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OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS DE SIMÔNIDES DE CEOS Luana Cruz da Silva Rio de Janeiro, 2014 UFRJ 1 OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS DE SIMÔNIDES DE CEOS Luana Cruz da Silva Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. Orientadora: Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 2 OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS DE SIMÔNIDES DE CEOS Luana Cruz da Silva Orientadora: Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. Examinada por: Presidente, Profa. Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha, PPGLC - UFRJ Profa. Doutora Glória Braga Onelley - UFF Profa. Doutora Tania Martins Santos, PPGLC – UFRJ Profa. Doutora Greice Ferreira Drumond – UFF (Suplente) Prof. Doutor Auto Lyra Teixeira, PPGLC – UFRJ (Suplente) Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 3 Cruz da Silva, Luana. Os epigramas históricos e agonísticos de Simônides de Ceos/ Luana Cruz da Silva – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2013. 139 f.; 31cm Orientadora: Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, 2013. Referências Bibliográficas: f. 139 1. Grécia Arcaica. 2. Poesia epigramática. 3. Simônides de Ceos. I Peçanha, Shirley Fátima Gomes de Almeida. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de INTRODUÇÃO Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas. III. Título. 4 OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS DE SIMÔNIDES DE CEOS Luana Cruz da Silva Orientadora: Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha. Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. O epigrama grego foi uma das modalidades poéticas mais cultivadas no período helenístico. Sabe-se, entretanto, que as primeiras manifestações desse gênero literário, cuja origem remonta ao século VIII a. C., foram encontradas em objetos votivos, lápides tumulares e estátuas honoríficas, nos quais eram gravadas inscrições anônimas. Simônides de Ceos, poeta que viveu entre os séculos VI e V a. C. (556-468 a.C), foi um dos principais cultores de epigramas do período tardo-arcaico. Da produção epigramática atribuída ao poeta de Ceos, foram considerados na presente dissertação os epigramas de cunho histórico e agonístico, verificando-lhes, com base na tradução, a temática e o contexto em que foram produzidos, visto que constituem um importante testemunho literário dos conflitos entre Gregos e Persas, por ocasião das Guerras Medo-Persas, e do triunfo dos atletas nas competições esportivas pan-helênicas. Foram comentadas ainda algumas características do gênero epigramático e apresentadas questões referentes à transmissão, à cronologia e à autenticidade do corpus simonídeo. Palavras-chave: poesia arcaica; epigrama; Simônides de Ceos. 5 . OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS DE SIMÔNIDES DE CEOS Luana Cruz da Silva Orientadora: Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha. Abstract da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. The greek epigram was a very popular poetic genre in the Hellenistic period. However, it is well known that the first evidences of this genre, from the VIII BC, were found in votive objects, gravestones and statues in which the anonymous inscriptions were engraved. Simonides, a poet that lived between VI and V centuries BC (556-468 BC), was one of the most prominent epigramists of the late archaic period. This dissertation analyzed the historical and the agonistic epigrams ascribed to Simonides by verifying its themes and the context in which they were composed. Since these epigrams were an important literary testimony of the Persian Wars as well as the athletes success at the pan hellenic athletic competitions. There was an approach to the major characteristics of the epigrammatic genre, the transmission, the chronology and authenticity of the simonidean corpus. Keywords: archaic poetry; epigram; Simonides. 6 À minha mãe, Maria Lúcia Borges da Cruz, por tudo e mais um pouco. 7 AGRADECIMENTOS À minha mãe pelo amor e apoio constantes e incentivo, desde cedo, nos caminhos da leitura; Mãe, você é uma pessoa extraordinária, e eu aprendo todos os dias contigo. À minha grande família, especialmente à minha avó, que mesmo não entendendo direito o que faço se sente orgulhosa. Ao meu primo André por ter-me apoiado e ter acompanhado de perto esta jornada. À banca examinadora: Profa. Dra. Glória Braga Onelley, Profa. Dra. Tania Martins Santos, Profa. Dra. Greice Ferreira Drumond e Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira. À Profa. Me. Marinete José de Oliveira Santana Ribeiro pelos ensinamentos valiosos durante o curso de graduação. À Profa. Dra. Tania Martins Santos pelo incentivo, desde a graduação, e apoio durante esse curso. Ao Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira pela aulas inesquecíveis de literatura grega. À minha amiga Bianca pela presença constante, pelas conversas sinceras, e, é claro, pela a amizade de tantos anos. À querida amiga Luciana por sua generosidade sem tamanho. À Nathalie pela doçura e inspiração constante. À Louise, minha amiga desde a graduação, pela amizade sincera. Ao Eduardo, "meu irmão", por sua constante presença em minha vida e por sempre me apresentar boa música. À Fabiana e Paula pela amizade desde os tempos da escola. À Beatriz, minha amiga desde a graduação, por ser sempre tão presente, mesmo morando em outro estado. Aos amigos da Pós-graduação, Alexandre, Simone, Pedro e Emerson pelo carinho. Ao amigo Brian por sua generosidade, e ao Marcelo por estar sempre disponível, inclusive nos momentos mais tensos, sempre disposto a ajudar. Sem vocês esse período teria sido menos divertido. Aos "delfoi amigoi" pelos momentos inesquecíveis. 8 À minha orientadora, Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha, pela orientação dedicada e atenciosa, pela paciência e pelo aprendizado durante essa pesquisa. Foi uma honra ter sido sua orientanda. 9 À Capes pelo auxílio concedido. 10 Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos. Meu epitáfio - Cora Coralina 11 SINOPSE O gênero epigramático e suas características. Cronologia do epigramatista, transmissão e autenticidade dos epigramas simonídeos. Tradução dos epigramas históricos e agonísticos de Simônides de Ceos e análise literária. agonísticosagonísticos. 12 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................14 2. O GÊNERO EPIGRAMÁTICO 2.1. Origem................................................................................................17 2.2. Particularidades.................................................................................20 3. O EPIGRAMA SIMONÍDEO 3.1. Transmissão do texto..........................................................................39 3.2. Considerações sobre a cronologia do epigramatista...........................44 3.3. A questão da autenticidade................................................................52 4. OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS: UMA PROPOSTA DE TRADUÇÃO 4.1 Os epigramas históricos..........................................................................62 4.2 Os epigramas agonísticos.......................................................................69 5. A EXPRESSÃO DA GUERRA E DO DESPORTO NOS EPIGRAMAS SIMONÍDEOS 5.1. Considerações sobre as representações de πόλεμος na literatura helênica............................................................................................72 5.2. Simônides: o cantor das Guerras Medo-Persas..............................73 5.3. A celebração da vitória nos epigramas agonísticos.......................111 6. CONCLUSÃO......................................................................................................132 7. REFERÊNCIAS....................................................................................................134 13 1. INTRODUÇÃO A pesquisa que culminou com a elaboração da presente dissertação começou a ser esboçada em 2008, ocasião em que, durante um curso de Literatura Grega, se destacaram da obra de Calímaco de Cirene os epigramas. Do contato com os epigramas calimaquianos, julgou-se relevante investigar, em pormenor, a origem dessa modalidade de poesia e seus precursores. Chegou-se, então, à obra de Simônides de Ceos, poeta que viveu entre os séculos VI e V a. C., cuja produção literária compreende epinícios, trenos, encômios, ditirambos, elegias e epigramas, sendo este último objeto da pesquisa que se iniciava. Atribuem-se, segundo Bravi (2006, p. 35), a Simônides de Ceos cerca de 901 epigramas que se subdividem em sete tipos: históricos, agonísticos, sobre a obra de arte, sobre os náufragos, votivos, funerários e outros de natureza vária. Desses epigramas foram pesquisados, inicialmente, os de cunho agonístico, dedicados aos atletas dos jogos desportivos pan-helênicos realizados no primeiro quartel do século VI 2, cujos resultados parciais foram apresentados na XXXI Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica Artística e Cultural da UFRJ em 2009. Em seguida, durante a elaboração do pré-projeto de pesquisa para ingresso no Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da UFRJ, mostrou-se oportuno ampliar os estudos acerca dos epigramas simonídeos, acrescentando-se aos de temática agonística os de cunho histórico, tendo em vista ter sido o poeta de Ceos contemporâneo não só dos concursos desportivos mais relevantes da Grécia antiga, mas também de um dos fatos mais importantes da história grega, isto é, as Guerras Médicas, das quais há referências várias em sua obra, muito embora não tenha ele participado de forma direta dos combates. Após o término dos conflitos, várias cidades gregas organizaram festivais para celebrar o sucesso na guerra e também para homenagear os guerreiros que lutaram e os que morreram nos campos de batalha. Entre os meios de celebração, podem citar-se a arte figurativa, os cultos, o esporte e, em especial, a poesia, que ocupava um lugar de destaque e motivava competições entre os poetas. Como assevera Bravi (2006, p. 46), Simônides de Ceos foi considerado a “voz oficial” 1 O Sylloge Simonidea (conjunto de epigramas atribuídos a Simônides) é composto por 102 epigramas. Entretanto, helenistas há que julgam alguns epigramas desse grupo não-simonídeos e preferem não considerá-los parte da coleção (SIDER, 2007, p. 115). Assim, optou-se, nesta dissertação, por adotar a numeração e a divisão dos epigramas simonídeos propostas por Luigi Bravi em Gli epigrammi di Simonide e le vie della tradizione. 2 Os jogos Olímpicos, os mais antigos, iniciados em 776 a. C., além dos jogos Píticos, iniciados a partir de 582 a. C., os jogos Ístmicos e Nemeus realizados, respectivamente, em 581 a. C. e 573 a. C. 14 das celebrações do sucesso na guerra. Convém notar a esse respeito a afirmação de Rocha Pereira (1997, p. 219) ao referir que: “Simônides vive no tempo das Guerras Medo-Persas e sente profundamente a exaltação desse momento histórico único, de que se tornou o intérprete incomparável”. No que diz respeito à cultura grega, esporte e guerra podem ser relacionados, na medida em que ambas as atividades possuem, em sua essência, um forte senso de competividade. Já no canto XVI de Ilíada, nos versos 589-91, referentes aos jogos realizados em honra de Pátroclo por ocasião de seu funeral, é possível notar essa associação na passagem em que os guerreiros/desportistas praticavam a caça ao javali, animal comparável, por sua ferocidade, a Aquiles durante a perseguição contra Heitor no combate singular narrado no canto XXII, versos 158-64. Infere-se que a associação entre guerra e esporte é constante na cultura helênica, sendo marcada pelo forte espírito agonístico. Com base nessas premissas, pretende-se, nessa pesquisa, apresentar uma proposta de tradução e de interpretação dos epigramas históricos e agonísticos verificando-se a temática neles contida. Antes, porém, serão abordadas, no capítulo 2, algumas questões acerca do gênero epigramático: o surgimento e o desenvolvimento desse tipo de poesia, sua performance e suas principais características, considerando-se sobremaneira os epigramas gregos do período arcaico. Destaquem-se nesse âmbito os artigos de Bruno Gentili, Epigrama ed elegia, publicado nos Entretiens sur l’Antiquité Classique sobre o epigrama grego, além da obra de Joseph W. Day, Archaic Greek Epigram and Dedication: Representation and Reperformance, e de artigos constantes na obra de Manuel Baumbach, Andrej Petrovic e Ivana Petrovic, Archaic and Classical Greek Epigram, essenciais para a elaboração desse capítulo. No terceiro capítulo, serão feitos comentários acerca da transmissão do texto (3.1), da cronologia de Simônides de Ceos (3.2) e da autenticidade dos epigramas (3.3). Justifica esse capítulo da pesquisa a posição de West (1973, p. 8), segundo o qual o trabalho com textos da Antiguidade requer um conhecimento sobre as questões que dizem respeito à transmissão e à autenticidade da obra. Deve-se esclarecer, no entanto, que, embora a questão da autenticidade tenha sido objeto de discussões várias desde o século XIX até a atualidade e tenha sido abordada na presente pesquisa, na análise dos temas será considerada a divisão proposta por Bravi, em sua obra, Gli epigrammi di Simonide e le vie della tradizione, publicada em 2006. Acredita-se que as questões acerca da autenticidade dos epigramas simonídeos não 15 desmerecem a coleção de epigramas atribuídos ao poeta de Ceos como fundamentos desse gênero literário e como testemunhos de acontecimentos da Grécia arcaica. Para a realização dessa parte da pesquisa, foram utilizados, além da citada obra de Luigi Bravi, também as obras de Amédée Hauvette, De l’authenticité des épigrammes de Simonide, de John Molyneux, Simonides: a historical study, e o artigo de L.A. Stella Studi Simonidei I. Per la cronologia di Simonide, e os comentários contidos nas edições críticas organizadas por D. L. Page. A seguir, no quarto capítulo, será apresentada a tradução dos epigramas históricos e agonísticos, com base nas edições críticas de D. L. Page, Epigrammata Graeca (publicada em 1975) e Further Greek Epigrams (publicada em 1981) – de cujas obras foram extraídas as informações acerca da fonte e da autenticidade dos epigramas comentados –, cotejadas com a edição de J. M. Edmonds, Lyra Graeca, publicada em 1952. Por fim, no quinto capítulo, levando-se em conta o léxico utilizado pelo poeta, serão comentados os temas insertos nos epigramas históricos e agonísticos. Para essa etapa da pesquisa foi de grande valia a obra de Luísa de Nazaré Ferreira, Modalidade poética na Grécia antiga – uma leitura da obra de Simónides, que, embora tenha sido publicada em 2013, e portanto com a presente pesquisa já adiantada, foi de grande importância para as discussões contidas nesse capítulo. Destaquem-se também os comentários de D. L. Page em sua edição crítica Further Greek Epigrams. Cabe ressaltar que as traduções de textos gregos apresentados na dissertação são de minha responsabilidade. 16 2. O GÊNERO EPIGRAMÁTICO 2.1. Origem Etimologicamente, o termo ἐπίγραμμα – derivado do verbo ἐπιγράφω, “escrever sobre”, “inscrever” e “gravar uma inscrição”, acrescido do sufixo nominal –μα, que indica o resultado da ação -, designa “o que está escrito sobre”, daí o sentido de “inscrição”. Sendo assim, os epigramas foram, em sua origem, inscrições anônimas ou de poetas de ocasião - gravadas em objetos votivos, lápides tumulares ou estátuas honoríficas -, compostas de pequenas sentenças ou palavras isoladas, inspiradas em formas arcaizantes de grandes poetas, sobretudo Homero e os elegíacos, e adaptadas aos dialetos locais. Porém, em fins do século IV a. C., as inscrições raramente apresentam-se em dialeto local, passando a utilizar a língua predominante da epopeia e da elegia, ou seja, o dialeto jônico. As inscrições do período arcaico tinham uma função prática, já que normalmente vinham gravadas em objetos ou lápides (Baumbach, Petrovic & Petrovic, 2010, p. 3-4). Entretanto, as inscrições arcaicas não eram somente palavras inscritas em objetos, mas podiam estar associadas a ritos funerários e a cerimônias religiosas, razão por que, assinala Day (2010, p. xiv), “o epigrama grego arcaico, junto com o objeto em que estava escrito, tinha relação com um ritual ou uma cerimônia: epitáfio e sepultura memorizavam o funeral”. Nesse contexto, o epigrama e a dedicação 3, comenta o referido autor, apresentam uma linguagem em que é possível identificar ecos de outros tipos de fazer póetico, como hinos, epinícios e elegias. Os primeiros usos do termo grego ἐπίγραμμα são atestados em Heródoto (V, 59) quando, discorrendo sobre a origem fenícia dos Gefireus, afirma que muitos povos da Fenícia 3 Dedicação é o oferecimento de um objeto acompanhado de uma inscrição, sendo normalmente associada a um ritual religioso com libações e orações (Day, 2010, p. 5). 17 acompanharam Cadmo na época em que este rei de Tebas se fixara na Beócia. Heródoto, então, relaciona o surgimento do alfabeto grego com a influência fenícia do seguinte modo: εἶδον δὲ καὶ αὐτὸς Καδμήια γράμματα ἐν τῷ ἱρῷ τοῦ Ἀπόλλωνος τοῦ Ἰσμηνίου ἐν Θήβῃσι τῇσι Βοιωτῶν, ἐπὶ τρίποσι τισὶ ἐγκεκολαμμένα, τὰ πολλὰ ὅμοια ἐόντα τοῖσι Ἰωνικοῖσι. ὁ μὲν δὴ εἷς τῶν τριπόδων ἐπίγραμμα ἔχει· Ἀμφιτρύων μ᾽ ἀνέθηκ᾽ ἐνάρων ἀπὸ Τηλεβοάων. ταῦτα ἡλικίην εἴη ἂν κατὰ Λάιον τὸν Λαβδάκου τοῦ Πολυδώρου τοῦ Κάδμου. Eu mesmo também vi letras cadmeias no templo de Apolo Ismênio em Tebas da Beócia, gravadas em algumas trípodes, sendo a maioria semelhantes às jônicas. Além disso, uma das trípodes contém o epigrama: “Anfitrião me dedicou por causa dos espólios dos Telebeus.” Elas seriam da época de Laio, o Labdáceo, filho de Polidoro, que era filho de Cadmo. Também Tucídides, em História da Guerra do Peloponeso (VI, 59.3), ao tratar dos desdobramentos provocados pela conspiração de Aristogíton e Harmódio, que culminou com o assassinato de Hiparco 4, menciona a palavra ἐπίγραμμα. O historiador evoca os efeitos causados pela morte de Hiparco em seu irmão mais velho Hípias e as decisões por este tomadas, das quais uma é descrita pelo historiador ático nos seguintes termos: Ἱππόκλου γοῦν τοῦ Λαμψακηνοῦ τυράννου Αἰαντίδηι τῶι παιδὶ θυγατέρα ἑαυτοῦ μετὰ ταῦτα Ἀρχεδίκην Ἀθηναῖος ὢν Λαμψακηνῶι ἔδωκεν, αἰσθανόμενος αὐτοὺς μέγα παρὰ βασιλεῖ Δαρείωι δύνασθαι. καὶ αὐτῆς σῆμα ἐν Λαμψάκωι ἐστὶν ἐπίγραμμα ἔχον τόδε· ἀνδρὸς ἀριστεύσαντος ἐν Ἑλλάδι τῶν ἐφ' ἑαυτοῦ Ἱππίου Ἀρχεδίκην ἥδε κέκευθε κόνις, ἣ πατρός τε καὶ ἀνδρὸς ἀδελφῶν τ' οὖσα τυράννων παίδων τ' οὐκ ἤρθη νοῦν ἐς ἀτασθαλίην. Ao perceber que eles eram poderosos junto ao rei Dario, mesmo sendo Ateniense, deu em casamento a sua filha Arquédice a Euantide, o filho do tirano de Lampsaco, Hipoclo. Em Lampsaco, o túmulo dela contém este epigrama: Este pó cobre Arquédice, filha de Hípias que foi entre eles o melhor varão na Grécia de seu tempo, ela que, embora tivesse pai, marido, irmãos e filhos tiranos, não elevou seu pensamento à arrogância5. A palavra epigrama, como bem assinalam Baumbach, Petrovic & Petrovic (2010, p. 6), era utilizada para designar inscrições com métrica, sobretudo as elegíacas. Note-se ainda 4 Sobre a morte de Hiparco, cf. p. 57-8. O epigrama de Arquédice (XXVIa) é citado como anônimo por Tucídides. Aristóteles, em Retórica (I, 9, 1367b), atribui a inscrição a Simônides de Ceos. 5 18 que o uso do termo é tardio, considerando-se que as primeiras evidências arqueológicas acerca do epigrama como inscrição - o vaso de Dípylon e a taça de Nestor - datam do século VIII a. C. Com efeito, antes de o termo ter sido cunhado pelos citados historiadores, o epigrama já devia ser conhecido, como parecem atestar não só a arqueologia mas também os versos 84-91 do canto VII de Ilíada, nos quais há referência a um epitáfio como forma de perpetuar a glória imorredoura: τὸν δὲ νέκυν ἐπὶ νῆας ἐϋσσέλμους ἀποδώσω, ὄφρά ἑ ταρχύσωσι κάρη κομόωντες Ἀχαιοί, 85 σῆμά τέ οἱ χεύωσιν ἐπὶ πλατεῖ Ἑλλησπόντῳ. καί ποτέ τις εἴπῃσι καὶ ὀψιγόνων ἀνθρώπων νηῒ πολυκλήϊδι πλέων ἐπὶ οἴνοπα πόντον· ἀνδρὸς μὲν τόδε σῆμα πάλαι κατατεθνηῶτος, ὅν ποτ᾽ ἀριστεύοντα κατέκτανε φαίδιμος Ἕκτωρ. 90 ὥς ποτέ τις ἐρέει: τὸ δ᾽ ἐμὸν κλέος οὔ ποτ᾽ ὀλεῖται. “{...}Restituirei o cadáver às naus de bancos sólidos, para que os Aqueus de longos cabelos lhe prestem as últimas homenagens 85 e lhe preparem a sepultura sobre a extensão do Helesponto. E, então, um dia um dos homens dos tempos vindouros dirá, quando com sua nau de muitos remos navegar sobre o mar cor de vinho: ‘Este é o túmulo de um homem que morreu, há muito tempo, que, sendo o mais corajoso, o glorioso Heitor, outrora, matou.’ 90 Assim, um dia, alguém dirá: minha glória jamais perecerá.” Esse epitáfio é evocado por Heitor no momento em que desafia um valente guerreiro aqueu para o duelo. O filho de Príamo diz, então, que a referida inscrição estaria gravada no túmulo do guerreiro derrotado. É possível notar que o apelo é feito pela sepultura ao passante, estabelecendo-se, desse modo, um vínculo entre o mundo dos vivos e o dos mortos, tendo em vista que, lido e pronunciado, se confirmava a presença daquele que já deixara o mundo dos vivos. Convém assinalar que essa inscrição imortalizaria não só a coragem do morto, mas também o nome do herói troiano todas as vezes que fosse lida por um passante. No citado excerto, é possível notar os elementos próprios de um epigrama de cunho funerário, como a referência ao morto, o nome do seu assassino, as circunstâncias da morte e também uma alusão à sepultura com o emprego do vocábulo σῆμα, determinado pelo dêitico τόδε. Sobre a função dêitica, vale apresentar as considerações de Tsagalis (2008, p. 217) segundo o qual o uso de dêiticos nos epigramas sepulcrais indicava que a inscrição estava gravada no local do sepultamento. O referido estudioso assevera que, enquanto ὁδε indicava geralmente o morto, τόδε e ἐνθάδε referiam-se ao local do túmulo ou monumento. Sobre os epigramas dedicatórios, Day (2010, p. 112-7), por seu turno, observa que o uso de elementos 19 dêiticos podia indicar a proximidade e a pessoa gramatical e destaca o emprego de τόδε que, determinando ágalma, dorôn e mnêma, indica um referente em primeira ou terceira pessoa, e ὁδε que se refere à perspectiva de proximidade em relação à voz que fala no epigrama. Notese, ainda, que a função dêitica poderia ser desempenhada por advérbios, como ἐνθάδε, presente em alguns epigramas6. 2.2. Particularidades A noção de gênero com limites e características bem definidos, com as quais se abordam, em geral, as questões referentes ao estudo de literatura, não se aplica, como assinala Carey (2009, p. 22), às manifestações poéticas do período arcaico e às do início do clássico. Segundo o helenista, os estilos poéticos, por serem dinâmicos e estarem em constante transformação, representariam tendências e não categorias bem delimitadas, o que permitiria semelhanças e influências de outros gêneros. A visão de Carey, portanto, rejeita a suposta homogeneidade entre as modalidades poéticas. Assim, seguindo a lição do referido estudioso, pode-se dizer que, no contexto do epigrama grego arcaico, a noção de gênero como algo dinâmico e suscetível de mudanças, em contato com outras formas de poesia, coaduna-se com o estilo híbrido desse tipo de produção poética, influenciado tanto pela épica quanto pela elegia. Como observou Aloni (2009, p. 181), o epigrama grego arcaico assemelha-se à épica e à elegia no que tange à enunciação em relação ao estilo e à ideologia a elas associada. Sabe-se que o epigrama utiliza elementos e fórmulas tomadas desses gêneros já consolidados, e, além disso, retrata os valores da aristocracia, como a valorização de características individuais, a excelência (areté). Assinala o estudioso, entretanto, que os epigramas de cunho funerário sofreram mudanças no século V a. C., influenciadas pelas celebrações em homenagem ao sucesso nas Guerras Médicas. Se antes os epigramas sepulcrais elogiavam um indivíduo, a partir deste século, o louvor aos mortos assume um caráter coletivo com o estabelecimento de monumentos erigidos no campo de batalha ou em suas respectivas cidades. Na definição e caracterização dos gêneros literários dos períodos citados, normalmente são utilizados alguns critérios para tentar estabelecer seus diferentes tipos: o caráter coletivo 6 Cf. epigrama XXXV à p. 131. 20 ou individual da poesia, a performance, a métrica que, segundo Carey (2009, p. 23), determina a performance, o acompanhamento musical e a dança ou, ainda, o componente religioso, se houver. Muito embora haja um esforço para classificar com precisão as modalidades poéticas por meio desses critérios, encontram-se características partilhadas por mais de um tipo de poesia ou, até mesmo, algumas exceções, como assinala Carey 7 (2009, p. 22) acerca da execução do peã e dos hinos, por exemplo: os peãs, que normalmente eram executados em grupo, poderiam ser apresentados individualmente, e os hinos dedicados às divindades, que ocupavam lugar de destaque em atividades cívicas, poderiam também ser executados em banquetes. Os exemplos citados corroboram a teoria de que os critérios distintivos não são excludentes e que é possível encontrar variações em um mesmo tipo de poesia. De fato, o hibridismo das inscrições gregas do período arcaico apresenta-se, sobretudo, na maneira como eram fixadas e executadas. Gravadas em objetos ou lápides poderiam ser elas acompanhadas de uma performance associada, em muitas ocasiões, a rituais religiosos ou fúnebres. O ritual funerário no período arcaico, segundo Derderian (2001, p. 64), era dividido em três etapas: a disposição do corpo acompanhada do lamento 8, o transporte do corpo ao local de sepultamento e a colocação do corpo no túmulo. Day (1989, p. 23) afirma que a limpeza e a preparação do corpo tinham como objetivo a restauração da beleza do morto, e um procedimento análogo poderia ser aplicado ao túmulo ou à estela funerária. Quanto à performance do ritual, ocorria ela sobretudo, nas primeira e terceira etapas que envolviam o processamento do corpo e o estabelecimento do túmulo. Segundo Day (1989, p. 23), é possível inferir, com base em fontes literárias, que o ritual de erigir um monumento poderia ser acompanhado do canto de uma poesia. O estudioso defende ainda que, embora o monumento recordasse o ritual, o epitáfio institui uma voz poética que o perpetua, opinião compartilhada por Derderian (2001, p. 64), ao afirmar que a inscrição no monumento constituía uma junção da instância verbal com a iconografia. De fato, além de estabelecer e guardar a identidade do morto, a inscrição no monumento era testemunho da relação de reciprocidade que envolvia o ritual fúnebre. Acrescente-se que a 7 Sobre a performance solo do peã, Carey (2009, nota 6, p. 22) recomenda a leitura de Rutherford (2001a, p. 59). 8 A preparação do corpo incluía o fechamento dos olhos e da boca, o banho, as vestimentas e a coroação do morto; além disso havia vários rituais de purificação do ambiente. 21 perenidade do monumento contribuía para estender a expressividade do lamento, tornando-se, posteriormente, um registro histórico desses rituais. Em relação ao ritual de dedicação aos deuses, assinala Day (1994, p. 45) que o ato de dedicar algo às divindades sempre esteve presente na cultura grega, como comprovam os vestígios arqueológicos encontrados por todo o território grego. Segundo Bremmer (1994, p. 39), os rituais em honra aos deuses eram constituídos dos seguintes atos: dança, música, esportes, orações, hinos, procissões e sacrifícios de animais, considerado este último o mais importante. Geralmente as orações seguiam um padrão de invocação aos deuses, corrobora-o Day (2010, p. 141) ao afirmar que os nomes de divindades evocados nos epigramas tinham como modelo os nomes usados para se referir aos deuses contidos nos Poemas Homéricos e em outros tipos de poesia. Para o estudioso o emprego de fórmulas já conhecidas da audiência funcionava como uma "miniatura dos mitos" conhecidos antecipadamente. Nesse contexto, o público envolvido em ocasiões cerimoniosas partilhava o que Day (2010, p. 13-4) chama de “uma experiência de χάρις”, isto é, o ouvinte era tocado por um encantamento, um deleite, uma graça. Com efeito, anota o autor, a métrica, a constituição vocabular e a sintaxe dos epigramas promoviam nos ouvintes efeitos cognitivos e emocionais. Segundo Day (2010, p. 145), a relação de encantamento entre deuses e homens era mediada pela persuasão, pois, ao agradar os deuses, os mortais estariam tentando persuadi-los a adotar "uma atitude em benefício deles". Para Day, do mesmo modo que os heróis almejavam o reconhecimento público e a concessão do geras, também os deuses alegravam-se em receber homenagens públicas, monumentos dedicatórios e poesias. Day (2010, p. 16), no início de seu estudo acerca da relação entre passante e epigrama, afirma que o primeiro representava um importante elemento na recepção do epigrama, tendo em vista que o encontro do passante com os monumentos geraria uma reperformance, uma vez que o epigrama preservava uma parte da performance, isto é, a parte verbal que serviria para rememorar a ocasião do ritual. Nesse âmbito de leitura e/ou visualização, os passantes reencenariam parte da cerimônia. Observa ainda o estudioso que, após a realização dos rituais que acompanhavam o estabelecimento de um monumento, este preservava, assim, o “fóssil” da performance. Como já foi comentado, julga-se que as inscrições mais antigas tenham sido compostas por volta do século VIII a. C. De fato, Lesky (1989, p. 199), ao tratar do epigrama 22 e do escólio 9, lembra que a inscrição em verso mais antiga, descoberta em 1871, é a do vaso de Dípylon, datada no período compreendido entre 755-750 a. C. , que contém um hexâmetro dedicado ao melhor dançarino de uma competição: ὃς νῦν ὀρχηστῶν πάντων ἀταλώτατα παίζει10, τοῦ τόδε...11 Aquele que, agora, entre todos os dançarinos dança mais graciosamente isto é dele. Cabe lembrar que o vaso de Dípylon foi encontrado em Atenas, próximo ao teatro de Dioniso, palco dos festivais dionisíacos. A competição a que se refere o vaso de Dípylon, assegura Henrichs (2003, p. 46), pode representar um estágio mais antigo das festividades que foram posteriormente consagradas a Dioniso no período clássico. Destaca, ainda, que, embora não haja menção à divindade alguma, a dança fazia parte dos rituais em honra aos deuses. O helenista assinala o caráter performativo da inscrição, já que apresenta uma referência à cultura da dança e do canto na época arcaica. A esse respeito, Trümpy (2010, p. 176), é de opinião que, além de os autores de inscrições terem composto em dialeto local, utilizavam elementos da poesia épica, como, por exemplo, o hexâmetro dactílico que, combinado com o pentâmetro, forma o dístico elegíaco 12, metro representativo do epigrama. Também Havelock (1982, p. 197), ao tratar da inscrição do vaso de Dípylon, assinala que se trata de um 9 O escólio era um tipo de poesia convival em que os temas geralmente eram acontecimentos históricos, comentários sobre o cotidiano e expressão de sentimentos pessoais. Acredita-se que o primeiro a cunhar esse tipo de poesia tenha sido Terpandro, mas também Alceu e Píndaro compuseram escólios. 10 É importante assinalar que os termos ὀρχεστῶν, ἀταλώτατα, παίζει, presentes na referida inscrição, são registrados em Homero: Il., XIII 730-1/ XX 220-3, Od., I 150-3/ VI 106-7/ VII 290-1. Apesar de tal fato não representar prova de que essas palavras foram tomadas diretamente da épica ou de que o autor conhecia os Poemas Homéricos, é possível supor a influência da poesia épica nos epigramas. 11 Carmina Epigraphica Graeca (CEG) 432. In: Henrichs, 2003, p. 45. Nas demais referências, será usada somente a abreviatura CEG. 12 O elemento comum à épica, à elegia e ao epigrama é o metro, o hexâmetro, que se combina com o verso de cinco pés métricos, o pentâmetro, formando, assim, um par de versos conhecido como dístico elegíaco, que se consagrou como o metro da elegia e do epigrama. O dístico elegíaco é, portanto, uma derivação do hexâmetro dactílico da poesia épica. A esse respeito Rocha Pereira (1997, p. 199) afirma: “O ritmo dactílico da poesia elegíaca, com seus dísticos formados por um hexâmetro seguido de um pentâmetro, parece ter sido a primeira tentativa de quebra da monotonia resultante da sequência, aos milhares, dos hexâmetros da epopeia” Estabelecido como o metro da poesia épica e didática, o hexâmetro dactílico é constituído de seis “pés dáctilos" (-ᴗᴗ -ᴗᴗ -ᴗᴗ -ᴗᴗ -ᴗᴗ --). Note-se que no último pé é possível haver um espondeu (duas longas --) ou um troqueu (uma longa e uma breve -ᴗ). O pentâmetro é, na verdade, uma variação do hexâmetro, uma vez que o terceiro e sexto pés são catalécticos, isto é, têm uma sílaba a menos (-ᴗᴗ -ᴗᴗ- |-ᴗᴗ -ᴗᴗ- ). 23 “hexâmetro de estilo homérico” e, provavelmente, composto oralmente para ser memorizado13. É importante evidenciar que não se podem depreender, na citada inscrição, o tipo de dança e a dinâmica entre os dançarinos. Com base no pronome ὅς, comenta Henrichs (2003, p. 46), é possível inferir que o prêmio seria oferecido a um dançarino solo, dado que aponta para uma competição individual. Também Robb (apud HAVELOCK, 1982, p. 197) comenta que o uso do superlativo ἀταλώτατα, na referida inscrição, sugere um concurso de estilo livre, algo diferente das competições corais em que havia “estilos formalizados”. A principal dúvida levantada por Henrichs (2003, p. 46) consiste em saber se os dançarinos competiam ou não numa performance conjunta, tendo em vista serem mais comuns as competições entre coros do que as disputas individuais, que também ocorriam, fato ratificado pelo emprego do pronome ὅς na citada inscrição. Outra célebre inscrição grega, considerada um dos principais registros de escrita alfabética, é a “taça de Nestor”, assim denominada por fazer referência à taça do ilustre personagem de Ilíada (XI, 632-7)14 no passo em que oferece um banquete a Aquiles. Compõe-se a citada inscrição, encontrada em Ísquia, na Itália, e, provavelmente, produzida por volta de 725 a. C., de um trímetro iâmbico seguido de dois hexâmetros: 13 A respeito do caráter oral da sociedade, nos períodos arcaico e clássico, pode-se mencionar a opinião de Havelock (1982, p. 199-200), que se coaduna com a de Carey (2009, p. 23) acerca da inscrição do vaso de Dípylon: “Será que o vaso com essa inscrição foi exposto, antes do concurso, para que o público lesse? Eu não penso assim” “Trata-se de uma advertência que faço: uma coisa é um testemunho que comprova o uso da escrita; outra coisa é um testemunho que comprove a condição letrada.” Embora reconheça, como os dois estudiosos citados, que o epigrama grego arcaico está inserido numa cultura predominantemente oral, Day (2010, p. 31) ressalta que oralidade e letramento não eram excludentes no contexto dos séculos VII, VI, V a. C. A escrita poderia ter um valor cerimonial, simbólico e também documental. 