Carnaval da nossa cidade. Como ele estava doente e já
estava próximo o Carnaval, Magalhães me convidou. Mas foi por indicação de Leó Filho e de Mendes, já que eu pesava naquela época 120
quilos.”
“Dom Altamiro, 1º e Único” marcou história no Carnaval sergipano.
Por 16 anos, reinou com classe e esbanjou alegria. Até 1986, segurou a
peteca do comando do Carnaval em Aracaju. Começava às 20 horas da
sexta-feira, na Praça Fausto Cardoso, na abertura oficial do Carnaval de
rua de Aracaju, quando recebia a chave da cidade do prefeito. Daí só
descansava na quarta-feira de cinzas. O Hotel Palace, na suíte presidencial, era o seu refúgio para os momentos de descanso diruno. Mas, como
rei, sempre foi solícito com seus súditos.
Quando o Carnaval de Aracaju ainda existia e ser Rei Momo tinha
alguma importância, ele era um personagem requisitado e bastante exposto à mídia.
Retirado de circulação por um algum tempo, volta a reinar no Carnaval de Aracaju de 1989 e de 1990. Mais uma parada — sendo necessário
esclarecer que não foram por sua culpa e, sim, por interferência política
—, volta a ser rei em 1999, 2000 e 2002, quando encerra sua carreira de
Rei Momo. “Como Rei Momo tive muitas alegrias e uma delas foi quando
representei Sergipe na Bahia, na Festa dos 100 anos de Folia do Carnaval
de Salvador. Eu e mais 12 reis de diversos Estados brasileiros. Fiquei
hospedado no melhor hotel da cidade.”
Na Associação Atlética de Sergipe, por muitos anos, foi diretor do
salão de jogos. Tem pelo clube tricolor da Vila Cristina uma grande paixão.
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Oxente! essa é a nossa gente
Um fato interessante, mas triste, da sua vida: “Fui barrado no Iate
Clube, no ano de 1984. Cheguei vestido de Rei Momo para visitar meus
súditos e o porteiro me pediu a carteira, não só a minha como de meus
arautos — os dois clarins. Foi minha maior decepção.”
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Domingo Félix: o tabelião construtor
m dezembro, ele completa 90 anos com muito vigor.
Não deixa de ir diariamente ao cartório, onde continua atendendo pessoas que vão à sua procura, para obter informações de contratos e reajustes de aluguéis,
matéria que domina bem, até com livros publicados
nacionalmente. Só tem o primário e tudo que aprendeu foi com a ajuda de livros e discos. Seu único
diploma é do curso Universal Brasileiro, de mecânica de automóvel, do tempo em que consertava o Ford
Fobica 1928. Foi o primeiro construtor de edifício de
Aracaju, quando entregou à cidade o edifício Aliança
no ano de 1947. Iniciou sua vida vendendo sal na
feira de Maruim. Prosperou, montou uma bodega e,
mais tarde, uma casa de tecidos na cidade de Siriri,
onde iniciou a vida de tabelião. Em Siriri, almoçou com
Lampião, que foi até a cidade somente para conhecê-lo.
Conta detalhes do histórico encontro, brindado a vinho
branco e importado.
Domingos Félix de Santana nasceu no dia 20 de dezembro de 1902, na fazenda Cutias, no município de Siriri. Seus
pais: João Ezequiel de Santana e Ana Perpétua de Santana.
“Meu pai era um homem da roça, muito trabalhador. Minha
mãe morreu ainda muito moça, no ano de 1913.” Do pai, lembra- se dos
momentos que obrigava toda família a rezar. “A gente só ia dormir depois
que fizesse todas orações. Ensinou a gente a trabalhar e a ser honesta.”
Publicado no Jornal da Cidade em 21.6.1992
Oxente! essa é a nossa gente
E
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Oxente! essa é a nossa gente
A infância vivida em Siriri foi aproveitada com muitos banhos no rio
Cancelo, junto dos primos e comendo muitas frutas. Um menino bem
comportado, a ponto de receber alguns elogios. “Era muito estimado pelo
meu pai, que dizia que eu tinha um comportamento exemplar.”
Com a idade de 7 anos, iniciou os estudos com a professora Santinha,
no povoado Fazendinha, no município de Siriri. Tempo em que a palmatória era peça importante na caminhada escolar. “Gostava muito da palmatória, pois tinha sabatina todos os sábados. A professora fazia uma
pergunta ao aluno e, se ele não respondesse, ela chamava outro. Quando
chegava na minha vez, respondia com acerto e recebia a palmatória para
dar alguns bolinhos nos colegas. Aqueles que eu gostava ganhavam uns
bolos suaves e os que não, eu carregava.”
Gostava de Aritmética de Trajano e dá boas risadas ao lembrar-se das
primeiras contas de somar e multiplicar aprendidas na escola. Com a
professora Rita Quitéria de Santana, que mais tarde iria ser sua sogra,
concluiu o curso primário.
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SÓ FEZ O PRIMÁRIO - Não freqüentou mais escola, continuando os
estudos em casa, com a ajuda de livros, tratados e discos. “Venho estudando, até hoje estudo.” Lendo e relendo, despertou interesse pela música. “Quando morava em Siriri, era músico e tocava clarinete.”
Conta que tinha muita vontade de prosseguir os estudos e não o fez
por falta de condições financeiras. Aos 15 anos, passou a trabalhar, vendendo sal na feira de Capela. “Meu pai vendia charque, bacalhau e eu
vendia sal, que ia comprar em Maruim. Tinha o sal escuro e o sal claro.
Vendia muito. Quando iniciei, os vendedores de Capela só vendiam dois
sacos por feira. Quando cheguei, fui oferecer meu produto aos feirantes
que faziam carne-de-sol. Passei a vender de cinco a seis sacos por feira.
Isso criou um mal-estar nos meus colegas, que ficaram me marcando. A
ponto de um prometer que iria me matar.”
Domingos, vendendo sal na feira de Capela, demonstrou muita habilidade, habilidade comercial. Ganhou alguns tostões, fez economia, foi
morar na cidade de Siriri, onde montou um estabelecimento comercial.
“Uma bodeguinha, no Beco de Siriri. Tive a bodeguinha de 1922 até
1925.” Vendia de tudo e com muita satisfação. Uma conquista de um
menino que viveu na roça, plantando mandioca e lavando cavalo, não
era para menos. “Me sentia muito feliz e, vou dizer uma coisa: minha
vida foi de muito sucesso; meu esforço, foi compensado.”
ENCONTRO COM LAMPIÃO - De prosa em prosa com os clientes, sua
conversa foi longe, chegando aos ouvidos de Lampião, que foi até Siriri
somente para conhecê-lo. Conta os detalhes do importante fato histórico:
“Falavam muito de Lampião e eu sempre dizia: ‘Lampião tem razão,
pois mataram o pai dele e o que ele faz é estar se vingando da miséria que
ele sofreu’. Eu era um admirador de Lampião. Um dia, quando estava na
loja, apareceu uma pessoa perguntando:
— Quem é Seu Domingos aqui?
— Está falando com ele, pode entrar.
Ele disse nos meu ouvido:
— Boca fica calada: é Lampião. Seu amigo! Seu admirador!
Nos abraçamos e disse que estava convidado para almoçar comigo.
Perguntei se podia dizer à mulher, respondeu que sim, mas ressalvando:
— Boca de siri.
Lampião me disse que, em Siriri, ninguém iria mexer comigo e quem
o fizesse estaria se batendo com ele”.
Na narração do episódio, o repórter percebeu lágrimas nos olhos de
Seu Domingos. Aguardou e bombardeou o tabelião de perguntassobre os
detalhes do almoço. Lampião foi servido de vinho branco importado e
gostou muito. “Ele contou toda sua vida, disse que não tinha nascido
para o que fazia, mas foi forçado:
— Mataram meu pai, a polícia me cegou. Digo uma coisa vim a Siriri,
por sua causa. Disse aos meus meninos que um dia chegaria até aqui
para agradecer.”
Oxente! essa é a nossa gente
MULTIPLICADOR DE TOSTÕES - Da bodeguinha, sempre multiplicando
os tostões, passou para a Praça do Mercado, onde montou uma loja de
tecidos no ano de 1927. A loja de Domingos, ficou famosa, indo além dos
tecidos, com a venda de todo tipo de chapéus, calçados e camisas que, ele
recorda, rindo: “Eram de colarinho duro.” Metro na mão, nem precisava de
tesoura, cortando rapidinho o tecido. “Às vezes pegava o dedo (risos).”
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Oxente! essa é a nossa gente
Poucos dias depois do almoço, mataram Lampião. Antes dele sair de
sua casa, perguntou se poderia contar aos amigos sobre o encontro, ao
que Lampião respondeu:
— Pode alarmar, mas deixe eu sair primeiro.
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CARTÓRIO - A loja ficou no nome da mulher quando resolveu ser homem de cartório. “Cícero Menezes Barreto era coletor e chefe político.
Naquele tempo, quem comandava o Estado era Manoel Dantas, pai de
Orlando Dantas, que era parente de Cícero. Ele me convidou para ser
tabelião em Siriri, pois não gostava do tabelião de lá, que era um preto de
nome Agenor. Por sinal, uma criatura muito boa, homem muito honesto.
Ele dizia que não queria mais o Agenor e que só queria a mim, pois
conhecia meu comportamento, meus princípios. Me indicou e fui nomeado tabelião interino em janeiro de 1926, sendo efetivado no ano de
1927.”
No ano de 1944, a conselho de Guilhermino Rezende, Leite Neto e
Ascânio Ferreira, vai ser tabelião em Aracaju, aproveitando a oportunidade da aposentadoria do tabelião do 1º Ofício, Benício da Silveira Fontes, que se aposentou aos 70 anos, exatamente no mês de setembro de
1944. Pela transferência, pagou cem contos. Na hora da concretização do
negócio, perguntou a Benício se aceitava cheque ou queria em dinheiro.
Ao passar o cheque, foi informado de que só aceitava visado. Sem problema, providenciou e entregou o cheque visado ao Benício, que olhou o
cheque, pensou um pouco e disse que só aceitaria em dinheiro. Dinheiro
colocado em saco, toma lá dá cá, forçou o vendedor a contar 1.000 cédulas, uma por uma: “Poucos dias depois, ele morreu.”
IMÓVEIS - Apaixonou-se por imóveis quando ainda morava em Siriri,
quando aplicou as economias na construção de algumas casas. Em
Aracaju, foi responsável pela construção do primeiro prédio de andares
da cidade, o edifício Aliança (quatro andares), no ano de 1947, juntamente com Manoel Rollemberg Aguiar. “Muita gente achava que eu estava louco.”
Sua fama de comprador de imóveis chegou ao conhecimento de todos. Quem tinha um terreno barato, já sabia que o Seu Domingos era um
MECÂNICO POR CORRESPONDÊNCIA - Francês, aprendeu ouvindo
disco, mecânica de automóvel, por correspondência. Com todo orgulho
do mundo diz que é diplomado pelo Instituto Universal Brasileiro (risos).” Sempre teve automóveis, desde o tempo de Siriri, numa época em
que se contavam a dedo os proprietários de carros em Sergipe. Conheceu
12 marcas de carros, tendo sido o mecânico de todos eles. Iniciou com a
Fobica 28, da Ford, que comeu muita poeira pelas cidades do interior
sergipano. Conheceu outros carros importados, mas não esquece da Fobica.
“Comprei a Deoclides Azevedo, que era o dono dos telefones de Sergipe
todo. Sujeito muito bom!”
Homem de conhecimentos, sempre preocupado em aconselhar contratos, partilhas de bens, índices de reajustes de aluguéis, até hoje continua assim. “Fui advogado em Siriri e aqui, ainda hoje, sou advogado de
graça. Até advogados mesmo, de quando em vez chegam para fazer consultas. Contrato de locação, reajuste de aluguel, é a vida toda.”
No cartório, não perde um dia, pois é lá que se dá bem. “A gente ensina
e aprende simultaneamente. Nasci para viver e morrer em cartório.”
FAMÍLIA - Casou com Maria Rosa de Santana no dia 17 de junho de
1922, em Siriri, numa cerimônia religiosa presidida pelo padre Otílio,
depois de alguns anos de namoro. Conheceu a mulher no curso primá-
Oxente! essa é a nossa gente
comprador certo. Foi um dos pioneiros no mercado imobiliário sergipano. “Minha vida foi o mercado imobiliário. E vou dizer uma coisa: para
mim, foi o melhor negócio do mundo.”
Com imóveis espalhados pela cidade, passou a conviver com muitos
inquilinos. Conta que até hoje sofre na hora de receber o aluguel. “Sofri
muito e até hoje estou sofrendo, pois pego inquilinos velhacos: muitos
deles são mesmo velhacos. Inquilino bom que tive, posso dizer: foi Lauro
Porto, homem de bem.”
Leitor assíduo, interessado nas leis, publicou alguns livros que foram vendidos com sucesso em muitas cidades brasileiras. “Publiquei o
Dicionário do Registro Público, com duas edições, pois a primeira esgotou-se logo; o Dicionário do Inquilinato; o Dicionário do Imposto de
Renda e Práticas de Inventário e Partilha.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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rio, já que sua sogra tinha sido sua professora. Daí, com muita paciência,
deu tempo ao tempo. Do casamento, três filhos: Luís, Vanda e Dircélia.
Nove netos e 15 bisnetos.
Em 1927, entrou na política em Siriri, por influência do seu compadre Otávio Aragão, que era exator da cidade. “Eu saía com ele de porta
em porta e, assim, conseguimos fazer 259 votos. Éramos do PSD e derrotamos o adversário, que só conseguiu sete.” Mas ficava nos bastidores da
política, pois nunca teve vontade de exercer função política. Em Aracaju,
deixou a política de lado. Contou dois fatos interessantes da política em
Siriri, demonstrando como aconteciam as eleições naquele tempo.
“Em 1930, ocorreu um caso muito interessante. Quando estavam apurando as eleições, a urna pegou fogo. Os políticos começaram a discutir,
um acusando o outro. Sei quem foi que mandou colocar droga na urna,
mas não digo. Pessoa amiga e ainda hoje sou amigo do pessoal dele.”
Mais um caso: “Em 44 foram abrir a urna e tinham 59 cédulas a mais
(risos). Foram passagens que eu passei na minha vida.”.
Considera-se realizado, não possuindo mais desejos. “Todos meus
desejos eu alcancei. Fui uma pessoa que sofri muito, trabalhei muito e
consegui tudo que queria. Só queria uma coisa: o povo tem pavor da
morte e eu peço todos os dias a meu Deus para me levar logo.” Come
muito abacaxi, frutas de todos os tipos e pratica yoga. Desde pequeno
sabia plantar bananeira, continuando com exercício de flexibilidade até
hoje.
PROGRESSO - Um testemunho das transformações de Aracaju: “Tive
muito entusiasmo com o progresso de minha terra e ainda sou entusiasta. De minha casa, todos os dias, fico observando a construção do prédio
da rua Maruim, do Colégio Salvador. Estou gostando, pois ali morou
meu protetor, Guilhermino Rezende.” Lágrimas de lado, continuou o
importante depoimento: “Era uma cidade de pouca gente e hoje é uma
cidade grande, Aracaju é uma cidade importante.” Membro da Maçonaria, foi dirigente da Loja Cotinguiba. E o Lions Clube de Aracaju foi
fundado por ele e Humberto Pinto.
Dona Ana: a lavadeira
etribuição à simplicidade com
que leva a vida, na sua constante luta pela sobrevivência como
lavadeira, Dona Ana hoje tem o orgulho de ter seus três filhos encaminhados na vida e de ter recebido
justamente daquele que resolveu ser
jogador de futebol um presente de
grande significado: a concretização do
sonho da casa própria.
A história de Ana Maria dos Santos começa no povoado Telha, município de Itaporanga D’Ajuda, no ano
de 1948.
Filha de dois trabalhadores de roça,
Manoel Carlos dos Santos e Márcia Maria dos Santos, herdou do querido pai a
dedicação ao extremo no trabalho, qualquer que seja a circunstância.
De sua mãe, uma mulher que conquistava a todos pela simpatia, de
muita espiritualidade, a ponto de ser a rezadeira da região, tem a certeza
que vem a bondade de espírito e muita fé.
O tempo de escola de Ana Maria só durou até o momento em que
aprendeu a fazer o nome. Era a necessidade de ajudar os pais na roça,
diante da sobrevivência da família, composta de oito filhos.
Publicado no Jornal da Cidade em 12.7.1999
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Até os 16 anos de idade, seu dia-a-dia começava às quatro horas da
manhã e se estendia até o pôr-do-sol, no cabo da enxada ou na casa de
farinha, somando-se ao esforço de fazer um longo percurso de estrada, já
que poucas eram as roças na proximidade de casa.
A vida mudou quando seus pais permitiram sua ida para Aracaju,
sob a responsabilidade do médico Rubens da Costa Barros, para trabalhar na casa dele como doméstica.
Trocou a enxada por uma vida mais amena, mas ainda de muito trabalho, pois tinha a obrigação de cuidar da limpeza da casa e dos filhos
do médico: Rubens José, Paulo Roberto, Paulo Sérgio e Rita de Cássia.
“Os meninos estudavam no Colégio Salvador e quando o Dr. Rubens não
podia buscá-los, quem ia era eu. Também cuidava da merenda deles,
colocando queijo nos pãezinhos.” Na residência do médico foram 12
anos, quando só não fez cozinhar.
Do relacionamento com as crianças restou a saudade, pois gosta muito deles. Ainda como doméstica, trabalhou dois anos na casa do professor Alonso, do Colégio Brasília.
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LAVADEIRA - Já casada e com filhos, preciso ficar em casa para cuidar
das próprias crianças, decide ser lavadeira, pois poderia conciliar o trabalho, que passou a ser feito em casa, com as obrigações de mãe. “Levava
meus filhos para o colégio e ia buscar. Aí foi que a luta começou mesmo.”
Católica fervorosa, nunca deixou de pedir a Deus oportunidade de
estudo para os três filhos e saúde para que tivesse condições de criá-los
do jeito que tinha vontade. “Sempre pedia para que todos eles estudassem, se formassem e se dessem bem na profissão que abraçassem. Eu
sempre dizia que eles podiam estudar, pois eu ia enfrentar tudo até que
eles chegassem lá.”
Assim dona Ana fez. Trabalhou desde o dia amanhecer e até o turno
da noite para dar conta da tarefa assumida, horas e horas diante de uma
mesa de passar ferro. Para conquistar o significativo número de pessoas
que passaram a confiar-lhe suas roupas, se não foi de um dia para outro,
aconteceu sem maiores problemas, pois foi bastante a recomendação de
quem fez uso dos serviços e constatou sua qualidade, seriedade e pontualidade.
FUTEBOL - O futebol na vida de Adilson chegou ainda pequeno, quando Dona Ana morava no bairro Luzia. A mãe conta que somente nos fins
de semana o menino tinha contato com a bola, já que o dia todo era da
escola, pela manhã no Colégio Gonçalo Rollemberg e, no turno da tarde,
para fazer banca. Em vez de ser contra, já que sonhava em ter os filhos
doutores, o incentivou. Ela mesma providenciou sua matrícula em
escolinha de futebol.
Adilson está determinado a assegurar seu nome na mídia esportiva
internacional e, um dia, vestir a camisa do Flamengo, clube pelo qual é
apaixonado. O futebol foi chegando em pequenas doses, começando nos
babas da Luzia, passando por duas escolinhas. Fez estréia no amador do
Sergipe. Profissionalmente, o Cotinguiba foi o seu primeiro clube, onde
passou dois anos. Experimentou ainda vestir a camisa do Confiança por
um ano.
Sempre jogando como lateral esquerdo, posição que atua até hoje, em
97 conquistou o prêmio de revelação do futebol sergipano, quando desper-
Oxente! essa é a nossa gente
Ainda continua no batente, embora com um esquema de trabalho
mais brando, em vista do reconhecimento dos filhos, que se fazem presentes no sustento da família. Confessa que não parou ainda, mas já está
certa de que chegou a hora do adeus ao serviço de lavar de roupas.
Na pessoa do médico Bayron Ramos, a conquista do primeiro cliente,
graças à indicação de uma sobrinha de Dona Ana que trabalhava numa
casa em frente à do médico. “A partir dele, peguei uma freguesia grande.”
Até hoje lava as roupas do médico pediatra e outros clientes, com a
diferença de que no passado, quando até fazia uso dos filhos, a roupa
suja saía de casa nas costas e enrolada em lençol ou toalha. “Hoje, o
pessoal traz, bem diferente de quando eu ia buscar, ou um dos meus
filhos, na cabeça, com trouxa e tudo.”
Em 1974, casa com Adiolézio dos Santos, relação que o tempo revelou sem muita afinidade, resultando em separação. Do casamento, os
filhos Adilaelson, Adilson e Adaelson.
Hoje se sente uma mulher feliz, principalmente por ver o filho Adilson
no futebol internacional, começando a ganhar bem, já realizando o sonho dela. O filho jogador de futebol realizou o sonho da casa própria.
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tou interesse de empresário do Paraná, Jesus Vicentino, que o levou para o
futebol da cidade de Apucarana naquele Estado, porém, a passagem foi
curta. Só ficou meia temporada no campeonato do Paraná, pois assinou
contrato com o time Estrela Vermelha, da Iugoslávia, que cobriu proposta
do Atlético Paranaense, que também estava de olho no seu passe.
Coube ao empresário da Iugoslávia Nestorovick o interesse de conduzi-lo ao Estrela Vermelha da cidade de Belgrado.
Assim, a guerra que dividiu a Iugoslávia, como foi registrado na revista Placar, também atingiu um brasileiro, Adilson dos Santos. Apesar
de jogar na bombardeada Belgrado, ele decidiu ficar no país, mas mandou a mulher de volta ao Brasil.
Agora, Adilson, que veio passar uns dias com a mãe e os irmãos,
voltou na tarde da última sexta-feira para a Europa, não mais para a
Iugoslávia, mas para a Espanha, para cumprir contrato com o time da
primeira divisão do campeonato espanhol El Betis Balompier, negociado
ao valor de 15 milhões de pesetas.
Quando à casa que deu à querida mãe, conta que para ele também foi
o grande sonho que alimentou por muitos anos. “O meu sonho era realizar o sonho da casa própria que minha mãe sempre desejou. Graças a
Deus consegui, numa forma de reconhecimento por tudo que minha mãe
fez, não só por mim, como pelo meus irmãos. Esta recompensa tinha que
ser dada com todo orgulho e com todo o esforço.”
Um sergipano que chega à Espanha, com garra e bem acompanhado
pela mulher, Maria Auxiliadora, uma sergipana levada ao altar há seis
meses, depois de quatro anos de namoro. Está com 23 anos de idade.
Dona Carlota: a serviço da educação
ona Carlota é uma história
de vida ainda hoje ligada à
educação. Muita vitalidade e um
jeito de se expressar muito natural e espontâneo. Com seus 90
anos de idade, continua explodindo alegria por todos os lados. Encontramos Dona Carlota em plena
hora do recreio da escola que fundou, Imaculada Conceição, na Barão de Maruim. Estava entre as crianças, esbanjando saúde, no calor
do seu mundo. Quanta felicidade!
Um monumento vivo do ensino em Sergipe. Uma menina que
chegou a Aracaju, vinda de
Maruim, para ser normalista da
Escola Normal. Um sonho realizado e o ingresso no ensino, como
sacerdócio, trabalhando em pequenas cidades do interior do Estado.
Retorna à capital, sendo uma das fundadoras do Grupo Escolar Dr.
Manoel Luiz, na Praça da Bandeira. Poucos anos depois, assume a direção daquele estabelecimento escolar. Os anos foram se passando, a mocidade foi embora. O relógio implacável do tempo nunca chegou a incomodá-
Publicado no Jornal da Cidade em 8.4.1991
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la. Acima de tudo, o ensino. O compromisso foi tão grande que seu
coração não abriu espaço para o casamento. Uma solteira contente no seu
mundo.
O Estado de Sergipe a ela deve muito pelo que fez no ensino público. A menina de Maruim, filha do dono do trapiche Gaimoroba, largou
a casa do pai por um ideal: ensinar as crianças nas suas primeiras
letras, dando a base necessária para o futuro. Mas sua dedicação ao
ensino público merece em vida um reconhecimento maior por parte do
Estado. Perguntada se tinha recebido o devido reconhecimento pelo
serviço à educação, mostrou uma medalha de “Honra ao Mérito”, que
guarda com muito carinho, oferecida pela Associação dos Professores
Municipais do Estado de Sergipe. Por parte do Estado, oficialmente,
nada...
Quando Viana de Assis assumiu a Prefeitura, sendo ele ex-aluno da
professora, tendo recebido umas boas reguadas, lembrou-se da mestra de
sua infância e deu o nome de professora Carlota a um grupo escolar no
Mosqueiro.
Ela não possui o título de cidadania aracajuana, mas possui o testemunho da sociedade, que acompanhou todo seu trabalho no ensino
público e sua garra no ensino particular.
Hoje, a escola que iniciou com oito alunos estudando na sala de jantar
da casa da professora, é uma Associação de Ensino com 478 alunos. São 32
anos de atividades do Colégio Imaculada Conceição. Dona Carlota continua
firme. Supervisiona os trabalhos, sempre incentivando suas duas filhas de
criação, que hoje são as responsáveis pelo estabelecimento escolar.
É testemunha de vários modelos educacionais. Como aluna pegou o
tempo de palmatória. Como professora chegou a gostar de uma famosa
régua. Mandou perguntar ao professor Uchôa e ao advogado Viana de
Assis o seu efeito corretivo.
FILHA DE MARUIM - Maria Carlota de Melo nasceu no município de
Maruim, no dia 24 de dezembro de 1900, sendo filha de Antônio Pinheiro de Melo e Carlota Josefina de Melo. Quando tinha 30 dias de nascida,
sua mãe faleceu. Seu pai ocupou na sua vida um papel duplo. “Foi um
pai e uma mãe.”
NORMALISTA - Chegou à Escola Normal com todo o entusiasmo, num
período em que ali ensinavam professores que ficaram famosos na história da educação no Estado. “Era a Escola Normal Rui Barbosa dos grandes mestres, como Quintina Diniz, professor José Augusto da Rocha
Lima, dona Etelvina Siqueira. Era a Escola Normal de verdade.”
Seu grande sonho foi realizado com a formatura de normalista no ano
de 1916. Por decreto de 14 de maio de 1917, foi nomeada professora do
povoado Cedro, município de Propriá. Em 10 de outubro de 1919, foi
promovida para ensinar na Vila de Pacatuba. No dia 21 de outubro de
1922, passou a ensinar na cidade de Villa Nova, hoje Neópolis, no Grupo Olímpio Campos, onde foi sua diretora.
Depois da experiência de ensinar em pequenos grupos escolares do
interior, a professora Carlota, em 10 de janeiro de 1925, foi promovida
para ensinar em Aracaju, precisamente no Grupo Escolar Dr. Manoel
Luiz, onde permaneceu até 29 de dezembro de 1950, no cargo de diretor
efetivo padrão D.
Padeceu recebendo um minguado salário de professora do Estado.
Conta que desde aquela época o Estado já pagava pouco aos seus professores. “Ganhava 104 mil réis, mas nunca me preocupei com dinheiro.
Gostava muito de ensinar.”
DEDICAÇÃO - A professora Carlota, em 4 de fevereiro de 1943, foi nomeada diretora efetiva do Grupo Manoel Luiz. Na sua vida, o grupo
Oxente! essa é a nossa gente
Sua infância foi vivida em Maruim até os 12 anos, quando deixou a
cidade natal para estudar em Aracaju. Teve uma infância feliz, desfrutada na época de prosperidade que vivia sua cidade. “Maruim tinha uma
sociedade muito boa e religiosa e um bom comércio. Hoje, Maruim é
decadente. Era no tempo que tinha a Casa Charame, Fonseca, Maynard e
Irmãos. Uma época de gente famosa, como Deodato Maia, que foi deputado federal.”
Iniciou os estudos, quando tinha cinco anos, com a professora pública Agripiana Vieira da Silva. Concluiu o primário na cidade de Maruim.
Foi o tempo em que percebeu seu fascínio pela educação. “Desde menina, eu tinha o ideal de ser professora. Gostava muito de criança.”
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deixou memoráveis lembranças. “Foram 25 anos de dedicação, dei minha mocidade, dei minha vida àquele grupo. Recebi o grupo com 300
alunos e me aposentei deixando 1.200 alunos.”
“No tempo em que ensinei no Manoel Luiz, o estabelecimento de
ensino era um estabelecimento de ensino. Hoje é público e é notório que
o ensino público está caindo muito. Eu não entendo o ensino de hoje.
Não gosto do modernismo no ensino. Naquela época se ensinava de
verdade. Hoje é tudo fantasia.”
“Não diga no jornal isso, não. Mas vejo tanta professora formada que
digo assim: ‘Eu não tenho universidade, mas não me troco.’”
A professora Carlota, a princípio, não queria contar nada sobre os
castigos que eram dados em salas de aula antigamente. Depois... “Quando estudava em Maruim, minha professora dava umas palmadinhas. A
professora fazia sabatina e, quando um errava, ganhava o ‘prêmio’. Já
como professora, eu gostava de uma régua, mas de leve, pois nunca
gostei de maltratar criança. Gostava mesmo era do castigo.”
“O menino de hoje já nasce sabido. O de antigamente era meigo, era
obediente. Hoje são teimosos, são voluntariosos. Não se pode falar, porque dizem os pais que a criança fica traumatizada.”
De longe acompanhava a vida dos seus alunos, participando de suas
vitórias e de suas derrotas. “Fico satisfeita quando vejo meus alunos
progredindo na vida. Sinto uma tristeza, uma dor, quando percebo que
alguém fracassou.”
CONSELHO - Participou com muito destaque do Conselho Consultivo de Educação do Estado de Sergipe, nos anos de 1939 e 1941. Já era
considerada, pelo poder público, uma professora de grandes qualidades.
Quando se aposentou, sua sobrinha e filha de criação Maria Lúcia
Melo Dantas perguntou à professora Carlota se ela não topava a criação
de um colégio. “Eu lhe ajudo até você se firmar. E fundei o Colégio
Imaculada Conceição, até que entreguei a ela.” Fora da escola, pouco
tempo para os divertimentos nos fins de semana: assistir a um bom filme
e a espetáculos teatrais. Confessa-se uma pessoa realizada, não só pela
sua atuação na vida pública como no ensino particular.
RELIGIÃO - “Sou muito religiosa. Sou muito apegada à Nossa Senhora,
mas não condeno nenhuma religião.” Agradece a Deus “pelos grandes
benefícios que fez na minha vida. Por intermédio de Nossa Senhora da
Conceição recebo grandes milagres.”
Quando ensinava em Pacatuba, no ano de 1919, no período de férias,
ia para Maruim de carro-de-boi. “Era uma beleza! Noite de luar, mas não
ia só... Era uma viagem de dia e noite.”
MARIA LÚCIA - Para Maria Lúcia de Melo Dantas, sobrinha e filha adotiva, dona Carlota foi tudo na vida. Perdeu sua mãe quando tinha cinco
anos, tendo sido amparada pela tia. Considera um fato importante a abertura do Colégio Imaculada Conceição. “Foi uma luta grande, mas vencemos. Abrimos o colégio na sala de jantar com oito alunos. Me lembro o
nome de alguns como: Antônio Ângelo, filho de Dr. Luís Pereira de Melo;
Marcos Túlio Barbosa e Raimundo Nonato”. Maria Lúcia comenta que
dona Carlota sempre mantém o clima de alegria na casa e no colégio. Faz
questão de dizer que até hoje todas as crianças gostam de dona Carlota.
MONUMENTO - Professora Carlota será sempre lembrada pelos seus feitos
na educação. Uma professora que aplicou uma educação baseada na teoria de
aprendizagem que leva à ação. Uma professora simples, com 90 anos que
conta sua história dando um grande exemplo de ideal. Um monumento vivo,
que necessita de um reconhecimento maior. Pelo menos dos seus ex-alunos.
Oxente! essa é a nossa gente
SEUS FLERTES - “Me sinto realizada em tudo em minha vida. Nunca
me casei, mas dei para criar os filhos dos outros. Tive alguns flertes no
tempo de mocinha, mas nunca tive tempo para isso. Nosso Senhor me
guardou para outras coisas. Não fui tocada pelo cupido, mas me sinto
feliz. Os filhos que criei, até hoje nunca me deram um desgosto”.
“Quando eu era mocinha, gostava muito de dançar lá na Sociedade
de Maruim. Mas meu pai era um homem do tempo antigo, quando dava
10 horas dizia:
— Vamos embora.
Eu voltava chorando. Quando ele morreu e me deixou com 22 anos eu
nunca mais dancei na minha vida. Não tive mais ninguém para me proibir.”
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Dona Finha: a torcedora símbolo do futebol
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o longo da história do Confiança, ela esteve em todos os momentos: nas vitórias e nas derrotas,
glórias e crises, no sobe e desce dos
seus presidentes. Josefa Silva Santos fez tanto pelo time azul e branco do bairro Industrial que se tornou um monumento intocável.
Josefa é a famosa Dona Finha do
Confiança, figura folclórica do esporte sergipano. Uma mulher que
logo cedo, aos 25 anos, ficou viúva
e na sua luta pela sobrevivência, trabalhando dia e noite como tecelã da
Fábrica Confiança, já com dois filhos, ainda conseguiu abrir espaço
na sua vida para o esporte. Naquele tempo, com o basquete, já que o time
de futebol não tinha ainda sido criado, ela descobriu as emoções do
esporte, participando da torcida organizada que incentiva o time do lugar onde trabalhava.
As partidas, geralmente aconteciam na quadra da fábrica. Mas não
importava o lugar, a Josefa distraia-se, sentia-se bem. Lá não estava sozinha, estava com a torcida, agitando a bandeira azul e branca, empurrando o time, incentivando os colegas de trabalho. Pronto, a solidão tinha
ido embora. A alegria já estava presente. Dia de jogo, era dia de festa. Na
Publicado no Jornal da Cidade em 14.5.1990
VESTIÁRIO - Para dona Finha, a festa começa antes do jogo. Acompanha a chegada dos jogadores ao estádio. Freqüenta o vestiário, para cada
um, um recado e, por fim, o desejo de vitória. “Vamos ganhar pelo amor
de Deus. Não perca não!”
Oxente! essa é a nossa gente
fábrica, o pessoal, preparava a batucada, as faixas e Josefa não perdia a
oportunidade.
Com tudo isso, uma coisa estava decidida: ficaria viúva para sempre.
Não tentaria outro casamento, pois já estava casada com o Confiança, seu
grande refúgio, onde conseguiu curar todas as suas feridas, passando a
acompanhar todos os seus passos, do time de basquete ao time de futebol,
ainda sem chuteira, com os pés no chão. O Confiança entrou na sua vida
de tal maneira que vem lhe dando vida. Passou a ser uma coisa de grande
valor, de grande amor. Passou a ser uma nova na vida de dona Finha.
São 83 anos, grande parte deles desfraldando a bandeira do clube,
sendo a torcedora símbolo, presente em todos os jogos, não importando
o lugar. A crônica desportiva sergipana faz questão de registrar a presença de Dona Finha nos estádios, sempre no meio da torcida azul e branco.
Como torcedora ardorosa, só faltando a dia de jogos por motivo de doença, ela representa a garra da torcedora feminina, perdidamente apaixonada pelo seu clube. Pela sua idade e história, torna-se não só um símbolo
do esporte sergipano, mas uma torcedora símbolo do esporte nacional.
Quem só tinha conhecimento do nome de dona Finha pela crônica
esportiva, achando-a uma velha senhora torcedora do Confiança, já consideraria interessante uma idosa, com a bandeira na mão, torcendo pelo
seu time, aparecendo nos programas esportivos das nossas emissoras de
TV. Pois bem: no primeiro encontro com a torcedora símbolo do Confiança descobre-se uma figura humana, dessas que não se encontra por aí
a qualquer momento. Dona Finha, na velha arquibancada do campo do
Confiança, cercada de crianças, numa animação impressionante. O papo
era sobre futebol e a criançada vibrava. Quantos não foram os beijos que
a dona Finha recebeu? Sua maneira alegre de conversar com um, com
outro, com as crianças, com o pessoal do time. Quanto amor aquela mulher
não carregava. Quanta felicidade passava com o seu sorriso, deixando
transparecer o tamanho do seu coração.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Lá no meio da torcida, a coisa esquenta. Se o time estiver na pior e o juiz
estiver do outro lado, ela põe a língua fora e ai da mãe do juiz. “Bote esse
juiz para fora, ele é um ladrão sem vergonha.” Dona Finha disse que chama
o juiz de ladrão até ficar rouca. Em toda aquela explosão de alegria, quando
está junto da torcida, com a sua camisa azul e a sua bandeira, só uma coisa
ela teme: “Nunca gostei de fogos, tenho medo.” Dona Finha gosta de gritar,
de mandar o time para o ataque: “Chuta a bola, vamos logo com isso, chuta
rasteira, que o goleiro engole o frango.” Ela conta que desde quando assistiu pela primeira vez uma partida de basquete com o Confiança, o time de
sua fábrica, o que mais chamou sua atenção foi a animação da torcida.
Enquanto os jogadores estão na luta, a torcida os ajuda animando.
Dona Finha lembra do Dr. Joaquim Ribeiro, fundador do Confiança,
seu antigo patrão. “Dr. Joaquim gostava muito de mim. Foi ele quem me
deu a carteira de sócio de número 2 do Confiança. Nunca permitiu que
eu pagasse ingresso e até me autorizou a fazer compras de jogadores, mas
ele era quem pagava. ‘Mas, Dr. Joaquim, qual o motivo do senhor me
mandar comprar jogador? – A senhora é mulher, qualquer time gosta da
senhora e é de confiança.’”
Dona Finha chegou a comprar muitos jogadores mas um ela conta
que foi diferente, pois foi tirado do Sergipe. “Foi o Mamede. Tiramos do
Sergipe no maior segredo e o Dr. Joaquim pagou o estabelecido.”
Um episódio marcantes aconteceu com o jogador Debinha. Vindo do
interior para fazer testes no Confiança, com 12 anos, o garoto ia desistir,
por problema de acomodação, pois não tinha onde ficar em Aracaju. “O
técnico foi lá em casa contar o fato e eu disse que iria dar um jeito.
Cheguei: ‘Debinha, venha cá, me conta essa história direito. Estou sabendo que vai deixar o Confiança? – Vou embora amanhã, não quero ficar
por dinheiro nenhum. – Pois bem, faça um teste, fique passando uns
dias na minha casa e se você gostar, tudo bem’. Debinha passou dois
anos na minha casa e deu muitas alegrias ao Confiança.”
QUANDO FICA DOENTE - Dona Finha fala do Confiança com o maior
prazer do mundo: sente-se energizada pelo time. O filho morreu há muito tempo e quanto à filha, ela, rindo, responde: “Ela já está velha, muitos
pensam que é minha mãe.”
Oxente! essa é a nossa gente
Um Confiança de muitas fases como todo e qualquer time de futebol.
Mas, fases de alegria para dona Finha. “O time me deu tantas alegrias
que você não queira nem saber. É a partir do Confiança que eu fiz a
minha vida. Só deixo quando eu morrer. Uma grande tristeza? Quando o
time perdeu do Paulistano. Mas quando o time perde para o Sergipe, eu
fico doente. Com os outros times não. Mas, o Sergipe, eu fico por aqui!”
Seu lado religioso não é desprezado e desde a véspera do jogo ela não
descuida: acende uma vela para o Coração de Jesus e uma outra para o
Coração de Maria. Quando o time ganha, reúne os jogadores no vestiário
e todos rezam um Pai Nosso e uma Ave-Maria, como forma de agradecimento.
Dona Finha é o símbolo do Confiança. Para o veterano jogador Beto,
“é tudo, por cima de tudo e mais tudo. É uma força total que merece todo
o respeito. Na minha época de jogador, pois hoje estou com 51 anos, ela
era a minha segunda mãe e eu entrava em campo preocupado em lhe dar
alegria.” O ex-jogador Samuca fala que a casa de dona Finha era a casa do
Confiança e lá, numa oportunidade, ele quebrou quase todos os santos
da mulher. Mas, em vez de bronca, ela lhe deu muito amor, uma coisa
que jamais esquecerá. Para o jornalista esportivo Givaldo Batista, Dona
Finha representa a garra do Confiança, nas suas vitórias, quando ela
vibra, e nas suas derrotas, quando ela se machuca, sentindo dentro do
seu corpo as dores do time. Dão, um dos torcedores antigos, fala que
dona Finha é um símbolo vivo, como o sol quando nasce. “Uma pessoa
conhecida por Deus e todos os amantes do esporte. Só se pode, para
uma figura dessa, oferecer afeto e carinho.” Dão fala que ela já deveria ser
nome de rua no bairro Industrial e até deveria ter o seu busto no campo
do Confiança. Para Pingo de Leite, cronista esportivo, ela representa a
alegria nos estádios, com seus 83 anos, com vitalidade, com garra e muita vibração.
Para Debinha, aquele que se tornbou craque famoso, Dona Finha foi
uma segunda mãe, pois morou com ela durante dois anos e sentiu de
perto todo o seu carinho. “Ela fazia tudo por mim. O futebol sergipano,
principalmente o Confiança, lhe deve muito.” Tadeu Cruz diz que no dia
que “tivermos a infelicidade de perder dona Finha, eu não sei o que será
do Confiança, pois não estamos preparados para isso. Ela é o Dragão do
117
Oxente! essa é a nossa gente
118
bairro Industrial com toda a sua força.” Para o torcedor Carlos Alberto,
Dona Finha é o exemplo a ser seguido por todos os chefes de torcida,
pela sua abnegação e dedicação ao esporte. Para Daniel Monteiro, um dos
diretores do Confiança, ela é um triunfo do futebol sergipano, pelo seu
trabalho, pela sua dedicação que apaixonou a todos os desportistas
sergipanos. “Hoje, dona Finha é uma festa primordial e, enquanto ela
estiver no Confiança, o time jamais se acabará.”
Para o presidente do time, Fernando França, mais que justo é o respeito do público sergipano por Dona Finha, pelos seus anos como torcedora símbolo. Hermínio Matos acha que dona Finha é o símbolo do
futebol sergipano porque demonstra coragem, jovialidade e uma
vigorosidade tremenda. “Coisa que acontece dificilmente no futebol brasileiro. Ela acompanha toda a vida do clube. Gente que chega, que sai,
inúmeros jogadores e ela presente, como uma verdadeira mãe, avó, amiga. Uma mulher que demonstra ao longo desses anos uma força enorme.
Uma mulher que lavou roupas dos jogadores, na época do amadorismo,
e hoje enxuga as lágrimas quando o time perde. Eu acho que dona Finha
é a busca constante da própria vitória. Ela é o verdadeiro renascer, por
isso é a torcedora símbolo.”
Uma vida de amor. Uma vida de paixão pelo seu clube. Uma mulher.
Uma torcedora, que chegou com a sua bandeira, misturou-se com a torcida e, ao longo dos tempos, continua com essa mesma torcida, com a sua
mesma bandeira. É a imagem expressiva da beleza da paixão de uma
torcedora pelo seu time de futebol.
Dona Hildete Falcão: uma história de amor
ma vida de luta por um ideal.
Uma história de amor de uma
mulher que criou uma entidade filantrópica quando era primeira-dama do
Estado de Sergipe. Não como uma mera
obra social de um período, mas destinada às crianças carentes e que pudesse mantê-la enquanto tivesse vida, com
entusiasmo permanente. Hoje, passados 24 anos de sua fundação, o Instituto Lourival Fontes é um dos amores
da vida de Hildete Falcão Baptista.
Mulher do senador Lourival
Baptista, D. Hildete não mora em
Brasília, ao lado do marido. É um sacrifício para os dois que ela possa,
morando em Aracaju, desempenhar
sua missão de condutora do bem, na
direção do Instituto Lourival Fontes.
Uma guerreira, em constante campo
de batalha, na luta pela sobrevivência da
estrutura que abriga atualmente 851 crianças no toal, com 150 internos. No período de 1967 a 1987 (último levantamento), 11.630 atendimentos foram
feitos pelo instituto: com 2.500 internos num período de 20 anos; 6.000
Publicado no Jornal da Cidade em 6.12.1999
Oxente! essa é a nossa gente
U
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Oxente! essa é a nossa gente
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alunos do Grupo Escolar Lourival Baptista; 1.000 semi-internos da CrecheCasulo Adnil Costa Falcão (cinco anos de fundação); 1.250 externos do PréEscolar Lea Leal; 480 alunos da Escola de Música (nove anos de fundação).
Uma entidade viva, que, pelo seu leque de obra, depende de verbas
de origem diversa, a exemplo do Ministério da Saúde, LBA, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, governo do Estado de Sergipe, bancos
particulares, Prefeitura de Aracaju, outros ministérios do governo federal e de particulares.
Em Brasília, um dos jornais de grande circulação publicou recentemente seu nome numa lista de entidades fantasmas do Brasil. Pedras
jogadas que jamais atingiram uma mulher como D. Hildete, que está de
bem com a vida e se preocupando com a vida dos necessitados. “Tenho
visto neste mundo que a injustiça muitas vezes ocupa o lugar do direito
e a iniqüidade ocupa o lugar da justiça. Se jogaram pedras em Nosso
Senhor, quanto mais em mim!”
D. Hildete conta sua vida de mulher de político e sua vida em família
com muito calor humano, destacando o seu querido Lourival e os quatro
filhos do casal. Sua grande alegria é constatar o sucesso na vida de crianças carentes que passaram pelo seu instituto e que estão se tornando
figuras de destaque na comunidade sergipana, como é o caso do deputado estadual Laércio Miranda.
DE FEIRA DE SANTANA - Hildete Costa Falcão nasceu em Feira de
Santana, na Bahia, no dia 21 de novembro de 1924. Seus pais: João
Marinho Falcão e Adnil da Costa Falcão. Seus irmãos: “Éramos treze, um
faleceu e somos doze.” A lição de vida passada pelos pais: “Amar o
próximo. Passaram o amor, que é a coisa primordial na vida da pessoa,
pois quem não sabe amar, não ama a Deus. Me passaram o espírito religioso, muita sinceridade, honestidade, muito calor humano.”
Estudou o curso primário em Feira de Santana, depois prosseguiu os
estudos em Salvador, tendo sido aluna do Colégio Nossa Senhora das
Mercês por um período de três anos. Concluiu o curso ginasial no Colégio Sofia Costa Pinto.
Conheceu Lourival Baptista no tempo dos estudos em Salvador. “Ele
estudava Medicina e eu, o ginásio.” O primeiro encontro dos dois, acon-
CASAMENTO - Com o casamento, realizado no dia 11 de novembro de
1943, Hildete da Costa Falcão passou a ser Hildete Falcão Baptista.
Lourival já estava formado em Medicina e exercia a profissão na cidade
de São Cristóvão, em Sergipe, tendo seis meses de cidade. “Depois da
festa, malas arrumadas e pé na estrada. Vim direto para São Cristóvão.”
A troca de Feira de Santana pela cidade do trabalho do marido, a principio, provocou uma reação muito forte na jovem senhora. “Foi um choque, pois eu tinha uma família muito grande, sendo muito amada pelos
meus. Quando cheguei em São Cristóvão, não conhecia ninguém, só tinha
ele, o meu grande amor. Como um grande amor passa por cima de todos os
obstáculos, então, neste amor eu pude superar tudo que encontrei.”
Hildete sempre gostou de levar uma vida de dedicação ao lar e ao
marido. Com pouco tempo de Sergipe, a grande alegria do primeiro filho. Fiquei grávida de Adnil, tive a minha filha e fui viver para eles dois.
Depois, mais três filhos: Francisco, Lourival e Angelina.
POLÍTICA - Dois a três anos depois do casamento, Lourival resolveu
entrar na política. Tal decisão foi acolhida sem nenhuma objeção por
parte dela. “Eu nunca fui exigente com ele, pois sempre dei liberdade
para ele fazer o que queria, porque acho muito importante a liberdade
nas pessoas. Afinal, quando a gente quer fazer, tanto faz com liberdade
ou sem liberdade. Sempre dei muita força para tudo que ele quis fazer.”
Oxente! essa é a nossa gente
teceu quando ele ia para um lado e ela para o outro. Um olhar trocado
deixou marcas de amor à primeira vista. “Por acaso, nos conhecemos foi
na rua. Para iniciar o namoro a coisa não foi fácil, mas o destino já estava
traçado e tudo aconteceu. Ele levou muito tempo para me procurar (risos)... Eu era filha única e muito guardada, era de casa para o colégio e do
colégio para casa.” Não freqüentava cinema, a não ser acompanhada dos
seus irmãos. “Lourival morava numa pensão, bem no local onde eu tomava o bonde para ir ao Colégio Sofia Costa Pinto, e lá nos conhecemos.”
Para pedir a mão de Hildete em casamento, Lourival solicitou ajuda a
uma das mais destacadas figuras da sociedade baiana daquela época. “Fui
pedida em casamento pelo empresário Márcio Cravo, pai do famoso escultor Mário Cravo, que era um grande amigo do meu pai e do pai dele.”
121
Oxente! essa é a nossa gente
Como mulher de político, não conseguiu fugir do envolvimento da
política, mas, mesmo assim, não mudou sua maneira de ser. “Me envolver publicamente, não. Não sou de pedir votos, faço as coisas por fazer.
Fazer o bem é uma coisa que faz bem dentro de mim mesmo. Se eu não
fizer aquilo que me pedem, eu acho que estou negando a Deus.”
No relacionamento de Hildete com Lourival, o modo de ser diferente
do outro não foi entrave para o casamento. Ela sempre soube ajustar bem
a sintonia da boa harmonia de uma vida a dois. “As coisas para dar certo
têm de ser ao contrário. Um mais alegre e o outro mais reservado, pois
duas forças juntas se chocam.”
122
AS CRIANÇAS DE SÃO CRISTÓVÃO - Quando Lourival Baptista foi
prefeito de São Cristóvão, a vida de Hildete começou a ter outro sentido.
Passou a descobrir seu amor às crianças necessitadas, a praticar atos
concretos para possibilitar vida melhor aos meninos carentes. “Criei dez
crianças na minha casa.” Uma decisão que contou com o apoio do marido, considerando isso uma das coisas boas do seu casamento.
“Eu acho mais importante do meu marido é que justamente ele me
dava incentivo para que eu fizesse tudo isso. Ele nunca se incomodou
com nada que eu fazia de caridade, de bom, nos valores que tinha pelos
meninos que criei. Gostava, concordava e apoiava os meus trabalhos
pelas crianças. Ele tem o mesmo valor humanista que eu tenho. Acho
que somos dois humanistas.”
PIONEIRA DE BRASÍLIA - Lourival, deputado federal, senador, um dos
antigos moradores de Brasília. Hildete fala de Brasília dos primeiros anos
de sua fundação: “Lourival foi primeiro, pois não tinha apartamento
ainda para acomodação da família. Fui logo depois, fui pioneira de Brasília.
Achei uma coisa maravilhosa, uma coisa diferente, gostei muito, principalmente pelo fato de meus filhos terem adorado. Enquanto muitos reclamavam, dizendo que havia isso, aquilo, para mim, não houve obstáculo. Foram momentos felizes, no calor humano de toda a minha família,
Lourival e meus filhos.”
Dentro de Hildete havia um manancial muito grande a ser utilizado em
benefício do próximo que foi guardado para ser utilizado com maior inten-
A FEIRA DOS MUNICÍPIOS - Com o seu entusiasmo, passou a abrir
frente de trabalho e logo percebeu a necessidade de obter recursos fora
dos cofres estaduais. Lançou com bons resultados a Feira dos Municípios, um empreendimento que marcou época. “Fui na Dinamarca e lá tinha
um parque com barracas de todo o mundo. Quando cheguei aqui, vim
com a idéia de trazer todos os municípios para Aracaju, para que a população daqui pudesse conhecer a potencialidade de cada um. Quando os
convoquei, ouvi alguém dizer que só tinha carne-de-sol. Disse que a
carne-de-sol seria bem vinda e isso foi um sucesso. Promovi três feiras
que ajudaram bastante nas minhas campanhas sociais. Ofereci seis casas
prontas, inclusive com móveis, no Castelo Branco. Isso é uma coisa que
a gente se lembra com saudades.”
Não ficava nem em casa nem presa num gabinete. “Eu ia muito ao
Leprosário, sentava com eles e me pediam muitas coisas. Nunca deixei
de ir à penitenciária dar toda a minha assistência aos presos, a todos os
orfanatos, aos idosos, pois achava que não deveria voltar minha atenção
somente para as crianças.” Perguntada se era mesmo portadora de vários
pedidos ao então governador de Sergipe, Lourival Baptista, não escondeu: “Principalmente dos prefeitos (risos).”
TROCOU BRASÍLIA POR ARACAJU - D. Hildete Falcão Baptista reside em
Aracaju, na rua Vila Cristina. Brasília ficou na lembrança. Leva uma vida de
completa doação ao Instituto Lourival Fontes. Um acontecimento na família
foi decisivo para que ela resolvesse se dedicar completamente à entidade
filantrópica que criou em 11 de setembro de 1967. Um acidente de uma neta,
aos nove anos de idade. Ela atravessava a rua quando foi atropelada por um
carro que vinha sem farol. Levou 36 dias na UTI. Sua recuperação foi um
milagre, disse D. Hildete. “Um tempo de sofrimento, de oração e de muita
Oxente! essa é a nossa gente
sidade em um determinado momento. A carreira política de Lourival proporcionou uma grande surpresa e ela tornou-se a primeira-dama de Sergipe.
“Jamais pensei em ser uma primeira-dama, nunca me passou pela cabeça.
Os cargos nunca subiram, mas, depois que fiquei consciente de que deveria ser uma primeira-dama, passei a me preocupar em desenvolver um
trabalho social. Um dos serviços sociais foi o Instituto Lourival Fontes.”
123
Oxente! essa é a nossa gente
solidariedade. De todo o pessoal, de toda a Igreja Católica, espírita, protestante, todas as religiões, sem nenhum credo, numa corrente de fé para a recuperação de Ana Cristina. Sou pequena para dizer porque veio o milagre por
parte de Deus. Ele me deu minha neta de volta. Tinha fé, eu nunca duvidei
que ela sobreviveria. Minha fé dizia que ela viveria, jamais meu coração dizia
o contrário. Acredito tanto n’Ele, que não tive nenhum momento de dúvida.”
Depois da recuperação da neta, Dona Hildete refletiu bastante e descobriu que tinha chegado o momento de uma mudança de vida. “Uma
missão: o Instituto Lourival Fontes e o agradecimento que tenho a Deus
por estar com minha neta aí.”
Hildete morando em Aracaju, trabalhando com os seus meninos pobres,
e Lourival em Brasília, desempenhando suas funções de senador da República. “Para mim e para, ele um sacrifício. Mas ele comunga do mesmo ideal.”
124
O INSTITUTO LOURIVAL FONTES - D. Hildete Falcão Baptista, criou
a entidade filantrópica, Instituto Lourival Fontes, para atender os menores carentes da faixa etária de 0 a 18 anos de idade. Está localizado na
avenida São João Batista, no bairro Castelo Branco, abrigando internos e
semi-internos, num prédio que possui dormitórios, refeitório, setores
técnicos, escritório, enfermaria, lavanderia, padaria, auditório, quadra
de esportes e pátio recreativo. O Instituto Lourival Fontes dispõe para o
atendimento dos menores do Grupo Escolar Lourival Baptista, Escola de
Música, Escola de Educação Especial, Jardim de Infância Lea Leal e Creche Adnil da Costa Falcão. Os menores recebem assistência social, médica, odontológica, pedagógica, desportiva e nutricional. As crianças são
acompanhadas por monitores de disciplina, camareiras e, principalmente, pela D. Hildete, que não perde um dia de trabalho.
“Sempre tive vontade de fazer qualquer coisa. Essa idéia de uma entidade para abrigar crianças surgiu no tempo em que morava em São
Cristóvão, vendo os trabalhos das freiras do Lar Imaculada Conceição.
Mas depois, Lourival governador, eu ainda visitei muito a Cidade de
Menores, querendo ali fazer um trabalho. Mas foi um impacto. Tinha
uma pessoa que tomava conta, não sei se um sargento ou tenente, ele
botou pé firme, não querendo fazer o que eu queria. Então, não quis
entrar em choque e resolvei partir para outra.”
Oxente! essa é a nossa gente
CRIANÇAS DAS PONTES E MARQUISES - “Quando chegava tarde da
noite, quando vinha de algum lugar com Lourival, via aquelas crianças
dormindo. Aquilo me chocava. Dava uma dor no coração. Meu Deus,
não é possível esses meninos sem ter um lar, dormindo debaixo das
pontes e marquises, perambulando pelas ruas, menores abandonados de
todas as idades!”
“Fui perguntar a uma ex-colega do Colégio das Mercês, em Salvador,
Hildete Lomanto, mulher de um ex-governador, para saber como ela tinha feito tantas obras filantrópicas. Ela me disse que tinha pedido ajuda
do Miserior, na Alemanha. Perguntei quem era que estava no Miserior e
ela me disse que era um padre chamado Frei Ambrósio. Eu fiquei radiante de alegria e apelei para Lourival. – Sabe com quem Detinha arranjou
verbas para as obras de filantropia? Com Frei Ambrósio. Ele era secretário do Miserior e, Lourival, seu grande amigo, pois chegaram juntos a
São Cristóvão, ele como frade e Lourival como médico, e se tornaram
como irmãos! Veja bem como Deus me quer bem! Assim, confiante, prontamente o Frei Ambrósio nos prometeu financiar as instalações da grande obra que hoje é o Instituto Lourival Fontes. Juntamente com minha
boa amiga Marita Sobral comecei a procurar pela cidade um local amplo
e apropriado para a construção da nossa sede. Recebi a ajuda valorosa
do motorista que me servia na época, e, mesmo de folga, buscava incansavelmente um terreno apropriado. E foi ele mesmo quem encontrou um
grande sítio na avenida São João Batista, no bairro Castelo Branco.”
“Para a compra do terreno, conseguimos verba através do Condese,
com o governo do Estado. Rapidamente, fomos providenciar a escritura
e documentação exigida pelo Miserior. Em breve recebemos a verba da
Alemanha e iniciamos a construção da obra. Com o dinheiro da Feira
dos Municípios, compramos o segundo terreno e o Condese, na compra
do terceiro sítio, ajudou com uma parte.”
A primeira pedra foi abençoada por Dom José Vicente Távora, então
arcebispo de Aracaju, que a inaugurou, sendo a penúltima obra que D.
Távora inaugurou.
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Enaldo: o padre das calçadas de Aracaju
Oxente! essa é a nossa gente
E
xpulso da paróquia da Barra dos Coqueiros, da paróquia de Itaporanga, de um programa religioso da Rádio Cultura, chegou a ser
tentado ao suicídio, mas não desistiu da vida
de padre, ou do caminho para um trabalho voltado aos mais pobres e mais pecadores. Hoje,
é um patrimônio da cidade, pelo seu exemplo
de vida, numa completa doação aos necessitados.
José Enaldo Menezes de Resende nasceu a
1º de novembro de 1939, na cidade de Aracaju,
sendo filho de Celso Resende e Maria José Gomes de Resende. O pai trabalhou como fiscal
de rendas do Estado. Dele o filho aprendeu a
não perder o equilíbrio emocional, qualquer que
seja a circunstância. De sua mãe, aplica em vida
a honestidade, coragem e trabalho.
Uma parte da infância foi vivida na cidade
de Canhoba, onde seu avô paterno era chefe político e fazendeiro. Não esquece da surra que
levou do pai, por vender verduras que plantou
no quintal de casa, fato que foi considerado uma
ofensa à família, uma das mais destacadas da cidade.
Iniciou os estudos sob a orientação da professora Graziela, diretora
do grupo escolar de Canhoba. Como passou a morar com os avós mater-
126
Publicado no Jornal da Cidade em 8.12.1996
Oxente! essa é a nossa gente
nos na cidade de Penedo, estudou no Grupo Gabino Bezouro, onde concluiu o curso primário. Iniciou o ginásio no Colégio Diocesano.
Sua família não era muito religiosa, com exceção da avó, que era integrante do Apostolado da Oração. Apesar de ter feito primeira comunhão,
não tinha aproximação com o padre da cidade, nem com as religiosas, o
que deixava Enaldo frustrado, pois tinha uma vontade imensa de ser
coroinha.
A vocação para ser padre surgiu de forma natural, pois desde menino
tinha vontade de ajudar os outros.
Saiu de Penedo para iniciar o caminho que o conduziria à ordenação
de padre aos 18 anos. Uma decisão tomada graças aos momentos de
Juventude Estudantil Católica (JEC), que tinha como orientador o padre
Guimarães, responsável pelo pedido que fez ao bispo de Penedo, Dom
Fenício, para que Enaldo pudesse ingressar no Seminário de Garanhuns.
De início, sentiu o choque com a mudança de vida. Ele chegou a ter
três namoradas. Uma em Neópolis, outra em Passagem e a terceira em
Penedo. Vivendo preso, sem ter direito de chegar à frente do prédio onde
morava, era muito sofrimento. Resistiu e logo sentiu que, apesar de tudo,
era um rapaz feliz, pois ali estava por ter muito amor a Deus. Foi um
tempo de muita oração.
Certo do que queria, superadas as contradições e utilizando das mesmas palavras, prepara três cartões e manda comunicar às três jovens o
fim do relacionamento amoroso. Depois de Garanhuns, foi terminar o
segundo grau na cidade de João Pessoa. Fez Filosofia em Olinda (Pernambuco) e Teologia em Recife.
Mas por outro motivo o sonho de ser padre quase não foi concretizado.
Não suportando a vida dentro do Seminário, fez vestibular e foi estudar
Direito na Universidade Federal de Pernambuco. Quando estava no segundo ano da faculdade, foi chamado pelo Frei Lúcio, seu diretor espiritual,
que lhe perguntou os motivos da desistência de ser padre. Ao responder
que desejava chegar à ordenação, mas que não voltaria a viver num Seminário, provocou uma conversa que o frei manteve com o bispo de Penedo,
onde chegou a dizer que por Enaldo colocaria sua alma no inferno.
Pela garantia do Frei Lúcio a integridade de Enaldo, e por outra força,
tranca matrícula de Direito e retorna ao Seminário. “Toda vez que entrava
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Oxente! essa é a nossa gente
numa igreja, sentia o chamado. Era o tempo todo me chamando para ser
padre.”
No tempo que esteve ausente do Seminário, morou por alguns meses
na casa de um sacerdote amigo e num hotel. Conseguia sobreviver dando
aulas como professor de Francês e Português em colégios públicos e particulares de Pernambuco. “Me realizei como professor.”
Como o curso de Filosofia do Seminário de Olinda não era reconhecido pelo MEC, em 1970 ingressa na Faculdade de Filosofia de Aracaju,
para fazer matérias complementares visando a sua oficialização.
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O PADRE E AS PROSTITUTAS - A ordenação aconteceu em Penedo, no
ano de 1968. Os primeiros anos de celibato aconteceram naquela cidade,
onde atuou como reitor do Seminário. Um padre avançado, pela coragem
de alfabetizar e evangelizar as prostitutas da cidade. “Ia até o local onde
elas trabalhavam. Estava dando aulas para as meninas, chegavam os homens, elas davam o devido atendimento e depois voltavam para a continuidade dos estudos. Numa certa noite, tinha ido rezar para uma pessoa
pobre que tinha morrido. Era uma hora da madrugada, quando passei de
bicicleta pela porta do cabaré, no Camartelo. Ao me avistarem, as meninas largaram os homens e foram me abraçar, como se eu fosse um pai,
uma mãe. Nunca vi tanta pureza em toda minha vida como no meio das
raparigas do cabaré.”
Com carta de apresentação do bispo de Penedo, Dom Terceiro, para
Dom Távora, é transferido para a Diocese de Aracaju, passando a trabalhar como coadjutor do padre Caldas, na paróquia do Conjunto Castelo
Branco.
Na Barra dos Coqueiros, conduzido pelo bispo Dom Luciano Duarte,
uma história de 13 anos como vigário. Na cidade de Itaporanga foi pároco por dois anos.
Dos momentos que passou como pároco tem muito orgulho, pelo
trabalho que desenvolveu junto aos pobres, uma das opções que fez no
momento da ordenação. A outra: trabalhar com os mais pecadores.
Já que não estava podendo desenvolver em Aracaju o mesmo trabalho
que fazia com as prostitutas em Penedo, resolve trabalhar com os homossexuais. Abraçou o desafio, mesmo lembrando do conselho dado pelo
EXPULSO DA BARRA DOS COQUEIROS - De tanto amar a Barra dos
Coqueiros, lugar de gente pobre, sentiu o impacto de ter que deixar a
paróquia de forma inesperada. Conta a verdade dos fatos: “Uma mulher
pediu para que eu celebrasse o seu casamento. Nem ela era casada na
igreja, nem ele. Ambos eram casados no civil. A primeira esposa no casamento no civil ficou insatisfeita com o novo casamento, pois não queria
que seu marido se casasse no religioso. Quando ela soube que ele iria se
casar na Barra dos Coqueiros, na hora do casamento, ela quis invadir a
igreja para rasgar o vestido da noiva. Quando o jornal Gazeta de Sergipe
colocou o assunto em manchete na primeira página, com todo o alarme,
dizendo que era um casamento fantasma, porém com toda verdade na
reportagem de dentro, inclusive contando com depoimentos que prestei,
foi a gota d’água para que fosse expulso da Barra, em 24 horas.”
Depois que saiu da Barra, padre Enaldo contou que ficou como um
miserável, sem ter onde celebrar missa. “Era padre, tinha uso de or-
Oxente! essa é a nossa gente
bispo Dom Távora: “Cuidado com Aracaju, pois as pessoas têm uma
mentalidade provinciana.”
Não encontrando lugar para desenvolver o trabalho pastoral, resolve
reunir os homossexuais em sua própria casa, fazendo questão de contar
em todas as reuniões com a presença de quatro senhoras do Apostolado
da Oração, “mulheres sérias, mães de famílias”. Padre Enaldo disse que
agia assim para se prevenir. Se, por acaso, a bomba estourasse, ele teria
testemunhas. “Graças a Deus, nunca estourou. Só souberam, quando eu
disse. Era gente da classe baixa e que não tem reconhecimento pelo clero,
que é da classe média”, afirma padre Enaldo.
Com mais algum tempo de Aracaju, iniciou um trabalho com as prostitutas. “Houve uma época em que os policiais batiam e levavam as prostitutas para as delegacias para usá-las.” Constatando tamanha violência,
procurou a primeira-dama — na época, Maria do Carmo —, e logo foi
dizendo que ela, como mulher, tinha a obrigação de tomar as devidas
providências. Com reunião marcada na sua casa, padre Enaldo possibilitou que Dona Maria ouvisse o clamor e sofrimento, com depoimentos
dados pelas prostitutas. Daí por diante, segundo ele, os fatos não foram
repetidos por parte da polícia.
129
Oxente! essa é a nossa gente
130
dem, mas fiquei esquecido por todos os meus colegas. Foi uma provação terrível. Foi o maior sofrimento de toda a minha vida. Rezava muito. Me vendo abandonado por tudo e por todos, tive tentação de suicídio. Registro que nesses momentos era consolado por uma velhinha,
dona Sula, que vinha com 30, 40, pessoas, todas as semanas, para
rezar e me consolar.”
Passada a temspestade, ocupa a função de cooperador da Paróquia de
São José. Tudo ia bem até que, em uma das suas homilhas, fez críticas a
um determinado refrigerante. “Fiz um sermão no dia das mães, quando
disse que as mães deviam oferecer aos filhos um suco de frutas e não
oferecer, por comodismo, Coca-Cola, que só serve para desentupir pias.”
A homilia até que passaria despercebida se não fosse a ida, no dia
seguinte, do vigário da Igreja de São José até a sede da indústria do
refrigerante, pedir um auxílio financeiro para suas atividades pastorais.
Feito o pedido, ouviu do gerente o desabafo: como poderia promover
uma ajuda para uma igreja que fazia propaganda negativa do seu produto
maior? A história rendeu uma longa conversa entre o vigário e o padre
Enaldo: “Eu perguntei ao vigário, se ele estava satisfeito comigo. Me respondeu que não estava de maneira alguma. Dei adeus, desejei muitas
felicidades, pois não queria tirar a sua paz. Assim, saí por mim mesmo e
repito: ninguém me tirou da Paróquia do São José.”
Brincando, diz que foi expulso de todos os lugares. Em Itaporanga,
outro episódio. “Foi numa procissão. Os políticos todos estavam lá.
Quando chegou numa rua onde não havia mais calçamento, os políticos
não queriam que a procissão continuasse, para que o povo de fora não
visse a rua dos pobres sem calçamento. Então, gritei que agora Nossa
Senhora D’Ajuda iria. Eles disseram não, mas o povão empurrou a charola
e nós levamos a santa até os pobres. Com poucos dias, saí da paróquia.”
E por falar muito em direitos humanos, também foi expulso da Rádio
Cultura, onde fazia um programa.
Praia e carnaval, uma parceria de lazer que sempre apreciou. Gostava
de brincar os três dias de carnaval no Clube do Trabalhador. Chegou a
aproveitar alguns carnavais. Até que, um certo dia... “Chegaram as autoridades e eu recebi uma repreensão. Mas digo que eu não tenho nada
contra as autoridades. Para mim, elas são representantes de Deus.”
O EXEMPLO DE FORA - O trabalho com pessoas pobres que dormem
nas calçadas foi iniciado há 15 anos. Tudo começou quando viu um
Oxente! essa é a nossa gente
PECADO É A HIPOCRISIA - Jamais passou em sua cabeça deixar de ser
padre. Desde a minha ordenação senti que aquele dia era o dia mais feliz
da minha vida, porque o padre é Jesus e ao mesmo tempo era o dia mais
infeliz, porque eu, sendo pecador, era instrumento de Jesus.”
Perguntado se não temia represália diante de tantas revelações, respondeu: “O maior pecado que Jesus condena é a hipocrisia, é a pessoa
guardar as aparências, ter duas caras. Então quero ser sincero e quero
reconhecer minhas qualidades e meus defeitos. As qualidades, atribuo a
Deus e, os defeitos, a mim. Não quero jogar pedras em ninguém, mas
estou falando sobre os fatos, as coisas que aconteceram. Agora, no fundo, estou muito feliz, porque o maior dom do cristão é o dom da liberdade, o dom do Espírito Santo. Eu sou livre. O cristão não pode ser escravo de nada, nem de ninguém. A maior alegria, é a gente sentir a liberdade
interior.”
Então, outra revelação: contou que suas homilias incomodam tanto
que certo dia foi chamado por uma autoridade a celebrar missa e não
pregar. “Nunca fui expulso daqui, porque só digo a verdade. Mas meu
pecado é dizer a verdade toda. Toda a verdade, incomoda.”
Continua a celebrar nas igrejas de Aracaju, mas só assim faz quando
é convidado. “Sempre estive de bem com as autoridades. Agora, é difícil para as autoridades me compreenderem, porque sou um espírito
muito livre, como os passarinhos, voando sem parar e cantando constantemente.”
Fala da sua fidelidade ao papa e ao bispo: “Sempre amei a igreja,
sempre amei o papa, sempre fui sincero ao bispo. Quero muito bem ao
bispo. Respeito a autoridade. Na época de crise, muitos jornalistas me
procuraram para que eu falasse mal do bispo. Nunca falei mal do bispo.
Eu vou falar mal do meu pai? De minha mãe? Imagine do meu pastor!”
Estuda a Bíblia diariamente por três horas. Por não gostar de viajar,
deixou de fazer um curso de Bíblia em Jerusalém, a convite de Dom
Luciano. Também rejeitou proposta de fazer curso de Bíblia do bispo de
Penedo, Dom Terceiro.
131
Oxente! essa é a nossa gente
132
rapaz de outra religião oferecendo aos pobres café, numa pequena garrafa. Logo veio à mente que era uma atitude de amor vinda de um protestante ou espírita, enquanto os católicos não faziam nada. Na outra noite,
lá estava padre Enaldo. Com seu próprio dinheiro comprou pão, colocou manteiga, preparou café e foi fazer sua parte para os irmãos necessitados.
Em pouco tempo, alguns homossexuais, integrantes do grupo que
fazia oração e reflexão na casa do padre Enaldo, se somaram ao trabalho
nas calçadas. Com a ajuda de um grupo de jovem que recebeu a orientação espiritual do padre, por dez anos, a dimensão foi outra.
Mas o trabalho nas calçadas, não ficou somente na entrega da comida.
Era preciso ter um conhecimento da realidade social e era preciso levar a
palavra de Deus. Inicialmente, padre Enaldo passou a reunir o pessoal
na calçada da firma comercial Huteba. Depois, transferiu a reunião para a
calçada do Café Aragipe. Notando que a cada reunião o número de pessoas ia aumentando e percebendo o surgimento de alguns problemas,
resolve promovê-las em sua casa. Mais adiante e passa a visitar os pobres
em suas residências.
Com esse trabalho, descobriu que ninguém cumpre a palavra da Bíblia, que diz: quando deres uma festa, chama, não os ricos, os parentes,
convida as pessoas que vivem na miséria, pois elas não têm como retribuir. Assim, resolve fazer a festa das mães, a festa das crianças e o banquete do Natal. “Na primeira festa, havia mais ou menos cinqüenta pessoas. Na última, houve mais de sete mil pessoas. Nessa festa, eles recebem o almoço, sobremesa, suco de frutas, a roupa, brinquedo e uma
pequena feira.”
Durante o depoimento que deu ao JC na manhã de quinta-feira, em
sua residência, por mais de dez vezes pessoas pobres bateram à porta do
padre. “É assim: um pobre, quando está passando fome, ele vem à minha casa. Quando se dá um saco de feijão, no outro dia, chegam dois
sacos. Aqui, comida nunca falta.”
Ganhou uma Kombi do governador Albano Franco, para o trabalho
com os pobres. Não estava fazendo joguete político? “O Dr. Albano sempre me ajudou antes de ser governador. Eu entrei em contato com ele
através do seu irmão, Antônio Carlos, que sempre me ajudou e continua
Oxente! essa é a nossa gente
me ajudando. Ora, como ele sempre me ajudou, sei que é um homem
pacífico e corajoso. Quando estava aqui em casa, não apareceu ninguém
de outros partidos para trazer nada. Eu tenho a obrigação de agradecer.”
Criou uma porção de meninos, muitos hoje já casados. Chega a mostrar fotos de “netos”. Atualmente, cria dois meninos que pegou nas calçadas: um tinha nove anos e hoje está com 21 anos, cursando o científico; o outro tem 12 anos.
Faz questão de registrar o encontro que teve com a Dra. Angélica de
Resende e conta o motivo: “Ela luta pela justiça e pela paz. Trabalhamos
juntos nas calçadas e hoje, na rua Lagarto, 800, funciona a Associação
Beneficente Jesus Abandonado. Dra. Angélica é uma pessoa corajosa,
caridosa e que faz um trabalho de promoção social.”
OBS.: o repórter descobriu que, em recente homilia, padre Enaldo
comentou: “O governador Albano Franco prometeu entregar algumas chaves de casa para as pessoas pobres que são assistidas pelo nosso trabalho pastoral. Vamos rezar para que ele não desista da idéia.”
133
Eroltides Araújo: o corretor do calçadão
Oxente! essa é a nossa gente
O
134
corretor de imóveis Erotildes Araújo é uma
das figuras mais conhecidas do calçadão da
rua João Pessoa. Em todas as rodas de conversas
ele se faz presente, dando sua opinião, procurando saber das coisas e ficando sabendo de
tudo. Nessas investidas, além de conquistar
amizade, sempre descobre quem estar querendo vender alguma coisa. Agora ele revela todos os momentos amargos que viveu,
o tempo em que pegou na picareta, trabalhou como servente de companhia aérea,
até chegar às vacas gordas, sem esquecer de que é chamado pela imprensa
sergipana de “papagaio de pirata”, por
sair em todas as fotos do Palácio
Olímpio Campos ao lado do governador João Alves Filho.
Erotildes Cavalcante de Araújo nasceu a 23 de setembro de 1930 em Vitória de Santo Antão, Pernambuco,
sendo filho de Gregório Alves Araújo e Maria José Araújo.
O pai exerceu a profissão de alfaiate em Pernambuco, chegando a ter
confecção na cidade de Aracaju. Um homem extremamente ligado ao
trabalho, que sempre dizia ao filho para nunca ser presidente de sindica-
Publicado no Jornal da Cidade em 13.3.1994
ARREPENDIMENTO - Honestamente, conta que sua vida de estudante
foi levada na brincadeira, sempre gazetando e aprontando em sala de
aula. Agora, após sentir o peso da vida, na conseqüência sentida na pele,
arrependido diz que se fosse reiniciar os estudos levaria a coisa de outra
maneira. “Se eu tivesse estudado, minha vida seria bem melhor.”
Chegou a passar de três a quatro anos no segundo ano ginasial, hoje
confessandõ que só conseguiu ir adiante graças à ajuda de um interessado professor. “Ele era candidato a deputado estadual. Pediu o meu voto,
o que foi suficiente.”
Fora os momentos em que marcava presença no colégio, o contato com
o trabalho. “Meu pai prosperou em Aracaju e montou uma confecção. Ele
Oxente! essa é a nossa gente
to, não se interessar em procurar saber a data das férias, não deixar de
trabalhar por motivos de pequenas doenças ou mesmo extração de um
dente, de nascimento de filho, nunca fazer um vale, e não deixar de ter
em casa a bandeira nacional e uma imagem de Cristo. Um pai sem horário para trabalho, mas que tinha completa dedicação aos filhos. De sua
mãe Maria José, não esquece o carinho que ela dedicou em vida aos oito
filhos.
Quando tinha seis anos de idade, seu pai, um integralista, saiu forçado de Pernambuco, em vista da situação política da época, vindo morar
em Aracaju.
Boas lembraças da infância são os momentos de brincadeiras que viveu no Morro do Bomfim, em pleno centro da cidade, onde hoje é a
praça João XXIII. “Soltando arraia, pião, brincando de bola de gude e
rolando pelo morro.” Morava na rua José do Prado Franco, numa casa
cedida pelo tio, Teódulo Cruz, proprietário do Café Novo Mundo e do
Café Santa Terezinha.
Fez os primeiros estudos com as professoras Quadrilina e Sidália, no
Colégio São Geraldo, que funcionava na rua São Cristóvão, entre Santo
Amaro e Capela. Concluiu o curso primário no Colégio Jackson de
Figueiredo, ingressando no Colégio Tobias Barreto no curso ginasial, após
fazer o exame de admissão. O Tobias da época de Erotildes era dirigido
pelo professor Alcebíades Melo Villas Boas. Não esquece dos professores Jugurta, que ensinava Latim, Thieres Gonçalves e Portugal.
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Oxente! essa é a nossa gente
vendia calças jeans em quantidade para Pernambuco e Bahia. O slogan era:
Adão não se vestia, porque Araújo Confecções a Rigor não existia.”
Ajudando o pai como vendedor, não quis outra vida, sempre empolgado com o resultado de seu trabalho. Balconista de mão cheia, conquistava novos clientes pela boa conversa.
Animado pelos elogios do pai, chegou um dia em casa com algumas
malas, avisando que ia para o interior em busca de vendas. Uma experiência de camelô da qual fala com toda satisfação do mundo, escancarando
os dentes. “Dizia: Minha gente amiga, preste atenção para o que eu vou
contar. Venho da cidade de Aracaju trazendo as últimas novidades e vou
bem falar: foi o deputado Euvaldo Diniz que me mandou vender essas
roupas e blá, blá, blá...”
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FOI CAMELÔ - Tendo vendido toda mercadoria que levou para Lagarto,
na feira da cidade, resolveu fazer novo teste para avaliar seu potencial de
camelô. “Embrulhei algumas porcarias num bonito papel e disse que
tinha ali um remédio de grandes resultados, que servia par dor de ouvido, hemorragia, dor de cotovelo e até para dor de corno. Quando recebia
o dinheiro, logo fazia a devolução, dizendo que era uma brincadeira.”
Com dificuldade, chegou a concluir o curso ginasial. Já rapaz, com
planos e mais planos na cabeça, partiu para o Rio de Janeiro em busca de
aventura, já que tinha o suporte do tio, Lauro Gomes, pai de Petrônio
Gomes, que morava naquela cidade.
Na cidade grande, logo ao chegar conquistou emprego para trabalhar
no Aeroporto Santos Dumont. “Trabalhei na Real Aerovias. Só passei
dois meses e caí fora. No início, ao acertar o emprego, quando me disseram que eu ia ser despachante, cheguei a me ver de quepe, todo bonito,
trabalhando no balcão do aeroporto. Mas a realidade foi outra, logo me
mandaram ir para o hangar. Nem sabia o que era isso. Pensei que era
alguma coisa relacionado com a fruta ingá. Descobri que estava redondamente enganado quando me entregaram o macacão e uma bota. Fui apresentado a um motorista de trator e recebi a explicação de que deveria ir
com ele até o avião para fazer a substituição do serviço de bordo. Quando
ia pegar a mercadoria e encontrava um sergipano, tentava me esconder
atrás da geladeira.”
FOI ENGANADO - Com a vinda da Petrobras para Aracaju, não desperdiçou a oportunidade de trabalho, aceitando com o maior prazer um
emprego como trabalhador braçal. “Quando me deram um macacão, dessa vez, achei tudo porreta.”
Com satisfação, conta que muito trabalhou com picareta, fazendo de
tudo e de bem com a vida, até o dia em que soube que tinha um prazo
para permanecer no emprego. “Passei dez meses. Ao saber que ia sair ,
passei a guardar o ordenado, para não ficar na pior posteriormente. Numa
certa noite de domingo, já tendo saído da Petrobras, quando estava na
retreta da praça Fausto Cardoso, me encontro com o Dr. Ortis, um geógrafo
da Petrobras. Ele me deu um abraço e me disse que tinha conseguido
minha efetivação. Como ele morava no Hotel Palace, pediu que eu passasse por lá. Quando fui ao encontro, logo me perguntou se tinha grana. Fui em casa apanhar minhas economias de quatro meses e entreguei ao geó1ogo. Com minha grana no bolso, me mandou me apresentar
na sede da Petrobras em Maceió. Fui, não encontrei a tal pessoa que ele
mandou que procurasse, não tinha nada de efetivação, perdi meu dinheiro, sobrei.”
CORRETOR DE PUBLICIDADE - Em depressão, num certo dia, quando
estava na porta da casa da mãe, na avenida Augusto Maynard, recebe a
inesperada visita de Raimundo Luiz da Silva, que oferece oportunidade
de emprego no Sergipe Jornal. Dominado pela emoção, Erotildes dá um
tempo no depoimento, de mais de três minutos, prosseguindo o relato
de sua vida segurando um lenço, a essa altura todo molhado.
Na nova investida, procurou se inteirar de toda estrutura do jornal.
Ao tomar conhecimento, através de Amaral Cavalcanti, de que um jornal
Oxente! essa é a nossa gente
Abandonando o emprego e sem conseguir outro, após inúmeras tentativas, já decepcionado, resolve voltar para casa. “Ninguém me empregava porque eu não tinha nada, nem sabia datilografia.” Emocionado,
com lágrimas nos olhos, recorda a conversa que manteve em casa no seu
retorno. “Meu pai, tentei conseguir e não me dei bem. Vou ficar por aqui
mesmo, buscando alguma coisa. Posso ficar em casa? Ele me respondeu:
você tem pai, tem mãe e tem casa.”
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Oxente! essa é a nossa gente
sobrevive de anúncios e comerciais, percebeu que ali tinha tudo para
mostrar seu valor, pela experiência de vendas da época em que trabalhava com o pai.
No primeiro contato que teve com um cliente à procura de publicidade, obteve sucesso, chegando à redação do jornal com um clichê de página inteira do lançamento de um trator pela Casa da Lavoura, depois de
fechar contrato com José Figueiredo, um dos sócios da empresa.
Logo descobriu que vendas eram seu forte e que tinha que continuar
nesse caminho com passadas seguras e rápidas. Não ficou somente acomodado com vendas de comerciais para jornal. Com seu Antônio, da
Relojoaria Fontes, conseguiu quatro anéis de brilhantes e caiu em campo, conseguindo vender os anéis após fazer ponto numa troca de automóveis.
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CORRETOR DE IMÓVEIS - Com a venda do Sergipe Jornal aos Diários
Associados surgiu o Diário de Aracaju e Erotildes foi convidado para
trabalhar ganhando três vezes mais de ordenado fixo, além de um aumento no percentual das comissões.
No Diário de Aracaju passou doze anos, tempo da existência do jornal. Ali, através de Raimundo Luiz, recebeu um terreno para venda, que
se tornou sua primeira experiência como corretor de imóveis. “Era uma
quadra cheia de água, no fundo do Cotinguiba. Levei Luciano da Celi e
ele não quis. Levei o Dr. Humberto Silveira, que comprou. Daí por diante, eu comecei a receber chamadas de outras pessoas que me entregavam
casas e terrenos para que eu vendesse.
No início, conta Erotildes, realizava as vendas dos im6veis sem acerto de comissão. Depois, descobriu o percentual de 5% da venda, melhorando muito sua vida depois dessa descoberta.
Com a mão na massa, fez um acerto com o jornal para trocar o ordenado por anúncios dos imóveis que dispunha. Por sugestão de Raimundo
Luiz, montou uma firma de imóveis com o nome sugerido pelo próprio:
OEA — Organização Erotildes Araújo. “Raimundo participa sempre. Hoje,
é meu compadre.”
No início da profissão de corretor, encontrou como colegas Missano e
Augusto Corretor. “O Missano vivia me ameaçando, dizendo que eu não
ENCANTAMENTO - Numa época de vacas magras, em dificuldade financeira, entrou em desespero e foi socorrido pelo governador João Alves
Filho e sua mulher Maria do Carmo. “Aconteceu, justamente na época da
corrida ao ouro, quando era grande a quantidade de imóveis expostos a
venda em Aracaju. Fiz o Cursilho de Cristandade. Ao sair do Cursilho,
fui transformado e passei a fazer reformas de igrejas. Foram dez anos de
trabalho em prol do reino de Deus. Perdi materialmente e ganhei espiritualmente. Fui até o governador numa festa da APAE, na praça Camerino,
quando cheguei para ele e disse: governador, eu preciso de um emprego.
Ele mandou que eu falasse na mesma hora com Maria do Carmo e que
dependeria dela. Quando disse a Dona Maria que necessitava do emprego, ela me garantiu e até hoje trabalho para o Estado.”
Abordou sobre uma nota na imprensa sobre sua presença constante
ao lado de João Alves Filho, que dizia que Erotildes era o papagaio de
pirata do governador, respondeu, sério. “Sou assessor e tenho uma dedicação 100% ao meu patrão. Sempre procurei ficar ao lado dele, para ele
nunca passar por dificuldade, sempre estando disposto a tudo, dando
uma cobertura.”
Oxente! essa é a nossa gente
podia exercer a profissão de corretor por não ter carteira. Logo descobri
que ele também não tinha carteira e ninguém em Sergipe também tinha.
Fui a Salvador, tirei minha carteira, que foi a primeira de corretor no
Estado de Sergipe e ainda mandei o Missano tirar carteira, Augusto, José
Prado da Serep e Sandoval, que também vendia seguro.”
No Diário de Aracaju, mantinha a coluna “Erotildes Informa”. Com
mais lágrimas nos olhos, relembra mais um momento de sua vida. “Só
sinto uma coisa: quando eu trabalhava no Diário, assim como você tem
hoje um espaço na imprensa em Sergipe, Osmário, eu era cercado de
convites, de amizades, presentes, isso e aquilo outro. Depois que me
afastei, senti que fiquei um pouco desprestigiado. Mas devo dizer que
sou filiado ao Sindicato dos Jornalistas.”
Mesmo tendo a documentação, não exerce a profissão de jornalista,
pois se sente bem como corretor. Fala dos calotes recebidos por pessoas
importantes de Aracaju, pessoas que entregaram seus imóveis e que não
pagaram a devida comissão. “Esquece isso. Vamos dar um stop.”
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Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA - Casou com Izaíra Andrade, casamento realizado há 30 anos.
É pai de quatro filhos: Sirley, Heron, Rívia e Tiago. É avô de uma
netinha.
Por um anos foi o responsável pelos leilões da igreja da Praia 13 de
Julho, quando passava de três a quatro meses longe do trabalho de corretor, indo de casa em casa do comércio de Aracaju, pedindo brindes para
a realização do leilão. “Cheguei a conseguir dois caminhões de mercadoria. Para mim, isso é de grande valia, pois a reforma total da Igreja São
Pedro e São Paulo recebeu uma grande ajuda do leilão.”
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Eurico Luiz: um artista em novo momento
á cerca de dez anos, mais
precisamente no dia 21 de
março de 1993, escrevemos neste mesmo espaço sobre vários
momentos da vida de Eurico
Luiz dos Santos, um paulista de
Araçatuba que já está em Sergipe
há mais de três décadas e que
tem na bagagem o título de cidadão sergipano, honrosamente
outorgado pela Assembléia
Legislativa do Estado.
Naquela oportunidade falamos sobre o Eurico artista, o homem, o amigo, o profissional responsável e detalhista ao extremo,
o filho pobre que foi alfabetizado em casa pela mãe, mas que
aos seis anos de idade já falava
corretamente o francês. Foram muitas as lembranças registradas. Hoje, o
momento é outro: Eurico Luiz está nove anos mais velho na idade e
alguns anos mais jovem de espírito.
Crítico ao extremo — aliás, uma de suas marcas registradas —, o
artista paulista/baiano/sergipano vive em um novo século com perspectivas de quem aposta na vida eterna. Sabe que não ficará para semente,
Publicado no Jornal da Cidade em 3.3.2002
Oxente! essa é a nossa gente
H
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Oxente! essa é a nossa gente
142
mas, perto de fazer setenta anos, ainda se sente com coragem e disposição suficientes para pintar quadros, fazer esculturas e trabalhar painéis
elogiados pelo público e pela crítica.
Afastou-se quase que totalmente do mundo das badalações, dos eventos recheados de todo tipo de gente, especialmente daquelas que gostam
mais de fazer tipo. Sem sentir-se desatualizado, prefere o seu refúgio na
rua Vila Cristina, em Aracaju, onde mora rodeado de seus amigos-gato,
ou de seus gatos amigos.
Falar sobre Eurico Luiz não necessita grande esforço, já que sua biografia só não é completa porque completo só Deus. Mas falar do artista
plástico Eurico Luiz é passear pelo mundo das artes como quem passeia
pelas belas paisagens de Aracaju, pelos becos e ruelas de Salvador ou
entre os arranha-céus da paulicéia desvairada.
Afinal de contas, Eurico Luiz é nome local, nacional e até internacional, isso porque participou de inúmeras exposições, amostras, festivais,
encontros culturais aqui e mundo afora. Não precisa citar nomes nem
relembrar acontecimentos que ficaram na memória desse tímido artista que
consegue transformar lixo em luxo, como disse quase uma década atrás.
Alguns eventos que tiveram a presença do artista: I e II Salões Experimentais de Artes de São Cristóvão, I e II Festivais Arte Mar, todos em
Sergipe, II Salão de Arte Contemporânea de São Caetano do Sul, VII
Salão de Artes de Campinas, Exposição do Museu de Arte Moderna da
Bahia, Salão Permanente de Los Angeles, e Exposição de Artistas Baianos
em Madrid.
CABEÇAS CHATAS - Os altos e baixos da vida pessoal de Eurico Luiz
refletiram diretamente na produção artística. Mais que isso, fizeram com
que suas obras também experimentassem essa montanha russa dos sentimentos. Exemplos disso são os casarios, as naturezas mortas e as cabeças chatas, somente para citar esses temas.
Todos eles mostram um momento que em algumas ocasiões lembram
o olhar perdido de um adolescente-quase-adulto contemplando a história de Salvador, retratada em seus monumentos históricos ou na riqueza
de sua cultura. Essa foto até hoje está guardada entre suas lembranças e,
vez por outra, faz o artista parar e pensar.
Oxente! essa é a nossa gente
Além de tímido, ele é irreverente, inquieto e, sobretudo, polêmico, a
ponto de brigar com qualquer um para fazer valer a sua opinião pessoal,
mesmo que ela vá de encontro a conceitos e preconceitos. Esse é o Eurico
Luiz que Aracaju e Sergipe conheceu e que hoje está presente em inúmeras obras em todo o Estado.
“Pouco há a acrescentar sobre a pintura e a escultura de Eurico Luiz, a
não ser a expressão vigorosa e por vezes angustiada que cada vez se apossa
das suas criações”, disse um dia o crítico Vieira Neto, em sua coluna de
domingo no jornal Gazeta de Sergipe. Sábias e oportunas palavras.
Mais ainda: “Na obra de Eurico Luiz, à medida que a perspectiva se
desenrola e o espaço avança, as cores se tornam menos sombrias, como
um chamariz plástico, um momento de expectativa sobre o que há por
trás de suas figuras místicas. Em toda sua trajetória de artista prevalece a
atmosfera exaltadamente lírica, marcando seus passos cadenciados que
levam aos misteriosos patamares a que são alçados os grandes artistas.”
A vida em geral é feita de momentos, mas a de Eurico Luiz, particularmente, está sendo escrita por grandes e inúmeros momentos. Um deles foi marcado pela emoção de reabrir a sua GALEU (ao pé da letra,
Galeria e Ateliê Livre Eurico Luiz) nos primeiros meses do ano de 1993.
Na oportunidade, ele falou para a colunista Thaïs Bezerra, em entrevista,
com um entusiasmo tão grande que fazia lembrar o adolescente falando
sobre a primeira namorada. “A GALEU foi, tem sido e será a promoção
de uma conscientização e respeito maior no que tange às causas comuns
do artista e da arte”, disse então.
Da mesma maneira agora, quase dez anos depois, quando resolve
mais uma vez abrir as portas de seu recanto para ensinar a arte da pintura. Como fez anos atrás com Olindina Machado, Ceiça Barreto, Gladys
Selma Campos, Lânia Duarte, Raissa, Cláudio, Jorge Luiz (hoje radicado
na Bahia) e tantos outros. Só que agora, como ele diz, de forma diferente,
em outro ambiente e vivenciando novas experiências, já que tudo será
diferente. Entretanto, manterá o espírito da GALEU de antigamente, o de
evidenciar mais as artes plásticas, especialmente através de cursos e
movimentos artísticos.
Assim é esse nordestino por adoção, que não tem medo de nada, e
que se autodefiniu como sendo “apenas Eurico Luiz, uma pessoa co-
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Oxente! essa é a nossa gente
mum, que escolheu Aracaju para viver como gente e como artista.” E que
até hoje faz valer as palavras que disse, não importando há quanto tempo. Isso ele herdou do seu velho pai Antônio Luiz dos Santos, que já o
espera no andar de cima.
Atualmente, vive hibernando em seu ateliê-residência, criando, concebendo e fazendo o que ele mais sabe fazer: arte. Não aquela arte de
menino travesso ou de adulto de nariz empinado, mas apaixonado por
tudo e por todos. Todos, mesmo, indistintamente. Foi por esse gostar
pleno que desgostou a muita gente.
Eurico Luiz vive agora a expectativa de uma nova exposição individual, aqui mesmo na sua Aracaju, como quem aguarda o momento de
subir ao altar pela vez primeira. Será um acontecimento marcante na vida
do artista, pois representará o reencontro de quem sabe fazer arte com
todos aqueles que gostam de arte.
Com certeza, Sergipe inteiro vai estar representado neste evento que
vai “juntar o útil ao agradável”. Ou melhor, que vai colocar frente à frente
a criatura e o criador de mais uma obra fantástica desse artista que, ao
longo dos últimos anos, não mediu esforços para demonstrar, na prática,
o quanto gosta de Sergipe e de sua gente. Com raríssimas exceções, é
verdade.
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Eurípedes: o pioneiro da musculação em Sergipe
no de 1953: na Rua Dom
Bosco, num barraco coberto com palhas de coqueiros e
com uma barra de levantamento de peso ele despertou atenção de alguns homens de
Aracaju que passaram a se interessar pelo esporte da
musculação. Surgia assim o embrião da primeira academia de ginástica de Sergipe. A história de um homem simples, que passou 12 anos como
despachante de companhia aérea, 22 anos
trabalhando na Petrobras e a vida toda
dedicada ao esporte da musculação. Um campeão carioca de fisicultura nos anos 50 e campeão de remo pela equipe do Vasco da Gama do
Rio de Janeiro. Um atleta por excelência, que nunca se descuidou do corpo, que continua malhando
aos 66 anos de idade e atuando como professor de academia de ginástica, passando para várias gerações seu saber de como
trabalhar o corpo para ter mais saúde.
Eurípedes Felizola Santos nasceu em Aracaju a 7 de março de 1929,
exatamente numa quinta-feira, às 21 horas, sendo filho de Homero Felizola
Zucarino e Zulmira Santos.
Publicado no Jornal da Cidade em 22.10.1995
Oxente! essa é a nossa gente
A
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O pai, um fazendeiro, descendente de italiano, passou para o filho
inúmeras lições de vida, entre elas a de não fazer para os outros aquilo
que ele não desejasse que fizessem com ele. “Pautei minha vida neste
sistema e estou muito satisfeito.” De sua mãe, mulher de uma vivência
fora do comum e de uma honestidade a toda prova, uma lembrança da
preocupação que ela tinha com a educação dos filhos.
Oxente! essa é a nossa gente
INFÂNCIA - A infância foi vivida na Fazenda Limoeiro, no Sobrado, município de Nossa Senhora do Socorro, que era de propriedade de seu pai.
Com sete anos de idade, com Dona Júlia, professora que residia no
bairro Santo Antônio, os primeiros contatos com os estudos. “Dona Júlia
era mãe de Dona Branca, esposa de um pastor.” Com Dona Esmeralda,
numa escola na rua Lagarto, continuou o curso primário, fazendo o ginásio no Colégio Tobias Barreto e no Atheneu.
Por motivo da morte do pai, que forçou a transferência da família para a
cidade do Rio de Janeiro, onde sua mãe foi em busca de emprego, terminou
o ginásio em Cascadura, no Colégio Arte e Instrução. “Naquela época, era o
maior colégio de subúrbio do Rio de Janeiro, com 5.500 alunos, só diurno.”
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VIDA DE DESPACHANTE - Serviu ao Exército e, logo após ser dispensado, foi trabalhar como despachante de aeroporto, como funcionário da Aerovias Nacional, passando depois a funcionário da Aerovias
Brasil.
No Rio, foram 12 anos de uma vida levada com sacrifício, mas que
permitiu a dedicação aos esportes. Foi campeão carioca de remo, pela
equipe do Vasco da Gama, e iniciou-se em musculação na Academia
Apolo. “Naquela época, a equipe de remo do Vasco da Gama era famosa.
Era o Oito Yole com Patrão.”
Começou a praticar remo na Praia das Virtudes e terminou na Lagoa
Rodrigo de Feitas, após a inauguração da sede náutica do Vasco da Gama.
“Era uma sede fabulosa”. Depois de quatro anos de remo, no ano 53 deixa o
Rio, voltando a morar na cidade de Aracaju, conseguindo transferência para
trabalhar por aqui na mesma função de despachante da Aerovias Brasil.
A experiência de despachante lhe proporcionou a condução ao cargo
de gerente em Aracaju da Navegação Aérea Brasileira (NAB).
PETROBRAS - Depois de 15 dias sem dormir, recebe um telegrama para
se apresentar no escritório da Petrobras em Aracaju, à época situado no
Edifício Mayara. Ingressou na Petrobras, onde trabalhou por 23 anos e
oito meses, no setor de terras. “O setor que faz a ligação da Petrobras com
os proprietários de terra, na questão de indenização.”
Da Petrobras, a honra de ter trabalhado com Everaldo Alves, que foi
seu chefe imediato, a satisfação de ter tido bons colegas de trabalho e a
gratidão por ter podido criar a família com dignidade. “Consegui formar
quatro filhos, dos cinco que tenho, além de conseguir levar uma vida
digna e fazer um patrimônio regular.”
ACADEMIA - Antes de iniciar os trabalhos na Petrobras, na rua Dom
Bosco, número 96, funda o embrião da primeira academia de musculação
e ginástica em Aracaju, no ano de 1953, logo quando retornou a Aracaju.
“Essa academia começou por causa de Raimundo Luiz. Quero dizer que
propriamente não era uma academia. Era uma barra que instalei numa
palhoça, onde participávamos eu, Raimundo Luiz, Newton Viana, Adson
Barreto e Portinho do Banco do Brasil.”
Oxente! essa é a nossa gente
FUNCIONÁRIO DA VARIG - Ainda no trabalho de despachante, foi
funcionário da Varig em Aracaju, deixando o emprego para ser funcionário da Petrobras. Como despachante descobriu que a pessoa que trabalha
com aviação “anda muito bonitinha mas não tem um tostão no bolso.”
Através de um companheiro de trabalho da Varig, soube de uma vaga
de almoxarife na Petrobras em Aracaju, justamente na época em que a
Petrobras estava iniciando seus trabalhos em Sergipe. Foi até o escritório
da empresa em Maceió, em busca da anunciada vaga.
Para chegar ao superintendente da empresa, algumas dificuldades,
mas conseguiu superá-las por interferência de pessoas que, percebendo
a situação aflitiva de Eurípedes, abriram o caminho. “Tinha deixado o
emprego da Varig para ingressar em outro e, quando cheguei lá, me disseram que não existia a vaga de almoxarife.”
Depois de três dias de chá de cadeira na sede da Petrobras em Maceió,
consegue fazer um teste e, logo após foi comunicado que aguardasse o
resultado em Aracaju.
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Oxente! essa é a nossa gente
Conta que, apesar de ter uma barra para praticar esporte em casa, a
força para montar uma academia foi dada por Raimundo Luiz da Silva e,
tempos depois, por um auxílio financeiro dado por Walter Resende. Outro
freqüentador da barra de musculação que incentivou bastante o Eurípedes
a prosseguir no esporte da musculação em Aracaju foi Ascânio Ferrari de
Almeida. “Ele tinha sido levantador de peso no Flamengo do Rio de
Janeiro. Quando viu a barra que eu tinha montada, ficou entusiasmado.”
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NOME DA PRIMEIRA ACADEMIA - À palhoça equipada com a barra de
musculação foi dado o nome de Academia John Grimeck. Depois do
batismo, os adeptos em levantar peso começaram a chegar. Através de
Luiz Garcia, conquista um terreno que, tempos depois da doação, foi
vendido, possibilitando a compra de diversos aparelhos de musculação.
Nos anos cinqüenta, os primeiros adeptos da musculação em Sergipe
faziam os treinamentos no turno da noite, após o dia de trabalho. De uma
palhoça, com o aumento do número de adeptos do esporte, Eurípedes
construiu um barracão no quintal de sua casa, destruindo a palhoça que
tinha sido montada na frente da casa.
Quanto à presença feminina, nos anos cinqüenta, em sua academia,
respondeu: “Naquela época se você falasse para mulher sobre musculação,
você era preso (risos).”
Já os homens dos anos cinqüenta não pensavam em pegar peso em
demasia. Já percebiam que as mulheres não gostavam de físico avolumado
e, sim, harmonioso. Eurípedes com sua experiência de anos de
musculação, revela que até hoje as mulheres pensam da mesma maneira.
“Você ter um físico harmonioso é uma coisa que chama atenção. Chama
atenção tanto na mulher como no homem. Mas quando parte para a
hipertrofia, que é o físico avanjatado, cheio de músculos, 99,9% das
mulheres detestam.”
NOVAS INSTALAÇÕES - Novamente com influência de Raimundo Luiz,
que preparou um estatuto, o barracão deu vez, no ano de 1968, ao Centro
de Cultura Física de Sergipe, que continua em atividade até hoje. “Agora,
surgiu uma academia de verdade, com toda uma estrutura, apresentando
os equipamentos do momento em termos de musculação. Surgiu pequena,
KARATÊ - Também foi a primeira academia com aulas de karatê, quando
trouxe o professor Kondor para Sergipe. Somente a partir de 1985, segundo Eurípedes, é que as mulheres de Aracaju passaram a fazer musculação.
“Elas começaram com muita timidez. Fazendo ginástica e usando um ou
outro aparelho. Só de cinco anos para cá, é que as mulheres começaram a
fazer musculação de verdade. Hoje tenho um grupo de 10 a 12 alunas que
se dedicam a musculação com sucesso de beleza de físico a toda prova.”
Reclama que a academia hoje trabalha no vermelho e passa a informação de que as demais, com raras exceções, também estão na mesma situação. “Depois do real, houve uma queda brutal. Perdi 80% da clientela
jovem, que os pais custeiam.”
Com 66 anos, gozando de boa vida, sente grande satisfação em continuar dando aulas de musculação. Diz que está fisicamente em forma e
relembra emocionado o tempo do Rio de Janeiro como freqüentador da
Academia Apolo, época que conseguiu o título de campeão em um concurso de fisicultura do Rio de Janeiro.
Ele acha que muita gente ainda pensa de forma errada sobre a
musculação. “Não é assim como dizem, que a pessoa tem que pagar para
fazer força. É um esporte que faz um corpo harmonioso e que só proporciona saúde. Um esporte que dá bom condicionamento que faz com que
aumente sua capacidade pulmonar.”
FAMÍLIA - Casou com Maria Cláudia Silva em 1953, casamento que
resultou em cinco filhos: Homero, Sandra, Lorena, Eduardo e Cláudio.
É avô de 10 netos.
Oxente! essa é a nossa gente
mas fui comprando os fundos de quintais da vizinhança e, hoje, faltam 25
metros para sair da Dom Bosco para a Nossa Senhoras das Dores.”
Com a nova estrutura, mandou sua mulher para Recife a fim de fazer
um curso de ginástica e massagem. Depois de seis meses de curso, começa a admitir o sexo feminino na academia. “Tivemos uma grande
receptividade.” Já com visão empresarial, mandou apanhar em Recife
um profissional do judô, sendo escolhido o professor Jairo Moura. Com
a vinda de Jairo surgiam em Sergipe as primeiras turmas de judô.
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Expedita: a filha de Lampião
Oxente! essa é a nossa gente
E
150
xpedita Ferreira Nunes, filha única de
Lampião e Maria Bonita, nasceu a 13 de
setembro de 1932, na cidade de Porto da Folha, Sergipe.
Criada pelos vaqueiros Severo e Aurora
após 21 dias de nascida, na fazenda
Exu, no município de Porto da Folha, com eles permaneceu até os oito
anos de idade. “O casal tinha 11 filhos e fui criada com muito carinho
por todos eles. Nunca esconderam
que eu não era filha deles e falavam
que eram meus pais.”
Expedita, das boas lembranças do
seu tempo de criança, não esquece
das três vezes que viu seus pais verdadeiros, Lampião e Maria Bonita.
Duas vezes eles apareceram para lhe
ver e na outra foi conduzida pelos
pais adotivos, que a levaram ao encontro deles no mato. “Me lembro
da primeira vez. Corri e me escondi
debaixo da cama. Meu pai, Lampião,
foi me buscar. Na época eu estava com quatro anos. Se eles foram antes
me ver eu não recordo.”
Publicado no Jornal da Cidade em 16.9.2002
HOMEM DE PALAVRA - Seu pai, Virgolino Ferreira da Silva, o “Lampião”, nasceu em Vila Bela, hoje Serra Talhada, Pernambuco, no dia 4 de
junho de 1898. Foi almocreve, vaqueiro e cangaceiro. Dele, a filha toma
como exemplos seu caráter, sua firmeza e sua palavra, coisa que acha
difícil de encontrar nos dias de hoje.
Sua mãe, Maria Gomes de Oliveira a “Maria Bonita”, nasceu na Bahia,
no povoado Malhada da Caiçara, município de Santa Brígida, no dia 8
de março de 1911. Dela, a filha tem profunda admiração pelo seu lado de
coragem e determinação.
As brincadeiras de roda, de bonecas que eram feitas de ossos de boi e
catar ovos na roça com os irmãos de criação foram as alegrias da Expedita
no seu tempo de infância.
Com a mãe de criação, Aurora, as primeiras letras. Deu prosseguimento aos estudos quando foi morar com o tio em Propriá, estudando
um período no Colégio Nossa Senhora das Graças e outro no Grupo
Escolar João Fernando de Brito. “Tinha como colegas Jozélia e Marli Maia.
Oxente! essa é a nossa gente
Quando mataram seus pais, na Grota de Angico, que na época pertencia a Porto da Folha e hoje fica em Poço Redondo, Expedita tinha cinco
anos e nove meses. Não esquece do momento em que, chamada para
falar com seus pais de criação, tomou conhecimento da morte de Lampião e Maria Bonita. “Eles estavam muito tristes. Eu, como criança, nada
entendi e me vestiram de preto.”
A partir dos oito anos, passou a morar na cidade de Propriá, com os
tios, João Ferreira, irmão de Lampião e o único dos homens a não entrar
no cangaço. “Meu tio João sempre me protegeu dos jornalistas, pois ele
tinha medo que houvesse qualquer tipo de vingança. Só depois de casada e com filhos é que apareci pela primeira vez na revista O Cruzeiro,
como a filha de Lampião.”
Expedita aprendeu a conhecer a história dos seus pais a partir da
filha, Vera Ferreira, que sempre procurou entender a história para poder
passá-la de uma forma correta. “Antes disso, sempre evitei falar sobre o
assunto. Era difícil para mim pelo preconceito das pessoas e pelo fato de
não saber muito sobre eles. Agora sei que sinto muito orgulho pelos pais
que tive e por eles terem feito o que fizeram.”
151
Oxente! essa é a nossa gente
As amizades desse tempo eram poucas. Foi uma época boa, pois ainda
era criança. Também conheci nesse tempo Dalva Rabelo Silveira, minha
grande amiga até hoje. Somos até comadres. Uma amizade de 58 anos.”
O tempo de Propriá foi de muita atenção por parte do tio, que a tratava
com todos os cuidados.
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EM ARACAJU - Ao término do curso primário, deixa os estudos de lado
e passa a dedicar seu tempo ao trabalho, quando vai morar em Aracaju.
Tinha 14 anos de idade. “Procurei logo um emprego no comércio, embora tivesse desgostado o meu tio, que não queria que eu trabalhasse. Consegui. Meu primeiro emprego foi na Casa Aurora, na rua João Pessoa, e
foi lá que eu conheci a Alda, grande amiga até hoje. Depois fui trabalhar
numa farmácia, mas isso aconteceu por pouco tempo.”
