as aulas de educação sexual no ensino

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as aulas de educação sexual no ensino
Edição 24, volume 1, artigo nº 7, Janeiro/Março 2013
D.O.I: 10.6020/1679-9844/2407
Novas Abordagens Sobre o Tabu do Incesto: Resenha de
Livro
New approaches on the Incest Taboo: Book Review
Cynthia Viviane Machado dos Santos1, Gilberto Gomes2
1
Instituto Superior de Ensino do CENSA/ Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. [email protected]
2
Universidade Estadual do Norte Fluminense/ Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. [email protected]
Wolf, Artur P.; Durham, William H. (org.) (2010) Inbreeding, Incest and The Incest Taboo. Stanford,
CA: Stanford University Press.
A evitação do incesto, como padrão norteador de comportamentos sociais, é um
tema que deve ser hoje reavaliado, em função de novas contribuições originadas em
diversas áreas de estudo. É o que faz o livro organizado por Wolf e Durham,
derivado de um congresso ocorrido na Universidade de Stanford em 2000, por
ocasião da inauguração de seu novo Departamento de Ciências Antropológicas. Por
seu caráter inovador, ainda não suficientemente assimilado em nosso meio, trata-se
de obra de grande atualidade.
Em sua introdução, Arthur Wolf traça um histórico das mudanças na visão
científica acerca do tabu do incesto, do qual retomaremos as principais linhas. Faz
referência especial a outro encontro de especialistas, ocorrido quase cinquenta anos
antes (em 1956), na mesma universidade, sobre o mesmo tema, o qual deu origem
a trabalho conjunto publicado alguns anos após (Aberle et al., 1963).
Wolf observa que a maioria das opiniões da “ciência moderna”, por entre os
anos de 1878 e 1953, aproximadamente, negava que o casamento entre parentes
trouxesse prejuízo, opondo-se à sugestão de Edward Westermarck, segundo a qual
“a causa física” do tabu do incesto tem alicerces biológicos nas consequências
prejudiciais trazidas pelas uniões entre parentes próximos.
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Esta sugestão, inspirada em Charles Darwin e Alfred Wallace, recebeu duras
críticas de outros estudiosos, tais como, Lord Raglan, Bronislaw Malinowski e Robert
Briffault, que afirmaram não haver relatos de efeitos prejudiciais nos cruzamentos
consanguíneos.
Em 1934, Westermarck rebateu essas críticas, mas seus argumentos foram
universalmente ignorados. Leslie White, 15 anos depois, escreve que o cruzamento
consanguíneo não causa degeneração, somente intensifica a herança dos traços,
bons ou ruins. Claude Lévi-Strauss chegou à mesma conclusão. Embora
reconhecendo o trabalho de E. M. East com milho, que justifica, em grande parte, a
crença popular sobre os efeitos prejudiciais do cruzamento consanguíneo, ele
argumentou que “[o] trabalho de East estabeleceu indiretamente que estes supostos
perigos nunca teriam aparecido se a raça humana tivesse sido endogâmica, desde o
início”.
Quando Aberle e outros especialistas se encontraram em Stanford para
discutir a questão, em 1956, eles também se posicionaram no sentido de que o
cruzamento consanguíneo não é necessariamente deletério. Mas quando eles
publicaram os resultados de suas deliberações em 1963, eles tiveram que mudar de
opinião por causa do que reconheceram como “nova informação”. Esta nova
informação foi, em primeiro lugar, a constatação de que “a proporção de genes
recessivos letais e deletérios em relação aos genes vantajosos, era, de fato, muito
alta”, e, em segundo, a constatação de que “a porcentagem de indivíduos
homozigotos para recessivos letais ou deletérios eleva-se severamente”. Em outras
palavras, Westermarck estava certo.
Rejeitaram, no entanto, a possibilidade de que o homem primitivo tivesse
reconhecido este perigo. Não se poderia argumentar que o tabu do incesto seja uma
profilaxia instituída conscientemente. Como então poderia ser explicado? Eckhard H.
Hess apontou a observação experimental de que gansos de uma mesma ninhada,
quando criados juntos, nunca acasalam entre si. Isto é uma evidência da chamada
“a hipótese de Westermarck”, que argumenta que o cruzamento consanguíneo entre
parentes próximos é prejudicial, mas não diz que é o reconhecimento deste fato que
leva ao tabu do incesto. Em vez disso, haveria uma existência de uma tendência
inata a desenvolver uma aversão a relações sexuais com pessoas que foram
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próximas durante a infância.