14 πὰρ δὲ δέπας περικαλλές, ὃ οἴκοθεν ἦγ᾽ ὁ γεραιός, χρυσείοις ἥλοισι πεπαρμένον· οὔατα δ᾽ αὐτοῦ τέσσαρ᾽ ἔσαν, δοιαὶ δὲ πελειάδες ἀμφὶς ἕκαστον χρύσειαι νεμέθοντο, δύω δ᾽ ὑπὸ πυθμένες ἦσαν. ἄλλος μὲν μογέων ἀποκινήσασκε τραπέζης πλεῖον ἐόν, Νέστωρ δ᾽ ὁ γέρων ἀμογητὶ ἄειρεν. (XI, 632-7) Ao lado, havia uma taça formosa, que o ancião trouxera de casa, traspassada com cravos de ouro; suas alças eram quatro, e duas pombas de ouro se alimentavam ao redor de cada uma delas, e havia por baixo dois fundos. Um outro, fatigando-se, a afastava da mesa de jantar Porque ela (a taça) estava cheia, e Nestor, o ancião, sem esforço a levantava. 24 Νέστορος ε[ἰμ]ι εὔποτ[ον] ποτήριον ὃς δ'ἂν τοῦδε πίησι ποτηρί[ου] αὐτίκα κεῖνον ἵμερος αἱρήσει· καλλιστε[φά]νου Ἀφροδίτης15 Eu sou a taça de Nestor, boa de beber; aquele que beber desta taça, imediatamente o desejo de Afrodite de bela coroa o dominará Para Henrichs (2003, p. 47), a despeito de serem os versos da "taça de Nestor" de cunho performativo16, como os do vaso de Dípylon, a "taça de Nestor" traz um componente diferente: o conteúdo erótico. Para o estudioso, a inscrição apresenta ainda um elemento religioso e mágico, porque sugere que, ao beber, o portador da taça seria dominado pelo desejo, dado que pressupõe uma referência a Dioniso e a Afrodite. Apesar de a Cípria ter poderes, o texto da taça indica que sua ação está condicionada ao ato de beber, isto é, a uma espécie de feitiço. O helenista aponta para a relação entre magia e religião na cultura grega, destacando que essa inscrição é um exemplo de manifestação de cunho religioso, pois apresenta elementos sobrenaturais aliados a uma divindade. Segundo Day (2010, p. 73), os contextos das inscrições do vaso de Dípylon e da “taça de Nestor” sugerem um ambiente de simpósio, e constituem essas inscrições uma das primeiras evidências da ligação entre o texto poético escrito e sua performance. Deve considerar-se, ainda, segundo o helenista, que a inscrição da taça, com linhas dispostas de forma correta, letras legíveis e metrificação, apresenta indícios de ter sido criada para leitura. Essas inscrições, acrescenta Day (2010, p. 73), representam um estágio inicial do que viria a ser o epigrama grego arcaico. Durante muito tempo, os estudos acerca do epigrama restringiram-se ao período helenístico, pois acreditava-se que apenas nessa época o epigrama se firmara como gênero literário, fato que direcionava as pesquisas para o epigrama produzido no período alexandrino em detrimento da produção epigramática do período arcaico. De acordo com Trümpy (2010, p. 167), nos períodos arcaico e clássico, os epigramas eram, em sua maioria, dedicatórios e sepulcrais, geralmente curtos e compostos de um verso. 15 CEG 454. In Henrichs, 2003, p. 47. Tomando por base a Retórica de Aristóteles, Hunter (2003, p. 218) assinala que as marcas do texto performativo são a ausência de conectivos e a repetição. 16 25 As primeiras manifestações eram hexamétricas, como comprovam o vaso de Dípylon e a taça de Nestor, muito embora o dístico elegíaco tenha predominado posteriormente. Em relação à língua, nota a autora, predominam os dialetos locais com expressões poéticas e formulares, sobretudo homéricas. Os epigramas dedicatórios apresentavam, segundo Trümpy (2010, p. 170), elementos comuns como um verbo de dedicação, sendo mais utilizado ἀνατίθημι, "colocar sobre, consagrar", em sua forma de aoristo ἀνάθηκεν, ou, ainda, as formas simples θῆκε/ἔθηκε ou θῆκα/ἔθηκα, usadas raramente. Destacam-se também elementos como o nome do dedicador, que normalmente aparece em acusativo, e o da divindade, preferencialmente em dativo. Note-se que há nesse tipo de epigrama o emprego de vocábulos derivados da raiz *χαρ-, como χαίρω, "alegrar-se", χαρίζομαι, "ser agradável, comprazer-se", χάρις, "graça, alegria" e χαρίεις, "bem-vindo". Trümpy (2010, p. 171) afirma que essas palavras são importantes no contexto religioso e aludem ao relacionamento recíproco entre divindade e dedicador, o que gerava uma alegria mútua. De acordo com Day (2010, p. 232), o contentamento causado pela visão do monumento acompanhado da inscrição produzia no leitor/espectador uma experiência de encantamento, isto é, um momento de χάρις. O helenista assinala que as palavras contidas no campo semântico de χαίρω e χάρις evocam ideias presentes na tradição poética, como a alegria gerada por presentes de grande beleza e também o relacionamento recíproco entre aquele que dedica e o receptor do presente ou da dedicação. No contexto epigráfico, χάρις podia ter duas dimensões: uma objetiva, concernente aos componentes físicos do monumento, como a beleza; e uma subjetiva, referente ao efeito provocado pelas qualidades da dedicação. No epigrama IV, de cunho votivo, citado por Heródoto (IV, 88) e, anonimamente, pela Antologia Palatina (VI, 341), narra-se o estabelecimento de um monumento a Hera, após o sucesso alcançado pelo engenheiro de Samos, Mandroclés 17, que ergueu uma ponte sobre o Bósforo: Βόσπορον ἰχθυόεντα γεφυρώσας ἀνέθηκεν 17 De acordo com o relato de Heródoto (IV, 88), Dario recompensou Mandroclés com muitos presentes. O engenheiro, por sua vez, mandou fazer um quadro da ponte do Bósforo com a imagem de Dario num trono, observando suas tropas. A pintura foi dedicada a Hera junto com o epigrama IV. 26 Μανδροκλέης Ἥρῃ μνημόσυνον σχεδίης, αὑτῷ μὲν στέφανον περιθείς, Σαμίοισι δὲ κῦδος, Δαρείου βασιλέος ἐκτελέσας κατὰ νοῦν. (Epigrama IV) Tendo levantado uma ponte sobre o abundante Bósforo, Mandroclés dedicou a Hera um monumento da ponte; atribuiu a si mesmo uma coroa e glória aos Sâmios, satisfazendo o desejo do rei Dario. Destaque-se, no primeiro verso, o verbo ἀνατίθημι "dedicar" (ἀνέθηκεν), que, como foi comentado, é frequente nos epigramas dedicatórios. O segundo verso inicia-se com o nome do dedicador, Μανδροκλέης, e da divindade a quem foi dedicado o monumento, Ἥρῃ, em dativo. É digno de nota o uso dos vocábulos στέφανον "coroa", uma analogia com a premiação nas competições esportivas, e κῦδος18 "glória", ambos alusivos ao sucesso conquistado por Mandroclés ao erguer a ponte. No último verso, diz-se que o dedicador cumpria ordens de Dario, rei dos Persas. Como assinala Page (1981, p. 193), o rei persa liderou, em 514/13 a. C., um exército de, aproximadamente, 700.000 homens que entraram na Europa pelo estreito de Bósforo. Quanto aos epigramas sepulcrais, Trümpy (2010, p.173) observou também a presença dos vocábulos μνᾶμα/μνῆμα e σᾶμα/σῆμα concernentes ao memorial e ao túmulo, respectivamente. Nota-se, ainda, o uso de verbos referentes à morte, com destaque para ὄλλυμι/ὄλλυμαι "perecer", e θνῄσκω "morrer", sendo este último usado em sua forma participial em dativo, θανόντι, relativa aos mortos. Observa-se nos epigramas sepulcrais, a presença de alusões à areté e ao kléos do morto, fato que, de acordo com Trümpy (2010, p. 174), se relaciona diretamente com a poesia épica, uma vez que o epigrama seria também uma forma de imortalizar os feitos desses 18 Sobre o sentido de κῦδος, cf. p. 103. 27 homens. Além disso, registra a estudiosa que a ligação entre a poesia épica e o epigrama é ratificada pelo emprego de formas claramente homéricas, o que conferia às composições em dialeto local um toque elegante. O epigrama XLVI é um exemplo de epigrama sepulcral. Citado pelas antologias Palatina (VII, 258) e de Planudes com atribuição a Simônides, esse epigrama foi composto, de acordo com Page (1981, p. 269), em homenagem aos Atenienses que lutaram contra os Persas, em terra e no mar, em Eurimedão, na batalha ocorrida em 468 a. C. O helenista destaca o testemunho de Pausânias (X, 15.4), afirma ainda Page que corrobora a informação, pois o geógrafo afirma ter visto, em Delfos, dedicações feitas pelos Atenienses por conta do sucesso na referida batalha: οἵδε παρ` Εὐρυμέδοντά ποτ` ἀγλαὸν ὤλεσαν ἥβην μαρνάμενοι Μήδων τοξοφόρων προμάχοις αἰχμηταί, πεζοί τε καὶ ὠκυπόρων ἐπὶ νηῶν, κάλλιστον δ` ἀρετῆς μνῆμ` ἔλιπον φθίμενοι. (Epigrama XLVI) Estes guerreiros perderam a esplêndida juventude perto do Eurimedão, lutando contra os combatentes da primeira fila dos arqueiros medos, e a infantaria deixou a mais bela lembrança da excelência morrendo nas velozes naus. Page (1981, p. 269) pressupõe que a inscrição estivesse gravada em Atenas, a despeito de o local do combate ter sido nomeado, παρ` Εὐρυμέδοντά "perto do Eurimedão", rio da Panfília. O estudioso assevera ainda que, embora fosse costume enterrar os mortos no campo de batalha, os Atenienses eram uma exceção, já que levavam os restos mortais dos combatentes para serem enterrados na cidade. Convém destacar o emprego do verbo ὄλλυμι "perecer, perder" (ὤλεσαν), que, junto com ἥβην, "juventude", indica uma temática recorrente nos epigramas e na poesia arcaica em geral, a perda da juventude. O segundo verso é constituído pela referência aos inimigos persas (Μήδων) e ao modo como combatiam 28 (τοξοφόρων προμάχοις). O último verso introduz a ideia de perpetuação das ações dos guerreiros, uma vez que eles deixaram o μνῆμα "lembrança" de sua ἀρετῆς "excelência". A areté é também mencionada no epigrama LIII, citado na Antologia Palatina (VII, 512) como simonídeo e na Antologia de Planudes anonimamente. Trata-se de um epitáfio em homenagem aos guerreiros habitantes de Tégea que impediram sua cidade de ser queimada. Page (1981, p. 278-9) afirma ser difícil precisar a ocasião para a qual o epigrama foi composto, dada a falta de evidência acerca de um possível incêndio em Tégea: τῶνδε δι` ἀνθρώπων ἀρετὰν οὐχ ἵκετο καπνός αἰθέρα δαιομένης εὐρυχόρου Τεγέης, οἳ βούλοντο πόλιν μὲν ἐλευθερίῃ τεθαλυῖαν παισὶ λιπεῖν, αὐτοὶ δ`ἐν προμάχοισι θανεῖν. (Epigrama LIII) A fumaça não se espalha no ar por causa da excelência destes homens, quando a vasta Tégea ardia em chamas, os quais, por um lado, desejavam deixar uma cidade florescente em liberdade para os filhos, e, por outro lado, desejavam morrer na primeira linha de batalha. O tema do epigrama é a areté, responsável por Tégea, a cidade dos combatentes não ter sido queimada, como assinala o sintagma τῶνδε δι` ἀνθρώπων ἀρετὰν " por causa da excelência destes homens". Convém destacar que, a valentia dos guerreiros é realçada nos versos finais pelo emprego das partículas μέν e δέ, pois os guerreiros, com o intuito de conceder liberdade "ἐλευθερίῃ" à pátria, lutavam sem temer a morte como comprova o sintagma ἐν 29 προμάχοισι θανεῖν "morrer na primeira linha de batalha" 19. É significativo, o emprego do infinitivo aoristo θανεῖν, flexão de θνῄσκω "morrer", usado com frequência nos epigramas sepulcrais. Os epigramas em homenagem aos mortos eram gravados em monumentos funerários, ou num túmulo ou num cenotáfio, que marcava a memória do falecido sem a presença do corpo. Epigrama e monumento nesse contexto eram, como afirma Vestrheim (2010, p. 61), meios de comunicação e, portanto, pressupunham a existência de um emissor, a pessoa que erigiu o monumento, de uma mensagem, a informação sobre o morto, e de um receptor, o leitor ou espectador. De acordo com Vestrheim (2010, p. 67), normalmente nos epigramas sepulcrais gregos do período arcaico, a informação sobre o morte era dada por uma voz genérica na terceira pessoa que expunha as qualidades do morto, como a areté e a sophrosýne. Havia também epigramas compostos em primeira pessoa os quais, em algumas ocasiões, aludiam ao passante como estrangeiro.20 O estudioso assinala (2010, p. 73) que, no caso de inscrições públicas dedicadas aos que pereceram em batalha, há um ensinamento que serve de exemplo a todo o corpo cívico, uma vez que esses soldados se tornam modelos de conduta e reafirmam os ideais pelos quais lutavam. Esses epigramas públicos dedicados a um grupo de pessoas são chamados inscrições de polyandría. Um outro exemplo desse tipo de inscrição é o epigrama II, encontrado apenas na Antologia de Planudes com atribuição a Simônides, cuja temática é o memorial erguido em homenagem aos guerreiros que lutaram na batalha entre Atenas e Cálcis ocorrida por volta de 507/8 a. C. (PAGE, 1981 p. 189): Δίρφυος ἐδμήθημεν ὑπὸ πτυχί, σῆμα δ`ἐφ` ἡμῖν ἐγγύθεν Εὐρίπου δημοσίᾳ κέχυται οὐκ ἀδίκως, ἐρατὴν γὰρ ἀπωλέσαμεν νεότητα τρηχεῖαν πολέμου δεξάμενοι νεφέλην. (Epigrama II) 19 A temática do epigrama LIII assemelha-se à de algumas elegias dos poetas arcaicos Calino e Tirteu. Cf. p. 102-3. 20 Cf. os epigramas XI e XXIIb no capítulo V, pp. 97 e 85, respectivamente. 30 Fomos mortos sob um vale de Dírfis, e nosso túmulo foi erguido às expensas públicas perto de Euripo, de forma justa, na verdade, perdemos a encantadora juventude por termos aceitado a violenta nuvem da guerra. É digno de nota o local em que os guerreiros pereceram, Δίρφυος "Dírfis", em posição enfática no início do primeiro verso, seguido pelo verbo na primeira pessoa do plural ἐδμήθημεν. Assinala Vestrheim (2010, p. 73-4) que, geralmente, os epigramas narrados em primeira pessoa tendem a abordar os atos dos combatentes em vez de elogiar suas próprias características. Para Derderian (2001, p. 77) a predominância da primeira pessoa nos epigramas deve-se ao fato de o gênero estar muito ligado à oralidade e também à ausência de autoria da inscrição, o que tornava a pedra o meio de comunicação direta com o leitor. Por outro lado, o uso da segunda pessoa associada ao imperativo, segundo o referido estudioso, poderia indicar a voz daquele que lamenta, de quem fez o monumento ou mesmo do próprio monumento. Page (1981, p. 190) observou o emprego incomum do verbo, pois não há, em outras inscrições desse período, alusões à derrota tão explícita. No segundo verso, há referência ao lugar em que foram sepultados os mortos em batalha, Εὐρίπου. Page (1981, p. 190-1) notou a particularidade dessa inscrição que, diferentemente das outras de polyandría, não foi inscrita num monumento no campo de batalha, já que a morte ocorreu em Dirfis, e o sepultamento, em Euripo. Convém assinalar que o Estado foi o responsável por erguer o monumento, como se infere do termo δημοσίᾳ "às expensas públicas". No terceiro verso, verifica-se o emprego do verbo ἀπόλλυμι "perder", (ἀπωλέσαμεν), bastante usual nos epigramas sepulcrais. O tema da perda da juventude, um tópos da poesia arcaica, é aludido por meio do sintagma ἐρατὴν γὰρ ἀπωλέσαμεν νεότητα "perdemos a encantadora juventude". Há também, segundo Bravi (2006, p. 51, nota 66), no último verso, uma imagem poética usada diversas vezes na poesia arcaica: a da nuvem da guerra, encontrada em Homero, Arquíloco, Anacreonte, Álcman, Baquílides, Calino etc. Citado nas antologias Palatina (VII, 442) e de Planudes com atribuição a Simônides, o epigrama LIV é também narrado na primeira pessoa do plural: 31 εὐθυμάχων ἀνδρῶν μνησώμεθα, τῶν ὅδε τύμβος, οἳ θάνον εὔμηλον ῥυόμενοι Τεγέαν, αἰχμηταὶ πρὸ πόληος, ἵνα σφίσι μὴ καθέληται Ἑλλὰς ἀποφθιμένου κρατὸς ἐλευθερίαν. (Epigrama LIV) Lembremos dos homens que combatem face a face o inimigo, eis o túmulo deles, eles que morreram salvando Tégea de numerosas ovelhas, guerreiros pela defesa da pólis, para que a Grécia não lhes subtraísse a liberdade da célebre cabeça. Ressalte-se nesse epigrama que o emprego do verbo μιμνήσκω, "lembrar" (μνησώμεθα), na primeira pessoa do plural do subjuntivo aoristo, constitui uma exortação aos passantes para que não esquecessem dos guerreiros mortos em batalha. Page (1981, p. 280) observou ser incomum esse tipo de exortação nos epitáfios do período arcaico. Também há alusão ao túmulo, τύμβος, determinado pelo dêitico ὅδε "este". Quanto ao segundo verso, inicia-se ele com o pronome relativo ο que tem por antecedente ἀνδρῶν, sujeito de θάνον. Os versos 2 e 3 corroboram o atributo εὐθυμάχων, "que combatem face a face o inimigo" , referente à tática militar dos Tegeatas, pois aludem à coragem desses homens que lutaram até a morte em defesa da pólis. No que diz respeito ao verso 4, de acordo com Page (1981, p. 280), é problemático do ponto de vista textual, pois nenhum estudioso propôs uma leitura de interpretação coerente a respeito da impossibilidade de a liberdade da Grécia depender somente dos habitantes de Tégea. Ao comparar os epigramas dedicatórios com os sepulcrais, Trümpy (2010, p. 175-9) notou semelhanças entre eles, como o estilo formular e o uso do verbo τίθημι e/ou seus compostos e derivados, com o sentido de "erigir um monumento". A estudiosa acrescenta também que o uso do dativo θανόντι é análogo ao emprego do nome da divindade no 32 mesmo caso, e, assim como a dedicação é um presente para o deus, o túmulo ou memorial é um presente ofertado ao morto. Trümpy (2010, p. 176) encontrou similaridades também entre a lírica coral e o epigrama, sobretudo em relação ao epinício e ao epigrama dedicatório em homenagem aos atletas. Além disso, a estudiosa assinala que, de modo análogo às dedicações, os hinos eram considerados presentes para os deuses e que o uso de formas como χαίρε/χαίρετε e χάρις /χαρίεις comprovariam a relação entre essas manifestações poéticas. Acrescente-se a isso o fato de tanto no epigrama dedicatório quanto na lírica coral os valores aristocráticos serem salientados. Citando alguns exemplos de inscrições, a referida autora aventa a hipótese de a tradição de composição de hinos, presente em Lesbos, ter influenciado tanto os compositores de hinos quanto os de epigramas, fato comprovado por elementos linguísticos do dialeto lesbiense constantes dessas modalidades poéticas21. O epigrama XLIX, citado nas antologias Palatina (VII, 254) e de Planudes com atribuição a Simônides, apresenta a forma χαίρετε como saudação: χαίρετ᾿ ἀριστῆες πολέμου μέγα κῦδος ἔχοντες, κούροι Ἀθηναίων ἔξοχοι ἱπποσύναι οἵ ποτε καλλιχόρου περὶ πατρίδος ὠλέσαθ᾿ ἥβαν πλείστοις Ἑλλάνων ἀντία μαρνάμενοι (Epigrama XLIX) Salve chefes da guerra, que obtivestes grande glória, eminentes guerreiros da cavalaria dos Atenienses, vós que perdestes outrora a juventude, pela pátria de belas danças, lutando contra a maior parte dos Gregos! De acordo com Page (1989, p. 274), esse epigrama foi composto para homenagear os guerreiros atenienses que lutaram contra a Liga Espartana na batalha de Tanagra ocorrida em 21 Sobre os exemplos comentados por Trümpy, cf. p. 176-8. 33 457 a. C. O estudioso assinala que os Espartanos, em agradecimento à vitória, dedicaram um escudo a Zeus no templo em Olímpia. Note-se que no epigrama em questão não há menção à derrota sofrida pelos Atenienses. Nesse epigrama, ao contrário do que geralmente se encontra nos epigramas sepulcrais, são os passantes∕leitores que se dirigem aos mortos, saudando-os, como comprova o emprego do imperativo com valor interjectivo χαίρετε. Acrescente-se a presença de termos que remetem à aristocracia como os substantivos ἀριστῆες, "chefes", e κῦδος22, "glória", referentes aos jovens atenienses - ágeis na equitação (ἱπποσύναι), prática própria dos aristocratas -, e a um dos valores mais importantes para o guerreiro aristocrático, respectivamente. Convém notar, no terceiro verso, como já se referiu, a temática comum em epigramas sepulcrais: a perda da juventude, representada pelo sintagma ὠλέσαθ᾿ ἥβαν. O último verso indica o esforço dos Atenienses, durante a batalha, em virtude de terem lutado contra, πλείστοις Ἑλλάνων, "a maior parte dos Gregos", nessa guerra fratricida. Vestrheim (2010, p. 75), ao comparar o epigrama com a poesia lírica, percebeu que em ambos os gêneros há a construção de um "eu" e um "tu" que representariam um emissor e um receptor da poesia. Em relação aos epigramas, o "eu" dificilmente se refere à pessoa que dedicou o monumento, enquanto o "tu" representa quase sempre os mortos. Com a poesia lírica dá-se o mesmo, pois o emissor pode ser o poeta ou cantor, e o receptor os ouvintes/leitores. O estudioso observou, entretanto, que nem sempre essas instâncias comunicativas coincidiam com as vozes construídas no poema, visto que os sentimentos e pensamentos expressos nas poesias pertenciam a uma persona poética construída pelo poeta. Como exemplo, o helenista cita Safo, pois os sentimentos expressos em sua poesia seriam os de uma persona e não os da própria poetisa; menciona também Hesíodo que, em Trabalhos e Dias, constrói um destinatário, Perses, seu irmão, cuja existência é duvidosa. Embora o epigrama sepulcral também construísse uma voz que falava pelos mortos ou para eles, Vestrheim (2010, p. 76) observou algumas diferenças no que diz respeito à audiência, ao gênero e à perfomance entre a poesia lírica e o epigrama. Segundo Verstrheim (2010, p. 76), a audiência da poesia lírica conhecia o poeta e, por conta disso, poderia interpretar o conteúdo exposto pela persona poética, fato que expandia as possibilidades comunicativas, como, por exemplo, o emprego de ironia e humor. Já a 22 Cf. definição de κῦδος, p.103. 34 audiência dos epigramas geralmente desconhecia o autor, uma vez que as inscrições eram, em geral, anônimas. Além disso, embora os epigramas tivessem valor documental, nem sempre o leitor/espectador conhecia o morto. Em relação ao gênero, Vestrheim (2010, p. 76) assinala que o epigrama sepulcral era um gênero sério que exigia a construção de uma voz poética apropriada, e, em razão disso, não era ocasião de fazer declarações polêmicas. O estudioso é de opinião que a voz endereçada aos mortos era diferente daquela direcionada aos vivos e requeria maior contenção. Outra diferença apontada por Vestrheim (2010, p. 77) diz respeito à perfomance: a poesia lírica poderia ser executada em diversos locais e ocasiões, enquanto o epigrama era fixado num lugar específico, o que limitava, portanto, a mobilidade da performance. No tocante aos valores difundidos por esses gêneros, Vestrheim defende que o epigrama reafirmava os valores sociais estabelecidos, e a poesia lírica, frequentemente, contestava-os. Por outro lado, a associação entre epigrama e elegia dá-se sobretudo em relação à métrica. Sabe-se que na Antiguidade a terminologia utilizada para as inscrições e as elegias por vezes coincidia. De fato, Gentili (1968, p. 40-4) observou que, embora o termo epigrama designasse, no século V a. C., inscrições em túmulos e objetos votivos, autores antigos, como Tucídides (VI, 54) utilizaram o termo ἐλεγεῖον para se referir a uma inscrição em dísticos elegíacos. Assim, Gentili afirma que uma inscrição poderia ser indiscriminadamente chamada de epigrama ou ἐλεγεῖον. Como exemplo da arbitrariedade da terminologia, Gentili (1968, p. 44) menciona Plutarco (Da malícia de Heródoto, 36, 869c; 42, 872d), que, ao citar inscrições em dísticos elegíacos em homenagem aos guerreiros coríntios, denomina-as ἐλεγεῖα. Assevera Gentili (1968, p. 40) que, a partir do século IV a. C., houve uma expansão de sentido do termo epigrama que passou a indicar "uma poesia breve qualquer, principalmente em dísticos elegíacos", de cunho não epigráfico, que possuía conteúdo variável de tons diversos - jocoso, humorístico e gnômico - e que poderia ser executado nas esferas social e privada. A ampliação de significado deveu-se à evolução do gênero em Atenas que, segundo o estudioso, alçou o epigrama ao patamar literário, dissociando-o de sua função prática. Gentili (1968, p. 43) assinala também que muitas vezes o critério para distinguir o epigrama da elegia é a brevidade e destaca o fato de que diversas inscrições do século V a. C., de cunho encomiástico, poderiam ter sido classificadas, não fosse a brevidade, como elegias. O estudioso afirma também que muitas inscrições em homenagem aos mortos em combate eram inspiradas no léxico das elegias de Tirteu. 35 A associação entre elegia e epigrama ocorreu, de acordo com Gentili (1968, p. 50), em razão de uma teoria sobre a origem da elegia relacionada com o treno, que postulava ser o ἔλεγος, assim como o θρῆνος, um elogio aos mortos. Ainda de acordo com a teoria difundida na Antiguidade, o metro adequado para os rituais fúnebres era o dístico elegíaco. Contudo, Gentili (1968, p. 53) notou que o único treno em dístico elegíaco é o lamento de Andrômaca na peça homônima de Eurípides. Assim, para o estudioso, a relação entre treno e epigrama é artificial, informação ratificada pelo fato de as primeiras manifestações do gênero terem sido em hexâmetros. Além disso, assinala Gentili (1968, p. 53-4) que, ao comparar o treno de Andrômaca com um epitáfio, é possível notar que a semelhança ocorre somente na métrica. O tom é diferente, pois observa-se, no lamento de Andrômaca, um "caráter sentencioso" e triste. O epigrama sepulcral, por sua vez, não é um lamento, ao contrário, enaltece as qualidades do morto e é o testemunho "de uma vida honrada e irrepreensível". Ainda sobre o epigrama Gentili (1968, p. 55) afirma: O epigrama é assim um instrumento de exortação, de convite às lágrimas aos mortos, não um lamento propriamente dito. Mas também foi considerado como um complemento necessário da tumba para conservar entre os vivos e, em certos casos, para confiar aos posteriores a memória do defunto23. O epigrama, além de ter sido associado à elegia, foi relacionado com o lamento homérico, o γόος. Derderian (2001, p. 63) é de opinião que o lamento nos Poemas Homéricos representa uma forma de expressão passiva que trata da "crise imediata da morte do herói". Além disso, ocupava um lugar secundário na epopeia cujo tema precípuo eram as ações dos heróis vivos. Assim, Derderian (2001, p. 63) afirma ser o γόος um dos poucos contextos em que as mulheres comentavam a ação heroica. Nesta esfera, o γόος e sua efemeridade contrastavam com a perenidade do σῆμα, "túmulo". De acordo com Derderian (2001, p. 31), o γόος nos Poemas Homéricos era um lamento normalmente realizado por parentes ou amigos próximos do morto, geralmente proferido por mulheres, como comprovam algumas passagens de Ilíada24 e Odisseia25. O γόος, geralmente, precedia o ritual de preparação do corpo que incluía a cremação na pira, o banquete funerário e o estabelecimento do túmulo. Acerca do lamento em Homero, convém 23 "L'epigramma è cosi uno strumento di parenesi, di invito al pianto dovuto ai morti, non um lamento esso stesso. Ma fu anche sentito come um complemento necessário della tomba per serbare tra i vivi e, in taluni casi, per affidare ai posteri la memória del defunto". (Tradução Stefania Sansone Giglio) 24 Il., XXII, vv. 430-6, 477-514; XXIV, vv. 723-45,748-59, 762-75. 25 Od., XXIV, vv. 188-90. 36 mencionar também as considerações de Brouillet (2009, p. 43) que afirma ser o γόος um discurso direto em primeira pessoa, introduzido geralmente pelo verbo γοάω "lamentar-se". Sobre a estrutura do γόος homérico, Brouillet (2009, p. 46) assevera que geralmente uma mulher se dirigia ao morto pelo nome, em seguida fazia referência à sua ascendência para enfim referir-se à sua morte. Além de notar um tom pessoal no γόος homérico, visto que normalmente se lamentava por alguém próximo, a pesquisadora afirma que o mesmo ocorria com as inscrições funerárias em primeira pessoa, em que se percebem uma proximidade com o morto e o caráter oral da inscrição. Para Derderian (2001, p. 63), com o advento da escrita e, em consequência, com a gravação de inscrições em monumentos, o ato de lamentar os mortos não foi substituído e sim expandido, tendo em vista que a escrita ampliou as possibilidades comunicativas em relação às homenagens aos mortos. Assim, o epigrama, além de associar o caráter visual com o verbal, representar o produto final do ritual e posteriormente ter-se tornado um documento histórico, é também herdeiro de uma tradição oral, como comprovam o estilo formular e a temática das inscrições (DERDERIAN, 2001, p. 64). Além de expandir as possibilidades comunicativas, Derderian (2001, p. 76) destaca que, enquanto no γόος homérico, o morto era o objeto do lamento, e aquele que o lamentava se referia a ele em segunda pessoa, no epigrama, por sua vez, havia uma associação entre o responsável pelo lamento e o morto, o leitor e o morto, e também entre o monumento e o leitor. Assim como o lamento homérico, o epigrama sepulcral arcaico relacionava-se sobretudo com a aristocracia, fato que, segundo Derderian (2001, p. 74), é comprovado pela linguagem, pelas representações iconográficas e pelo alto custo associado ao estabelecimento de um monumento. Em relação à audiência, nota-se que no γόος predominava a presença de familiares e conhecidos, ao passo que no epigrama se alcançava uma audiência maior e, ainda que estivesse inserido num contexto espacial limitado, a mensagem contida no monumento perdurava (DERDERIAN, 2001, p. 77). Assevera Derderian (2001, p. 83-5) que, no epigrama sepulcral o elemento estético ocupava lugar de destaque, visto que nesse tipo de poesia se preserva a estética verbal e visual da bela morte. A estudiosa pondera que, no lamento homérico, esse elemento não era valorizado explicitamente. Acrescenta a estudiosa que o γόος era uma forma passiva de luto, 37 enquanto o ato de erigir um monumento e/ou sepultura constituía uma "resposta ativa à morte". 38 3. O EPIGRAMA SIMONÍDEO 3.1. Transmissão do texto A crítica literária convenciou nomear o conjunto de epigramas atribuídos a Simônides de Sylloge Simonidea26 (Συλλογή Σιμωνιδεία), composto de 102 epigramas dos quais 80 figuram na Antologia Grega, e os outros 22 constam em obras de diferentes autores da Antiguidade, tendo sido, portanto, transmitidos por via indireta. Como bem assinala Sider (2007, p. 114), o termo grego συλλoγή, “conjunto, reunião”, não era comumente usado para designar trabalhos literários até o período bizantino, e, mesmo no final do período clássico, os epigramas de Simônides eram mencionados com o título de Σιμωνίδου ᾿Επιγράμματα, que poderia ter servido para denominar uma coleção anterior à Συλλογή Σιμωνιδεία. O helenista questiona, ainda, em virtude de a palavra epigrama ser empregada originalmente para indicar as inscrições em monumentos, como os epigramas anônimos, gravados em monumentos, passaram a ser imputados a Simônides e de que modo foram eles compilados em antologias. É difícil precisar em que momento as inscrições anônimas, encontradas em monumentos, foram atribuídas ao poeta de Ceos e também de que modo e em que ocasião os epigramas foram agrupados formando a chamada Sylloge Simonidea. Sider27 (2007, p. 115) é de opinião que pode ter havido, ainda no final do século V a. C., uma compilação de epigramas imputados a Simônides à qual, com o passar do tempo, podem ter sido acrescentados outros poemas. O helenista defende também a possibilidade de ter havido mais de uma coleção de epigramas simonídeos circulando na Antiguidade. A esse respeito vale mencionar Boas (apud MOLYNEUX 1992, p. 14) que, em 1905, já havia levantado a hipótese da existência, no século IV a. C., de uma coleção de epigramas do poeta de Ceos. 26 Cf. p. 14 nota 1. Sider (2007, p.115) reconhece que a maioria dos helenistas aceita a teoria de que uma coleção de epigramas simonídeos formou-se apenas no período helenístico e cita Page (1981, p. 122-3) que apresenta o argumento mais aceito: “A collection of early inscriptional epigrams was made, probably early in the Hellenistic period, and circulated under the name of Simonides.This collection was republished on several occasions during the Hellenistic period, and the new editions were augmented by the inclusion of Hellenistic compositions deliberately put into circulation under the name of Simonides. This process may have continued up to, or near, the time of Meleager.” Uma coleção de epigramas inscricionais antigos foi feita, provavelmente no início do período helenístico, e circulou com o nome de Simônides. Esta coleção foi republicada em diversas ocasiões, durante o período helenístico, e novas edições foram aumentadas com a inclusão deliberada de composições helenísticas postas em circulação sob o nome de Simônides. Este processo pode ter continuado até a época de Meleagro de Gádara, poeta nascido no século I a. C. 39 27 No que diz respeito às coleções de epigramas de Simônides, em circulação na Antiguidade, Page, em sua edição crítica Epigrammata Graeca, publicada em 1975 (p. vi-vii), não cogita a possibilidade de uma compilação anterior ao período helenístico; porém, em 1981 (p. 122-3), numa segunda edição crítica denominada Further Greek Epigrams, o helenista mostra-se mais flexível ao admitir como plausível a existência de uma coleção anterior à época alexandrina. Acerca da transmissão dos epigramas de Simônides de Ceos, Bravi (2006, p. 26) assinala que foi ela realizada por meio de três vias: pela epigrafia, por tradição indireta e pelas antologias. Com efeito, a epigrafia possibilitou um estudo mais detalhado dos epigramas, já que a análise desse gênero de poesia é realizada in loco, ou seja, quando a inscrição é encontrada na pedra, determinar a época da composição do poema torna-se menos complexa, observa Woodhead (1992, p. 4), pois: “uma inscrição é um registro oficial” e “um testemunho de eventos com os quais está relacionada”. Por essa razão, faz-se necessária uma leitura atenciosa das inscrições considerando o que está nas entrelinhas e o contexto em que foram produzidas. Entretanto, mesmo com o auxílio da epigrafia, não é possível precisar a autoria das inscrições, tendo em vista serem elas anônimas. Tornou-se crucial, então, associar esse tipo de estudo a testemunhos que podiam indicar a autoria. Em relação a Simônides de Ceos, Bravi (2006, p. 27) afirma que cinco dos seus epigramas sobreviveram por via epigráfica, a saber: I, III, XI, XVI e XLIX. Quanto ao epigrama I28, gravado num monumento, erigido por volta de 477/6 a. C., na ágora ateniense, para homenagear os tiranicidas Harmódio e Aristogíton, tem ele por tema o assassinato de Hiparco, filho do tirano Pisístrato. Já o epigrama III29, inscrito num monumento situado no Propileu da Acrópole de Atenas, celebra, como testemunha Heródoto (V, 77), a vitória dos Atenienses sobre os Beócios e os Calcídios por volta de 507/6 a. C. Bravi (2006, p. 27) assinala que o monumento pode ter sido restaurado depois da batalha de Enófita, em 457 a. C., ou após a vitória dos Atenienses sobre os Calcídios, em 446 a. C, como lembrança dos feitos que culminaram com o sucesso na batalha. A esse respeito Molyneux (1992, p. 84) aventa a hipótese de ter sido a inscrição citada por Heródoto resultado de uma restauração do monumento feita no governo de Péricles, por volta de 446 a. C., por causa da destruição provocada pelos Persas em 480 a. C., 28 29 Cf. análise à página 57-8. Cf. tradução à página 61. 