o documento na íntegra - Academia da Vinha e do Vinho

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o documento na íntegra - Academia da Vinha e do Vinho
A COMPOSIÇÃO MULTI-ELEMENTAR E RAZÕES ISOTÓPICAS
COMO MARCADORES DA ORIGEM GEOGRÁFICA DE VINHOS
Sofia CATARINO; António Sérgio CURVELO GARCIA
INSTITUTO NACIONAL DE RECURSOS BIOLÓGICOS, I.P. / INIA - DOIS PORTOS, 2565-191
Dois Portos, Portugal
([email protected]; [email protected])
Investigação financiada por Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Projecto PTDC/AGRALI/64655/2006)1
RESUMO
A identificação da origem geográfica dos vinhos com base na sua composição química, para
efeitos de controlo da qualidade, autenticidade e prevenção/detecção de eventuais fraudes, é um
objectivo comum de produtores, organismos de controlo e certificação, e consumidores. A
composição multi-elementar e a razão de isótopos estáveis de elementos, em ligação com a
análise estatística multi-dimensional, são parâmetros com elevado potencial com vista à
classificação de vinhos de acordo com a sua proveniência geográfica. Esta metodologia parte do
pressuposto de que a composição elementar do vinho reflecte a composição elementar do solo de
origem, pelo menos para alguns dos elementos. Um dos aspectos fulcrais para o êxito da sua
aplicação consiste na identificação e selecção dos elementos com potencial discriminante, que
reflictam a geoquímica do solo. A razão de isótopos de estrôncio e de chumbo, cuja composição
isotópica natural varia com a idade geológica e consequentemente com a região geográfica,
constitui um outro potencial marcador de proveniência. Com o presente projecto de investigação,
recentemente iniciado, pretende-se investigar as potencialidades da aplicação da análise multielementar e da razão de isótopos como ferramentas para o estabelecimento de padrões regionais
e identificação da proveniência geográfica de vinhos portugueses.
Palavras-chave: solo, vinho, composição multi-elementar, razões isotópicas, autenticidade
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos vinte anos têm sido realizados estudos com vista à classificação de vinhos
de acordo com a proveniência geográfica ou variedade de uva, a partir da sua
composição mineral (Herrero-Latorre e Medina, 1990; Baxter et al., 1997; Martin et al.,
1
Outras instituições participantes no projecto: Companhia Agrícola do Sanguinhal, Lda; Instituto
Superior de Agronomia; José Maria da Fonseca Vinhos, S.A.; Sogrape Vinhos, S.A.
1999; Almeida e Vasconcelos, 2003; Taylor et al., 2003; Thiel et al., 2004; Coetzee et al.,
2005; Minnaar et al., 2005). O êxito desta abordagem depende da identificação e
selecção de elementos com potencial discriminatório, sendo fundamental analisar a
composição multi-elementar e isotópica do vinho, assim como a do solo de proveniência
e a do mosto. A combinação de elementos discriminatórios parece ser específica de cada
tipo de solo, reflectindo a sua geoquímica particular. Por exemplo, vinhos da Galiza foram
discriminados a partir dos elementos Li, Ba, Rb and Mn (Herrero-Latorre e Medina, 1990),
enquanto vinhos alemães foram classificados com base na sua composição em Li, Zn,
Mg and Sr (Gómez et al., 2004). O Sr é referido como um excelente indicador da
proveniência geográfica do vinho e tem sido utilizado como marcador de várias regiões
(Taylor et al., 2003).
A utilização da composição multi-elementar como marcador de proveniência geográfica
baseia-se na hipótese de que o vinho reflecte a composição mineral do solo de origem,
pelo menos para alguns dos elementos. Contudo, existem diversos factores, ambientais,
agrícolas e enológicos, que conduzem a diferenças na correspondência entre a
composição mineral do vinho e a do solo (Jakubowski et al., 1999; Medina et al., 2000;
Nicolini et al., 2004; Catarino et al., 2006a; Catarino et al., 2008).
