O caminho Misionario de Deus

Transcrição

O caminho Misionario de Deus
O CAMINHO
MISSIONÁRIO DE
DEUS
Uma Teologia Bíblica
de Missões
C. Timóteo Carriker
Coordenação Editorial
Judith Ramos
Billy Viveiros
Tradução
Revisão
Judith Ramos
Billy Viveiros
Editoração Eletrônica
Iberê Romani
Capa
Impressão
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editora. Versão bíblica empregada: Nova Versão Internacional (NVI).
SUMÁRIO
Igreja: Por quê Me Importar?
4
VELHO
TESTAMENTO
5
Igreja: Por quê Me Importar?
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RAÍZES NA BÍBLIA
MISSÃO NO MUNDO
Como percebê-las pelo estudo da Bíblia?
O povo de Deus, durante toda a sua história, foi sempre sujeito
a crises que ameaçavam sua sobrevivência. Por vezes a crise era externa:
uma conquista, um cativeiro ou uma dominação política ou cultural.
Em outras ocasiões a crise era interna: o compromisso com outras
religiões, ou a negligência de seu dever diante de Deus ou de seu papel
entre as nações. Apesar destes perigos e falhas, Deus sempre se
manifestou fiel em seu relacionamento especial com o seu povo e
realizou seus propósitos para com o mundo fosse a despeito da falha do
seu povo ou até em confronto com ele. Somente esta fidelidade de Deus,
a sua graça, garantiu a sobrevivência do seu povo.
Cerca de 1220 anos antes de Cristo, numa inscrição na qual
Mernepta, rei do Egito, relata as vitórias militares obtidas no correr do
seu reinado, encontramos a mais antiga referência feita aos israelitas
fora do Antigo Testamento: “Israel está desolado, não possui mais
nenhuma semente”. Pouco menos de quatro séculos depois, encontramos
outra afirmação pelo rei Mesa de Moabe: “Israel pereceu totalmente,
para sempre”. Como nos dias de hoje, os poderosos exageravam no que
diziam sobre a sua força e eficácia sobre os povos que dominavam. A
história relembrada e relatada “de baixo para cima”, nos mostra outro
ângulo. Israel sobreviveu, pois Deus tinha um propósito universal para
realizar através dele.
A Bíblia, Palavra de Deus, também é palavra recitada pelo povo
de Deus, chamado para uma tarefa de repercussão e significado
universais. Nem sempre, aliás pouco, este povo foi fiel a este
chamamento que era a própria base da sua existência. Portanto, não só
as forças políticas e externas ameaçaram sua sobrevivência, mas também
a sua própria compreensão, ou falta de compreensão, da sua verdadeira
identidade diante de Deus e no meio das nações. A sobrevivência e
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Igreja: Por quê Me Importar?
dinamismo do povo de Deus dependia fundamentalmente da
compreensão da sua vocação missionária, e do seu compromisso com
ela. A Bíblia relata os sucessos e os fracassos desta história.
A crise de vocação permanece até hoje. A identidade e a própria
sobrevivência do povo de Deus, no Velho bem como no Novo
Testamento, estão diretamente relacionadas à sua compreensão de seu
papel no mundo e ao seu compromisso com este papel. É uma crise de
identidade e de missão. É mister que o povo de Deus sempre volte à
Bíblia para reexaminar as bases da sua identidade e vocação a fim de
melhor realizá-las dentro do seu contexto específico e atual. A igreja,
em todo lugar e em cada período, precisa sempre repensar sua identidade
e tarefa no mundo à luz da Bíblia e em referência ao seu contexto
específico e atual.
Percebendo a tarefa do povo de Deus pelo estudo da Bíblia
A mera existência da Bíblia já é um dado profundamente
missionário. A comunicação de Deus nas Escrituras é evidência do seu
amor e da sua preocupação para com a humanidade. Doutra sorte, não
haveria necessidade de revelação para o mundo. Ao receber a Bíblia, o
mundo já sabe que Deus se preocupa com ele e, ao lê-la, o amor e o
propósito salvador de Deus para com o mundo se revela. As próprias
Escrituras já são um instrumento da missão de Deus no mundo e na
história.
A Bíblia como uma tapeçaria completa. Surge então um
desafio: Se a Bíblia possue um propósito missionário e nela o povo de
Deus encontra o devido papel para sua missão, como pode o povo de
Deus melhor estudar a Bíblia e assim conhecer a revelação de Deus?
Um método comum e popular trata a Bíblia como uma “mina”,
procurando textos de prova para apoiar uma perspectiva predeterminada.
Se queremos ouvir da Bíblia e não de antemão ler nela apenas aquilo
que queremos ouvir, este método não servirá. O que propomos é um
método um tanto diferente: Queremos perceber a estrutura básica da
mensagem bíblica em seu desdobramento mais amplo, a fim de discernir
as nuanças do texto em relação à tarefa do povo de Deus no mundo.
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Desta forma, não buscamos na Bíblia referências apenas para legitimar
a nossa perspectiva e atuação ou até mesmo os nossos programas
eclesiásticos. Pelo contrário, queremos ouvir o julgamento da Palavra
de Deus e mudar aquilo que não corresponde à vontade de Deus quanto
à missão do seu povo.
E não queremos nos perder nos detalhes de tal forma que “não
enxerguemos a floresta porque olhamos demais as árvores”.
Certamente os detalhes são importantes. Neste sentido, a compreensão
mais acertada de passagens bíblicas específicas sempre deve ser o
nosso ponto de partida. Entretanto, pelo menos nestes estudos que
propomos em seguida, o nosso enfoque, para usar outra analogia, está
na tapeçaria toda, a fim de ver o padrão na tecelagem toda, e não em
cada fio ou parte menor. Mais uma vez, tanto a visão ampla quanto as
visões específicas e mais detalhadas são importantes para o processo
maior de compreender a Bíblia. Entretanto, nos estudos que se seguem,
adotaremos a estratégia da visão maior que procura o “fio da meada”
ou os enredos principais dos textos.
Isto significa que alguns pontos de partida, fundamentais para
outras maneiras de estudar a Bíblia, não servirão nessa nossa ótica.
Por exemplo, nas últimas décadas têm surgido cada vez mais técnicas
e metodologias para uma análise cada vez mais histórica da Bíblia.
Ainda há debate animado, mesmo que sem conclusões definitivas,
nalguns destes setores sobre os resultados e conclusões destas técnicas
e metodologias. Nosso conhecimento de detalhes da vida do povo de
Deus através das Escrituras, e até mesmo nossa interpretação do
significado disto, se desenvolveu muito a partir destes estudos que se
preocupam com os dados históricos. Entretanto, a Bíblia não foi
organizada seguindo os critérios da história, pelo menos não os critérios
modernos e ocidentais da história. Antes, pela sua própria organização,
ela apresenta uma mensagem. Por isso, julgamos como tarefa digna a
leitura desta mensagem na ordem, não em que ela foi escrita
originalmente, mas na ordem na qual, através dum longo processo ela
foi eventualmente compilada e celebrada no culto do povo de Deus.
Obviamente as questões históricas são importantes e não podem ser
ignoradas. Devem nos auxiliar. Não serão, entretanto, o nosso ponto
de partida.
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Igreja: Por quê Me Importar?
Nosso propósito, portanto, é antes literário que histórico.
Queremos ouvir a mensagem destes textos antigos. A compreensão da
leitura é o que importa. Só um aviso: o entendimento do texto não é
questão de “esclarecer o leitor sobre as coisas difíceis que a Bíblia conta”,
como diz o biblista Carlos Mesters. Ao invés disto, “é corrigir a falha
que existe na nossa visão” (1993:19). E a finalidade de corrigir a nossa
visão é a de ouvir as respostas que esta mensagem antiga contém para
as perguntas e os desafios que vivemos hoje no Brasil. Assim queremos
ver as nossas raízes na Bíblia a fim de exercermos com mais fidelidade
a nossa missão no mundo.
Antes de começar, porém, cabem algumas dicas para uma leitura
proveitosa da Bíblia.
Métodos de estudo da Bíblia. Uma leitura proveitosa requer
todo o nosso ser (Marcos 12.30; Mateus 22.37; Lucas 10.27). Não é
um processo apenas intelectivo. Envolve o corpo, a mente, o coração,
todo esforço, até mesmo nosso espírito.
Envolve o corpo, porque requer a nossa atenção e resposta
física. A postura, o tipo de cadeira que se usa quando se lê, o horário e
a frequência—todos estes fatores fisiológicos de atenção—influem no
bom aproveitamento. O corpo responde à leitura também, pela tensão
em relação a uma palavra dura recebida; ou pela alegria, a agitação das
mãos e a dança dos pés em relação à celebração e o louvor dum salmo
ou doxologia.
Uma leitura proveitosa da Bíblia envolve a mente, porque requer
interpretação. A interpretação exige, por sua vez e ao máximo possível,
abertura para receber novas idéias e novos desafios. É claro que
imparcialidade total é uma ilusão. Todos nós, pela formação cultural,
eclesiástica e social, temos as nossas predisposições de leitura.
Entretanto, precisamos nos dispor a ouvir, sempre de novo, a mensagem
que a Bíblia nos traz, inclinar os ouvidos ao sopro do Espírito que a
inspirou e ainda hoje a aplica.
Especificamente, cabe levar em consideração três momentos
da passagem estudada: o ante-texto, o con-texto, e o próprio texto. O
primeiro momento consiste em conhecer as situações históricas, sociais
e espirituais que geraram o texto. Qual foi a realidade do povo naquele
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tempo e naquele lugar que provocou a composição do texto? Quanto a
isto, as enciclopédias, os dicionários, e os comentários bíblicos podem
esclarecer dúvidas geográficas, biográficas, cronológicas e culturais.
Algumas edições da Bíblia trazem introduções gerais à cada livro,
notas de roda-pé e referências a outros textos afins.1
No segundo momento repara-se o contexto maior da passagem,
o que vem antes e o depois do texto. Aqui entra o trabalho da teologia
bíblica, o olhar mais distante, o exame de pedaços inteiros da tapeçaria,
os temas principais que entrelaçam livros inteiros da Bíblia.
Finalmente é preciso atentar para o texto em si, ler as linhas
com cuidado onde as coisas aparecem com mais clareza, e as
entrelinhas, onde o leitor atual se imagina no lugar do leitor antigo.
Na tarefa de ler as linhas, a comparação de traduções diferentes pode
trazer esclarecimento sobre a linguagem. Aliás, quanto à linguagem,
o leitor não deve confundir a expressão contemporânea da linguagem
com a fidelidade da tradução. Uma versão cuja linguagem é mais atual
e flue com facilidade pode muito bem ser também uma tradução fiel
ao texto original, mas não necessariamente.
Para ler as entrelinhas o leitor deve observar a maneira que o
argumento do autor se estabelece, especialmente o seu próprio uso de
textos bíblicos anteriores ao seu escrito. Frequentemente o autor de
um livro bíblico cita ou alude a outra passagem bíblica. O apóstolo
Paulo faz isto muito, especialmente na sua carta aos Romanos.
Geralmente um rodapé indica as citações ou alusões mais óbvias.
Quando isto ocorre, o leitor fará bem em ler a passagem citada junto
com o contexto da passagem citada. Desta forma, a preocupação e as
sutilezas do autor que faz a citação se tornam muito mais evidentes.
Uma leitura proveitosa da Bíblia envolve o coração, porque
abrange tanto a expressão dos escritores antigos quanto requer uma
resposta expressiva de nós, os leitores atuais. A primeira expressão, a
dos escritores antigos é conhecida principalmente reparando a forma
do texto estudado. É narrativa, poesia, doxologia, instrução, oração
ou provérbio? Percede-se ironia ou impaciência? Revela surpresa ou
êxtase, ou é lei? Prestar atênção à forma nos ajuda também a perceber
mais integralmente o significado e responder mais afetivamente a ele.
Assim, o texto é não só entendido como também sentido. A exclamação
invocaria surpresa, a doxologia o culto, a oração reverência, a exortação
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Igreja: Por quê Me Importar?
certo temor, e o encorajamento a serenidade.
Ainda quanto à forma, repare no uso de linguagem figurativa e
da metáfora, não a nossa interpretação figurativa mas as figuras que o
autor usa na transmissão da sua mensagem. Por exemplo, quando Paulo
nos exorta de vestir-nos com toda a armadura de Deus, está obviamente
empregando uma figura de linguagem. Não está se referindo a trajes
físicos, e sim, às características de cada peça da armadura que ele
menciona.
Tais expressões literárias originais requerem uma resposta
expressiva da nossa parte, os leitores. Esta resposta expressiva procede
da meditação e da “ruminação” da leitura. A prática de meditar nas
Escrituras pode nos auxiliar muito a prestar atenção ao texto bíblico.
Gastar tempo contemplando, relembrando e repetindo com calma e
atenção o texto é exercício. Antes da interpretação e da resposta exigese silêncio e pausa. Só depois de prestar atenção a uma passagem
repetidas vezes é que começamos a absorver o seu significado.
Ainda seguindo a analogia de Marcos 12.30, a leitura proveitosa
da Bíblia envolve o nosso espírito e o nosso esforço porque nasce duma
sede intensa da Palavra de Deus e requer obediência. A sede intensa da
Palavra de Deus procede da nossa fé e da nossa esperança em Jesus
Cristo (2 Timóteo 3.15; Romanos 15.4). Portanto urge ler o texto com
tais fé e esperança. Pode-se argumentar com boa razão que não há
compreensão da Palavra sem a prática da Palavra (Salmo 19.1-4, 7-11;
Lucas 6.46-49; 8.19-21). A mística da meditação, e a medida
racionalidade das palavras se encontram aqui, no momento do exercício
e do compromisso; quando a Palavra ouvida, compreendida e sentida
no íntimo se transforma em missão assumida e transformadora.
Digamos, “faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lucas 1.38).
Finalmente, é necessário dizer que a leitura proveitosa da Bíblia
pressupõe uma leitura comunitária. É a comunidade do povo de Deus
que quase sempre determina o primeiro destinatário.2 Os textos bíblicos
eram lidos e relidos no contexto da comunidade do povo de Deus. Assim,
são leituras para o povo de Deus através de toda a história, inclusive
nos dias de hoje (1 Coríntios 10.11; Romanos 15.4). Como tais requerem
uma leitura não apenas e não primeiramente individual. Esta observação
é urgente porque frequentemente o estudo da Bíblia é tratado como se
fosse um exercício apenas individual e particular. Quem sabe a influência
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do valores ocidentais da liberdade e democracia se desembocaram na
apreciação da leitura privada em contra-posição a leitura comunitária.
Seja como for, urge voltar à uma leitura que se coadune com a intenção
da composição destes textos antigos, a intenção de uma leitura
comunitária. Assim há maior possibilidade de prevenir-se de
interpretações pretenciosas. Necessitamos da perspectiva de diversas
classes etárias e sociais, até de tendências teológicas diversas, tanto das
mulheres quanto dos homens, todos dentro da comunidade do povo de
Deus (Gálatas 3.28; Atos 2.17-18).
Uma orientação final de Carlos Mesters3 é perspicaz:
Quando você faz leitura orante, o objetivo último não
é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida. Não é
conhecer o conteúdo do Livro Sagrado, mas sim,
ajudado pela Palavra escrita, descobrir a Palavra viva
que Deus fala hoje em sua vida, na nossa vida, na vida
do povo, na realidade do mundo em que vivemos
(Salmo 95.7)...
Vamos assim embarcar nesta aventura e nesta caminhada de
leitura da Bíblia!
1
veja em primeiro lugar a Biblia Vida Nova. Também são utéis as ajudas da Bíblia na
Linguagem de Hoje e da Bíblia de Jerusalém.
2
A qualificação, “quase”, se deve à observação que, às vezes, o destinatário é o próprio Deus,
como no caso de muitos salmos. Entretanto, mesmo nestes casos, o destinário também é o
povo de Deus na medida que tais expressões de louvor, contrição, confissão, e
arrependimento, servem como paradigma de expressões semelhantes do povo de Deus hoje.
3
“Reflexões sobre a mística que deve animar a leitura orante da Bíblia” na revista Estudos
Bíblicos, número 32, 1991, p. 103.
13
Igreja: Por quê Me Importar?
14
IMCUMBÊNCIA
E QUEDA
Gênesis 1-3
A missão do povo de Deus encontra as suas raízes mais
profundas na missão de Israel. Esta, por sua vez, se baseia intimamente
no plano redentor de Deus para toda a humanidade, como encontrado
nos relatos da criação. Aqui é evidente que desde o início, a mensagem
bíblica é universal e, por esta razão, missionária.
Os relatos da criação têm, como seu tema inicial, a ordem na
criação, e ainda mais especificamente, o reino de Deus que dá sentido à
ordem criativa. Este é o tema que permanece através de todo o escopo
da Bíblia e que é fundamental para a compreensão da nossa tarefa no
mundo. Examinaremos brevemente os relatos da criação encontrados
principalmente em Gênesis 1 e 2, detendo-nos mais naqueles aspectos
que pertencem particularmente à missão de Deus ao mundo e ao papel
da humanidade nesta. Destacaremos que nada menos que toda a criação
é o objeto da preocupação de Deus.
O contexto maior. Antes da nossa análise da criação em
Gênesis 1 e 2, repararemos o seu local maior dentro dos primeiros onze
capítulos. Resumimos: no princípio, Deus criou os céus e a terra, isto é,
tudo. Toda a criação tem sua centralidade e finalidade na humanidade.
Em Gênesis 2, o homem surge do meio das criações de Deus, é seu
centro. Enquanto isso, em Gênesis 1, o homem é o ápice da criação, sua
finalidade. Entretanto, a humanidade não compreendeu sua centralidade
e responsabilidade (Gênesis 3) e, por conseqüência, se alienou de Deus.
O resultado alcançou proporções catastróficas não apenas para a raça
humana, como também para toda a criação (Gênesis 4-6). O julgamento
inevitável e necessário veio através do dilúvio (Gênesis 7-8); contudo,
depois e através dele, Deus permaneceu fiel à sua criação e à humanidade
pelo fato de ter poupado alguns, simbolizando uma nova criação (Gênesis
15
Igreja: Por quê Me Importar?
8-9). Apesar disto, gerações posteriores novamente manifestaram a sua
natureza caída culminando no episódio da torre de Babel. De novo, o
julgamento de Deus se estendeu a toda humanidade, mas essa vez não
com um dilúvio, e sim com a dispersão da humanidade sobre toda a
terra em alienação mútua (Gênesis 11).
Até esta altura, Deus se relacionava com todos os povos do
mundo. Mas, no capítulo 12 encontramos um enfoque específico de
Deus numa só nação, a nação de Israel. O relacionamento de Deus com
o mundo das nações em Gênesis 1-11 se torna o pano de fundo para a
história de Israel, que começa com os patriarcas e, particularmente,
com o chamamento de Abraão. A partir do capítulo 12, lemos sobre a
restauração da unidade e da comunhão anteriormente perdidas e
quebradas entre Deus e a humanidade. Neste sentido, Gênesis 12.3 se
torna fundamental para a história da humanidade. “Abençoarei os que
te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão
benditas todas as famílias da terra”. Assim como a desobediência de
um homem determina o destino da humanidade no relato da criação,
também a eleição e a obediência por parte de um homem provoca um
outro destino para a humanidade no início do relato da restauração.
...toda a história de Israel nada mais é do que a
continuação do trato de Deus com as nações e que,
portanto, a história de Israel só pode ser entendida na
perspectiva do problema não resolvido da relação de
Deus com as nações. (Johannes Blauw 1966:19)
Israel, apenas uma entre muitas nações. Que o propósito de
Deus é ligado à criação toda através das nações pode ser afirmado não
somente observando-se a seqüência de eventos relatados em Gênesis
1-11, como também pelo fato de Israel ser descrito como uma só entre
muitas outras nações. A lista na Tabela das Nações (Gênesis 10) nem
sequer menciona Israel. Está no “lombo de Arfaxade”, isto é, está oculto
num nome de insignificância histórica. No próximo capítulo lemos que
um dos descendentes deste era Terá, pai de Abrão. Portanto, Israel não
poderia se ver como foco das nações, mas só deduzir que era apenas
uma das nações na história. De fato, era o primeiro povo a se reconhecer
16
como apenas uma nação. Todos os outros impérios, como o Egito e a
Babilônia, pensaram em si como o universo todo. Israel, então, segundo
suas próprias Escrituras Sagradas, reconhece que sua origem biológica
não era diferente de qualquer outro povo gentio (veja também Ezequiel
16.3). Não possui nenhum status sobrenatural nem por nascimento, nem
pela sua história primitiva.
Portanto, Israel aceitou sua condição não como o propósito final
de Deus, mas como seu meio de redenção, eventualmente, para todas as
nações. Esta consciência de Israel ser uma entre muitas nações conclui
a história da criação e, por conseqüência, a história universal. Todas as
nações são o alvo da preocupação e do propósito divinos. As nações
fazem parte integral do drama da obra e atividade de Deus. Não são
meros enfeites incidentais no cenário da criação. Os atos de Deus são
dirigidos para toda a humanidade no relato do início da história como
também o relato comovente de seu fim, o livro de Apocalipse. O Deus
criador habita entre nós na pessoa de Jesus Cristo, o Alfa e o Ômega.
Ele não abandona a sua obra até que “toda língua e nação” e “uma
multidão sem número” se reúna ao redor de seu trono (Apocalipse 5.910 e 7.9-17). Deus está abrindo um caminho através das atividades de
homens e mulheres na história, a fim de realizar seus alvos entre as
nações. E este palco tão amplo quanto a criação e todas as nações já é
estabelecido no contexto maior dos relatos da criação de Gênesis.
A estrutura dos relatos. Até mesmo a estrutura dos relatos da
criação em Gênesis ressalta o propósito de Deus para toda a criação
através da humanidade, das nações.
1. Adão. Observamos já a centralidade de Adão nos relatos.
Adão aqui, como em outros trechos bíblicos (1 Coríntios 15), se refere
tanto a um nome próprio de um indivíduo quanto a um termo genérico
significando a raça humana. No relato da criação, o que se fala de Adão
também tem significância para toda a humanidade; e o que se fala da
humanidade no relato de Gênesis 1 é a temática de ordem e do reino de
Deus (veja a figura seguinte).
2. Ordem. De fato, todos os relatos da criação no Velho
Testamento salientam a dependência completa de Deus para a ordem
terrestre (Josué 10.12; Juízes 5.20; Gênesis 49.25; Êxodo 15.8,11;
17
Igreja: Por quê Me Importar?
Números
16.30;
TÍTULO
Deuteronômio 33.14ss;
"no princípio Deus criou o céus e terra"
Jeremias 31:35-36 e
Salmo 29 e 8). A
Dia 1:
Dia 4:
construção ordeira da
governarem
luzeiros
luz e trevas
criação sobressai em
(sol, lua e estrelas)
Provérbios 8.22-36
Dia 5:
Dia 2:
como a arquitetura da
povoarem
aves e peixes
céu e águas
sabedoria personificada.
Também, a ordem é
Dia 6:
Dia 3:
imediatamente evidente
animais
restejarem
terra e mares
no relato de Gênesis 1 da
a humanidade:
ação inicial de Deus
governar
homem e mulher
sobre e contra todo o
caos (compare Gênesis
Dia 7:
descansar
1.2 com Isaías 45.18!).
Deus
Essa ordem, ou subordinação da criação,
continuamente recebe destaque em vários salmos, especialmente Salmo
18.7-15. A obediência, que é exigência inerente à ordem, é pré-requisito
para a habitação harmoniosa na criação (Isaías 66.1-3). Por isso, a queda
da própria criação e a desordem conseqüênte em Gênesis 1 e 2, foi
resultado da desobediência.
A forma que o tema adquire já foi sugerida pela idéia do reino
de Deus (que então liga os relatos da criação de Gênesis 1 e 2 e Gênesis
17.6,16). A restauração da criação também é compreendida através da
idéia do reino de Deus. E o ponto fundamental da idéia do reino é a
vinda do Rei Jesus (Isaías 9.6,7; Lucas 1.32-33); e a sua consumação é
a criação dum novo céu e uma nova terra. O tema do reino de Deus
esclarece a ordem definida em Gênesis 1 e 2. Reparamos este tema
quando empregamos uma análise tópica, ao invés de uma análise
cronológica ou ao invés duma análise que pressupõe que o relato seja
pura invenção.
Alguns estudiosos tendem a tratar os relatos de Gênesis 1 e 2
como pura invenção sem nenhuma relação com acontecimentos
históricos. Isto parece-lhes a única solução a tantas incompatibilidades
com a ciência moderna. Por outro lado, outros estudiosos que forçam
18
uma seqüência restritamente cronológica nos relatos acabam propondo
interpretações fantásticas que só podem ser imposições ao texto.
Sugerimos que tanto a perspectiva cronológica quanto a de
invenção partem de conceitos contemporâneos e ocidentais do tempo e
da história, em contraposição aos conceitos hebraicos antigos. Nos
relatos da criação, Israel não estava interessado na natureza física da
criação em si, como nós hoje em dia procuramos entender pela ciência
natural a origem das coisas. Para Israel, o relato da criação era importante
à medida que explicava seu relacionamento com o plano de Deus, para
este mundo todo. Isto é, devemos entender os relatos topicamente, o
tópico sendo o propósito de Deus para a sua criação, ou mais
precisamente, o reino de Deus.