40 ou uma outra restauração motivada pela vitória dos Atenienses sobre os Beócios, em Enófita, em 457 a. C. Convém assinalar que esse epigrama foi mencionado por Diodoro Sículo 30, no século I a. C., e por Élio Aristides, no século II d. C.31, e figura também na Antologia Palatina32. No que diz respeito ao epigrama XI, que tem como tema a batalha naval de Salamina, parte do primeiro dístico foi encontrada numa lápide em Ambelaki, na referida ilha e, de acordo com Bravi (2006, p. 58), foi publicada pela primeira vez em 1897. Quanto ao segundo dístico, Page (1975, p. 12) refere que foi citado por Plutarco em De Herodoti malignitate (870e). A mesma temática é encontrada no epigrama XVI33, encontrado em 1818 por Fourmont, num monumento de Mégara, e publicado no mesmo ano por Boeckh. Em 1898, Adolf Wilhelm reexaminou a inscrição, fato que colaborou para o restabelecimento de uma versão melhor do texto. Estima-se que o epigrama tenha sido gravado por volta do século IV d. C., por ordem de um sacerdote chamado Heládio, em homenagem aos soldados que morreram durante as Guerras Médicas. Constitui uma peculiaridade o fato de esse epigrama não ser citado em nenhuma outra fonte, isto é, não figurar em antologias e nem ser mencionado por outros autores, encontrando-se apenas em pedra (BRAVI, 2006, p. 28). Em relação ao epigrama XLIX 34, dedicado aos combatentes da batalha de Tanagra35 em 457 a. C., foi encontrado fragmentado num monumento, aparecendo, porém, na íntegra na Antologia Palatina. Ressalte-se que a atribuição a Simônides de Ceos é incompatível com a cronologia do poeta, que teria morrido em 468 a. C., e a batalha ocorrida em 457 a. C. Apesar de a epigrafia e a tradição indireta constituírem importantes veículos de transmissão dos epigramas de Simônides, verifica-se que as antologias36 contêm o maior número de epigramas imputados a Simônides de Ceos. De acordo com Bravi (2006, p. 28), 30 10.24.3 apud Page (1981, p. 9). Or. 28.64 apud Page (1981, p. 9). 32 6.343. apud Page (1981, p. 9). 33 Cf. tradução à página 64, e comentários às páginas 109-10. 34 Cf. tradução à pagina 66. 35 A Liga Espartana derrotou os Atenienses e seus aliados na batalha de Tanagra em 457 a. C. (Cf. Tucídides 1.107sqq.). 36 Destaque-se que o termo na antologia passou a ser utilizado, a partir do século II d. C., para designar coleções, com ou sem comentários, de obras literárias de diversos autores. Ressalte-se a importância do compilador que, geralmente, dava nome a sua coleção. 41 31 cerca de 61 epigramas aparecem na Antologia Palatina37 (séc. X d. C.), enquanto 42 na Antologia de Planudes (séc. XIV d. C.). Há também outros seis epigramas que figuram em outras fontes, como os marginalia38 do manuscrito Palatino, as sylloges menores e em relatos diversos. Na tentativa de preservar as obras da literatura grega de períodos anteriores, os eruditos alexandrinos39 coletavam-nas e catalogavam-nas. Embora as compilações tenham sido feitas em épocas anteriores à alexandrina, nesse período o costume tornou-se mais frequente, sobretudo no que tange à preservação de poemas em antologias. Era grande a popularidade de antologias de epigramas, fato comprovado pelos fragmentos encontrados em papiros nos quais havia listas de epigramas com as palavras iniciais de cada poema, e também pelos testemunhos de comentadores antigos, como Diógenes Laércio, Ateneu e Hefesto (KREVANS, 2007, p. 131-3). Entre as mais célebres compilações, sobressaem as de Meleagro de Gádara, Filipe e Agátias que, embora não se tenham conservado de forma direta, foram incorporadas à antologia Palatina e à compilação de Planudes. Posteriormente, essas duas coletâneas foram reunidas, formando a Antologia Grega. Responsável por uma das mais antigas coletâneas, Meleagro, poeta nascido em Gádara no século I a. C., reuniu poemas dos séculos anteriores, e nela inseriu, como inovação, seus próprios poemas (ARGENTIERI, 2007, p.152). Dividida tematicamente em quatro partes, a coleção de Meleagro contém epigramas de 46 poetas, entre os quais se destacam Safo, Simônides de Ceos, Alceu, Calímaco, Anacreonte, Baquílides, Arquíloco e Símias. Acerca da Coroa de Meleagro, Page (1981, p.121) afirma ser provável que o referido poeta tenha selecionado os epigramas de Simônides considerando uma compilação anterior. Contemporâneo de Meleagro, Filipe organizou sua coleção em ordem alfabética, partindo da primeira palavra dos epigramas (ARGENTIERI, 2007, p. 163). A respeito da datação desse compilador não há muitos testemunhos, mas, com base em referências contidas em seus epigramas, é possível situá-lo nos anos do imperador Calígula (século I a. C), na corte do qual se especula tenha vivido. Constitui seus epigramas, segundo Argentieri (2007, p.159), um importante recurso para o conhecimento da vida social e política de Roma. Assim como a compilação de Meleagro, a de Filipe apresenta um poema introdutório de sua autoria, 37 Sabe-se que a Antologia Palatina foi compilada por Constantinos Céfalas e por outros compiladores anônimos com base num manuscrito da biblioteca Palatina de Heildeberg, que, por sua vez, é composto de outras três coletâneas mais antigas, a saber: a Coroa de Meleagro (séc. I a. C.), a Coroa de Filipe (séc. I a. C.) e o Ciclo de Agátias (séc. VI d. C.). Cf. WALTZ, 1929, p. iii-xxxviii. 38 Notas ou comentários nas margens de documentos. 39 Calímaco, Hermipo, Eratóstenes, Filetas, Zenódoto e Símias. 42 no qual afirma ter composto sua coletânea à moda de Meleagro, e um elenco de, aproximadamente, 1340 autores. A compilação de Filipe reúne poemas produzidos ao curso de um século, enquanto a de Meleagro apresenta composições que perpassam seis séculos. Quanto à coletânea denominada Ciclo de Agátias, foi ela compilada por volta do século VI d. C., e nela está inserido um grupo de epigramas dividido em sete partes segundo a temática: votivos, descritivos, funerários, anedóticos, satíricos, amorosos e báquicos. Agátias, além de poeta, foi advogado, e, tendo nascido em Myrina, cidade da Ásia Menor, foi estudar Direito em Alexandria. Sabe-se que Agátias reuniu apenas epigramas de autores contemporâneos, visto que convidou seus amigos, frequentadores da corte imperial, a participar de sua antologia (WALTZ, 1929, p. xxiii-xxiv). Seguindo uma tendência iniciada no século IX, com a reabertura da Universidade de Constantinopla e o interesse crescente em preservar obras da Antiguidade, os eruditos julgaram importante reuni-las. É nesse contexto que surge a figura de Constantinos Céfalas, editor responsável pela compilação das coleções de Meleagro, Filipe e Agátias num único documento: o manuscrito Palatino. O trabalho de Céfalas foi puramente editorial, pois não há na Antologia Palatina poemas de sua lavra, fato comum nas compilações anteriores, como já se comentou. Além das coleções anteriormente mencionadas, especula-se que Céfalas possa ter tido acesso a outros registros antológicos41. Sabe-se que o trabalho de compilação não foi feito somente pelo citado editor, já que alguns helenistas encontraram evidências que apontam para a existência de mais seis editores42. Quanto à divisão, a Antologia Palatina é subdividida em 15 partes das quais se acredita ter sido Céfalas responsável pelos livros I e IV (proêmios) e X, XII (epigramas exortativos, satíricos e amorosos-pederásticos). Nos livros compilados por Céfalas, há apenas um epigrama de Simônides, o LXXIX, inserto no livro X. A maioria dos epigramas de Simônides está no livro VII da referida antologia. 40 Antipater, Crinágoras, Antífilo, Túlio, Filodemo, Parmênio, Antífanes, Automédon, Zonas, Bianor, Antígono, Diodoro e Eveno. 41 "Il semble qu’il ait également utilisé l’Anthologion de Diogénien, la Muse de Straton et les recueils personnels de Léonidas d’Alexandrie, de Nicodémos, de Rufin, de Palladas, etc" WALTZ, Peter. Anthologie Grecque, 1929. p. xxviii. "Parece que ele igualmente utilizou o Anthologion de Diogénien, a Musa de Estratão e as coletâneas pessoais de Leônidas de Alexandria, de Nicodemos, de Rufino, de Palladas, etc". 42 Sobre a Antologia Palatina e seus diversos compiladores ver Bing & Bruss (2007, p. 20) que afirmam “The work of multiple hands, known by scholars today as J, A, A2, B, B2, and B3, AP is over seven-hundred pages long; pages 1–452 are the work mainly of A and J; pages 453–706 that of A2, B, B2, B3, and J. Another hand, C, adds lemmata.” O trabalho de mãos múltiplas, conhecido pelos estudiosos hoje como J, A, A2, B, B2 e B3, AP tem mais de 700 páginas; as páginas de 1 a 452 incluem os trabalhos principalmente de A e J; as páginas 453 a 706, de A2, B, B2, B3 e J. Outra mão, C, adiciona os lemmata. 43 No tocante à Antologia de Planudes, seu organizador foi Máximo Planudes, que viveu em finais do século XIII e inícios do século XIV d. C., e, como Céfalas, foi compilador de epigramas. Dividida também tematicamente em sete livros, a compilação de Planudes apresenta menos epigramas do que a Antologia Palatina. Entretanto, é preciso ponderar que a Antologia de Planudes oferece epigramas diferentes dos insertos na edição Palatina. Em edições modernas da Antologia Grega, convencionou-se publicar os epigramas da Antologia de Planudes que não constam na Antologia Palatina como o livro XVI da Antologia Grega. A Antologia de Planudes possui pouca credibilidade, fato que suscita dúvidas em relação aos epigramas nela contidos (MOLYNEUX, 1992, p. 83). A respeito dos questionamentos sobre a datação das compilações dos epigramas simonídeos, vale mencionar as considerações de Sider (2007, p. 114-8), segundo o qual é necessário observar as seguintes possibilidades: o próprio Simônides ter reunido seus epigramas e outros tipos de poesia sob o título de Σιμωνίδου Επιγράμματα; após a morte de Simônides, editores podem ter reunido com o nome do poeta diversos tipos de poesias. Nas duas possibilidades mencionadas, seria possível o acréscimo indiscriminado de epigramas com o passar do tempo, formando assim uma obra híbrida, com epigramas autênticos e outros de autenticidade questionável. Sider (2007, p. 119) é de opinião que Meleagro pode ter selecionado os epigramas para a sua antologia com base em mais de uma Sylloge Simonidea. As questões acerca da transmissão dos epigramas de Simônides são muitas e controversas e não há como saber se essas inscrições anônimas em pedra foram ou não catalogadas antes do período helenístico. Ainda que não haja evidências acerca de uma compilação no século V a. C., parece difícil acreditar, segundo o referido autor, que esses epigramas já não circulassem na época das compilações antológicas. A heterogeneidade da Sylloge Simonidea, observa o autor, é um dos indícios que favorecem essa teoria, pois há epigramas que são claramente não simonídeos e outros que são provavelmente de autoria do poeta de Ceos 3.2. Considerações sobre a cronologia do epigramatista Associado à boa poesia, Simônides de Ceos teve sua excelência poética louvada por grandes autores43 da literatura clássica, embora haja questionamentos acerca da biografia do poeta e de sua obra, tendo em vista ter esta sobrevivido de forma fragmentada e indireta. 43 As referências feitas a Simônides de Ceos por autores antigos são inúmeras, seja elogiando seu talento, seja criticando o fato de o poeta cobrar por seus serviços. Sobre essa questão, destacam-se as referências feitas por 44 Encontram-se, na Suda (Σ 439, iv 361 Adler)44, referências acerca de alguns dados biográficos do poeta de Ceos: Σιμωνίδης, Λεωπρεποῦς, Ἰουλιήτης τῆς ἐν Κέῳ τῇ νήσῳ πόλεως, λυρικός, μετὰ Στησίχορον τοῖς χρόνοις· ὃς ἐπεκλήθη Μελικέρτης διὰ τὸ ἡδύ. καὶ τὴν μνημονικὴν δὲ τέχνην εὗρεν οὗτος· προσεξεῦρε δὲ καὶ τὰ μακρὰ τῶν στοιχείων καὶ διπλᾶ καὶ τῇ λύρᾳ τὸν τρίτον φθόγγον. γέγονε δ' ἐπὶ τῆς πεντηκοστῆς ἕκτης ὀλυμπιάδος, οἱ δὲ ξβ᾿ γεγράφασι. καὶ παρέτεινε μέχρι τῆς οη᾿, βιοὺς ἔτη πθ᾿. καὶ γέγραπται αὐτῷ Δωρίδι διαλέκτῳ ἡ Καμβύσου καὶ Δαρείου βασιλεία καὶ Ξέρξου ναυμαχία καὶ ἡ ἐπ' Ἀρτεμισίῳ ναυμαχία, δι' ἐλεγείας· ἡ δ' ἐν Σαλαμῖνι μελικῶς· θρῆνοι, ἐγκώμια, ἐπιγράμματα, παιᾶνες καὶ τραγῳδίαι καὶ ἄλλα. οὗτος ὁ Σιμωνίδης μνημονικός τις ἦν, εἴπερ τις ἄλλος. Simônides, filho de Leóprepes, da cidade de Iúlis na ilha de Ceos, foi um lírico posterior a Estesícoro, que foi chamado Melicertes por causa de sua doçura. Ele descobriu a técnica mnemônica, descobriu também as longas das letras e as duplas, e a terceira nota da lira. Nasceu por volta da 56ª Olimpíada, mas outros escrevem que foi na 62ª e viveu até a 78ª, portanto 89 anos. Escreveu em dialeto dórico: O reino de Cambises e de Dario, A batalha naval de Xerxes e A batalha naval do Artemísio em versos elegíacos, e A batalha naval de Salamina, em poesia mélica; trenos, encômios, epigramas, peãs, tragédias e outras modalidades poéticas. Esse Simônides tinha boa memória, se é verdade que existiu um outro. Como se infere do verbete da Suda, há menção à filiação de Simônides (Λεωπρεποῦς) e a um suposto apelido (Μελικέρτης διὰ τὸ ἡδύ), graças à doçura de sua poesia. Testemunhos sobre o poeta de Ceos podem ser encontrados também em um fragmento iâmbico de Calímaco e em um escoliasta de Píndaro (CAMPBELL, 1991, p. 332 e 360): “οὐ γὰρ ἐργάτιν τρέφω τὴν Μοῦσαν, ὡς ὁ Κεῖος ῾Υλίχου νέπους” fr. 222 (i 214 Pfeiffer) na verdade, não alimento a Musa mercenária, como o de Ceos, descendente de Hílico. ἠδὲ Σιμωνίδεω Κείου Δωριστὶ λαλοῦντος τὸν πατέρ᾽ αἰνήσας ἴσθι Λεωπρέπεα.” Aristófanes em Paz (vv. 697-99) e por Calímaco (fr. 222 citado num scholia de Píndaro). Em relação à habilidade do poeta, é possível encontrar testemunhos em Protágoras (316d) de Platão, em Nuvens (vv.135565) de Aristófanes, em Odes (2.1. 37) de Horácio, em Princípios de Oratória (10.1.64) de Quintiliano, em Sobre a composição literária (23 vi 114) e Sobre a Imitação (2.420) de Dionísio de Halicarnasso. Alguns autores atribuem a Simônides palavras de sabedoria: Plutarco em Sobre a glória de Atenas (3.346f), Cícero em Sobre a natureza dos deuses (1.22.60), Aristóteles em Retórica (2.16.1391a) e Estobeu em Antologia (3.2.41). Apud CAMPBELL, 1991, p. 330-61. 44 CAMPBELL, 1991, p. 330. 45 I.11 Dr.= test 44 ao falares do pai de Simônides de Ceos, cujo dialeto era o dórico, fica sabendo que era ele Leóprepes Acerca da naturalidade do poeta de Ceos, convém mencionar o trecho da obra de Estrabão que, ao discorrer sobre a ilha de Ceos, cita Simônides e o classifica como poeta lírico: Κέως δὲ τετράπολις μὲν ὑπῆρξε, λείπονται δὲ δύο, ἥ τε Ἰουλὶς καὶ ἡ Καρθαία, εἰς ἃς συνεπολίσθησαν αἱ λοιπαί, ἡ μὲν Ποιήεσσα εἰς τὴν Καρθαίαν ἡ δὲ Κορησία εἰς τὴν Ἰουλίδα. ἐκ δὲ τῆς Ἰουλίδος ὅ τε Σιμωνίδης ἦν ὁ μελοποιὸς καὶ Βακχυλίδης ἀδελφιδοῦς ἐκείνου, καὶ μετὰ ταῦτα Ἐρασίστρατος ὁ ἰατρὸς καὶ τῶν ἐκ τοῦ περιπάτου φιλοσόφων Ἀρίστων ὁ τοῦ Βορυσθενίτου Βίωνος ζηλωτής (Estrabão, Geografia X, 5, 6)45 Ceos teve anteriormente quatro cidades, mas restam duas, Iúlis e Carteia, às quais foram incorporadas às restantes, Poeissa a Carteia e Corésia a Iúlis. De Iúlis era Simônides, o poeta lírico, e Baquílides, seu sobrinho, e, posteriormente, o médico Erasístrato, e, dos filósofos, Aríston, da parte dos peripatéticos. Considerando que o foco do relato de Estrabão é topográfico, é compreensível que não haja informações mais específicas sobre Simônides, sobretudo acerca de sua biografia e cronologia. Entretanto, o epigrama XXVIII citado por Siriano (apud FERREIRA, p. 131), comentador do século V d. C., menciona a filiação paterna e evoca a cronologia do poeta: πάσης γὰρ ἐπιστήμων ἀνὴρ ποιητικῆς τε καὶ μουσικῆς ὑπῆρχεν, ὡς ἐκ νεότητος μέχρις ὀγδοήκοντα ἐτῶν νικᾶν ἐν τοῖς ἀγῶσιν Ἀθήνησιν, ὡς καὶ τὸ ἐπίγραμμα δηλοῖ· ἦρχεν Ἀδείμαντος μὲν Ἀθηναίοις, ὅτ᾽ ἐνίκα Ἀντιοχὶς φυλὴ δαιδάλεον τρίποδα· Ξεινοφίλου δέ τις υἱὸς Ἀριστείδης ἐχορήγει πεντήκοντ᾽ ἀνδρῶν καλὰ μαθόντι χορῷ· ἀμφὶ διδασκαλίῃ δὲ Σιμωνίδῃ ἕσπετο κῦδος ὀγδωκονταέτει παιδὶ Λεωπρέπεος. φασὶ δὲ αὐτὸν μετὰ τὴν νίκην πλεῦσαι πρὸς Ἱέρωνα καὶ μετ᾽ ὀλίγον ἐν Σικελίᾳ τελευτῆσαι. Na verdade, ele foi um homem conhecedor de toda a poética e também da música, desde a juventude até os 80 anos, venceu nas competições atenienses, como mostra este epigrama: Foi Adimanto arconte em Atenas quando a tribo Antióquide venceu uma trípode bem trabalhada. 45 Apud Campbell, 1991, p. 332. 46 Um certo Aristides, filho de Xenófilo, presidia às evoluções com um coro de 50 homens que havia aprendido bem. Por este ensinamento, a glória seguiu Simônides, filho de Leóprepes, aos 80 anos. Dizem que, após a vitória, ele navegou para junto de Hierão e pouco tempo depois faleceu na Sicília. Como se pôde observar, os relatos sobre o poeta de Ceos são escassos, e criou-se, em torno de Simônides, como assinala Ferreira (2013, p. 119), um mito que se perpetuou pela Antiguidade: “Talvez por ter sido uma figura de exceção no seu tempo, o poeta sofreu, mais do que qualquer outro lírico, uma espécie de mitificação e torna-se numa figura da lenda, na qual nem sempre é fácil separar os elementos históricos dos fantasiosos”. Estima-se que, após ter deixado Ceos, Simônides tenha vivido em Atenas durante a tirania de Hiparco e Hípias. Após a morte do primeiro, em 514 a. C., ou na ocasião em que Hípias foi exilado de Atenas, em 510 a. C., dirigiu-se o poeta à Tessália . No decorrer das Guerras Médicas, voltou a Atenas, onde permaneceu até 476 a. C. Posteriormente, foi para a Sicília viver na corte de tiranos, fato comprovado pela composição de poesias em homenagem a esses políticos. Simônides, assim como outros poetas da Antiguidade, percorreu diversas cidades gregas e, de acordo com Ferreira (2013, p. 122), a mobilidade do poeta pode ser justificada pela relação entre arte poética, poder político e centros culturais que surgiram em finais do século VI a. C. e inícios do V a. C. As dúvidas suscitadas pela escassez de informações sobre o poeta de Ceos levaram a questionamentos vários também acerca de sua datação e da autenticidade de sua obra. Em 1946, a helenista L. A. Stella publicou um artigo em que contestava, veementemente, as datas de nascimento e morte de Simônides de Ceos, comumente aceitas pelos críticos literários. A despeito da unanimidade entre os helenistas acerca da referida questão, diverge Stella (1946, p. 2) nesse particular, ao ressaltar que as datações antigas podem não ser confiáveis. A estudiosa sustenta sua discussão afirmando que nem mesmo a Suda apresenta uma cronologia exata, já que a 56ª Olimpíada (556-3 a. C.) e 62ª Olimpíada (532-29 a. C.) são apresentadas como possíveis datas de nascimento do poeta de Ceos. Dando prosseguimento à sua argumentação, a estudiosa assinala, ainda, o testemunho de Eusébio de Cesareia (265-340 d. C.) que propõe como possíveis datas para ἀκμή do poeta a realização da 56ª (556-5 a. C.), da 61ª (536-5 a. C.) ou da 73ª Olimpíada (488-7 a. C.). Além disso, Stella cita os fragmentos 54 e 57 do Marmor Parium46: 46 Inscrição grega datada de 264-3 a. C., dividida em duas partes: A e B. A inscrição abrange os anos de 1581/0 a. C. até 264/3 a. C. A primeira parte foi encontrada em Esmirna e está, desde 1627, na Inglaterra, no Ashmolean Museum em Oxford. A parte B foi encontrada na ilha de Paros, na Grécia, em 1897, e está guardada no Museu 47 ἀφ᾿ οὖ Σιμωνίδης ὁ Λεωπρέπους ὁ Κεῖος ὁ τὸ μνημονικὸν εὑρὼν ἐνίκησεν᾿ Ἀθήνησι διδάσκων, καὶ αἱ εἰκόνες ἐστάθησαν Ἁρμοδίου καὶ Ἀριστογείτονος, ἔτη, ἄρχοντος Ἀθήνησιν [Ἀ]δειμάντου47 Quando Simônides de Ceos, filho de Leóprepes, que inventou a memorização, venceu em Atenas ensinando, as estátuas de Harmódio e Aristogíton foram erigidas, no ano {...}, quando Adimanto era arconte de Atenas. (Marmor Parium, 54) ἀφ᾿ οὗ ἐν Αἰγὸς ποταμοῖς ὁ λίθος ἔπεσε, |καὶ Σιμωνίδης ὁ ποιητὴς ἐτελεύτησεν, βιοὺς ἔτη, ἔιη, ἄρχοντος Ἀθήνησι Θεαγενίδου. Quando a pedra caiu no rio Aigós, e o poeta Simônides morreu, com 90 anos de vida, no ano {...}, quando Teogenides era arconte de Atenas. (Marmor Parium, 57) No primeiro excerto, menciona-se uma vitória de Simônides em Atenas, ocorrida por volta de 477-6 a. C., considerando-se o período do arcontado de Adimanto, embora não haja informações sobre a idade do poeta em tal ocasião. Já o fragmento 57 alude à morte do poeta de Ceos aos 90 anos, ocorrida em 468 a.C, levando-se em conta o arcontado de Teogenides em Atenas (FERREIRA, 2013, p. 119). Ao comentar o testemunho de Eusébio de Cesareia, que situa como possíveis períodos de ἀκμή do poeta de Ceos a 60ª (540/536 a. C.) e a 73ª (488/484 a. C.) Olimpíadas48, Ferreira (2013, p. 118) é de opinião que o testemunho do historiador é ambíguo, pois a primeira datação, a da 60ª Olimpíada, inviabiliza o nascimento do poeta na 62ª Olimpíada (532-528 a. C). Quanto à segunda possibilidade de cronologia, estabelece a idade de 68 anos como o período de florescimento de Simônides, faixa etária que, na opinião da helenista, é incompatível com o “reconhecimento de um poeta tão famoso”. De acordo com a estudiosa, a contemporaneidade de Simônides e Píndaro, assinalada por Eusébio, é corroborada em Vita Pindari Ambrosiana (I. 2-3 Dr.= test. 7) que atesta terem os dois poetas abordado fatos Arqueológico dessa ilha. A identidade do compilador dessa cronologia é desconhecida; além disso, Molyneux (1992, p. 68) enfatiza que nem sempre os fatos registrados nessa incrição são confiáveis. 47 Os fragmentos do Marmor Parium podem ser encontrados em http://www.ashmolean.org/ash/faqs/q004/q004013.html. 48 In Ferreira (2013, p. 119) cita o testemunho de Eusébio de Cesareia: (a) Ol. 60 (p. 103b Helm): Simonides lyricus et Phocyl[l]ides clari habentur… (b) Ol. 73 (p. 108 Helm): Pindarus et Simonides lyrici poetae insignes habentur. (a) 60ª Ol. (= 540/536): O poeta lírico Simónides e Focílides são considerados famosos… (b) 73ª Ol. (= 488/484): Píndaro e Simónides são considerados poetas líricos distintos. 48 contemporâneos49, como, por exemplo, a batalha naval de 480 e a política exercida por Cadmo, tirano de Cós. No que diz respeito ao Marmor Parium, Molyneux (1992, p. 327) comenta que Stella, em seu artigo, ao referir-se aos fragmentos 54 e 57, afirma não haver alusão à idade de Simônides50, parecendo ignorar a informação contida no excerto 57 no qual a menção à morte do poeta, em 468 a. C., data do arcontado de Teoginides, coincide com a data de morte do poeta de Ceos, aceita pela crítica literária. Por outro lado, com base em testemunhos de outros autores que possam ter sido contemporâneos do poeta, tenta-se estabelecer uma cronologia. Dando continuidade à sua argumentação acerca da cronologia de Simônides, Stella (1946, p.3) assinala, com base em testemunhos de outros autores contemporâneos, como, por exemplo, Teógnis, não ser possível estabelecer uma datação segura, tendo em vista a tradicional discussão acerca da autenticidade do texto dos Theognidea51. Molyneux (1992, p. 107) corrobora a opinião de Stella, levando em conta as considerações de Bowra a respeito das passagens 1.467-96, 1.667-82, 2.1345-50 dos Theognidea, que, primeiramente, atribuiu a autoria dos versos elegíacos a um jovem poeta, Eveno de Paros, que teria conhecido Simônides. Sobre essa questão ainda, Bowra, considerando o testemunho de Aristóteles, em Metafísica, segundo o qual o nome Eveno poderia ser uma referência a um jovem poeta pertencente ao círculo socrático, rejeita a hipótese de o nome Simônides, citado nos Theognidea, referir-se ao poeta de Ceos. Convém assinalar que Carrière (apud MOLYNEUX, 1992, p. 106) é de opinião que o jovem Eveno poderia ter-se referido a Simônides depois da morte do poeta. Além de mencionar Teógnis, Stella, em sua argumentação cita ainda Heródoto52, Platão53 e Xenofonte54, assinalando que, embora nesses três autores haja referências ao nome de Simônides de Ceos, não há neles informes seguros acerca da cronologia do poeta. 49 A esse respeito Ferreira (2013, p. 118) cita Heródoto, VII, 163-4. “Invece il Marmo di Paro riporta la morte del poeta alla data del 468, già riferita da Suida; e ricorda una vittoria del 477-6, senza precisare peraltro l’età del poeta in quell’ anno” Stella, p. 2. 51 Cf. ONELLEY, 2009, p. 33- 41. 52 καὶ πολλοὺς αὐτῶν οἱ Πέρσαι φονεύουσι ἄλλους τε ὀνομαστούς, ἐν δὲ δὴ καὶ Εὐαλκίδην στρατηγέοντα Ἐρετριέων, στεφανηφόρους τε ἀγῶνας ἀναραιρηκότα καὶ ὑπὸ Σιμωνίδεω τοῦ Κηίου πολλὰ αἰνεθέντα· οἳ δὲ αὐτῶν ἀπέφυγον τὴν μάχην, ἐσκεδάσθησαν ἀνὰ τὰς πόλιας. Os Persas mataram muitos outros célebres, entre eles Eválcides, comandante dos Erétrios e ganhou coroas nas competições, que foi louvado muitas vezes por Simônides de Ceos; entre eles, os que escaparam da batalha se espalharam pelas cidades. (HERÓDOTO, V, 102) ἐπιγράμμασι μέν νυν καὶ στήλῃσι, ἔξω ἢ τὸ τοῦ μάντιος ἐπίγραμμα, Ἀμφικτύονες εἰσὶ σφέας οἱ ἐπικοσμήσαντες· τὸ δὲ τοῦ μάντιος Μεγιστίεω Σιμωνίδης ὁ Λεωπρέπεος ἐστὶ κατὰ ξεινίην ὁ ἐπιγράψας. 49 50 Na tentativa de contestar a cronologia tradicionalmente aceita para a datação do poeta, Stella (1946, p. 4) menciona o fato de Simônides ser nomeado a voz oficial das Guerras Médicas. Na opinião da autora, considerando-se o ano de 556 a. C. como ano de nascimento do poeta, teria ele, por ocasião da batalha de Salamina, 76 anos, idade avançada para uma descrição tão jovial da guerra e da vitória dos gregos, muito embora isso não seja impossível de ter ocorrido, situação que para ela causaria, ao menos, perplexidade. Diferentemente de Hauvette (1896, p. 59) e Pickard-Cambridge (apud FERREIRA, 2013, p. 132), que atribuíam a Simônides a composição do epigrama votivo XXVIII55, Stella (1946, p. 5-6) questiona sua autenticidade, comparando-o com o epigrama XVII56, que, segundo a helenista italiana, possui sobriedade e concisão próprias de inscrições dedicatórias da primeira metade do século V a. C., as quais apresentavam apenas dois ou três versos em sua composição. O epigrama XXVIII, formado de seis versos, narra a vitória da tribo dos Antióquides num concurso poético, apresentando, ainda, o nome do “corego” (patrocinador do coro) e do poeta encarregado pela composição e performance do ditirambo. Além disso, o referido epigrama situa o acontecimento em 477/6 a. C., a julgar pela data do arcontado de Adimanto, época em que o poeta de Ceos estaria com 80 anos, caso se considere o ano de 556 a. C. como a data de seu nascimento. Segundo a estudiosa, o epigrama XXVIII não foi examinado minuciosamente como outras inscrições atribuídas ao poeta de Ceos, visto que não apresenta características de inscrições típicas do século V a. C. Stella assevera que o epigrama é posterior a Simônides, não podendo, portanto, ser utilizado como fundamentação para a Os Anfictíones são os que honraram eles próprios com inscrições e estelas funerárias, exceto o epigrama do vidente: o do adivinho Megístias foi inscrito por Simônides, filho de Leóprepes, por causa da hospitalidade. (HERÓDOTO, VII, 228) 53 ἔστιν δὲ τοῦτο τὰ ὑπὸ τῶν ποιητῶν λεγόμενα οἷόν τ᾽ εἶναι συνιέναι ἅ τε ὀρθῶς πεποίηται καὶ ἃ μή, καὶ ἐπίστασθαι διελεῖν τε καὶ ἐρωτώμενον λόγον δοῦναι. καὶ δὴ καὶ νῦν ἔσται τὸ ἐρώτημα περὶ τοῦ αὐτοῦ μὲν περὶ οὗπερ ἐγώ τε καὶ σὺ νῦν διαλεγόμεθα, περὶ ἀρετῆς, μετενηνεγμένον δ᾽ εἰς ποίησιν· τοσοῦτον μόνον διοίσει. λέγει γάρ που Σιμωνίδης πρὸς Σκόπαν τὸν Κρέοντος ὑὸν τοῦ Θετταλοῦ ὅτι— Platão, Protágoras 339ª É possível isso: ser capaz de compreender as coisas ditas pelos poetas, as que são compostas corretamente e as que não, e saber distinguir e transmitir também um discurso questionador. Além disso, a pergunta será agora a respeito dele mesmo:daquele que eu e tu discorremos agora, sobre a excelência, transportada para a poesia. De fato, supõe-se , Simônides diz a Escopas, filho de Creonte de Tétalo, que... 54 Σιμωνίδης ὁ ποιητὴς ἀφίκετό ποτε πρὸς Ἱέρωνα τὸν τύραννον. σχολῆς δὲ γενομένης ἀμφοῖν εἶπεν ὁ Σιμωνίδης· ἆρ᾽ ἄν μοι ἐθελήσαις, ὦ Ἱέρων, διηγήσασθαι ἃ εἰκὸς εἰδέναι σε βέλτιον ἐμοῦ; καὶ ποῖα ταῦτ᾽ ἐστίν, ἔφη ὁ Ἱέρων, ὁποῖα δὴ ἐγὼ βέλτιον ἂν εἰδείην σοῦ οὕτως ὄντος σοφοῦ ἀνδρός; (Xenofonte, Hierão I -1) "Certa vez, Simônides, o poeta, veio a Hierão, o tirano. Depois que os dois descansaram, Simônides disse: será que gostarias, Hierão, de descrever para mim as coisas que tu pareces conhecer melhor do que eu? Que coisas são essas? - disse Hierão – que coisa eu poderia conhecer melhor do que tu sendo tu um homem tão sábio?" 55 Cf. tradução às páginas 46-7. 56 Cf. tradução à página 64. 50 cronologia do poeta pela seguinte razão: uso “estranhíssimo” do pronome indefinido τις acompanhando o nome do corego, emprego que seria uma ofensa por parte do poeta ao patrocinador do coro, e indicaria uma alteração incluída por um epigramatista posterior com a intenção de enfatizar somente o nome do poeta. Os argumentos da autora (1946, p. 5-10) estão sintetizados em Ferreira (2013, p. 132), ao comentar o epigrama XXVIII: mas Stella 1946: 5-10 demonstrou, com argumentos sólidos, a incerteza de tal possibilidade. Entre outros aspectos, observou que as inscrições da primeira metade do séc. V se distinguem pela sobriedade, ao passo que a presente composição evidencia um “estilo elaborado e artificial” e, ao contrário do uso clássico, não centra o seu interesse na divindade e no objecto dedicado, mas na figura e idade do poeta. Por sua vez, Page (1981, p. 242), com base em Pickard- Cambridge (1962, p. 16), compartilha da teoria de Stella e acrescenta que “o corego é, entre todos os indivíduos, o primeiro em importância. Ele é responsável pelo custo e organização da performance, e, se vitorioso, pelo arranjo do monumento. Ele é rico e um cidadão conhecido;”. 57 Molyneux (1992, p. 319) concorda com as opiniões de Stella e Page em relação ao emprego do pronome τις e sugere ter havido, de fato, uma emenda no epigrama XXVIII; pondera, ainda, o helenista que as indagações de Stella são pertinentes. Todavia, embora o estudo de Stella proporcione um contraponto em relação à datação mais aceita, assinala que os argumentos utilizados pela estudiosa italiana não conseguem refutar a cronologia tradicional, tendo em vista que “a extravagância de ideias, a verbosidade e a extensão são geralmente vistas como indicações de uma origem tardia de um epigrama, a despeito de haver divergências sobre o rigor da aplicação desse critério”.58Assim sendo, compartilhase da tese de Molyneux, adepto da cronologia tradicional, que situa Simônides de Ceos entre os anos de 556-468 a. C., cujo nascimento ocorreu, portanto, por ocasião da 56ª Olimpíada, como assegura o testemunho da Suda (Σ 439, iv 361 Adler). 57 “The choregos is, of all individuals, the first in importance. He is responsible for the cost and organisation of the performance, and, if victorious, for the dedication of a tripod with appropriate monumental setting. He is a wealthy and well-known citizen;…” PAGE (1981, p. 242) 58 Para Molyneux (1992, pp. 11 e 319) a atribuição com base apenas no estilo é vaga, pois esse critério pode ser de cunho subjetivo. 51 3.3 A questão da autenticidade Helenistas vários polemizaram sobre a autoria da produção poética de Simônides de Ceos. Se no período helenístico, época em que a maioria das obras da literatura grega foi catalogada, parecia não haver divergências sobre a autenticidade do que se supunha ser de autoria do poeta de Ceos. Não foi essa a posição dos estudiosos a partir do século XIX, quando se iniciou uma série de questionamentos sobre a produção poética de Simônides, sobretudo a dos epigramas. Em 1899, M. Alfred Croiset, como relata Hauvette (1896, p. 1), numa das mais antigas e importantes histórias da literatura grega, já apontava para as dúvidas sobre a autenticidade dos epigramas do poeta de Ceos: Foi conservado sob o nome de Simônides um pouco mais de 80 epigramas. Não falo daqueles que unanimemente são considerados apócrifos, nem de alguns outros pequenos versos que não são escritos em dísticos elegíacos. Sobre estes 80 epigramas, a metade mais ou menos são epitáfios, os outros, inscrições votivas; alguns em menor número são simples jogos de espírito. A autenticidade de todos esses versos está longe 59 de ser incontestável. Ainda no século XIX, de acordo com Molyneux (1992, p. 6-15), outros autores, como Schneidewin (1835), Jungham (1869), Kaibel (1873), Bergk (1882), Hiller (1889) e Hauvette (1896), publicaram estudos acerca da obra do poeta de Ceos. Cabe ressaltar que esses estudiosos, assinala Molyneux (1992, p. 8-15), divergiam em relação ao número de epigramas simonídeos autênticos: para Schnedewin, 84 epigramas são autênticos, para Bergk, por sua vez, 80 podem ser de autoria simonídea. De acordo com Hiller, 51 epigramas não geram dúvidas quanto à autoria e para Hauvette apenas 21 são autênticos. Para Jungham, entretanto, apenas o epigrama de Megístias, citado por Heródoto, como já se indicou, é, sem dúvida, de Simônides de Ceos. Destaque-se neste particular o trabalho de Jungham, considerado por Molyneux (1992, p. 8) o pioneiro na discussão acerca da autenticidade dos epigramas simonídeos. Em sua pesquisa, o helenista alemão julgou inautênticos alguns epigramas com base em três critérios, a saber, comparação entre os epigramas e a poesia lírica, compatibilidade entre os informes históricos expressos nos epigramas e o contexto do poeta de Ceos e, ainda, a utilização da linguagem presente nos versos simonídeos. Verificou o estudioso que os sentimentos 59 "Il nous a été conservé sous le nom de Simonide un peu plus de quatre-vingts épigrammes. Je ne parle pas des celles qui sont unanimement considerées comme apocryphes, ni de quelques autres petites pièces qui ne sont pas écrites en distiques élégiaques. Sur ces quatre-vingts épigrammes, la moitié à peu près sont des épitaphes, les autres des inscriptions votives; quelques-unes en petit nombre, sont de simples jeux d'esprit. L'autenticité de toutes ces pièces est fort loin d'être inconstestable" Tradução nossa - Grifo do autor. 