A razão de isótopos de elementos que naturalmente apresentam uma variação na sua
composição isotópica, de região para região, constitui um outro potencial marcador de
proveniência, por si só, ou aliado à composição multi-elementar. Esta abordagem assenta
na hipótese da existência de correlação entre a razão isotópica do solo e a do vinho,
sendo os elementos absorvidos pelas raízes da videira nas mesmas proporções
isotópicas nas quais ocorrem nos solos de proveniência. Existem referências à utilização
de razões isotópicas estáveis, principalmente isótopos de C, O e de H (Day et al., 1995;
Medina, 1996; Gremaud et al., 2004), mas também com o Pb e Sr (Almeida e
Vasconcelos, 2001).
Paralelamente à avaliação da composição isotópica, observa-se um crescente interesse
pelo estudo e determinação analítica das terras raras (lantanídeos), pela possibilidade de
fornecerem informação sobre a proveniência dos vinhos.
O único estudo envolvendo a composição multi-elementar e a razão
87
Sr/86Sr de vinhos
portugueses constitui um importante mas escasso contributo (Almeida e Vasconcelos,
2003). É fundamental seleccionar os elementos com potencial discriminatório para cada
região e analisar um número representativo de vinhos que confira significado estatístico
aos resultados, de modo a estabelecer padrões regionais.
2. DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
Com o presente projecto de investigação (PTDC/AGR-ALI/64655/2006), iniciado em
Janeiro de 2009 e com um período de execução de 36 meses, pretende-se investigar as
potencialidades da composição multi-elementar e isotópica como marcadores da
proveniência geográfica de vinhos portugueses, e paralelamente como identificadores de
fontes de contaminação. A estratégia de investigação desenvolve-se em duas fases
principais: (1) avaliação da composição multi-elementar (cerca de 50 elementos, incluindo
terras raras) e razões isotópicas de Sr e Pb de solos, uvas, mostos e vinhos provenientes
de três regiões vitivinícolas portuguesas, com vista a investigar a influência dos
processos tecnológicos e a seleccionar elementos com potencial discriminatório para
cada uma das regiões estudadas; (2) caracterização de um número representativo de
vinhos, de modo a consolidar a aplicação destes parâmetros e a estabelecer padrões
regionais. Apresenta-se de seguida as diferentes etapas do plano de trabalhos em
execução:
2.1. Selecção das áreas para o estudo e sua caracterização geológica e litológica.
Caracterização morfológica, amostragem e preparação das amostras dos solos.
Caracterização analítica dos solos e respectiva classificação sistemática
Nesta etapa pretende-se identificar e tipificar as formações litológicas e a respectiva
composição mineralógica e química; obter informação relevante para efeitos de
caracterização e classificação das unidades-solo de cada área de estudo e preparar as
respectivas amostras para análise; proceder à caracterização física, química e
mineralógica das unidades-solo de cada área de estudo, e avaliar o respectivo fundo
geoquímico e a correspondência entre este e natureza do material originário.
Para tal, foram seleccionadas quatro vinhas instaladas em diferentes tipos de solo,
localizadas nas regiões vitivinícolas do Dão, Lisboa e Península de Setúbal:
- Quinta dos Carvalhais (Sogrape Vinhos, S.A.)
- Carrascal e Quinta de S. Francisco (Companhia Agrícola do Sanguinhal, Lda)
- Algeruz (José Maria da Fonseca Vinhos, S.A)
2.2. Desenvolvimento de métodos de análise por ICP-MS para a determinação de
terras raras e das razões isotópicas de estrôncio e chumbo
A técnica analítica multi-elementar de espectrometria de massa com plasma indutivo
(ICP-MS) apresenta elevadas selectividade e sensibilidade, limites analíticos bastantes
baixos, pelo que é uma ferramenta excelente para a caracterização detalhada da
composição multi-elementar e isotópica do vinho (Pérez-Jordán et al., 1998; Castiñeira et
al., 2001; Catarino et al., 2006b).
Nesta etapa pretende-se desenvolver e validar métodos de análise por ICP-MS para a
determinação das terras raras e das razões isotópicas de Sr (87Sr/86Sr) e de Pb
(204Pb/206Pb,
207
Pb/206Pb and
208
Pb/206Pb), o que permitirá caracterizar e distinguir as
amostras de solos, uvas, mostos e vinhos. Relativamente às terras raras, o método
(semi-quantitativo) será desenvolvido para os elementos La, Ce, Pr, Nd, Sm, Eu, Gd, Tb,
Dy, Ho, Er, Tm, Yb and Lu, baseado na pré-determinação de factores de correcção
usando um padrão multi-elementar. Para efeitos de validação do método, serão
determinadas as seguintes características: limites de detecção, taxas de recuperação e
precisão. Para avaliação da exactidão, os resultados serão directamente comparados
com os obtidos por aplicação de um método quantitativo.