Atuando no balcão, Expedita chega à loja da Rede 4.400 (quatro e
quatrocentos), que marcou época no comércio brasileiro. No novo emprego, o tempo de três anos. “Lá, conquistei várias amizades: Ilcéia, Ivone,
Marina, Alba, Mercedes, Dalva, Edelzuita e outras. Apesar de eu ser uma
das mais novas, elas foram maravilhosas comigo. E mesmo quando ficaram sabendo de quem eu era filha, nunca me discriminaram. Tenho boas
recordações dessa época.”
Bem diferente dos empregos anteriores este último foi conquistado
através de teste e a notícia da aprovação foi motivo de muita alegria.
“Estava ansiosa para entrar na loja como funcionária. Por quinze dias, fiz
o teste. No final da quinzena, o chefe do escritório, de nome Djalma, uma
pessoa maravilhosa, me chamou no seu gabinete de trabalho.”
Expedita casou com Manoel Messias Neto aos 18 anos de idade, depois de quatro anos de namoro. Com a nova vida a dois e a chegada dos
filhos, o emprego no comércio foi trocado pela vida de dona de casa e
pela preocupação constante com a educação dos quatro filhos do casal:
Dejair, Vera, Gleuse e Iza. É avó e com todo o orgulho do mundo de três
netas: Karla, Gleuse e Luana.
Ezequiel Monteiro: intelectual a serviço de Deus
D
LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA - A infância foi passada nas cidades de
Laranjeiras e Aracaju. Nos primeiros anos de Aracaju, teve contato com
os livros pelas mãos da professora Guiomar, numa pequena escola no
primeiro trecho da rua Santa Luzia.
Oxente! essa é a nossa gente
epois que assumiu a doutrina evangélica, há dez anos, o intelectual
Ezequiel Monteiro trocou a boemia por
momentos de paz e de um maior convívio familiar. Antes de ter assumido essa
posição, “por qualquer besteira que dizia, todo mundo achava graça.”
José Ezequiel Monteiro, nasceu a 7
de agosto de 1936, em Aracaju. Seus
pais: Francisco Valença Monteiro e
Abrantina Ezequiel Monteiro.
Filho de um funcionário público federal, põe em prática a bondade que viu
e aprendeu de seu querido pai. “Atos
de uma extremada bondade.” É de uma
admiração profunda pela mãe, verdadeira guerreira na educação dos quatro filhos, que assumiu por completo a direção da família em vista da morte do
marido, quando Ezequiel tinha 12 anos
de idade. “Ela foi tudo.”
Publicado no Jornal da Cidade em 1.9.1996
153
Oxente! essa é a nossa gente
Após a morte do pai, a mãe fixa residência em Laranjeiras, por ligação
familiar, e coloca o filho na escola da famosa professora Zizinha Guimarães, a fim de concluir o curso primário. “Uma mulher de uma maturidade intelectual e emocional muito grande; uma verdadeira mestra.”
Com 12 anos, vai estudar na capital e deixa os gostosos momentos
vividos em Laranjeiras povoados em sua mente. “A minha reminiscência
é laranjeirense: as peladas de futebol no campo do Matadouro; os jogos
de sinuca com bola de gude; os passeios de canoa pelo rio Cotinguiba; os
dias em que almoçava na Usina Boa Sorte, do meu padrinho Zeca Sobral,
pai do deputado José Sobral. Brincávamos muito.”
154
O TEMPO DO ATHENEU – Como aluno do Atheneu viveu um tempo
de completo envolvimento com o colégio. A mãe continuou em Laranjeiras com os irmãos e ele passou a morar na casa do avô, Zeca Pinto, que
mesmo tendo casa na cidade só ia a Aracaju nos fins de semana.
Um menino pobre que se atirou nos estudos e gozou saber de muitos
professores: Ofenísia Freire, José Olino, Virgílio Santana, Franklin, Paulo Machado, dentre tantos outros.
Com um grupo vinculado ao iluminismo, ao enciclopedismo, um
tempo em que a ideologia foi revestida de irreverência. “Éramos meios
anárquicos. Nós contestávamos tudo. Mas isso era a maneira imatura,
incipiente, como nós reagíamos àquele cabedal de conhecimentos que
nós recebíamos dos nossos mestres.”
Adauto Pinto de Carvalho, Ediroaldo de Melo e Ezequiel formavam o
trio de anarquistas que abriu clarões na vida estudantil do Atheneu dessa
época. “Eu atingi uma dimensão que nos colocava diante do iluminismo
da classe média de Aracaju, que colocava a inteligência acima de todos os
valores: acima da riqueza material e das tradições do Sergipe Del Rei. Uma
classe média que sempre votava na oposição. Uma gente maravilhosa! Por
isso é muito difícil se resgatar uma vivência apaixonada pela liberdade.”
A PRIMEIRA PRISÃO - Com 15 anos de idade, já estando no primeiro
ano do curso clássico, por já existir uma mitologia a seu respeito, chegou
a ser exageradamente considerado como mito daquele tempo, o que resultou no convite para ingressar no Partido Comunista Brasileiro. “Eles
NO RIO DE JANEIRO – Depois do episódio de 52, a família achou por
bem mandá-lo estudar no Rio de Janeiro, onde passou 13 anos. Por ser
meio cigano, se adaptou ao ir e voltar, chegando a dizer, diante desse
zingarismo, que tinha uma conduta dialética entre a metrópole e a província, a província e a metrópole.
No Rio, conclui o curso clássico e faz até o quarto ano de Direito.
Sentiu a experiência do primeiro emprego na função de auxiliar de escritório de uma empresa construtora. Depois, não desperdiçou a oportunidade
de ser assistente administrativo no SAPS, emprego que durou quatro anos.
Oxente! essa é a nossa gente
sentiram necessidade de me recrutar e realmente conseguiram isso. Me
recrutaram para a Juventude Comunista. Passei alguns meses na J.C. e
por isso paguei um preço muito alto. Mas, na realidade, a vida é assim:
tem seus altos e baixos.”
— Chegou a ser preso?
— Isso foi em 52.
— Como aconteceu?
— Houve uma ação de repressão ao comunismo em Aracaju. Fui preso e passei por momentos tormentosos.
— Ficou preso em que local? Chegou a ser torturado?
— Na penitenciária, no reformatório. Foi isso mesmo: Aristóteles disse que a sabedoria vem pelo sofrimento. Se você discorda, você não vai
discutir comigo; vai discutir com Aristóteles.
— Foram quantos dias desses terríveis momentos?
— Dez dias. Mas não vamos olhar o lado negativo. O importante foi o
lado positivo, porque esse valoriza a classe média de Aracaju, diante da
minha prisão. Sendo de menor, professores, personalidades daquela época, foram ao Tribunal de Justiça em meu socorro. O pedido foi atendido
através do ilustre juiz de Menores Waldemar Fortuna de Castro, do Alberto
Bragança, curador de Menores, e através da participação do médico Garcia
Moreno, que elaborou o laudo de corpo de delito. Eles enfrentaram corajosamente paus e pedras. Assim, conseguiram minha liberdade.
— Então isso significa que a tortura foi em alta dose?
— Foi, foi... Não é isso... Eu não quero assumir uma atitude heróica.
Entendeu? Não me agrada chamar... Entendeu?
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Oxente! essa é a nossa gente
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A INTELECTUALIDADE DA GAZETA - No jornal de Orlando Dantas, a
Gazeta de Sergipe, seu nome foi impresso na história do jornalismo sergipano
por uma participação ativa, mesmo sem nunca ter recebido um tostão do jornal. Fazia parte de um referencial: “Ezequiel faz parte do grupo da Gazeta.”
“Comando de Orlando Dantas e constituído por mim, por Alberto
Carvalho, Bonifácio Fortes, José Rosa de Oliveira Neto, Ariosvaldo
Figueiredo, Luiz Antônio Barreto, Renato Chagas, Paulo Barbosa, Ivan
Valença — que é um príncipe —, José Lopes. Éramos patriotas, encarávamos a vida pública como um verdadeiro sacerdócio, uma atividade sagrada, com muito idealismo e muito desprendimento. Nossa ideologia
podia ser resumida por uma frase de Siqueira Campos: À pátria tudo se
dá sem dela esperar nem mesmo o reconhecimento.”
Sobre o jornalista Orlando Dantas:
“A minha atividade jornalística desenvolveu-se sob a inspiração de
Orlando Dantas, esse grande sergipano, grande intelectual. Não sei quantas
horas poderia passar arrolando suas qualidades, seus serviços e as causas patrocinadas por aquele grande espírito. Ele valorizava muito nossas
idéias, mantinha um diálogo permanente conosco. Orlando Dantas foi
um dos grandes mestres da sergipanidade.”
Ezequiel iniciou-se no jornalismo fazendo artigos. Posteriormente, com
as idas e vindas ao Rio de Janeiro, aprendeu a fazer reportagens. “Elas me
realizavam mais do que os artigos, por passar informações e não opiniões.”
Foi novamente preso em 1964 e comenta que só aconteceu porque os
militares pensavam que ele iria articular alguma reação contra a prisão de
Seixas Dória. “Eles exageraram muito.”
CONCLUIU DIREITO - Conclui o curso de Direito em Sergipe, em
1960, mas passou 12 anos fora da profissão. Pela Federação das Indústrias, passagem como assessor dos presidentes Eziel Mendonça, Paulo
Figueiredo e Albano Franco.
Só assumiu a profissão de advogado por influência de amigos. Montou escritório no Edifício Mayara, debruçou-se sobre processos de clientes e continua a levar uma vida de estudos diante dos processos. “No
momento, estou adstrito às minhas atividades de servidor público, já
que sou procurador do Estado.”
NOVA VIDA COMO EVANGÉLICO - “Sou evangélico há 10 anos e
congrego na Primeira Igreja Batista de Aracaju, sob a liderança de um
cristão genuíno, que é o pastor Jabes Nogueira. Ele tem mais de 30 anos
que lidera aquela igreja. Tenho certeza que ele está construindo um tesouro lá no céu. Em primeiro lugar, pelo padrão de austeridade de sua
vida. É um homem inatacável, não só por ser honesto, mas pela sua
sobriedade, pelo seu equilíbrio e simplicidade. Dois: nas suas mensagens, ele não persegue a eloqüência, em busca de um sucesso fácil. Só
transmite Bíblia. Terceiro: por um inesgotável amor ao rebanho que Jesus
lhe confiou. Quero dizer que, na minha velhice, estou me aprofundando
no verdadeiro cristianismo.”
Oxente! essa é a nossa gente
COMPOSITOR E CONTISTA - Na efervescência do movimento cultural
de Aracaju, no fim da década de 60 e início de 70, se insere no movimento musical da cidade. Dos compositores da época, destaca um: “De todos
os compositores, o verdadeiro talento foi o rapaz Marcos Antônio Souza.
Ele foi o verdadeiro talento musical daquele período. Tão bom quanto o
Milton Nascimento.”
Como escritor, uma paixão pelos contos iniciada depois que conseguiu publicar um dos seus trabalhos no suplemento literário do Jornal
do Brasil, coordenado por Assis Brasil.
Já em Aracaju, registra que foi de grande importância na sua atividade literária o incentivo que recebeu do crítico Alberto Carvalho.
“Alberto é um gigante. Aracaju é uma cidade — não era assim — tão
hostil à cultura, principalmente às artes em geral, que não sabe aproveitar seus valores. Alberto é uma espécie de Amazonas. Existe tudo
dentro dele. Não sei o que ele está fazendo agora, mas sei que Aracaju
não tem capacidade para valorizar o cabedal daqueles que pagaram
um preço muito alto para adquirir cultura, ter um pensamento organizado. Enfim, as luzes da inteligência. Aracaju, nesse ponto, é uma
cidade escura.”
Ezequiel só chegou a publicar o livro Contos de Jornal, com prefácio
de Alberto Carvalho. “O livro compreendia 30 contos e, no prefácio feito
pelo Alberto, ele dizia: dos trinta só um prestava, ‘Aurora’. Eu assumi o
prefácio porque um é melhor do que nada.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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DA CONVIVÊNCIA COM A BOEMIA - “Um pensador contemporâneo
escreveu que o mistério do ser está na transformação. É isso! Antes de
assumir a minha posição de crente em Jesus, qualquer besteira que eu
dizia todo mundo achava graça, achava formidável. Eu era admirado por
essas futilidades, por essas coisas superficiais, todas elas na base da
ironia. Gostavam das frases de efeito, fogos de artifícios. Agora que estou
querendo passar a verdade, ninguém se interessa. Digo que foi aprender
a via de acesso por esse lado. O lado da verdade, que é o da dimensão
espiritual dos homens. É bom dizer que existem três dimensões: do espírito, da alma e do corpo. A minha linguagem, hoje, é uma linguagem
séria, verdadeira, baseada na história, na pessoa e na missão de Jesus,
como os ensinamentos passados na Bíblia. Eu pensava que ia realizar o
meu amor aos sergipanos pela política. Hoje, descobri que não é por aí.
Vou realizar meu amor aos sergipanos ajudando-os com a doutrina de
Jesus Cristo.
De ser intelectual na velhice: “A velhice existe e deve ser assumida.
Só espero viver minha velhice de uma maneira criativa, de uma maneira
informativa, orientadora, porque eu creio que uma geração deve transmitir à geração seguinte uma herança cultural. O intelectual é aquela pessoa
que se volta para o conhecimento; aquela pessoa que não se preocupa em
ganhar dinheiro, desfrutar os prazeres da vida. É o homem que vive nos
livros, vive no pensamento, gosta de pensar, refletir e de produzir idéias.
Vive na dimensão da alma. Ainda não cheguei ao nível de viver no espírito. Ainda estou em processo... Os intelectuais também vivem na alma.”
Dos intelectuais de Sergipe: “Sergipe sempre foi uma usina de intelectuais. O que ocorre é que somos Sergipe e ainda não aprendemos a
aproveitar esse recurso valioso que são os intelectuais, que são os artistas. Não chegamos ainda a esse estágio. Destaco essa expressão máxima
em nosso Estado, essa figura de intelectual típico que é Dom Luciano
Duarte. Estou muito contente porque voltou a pregar no rádio. Com ele,
aprendi muita coisa da história do cristianismo. Possuidor de uma inteligência rara, um dos homens mais inteligentes que conheci.”
FAMÍL¾¾IA - Casou com Mauricéia da Silva em 1972 e, do casamento,
os filhos: Adriana, André e Ana Cláudia. É avô de Camilia.
Galego: patrimônio da Praia 13 de julho
ailton Veríssimo Cardoso nasceu
a 27 de novembro de 1946 na cidade de Aquidabã (SE). Os pais: Joaquim Veríssimo Cardoso e Maria de
Souza Cardoso.
Filho de um pequeno agricultor,
que permanece em atividade até hoje
pela necessidade de sobrevivência e “graças ao bom Deus, que vem lhe proporcionando ao longo de toda a existência plena
saúde e ainda lucidez no tempo da terceira
idade”, dele herdou amor ao trabalho, seriedade nos negócios e educação repleta de
exemplos que elevam a dignidade do homem,
pautada nos princípios religiosos. “Um bom
pai para todos os seus oito filhos, um bom
amigo.” Já da querida mãe, profunda admiração por uma mulher carinhosa e de muita
preocupação com os filhos. “Ela deu uma
educação bem bonita para a gente.”
Até os 13 anos de idade viveu no povoado onde nasceu, Papel de Santa Luzia, que
também teve o nome de Terezinha. “Acho que
este povoado, que eu adoro, não existe no mapa.” Nesse tempo, foi alfabetizado pela professora Terezinha, de memoráveis lembranças pelas aulas
que recebeu num pequeno grupo mantido pela prefeitura da cidade.
Oxente! essa é a nossa gente
J
Publicado no Jornal da Cidade em 4.4.1999
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Trocando o povoado pela sede do município, em vista da necessidade de trabalho num estabelecimento comercial do cunhado, estudou o
curso primário em Aquidabã, na escola do professor Ascelino, encerrando assim a vida de estudante.
Com seis anos de idade, na pequena propriedade rural da família,
aprende a ter responsabilidade no trabalho, obrigação diária de tirar leite
às 4 horas da madrugada, prender o gado no final da tarde, além de outras
atividades que ocupavam o tempo nos turnos da manhã e da tarde.
Com o cunhado Alventino Estácio da Mota começa a se envolver com
bar aos 13 anos de idade, fazendo de tudo. “Atendia os clientes, fazia
limpeza, além de vender doces de todos os tipos, principalmente de pão e
de leite.” Com a venda do bar de Aquidabã, depois de quatro anos de
funcionamento, o cunhado resolve montar um outro na cidade de Muribeca
e exige do sogro que Jailton o acompanhasse nessa nova empreitada.
Jailton conta que o trabalho no estabelecimento comercial do cunhado não lhe dava entusiasmo, já que o pensamento era voltado para trabalhar na capital do Estado. “Tinha vontade de partir para um lugar maio.”
Não ganhava nada do cunhado, contentando-se com a comida, roupa
lavada e dormida. Mesmo passando apenas um ano na cidade, considerou
o tempo de trabalho no novo bar do cunhado bem melhor do que no tempo
que passou em Aquidabã. “Muribeca foi uma beleza, pois adquiri mais experiência. Já sabia que tinha de ser rápido no atendimento, servir bem o
cliente, além de mais coisas. Toda essa aprendizagem aconteceu por conta
dos primeiros anos de trabalho de bar. Meu cunhado não me ensinou nada.”
EM ARACAJU - O cunhado vende de novo o bar para enfrentar o comércio de Aracaju, comprando um armazém na rua Simão Dias, esquina
com Sete de Setembro. Jailton o acompanha e continua presente no trabalho durante os três turnos, como já fazia desde o tempo do bar de
Aquidabã. A diferença, porém, é que além de vender bebidaS e petiscos,
a mercearia passou a comercializar produtos do ramo de secos e molhados, necessários para o bom funcionamento de um armazém. “Até hoje
ele tem o estabelecimento comercial, só que agora, em vez de armazém,
ele trabalha No ramo de louças. Por isso, trocou de Armazém Senhor do
Bomfim para Casa de Louças Senhor do Bomfim.”
EM SÃO PAULO - Tão logo desembarca na estação rodoviária de São Paulo,
se hospeda na primeira pensão que encontra e tem a sorte de conhecer um
conterrâneo, que indica um bar que estava com disponibilidade de emprego
para quem já tivesse experiência de balcão. Deu certo e Jailton passa o período de quatro anos no bar do centro da cidade. “Funcionava como bar e
restaurante, 24 horas no ar. Meu trabalho era das 17 às 5 horas da manhã.”
Mas não foi nem no balcão nem com a bandeja na mão, dando uma de
garçom, que Jailton começou a atividade profissional na capital paulista.
Embora tivesse conquistado emprego com facilidade, teve a responsabilidade de ser o limpador de chão do estabelecimento comercial. “Foi difícil, mas quando a gente quer e precisa trabalhar, não tem nada difícil.”
Sempre prestavivo, amigo e responsável, aceita até trabalhar na cozinha, descascando batatas e lavando pratos. Sempre atento, aprende a cozinhar e consegue vaga de ajudante de cozinheiro, até chegar ao comando da
cozinha. “Não tinha ninguém ensinando. Você mesmo aprende.”
Quando já contava com dinheiro bastante para montar um negócio por
conta própria e sentindo saudade da família, resolve voltar para Aracaju.
Chegando no ano de 1972, de imediato compra, em sociedade com um
primo, um pequeno bar no bairro Siqueira Campos. “Bar Esperança, na
rua Amazonas, esquina com Goiás. Comprei, toquei, ganhei muito dinheiro, gastei muito com as meninas, já que nesse tempo eu era solteiríssimo.”
Com mais dois anos, vende a parte no bar ao sócio, Manoel Veríssimo
Cardoso, e compra, por indicação do cunhado Alventino, um ponto comercial na Praia 13 de Julho, onde até hoje permanece. O ponto foi adquirido a
Zé de Firmino, da cidade de Aquidabã, que funcionava no local com um
pequeno armazém, que anteriormente tinha pertencido ao próprio Aventino.
Oxente! essa é a nossa gente
Passados mais três anos de trabalho com o cunhado em Aracaju, Jailton
aceita proposta de José Carlos Barbosa de Faro para tomar conta de uma
padaria, já que ele não disporia de tempo para se dedicar ao negócio, por
causa da política. “Me acordava às 4 e ficava até as 19 horas.”
Como ganhava pouco, resolve, depois de um ano de padaria, partir
para São Paulo, em busca de uma vida melhor, levando na bagagem apenas a determinação para o trabalho, em qualquer que fosse a circunstância. “Fui preparado para ir e voltar.”
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NA 13 DE JULHO - Quando Galego chegou à 13 de Julho, há 25 anos,
disponibilizando apenas uma das portas das três que hoje ocupa no bar,
do prédio pertencente a José Ferreira Lima, encontrou um bairro pouco
habitado. Tinha como vizinho uma farmácia, que ocupava as duas lojas
do prédio, e Ferreira Lima. Deu continuidade ao armazém adquirido a Zé
de Firmino, porém com novo nome: Armazém Praiano. “Tinha um estabelecimento comercial bem estocado. Vendia muito leite, 150 litros, muito pão. No ramo ia muito bem, até que abriu uma padaria na proximidade. Por isso, fui forçado a trabalhar exclusivamente como bar e restaurante. Isso aconteceu aproximadamente há 10 anos.”
Mesmo reconhecendo que passaria a ter mais trabalho, tinha certeza de
que a transformação de armazém para bar daria bons resultados pela sua
experiência no ramo. No princípio, passou por momentos de dificuldade,
em vista de que o cliente de bar não é o de um armazém. Mesmo assim foi
em frente, sempre tratando bem os clientes e sempre tomando conta da
cozinha, mostrando qualidades no tempero. Já conhecido como Galego, a
fama começava a se propagar, não só na 13 de Julho, como em toda cidade,
já que o pirão de capão e pirão de peixe agradavam a todos que provavam.
Aliado ao funcionamento do bar e restaurante durante todos os dias da
semana, proximidade da igreja, e colocação no cardápio de caranguejos
aos sábados e domingos, o Bar do Galego passou a ser ponto de referência
da culinária sergipana. “Não só o capão, como a carne-de-sol.”
Galego conta que praticamente conhece todos os moradores do bairro. Com orgulho, ostenta numa das paredes do bar, em um quadro, reportagem do Jornal da Cidade que relata a história do bairro 13 de Julho
e que conta com seu depoimento.
Na época em que comprou o armazém era solteiro. Casou, colocou a
mulher no trabalho e até hoje toca o bar com a participação importante da
mulher e do filhos. “Trabalho com muito orgulho com minha família. Só
fecho o bar na Sexta-Feira da Paixão.”
Casou com Marily Nascimento. É pai de cinco filhos: Marly Jane,
Bianca, Paloma, Jailton Júnior e Alessando. Reside no Santa Tereza e se
sente um homem realizado, pela família que tem e pelos amigos conquistados através do Bar do Galego.
Geraldão: um patrimônio do esporte
om mais de 30 anos de serviços ao
esporte amador em Sergipe, Geraldão
é uma figura folclórica do esporte. Descobridor de talentos, seu nome sempre
esteve em evidência no cenário esportivo
estadual. Técnico de futebol, jornalista e radialista da área esportiva, com passagem nos principais veículos de comunicação do Estado conta um
pouco de sua vida, do tempo em que foi técnico de
time que jogava futebol com bola de meia, dos Jogos da
Primavera, das decepções do esporte e do seu desejo
de morar fora de Sergipe.
Geraldo de Oliveira, nasceu em 28 de julho de 1932,
na cidade de Aracaju, sendo filho de Anita de Oliveira
e Antélio de Moura.
O pai, era vidraceiro e dele, o filho guarda poucas
lembranças por ter separado de sua mãe, quando Geraldo tinha apenas cinco anos de idade.
De sua querida mãe Anita, o reconhecimento pela
boa educação que recebeu e a herança pelo trato e afinidade com as pessoas. Convivendo com a mãe diariamente, continua recebendo lições de uma mulher que
chegou aos 100 anos com saúde e lucidez.
Tendo nascido na rua de Estância, entre Maruim e Itabaiana, local
que considera o eixo da cidade, aproveitou o tempo da juventude, com
Publicado no Jornal da Cidade em 16.10.1994
Oxente! essa é a nossa gente
C
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brincadeiras na Associação Atlética de Sergipe, Praça Camerino e praticando esporte no Colégio Tobias Barreto. “Uma juventude amparada de
muitos amigos e de muito carinho”.
Com a professora Antônia Rosa, no Educandário Nossa Senhora
Menina, os primeiros passos na educação.
Oxente! essa é a nossa gente
EXAME DE ADMISSÃO — Prestou exame de admissão para o Colégio
Tobias Barreto com sucesso, após concluir um período de estudos com a
professora Briolângia.
Circulou por alguns colégios da cidade, pela preocupação de sua mãe em
querer mudar de ambientação escolar, numa tentativa de provocar uma melhora nos estudos. “Naquela época, teve probleminhas das companhias”.
Estudou no Jackson Figueiredo, Salesiano, Padre Antônio Vieira, em
Salvador. Sempre retornando ao Colégio Tobias Barreto, por lá concluiu
o curso científico e o técnico em Contabilidade.
164
É CONTABILISTA — Como contabilista, nunca exerceu a profissão, embora tivesse providenciado inscrição no Conselho Regional de Contabilidade.
Mas foi no esporte que descobriu desde cedo, a trincheira ideal para
seu dia-a-dia.
“Tudo começou após o convite para participar de um passeio, acompanhando o time de futebol de sua rua”. Naquela época, cada rua tinha
um time. Então, nesse dia, o time Santa Cruz, me convidou para um
passeio na cidade de Simão Dias.
Do passeio, o convite para secretariar o time de futebol e, daí, uma
paixão que considera eterna, pelo esporte amador.
DE SECRETÁRIO A TREINADOR — De secretário, passou a treinador,
pela amizade que conquistou com os integrantes do time, e pelo espírito
de liderança que demonstrou nas atividades de secretário.
Um envolvimento maior aconteceu no Colégio Tobias Barreto, iniciando a organizar campeonatos com bolas de meia. “Era muito difícil bola
de couro naquela época”.
Em que pese o constante contato com o futebol, diz que nunca gostou
de praticar esse esporte. Somente quando estudava no Colégio Salesiano
é que teve oportunidade de jogar atuando como extrema-esquerda. “Por
JOGADOR DE BASQUETE — Com os irmãos Firpos, uma experiência
no basquete que deu bons resultados, pelo favorecimento de sua estatura. Jogou no Cotinguiba e no Paulistano.
Com a introdução dos Jogos da Primavera, Geraldão passou a mostrar
talento, na atuação como técnico de futebol no Colégio Tobias Barreto.
No ano de 1958, atendendo convite de Zoroastro Rodrigues, passou a
dedicar uma boa parte do seu tempo, como técnico da categoria amador
do Clube Sportivo Sergipe.
Das grandes emoções vividas, registra a de ter sido tricampeão pelo
Colégio Tobias Barreto, nos primeiros Jogos da Primavera. Outra, que
toca bastante em seu coração, relaciona-se com o Sergipe. Vários títulos,
não somente por essas conquistas, mas pela revelação de vários valores
do futebol sergipano.
Dos Jogos da Primavera do passado e do presente, comenta que
existem duas etapas. A primeira feita por abnegação, repleta de boa
vontade e entusiasmo. A de hoje, uma etapa profissional, existindo
interesse dos colégios pela conquista de matrículas através do esporte.
FUTEBOL DE SALÃO — No futebol de salão uma outra história, que foi
iniciada no Colégio Tobias Barreto, quando fundou o “River Plate”, time
que conquistou em 1963 o título de campeão do Estado, após vencer o
temido time do Iate Clube de Aracaju.
Registra passagem na Associação Atlética de Sergipe, como técnico
da equipe de futebol de salão daquele clube, tendo conquistado do ano
de 1963 até hoje, pela sua permanência no cargo, 15 títulos.
A maior decepção do esporte na sua concepção, refere-se a críticas
infundadas e maldosas, e provocações para inimizades. “Isso é normal
no esporte, mas a gente tem que estar preparado”.
Não haveria fitas para enumerar os valores que descobriu para o futebol sergipano. Pela tentativa do repórter para que citasse ao menos dois
dos atletas que iniciaram a profissão recebendo seus ensinamentos da
Oxente! essa é a nossa gente
incrível que pareça. Mas isso aconteceu na época em que só dava padres
romanos, no Salesiano”. (Risos)
165
técnica da prática do futebol, cita os nomes de Henágio, Gena — hoje, no
futebol português —, Roberto Crioulo — atuou no Palmeiras de São Paulo.
Pela responsabilidade e baixa remuneração, resolveu deixar de lado o
futebol profissional.
Oxente! essa é a nossa gente
PROFESSOR — É professor da rede estadual de ensino, na disciplina
Educação Física e tem o registro profissional de jornalista e de radialista.
Sua introdução na imprensa foi graças a Silva Lima, noticiarista e
locutor esportivo que marcou época no rádio sergipano. “Estava assistindo um jogo de futebol, no Estádio de Aracaju, onde hoje é o Batistão.
Antigamente ali funcionava a Cavalaria da Polícia Militar. Era chamado
como o Campo de Aracaju. Silva Lima transmitia futebol no telhado,
pois tinha sido impedido por problema político, de entrar no campo de
futebol. Então ao seu lado, pediu-me a colaboração, com relação à escalação
dos times. Daí continuei a passar informações dentro do seu programa
de esporte na Rádio Liberdade e fui continuando com toda força e garra”.
166
DAS EMISSORAS — No rádio uma passagem pelas emissoras: Liberdade, Cultura e Difusora. Escreveu para a Gazeta de Sergipe, Jornal da
Cidade, Jornal de Sergipe e Jornal A Cruzada.
No momento serve ao Departamento Central de Esportes, como professor, ligado a parte de divulgação e cerimonial das competições.
FAMÍLIA — Solteiro por escolha, mora com a mãe na rua Estância, 1258,
e com a tia, Julia de Oliveira.
SONHO — “Gostaria de morar fora de Sergipe, para mostrar suas qualidades como técnico de futebol”. Assim não o faz, pela necessidade de
prestar assistência a sua mãe, com 100 anos de idade. Por isso recusou
inúmeras propostas vantajosas a nível profissional. “Gostaria de tentar”.
Ginaldo: o campeão de coquetelaria
inaldo Alves da Silva, nas
ceu a 6 de novembro de
1952, na cidade de Aracaju.
Seus pais: Josino Alves da Silva e Maria da Conceição de Jesus. Filho de um esforçado vendedor de frutas do mercado municipal de Aracaju que conseguiu chegar a duras penas à profissão de carroceiro, profissão
esta que exerceu por mais de 10
anos, herdou do seu querido
pai a forte personalidade. “Apesar
de toda dificuldade, ele soube me
educar e a todos os meus cinco irmãos,
ensinando não só o respeito a ele, como
ao próximo.” De sua mãe tem muito a falar,
pela sua constante preocupação de fazer o bem
aos necessitados de seu bairro. “Apesar de humilde, ela se preocupava com os outros. Saía à procura do leite fornecido
pela Legião Brasileira de Assistência e ia atrás de roupas usadas para fazer
distribuição. Era rezadeira e nunca cobrou para rezar em ninguém. Dela
muito herdei, principalmente o servir.”
Como sua mãe trabalhava como lavadeira do Same, conseguiu uma
vaga na Escola São Tarcísio, mantida pelo Serviço de Assistência à
Mendincância, onde Ginaldo lá deu início aos estudos. “Devo muito da
Oxente! essa é a nossa gente
G
Publicado no Jornal da Cidade em 6.4.1998
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Oxente! essa é a nossa gente
minha vida à minha mãe, que lutou um pouco mais do que meu pai para
que eu pudesse estudar.”
Estudou o curso primário no Colégio Olavo Bilac, na Cidade Nova,
concluindo no Colégio São Pio X, também no mesmo bairro, pela proximidade de sua casa. No colégio Dom José Tomás, estudou até o segundo
ano do curso técnico em Contabilidade, no turno da noite.
168
CAVALO E CAÇUÁ - Da infância, tem pouca coisa a falar, pelo escasso
tempo que teve para brincadeiras, já que desde cedo começou a ajudar
no sustento da família. “Não tenho idéia precisa do ano em que comecei
a dar duro no trabalho. Deve ter sido entre os 4 e os 6 anos de idade. Me
lembro bem que meu pai me colocou diante de um cavalo com um caçuá
e eu saía pelas ruas da cidade vendendo manga e outras frutas. Onde o
cavalo ia eu ia. Só voltava para casa quando o cavalo sentia fome, pois
não sabia onde estava (risos).”
Passada a fase em que trabalhou com o pai vendendo frutas, ingressou no Armazém Panorâmico, localizado no Mercado Municipal Antônio Franco, que vendia secos e molhados. Por lá passou oito anos na
função de vendedor. “Sempre tive facilidade para vender e vendia tudo.
Meus patrões, Sandoval Santos e Terezinha de Jesus Santos, no momento de fazer compras, diante dos representantes, chegavam a me perguntar
se eu iria vender uma ou outra mercadoria, principalmente produtos
novos. Com um sim meu, eles não pensavam duas vezes e efetuavam a
compra.”
Trabalhando com Terezinha de Jesus, que já naquele tempo fazia parte da direção do Vasco Sport Clube, aceitou o convite de ir morar na casa
dela, já que tinha de acordar na madrugada para trabalhar no mercado, o
que seria difícil se permanecesse na casa dos pais, na Cidade Nova,
contando ainda o alívio no custo da alimentação. “Dona Terezinha é como
se fosse minha mãe.”
GARÇOM - Servindo petiscos e bebidas se deu na profissão de garçom
no Vasco. Aos poucos, os serviços foram aparecendo e todos eram bem
vindos, desde que não interferissem no trabalho do mercado. Pelo contrário, até ajudavam, pelos contatos que realizava. “Sr. Sandoval foi aju-
CAMPEÃO DE COQUETELARIA - Para conquistar o emprego, aceitou o
desafio de passar por uma entrevista: deu-se bem. Um ano depois, ingressa no curso de barman do Senac e o conclui como primeiro lugar da
turma. Chamando atenção do instrutor do curso graças à sua habilidade
no preparo de coquetéis, um ano depois de formado recebe convite para
participar do Certame Brasileiro de Coquetelaria, por indicação do seu
professor. Chega ao pódio do sucesso ao sair do concurso como vicecampeão brasileiro. “Provoquei o maior espanto nos colegas de Sergipe,
por esta conquista.” Dese sua primeira participação em concurso de
coquetelaria, acontecida no ano de 1995, sucederam-se outras, como o 3º
Campeonato Brasileiro de Coquetelaria e o 1º Congresso Mundial de
Barman. “Com muita felicidade, mandado por Deus, eu fui o campeão
brasileiro.”
Depois que voltou da cidade de Maceió, onde foi trabalhar como maitre
do Alagoinhas Iate Clube, resolveu montar seu próprio negócio e instalou, em sociedade com dona Terezinha, sua antiga patroa da época em
que trabalhou no mercado, o bar e lanchonete Darling, na avenida Airton
Oxente! essa é a nossa gente
dado pelo seu Oviêdo Teixeira, que era cliente dele do tempo em que
trabalhou como garçom da Chic. Com muita habilidade, ele conseguiu
levar todos os seus clientes da Chic para o seu estabelecimento comercial
e com eles eu me dei bem, já que era uma clientela selecionada e que,
além de promover festinhas em suas casas, marcava presença nos clubes. Esse conhecimento foi de grande importância no meu trabalho de
garçom, a ponto de me decidir a largar o trabalho de vendedor.”
“Pela necessidade de sobrevivência, não só minha como dos meus
pais, fui trabalhar numa loja que vendia salame no mercado. O trabalho
de garçom ficava para eventuais serviços de bico. Depois, fui trabalhar
numa pequena mercearia na rua Porto da Folha. De lá, fui trabalhar no
Bar Simpatia, na rua Laranjeiras, e fui adiante: Galeto do Pina, Acapulco,
chegando ao Hotel Beira Mar, em sua fase de implantação.” Diante do
recrutamento de pessoas para o novo hotel, toma a decisão de não mais
trabalhar de garçom e sim de barman. “Tinha certeza que como barman
teria um futuro mais promissor, já que eu gostava muito da área de bar,
pois sempre tive uma paixão pelas bebidas.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Teles. “Não deu certo, porque o negócio era muito pequeno e não dava
para dois.”
Resolve montar o Darling no Hotel Trópicos, mas logo constata que
era melhor mudar de nome, porque o bar tinha estrutura para coquetelaria.
Adota o nome de Ginaldo’s por sugestão de clientes. Após seis anos de
bar instalado no hotel, mas em área independente, transfere o empreendimento para avenida Gonçalo Rollemberg.
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GINALDO’S - “Lá, o nome Ginaldo’s se solidificou. Já tínhamos espaço
e já trabalhávamos como bar e buffet. Depois, mudamos para a Desembargador Maynard, onde passamos dois anos e meio. Agora, estamos
instalados na rua Construtor Genival Maciel e vamos demorar muito
tempo, porque agora o prédio é nosso.”
Já não trabalha com bar, mas tem um bar exclusivamente para atender
os clientes que vão à sua procura para serviços de buffet. “Montamos um
imenso depósito de material disponível para aluguel de buffet.” Faz questão
de dizer a quem pergunta como vai, que se encontra melhor do que
merece. “Mesmo que eu esteja numa situação um pouco difícil, eu estou
melhor do que mereço, pois a vida de hoje é boa demais em relação à
passada.”
Casou com Célia Maria Santana e, do casamento, os filhos Ginaldo da
Silva Júnior e Patrícia Maria Santana da Silva. “Tivemos mais outro,
Dulce, mas faleceu”. Do casamento atual, com Euvenice Oliveira, não
tem filhos.
Herílio Alves: o popular Goiabinha
oi um dos pioneiros de programas sertanejos no rádio sergipano. Conta sua vida de
menino de carreto de feira a radialista aposentado por invalidez. Goiabinha, com sua vez caipira, é o operário que mexe com emoções desde a era
do rádio das válvulas incandescentes. Alma de artista, pessoa simples, uma vida de sacrifícios, passo constante no dia-a-dia da sobrevivência.
Diante do microfone, boas gargalhadas, animando a vida também sofrida dos seus ouvintes. Eles riem. Goiabinha, com seu riso, é genial.
Sempre soube transmitir o seu bom humor através das ondas do rádio. Música nordestina,
história de caboclo, coisa da nossa gente. O
povo se aproxima do aparelho logo cedo. É o
rádio-forró das primeiras horas do dia.
Goiabinha foi dos pioneiros no rádio
sergipano, em programas sertanejos. Saboreou,
sentiu o doce da fama e ficou nesse universo.
Hoje, sente o peso da idade. Vive de regime e
tem uma fórmula ideal para emagrecer qualquer
cidadão: muita penitência e salário de fome, com
algumas pitadas de sal. Neste depoimento, apresenta o outro lado do microfone. Com lágrimas,
Goiabinha fala de sua vida.
Publicado no Jornal da Cidade em 25.2.1991
Oxente! essa é a nossa gente
F
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Oxente! essa é a nossa gente
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NASCEU EM ILHÉUS – Herílio Alves de Castro nasceu no dia 17 de
junho de 1930, na cidade baiana de Ilhéus. Seus pais: João Alves de
Castro e Odília Bastos. Quando ele tinha dois anos, seus pais deixaram
Ilhéus para morar na cidade de Neópolis.
Com pouco tempo de Sergipe, o Sr. João se separa da mulher e se
manda para os Estados Unidos. Dona Otília, tecelã, recuperando-se logo
do abalo, mudou-se para Aracaju com os dois filhos, Herílio e Herília,
passando a trabalhar numa das fábricas de tecido do bairro Industrial.
O menino Herílio, nos primeiros anos de estudos, passou por algumas escolas até conseguir fazer o primário. Tinha sentido as dificuldades. Aprendeu muito pouco com os livros. Com o mundo, tirou o grande diploma.
Chegou a freqüentar a escola do professor Acrízio, situada na rua
Laranjeiras com Pedro Calazans. Experimentou a palmatória e, sentindo
seus efeitos, partiu para outro colégio. Já na escola de Dona Júlia, era o
menino mandado, das compras de mercado. “Pegavam na minha mão e
eu só recebia nota dez.” A família ficou desconfiada das boas notas do
menino e providenciou nova escola. Foi estudante da França Melo, pela
noite. Logo nos primeiros dias de aula sentiu as faltas da professora.
“Vou na casa da professora para ver se ela estava doente. Fui lá, no
Cirurgia, e encontrei ela prensada com um cara no muro. No outro dia,
zarpei.”
Um certo dia, sua mãe cismou que seu filho iria aprender a ler de
qualquer maneira. Pegou um livro, escolheu a lição, chamou o menino,
prometeu 12 palmadas e, “como estímulo”, deu logo seis. “Mandou que
eu fizesse uma cópia de lição Ra-tá-plan, cuspiu no chão e disse que,
quando secasse, queria encontrar a lição pronta. É a letra que tenho até
hoje. Copiei tudo direitinho.”
PRIMEIROS TRABALHOS – Para ajudar sua mãe nas despesas de casa,
o menino foi batalhar na rua. Pegou carreto na feira, apanhou capim na
Jabotiana para fazer colchão, descarregou saveiros, não rejeitava trabalho. No domingo, dizia em casa que ia para a missa e se mandava para o
mercado. Para conquistar carretos, chamava os freguezes, cantando: “Oh!
Quem me dá carrego?/Oh! Carrego para levar!”
ENCONTRO COM O PAI – Tendo obtido o endereço do pai, que morava nos Estados Unidos, Herílio foi ao Rio pára tentar conseguir uma
maneira de embarcar de navio, clandestinamente. Escondido no porão,
foi descoberto. Depois de duas tentativas, resolveu enviar uma carta e
foi respondido. O pai não resistiu e veio ao Brasil para conhecer os
filhos. “Ele era lutador de boxe, campeão de queda de braço, era marinheiro”. O encontro aconteceu no porto de Salvador. Herílio considera
um dos importantes momentos de sua vida. “O sangue atrai o sangue,
senti quem era meu pai. Vinha com um terno de pele de tubarão marrom. Aquele bruto de homem, quando abraçou eu e minha irmã, foi
lindo demais!”
DE CALOURO AO PRIMEIRO PROGRAMA – Freqüentando os programas de auditórios da Rádio Difusora, apresentados por Alfredo Gomes,
no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, onde na época funcionava
a rádio, Herílio ficava deslumbrado. Tomou coragem, ensaiou bastante
no banheiro e foi ser calouro do Alfredo. Não foi “gongado” e ganhou um
prêmio. Depois dessa experiência, passou a freqüentar a emissora. Amigo de um, amigo de outro, conheceu Antônio Teles.
Oxente! essa é a nossa gente
Muito esperto, conquistou um bom público e o dinheiro passou a
chegar. “Um mil réis era bom demais e dava para comprar um pouco de
jabá.” Com lágrimas, lembra mais dos tempos de carreto: “Não fui de
correr nas ruas do mercado, não fui capitão de areia. Existe uma diferença. Eu saí com acanhamento, pela necessidade de conseguir uma oportunidade.”
Herílio Alves de Castro fez de tudo para conseguir o pão de cada dia.
“Iniciei pegando carreto na feira, descarreguei saveiros de frutas, fui aprendiz de borracheiro, marceneiro, pintor, tirador de capim, vendedor de
doces, mecanógrafo, pandeirista, ajudante de impressor gráfico, lustrador
de móveis, empresário de artistas, trabalhei com limpeza de fossas, fui
jardineiro e sou radialista.” Ufa!
Na rua, era mais de apanhar do que de bater. Um dia perdeu a paciência. “Um cara uma vez me chamou de f.d.p. e eu disse que iria encontrálo para a resposta. Dei uma lição e daí passei a ser respeitado.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Quebrado o gêlo do encontro inicial, quando encontrava o saudoso
Antônio Teles, sempre falava: “Que vontade de comer goiaba”. Dizia num
jeito caipira e Antônio Teles dava boas risadas. Chegou o dia em que
Herílio foi levado a falar, ao microfone, da sua vontade de comer goiaba.
Daí veio o nome Goiabinha. Devagar, foi ganhando espaço no programa
do Teles, até que ganhou todo o programa.
— Olha, Goiabinha, vou lhe dar o programa “O Sertão Canta”.
Goiabinha faz questão de registrar o seu lançamento no rádio por
Antônio Teles e situa “O Sertão Canta” como o primeiro programa sertanejo do rádio sergipano.
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ANIMADOR DE AUDITÓRIO - Goiabinha entrou com o pé direito no
rádio. “Logo já estava comandando programa de auditório numa época
áurea do rádio. Fiz ‘Matinal Sertaneja’, que foi um tremendo sucesso, e
mais: ‘Variedades’, ‘Nossa Música Brasileira’ e programas de Carnaval.”
Além de ter trabalhado na Rádio Difusora, apresentou programas na
Rádio Liberdade, no estilo sertanejo, e até fez programa policial. Na Rádio Jornal, lançou um programa para crianças que ficou famoso: “Carrocel
Infantil”. Foi fazendo programa infantil que Goiabinha aproveitou os talentos da Nazaré Carvalho, época em que ela estava iniciando no rádio.
“Ela morava numa vila na rua São João e eu fui convidá-la para fazer
parte do meu programa, pois Nazaré já fazia ponta na Rádio Cultura,
auxiliando uma pessoa que me esqueço seu nome no momento. De vez
em quando ela falava alguma coisa. Eu disse: ‘Quero essa menina no
Carrocel Infantil’. Queira ou não queira, eu dei minha colaboração para
que ela tivesse condição de lançar, mais tarde, o seu programa ‘Nosso
Mundo Infantil’, com muito sucesso, na televisão sergipana.”
NO PROGRAMA DE ARI BARROSO – Entre 1951 e 1954, morando no
Rio de Janeiro, freqüentou os programas de auditório do rádio carioca.
“Participei do último programa de calouros de Ari Barroso e inaugurei o
primeiro programa do Ari na televisão brasileira, na TV Tupy.”
No período de 1957 a 1961, foi para o rádio baiano, tendo passagem
por vários emissoras, como locutor, humorista, cantor e pandeirista. Nesse
tempo, montou “Goiabinha e seu Regional”, um grupo musical bastante
procurado para apresentações no interior baiano. Com a saída de Goiabinha
do grupo, seus componentes resolveram continuar na caminhada musical
com o nome de “Ingênuos” (continuam até hoje e com discos gravados).
Predestinao, além de pioneiro no programa de gênero sertanejo em
Sergipe e de ter participado dos primeiros programas de auditório da TV
Tupy, Goiabinha esteve presente na inauguração da TV Itapuã, de Salvador. “Inaugurei a TV Itapuã com o meu regional, acompanhando Genival
Lacerda.” Foi empresário de Gerson Filho e Clemilda e, pelo Brasil afora,
percorreu muita estrada. “Chegamos a fazer um trio: eu, Gerson Filho e
Clemilda”.
INGRATIDÃO DO RÁDIO – Goiabinha, com lágrimas, desabafa, mostrando o lado mesno glamuroso da comunicação. “Apesar de todo tempo
que passei no rádio, nunca consegui ver minha carteira assinada. A não
ser uma vez em que fui forçado a colocar uma certa emissora na Justiça.
Hoje, sou radialista profissional e sou beneficiado por um cidadão. Tenho o orgulho de dizer que sou radialista. Tem uma música que diz:
‘Quem quiser fazer por mim, que faça agora. Me dê as flores em vida.’”
Goiabinha fica muito emocionado, descansa um pouco, pede água e
prossegue: “Depois que sofri um acidente, em 1981, pensaram que eu
estava fraco e não tinha memória para falar. Tinha fome de microfone,
como tenho fome das câmeras de televisão. Tenho muita força e mostrei
meu valor, mesmo deficiente, animando os festejos da rua São João, no
ano de 1986. A televisão me deu as costas. Diretor de programação que
chama a gente, dá tapa nas costas e humilha com outros concorrentes. É
triste!”
Oxente! essa é a nossa gente
TÁBUA RACHADA – Em Aracaju, montou no bairro São José o Arraiá
da Tábua Rachada, no tempo em que os arraias particulares faziam sucesso no São João, nos diversos bairros da cidade. No Carnaval, foi campeão com o Bloco Unidos do São José. Como compositor, não chegou a
gravar nenhum dos seus trabalhos. “Pela primeira música que registrei
não recebi direito autoral e deixei pra lá. Ia gravar um LP por intermédio
de José Augusto, na Chantecler, em 1964, e não deu certo. Mas tenho
muitas músicas de vários gêneros, principalmente músicas sertanejas.”
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Oxente! essa é a nossa gente
“Alguém me disse quando me levou para a televisão em Sergipe: ‘Cuidado, televisão é uma escada, você vai subir e daqui a pouco você cai’.
Eu não caí, não. Me derrubaram.”
“No meu exílio, me recuperando da minha doença física, eu vi um
locutor que se respeita, pois tem sua própria estação de rádio volante, que
anda nas ruas. Esse locutor é meu amigo Jorge Lobão. Me pegou pela mão
e me levou para José Queiroz da Costa. Fui levado e recebi o convite para
trabalhar na sua emissora, na cidade de Itabaiana. Me deu um horário para
me defender, para poder criar meus filhos. Pois diziam que eu não podia
trabalhar, por ter sido aposentado por invalidez. Sou inválido fisicamente
e não da minha voz. Estou acordando o povo no sertão, estou recebendo
muitas cartas. Estou trabalhando das 4 às 5 da manhã. Para um cara doente, é dose. Mas trabalhar é honra. Com 61 anos de idade, a gente não sobe
mais não. Que vida? Quero que meus filhos vençam na vida com seus
esforços, pois nunca pude fazer nada por eles. Hoje, na hora dessa entrevista, nem os livros pude comprar. Mas não vou pedir a ninguém, não.”
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MOMENTOS DE GLÓRIA – “Me lembro com emoção. Tenho as fotografias, as fitas dos primeiros programas do ‘Carrocel Infantil’, com música
minha gravada com a banda do Exército. Me lembro do Goiabinha na
inauguração da ponte da Atalaia. O governo do Estado, em vez de chamar uma banda militar, mandou chamar Goiabinha com a ‘Caceteira de
Quendera’, como era conhecida a banda de pífanos do velho Quendera.
Violeiros ficaram conhecidos em Aracaju depois de suas apresentações
no meu programa ‘Sertão Canta’. Muitos músicos foram lançados no programa do Goiabinha: Honor Gregório, Pai Velho, Manuel Fubá, Eutímio
do Clarinete, Dasso, Régis e outros.”
Com 56 anos, Goiabinha casou com Maria Leozira. Hoje, é divorciado e mora com Nely Santos. É pai de onze filhos.
Goiabinha deixa o seguinte recado: “Se para vencer na vida tem que
ser safado, cambalacheiro, puxa-saco, não vou subir nunca. A pessoa
deve procurar subir na vida com o suor do seu rosto, não trilhar o caminho da desordem, da erva, do vício, procurar preservar mais a natureza,
ser amigo do seu semelhante, respeitar os mais velhos. Goiabinha é o
exemplo de tabaréu.”
Hilton Lopes: o agitador da alegria
F
ESTUDOS E TRABALHO – Fez o curso primário com a professora Jair
Dantas de Lima e o ginásio com o professor Álvaro Pereira, com aulas particulares, acontecidas nas residências
dos mestres, nas proximidades de sua
casa. Tempos depois, passou oito anos
diante dos livros, sem ter nenhum orientador. “Ficava dentro da minha
casa, trancado. Um grande esforço para poder enfrentar as feras. Você
sofre muito, mas também tem uma vantagem: no dia em que você desco-
Oxente! essa é a nossa gente
ilho de José Pereira dos Santos e
Emília Lopes dos Santos, Hilton
Lopes dos Santos, nasceu no Aribé,
Aracaju, a 7 de junho de 1928.
Ter sido criado e até hoje nunca ter
saído do lugar onde mora é sua grande satisfação. Chega a se considerar o
“Pajé do Aribé”.
Constelação maior do bairro que
hoje tem o nome de Siqueira Campos,
inicialmente chamado de Bairro das
Oficinas, depois Aribé — que na linguagem indígena significa grande utensílio de barro —, considera o nome
Siqueira Campos “a maior caretice”.
Publicado no Jornal da Cidade em 30.6.1996
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Oxente! essa é a nossa gente
bre e resolve um problema por você mesmo, você não esquece nunca
mais.”
Trabalhando na construção da pista de pouso do aeroporto de Aracaju, a experiência do primeiro emprego. “Trabalhava com uma chibanca.
Só sei que eu sentia o peso de um instrumento, que pesava doze quilos,
que chegava a tirar sangue de minhas mãos. Daí, acabou a minha pindaíba,
porque fui para a Leste Brasileiro, com 14 anos de idade.”
Trabalhando na caldeira, como ajudante, fazendo viagens, no tempo
em que a Maria Fumaça era a poderosa máquina que cortava as linhas
da Leste. Depois de sentir a sintonia dos trilhos, passa a oficial de
administração, após fazer concurso. Só deixa a Leste após a aposentadoria.
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VIDA ARTÍSTICA – Com dez anos de idade, faz um samba, mas só volta
a compor muitos anos depois, para participar do I Festival de Música de
Sergipe. “Nass minhas aventuras, minhas caminhadas, não deu tempo
nem de pensar em fazer um samba.”
Descobriu o lado instrumental quando tinha 16 anos de idade, na
sede do Clube Ferroviário, fato inusitado. “O bateria estava cheio de
goró, se aborreceu e se mandou. Walter, cunhado do fotógrafo Walmir
Almeida, me disse: ‘Você não é metido a tudo? Então pegue a bateria e
toque’. Me sentei na bateria e comecei a tocar, digo melhor, a bater.”
Tocando errado, mas sempre procurando acertar, não deixou mais e
foi longe. “Toquei nas noites do Brasil.” Participou de vários conjuntos
musicais. Em Aracaju, foi baterista da Luna Rádio Orquestra, regida pelo
maestro Gerson Cavalcanti, conhecido como Bodinho. Atuou como baterista e crooner da Trames Blues Bad e trabalhou como cantor nas cidades
de Salvador, Recife, Natal e Maceió.
AVENTURA – Em Natal, viveu a maior aventura da vida de músico.
“Aconteceu numa noite, quando me disseram que a Marinha vinha acabando com todas as casas noturnas. Tive um medo tão grande, que não
sei como me controlei. Pedi para me avisar quando eles chegassem e, no
exato momento, eles foram recebidos com o Cisne Branco. Ta-tá, rá-tá, rátá-tá-ná-ná... não quebraram um copo, me puseram na mão, me jogaram
FEIO DE SORTE – Como cantor, muitas histórias. Sentia-se o rei da
noite quando tinha mais de duzentas pessoas num salão sob o seu comando. “Imagine, naquele tempo, com as músicas de fossa, com aquelas
letras maravilhosas e só você jogando aquelas letras no ar: só pode é
arrepiar. Por isso, ganhei muitas mulheres lindas. Tive uma amiga que
disse: Hilton Lopes, você é um feio de sorte.”
Como conquistador da noite, descobriu porque nunca se deu bem
com o sol: gosta mais da lua, “por ser fria e gostosa.” Receita para conquista é ser artista, ter talento e amor. “Assim o artista conquista a platéia.
Se não fizer isso, está desempregado.” De mulher? “Bem, a mulher, que
é a maior invenção que Deus fez, que é a obra de arte que enfeita a vida,
ela vem de roldão. Veja bem: já pensou, eu, cantando e entonando aquela voz gultural, para roubar mesmo as meninas? Só pode dar certo. Elas
chegam, e como chegam”.
PRIMEIRO SHOW – Contratado pela Rádio Aperipê, trabalhando com
Cláudio Silva, tem a primeira experiência como comunicador. “Fomos
fazer o show numa campanha eleitoral, numa cidade do interior. Quando nós estávamos lá, Paulo Silva, que era o apresentador do show, disse
assim: agora, senhoras e senhores, está aqui, a caravana da UDN. Cláudio Silva me chamou e disse: pegue aquela peste daquele microfone e
diga que aqui é a caravana da Rádio Aperipê, a serviço da UDN. Daí,
você segue o show, porque eu não quero matar o Paulo. Assim fiz e
assim apresentei o primeiro show da minha vida. De um lado, o pessoal
da UDN, com bacamarte na mão, esperando a hora de matar o povo. Do
outro lado da rua, o partido opositor, o PSD e eu, num caminhão, com a
carroceria desarmada, com um monte de latas de manteiga, dando ao
povo. Foi triste o meu passado.”
Oxente! essa é a nossa gente
pra cima. Eu, tremendo de medo. Foi a maior aventura que eu vivi, quando um artista pode se safar de um grande perigo com a música.”
Confessa que nunca se realizou como baterista, por considerar um
instrumento ingrato. “Até dor de barriga, todo mundo pode ter, menos o
baterista, porque a bateria é o coração da orquestra. Por isso, fiquei só
cantando.”
179
Oxente! essa é a nossa gente
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TOSTÃO A MAIS – Trabalhando na noite, anunciando festa de aniversário, brincando com um, brincando com outro, ficou desinibido e foi
entrando. “Como era puta velha do trecho na minha profissão, tinha que
tocar, cantar, falar, porque ganhava um tostão a mais dos outros. Daí fui
pegando o macete.”
Na Rádio Cultura, consegue realizar o grande sonho de ter um programa exclusivamente de músicas sergipanas. Depois, apresentou na Liberdade e circulou por outras emissoras. “Onde tem um caneco aberto,
estou entrando. Digo: não é só caneco não, qualquer coisa que abrir, eu
entro.”
Apresentou o II Festival de Música Estudantil e ganhou como pagamento, um jaleco. “Tenho até hoje na minha casa, de recordação, porque
essa recordação foi triste. Não é que está na moda o peste do Jaleco? Não
disse que o meu passado foi triste?”
Do primeiro festival estudantil, a satisfação da única vez que atuou
como jurado. Do segundo, a velha história do Jaleco. Emoção de verdade
aconteceu no I Festival de Música de Sergipe, quando o público aplaudiu o seu samba. “O Teatro Atheneu veio abaixo.”
Na fase experimental da TV Sergipe, apresentou um programa de
músicas sergipanas, daí o canal foi aberto. “Na TV Atalaia, tive a oportunidade de apresentar o primeiro programa profissional de auditório da
televisão sergipana. Foi o ‘Sábado Geral’. Produção: Barrinhos, Jorge Araújo e eu. Quero dizer que pedi demissão. Quando voltei, foi como freelancer.”
CLUBE DO POVO – Quanto aos boletins de Carnaval, tudo começou
através de Mozart Santos. “Ele era presidente da Emsetur. Me chamou
para fazer o Carnaval de Aracaju e me disse que só tinha 200 contos.
Respondi que era pouco. Ele me disse que me daria sete minutos de
horário nobre na TV Sergipe. Com aquele vozeirão, disse: eu vou. Mozart
completou: se souber usar, o dinheiro aparece. Aparece, disse. Com 12
dias, estava mentindo na TV Sergipe. Não fui preso, porque eu sou um
agitador da alegria, mas eu gritei para os quadrantes de Sergipe que o
prefeito Heráclito Rollemberg e o governador Augusto Franco estavam
empenhados e que tinham mandado eu dizer que iriam fazer o maior
Carnaval de Sergipe. O Carnaval, até então, estava dormindo. Diante
desses berros na TV, o Heráclito mandou me chamar e me disse que o
povo estava assanhado. Respondi que era para assanhar mesmo. Aí o
governador Augusto Franco topou a parada, deu metade, a prefeitura a
outra metade e fizemos o Clube do Povo.”
GRATIFICAÇÃO – Só tem a dizer que é muito gratificante ser
comunicador. “Eu, hoje, posso dizer de peito aberto e de alma lavada:
não tenho nenhum inimigo na comunicação de minha terra. Eu consegui
fazer, na Rádio Liberdade, de seis a oito locutores. No meio deles, tem
Carlos França, que agora é secretário de Estado. Isso me dá muita satisfação. Dantas Mendes, Laércio Miranda, Carlos Magno e muita gente por aí
a fora.”
E o meio da comunicação? “O que mais sinto nisso tudo é essa amizade que essa profissão nos proporciona, desde que você não cuspa para
cima, pois cai tudo em sua cara. Seja humilde, respeite seus colegas e vá,
como disse Ezequiel Monteiro, no compasso do seu samba, onde cada
um tem o seu lugar, mas o bom, que é Deus, pois nós somos formiguinhas lutando pra comer e não ser comido. Agora, o meio está pesado.
Antigamente, bastava você ficar com o olho no padre e o outro na missa.
Agora, é um no padre, um na missa e o outro encostado na parede, se
não você se arromba.”
FRUSTRAÇÃO – Frustração, diz que não tem nenhuma, afinal, tem certeza de que é “o boi mais gordo do Aribé”. Atua, em determinadas épo-
Oxente! essa é a nossa gente
PERIPÉCIAS – Admite que sua vida é repleta de peripécias e fica feliz de
nunca ter levado uma repreensão do seu público. “Nunca recebi um
porrote, uma banana, uma casca de ovo. O povo de Sergipe já está acostumado com essa linda cara.”
Por onde passa, todo mundo repassa um cumprimento que chega das
mais diversas formas. “Isso massageia e ego da gente. Veja bem: cada ano
crio uma lebréia diferente. Agora, estou dizendo que é ‘no amasso’. A
gente faz história assim. Se falar um negócio de veado, o povo na rua vai
gritar: Veado! Mas eu não sou besta para gritar isso.”
181
cas, na mídia impressa, principalmente no Jornal da Cidade. “Quando
chega a hora que pinta a manteiga do pão. Porque o pão nosso que a
gente reza, o pão nosso de cada dia, está muito seco, precisa colocar uma
manteiguinha.”
Sonha em colocar na praça um CD. “A maioria da juventude da minha terra não sabe que eu fui um cantor de tantas e tantas noites. Eu
tenho desejo de fazer um disco, com músicas minhas e outras músicas
que eu admiro muito.”
Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA – Casou com Lucrécia Menezes e, do casamento, a filha Rísia.
É avô do Diego.
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LEBRÉIA – Como gosta de contar lebréia, disse que lebréia se conta a
toda hora e até que já tinha contado demais em seu depoimento. “Você
Osmário, quer que eu conte mais lorota do que já contei? Assim você
quer ver minha alma pelo avesso.”
Mas assim terminou o depoimento:
— Você está perguntando demais. Daqui a pouco você vai perguntar
de que cor é minha cueca. Vá mais, e bote no jornal. Que peste pra
perguntar!
— Já que insiste, usa samba-canção?
— Não. Dá mal estar, aquele negócio frouxo, os badalos de vela ficam
balançando. Eu uso cueca apertadinha.
Ilma Fontes: de lenda a mito
om raça e espírito empreendedor, na
sua maneira de ser, ela balança o coreto da cultura em Sergipe. Seu nome explode no jornalismo alternativo da cidade. Participou da fundação da Folha da Praia e,
recentemente, lançou O Capital, um jornal de circulação nacional, que foi eleito
no Encontro de Arte Alternativa (Trópicos
Utópicos), realizado na cidade de Olinda,
como o melhor jornal em conteúdo e programação visual do Brasil. Seu nome bate
às portas preconceituosas de Aracaju já há
muitos anos. Lançou o biquini na praia de
Atalaia; escandalizou numa festinha na Associação Atlética, com cabelos à Rita
Pavone, terno e gravata; fez sucesso num
Carnaval vestida de Chiquita Bacana; fumou em público, numa época em que
mulher com cigarro não era vista com bons
olhos. Deitou e rolou, quebrando tabus,
indo de encontro ao puritanismo. Conta a emoção vivida no primeiro beijo, do comprometedor diário e
outras histórias. É a cineasta responsável pela única produção artística cinematográfica em 35 mm que saiu de Sergipe para os
cinemas do país. Poeta, atriz de cinema e teatro, animadora cultural e
Publicado no Jornal da Cidade em 2.9.1991
Oxente! essa é a nossa gente
C
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Oxente! essa é a nossa gente
jornalista com passagem até pela crônica social da cidade. Afirma que
gosta de quebrar sarcófagos e expor as múmias paralíticas. Médica psiquiatra e responsável pela criação do 1º Grupo de Alcoólicos Anônimos
em Aracaju, quando da sua passagem pelo Hospital Adauto Botelho.
Uma mulher que faz parte da memória sergipana, passando de lenda a
mito ainda em vida.
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DE BEM COM A VERDADE - Ilma Mendes Fontes nasceu em Aracaju no
dia 10 de abril de 1947. Filha de Aderbal Fontes Góes e Jeny Mendes
Fontes, leva uma vida de bem com a verdade — marca do pai — e impregnada de alegria, na maneira de ver e sentir o mundo, como faz sua
mãe Jenny.
A meninice foi povoada de fantasias de Carnaval — vestiu e fez sucesso como Chiquita Bacana —, e travessuras: “Eu atravessei a nado para
a Barra dos Coqueiros, com um grupo. Eu com 13 anos, um guri de 11,
outro de sete. Éramos inexperientes, ninguém tinha atravessado. Foi uma
grande emoção. Achei que não ia conseguir. Na volta, à tarde, minha
família estava toda em pânico: já tinham ido pra hospitais, pros Bombeiros, achavam que eu tinha me afogado, pois acharam a farda do colégio e
os livros.”
Era chamada de “gaúcha”, usava botas e esticava as pronúncias dos
“erres”. Tinha um jeito meio estúpido de ser. “Eu andava com a turma
do meu irmão, pois achava muito sem graça aquela história de menina
brincar de boneca. Gostava mesmo era da agitação: brincar de cowboy, de
manja e de nadar. Minha relação com o mar era muito forte, gostava da
pesca do siri, da pesca com molinete na maré cheia.”
A caçula da família, sempre gostou de estar com os irmãos Carlos
Waldemar e Liza. Um relacionamento cultivado com muita amizade. “Nós
nos queremos muito bem, os três.”
No jardim de infância Augusto Maynard, com Dona Bebé, aprendeu
as primeiras letras e o amor ao teatro. “Foi uma coisa muito importante
na minha vida. A partir do teatro vem a poesia, vontade de escrever, essa
relação forte que tenho com a palavra.” Sua primeira experiência aconteceu de uma forma inesperada: “Fiz o papel principal, substituindo Thais
Prado, uma moça belíssima que morreu muito jovem, filha de Hortência
AGLAÉ E O GATO -Fantasias de Carnaval ainda estão presentes na memória de infância, principalmente a do gato, que deu muito miau. “Um ano,
queria me fantasiar de gato e inventei uma fantasia complicadíssima. Levei
meses desfiando cetim branco e preto preparando as tiras, para fazer o
pelo do gato. Foram árduas noites desfiando cetim. Minha mãe, que sempre foi uma boa costureira, fez a fantasia, com orelhas, rabo e tudo.”
“Aglaé de Alencar tinha a escolinha de música. Eu era louca para
entrar nessa escolinha, mas ela não deixava, porque ela não concordava
com a minha maneira de ser. Ela criticava minha mãe porque deixava eu
andar de bicicleta, porque eu dormia de pijama, porque usava botas,
sempre estava de calças compridas. Ela achava que eu não tinha boas
maneiras e que isso comprometeria sua escola. O Fontes de Aglaé é do
mesmo sangue que corre em mim. Quando eu era criança, não entendia
porque Clara Angélica, Gracinha, todo mundo podia entrar na escola de
Aglaé e eu não podia. Sempre tinha uma desculpa e minha mãe fazia
tudo para não me frustrar. Depois eu vim entender as coisas, os preconceitos que são jogados desde muito cedo.”
“Bom, com a fantasia de gato, Aglaé se interessou demais e eu emprestei, pois era o meu passaporte para entrar na escolinha. Pois bem: ela
fez um tal de festival e uma menina usou a fantasia. Eu não entrei na
escola e ela nunca me devolveu minha fantasia de gato. Não posso entender como uma pedagoga pode fazer algo assim com uma criança. Só porque é parente?”
ESTUDANTE NOTA 10 - O curso primário fez no colégio Tobias Barreto,
“com louvor de sempre tirar o primeiro lugar”, ganhando a recompensa de
ser a oradora da turma na formatura, que na época era festivamente comemorado. “Meu pai fez um discurso pra mim, eu decorei. Era a maior bandeira de que eu, uma criança naquela idade, jamais poderia proferir um
discurso que começava assim: ‘Ao se apagarem as luzes do ano de 1959,
nós, os concludentes do curso primário...’ (pausa para uma boa risada).”
Oxente! essa é a nossa gente
Prado, que na época era a grande estrela do teatro de Bebé. Ela teve
catapora e eu tive que substituí-la três dias antes. Eu tinha tanta paixão
pelo papel que já sabia todo de cor.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Fez exame de admissão ao ginásio para estudar no Atheneu. “Era um
vestibular. O Atheneu em sendo um colégio público, era o que havia de
maior respeito na época, pois a gente já teve um tempo de Brasil sério,
um tempo que escola pública era dignificada. A gente tinha um orgulho
imenso de ser aluno do Atheneu. Eu usava aquela farda nos desfiles de
7 de setembro com um orgulho enorme. Sempre chorava quando passava no palanque e tal.” Puxava pelotão? “Não, desfilava sempre na rabada,
porque era baixinha.”
Reconhece o quanto valeram seus mestres em sua vida. “A professora
Alba, do Tobias; Dona Iraci, que tinha um humor abominável, mas que
gostava de mim. Todo mundo tinha medo dela; assim como Maria da
Glória, mas, eu nunca tirei menos de 8,5 com ela; Maria Augusta Lobão,
que as pessoas também tinham pânico. Eu acho que ela deu três 10 na
vida dela, e um deles foi meu. Sou muito grata aos professores, pois eles
são muito importantes na vida da gente. Essa relação de aprendizado,
marca para sempre. Era uma aluna CDF e fui CDF a vida inteira. Muito
carinho também por Ofenísia Freire, Franklin, Caetano Quaranta, Casalis,
Marcos Pinheiro, Rosália etc.”
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GOSTA DE BACALHAU - Com o tempo, tornou-se uma excelente dona
de casa. Hoje sabe costurar e cozinhar, especialmente o bacalhau à espanhola, mas não deixando de lado a feijoada: “Faço à sergipana, à carioca
e à mineira.”
Aos 11 anos de idade escreveu Meu Perfil de Adolescente, seu primeiro livro. Com 16 anos, escreveu uma novela que deu nome de Avesso do
Paraíso, um trabalho inspirado em Suzana Flag. “Lia muito Suzana Flag
sem saber que ela era Nelson Rodrigues, que eu abominava.” Não esqueceu de anotar tudo que passava na sua vida no famoso diário. “Guardado
com todo o rigor, pois ali estavam todos os segredos, pois sempre fui
uma pessoa de muitos amores.” E o público pode ter acesso ao seu diário? Depois de boas gargalhadas, responde: “Queimei tudo, era muito
comprometedor, envolvia outras pessoas também.”
Na época do Atheneu, participou do teatrinho de Caetano Quaranta,
Teatro de Estudantes do Colégio Estadual de Sergipe (Teces), que serviu
de trampolim para ingressar no Teatro Cultura Artística (Teca). “Era a
LANÇOU BIQUÍNI - Naquele momento, transbordava a mulher Ilma Fontes, não é bem verdade?
— É o mito, não é? É o Mito!!! Ai, eu não chegava a ser lenda, mas...
— Ali quebrou os tabus de uma época?
— Tudo é tão pequeno, sabe? Tem que ter alma grande pra valer a
pena.
— Deu alguns passos a mais?
— Tudo o que eu fiz na época, hoje todo mundo faz, por exemplo, o
biquíni. As primeiras mulheres que usaram biquíni em Aracaju: Celinha
dos Anjos e Ilma Fontes.
— Era biquíni mesmo?
— Duas peças, dois dedinhos de barriga do lado de fora e o escândalo
na praia. Eu fumava em público e isso era uma coisa altamente condenável. Coisas assim... como eu tinha uma ponte com o Rio de Janeiro —
uma parte da família de minha mãe mora no Rio e eu sempre passava
férias lá —, nunca liguei para essa coisa menor da província. Fazia um
padrão de comportamento social de Rio de Janeiro, que estava adiantado
50 anos de Aracaju.
RELÂMPAGOS - O comportamento de Ilma na sociedade de Aracaju,
era eletrizante e corria como relâmpagos. “Eu me divertia muito. Quando tinha uma semana que não tinha ninguém falando nada de mim,
que não tinha nenhum escândalo, eu mesmo inventava para a onda
correr a cidade.”
Oxente! essa é a nossa gente
glória do teatro sergipano. Estavam lá: João Costa, Teresa Prado.” Com a
maioridade, nos seus 18 anos, participou da primeira experiência profissional de teatro em Sergipe, com Almério Rodrigues. “Fiz o monólogo de
Jean Cocteau, chamado O Belo Indiferente, contracenando com Reinaldo
Gonzaga, hoje ator da Globo. Até então a gente fazia teatro sem remuneração e Almério jogou esse canto da sereia, de que a gente ia ganhar muito
dinheiro com o teatro.”
Com roupas pretas, uma famosa convivência. “Na época que eu fiz O
Belo Indiferente eu passsei bem 18 meses que só tinha preto no meu
guarda-roupa. Encarnei Edith Piaf, pois ela só andava de preto.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Ela cantou muito: “Quando eu era criança fazia um sucesso danado
cantando em espanhol. Era afinadinha. Depois eu desafinei, na convivência de Joubert, na história da Bossa Nova.” Era mascate do Regional
de Carnera, tendo participado de várias apresentações musicais, inclusive no interior. “Me lembro que a gente se apresentava em Capela, Boquim
e Riachão.”
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QUERIA SER MARINHEIRO - Ilma Fontes revela que nunca tinha pensado em ser médica. “Aquela coisa, quando você é criança, que perguntam assim: ‘O que é que você quer ser?’ Eu queria ser marinheiro. ‘Marinheiro não pode.’ Não entendia muito por que não podia ser marinheiro.
Depois, comecei a entender o porquê. Queria ser arquiteta, não tinha o
curso de arquitetura e tinha a realidade de eu ser fraquíssima em matemática. Já que não podia fazer uma coisa nem outra, eu queria fazer teatro, ser artista, mas meu pai não deixava de jeito nenhum.”
“Nessa época, meu pai era um homem de governo. Ele sempre ocupou cargos altos no governo e tinha a questão social, a figura dele e tal
que ele zelava muito. No meu jeito de ser, causei muito problema para
ele. Aderbal queria que eu fosse advogada. Essa história de teatro era um
drama. O último a saber era meu pai, que eu ia subir no palco, e tinha a
ameaça, de repente, ele me tirar do palco. Queria ser artista e não tinha
jeito.”
“Em 64, teve aquele movimento e as coisas realmente mudaram de
figura: aqui, o teatro morreu. Você não podia encontrar na esquina com
mais de cinco pessoas porque a polícia logo vinha e dissolvia o grupo.
Minha relação com Mário Jorge se estreitou mais. A gente que já era
próxima, ficou mais junta. O processo que aconteceu com Mário Jorge
me ensinou que eu não tinha de seguir por aquele caminho. Os internamentos sucessivos de Mário Jorge, aquela coisa então, me direcionaram
para a medicina, porque eu tinha uma curiosidade enorme pela psicanálise. Eu lia Freud e não entendia bem. Queria entender aquilo tudo. Ele
foi importante na minha vida, até no momento de decisão de fazer medicina. Eu fiz medicina, não para ser médica, mas para ser psicanalista e
acabei psiquiatra. Fui para o Rio de Janeiro fazer especialização e odiei
aquela aura de falsidade da classe média alta. Minha experiência durante
PCB E BEATLES - Quando estudante, fez política estudantil, participou
do DCE e, na Faculdade de Medicina, respondeu processo administrativo pelo seu envolvimento com a esquerda, mesmo sem ter sido aceita
pela esquerda em Sergipe. “A esquerda não me aceitava. Era louca para
entrar no Partido Comunista, mas não me aceitavam. Nem o pecebão,
nem o pecebinho. Eu e Mário Jorge, nós não éramos considerados sérios.
Eles diziam que a gente era da turma do Iate. Só porque a gente dançava
twist e gostava dos Beatles.”
Chora meses de arrependimento quando corta os cabelos. “Na época
de Rita Pavone, numa dessa idas ao Rio de Janeiro, eu, adolescente,
cortei meu cabelo igual ao da Rita, voltei para Aracaju dentro de um
terno, com gravata e tudo. Foi um choque na Associação Atlética. Para o
meu fã clube masculino, então, foi demais.”
1º BEIJO - Da descoberta do amor e do rompimento dos grilhões: “Uau,
isso é cedo! Olha, meu Deus do céu, você vai everedar por aí... Vou
falar uma coisa: aos 15 anos eu era tão inocente que ganhei o meu
primeiro beijo na boca de Mando Garcia, filho de Luiz Garcia, que era
governador na época. Mando me deu um beijo no Carnaval e eu fiquei
tão assustada que pensei que tinha ficado grávida. Para você ver como
eu era inocente.”
Foi colunista social e, valendo-se do ritmo das palavras com suas
picantes notas, modificou a estrutura da coluna social da época. “Em
1967, Carlos Alberto de Jesus, o Chatô de saudosa memória, me convidou para assinar uma coluna diária, ‘Sociedade em Foco’, na Gazeta de
Sergipe, e eu topei. Foi uma experiência muito gratificante. Acho que fiz
certo gênero no colunismo e tem um dado fortíssimo. Na época, a Gazeta
Oxente! essa é a nossa gente
o curso de medicina foi muito com os pobres. Tinha experiência com
medicina popular e achei uma punheta sem resultado a tal da psicanálise. Enveredei pela psiquiatria, pois acho mais humana.”
Ilma, no seu jeito de ser e fazer, marca encontro com a história. “Eu
sou muito querida pelos alcoólatras, porque junto com a esposa do falecido Airton Teles, nós criamos no Adauto Botelho o 1º Grupo de Alcoólicos Anônimos”.
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Oxente! essa é a nossa gente
tinha uma tiragem de 1.500 exemplares. Três meses depois que eu entrei, dobrou para 3.000 exemplares. Acho que isso é significativo.”
Colocou pimenta demais nas notas incendiárias, provocando
homéricas brigas. “A pior briga foi com Orlando Dantas, quando eu saí
da Gazeta motivada por uma entrevista que eu fiz com Mário Jorge, de
título ‘Poesia no Paredão’. Foi um escândalo. Você hoje lê, porque a entrevista está publicada no livro que a Fundesc lançou de Mário Jorge, e
você vê que é uma delícia. Até hoje a entrevista é contemporânea. Mas na
época foi muito mal interpretada. Daí fui para os Diários Associados. Fiz
três matérias e nenhuma foi publicada. Eu explodia as medidas e tinha
um certo prazer nisso.”
Ilma além de pintar o sete, pinta hoje tecidos. Com o pincel, uma
certa intimidade. Nas artes plásticas, arejada de idéias e formas marcou
presença na década de 60 participando de exposições, a primeira quando tinha 16 anos. “Na Galeria Acauã, com seu Artur, uma outra na Álvaro Santos, numa exposição dos novos pintores. A coisa estava tão encaminhada para eu ser artista plástica que eu enjoei, porque detesto rolos:
ser isso, ser aquilo outro... Na verdade, vê bem, me afastei da coisa pública. A minha relação com o desenho, com o traço, com as cores, ainda
continua até hoje.”
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DECEPÇÃO - O grande sonho não realizado. “Meu último grande sonho, que eu fiquei cinco anos mergulhada, fiz um roteiro, uma pesquisa
enorme, é esse seriado, A Fúria da Raça, que conta a história da conquista de Sergipe. Os intelectuais sergipanos estão muito comprometidos
com seus cargos, com suas dívidas, com suas posses, enfim. Na verdade, poucas pessoas têm tempo para mergulhar numa pesquisa séria. Taí
o quarto centenário, que passou e não aconteceu nada (existem pessoas
sérias, como Beatriz Góes, Luiz Antônio Barreto, que também é um pesquisador). Não mais fui manteiga em fucinho de cachorro. Eu fiz questão
de passar o quarto centenário fora de Sergipe, porque me doeu, sangrou
muito. Eu adoeci com o jogo sujo que Aglaé e Valadares fizeram comigo.
Valadares me prometeu e garantiu que realizaria essa minissérie. Isso foi
colocado no seu projeto pré-eleitoral. Ele ainda não estava eleito e me
prometia a realização do seriado. Quando foi eleito, inclusive, me pediu
CINEASTA - Ninguém pode contestar sua garra e sua constante luta em
prol da cultura sergipana. “Sou responsável por alguns marcos. Em 1980,
eu realizei o filme Arcanos (o Jogo), o primeiro filme 35mm de Sergipe a
entrar em circuito comercial. Esse marco cotinua meu, apesar de Djaldino
querer negar. Nas primeiras produções de 16mm em Aracaju, eu estava.
Nas primeiras produções de Amaral Cavalcanti, eu era atriz principal.
Com Yoya Wurch, nós ganhamos, em 1980, com O Beijo, o prêmio de
melhor filme sergipano no VII Festival Nacional de Cinema, promovido
pela Universidade Federal de Sergipe. Djaldino não queria dar o prêmio
de jeito nenhum, mas o presidente da mesa era Sílvio Tendler e nos deu.
A gente ganhou mas não recebeu o cheque de Cr$ 7.000,00. Recebemos
o trofeuzinho, mas o chequinho... a gente não levou. Djaldino nunca me
pagou. Queria acrescentar o seguinte: eu adoro quebrar sarcófagos e expor essas múmias paralíticas, principalmente aqui em Sergipe. Eu gostaria que você fosse fiel à minha declaração, quando eu dou um pau em
Djaldino, quando dou um pai em Aglaé... e se você puxar, tem mais.”
IMPRENSA ALTERNATIVA - Na Folha da Praia uma contribuição significativa. “A Folha da Praia é uma decorrência da série Autores Sergipanos.
Eu estava vindo do Rio e via a possibilidade da imprensa alternativa,
acreditada e viabilizada no Rio de Janeiro. Eu desenvolvi junto com
Amaral, na cultura Artística, uma série chamada Autores Sergipanos. Mário
Jorge estava morto há sete anos e não tinha nada publicado. Em 1980, foi
publicado o 1º número da série, que estampava Mário Jorge, O Marginauta.
Na seqüência José Sampaio, Clodoaldo Alencar. Da nossa experiência
de ir para a rua, catar anúncio para pagar a gráfica, Amaral atinou que
seria mais abrangente a gente partir para um jornal. Uma publicação semanal, de jogo rápido, que veiculasse muitas idéias, muitos pensamentos, seria mais interessante para aquela década que estava iniciando. “En-
Oxente! essa é a nossa gente
um papel. Eu tive que reescrever parte do roteiro para dar um papel para
ele. Seria o 5º governador geral do Brasil no seriado, mas eu fui cozinhada em água fria por Aglaé. Valadares passou o projeto para Aglaé, então
secretária de Cultura, nas mãos dela dizendo: ‘Professora, vamos priorizar
o projeto do filme da Ilma’. E ela engavetou o meu projeto.”
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tão, uma amiga nossa, uma francesa, Ana Biss, chegou e a gente estava
tentando achar um nome para essa publicação. Ela sugeriu ‘La Folhita de
La Plagita’ e daí veio a Folha da Praia.”
Oxente! essa é a nossa gente
PROVOCANDO ARREPIOS – Sua última façanha é o jornal O Capital,
que anda provocando arrepios. “O Capital é meu amor, meu bebê. Não
estou fazendo um jornal para Aracaju. Se o tivesse, já estaria no fosso da
depressão, porque nesta cidade, realmente, só 0,2% lê jornal. Isso, a
capital; interior nem se fala. Estou fazendo um jornal nacional, que está
sendo distribuído em várias capitais e eu pretendo em mais três meses
estar nas 23 capitais brasileiras, com correspondentes e distribuidores. É
o primeiro jornal de Aracaju para o Brasil. Quero registrar que no Encontro de Arte Alternativa, acontecido em Olinda, O Capital foi eleito o
alternativo de melhor programação visual e melhor conteúdo, em termos
de jornais independentes no Brasil.”
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Ildete Nabuco Teixeira: a fada dos bolos
U
FILHA DE ESTÂNCIA - Ildete Nabuco Teixeira nasceu no dia 3 de dezembro
de 1914, na cidade de Estância, tendo como pais Guilherme D’Ávila Nabuco
e Maria Carlota Nunes Nabuco. A bondade, a honestidade e uma educação
Oxente! essa é a nossa gente
ma profissional de reconhecido sucesso na arte culinária, com dedicação
especial à confecção de bolos artísticos. Testemunha das grandes festas de Aracaju, aos
77 anos de idade continua presente aos acontecimentos com seus bolos e suas histórias.
Casamentos e festas de 15 anos que marcam
época, por obrigação apresentam bolos iluminados, bem confeitados, com a assinatura de Dona Ildete. Sua fama chegou até a
rainha Elizabeth da Inglaterra, a quem dedicou um bolo preparado na forma da coroa
da majestade do Reino Unido. Seis meses
depois, recebeu um cartão de agradecimento da rainha, pela significativa homenagem.
Foi reportagem de página da revista Vida Doméstica, de circulação nacional, que destacou um dos seus belos trabalhos, um bolo
que marcou época em Aracaju, preparado
para a festa dos 80 anos de Leonardo Leite,
no qual colocou 80 degraus ao redor de um tronco de árvore. Para cada festa,
um bolo. E, em cada bolo, Dona Ildete coloca uma história.
Publicado no Jornal da Cidade em 19.1.1992
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Oxente! essa é a nossa gente
rígida para os filhos foram exemplos de seus pais adotados em sua vida.
Seus pais moravam em Esplanada (BA) e sua mãe resolveu enfrentar o parto,
contando com a experiência de sua avó. Assim, depois de um mês de idade,
troca Estância por Esplanada, ficando por lá até os cinco anos de idade.
Seu Guilherme vendia sapatos e, no ano de 1920, resolveu sentir o gostinho
do comércio de Aracaju, fixando residência na cidade. Logo procurou saber
informações de um bom colégio para a educação dos filhos: quatro mulheres
e um homem. No Colégio Nossa Senhora Santana, da professora Quintina
Diniz, localizado na rua Maruim, Ildete foi matriculada, recebendo uma
boa base no curso primário. Dona Lilita, sobrinha de Dona Quintina, foi
sua primeira professora. Um colégio que deixou marca na história do ensino em Aracaju e uma diretora que entrou na política. “Foi a primeira mulher a entrar na política em Sergipe e isso impressionava todas suas alunas.” Prosseguiu na vida escolar, depois de quatro anos com a professora
Quintina, na Escola Normal, chegando até o terceiro ano. Interrompeu os
estudos para ir ao altar, dedicando-se exclusivamente ao marido.
194
PROFESSORA DE PIANO - Com 12 anos já era professora de piano, tendo
descoberto o valor do instrumento musical logo cedo. “Tinha uma professora
vizinha de minha casa, que se chamava Ventúria Lins. Ela ensinava a muitas
alunas. Eu morava na rua Itabaiana, entre Estância e Maruim, onde morou o
dentista Paulo Lemos. Ali morei até o dia do meu casamento. Quando ouvia
o som do piano, eu gretava. Que coisa feia, não era? Ficava pela greta, olhando. Atrás da janela, ficava horas e horas, vendo a professora tocar piano.
Tendo quatro irmãs, ficou difícil para o pai, que já pagava colégio particular, colocar todas as filhas, desejosas, no estudo musical. Pediu um tempo,
esperando uma melhora nas vendas de sapatos. Mas Dona Ventúria percebeu meu gosto pelo piano e fez questão de me ensinar, sem cobrar nada.”
Iniciou com muita vontade aos 10 anos e, aos 12, já era professora de
cinco alunas. “O piano era da própria professora e a mãe dela tinha
loucura por mim.” O piano é parte da sua vida. Hoje, aos 77 anos, continua com ele, pois não parou de tocar.
CASAMENTO - Casou aos 16 anos e foi morar na cidade de Simão Dias.
Conta como o cupido entrou em sua vida. “Uma vez eu estava pulando
PINTURA E ARTE CULINÁRIA - Com a professora Pepina Campos,
irmã da amiga professora de piano Ventúria, descobriu que levava jeito
para a pintura. Aprendeu a trabalhar com as cores e a manejar o pincel.
Mais uma vez, de aluna, em pouco tempo, passou a ser profissional,
Integrando a equipe de trabalho da professora. “Passei a fazer pinturas
em quadros, toalhas, colchas, jarros, trabalhos em porcelanas e tecidos.!
Em 1939, sua irmã Ivonete Nabuco, residente no Rio de Janeiro, veio
até Aracaju para ensinar arte culinária. Ildete não poderia perder a oportunidade de estar ao lado da irmã e aprender uma nova arte. Ela era sabedora
da fama que a irmã tinha em Botafogo, com encomendas constantes e de
gente famosa. Feito o curso, de novo aprendeu o suficiente para ensinar.
Oxente! essa é a nossa gente
corda quando vi um moço parado, com o pé no meio fio e a mão no pescoço. Fui até ele e falei: ‘Me diga o motivo pelo qual o senhor está parado
assim?’ Ele disse: ‘Olhando suas pernas!’ Depois, ele se apresentou aos
meus pais para pedir minha mão em casamento. Era um engenheiro civil
do Maranhão, de nome Cloves Mozart Teixeira, recém-formado, que morava na cidade de Simão Dias, trabalhando com os pais numa farmácia, vendendo remédios. Um engenheiro que ainda não estava fazendo cálculos,
mas estava doido para entrar em ação. Foram três meses de namoro. Ele
vinha no sábado e partia na segunda-feira bem cedinho. Ficava hospedado
no Hotel de Rubina. Foi a coisa mais doida. Ele me viu, depois desapareceu, depois apareceu num dia de domingo e, depois de nove semanas,
fomos ao altar.”
No mês de junho, no seu primeiro dia, um grande acontecimento
religioso na Catedral Metropolitana de Aracaju: o casamento de Cloves e
Ildete. Abençoando as alianças e os noivos, na presidência da cerimônia,
o padre Sarapião Machado. Lua-de-mel em Simão Dias, prolongada por
quatro anos, tempo em que Cloves assumiu a direção da farmácia, após a
morte do pai. Ildete não chegou a vender remédios, mas cuidou direitinho da casa, com toda dedicação do mundo.
No ano de 1936, Cloves deixa a farmácia, vem para Aracaju, passa a
trabalhar como engenheiro, e traz Ildete toda feliz no retorno à cidade
que sempre gostou. Respirando o ar da capital, tratou de procurar fazer
logo alguma coisa para ocupar seu tempo.
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Oxente! essa é a nossa gente
Na sua inquietude, sempre com sede de saber, resolveu fazer outro
curso prático. Partiu para São Paulo e Rio de Janeiro, onde foi aluna de
professoras famosas na arte culinária, como Cacilda Seabra e Dolores Botafogo.
“Todas eram sumidades naquele tempo.” Sua aplicação nos cursos lhe valeu um convite de Henriqueta Catarina, nome conhecido em Salvador, então diretora do Instituto Feminino da Bahia, para Ildete Nabuco passar uma
temporada transmitindo seus conhecimentos para as moças baianas.
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A PRIMEIRA ENCOMENDA - Sentindo-se preparada e segura para conquistar sua clientela, ao retornar dos cursos tratou logo de conseguir sua
primeira encomenda. Foi uma encomenda pequena, de aniversário. “Um
bolo com uma casinha de pescador, muito bem feitinha. Estava muito
bonito, eu mesma achei.” Daí sua fama foi espalhada pela cidade. Suas
alunas de culinária, mulheres da alta sociedade sergipana, passaram a
divulgar o trabalho da professora e a garantir mais e maiores encomendas
para festas de aniversários e casamentos.
“Aqui em Aracaju, muita gente boa foi aluna minha. Não cito nomes,
pois a lista é grande e também muita gente já faleceu.” Até o ano 60, sua
casa foi sempre muito movimentada à tarde e na cozinha não existia folga
para as inúmeras batedeiras de bolos, muito consumo de ovos e farinha
de trigo, e o raspa-raspa dos caderninhos das mulheres, à procura de
anotar tudo, pois repetir a receita em casa para o marido ou para os pais
era o mais importante. Depois de 60, Ildete Nabuco deixou de ensinar
arte culinária.
EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE - É testemunha viva dos grandes acontecimentos sociais da cidade. Da época em que os governadores promoviam altas
recepções no Palácio Olímpio Campos, das memoráveis festas de 15 anos,
dos grandes casamentos. Ela destaca a diferença entre as festas de antigamente e as de hoje: “Antigamente, existia mais confiança nos profissionais. O
povo de hoje, com a dificuldade do tempo, faz questão de tudo barato. Não
quer saber da qualidade que se faz, pois o que está valendo é o preço.”
BOLOS INESQUECÍVEIS - “Fiz um bolo para uma festa de 15 anos no palácio, no tempo em que Luiz Garcia era governador. Foi no aniversário de Vânia
Garcia. O bolo recebeu o nome de ‘Um mundo encantado aos pés da debutante’.
Tinha um globo que girava, todo iluminado. O globo, hoje, eu fiz para a filha de
Walter Franco, também iluminado e utilizando uma bola de isopor. No tempo
que foi feito o da filha de Luiz Garcia, utilizei duas cuias de queijo, soldadas,
pois não tinha isopor. Claro que revesti todos dois globos com glacê.”
BOLO DA RAINHA ELIZABETE - “Um bolo bastante comentado e que muita
gente já sabe de sua história, inclusive minha filha já me pediu para eu não falar
mais no tal bolo. Bom, deixa pra lá, vou contar tudo, pois este bolo faz parte de
minha vida. A rainha da Inglaterra foi coroada em 1953. Nas revistas saiu o
retrato da coroa. Tinha um fotógrafo em Aracaju que estava tirando retratos coloridos. Mandei tirar de um filho meu e mandei chamar o tal fotógrafo no Hotel
Rubina para ele tirar o retrato do bolo que fiz com a coroa da rainha. Ficou
lindíssimo! Então, antecipei, mandando para Londres, antes de sua coroação, o
retrato do bolo da coroa da rainha. Foi uma coisa que o professor Severino
Uchôa, já falecido, me disse: ‘Dona Ildete, como foi que a senhora conseguiu que
a rainha recebesse esse seu presente, quando eu mandei um livro de sonetos
feitos exclusivamente para ela, recebendo da embaixada a desculpa de que a
rainha só recebia presentes de súditos ingleses, devolvendo meu livro?’”
Dona Ildete ficou realizada com a carta real de agradecimento, depois de
uma longa espera. “Esperei seis meses e todo dia que o Correio gritava eu ia
para a porta. Meu marido dizia que eu iria acabar ficando louca, pois não
receberia nunca. Terminei recebendo. Fiquei tão radiante, que tratei de organizar um coquetel para a imprensa, a fim de mostrar o cartão da rainha.”
NUMEROSA FAMÍLIA - Na sala em que descansa numa cadeira de balanço, as paredes estão ocupadas por inúmeros retratos. Ela organizou
três galerias, com fotos em tamanhos padronizados. Numa parede, bem
Oxente! essa é a nossa gente
BOLO DE LEONARDO LEITE - “Um bolo que deu muito o que falar foi
o que fiz para os 80 anos do Dr. Leonardo Leite. Foram oitenta degraus ao
redor de um tronco de árvore. Recebi por cortesia de uma professora de
um curso que eu fiz no Rio de Janeiro, Cacilda Seabra, uma página na
revista Vida Doméstica. Ela cedeu seu espaço na revista para publicação
do bolo, que passou a ser comentário nacional.”
197
Oxente! essa é a nossa gente
ao centro, sua foto e a do saudoso marido, seguida pelas fotos dos filhos
e noras. Na parede de espaço maior, a galeria dos netos e, na menor,
porém com destaque, a galeria dos bisnetos. As lágrimas caem dos olhos
claros de Dona Ildete quando ela começa a falar de sua família: “Selma,
que era casada com o Dr. Joaquim Barreto; Rodrigo Orlando, que faleceu
com um ano e meio, pequenininho; Paulo Igor; Carlos Cleber, advogado
do Banco do Brasil, já falecido; Sônia, casada com Aécio Silva; Depois,
Rodrigo, o grande ginecologista; Auxiliadora, a diretora da Academia
Sergipana de Balé, casada com o Dr. Benjamim. Mozart, que é gerente do
Banco Central de São Paulo; João de Deus , que é o dono da Vivenda
Imobiliária; e o último, Guilherme, que é o simpático gordo do Bar do
Gordo, da Coroa do Meio.” Netos, 34, e 11 bisnetos. Comenta que o
quintal de sua casa, da rua Lagarto, 1021, dá bem para acomodar toda
família no Natal, no dia do seu aniversário e no Dia das Mães. “Com
tanta gente, não dá para ficar sozinha. A casa está sempre cheia.”
198
GOSTA DE FALAR DOS BOLOS - Conversa vai, conversa vem, não
adianta, Dona Ildete gosta mesmo é de falar dos seus famosos bolos.
Prefere fazer bolos altos, pelo destaque no ambiente. Diz que muita gente
fala demais da quantidade dos ovos que ela coloca nos seus bolos. Nos
grandes bolos que já fez, nunca passou das 30 dúzias de ovos — e já fez
muitos com essa quantidade. “Tenho 77 anos e ainda não parei, pois
bolo nunca caiu de moda. Toda semana sempre estou trabalhando em ou
mais, dependendo do calendário de casamentos. Dos bolos de 15 anos,
ainda continuo, pois quem faz festa, faz bolo.”
Depois da festa, sempre recebe um cartão fazendo referência ao sucesso do seu trabalho. Mostra inúmeros cartões e escolhe um de uma cliente
que, além do cartão, lhe mandou uma cesta de flores. “Estimada Dona
Ildete: Mais uma vez, a singeleza de vossas mãos de mestra, orientadas
pela sabedoria e grandeza de vossa arte pelo amor que emana do vosso
coração, contribuiu para as alegrias e a beleza de um aniversário, o da
nossa Lizandra, nos seus 15 anos. Obrigada, porque, por justiça, sois
merecedora de nossa admiração. Abraços. Nininha Santana e Lizandra
Santana. Aracaju, 5 de junho de 1991.”
Jácome Góes: o comunicador da esperança
m humanista revolucionário, pois tem a coragem de dizer em público que o ser humano
tem o seu encontro com Deus não apenas na
verticalidade da prece, mas essencialmente na
horizontalidade da ação, quando solidária e fraterna, espontânea e livre. E mais: “Vênias e louvores formam, muitas vezes, a pantomina da hipocrisia. Ser prolixo em promessas e omisso em
ações é ato explícito de irreverência contra Deus.”
De corpo inteiro, sem retoque e sem subterfúgios,
expressando a sua verdade de sombras e de luz,
conta que aprendeu com os mais carentes as maiores lições de vida.
Jácome Góes da Silva nasceu a 4 de junho de
1936 na cidade de Laranjeiras, filho de Joaquim
Dias da Silva e Helena Góes da Silva. Do pai, comerciante tradicional da cidade histórica, aprendeu
lições de humildade que tenta aplicar “com muitas
dificuldades” no seu dia-a-dia. “Um homem de profunda sabedoria, sem nenhuma cultura intelectual,
mas que tinha uma sabedoria natural de viver.” De
sua mãe, recordações de uma mulher de muita sensibilidade.
Uma infância vivida de uma maneira diferente do normal, sem poder
sair com os amigos, tomar banho no rio, nem brincar de bola. Uma rigidez
Publicado no Jornal da Cidade em 21.2.1993
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
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que o conduziu ao caminho da leitura desde cedo. Com cinco anos de
idade já estava freqüentando a escola de Dona Cecília Prado, indo estudar
em seguida com a famosa mestra Zizinha Guimarães, responsável pelo
ensino de várias gerações da cidade de Laranjeiras. “Uma professora que,
em 1940, ensinava teatro, francês, conduzindo seus alunos para uma dimensão intelectual muito mais abrangente, não ficando somente na Matemática, na Geografia, História e Português. Ela ensinava filosofia de vida.”
Estudou o quarto ano primário em Aracaju, internado no Colégio
Jackson de Figueiredo. No colégio dos professores Benedito e Judite Oliveira, fez o exame de admissão e todo o curso ginasial, onde recebeu
noções de ética, de moral, de valores humanos. Das preleções que ouvia
diariamente de Dona Judite, antes da entrada em sala de aula, diz que
hoje os colégios não fazem mais isso, perdendo oportunidade de passar
para os alunos valores morais. Dos professores do Jackson destaca
Ofenísia Freire, dizendo que ela foi para ele um ser de luz.
Indo estudar o curso clássico no Atheneu, passou a ser mais um dos
hóspedes do célebre pensionato da Dona Filé, que era exigente em demasia, mas mudava de rua quase todos os dias. Iniciou na rua de Santa
Luzia, passou para o parque, rua Itaporanga, e Jácome sempre estando
com Filé. “Uma mulher dadivosa, uma pessoa muito boa. Morávamos,
na época, o professor Décio Calheiros, Dr. Wilton de Itapo. Ela fazia
questão de tirar a característica de pensão, dando uma conotação de família.” Teve a felicidade de passar mais um período como aluno da professora Ofenísia Freire, pois em todas as turmas que estudou no Atheneu,
pegou Ofenísia como professora. “Juntando os quatro anos do Jackson,
foram sete anos de lições de Português com uma das pérolas que orgulham o magistério sergipano.”
Chegando o momento de fazer opção para o curso superior, tendo na
época, em Aracaju, somente Filosofia e Direito, optou por Direito. “Dentro de mim queria Medicina, pois sempre tive uma queda para o social.
Mas meu pai não tinha condições para me sustentar em Salvador.”
FACULDADE DE DIREITO - Em 1950, com direito a trote, ingressou na
Faculdade de Direito de Sergipe, passando a seu aluno de Cabral Machado, tendo dele uma lembrança bastante positiva.
FAVELA DO LIXO - No contato com o sofrimento das pessoas, fazendo
constantes visitas a uma favela em São Paulo, percebeu que o importante
não era a religião, o rótulo, e sim o sentimento de religiosidade. Semanalmente, fazia parte de um grupo de espiritualistas que ia até a Favela
do Lixo, na Vila Maria, para o contato com pessoas extremamente carentes. Os casebres eram de papelão. Quando chovia, inundava, quando
não chovia, pegava fogo. No trabalho na favela descobriu o verdadeiro
valor do laboratório da vida, prosseguindo sua caminhada com os pre-
Oxente! essa é a nossa gente
Lembra que o Jácome de Góes de hoje é completamente diferente do
Jácome que gostava de dançar na Associação Atlética, que não perdia um
footing na Praça Fausto Cardoso e que, de namorador eficiente, chegou a
noivar por duas vezes. “Eu não vou dizer que sou um mundano, mas era
uma pessoa que vivia em sociedade. Hoje, não. Sou completamente diferente.”
O primeiro emprego foi no Banco Dantas Freire, na função de Auxiliar de Contabilidade. Chegando aos ouvidos do pai que o trabalho estava
prejudicando os estudos, deixou de lado os cálculos bancários, fazendo
uma retomada aos livros com maior disposição. Formou-se no ano de
1960, tendo como colegas de formatura: Geraldo Barreto Sobral, Madeleine
Gouveia, Francisco Novais, Ventúria Leite Neto e Geraldo Ferreira.
Antes de sair da faculdade, trabalhou com o cunhado Humberto Teles
Barreto, hoje proprietário da Huteba, que era representante da Vulcan,
no escritório de representação. Formado num período onde concurso
público era coisa rara e, sem ter pistolão político, resolveu ir para São
Paulo.
Não demorou muito para conseguir emprego, indo trabalhar para um
grupo de firmas com o nome de Setenco Engenharia S/A. Porém, não se
realizava como advogado, sentindo que precisava alguma coisa em sua
vida para se realizar como ser humano. Ainda sem encontrar a felicidade, partiu para buscá-la na leitura, penetrando na área da filosofia de
vida.
Passando pela porta de uma federação espírita, quase por impulso,
entrou na curiosidade de conhecer e, inconscientemente, descobriu-se
diante de um novo horizonte que começou a se abrir.
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Oxente! essa é a nossa gente
sos da Penitenciária do Carandiru, visitas às terças-feiras pela noite e
sábados pela tarde.
“Saía às 5 horas da manhã de casa, aos sábados, para cumprir um
extenso programa de visitas, levando marmita, para descobrir o lado dessa realidade da vida. Iniciava na Favela de São Mateus, distante uma
hora do centro de São Paulo, ficando por lá até o horário do almoço. Na
volta de São Mateus, parava na Penitenciária do Carnadura, prosseguindo na Favela do Lixão, em Vila Maria, outro extremo. Chegava em casa
por volta das 22 horas, morto de cansado, mas numa felicidade muito
grande, pois sentia que a teoria não me satisfazia.”
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A GRANDE LIÇÃO - Justamente na Penitenciária do Carnadura, onde
confirmou sua esperança na recuperação do ser humano, aprendeu uma
lição de vida, que tocou na profundidade de sua alma. “Durante alguns
anos, falava para um grupo que era constantemente renovado. Mas, um
dia, o Nelsinho se levanta e vem à minha frente. Dentre das lições do
Cristo, eu ressaltava o perdão. Só que ele não conseguia perdoar. Ele
dizia para mim e para seus colegas: ‘Eu sou uma pessoa que, posso dizer,
não tive mãe. Ela apenas me pariu. Mas eu não tenho nenhuma veneração por ela, porque ela não me educou, fui um menino jogado na rua.
Bem: depois de todas as formas de crimes, ele encontrou numa prostituta dos Campos Elísios, a grande mulher da vida dele, o grande amor, que
ele chamou de Grande Luz. E essa grande luz deu à luz também ao seu
filho. Na guerra da maconha, alguém mata essa mulher e seu filho, por
vingança. Por vários outros crimes, ele vai para cadeia. Na cadeia dele
não entrava o perdão, a lição do Cristo para o perdão. Como ele poderia
perdoar? Mas eu comecei a colocar o perdão, não como sentimento divino, mas como um sentimento humano. Ele foi entendendo a necessidade do perdão, como um investimento na sua saúde, na sua paz, investimento no seu patrimônio espiritual. Por incrível que pareça, o assassino
da sua mulher e do seu filho estava no Carandiru, só que, no segundo
pavilhão. Ele, um dia, depois de brigar muito com o Cristo, pois ele não
conseguia entender o perdão, com muito sacrifício, passando por toda
papelada para ir para o outro pavilhão, conseguiu chegar ao assassino de
sua mulher e do seu filho. Logo ao se aproximar, disse: ‘Não se assuste,
É ESPIRITUALISTA - Toda formação espiritual de Jácome Góes foi na
Igreja Católica. Ainda hoje ele acha muito bonito o ritual da igreja. “Me
comove, inclusive. Quando chego numa cidade, a primeira coisa que eu
quero conhecer é o templo. Diz que não pode dizer que saiu da Igreja
Católica para entrar na doutrina espírita, pois descobriu depois de muito
estudo e de muito trabalho de assistência social, que o importante é o
sentimento de religiosidade. “Todas essas religiões são boas, pois todas
elas estão centradas em um só ideal, que é a evangelização. Não diga que
sua religião é a boa e que as outras não eram, pois todas são importantes.
Acho que a religião não é o fim e sim o meio que conduz o ser humano ao
criador. O que é importante não é apenas a teoria, não apenas o ritual,
aquela parte externa. O que importa é você dinamizar a sua restruturação
em termos de pensar, de sentir e de agir. E isso pode ser feito estando em
qualquer igreja ou mesmo sem estar em igreja nenhuma.”
Na cidade de Guarulhos (SP), no programa de Gilberto Aielo, companheiro de grupo que fazia visitas aos presos, manteve seu primeiro contato com o microfone. Chegou timidamente, para responder uma pergunta, e terminou tomando conta de todo o programa.
Com abertura de concurso para o Ministério do Trabalho, não pensou duas vezes na hora da inscrição, pois de há muito aguardava um
concurso público que atendesse sua área. Aprovado, ficou trabalhando
na cidade de Santos, até o ano de 1980, quando retornou a Aracaju por
motivo do falecimento de sua mãe, atendendo pedido do pai, que estava
Oxente! essa é a nossa gente
porque eu estou desarmado. Só vim lhe dizer que não tenho mais ódio
de você. Não tenho simpatia, não tenho afeto. Só lhe digo que não tenho
ódio’. Ele disse para mim: ‘Contínuo preso aqui, e o senhor está livre. O
senhor vai sair daqui, vai para onde o senhor quiser. Agora eu lhe faço
uma pergunta: Quem é mais livre: sou eu ou o senhor? Eu não tenho
ódio no coração. E o seu, tem o amor que o senhor tanto fala?’ Ele recebeu a mensagem do Cristo, trabalhou essa mensagem e venceu a si mesmo. Tanto que teve a coragem de dizer para mim: ‘O senhor fala tanto, o
senhor realiza tudo o que fala em sua vida?’ Naquele instante, tomei um
impacto tão grande que fui atendido na enfermaria na penitenciária, com
uma crise de choro.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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necessitando de sua companhia. Também contribuiu para isso o clima
de violência de São Paulo.
Ao chegar a Aracaju, convidado por Sandoval Barros, participou de
um programa espírita na televisão. Atendendo convite de Virgínia Moura,
do Centro Espírita Caminho da Redenção, iniciou uma carreira de palestras que até hoje ocupa boa parte do seu tempo, atendendo pedido de
congregação católica, protestante e outras religiões. Faz questão de dizer
que o rótulo de espírita vem de sua primeira apresentação na televisão
em Sergipe, mas que é um espiritualista.
Diariamente, em uma das emissoras de rádio, apresenta momentos de
reflexão em dois horários. Aos domingos, escreve para dois jornais de
Aracaju, inclusive o Jornal da Cidade. Já publicou livros: Conceitos de
Vida (duas edições esgotadas) e Caminhos da Redenção, sendo ambos
com renda destinada a obras sociais. Não cobra para fazer palestra, mas
tem que ser de acordo com a agenda, sempre comprometida. Faz visita
às penitenciárias, aos manicômios, aos hospitais, ao leprosário. Nas segundas, no Centro Caminho da Redenção, ouve pessoas que estão em
conflito, voltando na terça-feira para um trabalho com essas pessoas.