Desta perspectiva, Deus primeiro cria três grupos básicos de
reinos, ou domínios, durante os primeiros três dias. Nos próximos três
dias, Deus cria os reis para governarem nos reinos, anteriormente
criados. O último rei a ser designado (constituindo a primeira Grande
Comissão!) é o homem, que recebe o mandato representativo e real
como governador-administrador sobre todos os outros reis e reinados.
Por representativo, quer dizer que a humanidade foi criada por Deus à
sua imagem (çelem) e semelhança (dêmûth), isto é, segundo a sua espécie
(Gênesis 1.26,11).
O importante no relato, então, é ressaltar o propósito da criação
do homem, e não tanto a forma que assumiu. Semelhantemente, o relato
se importa mais com o propósito do resto da criação, do que com a
forma e com a natureza desta origem em si, sendo estas últimas,
preocupações da ciência moderna.
3. A imagem de deus no ser humano. A humanidade tem um
chamamento representativo para reinar como Deus reina. Por esta razão,
o ser humano é não somente o servo do Senhor, como também
representante dele. Assim como Deus faz, o representante deveria fazer,
refletindo as características do Criador. Nisto, a realeza e o domínio de
Deus são refletidos no domínio e na administração apropriados da
humanidade sobre a criação. A função que a imagem de Deus no ser
humano tem, portanto, é exatamente o que o texto bíblico elabora em
Gênesis 1.28, “ter domínio” (râdhâh) e “sujeitar” (kôbhash) a terra.
Isto é o seu status como senhor no mundo. Deus coloca a humanidade
no mundo como sinal da sua soberania.
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Igreja: Por quê Me Importar?
O Salmo 8 concorda com este conceito de Gênesis 1 de que a
humanidade realiza sua comissão como rei do reino terrestre, assim
como Deus é Rei do reino celeste, e o status do ser humano sendo por
um pouco menor do que Deus. Daniel Thambyrajah Niles, teólogo e
missionário indiano ilustra esta relação da seguinte forma:
O homem é a única criatura que Deus fez cujo
ser não está em si mesmo, e que por si mesmo não é
nada. A “canicidade” do cão está no cão, mas a
“humanidade” do homem não está no homem. Está na
sua relação com Deus. O homem é homem porque
reflete Deus, e somente quando ele assim o faz
[tradução] (1958:60-61).
Desta forma, a ética bíblica é fundamentalmente uma ética de
imitação. Essencial e unicamente os seres humanos são capazes de
responsáveis de imitar Deus no nível de criatura. Aliás, em toda a Bíblia,
a imitação de Deus precede tanto cronológica quanto logicamente a
obediência à lei, embora estes dois fundamentos não sejam mutuamente
exclusivos. O modelo ético cristão de imitação também é intimamente
ligado à doxologia. Pois, adoramos a Deus pelas Suas características
dignas de louvor, e, ao fazê-lo, empenhamos-nos, nós mesmos, em
emular tais características. É por isso que a imagem de Deus no ser
humano é tão essencial para definir a própria natureza da humanidade
e ao mesmo tempo estabelece os parâmentros do seu comportamento.
O ser humano é homo Dei, ou está aquém da sua própria humanidade.
Em síntese, Iahweh tem um propósito escatológico para toda a
criação (Deus finaliza com um novo céu e uma nova terra em Apocalipse
21.1 como começou com os céus e a terra em Gênesis 1.1!). Seu
representante para a reordenação da sua criação é a humanidade redimida
que leva a benção de Deus a toda a criação. Esta tarefa escatológica de
reordenar a criação se baseia na intenção original de Deus que o ser
humano, como imitador de Deus e “rei-criador”, deve ordenar ou
dominar os “reinos” e “reis” que o Rei-Criador criou. Agora, devemos
elaborar esta tarefa.
20
O mandato cultural
A imagem de Deus imputada no ser humano, a de “reinar” ou
“dominar”, que é constatada em Gênesis 1.26, é elaborada logo depois
nos versículos 27 e 28. O versículo 27 esclarece que esta tarefa pertence
ao homem no sentido genérico, isto é, ao homem e à mulher. Somente
os dois juntos realizam a primeira ordenança de Deus, e nenhum dos
dois só, é capaz de realizá-la. Esta pequena observação já possui grandes
implicações tanto para o machismo quanto para o feminismo, pois o
homem ou a mulher que se impõe um contra o outro, o faz contra o
intento original de Deus. A dominação do homem sobre a mulher é
resultado claro da queda e do pecado (Gênesis 3.16) e não o propósito
original de Deus. Quando, então, o homem e a mulher são redimidos, o
seu relacionamento volta a ser primeiro um de mútua sujeição sob o
temor de Cristo (Efésios 5.21). Somente dentro do contexto desta mútua
sujeição e tarefa comum dos dois que uma submissão funcional da
mulher ao marido faz sentido, pois a autoridade do marido é
caracterizada não pela imposição e opressão, e sim, pela auto-entrega e
sacrifício, baseado no modelo de Jesus e a igreja.
Somos constrangidos a reforçar isto, já que a própria história
do povo de Deus confirma e até destaca o importante papel de mulheres
no avanço do reino de Deus.
Como o versículo 27 esclarece quanto aos sujeitos da imagem
de Deus no homem, o versículo 28 esclarece quanto ao conteúdo da
função dada ao homem de “dominar” a criação. Elabora a imagem de
Deus no homem em três áreas de responsabilidade e administração: a
sua experiência social e familiar (“multiplicar”, “encher”, “dar nome”);
a responsabilidade econômica e ecológica (“sujeitar”, “cultivar”,
“guardar”) e o governo (“dominar”, “dar nome”). Estes mandamentos
(Gênesis 1.28; 2.15, 18-25) marcam o início de uma série de obrigações:
o mandato para a família e a comunidade, a lei e a ordem, a cultura e a
civilização que se alarga e se aprofunda ao longo do desdobramento da
revelação divina. Deste modo, Deus chama a humanidade para o papel
de vice-regente sobre o mundo; todos devem participar
responsavelmente nesta tarefa.
21
Igreja: Por quê Me Importar?
Dois mandatos. Dietrich Bonhoeffer, um teólogo luterano,
distingue entre quatro mandatos ou instituições nesta tarefa: de trabalho,
de casamento, de governo e de igreja. Abraham Kuyper, seguindo a
perspectiva reformada, resume estes mandatos em dois: o cultural (para
a humanidade toda) e o redentor (para a humanidade redimida). O
Mandato Cultural chama toda a humanidade a participar na ordenança
e na administração da criação, isto é, na obra da civilização e da cultura.
O Mandato Redentor, que começa a surgir a partir de Gênesis 12 e que
se torna explícito com a vinda de Jesus, chama o povo redimido de
Deus a participar com ele na missão da redenção. São dois mandatos:
um horizontal e outro vertical.
A queda
Nos relatos da criação de Gênesis, as marcas do paraíso são a
beleza, a utilidade e o teste moral (as árvores). Neste contexto, o ser
humano poderia escolher, segundo o seu livre arbítrio, ou a favor do
seu relacionamento de dependência e subordinação a Deus como viceregente sobre a criação, ou a favor de um relacionamento de autosuficiência e separação de Deus, dependendo do mundo criado em vez
que do Criador pelo seu conhecimento, suas satisfações e seus valores,
e rejeitando as diretrizes de Deus em vez de ser subordinado a elas. A
humanidade optou pela separação.
Sua natureza. A tentação do ser humano, criatura e viceregente, era de passar os limites que definiram a sua humanidade e
usurpar a posição de Deus, o Criador e Rei-Senhor. Deixando de
reconhecer as ordens de Deus, a humanidade, de fato, desafia a própria
divindade de Deus, pois nega-lhe a sua soberania absoluta. Quando o
homem nega a divindade de Deus, põe em perigo a sua própria
humanidade. Pode-se dizer, então, que a natureza do pecado é de
desumanizar a humanidade. O objetivo, então, da redenção, será de
verdadeiramente humanizar o ser humano, não no sentido do ser humano
pecaminoso, e sim no sentido do ser humano original. Humanizar é
voltar às origens humanas. Não é deixar de ser uma criatura humana e,
sim, tornar-se uma nova criatura, um novo homem.
22
Quando o ser humano deu ouvidos à serpente, uma criatura,
deliberadamente rejeitou a sua responsabilidade de controlar e dominar os
seres viventes. Assim, renunciou a sua função como vice-regente e se
recusou a cumprir o mandato cultural sob a direção de Deus e para a Sua
glória. Agora, o homem exploraria o mundo para os seus próprios interesses.
A corrupção e a falsidade, enfim, a desordem, entrou em cena e a própria
criação, junto com o homem, caiu. “Por um só homem entrou o pecado no
mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os
homens porque todos pecaram” (Romanos 5.12).1
Seus resultados. Como resultado da queda, o homem tende para
a desintegração e a desordem, isto é, para o caos. Esta é a conseqüência em
todos os seus relacionamentos: com Deus (3.10), no matrimônio (3.12),
entre irmãos (4.8) e no ambiente (3.17-19).
Mesmo assim, apesar da introdução do pecado no mundo, em
hipótese alguma a soberania e o controle de Deus são comprometidos.
Assim que o homem caiu, Deus asseverou Sua soberania e pleno controle
da história. O próprio julgamento mostra a soberania de Deus: a serpente
teve que se arrastar, a mulher se sujeitar ao seu marido, e o homem, exilado
do jardim, teve que depender mais de Deus. O resto da Bíblia revela a
maneira como Deus procura o objetivo que tinha para o homem desde o
início.
Ainda em vigor depois da queda. Apesar da queda, o mandato
cultural não foi anulado, embora o labor do homem tenha adquirido
uma dimensão dolorosa pela disciplina divina (Gênesis 3.17-19). O
homem continua a “sujeitar” e “cultivar” a terra mas, agora pelo suor
do seu rosto, labuta numa terra resistente e rebelde. Sua responsabilidade
econômica e ecológica se desenvolve na arquitetura urbana, na pecuária
rural, na arte cultural e na metalurgia tecnológica (4.17-22).
Imediatamente depois do dilúvio, o mandato cultural foi
reafirmado e até ampliado (9.1-10). A sucessão do mandato continua e
se desenvolve na instrução de Deus no Sinai, através dos profetas e dos
apóstolos e do próprio modelo de Jesus, demonstrando que todos os
padrões sociais e instituições políticas estão dentro do círculo de
preocupação de Deus.
23
Igreja: Por quê Me Importar?
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Podemos agrupar estas implicações em três idéias gerais: o
propósito de Deus, a natureza e função do homem, e o papel redentor
de Jesus.
O propósito de Deus para a criação.
1. O Deus ativo. Primeiro, reconhecemos que o Deus da Bíblia
não é uma divindade de especulação filosófica, mas o Deus vivo que
age na história deste mundo. As Escrituras começam contando sobre as
atividades de Deus neste mundo. “No princípio, Deus criou...” As boas
novas pressupõem esta orientação de que Deus não é um Deus ausente,
afastado e longe das relações humanas e históricas, mas podemos até
conhecê-lo através de sua criação (Romanos 1.20). É um Deus próximo,
conhecível, que se envolve neste mundo. Pois aquele que trabalhou
criando, continua ativo hoje (João 5.17). Como a missão de Jesus era
de revelar o Pai, a missão da Sua igreja é a de fazer conhecido o Criador
(João 20.21).
2. O Deus soberano. Os relatos da criação revelam
inequivocamente que Deus tem absoluto controle sobre Sua criação.
Ele é totalmente distinto da criação como aquele que a criou. Não se
confunde com a criação como nos panteísmos antigos e as suas múltiplas
formas contemporâneas, por exemplo, o espiritismo. Isto significa que
nem o homem, nem os espíritos, nem o pecado desviam os seus
propósitos. A mensagem do povo de Deus deve ser anunciada com a
plena certeza e convicção de que em todas as circunstâncias Deus está
no controle e seu poder não pode ser usurpado.
3. Um propósito final. Conseqüência direta da soberania de
Deus é a idéia de que seu propósito será levado à cabo. O Deus Criador
e Soberano guia a história para que toda a Sua criação tenha seu
cumprimento, sim, sua própria salvação em Cristo (Efésios 1.10;
Colossenses 1.20). A história primeva de Gênesis aponta para frente,
para a história consumada de Apocalipse:
24
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e
a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi
também a cidade santa, a Nova Jerusalém, que descia
do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada
para o seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do
trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os
homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de
Deus e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará
dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não
haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras
cousas passaram. E aquele que está assentado no trono
disse: Eis que faço novas todas as cousas. Escreve,
porque estas palavra são fiéis e verdadeiras [ênfase
acrescentada] (Apocalipse 21.1-5).
A tarefa do povo de Deus é de “escrever”, isto é, fazer conhecida
a promessa de Deus para a renovação da Sua criação e o resgate dos
seus povos (2 Coríntios 5.17; Romanos 8.18-21).
4. Um propósito redentor. Deste modo, ressaltamos que o
propósito de Deus para a criação é redentor. Isso é o nosso ponto de
partida fundamental. Quando Deus terminou o mundo, declarou que
era “bom, muito bom!” (tôbh m’ôdt). Este propósito redentor é a base
da proclamação da soberania de Deus por todo o mundo, inclusive seus
muitos povos. Nenhum povo e nenhum aspecto do mundo é “mau”
segundo o intento original de Deus, como se não merecesse nada ou
merecesse menos a libertação do Evangelho. A tarefa missionária
implica em reivindicação como “bom”, pela graça de Deus, todo aspecto
da criação e todo povo no mundo, tudo neste mundo que o pecado
manchou, isto é, tudo.
5. Um propósito mundial. A criação serviu para Israel desafiar
constantemente as nações a reconhecer e glorificar Iahweh. “Ao Senhor
pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele
habitam. Fundou-a ele sobre os mares e sobre as correntes a estabeleceu”
(Salmo 24.1,2). Richard DeRidder esclarece:
25
Igreja: Por quê Me Importar?
O cristão nunca pode ver o mundo a não ser no
contexto de Deus como o Deus de todos os homens, o
mundo todo como sujeito a ele e a história como a esfera
da sua atividade redentora. Enquanto é verdade que o
descrente tem alguma perspectiva mundial, é
impossível descobrir o relacionamento histórico próprio
dos eventos mundiais sem fé em Deus e referência a
quem pertence o céu e a terra [tradução] (1975:21).
O propósito de Deus não se cumpre antes de atingir as
extremidades do mundo. A obra missionária procura aqueles lugares
onde Iahweh ainda não é reconhecido e glorificado.
A natureza e a função do homem. Uma outra série de
implicações surgem acerca da natureza e da função do homem nos relatos
da criação. A primeira aliança de Deus que encontramos na Bíblia, não
é o pacto com Israel, mas um compromisso com a humanidade toda.
1. Um só. Todos os povos pertencem a uma família e tem um
antecedente comum, Adão (Lucas 3.38). Nenhuma raça e nenhum
indivíduo pode se considerar como superior aos outros. “De um só fez
toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra” (Atos 17.26).
Quando os apóstolos se dirigiam a grupos predominantemente nãojudeus, freqüentemente começavam sua pregação com uma referência
à criação e a sua significância para a unidade da raça humana (Atos
10.34; 14.15; 17.24). É essencial para a realidade sócio-econômica e
racial dos nossos “três” mundos, que a missão do povo de Deus se
realize no contexto de mútuo reconhecimento humano. Na história da
expansão da igreja constam ocasiões, infelizmente excessivas, onde a
obra missionária se realizou no contexto de uma atitude de superioridade
e dominação colonial ou neo-colonial. É uma grave contradição à
imagem de Deus na humanidade toda, qualquer relacionamento da igreja
que não reconheça a igual dignidade (e pecaminosidade) dos homens.
2. Dependente de Deus. Como senhor sobre o restante da
criação e vice—regente com Deus, o homem encontra a sua própria
dignidade na sua sujeição a Deus. O homem é criatura e dependente de
Deus e somente no seu relacionamento com Deus ele encontra a sua
26
verdadeira humanidade. Valdir Steuernagel põe em relevo a significância
disto:
Um dos pecados fundamentais do homem tem
consistido no seu inconformismo com o fato de ser
criatura, e o seu anseio doentio de ser igual a Deus. O
relato da criação nos leva a diferenciar definitivamente
entre criador e criatura, e a constatar que a criatura está
no seu devido lugar quando se aceita como tal...Só há
realização e sentido para o homem na medida em que
ele reconhece a Deus como seu Criador, e a si mesmo
como criatura chamada a uma nobre tarefa, na
obediência a Deus (1984:25-26).
O papel do povo de Deus no mundo não se baseia no humanismo
secular, que eleva a capacidade humana a tal ponto que não há lugar
para Deus, mas se baseia no humanismo bíblico, que, enquanto destaca
o papel supremo do homem entre as outras criaturas de administrar
toda a área da criação, compreende o êxito deste papel em referência ao
homem ser dependente e subordinado de Deus, procurando a Sua glória.
3. Portador da imagem de Deus. Porque o homem porta a
imagem de Deus, sua função é dominar a terra e se submeter a Deus.
Quando o homem manifesta esta característica original de sujeitar a
terra e dominar sobre as suas estruturas, como tarefa comum e universal,
a sua natureza especial se torna visivelmente efetiva e ele se manifesta
como o constituinte responsável do Senhor cósmico e divino.
Esta característica, entre todas as criaturas, pertence apenas ao
homem. Isto foi evidenciado quando Deus trouxe todos os animais do
campo e todas as aves do céu para o homem lhes dar nomes, e também
porque entre eles não achou uma auxiliadora idônea (Gênesis 2.19-20).
Como Deus se distingue da Sua criação, também a humanidade é distinta
do restante da criação.
Esta característica especial de dominação ou administração é
tarefa comum de todos, e não somente dos grandes dominadores. Isto
significa que todos os homens têm o direito e responsabilidade de
participar em toda a administração deste mundo. Não existem áreas
27
Igreja: Por quê Me Importar?
proibidas para alguns, como se pensa muito a respeito da política. A
missão da igreja também é chamar o homem de volta para esta
característica original dele e abrir o espaço para a realização desta sua
função. Assim, o homem será capaz de realizar o seu primeiro mandato,
o Mandato Cultural. Porém, o relato da criação também deixa bem claro
que o homem fracassou neste mandato, falhou com Deus, e que o pecado
cria uma tremenda mancha e estrago na sua função como administrador.
4. Pecador e carente da redenção. O homem caído é inclinado
para a infidelidade no casamento, irresponsabilidade para com seus
filhos, falta de cuidado e preguiça no trabalho, e tratamento injusto
para com seu próximo. Não pode cumprir sua função de administrador
da criação. Não pode aperfeiçoar a sociedade humana. Os seus fracassos
deverão levá-lo a buscar o perdão e a salvação de Deus para sua vida
pessoal e em todas as suas relações na sociedade e na história humana.
Desde que Deus é um Deus procurador (Gênesis 3.8), é seu desejo
restabelecer relacionamento com toda a humanidade (2 Pedro 3.9) para
restaurar a ordem original. O povo de Deus, como portador da imagem
de Deus redimida, tem também o papel de procurar pessoas e povos
conforme sua necessidade do evangelho, pois não se satisfaz até que o
nome de Deus seja conhecido em todo lugar.
O papel central e redentor de Jesus. A idéia de redenção já
está presente implícita, senão explicitamente nos relatos da criação. O
mundo que Deus declarou “bom” depois de haver caído, ainda aguarda
a sua redenção (Romanos 8.24), quando passará a ser novos céus e
nova terra.
Portanto, o Antigo Testamento encara a criação
da perspectiva da redenção (cf. Salmos 74, 89, 93, 95,
135, 136; Isaías 44.24; Amós 4.12; 5.8s; Malaquias
2.10). É o início de um grande projeto escatológico: o
reino de Deus. O pecado é a grande desordem que tenta
frustrar a obra de Deus; a salvação é a recriação que
vence o pecado e recupera o controle do grande plano
de Deus [tradução] (Orlando Costas 1982:27).
28
Embora o Velho Testamento prepare o caminho para a
identificação da fonte desta redenção, como ainda veremos mais adiante
neste estudo, somente o Novo Testamento a revela. É Jesus Cristo, o
Logos e o Verbo de Deus, que é o Salvador para todos os homens. Ele
é a fonte da redenção, disponível a todos, que restaura ao homem e ao
mundo seu relacionamento original com Deus (1 Coríntios 8.6). Em
Cristo, há esperança para a restauração de todas as coisas (Efésios 1.2122). Enquanto o objetivo central da redenção enfoca a salvação das
pessoas, isso não é a circunferência e limite da redenção. Pois a redenção
se estende além, embora através do homem, para toda a criação.
A criação, em todos os seus aspectos, há de participar nas
bençãos da redenção. Portanto, a mensagem missionária é uma de
redenção, a restauração deste mundo e dos seus povos ao intento original
de Deus. O foco central está na lbertação do homem e sua completa
restauração à dependência de Deus. Mas, também vai além deste foco
central irradiando até as circunferências de todo aspecto da criação e
anunciando sinais desta libertação na história e nas relações humanas.
Conclusão
O povo de Deus necessita da perspectiva amplam dos relatos
da criação no Velho Testamento. Assim, encontra uma perspectiva
integral da sua identidade e de sua missão. Os atos salvíficos de Deus
são universalmente disponíveis, embora não necessariamente
universalmente aceitos. A graça redentora de Deus se estende a todos
os povos, através da Sua igreja, mas eventualmente para todas as facetas
da criação através de Jesus Cristo (Filipenses 2.10-11; 1 João 2.2).
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO
1.
Qual é a significância do fato que a Bíblia começa com os relatos
da criação?
2.
De que maneira o ser humano é como Deus? De que maneira
ele é diferente? Quais são as implicações éticas disto? A
29
Igreja: Por quê Me Importar?
incumbência que Deus dá ao ser humano é diferente no homem
que na mulher? Estes dois são igualmente iguais, ou mais ou
menos?
3.
Como você entende a soberania de Deus no relato da criação e
a sua importância para a identidade e a missão do povo de Deus?
4.
Ser “povo de Deus” já é um fim em si, ou um meio para Deus
alcançar outro fim maior? “pois Deus amou o ______________
(a igreja ou o mundão?) de tal maneira que deu seu Filho
unigênito...”
5.
Você pode adotar quais atividades concretas na sua vida pessoal
e no seu ministério baseadas numa perspectiva bíblica do meio
ambiente? Poderá recomendar quais delas para toda a sua igreja?
6.
O mandato cultural desafia o cristão e a igreja a se envolverem
com quais áreas da vida humana? Qual é a relação destes
envolvimentos com o mandato redentor?
7.
Qual é a relação entre a ira de Deus e a sua graça?
8.
Qual era o lugar e a função da criação na pregação dos apóstolos
(veja Romanos 1.25; 8.18; Colossenses 1.15s; Apocalipse 3.14s;
4.11; 10.6; 1 Timóteo 4.4; Efésios 3.9)?
1
Uma questão que os relatos de Gênesis não tratam é a origem do maligno que levou o homem
ao pecado. Entretanto, mais tarde, as Escrituras esclarecem que o maligno não foi criado por
Deus. Porém, ele não está fora do alcance do poder de Deus. O pecado é uma força demoníaca
que atua no homem. Mas os seres humanos também são distintos do mundo dos espíritos,
como estes últimos são distintos de Deus. Os espíritos são seres finitos, criados, e sujeitos a
Deus. Não há um dualismo eterno entre Deus e Satanás, entre o bem e o mal, como muitas
religiões orientais e politeísmos antigos sugerem. Nem são os homens vítimas infelizes de
“deuses” e “espíritos”. Enquanto o poder destes últimos seja real e ocupe um lugar
proeminente no Novo Testamento, os redimidos participam no triunfo sobre estes poderes
jactanciosos. Os espíritos também são sujeitos a Jesus e à autoridade delegada aos seus
discípulos.
30
MISERICÓRDIA
E JULGAMENTO
Gênesis 4-11
Os descendentes de Adão persistiram e até ampliaram a sua
tendência pecaminosa, entrando em decadência e violência total (Gênesis
6.5). Até mesmo os setitas, que começaram a invocar o nome do Senhor
(4.26), se corromperam. O pecado atingiu o próprio mundo e todos os
seus seres viventes passaram a estar sob a maldição (Gênesis 6.11-12)
porque o homem se imaginava “auto-suficiente” e independente de Deus,
condição que persiste até hoje (João 3.36; Romanos 1.18; 3.23; 8.20).
Foi neste contexto triste de decadência penetrante que a ira de
Deus se manifestou, sendo o dilúvio seu instrumento. Depois de um
longo período de advertência, o dilúvio caiu sobre aquela geração
corrupta e o mundo de Gênesis chegou a um fim abrupto. Mas, mesmo
que a humanidade tenha passado o limite da tolerância divina, Deus
não desejou a destruição total (1 Timóteo 2.4). Pois, mesmo na ira
julgadora de Deus, a sua preocupação redentora é evidente. Chamou
um homem, Noé, considerado “justo diante de Deus” (6.9; 7.1) e o
salvou, ele e toda a sua casa. Em Noé haverá um novo mundo, uma
nova humanidade e uma nova população de seres viventes. Como a
corrupção tinha atingido não só a humanidade como toda a criação,
então a ira de Deus se dirigiu contra homens, animais e tudo que Deus
havia criado (6.7,13).
A ira de Deus. A ira de Deus se apresenta na Bíblia como a
expressão permanente e imutável do seu coração a tudo o que é contrário
ao seu amor. Repetidas vezes Deus se manifestou desta forma, tanto
que no hebraico há sete palavras para descrever a resposta de Deus ao
ser humano quando este peca, todas sob a idéia da “ira de Deus”.