Esta ideia, que pode ser caracterizada como “teoria da indiferença”, tem
dificuldades lógicas e empíricas. Segundo Frazer, a própria existência do tabu do
incesto mostraria que Westermarck estava errado:
Em vez de supor, portanto, a partir da proibição legal do incesto, que há
uma aversão natural ao incesto, nós deveríamos supor que há um instinto
natural a favor do incesto, e que se a lei o reprime, como reprime outros
instintos naturais, o faz porque o homem civilizado chegou à conclusão de
que a satisfação destes instintos naturais é prejudicial aos interesses gerais
da sociedade.
Este argumento, citado por Sigmund Freud em 1911 e por Maurice Godelier
em 1989, foi retomado por diversos críticos, como Murdock, Lévi-Strauss, Marshall
Sahlins e Richard Lewontin.
A dificuldade empírica é a afirmação de Freud, aceita por muitos, de que “as
investigações psicanalíticas têm mostrado sem dúvida que uma escolha de amor
incestuosa é certamente a primeira e a que acontece frequentemente.”
Numa perspectiva crítica, notemos a hesitação entre a caracterização da
hipótese de Westermarck como aversão ou como indiferença. Esta questão é
especialmente pertinente para aqueles que reconhecem as evidências psicanalíticas
da existência de um desejo incestuoso no desenvolvimento normal do ser humano.
O tabu do incesto é muitas vezes visto como o meio pelo qual os seres
humanos transcenderam sua natureza animal. Para Leslie White e Lévi-Strauss, isto
faz do tabu do incesto a passagem entre natureza e cultura. Em oposição a tais
concepções, encontramos a teoria de Westermarck. Se a associação precoce é
aquilo que inibe a atração sexual entre seres humanos, não é uma novidade cultural
que teria levado nossos ancestrais a reprimirem suas inclinações naturais, para
colher as vantagens da exogamia.
Entre os primeiros trabalhos favoráveis à hipótese de Westermarck
encontramos o de Robin Fox, em 1962, observando que reação à possibilidade de
sexo entre pessoas que tiveram experiência corporal próxima quando crianças “varia
do „repugnante‟ ou „inconcebível‟ ao „indiferente‟”. Em 1964, temos o estudo de
Yonina Talmon, sobre as relações sexuais entre as crianças criadas juntas em dois
kibbutzim israelenses. Quatro anos depois, o relatório de Arthur P. Wolf sobre as
consequências sexuais de casamentos entre menores de idade em Taiwan; e
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menos de uma década depois, o levantamento de uma grande amostra de
casamentos em Israel. Todos esses estudos favorecem o que Westermarck
descreveu como “uma falta de inclinação para... relações sexuais entre pessoas que
tivessem vivido juntos, em um relacionamento longo e contínuo, de um período da
vida quando as ações do desejo sexual, pelo menos em sua forma mais aguda,
estão naturalmente fora de questão.”
Dessa maneira, na segunda metade do século XX, duas constatações
fundamentais foram feitas. A primeira é a de que o cruzamento consanguíneo entre
parentes próximos é prejudicial. A segunda é a descoberta de que entre a maioria
dos mamíferos e entre todos os primatas – incluindo humanos – a associação
precoce inibe a atração sexual. Essas duas ordens de fatos dão suporte à hipótese
de Westermarck.
Tanto Arthur Wolf quanto Mark Erickson, autor de um dos capítulos do livro,
acreditam que deve ser feita uma distinção precisa entre vínculos sexuais e não
sexuais. Sua argumentação é inspirada na teoria de John Bowlby do que chama de
“comportamento de apego”. Eles acrescentam que o apego de Bowlby e a aversão
de Westermarck são dois aspectos dos laços formados na infância. Sem a aversão,
os apegos infantis iriam levar ao incesto, e sem o apego, a aversão infantil levaria ao
abandono. Para que se desenvolvam, as duas disposições têm que se desenvolver
juntas.
Assim, há a sugestão de que o que a seleção natural seleciona é uma
disposição universal para formar apegos contra-sexuais para com as pessoas pelas
quais e com as quais determinado indivíduo foi criado. O problema agora é explicar
a atitude de pais e outros cuidadores. É preciso presumir que eles de alguma
maneira são inibidos pela associação com suas crianças. Para explicar isso, Bowlby
sugere que o comportamento de apego naturalmente provoca o que ele chama de
caretaking (que poderíamos traduzir como zelo, ou como comportamento de cuidado
parental). Este, assim como o apego, seria inerentemente contra-sexual.