Para garantir sobrevivência material, se realiza como fiscal mediador
do Ministério do Trabalho. Pretende publicar o terceiro livro, voltar a
trabalhar no Projeto Esperança e ter um espaço na televisão.
FAMÍLIA - Não casou e tem um filho por opção: “É maior do que o filho
que vem por acaso entre aspas. José Carlos é meu companheiro, meu
amigo, filho, é tudo.”
J. Inácio: o pintor das bananeiras
onumento precioso das artes plásticas em Sergipe. Um artista diferente, com idéias fantásticas. Um jeito de
viver mais do que humano. Diante de uma
tela, rápidas e seguras pinceladas. O mundo das cores, o seu mundo, transportando para a pintura, os tons inacianos, onde
a luz e a profundidade de campo bailam
na tropicalidade das cores.
Vive cheirando tinta e não é capaz de
sentir o bom cheiro do dinheiro. Não
consegue reter a grana no bolso. Vende
um trabalho, fica de bem com a vida, sem
se importar se está entregando uma obra
de alto valor. É assim sua maneira de ser.
Consegue ser feliz e, nas suas obras, vai
registrando as coisas boas da vida, dando atenção especial ao lado místico. Consegue reter o tempo. O mundo
lá fora é outro, e de resto tudo é passageiro. O seu mundo é memorizado
nas telas, para sempre, com um estilo próprio e inconfundível.
Muito já se escreveu sobre J. Inácio. Celebridade que enfrenta a dureza de continuar trabalhando, apesar dos cabelos brancos, para manter-se
vivo. Agora, com mais tranquilidade, por receber uma pequena pensão
que o governador Valadares determinou que o Estado lhe garantisse, fazendo justiça a esse patrimônio vivo de Sergipe.
Publicado no Jornal da Cidade em 13.8.1990
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Oxente! essa é a nossa gente
Encontramos Inácio num momento de pleno trabalho, espectador único
do espetáculo do vai e vem do seu pincel com as cores, na essência do
homem com a sua arte. É o depoimento de uma pessoa que pinta, escreve, fala e vive com muita arte.
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A VIDA DE UM ARTISTA PLÁSTICO - Todos o conhecem por J. Inácio,
mas seu nome completo é José Inácio de Oliveira. Nasceu na Vila de
Arauá, que era comarca de Estância. “Foi na época que a minha mãe
despejou esse monstro na terra. Meu pai era rábula, advogado, que tremia no peito, quando defendia o réu. Usava uma voz cavernosa, dominava a platéia e soltava o desgraçado.” O nome do pai de Inácio era Vilobaldo
Vieira e, da mãe, Maria Alves Oliveira e Souza. Foram onze filhos, mas
só vingaram cinco: Padre Pedro, Inácio, Rafael, Virgínia e Alvina. Nasceu
no dia 11 de junho de 1911. “Foi no dia da Batalha do Riachuelo, quando o general bombardeou a fragata paraguaia, minha mãe me despejou
também. Bem, foram dois tiros certeiros. Comigo, três.”
Logo a família vai morar em Aracaju, na rua Capela, “onde tinha um
trenzinho que despejava areia lá para as quebradas de Aracaju.” Morava
perto do morro da Areia, também chamado de morro da Borburema. Sua
vida estudantil foi curta, só chegando ao terceiro ano primário. Não freqüentou escola, fez os estudos com professoras particulares. “Pagava-se
pouco naquela época e eu era muito rebelde.Minha mãe me colocava na
frente de uma professora que batia de palmatória.” Ainda assim, Inácio
aprendeu muita coisa, sendo grato à professora Marocas.
OS PRIMEIROS DESENHOS - Meninote, desenhava nas calçadas com carvão. Seus desenhos chamavam atenção dos que passavam na rua. “As pessoas que tinham sensibilidade iam mais além. Passava o pai de Antônio Garcia
e atirava dinheiro. Dr. Godofredo Diniz além de jogar a moedinha dizia: ‘Esse
menino é um gênio’. O dinheiro arrecadado tinha um destino certo: eu ia
comprar rosca, um pão que tinha naquele tempo. Bem gostoso, um pão enrolado. Eu saía e colocava debaixo do braço. Aquilo parecia uma auréola grande e eu comia na porta da rua, fazendo inveja aos outros.” Inácio pintava no
chão as grandes personalidades da época: “General Valadão, Teodoro, Floriano,
essas figuras. Era questão de gostar, pois não tinha noção de nada.”
Quando começou a pintar, no mercado não havia tela pronta. “Eu mesmo fazia as telas, com saco de açúcar, por intuição. Ninguém me ensinou.
As tintas eu comprava nas ferragens. Tinta em pó, que desmanchava com
óleo e ia pintando.” Foi no ano de 1930 que passou a pintar com óleo. Já
morava na rua Santa Luzia: “Ali, onde morava João de Barros, bem nos
fundos dos bispado. Pintava janelas abertas, tudo que via na frente, cavalos, tudo.” Inácio só nunca pintou natureza morta, por não gostar.
FREQUENTANDO A ZONA - Um pulinho na zona só foi possível graças
a outra atividade. “Meu pai me deu chinelos de Simão Dias para vender.
Vendia ambulante e, às vezes, caía na zona das mulheres e fazia lá as
minhas besteirinhas. Escondido, dava um chinelo para a mulher e dizia
em casa que tinham me roubado. Bela desculpa.” Quais as boates Inácio
freqüentava? “Que boate? Naquele tempo era cabaré, rapaz... Era cabaré,
em casa de palha, uma coisa gostosa, com luz vermelha.”
E a qualidade das mulheres? “Pagava às mais caprichadas. As mulheres mais famosas eram Glória Bagaço, Toninha Pílula, Joana Peito Grande
— que dizia: Com peito ou sem peito? Mas a primeira mulher com quem
tive contato estava bêbada. Tanto que hoje fico tarado quando vejo uma
mulher bêbada. Aquilo ficou no inconsciente.”
ESTILO ARTÍSTICO - “Sempre fui doidão e até hoje tenho a fama.” E a
sua loucura chega até as pinturas. “Minha pintura até que é equilibrada,
não é? Naquele tempo, tudo era acadêmico, não existia esse negócio de
moderno.” Hoje, com 58 anos de pincel, Inácio garante que a sua pintura
sempre foi a mesma. “Criei o meu estilo, espontaneamente.”
Oxente! essa é a nossa gente
COM JORDÃO DE OLIVEIRA - Com o mestre Jordão, trocas de idéias e
grande admiração pelos seus trabalhos. “De quando em quando, aparecia Jordão e eu ia visitá-lo. Me distraía vendo Jordão pintando. Foi o
primeiro pintor que vi pintar.”
No começo da carreira, aproveitando os dotes artísticos, para ganhar
algum dinheiro, pois pintura naquela fase inicial não dava para nada,
Inácio abria letreiros para o Cinema Universal, onde hoje funciona o
Cinema Palace. Ganhava trinta mil réis, um dinheirão naquele tempo.
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Oxente! essa é a nossa gente
Organizada por Jordão de Oliveira, na Biblioteca Pública, Inácio realiza a primeira exposição. “Jordão fez um parapapá pela imprensa e eu
mereci um prêmio do governo, para estudar na Escola de Belas Artes. Foi
no tempo que Maynard era interventor, no ano de 1930. Foi uma mostra
individual que chamou atenção do meio artístico da cidade.” Inácio tinha 20 anos e recebeu uma bolsa de estudos graças à qualidade dos
trabalhos apresentados. Era a grande revelação da pintura em Sergipe.
208
NA ESCOLA DE BELAS ARTES - No Rio de Janeiro, freqüentando a
Escola de Belas Artes, entra em outro mundo. “Me afoguei, perdi o sentido da realidade, tudo muito difícil e eu nunca tive equilíbrio, então me
perdi. Virei, no sentido mais fácil, e parti para fazer caricaturas nas ruas.”
Não chegou a conquistar as mulheres. “Não tinha condições para isso.
Lá, nunca tive uma conquista.” O belo Rio de Janeiro, para Inácio, foi
áspero.
Mas a pintura de Inácio é valorizada no Rio de Janeiro, no tempo da
Escola de Belas Artes. Conquista medalhas de bronze e prata e não recebe a premiação. “Nunca requeri, pois se requeresse eu perdia, não tinha
local certo para morar e deixei de lado.”
Inácio passou 25 anos no Rio de Janeiro. Morava em Nova Iguaçu e
passava o tempo todo nas estações. “Era um horror. Não tinha tempo
para ter saudades de Aracaju. Voltei por causa da doença que contraí em
conseqüência de muito mau trato. Uma doença de pele que me forçou a
voltar para buscar uma melhora.”
TRÊS CASAMENTOS - “Casei três vezes. Uma no Rio, mas a mulher
morreu logo. E duas aqui. A do Rio era cearence, foi uma lua de fel. Os
outros dois casamentos foram realizados no civil e no religioso.” Seu
primeiro casamento oficial aconteceu no ano de 1942. “Casei com uma
professora de São Cristóvão. Morreu logo no primeiro parto. Chegaram
gêmeos e os dois morreram na mesma hora. Minha irmã era professora
naquela cidade e assim conheci a Jardilinda, mais conhecida por
Biduzinha. Minha irmã começou com a brincadeira de que eu devia casar com a sua amiga e eu topei a parada. Eu disse: Eu não dou para me
casar, mas se não der certo eu caio fora e acabou-se. Não é que a família
AMANTE DA POESIA - Inácio define o amor: “Não tenho mais idade
para acreditar em amor. Como disse Augusto dos Anjos, o amor tem
sempre uma finalidade horrenda. Um poeta daqui, chamado Teônidas
Pereira, falou de amor: toda história de amor, quase sempre nascida num
momento banal, muito simples da vida, atinge as proporções estranhas
de uma lenda.”
Inácio sempre gostou de ler, sendo bom apreciador de poesias. “Aqui
tivemos grandes poetas: José Sampaio, Teônidas Pereira, Freire Ribeiro.”
Mas não se dá com o dinheiro. “Dinheiro nunca funcionou. Só agora,
depois de velho, a coisa está indo melhor, estou com mais equilíbrio.”
INÁCIO NA LITERATURA - Inácio escreve coisas bonitas. Na literatura,
assina como Igo de Tagualera. Avisa que na próxima semana sairá um
caderninho seu. “Gosto muito de escrever, uma grande paixão, já ganhei
um prêmio de poesia do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Declamei
uma poesia e Barreto Pinto, que era secretário de Getúlio Vargas, me deu
quinhentos réis, que era dinheiro.” Também gosta das poesias de Hermes
Fontes.
Uma de suas poesias: “O trem da Central lá se vai lá se vem /muita
gente que vai/ muita gente que vem/cada um vai levando marmita que
tem/um pedaço de carne/farofa também/é de dia, é de tarde, de noite também/ cada um se conforme com a sorte que tem/Deus não dá tostão a quem
dá vintém/Apresse seu passo que a morte já vem/que a morte já vem.”
Oxente! essa é a nossa gente
me prendeu, acabei ficando mesmo e foi uma tragédia? Eu nunca tive
vocação para casamento coisa nenhuma.”
Viúvo pela segunda vez, Inácio decide não casar mais. Mas não consegue. “Biduzinha me deixou uns bens e por isso, para segurar esses
bens, tive que me casar logo. Estavam me maltratando demais, queriam
me tomar na marra. Não era questão de querer. Achei que era um desaforo e me casei logo, três meses depois da morte. Depois, legalizei e dei
tudo. Eram muitos terrenos. Casei com Núbia Gomes. Era um anjo.”
Inácio conta que depois teve alguns amores passageiros. “Nunca mais
deu certo. Agora eu estou na base da tristeza, do isolamento. Não tem
ninguém, mas avisa que a alavanca está funcionando!”
209
BRASIL AFORA - “Viajei muito. Fui até o Pará. Quando a coisa estava ruim,
quando não dava dinheiro, viajava para o Norte, fazendo caricaturas na rua.
Ainda sonho em sair pelo Brasil afora, sem nenhum compromisso.”
Em Sergipe, morou em quase todos os lugares. “Morei em tanto lugar
que até me esqueço. Aqui em Sergipe, morei em todas as cidades. Era
intinerante. Recentemente, foi à Ribeira, no município de Itabaiana, minha menina dos olhos. Hoje, moro em São Conrado, subúrbio, vizinho
ao Augusto Franco. Moro no Ninho do Diabo.” Mas não acha que é foi
explorado pela sociedade: “Eu não reparo esse aspecto.”
Em Propriá, chegou a ser balconista, dando uma de turco. “Vamos
freguês, comprar barrato! Entra freguês, compra mercadoria barata! Compra uma, leva duas de quebra!”
Oxente! essa é a nossa gente
DO RIO, A PÉ - “Foi na Segunda Guerra Mundial quando fiz a viagem do
Rio de Janeiro a Aracaju a pé. Os tiros queimando lá na Alemanha e eu
no Brasil, na mata, perdido. Levei seis meses para chegar até aqui. Foi
uma aventura que até hoje penso que não fui eu. Não tinha estrada, a
Rio-Bahia estava nos primeiros passos. Estava sozinho e Deus.”
210
MEDO DAS BANANEIRAS - “Eu sempre achei bonita a bananeira, mas
tinha medo, pois pensava ser cafonagem. Pintar uma coisa do Brasil me
parecia estranho. Mas, um dia, o professor Quintino Marques, avô de
Núbia Marques, me estimulou a pintar bananeira: ‘Inácio, o Brasil está
precisando de um pintor para pintar nossas bananeiras e nossos assuntos tropicais’. Pensei: sou eu, e comecei. Até hoje pinto bananeira. De
tantas bananeiras pintadas, já enjoei. Só pinto por insistência dos meus
amigos, pois não posso fugir. Um sacrifício!”
A PENSÃO VITALÍCIA - “O governo me deu uma pensão vitalícia. Estou
mais tranqüilo. Foi Valadares. Há três meses que recebo. Estou fazendo
uma Ceia de Cristo e estou colocando Valadares como Apóstolo. Ele vai
participar da ceia dos grandes homens.”
RAIVA DE PADRE PEDRO - “Uma vez, fui tomar banho na casa de padre
Pedro. Ao sair do banheiro, notei que os meus sapatos tinham desapare-
cido. O padre levou para os pobres e eu, com raiva, saí na rua com os
seus sapatos.”
DESPEDIDAS - “Quero agradecer por esses momentos de descontração.
Quero dizer que não estou interessado em propalar a minha arte, pois o
meu ideal é me esconder, para ficar mais à vontade, para fazer minha
produção sem interferência e sem encomenda de ninguém. ‘Eu quero
uma bananeira. Quero um carro-de-boi...’ Quero ficar escondido, sozinho, na minha vida íntima. Mas não consigo. Esse negócio de cada um
querer um quadro meu, não tem jeito.”
Oxente! essa é a nossa gente
EPITÁFIO - “Não tenho medo da morte. Tenho medo da maneira de
morrer, sem assistência, isso me dá medo. Meu epitáfio: Parei de cheirar
tinta.”
211
João da Cruz: o fundador do Arranca-Unha
Oxente! essa é a nossa gente
C
212
om 87 anos e muita luci-dez, João
da Cruz entende de quadrilha de
São João como ninguém. Fundador do
Arraial Arranca-Unha, conta toda história dos primeiros casamentos de
tabaréu acontecidos em Aracaju e dos
mais interessantes momentos de sua
vida, principalmente dos casos amorosos, responsáveis pelos seus 58 filhos, sem
deixar de recordar como era a quadrilha de antigamente. “De quadrilha de São João, as de hoje
não têm nada.”
João da Cruz nasceu na Fazenda Olhos
D’Água, em Pedra Mole, no dia 23 de junho de
1906, sendo filho de José Felipe da Cruz e Maria
Veridiana de Jesus. Chegou ao mundo na véspera do dia de São João, logo após sua mãe
concluir mais um dia de lavagem de roupa, num
parto acontecido debaixo de uma moita. “Vinha minha mãe e uma amiga; no caminho, eu
nasci. A amiga trouxe a roupa dela e de minha
mãe e terminou ela me trazendo pra casa nos braços.”
Com sete anos de idade, deixou Pedra Mole, passando a morar na
Usina Itaperoá, no município de Itaporanga D’Ajuda. Mudança por causa do pai, que tinha duas mulheres. “Meu pai era um vaqueiro esperto.
Publicado no Jornal da Cidade em 27.6.1993
DE VAQUEIRO A ESTIVADOR- Até os 16 anos de idade, trabalhou como
vaqueiro ao lado do pai. Vendo que estava ganhando pouco, aceitou o
convite de um compadre para trabalhar em Aracaju, chegando à capital
no ano de 1922. Passou a morar na casa de Dona Júlia — “Minha segunda mãe” —, mãe do guarda civil Renato Boi, e a trabalhar na casa de um
coronel da Polícia Militar, tirando leite das vacas do coronel. Umas vacas
do peito duro, que davam um trabalho danado (risos).”
Desistiu das vacas do coronel e foi trabalhar de servente de pedreiro,
profissão na qual passou pouco tempo, pois ingressou na Fábrica Sergipe
Industrial, trabalhando como carregador de lã. “Passei um ano e meio,
até o dia que tive uma dor de barriga. Demorei na privada e o velho que
ficava tomando conta do serviço, foi gritar na porta: ‘Anda, rapaz, pra
que tanta demora? O serviço já está parado por sua causa’. Quando saí,
cheguei pra ele e disse: Seu Pina, eu não aceito esporro de ninguém,
principalmente de um homem que não é meu pai. A gente não pode nem
ir a uma privada? Vou pegar meu paletó e meus tamancos e vou me
mandar, pois com o senhor eu não trabalho mais.”
Oxente! essa é a nossa gente
Tinha minha mãe e minha madrasta Maria, uma viúva que casou com ele
na igreja. Um certo dia, o compadre dele, o dono da fazenda, chegou e
disse: ‘Meu compadre, se for para ficar com comadre Maria, pode ficar.
Com outra família, não!’ Meu pai respondeu: ‘Quando eu morrer, morro
com tudo.’ Pegou tudo, que era minha mãe e também a que ele casou na
igreja e partiu dizendo que ia morar na zona do Vaza-Barris.”
Chegando ao Engenho Itaperoá, o pai de João da Cruz conseguiu
emprego de limpador de cana. Pouco tempo depois, o dono da usina lhe
procurou a fim de saber porque não tirava o chapéu de couro da cabeça.
Ao responder que tangia gado, foi convidado a tomar conta do gado da
usina.
Em Itaperoá, João da Cruz passou um tempo de sua vida convivendo
com os sete irmãos por parte de sua mãe, e mais quatro de sua madrasta,
além de ajudar seu pai a cuidar do gado. “Me chamavam de Preguinho, por
ser um vaqueirinho. Era pequeno, mas valente: pegava um burro bravo e
montava nele com a maior facilidade. Teve um dia que uma besta pulou
tanto que eu desci ladeira abaixo. Eu saí da sela e fiquei no pescoço.”
213
Oxente! essa é a nossa gente
214
Continuou mais um curto período na Sergipe Industrial como carregador do saco de dinheiro da folha de pagamento, num tempo em que
nem se falava em carro-forte.
Nas oficinas da Leste, no Siqueira Campos, consegue ficar por dois
anos, até o dia em que cismou de ir visitar uma namorada na Usina
Itaperoá. Em Itaporanga, para não desgrudar da namorada, trabalhou como
carregador, como plantador de cana, até que foi ser foguista da usina.
Inquieto no trabalho, foi vaporador, passando dois anos no serviço. Terminou cuidando da cerca da usina.
Depois de colher experiência em muitos serviços, resolveu voltar a
Aracaju, na busca de uma profissão a ser encarada com mais seriedade.
Encontrou trabalho no Trapiche do Lima, emprego no qual resistiu por
48 anos, até que chegou o tempo da aposentadoria.
No Trapiche, muitos casos amorosos. Não dizia não às mulheres
que apareciam no trapiche em busca de marinheiros. Já saía de casa
bem vestido, num terno de linho branco. No trabalho, guardava com
todo o carinho o terno, ficava de camiseta e calção, pegando no pesado.
Terminado o expediente, ao cair da tarde, após um caprichado banho,
metia o terno e ia em busca das meninas do cais. Quando uma mulher
perguntava à outra quem era o homem do terno branco, vinha logo a
resposta: “É João da Cruz!”
58 FILHOS - A fama de homem de bom desempenho conquistou após
ter filhos com 13 mulheres do Trapiche do Lima, “Mulheres maravilhosas: Doralice, Nair, Maria, Zulidá, Maria Virgínia, Maria Cristina, Alíde.”
Derrete-se quando fala de seus casos amorosos. Abriu bem os olhos e
disse que, além das mulheres do trapiche, teve mais outras, não sabendo
o número exato. Sobre o número de filhos, dando uma boa gargalhada,
não titubeou: “Disse um dos meus filhos que contou 58 irmãos. Netos e
bisnetos, não sei, pois estão espalhados pelo Brasil afora.”
1º CASAMENTO CAIPIRA - Ele descobriu a beleza do São João cedo,
dançando quadrilha na Usina Itaperoá. “Lá a gente dançava o ano todo,
nos sábados e nos domingos.” Em Aracaju, ainda rapaz, dançou quadrilha na casa do carroceiro Zé Gaguinho, que morava na rua Estância,
ARRANCA-UNHA - Na rua dos Estudantes, antiga Quintino Bocaiúva,
João da Cruz montou o seu primeiro arraial, para realizar o tão falado
baile do tabaréu. Inicialmente funcionou sem nome, sendo conhecido
apenas como o Arraial do João da Cruz. Depois de dois anos de funcionamento, passou a ser chamado de Arraial Arranca-Unha, um nome colocado em vista dos demais que faziam concorrência. “Já tinha o Arraial
da Alegria e Arraial do Meio, e eu, para arrancar com eles, aceitei a suges-
Oxente! essa é a nossa gente
entre Riachão e Nossa Senhora das Dores, tendo como mestre da quadrilha o famoso Pirambu e, como contramestre, Aída Costa.
Aumentou o gosto pelos festejos juninos, a partir da noite em que
esteve na residência do ex-governador Leandro Maciel. “Tinha uma
grande festa, num dia de São João. Uma fogueira enorme. Os grandolas
lá dentro da casa e eu assistindo tudo aquilo, encantado, do lado de
fora. Quando eu vinha para minha casa, encontrei com Celina Braz,
filha do Severino Braz, que chegou pra mim e disse: ‘Seu João da Cruz,
vamos fazer no ano que vem uma festa de tabaréu?’ Depois de assistir à
bonita festa da casa de Leandro Maciel, respondi logo, com todo o entusiasmo: Vamos! Aí, ela me explicou que a tal festa de tabaréu era com
os homens vestidos com calça de cutim, com remendo na frente e na
bunda. Falou que teria um casamento de tabaréu, desfilando pelas ruas
da cidade, de carroça.”
Vibrando demais com a proposta, pouco tempo depois, tratou de
organizar, juntamente com Celina Braz, a festa de tabaréu e o casamento.
“Nunca tinha tido casamento de tabaréu em Aracaju. Fomos nós que
realizamos o 1º, que teve como noivos Dorotéia e Carlito da Cruz. O
casamento saiu da rua Riachão e terminou na rua Itaporanga. Passamos
na casa do Sr. Augusto Luz, antes do dia do casamento, e acertamos o
carro de propaganda de sua propriedade. Era o famoso carro de propaganda Guarany. No casamento, o carro saiu na frente, vindo em seguida os
noivos num carro-de-boi, e o restante do pessoal em carroça de burro.”
O casamento passou pelas principais ruas do Centro de Aracaju, inclusive pelo Carro Quebrado. Na praça Fausto Cardoso, houve uma pequena parada, onde o governador da época acenou para os noivos da
sacada do palácio. “O governador neste ano já era Arnaldo Garcez.”
215
Oxente! essa é a nossa gente
tão de uma filha minha, que me disse que tinha que arrancar as unhas de
todos eles. Daí o nome do Arraial do Arranca-Unha.”
Transferindo-se de Aracaju, a amiga Celina afastou-se da organização
do casamento, assumindo João da Cruz toda a responsabilidade. Foram
mais de 20 anos de casamento e de arraial, só se afastando quando a
idade exigiu uma parada. No início, o Arranca-Unha funcionou com um
sistema de auto-falantes alugado ao Augusto Luz. Tempos depois, por
causa da quadrilha, houve necessidade de se contratar um sanfoneiro,
sendo substituída a música mecânica pela música ao vivo. “Era muito
mais gostoso com sanfona.”
O arraial foi tão importante que chegou a receber a visita do governador Leandro Maciel, que chegou até lá de surpresa. “Ele ficou tão empolgado com o nosso arraial, que me reclamou por não ter ido até o palácio
pedir ajuda ao governo, como fazia os meus concorrentes.” A manutenção do Arranca-Unha sempre foi paga com a bilheteria, com a ajuda dos
moradores do bairro e de pessoas amigas.
Pessoas vindas de todas as partes da cidade participavam das brincadeiras, que eram iniciadas às 20 horas, indo até o sol aparecer. Mas só
quem podia participar da quadrilha do arraial era o pessoal do bairro, e
isso João da Cruz diz com a maior satisfação.
216
PIMENTA-DO-REINO - Um fato preocupante do Arranca-Unha aconteceu na noite em que jogaram pimenta-do-reino no piso do arraial. “Foi
obra de um dos meus concorrentes, com inveja, pois o meu arraial era
cheio durante todo o mês de junho. Ele mandou uma pessoa jogar a
pimenta. Foi tanto espirro, que foi uma coisa de louco. Foi uma coisa
impressionante! Quando descobrimos, pegamos bastante água e resolvemos o problema, que deu o que falar.”
João conta uma história interessante dos casamentos: “Foi quando a
noiva gostou tanto, que ficou com a barriga bem cheia. Na hora da verdade, quem fugiu da responsabilidade foi o noivo, que alegou que o casamento era de mentirinha e que jamais poderia ser levado a sério tal coisa.”
QUADRILHA DE ANTIGAMENTE - Especialista em quadrilha, João da
Cruz, com lágrimas nos olhos, fala da que ele conheceu e manteve, sem
AS QUADRILHAS DE HOJE - “Agora não é mais quadrilha.” João da
Cruz não considera as atuais quadrilhas que brincam em Aracaju. “Dona
Aglaé me perguntou, depois de uma exibição de quadrilha, o que eu
achava. Pedi desculpas e disse que o que tinha visto não tinha nada de
quadrilha. Tiraram até marcador.”
Da Secretaria de Educação, recebeu uma placa no mês de junho de
1989, com o dizer “o homem vale por suas ações”, num reconhecimento
Oxente! essa é a nossa gente
nenhuma alteração, por mais de 20 anos, ciente da responsabilidade que
tinha na manutenção de uma tradição. “Cada qual pega o seu par. Cavalheiros e cavalheiras, chegou a hora da nossa quadrilha. Muita animação! Não vamos deixar a peteca cair. Tá na hora de começar. Vamos para
a grande roda. Animação minha gente! Vamos todo mundo ao centro.
Travessei e travessei. Vamos cada um para seu lugar. Sanfoneiro, segure
o fole direito, meu filho. Vamos todos para o passeio dos namorados,
que é muito bom. Me respondam: não é? Vocês estão animados e eu
também. Vamos aproveitar e vamos para o caminho da roça. Atenção
minha gente, palmas, vamos para a roda. Atenção, troca um, troca dois,
troca três, vamos continuar trocando que está bom demais. Basta. Seus
lugares.”
“Agora vamos fazer o laço do amor. Vamos ao centro, dançando bem
animados. Recuar. Agora, cavalheiros por dentro e cavalheiras por fora.
Muito bem! Vamos para o ganchê. Palmas! Garranchê. Tá tudo muito
bom, bom demais. Vamos para o túnel. Cuidado! Preparar para o túnel.
Já passamos, vamos para a onda. Cuidado para ninguém enjoar. Preparar
o arco. Mais animação minha gente! Vamos todos para o galope. Todo
mundo trotando. Que beleza! Restravessei. Grande roda. Sanfoneiro, seu
cabra da peste, o senhor é bom mesmo? Vamos aproveitar o som da
sanfona minha gente! Vamos dançar, cavalheiro dançando com a cavalheira
adversária. Muito bem, vamos para o lavantu. Chegou a vez do labirinto,
que é o grande X. Lavantu, anarriê. Preparar para a cara dura. Saem dois
logo, pra andar rápido. As cavalheiras deixam os cavalheiros no centro.
Depois é a cara dura das cavalheiras. Alavan. Grande roda, caminho da
roça. Olha a cobra, minha gente! É mentira! Olha a chuva! Já passou!
Vamos para um passeio fora do arraial.”
217
pelo trabalho desenvolvido junto à comunidade com o seu Arraial Arranca-Unha. Também recebeu o Troféu Arranca-Unha e teve a satisfação
de ver seu arraial voltar a existir no Centro de Criatividade em época de
São João, apesar da tristeza de constatar que já não dançam mais as quadrilhas como no tempo do verdadeiro arraial de João Cruz.
Oxente! essa é a nossa gente
SONHANDO COM PACA - Fora do São João, era considerado o maior
caçador de paca de Aracaju. Revela que nunca contou mentira de caçada,
mas conta que sempre contou vantagem. “Quando eu ia caçar, sonhava
onde a paca estava escondida. Assim, mais de seis caçadores me seguiam e, quando a gente se encontrava, de manhã cedo, todos perguntavam:
‘Como é João da Cruz, o senhor sonhou ontem com a paca?’”
218
João de Barros: o colunista das revelações
J
EDUCADO PELA AVÓ – De Maria Conceição Aguiar Menezes Barros,
João de Barros recebeu uma educação muito rígida e, acrescenta, ao mesmo tempo maravilhosa, pois não era uma mulher ditadora. “Eu nunca
Oxente! essa é a nossa gente
oão de Menezes Barros Filho nasceu no dia 13 de janeiro de 1949,
na cidade de Aracaju, filho de João
de Menezes Barros e Amália
Santana Barros. Diz que é
capricorniano dos bons, embora
não acredite muito no seu signo.
Poucas lembranças dos pais e conta os motivos: “Na casa, eram a
minha avó, minhas duas tias e
meu pai. Meu pai casa e eu nasci.
Essa família toda morava na residência do cônego Sarapião Machado de Aguiar Menezes, irmão da
minha avó, na época vigário geral da Arquidiocese de Aracaju. Fui a
primeira criança da casa. Com dois anos de idade, meu tio padre morreu
e minha avó ficou muito abalada. Meu pai, funcionário da Rede Ferroviária Federal Leste Brasileira, foi transferido para Salvador quando eu
tinha iniciado os estudos. Onde ele foi morar, em Peripiri, não tinha
ginásio. Eu, tendo o Jackson de Figueiredo pertinho de minha casa, fiquei por aqui, esperando concluir o ginásio. Terminei morando 30 anos
com minha avó, até que Deus a levou.”
Publicado no Jornal da Cidade em 16.11.1997
219
Oxente! essa é a nossa gente
apanhei, mas ficava de castigo, que era didático. Na hora de brincar,
ficava em casa trabalhando.”
No primeiro casamento, seu pai teve seis filhos. Acometido por uma
grave doença, desenganado pelos médicos, após três anos de cama,
retornou a Aracaju. “Meu pai voltou para morrer junto da família. Mas,
graças ao médico José Augusto Barreto, que tinha chegado dos Estados
Unidos de um congresso médico, constatou um vírus de uma doença
tropical raríssima, que, por coincidência, ele tinha estudado no congresso. Ele submeteu meu pai a um tratamento especial e, com um ano, meu
pai foi curado. Um ano depois, minha mãe morre de câncer, meu pai
casa-se de novo e tem mais cinco filhos. Tenho 10 irmãos, embora a
minha vida seja meio individual, criado desgarrado, não é? As pessoas
até desconhecem esse detalhe.”
220
VIDA ESCOLAR – Com cinco anos, já sabendo o ABC, ensinado pela
avó, entrou no Jardim de Infância Augusto Maynard. Depois, foi estudar
o curso primário no Educandário Nossa Senhora Menina, da professora
Antônia Rosa da Silva, recebendo ensinamentos das professoras Nutrigar,
Maria Amália e Maria das Neves. Fez o 4º ano no Curso Particular Maria
da Anunciação. “Era um curso especial que havia na rua Santo Amaro,
das irmãs Teixeira, Rosilda e Francisquinha, com turmas de apenas 10
alunos. Foram minhas colegas Clara Angélica Porto e Otília Cabral.”
Prestou exame de admissão para o Colégio Jackson de Figueiredo,
passando entre os primeiros lugares. Ficou fascinado pelo colégio, dirigido pelos professores Benedito Alves de Oliveira e Judite Rocha de
Oliveira, tendo ali concluído seu curso ginasial. Prosseguindo os estudos na Escola Técnica do Comércio de Sergipe, fez o curso técnico em
Contabilidade.
Ainda aluno do Jackson, guarda na lembrança o grupo de amigos,
que diariamente se encontrava para gostosas conversas. Entre eles: Luís
Fernando Soutelo, Carlos Alberto Porto, João Ferreira Lima e José Roris
da Silva. João de Barros e seu grupo já percebiam e discutiam sobre a
falta de incentivo cultural em Aracaju, por parte do poder público. Foram esticando conversa e, num certo dia, João de Barros propôs: “A gente
vive reclamando e a gente não faz nada? E aí resolvemos criar a Associa-
ASSOCIAÇÃO SERGIPANA DE CULTURA – João de Barros afirma que
a ASC foi o grande feito da sua juventude. “A ASC foi um produto meu.
Nós criamos numa tarde de domingo, na casa de Carlos Porto, onde
estávamos eu, Carlos Lacerda, Alberto Rosa Montalvão, João Ferreira Lima,
Luís Fernando Ribeiro Soutelo, Carlos Roberto Porto e Djaldino Mota
Moreno.”
A primeira atividade da entidade cultural foi uma palestra de Luís
Fernando Soutelo sobre a vida de Dom Pedro II. “Uma palestra interna,
só para os sete componentes. Na outra semana, outros colegas apareceram e assim foi aumentando o número, necessitando de um lugar maior.
Conseguimos com Epaminondas da Rocha Teles, diretor da Biblioteca
Pública, que funcionava na praça Fausto Cardoso, onde hoje é o Arquivo
Público, o auditório para as tardes dos domingos.”
“Levamos nossos professores para fazer palestras, passando a ser nossa
distração das tardes dominicais, quando ouvíamos mestres como José
Antônio da Costa Melo, de saudosa memória, professora Ivone Mendonça Souza, Maria da Glória Monteiro, Maria da Glória Menezes Portugal e
Teresa Prado.” Aos poucos, o público foi aumentando e, de repente, a
brincadeira de estudantes virou uma entidade séria, que recebeu até registro e fez grandes promoções na área cultural, como o primeiro concurso de poesia falada em Sergipe, que depois ganhou dimensão regional.”
O PARQUE E CABO TRIPA – Se o Parque falasse, quanta coisa diria para
a memória de Sergipe. Mas como o Parque não fala, João de Barros fala do
Parque. “O Parque sempre foi sinônimo de festa e de vida. O Parque pra
mim eram as feirinhas de Natal. Eu passava o ano inteiro transitando
pelo Parque, esperando 8 de dezembro, para inaugurar a feirinha de Natal. Era a coisa mais linda. O Parque sem grades, sem prisão, cheio de
gaiolas, a onça, a preguiça de galho em galho, os oitis caindo no chão, os
tamarindos. Era um negócio maravilhoso. Quando chegava 8 de dezembro, a festa estava pronta. O Carrossel do Seu Tobias, a roda-gigante, a
onda, os barcos, os bares ali no Egitinho, no fundo da Catedral.”
Oxente! essa é a nossa gente
ção Sergipana de Cultura (ASC), onde começamos a brincar de fazer
cultura.”
221
Oxente! essa é a nossa gente
João conta que, além da turma de jovens amantes da cultura, o Parque
era freqüentado por outra, cconhecida como a Turma do Cabo Tripa.
“Fundada pelo jovem chamado Evandro, de saudosa memória, cujo apelido era Cabo Tripa. Era uma turma terrível, os irmãos metralhas da época. Os maiores leitores de colunas sociais dos jornais e os maiores ouvintes dos programas de sociedade pelo rádio. Para quê? Para saber onde
ia ter casamento, festas de 15 anos e formaturas, para eles irem para
acabar com as festas.”
“A gente tremia de medo da Turma do Cabo Tripa. Me lembro que eu
morava na rua Santa Luzia, esquina com o Parque, e minha avó mandava
comprar pão. Se a turma do Cabo estivesse na frente da igreja, arrodeava
o Parque inteiro para ir à esquina da Santo Amaro, onde tinha a padaria,
que era no outro lado. Participavam da Turma do Cabo Tripa: Alencar
Cardoso Lima, Cavalcante, Reginaldo e uma série de meninos que eram
da pesada.”
222
PRIMEIRO EMPREGO – Conta uma grande experiência: “Minha avó achava
que a responsabilidade do homem deve começar na sua infância. Quando
tinha 16 anos, já aluno na Escola Técnica de Sergipe, estudava à noite,
quando minha avó me pegou pelo braço e me levou até o Banco Dantas
Freire, do saudoso Murilo Dantas. Pediu para Murilo me empregar, sem
onerar a folha de pagamento. Ela falou para Murilo: ‘Quero que ele comece
por baixo, para ele entender desde cedo que todo o trabalho enobrece o
homem e que todo trabalho é digno de orgulho’. Minha avó me empregou
como servente, lavando latrina, servindo cafezinho, indo dia de sábado de
short lavar o banco, e mais: toda semana tinha que apresentar o cartão de
ponto, para mostrar em casa que chegava e saía na hora certa.”
A avó tinha prometido ao neto que, quando ele conseguisse um emprego por conta própria, poderia partir para a nova experiência. Passados três meses, Barrinhos consegue emprego na Sociedade de Cultura
Artística de Sergipe, através do tesoureiro da SCAS, de nome Nascimento, que falou com o então presidente da entidade cultural, professor João
Costa, que estava à procura de um secretário. “Meu primeiro emprego de
fato e de direito foi como secretário executivo da Sociedade de Cultura
Artística de Sergipe.”
QUASE FOI PADRE – “Como o chefe do clã de minha família era o
cônego Sarapião Menezes, minha formação religiosa foi muito rígida desde a infância. Não perdia uma procissão, nem missa de domingo. Eu
confessava, comungava, tudo como manda o figurino. Vivia dentro da
Catedral. Chegou uma época em que eu tinha todas as chaves da Catedral penduradas no meu cinturão. Ajudava na missa em latim, sabia
onde tinha tudo guardado, vivia dentro da igreja. Quase fui padre e hoje
até lamento, talvez tivesse sido até melhor.”
“Com Santo Antônio? Costumo dizer que sempre tive um caso de
amor com o santo desde minha infância. Foi uma coisa nata. Eu fazia
novena para Santo Antônio, quando eu arrumava, com caixas de sapato,
aquela escadinha, cheia de jarrinhos com flor e vela, rezava, cantava.
Conservo isso até hoje, já que tenho uma igreja que construí em honra
de Santo Antônio. Não só uma igreja, mas todo um complexo de assistência filantrópica com o nome de Santo Antônio.”
PARTICIPAÇÃO NA IMPRENSA – Com o programa de rádio “Vanguarda Cultural”, da Associação Sergipana de Cultura, iniciou sua caminha-
Oxente! essa é a nossa gente
VIAGENS – Resolve partir para o Rio de Janeiro, em busca de experiências novas. “Fui bancário, fiz concurso e fui aprovado no Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais. Depois, decidi morar em Salvador, conseguindo emprego como chefe de administração da ABC Rádio e Televisão do Nordeste.”
Com saudades da terra, retorna e logo é chamado para ser secretário
executivo do Conselho Estadual de Cultura, sendo responsável, na administração de Nestor Piva, que era secretário de Educação, da montagem
física do Conselho. Foi diretor da Divisão de Turismo do então Departamento Municipal de Turismo, quando era presidente do DETUR o padre
Arnóbio Patrício de Melo;assumiu a direção da Galeria de Artes Álvaro
Santos; retornou ao Conselho Estadual de Cultura, na função de secretário geral; foi chefe do cerimonial do governo, na administração Antônio
Carlos Valadares; hoje é assessor de projetos e marketing da Fundação
Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju), além de ser o presidente da Ação
Solidária Santo Antônio, entidade de caráter filantrópico criada por ele.
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Oxente! essa é a nossa gente
da na imprensa sergipana. Nos jornais, seu primeiro trabalho foi na Tribuna de Aracaju. “Me lembro de um fato curioso: José Ribeiro, de Lagarto, me chamou, pois já me conhecia do rádio. Eu fazia ‘Vanguarda Cultural’, depois fui fazer ‘Sociedade’, na Rádio Liberdade, substituindo Lânia
Duarte, que tinha o programa ‘Socilânia’. José Ribeiro cria a Tribuna e me
diz: ‘Vou lhe dar uma coluna, mas você terá que assinar um documento
dizendo que você não quer ganhar dinheiro’. Eu assinei o documento,
pois eu já vislumbrei naquilo um tremendo aprendizado, como realmente foi, a minha universidade de jornalismo. Escrevia a coluna ‘Arte, o
Axial’. Depois, fui convidado por Raimundo Luiz da Silva, que era diretor do Diário de Aracaju, para escrever no órgão dos Diários Associados a
coluna ‘Arte Manhas’, ao lado da coluna social, que era assinada por
Paulo Nou, que deixou de escrever logo quando se formou em Direito.
Raimundo me convidou e eu ocupei o espaço inteiro com a coluna ‘João
de Barros’, no Diário de Aracaju, ganhando 60 mil réis. Daí recebi o
convite para ganhar muito mais no jornal O Estado de Sergipe. Fui com
um grupo enorme, inclusive Roberto Batista. De lá, consigo um programa na Rádio Cultura, saindo para a Televisão Atalaia e também convidado para o Jornal da Cidade, do mesmo grupo, onde estou há 17 anos.”
224
JOÃO É PAI – “Dizem que para o homem se realizar tem que fazer três
coisas: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Estou escrevendo meu livro agora e vai ser lançado em 1992, que se chama ‘Sociedade Sergipana’”. E o filho? O filho é uma história muito complicada. Você
tinha que tocar nesse assunto? Bom, o filho, tanto tenho de sangue,
como de criação. De sangue foi uma pulada de cerca na época da adolescência e daí nasceu uma menina, que eu não conheço, que mora no Rio
de Janeiro. A mãe me comunicou apenas que estava grávida e foi embora
assumido a filha.”
O nome da filha? “O primeiro nome é Joana. Fiquei sabendo depois,
por carta, que a mãe escreveu dizendo que tinha sido uma menina, colocando Joana em minha homenagem e ponto final. Aqui em Aracaju, ajudei a criar um rapaz, que hoje é oficial da Polícia Militar do Estado de
Sergipe. Se eu não tivesse acolhido na minha casa ele hoje podia ser
mais um marginal, porque recolhi como menino de rua, na sarjeta. Ago-
ra, na Ação Solidária Santo Antônio, sou pai de uma comunidade de
mais de mil pessoas, o que me deixa muito feliz.”
DE TODAS AS POSIÇÕES – “Sempre declarei tudo. Sempre fui aberto e
sempre fui um pouco irreverente em determinadas ocasiões, pois eu acho
que quando você, na vida, assume as suas verdades, com dignidade e com
respeito absoluto às verdades dos outros, você não tem o que esconder.”
E sobre a entrevista ao jornal Desacato? “Foi uma repercussão medonha, porque Pedro Valadares, que era o dono desse jornal, me procurou
dizendo que o jornal estava duas semanas sem sair e que precisava de
alguma coisa de peso para botá-lo pra frente nas bancas. Perguntou se eu
topava uma entrevista. Disse que sim, pois sempre fui dono do meu
nariz. Eu costumo dizer: comprei, paguei, não devo nada a ninguém! Ele
disse: ‘O título vai ser o seguinte: Eu dou, tu dás, ele dá’. Era a manchete
do jornal. Um retrato meu enorme e, bem pequenininho: ‘E nós damos...
uma entrevista com João de Barros’. Quer dizer, foi um golpe jornalístico
muito bem feito. Dentro, mil perguntas, tendo respondido a todas!”
“Agora vem Amaral, com a Folha da Praia, e fez há pouco tempo ‘69
posições com João de Barros’. Também respondi todas as perguntas
exageradamente irreverentes. Amaral me perguntou: ‘E você já transou
dentro de elevador?’ Repare que pergunta? ‘Qual é sua posição preferida?’; ‘Você grita quando está transando?’ E eu procurei responder a todas, mas garanto que nenhuma família sergipana, em nenhum lar onde a
Oxente! essa é a nossa gente
BAILE DOS ARTISTAS – “Como colunista social, promovi o Baile dos
Artistas, que foi um marco nacional, com 17 anos de realizações, pois
nós trouxemos estrelas do Brasil inteiro; fizemos o Festival da Mulher,
que aconteceu durante seis anos; realizamos o encontro social só para
mulheres, por algum tempo; a festa anual das mães que fazia na televisão; vários encontros regionais de colunistas sociais; criei o primeiro
salão de arte em Aracaju, que foi o Salão Atalaia de Pintura; concurso de
decoração de clubes no carnaval e outras diversas promoções. Agora,
acabei de criar a Associação dos Colunistas Sociais de Sergipe, que tem
a minha presidência, e a vice de Alberto Falk, numa homenagem aos
colunistas sociais do interior.”
225
Folha da Praia chegou, se sentiu atingida ou maculada por alguma coisa
que viesse de encontro à moral e ao respeito da família sergipana. Pois
sempre joguei com inteligência. Falando a verdade, mas dentro de um
contexto literário inteligente, que da velha de 90 anos à jovem adolescente poderia ler, achar graça e não se sentir maculada!”
Oxente! essa é a nossa gente
A PINTURA – “Também despertei para as artes plásticas. Descobri uma
técnica, juntando duas técnicas já existentes: a pintura e o bico de pena.
Hoje, faço bico de pena sobre a pintura. Funcionou e já participei de
vários salões nacionais.”
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PERDIDO NA NOITE – “Já fui, me perdi na noite e não me arrependo.
Eu era uma pessoa que saía 7 horas da noite e só voltava para dormir 3,
4 horas da manhã. Fui o Barrinhos da Cascatinha do Parque; da velha
Yara que os anos não trazem mais; do Cacique Chá; Barrinhos do Vaqueiro da Atalaia; do Bar Amarelinho do meu amigo Hunaldo Barros; do
Tropeiro; do Chapéu de Couro. De todos os bares, dos minhas cubas,
das primeiras boates sergipanas, das batidas com poste, tendo ido ao
hospital algumas vezes, tendo acabado vários carros; já viajei o Brasil
inteiro. Concurso de miss? Passei oito anos como coordenador do Miss
Brasil em Sergipe. Tudo isso me levou a curtir demais a vida. Parece até
que Deus estava me dando corda para fazer tudo que tinha e que não
tinha direito, para, aos 42 anos, ele me puxar para uma vida mais regrada
e inteiramente voltada para os meus semelhantes. A vida que estou levando hoje.”
João do Alho, do esporte, da política e do bar
aetano Veloso, depois de comer uma moqueca
de cação, deu um beijo em João do Alho e
não ficou só nisso. Tempos depois, fez uma música falando da moqueca do João. Daí, João do
Alho e seu restaurante passaram a ser conhecidos nacionalmente.
Hoje, João já não trabalha mais, mora na Barra dos Coqueiros e lá ninguém o conhece como
João do Alho e, sim, como João da Cohap, o homem que foi o segundo prefeito do município da
Barra dos Coqueiros.
Na juventude, um atleta do remo, do vôlei e
do futebol, tendo feito sucesso no Sergipe, inclusive participando de sua diretoria. Homem ligado ao mar, atravessava o rio Sergipe, juntamente
com o amigo Zé Peixe, sem muito esforço. Os
dois chegaram a ir até Salvador num pequeno
bote à vela.
Sabe de muitas histórias políticas de Sergipe
e de muitas histórias de pescador, pois sempre
foi um apaixonado pela pesca, participando com
destaque do Clube de Pesca Amador de Sergipe.
FILHO DE ARACAJU, VIZINHO DE ZÉ PEIXE - João Pessoa Chagas
nasceu a 5 de dezembro de 1930, em Aracaju, filho de Luís Chagas e
Publicado no Jornal da Cidade em 12.1.1992
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
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Maria Conceição Chagas. Ser honesto e respeitar o próximo foram exemplos passados pelo pai. Sua infância foi vivida na avenida Ivo do Prado,
836, bem perto da casa de Zé Peixe, amigo de infância.
No Colégio Tobias Barreto, concluiu o primário e o ginasial. Foi do
tempo do professor Zezinho Cardoso. “A gente tinha divisa e cheguei a
ser sargento, comandante de pelotão. O colégio era militarizado. Tinha
tenente, capitão e, quando saía com o pelotão na rua, tinha que dar satisfação ao professor Zezinho, que ficava na varanda com uma varinha na
mão. Uma vez, meu irmão fazia parte do pelotão e não se comportou
direito na rua. Me pegaram de cheio, dizendo que eu não teria coragem
de fazer a denúncia ao professor. Não podeia vacilar para não perder
meu posto, e meu irmão caiu na varinha do professor Zezinho.”
Um aluno que gostava muito do colégio, pela disciplina e pelo ensino. No primário, porque era um menino muito danado, o pai tratou logo
de tomar algumas providências. “Pela manhã, estudava no Tobias e, pela
tarde, meu pai me botava no Grupo Siqueira, que funcionava na Rua da
Frente, porque era amigo do diretor, professor Elias Reis. Fez isso para a
gente não ficar na rua. Pela noite, obrigava a fazer banca. Não sobrava
tempo para outras coisas.”
A professora Briolângia de Carvalho foi responsável pelo ensino em
todo o curso primário no Tobias, ensinando bem somar e multiplicar.
Mas um dia deixou de estudar, dedicando seu tempo ao Sergipe, onde
foi atleta do vôlei, futebol e remo.
REMO E BOTE - Na equipe de remo do Sergipe, tinha como companheiros de guarnição Geraldo Porfírio, Cesário e Manoel Espinheira. Logo às
4 horas, antes do sol, já estava no clube e, às 4h30min, no estuário do rio
Sergipe. Uma época em que o remo era o orgulho do esporte amador
sergipano, tendo mais de 20 barcos e várias categorias, com participação
dos clubes Cotinguiba, Sergipe e Aracaju. Com lágrimas, recorda-se dos
velhos tempos: “O remo era uma coisa espetacular. Parecia até uma procissão de Bom Jesus. O povo delirava!”
Tinha uma ligação profunda com o rio Sergipe, desde menino. “Eu
atravessava o rio brincando. Eu e Zé Peixe, que era meu vizinho. Meu
avô cansou de ir atrás da gente para bater, pois eu saía com Zé Peixe, na
ORIGEM DO APELIDO - Ele conta como passou a ser chamado de
João do Alho. “Aqui tinha um médico legista, chamado Carlos Menezes.
Depois seu nome foi dado ao Instituto de Identificação da Secretaria de
Segurança Pública. Ele era muito amigo de meu pai e era uma pessoa
bem gozadora. Não sei os motivos, mas, na gozação, ele passou a chamar
meu pai de ‘Luís Seu Alho’ e o nome pegou. Quando passei a praticar
futebol, era comum cada jogador ter um apelido. Minha turma do Sergipe,
por causa do apelido do meu pai, passou a me chamar de João do Alho.”
FUTEBOL - Na posição de zagueiro lateral entrou na história do futebol
sergipano. Iniciou no amador e acabou no amador, pois naquele tempo
não existia profissionalismo. Como sempre gostou de travessuras, aprontou uma com o goleiro Gilton, do Cotinguiba. “Era o maior dançador de
boate e jogava como goleiro. No dia do jogo, ele chegou na sede do Sergipe
dizendo que ia ganhar do meu time e que eu não era de nada. Fiquei
calado e com raiva. Quando foi à tarde, na hora do jogo, na cobrança de
um escanteio, enchi a mão de cal, que marca o campo de futebol, e fiquei
à espera da bola. Quando ele saiu do gol e pulou, joguei cal nos olhos,
um colega fez o gol e eu vibrei. Gomes era o juiz e me mandou para fora.
Oxente! essa é a nossa gente
canoinha que ele tinha. Cheguei a ir até Salvador. Zé Peixe tinha um
bote, chamado Piroscá, que não chegava a ter quatro metros. Eu fui com
ele e mais um amigo. O capitão dos Portos, quando soube, mandou prender a gente na Bahia. Viajamos dois dias e uma noite, na vela, pegando o
vento Nordeste do verão. Levamos bolachão e lingüiça e fomos comendo, comendo, até chegar a Salvador.” O bote foi apreendido, retornando
tempos depois no cargueiro Lami; os aventureiros voltaram na carroceria
de um caminhão. Os amigos da praticagem deram o aviso bem a tempo.
Mas somente Zé Peixe e João gostaram da aventura. “O outro que foi
com a gente chamava-se Mariano. Era um preto forte e, daqui até Salvador, enjoou, e fez toda a viagem deitado no bote. Queria retornar, mas a
Inês já estava morta”. Quando lá chegaram, Mariano tratou de retornar a
Aracaju. “Eu e o Zé ficamos. Zé era da praticagem e tinha farda de oficial.
Vestiu uma me deu outra. Aí, nós fomos desfilar na Bahia, com aquela
farda bonita. Era bonde, elevador, tudo de graça.”
229
Saí alegre, satisfeito, todo orgulhoso. O gol não foi anulado e minha
vingança estava resolvida.” Além de ter sido jogador do time participou
da diretoria do clube. “Éramos Zozó, eu e João Hora. Uma trinca de
ouro.”
E foi um levantador que fez sucesso no vôlei, jogando pelo time do
Sergipe. “O time tinha Tísio, o filho do finado Teté, Deda, filho de Álvaro Bezerra, Zé Américo, Germano.” Orgulha-se da medalha que recebeu
como campeão de vôlei pelo Sergipe.
Oxente! essa é a nossa gente
PRIMEIRO EMPREGO - Aos 19 anos, conseguiu com Luiz Garcia um
emprego na Cohap (Companhia de Abastecimento de Preços), na função
de fiscal. “Tinha todo pique e não brincava em serviço. Mas de tanto
levar a sério o trabalho, senti o peso da decepção. Sempre fui cumpridor
dos deveres. O professor Acrísio Cruz era o presidente da Cohap. Ele
queria que eu pegasse Laci Rocha vendendo o leite com o preço fora da
tabela. Eu passei muitas madrugadas sem dormir, para pegar o homem
em flagrante. Peguei, depois de 15 madrugadas. A multa foi enviada para
análise, para depois sair a sentença final. Laci Rocha ficou livre, sem
maiores problemas. Eu? Fiquei doente.” Foram 6 anos de atividades na
Cohap, afastando-se para exercer atividades políticas.
230
FAMÍLIA - Não perdia uma festa de Santa Luzia, padroeira da Barra dos
Coqueiros. Em uma delas aconteceu o primeiro encontro com a futura
esposa. “Passsei a olhar, ela gostou, deu adeus e correu, desaparecendo.
Depois de dias, fui atrás, que não era besta. Estava com o cupido. Quando conversávamos e ela via alguém de sua família, corria e me deixava.
Tomei uma posição: procurei saber se ela queria namorar ou não. Terminei indo namorar na porta e, com um ano e pouco, nós nos casarmos.”
Foi ao altar com Maria Vera Cruz Chagas e, do casamento, três filhos:
Rosa Maria Vera Cruz Chagas, Maria da Conceição e um filho, falecido,
Luís Chagas Júnior. É avô de três anos: Edson, Élson e Rosane. João
possui uma irmão: Mirte Maria Chagas.
O fato mais engraçado do tempo de namoro aconteceu quando perdeu, numa certa noite, a canoa tototó. “Quando eram 19h30min, eu chegava; quando dava 21h30min, saía correndo, para não perder a última
POLÍTICA - Depois do casamento, resolveu ficar morando na Barra dos
Coqueiros. Deu-se bem e resolveu entrar na política. “Tinha uma tabeliã
de nome Maria Helena, já falecida. Ela me disse que eu deveria ser candidato a vereador. Resolvi me candidatar. Naquele tempo, tinha um juiz
e eu não vou dizer o seu nome, pois ele é muito meu amigo, que quebrou
meu galho. Na Barra tinham 1.100 eleitores: consegui trazer de Aracaju
para votar aqui, cerca de 400 eleitores.”
“A UDN não ganhava nenhuma eleição, só tomava de cacetada. Nisso,
aconteceu um desentendimento no campo de futebol com a tabeliã e um
cidadão chamado Campos. O finado Campos chegou a apontar o revólver para o Chiquinho, esposo da Maria Helena. Ficou nesse negócio de
interior, quando chegava um e dizia: ‘Você não é homem? Campos queria
lhe matar e você não fez nada’. Ficavam os outros, para o lado do finado
Campos: ‘Campos, você é ou não é homem? Vou lhe acompanhar para
não acontecer nada com você’. A jogada foi longe. Um dia, Chiquinho
tomou uma cachaça até 8 horas e ficou aguardando Campos, que era
candidato a prefeito. Chiquinho pegou Campos na esquina, ali onde fica
a Padaria Delícia. Mandou que ele se preparasse para morrer. Chiquinho
deu um bocado de tiro e Campos dizia: ‘Não me mate, Chiquinho! Não
me mate, pelo amor de Deus!’ E Chiquinho: vapt, vapt, vapt e tuff, completou o último suspiro com uma afinada faca.”
“Dr. Leandro, mesmo a tabeliã sendo do seu partido, UDN, mandou
prender o Chiquinho. Depois veio o júri aqui na Barra, com a presença
de Purga Prenha, que era promotor. Resultado: Chiquinho foi solto.”
João dispara histórias e mais histórias da Barra dos Coqueiros, para
mostrar como ele chegou a ser candidato a prefeito em 1958. “Construíram uma catatumba na esquina da Padaria Delícia e, no meu comício,
Oxente! essa é a nossa gente
canoa. Uma vez eu perdi e, sendo o delegado muito meu amigo, sargento
Carlos, me deu socorro. Eu namorava com Rosa, Dodô, filho de mestre
Lindolfo, namorava com a filha de Epaminondas, a Nalva, e Chico, que
foi caixa do Banco do Brasil, namorava Yolanda, irmã de Teresa. Dormimos no Distrito. O delegado preparou três redes, bem perto dos presos.
Para sair no outro dia, a maior vergonha do mundo, para ninguém pensar que os três tinham dormido presos.”
231
Oxente! essa é a nossa gente
disse que, se eleito, tiraria a catatumba do meio da rua. Foi dito e certo:
tirei e dei o nome do morto à rua, mesmo ele sendo um político adversário. Inaugurei festivamente, com governador e tudo.”
No vai e volta da conversa, revelou que o candidato do seu partido ao
cargo de prefeito, temeroso com o clima político, resolveu cair fora. A
UDN ficou sem candidato e o PSD logo providenciou a viúva de Campos
para disputar eleição. “Procuravam um homem de verdade e alguém disse: ‘Só tem um por aqui. Quem é? João da Cohap’”.
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TRAVESTIS NA ELEIÇÃO - João não pensou duas vezes, pois sabia que
estava eleito por causa dos votos de Aracaju. Aceitou e ficou aguardando
o dia da eleição. “As barcas tototó não paravam e, quando deu 10 horas,
na apuração, ganhei na primeira urna, perdi na segunda e, na terceira,
fui para a porta da Catedral. Ganhei para a viúva, que fazia campanha
toda vestida de preto, dizendo que eu era um dos criminosos.”
Um episódio interessante aconteceu com a ida de alguns travestis de
Aracaju para votar em João da Cohap. “O fotógrafo Luís Carlos, que trabalha no Palácio, arranjou três travestis para votar em mim. No dia da eleição, eles chegaram desfilando pelas ruas, sendo acompanhados por muitos homens, quando um falou bem alto, com a voz toda cheia de trinks:
‘Eu não quero conversa com ninguém, só quero votar em João da Cohap.”
COMO PREFEITO - Lembranças amargas, pois fez muito pela Barra dos
Coqueiros sem nenhum reconhecimento. Logo ao sair, ainda recebeu
uma grande manifestação de apoio para sua mulher, que se candidatou a
vereadora, sendo eleita com um expressivo número de votos. Depois,
foram esquecendo, placas das obras foram arrancadas e pouca gente se
recorda do que ele fez pela Barra, apesar de ter sido o segundo prefeito
do município. “A praça Santa Luzia foi feita por mim. Os primeiros paralelepípedos colocados na cidade, foi comigo. Comprava na família de
Manoel Conde Sobral e transportava na balsa de Vieira Sampaio. A Igreja
Paroquial foi obra minha. O Brasília Esporte Clube foi comigo. Aqui, não
tinha escola, era em casa alugada. Fui pedir ao governador, que construiu o Grupo Escolar Carlos Firpo. Fui o pai da pobreza, tendo dado 87
terrenos com escritura.” Os olhos brilham e o repórter é obrigado a fazer
uma pausa na gravação do depoimento. Depois de alguns minutos, João
conta que não recebeu título de cidadania da Barra dos Coqueiros e nenhuma outra homenagem. Enxugadas as lágrimas, depois de um copo
d’água, fala de Padre Pedro.
BAR 13 DE JULHO - “Era um armazém antigo, de um guarda que tinha
na praia, chamado Barbosa, pai de Rubinho, que foi treinador do Sergipe.
Saí da Barra, procurando educar a família. Passei a negociar. Percebi que a
coisa não dava. Comecei a viajar para o Rio, a fim de comprar alguma coisa
para melhorar as vendas. No Rio, veio a idéia de abrir um bar com umas
sombrinhas na frente e etc. e tal. Resolvi acabar o armazém, que já estava
me dando prejuízo. Foi naquela época que começaram a aparecer os
mercadinhos. Fiz o bar com o mesmo nome do armazém. O bar passou a
ser bem freqüentado pela sociedade sergipana. Tinha um governador aqui,
Wolney Melo, que o ponto dele, mesmo como governador, era lá. O carro
do palácio ia, chegava na porta do bar, deixava ele e ia embora. Depois, a
mulher ou o filho ia buscá-lo em carro particular. E assim foi começando e
a coisa foi pegando e tal. O povo da praia 13 de Julho e de toda a cidade,
já me conhecia por causa do futebol, e João do Alho deixou de ser citado
em campo para ser citado em bar. João do Alho pra lá e pra cá.”
MORA NA BARRA - Hoje, aposentado, João do Alho voltou a morar na
Barra dos Coqueiros, na rua Major Bernardino Dantas, 150. O Bar e Res-
Oxente! essa é a nossa gente
PADRE PEDRO - “As beatas falavam do Padre Pedro, dizendo que ele
rezava uma missa, metade no rio e a outra aqui. Quando o padre chegava
na prefeitura, eu me escondia. Ele me procurava atrás da porta e mandava que eu abrisse o cofre da prefeitura, para eu dar dinheiro aos pobres.”
“Na compra da casa onde o padre mora até hoje, na rua Laranjeiras,
eu avalizei uma promissória no Banco de Murilo. Depois, tive de pagar.
Guardei a promissória e, certa feita, mostrei a um homem, que é de um
coração enorme, chamado Lauro da Bomfim. Quando ele viu a assinatura do Padre Pedro, perguntou quanto era, para ele pagar. Rasguei a promissória na sua frente, dizendo que já estava paga pela prefeitura da
Barra, já que não tinha dinheiro do meu bolso.”
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Oxente! essa é a nossa gente
taurante 13 de Julho recebeu o nome de João do Alho, numa homenagem
dos seus atuais proprietários. João não deixa de falar no assunto. “Eles
estão dando o golpe do baú, mas eu não me incomodo. O povo só conhece o restaurante como João do Alho. Não tinha outro jeito. Eles chegaram
aqui e disseram que iriam prestar uma homenagem, dando meu nome ao
bar. Falei que nunca recebi nenhuma homenagem, dando meu nome ao
bar. Falei que nunca recebi nenhuma homenagem, querem ganhar dinheiro com meu nome. Mas, como está tudo bem, vocês estão pagando
direitinho o aluguel, estão correspondendo às expectativas, eu não me
incomodo, muito pelo contrário, me sinto honrado. Lá está uma bonita
placa com o nome: Restaurante João do Alho.”
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HISTÓRIA DAS PLACAS - “Quando Manoel Conde Sobral era presidente do Banco do Estado, esteve por lá um senhor, chamado Romildo
Gurgel. Foi ele que fez a Confecção Júnior: era um senhor bem gordo. Um
dia, estava sentado numa cadeira e ela foi ao chão. Chegaram para levantar o homem e ele disse para deixar de lado, por ter sido excesso de peso!
Foi ele quem deu a idéia da colocação de placas no restaurante. Me pediu
para colocar uma placa homenageando Manoel Conde Sobral, que era do
Banco do Estado. Queria era dinheiro, menino vivo e, daí, lá vem placa,
lá vem placa, que encheu de placas o restaurante.” Como inaugurava?
“Homem, era uma festa danada. Só o tal de Romildo inaugurou umas 50
placas. A de Augusto Franco, José Leite, até minha placa. E mais, levava
os homenageados, convidados, tapava a placa com uma bandeira de
Sergipe, discurso, fotógrafo. Ele era muito sabido e tinha uma coisa:
mentia pra peste! Virava para mim e dizia: ‘João, não é isso? É, Dr. Romildo’.
Tudo que era empresário do Brasil ele levava e sempre me chamava para
confirmar suas mentiras. Nisso, era uma festa danada. Faturava muito e
dormia com os dentes escancarados de alegria.”
José Eugênio de Jesus: o comentarista esportivo
oi o primeiro comentarista esportivo do rádio
sergipano, fundador da Associação dos Cronistas Desportivos de Sergipe, calouro reprovado no
primeiro programa do gênero, feito por Alfredo Gomes, na Rádio Difusora, e professor da Escola Técnica Federal de Sergipe. Gráfico em diversos jornais
por mais de 20 anos, iniciou-se como jornalista esportivo no Sergipe Jornal, sendo responsável pela
coluna “Registro Social”. Trabalhou como comentarista esportivo nas rádios Cultura e Liberdade, hoje
faz parte da equipe da Rádio Aperipê. Além de tudo
isso, é seresteiro de muitas noitadas pela cidade.
José Eugênio de Jesus nasceu a 18 de outubro
de 1918, em Aracaju. “Exatamente às 16 horas,
numa quarta-feira de sol muito brilhante.” Seus
pais: Antônio Manoel de Jesus e Raquel Paranhos
de Jesus. “Minha mãe morreu com 100 anos e um
mês de idade.”
Conviveu pouco tempo com o pai, um embarcadiço de carreira, que viajava muito para o estrangeiro, passando temporadas fora do Brasil. “Convivi com meu pai até os dez anos de idade. Depois
ele abandonou o lar, retornou, tornou a deixar, falecendo fora de casa.”
O espírito de luta de sua mãe, vendendo verdura, fazendo cocadas,
doces de batata, com a responsabilidade pelo sustento da família, serviu
Publicado no Jornal da Cidade em 26.7.1992
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Oxente! essa é a nossa gente
de exemplo ao filho, que teve uma infância com direito a soltar pipas,
jogar com bola de meia, subir e descer morros. “Ontem, sonhei descendo
o alto da rua Capela, descendo para a rua Geru. Era um alto muito extenso, tendo descida para a rua Lagarto.Tinha o alto do Bonfim, o alto que
descia a Divina Pastora, o da rua Geru e um outro da São Cristóvão.” Era
uma região muito arenosa, situada no centro da cidade de uma Aracaju
vivida com muita intensidade por José Eugênio de Jesus.
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INFÂNCIA - Quando tinha sete anos de idade, entrou na escola da professora Cicilina, que funcionava no alto da rua Bonfim, um pouco distante de sua casa, que era no baixo, já nas proximidades da atual Praça
João XXIII. “Era uma escola onde estudávamos o ABC cantadinho.”
Continuou os estudos no Instituto Coelho e Campos, onde hoje é o
Senai, no curso de tornearia, passando depois pelos cursos de modelagem e fundição. “Foi uma coisa pela qual me apaixonei muito.” Com o
fechamento do Instituto Coelho e Campos, seu pai arranjou emprego
para o filho no Diário da Manhã, através de João Cruz, chefe da gráfica
do jornal, um velho amigo.
Trabalhando pelo dia e estudando à noite o curso ginasial, no Colégio
Tobias Barreto, Eugênio acabou esquecendo sua grande vontade de ser
fundidor. Conquistou um espaço, como gráfico, deixando o colégio de
lado. “Não cheguei a terminar o curso no Tobias. Fiquei na metade do
caminho e só posteriormente cheguei a completar.”
O Diário da Manhã, dirigido por Hunald Santa Flor Cardoso, serviu
de escola nos primeiros passos da sua incursão na tipografia. Estava com
14 anos, quando passou a ter contato com o “caixotinho”. “Uma caixa
tipográfica, toda seccionada com o ABC. Com a revolução de 30, o jornal
foi empastelado, forçando o novo gráfico da cidade a procurar trabalho no
Sergipe Jornal, que era dirigido por Batista Bitencurt, tendo como chefe de
redação Mozart Abuin.” No novo emprego foi além do setor gráfico. “Passei a fazer notinhas sociais numa coluna que tinha o nome de ‘Registro
Social’: aniversaria amanhã, fulano de tal, assim, assim, assado.”
— Quer dizer que iniciou na impressa como colunista social?
— Escrevia a coluna que registrava os aniversários. Um negócio bem
fino, cheio de um certo respeito. Não tinha essa história de coisinha não.
CALOURO - Alfredo já conhecia Eugênio do programa de calouro da
Difusora. “Cantei com a grande orquestra do Pinduca. Naquela época,
treinava no banheiro para não fazer feio no programa do Alfredo, que era
Oxente! essa é a nossa gente
CRÔNICAS CARNAVALESCAS - Já entrosado com a redação do jornal,
com suas notinhas de “negócios bem fino”, José Eugênio foi longe. “O
redator notou que eu tinha jeito para escrever alguma coisa. Quando
faltava alguém, eu escrevia. Depois eu passei a escrever crônicas carnavalescas. Quando chegava a época do Carnaval, eu visitava os clubes carnavalescos e fazia o registro. Em consequência disso, entrei no esporte.”
Jogou muita bola no campo da Ilha das Cobras, como atleta do Clube
Tobias Barreto. No jornal, sempre conseguia um espaço para uma notinha, escrita por ele, para divulgar seu time. Quando surgiu a oportunidade de ser redator da página esportiva do jornal, não pensou duas
vezes. “Jerfeson Silva era o responsável pelo esporte. Não era profissional e, aos poucos, foi se afastando. Ele era secretário do governo na
época e ia quando queria. Um certo dia, num jogo Sergipe e Cotinguiba,
não tinha quem fizesse, eu me arvorei, fiz uma crônica sobre o jogo, com
todos os detalhes.”
— Direito a clichê?
— Não, pois não tínhamos flagrante de jogos assim. Nós faziamos
clichês na Bahia. Usávamos fotos dos atletas, mas clube era muito difícil.
O primeiro serviço de clicheria daqui foi o da Imprensa Oficial do Estado. Bem, meu trabalho foi sem clichê. No meu tempo não publicávamos
flagrantes do jogo.
O Sergipe Jornal foi vendido a Mário Cabral e Paulo Costa. Eugênio
deixou de ser redator, continuando o trabalho na oficina, já que não
tinha largado a parte gráfica, acumulando dois serviços. Na parte gráfica,
fez de tudo: foi impressor, caixista e revisor.
Quando Mário Cabral chegou e assumiu a página esportiva, Eugênio
ficou na reserva, para qualquer eventualidade. Mas conquistou espaço
permanente pouco tempo depois. Mário tratou de conseguir mais um
colaborador esportivo, levando Alfredo Gomes, que atuava na Rádio
Difusora, na direção artística e com um programa de calouro aos domingos, além de ser o narrador esportivo da rádio.
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Oxente! essa é a nossa gente
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realizado no auditório da Rádio Difusora. Na véspera de um programa,
eu gripei, fiquei afônico e, quando fui cantar na rádio, fui gongado pelo
Alfredo. Precisava fazer a experiência. Daí por diante, não me gongaram
mais. Fiquei por muitas vezes como calouro classificado, chegando a
ganhar o prêmio, que dava direito a fazer três apresentações com a orquestra do Pinduca.”
Conhecendo o trabalho de Eugênio no esporte, graças à convivência
no Sergipe Jornal, Alfredo Gomes o convidou para ser colega de rádio,
pedindo que ele comentasse o jogo Vasco e Sergipe. Foi lançado assim o
primeiro comentarista esportivo do rádio sergipano.
Quando a Rádio Difusora foi arrendada a Augusto Alfredo Gomes,
que era funcionário do governo federal, Alfredo Gomes foi transferido
para a Bahia. Em seu lugar, ficou Santos Mendonça, que também colaborava na página esportiva do Sergipe Jornal. Mendonça manteve José Eugênio nos programas esportivos. Mas houve um desentendimento entre
Augusto e Santos Mendonça, que deixou de participar da programação
esportiva da rádio. José Eugênio então assumiu o comando, tendo como
auxiliar José Amado do Nascimento, hoje aposentado do Tribunal de
Contas. “Fazia o programa esportivo com José Amado, que tinha aquela
voz calma. Depois, surgiu uma crítica de alguns que diziam que José
Amado dava mais para rezar missa. Ele ficou meio chateado com isso e
me deixou fazendo o programa só.”
Na imprensa escrita, além do Sergipe Jornal, escreveu para A Cruzada, Gazeta de Sergipe, Diário de Aracaju e Jornal de Sergipe, no tempo
que José Carlos Teixeira era seu proprietário.
PROFESSOR - Ingressou na Imprensa Oficial como linotipista, passando um período de 10 anos, até que recebeu convite de Manoel Messias
para ensinar na Escola Industrial de Aracaju a disciplina Artes Gráficas.
“Daí, veio aquela fase de enquadramento e eu fui enquadrado como professor.” Como gráfico trabalhou mais de 20 anos. Confessa que o ordenado de jornalismo sempre serviu de complementação. Um pequeno complemento.
Foi candidato a vereador pelo PSD, não conseguindo muita coisa. Na
época, um discurso eleitoral resultou numa briga com Silva Lima. “Eu
GAFE - O fato que mais o impressionou no rádio sergipano foi uma
reportagem feita por Santos Mendonça sobre Laconga. O fato mais pitoresco, aconteceu com ele mesmo. “Eu fui fazer uma publicidade da Incal.
A firma, numa época, também vendia cera. Tinha uma propaganda que
também falava de jardim, pois a Incal vendia flores. Eu disse: ‘Observe o
jardim de sua casa e encere com cera tal’ (risos). Foi uma gafe muito
grande.”
José Eugênio acha o rádio de antigamente mais romântico e mais qualitativo, observando que o rádio de hoje é mais quantitativo. “Nas palestras que eu dei, incentivei colegas dizendo que não abraçassem o rádio
somente pelo entusiasmo, mas que procurassem aprender com muito
carinho, para transmitir uma mensagem com mais perfeição.”
Um dia, chegou a chorar no rádio. “No dia da minha despedida da
Rádio Difusora, quando saí para a Rádio Cultura. Andei chorando e tal,
mas foi coisa passageira. Não é feio homem chorar. Sou um homem muito emotivo, mas não são coisas bobas que me fazem chorar.”
Nunca precisou sair de estádio de futebol protegido pela polícia, por
causa de comentário esportivo. Porém, com um árbitro de futebol, topou
uma parada indigesta. “Fizemos uma crítica mais ou menos pesada sobre
ele. Num belo dia, quando vim descendo da rádio, percebi que ele estava
me esperando à porta. Quando cheguei, ele me disse que queria um
favor: que eu não falasse nem coisas boas nem ruins sobre ele.”
Participou da fundação da Associação dos Cronistas Desportivos de
Sergipe, juntamente com alguns colegas. “São poucos os que ainda estão
Oxente! essa é a nossa gente
fui a um comício nas imediações da rua Salgado com Maranhão. Me
pediram para participar desse comício como orador. Fui, disse o que
tinha de dizer, pedi o voto dos desportistas, dizendo assim mais ou
menos: ‘Vocês não devem dar o voto a forasteiros, devem votar nos filhos
na terra.’ Silva Lima entendeu que foi com ele e me deu uma resposta
pelo rádio. Disse que tinha valor, que merecia os votos também dos
desportistas e que José Eugênio de Jesus o havia apunhalado pelas costas. Era um direito livre de quem é candidato e ele achou que o apunhalei pelas costas. Então, fiz uma carta aberta a Silva Lima. Me decepcionei
com a política e nunca mais quis ser candidato.”
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vivos. Sou eu, Hildebrando Souza Lima, José Amado Nascimento, Isidoro
Santos, que mora no Rio.” Participou também da fundação do Sindicato
dos Jornalistas Profissionais de Aracaju e do Sindicato de Radialistas. É
membro da Associação Sergipana de Imprensa.
Seu maior momento de realização no rádio foi a viagem à Italia, por
ocasião da Copa do Mundo de 1990. “Sonhava com essa viagem há 12
anos.”
Oxente! essa é a nossa gente
FAMÍLIA - José Eugênio de Jesus treinou no time de futebol do Palestra,
na posição de centro-médio. “No remo, pertenci à equipe do Sport Clube
Aracaju e participei de regatas. Joguei voleibol em caráter muito particular, pois foi com ele que iniciei meu namoro com minha falecida esposa.”
Casou no ano de 1950, no dia 9 de dezembro, com a professora Valdice
Hora Bráz. Do casamento, três filhos: Carlos Augusto, Denise, Ivani. É
viúvo e avô de 15 netos. “Viúvo mas, claro, tentando arrumar minha
vida.”
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RESISTÊNCIA - Desde menino gostou de fazer farras. “Gostei muito de
cabarés.” E sempre gostou de andar de gravata, mesmo nos cabarés. Quando o réporter perguntou se não dava muito trabalho, repondeu: “Não,
pois nós éramos habituados a andar de gravata. José Amado Nascimento
que o diga. Ele ia até para a feira de gravata.”
Como seresteiro, nunca recebeu carreira de cachorro, porque mantinha um comportamento exemplar. “Até bebidas pedem clemência, quando abre sua capa de homem de chumbo. Quando tinha 19 anos, julgava
que ia morrer das farras que fazia. Era de cabaré, a verdade era esta.
Quando passei a trabalhar em rádio, perto das boas farras, saía depois
dos programas esportivos, principalmente aos sábados. Mas nunca fui
de beber em demasia. Vez por outra, a gente fazia uma farra que amanhecia de ressaca no dia seguinte. Mas nunca fui fumante e deve ser por isso
a minha resistência de aço.”
Para José Eugênio, o rádio é uma autêntica escola de valores. “A profissão é nobre, porque nela está implícita a função de educar.”
José Orico: introduziu Jingle em Sergipe
rabalhando com caldeirista e soldador, introduziu em Sergipe a solda elétrica, fazendo reforço em suspensão de ônibus e caminhões.
Do trabalho pesado, passou a fazer nas horas de
folga, gravação em acetato da voz do filho Nino,
revelação do programa de calouro da Rádio
Difusora. No convívio com o acetato, resolveu
montar uma gravadora de jingle, que foi responsável por todas às gravações em cetados em
Sergipe. Conta como aconteciam as gravações dos
jingles das campanhas políticas, quanto Francisco de Araujo Macedo, fazia questão de gravar em
discos, seus discursos de quatro horas de duração. Fala da trajetória do filho Nino, falecido no
ano de 84, contando como surgiu Nino e seu conjunto um dos grupos musicais que marcou época
em Aracaju, pelo re- pertório de Música Popular
Brasileira e pela qualidade musical dos seus componentes.
José Orico Neto nasceu na cidade de Palmares,
Pernambuco, em 18 de maio de 1919, sendo filho
de José Orico e Maria Amélia Orico.
O pai era operário, que trabalhava nas usinas
de cana-de-açúcar na região, atuando como
caldereiro e soldador, duas artes que tratou de passar para o filho Orico,
logo cedo, ainda na fase da infância.
Oxente! essa é a nossa gente
T
Publicado no Jornal da Cidade em 26.31.03.93
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Oxente! essa é a nossa gente
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De sua querida mãe, lembranças de uma mulher que dedicou seu
tempo à criação dos quatro filhos, no sistema antigo, na base da disciplina rigorosa, porém com respeito, muito carinho e cuidados especiais
para os estudos.
Uma infância vivida até os sete anos de idade em Palmares,
complementada com brincadeiras na Usina Serra Grande, loçalizada no
município de São José da Lage em Alagoas local de trabalho do pai, que
por lá passou oito anos.
Com 12 anos de idade, passou a ser aprendiz do pai, fazendo serviço
de calderaria. Com 13 anos, iniciou a trabalhar com solda elétrica. Estudava pela manhã. e dedicava o tempo da tarde para os estudos, na fase
das primeiras letras, como aluno da escola da própria usina.
No prosseguimento do curso primário, foi estudar numa outra escola, mantida pela usina, fundada pelo cônego Lira.
Concluindo o curso primário, não tendo condições de fazer o curso
ginasial em uma outra cidade, continuou na profissão de caldereiro e
soldador, sempre fazendo serviços ao lado do pai.
No envolvimento dos trabalhos diários e pesados, o tempo das brincadeiras de criança passou, deixando apenas a boa lembrança da sua
participação na igreja, como antor, nas missas aos domingos. Uma façanha que conquistava um bom público de admiradores, tendo até pessoas
que só apareciam na missa para ouví-lo cantar.
Desejou aprender tocar alguns instrumentos musicais, não se dando
bem, após fazer algumas tentativas com violão.
Estando com 16 anos, por transferência de trabalho, toda a família foi
morar na Usina Brasileiro, em Alagoas, passando três anos até que retomou a cidade de Palmares.
Passou por algumas experiências fazendo concerto de pontes para a
Rede Ferroviária Brasileira no serviço de solda elétrica, até que resolveu
montar oficina na cidade de Maceió, na rua Buarque de Macedo, vizinho
da Estação Férrea.
ARACAJU - Pelo falecimento do pai, até então companheiro inseparável
nos trabalhos da oficina de solda e calderaria,Eurico veio aliviar a cabeça
em Aracaju, numa viagem que fez a passeio, no ano de 1950. Gostou,
Oxente! essa é a nossa gente
mandou apanhar parte das ferramentas em Maceió e implantou uma oficina por aqui, sem fechar de imediato a de Maceió.
Na rua de Santa Rosa, esquina com João Ribeiro, montou um galpão,
onde passou a desenvolver os serviços de solda elétrica, reforço de chassis de caminhões e ônibus. Não existia em Aracaju torno e, a única soda
elétrica para todos os serviços da cidade, era a de Orico, o primeiro a
soldar fazendo uso da solda elétrica em Aracaju.
Prosperando os negócios, tratou de partir para melhores instalações,
alugando o prédio de Francolino Lima, na praça Princesa Isabel. Dos
serviços interessantes que fez como soldador, destaca o que realizou por
ocasião da montagem da Fabrica de Cimento Poty, soldagem do forno,
com chapa de 1-1/5 de espessura.
Sempre gostava de música e começou a gostar mais ainda, depois que
o filho Vilhermano, quando tinha oito anos de idade, na cidade de
Maceió, ganhou um prêmio por ter cantado num carro de propaganda,
que estava promovendo um concurso de canto, pelas ruas da cidade.
Daí, seu filho repetiu o sucesso, cantando num pastorio.
Em Aracaju, o filho Vilhermano no passou a fazer apresentações em
programas de calouros da Rádio Difusora, que na época era dirigida por
Augusto Luz, sendo contratado pelo programa, que era apresentado aos
domingos pela manhã.
Satisfeito com o bom desempenho do filho na área artística, comprou
um gravador de acetato naquele tempo não tinha gravador a fita, para
fazer um trabalho de laboratório musical.
O gravador de acetado adquirido de segunda mão, para gravar músicas das apresentações do filho, nas emissoras de rádio em Aracaju, foi o
ponto de partida para o surgimento da primeira gravadora de jingle da
cidade.
Como naquela época, só existia dois gravadores de acetato em Aracaju,
sendo um pertencente a Çláudio Silva, instalado na Rádio Difusora, mas
sem funcionar por defeitos e o seu único, em condições de funcionamento.
Acreditando na potencialidade do gravador, passou a dedicar parte
do seu tempo, para cuidar das gravações de jingles, conseguindo logo no
início do negócio, uma boa produção, pois era a última novidade em
termos de apresentações de comerciais no rádio sergipano.
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Oxente! essa é a nossa gente
Os primeiros locutores em disco de acetado em Aracaju, segundo
depoimento de Orico, foram: Jorge Lambão, Santos Santana, Nelson Souza,
Santos Mendonça Cádmo Nascimento, Naison Menezes.
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POLÍTICA - Na época da política, trabalho dobrado para atender os candidatos a cargos eletivos, preocupados com uma boa apresentação de
suas campanhas. Não existindo televisão, jingle bem feito era forte aliado
de campanha. Teve candidato que encomendou 60 jingles e, um outro,
que gravou em acetato todo o longo comício.
Francisco de Araujo Macedo fazia questão de ir pessoalmente apanhar as gravações encomendadas. Perguntava o valor, colocava a mão no
bolso e ficava contando o dinheiro, só tirando a mão do bolso, com a
importância certa. Quem não sabia da velha mania do político, poderia
pensar em se tratar de alguma coçeira ou coisa parecida.
Orico conta que recebeu por parte dos políticos. alguns calotes. Chegou a fazer um jingle com os nomes dos maus pagadores. Quando a
notícia foi espalhada que o jingle dos maus pagadores poderia ser tocado
num sistema de som em pleno comício, recebeu tudo e num prazo muito
rápido.
Dos bons pagadores, cita o nome de Euclides Paes Mendonça, da
União Democrática Nacional - UDN, como um político que tinha visão de
marketing naquela época. Era quem mais fazia encomenda de jingles para
colocar o produto de sua campanha, em cada boca de auto-falante. Sua
encomenda era em torno de 50 peças.
Francisco de Araujo Macedo, político do PTB - Partido Trabalhista
Brasileiro, amanhecia o dia falando num comício e tendo direito a ter
transmissão por uma emissora de rádio. Quando viajava para o Sul,
comprava uma caixa de acetato 16 polegadas, para gravar seus discursos
na rotação de 33. Orico colocava um microfone de cristal no rádio, e
ficava em casa ouvindo e gravando os discursos de Macedo, só tendo o
trabalho de mudar o disco e de mudar o lado. Como era tudo
cronometrado, o político fazia um outro sinal de lá do palanque onde
estava sendo realizado o comício, para Orico ter tempo de trocar o disco.
O processo de gravação com acetato, não permitia erro de gravação, pois uma falha qualquer, pronúncia errado, riso, pausa do texto
HINO DO BATISTÃO - O Hino do Batistão, com letra de Hugo Costa, foi
gravado por Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Anastácia no estúdio de
Orico. A gravação do estúdio foi a base para a reprodução de centenas de
cópias para uma gravadora do Recife.
Silvio Caldas Também gravou no acetato de Orico. Artista da Música
Popular Brasileira, quando chegavam em Aracaju e eram contratados para
fazer algum anúncio comercial ou mesmo participando de um jingle,
tinha de ir ao estúdio de Orico.
Passou muitos anos, procurando uma maneira de descobrir como era
que se fazia o acetato. Depois de muitas lutas descobriu uma maneira de
reciclá-lo. Quando pensava que ia ter um lucro dobrado, depois de curtir
uma boa experiência de três meses, teve a maior frustração da vida, ao
saber da invenção da cartucheira de fita, método que tornou obsoleto, o
uso do acetato no rádio e na televisão brasileira.
Passaram por Orico, grandes nomes do rádio sergipano. Seu estúdio
foi uma grande escola de dicção, num laboratório que deu bons frutos ao
rádio sergipano. Aquele Acival, levava horas e mais horas. Aprendeu lá,
gravando’.
Todos os festivais de músicas de Sergipe, foram gravados por Orico,
desde os primeiros de marchinhas carnavalescas ao de MPB. promovido
pelo Diário de Aracaju.
Oxente! essa é a nossa gente
extrapolando o tempo perdia todo o trabalho. Nesse processo; Santos Santana não dava prejuízo nenhum. Já vinha com entonação pronta, após ensaios feitos em casa, tendo uma familiarização muito boa.
com o estúdio. Já outros, tremiam, entrando; no processo da repetição.
A gravação que mais demorou e mais deu prejuízo, segundo nos conta Orico, aconteceu com Nelson Souza e Fernando Oliveira. ‘Quando
eles chegavam e começavam a falar aí, disparavam na gargalhada. Quando voltavam, não sei que com diabo eles estavam nesse dia, quando não
era um, era o outro’.
Para registro dos seus trabalhos literários em disco, alguns dos poetas
sergipanos, foram até o estúdio de Orico, para declamar suas poesias.
Freire Ribeiro, José Augusto Garcez, Santos Souza e outros.
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Oxente! essa é a nossa gente
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DO FILHO NINO - Do trabalho musical do filho Vilhermano Orico, possue muitas gravações em fita e em acetato, já tendo oferecido ao pesquisador e Histroiador, Luiz Antonio Barreto, alguns trabalhos.
O filho de Orico, Vilhermano que era mais conhecido por Nino é
também peça importante na memória de Sergipe, tendo sido ele o
introdutor do teclado em conjunto musical, além de um bonito trabalho
em prol da verdadeira música popular brasileira, sendo bandeira de resistência em Aracaju, frente a onda do Rock que tomou conta dos ambientes, na década de 60.
Iniciando a tocar violão, em pouco tempo percebeu a necessidade da
formação de um pequeno conjunto para poder alcançar o seu objetivo,
que era o de propagar ao máximo em Sergipe a MPB. Em 1960, com
Duda, Ariel Rabelo, Fernando, Humberto, Paulo, Nino formou o Conjunto Musical os Multcores, que estreiou tocando numa festa, no Vasco
Esporte Clube.
O conjunto passou a ser chamado de Suprasom, em homenagem ao
nome do estúdio de gravação de Orico, pai de Nino. Indo Nino para
Recife, quando passou uma boa temporada na capital de Pernambuco,
formou o conjunto musical: Nino e o Seu Conjunto. Quando retornou,
formou o 2 ND Trio, formado por Nino, Nena e Duda.
José Orico, para todo canto que o conjunto do filho ia, fazia questão
de estar no pé na conversa. Cuidava dos aparelhos musicais e de toda
parte estrutural do som. Levava o gravador para análise posterior em dia
de ensaio.
Vendo o filho tocar se transformava por completo e não ficava dormindo em festa. Muito pelo contrário, era a pessoa que dava ânimo ao
grupo, evitava discussões, e controlava a bebida dos rapazes. Não permitia nada de excesso, mantendo conjunto disciplinado bem no níve1 profissional. Construiu o contra-baixo do conjunto com um som, superior
aos que existiam no comércio.
Nino foi responsável por festas inesquecíveis realizadas em Aracaju,
nas décadas 60 e 70. As grandes formaturas, festas de 15 anos e outros
acontecimentos eram animadas por ele e seu conjunto. Verificando que o
campo musical da cidade estava restrito foi morar em Salvador , quando
passou a ser um músico de consagração entre os baianos. O sucesso foi
tanto que lhe deu condições de participar como sócio do Restaurante
Casa da Praia.
Sendo contabilista; tendo experiência em restaurante, e música de
qualidade foi trabalhar em São Luiz do Maranhão, para o Grupo Quatro
Rodas, na função de gerente de hotel.
Em 10 de junho de 84, por problemas de coração, Nino faleceu, deixando uma grande lacuna na música instrumental brasileira.
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FAMÍLIA - José Orico Neto, casou com Aurora da Silva Orico. Foi altar
quando tinha 20 anos de idade e ela 24 anos. Do casamento, dois filhos;
Vilhermano(falecido) e Cledinaldo.
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José Ramos: barbeiro de gente famosa
Oxente! essa é a nossa gente
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esmo aposentado, continua
cortando cabelo de gente importante. Foram 34 anos somente no circuito das barbearias de Aracaju, com
incursão na política, atuação como professor da Sofise e uma fascinante história como músico, tendo recebido homenagem do Rotary Clube.
José Ramos de Jesus, nasceu na cidade de Japaratuba a 6 de julho de 1931.
Seus pais: Manoel Emídio de Jesus e
Maria Ramos de Jesus. O pai trabalhava
na roça e também atuava como marceneiro. Dele, aprendeu o empenho pelo
trabalho. “Meu pai sempre dizia: aqui é
casa de mau home, quem não trabalha
não come.” De sua mãe, dedicação aos
filhos e exemplos de comportamento.
“Ela dizia: quando for para uma casa trabalhar, sempre se comporte bem. Tudo
que encontrar num lugar, que deixe permanecer no mesmo lugar.”
Aprendeu a ler com sete anos de idade. Teve como primeira professora Dona Jovina. Foi para o grupo municipal continuar os estudos,
Publicado no Jornal da Cidade em 5.1.1997
TROMPA NA EUTERPE - Antes de sair de Japaratuba realizou o desejo
de ingressar na banda de música Euterpe Sagrado Coração de Jesus. De
tanto ver a banda passar pelas ruas da cidade, se empolgou e daí veio o
desejo de aprender música. Com o maestro José Melo aprendeu a tocar
trompa. Mais adiante, na Lira Santa Terezinha, já tocava saxofone e clarinete.
Em Aracaju, passou um tempo afastado dos instrumentos, até que
conheceu o maestro Leozírio Guimarães professor de teoria musical e
seu grande incentivador. Com um dinheirinho dos cortes de cabelo, so-
Oxente! essa é a nossa gente
não se deu bem e terminou estudando no Colégio Emiliano Moura.
Estudou até o terceiro ano primário, quando parou para começar a ganhar dinheiro.
Inicialmente trabalhou como pedreiro, colocando em prática as lições
recebidas do seu avô. Experimentou ser lustrador de móveis e passou
um bom tempo como pintor de parede. Seu grande desejo era ser integrante do batalhão de vigilância pública da Sucam. Não conseguindo
realizar o sonho, seguiu o conselho do pai e foi aprender a arte de cortar
cabelo.
Foi trabalhando na casa de jogo de Nozinho Araújo, em Japaratuba,
que conheceu Zezé Barbeiro, que acreditou na força de vontade de José e
necessitava de um substituto. Era época de eleição, justamente quando
Arnaldo Garcez se candidatava ao governo do Estado e tinha em Japaratuba, como um dos cabos eleitorais, o próprio Zezé Barbeiro.
Com o professor de corte de cabelo foram dois anos, quando houve
um momento de perturbação provocada pela “língua grande” da cidade.
“Foi uma hora chata da minha época de menino. Alguém disse que Zezé
estava ensinando cobra para morder ele. Então eu falei pra ele que continuasse me ensinando, pois precisava dessa arte e que não iria lhe morder. ‘Só tenho dois lugares onde eu posso ficar: ou na sua casa ou sair de
Japaratuba.’”
Pomessa cumprida. Quando ouviu do mestre que estava pronto, vai
para Aracaju no ano de 1953. “Mantive minha palavra de menino homem.” Demonstrando habilidade com a tesoura, logo conquista espaço
no Salão Continental.
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bra das despesas rotineiras, comprou um saxofone e passou a estudar o
instrumento, com muita dedicação, em casa. Então partiu para o estudo
no Conservatório de Música. Foi tão longe que terminou tocando fagote
na Orquestra Sinfônica de Sergipe em 1970.
No Conservatório, não pretendia ficar somente como aluno e estava
na reta final para tornar-se professor, quando descobriram que ele só
possuía o curso primário. Tinha completado o curso com aulas noturnas
em um educandário da cidade, mas não foi suficiente. “Só porque eu
não tinha o científico me suspenderam. Como eu gostava da música,
comprei livros, comecei a estudar e, hoje, diante de todos os formados
em música do Brasil, tenho livros iguais aos que eles estudam na faculdade e continuam a estudar. Hoje ensino música na Sofise e estou atualizado na área que atuo.”
Mesmo com esse percalço, José Ramos tem o orgulho de dizer que é o
pioneiro em apresentação pública de saxofone alto com flauta doce em
Sergipe. Passou a ser regente de orquestra e, na Sofise, dá aulas de saxofone, flauta doce, flauta transversal e gaita.
Reconhece que nasceu para ensinar. Uma descoberta do professor
Leozírio Guimarães, a quem é grato por ter proporcionado essa alegria.
“Ele me disse que eu tinha nascido para ensinar. Isso me deixou feliz.
Sinto grande alegria ao ver meus alunos de 12 anos já tocando, fazendo
apresentações. Com isso, me sinto realizado.”
VIDA DE BARBEIRO - O primeiro local de trabalho pertencia a Gilberto
Fontes e ficava na rua Geru. “Era uma das melhores barbearias da época.
Tinha a do finado Barreto, a famosa Barbearia Democrata.” Trabalhou no
Salão Azul, na rua Laranjeiras, trabalhou no Democrata, voltou para o
Salão Azul e, nesse vai e volta, foram 34 anos de trabalho. Diz que continua na tesoura, servindo os amigos, “para não andar contando lorotas
no calçadão.”
Dentre os que passaram pela sua tesoura nos primeiros momentos da
carreira, lembra o nome de João Alves o pai, e de ter cortado o cabelo do
João Alves Filho quando menino. Cortou cabelo do Dr. Bragança e de
Gerinaud Lacerda, que foi deputado. E se orgulha de ter cortado o cabelo
do general Djenal Tavares de Queiroz.
FOFOCAS DE SALÃO - Quanto às fofocas, revela que sabia um “bocado
de coisas.” Diante da insistência, resolveu falar sobre o episódio envolvendo alguns homens da sociedade sergipana, que passavam a noite
gretando o Hotel de Rubina. No outro dia, eles faziam questão de, no
corte de cabelo, falar sobre a mirabolante façanha. “O barbeiro fica no seu
trabalho, mas sabe de tudo que se passa na cidade.”
Ingressou na política, foi presidente do sindicato de sua categoria e
teve medo de ser preso por ocasião da morte de Getúlio Vargas. Chegou
a ficar em casa por alguns dias, sem sair até a barbearia. O primeiro
partido foi o PDT, pelo qual se candidatou a vereador e obteve 62 votos.
Em outra eleição, já em outro partido, conquistou 105 votos. Por uma
louca paixão queria se candidatar a vereador da cidade de Japaratuba,
mas foi barrado na convenção do PL nas últimas eleições.
Oxente! essa é a nossa gente
Tem uma lista de clientes vips. “Uns já se foram, mas isso pouco
importa”, pois foram seus clientes sempre. Faz questão de pegar a lista,
feita em papel de carta com sua caligrafia. “Mário Ismirin, Lauro Porto —
vou na casa dele, Luiz Rabelo Leite — vou na casa dele, Carlos Lyra, da
Discar — há 40 anos que corto seu cabelo. Estou para atender os amigos.
Não posso esquecer o professor José Paulino. Esse, vem na minha casa.
Corto seu cabelo há 15 anos, desde quando chegou aqui. Dr. Raimundo
Rosa, Paulo Moura — vou na casa dele. O saudoso Costa Pinto vinha na
minha casa. O dentista Manoel Cardoso. O advogado José Rosa, Hélio
Leão. O grande maestro Leozírio Guimarães. Chico Padre, de Japaratuba
– corto há 42 anos.”
Considera que ser barbeiro é um privilegiado, pela oportunidade de
ter uma grande clientela em Aracaju. “Hoje, tenho um círculo de amizade que não posso me afastar. Um pede: vem cortar cabelo na minha casa
e eu vou. Valeu ser barbeiro. Saí até em jornal pela declaração que deu o
Dr. Luiz Rabelo Leite, quando lhe perguntaram o nome de um homem do
povo, e ele citou o meu. Isso me deixou com muito orgulho.”
Mostrando-se sorridente, diz que teve o curso de vivência perfeito,
pelo contato permanente com pessoas de todos os segmentos. Um acontecimento marcante foi a homenagem que recebeu do Rotary Clube, pelo
seu valor na música sergipana.
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Oxente! essa é a nossa gente
Casou com Carmelita Pereira de Jesus. Não sabe nem data nem ano do
casamento, que resultou em três filhos. José Roberto, Rúbia e Ricardo.
Sente-se realizado por estar em sala de aula ensinando música. Quanto ao corte de cabelo, faz questão de dizer que não é mais profissional,
mas continua servindo aos amigos.
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Josias Passos: conquistas no comércio
empre foi decidido, nunca gostou de rotina e, por isso, deu-se
bem no trabalho. Um homem guiado
pelo tino comercial. De Saco do Ribeiro, povoado de Itabaiana onde é
hoje Ribeirópolis, ele é de uma região
que deu frutos de natureza comercial.
Por aquelas bandas nasceram Oviêdo
Teixeira, Mamede Paes Mendonça, ele
e outros que bem souberam aproveitar o
sangue de suas veias fenícias, sabendo
tirar proveito da herança de seus antecedentes.
Quando jovem, chegou a ser professor.
Concluiu o primeiro grau com boas notas e
foi convidado a ensinar, passando um pouco
do seu saber aos meninos de Saco do Ribeiro.
Gostava de ensinar matemática, pois tinha facilidade com os números desde pequeno. Chegou a ser chamado de professor Josias, com grande significação para aqueles que receberam os seus
ensinamentos. Ensinou em escola primária, mas
continua impregnado do espírito de mestre, sempre passando adiante o seu saber, conquistado com esforço ao longo dos
seus 76 anos de freqüência constante à universidade da vida.
Publicado no Jornal da Cidade em 17.9.1990
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É uma pessoa de comunicação fácil e que sabe atingir com precisão
os seus objetivos. Quando quer uma coisa, ninguém segura o homem.
O escritor escocês Robert Louis Stevenson disse: “Todos nós, mais
cedo ou mais tarde, somos forçados a tomar lugar num banquete de
conseqüências.” De há muito, Josias Passos vem consientemente tomando parte desse banquete, sempre dentro das regras, aplicando a
lógica que foi sistematizada por Aristóteles, pautando sua vida no caminho da coerência.
Uma parte de sua vida foi reservada à música. Seus ouvidos ouviram
muitos dobrados, na época que fazia parte da banda de música da sua
cidade natal, tocando clarineta.
Trilhou o caminho da Justiça, sendo adjunto de promotor público do
termo de Ribeirópolis, no período de julho de 1936 a fevereiro de 1945,
nomeado pelo então interventor federal Eronildes Ferreira de Carvalho.
Sempre gostou de política e com ela esteve envolvido por algum tempo.
Ocupou o cargo de secretário-tesoureiro da Prefeitura Municipal de
Ribeirópolis por cinco anos. Sempre os números... Foi agente de estatística durante dez anos e, em 1940, chefia o recenseamento da sua encantada Ribeirópolis.
Um homem de percepção, que sabe acompanhar o tempo. Junto com
o filho e mais sete colegas fundaram a TV Sergipe. Foi com Josias à frente
do grupo, sabendo cavar as oportunidades, aproveitando um coquetel,
já aquecido nas devidas proporções, para falar com o ministro das Comunicações, coisa que não conseguia via gabinete ministerial, para solicitar a concessão de uma TV para Sergipe. Recebe um sim do ministro.
Não acreditou! Mas o fato se concretizou.
Explosivo quando pisam nos seus calos, mas com “um coração que
concilia as coisas contrárias”, como bem disse o francês La Bruyère. Fez
a volta ao mundo por duas vezes, conquista que considera de grande
valor na sua vida.
Foi presidente da Associação Comercial de Sergipe no período de
1975 a 1979, quando teve a honra de participar de um seminário na
Câmara Brasil–Estados Unidos. Exerceu a presidência do Clube de Diretores Lojistas de Aracaju no período de 1968 a 1970. Ocupou a presidência do Sindicato dos Lojistas por sete anos consecutivos.
31 ANOS DE SACO DO RIBEIRO - No dia 28 de janeiro de 1914, em
Saco do Ribeiro, nasce Josias Passos, filho do casal Maria do Céu e
Felimino da Costa Passos. Seu pai era comerciante e agricultor de plantar
feijão, mandioca e fazer farinha. Comerciante do ramo de secos e molhados. Era gente importante e querida na cidade. Chegou a ocupar o cargo
de sub-delegado de polícia. Pessoa valente, educou os filhos à custa de
muito trabalho. Josias herdou muitos ensinamentos do velho: “Meu pai
tinha amor ao trabalho, bom senso, de forma que herdei muitos
ensinamentos, que hoje se tornam novos e que transmito aos meus filhos. Era muito ponderado, do diálogo, nunca foi violento, um homem
que estava na cabeceira dos homens de bem da região.”
De 1914 até 1945, sua vida foi vivida em Saco do Ribeiro. Fez até o
quinto ano primário, “o que existia para aquela região.” Bom aluno, continuou recebendo os ensinamentos “da competente professora Cacilda”,
que ensinava ao Josias “naquele tempo, vamos dizer, o curso secundário.” Em troca das aulas especiais, pois o ensino só chegava até o primário, Josias também dava aulas, tendo sido professor por um período de
três anos. “É verdade! Me chamavam de professor Josias”. Ensinava to-
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FOLCLORE - Um Josias Passos de muito folclore, de muitas histórias,
como aquela de que a cidade de Maceió deveria se chamar “Bomceió”.
São tantas que daria um bom livro, como admite na sua cativante simplicidade.
Um Josias marido exemplar, casado com Creildes de Oliveira Passos,
companheira de todos os momentos, que só lhe tem dado conforto, alegria, ajudando no seu progresso. Pai dedicado aos cinco filhos, é um avô
que curte os netos e que fica super feliz quando reúne a todos na chácara
em São Cristóvão. Haja felicidade!
Josias Passos é um exemplo de comerciante que honra a sua classe.
Continua dedicando-se ao trabalho. Continua na ativa no Clube de Diretores Lojistas e, nas reuniões, brinda a todos com suas sábias interferências. Cinco horas da manhã já está acordado. Daí até chegar a hora do
café, o hábito da leitura. “Depois do meu cafezinho, vou andando até o
trabalho, chegando entre oito e meia e nove horas.” Assim começa o dia
do comerciante Josias Passos.
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das as matérias. “Vou ser franco: não tinha especialidade, mas confesso
que sempre gostei de matemática.”
Josias fez sucesso como professor. “Ensinava todos os alunos do primário: já estava formado no quinto? Com galhardia, não é? Nota boa,
diploma e, naquele tempo, sem ofensa a ninguém, o ensino era mais
sério do que hoje.” Ensinava pela manhã e recebia de recompensa aulas
do secundário pela tarde. “Estudava mesmo, não tinha dúvida, quebrava
a cabeça.” Depois do feito de professor e aluno, finda a fase secundária,
passa a seguir a “universidade da vida”, iniciando com a ajuda ao pai no
comércio, nos dias de feiras.
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SEMPRE FELIZ - “Sempre fui muito feliz. Na minha infância, brinquei,
me distraí.” Com os irmãos e seus amigos, uma boa turma que dava mais
vida ao Saco do Ribeiro. Aos dezesseis anos, entra oficialmente no ramo
do comércio, montando o próprio estabelecimento comercial, contando
com a ajuda do pai. “Ele me ajudou na instalação e aí segui no mesmo
ramo de estivas e molhados, montando a Casa Oriente, pois no meu
modesto estudo tinha uma simpatia pelo Oriente, por isso e aquilo outro. Oriente é uma coisa que está se levantando, não é? Vai em progresso,
no meu entender.” Foi no dia 29 de julho de 1939 que estabeleceu-se no
comércio. Mas a Casa Oriente foi registrada com o nome do seu genitor,
pelo fato de não ter alcançado ainda a maioridade. Na primeira feira,
tirou mil réis, um bom dinheiro para a época.
Também foi precoce na política, pela qual foi apaixonado. Com o seu
jeitinho, consegue votar antes do tempo previsto na lei. Aos 16 anos, e
um pacote político previamente preparado, entra na prefeitura para ocupar o cargo de secretário-tesoureiro.
ADJUNTO DE PROMOTOR E LÍDER POLÍTICO - Quanto ao ingresso
na Justiça como promotor público adjunto, ele disse: “Naturalmente eles
achavam que eu tinha uma modesta competência e que podia exercer
bem o cargo. Por nove anos exerci esse cargo em Ribeirópolis.”
Chegou a ser candidato a cargo eletivo, já no tempo em que residia em
Aracaju. Contava com as experiências de Saco do Ribeiro: “Não era um
chefe político, mas um auxiliar forte.” Cabo eleitoral? “Naquela época
UM BOM NAMORADOR - “Meu tempo foi bom, viu? Idade boa! Freqüentava as festinhas da redondeza: Frei Paulo, Itabaiana, Dores, Nossa
Senhora da Glória e até Serra Negra. A gente farejava as festas e ia de
bicicleta a motor. Só tínhamos eu e Gumercindo Góis, meu companheiro
de farras. Quando o barulho das máquinas chegava aos ouvidos das
meninas, a festa estava feita. Chegávamos, éramos bem atendidos, bem
recebidos e voltávamos tarde da noite ou no outro dia, conforme as coisas. Enfrentamos as estradas de piçarra com grande segurança, pois nossas máquinas eram alemãs e não quebravam. Era um colosso!” Tinha
garupa? “Tinha, mas nós carregávamos combustível.” Não dava para carregar ninguém? “Carregar quem? Um concorrente eu não queria carregar.
Uma mulher, naquele tempo, não se usava, era um tempo todo diferente.” Namorava muito? “Um bocado. De noivar não! De conversa, galanteio, nunca gostei de compromisso.” Nisso, a sua fama de conquistador
circulava. “Namorava uma menina em Frei Paulo, acabava, às vezes tinha
um pai na dança, cortava logo. Compromisso não era comigo.”
O CASAMENTO - Mas acabou se comprometendo. Em janeiro de 1940,
casa em Ribeirópolis com Creildes de Oliveira Passos. Conheceu aque-
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não se explicava nem se chamava cabo eleitoral. A pessoa de confiança
do chefe é que coordenava todos os segmentos.” Fazia campanha? “Não
tenha dúvida.” Partido? “No tempo de Eronildes era poder discricionário, depois veio a União Republicana de Sergipe, que tinha como chefe o
Dr. Augusto Leite. Algum tempo depois passei para a UDN. Desde a
minha juventude, me filiei à política chefiada pela família Franco. Comecei por Zezé Franco, conhecido por Zé do Pinheiro, depois veio o Walter
com muita influência e Dr. Augusto chegou no fim.”