Devemos ressaltar que a Sua ira não é dirigida somente para o pecado
em si mas também contra o próprio pecador, embora seja falado muito
31
Igreja: Por quê Me Importar?
o contrário. Pois Deus aborrece “todos que praticam iniquidade” (Salmo
5.5). No tempo dos cativeiros assírios e babilônicos, até mesmo o povo
de Deus foi destruído da terra que Deus lhe deu, calamidades somente
menos severas e extensas que o próprio dilúvio. A ira de Deus caiu
sobre Israel quando este quebrou a sua aliança com Deus (Levítico 10.12;
Números 16.33,46), sobre os não-israelitas pela opressão do povo
escolhido (Jeremias 1.11-17; Ezequiel 36.5) e cairá sobre o incrédulo
no grande Dia do Julgamento, o Dia do Senhor (Isaías 2.10,22; Jeremias
30.7,8; Joel 3.12; Obadias 8ss; Sofonias 3.8). As nações que não
reconhecem a Deus correm grande perigo (Jeremias 25.15,33).
O arrependimento. As “boas” novas do evangelho são
acompanhadas de um aviso severo:
Notifica aos homens que todos em toda parte se
arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há
de julgar o mundo com justiça por meio de um varão
que destinou e acreditou diante de todos, ressucitandoo dentre os mortos (Atos 17.30,31).
Jesus veio anunciando tanto a chegada do reino de Deus quanto a
necessidade conseqüente de arrependimento e de fé (Marcos 1.14,15).
Esta mesma urgência Ele passou para os apóstolos (Lucas 24.46-47), o
que de fato assumiram como o clímax da sua pregação repetidas vezes
(Atos 2.38; 3.19; 5.31; 8.22; 17.30; 26.20).
No relato sobre Noé lemos que, mesmo diante da dramática ira
destruidora de Deus manifestada no dilúvio, Deus permaneceu fiel à
sua criação e à humanidade. A aliança de Deus com Noé era predicado
da Sua fidelidade. O propósito de Deus para Sua criação e seu
representante, o homem, ainda chegará ao seu fim.
A fé e a obediência. Para tanto, Deus chamou Noé (Gênesis 6.13),
que o registro descreve como o “justo diante de Deus” (7.1), e se
comprometeu a poupá-lo, a ele, sua família e cada espécie de ser vivente,
e prometeu a sua participação na nova vida além do dilúvio. O registro
de Gênesis informa que Noé seguiu todas as instruções de Deus quanto
32
à construção da arca, o resgate dos animais e o tempo para procurar
abrigo (6.22; 7.5,16). Noé era obediente e se subordinara a Deus,
assumindo a função da imagem de Deus no homem de ordenar o mundo
e seus habitantes (a construção da arca e o domínio dos animais) e se
subordinar a Deus. O Novo Testamento, por sua vez, descreve a
obediência de Noé como sendo o exercício da sua fé (Hebreus 11.7).
De fato, a relação de fé com obediência é tão próxima que o autor de
Hebreus pode empregar os dois termos permutavelmente (3.18,19).
Como a obediência é necessariamente precedida pela fé (Hebreus 11.7),
também a fé é necessariamente evidenciada pela obediência (Efésios
2.8-10; Tiago 2.14-26).
Eleição. Noé respondeu suficientemente a Deus para ser achado
justo diante dele. Possuiu uma boa herança de retidão, sendo da linhagem
de Sete, que começou a cultuar a Deus (Gênesis 5.6-29; 4.26). Mas,
mesmo assim, não demonstrou caráter perfeito (9.20-21)! Antes de
qualquer registro de fé e obediência da parte de Noé, o relato de Gênesis
diz que ele “achou graça diante do Senhor” (6.8). Deus agiu
soberanamente na sua seleção misteriosa de Noé para a salvação e o
serviço. A eleição soberana e incondicional traz muita humildade para
a tarefa da igreja no mundo. Antes da igreja assumir a sua tarefa
missionária, reconhece que esta tarefa é subordinada primeiramente à
missão de Deus. A missão soberana de Deus chegará a sua conclusão
com a participação da igreja na promoção do reino sobre toda criação e
todo povo. É na segurança da missão de Deus que a igreja assume a sua
missão.
O propósito de Deus na criação é mantido. Depois que o dilúvio
terminou, Deus “lembrou-se” de Noé (Gênesis 8.1), baixou as águas e
ordenou que Noé saísse (8.15,16). Noé adorou a Deus em gratidão, e
Deus então, prometeu misericordiosamente nunca mais provocar
nenhuma calamidade tão global até o Dia Final (8.21,22; 2 Pedro 3.7).
Como lembrança desta promessa, estabeleceu o arco-íris, símbolo da
aliança de Deus com a nova humanidade. A aliança que Deus havia
prometido antes do dilúvio (6.18), então, é selada, e as ordenanças de
Deus para o primeiro homem, Adão, são repetidas e ampliadas para o
novo homem, Noé (9.1-17). A nova humanidade continua com um
33
Igreja: Por quê Me Importar?
mandato cultural, de ser o mordomo de Deus sobre a sua criação. Porém,
Deus restringe a violência que corrompia a terra através da proibição
contra o assassinato (9.6), baseando-se na dignidade da vida do homem
que porta a sua imagem. Isto foi feito porque a violência era uma das
expressões mais evidentes do pecado do homem, que lançou a sociedade
numa projeção de auto-destruição (6.11-13) antes do dilúvio, e tendo
também destaque no relato anterior de Caim e Abel (4.8-16).
Não como outras alianças a seguir, a aliança com Noé inclui toda
a humanidade, até toda a criação, sob sua benção e lei. Era a primeira
aliança explícita.
A seletividade no propósito redentor. O princípio de
seletividade no propósito redentor permanece no registro da genealogia
de Noé. Mais adiante na história de Israel, o princípio seria empregado
para falar do remanescente fiel dentro de Israel e, eventualmente, se
referiria ao próprio Messias. Por enquanto, o princípio demonstra que
os propósitos redentores de Deus se manifestariam através da
descendência dum só dos filhos de Noé, Sem. Somente o
pronunciamento acerca dele invoca o nome pessoal de Deus, Iahweh
(Gênesis 9.26), indicando que a “história da salvação” se realizaria
através deste ramo da família de Noé. Assim sendo, típico do estudo de
Gênesis, o registro elabora as descendências secundárias primeiro, Jafé
e Cão, para então deixar campo livre para elaborar a linhagem de Sem,
que nos leva até a história dos patriarcas de Israel.
O pronunciamento acerca de Jafé é obscuro mas fascinante
(Gênesis 9.27). Kidner observa que não há nenhuma referência no Velho
Testamento do cumprimento das palavras “habite ele nas tendas de
Sem”, mas que a idéia predomina no Novo Testamento, na colheita dos
gentios (Efésios 3.6), principalmente do ocidente (1979:98) (veja
também Mateus 8.11; Apocalipse 5.9,10).
Uma única humanidade de um único criador. A lista das nações
em Gênesis 10 mantém a ênfase da Bíblia que a humanidade é uma só,
todos descendentes de Noé, e sob o único Criador. Enquanto não inclui
todas as nações conhecidas do Velho Testamento (Deuteronômio 2.1012, por exemplo, registra ainda os emins e os horeus), o emprego de
34
setenta nomes na genealogia se refere ao número completo de povos.
Talvez a escolha de setenta emissários por Jesus em Lucas 10.1 se deva
a este registro de Gênesis 10.
Porque a humanidade toda pertence a um único Deus, podemos
esperar que o propósito de Deus seja de ter relacionamento com toda a
Sua criação. Como Sem iria abrir sua moradia para a habitação de Jafé
(Jafé significa: “de amplo espaço a”, e seus descendentes repartiram
entre si “as ilhas” ou “costas”—Gênesis 10.5—termos designando as partes
distantes da terra especialmente de Isaías 40 em diante, e em particular o
ocidente), Israel seria a habitação do estrangeiro, as nações vindo como
oferta a Jerusalém (Isaías 66), e a barreira que separa judeu e grego seria
quebrada para a entrada dos gentios na igreja (Efésios 2-3).
A rebeldia persistente. O relato sobre a torre de Babel volta ao
tema antediluviano da perversão e arrogância persistentes da raça
humana. Indícios de tal perversão já se encontram no relato da
embriaguez e nudez de Noé e o desrespeito conseqüente de Cão, no
capítulo 9. O quadro geral da história primeva e universal é de dissolução
crescente. Os descendentes de Noé não se beneficiaram do aviso do
dilúvio.
Com um esforço coletivo, o homem se projeta numa tarefa
tipicamente grandiosa do desejo de fama e da auto-suficiência arrogante.
Seu alvo pretensioso era de chegar até o céu e sua determinação de
“tornar célebre o nosso nome” (11.4). O homem procurava grandeza na
fama e no poder.
O julgamento de Deus. Frente a tamanha arrogância e
independência de Deus, e reconhecendo os perigos do esforço humano
coletivo (Gênesis 11.6), o Deus que antes fixou a ordem do mundo e
designou o homem para sua administração, agora provoca uma desordem
na administração do homem (frustrando as construções) e uma confusão
na sua unidade (confundindo as línguas)! A lição salta à nossa vista!
Enquanto Deus estabeleceu o Mandato Cultural para o homem ordenar
a criação como mordomo dela, e enquanto Deus também estabeleceu o
Mandato Redentor de reunir todas as nações para seus propósitos
redentores (já vimos indícios de tal mandato na inclusão da família de
35
Igreja: Por quê Me Importar?
Noé na sua salvação e na inclusão de Jafé nas bençãos de Sem, e este
mandato se tornaria ainda mais explícito a partir de Abraão), nem a
união humana e nem o seu domínio em si podem ser realizados pelos
esforços próprios do homem, independentes de Deus.
Mais uma vez, a ira de Deus se manifestou. A graça de Deus tem
limite. Deus não responde só com mais graça à desobediência e à
arrogância do homem. Mas mesmo este julgamento era salvífico. Deus
evitou a concentração do homem e, assim, a concentração do mal. O
mundo se tornou uma Babel (“confusão”) de línguas, hoje mais que
6.000. E a própria Babilônia veio a simbolizar na Bíblia a devassidão
crescente de uma sociedade ateísta, opressora (Deuteronômio 3),
pretensiosa, sensual, feiticeira (Isaías 47.8-13) e rica. Não foi a sua
torre, mas os seus pecados que “se acumularam até o céu” (Apocalipse
18.5). O seu contraste seria a cidade santa que “descia do céu” e era
totalmente dependente de Deus, cujas portas jamais se fecham para
reunir as nações (Apocalipse 21.10, 24-27).
A sucessão de narrativas em Gênesis 1-11 revela um abismo cada
vez mais largo entre o homem e Deus. Deus reage à manifestação do
pecado com julgamento cada vez mais severo, tendo este também
intenções salvíficas. O castigo de Adão e Eva era menos severo do que
o de Caim, que era menos severo do que o dilúvio, que era menos severo
do que a dispersão dos povos. Onde tudo isto acabará? Gênesis 12 dá a
resposta. A partir deste capítulo há uma concentração de atenção numa
só pessoa, Abraão, e seus descendentes, Israel, através dos quais Deus
realizará seus propósitos redentores para todas as nações.
Do geral, Deus volta para o particular. Em Gênesis 12.1, o
particularismo da eleição começa. Com Abraão, um amorita peregrino
da cidade sumeriana de Ur, Deus estabeleceu uma nova aliança,
implicando em bençãos para seus descendentes, e ainda mais, para todas
as nações através de “seu descendente”. As profundezas do
depravamento humano (Gênesis 3.11) não derrotarão o propósito
redentor de Deus para sua criação (Gênesis 12ss).
A linguagem de Gênesis 12 reflete a transição da história universal
de Gênesis 1-11 para a história da salvação. Isto é evidente por uma
série de paralelos opostos. O contraste da ambição, “tornemos célebre
o nosso nome” (11.4) se encontra na promessa, “te engrandecerei o
nome” (12.2). A “dispersão pela superfície da terra” (11.8) é
36
contraposicionada à frase, “de ti farei uma grande nação” (12.2); e a
maldição pronunciada sobre a desobediência e aspiração arrogante
encontra seu contrário na promessa, “todas as famílias da terra serão
benditas” (12.3).
Deus jamais abandonará a Sua vontade de salvar e restaurar o
seu representante, a humanidade. Com esta convicção a igreja pode
enfrentar, como tem enfrentado, imensurável tamanho de obstáculos e
rebelião humana, convicta da capacitação por Deus na promoção da
boas novas.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Israel como testemunha fiel-obediente. O relato da aliança com
Noé está repleto de significância para o povo de Deus. Primeiro, salienta
que um homem justo era o instrumento de Deus para o resgate de toda
uma família, até mesmo de toda uma nova humanidade e uma nova
criação. Depois, Deus escolhe a nação de Israel para ser justa, isto é,
fiel-obediente, para a salvação das nações. Nenhum outro papel é
ocupado pela igreja. Como testemunho fiel-obediente, a igreja prolifera
a sua família para o resgate duma nova humanidade, que repercute a
ação salvadora de Jesus Cristo através de toda a criação e em todas as
áreas de sua vivência.
O interesse de Deus neste mundo. Segundo, ressalta o interesse
de Deus por este mesmo mundo. Depois do dilúvio Deus garante que
sua ira nunca mais atingirá o mundo inteiro (Gênesis 8.21,22). A criação
continua a esfera da preocupação salvífica divina e da administração
do homem, seu representante. O homem deve exercer sua função de
administrar ainda neste mundo, não o abandonando à sorte da maldade.
Hoje em dia, muitos na igreja pensam que qualquer envolvimento nas
relações deste mundo, em qualquer ou algumas áreas da sociedade, é
atitude “mundana” ou, na melhor das hipóteses, secundária nos
propósitos de Deus. O registro da aliança com Noé confirma a orientação
dos relatos da criação (como pretendemos ainda demonstrar no Novo
Testamento), de que enquanto Deus se preocupa centralmente com o
resgate do homem, esta redenção indispensavelmente influi em todas
37
Igreja: Por quê Me Importar?
as suas relações. A aliança com Noé era, de fato, com toda a humanidade,
até mesmo com a criação toda. Os propósitos de Deus ainda possuem
dimensões universais.
A missão é de Deus. Terceiro, embora recebamos a solene
responsabilidade de sermos instrumentos do seu alcance salvador, o
registro assegura que a missão é, de fato, de Deus. Ele elege mas, ao
mesmo tempo, exige a resposta humana de fé-obediência. A
responsabilidade missionária urgente da igreja é acompanhada, (mas
não diminuída!), pela segurança na realização soberana da missão de
Deus.
A arrogância da auto-suficiência humana e a persistência do
pecado. Quarto, salientamos que a atitude fundamental que levou à
ruína no episódio da torre de Babel, foi a falta de dependência de Deus,
que provocou a insegurança e que, por sua vez, gerou o desejo de
construir grandiosos projetos para, enfim conseguir fama e poder. A
mesma atitude está atrás de muitas das aspirações nacionalistas de nossa
época. Não nos opomos à união humana, nem à contribuição do avanço
tecnológico e de grandes obras nacionais. Mas devemos expor à vista
de todos a arrogância de auto-suficiência que tais aspirações geram. O
homem somente pode ordenar a sociedade beneficamente à medida que
ele se subordina à Deus.
Também, repara-se que os descendentes de Noé persistiram na
sua perversão, apesar do dilúvio. Pouco eles aprenderam da história.
No justo entusiasmo de pregar o evangelho, não se pode minimizar
ingenuamente a realidade do pecado e da alienação humana de Deus.
A urgência do anúncio da salvação. Quinto, porque conhecemos
o temor e a ira de Deus como expressos no julgamento de Babel, o
anúncio do dia da salvação como sendo hoje (2 Coríntios 5.11; 6.10) se
coloca como a tarefa missionária e urgente da igreja.
A tradução do evangelho nas línguas do mundo. Finalmente,
não vivemos à sombra apenas dos resultados da confusão de línguas,
mas também à luz do milagre do pentecoste, quando este se refere à
38
articulação do Evangelho em muitas línguas. O pentecoste representa a
inversão da maldição da torre de Babel, como prometida em Sofonias
3.9, “Então darei lábios (linguagem) pura aos povos, para que todos
invoquem o nome do Senhor, e o sirvam de comum acordo”. Para a
obra missionária, isto implica na tradução da Bíblia como um primeiro
passo essencial na comunicação transcultural do evangelho. Podemos
nos regozijar porque hoje em dia, praticamente 99% de pessoas no
mundo dispõe das Escrituras na sua língua nativa, certamente a maior
realização na história das comunicações! Nenhuma outra religião ou
ideologia jamais se incumbiu de tal tarefa. Para os mulçumanos, o
Alcorão deve ser lido e ouvido apenas no árabe. Nem os hindus nem os
budistas tiveram muito interesse em tradução. Os cristãos traduzem as
Escrituras para que “toda tribo e língua” ouça a Palavra de Deus na sua
própria língua. Mesmo assim, falta traduzir a Bíblia toda em mais de
1.600 línguas, que embora faladas por cerca de 1% da população
humana, representam 47% das línguas do mundo.1 Oxalá estes também
conheçam as boas novas.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO
1.
Antes do dilúvio, a humanidade realmente ultrapassou os limites
da tolerância de Deus?
2.
A ira de Deus ainda hoje pode se acender contra o próprio
pecador e não somente contra o pecado dele?
3.
Porque Deus castigou a humanidade com desordem e confusão
quando esta deveria ter um papel de ordenadora e administradora
em relação à criação?
4.
Há um limite da graça de Deus? Por quê? Qual é a extensão da
sua graça?
5.
Quais são as características de Abel, Sete e Abraão que levou
Deus a utilizá-los para a salvação e serviço?
39
Igreja: Por quê Me Importar?
6.
7.
Por que Deus dispersou os povos sobre a terra?
A imagem de Deus no homem foi anulada depois da queda?
Quais são algumas implicações da sua resposta para a
indentidade do povo de Deus?
1
Esta porcentagem se baseia num total de línguas, 3.400, inferior ao total de 6.000 que
citamos anteriormente. O último valor é o total usado pela Wycliffe Translators e a diferença
se deve aos critérios diferentes usados para distinguir “línguas” e “dialetas” de línguas. De
acordo com Wycliffe, a porcentagem da população humana sem qualquer tradução da Bíblia é
cerca de 7%. (veja Frank Kaleb Jansen, ed. Target Earth. The Necessity of Diversity in a
Holistic Perspective on World Mission. Kailua-Kona, Havaí e Pasadena, California: University
of the Nations e Global Mapping International, 1989, pp. 50-51).
40
ELEIÇÃO
E ALIANÇA
Gênesis 12-50
A partir de Gênesis 12 encontramos a resposta de Deus para a
dispersão da humanidade, que constituiu o clímax da história universal
e primeva de Gênesis 1-11. Desde então, Deus se compromete a reuníla numa comunidade eleita através da Sua soberana graça.
O chamamento de Abraão era a resposta de Deus para o caos das
nações. Foi o início do grande projeto escatológico, o reino de Deus, e
assim respondeu à desordem e à dispersão conseqüentes do pecado com
uma nova ordem e restauração da humanidade, mas desta vez não através
de uma nova chance, como no caso de Noé, e, sim, exclusivamente
pela iniciativa e atuação de Deus, numa palavra só, pela graça de Deus,
que envolve uma aliança com o povo eleito.
O chamamento de Abraão reflete tanto a salvação de Deus (Gênesis
10), quanto o seu julgamento (11), e estes terão predominância na maneira
como Deus se relacionará com a humanidade desde este ponto. A relação
deste chamamento com os capítulos anteriores não destaca tanto um
favoritismo exclusivo de um só povo, mas deixa bem claro que Deus está
profundamente preocupado pela salvação de todas as nações. Assim como
a história universal de Gênesis 1-11 forma a base de uma história particular
de Gênesis 12, o chamamento de Abraão forma o pano de fundo para a
história de Israel.
O grande tema de Gênesis 12-50 é esclarecido logo no início, sendo
a promessa de benção para todas as nações, através da semente de Abraão.
Já que o estabelecimento de uma nação implica na necessidade de um
lugar de residência, a terra prometida em menor medida também recebe a
atenção do narrador. O tema da descendência de Abraão se desdobra em
quatro gerações de patriarcas e em duas culturas diferentes. A promessa de
um filho domina os capítulos 12 a 20, culminando no nascimento de Isaque,
no capítulo 21. Então, a linha de sucessão leva ao episódio da entrada no
41
Igreja: Por quê Me Importar?
Egito, a elaboração das tribos; e no fim do livro, a vocação de Israel no
meio das nações já está no contexto da esperança da sua libertação do
Egito.
A eleição
O chamamento. Abraão precisava abandonar radicalmente todas
as suas raízes naturais: sua terra, sua parentela e sua família imediata,
exigências cada vez mais difíceis, senão impossíveis para o homem
antigo. Nada menos que a confiança penetrantemente completa na
direção de Deus foi a porção de Abraão (Hebreus 11.8-10) que o
capacitou a tomar este passo.
Devemos esclarecer que nesta narrativa sobre o chamamento de
Abraão, Israel registra mais que um fato que marcou o seu início, mais
que um evento na sua história mais antiga. Também constata nela uma
característica fundamental de seu próprio relacionamento com Deus.
Como Abraão, Israel surgiu da comunidade das nações (Números 23.9)
e nunca foi completamente arraigado em Canaã, sendo até mesmo
estrangeiro lá (Levítico 25.23; Salmo 39.12). O destino de Israel como
o de Abraão, estava num plano de dimensões universais, completamente
nas mãos de Deus.
A centralidade da eleição na teologia do Velho Testamento.
Embora a terminologia específica da eleição (da palavra b~ar, para
“escolher”) não apareça em Gênesis 12.1-3, a linguagem destes
versículos denota a maioria das idéias implícitas na idéia da eleição.
Inclusive, toda a tradição acerca dos patriarcas pressupõe o tema da
eleição, pela maneira como ela prepara o cenário para o surgimento de
Israel como nação depois do êxodo, e para a aliança no Sinai que selaria
a sua eleição (Deuteronômio 7.6-8). A centralidade da eleição para a
compreensão da fé de Israel sobressai em todo o Velho Testamento e
permanece até hoje como o ponto central da sua mensagem.
Mas a eleição é chave não só para o Israel antigo e o judeu
contemporâneo. A idéia de que Deus chama um povo para si, para
viver sob sua soberania em antecipação da vinda do reino de Deus, é
42
um dos temas unificadores da Bíblia. A eleição é um dos elos que
unem o Antigo e o Novo Testamento.
A função da eleição. A eleição de Abraão e dos patriarcas não
se referia ultimamente a sua própria redenção ou condenação eternas,
mas à sucessão da sua descendência dirigida para Cristo, semente de
Abraão. Ainda são poucas as alusões ao aspecto último da salvação, a
libertação da morte e do inimigo final. Mesmo assim, como antecipamos
a redenção através dos relatos da criação, antecipamos também na eleição
de Abraão. Aquele que é eleito, é receptor e canal de benção. A idéia
culminaria em Cristo, o descendente de Abraão e verdadeira fonte da
benção de Deus (Gálatas 3.6-14; Atos 3.25-26).
O “particularismo” da eleição. Então, a eleição de Abraão não
teve como alvo exclusivo a benção dele próprio. Este, além de receptor,
teria o papel de “mediador” no plano salvífico de Deus para todas as
famílias da terra. Israel, herdeiro desta promessa para Abraão por
descendência (Gênesis 13.14-16; 15.5,7,18; 17.4-8; 18.18; 22.17-18;
26.2-4, 24; 28.3-4, 13-15; 22.12; 35.9-12; 48.16), também seria um
canal, não um “depósito” das bençãos de Deus no seu desígnio último
para as nações. Quando Deus escolheu Abraão, não abandonou as
nações, mas o fez a favor delas. A salvação e o serviço de Deus foram
dirigidos para um povo escolhido, mas também, este povo teria um
propósito maior como instrumento no alcance das nações.
A eleição não significa favoritismo. A eleição de Israel não era
nenhum chamamento para a superioridade, nem para o privilégio
particular. A eleição de Israel não significava a rejeição das nações!
Pois a palavra “escolher” sempre aparece na forma ativa, e não na
passiva, em relação a Israel. Assim, Israel não era “o escolhido”, mas
“escolhido para”. Não era o seu caráter étnico que lhe dava uma posição
única. Tanto que, o “estrangeiro” que morasse dentro de Israel,
participava plenamente na vida do povo. Freqüentemente eram até
incluídos na história da salvação, como Melquisedeque, Balaão, Jó e
Rute. A eleição de Israel implicava numa responsabilidade universal.
43
Igreja: Por quê Me Importar?
Por isso, o abuso da eleição pode levar ao julgamento. “De todas
as famílias da terra somente a vós outros vos escolhi, portanto eu vos
punirei por todas as vossas iniquidades” (Amós 3.2).
A eleição recupera seu sentido quando é compreendida em
referência ao futuro, a sua finalidade, a redenção dos povos. A distorção
se manifesta quando é compreendida somente ou principalmente em
referência ao passado, em termos de privilégio e honra, em vez de
responsabilidade e peso. Os profetas teriam que chamar Israel de volta
para uma perspectiva da eleição que anuncia libertação para as nações
(Isaías 42.5-7; 43.10; 45.22).
A eleição implica em serviço. O propósito da eleição é serviço e
é inseparavelmente ligado à salvação das nações, como a interpretação
do Novo Testamento confirma (Gálatas 3.8-29; 1 Pedro 2.9). A eleição
em si não era um fim. Sua finalidade era que todas as nações fossem
abençoadas.