No primeiro capítulo, Patrick Bateson (titular de etologia na Universidade de
Cambridge) enfatiza a distinção entre a evitação do cruzamento consanguíneo e o
tabu do incesto. Opõe-se ao uso de termos como estupro ou casamento à descrição
do comportamento animal, salientando que estes dependem de instituições
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humanas que envolvem regras culturalmente transmitidas. Acredita que o termo
incesto deve se limitar ao comportamento humano, em que proibições culturalmente
transmitidas limitam o contato sexual e o casamento com parentes próximos. O
termo aplicável para a tendência que torna improvável o contato sexual com
parentes próximos, tanto nos seres humanos quanto nos animais, deve ser o de
evitação do cruzamento consanguíneo (inbreeding avoidance), reservando-se o
termo tabu do incesto para as normas sociais que atuam na mesma direção. A
questão não é meramente terminológica, pois o autor sugere que “é improvável que
a evitação do cruzamento consanguíneo e o tabu do incesto tenham evoluído por
mecanismos semelhantes”.
Bateson discute a tendência biológica ao cruzamento exogâmico ótimo
(optimal outbreeding), segundo a qual os indivíduos escolhem parceiros sexuais que
sejam algo diferentes dos indivíduos com os quais tiveram convivência íntima no
início da vida, mas não diferentes demais. Numa argumentação contrária à que
Bittles desenvolve no segundo capítulo, Bateson alega que o custo biológico da
consanguinidade derivado da expressão de genes recessivos deletérios é menos
importante nos mamíferos que nas aves. Para aqueles, o custo biológico mais
importante do cruzamento excessivamente consanguíneo seria o de evitar os
benefícios da variabilidade genética. Por outro lado, o custo do cruzamento
excessivamente exogâmico (excessive outbreeding) seria o de um desencontro
entre características genéticas que são independentemente herdadas. Como
exemplo, observa que o cruzamento de uma mulher com mandíbula pequena e
dentes pequenos com um homem com mandíbula grande e dentes grandes pode
resultar em alguns netos com dentes grandes demais para sua pequena mandíbula.
O capítulo de Alan Bittles revê os aspectos genéticos da reprodução
consanguínea e do incesto. Para ele, a questão não é a de saber se a reprodução
consanguínea é prejudicial, mas sim, o quanto ela é prejudicial. Sua preocupação é
que a raridade de uniões sexuais entre irmãos e entre pais e filhos, combinada ao
fato de estarem sujeitas a um tabu, poderia ter levado pesquisadores e produtores
de política social a superestimar os perigos da reprodução consanguínea entre
parentes próximos.
A solução de Bittles para este problema é usar uniões entre primos e entre
tios e sobrinhas para estimar os perigos das uniões entre irmãos e pais-filhos. A
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vantagem deste método é que essas uniões são corriqueiras em muitas partes do
mundo, possibilitando numerosos estudos acerca das consequências biológicas de
tais casamentos. A partir dos dados desses estudos, foi matematicamente inferida
uma taxa de morte excessiva (excess death rate) de 16 a 20% para os cruzamentos
entre irmãos e entre pais e filhos, bem como uma taxa de morbidade em excesso de
6 a 16%. Os estudos sugerem uma taxa total de morte e de deficiência mais grave
entre 22 e 36%. Ficam assim confirmados, de forma categórica, os efeitos deletérios
dos cruzamentos consanguíneos, o que justifica que estes sejam vistos como um
fator de seleção natural para uma tendência genética que favoreça, de alguma
maneira, uma menor frequência de tais cruzamentos.
Anne Pusey cataloga uma abundância de evidências indicando que algo
semelhante a uma estampagem assexual é encontrado em nossos mais próximos
parentes – macacos resus, babuínos, gorilas, bonobos e chimpanzés. “Os dados
dos primatas apóiam a teoria de Westermarck de que a familiaridade durante a
imaturidade é uma das principais razões para esta evitação.” Em muitas espécies,
observa-se comportamento sexual de jovens machos em relação a fêmeas de seu
relacionamento íntimo, “mas [esse comportamento] se interrompe antes do risco da
concepção”.
Outro capítulo, de autoria de Walter Scheidel, discute uma notável exceção à
regra da evitação do incesto, ou seja, o casamento entre irmãos no Egito antigo.