Sua admiração política pela família foi fruto de uma amizade que
iniciou pelas passagens por Ribeirópolis, em diversas vezes, do coronel
Antônio Franco, que tinha fazenda para o lado de Carira. “Na sua passagem, havia palestras e boas conversas. Nos tornamos amigos. Veio a política e nisso ingressamos com a família Franco.” Josias lembra que naquele tempo não havia comício, aconteciam reuniões e encontros nas
portas das lojas e na feira.
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la que seria a esposa lá mesmo. “Filha de um fazendeiro da região de
Porto da Folha que fugiu de sua propriedade com medo de Lampião,
montando uma casa de negócio em Ribeirópolis”, fato que até hoje o
coração de Josias agradece. Afinal, até Lampião o ajudou. “Pouco tempo de namoro: meu negócio sempre foi muito decidido. O sujeito namora para casar, o que adianta passar dez ou mais anos para isso? Casei
logo, liquidei a fatura.” O casal teve cinco filhos: Getúlio Dantas Passos, Sônia Passos, Josias Dantas Passos, Suzana Dantas Passos, Gonçalo Dantas Passos. Treze netos, três noras e dois genros formam a família
Passos.
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TRANSFERE-SE PARA A CAPITAL - No ano de 1945, transfereriu-se
para a capital, permanecendo no ramo do comércio. Já estava com um
bom capital, pois soube aproveitar bem as oportunidades surgidas com a
Segunda Guerra Mundial. “Quando estourou a guerra, eu estava no Recife, participando de um Congresso Eucarístico Nacional e aproveitei a
oportunidade em face dos ensinamentos que recebi do meu pai, com a
Primeira Grande Guerra. Eu me danei a comprar mercadoria alemã. Tomei dinheiro emprestado a seis colegas ecomprei canivetes, cornetas,
navalhas, agulhas, tesouras, papel para cigarro e facão. O que vinha da
Alemanha, comprava. Me estoquei, faltou mercadoria e, como só eu tinha, ganhei muito dinheiro, pois comprava por dois e vendia por cem.”
PRIMEIRA LOJA EM ARACAJU - Na Rua da Frente, num boxe do Prédio Vaticano, Josias iniciou sua vida no comércio em Aracaju. Sofreu
graves conseqüências de um incêndio na firma Pedro Paes Mendonça,
bem nas imediações da sua loja. “Foi um incêndio tenebroso. Basta dizer
que para acabar o incêndio veio uma bomba do Vale do São Francisco.
Os bombeiros de Salvador já estavam preparados para atender ao chamamento do governador de Sergipe, não vindo graças à presença de um
navio, que trabalhou com duas bombas de duas polegadas dia e noite,
para não acabar com o Vaticano.”
O COMÉRCIO DE ANTES E DE HOJE - “Naquela época, o comerciante
vendia com um lucro baixo, uma média de 10% a 20%, no máximo,
UM DOS FUNDADORES DA TV SERGIPE - A idéia foi de Francisco
Franco e Nairson Menezes. “Chico convidou a mim e ao Getúlio, nós
nos reunimos e fundamos a TV Sergipe. Cuidou-se da venda de ações.
Fui o seu diretor-presidente na fase de instalação e do licenciamento,
quando comi o diabo. Passei muitos dissabores, mas consegui montar a
estação de televisão. Quando viajava para o Rio, recebia a gozação do
pessoal da Tupi, que dizia que estávamos instalando um ferro-velho.”
Josias viajou muito para resolver os problemas da instalação da TV
Sergipe.
“Muitas vezes, para falar com o ministro eu tinha de soltar uma gorjeta para um preto que antecedia a sala. Com a peste junto. Chegamos a
ficar desenganados. Um belo dia, já com as instalações prontas, equipamentos comprados e instalados, eu fui convidado para a inauguração de
uma casa maçônica em Porto Alegre. Lá pelas tantas, na força do uísque,
já no foguinho, eu e o Paulo Vasconcelos, disse: ‘Paulo, sabe de uma
coisa, o ministro está aí e nós vamos falar com ele’. Paulo não topou. Fui
ao ministro, nos encontramos num cantinho e contei a novela da nossa
TV. No fim da nossa conversa, que foi longa, ele disse: ‘Senhor Josias, o
senhor pode se preparar que até o fim da próxima semana o senhor
receberá uma comunicação para vim pagar a taxa de registro’. Fiquei arrepiado, tão satisfeito, não sabendo como agradecer tal atitude. Porém, não
fiquei acreditando, pois ali estava na onda do uísque. Estávamos com
três anos com a televisão pronta, sem pode funcionar. Mas chegou o
momento culminante de emoção de minha vida. Num sábado, recebo um
Oxente! essa é a nossa gente
bruto, sujeito a todos os impostos: luz, água, empregados. O padrão de
vida naquele tempo era modesto, só gastava 10 quando ganhava 15. Depois, as coisas foram se modificando e o comércio passando por essas
transformações. Mas a maior crise hoje é a gente gastar mais do que
ganha. A outra desgraça é a inflação: quando cheguei em Aracaju, vendia
com 20% de lucro bruto. Dava para tudo e ainda comprei alguns imóveis
que hoje possuo. Depois dessa inflação, se vende com 100, 200 por
cento e nunca mais pude comprar um chão de casa. Apenas conservamos o patrimônio. Considero a inflação, depois da guerra, como a pior
desgraça do mundo.”
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telegrama do ministro me convidando para pagar a taxa de licenciamento.
Tive tanto prazer que chorei!”
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CIDADÃO ARACAJUANO - Por indicação do então vereador Luciano
Prado, Josias Passos foi aprovado pela Câmara de Vereadores de Aracaju
para receber o título de cidadão aracajuano, honraria não concedida até
hoje. Pede desculpas e espera uma oportunidade para receber o seu diploma.
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Juca Beato: pioneiro em turismo
oi o primeiro agente de turismo do
Estado. Promoveu excursões em carro de bois, trem e ônibus, realizando
2.000 passeios em 50 anos de turismo.
Pode ser considerado o precursor do turismo em Sergipe. No ano de 1948 o menino José Soares, cobrando cinco tostões por pessoa, levou um grupo em um
carro de bois, da cidade de Nossa Senhora da Glória a Gararu, para a festa de
Bom Jesus dos Navegantes.
Quem viajou com Juca, viajou bem.
Foi ponto de partida para a realização
de alguns casamentos. Esteve presente
com sua caravana em todas as festas religiosas do Estado. Organizou excursões
para congressos eucarísticos, deu oportunidade para muita gente que não tinha condições de viajar de avião conhecer o Brasil.
Juca foi balconista, fotógrafo, funcionário dos Correiose vendedor de
antiguidades. Uma pessoa muito ligada aos padres e à Igreja. Fala das
procissões de antigamente, das novenas de maio da Igreja São Salvador e
da sua participação na criação do Museu de Artes Sacras de Sergipe.
Publicado no Jornal da Cidade em 11.03.1991
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FILHO DE GLÓRIA - José Soares de Souza nasceu no dia 17 de outubro
de 1915, na cidade de Nossa Senhora da Glória. Filho de João Pereira de
Souza e Maria Soares de Souza, seu pai era o dono da padaria da cidade
e tinha uma bodega. Quando menino, Juca acordava cedo e ajudava o pai
no preparo do pão. Entre a padaria e a bodega, viveu sua infância em
Glória.
Um menino de muita vivacidade no comércio e aluno aplicado na
escola. Cursou o primário na cidade natal e, no encerramento do curso,
foi o aluno escolhido pela professora para declamar uma poesia. Um fato
de grande importância na sua vida.
Procurando trabalho, José Soares deixou a família no interior e foi
morar na capital, onde chegou em 1942. Viajou só, na carroceria de um
caminhão. Uma viagem longa e cansativa. Pensou em pular, rezou muito
e ficou aliviado quando avistou a torre da Catedral.
Hospedou-se na casa de um parente e, no outro dia, saiu para procurar emprego. Andou no comércio e encontrou trabalho na casa Paulistana
do árabe Samir Abud. Iniciou com vendas e, no primeiro mês, superou
os demais vendedores da casa. Garantiu o emprego e passou a cuidar
dos estudos. Pela noite, estudava no curso de Comércio da Associação
Comercial de Sergipe, com a professora Amália Soares, chegando a concluir o curso Prático de Comércio.
Paulistana, Paulista, José Domingues Fontes, Aderbal Teixeira, foram
os estabelecimentos comerciais nos quais trabalhou. Sempre na função
de balconista. “Um dos melhores balconistas.” Trabalhava com tecidos e
comprava os retalhos para vender aos domingos. Um dinheirinho a mais
para complementar o salário.
Como balconista, conheceu a esposa do governador. “A mulher do
Dr. Eronildes de Carvalho foi comprar uma fazenda para fazer uma cortina. Eu fui levar o pacote no palácio. Ela me deu uma merenda: doce e
uma água gostosa. Depois, tomei uma amizade com a mãe do Dr. Eronildes,
Dona Branca, e ela tornou-se minha freguesa de retalhos. Um dia, ofereci
um retalho bem tentador:
— Não quero mais não, pois já terminei o dinheiro. Quer trocar por
uma ovelha?
— A gente troca.”
OS PADRES - Juca sempre teve grande consideração pelos padres. “Desde pequeno, meus pais tinham pensão em Nossa Senhora da Glória, e os
padres só se hospedavam lá. Vem daí minha amizade com eles. Ajudava
missa, batia sino, só não cheguei a ser sacristão.” Juca privou da amizade
de muitos bispos e gostava de participar de todas as atividades da Igreja
Católica. Não perdia uma procissão e chegou a ser chamado de “Judá das
Procissões”. Lembra das procissões de antigamente: “As procissões eram
mais bonitas. O povo tinha respeito, mais reverência, mais piedade, mais
amor e tinha banda de música. Muita recordação do mês de maio comemorado na Igreja São Salvador: “Quando Dom Avelar era o vigário, era
uma coisa. Toda noite, a igreja ficava cheia. O novenário iniciava às 7 e
terminava por volta das 9 horas da noite. Como gostava das pregações de
Dom Avelar!”
O grande sonho de Juca é construir uma igreja na sua cidade natal.
“Teve uma Santa Missão em Glória e o frei Peregrino, uma pessoa muito
devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, entregou para a cidade a
imagem da santa. Quero construir uma igreja para colocar essa imagem.
Temos o terreno, e a pedra já foi batida. Toda vez que a sena está acumulada, eu jogo.”
CORREIOS E POLÍTICA- Juca é funcionário aposentado da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos. Tornou-se funcionário federal por
Oxente! essa é a nossa gente
Juca deu o retalho de quatro metros e a ovelha ficou na fazenda do Dr.
Eronildes. De vez em quando, a mãe do governador dava notícias da
ovelha:
— Sua ovelha já pariu.
E mais notícias:
— Já é dono de muitas crias.
Um dia, quando Juca estava no seu trabalho, Dona Branca chegou
sorridente e, diante dos fregueses, falou:
— Que atrevimento! A mãe do governador é a vaqueira do Juca!
Juca ficou empolgado, mas o resultado final da troca não lhe foi favorável.
— Ela morreu, perdi minhas ovelhas e meu retalho.
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Oxente! essa é a nossa gente
influência política. Não fez concurso, seu padrinho foi Ademar de Barros.
Ele disputou eleição de 1949 e foi eleito vereador de Aracaju, sendo
um dos mais votados, com mais de 800 votos. Conseguiu muitos votos
levando o povo para a praia de Atalaia aos domingos, com ônibus dado
pelos colegas de partido, candidatos a vagas na Assembléia Legislativa e
na Câmara Federal.
Foi eleito mas não tomou posse. “Só tinha dois anos nos Correios e
necessitava de cinco anos para ser efetivado. Consultei meus superiores
no Rio de Janeiro e recebi a resposta de que seria desempregado se tomasse posse.” Dom Fernando Gomes, bispo de Aracaju, grande amigo de
Juca, o aconselhou: “Um conselho de bispo e amigo. Sou seu guia, seu
pastor, seu compadre. Seu ordenado é pequeno, mas é a vida toda. Você
morre e deixa para sua família. Vereador só são quatro anos, e você não
tem jeito para política.”
Juca renunciou, e seu suplente João Mascarenhas assumiu o cargo.
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ENFERMEIRO - Foi enfermeiro do Hospital Santa Isabel de 1952 a 1962.
Pela manhã, trabalhava no hospital, no salão de curativos e, pela tarde,
na Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos. Para melhorar de vida,
resolveu montar uma pensão. Na casa de Jovino Fontes, na Rua Capela,
realiza seu sonho. “Uma casa de 10 quartos. As famílias do interior confiavam seus filhos que vinham estudar aqui na capital. Da minha pensão, sairam seis médicos, quatro engenheiros, quatro advogados e dois
padres.”
Juca também foi fotógrafo de casamentos e aniversários. Comprou
uma máquina caixão, “daquelas que tinha de colocar esparadrapo para
não entrar luz.”
CASAMENTO - “Sempre foi muito namorador, tinha duas, três namoradas”. Numa Santa Missão, na cidade de Graccho Cardoso, Juca tentava
mais uma conquista amorosa quando encontrou Maria Adeílde Vieira.
Daí deixou suas aventuras de lado. Enfrentou cinco anos de noivado e
casou no dia 23 de maio de 1952. Teve quatro filhos: Antônio Fernandes
Vieira de Souza, que é médico; Geraldo Magela, que é professor de lín-
guas; Francisco de Assis, engenheiro da Varig; e Hunaldo Eugênio Souza, que é advogado. Juca é avô de três netos. Seu maior orgulho é ter
formado todos os filhos. “A maior riqueza que o pai pode proporcionar a
um filho é a formatura. Ainda depois do meu casamento, coloquei três
cunhados no Seminário.”
TURISMO - “Posso dizer que abri as portas do turismo em Aracaju. Fui
o iniciador do turismo em Sergipe. Eu era menino em Nossa Senhora da
Glória, com 13 anos de idade, quando fiz o primeiro passeio. Fretei um
carro de bois para ir para a festa de Bom Jesus dos Navegantes, em Curral
de Pedras, hoje Gararu. Arranjei uns três casais de namorados e viajamos o dia todo do sábado, chegamos pela noite. No domingo, realizou-se
a procissão e depois voltamos.”
Descoberto o dom de organizar passeios, quando passou a morar em
Aracaju Juca trocou o carro de bois: “Aqui, iniciei a fazer passeios de
ônibus e até de trem. Na festa de Nosso Senhor dos Passos, em São
Cristóvão, organizei excursão de trem, pois na época era barato.”
Juca andou com suas excursões por todo o Estado. Se era festa religiosa, em qualquer cidade, Juca e sua caravana estavam presentes. “Festa
do Coração de Jesus em Laranjeiras, festa de Santo Antônio em Própria,
Santo Antônio em Itabaiana, São Paulo em Frei Paulo, Nossa Senhora de
Guadalupe, em Estância, estávamos presentes em todas essas festas.”
Depois de organizar caravanas para festas religiosas, Juca passou a
organizar passeios para fora do Estado. “Cheguei a ir para Paulo Afonso
umas duzentas vezes.” Nas suas contas, realizou 2.000 passeios em 50
anos de turismo. “E não tive muito apoio dos governos, a não ser do Dr.
Augusto, pois Albano sempre me deu um pequeno apoio.”
CASAMENTOS - Inúmeros casamentos foram realizados por meio dos
seus passeios. “Foram realizados 22 casamentos e, até aqui, todos estão
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O APELIDO - “Tive uns aborrecimentos com o jornalista Zózimo Lima.
Ele escrevia na Gazeta de Sergipe e colocava que eu era beato e adulador
de bispo. Todos me conheciam como Juca e, nisso, pessoas da igreja
passaram a me chamar de Juca Beatro”.
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Oxente! essa é a nossa gente
felizes.” Ele conta o encontro de Leonardo Machado com Auxiliadora:
“Ela tinha tido um desentendimento com o namorado no passeio. Dr.
Leonardo foi para o banco, conversar e tal. Resultado: sua conversa de
consolo terminou em casamento.” Outro fato interessante aconteceu num
passeio realizado para Arapiraca: “Foi com um casal de namorados, mas
o namoro estava muito quente. Na volta, o casal desapareceu. Esperamos
e nada. Ela teve criança tempos depois. Os dois foram para o altar, e o
menino me chama de vovô.”
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ANTIGUIDADES - Em Aracaju, Juca sempre esteve envolvido com antiguidades. Vendia coisas antigas e colecionava peças raras. “Sempre gostei de antiguidade e posso dizer a você que fui eu o iniciador do Museu
Sacro.” Como foi? “Foi no tempo de Dom Fernando. Disse para ele: Senhor bispo, o senhor fica aqui dentro e não sabe nada. Estão roubando
muita coisa, inclusive vieram da Bahia com uma Kombi e pegaram a
imagem de Senhora Santana que tinha lugar em Riachuelo. Dom Fernando
disse que não podia, pois não tinha tempo. Me deu carta branca e ao
monsenhor Espiridão e iniciamos o trabalho para a formação do museu.
No dia em que o seminário completou 100 anos, na festa, já tinha um
salão com diversas peças antigas. Estava escrito assim: ‘Início do Museu
Sacro de Aracaju’. Posso dizer que fui o iniciador e incentivador do
Museu Sacro e me considero feliz por isso, embora ninguém reconheça.”
Não importa o reconhecimento pelo poder público, sua obra é mais
importante. “Senti o esquecimento do meu trabalho, mas não tenho revolta.”
Lídio da cocada
endendo cocada pelas ruas
de Aracaju, lá vai Lídio da
Cocada. Com 76 anos de idade,
e ainda muito vigor, ele não perde um dia de venda. Não dispensa nem o domingo, quando parte
para o Conjunto Orlando Dantas
com o seu inseparável tabuleiro
de doces. Além de saborear o
bem feito doce de coco, o comprador do produto fica encantado com a conversa do vendedor,
um poeta que enche de poesia as
ruas da cidade. “É gostosa, depende de você aceitá-la todo dia.”
Antes da cocada, foi o maior
vendedor de mariola que já passou por Aracaju. Aprendeu a profissão de doceiro numa fábrica de
doces no Rio de Janeiro. Mas faz bem feito porque tem prazer em adoçar
a vida.
Hoje, pouco representa o apurado final com as cocadas, mas muito
representa sua labuta. “O trabalho deve ser estendido até quando o cidadão possa executar, mesmo não precisando do dinheiro daquele trabalho. Deve fazer e, se faz e rende, guarde!”
Publicado no Jornal da Cidade em 5.8.1991
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O cocadeiro é o mais antigo militante vivo em Sergipe do Partido
Comunista do Brasil (quando o PCB ainda se chamava assim). Sua
militância política faz parte da história nacional do partido. Para Lídio, o
lendário Luís Carlos Prestes falou pouco tempo antes de morrer: “Se
todos fossem como você, nosso partido seria vitorioso.” O homem que
foi considerado “bicho papão” conta como foi o tempo em que viveu na
clandestinidade.
Gorbachev, dirigente soviético, em entrevista à revista Time, declarou: “Eu sou um comunista. Sei que essa declaração hoje em dia não
entusiasma ninguém, mas também não deixa mais as pessoas em pânico.” Hoje em dia o mundo presencia mudanças profundas nos países
comunistas. Para esse tempo, Lídio desabafa: “As cinzas de Marx foram
desmoralizadas. O comunismo não preocupa mais a ninguém. Uma sociedade igualitária é um sonho que nunca foi nem será realizado. Como
filosofia, sim, comunismo nunca terá fim. Se fosse começar minha vida
novamente, seria diferente, pois hoje sei que os dirigentes políticos só
pensam em mandar e enriquecer. Não me iludi com a filosofia marxista e
sim com os dirigentes do partido. Melei muito muro, mas hoje já não
faço mais. Nunca participei de qualquer movimento armado, pois a vida
não se tira, se dá. Recusei o convite e a garantia de uma eleição para
deputado estadual de Leandro Maciel, e assim o fiz por um ideal. Prefiro
morrer pobre do que trair a filosofia marxista.”
POESIA E COCADA - A cocada que Lídio vende é ele quem faz. Acorda
às 5 da manhã para cuidar de ralar o coco e dos demais ingredientes.
“Quebro, descasco, ralo, faço a cocada, corto e vendo.” Um produto que
é oferecido na dosagem certa de açúcar e uma pitada de poesia.
“Veja como ela é gostosa! Feita para o seu fino gosto. Você comendo
uma todo dia, vai amaciando a pele do seu rosto.” É um artista que não
escreve no papel suas poesias. “Veja como ela é gostosa e sadia. Você
precisa morde-la todo dia. Se você assim faz, na certa irá gostar, Dona
Maria.”
Mas não esquece o verso político. “Não sei porque você não acreditou, que eu seria na campanha passada, o seu representante, como vereador. Você não confiou em mim e outro escolheu. Aí está o resultado:
É ALAGOANO - Lídio Santos nasceu na cidade de São Braz, Alagoas, no
dia 29 de dezembro de 1915, sendo filho de Marcionílio Messias dos
Santos e Maria Francisca dos Santos. Como seus pais eram camponeses,
aos 7 anos de idade, iniciou sua vida no trabalho, vigiando plantação de
arroz. Aos 9 anos, passou à companhia do cabo da enxada, nos passos
duros da sobrevivência.
No ano de 1926, empurrado pela seca, a família do seu Marcionílio
veio procurar guarida nas terras de Sergipe. No Betume, na Lagoa do
Cedro, conseguiu trabalho no plantio de arroz. Terminada a plantação,
sem mais arroz e sem terra para fazer uma pequena roça, mudou-se para
a capital.
Pelos trilhos, no trem da Leste, num vagão repleto de produtos de
barro, acomodou-se com a família na desconfortável viagem de Propriá a
Aracaju. “Vim no trem de Maria dos Cavalos, que conduzia material de
barro: panela, pote, essas coisas.” Maria dos Cavalos era a mulher que
levava os produtos de cerâmica do Baixo São Francisco para serem vendidos na feira de Aracaju. “Foi ela quem nos deu as passagens de graça.
Usava um chapéu de palha bem grande, uma mulher conhecida por todos e que ajudou muita gente pobre. Naquela época, ela tinha um vagão
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desapareceu. Só aparece na campanha eleitoral, para mais uma vez enganar, prezado amigo eleitor.”
Antes vendia cocada durante todo o dia. Agora, cansado, vende por
prazer e não por freguesia. Aparece só pelas tardes, nas ruas da cidade,
anunciando que sua “cocada é gostosa e macia.”
É aposentado como pedreiro e pescador, recebendo dois salários. Mas
fez de tudo na vida: foi caldista, carpinteiro, isso sem contar o dinheiro
de doceiro. Vendeu pela cidade o Sabão Celeste montado num burro,
quando anunciava: “Dona de casa amiga, vem comprar sabão para limpar
as roupas do menino. Sabão só Celeste, que a dona de casa, limpa e
veste.”
Como um bom capitalista, juntou o fruto do trabalho, segurou bem o
dinheiro e fez bom uso. Hoje possui seis casas. Mora em uma, na rua
João Andrade, 617, recebe aluguel de outra e, nas demais, estão alguns
dos seus 14 filhos.
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Oxente! essa é a nossa gente
de carga exclusivo, toda semana, somente para trazer os produtos de
barro da região.”
Quando chegaram à cidade, na antiga Estação Ferroviária, situada onde
depois foi construído o Mercado de Verduras, o pai de Lídio, sem saber
para onde ir, pediu uma sugestão ao filho. “Avistei o Alto do Urubu, que
na época não sabia o nome, e disse: ‘Olha papai, nós vamos morar ali.
Veja quanto mato!’ Quando foi escurecendo, nós chegamos na rua da
Lagoa. Tinha uma casa de palha de um lado, no outro lado tinha de três
a quatro casas de telha. Entre elas, uns pés de mamoneira muito altos.
Fomos nos instalar entre uma casa e outra num terreno de uns dez metros.
Daí a pouco, chegava uma senhora e abria a porta da casa vizinha. Quando minha mãe olhou, era uma pessoa altamente conhecida e amiga, que
tinha morado na rua do Meio, em Propriá, onde nós moramos alguns
meses. Aí pronto: abraços e choros. Ficamos inicialmente na casa da
mulher, que era pequena demais. O corredor não dava para passar duas
pessoas de uma vez só. Eu fiquei com papai no oitão da casa, e dentro
ficaram minha mãe, com minhas irmãs Filenilda, Otília e Maria.” Lídio
era o único filho homem.
270
Lisboa: um artista em três dimensões
isboa faz parte do folclore da cidade de Aracaju. É advogado e fiscal
do Ministério do Trabalho quando
exerce o seu lado homem; é cabeleireiro, transformista, cantor e pintor quando leva uma vida de emocionantes
aventuras, com perspicácia e inteligência. Ele curte todos os casos do passado e vive o presente a todo o vapor.
Antônio Lisboa Neto nasceu em 2 de
julho de 1947, na cidade de Ilha das Flores, sendo filho de Luis Ferreira Lisboa
e Helena Leite Lisboa. Do pai, aplica em
vida a lealdade, personalidade forte e honestidade. A mãe Helena é o grande espelho de sua vida, apoio em todas as
horas, espírito de bondade e mulher responsável pela veia artística do filho.
Sendo filho do prefeito da cidade,
iniciou os estudos em escola de boa
qualidade, aprendendo lições do ABC
com a professora Dona Maria Brito. Na
cidade de Penedo (AL), estudou o 4º ano primário internado no Seminário Nossa Senhora de Fátima. Pela sua delicadeza, por levar jeito, seus
pais achavam que tinha tudo para ser padre. Uma esperança alimentada
Publicado no Jornal da Cidade em 4.7.1993
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
pelo próprio Lisboa, que não perdia nenhum dia de missa antes de chegar ao Seminário. Considerava forte a cultura e a religiosidade da igreja.
O caminho percorrido como seminarista foi de grande proveito e Lisboa considera essa parte de sua vida bastante gratificante por muitos
motivos. Quando chegou ao Seminário já possuía certa tendência para o
lado feminino. Nos contatos íntimos com alguns colegas de Seminário,
surgiu a primeira paixão de sua vida. “Tinha 14 anos e aconteceu um
amor meio platônico.”
Com 16 anos de idade, com convicção mas cheio de conflitos consigo
mesmo, descobriu quando estava internado no Seminário de Propriá
que tinha chegado a hora de sentir o gosto do fruto que há muito estava
tentando provar. “Surgiu de repente, aconteceu, e era aquilo mesmo que
eu queria. Mudou minha cabeça, mudou tudo e foi bom enquanto durou.” Também esteve como seminarista em Aracaju.
272
ZAGUEIRO - Na capital de Sergipe, estudou no Seminário Sagrado Coração
de Jesus, onde passou cinco anos de dedicação completa aos estudos. “Guardo grandes recordações daqueles anos.” Jogou muito futebol, sem nunca
desgrudar da camisa 3 de jogador de defesa, o famoso beque do Seminário,
onde a bola passava, mas o jogador ficava. Atleta de algumas façanhas, chegou a fazer um gol após driblar todo o time adversário, depois de ter saído do
setor de defesa. Além da paixão pelo esporte, o Arquidiocesano deu formação completa, com aulas de canto, teatro e professores de gabarito.
Quando a Diocese de Propriá colocou em funcionamento um Seminário, juntamente com mais de 20 seminaristas da região do Baixo São
Francisco, Lisboa foi transferido para o Seminário São Gerônimo, onde
trocou o curso científico pelo de técnico em Contabilidade. Internado no
Seminário e estudando na Escola Técnica de Propriá, ainda arranjou
tempo para ensinar História e Geografia no Ginásio Diocesano.
Pessoa simpática toda vida, com facilidade para fazer amigos, conquistou muita gente, inclusive o coração de uma mulher, sua primeira e
única namorada. Encontro acontecido às escondidas no cinema da cidade, sob a luz da projeção do filme exibido nas tardes de domingos. Enquanto os bandidos davam socos e trocavam tiros na tela, na cadeira do
cinema Djenalva tentava de tudo para conquistar Lisboa, que fazia o gê-
DIREITO - Em 69, revoltado com o reitor do Seminário de Própria, que
lhe repreendu de forma grosseira, e por outras coisas descobertas pela
Igreja, abandona o Seminário à véspera de fazer Filosofia, deixando de
lado a idéia de ser padre. Decide fazer Direito em Aracaju, considerando
que era um leque de experiências novas que abria e porque em Aracaju
não havia o curso de Arquitetura, um sonho que foi logo esquecido.
“Estou realizado por ter feito Direito, profissão que encaro com a maior
seriedade e dedicação.”
O primeiro emprego foi como caixa da Distribuidora Silvestre, onde
tinha todo o dinheiro em suas mãos: acolhido, conferido e reconferido
com uma competência que lhe valeu a promoção para o setor de contabilidade da empresa. Fez com êxito concurso para a Universidade Federal
de Sergipe, no ano de 1970, ingressando no quadro de auxiliar administrativo, lotado na Faculdade de Filosofia. Entrou fazendo catalogação de
livros na biblioteca da faculdade, chegando à coordenação.
FORMATURA - Em 8 de dezembro de 1974, colocou anel no dedo, com
pedra vermelha, formando-se bacharel em Direito. No ano seguinte, ingressa no Ministério do Trabalho, mais uma vez passando em concurso,
para atuar como fiscal da Delegacia Regional do Trabalho em Sergipe.
Para mostrar a seriedade do seu compromisso no trabalho, tratou de
cortar o cabelo e só sair com a pastinha, de paletó e gravata. “Tive que ser
muito homem para chegar junto. Tive que ser ator e até hoje sou um ator
da vida. Posso dizer que sou três pessoas em uma só: o lado artístico, o
lado homem e o lado profissional.”
Lisboa foi barrado pelo segurança de uma agência bancária de Aracaju,
quando foi desempenhar sua função de fiscal do Ministério do Trabalho.
Mostrou a carteira funcional e disse que, ali, era uma autoridade, mas o
Oxente! essa é a nossa gente
nero comportado, brincando de faz-de-conta. “Era tudo falso, porque ela
queria e eu não sentia nada. Tinha pena, tinha muito carinho por ela e
recebia muitos presentes.”
Lisboa alimentou por algum tempo a paixão que Djenalva nutria por
ele, pois tentava ver se despertava o seu lado masculino. “A partir daí
não quis saber mais de experiência com mulheres.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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guarda foi irredutível e barrou Lisboa no seu exercício profissional masculino. “Como o meu lado de artista gritava muito, como sempre fui
alegórico e tudo, me vestindo de mulher no Carnaval, parte da minha
vida íntima, então o guarda se chocou.”
Numa viagem que fez a Brasília, ficou fascinado com a arte da
maquiagem e do cabelo, vendo com os olhos arregalados um seu amigo
de nome Jô fazer as cabeças de seus clientes, quando conseguia transformar mulheres em verdadeiros monumentos. Com uma oportunidade dada
pelo amigo, pegou um pincel, fez bonito e, dos aplausos de Brasília,
sentiu como era gostoso o sabor do mundo da beleza.
De volta a Aracaju, monta o Billi-Ballu, que funcionava com a sacolinha
de maquiagem, marca de Lisboa nos primeiros passos de sua carreira de
maquiador. “Estava presente nos casamentos, preparando mulheres para
festas. Nessa época, distribuía com minhas amigas cartões do Billi-Ballu,
que funcionava na minha casa.” Fazia somente maquiagem, quando suas
clientes reclamaram um profissional mais completo e ele partiu para São
Paulo a fim de fazer um curso intensivo de cabelo.
Dentre as pessoas de Aracaju que foram decisivas no início de sua
carreira, cita Pedrito Barreto. “Ele acreditou e me incentivou. Depois
veio João Barreto, a própria Thaís Bezerra, Sacuntala, João de Barros e
Lânia Duarte. Não posso deixar de reconhecer o valor da crônica social
no trabalho de incentivo e de acompanhamento de toda minha carreira,
me apoiando sempre, até hoje.” Das clientes especiais, ele prefere deixar de lado, para não esquecer de ninguém, pois considera todas muito
especiais. Do início da profissão, lembra o nome de Gilda Gama, Yara
Viana de Assis, Clara Moraes, Celuta Moraes, Vera Sobral, Lea e Carmem
Maciel.
MULHER DESCABELADA - Uma coisa que o revolta é fazer um cabelo
maravilhoso e depois encontrar a mulher toda descabelada. “Penteei uma
mulher lindíssima e, quando ela chegou em casa, o marido destruiu
tudo. Encontrei com ela na mesma festa, com rabo de cavalo e uma
borrachinha de dinheiro na cabeça.” Mas sente mesmo, com pesar, é a
falta de valorização do profissional. “Tem um salão que está no tabuleiro.
Acho que o dono do salão nem tem o senso do ridículo.”
BICHINHOS DE PELÚCIA - Sobre os casos amorosos, diz que são o
“único multiplicador que funciona bem” em sua vida. “Recebo presentes
Oxente! essa é a nossa gente
Gosta de cantar seresta e foi tenor solista por 15 anos do coral da
Universidade Federal de Sergipe, tendo acompanhado o coral em exibições por vários Estados. Faz transformismo, imitando bem Clara Nunes,
Lisa Minelli e Marisa Monte. Reclama que não existe em Aracaju casa
que ofereça condições para ele se caracterizar e entrar em cena. Mesmo
assim, de vez em quando tenta grandes produções, como aconteceu com
o Lisboa Halley Show, apresentado por 12 vezes e com casa lotada.
Organizou o Miss Brasil Gay em Sergipe, com muita ousadia, conseguindo levar para a platéia a sociedade sergipana. Hoje, devido às briguinhas
entre as próprias “candidatas” por causa do resultado final, retirou por completo do seu calendário esse tipo de evento. Mas, em outras cidades, Lisboa
vai continuar mostrando tudo o que tem. Já representou Sergipe por mais de
cinco concursos como Miss Sergipe Gay, e trouxe até prêmios, dizendo que
o que pesa mesmo é a produção. “Como não sou uma pessoa bonita e sim
charmosa, quando coloco minha produção eu arraso no palco.”
Quando a família descobriu o seu lado feminino, foi um escândalo.
“Quando me depilei pela primeira vez, minha mãe fez uma carta, que até
hoje eu tenho guardada, dizendo que eu não precisava me expor tanto
para desabrochar o meu lado feminino. Mas eu agradeço a ela e até hoje
tenho uma mãe e tanto, que me dá apoio total e até borda minhas fantasias quando preciso. Ela é ótima, eu dou nota 10!”
Ele fala com grande satisfação da família, que é estruturada, os pais
estão vivos e tem os irmãos. “Meu irmão Napoleão, Frederico, Nancy,
Eurico, Lucércia e Fátima. Às vezes pensam que meus irmãos discriminam a gente, mas é muito pelo contrário, cada um tem sua personalidade
marcante. Posso colocar o Paulo Fiúza, o gerente do meu salão que mora
comigo há oito anos, que considero também um irmão”.
Antes de ser conhecido, sentia discriminação por onde passava em
Aracaju. Discriminado por donos de bares e restaurantes, discriminado
em plena rua da cidade. Hoje, onde os mesmos donos de bares e restaurantes fazem questão de cumprimentá-lo, de oferecer o brinde da casa e
de providenciar uma mesa extra, quando acontece da casa estar cheia.
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Oxente! essa é a nossa gente
e mais presentes, flores, caixas de chocolates, cartões tranzadíssimos,
bichinhos de pelúcia!” Num relacionamento de afetividade maior, quase
acabou com o noivado de uma certa pessoa de conceito em Aracaju.
“Tive que falar para a noiva dele para cobrir o seu lado, pois ela desconfiava que ele era gay. Não desconfiava de mim nem um pouco. Imagine?”
Até de mulheres recebe cantadas fortíssimas. Para ele essas são as
mais burras, pois todo mundo sabe que ele adora as mulheres para
embelezá-las, jamais para ir para a cama. Lisboa é o estilista das noivas,
tendo mais de 15 noivas de destaque da sociedade sergipana que foram
ao altar com roupas criadas por ele.
Considera-se uma pimenta bem vermelha, mas que não deseja passar
essa pimenta nos “olhos” de ninguém. “Num carnaval, fui a um baile
acompanhado de um dos meus ex-maridos. Quando cheguei no baile,
um rapaz afoito pegou onde não devia. Meu caso deu um soco na cara
dele que foi um escândalo!”
Promete nunca acabar o Baile das Atrizes, o sucessor do Baile dos
Artistas, criado por João de Barros. “A peteca está ótima e não vou deixála cair. É uma promoção séria e que toda sociedade prestigia”.
276
LÍNGUA FERINA - Atuou na televisão sergipana, precisamente na TV Atalaia, nos anos 89 e 90, com o programa “Lisboa à Tarde”. “Era a parte que me
completava, que gostava de fazer. Ali contei com todo apoio do Dr. Tácito
Faro. Tenho vontade de um dia voltar. Afinal, sou radialista sindicalizado.”
Na imprensa escrita, uma passagem pela Gazeta de Sergipe, assinando a coluna “Lisboa Socialmente”, publicada na edição dominical do
suplemento “A Gazetinha”.
Foi notícia nacional quando foi matéria na revista IstoÉ, falando do comportamento das mulheres da sociedade sergipana em salões de beleza. “Foi a grande decepção de minha vida, pois confiei numa jornalista que não tem competência, que só disse mentiras, querendo me prejudicar e mais: disse que eu
tinha uma língua ferina. Eu ia pedir retratação, ia para a Justiça, mas preferi
abafar. Até mesmo as minhas clientes, que foram proibidas pelos maridos de
freqüentar o meu salão, com mais uns dias retornaram e trouxeram mais amigas, chegando convictas de que quem tinha a língua ferina era a tal jornalista
de Aracaju, que passou as informações erradas para a equipe da IstoÉ.”
Luiz Adelmo: quem não me aceita que se azare
enetrar na grande mata, até então virgem,
das revelações pessoais de Luiz Adelmo, que
tem tido a coragem de assumir que a sua verdade
não é eterna, por não saber mesmo o que seja verdade, é uma agradável aventura para o leitor, que
fica conhecendo uma pessoa possuidora de uma
vida cheia de histórias picantes, que chegaram a
escandalizar Aracaju do passado e até do presente.
Luiz foi o homem que lançou a noite na Atalaia
com o seu histórico Barracão, um bar que ousou
levar a sociedade sergipana a sentir a proximidade
do mar nas noites de verão, pois perto do mar à
noite só chegava quem estava a fim de fazer sexo,
sem fraques e cartolas, pois ninguém ficava sabendo quem estava com quem.
Com o Barracão, as meninas da sociedade chegaram por lá. Aliás a sociedade em peso foi conferir
o ambiente. “Tá legal? — Tá! — Podemos liberar
nossos filhos? — Claro, o filho do governador freqüenta e leva a namorada e amigos importantes!”
De súbito, a paisagem da tranqüila noite da praia
se perturbava, com o vai e vem dos carros, com a
juventude que ganhava naquela época o seu espaço
único de lazer. No som e na dança do “Pata-Pata”,
todos viviam o clima de verão graças ao pioneirismo de um jovem jorna-
Publicado no Jornal da Cidade em 18.6.1990
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Oxente! essa é a nossa gente
lista atuante no colunismo social, que descobriu com um simples e aconchegante bar, contando com o apoio de um coeso grupo de amigos, que
era possível ter noite em Aracaju e, especialmente, na praia.
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SEMINARISTA E SOLDADO - O retrato de Luiz Adelmo tem cores variadas:
aos onze anos de idade, resolve trocar a sua Estância querida pela tranqüila
vida de seminarista, passando cinco anos num mosteiro. Logo, quer tomar
conhecimento do mundo lá fora e, em São Paulo, com a marmitinha debaixo
do braço, enfrentou o corre-corre da metrópole por três anos. Foi para Brasília,
foi soldado e acabou na guarda do gabinete do ministro da Guerra, marechal
Odílio Deny. Voltou a Sergipe tornou-se jornalista, completando neste ano
25 anos de atuação na área. “Eu acho isso um marco: nesses 25 anos eu acho
que mudei muito de opinião, só não deixei de ser polêmico. Essa é a coerência de minha vida, pois eu nunca vou me submeter a ser o que as pessoas
querem. Eu sou o que eu sou, quem não quiser me aceitar, que se azare.”
Luiz Adelmo Soares de Souza nasceu numa casa que fica no fundo
de uma igreja em Estância, casa que foi até retratada pelo artista Félix
Mendes. Chegou ao mundo num lugar que hoje pertence ao Patrimônio
Histórico e Cultural do Estado e de onde sentiu o clima do São João de
Estância em 8 de junho de 1942. “Nasci em plena guerra e sou da geração
pós-guerra.” Mas de guerra só gosta mesmo da de buscapés.
Considera-se uma pessoa privilegiada, irrequieta e que gosta de sempre inventar. “Até hoje as pessoas batem palmas para as minhas
presepadas. Gosto de curti-las, pois fazem parte do meu dia-a-dia”. Luiz
afirma que faz as coisas sem nenhuma pretensão, com muita humilde e
ingenuidade. “Nunca tive intenção de fazer nada. As coisas que aconteceram comigo estavam traçadas, coisas do destino, sei lá!”
O Luiz jovem foi a um convento querendo ser frade, um bom
capuchinho: “Numa hora dessas poderia ser vigário do São Judas Tadeu,
pois, inclusive, o frei Pecorari foi o meu diretor da época de seminário,
foram cinco anos. Talvez a minha parte intelectual eu deva aos
capuchinhos, pois foi lá que eu aprendi a estudar a desenvolver o lado
sensitivo, o lado artístico, o lado das coisas boas. Foi lá que senti a
austeridade monástica do capuchinho, com toda a sua cultura. Trago
comigo, com muito carinho, essa boa herança dos capuchinhos da Bahia.”
SETE FÔLEGOS - Luiz Adelmo não tem sete vidas, mas tenta ter sete
fôlegos: “Quem não tiver sete fôlegos em Aracaju dança... e dança feio!”
Se fosse de dividir sua vida em etapas diria que já passou por 33, “todas
vividas maravilhosamente.”
Depois que chegou à conclusão que não tinha nada com a vida de
padre, retorna a Estância e fica surpreso com a atitude do pai: “Meu pai,
que era um comunista, que foi do Partido Comunista e tudo, estava empolgado com a idéia de ter um filho padre. Falou com o padre Carvalho
para que eu fosse seminarista secular em Aracaju. Entrei em pânico;
liguei para um irmão em São Paulo pedindo para me levar para lá, pois
se não por aqui eu tinha de me tornar padre mesmo.”
Em São Paulo, levou uma vida de peão, com marmita do outro dia.
Tomava ônibus de madrugada e voltava tarde da noite. Foi dura, mas foi
uma fase enriquecedora da sua vida. Nunca chegou a ser assaltado, afinal “peão respeita peão e ninguém ia assaltar um marmiteiro.”
De São Paulo, foi trabalhar em Brasília, sendo enviado pela firma da
qual era funcionário, que passou a desenvolver uma atividade na capital
federal. Como era um homem que prestava serviços na área da contabilidade, jovem e solteiro, arrumou as malas e na recém-inaugurada capital,
chegou bem perto do presidente da República: “Eu tive o prazer de ver o
presidente Juscelino a uma distância de cinco metros.”
Pouco tempo depois de chegar a Brasília, acaba sendo convocado para
servir o Exército. “Servi no Batalhão da Guarda Presidencial durante três
meses, indo depois para o gabinete do ministro da Guerra, marechal
Oxente! essa é a nossa gente
Mas para chegar ao convento dos frades, houve alguém que ajudou
na sua decisão de entrar para a vida religiosa: “Eu tinha uma namorada
em Estância. Aí a namorada brigou comigo, começou a namorar outro.
Me achei meio corno e resolvei ser padre.”
Logo ao chegar ao convento, o caso do namorado traído já estava
esquecido: “A partir do momento que começou outra coisa, o passado já
morreu. Eu não fico preocupado com o que passou e sim com a nova
etapa. Não tenho vocação para museólogo de jeito nenhum. Hoje, como
estou com 49 anos, é que já penso no futuro, mas antigamente eu não
pensava no futuro e muito menos no passado.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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Odílio Deny.” Foi um destaque na sua vida de soldado. “Servir logo no
gabinete do ministro era uma grande honra.”
Adelmo é predestinado: “Eu acho que nasci numa noite de lua cheia,
as coisas para mim sempre chegaram com muita facilidade. No meio de
mais de mil soldados eu fui o escolhido, o que é que posso fazer? Peguei
vinte dias de Juscelino, todo o governo de Jânio Quadros e, no dia da
renúncia de Jânio, quase que fui preso no quartel por um deboche. Quando
entrei no gabinete do ministro eu era da D2, que é o serviço secreto do
Exército, e eu era soldado neste setor. Um dia dei uma informação errada. Tinha um sargento que eu passava com ele o dia todinho batendo
papo. Então, o sub-tenente pediu uma informação para o coronel
Guilhermando Monteiro e pegaram a ficha e verificaram que a informação não era verdadeira. Eu fui expulso da D2 e, como castigo, fui para a
D9, que era o serviço de transporte, onde me colocaram para tomar conta
da bomba de gasolina.”
Luiz conta que naquela época cada oficial tinha direito a 200 litros de
gasolina por mês e o controle era feito por ele. “Foi ótimo, pois passei a
ser amigo de todos os oficiais já que, aos domingos, eles tinham de me
pegar para que eu enchesse os tanques dos seus carros.” Mas ele aprontou outras travessuras: “Já estava gostando da bomba de gasolina quando
chega o dia 25 de agosto. — Soldado 109, soldado Adelmo, encha os
tanques dos carros da Décima Primeira Região. É uma ordem do coronel
Reinaldo. — Diga ao coronel que a bomba está fechada, pois hoje é feriado. O soldado foi logo comunicar ao seu superior, recebendo a pior: —
Diga ao soldado que o gabinete e todo o Exército está de prontidão e que
ele encha os carros e depois se recolha.” O 109 ficou recolhido por alguns dias e, devido aos importantes acontecimentos que envolviam a
área militar, ninguém se preocupou com o soldado Adelmo: “Fiquei livre de pegar a cadeia.”
CLEONÂNCIO - Deixando a farda e Brasília, Luiz volta a trabalhar em
em São Paulo, dessa vez em algumas firmas do comércio, como as lojas
Sears, no departamento de decoração. Com o golpe de 64, preocupado
com os destinos do pai, comunista militante em Estância e delegado
nomeado pelo governador Seixas Dórea, ele volta ao seu Estado e passa
AS DEZ MAIS - Com a saída de Zelita Correia da Gazeta de Sergipe, o
jovem jornalista é convidado e aceita o cargo de colunista social. “Foi
quando realizei a primeira festa das dez mais elegantes do Estado de
Sergipe. Já havia a publicação de listas, mas a festa para apresentar à
sociedade as dez mais, eu fui o pioneiro. Na época o Ivan Valença me
deu cobertura, falou com o Orlando Dantas e foi possível a realização.
Me lembro que muita gente ficou preocupada com a não inclusão na lista do
nome de Dona Bertildes, primeira-dama do Estado. Era hábito que a mulher
do prefeito e do governador tinham de entrar em todas as histórias.”
A festa acontecia no Iate Clube, com uma hora e meia de atraso, transmitida pela Rádio Difusora. “Foi um fato marcante na sociedade sergipana e aconteceu uma coisa interessante: entre as dez mais elegantes eu
tinha colocado Didi Macedo Vila Nova, casada na época com Osmário.
Ele se recusou a ir à festa e, depois de uma hora de espera, chegou a
última das dez, que era a Didi. Me lembro que o Osmário me disse o
seguinte: ‘Este ano, ela veio pois a festa foi organizada por você, mas no
próximo não coloque mais a minha mulher nessas coisas.”
Oxente! essa é a nossa gente
uns tempos na cidade natal. “Meu pai era delegado em Estância nomeado por Seixas; como as prisões em Sergipe na sua maioria foram políticas, Cleonâncio, por ser sobrinho do meu pai, falou com Leandro Maciel
e o velho não foi preso.”
Chega a Aracaju e inicia-se no jornalismo no Sergipe Jornal, que pertencia a José Carlos Teixeira. Começa assim o Luiz Adelmo a freqüentar
as rodas sociais da cidade. Seu primeiro trabalho foi fazer a cobertura do
aniversário do prefeito Godofredo Diniz. Para a tarefa foi acompanhado
por Wellington Mangueira, que naquela época era jornalista com mais
experiência. “Foi bonito, pois fiz as primeiras amizades em Aracaju:
Raimundo Diniz e Godofredo Diniz. Um mês depois, aconteceu em Aracaju
uma Convenção Nacional do Clube de Diretores Lojistas e eu fui designado para a cobertura. Foi a chance de lançar o meu paletó ‘pé de pule’,
que na época era um traje paulista, uma coisa meio elegante para os
hábitos locais. Me lembro que o governador Celso de Carvalho de repente chamou Dr. Curt Vieira, que era secretário da Educação, para saber
quem era o tal do paletó.”
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Oxente! essa é a nossa gente
Fatos gostosos foram testemunhados pelo colunista Adelmo na sua
atuação jornalística: “Um amigo meu tinha uma namorada poetisa, mas
não vou citar. Coloquei a fotografia dela no jornal com o poema e tal.
Recebi o recado do tal amigo para não repetir o fato, se não levaria umas
porradinhas.”
Luiz Adelmo fazia uma coluna diversificada. “Sempre tive como guru
o Zózimo Barroso e assim não me limitava muito a festas, batizados e
casamentos. Sempre tive um princípio de que, como jornalista e como
cidadão, eu tinha o direito de ser amigo de todos, mas como colunista
social eu só citava na minha coluna as pessoas que tinham uma certa
tradição de sociedade. Hoje em dia, eu acho isso ótimo, a coluna social
está aberta a gregos e troianos.”
Ele garante que as citações na coluna social aconteciam sem compromissos financeiros nem trocas de presentes: “Graças a Deus eu nunca
recebi presente de ninguém por ser colunista, o que acho fantástico. Não
tinha essa de você citar e depois chegar o presentinho. Coisas do tempo.
Era uma coisa séria. A gente tinha as famílias tradicionais. Chegava nas
festas, sentava na mesa de um, de outro, tomava uma dose ali, outra
acolá, mas só citava o creme do creme da coisa.”
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FESTAS BENEFICENTES - Adelmo é de um tempo em que o colunismo
social era vivido intensamente, com respostas positivas dos colunáveis:
“Existiam, por exemplo, senhoras de personalidades fortes. Cito Maria
Antônia Santos Silva, dona Dulce Diniz, Dona Bertildes, Dina Faro, um
grupo grande, composto ainda por Dona Baby Leite, Bernadete Gonçalves;
senhoras que faziam festas de caráter beneficente, com a preocupação de
melhorar a vida de outras pessoas. Hoje em dia o que a gente vê é muito
mais presepada de dondoca querendo aparecer em coluna social e, quando do apurado, na realização de uma festa beneficente, gasta-se cinco, seis
vezes o que rende a festa. E , muitas vezes, do dinheiro público. O sentido
foi perdido, pelo fato das pessoas estarem preocupadas em se promover,
como caridosas, gente de bondade, não sendo nada disso. A coisa desmoronou. As entidades antigas continuam aí sem aquela evidência, mas continuam persistentes, como a Casa da Doméstica, a Creche Dom Távora e
outras que sobrevivem aos trancos e barrancos, obras sérias e anônimas.”
Oxente! essa é a nossa gente
Luiz considera-se um jornalista aposentado, com uma aposentadoria
compulsória, pois já trabalhou em todos os jornais, em quase todas as
emissoras de rádio e televisão de Sergipe. “Fui demitido de todos e nunca fui desmentido. Tenho consciência disso e, quando um diretor de um
jornal me chama, eu não fico aborrecido, pois são as injunções de Sergipe.
E o cara que hoje está pedindo para me colocar para fora, amanhã ele
pede para alguém me aproveitar. Eu já trabalhei no jornal do Nazário, o
Jornal de Sergipe, três vezes. Nazário ou se prejudicava ou ficava comigo.
Continuo grande amigo de Nazário, considero um dos empresários da
comunicação em Sergipe que tenho o maior respeito e a certeza de que é
meu amigo, pois duas ou três oportunidades de minha vida em que eu
precisei que alguém provasse que era o meu amigo, Nazário provou. Eu
entendo perfeitamente o jogo de Aracaju e você sabe muito bem que é um
jogo sujo.”
Adelmo diz que em Sergipe tudo é político. “O resto é blá, blá, blá,
miolo de pote.” Gosta de cuidar dos ridículos dos políticos incomodando mais, pois acha que as pessoas da sociedade de Sergipe só admitem
elogios, “embora passem o tempo todo se expondo ao ridículo”.
Luiz Adelmo fala da sua última experiência: “Foi quando eu resolvi
me aposentar: tinha um suplemento que me deixava feliz da vida e cheio
de asa por ser no jornal do ministro. De repente, eu fiz no episódio de
Jackson uma matéria jornalística e o governador pediu ao ministro que a
minha cabeça fosse decepada. Cheguei à seguinte conclusão: se vou escrever num jornal de um ministro e nem ele me segura eu não tenho
condições de ser seguro por mais ninguém neste Estado. Lamentavelmente — não sei se você vai publicar — jornalista em Sergipe não escreve, faz ditado. Como não sei fazer ditado, estou aposentado.”
Falando de intimidade, Luiz Adelmo não gosta de escrever sobre as
intimidades das pessoas: “Intimidade é intimidade, privacidade. Sou
um cara em Aracaju que brinca com todo mundo, sou amigo de todo
mundo, mas não admito que ninguém entre na minha privacidade. Se eu
não quero que ninguém entre na minha privacidade, porque eu vou entrar na privacidade das pessoas? O médico, como profissional, você tem
todo o direito de elogiar ou criticar. O engenheiro, da mesma forma. O
político, esse nem se fala. Mas as nossas atividades privadas são sagra-
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Oxente! essa é a nossa gente
das, se não elas não teriam o nome de íntimas. Essas coisas, o jornalista
deveria respeitar.”
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VIDA NOTURNA NA ATALAIA - Um grande registro da vida agitada e
polêmica do colunista social Luiz Adelmo é sua passagem como dono de
bar na Atalaia. Com o seu Barracão, surge a vida noturna na cidade de
Aracaju, precisamente na praia de Atalaia.
Luiz lembra que já existia a Atalaia noturna, pois “à noite todo mundo levava as graxeiras para fazer o relabucho. Nós tínhamos um grupinho
de verão muito simpático. Era a turma de férias. Lourivalzinho, Ernani
Freire Filho, Joseluci Prudente, Carlos Pina, hoje autoridades no Estado
ou personalidades importantes na vida do país. E as meninas, como a
gente chamava, as Franco que vinham do Rio passar as férias por aqui.
Eles me incentivaram a montr um bar, pois eles iriam garantir a freqüência, como aconteceu durante toda a temporada do verão. Daí surgiu o
Barracão. Com a freqüência constante desse pessoal, sendo um filho do
secretário de Finanças, outro filho do governador, as meninas eram da
família Franco, super tradicional no Estado, toda a sociedade resolveu:
se eles freqüentavam o meu bar, todo mundo tinha de freqüentar. Nisso,
os bares ao lado começaram a ser freqüentados pela sociedade e a gente
acabou urbanizando socialmente a Atalaia, sem necessitar fazer nenhuma agressão nem nenhuma expulsão.”
Como naquela época, alta sociedade em Aracaju tinha o termo exato e
Luiz tinha o prazer de ter a fina flor presente em seu bar para curtir um
café da manhã depois de uma noitada no Iate. O Barracão era todo pintado de vermelho com os dizeres enormes na cor verde “Verde que te
quero verde”, numa homenagem ao poeta Garcia Lorca. Era um bar com
uma pequena pista de dança.
QUEBRA-QUEBRA NO BARRACÃO - Adelmo conta a grande briga do
Barracão. “Eu tenho impressão que foi o primeiro bar do mundo a dar
uma festa privada. Promovemos ‘Uma Noite à Tropicália’, sobre o sucesso da música do Caetano. Foi uma festa fechada, com mesas vendidas.
Quando iniciou o quebra-quebra, em poucos segundos o bar estava todo
aos pedaços. Todo mundo pulando e o detalhe: eu fechei a porta e deixei
TEATRO - Em São Paulo participa do meio teatral. Com Luís Gustavo,
parou no DOPS por solidariedade aos estudantes, tendo ido à boca de
cena protestar contra a atitude da polícia, que acabara com uma passeata.
Entrou bem, numa noite fria, nas grades. Foi fazer “Roda Viva” administrando o espetáculo. No Rio Grande do Sul, acontece o massacre da
companhia pela polícia. Sendo o seu administrador, levou os atores para
o Pronto Socorro e distribuiu nota à imprensa. Era o porta-voz do grupo
e o Luiz apareceu em todos os grandes jornais do Brasil. Foi para o Rio e
trabalha com Leila Diniz montando “Tem Banana na Banda”.
Volta a Sergipe depois de longos anos como tapeceiro. Entra no campo da decoração e vendas de móveis. Convidado pelo governador Augusto
Franco, aceita a chefia do cerimonial do governo. “Foi uma das experiências mais marcantes de minha vida e digo de peito aberto, pois Dr. Augusto
Oxente! essa é a nossa gente
somente duas janelas abertas. Estava preocupado com o prejuízo. Todo
mundo pulando pelas janelas, aquele horror e eu atrás do balcão observando o cenário: aumentei o som no melhor dos estilos, com aquela
música que fala da sociedade carioca que Maria Bethânia canta, para
abafar a coisa. Dona Clara Prado, coitada, estava grávida e pulou a janela.
O coronel Max Ribeiro, com toda aquela quebraria, chamava o garçon
para trazer a conta, para ele poder pagar e ir embora.”
Foi um fato inesquecível. No dia seguinte, aconteceu a “Noite da Solidariedade” e tudo foi sanado. “Grandes noites, grandes festas e acabaram grandes dívidas. E acabou tragicamente o bar, que foi fechado de uma maneira
meio desagradável.” Adelmo não guardava dinheiro sob o colchão. “Uns
bebiam, não pagavam, eu cobrava depois, era assim. Mas uma há coisa
importante: a Atalaia está aí hoje, linda! O Barracão foi a pedra fundamental
da Atalaia. Um dia o Ernani Freire atolou o seu carro bem em frente ao bar,
pois o asfalto só chegava até o Restaurante Vaqueiro, que na época era chamado ‘aquele bar da esquina’, onde hoje funciona o Tropeiro. Pois bem, o
filho de Lourival solicitou ao pai providências e daí foi asfaltado um quilômetro em direção ao Mosqueiro. Assim, o primeiro quilômetro asfaltado da
orla passava 500 metros à esquerda do meu bar e 500 metros à direita do
meu bar.” Adelmo foi obrigado a sair de Aracaju por causa do seu famoso
Barracão. “Peguei o ônibus na estrada, na BR-101. Foi uma verdadeira fuga.”
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Oxente! essa é a nossa gente
e dona Gina foram as pessoas mais fidalgas e corretas que eu já conheci
até hoje. Saí do cerimonial num tumulto desesperador e eu sempre digo
da maneira como o Dr. Augusto se conduziu me dando apoio e, pela
maneira correta como ele agiu, eu acho que a opinião das pessoas pouco
me valeu. De modo que aquele episódio não me deixou nenhuma ferida
e nenhum recalque.”
Funda a Galeria Horácio Hora, sendo um dos pioneiros no mercado
de arte na cidade. Deixa Aracaju, monta casa de móveis em Maceió.
Estruturou o programa de artesanato fazendo sucesso em em exposições
e feiras pelo Brasil afora. Deixa o setor, continua no Estado, agora na sua
loja Art-News. Assim é o polêmico Luiz Adelmo: uma figura curtida
pela cidade: “Quem não me aceita, que se azare.”
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Manequito: figura carismática da Atalaia
ar, estranho bar!” Pode bem dizer, qual
quer pessoa ao chegar ao Bar do
Manequito, na orla da Atalaia, quase vizinho ao Tropeiro. Nada de estranho. Antes
assim, conservando sua estrutura antiga,
com esteiras nas paredes, lugar de fazer xixi
no mato. Um bar não muito arrumado.
Tem pouca gente, mas uma gente especial: os jovens de idéias altas, poetas, músicos, jornalistas, encontro da marginália
poética da cidade. Quem quer gente demais?
Tragam o cardápio!
Temos batidas de frutos naturais: maracujá, limão, mangaba, genipapo, umbu,
tamarindo, alecrim, cajá e outras.”
Ao pedir a especialidade da casa descobre-se, que o lugar é muito agradável. Lá, a
presença de um simpático senhor, conhecido por todos como Manequito, coloca um
certo encanto no ambiente. Lá, misturamse as frutas com ótimos resultados,
anestesiando as gengivas!
Naquela noite, o bar estava em festa.
Seus freqüentadores, faziam uma homenagem ao seu proprietário. Uma panela de caruru por conta dos promotores e as batidas na conta de cada um.
Oxente! essa é a nossa gente
“B
Publicado no Jornal da Cidade em 15.10.1990
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Oxente! essa é a nossa gente
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Um momento especial, merecedor do devido registro. Afinal são poucos os indivíduos especiais que projetam a noite. Manequito é um deles.
Uma pessoa simples: tirador de coco, pescador, dono de bar desde o
tempo que chegou bem próximo na beira do mar e instalou seu barzinho
para vender “casca de pau” para os companheiros de pescaria. Ele conta
que, no princípio, eram três bares na praia de Atalaia. Não tinha cais
nem asfalto, só areia e muita conversa de pescador.
Manequito prestou serviço no tempo da Segunda Guerra. Trabalhador de descascar 3.000 cocos por dia. Um pescador antigo, bem querido
pelos colegas. Um homem que tem um pé... enorme! Mais coisas? Fundador e primeiro presidente da Associação de Barraqueiros da Atalaia.
“O Rei das Batidas” conquistou troféu em concurso internacional. Mas
mora no próprio bar, sempre de olho no seu patrimônio, os tentadores
litros das suas famosas batidas!
Na família, faz tudo para as duas filhas de criação. Vive uma vida
tranqüila, cuida direitinho das meninas e ainda sobra tempo para curtir
o amor. Fala bem disso, dá provas na frente da câmara fotográfica. Se
comove ao falar da sua Maria dos Prazeres. Vive uma fase de forte paixão
com todo o vigor de um casal em plena lua-de-mel.
A grande riqueza do Manequito, que moldura o quadro de sua vida,
é a sua convivência na noite com a juventude. É o seu carisma. Isso
qualquer pessoa pode ir, numa noite de sexta ou sábado, comprovar. “O
cara sempre está atualizado, numa boa.”
Manequito abriu o espaço do seu bar para os jovens sem dinheiro, que
não podiam pagar bebidas caras. Desde então, convive com adolescentes
de várias gerações. Seu estranho bar, perdido entre os outros de bonitas e
atuais fachadas, está integrado à vida noturna da Atalaia. Enquanto vida
tiver, nos garante que será assim. “Um modesto bar”, que não aparenta
nada por fora mas que, dentro, muito calor humano está presente.
Manequito não amadurece, rejuvenesce. Não pintou os cabelos, nem
incrementou as roupas. Ostenta apenas um chapéu, que orgulhosamente
diz que é de “capitalista”.
OS DEPOIMENTOS DOS AMIGOS - José Hamilton Santana, mais conhecido como professor Gabiúna, fala que Manequito faz parte da sua
Oxente! essa é a nossa gente
adolescência, uma marca não só da sua, mas de vários jovens, vários
adultos, hoje pais de família. “Para mim, não sei se é válido fazer essa
comparação, mas considero o homem um bom químico que, com a sua
simplicidade, sua meiguice, sua pureza, pois é de fato uma pessoa muito
pura, consegue nas suas simples batidas colocar um tempero que nem
uma outra pessoa conseguiu até hoje fazer. Na minha juventude, não
podia pagar uma cerveja, não tinha condições de freqüentar os bares da
praia e Manequito me acolheu com as suas batidas. Hoje, já com condição, volto ao bar para tomar a velha batida de Alecrim, atraído pelo significado e o bom papo, com uma pessoa que transmite tudo de bom. São
várias gerações que transitam por esse bar. Manequito marcou, está marcado e vai continuar a marcar, espero que sim, a vida do jovem em
Sergipe.”
Para o músico Antônio Alvino Argolo, Manequito é uma figura muito
alegre e que traz muita alegria para a noite sergipana. A atriz Valquíria
Sandes considera Manequito uma pessoa tão maravilhosa que, para ela,
continua sendo um eterno jovem. Nem se lembra mais do tempo que
começou a freqüentar aquele bar. “Quando chego aqui, sinto uma atração
diferente.”
O presidente da Associação Sergipana de Imprensa, jornalista Elito
Vasconcelos, acha que Manequito representa a história da vida noturna de Aracaju, sendo a própria história da praia de Atalaia. “Foi ele
quem fundou, criou e consolidou a vida noturna na Atalaia. Ele viu,
observou, acompanhou e sobrevive a todos os momentos da vida aqui
na praia. Aqui, sempre foi o ponto de encontro de intelectuais, jornalistas, poetas, de artistas, da marginália da sociedade sergipana. Por
isso, Manequito é a própria história contemporâneada vida de
Aracaju.”
O jornalista Vilson de Souza chegou a Aracaju há dez anos e parou
no Manequito para provar a tão famosa batida. Continua até hoje parando por lá nos fins de semana. Ele informa que, em Salvador, no Rio
Vermelho, existe um bar do gênero, porém muito bem explorado turisticamente. A grande diferença é que lá não tem a figura do Manequito, com
as histórias da Segunda Guerra, da qual participou. “Manequito é um
patrimônio ainda não explorado da noite de Aracaju.”
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DEPOIMENTO DE COLEGA DE GUERRA - Gerson Rocha é um contemporâneo de Manequito. Um herói de guerra como ele. “Manequito na
noite, na Atalaia: quando não existia ninguém, existia o Manequito.”
Carlos Silva Barreto, apelidado de “Berlota”, considera Manequito
um herói, um pai, o “polícia das Antilhas”. Berlota, como gosta de ser
chamado o Carlos, levou flores para o Manequito: “Essas rosas, estou
trazendo para o senhor! São do meu planeta. Representam uma fase do
sol, da lua, do tempo, do grande astral que é Manequito”. “Obrigado
pelo carinho”, responde Manequito.
Hildson Andrande Cruz: “É uma das mais fiéis tradições em Sergipe,
sempre preservando sua origem.”
Marta Oliveira Santos: “Uma pessoa que não cadeu às mudanças. A
figura mais tradicional da Atalaia. O público que freqüenta o seu bar é
cativo, pois é de pessoas que gostam do Manequito, do seu modo de
ser.”
Clô Silva: “Quando comecei a freqüentar o bar era guria. Agora estou
sabendo da importância do Manequito na noite da cidade. O espaço do
seu bar é uma descoberta de identificação de uma etapa da vida de todo
o ser humano, que é a adolescência.”
Rosa Angélica: “Manequito é um amigo. Uma figura humana admirável.”
Maria dos Prazeres, a companheira de Manequito: “A homenagem de
hoje, que fazem ao meu querido Manequito, me emociona. Só sinto saudades de minha mãe, nesse momento. Ela ficaria orgulhosa do Mané.”
MANEQUITO FALA DE SUA VIDA - “Meu nome é Saltro dos Santos.
Nasci no dia 25 de setembro de 1919. Meus pais: Joventino Bispo dos
Santos e Maria Leobina de Jesus. Eram pescadores e trabalhavam em
negócio de coqueiral. Nasci aqui mesmo na Atalaia. Segui a profissão
dos meus pais: a vida de coco e de pescador. Era um profissional imbatível, trabalhava desde menino. Tirava coco de gancho e descascava 3.000
cocos por dia. Na Segunda Guerra, fui guarda costeiro, mandado pela
polícia para prestar serviços aqui na praia, reparando os acontecimentos
que tinham por aqui. Eu levava o pessoal para o Cemitério dos Náufragos. Pegava na praia os corpos dos náufragos, botava nas costas e levava
Oxente! essa é a nossa gente
para o cemitério. Ficava noite e dia patrulhando a praia na procura dos
submarinos. Se avistasse, informava para a polícia.
Filhos, tenho de criação: Ângela e Telma. Moro com a minha namorada, Dona Maria dos Prazeres, no meu bar. Quando eu montei esse barzinho aqui, só tinham três bares. Os veteranos, meus amigos, saíram todos
mas eu guentei até agora.
Meu bar, foi montado no ano de 1954. Estava trabalhando aqui e
armei o barraco lá na frente. Hoje já é água no lugar em que montei o bar.
Depois veio o cais, o passeio e tudo isso. Depois a construção do prédio
que é hoje o Tropeiro, iniciado na primeira campanha do Dr. Leandro,
que iniciou a obra e Luiz Garcia terminou.
No meu primeiro bar, eu vendia cachaça ‘casca de pau’. Meu bar sempre foi cheio. Os pescadores freqüentavam para as suas conversas. O
pescador quando vinha pescar, tomava uma chamada e depois contava o
que via na praia; tomando uma e outra passava para a gente.
Quando chegou o cais, Dr. Leandro fez a gente arrancar o bar e eu
passei mais para cá. Chegou a rodagem de piçarra e meu bar foi afastado
mais uma vez. Quando passou o asfalto, mandaram eu arrancar e me
afastei. Foi aí que me prometeram que eu não sairia mais, pois já tinha
saído uma porção de vezes. Tenho 60 anos de praia, calculando a idade,
pois estou com 71 anos.
A juventude chegou perto de mim, pois estudante não tinha dinheiro: não podia beber cerveja. Não podia chegar em outro bar e
pedir uma outra coisa. Só tinha que procurar a mim, pois vendia
batidas e que era barato. Se tivesse dinheiro bebia e, se não tivesse,
bebia também.
Com os jovens de agora a coisa está diferente. Não é como os jovens
de antigamente. A gente trabalhava na sinceridade, os jovens de agora,
trabalham na malandragem e isso prejudica a gente. Brigou aqui, coloco
para fora, não quero conversa.
Aprendi a fazer batida com os mais velhos, pegando instruções com
aqueles senhores de idade. A batida mais famosa? Aliás a de maracujá,
tamarindo, limão, alecrim, mangaba, jurema, tudo. Tanto passo a noite
toda com uma turma brincando, como passo com uma só batida na
mesa.
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Oxente! essa é a nossa gente
O troféu? Consegui em São Paulo por problema da batida. Pegaram as
minhas garrafinhas e levaram para lá e ganhei o prêmio, sendo depois
chamado de Rei das Batidas.
Moro aqui no bar desde jovem. Minha batida já viajou para os Estados Unidos, São Paulo, Rio; viajou muito, vai para todo canto. Chegam
aqui, levam meu produto e, no lugar que chega, é sucesso.
Essa festa, não estou gastando nada: é o público. Isso me deixa feliz,
um reconhecimento das pessoas que freqüentam o Manequito. Estou
entusiasmado com a festa e hoje estou com um chapéu de capitalista.
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Manoel d’Almeida Lima: o poeta de cordel
ara quem penetra no Mercado Municipal de Aracaju
com olhos de apreciar o belo
que ali está presente vai encontrar as manifestações da cultura popular sergipana, um cenário vivo de todas as coisas do
povo. E vai encontrar uma pequena banca de literatura popular, misturada entre as barracas
que vendem produtos de couro. Um pequeno espaço, de um
metro quadrado, que cheira a
poesia e que fascina a quem
chega por uma certa magia que
envolve o ambiente. Por todos
os lados, encontram-se pendurados folhetos da literatura de
cordel.
A banca é do vendedor e poeta Manoel D’Almeida Lima, considerado o maior cordelista nacional,
com mais de 180 obras publicadas, autor de um longo romance em versos, O Direito de Nascer, com 79 estrofes.
A qualidade de suas obras, marcadas pela correção da linguagem,
inspiração, justificam o título de o maior poeta vivo da literatura de cordel. Uma pessoa simples, vendendo folhetos em sua banca de feira, fa-
Oxente! essa é a nossa gente
P
Publicado no Jornal da Cidade em 26.8.1991
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Oxente! essa é a nossa gente
lando com o compadre de um lado, a comadre do outro, e suas publicações circulando pelo Brasil.
Paraibano, vive em Sergipe há 51 anos. Um santo que já é de casa,
que consegue fazer milagres e que pouca gente conhece.
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LEMBRANÇA DE FELICIDADE - Manoel D’Almeida Filho nasceu no
dia 13 de outubro de 1914, na cidade de Alagoa Grande, na Paraíba,
filho de Manoel Joaquim de Almeida e Josefa Pastora da Conceição.
Seus pais eram agricultores e deixaram para o filho uma lembrança de
felicidade. O pai foi brilhar no céu e sua mãe continua brilhando na
terra com 95 anos.
Sua infância foi de sofrimentos e de lutas. O pai não aceitava que o
filho tivesse contato com a leitura. Considerava, na sua maneira de ser,
que quem aprendesse a ler era vagabundo. O menino Manoel ficava doido quando via uma pessoa lendo alguma coisa. Seu desejo era aprender
a ler de qualquer maneira e teve que lutar para conseguir tal realização.
Quando tinha oito anos, conseguiu com seu padrinho 2.000 réis, foi à
feira, comprou Carta de ABC de Antônio Nunes de Castro, pediu ajuda
a um e a outro, foi comprando outros livros, aprendendo sempre mais
com sua força de vontade. Sem freqüentar escola, entrou no mundo da
leitura e da escrita.
Em busca de trabalho, foi para a cidade de João Pessoa. Agora o pai
transbordava de alegria ao receber correspondência do filho. Os olhos de
Manoel brilham quando se recorda do seu “velho e amigo”, que tanto fez
por ele. “Pegava as cartas e ia mostrar aos amigos pelas bodegas. Morreu
orgulhoso do filho que ele chamava de doutor, porque sabia escrever
uma carta e ler outra.”
PRIMEIRO FOLHETO - Logo que aprendeu as primeiras letras, Manoel
escreveu os primeiros versos, “sem pé e sem cabeça”, recebendo elogios
dos amigos. Um certo dia, quando foi a uma feira, um vendedor de cordel chamou sua atenção. Foi o primeiro contato que fez com a literatura
popular em verso, oportunidade em que adquiriu o folheto O Capitão e
o Navio. Mergulhou fundo e, com muito fôlego, depois de versar algumas histórias de trancoso contadas pelo pai, passou a escrever dramas,
Oxente! essa é a nossa gente
quadras, realizando em versos sua primeira história, publicando o primeiro folheto no ano de 1936, quando tinha a idade de 22 anos, com o
sugestivo nome de: A Menina que Nasceu Pintada com Unhas de Pontas
e Sobrancelhas Raspadas.
A publicação do primeiro folheto mudou completamente sua vida,
quando passou a viver das vendas das produções literárias. Até então, sobrevivia trabalhando com tudo que encontrava pela frente. Trabalhou de servente de pedreiro, foi operário de fábrica, pegou muito
no pesado. Seu último emprego foi numa fábrica de cimento de João
Pessoa.
A idéia de fazer uma história de uma menina que nasceu pintada e
ainda mais com sobrancelhas raspadas surgiu quando da notícia, na crônica policial, do nascimento em Cruz das Almas de uma menina que
saiu da barriga da mãe, sem vida, apresentando em sua face e nos lábios
a cor avermelhada. Na época, estava começando a moda de sobrancelhas
raspadas e mulheres pintadas. O povo atribuiu o fato a um castigo de
Deus.
Sendo o cordelista o portador da palavra do povo para o povo, Manoel
D’Almeida, diante de um prato cheio na mão, não fez cerimônia, passando
tudo para os versos e mandou imprimir sua produção na Gráfica São
Paulo, na rua Maciel Pinheiro, em João Pessoa. Com a história, percorreu
as feiras do Nordeste, conseguindo vender nada menos do que 600.000
folhetos em várias tiragens. A primeira, de 5.000, foi esgotada em poucos
dias.
Entusiasmado com a profissão de cordelista, para dar mais brilho
aos trabalhos, resolveu cantar com viola, o que abandonou logo depois. O ano do primeiro folheto, 1936, segundo Manoel D’Almeida,
era o princípio da fase áurea da literatura de cordel no Brasil. “Isso
durou até 1950 e foi declinando, por causa dos veículos de comunicação, que foram aumentando. A literatura de cordel era o jornal do
povo. Acontecia um fato, como o golpe na União Soviética, e nós
escrevíamos um folheto para levar ao povo o acontecimento. Hoje não
precisa mais nada disso, pois a televisão mostra diretamente o fato
como está acontecendo.”
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Oxente! essa é a nossa gente
OS CABRAS DE LAMPIÃO
Nordeste, terra das secas,
Dos valentes cangaceiros,
Os velhos homens honestos,
Dos corajosos vaqueiros,
Das mulheres carinhosas,
Das sertanejas formosas,
Dos famosos violeiros.
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Um dos trabalhos marcantes do autor é Os cabras de Lampião, melhor obra de cordel sobre o famoso cangaceiro, pautada no princípio da
fidelidade histórica, fruto de minuciosas pesquisas. Foram dois anos
devorando toda a literatura existente em prosa e entrando em contato
com pessoas que conviveram com Lampião. Deslocou-se até as cidades
de Santana do Ipanema e Palmeira dos Índios, em Alagoas, para conversar com os soldados que participaram da volante que mataram Lampião.
“Eles me mostraram algumas moedas, punhais e outras coisas que pertenceram aos cangaceiros.” Almeida conversou com Antônio de
Chiquinho, que matou Zé Baiano, conversou muito com Joaquim Góes,
escritor sergipano que publicou um livro sobre Lampião. “Nós trocamos
informações um com o outro.” Concluída a pesquisa, percebeu que muitas pessoas só contavam os casos maus de Lampião, nunca os bons.
“Lampião era um ser humano como outro qualquer. Alguns fatos horríveis que atribuíram a Lampião eu não computei, pois achei que ele não
faria aquilo.”
Autor do mais longo romance em versos de cordel até hoje escrito,
Almeida conta como escreveu O Direito de Nascer, com 79 estrofes. Ouviu a novela pelo rádio e leu 40 volumes sobre a obra publicados em
prosa. “Juntei tudo isso, tirei a minha essência e fiz a minha história.”
TROCA JOÃO PESSOA POR ARACAJU - No ano de 1940, chegou à
cidade de Aracaju para vender seus folhetos no Mercado Municipal.
Almeida percorria as feiras do Norte e Nordeste, cantando e vendendo
seus folhetos. Gostou da cidade e do seu povo, fixou residência e constituiu família. “Eu sou um sergipano de coração e, agora, vou receber o
ALEGRIA DO POETA - Fazer uma produção literária, lançar na feira e
sentir a repercussão da obra é a alegria do poeta popular. “Alegria e prazer, tanto que eu, enquanto puder andar e viver, estarei aqui, no Mercado
Oxente! essa é a nossa gente
título de cidadão aracajuano. Quando viajo para o sul, só fico satisfeito
na volta quando atravesso o rio Vaza-Barris e, para o norte, quando atravesso o São Francisco”. Casou com a sergipana Maria de Lourdes Souza
e tem três filhos: José Souza de Almeida, Lindóia Souza de Almeida e
Telma Almeida.
Contando com 55 anos de atuação na literatura de cordel no Brasil,
chegou a conhecer destacados poetas populares, alguns que já se foram:
“João Martins de Ataíde, José Camelo de Melo Resende, Sebastião José
do Nascimento e José Pacheco da Rocha, um dos maiores poetas humoristas
do cordel.”
“No Nordeste sempre foi muito vivo o costume das histórias narradas
nas varandas das fazendas de gado, na casa grande e nas roças dos engenhos de cana-de-açúcar. Esse costume proveio de uma longa tradição
ibérica, dos romanceiros das histórias de Carlos Magno e dos Doze Pares
de França e outros grandes livros populares. Originou-se também de
contos de varinha de condão, de bichos falantes, de bois, sobretudo na
região nordestina, onde se desenvolveu o Ciclo do Gado, e ainda de
histórias do folclore universal, inclusive africano, estas trazidas pelos
escravos, acostumados à narrativa oral em suas terras de origem. O nome
literatura de cordel provém de Portugal e data do século XVII. Esse nome
deve-se ao cordel ou barbante em que os folhetos ficavam pendurados.
No Nordeste brasileiro, mantiveram-se o costume e o nome. Em fins do
século passado, em Vitória de Santo Antão, Leandro Gomes de Barros
(1865-1918) lançava seus folhetos impressos tipograficamente, aproveitando o tempo ocioso das tipografias que eram destinadas à impressão
de jornais.” Manoel D’Almeida Lima confessa que não é um pesquisador
e sim um escritor da literatura de cordel. Não nega que gosta de saber um
pouquinho das coisas e conta que teve oportunidade de ler todas as
obras do mestre Leandro Barros, tendo inclusive vendido nas feiras folhetos seus. E, rindo, conta: “Só não o conheci pessoalmente por ter
chegado um pouco depois de sua partida.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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Municipal de Aracaju, em contato com o povo, que eu gosto e dependo
até hoje.”
Mesmo com a televisão mostrando os fatos, há um público cativo que
não dispensa os folhetos, graças ao talendo que permite ao cordelista
sobreviver à tecnologia pela sua inspiração viva e espontânea. Almeida
sempre recebe na sua banca clientes que aparecem por indicação de alguém. “O pai conta para o filho que a história é boa. Um filho conta ao
pai que o livro é bom. Estudantes mandados por professores preocupados com a cultura popular, pois quem não conhece a literatura de cordel
no Brasil não conhece o nosso folclore.”
A banca do cordelista, no Mercado Municipal de Aracaju, funciona
desde o ano de 1968. Mas o poeta vive de suas poesias na cidade de
Aracaju há 51 anos. “Antes eu trabalhava na calçada, bem na frente da
Farmácia dos Pobres. Tinha uma grade na parede segurando meus folhetos. Ficava ali durante a semana e nos fins de semana eu vendia pelas
feiras do interior.”
Quando chegou a Aracaju, encontrou na feira uma banca de folhetos
de cordel que pertencia a Marcelino Bitencurt. Depois de algum tempo
apareceram outros vendedores. Mas com todos Manoel mantinha um
bom relacionamento e conseguia vender em grosso, suas produções.
“Quando aparecia alguém com um livro bom, nós fazíamos uma troca.”
Hoje, sua banca é a única no mercado. Mais recentemente havia mais
duas: a de José Estácio, que hoje vende pulseira de relógio, e a de Vicente
de Paulo. Na ativa em Aracaju, no momento, só existem duas bancas: a
de Manoel e a de um compadre seu, João Firmino Cabral, que faz ponto
na praça João XXIII.
VOZ DE SEREIA - Vender um folheto de cordel nunca foi fácil, mesmo
na época das vacas gordas. “Nós tínhamos os profissionais de cantar os
folhetos na feira. Tanto os poetas cantavam como os revendedores aprendiam as músicas para vender. Hoje, essa profissão está extinta, pelos
altos preços de hotéis e transportes. No apurado, o lucro não dá para
pagar as despesas.” Manoel D’Almeida fazia tudo. Era poeta, vendedor e
cantor. Com um sorriso nos lábios, fala que tinha uma voz de sereia que
era ouvida desde a praça General Valadão. “Criei um calo na garganta que
55 ANOS DE CORDEL - Quanto a ser considerado o maior poeta da
literatura de cordel no Brasil, comenta modesto: “Tive mais tempo do
que os outros escrevendo. Tenho o maior número de histórias publicadas
no Brasil e tenho uma editora à minha disposição desde o ano de 1955.
Naquele tempo era a Editora Prelúdio e, hoje, Editora Luzeiro, em São
Paulo, que me compra e publica todas as minhas obras, como também eu
sou o encarregado no Nordeste para adquirir e selecionar obras de outros
poetas para publicação.”
Seu último folheto, que está circulando pelas feiras do Brasil, tem o
nome de Os Amigos do Barulho e o Bandido Carne Frita. Cada edição tem
5.000 exemplares, que são vendidos em até quatro meses. “As edições
são repetidas várias vezes. Tenho vários livros desde 1955 que continuam sendo publicados. Os que vendem mais são os que ainda estão em
evidência, como Josafá e Marieta e Os cabras de Lampião.”
Almeida comenta que um bom cordelista ganha dinheiro dependendo da ocasião. A época de Getúlio Vargas favoreceu seu bolso. Sendo sua
publicação nacional, o estado de São Paulo é o mais forte comprador dos
seus trabalhos. Segundo ele, poucos foram os cordelistas que se destacaram em Sergipe, mas é admirador das obras dos propriaenses falecidos
Oxente! essa é a nossa gente
os médicos não conseguiram operar naquela época, por falta de recursos
técnicos.”
Preocupado com o sofrimento do povo, publicou alguns trabalhos
espelhando a realidade da vida. Logo percebeu, nos compradores, pouca
atração pelo tema. “O povo não gosta que se fale do seu sofrimento, pois
já vive sofrendo, compra um livro para se distrair e não que fale dos seus
problemas. Escrevi alguns livros como O sofrimento do povo no facão da
carestia, mas não deu certo”.
Na vida de cordelista, o fato que mais entristeceu o poeta foi a morte
de Getúlio Vargas. “No Brasil, mais de 300 poetas populares escreveram
a morte de Getúlio e eu escrevi um folheto que vendeu 80.000 exemplares.” A tristeza do momento é perceber a não renovação de valores na
literatura de cordel no Brasil. Os melhores poetas estão passando para o
outro lado da vida e não estão surgindo novos poetas, que continuem a
nossa tarefa de escrever versos para o povo.”
299
Oxente! essa é a nossa gente
Bártiro Xavier Brandão e Augusto Laurindo Alves, e do compadre, filho
de Itabaiana, João Firmino Cabral. “Ele é bom, mas recebe as minhas
instruções.”
300
O CASO LACONGA - Dos fatos acontecidos em Sergipe que pararam na
literatura de cordel, a morte do menino Carlos Vernek, por um bandido
conhecido como Laconga, foi o de maior sucesso — inclusive, os versos
de Lima foram anexados ao processo na Justiça. “O promotor achou por
bem incluir no processo meus dois livros, por achar que correspondiam
à realidade dos fatos.”
Um poeta humilde, acostumado, feliz com o reconhecimento da sua
arte de fazer versos. “Recebi a Medalha do Mérito Tobias Barreto, no
governo Valadares, fui homenageado pelo então governador Augusto Franco, em Brasília, nos festivais, recebi várias homenagens e, no dia 13 de
setembro, vou receber o título de cidadão aracajuano, por indicação do
vereador Jorge Araújo.”
Teve uma passagem na imprensa em Sergipe, quando participou do
jornal Correio de Aracaju. É membro da Associação Sergipana de Imprensa e, durante sete anos, foi secretário da entidade de classe, tendo
publicado vários artigos na revista da ASI.
Na política, seus trabalhos foram utilizados, profissionalmente, tendo preparado alguns folhetos que foram distribuídos em algumas campanhas eleitorais no Estado. Escreveu Os feitos de Leandro Maciel, A campanha de Augusto Franco, Os feitos de Santos Mendonça.
No ano de 1979, folheando o arquivo da Editora Luzeiro, constatou
que um dos seus folhetos, Vicente, o Rei dos Ladrões, já estava naquele
ano com 600.000 exemplares vendidos no Brasil. Manoel D’Almeida Filho mostra um riso, afirmando que já é doutor em cordel, mesmo levando uma vida de sofrimentos, prazeres, dores e lágrimas.
MEU NASCIMENTO
Era em mil e novecentos
E catorze que na terra
Havia a Primeira Guerra...
Com combates violentos.
Num lindo ninho de amor
Nasci para ser trovador
No horário matutino
Para cumprir o destino
Como mais um sofredor
Caí nas mãos da parteira
Às seis horas da manhã
Numa casinha na chã
De uma linda cordilheira.
Vi a luz a vez primeira
No dia treze de outubro,
O sol nasceu muito rubro
Deixando a terra aquecida.
Com este calor de vida
Ainda hoje me cubro.
A parteira quase célica
Que me ajudou a vir ao mundo.
Dormi um sono profundo
Depois da longa viagem...
Acordei vendo a paisagem
Da Serra da Boa Vista
Com uma beleza mistra
Da natureza selvagem.
Manoel D’Almeida Filho
Oxente! essa é a nossa gente
Fui banhado em um segundo
Pela minha vó Angélica,
301
Manoel Felizardo: o conhecido Pirricha
Oxente! essa é a nossa gente
F
302
igura das mais conhecidas no esporte,
Pirricha tem um passado de glória, sendo
dos primeiros atletas que saíram de Sergipe para
o futebol baiano, onde atuou como meia-direita
do Vitória. Afastado do futebol por problema
de saúde, continuou prestigiando o esporte, como
presidente do Sergipe, presidente da Federação
de Futebol de Salão e técnico do time de futebol
de salão do Iate Clube. Atuou como empresário
de artistas, sendo responsável pela vinda de
Terezinha Morango, primeira Miss Brasil a visitar Sergipe, na época em que o concurso era um
acontecimento nacional. Trouxe Ângela Maria,
Maysa Matarazzo, Nelson Gonçalves, artistas disputados da época. No restaurante Cacique Chá,
onde foi o segundo arrendatário, uma importante passagem, sendo responsável pela implantação do chá das 5, freqüentado pela damas da
sociedade, e pela primeira boate freqüentada
pela elite social de Aracaju. Deu ao Cacique, além
do nome Chá, uma outra vida a um bar que antes de Pirricha só vendia batida de maracujá.
Manoel Felizardo do Nascimento nasceu em Aracaju, precisamente
na praça da Matriz, hoje Parque Teófilo Dantas, a 4 de janeiro de 1925,
sendo filho de Antônio Carlos do Nascimento e Risoleta do Nascimento.
Publicado no Jornal da Cidade em 11.7.1993
VILA NOVA - Viveu a infância na rua Vila Nova, hoje Duque de Caxias,
com liberdade para os banhos na Rua da Frente e Praia 13 de Julho. Com
13 anos de idade, iniciou na vida esportiva, quando fundou, juntamente
com os meninos de sua rua, a equipe do Vila Nova, que deu ao esporte
sergipano craques de renome nacional, a exemplo de Cacetão, Joel e Velau.
O primeiro contato com os estudos aconteceu aos 8 anos de idade,
quando ingressou no Colégio Tobias Barreto do professor Zezinho Cardoso. Não sendo um estudante bem comportado, não passou do posto
de soldado no colégio que condecorava os alunos até com a divisa de
general. Deixou os estudos após concluir a 2º séria ginasial, circunstanciado por questões financeiras da família, o que forçou a ser operário de
fábrica de tecidos, com 16 anos de idade.
Voltando a falar do Vila Nova, Pirricha conta que tudo começou com
a vinda do Esporte Clube Bahia no ano de 1936. Depois que o time foi
embora, saindo invicto de Aracaju, empolgado com o time baiano, resolveu fazer um time de pé raspado em Aracaju, com o mesmo uniforme.
“Calção de mescla, camisa branca e faixa vermelha.”
Para adquirir o uniforme, montou um circo num terreno baldio da
rua Duque de Caxias. Conseguiu com Raimundo Diniz estacas, arranjou
pano, cordas, montou picadeiro e estreou na vida artística como palhaço. No circo do Pirricha tinha trapezista, rumbeira e até gente que cantava como defunto, no papel de morto-vivo. “Quem fazia isso era Doutor,
do Cacique (risos).”
Um circo levado no capricho por todos os atletas do time, que ficavam felizes por ter platéia de respeito, com pessoas pagando ingresso de
50 réis e, ainda mais, levando cadeira de casa para assistir ao espetáculo.
MEIA DIREITA - O Vila Nova funcionou de 1937 a 38 e acabou quando
Pirricha entrou no juvenil do Palestra. Iniciou no futebol como ralf direito, terminando sua carreira futebolística como meia direita. Jogou no
Oxente! essa é a nossa gente
A honestidade foi a grande herança que recebeu do pai, funcionário
da Alfândega, classificado como auditor fiscal. De sua mãe, guarda grandes recordações, pelo apoio que deu nos momentos de dificuldades da
família, motivados pela doença e morte do pai.
303
Oxente! essa é a nossa gente
Cotinguiba, Vasco, União Têxtil de Estância e fez bonito no Vitória da
Bahia, por um bom período. Ele recorda que quem primeiramente chegou à Bahia foi o Dr. Roselvelt, vindo depois Augusto Franco, “que jogou
um bolão no Vitória”, em 3º lugar ele e, depois, uma série de jogadores,
Acácio, Toninho, Velau e outros.
Naquela época, para jogar na Bahia, só ia quem jogasse bola de verdade, “pois os times eram bons, sendo verdadeiros celeiros de craques.”
No Vitória tornou-se campeão do Torneio Cidade de Salvador.
304
O NOME PIRRICHA - Desde o momento em que passou a mostrar que
era bom de bola, ganhou o apelido de Pirricha. Foi por causa do irmão,
que era conhecido Pirrichiu, por ser exímio nadador. “Ele atravessava
brincando o rio Sergipe, e vinha de Santo Amaro até a Atalaia Nova
nadando. Era chamado de Pirrichiu, que é uma ostra que dá no fundo da
embarcação. Como ele gostava do mar, deram o nome de Pirrichiu, e daí
veio Pirricha.”
Convidado por Eduardo Matos, deixou o Vitória da Bahia para vir
morar em Aracaju, como funcionário do Senai. Foi o primeiro funcionário do Senai em Aracaju, trabalhando de 1945 a 53, quando foi nomeado
corretor da Bolsa de Valores de Sergipe, onde chegou a exercer o cargo de
presidente. Uma vida profissional longe do campo de futebol, iniciada
na fábrica Santa Cruz, na cidade de Estância. “Integrava o time de futebol, vôlei e basquete, além de fazer teatro, junto com Alfredo Gomes, que
era o contador da fábrica. Eu era um misto de cantor e ator.”
O segundo emprego em Aracaju foi como contínuo do Banco Mercantil Sergipense, onde chegou a escriturário. No período em que esteve
jogando no Vitória, trabalhou no Banco Mercantil de Salvador. “Fui um
misto de profissional, quando ganhava 600 mil réis do meu futebol e 400
da minha vida de bancário.”
PROBLEMA DE MENISCO - Deixou de jogar futebol por rompimento de
menisco na perna esquerda, mas não abandonou o esporte. Foi presidente
do Sergipe, técnico de futebol de salão da equipe do Iate Clube de Aracaju,
presidente da Federação Sergipana de Futebol de Salão. Como presidente
do Clube Sportivo Sergipe, a fim de oferecer personalidade jurídica ao Iate
CACIQUE CHÁ - No ano de 1953, arrenda ao fotógrafo Artur Costa o Bar
Cacique, que estava com dois anos de funcionamento. O primeiro arrendatário estava sem condições de mantê-lo, “chegando aa ponto de mandar comprar cerveja em um outro bar para atender os clientes. Só tinha
batida de maracujá.”
Pirricha chegou com um bom capital e novas idéias. Tratou de fazer logo
uma completa reforma, para estrear com uma nova imagem. Para atrair o
público feminino, acrescentou ao nome do bar a palavra Chá, passando a
casa ser conhecida a partir daí como Cacique Chá. “Tornou-se uma casa de
chá de verdade. As madames da sociedade sergipana marcavam presença
todas as tardes. Elas gostavam de tomar o nosso delicioso chá, servido com
torradas amanteigadas. Para aquelas que não gostavam de chá, nós servíamos sorvete, que era preparado pelo João da Gaúcha, que na época era um
sorveteiro de mão cheia. Depois que as madames iam embora, chegavam os
políticos para uma rodada de cerveja e muita conversa.”
Pirricha introduziu no Cacique o restaurante, que funcionou até com
fornecimento de marmitas, e a primeira boate de Aracaju. “Foi a
primeiríssima, porque, até então, não existiam boates familiares. Nós
tínhamos freqüentadores como: Gileno Lima, Tenysson Freire, Ronaldo
Calumby Barreto. Era a nata, fazia seleção da seguinte maneira: começava
a vender as mesas somente a partir da sexta-feira. Quando via que o
elemento não era para estar naquele ambiente, dizia que já estava lotado.
Assim, fazia minha seleção, e nós brincávamos com tranqüilidade até as
5 da manhã, com música ao vivo. O conjunto era formado por Zelmer
Ximenes no piano, Antônio Teles, que tocava e cantava, e Oliveira. Era
um tempo quando primava o bolero.”
MISS SERGIPE - Através do Cacique, Pirricha levantou o Miss Sergipe.
“Em 1939, a miss foi Maria Galvão. De 39 a 53, nós não tivemos concur-
Oxente! essa é a nossa gente
Clube, para emissão de ações, através do Conselho Deliberativo, conseguiu
liberar uma área na sede do Sergipe para a instalação do clube em sua fase
de formação. “Tanto assim, que sou sócio benemérito do Iate.”
Em 1947 foi candidato a vereador de Aracaju, pelo Partido Republicano. Ficando na 2ª suplência. Deixou a política de lado.
305
Oxente! essa é a nossa gente
so. Então, eu promovi o Miss Sergipe e a candidata foi Graciema Madureira.
Foi uma festa que marcou época. O corpo de jurados foi composto de
personalidades importantes. Me recordo da participação de Heribaldo
Vieira, que era secretário de Estado, e de Jurandir Cavalcanti, jornalista e
dentista.”
Em 1954 passou a atuar como empresário de artistas, trazendo pela
primeira vez um Miss Brasil para Sergipe. “Fui eu quem trouxe Terezinha
Morango. Ela fez o desfile na Associação Atlética e lançou a pedra fundamental do Iate Clube de Aracaju, juntamente com o comodoro da época,
Alcebíades Melo Vilas Boas.”
Entregou o Cacique a Freitas e Amaral e foi se dar bem por um bom
tempo como empresário de shows. “Fui responsável pela vinda de Maysa
Matarazo, Ângela Maria, Nelson Gonçalves e outros artistas. Talvez tenha sido o empresário de shows pioneiro em Sergipe, como fui o pioneiro de firma de prestação de serviço, quando eu fundei a Acel, uma firma
de vigilantes, de limpeza de bancos e prédios. Hoje existem cerca de 40
firmas desse tipo, e eu fico feliz por ter iniciado num ramo onde ninguém acreditava que pudesse dar certo.”
306
CASAMENTO - Casou em setembro de 1946, na Igreja de São José, com
Maria do Carmo Dantas, após três anos de namoro. São seus filhos Luís
César Dantas Nascimento, Leila Nascimento Alves, Antônio Carlos do
Nascimento Alves, Antônio Carlos do Nascimento Neto, Liana Nascimento Freire, Lívia Nascimento e Liliane Dantas Nascimento.
Todo dia, das 10h30 às 12 horas, ocupa a primeira mesa da varanda
do lado direito do Cacique, onde bebe duas cervejas — nem mais, nem
menos. “Quando eu morrer, espero que coloquem aqui uma placa com o
meu nome.”
Para encerrar, uma recordação da praia 13 de Julho: “Onde hoje é o
Iate Clube de Aracaju tinha uma pinguela. Quando a maré estava cheia,
a gente atravessava pela pinguela.”
Maria Feliciana: a rainha da altura
o dia 18 de janeiro de 1968, ela
foi destaque na primeira página
do jornal Gazeta de Notícias, do Rio
— inclusive com foto —, quando foi
registrada a visita que fez ao governador daquele Estado. A manchete dava
o seguinte destaque: “Negrão ouviu
mulher mais alta do mundo! A mulher mais alta do mundo, Maria
Feliciana da Silva, foi ontem recebida
pelo governador Negrão de Lima, no
Palácio Guanabara. Não houve um
“tète-a-tète”, porque isso era impossível, embora o físico avantajado do chefe
do Executivo...”
Por conta da altura, foi destaque nacional já com quinze anos de idade.
Recebeu de Chacrinha, no seu memorável programa de calouros, coroa
e faixa de “Rainha da Altura”. O ator
Grande Otelo foi convidado a participar da importante cerimônia de
coroação. Uma tarefa difícil, que
necessitou, além da ajuda de uma chacrete, de uma salvadora cadeira,
para o Otelo chegar até os 2m25 de Maria Feliciana.
Publicado no Jornal da Cidade em 29.4.1991
Oxente! essa é a nossa gente
N
307
Ao lado de Luiz Gonzaga, percorreu algumas cidades do Brasil. Uma
atração que lotou cinemas, circos e ginásios. O Rei do Baião e a Rainha
da Altura num grande show de xaxado.
Oxente! essa é a nossa gente
BASQUETE - Quando completou 25 anos, ela foi destaque na revista
Placar, que enviou a Aracaju dois repórteres especiais para fazer a cobertura do seu aniversário, quando segurou pela primeira vez na vida uma
bola de basquete. Feliciana despontava como esperança do Brasil para
conseguir uma colocação melhor no Campeonato Mundial de Basquete.
Só aos 25 anos é que descobriram a utilidade de sua altura, em prol do
esporte nacional. No início ela aceitou o desafio, treinou bastante e chegou a disputar partidas fora do Estado. Mas, ninguém investiu na jogadora de basquete. Não perceberam que ela era imbatível no rebote e não
precisava fazer muito esforço para enfiar a bola no aro. Mas na área esportiva sua passagem não passou de um pequeno ensaio, embora tivesse
sido destaque com uma página da revista Placar.
308
EDIFÍCIO - Quando foi construído o prédio mais alto do Estado, deram
o nome de Edifício Estado de Sergipe. O povo preferiu chamá-lo de Maria Feliciana e, mesmo sem placa, seu nome ficou associado ao mais alto
edifício de Aracaju.
Depois da coroação por Chacrinha, depois de ser notícia nacional,
passou a ser artista de circo mambembe, correndo o interior do Brasil.
Hoje, após 23 anos que recebeu a faixa de “Rainha da Altura”, Maria
Feliciana mora no bloco 5, apartamento 301, conjunto residencial Bugio.
Uma mulher casada, com três filhos, uns quilos a mais e uma intensa
vida de dona de casa. Atualmente por causa de uma cirurgia no pé, deu
uma pausa nas suas apresentações circenses.
Desde que passou a pertencer ao mundo encantado do circo, só deixou de participar de espetáculos por problemas de saúde. Sempre se
apresenta acompanhada de um cantor de músicas nordestinas. De tantas
apresentações, entrou no ritmo e aprendeu a cantar para valorizar seu
número e encantar mais ainda o seu público.
Só sai do seu apartamento para ir ao médico ou para o circo. É que
Maria Feliciana circulando nas ruas chama tanta atenção que deixa de ser
atração circense. Quando não passa uma temporada morando no próprio
circo, sem sair da barraca, fica presa na pensão. Nunca viajou de avião.
Carro, só viaja no tipo que proporcione uma acomodação para suas pernas.
FILHA DE AMPARO - Maria Feliciana dos Santos (Feliciana, como depois da carreira artística) nasceu no dia 27 de maio de 1946 e é filha de
Antônio Tinino da Silva e Maria Rodrigues dos Santos. Nasceu na cidade de Amparo de São Francisco. Seu pai era mais alto do que ela, pois
tinha 2m40 de altura, segundo conta. Seu avô, era baixo; sua avó, sim,
era alta, tinha 2m30. Sua bisavó não conheceu, mas soube que era muito
alta. “Vim de uma família alta e de origem brasileira.”
O SUCESSO - Trocou Amparo por Aracaju, hospedando-se na casa daquele que deveria ser o seu primeiro empresário, Ciro Moreira. Na primeira semana de convivência, Feliciana achou que não ia dar certo. Mas
nos pequenos circos de Sergipe, começou a fazer sucesso. O primeiro a
apresentar Maria Feliciana foi o circo de Antônio Dorca. “Na minha primeira apresentação, fiquei nervosa, pois nunca tinha enfrentado o público.” Ganhou experiência, fez sucesso, foi longe e até hoje é atração de
circos mambembes de Sergipe: Circo do Chupetinha, de França, de Moleza, do Zito, de Natanael, de Birôco, de Arlindo, Tourada de Geraldo.
Conheceu, por intermédio do próprio Ciro, Josa, o Vaqueiro do Sertão, que foi responsável pelo seu lançamento nacional. Josa acertou todos os detalhes e levou Feliciana de carro até o Rio de Janeiro, para fazer
uma apresentação no programa de calouros de Chacrinha. No hotel em
que estava hospedada recebeu a visita do velho guerreiro, que foi conhecê-
Oxente! essa é a nossa gente
INFÂNCIA - Até os dez anos, viveu sem problemas na sua cidade natal.
Foi à escola fazer o primário no grupo municipal, mas no concluiu, pois
deu para crescer demais. A altura criou complexo na menina. Depois
alguém soprou nos seus ouvidos que a altura poderia lhe dar um bom
dinheiro. “Já com quinze anos vim para Aracaju para poder fazer shows,
uma sugestão do meu compadre Antoninho:
— Maria, por que você não vai para Aracaju procurar um empresário
para ganhar dinheiro com sua altura? Deixa de ser boba, menina!”
309
la antes de sua apresentação. “Ele ficou admirado, falei a minha idade,
perguntou se era de família alta, disse que sim. Perguntou se tinha mais
irmãos, respondi que era filha única.”
Oxente! essa é a nossa gente
CASAMENTO - “Meu marido, Assoiris José dos Santos, é de minha
cidade. Vivemos num amor de felicidade. Meu namoro com ele iniciou
quando eu tinha 27 anos. Fui passear na casa de meus pais e comecei a
gostar do Assoiris. Em seis meses fui ao altar.” Um marido com estatura
normal, com 1m70, um casamento normal, sem nada para atrapalhar o
relacionamento do casal. “Casei na igreja e no civil, sem ser de vestido
comprido, no dia 28 de março de 1973. O casamento foi realizado na
cidade de Propriá e a lua-de-mal na cidade de Amparo. Não precisou
cama especial (risos). Até hoje, durmo em cama normal. Dá pra dormir
bem, passa um pouquinho, mas não vou dormir estirada, não é? Durmo
encolhida.”
Do casamento de Feliciana com Assoires, três filhos. Chris, Charles e
Cleverton. “Meu marido hoje é proprietário de uma churrascaria na cidade de Cristinápolis e toda terça-feira está em Aracaju.”
310
DESTAQUE NA IMPRENSA - Depois de sua apresentação na televisão,
abriram-se os espaços para Maria Feliciana. Até convite para fazer apresentação nos Estados Unidos apareceu. “Recebi uma carta me convidando para ir para lá. Não me lembro da proposta financeira. Não deu para
ir. Ainda era moça e estava na companhia de Josa, que era o meu empresário.”
Largou Josa após muitos anos de caminhada e passou a ser
empresariada pela dupla Ozano e Ozanito, durante seis anos. Diante do
público circense, iniciou sua carreira como cantora, sempre participando da última música do show da dupla musical. Chegou a trabalhar com
Carlito e Cardoso e hoje sua vida artística está ligada à dupla Adalto e
Adailton. “Com Josa, trabalhava como se fosse sua filha. Participava do
show e ele me dava um tanto. Não tinha cachê estabelecido. Até hoje,
não tem um preço fixo por apresentação. Tudo vai depender da renda do
circo. Se der 50, a metade é nossa e a outra parte do dono do circo. Com
os três, dividimos os 25.”
Uma certa feita, numa de suas apresentações em circo, quando anunciaram seu nome, a geral não resistiu e caiu. “O circo estava super lotado,
as pessoas ficaram de pé e só ouvi o barulho. Não agüentei e cai na
gargalhada.”
O HERDEIRO DA ALTURA - Charles Santos, filho de Maria Feliciana,
herdou da mãe a altura. Com 16 anos, já passou os 2m25 da mãe. Está
com 2m30 e ainda em fase de crescimento. Deverá chegar aos 2m40,
preservando a árvore genealógica da família, que cresce como coqueiro.
Não quer ser o substituto da mãe em apresentações de circo mambembe.
Pretende ser um atleta de basquete. Já joga no time do Colégio Francisco
Rosa. Recebeu proposta de jogar no time do Arquiodiocesano e sonha
em jogar em São Paulo. Com uma boa alimentação, o necessário acompanhamento médico, muita física, treinamento e um bom técnico, poderá
fazer sucesso no basquete. A revista Placar sugeriu transformar sua mãe,
Maria Feliciana, na nossa Uliana Semenova. O filho quer provar para o
mundo que a altura da família tem valor no esporte: ele é bom de cesta e
não é lento.
DESEJO DE MARIA FELICIANA - “Meu maior desejo é ir ao programa
de Sílvio Santos, para poder conhecê-lo pessoalmente. Sonho em bater
na porta do Sílvio, na sua Porta da Esperança. O que vou pedir? Ainda
vou pensar.”
Maria Feliciana guarda muitas lembranças de suas aventuras na vida
artística. Não ganhou muito dinheiro, mas consegue sobreviver. Sua altura continua a atrair público nos circos mambembes, continua sendo
atração, pois o espetáculo continua.
— Respeitável público. Com vocês a mulher mais alta do mundo, a
rainha da altura, Mariaaaa Felicianaaaaaaa...
Oxente! essa é a nossa gente
BASQUETE - Feliciana aprendeu a jogar basquete tendo representado o
basquete sergipano, numa partida no Estado do Rio Grande do Sul. Passou três meses no esporte. “Fiz muitas cestas. Eu mesma colocava a bola
no aro e pegava ao mesmo tempo, depois de fazer cestas”. Largou o basquete, veio o casamento e a opção pela carreira artística.
311
Mário: o bedel do Tobias
Oxente! essa é a nossa gente
S
312
e sofrer e chorar significam viver,
como escreveu Dostoiévski, Mário
Primo dos Santos está vivendo. Uma das
suas pernas, por intervenção cirúrgica,
foi amputada. Há mais de ano vive na
enfermaria do Hospital São Lucas. De lá
é conduzido para a sala de Diálise
Peritoneal, num vai e volta constante do
seu longo dia, vivido da sua fé em Deus.
Todod dia ele passa pela prova do limite
da dor.
O Mário? Sim! O famoso bedel do
Tobias. Quanta gente hoje desconhece o
Mário. Antes, aquela alegria, o gostoso
bom dia da portaria, as conversas, as brincadeiras, principalmente no dia em que
o seu time Fluminense perdia.
Sem receber visitas de ninguém, nem
dos familiares, solteiro, o Mário vive no
Hospital graças “ao espírito de Lucas do
Dr. José Augusto Barreto”. Não tem dinheiro: foi aposentado com um mísero
salário, que não dá nem para comprar uma
camisa nova do Fluminense. Casa? Já não tem mais. Por algumas circunstâncias, seu lar foi destruído.
Publicado no Jornal da Cidade em 12.11.1990
PROBLEMA NO OLHO E TOBIAS - Mário Primo dos Santos nasceu no
dia 18 de janeiro de 1920. Filho de Pedro Maxi e Maria Júlia de Jesus.