Eleição: serviço sacerdotal para um povo santo. O serviço
especial da eleição se define numa função sacerdotal. Israel é chamado
para ser um reino de sacerdotes no meio das nações (Êxodo 19.6),
oferecendo sacrifícios de retidão (Deuteronômio 33.19). O testemunho
de Israel para as nações seria a evidência de verdadeira separação, o
sentido básico de “santo”, para Deus. Israel teria um ministério de
representante de Deus diante das nações. Sua justiça em relação ao
próximo e sua dependência dum só e único Deus serviria de modelo
para as nações que a soberania do Deus Criador iria alcançar. Para Israel,
o universalismo era decorrente do monoteísmo, e sua missão universal,
a conseqüência da sua eleição. A teocracia em Israel seria um precursor
da soberania de Deus sobre todo o mundo e a presença de Deus em
Israel seria um sinal e garantia de sua presença no mundo.
Por que Abraão/Israel? Tanto judeus quanto gentios têm feito
esta pergunta através dos séculos. A resposta se encontra apenas na
misericórdia de Deus, pois Abraão antes do seu chamamento não
demonstrava nenhuma qualidade ou virtude acima das dos seus
próximos. E as virtudes e qualidades de Israel não eram melhores que
44
as das outras nações (Deuteronômio 7.7-8). Muito pelo contrário, Josué,
especificamente, menciona que Abraão veio de uma família de idólatras,
que adorava outros deuses (24.2-3). Harã, por exemplo, era a sede da
antiga seita da lua. Abraão, o arameu peregrino (Deuteronômio 26.5),
era precisamente o verdadeiro representante da raça caída. Tanto que
os rabinos o chamaram de o primeiro prosélito! E até hoje os judeus
recitam Deuteronômio 26.5 duas vezes por ano para se lembrarem de
que, desde o início, Israel nasceu com convertidos. Aquele que foi
disperso por Deus (Gênesis 12.1) seria o instrumento de Deus para reunir
os que foram dispersos pelo julgamento na torre de Babel (Gênesis
11.8). A explicação a respeito da escolha de Abraão/Israel por Deus
somente se encontra no amor e misericórdia soberanos de Deus.
Assim diz o Senhor Deus para Jerusalém: Por tua
origem e nascimento és do país de Canaã. Teu pai era
um amoreu e tua mãe uma hitita. E como foi o teu
nascimento? Quando nasceste não te cortaram o cordão
umbilical, nem foste banhada em água, nem esfregada
com salmora nem envolvida em faixas. Ninguém teve
dó de ti, prestando-te um destes serviços por compaixão.
Ao contrário, no dia em que nasceste deixaram-te
exposta em campo aberto pela repugnância que
causavas.
Então eu passei junto de ti e vi que te debatias no
próprio sangue. E eu te disse enquanto jazias em teu
sangue: “Vive! Eu te faço crescer exuberante como uma
planta silvestre.”... Eu te fiz um juramento,
estabelecendo uma aliança contigo, oráculo do Senhor
Deus, e foste minha (Ezequiel 16.3-8, na Bíblia Vozes).
Eleição soberana. Em Gênesis 12.1, início da história da
salvação, bem como em Gênesis 1.1, início da história universal, Deus
é o sujeito do primeiro verbo. Deus fala, e pela palavra inicia-se toda
uma seqüência na história sagrada. A total iniciativa divina mostra que
o status do eleito é claramente aquele de ser chamado a uma tarefa,
excluindo qualquer mérito ou virtude para tal responsabilidade.
45
Igreja: Por quê Me Importar?
A aliança com Abraão/Israel
O conceito da aliança não é a única analogia do relacionamento
entre Iahweh e o seu povo, porquanto as figuras de Israel como o “filho”
de Iahweh (Êxodo 4.22; Oséias 11.1-9; Jeremias 31.20) e como a “noiva”
ou “esposa” de Iahweh (Jeremias 2.2-3) também se sobressaem.
Contudo, a “aliança” (berîth) é a analogia mais flexível e conveniente, e
não só predomina na tradição deuteronômica, mas também tem um
efeito profundo na formação de toda a tradição literária do Velho
Testamento.
A obediência: exigência da aliança. Enquanto a eleição se
expressa como um ato unilateral de Deus na escolha dum povo, a aliança
implica num compromisso bilateral entre os dois. Enquanto Abraão/
Israel é passivo na eleição, torna-se ativo na aliança. Um dever lhe é
claramente imposto: a obediência a Deus (Gênesis 17.1,9). Esta condição
básica da aliança se torna bem explícita no nascimento de Israel como
nação no monte Sinai:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha
voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha
propriedade particular dentre todos os povos: porque
toda a terra é minha (Êxodo 19.5).
Deuteronômio 5.2-21 elabora mais o significado de “guardar
minha aliança” nos dez mandamentos, a aliança do Sinai. Esta aliança
precisava ser renovada por cada geração voluntariamente. A aliança
era condicional. Dependia da resposta de obediência de Israel. Embora
a obediência não fosse exigida como pré-requisito da aliança (sendo a
eleição soberana o único pré-requisito), era uma obrigação para a
continuação nela. Quando Israel falhava em aceitar tal obrigação, estava,
de fato, repudiando sua própria eleição (Isaías 1.2,4; Jeremias 18.1-7;
Oséias 6.7; 8.1).
A bilateralidade da aliança tem sua origem nos tratados antigos
do antigo Oriente Próximo. Eram particularmente os hititas que
empregavam tratados entre um rei poderoso, o suserano, e um príncipe
46
sujeito, o vassalo. Nestes tratados, os dois se comprometiam com certos
deveres. Voltando para o caso bíblico, estes estudiosos apontam para a
bilateralidade da aliança entre Iahweh e Israel (Êxodo 19.5-6; 2 Reis
23.3; Jeremias 11.1-8), tendo como modelo os tratados do seu mundo
antigo, como dos hititas, que certamente eram bem conhecidos por Israel.
Entretanto, em pelo menos uma linha de tradição do Velho
Testamento, o conceito da aliança é quase sinônimo com a idéia de
uma promessa solene, sendo a aliança uma obrigação unilateral da parte
de Deus, sem a exigência de obediência da parte de Israel. A idéia de
uma aliança unilateral como sendo promessa que assume o cumprimento
das obrigações de Deus, certamente aparece na idéia da “nova aliança”
e da “aliança renovada” de Jeremias 31.31-34, e esta aliança teria mais
significância para o papel da igreja dentro do mundo.
Então a aliança é bilateral ou unilateral? De certo, o peso do
testemunho bíblico está num pacto bilateral entre Iahweh e Israel,
enquanto aguarda a era em que sua unilateralidade receba mais ênfase.
Em parte, nossa falta de clareza se deve ao mistério da inseparabilidade
da idéia da graça soberana de Deus e da resposta responsável do homem.
O conteúdo de Hebreus expressa bem tal ambigüidade em referência à
aliança com Abraão, quando afirmou, “pela fé (que vem de Deus),
Abraão quando chamado, obedeceu...” (11.8).
Em síntese, a aliança foi soberanamente estabelecida e
administrada, e exige a obediência. Mas pode haver revolta,
desobediência e recusa para cumprir o propósito de Deus. Mesmo assim,
tal rebelião não significa que Deus é aleijado e conseqüentemente
incapaz de cumprir seus propósitos. A escolha humana é de se envolver
ou não na atividade salvadora de Deus, que continua apesar da resposta
humana.
Uma aliança específica para um fim amplo. Visto que a aliança
é conseqüência da eleição, cujo propósito é serviço às nações,
necessariamente, a aliança visa redenção inclusiva, e não exclusiva. A
benção de Deus é o mais abrangente possível na sua finalidade. A aliança
de Deus com o seu povo serve como “luz para as nações” (Isaías 42.6).
Na aliança de Deus com um povo, Deus nunca tirou as nações da sua
mira. Ele se relaciona tão intensamente com Israel justamente porque
mantém Sua reivindicação sobre o mundo todo.
47
Igreja: Por quê Me Importar?
A aliança específica com Israel, fez com que ele vivesse sua
história diante dos olhos das nações ao seu redor. Desta forma, a aliança
com Israel servia como modelo do domínio e soberania de Deus sobre
todo o mundo. Porque, de fato, Iahweh tem controle sobre as nações e
suas histórias, como constatam os oráculos extensos dos profetas (Amós
1-2; Isaías 12.23; Jeremias 46-52; Ezequiel 25-32).
Quando Israel subordinava as implicações universais da aliança
à dimensões étnicas, seu relacionamento com Iahweh se deteriorava.
Assim, Israel se apegou a uma identidade exclusivista, como forma de
defesa, ignorante de que tal procedimento já enfraquecera seu
relacionamento de aliança. Quando o povo de Deus chegava a tal ponto
de orgulho introvertido, os profetas lembravam-no que não tinha
nenhuma vantagem sobre as nações (Amós 9.7).
Benção para as nações
A aliança que Deus fez com Abraão e repetiu para Israel tinha
em vista a benção para todas as nações. “Em ti serão benditas todas as
famílias da terra” (Gênesis 12.3). A frase é repetida mais quatro vezes,
em Gênesis 18.18; 22.18; 26.4 e 28.4. Tudo isto confirma o que temos
asseverado, que até nos documentos mais remotos do Pentateuco,
implícito na fé de Israel, está o universalismo. A benção de Israel deve
ser compartilhada com os gentios. Em Gênesis 12.3, encontramos
insinuações daquilo que várias passagens dos profetas dirão anos depois,
que no último “Dia do Senhor” as nações se reunirão ao redor de Israel
para receber a benção de Deus (Isaías 2.2-3; 19.23-25; Zacarias 8.22-23).
Israel e as nações
As nações (goyîm) sempre aparecem no Antigo Testamento em
relação com Israel e são tratadas conforme sua atitude em relação aos
participantes da aliança: Iahweh e Israel. Além da referência a esta
atitude, não há interesse nas relações e afazeres das nações. A obediência
de um homem ou de uma nação para com Deus é determinada em relação
a atitude para com Israel (Salmos 22.28). “Abençoarei os que te
abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”. Em todo o
48
Hexateuco confirma-se que as nações ou eram o despojo por direito de
Israel, ou instrumentos de benção ou de julgamentos sobre ele (Gênesis
49.8,10; Êxodo 3.22; Deuteronômio 28.33). Os profetas também
constataram que as nações poderiam ser instrumentos ou sujeitos do
julgamento de Deus (Amós 6.14; Oséias 10.10) ou da sua benção (Isaías
41.1ss; 45.1).
As nações podem ser, igualmente, objetos tanto de benção quanto
de julgamento, por causa da sua atitude para com Israel. Anteriormente,
já ressaltamos numerosas passagens que falam da benção de Deus para
as nações através de Israel. Mas também podem ser objetos de
julgamento. Os cananeus foram expulsos da terra por causa da sua
iniqüidade (Deuteronômio 9.4,5, e não por causa da justiça de Israel!).
Entretanto, a idéia de julgamento em Gênesis 12.3 não recebe a
mesma ênfase que a idéia de benção, visto que “aquele que amaldiçoar”
é singular enquanto “aqueles que abençoarem” é plural. O objeto e desejo
de Deus é a benção universal. Julgamento resulta da rejeição ou rebelião.
Finalmente, as nações ocupam um papel de testemunhas da
aliança entre Iahweh e seu povo. Pode até ser a sua função mais
proeminente. A aliança e os julgamentos de Deus sobre Israel se realizam
“à vista das nações”, que são testemunhas (Levítico 26.45; Ezequiel
5.8,14; 16.41; Amós 3.9). Assim, as nações reconhecem e
“testemunham” que o Deus de Israel é o Deus de toda a terra, o Criador
de todo o mundo.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
A eleição: risco, não privilégio. Observamos que, Israel caía
em apostasia quando considerava sua eleição como expressão de
favoritismo de Deus, ao invés de um chamamento para serviço em favor
das nações. Deste modo, entendemos que a eleição não é tanto um
privilégio, uma exclusividade que afasta o povo de Deus do mundo.
Embora seja chamado “santo”, cujo significado básico é o de “separado”,
Israel se caracteriza como um reino de sacerdotes no meio das nações
(Êxodo 19.5-6), como testemunha à vista delas e intercessor a seu favor
(1 Pedro 2.9). Antes de “privilégio” e “exclusivismo”, que afastam o
povo de Deus do mundo, a eleição implica em serviço arriscado que
49
Igreja: Por quê Me Importar?
lança o povo de Deus no meio do mundo. A eleição envolve risco.
Implica em sacrifício, auto-entrega e serviço ao próximo. O risco se
manifesta porque o povo de Deus deve viver sua vida não em particular,
como ascéticos longe da vista e das preocupações do mundo. As nações
testemunham o pacto entre o povo de Deus e Deus. Que assim seja,
como Deus quis! Além disso, como veremos depois, na elaboração da
vida da nação de Israel, seu estilo de vida é testemunho, para as nações,
da presença de Deus no seu meio.
Por isso, hoje, ser chamado exige uma pública confissão, à vista
de todos (Mateus 10.32-33), pois a eleição tem como função, serviço às
nações.
Porque a missão do povo de Deus é de proclamar os atos
universais de Deus, ela deve olhar além de si mesma, para a vontade de
Deus para o mundo. A eleição é para um relacionamento particular
com Deus, para o mundo, não fora dele.
A nova aliança de Cristo. Não se pode duvidar que Abraão ocupa
um papel significante e central na história da salvação. As referências a
ele no Novo Testamento são numerosas. Todavia, seu papel não é
entendido como sendo para ele mesmo, mas como sendo para sua
descendência, referindo-se não só a Israel, como também a Cristo e ao
verdadeiro Israel nascido pela fé, como Abraão (Mateus 1.1; Atos 3.2526; Romanos 4.13; Gálatas 3.8-16; 6.15-16). 1 Pedro 2.9-10 reafirma a
eleição de Israel como instrumental na redenção universal, aplicando-a
a igreja, participante da nova aliança através do verdadeiro “eleito” de
Deus, Jesus Cristo (vs. 4). A diferença é que a finalidade da eleição da
igreja se evidencia pela proclamação das virtudes daquele que a chamou,
enquanto a eleição de Israel se expressava através da demonstração
destas virtudes.
A aliança com o Israel espiritual é qualitativamente diferente da
anterior com Israel físico, em que Deus não só estabelece as condições
da aliança, mas Ele mesmo, pela atuação dentro do coração humano, dá
o poder e a capacidade para cumprí-las (Jeremias 31.33; Ezequiel 36.2627). O Israel espiritual também recebe condições para sua eleição—
“ide, pois, e pregai”; mas ao mesmo tempo também recebe a capacidade
de cumprí-las pela presença contínua—“eis que estou convosco todos
os dias até a consumação do século”, e o poder de Deus—“mas recebereis
50
poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas”.
Evangelização: dimensão essencial da fé. O evangelho não pode
ser um conceito exclusivo. O propósito da aliança de Deus é maior que
nossa salvação pessoal; é de nos incluir no serviço de Deus no seu
plano para o mundo todo. De modo que, se os cristãos são chamados
para serem povo de Deus, a fim de proclamar a sua salvação para o
mundo, deixar de fazer isto constitui uma repúdio da sua eleição, e
então, o evangelismo se torna não só uma obrigação, mas até mesmo
uma dimensão necessária da sua fé! Isto é, não se pode ser povo de
Deus sem um compromisso com a redenção das nações. Ser povo de
Deus é participar na missão de Deus para o mundo. Vale a pena citar o
comentário de R. B. Kuiper a respeito da igreja que menospreza tal
participação:
São capazes de impedir o mundo de invadir a
igreja, mas também impedem a igreja de invadir o
mundo. Talvez insistam em que só se pregue a pura
palavra de Deus em seus púlpitos, mas deixam de
proclamar o verdadeiro Evangelho para os perdidos.
Podem edificar na fé os salvos, mas não procuram
persuadir à fé os não salvos. Orgulhando-se de sua
ortodoxia, vivem atormentados pela mania da
ortodoxia. Se não despertarem e não derem ouvidos ao
som do clarim do Rei da igreja mandando que
proclamem o Evangelho aos de fora, mais cedo ou mais
tarde estarão dormindo o sono da morte (1976:41).
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Quais são alguns riscos e alguns privilégios da eleição?
2.
A aliança com Abraão continua em vigor?
51
Igreja: Por quê Me Importar?
3.
Abraão foi chamado para ser uma benção para uma nação ou
para todos os povos?
4.
Por que Deus escolheu Israel?
5.
Qual é a relação entre salvação e julgamento na eleição?
6.
Compare a eleição e a aliança.
7.
O povo de Deus tem cumprido a sua tarefa de ser uma benção
para as nações?
52
LIBERTAÇÃO E
CHAMAMENTO
Êxodo 1-18
No último capítulo, ressaltamos a significância da aliança
abraâmica para o papel de Israel diante das nações. Embora Israel busque
suas origens mais antigas neste chamamento de Abraão, o surgimento
de Israel como nação, e não apenas como liga de tribos descendentes
dos patriarcas, é fixado não na vida de Abraão, mas na de Moisés. Aliás,
a idéia de ser enviado por Deus para uma tarefa de resgate, tão essencial
ao conceito de missão no Novo Testamento, se evidencia mais
explicitamente no chamamento de Moisés que no de Abraão (Êxodo
3.12,13,14). Todavia, a idéia de que Deus chama um homem para ser
seu representante, que assume um papel de administração (Adão), de
julgamento e renovação (Noé), ou de maldição e benção (Abraão), já
precede o chamamento de Moisés. Cada uma destas figuras pressupõe,
explicita e avança a missão daquele que o antecedeu. Com Abraão,
aprendemos que o plano redentor de Deus para as nações se realizará
através de um povo, Israel. Com Moisés aprendemos a maneira como
este povo será um canal de benção ou maldição para as nações.
Moisés no Egito: a libertação humana (Êxodo 1-2)
Não é à toa que a personagem de Moisés predomina nos livros
de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Foi ele quem Deus
chamou e usou mais na formação do povo de Israel em nação, na
elaboração do seu culto e das suas leis, enfim, na expressão fundamental
da sua fé. Tão elevada foi a estimação de Moisés que os comentários
rabínicos chegaram a descrevê-lo como quase divino.
Em vista disto, é ainda mais importante ressaltar que, ao
apresentar este homem, a narrativa de Êxodo sublinha não o seu carisma
53
Igreja: Por quê Me Importar?
e capacidade própria para liderar, sua autoridade exemplar sobre Israel
mas, ao invés disso, revela a rejeição da sua autoridade pelos hebreus,
sua incapacidade de guardar uma das leis mais fundamentais dada a
humanidade (contra o assassinato) e sua antipatia. Como na eleição de
Abraão, em Moisés Deus escolheu um representante da raça caída. E como
Abraão, Moisés seria um peregrino em terra estranha (Êxodo 3.22).
Aliás, o foco de toda a narrativa não está tanto na personalidade
de Moisés em si, mas no Deus que o prepara e o chama para ser seu
agente na realização do seu propósito. Mais uma vez, o relato bíblico
confirma que a iniciativa é inteiramente divina—no chamamento e na
eleição para serviço.
Também, a narrativa salienta que a libertação de Israel, evidência
histórica de sua aliança com Deus, somente pode ser efetuada pela
poderosa mão de Iahweh. Moisés, sem um chamamento marcante de
Deus, não poderia libertar nem apenas um dos seus compatriotas da
opressão de um só egípcio, muito menos reunir todo o Israel para libertálo do poderoso império egípcio! Moisés sozinho era incapaz de
demonstrar a justiça de Deus, de liderar e de libertar Israel.
A libertação de Israel só poderia dar relevo à soberania única de
Iahweh. As virtudes particulares de um homem podem ser instrumentos
no propósito divino, mas a falta delas jamais o impediria.
Moisés no êxodo: a libertação divina (Êxodo 3-18)
Nas vésperas do êxodo, os israelitas haviam passado já
quatrocentos anos no Egito (Atos 7.6). Porque os egípcios detestavam
pastores, os israelitas foram relegados para o Gosen, onde mantiveram
sua identidade étnica e sua vida comunitária (Êxodo 8.22; 9.26). À
medida que os anos passavam e Israel crescia em número, os privilégos
lhe foram retirados e os egípcios começaram a considerá-lo como risco
de segurança na fronteira. A situação piorou cada vez mais e eles
clamaram a Deus pela libertação da opressão egípcia. É neste contexto
que lemos do chamamento de Moisés e da sua insuficiência anterior.
O chamamento. O chamamento de Moisés aconteceu no contexto
de um encontro pessoal com Deus, na sarça ardente. Lá teve uma
54
experiência espiritual profunda e, através dela, aprendeu da realidade
de Deus e da sua aliança com Israel. Bem ciente do seu fracasso prévio,
mas transformado pelo conhecimento de Deus, Moisés se dirigiu a Israel,
persuadido de que fora mandado por Iahweh, que se compadecera de
Israel (Êxodo 2.23-25; 3.7-9). Prometeu-lhes uma libertação que ele
bem sabia não ter forças para realizar, nem sozinho e nem com a ajuda
deles. De fato, os esforços próprios de Moisés não desempenham parte
alguma no episódo. E o povo, mesmo fugindo do Egito, não se volta
para lutar contra Faraó e vencê-lo. Somente a vocação de Moisés pode
explicar a radical transformação de eventos, cujo resultado foi a
libertação do cativeiro.
No episódio da sarça ardente, Deus se identifica pelo nome
Iahweh. Inclusive, esta é a única referência na Bíblia que oferece uma
interpretação do nome. A explicação é dada através de um trocadilho
hebraico associando o nome Iahweh ao verbo “ser”, com o seguinte
resultado: “eu sou o que sou”. O verbo “ser” não deve ser entendido
estaticamente, como mera referência ontológica à existência de Deus.
No hebraico o verbo é dinâmico, difícil de representar em português. A
idéia é mais aproximada de “eu faço ser”, do que de “eu sou”. Mais que
passivamente presente ou existente, a existência de Deus sempre é
eficazmente presente, um adesse mais que um simples esse.1
Ao revelar seu nome, Deus estava afirmando a sua presença ativa
na história, manifesta em palavra e ação. É o Deus que envia (Êxodo
3.14), o Deus que liberta Israel do cativeiro (Êxodo 20.2), o Deus
operante nos afazeres da humanidade, particularmente nos do seu povo.
De fato, a narrativa do êxodo testemunha a presença consistentemente
ativa de Deus em todo o episódio. Deus nunca se ausentara do seu povo.
Por outro lado, e paradoxalmente, a interpretação do nome de
Deus não só vislumbra a sua presença ativa na história. Também salienta
a sua incomparabilidade e até certa obscuridade em segredo. “Eu sou
quem eu sou”. A auto-existência de Deus não pode ser descrita por
nenhuma categoria ou analogia, a não ser referência a ele próprio. Ele é
único. Por certo, esta é a idéia por trás da proibição da idolatria e
fabricação de imagens, o primeiro mandamento do Decálogo. Não há
como representar o Deus supremo, e qualquer tentativa só poderá ser
uma depreciação grosseira e blafêmia conseqüente. Destarte, enquanto
que Deus é ativamente presente na história, a sua presença é algo
55
Igreja: Por quê Me Importar?
escondido. Este tema também se destaca através de todo o relato do
êxodo. Faraó não consegue enxergar o único Deus nos acontecimentos
dos seus súditos israelitas, apesar das pragas!
Em resumo, o nome de Deus2 revela sua presença na história,
uma presença tanto ativa quanto escondida. Assim sendo, o seu nome é
um aviso para que o homem não exceda seus limites como criatura e,
ao mesmo tempo, uma promessa que Deus sempre age em nosso meio.
Além do significado do nome de Deus, o próprio evento desta
auto-identificação de Deus tem significância para nós. Para o hebreu,
“nome” simboliza “caráter”. Conhecer o nome de Deus é conhecê-lo
pessoalmente. O mero fato de Deus ter um nome, demonstra que Ele é
plenamente pessoal. Não é mero conceito filosófico, fruto das nossas
mais inteligentes cogitações. Não é um princípio impessoal do mais
alto elevado raciocínio ou sabedoria, como no misticismo oriental. Não
é idêntico a tudo que é e que acontece, como no panteísmo e no
espiritismo contemporâneo. Deus é pessoa. Pode ser conhecido pelo
homem. “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque
e o Deus de Jacó” (Êxodo 3.6). A proclamação do povo de Deus para as
nações inclue um convite ao conhecimento pessoal de Deus e a entrar
em relacionamento com Ele através da aliança.
O Êxodo. O êxodo era lembrado por Israel como o ato do seu
nascimento e da sua criação (Números 14.19). Assim, era um ato
libertador e redentor que eclipsava todos os demais subseqüentes que,
por sua vez, eram medidos por este. Estava no cerne da lembrança da
eleição de Israel. O êxodo era tão importante para o israelita quanto a
cruz é para o cristão.
No êxodo, Deus se manifesta como um Deus que escolhe. A
libertação de Israel foi antecipada pela sua eleição (Êxodo 2.24,25).
Como já observamos no capítulo anterior, a eleição por Deus é um
conceito vital ao ensino da Bíblia toda. Na eleição de Israel, como na
de Moisés e de Abraão, aprendemos algo essencial para a nossa fé e
para a nossa vocação como povo de Deus.
Quanto a nossa fé, aprendemos que nada havia de merecimento
na escolha. Deus não escolheu Israel (nem Moisés ou Abraão) porque
fosse forte, culto ou virtuoso, mas justamente porque era fraco,
56
desamparado e pisoteado. Não foi o merecimento, mas a necessidade
que provocou a eleição. “Deus prova o seu próprio amor para conosco,
pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”
(Romanos 5.8).