52 expressos na poesia lírica não correspondiam aos presentes nos epigramas, havendo também incompatibilidade dos informes históricos e da linguagem utilizada no tempo de Simônides. Como assinala Molyneux (1992, p. 9), Jungham já afirmava aquilo que posteriormente se tornaria um consenso entre os helenistas: o único epigrama cuja autenticidade já fora certamente atestada é o epigrama VI 60, referente ao adivinho Megístias, citado por Heródoto em História, VII, 228: Λακεδαιμονίοισι μὲν δὴ τοῦτο, τῷ δὲ μάντι τόδε. “μνῆμα τόδε κλεινοῖο Μεγιστία, ὅν ποτε Μῆδοι Σπερχειὸν ποταμὸν κτεῖναν ἀμειψάμενοι, μάντιος, ὃς τότε κῆρας ἐπερχομένας σάφα εἰδώς οὐκ ἔτλη Σπάρτης ἡγεμόνα προλιπεῖν.” τὸ δὲ τοῦ μάντιος Μεγιστίεω Σιμωνίδης ὁ Λεωπρέπεός ἐστι κατὰ ξεινίην ὁ ἐπιγράψας Esse é dos Lacedemônios, e este é do adivinho: Este é o túmulo do célebre Megístias, que, outrora, os Medos, depois de terem atravessado o rio Esperqueu, mataram, um vidente, que, bem ciente da aproximação das Queres, não suportou abandonar os chefes de Esparta. Mas a do adivinho Megístias inscreveu-a Simônides, filho de Leóprepes, por causa da hospitalidade. Seguindo as indagações de Jungham, Kaibel discutiu a questão da autenticidade dos epigramas de Simônides e apontou dois problemas principais: primeiro, não era comum o nome do autor ser registrado em inscrições em pedra no século VI e início do século V a. C., fato que põe em dúvida a autoria conferida pelos compiladores na organização das antologias; segundo, se um poeta mais antigo citasse um epigrama anônimo e outro poeta posterior considerasse Simônides como autor dessa inscrição, essa atribuição poderia ser imprecisa por ser baseada num conhecimento intuitivo. É possível inferir, portanto, que o principal questionamento de Kaibel reside no processo de atribuição dos epigramas a Simônides, por ser difícil precisar em que momento as inscrições anônimas passaram a ser consideradas da autoria do poeta de Ceos (MOLYNEUX, 1992, p. 9). 60 A análise do epigrama encontra-se na p. 87-8. 53 Hauvette (1896, p. 3-4), por sua vez, julgou que o exame crítico das fontes possibilitaria um estudo pormenorizado das inscrições, facultando, assim, a comprovação da autenticidade de alguns epigramas e a atribuição de outros a Simônides, ainda que apoiados em fontes duvidosas. Ao referir-se às inscrições gregas, o helenista dividiu-as em duas categorias: as que estão gravadas em monumentos (reais) e os epigramas que têm apenas a forma de uma inscrição, compostos por ocasião de acontecimentos presentes ou passados e dedicados a um contemporâneo ou a um personagem já desaparecido. Destacando o caráter artificial dos epigramas que não estão grafados em monumentos, Hauvette (1896, p. 5) verifica que a atribuição desses poemas a Simônides pode ter ocorrido não só por conta de uma “tradição literária”, mas também por meio do próprio autor ou de algum de seus descendentes que teria reunido suas inscrições, ou, ainda, por intermédio de citações em obras de autores vários. Em relação aos epigramas gravados em monumentos, Hauvette (1896, p.5) é de opinião que essas inscrições podem ter sido transcritas por eruditos ou, até mesmo, por viajantes. A respeito dos comentários de Hauvette, Molyneux (1992, p. 11) assinala que, embora o estudioso francês reconheça o anonimato das inscrições em monumentos e, em consequência, admita ser errôneo confiar na atribuição de epigramas a Simônides, feita por autores que se pautaram em monumentos, os critérios estilísticos empregados para classificar os 20 epigramas como autênticos não são convincentes. Outro aspecto da argumentação de Molyneux é o fato de Hauvette considerar como certa a autenticidade de epigramas citados por autores que os retiraram “de coleções literárias”, tendo em vista que o estudioso francês não esclarece a autenticidade dos epigramas e “como tais coleções de inscrições adquiriram e preservaram uma verdadeira tradição de autoria simonídea”. Além de julgar impreciso o método utilizado por Hauvette, Molyneux (1992, p. 11) é de opinião que, em alguns momentos, o estudioso francês se contradiz, pois ao mesmo tempo que considera determinados epigramas autênticos, por conter paralelismos com o léxico de inscrições pertencentes ao século V a. C., acaba descartando outros epigramas com paralelismos semelhantes, por julgá-los muito simples para serem de autoria de Simônides. 61 61 Molyneux (1992, p. 29) assinala nas notas 32 e 33 os epigramas 46 e 50; cf. também os comentários de Hauvette (1890, p. 108-10). 54 No século XX, o debate sobre a autenticidade dos epigramas atribuídos a Simônides ampliou-se, sobretudo na Alemanha, com os estudos de Wilamowitz (1903)62 e Boas (1905),63 que corroboraram as dúvidas suscitadas por Kaibel acerca da autenticidade dos epigramas simonídeos. À luz da então recente descoberta de um dístico simonídeo,64 encontrado em pedra, Wilamowitz confirmou algo que, no século XIX, Schnedewin já havia sinalizado: inscrições em pedra tendiam a ser aumentadas nas versões literárias, acrescentando ainda que qualquer informação que não estivesse inserida na pedra, sobretudo o nome do autor, não possuía credibilidade. Wilamowitz defende a existência de epigramas genuinamente simonídeos, mormente os não inscricionais, lembrando que partes elegíacas não epigráficas imputadas a Simônides, pela possibilidade de registrar o nome do poeta, possuíam maior probabilidade de ser autênticas (MOLYNEUX, 1992, p. 11). Boas (apud MOLYNEUX, 1992, p. 12) considerou em seu estudo a existência de uma coleção de epigramas pouco conhecida de Simônides, que teria sido compilada no final do século IV a. C., tendo sido, posteriormente, algumas de suas partes acrescentadas à antologia Coroa de Meleagro. Para o estudioso, os epigramas indubitavelmente autênticos são os três citados por Heródoto (VII 195-223) e mais oito, por possuírem características semelhantes aos inseridos na narrativa do historiador. Quanto ao epigrama citado por Aristóteles65, Boas pensa não ser autêntico, tendo em vista que Tucídides, embora o cite, não menciona sua autoria. Com relação ao posicionamento de Boas, Molyneux (1992, p. 13) critica o método precário utilizado pelo estudioso em questão para conferir autenticidade aos epigramas e a falta de continuidade das discussões por ele iniciadas, a despeito de a investigação de Boas constituir, afirma Molyneux (1992, p. 13), uma referência para o estudo do epigrama simonídeo. 62 Em 1903, Wilamowitz reimprimiu, com modificações, um artigo intitulado “Sappho und Simonides” publicado em 1897. Apud Molyneux, 1992, p. 11. 63 De Epigrammatis Simonideis, Pars Prior: Commentatio Critica de Epigrammatum Traditione (1905). Apud Molyneux, 1992, p. 12. 64 Em sua edição crítica, Page (1975, p. 12) apresenta a inscrição com um dístico; Campbell (1991, p. 529), entretanto, parte da citação de Plutarco e mostra o epigrama com dois dísticos, assinalando que, além de Plutarco, o filósofo romano Favorinus também atribuiu a inscrição a Simônides de Ceos. 65 O epigrama XXVIa foi citado por Tucídides (VI, 59.3) sem a atribuição de autoria e foi imputado a Simônides por Aristóteles em Arte Retórica, I, 9.20 – 1367b: ἀνδρὸς ἀριστεύσαντος ἐν Ἑλλάδι τῶν ἐφ` ἑαυτοῦ Ἱππίου Ἀρχεδίκην ἥδε κέκευθε κόνις ἣ πατρὸς τε καὶ ἀνδρὸς ἀδελφῶν τ` οὖσα τυράννων παίδων τ`οὐκ ἤρθη νοῦν ἐς ἀτασθαλίην. Este pó cobre Arquédice, filha de Hípias, que foi entre eles o melhor varão na Grécia de seu tempo, ela que, embora tivesse pai, marido, irmãos e filhos tiranos, não elevou seu pensamento à arrogância. 55 Page, responsável pelas publicações66 de duas das edições críticas mais relevantes para o estudo do epigrama grego, tece alguns comentários sobre a autoria dos epigramas por ele apresentados nessas edições. Nos prefácios de ambas as obras, o helenista revela seu ponto de vista que, - mesmo apresentando algumas ressalvas 67-, se coaduna, de acordo com Molyneux (1992, p. 13), com os apresentados por Kaibel, Wilamowitz e Boas, segundo os quais o único epigrama cuja atribuição não se contesta é o VI, o epigrama dedicado a Megístias. A respeito da existência, ou não, de um livro de epigramas ao qual Meleagro pudesse ter tido acesso, Page (1981, p. 122-3) apresenta duas possibilidades: a primeira diz respeito a uma coleção de epigramas inscricionais denominada Sylloge Simonidea, formada no início do período helenístico e publicada, em diferentes ocasiões, em novas edições nas quais foram inseridas composições típicas do período helenístico, porém atribuídas a Simônides, procedimento que, de acordo com Page, pode ter-se repetido até a época de Meleagro (século I a. C.); a segunda, referente a inscrições antigas conferidas a Simônides que circularam numa coleção de forma independente. No período helenístico, epigramas imputados a Simônides foram introduzidos nas antologias anteriores à de Meleagro. Apesar de apresentar as duas teorias, Page considera a primeira possibilidade mais provável, visto que o compilador provavelmente deve ter coletado de fontes literárias os epigramas que possivelmente eram contemporâneos de Simônides, isto é, os que tratavam das Guerras Médicas, dos jogos e de pessoas que viveram na mesma época do poeta, e junto desses epigramas também estariam inscrições espúrias. Acredita ainda Page que o único epigrama autêntico é o epitáfio em honra de Megístias, contando com a veracidade do testemunho de Heródoto. Assim sendo, é difícil encontrar um critério que consiga, de forma contundente, estabelecer o que é autêntico e o que não é. No caso de alguns epigramas, como defende Molyneux (1992, p. 15), tal tarefa se torna mais fácil, pois se um desses poemas não apresentar características de inscrições da época de Simônides (fins do século VI a. C. e inícios do século V a. C.) ou expressar ideias incompatíveis com o período de atividade do poeta de Ceos, isto é, ideias extravagantes, é possível descartá-lo de imediato. A esse respeito, os estudiosos, afirma ainda o referido estudioso, são unânimes em descartar o epitáfio dedicado a Anacreonte, que, segundo Page (1981, p. 282), juntamente com os epigramas LIX, 66 Cf. Epigrammata Graeca. Oxford: Oxford University Press, 1975; Further Greek Epigrams, Oxford: Oxford University Press, 1981. 67 Embora no prefácio de Epigrammata Graeca (1975), Page critique Boas por especular que uma coleção de poemas de Simônides possa ter sido compilada no século IV, na introdução de Further Greek Epigrams (1981), o helenista se mostra mais flexível ao considerar a hipótese de Boas. 56 LX, LXV e LXVII não podem ser considerados autênticos por pertencerem ao século III a. C. Menciona ainda o referido editor o pensamento de Gow acerca da coleção de Meleagro, que, além de epigramas do período helenístico, apresenta outros de qualidade inferior, compostos pouco antes da época de Meleagro. Assinala Molyneux (1992, p. 16) que, se o critério para o julgamento for apenas o estilo, a investigação do que é autêntico se torna ainda mais vaga, e, consequentemente, sujeita à imprecisão. De acordo com o estudioso, os epigramas XLIX de Simônides e XV de Anacreonte são exemplos significativos a esse respeito, considerando as afirmações de Hauvette (1896, p. 94-5/ p. 134), segundo o qual esses epigramas não poderiam ser autênticos já que apresentam, respectivamente, as palavras χαίρετε e χάριτας, que não são tipicamente utilizadas em referência aos mortos em inscrições do século V a. C. Todavia, posteriormente, preconiza Molyneux (1992, p. 15), foi provado que os citados epigramas eram realmente do século V a. C.68. Este fato ratifica a posição do estudioso que critica a atribuição de epigramas a Simônides com base apenas no estilo. De acordo com Molyneux (1992, p. 16), um dos recursos valiosos para discutir a questão da autoria dos epigramas simonídeos consiste em analisar os poemas com base em fatos conhecidos de sua biografia. Acerca desse tema, destaca o estudioso o epigrama I que versa sobre a morte de Hiparco: ἦ μέγ΄ Άθηναίοισι φόως γένεθ’, ἡνίκ’ Ἀριστογείτων Ἵππαρχον κτεῖνε καὶ Ἁρμόδιος [ ] [ ] πατρίδα γῆν ἐθέτην69. Certamente grande luz surgiu quando Aristogíton e Harmódio assassinaram Hiparco [ ] [ 68 ] estabeleceram a terra pátria70 Cf. Molyneux (1992, p. 30) “Shortly after Hauvette (no. 35, pp. 94-5; no. 72, p.133) had rejected the epigrams XLIX Page and 101 Diehl (=Anacreon XV Page), on the ground that χαίρετε (“farewell”) addressed to the dead and an address to the dedicator of the stone were not fifth-century features, these epigrams were proved to be genuine fifth-century inscriptions” Imediatamente após Hauvette ter rejeitado os epigramas XLIX e XV, com base na afirmação de que χαίρετε "adeus" utilizado para se referir aos mortos ou ao dedicador do monumento não era uma característica de inscrições do século V, foi provado que esses epigramas eram inscrições genuínas do século V. 69 Segundo Page (1981, p. 189), a oração πατρίδα γῆν ἐθέτην pode ter sido precedida por palavras ou sentenças que significassem “livre” ou “democrática”. O helenista ainda especula que pode ter sido usada a palavra ἰσόνομον. 57 Cabe ressaltar que o citado epigrama foi encontrado num monumento71 de bronze dedicado a Harmódio e Aristogíton72 e forjado, por volta de 477-6 a. C., no arcontado de Adimanto, por Crítias e Nesiotes (cf. BRAVI, 2006, p. 27)73. Os versos, atribuídos por Hefesto (metricista e gramático grego que viveu em Alexandria por volta do século II) a Simônides, são citados no Manual dos Metros em seus comentários acerca da estrutura do hexâmetro, sobretudo o que diz respeito à divisão silábica no hexâmetro (Ἀριστο- γείτων). Levando-se em consideração os testemunhos de Aristóteles em Constituição de Atenas (18.1-2), do diálogo pseudoplatônico Hiparco (228c) e, ainda, o episódio 54 do Marmor Parium é possível inferir que Simônides se relacionara com os Pisistrátidas (MOLYNEUX, 1992, p. 65): ὁ δὲ Ἵππαρχος παιδιώδης καὶ ἐρωτικὸς καὶ φιλόμουσος ἦν, (καὶ τοὺς περὶ Ἀνακρέοντα καὶ Σιμωνίδην καὶ τοὺς ἄλλους ποιητὰς οὗτος ἦν ὁ μεταπεμπόμενος) (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 18.1-2) Hiparco era um jovem brincalhão, amoroso e amante das artes, ( foi ele quem mandou buscar os que estavam à volta de Anacreonte , Simônides e de outros poetas). Σιμωνίδην δὲ τὸν Κεῖον ἀεὶ περὶ αὑτὸν εἶχεν, μεγάλοις μισθοῖς καὶ δώροις πείθων: ταῦτα δ᾽ ἐποίει βουλόμενος παιδεύειν τοὺς πολίτας (PLATÃO, Hiparco 228c) Persuadindo-o com grandes recompensas e presentes, tinha sempre perto dele Simônides de Ceos; ele fazia isso porque desejava educar os cidadãos. 70 Na Grécia antiga, entre os séculos VI e V a. C., várias cidades-estados foram governadas por tiranos que contrariando a acepção moderna da palavra-, não eram cruéis, mas líderes que, apesar de exercerem um poder não legitimado pelas instituições do Estado, contavam com o apoio popular. De acordo com Buckley (1996, p. 35), esse período representou uma transição no processo político das póleis gregas. Em Atenas, a tirania de Pisístrato começou em 547/6 a.C e terminou com sua morte em 528/7. A liderança de Pisístrato foi marcada sobretudo pela mistura da força e da diplomacia no tratamento dos problemas enfrentados por sua tirania. Entre suas principais realizações estão as obras públicas e o incentivo aos festivais religiosos. Após a morte de Pisístrato, não se sabe ao certo qual dos seus filhos, Hípias ou Hiparco, foi seu sucessor. Alguns testemunhos evidenciam que os Alcmeônidas (grupo que rivalizava com Pisístrato) organizaram uma resistência contra Hípias, fato que teria culminado com a queda da tirania. Há, entretanto, uma vertente que atribui o fim da tirania aos tiranicidas Aristogíton e Harmódio que assassinaram Hiparco nas grandes Panateneias, realizadas em 514/3 a. C. Aos tiranicidas foi atribuído o estabelecimento da democracia, e foi criado inclusive um culto em sua homenagem. Cf. BUCKLEY (1996, p. 91). 71 O monumento esculpido por Crítias e Nesiotes teria sido criado para substituir o que fora levado pelos Persas em 480 a. C., erigido por Antenor depois da expulsão de Hípias (FERREIRA, 2013, p. 138). 72 De acordo com o relato de Tucídides (VI, 54), a conspiração de Hamórdio e Aristogíton foi instigada por uma disputa amorosa. Hiparco, filho mais novo de Pisístrato, estava interessado em Harmódio, porém o rapaz tinha uma relação com Aristogíton. Hiparco tentou conquistá-lo, mas o jovem recusou. Em retaliação, o filho mais novo de Pisístrato humilhou publicamente a irmã de Harmódio. Assim se formou a conspiração que resultou com o assassinato de Hiparco nas Grandes Panateneias. 73 Cf. também PAGE (1975, p. 8) e Campbell (1991, p. 591). 58 ἀφ᾿ οὖ Σιμωνίδης ὁ Λεωπρέπους ὁ Κεῖος ὁ τὸ μνημονικὸν εὐρὼν ἐνίκησεν᾿ Ἀθήνησι διδάσκων, καὶ αἱ εἰκόνες ἐστάΘησαν Ἁρμοδίου καὶ Ἀριστογείτονος, ἔτ[η] | ἄρχοντος Ἀθήνησιν [Ἀ]δειμάντου74 Quando Simônides de Ceos, filho de Leóprepes, que inventou a memorização venceu em Atenas com seu ensino, as estátuas de Harmódio e Aristogíton foram erigidas, quando Adimanto era arconte de Atenas. (Marmor Parium, 54) Embora o período da tirania ateniense ainda suscite questionamentos entre os estudiosos no que diz respeito à queda desse regime político, ao sucessor de Pisístrato e aos verdadeiros responsáveis pelo fim da tirania, os Alcmeônidas ou os Tiranicidas-, e a Constituição de Atenas75 de Aristóteles - considerada uma das fontes mais importantes no que diz respeito à política de Atenas-, e Hiparco de Platão tenham sido alvo de dúvidas quanto à datação e à autenticidade, ambas as obras constituem um relevante testemunho das relações de Simônides com eminentes figuras da política ateniense. Cabe ressaltar, de acordo com Molyneux (1992, p. 67), que a única evidência que vai de encontro à atribuição do epigrama I a Simônides se encontra no fragmento 49 do Marmor Parium, no qual há referência ao avô do poeta de Ceos: ἀφ᾿ οὖ Σιμωνίδης ὁ Σιμωνίδου πάππος τοῦ ποιητοῦ, ποιητὴς ὢν καὶ αὐτὸς, ἐνίκησεν Ἀθήνησι, καὶ Δαρεῖος τελευτᾶι, Ξέρξης ὁ υἱός βασιλεύει, ἔτ[η] |, ἄρχοντος Ἀθήνησι Ἀριστείδου . Quando Simônides, o avô do poeta, que também era poeta, venceu em Atenas, Dario havia morrido e seu filho Xerxes reinava, [ ] quando Aristides era arconte de Atenas. Como afirma o referido helenista, esse excerto é rejeitado pela maioria dos helenistas76, por ser cronologicamente incoerente, pois, se forem considerados o ano de 556 a. C. como data de nascimento de Simônides e a data do fato narrado no fragmento (489/8 a. C.), o poeta 74 Os fragmentos do Marmor Parium podem ser encontrados em http://www.ashmolean.org/ash/faqs/q004/q004013.html. 75 Molyneux (1992, p. 67) assinala que Aristóteles quando apresenta uma história da qual não tem certeza conta, geralmente, suas diferentes versões o que não ocorre no referido caso. Nessas ocasiões, o filósofo se utiliza de expressões como: ὁ λεγόμενος λόγος (a história corrente), οἱ δημοτικοί (para sinalizar as versões dos democratas) e ἔνιοι (algumas pessoas). 76 Para Stella (1946, p.18-9), esta evidência pode ser tomada como válida, sobretudo por coadunar –se com a nova cronologia proposta por ela. 59 de Ceos estaria com, aproximadamente, 67 anos, e seu avô com mais de 100 anos, fato pouco provável na Antiguidade. Ferreira (2013, p. 136-40), comentando o possível relacionamento entre o poeta de Ceos e os Pisistrátidas, além de considerar como fonte de informações a Constiuição de Atenas e o tratado pseudo-platônico Hiparco, menciona o fragmento 607 (=102 P)77 constante do corpus lírico de Simônides. Nesse fragmento, segundo Zuntz (apud Ferreira 2013, p. 137), Simônides denomina Pisístrato ‘sereia’, aludindo provavelmente à eloquência do tirano, fato que pressupõe um relacionamento amigável entre o político e o poeta: οὐδὲ πελέκεις ουδὲ σηρήν· ταῦτα πρὸς Σιμωνίδην, ἐπεὶ ἐκεῖνος ἐν ἑνὶ [ἄ]ισματι ἐπόησεν σειρῆνα τὸν Πεισίστρατον. ἐν ἄλλοις δὲ ἄισμασι καὶ τὸν πελεκυφ[ό]ραν ἵππον ὀνομάζε[ι, τ]ὸν χελιδόνα ἐπίσημον ἔχοντα· χελιδόνας γὰρ ἵππους [ἔστιζον. Nem machados nem sereia: essas coisas são para Simônides, pois ele num canto chamou Pisístrato 'sereia'. Em outros cantos, também nomeia o cavalo portador do machado, que tem a andorinha marcada, pois marcavam os cavalos com andorinhas Um outro elemento apresentado por Ferreira em sua argumentação diz respeito ao epigrama funerário (XXVI) dedicado a Arquédice, filha de Hípias e neta de Pisístrato, citado por Tucídides (VI, 59) e Aristóteles (Arte Retórica, I. 9. 20, 1367b) que o atribui a Simônides. A estudiosa, com base nas considerações de Page (1981, p. 239), afirma ser provável que a atribuição do referido epigrama feita por Aristóteles a Simônides possa ser resultado de um hábito comum no século IV a. C.: a atribuição de inscrições dessa época ao poeta de Ceos. Entretanto, a helenista assinala que a maneira como o epigrama é articulado, isto é, associando o elogio à censura velada aos tiranos, constitua um dado significativo para a credibilidade da atribuição de Aristóteles. Muitos especialistas costumam duvidar da autoria simonídea desse epigrama, por conta da inscrição em homenagem aos tiranicidas, pois seria incompatível ideologicamente que Simônides, associado aos Pisistrátidas, compusesse um epigrama em homenagem aos assassinos de um deles. Assinala Ferreira (2013, p. 139) a inconsistência desse argumento, em virtude de o monumento em honra de Harmódio e Aristogíton ter sido estabelecido 37 anos após o assassinato de Hiparco, e de o elogio aos tiranicidas, relacionados com o estabelecimento da democracia, ter-se tornado recorrente, na sociedade ateniense, sendo louvado inclusive nos banquetes. 77 Esse fragmento foi publicado em 1935 por G. Zuntz que analisou uma parte de um papiro (P. Berol. 13875) da primeira metade do século II d. C. contendo um fragmento de um comentário a um poema desconhecido de Píndaro (CR 49: 4-7). Apud Ferreira (2013, p. 137). 60 Portanto, não é possível atribuir com segurança este epigrama a Simônides de Ceos, ainda que se considerem algumas informações encontradas em outros autores e em relatos conhecidos da biografia do poeta de Ceos. É evidente que não há, em relação a Simônides, unanimidade a esse respeito, e mudanças podem ocorrer na medida em que novos achados forem descobertos, como foi o caso da elegia composta por Simônides em homenagem aos guerreiros da batalha de Plateias, encontrada no papiro de Oxirrinco publicado em 199278. É preciso que haja um cruzamento de referências para tentar estabelecer um método de trabalho com os epigramas de Simônides de Ceos. O estudo da autenticidade dos epigramas de Simônides de Ceos deve ser uma combinação da epigrafia, da arqueologia e da história. Não parece seguro abordar apenas um aspecto; faz-se necessário um exame acurado das fontes e do percurso do texto, partindo do tempo em que o poeta de Ceos viveu até a época em que os epigramas foram compilados. Verifica-se, portanto, a necessidade de considerar os aspectos discutidos anteriormente, para que haja um entendimento dos problemas e dificuldades que envolvem o estudo de uma obra fragmentada que percorreu um longo e por vezes obscuro caminho até os nossos dias. 78 Em 1992, as pesquisas sobre Simônides de Ceos ganharam novo fôlego com a publicação da edição de P. J. Parsons do Oxyrhyncus Papyri ou POxy 3965. Trata-se de um poema elegíaco de conteúdo histórico, mais precisamente a batalha de Plateias. A autoria da elegia foi determinada com base em citações de fragmentos elegíacos atribuídos a Simônides, presentes em Plutarco e Estobeu. O referido papiro parecia ser uma complementação de um fragmento elegíaco anônimo, o POxy 2327. O primeiro a reunir os papiros foi Martin West. De acordo com Boedecker & Sider (2006, p.3), os dois papiros juntos pareciam ser parte de um livro que continha elegias de Simônides de cunho militar e erótico. 61 4. OS EPIGRAMAS HISTÓRICOS E AGONÍSTICOS: UMA PROPOSTA DE TRADUÇÃO 4.1 Os epigramas históricos Ι Certamente grande luz surgiu quando Aristogíton e Harmódio assassinaram Hiparco [ ] [ ] estabeleceram a terra pátria. II Fomos mortos sob um vale de Dírfis, e nosso túmulo foi erguido às expensas públicas perto de Euripo, de forma justa, na verdade, perdemos a encantadora juventude por termos aceitado a violenta nuvem da guerra. III Em corrente de ferro angustiante aniquilaram a desmedida os filhos dos Atenienses nas ações de guerra; tendo submetido os povos da Beócia e da Calcídica, consagraram esta dezena de cavalos a Palas. IV Tendo levantado uma ponte sobre o abundante Bósforo, Mandroclés dedicou a Hera um monumento da ponte; atribuiu a si mesmo uma coroa e glória aos Sâmios, satisfazendo o desejo do rei Dario. V Eu, Pã, de pés caprinos, o arcádio, o que estava contra os Medos, o que estava com os Atenienses, Milcíades me erigiu. VI Este é o túmulo do célebre Megístias, que, outrora, os Medos, depois de terem atravessado o rio Esperqueu, mataram, um vidente, bem ciente da aproximação das Queres, não suportou abandonar os chefes de Esparta. VII A terra cobre os ilustres varões, ó Leônidas, que contigo aqui morreram, rei da vasta Esparta, tendo enfrentado a força de numerosos arcos e também dos cavalos de pés rápidos dos Medos na guerra. VIII Se o morrer belamente é a parte mais importante da excelência, para nós, de tudo a Fortuna nos concedeu isto: esforçando-nos para conceder liberdade à Grécia jazemos, alcançando um louvor imperecível. IX Cingindo a amada pátria de uma glória imorredoura, eles se envolveram na nuvem escura da morte. Embora mortos, não morreram, já que a excelência, glorificando-os, 63 elevou-os para fora da morada de Hades. X Esse é o túmulo do ilustre Adimanto, graças ao qual toda a Grécia se cingiu com a coroa de liberdade. XI Ó estrangeiro, outrora habitamos a bem irrigada cidade de Corinto, mas agora a ilha de Ájax, Salamina, nos guarda. [Aqui, tendo capturado as naus fenícias, os Persas e os Medos, salvamos a sagrada Hélade.] XII Por ter estado toda a Grécia na ponta de uma lâmina, jazemos porque a salvamos com nossas vidas [da escravidão: fixamos todo o sofrimento nos corações persas, lembrança da penosa batalha naval. Salamina contém nossos ossos, a nossa pátria Corinto consagrou-nos este memorial por nossa boa ação] XIII Essas armas dos hostis Medos os marinheiros de Diodoro dedicaram a Leto como uma lembrança da batalha naval. XIV Elas se colocaram em favor dos Gregos e dos cidadãos que combatem de perto, fazendo, de forma maravilhosa, uma prece a Cípria, 64 pois a divina Afrodite não desejava oferecer aos arqueiros medos a acrópole dos Gregos. XV Certa vez, os Gregos, com a força da Vitória, com o trabalho de Ares, persuadidos pela corajosa força de vontade da alma, tendo expulsado os Persas para a Grécia livre construíram um altar comum de Zeus Eleuthérios. . XVI Desejando exaltar o dia da liberdade para a Grécia e para os Megarenses, recebemos o destino da morte, uns na Eubeia e no Pélion, onde há o templo da pura Ártemis, portadora do arco, outros na colina Mícale, outros diante de Salamina, [ ] outros também na planície Beócia, aqueles que ousaram lançar as mãos sobre homens que combatem a cavalo. Os cidadãos concederam-nos esta honra [comum], no centro, na ágora acolhedora do povo dos Niseus. XVII Depois que o chefe militar dos Gregos, Pausânias, destruiu o exército dos Medos, a Febo consagrou este monumento. XVIII Os filhos dos Atenienses, tendo expulsado o exército dos Persas, repeliram a terrível escravidão da pátria. 65 XIX Estes arcos, que deixam a guerra que faz chorar, jazem debaixo do templo de Atena, muitas vezes, então, funestos, durante tumulto no combate dos homens, banharam-se com sangue dos cavaleiros Persas. XIXa Demócrito foi o terceiro a começar o combate, quando, ao longo de Salamina, os Gregos combateram os Medos em alto mar. Tomou cinco naus dos inimigos, e uma sexta, a dórica, capturada por mãos bárbaras, salvou-a. XXI Para combater pelos Gregos em Maratona, os Atenienses abateram o poder dos Medos, adornados de ouro. XXIIa Outrora, neste lugar, contra três milhões combateram, vindos do Peloponeso, quatro mil. XXIIb Ó estrangeiro, vai anunciar aos Lacedemônios que aqui jazemos por obedecermos às suas ordens. XXVIa Este pó cobre Arquédice, filha de 66 Hípias, que foi entre eles o melhor varão na Grécia de seu tempo, ela que, embora tivesse pai, marido, irmãos e filhos tiranos, não elevou seu pensamento à arrogância. XXXIV Afirmo que Gélon dedicou trípodes a Hierão, Polizelo e Trasíbulo, filhos de Dinomemes. XXXVI Lembrarei, pois não parece jazer anônima a ilustre esposa de Arkenateo, que aqui morreu, Xantipa, bisneta de Periandro, que certa vez anunciou ao povo que reinaria sobre Corinto de elevadas torres. XXXVIII-XL Aqueles que morreram em volta de Bizâncio, salvando o estreito abundante em peixes, são homens ágeis no combate. XLVI Estes guerreiros perderam a esplêndida juventude perto do Eurimedão lutando contra os combatentes da primeira fila dos arqueiros medos, e a infantaria deixou a mais bela lembrança da excelência morrendo nas velozes naus. XLVII O impetuoso Ares lavou as pontas das flechas rápidas com gota púrpura no peito destes homens; 67 em vez de homens vivos que morreram à espera de dardos, esta cinza cobre os túmulos sem vida. XLIX Salve chefes da guerra, que obtivestes grande glória, eminentes guerreiros da cavalaria dos Atenienses vós que perdestes outrora a juventude, pela pátria de belas danças, lutando contra a maior parte dos Gregos! LIII A fumaça não se espalha no ar por causa da excelência destes homens, quando a vasta Tégea ardia em chamas, os quais, por um lado, desejavam deixar uma cidade florescente em liberdade para os filhos, e, por outro lado, desejavam morrer na primeira linha de batalha. LIV Lembremos dos homens que combatem face a face o inimigo, eis o túmulo deles, que morreram salvando Tégea de numerosas ovelhas, guerreiros pela defesa da pólis, para que a Grécia não lhes subtraia a liberdade da célebre cabeça. LXV Nós, os 300, ó pátria Esparta, com os Ináquides de igual número, tendo lutado em volta de Tireia, não voltamos do estreito, por onde colocamos primeiramente 68 as plantas de nossos pés, e nela deixamos a vida; a arma envolvida com sangue viril de Otriada anuncia: "Tireia, ó Zeus, é dos Lacedemônios." Se um Argivo escapou do destino funesto, era descendente de Adrasto; Para Esparta, a morte não é morrer, mas fugir. 4.2. Os epigramas agonísticos XXV Esta é a bela estátua do belo Mílon que, outrora, tendo vencido sete vezes em Pisa, não caiu sobre os joelhos. ΧΧΙΧ Corcira é minha pátria, Fílon é meu nome, sou filho de Glauco e venci duas Olimpíadas no pugilato. ΧΧΧ Sabe que estás olhando para o jovem Teogneto, vencedor dos Jogos Olímpicos, hábil cavaleiro na arte de lutar, belíssimo de ver, mas não pior na forma de lutar, ele que coroou a cidade de nobres ancestrais. ΧΧΧΙ - Quem te nomeou , és filho de quem, de que pátria, o que venceste? - Cásmilo, filho de Euagório, de Rodes, o pugilato em Pítia. 69 ΧΧΧV Aqui Dândis de Argos, corredor de estádio, jaz, tendo glorificado a pátria abundante em pastos para cavalos com suas vitórias, duas vezes em Olímpia, três em Delfos, duas no Istmo, 15 em Nemeia. E as outras vitórias não é fácil de enumerá-las. XLI Antigamente, com um bastão áspero, com duas cestas em volta dos ombros, levava peixes de Argos para Tégea. XLII No Istmo e em Delfos, Diófon, filho de Fílon, venceu o salto, a velocidade, o disco, os dardos e a luta. XLIII Nicoladas de Corinto, que outrora vencera em Delfos, consagrou esta estátua, e, nas Panateneias, ganhou coroas em cinco competições e †60 †ânforas de azeite; no divino Istmo, três rivais, † um ao lado do outro, não atingiram o brilho da vitória†; em Nemeia, venceu três vezes, e uma quarta em Pelene, duas em Licos, †e em Nemeia†, e em Egina e na segura Epidauro, no demo de Tebas dos Megarenses; e em Fliunte, tendo vencido cinco corridas, alegrou a grande Corinto. 