Baiano de Rio Real, passou sua infância com os pais. No ano de 1935
chega a Aracaju, doente, para fazer uma operação cirúrgica no olho esquerdo. “Chegando aqui, o médico examinou e disse que não era possível fazer
a operação, pois a mancha era interna.” Mário, sem condições de retornar
a Rio Real, ficou trabalhando em casa de família. Deu duro na casa do Dr.
Benjamim de Carvalho e depois conseguiu ser operado pelo espírito generoso do saudoso médico Juliano Simões. “Naquela época, tinha 20 anos.”
Sua entrada no Tobias Barreto, modelar colégio da época, foi um golpe de sorte. “Num dia de domingo, pelas seis da manhã, estou em plena
Oxente! essa é a nossa gente
Mas ainda tem sonho: espera sair do hospital algum dia e tentar uma
vaga para viver, como indigente, do SAME, até concluir a sua caminhada. Sempre viveu no Colégio Tobias Barreto. Tinha dois quartos: “Chegou a Aliança Francesa e comeu um. Chegou a Academia Sergipana de
Letras e levou o outro.” Seus olhos se enchem de lágrimas quando faz a
revelação: A Aliança Francesa ergueu o seu edifício de vidros. Bonito
prédio, espelho do progresso. Mas em troca de um novo lar, fizeram o
favor de utilizar seus préstimos. Por lá passou seus últimos dias de trabalho. Um encontro com estudantes de francês, bem diferente dos estudantes do Tobias. Estava com gente fina. De lá, depois de tirada uma fatia
de sua casa, saiu uma lista entre os alunos para conseguir um dinheirinho, mas a campanha não foi para frente. As bolsas para estudar na
França, os coquetéis para os amigos da França, os destaques nas colunas
sociais... Na pompa, esqueceram de proporcionar amparo a um homem
que foi violentado nos seus direitos. Talvez um esquecimento do lema da
revolução francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.
A Academia Sergipana de Letras, que sempre sonhou com uma sede
própria, fez questão da preservação histórica do prédio, mas também
esqueceu do monumento vivo do Colégio Tobias Barreto, que é o bedel
Mário. O governo Valadares deixou tudo acontecer na mais completa
inocência. O seu serviço social não passou por lá. Uma casinha de Cohab
foi esquecida. Um posseiro com os seus direitos adquiridos foi esquecido até pela OAB.
313
Oxente! essa é a nossa gente
esquina quando chegou um rapaz: ‘Mário aí tem uma vaga’. Tem? Eu fui.
Tinha uma fila enorme, quando o diretor me viu, disse: ‘Esse fica!’ Era o
professor Zezinho Cardoso, o diretor do colégio.” Ficou impressionado
com o físico atlético do Mário e não pensou duas vezes. “Eu era forte,
colocava duas latas de querosene cheia de água na mão e suspendia três
vezes.” Um trabalho especial que o professor Zezinho necessitava e que,
para a função, chegava a fazer concurso. “Me botou para lavar prato e ariar
os talheres.” Naquela época, o colégio possuía alguns alunos internos e
muita sujeira que era preciso limpar. Mário passou três anos no setor.
Por causa de uma briga entre dois funcionários, o diretor do colégio
colocou na rua os envolvidos e promoveu uma eleição entre os demais
funcionários, para o importante cargo. “Eu era um dos candidatos à portaria. Então, ganhei por cinco votos.” Foi um fato tão importante na sua
vida, que até hoje Mário lembra a data da eleição para porteiro do colégio: 2 de dezembro de 1940.
314
5O ANOS DE TOBIAS - Quando lembra que passou 50 anos no Tobias
Barreto, Mário começa a chorar: “Me aposentei lá pelo INPS, ganhando
bagatela.” Mas, das migalhas de hoje aos ordenados do tempo do colégio, uma mudança do vinho para a água. “Meu primeiro, ordenado foi
5.000 réis. O diretor gostou do meu serviço e passou logo para 10.000
réis, depois para 40 mil réis. Eu fui seguindo naquela marchinha gostosa
e, no fim, deu no que deu.”
Para Mário, o colégio passou por fases de alegrias e tristezas. “Teve
quebrado, diretores sem recursos, passou por vários donos: professores
Portugal, Serrano, Cordélio Monteiro, Napoleão Dórea, Alcebíades. Acompanhei todos eles. Passei minha vida lá dentro.”
Na sua função, o bedel era exemplar: seu relacionamento com os alunos era algo de fantástico. Fala das gerações de estudantes que passaram
por ele, entregando a carteirinha para o carimbo de presença, não faltando a frase que marcou bem a sua vida: Bom dia seu Mário! Bom dia!
Hoje, acamado, não ouve mais o bom dia dos estudantes do Tobias.
“O estudante de antigamente era diferente do estudante de hoje. A
maneira de cumprimentar é outra.” Quantas saudades! Mário, com os
braços apoiados na cama, com uma voz pausada e firme, interrompe o
ATLETA - Um apelido que recebeu e que achou simpático: “Mário Cantor, pois imitava Chico Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, tudo isso,
debaixo da mangueira, em noite de lua. Agradava os alunos e os moradores de todo o trecho.”
Além do trabalho de bedel de colégio, era um atleta por excelência.
“Jogava futebol. Joguei pelo Sergipe, como goleiro, E defendi o Colégio
Tobias Barreto por onze anos. A primeira medalha e o primeiro troféu
que o colégio recebeu foram dados por mim.” Um goleiro e suas histórias: “Tinha dias que ninguém me fazia um gol e tinha outros que eu fazia
uma coleção de frangos.”
Mas o Mário recebeu outro apelido com o qual ficava furiosio: pé de
aço. “Jogando uma pelada lá no fundo do colégio, tinha um pau lá,
enficado. Negócio de campo de voleibol. Na carreira, fui chutar a bola,
chutei o pau e aí me batizaram de pé de aço.” Sua alegria de domingo era
jogar futebol pelas cidades do interior de Sergipe.
Mário viveu muitos momentos alegres. “Sempre tive história para
contar.” Ficava cercado de estudantes e falava alto, gesticulava, o riso
escancarava nos seus dentes. Momentos que descontraíam os estudantes
depois de uma prova. “O pessoal gostava quando eu contava filme de
bang-bang. Assitia aos filmes no Guarany, no Vitória, Rio Branco e Rex.
Aonde tinha couboi, estava lá.”
“Agora estou sofrendo muito por ser homem solteiro. A solidão com
saúde é ótima. Mas com doença... (choro) Aqui no Hospital São Lucas
encontrei um céu com portas abertas. Dr. José Augusto, Dr. Todt e Dr.
Ricardo Moraes, o meu médico operador. Que pessoas boas!”
E O LAR DE MÁRIO, ONDE ERA? - “Eu morava justamente do lado,
onde hoje é a Aliança Francesa. Não tenho onde morar mais! A Aliança
Francesa derrubou o meu quarto. Depois veio a Academia Sergipana de
Letras, derrubou o outro: aí fiquei no mundo da lua. (choro) Eles tinham
Oxente! essa é a nossa gente
depoimento, chora. Depois de uma pausa, continua: ‘Encerrei a minha
carreira de porteiro deixando saudades! Para melhor dizer: eu fiz tudo
naquela casa. Faltava um vigia, eu lá estava. Faltava um servente, eu lá
estava. A recompensa de tudo isso... (choro)”
315
Oxente! essa é a nossa gente
316
obrigação agora de me acomodar em qualquer setor... (choro) Acho que
daqui vou para SAME, depois de morar no meu quartinho do Tobias
durante cinqüenta anos. Depois que o colégio foi vendido, passei a trabalhar para a Aliança. Tomava conta do prédio e de alguma coisa que ficava
à toa.”
E a campanha que fizeram? “Não foi à frente.” Seu grande desejo?
“Confiar em todo mundo e ter todos como amigos.” Deus? “Tenho pedido muito.” Quais os diretores que fizeram alguma coisa por você?
“Alcebíades Melo Vilas Boas e Francisco Andrade.” Lembra-se de alguma
pessoa importante que você carimbou a carteirinha no tempo de estudante? “Vou começar pelos deputados... (choro)” Mário conta que foram
muitos, mas lembra-se bem de um estudante muito calado que chegou a
ser governador do Estado de Sergipe: Celso de Carvalho. “Tanta gente
que passou naquele portão.” Amguém vem conversar com você aqui?
“Ninguem! Esqueceram de mim, os próprios colegas do colégio não vêm
cá!” E seus parentes? “Tenho alguns em Aracaju, mas não vêm cá.” O
que você pensa nos momentos de solidão? “Pensava que nunca adoeceria e que nunca envelheceria. Namorada, tinha de ruma. Entre noivas,
namoradas e mulheres de rua, eu ainda cheguei a 126. Só de Marias,
foram 20.” Um grande conquistador? “Novo, ia para as festas e, com o
meu papo, pegava as meninas e rebocava para debaixo do pé de pau. A
vida é cheia de surpresas. Quando a pessoa pensa que está no auge cai
de águas abaixo. Antes, cada dia era melhor para mim. Hoje é pior, é
ruim.”
Marizete Silva: a sucessora de Mãe Nanã
liana Pitman, Milton Gonçalves e outros
ar-tistas famosos já consultaram os búzios
de Marizete Silva, mãe-de-santo de Sergipe que
faz sucesso nacionalmente. Sucessora de Mãe
Nanã, tornou-se mãe-de-santo aos vinte anos
de idade, contando hoje com 52 anos
nessa atividade. No jogo dos búzios, salvou muitos casamentos. Chega a atender 15
consultas espirituais por
dia. Guardiã de segredos, recebe clientes da alta sociedade com hora marcada, e os
mais precavidos chegam às
5 horas da manhã. Trabalhando com ebós que são colocados nas encruzilhadas,
garante que seus despachos
funcionam. Com renda dos
trabalhos, mantém 15 dependentes, além de garantir o sucesso das grandes festas que
promove em seu terreiro, localizado no bairro América, quando mata
mais de 30 galinhas, alguns cabritos e até boi. Ela fala do assédio dos
políticos em época de eleição e conta detalhes da vida de Mãe Nanã,
considerada a introdutora do candomblé em Sergipe.
Oxente! essa é a nossa gente
E
Publicado no Jornal da Cidade em 17.1.1993
317
Oxente! essa é a nossa gente
Marizete Silva Lessa nasceu em 3 de maio de 1930, na cidade de
Aracaju, sendo filha de Manuel Santos Silva e Isaura Santos Silva. Guarda poucas lembranças dos pais, que morreram quando ela tinha seis
anos de idade, deixando seis filhos, que foram criados por Erudina Nobre dos Santos, a Mãe Nanã.
De sua Mãe Nanã, aplica em vida os exemplos de bondade. “Era uma
mulher de espírito conservador, responsável por uma educação cheia de
normas, onde não era permitido o corte de cabelo, uso de baton, passeios, cinema e praia. Mas não faltavam os conselhos, a orientação constante para os filhos serem pessoas direitas.”
Com Nanã, a filha aprendeu a conviver e a amar o candomblé, desde
a infância. Mulher carismática, muito querida pelos políticos, passou
um longo período de sua vida sofrendo perseguições por causa da prática de sua religião. Mas Marizete acompanhou os passos da mãe adotiva,
que mudava de endereços por causa da perseguição: morou na rua Bomfim,
rua Vitória, no bairro Siqueira Campos, 18 do Forte e bairro América.
318
ESTUDOS - Sem ter pais vivos, Marizete quase não teve infância, sendo
criada por uma mulher pobre, que era viúva pela quarta vez. Estudou no
Grupo Escolar General Siqueira, que funcionava na avenida Ivo do Prado. No segundo ano foi aluna da professora Arlete, quando deixou de
estudar no Centro, indo para uma escola localizada no Anipum, perto da
avenida Maranhão.
Chegando a juventude, sem receber consentimento de Mãe Nanã —
que não permitia namoro —, continuou dedicando seu tempo ao candomblé. Mas no momento certo, após a devida autorização, namorou
com Francisco Pereira Lessa, com quem foi ao altar da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, casamento realizado no civil e no religioso.
Do casamento, cinco filhos: Rosa, Rita Maria, Francisco, Cícero e
Jussara. É avó de 15 netos. O casamento foi rompido depois de alguns
anos e ela hoje é uma mulher desquitada, com pensamento voltado somente para sua religião.
MÃE-DE-SANTO - Tornou-se mãe-de-santo quando tinha 20 anos de
idade. Acompanhando todos os passos de mãe Nanã quando ela estava
52 ANOS DE SANTO - Na sua vida religiosa, o acontecimento mais
marcante aconteceu no ano de 1990, quando completou 50 anos de santo. “Foi a coisa que eu mais queria em minha vida. Eu até pensava que
não ia fazer. Foi uma grande festa, que durou nove dias.” Uma comemoração que contou com convidados de Maceió, Salvador, Rio de Janeiro,
São Paulo, além do grande público freqüentador do seu terreiro e convidados. “Pode dizer que candomblé é minha vida.”
Do tempo em que a prática do candomblé era proibida em Aracaju,
ela presenciou a fuga de Nanã, que saiu de Aracaju para não ser presa
pela polícia. “O delegado era Simeão. Não chegou a prender minha mãe,
porque ela tinha muita experiência dentro do santo. Antes dele chegar
para prendê-la, ela foi para o povoado Calumby, no município de Nossa
Senhora do Socorro. A polícia só tinha um carro vermelho, quando soube que Mãe Nanã estava no Calumby, dirigiu-se para lá em vão. O carro
quebrou duas vezes. Os outros pais-de-santo foram presos, deportados,
só escapando Mãe Nanã. Passados alguns meses, quando ela retornou, o
delegado Simeão, num encontro casual, disse que ela era realmente macumbeira, pois sua prisão era impossível de ser feita.”
Sentiu amargura somente uma vez, mas pediu para não entrar nos detalhes
de um acontecimento que só lhe traz más recordações. Não foi caso amoroso:
“Foi por outras pessoas de candomblé. Não tenho nada contra eles, mas
eles não me aceitam porque eu vou para a televisão e para o jornal. Quero
dizer que atendo bem todos os jornalistas que me procuram e não pago nada.
Se os umbandistas de outros barracões têm inveja e raiva, é outra coisa.”
Oxente! essa é a nossa gente
ainda em plena atividade religiosa, ouviu em público o anúncio de que
seria sua sucessora. “Tenho certeza que nasci para o candomblé. Mãe
Nanã não me pediu, não me forçou.”
A sucessão aconteceu quanto Marizete fez obrigação de 25 anos de
santo, recebendo um anel e a boa notícia. Nanã pediu para ninguém dos
seus seguidores abandonar o barracão por ocasião de sua morte e escolheu Marizete para cuidar da comunidade.
Os filhos não seguem a religião umbandista da mãe, mas se fazem
presentes às festas, sempre colaborando em tudo que for preciso: “Eles
me apóiam e me dão muita força.”
319
Oxente! essa é a nossa gente
E por que os orixás não ajudam para que haja harmonia entre os
adeptos da umbanda? “Não é santo, são as pessoas. Os orixás são bons.”
320
1.080 FILHOS-DE-SANTO - Entre o tempo de Mãe Nanã e ela, formou
1.080 filhos-de-santo. “Quem fundou candomblé em Sergipe foi Mãe
Nanã. Todos os pais-de-santo vêm da faculdade de Nanã, que pregava
Oxum com Oxóssi. Sou filha de Iansã com Xangô.”
Depois da morte de Mãe Nanã, em 1981, ela assumiu o comando
do centro umbandístico, continuando com as grandes festas introduzidas pela sua mãe adotiva, com destaque para o 8 de dezembro, em
homenagem ao santo de Nanã, e o 4 de dezembro, homenagem ao seu
santo. O terreiro funciona nos meses dos santos: abril, agosto, dezembro e quando da realização de obrigações, como acontecerá no dia 23
de janeiro.
Marizete sobreviveu do candomblé, sustentando 15 pessoas, com alimentação, casa, telefone, tudo por sua conta. E as festas que acontecem
no terreiro, que duram até nove dias, corre tudo por conta dela. “Faço e
não peço a ninguém. Compro saco de farinha, de feijão, 40 galinhas, 20
cabritos, um boi.”
Conforme o trabalho necessitado pelas pessoas que lhe procuram,
para que sejam atendidos os pedidos aos santos, realiza despachos que
são colocados nas encruzilhadas, nas matas, praias, linhas de ferro, dependendo da necessidade de cada um. E garante que faz despacho para
rico e pobre. “Dos pobres eu cobro menos, não é?”
O trabalho com consultas espirituais acontece somente três dias na
semana: segunda, quinta e sábado, tirando os outros dias para efetuar
outros serviços. “A gente trabalha com a mente.”
BÚZIOS E POLÍTICOS - Recebe todo dia uma dezena de pessoas que
buscam as revelações dos búzios. Joga os búzios por Cr$ 100 mil. Quanto aos despachos, o preço depende do pedido a ser alcançado. Os ebós
mais caros, utilizando cabritos, não saem por menos de Cr$ 1 milhão. Os
ingredientes do despacho são colocados de acordo com o trabalho, preparados com muitas preces, numa sala especial do centro, na presença
da pessoa que será beneficiada.
SALVADORA DE CASAMENTOS - Marizete diz que já salvou muitos
casamentos e que gosta de atuar nessa área por ter três filhas. Mas não
faz, por dinheiro nenhum, trabalho para descasar ninguém.
Guarda milhares de segredos, sendo doutora em problemas de família. Mantém uma casa no Rio de Janeiro, onde passa um mês por ano
atendendo consultas, principalmente, de pessoas ligadas ao meio artísti-
Oxente! essa é a nossa gente
Superdespachos, os ebós gigantes, levam alguns cabritos. Garante que
se não funcionasse ninguém faria encomendas, sendo a maior prova dissa
a sua sustentação e de seus dependentes.
Sobre as encomendas políticas, ri: “Às vezes, aumenta muito.” Quanto aos ex-governadores que já fizeram encomendas de ebós com ela, não
cita nomes. Quando lembrada de Leandro Maciel, sobre o qual a história
registra uma boa convivência com os umbandistas, Marizete admitiu contar
o que testemunhou entre Nanã e o ex-governador.
“Leandro era muito amigo de minha mãe. Nesta época, eu não fazia
ebós. Leandro passou muitos anos sem ganhar eleição. Mãe Nanã não
gostava de Leandro. Na época em que ele não ganhava, levantaram algo
que não foi certo e, quando Leandro foi procurá-la, disse que tomaria
posição a seu favor, fazendo com que ele ganhasse a eleição. Fez um ebó
grande, com cerca de quatro bodes.”
Mas não conta os nomes de ex-governadores que fizeram trabalho
com ela: Aracaju é uma cidade muito pequena. E qual o político que
mais freqüenta o seu terreiro? Também foge da resposta, informando apenas que são vários, principalmente em época de eleição. “Sobre política
eu não falo.”
Nas consultas que faz aos búzios, Marizete constata uma avalanche
de problemas amorosos e muitos problemas financeiros. Muitas vezes
são pessoas que chegam ao terreiro de forma camuflada: mulheres da
sociedade que vão acompanhadas de amigas, pessoas que marcam no
fim da noite, no amanhecer do dia. Quando chegam mulheres em grupo,
dispõe de uma sala especial de espera. Sempre escolhe um dia da semana para atender pessoas que gostam de consultas reservadas, com hora
marcada e intervalos para não acontecer encontros de clientes. “Elas telefonam, perguntando: Mãe, Possi ir?”
321
Oxente! essa é a nossa gente
co. Já houve época de passar mais de dois meses no Rio, o que não pode
fazer hoje devido ao crescimento das consultas em Aracaju. “Maria Cláudia Mota Arraia vivia na minha casa, quando tinha 17 anos. Atendo
muitos artistas: Milton Gonçalves, Inês Galvão, Eliana Pittman, Nuno
Leal, Leila Cravo, Pitanga e Batista.” Milton Gonçalves e Eliana Pittman
consultam-se por telefone, não fazendo nada sem consultar Marizete.
Era apaixonada por futebol, torcendora do Flamengo, do Rio de Janeiro. Em Aracaju, chegou a criar um time amador, com nome de América. Mas hoje não quer saber do esporte. Atua como rezadeira sem cobrar
nada, sendo sempre procurada por pessoas doentes ou pais que levam
seus filhos para serem protegidos de olhados. Na Sexta-feira da Paixão,
sem cobrar nada, faz trabalho de fechar corpo.
Marizete realizou algum ebó para salvar o próprio casamento? “Eu
não quis fazer. Nos separamos numa boa, tudo direitinho. Porém, ele
conseguiu uma mulher. Aí fiz um ebó, pois tinha ficado sem marido e ele
tinha que ficar sem mulher. Graças ao meu ebó, ele ficou sozinho.”
322
Mestre Euclides e o Guerreiro Treme-Terra
figura mais tradicional dos grupos folclóricos de Aracaju, sem dúvida, é o
mestre Euclides. Fomos ao seu encontro na
sua residência, uma pequena casa de vila,
situada na rua Riachuelo. Além de folguedos
populares, ele sabe fazer muito mais. Euclides
Francisco dos Santos, 69 anos, casado, é pai
de 24 filhos e uma infinidade de netos que
confessa “nem saber a quantidade.”
Tem vergonha de dizer que é aposentado,
pois recebe uma meia aposentadoria do antigo trabalho de vigilante no Estado. Mas tem
o maior orgulho de dizer que está ligado ao
folclore desde o dia 19 de agosto de 1943.
Uma data que jamais esquecerá, pela grande
dedicação e amor que o ligam a essa manifestação popular.
Tinha 23 anos quando se apaixonou pelo
folclore. Morava em Capela, quando conheceu o mestre Zé Piano com o seu grupo de
guerreiro. O Zé era o primeiro mestre de
Alagoas e estava em Capela fazendo uma apresentação, com a qual todos
da cidade ficaram encantados, principalmente o jovem Euclides, que
resolveu acompanhar o grupo. Mestre Euclides lembra do espanto do Zé
Piano com tal atitude:
Publicado no Jornal da Cidade em 8.5.1994
Oxente! essa é a nossa gente
A
323
Oxente! essa é a nossa gente
— O senhor já brincou de guerreiro?
— Não, nunca brinquei!
— E como o senhor quer entrar nessa brincadeira?
“Criei gosto, achei bonito, admirei e queria entrar.”
— Você pode entrar de matreiro.
— Eu topo.
Aquele episódio, aconteceu não propriamente na cidade de Capela,
mas num povoado a caminho de Siriri chamado Castanhal, que antes era
conhecido pelo nome de Das Mortes. Euclides passou a morar seis meses em Alagoas, no período do verão, quando o grupo fazia suas apresentações, e mais seis meses em Capela, trabalhando nos canaviais.
No guerreiro do mestre Piano, ele se casou viuvou e casou novamente. Suas conquistas amorosas eram frutos das apresentações pelas cidades de Alagoas e Pernambuco. Ele era muito jovem, muito afoito, admirado e nunca ficou para traz, em canto nenhum, e até hoje, mesmo com a
idade, ainda não passa batido. De brincadeira em brincadeira, casou três
vezes. O mestre vibra quando fala das aventuras amorosas:
— Sempre fui atirado. É com as minhas particulares e mais as provisórias que tenho 24 filhos.
324
MESTRE DE GUERREIRO - Mestre Euclides levou a sério suas andanças
com o guerreiro de Zé Piano e, dois anos depois da entrada no grupo,
ocupava a função de contra-mestre. Em uma das apresentações na cidade
de Cacimbinha, Zé Piano ficou doente e passou o comando do grupo ao
seu contra-mestre, que então passou a ser conhecido como Mestre Euclides.
— Mas mestre Zé Piano, como eu vou topar mestrar o seu guerreiro
que é o maior guerreiro de Alagoas?
— O senhor tem condições e é quem pode apresentar este guerreiro.
Mesmo receoso, Mestre Euclides assumiu o comando e, por muitos
anos, brincou com o grupo do Zé Piano pelo mundo, motivo porque
tornou-se um especialista no guerreiro, trazendo essa semente de Alagoas
para Sergipe. Desafia qualquer um a dar uma explicação melhor do que
essa.
— Acredito que quem der uma explicação melhor do que a minha
é porque não entende da matéria de guerreiro, pois quem disser que
O TREME-TERRA - Na formação do grupo, as dificuldades apareceram e
foram grandes, porque Mestre Euclides não dispunha de condições financeiras. Até o seu sonho ser realizado, ele brincou no grupo de guerreiro do mestre Bispo, que tinha sede na avenida Coelho e Campos. Era
o ano de 1946.
No ano de 1947, Euclides finalmente consegue realizar o sonho. Com
fantasias de papel, armou o grupo com 23 componentes, segundo o que
aprendeu no guerreiro do Zé Piano, do qual inclusive copiou o nome.
Zé Piano tinha o Guerreiro Treme-Terra de Alagoas e o dele passou a se
chamar Guerreiro Treme-Terra de Sergipe. Já o grupo do mestre Bispo
tinha o nome de Treme-Terra Vencedor.
Quanto ao nome Treme-Terra, da época de Zé Piano, surgiu de uma
brincava em Viçosa.
— Tinham armado um palanque e quando todo o mundo, pisou aquele
pagode, o tabuado caiu e alguém disse: “Só brincando no terreiro”.
Foram brincar no terreiro e, quando começaram o folguedo, estavam
com disposição que faziam o chão tremer mesmo.
— O pessoal tinha força, garra e coragem e daí o nome dado pelo
povo de Treme-Terra Alagoano.
O Guerreiro Treme-Terra de Sergipe foi fundado no dia 19 de agosto
de 1947. Mestre Euclides lançou o grupo após o primeiro ensaio, que foi
realizado na casa do falecido Jazon, na rua Boquim com Porto da Folha.
Oxente! essa é a nossa gente
conhece guerreiro aqui em Sergipe, eu ainda estou em dúvida, pois
eu penso que é ainda mentira, porque se tivesse uma procuração com
a verdade na frente, que a mentira só vale quando a verdade não chega, seria procurado como o Mestre Euclides é. Hoje, com a minha
idade avançada, ainda sou mais procurado do que café na mesa de
pobre!
Quando resolveu mudar-se para Aracaju, abandonando o grupo de
Maceió, já pensava em formar o seu próprio grupo. Teve que trabalhar,
sendo foguista da usina de força, eentre outras coisas. Mas sua preocupação não era o emprego e sim montar o seu grupo de guerreiro.
— Eu já cheguei com a semente do guerreiro, certo que era uma escritura sagrada na minha cabeça.
325
Oxente! essa é a nossa gente
Os componentes, na sua maioria, foram conseguidos graças ao empenho
de um colega, compadre que até hoje é vivo.
— Foi o Francisco Dias da Mota, conhecido como Chico Torto, da
minha idade, de Capela, sanfoneiro, quem chamou as meninas. Eu também convidei a Lindinalva, Aucelino, José Melo Santana. No primeiro
ensaio, todas gostaram e eu perguntei: Vamos enfrentar? Vamos! Aí eu
meti a ripa.
Chico Torto até hoje toca a sanfona sendo um dos fundadores do
grupo. Naquele tempo, os instrumentos eram a sanfona, o pandeiro, a
zabumba e o ganzá, que hoje foi substituído pelo triângulo.
Mestre Euclides disse que o seu grupo foi fundado para brincar e
para tomar pinga e que ninguém pagava nada. Todos os sábados e vésperas de feriados o grupo brincava. Sem hora para acabar, a brincadeira ia
até quatro ou cinco da manhã.
326
PAPEL CREPOM - Neste período o mestre Bispo faleceu, restando somente em Aracaju naquela época o guerreiro do Mestre Euclides.
— Nós levantamos o guerreiro fazendo leilões e, com isso, conseguimos comprar papel crepom para as fantasias. Brincávamos com o maior
cuidado para não suar, evitando molhar o papel. Chegamos para a primeira exibição do Guerreiro na véspera do Natal, lá no oitão da Catedral,
no mês de dezembro de 1947. Lá eles preparavam dois palanques para as
apresentações dos grupos folclóricos de Aracaju. Tinha o palanque para
a Chegança em forma de navio e tinha um outro para os demais grupos,
como Cacumbi, Reisado e Guerreiro. O palanque da Chegança ficava ao
lado da igreja e o outro ficava no oitão. Eram três dias de apresentações
de grupos, no Natal, no dia de Ano e Reis. Como eram muitos os grupos,
nunca dava para um grupo só fazer as três apresentações.
O grupo brincou ainda com fantasia de papel durante cinco anos,
evoluindo depois para uma fantasia de tecido faíte, que foi substituído
pelo duchaise. Desde a fundação do grupo, guarda com muito cuidado
as roupas. Orgulhoso, disse que hoje o grupo dispõe de três ternos.
Antigamente, a prefeitura dava um pequeno cachê para os grupos nas
suas apresentações de fim de ano. O público era grande e lá estava a
torcida do bairro de cada grupo: os vizinhos, amigos e familiares. Era um
CACHÊ DO ESTADO - E assim, o grupo do mestre Euclides, por muitos
anos, viveu de bem com o lado romântico do folclore. Brincando sem
compromissos com cachê, sendo convidado por uma bodega, ora para
animar uma festinha particular, em troca de uma biritinha. Só depois
que chegou a Emsetur, quando passou a fazer constantes apresentações,
o grupo só se apresenta com cachê, hoje dependendo exclusivamente
dos órgãos culturais do Estado. Sobrevive, apesar da demora nos pagamentos, pois o Estado leva até três meses para pagar. Mas é melhor ter
para receber do que ter de pagar.
Mestre Euclides nunca foi convidado para apresentações fora do Estado e ele explica porquê:
— Eu nunca fui contratado fora daqui porque sou pobre. Bem que
disse Aglaé Fontes, que a minha língua é um esmeril.
Mas quem não conhece, nesse Sergipe de meu Deus e, quiçá nesse
Nordeste, aquele homem baixinho na estatura e absolutamente gigantesco no saber popular? O mestre do Guerreiro Treme-Terra é uma das mais
lúcidas e tradicionais figuras do nosso folclore mais autêntico! Na aconchegante Vila Eulina, lá pras bandas da Suíça, é ele o morador mais
famoso. Lá, numa casinha pequenina, de bem poucos cômodos, vive
fantasiando o mundo de alegria, beleza, cores e magia. Baixinho, parrudo,
ousado, língua de esmeril e enorme fonte de energia. Assim é ele, o
Mestre Euclides.
O grande sonho de Mestre Euclides é ter uma sede no Estado para o
folclore. Não somente para o seu grupo, mas para reunir todos os grupos, promovendo apresentações para os turistas, estudantes e mesmo
para o povo. “Temos bons grupos que não estão sendo bem aproveitados: o Reisado de Vailton, Reisado da Moreninha, Reisado Vencedor de
Durvalzinho, Reisado do Maribondo, Reisado dos Bichos, Parafuso de
Lagarto, Zabumba do Riachão do Dantas, grupos de Laranjeiras, Japara-
Oxente! essa é a nossa gente
público que ia atrás do grupo nas festas natalinas e que também comparecia aos ensaios, quase sempre terminados num gostoso forró, que ajudava a pagar as despesas do Treme-Terra.
— Com o forró, a gente faturava alguma coisinha, sobrava alguma
coisa para a gente passar de papel a pano.
327
Oxente! essa é a nossa gente
tuba e outros.” Ele lembra que o desaparecimento dos grupos se acentuou nos últimos dez anos.
“Nós tínhamos 203 grupos e hoje só temos 32. Me lembro que em
Aracaju nós tínhamos Chegança, Caboclinho, Ciranda e outros. Parafuso,
Cacumbi, Bumba Meu Boi.” Uma pessoa que reconhece o seu trabalho,
faz questão de dizer, é Lânia Duarte, que para ele tem sido mais que uma
mãe. “Sempre me apoiou e, quando preciso, é ela quem me socorre.”
Ns festejos juninos, há 38 anos Mestre Euclides é o responsável pelo
Casamento da Viúva, no qual, além de patrono do grupo, atua como pai
da noiva. “Quando começou, éramos eu, Milton Oliveira, Euclides dos
Reis e João Valdirinho. Neste ano, o casamento será realizado no arraial
da praça Fausto Cardoso.”
Com sua língua afiada, Mestre Euclides não consegue deixar de falar
dos bastidores. “O dinheiro está muito. Olha eu, saindo feito macaco por
meio da rua, já velho, para ganhar mil cruzados!” Quando eu cheguei,
nessa casa eu avistei/Eu perguntei se eu podia rezar.
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Nestor Braz: um maquinista de teatro
le é o operário encarregado de
manipular as máquinas de um
teatro, é o maquinista, peça fundamental para a realização teatral. O
teatro de Sergipe possui um profissional de tão grande talento, que ficou famoso também pela sua arte de
montar cenários nacionalmente. Levado de Aracaju pelo inesquecível
ator Procópio Ferreira — a quem o
teatro brasileiro muito deve —, integrou-se à sua companhia teatral, montando e desmontando cenários, conquistando o
seu espaço, chegando a participar de produções do cinema
nacional, na época da
Atlântida.
Nestor Braz entrou para a memória de Sergipe graças ao seu trabalho abnegado e pioneiro em prol do
teatro. Como bom filho, retorna à casa depois de uma
longa ausência. Na sua querida Aracaju, não ficou somente no ganha pão dos trabalhos de carpintaria, profissão que exercia com gabarito, mostrando que filho de peixe, peixe é,
sendo ele filho de um dos maiores mestres de carpintaria que Sergipe
Publicado no Jornal da Cidade em 27.5.1991
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
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conheceu, Silvinho Braz — que foi presença obrigatória em todos os
prédios que surgiam, dando um toque de modernidade à arquitetura de
Aracaju. Nestor Braz, já apaixonado pelo teatro, não podia largar esse
amor, logo quando voltava para sua terra natal, agora trazendo uma pesada bagagem de conhecimentos. Voltou ao mundo dos bastidores do teatro, deixando atrás das cortinas, a cada espetáculo montado e apresentado na cidade, sua marca.
Instalou palcos, rotundas, cuidou de iluminação, acompanhou gerações em todas as atividades teatrais no Estado, fazendo, além do seu
especializado trabalho de maquinista, iluminação e cenário. No tempo
do Auditório do Colégio Atheneu — já que a adaptação para o Teatro
Atheneu é coisa de poucos anos — Nestor era o “homem da chave” —
quanta responsabilidade! — e do terno branco, além do seu famoso gurdachuva, que não largava nem no verão. Sem Nestor, mexendo na luz,
abrindo a cortina, consertando o cenário, não podia haver teatro!
No tempo áureo da Sociedade de Cultura Artística de Sergipe (SCAS),
com uma dedicação extrema, ele rodava os programas no mimeógrafo a
tinta, comprava material para o cenário, envelopava os convites, fazia um
pouco de tudo, sempre com muito amor. Naquele tempo, a SCAS mantinha uma programação artística constante e Nestor Braz se entregava por
completo ao trabalho.
Chegou a receber dois troféus de reconhecimento como colaborador
do teatro sergipano. Nenhum da Cultura Artística, por enquanto. Mas
recebeu uma significativa homenagem das Faculdades Integradas Tiradentes, com a inauguração, no dia 26 de abril, de um auditório que
recebeu o seu nome. O professor Jouberto Uchoa, no ato da inauguração,
disse que era um reconhecimento a um dos mais antigos funcionários,
um amigo que muitas vezes demonstrou mais dedicação à instituição do
que ao seu próprio lar.
Confessou que seu maior sonho não foi realizado. Desejava um dia
ser ator. Muitos anos de envolvimento com atores, textos, platéias e a
maquinaria, respirando teatro! Mas nunca passou adiante seu desejo e
ninguém percebeu sua vontade de ser ator. Com lágrimas nos olhos,
contou sua vida, abriu a cortina para apresentar um espetáculo de 42
anos de pura paixão pelo teatro.
O CARPINTEIRO E PROCÓPIO - Aprendeu a arte da carpintaria e marcenaria acompanhando o pai nos trabalhos, além das noções recebidas
no Instituto Profissional Coelho e Campos. O pai possuía uma oficina na
avenida João Ribeiro, onde trabalhava para inúmeras obras espalhadas
pela cidade, inclusive dando assistência ao Cinema Rio Branco, que na
época funcionava como teatro. Daí, Nestor fez o seu primeiro contato
com o palco.
Quando passou por Aracaju a Companhia de Teatro de Procópio
Ferreira, um dia antes da apresentação do primeiro espetáculo Nestor
ficou intrigado com a montagem do cenário. “Estava vendo o maquinista
Oxente! essa é a nossa gente
FILHO DE ARACAJU - Nestor Souza Braz nasceu em Aracaju no dia 6
de abril de 1923, filho de Silvinho Braz de Jesus e Elvira Maria Rosa. É
casado com Maria Beliza Alves de Jesus e pai de dois filhos: Marco Antônio Alves Braz e Sinira Alves Braz. Um pai orgulhoso do sucesso dos
filhos nos estudos. “A menina é formada em administração e o menino
fez curso de eletrotécnica na Escola Técnica Federal e está terminando o
curso de químico industrial.”
Filho de Silvinho Braz, aproveitou bons ensinamentos. “O homem
necessita ter moral e ser cumpridor dos seus deveres. Nunca ser influenciado por ninguém, estando sempre convicto de sua própria confiança”.
Palavras do carpinteiro Silvinho Braz, que ficaram marcadas para sempre
na vida do filho Nestor.
Ele fez o curso primário no Instituto Profissional Coelho e Campos
(hoje, Senai), brincou bastante, aproveitou bem a infância, ao lado dos
amigos de sua rua Laranjeiras. Boas lembranças inclusive das gostosas
brincadeiras no pátio da igreja do Rosário.
Na juventude, teve uma passagem pelo futebol amador da cidade,
jogando na posição de goleiro no Cotinguiba. Era bom, pois conseguiu
jogar ali, por seis anos, num time de jogadores que entraram para a história do futebol sergipano: Américo Azevedo, Charuto, Liosmar, Zeca
Pamonha, Lou, Zé Grilo, Zé de Raul, Gineu, Autran e o goleiro Braz. O
Nestor jogador não escapou da língua dos amantes do futebol, que o
apelidaram de Batata. “Eu defendia muitos pênaltis e era Ba-ta-tá... No
Rio de Janeiro tinha um e, aqui, era eu...”
331
Oxente! essa é a nossa gente
montar o cenário, passando toda a noite, completamente embaralhado,
sem conseguir montar. Passou a noite e nada! Já pela tarde, eu cheguei de
mansinho e perguntei: ‘O senhor por acaso tem um martelo? – Para quê?
— Se tivesse, eu iria lhe ajudar!’ Ele me ensinou, mandou passar corda,
passar bolinhas e, nisso, as horas foram passando e o cenário nada de
subir. Procópio já nervoso, já tinha falado do imprevisto ao público. O
espetáculo previsto para as 20 horas só foi iniciar às 21 horas, com o
cenário todo fora do lugar.”
Mesmo assim, Procópio ficou entusiasmado com o talento de Nestor,
que salvou a estréia da companhia. Então o convidou a fazer parte do
grupo. Uma grande surpresa, uma tentação, o início de uma aventura.
Nestor disse que topava, só dependendo do consentimento do pai. Não
houve problema, mala pronta, apesar de que já era noivo de Maria Beliza,
com quem casaria posteriormente. “Já estava com casamento marcado,
mês, tudo... Comuniquei a decisão à minha noiva, que morava em Capela, por telefone, e ela veio correndo! Pedi sete meses para voltar, adiando
o casamento.”
A proposta era ir com Procópio até Belém do Pará. No estuário do Rio
Sergipe partiu Nestor, já como maquinista do grupo, num avião Catalina.
O outro maquinista foi mandado de volta ao Rio.
332
NO RIO DE JANEIRO - Depois de Belém, Nestor viu que aquilo tinha
futuro e resolveu dar mais um tempo ao casamento, partindo para o Rio
de Janeiro, onde foi morar na residência de Procópio. Ganhava um bom
dinheiro, quatro notas de mil (cruzeiros), e nisso foram cinco anos de
uma convivência com nomes de destaque na história do teatro nacional:
“Iracema de Alencar, Procópio Ferreira, Vanda Lacerda, Carlos Durval,
Ítalo Curse, Fernando Villar e Bibi Ferreira.”
“Trabalhava no Teatro Serrador, sendo maquinista exclusivo de
Procópio Ferreira. Nas segundas, na folga, montava outros cenários.
Montei cenários de peças famosas como Os Inimigos não Mandam
Flores, Deus lhe Pague, Quebranto, O Avarento, Essa Mulher é Minha, Dinheiro é Dinheiro, Essa Noite Choveu Prata, Marido de Nina,
e cheguei a trabalhar de maquinista para o cinema, no tempo da
Atlântida.”
TEATRO SERGIPANO - Com saudade da noiva e de Aracaju, larga o
teatro do Rio de Janeiro e vem exercer a profissão de carpinteiro e marceneiro. Agora sem nenhum empedimento, consegue chegar ao altar. Vida
de trabalho, fazendo portas, janelas, armários embutidos, para sustentação da família. Mas logo retorna aos bastidores do palco, com a SCAS,
realizando seu trabalho de maquinista no Auditório do Atheneu e no
Cine Rio Branco. Ele é da época da Cultura Arística de Felte Bezerra, no
início das atividades da entidade cultural.
“Aqui em Aracaju, dei assistência a todos os espetáculos teatrais: com
Paulo autran, montei vários cenários; Bibi Ferreira, Walter Pinto e sua
famosa revista. Foram muitos espetáculos.” Com a turma da terra, Nestor
foi mais do que maquinista, testemunhando os passos do teatro sergipano.
“Do elenco daqui acompanhei tudo: Ceatano Quaranta, Alencar, Aglaé,
Maria José, todo mundo de Aracaju passou pelas minhas mãos. Brigavam muito, mas era sempre seu Nestor!”
Ele montou as rotundas (panos de fundo) do Atheneu. O do Augustu’s
contou com suas rotundas e instalação da cortina do palco. O palco do
Teatro Tiradentes leva sua assinatura. Em Sergipe, se há um palco com
uma cortina, Nestor Braz se fez presente. Foi o primeiro a mexer com
iluminação de teatro em Sergipe, quando João Costa, então presidente da
SCAS, adquiriu uma bateria de spots.
Na última reforma do Teatro Atheneu, não gostou da substituição da
cortina e deu aquela bronca. “Tiraram e colocaram aquela beleza... cortina de veludo, bonita, trocada por uma de pano. Foi um crime... tiraram,
e não sei o que fizeram dela.” Não estava estragada? “De jeito nenhum,
ainda passava mais de cem anos e o bandô era bonito! Tiraram e colocaram um babado.”
Oxente! essa é a nossa gente
Um carpinteiro de Aracaju, vivendo o mundo artístico nacional, no
meio dos grandes do teatro daquela época. Uma pessoa fascinada pelo
mundo do palco. “Depois que entrar no teatro, a gente fica admirado e
fica apaixonado. Às vezes, eu ficava sentado na varanda da minha casa,
quando o meu filho chegava e dizia: ‘Papai está doente? — Não, estou
pensando, meu filho! — Em que? — Na vida’. Mas eu estava me lembrando dos espetáculos.”
333
Oxente! essa é a nossa gente
TEATRO COMO RELIGIÃO - Continua como maquinista, com 42 anos
nas costas, trabalhando para o teatro sergipano. Com a SCAS, foram
vinte anos: “Cuidava como se fosse minha casa.” Nestor Braz não é só
um colaborador do teatro: é um maquinista, um iluminador, um cenógrafo, um elemento integrante do teatro que só não foi ator. “Tenho o teatro
como uma religião.”
334
Orlando Machado: o cacique do mercado
estemunha da vida do Mercado de Aracaju,
desde a época em que metade dos feirantes
era da família Machado, vinda de Capela, e a outra
de pessoas de Itabaiana. Ele revela que tiros disparados de uma casa de diversões acabaram com
o mecanismo do relógio do Mercado. A sua fiel
clientela passa pelo telefone as listas de compras,
preocupando-se somente em providenciar o pagamento: mesmo sem ter em seu armazém produtos como carne e remédios caseiros, Orlando
Machado dá um jeito de providenciar.
João Orlando Machado nasceu na cidade de
Capela, a 23 de setembro de 1930, sendo filho de
Oséas Vieira Machado e Maria de Lourdes Machado. O pai foi agricultor, ingressando posteriormente no comércio, quando, em 1939, foi morar em Aracaju, para montar seu negócio no Mercado.
Um filho de peixe que reconhece que tudo
que aprendeu em termos de comércio foi graça à
sabedoria do pai: um homem sem ambição, de
uma honestidade acima de tudo, muito cuidadoso no tratamento com os clientes, que progrediu
na vida pelo seu trabalho. De sua mãe, recordações do jeito meigo como ela tratava os filhos. “Uma mulher que nasceu
para ter filhos e cozinhar, fazendo de um nada, tudo.”
Oxente! essa é a nossa gente
T
Publicado no Jornal da Cidade em 28.2.1993
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Oxente! essa é a nossa gente
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Praticamente não desfrutou das brincadeiras da infância, pelo regime
imposto pelo pai. Aos 7 anos, já estava estudando na escola da professora Evangelina, de um tempo quando se aprendia tomando bolo de palmatória. Aprendeu o ABC e a fazer o nome com capricho. Na hora da
folga, ia trabalhar na “malhada” — a roça no fundo da casa —, cuidar do
milho, feijão, abóbora. Uma dura convivência com o trabalho nos primeiros passos da vida. Com 9 anos de idade, com a mudança de profissão do pai, trocou horas de roça por intensos momentos de trabalho no
Mercado de Aracaju, no estabelecimento do pai, que instalou o Armazém Machado no Mercado Thales Ferraz, no mesmo local de sua Mercearia São Jorge, mudança de nome em homenagem ao nascimento do primeiro filho. Aqui, prosseguiu os estudos no Grupo Escolar General
Siqueira, que funcionava na Avenida Ivo do Prado, no prédio onde foi
instalada a Faculdade de Direito — que depois foi transferida para o
Campus no município de São Cristóvão, após a implantação da Universidade Federal de Sergipe.
Dirigia o grupo, na época, o professor Elias Magalhães dos Reis, que
primava pela disciplina. O General Siqueira foi muito importante na vida
de Orlando, que faz questão de dizer que naquele tempo havia ensino de
verdade na escola pública. Dos bons momentos passados no grupo, não
esquece dos hasteamentos da bandeira nacional e das aulas de cântico
do professor Alfeu. Acordava às cinco da madrugada para pegar no batente, ficando no mercado até as 12, dedicava toda tarde aos estudos,
retornando já morto de cansado para participar da hora da Ave Maria,
tomar café e dormir. Após concluir o curso primário no General Siqueira,
foi estudar na rua José do Prado Franco em frente ao café Aragipe, na
escola das professoras Dona Evangelina e Dona Fausta.
SONHO FRUSTRADO - Com os estudos em dia, pôde ingressar na Escola de Comércio Conselheiro Orlando, no curso de Contabilidade. Concluiu o primeiro ano com muito sacrifício; o segundo, foi atropelado.
Ficou até o dia em que ouviu um professor dizer que vagabundo ali não
tinha vez. Não estava de bem com os estudos devido ao excesso de trabalho. Não tinha tempo para estudar. A insensibilidade do professor provocou o abandono dos estudos, desmanchou um sonho, já quase perto
CASOU CEDO - E na juventude, teve tempo para umas voltinhas pela
noite? Balançou um não com a cabeça, soltando com convicção:
— Que nada!
E nos fins de semana, mesmo pelo dia?
— O Mercado abria aos domingos. Pela tarde já estava exausto. Uma
vez ou outra, procurava ir à Praça Fausto Cardoso, para apreciar o movimento da retreta. Ou, então, ir para o Cinema Guarany ou Rex, que hoje
já não existem mais.
Até os 18 anos de idade dependia do pai. Depois, já sócio do armazém, decidiu casar com 20 anos de idade, quando foi morar numa casa
localizada no bairro Santo Antônio. O pai tinha amigos poderosos que
podiam conseguir na área pública emprego para os filhos. Mas nem pensar. João Orlando cita os nomes de Eronildes de Carvalho, Manoel Cabral
Machado, Afrodisio Vieira Machado.
Do Mercado do passado, entre mil lembranças, a de número 1 é contada
num riso largo. Naquela época existia companheirismo entre os feirantes:
— Um comerciante não se negava a informar ao outro onde comprou
a mercadoria, por quanto comprou. Hoje é assim? Eu não sei! Tem companheiro de memória curta, que não sabe onde comprou nada.
Mas no tempo quando não existia supermercado, o movimento era
intenso e não dava para muita conversa, o trabalho movimentado ia das
Oxente! essa é a nossa gente
de ser concretizado, de ser contador. “Aquilo doía, porque eu não era
vagabundo. Não estudava porque não tinha tempo. Muitas vezes estava
estudando, quando chegava um freguês, pedia um quilo de açúcar e,
para atendê-lo, era forçado a deixar o livro de lado. Como não era um
nem dois fregueses, a coisa complicou. Quando voltava para estudar,
ficava perdido. Depois de muito pensar, resolveu dizer ao pai: ‘Ou o
senhor me tem aqui como participante da firma, com algum lucro, ou
então vou direto para a escola, não vindo mais aqui.’”
Deixou com saudades o curso de Contabilidade da Conselheiro
Orlando. Dos colegas de curso não esquece os nomes de Viana de Assis
e João Crisóstemes de Freitas. Dos qualificados professores, cita: Tenyson
Freire, professor Portugal, Franco Freire, Franklen, João Monteiro de Araújo, Alcebíades Melo Vilas Boas.
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Oxente! essa é a nossa gente
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seis da manhã às cinco da tarde. Empacotava muita mercadoria, não
tinha moinho de açúcar. Empacotava além do açúcar, o fubá de milho, o
café.
— Conheci o Mercado quando existia uma organização como se fosse
um quartel: em limpeza e funcionários da prefeitura. Tinha a Guarda
Municipal, que dava segurança aos comerciantes. Tinha um administrador, que era uma espécie de general. Quando ele dava o grito de guerra,
não tinha um funcionário que zombasse. Hoje, é esgoto entupido, instalação hidráulica arriada. Também é preciso dizer que naquele tempo a
construção era nova. Construção de 26, inaugurado em 1928. Hoje, é o
mesmo mercado e a única restauração que vem pegando é a pintura.
Dos colegas de Mercado do tempo de companheirismo, revela os nomes de Antônio Sinval Machado, Manoel Amado Nunes, Teócrito Otávio de Almeida, Amado, Antônio Batista Machado, Agenor Vieira Machado.
— Houve uma época que tinha 46 Machados negociando dentro do
Mercado. Meu avô, meu pai, eu, três gerações. Do pessoal de Itabaiana,
quase a mesma quantidade. Das famílias, me lembro dos Almeida, Santos e Mendonça.
Da família Machado, o primeiro a chegar ao mercado de Aracaju foi o
tio Eufrodízio Vieira Machado, que montou um moinho de açúcar na rua
São Vicente, hoje Florentino Menezes, esquina com José do Prado Franco. Com as crescentes perspectivas, foi trazendo o pai, os irmãos. Trocaram rocinhas que tinham no povoado Pedras, em Capela, por bancas no
Mercado de Aracaju. Hoje, da família Machado restam três comerciantes:
João Orlando, a irmã Creusa e seu filho. “Todos morreram. São 54 anos.”
Quem necessita de um pouco de feijão ou de outra mercadoria sempre recebe ajuda dos feirantes. Uma herança dos primeiros comerciantes. Orlando não dá dinheiro, pois acha que logo é gasto com bebida ou
com cigarro. Em sua mercearia, todos os pedintes são bem recebidos.
“Precisa que eu esteja muito ocupado para dizer que não tenho.”
Para ele, crise não existe, pois sempre procurou pisar em terreno
seguro. “Nunca levantei meu pé muito alto. Podia ser rico ou um falido.
Quando Paes Mendonça mudou-se da Rua da Frente, da Otoniel Dórea,
para a Rodoviária, o finado Antônio Andrade mandou me chamar para
SUPERMERCADO - Orlando também recusou a proposta de dois amigos para abrir o primeiro supermercado de Aracaju. “O finado Abrão,
depois de um passeio no Rio, quando surgiram as Casas Sendas, queria montar um supermercado na rua José do Prado Franco, onde hoje
funciona o G. Barbosa. Seria na movelaria de Isaac, que entraria com a
casa. Iria caber para mim o capital de dez milhões, naquela época. Ele
também entraria com o mesmo capital, só que entregaria toda direção
do negócio. Foi a mesma história: fiz conta, pensei muito e concluí que,
se não desse certo, os outros tinham como se virar, mas eu tinha que
sambar.”
Não se arrependeu, disso tem convicção. “O que tenho hoje é sólido,
é meu. Criei minha família e a única coisa que devo na vida é favor, é
amizade de uma freguesia que continua firme até hoje, mesmo existindo
supermercado.”
Antes, eram os cestos. Não tinha supermercado, quem tinha condições deixava a lista com Orlando, só voltando para o pagamento. Antônio Prudente e o Armazém Sul Americano ficavam com listas de pessoas
da sociedade. Orlando contentava-se com pequenas listas, mas que davam para encher 20 cestos. O tempo mudou, os cestos desapareceram,
mas a quantidade de listas em Orlando Machado continua a mesma.
Tudo que vai na lista ele manda, mesmo que não possua a mercadoria.
De carne a ervas, só não compra o que não existe. “Tenho três gerações
que compram pelo telefone. Pessoal de Melício Machado, Calumby Barreto,
um filho de Augusto Franco, Dr. Walter.”
Continua saindo de casa às cinco da manhã para não perder a prosa
com os feirantes antes do mercado abrir. “Prosa sadia, que acontece no
Café Aragipe, desde o tempo do Sr. Teófilo. Um papo amigo, sadio sem
interesse de um enganar o outro, onde o mais falador sou eu, que passo
para eles notícias do jornal, da TV e dos jornais da cidade, que leio
diariamente.”
Oxente! essa é a nossa gente
oferecer o prédio. Ele argumentou que eu conhecia todos os bodegueiros,
que tinha tudo para o sucesso. Mas pediu um preço que eu não tinha,
necessitava vender minha casa. Consultando minha mulher, cheguei à
conclusão de que estava vivendo muito bem com o pouco que tinha.”
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Oxente! essa é a nossa gente
TIRO NO RELÓGIO - Faz uma sensacional revelação sobre o relógio,
símbolo maior do mercado. “Funcionou até pouco tempo. Tinha uma
casa de diversão na rua Santa Rosa, freqüentada por brancos de Aracaju.
Quando o pessoal bebia muito, experimentava o revólver no relógio.”
No seu dia-a-dia testemunhou vários crimes, inclusive em frente Ao
seu estabelecimento comercial, envolvendo dois vendedores de verdura.
“Nessa, quase fui preso. O juiz convocou. Nunca tinha ido na Justiça,
ficava naquele de vai e vem. O juiz me disse que só me prendendo. Saí
do Tribunal chorando, porque não tinha esse trajeto de polícia. Ninguém soube me explicar direito e quase que fico no lugar do criminoso.”
Dos comerciantes antigos do seu tempo, só restam três: Manoel Abílio
Dantas, que foi carnavalesco do Cotinguiba, José Lopes Frasão e ele.
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FAMÍLIA - Casou com Maria Barreto Machado, que conheceu no Mercado e que até hoje trabalha com ele em sua mercearia. Quatro anos de
namoro dentro do Mercado com uma vizinha que ajudava o irmão que
também tinha em armazém. “Só faltei casar dentro do mercado”. Casou
no dia 9 de janeiro de 1951. Quando perguntado se a lua-de-mel tinha
acontecido no mercado, de tanto falar em mercado, automaticamente respondeu: no mercado. Percebendo o engano, depois de boas risadas, contou os detalhes:
— Me casei numa terça-feira. Trabalhei o dia todo. Quando foi 9 horas, meu pai me liberou para casar no Palácio da Justiça, na presença do
Dr. Olímpio Campos. Voltei ao trabalho. Quando deu cinco horas, meu
pai me soltou. Cheguei em casa, me preparei, me casei. No outro dia, caí
na besteira de não vim. Na quinta, quando cheguei, tomei carão. Inventei
que estava consertando uma coisa.
Do casamento, dois filhos: Jorge Barreto Machado e Vera Lúcia Machado. É avô de cinco netos: Jorge Barreto Machado Júnior, Ramon
Sampaio Machado, Fernando Machado, Jerferson Machado Sampaio e
Sabrina de Souza Machado.
Osório de Matos: guia turístico de Aracaju
om 68 anos de idade, em plena atividade como guia turístico,
profissão da qual foi pioneiro no Estado, ele mostra a beleza de Aracaju aos
turistas. Foi também o primeiro vitrinista
do comércio de Aracaju. Peça importante
na criação do Bloco e do Baile dos Artistas. Decorador com trabalhos realizados
em vários clubes da cidade.
“Minha saudação aos senhores turistas. Meu nome é Osório e a partir de agora
nós vamos iniciar o nosso passeio. Devo
informar aos senhores que vou fazer um
trabalho sério e profissional. Esta cidade que os senhores estão visitando chama-se Aracaju, cujo nome tem sua origem
no pássaro arara e na fruta caju. E já que
estou falando em etmologia, eu também quero aproveitar para falar sobre Sergipe. O que
significa Sergipe? Sergipe, senhores, vem do
cacique Serigy, o índio que deu origem ao
nome do nosso Estado. Residia aqui com a
sua tribo, os Tupinambás. Serigy... Sergipe,
Aracaju e Sergipe apresentam vários aspectos: culturais, sociais, geográficos, folclóricos, históricos. É dentro deste contexto que eu pretendo
estar com os senhores.”
Oxente! essa é a nossa gente
C
Publicado no Jornal da Cidade em 21.1.1991
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Oxente! essa é a nossa gente
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Passando para os turistas um pouco da história, da cultura de um
povo e apresentando os pontos pitorescos da cidade, além de responder
a todo tipo de perguntas, o guia de turismo bem preparado passa uma
boa imagem. O turista fica encantado, passa adiante o que viu e a divulgação da potencialidade turística de uma cidade é feita sem maiores custos e com resultados positivos.
Hoje, com os seus 68 anos de vida, Osório de Matos é o guia mais
requisitado pelas agências de turismo, para mostrar Aracaju ao povo de
fora que nos visita. Coloca bermudinha, sai de Buggy pelas praias, chega
até o Mercado, usa microfone nos ônibus, para derramar seus conhecimentos. Faz de tudo para desempenhar bem sua profissão.
Osório de Matos foi o primeiro guia turístico de Aracaju, um
pioneirismo que poucos reconhecem. Mas, antes de ser guia ,ele foi o
primeiro vitrinista profissional do comércio sergipano. Vitrines artísticas que foram premiadas em concursos e que mudaram a maneira de se
enfeitar as lojas de Aracaju. Os comerciantes depois da investida de
Osório passaram a ter uma outra visão. O vitrinismo foi incorporado ao
comércio local e Osório passou a ser professor da área.
Além de ser vitrinista, atuou como decorador. Na história da Associação Atlética de Sergipe, marcou presença quando preparou a mais bonita decoração de São João que o clube recebeu até hoje. Muitas cordas,
cestas de todos os tipos, além de um carro-de-bois com frutas regionais.
Chegou a trabalhar com decoração de igrejas, para casamentos.
Uma pessoa que gosta do Carnaval e que deu sua contribuição ao
reinado de Momo. Deu a idéia para João de Barros realizar o Bloco e o
Baile dos Artistas, conforme seu depoimento. Uma pessoa de muita sensibilidade artística e de muito sofrimento no seu campo de trabalho.
NASCEU EM ARACAJU - Antônio Osório de Matos nasceu no dia 2 de
março de 1923, na cidade de Aracaju, na rua Arauá, sendo filho de José
Ferreira de Matos e Maria Osória de Matos. O pai de Osório era sapateiro
e a mãe trabalhava como professora. Com muito sacrifício, o casal educou todos os sete filhos.
“Eu, com a idade de oito anos, quando acabava de tomar café, à noite, toda
a vizinhança colocava cadeira na porta e me chamava para declamar. Então
Oxente! essa é a nossa gente
naquela época eu era a atração da rua. Muito pequeno, minha irmã inclusive
me passou uma poesia que eu recitava e que o pessoal gostava muito.”
Osório até hoje lembra da poesia dos seus oito anos. “A Pena e o Tinteiro, da Marquesa D’Lorna: Uma pena presumida/ De escrever grandes sentenças/ Falava de suas obras/ Tão sublime como extensa/ Dizia ela ao tinteiro:/ Sem mim pouco faria/ Cheio de um licor imundo/ Sem mim triste que
faria?/ O tinteiro injuriado/ Vazou logo a tinta fora/ E voltou-se para a pena/
Dizendo: Escreve agora!.../ Assim responde aos ingratos/ Muitas vezes a
razão/ Muita gente há como a pena/E como o tinteiro outros são”.
Com lágrimas nos olhos, recorda: “Meu apelido era Toninho. Essa
poesia era a que mais agradava. E batiam palmas. Eu tinha muito gesto
artístico, de declamador. Diziam: ‘Este menino tem o espírito de Rui
Barbosa’. Eu nasci no dia que Rui Barbosa nasceu.”
O primário e uma parte do ginásio fez no Colégio Salesiano, encerrando as atividades escolares no Colégio Tobias Barreto. “Me formei no ginásio e, na época, quem se formava era considerado doutor, com direito a
baile com gravata de borboleta. Era um negócio muito interessante.” Osório
agradece aos padres salesianos pela participação na sua educação. “Minha educação quase toda foi dada pelos padres salesianos e eu devo a
eles muito, principalmente pela complementação da minha educação,
não só moral como religiosa.”
Ele jogou bola no Colégio Salesiano com os padres: “Chegava a jogar
bola. Tinha uma vida normal como todo jovem. Com os padres salesianos
a gente era obrigada a participar das atividades esportivas. No futebol,
não me lembro mais qual era a minha posição na época. Quero dizer que
eu chutava bola (risos).”
E as diversões de Osório nos fins de semana? “Aos domingos, o divertimento que tinha na época, antes de quatro horas, era todo mundo
na Catedral para o catecismo. No fundo da Catedral tinha um parque
com brinquedos, depois ficávamos por lá. Voltávamos para casa e passávamos pela residência da família Simeão Sobral. Tinha muita pitanga e
eu metia minha mãozinha e pegava aquelas pitanguinhas vermelhas, bem
deliciosas... Quando aparecia alguém da casa, a gente corria.”
Osório de Matos apreciava os trabalhos dos vendedores de rua. “Como
eu gostava de ver os vendedores vendendo suas mercadorias, gritando,
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Oxente! essa é a nossa gente
cantando, pelas ruas da cidade. Tinha um rapaz que vendia pirulito que
dizia: ‘Olhe o pirulito, enrolado no papel, chupar não vadeia. As mocinhas do tecido com um brinco na orelha.’”
A família foi morar na rua Boquim e foi uma época gostosa, quando
Osório apresentou para os seus novos vizinhos suas qualidades artísticas:
“Na rua Boquim tinham várias meninas e tinha uma brincadeira de drama:
‘A gente vai ter drama hoje’. Colocava o pano como teatro, um lençol. O
ensaio era na rua. Brincavam as meninas e tal e, no dia do drama, no dia
da apresentação, convidava todo mundo e, quando o pano abria, fazíamos
o espetáculo.” Dos espetáculos teatrais da juventude, destaca uma encenação que fez no Salesiano: “Me lembro que eu fiz o papel do Papa.”
A vida artística da cidade acontecia no Teatro Rio Branco. Osório,
sem ter dinheiro, ficava na porta, ouvindo os risos, as palmas e com
muita vontade de entrar. “Eu ficava olhando, vendo o cartaz de Ratinho
e Jararaca, quando estiveram aqui. Quando o espetáculo estava para terminar, Juca Barreto, o proprietário do teatro, abria a porta e então a gente
entrava na maior felicidade. Mas já estava no final.”
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OS CHAPÉUS DE ANTIGAMENTE - Bom observador, Osório passava
seus olhos críticos nas roupas das pessoas que iam para o teatro. “Eu
gostava muito de ver gente elegante. Sempre gostei. O chapéu estava no
auge e era cada chapéu, vou te contar!” De longe, mas sempre observando, até nos famosos casamentos: “Me lembro do casamento do general
Augusto Maynard, uma coisa belíssima!”
Sempre observando, Osório já possuía a tendência para ser estilista
de moda, o que veio a ocorrer mais tarde. Criou várias fantasias carnavalescas, tendo participado de inúmeros concursos não só em Aracaju,
como em outros Estados. Se apaixonou pelo Pierrot, tendo preparado
bonitas fantasias com esse tema.
Mas ele se iniciou no trabalho como boy de uma firma. Depois entrou nos
Correios, no ano de 1947. Fez concurso e necessitou de um pistolão, o bispo
Dom José Tomaz Gomes, o primeiro bispo de Aracaju. Passou muitos anos
como postalista e foi aposentado por motivo de doença pelos Correios.
Por ordem médica, passou um período num sanatório em Petrópolis,
Rio de Janeiro. Recuperado, morou no Rio por 18 anos, trabalhando de
BAILE DOS ARTISTAS - Inspirado no Baile dos Artistas do Rio de Janeiro, Osório chegou para Barrinhos e falou:
— Barrinhos, vamos fazer o seguinte: vamos fazer o Baile dos Artistas.
— Como?
— Vamos fazer um baile não em termos do Hotel Glória, do Rio de
Janeiro, e sim em termos de Aracaju. Aí falei como era. Já tinha o Grupo
Opinião de Espetáculos, Adauto nesta época já estava aqui. Então, nós
convidamos toda essa turma: Lânia Duarte, aquele que faleceu, Pedro
Rodrigues. Seria o Baile dos Artistas e o primeiro, vamos respeitar! Foi
numa boate, não me lembro o nome. Aí o Baile dos Artistas não era o
Oxente! essa é a nossa gente
vitrinista. “Cheguei na C&A e fui falar com o gerente. Falei que queria ser
vitrinista e sabia que tinha uma vaga. Queria que me desse uma oportunidade e disse que todos nós necessitávamos de uma oportunidade na
vida. Disse que ele era gerente porque alguém tinha dado um empurrão.
Olhou para mim, deu um sorriso e me deu a vaga.”
Trabalhou em importantes firmas comerciais no Rio de Janeiro como
vitrinista e desenvolveu atividades no campo da decoração de ambientes. Depois de alguns anos, com a morte do pai, resolveu retornar a
Aracaju, no início dos anos 60. “Aracaju não tinha vitrinista profissional
e eu cheguei trazendo a técnica da vitrine do Rio de Janeiro. Foi um
grande sucesso. Cheguei a ganhar concursos de vitrines.”
Osório entrou na turma de Barrinhos e passou a ter contato com os
artistas sergipanos. “Em 1970, tinha um departamento de turismo na
Prefeitura de Aracaju, à frente o professor Alencarzinho. Ele chamou
uns baianos para fazer a decoração de Aracaju, por sinal muito bonita.
Feita somente com lâmpadas, a exemplo do que era feito em Salvador.
Com o espírito nativista da gente, nós fizemos o protesto. Barrinhos já
estava escrevendo na Tribuna de Aracaju e tomava conta da parte da
imprensa que registrava o protesto dos artistas sergipanos. Alencarzinho
mandou nos perguntar se tínhamos condições de fazer a decoração. Quando ele fez isso, já estava na semana de carnaval e a decoração dos baianos
já estava praticamente pronta. Então, resolvemos fazer o Bloco dos Artistas. E Barrinhos? Eu sozinho não podia, tinha que ter muita gente, não
é? Ele também foi um dos articulistas, trabalhou bastante.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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que eu pensava. Aí foi modificado e durante três anos eu consegui
segurar com a idéia de ser o Baile dos Artistas. Então passou a ser
diferente.
Diferente como? (olhou o repórter, sorriu) “Pelo amor de Deus!” Continuando a história, Osório, você se retirou do baile com toda má-criação. “Não fui mal-criado. Eu fui chamado para Salvador, entendeu?”
Mas depois voltou, com toda a paz do mundo. Voltou glorioso, sendo
homenageado pelo Barrinhos, não foi? “Me homenagearam, mas isso foi
depois de muitos anos.”
Perguntamos ao Osório, sobre os amores de sua vida e nos disse
(rindo): “Mas, Osmário, não me faça tantas perguntas indiscretas. Você
está muito... Vamos entrar em outra coisa!”
O Osório primeiro guia turístico de Aracaju: “Foi com os irmãos
Barreto, que trabalham com turismo. Eu já conhecia o Moacir Barreto, eu
era vitrinista e ele era representante, na época das cuecas Zorba, e gostava de prestigiar minhas vitrines. Nós ficamos amigos. Inclusive, ganhei
de presente várias cuecas, mostruários. Aí não sei quem mandou. Foi
um dos irmãos dele: ‘Você precisa acompanhar os turistas, eles estão aí’.
Então, eu ligado às artes, muita fama, meu nome, quer dizer... O pessoal
da sociedade, Aracaju, me prestigiando, gostando do meu trabalho, pois
sempre gostei de fazer um trabalho sério, sempre gostei de fazer coisas
boas. Me meti e deu certo. Cheguei a fazer parte do Conselho Nacional
dos Guias de Turismo, que hoje é um sindicato. Fui professor de muitos
guias que estão trabalhando em Sergipe.”
No contato permanente com os turistas, Osório sentiu a necessidade de montar um grupo de dança e criou o grupo “Mulher Rendeira”.
“O turista que chega não quer ver Roberto Carlos. Quer ver nossas
danças, nosso folclore. É necessário mais apoio do setor hoteleiro, de
todos os responsáveis pelo turismo, do poder público, para que o grupo Mulher Rendeira, que já conta com quatro anos, possa prosseguir
suas atividades.”
Osório de Matos é um nome importante em Aracaju. “Sou um
batalhador, um idealizador, pelas boas causas. Hoje, me considero um
folclorista e estou com três livros para publicar.”
Osvaldo Tavares: uma caminhada de resignação e fé
ive a casa mais movimentada, socialmente, em Aracaju de todos os tempos. Daqueles amigos, desapareceram todos. Se fosse enumerar os amigos, entre aspas, a lista
seria enorme. Mas sou feliz, vivo em paz, realizei todos meus desejos,
vivo de bem com a vida.”
Osvaldo
Tavares
de
Almeida, conhecido na sociedade sergipana pelo nome
Osvaldo de Marinho, revela
sua caminhada de resignação
e fé. Foi dono de empresas de
ônibus, chegou a ter seis carros na garagem, casa com piscina e a promover muitas festas. Revela que é possível sepultar o passado,
mas que vive uma vida de honra, felicidade e
muita oração, na fé que tem em Deus e em Nossa Senhora Auxiliadora.
Osvaldo Tavares de Almeida nasceu no dia 13 de fevereiro de 1924,
em Gandu, município de Itabaiana, sendo filho de Marinho Tavares de
Almeida e Josefa de Almeida, carinhosamente chamada de Dona Zefinha.
O pai imprimiu em sua vida o exemplo de caráter, trabalho e honestidade. De sua mãe, lembranças inesquecíveis: “Perdi-a há pouco tempo e
não consigo esquecê-la.”
Oxente! essa é a nossa gente
T
Publicado no Jornal da Cidade em 5.7.1992
347
Oxente! essa é a nossa gente
Em 1931, seu pai introduziu à primeira linha de ônibus do Estado de
Sergipe. “Papai já nasceu com esse carisma. Tinha de ser diretor de empresa, pelejar com transporte. Quando papai residia na serra de Itabaiana,
em Gandu, ele tinha uma frota de carros-de-bois. Eu, naquele tempo,
tinha 4 anos de idade. Ele com sua frota, com aqueles carros puxados
por bois, viajava de Itabaiana para Laranjeiras, levando mercadoria, comprando. Papai, em Gandu, tinha uma bodega, que era chamada de Bodega do Seu Marinho.”
Tendo Osvaldo 5 anos de idade, o pai passou a morar na cidade de
Itabaiana. Influenciado por João de Balbino, um dos primeiros motoristas de Sergipe — conhecido na época como chofer —, recebeu a sugestão
de trocar a frota de carros-de-bois por uma marinete, como era chamado
o ônibus antigamente. “Combinou com João de Balbino, foi até Salvador
e comprou uma marinete pequena, com 24 lugares.”
348
MARINETE - Os moradores de Itabaiana passaram a desfrutar do transporte de marinete até Laranjeiras, onde tomavam o trem para chegar a
Aracaju, já que não havia estrada de rodagem para Aracaju. “A marinete
ia de manhã e ficava esperando a volta do trem à tarde, para levar os
passageiros de volta para Itabaiana.
Em Laranjeiras, Marinho conheceu a mestra Zizinha Guimarães e tratou de colocar seu filho em regime de internato na Escola Laranjeirense.
“Passei dois anos com Zizinha Guimarães, minha primeira professora.”
Confessa ter sido um menino um pouco peralta. “Quando os meninos
passavam da conta, a professora mandava para a sala do piano. O cara
logo ficava com medo, pois antes de se apresentar tomava logo umas
duas reguadas e ficava em pé, de braços cruzados, ouvindo aquele piano
o tempo todo: pam, pam...”
FORMANDO A FROTA - A linha da marinete foi estendida até Aracaju
após a abertura de estrada ligando Itabaiana à capital. O pai de Osvaldo
fixou residência em Aracaju, tirou o filho do internato de Laranjeiras,
iniciando uma nova fase em sua vida, quando adquiriu pequenos caminhões para transporte de mercadorias, nos primeiros passos da formação de sua frota. “Papai comprou uma casa na avenida Simeão Sobral,
ALUNO DO SALESIANO - Terminou no Salesiano o curso primário e o
ginasial, tendo ficado de dois a três anos em regime de internato. Tempo
bom, quando participava ativamente das atividades esportivas do colégio, jogando no time do Cruzeiro. “Tinha um time, Riachão, que era
nosso adversário, comandado pelo padre Paulo Moneta, de saudosa
memória. Ele treinava o time, atuava como juiz, fazia tudo. Eu não tinha
apelido, mas no Riachão tinha o Pereira, chamado Cacetão, por causa do
seu violento chute.”
Era bom de bola e bom nas brincadeiras com os colegas, passando
algumas vezes dos limites. “Depois que a gente estava deitado, o padre
Bernado chegava. Ele ficava rezando no corredor. No fundo do dormitório tinha um guarda-roupa de uns doze metros de largura. Ele chegava e
mandava quem tivesse aprontado alguma coisa para a frente do guardaroupa, olhando para o móvel, de pés juntos, como se fosse na posição de
sentido e com braços cruzados. Os alunos no castigo e o padre pra lá e
pra cá, rezando. Depois que completava a hora, que ele achava suficiente, batia no ombro e baixinho dizia: ‘Pode dormir.’”
Oxente! essa é a nossa gente
577, com João Ribeiro, que era a avenida de entrada da cidade. Quem
chegava a Aracaju, tinha que passar pela Simeão Sobral. Quando nós
nos mudamos para lá era de areia. Aquela avenida enorme, encimada
pelo Hospital Santa Izabel. Olhava de longe, achava aquilo bonito, tinha uma vontade enorme de ir até lá, não sabia que era um hospital. A
igreja do Espírito Santo era pequena. Depois, o frei Edilberto construiu
a atual.”
A empresa de marinetes foi registrada com nome de Senhor do
Bomfim. Diariamente, duas marinetes faziam o percurso Aracaju-Itabaiana,
em duas horas e meia. O estacionamento, era na Rua da Frente, nas
sombras dos pés de figos.
Osvaldo continuou os estudos, passando um curto período no Colégio Tobias Barreto, do professor Zezinho Cardoso, no ano de 1935. “Começou aquela febre do Colégio Salesiano, aquele negócio de religião, de
que a educação era melhor, os ensinamentos e tal. Me animei, pois um
colega pediu transferência para lá e pedi ao meu pai que me matriculasse
no colégio dos padres.”
349
Oxente! essa é a nossa gente
350
O Salesiano tem um significado especial da vida de Osvaldo, pela sua
formação moral e cristã, carregando e conservando até hoje os
ensinamentos passados pelos padres. “Sou devoto de Nossa Senhora
Auxiliadora. Há 25 anos eu oro, de 25 a 30 minutos por dia, na introdução uma Ave-Maria e nos fins das orações mais outra Ave-Maria e um
Pai-Nosso. Tenho uma conversa com Nossa Senhora, uma conversa com
Deus. Vou agradecendo pelo dia que eu tive, pelo que passou por mim,
pelas graças recebidas. Uma oração mental. Vou contando aquelas dificuldades minhas da vida, das minhas angústias, das minhas dificuldades, pedindo a ela que nos ajude. Sinto no momento de oração uma
corrente muito positiva. Sinto, porque, depois me sinto leve, um alívio
tremendo e confiante.”
“Para mim, não peço nada, eu agradeço, por cada hora, cada dia, cada
minuto. Peço mais pelos outros. Pelas pessoas que me são queridas. Eu
me dou demais. Até um animal que eu crio, aquilo fica fazendo parte de
mim, do meu dia-a-dia.”
“Para lhe dizer a verdade, não sei se o repórter notou, quando você
chegou aqui, eu estava orando. Se tivesse com saúde perfeita, eu iniciaria minha oração às 18 horas em ponto. Como tive problema de coração
há poucos dias, fui internado; os médicos querem operar, mas acho que
não vou nessa, vou em frente.”
TEMENTE A DEUS - Revela que sempre foi muito temente a Deus e que
sempre teve fé em Deus. Tem certeza que continua jovem, pois sente-se
espiritualmente mais jovem do que qualquer menino de 20 anos. “Sou
muito sentimental, sempre tive em meus pais a minha vida, meu tudo.
Hoje, me sinto num vazio tremendo. Tem um ano e pouco que perdi
minha mãe. Eu estou conformado, mas acostumado não. Saudade imensa! Falta tremenda!”
“Filho único, vivo sozinho. As vezes não tenho uma pessoa para
conversar, que no momento de uma contrariedade eu pudesse chegar e
desabafar, como eu fazia com minha mãe. Ela deitava, eu pedia para
colocar minha cabeça em seu colo e ela perguntava o que eu tinha para
contar, o que estava se passando e tal. A mesma coisa era papai, que era
um pai como poucos.”
PRAÇA DE AUTOMÓVEL - Osvaldo lembra que o pai, além da frota de
ônibus e caminhões, também era dono de uma frota de táxi – que era
chamado naquele tempo de praça de automóveis. “Naquele tempo existiam duas praças: uma era em frente do palácio, que tinha o telefone 131,
dos proprietários dos automóveis. Do lado do palácio, onde era a Sorveteria Primavera, hoje Cinema Palace, era a praça do Seu Marinho Tavares,
com carros Chevrolet e Ford, todos americanos.”
Quando saiu do Salesiano, foi para Salvador, a fim de estudar na
Escola de Eletromecânica, recém-implantada, que oferecia um curso técnico de três anos. “Fiz a matrícula e, antes do início das aulas, fui informado que a escola ainda não tinha sido reconhecida pelo governo federal. Fiquei desconfiado e desisti.”
Continuou em Salvador, transferindo-se para o curso clássico, no Colégio
Carneiro Ribeiro, preparando-se para o vestibular de Direito, que fez e passou. Não deu nem para iniciar o estudo do curso superior, pelas notícias que
recebeu de Aracaju. “Por causa de negócios de concorrência de empresa de
transportes, uma empresa de Alagoas queria atravessar o rio São Francisco, para os ônibus virem diretamente de Maceió para Aracaju. Nós fazíamos o intercâmbio, transportávamos os passageiros até Neópolis; eles atravessam na balsa e pegavam o ônibus no outro lado. Criou-se uma polêmica, falou-se em crime, e papai mandou me chamar. Eu, filho único, ele não
tinha irmãos, não tinha ninguém. Resolvi trancar os estudos, decidido a
trabalhar com ele, mesmo contra sua vontade. Ele queria que eu passasse
uma temporada, colocasse as coisas no eixo e voltasse aos estudos.”
Cheio de coragem, Osvaldo foi procurar o dono da empresa concorrente, para tentar um diálogo comercial. Logo percebeu tratar-se de um
Oxente! essa é a nossa gente
“Passo o dia todo esperando o momento da hora de minhas orações.
Não é velhice não. Sempre fui um cara aberto, sempre fiz o que quis e o
que pensei. Nunca deixei de fazer as coisas, de deixar de ajoelhar numa
igreja, de rezar, fazer o sinal da cruz. Sempre fiz o que achava e o que era
certo. Minhas orações são uma questão de convicção e, ao mesmo tempo,
uma necessidade espiritual, é como se eu tivesse dando um pouco de
mim a Deus, Nossa Senhora, pelo muito que eles têm dado, que deram a
papai, a mamãe, a meus filhos, a minha vida.”
351
Oxente! essa é a nossa gente
clima criado por pessoas interessadas em promover um conflito entre as
duas empresas. “O temor de papai era que o dono da empresa tivesse no
seu quintal alguns pistoleiros. Quando fui lá, percebi que era um homem de bem. Fui no domingo e, logo na quinta, ele veio almoçar lá em
casa, para comemorar o fim dos boatos.”
352
EMPRESA SENHOR DO BOMFIM - Na empresa Senhor do Bomfim, a
mãe de Osvaldo cuidava da parte financeira, o pai da manutenção, ficando Osvaldo com a responsabilidade da balança, pesando fretes, além de
supervisionar os demais setores. “Trabalhava no escritório, na garagem,
fazia tudo.” Surgida a oportunidade de conquistar a linha rodoviária
Aracaju–Salvador, a família Marinho não perdeu tempo, colocando alguns ônibus para ampliar suas atividades. “A viagem para Salvador acontecia três vezes por semana, gastando de 8 a 10 horas, com os ônibus
chamados Trem Azul.”
Recebeu aos 17 anos, de presente do pai, o seu primeiro automóvel
— um Mercury americano —, num episódio que teve lágrimas e muita
emoção. “Desde criança, imaginava fazer curso para a Aeronáutica. Sonhava em ser piloto. Falei com mamãe, para pedir seu consentimento, e
ela negou. Tomei a decisão e parti para o Rio de Janeiro num avião Junker,
alemão da Cruzeiro do Sul. Fiz os exames, passei e quando me foi informado de que necessitava de autorização da família para o ingresso na
Aeronáutica, mandei pedir, através de carta que fiz a um amigo. Meu pai,
quando soube do meu endereço, correu até o Rio de Janeiro. Foram momentos emocionantes, quando nos encontramos. Em vez de bronca, apenas falou que minha mãe estava muito aflita. No outro dia, foi numa
agência de automóvel e comprou um Mercury americano para mim. Poucos rapazes em Aracaju, eram possuidores de automóveis: Gonçalinho,
Muciano Cabral, Wolfans. Uns três ou quatro.”
FAMÍLIA - Quando abandonou os estudos e veio trabalhar com o pai,
conheceu aquela que seria sua esposa. “Namorei, noivei e casei.” Casou
com Tereza Leite Prado e teve três filhos: Marinho Tavares de Almeida
Neto, Flávio de Menezes Prado Neto e Fátima do Prado Tavares de
Almeida. Ainda não é avô. O casamento durou doze anos, até a separa-
CASA DA ATALAIA - Partiu para a construção de uma outra casa, agora
na praia de Atalaia. Comprou um terreno de 40 x 35, ele mesmo projetou
toda a casa, utilizando madeira e pedras. “Não teve engenheiro nem ninguém. A piscina fiz redonda – cavei um poço de água doce e foi a primeira piscina de água doce da cidade. Todo mundo ficou abismado pela
coragem de ter construído a casa em frente à Praia de Atalaia, onde hoje
funciona o Clube dos Médicos.”
Quanto à passagem da Empresa Senhor do Bomfim para o grupo Lauro
Menezes, conta os motivos. “Continuei depois da separação dirigindo a
empresa. Perdi um pouco aquele ânimo, aquele alerta e coisa e tal. Papai
era um homem que tinha grandes recursos. Eu, filho único, tudo estava
bom. Tinha de quatro a cinco carros na garagem, tinha casa, terreno, um
sítio muito bom na BR-101. Minha vida é um livro aberto, nunca escondi
nada de ninguém aqui em Aracaju.”
“Depois da separação, acertado tudo, tempos depois, eu resolvi vender a empresa. Mas não vendi imediatamente. Passei algum tempo. Chamei papai e disse que não queria continuar em Aracaju e que queria
vender a empresa. Papai estava naquela época muito moço e perguntei se
ele não gostaria de ficar com a empresa. Disse que estava cansado e ele
perguntou mais uma vez se eu queria mesmo vender.”
Oxente! essa é a nossa gente
ção, quando Osvaldo partiu por outros caminhos. Hoje é um homem
solitário.
Antes de casar, comprou um dos bons terrenos da cidade de Aracaju,
tamanho 40 x 100 metros. Mandou fazer o projeto, que veio da Suécia.
Um projeto difícil: teve dificuldade de conseguir engenheiro para a construção. No fim, com algumas adaptações, tudo deu certo e saiu uma
beleza de casa, localizada bem em frente à ponte da Coroa do Meio e que
pertence hoje a Wolney Melo. Osvaldo morou ali por cinco anos. “Separação, aquela coisa toda, minha vida se desmoronou! Perdi os filhos, a
família, o convívio, perdi até alguns amigos. Aquilo me dava uma lembrança muito grande. Naquele tempo, não tinha necessidade de vender o
patrimôno, minha necessidade foi psico, fisiológica, mental. Tinha de
sair dali. Chamei Missano, o maior corretor que Sergipe já teve, e foi
coisa rápida. Parece que foi na base de Cr$ 32.000,00”.
353
Oxente! essa é a nossa gente
“Papai combinou com Oviêdo Teixeira, que é nosso parente ainda e
muito amigo de papai, tudo isso e tal. Naquele tempo, José Lauro de
Menezes, meu amigo Lauro de Menezes, queria montar um negócio. Estava recém-casado e tal, surgiu essa oportunidade. Papai foi conversar
com Oviêdo, que também foi proprietário de empresas de transportes.
Ele prometeu conversar com o genro. Então entre eu, papai, Oviêdo,
Lauro e Zeca Barbosa, nós discutimos preços, condições, eu tinha alguns títulos vencidos, porque ia embora mesmo e abandonei tudo. Papai
mandou fazer um levantamento de todos os meus compromissos. Lauro
topou comprar a empresa; pagou os compromissos vencidos e assumiu
outros a vencer.”
“Graças a Deus, até hoje, com muita alegria para mim, como foi para
papai e para mamãe, ele se mantém com muito progresso e muita visão
com a Empresa Senhor do Bomfim, o que é uma honra para mim, pois
papai foi pioneiro. Depois, eles são tão amigos, compreendeu? Sempre
estiveram conosco para tudo. Está compreendendo como é? Gente boa...
Lauro, Laércio, Oviêdo, todos. O que eles fizeram por nós, compreendeu
como é? Eu não posso esquecer nunca. Só peço a Deus que abençoe com
paz, saúde para ele e sua família.”
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VIAGENS - Osvaldo, depois da venda da empresa, passou algum tempo
em Aracaju e alguns meses após foi para a Bahia. De lá, foi para o Rio,
voltando depois de quatro anos. Mais tarde, em outra saída, fixou residência em Goiânia por dois anos, até que compreendeu que seu lugar
mesmo era Aracaju, junto dos seus pais. “Eles estavam carentes de uma
companhia, eu deles, sendo filho único.”
Recebeu com impacto a pergunta: como tinha enterrado o passado e
como consegue viver hoje? Respondeu: “É um esforço sobre-humano. O
passado é uma coisa muito difícil de se sepultar. Mas muito, muito mesmo... O meu passado foi muito bonito, muito romântico, cheio de vida,
cheio de esperança, construído com muito amor, muita paz. Não sei como
é que aconteceu aquilo. Foi um desastre, foi tudo por minha culpa, mesmo. Eu é que fui o culpado. A minha imaturidade, está entendendo?”
“Parece que custei a me adaptar à vida social, à vida de casado. Sempre levei a vida na esportiva: não gostava daqueles compromissos soci-
Oxente! essa é a nossa gente
ais. De modo que, eu dizer a você que sepultei meu passado, não posso
dizer. Não sepultei e não vou conseguir. A gente se acostuma, está entendendo como é? Digo, como disse um poeta — do qual me esqueço o
nome —, que não há dor maior do que recordar no presente um passado
feliz. E é justamente esse passado feliz que a gente não consegue nunca
sepultar. Não é? Tenho saudades íntimas também. Eu, que tinha tudo
para levar uma vida normalíssima, cheia de vida, de saúde, junto com
meus filhos, essa coisa toda.”
“Uma vez encontrei com Seu Moraes e ele me disse:
— Você é homem de bem. Tem um poder, uma resignação, tem uma
coisa, que não é todo mundo que possui.
Depois, muita gente me disse a mesma coisa. Outro dia, o jornalista
Jurandir Cavalcanti escreveu no jornal, para surpresa minha, disse que
eu estava cheio de vida. Eu, que outro dia tinha sido um grande empresário, estava resignado, não demonstrando nem na sua fisionomia, no
seu andar, nenhuma revolta pelo seu passado. Digo: o que passou, passou! Não se deve chorar pelo leite derramado. A gente sente saudade. Se
pudesse voltar ao passado, não faria o que fiz. Levo minha vida honrada
com dignidade. Não descampei para a bebida, levando uma vida digna.
Pobre hoje, mas honrado! Não ocupo ninguém, não vou atrás de ninguém. Recebo alguma ajuda, está entendendo como é? Os meninos da
Bomfim, que tanto ajudaram a papai e a mamãe, ajudaram a mim, e a
hora que eu precisar, tenho certeza absoluta, tanto Lauro, Laércio, Luciano,
me atendem.”
“Não tenho aposentadoria. Por incrível que pareça, do transporte de
carga, fui quem mais pagou instituto em Aracaju. Hoje, todos os meus
empregados estão aposentados e bem de vida. E eu não cuidei de minha
aposentadoria. Vivo de algumas economias ao longo do tempo. Não joguei fora tudo o que tinha, não é?”
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Padre Pedro: uma vida de doação
Oxente! essa é a nossa gente
U
m sacerdote de 86 anos que anda
com a sua batina preta nas ruas de
Aracaju, exercendo sua vocação com o
espírito do bom pastor. O bom Padre
Pedro dos pobres consegue donativos e
dá do seu bolso os trocados de sua aposentadoria de professor, realizando uma
doação desinteressada e sacrificada. Solidário com o sofrimento dos doentes, visita diariamente todos os hospitais da cidade. Uma vida dedicada aos pobres e
enfermos. O padre querido de todos. A
figura mais popular da cidade.
Às 3 horas da manhã ele já está acordado. Fiel cumpridor das suas obrigações de sacerdote, reza o breviário nas
primeiras horas do dia. Circula um pouco pela casa, toma um copo de leite e
parte pelas ruas da cidade. Seu primeiro
destino, o Hospital Santa Isabel, onde é
o seu capelão há quarenta anos.
Conversa com os madrugadores enfermos e, às 6 horas, celebra missa. Depois, a visita rotineira aos quartos,
curando os desânimos e dando quando necessária a unção dos enfermos. Um homem de Deus, um sacerdote que vai ao encontro dos necessitados com uma alma sadia, cheia de amor.
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Publicado no Jornal da Cidade em 24.7.1994
Oxente! essa é a nossa gente
Missão cumprida, parte para o Hospital da Polícia e, no devido tempo, sempre caminhando, chega ao Hospital de Cirurgia. Que maratona!
Muitos se convertem a Deus nestes instantes com o Padre Pedro.
Depois dos hospitais, uma visita às padarias, para conseguir pão para
os seus pobres. E com um saco na mão, cheio de pães, contente e
apressadinho, nos seus largos passos segue o seu destino. Só três padarias colaboram com o Padre Pedro: uma da Praia 13 de julho, a padaria
Santa Rita e uma da rua Santa Luzia.
Antigamente, quando passava nas ruas, as crianças diziam:
— A benção, Padre Pedro!
— Deus te abençoe!
Quanta gente que pediu sua benção quando criança hoje passa de
carro vê o padre e nem dá bom dia! Mas muita gente vê o padre passar e
pensa: lá vai o Padre dos Pobres.
Das 11 às 12 horas, um tempo na sua casa na rua Laranjeiras, 820.
Uma casa simples, de janela remendada com plástico (os ladrões já sabem que lá não tem nada), pintura desbotada, uma portão de ferro e um
sino. Quando o sino toca, Padre Pedro aparece. Já sabe, ou é gente que
vai dar donativos, dinheiro ou roupas usadas ou é gente pedindo.
Encontramos o Padre Pedro nesse horário em que está em casa. Ouvimos seguidas vezes o sino tocar.
— Já vou, um momento.
— Tem uma calça aí, Padre Pedro?
E o padre abre o seu antigo armário, onde guarda três batinas pretas e
duas brancas, que não usa (considera-se um padre conservador e acha
que a batina preta dá ao padre mais valor), e as roupas usadas que geralmente consegue batendo à porta das pessoas.
Padre Pedro não vive sozinho. Vive com a irmã Virgínia. É ela quem
lava suas batinas, suas roupas, prepara seu leite, conversa um pouco,
quebra a solidão. Come de marmita no almoço e nada no jantar. Seu
estômago aguarda o outro dia, para o copo de leite.
E à tarde? No sol quente, volta o Padre Pedro a andar pelas ruas de
Aracaju, agora rumo ao Same. Uma conversa e uma tarefa de sacerdote
com os idosos indigentes. Sempre ministrando um sacramento, sempre
atuando como padre. Na volta, uma visita ao Orfanato Santa Zita, uma
357
Oxente! essa é a nossa gente
injeção de ânimo que recebe das crianças, nunca descuidando do seu
compromisso de levar adiante o Evangelho.
E Padre Pedro pára? Não consegue. Sempre falta padre em algum
lugar e Padre Pedro é chamado. Um padre que adoece, sai de férias, uma
inauguração, um enfermo e a família manda chamá-lo para ele dar a unção, um enterro que necessita de um padre. Todos já sabem que Padre
Pedro não diz um não, sempre está disponível. “É o padre tapa buraco”,
comentou a irmã.
Chega a noite, Padre Pedro assiste ao noticiário da televisão e vai para
o seu quarto rezar. Está cumprido mais um dia de sacerdócio. Depois o
sono, o descanso para recuperar as energias para o outro dia.
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FILHO DE RIACHÃO - Pedro Alves de Oliveira, o Padre Pedro conhecido de todos, nasceu no dia 3 de julho de 1904, na cidade de Riachão do
Dantas, sendo filho de Pedro Barros Vilobaldo de Oliveira e Maria Alves
de Oliveira. Ainda pequeno seus pais passaram a morar na cidade de
Estância onde o menino Pedro desfrutou sua infância. “Soltava aquelas
arraias, sabe como é? Pião, essas coisas.” Das professoras Santinha Cravo e Dona Pitanga, os ensinamentos do primário. No tempo de menino,
uma grande recordação: “Vi o cometa Halley em 1910, me lembro bem.”
Sua mãe sempre foi uma cristã fervorosa e devota de Nossa Senhora.
Obrigava os filhos a rezar o terço todos os dias, quando reunia a família
às 18 horas, a hora da Ave Maria. Na reza do terço de sua mãe, Maria
marcou a vida do Padre Pedro. “Ainda está gravado, não é?”
Um dia, na reza do terço o menino chorou e a mãe perguntou:
— Por que está chorando?
— Não tenho fé.
— Reze que a fé chega.
Rezava obrigado. Dona Pequena, como era chamada a mãe do Padre
Pedro, colocava desde cedo os seus cinco filhos na linha. Hoje com idade avançada, lágrimas nos olhos, Padre Pedro, grato, conta um marcante
episódio: “Minha mãe queria um padre na família. Não dizia pra ninguém. Eu só vim saber depois de ordenado, por uma pessoa amiga. Ela
rezava escondido. Pedia a Deus que desse vocação. Qualquer um dos
filhos servia.”
FUTEBOL NO SEMINÁRIO - Pedro foi um aplicado seminarista, a menina dos olhos do bispo Dom José Tomaz. O jovem ativo que participava
de todas as atividades nas horas de folga. O futebol com os colegas era a
brincadeira mais gostosa. “Uma brincadeira, brincadeira, vamos para uma
outra pergunta?” (mais adiante, mais calmo, rindo, contou que o futebol
no seminário era bom demais)
Na biblioteca do seminário, devorava os livros de latim. Apreciava os
Sermões do Padre Vieira e tinha horror a romance.
Um dia, a rotina do seminário foi quebrada.
— Uma vez chegou lá um padre Jesuíta. Foi pregar para os seminaristas. Três ou quatro dias, este padre morreu. Me lembro como foi a morte
dele. A gente estava lá no quarto e tinha colegas que não queriam entrar,
com medo.
A irmã do Padre Pedro interrompe:
— Padre Pedro tem medo de morte, Ave Maria!
Sendo bom aluno, em pouco tempo passou a ensinar Português, Francês e Latim no próprio seminário, sem ganhar nada. “Como recebia favores de graça, cooperava com o seminário.”
No dia 8 de dezembro de 1928, no dia da Padroeira de Aracaju, Nossa
Senhora da Conceição, Pedro Alves de Oliveira foi ordenado padre. Um
Oxente! essa é a nossa gente
O seu Pedro e dona Maria resolvem morar em São Cristóvão. O menino Pedro deixa Estância, a cidade de sua infância. Na antiga capital, a
família Oliveira só passa dois meses. Transfere-se para Aracaju e o Pedro,
já grandinho, passou a ser sacristão da Catedral, servindo ao cônego
Sarapião Machado. “Tocava o sino e ajudava a missa em latim.”
O aplicado sacristão despertou atenção do cônego Machado, que foi
ao encontro da mãe do Padre Pedro.
— Vamos fazer de Pedro um sacerdote?
— Eu não tenho condições financeiras.
— Não tem condições, mas nós temos que dar um jeito.
E Pedro foi para o seminário, com suas despesas pagas pelo cônego
Machado e a contribuição das bondosas zeladoras do Sagrado Coração
de Jesus. Naquele tempo funcionava na rua Dom José Tomaz como Seminário Menor e Maior, tendo como reitor o Monsenhor Simeão Sobral.
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Oxente! essa é a nossa gente
dia de festa e de muita emoção. Dona Pequena, com o seu grande sonho
realizado, não conseguiu conter as lágrimas. Foi preparado o almoço com
galinha e entre os convidados estava o padrinho de seminário, cônego
Machado. “Essas coisas ficam gravadas (soltava um riso diferente quando falava do seu grande dia. A lembrança emocionou o Padre Pedro,
estava mais uma vez sentindo o 8 de dezembro de 1928)”
Na Catedral, igreja em que o menino batia o sino, ajudava a missa,
agora padre, celebrava sua primeira missa.
Sua primeira missão de padre foi ajudar o monsenhor Clodoaldo
Brito na cidade de Propriá. Com a morte do monsenhor, Padre Pedro
passou a ser o vigário. Foram dois anos. Retorna a Aracaju e assume a
Paróquia de Santo Antônio. Foi vigário de Rosário do Catete, Maruim e
Santo Amaro das Brotas por três anos. Em Tobias Barreto, quando a
cidade era chamada de Campos, Padre Pedro foi vigário por três anos.
Seis meses como vigário de Arauá.
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OPÇÃO PELOS POBRES - Faz quarenta anos que Padre Pedro é capelão
do Hospital Santa Isabel e foi como capelão que iniciou o trabalho com
os pobres. “Foi quando vi a miséria. Os pais deixando as mulheres e
indo embora. Homens que deixam mulheres com oito, dez, doze filhos.”
Aproximando-se, conta uma coisa que o deixa envergonhado. “Há famílias que só comem quando eu dou. Não quero que diga isso não!”
Na sua ida diária ao hospital, conversando com doentes e familiares,
passando pelas ruas, foi estreitando o contato com a miséria. “Passei a
conhecer aquela zona do Hospital Santa Isabel. Sabe onde é ? Comecei a
conhecer aquele povo.” Padre Pedro dá do próprio bolso. Até hoje, todo
o dinheiro que entra sai logo. O ordenado de professor aposentado do
Estado dá para pagar a marmita. “Fico sem nada.”
Padre Pedro foi professor. “Não gostava muito não, ia por necessidade.” Ensinou na Escola Normal, Colégio Tobias Barreto, Atheneu, além
do Seminário. No Diário de Aracaju, edição do dia 16 de julho de 1975,
o professor e escritor Antônio Carlos de Vasconcelos Lima, que foi diretor da Escola Normal, escreveu sobre Padre Pedro. Depois, no livro Academia Popular, de sua autoria, colocou Padre Pedro como acadêmico.
Antônio Carlos, como diretor, relutava em punir o professor Padre Pedro.
SERMÕES CURTOS - Quando celebra missa, seu sermão é curto e isso
sempre foi assim. “Demoro o necessário.” Sobre o mundo de hoje: “Está
desandado. A religião está desprezada. Os mandamentos da Lei de Deus
não são praticados, está tudo fora da verdadeira trilha. Antigamente, o
povo era mais religioso. Hoje, na missa, os homens eu conto com o
dedo.”
E sobre a Associação Padre Pedro? “Foi um rapaz, de nome Geraldo.
Tá dando algumas coisas.” Ele gosta do objetivo e das campanhas da
Associação recém-criada.
O espírito de bondade do povo no Natal é bom, mas é curto. O espírito de bondade do Padre Pedro é permanente. Ele dá o grande exemplo
de uma vida de doação. Andando pelas ruas com a sua batina preta, ele
faz o Natal dos seus pobres ter 365 dias. Que seria de muitos pobres da
cidade sem a figura popular, querida e respeitada do Padre Pedro?
Oxente! essa é a nossa gente
“Como advertir, punir, um Padre Pedro, professor da escola – o padre
mais encarnado em gente de que já tive conhecimento em toda a minha
vida? Adiante passo a narrar o caso mais fora de série que enfrentei.
Padre Pedro, num dia chuvoso, dá umas bordoadas com o cabo de guarda-chuva em uma de suas alunas e lá vem ela, em companhia de duas
outras, pedir as providências cabíveis, uma reparação da agressão sofrida. Mostrei-me sereno, impassível. Enquadrei de logo a situação como
um dos casos da ira dos justos. E a prudência valeu. No outro dia, é o
próprio Padre Pedro quem alivia o peso da situação e arranca da ofendida e de toda a classe o perdão. Os bolsos da batina carregaram, todas as
balas e bombons das bodegas do caminho da escola, provavelmente, e
uma distribuição coletiva foi feita. Terminada a crise e anulada qualquer
iniciativa da direção, com toda a sua carga de poderes adicionais, a De
Gaulle, mirim.”
361
Pinga: o empresário das grandes estrelas
Oxente! essa é a nossa gente
J
osé Carlos Mendonça, o popu
lar “Pinga”, é o empresário que
mais realizou shows com artistas
no mundo, com 8.722 eventos. Hoje
é freqüentador da casa de Julio
Iglesias e sua fama está indo longe.
Pinga
completou
25
anos
empresariando artistas e times de futebol. Depois de trabalhar com quase todos
os grandes artistas brasileiros, ele é hoje
responsável por todas as apresentações de
artistas internacionais no Nordeste.
Conta que está tentando trazer Madonna e
Michael Jackson para o Brasil, para apresentação no estádio do Arruda, em Recife. Depois da
quantidade recorde de shows realizados no Brasil, o empresário da alegria parte para um projeto
ousado, quando levará os nossos artistas para excursões na América e na Europa, com apresentações em países como Estados Unidos, Portugal,
Espanha, França e Itália. Desde o primeiro show, quando contratou Roberto Carlos, no tempo da Jovem Guarda, para a primeira apresentação na cidade de Aracaju, muita coisa mudou. Hoje
não tem somente sua sacola de viagem e sim uma poderosa empresa em
Recife, responsável pela compra do maior número de passagens aéreas do
Estado de Pernambuco.
362
Publicado no Jornal da Cidade em 19.8.1991
FUTEBOL - Passou a trabalhar com o pai, que já residindo em Aracaju
tinha uma farmácia no centro comercial da cidade, procurando cavar
sempre um tempinho para a bola, mesmo nas horas de trabalho no comércio. Jogou no time juvenil do Palestra, no Olímpico e no amador do
Sergipe. Quando era jogador do Olímpico, numa ocasião resolveu doar
ao time uma bola. Foi repreendido pelo dirigente Américo Alves, que lhe
disse que era um jogador e não o dono do time. Ser dono de um time
sempre foi o seu sonho e realizou, quando fundou o Cruzeiro, um time
de pelada que fez sucesso pelos campos de Aracaju.
Oxente! essa é a nossa gente
FILHO DE PROPRIÁ - No dia 6 de agosto de 1940, nasceu José Carlos
Mendonça na cidade de Propriá, Sergipe. Seus pais: João Nunes de Mendonça, comerciante do ramo farmacêutico, e Maria Alves Mendonça. Seu
tempo de menino foi vivido com aventuras não só na sua cidade natal,
como nas cidades vizinhas. “Era um perigo de menino. Tinha uma surra
guardada por dia, em função de fazer coisas erradas.”
Na cidade de Aquidabã, com uma professora particular e sentindo os
efeitos da corretiva palmatória, iniciou sua vida escolar. Mas no ano de
1953, chegou à cidade de Aracaju para ser interno no Colégio Salesiano.
Quando chegou já gostava de bola e era torcedor fanático do Vasco da
Gama, do Rio de Janeiro. Na época, o seu querido time tinha uma linha
de frente de fazer inveja: Sabará, Maneca, Pinga e Paróide. Acompanhava
o campeonato carioca ouvindo as narrações de Jorge Cury pela Rádio
Nacional. A partir daí o jogador Pinga do Vasco passou a ser o seu ídolo.
Quando jogava bola no campo do colégio, José Carlos comparava seus
dribles e seus gols aos do jogador do Vasco. O nome Pinga não saía de
sua boca, chegando a ponto de ser chamado pelo seu professor, padre
Arnóbio Patrício de Melo, do Pinga sergipano. Pinga pra lá, Pinga pra cá,
o nome pegou.
Não muito afeito aos estudos, saiu do Salesiano e foi passando pelos
colégios Jackson de Figueiredo, Pio X, Escola Agrícola Benjamim Costant.
Seu comportamento arredio ia além dos padrões da época e, por isso,
recebeu algumas cartas de transferência. Não conseguiu tirar o 3º ano
ginasial e foi para a “escola da vida”. “Somar e multiplicar, isso eu sei.”
363
Oxente! essa é a nossa gente
364
Pinga jogava dinheiro fora com o futebol e isso deixava o seu pai
furioso e revoltado pelas suas investidas nessa área. Uma vez, quando
jogava no Palestra, no Estádio Municipal de Aracaju, o pai apareceu de
surpresa. Pinga deu no pé. “Quando ele apontou e eu o vi, saí pelo outro
lado, rastejando por dentro do mato. Como ele não me encontrou foi
embora e eu voltei ao campo, cheio de carrapicho. Entrei novamente para
jogar e fiz um gol que foi anulado por ter saído e entrado sem avisar ao
juiz. Só não fui expulso de campo pela explicação que tive de dar. O juiz
compreendeu meu problema, deu uma boa risada e deixou pra lá.”
Como jogador de futebol era o goleador da cidade e não perdia um
pênalti. Isso até um dia quando aconteceu o jogo Sergipe x Vasco. Depois
de um violento lance na área, o juiz apitou, o jogo ficou parado e o
público agitado, gritava: “Pinga, Pinga, Pinga...” Não havia dúvida, o
artilheiro estava pronto para emplacar mais um. Todos já conheciam o
seu chute certeiro e, até então, infalível. Pinga, como jogador do Sergipe,
ficou diante da bola e do goleiro do Vasco, time da cidade de Aracaju. O
juiz apitou novamente, Pinga correu para a bola e... pimba, não pinga. O
público ficou em silêncio profundo. O jogador decepcionado, completamente transformado, tirou a camisa, num gesto de desespero, atirou-a ao
gramado, foi embora e deixou de jogar futebol para sempre. Não admitia
perder um pênalti, isso era uma questão de honra, na sua vida de goleador
já tinha feito mais de 500 gols. Uma cena triste e comovente. O rei do
pênalti de Aracaju, chorando, inconsolado, deixava o campo, enquanto
a torcida do seu time, envolvida com o acontecimento, aplaudia o atleta
e gritava: “Pinga Pinga...”
Resolveu ser treinador de futebol e assumiu o setor técnico do departamento juvenil e de amadores do Sergipe. Numa outra ocasião foi treinador
do Vasco, já atuando na área profissional. Passou pela presidência da Federação Sergipana de Futebol de Salão, por oito anos, e atuou como juiz, apitando muitos jogos do salonismo sergipano. “Fui o melhor juiz de futebol de
salão que esteve no Estado de Sergipe. Isso, a minha geração vai dizer.”
ROBERTO CARLOS - No ano de 1966, começou a sentir o sabor da vida
de empresário de artistas quando trouxe para Aracaju o cantor Roberto
Carlos, no auge da Jovem Guarda, época em que o Roberto tinha um
DE BRASÍLIA AO RECIFE - Foi para Brasília e, já contando com um
bom relacionamento no meio artístico, fruto da primeira fase de Aracaju,
passou a dedicar sua vida de corpo e alma às atividades de empresário
de shows. Milton Nascimento foi o primeiro artista da nova vida na
capital federal. Superlotou o ginásio e isso deu novo ânimo ao Pinga,
que logo emendou com Chico Anísio. Assim foi aprendendo a ganhar
dinheiro no meio artístico. No ano de 1978, montou o primeiro escritório em São Paulo. Passou uma fase morando em Salvador e descobriu, no
ano de 1980, Recife, onde fixou a base da sua empresa. “Fiquei em Recife, pois divide muito bem o Nordeste e sempre fui fascinado pela cidade,
que os brasileiros deveriam dar mais valor, pois ela é sensacional. Mas é
bom dizer que não esqueço minha terra, nunca fugi nem fugirei de minhas origens. Em todos os cantos do Brasil, afirmo que sou sergipano
com o maior orgulho, mesmo me considerando hoje um cidadão
‘pergipano’, mistura de pernambucano com sergipano. Vou receber o título recifense pela Câmara de Vereadores.”
Oxente! essa é a nossa gente
programa na TV Record e que iniciava, com suas músicas, uma explosão
na juventude brasileira. Pinga, com sua boa memória, recorda-se de todos os lances da primeira vez que Roberto Carlos apareceu em terras
sergipanas. “Roberto chegou a Aracaju numa quinta-feira, dia 18 de agosto
de 1966. No aeroporto, ainda saía carro quando o Roberto já estava no
hotel. Aracaju parou para o show do Roberto Carlos.”