Quanto a vocação do povo de Deus, aprendemos que a escolha
não depende de grande talento e dinamismo inerentes a alguém. A
história está cheia de “surpresas”, pessoas simples que Deus usou
maravilhosamente na expansão missionária da igreja. Os atributos de
fineza na linguagem ou de grande conhecimento não são essenciais à
pregação do evangelho. Aliás, podem até prejudicar. Urgem, entretanto,
a atuação e poder de Deus (1 Coríntios 2.1-5; Romanos 15.18-19). Se a
iniciativa e a dependência contínua não forem de Deus, de nada
adiantam.
Quando Deus trata da sua aliança com o seu povo, é significante
a freqüência com que Ele se refere ao êxodo. Deuteronômio 26.5-9
ressalta a importância deste evento para a lembrança da promessa de
Deus. No êxodo, Deus cumpriu a Sua promessa e se “lembrou” da sua
aliança, libertando seu povo do cativeiro e da escravidão (Deuteronômio
9.26; 12.5; 15.15; 24.18). Isto é parte básica do credo de Israel (Êxodo
20) e este credo transformou Israel de um mero povo (‘am) numa
comunidade “chamada” (g~h~l), que cultua e louva àquele que
providenciou sua libertação. No nosso estudo posterior dos salmos e da
liturgia de Israel, elaboraremos a significância do louvor do povo de
Deus para a sua missão para o mundo. Mais adiante ainda, no Novo
Testamento, e especialmente no livro do Apocalipse, desenvolveremos
a idéia de que, por um lado, a missão da igreja é um grande ensaio para
o louvor que as nações erguerão ao Cordeiro de Deus. Por enquanto,
basta apenas reparar que, já na lembrança do êxodo, há uma incitação à
adoração e ao louvor que terá implicações para o mundo todo. Isto
porque, lembrando do Deus Libertador, Israel o associava com nada
menos que o Deus Criador, que é dono dos céus e da terra (Salmos 135136). Dificilmente lembraria disso sem cogitar as conseqüências para a
preocupação universal de Deus.
Finalmente, o êxodo é a base para a tipologia cristã que antecipa
a obra redentora de Cristo. Isto é, o êxodo como evento todo, desde a
libertação através do Mar Vermelho no início do livro de Êxodo até a
57
Igreja: Por quê Me Importar?
conquista de Canaã no livro de Josué, serve pelo menos como alusão, e
freqüentemente como tipologia da salvação em Cristo (por exemplo, 1
Coríntios 10.1-3).
Os milagres. O registro do êxodo enfatiza os sinais, as pragas e
as vitórias no Mar Vermelho como demonstrações aos egípcios do poder
e da presença soberana de Iahweh. A frase: “Saberão os egípcios que
eu sou Iahweh” ocorre com muito mais freqüência que “saberá Israel”
(Êxodo 7.5; 8.10; 12; 14.17; 34.10, ver também Josué 4.23-24; 1 Samuel
17.45-46; Salmo 98.2,4) para indicar a finalidade dos milagres. Uma
vez, Moisés até apelou a Deus para não destruir Israel porque o Egito
sabia da presença de Deus no meio do seu povo pela evidência de
milagres, e a destruição teria um efeito negativo para os egípcios
(Números 14.13-16). Como no Novo Testamento, os milagres servem
a um propósito missionário. Confirmam a mensagem de boas novas e
são indícios, isto é, tanto garantia quanto contribuintes, do reinado de
Deus anunciado. Manifestam-se especialmente nos momentos críticos
da história da salvação, autenticando a mensagem e atestando a soberania
de Deus. No Velho Testamento, como no Novo, os milagres não servem
tanto para animar o povo de Deus quanto para testemunhar e desafiar o
mundo. Sua mira está no mundo. Veremos este princípio operante
depois, no Novo Testamento, como base do argumento de Paulo em 1
Coríntios 14. Também destacaremos a repetida presença de milagres
no ministério de Jesus e dos apóstolos, sempre em conexão com um
novo avanço missionário. Não nos surpreende, portanto, que em tal
momento crítico na vida de Israel, como no êxodo, a presença destes
sinais se ressaltem.3
Se os milagres têm o mundo como seu objeto, têm Deus como
seu sujeito. O papel do povo de Deus ou do servo de Deus na operação
do milagre desaparece totalmente, a não ser à medida que este realmente
glorifica a Deus. O caso da fuga pelo Mar Vermelho em Êxodo 14 é
paradigmático.
Aqui toda atividade procede exclusivamente de Deus. Os
israelitas, de maneira alguma, são ativos na sua defesa. As rodas dos
carros egípcios se emperraram por um poder misterioso. Uma nuvem
confunde o exército egípcio, que não consegue se aproximar dos
58
israelitas. Tudo isto para que Deus seja glorificado (Êxodo 14.17-18).
Moisés e Israel são meros expectadores de todo o drama (14.13-14).
Encontramos o mesmo fenômeno no relato da vitória de Gideão
sobre os midianitas (Juízes 7). A redução dos seus homens, por Deus,
perto das águas, já introduz o tema: Deus não precisa de grandes tropas,
nem mesmo de uma que seja pequena, pois eles nem tiraram suas
espadas, apenas balançaram as tochas, quebraram as panelas, tocaram
as trombetas e ficaram no seu lugar, enquanto o temor caiu sobre o
inimigo e eles mesmos mataram uns aos outros na confusão. O episódio
salienta que onde Deus é glorificado a ação cooperativa pelos homens
não existe (ver também 2 Crônicas 20).
Os milagres, então, servem para chamar o mundo para olhar a
Deus e glorificá-Lo.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Os eventos que traçamos aqui elaboram, explicitam e avançam
as lições do nosso estudo anterior do livro de Gênesis. Sugerimos os
seguintes temas como implicações atuais da libertação de Israel do Egito:
Vocação missionária. O chamamento de Moisés e de Israel
ressalta que a tarefa do povo de Deus é de tal tamanho e complexidade
que exige nada menos que uma vocação de Deus. Sem tal vocação,
nada adiantava a preocupação de Moisés com a opressão do seu povo.
A libertação não era fruto de justiça humana isento da iniciativa divina.
Somente Deus pode operar tamanha libertação contra o imenso poder
político, financeiro e estrutural de Faraó. Mas, para tal, Deus se revelou
a Moisés e o chamou. Ele é o único e verdadeiro Deus. John Stott diz
que o monoteísmo, conhecer o único Deus Criador, é a base da tarefa
missionária do povo de Deus.
Moisés teve um encontro pessoal com o Deus todo-poderoso!
Quando Deus revelou seu nome, já implicitamente revelou que é pessoal.
Pode ser conhecido. E, de fato, quer ser conhecido. Tanto que, por isso,
chama um povo para Si com a finalidade de deixar seu caráter ser
conhecido entre as nações.
59
Igreja: Por quê Me Importar?
O engajamento do povo de Deus no mundo começa, e só pode
começar, com um chamamento de Deus e um encontro pessoal com
Ele.
A eleição de Deus. A eleição de Israel não era resultado de
nenhuma virtude própria que o povo possuía. Os eventos do êxodo
salientaram que nenhum esforço ou esperteza de Israel ou de Moisés
contribuíam para a sua libertação. O “eleito” deve depender somente
de Deus para sua tarefa no mundo.
Paulo reparava que só na fraqueza dele que via o poder de Deus
(2 Coríntios 12.10) e que a sua pregação missionária não se caracterizava
por grande talento da sua parte, mas pelo poder de Deus (1 Coríntios
2.1-5).
O caminho para a terra prometida é o caminho primeiro de
sofrimento e libertação. O caminho para a glória da ressurreição é o
caminho do sofrimento da cruz.
O desempenho do povo de Deus no mundo não depende de
talentos, recursos e obras colossais, frutos da ingenuidade e novidade
humanas. Depende de iniciativa divina e da humilde disposição da igreja,
quer rica e poderosa, quer pobre e fraca, mas quase sempre, as últimas.
De qualquer modo, é erro sério pressupor que a preocupação
universal de Deus hoje depende de empreendimentos missionários ricos
e poderosos. Depende do poder de Deus e emana do seu caráter.
Milagres: sinais para o mundo, não para o povo de Deus. O
registro do êxodo prepara o leitor para o que se segue em toda a Bíblia.
Os milagres servem também a um propósito missionário. Dirigem-se
ao mundo com a finalidade de chamá-lo para glorificar a Deus. Relegarlhes qualquer papel ou nível insignificante só seria desprezar, ou na
melhor hipótese, ignorar sua importância no desempenho do desafio
missionário. Dizer que não são operantes hoje seria distorcer o testemunho
bíblico pelos olhos da incredulidade. Não disse Jesus que o crente nele
faria maiores obras que Ele (João 14.12)? Paulo não esclareceu que as
manifestações milagrosas, o carismati, só desapareceriam depois da vinda
de Cristo glorificado (1 Coríntios 13.10)?
60
Quando examinamos os momentos “críticos” ou “chaves” na
história quando havia um avanço significante nos propósitos redentores
de Deus, sempre encontramos a presença de sinais extraordinários. Por
quê? Não tanto para o povo de Deus, quer seja Israel ou a igreja, mas
para que o mundo, as nações saibam que Iahweh é o Deus verdadeiro e
O glorifiquem. Qualquer outra motivação além deste testemunho bíblico
deve levar a certa suspeita. Os propósitos de Deus não são dirigidos
ultimamente para o seu povo, mas apenas penultimamente, a fim de
chegar ao seu objeto último, o resgate da Sua criação.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Milagres ocorrem hoje no contexto do testemunho do povo de
Deus? Pode citar exemplos?
2.
Compare o seu chamamento por Deus com o de Moisés.
3.
Qual é a importância do êxodo para a “história da salvação”?
4.
Moisés foi o primeiro missionário no Antigo Testamento? Por
quê?
5.
Como pode a igreja incentivar a vocação missionária e selecionar
os que se dizem vocacionados? Como a igreja deve proceder
nesta seleção?
61
Igreja: Por quê Me Importar?
1
A palavra latina, esse, corresponde ao verbo “ser” no português e se refere à existência
(passivo), enquanto adesse corresponde ao verbo “estar” e se refere à presença (ativo).
2
O nome Iahweh aparece mais que 6.800 vezes no Antigo Testamento.
3
Uma excelente apologética para a existência de milagres é desenvolvida por C. S. Lewis
(1984). Ver H. H. Rowley (1977:59) para um exemplo de um profissional de exegese crítica
de boa reputação que afirma, embora não acriticamente, a presença de milagres nos registros
bíblicos.
62
SACRIFÍCIO
E LEI
Êxodo 19-40, Levítico, Números, Deuteronômio
Moisés dirigiu o povo diretamente para o monte Sinai, onde
fizeram um compromisso solene com o Deus que os libertou. A aliança
do Sinai era a base contínua do relacionamento de Israel com Iahweh
(Deuteronômio 5.2ss). Era a sequência da eleição. A eleição exigia uma
resposta, a resposta de adoração e serviço.
Mas esta resposta precisava ser renovada voluntariamente por
cada geração. A aliança não era incondicional. Mesmo que a sua natureza
predominante tenha sido a graça de Deus, e a iniciativa permanecido
com Deus, a aliança subseqüentemente revelou os mandamentos de
Deus. Israel foi chamado ao privilégio da responsabilidade. A sua
resposta à eleição era a aceitação do seu chamamento e o juramento de
obediência. Israel jurou lealdade e obediência incondicionais, isto é, a
devoção fiel (heedh) a Iahweh que anterior e primeiramente o tinha
escolhido.
Embora a obediência não tenha sido pré-requisito da aliança,
era uma obrigação para a participação contínua nela.
“Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e
guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar
dentre todos os povos: porque toda a terra é minha” (Êxodo 19.5, ver
Josué 15.16). Deus tem o direito de possuir o que comprou.
E a obrigação de Israel era: “Vós sereis reino de sacerdotes e
nação santa” (Êxodo 19.6, ver 1 Pedro 2.9). A partir de então, Israel
cumpriria uma função sacerdotal como povo dentre todos os povos,
representando Deus no mundo das nações. A aliança implicava, então,
numa função especialmente missionária de Deus. Quando Israel falhou
em aceitar esta obrigação, então também estava repudiando sua própria
eleição (Isaías 1.2,4; Jeremias 18.1ss; Oséias 6.7; 8.1).
63
Igreja: Por quê Me Importar?
Deus ativo e soberano
Pela aliança, Deus assegurou que permanecia ativo no meio de
Israel, embora, às vezes, aparentemente “escondido”. Sua presença era,
ao mesmo tempo, reivindicação da sua soberania real em todas as
situações conseqüentes. Deus permaneceria incansavelmente fiel aos
seus propósitos e comprometido nas suas promessas. Iahweh é o Deus
que “se lembra” especificamente da sua aliança com Abraão e os outros
patriarcas. “Lembrar-se” não quer dizer que Deus é capaz de ter um
lapso de memória, mas é figura bíblica que simplesmente expressa a
sua imutabilidade. Ele não é arbitrário. Mais literalmente, no hebraico,
“lembrar-se” significa “agir”. Deus, então, agiu de acordo com a sua
aliança quando “se lembrou” dela. Assim, Deus permanece ativo no
meio do seu povo.
De fato, os israelitas se convenceram de tal atividade de Deus
no seu meio, através de cada circunstância da sua libertação de Faraó.
Nada estava além do poder e controle de Iahweh. Ele era soberano sobre
toda a vida de Israel. A sua presença, em cada detalhe da libertação,
serviu uma vez por todas como testemunho da sua atividade salvífica
no meio de seu povo e atestou a sua soberania.
A própria natureza da aliança ilustrava esta soberania real de
Deus sobre seu povo. A aliança sinaítica era uma aliança real. Iahweh
não era somente seu Deus-Protetor, como também seu chefe exclusivo
e político. Isto atestava o seu senhorio real. Por isto, quando Israel
desejou ter um rei, isto foi julgado como desobediência e rejeição a
Deus (2 Samuel 8.4-9), não por querer um rei em si, mas porque, assim,
queria ser como as outras nações. E ser como as outras nações só poderia
ser uma repudiação da sua aliança única com Iahweh. De fato, por quase
duzentos anos, Israel não tinha governo, nacionalidade, exército efetivo,
nem administração fora de Iahweh. Era uma liga sacra de tribos unidas
em aliança com seu rei, Iahweh.
Proibição contra idolatria
A proibição contra idolatria era conseqüência da soberania única
de Iahweh, e assim consta como a primeira das obrigações de Israel
64
delineadas no decálogo (Êxodo 20.3; Deuteronômio 5.7). Tal proibição
não negava a existência de outros deuses.1 Por outro lado, os deuses do
Egito na narrativa sobre o êxodo são ignorados por serem insignificantes.
Só valia a vontade de Iahweh, que comandava até as forças da natureza.
Estes “deuses” simplesmente não têm importância diante de Iahweh.
Esta proibição era especialmente significante para a situação
de Israel, em que a religião cananita geralmente considerava o deus do
seu santuário principal como o principal, ou “rei”, de um panteão de
deuses.2 Então, a proibição significava efetivamente que o israelita leal
se dava apenas com um Deus. Iahweh é um Deus único, não como os
outros deuses.
Sendo Iahweh o único Deus e os outros deuses relegados à
insignificância, o corolário de aliança exclusiva com Deus surge da
proibição contra a fabricação de imagens. A primeira explicação desta
proibição se encontra na lembrança de que Deus havia falado com
Moisés no meio do fogo sem mostrar sua aparência (Deuteronômio
4.12). Depois, no período do exílio, a explicação teológica é elaborada
(Isaías 40.18-20; 44.9-20). Deus é o criador e não o homem e, por isso,
este último não deverá usurpar o lugar do Criador na criação de objetos
de adoração.
Somente Iahweh tem o direito de penetrar toda faceta da vida
de Israel (Deuteronômio 18.3), pois é um Deus “ciumento”, isto é, zeloso.
Como qualquer marido amoroso, Iahweh não tolera repartir sua esposa
com nenhum outro rival. O corolário do “zelo” do Senhor é a “santidade”
de seu povo. A relação de Israel com Deus separa-os para um serviço
especial. Através da sua obediência, seu caráter “santo” (significa
“separação) assumiria uma qualidade ética também, que serve
principalmente como testemunho para as nações do caráter e da presença
de Deus no seu meio.
Redenção
No chamamento de Israel para a santidade, ou “separação”,
encontramos importantes indícios de redenção. A palavra em si,
“redimir” (gâ’al), aparece poucas vezes em Êxodo mas, quando usada,
significa “pagar o resgate”. Pelo menos duas vezes descreve a atividade
65
Igreja: Por quê Me Importar?
redentora de Deus para com Israel (6.6; 15.13). Este papel de resgatar é
exemplificado no livro de Rute e definido em Levítico 25.25, e depois
se refere a futura redenção que Deus daria a Israel no cativeiro na
Babilônia (Isaías 43.1). Mas mesmo que a palavra em si não apareça
muito em Êxodo, a idéia de salvação já está presente. Por exemplo, o
povo redimido cantou o cântico de Moisés (que é apropriadamente
referido em Apocalipse 15.3 como também o cântico do Cordeiro!) à
beira do Mar Vermelho depois de sua libertação, ressaltando o evento
como “salvação” (Êxodo 15.2). Embora a sua compreensão da redenção
àquela altura tenha se restringido à idéia de salvação como libertação
de opressão política, a base do conceito na aliança que ampliava muito
mais o conceito de ser um povo “salvo”, “eleito” e “sacerdotal” já foi
estabelecida ali. A aliança elabora o conceito de redenção através do
sistema de sacrifícios e através da lei.
O sistema de sacrifícios. O sistema de sacrifícios surgiu da
ligação de Israel como nação “santa” e dele como reino de sacerdotes
(ou “reino em relação ao sacerdócio”). Em outras palavras, o ritualismo
da fé israelita, o aspecto dela como reino sacerdotal, tinha como função
principal destacar o caráter ético desta fé, o aspecto de um povo “santo”.
O propósito do sistema de sacrifícios era conscientizar Israel da sua
distância em relação a santa presença de Deus. Além disto, encorajouo a entrar numa vida de culto e comunhão.
A grande extensão de material sobre o culto (Êxodo 19-40,
Levítico) ressalta que o culto de Israel era o coração da sua religião.
Tanto que a construção do tabernáculo exigia muita precisão e cuidado.
Em primeiro lugar, o objetivo da construção do tabernáculo era que a
presença de Deus fosse experimentada no meio do seu povo.
Especialmente o projeto da arca ressaltava a sua presença. O ápice da
construção vem quando a glória de Deus enche o tabernáculo (Êxodo
40.35). Como já observamos anteriormente, o livro do Êxodo ressalta
uma teologia de presença. A presença de Deus era a promessa básica
para Israel (33.14). E esta presença habitava na comunidade de Israel.
Segundo, o tabernáculo e seu ritual permitiam que o israelita fiel
experimentasse a segurança de perdão e aceitação de Iahweh. Apesar
do abuso posterior deste sistema, o sacrifício e a expiação bem
destacaram a santidade de Deus e o pecado do povo. Até os mais sinceros
66
reconheciam a necessidade de pureza absoluta de coração para que seu
sacrifício fosse considerado aceitável (Amós 4.4,5; 5.21-24; Isaías 1.1015; Jeremias 7.21-26). Esta percepção de necessidade, preparou-os para
a promessa subseqüente de Iahweh, que um deles efetivamente se
ofereceria como sacrifício perfeito e culto agradável e se tornaria o seu
mediador. Somente um tal de Santo de Israel poderia validar os grandes
princípios do sistema sinaítico de sacrifícios e se tornar o instrumento
sacerdotal através do qual as pessoas podem se aproximar de Deus, o
meio de comunhão contínua entre Deus e o homem, e a oferta todo
suficiente de gratidão devida a Deus.
Israel devia ser “um reino de sacerdotes”, o representante divino
no mundo e a favor do mundo (como Adão) para a benção das nações
(como Abraão). Mas o próprio Israel, através do sistema de sacrifícios
e do tabernáculo3 , se tornou cada vez mais consciente da sua própria
distância de Deus e necessidade de entrar na benção de Iahweh. Restaria
o servo sofredor cumprir e consumar o sistema de sacrifícios quando—
pelo eterno Espírito, a si mesmo se ofereceu sem mácula
a Deus... para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo, o
pecado... e ser a propiciação ... pelos pecados do mundo
inteiro (Hebreus 9.14,35; 1 João 2.2).
A lei. A aliança elabora o conceito de redenção não só através
do sistema de sacrifícios e da construção do tabernáculo, mas também
através da lei. Enquanto o tabernáculo era uma analogia visível e ritual
da santidade e da salvação de Deus, a lei era a sua expressão verbal. A
lei também refletia a idéia de que Deus exerce Sua soberania real sobre
seu povo escolhido, em todas as áreas da sua vida. O povo de Deus
elabora seus afazeres e conduta de maneira que reflita a natureza e o
caráter de Iahweh. Deus dá sentido a toda a vida cooperativa e individual
do seu povo.
67
Igreja: Por quê Me Importar?
EXCURSO
Imediatamente, uma tremenda barreira para a
compreensão acertada da lei surge para o leitor cristão.
Ele logo pensa: será a lei o polo oposto da graça? Não
será a Velha Aliança cancelada pela Nova Aliança?
Não será o cristianismo uma religião de liberdade e
não de obras? Estas são as perguntas do leitor
descuidado das cartas de Paulo aos Romanos e aos
Gálatas.
Esclarecemos que a polêmica levantado por
Paulo nestas epístolas se refere a um judaísmo legalista
da sua época e não à relação entre o Velho e o Novo
Testamento.4 A “Lei” conseqüente da aliança de Deus
nunca era apresentada como o caminho ou meio da
salvação. Pelo contrário, era a resposta do povo à ação
libertadora e salvadora de Deus já conseguida, resposta
esta que se exprimia no louvor e no culto. Seria mais
análogo à relação correta entre obras e a graça, descrito
em Efésios 2.8-10. O decálogo e os mandamentos
mostraram ao povo como servir ao seu Deus. Eram
para Israel o que os mandamentos de Jesus, por exemplo
no sermão do monte (aonde ele intensifica e interioriza
a lei!), e também os códigos de ética das epístolas, são
para a igreja. Eram um guia de vida para um povo que
Deus já havia salvo e redimido. Enfim, era a resposta
de obediência à atividade redentora e gratuita de
Iahweh. Tanto que poderia ser “resumida” em termos
do maior teste de amor (a “devoção leal” de esedh,
Êxodo 20.6), o amor a Deus (Deuteronômio 6.5) e o
amor ao próximo (Levítico 19.18).
Desta forma poderíamos interpretar o ataque
de Paulo contra o judaísmo do seu tempo como uma
reformulação em Cristo da intenção original de Deus
na aliança sinaítica e a lei subseqüente.
68
A lei, então, era a resposta de gratidão de Israel pela sua
libertação. Neste contexto, a gratidão é uma emoção fundamentalmente
ética e, portanto, a fé israelita adquiriu uma qualidade ética, como a lei
evidencia. Embora tenham sido os profetas do século VIII e VII que
declararam com clareza e insistência a natureza ética da fé de Israel, já
na aliança do Sinai os germes da religião ética foram plantados. Com
tal ética, os profetas anunciavam a injustiça social da sua época nem
tanto como campeões dos direitos humanos em si, mas como campeões
da vontade de Deus que quis expressar seu caráter justo através de um
povo escolhido.
Antes, alegamos que a lei era a expressão verbal da redenção
de Deus como o tabernáculo era a sua analogia visível, tipo parábola.
Isto afirmamos porque em toda a lei o cuidado ativo e salvífico de Deus
em favor das viúvas, órfãos, cativos e estrangeiros recebe atenção
especial (Êxodo 22.21-24). No Egito, Deus se revelou como um Deus
compassivo e salvador (Êxodo 2.23-25; 3.7-9; 34.6-7). Compadeceuse da opressão de Israel e o libertou pelo seu poder.
Mais ainda, já que Deus tem essa “preferência”5 a favor dos
desamparados, Israel, como seu povo, deve tê-la. O povo de Deus deve
demonstrar o caráter salvador de Deus de forma prática. Não é à toa
que o Salvador manifestaria a mesma preocupação (Lucas 4.18-19). E
tal preocupação salvífica é caracterizada pela lei.
A lei refletia o caráter salvador e compassivo de Iahweh,
especialmente através das suas provisões em relação à exploração
econômica (o uso apropriado da terra), à injustiça social (os direitos
dos escravos) e ao bem-estar dos mais fracos (o estrangeiro, o órfão e a
viúva).
Numa sociedade agrícola, a terra era o capital mais importante.
Ser privado de terra significava praticamente perder a vida. Portanto,
Deus ordena a providência de redistribuição e manutenção de terras.
Deus somente é Senhor e proprietário (Levítico 25.23). O homem é
apenas inquilino. O inquilino paga a Iahweh o aluguel, isto é, um dízimo,
10%. O quinqüagésimo ano, o ano de “jubileu”, era um ano único de
graça quando todas as terras eram restauradas aos seus possuidores
originais. Embora uma lei nem sempre praticada, os profetas
relembraram a Israel a sua importância (Ezequiel 45.8; 46.17). A ajuda
mútua deveria caracterizar o povo de Deus. E os perigos, tanto da
69
Igreja: Por quê Me Importar?
afluência quanto da pobreza, deveriam preocupar a todos (Levítico
25.18-25). Nestas leis, a preocupação salvífica de Deus em relação à
exploração econômica se manifestou.