70 L - Quem dedicou esta imagem? – Dório, o Túrio - Não era ele originário de Rodes? – Sim, antes de fugir da pátria, porque cometeu com seu potente punho muitos atos violentos. LII Duas vezes em Pítia, duas em Nemeia, fui coroado em Olímpia, vencendo na luta, não pela compleição física, mas pela técnica, Eu, Aristodamos da Élida, filho de Trácis. LXII Roga que com teus presentes, ó Cíton, alegres de tal modo a divindade, filho de Leto, condutor de belos coros da ágora, do mesmo modo que, da parte dos estrangeiros e os que habitam Corinto, tu recebas um louvor de reconhecimento, ó senhor, com coroas. LXXXVIΙ Álcon de Creta, filho de Dídimo, depois de ter obtido uma coroa nos jogos Ístmicos com o pugilato, (dedicou-a) a Febo. 71 5 - A EXPRESSÃO DA GUERRA E DO DESPORTO NOS EPIGRAMAS SIMONÍDEOS 5.1. Considerações sobre as representações de πόλεμος na literatura helênica O espírito agonístico é um dos elementos mais emblemáticos da cultura helênica, e várias são as representações em vasos, afrescos, inscrições e, sobretudo, na literatura. As primeiras manifestações de agón, "jogos, concurso, luta, disputa", na literatura grega, são encontradas nos Poemas Homéricos, sobretudo em Ilíada. Nessa epopeia, com a narração dos desdobramentos provocados pela ira de Aquiles, apresenta-se um descrição poética das batalhas que se desenvolviam em volta dos muros de Troia. A guerra é, portanto, um elemento crucial no andamento das ações, tendo em vista ser o meio pelo qual os heróis aristocratas são postos à prova, podendo alcançar ou não a tão almejada “glória imorredoura”. De fato, nos Poemas Homéricos, o ideal aristocrático estabelecia que, para atingir a excelência e alcançar a glória, o herói deveria destacar-se, sendo o melhor entre seus pares, como comprovam as palavras de Glauco a Diomedes no canto VI de Ilíada: αἰὲν ἀριστεύειν καὶ ὑπείροχον ἔμμεναι ἄλλων (v. 208) “ser sempre o melhor e ser superior aos outros”. Jaeger (1995, p. 29) destaca que a fala do filho de Hipóloco, Glauco, sintetiza o ideal de educação da aristocracia e assinala o espírito agonístico presente em atividades da guerra e em período de trégua - como comprovam os versos 257-897 do canto XXIII de Ilíada que evocam um momento em que a batalha fora interrompida, para que as competições esportivas em honra de Pátroclo, morto por Heitor, fossem realizadas, por ordem de Aquiles. Também em tempos de paz, pode-se verificar a mesma ética heroico-agonística em atividades desportivas, como se observa no canto VIII, nos versos 100-253 de Odisseia em que se descrevem os jogos realizados na corte do rei Alcínoo por ocasião da chegada de Odisseu. O agón, portanto, estava presente na cultura helênica antiga em tempos de guerra e de paz. Corrobora-o Garlan (1989, p. 9), ao afirmar que os gregos apreciavam os tempos de paz, mas consideravam a guerra, “pólemos”, como parte de seu cotidiano79, fato comprovado por 79 Com base no relato de Heródoto e Tucídides, Hornblower (2007, p. 22) assegura ser a guerra um tema recorrente na literatura grega. Contudo, o helenista assinala que, a despeito de ser muito abordada na literatura, a guerra não era algo comum para os gregos. Ao contrário da visão mais aceita pelos estudiosos, Hornblower apresenta um questionamento sobre esse assunto: se a guerra não fazia parte da vida dos gregos antigos, por que há tantas referências na literatura a seu respeito? Um outro aspecto comentado pelo estudioso diz respeito ao militarismo na sociedade helênica. Em sua opinião, os povos helênicos não devem ser vistos como militarizados. A ideia de que as instituições cívicas eram um reflexo da organização militar é errônea, e que, no caso da Grécia, dá-se o contrário: as instituições militares reproduzem o “modelo cívico”. Esse raciocínio contraria a ideia de que a guerra era algo que fazia parte da vida cotidiana dos gregos. (idem, p. 27) Esses questionamentos acerca da 72 sua história permeada de conflitos. O estudioso destaca que os Gregos não poderiam ser considerados “belicistas impenitentes” e faz uma analogia apropriada: “Em suma, passava-se com a guerra o que hoje se passa com o inverno ou o mau tempo: de que se tem motivo de queixa e de que se protege ao máximo mas que se aceita afinal de contas como algo, senão agradável em si, ao menos inerente à ordem natural e, às vezes, até benéfico” (GARLAN, 1989, p. 10). Essa característica manifestava-se, sobretudo nas competições esportivas, realizadas periodicamente em diferentes cidades gregas, e nas guerras. Conflitos de cunho bélico ou político sempre foram abordados nas produções poéticas da Grécia antiga, particularmente na produção literária de Simônides de Ceos. 5.2. Simônides: o cantor das Guerras Medo-Persas As Guerras Médicas foram um importante evento na história da Europa e da Ásia. Com a invasão persa, os cidadãos gregos viram-se obrigados a colocar o bem coletivo à frente dos interesses individuais, e, para isso, foi necessário estabelecer lideranças nas cidades envolvidas nos conflitos. O contato entre Gregos e Persas sempre foi, de certo modo, delicado, e uma sucessão de acontecimentos foi deixando essa relação cada vez mais tensa. As desconfianças no que diz respeito aos Persas foram expressas de forma mais veemente por Esparta, que tomou diversas decisões80 contra os aliados da Pérsia. Por outro lado, de acordo com o testemunho de Heródoto (III, 136), o rei Dario havia mandado mapear a costa da Grécia e da Itália. A atividade dos Persas no mar Negro e na região da Propôntida chamou a atenção de Atenas, que dependia de importações de milho produzidas naquela área. Hípias, filho de Pisístrato, estava no poder e, segundo Murray (2006, p. 465), houve uma mudança de atitude em relação à Pérsia, visto que o tirano ateniense arranjou o casamento de sua filha com um importante aliado persa. Com o advento da democracia, uma política de hostilidade aos Persas começou a recorrência ou não de conflitos bélicos na sociedade grega apontam, segundo o referido autor, para a problemática dos testemunhos da guerra na Antiguidade. Assinala Hornblower (2007, p. 24) que é preciso ter cuidado ao utilizar fontes literárias como testemunho histórico, uma vez que há possibilidade de o relato não ser fidedigno. Acrescenta, ainda, que, embora a literatura não ofereça uma visão clara sobre a frequência da guerra na Grécia Antiga, é inegável que a temática era cara aos poetas de diversos períodos da história grega. A literatura, na opinião do estudioso, deve ser associada às fontes não literárias como, por exemplo, às inscrições, mais consentâneas com a realidade da Grécia Antiga.(idem, p. 53). 80 Para Murray (2006, p. 464), os Espartanos julgavam ser os líderes de uma resistência ao avanço persa e, por conta disso, empreenderam várias ações e alianças para, de alguma forma, tentar conter a expansão persa. Sabese que os Lacedemônios, auxiliados pelos Coríntios, realizaram um expedição contra Polícrates de Samos, aliado de Cambises, rei da Pérsia. O envio de uma expedição de colonização a Cirene, cidade que apoiava Cambises, também é um dos exemplos de como Esparta estava disposta a tomar medidas efetivas contra os Persas. 73 ser implantada, por conta da ligação destes com os Pisistrátidas, sobretudo Hípias. Percebe-se, portanto, que, levando em consideração as hostilidades provenientes de Atenas e Esparta, aliadas às ambições expansionistas dos Persas, um conflito bélico estava na iminência de acontecer. A Revolta Jônica, ocorrida entre 499 a. C., foi considerada determinante para os acontecimentos posteriores, isto é, os conflitos entre Gregos e Persas. Sabe-se que as cidades da Ásia Menor estavam sob o domínio persa, e, embora as cidades da Jônia continuassem a ser governadas por aristocratas locais, nomeados pelo sátrapa persa e promovidos a tiranos, esse modo de governar tornou-se cada vez mais desgastado, pois havia uma demanda para maior participação política dos cidadãos. Aristágoras, um dos líderes da revolta, pediu ajuda a Atenas, que enviou 20 navios, e a Erétria, que cedeu cinco. O reforço aportou em Mileto na primavera de 498 a. C., e foi orquestrado um ataque surpresa a Sardes, obrigando o sátrapa Artafernes a retirar-se com suas tropas. Contudo, a cidade foi queimada acidentalmente, e as tropas jônicas foram perseguidas e derrotadas, forçando os aliados de Atenas e Erétria a voltar para suas cidades. Com esse episódio, ficou clara a superioridade da cavalaria persa. Em 498 a. C., as tropas jônicas obtiveram vitórias em Bizâncio e na região do Helesponto. Entretanto, no ano de 497 a. C., a ofensiva persa foi reorganizada em três exércitos responsáveis por recuperar o controle de cidades que os Jônios haviam conquistado. Assim sendo, os Persas prosseguiram com o ataque em várias frentes e, embora tivessem perdido algumas batalhas, acabaram por derrotar os Jônios em 493 a. C. Uma das reivindicações dos povos da Jônia, durante a revolta, era a maior participação política nas decisões das cidades, fato que levou o rei Dario, então, a determinar nessas cidades a instauração de uma espécie de “democracia”. Aos poucos, os Persas, sob o comando de Mardônio, tentaram estabelecer bases no território grego. Os Persas tentaram submeter a Trácia e a Macedônia, regiões estratégicas ao norte do mar Egeu, mas não foram bemsucedidos num primeiro momento. Entretanto, em seguida, submeteram a região, formando uma satrapia em que eram cunhados metais, sobretudo a prata. Após estabelecer essa base no território grego, os Persas tiveram grande prosperidade por causa das transações comerciais, e, mesmo depois da retirada de Mardônio em 491 a. C., a satrapia estava bem organizada e servira como base para operações futuras. Assim, Dario ordenou que fossem construídos navios de guerra e carros que pudessem transportar cavalos. Em seguida, enviou mensageiros à Grécia que exigiram a submissão ao poder do Império Persa. Ficou claro para os Gregos que a invasão persa estava prestes a concretizar-se. 74 Assim, a batalha de Maratona ocorreu em 13 de agosto de 490 a. C. e contou com a participação de Atenienses, ajudados pelos habitantes de Plateias. Os Persas, comandados por Dátis e Artafernes, estavam em maior número e contavam com uma cavalaria e arqueiros. Os Gregos, em contrapartida, levavam vantagem em relação à uniformidade e à excelente forma física de seu exército. Como assinala Murray (2006, p. 510), os persas, por conta dos arqueiros, levavam vantagem quando lutavam com povos asiáticos, mas nos conflitos com os Gregos, que usavam armaduras de bronze, essa vantagem era reduzida. Estes, comandados por Milcíades, venceram os inimigos em terra. Entretanto, os Persas, que contavam com uma frota grande de navios, navegaram até o Cabo Súnio para atacar Atenas diretamente. A cidade encontrava-se com poucas tropas, já que a maior parte do exército tinha sido enviada a Maratona. Essas tropas, quando perceberam a manobra dos Persas, partiram em direção a Atenas para proteger a cidade. Acresce, ainda, que por razões religiosas, era época do festival de Carneia81, os Espartanos chegaram a Maratona depois do término da batalha. Durante o conflito em Maratona, muitos Atenienses morreram, e foram erguidos memoriais em Atenas e no campo de batalha em honra dos que pereceram em combate. O hábito de erguer monumentos e instituir prêmios àqueles que se destacaram na guerra, em competições atléticas, poéticas, entre outras era um dos principais meios de louvar os vencedores. Higbie (2010, p.183) destaca, por exemplo, que, em Ilíada, Aquiles premiara os vencedores dos jogos funerários em honra de Pátroclo com trípodes 82, e, em Trabalhos e Dias, Hesíodo revela ter ganhado uma trípode83 nos jogos funerários em honra de Anfidamante. Assinala ainda que, em Atenas, havia a rua das trípodes, lugar em que os vencedores das composições dramáticas expunham seus prêmios. Em relação às vitórias no campo de batalha, segundo a autora, encontra-se em Tucídides (I, 132, 2) o testemunho de que os Gregos dedicaram uma trípode em Delfos para celebrar o triunfo contra os Persas: καὶ ὅτι ἐπὶ τὸν τρίποδά ποτε τὸν ἐν Δελφοῖς, ὃν ἀνέθεσαν οἱ Ἕλληνες ἀπὸ τῶν Μήδων ἀκροθίνιον, ἠξίωσεν ἐπιγράψασθαι αὐτὸς ἰδίᾳ τὸ ἐλεγεῖον τόδε· 81 O festival de Carneia era realizado em honra de Apolo Carneus (protetor dos rebanhos) em Esparta e durava cerca de nove dias. Era uma celebração ligada às colheitas, como comprova a existência de uma corrida de meninos que portavam cachos de uva, mas também aludia à organização militar da cidade. Com o passar do tempo, foi adicionada ao festival uma competição de poesia e música que atraía artistas de várias localidades da Grécia. 82 Ilíada, XXIII, vv. 264-702. 83 Trabalhos e Dias, vv. 653-9. 75 “Ἑλλήνων ἀρχηγὸς ἐπεὶ στρατὸν ὤλεσε Μήδων, Παυσανίας Φοίβῳ μνῆμ᾽ ἀνέθηκε τόδε. e que, certa vez, sobre a trípode de Delfos, que os Gregos dedicaram como despojos dos Medos, ele mesmo, por conta própria, decidiu inscrever este dístico: Depois que o chefe militar dos Gregos, Pausânias, destruiu o exército dos Medos, a Febo84 consagrou este monumento. Com efeito, a consagração de trípodes não era restrita a competições de cunho esportivo ou dramático. No excerto citado, tem-se uma trípode para honrar o sucesso na guerra. Higbie (2010, p. 183) afirma que a composição de poesia em homenagem aos vencedores de competições, como se verifica nas odes de Píndaro e até mesmo na poesia de Simônides, era análoga à premiação com trípodes. Para a estudiosa, a dedicação de prêmios, a composição de poesias e o estabelecimento de monumentos ocorriam em todos os tipos de competições, fosse de cunho artístico, atlético ou bélico. Para Higbie (2010, p. 184), era “prerrogativa do vencedor mostrar sua vitória e afirmar seu kléos e, ao fazê-lo, deixaria uma lembrança para as gerações futuras”. No que diz respeito à poesia como forma de honrar os que lutaram nas Guerras Médicas, destacam-se da produção literária de Simônides de Ceos, considerado pela tradição o cantor das Guerras Médicas, elegias e epigramas, que constituem não só um memorial da valentia guerreira dos Gregos mas também um importante instrumento de informações históricas. Do corpus epigramático de Simônides destacam-se dois epigramas referentes à batalha de Maratona: um sobre a dedicação do general ateniense Milcíades a Pã85, e outro sobre os Gregos que lutaram em Maratona. Sabe-se que esse general ateniense foi responsável pelo sucesso dessa batalha, pois, graças às suas estratégias, os Gregos, mesmo em menor número, conseguiram derrotar os Persas. Atesta-o o epigrama V: τὸν τραγόπουν ἐμὲ Πᾶνα, τὸν Ἀρκάδα, τὸν κατὰ Μήδων, 84 Epigrama XVII Page Sobre o culto a Pã, vale mencionar o testemunho de Heródoto (VI, 105) que relata ter Fidípides, depois de ter visto o deus, convencido os Atenienses de prestar culto à divindade e erguer-lhe um templo. 76 85 τὸν μετ`Ἀθηναίων, στήσατο Μιλτιάδης. (Epigrama V) Eu, Pã, de pés caprinos, o arcádio, o que estava contra os Medos, o que estava com os Atenienses, Milcíades me erigiu. Nota-se que a comunicação entre o monumento e o passante é feita em primeira pessoa, marcada pelo pronome pessoal ἐμὲ que representa o deus Pã, cujo epíteto, τραγόπουν “pés caprinos” é atestado apenas nesta inscrição e em outro epigrama constante da Antologia Palatina (VI, 315). Há, ainda, uma referência à oposição entre Gregos e Persas por meio do emprego das estruturas análogas τὸν κατὰ Μήδων e τὸν μετ`Ἀθηναίων para expressar que o deus Pã protegia os Atenienses e não os Persas, como assinalam as preposições μετὰ e κατὰ utilizadas para indicar companhia e hostilidade, respectivamente. O epigrama XXI, por outro lado, apresenta um caráter mais coletivo, ou seja, sublinha a ação pan-helênica dos Atenienses, tendo em vista terem sido eles os responsáveis pela vitória em Maratona. Assinale-se a respeito do pan-helenismo o emprego dos termos Ἑλλήνων, iniciando o hexâmetro, e, no segundo hemistíquio, de Ἀθηναῖοι e Μαραθῶνι que assinalam, respectivamente, a ação bélica dos Atenienses e o local de vitória dos Gregos. Ἑλλήνων προμαχοῦντες Ἀθηναῖοι Μαραθῶνι χρυσοφόρων Μήδων ἐστόρεσαν δύναμιν. (Epigrama XXI) Para combater pelos Gregos em Maratona, os Atenienses abateram o poder dos Medos, adornados de ouro. Esse epigrama é citado, de forma anônima, por Licurgo, orador ateniense do século IV a. C., em Oração contra Leócrates (109), no verbete ποικίλη na Suda e num escólio ao discurso ὑπὲρ τῶν τεττάρων, de Aristides, referido na única edição de Frommel (apud BRAVI, 2006, p. 73), que relata terem sido gravadas inscrições em homenagem à coragem 77 dos Espartanos. Em relação à autenticidade do referido epigrama, Molyneux (1992, p. 14951) destaca o fato de não haver testemunho antigo que atribua o epigrama a Simônides. Entretanto, o estudioso não chega a descartar a autoria simonídea, pois, considerando inscrições e comentários, supõe que o poeta de Ceos tenha, de fato, participado das comemorações da vitória dos Gregos em Maratona. A respeito da origem desse epigrama, tanto Page (1981, p. 227) quanto Bravi (2006, p. 74) apresentam as considerações de Jacoby86 sobre a origem não epigráfica do texto, quais sejam: o tom impessoal, a falta de informação acerca dos mortos, do funeral ou de quem dedicou a inscrição. Ressalte-se ainda que, de acordo com o testemunho de Pausânias em Descrição da Grécia I, 32.1 (apud Page, 1981, p. 227), havia um epigrama em homenagem aos combatentes atenienses que pereceram em Maratona e, junto com a inscrição, uma lista com os respectivos nomes. Era costume erguer monumentos em homenagem aos soldados no lugar em que pereceram, e não em sua cidade natal. Com base nessas informações, Jacoby concluiu que, se a inscrição estava gravada em Maratona em honra aos Atenienses, o emprego dos vocábulos Ἀθηναῖοι e Μαραθῶνι não se justificariam. Em relação ao conteúdo, é possível notar que os Atenienses são o centro do epigrama, uma vez que lutaram pelos Gregos na primeira linha de batalha, como ilustra o preverbo πρό, com o sentido de "para a defesa de, por", da forma participial προμαχοῦντες. Para Arnould (1981, p. 261), ainda que a luta pela Grécia sinalizasse uma espécie de pan-helenismo, o fato de Atenas ser o destaque do epigrama pode indicar um protagonismo da cidade em relação às outras. Observe-se, também, no pentâmetro, a presença do adjetivo χρυσοφόρων “adornados de ouro” alusivo à riqueza dos Persas, como corroboram os textos87 de Ésquilo, Heródoto, e Aristófanes, e ainda o vocábulo δύναμιν “poder”, que realçam o poderio do império persa derrotado pelos Atenienses. Aliás, a participação dos Atenienses na vitória contra os Persas, que tentaram submeter toda a Grécia à escravidão, é bem assinalada no epigrama XVIII, alusivo à atuação guerreira bem-sucedida dos Atenienses, cuja participação foi decisiva para expulsar os Persas da Grécia e livrá-la da escravidão: παῖδες Ἀθηναίων Περσῶν στρατὸν ἐξολέσαντες 86 87 Cf. Page, 1981, p. 227-8. Persas, vv. 3, 9, 45, 53, 79; Histórias, III, 95/ IX, 80; Acarnenses, vv. 66-125. 78 ἤρκεσαν ἀργαλέην πατρίδι δουλοσύνην. (Epigrama XVIII) Os filhos dos Atenienses, tendo expulsado o exército dos Persas, repeliram a terrível escravidão da pátria. O epigrama figura na Antologia Palatina (VII, 257) e também na de Planudes sendo considerado como anônimo. Foi citado por um escoliasta de Élio Aristides como epigrama simonídeo, opinião compartilhada por Hauvette (1896, p.121) que afirma ser o dístico mais um dos que comemoram o sucesso em Maratona, assim como o XXI. Entretanto, Page (1981, p. 217), seguindo a opinião de outros estudiosos88, julga ter sido o epigrama provavelmente um exercício literário tardio. O tema da escravidão, δουλοσύνη, é apresentado no epigrama em questão como a consequência mais trágica de uma eventual derrota dos Gregos, fato ratificado pelo emprego do adjetivo ἀργαλέην "terrível". A respeito do destino dos vencidos, imposto pelos vencedores como resultado da guerra, pode-se mencionar Garlan (1989, p. 75-6), segundo o qual uma vez capturados os prisioneiros poderiam ter os seguintes destinos: a escravidão, a morte, a liberdade por meio de resgate e a participação no exército vencedor. Portanto, o destino de um prisioneiro variava de acordo com o tipo de vitória (por rendição ou captura), a vontade do vitorioso e a origem do prisioneiro (se fosse nobre poderia ser pedido um resgate). Quanto à escravidão, Garlan diz existirem dois tipos de servidão 89 praticados na Grécia, a comunitária e a "escravidão-mercadoria", definidas do seguinte modo, respectivamente: 88 Cf. Page, 1981, p. 217. Sobre a população servil da Grécia, Garlan (1989, p. 76-8) observa haver uma escassez de registros acerca dos escravos, excetuando-se apenas uma lista ateniense feita em 414 a. C., na qual predominam os de origem bárbara, e uma de escravos mortos no período Helenístico, em que o número de escravos estrangeiros e gregos é mais equilibrado. A maioria dos textos que menciona os escravos utiliza, afirma o citado estudioso, as palavras “bárbaros” ou “bárbaros comprados”. Para o estudioso, é pouco provável que a guerra tenha sido o meio mais utilizado para adquirir escravos de origem bárbara, tendo em vista que os Gregos lutaram mais entre si do que com outros povos. Outra observação de Garlan é a constante presença, em textos literários, do tema da escravidão dos Gregos, inversamente proporcional à realidade do mundo helênico. Para Garlan (1989, p. 81-3), uma das razões para a baixa quantidade de escravos de origem grega deveu-se a alguns fatores: a solidariedade de outros Gregos que, além de impedir a venda de concidadãos, podiam atuar no resgate dos que já haviam sido vendidos, e as relações diplomáticas mantidas entre as cidades gregas. A predominância de escravos de origem bárbara justifica-se, de acordo com Garlan (1989, p. 84-6), pelo desenvolvimento do comércio com regiões circundantes ao mundo grego no século VI a. C., fato que ampliou o comércio de escravos, e, consequentemente, a “escravidão-mercadoria”. Note-se que em cidades cujo comércio era mais desenvolvido, como Atenas, Quios, Corinto e Egina, esse tipo de escravidão teve um crescimento maior. 79 89 determinado número de populações indígenas, de origem grega ou não, que foram coletivamente atingidas por uma espécie de escravidão condicional por uma comunidade grega da vizinhança.(...) elas gozavam de certas garantias: (...) de viver reunidas em famílias e aldeias e de não ser vendidas ao estrangeiro. a escravidão-mercadoria de tipo ateniense (mais ou menos difundida na totalidade do mundo grego). Atingia a título inidvidual seres desenraizados de sua comunidade natural, que eram em seguida tratados como objeto de propriedade desprovido de qualquer direito e mesmo de toda proteção, a não ser a que seu senhor, em interesse próprio, lhes assegurava. A evasão definitiva da escravidão na Grécia nesse período põe em destaque, como se observa no epigrama em análise, a atuação dos Atenienses durante as Guerras Médicas, uma vez que foram “os filhos dos Atenienses” (παῖδες Ἀθηναίων) os responsáveis pela expulsão do exército persa, como bem explicita o emprego do verbo ἐξόλλυμι "expulsar, destruir, aniquilar" em sua forma participial ἐξολέσαντες, que indica uma ação anterior à conquista da liberdade do verbo principal ἀρκέω "afastar, repelir" (ἤρκεσαν). Já em Ilíada, canto VI versos 456-63, o temor da escravidão é abordado no diálogo entre Heitor e Andrômaca 90 no qual o guerreiro troiano expressa sua preocupação com o futuro de sua esposa na condição de cativa, caso Troia fosse dominada pelos Aqueus: καί κεν ἐν Ἄργει ἐοῦσα πρὸς ἄλλης ἱστὸν ὑφαίνοις, καί κεν ὕδωρ φορέοις Μεσσηΐδος ἢ Ὑπερείης πόλλ᾽ ἀεκαζομένη, κρατερὴ δ᾽ ἐπικείσετ᾽ ἀνάγκη· καί ποτέ τις εἴπῃσιν ἰδὼν κατὰ δάκρυ χέουσαν· Ἕκτορος ἥδε γυνὴ ὃς ἀριστεύεσκε μάχεσθαι Τρώων ἱπποδάμων ὅτε Ἴλιον ἀμφεμάχοντο. ὥς ποτέ τις ἐρέει· σοὶ δ᾽ αὖ νέον ἔσσεται ἄλγος χήτεϊ τοιοῦδ᾽ ἀνδρὸς ἀμύνειν δούλιον ἦμαρ. e estando em Argos tecerás um véu sob às ordens de uma outra, e, muito contra a vontade, levarás água da Messeida ou da Hipereia, e uma forte necessidade se abaterá sobre ti; e, um dia, alguém falará ao ver-te derramando lágrimas: "Esta é a mulher de Heitor que, dos Troianos domadores de cavalos, era o primeiro no combate, quando combatiam em torno de Ílion". Assim, um dia alguém dirá. E para ti haverá outra vez uma nova dor, com a falta de um marido para livrar-te do dia da escravidão. Heitor descreve a humilhação sofrida por quem se torna escravo em decorrência da guerra, sobretudo sendo membro da aristocracia, como bem assinala a forma verbal iterativa de 90 A escravidão de Andrômaca é retratada por Eurípides na tragédia homônima na qual a esposa de Heitor, na condiçao de escrava, relembra, em tom de lamento, a tomada de sua cidade e a morte de seu marido, assumindo, como assinala Ribeiro Ferreira (1972, p. 455), uma “atitude nobre de quem sabe aceitar e suportar com dignidade os sofrimentos”. 80 ἀριστεύω "ser o primeiro" (ἀριστεύεσκε). Acrescente-se ainda que, embora não haja o emprego do vocábulo δουλοσύνη "escravidão", observa-se o uso do sintagma δούλιον ἦμαρ que em Homero significa a própria escravidão. A vitória grega em Maratona não foi suficiente para afastar de vez o perigo que vinha do Oriente. Em 486 a. C., com a morte de Dario, seu filho Xerxes ascendeu ao trono persa e começou a preparar uma ofensiva ainda maior contra a Grécia. Os engenheiros de Xerxes, a partir do ano de 483 a. C., começaram a cavar um canal na península de Athos para ligar o rio Nilo ao mar Negro. Além disso, o soberano persa mandou construir pontes para facilitar o deslocamento de suas tropas. Murray (2006, p. 532) observa que a magnitude das obras persas já indicava que a ofensiva de Xerxes seria grande, fato entrevisto no epigrama XXIIa de Simônides, composto provavelmente após a batalha das Termópilas. Embora Atenas e Esparta soubessem que a ofensiva persa ocorreria de forma maior e estivessem preparando suas tropas para uma nova invasão, demoraram para se reunir com outras cidades. As tropas persas já estavam em Sardes quando Atenas e Esparta tentaram organizar uma resistência. Esparta convocou representantes de várias cidades gregas para discutir que medidas de resistência seriam tomadas. As póleis que atenderam a solicitação prestaram juramento e concordaram em acabar com quaisquer conflitos entre si para que pudessem ajudar umas às outras na guerra contra os Persas. De acordo com o testemunho de Pausânias (III, 12.6), os povos aliados91 denominaram-se Ἑλλήνων “helenos ou gregos”, o que ratifica o pan-helenismo. Em relação ao comando da resistência grega, Esparta foi escolhida como líder das tropas em terra por conta de sua força militar. Atenas reivindicou a liderança das forças marítimas, pois possuía uma grande frota de navios. Contudo, as cidades aliadas resolveram dar também a Esparta essa liderança. Assinala Murray (2006, p. 543) que esse tipo de comando não interferiu na estrutura política das cidades. Essa aliança entre as cidades gregas 91 O epigrama XXIII, citado por Estrabão (9.4.2), de acordo com Ferreira (2013, p. 273), é o único sobre a batalha das Termópilas que apresenta a noção de pan-helenismo, tendo em vista que o exército dos Lócrios, aliados do exército espartano, foi dizimado pelos Medos em defesa da Hélade: τούσδε ποθεῖ φθιμένους ὑπὲρ Ἑλλάδος ἀντία Μήδων μητρόπολις Λοκρῶν εὐθυνόμων Ὀπόεις. Lamenta os que morreram pela Hélade contra os Medos Opunte, capital dos Lócrios de leis corretas. Na classificação de Bravi (2006, p. 35), o epigrama XXIII é considerado não simonídeo. 81 foi denominada Liga Grega, formada por Esparta, Atenas, Plateias e Micenas, tendo a primeira como líder. Após uma tentativa frustrada de bloquear o avanço de Xerxes no vale de Tempe, a Liga Grega decidiu estabelecer duas linhas defensivas: por terra, nas Termópilas, e por mar, no Artemísio. Sabe-se que, assim como ocorreu em Maratona em 490 a. C., os Espartanos não puderam enviar um grande número de soldados por motivos religiosos, pois era época do festival de Carneia em honra de Apolo. Nesse contexto, Lêonidas, um dos reis de Esparta, partiu com aproximadamente 300 homens de sua guarda pessoal para o desfiladeiro das Termópilas. Note-se, ainda, que, além do festival de Carneia, estavam sendo realizados os Jogos Olímpicos, o que impunha uma trégua sagrada. Esse pode ter sido, então, o motivo do envio de poucos homens por parte das cidades da região do Peloponeso. Segundo Hammond (2006, p. 546), Leônidas contava com aproximadamente 5000 homens, o que teria sido suficiente para guardar a passagem das Termópilas até que os outros aliados chegassem. Contudo, havia outra rota e, embora Leônidas tivesse pedido ajuda às cidades gregas mais próximas, o exército persa estava em maior número e, consequentemente, podia massacrar as tropas gregas. A despeito das sugestões para que se retirassem do desfiladeiro, o soberano espartano resolveu guardar a passagem e enviar mensagens pedindo ajuda à Liga Grega. Como destacou Murray (2006, p. 549), ao não ter feito uma missão de reconhecimento, que pudesse ter revelado a existência de uma segunda passagem no desfiladeiro, possibilitando aos Gregos traçar outra estratégia, a Liga falhou. A batalha das Termópilas, ocorrida provavelmente em 20 de agosto de 480 a. C., é lembrada sobretudo pelo sacrifício empreendido por Leônidas e seus soldados que, de acordo com Heródoto (VII, 195-223), lutaram bravamente para defender o desfiladeiro, mas foram vítimas da traição de Efialtes, que revelou aos Persas a existência de uma passagem secreta pela montanha. Neste contexto, destacaram-se, no testemunho do historiador, duas figuras: o vidente Megístias e Leônidas, rei de Esparta. Como narra o historiador, após prever que os Gregos seriam derrotados em combate no dia seguinte, Megístias foi encorajado pelo soberano de Esparta a partir com os aliados para que se salvassem. O adivinho, contudo, decidiu ficar com os Espartanos provando assim sua lealdade a Leônidas. O historiador informa, ainda, que o vidente era descendente de Melampo, nascido em Acarnânia, e tinha um filho que o acompanhava na batalha, poupado do destino funesto por ter partido, a mando de seu pai, com os aliados. 82 Ao prosseguir com seu relato, Heródoto então informa que os soldados mortos nas Termópilas foram enterrados no local da batalha, corroborando suas informações com a apresentação de três epigramas: o primeiro de caráter pan-helênico (XXIIa)92, o segundo dedicado aos Espartanos (XXIIb) e o terceiro em homenagem ao adivinho Megístias (VI) 93. Entretanto, essa passagem herodotiana suscitou dúvidas acerca da autoria das inscrições, pois o nome do poeta de Ceos só aparece diretamente ligado ao epigrama VI, referente a Megístias. Quanto aos dois outros epigramas citados, Heródoto os atribui aos Anfictíones94. A discussão entre os estudiosos, entre os quais Page e Molyneux, citados a seguir, foi motivada pela forma participial de ἐπιγράφω “escrever sobre, inscrever e gravar uma inscrição”, (ἐπιγράψας). Na opinião de Page (1975, p. 18), a forma participial ἐπιγράψας designa a aquele que gravou a inscrição, como comprova o aparato crítico do referido epigrama "ἐπιγράψας = epigramma scripsit". Entretanto, o estudioso, em um estudo posterior, assinala que o termo denota a pessoa responsável pelo estabelecimento e custo da inscrição, o que não pressupõe autoria. Convém lembrar que, considerando o contexto, a possibilidade de atribuição a Simônides pode ser virtualmente aceita (PAGE, 1981, p. 196). Sobre os epigramas XXIIa e XXIIb, citados junto com o VI, Page (1981, p. 231) alega que a imputação ao poeta de Ceos não é possível com base no contexto, uma vez que Heródoto, ao explicitar que os Anfictíones foram os responsáveis pelos referidos epigramas, não pretendia associar Simônides a essas inscrições. Por sua vez, Molyneux (1992, p. 177-9) é de opinião que, a despeito de o termo ἐπιγράψας não denotar explicitamente a autoria simonídea, é possível inferir que o poeta de Ceos tenha sido o autor do epigrama VI. Quanto às outras inscrições (XXIIa e XXIIb), é provável a atribuição a Simônides, pois, como observa o estudioso, o poeta de Ceos pode ter sido o responsável pelo estabelecimento de um memorial separado para Megístias, tendo em vista a amizade dos dois, podendo ter sido comissionado pelos Anfictíones para compor os outros epigramas. A respeito dessa discussão, vale mencionar a opinião de Ferreira (2013, p. 269, n. 37): 92 Esse epigrama figura também na Antologia Palatina (VII, 248) com atribuição a Simônides. Cf. p. 86-7. 94 Cada membro do conselho de representantes dos antigos Estados gregos que se reuniam para deliberar sobre negócios de interesse geral. 93 83 Num primeiro momento, o historiador observa que os heróis foram homenageados com inscrições e estelas por iniciativa dos Anfictíones. Num segundo momento, especifica que da homenagem a Megístias se ocupou Simónides pelos laços de hospitalidade que os uniam. Em nossa opinião, a antítese (μὲν... δέ) diz respeito ao carácter destas homenagens, a primeira é oficial e segue um costume cívico, a segunda é de ordem particular. A estudiosa cita, ainda, a opinião de Wade-Gery, Robbins e Gerber que também julgam ter sido Simônides o autor do epigrama dedicado a Megístias. O primeiro desses estudiosos, entretanto, além de conferir a Simônides a autoria do epigrama VI, atribui-lhe também os epigramas XXIIa e XXIIb, referentes à batalha das Termópilas, opinião compartilhada por Campbell (apud Ferreira, p. 272, n. 41). Heródoto (VII, 228), em sua narrativa sobre a batalha das Termópilas, citando o epigrama XXII(a), referente ao número reduzido de Gregos que lutaram contra os bárbaros no desfiladeiro, apresenta a concepção pan-helênica de luta pela liberdade: μυριάσιν ποτὲ τῇδε τριηκοσίαις ἐμάχοντο ἐκ Πελοποννάσου χιλιάδες τέτορες. (Epigrama XXIIa) Outrora, neste lugar, contra três milhões combateram, vindos do Peloponeso, quatro mil. Estruturado de maneira simples e concisa, o epigrama apresenta a desvantagem numérica dos Gregos em relação aos inimigos, o que põe em destaque a bravura helênica. Destaque-se o emprego do advérbio ποτέ que sugere a tentativa de perpetuar a coragem dos que pereceram nas Termópilas, pois, todas as vezes que um passante lesse o epigrama, seriam eles lembrados. Observa-se, ainda, o dêitico τῇδε “neste lugar”, que alude ao local da batalha. Para Page (1981, p. 228), a despeito da referência ao lugar de combate, esse epigrama não tem a forma nem a substância de um epitáfio, já que não há referência nem à morte nem ao sepultamento dos soldados, mas apenas exaltação da valentia de todos os que lutaram em defesa da liberdade da Grécia. 