Pinga fez o batismo na área de show pagando doze milhões de cruzeiros. Deu 50% no ato da assinatura do contrato e o restante no momento
da apresentação. No fim, no frigir dos ovos, por falta de experiência, deu
conta que a sua aventura não tinha dado lucro, mas que tinha dado
certo. Estava entrando fascinado num novo mercado. Depois do Roberto,
outros artistas do movimento da Jovem Guarda e os times de futebol do
Rio de Janeiro, como Vasco, Flamengo, Fluminense e Bangu. Perdeu dinheiro no início mas fez o ponto. Enquanto trazia artistas e times de
futebol para Aracaju, Pinga continuava com sua vida de trabalho no comércio e envolvido com o esporte amador da cidade. No ano de 1972
seguiu o conselho do amigo Valter de Jesus para dar alguns passos a
mais, partindo de Sergipe, com dívidas, em busca de uma nova vida.
365
Oxente! essa é a nossa gente
366
JULIO IGLESIAS - Pinga promoveu 8.722 apresentações de artistas pelo
Brasil a fora. Das inúmeras emoções vividas em 25 anos de trabalho
empresarial, os shows de Julio Iglesias estão entre as mais fortes. “Um
show internacional deixa a gente emocionado. Já consegui trazer Júlio
Iglesias para fazer quatro shows no Brasil, dos quais tive a honra de fazer
um em Aracaju, o que me deixou muito satisfeito por ter o artista na
minha terra. Mas também não esqueço da emoção que eu passei no primeiro show do Roberto Carlos em Aracaju. Fiquei tão emocionado que
queria trazer o Elvis Presley.”
Já é um freqüentador da casa de Julio Iglesias e na área internacional,
cada vez mais conquista espaço. Do topo do estrelato, até agora só não
conseguiu trabalhar com dois artistas: Chico Buarque de Holanda e Jô
Soares. “O Chico só faz um ou dois shows e isso não me interessa, pois
só trabalho com tournée. O Jô Soares não vende espetáculos. Ele mesmo
faz sua produção.”
Como sua fama de empresariar artistas famosos já corre o mundo, Pinga já faz há dois anos contato para trazer ao Brasil Michael Jackson e
Madonna, para uma apresentação no estádio do Arruda e outra no Rio de
Janeiro. Pinga montou uma estrutura para trazer artistas para o Brasil e,
brevemente, estará levando os artistas brasileiros para a Europa, fechando
pacotes com apresentações em inúmeros países, num trabalho que irá marcar
uma nova fase na divulgação do produto musical brasileiro lá fora.
Mas a vida de empresário artístico não é feita só de ganhar dinheiro.
De vez em quando toma enormes prejuízos. A técnica para ganhar é
comprar shows em quantidade e pagar uma antecipação para ter uma
redução no preço. Mesmo assim, o prejuízo às vezes é inevitável. “Já tive
grandes prejuízos até com artistas de nome, como Roberto Carlos e Milton Nascimento. Mas, no fundo, o resultado é bem satisfatório.”
Do trabalho com os artistas surgiram sólidas amizades. Com Elba
Ramalho, por exemplo, já realizou 446 eventos. Com Simone, no início
surgiram algumas brigas, depois uma selada e rendoza amizade. “A Simone me tem uma atenção muito grande.” Roberto Carlos é o marco de
Pinga Promoções Artísticas. O primeiro contrato e o caminho aberto para
muitas apresentações pelo Brasil. “O Roberto é sensacional.” Pinga possui uma afinidade muito grande e trânsito livre com todos eles.
Oxente! essa é a nossa gente
AMOR ATRAPALHA - Caso de amor na sua vida, conta que até agora não
aconteceu. Com os artistas, seu olhar é somente de caráter profissional.
Quer ficar livre e desimpedido para sempre. Nunca pintou um caso amoroso na sua vida? “Não, de jeito nenhum. Atrapalha muito. Primeiro
deixa os outros enciumados e, segundo, se acontecesse, ela iria tomar
conta da vida e impediria o trabalho com outras pessoas.”
Andando com artistas pelos hotéis e estradas do Brasil, Pinga sabe de
muita coisa e não conta, ou finge não saber de nada. Boca calada e ouvidos pacientes também são segredos da profissão. Deixando o confidencial de lado, interessante foi a viagem que fez de Fusca com os artistas
Fernando Mendes e José Augusto, pelo interior de Pernambuco. Depois
de um show na cidade de Santana de Iapanema, dirigindo-se à cidade de
Garanhuns, para cortar caminho deixou de lado a estrada principal e
pegou uma estrada vicinal. O Fusca, em meio aos buracos, correu pouco
e terminou encontrando duas valas gulosas que prenderam suas rodas.
Isso aconteceu no ano de 1974. A noite chegou e o Fusca, Pinga e os
artistas estavam numa incrível história. “Não houve jeito de sair. Como
estávamos perto de uma casa, eu fui solicitar socorro. Acontece que eu
não vi um boi que estava no meu caminho, pois o danado era preto. Ele
deu uma berrada bem forte no meu ouvido, eu saí correndo, bati numa
cerca, voltei, consegui passar por debaixo e me consolei em ficar perto
do Fusca e dos artistas. No outro dia, o dono da casa nos socorreu,
colocando dois bois numa canga. Conseguimos sair do atoleiro e, na
hora que ficamos livres, na euforia, buzinei. Os bois se assustaram e
saíram correndo e eu buzinando. Minha sorte é que foi um boi para um
lado e o outro para um outro e o carro no meio, senão até hoje estaria
rodando com os bois.”
Quando saiu de Aracaju para sua vida de empresário fez uma promessa. “Passei alguns anos sem aparecer por Aracaju, depois que eu saí
no ano de 1972. Inclusive estava devendo, não nego, e só queria voltar
quando tivesse pago a todo mundo. Depois que paguei, retornei a Aracaju, vindo com shows normalmente e, de lá pra cá, todos os anos temos
feito muitos shows, inclusive fizemos muito, quando você, Osmário, era
diretor social do Iate, quando fez o Iate ser realmente um clube social,
trazendo grandes atrações, você como diretor social e o Laonte como
367
Oxente! essa é a nossa gente
comodoro. Me deixou grandes recordações, pois gostava de vir para
Aracaju, trazendo shows para o Iate.”
Além de trabalhar com artistas, Pinga gosta de trabalhar com clubes
de futebol, pois sua paixão pelo esporte permanece. Continua fanático
pelo Vasco, torce pelo Sergipe e, em Pernambuco, pelo Náutico. No trabalho com clubes, promoveu com o Vasco da Gama do Rio de Janeiro 86
partidas amistosas. Com o Flamengo, 84, vindo depois o Fluminense e
outros clubes.
368
COMPOSITOR - Pouca gente sabe mas Pinga também é compositor. O
maior sucesso do Carnaval em Sergipe é Sergipano Bom, assim como
Vassourinha é o maior sucesso do Carnaval em Pernambuco. Com o amigo Valter de Jesus, após a conquista de um título do Sergipe, foram comemorar no Ponto Chic, o bar de sucesso da época de Aracaju, ponto de
farrista e desempregados, onde hoje, por ironia, funciona a Delegacia do
Trabalho. “Sentamos e fizemos a música que até hoje continua fazendo
sucesso.” Com o parceiro Valter, Pinga possui muitas músicas e os dois
continuam em produção. “Provavelmente a gente vai entregar uma música para o Roberto Carlos.” Mas Pinga não gosta muito de falar sobre essa
habilidade e poucos são os artistas sabedores que ele compositor. Gosta
do gênero romântico e Audair José e Eliana Pitman já gravaram composições suas.
Para Pinga, a vida é um eterno fazer e sua vida não tem frustração.
“Uma pessoa enquanto vive, não está realizada. Isso é dito pelo poeta
pernambucano Irinaldo de Souza Leão. Após a morte é que as pessoas
irão realizar.” Quanto à política, não é chegado. “Não tenho preferência.
Tenho atenção e em particular a uma, que considero não só como político mas como um homem de bem, injustiçado, que nós temos em Sergipe,
que se chama Albano Franco, que representa o Estado de Sergipe em
qualquer parte do mundo.”
Pinga festejava com um grande show de artistas a data do seu aniversário e o repórter teve a felicidade de participar de um dos eventos.
“Mais não, pois é muito cansativo. A despesa é muito grande, apesar de
não pagar a nenhum deles, mas a despesa supera o valor do bruto arrecadado. Normalmente eu recebo dos artistas um presente e não posso com
Oxente! essa é a nossa gente
o presente negociar. Você foi quem fez o primeiro show de aniversário
meu. Foi quem organizou tudo, eu me lembro muito bem, foi na inauguração do Constâncio Vieira, cobramos Cr$ 100,00 por ingresso. Você
disse que estava barato e eu respondi que queria assim mesmo, pois
queria levar para o público de minha terra o presente que estava recebendo dos artistas, não para lucrar. Foi a maior quantidade de artistas que já
reunimos num show no Brasil, inclusive, contando com a presença de
Roberto Carlos.” Lembra-se do ano? “Claro que me lembro, dia 6 de
agosto de 1978. O primeiro show de aniversário, organizado por você e
foi o show mais organizado. Fizemos dois palcos, vendemos 6.000 ingressos, sei de tudo e me lembro até quanto lhe paguei, quer que diga?
(silêncio profundo do repórter, platéia presente ao depoimento cai na
risada)
Quem trabalha na vida artística, não pode escapar das fofocas, mesmo quando empresário. Princípios de alguns lances mais picantes surgem nos bastidores. Com Cláudia Raia, alguma coisa Pinga? “Com Cláudia Raia realmente existiu uma fofoca, com Eliana Pitman, mas não aconteceu nada. Com a profissão que eu tenho, se fosse me apaixonar, ficaria
amarrado, e eu gosto é de ficar livre. Eu fui convidado para ser empresário exclusivo de Roberto Carlos e não aceitei, eu ia casar com Eliana
Pitman.” Mas a verdade é que ela deu em cima de você e isso o Pinga não
vai negar (risos da platéia). “Que deu, deu, mas eu deixei de lado.”
369
Popó: um aposentado da Petrobras em ação
Oxente! essa é a nossa gente
J
370
osé Euler Alves nasceu a 20 de maio
de 1945 na cidade de Cedro de São
João, Sergipe. Seus pais: José Nazaré
Alves e Maria Pastora Teles.
O pai foi proprietário de fazendas
nas cidade de Cedro, Muribeca e
Propriá. Fazia de tudo para manter os
sete filhos e tinha uma preocupação
constante com a educação de todos
eles, pois o seu grande desejo era vêlos formados. “ Com ele aprendi muito.” De sua mãe, uma mulher de dedicação total aos trabalhos da casa e a
família, tem boas lembranças, principalmente pelo gosto que ela tinha de
passar ferro na sua farda escolar. Dela
herdou a alegria que se faz sempre presente nos momentos de sua vida.
Com sete anos de idade José Euler
sai de Cedro e passa a morar em
Propriá. A mudança de cidade ficou
por conta da decisão do pai de fixar
residência numa cidade que oferecesse melhores condições para os estudos dos filhos, pois um deles já estava apto para fazer o ginásio, curso
que naquele tempo na cidade de Cedro não existia.
Publicado no Jornal da Cidade em 12.8.2004
Oxente! essa é a nossa gente
No Educandário Coração de Jesus inicia os estudos com a dona do
estabelecimento educacional, Dona Rosinha. Depois passa para o Ginásio Arquidiocesano de Propriá onde estuda até o 3o ano primário.
Considera que o seu tempo de infância na cidade de Propriá foi dos
melhores. Além dos estudos tinha a seu dispor muitos minutos para se
soltar pela cidade, seja jogando futebol, pião, bola de gude, soltando
pipa, ou tomando banho no rio São Francisco, onde aprendeu a nadar.
“Tive uma infância de criatividade e de liberdade, o que é bem diferente
da infância dos meninos de hoje, que já fazem uso de computador para
suas brincadeiras.
Pela ausência de faculdade na cidade de Propriá, seu pai compra
residência em Aracaju na avenida João Ribeiro, 950, e traz toda a família,
mas continua suas atividades de fazendeiro, deixando para os finais de
semana o contato com a mulher e os filhos. Com essa mudança, o então
menino José Euler ingressa no Colégio Jackson de Figueiredo e lá chega
ao final do curso primário. Deixa o colégio ao término da 2 a série do
curso ginasial. “ No Jackson dos professores Benedito e Judite Oliveira
eu tive bons professores e me foi útil a sua rigorosa disciplina. Todos
dias era obrigar entrar na fila formada em seu pátio externo para ouvir
Dona Judite falar meia hora e cantar o Hino Nacional. Isso foi muito
importante e até hoje tenho saudade do Jackson e também do cachorro
quente do Seu João que ficava enfrente ao colégio. Era muito gostoso a
ponto de ter fila para comprar em determinados momentos”.
Na continuidade do ginásio, presença no Colégio Tobias Barreto da
época que tinha como seu proprietário o professor Alcebíades Melo Vilas Boas. “ O colégio estava numa excelente fase, oferecia aos alunos a
prática de atividades esportivas e tinha bons professores. Tive a honra
de ter sido aluno do professor Thieres Gonçalves”. O final do ginásio e o
1o ano do curso técnico foram realizados no Tobias. Pela venda do colégio matricula-se no Pio X onde sai como técnico contábil.
Aproveitou o máximo a fase da juventude, jogando futebol nos diversos campos de pelada existentes na cidade em seu tempo. O campo
do Tobias Barreto onde hoje é o Ceasa, o Adolfo Rollemberg na rua de
Campos e o da Fundação Manoel Cruz na proximidade de suas casa
eram os favoritos. Também não dispensava os banhos no rio Sergipe e
371
Oxente! essa é a nossa gente
372
tinha a Ponte do Imperador como seu local predileto para os bons saltos
que dava para se jogar no rio.
Na Distribuidora de Cigarros Sergipe LTDA, começa a sua vida profissional na condição de motorista de caminhão, quando estava com 20
anos de idade. Andava com o vendedor e circulava por todos os cantos
de Aracaju fazendo as entregas dos pedidos. Depois de seis meses resolve trabalhar por conta própria, compra um fusca e passa a ser taxista.
Fazia ponto no Bar do Meio da Rua. “Ficava no final de semana trabalhando até às 5h da manhã e sempre na espera dos passageiros na ponto
ao lado do bar, que recebia a todo instante os frequentadores da noite de
Aracaju. O bar era de Filadelfo e a banca de jornal e de revista do Careca
ficava no fundo do bar que era chamado de Come em Pé. O pessoal ia
para os cabarés, saía e ia fazer o lanche no Bar do Meio da Rua, que
funcionava 24h. Todo tipo de gente passava pelo bar, inclusive políticos
e homens de destaque na sociedade”.
Da vida de taxista conta que em seu tempo quase não existia assalto e
o trabalho transcorria na maior tranquilidade. Iniciou na profissão no
ano de 1972 e acabou em 1975 quando passou em concurso e foi trabalhar na Petrobras.
Seu sonho era ser professor de Educação Física. Chegou a fazer vestibular
mas não foi bem sucedido. Trabalhar como técnico de contábil não passou pela
cabeça, mesmo com o diploma na mão do curso concluído no Colégio Pio X.
Com a chegada da Petrobras em Sergipe, acredita, se prepara para o concurso e
daí uma vida de trabalho como operador de movimentação de cargas.
Primeiramente passa pelos treinamentos concluídos após seis meses
e começa a trabalhar entre Sergipe e Alagoas na área marítima. Também
trabalhou no campo, embora por pouco tempo, nas cidades de Riachuelo
e Siriri em Sergipe. “ Naquela época o pessoal trabalhava na Petrobras
com garra. Não tinha vedetes e não tinha as facilidades que têm. O
funcionário tinha muito amor pelo que fazia e pela empresa. Todo mundo era amigo um do outro”.
Foram 21 anos de trabalho na Petrobras. Aposentou-se há seis anos e
dois meses e, recentemente voltou a trabalhar numa firma que presta
serviço a Petrobrás e está atuando no mesmo serviço que é mestre no
assunto, o de movimentação de cargas. “Depois de seis anos afastado,
Oxente! essa é a nossa gente
voltei e parece que estou voltando a ser menino novamente, gostando do
trabalho do mesmo jeito que gostava antes quando estava na Petrobras”.
Conta que sempre ocupou as horas de folga do trabalho com boas
conversas com os amigos, sempre regadas a uma cerveja gelada, viajando, batendo bola na praia e nunca deixando de contar piadas.
Diz que o nome Popó foi criado quando entrou na Petrobras. “ Cada
um tinha um apelido e acharam eu parecido com o Popó do programa da
Globo do Chico Anísio , porque eu tinha uma barbicha e usava óculos
escuros. E Popó ficou. Foi a melhor coisa de mundo esse nome de Popó.
José Euler Alves só para assinar documentos”.
É louco pelo Flamengo e torce com menos fervor pelo Sergipe.
Fisicamente continua em forma a ponto de ir para a praia da Caueira
e a de Pirambu de biclicleta quando dos momentos de sua folga da
plataforma. Na religião acredita muito em Deus. “ Ele me acompanha
sempre nas minhas horas difíceis . Depois de Deus , é meus pais, minha
mulher, meus filhos e minha neta “.
Casou com a professora Marlene Etinger de Araújo no ano de 1975.
Eu namorei muito e em ordem de pobre o que mais fiz foi gostar namorar
mas a mulher com que eu casei vale mais do que elas todas. Basta dizer
que se eu fosse contar, eu tinha uma namorada por dia ( risos)”. Não só
gostava de namorar em Aracaju como no interior. Não perdia uma festa
no interior”. Primeiramente casou no civil e depois de 26 anos no religioso. Teve dois filhos: José Euler Alves Júnior ( falecido) e Sandra Etinger
Araújo Alves, estudante de engenharia elétrica. É avô de Alexandra.
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Ribeiro: simplicidade e muito trabalho
Oxente! essa é a nossa gente
A
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ntônio da Silva Ribeiro nasceu
a 12 de maio de 1948 na cidade
de Laranjeiras /Sergipe. Seus pais:
Alfredo de Oliveira Ribeiro e
Cantionila da Silva Lima, conhecida
na cidade de Laranjeiras como Dona
Santinha).
O pai trabalhou como feitor da fazenda Santo Antônio de
Artur
Rollemberg e na São José do Pinheiro trabalhou para Zezé Franco.
Tempos depois compra uma pequena propriedade na cidade de
Itaporanga , a Fazenda Barra e um
alambique no povoado Terra Preta no
município de Itabaiana, onde passou
a produzir a Cachaça Agresteira. Também trabalhou como fornecedor de
gado para abate. Dele o filho herdou o caráter
Sua mãe era uma senhora evangélica e de poucas letras, algumas obras e
muita fé. Dela o filho herdou a seriedade, a honradez e o gosto pelo trabalho. Dona Santinha passava o dia na dedicação do marido e dos quatro
filhos: Alfredo Ribeiro, Miriam Ribeiro, Maura Ribeiro e Antônio Ribeiro.
Os momentos da infância e da juventude de Antônio da Silva Ribeiro aconteceram na cidade de Laranjeiras, onde também estudou o curso
Publicado no Jornal da Cidade em 14.12.2003
Oxente! essa é a nossa gente
primário com a famosa professora Zezinha Guimarães, que no próximo
ano irá comemorar 100 anos de nascimento e que serão comemorados
pelos seus ex-alunos em festa que está sendo organizada pelo Paulo Leite
e que vai acontecer na cidade de Laranjeiras.
Com a professora Zizinha Guimarães, Ribeiro estudou todo o curso
primário e com todo capricho. Foi o suficiente para seguir o seu caminho
pela opção que fez de abandonar os estudos para se dedicar exclusivamente ao trabalho. A minha tia Malha participava da equipe do colégio
da professora e isso foi muito bom para mim. O colégio era muito ligado
a Igreja Católica e num dia da semana todo os s alunos eram obrigados a
assistir missa e aula de catecismo, com o padre Filadelfo Jonatas de
Oliveira.
Com a morte de seu pai, sua mãe vem morar em Aracaju com os
quatro filhos e fixa residência no bairro Industrial. “ Dr. Augusto Franco
providenciou o transporte e a casa onde fomos morar. Empregou a minha irmã Míriam que era menor de idade na Fábrica Sergipe Industrial e
sempre que tinha uma casa melhor da fábrica nos dava para morar.
Mudamos cinco vezes de casa e em todas essa mudanças continuamos
na mesma rua.
Chegado o momento do Serviço Militar ingressa no Exército Brasileiro, servindo no 28º Batalhão de Caçadores. Foi um tempo de muita aprendizagem, de muita disciplina e ordem. Não seguir carreira mais tinha
condições para tanto. Passei bem nos exercícios de manibilidade da 6 a
Região iniciados no campo do Feijão em São Cristóvão e concluídos no
campo de Conde na Bahia.
Na casa de móveis Wilson Alves na Rua Florentino Menezes, Edifício
Leila, a experiência do primeiro emprego no trabalho de montagem de
móveis. “Foi uma passagem da minha vida muito salutar. Fazia a montagem e a e entrega de móveis nas casas dos clientes.
Não se arrepende de ter deixado os estudos de lado. Se considera um
autodidata. “A leitura sempre esteve presente em minha vida. Na minha
casa eu tenho a Bíblia, livros de Jorge Amado, Machado de Assis, de
Froid e tantos outros”.
Trabalha na implantação do Terminal Marítimo da Petrobras (Tecarmo)
em Aracaju por três anos. “Passei a trabalhar para uma companhia ame-
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Oxente! essa é a nossa gente
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ricana como ajudante de soldador e cheguei a apontador. Cheguei a ver a
derrubada dos coqueiros para a construção dos tranques do terminal. No
Tecarmo foram três anos.
Com a saída da companhia americana e com dinheiro no bolso, troca
o dia pela noite e parte para viver de forma intensa a boemia de um
Aracaju do passado, onde praticamente, a única atração com exceção nos
finais de semana, eram as boates no Beco dos Cocos na proximidade dos
antigos mercados, abertas todas elas, a prostituição. “ Hoje se você for a
qualquer boate frequentada pela sociedade sergipana, você assiste cenas
mais fortes das que eu assistir dos cabarés de classe de Aracaju no meu
tempo. Chagai, Miramar, Bela Vista e Chantecler. Em todas elas o ambiente era puramente romântico e a elite masculina de Aracaju lá estava.
As pessoas boêmias que iam para lá em era para praticar a bigamia e sim
para cada um beber a sua cerveja e dançar, tango, bolero e valsa. Sexo só
vinha depois e em segundo plano ou terceiro plano. O romantismo era
tanto que eu me apaixonei por uma jovem do Miramar de nome Sandra,
que era de Vassouras no Estado do Rio de Janeiro. Tivemos uma paixão
muito forte. Quando ela foi embora senti muito a sua falta. Mexeu até
demais comigo”.
Lembrando seu tempo de boêmio conta que os cabarés ofereciam a
seus clientes música ao vido e com o melhor dos músicos sergipanos,
além de shows com grupos de fora, a exemplo de Maizinha Gold Show.
“Eu me lembro quando Hilton Lopes começou a tocar bateria. Ele era
magro. Nesse tempo cantava Celso Dantas.
Em busca de trabalho parte para São Paulo e logo ao chegar começa a
nova vida como funcionário da Entesco, uma empresa do ramo da engenharia que prestava serviços a companhia de água paulista. Na época
contava com 22 anos de idade. Inicialmente como ajudante de serviços
gerais. Progride na empresa e chega a trabalho de apontador. Três anos
após volta a Aracaju, por conta de um acidente de trabalho. “ Sofri um
acidente, uma fratura de crânio. A hélice de um exaustor de uma cantina
na cidade de Suzano, por descuido na sua montagem, se soltou e vem
em minha direção, quando eu estava desenvolvendo o meu trabalho de
apontador. Voou em direção da minha cabeça e daí eu não vi mais nada.
Me acordei na Santa Casa da cidade de Mongi das Cruzes. Passei um dia
Oxente! essa é a nossa gente
e uma noite na cidade de Suzano, mas me ligaram para a empresa e
disseram que era preciso me apanhar pois eu iria morrer sem assistência.
Ligaram para a minha irmã Miriam, que nessa época trabalhava para o
governador Augusto Franco e minha mãe mesmo sem saber do que tinha
acontecido comigo, antes do telefonema já estava aflita a procura de
notícias e orando muito por mim. Minha mãe já partiu, mas quando eu
falo do acidente e do fato de ter sido salvo graças as suas orações, isso
me emociona muito. Sofri muito, fiquei inconsciente , mas não houve
necessidade de operar. Por isso minha irmã e minha mãe foram para lá,
mas em compensação minha irmã diariamene ligava para mim”. Passei
mais de um ano de São Paulo em recuperação na fisioterapia, vim para
Aracaju e passei a fazer os exercícios no Centro de Reabilitação Ninota
Garcia”.
Com a Chegada de Heráclito Rollemberg no comando da prefeitura
de Aracaju, a convite do amigo e conterrâneo, Ribeiro ingressa na prefeitura de Aracaju e começa a trabalhar no setor de patrimônio. Após cinco
anos é transferido para a Vigilância Pública onde se encontra até hoje no
trabalho de fiscalização. “ É a minha vida. Gosto do que faço. Quando
fiscalizo um pequeno bar da periferia de Aracaju, faço com o mesmo
respeito quanto eu entro num restaurante de um shopping. Não direciono
o meu trabalho para a apreensão e sim para a orientação, que é a nossa
missão. Dou bom dia, boa tarde e no meu trabalho só faço amigos em
todos os cantos da cidade”.
Quanto ao seu amor pelas atividades culturais em Sergipe, deve pelo
fato de ter nascido na cidade de Laranjeiras e de ter sido aluno da professora Zizinha Guimarães. Por isso sempre marca presença nos eventos e
sempre está a conversar com os amigos sobre cultura. “ Vim da terra do
grupo Lambe Sujo, da Taieira, Cacumbi e do São Gonçalo”. Só tem a
elogiar o potencial artístico nos nossos grupos culturais, a exemplo do
Grupo Imbuaça, da existência do Fórum de Forró realizado anualmente
pela prefeitura de Aracaju através da Funcaju, do sucesso de Chico
Quieroga e Rogério na música, José Fernandes na pintura, Ismar Barreto
na composição. Faz questão de dizer que é fã de Chico Buchinho pelo
seu lado poeta e bagagem cultural, professor José Paulino Matias e Paulo
Correia. “ Estes três são os meus mestres na cultura. Me espelho tam-
377
Oxente! essa é a nossa gente
bém em você pelo que faz na imprensa, pois tem muito a ver com isso.
Eu respiro cultura”.
Com lágrimas conta que o fato mais importante de sua vida é relacionado com o seu afastamento do alcoolismo. “ Isso só aconteceu com as
orações de minha mãe e aconteceu no dia 7 de maio de 1975. O mês de
maio me marca muito. Vim ao mundo neste mês, é o mês de Maria, das
noivas e o dia que me afastei da bebida, quando fui reintegrado a sociedade, pois tive abaixo do capacho, mas hoje, graças a Deus, é página
virada. Também devo muito a minha reabilitação ao Grupo de Alcoólicos
Anônimos do qual faço parte de suas reuniões até hoje”.
Trabalhou na Secom do município de Aracaju no trabalho pioneiro
de rádio escuta, por solicitação do então secretário, Chiquinho Ferreira.
Também trabalhou embarcado para empresas americanas a serviço da
Petrobras e na Ciclo, uma empresa de financiamento. Tentou ser vereador de São Cristóvão pelo PDT mas não foi aprovado pelas urnas.
Se considera casado com Gildete Moraes, não tem filhos mas vive
numa lua de mel que já dura mais de 15 anos. “ A gente fecha o apartamento e sai de férias”.
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Rita Peixe: mulher de muitas histórias
uebrando preconceitos na
sociedade sergipana, pelo
seu modo de agir independente
e sem ligar para a vida das pessoas, Rita Peixe é uma das figuras folclóricas da cidade. Irmã de
Zé Peixe, além de contar a revolução que fez nos anos 50, fala
do seu lado de exímia nadadora,
que chegou a ser homenageada
pelo governo do Rio Grande do
Norte por ter participado do salvamento de atletas da equipe de remo daquela cidade, após o naufrágio
de uma lancha em costas sergipanas.
Rita Ribeiro Nunes Shunk nasceu a 23 de fevereiro de 1937 em
Aracaju, sendo filha de Nicanor Ribeiro Nunes e Vetúria Martins Ribeiro
Nunes.
O pai foi secretário geral do Estado, função que lhe deu condições de
assumir o comando de Sergipe na ausência do interventor Maynard Gomes. Dele, a filha aplica em vida exemplos de caráter e honestidade. Já
sua mãe trabalhava como professora catedrática de Matemática na Escola
Normal. Da convivência entre mãe e filha, Rita abriu espaço em seu coração para a bondade.
Nasceu e se criou na Rua da Frente (avenida Ivo do Prado, 704), casa
que até hoje pertence à família, residência do irmão Zé Peixe.
Publicado no Jornal da Cidade em 20.8.1995
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
Com o bonde passando na frente de casa, Rio Sergipe convidativo ao
banho sem nenhuma poluição como acontece hoje e muita disposição
para andar pela cidade, aproveitou ao máximo o período da infância e
juventude.
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PRIMEIROS ESTUDOS - Os primeiros estudos foram no Jardim de Infância Augusto Maynard, recebendo carinho e ensinamentos da professora Bebé Tiúba. Primário no Jackson de Figueiredo, e ginásio percorrendo alguns colégios, pois era muito pimentinha e um pouco desligada dos
estudos. “Estudei no Tobias, na Escola Normal, no Nossa Senhora de
Lourdes, no São José e cheguei a ser interna na cidade de Própria, no
Colégio Nossa Senhora das Graças.”
Depois de conhecer ambientes estudantis de todos os tipos, consegue
chegar ao término do curso ginasial e resolve fazer o curso de Contabilidade,
na Escola de Comércio. “Barretão era o diretor. Me lembro que fui providenciar matrícula em companhia de minha mãe. Barretão olhou para mim e
disse que já estava sabendo de minha fama e que só iria aceitar minha presença por causa dela. Impôs que em todo o recreio eu tinha que ficar na
diretoria do colégio, ao seu lado. Era direto da classe para a diretoria (risos).”
Fala do xodó que teve com o Rio Sergipe, louco amor iniciado por
investida do irmão, que ganhou o apelido de Zé Peixe justamente no ano
em que Rita nasceu. “O José me ensinou a nadar quando era tão pequena
que nem me lembro quando comecei.”
ARACAJU/BARRA - Fato que marcou e que não esquece desse tempo de
exímia nadadora foi a primeira travessia Aracaju-Barra dos Coqueiros.
Tinha sete anos de idade e partiu para a travessia, longe de pensar qualquer coisa. Essa investida chegou ao conhecimento do então capitão dos
Portos, que de imediato mandou uma lancha da Marinha trazê-la de volta. Rita partiu para essa aventura atrás de Zé Peixe, que, ao lado de
amigos, saiu a nado em direção à Barra dos Coqueiros. “Eu queria ir, mas
ele não deixou. Então, me piquei sozinha atrás dele.”
Até preparar a lancha, tripulação e outras coisas mais, quando o pessoal da Marinha avistou Rita, ela já estava de retorno. “Zé Peixe me
colocou ao seu lado e voltamos numa boa (risos).”
JUVENTUDE - Uma juventude completa de aventuras. Não perdia shows
de artistas de fora que chegavam, inclusive porque não pagava ingresso
no Cinema Rio Branco. “Seu Juca gostava muito de mim e toda tarde eu
e Leonardo Alencar tínhamos cadeira cativa no cinema. Na frente da tela,
sentando na primeira fila, via o filme seis, sete vezes e não pagava.”
O pintor Leonardo foi o grande companheiro da época da juventude.
Os dois sempre estavam aprontando. “A gente subia nos pés de figo na
Rua da Frente e Praça Fausto Cardoso e começava a cantar lá de cima. Era
para o povo pensar que era um rádio ligado no auto-falante (risos).”
Com os artistas que chegavam ,fazia grades amizades. Procópio Ferreira
conversou muito com Rita. Não namorou artistas nem paquerou, pois só
chegavam artistas coroas e na época era mocinha. “Eu era pequena e os
artistas tudo... (risos) Procópio, Orlando Silva e tantos outros.”
NAMORADEIRA - Mas revela que era namoradeira e que aproveitou bastante esse tempo. Só namorava gente de fora e isso causava um frisson na
sociedade sergipana. “Eles tinham despeito por mim. Me achavam muito
independente. Queria ir para as festas, quando não tinha com quem ir, ia
sozinha.”
Mas a língua do povo ficava mais afiada quando Rita saía de casa em
direção ao Rio Sergipe. “Minha casa era na Rua da Frente, eu tinha que
me vestir para atravessar a rua e tirar a roupa no outro lado” Essa é boa
(risos). Eu atravessava e ia andando pela balaustrada. Aí parava bonde,
parava tudo, pois todos queriam me olhar (risos).”
Como nunca precisou, sempre tendo papai e mamãe ao lado com
direito a viagens e mais viagens, não precisou trabalhar. “Meus pais tinham para isso.” Como não tinha altura, nunca foi convidada a partici-
Oxente! essa é a nossa gente
O capitão ficou furioso ao saber que tanta preocupação e providências tinham sido em vão, que chegou a proibir a presença de Rita na ponte
da Marinha. “Ele me disse que se passasse um pouquinho me prenderia
numa cafua que tinha na Capitania (risos).”
A menina acreditou nas palavras do capitão, mas como era muito
apimentada, quando ia saltar da ponte para o rio, olhava para trás, a fim
de perceber se o capitão estava observando seus movimentos.
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Oxente! essa é a nossa gente
par de concurso de beleza, mas chegou a ser votada pelo seu fã clube no
concurso Rainha Centenária da cidade de Aracaju.
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GENTE IMPORTANTE- Já casada, vivendo um outro estilo de vida, não
desprezou os amigos e com eles tem um relacionamento que chegou a
incomodar determinadas pessoas que faziam de tudo para estar ao seu
lado. Teve até um caso de uma pessoa ligada à área da publicidade que
fazia questão de almoçar com Rita no restaurante do Hotel Palace, que na
época era ponto de encontro de empresários e políticos, para desfrutar
do prestígio da mulher que sempre soube acontecer na cidade. “Como
não sou besta, ao perceber, cortei.”
Do sítio que possuía na avenida Visconde de Maracaju, histórias de
um clima de fraternidade onde prevalecia a verdadeira amizade de pessoas que ali se reuniam em fins de semanas para gostosas conversas e
para desfrutarem da amabilidade da anfitriã, sempre atenciosa com seus
convidados. O grupo de amigos era formado por intelectuais, jornalistas
e artistas, considerados na época pessoas avançadas. Rita sempre esteve
envolvida com o mundo artístico sergipano. Pessoa de alta sensibilidade, nunca deixou de prestigiar os artistas. Talvez por isso, muitas pessoas que não chegaram a ter oportunidade de freqüentar o Sítio da Rita, de
forma cruel, passaram a dizer que as festas e os fins de semana que ali
aconteciam eram coisas de outro mundo. Realmente, coisas de um mundo de cabeças diferentes, que separam pessoas medíocres, de pessoas de
vida plena, chamadas até de psicopatas somente por saberem viver.
Do tempo do sítio, só boas lembranças. Mas não deixa de falar da
pitada de maldade das pessoas que intepretavam erradamente as festas
que ali aconteciam. “Ficavam imaginando coisas que não passavam. Eu
não bebo, não fumo. O sítio era o reduto da família, inclusive minha mãe
morava comigo, e reduto dos verdadeiros amigos.”
“Gostava de fazer São João, meu aniversário. Uma vez, me lembro
quando vi de manhã cedo aquela batucada. Fiquei preocupada sem saber
o que estava acontecendo. Era Barrinhos que tinha levado a escola de
samba que ganhou o Carnaval até o sítio.” Foram 28 anos de sítio. Hoje,
mora na Atalaia e vive de aluguéis de imóveis. A Rita de hoje não sai
para os ambientes festivos. “De primeiro, amanhecia o dia, com Barrinhos
e a turma, na Atalaia. Hoje em dia, moro na Atalaia e só fui à Orla por
duas ou três vezes.”
FAMÍLIA - Casou em 1957 com o americano Dwight Stone Shunk. Do
casamento, que durou 20 anos, os filhos “Reynold que já morreu,
Dwingth, Robert, Rita e Ana Luiza Cristiane Vetúria. É avó de 13 netos e
para breve ganha mais um.
Para o jornalista Amaral Cavalcanti, dentro da história de Aracaju, Rita
Peixe é uma das grandes figuras da cidade. Uma mulher que na sua juventude, rompeu as barreiras da sociedade e que estava adiante do seu tempo.
“Da minha geração, Rita era a que tinha mais condições do que a gente. Era
no sítio dela que a gente se reunia. Era em seu carro que a gente andava
para cima e para baixo nas nossas noitadas. Rita era aquela pessoa que,
por não beber e não fumar, servia como motorista, enquanto a gente se
divertia com tudo. Isso, além de ter sido minha namorada, como o povo
dizia. O que deve ser na próxima encarnação. Um tesouro de pessoa que
todo mundo conhece. Uma beleza de gente, alegre, feliz, contente, rindo
como sempre. Esse sorriso que iluminou a metade da vida da gente.”
Oxente! essa é a nossa gente
O NOME DE RITA PEIXE - Por causa do irmão passou a ser chamada de
Rita Peixe. “Isso começou pequena, porque saía muito com ele.” No centenário de Aracaju, aconteceu uma travessia da Atalaia Nova para a Ponte
do Imperador. Dos 17 participantes, Rita foi a única mulher e ainda conseguiu o terceiro lugar.
Por ter participado de um salvamento de um barco em alto mar foi
reconhecida pelo governo do Rio Grande do Norte. “O barco era de remadores do Rio Grande do Norte. Eu e Zé Peixe estávamos no barco, quando virou. Ele salvou três e eu, um.” Por essa proesa recebeu um relógio
de ouro e Zé Peixe uma medalha. Quase que diariamente fazia a travessia
Aracaju-Barra e, de vez em quando Aracaju-Atalaia Nova e Aracaju-Santo Amaro. Por causa dessas travessias, seu nome passou a ser comentado
por todos os cantos da cidade. “Não tinha o que fazer naquele tempo e o
brinquedo era sair para a Atalaia Nova, Santo Amaro e Barra dos Coqueiros, nadando. Deixei de nadar antes de me casar. Como o povo não
esquece, até hoje me chamam de Rita Peixe.”
383
Oxente! essa é a nossa gente
O jornalista Jorge Carvalho disse que começou a ouvir falar da Rita
Peixe quando era ainda estudante do Atheneu. Assim, a Rita Peixe, embora ele não conhecesse pessoalmente passou a ser uma espécie de mito,
de pessoa moderna, de pessoa avançada, que rompia com os padrões
estabelecidos. Alguns anos depois, quando estava na imprensa trabalhando como jornalista, veio a conhecê-la e depois disso descobriu que
tudo aquilo que se falava dela fazia sentido. “Era uma pessoa que tinha
uma cabeça que era muito avançada em relação a uma geração que convivia com ela”, comentou Jorge Carvalho.
Já o jornalista Luciano Correia prefere falar da relação pessoal que
teve por ter namorado com uma de suas filhas. “Ela foi uma pessoa que
conseguiu criar os filhos dando uma formação muito sólida e com a
liberdade que toda pessoa precisa para formar uma personalidade própria. Eu vi a importância da verdadeira criação liberal. Sem ser irresponsável, sem negligenciar do papel de mãe”, disse.
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Roberto Tunes: o sedutor dos anos 50
m Chiquinho Escarpa do passado, pintou, bordou e tricotou com as mulheres de Aracaju,
Rio e Salvador, a ponto de ter sido ameaçado de
morte cinco vezes, simplesmente por sedução. Conta seu poder de fogo e todo seu belo passado repleto
de carros importados e homéricas farras, além de
afirmar que está com tudo no amor aos 70 anos de
idade, sem precisar de Viagra.
Roberto Barreto Tunes nasceu a 29 de julho de
1929 na cidade de Aracaju. Seus pais: Manoel
Valério Tunes e Maria Virgínia Barreto Tunes.
Filho de comerciante do Rio de Janeiro que atuou
em vários ramos, do pai herdou o tino para o comércio
e o espírito aventureiro. De sua querida mãe, a quem
considera como a mulher mais fantástica do mundo,
o dinamismo, vontade de viver em intensidade e
com independência.
No colégio dirigido pelo professor Zezinho Cardoso, o Tobias Barreto, estudou até o terceiro ano
primário, com um passagem deveras interessante: “Ele colocava sua mão no meu
bolso e, rodava o colégio o dia inteiro
comigo. De castigo, aonde ele ia, eu também tinha de ir (risos).”
Como morava com a avó no sobrado do bairro Industrial, onde nasceu e hoje reside, por vontade própria, parte para o Rio de Janeiro a fim
Publicado no Jornal da Cidade em 28.11.1999
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
de ficar junto dos pais. Na continuidade dos estudos, com seu espírito
inquieto, passa por diversos colégios, a exemplo do Sílvio Leite, Guanabara,
Duque de Caxias e outros mais.
Como logo descobriu que mulher era preferencial em sua vida, baila à
vontade e sem ritmo nos estudos, e se embala no amor desde o tempo da
adolescência, vivida no bairro de Botafogo, de um Rio de Janeiro bucólico,
época dos bondinhos, repleto de residências com janelas abertas à noite.
Um Rio gostoso de se viver, sem mesmo sonhar com violência.
No campo feminino, desde jovem se distanciou das mulheres da prostituição e se envolveu por completo com as mulheres da proximidade de
sua casa e dos colégios em que passou e aprontou. Resumindo: mulheres que não resistiam aos olhos do então garotão Roberto Tunes.
Tempo em que existia o flerte seqüenciado por dias e mais dias, mas
que para Roberto isso não existia. Preocupação de ter uma só namorada
nunca passou pela cabeça. Quando uma descobria a traição, quebrava o
pau, acabava relacionamento, mas abrandava mais adiante, por momentos em que a saudade abria passagem para o retorno ao amor. O rapaz era
doce demais. “Namorava com uma, namorava com outra e era muito bom
(risos).”
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CONQUISTADO - De seus encantos, as mulheres de Aracaju não escapavam. Quando a saudade da avó apertava, corria para cá e se envolvia
por completo em momentos de amor. “Eu não conquistava as mulheres.
Eu era conquistado por elas.” Aracaju do passado, fase áurea do
Cotinguiba, início da Associação Atlética e noites fervorosas do Cacique
Chá. Presente sempre nos bailes, nunca chegava Às pistas de dança,
nem mesmo em Carnaval, mas sempre chegava só e só saía bem acompanhado, deixando os rapazes da época a chupar dedo. “Ficava na mutreta.
Uma chegava, piscava o olho, tal e daí... Rolava (risos).”
Perdeu o pai aos 13 anos de idade. Com a herança, sua mãe monta
loja em Copacabana, de produtos de limpeza, mas Roberto ficou no percorrer colégios e a namorar. Chegando o momento, começou a trabalhar
por conta própria e daí, atrelado a esse sistema, direcionou sua vida.
Hoje, contando com 70 anos de idade, sem arrependimento, só tem o
que comemorar, pois do ramo de venda de jóias, onde se iniciou, aos
UMA TEMPESTADE - Como o cupido só bateu à porta para valer por
duas vezes, dos casos e mais casos em que esteve envolvido tem muito a
contar. “Com mulheres da mídia e de muita fama, umas dez pelo menos.” Foi caso de uma Miss Sergipe, mas prefere não contar nada desse
relacionamento, para não melindrar a família da moça. Ainda de miss,
uma delas de uma outra cidade, que chegou ao terceiro lugar do Miss
Brasil. “A de Aracaju foi minha namorada.”
Mas de todas que passaram por sua cama, a que mais complicou e
mais burburinho provocou, não só em sua terra natal, mas na terra da
moça, foi a Denise Coutinho, filha do famoso médico baiano Lafaiete
Coutinho, deputado federal por diversas vezes pelo seu Estado, secretário de Agricultura e de Segurança Pública, além de ser um dos donos do
Moinho da Bahia. “Meu romance com ela foi uma tempestade (risos).”
O Dom Juan sergipano dos anos 50/60, conta todos os detalhes do
caso que mais criou problemas em sua vida, mas que em compensação
proporcionou-lhe momentos intensos de prazer. “Eu fui a uma festa no
Hotel da Bahia, quando eu estava morando em Salvador, a do Galo Ver-
Oxente! essa é a nossa gente
demais, como carro, construção civil, barco de pesca, transportadora etc.,
tudo aconteceu em clima de aventura, mas nunca faltando dignidade e
cumprimento dos compromissos assumidos. “Nunca fiz mal a ninguém
e nunca quis prejudicar ninguém. Desafio quem prove um ato de maldade que eu fiz.”
Até o dia em que foi ao altar com sua atual mulher, Luzia Beatriz
Carvalho Costa, ano de 1970, a vida profissional e amorosa era embalada
pelos agitos do Rio de Janeiro e tranquilidade de Aracaju. Com Luzia, os
filhos Roberto Manoel e André Lucas. Anteriormente casou com Maria
Oscarina Tavares. Deste casamento, a filha Maria Constança, que morreu
com 23 anos de idade. As duas são sergipanas. É avô de sete netos e tem
dois bisnetos. Com ambas casou por amor. Com a primeira foi obrigado
a tirá-la de casa para forçar casamento, pois considera três meses de
namoro uma eternidade, numa época em que a paquera só começava a
acontecer a partir desse tempo. “Eu queria logo passar a mão, mas não
podia. Ela tinha vontade, mas não tinha campo. Um dia botei no carro e
levei (risos).”
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Oxente! essa é a nossa gente
melho. Então, eu vi aquela morena bonita, dançando. Eu estava com
dois rapazes, filhos de árabes. Perguntei-lhe quem era aquela moça. Um
deles respondeu: ‘Aquela é apaixonada por mim. Por isso, é que ela está
olhando tanto para cá’. Passou. Como vi que o cara que respondeu era
muito bonito, já que não podia competir com ele, me aquietei. No outro,
dia estou na Barra, sentado na balaustrada, quando passa aquele carrão
importado, um Le Baron, o carro mais bonito daquela época. Aquela
moça bonita desceu e, quando desceu, eu a reconheci. Fiquei na minha.
Ela era, justamente a mulher da festa, apaixonada pelo cara bonito. O
que eu ia fazer? Aí ela chegou, me deu boa tarde e foi logo questionando
o motivo que eu não tinha dado atenção aos seus toques na buzina. De
imediato, respondei que não costumava atender buzina. Ainda mais disse que não a conhecia. No troco, me chamou de grosseiro. Disse-lhe que
era positivo. Em seguida, perguntei se ela estava perguntando por mim
ou por Maurício.
— Quem é Maurício?
— Irmão de Santana.
— Não, eu vim aqui porque eu quero lhe conhecer. Desde ontem que
eu lhe vi e parei na sua.
— Então é pra agora, vamos conversar.”
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ESCAPOU DA MORTE - Foi o bastante para provocar um grande tumulto na família da moça. O pai soube e logo descobriu que o Roberto Tunes
era casado. Mas não ficou só nisso. Tratou de providenciar sua morte.
Escapou por pouco. A tragédia aconteceria em Aracaju.
“O cara que veio me matar não era um assassino profissional. O encontrei no Cacique. Ele era o ajudante de ordem do pai da moça, capitão
Cavalcante, da Polícia da Bahia. Quando o avistei, fui ao seu encontro e
perguntei:
— Capitão, o que é que o senhor está fazendo aqui?
— Graças a Deus você me encontrou. Estou aqui porque o Dr. Lafaiete
mandou lhe matar. Eu não sou assassino. Agora me diga o que é que eu
vou fazer?
— Vamos dar um jeito?
— Vamos!”
MATADOURO - Já com as mulheres de Aracaju, nunca se envolveu com
nenhum escândalo. Abatia algumas mulheres às escondidas, mas evita-
Oxente! essa é a nossa gente
Um tempo em que o Roberto tinha acesso ao palácio Olímpio Campos,
por forte amizade com o então governador Leandro Maciel. Por isso, não
pensou duas vezes. Pediu um tempo ao capitão, disse-lhe para que ele aguardasse um pouco. Foi ao encontro do governador, que residia no palácio. Na
época, o chefe de polícia era Eribaldo Vieira, também amigo de Tunes.
Leandro Maciel ouviu a fantástica história, tratou de convocar
Eribaldo Vieira e o coronel Miguelzinho, chefe da Polícia Militar. E aí...
“Pegamos o homem, colocamos para dormir no quartel da PM. No outro dia ele foi devolvido para a Bahia de avião. Com isso, o pai da moça
se aquietou.”
Diante do escândalo, o médico manda a filha para a Europa. No retorno, após um ano, sempre vigiada, por conta do pai um casamento é
arrumado com um homem muito sabido. Filha única, pedido do pai e
tal, termina no altar.
“Teve um filho que deu o nome de Lafaiete, mas logo após o nascimento seu pai, o médico Lafaiete Coutinho, morre. Ela tratou de encomendar outra gravidez e veio uma menina. Já senhor de tudo, herança,
pai de dois filhos, o marido logo começou a mostrar quem ele realmente
era: um caça-dotes. Encheu-se de namoradas, carro importado, deixando
a mulher de lado. Nesse meio tempo, eu ganhei uma concorrência do
serviço de Estradas e Rodagens na Bahia. Seixas era o governador aqui.
Lomanto Júnior, da Bahia. Chegando lá, me apresentei. Fui recebido muito
bem, fiquei amigo do irmão do governador e tal e tal. Quatro dias depois,
estou andando na rua e ela me viu.
— Mas Roberto, você por aqui?
— Mas Neném, agora você está casada!
Roberto, meu querido, você é o homem da minha vida.”
Romance reativado e início de outra tempestade. O marido não aceita
a traição, tampouco separação e parte para uma verdadeira guerra, chegando a ameaçá-lo de morte. “Houve tiro, ela se separou, o irmão dele
quis matá-la e a mim também. Foi um escândalo tremendo. Ela se separou e ficou comigo (risos).”
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Oxente! essa é a nossa gente
va desfilar com elas em seus belos automóveis: foi proprietário dos importados Automobile, modelo 1954, Cupê Holiday 58, Cadilac, Lincoln
Continental e outros. “Parava o carro na praça do Palácio e não fechava a
chave. Só encostava a porta. Já era combinado. A mulher entrava e se
deitava no banco ou no assoalho do carro. Só saía com mulheres da nata,
justamente aquelas que moravam no centro da cidade. Gostava do que
era bom. Quando pisava o pé no acelerador, só tinha uma direção. Um
sítio que eu tinha. Um matadourozinho na Luzia (risos e mais risos).”
Nenhum desses relacionamentos foi descoberto. Mas quase levou a
culpa pelo desaparecimento de uma das duas sobrinhas do deputado
Marcos Teles, muito amigo do governador Leandro Maciel. “Eu me dava
com elas. Uma fugiu de casa e o deputado muito apavorado foi ao Dr.
Leandro e à sua mulher, Dona Marina. Depois de contar a história, Dona
Marina disse: procure Roberto. Se ele estiver em Aracaju, não foi ele
(risos).”
Casou pela primeira vez, muito jovem, com uma mulher considerada
a mais bonita da época. Arrependeu-se um mês depois. “Coitada, sofreu
na minha mão. Foi uma lástima para ela.”
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AMIGO DE JOÃO GOULART - Roberto perdeu dinheiro por conta do
Golpe de 64, justamente quando era dono de construtora. “Eu era muito
amigo de João Goulart. Então, resolveram me perseguir. Arrasaram-me.
Me deixaram de tanga. Nunca dei bolas para política. Nunca fui de partido nenhum. Só amigo dos políticos. Obrigaram-me a fazer todas as
obras que eu tinha que fazer pelo preço de contrato, me ameaçando de
prisão. Lascaram-me.”
Com lágrimas nos olhos, diz que só tem um fato a lamentar em sua vida
de conquistas amorosas: o suicídio de uma jovem por causa dele, coisas
do coração. “Não tive culpa.” Tem uma filha com uma prima da primeira
mulher: “Ela resolveu transar comigo, quando veio do Rio de Janeiro após
o casamento, ficando hospedada lá em casa. Começamos a namorar e daí
ela ficou grávida. Por isso tenho uma filha dela: Maria Clara”
Termina sua história de homem sedutor, dizendo que até hoje não
sabe o que tem de tão gostoso assim, para despertar tanto interesse das
mulheres.
Oxente! essa é a nossa gente
“Nunca fui um homem bonito. Só posso dizer que um dia estava no
Hotel da Bahia com uns amigos, quando entrou uma mulher lindíssima
e sentou num canto e pediu uma bebida. Todo mundo estava de olho
nela, quando meu amigo Decinho (Edson Ribeiro da Costa), filho do Sr.
Jorge, dentista da Rua Santo Amaro, disse: aqui só tem um homem que
pode conquistar essa mulher: Roberto Tunes. Eu não estava sabendo de
nada e nem estava no recinto. Eles fizeram uma aposta, para saber o que
iria acontecer quando eu chegasse. Assim ocorreu: o Decinho que era
gago, mandou que eu olhasse a mulher. Eu olhei. Ele perguntou: ‘Te-tem
coragem?’ Disse: já estou indo para lá. A mulher era uma lindíssima
aeromoça de uma companhia alemã. Não tive medo, parti em cima dela e
fiz a festa, principalmente depois de um jantar em que a convidei. Por
isso que eu gastei muito dinheiro com as mulheres!”
Mesmo com 70 anos, está em forma, ainda fazendo amor, e muito
amor, sem precisar usar Viagra. “Faço bem”, garante.
391
Rubens Chaves: um arquiteto de muitos sonhos
Oxente! essa é a nossa gente
C
om seus avançados projetos, na década
de 60, Rubens Chaves chegou a ser conhecido como louco. Um desses projetos é o
estacionamento para carros avançando sobre
o rio Sergipe, com a finalidade de facilitar o
trânsito de veículos da Ivo do Prado. Outro é
o fechamento dos cruzamentos a cada 100
metros, em sistema alternado, por considerar
que Aracaju foi uma cidade projetada para burros e carroças. Diz que foi o responsável pela
implantação da primeira rua de trânsito em
sentido de mão única, como foi o criador do
Código de Obras e Urbanismo que até hoje
está em vigor. No futebol, uma vida de abnegação pelo Confiança, time do qual foi seu presidente, registrando passagem pela Federação
Sergipana, quando deu o ponta-pé inicial para
o surgimento da Campanha Gol da Sorte, após
ter atendida solicitação que fez ao governador
do Estado para salvar o futebol sergipano.
Rubens Sabino Ribeiro Chaves nasceu a
18 de setembro de 1938, na cidade de Aracaju,
sendo filho de Joaquim Sabino Ribeiro e
Letícia Silva. Aprendeu com o pai a aplicar a
disciplina no trabalho e levar uma vida com seriedade, nunca falhando
aos compromissos assumidos. Com a mãe, a rigidez em suas atitudes.
392
Publicado no Jornal da Cidade em 20.2.1994
ARQUITETURA - Ingressou na faculdade no ano de 1958, terminando o
curso em 63, realizando estágio no setor de projetos de repartições públicas
e na prefeitura de Salvador. Quando morou na capital baiana, empolgou-se
pelo esporte, despertando para a organização da estrutura dos clubes profissionais de futebol, através do Vitória. O futebol é sua paixão desde menino.
Jogou em todas as posições, mas o que mais gostou foi de atuar como goleiro.
Com o diploma na mão, no ano de 64 chegou a Aracaju cheio de idéias.
De imediato conquistou um espaço para trabalhar na Prefeitura de Aracaju,
graças ao prefeito Godofredo Diniz. Na época, estava sendo montado o Departamento de Urbanismo da Prefeitura de Aracaju, oportunidade que se
pensou em fazer o código de obras, disciplinando o crescimento da cidade.
CÓDIGO DE OBRAS - Rubens diz que fez um trabalho relativamente
bom em sua primeira passagem na prefeitura. “Criei o Código de Obras e
Urbanismo que até hoje está sendo usado, mesmo decadente, pois foi
feito no ano de 1966, e foi o primeiro. Antes tinha um código de postura,
que dizia assim: é proibido cuspir na rua. Coisas que aprisionava a sociedade. Parti para fazer um código que disciplinava gabaritos de prédios,
largura de ruas, áreas de estacionamentos, lazer, praças.”
Oxente! essa é a nossa gente
No Jardim de Infância Augusto Maynard, o início nos estudos, onde
conquistou o diploma de doutor do ABC. O curso primário foi realizado no
Colégio do Salvador. O curso ginasial, no Colégio Atheneu, prosseguindo
os estudos na Fundação Getúlio Vargas, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro.
A juventude vivida em Aracaju traz recordações de um tempo quando prevalecia a lealdade e sinceridade nas pessoas. “Havia transferência
de idéias.” Havia a rígida educação que recebeu das irmãs Galrão, contribuição de grande importância em sua formação. “Tinha que ter até o
compromisso com a religião, coisa que hoje não há, o homem está se
esquecendo de Deus.” Do Atheneu, faz referência aos ensinamentos recebidos dos professores Felte Bezerra e Gesteira.
Saiu de Aracaju para estudar numa escola que era considerada modelo da época. Concluído o curso científico em Nova Friburgo, num colégio
da Fundação Getúlio Vargas, resolveu fazer o curso de Arquitetura em
Salvador, para ficar mais próximo da casa dos pais.
393
Oxente! essa é a nossa gente
O Código de Obras de Urbanismo foi aprovado pela unanimidade
dos vereadores da época. Com o código em vigor, os próprios vereadores
arrependidos, só não suspenderam, segundo Rubens Chaves, por causa
do regime militar que passou a vigorar no Brasil em 31 de março de 64.
“O que mais incomodou os vereadores foi justamente o que se relacionava à arrumação de barracos nas praças, que é uma praga que até hoje
existe.”
Como obra municipal, seu primeiro trabalho foi a Galeria de Arte
Álvaro Santos. Um dos estudos que sonha ser concretizado algum dia
em Aracaju é a criação de um estacionamento avançado sobre o rio Sergipe,
para desobstruir o tráfego da Ivo do Prado. “Ia lançar sobre o rio um
patamar grande para os carros irem para o estacionamento liberando a
pista. Muitos administradores já me procuraram para discutir essa idéia.
Talvez algum faça, algum dia.”
394
DETRAN - Registrou uma passagem no Detran, no trabalho de planejamento de trânsito, quando foi o responsável pela criação da primeira rua
com sentido único de tráfego. Até então, Aracaju só possuía ruas com
mão dupla. No Detran, ocupou o cargo de diretor técnico, no governo
João Garcez. A primeira rua a ter mão única, conforme depoimento de
Rubens Chaves, foi a rua Itabaiana.
Outro estudo que espera algum dia ainda ser implantado na cidade
trata de fechar um cruzamento, a cada 100 metros, alternadamente. “A
cidade de Aracaju foi feita para burros e carroças. Quando o carro chegou, as ruas ficaram de uma maneira tão perigosa que esses cruzamentos
a cada 100 metros, tornaram-se pontos de acidentes. O projeto abriria
uma rua e fecharia outra, acabando o cruzamento, com o desembocar dos
veículos numa rua, sem cruzar de um lado para o outro.”
FOI CHAMADO DE LOUCO - Por suas idéias avançadas, foi chamado de
louco pela imprensa. “Muitas vezes, no início, até a Gazeta de Sergipe. Mas,
depois, reconheceram. Afinal, todo mundo de louco e médico tem um pouco.
Não chegou a montar escritório de arquitetura em Aracaju, pela opção
que fez pela fundação de uma construtora em sociedade com um irmão. “Nós
começamos a construir através da RIC. Posteriormente, nós terminamos a
ARREPENDIMENTO - Desabafa que trabalhou muito de forma graciosa,
fazendo projetos de arquitetura para residências em Aracaju. “Minha vida
toda foi isso. Na época em que cheguei aqui, tinha na cidade somente três
arquitetos. Aí começou aquele monte de pedidos de amizades que eu tinha, de minha família. Comecei a atender aos amigos, fui deixando, sempre atendendo aos amigos. Foi ruim para mim. Vejo jovens colegas meus
chegando e com dois, três anos já estão com bom pé de meia. Vejo que
passou meu tempo e que apenas criei meu nome, graças a Deus. Porém,
sinto que o dinheiro continua curto, por sou um sonhador da profissão.”
Não gosta de fazer planta de residência, por considerar uma coisa muito pessoal. “O que gosto mesmo é de fazer projeto de coisa popular. Por
exemplo: um estádio de futebol, posso projetar, como o que fiz recentemente para a cidade de Nossa Senhora das Dores.” Como gosta mesmo é
de urbanismo, gostaria de ver Aracaju dentro da Carta de Atenas, tornando-se uma cidade disciplinada, com equilíbrio em suas funções, dando
tranqüilidade aos seus habitantes, criando seres humanos amáveis.
FUTEBOL - Sempre sonhador, conseguiu aplicar muito pouco das idéias da época em que estudava a parte estrutural do Vitória da Bahia. Mas
sempre foi torcedor fanático do Confiança, time fundado pelo seu pai.
Chegou a ser presidente do clube, presidente do Conselho Deliberativo,
com inúmeros serviços prestados ao longo dos anos.
Sua maior frustração como dirigente do Confiança foi ter presenciado
a demolição da sede, quinze dias após sua saída da presidência do clu-
Oxente! essa é a nossa gente
empresa e eu parti para o ramo da hotelaria, que foi uma conseqüência imediata da própria construtora. Ela fez o hotel e, na separação, eu fui gerenciar
o hotel, embora sentisse no fundo que não era hoteleiro. Agora, estou transformando aos poucos o prédio do hotel que possuo em condomínio.”
Na Prefeitura de Aracaju, passou por mais de seis administrações,
sempre ocupando cargo em comissão. No Detran, passou duas vezes.
Também passou pela Secretaria de Articulação com os Municípios, no
governo Valadares. Atualmente trabalha na Codise. “O mais importante:
não sou funcionário público, sempre trabalhei em cargo em comissão.
Sou um técnico, sem nenhum envolvimento com o lado político.”
395
Oxente! essa é a nossa gente
be. “Uma sede onde nós lutávamos com grande vontade, eu e nossos
colegas de diretoria da época. Já estava com o telhado pronto, uma sede
pequena, feita com sacrifício. Ao sairmos, o novo presidente mandou
demolir a sede. Isso nos doeu muito, a mim e aos meus amigos. E o pior
é que esse pessoal já passou, ninguém fala mais desse presidente, e o
nosso nome continua sendo lembrado.”
396
DIA DO FICO - Sua maior realização no esporte sergipano foi não deixar o Confiança se acabar, quando teve para sair do cenário esportivo.
“Eu me juntei aos torcedores da época, lutamos para que meu pai deixasse de lado a idéia de tirar o Confiança do campeonato, definitivamente. Essa luta motivou uma passeata linda na cidade. Saímos do
centro, da rua João Pessoa, e viemos para o bairro Industrial, uma caravana linda, a pé. Esse dia, nós chamamos de o ‘dia do fico’. Então, meu
pai atendendo aos pedidos, disse: como é para o bem de todos, o clube
fica. Ele mudou de opinião ao ver a multidão na porta da fábrica. Chegou a dizer que não sabia que o Confiança era tão grande. Isso aconteceu em 54, 55, por aí.”
Gosta tanto de ser dirigente de futebol e tem tanta confiança no trabalho que desenvolve em benefício do esporte, que não teme em dizer. “Se
morasse num centro maior, chegaria à CBF.” E sobre a maior injustiça?
“Eu não posso relembrar coisas ruins. Deixa passar. Aqueles que cometem as injustiças passam e ninguém fala mais.”
Na passagem pela Federação Sergipana de Futebol, lutou pelo soerguimento do futebol em Sergipe, pleiteando junto ao governador do Estado uma campanha para salvar o esporte. “Desse pleito, surgiu a Campanha Gol da Sorte, desenvolvida junto à Secretaria da Fazenda. Isso é
que é importante.”
FAMÍLIA - É casado com Marlúcia Leite Ribeiro Chaves, em seu segundo casamento. Do primeiro, com Maria Jacira, é pai de dois filhos:
Enderson e Veruska. Do casamento com Marlúcia, é pai de Helton,
Hendrigo e Heider. É avô de Luana, filha de Veruska.
Sapatão: cidadão do bairro Industrial
ogador do futebol amador do
passado, ele viveu 25 anos
como operário da fábrica Sergipe
Industrial e é dono de agradável
bar na prainha do bairro Industrial. De origem humilde,
Reinaldo Prado Gama, o popular
“Sapatão”, é capricorniano de 22
de janeiro de 1953. Seus pais:
Francisco Meneses Gama e Maria
Izabel Prado Gama.
Filho de um enfermeiro da fábrica Sergipe Industrial, onde emplacou
uma história de vida séria e de muito trabalho, do querido pai herdou
dignidade e respeito. “Ele soube me fazer um homem de bem.” Já de sua
mãe, o carinho que ela nunca deixou de dedicar aos seus 14 filhos.
Embora tivesse nascido no 18 do Forte, foi criado na famosa Baixa
Fria, onde seu pai tinha um pequeno estábulo. Chegado o momento de
freqüentar os bancos escolares, seguindo o cuidado que o pai teve na
educação de todos os 14 filhos, começou a ser alfabetizado mesmo tendo
que enfrentar todas as dificuldades com a professora Dona Pureza, numa
pequenina escola do bairro onde residia. “Fui de uma época em que a
educação era mais rígida, do professor ensinar e da gente logo cedo aprender a respeitar as pessoas.” Passou pela Escola Nossa Senhora de Fátima
(rua Riachuelo), de Dona Janira, indo em seguida estudar no Grupo Manuel Luís.
Publicado no Jornal da Cidade em 6.2.2000
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
Para ficar mais próximo do trabalho, seu pai resolve se mudar para o
bairro Industrial. O menino Reinaldo, não muito chegado aos estudos,
matricula-se no colégio Castelo Branco, onde chega até o 1º ano científico. Ainda menino, começa a se envolver com o trabalho, na responsabilidade de cuidar do estábulo da família. Na fábrica Sergipe Industrial,
seu pai sempre desfrutou de prestígio, graças à conduta profissional. Foi
o primeiro e único emprego. “Além de enfermeiro da fábrica, meu pai
sempre teve uma grande admiração pela família Franco, a ponto de se
empenhar ao máximo nas campanhas políticas do Dr. Augusto Franco.”
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SERGIPE INDUSTRIAL - A vida de operário de Reinaldo foi iniciada
como fiador de lançadeira. “Depois passei a ser tecelão e ajudante de
contramestre, onde cheguei a me aposentar.” Do seu tempo de Sergipe
Industrial, só tem a dizer que foi algo memorável na sua vida, pela
concretização de boas amizades e por sempre ter sido respeitado pelo
quadro diretivo da indústria.
Seu dia-a-dia tinha início às 5 horas, para pegar no batente às 6 horas.
“Isso aconteceu durante 25 anos. Quando cheguei, o meu patrão era o
Dr. Augusto Franco, uma pessoa muito boa. Terminei com o Dr. Walter
Franco, hoje na TV Atalaia, que saiu como seu pai, por ser uma pessoa
tão boa quanto ele. Uma família íntegra, que eu passei a admirar desde a
minha infância. Nas campanhas políticas, sempre pregava os cartazes,
participava de comícios pelo interior e dos comícios que aconteciam justamente na porta da minha casa.”
No Sindicato dos Trabalhadores da Indústria, passagem como diretor
de esporte e lazer. “Como sempre tive espírito de liderança, fui convidado para entrar na política, disputando uma eleição para vereador. Mas
nunca quis.” Com o futebol, um fascínio que veio da infância. “Quando
morava na Baixa Fria, campo era que não faltava. Na época, fazíamos do
pasto o campo de futebol. Perto da minha casa tinham cinco campos,
porém, só podia jogar bola no fim de semana, pelo cuidado que tinha
que ter com o estábulo.”
O ZAGUEIRO SAPATÃO - Morando no bairro Industrial na juventude,
bem na proximidade do campo do Confiança, o encanto pelo futebol só
Oxente! essa é a nossa gente
poderia ser ampliado, principalmente porque era bom de bola, na qualidade
de defensor. Daí nasceu o apelido de Sapatão. “Ele surgiu aqui no bairro
Industrial. Eu jogava na defesa, chegava realmente duro. Na época, tinha o
famoso Sapatão do Bahia, quando o clube estava no auge. Então, um amigo, que hoje está morando em São Paulo, me deu esse apelido. Quando
dividia uma pelada, eu era o primeiro quem ele escolhia para jogar no seu
time, justamente para segurar a defesa. Então ele dizia: quero Sapatão.”
Não só jogou nos babas dos campos de pelada, como teve uma presença no futebol amador sergipano, como jogador do Fortaleza. “Na época do finado Daniel, joguei muito no campo do Adolfo Rollemberg, sempre como zagueiro.”
Confessa que não encarou a carreira futebolística por causa da falta de
tempo para o treinamento, já que a responsabilidade com o trabalho sempre esteve em primeiro lugar. “Além do futebol sergipano na época ser
mais amador, tinha que trabalhar com todo afinco para ajudar meu pai na
manutenção da família, pois 14 filhos para criar não eram brincadeira.”
Como se aposentou com saúde, resolveu montar um pequeno negócio. Embora com 14 anos de moradia no conjunto Santa Tereza, prevaleceram suas raízes no bairro Industrial para a escolha do local do empreendimento. Ao passar os olhos num lugar onde era só depósito de lixo,
situado na proximidade da fábrica Sergipe Industrial, mas que tinha como
ponto forte a beleza do rio Sergipe, tomou a iniciativa de ali implantar
um trailer para vender lanches.
“Como achava o local muito bonito, que sempre conheci como Praia
da Chica, onde tomava banho, jogava futebol numa época em que toda a
população dos bairros Santo Antônio e Industrial vinha pra cá, e como o
local ficava bem perto onde tinha a ponte da própria fábrica Sergipe
Industrial, onde desembarcava na época a lenha que era utilizada na
caldeira, ponte esta em que pulava para tomar banho no rio juntamente
com meus colegas, resolvi neste local montar meu negócio.”
Consegue um trator e duas caçambas da Prefeitura de Aracaju para
retirar o lixo do local e muda o aspecto da área, a ponto de conquistar a
simpatia dos moradores da proximidade. “Tinha até cachorro morto enterrado. Ninguém acreditava que o negócio naquele local daria certo. Não
me importei, mandei cimentar uma boa área e botei o barco pra andar.”
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BAR DO SAPATÃO - Primeiramente, começou vendendo cachorro-quente, refrigerante e cerveja. “A inauguração aconteceu no mês de novembro
de 1989. Era o meu complemento para o dinheiro da aposentadoria”.
Sem dinheiro para comprar um freezer, seus irmãos se reuniram, foram
ao comércio e lhe deram um de presente. “Por causa desse gesto de bondade, que mostra o valor de uma família unida, chegou o momento em
que resolvi deixar o lanche de lado para funcionar como bar. Achei por
bem dar o nome de Bar União. Mas aconselhado por amigos a fazer uso
do meu apelido do tempo de futebol, que pegou de verdade, pois de há
muito que todo mundo só me chama de Sapatão, dei o nome ao bar.”
De três caixas de cervejas do começo do bar aos dias de hoje, uma
mudança fantástica. O bar funciona de quarta a domingo e tem como
forte, além do aprazível local, seus encantadores quitutes, sem nunca
deixar de ter caranguejo. “Os moradores do bairro adoram o Bar do Sapatão
e ficam tristes porque a gente fecha por dois dias da semana, pois a área
fica um verdadeiro deserto. Quero dizer que minha freguesia é toda de
fora. O pessoal vai para a Atalaia para passear, tomar banho, mas volta
depois para curtir nosso bar. Por aqui não aceito som de carro de maneira
alguma e, ao longo dos anos, nunca tive nenhum problema de briga, mesmo porque eu não aceito alteração em hipótese alguma. Malandragem aqui
passa por longe. Tanto que trabalho no bar com a minha família.”
Como tudo não é felicidade, revela que desde que a Polícia Militar, de
forma arbitrária, através do Pelotão de Choque, resolveu fazer blitze em
seu estabelecimento comercial, sentiu que toda uma história de muita
luta de trabalho, sempre pautada na honestidade, estava desmoronando.
“Aconteceu em novembro, outra em dezembro e a última recentemente.
Veja a quem eles vieram revistar: clientes amigos que freqüentam o bar há
10 anos, como o Dr. Milton Barreto e o Dr. Paulo Hermes. Um turista do
Rio de Janeiro, que veio ao meu bar com a namorada e a irmã dela, na
penúltima blitze um soldado tentou colocar a mão no bolso do rapaz. Ele
reagiu e quase que foi criado um problema mais sério. Nesta última realizada na sexta-feira da semana passada, um turista de São Paulo foi
perguntado se não tinha visto a blitze. Ele foi mandado levantar de forma
tão grosseira que lhe deixou arrasado. Também teve um outro cliente que
foi revistado por duas vezes por policiais diferentes na vista do coman-
Oxente! essa é a nossa gente
dante da operação. O rapaz ficou indignado, a ponto de reclamar ao
tenente, que só fez baixar os olhos.”
Como a imprensa sergipana não ficou calada, a denúncia foi feita, a
ponto do comando da Polícia Militar tomar as providências cabíveis.
Através de portaria assinada pelo tenente-coronel Carivaldo Santos, do
Comando da Polícia Militar da Capital (CPMC), “a partir de 3 de fevereiro fica determinado que a presença de policiais no Bar do Sapatão limitase exclusivamente à segurança no aspecto geral”. Sapatão venceu. Foi
mais uma vitória da cidadania.
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Sargento José Luiz e sua volante
Oxente! essa é a nossa gente
R
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evelando que a oficialidade da polícia sergipana protegia Lampião, aos
94 anos de idade o temido sargento Zé
Luiz conta sua participação na volante e
os detalhes da ação que comandou, que
resultou na morte de cinco cangaceiros.
José Luiz da Silva nasceu a 30 de julho de 1902 no povoado Saco Comprido, município de Propriá. Seus pais: José
Lucas Evangelista e Júlia Pereira da Guerra. O pai trabalhava em roça e dele tem
poucas lembranças, por ter abandonado
a mulher e os filhos quando José Luiz
tinha cinco anos de idade. Pela coragem
de uma mulher que conseguiu forças
para criar os seis filhos, herdou da mãe
a disposição para o trabalho.
Conduzido pelo padrinho Francisco
Antônio da Rocha, foi ao contato dos livros no processo de alfabetização. Estudou até os 13 anos no grupo escolar, mesmo assim, saiu sem saber ler. Deixou os
estudos e passou a trabalhar para ajudar no sustento da família, acordando nos primeiros instantes do clarear do dia, para sair com uma enxada
em direção à roça na Fazenda Jundiaí.
Publicado no Jornal da Cidade em 17.11.1996
CLIMA DE PRONTIDÃO – Apresentou-se ao quartel no dia 24 de janeiro de 1926. Logo sentiu um clima de prontidão da tropa, pelo levante
que aconteceu no dia 19. Encontrou mais de 100 rapazes com a mesma
vontade de sentar praça e veio de Propriá juntamente com 25 companheiros com o mesmo objetivo.
A carta foi apresentada ao médico da corporação, Dr. Eronildes Carvalho. “Ele me perguntou:
— De onde é?
— De Propriá.
— Conhece Dr. Hercílio Brito?
— Foi ele quem me mandou pra cá.
— Tá aprovado. Já passou, já passou.”
José Luiz já tinha conhecido Eronildes Carvalho pelo trabalho que
desenvolveu no levante de 24. Diante da informação passada pelo José
Luiz sobre dois levantes em Sergipe nos anos de 1924 e 26, inclusive
com citação de datas, este repórter procurou a professora de História da
Universidade Federal de Sergipe, Terezinha Oliva, em busca de subsídios para completar o trabalho jornalístico. A professora ficou impressionada com a precisão das datas guardadas por um homem que está com
94 anos de idade e proporcionou uma bela aula.
Oxente! essa é a nossa gente
ARACAJU – Em 1922, vai para Aracaju atrás de trabalho. Primeiramente passa na Usina Central, onde tem uma pequena experiência.
Depara-se com o imenso sítio de Manoel Cruz, um dos proprietários
de uma grande área de terra da área do Aribé, hoje, bairro Siqueira
Campos.
A conquista do emprego não acontece por acaso, mas pela amizade
com um dos trabalhadores do sítio, um velho conhecido de Propriá, de
nome Durval, que tinha nascido na cidade de Capela. Após quatro meses retorna ao trabalho na Jundiaí, fazenda pertencente a Hercílio Brito,
conseguindo emprego de 1923 a 26, no trabalho com enxada.
Com carta de apresentação do dono da fazenda onde trabalhava, transporta-se novamente para Aracaju, dessa vez com vontade de ser soldado
da Polícia Militar de Sergipe. Influência de um irmão soldado e por achar
bonita a carreira.
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LEVANTE - O primeiro levante dos tenentes aconteceu em 13 de julho
de 1924. Os militares do 28º Batalhão de Caçadores fizeram o levante
liderados por Maynard Gomes para depor Graccho Cardoso, que estava
no comando do governo do Estado. Tomaram Aracaju, Carmópolis, Japaratuba, Rosário, Itaporanga e São Cristóvão. Os militares foram vencidos
por tropas organizadas por coronéis do interior que derrotaram Maynard
e colocaram Graccho Cardoso de volta ao governo.
O segundo aconteceu em 1926, quando Maynard foge da prisão e
lidera um outro levante. Graccho consegue ajuda de tropas do governo
federal e Maynard sai preso na Ilha de Trindade.
De volta à narração de José Luiz: “Eronildes era o médico da luta pela
legalidade. Nós saímos de Propriá num dia de sábado de tarde. Éramos
quinhentos homens. Saímos em direção da cidade de Japaratuba. Veio
Xupeta, e homens do Estado da Bahia e de Pernambuco. Quinhentos
cangaceiros, todos a pé. Todos armados de fuzis.”
No episódio, disse, Zé Almeida, considerado um segundo lampião,
teve medo do canhão de Maynard Gomes, tremeu e não fez nada. “Zé
Rodrigues, de Piranha, chamou os cabras dele e foi enfrentar Maynard
no Carmo.”
Contou que ficou em Japaratuba, por isso não teve oportunidade de
se defrontar com Maynard e seus comandados. “Quem fez Maynard correr foi um segundo-tenente de Alagoas. O primeiro-tenente, de nome
Medeiros, correu duas vezes. Os homens do Dr. Hercílio ficaram na torre
da igreja de Japaratuba.”
VIDA MILITAR – Ele entrou na polícia como soldado, mas em 1935
passou a comandar uma volante para combater Lampião e seu bando de
cangaceiros. Inicialmente, ficou no quartel. No retorno, começou a prestar serviço em cidades do interior sergipano. “Destaquei em Estância por
dois anos e oito meses. Em Indiaroba, oito meses. Em Boquim, por uma
vez. Em Riachão, uma vez. Em Mocambo, uma vez. Em Carira, duas
vezes. Em Gararu, uma vez. Nossa Senhora da Glória, por duas. Fui
delegado de Itaporanga por dois anos e tanto. Fui delegado da cidade de
Itabaiana por dois anos e tanto. Fui delegado em Salgado, entrei em 53 e
saí em 55. Destaquei em Brejo Grande.”
VOLANTE – A volante do sargento Luiz, contando com 15 homens, ficou
famosa. Existiam volantes em Monte Alegre, Canindé do São Francisco,
Carira e em outras cidades. O comando geral ficava na cidade de Carira. A
primeira volante saiu com 25 homens, mas o Zé Luiz dispensou dez, preferindo ficar com 15. “Quando chegava numa casa, não dava pra dormir.”
Perguntado se tinha sentido medo em alguma das ações com a volante, respondeu energicamente: “Nunca tive medo de nada. Um cara chegou uma vez para mim e perguntou se eu tinha medo de Lampião. Respondi que não. Mas fulano tem. Agora, de Lampião com 60 homens,
todo mundo tem medo. Se Lampião chegar aqui sozinho sem ninguém
saber que ele é Lampião, quem tem medo dele? Agora, uma mulher de
coragem com 60 homens, fez o que Lampião fazia.”
Mas ele bateu toda a caatinga do sertão sergipano e nunca encontrou
o Rei do Cangaço. “Era difícil ver Lampião.”
MORTE DE ZÉ BALÃO – Mas, com os cabras de Lampião, tem uma
longa história a contar: “Me deparei com Balão, de uma légua para duas
de Carira. Meu comandante me contou que os bandidos estavam se en-
Oxente! essa é a nossa gente
Na Revolução de 32, quando São Paulo lutou contra o resto do país
pela redemocratização, indo de encontro ao governo de Getúlio Vargas,
tentando ser um Estado independente, nosso José Luiz se fez presente.
“Saí daqui no dia 20 de julho de 1932. Fui como praça simples para São
Paulo e voltei como terceiro sargento. Eu tenho duas promoções por ato
de bravura. Se o ato de bravura valesse aqui, eu era general-de-divisa. No
Estado de Sergipe, ninguém nunca matou um cabra de Lampião: eu matei cinco. Vou contar mais coisa: Zé Rufino, que trabalhava mais eu,
quando eu estava em Itabaiana e era primeiro-sargento, ele me abraçou
diante do major da polícia e do delegado da cidade e disse: ‘Major, esse
homem é ainda primeiro-tenente’. O major respondeu: É, coisa e tal. Zé
Rufino não ficou calado: ‘Se você, Zé Luiz, tivesse no Estado da Bahia
seria coronel, como eu sou’. O major ainda falou dizendo que, por aqui
o Estado é pequeno e coisa e tal. Rufino me disse que estava servindo na
cidade de Alagoinhas e que eu poderia ir para lá se não tivesse satisfeito
por aqui, pois, por lá teria uma condição de vida melhor.”
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tregando. Na verdade, eles estavam eram roubando e deflorando. Respondi ao comandante que se me encontrasse com os bandidos ele teria
notícias. Saí de Aracaju para Frei Paulo e de lá fui para Carira. Fui para a
feira de Carira e aí chegou um dos contratados meus:
— Sargento viu um dos bandidos e ele está aí.
— Chama Getro para cá. — Getro chegou e eu falei:
— Você viu os bandidos?
— Vi.
— Onde estão?
— Estão estrada pra cima, na casa de umas raparigas. Estão todos lá e
são uns cinco.
— O senhor vai me mostrar essa casa. Se for para brigar eu não vou.
Não vou brigar não.
Mas o comandante tinha passado a ordem para dizer que se eles quisessem se entregar deveriam entregar as armas para mim. Se não, era
para trazer de qualquer jeito pois faziam questão da cabeça deles. Eu fui
e, quando chamava os contratados para dizer alguma coisa, Getro vinha
e se encostava querendo ouvir tudo. Quando chegamos no local, vimos
uma porção de raparigas preparadas para dançar. Aí, Getro se meteu no
meio das raparigas. Aí chamei os soldados e disse: Os bandidos vão
voltar hoje de qualquer jeito.
Chegamos lá, cheguei diante de um camarada e perguntei se ele tinha
visto os bandidos. Me respondeu que estavam ali. Perguntei quem era o
chefe do grupo. Respondeu que era Zé Balão. Mandei dizer para Zé
Balão que queria falar com ele. Ele foi e voltou dizendo para que eu
aparecesse com três homens. Aí eu fui. Quando eu saí, a tropa saiu toda
atrás. Quando cheguei, veio um camarada. Um rapaz novo. Rosto alvo,
pijama novo de lista. Tipão! Chapéu de couro novo. Falei:
— Você é o Balão?
— Balão está ali. — Com pouco Balão chegou:
— Você é o Balão.
— É, estou aqui, porque fiz um trato com o compadre Corisco para
me juntar com ele em Pinhão no dia 15. Hoje não é 13 de outubro? Pois
depois de amanhã eu tenho que me encontrar com ele. — Chegou um
camarada e disse:
CABEÇAS CORTADAS - Em Carira, a volante de Zé Luiz matou três
cangaceiros e, no município de Riachão, matou dois. Após matar os
cangaceiros, cortou as cabeças. Duas delas trouxe para Aracaju, para
mostrar ao seu superior militar e, três delas, foram expostas no município de Frei Paulo.
Ele revelou que na época de Lampião, antes que a polícia tivesse
acesso aos fuzis mosquetões comprados pelo Estado, os cangaceiros já
circulavam pelo sertão com os mosquetões da polícia. “Os primeiros que
eu matei já tinham mosquetões novos e nós tínhamos armas velhas.”
Zé Luiz afirmou que Lampião era protegido pelos oficiais da Polícia
de Sergipe e só morreu porque foi numa operação comandada pela polícia alagoana.
Passou 19 anos como sargento, depois foi promovido a sub-tenente no
ano de 1951. Conseguiu chegar a coronel depois que entrou na reserva.
FAMÍLIA - Casou com Trifina Menezes no dia 29 de setembro de 1956.
É pai de seis filhos: Julenita, Jorge Luiz, Juveniza, Juvanete, Joaquim e
Juvanira. É avô de nove netos.
Oxente! essa é a nossa gente
— Você, Joaquim, por aqui, filho de uma égua? — E Joaquim baixou
a cabeça. Eu estava conversando com Balão. Eu me afastava e o Balão
chegava para perto de mim. Eu tornava a me afastar e ele perto de mim.
Eu estava com o revólver por debaixo do bornal, pelejando para tirar o
revólver para atirar nele. Aí o contratante mandou ver o fuzil. Aí ele disse:
— Aí, sargento! — Deu um pulo e, do pulo que ele deu, o tiro pegou
nos meus pés e levantou a poeira.
Não sei se foi o meu tiro ou foi o dele. Quando ele correu assim, eu
corri atrás dele. Quando ele virou assim, um camarada todo preparado
como ele apareceu. Eu saí mais os contratados atirando, pá, pá e ele
atirando para trás e gritando:
— Macaco, metido a homem valente! — e coisa e tal. Cheguei para os
contratados e disse:
— Não deixem este peste ir embora!
Aí os contratados meteram os fuzis e o peste caiu. Quando ele caiu, o
contratado pegou o punhal dele e pá, pá, furou até cansar.”
407
Seu Álvaro: o mais antigo garçom de Aracaju
Oxente! essa é a nossa gente
U
ma história de vida dedicada ao trabalho de garçom em Aracaju, com sete
anos de passagem pela Sorveteria Chic e 37
de Cacique Chá, sempre de bem com a profissão e no relacionamento com seus clientes.
Álvaro Oliveira nasceu a 27 de outubro de
1928 em Roque Mendes, município de
Riachuelo. Seus pais: Manoel
Capistrano Oliveira e Maria Rosa
Oliveira. O pai desde pequeno
atuou na navegação, trabalhando
como capataz de saveiros. Com
ele o filho sempre manteve um
bom relacionamento e herdou a
sua dedicação ao trabalho. De sua querida mãe herdou o amor pela família e o jeito
comunicativo com as pessoas.
No grupo escolar de Roque Mendes, com a
professora Josefa Santana, aprendeu a somar,
dividir e todas as outras lições do curso primário. Depois desse contato com a escola, no
tempo de menino, nunca mais estudou.
Por muitos anos seu tempo foi ocupado
na prestação de serviço às olarias da cidade
de Riachuelo e trabalhando ao lado do pai, no carregar e descarregar
saveiros. Aos 25 anos de idade, com a mudança da família para a cida-
408
Publicado no Jornal da Cidade em 20.8.1995
SORVETERIA CHIC — Tempos depois, o cliente Adalberto estava abrindo uma sorveteria no centro comercial e pergunta ao Álvaro se ele não
tinha vontade de partir para outra atividade. A resposta foi positiva. No
dia 15 de agosto de 1950, a Sorveteria Chic é inaugurada na rua João
Pessoa, esquina com Laranjeiras — no prédio onde hoje funciona a Delegacia do Trabalho. “Foi a primeira vez que usei uma roupa de garçom.”
A roupa foi fornecida pelo Adalberto para ser paga em pequenas parcelas ao longo do tempo de trabalho. Ao usar pela primeira vez em sua
vida uma gravata e uma camisa de manga comprida, Álvaro, mesmo com
toda euforia, confessa que se sentiu muito acanhado. Mas em pouco
tempo estava explodindo de felicidade, por passar a se comunicar com
pessoas diferentes e a fazer boas amizades. “Nosso serviço era mais servir sorvete, mas não deixava de servir cerveja e até bebida quente.” Dos
sorvetes, não esquece do Combinado Chic. “Era servido numa taça grande, muita bonita e tinha uma salada que fazia o complemento do servete.”
A Sorveteria Chic passou a ser conhecida como Ponto Chic e entrou
na história de Aracaju por ser o local dos fins de tarde, freqüentado por
figuras importantes da sociedade, políticas e frequentadores do Cinema
Rio Branco. Segundo Álvaro, a casa foi inaugurada com 18 mesas. “Era
ponto de espera de homens que iam ao comércio tratar de negócios,
fazendeiros e políticos.”
No Ponto Chic, Álvaro trabalhou durante sete anos. Ali foi a sua
grande escola. Dos freqüentadores mais assíduos, não esquece de Durval
Militão, Euvaldo Diniz, Seixas Dória, Hildebrando Torres e Luiz Garcia.
Oxente! essa é a nossa gente
de de Aracaju, passa a morar numa casa alugada pelo pai na rua Belém,
bairro Industrial.
Para ajudar na manutenção da casa, suas irmãs trabalhavam na Fábrica Sergipe Industrial e ele como vendedor de cana nas proximidades do
Mercado de Aracaju, ao lado da antiga estação ferroviária. “Meu pai comprava a cana nos canaviais, transportava nos vagões da Leste, em saveiros,
em caminhões e me entregava para vender.” Logo conseguiu conquistar
uma boa clientela e fazer amigos. Vendia cana todos os dias e tinha no Sr.
Adalberto Souza, conhecido como Adalberto Papelão, seu maior freguês.
“Ele me comprava cana em quantidade porque vendia caldo de cana.”
409
Oxente! essa é a nossa gente
“José Carlos Teixeira não deixava de aparecer, mas não era para beber e
sim para tomar uma vitamina (risos).”
Todos freqüentadores do Ponto Chic tratavam Seu Álvaro com a maior cortesia. Ele faz questão de dizer que as pessoas que freqüentavam a
sorveteria, não o tratavam como garçom. O horário de maior disputa de
mesa era das 16 às 18 horas. “Quando o Cinema Rio Branco soltava a
sessão da tarde, a sorveteria ficava cheia. À noite acontecia o mesmo
movimento quando terminava a sessão noturna. Ia Juca Barreto, dono do
Cinema Rio Branco, com sua esposa tomar um café, enquanto a esposa ia
no sorvete Destemile, um sorvete muito bonito que tinha uma apresentação de quatro tipos de sorvetes.”
410
CACIQUE CHÁ - Transferiu-se para o Cacique Chá a convite do Sr.
Antônio Freitas de Jesus, que tinha adquirido o Ponto Chic em sociedade com o irmão de Amaral da Varig, que também era arrendatário do
Cacique.
No Cacique Chá, uma história de 37 anos de trabalho ininterruptos.
Alcançou o tempo em que funcionava como boate com música ao vivo,
com participação do pianista Carlos Rubens e dos cantores José Emílio,
funcionário da prefeitura, e Nilson, que trabalhava no Banco Dantas Freire.
“A boate funcionava às sextas e sábados, começava às 22 horas e terminava às duas da manhã. Me recordo que o João Aragão, do Serviço de
Portos e Canais, reservava constantemente três mesas. O local era o mais
freqüentado pela juventude da cidade. Antônio Teles e o filho de Millet
também cantaram por muitos anos na boate do Cacique.”
Era a época em que Cuba Libre era a bebida do momento. “No dia de
festa, o representante de rum colocava em cada mesa uma garrafa e as
pessoas só pagavam as Cocas.”
Suas maiores gorjetas foram recebidas no Cacique, embora goste de
frisar que os sete anos de Sorveteria Chic, apesar do pequeno salário,
rendia o bastante para um solteiro, a ponto de construir uma casa para
suas irmãs. Com o passar dos anos casou e chegou a construir a casa
onde mora até hoje, na rua Eduardo Cruz, 132, graças ao trabalho de
garçom. No Cacique teve como seus patrões Freitas, Hunaldo Mendes e
Aliberte Machado, o Doutor, que até hoje é o arrendatário da casa.
PLANO REAL - Só se afastou da casa onde construiu uma história de
amor à profissão que abraçou por problema de saúde e por uma grande
chateação. “Numa sexta-feira, dia de boate, disse a mulher que iria trabalhar. Quando eu saí de casa, já saí todo me tremendo. Sem entender, sem
nada conhecer o que era Plano Real. Nós trabalhávamos no salão, por
meio de computador – mesas numeradas e tudo aquilo, eu me perdi.
Passei a não saber escrever, a não contar o negócio e mesmo assim fui
Oxente! essa é a nossa gente
MESA CATIVA - Dos bons clientes do Cacique, não esquece do saudoso
ministro Geraldo Sobral. “Era um pai, era um irmão, era um amigo, era
tudo. Toda festinha que tinha na casa dele eu era chamado. Ele nunca me
chamou de garçom. Era sempre Sr. Álvaro.”
Mas falar da história de Seu Álvaro é falar da própria história do
Cacique Chá e nessa história não se pode deixar de citar a célebre mesa
cativa, que reunia antes do almoço e nos finais de tarde uma turma de
amigos que nunca deixou de marcar ponto ao longo dos anos — e que foi
com o tempo diminuindo não por circunstâncias diversas, mas por morte de muitos de seus integrantes. Até hoje alguns deles ainda estão por
lá, não com tanta fidelidade como nos tempos passados, mas estão lá:
que o digam Fernando Nunes, Fernando Porto e mais outros. Com emoção, Seu Álvaro fala dessa turma. “Tinha Alberto Carvalho do Banco do
Brasil, Tarcísio da Norcon, e dele quero dizer que sempre trabalhei a vida
toda nas festas de sua casa, inauguração de prédios da Norcon, todas as
festas dele eram comigo. Tinha o Tertuliano Azevedo, Guido Azevedo,
Dr. Gama, Gumercindo e o seu filho Antônio Góis. Não posso esquecer
do saudoso Jaime Araújo. De José Emídio, uma grande pessoa, um
gozador, sempre brincalhão com a gente. O saudoso desembargador
Serapião Torres não saía do Cacique, como o desembargador Brandão.”
A gorjeta dessa famosa mesa, conta Álvaro, variava conforme a despesa. “Era a única mesa que a gente não colocava 10% na conta, mas sempre acontecia da gorjeta dada de espontânea vontade ser maior do que
10%. Isso proporcionava um grande prazer, mas era grande mesmo. Me
lembro bem que, no Natal, eles me davam presentes. Recebia camisas,
queijos, bebidas. Só posso ter saudade do Cacique. Chego a sonhar com
o Cacique.”
411
Oxente! essa é a nossa gente
trabalhar. Falei com um dos meus colegas para tirar o serviço e ele me
disse que iria me ensinar. Perguntei como era que ele iria poder me ensinar se eu estava entrando às 15 horas, justamente no horário em que ele
estava saindo? Fiquei desgostoso e falei com doutor. Ele chamou o meu
colega Gérson e mandou que ele tirasse o meu serviço. Vim para casa e,
no sábado, eu voltei. Trabalhei com umas seis mesas mais ou menos. Por
sorte, só entrou cruzeiro. O real, que era uma cobra para mim, não apareceu nessa noite. Como tinha umas férias vencidas e mais outra a vencer,
falei com Doutor e ele me mandou ficar em casa. Na segunda, passei a
fazer exames de coração e só deu bronca. Aí me afastei do Cacique e da
minha profissão de garçom.”
Mas sente-se feliz com a profissão que abraçou a diz que nunca teve
decepção. “Sempre fiz aquilo que eu gostei e me sentia feliz no meio em
que trabalhava”.
412
NÃO DERRUBOU A BANDEJA - Ainda hoje é chamado a trabalhar em
festas residenciais, mas não quer pegar mais na bandeja. No final do
último ano foi convidado a participar da homenagem que o Sindicato
dos Garçons estava lhe prestando, por ser o garçom mais antigo de Aracaju.
Recusou e mandou um representante em seu lugar. “Ederaldo Santos foi
em meu lugar e trouxe uma placa muito bonita.”
Seu Álvaro orgulha-se de nunca ter derrrubado a bandeja no chão.
“Mesmo quando o chão estava molhado um pouquinho, às vezes a garrafa virava dentro da bandeja e eu equilibrava a garrafa. Diretamente no
chão, garrafa nenhuma chegou a cair. Virava dentro da bandeja (risos).”
Na profissão de garçom nunca deixou de aparecer calote. “Sempre de
pessoas que não freqüentavam o Cacique. Os maiores que recebi foram justamente na época que começou a funcionar a boate. Mas como sempre trabalhei dentro do salão de refeição, minha parte era a de menos calote (risos).”
Não esquece da turma de jornalistas que sempre serviu ao longo de
sua existência no Cacique e cita o nome de dois campeões que marcavam
presença constante no bar: “Eugênio Nascimento e Adiberto Souza.”
Casou com Joana Silva Oliveira em 18 de janeiro de 1958 e, do casamento, os filhos: Álvaro, Augusto César, Suely, Cristina, Kátia, Acácia e
Ana Gláucia. É avô de nove netos.
Seu Jonas: o vendedor das frutas importadas
onas dos Santos nasceu na cidade de Nossa
Senhora das Dores a 23 de março de 1915. Seus
pais: Manoel Alves dos Santos e Maria de Jesus dos Santos. Filho de um trabalhador rural, aprendeu com o pai a ser “homem de
palavra e honesto a toda prova.” De sua
mãe, herdou um pouco da bondade que
transbordava em seu coração.
Na sua maneira simples de falar,
conta “que nunca foi num batente
de um colégio”, por ser filho de
um trabalhador de roça, com
obrigação, desde pequeno, de ajudar no sustento da família. Aos
cinco anos de idade, já estava na
roça, ajudando no preparo do
feijão. Mas aprendeu com as irmãs a assinar o nome. Manteve
com a roça uma relação de trabalho que durou mais de 10 anos.
Primeiramente, trabalhou com o
pai. Depois, passou a trabalhar na fazenda de Plácido Almeida, juntamente com um irmão, onde passou dois anos. Bom trabalhador, conquistou a amizade de Plácido Almeida, que o presenteou com um bom
espaço para que ele pudesse preparar a própria roça. “Até as 4 horas, eu
Publicado no Jornal da Cidade em 17.11.1997
Oxente! essa é a nossa gente
J
413
Oxente! essa é a nossa gente
trabalhava na roça. Depois, ia cuidar do meu pedacinho de terra, para
ganhar um dinheirinho, e só saía quando escurecia.” Plantava somente
milho, que ele mesmo fazia questão de negociar no mercado de Aracaju,
quando conseguia apurar mais.
Nas constantes idas a Aracaju, descobriu que levava jeito como negociante, resolvendo então ficar na capital. Conseguiu moradia na casa de
uma tia. No comércio ambulante, iniciou-se no Mercado Thales Ferraz,
onde vendia de tudo. Aos poucos, percebeu que frutas eram o produto
de lhe davam maior resultado. Conquistou um espaço ao lado da primeira Estação da Leste Brasileira, esticou uma esteira no chão, frutas por
cima e foi em frente. Logo estava com barraca, dinheiro no bolso e distribuindo sorrisos pela cidade.
414
PORTINHA NA LARANJEIRAS - Trabalhador incansável, nas madrugadas dos sábados esperava a chegada dos caminhões de frutas para escolher as melhores. Sempre teve em mente que mercadoria para ganhar
dinheiro tinha que ser de primeira. Com esta concepção, conheceu na
rua de Laranjeiras uma revenda de frutas de boa procedência e com ela
conseguiu fazer ótimas transações comerciais. Começava assim a história
do Seu Jonas com a portinha da rua Laranjeiras, onde vendia as famosas
laranjas da Bahia, numa época em que a citricultura em Sergipe ainda
engatinhava.
Como nesse tempo ainda era solteiro, não tinha maiores compromissos com a vida, não tinha vícios, nem gastava dinheiro com diversão,
aplicava todo o apurado do trabalho em prol do seu pequeno negócio.
Assim procedendo, tornou-se o melhor cliente do proprietário da portinha da rua Laranjeiras e seu maior amigo. “O velhinho vendia a gente.
Os outros ficavam devendo um pedaço, outro e só quem pagava certo era
eu.” De idade avançada e não possuindo filhos com interesse no comércio, o proprietário da portinha o convidou para trabalhar com ele e ainda
pediu aos filhos que, quando morresse, eles passassem o ponto comercial para Jonas.
A portinha tinha o nome de Porta das Frutas e já vendia na época
maçãs, uvas e pêras. Seu proprietário era Alexandre Barreto, que se tornou o pioneiro na venda de maçãs argentinas em Aracaju, numa época
PROGRESSO E QUEDA - Por muitos anos, a portinha da Laranjeiras
dava acesso ao andar superior do prédio. O ponto comercial era restrito
ao espaço que ficava debaixo da escada de madeira. Só após a compra do
prédio pela firma Maré Mansa, mais recentemente, é que a escada foi
isolada, proporcionando o aumento da área. “Esses meninos foram abençoados por Deus.”
Na mesma portinha, Seu Jonas conta hoje 48 anos e ainda continua
na ativa. Já não mais vende frutas, que foram substituídas por balas,
biscoitos, garrafas de mel e alguns produtos de confeitaria. O movimento
é bem diferente do passado. Chega a dizer que continua no batente para
não ficar em casa sem fazer nada. O que vende, se não fosse a aposentadoria, não daria para sobreviver. Mora na avenida João Ribeiro em casa
própria construída nos tempos das vacas gordas do comércio, que ainda
lhe rendeu mais três casas e um automóvel — bens que já não possuem
mais, por conta das vacas magras.
Graças às maçãs, mesmo não sendo o pioneiro, Seu Jonas manteve o
comércio de frutas importadas em Aracaju por um longo tempo. “Chegava no Natal e ficava uma fila da Portinha das Frutas, até a esquina da João
Pessoa, para comprar maçãs da Argentina. Comprova frutas importadas
Oxente! essa é a nossa gente
em que a maçã nacional não tinha espaço no mercado. Jonas iniciou
então a sociedade com o Sr. Alexandre. Passou adiante a barraca do Mercado, por sentir que a venda de frutas naquela área e a cada dia já era
mais concorrida e por estar certo de que a clientela da portinha tinha um
poder aquisitivo maior.
Com apenas dois meses de sociedade, Sr. Alexandre morreu. Os filhos procuram Jonas para cumprir a promessa do pai e estabeleceram o
valor de 50 mil reis. “Era muito dinheiro! Eu procurei 50 mil réis emprestado por aí, não vi de jeito nenhum. Ninguém queria me emprestar.
Fiquei desanimado e disse aos filhos que não seria possível ficar com a
portinha. Quando um deles me disse que o pai tinha deixado uma conta
a pagar numa loja, onde tinha comprado para pagar em prestações, e me
perguntou se toparia assumir o compromisso deixado pelo pai, não pensei duas vezes. Agora, vou dizer: foi um sacrifício danado para pagar!
Paguei de três mil réis. Para pagar 50 mil réis, foi uma parada.”
415
na Bahia. Chegavam aqui de trem ou de avião. Todos os sábados, recebia
entre 20 a 30 caixas, somente de maçãs. As uvas vinham de Portugal e
chegavam embaladas em barricas. Hoje, eu fico pensando como foi que
não enriquei. Fui besta. Eu estava vendendo a uva por um preço, vendia
uma barrica, duas, depois achava que estava vendendo caro e baixava o
preço, sem ninguém pedir para baixar, sem ninguém dizer que estava caro.”
Ele empregou mais de 15 meninos que vendiam suas maçãs pelas ruas de
Aracaju. “Fiz ótimos negócios. Depois, foi caindo, caindo e acabou.”
Oxente! essa é a nossa gente
OS SUPERMERCADOS - Com a chegada dos supermercados, Seu Jonas
deixou o mercado de frutas e passou a trabalhar com balas, no varejo e
no atacado. Mas nunca perdeu o entusiasmo. “A portinha me deu grandes alegrias. Não faltava nada. Hoje, posso dizer que não tenho nada.”
Dos seus grandes clientes, que “eram ilustres e famosos”, revela que
todos eles já morreram. “Murilo Dantas, Torquanto Fontes e Niceu Dantas.”
Ficou viúvo após a morte de Maria Deuzinha dos Santos, com quem
teve a filha Maria Lúcia, que não quis prosseguir no negócio.
416
Seu Oscar: monumento do samba em Sergipe
etenta e sete anos de samba no pé. Seu
Oscar é o maior sambista do Estado
de Sergipe. Com seu pandeiro na mão,
ele chegou a participar de um programa de rádio no Rio de Janeiro ao lado
de Luiz Gonzaga. Nunca perdeu um
Carnaval, tendo participado de inúmeras agremiações momescas. É nome de
um barracão cultural no Bugio. Na
outra ponta do fio da história, um
menino que deixa sua mãe com 8
anos de idade e que retorna como o
filho perdido, dezoito anos após
sua saída de casa.
Oscar Pessoa dos Santos nasceu
na cidade de Riachuelo no dia 21 de fevereiro de 1914, sendo
filho de Francisco Thiago dos Santos e Fausta Maria da Conceição. Quando
estava com seis meses de idade, sua mãe passou a residir em Laranjeiras.
Até os 8 anos, o menino Oscar morou com a mãe. “Minha vida parece
uma novela: eu sai de Laranjeiras em dezembro de 1922, pelas mãos de
um caixeiro-viajante, para Feira de Santana. Parece mentira, mas foi a
sorte de Seu Oscar. Ele me achou engraçado, pediu a minha mãe, ela
deixou, e fui. Chamava-se Clodoaldo Caribe. Me deixou na casa de sua
noiva. Se mandou... Ela esperou, esperou e morreu de velha.”
O menino foi adotado pela família Portugal, de seu Manoel Portugal
dos Santos e sua mulher Maria Amélia Portugal. Mesmo com 15 filhos, o
Oxente! essa é a nossa gente
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Publicado no Jornal da Cidade em 1.1.1995
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Oxente! essa é a nossa gente
casal recebeu bem o menino. “Eram 12 homens e três mulheres, e a
felizarda do caixeiro era a mais velha, a Ceris: ela era a noiva. Como
gostava de mim! O Caribe chegou para ela e disse:
— Cuide bem do Neguinho, não deixa faltar nada.
Foi a minha sorte: estudei o primário, os quatro anos e fiz, exame
final. Fui um aluno atencioso, estudioso e sempre procurei trilhar no
caminho do bom viver.”
Sempre foi tratado como um filho pela família Portugal. Era o “neguinho”
querido de todos. Era chamado de Pessoa e não trabalhava. Animava a
família com suas histórias e o seu cativante sorriso. “Era Pessoa pra lá.
Pessoa pra cá”. Quando ia comprar caderno e passava numa tipografia,
Oscar ficava encantado com as máquinas no processo de impressão. Quando
concluiu o primário, não continuou com os estudos, pois foi aprender
arte gráfica. “Achava bonito aquelas máquinas trabalhando, as impressoras; aí eu disse que queria aprender a arte de gráfico e consegui.”
418
TIPOGRAFIA - Já estava com 16 anos quando resolveu realizar o seu
sonho: “Cheguei na Tipografia Folha do Norte, que era jornal e tipografia, e fui falar com um dos seus diretores, o Raul Silva. Consegui emprego e fui trabalhar como aprendiz, compondo as caixas pois, naquele tempo, um jornal era feito com tipos. Assim, iniciei meu primeiro emprego
no jornal Folha do Norte recebendo quinhentos réis por dia. No fim da
primeira semana, ganhei um mil e quinhentos e fiquei alegre, satisfeito.
Naquele tempo, era dinheiro muito.”
No jornal, Pessoa, como passou a ser conhecido por todos, trabalhou
de 1930 a 1934. Aprendeu bem a arte gráfica e, quando saiu, fazia de
tudo: imprimia jornal, fazia composição, cortava papel; um gráfico de
grandes qualidades. Mas resolve deixar Feira de Santana e prosseguir na
sua profissão em Salvador. deixando a família Portugal. Muita emoção na
despedida e alguns conselhos: “Disseram-me para que eu continuasse
com o meu procedimento, para ser um homem amanhã ou depois. Não
cheguei a chorar, pois naquele tempo era mais novo, e fazia de tudo para
segurar as lágrimas. Mas que eu senti um bocado, senti.”
Em Salvador, Pessoa consegue trabalho na Gráfica Nilo, fazendo o
serviço de impressão e composição. Após dois anos, a Gráfica Nilo fe-
O MÚSICO - A descoberta dos dotes musicais aconteceu quando ainda
morava em Feira de Santana. “Eu sempre tive o espírito de músico, de
cantor e de tocador. Numa Micareta em Feira de Santana, quando tinha
16 anos, participei do Rancho ‘As Milindrosas’ e desfilei fazendo o maior
sucesso, tocando pandeiro e dançando. Aí os amigos gostaram de Pessoa
e coisa e tal... Desde menino eu cantava. Logo descobri o pandeiro e com
ele estou até hoje.” Identificado com os acordes musicais, Pessoa entrou
para a Filarmônica Vitória de Feira, tocando surdo. “Tinham uns músicos amigos, me convidaram e eu fui.”
Foram 18 anos vividos em Salvador, sempre na companhia da música. “Eu tinha um grupo. Era um cavaquinho, um tambor e eu com o
pandeiro. Tocava nas festas e qualquer uma que pintava nós estávamos
presentes: festa de Santo Antônio, de Conceição da Praia, do Bonfim, era
um grupo assim avulso. Uma tocada aí, e a gente fazia o pagode!” O
grupo não necessitava de ensaios, sempre estava pronto para tocar e
disposto a tomar uns goles da quentinha: “Tomávamos um aperitivo,
que não prejudica ninguém (risos).”
A festa que mais gostava era a de Conceição da Barra: “Nós íamos no
dia 7 e voltávamos no dia 8, que é o dia da procissão. Passava a noite e o
dia por ali, brincando. Naquelas barracas, a gente comia, bebia, tudo
assim.” E nas barraquinhas que acompanham todas as festas de Salvador, Pessoa estava sempre presente: “Bonfim, Rio Vermelho, Bom Jesus,
onde tinha uma barraca e uma festa, Pessoa tocava, sempre em ambiente
sadio.” Louco por Carnaval, brincou no bloco Bacurau, do qual foi um
dos organizadores. “Brincava gente do Rio Vermelho e da Fazenda Garcia.”