Este é muitas vezes visto como prova da natureza meramente cultural, e não
biológica, da evitação do incesto. Outra exceção registrada é a do casamento entre
pais e filhos e entre irmãos, preconizado pela religião zoroástrica e praticado na
Pérsia (Iran) e no Oriente Médio na antiguidade e na Idade Média. Neste caso,
entretanto, há registros de que tais encontros, considerados excepcionalmente
meritórios, eram raros e exigiam um esforço especial de seus participantes para
vencer uma relutância instintiva.
Embora não haja relatos semelhantes relativos aos casamentos entre irmãos
no Egito antigo, Scheidel, que estudou minuciosamente os dados disponíveis, não
vê razões para se considerar esse caso como uma prova contrária ao efeito de
Westermarck. Observa que em quase metade dos casos, uma diferença de idade
substancial entre os cônjuges irmãos pode ter limitado a convivência e reduzido ou
removido a inibição do contato sexual. Em outros casos, os hábitos relativos à
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amamentação com amas-de-leite diferentes poderia ter levado a uma diferente
sensibilização, mediada pelo cheiro, ao complexo de histocompatibilidade principal –
havendo evidências de que esta sensibilização participa no reconhecimento dos
parentes próximos. Finalmente, esses casamentos, assim como os casamentos
entre menores de Taiwan, poderiam estar associados a um maior índice de
dissolução da união conjugal.
Coube a Mark Erickson enfocar dados oriundos da experiência clínica,
relativos à prática do incesto, sob a ótica do pensamento evolucionista. O autor
observa que, até agora, com poucas exceções, os clínicos não têm utilizado as
descobertas da biologia da evitação do incesto para conceituar os estudos clínicos
sobre o incesto. O forte apoio para a hipótese de Westermarck indica que a
presença, ou ausência, da associação precoce poderia ser particularmente
informativa.
Questões
frequentemente
desconsideradas
pelos
clínicos
são
levantadas. O autor questiona se a ausência de associação precoce entre parentes
torna o incesto mais provável. E segue a questionar: o incesto sem associação
precoce é fenomenologicamente distinto do incesto com associação precoce? O
incesto com associação precoce tem características recorrentes? Assim sendo,
estas características sugerem por que o efeito Westermarck é variável?
O efeito Westermarck é violado quando o incesto ocorre na presença de uma
associação
precoce.
No
entanto,
uma
investigação
mais
acurada
revela
repetidamente que o comportamento intrafamiliar de famílias incestuosas é
completamente perturbado. Num estudo controlado, Philip Madonna, Susan Van
Scoyk, e David P. Jones encontraram que numa escala padronizada de avaliação
familiar, famílias incestuosas tendem a se classificar dentro da faixa severamente
disfuncional. Entre as famílias de controle, não incestuosas, havia limites claros
entre os indivíduos, permitindo uma intimidade apropriada; estes limites eram muito
menos distintos em famílias incestuosas. Famílias incestuosas eram ineficientes na
resolução conflitos. Eles eram carentes em empatia. Os pais tendiam a ser
negligentes, indisponíveis emocionalmente, e incapazes de apoiar a autonomia dos
filhos. Alcoolismo, abuso de drogas, e discórdia matrimonial são mais comuns em
famílias incestuosas. Estas famílias também tendem a apresentar um número de
filhos maior que a media.
O autor ressalta que, no incesto pai-filha, pais frequentemente oferecem
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presentes e privilégios especiais a suas filhas a fim de ganharem favores. Esta
relação especial pode ser a única fonte de afeto da filha. Quando pais cometem
incesto, no entanto, a experiência da filha é, quase invariavelmente, de medo, nojo,
descrença, confusão, raiva e vergonha. No estudo de Patrícia Phelan sobre o
incesto pai-filha, verificou-se que nenhuma das filhas iniciou a atividade ou gostou
do que aconteceu. Dada a associação precoce, é somente em raras ocasiões que o
incesto parece ser emocionalmente aceitável para uma filha.