84 Outro aspecto relevante nesse epigrama é o número de inimigos, três milhões, que, de acordo com Buckley (1996, p. 127), parece exagerado para um exército na Antiguidade. O estudioso sustenta que a infantaria grega contava com, aproximadamente, 7.000 combatentes, dos quais 4.000 eram provenientes do Peloponeso. Em relação ao exército persa, Buckley (1996, p. 122) assinala que os números apresentados por Heródoto são improváveis e que os helenistas modernos rejeitam essa contagem estabelecendo um exército de 80.000 homens na infantaria e uma frota de 600 navios. Sobre a questão do exagero numérico, Ferreira (2013, p. 271) pensa ser justificável a hipérbole usada pela voz do poema, uma vez que se pretendia evocar a “admiração de gerações futuras”. A valentia dos guerreiros espartanos e seu comprometimento com os ideais da pólis lacedemônia constituem o tema do epigrama XXIIb atribuído a Simônides pela Antologia Palatina (VII, 249) e, de acordo com Campbell (1991, p. 542), citado por Licurgo, Diodoro Sículo e Estrabão e traduzido por Cícero. ὦ ξεῖν`, ἀγγέλλειν Λακεδαιμονίους ὅτι τῇδε κείμεθα τοῖς κείνων ῥήμασι πειθόμενοι. (Epigrama XXIIb) Ó estrangeiro, vai anunciar aos Lacedemônios que aqui jazemos por obedecermos às suas ordens. Inicia o hexâmetro o vocativo ὦ ξεῖν “ó estrangeiro”, um apelo ao passante. Tueller (2010, p. 51) admite que, nas épocas arcaica e clássica, o vocativo mais utilizado para alusão ao passante era ὁ παριών “o passante”. O termo ξένος começou a ser empregado com mais frequência para se referir ao passante no período helenístico. A origem desse uso deveu-se ao fato de os túmulos estarem localizados perto de estradas, fora das muralhas da cidade, e serem visitados por passantes, que, na maioria das vezes, eram viajantes, portanto, estrangeiros. O estudioso assinala, contudo, que o uso do termo ξένος no epigrama XXII (b) e também no de número XI - relativo aos Coríntios mortos na batalha de Salamina - apresenta-se em uma circunstância diferente: os guerreiros foram sepultados no local da batalha, isto é, em terra realmente estrangeira. Assim sendo, justifica-se a referência ao passante como “estrangeiro”. 85 Além disso, o estudioso aventa a hipótese de terem sido esses dois epigramas, por conterem o termo ξένος, os responsáveis pela popularização do uso desse termo no apelo ao passante. Além do emprego do dêitico τῇδε, indicando o local do sepultamento, convém citar o verbo κεῖμαι na primeira pessoa do plural, aludindo à coletividade dos guerreiros. Com base na análise de Bowra, Ferreira (2013, p. 272) afirma que o epigrama em questão apresenta, de forma concisa e austera, o valor dos guerreiros que “não morreram em vão, mas no cumprimento do seu dever e, por isso, têm de ser lembrados, sobretudo pelo seu povo”, como corrobora também o epigrama VII que, inserido na Antologia Palatina (VII, 301) e na Antologia de Planudes, homenageia os guerreiros que morreram lutando contra os Persas sob o comando de Leônidas: εὐκλέας αἶα κέκευθε, Λεωνίδα, οἳ μετὰ σεῖο τῇδ` ἔθανον, Σπάρτης εὐρυχόρου βασιλεῦ, πλείστων δὴ τόξων τε καὶ ὠκυπόδων σθένος ἵππων Μηδείων ἀνδρῶν δεξάμενοι πολέμῳ. (Epigrama VII) A terra cobre os ilustres varões, ó Leônidas, que contigo aqui morreram, rei da vasta Esparta, tendo enfrentado a força de numerosos arcos e também dos cavalos de pés rápidos dos Medos na guerra. O epigrama inicia-se com referência à bela morte, princípio cultivado pela aristocracia guerreira dos Poemas Homéricos. Entretanto, à diferença dos guerreiros homéricos que primavam pela busca da glória individual, no epigrama em questão, os Espartanos lutaram e morreram para proteger toda a Grécia da iminente escravidão imposta pelos Persas, o que demonstra o caráter coletivo da ação bélica, como bem assinala a oração relativa οἳ μετὰ σεῖο τῇδ` ἔθανον " que contigo aqui morreram". No primeiro verso, há menção ao rei de 86 Esparta, Leônidas, por meio do vocativo Λεωνίδα, conferindo ao epigrama um viés dialógico, isto é, uma comunicação direta entre o memorial e o próprio rei Leônidas, cujo poder se confirma pelo expressão Σπάρτης εὐρυχόρου βασιλεῦ “rei da vasta Esparta”. Note-se que a valentia dos guerreiros espartanos é aludida no terceiro verso do epigrama por meio da referência ao poderio bélico dos Medos, que possuíam muitos arqueiros e cavalos velozes. Destaque-se, no último verso, a menção aos Medos por meio do vocábulo Μηδείων, e a alusão à guerra, com o emprego de πολέμῳ. A exaltação de um sacrifício feito como demonstração de lealdade ao código militar e em prol do bem comum é encontrada também no epigrama dedicado ao vidente Megístias: μνῆμα τόδε κλεινοῖο Μεγιστία, ὅν ποτε Μῆδοι Σπερχειὸν ποταμὸν κεῖναν ἀμειψαμένοι, μάντιος, ὃς τότε Κῆρας ἐπερχομένας σάφα εἰδώς οὐκ ἔτλη Σπάρτης ἡγεμόνας προλιπεῖν. (Epigrama VI) Este é o túmulo do célebre Megístias, que, outrora, os Medos, depois de terem atravessado o rio Esperqueu, mataram, um vidente, que, bem ciente da aproximação das Queres, não suportou abandonar os chefes de Esparta. Esse epigrama foi citado por Heródoto (VII, 228) com atribuição a Simônides e figura também na Antologia Palatina (VII, 677) como um poema anônimo. De acordo com Page (1981, p. 196), o epigrama VI é o único que pode ser atribuído ao poeta de Ceos com certa confiabilidade, tendo em vista não só o testemunho do célebre historiador, mas também a possibilidade de uma suposta amizade entre o poeta de Ceos e o vidente. Em relação ao conteúdo, é possível destacar que esse epigrama apresenta um diferencial em relação aos dois outros já comentados. Enquanto o primeiro apresenta uma concepção pan-helênica da resistência grega aos Persas (epigrama XXIIa), e o segundo exalta 87 somente a bravura dos Espartanos na batalha das Termópilas (epigrama XXIIb). No epigrama dedicado a Megístias, observa-se o elogio a um indivíduo, o que constitui, na opinião de Arnould (1981, p. 262), uma exceção, tendo em vista que os epigramas simonídeos, que tratam das Guerras Médicas, geralmente se referem a um corpo cívico. No primeiro dístico, pode destacar-se o emprego do vocábulo μνῆμα “monumento fúnebre”, “lembrança”, “memorial” que, acompanhado do dêitico τόδε, enfatiza a presença do morto entre os vivos, entre os passantes. Em seguida, o nome do falecido Megístias95 é mencionado tendo como atributo o adjetivo κλεινοῖο “célebre” que, segundo Ferreira (2013, p. 268), assume nesse contexto um valor especial, uma vez que o vidente era famoso antes de sua morte. Ainda no primeiro dístico, a oração introduzida pelo pronome relativo ὅν informa o modo como o adivinho morrera - assassinado pelos Medos - e o local onde a morte ocorrera - próximo ao rio Esperqueu situado ao norte do desfiladeiro das Termópilas (CAMPBELL, p. 565). Acerca do local da morte de Megístias, observou Ferreira (2013, p. 268) que a tomada do rio Esperqueu condenou à fatídica morte os guerreiros espartanos. No segundo dístico, é significativa a oração introduzida pelo relativo ὃς, que revela já ter o adivinho conhecimento prévio de sua morte, como bem assinalam a alusão às deusas da morte, as Queres, e o emprego do particípio εἰδώς, reforçado pelo advérbio σάφα. No último verso, o sacrifício de Megístias e sua lealdade a Leônidas, rei de Esparta, ficam evidentes, uma vez que, mesmo sabendo que pereceria, o vidente resolveu ficar no desfiladeiro das Termópilas e morrer em defesa da liberdade da Grécia. Simultânea à batalha das Termópilas, foi a batalha naval do Artemísio 96 em 23 de agosto de 480 a. C., marcada por reveses persas. Fortes tempestades atingiram os navios 95 Sobre Megístias conferir p. 52. Segundo Ferreira (2013, p. 274), o epigrama XXIV, referente à batalha do Artemísio, citado por Plutarco como anônimo em Vida de Temístocles (8. 4-5) e em De Herodoti malignitate (34.867), é atribuído a Simônides com base nas hipóteses de editores modernos: XXIV παντοδαπῶν ἀνδρῶν γενεὰς Ἀσίας ἀπὸ χώρας παῖδες Ἀθηναίων τῷδέ ποτ᾽ ἐν πελάγει ναυμαχίᾳ δαμάσαντες, ἐπεὶ στρατὸς ὤλετο Μήδων σήματα ταῦτ᾽ ἔθεσαν παρθένῳ Ἀρτέμιδι. raças de homens de todas as classes, provenientes do território da Ásia os filhos dos Atenienses certa vez, em alto mar, tendo-os dominado numa batalha naval – quando o exército dos Medos foi aniquilado -, dedicaram estes monumentos à virgem Ártemis. 88 96 persas em Magnésia e na Eubeia, causando a perda de parte da frota. Os Gregos, que receberam um reforço de 53 navios atenienses, aproveitaram a ocasião para atacar os Persas. Como resultado do ataque, conseguiram capturar 30 trirremes e quase destruir a esquadra da Cilícia. Os Persas, por sua vez, reagiram e, no terceiro dia, tomaram a iniciativa de atacar os Gregos, destruindo alguns de seus navios. Houve perdas significativas dos dois lados, porém, quando a notícia do que havia acontecido nas Termópilas chegou aos Gregos, não houve justificativa para que continuassem a combater, retirando-se da batalha pelo canal de Oreo. Segundo Murray (2006, p. 558), as batalhas das Termópilas e do Artemísio serviram para que os Gregos ganhassem experiência no combate naval. Além disso, assinala que o ato heroico no desfiladeiro das Termópilas serviu para mostrar a coragem dos guerreiros e a vontade de vencer, mesmo em circunstâncias adversas, o que pode ter encorajado e inspirado os Gregos a seguir esse exemplo na luta contra os Persas. Após as citadas batalhas, foi adotada a proposta de Temístocles, comandante militar ateniense, segundo o qual Atenas deveria ser evacuada, e os esforços de guerra deveriam ser concentrados nas investidas pelo mar. Assim, mulheres e crianças foram mandadas para fora da cidade para um lugar mais seguro; os navios e os soldados, assim como os suprimentos, foram deslocados para a ilha de Salamina. Atenas estava praticamente vazia, havendo somente algumas pessoas na Acrópole, quando Xerxes chegou à cidade. Os Persas tomaram o Areópago, e, em seguida, a Acrópole; alguns Gregos se jogaram do alto da cidade, e os que ofereceram resistência aos Persas foram assassinados. Após esses fatos, a Acrópole e o resto da cidade foram incendiados. Enquanto a frota grega se encaminhava para Salamina, soldados de várias cidades aliadas se dirigiam para o Istmo de Corinto a fim de defendê-lo, construindo uma muralha de pedra, tijolo e areia. Para os Gregos, seria mais vantajoso enfrentar os Persas no estreito de Salamina do que em mar aberto. Levando em consideração os acontecimentos das Termópilas, Xerxes supôs que os Gregos estivessem com problemas internos, resolveu atacálos e tomar a ilha de Salamina. Convém assinalar o papel de Temístocles no planejamento da Na análise desse epigrama, a autora observa que os sintagmas παντοδαπῶν ἀνδρῶν e παῖδες Ἀθηναίων enfatizam o grande número de aliados dos Persas em oposição aos Atenienses. Menciona a autora o comentário de Page (1981, p. 236-7), segundo o qual o emprego da forma participial δαμάσαντες (particípio aoristo nominativo masculino plural de δαμάζω, "subjugar, submeter à força" é inapropriado tendo em vista que, nessa batalha, tanto os Gregos quanto os Persas tiveram grandes baixas. A esse respeito Ferreira (2013, p. 274) assinala que, por tratar-se de uma dedicatória, o exagero é compreensível. Atente-se para o fato de que na classificação dos epigramas simonídeos de Bravi (2006, p. 35), o epigrama XXIV é considerado inautêntico. 89 estratégia de ataque, visto que, tendo equipado 200 trirremes gregas e treinado homens para comandá-las, sabia ser essencial que a batalha naval ocorresse no estreito. Para alcançar a vitória, os Gregos precisavam atrair os Persas para o canal e o fizeram deslocando algumas trirremes, dando a impressão de evasão da batalha. Como resultado, Xerxes, que observava de seu trono a movimentação grega, ordenou que suas tropas avançassem. Lutando em seu território, os Gregos conseguiram sobrepujar a força dos navios persas e alcançaram a almejada vitória, contando com a liderança de comandantes como Demócrito, mencionado no epigrama XIXa, citado por Plutarco em Da malícia de Heródoto (896c). O epigrama em questão foi utilizado pelo historiador para contestar uma afirmação do livro VIII (46, 3) de História, no qual afirma que os Náxios enviaram quatro navios para os Persas, mas foram convencidos por Demócrito a lutar pelos Gregos. De acordo com Plutarco, Heródoto inventou essa informação para desacreditar os Náxios, concepção contrária à encontrada no epigrama de Simônides que comprova o valor desse povo, sobretudo de seu comandante Demócrito. O epigrama narra o êxito desse comandante na tomada das naus dos Persas e ainda da recuperação de uma nau grega durante a batalha de Salamina: Δημόκριτος τρίτος ἦρξε μάχης ὅτε πὰρ Σαλαμῖνα Ἕλληνες Μήδοις σύμβαλον ἐν πελάγει πέντε δὲ νῆας ἕλεν δηίων, ἕκτην δ` ὑπὸ χειρός ῥύσατο βαρβαρικῆς Δωρίδ` ἁλισκομένην. (Epigrama XIXa) Demócrito foi o terceiro a começar o combate, quando, ao longo de Salamina, os Gregos combateram os Medos em alto mar. Tomou cinco naus dos inimigos, e uma sexta, a dórica, capturada por mãos bárbaras, salvou-a. A respeito desse epigrama, Hauvette (1896, p. 54) destaca que, ao contrário da maioria dos epigramas, não foi composto no estilo de inscrições votivas ou funerárias, isto é, não seguiu uma fórmula. Page (1982, p.219) assinalou esse aspecto ao afirmar que o epigrama em 90 questão não é dedicatório nem sepulcral, fato apontado por Bravi (2006, p.72), que assinala a dificuldade de classificação do poema como um epigrama, tendo em vista que seu estilo não remete a inscrições fúnebres ou votivas. Em relação à língua, Hauvette (1896, p. 53) indica o emprego de formas tomadas da épica, como δηίων e ῥύσατο, e também da forma jônica νῆας. Bravi (2006, p. 73), por sua vez, lembra que o referido epigrama apresenta algumas particularidades, como o uso do numeral τρίτος "terceiro", que suscita questionamentos acerca da extensão do poema. De fato, ao empregar o ordinal, é possível inferir que, se há um “terceiro” comandante, pode ter havido um “segundo” e um “primeiro”. Molyneux (1992, p.190) aponta para o fato de Willamowitz 97 ter considerado que o referido epigrama era parte de uma elegia simonídea intitulada “A batalha naval de Salamina”, visão compartilhada, segundo o estudioso, por Podlecki e Barigazzi. Apesar de Page (1982, p. 219) reconhecer que alguns elementos do epigrama podem ser de um epigrama maior, como a oração Δημόκριτος τρίτος ἦρξε μάχης " Demócrito foi o terceiro a começar o combate" é possível, com base no conteúdo, considerá-lo um epigrama completo, visto que apresenta as seguintes informações: o lugar onde ocorreu a batalha (πὰρ Σαλαμῖνα), quem lutou (Ἕλληνες/Μήδοις), quem se destacou (Δημόκριτος) e os feitos de Demócrito (ἦρξε μάχης, πέντε δὲ νῆας ἕλεν δηίων, ῥύσατο βαρβαρικῆς Δωρίδ` ἁλισκομένην). Em razão dessas características, pode-se dizer, segundo Page (1981, p. 219), que o epigrama XIXa é um poema completo, e não parte de uma elegia. A tese de Page é corroborada por Bravi (2006, p. 72), ao observar que, a despeito de o epigrama ter um “andamento narrativo”, apresenta um texto conciso que é próprio de inscrições. Em relação ao conteúdo, é possível destacar, além da menção a Demócrito de Naxos, o uso do substantivo μάχη "combate" e do verbo συμβάλω (σύμβαλον) "lutar, combater", ambos pertencentes ao campo semântico da guerra. Destaque-se a menção aos Persas denominados Μήδοις, "Medos", no primeiro dístico, e lembrados pelo sintagma ὑπὸ χειρός... βαρβαρικῆς, "por mãos bárbaras", no segundo dístico, expressões que representam 97 Além de Willamowitz, Boas também não considerou que a inscrição XIXa fosse um epigrama. Para Bergk o epigrama está incompleto, e para Preger está completo. Diehl inclui o epigrama entre as elegias de Simônides (PAGE, 1982, p. 219). 91 a etnia dos inimigos da liberdade da Grécia, defendida até a morte pelos Gregos, como ilustra o epigrama XII: ἀκμᾶς ἑστακυῖαν ἐπὶ ξυροῦ Ἑλλάδα πᾶσαν ταῖς αὐτῶν ψυχαῖς κείμεθα ῥυσάμενοι. [δουλοσύνης· Πέρσαις δὲ περὶ φρεσὶ πήματα πάντα ἥψαμεν, ἀργαλέης μνήματα ναυμαχίης. ὀστέα δ᾿ ἡμῖν ἔχει Σαλαμίς, πατρὶς δὲ Κόρινθος ἀντ᾿ εὐργεσίης μνῆμ᾿ ἐπέθηκε τόδε] (Epigrama XII) por ter estado toda Grécia na ponta de uma lâmina, jazemos porque a salvamos com nossas vidas [da escravidão: fixamos todo o sofrimento nos corações persas, lembrança da penosa batalha naval. Salamina contém nossos ossos, a nossa pátria Corinto consagrou-nos este memorial por nossa boa ação] De acordo com Page (1981, p. 204), o primeiro dístico desse epigrama foi citado por Plutarco em Da malícia de Heródoto (870e-f), ao referir-se às inscrições relacionadas com os Coríntios que morreram na batalha naval de Salamina. Bravi (2006, p. 61-2) argumenta que o epigrama XII está inserido num grupo de epigramas que faz uma apologia aos Coríntios que lutaram contra os Persas (epigramas X, XI, XII, XIII e XIV), contrastando com a versão "filoateniense" apresentada por Heródoto, segundo o qual os Coríntios teriam abandonado os Atenienses no campo de batalha. O primeiro dístico desse epigrama é citado também nas antologias Palatina e de Planudes, e, ainda, num escólio de Aristides, orador do século II d. C. que apresentou uma versão com mais dois dísticos, acrescentados ao primeiro. Page (1975, p. 12) apresenta em sua edição crítica apenas um dístico, e, insere, no aparato crítico, os 92 outros dois dísticos. Ferreira (2013, p. 279), com base nas considerações de Page (1981, p. 205), alega que o primeiro dístico, "do ponto de vista de sua funcionalidade, pelo menos, também não está completo", ratificando, assim, a posição de Page (1981, p. 204) que defende a necessidade de um preâmbulo aos dois primeiros dísticos. Nota-se, nos versos 5-6 do epigrama em tela, a menção de que os soldados foram sepultados em Salamina, mas foram homenageados com um monumento em sua terra natal, Corinto. Seguindo a esteira de Page (1981, p. 269) também Molyneux (1992, p. 192) argumenta que era comum enterrar os combatentes no local da batalha e ser erguido na cidade de origem um memorial (μνῆμα). O epigrama trata da batalha de Salamina, e, como assinala Arnould (1981, p. 257), apresenta um motivo pelo qual os Gregos lutaram: evitar a temida escravidão. A noção do perigo pelo qual a Grécia passara é evidente no sintagma ἀκμᾶς... ἐπὶ ξυροῦ “na ponta... de uma lâmina”. Note-se o uso do verbo κεῖμαι "jazer", muito usado em epigramas funerários, na primeira pessoa do plural (κείμεθα), o que alude ao pan-helenismo, pois, embora os mortos não sejam identificados, como assinala Ferreira (2013, p. 279), atesta-se a morte de muitos em prol da liberdade da Hélade. Vestrheim (2010, p. 71) assinala que a voz do epigrama em primeira pessoa do plural geralmente não se refere a um receptor específico, mas ressalta o caráter cívico da homenagem, já que destaca a voz daqueles que lutaram para que a Grécia não fosse escravizada. Além disso, acrescenta o autor que o testemunho dos que morreram reafirmava os ideais daquela sociedade e servia de exemplo para os demais cidadãos. O termo μνῆμα “lembrança”, derivado do verbo μιμνήσκω cujo sentido primeiro é “lembrar”, apresenta-se nos versos 4 e 6. No primeiro verso, o vocábulo possui um nítido sentido conotativo, relacionando-se com o sentimento de derrota dos Persas. Por outro lado, no verso 6 do epigrama XII, μνῆμα é empregado em seu sentido denotativo, já que representa um memorial erguido em homenagem aos soldados mortos em Salamina, como ratificam o verbo ἐπιτίθημι "pôr ou colocar sobre", e o dêitico τόδε. Significativo é o sintagma ἀργαλέης μνήματα ναυμαχίης, "lembrança da penosa batalha naval", presente na mesma acepção no epigrama XIII, citado anonimamente por Plutarco em Da malícia de Heródoto (39. 870f) e atribuído a Simônides na Antologia Palatina (VI, 215). Entretanto, convém lembrar que esse sintagma, no epigrama XII, refere-se a uma lembrança da derrota 93 infligida aos Persas e, no epigrama XIII, diz respeito à vitória dos marinheiros de Diodoro que ofereceram a deusa Leto as armas dos inimigos: ταῦτ` ἀπὸ δυσμενέων Μήδων ναῦται Διοδώρου ὅπλ` ἀνέθεν Λατοῖ μνάματα ναυμαχίας. (Epigrama XIII) Essas armas dos hostis Medos os marinheiros de Diodoro dedicaram a Leto como uma lembrança da batalha naval É importante lembrar que, durante as Guerras Médicas, a prática de erigir monumentos se tornou cada vez mais recorrente, e foram erguidos diversos memoriais financiados pelo Estado para homenagear os guerreiros gregos. De acordo com Day (2010, p.7), o μνῆμα tinha, no contexto da recepção do epigrama, uma função social, uma vez que estabelecia uma ligação entre o texto e o monumento em si, sendo dirigido, portanto, à audiência ou aos leitores dos epigramas. Como bem assinalou Higbie (2010, p. 184), o monumento era a memória do sucesso que seria lembrado pelas gerações futuras. Esse mesmo tipo de homenagem prestada ao guerreiro pode ser observado no epigrama X, um epitáfio dedicado a Adimanto, comandante dos Coríntios durante a batalha de Salamina. Esse epigrama, citado por Plutarco como anônimo em Da malícia de Heródoto (39, 870f), figura também anonimamente na Antologia Palatina (VII, 397), diferentemente do que se encontra numa citação em Favorino (ps.- Dio. Prus. or. 37. 19, II 21) que o atribui a Simônides. Segundo o relato de Heródoto (VIII, 94.1) - com base nos testemunhos dos Atenienses, mas negado pelos Coríntios que desejavam ser reconhecidos como os mais importantes para a vitória em Salamina -, Adimanto fugiu do local de combate, sendo seguido por seus soldados. Plutarco, na obra citada, na tentativa de resgatar a reputação do comandante coríntio, reagiu às duras críticas de Heródoto mencionando o epigrama X, que confirma a valentia e o patriotismo de Adimanto em Salamina: 94 οὖτος Ἀδειμάντου κείνου τάφος, ὃν διὰ πᾶσα Ἑλλὰς ἐλευθερίας ἀμφέθετο στέφανον. (Epigrama X) Esse é o túmulo do ilustre Adimanto, graças ao qual toda a Grécia se cingiu com a coroa de liberdade. Assinala Molyneux (1992, p. 192) que essa inscrição provavelmente não pertence à mesma categoria de outros epigramas dedicados aos guerreiros mortos durante a batalha, pois, considerando as observações de Page (1981, p. 201) ao texto de Plutarco (De Herodoti malignitate, 871a), é possível inferir que Adimanto tenha sobrevivido à batalha, uma vez que o nome de seus filhos98 parece ser uma alusão ao sucesso em Salamina. O epigrama exalta as qualidades de Adimanto a quem é atribuída a liberdade grega, bem marcadas pelo emprego da preposição διὰ e seu complemento ὃν – pronome relativo cujo antecedente é Ἀδειμάντου- e pelo uso metafórico da expressão ἐλευθερίας στέφανον, "coroa de liberdade", imagem poética típica dos epigramas e das odes de cunho agonístico, tendo em vista que a coroação, nas competições esportivas, representava o reconhecimento público da vitória e da valentia do atleta. Compartilha-se dos comentários de Ferreira (2013, p. 282) que, ao comparar o epigrama em questão com o dedicado ao adivinho Megístias (epigrama VI), observa terem sido ambos iniciados com uma indicação ao monumento fúnebre (τάφος/ μνῆμα) e ao morto homenageado (Ἀδειμάντου/ Μεγιστία), além da semelhança entre os adjetivos (κείνου/ κλεινοῖο). Apresentam os citados epigramas dessemelhança, no entanto, no que diz respeito à temática, pois, como assinala a referida autora, enquanto no epigrama X enaltece-se a liberdade pan-helênica conquistada com o auxílio de Adimanto, no epigrama VI enfatiza-se somente o sacrifício e a lealdade de Megístias aos seus princípios cívicos. O sacrifício dos soldados coríntios é evocado também no epigrama XI, epitáfio composto de dois dísticos reveladores do local do verdadeiro túmulo dos que pereceram na 98 De acordo com o testemunho de Plutarco em De Herodoti malignitate (39, 12), os nomes dos filhos de Adimanto eram Nausinika, Akrothinion, Alexibia e Aristeus (Cf. PAGE, 1981, p. 201). 95 batalha de Salamina. Aliás, como já observou Page (1981, p. 202), enterrar os guerreiros no campo de batalha e não na cidade de origem era uma homenagem tipicamente pan-helênica. Com efeito, parte do primeiro dístico foi encontrada numa lápide em Ambelaki, na ilha de Salamina e, de acordo com Bravi (2006, p. 58), foi publicada pela primeira vez em 1897. Segundo Higbie (2010, p. 191), a inscrição em pedra apresenta letras com formato do alfabeto coríntio arcaico, como, por exemplo, o uso da forma ποκ’, em lugar de ποτ’, e o emprego de Ϙ no lugar do Κ na forma Κορίνθω. Convém assinalar que esse epigrama foi citado por Plutarco em Da malícia de Heródoto (39, 87e). Durante muito tempo acreditou-se que o último dístico fosse um exercício literário posterior. Page, em Epigrammata Graeca (1975, p. 12), apresentou apenas o primeiro dístico, e, no aparato crítico, o segundo. Entretanto, o helenista, em Further Greek Epigrams (1981, p. 203), considerou como autêntico o segundo dístico, ainda que não tenha aparecido numa inscrição em pedra. As considerações de Page (1981, p. 202) fundamentam-se na tese de Boegehold que, investigando a pedra na qual a inscrição estava gravada, concluiu que haveria espaço para um outro dístico, acrescentando ainda que a métrica sugeria uma composição mais antiga compatível com o período das Guerras Médicas (BOEGEHOLD apud HIGBIE, 2010, p. 191-2). Boegehold (1965, p. 185) julga que, no epigrama, a distinção entre Persas e Medos, assim como a forma Πέρσας corroboram a hipótese de que o segundo dístico é autêntico. O helenista destaca, ainda, que provavelmente Plutarco e Favorino viram a inscrição completa com quatro versos, e observa que o relato do historiador acerca do lugar da inscrição é compatível com a localidade em que a pedra foi encontrada: ὦ ξεῖν`, εὔυδρόν ποκ` ἐναίομες ἄστυ Κορίνθω, νῦν δ` ἅμ` Αἴαντος νᾶσος ἔχει Σαλαμίς. [ἐνθάδε Φοινίσσας νᾶας καὶ Πέρσας ἑλόντες καὶ Μήδους ἱαρὰν Ἑλλάδα ῥυσάμεθα.] (Epigrama XI) Ó estrangeiro, outrora habitamos a bem irrigada cidade de Corinto, mas agora a ilha de Ájax, Salamina, nos guarda. [Aqui, tendo capturado, as naus fenícias, Persas 96 e Medos, salvamos a sagrada Hélade.] No epigrama, é feita novamente referência à coragem dos guerreiros de Corinto na batalha de Salamina. Contudo, percebe-se que o destaque não é dado para um indivíduo, mas para um grupo de aliados do exército grego cujo esforço coletivo resultou na evasão das forças inimigas, como se observa pelo uso da primeira pessoa do plural dos verbos ναίω, "habitar" (ἐναίομες) e ῥύομαι "salvar" (ῥυσάμεθα). Note-se, no primeiro pentâmetro, menção ao personagem mítico Ájax Telamônio que, segundo a tradição mitológica, era rei de Salamina e, depois de Aquiles, considerado o mais forte e o mais valente de todos os guerreiros aqueus. Na opinião de Higbie (2010, p. 193), para o leitor a alusão a Ájax poderia ter tanto uma importância histórica como mitológica. É digna de nota, no primeiro dístico, uma clara oposição temporal – marcada pelos advérbios ποκα e νῦν- e espacial – caracterizada pelos nomes das cidades Κορίνθω e Σαλαμίς- que evocam a situação dos Coríntios antes e depois da guerra. Acrescente-se que, enquanto no citado epigrama XII, a morte é representada pelo verbo κείμεθα, no epigrama em questão a ideia da morte é atenuada pelo eufemismo ἔχει Σαλαμίς "Salamina nos guarda". No segundo dístico, observa-se uma louvação à coragem dos soldados coríntios que, movidos por um sentimento pan-helênico, enfrentaram o inimigo designado por três diferentes atributos: Φοινίσσας "fenícias", Πέρσας "Persas" e Μήδους "Medos". A defesa da participação heroica dos Coríntios nas Guerras Médicas por Plutarco, em Da malícia de Heródoto (39. 871a-b), é finalizada ao mencionar o epigrama XIV, atribuído a Simônides pelo historiador e, posteriormente, por Ateneu (13. 573c-e), muito embora, no escólio de Olímpica 13 de Píndaro tenha sido ele citado como anônimo. De acordo com informes de Teopompo de Quios, historiador do século IV d. C., contidos no escólio de Píndaro (apud FERREIRA, 2013, p. 283), o epigrama XIV é uma inscrição em dísticos elegíacos, gravada do lado esquerdo de quem entra no templo, na qual se registra a súplica das mulheres dos Coríntios a Afrodite, também designada Κύπριδι "Cípria", para que os inspirasse a combater: 97 αἵδ` ὑπὲρ Ἑλλάνων τε καὶ ἀγχεμάχων πολιητᾶν ἕστασαν εὐχόμεναι Κύπριδι δαιμόνια·99 οὐ γὰρ τοξοφόροισιν ἐβούλετο δῖ` Ἀφροδίτα Μήδοις Ἑλλάνων ἀκρόπολιν δόμεναι. (Epigrama XIV) Elas se colocaram em favor dos Gregos e dos cidadãos que combatem de perto fazendo, de forma maravilhosa, uma prece a Cípria, pois a divina Afrodite não desejava oferecer aos arqueiros Medos a acrópole dos Gregos. Ratifica o caráter votivo do epigrama a presença do dêitico αἵδε, referente às mulheres que suplicavam a Afrodite. A identidade dessas suplicantes não está clara, e Page (1981, p. 207-10), após apresentar a versão de Ateneu - segundo o qual as mulheres eram as hetairai participantes de preces a Afrodite em ocasiões importantes retratadas numa pintura -, a do escólio de Olímpica 13 de Píndaro - em que as mulheres seriam as esposas dos Coríntios -, além da versão de Willamowitz – segundo o qual as suplicantes seriam as servas do templo -, sustenta a incerteza da identidade dessas mulheres, embora esteja mais propenso a compartilhar da tese do último estudioso citado. Assinala-se também o pan-helenismo bem marcado pelas duas menções aos Gregos, “Ἑλλάνων”, no primeiro e no último verso do epigrama, uma vez que as suplicantes, ao dirigirem sua prece à deusa Afrodite, rogam pelos Gregos e seus aliados e não apenas pelos Coríntios. Convém assinalar a indicação ao inimigo, Μήδοις “Medos”, e, ainda, a referência aos aliados dos Gregos por meio do sintagma “ἀγχεμάχων πολιητᾶν”. Assinala Bravi (2006, p. 61) que, ao diferenciar o modo como os Gregos e Medos combatiam, pretendia 99 A respeito do termo δαιμόνια (v. 2), podem-se mencionar opiniões diversas: Page (1985, p. 211) acredita que termo em dativo "δαιμόνιαι" não poderia referir-se nem à divindade nem às mulheres, esposas ou cortesãs. Considera mais plausível a correspondência do sintagma εὐχόμεναι δαιμόνια por εὐχόμεναι δαιμόνιον εὐχήν, interpretação da versão apresentada por Plutarco εὔξαντο τὴν καλὴν ἐκείνην καὶ δαιμόνιον εὐχήν. Brown (1991, p. 7), por sua vez, aventou a hipótese de o referido termo ser um nominativo plural "δαιμόνιαι" concordando com o pronome αἵδ` sujeito de ἕστασαν, opinião rejeitada por Ferreira (2013, p. 285) seguindo a lição de Palumbo Stracca que, considerando a emenda de Bernadakis, assinala "o caráter extraordinário e quase divino da prece das mulheres" aludido na inscrição. 98 evidenciar-se a bravura daqueles que lutavam perto dos inimigos, posição enfatizada pelo adjetivo ἀγχεμάχος "que combatem de perto" (ἀγχεμάχων), em contraposição aos Medos que, na qualidade de arqueiros, combatiam de longe, como assinala o termo τοξοφόροισιν. A vitória na batalha naval de Salamina elevou a confiança dos Gregos que vislumbravam a evasão definitiva dos Persas do território helênico. Assim, organizaram-se preparativos para um novo confronto em terra. Do lado persa, houve uma tentativa da parte de Mardônio, comandante do exército, que enviou Alexandre I, rei da Macedônia, a Atenas para tentar promover a rendição dos Gregos. Contudo, os esforços do comandante persa foram em vão, pois Esparta estava disposta a fornecer soldados para a defesa de Atenas. Com essa recusa de rendição, Mardônio decidiu marchar com seu exército até a Beócia. Por sua vez, Pausânias, comandante grego, avançou com os Peloponésios do Istmo até Elêusis onde encontraram Aristides com 8.000 soldados atenienses, e, em seguida, marcharam até a Beócia. No primeiro embate, os Gregos foram vitoriosos, fato que encorajou Pausânias a avançar por Plateias. Um novo confronto entre Gregos e Persas ocorreu na planície de Asopo. Os gregos estavam no sul protegidos por uma colina, e os Persas no norte em campo aberto. Novamente, os Gregos ficaram na defensiva esperando que os Persas se dirigissem até eles para que pudessem encurralá-los. Assim, os gregos e seu exército de hoplitas conquistaram a vitória em Plateias, e, em consequência, Mardônio, general persa, foi morto. A vitória dos Helenos contra os Persas foi o resultado de um inédito esforço conjunto das diversas cidadesestado, que, apesar de terem diferenças políticas, se uniram em prol de uma causa comum, a liberdade da Grécia. O pan-helenismo evocado no epigrama XIV ecoa nos versos dos epigramas VIII e IX, o primeiro citado como epigrama simonídeo na Antologia Palatina (VII, 253) e no escólio de Élio Aristides (III, p. 154 s. Dindorf), e, na Antologia de Planudes, como anônimo: εἰ τὸ καλῶς θνῄσκειν ἀρετῆς μέρος ἐστὶ μέγιστον, ἡμῖν ἐκ πάντων τοῦτ` ἀπένειμε Τύχη Ἑλλάδι γὰρ σπεύδοντες ἐλευθερίην περιθεῖναι κείμεθ` ἀγηράντῳ χρώμενοι εὐλογίῃ. 99 (Epigrama VIII) Se o morrer belamente é a parte mais importante da excelência, para nós, de tudo a Fortuna nos concedeu isto: esforçando-nos para conceder liberdade à Grécia jazemos, alcançando um louvor imperecível. No tocante ao epigrama IX, na Antologia Palatina (VII, 251) é considerado de autoria de Simônides, e anônimo na Antologia de Planudes (IIIª 5, 22): ἄσβεστον κλέος οἵδε φίλῃπερὶ πατρίδι θέντες κυάνεον θανάτου ἀμφεβάλοντο νέφος. οὐδὲ τεθνᾶσι θανόντες, ἐπεί σφ` ἀρετὴ καθύπερθε κυδαίνουσ` ἀνάγει δώματος ἐξ Ἀίδεω. (Epigrama IX) Cingindo a amada pátria de uma glória imorredoura, eles se envolveram na nuvem escura da morte. Embora mortos, não morreram, já que a excelência, glorificando-os, eleva-os para fora da morada de Hades. Page (1981, p. 198-9), em seu comentário a esses dois epigramas, assinala que os lemmata da Antologia Palatina e do escólio de Aristides evidenciam serem esses poemas dedicados aos mortos nas Termópilas, informação errônea na opinião do estudioso, tendo em vista que os epigramas em questão não estão incluídos entre os bem conhecidos poemas compostos em homenagem aos que pereceram na batalha das Termópilas. Sobre essa questão, Page apresenta a teoria de Bergk que, apoiado nos informes de Pausânias (9. 2. 4), é de opinião que o epigrama VIII, por aludir claramente ao pan-helenismo, homenageia os Atenienses reconhecidos legitimimamente como defensores de toda a Grécia, enquanto o epigrama IX, por celebrar a defesa da pátria, foi associado aos Lacedemônios. A respeito das 100 considerações de Bergk, Page assegura que o argumento do helenista é admissível, se os epigramas forem, de fato, os mesmos citados por Pausânias. Em relação ao conteúdo do epigrama VIII, é possível observar no primeiro verso a relação entre os conceitos de ἀρετή "excelência" (ἀρετῆς), e bela morte (καλῶς θνῄσκειν), associação típica da poesia épica, também presente nas elegias marciais de Calino 100 e Tirteu101. 