A lei também evitava a injustiça social. Não era como nas
sociedades politeístas. Os escravos judeus eram protegidos pela lei
(Êxodo 21.2-27; Levítico 25.25-55). Os mestres hebreus devem lembrar
que eles mesmos também foram escravos no Egito e que Iahweh os
remiu (Deuteronômio 15.15). De fato, o escravo deve ser tratado como
qualquer outro obreiro (Levítico 25.39-40) e o ano do jubileu oferecialhes a oportunidade de liberdade (Êxodo 21.3; Deuteronômio 15.1218) juntamente com o direito de levar consigo parte da produção da
terra. Desta forma havia sempre ampla possibilidade do escravo se
integrar econômica e socialmente na sociedade geral, livre de dívidas e
suprido para as necessidades fundamentais da vida.
Finalmente, a lei providenciava o bem-estar dos mais fracos e
vulneráveis da sociedade: os órfãos, as viúvas, e os estrangeiros. O
não-israelita que estabelecia residência sob a proteção de Israel, e não o
estrangeiro passageiro, possuia certos direitos, privilégios e
responsabilidades e era classificado pela lei junto com os órfãos e os
necessitados (Deuteronômio 14.29; Salmo 146.9; Êxodo 22.29). O
israelita não deve oprimí-lo (Êxodo 22.21,23) e, sim, amá-lo
(Deuteronômio 10.19). Uma das razões pela observação do sábado era
para refrescar o peregrino (Êxodo 23.12). As espigas do vinhedo e do
campo deveriam ficar para ele (Levítico 19.10; 23.22; Deuteronômio
24.19-21). Ele era incluído na provisão feita para as cidades de refúgio
(Números 35.15). Sendo ele indefeso, Deus seria a sua defesa e julgaria
o seu opressor (Jeremias 7.6; 22.3). Tinha praticamente o mesmo nível
que o israelita (Levítico 24.22), era contado junto com Israel na
participação da aliança (Deuteronômio 29.9,11). E na visão de Ezequiel
da era messiânica, participava na herança de Israel (47.22-23).
As viúvas e os órfãos eram considerados pessoas carentes e
necessitadas, incapazes de se proteger ou suprir suas próprias
necessidades. Assim, mereciam consideração especial e tratamento justo
(Êxodo 22.22-24; Deuteronômio 10.18; 24.17-21; Malaquias 3.5). Já
freqüentemente esquecidos, Deus os fez objeto especial da sua
preocupação (Salmos 68.5,6; 146.9; Provérbios 15.25).
70
Em resumo, a lei refletia o próprio caráter de Iahweh como um
Deus compassivo, misericordioso e libertador. A sua justiça deve ser o
padrão para a comunidade do seu povo, que assume para si esta
característica profundamente redentora como resposta de compromisso,
de gratidão e de obediência à aliança que Iahweh havia feito com ela.
Esta sociedade teocrática era igualitária, exaltava o trabalho, denunciava
a preguiça, encorajava o treinamento apropriado dos filhos, promovia a
reciprocidade e se preocupava ativamente pelo seu próximo. Enfim,
respeitava a dignidade do homem, portador da imagem de Deus. Antes
da lei ser abusada e transformada em sistema legalista, era na intenção
de Deus a expressão de seu caráter e se colocava não como caminho
para a salvação, mas como o caminho do “já salvo” como resposta
agradecida a Deus.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Os eventos que traçamos neste capítulo, que são elaborados
desde o capítulo 19 do livro de Êxodo até o fim do livro de Josué, são
significantes para nossa compreensão da identidade e tarefa do povo de
Deus. Eles elaboram, explicitam e avançam as idéias antecedentes no
livro de Gênesis. Sugerimos os seguintes temas como implicações da
aliança de Israel com Deus:
A eleição de Deus para uma tarefa. A eleição de Israel não
era resultado de nenhuma virtude própria que o povo possuía. Os eventos
do êxodo salientaram que nenhum esforço ou esperteza de Israel ou de
Moisés contribuíam para a sua libertação. O “eleito” deve depender
somente de Deus para sua tarefa no mundo.
Paulo reparava que só na fraqueza dele que via o poder de Deus
(2 Coríntios 12.10) e que a sua pregação não se caracterizava por grande
talento da sua parte, mas pelo poder de Deus (1 Coríntios 2.1-5).
O caminho para a terra prometida é o caminho primeiro de
sofrimento e libertação. O caminho para a glória da ressurreição é o
caminho do sofrimento da cruz.
71
Igreja: Por quê Me Importar?
A tarefa da igreja não depende de talentos, recursos e obras
colossais, frutos da ingenuidade e novidade humanas. Depende de
iniciativa divina e da humilde disposição da igreja, quer rica e poderosa,
quer pobre e fraca, mas quase sempre, as últimas.
De qualquer modo, é erro sério pressupor que a preocupação
universal de Deus hoje depende de empreendimentos ricos e poderosos.
Depende do poder de Deus e emana do seu caráter.
A presença ativa de Deus na tarefa da igreja. A revelação do
nome de Deus punha em relevo a presença ativa de Deus no meio do
seu povo. Como Deus era ativo (ora evidentemente, ora obcuramente)
na libertação do seu povo, permanecia ativo no seu meio para a realização
do serviço deles.
O tabernáculo particularmente enfatizava a presença de Deus
no seu povo, bem no meio de seu acampamento. Mais tarde, o Templo
serviria ao mesmo propósito. E a promessa da vinda de Emanuel (“Deus
Conosco”, Isaías 7.14) se tornaria a promessa mais venerada do Velho
Testamento. Israel daria testemunho aos povos da soberania universal
de Deus no seu meio.
Por analogia, a igreja, por ser a igreja e se caracterizar pela
presença de Deus nos seus afazeres, se torna missionária. Embora tal
conceito de presença não seja definitivo para a obra missionária (já nos
profetas, mas muito mais no Novo Testamento, a necessidade de
proclamação convicta se destaca), certamente é essencial e a
pressuposição para toda atividade missionária que se segue.
A presença de Deus no seu povo também destaca a necessidade
de um povo de Deus. A comunidade da igreja é chamada para seu papel
no mundo. Os chamamentos de indivíduos sempre ocorrem no contexto
do chamamento da igreja toda. O chamamento de Paulo se ligava
intimamente à missão da igreja de Antioquia.
Hoje, não devemos encarar o ministério da igreja como vocação
de apenas alguns indivíduos nem de grupos sem vínculo concreto ao
corpo de Cristo, a igreja. Isto é justamente porque a obra da igreja chama
os povos para o conhecimento de Deus, e isto acontece quando sua
presença se evidencia ativamente entre o seu povo reunido.
72
Finalmente, é a presença de Deus no meio de seu povo que
possibilita e dá garantia da eficácia do serviço do povo de Deus no
mundo. Emanuel, de fato, está aqui. Ele acompanha seus discípulos na
proclamação do evangelho. O desafio missionário é seguido pela
promessa, “e eis que estou convosco todos os dias até a consumação do
século” (Mateus 28.20). E isto é pela instrumentalidade do seu Espírito,
“recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas...” (Atos 1.8).
A aliança missionária. Mas, enquanto o objeto final de Deus
é universal, seu meio para atingir esse final é específco. Deus entra em
um relacionamento especial com um povo específico. E este
relacionamento de aliança é recíproco, embora o chamamento para ela
não seja. Enquanto só Deus escolhe, tanto Ele quanto seu povo se
comprometem. O povo de Deus responde ao dom gratuito com sua
lealdade, sua devoção, seu amor e sua obediência; numa só palavra,
com seu esedh.
Tal compromisso do povo de Deus serve um propósito
missionário. Esse será “separado”, isto é, santo, do mundo, e para Deus,
sim, para Deus usá-lo no mundo. Sua vida e conduta toda deve dar
testemunho para as nações do caráter de Deus. Tanto o sistema de
sacrifícios quanto a lei destacam o papel missionário do povo de Deus.
Os sacrifícios demonstram que só Deus deve ser cultuado e também
revelam a distância do povo em relação a Deus. Seguindo a lei, o povo
confirma sua resposta de compromisso com a aliança e reflete o caráter
de Deus para o mundo. É significante que este caráter seja refletido por
uma ética com grandes preocupações sociais, pelo estrangeiro, pela viúva
e órfão, e pelos pobres. Deus é um Deus justo e tal justiça deve se
manifestar entre seu povo.
Não era só a ética pessoal e individual do povo que refletia o
caráter de Deus para o mundo; ainda mais, era a sua ética social. Aliás,
tal distinção tão nítida entre ética “pessoal” e “social” nem existia para
o israelita, como se fosse possível um sem o outro. Para o hebreu existe
apenas uma palavra para o nosso conceito tanto de “retidão” (pessoal)
quanto de “justiça” (social), a palavra mishpât.
73
Igreja: Por quê Me Importar?
Deus chama um povo específico para manifestar seu caráter de
compaixão e justiça no mundo e assim chamar o mundo a glorificá-lo.
Com esta característica de justiça, somos chamados como um
povo especial para um serviço missionário, para interceder como reino
de sacerdotes a favor do mundo, e declarar-lhe as boas novas (1 Pedro
2.9). Isto implica, antes, num compromisso de obediência e lealdade a
Deus. O que a lei era para Israel, o discipulado é para a igreja. O serviço
do povo de Deus no mundo exige a disposição de um povo disciplinado
e discipulado. Por isso, há tanto nos Evangelhos e nas Epístolas sobre a
vida cristã. Não que a vida e o amadurecimento cristãos sejam uma
coisa e missões seja outra. Não que edificação interna seja uma
preocupação do ministério e o alcance externo de evangelismo e missões
seja uma outra. O discipulado é um preparo para missões! A vida cristã
é para um testemunho missionário! A edificação é a capacitação para
um alcance missionário. Talvez uma das conspirações mais sinistras
contra o povo de Deus seja a separação dos dois elementos em dimensões
paralelas e separadas. Não são! Um serve o outro. O discipulado é o
preparo para ser o representante de Deus no mundo.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a relevância hoje das antigas leis de justiça social?
2.
Qual é o propósito da lei na “velha aliança” e a sua aplicação
hoje?
3.
À luz do relato do êxodo, você acha válida a discussão teológica
hoje a respeito de libertação de opressão sócio-política? Por
quê?
4.
Qual é a relação entre a libertação “humana” e a libertação
“divina” e quais são as suas finalidades?
5.
Qual é a importância do êxodo para a “história da salvação”?
74
6.
Qual é o propósito missionário de Deus na aliança?
7.
Qual é a significância do sistema de sacrifícios para a igreja
hoje?
8.
Qual é a relevância dos sacrifícios e lei para a missiologia?
9.
Compare o tabernáculo com o templo da sua igreja. Até que
ponto deve ou pode haver continuidade entre os dois?
1
Gleason Archer (1984:153) refuta uma referência à monolatria neste contexto e cita a
analogia do Salmo 96.4,5: “porque todos os deuses dos povos não passam de ídolos” (v.5).
Concordamos com Archer que aqui encontramos essencialmente o monoteísmo (ver também
Rowley 1977:74-75, n. 89). Entretanto, mantemos a afirmação de que o primeiro mandamento
não nega a existência de outros deuses. Tanto que Israel não deve adorar os outros deuses
porque “Iahweh, cujo nome é ciumento, é um Deus ciumento” (Ex 20.5; 34.4) “Zeloso” é uma
tradução mais acertada que “ciumento”, pois não expressa tanta emoção de Deus quanto a Sua
singularidade e exclusividade. Em parte, a polêmica é de natureza semântica. Sem dúvida, a
existência de poderes espirituais atrás da adoração de “deuses” como Baal é pressuposta na
cosmovisão bíblica, mas estes são relegados mais claramente à categoria de Satanás e os
demônios (ver Apocalipse). Neste sentido, “deuses” como seres supremos não existem, pois só
Iahweh é soberano.
2
Por exemplo, o deus babilônico, Marduk, e até certo ponto a exaltação de El na religião
cananita.
3
O simbolismo espiritual do tabernáculo é delineado por G. Archer (1984:154-155).
4
Sanders, E. P., Paul and Palestinian Judaism. A Comparison of Patterns of Religion.
Philadelphia, Fortress Press, 1977 e Paulo, a lei, e o povo judeu. São Paulo, Edições Paulinas,
1989.
5
Tal preferência não significa nem arbitrariedade nem exclusividade. Ver Levítico 19.15;
Deuteronômio 16.19-20.
75
Igreja: Por quê Me Importar?
76
NACIONALIDADE
E CONQUISTA
Josué
A fé de Israel se baseava na sua lembrança e recitação religiosa
dos principais eventos históricos do seu chamamento como povo de
Deus: a sua libertação da escravidão egípcia (o êxodo) e a sua herança
da terra prometida (a conquista de Canaã). Às vezes, o intervalo entre
estes dois eventos, o período de peregrinação no deserto, era omitido
nas recitações do êxodo e da conquista, a não ser naquelas recitações
mais detalhadas (Josué 24.2-13). Os profetas do século VIII (Isaías,
Oséias, Amós, Miquéias) fundem os dois temas do êxodo e as
peregrinações pelo deserto (“como uvas no deserto, achei a Israel”—
Oséias 9.10). Eles dão ao tema do deserto as duas dimensões combinadas
de perigo e de socorro divino. O deserto é o lugar onde o povo é testado,
mas também onde Deus manifesta o seu poder.
Até esta altura, temos concentrado nosso estudo em torno do
êxodo e da aliança no Monte Sinai, isto é, o chamamento e o
compromisso de Israel. Resta ainda traçar algumas das idéias principais
da conquista de Canaã e sua significância para a tarefa do povo de Deus
no mundo.
A conquista da terra prometida. O Velho Testamento, e
especialmente o livro de Deuteronômio, dá muita significância às
condições e às conseqüências da posse da terra por Israel. Esta terra é
interpretada como o “patrimônio” ou “herança” da nação, que se
destacava como o maior dom de Deus para seu povo (Deuteronômio
8.10; 9.6) e cumprimento de Deus em relação ao repouso prometido
para os pais (Josué 21.43-45). Também serviu como símbolo visível do
relacionamento especial de Israel com Iahweh. Esta promessa do dom
da terra faz parte do pano de fundo para nossa avaliação da conquista
de Canaã.
77
Igreja: Por quê Me Importar?
Além disto, reparamos dois perigos iminentes em relação a nova
residência de Israel: o sincretismo e o isolacionismo. As descobertas
arqueológicas revelam uma grande quantidade de estatuetas e outros
objetos ligados às religiões cananitas de fertilidade. Isto demonstra que
o sincretismo era amplamente praticado na região. Freqüentemente, tal
sincretismo se divulgava livremente entre o povo de Israel. Até os mais
sábios de Israel, como Salomão, se seduziam por alianças mistas, como
o casamento, que acabavam comprometendo a sua fé (1 Reis 11.1-8).
O outro perigo, contrário extremo do sincretismo, era o do
isolacionismo. À luz do papel mediador de Israel em referências às
nações, tal exclusivismo seria uma repudiação da sua eleição tão grave
quanto a adoração a outros deuses, como no sincretismo. A história de
Israel comprova que ambos extremos se tornaram realidade em períodos
diferentes. Também hoje, a igreja enfrenta os mesmos perigos.
Lembrando das promessas e dos perigos, vemos a conquista: dos
espias, apenas Josué e Calebe sobreviveram aos quarenta anos de
peregrinação pelo deserto. Com Iahweh como seu “general
comandante”, e Josué como seu líder, marcharam para Canaã.
A conquista deveria ser realizada sob ordens restritas de Deus.
Antes de sitiar uma cidade distante, deveria primeiro oferecer os termos
de paz à cidade e permitir que os habitantes vivessem. Se as condições
fossem recusadas, então Israel mataria todos os homens. Esta
regulamentação não se aplicava, contudo, a certos povos, para os quais
Israel seria o instrumento da justiça de Deus por causa de seus pecados
(Deuteronômio 20.10-18) Aliás, é importante ressaltar que a conquista se
deu não por qualquer merecimento por parte de Israel, mas, em primeiro
lugar, como expressão da ira de Deus contra a maldade praticada pelos
habitantes da terra (como no caso do dilúvio), e somente depois como
promessa de Deus para o próprio Israel (Deuteronômio 9.4, 5).
De fato, a evidência arqueológica confirma o testemunho bíblico
de um vasto assalto no século XIII. John Bright elabora:
Nas décadas depois de 1250 a.C. uma catástrofe
total atingiu a Palestina. A população dos cananeus
suportou uma série de golpes que eventualmente
custou-lhes nove décimos do seu território na Palestina
78
e na Síria. Esta é a história que vimos através dos olhos
do livro de Josué. É uma história de guerra sangrenta;
a fumaça de vilas queimando e o mau cheiro de carne
podre pende de suas páginas. Começa assim que as
tribos israelitas, que correram selvagem através dos
reinos dos amorreus da Palestina Oriental, se colocam
na margem do Jordão à vista da Terra Prometida. De
repente, estão do outro lado do rio sem sequer terem se
molhado, os muros de Jericó caem ao som da trombeta
e os corações dos cananeus derretem de terror. Então
se segue uma sucessão rápida de três arremetidas
velozes através do centro da terra (capítulos 7-9), para
a região sul (capítulo 10) e até o norte distante (capítulo
11), e a espinha montanhosa inteira da Palestina é deles.
Se não fosse pelos carros de ferro (Juízes 1.19) que
nenhum soldado da infantaria poderia enfrentar, teriam
também os vales do litoral. Tendo ocupado a terra,
dividem-na entre as suas tribos. É uma terra feita
deserto: Os habitantes são uniformemente massacrados
e as cidades são postas à tocha.
Os cananeus conheciam estas pessoas?... Talvez
tenham aprendido primeiro com humor, depois com
terror, que estes homens do deserto possuíam a noção
fantástica de que seu Deus lhes prometera esta terra e
que estavam lá para tomá-la! [tradução] (1953: 22-23).
A nacionalidade de Israel e as nações.
A conquista de
Canaã e a tomada de sua terra demorou muito tempo. Aliás, apesar da
assistência de Iahweh, Israel nunca subjugou a Palestina nem substituiu
seus povos completamente. Juízes 1.1-25 registra as muitas maneiras
pelas quais Israel avançou e frustrou a vontade de Deus. O perigo de
sincretismo era sempre iminente e não foram poucas as vezes que Israel
sucumbiu à idolatria. Foi nesta experiência de obediência e
desobediência que a realidade da sua nacionalidade começou a se
manifestar na consciência do povo (Deuteronômio 28).
E parte da consciência nacional de Israel era sua função em relação
às nações. O propósito universal e redentor de Deus continuou a ser
79
Igreja: Por quê Me Importar?
realizado. O não-israelita, o “estrangeiro” residente permanente, também
poderia compartilhar a fé e a aliança de Israel. Como reparamos antes,
sempre era possível a entrada de pessoas de outras nações na aliança
específica de Deus com Israel.
As confissões de Israel. A partir do êxodo e da conquista, três
ênfases caracterizaram o credo ou as confissões de recitação de Israel:
sua eleição via o chamamento de Abraão, sua libertação do Egito, e a
herança ou dom da terra (Deuteronômio 26.5-11). Embora espiritualizados, estes elementos continuariam essenciais à compreensão da
salvação no Novo Testamento. A eleição se referiria a um povo que
pertence a Deus; a libertação, ao perdão do pecado e das suas
conseqüências; e o dom, à vida eterna através de Jesus, o Senhor. A
tipologia verdadeiramente cristã da redenção de Deus sempre se baseava
nestes três elementos do período do êxodo, como antecipação da obra
redentora de Cristo (por exemplo, 1 Coríntios 10.1-13).
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Os eventos que traçamos neste capítulo são significantes para o
povo de Deus. Eles ainda elaboram, explicitam e avançam as idéias nos
capítulos anteriores. Sugerimos os seguintes temas como implicações
da conquista por Israel de Canaã:
Nem sectário, nem mundano. A conquista de Canaã por Israel
também tem significância para o povo de Deus hoje. Israel
freqüentemente enfrentou uma de duas tentações em relação as culturas
cananitas: ou isolamento de um extremo, ou sincretismo do outro.
O povo de Deus não podia assumir uma posição de isolamento.
Era chamado para um serviço entre as nações. Recuar para o
exclusivismo da sua eleição seria renunciar ao propósito do seu
chamamento. De fato, Israel caiu exatamente neste perigo numerosas
vezes através da sua história, necessitanto de exortação profética para
reafirmar seu papel diante das nações. Até mesmo hoje, a igreja continua
pelejando contra o mesmo perigo sob outro nome, o “igrejismo”, ou o
80
denominacionalismo. Quando a igreja esquece do seu papel no mundo,
e pensa só em si, na sua sobrevivência e nas suas peculiaridades, rejeita
o propósito do seu chamamento e renuncia sua própria eleição. Emil
Brunner disse, “a igreja existe pela missão como o fogo existe pelo
queimar” (1931:108). Quando deixa de queimar, o fogo deixa de ser. E
quando a igreja deixa de ser missionária, deixa de ser igreja. Como o
sal, perde seu sabor e preservação, não presta mais e só serve para ser
jogado fora.
Mas, o povo de Deus também não pode assumir uma posição de
sincretismo, isto é, adotar e assimilar todos os valores das culturas
vizinhas na sua fé. Isso seria uma traição da revelação de Deus em
Israel. Enquanto o povo de Deus procura pontes de contato entre as
nações e ele, isto de maneira alguma implica em compromisso da
unicidade de sua fé. Hoje a igreja tem uma mensagem para proclamar,
que embora possa ter várias analogias em várias culturas que ajudam
na comunicação do evangelho (como acontecia freqüentemente na
Bíblia), também é única no sentido de Iahweh ter se revelado de maneira
especial a ela.
A igreja, então, vive nesta tensão de separada do mundo (dizer
“não” ao sincretismo), mas também ser separada para Deus (dizer “sim”
à sua aliança) e por Deus para o mundo (dizer “sim” à sua eleição).
A promessa de repouso para o povo de Deus. Durante o restante
do Antigo Testamento a conquista de Canaã foi vista como um evento
único que nunca mais seria repetido. Por um lado, o dom de Deus, a
terra, não era espiritualizado, pois tinha uma qualidade concreta e
histórica. Nos profetas, a restauração futura do povo eleito de Deus
sempre tomava a forma da volta à terra, mas não como conquista
(Jeremias 31.1ss; Ezequiel 28.25ss; 34.11ss; Isaías 44.24ff; 49.14ss).
Por outro lado, havia toda uma teologia a respeito da promessa da terra,
desenvolvida ao longo do Antigo Testamento. A terra, por exemplo,
não seria simples possessão imutável, mas seria um veículo do repouso
prometido, que poderia ser retirado. Em síntese, a possessão da terra
não se identificava tanto com a sua ocupação quanto com a fidelidade
de Israel à sua aliança com Deus. Isto certamente preparou o caminho
para a visão de Isaías, da esperança por um Sião restaurado e por um
novo céu e nova terra para o povo de Deus. No Novo Testamento esta
81
Igreja: Por quê Me Importar?
idéia se desenvolve ainda mais na promessa de salvação e vida eterna
com o retorno de Jesus.
Diante deste desenvolvimento teológico da idéia da terra ao longo
da revelação bíblica, as interpretações e aplicações religioso-militares
da conquista para outras situações históricas obviamente não cabem. A
conquista carolingiana das tribos germânicas durante a expansão da
igreja na Europa, as cruzadas medievais, o genocídio cometido contra
os índios durante a colonização européia das Américas, e a justificação
teológica do apartheid na África do Sul, nos Estados Unidas e na
Alemanha, simplesmente ignoram o desenvolvimento teológico ao longo
do Antigo Testamento da idéia da conquista da terra. Pois em Cristo
Jesus “não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem liberto; nem
homem nem mulher” (Gálatas 3.28).
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
A igreja hoje ainda enfrenta a idolatria? Qual deve ser a sua
reação? Há algum tipo de idolatria que impeça o avanço
missionário nos nossos dias?
2.
Qual tem sido a tendência da igreja brasileira quanto aos dois
perigos de sincretismo e isolacionismo?
3.
O povo de Deus ainda pode conquistar militarmente outras terras?
Por que sim ou não?
82
O REINO
EM ISRAEL
Juízes a Ester
No tempo da conquista de Canaã, Israel era uma liga tribal,
uma confederação livre de clãs unidos em torno da adoração a Iahweh.
Porém, por quase dois séculos não havia nenhum governo central. Israel
era governado por juízes, que o Espírito de Iahweh levantava em tempos
de emergência para reunir as tribos para se defenderem contra o inimigo
(Juízes 3.10; 14.6). Os juízes possuiam uma autoridade carismática que
representava bem a teocracia de Israel. Iahweh era seu único rei, que
reinava sobre o povo através do seu representante designado. Havia um
foco na organização de Israel, porém não era governamental, mas
religioso, centralizado na arca da aliança (1 Samuel 4.1-4). A
fraternidade do povo era afirmada quando se reuniam diante dela, nos
dias de festa, para renovar sua aliança com Iahweh. Eles conscientemente
rejeitaram a idéia da monarquia, tão proeminente nas culturas ao seu
redor (Egito, Assíria, Pérsia e Babilônia), e também recusaram-se a
imitar o padrão de cidade-estado da Canaã antiga. Eram uma teocracia
tribal, um povo, não tanto geográfica ou politicamente, mas
religiosamente; e seu rei era Iahweh. Isto é bem ilustrado pela rejeição
por Gideão de ser rei: “Não domina rei sobre vós, nem tão pouco meu
filho dominará sobre vós; o Senhor vos dominará” (Juízes 8.23). Mesmo
assim, a própria recusa de Gideão demonstra certa ansiedade do povo e
desejo de ter, de fato, um rei, e, assim, ilustra a rebelião e julgamento
que tanto caracterizou o período desde o êxodo (1304 a 1290 a.C.) até a
destruição do primeiro templo (586 a.C.).