UM CASO DE AMOR - Pessoa, menino vivo, rapaz esperto, passou a
gostar de uma garota em Feira de Santana, quando ainda morava por lá.
Foi para Salvador. Conseguiu emprego e abrigo. Logo mandou buscar a
tal “criatura” para viver com ele na Ladeira da Barra.
Oxente! essa é a nossa gente
cha, e Pessoa passou a trabalhar na Gráfica Cruzeiro. Em Salvador, o
jovem gráfico morava na avenida Brandão, na Ladeira da Barra, bem perto do Iate Clube de Salvador. “Era uma casinha e eu morava com uma
criatura: naquele tempo eu já era rapaz.”
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Oxente! essa é a nossa gente
“Ligeiramente, eu morei com uma criatura. Tive um caso, mas não foi
um caso de problemas... No tempo em que morei em Salvador, estava
com ela. Nós já tínhamos um caso em Feira de Santana. O nome? Maria
Catarina de Sena, cheguei a conhecê-la numa festa (risos). Em Feira tinha
muitas festas, e eu participava de todas.” Agora ficam todos sabendo que
se mandou de Feira por causa de mulher. “Quando eu parti, foi sozinho.
Fui para trabalhar, entende? Depois é que eu mandei chamá-la. Passamos
seis anos. Não tivemos filhos. Ela ficou em Salvador. Tive vontade de
trazê-la, mas você sabe, naquele tempo o gráfico não ganhava quase nada
e hoje ainda não ganha. Então eu vim embora para cá.” Ela chorou? “Não
chorou tanto não, mas ficou sentida.” Deu um beijo bem ardente na noite
da despedida? “É claro, não é? É justo! (risos)”
420
DESCOBRE A FAMÍLIA - Tendo saído da casa de sua mãe em Laranjeiras com 8 anos, Pessoa perdeu contato com a família. Somente no ano de
1934, conseguiu saber notícias de sua família. “Eu trabalhava no jornal
Folha do Norte e lia notícias de pessoas procurando famílias de um Estado para outro. Então eu procurei fazer isso com o redator de lá que tinha
o nome de Antônio Garcia. Então ele fez uma carta para um jornal de
Aracaju de nome O Tempo, que existia naquela ocasião, na rua Santa
Rosa. Então, O Tempo publicou a carta. Eu sabia o nome de minha mãe,
dona Fausta Maria da Conceição, e disse que tinha saído de Sergipe no
ano de 1922, que não tinha dado mais notícias e estava procurando saber
se ainda existia a família lá em Laranjeiras. Quando o jornal publicou
minha carta, ela foi lida por Antônio Henrique, em Laranjeiras, que era o
tabelião e que tinha o jornal Vida Laranjeirense. A carta foi publicada no
jornal de Laranjeiras e o tabelião era vizinho de minha mãe.
— Dona Fausta, tenho uma nota aqui, parece que é de seu filho!
Minha mãe respondeu, mandou a carta para Feira, e como eu já estava em Salvador o pessoal da Folha remeteu para mim. O pessoal de
Antônio Henrique passava para o papel os recados de minha mãe, que
não sabia escrever. Eu respondia que breve chegaria aqui e cheguei.”
A VOLTA - No dia 20 de janeiro de 1940, depois de 8 anos fora de
Sergipe, Oscar Pessoa dos Santos, pelo trem da Leste, retorna ao seu
GRÁFICA UNIVERSAL - Oscar passou um mês em Laranjeiras de pernas para o ar, recuperando o tempo. Depois, passou a morar em Aracaju,
trabalhando na papelaria Vera Cruz, na rua João Pessoa, vizinho ao cinema Rio Branco. “O dono da papelaria, Alberto Honorato, era cunhado do
Sr. Pedro Evangelista. Foi para Salvador e vendeu a papelaria ao cunhado. Sr. Pedro mudou o nome para Gráfica Universal e lá fiquei até me
aposentar, com 33 anos de serviços. Me aposentei no ano de 1976. Terminei meu trabalho na arte gráfica como chefe de oficina.”
Seu Oscar confidenciou que, depois de se aposentar como gráfico,
depois de passar a vida no fundo de uma oficina, resolveu esquecer a
profissão. Com uma aposentadoria de um salário, passando necessidade, depois de um ano sem trabalhar, foi procurar emprego. “Passei um
ano como cabo de turma da Prefeitura de Aracaju, no tempo de Heráclito;
larguei e fui procurar Paulo Valverde, na rádio Difusora. Ele, laranjeirense,
conhecido velho, me deu logo um emprego: até hoje estou na rádio,
agora Fundação Aperipê, como porteiro. Ganho um salário e mais uma
gratificação, pelo meu comportamento e pela minha personalidade. Dra.
Angélica me dá essa gratificação por respeito.”
Oxente! essa é a nossa gente
Estado. Chegou a Aracaju e logo foi para a casa da sua irmã mais velha,
Maria da Conceição, que morava no bairro Industrial. No outro dia, pegou o trem e foi ao encontro de sua mãe na cidade de Laranjeiras.
“Foi lindo! Foi num domingo de manhã, logo cedo. Na estação,
estavam minha mãe e alguns dos meus irmãos. Todos estavam na expectativa:
— Olha! Lá vem ele ali!
Eu, com a maletazinha, todo gaiato (risos) — tempo bom viu? Minha
mãe passou a me apresentar a toda a cidade.
— Esse é Oscar, meu filho, que estava perdido há tanto tempo e voltou para casa.”
Um dia de alegria, emoção e festa para a família de Seu Oscar. “O
povo fez uma festa com a minha chegada. Na hora do almoço, a maior
animação. Não faltou de jeito nenhum uma galinhazinha ao molho pardo, uma titelazinha assada. Fiquei satisfeito com a minha chegada em
Laranjeiras naquele tempo.”
421
OSCAR NA MÚSICA EM SERGIPE - Quando chegou a Aracaju, logo
procurou se enturmar com o pessoal que fazia pagode. “Na rua Siriri
tinha um bloco com nome de República e eu cheguei com o meu pandeiro”. No ano de 1941, participa pela primeira vez do Carnaval sergipano
saindo com o bloco.
A figura do Seu Oscar passou a ser um símbolo carnavalesco. Participou da Escola de Samba Império do Morro, do Siqueira Campos, Império Serrano e, com o tempo, organizou o próprio bloco, “16 Toneladas de
Ritmo”. Hoje, faz parte da Escola de Samba Tubarão da Praia. “Nunca
perdi um ano de Carnaval, nunca.”
Oxente! essa é a nossa gente
CASAMENTO - No dia 1º de fevereiro de 1947, casa com Maria do Espírito Santo, na Catedral de Aracaju. Serviram de padrinhos, por parte do
noivo, o Sr. José de Souza Lima e a Srta. Maria Eunice dos Santos Costa
e, por parte da noiva, o Sr. Manoel Faro Sobral e Srta. Uda Pinheiro de
Faro. “Conheci minha mulher em Laranjeiras. Vou fazer 44 anos de casamento e estou completando 77 anos (risos). Sou de 14, ainda sambo,
digo o samba no pé, toco pandeiro e canto.”
422
PROGRAMAS DE AUDITÓRIO - Freqüentando os programas de auditório da Rádio Difusora Oscar passou a ser a figura do samba mais popular
da cidade. “Quando eu aqui cheguei, a Rádio Difusora funcionava no
Instituto Histórico. Passei a ser um freqüentador do programa de Alfredo
Gomes. Quando a Rádio passou para a rua José do Prado Franco, eu
entrei no programa de calouros, tocando e cantando, isso em 1944. Ganhei na minha primeira apresentação o segundo lugar, pois Alfredo Gomes só dava primeiro para uma mulher. Daí fiquei conhecido, pois fiquei
sendo uma das atrações do programa de domingo do Alfredo: atração
matinal.”
Foi Alfredo Gomes quem chamou o Seu Oscar de “O Pretinho da
Alma Branca”, e pegou: “Muita gente até hoje me chama assim. Me lembra dos velhos tempos.” Quando chegou a Aracaju, fez questão de não
ser mais chamado de Pessoa. “O Pessoa ficou em Salvador. Não caía bem;
aproveitei o embalo de uma música que fazia sucesso com o nome de ‘Ó
Seu Oscar’...”
Oxente! essa é a nossa gente
Formou um grupo de seresta, “Velhos Amigos”, participou da noite
sergipana e foi atração de vários programas no rádio local, quando a
música ao vivo fazia parte das programações das emissoras. No período
de 1969 a 1972, era a base do programa “Amantes da Seresta”, na Rádio
Atalaia.
Uma de suas alegrias foi ter participado na Rádio Mayrink Veiga, no
Rio de Janeiro, de um programa de auditório com Luiz Gonzaga: “Fui
passear no Rio e, no dia 9 de julho de 1963, fui assistir ao programa
‘Crepúsculo Sertanejo’; Luiz Gonzaga era quem comandava o programa.
Quando estava sentado na minha cadeirinha, fiquei surpreso ao ouvir:
— Estou conhecendo esse “neguinho”: Seu Oscar?!
— É sim!
— Quer tomar parte do programa?
E eu fui na maior satisfação. Foi uma honra e uma alegria muito grande participar de um programa com o Rei do Baião.”
Seu Oscar faz parte da Ordem dos Músicos. Em Sergipe, é suplente
do conselho e exerce a função de fiscal. Possui o diploma de músico
percussionista, que está emoldurado e pendurado com destaque na parede da sala. Hoje, mora em casa própria, “graças a Deus”, na rua Armindo
Guaraná, 206. Morou durante 28 anos no bairro Cirurgia, na rua Maruim.
“Fiz grandes amizades e, no Carnaval, animava o bairro.”
Sempre gostou de usar chapéu. Não dispensa o aperitivo no almoço e
não perde uma missa de domingo, na igreja do Espírito Santo. Já foi
destaque da Escola de Samba Siqueira Campos saindo num carro alegórico com o nome “Pandeiro de Ouro”. Foi uma homenagem do carnavalesco e cronista social Barreto Neto, que foi o responsável pelas alegorias
da Escola. “Foi a primeira pessoa que me reconheceu e me prestou homenagens: o ‘Pandeiro de Ouro’ e uma grande festa da Associação Atlética, marcando meus 75 anos.”
Seu Oscar foi reconhecido pelo Estado de Sergipe, emprestando o
nome a um Barracão Cultural no Bugio. “Quando estava ao lado do governador Valadares e da professora Aglaé na inauguração, eu não pude
segurar as lágrimas.”
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Seu Osvaldo: o faroleiro que faz molduras
Oxente! essa é a nossa gente
O
faroleiro da cidade conta sua
vida e emociona-se com a história do antigo farol da Atalaia.
Além de faroleiro, é marceneiro e
dono de galeria de arte. Fala do sonho de fazer esculturas em madeira, de seus trabalhos como
moldureiro e da grande exposição
que fará no mês de julho, com mais
de 100 quadros de artistas sergipanos.
Osvaldo José dos Santos nasceu em Aracaju, precisamente na
praia de Atalaia, a 21 de maio de
1938, sendo filho de Teodoro José
dos Santos e Celina Santos. Do pai,
aprendeu a lição da honestidade e
pontualidade, afirmando que nunca faltou ao serviço em 25 anos de
Marinha. De sua mãe, Celina, lembranças de uma mulher que deu
muito amor aos filhos.
Sendo o primeiro dos seis filhos do Sr. Teodoro, Osvaldo conta que o pai dedicava uma atenção
especial a ele, povoando em sua mente lembranças de uma infância super
mimada.
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Publicado no Jornal da Cidade em 19.3.1995
Passando dois anos em Abrolhos e dois anos no Farol do São Francisco do Norte, o restante do tempo foi vivido com toda intensidade na
sua praia de Atalaia.
No Educandário Betel, no bairro Santo Antônio, realizou o curso primário, com aulas da professora Amália Bastos de Oliveira, mais conhecida como Sinhá.
HISTÓRIA DO FAROL - O farol da Atalaia, que foi substituído pelo
farol da Coroa do Meio, Osvaldo lembra que data de 1880 e que foi
montado pelos escravos, com a máquina originária da França. Do que
ouviu contar ao longo dos anos, diz que o farol ficou em Aracaju por
acaso, pois estava destinado a ser montado em Recife. “Como houve
um erro e pela dificuldade na época de transporte, resolveram montar
por aqui mesmo.”
Mero Gato, Almeida, Bamerino, Floriano, Euzébio e o próprio pai de
Osvaldo, Teodoro, foram alguns dos faroleiros que cuidaram do farol da
Atalaia. Ele foi funcionário público numa época em que se era bem remunerado, mas primeiramente o pai não queria que Osvaldo trabalhasse
para ninguém. Ouvindo os conselhos da mãe, de que deveria arranjar
emprego para não ficar esperando pelo pai, ao completar 14 anos de
idade recebeu dela de presente uma vaga para trabalhar como marceneiro
numa oficina de marcenaria na rua Esperanto, de propriedade de um Sr.
Tiago. “Fazia móveis de todos os tipos.”
Oxente! essa é a nossa gente
TÉCNICO EM MARCENARIA - Na Escola Industrial, teve a oportunidade de realizar o curso técnico em marcenaria. Chegou na escola para
satisfazer a vontade do pai, que queria ver o filho trabalhando como
mecânico, mas se deu melhor no contato com a madeira. “Os quatro
serviços que fiz na escola, todos eles foram classificados em primeiro
lugar e isso me serviu de estímulo: entre esses trabalhos havia um faqueiro
e um escorredor de prato.”
Da Atalaia do passado, recordações memoráveis de um lugar repleto
de tranqüilidade, com poucos moradores e raras construções. “Uma Atalaia totalmente diferente da de hoje. Tinha apenas aquela praça perto do
palácio do governo, o mercado e algumas casas.”
425
Oxente! essa é a nossa gente
Já são 42 anos de profissão e não pensa em parar. Sente-se feliz pela
grande quantidade de trabalhos realizados em Aracaju mas atualmente
sente a ausência de trabalho. A coisa não está boa.
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PRIMEIRO LUGAR - No ano de 1969, ingressou na Marinha como
faroleiro, tendo passado em primeiro lugar, em concurso nacional para a
escolha de 17 faroleiros. “Fiz a melhor prova oral de todo o Brasil.”
Sendo filho de faroleiro, confirmando o ditado de que “filho de peixe,
peixe é”, disse que o bom desempenho foi graças ao que aprendeu com o
pai desde os 10 anos de idade, nas constantes visitas que fazia ao farol
da Atalaia Velha. Com 11 anos, já sabia acender o farol, um trabalho
árduo, totalmente diferente do que faz hoje, quando o apertar de um
simples botão é suficiente. “Na época, era difícil, pois era a querosene.
Você tinha que ligar uma lamparina, essa lamparina tinha que aquecer
um filtro corrente que ficava dentro de um aparelho que, aquecido, transformava o querosene em fumaça, que, aquecida, subia pelo filtro, possibilitando à gente fazer a ligação pelo bico.”
Conforme declaração de Osvaldo, o farol da Coroa do Meio continua
com a mesma máquina de iluminação do antigo farol da Atalaia. A mesma
máquina que funcionava com querosene e que hoje trabalha com energia,
após uma adaptação feita por um especialista que veio do Rio de Janeiro.
PARTE DA SUA VIDA - Com 26 anos de trabalho como faroleiro, ainda
continua na ativa, como encarregado do farol da Coroa do Meio.
Do antigo farol da Atalaia que já não funciona, só sente o coração doer
quando passa pelo local, em vista do abandono que o mesmo se encontra, já sendo danificado por ação de vândalos. “Uma dor tão grande, que
me deixa triste. Se pudesse voltava a tomar conta dele. Digo de todo o
coração: o farol da Atalaia faz parte da minha vida.”
Comenta que a utilidade de um farol não é somente para orientação
de navios, sendo bastante utilizado por pescadores que fazem os pontos
de pesca, tomando como base a distância do farol.
Considera-se um homem de bem com o sucesso, por fazer amizade
por todos os lugares que passa. Por isso, diz que não sente nenhuma
frustação em sua vida.
ARTISTAS - Envolvido com o mundo da pintura sergipana, já trabalhou
para todos os pintores da terra. Hoje, trabalha para os artistas Dionéia,
Elias, Bené, José Fernandes e mais outros.
No início, recebeu alguns calotes de artistas sergipanos, mas resolveu
o problema quando passou a trocar molduras por obras de arte. “A maioria demorava a me pagar, daí resolvei fazer o seguinte: quem não me
podia pagar em dinheiro, me dava quadro. Não tinha idéia de fazer uma
galeria de arte, a idéia da galeria surgiu pela grande quantidade de obras
que passei a dispor. Quando vi, tinha mais de 500 trabalhos e, assim,
surgiu a idéia da Galeria José de Dome, que nasceu no ano de 1988. Ela
funciona na rua que tem o mesmo nome da galeria.”
Oxente! essa é a nossa gente
MOLDURAS - Voltando de Abrolhos, na Bahia, onde passou dois anos
a serviço da Marinha, encontrou como capitão dos portos Roberto da
Costa Ferrenho, hoje vice-almirante, que lhe encomendou algumas molduras para umas telas de artistas sergipanos. Recebida a encomenda,
sete molduras, a recompensa do capitão pela surpresa do trabalho desenvolvido por Osvaldo foi divulgar seu nome no círculo de amigos
dele. O primeiro a procurar o então mais recente moldureiro da cidade
foi o superintendente da Petrobrás, José Marques Neto, que rasgou elogios de Osvaldo ao seu adjunto, que continuou o processo de divulgação
para Paulo Mendonça, que apresentou Osvaldo ao artista plástico Eurico
Luis, recém-chegado de Salvador. Eurico, além de utilizar as molduras,
propagou o nome de Osvaldo entre suas alunas e, daí por diante, praticamente tornou-se responsável pela produção de molduras dos trabalhos realizados por pintores da terra. “Chegava a fazer mais de 120 molduras por semana.”
Antes, só trabalhava somente com molduras. Mas com a forte concorrência das molduras industrializadas, ultimamente já vem aceitando encomenda de todo tipo de móveis.
Para as pessoas de bom gosto, as molduras de Osvaldo superam qualquer outra não só pela garantia da madeira de boa qualidade, como pela
arte do moldueiro, que aplica a moldura de acordo com o trabalho do
artista. Ele faz qualquer tipo de moldura, mas faz com arte. “É o sonho
em moldura.”
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Quadros de grandes nomes das artes plásticas de Sergipe atraem até
muitos turistas. “Eu tenho Jordão de Oliveira, Jenner Augusto, José Inácio,
José de Dome, Anselmo Rodrigues, Adauto, José Fernandes, Eurico, todos.” Ele facilita a venda de quadros em até três pagamentos e aceita
cartão de crédito.
Oxente! essa é a nossa gente
SONHO - Aposentar-se e ser artesão é seu grande sonho, que pretende
logo realizar. “Já trabalho com arte há muitos anos, por isso quero, ao me
aposentar, desenvolver trabalhos artesanais em madeira, esculturas, com
idéias vindas de minha cabeça. Também penso em fazer santos.”
Pretende fazer no mês de julho, na comemoração de aniversário da
galeria, uma super-exposição com mais de 100 trabalhos de artistas
sergipanos, que compõem o seu acervo particular. “Florival Santos, Álvaro Santos, enfim todos os artistas.” Só de José de Dome possui mais de
10 quadros. Como precisa de espaço para expor os quadros, utilizará a
Galeria J. Inácio. “É o único local em Aracaju para uma exposição do
porte que pretendo realizar.”
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FAMÍLIA - Casou com Isabel Fonseca Santos, quando tinha 19 anos de
idade, na cidade de Rosário do Catete. É pai de nove filhos. Ilsanete,
Celina, Isvalda, Ivanda, Isabel, Simone, Marcelo, Teodoro e Júnior.
Seu Ribeiro: 82 anos de Estrada
osé Ribeiro de Almeida nasceu a 8
de junho de 1920 na cidade de
Campo do Brito. Seus pais: Benvindo
Ribeiro de Almeida e Euzébia Vieira
de Almeida.
O pai teve uma vida dedicada ao
campo, iniciada com roça, chegando
a trabalhar com gado de leite. Como
ele não fumava e não bebia o filho
resolveu seguir o exemplo do pai,
além de ser honesto na palavra. Sua
mãe teve nove filhos e dedicou atenção de maneira exagerada a todos eles.
Com ela aprendeu a aplicar carinho
aos filhos e a ter uma preocupação
permanente a todos eles. “Ela sempre dizia: meu filho, não compre se
não puder pagar, seja sério, honesto,
não brigue e não discuta”.
Numa escola particular em Campo do Brito com a professora Diva,
aprendeu a somar e a assinar o nome
o que considerou suficiente para enfrentar a realidade da vida. “Saí com
pouco estudo, não lia nada ainda e mal assinava o meu nome”.
Publicado no Jornal da Cidade em 19.3.1995
Oxente! essa é a nossa gente
J
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Oxente! essa é a nossa gente
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Com 16 anos de idade resolve partir para o mundo depois que percebeu que seus pais iam coloca-lo a trabalhar na roça. “Não era do meu
interesse ir trabalhar em enxada”.
Escolheu como destino São Paulo, cidade de Santos, para começar vida
nova. Depois de conquistar o dinheiro da passagem de navio e alguns trocados para os momentos iniciais na nova cidade, sai da cidade natal a Aracaju,
num caminhão pau de arara para pegar o navio Iasucé da Companhia ITA,
em direção ao porto de Santos. “Comprei a passagem por 150 mil réis”.
Como o navio fez escala no porto de Caravela/Bahia, José Ribeiro para
não passar a noite dentro do navio, caiu fora e foi para uma casa noturna
e se deu bem com uma jovem de corpo escultural que a conduziu a cama
e daí uma noite inesquecível, a ponto de não ouvir nem o apito do navio
que partiu do porto sem ele.
Correndo atrás do prejuízo foi ao escritório da Ita e ouviu que era
impossível a entrega de uma outra passagem para o navio seguinte por
não ter ele atestado médico, provando que ele esteve doente no momento
em que o navio seguiu viagem.
Ficou sem dinheiro, pois o que tinha, 100 mil réis, estava na mala
que seguiu para Santos e sem o chapéu que tanto gostava e o guardachuva, que foram para o destino final da viagem.
Na estação de trem tenta conquistar uma passagem e chegar a pedir a
inúmeras pessoas sem êxito. Tenta o delegado da cidade e nada. Vendo
que ia morrer de fome, entra no trem e se tranca no banheiro, só saiu
quando percebeu que o trem já tinha saído da estação. Ficou atento ao
fiscal que tarifava as passagens e quando ele estava fazendo a costumeira
verificação, José Ribeiro de maneira esperta, passava para o banheiro de
uma outra classe até chegar em Vitória do Espírito Santo sem nada, com
uma mão na frente e a outra atrás. Salta na estação para não ser descoberto e preso e bate a porta da primeira pensão. Surpreendida a dona do
estabelecimento hoteleiro o pergunta pela bagagem e ele conta a sua triste
história. Consegue comove-la e ganha o direito de fazer uso do quarto,
comida e até o uso da roupa do marido da dona da pensão.
Passados cinco dias, mesmo com todas as tentativas de conseguir contato com o irmão em São Paulo não consegue por ter perdido o número do
telefone. Também não consegue falar com os familiares em Campo do Brito.
Oxente! essa é a nossa gente
Com roupa lavada, presente da mulher da pensão, vai para a estação
de trem e usa dos mesmos artifícios da viagem que o conduziu a Vitória,
passando um bom tempo trancado no banheiro.
Salta em Campos após 24h de viagem, e ao encontrar o primeiro hotel
avista dois homens na porta jogando gamão. Vai até eles, identifica o
proprietário e pede para falar em particular. Conta seu drama, sem tostão
no bolso sem nada, o convence e ouve do dono do hotel que no dia
seguinte iria com ele pedir na prefeitura e até na delegacia, uma passagem para chegar até o Rio onde estava sua mala. No quarto dia o delegado
o chama para dizer-lhe que ele viajaria numa escolta com dois presos e
que ele seria o terceiro, devendo viajar sentado ao lado de um soldado.
Chega no Rio onde é liberado e vai a procura da mala no Armazém 17
do porto. Só consegue retira-la em vista que seus documentos estavam
junto com as roupas e assim pôde comprovar que era o seu proprietário.
Faz a opção de chegar na cidade de São Paulo de trem e faz como das
vezes anteriores, trancado no banheiro os 100 mil réis foram torrados no
Rio de Janeiro.
Sem ter o endereço dos irmãos dorme três dias num banco da Praça
da República, fazendo da mala o travesseiro e catando restos de comidas
nas latas de lixo. Com muito esforço arranja emprego num empório, com
direito a dormir num pequeno quarto no próprio emprego.
Talvez por informação dos familiares de Campo do Brito, um dos
seus irmãos saiu à procura de José Ribeiro nos possíveis lugares onde
ele poderia conquistar emprego e por sorte sua, após três dias de trabalhar como faxineiro no Empório o encontra.
Fica um tempo na casa do irmão sem trabalhar e parte para o Rio de
Janeiro, onde logo ao chegar, tem a felicidade de se encontrar com um
dos seus primos da cidade de Campo do Brito, que trabalhava no restaurante do Ministério da Guerra. Ele o conduz a sua casa e no outro dia
consegue emprego para Ribeiro no mesmo restaurante em que trabalhava. “Passei a ser garçom do salão de oficiais”.
Trabalhando de maneira impecável, com três meses recebe a boa notícia que passaria a assumir a gerência do restaurante. Com mais quatro
meses, pela guerra de 1941, ao chegar no Ministério da Guerra tem conhecimento que o acesso de civis ao prédio estava proibido. Vai ao dono
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Oxente! essa é a nossa gente
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do restaurante que não abandona o seu eficiente empregado lhe dando
uma carta de apresentação e solicitação de emprego, direcionada a um
amigo, Valdemar Falcão que tinha sido diretor do Ministério da Agricultura em Aracaju. Feito o contato para sua surpresa, mais adiante recebe
uma carta do Valdemar com a suma nomeação para trabalhar no Ministério da Agricultura em Sergipe. Com dois meses de trabalho em Aracaju,
passa a ser chefe do Fomento Agrícola na cidade de Nossa Senhora das
Dores, onde passa dois anos, sendo transferido para Capela no mesmo
cargo de chefia. Em seguida é conduzido para chefe do Fomento em
Japoatã, permanecendo dois anos naquela cidade.
Se casa em Estância com a filha do Dr. Raimundo Costa Carvalho, da
Usina Antas e passa a partir daí trabalhar por conta própria depois que
foi ao Rio de Janeiro a passeio. “Eu tinha vendido um automóvel e lá
encontrei um conhecido que me perguntou o que eu ia fazer com o meu
dinheiro. Quando respondi que ainda não sabia, ele me sugeriu a compra do primeiro ônibus Alfa Romeu que estava em exposição, mas naquele momento só podia ser vendido à gente do Norte ou do Nordeste.
Fui lá, encontrei o italiano, disse que queria comprar o ônibus e ele me
vendeu, porém a carroceria, era de uma outra empresa. Fui atrás e fechei
a compra”.
De posse do ônibus, no outro dia escreve no vidro, para Aracaju 4h da
tarde e vibra ao perceber que em pouco tempo a lotação estava esgotada:
oitenta passageiros já que existia bancos desmontáveis na área do corredor. “Não existia ônibus naquela época. Só existia pau de arara. A gente
encontrava mais de 50 caminhões fazendo o transporte de pessoas”.
Chegando em Aracaju faz o registro da Empresa Rodoviária de Sergipe
na Avenida Coelho e Campos onde é hoje a Tyresoles com apenas um
ônibus. “De cinco e cinco dias eu saía às 5h da manhã com destino a São
Paulo”. Com oito meses de trabalho já tinha 21 ônibus em circulação.
O Senhor Ribeiro revela que além dele, o primeiro a ter empresa de
ônibus para São Paulo, Firmino Mendonça foi o pioneiro com ônibus
para Salvador e Marinho Tavares com ônibus para as cidades do interior
sergipano.
Depois de 21 anos o Senhor Ribeiro vende a Empresa Rodoviária de
Sergipe, compra o sítio de Osvaldo de Marinho na saída da cidade, e
Oxente! essa é a nossa gente
passa um bom tempo desfrutando da natureza sem saber o que fazer. Depois de muito pensar, monta uma agência de automóveis usados na Avenida João Ribeiro e em seguida uma outra na Rua Laranjeiras onde é hoje a
Farmácia Souza. Também montou um estabelecimento comercial na Avenida João Ribeiro, esquina com Coelho e Campos, a Auto Peças Rodoviária.
Numa certa manhã quando estava em seu sítio, recebe a visita do
deputado José Onias de Carvalho, que em vista de ameaça de morte em
Maceió, propõe trocar a sua bela casa de Maceió pelo sítio, o que foi
aceito na hora.
O Senhor Ribeiro passa a morar em Maceió e ao chegar na cidade,
percebendo que não existia empresa de ônibus para servir o povo daquela cidade, não pensa duas vezes, vai a Recife, compra seis ônibus na
Imperial Diesel e monta a Empresa Rodoviária de Alagoas. “Quando estava satisfeito, com 21 ônibus rodando pela cidade, recebendo elogios
pelos jornais diariamente, achei de pedir um aumento que era para melhorar os salários dos motoristas. Onde eu tinha a minha empresa, perto
tinha um colégio só de mulheres, mais de 2.000 alunas. Elas eram os
meus maiores fregueses e o resultado: quando eu pedi o aumento elas
fizeram uma greve, me quebraram quatro ônibus e com isso eu fui obrigado a parar. Mas antes, eu fui ao governador e ele deu para cada ônibus
dois soldados para garantir o funcionamento. Elas pegavam os quepes
dos soldados e jogava nas ruas com os ônibus rodando. Diante dessa
situação eu resolvi parar e, quando parei, no outro dia, o coronel que era
o secretário de segurança de Alagoas mandou me buscar preso. Eu fui
me sentei no banco dentro do xadrez e como eu tinha um advogado que
era muito forte, o Dr. Nelson Tenório, telefonei pra ele. Ele veio e começou a discutir com o coronel, secretário de segurança. Quando eu vi os
dois discutindo eu corri pra rua, peguei um carro e fugi pra casa. Desmoralizado pela minha fuga, ele mandou um investigador me apanhar em
casa. Para não me sujeitar a ir preso, como tinha chegado de Aracaju a
irmã de minha mulher, uma freira, eu me lembrei em fardar, peguei a sua
roupa, vesti e saí, botei aquele chapéu grande, liguei para o meu cunhado vir me esperar na esquina e eu saí de casa vestido de freira: um
investigador em minha porta e quatro no carro. Eu cheguei devagarzinho
dei boa tarde com voz fina e eles me responderam: boa tarde irmã”.
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Oxente! essa é a nossa gente
O Senhor Ribeiro de teço-teco fugiu para Recife, onde passou o tempo de três dias no Hotel Avenida. No quarto dia recebeu a visita de um
tenente, um sargento e dois soldados de Maceió com uma carta da mulher do governador, pedindo para que ele voltasse e colocasse a empresa
para funcionar com urgência, pois o povo estava sem transporte coletivo.
Assim o fez, mas as meninas do colégio na proximidade da sede da
empresa voltaram a criar problemas. “Elas entravam no ônibus, 20, 30 e
gritavam: ninguém paga, ninguém paga. Depois disso, peguei os 21 ônibus, fiz uma fila parei onde foi a rodoviária velha e vendi todos eles
depois de 30 dias. Paguei a todo mundo que devia, não devo a ninguém,
vim para Aracaju e não trabalhei mais. Em Maceió foram dez anos de
trabalho”.
Casou com Sofia Carvalho e com ela teve os filhos: “José Ribeiro Filho, Raimundo Ribeiro, Roson José Ribeiro, a doutora Rosani Ribeiro e a
doutora Elizabeth Ribeiro. Tenho 19 netos e cinco bisnetos”.
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Sílvio Santos: o pintor de parede
maior pintor de parede da história
de Sergipe conta sua vida: iniciouse na profissão aos 10 anos de idade, trabalhou por conta própria aos 16 anos e
tornou-se um mago da profissão. Naquele tempo não existia tinta pronta e, para
fazer as cores, utilizava tinta em pó vinda
da Alemanha. A preparação exigia uma
técnica especial. Ele participou da restauração do salão nobre do Palácio Olímpio
Campos, pintou igrejas de Sergipe e casas de tradicionais famílias
sergipanas, chegando a empregar
mais de 100 profissionais e sendo
responsável pela formação de boa
parte dos pintores de parede que estão no mercado de trabalho. Fugindo do lado profissional, a dedicação às obras assistenciais: fundou a
Colméia Nosso Lar e está na presidência da Fundação Lívio Pereira há
38 anos.
Sílvio Santos nasceu a 12 de novembro de 1921, na cidade de Laranjeiras, sendo filho de José Inocêncio e Maria Eufrásia. O pai era trabalhador braçal que começou na roça, transferindo-se depois para Aracaju,
Publicado no Jornal da Cidade em 12.11.1995
Oxente! essa é a nossa gente
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onde trabalhou como masseiro na construção civil, inclusive na construção do Hospital de Cirurgia. Era um homem simples, que passou para o
filho exemplo de dignidade no trabalho e de muita luta para conseguir o
necessário para a família. “Naquela época a vida era mais dura”, recordase. De sua mãe, aprendeu ainda menino que era preciso trabalhar com
disposição para defender o pão. A mãe participava das despesas da casa:
criava frangos e preparava comidas para os filhos venderem na feira.
Oxente! essa é a nossa gente
ARACAJU - Sílvio chegou a Aracaju nos braços, quando seus pais deixaram a vida na roça. Foi para a escola com oito anos de idade, mas não
todos os dias, pela necessidade de ajudar em casa. Trabalhava no Mercado de Aracaju, vendendo verduras, pela manhã, e pamonha e pé-demoleque, pela tarde. “Uma vida muito difícil, para disputar o pão de
cada dia”. Estudou num grupo escolar da rua Vitória, mas deixou a escola por causa do trabalho.
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RECUPERAÇÃO DE IGREJA - Com dez anos de idade, foi aprender a
profissão de pintor. “Tinha um irmão que era mestre e me levou para
trabalhar.” Entusiasmou-se pela aprendizagem nos primeiros contatos
com pincéis e tintas. Sua disposição era tão grande que logo foi apresentado a um engenheiro recém-chegado da Alemanha que estava selecionando pintores para um trabalho que ia desenvolver em Sergipe.
Mostrando qualidade no serviço, foi aproveitado pelo engenheiro para
o serviço de pintura em igrejas, museus e prédios antigos vinculados ao
patrimônio histórico. Foram seis anos de intenso trabalho, circulando
por inúmeras cidades do interior do Estado, que foi de muita importância em sua vida profissional, pois aprendeu a técnica de recuperação de
pintura de parede, além de ser gratificado pela conquista de toda a freguesia que o engenheiro tinha em Sergipe, quando este retornou ao país
de origem. “Ele foi meu mestre e com ele aprendi essas pinturas de igreja, de imagens, de santa. Pintei por todo canto: em Laranjeiras, São Cristóvão, Simão Dias, em todo canto.”
Com apenas 16 anos, quando começou a trabalhar por conta própria,
já era reconhecido, já era o pintor Sílvio Santos. E a fama foi longe,
valendo-lhe alguns trabalhos fora de Sergipe, principalmente no Estado
de Alagoas. As famílias tradicionais da cidade, que Sílvio chama de “famílias nobres”, passaram a confiar os serviços de pintura a ele. Bastante
solicitado, não teve outra alternativa se não a de formar a sua equipe.
Surgiu assim o maior professor de pintura de parede que Sergipe já teve.
“Fui um professor de pintura sem curso e quem mais ensinou a oficiais
em Aracaju. A maioria dos pintores de Aracaju aprendeu comigo.”
CONSTRUTORA EUFRÁSIA - Conseguindo formar dois filhos em Engenharia (Ismael e Roberto), decidiu ampliar o serviço de empreitada em
pintura e montou a Construtora Eufrásia. Mas sem poder competir com
as grandes construtoras, sem obras para realizar, tempos depois resolveu
acabar com a construtora e voltar a lidar com tinta, desta vez apenas na
comercialização. Ainda hoje está na ativa, atuando como empresário do
comércio, como proprietário da Casa da Pintura.
Quando era rapaz, pintou e bordou no futebol amador sergipano,
fazendo sucesso como meio-campo. Além de jogador, foi diretor do
Minerva Futebol Clube. “Naquela época, o futebol amador fazia sucesso.” Foi badalado nos estádios e na imprensa como “Ventania”, o jogador
mais rápido do futebol daquele tempo. Foi campeão do Estado por cinco
vezes consecutivas e conta que sua fama foi longe.
Reservava um dia da semana para treinos e o domingo, para jogar
com a camisa do time, no interior e na capital. “Foi um tempo alegre. Ia
Oxente! essa é a nossa gente
MISTURANDO TINTA - De dois a três pintores nas primeiras empreitadas, com o passar dos anos sua equipe de trabalho chegou a ter mais de
100 profissionais. “Tinha serviço em todo o Nordeste.” Com a fama, em
Aracaju, toda construção de grande porte era confiada a ele. Não existia
tinta pronta e a praticidade para o trabalho como hoje. “As tintas eram
feitas com o pó que vinha da Alemanha. Hoje, é só chegar e pronto, tudo
é muito fácil. Mas Pouca gente sabia misturar tinta.”
Ao longo de 65 anos de profissão, foram tantas casas pintadas que
lhe é impossível dizer o quantitativo: “Foram algumas centenas.” Mas
sabe porque fez sucesso e conquistou grande clientela: “Era caprichoso,
só fazia o meu serviço bem feito. Eu era um pintor que tinha o privilégio
de atender bem as madames.”
437
para o interior de caminhão. Uma época em que o jogador brigava um
com o outro no campo, mas depois acabava em abraço. Hoje, por qualquer discussão querem matar.”
Na rua Simão Dias, numa escola particular que funcionava onde é
hoje a Rádio Cultura, conseguiu com muito trabalho concluir o curso
primário. “Tinha um moço que dava banca pela noite.”
Oxente! essa é a nossa gente
COLÉGIO DO SALVADOR - Como não tinha recursos para pagar os
estudos dos filhos, num determinado período de sua vida, trocou os
estudos por prestação de serviços. Hoje é reconhecido aos responsáveis
por uma sólida base educacional, que possibilitou a formatura dos filhos. “Meus filhos estudaram no melhor colégio de Aracaju, o Colégio
do Salvador, de Dona Mariá e de Dona Barnadete. Pintava para elas e me
disseram certo dia que meus filhos iam estudar lá. Quando era sábado,
domingo ou um feriado, ia lá e pintava. Elas gostavam muito do meu
serviço e ainda hoje são minhas amigas. Devo muito à família Galrão.
Todos meus filhos que estudaram no Colégio Salvador se formaram.
Agradeço a Dona Bernadete, Dona Mariá e Seu Marcolino, pessoas ótimas, verdadeiramente cristãs.”
438
CATEDRAL E PALÁCIO - Ter pintado a Catedral Metropolitana de Aracaju
foi uma das glórias de sua carreira profissional. Mas pelo relacionamento
com colegas de profissão e clientes, tem muita saudade de todo o tempo
em que atuou como pintor de parede. E quem mais prestou serviço de
pintura para o governo do Estado foi ele, que fez todo tipo de pintura,
inclusive a recuperação da pintura artística do Palácio Olímpio Campos.
“Na ocasião, Djenal Queiroz assumiu o governo. Tinha o Salão Nobre do
palácio. Veio uma arquiteta que queria mandar apanhar em São Paulo um
pintor. Aí, o governador, que era muito meu amigo, disse que tinha uma
pessoa em Aracaju que sabia fazer o trabalho. Mandou me chamar e
entregou o trabalho. A arquiteta sabia desenhar, mas não sabia preparar
as cores. Eu fiz a restauração, junto com a arquiteta, do Salão Nobre.”
INSTITUIÇÃO - No Grupo Espírita Irmão Fêgo — Fundação Lívio Pereira —
, no bairro Siqueira Campos, uma história para mostrar o transbordar de
COLMEIA NOSSO LAR - Outra obra que recebe sua marca é a Colméia
Nosso Lar, que inicialmente funcionou como orfanato. Hoje, nas seis unidades, abriga mais de 162 crianças, no regime de semi-interno. “A idéia
surgiu pela constante leitura da revista Nosso Lar. Toda noite, colocava a
revista debaixo do travesseiro. Um dia de domingo, de manhã cedo, após
sair da meditação, avistei o terreno da esquina do centro e pensei em
comprá-lo para construir casas para aluguel, com finalidade de proporcionar renda para o centro. Fui comprar o terreno. Quando cheguei na casa
do corretor, recebi a notícia de que praticamente todo o terreno tinha sido
vendido e que só restava um pequeno lote de oito metros de frente. Fiquei
com o lote. O vizinho desistiu e, no fim, foi a mesma coisa: comprei tudo.”
De posse do terreno, Sílvio percebeu que a idéia de construir casas
não foi vista com bons olhos pelos colegas de diretoria. Deixou o terreno
de lado até que, numa certa noite, lendo um conto na revista Nosso Lar,
que falava sobre uma iniciativa chamada colméia, para abrigar crianças,
onde uma “tia” seria responsável por cada grupo de oito, surgiu a idéia
de fazer uma obra para abrigar crianças.
Oxente! essa é a nossa gente
bondade do seu coração, no amor ao próximo. Esteve lá pela primeira vez
ainda adolescente, pela simpatia à doutrina espírita. Quando já era frequentador
assíduo, ficava de fora das atividades do centro. Até que um dia, pelo peso
de um sério problema — que não revela —, sentiu a solidariedade quando
ouviu de um irmão de fé “de que era um dos nossos e que estava junto com
ele. Tinha na época uma Fobica e assim fiquei freqüentando o centro com
grande interesse. Após dois anos de sócio assíduo, me tornei conselheiro.
Na época, o centro era dirigido por Monteiro de Jesus, Edson Fontes e Milton
de Oliveira. Após quatro anos, eles me fizeram presidente.”
Com 38 anos na presidência da Fundação Lívio Pereira, uma vida de
realizações. Encontrou em funcionamento o Albergue Lívio Pereira e logo
constatou que existia algo errado. “A pessoa vinha para cá dormir até
conseguir trabalho. Dormia e de manhã ia embora. Mas se tornou uma
casa em que o malandro queria fazer da obra uma casa de prostituição.
Não aceitei e mudei a filosofia. Então, fiz a Escola Reunida Sérgio Nogueira, que hoje é complementada com a Escola de Corte e Costura Maria
Barbosa e Escola de Datilografia Monteiro de Jesus.”
439
Oxente! essa é a nossa gente
440
DIVALDO FRANCO - Primeiramente, lançou a idéia para a diretoria,
sendo rejeitada. Com a vinda do pregador espírita Divaldo Pereira Franco, que foi até o centro proferir uma palestra, o sinal verde foi dado.
“Divaldo disse em público que estava sabendo que tinha alguém desejando fazer uma obra destinada às crianças. Depois disso, fui procurado
pela doutora Laura Amazonas, que quis saber como tinha surgido a idéia.
Ela ficou entusiasmada e se comprometeu a tomar conta de parte das
crianças. Com isso, pude tocar em frente a obra.”
Passado mais um tempo, num terreno em frente à Fundação Lívio
Pereira, construiu a Creche Irmã Sheila, que abriga 60 crianças. “A creche
é considerada cinco estrelas.” No início de 96, colocará em funcionamento um colégio que atenderá ao primeiro grau e ensinará diversas
profissões. “Tudo de graça. Mantemos a entidade com a colaboração dos
sócios e doações. Agora mesmo, meu filho Francisco pegou a documentação para pedir gêneros alimentícios ao Exército.”
Sente-se realizado com a obra social que desenvolve através da Fundação Lívio Pereira. “Não tenho mais aspiração de ser rico, só de viver.
Meus filhos estão criados, a maioria formada. O que é o resumo da vida:
nascer, trabalhar, brincar, gozar e morrer? Não é só isso. Tem outra finalidade. Se você deixar o bem que você foi portador para muita gente,
repercute melhor. Todos os dias, estou dizendo aos meus filhos: trabalhem, façam seu pé-de-meia, mas pensem nos outros.” Seu sonho é encontrar um substituto para continuar a obra da fundação. “Não me sossego até encontrar essa pessoa.”
FAMÍLIA - Do casamento com Iná Silva, 10 filhos: “Vou começar com
Virgínia, Eufrásia, Sônia, Sílvia, Sheila, Francisco, Peralva, Roberto,
Manoel e Ismael.”
Sobó do Iate
arlos Augusto Prejuízo nasceu a 31 de
maio de 1949 em Aracaju. Seus pais:
Antônio Prejuízo e Maria Augusta Prejuízo.
Seu querido pai foi militar, tendo sido ordenança do general Maynard Gomes. Aposentado, terminou a vida tomando conta do
Batistão. O filho o admira por ser bom amigo e conceituado na cidade. Diz que herdou
do pai a honestidade.
De uma mãe que continua viva “pelas graças de Deus” e com muita lucidez aos 74
anos, uma história de coragem e determinação. “Meu pai morreu muito cedo, deixando
nove filhos, sem aposentadoria. Ela, com a
lavagem de roupa, sustentou todos os filhos,
dando tudo que foi necessário e nunca deixou de proporcionar carinho a todos eles.
Por isso, por ter sido uma batalhadora, tanto
eu como todos os meus irmãos a admiramos
pela força e persistência que teve”. Garante
que herdou o lado humano e trabalhador da
mãe.
Somente estudou o curso primário, no
Grupo Barão de Maruim, que funcionava na
avenida Ivo do Prado, no prédio que abrigou a Faculdade de Direito e
onde hoje funciona o Cultart. Os estudos aconteciam no turno da ma-
Oxente! essa é a nossa gente
C
Publicado no Jornal da Cidade em 6.5.2001
441
Oxente! essa é a nossa gente
nhã. À noite, junto com os irmãos, fazia a entrega das roupas que a mãe
lavava para garantir o sustento da família.
O pai fazia a guarda do campo do estádio de Aracaju e, antes de
morrer, teve direito a construir uma modesta residência no terreno do
Estado onde anos depois acolheu a Deso. Assim, Carlos Prejuízo sua
mãe e irmãos viveram grande parte de suas vidas no bairro 13 de Julho.
442
CINEMA NO IATE - Morando nas proximidades do Iate, menino pobre,
mas cheio de energia e muita força de vontade, despertado pela notícia
da exibição de filmes num dia da semana no aristocrático clube de Aracaju,
aos pouquinhos foi chegando, primeiramente ajudando os funcionários
do Iate a arrumar as cadeiras para o funcionamento do improvisado cinema. Isso lhe assegurava o direito a assistir ao filme em exibição. Sempre
cordial e prestativo, em pouco tempo conquistou funcionários, diretores
do clube e associados. “Nessa época, eu tinha oito anos de idade.”
O cinema abriu-lhe espaço para conquistar alguns trocados tomando
conta de carros e proporcionou-lhe depois oportunidade de trabalho,
quando o associado Élcio Campos Martins, então diretor de esporte do
Iate, o convidou para ser roupeiro do time de futebol de salão. “Isso
aconteceu em 1963 e eu estava com 14 anos de idade. Como era menor e
não podia ser registrado, recebia através de recibo.”
O time de futebol de salão do Iate era na época um dos melhores,
chegando a conquistar o campeonato estadual por diversas vezes. Desse
time, Carlos Prejuízo lembra-se bem. “Era Luís Carlos Feitosa, o Bagaço,
Hélio, Élcio, Fernando Soares e Raimundinho. Chula era o reserva, mas
era um reserva autêntico, pois não faltava uma partida e quando faltava
um jogador era quem entrava.”
A vida de roupeiro durou até 1970. “Surgiu uma vaga de porteiro e
seu Tênisson Freire, que era o comodoro do clube, me aproveitou. Como
o comodoro não brincava em serviço, ficou sempre de olho na portaria e
só entrava mesmo quem era sócio. Foi daí que comecei a desempenhar a
minha responsabilidade dentro do clube.”
Foram cinco anos de portaria, numa época em que o Iate oferecia aos
domingos um jantar dançante dos mais concorridos. Sobrava para Prejuízo a tarefa mais árdua: cobrar a carteirinha na porta do Iate e ir atrás dos
SOBÓ - O apelido, Sobó, não se lembra quem assim o chamou pela
primeira vez, mas não esquece que o batismo aconteceu quando passava
em frente a uma oficina que ficava perto de sua casa, quando tinha exatamente cinco anos de idade. “Quando eu passei, um motorista disse para
os amigos: ‘Olhem, parece um sobó’. E daí esse apelido ficou até hoje.
Certa vez, uma pessoa chegou a me dizer que sobó era um boi que não
chegou a crescer, um gado pequeno.” Confessa que no primeiro instante
não gostou, mas como pegou, embora nunca tivesse ligado, hoje no Iate
só é conhecido como Sobó. “A única pessoa que não gosta é a minha
mãe. Ela, quando liga para o Iate, tem de me chamar de Sobó. Ela realmente não gosta e toda a minha família me chama de Carlinhos. O interessante é que se alguém procurar no Iate por Carlos Augusto vai receber
a resposta que essa pessoa não trabalha no Iate.”
Coube a Laonte Gama, em sua primeira administração na comodoria
do Iate, a colocação de Carlos Augusto numa função de maior destaque e
maior responsabilidade: gerente de limpeza. “Foi aí que eu deslanchei.”
Na gestão de Viana de Assis foi promovido a adjunto administrativo,
cargo que ocupa até hoje.
LEVANDO AS MOCINHAS - Querido por várias gerações de associados, Carlos Augusto conquistou os amigos com um trabalho que até
hoje desenvolve com muita dedicação e honestidade. “Esta semana conversava com Paulo Gusmão, que realizou o aniversário de sua filha no
clube. Ele me perguntou que carisma era aquele, que o pessoal presente, de mesa em mesa, fazia questão de me chamar para falar. Disse para
ele que era uma dedicação minha, o modo de tratar. Muita gente não
sabe, mas quando tinha baile, as meninas de 14 e 15 anos, os pais me
davam a responsabilidade de levá-las para casa. Pegava um táxi ou, se
fosse perto, eu ia a pé até a casa e levava a mocinha, que hoje já é mãe
ou até já é avó.”
Oxente! essa é a nossa gente
penetras circulando pelo salão. A ordem de Seu Tênisson era uma só: olhou
para os sapatos, encontrou marcas de lama, o caminho era um só: rua.
Fora do ambiente do Iate, o tempo era ocupado jogando futebol no
Bariri e no campo do Adolfo, além de banhos no rio Sergipe.
443
Oxente! essa é a nossa gente
Sobó considera o Iate sua segunda casa e só tem a agradecer aos associados o carinho que têm para com ele. Jamais esquecerá das grandes
festas de aniversários, réveillon e os carnavais do Iate do passado. “Era
um carnaval onde as famílias compareciam ao clube fantasiadas. Um
carnaval cheio de associados. O Iate anunciava a venda das 234 meses
do salão para o carnaval num dia e no outro começava a venda às 8
horas. Quando chegava às 11 já não tinha mais mesas.”
Casou com Rosimeire e tem quatro filhos: Rogério, Frede, Carla e
Sara. É avô de dois netos: Pablo e Rodrigo. “Proporciono aos meus filhos
tudo aquilo que não tive na infância, principalmente educação. Acho
que eles são gratos por isso.”
444
Thenysson Araújo: um aviador sorveteiro
um privilegiado quem pôde saborear os sorvetes do Thenysson
Araújo. Orgulho da terra, produto de
exportação, atração turística, sorvetes
que freqüentam os congeladores das
mais ilustres personalidades da vida
nacional. Sorvetes que mereceram notas nas colunas sociais dos mais badalados jornais do País. Sorvete de fama,
com uma qualidade que assegura o
padrão das nossas frutas tropicais.
Mas pouca gente sabe que os sorvetes do Araújo, o “embaixador extraordinário e plenipotenciário da gostosura”, como diz o jornalista Clarêncio
Fontes, são os sorvetes da conhecida
e badalada Cinelândia, que abastecia a
sobremesa do Palácio da Alvorada, nos
jantares e almoços mais qualificados,
desde a época da Revolução de 64 até
o governo Sarney. Graças à iniciativa
do senador Lourival Baptista, responsável pela chegada da guloseima presidencial a Brasília.
Numa visita do então presidente Sarney a Cuba, a coluna política do
Jornal de Brasília informou (edição de 14 de janeiro de 1988, pág. 2): “O
Oxente! essa é a nossa gente
É
Publicado no Jornal da Cidade em 3.9.1990
445
Oxente! essa é a nossa gente
446
senador sergipano, mesmo sem qualquer ligação com o barbudo Fidel,
vai oferecer ao presidente Sarney sorvetes de mangaba, sapoti, pinha,
jaca, manga e coco da Sorveteria Cinelândia, para o presidente retribuir
os presentes de charutos havana que o seu colega de Cuba, Fidel Castro,
lhe tem mandado.” A colunista concluiu a nota. “De uma coisa tenho
certeza: Fidel Castro vai adorar, porque consta que esses são os melhores
sorvetes do Brasil.”
O jornalista João Saldanha, em 13 de abril de 1988, no Jornal do
Brasil, abriu a sua coluna com o seguinte parágrafo: “Outro dia estive em
Aracaju, no recente congresso da Abrace. Melhorou e cresceu muito.
Pelo menos na Atalaia e por ali até o Centro. Hotéis bonitos e de muito
conforto. O sorvete já era o melhor do Brasil há muito tempo. A Sorveteria Cinelândia está lá mesmo. Mandava para a Amália Lucy Geisel cinco
quilos de frutas todos os dias pela Transbrasil. Ela era doida pelo sorvete
e acho que ainda é. Claro que dividia com o pessoal mais próximo. Mas
o sorvete é de exportação.”
A revista Gourmet – Internacional, número 32, dedica a edição para
sorvetes com o título: “Novidades refrescantes”. Na reportagem, assim
fala sobre o poder tropical dos produtos da Cinelândia: “Tomar um sorvete em Aracaju deveria ter a devida consideração dos privilégios. É um
favor do nordestino poder segurar um simples copinho, ou se lambuzar
diante de uma taça com sabores e cores dos mais atrevidos. A variedade
das frutas regionais merece todas as exclamações. E a sorveteria mais
tradicional, a Cinelândia, soube perfeitamente como aproveitar essa profusão de perfumes e gostos. Sorvete de graviola, de mangaba, de umbu,
de caju, de seringuela, de manga, de tamarindo, de sapoti, de goiaba.”
Agora com o Collor, parece que o senador Lourival Baptista ainda não
descobriu o sabor do sorvete do presidente. Enquanto isso não acontece,
os sorvetes da Cinelândia continuam fazendo sucesso dentre os bons
apreciadores de sorvetes de todo o Brasil.
SEM QUEIXA - Thenysson Araújo, da Cinelândia, é o mestre do sorvete. Muita conquista pelo trabalho e pela explosão do seu produto, que é
devorado, lambuzado por gente importante. Tem orgulho disso, mas a
sua grande realização é receber a visita de indivíduos, já com família,
UM VÔO COM WALTER BATISTA - No dia 20 de dezembro de 1921, ele
chegou. Filho de Arnon e Adolpha Araújo, freqüentou o banco escolar
por dois anos. Passou pelo Grupo Escolar Dom José Tomaz, no bairro
Industrial, onde nasceu e foi criado. Por ser arrimo de família, começou
a trabalhar, no ano de 1935, como garçom no Salão Recorde. “Era um
salão que ficava bem em frente ao Cine Rio Branco. Tinha cinco sinucas
e, na frente, um balcão de café. Nós tínhamos funcionando na área outras casas, como o Ponto Chic e o Salão Central.”
Foi com 14 anos que iniciou a pegar na bandeja e conquistar a simpatia
dos clientes, freqüentadores assíduos do salão de sinuca. “Nessa época, já
gostava de aviação e me alistei no Aeroclube de Sergipe, onde fiz o curso de
piloto.” Na época, era uma grande novidade um garçom do Brasil concluir
um curso de piloto, pois somente na Alemanha, por causa da guerra, os
garçons chegavam a pegar em avião. Seu Tenysson assistia a muitos filmes
de guerra, vibrava com os americanos e um em especial deixou-lhe entusiasmado: “Vinte Mil Homens Por Ano.” Lembrou que o filme apresentava a
história da formação de pilotos pelos americanos para o caso de alguma
emergência. Com a criação do Aeroclube, aí não resistiu e passou a paquerar
diariamente os aviões. “Todos os dias eu ia para lá. Saía do serviço meianoite, me acordava e começava a namorar os aviões. Era uma louca paixão.”
Oxente! essa é a nossa gente
encaminhados na vida, que passaram pela Cinelândia como vendedor
de rua, de picolé. Araújo sempre atendeu bem os meninos de rua da
cidade. Um picolé, um sorvete, para o momento e para os que querem o
trabalho: a caixa, o produto, direito a uma merenda e à confiança, sem
mais conversa. Confessou uma coisa que nunca disse para ninguém:
nunca chegou a ir à polícia prestar queixa dos vendedores que não voltaram para fazer a devida prestação de contas.
Um sorveteiro vitorioso que começou de baixo, com uma história
fantástica: foi garçom. Um garçom fanático por aviação, que freqüentava
o Aeroclube de Aracaju, nos dias de folga, passando horas e horas deslumbrado com as aeronaves. Araújo tornou-se o garçom piloto, único
caso no Brasil e segundo no mundo, segundo conta. Foi esquecido nas
comemorações dos 50 anos do Aeroclube. Mas deixa isso pra lá, pois a
sua estrela guarda um brilho diferente que todos percebem.
447
Oxente! essa é a nossa gente
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O interesse do jovem garçom, a sua constante presença no clube,
despertou a atenção de Walter Batista, presidente e fundador do Aeroclube
de Sergipe, velho conhecido de Tenysson, de rodadas de sinucas, freqüentador constante do Salão Recorde. O Walter chegou até a levar o
garçom de carona em um dos seus vôos. Foi o suficiente para deixar o
rapaz louco de desejos de pilotar uma aeronave. Sua força de vontade foi
tão grande que venceu e passou a figurar entre os primeiros pilotos do
Aeroclube, participando do seu quadro social. Através de uma bolsa de
estudos patrocinada pelo governo Maynard, com 25 horas de vôo, conseguiu concluir o curso. Por todos os cantos seu riso era visto e comentado: “Naquela época, era a coisa mais linda do mundo automóvel e,
principalmente, avião. Em um avião, era coisa de louco.” Araújo guarda
como recordação uma grande quantidade de fotos dos seus momentos de
piloto e na sua mente ficou gravada a declaração feita na entrega do brevê
pela autoridade que fez os exames. “O capitão Junqueira, na hora do
almoço que nós oferecemos à turma que veio nos examinar, se levantou e
disse que o Aeroclube estava de parabéns por ser o primeiro caso no
Brasil de um garçom como piloto. Eu julgando que aquilo estava me
humilhando, comecei a chorar. Meus colegas disseram-me que era um
elogio e, mesmo assim, fiquei com as minhas dúvidas.”
Araújo chegou a fazer 700 horas de vôo. Era com um avião Paulistinha
que mais voava, chegando a viajar até Salvador e Recife. Considera-se
um dos fundadores do Aeroclube e chegou a vender bilhetes para a compra do primeiro avião. Um fato curioso foi a ocorrência de um acidente
aéreo. Quando o avião que pilotava sofreu uma pane e caiu, alguns
oficiais da Aeronáutica foram procurá-lo no seu local de trabalho. “O
tenente perguntou: ‘Quem é o piloto aqui?’ Aquele ali. ‘Estou procurando o piloto?’ Está ali! ‘Você está brincando: estou procurando um piloto
e você aponta para um garçom?’”
Era o início de um inquérito para apurar as causas do acidente. “Foi
uma pane magnética. Tinha uma namorada na Barra dos Coqueiros, estava voando a poucos metros de altura e passava dando raso. Num dos
rasos o avião pifou e fiz um pouso em cima do mangue. Aí minha mãe
me pediu e eu larguei a pilotagem.” Araújo era um rapaz que gostava de
velocidade numa época em que os carros da cidade eram contados a
HISTÓRIA DA CINELÂNDIA - Participando de um congresso de pilotos
em Recife, ficou impressionado com o movimento de uma determinada
sorveteria do centro da cidade. Estava à procura de algo com que ganhar
mais grana e constituir família. “Na rua da Aurora, vi aquele movimento
de carros. Cheguei perto e constatei que era provocado pelos sorvetes,
que eram servidos em taças. Fiquei entusiasmado e tive a sorte do sobrinho do dono da sorveteria ser um colega piloto. Marcamos um encontro
e fomos visitar a tal sorveteria. Lá, olhando, aprendi e voltei a Aracaju
com a idéia na cabeça de montar uma sorveteria.” Araújo confessou que
a Cinelândia, aos 34 anos de atividade, mantém a receita básica que trouxe da sorveteria Guemba, de propriedade de uma família japonesa. Mas
tem alguns segredos seus, frutos de longas experiências que não conta
para ninguém.
Até hoje, a sorveteria está instalada no mesmo imóvel do início de
suas atividades. “Eu vim assistir a um filme da vida de Lampião no
Cinema Rex e, ao sair, olhando para o prédio em frente ao cinema, encontrei uma placa que anunciava a venda do ponto. Resultado: fechei
negócio no outro dia, pois o grande atrativo do ponto era a sua localização.” Com o ponto comercial na mão, casa logo com Maria Luzia dos
Santos. Araújo passou a residir no mesmo local onde iniciou a vida de
sorveteiro. As amizades que fez no tempo de garçom ajudaram. Confessa
que tinha uma certa camaradagem com os negociantes da cidade, freqüentadores do salão de sinuca e, com isso, a compra do equipamento
para a montagem da sorveteria foi na base da credibilidade dada por
firmas como P. Franco, A Elétrica e Casa das Louças. “Tudo eles me
financiaram, pois eu fui garçom deles.”
O NOME CINELÂNDIA - Abriu a casa no mês de julho de 1956, somente fazendo picolé. Era um picolé diferente que surgia na cidade, pois
tinha alguns segredos: colocava pouca água, muita fruta e açúcar na medida. “Quando as meninas iam para o cinema com os seus namorados,
Oxente! essa é a nossa gente
dedo. Motos, uma ou outra. E ele metido com aviões, fazendo das suas.
“Era a mocidade. Na Atalaia, eu voava baixo, dava os meus rasos, brincava muito, foram onze anos de vôos.”
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Oxente! essa é a nossa gente
levavam uma revista que fazia um grande sucesso com a juventude da
época, de nome Cinelândia. Notei que elas gostavam muito da Cinelândia
e aproveitei o nome.”
Quando o negócio começou a crescer, passou a fornecer picolés para
as cantinas da Escola Normal e Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o
conhecido Colégio das Freiras. “As senhoras que estão casadas aí, desde
o tempo de colégio, já saboreavam o meu produto.”
Mas só depois de algum tempo de picolé, sentindo segurança no
produto, partiu para a produção de sorvetes. “Eu vinha fazendo aos
pouquinhos, para experimentar. Dava a um, a outro, perguntava a opinião, aproveitava e já ia fazendo a minha propaganda. Como eles achavam o meu sorvete diferente dos outros, continuei, com a preocupação
de manter o produto bem macio. Ganhei a freguesia.” Os outros segredos
não conta. Confessa que os sorvetes de antigamente eram mais gostosos
e explica os motivos: “Hoje, o sabor do sorvete é diferente da época
quando iniciei, pois agora botam carboreto nas frutas. Antigamente, recebia a mangaba bem madura e era melhor. Existia manga rosa. Havia frutas
demais e frutas que amadureciam no pé.”
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QUASE PIONEIRO - Araújo conta que a primeira sorveteria de Aracaju
foi a Primavera, localizada na rua João Pessoa. Depois apareceu a Iara,
criada por João Maynard, passada depois para Dermeval e finalmente
para o Carlos. E a Cinelândia que foi a terceira.
Quanto ao senador Lourival Baptista, ele sempre foi um apreciador
dos sorvetes da Cinelândia. Como tinha mania de presentear amigos e
autoridades com coisas da terra, nunca deixou de retornar a Brasília com
um estoque de sorvetes, com os mais variados sabores “Tudo iniciou na
época da revolução. Em 1965, ele levava para o seu consumo, depois o
sorvete passou a fazer sucesso. Foi bastante consumido na época de Geisel,
Figueiredo e Sarney.” Lourival já levou para o Collor? “Está cedo, entrou
ontem coisa e tal... vamos aguardar.”
Tia Rute: a fundadora da Avosos
aria Ruth Wynne Cardoso nasceu a 15 de agosto de 1929 na
cidade de Aracaju. Seus pais: Francisco Eduardo Wynne e Débora da
Costa Wynne.
Seu pai foi o primeiro eletricista
na qualidade de funcionário público
estadual e faleceu vitimado por um
acidente de trabalho quando retirava
as linhas de alta tensão dos bondes
que existiam numa Aracaju do passado, justamente a última, na avenida Ivo do Prado, na proximidade da
Praça Inácio Barbosa, em frente ao
casarão da família Rollemberg. “Ele
recebeu a descarga, mas não foi isso
que causou a sua morte, foi a queda.” De seu pai herdou a aparência
física e com ele aprendeu a ser pontual nos compromissos e transparente nas ações. Sua mãe foi exemplo
vivo de doçura e dela a filha aplica
em vida a tolerância, a renúncia e a
bondade. “Para salvar uma criança ela entrou num incêndio e conseguiu o que estava determinada a fazer. Estava com 33 anos de idade,
Publicado no Jornal da Cidade em 28.7.2002
Oxente! essa é a nossa gente
M
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Oxente! essa é a nossa gente
ficou mutilada e por isso eu não cheguei a conhecê-la com os dois
braços. Ela tinha ido visitar uma amiga no bairro Industrial que tinha
tido um filho e na casa não tinha energia. A amiga foi mostrar o recémnascido e, ao tirar a criança da cama, o cortinado encostou na placa que
tinha um tubo de vidro e a chama pegou no cortinado de tule por
inteiro. A dona da casa ficou viva e minha mãe salvou a criança, mas
amputou o braço esquerdo.”
No Colégio Tobias Barreto do tempo do professor Zezinho Cardoso,
com a professora Djanira Tavares, os momentos iniciais dos estudos,
todo o curso primário e o ginasial. Partiu para o científico no Atheneu e
também fez o curso técnico em Contabilidade, na Escola Técnica de Comércio de Sergipe, estudando no turno da noite.
Casou no mesmo ano em que terminou o curso técnico, no mês de
dezembro, com Ag-Hur Cardoso, um sergipano de Estância, engenheiro
agrônomo. Passou a morar na cidade de Japoatã e, após um ano, fixou
residência no Rio Grande do Sul, por conta de compromisso profissional do marido. “Ele trabalhava na parte de beneficiamento de trigo e na
pesquisa, já que era do CNPq”. Depois de Porto Alegre, mais oito anos
no Recife e depois São Paulo, retornando a Aracaju.
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EXCEPCIONAL - Com uma filha excepcional, desde que morou em Porto Alegre dedicou a ela uma atenção especial, integrando-se ao Clube de
Mães, quando tomou conhecimento da criação do Centro de Reabilitação
Motora de Porto Alegre, entidade na qual esteve presente desde os momentos iniciais. “Começou numa garagem e hoje é grande.” No Recife,
também se inseriu num clube de mães, chegando a ser coordenadora, e
no Centro de Reabilitação Motora do Nordeste, como usuária. Em São
Paulo, fez presença no Centro de Reabilitação da Vila Mariana.
O casal separou-se e Maria Rute voltou à terra natal, onde passou a
ter no Centro de Reabilitação Ninota Garcia, que acolheu sua filha, outra
história de presença constante e participação. Para sobreviver, trabalhou
em casa fornecendo marmitas e fazendo doces, salgados e bolos confeitados. “Sobrevivi com isso e formei a minha filha Tirzah em Medicina.
Depois de despachar escondido toda a minha freguesia, ela me proibiu
de trabalhar.”
VOLUNTÁRIA - Sobre a caminhada como voluntária, revela fatos
comoventes que serviram de estímulo ao trabalho de doação. “Teve uma
criança que a mãe rejeitou. Eu não tinha como ampará-la, mas uma das
minhas voluntárias ficou. Por coincidência da vida, tinha o mesmo nome
da mãe dele. Essa criança me marcou muito. Ela tinha o rosto deformado, mas era uma criança meiga, uma criança tolerante, pacífica. Com dois
anos, ela morreu. A voluntária que a acolheu me disse que foi a época
mais feliz de sua família.”
Passado o tempo da internação, retorno dos pacientes ao lar e certeza
da volta ao hospital para revisão ou continuidade de tratamento. Vendo
que seus queridos doentes estavam na calçada do hospital à espera do
dia seguinte para serem atendidos, já que nem sempre exista vaga, ou
para retornarem, quando ficavam à espera de ambulância, para tirá-los
do sol e da chuva, resolveu levá-los para casa. “Foi assim que nasceu a
Casa de Apoio.”
Depois da chegada de Ana Maria, que se somou ao trabalho voluntário de Maria Rute no Hospital de Cirurgia, vieram Ana Iná Souza Leão e
Oxente! essa é a nossa gente
Residindo na proximidade do Hospital de Cirurgia, na rua Nossa
Senhora das Dores, no ano de 1980 iniciou o trabalho voluntário na área
do câncer infantil daquele hospital. Ir ao hospital todos os dias era algo
prazeroso para ela. Visitava todas as alas, sempre conversando e servindo aos enfermos e, nesse envolvimento, não demorou a descobrir que o
setor que mais lhe comovia era o da Oncologia. “Muito esquecido, onde
muita gente precisava de tanto carinho e não tinha quem desse. Então eu
me identifiquei com eles. Tinham os adultos e muitos naquela época não
recebiam visita. Passavam um tempo enorme internados no hospital, bem
diferente de hoje, e os familiares não podiam vir, pois estavam cuidando
da lavoura, das crianças. Aquilo me dava muita pena. Para melhorar um
pouco essa situação de tristeza, eu levava bolo e ficava com eles. Escrevia
para as famílias e conversava muito.”
Contando para a vizinha de casa, Ana Maria Lobão Maciel, os
confortantes momentos vividos ao lado de pessoas necessitadas, a convidou a acompanhá-la na visita seguinte. “Ana foi assim a minha primeira voluntária sem nenhuma pretensão de chegar hoje aonde chegamos.”
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Oxente! essa é a nossa gente
depois Judite Lobão. “Elas visitavam os doentes todas as quarta-feiras,
quando íamos levar o lanche. Em pouco tempo já éramos sete. Nós íamos para conversar, mas fazíamos outras atividades. Tinha uma que cortava o cabelo das crianças e até dos adultos. A Marli passou a cuidar das
cartas e a chamávamos de Pero Vaz de Caminha, pois era a escrivã. Tudo
acontecia numa simplicidade tão grande, mas tinha como forte o carinho
e o amor em profundidade passado aos doentes. O Hospital me deu um
outro rapaz. Ele tinha 14 anos. A mãe tinha falecido de câncer, o pai o
abandonou e ele, com um problema na laringe, não tinha para onde ir.
Passou muito tempo no hospital e um dia, quando estava marcada a sua
cirurgia, ele me chamou e disse: ‘Eu só me opero, se a senhora ficar
comigo’. Eu fiz o que qualquer pessoa faria: fiquei com ele. Mas como
tenho até hoje uma filha excepcional, eu tinha certeza que definitivamente não poderia adotá-lo. Passei para uma outra voluntária, Marlene
Andrade. Ele sobreviveu e já casou duas vezes.”
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AVOSOS - Vendo que a casa da rua Nossa Senhora das Dores já não dava
para acolher mais ninguém, pois sempre estava com doentes dormindo
até debaixo da mesa de jantar, o grupo que já contava com 11 voluntários, incluindo o casal Jeane e Wilson, aproveitou a mudança de residência de uma das voluntárias, que tinha partido para uma casa melhor no
Salgado Filho, para ocupá-la com o trabalho de acolhimento aos necessitados. E assim começou uma outra etapa do trabalho de Maria Rute e de
seus voluntários numa casa na rua Nossa Senhora das Dores, esquina
com Ribeirópolis, cedida por um aluguel simbólico.
Com a mudança, chegou-se à conclusão de que era preciso formalizar
uma associação de caráter beneficente. Na discussão para a escolha do
nome, uma palavra ficou de fora: câncer. “O nome Avosos surgiu porque
naquela época o nome câncer era algo que provocava pavor. O povo tinha
medo, excluía demais e, por isso, depois de pensarmos muito, chegamos
à sigla: A de associação, V de voluntários, O de oncologia, S de Sergipe.
Omitimos a palavra câncer, o que hoje já não se omite mais porque,
graças a Deus, estamos vencendo este preconceito.”
Para montar o mobiliário da primeira sede da entidade, Maria Rute
visitava um amigo e, ao dizer que estava necessitando de uma cadeira,
CASA DE APOIO - Em pouco tempo, a casa ficou pequena e graças à
voluntária Telma, que conseguiu com um casal amigo, que fez questão de
ficar no anonimato, uma casa em comodato por cinco anos, no Conjunto
Leite Neto, rua Manoel Tavares de Mendonça, o trabalho pôde ser ampliado. “Já surgiu com o nome na porta: Casa de Apoio da Criança com
Câncer Tia Rute.” Com dois anos de funcionamento da nova sede, Maria
Rute é chamada para uma conversa pela proprietária da casa. Foi até o
seu encontro junto com Telma, com espírito prevenido, pois deduziu
que o assunto a ser tratado só poderia ser o pedido da casa de volta ou a
sua doação. Para sua alegria e emoção, aconteceu a segunda opção. “Foi
para passar a escritura definitiva. Eu saí de lá tão feliz que me esqueci
das outras coisas que tinha para fazer naquele dia.”
Com a conquista da escritura da casa, o grupo de voluntários de Maria Rute, que já era numeroso, e a partir daí cresceu mais ainda. Tempos
depois a casa foi vendida para completar o dinheiro para a compra do
terreno de 3 mil e 600 metros quadrados na rua Leonel Curvelo, onde na
quarta-feira passada, no marco dos 15 anos da instituição, foi lançada a
pedra fundamental.
Para assegurar os recursos necessários para atender à grande procura
de pacientes que passaram a ser atendidos na Casa de Apoio, surgiu a
idéia da criação de uma clínica conveniada com o SUS.
Desenvolvendo um trabalho com os doentes de câncer do Hospital
João Alves Filho, inclusive quando o serviço de oncologia estava completamente parado, a Avosos foi formalmente convidada pela direção
para atuar naquele hospital. “Aceitamos o desafio e fomos pra lá. Tinham
remédios acumulados para uns três meses. Mas saímos do Cirurgia, pois
deixamos os doentes sendo assistidos pela Amo (Amigos da Oncologia),
que é uma filha nossa, uma ramificação, pois foi uma voluntária nossa
que fundou a Amo e também criou uma casa de apoio.”
A Avosos vem funcionando na rua Campo do Brito, 1.182, com uma
clínica e a Casa de Apoio, ambas em prédios alugados. A casa atende por
Oxente! essa é a nossa gente
recebia de imediato a resposta: leve-a. De visita em visita, de panela a
colchão, conseguiu tudo que era necessário. “Consegui botijão, fogão,
cama e muito colchonete.”
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Oxente! essa é a nossa gente
mês de 70 a 80 crianças e a clínica é só para atender convênios, servindo
de suporte à Avosos. Conta hoje com mais de 100 voluntários.
Do casamento com Ag-Hur Cardoso, Maria Rute é mãe de Eduardo,
Tirzah, Ângela e Tânia (falecida).
Sonha em ver construída a sede definitiva da Avosos e tem certeza
que o amor estará presente em todas as paredes da casa. “Sei que Deus
vai me fazer realizar.”
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Tô Te Ajeitando está vivo!
om a marca do tempo registrada na sua
voz grave e trêmula, vestido de pijama,
ele vive num pequeno quarto sem janela onde
não há muito mais do que um urinol debaixo
da cama em estilo colonial preta e uma
moringa no chão. Tô Te Ajeitando está vivo!
Seu corpo exibe marcas cruéis da doença e
da velhice. Um retrato do seu sofrimento no
tempo.
Não circula mais pelas ruas de Aracaju com
aquela farda de vendedor de bilhetes de Loteria Federal, uma farda patriótica, com fitas nas
cores nacionais e com um boné na cabeça, que
deixava-o impecavelmente elegante, chamando a atenção de todos. Ele sabia utilizar bem,
naquela época, uma técnica de marketing para
captar a atenção de todos para o seu produto: os
“bilhetes premiados”. Na roupa, nas mãos e no
pescoço, usava tudo que sua fértil imaginação conseguia produzir para apresentar um visual de um
vendedor de mistérios, de alta confiabilidade, que vende sorte. Só faltava mesmo a bola de cristal, mas parece
que ela está lá dentro de sua cabeça.
Seus instrumentos para induzir os compradores de bilhetes eram
valiosos. Nas mãos, duas alianças de ouro à espera de um possível casamento. Um anel de rubi, duas medalhas, uma de ouro e a outra de prata,
Oxente! essa é a nossa gente
C
Publicado no Jornal da Cidade em 1.4.1991
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Oxente! essa é a nossa gente
além de correntes e da sua famosa cadeira de alumínio com almofada
trabalhada, para os momentos de descanso enquanto aguardava a vinda
dos clientes.
Tô Te Ajeitando já não se incomoda mais com o célebre apelido. Hoje
dá boas risadas. E conta que acharam pouco o apelido de Tô Te Ajeitando e colocaram outro, “Macaca de Maiô”. To Te Ajeitando, um dos destacados tipos folclóricos de Aracaju, o vendedor de bilhetes de loteria que
foi página de um jornal baiano, que foi filme do Festival de Cinema
Amador da Universidade Federal de Sergipe, que foi tema para poesias e
músicas. Muitos chegaram a lamentar sua morte, que foi até registrada na
imprensa local. Mas continua sendo hóspede deste mundo.
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SOLITÁRIO - Tô Te Ajeitando tem muita fé em Deus e vive, apesar dos
sofrimentos, momentos de tranqüilidade, pela segurança que dispõe, morando com pessoas que cuidam e gostam dele.
Tô Te Ajeitando sempre foi um solitário. Suas conquistas no campo
do amor fracassaram. Partiu no seu direito à busca de um sonho em que
todos fracassam. Hoje, na consciência da morte, apegando-se a Deus, Tô
Te Ajeitando ama a vida. Sente-se feliz em ter Marlene, gosta dos filhos
da enfermeira e dos netos de Marlene. Vive num ambiente de família,
cercado de amor, com dignidade, porém pouco dinheiro. Recebe uma
aposentadoria de um salário mínimo que o sustenta, apesar de não dar
para muita coisa, nem para pagar as despesas com a enfermeira, quanto
mais os remédios. Marlene transformou a sala principal da casa em salão
de beleza. Seus filhos, que moram na casa, ajudam no que podem na
compra dos constantes e caros remédios.
OPINIÕES - Para o pesquisador e jornalista Luis Antônio Barreto, Tô Te
Ajeitando sempre foi um homem de mistério. Um desafortunado que vendia sorte, vendia loteria. Um tipo popular útil à sociedade, com seu ponto
comercial. Luis Antônio e Marcos Prado Dias chegaram a documentar a
vida de Tô Te Ajeitando em filme na bola superoito. O pesquisador frisa
bem o valor do trabalho de vendedor de bilhetes. “Outros tipos populares
não tinham atividades. Ele se dizia advogado e vendia bilhetes de loteria e
ficava sempre hospedado na casa de Benjamim Carvalho.”
SEU DOMINGOS - Domingos, este é o nome de Tô Te Ajeitando. César
Augusto Azevedo da Silva é casado com a filha da enfermeira que cuida
de seu Domingos e mora na mesma casa do vendedor de bilhetes. “Seu
Domingos é um homem bom, está lúcido e tudo. Hoje em dia é uma
pessoa que, apesar de estar em uma cama, conhece de tudo e sabe de
tudo.” A mulher de César, Maria Wilma Santos, considera seu Domingos
uma pessoa boa. “Cheguei aqui com 12 anos, vou fazer 22, comecei a
gostar dele e o considero como meu avô. Já tomei conta dele no hospital
e sempre que necessita estou ao seu lado.”
Maria Marlene Santos, a enfermeira de seu Domingos, conta como
passou a desempenhar tal função. “Ele vivia doente e sem ninguém
para tomar conta. Fui procurada pela assistente social e pela juíza e
há onze anos, dia a dia, tomo conta dele. Quando ele adoece, eu o
levo para o hospital. Dou os remédios, cuido da comida, faço tudo.
O tenho como um pai ou um avô, pois ele tem idade para ser meu
avô, não é?”
Maria Marlene, no início, achou o serviço difícil, mas aos poucos foi
gostando e nisso surgiu uma grande amizade. Fala que a Justiça foi quem
Oxente! essa é a nossa gente
A professora, pesquisadora e escritora Lígia Pina lembra que Tô Te
Ajeitando era uma pessoa conhecida e querida por todos. Tô Te Ajeitando faz parte da sua memória. “Quando eu era criança, todo mundo gostava de mexer com ele na rua. Molecada, não é? Mexiam pra valer, quando o chamavam de Tô Te Ajeitando”.
O apelido lhe veio pelo fato de ser metido a conquistador. Quando o
vendedor passava por uma moça, dizia:
— Tô te ajeitando, coisa bonita...
A professora conheceu bem o tipo popular. “Seu Domingos me viu
crescer, florir e amadurecer. Quando eu morava na rua Estância, ele passava sempre lá em casa, sempre às 18 horas, para pedir-me o dinheiro do
transporte.” A professora Lígia conheia bem a transformação do vendedor de bilhetes quando alguém o chamava de Tô Te Ajeitando: “Virava
bicho!”
“Ele gostava de vestir cores berrantes, paletós longos, amarelos ou
azuis. Sofria da coluna e andava todo encurvado.”
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tomou conta do último bem de seu Domingos. “Acho que só tem a casa,
pois se tinha outras coisas, antes de minha chegada, ele deve ter gasto ou
alguém pegou e gastou, pois perdeu a visão há muito tempo, no ano de
1966.”
Oxente! essa é a nossa gente
O DIA-A-DIA - Seu Domingos acorda cedo, às 8 horas toma banho, às 10
horas lancha. O café, um mingau feito com Cremogema. No lanche, um
suco com biscoitos. Só gosta de suco de genipapo e de maracujá. Alma
leve, dorme um pouco e passa a ouvir rádio e a cantar. Se diverte à sua
maneira. Recebe eucaristia pelas irmãs do Oratório Dom Bosco, de vez
em quando recebe visita de um padre e de raros amigos. Dona Hortência
Carvalho, a quem ele chama de mamãe Hortência, quando pode, aparece.
Marlene contou que Fernando Barreto aparece sempre em companhia de
suas filhas. No dia do seu aniversário, Tô Te Ajeitando gosta quando
Reinaldo Moura, não esquecendo a data, manda uma mensagem pelo ar
no seu programa radiofônico. Dorme cedo, com o corpo todo coberto
pelo lençol e só usa a parte de cima do pijama.
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O BEM QUE A JUSTIÇA FEZ - Tô Te Ajeitando apareceu na Vara de
Família, quando era juíza a hoje desembargadora Clara Leite Rezende.
Foi acompanhado de um sobrinho que mora no Sul e de um enfermeiro.
A juíza mandou o serviço social fazer um levantamento da vida de Tô Te
Ajeitando. Sua casa servia de base para viciados, traficantes de drogas e
outras pessoas aproveitadoras. Com o processo, descobriu-se que o enfermeiro que o acompanhava nas audiências era falso. A Justiça indicou
Maria Bernadete como sua enfermeira e curadora, uma pessoa desquitada, com filhos maiores e uma boa conduta moral. Foi a salvação de Tô Te
Ajeitando, pois ela organizou e estruturou sua vida.
Tô Te Ajeitando mora na avenida Desembrgador Maynard, nas imediações do Hospital de Cirurgia. Ao que se sabe, a casa se constitui hoje o
seu único patrimônio. Dizem que ele tinha um terreno na avenida Barão
de Maruim e outro na avenida Ivo do Prado. Se isso aconteceu, deve ter
vendido e gasto o dinheiro ao longo do tempo. De suas jóias, não há uma
comprovação oficial de roubo, mas ele diz que tinha muitas e que foram
roubadas. Quem sabe se no fundo de algum baú, escondido a sete cha-
ves, não existe alguma surpresa guardada? Num homem temperamental,
de difícil convivência, de saúde abalada e de muito mistério, tudo é
possível... Outro dia ele foi receitado pela Dra. Zulmira Resende e, grato
pelo tratamento dispensado pela médica, disse:
— Pode aguardar, doutora, pois será uma das minhas herdeiras.
EM ARACAJU - No seu depoimento, seu Domingos parava a todo momento. “Isso só vai a gente fazendo a coisa direito.” Pensava muito, fazia
xixi, coçava a pena, pedia água. Não estava se dando com o gravador.
Desligado o aparelho, direto às conquistas amorosas de seu Domingos.
Ele gostou, principalmente quando lembrado das famosas alianças. A
partir daí, tudo ficou fácil.
“Eu cheguei aqui com 15 anos. Nunca estudei.” Quando chegou, não
fazia nada, dormia pelas ruas da cidade. Aos poucos foi se acostumando
a conviver com o sofrimento, conhecendo as pessoas até que partiu para
o trabalho. Iniciou vendendo cana, depois passou a percorrer as ruas de
Aracaju, comprando garrafas. Até que se estabeleceu como vendedor de
bilhetes da Loteria Federal.
Quando passava nas ruas, com sua voz vibrante, seu Domingos assim chamava seu público:
— Eu comunico que o meu pai era fazendeiro, / sou um rapaz direito que
gosta de trabalhar. / Compro garrafa e vendo cana caiana / na rua de Itabaiana,
quando saio a passear. / Naquela rua, já chegando em certo meio / lá eu dou
um arrodeio e não deixo de passar. / Tem um doutor que me presta muita
atenção, / pois é o doutor Niceu, um homem de muita posição.
Oxente! essa é a nossa gente
DE ALAGOAS - Domingos Correia Silva é natural de Alagoas. Filho de
João Correia da Silva e de Joaquim Maria da Conceição. Nasceu no dia 15
de maio de 1907, conforme consta na sua carteira de identidade tirada
em Aracaju, pela SSP, no dia 10 de agosto de 1961. Perguntado se confirma a data do seu nascimento, ele pensou muito. “Espera aí, deixa eu me
lembrar para não fazer a coisa à toa.” Vamos adiante. “Espera aí! Vamos
fazer direito.” Dona Marlene mostra o documento de identificação com o
número no registro geral 19.462. Domingos Correia Silva é natural de
Matinha de Água Branca, Estado de Alagoas.
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Oxente! essa é a nossa gente
Domingos, além da quadrinha, cantava bem alto:
— Garrafa e meia garrafa... Garrafa e meia garrafa.
Um certo dia, uma pessoa chegou nos seus ouvidos e disse: “ Ve n der bilhetes de Loteria Federal não é um mau negócio!”
Seu Domingos ficou com aquilo na cabeça, pensou muito na grana,
deixou as garrafas e foi ser vendedor de bilhetes. Passou a fazer freguesia. Conquistava com sua simpatia as pessoas que tinham condições de
comprar bilhetes. Era o vendedor da sorte. Vendia muitos bilhetes para
gente rica e políticos, além dos pequenos fregueses que trabalhavam no
comércio e nas repartições públicas. Não gostou quando foi perguntado
se realmente era o homem dos recados políticos. Ele se danou...
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NENHUM AMOR - De volta ao anel. “Não fale naquele anel, pois quando
o senhor fala daquele anel me dá vontade de dizer: rapaz, me deixa dormir.” Por quê? “Meu anel e minhas alianças me roubaram. Era um anel
de rubi roxo. Me lembro que comprei o bonito anel a Geovani, da Caixa
Econômica.”
Das alianças: “Eu usava duas alianças, guardando para o tempo que
tivesse uma noiva. Não tive nenhuma noiva. Nunca namorei uma mulher, sempre fui solteiro. Nunca tive um caso de amor na minha vida.”
Amava as mulheres e não era correspondido. Comprava presentes, mas
não conseguia nada, além do obrigado. Possuía até um amor platônico:
“Era Ana, era uma loura que passava sempre por mim. Meu caso é uma
loura boa!”
Da casa: “Esta casa, comprei o terreno com dinheiro da venda de
bilhetes. Custou dois mil réis. Quem construiu foi um padrinho meu,
que já morreu, o Dr. Manoel Barbosa de Souza. Ele era o meu padrinho
de crisma.” Quando foi? “Isto está tão velho, rapaz (risos).” O senhor
guardava dinheiro debaixo do colchão? Outras boas risadas:
— Homem, isso é tão antigo que eu não me lembro!
VINGANÇA - Seu Domingos manda um recado para as pessoas que mexeram no seu patrimônio: “Depois de morto, meu espírito vai tomar uma
providência. No passado, eu tinha aqui nove cadeiras e um camarada
carregou. Meus anéis, todas as minhas jóias.”
E manda um abraço para o governador João Alves filho e o seguinte
recado: “Governador, o que o senhor pode fazer para que eu possa melhorar o meu custo de vida?” Teve muitos amigos. “Amigo de Maynard
Gomes toda vida fui. Amigo de Dr. Leandro Maciel toda vida fui. Benjamim
Carvalho um grande amigo meu e a mamãe Hortência.”
LOTERIA - Na rua João Pessoa, seu Domingos montou sua loteria. Ficava ao lado da escada do edifício Pedro Amado. Deu o nome de Bilheteria
Hortencinha Estai. “Se eu não botasse este nome não ia para frente.”
Teve sorte com o jogo e foi infeliz no amor. “Rapaz, minha vida foi um
martírio danado. Sofri muito. Ave Maria, nunca pensei em sofrer tanto
na vida.” Ele é um exemplo de vida. Domingos Correia Silva, o conhecido Tô Te Ajeitando, faz parte da memória de Sergipe. O vendedor de
bilhetes que trabalhou até quando teve condições físicas. Já sem ver,
idade avançada, bengala ao lado e um apito, partia para o trabalho. Para
atravessar a rua, mesmo com intenso tráfego, não se apertava. Seu apito
era mais respeitado do que o do guarda de trânsito. “Um apito era para
parar. Duas vezes era para seguir.”
Oxente! essa é a nossa gente
FALA DO APELIDO - “O apelido pegou. Eu dava bronca. Mandava a
mãe se fumar... Me danava. Aí me levaram na casa do Dr. Juliano Simões
e ele disse:
— Como seria bom se me chamassem de Tô Te Ajeitando. Um apelido tão bonitinho...
Daí, passei a me acostumar com o apelido. Me deram até outro: Macaca
de Maiô eu respodia: ‘Lave o xibiu para tirar o fedô’.
Quando diziam ‘Xô, galinha!’ eu respondia ‘galo eu, galinha a mãe...’”
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Tonho do Mira: o rei das noites dos anos 60
Oxente! essa é a nossa gente
A
figura de Tonho do Mira-Mar nos traz o
Beco dos Cocos, o grande ninho do amor
de Aracaju. Uma saudosa época em que o seu
cabaré Mira-Mar reunia políticos, empresários, gente da sociedade em noitadas famosas.
Um cabaré com música ao vivo e grandes atrações, astros da música popular brasileira, como
Miltinho, Valdik Soriano e até Luiz Gonzaga,
isso sem falar nas famosas revistas musicais.
Um mundo de encantos, sexo e fantasias. Uma
história da noite da cidade. A época dos cabarés do Beco dos Cocos.
Na vida noturna de Aracaju, o nome de
Tonho do Mira-Mar marcou época. Nos anos
60, o Cabaré Mira-Mar era o grande bordel
da cidade. Era a casa de shows de Aracaju.
Um night club famoso e também um alívio
para os rapazes (hoje deputados, promotores, médicos, empresários, gente da alta...),
que chegavam, rolavam na cama, mordiam o
travesseiro, uivavam como coiotes e, pior, atacavam como vampiros. Na época, não havia
a liberdade sexual de hoje, mas tudo acontecia na maior naturalidade.
Todos corriam para o Cabaré do Tonho e eram socorridos. E nisso, atrás
dos filhos, iam os pais, enfim, os homens de Aracaju. Depois de uma noita-
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Publicado no Jornal da Cidade em 31.12.1990
POETAS E AMERICANOS - As mulheres que povoavam o grande ninho
vestiam-se bem, compravam os tecidos na casa do famoso comerciante e
chegavam a freqüentar salão de beleza. O dinheiro circulava, havia muito
dólar. Os americanos, depois do trabalho nas companhias que prestavam serviços à Petrobras, assinavam ponto no Mira-Mar. Os intelectuais
ficavam apaixonados pelo ambiente e pelas meninas. Aliás, um fato interessante: cada menina tinha uma personalidade da sociedade sergipana
como padrinho.
Um poeta, já falecido, não perdia uma noite. Era o conselheiro das
meninas. Numa dessas noites, uma jovem queria porque queria ir para a
cama com ele e, de tanta insistência, ele foi até o quarto satisfazer o
desejo da mulher. Logo ela pediu que ele tirasse a roupa. Tudo pronto:
completamente despido, ele resolveu procurar a carteira de dinheiro.
— Isso fica para depois, não tenha pressa.
Ele pegou uns trocados e jogou na cama.
— Considera-se realizada nos seus desejos, pois eu estou nos meus!
Vestiu a roupa, voltou ao seu copo e continuou a brincar com as
meninas no salão. Orquestra tocando num fino ambiente. As coisas mais
picantes só aconteciam nos quartos, pois tudo era no seu devido lugar.
Quando o estádio da Fonte Nova, em Salvador, esteve em reforma numa
época de Taça Brasil, os jogos dos times baianos eram realizados no estádio Batistão. Os fanáticos torcedores baianos invadiram Aracaju. Tonho
aproveitou, acolheu os que ficaram na farra e a charanga tocou a noite toda.
No clima Gabriela Cravo e Canela, a noite romântica de Aracaju acontecia. E muitos casamentos da “vila do amor’ do Mira-Mar foram ali concretizados. Hoje, muitos filhos importantes da sociedade tentam escon-
Oxente! essa é a nossa gente
da no Iate Clube, o programa era ir para o Mira-Mar. E até alguns jogadores da
Seleção Brasileira tricampeã mundial, quando vieram inaugurar o Batistão,
acabaram indo até lá. O goleiro Leão chegou a farejar alguma coisa...
Se o Mira voltasse a funcionar com o Tonho, que ainda tem pique
para isso, mas não tem dinheiro, o Augustu’s teria um grande concorrente. Tonho criou o Mira-Mar com dinheiro de um famoso comerciante de
Aracaju que hoje reside em Salvador. Instalou até ar condicionado, na
época, um luxo!
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Oxente! essa é a nossa gente
der o passado, mas não sabem o valor de uma boemia vivida com ternura
e amor. Aliás, as mulheres que povoavam o lugar eram quase isentas das
doenças do mundo, já que o Distrito Policial do Mercado obrigava a
todas a fazer exames médicos gratuitos na Secretaria da Saúde. Camisinha ninguém conhecia, era coisa de outro mundo.
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A INFLUÊNCIA DO GOLPE - Após o golpe de 64, a coisa piorou. Os
censores chegaram até a examinar a qualidade das bailarinas que faziam
a dança do ventre. Uma luz a mais, intermitente, os militares preocupavam-se até em esconder o que, segundo eles, não poderia ser mostrado,
pois a moral tinha de ser preservada, mesmo num bordel. Os censores
repetiam a cena duas a três vezes para constatar os mínimos detalhes
(nos intervalos, por certo, uma boa masturbada).
No tempo em que a polícia foi obrigada, por ordem superior, a abrir e
a fechar os bordéis de Aracaju, os policiais da PM disputavam na
“porrinha” quem ia ou quem não ia, ou quem ficava de folga dormindo
em casa. Para abrir o Mira-Mar, uma tropa da polícia. Para fechar, uma
outra tropa. E na hora de abrir, as mulheres dos bordéis vibravam...
Dentro do Mira, a presença de conhecidas autoridades da Polícia, que
ostentavam o revólver, o copo e os apelidos policiais. Alguns estão vivos
e com muitas histórias para serem contadas posteriormente.
O atendimento era feito por hierarquia. Para evitar confusão, os militares tinham preferência. Época da revolução... Para Tonho, um expert
em noite e em cerimonial, indispensável era estabelecer uma ordem. Primeiro as autoridades militares. Depois, as civis e, por fim, os jovens
enlonquecidos de paixões carnais; rapazes com pouco dinheiro, mas
que satisfaziam bem as mulheres. Ninguém pendurava a conta. Podiam
pendurar outras coisas, isso ficava no potencial de cada um.
E tudo isso acabou. Os “home” fecharam tudo. Estava indo de encontro aos bons costumes de Aracaju, a sacanagem estava indo longe demais, diziam... As moças donzelas da cidade necessitavam de casamento
urgente. O Mira era um obstáculo. Pressão de todos os lados e a polícia,
por ordem do governador, fechou as casas finas da prostituição de Aracaju
e deixou proliferar as pequenas, pois essas eram do baixo meretrício,
não incomodava ninguém. A sociedade sergipana estava “protegida”.
TONHO É DE MACAMBIRA - Antônio Almeida Menezes nasceu no dia
5 de dezembro de 1931 na cidade de Macambira, no então município de
Campo do Brito. É filho de Aurora Almeida Menezes e de Francelino
Almeida. Sua infância foi passada em Macambira, brincando de bola de
gude, de esconder, de manja.. Estudou o primário lá mesmo e se mandou para Aracaju. Tinha dez irmãos. Seu pai logo faleceu e, com quinze
anos, o Antônio chegou a Aracaju e foi negociar na feirinha do Siqueira
Campos, vendendo cereais. Era a feirinha do Aribé, como se chamava
antigamente. Tonho logo conquistou uma freguesia. “A farinha está boa,
fresquinha, vamos lá freguesa, aproveita que hoje tem e amanhã não tem
mais.” Era bom de lábia, esvaziava logo seu saco de cereais.
Chegou a estudar no Senac, mas logo abandonou o estudo. Seu
negócio era outro. Onde antes havia o Alto do Bomfim, lugar hoje da
antiga Rodoviária de Aracaju, funcionava a zona e suas célebres pensões. Tefinha, sua prima, era dona de uma delas e Tonho ajudava a
prima em tudo, ganhando experiência. Era seu início de vida no meretrício sergipano.
“Tefinha chegou a Aracaju por causa de um cara que fez mal a ela em
Boquim.” Depois, ela se mandou para Alagoinhas, por paixão, e Tonho
seguiu o caminho da prima. Logo, Tonho e Tefinha voltaram para Aracaju,
e Tefinha conheceu uma outra pessoa e com essa pessoa foi morar na
Pensão de Enedina. Tonho deixou a Tefinha de lado e ficou na casa de
uma irmã. Mas não deixava de freqüentar as pensões da rua Bonfim,
pois já gostava de conviver com as prostitutas.
“Todos os dias estava por lá. Foi quando chegou Leandro Maciel e
acabou o morro. Deixou o pessoal abrir suas casas em qualquer lugar do
Centro de Aracaju. Leandro acabou a zona do morro no governo dele e
liberou tudo. Enedina foi para o Beco dos Cocos, e eu fui com ela.”
Oxente! essa é a nossa gente
Mas ninguém esqueceu o Tonho do Mira. Foi difícil encontrá-lo. Lá
estava ele no seu Cantinho da Saudade, uma boite, agora no baixo meretrício, bem anexo ao cemitério. Mas é um Tonho ainda sonhador, que
joga constantemente na loteria esportiva para a sua volta ao Mira-Mar do
futuro, com todos os brilhos. Uma nova Maria 38 que chegará com toda
certeza pra dar mais sabor à vida noturna de Aracaju.
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XANGAI E MIRA-MAR - Logo, Tonho, rapaz vivo, passou a tomar conta de uma pensão: “Canção do Mar, arrendada a Estela Barreto por
Tefinha, que me deu para tomar conta.” Mas com sua visão de empresário da noite, resolveu ficar independente da prima e alugou a Antônio
Andrade, que era sócio de Mamede Paes Mendonça, o prédio onde
instalou a sua Mira-Mar. “Ali funcionava o Departamento de Rios, Portos e Canais, no tempo do Dr. João Aragão. Ficou fechado por um ano
e eu aproveitei.”
Tefinha ficou no Beco dos Cocos com a Xangai, Tonho com o MiraMar. Eram as duas melhores casas. Tinham outras, mas não do mesmo
nível: “La Bamba, Pensão do Meio, que era a Bossa Dois, e o antigo Bela
Vista no Beco dos Cocos, da famosa Laurinda, que hoje em dia mora em
Tobias Barreto”. Tonho não lembra o ano quando inaugurou o Mira-Mar,
mas lembra que foi no governo de Leandro Maciel.
A fama do seu cabaré correu longe, as mulheres apareceram... e os
gays também. “Era a única casa que apresentava desfile de gays, era a
minha. Os primeiros travestis de Aracaju foram apresentados na minha
casa: Fuxica Holiday e o finado Reginaldo Camargo. Nesse tempo, quem
freqüentava a minha casa era a alta sociedade de Aracaju. Esses deputados de hoje e os da época: gente alta. Os grandes políticos de Aracaju
passaram pela minha casa para um bom divertimento. Os filhos de todos
os ex-governadores fizeram grandes festas. E um prefeito do interior gostou tanto de uma das minhas meninas que mandava o seu motorista com
o carro oficial apanhá-la para que ela fosse passar alguns dias na sua
fazenda, tomando um bom leite de vaca. Um outro político famoso, de
Estância, assinava ponto diariamente. Nomes? Toda a sociedade! E quem
não freqüentou o Mira-Mar?”
Tonho sabia como ninguém selecionar suas meninas. “Na minha casa
só entrava mulher boa, bem escolhida. Quem chegava sem mala, sem
nada eu não recebia. Uma mulher tinha que trazer no mínimo duas malas de roupas.” E lembra de suas célebres festas: “O primeiro concurso
Miss Gay foi um acontecimento. No júri, figuras representativas da sociedade. O representante da Brahma local, comerciantes, colunistas sociais, figurinistas, uma noite gloriosa, com muita classe e com muito luxo.
Realizei outras promoções, como a rainha do milho”.
CASADO POR INFLUÊNCIA - Uma grande revelação de Tonho é que ele
foi casado, casou na sua cidade, Macambira: “Foi com Valdice, filha de
Oxente! essa é a nossa gente
A música tomava conta do ambiente. “Os músicos mais famosos de
Aracaju tocavam na minha casa. Carlos Rubens, que era pianista do Iate,
tocava lá e com muito prazer. Hilton Lopes cantava com a sua bonita voz.
O famoso Zé de Milet, Medeiros e sua Orquestra, Antônio Teles e
Reginaldo, que hoje toca no Augustu’s.”
Dia de futebol, a casa era bem freqüentada. Tonho colocava o rádio
ligado na emissora que estava transmitindo o jogo e, quando a partida
acabava, alguns fregueses “zarpavam” e ainda iam comentar o jogo em
casa... Mas tudo acontecia num ambiente de respeito. “Antigamente, era
sadio. Na época era, pois não existia tanta droga como existe hoje em dia.
Depois que fecharam a minha casa e outras mais que tinham, Aracaju
acabou-se. A noite da cidade morreu. Vou dizer: só não foi na minha casa
Pelé, mas Leão e os demais colegas da Seleção tiveram uma boa noitada”.
Na noite, sua maior realização era trocar de roupa a todo momento.
“Só vivia bem chic. Hipólito Góes riscava minhas roupas e Eugênio Filho, o melhor alfaiate da cidade, executava os modelitos.” Mas sempre
foi uma pessoa destemida. Não tinha medo de ninguém e quando tinha
alguma confusão na casa, baixava o cacete. “Briga na mão, no pau mesmo... todos me respeitavam. Só houve um célebre acontecimento. Um
certo policial civil, com fama de homem valente e arruaceiro famoso,
numa noite, resolveu quebrar minha casa. Sem problema, fez sua festa e,
na outra semana, o governador da época indenizou os prejuízos. Olha
que foi um bom dinheiro. Minha casa não podia parar, era o grande
patrimônio de Aracaju.”
Depois das noitadas, nos primeiros raios de sol, o Antônio ia relaxar
na praia de Atalaia. Sempre com um carro do ano. “Ia curtir com os meus
amiguinhos e olha que foram muitos. Tenho até hoje um álbum com
fotos, que guardo com muito carinho e recordação dos bons tempos.
Aliás, toda a cidade sabia que eu era um homossexual declarado, detestava os enrustidos. Meus carros eram famosos, pois pouca gente tinha na
época um Itamaraty, um Galaxie e era para farra. E nisso os acidentes,
como o trágico da curva do Iate, com algumas mortes.”
469
Oxente! essa é a nossa gente
Macambira mesmo. Tenho dois filhos. Me separei, tem muitos anos, meus
filhos já são adultos e já tenho netos com muito orgulho. Me separei por
conta própria, sem advogado. Ela foi viver a vida dela e eu fui viver a
minha. Casei por influência de família. Dei pensão aos meus filhos até
eles ficarem de maior. Gosto deles e esse amor de pai não tem tamanho.”
Tonho hoje, continua no ramo. Uma pequena casa bem próximo ao
Cemitério Santa Isabel. Lá todos conhecem como Cantinho da Saudade.
Joga na loteria e tem muita esperança de um dia voltar gloriosamente aos
velhos tempos.
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Toni Chocolate do rádio sergipano
ntonio Carlos de Oliveira, o Chocolate
do rádio baiano e sergipano, nasceu a 26
de setembro de 1960 na cidade de Feira de
Santana, na Bahia. Seus pais: Lídia Maria de
Oliveira Militão e Ladislau Militão, já falecidos.
Seu pai foi um grande boêmio de Feira de
Santana, profissional marceneiro que era cantor e compositor nas horas vagas. “Foi numa
noite de seresta, quando ele cantava canções
apaixonadas, que dona Lídia conheceu o
negão e aí começou um relacionamento que
só durou até quando eu tinha 6 anos de idade. Ele foi embora para o Rio de Janeiro e minha mãe batalhou para manter minha criação.”
Apesar da pouca convivência, com o pai aprendeu a ser honesto e perseverante. “Seriam as
minhas principais metas. Até agora tem dado
certo.”
Diz que a sua mãe, Dona Lídia, foi uma
mulher espetacular como toda boa mãe. Foi
criado com muita dificuldade, mesmo sendo
filho único. Ela trabalhou até os últimos dias
de sua vida para não deixar que o filho seguisse caminhos tortuosos, como era comum aos moleques da sua idade
Publicado no Jornal da Cidade em 17.12.2003
Oxente! essa é a nossa gente
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naquela época. “De Dona Lídia, eu tenho certeza que fiquei com a garra
de nunca me deixar abater por perseguições, injustiças e, principalmente, os preconceitos que um menino pobre e negro tinha que enfrentar, e
que às vezes ainda enfrento no dia-a-dia.”
A infância foi muito curta, pois começou a trabalhar logo cedo. Aos
12 anos, já estava trabalhando com um tio, irmão de sua mãe, em uma
oficina de lambretas em Feira de Santana. No começo ainda conseguia
tempo para estudar durante o dia. Depois de algum tempo foi obrigado a
dedicar todo o dia ao trabalho, e a escola ficou para o período noturno
até concluir o segundo graus.
Lembra que a primeira professora foi “uma senhora espetacular” e
quem primeiro conversou com ele sobre discriminação racial. “A escola
pública daquela época era em sua maioria lotada de alunos brancos. Os
negros eram minoria e isso causava problemas sérios de relacionamentos com outros garotos, mas Dona Rosália, que era branca, já alertava
aos colegas para o famoso ‘todos somos iguais’. Não funcionava muito,
porém serviu de ensinamento para a minha formação. Foi nessa escola
da época da professora Rosália que descobri que meu caminho era a
comunicação, pois sempre era escolhido como orador da turma. Isso
ainda criança. Quando ela soube que teria virado locutor, ficou bastante feliz.”
No colegial, tentou “militar” na política estudantil. Como ainda era
tempo da repressão, desistiu. “Só participei de uma manifestação que foi
dissolvida na base da porrada e muita gente presa. Com as notícias de
desaparecimentos de militantes políticos na época, resolvi cair fora.”
IRDEB - Concluiu o segundo grau já envolvido com a comunicação.
Estudou no Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), em
Salvador, onde também eram produzidos os programas para as aulas do
supletivo transmitidas pelas emissoras de rádio de todo Estado. “Era
apresentado logo após a Voz do Brasil, em rede obrigatória, todos os dias.
O IRDEB administra a Rádio e a TV Educadora da Bahia, onde tive
oportunidade de ser aprovado em teste pelo grande jornalista Cleomar
Brandi, coordenador da rádio na época e que depois voltei a encontrar já
aqui, em Sergipe.”
CAMELÔ - Já era free-lancer nos programas de auditório das rádios, mas
trabalhava como camelô ao lado de um tio. “Todo final de semana era
uma feira diferente. Chegava de madrugada, arrumava a sulanca sobre
uma lona no chão e minha função era a de locutor. Foi numa dessas
feiras que surgiu a oportunidade do primeiro emprego no rádio, através
de um radialista famoso, chamado Francisco Almeida. Estava eu desempenhando meu papel de locutor de meio de feira, quando ele apareceu
fazendo propaganda política. Como eu fazia muitas imitações, ele ficou
me observado, depois pediu o microfone e começou a falar. Aí eu percebi
que ele era o locutor da rádio Fundação, uma emissora ligada à Igreja
Católica. Quando o cara começou a falar, a banca de camelô encheu de
gente para ouví-lo. Em seguida, ele me convidou para visitá-lo na rádio.
Lá, eu assumi a função de locutor comercial, quando lia as propagandas
ao vivo, enquanto ele apresentava o programa Assim Canta o Nordeste,
programa de forró e imitações humorísticas.”