100 μέχρις τεῦ κατάκεισθε; κότ᾽ ἄλκιμον ἕξετε θυμόν, ὦ νέοι; οὐδ᾽ αἰδεῖσθ᾽ ἀμφιπερικτίονας ὧδε λίην μεθιέντες; ἐν εἰρήνῃ δὲ δοκεῖτε ἧσθαι, ἀτὰρ πόλεμος γαῖαν ἅπασαν ἔχει; καί τις ἀποθνῄσκων ὕστατ᾽ ἀκοντισάτω. τιμῆέν τε γάρ ἐστι καὶ ἀγλαὸν ἀνδρὶ μάχεσθαι γῆς πέρι καὶ παίδων κουριδίης τ᾽ ἀλόχου δυσμενέσιν: θάνατος δὲ τότ᾽ ἔσσεται, ὁππότε κεν δὴ Μοῖραι ἐπικλώσωσ᾽: ἀλλά τις ἰθὺς ἴτω ἔγχος ἀνασχόμενος καὶ ὑπ᾽ ἀσπίδος ἄλκιμον ἦτορ ἔλσας τὸ πρῶτον μειγνυμένου πολέμου:. Fragmento 1W, v. 1-11. Até quando estareis inertes? Quando tereis ânimo valente, ó jovens? Não vos envergonhais diante dos vizinhos ao redor sendo completamente negligentes? Pareceis estar em paz, mas, de fato, a guerra toma toda a terra. Que cada um ao morrer lance os últimos dardos com dignidade, pois é nobre e digno para um homem combater pela pátria, pelos filhos e pela esposa legítima contra os inimigos. Então a morte chegará quando as Moiras a tecerem. Vamos, que cada um siga em frente empunhando a lança e cobrindo com escudo o corajoso coração assim que se trave a batalha. 101 τεθνάμεναι γὰρ καλὸν ἐνὶ προμάχοισι πεσόντα ἄνδρ᾽ ἀγαθὸν περὶ ᾗ πατρίδι μαρνάμενον. τὴν δ᾽ αὐτοῦ προλιπόντα πόλιν καὶ πίονας ἀγροὺς πτωχεύειν πάντων ἔστ᾽ ἀνιηρότατον, πλαζόμενον σὺν μητρὶ φίλῃ καὶ πατρὶ γέροντι παισί τε σὺν μικροῖς κουριδίῃ τ᾽ ἀλόχῳ. ἐχθρὸς μὲν γὰρ τοῖσι μετέσσεται, οὕς κεν ἵκηται χρησμοσύνῃ τ᾽ εἴκων καὶ στυγερῇ πενίῃ, αἰσχύνει τε γένος, κατὰ δ᾽ ἀγλαὸν εἶδος ἐλέγχει, πᾶσα δ᾽ ἀτιμίη καὶ κακότης ἕπεται. εἰ δέ τοι οὕτως ἀνδρὸς ἀλωμένου οὐδεμἴ ὤρη γίνεται οὔτ᾽ αἰδὼς οὔτ᾽ ὄπις οὔτ᾽ ἔλεος, θυμῷ γῆς περὶ τῆσδε μαχώμεθα καὶ περὶ παίδων θνῄσκωμεν ψυχέων μηκέτι φειδόμενοι. ὦ νέοι, ἀλλὰ μάχεσθε παρ᾽ ἀλλήλοισι μένοντες, μηδὲ φυγῆς αἰσχρᾶς ἄρχετε μηδὲ φόβου, ἀλλὰ μέγαν ποιεῖσθε καὶ ἄλκιμον ἐν φρεσὶ θυμόν, 101 No final do primeiro pentâmetro, o nome da divindade, Τύχη, é mencionado, e a ela é creditada a obtenção da areté pelos guerreiros helênicos, como o demonstra o pronome pessoal ἡμῖν "para nós". Assinale-se, como bem observou Bravi (2006, p. 56), que da areté foi concedida aos soldados a melhor parte, ou seja, a que os capacitava a morrer belamente em prol da liberdade de toda a Grécia. Essa concepção de pan-helenismo é bem marcada no segundo dístico do epigrama, sobretudo pela forma verbal κείμεθα cujo sujeito "nós" inclui todos os que lutaram até a morte para defender a Grécia da escravidão. No início do último verso do epigrama, há referência à perpetuação da areté dos guerreiros, pois receberam eles um “louvor imperecível” (ἀγηράντῳ εὐλογίῃ), conferido pela poesia. Sobre essa questão, vale mencionar os comentários de Ferreira (2013, p. 286): "Ao contrário do que acontece noutros epitáfios, a morte não é aqui lamentada. Ela é sinal de um destino distinto e, por conseguinte, o seu lamento tem de ser substituído pelo elogio que perdurará". A expressão "louvor imperecível" (ἀγηράντῳ εὐλογίῃ), enfatizado no epigrama VIII, encontra similitude semântica no epigrama IX no sintagma ἄσβεστον κλέος "glória imorredoura", alusivos à perpetuação da areté dos guerreiros na memória dos vivos. O primeiro dístico inicia-se com a referência à glória imorredoura, expressa pelo sintagma ἄσβεστον κλέος, que encontra correspondência com a expressão "glória imperecível" kléos áphthiton, um dos conceitos mais emblemáticos da poesia épica. Sabe-se que, nos Poemas Homéricos, a glória imorredoura representava para o herói o reconhecimento máximo a ser μηδὲ φιλοψυχεῖτ᾽ ἀνδράσι μαρνάμενοι: Fragmento 10 West, v. 1-18. Certamente é belo o homem nobre morrer, tombando nas primeiras linhas de batalha lutando pela pátria, mas, tendo abandonado a sua cidade e os campos férteis, o mais triste de tudo é mendigar, vagando com a amada mãe e o velho pai, com os filhos pequenos e a esposa legítima. Será odiado entre aqueles a quem chegar cedendo à horrível pobreza e à indigência desonra a linhagem, envergonha a ilustre classe toda a desonra e desgraça o seguem. Se então para o homem errante nenhuma solicitude há nem respeito para os últimos descendentes, combatamos por essa terra com vontade e morramos por nossos filhos, não mais poupando a vida, ó jovens, mas combatei ficando junto uns dos outros; não comeceis a fuga vergonhosa nem o medo, mas criai um grande e forte ânimo no peito, não amais a vida ao lutardes contra os homens 102 alcançado, visto que os feitos heroicos seriam lembrados pelas gerações futuras em cantos perpetuados pelos aedos. É digno de nota, no segundo pentâmetro, o emprego do verbo κυδαίνω "glorificar" (κυδαίνουσα), forma derivada do substantivo τὸ κῦδος "glória, renome, glória militar". Aliás, para Detienne (2006, p. 21) kŷdos é um dos matizes da glória ao lado de kléos: Numa civilização de tipo agonístico, pode parecer paradoxal que o homem não se reconheça diretamente em seus atos. Ora, na esfera do combate, o guerreiro aristocrático parece obsedado por dois valores essenciais, Kléos e Kŷdos, dois aspectos da glória. Kŷdos é a glória que ilumina o vencedor; é espécie de graça divina, instantânea. Os deuses a concedem a um e a negam a outro. Kléos, ao contrário, é a glória que se desenvolve de boca em boca, de geração em geração. Enquanto Kŷdos vem dos deuses, Kléos sobe até eles. Em nenhum momento o guerreiro pode sentir-se como agente, fonte de seus atos: sua vitória é puro favor dos deuses, e a façanha, uma vez realizada, só ganha forma através do discurso de louvor. Definitivamente, um homem vale o que vale seu lógos. Acrescenta Detienne que o valor do homem era medido por sua reputação, como ilustra a fala de Eneias a Aquiles, reveladora de que a fama conquistada pelos antepassados dos guerreiros era conhecida por meio dos ἔπεα, "narrativas", que, por serem cantadas pelos poetas, perpetuavam os feitos desses homens: ἴδμεν δ᾽ ἀλλήλων γενεήν, ἴδμεν δὲ τοκῆας πρόκλυτ᾽ ἀκούοντες ἔπεα θνητῶν ἀνθρώπων. Ilíada, XX, vv. 203-4 conhecemos a origem uns dos outros, conhecemos os pais pois escutamos, por muito tempo, as narrativas dos homens mortais Quanto ao epigrama IX, vale lembrar que o agente da ἄσβεστον κλέος "glória imorredoura" são os guerreiros identificados, no primeiro verso, pelo pronome οἵδε "eles". O segundo verso introduz a noção da morte dos guerreiros de forma metafórica, como inferiu Bravi (2006, p. 58) pelo uso do sintagma κυάνεον θανάτου νέφος "nuvem escura da morte", que contrasta com a fama, κλέος, e a luminosidade, ἄσβεστον (inextinguível, donde imorredoura), expressas no primeiro verso. O estudioso acrescenta que a associação 103 entre a guerra e fenômenos naturais já se encontrava presente em Homero 102 e também na poesia de Píndaro103. O segundo dístico inicia-se com uma construção paradoxal - "οὐδὲ τεθνᾶσι θανόντες", "embora mortos, não morreram"-, que enfatiza a imortalidade das ações dos guerreiros, pois, apesar de terem morrido, não seriam esquecidos, isto é, estariam vivos na memória de seu povo. Assim, a glória não se restringe aos guerreiros, mas se estende à sua pátria. Nesse sentido, a ἀρετή "excelência" é o meio pelo qual os guerreiros serão lembrados, uma vez que com ela podem "cingir a pátria de glória imorredoura" e transpor a obscuridade do mundo dos mortos, referido como δώματος ἐξ Ἀίδεω "morada de Hades". Convém assinalar a alusão a um movimento de glorificação dos soldados representado pelas as formas verbais τεθνᾶσι e θανόντες, flexões do verbo θνῄσκω "morrer", e, ainda, ἀνάγω "elevar" (ἀνάγει). Há também na elegia simonídea sobre a batalha de Plateias (Fragmento 11W v. 22-8) menção à areté e ao kléos dos soldados que lutaram para salvar a Grécia: εἴ περ γ᾿ ἀνθρώπων εὐχομένων μέλεαι· ἐντυνον καὶ τόνδε μελίφρονα κόσμον ἀοιδῆς ἡμετέρης, ἵνα τις μνήσεται ὕστερον αὖ ἀνδρῶν, οἳ Σπάρτηι τε καὶ Ἑλλάδι δούλιον ἦμαρ ἔσχον ἀμυνόμενοι μὴ τιν᾿ ἰδεῖν φανερῶς οὐδε᾿ ἀρετῆς ἐλάθοντο [ ] οὐρανομήκης καὶ κλέος ἀνθρώπων ἔσσεται ἀθάνατον se certamente se preocupas com os homens que fazem uma prece prepara também este doce ornamento de nosso canto, 102 103 Il. XVI, v. 350; XVII, v. 591; XVIII, v. 22/ Od. IV, v. 180; XXIV, v. 315. Nem.IX, v. 37; X, v. 9; Istm. IV, v. 17. 104 para que alguém mais tarde se lembre de novo dos homens, que, repelindo em Esparta e na Grécia, o dia da escravidão resistiram, para que alguém visse claramente, e não esqueceram da excelência [ ] que se estende até o céu, e a glória dos homens será imortal. Nota-se no referido excerto conceitos que remetem à poesia épica, como a areté "excelência", e o kléos que, por ser ἀθάνατον "imortal", é o responsável pela perpertuação dos feitos heroicos nos tempos vindouros. Convém destacar, entretanto, que, enquanto em Homero, esses valores estavam geralmente associados a um indivíduo, na elegia simonídea referem-se a todos os homens, isto é, aos povos helênicos louvados por seu esforço coletivo para salvar a Hélade. Após o final da guerra contra os Persas, foram organizadas, em todo o território grego, celebrações para comemorar a vitória bélica e relembrar os que nos combates pereceram. Assinala Bravi (2006, p. 46) que essas comemorações estimularam a composição poética, sobretudo de elegias e de epigramas, e a criação de monumentos votivos pan-helênicos. Notese, neste contexto, o agradecimento às divindades, já que o ato de dedicar um monumento a um deus pressupunha, num primeiro momento, de acordo com Day (2010, p.130), a existência de um ritual que associava aquele que dedicou o monumento ao deus homenageado. O helenista observou, então, a importância da invocação das divindades que poderia produzir dois efeitos em quem lesse a inscrição nos monumentos: a representação do ritual de dedicação, enfatizando a relação profícua entre divindade e dedicador, e o encontro de passantes com a dedicação que proporcionaria uma reperformance em menor escala do ritual original. Para Day (2010, p. 130), a importância representativa e religiosa dos nomes dos deuses deve-se sobretudo ao fato de figurarem eles nas diversas modalidades poéticas existentes na Grécia arcaica, especialmente na épica. Com efeito, a referência aos deuses nos epigramas era feita com as mesmas fórmulas e epítetos já consagrados nos Poemas Homéricos. Destaquem-se, nesse âmbito, Atena, chamada também de Palas ou "a de olhos 105 glaucos", Apolo designado Febo, Letoide ou "o que atira ao longe", e Afrodite, nomeada Cípria ou Citereia. Seguindo as considerações de Foley, Day (2010, p. 132-3) argumenta que na poesia épica a evocação de epítetos desencadeava uma série de associações mediadas por um processo metonímico. À guisa de exemplo, a indicação a Atena como "a de olhos glaucos" evocaria não só as características físicas da divindade, mas também toda a tradição míticopoética já existente a respeito da deusa. Sendo assim, do ponto de vista religioso, a evocação do deus teria como efeito imediato a receptividade da divindade em relação às solicitações dos mortais, a renovação do vínculo entre homens e deuses e, ainda, a presentificação da divindade. Assim, no corpus epigramático simonídeo, destacam-se os epigramas XV e XVII, de caráter votivo, dedicados a Zeus e a Apolo, respectivamente. Quanto ao epigrama XV foi ele gravado num altar na ágora de Plateias em honra de Zeus Eleuthérios, lugar que se tornaria, posteriormente, o centro do festival Eleutheria: τόνδε ποθ` Ἕλληνες Νίκης κράτει, ἔργῳ Ἄρηος, [εὐτόλμῳ ψυχῆς λήματι πειθόμενοι] Πέρσας ἐξελάσαντες ἐλευθέρᾳ Ἑλλάδι κοινόν ἰδρύσαντο Διὸς βωμὸν Ἐλευθερίου. (Epigrama XV) Certa vez, os Gregos, com a força da Vitória, com o trabalho de Ares, persuadidos pela corajosa força de vontade da alma, tendo expulsado os Persas para a Grécia livre construíram um altar comum de Zeus Eleuthérios. Esse epigrama figura nas antologias Palatina (VI, 50), que apresenta mais um verso considerado espúrio por Page (1981, p. 212), e de Planudes (VI, 19.1) com atribuição simonídea. É também citado por Plutarco, como anônimo em Vida de Aristides (XIX, 7) e Da 106 malícia de Heródoto (42. 873b) para novamente contestar uma informação contida no relato de Heródoto sobre as Guerras Médicas: que apenas Lacedemônios, Tegeatas e Atenienses lutaram em Plateias. Para Plutarco, o epigrama XV é a prova de que todos os Helenos combateram na referida batalha. Para Page (1981, p. 212), o relato de Heródoto pode ser verdadeiro, e o epigrama pode referir-se às Guerras Médicas de modo geral e não especificamente à batalha de Plateias. Em relação aos deuses, destaque-se a menção à Νίκη, deusa da vitória, e a Ἄρηος, deus da guerra. Merece relevo o oferecimento de um altar a Zeus Eleuthérios, pois, de acordo com Page (1981, p. 212), é provável que esse epigrama seja uma cópia de uma inscrição autêntica gravada no altar dessa divindade. Também Ferreira (2013, p. 288) considerou a autenticidade com base no estilo epigráfico e no emprego dos dêiticos τόνδε e ποθ᾽ Ἕλληνες. Sobre a ocasião da composição, a helenista afirma que deve ter ocorrido algum tempo depois do conflito entre Gregos e Persas, fato ratificado pelo emprego do verbo ἐξελάυνω "expulsar", no particípio aoristo (ἐξελάσαντες "tendo expulsado") que expressa uma ação anterior à de edificar o altar. Entretanto, para Molyneux (1992, p. 197), é provável que o epigrama tenha sido composto no outono ou inverno de 479 a. C., ano da batalha de Plateias. O epigrama em tela é exemplo da manifestação do espírito pan-helênico da vitória contra os Persas. Ainda que em outras inscrições seja dado destaque a algumas cidades específicas, nesse epigrama a Grécia e os Gregos Ἑλλάδι” e Ἕλληνες são enaltecidos. Convém assinalar o uso do adjetivo ἐλευθέρᾳ “livre” que caracteriza Ἑλλάδι “Grécia” formando o sintagma “Grécia livre”. Acerca das festas de comemoração ao sucesso da guerra, Higbie (2010, p. 199-200) sustenta que existiam dois festivais: um era o de Eleutheria em Plateias, realizado de quatro em quatro anos, e os jogos realizados anualmente em Esparta. A estudiosa assinala que, além dessas comemorações, havia cerimônias nas quais os Gregos agradeciam a ajuda dos deuses na guerra. Diferentemente do epigrama XV, caracterizado pelo pan-helenismo, o epigrama votivo XVII concentra na figura do general Pausânias a vitória dos Gregos contra os Persas: Ἑλλάνων ἀρχαγὸς ἐπεὶ στρατὸν ὤλεσε Μήδων 107 Παυσανίας Φοίβῳ μνᾶμ` ἀνέθηκε τόδε. (Epigrama XVII) Depois que o chefe militar dos Gregos, Pausânias, destruiu o exército dos Medos, a Febo consagrou este monumento Estima-se que esse epigrama tenha sido composto por ocasião da batalha de Plateias. Tucídides (I, 132.2.), a principal fonte textual, o cita anonimamente, e Pausânias (III, 8.2) faz uma a alusão a essa inscrição ao mencionar que Simônides compusera um epigrama gravado numa trípode dedicada a Febo, em Delfos, pelo chefe militar Pausânias, mas não o cita. Na Antologia Palatina (VI, 197), o referido epigrama aparece sob a autoria de Simônides. Também Heródoto (IX, 81) relata que, após o final do conflito, os Gregos erigiram uma estátua de bronze em homenagem a Zeus, em Olímpia, e outra em honra de Posêidon, no Istmo, e dedicaram uma trípode a Apolo em Delfos. Convém salientar que, no primeiro verso do epigrama, há uma oposição entre Gregos e Medos ratificada pelo emprego dos vocábulos Ἑλλάνων e Μήδων no início e no final do hexâmetro respectivamente. O pentâmetro inicia-se com o nome Παυσανίας seguido do nome do deus, Φοίβῳ; nota-se, ainda, o emprego do vocábulo μνᾶμα determinado pelo dêitico τόδε, que caracteriza o epigrama como uma inscrição. Corrobora-o Ferreira (2013, p. 291), que enfatiza a concisão e a forma direta de expressão como elementos comprobatórios do caráter epigráfico do poema. Temática análoga ao epigrama anteriormente analisado, tendo em vista ter sido consagrado aos Megarenses que combateram os Persas por terra e por mar em defesa da liberdade da Grécia, apresenta o epigrama XVI: Ἑλλάδι καὶ Μεγαρεῦσιν ἐλεύθερον ἧμαρ ἀέξειν ἱέμενοι θανάτου μοῖραν ἐδεξάμεθα, τοὶ μὲν ὑπ` Εὐβοίᾳ καὶ Παλίῳ, ἔνθα καλεῖται ἁγνᾶς Ἀρτέμιδος τοξοφόρου τέμενος, 108 τοὶ δ` ἐν ὄρει Μυκάλας, τοὶ δ` ἔμπροσθεν Σαλαμῖνος [ ] τοὶ δὲ καὶ ἐν πεδίῳ Βοιωτίῳ, οἵτινες ἔτλαν χεῖρας ἐπ` ἀνθρώπους ἱππομάχους ἱέναι ἀστοὶ δ` ἄμμι τόδε [ξυνὸν] γέρας ὀμφαλῷ ἀμφίς Νισαίων ἔπορον λαοδόκῳ `ν ἀγορῇ. (Epigrama XVI) Desejando exaltar o dia da liberdade para a Grécia e para os Megarenses, recebemos o destino da morte, uns na Eubéia e no Pélion, onde há o templo da pura Ártemis, portadora do arco, outros na colina Micale, outros diante de Salamina, [ ] outros também na planície Beócia, aqueles que ousaram lançar as mãos sobre homens que combatem a cavalo. Os cidadãos concederam-nos esta honra [comum], no centro, na ágora acolhedora do povo dos Niseus. Sobre esse epigrama, assevera Page (1985, p. 213), foi ele encontrado em 1818 por Fourmont e publicado no mesmo ano por Boeckh. Em 1898, Adolf Wilhelm reexaminou a inscrição, fato que colaborou para o restabelecimento de uma versão melhor do texto. Acredita-se que o epigrama tenha sido gravado por volta do século IV d. C. por ordem de um sacerdote chamado Heládio e apresenta o seguinte preâmbulo: τὸ ἐπίγραμμα τῶν ἐν τῷ Περσικῷ πολέμῳ ἀποθανόντων καὶ κειμένων ἐνταῦθα ἡρώων, ἀπολόμενον δὲ τῷ χρόνῳ, Ἑλλάδιος ὁ ἀρχιερεὺς ἐπιγραφῆναι ἐποίησεν εἰς τιμὴν τῶν κειμένων καὶ τῆς πόλεως. Σιμωνίδης ἐποίει. Já que o epigrama dos heróis que morreram durante a guerra contra os Persas e que foram sepultados aqui foi destruído ao longo do tempo, Heládio, o sumo sacerdote, fez inscrever em honra dos que foram sepultados e da cidade. Simônides o compôs. 109 Ainda que tenha levado em consideração as conclusões de Wilhelm, que acreditou apenas na autenticidade do primeiro dístico e considerou o resto um adição tardia, Page (1981, p. 214) defende que não há, no referido epigrama, elementos (extensão, métrica, vocabulário e tipo de frase) típicos de uma inscrição do século V a. C., fato que inviabiliza a atribuição do epigrama a Simônides. Sobre a atribuição a Simônides, Molyneux (1992, p. 200) apresenta o testemunho de um escólio de Teócrito (Schol. Theocr. 12.17.), que atesta ter o poeta de Ceos exaltado a força naval dos Megarenses. O estudioso argumenta que, apesar de a pedra que contém a inscrição ser datada do século IV d. C. não se pode descartar a possibilidade de Simônides ser o autor do referido epigrama. O tema do epigrama evidencia-se no primeiro dístico: a liberdade da Grécia conquistada graças à força pan-helênica. Já que o poema menciona o nome das várias cidades (Eubeia, Pélion, Micale, Salamina e Beócia, vv. 3-8) em que os gregos lutaram contra os ἱππομάχοι (ἱππομάχους, v. 7, "que combatem a cavalo") - atributo dos Persas ou de seus aliados tebanos104-, e morreram em prol da coletividade, ideia assinalada pelo emprego de verbo δέχομαι "receber", na primeira pessoa do plural (ἐδεξάμεθα) e também do pronome pessoal de primeira pessoa do plural ἄμμι "para nós". De fato, mais do que celebrar a liberdade conquistada, fica clara no epigrama a necessidade de um grande sacrifício, isto é, a morte (θανάτου μοῖραν) para que a Grécia (Ἑλλάδι) e Megarenses (Μεγαρεῦσιν) pudessem comemorá-la. Na sequência das batalhas das quais os soldados de Mégara participaram, merece destaque a menção à deusa Ártemis, caracterizada por dois epítetos homéricos105 a saber: ἁγνᾶς "pura", adjetivo empregado normalmente em referência aos deuses, e τοξοφόρου "portadora do arco", epíteto geralmente usado para aludir a Ártemis. Em relação à participação dos Megarenses nas Guerras Médicas, vale mencionar o testemunho de Heródoto (VII, 45 e IX, 68), segundo o qual os guerreiros de Mégara participaram das batalhas do Artemísio, Salamina e Plateias. Em homenagem aos combatentes megarenses foi erigido na praça da cidade um monumento, ao qual é feita uma referência no último dístico do epigrama com a expressão τόδε [ξυνὸν] γέρας, "esta honra [comum]". A esse respeito, Page (1981, p. 214) destaca 104 Sabe-se que os Tebanos lutaram ao lado dos Persas e que, em um dado momento, enfrentaram os Megarenses no campo de batalha. Cf. Heródoto, IX-69. 105 Il. XXI, v. 483/Od. V, v. 123. 110 ainda o testemunho de Pausânias em Descrição da Grécia (I, 43.3), alusivo ao monumento em Mégara, dedicado a todos os guerreiros gregos que morreram na luta contra os Persas: εἰσὶ δὲ τάφοι Μεγαρεῦσιν ἐν τῇ πόλει καὶ τὸν μὲν τοῖς ἀποθανοῦσιν ἐποίσαν κατὰ τὴν ἐπιστρατείαν τοῦ Μήδου, τὸ δὲ Αἰσύμνιον καλούμενον μνῆμα ἦν καὶ τοῦτο ἡρώων Há túmulos para os Megarenses na cidade, fizeram-no para os que morreram durante a expedição militar contra os Medos, o chamado Aisymnion era esse memorial dos heróis Ferreira (2013, p. 289), com base em Heródoto (IX. 85) e Tucídides (III. 58.4), lembra que os combatentes de Mégara foram sepultados no campo de batalha, inclusive os mortos em Plateias por ação da cavalaria tebana. 5.3. A celebração da vitória nos epigramas agonísticos O espírito competitivo é inerente à natureza humana e manifesta-se sobremaneira nas competições atléticas e nos conflitos bélicos. De acordo com Huizinga (1950, apud Kyle 2007, p. 23), as atividades esportivas sempre estiveram presentes na história da humanidade e faziam parte do processo de socialização do homem, pois, já no período Paleolítico, o esporte servia como preparação para caçadas, defesa de território e como forma de afirmação hierárquica. Segundo Sakelarákis (2004, p. 7), as mais antigas modalidades esportivas encontram seus inícios nos povos do Oriente. Com efeito, há evidências arqueológicas que apontam para a existência de jogos na Mesopotâmia por volta de 3.000 a. C., como exemplifica a epopeia de Gilgamesh, na qual se observam indícios da prática de luta na passagem em que o herói enfrenta Enkidu. Como nota Sakeralákis (2004, p. 7), também no Egito, é possível encontrar evidências em hieróglifos e pinturas de que os Egípcios, sobretudo os nobres, costumavam praticar esportes. Há, ainda, indícios que os Hititas praticavam atividades esportivas. Acredita-se que esse povo da Ásia Menor organizava jogos esportivos para o entretenimento dos reis, dos deuses e do público. É indiscutível que o espírito agonístico é um dos traços mais relevantes do homem grego, como comprovam fatos históricos da Grécia antiga, e que os Helênicos estão intimamente relacionados com o estabelecimento e a divulgação do atletismo no contexto da vida cívica, constituindo-se o esporte, desse modo, um elemento significativo da educação. 111 Na Grécia, as evidências arqueológicas acerca da prática de jogos atléticos remontam ao período minoico, sobretudo em Creta, onde se encontraram as primeiras manifestações de que o esporte se aperfeiçoaria até atingir a importância adquirida nos séculos seguintes. Além do salto acrobático, da luta e do pugilismo, o salto sobre o touro (tauromaquia) era uma das principais atividades desportivas praticadas pelos homens da civilização minoica, sendo representadas em afrescos, cerâmicas e taças de ouro (SAKELARÁKIS 2004, p. 9). Há vestígios de que os micênicos também praticavam o pugilato nas ilhas Cíclades, pois foi encontrado em Tera, atual Santorini, um afresco em que dois rapazes - os boxeadores de Acrotiri - estão com os punhos cobertos com uma espécie de luva, praticando o pugilismo. Durante a Idade do Bronze, os micênicos realizaram festivais em que havia competições de cunho esportivo, como atestam as evidências arqueológicas e listas em Linear B. No entanto, os documentos literários em que se encontram as primeiras informações acerca das competições esportivas na Grécia antiga e, portanto, no mundo ocidental são os Poemas Homéricos, epopeias que evocam os feitos dos heróis micênicos na conquista de Troia, atribuídas pela tradição a Homero e datadas de fins do século IX e inícios do VIII século a. C. No canto XXIII da Ilíada, há referência aos jogos organizados por Aquiles para honrar a memória de Pátroclo, morto em combate, os quais, segundo Kyle (2007, p. 54), eram uma metáfora da guerra. Corrobora-o Adrados (1996, p. 9), de acordo com o qual o esporte “é uma preparação para a guerra e para a vida, um equivalente na paz aos riscos da guerra, uma válvula de escape para o valor e o instinto de competitividade”: χεύαντες δὲ τὸ σῆμα πάλιν κίον. αὐτὰρ Ἀχιλλεὺς αὐτοῦ λαὸν ἔρυκε καὶ ἵζανεν εὐρὺν ἀγῶνα, νηῶν δ᾽ ἔκφερ᾽ ἄεθλα λέβητάς τε τρίποδάς τε ἵππους θ᾽ ἡμιόνους τε βοῶν τ᾽ ἴφθιμα κάρηνα, ἠδὲ γυναῖκας ἐϋζώνους πολιόν τε σίδηρον. (Ilíada, XXIII, vv. 257-61) Depois de terem estabelecido o monumento, saíram de novo. Mas Aquiles detinha seu povo e estabelecia uma vasta assembleia para os jogos públicos e trazia das naus prêmios, caldeiras, trípodes e cavalos, mulas e bois de cabeças robustas, e mulheres de bela cintura e ferro brilhante. Observa-se, no referido excerto, que os Aqueus, após a cremação de Pátroclo se preparavam para retirar-se e Aquiles os convoca a participar dos jogos. Acerca dos prêmios, Kyle (2007, p. 57) assinala que o Pelida os estabeleceu por ser ele o organizador e o árbitro 112 dos jogos, e acrescenta que as competições representavam o prestígio outorgado ao herói morto e eram comparáveis aos espólios de guerra, pois eram oferecidos como símbolos da vitória sobre um adversário. Na Odisseia, por outro lado, alude-se às competições esportivas no canto VIII, na passagem em que Odisseu aporta na terra dos Feácios. Após observar Nausícaa, a filha do rei Alcínoo, Odisseu aproxima-se da jovem, sendo posteriormente convidado a conhecer o rei. Ao chegar ao palácio, é recebido com honra pelo soberano que institui os jogos em sua homenagem. Nesse contexto, os jogos fazem parte de um ritual de hospitalidade que tem por objetivo honrar o ilustre visitante de Ítaca: νῦν δ᾽ ἐξέλθωμεν καὶ ἀέθλων πειρηθῶμεν πάντων, ὥς χ᾽ ὁ ξεῖνος ἐνίσπῃ οἷσι φίλοισιν οἴκαδε νοστήσας, ὅσσον περιγιγνόμεθ᾽ ἄλλων πύξ τε παλαιμοσύνῃ τε καὶ ἅλμασιν ἠδὲ πόδεσσιν. agora saiamos e nos esforcemos em todos os jogos para que o estrangeiro conte aos amigos, depois de ter voltado para casa, o quanto somos superiores aos outros no pugilato e na luta, e também no salto e na corrida. (Odisseia, VIII, vv. 100-3) Nessa epopeia, como assinala Kyle (2007, p. 65), os jogos são realizados como uma forma de entretenimento para o hóspede, diferente do que ocorre em Ilíada, pois, em Odisseia, os atletas não competiam por prêmios, mas tinham como objetivo mostrar seus talentos ao rei e ao convidado. O estudioso afirma que, embora os jogos em Ilíada e em Odisseia sejam realizados em circunstâncias diferentes, ambos apresentam uma “ética heroica e agonística”. A época arcaica na Grécia antiga foi marcada por transformações, como o surgimento das cidades-estado e as expedições de colonização. Notam-se também mudanças culturais e artísticas alavancadas, sobretudo pelo advento da escrita. Nesse ambiente, as competições esportivas passaram a ter cada vez mais importância para a sociedade, pois os jogos expandiram-se por toda a região do território grego, transformando o esporte em atividade cívica, praticada em áreas próximas dos santuários das cidades-estado, por ocasião das festividades pan-helênicas. Segundo Kyle (2007, p. 76), entre os fatores responsáveis pela expansão das competições esportivas em território grego destacam-se: uma tradição esportiva já existente em outros períodos da história, as expedições de colonização, mudanças sociais e econômicas, 113 a educação voltada para o físico em Esparta, mudanças na organização militar e o anseio aristocrático de exposição. Além disso, a expansão do jogos serviu para reforçar o orgulho que os Gregos sentiam em relação a sua política e cultura. Em consequência, Olímpia, lugar em que ocorriam os jogos mais importantes da Grécia antiga, transformou-se num local de reunião que atraía cada vez mais um número maior de participantes e espectadores. Sendo o mais importante entre as quatro principais competições atléticas, os jogos Olímpicos serviram de modelo para os outros. De fato, os jogos Píticos, Ístmicos e Nemeus se assemelhavam em termos de organização, prêmios e prestígio ao festival de Olímpia. Em relação ao atletas que competiam nesses jogos, Kyle (2007, p. 209) declara que, embora haja escassez de informações sobre os competidores, é possível inferir que houvesse uma predominância de atletas de classes mais abastadas, dado o investimento necessário para formar um vencedor. De fato, Adrados (1996, p. 9) já observara a associação entre esporte e nobreza ao afirmar que o triunfo dos nobres nos jogos remetia a um ideal aristocrático. Sobre a condição social dos atletas, convém mencionar o epigrama XLI, citado duas vezes de forma anônima por Aristóteles em Retórica (XXVI, 1365a e XVIII, 1367b), como exemplo de ascensão social, isto é, como um simples trabalhador braçal se tornou um vencedor dos jogos atléticos: Πρόσθε μὲν ἀμφ` ὤμοισιν ἔχων τραχεῖαν ἄσιλλαν ἰχθῦς ἐξ Ἄργους ἐς Τεγέαν ἔφερον. (Εpigrama XLI) Antigamente, com um bastão áspero, com duas cestas em volta dos ombros, levava peixes de Argos para Tégea. Bravi (2006, p. 106) reconhece que, no epigrama em questão, há um único indício de que se trata de um epigrama agonístico: a menção aos Jogos Olímpicos feita por Aristóteles (τὸ ἐπίγραμμα τῷ Ὀλυμπιονίκῃ) e presente no terceiro verso conservado num escólio à Retórica anotado à margem no códice A: νῦν δὲ κράτος φέρομαι μετὰ πᾶσιν ὀλυμπιονίκαις "mas agora levo vitória entre todos os vencedores dos Jogos Olímpicos", 114 considerado por muitos helenistas como espúrio. Não há testemunhos que aludam a esse epigrama e que possam, de alguma forma, fornecer alguma informação acerca desse atleta. Um aspecto incomum desse epigrama é o emprego do vocábulo ἄσιλλαν, que, de acordo com Bravi (2006, p. 107), denota um jugo colocado sobre as costas do jovem, com cestas nas extremidades. De fato, Bilinski (apud BRAVI, 2006, p. 106) já havia notado a estranheza do uso desse vocábulo e sustentou a hipótese de tratar-se de um termo tardio – parte do léxico plebeu, sendo portanto incompatível com o estilo dos epinícios e dos epigramas agonísticos -, o que em sua opinião descartaria a hipótese de ter sido inscrição composta no século V a. C. Page (1981, p. 259) destaca também o caráter atípico desse epigrama e afirma que, se não fosse a citação de Aristóteles, teria sido considerado um mero exercício literário do período helenístico. A preparação para as competições exigia que os atletas se dedicassem inteiramente ao treinamento, pois isso aumentaria a chance de vitória nas grandes disputas. Sabe-se que os atletas contavam com o auxílio de treinadores profissionais que cobravam caro pelos seus serviços (KYLE, 2007, p. 214). A importância da preparação do atleta é assinalada no epigrama LII: Πύθια δίς, Νεμέᾳ δίς, Ὀλυμπίᾳ ἐστεφανώθην, οὐ πλάτει νικῶν σώματος ἀλλὰ τέχνᾳ, Ἀριστόδαμος Θράσυος Ἀλεῖος πάλᾳ. (Εpigrama LII) Duas vezes em Pítia, duas em Nemeia, fui coroado em Olímpia, vencendo na luta, não pela compleição física, mas pela técnica, Aristodamos da Élida, filho de Trácis. O epigrama em questão foi citado por Hefesto (Instr. Metr. III, 4 e De poem., III, 4) e atribuído a Simônides. Bravi (2006, p. 110) contesta a posição de Hefesto por considerar a cronologia do epigrama, visto que uma das vitórias mencionadas ocorreu na 98ª Olimpíada, 115 realizada no ano 388 a. C., logo posterior à morte do poeta. A métrica irregular desse epigrama – um dístico elegíaco e um trímetro iâmbico - foi a razão de o gramático Hefesto citá-lo em seus estudos como simonídeo. Contudo, informa ainda Bravi, que a métrica diferenciada aparece em outros epigramas simonídeos, como o XV e o XXXV. De acordo com Page (1981, p. 278), Pausânias (VI, 3.4) alude a uma estátua e a uma inscrição em homenagem a Aristodamos. Nota-se no início do primeiro verso a enumeração das vitórias ocorridas em três dos quatro jogos pan-helênicos mais importantes: os Olímpicos, os Píticos e os Nemeus. Destaque-se a menção à coroação com o uso do verbo στεφανόω "coroar" (ἐστεφανώθην). Como se observa, o epigrama é narrado em primeira pessoa, conferindo, assim, um tom mais pessoal ao relato. O segundo verso apresenta o motivo pelo qual o atleta vencera em tantas competições, e uma oposição, no verso 2, sua constituição corporal (σώματος) e sua habilidade técnica (τέχνᾳ). Finalmente, no último verso o atleta é nomeado e, ao final, há a menção à modalidade esportiva praticada, πάλᾳ "luta". Acerca dessa modalidade esportiva, convém acentuar as considerações de Paleologos (2004, p. 220), que, com base no testemunho de Filóstrato, assegura ser a luta uma modalidade de grande utilidade nos tempos de guerra, como comprovam as vitórias em Maratona e Termópilas durante as Guerras Médicas. A luta era uma das provas do pentatlo, havendo, entretanto, competições individuais dessa modalidade. Havia também dois tipos de luta, uma denominada luta em pé (órthia pále, orthopále, stadiá pále), cujo objetivo era a derrubada do adversário, e uma outra chamada luta de chão (alíndesis, kýlisis, káto pále), em que a vitória era proclamada se um dos lutadores admitisse a derrota. Geralmente, a luta em pé era praticada na areia, e a de chão, em terra molhada (PALEOLOGOS, 2004, p. 220-2). Em diversos jogos era comum um atleta bem treinado vencer também em várias modalidades esportivas, como atesta o epigrama XLII dedicado a Diofon: Ἴσθμια καὶ Πυθοῖ Διοφῶν ὁ Φίλωνος ἐνίκα ἅλμα ποδωκείην δισκὸν ἄκοντα πάλην. (Εpigrama XLII) 116 No Istmo e em Delfos, Diofon, filho de Fílon, venceu o salto, a velocidade, o disco, os dardos e a luta. Esse epigrama é citado na Antologia de Planudes (III) e, como assinala Page (1981, p. 260), trata-se de fonte única a respeito desse competidor, o que torna difícil comparar a inscrição com fatos comprovados por outros testemunhos. Contudo, o estudioso, com base em informações acerca dos jogos, rejeita o comentário de que Diofon tenha, de fato, vencido as cinco competições, pois os jogos eram organizados em quatro provas – salto, corrida a pé, disco e dardo -, e, se o atleta tivesse vencido as três primeiras, teria sido proclamado vencedor do pentatlo e não teria disputado outras provas. Além disso, acrescenta Page, caso houvesse vencedores diferentes nas quatro primeiras, haveria uma quinta competição, a luta. A despeito de o epigrama apresentar estrutura típica de uma inscrição agonística como a menção, no verso 1, ao nome dos jogos, Ἴσθμια καὶ Πυθοῖ, ao nome e à filiação do atleta Διοφῶν ὁ Φίλωνος, o uso do verbo νικάω, "vencer" (ἐνίκα) e, no verso 2, a enumeração das modalidades esportivas vencidas ἅλμα "salto", ποδωκείην "velocidade", δισκὸν "disco", ἄκοντα "dardos" e πάλην "luta", Page (1981, p. 262) afirma tratar-se de um exercício literário. Além da luta, já comentada anteriormente, o epigrama menciona o salto que, segundo Paleologos (2004, p. 194), era uma das modalidades praticadas de forma natural, isto é, surgira da necessidade de o homem de superar obstáculos. O estudioso assinala ser o salto uma modalidade do pentatlo e haver apenas um registro de uma inscrição de dedicatória em que se menciona o salto como uma competição independente. Note-se, ainda, que os treinos dessa modalidade podiam ser acompanhados de halteres e também de música. A corrida a pé é, de acordo com Paleologos (2004, p. 175-6), a modalidade esportiva mais antiga, presente, inclusive, em sociedades mais primitivas. No tocante à prática da corrida nas competições gregas, os atletas corriam descalços e com uma túnica, e, posteriormente, nus. Havia quatro tipos de corridas segundo a distância percorrida: stádion (200m), díaulos (400m), híppios (800m) e dólikhos (2.000m). Para a realização desse tipo de competição, era necessária uma grande área, isto é, um estádio que comportasse não só os 117 atletas, mas também os espectadores, razão pela qual muitos dos estádios foram construídos próximos às colinas. O arremesso de disco era uma modalidade que, segundo Paleologos (2004, p. 206), não estava ligada, em sua origem, ao contexto militar, mas constituía uma competição muito popular entre os gregos. Sabe-se que os discos, inicialmente, eram produzidos com pedra e, depois, cunhados em ferro, chumbo e bronze. Achados arqueológicos revelaram que os discos podiam ter entre 17 e 32 centímetros de diâmetro e cerca de 1,3 a 6,6 quilogramas. Relacionado diretamente com o cotidiano, visto que poderia ser praticado na guerra e na paz, durante as atividades de caça, o arremesso de dardo era também uma das competições do pentatlo. Havia dois tipos de lançamento: um, que media a distância (hekebólos), e outro, a precisão para acertar um alvo (stokhastikós akontismós); a primeira era a mais exercitada e a que figurava no pentatlo. Convém assinalar que o dardo era feito de madeira com uma ponta e seu tamanho correspondia, aproximadamente, à altura de um homem. Os jogos Olímpicos, realizados em Olímpia de quatro em quatro anos 106 e dedicados a Zeus, eram os mais importantes e ocorreram, pela primeira vez, em 776 a. C. Como notou Ortega (1984, p. 25), a despeito da predominância cultual, a mitologia remete a rituais em honra dos mortos. Corrobora-o Kyle (2007, p. 110), ao afirmar que as competições eram modestas e de amplitude local, análogas aos jogos funerários narrados nos Poemas Homéricos. Em sua origem mitológica 107, os jogos estão relacionados com o mito de Pélops, segundo o qual Eunomeu, rei de Olímpia, instituíra uma corrida de quadriga para selecionar os pretendentes de sua filha Hipodâmia. O soberano contava com a ajuda de Ares, seu pai, que o presenteara com cavalos divinos. Assim, os pretendentes de sua filha nunca o venciam e eram condenados à morte108. Quando Pélops apareceu, Hipodâmia apaixonou-se pelo herói e o ajudou a ganhar a corrida, subornando o cocheiro de seu pai que sabotou a quadriga do rei. Como resultado, Eunomeu acidentou-se e morreu. Alguns creditam o estabelecimento dos 106 De início, ocorriam anualmente, mas com o tempo, passaram a ser realizados de quatro em quatro anos. Para Kyle (2007, p. 114) a razão dessa mudança reside no custo e na logística associados a esse tipo de festival. 