O conceito do reino
A invasão dos filisteus. Em última análise, foi a ameaça dos
filisteus que forçou Israel a introduzir a monarquia e disto, estabelecer
83
Igreja: Por quê Me Importar?
um estado pleno e territorial. Os filisteus eram bem mais organizados e
militarmente efetivos que os cananeus. Já haviam forçado a tribo de Dã
a ir para o Norte. Mas o golpe decisivo aconteceu quando os filisteus
cortaram Israel pela metade, capturaram a arca, mataram os sacerdotes
da arca e estirparam Silo junto com seu santuário (1 Samuel 4). Era
uma derrota total, a mais profunda humilhação militar e espiritual. O
povo de Deus foi esmagado (1 Samuel 13.19-23) e ficou em desespero,
procurou união sob um rei que deveria ser apontado “por uma duração”.
O carisma falhou e o povo, angustiado, se voltou para a monarquia.
O desenvolvimento do conceito: 1. seu surgimento. Embora
a idéia de realeza tenha começado cedo no pensamento dos israelitas
(Gênesis 36.31; Êxodo 19.6), a instituição do reino demorou quase
duzentos anos, durante o período dos juízes, antes de se concretizar. De
fato, a atitude do Velho Testamento a respeito de um rei é profundamente
ambígua. A instituição do reino na vida nacional de Israel chegou a ser
vista hesitante e criticamente. Em si, a instituição não era essencial à
salvação de Israel (1 Samuel 8-12, especialmente 12.15,25). Era até
vista como um ato de apostasia do reino verdadeiro de Iahweh, para
uma imitação falsa e ilegítima dos reis pagãos.
Por outro lado, no Velho Testamento, esta perspectiva bastante
negativa da ideologia da monarquia é contrabalanceada por uma
perspectiva positiva do reino como designação divina para o bem do
povo. Era seu dever governar Israel com justiça, proteger os fracos e
dirigir o povo para a verdadeira adoração a Deus.
Quando Israel pediu a Iahweh por um rei, ele não aprovou por
causa da rejeição da teocracia, implícita no pedido , do domínio
unicamente de Iahweh sobre eles (1 Samuel 8.6-9). Apesar disto, eles
escolheram Saul, que então os levou à ruína.
2. Saul. Saul exemplificava bem porque o Velho Testamento
via a monarquia negativamente (embora ele tenha sido designado pela
graça de Deus, 1 Samuel 9.15-17!) pois, embora Saul tenha ganho
vitórias iniciais contra os filisteus, foi sob seu mal-reinado que os filisteus
eventualmente dominaram a terra (1 Samuel 31). Em vista disto, Iahweh
instituiu o reino permanente da linha davídica (1 Samuel 13.14).
84
3. Davi. Todos os aspectos bons e benéficos da monarquia, que
pertencem a uma perspectiva favorável da instituição, são focalizados
em Davi e seus descendentes.
Foi Davi que salvou seu povo, pelo seu carisma, sua liderança
militar e agudeza política. Destruiu os filisteus, fez de Jerusalém sua
capital e sua propriedade particular, reduziu as fortalezas cananéias,
fez do transjordão seu tributário e estendeu o poder de Israel até a Síria.
Aliás, Davi realmente completou a conquista de Canaã e, sob sua
liderança, cada centímetro de solo palestino então era Israel, ou estava
sob domínio israelita. O que foi confederação indefinida de tribos pisadas
sob o calcanhar de um opressor estrangeiro numa geração, então, se
tornou um império de tamanho considerável. Um novo Israel surgira, e
a idade dourada começara.
Aqui encontramos um rico vocabulário que descrevia o rei
como: “filho de Deus” (Salmo 2.7), sacerdote de uma ordem única
(Salmo 110.4) e até o próprio folêgo que dava vida ao seu povo
(Lamentações 4.20). O rei, se permanecesse obediente à vontade divina,
poderia ser uma fonte de vida, salvação e benção para o povo de Iahweh
(1 Samuel 12.14; Salmo 132.12).
É nesta conexão de um vocabulário singular para descrever o
rei Davi, que o Velho Testamento relaciona o reino à eleição. E é na
eleição de Israel, muito precedente à monarquia, que o conceito do reino
começa a germinar. A eleição conscientizava Israel de que era um povo
chamado para viver sob o reinado de Deus, e é neste lugar que a noção
do reino de Deus encontra suas raízes.
Não é surpreendente, então, que a perspectiva positiva da
monarquia, encontrada em Davi, seja ligada à eleição. Deus elegeu Davi
como rei (Salmo 89.3-4, 33-34; 78.67-72; 132.10-18; 18.50). A aliança de
Deus com Davi, inclusive, segue os padrões da aliança patriarcal. O rei
não governava autônomamente ou por vontade própria, mas era o deputado
de Deus, responsável ao Suserano divino pela sua conduta (assim a aliança
com Davi é semelhante à aliança mosaica). Mas a ênfase está não nas
obrigações, e, sim, nas promessas incondicionais de Deus. A nação é segura
porque assim Deus prometeu (2 Samuel 7.15; Salmo 89.33-37; 21.7; 20.6-7).
Tudo isto indica que a aliança com Davi chegou a ser vista como uma
renovação e extensão das promessas para Abraão. Como em Abraão, em
Davi todas as nações serão abençoadas (Salmo 72.17)!
85
Igreja: Por quê Me Importar?
Ressaltamos a este respeito que, não era a monarquia como
instituição em si que foi eleita, mas a família davídica. Deste modo,
quando o desastre de 587 a.C. sobreveio à nação, não foi a monarquia
em geral, mas a restauração da monarquia, especificamente de Davi,
que se tornou o foco da esperança da libertação e independência política
de Israel (Jeremias 33.14-25; Ezequiel 37.24-25). Portanto, o reino
davídico se tornou o símbolo visível da eleição de Israel e serviu como
testemunho da relação especial entre Iahweh e a nação. Inclusive, o
relacionamento entre Deus e o rei poderia ser chamado de “aliança” (2
Samuel 23.5; Isaías 55.3; Jeremias 33.19-22) e era o ponto central de
contato e mediação entre Deus e seu povo.
Isto não significa que a monarquia não era sujeita à crítica. Às
vezes, devido a fracassos morais e sociais (1 Samuel 8.11-18), às vezes
por deficiências religiosas ou de culto (1 Reis 11.7-13; 12.26-33), e
outras vezes porque o povo confiava mais na instituição do que era
propriamente justificável (1 Samuel 8.7; 12-15, 17, 25), o criticismo
foi dirigido à monarquia. Ainda assim, tais críticas não levam a uma
rejeição completa da instituição. Como na aliança abraâmica, a dinastia
davídica faria um papel especial como personificação e representação
do relacionamento único entre Iahweh e Israel.
4. Salomão. Na pessoa de Salomão, a base da liderança sobre
Israel finalmente passou do carisma para a dinastia. Com ele, Israel
acumulou mais riquezas, poder e prestígio. Seu reinado trouxe
prosperidade material e segurança física, tais como Israel jamais sonhara
e que nunca mais iria conhecer. Colhendo os frutos das realizações do
seu pai, Salomão se destacou nas áreas de relações internacionais,
indústria metalúrgica, comércio e negócios mundiais, construcões
megalíticas, literatura, e alianças judiciosas. A Bíblia não se cansa de
contar da riqueza e esplendor da corte de Salomão (1 Reis 10.11-29).
Mas, também com Salomão, o estado de Israel chegou a ser
igualado com o reino de Deus. A sacralização inevitável aconteceu. Os
propósitos de Deus na história vieram a ser entendidos como
equivalentes à ordem existente, o status quo.
Tudo isto se fez em face da tensão social aguda, surgindo do
nepotismo e favoritismo na corte real, impostos opressivos, serviço
militar obrigatório e compromisso religioso. Eventualmente, a maioria
dos israelitas rejeitaram o estado salomônico como cumprimento do
86
destino de Israel e uma revolução estourou sob a liderança de Jeroboão,
um chefe das turmas de trabalho forçado. O preço desta revolução foi
um total desastre político, do qual Israel nunca se recuperou. Em poucas
gerações, Israel passou de teocracia para a monarquia forte e solidária,
e então para a monarquia fraca e dividida.
A análise do conceito. A monarquia, especialmente a de Davi,
deixou sua marca inesquecível em Israel. Parecia que o destino do povo
de Deus tinha enfim se realizado além dos seus sonhos mais queridos,
e deste modo, que a promessa para Abraão, “de ti farei uma grande
nação” (Gênesis 12.2), tinha se cumprido, e que o reino de Deus de fato
tinha sido estabelecido em Israel. Nas épocas seguintes de dificuldade,
o povo tinha muitas saudades dos tempos bons de Davi, que havia se
transformado na perdida Idade de Ouro. A esperança de Israel pelo
reino de Deus, depois da sua divisão e ainda mais tarde, em seu cativeiro,
só poderia assumir a analogia do reino de Davi. Seria impossível o
israelita pensar no messias vindouro, salvo como um Davi redivivo,
um novo Davi. O tema do reino davídico olhava para um futuro no qual
um filho de Davi reinaria sobre Israel, até sobre as nações, trazendo a
maravilhosa idade de prosperidade, justiça e de paz.
1. Um conceito religioso. Isto aconteceu, em grande parte, por
causa da natureza eminentemente religiosa da monarquia. O reino jamais
se limitava à esfera simplesmente política e administrativa. Era
intimamente ligado ao culto a Iahweh. É significante que o templo, ao
invés do palácio, era visto como o centro do reinado universal de Iahweh
(Isaías 2.1-4).
Os reis, portanto, faziam um papel importante na fé do povo de
Deus. Davi heroicamente trouxe a arca para sua cidade particular,
Jerusalém, e instalou seus filhos como sacerdotes (2 Samuel 8.18).
Salomão se incumbiu de construir um grandioso templo (1 Reis 6.1-38),
e Josias aceitou e até encorajou a grande reforma da fé (2 Reis
22.11-23.27). De fato, o rei era elogiado ou repreendido de acordo com
a maneira como ele controlava o culto (1 Reis 15.11-15; 22.52-53; 2
Reis 10.18-31; 12.4-16, etc.)
O conceito do reino logo se ligava às esperanças escatológicas
de Israel. Por “escatológico” nos referimos ao sentido mais amplo (e
87
Igreja: Por quê Me Importar?
não mais restrito das “últimas coisas”, que só aparece no fim do período
veterotestamentário) de ter Israel uma orientação para o futuro, uma
esperança futura, que se expressava em referência ao reino. Tal esperança
futura se desenvolveu mais a partir do período dos profetas do século
VIII. Estes profetas pré-exílicos anteciparam a vinda de um rei ideal da
linhagem davídica (“o Messias”) que, reinando como o vice-rei de Deus,
traria justiça e paz na terra. E os apóstolos não hesitavam em identificar
este filho de Davi, como o Salvador Jesus (Atos 13.20-23).
O reino de Davi apontava para o futuro através da idéia do
messias. O termo já fora aplicado a Davi como o “ungido” de Deus, por
ele ser seu “filho” (Salmo 2.7; 89.27; 2 Samuel 7.14). E como
anteriormente mencionado, veio a se referir ao descendente de Davi
que viria inaugurar o prometido reino de Deus (Amós 9.11-12; Oséias
2.5; Isaías 9.2-7; 11.1-9; 32.1; 33.17; Jeremias 33.19-26; Ezequiel
37.24-28).
Tal reino, também como anteriormente mencionado, teria uma
orientação religiosa. Enquanto entendido em termos altamente racionais
e políticos durante os reinados de Davi e Salomão, com a subseqüente
desilusão no estado, e depois a divisão e ainda o cativeiro, o reino
adquiriu uma interpretação cada vez mais espiritual. A ligação religiosa
do reino e, especificamente, a ideologia acerca de Jerusalém e do templo,
grandemente adiantou esta interpretação espiritual.
Já vimos como Davi tomou o primeiro passo no surgimento
desta ideologia quando trouxe a arca para a sua cidade, Jerusalém.
Salomão promoveu ainda mais a ligação religiosa do reino quando
construiu o grandioso templo bem na capital do reino, ainda Jerusalém.
Com isso, o Velho Testamento desenvolve uma perspectiva teológica
distinta sobre a significância do monte de Sião (Salmo 84.5-7; 87.1-3;
132.13-14). Jerusalém, o centro político de Israel, adquiriu uma natureza
profundamente religiosa, até santa, pela presença do templo nela
(Jeremias 3.17; Isaías 62.1-12). Jerusalém chegou a ser em si a fonte de
vida, luz e prosperidade para o povo de Deus (Salmo 92.12-15; Ezequiel
47.1-12). Dela, a justiça, a luz e a verdade seriam distribuídas para as
nações (Isaías 2.3-4; 60.1-4) e nela todas as nações se reuniriam para
adorar a Deus (Isaías 66.10-24). No fim, toda a humanidade se
beneficiaria através da paz e prosperidade de Jerusalém e o bem-estar
do povo de Deus (Zacarias 14.16-21). Tal era a extensão da
88
espiritualização de Jerusalém que, mais tarde, seria usada como imagem
do céu e para expressar o estado final do cumprimento abençoado que
o destino de Israel aguardava (Apocalipse 21.2).
Em resumo, o conceito do reino, através da sua ligação à dinastia
davídica, à Jerusalém e ao templo, adquiriu características religiosas e
escatológicas. Ele se referia à fé de Israel e à sua esperança orientada
para o futuro pela vinda do messias que inauguraria o reino de Deus.
Tanto seu aspecto religioso quanto a sua orientação futura teriam grandes
significâncias por todo o resto da Bíblia, culminando na vinda de Jesus
e o registro do Novo Testamento.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
O conceito do reino, fruto do surgimento da monarquia,
contribue para a compreensão da tarefa missionária do povo de Deus.
Consideremos as suas implicações.
O conceito do reino: 1. O conteúdo da mensagem
missionária. O conceito do reino terá cada vez mais significância ao
longo da revelação bíblica. Decerto, constituiu o âmago da pregação de
Jesus desde o início (Marcos 1.15) até ao fim (Atos 1.3). A última cena
da história da igreja em Atos fecha descrevendo a pregação missionária
de Paulo nestes termos (28.31). A mensagem que ocupa a igreja até a
volta de Jesus é o evangelho especificamente “do reino” (Mateus 24.14).
Anunciamos a chegada do rei davídico prometido e do reino de Deus
que este inaugurou.
2. O anúncio da esfera do reino. O reino de Deus que
anunciamos é um domínio sobre toda a sua criação, até aos confins da
terra. Com Davi, o reino de Israel alcançou sua máxima extensão em
toda a sua história. Mas, através do seu descendente, esta esfera não
terá limites. Cabe ao povo de Deus levar avante, para cada canto do
globo, o anúncio do domínio universal de Deus através de Jesus Cristo.
3. O anúncio da existência do reino. No Velho Testamento, o
termo “reino” (malkûth) se refere principalmente ao fato do reino
(reinado), e somente secundariamente à esfera daquele reino. Neste
89
Igreja: Por quê Me Importar?
sentido, a palavra grega basileia, no Novo Testamento, traduz
corretamente o original. A referência principal é ao fato do reinado
soberano de Deus.
Agora, este fato em si não é novidade. Aliás, temos destacado
nos capítulos anteriores que o reino de Iahweh sobre Israel e toda a
terra é fundamental à sua fé desde os relatos da criação. O reinado,
especialmente de Davi, concretiza mais a idéia do reino de Deus
apontando para paz, justiça e prosperidade. Decerto, estas idéias ainda
passam por um processo de espiritualização. Mas sem o acontecimento
do reinado de Davi, o judeu mal poderia imaginar como seria o messias
da linhagem davídica.
Então, o fato do reino de Iahweh não é a notícia para se anunciar.
O anúncio é que, em Jesus, este reino se tornou realidade presente, fato
com que cada um tem que tratar. Não é mais remoto ou apenas esperado,
pertencente ao fim dos tempos ou a uma esfera transmundana da
realidade. Cada um deve levar em conta a presença do rei Jesus e a
realidade do seu reino.
4. O anúncio do evento do reino. Como os reinos de Saul,
Davi, Salomão, etc. eram acontecimentos históricos que tocaram
concretamente a vida do povo de Deus, também é o reino que Jesus
inaugurou. Era um evento histórico, não dogmático ou filosófico. O
anúncio do reino é a proclamação de um evento histórico, de um
acontecimento acerca da vida, morte e ressurreição de Jesus. Exige não
só afirmação intelectual, como uma doutrina, mas aceitação,
transformação e sujeição, como um relacionamento.
5. Um anúncio não tanto político quanto religioso. Pela sua
associação com a arca e depois com o templo, reparamos que o conceito
do reino era intimamente ligado ao culto e à fé israelita. Isto não quer
dizer que o conceito era apolítico, e muito menos a-histórico. Inclusive,
no início da monarquia israelita, o conceito era mais político que
religioso. De fato, era impossível separar totalmente estas duas esferas
de ação. Entretanto, a direção do desenvolvimento do conceito do reino
foi logo marcada pela sua associação com o culto. A tendência
espiritualizante cresce através de toda a revelação da Bíblia até achar
seu primeiro cumprimento no ministério de Jesus, e ainda aguarda mais
cumprimento na volta do mesmo.
90
Precisamos andar com certo cuidado aqui, pois vale a pena frisar
que, por um lado, o reino de Deus não é principalmente político. Por
outro lado, inclui também a política, pois não devemos negar-lhe sua
tarefa histórica. O reino de Deus é sua administração soberana sobre
toda a criação que, por sua vez, demanda a resposta de adoração e
compromisso, uma obrigação que tem ramificações na vida pessoal e
social, que atinge fundamentalmente a pessoas e, através delas, todos
os seus relacionamentos familiares, comunitários, econômicos, políticos,
etc. O convite para entrar no reino implica numa aliança com Deus.
A pregação do reino é, antes de tudo, uma chamada à adoração
e ao compromisso com Jesus que, por conseqüência e como parte deste
chamado, convoca uma transformação em todas as relações humanas.
6. Seu centro é a nova Jerusalém e Jesus. Como nos reinos
de Davi em diante, o reino de Deus tem como o seu centro a nova
Jerusalém e Jesus, o rei (Hebreus 12.22-24). A glória de Deus ainda
habita nela e o seu centro é Jesus (Apocalipse 21.9-11, 23), cuja luz
ilumina o caminho para a vinda das nações.
Já não é mais uma cidade geográfica, mas uma pessoa e seu
reino que será o centro da reunião do povo de Deus e, eventualmente,
dos povos. “Naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está
posta por estandarte dos povos; e a glória lhe será a morada” (Isaías
11.10). O reino que anunciamos tem seu centro na pessoa de Jesus. É
ele que proclamamos para todos os povos.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
O Velho Testamento avalia positiva ou negativamente o
surgimento da monarquia?
2.
Que significava para Israel o conceito “reino de Deus”? Que
significa para a igreja hoje?
3.
Pode a igreja hoje cair no mesmo perigo de Israel no período
da monarquia, isto é, de se igualar ao reino de Deus?
91
Igreja: Por quê Me Importar?
4.
Qual é a ligação entre o conceito de eleição e a monarquia?
5.
Considerando: a) que o reino de Deus tem implicações políticas
e religiosas e b) que deve haver equilíbrio entre estes dois pólos,
o que a igreja precisa, no Brasil, para ser equilibrada no anúncio
do reino?
92
CONTROLANDO
OS PODEROSOS
Juízes a Ester
Junto com o desenvolvimento do reino, surgiu o profeticismo.
Este, de fato, começou nos dias de Samuel, justamente para controlar e
conter divinamente a autoridade da monarquia. Samuel representava
uma transição na maneira como Deus se relacionava com Israel. Era o
último dos juízes e o primeiro dos profetas.
O papel redentor do profeticismo. Os profetas, com clareza,
denunciavam os erros sociais e religiosos da sociedade e da monarquia,
e assim se tornaram arautos de uma compreensão verdadeiramente moral
do reino de Deus. O seu papel e sua significância talvez tenham sido
descritos melhor por Geerhardus Vos:
Os profetas eram protetores da teocracia que
se desenvolvia, e a proteção era exercitada no seu
centro, o reino. O propósito era conservá-lo como uma
representação verdadeira do reino de Jeová.... O
profeticismo, por se restringir à palavra como seu
instrumento e, enquanto aparentemente se limitasse na
sua eficácia a este aspecto, na realidade fez mais que
qualquer outra coisa para espiritualizar a relação entre
Jeová e Israel. Os profetas não criaram fatos, eles
mantiveram princípios, e quaisquer fatos futuros dos
quais eles falassem eram colocados à luz pura e ideal
da predição. Através da profecia, a religião bíblica veio
primeiro a ser uma religião da verdade, da fé e da
Escritura.... Mais que nunca antes, a consciência
religiosa de Israel se achou envolvida e amarrada ao
93
Igreja: Por quê Me Importar?
fato cardeal da revelação. A aproximação por Jeová de
Israel é eminentemente a aproximação pela fala; Deus
se dá na palavra da sua boca [tradução, ênfase
acrescentada] (Vos 1948:204-205).
Contra o sincretismo. Um outro fenômeno crescente que
acompanhava o desenvolvimento do reino, embora o tenha precedido,
foi o sincretismo, a adoção cada vez maior na fé israelita de conceitos
religiosos das culturas ao seu redor. Foi durante o período dos monarcas,
especialmente a partir de Onri (876-869) e Acabe (869-850), que o
paganismo cananeu chegou a predominar em Israel e foram
principalmente os profetas que Deus usou para chamar Israel à decisão:
ou Iahweh ou Baal.
Este foi o grande encontro decisivo e religioso na história de
Israel. Já no período dos patriarcas, este rival cananeu muito prejudicou
a fé do povo de Deus. Com a conquista de Canaã, Israel se transformou
de um povo nômade do deserto para uma sociedade agrária. A tentação
de adotar o culto aos deuses da fertilidade da sociedade agrária já
existente na terra dos cananeus, era muito forte. Certamente, a inclusão
repentina de muitos estrangeiros em Israel e a atitude tolerante de
Salomão e de outros, só facilitava o processo de sincretismo. Baal não
era estranho para Israel.
Mas a situação chegou a uma crise durante o reinado de Acabe
por causa da sua esposa pagã, Jezabel. Para ela, Acabe, não tacanho (!),
construiu um templo a Baal (1 Reis 16.32). E Jezabel, sendo uma
verdadeira missionária do seu deus, perseguiu os profetas de Iahweh (1
Reis 18-19), especialmente Elias. O rival de Deus adquiriu sanção oficial
(1 Reis 16.30-33), e uma árdua luta de poderes tornou-se eminente.
A religião cananita. Esta situação era bem mais grave que
denota uma leitura superficial do relato. Em Canaã encontramos um
paganismo dos mais depravados e degradados. Seus deuses, Baal,
Astarote, Asera, Anate e os outros, representavam as forças da natureza
referentes à fertilidade. Seu mito era ligado à morte e ao renascimento
da natureza e seu culto procurava controlar, pelo seu ritual, as forças da
natureza, e assim produzir a fertilidade desejada para o solo, o animal e
94
o homem. O ritual era uma representação, pela magia e pela mímica,
das relações íntimas entre os deuses, e desta forma, envolvia a
prostituição “sagrada” de ambos os sexos e outras práticas orgiásticas e
extáticas de sorte mais fastidiosa. Era um verdadeiro carnaval de prazeres
soltos na avenida, e não só sancionados como promovidos pelas redes
de comunicação e influência.
Aqui não se trata de mera disputa entre denominações. Eram
religiões de tipos completamente diferentes. Nada poderiam ter uma
com a outra.
A adoração a Baal era uma religião cíclica, classificada pela
ciência da religião como uma hierofania, significando o aparecimento
do santo. Na sua visão do mundo ou na perspectiva da realidade, os
eventos desta vida refletiam e seguiam os eventos sacros. Estes eventos
se repetiam anualmente conforme os ciclos da natureza de fertilidade,
crescimento, ceifa e morte. Não havia progresso real, nem história real
e, por conseqüência, não havia possibilidade de mudança, melhoramento
ou desenvolvimentos verdadeiros.
Segundo Bright, a religião cananita era um politeísmo:
...afinado ao ritmo da natureza, dedicado a servir o
bem-estar da ordem vigente, sem senso de uma direção
divina da história para um alvo de acordo com um
propósito a longo prazo, anunciado com antecedência....
A esperança do pagão era uma esperança por tempos
melhores, vitória, abundância e paz, uma esperança
comum a todos os homens. Não se encontra nos
paganismos antigos nenhuma antecipação de um alvo
para o qual todas as coisas avançam, de “últimas coisas”
[tradução] (1976:21-22).
A ênfase principal estava na repetição e na lembrança. A fé de
Israel, por contraste, era uma religião de promessa, longe de ser cíclica
ou a-histórica. Sua própria existência como um povo dependia da sua
confiança que Iahweh havia invadido sua história, o chamado para viver
obediente a justa lei de Deus, e lhe dado um senso de destino como o
povo de Deus. A fé de Israel era história do início até o fim. A história
95
Igreja: Por quê Me Importar?
avança para frente, não voltando às suas origens, como nas religiões
cíclicas de fertilidade. Deus, então, chama seu povo a uma tarefa
histórica, deste mundo, não fora dele, para a transformação do seu
ambiente para uma vida vivida em promessa.