O desenvolvimento de uma metodologia adequada para a determinação da razão
87
Sr/86Sr nos vinhos envolve algumas dificuldades, devido à sobreposição isobárica do
87
Sr e do 87Rb. Por este motivo, o Sr e o Rb devem ser previamente separados através de
cromatografia de troca catiónica, após a eliminação da matéria orgânica num digestor de
microondas. Para a determinação das razões isotópicas com exactidão será realizada
correcção externa dos dados obtidos, com uma solução padrão (isotópica) de Sr.
Finalmente, no que respeita à determinação analítica das razões isotópicas do Pb
(204Pb/206Pb,
207
Pb/206Pb and
208
Pb/206Pb), será utilizada uma solução padrão isotópica
para optimização do procedimento de aquisição de dados. A correcção externa para o
fenómeno de mass bias será realizada com uma solução padrão isotópica de Pb.
2.3. Caracterização multi-elementar e isotópica dos solos, uvas, mostos e vinhos
Nesta etapa serão colhidos bagos de uva da casta Tinta Roriz nas vinhas seleccionadas.
Ao longo do processo de vinificação serão colhidas amostras de mosto/vinho, em etapas
com maior probabilidade de ocorrência de alteração da composição elementar.A
caracterização multi-elementar (Li, Be, B, Sc, Ti, V, Mn, Fe, Co, Ni, Cu, Zn, Ga, Ge, As,
Se, Rb, Sr, Y, Zr, Nb, Mo, Pd, Ag, Cd, In, Sn, Sb, Cs, Ba, La, Ce, Pr, Nd, Sm, Eu, Gd, Tb,
Dy, Ho, Er, Tm, Yb, Lu, Hf, Ta, W, Pt, Hg, Tl, Pb, Bi, Th, U e isotópica (87Sr/86Sr;
204
Pb/206Pb,
207
Pb/206Pb and
208
Pb/206Pb) dos solos, uvas, mostos e vinhos será realizada
por ICP-MS. Para além dos métodos analíticos referidos em 2.2., será aplicado um
método anteriormente desenvolvido pelos autores, para análise dos restantes elementos
(Catarino et al., 2006b).
2.4. Selecção de elementos com potencial discriminatório para cada uma das
regiões (análise intermédia dos resultados)
Pretende-se seleccionar para cada uma das regiões visadas os elementos que reflictam a
geoquímica do solo (e que por esse motivo apresentam potencial discriminatório). Por
outro lado será obtida informação sobre a influência do processo tecnológico na
composição multi-elementar e isotópica. Espera-se igualmente obter informação sobre
fontes de contaminação.
A informação relativa à composição multi-elementar e razões isotópicas dos solos, uvas,
mostos e vinhos, será objecto de tratamento estatístico (análise de variância, análise
multi-dimensional) com vista a seleccionar os elementos adequados para cada região.
Serão estudadas as correlações entre as concentrações dos elementos determinados
nos solos e nos vinhos.
2.5. Caracterização multi-elementar e isotópica de vinhos adquiridos no circuito
comercial
Esta etapa tem por finalidade a obtenção de informação sobre a composição isotópica e
multi-elementar (por aplicação dos métodos analíticos anteriormente referidos) de um
número representativo de vinhos obtidos no comércio com proveniência nas regiões
seleccionadas (Dão, Lisboa, Península de Setúbal), com vista ao estabelecimento de
padrões regionais.
2.6. Estabelecimento de modelos discriminatórios baseados na proveniência
geográfica dos vinhos (análise global dos resultados)
Nesta etapa pretende-se estabelecer padrões regionais que permitam a discriminação
dos vinhos por proveniência geográfica. A informação sobre a composição multielementar e razões isotópicas dos vinhos obtidos no comércio será utilizada para o
estabelecimento de modelos discriminatórios, baseados na proveniência geográfica dos
vinhos.
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