Erickson nota que as mães, consciente ou inconscientemente, são
frequentemente cúmplices no incesto pai-filha. De maneiras sutis, uma mãe pode
encorajar, ou pelo menos não desencorajar, o comportamento incestuoso de seu
marido. Filhas que confiam em suas mães ficam geralmente amargamente
desapontadas. Mães, até quando completamente conscientes do incesto paterno,
frequentemente não defendem suas filhas. Não é surpreendente que vitimas de
incesto pai-filha tenham imagens esmagadoramente negativas sobre suas mães. Ele
cita o estudo de Judith Herman, no qual 39 de 40 filhas que foram vítimas de incesto
pai-filha tinham imagens extremamente negativas de suas mães, descrevendo-as
como frias, indiferentes e não-dedicadas. A única exceção foi uma filha que tinha
perdido sua mãe na infância precoce.
Em virtude do incesto mãe-criança ser tão incomum, as informações a
respeito têm sido extremamente limitadas. Os estudos de Loretta McCarty e de
Kathleen Faller reúnem, em conjunto, dados sobre sessenta mães condenadas por
abuso sexual de seus filhos. Ambas encontraram modelos de patologia extrema
dentro da família. Negligência e abuso físico frequentemente acompanham o incesto
materno.
A influência mais destacada no comportamento de incesto pode ser
encontrada na experiência de apego infantil dos pais de famílias incestuosas. Pais
incestuosos, por exemplo, tipicamente descrevem sua infância como plena de
rejeição, negligência, e abuso físico e/ou sexual. A ausência dos pais em virtude de
morte ou abandono também é comum. Nas famílias com incesto pai-filha, a
experiência precoce da mãe é similarmente sombria. É provável que ela tenha tido
uma infância emocionalmente carente, caracterizada pela rejeição e hostilidade. É
frequentemente encontrada uma história de abuso sexual infantil.
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Condições similares de desenvolvimento são observadas no incesto entre
irmãos. A infância do ofensor, mais frequentemente um irmão mais velho, e a vítima,
geralmente uma irmã mais nova, é esmagadoramente desagradável. Mães são
descritas
como
“emocionalmente
ausentes”,
“distantes”,
“inacessíveis”
ou
“negligentes”. De igual modo, pais são frequentemente ausentes, devido à morte ou
por
abandono
ou
divorcio.
Se
presente,
o
pai
é,
geralmente,
distante
emocionalmente. Naomi Adler e Joseph Schultz encontraram que 92% dos meninos
que cometeram incesto tinham sido abusados fisicamente por um ou ambos os pais.
Frequentemente, tais garotos têm sido também sexualmente abusados. O
relacionamento pessoal entre um irmão ofensor e sua irmã tem sido descrito como
não-existente, exceto pelo incesto e abuso físico.
Uma constatação particularmente terrível é que o incesto é frequentemente
iniciado muito cedo na vida da vítima. O incesto pai-filha pode começar quando a
filha está com seis anos de idade ou mais nova. A média de idade do início no
incesto pai-filha é aproximadamente de oito a nove anos. Em um estudo acerca do
incesto mãe-criança, a média de idade das vítimas era 6,4 anos. No incesto entre
irmãos o irmão tipicamente inicia o abuso sexual quando está entre 11 e 14 anos de
idade. A média de idade para a irmã no início é de cerca de 7 anos. O início precoce
de muitos dos incestos humanos não parece estar ligado a uma pedofilia fixa. Os
que cometem incesto raramente limitam sua atenção sexual em crianças.
O incesto infligido na criança, e mais geralmente, o abuso sexual infantil,
parece ser um comportamento unicamente humano. Isto não tem sido observado em
outras espécies de primatas. Dado que as condições para o estabelecimento da
evitação do incesto, a associação durante um período sensível, parece ser similar
entre mamíferos, esta variação é causa para preocupação. O incesto cometido em
crianças pode refletir uma peculiaridade de nossa espécie. Uma explicação mais
plausível é que esta propensão deve-se a influências culturais, raras ou inexistentes
em nosso passado evolutivo, que interferem no desenvolvimento da evitação do
incesto. A adaptação da evitação do incesto pode ser facilmente interrompida nas
espécies animais pela intrusão artificial. Segundo o autor, há pouca razão para
acreditar que somos uma exceção.
Já o incesto que ocorre após a separação precoce entre os parceiros
apresenta-se como uma entidade fenomenologicamente distinta. O autor cita o
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estudo de Weinberg a respeito de seis pares de irmãos incestuosos. Cada irmão de
todos os seis pares desejou a relação incestuosa. Não houve evidência de coerção
por parte do irmão como geralmente ocorre nos outros casos. Embora consciente de
um tabu do incesto, estes irmãos eram, em grande parte, indiferentes a esta
imposição. Eles, aparentemente, não apresentavam sentimentos de culpa
concernente ao seu relacionamento. Os relacionamentos, com frequência, haviam
começado rapidamente e eram apaixonados. Três dos casais, por fim, casaram-se.