107 Outra versão mitológica para o estabelecimento do Jogos Olímpicos está relacionada com Zeus, que venceu Cronos numa luta, e com Apolo, que venceu Hermes numa corrida e Ares no pugilato, disputas ocorridas em Olímpia. Além disso, há informações de que houvesse no santuário olímpico um culto a Deméter Carmine, fato que justifica a existência de um altar da deusa no estádio e a presença de sua sacerdotisa nos jogos (YALOURIS, 2004, p. 86). 108 Estima-se que Eunomeu tenha recebido de um oráculo a informação de que morreria assassinado por seu genro. Cf. YALOURIS, p. 86. 118 jogos como uma forma de agradecimento do herói pela vitória alcançada ou como uma homenagem fúnebre a Eunomeu. O santuário de Zeus Olímpico localizava-se na região noroeste do Peloponeso e não era necessariamente uma cidade, mas um centro de cultos e competições. Segundo Kyle (2007, p. 111), o caráter religioso sobrepunha o esportivo, fato corroborado pela organização espacial do santuário, com o templo na posição central e as instalações atléticas em lugares periféricos. As competições esportivas representavam uma fração do festival em honra a Zeus, ocorrido geralmente no final do verão, com duração de cinco dias, período que coincidia com a pausa dos trabalhos agrícolas depois da colheita. A organização das competições situava-se na parte norte de Élis, cidade próxima de Olímpia, onde havia espaço para que os atletas treinassem sob a supervisão dos juízes durante, aproximadamente, dez meses antes da competição. Os jogos Olímpicos eram organizados inicialmente por duas pessoas os agonothétai, que, posteriormente, passaram a ser chamados hellenodíkai, "juízes dos gregos". A partir de 400 a. C., o festival contava com nove organizadores, e de 348 a. C. em diante, com dez (KYLE, 2007, p. 114). Para divulgar os jogos, havia arautos que percorriam a Grécia, convidando espectadores e proclamando a ekecheiría, isto é, a trégua sagrada para que os combates fossem interrompidos durante a realização das competições. A esse respeito, ao discorrer sobre os acontecimentos das batalhas das Termópilas e do Artemísio, Hammond (2006, p. 549) afirma que a razão pela qual as cidades da região do Peloponeso não enviaram muitos soldados para as referidas batalhas foi devido à trégua sagrada, pois era o mês dos jogos Olímpicos. Os competidores eram divididos por idade, havendo a categoria dos meninos, paîdes, e a dos adultos, ándres. Em relação às modalidades esportivas, nota-se uma variação ao longo dos anos, sendo possível destacar-se algumas modalidades: corrida, pentatlo, luta e corrida de carruagem. No primeiro dia, a procissão oficial que saíra de Élis dois dias antes chegava a Olímpia. Entre os participantes ilustres estavam políticos, juízes, atletas acompanhados de suas famílias, treinadores e aurigas. Após a chegada, eram efetuados o registro dos atletas e o juramento dos atletas e dos juízes, diante da estátua de Zeus, que prometiam respectivamente, nada fazer em prejuízo dos jogos e não aceitar presentes nem divulgar informações sobre os competidores. O registro dos atletas e o juramento eram acompanhados do sacrifício de um javali. Assinala Paleologos (2004, p. 139) que ao atleta infrator poderiam ser aplicados três 119 castigos: o açoitamento, o pagamento de uma multa e o banimento dos jogos. O helenista observou que são escassos os registros de atletas que violaram as regras dos jogos. Havia ainda um competição de arautos e trompetistas para decidir quem prestaria serviços às Olimpíadas. O segundo dia marcava o início das competições proclamado pelo líder dos juízes, "hellenodikai", com o auxílio do trompetista e do arauto. Em seguida, ocorriam as competições de corrida, luta, pugilismo e pancrácio da categoria infantil, cujos vencedores eram premiados com um ramo de palmeira. As competições equestres e o pentatlo ocupavam o terceiro dia. As principais competições com cavalos eram as corridas de carros, puxados por dois ou quatro cavalos, potros e mulas, corridas de éguas, de cavalos e de potros. À tarde, eram realizadas as provas do pentatlo: salto, arremesso de disco, luta, lançamento de dardo e corrida. Após as competições, havia cerimônias em honra do herói Pélops. No quarto dia, ocorria a hecatombe a Zeus, um dos momentos mais importantes da Olimpíada. Na sequência, eram realizadas as competições de corrida, pugilismo, luta e pancrácio. Havia, ainda, a corrida com armas na qual os competidores portavam lança, escudo, elmo e grevas. Assim terminavam as competições esportivas da Olimpíada, e era proclamado o fim da trégua sagrada. O quinto dia era marcado pela coroação dos atletas reunidos no templo de Zeus e coroados pelo juiz mais idoso, momento em que o nome do atleta vencedor e o de sua cidade natal eram proclamados pelo arauto. Era oferecido também um banquete aos vencedores e, à noite, diversas celebrações eram organizadas pelas comitivas das cidades ou por cidadãos ricos, com o intuito de homenagear os vencedores. O prêmio consagrado aos atletas em Olímpia era apenas a coroa de oliveira, não havendo prêmio de valor material, pois o mais importante era o prestígio e a honra conquistados. É evidente que, ao retornarem para suas cidade de origem, os atletas recebiam as mais diversas homenagens e até prêmios de valor, como é possível observar no epigrama XLIII dedicado a Nicoladas de Corinto: ἄνθηκεν τόδ` ἄγαλμα Κορίνθιος, ὅσπερ ἐνίκα ἐν Δελφοῖς ποτε, Νικολᾴδας, καὶ Παναθηναίοις στεφάνους λάβε, πέντ` ἐπ` ἀέθλοις 120 †ἑξήκοντα† ἀμφιφορεῖς ἐλαίου Ἰσθμῷ δ` ἐν ζαθέᾳ τρὶς ἐπισχερὼ † οὐδ` ἐγένοντο ἀκτίνων τομίδων ποταθμοι† καὶ Νεμέᾳ τρὶς ἐνίκησεν καὶ τετράκις ἄλλα Πελλάνᾳ, δύο δ` ἐν Λυκαίῳ, καὶ †Νεμέαι† καὶ ἐν Αἰγίνᾳ κρατερᾷ τ` Ἐπιδαύρῳ καὶ Θήβας Μεγάρων τε δάμῳ ἐν δὲ Φλειοῦντι στάδιον τά τε πέντε κρατήσας ηὔφρανεν μεγάλαν Κόρινθον. (Εpigrama XLIII) Nicoladas de Corinto, que outrora vencera em Delfos, consagrou esta estátua, e, nas Panateneias, ganhou coroas em cinco competições e †60 †ânforas de azeite; no divino Istmo, três rivais, † um ao lado do outro, não atingiram o brilho da vitória†; em Nemeia, venceu três vezes, e uma quarta em Pelene, duas em Licos, †e em Nemeia†, e em Egina e na segura Epidauro, no demo de Tebas dos Megarenses; e em Fliunte, tendo vencido cinco corridas, alegrou a grande Corinto. Esse epigrama figura na Antologia Palatina (XIII, 19) e é atribuído a Simônides, destacando-se por sua extensão (12 versos) e pela variedade de informações nele contidas. (PAGE, 1981, p. 262). 121 A estrutura em forma de catálogo, isto é, com enumeração das vitórias do atleta é análoga, segundo Page (1981, p. 262), à do epinício, modalidade poética consagrada geralmente aos vencedores dos jogos desportivos pan-helênicos. O estudioso afirma também que há grande probabilidade de o epigrama ser inscricional, visto que em finais do período arcaico e no período clássico era comum a composição de epigramas em homenagem a atletas. Em relação ao conteúdo, acentua-se o emprego do vocabulário típico dos epigramas agonísticos: o verbo νικάω "vencer" (ἐνίκα/ἐνίκησεν) e do substantivo στέφανος "coroa" (στεφάνους) , que, segundo Page (1981, p. 263), representava um prêmio metafórico em contraposição aos prêmios materiais citados nos versos 3 e 4. Nota-se também a menção ao número de vitórias, aos prêmios conquistados, aos jogos vencidos e ao nome da terra natal de Nicoladas, Corinto. Como assinala Page (1981, p. 263), o epigrama está escrito em “dórico convencional” e não no dialeto local coríntio. Ferreira (2013, p. 155) alega ser este fato um indício de o poeta ter “personalidade pan-helênica”. Acrescenta, ainda, a estudiosa que, se fosse Simônides o autor do referido epigrama, teria ele composto com mais concisão e de forma mais "elegante". Vale notar que o epigrama comentado é uma inscrição gravada em uma estátua como atesta o emprego do substantivo ἄγαλμα "estátua", que, além da composição de poesias - epigramas e epinícios -, constituía um dos meios de consagração da vitória dos atletas. O epigrama XXV, dedicado a Mílon de Crotona - eminente lutador contemporâneo de Simônides de Ceos, que venceu em outras competições, como os jogos Píticos, os Ístmicos e os Nemeus- é um exemplo do costume de erigir monumentos em honra aos atletas: Μίλωνος τόδ` ἄγαλμα καλοῦ καλόν, ὃς ποτε Πίσῃ ἑππάκι νικήσας ἐς γόνατ` οὐκ ἔπεσεν. (Epigrama XXV) Esta é a bela estátua do belo Mílon que, outrora, tendo vencido sete vezes em Pisa, não caiu sobre os joelhos. 122 Essa inscrição, gravada numa estátua, de acordo com Pausânias (6.14.5 f.) e Filóstrato (Vit. Apoll. 4.28.), foi atribuída a Simônides na Antologia de Planudes. Considerando-se a cronologia tradicional de Simônides (556-468 a. C) e o período de atividade esportiva de Mílon (540-510 a. C.) há, de fato, como observa Page (1981, p. 238) a possibilidade de Simônides ter sido o autor do epigrama. Entretanto, estudiosos como Molyneux (1992, p. 813), Bravi (2006, p. 102-3) e Ferreira (2013, p. 172), embora aceitem a contemporaneidade de Simônides e Mílon e citem que poeta de Ceos compôs um poema em homenagem a um outro atleta de Crotona, o corredor olímpico Astilo cuja última vitória foi em 476 a. C., mencionam a pouca credibilidade da informação contida na Antologia de Planudes. Em relação ao texto, Page (1981, p. 238) apresenta em sua edição crítica a palavra ἑππάκι "sete vezes" por considerar a história de que na sétima vez em que Mílon comparecera aos Jogos Olímpicos, não encontrara adversários e fora, portanto, declarado vencedor. Molyneux (1992, p. 82), por sua vez, prefere adotar a emenda de Siebelis que emprega o vocábulo ἑξάκι "seis vezes" em lugar de ἑππάκι "sete vezes", julgando o uso do primeiro termo historicamente mais aceitável, visto não haver evidências de que Mílon de Crotona tivesse vencido sete vezes em Olímpia. O estudioso discorda, desse modo, da versão apresentada por Page, pois, em sua opinião, não há indícios de que a história sobre a sétima vitória se refira aos jogos Olímpicos ou a Mílon especificamente. No epigrama em pauta, pode-se destacar o uso do vocábulo ἄγαλμα, que, de acordo com Day (2010, p. 85-9), além de ser uma das formas mais usuais de nomear o objeto de dedicação, ou seja, o monumento que continha a inscrição, caracterizava o encantamento produzido pelo objeto em pessoas ou deuses aos quais se dedicavam as inscrições, mormente em cerimônias. O monumento designava, portanto, um trabalho bem elaborado, responsável por gerar esse encantamento. No que tange à performance, afirma ainda o estudioso, o encontro do passante com esse "objeto estética e emocionalmente poderoso" proporcionava uma reencenação do ritual de dedicação. Ressaltem-se, no primeiro verso, o emprego do dêitico τόδε, determinante de ἄγαλμα, que enfatiza o caráter inscricional do epigrama, a repetição do adjetivo καλός "belo" (καλοῦ/καλόν), que insere no mesmo plano estético o vencedor e o monumento erigido em sua homenagem, e a referência ao nome da cidade em que se realizou a competição, Pisa, antiga cidade de Élis, lugar do santuário de Zeus Olímpico. São dignos de 123 nota o verbo νικάω "vencer" (νικήσας), pertencente ao campo semântico da vitória, e o advérbio ποτέ, "outrora" que, de acordo com Molyneux (1992, p. 83), indica que a inscrição, de certa forma, antecipa olhar de um passante que, no futuro, ao observar o monumento e ler a inscrição rememorará o evento referido na inscrição. Outro epigrama agonístico gravado numa estátua é o de número XXX, dedicado a Teogneto de Egina, célebre atleta, vencedor em Olímpia por volta do ano 476 a. C.: γνῶθι Θεόγνητον προσιδὼν τὸν Ὀλυμπιονίκαν παῖδα, παλαισμοσύνης δεξιὸν ἡνίοχον, κάλλιστον μὲν ἰδεῖν, ἀθλεῖν δ` οὐ χείρονα μορφῆς, ὃς πατέρων ἀγαθῶν ἐστεφάνωσε πόλιν. (Epigrama XXX) Sabe que estás olhando para o jovem Teogneto, vencedor dos Jogos Olímpicos, hábil cavaleiro na arte de lutar, belíssimo de ver, mas não pior na forma de lutar, ele que coroou a cidade de nobres ancestrais. Esse epigrama foi encontrado na Antologia de Planudes e atribuído a Simônides. Píndaro, em sua oitava ode Pítica, homenageia Aristômenes de Egina, sobrinho de Teogneto, em 446 a. C. O poeta tebano nos versos 35 e 37 cita Teogneto para fazer referência à celebre família de grandes lutadores de Egina. A respeito desse assunto, Ferreira (2013, p. 153) é de opinião que a alusão a Teogneto, na ode pindárica, pode ter influenciado a atribuição desse epigrama a Simônides, poeta que floresceu numa época anterior à de Píndaro. De acordo com Page (1981, p. 244), com base no testemunho de Pausânias (6. 9. 1.), é possível saber que Teogneto venceu a luta na categoria paîdes e que foi erigida uma estátua em sua homenagem. Observando o estilo requintado e a ausência da naturalidade do atleta geralmente aludida no epigrama, o helenista rejeita a atribuição a Simônides preferindo considerar o epigrama uma criação do período alexandrino. 124 É possível destacar no epigrama o emprego do imperativo do verbo γιγώσκω "saber" (γνῶθι) que constitui um apelo da própria estátua ao passante para que conheça o atleta vencedor. De forma análoga ao epigrama anterior observam-se referências ao nome do vitorioso, Θεόγνητον, ao nome dos jogos dos quais participara o atleta, Ὀλυμπιονίκαν, e à modalidade desportiva praticada pelo atleta, παλαισμοσύνης. Enfatiza-se, ainda, o aspecto físico do atleta, indicado também pelo superlativo de καλός e seu complemento κάλλιστον μὲν ἰδεῖν "belíssimo de ver". No que diz respeito a vocábulos ligados ao campo semântico da competição e da vitória, assim como o verbo νικάω "vencer" (νικήσας, epigrama XXV, v. 2), destacam-se os verbos ἀθλεῖν "lutar", e στεφανόω "coroar". Do mesmo modo que no epigrama XXV, significativa também é, no epigrama XXX, a ausência do nome da cidade do vencedor, muito embora haja alusão à cidade natal do atleta que com ele compartilha o sucesso. Em contrapartida, o epigrama XXIX, dedicado a Fílon vencedor nos jogos Olímpicos, é iniciado pelo nome da pátria do vencedor: πατρὶς μὲν Κόρκυρα, Φίλων δ` ὄνομα, εἰμὶ δὲ Γλαύκου υἱός, καὶ νικῶ πὺξ δύ` Ὀλυμπιάδας. (Epigrama XXIX) Corcira é minha pátria, Fílon é meu nome, sou filho de Glauco e venci duas Olimpíadas no pugilato. Esse epigrama é citado por Pausânias (6.9.9) que o atribui a Simônides e afirma estar a inscrição gravada numa estátua esculpida pelo egineta Glaucias. Como observa Ferreira (2013, p. 154), a concisão, a clareza e a informação essencial são características da inscrição de uma estátua. Note-se, a esse respeito, que em apenas um dístico apresentam-se o nome da pátria do vencedor, o nome do vitorioso, sua ascedência, o número de vitória obtidas nos jogos Olímpicos e a modalidade esportiva praticada pelo vencedor. O apelo é feito pelo próprio atleta, visto que o epigrama é narrado em primeiro pessoa. De acordo com a mitologia, os jogos Píticos foram instituídos por Apolo depois de ter matado a serpente Píton. Dados arqueológicos indicam que o culto a Febo em Delfos 125 começou por volta dos anos 1000-800 a. C. As primeiras competições realizadas no santuário de Apolo estavam relacionadas com a música e sabe-se que havia uma competição entre tocadores de cítara. De acordo com Kyle (2007, p. 138), esses jogos atléticos foram introduzidos no santuário em 586 a. C., ano em que foram dados como prêmios trípodes de ouro. Em 582 a. C., o prêmio deixou de ser material, sendo oferecido ao vencedor uma coroa de louro. Assinala Kyle (2007, p. 138) que a razão da premiação material ter predominado no início em Delfos deve-se ao fato de a competição ter sido primeiramente de caráter musical, atividade que já era remunerada com prêmios. Quanto às modalidades esportivas, Delfos contava com as mesmas que figuravam nos jogos em Olímpia. Note-se que, nos Jogos Píticos, havia competições de música para tocadores de cítara e flauta. No corpus simonídeo, destaca-se o epigrama XXXI dedicado Cásmilo de Rodes que venceu em Delfos: - εἶπον τίς, τίνος ἐσσί, τίνος πατρίδος, τί δ` ἐνίκης. -Κασμύλος, Εὐαγόρου, Πύθια πύξ, Ῥόδιος. (Epigrama XXXI) - Quem te nomeou , és filho de quem, de que pátria, o que venceste? - Cásmilo, filho de Euagório, de Rodes, o pugilato em Pítia. Em relação à autenticidade, embora haja em Píndaro (Ístmica 8) referência a Cásmilos de Rodes e de ter ele vencido os jogos Ístmicos, Page (1981, p. 245) sugere que esse epigrama, citado pela Antologia de Planudes (23) como autêntico, seja do período helenístico. Corrobora-o Ferreira (2013, p. 154) ao afirmar que, a despeito da concisão e clareza – características típicas de um epigrama gravado numa estátua-, como já se comentou, a estrutura em diálogo e o modo como o primeiro verso foi elaborado fonologicamente constituem um indício de que o epigrama é obra do período helenístico. A estrutura dialógica desse epigrama é, segundo Schmitz (2010, p. 28-9), uma prova de que a audiência/e ou leitor de inscrições do período arcaico reconheciam “situações complexas de comunicação”, uma vez que no poema se apresentam duas vozes: uma, no primeiro verso, emitindo questionamentos acerca do vencedor, e outra, no segundo verso, a do próprio vencedor que responde às perguntas. Para o estudioso o diálogo contido no epigrama 126 dá-se puramente no âmbito ficcional, isto é, na mente do leitor que ao ler o epigrama representa duas vozes. Para Schimtz, o gênero epigramático, na época de Simônides, tinha herdado uma tradição que já se utilizava “das possibilidades oferecidas pela comunicação epigramática”, pois, como já se referiu, os epigramas aliavam a oralidade, influenciada pelos tradicionais gêneros poéticos, à escrita. Trata-se de uma inscrição de conteúdo simples em que todas as informações básicas em relação ao vencedor são dadas de forma lacônica: o nome, Κασμύλος, a filiação, Εὐαγόρου, o nome dos jogos, Πύθια, a modalidade esportiva, πύξ, e a cidade do atleta, Ῥόδιος. A estrutura dialógica é encontrada também no epigrama L: -τίς εἰκόνα τάνδ` ἀνέθηκεν; -Δωριεὺς ὁ Θούριος -οὐ Ῥόδιος γένος ἦν; -ναί, πρὶν φυγεῖν γε πατρίδα, Δεινᾷ γε χειρὶ πολλὰ ῥέξας ἔργα καὶ βίαια. (Epigrama L) - Quem dedicou esta imagem? – Dório, o Túrio - Não era ele originário de Rodes? – Sim, antes de fugir da pátria, porque cometeu com seu potente punho muitos atos violentos. Citado na Antologia Palatina (XIII, 11) como autêntico, esse epigrama, segundo Page (1981, p. 276), apresenta tanto em relação à métrica quanto ao conteúdo características atípicas de uma inscrição, razão por que prefere o helenista considerá-lo um exercício literário. Assinala o estudioso que o referido epigrama reproduz um diálogo entre um monumento e um passante. Ponto de vista análogo apresenta Bravi (2006, p. 108), segundo o qual a atribuição do epigrama a Simônides não é possível, uma vez que as vitórias de Dório ocorreram, segundo o testemunho de Pausânias (VI, 7.1.7), após a morte do poeta de Ceos. Essa afirmação já havia sido assinalada por Page (1981, p. 276) que considerou o último quartel do século IV a. C. o período das vitórias do atleta Dório, fato que inviabiliza a atribuição do epigrama a Simônides, já que ele morreu em 468 a. C. 127 Sobre a atuação atlética de Dório, Page informa ainda, com base em Pausânias, que Dório vencera três vezes em Olímpia, no pancrácio, nos anos de 432, 428, 424 a. C. A carreira esportiva de Dório foi interrompida, como observaa o estudioso, em consequência do envolvimento de Dório com a política de Rodes, que tentava escapar do domínio ateniense. Esse fato histórico é evocado no segundo e terceiro versos, que fazem referência à fuga de Dório de Rodes para Turi, no sul da Itália, depois ter fracassado como líder da rebelião. Os Jogos Ístmicos, consagrados a Posêidon, eram realizados de dois em dois anos no Istmo de Corinto, região estratégica, cercada pelo mar, que era também um importante entreposto comercial. Segundo Kyle (2007, p. 141) os jogos Ístmicos apresentam duas origens mitológicas: uma, sugere que Sísifo estabeleceu os jogos em honra de Melicertes, seu sobrinho, que morreu afogado, e outra, que atribui a criação dos jogos ao herói ateniense Teseu. Além das modalidades comuns presentes em outras competições, nos Jogos Ístmicos as competições com cavalos ocupavam lugar de destaque, tendo em vista ser esse animal relacionado em sua origem mitológica a Posêidon. Havia também concursos de música, pintura, recitação e, ainda, corrida de barcos. Ao lado dos vencedores dos jogos Olímpicos e Píticos encontra-se também o vencedor nos Jogos Ístmicos, Álcon de Creta: Κρὴς Ἄλκων Διδ[ύμου] Φοίβῳ στέφος Ἴσθμι`ἑλὼν πύξ. (Epigrama LXXXVII) Álcon de Creta, filho de Dídimo, depois de ter obtido uma coroa nos jogos Ístmicos com o pugilato, (dedicou-a) a Febo. Encontrado na Antologia Palatina, este é o menor dos epigramas agonísticos de Simônides de Ceos, composto por apenas um hexâmetro, no qual, após indicar o nome do vencedor e sua ascendência, há informes sobre a vitória. A inscrição tem como tema a vitória do cretense Álcon nos jogos Ístmicos, como evidenciam o uso do vocábulo Ἴσθμι, os termos πύξ, relativo à modalidade esportiva, e στέφος, referente à premiação do atleta. Convém assinalar que, embora o vencedor tenha obtido a coroa nos Jogos Ístmicos a dedica a Apolo. 128 Outro epigrama também associado aos jogos dedicados a Posêidon é o LXII cujo conteúdo, embora não aluda claramente às competições esportivas, foi considerado de temática agonística por Bravi (2006, p. 95): εὔχεό τοι δώροισι, Κύτων, θεὸν ὧδε χαρῆναι Λητοίδην ἀγορῆς καλλιχόρου πρύτανιν, ὥσπερ ὑπὸ ξείνων τε καὶ οἳ ναίουσι Κορίνθον αἶνον ἔχεις χαρίτων, δέσποτα, τοῖς στεφάνοις. (Epigrama LXII) Roga que com teus presentes, ó Cíton, alegres de tal modo a divindade, filho de Leto, condutor de belos coros da ágora, do mesmo modo que da parte dos estrangeiros e os que habitam Corinto tu recebas um louvor de reconhecimento, ó senhor, com coroas Com base no conteúdo desse epigrama, é possível inferir que Cíton dedicou presentes a Apolo. Page (2013, p. 284) considera difícil esclarecer quem era Cíton, em que ocasião os presentes foram dedicados, quem é a voz do epigrama e como podem ser interpretadas as palavras do último verso. Jacobs (apud PAGE, 1981, p. 80) defende que Cíton pode ter obtido algumas vitórias, fato que teria contribuído para a hipótese de ser estimado em Corinto, e, consequentemente, ter recebido coroas, o que poderia justificar o emprego do substantivo τοῖς στεφάνοις. Page (1981, p. 284) é de opinião que essa afirmação implicaria ser Cíton um cidadão coríntio vencedor dos Jogos Ístmicos e haver uma nítida distinção em Corinto entre os cidadãos e os estrangeiros, como bem assinalam os sintagmas ὑπὸ ξείνων "dos estrangeiros" e οἳ ναίουσι "os que habitam". O helenista destaca também que Pausânias (II, 2.8.) menciona que havia na ágora de Corinto uma estátua de Apolo. Realizados de dois em dois anos em Nemeia, os jogos Nemeus eram dedicados a Zeus e diretamente ligados às competições em Olímpia. O seu mito fundador remete a Arquêmoro, 129 filho do rei Licurgo, que morrera ainda criança, picado por uma cobra. A organização, os prêmios e as modalidades atléticas seguiam o modelo dos Jogos Olímpicos. A respeito dos atletas vencedores nos Jogos Nemeus, vale citar o epigrama XXXV que celebra as inúmeras vitórias do atleta argivo Dândis, das quais 15 foram conquistadas em Nemeia: Ἀργεῖος Δάνδις σταδιοδρόμος ἐνθάδε κεῖται νίκαις ἱππόβοτον πατρίδ` ἐπευκλείσας Ὀλυμπίᾳ δίς, ἐν δὲ Πυθῶνι τρία, δύω δ` ἐν Ἰσθμῷ, πεντεκαίδεκ` ἐν Νεμέᾳ τὰς δ`ἄλλας νίκας οὐκ εὐμαρές ἐστ` ἀριθμῆσαι. (Epigrama XXXV) Aqui Dândis de Argos, corredor de estádio, jaz, tendo glorificado a pátria abundante em pastos para cavalos, com suas vitórias duas vezes em Olímpia, três em Delfos, duas no Istmo, quinze em Nemeia. E as outras vitórias não é fácil de enumerá-las. Citado como autêntico na Antologia Palatina (XIII, 26), encontra-se no P. Oxy 222.8 e 20, de acordo com Page (1981, p. 250), referência às vitórias do corredor Dândis de Argos em Olímpia nos anos de 476 a. C., na corrida de 400m (diaulos), e em 472 a. C., na corrida de 200m (stadion), como evidencia o termo σταδιοδρόμος. A datação das vitórias harmonizase com os últimos anos de vida do poeta de Ceos, o que, do ponto de vista cronológico, possibilita, segundo Ferreira (2013, p. 154), a hipótese de Simônides ter sido o autor do referido epigrama. Assevera Page (1981, p. 250) que não há muita informação acerca desse atleta, o que descarta a possibilidade de ter sido composto um epitáfio fictício no período helenístico. 130 Segundo Ferreira (2013, p. 154), a vitória de Dândis de Argos ocorrida em 472 a. C., é mencionada também por Diodoro Sículo (XI, 53.1) e Dioniso de Halicarnasso (IX, 37.1). A estudiosa observa que, cronologicamente, o epigrama teria sido composto nos anos finais de Simônides e, se sua autenticidade fosse comprovada, poderiam ser confirmados os registros da tradição de ter o poeta de Ceos vivido seus últimos anos na Magna Grécia. Esse epigrama, iniciado com o nome do atleta Δάνδις e de sua cidade natal Ἀργεῖος, provavelmente está gravado numa lápide como sugere o emprego do advérbio ἐνθάδε "aqui" e do verbo κεῖται "jaz". O apelo ao caminhante, então, é feito pelo túmulo. No segundo verso, o emprego do verbo ἐπευκλείω "glorificar" (ἐπευκλείσας) evidencia que o atleta honrou sua cidade com várias vitórias νίκας: em Olímpia, em Delfos, no Istmo e em Nemeia, locais onde eram realizados os mais importantes jogos pan-helênicos da Grécia antiga, seguindo a ordem de importância dos jogos. 131 6. CONCLUSÃO É comum encontrar nos manuais de literatura grega referências aos epigramas do período arcaico com a indicação que teriam apenas uma função prática, em oposição aos da época helenística, cuja função seria essencialmente literária. É incontestável, entretanto a manifestação do gênero epigramático já no período arcaico, no qual as inscrições funerárias e votivas possuem, a par de seu caráter prático, um valor comunicativo e literário. De grande importância para a compreensão desse gênero foi o conhecimento do contexto em que os epigramas foram produzidos, a que audiência eram destinados e o tipo de performance que a eles era associado. Foi possível observar que, além de possuírem características próprias, apresentam algumas particularidades de modalidades poéticas que floresceram no período arcaico, sobretudo no que tange ao léxico empregado e à métrica adotada. Outros aspectos relevantes no estudo dos epigramas simonídeos dizem respeito à transmissão, à cronologia e à autencidade, que têm suscitado questionamentos vários entre os helenistas. Sabe-se que as inscrições do período arcaico eram, em sua maioria, anônimas e, considerando que os registros antológicos mais conhecidos ocorreram no período helenístico, é compreensível o ceticismo dos estudiosos em relação à atribuição dos epigramas a Simônides. Há também dúvidas quanto à datação do poeta, haja vista a divergência das fontes e das discussões por elas suscitadas entre os estudiosos. Por essa razão, preferiu-se compartilhar da datação estabelecida pela tradição literária, ou seja, a de que Simônides viveu entre os séculos VI e V a. C. (556-468 a. C.). Quanto à transmissão, argumentos contrários dos helenistas tornam difícil um posicionamento seguro: uns, como Sider (2007, p. 115), defendem que pode ter havido uma coleção de epigramas simonídeos anterior ao período helenístico; outros, como Page (1981, p. 122-3), embora não descartem totalmente a fundamentação de outros estudiosos, preferem afirmar que uma coleção de epigramas de Simônides só foi produzida no período helenístico. As dificuldades apresentadas na investigação dos epigramas simonídeos aprofundamse quando se discute a autenticidade. Ao que parece, Sider apresenta a posição mais acertada, pois, ao comentar o Sylloge Simonidea, deixa evidente não ser possível chegar a uma conclusão definitiva sobre a autenticidade dos epigramas simonídeos, considerando a 132 complexidade e a heterogeneidade do corpus epigramático atribuído ao poeta de Ceos, além da variedade temática. Os epigramas históricos de Simônides representam o testemunho de um momento significativo da história da Grécia, em que as cidades-estado, ameaçadas por um inimigo comum, os Persas, se aliaram, fato considerado por muitos estudiosos uma das primeiras manifestações do pan-helenismo. Embora haja epigramas que valorizem o esforço individual, notou-se a predominância de inscrições em homenagem a todos os guerreiros que lutaram em defesa da liberdade da Grécia, constituindo, portanto, um apelo à coletividade. Verificou-se também a semelhança temática desses epigramas com a poesia épica, como comprovam a exaltação da bravura em combate, a preocupação com a escravidão e a preservação de valores guerreiros, como areté e kléos, empregados também na elegia simonídea sobre a batalha de Plateias. Contudo, o espírito agonístico não se manifestava apenas nas atividades bélicas, mas também nas competições desportivas, eventos que atraíam povos de toda a Grécia e difundiam o pan-helenismo. A Simônides também atribuem epigramas em homenagem aos atletas que, de modo geral, são mais concisos do que os de cunho histórico, porque apresentam elementos básicos, como o nome do atleta, sua filiação e cidade natal e o nome dos jogos. Diferentemente dos epigramas de cunho histórico, os agonísticos centram-se no indivíduo e em suas conquistas. Assim sendo, os epigramas históricos e agonísticos imputados a Simônides de Ceos constituem um elemento relevante para o estudo do gênero epigramático e para o conhecimento de aspectos culturais da Grécia do período tardo-arcaico relacionados com a guerra, a morte, a liberdade, a preocupação com escravidão, a concepção de imortalidade, as vitórias bélicas e atléticas, entre outros. 133 7. REFERÊNCIAS ADRADOS, Francisco. "Mito, rito y deporte en Grecia". Estudios Clásicos, n. 110, 1996, p. 7-31. ALONI, A. "Elegy: Forms, Function and Meanings". In: BUDELMANN, Felix. (org.). The Cambridge companion to Greek Lyric. 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