Na cidade de Feira de Santana, além da rádio Fundação, trabalhou na
rádio Carioca e Nordeste FM, tendo sido locutor fundador das duas emissoras. Em Salvador, trabalhou na Bandeirantes FM, na Manchete FM e na
Oxente! essa é a nossa gente
A juventude foi calcada nos movimentos de bairros. Na periferia de
Feira de Santana, desenvolvia atividades ligadas aos movimentos negros
que praticamente estavam engatinhando nos anos 70. “Já curtia reggae,
blocos afros e promovia festivais de música envolvendo jovens da cidade. Fundei o primeiro bloco afro da Micareta de Feira, que foi o Afoxé
Lugunxé, com raízes fincadas na velha mãe África. Coisa que me acompanha até hoje.”
Ao completar o segundo grau, prestou vestibular para o curso de
Administração na Universidade Estadual de Feira de Santana. “Isso foi
em 1978 e levei pau. Como já estava trabalhando e teria que servir ao
Exército Brasileiro, fui ser soldado no 35º Batalhão de Infantaria.”
Teve vários empregos antes do rádio. “Só que em 1977 eu já xeretava
as emissoras de rádio de Feira. Não perdia um programa de auditório da
rádio Cultura e da rádio Sociedade, de Feira de Santana. Todos os finais
de semana eu estava lá. Até que entrei como contra-regra, sonoplasta, até
chegar ao microfone.”
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Oxente! essa é a nossa gente
antiga rádio Cruzeiro AM. Em Sergipe, primeiro passou nas rádios Eldorado,
Progresso e Aparecida, todas da cidade de Lagarto. Em Aracaju, na FM
Sergipe e, por mais de 10 anos, fez sucesso na FM Jornal, onde foi o seu
diretor artístico. “Agora, ‘To na Ilha Com Você’”. Na nova emissora, ocupou
a função de diretor artístico e responde pelo departamento de jornalismo.
“Em quase todas as rádios que trabalhei, eu fui muito ligado aos programas
musicais. Mas fiz programas esportivos na Bahia e aqui em Sergipe.”
Chocolate vivenciou muitos fatos interessantes no rádio. “Um fato hilário
foi quando cheguei da Bahia, cheio de idéias e gás. Eu tinha acabado de
me transferir da Eldorado FM, do Cabo Zé, para a rádio Progresso AM. As
duas emissoras de Lagarto. Numa tentativa de barrar a audiência das emissoras de Aracaju, eu tive a idéia de me vestir de Xuxa. Isso com direito a
cabelo loiro, mini-saia e bota (que no meu caso foi um coturno da PM).
Trabalhei o primeiro tempo do jogo entre Sergipe e Lagarto fantasiado de
Xuxa e a galera das duas torcidas gritando ‘veado, veado’. Nesta noite, só
deu a Rádio Progresso na audiência dentro do estádio (risos).”
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CHICÃO - Chegou a Aracaju pelas mãos de Francisco Carlos, o Chicão
da Paradinha. “No inicio dos anos 80, eu trabalhei com ele na rádio Manchete FM, em Salvador. Logo, ele veio para Aracaju ser candidato a vereador e, quando foi em 1984, ele me convidou para trabalhar na rádio Liberdade AM, onde ele fazia muito sucesso. Não deu certo na Liberdade e o
jornalista Theotônio Neto me indicou para trabalhar em Lagarto. De lá
pra cá não consegui sair mais de Sergipe. Me m sinto feliz por isso.”
Acha que teve muita sorte quando chegou a Sergipe para encarar a
vida de radialista. “Agradei logo de cara. Tem gente que diz que eu sou o
culpado pela difusão da música baiana em Sergipe. Fui eu quem promovi o primeiro show de Chiclete com Banana em Sergipe. Foi no Parque
de Exposição de Lagarto, em setembro de 1985.”
Conta que no rádio sempre foi uma espécie de “faz tudo”, mas reconhece que sua verdadeira função mesmo é a de locutor. “Esta é a minha
praia e foi assim que consegui um pouco da popularidade que tenho.”
Hoje, sente-se muito bem no exercício da profissão. Nada a reclamar e
tudo a agradecer a Deus, que nunca o deixou cair em tentação e sempre
lhe protegeu na horas dos poucos “vacilos” da sua vida.
SHOWS - Também atua área de promoção de shows, embora considere
um campo muito complexo. “Existe muita gente qua faz tudo por dinheiro e até se dá bem. Não sou o mestre do ‘show bobines’, mas de vez em
quando dou minhas cacetadas... ou levo.”
No “jornalismo”, assinou coluna sobre comunicação no antigo Jornal
da Manhã, experiência que considera das melhores. “Na verdade, era uma
das colunas mais lidas pelo pessoal da área. Tanto que provocou uma
discussão dentro do Sindicato dos Jornalistas de que eu não poderia escrever. Depois de muita reserva de mercado e disse-me-disse, acabei deixando pra lá, já que minha formação mesmo é de radialista e nunca tive a
pretensão de assinar como jornalista. Agora eu deixo essa discussão sobre
diploma com a tal juíza que tem tirado o sono dos ‘donos’ da profissão.”
Não se sente realizado porque no seu entender a realização plena é
algo que o homem talvez só encontre depois da morte. “Tá ruim, mas tá
bom – como diz Zeca Pagodinho.”
Filho é o seu forte. Tem quatro com três mulheres diferentes e nunca
casou. “O primeiro filho tem 17 anos, é o Filipe Carlos, filho da primeira mulher. Nara tem 16 e Ítalo tem 11 e são da segunda mulher. Tenho
mais uma menina, que é a Lídia Carla, com sete anos, e é filha de Ana
Cristina, a minha atual namorada.”
“As pessoas mais importantes da minha vida, sem dúvida, são minha mãe,
dona Lídia, que não faz mais parte do plano terrestre, meus filhos e os verdadeiros amigos. Eu sempre digo que sou um cara de muita sorte. Vim de uma
época muito dura. Fui criado sem o pai biológico e ao lado de uma mãe que
lutou muito para não deixar o filho cair em tentação e trilhar os caminhos que
muitos do meu tempo seguiu. Quando escolhi ser radialista, eu sempre me
espelhei nos melhores e até hoje tenho feito isso. Só tenho a agradecer a Deus
que não me deixou desandar, apesar das chances e ofertas para o caminho do
mal. Sei que meus filhos e familiares têm orgulho do cara que eu sou. No mais,
é pedir que tudo continue como está e que a luz do meu caminho não se apague,
com a mão do Senhor Deus. Quem está na luz do Senhor sempre vence.”
Oxente! essa é a nossa gente
“A Ilha Fm lhe fez acreditar que ainda tenho muito que aprender na
profissão. É como se eu estivesse começando agora minha carreira. Posso
dizer que estou com combustível novo. De tanque cheio e motor novo.”
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Tuca: o bodegueiro da zona sul
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frodísio de Menezes nasceu a 14 de
março de 1916, na cidade de Itabaiana
(SE). Seus pais: José Francisco de Menezes
e Maria Balbina de Menezes. Filho de comerciante que atuava na cidade serrana no
ramo de panificação e cereais, herdou do
querido pai a honestidade e dedicação. Já
com a mãe teve pouco tempo de convívio,
pois ela morreu quando ele ainda era pequeno.
Até os 12 anos de idade, viveu na terra
natal, onde desfrutou de uma infância com
direito a brincadeiras de rua e de casa, de
bem com a vida e com todos, já que não
tinha problemas financeiros, graças à razoável condição empresarial do pai.
Estudou até o terceiro ano primário na
escola da professora Marieta. Quando a família transferiu-se para Aracaju, por iniciativa do pai, que se instalou no Mercado Antônio Franco com uma banca de cereais,
ele concluiu o ensino fundamental no Instituto Coelho Campos, que funcionava na rua Propriá, esquina com
Simão Dias. O curso ginasial foi obtido graças a exame do MEC, realizado com sucesso.
Publicado no Jornal da Cidade em 17.12.2003
A REPÚBLICA - Um dia, o pai foi morar no Rio de Janeiro na casa de um
filho, fechando a banca de venda do Mercado, quando Afrodísio teve
que procurar outro trabalho. Por indicação de um companheiro de time
de futebol, apresentou-se para trabalhar no jornal A República. Primeiramente, foi o responsável pelo serviço de mala, cuja finalidade era empacotar os jornais e levá-los até os Correios para serem distribuídos nas
cidades do interior do Estado. Nas folgas, deu os primeiros passos na
tipografia, como ajudante. Mais um tempo e passou a ser ajudante de
impressor. Entrou n’A República em fevereiro de 1935, permanecendo ali
até o dia 27 de novembro daquele ano, quando o jornal, que era propriedade de Antônio Franco e Graccho Cardoso, foi fechado por causa da
Intentona Comunista. A República tinha como diretor de redação Gonçalo Rollemberg Leite.
Oxente! essa é a nossa gente
A vida profissional foi iniciada ainda menino na convivência com as
atividades comerciais em Itabaiana. Com a transferência para Aracaju,
integrou-se em dedicação exclusiva ao trabalho de vender farinha, arroz
e feijão. Do dia-a-dia do Mercado de uma Aracaju do passado, guarda
memoráveis lembranças, principalmente por ter alcançado aquela que foi
a fase gloriosa daquele centro comercial de Aracaju. Pegava no batente às
5 da madruga e de lá só saía às 16 horas. “Era um Mercado limpo, repleto
de áreas sem nenhum impedimento. Uma época em que a população de
Aracaju era pequena.”
A juventude foi bem aproveitada nas oportunidades de namoro que
não desperdiçou e mais ainda nas partidas de futebol nos campos de
pelada da cidade, nos finais de semana. Torcedor fanático do Sergipe,
não deixava de assinar ponto nos jogos do seu clube favorito. Afrodísio
fundou dois times de futebol amador: República e Andaraí. Fazia sucesso como jogador meia-direita e circulava por todos os cantos da cidade
onde havia campos de futebol sem muros e bilheterias. No bairro Industrial, fazia uso do campo do Etéia, como do Catolé, situado na Baixa Fria,
no Carro Quebrado e até na Barra dos Coqueiros. Vez ou outra, mostrava
suas qualidades de atleta no Adolfo Rollemberg. “Onde tinha campo de
pelada a gente chegava e se apossava.” Com as mulheres aprontou muito
até o dia em que se deparou com aquela que até hoje está ao seu lado.
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Oxente! essa é a nossa gente
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Prosseguiu na imprensa, no Jornal de Sergipe, pertencente à União
Republicana e dirigido à época pelo padre Brito, onde conseguiu emprego de gráfico. Cinco meses depois, o jornal foi vendido, mas Afrodísio
manteve-se no trabalho, e até com mais vantagem, pois assumiu a função
de impressor. Passou a trabalhar numa máquina inglesa de marca Minerva,
recém-comprada, que nunca lhe deu problema. “Era uma máquina muito
boa.” Entrava no trabalho às 21 horas e só saía quando o jornal era entregue para a distribuição. “Tinha a responsabilidade de cuidar de dobrar
os jornais e fazer a contagem para entregar a cada distribuidor. Eram de
500 a 600 jornais diários. No jornal A República, a tiragem era na faixa de
500 exemplares.”
Mesmo com a venda do jornal ao usineiro Ariovaldo Barreto e posterior mudança de nome para Folha da Manhã, continua com o novo dono
na mesma função de impressor. Na Folha, uma história de 26 anos de
trabalho. “Só saí quando o jornal fechou.”
Com a indenização guardada dentro do colchão, já pensando em investimento futuro, dá continuidade ao trabalho de gráfico como integrante da equipe de funcionários da A Nacional Tipografia, que funcionava
na rua João Pessoa, esquina com São Cristóvão. “Trabalhava em meio
expediente, calculando preços e papel.”
Conseguiu emprego, à noite, no jornal O Nordeste, de Tancredo
Jandeiro Costa, um alagoano que resolveu investir no jornalismo em
Sergipe e se deu bem, com o emprego no governo de Eronildes de Carvalho. Novamente, tinha no comando da impressão do jornal a garantia de
salário.
O APELIDO E A BODEGA - O carinhoso apelido Tuca foi dado pelo pai,
ainda menino, quando Afrodísio trabalhava na padaria. Ouvindo de um
cliente que o filho era uma mutuca, pois só vivia comendo açúcar, resolveu a partir daí chamá-lo de Tuca.
Como homem de bodega, uma outra história, iniciada de forma inusitada. Já casado e com filhos, com residência na rua Frei Paulo, quando
passava de bicicleta pela esquina das ruas Lagarto e Senador Rollemberg,
viu-se obrigado a procurar abrigo por causa de um toró que o pegou de
surpresa. Entrou na primeira porta que achaou aberta, que era a da bode-
Oxente! essa é a nossa gente
ga da esquina. Enquanto aguardava a chuva passar, conversando com a
dona do estabelecimento comercial, esta faz-lhe a oferta de venda da bodega. Respondeu que não tinha interesse. Não desistindo, a mulher perguntou-lhe o endereço. Tuca não hesitou em dar, mas repetiu que não
havia nenhum interesse na aquisição do empreendimento. Para sua surpresa, no momento em que estava jantando em casa, a proprietária bateu
à porta. Conversa vai, conversa vem, da proposta inicial de 500 mil cruzeiros ele fez a contraproposta de 280 mil e ela aceitou entregar a bodega.
“Isso foi em dezembro de 1962.”
Tão logo assumiu o comando, com mercadorias e tudo da proprietária anterior, recebeu ordem da mulher de colocar no lixo todo o estoque
de pinga. Só poderia, a partir de então, comercializar cerveja, o que procede fazendo até hoje. Perguntado sobre o nome do ponto comercial,
disse: “Era simplesmente bodega e bodega ficou.”
Até a chegada dos supermercados, vendia de tudo e tinha uma boa
receptividade por parte dos clientes, alguns bem situados financeiramente. “Vendia carne seca, bacalhau, arroz e muito mais coisas.” Quando ficou impraticável competir com os supermecados, se convenceu a
trabalhar somente com o essencial, dando mais ênfase à venda de cerveja. Deu certo e daí nunca deixou de ter cerveja super gelada. Teve também a felicidade de ter a mulher como comandante maior do estabelecimento comercial. “Ela faz tudo.”
Por um bom tempo, prevaleceu no ponto comercial do Tuca um espaço para disputadas e animadas partidas de dama. Com o tempo, os jogadores foram se afastando. Hoje, seus maiores clientes são os filhos dos
fregueses conquistados ao longo de uma vida de trabalho. Tem gente que
assina carteirinha nos sábados, principalmente no horário da tarde. Chega a oferecer churrasquinho na brasa. Até hoje, Tuca continua no trabalho e sua esposa também. Sente-se realizado por ser dono de bodega. E
que bodega!
Casou com Maria Barreto (Rosinha) em 25 de junho de 1949. É pai de
três filhos: Maria das Graças, casada com o médico João Bosco, Telma e
José Barreto. É avô de seis netos. Tem como secretário da bodega Pedro
Nascimento.
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Ursino Ramos: a imagem de um intelectual
Oxente! essa é a nossa gente
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o singelo tempo das bodegas em Aracaju,
foi o primeiro a utilizar uma geladeira a
querosene para vender cerveja, e o pioneiro na
instalação de máquina de fazer sorvete, numa
mercearia. Na rua João Pessoa, 25 anos de Armarinho Helena. A passagem no mundo dos
negócios foi sobretudo para realizar o sonho
de proporcionar formação aos filhos. Lições de vida de um homem simples,
que fez de tudo para não revelar o
belo de uma vida de 77 anos.
Ursino Souza Ramos nasceu a 10
de abril de 1919, na cidade de
Riachão do Dantas. Seu pai, Jorgino
Souza Ramos, era um funcionário
público municipal que pediu demissão do emprego, em 1924, porque a remuneração não era suficiente para o sustento da família. Partiu para o trabalho na roça e, com
raça, enfrentando todas as dificuldades, criou os 16 filhos.
Herdou do pai a vontade de vencer sem pedir auxílio a ninguém.
Uma admiração profunda por um homem que sempre conseguia tempo
nos momentos de descanso do trabalho para orientar os filhos na educa-
Publicado no Jornal da Cidade em 19.05.1996
INFÂNCIA TRAUMÁTICA - Teve uma infância traumatizada por causa
do problema físico nas pernas. Dentro da própria família ouvia sempre:
“Deus quando marca, é porque algum defeito encontrou.” Mas por isso
mesmo, recebia maior atenção dos pais e dos irmãos. Na escola primária,
sentiu na pele o despeito dos colegas, que não conformados com as boas
notas que Ursino tirava nas avaliações, aplicaram-lhe o apelido depreciativo de Aleijadinho, nunca o chamando pelo nome.
Por não se deixar vencer, tomou o propósito de internamente buscar
forças para superar tais humilhações na escola e de encarar os cuidados
em demasia que sentia em casa, onde era considerado um ser inútil.
“Teve um dia em que eu peguei uma lata para encher de água, a fim de
ajudar minha mãe que estava lavando pratos. Quando ela me viu com a
lata, correu e veio tomá-la. Era um gesto de carinho, mas, para mim, me
Oxente! essa é a nossa gente
ção, aplicando o sistema de banca, quando tirava dúvidas das lições
escolares, graças aos conhecimentos adquiridos através do hábito da leitura.
A mãe, Marcolina, era uma mulher de muita simplicidade, piedosa e
completamente voltada para o trabalho, fazendo parceria com o marido e
os filhos mais velhos no pagamento das despesas da casa. Exímia costureira, acordava antes das cinco horas para o início da atividade profissional, desenvolvida em casa, sentada no chão costurando numa máquina
portátil, apoiada numa improvisada mesa.
Ursino nasceu com os pés tortos e só veio a caminhar aos três anos de
idade. Aos sete anos, ingressou na escola sob os cuidados da professora
Rosa Viterbo Pinto, tia do dentista Celso Oliva. Estudou com a professora Argentina Siqueira Matos e concluiu o curso primário com a professora Zilda Lemos Prata. Daí em diante, a escola ficou de lado.
Acredita que os poucos anos que sentou num banco escolar foram tão
positivos que, num comparativo com o ensino de hoje, resultariam numa
conclusão do segundo grau — “e olhe lá”, observou. “Um primário bom”,
nas suas palavras, reforçado com aulas de matemática dadas pelo cunhado, José Rodrigues do Nascimento, que lhe ensinou regra três, lucro
proporcional e outras lições, sem falar na contribuição do pai nos momentos da alfabetização.
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Oxente! essa é a nossa gente
atrofiava e me inibia mais ainda. Mas apesar do excesso de carinho dos
de casa, e do desprezo dos colegas de escola e de brincadeiras, que faziam tudo para me humilhar, nunca me deixei vencer.”
Aos onze anos, pela bondade dos amigos do pai, José Hora de Oliveira e dr. Lauro Hora, foi levado ao Hospital de Cirurgia, para ser operado
pelo médico Augusto Leite. Uma operação — primeira do gênero na vida
do hospital, inaugurado poucos anos antes — que exigiu um período de
seis meses de internação no pós-operatório e que foi registrada com fotos
antes e depois.
Com a oportunidade de trabalho, surgida através de um irmão (João
Ramos), que adquiriu uma pequena bodega na rua Itabaianinha, chamada de rua dos Porções, no Riachão, atendeu o convite para trabalhar no
balcão. Não sentiu o fervilhar do comércio em seu sangue nos primeiros
momentos de balconista de bodega — e confessa que nem sentiu “tesão”
na atividade empresarial ao longo dos 40 anos em que esteve nela. “Nunca tive vocação para o comércio e, desde quando trabalhei com meu
irmão, levava livros para ler nos momentos em que não aparecia nenhum
cliente. Se tivesse o direito de escolher a profissão na minha juventude,
teria sido um intelectual.”
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OS MISERÁVEIS - A vontade de devorar livros, o gosto pel leitura,
herdou do pai. Ainda garoto, em 1928, leu Os Miseráveis, de Victor Hugo,
livro que conseguiu emprestado com Leopoldo Chagas, avô de Arivaldo
Fontes. Independente dos livros de Leopoldo Chagas, Moisés Dantas —
homens cultos de Riachão — e dos disponíveis em casa, já no tempo em
que morava em sua cidade natal solicitava livros via reembolso postal,
pelos Correios. Daquela época, guarda a obra-prima de Dante Alighieri, A
Divina Comédia, livro que leu quando morava em Riachão.
Depois de passear pelas obras da literatura universal, penetrou na
literatura nacional, primeiramente se empolgando com as poesias de Castro
Alves. “Tinha na cabeça todas elas.” Depois, descobriu Olegário Mariano,
Olavo Bilac e foi longe lendo a História do Brasil. Foi despertado para a
História Universal, depois que leu a coleção, composta de 24 obras,
intitulada Galeria de Homens Célebres. Nunca mais parou e até os dias
de hoje continua lendo diariamente. Não escapam os jornais e não falta
O COMÉRCIO – Aos 17 anos, Ursino adquire a bodega do irmão em
Riachão do Dantas, venda facilitada pela prosperidade comercial do mano,
que passou a negociar como meio grossista. O fato aconteceu em 1942.
Dono de bodega, passou a ser “gente” em Riachão. “Afinal, o
bodegueiro detém o capital de giro” (risos). Com a bodega, uma nova
vida e até casamento “Comecei a ganhar uns trocadinhos” (mais risos).
Em 1946, sentindo que não poderia educar os filhos em Riachão,
toma a decisão de ir morar em Aracaju. “Eu já pensava no projeto da
universidade.” Ousadamente, fecha a bodega, recebe por empréstimo do
sogro uma importância para a nova investida, correspondente aos bens
que tinha deixado em Riachão (paga num curto período) e segue com
muita disposição para trabalhar, sempre pensando nos filhos: “O Byron,
com dois anos, e o Nei, com dois meses.”
Adquire uma bodega na rua Lagarto, com Nobre de Lacerda. Como na
região existiam algumas “casas de tolerância”, logo sentiu que não estava
no seu ambiente. Morava no fundo e, nos compartimentos da frente da
casa, desenvolvia a atividade comercial. Mas destemido e tendo o pensamento voltado para o futuro dos filhos, não se abateu pelo local, foi à
luta. Conquistou espaço e logo a Bodega de Seu Ursino passou a ser
referência na região do Morro do Bonfim.
Reconhece que o rumo seria outro se não tivesse contado com o apoio
da querida Helena, companheira de todos os momentos que tomava conta dos quitutes que a bodega oferecia, cozinhando debaixo de uma “lata
de zinco, furada”, que proporcionava um ambiente infernal, no inverno.
CERVEJA ESTUPIDAMENTE GELADA - Foram quatro anos de rua Lagarto, onde chegou a ter o balcão mais movimentado da região. Vender
cerveja era mesmo com Seu Ursino. Cerveja “estupidamente gelada”,
coisa rara em balcão de bodega da época, num tempo em que energia em
Aracaju era deficitária. “Instalei a primeira geladeira em Aracaju, para
vender cerveja, pois a energia era fraca; depois, foi que José Leite resol-
Oxente! essa é a nossa gente
um livro de cabeceira. Gostou do último livro do Jô Soares, mas elogios
mesmo rasga para Érico Veríssimo, principalmente pela obra A Volta do
Gato Preto.
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Oxente! essa é a nossa gente
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veu o problema. Era impossível ligar uma geladeira. A minha era de
querosene. Como existiam casas de mulheres, os rapazes chegavam para
fazer uma visita, sem interesse sexual, pois durante o dia elas moravam
ali e pá-pá e pá-pá ... Digo, que os interesses sexuais aconteciam nos
cabarés, mas, com essas visitas, vendia a minha cervejinha” (risos).
No ano de 1950, numa homenagem À mulher, intala a Casa Helena,
na rua Laranjeiras, esquina com Capela. Prosperidade nos negócios. A
velha bodega fica no passado. De acordo com sua nova visão empresarial, monta uma moderna mercearia que chegou equipada com máquina de
sorvete, primeira do gênero na época.
Por dez anos consecutivos trabalhou nos dias de domingo e feriados,
até o dia em que pousou na rua João Pessoa, onde montou o Armarinho
Helena, que teve uma vida de 25 anos. Mudança de ramo, pela oportunidade da venda do ponto comercial através de Jocelino Emílio de Carvalho e passagem imediata da mercearia da rua Laranjeiras para a viúva de
Toninho Maia, da cidade de Boquim.
Apesar de sua casa de negócio ser a menor da rua João Pessoa, tinha
o privilégio de pertencer à clientela da Valisére, que em Sergipe só vendia a mais três comerciantes: Jocelino Emílio de Carvalho, José Rico e
João Hora. Continuou com a famosa marca de lingerie graças à solicitação
do seu antecessor, que tinha prestígio na indústria, na qualidade de pioneiro da marca em Sergipe.
Mantinha o hábito de ler romances quando não tinha clientes nem
representantes no ambiente de trabalho, da rua João Pessoa. Celso Oliva
chegou a apresentá-lo a um amigo, dizendo: “Este é o comerciatne que,
ao invés de mercadorias, se envolve com livros.”
FAMÍLIA – Casou com Helena Oliveira no dia 7 de abril de 1942. Do
casamento, os filhos: Byron, Nei, Mirabeau, Magna e Joésia. É avô de
nove netos. Um amor construído na intensa participação da vida a dois,
prova de que nem sempre prevalece o amor à primeira vista mas, acima
de tudo, a doação. “Casei-me com Helena sem amor. Eu apaixonado por
uma e ela por um primo. Já tinham desaparecido os complexos e ela era
uma mulher preparada, já moça, com alguns anos de vida.” Conta, feliz,
que já chegou aos 54 anos de vida conjugal.
Oxente! essa é a nossa gente
pernas, se aventurou a defender a Grécia contra a Turquia. Mirabeau foi o
maior do período da Revolução Francesa. Ele contemporiza.” A grande realização:
“A formatura de meus filhos.”
Hoje é um ser estranho na rua João Pessoa. Por lá não passa. É estranho até
no Banco do Brasil, onde tem uma conta de 50 anos. Sente-se conformado com
a leitura e a alta sintonia com a família. Sobre o trabalho, só tem uma comparação
a dizer: “O aposentado é como uma moeda que sai de circulação.”
485
Valadão: o pipoquinha da TV
Oxente! essa é a nossa gente
J
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osé Antônio Valadão Costa nasceu a 16 de abril de 1956 no
então Estado da Guanabara. Seus
pais: Herbeto da Silveira Costa e
Enid Valadão Costa. Seu pai foi
um sergipano que trabalhou em
quase tudo e que não teve medo
de ir ao Rio de Janeiro em busca
de uma vida melhor. Foi vaqueiro, artista de circo, gerente de empresa de transporte e muito mais.
Dele, o filho herdou a honestidade. “Apesar de eu ser um
bonachão com as coisas práticas,
os meus negócios são regidos por
muita austeridade.” De sua querida mãe, profunda admiração por
uma mulher cheia de bondade, com espírito voltado para a filantropia.
“Minha mãe é aquilo que se pode chamar de uma pessoa dócil.”
Os primeiros estudos aconteceram no Rio de Janeiro, então Distrito
Federal, na Escola de 1º grau Alagoas, situada no Largo dos Pilares,
próximo da Abolição, no subúrbio. No Colégio Santa Teresa, em Olaria,
terminou o curso primário e, no Colégio Capitão Lemos Cunha, uma
parte do curso ginasial. Em dezembro de 1972, desembarcou em Aracaju
quando a família retornou a Sergipe. Matricula-se no Colégio Pio X e lá
Publicado no Jornal da Cidade em 3.11.1998
DIÁRIO DE ARACAJU - O primeiro emprego foi no Diário de Aracaju,
na época dirigido por Raimundo Luiz da Silva e que tinha como editor
Luiz Eduardo Costa. O chefe de reportagem era Osório de Araújo Ramos. Jorge Araújo também fazia parte da equipe, que tinha como redator
Ênio Botto da Costa, colunista social João de Barros e colunista especial
Chatô. Ao lado de Magner Andrade, José Brasil e Paulo Serra, Valadão
passou a integrar a equipe de reportagem do jornal. Seu primeiro trabalho foi acompanhado pelo fotógrafo Natanael, cumprindo pauta sobre
preço da carne em Aracaju.
Percebendo que poderia complementar o ordenado como publicitário, acreditou, pegou tabela do jornal e caiu em campo no comércio, em
busca de anúncio para o Diário de Aracaju, que na época integrava a
cadeia dos Diários Associados. “O meu primeiro cliente foi o saudoso
Murilo Dantas, do Banco Dantas Freire, e o segundo, por incrível que
pareça, foi Luciano Barreto, da Construtora Celi, que aproveitou o espaço do jornal para mostrar uma escola que sua empresa construiu para o
Estado.”
No Diário de Aracaju vivieu uma história dividida em etapas, marcada
pelo entrar e sair de diretores. “Raimundo saiu, entrou o Ari Soares.
Depois, Paulo Cordeiro, Cláudio Cruz e Hugo Costa.” No ir e voltar,
assumiu a responsabilidade pelas vendas da revista Lídio, de Ênio Botto
da Costa, e passou pelo jornal O Estado de Sergipe, pertencente a Souza
Filho e que tinha como administrador Cláudio Cruz.
Com Luiz Trindade, na sua empresa Trindade Publicidade, Valadão
teve a experiência de assumir função administrativa, com responsabilidade de cuidar da movimentação bancária da empresa, além de ficar
responsável pela programação musical que Trindade apresentava na televisão. “Tive a honra e o privilégio de conviver com José Luiz Trindade e
com o seu irmão, Carlos Trindade, que foram pessoas fundamentais na
Oxente! essa é a nossa gente
conclui o curso ginasial. Na continuidade dos estudos, presta exame de
seleção para a Escola Técnica Federal, consegue aprovação, mas só permanece o tempo correspondente a cinco períodos: abandonou o curso
por ter reprovado em Educação Física. “O meu corpo me permitiu o
abandono aos estudos.”
487
Oxente! essa é a nossa gente
minha vida profissional. Eles, apesar de serem autodidatas, tinham uma
consciência profissional muito grande. Aprendi a fazer televisão com o
Luiz e com o Carlos Trindade.”
Com Nazário Ramos Pimentel teve uma convivência profissional de
muitos anos, na função de corretor publicitário do Jornal de Sergipe.
Chegou a assumir a gerência comercial do jornal. “Pimentel é uma outra
figura fundamental em minha vida. Ele é meu compadre. Nazário e Helena são sinônimos de trabalho, pessoas boas.”
Desligado do Jornal de Sergipe, foi para o jornal Gazeta de Sergipe.
“Passei três anos. Foi uma oportunidade ímpar que eu tive, por conviver
com a sapiência de Hélio Dantas. Eu acho que só a oportunidade que uma
pessoa tem de conversar com ele, é algo de fantástico. Hélio é um homem
de cultura, é uma viagem. Também convivi com Paulinho. Um outro lance
interessante do meu tempo de Gazeta, prende-se à vinda do Brayner para
o jornal, quando ele saiu do Jornal de Sergipe. Foi uma coisa muito inovadora, já que a Gazeta era um jornal muito conservador.”
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MONSIEUR VALADÃO - Afastou-se da imprensa por um período para
montar restaurante na Praia 13 de Julho. “Por sugestão de Mozart Santos,
dei o nome de Monsieur Valadão. Na época, o ponto era muito ruim.
Ficava de frente para onde hoje é o calçadão. Foi uma experiência fascinante. Como eu só trabalhava com coisa boa e eu era um excelente bebedor, quebrei (risos).”
Conhecendo Hugo Santana, um paraibano que fez história na televisão brasileira e que estava em Aracaju apresentando programa de calouro
na TV Jornal, topou o convite para participar de sua equipe de produção. “O Hugo era uma das maiores expressões televisivas da América. O
Hugo terminou os seus dias de profissão em Sergipe, o que considero
uma grande injustiça. Um homem que foi galã da Tupy e que fez telenovela. Para se ter uma idéia, o Tarcísio Meira foi seu coadjuvante. Ele
trabalhou com Renato Aragão e muito mais gente famosa. Em Aracaju,
ele fazia o ‘Programa Hugo Santana’. Estava no final de carreira, sabia que
estava doente, mas não sabia que o câncer estava tomando seu corpo. De
fato, ele era uma aula de televisão. Como ele me chamou para trabalhar
ao seu lado, primeiramente atuei como jurado do seu programa. Depois
LINHA HILTON LOPES - Na TV Jornal, uma vida de trabalho iniciada
no ano de 1989 e que só terminou com a venda da emissora ao Grupo
Canção Nova. Conta que além do programa “Esquentando os Tamborins”, criou o “Forrozão da Jornal”, que depois foi transformado em “Alegria/Alegria”, que também veio a substituir aquele primeiro programa,
com apresentações tanto no período junino como no carnavalesco. “Me
considero um repórter de eventos, seguidor da linha de Hilton Lopes.”
Passou pelo novo Diário de Aracaju recentemente, na fase do Cabo
Zé, ingressando no jornal já na véspera em que ele estava para ser fechado. Uma experiência como colunista social. “Em 79, já tinha tido uma
experiência de colunista, assinando com Sérgio Calazans Silva uma coluna semanal. Também por algumas vezes substituí Sacuntala e muito
mais gente. Também substituí o Brayner por algumas vezes na parte política. No Diário, dizem que eu fui o pé frio. Eu chegando... e o Diário
fechando (risos).”
No último Pré-Caju, atuou na TV Cidade no comando das transmissões ao vivo do Corredor da Folia. Continua atuando em publicidade
através de sua empresa, José Valadão Costa. “Dou assessoria a algumas
empresas e orientação de marketing a algumas pessoas.” Sem espaço na
televisão, resolveu montar uma banda de forró, com o nome No Forró,
Sou Mais Sergipe. Confessa que fez uso do nome da campanha do governo do Estado para tirar um bom proveito na fase inicial da banda. Assim,
não faltou contrato no período junino, até mesmo no período eleitoral,
Oxente! essa é a nossa gente
me engajei na produção. Eu era assistido por Sacuntala Guimarães e
Cristina Souza. A produção executiva era do Fernando Cabral, na mesa
de corte Serginho Almeida, na sonoplastia Carequinha, Gel Menezes com
Chocolate faziam as vozes de fundo. Era um grande programa.”
Atendendo convite de Augusto Júnior, não pensa duas vezes e aceita
fazer um programa na TV Jornal, exclusivamente voltado para o Carnaval. “Entrei no ar com ‘Esquentando os Tamborins’. Foi aí que eu criei o
confetinho. Como o confete no linguajar popular é um elogio, criei o
confetinho, que era um elogio exagerado. Assim procedi pois o horário
do programa era comprado por mim. Por isso não tinha obrigação de dar
satisfações a ninguém.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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quando conseguiu seis contratos de apresentações no primeiro turno.
Uma idéia que deu certo e que hoje representa um alívio na sua conta
bancária. Investiu tudo o que tinha na banda, não escapando nem o
telefone.
Foi à procura de músicos de qualidade, preocupou-se com o trabalho
de produção musical, entregando tamanha responsabilidade ao artista
sergipano Antônio Rogério. Já está trabalhando para emplacar o primeiro
CD da banda e já tomou a decisão de que haverá mudança de nome, em
vista da exigência de uma empresa de fora que será responsável pelo selo
do CD. “A gravadora não concorda com o nome, mas eu não dispenso o
primeiro nome da banda. Assim, daremos um novo nome e faremos uso
do atual, No Forró, Sou Mais Sergipe, como slogan. Isso acontecerá enquanto eu tiver banda, pois foi uma coisa que me deu sorte.”
Faz questão de registrar o bom resultado com uma declaração polêmica: “Quero dizer aos meus desafetos que, financeiramente, eu estou muito melhor do que estava. Eu perdi o prestígio por não estar saindo na
telinha, mas a minha conta bancária está bem melhor do que era antes,
graças a Deus!”
Casou pela primeira vez com Lilá (Josirene Melo) e teve os filhos
Bárbara, Éster, Bruno e Angélica. Partiu para o segundo casamento, com
Lourdes, que resultou no nascimento de Maria. Não ficou sossegado e
partiu para outros casamentos. “Depois de Lourdes eu tive uma série de
amores. Pessoas assim... que a gente morou, três, quatro, cinco meses e
tempos mais. De fato, casei algumas vezes. Do total de filhos que eu tenho,
para eu ser justo, não quero dizer um número preciso. Pois existem os
filhos pessoais, os naturais, os filhos sentimentais. Eu casei com pessoas
que trouxeram filhos. Por isso, me considero pai de muita gente.”
Wellington Elias: o diabinho da vida esportiva
“comentarista do povo”, querido em
toda a cidade, tentou carreira esportiva como atleta “de pé raspado” e não
deu certo. No início, com uma bola de
meia, sabia até fazer algumas embaixadas.
Depois se conteve em organizar um time
de futebol, ser torcedor do Sergipe e sofrer com o Botafogo, do Rio de Janeiro.
Comentarista que sabe das coisas, guerreiro velho de várias batalhas, já tomou
inúmeras vaias em campo — mostra de
poder e audiência —, já teve que chegar
em casa protegido, entre rolos de fios,
numa Kombi da Energipe. Sofrimentos esportivos... ou melhor: troféus esportivos.
Sua vida profissional não está restrita
à crônica esportiva. Trabalhou no rádiojornalismo, no tempo em que não havia
gravador, ouvindo as emissoras de fora e
machucando os dedos na máquina de datilografia. Fez também rádio-humorismo.
Escreveu, diariamente, por mais de 10
anos, “Nossa Opinião” da Rádio Cultura, quando, ao término da leitura, geralmente o melhor locutor da emissora postava a voz e dizia: “Um trabalho da equipe redatorial.”
Publicado no Jornal da Cidade em 30.12.1991
Oxente! essa é a nossa gente
O
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Oxente! essa é a nossa gente
Foi também cronista social. “Uma crônica para você” fez muita gente
chorar. A crônica era dedicada a alguém, embalada de carinho, num texto elegante, leve e de profundidade literária. E para quantas pessoas não
foram dedicadas suas crônicas? O que Wellington Elias escrevia era
moldurado nas apresentações pelas vozes de Reinaldo Moura, Raimundo
Almeida e Gilvan Fontes. Ainda hoje, no registro de sua vida, lembra,
com alma nostálgica, dos bons tempos do rádio sergipano.
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FILHO DE ARACAJU - Wellington Elias da Paixão nasceu no dia 21 de
maio de 1927. Nunca se interessou pelos astros nem seus signos, mas
sabe que é de gêmeos. Nasceu em Aracaju e revela que, desde que chegou ao mundo, já veio provocando polêmica, pois muita gente pensa que
ele nasceu na cidade de Riachuelo. “Meus troncos, como diz o povo de
antigamente, são de Riachuelo, Roque Mendes e Maruim.”
Seu pai, Apolônio Elias da Paixão, possuía um saveiro e fazia o transporte de mercadorias entre Maruim e Aracaju. Tinha casa em Maruim e
casa em Aracaju. Wellington achava que poderia ter nascido em Maruim,
mas, como no dia 21 de maio sua mãe, Ceveriana Erundina da Paixão,
estava em Aracaju, por aqui chegou.
Seu pai morreu quando ele tinha 15 anos de idade. “Me tornei não
apenas um filho, mas um amigo, um colaborador do seu trabalho, embora
ele morresse em 1942, sendo meu convívio com ele relativamente muito
curto. Foi um período que marcou muito minha vida. Ainda hoje, recordo
a figura de meu pai pela sua honestidade: era um estivador, um seveirista,
um homem de raízes simples, mas que me marcou profundamente”.
A família de Wellington tem raízes religiosas no catolicismo, depois,
chegando a Aracaju, passou a protestante e, hoje, alguns dos seus irmãos são espíritas. Ele, casando com uma mulher católica, chegou à
seguinte conclusão: “Não seria Deus a nos separar. Eu ia para uma igreja
e ela para outra. Como era só atravessar a praça Tobias Barreto, onde eu
moro há 30 anos desde que casei, era só atravessar e rezar na Igreja São
José.”
INFÂNCIA - A infância foi vivida no bairro Santo Antônio, brincando
solto pelas ruas e já entrando em contato com o futebol. “Eu roubava as
NO ATHENEU - Saindo do Jackson, depois de concluir o curso primário, foi ser aluno do Atheneu, no ano de 1941, depois de passar com
nota acima de sete no exame de admissão. “Naquela época, era mais
difícil um exame no Atheneu do que hoje no vestibular. Você era chamado para escrever e para falar para uma banca examinadora que tinha
Felte Bezerra, José Rollemberg Leite, Artur Fortes, Joaquim Sobral, Maria Thétis, que era naquela época bibliotecária do Atheneu, Zequinha
Cardoso.”
Mas passou somente dois anos no Atheneu, pois com a morte do pai
foi forçado a deixar os estudos para arranjar emprego. Só voltou a estudar, à noite, em 1969, e conta que foi por implicância de sua mulher.
Terminou o ginásio no Colégio Tobias Barreto e o curso de Técnico em
Contabilidade na Escola Técnica Federal de Sergipe. “Até hoje não fui
buscar o diploma, que deve estar no arquivo.”
Oxente! essa é a nossa gente
meias de minhas irmãs e elas reclamavam que as meias estavam desaparecendo. Naquela época, enchia as meias com pano e papel para fazer
bola.”
Em 1938, foi dos primeiros a se matricular no Colégio Jackson de
Figueiredo, fazendo parte da turma dos primeiros alunos dos professores Benedito e Judite: Wilson Rocha, Euvaldo Diniz, João Machado
Rollemberg, Eduardinho Fonseca, Félix D’Ávila foram alguns dos seus
colegas.
A professora de grande significação na sua vida estudantil foi Nadir
Galrão Leite. “Ela já faleceu. Era irmã de Mariá e Bernadete, do Colégio
do Salvador. Ensinava no Jackson e essa mulher me marcou. O que devo
em matéria de português, de gostar de escrever, devo a ela, que fazia o
seguinte: dia de sábado, na sua aula de Português, um era dedicado a
escrever o tema que ela dava e o outro, era para falar. Assim, a gente
aprendia a desenvolver tanto escrevendo, como falando, sabendo desenvolver a oratória.”
De vez em quando, aprontava uma e outra e parava na frente de Dona
Judite, que aplicava um corretivo. Quando o professor Benedito, que
trabalhava no Grupo Valadão, chegava à tarde para fazer o acerto de contas, avistando Wellington, dizia: “É você? Pode ir sem problema.”
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Oxente! essa é a nossa gente
CASAMENTO - Quando foi assistir a um show de uma orquestra de
tambores do Havaí, que se apresentava no Cine-Teatro Rio Branco, durante o intervalo, avistou duas senhoritas e por uma delas se interessou.
“Quando terminou o show, a irmã dela, a médica Maria do Céu, tinha um
carrinho pequeno, tipo Gordine. Ela andava tão devagar que ela fez a manobra da rua João Pessoa, virou Itabaianinha, eu andei rapidinho, fiquei
na esquina dos Correios e, na passagem, trocamos aqueles olhares.”
Através de uma amiga comum, foi marcado um encontro, que se prolongou por um ano e três meses, até chegar ao altar. “Sou casado graças a
Dona Ildete Nabuco Teixeira, pois no noivado nós acabamos e tal. Dona
Ildete telefonou pra mim e pra ela, sem dizer nada para nenhum dos
dois. Chegamos lá, reatamos e em dois meses casamos. Dona Ildete trancou a porta, ainda me lembro hoje, isso sem falar do famoso licorzinho
que ela ofereceu no brinde da paz.”
Com São José abençoando os dois, no dia do Padroeiro do seu bairro,
dia 19 de março de 1960, Wellington Elias casou com Maria de Lourdes
Pereira da Paixão. Do casamento, duas filhas: Maria do Céu e Maria de
Fátima. “A primeira é economista, já casada, e a segunda, solteira, é
advogada e trabalha na Prefeitura. Tenho três netas: Luciana, Lorena e
Vanessa e a vida de avô é a coisa mais linda do mundo.”
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QUASE MARINHEIRO E DIRETOR DE MUSEU - Seu primeiro emprego foi na firma Joel Porto Representações, onde ficou sete anos e meio.
Por influência do amigo Eliezer da Silva Oliveira, foi parar na Marinha,
em Salvador. “Nós íamos tentar ser marinheiro, repare que aventura!”
No período de testes, depois de dois meses comendo feijão bem
socadinho, antes de andar em navio, seu amigo Eliezer não suportou a
dura vida de marinheiro e Wellington, solidário, resolveu deixar o mar
para lá. Retornando a Sergipe, trabalhou dois anos e meio na Usina Nazaré,
na cidade de Santa Rosa. Trabalhou com Humberto Rocha e passou, com
o irmão Edson Elias, mais de 10 anos como representante comercial.
Em 1960, foi trabalhar no Estado. “Fui secretário do secretário de Educação Antônio Garcia Filho, meu padrinho de casamento. Depois, fui para
a Faculdade de Filosofia ser secretário de Dom Luciano Cabral Duarte, daí
para a Universidade Federal de Sergipe e hoje estou aposentado.”
ATLETA MEDIANO E TORCEDOR SOFREDOR - Somente bateu bola de
pé raspado nos campos de várzea que existiam em Aracaju. Desde o tempo
de bola de meia sentia uma grande atração pelo futebol. Na época de estudante do Jackson, já freqüentava o velho campo do Adolfo Rollemberg,
sendo torcedor do Sergipe. Como jogador, era meia-direita. Na sua modéstia, diz que não chegou a ser um jogador estrela maior, “nem do segundo
time de pé raspado”. Para se conformar com isso, resolveu montar seu
próprio time. “Meu time marcou época. Era meu e de Carlitinho.”
O futebol está no seu sangue desde 1937, quando começou a torcer
pelo Botafogo do Rio de Janeiro. “A Livraria Monteiro vendia um globo
esportivo que vinha de navio. Era imenso, tamanho enorme, e custava
naquele tempo 200 réis. Vi o retrato do Botafogo e o time de 37/38 era este:
Álvaro Carvalho Leite, Pascoal, Perácio e Patesco; Zezé, Procópio, Martin,
Canali, Aymoré, Bibi e Nariz. O Botafogo entrou na sua vida de uma forma
que, a partir dali, o futebol ganhou uma nova dimensão na sua vida. “Não
dei para jogar, mas dei para torcer, escrever, ser comentarista e tal.”
Torcedor do Botafogo no Rio de Janeiro e, por aqui, do Sergipe. Um
torcedor calejado: “Com o tempo, vejo o Sergipe jogar, faz gol e já não
vibro mais. Não tenho aquela vibração que tinha antigamente.”
Como comentarista esportivo, nunca teve nenhum ídolo. “Minha escola é própria e quem acompanha meus trabalhos é testemunha disso.
Crio termos, não copio: é diabinho, suplicante, tal... As crianças me
chamam de diabinho e tal.”
“Não anoto datas, mas me lembro de épocas. No Sergipe Jornal, na
rua São Cristóvão, eu já ajudava José Eugênio. Ele era tipógrafo, mas já
trabalhando na imprensa. Eu me valia dele para levar notinhas do esporte menor para o jornal. Daí iniciei, tendo escrito em inúmeros jornais e
hoje escrevo no Jornal da Cidade.”
NO RÁDIO - “Eu trabalhava com o meu irmão: tinha máquina de datilografia, escutava o rádio, não tinha gravador naquele tempo. De cabeça,
Oxente! essa é a nossa gente
“Fui o primeiro diretor do Museu de São Cristóvão do Estado e pouca gente sabe disso. Luiz Garcia criou o museu e, enquanto não havia um
diretor para morar lá, eu acumulei as duas funções.”
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Oxente! essa é a nossa gente
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anotava tudo, fazia o noticiário do Brasil e do exterior e mandava para
Silva Lima ler na emissora. Depois, passei a fazer comentário e Silva
Lima lia.”
“O pai de Paulo Silva, Seu Cláudio Silva, colocou Silva Lima para
fora da Rádio Aperipê, em pleno ar. José Eugênio assumiu junto com
Carlo Nagibe e eu continuei a escrever. Um belo dia, eu fui para a Difusora
entregar um comentário e aí Nagibe me trancou no estúdio e me anunciou: ‘Para ler seu comentário, aqui está Wellington Elias’. Eu tremia que
só vara verde. Assim, quem me lançou no rádio foi Carlos Nagibe.”
Com Wolney Silva, tinha um programa de humor que marcou época
no rádio sergipano. “Era Madame Xixiu, uma velha. O Wolney mudava a
voz e fazia um tremendo sucesso. Eu gostava de escrever humorismo, eu
criei a Madame Xixiu e como gostava de escrever as coisas da Madame!”
Não queria ser comentarista. Gostava de ser humorista, de escrever crônicas e fez sucesso com “Uma Crônica Para Você”, que era lida por Reinaldo
Moura, Raimundo Almeida e nos últimos anos por Gilvan Fontes. A
Crônica foi lida por mais de 10 anos, primeiro na Rádio Liberdade e
depois na Cultura.
Wellington Elias, na Rádio Cultura, participou da linha editorial da
emissora, quando escreveu “Nossa Opinião”. “Eu escrevi sozinho o Nossa
Opinião, por mais de 10 anos, diariamente, e pouca gente sabe. Dom
Luciano sabe bem que era eu. Era a equipe de um só. A equipe redatorial
da Rádio Cultura.”
COLUNISTA SOCIAL - “Eu fui o primeiro cronista social de jornal em
Sergipe. Era Bonequinha na rádio Aperipê e eu em jornal, na Gazeta de
Sergipe. Eu tenho até fotos com Terezinha Morango, quando ela veio aqui,
chegando naquele aeroporto de poeira. Assinava Wellington Elias – Sociedade. Criei a soirée do Cinema Palace, que era um acontecimento.”
“Não tinha fotógrafo, mas eu documentava os nomes. Registrava os
famosos bailes do Cacique Chá. Na Capitania, um Capitão dos Portos
incentivou muito o movimento social da cidade e aconteceram alguns
bailes.” Trabalhando de graça, conseguiu escrever, por mais de cinco
anos, crônica social: “No meu tempo, já escrevia no gênero do Zózimo,
dando notícias de política.”
“Fundei a TV Sergipe e fundei também a TV Atalaia, onde até hoje
estou. Quando citam os fundadores da TV Sergipe, eu não sei por que
não citam meu nome. Mas o povo sabe: o primeiro teste colorido do
Canal 4 foi com minha imagem.”
Oxente! essa é a nossa gente
VAIADO - “Fui vaiado várias vezes. No polêmico Bahia x São Paulo,
quando a Fonte Nova estava interditada, dei uma peruada quando o árbitro do jogo colocou Pedro Rocha pra fora. Eu disse: o árbitro está procurando ajudar o Bahia. Foi uma vaia da peste!”
Saiu de campo uma vez bem protegido: “Foi dentro de uma Kombi da
Energipe. Havia um movimento da diretoria do Confiança naquela época. Entrei no Estádio e logo me disseram que eu ia apanhar. Alguém me
contou que a diretoria do Confiança tinha armado um esquema para me
bater e que eu ia levar uma surra naquela tarde. Um rapaz da Energipe
me colocou dentro de um rolo de fio e eu fui pra casa assim, bem socado,
dentro do rolo.”
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Wilson Silva: amante da moda e da natureza
Oxente! essa é a nossa gente
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ilson Silva de Jesus nasceu a
23 de julho de 1943 na cidade de Aracaju. Seus pais: Pedro José
de Jesus e Evelina Silva de Jesus. O
pai trabalhou como marinheiro e depois se estabeleceu no ramo do comércio, progredindo no negócio de
moagem de milho. Dele, herdou a
seriedade no trabalho e tem uma profunda admiração pelo amor que ele
dedicou aos filhos e à mulher. De sua
querida mãe, Wilson herdou a humildade e dela aprecia a elegância e
a dedicação ao trabalho.
Viveu uma parte da infância na cidade de Laranjeiras e teve na Usina
Pinheiros, onde seu pai trabalhava, a oportunidade nos primeiros estudos realizados na escola da usina, com a professora Maria José Capinam.
“Ela teve um papel de grande importância na minha vida. Era uma professora de grande gabarito cultural, irmã do compositor Capinam e me
proporcionou uma boa base.”
Com 10 anos de idade segue para Aracaju, estuda como aluno interno no Educandário Nossa Senhora Menina, onde fez o restante do curso
primário. Fez o curso ginasial no Colégio Jackson de Figueiredo e se
torna aluno aplicado. Chega a conquistar o terceiro lugar da turma e se
destaca dos demais colegas pelo seu espírito de liderança. “Bati continência para Benedito e levei reguada da grande diretora que foi a profes-
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Publicado no Jornal da Cidade em 3.5.1998
BOLAS DE SOPRAR - Logo quando Wilson foi morar em Aracaju, o pai
montou o Moinho Globo. Mas Wilson não chegou a trabalhar com o pai.
O primeiro trabalho que fez na vida aconteceu aos 12 anos, no povoado
Capunga, município de Itabaiana, vendendo bolas de soprar em festas
de final de ano. “Por isso é que eu sou um homem forte. Eu entrava de
férias, comprava as bolas de soprar e ia para Capunga, terra de minha
avó, vender as bolas. Como menino só compra bola cheia, eu não tive
saída. Enchia todas as bolas. Até que apurei um bom dinheiro com essa
história.”
Mas o primeiro emprego aconteceu no comércio de Aracaju, como
funcionário da firma A Suprema. Começou como varredor, passou a vendedor, comprador e chegou à gerência. “Foi no ano de 1958. Já estudava,
trabalhava e fazia teatro à noite. Como vendedor que fazia tudo, passei
oito anos.” Foi mais do que um funcionário para o comerciante José
Barreto. “Ele tinha vindo de uma decepção no Rio de Janeiro. Veio de-
Oxente! essa é a nossa gente
sora Judite.” Para ele foram importantes os momentos em que ficou perfilado no pátio do colégio antes do início das aulas, para cantar, junto
aos demais alunos do colégio, o Hino Nacional. “Criávamos uma esperança em que o Brasil um dia seria país potência e que a miséria deixaria
de existir. Infelizmente, a miséria continua presente.”
Concluído o ginásio, foi fazer o científico no Colégio Pio X, mas não
chegou a concluir o curso. “Saí no terceiro ano científico, por causa de
um professor de Inglês. Foi a única coisa da minha vida que me arrependi. Esse arrependimento é porque humilhei o professor. Fiquei em cima
da carteira e disse ao professor que ele era analfabeto e que não tinha
condições de ensinar. Disse isso, saí e não estudei mais nunca. Também
pesou que foi na época da Revolução. Justamente quando ela chegou.
Era um revoltado, pois tinha um certo embasamento político.”
Registra que, na sua juventude, integrava a turma de João Augusto
Gama, Mário Jorge, Chico Varela e Ezequiel Monteiro. “As reuniões aconteciam na Yara, na Atalaia Velha e nos puteiros da vida. Ou melhor: os
cabarés da vida. Era uma excelente época, pois éramos descomprometidos e comprometidos com todos. Queríamos o melhor para o ser. Bem
diferente de hoje, que todo mundo só quer o melhor para si.”
499
Oxente! essa é a nossa gente
cepcionado com a juventude do Rio, justamente com a juventude que
gozou. Tinha casado recentemente e não queria passar por outros bocados, como passou em Niterói, onde teve loja. Casou-se com Dona Ione e
desse casamento teve A Suprema e, como sócio, Sílvio Renato Garcez. A
terceira pessoa era Wilson Silva.”
500
O GAVETÃO - Wilson desenvolveu um fino gosto para a moda, o que lhe
deu condições de abrir uma pequena loja de confecções para homens, no
ano de 1969, na galeria do Hotel Palace. Surgia O Gavetão, nome dado
pelo amigo Ezequiel Monteiro. Garante que nunca deixou de receber o
apoio da sociedade sergipana. “Graças à natureza, eu não me queixo de
hipótese nenhuma. Pelo contrário, me dei muito bem.” Após um ano de
Hotel Palace, compra um ponto na rua Laranjeiras, 147, e transfere o
estabelecimento comercial.
Antes de montar seu próprio negócio, passou por uma experiência
relâmpago no Rio de Janeiro, como vendedor de livros. Voltou para Aracaju
a pedido da mãe. “Vim, fiquei e não me arrependo de jeito nenhum.”
Já em 1970 monta O Gavetão Júnior, também na Laranjeiras, no primeiro trecho, imóvel de número 25. É atropelado pela inflação, fecha a
loja exclusiva para jovens e instala O Gavetão em seu lugar. No comércio,
uma história de 38 anos. “Só tenho boas recordações. Eu tentei fazer um
trabalho de evolução na moda masculina. Devo registrar que neste trabalho, foi importante a participação do meu compadre, amigo e irmão, Pedro
Rodrigues. Lancei moda não só em Sergipe, como no Brasil, porque as
indústrias me chamavam antes de seus lançamentos na Fenit. Eu ficava
nos meses de junho e em janeiro oito dias por conta dos fabricantes, para
fazer escolha de seus mostruários. E só ia para a venda o que eu aprovasse.
Em Aracaju, eu deitei e rolei. Lancei calças para homens coloridas, sapatos de cromo alemão, tênis tipo importação. Eu ousei e abusei.”
Coube a Wilson Silva a organização do primeiro desfile de modas
numa rua do centro comercial de Aracaju. “Eu já tinha feito vários desfiles: no Iate Clube, no Sesc, na Associação Atlética. Fazia parceria com o
Pedro Rodrigues. Ele ficava com a parte feminina e eu com a masculina.
Dei a idéia ao prefeito Heráclito Rollemberg de fazer um desfile no calçadão da Laranjeiras com João Pessoa e ele comprou a idéia na hora. Foi
PARTIDO VERDE - Quanto ao seu xodó com o Partido Verde, tudo começou com a amizade dos jornalistas Fernando Sávio e de Zenóbio Melo.
“A gente estava querendo criar o Partido Verde mas a idéia nunca saía do
papel. Tínhamos a idéia de lançar chapa para concorrer às eleições:
Fernando Sávio ia ser o governador, Zenóbio Melo ia para o Senado e eu
para deputado federal. A idéia não vingou. Fernando Sávio ficou meio
adoentado. Veio o professor Araújo e criou o Partido Verde. Fui e faço
parte do PV, apesar dos pesares. Sou o presidente do partido na cidade
de Nossa Senhora do Socorro e estou agora lançando minha candidatura
à presidência do Partido Verde no Estado.”
No momento, está envolvido com a Ecomaré, uma organização nãogovernamental que, garante ele, chega com projetos fortes e assegurados
por empresas de porte nacional. “Já estamos operando.”
É pai de dois filhos “lindos e maravilhosos”: Pedro José de Jesus,
com Maria José Sales de Campos, e Wilson Silva de Jesus Filho, com
Maria Amélia Aragão. “Adoro curtir os meus garotos.”
Oxente! essa é a nossa gente
um desfile maravilhoso. Contamos com a participação de Pedro Rodrigues
e trouxemos a minha amiga e atriz Angelina Muniz. Foi simplesmente
sensacional. Acho que deveria ir para o Livro dos Recordes.”
Marcou presença no teatro sergipano, como aluno de palco do professor João Costa. Integrou a equipe sergipana de teatro comandada pelo professor, foi ao Rio de Janeiro e atuou na excursão como ator substituto.
501
Zamor: professora caridosa e viajada
Oxente! essa é a nossa gente
E
502
la tem 50 anos de dedicação à
educação em Sergipe. Algumas gerações de homens públicos aprenderam Português e História com ela, que
também foi funcionária da antiga
seccional do Ministério da Educação
e contadora do serviço público estadual, numa rotina que diariamente começava às 7 horas e só terminava depois da 22 horas. Foi idealizadora de
uma escolinha para lavadores e carros e, aposentada, pôde se dedicar integralmente à caridade, atuando na
presidência da Associação Cristã Feminina. Foi professora dos colégios
Tobias Barreto, Atheneu, Jackson de
Figueiredo, Pio Décimo, Nossa Senhora de Lourdes, Escola de Comércio e
Escola Técnica Federal de Sergipe,
onde ensinou por 30 anos.
Áurea Melo nasceu a 10 de março de 1906 em Aquidabã (SE), sendo
uma das nove filhas de Felício Dias de Melo e Maria de São José de Melo.
O pai era senhor de engenho e negociante, de quem Áurea recebeu lições
que jamais esquece. “Um exemplo de justiça, de trabalho. Um homem
Publicado no Jornal da Cidade em 8.8.1993
INÍCIO DO MAGISTÉRIO – Concluído o curso normal, começou a vida
de magistério no Colégio Tobias Barreto, nas aulas de prática de ensino,
hoje estágio, onde não passou desapercebida pelo professor Zezinho
Cardoso, que garantiu o emprego tão-logo ela concluiu o curso. Áurea
Melo considera o diretor uma personagem que deveria ser melhor lembrada pela história. “É uma das figuras com quem Sergipe foi muito
ingrato, pois devia se lembrar sempre daquele extraordinário homem
que foi. Ele tinha uma enorme dedicação pelo ensino e era como um pai,
apesar de muito rigoroso. Vou dizer uma coisa: a minha formação de
professora devo muito ao exemplo do professor Zezinho. Fui professora
do Tobias Barreto durante muitos anos e foi lá que eu aprendi a amar o
ensino, onde eu aprendi muito mais do que sabia, com os exemplos de
Zezinho, com a preocupação que ele tinha com a formação dos alunos.”
Áurea Melo, que depois se tornou uma apaixonada por viagens, tendo
conhecido o mundo, foi ao Rio de Janeiro, onde passou um ano e dois
meses, oito horas por dia, fazendo o curso intensivo de Orientação
Vocacional, que lhe garantiu o registro para ensinar no curso secundário.
“Na época, era o equivalente ao nível superior.” Por todas as escolas por onde
passou, além de Português e História, ensinou Administração Escolar.
Oxente! essa é a nossa gente
simples do interior de Aquidabã, cuidadoso com a família, um bom pai.”
A mãe, dedicada professora pública, imprimiu em quase todas as filhas
o amor ao ensino. Tem boas lembranças da infância, quando a primeira e
única professora do curso primário foi a própria mãe.
Em Aracaju, fez o curso complementar no ano de 1923, na Escola
Normal, num momento difícil, por ter perdido a mãe, que morreu aos
51 anos de idade. Mas ingressou no curso médio com dedicação, pois
queria seguir a profissão herdada da mãe. “Ela deu o exemplo de vocação. Éramos nove irmãs e seis foram professoras.” Foi uma fase importante e que jamais esquece, principalmente por ter sido aluna de mestres como o professor José Antônio da Rocha lima, Leonor Menezes
Teles e Maria Amélia Fontes, conhecida como Dona Cotinha. Conhecimentos transmitidos com segurança numa Escola Normal de uma época
memorável, de onde as alunas saíam prontas para encarar a profissão,
pois o curso completo incluía até aulas de agricultura.
503
Oxente! essa é a nossa gente
PROFESSORA DO ATHENEU – O Colégio Atheneu representa uma fase
importante na vida da professora, quando ensinou por um longo período a disciplina História das Américas. Além de gerações de alunos que
passaram por ela, pôde conviver com professores dos quais tem um grande orgulho de terem sido colegas de trabalho, e que realmente têm significado na história da educação em Sergipe, como Costa Pinto, Gilson
Cajueiro, Maria Thétis Nunes, Ofenísia Freire e José Augusto da Rocha
Lima.
Ela recorda de uma história narrada pelo professor José Augusto da
Rocha Lima, que ela ouviu nos tempos de Escola Normal e que nunca
deixou de contar aos seus alunos. “Quando o professor José Augusto foi
aluno de Geografia, ele não gostava de nada da China. No dia da prova,
caiu para ele falar justamente sobre a China. Ele começou a falar como se
fosse literatura: ‘Lá pelas bandas do Oriente, descansa um país misterioso, que é a China’. Ele sabia apenas três nomes: Cantão, Shangai e Nanquim. Um dia eu estava contando isso aos meus alunos quando o professor José Augusto ia passando pelo corredor do Atheneu. Ele parou e
veio me dizer que estava impressionado com a lembrança daquela história, que ele tinha contado no tempo da Escola Normal. Respondi, emocionada, que ele tinha sido meu maior professor (lágrimas).”
504
PROFESSORA DA ESCOLA TÉCNICA – Na Escola Técnica Federal de
Sergipe, 30 anos de dedicação ao ensino, que começou quando ainda se
chamava Escola Industrial de Aracaju e funcionava na esquina da rua
Lagarto com Maruim. “Tive um prazer muito grande de ter como meu
diretor um ex-aluno do curso primário no Colégio Tobias Barreto, o professor Pedro Braz.” Foi uma ligação de muita afetividade, que ela conta
com muita emoção, voltando ao tempo do curso de Orientador Educacional, no Rio de Janeiro. “Quando estava no Rio, fiz um cartão ao Pedro
Braz, informando que não ia mais continuar no curso, porque o programa era muito vasto. De imediato, ele me respondeu que não fizesse aquilo, pois eu tinha condições de terminar o curso e, me incentivando,
disse que eu voltaria pronta para começara a ser mais feliz.”
Hoje, após 50 anos de atuação como professora, diz que nada foi melhor
na sua vida do que ter tido a oportunidade de ensinar a várias gerações.
GUARDA-LIVROS E CONTADORA – Áurea Melo exerceu outras atividades, tendo sido secretária, contadora e diretora comercial do Serviço de Luz
e Força de Aracaju (posteriormente Energipe), onde passou 12 anos. A carreira de contadora foi iniciada no Rio de Janeiro, onde fez um curso pela
Diretoria do Ensino Comercial, recebendo o diploma de guarda-livros. Com
a permissão do governo de que toda guarda-livros que trabalhasse em repartições públicas e que tivesse balanço publicado no Diário Oficial da República poderia exercer a profissão de contador, Áurea Melo tratou de providenciar o seu registro no Conselho Regional de Contabilidade.
Também por 12 anos foi diretora em Sergipe do Ensino Secundário,
cargo vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. No Senai, exerceu
a função de contadora, passando também pelo Departamento de Estradas
de Rodagem, como chefe de administração e diretora administrativa, chegando a assumir o cargo de assistente do Secretário da Fazenda.
Conta que o fato mais interessante de sua passagem pelo Serviço de Luz
e Força de Aracaju foi ter dado oportunidade a um menino pobre que
servia café. “Ele tinha uma letra muito bonita, me chamou a atenção e eu fiz
de tudo para tirá-lo do café. Dei muito incentivo para que ele fizesse o curso
de contador. Ele o fez com muita competência, dando-me condições para,
na minha saída, exigir do então diretor, como eu fiz, que ele fosse o meu
substituto. Esse rapaz já foi diretor da Energipe, parece-me que é procurador do Estado e um conceituado advogado. Não me peça para eu dizer o
nome, pois eu não digo. Ele foi uma das alegria que eu tive na minha vida.”
ASSOCIAÇÃO CRISTÃ FEMININA – Com tudo isso, sempre desenvolveu inúmeras atividades de caráter social. Foi secretária da Organização
Oxente! essa é a nossa gente
Sente orgulho por muitos dos ex-alunos terem chegado a importantes cargos
públicos em Sergipe. “Fui professora do atual governador (João Alves Filho)
e do atual prefeito (Jackson Barreto).” Também sente orgulho de ter fundado
uma escolinha para meninos pobres e de ter sido professora de um lavador
de carro que chegou a se formar em Engenharia, além de outro aluno pobre
da Escola Técnica que ela ajudou a se formar em Medicina (prefere não citar
nomes). “Fui uma professora simples, modesta, mas que tive condições de
ensinar a muita gente que hoje me reconhecem na rua.”
505
Oxente! essa é a nossa gente
das Voluntárias, uma entidade nacional, e presidente do Movimento Brasileiro de Correspondência em Sergipe, onde fundou uma escolinha para
lavadores de carros, que funcionou de 1966 a 1970. “Foi a melhor coisa
que eu fiz na minha vida. Em todo o lugar que eu chego, encontro um exlavador da escolinha arrumado na vida. Tem que, posso dizer com toda
alegria, hoje é engenheiro. Tem gente trabalhando no Senai, na Petrobras,
na Câmara dos Deputados, em Brasília.”
Atualmente, é presidente da Associação Cristã Feminina, dedicando todo
o tempo de mulher aposentada às obras eme benefício das pessoas necessitadas. Na imprensa, foi colaboradora da revista Alvorada, também publicando
artigos diversos em jornais de Aracaju. E dedicou seus dias de lazer a longas
viagens pelo Brasil e pelo mundo, tendo viajado, somente ao Japão, por três
vezes. Certa feita, estava comprando relógio na Suíça quando comentou com
a pessoa que a acompanhava se seria oportuno pedir um desconto no preço.
Para sua surpresa, o homem do balcão tinha entendido tudo o que ela estava
dizendo, falou que tinha sido seu aluno e que daria, sim, o desconto.
506
O APELIDO ZAMOR – O nome Zamor veio de casa, quando a mãe dava
a cada filho um apelido carinhoso. “Da expressão meu amor, veio a forma mais carinhosa ‘meus amor’, que virou Zamor.” Ficou tão conhecida
como professora Zamor (muitos até desconhecem seu verdadeiro nome),
que chegou a assinar Áurea Zamor de Melo. “Por isso, perdi um mês de
ordenado na Inspetoria de Ensino (risos).”
Resolveu ficar casada somente com o magistério, mesmo tendo após
alguns flertes na juventude, “como toda mulher normal.” Mas sorri quando anuncia que tem 74 sobrinhos, de todos os graus. “Todos me têm,
graças a Deus, muita atenção.” Na sua simplicidade, afirma que Nosso
Senhor foi muito bom, dando-lhe tudo e permitindo que ela fosse uma
mulher de muita sorte. Quanto a ser nome de duas escolas em Aracaju,
comenta que diz muito mais sobre o valor de quem presta a homenagem
do que do próprio homenageado. Recentemente, o prefeito Jackson Barreto
inaugurou, no conjunto Orlando Dantas, a Escola de Primeira Grau Professora Áurea Zamor de Melo. A primeira homenagem desse porte foi
prestada pelo secretário e também ex-aluno Marcos Prado, que inaugurou uma Escola Estadual Áurea Melo na Soledade.
Zé de Raul: o bonachão
x-combatente, emérito jogador de futebol do passado, servidor aposentado do município de Aracaju, com 25 anos
de serviço prestado, onde começou a trabalhar como soldado do Corpo de Bombeiros e terminou como agente de tributos, Zé de Raul tem muitas histórias para
contar, principalmente do período em que
foi Rei Momo do Carnaval de Aracaju.
Reinou em três carnavais. Num deles, no
ano de 1957, caiu da cadeira de rei, do majestoso carro alegórico, na sua primeira noite
de reinado. Foi parar no hospital em estado grave e escapou por pouco. Quase foi
degolado por um fio de telefone e quase
morreu na porta do hospital, quando uma
freira apareceu e, vendo o homem fantasiado, coberto de sangue, disse: “Príncipe não
entra!”
Ele tem 1,87 de altura e pesa 120 quilos. Um sergipano duplo, que só anda de
chapéu e que foge do calçadão da João
Pessoa por não gostar de “fofocas”. Uma
pessoa sempre atualizada e presente nos grandes acontecimentos da cidade. Quando Collor veio inaugurar o calçadão do Vavá, no governo
Publicado no Jornal da Cidade em 4.2.1991
Oxente! essa é a nossa gente
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Oxente! essa é a nossa gente
Antônio Carlos Valadares, o Zé foi lá apertar a mão do homem. Para ele,
foi uma emoção e tanto. Sua vida é assim, cheia de emoções.
Muitas histórias contam na cidade sobre Zé de Raul. Como a que
aconteceu no cinema Rio Branco quando ele foi assistir a um filme. Chegou tarde, procurou um lugar e, depois de muito esforço, na escuridão
do ambiente, sentou-se al lado de uma mulher. Por mero descuido, ele
passou a mão nas pernas da sua vizinha de cadeira. Foi sem querer e
quando foi pedir desculpas, recebeu um tremendo tapa. Escândalo no
cinema. As luzes foram acesas. Todo o público presente se levantou.
Expectativa geral. Zé de Raul com o seu gigantesco corpo se levantou,
não pensou muito e bem alto disse:
— Dou aqui, dou na rua e dou em casa! Depois acertamos nossas
contas. — Retirou-se. Deixou a pobre mulher morta de vergonha e essa
história para a memória da cidade.
508
CAVEIRA DE MAMÃO - José Sandes Lago é o seu nome de registro.
“Nasci no dia 17 de janeiro de 1924, às dez horas, dia de quarta-feira, na
rua Laranjeiras, 677, hoje uma casa comercial. Sou capricorniano e acredito em tudo.” Estudou as primeiras letras na escola da professora Alira
Bezerra. Uma escola que ficava na rua Propriá, próximo ao Parque. Depois foi para a escola da professora Esmeralda, até fazer exame de admissão e estudar no Salesiano.
“Minha infância foi gozadora. Fazia esparrela e caveira de mamão para
fazer medo ao povo”. O que é esparrela? “Fazia um buraco na areia e
cobria com casca de cana e papel. Jogava areia por cima e ficava escondido para ver o pessoal cair e dar uma boa risada. Eu era presepeiro, não
gostava de perversidade. De noite, num mamão, fazia a boca, os olhos,
como uma caveira e colocava uma vela dentro. Pendurava num pé de
oiti, que ficava na frente da casa do finado Pedro Paes, e escondido via o
povo correr.”
Estudando no Salesiano, não podia deixar de jogar futebol e foi lá
que mostrou o domínio com a redondinha. Gostava de fazer o estilo
malabarista, realizando piruetas, jogava até de ombro. Sua fama correu, a
ponto de ser chamado para jogar nos grandes times da cidade. “Joguei no
Salesiano com Cacetão e Charuto”, diz, orgulhoso.
GUAIAMUM NO SÃO JOSÉ - Zé de Raul lastima o desaparecimento dos
sítios de frutas que existiam por toda a cidade. “Acabaram os sítios de
Aracaju. Hoje, a cidade é toda cheia de conjuntos. Eu tirava frutas. Não
considero como roubo, pois roubo é tirar um objeto de valor. Eu gostava
de tirar era coco seco atirando pedra. Não tirava o coco verde porque era
mais seguro.”
Era o tempo de Aracaju dos guaiamuns. “Ia pegar guaiamum na Igreja
São José. Ali atrás era um enorme mangue e tinha muitas tocas de
guaiamuns. Ratoeira não era de lata, era de madeira, que a gente fazia. Às
vezes, como faziam com a gente, a gente fazia com os outros. Defecava
dentro da ratoeira. Quando abria, estava lá um outro guaiamum. Como
as cobras gostavam das iscas das ratoeiras, primeiro a gente balançava
para saber se era cobra ou guaiamum e também cheirava, para saber se
não era outra coisa (risos).”
Zé lembra que o bairro São José era conhecido como Carro Quebrado, porque alguém teria abandonado um carro por lá. “Família de valor
que tinha no Carro Quebrado era a família Porto. Os tios de Nino Porto.
Tinha uma zona na rua Lagarto com Socorro. Era conhecida como ABC,
pois lá tinham cinco casinhas com os nomes das vogais. Na minha
Oxente! essa é a nossa gente
Na região onde morava, só dava o Zé, e isso motivou o saudoso Fernando Oliveira, que fazia parte da patota, a tirar o Sandes e colocar o “de
Raul”. “Tinha o Zé de Inês, Zé de Romário, Zé Boca de Bagre, Zé de
Aurora e Zé de Raul, para distinguir, pois eu sou filho de Raul Lago e
Maria Anastácia Sandes Lago.
No segundo ano ginasial, largou os estudos. “Tenho mais prática de
vida.” Levou uma juventude no bom viver. “Barriga cheia, que era o
principal.” Logo, com a abertura do voluntariado, foi para o Exército e,
com a farda verde, passou três anos. “Gostei, pois aprendi muita coisa
boa. Para mim, foi melhor do que um colégio.” Foi soldado? “Soldado,
mas não era boa coisa, aprontava muito. Uma vez, na boate Bela Vista,
com uns colegas, fomos fardados. Eu, Paulo Protásio e Gaguinho, quebramos um pote com água salgada, na cabeça de Simeão Sobral que era o
chefe da investigação da Secretaria de Segurança do Estado. Quando a
patrulha chegou, nós caímos fora (risos).”
509
Oxente! essa é a nossa gente
época, conheci prostitutas famosas como Doninha Pílula, Santa Rata,
Madalena, Toinha Boa, Branca, Pequena e Doninha Cabelo Duro. Em
Aracaju, não tinha tanta bicharada como hoje. A gente podia contar
nos dedos: Raimundão, Azeitona, Alonso e mais outras, que já estão
fora do ar.”
Zé de Raul gostava de freqüentar as boas casas da noite de Aracaju.
“Um dia aconteceu um lance na boate Imperial, por causa de política.
Saíram uns tiros e eu fiquei debaixo da mesa. As meninas quietas, eu
bem protegido. No fim, não deu para sair nem azeite (risos).”
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EX-COMBATENTE SEM TER IDO À GUERRA - Durante a guerra, prestou serviço fazendo patrulhamento na costa brasileira e chegou ao Rio de
Janeiro para aguardar embarque para a Itália. “No fim de 1944, anunciaram que a guerra estava acabando e nós voltamos. Com a Lei 5.315/67 fui
amparado e tornei-me um ex-combatente.”
Zé é casado pela segunda vez. “Sou divorciado e com minha atual
esposa vivo bem. Primeiro casei com Júlia de Jesus e tive uma filha, Vera
Lúcia, que mora com a mãe em Campos. Dela não tive mais notícias,
deve ter 40 anos. Com Maria Leda Santos Lago, minha segunda mulher,
tudo é maravilha. Não tive filhos com ela, mas criamos duas sobrinhas:
Jacirene Santos, com 23 anos, e Ana Rosa, com 14 anos. Minha irmã,
Olímpia, mora comigo.”
SUA VIDA NO MUNICÍPIO - Quando resolveu tentar um emprego no
município de Aracaju, procurou o então prefeito Roosevelt Cardoso de
Menezes. “Entrei no Bombeiro, pois na Prefeitura não tinha vaga. Não
cheguei a experimentar farda, pois deram um jeitinho e logo fui chamado. Curt Vieira me promoveu para auxiliar de escritório. Do escritório,
eu trabalhei como fiscal de obra, de fiscal, conferente e me aposentei
como agente fazendário. Fui o chefe do Posto Fiscal da Prefeitura na
entrada da cidade, quando José Conrado de Araújo era o prefeito e Luiz
Garcia era o governador do Estado. Era uma briga medonha. O pessoal
do Estado prendia as notas fiscais e a gente, pela Prefeitura, prendia os
caminhões. O negócio era feio. Trabalhávamos com um revólver e um
fuzil. No fim não deu em nada, só expectativa.”
REINADO DE MOMO - Como sempre gostou do Carnaval, tendo organizado o Bloco dos Gafanhotos, aceitou o convite e foi ser o secretário do
Rei Momo Leônidas. “Fui nomeado secretário do rei e, nessa função,
brinquei uns três carnavais. No ano de 1957, o rei morre faltando poucos
dias para iniciar o Carnaval. Tive que substituí-lo.”
Ser o sucessor do rei Leônidas foi uma tarefa difícil, pois ele era um
rei antigo, dos velhos carnavais de Aracaju. Sabia tocar violino e, com
o instrumento, imitava o relinchar de um jumento. Zé de Raul ficou
preocupado, pois não tocava nada. Foi em frente. Mandou caprichar
no carro, nomeou Barriquinha como secretário, pois era pequenininho
e o rei bem grandão. Na primeira noite de reinado, o rei caiu da cadeira
e parou no hospital. “Eu vinha do Sergipe e já ia dormir, pois morava
na Dom José Tomaz com Campos. Quando o carro do rei, um Jipão
alemão, cheio de molas, entrou na rua de Campos, bateu no meio fio e
quando subiu, o fio de telefone, aquele grosso, pegou no meu pescoço
e me jogou fora. Quase morri. Fiquei em coma. No primeiro dia, na
madrugada do domingo, o rei saiu do ar. Uma pessoa me disse que
quando cheguei ao hospital uma freira disse: ‘Príncipe não! Fantasiado, não’ (risos). Não houve fraturas. Eu acho que o material do meu pai
era muito bom.”
Já no segundo Reinaldo, tudo correu na maior tranqüilidade. “Era a
experiência adquirida.” No seu último reinado, quando recebeu a chave
da cidade do prefeito Godofredo Diniz, fez a seguinte saudação: “É com
prazer que recebo a chave da cidade de vossa excelência, senhor Godofredo
Diniz. Ele só não me dá a chave do cofre, senão deixaria o cofre sem
ferrugem, todo limpo.” Depois, anunciou: “Meus súditos, nós vamos
comer cuscuz, às quatro horas da manhã, aqui no palácio. E ficou um
elemento esperando. Até hoje passa por mim: ‘E o cuscus?’”
Oxente! essa é a nossa gente
Trabalhando na prefeitura, graças à sua simpatia, passou a ser conhecido e respeitado. “Sempre fui uma figura popular. Uma vez, fui pedir
um vale ao prefeito e assinei José Sandes Lago e, embaixo, “o popularíssimo Zé de Raul”. O prefeito leu, balançou a cabeça e disse: ‘Você é
moleque mesmo’. E assinou o vale. O prefeito Conrado me chamava de
majestade, por causa do meu reinado.
511
Oxente! essa é a nossa gente
Zé confessa que sempre gostou de um repente, preparado na hora.
“Quando rei, não comia em palácio, era mão de vaca no Siqueira Campos, pois era um rei popular que bebia no Cacete Armado.” O que é
isso? “Os botecos da rua (risos).” Uma cena do rei Raul no Clube dos
Oficiais do Exército, que funcionava onde hoje é a Delegacia do Trabalho. “Eu cheguei, os clarins tocaram, rodei no salão como um toureiro e fui para o microfone: ‘Senhores oficiais, não de pedreiro, nem
de marceneiro, mas do glorioso Exército brasileiro’. Aí caiu um litro
de uísque. Foi tum!”
Na época do rei Zé de Raul, quase todos os clubes sociais da cidade
o reconheciam e dispensavam um bom tratamento à autoridade máxima
do Carnaval. “O Iate não gosta de rei, não. É mais rei do que a gente. Lá
só fui uma vez e somente Orlando Machado, que é negociante no Mercado, me chamou para a sua mesa: ‘Vem cá rei, pode beber por minha
conta’. Não voltei, pois um rei não pode ser maltratado em lugar nenhum.”
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CALÇADÃO - “Eu não gosto do calçadão. Passo, mas não paro, pois
falam muito da vida alheia. Olham muito a vida dos outros e quem faz
isso, esquece da sua própria vida. Por lá apenas passo.”
Outra de cinema: “Uma vez fui assistir a um filme. A gente sai da luz
solar e quando entra no escuro do cinema só dá para ver a tela. Mais
adiante tinha uma vaga. Uma moça com uma bolsa, guardando o lugar.
Depois que inicia o filme, guardar lugar é proibido. Tirei a bolsa e pedi
licença:
— Senhorita, dá licença de sentar aqui?
Ela disse:
— Com essa cara?
— Não senhora, com esta bunda!
Ela pensou que eu ia sentar com a cara na cadeira.”
PADRE E PAPAI NOEL - “Já fui Papai Noel e padre em quadrilha de São
João. Era o padre Zé que animava o São João.
— É com prazer que Maria de Buraco Fundo, casa com Manoel de Pau
Grande!
FUTEBOL - “Eu joguei no Cotinguiba, Sergipe, Palestra, Vasco, Bomfim
de Estância e em Penedo, pelo Penedense. Joguei junto de jogadores
famosos na época do amadorismo: Charuto, Cacetão, Pirricha, Burra Coceira, Bacalhau, Pimenta, Bigode, João Cego, Eu, Dão e Dinho. O povo
dizia: ‘Avia... Dão!’ E, quando era com Dinho: ‘Avia... Dinho!’ Era para o
jogador correr. Tempo bom!”
Zé de Raul fazia pilhérias até com os homens que apitavam os jogos. “Juiz
bom foi Barreto Mota. Marcava bem, mas era um juiz duro. Uma vez, quando
ele apitava, xinguei o juiz. Disse um nome doido e ele de longe ouviu.
— Pra fora!
— Juiz f.d.p.
— Pra fora!
Quando passei perto dele disse:
— Muito obrigado, pois eu queria tomar banho mesmo.
Ele ficou por conta, pois pensava que eu iria responder mais coisas e
aí seria muito pior, pois o Barreto não brincava em serviço, o seu apito
era temido por todos. Tinha muita moral e como apitava! Era totalmente
diferente do juiz que vendia carne de porco, o Severo, que a gente enganava. Às vezes o jogador estava discutindo um negócio totalmente diferente e a gente chegava para o juiz e dizia:
— Estão xingando a mãe do senhor.
E logo ele tomava as providências.
— Pra fora!”
BONACHÃO - Zé de Raul é o bonachão sorridente da cidade. Pessoa
simples, gente do povo, que continua alegrando Aracaju com suas histórias. “Uma vez, fui olhar as novenas de Santo Antônio da rua de Estância. Uma moça olhou para mim e falou:
— Que homem alto! Como vai a temperatura aí em cima?
— Só você olhando no meu termômetro.”
Oxente! essa é a nossa gente
— Mas seu vigário, que história imoral é essa?
— Não é imoralidade, é o lugar onde os noivos nasceram.
Eu passei no Salesiano e os padres na janela. Os colegas deram adeus.
Eu montando no jerico, parecia que o animal tinha seis pernas.”
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Zé Peixe: o folclórico prático do Brasil
Oxente! essa é a nossa gente
S
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ergipano que faz do mar de
Aracaju a sua vida, tipo popular conhecido por todos, ele é
um dos mais eficientes práticos
do Brasil. Aos 63 anos, continua
em plena atividade no trabalho de
levar e trazer navios até o porto,
evitando pedras, bancos de areia
e outras armadilhas do canal, um
conhecedor profundo dos acidentes hidrográficos da área.
É conhecido, reverenciado e festejado por marinheiros de todo o
país que o conhecem pela sua maneira de trabalhar. Faz tudo nadando. Cumprida a missão de levar a
embarcação até a bóia marítima, no
fim do rio, o Zé dá um espetacular
mergulho de cabeça e inicia sua volta à terra firme, nadando 6 quilômetros.
Recebeu a medalha do Mérito Serigy, concedida pela Prefeitura de
Aracaju, na administração Cleovansóstenes de Aguiar, pelos seus relevantes serviços prestados à comunidade. Possui a medalha e o diploma
de Amigo da Marinha. Na administração municipal de José Carlos
Publicado no Jornal da Cidade em 6.8.1990
EM ALTO MAR - Este foi o título da reportagem publicada na revista Veja. A
seguir, uma parte da matéria, que registra momentos importantes da vida do
sergipano que encara com grande seriedade o seu trabalho: “Já se tornou
uma tradição. Quando há troca de comando na Capitania dos Portos de
Aracaju, entre a fila de autoridades a serem apresentadas ao novo titular do
posto está o segundo condutor motorista e mestre de pequena cabotagem
José Martins Ribeiro. Trata-se, mais simplesmente, do ‘Zé Peixe’, um dos
três integrantes da Corporação dos Práticos de Sergipe – emérito nadador, e,
por isso mesmo, permanentemente requisitado para guiar os navios que se
atrevam a enfrentar a traiçoeira Barra de Aracaju. E seu trabalho é de uma
comovente solidão: a Corporação dos Práticos é tão mal equipada que não
conta sequer com uma lancha para levar o prático até os navios.
‘Para que lancha?’, pregunta, porém, Zé Peixe. ‘Eu sei nadar.’”
ESPORES E NÁUTICA - Com reportagem de Walterson Sardenberg Sobrinho e fotos de Mituo Shiguihara, a revista Esportes e Náutica dedicou
Oxente! essa é a nossa gente
Teixeira, no governo João Alves Filho, foi construído um posto de salvavidas na Atalaia que recebeu o seu nome, registrado numa bonita placa
de bronze. Possui inúmeros documentos que comprovam seus grandes
feitos de homem do mar. Muitas vidas foram salvas pela sua coragem e
habilidade na água. Por ocasião dos seus 36 anos de vida de trabalho no
mar, conforme registro oficial da associação dos práticos, no ano de
1985 a Marinha do Brasil o homenageou com a medalha do Mérito
Tamandaré. A condecoração foi por ocasião da comemoração pelo 120º
aniversário da Batalha Naval do Riachuelo, na sede do II Distrito Naval
em Salvador. A Marinha justificou a homenagem por considerar o Zé
Peixe o prático que conduz com segurança os navios que demandam ou
deixam o porto de Aracaju, afirmando que esse sergipano humilde contribui eficazmente para o cumprimento da missão da Marinha em Sergipe.
Zé Peixe foi tema de matéria na imprensa nacional e até internacional.
Foi matéria na Veja, edição de 17 de dezembro de 1976. Na revista Esportes e Náutica de número 11 e outros jornais. Mas é difícil convencê-lo a
prestar um depoimento. Depois de alguns dias de muita insistência, ele
falou coisas interessantes. É o perfil pelo próprio incrível velho do mar.
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Oxente! essa é a nossa gente
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quatro páginas contando as grandes façanhas de Zé Peixe. Uma parte
interessante do trabalho: “Ele é, sem dúvida, um tipo excêntrico: há
quarenta anos não usa sapatos. Nisso é irredutível – e não abre exceção
nem mesmo para as sandálias de dedo. Recorre à água doce somente
para matar a sede. Banho, ele só toma de mar – no que, aliás, dispensa o
sabonete. Tais esquisitices, de qualquer maneira, só fizeram aumentar a
fama daquele que é tido por muitos como o mais eficiente – e surpreendente! – prático do país: Zé Peixe, um homem franzino de pouca conversa, mas capaz de façanhas homéricas dentro do oceano. Seu nome –
aliás, seu apelido — já ultrapassou há muito a Barra do canal de Aracaju,
onde já trabalha desde 1947.
Zé é capaz de deixar qualquer navegante estupefato. Seu cotidiano
daria um filme de aventuras. Para começar, ele não tem barco próprio.
Por isso, para ir buscar os navios lá fora, pega uma carona em alguma
embarcação de Petrobras. A 6 quilômetros da costa, na chamada Boca da
Barra, desce. Ou melhor, salta. Dali, nada até uma bóia de sinalização,
onde, paciente, senta e espera até que o navio chegue. ‘Já passei dias
inteiros ali’, conta, sem emoção, como se o fato de alguém ficar empoleirado
numa bóia em alto-mar fosse a coisa mais natural do mundo. Quando o
navio aparece, Zé é içado a bordo e assume a pilotagem até o porto de
Aracaju. Incrível? Nem tanto. O mais sensacional é o processo inverso,
quando Zé Peixe sai para tirar os navios do porto. Nessas ocasiões, práticos convencionais costumam recorrer a um barco de apoio. Afinal, precisam de uma condução para retornar à terra firme. Zé segue com o navio
e na mesma Boca da Barra, ao terminar o seu serviço, avisa que ‘descerá’
da embarcação. Como? Mergulhando. Com genial perícia, o sexagenário
pula de alturas muitas vezes superiores a 12 metros, deixando atônitos
os capitães dos navios. ‘Se sei que outro navio está prestes a chegar, fico
esperando na bóia’, conta. ‘Caso contrário, volto nadando mesmo’.
Há alguns meses, por exemplo, ele assombrou a dourada juventude
da cidade, freqüentadora das noites alegres dos bares da moda da Praia
de Atalaia – 23 quilômetros da Boca da Barra. Garotões e gatinhas não
podiam crer no que viam: de repente, no meio da noite, um ancião saiu
do mar encrespado, sabe-se lá vindo de onde, e correu pela areia em
direção à avenida, vestindo apenas um surrado calção. Ali, sacou uns
trocados de dentro da única vestimenta e tomou o primeiro ônibus que
passou. Ninguém entendeu nada.”
INÍCIO DE VIDA - José Martins Ribeiro Nunes nasceu no dia 5 de janeiro de 1927, sendo seus pais Nicanor Ribeiro Nunes e Vetúria Martins
Ribeiro Nunes, que tiveram seis filhos. Hoje, vivos: José, Antônio e Rita.
Seu pai participou do governo Maynard Gomes, em todas as suas fases,
ocupando importantes cargos como: secretário Geral do Estado e membro do Conselho Administrativo. Sua mãe, sendo professora, ensinou
na Escola Normal.
José Martins não era chegado aos estudos. Sua grande fascinação
sempre foi o mar. Desde pequeno, tomava banho no rio Sergipe, dava
seus bonitos saltos de cabeça da ponte da Marinha e longas braçadas.
Aprendeu a nadar “como o meu sobrinho Kiko, o Thiago, que leva jeito
para a natação. A gente criado aí no rio, aprende sem sentir. Ninguém
me ensinou.”
Logo, os pais colocaram o garoto nadador para fazer o primário. “Foi
no Colégio Nossa Senhora da Conceição, que funcionava no oitão do
antigo prédio da Assembléia, com a professora Glorinha Chaves.” Depois foi fazer o ginásio no Colégio Jackson de Figueiredo. Guardo boas
lembranças das professoras Rute Dias de Oliveira e Maria Odete Mesquita, além dos diretores, Benedito e Judite.” Passou pelo Atheneu num
curto período, porque “não queria nada com os estudos e levei bilhete
Oxente! essa é a nossa gente
MODESTA CASA - Ele mora numa casa modesta, pintada de azul e branco, na avenida Ivo do Prado, que escapou de uma possível demolição, na
corrida e no avanço imobiliário da cidade, que não dá trégua às coisas
antigas. Foi o amor à casa dos pais, fragmento da antiga Rua da Frente,
belo postal de Aracaju. A rua dos passeios, dos namoros, da boa brisa,
de um tempo de um rio sem poluição.
No teto que abriga Zé Peixe, é possível encontrar o verdadeiro calor
humano, num ambiente de simplicidade, sem luxo, que cheira a mar e a
antiguidade. Zé Peixe não se desfaz dos móveis que foram dos seus pais
e, no seu quarto, uma peça enorme, muita madeira e detalhes nas aplicações: “Foi a cama em que nasci”, diz com orgulho.
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Oxente! essa é a nossa gente
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azul. Lá só ficava quem estudava mesmo.” Matriculou-se no Tobias Barreto
do professor Alcebíades, deixando os estudos no 2º ano científico.
Todos os dias, como faz até hoje, o Zé tomava banho no rio Sergipe.
O pessoal que tomava banho nas proximidades da ponte da Marinha
dava um grande incentivo ao menino. Seu estilo de nadar, seu comportamento na água, chamava a atenção de todos, e por isso recebeu o
apelido de Zé Peixe. “Foi no ano de 1937 que o capitão dos Portos,
Aldo Sousa Sá Brito, me batizou com esse apelido. Tinha dez anos e já
atravessava o rio Sergipe na maior tranqüilidade.” Durante a 2ª Guerra
Mundial, Zé Peixe, não ficava em casa, como os demais meninos. “Acompanhava a praticagem da Capitania, com a lancha, comandante Jair.”
Conta um episódio marcante: “Numa noite, dois aviões Catalina apareceram. Um pousou no rio Sergipe e não teve nada e o outro, que pousou no campo, caiu. Tinha um automóvel clareando a pista. Naquele
tempo, o campo de aviação era pequeno e na hora que o avião foi pousar,
desceu em cima do automóvel. Eram dois aviões americanos anfíbios
que patrulhavam a costa. Dormiam no estuário. Nesse dia, houve um
atraso e chegaram de noite. Quando vi o avião entrar na água, peguei
meu pequeno barco e fui ver o que estava acontecendo. Fui o primeiro a
chegar. Ninguém nunca tinha visto um avião pousar no mar de noite. A
Rua da Frente estava cheia.”
Zé Peixe ainda lembra do tempo em que os aviões de carreira desciam
no estuário do rio Sergipe. “Tinha uma bóia bem enfrente à rua Maruim
e, com o progresso, fizeram um flutuante de cimento armado. Era a casinha do avião que a gente chamava, o aeroporto de Aracaju.”
UM HERÓI- É prático mais por amor à profissão. Pelo que faz, ganha
pouco. “No mês de maio, tirei 16 mil; junho, 20 mil; e julho, 15 mil. Se
não fosse a minha aposentadoria, estava ruim. A aposentadoria é melhor
que o trabalho. É a praticagem mais barata do Brasil e isso, por causa de
tabelamento. Espero, que o atual capitão dos Portos, consiga melhorar
essas taxas, pois está muito interessado no assunto.”
Também pode ser considerado um herói pela quantidade de vidas
que já salvou. “Já perdi a conta das pessoas que salvei. Desde menino
que salvo gente. Antigamente, aos domingos, quando não tinha salva-
KIKO, A SUA GRANDE ALEGRIA DE HOJE - No ano de 1956, Zé Peixe
casou com Maria Augusta de Oliveira Nunes. “Um conhecimento antigo,
de família, desde a infância.” Não teve filhos, estando viúvo há quatro
anos. Hoje, sua grande alegria é o seu sobrinho-neto Thiago, o Kiko.
Diariamente, toda madrugada, Zé Peixe está no rio Sergipe com o menino. É o seu sucessor. Faz tudo que o tio-avô fazia na infância, com uma
grande vantagem: recebe as lições do próprio grande mestre das águas, o
incrível Zé Peixe.
Oxente! essa é a nossa gente
vidas na Atalaia Velha, eu aparecia e ficava lá por minha conta.” Se o Zé
contasse as histórias dos salvamentos, só caberiam mesmo num livro.
Entre seus heróicos feitos, conta um bem emocionante: “Em 1952, houve
um raid Natal versus Rio de Janeiro. A guarnição demorou-se aqui na
capital, por causa do mau tempo e, numa tarde, no dia 5 de maio, recebi
uma ordem do capitão dos Portos, comandante Antônio Maria Nunes de
Souza, para mostrar a barra e as condições do tempo lá fora, para eles
viajarem no outro dia, na iole Rio Grande do Norte. Saímos à barra a
bordo da lancha Atalaia, pertencente à Associação dos Práticos e, de
volta, um vagalhão formou-se pela popa, atravessando pela lancha e virando. Naufragaram aí três potiguares, que foram salvos por mim e minha irmã, Rita, trazendo ela um à praia, e eu, dois, assim: um segurando
em meu ombro e o outro puxado por uma tábua, que consegui da lancha.
Como prêmio ou reconhecimento desse salvamento, embora tivesse sido
suspenso pelo comandante dos Portos por não ter salvo a lancha, o povo
do Rio Grande do Norte, pelo avião da FAB, me mandou uma medalha
de ouro, com os seguintes dizeres: ‘Raid Natal X Rio de Janeiro da iole
Rio Grande do Norte. Gratidão do povo potiguar ao herói do naufrágio
de Atalaia, José Martins Ribeiro Nunes, maio 1952”. Os dois irmãos
heróis ainda receberam o convite e foram de avião passar 15 dias no Rio
Grande do Norte. Foram muitas as homenagens e até foram apresentados
ao presidente da República. “Fomos apresentados ao presidente Café
Filho, numa matinal na Associação Atlética de Natal, eu e a Rita.”
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Zelito Machado: lições de um guerreiro
Oxente! essa é a nossa gente
U
ma vida acelerada, agradáveis e desagradáveis surpresas, muita coisa a contar. Atuou na área industrial como diretor da
Melício Machado & Cia. Foi o primeiro diretor
técnico da Cohab, passou pelo Ipes e Detran
como diretor financeiro, desempenhando a
mesma função, atualmente, na Prodase. Na história do desporto sergipano, é fundador da Federação Sergipana de Futebol de Salão. Foi juiz,
jogador e técnico do time da Associação Atlética. Foi presidente do Clube de Diretores Lojistas Aracaju-Norte e presidente do Rotary Clube de Aracaju.
José Resende Machado, mais conhecido
como Zelito, nasceu em Aracaju, na rua
Maruim, no primeiro dia de novembro de 1928.
Seus pais: Melício de Souza Machado Filho e
Maria Resende Machado, mais conhecida
como Dona Resendinha. O pai, agricultor e
pecuarista, através de suas inúmeras ações em
vida transmitiu para o filho a força de vontade
para progredir e uma fantástica fé em Nossa
Senhora. “Ela sempre me acompanha em todos os momentos de minha vida.” De sua querida mãe, herdou a facilidade para se comunicar e concentrar-se em todos os seus atos.
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Publicado no Jornal da Cidade em 29.9.1996
ARACAJU – Depois de dois anos, vai para Aracaju fazer o terceiro ano
primário, como aluno interno do Colégio Jackson de Figueiredo. Foram
momentos de muita aprendizagem em todos os sentidos. “Dona Judite
sempre tinha uma palavra de incentivo para todos nós.” Depois, faz com
sucesso o exame para o Colégio Tobias Barreto, recebendo aprovação
com a média 9,2. Não esquece que obteve o segundo lugar, com direito a
comemoração. “O Tobias era um grande colégio naquela época. Disputava com o Atheneu em relação ao gabarito dos seus professores.”
Mas logo no segundo ano transfere-se para o Atheneu e, no terceiro
ano, passa a estudar como aluno interno do Colégio Salesiano. “Meus
tios convenceram meus pais a me internar no Salesiano, já que minha
mãe estava cansada de cuidar de tantos filhos.” Com os padres salesianos
concluiu o curso ginasial e retornou ao Atheneu para cursar o científico.
Nesses momentos da vida estudantil, revelou-se como atleta de futebol. “Atuava como centro-médio e meio-volante, e sempre participava
das seleções de futebol dos colégios onde estudava.”
SALVADOR – O terceiro ano científico fez na cidade de Salvador, como
aluno do Colégio Sofia Costa Pinto. Como sempre gostou de Matemática
e Física, fez a opção para o curso superior de Engenharia Civil, na Escola
Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Dos tempos de estudante
em Salvador, destaca o sucesso do vestibular e o curso de CPOR. “Fiz o
curso militar ao mesmo tempo que fazia Engenharia. Foram dois anos e
saí como aspirante. Fui tentado a prosseguir carreira no Exército, com o
oferecimento de um estágio onde sairia como tenente, mas preferi conti-
Oxente! essa é a nossa gente
Pouco tempo depois do nascimento, foi morar na Fazenda Baraúna,
no município de Brejo Grande, onde permaneceu até os seis anos, quando se transferiu para Penedo, onde passou a morar com uma tia de sua
mãe. Difícil tomada de decisão de seus pais diante da preocupação com
os estudos dos filhos. “Fomos com essa tia, meu irmão Wilson e uma
empregada. Passávamos o período de férias na fazenda.” A alfabetização
e toda a base do curso primário aconteceram sob a responsabilidade de
uma professora particular, de muita competência, cujo nome o tempo
apagou de sua memória.
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Oxente! essa é a nossa gente
nuar no curso de Engenharia, pois o estágio na Infantaria não era remunerado, além de prejudicar meus estudos, já que minha intenção era me
informar como engenheiro.”
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RIO DE JANEIRO - Forma-se em 1953 e segue para o Rio de Janeiro,
buscando sentir o fervilhar de uma cidade que na época era a capital do
país. Uma experiência que durou dois anos, trabalhando numa empresa
de construção civil desenvolvendo atividade de calculista e acompanhando
obras.
Em 1957 recebe convite do pai para participar de sociedade, juntamente com os irmãos, numa fábrica de beneficiamento de coco em Aracaju,
aceitando a mudança de vida.
Como a indústria estava em fase de implantação, só chegando a funcionar efetivamente no ano de 1963, nesse ínterim, além de acompanhar
o desenrolar da construção do prédio da indústria, começa a trabalhar
como construtor de casas. “Por pouco não retornei ao Rio. Estava sentindo que a indústria estava demorando. Como recebi um convite para dirigir uma construção no Rio Grande do Sul, conversei com meu pai dizendo que ou ele me conseguia um dinheiro para que pudesse aplicá-lo em
construção, ou iria embora. No dia seguinte, ele me avalizou no banco
uma letra. Aí, comecei a construir. Foram pequenas casas e algumas casas médias.”
INDUSTRIAL - Na fábrica, ocupou o cargo de diretor técnico e diretor
de vendas. Uma indústria que chegou a gerar 160 empregos diretos, que
fez história até o ano de 1979. Logo no início da indústria, topou o
convite do então governador Celso de Carvalho para participar da primeira diretoria da Cohab. “Fui o primeiro diretor técnico. O padre Soares foi o primeiro diretor presidente da Cohab e Zé da Zenit foi o diretor
financeiro.”
Na construção do primeiro conjunto habitacional da empresa, Zelito
era o único engenheiro no quadro da Cohab. Por isso teve que se virar. “Só
tinha eu e um desenhista. Eu chegava à obra às 6h30 e era o engenheiro, o
mestre de obras, o fiscal. O desenhista me ajudava na fiscalização da obra.”
O primeiro conjunto construído recebeu o nome de Castelo Branco.
Na Cohab, ele passou todo o governo de Celso de Carvalho e uma
parte do governo de Lourival Baptista.
A indústria Melício Machado & Cia representou significativa parte de
sua vida. “Trabalhávamos com produtos de coco. Na época tínhamos um
produto especial, que era o leite de coco que nós chamávamos de concentrado. O leite de coco não estragava. Ele podia ficar ao relento e tudo.
Vendíamos em grande quantidade para São Paulo.”
Foi um tempo de alegria, inclusive porque representava a indústria
em muitas viagens de vendas, quando chegava a ter por dois meses
toda sua produção vendida. “Viajava muito. Tinha época que passávamos três meses ausente de casa. Hortência me acompanhou em muitas
viagens.”
TRISTEZA – “Tristeza foi ver a fábrica ser fechada. Mas Nossa Senhora
me ensinou que em cima de uma tristeza vem uma alegria. Continuei trabalhando, tentei ser vendedor com uma bolsinha embaixo do braço, vendendo produtos para construção. Uma representação por conta própria
que consegui, mas que não deu muito certo. Passei apenas seis meses.”
Com a proposta do cunhado, Carlos Lyra, de entregar-lhe a empresa
Lyscar, com alguns papéis e uma porta, aceitou o desafio e durante oito
anos trabalhou na empresa como diretor geral. “Aquilo que a gente sente
que progride, que a gente faz nascer, crescer, torna-se uma alegria para a
gente. Melício Machado foi uma alegria, porque a gente levantou do nada.
Naquela época, Melício Machado era conhecido por Zelito, Renato e
Wilson. Eram filhos de Melício Machado. Com isso, a gente fundou a
personalidade da gente.”
No período da Lyscar, numa sociedade em família, foi diretor presidente de Aruana Empreendimentos. “Fomos nós que fizemos o
Loteamento Aruana.” Como a firma Melício Machado tinha inúmeros
imóveis, Zelito tornou-se corretor de imóveis quando necessitou agilizar
papéis e outros interesses.
IAPC - Foi engenheiro fiscal do antigo IAPC, no período de Paulo Vasconcelos. Por 12 anos, foi conselheiro do Departamento de Estradas de
Rodagem. Chamado por João Alves Filho, aceitou a função de diretor
técnico da Fundese. No governo Valadares foi trabalhar no Detran, atuando por seis anos como diretor financeiro. No Ipes, experiência de mais
um ano. E, por fim, na Prodase encontra-se até hoje no cargo de diretor
administrativo financeiro.
Recebeu medalhas de Amigo da Marinha e Amigo do Exército.
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LOJISTAS - Com a fundação do Clube de Diretores Lojistas AracajuNorte, do qual foi um dos fundadores, tornou-se seu primeiro presidente. “O ponto maior de minha administração foi a camaradagem que existia entre os companheiros. Não posso esquecer do significativo trabalho
em prol das instituições de caráter social e todo um projeto de formação,
através de palestras sobre assuntos importantes e de interesses da área
comercial.”
Quando o Rotary Clube completou 40 anos, Zelito estava na presidência. “Tenho 34 anos de Rotary e ser rotariano é procurar dar de si
sem pensar em si. Procurar desenvolver aquilo olhando que o outro
também tem direito a um lugar na humanidade.”
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FUTEBOL DE SALÃO – Considera-se um dos responsáveis pela introdução do futebol de salão em Sergipe. “Eu, Carlos Lyra, Paulo Lyra,
Almir Cachacinha, Lélio Fortes, que chegou na segunda leva. Na primeira, peguei uma bola, metido a técnico, um livro e muita disposição. Quando a federação foi fundada, Lélio já estava.”
No primeiro campeonato de futebol de salão realizado em Aracaju, Zelito
lembra que participaram os times da Associação Atlética e do Círculo Militar. Como juiz de futebol de salão, mais uma etapa de sua vida. Chegou a ser
escolhido o melhor árbitro da cidade. “Eu era jogador, juiz, secretário da
federação e técnico da Associação Atlética. Na Atlética, era volante.”
Foi integrante da Escola de Pais, fez cursilho e encontro de casais.
“Acho esses movimentos da Igreja de uma grande importância em nossas
vidas. No cursilho, integro um grupo, juntamente com Hortência, onde
nos reuninos há 23 anos. Desse grupo fazem parte Lélio, Fedro Teobaldo,
Marcolino, Afrânio, Petrônio e mais outros. Somos oito casais, que tiramos uma noite por semana para nos reunir, ler o Evangelho e dele tirar
alguma coisa para nossas vidas.”
Trabalha ao lado da mulher na Hortência Presentes, tomando conta
da parte financeira da empresa.
FAMÍLIA - Casou com Maria Hortência Lyra em 1962. Do casamento, os
filhos Augusto César, Machadinho e Noélia Maria. “Temos uma nora,
Laize, um genro, Paulo Soares, e dois netos: Gustavo e Augusto César.”
Ele encerra agradecendo: primeiramente a Deus, por ter dado uma família sólida, confiante nos seus ensinamentos e desígnios; a Maria, sua
mãe que está com ele em todos os momentos, dando-lhe força para que
saiba rir nas alegrias e coragem para enfrentar as tempestades; a seus
pais, Melicinho e Resendinha, e a Hortência, sua esposa. “Juntos, começamos a fincar os esteios de uma nova família e nova vida. Também
agradeço aos meus filhos que, desbravando um mundo novo, tornaram
realidade o coroamento de um desejo.”
Oxente! essa é a nossa gente
LIÇÃO - A maior lição de sua própria vida: “É a gente ter espírito,
acreditar no que faz e enfrentar os problemas que aparecem, mesmo aqueles que parecem uma derrota. Transformar essa derrota numa vitória.
Posso dizer que passei um tempo terrível, só olhando para baixo. Mas,
ao ler um livro que falava sobre a vida do papa João XXIII, dei uma
gargalhada. Hortência me perguntou se estava doido. Respondi que não,
mas que iria ficar, pois iria voltar a rir. João XXIII dizia no livro que a
gente não deve se amofinar com as coisas, pois o rir na alegria não tem o
mesmo valor em saber rir na adversidade, pois com um bom riso a gente
pode construir uma vitória.”
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