Extraordinariamente, todo par tinha sido separado na infância precoce, e somente
depois foram reunidos.
Erickson informa que, em 1975, a Grã-Bretanha promulgou o Ato de Acesso
aos Registros de Nascimento. Este ato torna possível a indivíduos adotados acima
de 18 anos encontrar seus parentes biológicos. Uma inesperada complicação deste
ato têm sido os sentimentos eróticos frequentemente experimentados pelos parentes
reunidos. O autor cita um estudo de Maurice Greenberg e Roland Littlewood que
sugere que o incesto pode, frequentemente ocorrer. Eles estimam que mais de 50%
de parentes reunidos experimentam fortes sentimentos sexuais.
Como previsto pela hipótese de Westermarck, os estudos clínicos mostram
que o incesto é muito mais provável se parentes são separados precocemente. É,
praticamente, só nesta circunstância que o incesto pode ser mutuamente desejado e
resultar em casamento. Os tabus parecem ter influência limitada. Pelo contrário,
dada a associação precoce, o incesto é raramente, ou nunca, desejado
mutuamente. É cometido coercivamente, por pais ou irmãos, e experimentado como
sendo intensamente aversivo por filhas ou irmãs.
Uma descoberta clínica, não prevista por Westermarck, é a extraordinária
fascinação que parentes reunidos mostram um pelo outro. Eles, com frequência,
descrevem uma sensação imediata de reconhecimento. Eles notam que parecem-se
um com o outro de uma maneira que transcende as similaridades físicas. A base
desta atração estranhamente intensa está longe de ser clara, mas pode derivar de
uma tendência, observada em muitas espécies, a reagir preferencialmente a
similaridades entre ele mesmo e outros. Biólogos chamam isto de “pareamento
fenotípico”.
Muitas espécies, incluindo humanos, rapidamente aprendem a identificar
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características familiares; no nascimento, as mães tipicamente adotam uma
orientação face a face para inspeção próxima de seus bebês. Dentro de um curto
espaço de tempo, elas podem seguramente identificar sua prole através de sinais
visuais, auditivos, olfativos e táteis. Similarmente, os pais parecem ter uma
habilidade extraordinária pra identificar sua prole logo após o nascimento. Com uma
media de menos de 7 horas de contato pós-natal, pais são capazes de, com os
olhos vendados, reconhecer sua prole somente pelo toque de sua mão. Bebês
também rapidamente desenvolvem uma preferência pelo fenótipo dos pais. Segundo
Erickson, sob circunstâncias normais de desenvolvimento, a associação precoce
gera mais tarde uma preferência sexual por alguém, até certo ponto, diferente do
parente próximo. Parentes separados, ao contrário, podem ser extraordinariamente
fascinados por suas semelhanças em virtude de uma tendência inerente para
pareamento ou comparação fenotípica. Por causa de sua ausência de associação
precoce, no entanto, uma sensação de parentesco e evitação do incesto não são
estabelecidas.
Uma segunda descoberta clínica não antecipada pela hipótese de
Westermarck é a alta frequência de abuso e negligência durante a infância de pais
de famílias incestuosas. Isto sugere que a propensão para o posterior incesto pode
ser influenciada muito precocemente na vida pela qualidade de relações de apego.
O autor observa que todas as adaptações biológicas são suscetíveis à patologia.
Segundo Erickson, a evitação do incesto, sendo uma adaptação biológica, não é
uma exceção. Observa ainda que, se a evitação do incesto se desenvolvesse
independentemente de outras classes de comportamento social, o incesto poderia
ser observado como um evento isolado em famílias saudáveis sob outros aspectos.
Os estudos clínicos são claramente contrários a esta hipótese. O incesto ocorre,
esmagadoramente, em famílias enormemente perturbadas, nas quais negligência,
abandono, e abuso físico são também comuns. O incesto pode, então, refletir uma
patologia de uma adaptação que modula, de uma maneira geral, comportamentos
adaptativos de parentesco.
Verificamos, assim, que o livro de Wolf e Durham mostra-se uma
importante fonte para conhecer novas abordagens sobre o incesto e a evitação do
incesto, que questionam fundamentalmente a maneira como esses costumavam ser
pensados na maior parte do século XX.
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