Baal só poderia destruir a fé de Israel, chamando-o aos seus
instintos animais e até encorajando sua natureza bestial, sem nenhuma
exigência moral. O paganismo não era coisa insignificante. Se Israel
tivesse abraçado Baal, não permaneceria o povo peculiar de Deus. Nada
da sua herança teria sobrevivido. Aliás, isto quase aconteceu. Uns cem
anos depois do desafio contra Baal pelo profeta Elias, o baalismo
recuperou e praticamente eclipsou a adoração a Iahweh. A segunda
confrontação vigorosa também se realizou através dos profetas,
principalmente por Oséias (do reino do norte, 743 a.C.) e Amós (de
Judá, 760 a.C.).
O encontro. Muitos dos judeus não gostavam das exigências
éticas do seu culto, das suas festas, e da comemoração dos atos poderosos
de Deus a seu favor. Resolveram suplementá-los com as festas (havia
três, inclusive uma que dramatizava a copulação do deus da chuva e da
vegetação com a deusa da fertilidade) e o estilo de vida da adoração à
natureza. Desejavam o luxo e a folga, o egoísmo e a cobiça de um culto
sem exigências éticas e morais. Por conseqüência, havia um vigoroso
sincretismo, uma mistura incongruente não diferente, em efeito, dos
muitos modelos do espiritismo brasileiro.
Neste contexto, Elias foi usado para chamar Israel à decisão
definitiva: ou Baal ou Iahweh. Através deste profeta rústico, haveria
um encontro eminente de poderes para demonstrar quem, de fato, era
soberano. Elias era um homem do deserto (1 Reis 19.15-18), periferia
de Israel, onde ainda predominava a velha ordem tribal e
pré-monárquica, e lembrava João Batista (Mateus 3.4). Declarava, como
nos tempos da conquista, guerra santa contra Acabe e seu estado pagão,
sua rainha pagã e o seu deus pagão. Grande parte de 1 Reis conta a
batalha de Elias com o rei Acabe e a rainha Jezabel pela alma da nação.
Em 1 Reis 18.17-40, lemos sobre o grande encontro entre Iahweh
e Baal. Através de Acabe, Elias desafiou os 450 profetas de Baal e os 400
profetas de Asera a uma disputa no monte Carmelo, local do culto ao baal
96
de Carmelo! O profeta fez a pergunta aguda e penetrante para todo o povo:
“Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o SENHOR é Deus,
segui-o; se é Baal, segui-o”. Tais palavras lembram do desafio anterior de
Josué em Siquém (Josué 24.14-15) e o preceito posterior de Jesus:
“Ninguém pode servir a dois senhores” (Mateus 6.24).
A descrição que se segue no relato destaca a completa
irreconciliabilidade das duas religiões.
O Baalismo leva a extremos e à perda da
identidade pessoal, como demonstrado pelas tentativas
desesperadas dos sacerdotes de Baal para fazer algo
que atrairia a atenção do seu deus. Comparado com
este frenesi, a compostura de Elias dá a impressão de
absoluta inércia. O Deus de Israel estava prestes a dar
prova de si, e Israel sabia disto! Sabia que ele (Deus) o
buscava e que não precisava (Israel) buscá-lo e implorar
sua atenção. [tradução, parênteses acrescentados] (von
Rad 1962:65: I, 18).
Era o contraste do delírio do adorador às paixões carnais, como
nos enlevos e montagens do espiritismo, com a segurança e firmeza da
adoração ao único Deus que gera uma justiça moral e social dentro da
comunidade.
Através de Elias, Deus “desligou” a chuva, parou o ciclo da
natureza e provocou um desafio com os profetas de Baal. Pela sua vitória,
deixou claro a incomparabilidade e unicidade de Iahweh.
Secundariamente, endossou o ministério profético que, a partir de então,
desafiara não só o culto dos “baalim”, como também toda a estrutura
social que este representava. O adorador de Iahweh não deveria apoiar
o status quo, mas fazer a vontade de Deus, para “praticar a justiça e
amar a misericórdia” (Miquéias 6.8), aguardando a vinda do reino.
97
Igreja: Por quê Me Importar?
IMPLICAÇÕES ATUAIS
O surgimento do movimento profético, que tanto denunciava a
injustiça do povo e do rei quanto zelava pela adoração unicamente a
Iahweh, contribue para a compreensão da tarefa do povo de Deus.
Consideremos as suas implicações.
Defensor de Deus. Ao reinado soberano de Deus há implacável
resistência e oposição pelo seu povo, pelos povos que não o conhecem
e pelos poderes invisíveis. Por isto, Deus convoca os profetas para serem
seus defensores e porta-vozes. Através dos profetas, que dependiam da
revelação de Deus, a fé bíblica se tornou uma fé de revelação e de
palavras, eventualmente da Palavra de Deus. A própria existência da
Bíblia, em grande parte, humanamente pensando, dependia desta
tendência que os profetas iniciaram.
Seu propósito era de fornecer um tipo de controle sobre a
monarquia, que era a autoridade humana sobre o povo de Deus. Hoje, a
igreja, bem como o Israel antigo, pode cair na tentação de identificar a
si mesma com o reino de Deus. Contudo, como em Israel, a expressão
de tal reino deve se destacar como sinal, mais ainda na igreja. Quando
há corrupção e desvio na natureza do povo de Deus, que deve servir de
testemunha para as nações, é ainda mais iminente o papel do profeta
para exortar e corrigir a igreja. Mas no Novo Testamento, enquanto não
encontramos nenhuma evidência para a extinção da função do profeta
(pelo contrário, encontramos exemplos da continuação dele e até uma
apologética para seu ministério, 1 Coríntios 12 e 14, como um dos
ministérios normais da igreja, Efésios 4.11!), o seu papel é eclipsado
pela revelação escrita, Hebreus 1.1-3, e até subordinado a ela, 2
Tessalonicenses 3.14; 1 João 4.1.
A significância disto talvez pareça indireta, mas é importante.
A igreja, como Israel, é chamada para atrair as nações pela sua vida
exemplar e sua adoração a Deus. A função de profeta, e ainda mais da
Palavra, a partir do Novo Testamento, é deter a igreja de desviar deste
curso. Mantém a igreja como um povo missionário de Deus. A igreja
fortemente missionária, então, é a igreja que se sujeita à Palavra e ao
crítico legítimo dos profetas modernos no seu meio. A alta liderança da
98
igreja precisa da correção das vozes proféticas de base para mantê-la
no curso redentor de ser um povo missionário.
Desafiador dos poderes pagãos. A obra da igreja
inevitavelmente envolve encontros religiosos, tanto na evangelização
dos não-cristãos quanto no desafio ao nominalismo. No processo de
proclamar a única soberania de Deus em Cristo Jesus, muitos povos
são chamados a uma decisão análoga a do encontro com Baal. A fé em
Cristo Jesus não abre lugar para o misticismo e subjetivismo da adoração
politeísta. Deus não compartilha seu trono!
Aqui, de novo, teremos que andar com certo cuidado, embora
firmeza. Pois, não nos opomos à contextualização do evangelho, mas
apenas ao sincretismo. Qual é a diferença? A este respeito, a antropologia
nos ajuda. A contextualização traz o evangelho profundamente a um
contexto específico e assim dá significado cristão para formas
autóctones de uma dada cultura, pelo menos para as não adversas à fé
bíblica (que geralmente são a maioria na sociedade). O sincretismo é
resultado de exatamente o contrário, deixando o evangelho muito
superficial na sua cultura, e assim dá formas cristãs para sentidos e
significados pagãos (por exemplo, dando nomes de santos para os velhos
orixás das religiões africanas).
A igreja, enquanto cuidadosamente procura contextualizar sua
mensagem, rejeita toda forma de sincretismo. Somente Jesus Cristo é o
Senhor (1 Coríntios 12.3)! O testemunho bíblico demanda um
exclusivismo de fé, enfatizando a unicidade e incomparabilidade de
Iahweh, como revelado em Jesus Cristo.
Não se acha via de acesso ao Reino de Deus
entre as religiões pagãs, porém só na fé que Abraão e a
sua descendência professaram, cujos herdeiros somos
nós, a igreja de Jesus Cristo (Wright 1967:20).
Revolucionário progressista, não apoiador do status quo.
Os profetas chamavam Israel a entender o tempo de um modo linear,
enquanto os politeístas meramente o consideravam ciclicamente. Para
estes últimos, não havia um conceito de progresso ou mudança na
99
Igreja: Por quê Me Importar?
história. De fato, não havia um conceito de história como entendemos.
Só se poderia apoiar e participar no sistema social existente, que não
era grande coisa!
O politeísmo era, portanto, uma religião
preeminentemente de status quo. Por isso, é importante
observar que tal religião não tem sido um fator dinâmico
de mudança social nos países onde criou raízes.... Não
tem sido um poder na evolução da sociedade e na
promoção da justiça social (Wright 1967:21)
A missão de Deus através da igreja, por outro lado, implica em
mudança e progresso. Isto não quer dizer progresso no sentido popular
que as coisas estão ficando cada vez melhores, mas progresso no sentido
que Deus está levando para frente a história, ao seu alvo, ao seu fim. E
o quadro deste fim, como descrito no livro de Apocalipse, é um quadro
universal, incluindo todos os povos na adoração do verdadeiro Deus.
Há um futuro. Não somos presos a um presente estático. As coisas podem
mudar e, de fato, mudam à medida que o reino de Deus se torna cada
vez mais evidente na nossa história e sua extensão chegue a dimensões
universais.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual era a importância da palavra no trabalho do profeta?
2.
Compare o baalismo com o javismo e explique a
incompatibilidade entre os dois.
3.
Por que Israel teve uma forte tendência para o sincretismo? O
mesmo é o caso na igreja hoje?
4.
Ainda há profetas hoje para corrigir o povo de Deus e os líderes
da igreja?
100
5.
Qual é a significância dos “encontros de poderes” para o
testemunho hoje?
6.
Como deve a igreja se preparar para “encontros de poderes” na
sua prática evangelística?
7.
Qual é a diferença entre o profeta e o juiz do período prémonárquico?
8.
Quais são algumas diferenças entre o profeta do Antigo
Testamento e aquele que encontramos no Novo Testamento?
101
Igreja: Por quê Me Importar?
102
A SABEDORIA DO
POVO DE DEUS
Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cantares
Nos capítulos anteriores, tratamos dos atos de Deus na criação
do mundo e num relacionamento especial com um povo, o Israel. Em
se tratando da criação e da história universal subseqüente, observamos
a relação de Deus com a humanidade em geral e começamos a detectar
traços dos propósitos salvadores de Deus para a mesma. Em se tratando
da eleição e da aliança com Israel, observamos a relação de Deus com
um povo específico e começamos a traçar a sua significância e o seu
papel missionários para os propósitos maiores de Deus para o mundo.
O primeiro assunto envolveu principalmente os primeiros onze capítulos
de Gênesis, enquanto o segundo ocupou a atenção do restante do
Hexateuco e os Profetas Anteriores.
Estes dois grupos de literatura relevam duas grandes intervenções
salvadoras de Deus na história de Israel que, definitivamente, deixam
sua marca na identidade do seu povo. O primeiro, o Hexateuco, gira em
torno dos eventos que estabelecem a eleição de Israel, sua aliança com
Deus e a promessa da terra de Canaã. O foco é a aliança do Sinai. O
segundo, os Profetas Anteriores, ressalta o surgimento da monarquia e
a escolha de Davi e o seu trono. O foco é a aliança com Davi com o seu
centro em Jerusalém. Estes dois eventos, de maneira alguma, esgotam
a atividade de Deus na história de Israel. Contudo, sobressaem como os
dois principais fundamentos da relação especial e salvífica de Deus
com o Israel.
Então, chegamos nos Escritos: o livro dos Salmos e a sabedoria.
Esta literatura se difere em tom e forma do Hexateuco (os primeiros
seis livros do Antigo Testamento) e dos Profetas Anteriores. Enquanto
no Hexateuco e nos Profetas Anteriores Deus é o principal ator, nos
Escritos este ator é o Israel. Nos Escritos encontramos a resposta de
Israel diante dos atos redentivos de Iahweh na sua história. É uma
103
Igreja: Por quê Me Importar?
resposta totalmente pessoal, uma resposta de louvor, de interrogações,
de arrependimento e até de reclamação. Nos Escritos começamos a
compreender a maneira como Israel se via diante de Deus e diante do
mundo ao seu redor.
E nesta resposta cúltica de Israel encontramos muita significância
para a sua tarefa no mundo, já que esta tarefa faz parte dum
relacionamento triangular entre Deus, o seu povo e o mundo. A tarefa
do povo escolhido encontra sua relação eficaz com o mundo à medida
que responda sincera e pessoalmente a Deus. E esta resposta é uma
tanto de adoração a Deus quanto de provérbios em forma de observações
práticas acerca do mundo ao seu redor.
Nesta lição queremos estudar a literatura de sabedoria. Na
próxima lição voltaremos para algumas nas mesmas preocupações e
temas, porém através dum estudo do livro dos Salmos. Ambos iluminam
muito nossa compreensão da maneira como Israel tratou seus vizinhos
e como se entendeu de modo prático e cotidiano dentro do seu contexto
maior de mundo.
Os sábios
Os sábios formavam uma classe distinta no Israel antigo, bem como
os profetas e os sacerdotes. E igualmente com estes, fizeram parte dos
importantes círculos de liderança de Jerusalém (Jeremias 18.18). Eles
possuíam seu próprio corpo de ensino que hoje chamamos de literatura
sapiencial, isto é, os livros canônicos de Provérbios, Jó, Eclesiastes e alguns
dos Salmos (1, 37, 73, 91, 119, 127, 128, 133, 139). Esta literatura foi
escrita desde os dias mais antigos de Israel (parte dos Provérbios) até o
período mais recente do Velho Testamento (Eclesiastes). Salomão era
conhecido tradicionalmente como o fundador do movimento sapiencial (1
Reis 4.29-34), assim como Davi era o patrono dos salmos e da música em
Israel. Mas este aspecto da vida de Israel é mais velho que Salomão e mais
amplo que os livros acima classificados como sapienciais. Encontramos a
linguagem sapiencial nos provérbios do povo (1 Samuel 24.14; 1 Reis
20.11), no livro de Juízes (9.7ss; 14.14), em alguns Salmos (mencionados
acima) e nas parábolas e aforismos dos profetas (Isaías 28.23ss; Oséias
14.9; Jeremias 23.28b).1
104
Todavia, foi Salomão, um homem extremamente sábio (1 Reis
3.4-28; 10.7, 23ss) e intensamente interessado em se tornar um líder na
principal corrente dos movimentos culturais dos seus dias, com uma
fama internacional de autor de provérbios (1 Reis 4.29-34), quem deu o
grande estímulo para o movimento florescer.
Problemas cotidianos e universais
A sabedoria em Israel não era tanto uma questão do conhecimento
intelectual de muitos fatos, quanto o conhecimento prático sobre as
relações humanas, a vida e também Deus. A sua preocupação não é
com a filosofia ou teologia especulativa, nem com a solução de questões
últimas sobre o homem e o seu mundo, mas está interessada na vida
cotidiana, o contato com o próximo e com as coisas no âmbito pessoal.
Ela repara o dia-a-dia rotineiro, as questões triviais de sucesso e de
fracasso e as experiências boas e más que ocorrem no decorrer do dia
comum.
O termo okhmâh se refere à habilidade manual, profissional e
artística (Êxodo 31.3ss), à astúcia, ao “jeitinho”, à arte de governar
(Jeremias 50.35; Isaías 10.13) e de interpretar (Gênesis 41.8). É a perícia
ou experiência de um marinheiro, ou de um remador, de um conselheiro
político. Os sábios de Israel enquadraram a sabedoria como a arte de
pilotagem (Provérbios 1.5) através da confusão da vida, pegando a rota
certa.
A literatura sapiencial, então, difere em tom da literatura profética.
A palavra profética se dirige ao povo na sua totalidade, enquanto a
palavra do sábio se dirige ao indivíduo. A base do conselho do sábio é
a sua experiência, enquanto o profeta reivindica a revelação e autoridade
divinas. A sabedoria possue um caráter humano universal, enquanto os
profetas invocam a fé em Iahweh com base em sua ação na história de
Israel.
Para Israel, a sabedoria lhe dava uma orientação proverbial da
experiência diária que era comum a toda a humanidade. Tinha a ver
com a vida toda e com todos os seus departamentos. Não é surpreendente
que a literatura egípcia e mesopotâmica revelam que quase todos os
povos do antigo mundo bíblico tinha grande interesse neste tipo de
105
Igreja: Por quê Me Importar?
sabedoria, uma sabedoria do mundo, o uso de perspicácia e bom juízo
para discernir a maneira que o mundo e o ser humano funcionam, um
tipo de ética prudencial. Assim, Salomão podia discutir a ética ou
questões de “sabedoria” com um egípcio ou um cananeu sem entrar
muito em discussões teológicas, pois os sábios simplesmente não
expressaram o mesmo interesse na teologia que os historiadores, os
profetas e os salmistas de Israel.
Esta característica da literatura sapiencial é evidente na
apresentação de Jó diante de Deus e no seu isolamento, fora do seu
contexto social e dos seus laços históricos e culturais. No relato, Deus
não é identificado como o Deus de Israel que se revela na história do
seu povo, mas é o Deus que se revela a todo homem na ação criadora.
Portanto, a sabedoria era uma categoria comum a toda humanidade.
A criação e o imago Dei
A dimensão universal da sabedoria se funda no tema da criação e
assim se relaciona mais com Gênesis 1-11, sendo a história universal,
do que com o resto do Hexateuco e os Profetas Anteriores, sendo uma
história particular. Em Provérbios 8, a sabedoria aparece como o
primôgenito de toda a criação que a assistiu, se delicia diante de Deus e
se deleita sobre a face da terra. Foi por ela que Iahweh fundou a terra
(Salmo 104.24; Provérbios 3.19) e por ela os reis, príncipes, nobres e
juízes governam a terra (Provérbios 8.15,16).
A relação íntima entre a sabedoria e a criação é indicada na
descrição detalhada do maior dos sábios pela tradição israelita, o rei
Salomão.
Discorreu sobre todas as plantas, desde o cedro que
está no Líbano até ao hissopo que brota do muro,
também falou dos animais e das aves, dos répteis e dos
peixes (1 Reis 4.33).
Esta relação toma a forma de inúmeras analogias entre os processos
da “natureza” e a vida do homem, nas máximas compiladas no livro dos
Provérbios (25.23; 26.20; 30.15,16, 18- 19, 24-31; veja também Jó 10.10).
106
O sábio caminha em direção ao domínio sobre a criação (Gênesis
1.28). A sabedoria é análoga à imagem de Deus no homem, como foi
elaborado no capítulo 1, cujo fim é domínio e ordem sobre a criação.
Este é o potencial de todo homem. Contudo, como a imagem de Deus
no homem, a sabedoria tem que ser redimida por Deus, a sua derivacão
última.
A sabedoria, portanto, consiste no conhecimento de que, atrás de
tudo, existe uma ordem operante no mundo que mantém um equilíbrio
de eventos, de relações humanas e de fenômeno natural. Esta ordem é
de natureza misericordiosa e justa, mas tem que ser discernida com
grande paciência e, às vezes, a grande custo de experiências dolorosas.
A influência estrangeira
Por causa desta sua natureza universal, a sabedoria em Israel não
só foi divulgada entre as outras nações, como também foi influenciada
por elas. A própria Bíblia faz alusões à sabedoria das nações do Egito
(Gênesis 41.8; Êxodo 7.11; Atos 7.22; 1 Reis 4.30; Isaías 19.11-12), do
Edom e da Arábia (Jeremias 49.7; Obadias 8; Jó 1.3; 1 Reis 4.30), da
Babilônia (Isaías 47.10; 44.25; Jeremias 50.35; 51.57; Daniel 1.4, 20),
e da Fenícia (Ezequiel 28.3ss; Zacarias 9.2). Desde o segundo milênio,
a literatura sapiencial já existia, e muito antes de todo o mundo antigo,
especialmente no Egito e na Babilônia, mas também em Canaã.2 Esta
literatura atinge os próprios textos transmitidos do Antigo Testamento.
A grande maioria de estudiosos concorda que Provérbios 22.17-23.11
se baseia nas Máximas Egípcias de Amenemope do segundo milênio.
Provérbios 23.13s se baseia na doutrina de Aicar, um sábio assírio do
século sete a.C. e Provérbios 30 e 31.9 provém de sábios das nações ou
tribos siro-palestinas. Também é muito discutida a influência do “Jó
Sumérico” nos livros bíblicos de Jó, Salmo 73 e Provérbios. A sabedoria
floresceu em Israel no século X, provavelmente por influência cananéia, e
foi cultivada na corte de Salomão (veja a menção dos nomes cananeus de
Eta, Hema, Calcol e Darda em 1 Reis 4.31).
Enquanto a Bíblia rejeita inequivocamente a magia e a superstição
embutidas neste pensamento (Isaías 47.12-13) e o orgulho que promovia
(Jo 5.13), fala dos sábios gentios com um respeito que jamais demonstrou
107
Igreja: Por quê Me Importar?
para com os sacerdotes e os profetas das nações pagãs. Embora também
afirme que Salomão os ultrapassava e que Daniel foi mais excelente
que os sábios da Babilônia (Daniel 5.11-12), como pessoas a quem
Deus deu compreensão sobrenatural, o Antigo Testamento deixa claro
que um homem pode pensar de maneira clara e falar acertadamente
com sabedoria, com certos limites, sem uma revelação especial de Deus.
A história do sábio Aitofel, cujo conselho era entendido como “resposta
de Deus”, deixa isto bem claro (2 Samuel 16.23; 17.14).
Derivada de Deus
Apesar de tudo que dissemos sobre a universalidade da sabedoria,
ela brilhava mais forte em Israel, pois a literatura sapiencial do povo de
Deus era isenta de politeísmo, de magia e de qualquer justificação da
imoralidade. Aqui, temos a certeza de que o caminho de Deus é perfeito
e sua vontade se revela suficientemente, deixando um padrão único
daquilo que é sábio e certo.
Uma comparação da literatura gnômica judaica com aquela dos
seus vizinhos, enquanto revela semelhanças de forma e até de conteúdo,
ao mesmo tempo, demonstra que os sábios de Israel adaptaram a tradição
de sabedoria, realizando certas mudanças teológicas. O máximo da
sabedoria era temer a Deus. Os sábios de Israel não eram humanistas
seculares, para quem Deus era distante e despreocupado. A sabedoria
não poderia ser divorciada da sua fonte, Iahweh, nem ser conhecida ou
aplicada corretamente à parte do “temor do Senhor”. Isto é confirmado
repetidamente (Provérbios 1.7, 29; 2.5; 8.12-14; 15.33; Salmo 111.10;
Jó 28.28). Este “Senhor” de Provérbios é especificamente o Deus de
Israel, Iahweh, cujo nome é mencionado 66 vezes em Provérbios 10-29.
O termo mais geral para Deus, Elohim, aparece apenas uma vez, em
Provérbios 25.2.
O princípio de toda sabedoria, portanto, é o temor do Senhor.
Isto é, todo esforço para saber começa com uma profunda reverência
ao Senhor, um relacionamento de suprema seriedade, caracterizado pela
ausência de arrogância, pelo senso de moderação e humildade apropriada
duma criatura diante do seu Criador. Somente este conhecimento em
relação a Deus e ao seu domínio soberano coloca o homem no
108
relacionamento apropriado com os objetivos do seu conhecimento. A
fé não impede o saber. Pelo contrário, estabelece o ambiente mais
condutivo ao saber.
A personificação da sabedoria
Um clímax do pensamento sobre a relação da sabedoria como
sendo derivada ultimamente de Deus se encontra em Provérbios 1-9.
Especialmente no capítulo 8, bem como em Jó 28, encontramos uma
personificação da sabedoria, talvez até mesmo uma hipostatização. As
duas passagens transmitem fundamentalmente a mesma mensagem: a
sabedoria somente é possível para o homem através do discipulado. O
homem deve seguir a sabedoria. A sabedoria é melhor que as riquezas.
Por ela Deus fundou a terra, e por ela reis governam! Este conceito é
aumentado mais ainda na literatura apócrifa de Eclesiástico e a Sabedoria
de Salomão. Em Eclesiástico 24, a sabedoria é exaltada na sua função
cósmica de salvação dentro da história. E na Sabedoria de Salomão
7.22, a sabedoria é designada como o próprio criador do mundo.
A influência no Novo Testamento
Tudo isto, sem dúvida, serviu como um grande preparo para certas
afirmações por Jesus e a respeito dele próprio, em linguagem sapiencial,
que destacam o seu papel de salvação no plano de Deus para a sua
criação. A sua pregação, por exemplo, evidenciou a influência da
literatura sapiencial pelas suas exortações, discussões, e pelo
ensinamento aos discípulos e especialmente pelas parábolas. Seu ensino
tomava forma de provérbios—“podem, porventura, jejuar os convidados
para o casamento, enquanto o noivo está com eles?” (Marcos 2.19)—às
vezes, paralelos exatos com alguns provérbios (Provérbios 3.28 com
Mateus 5.42; Provérbios 2.5,6 com Lucas 14.10). O povo comum e até
os próprios fariseus o chamavam de “mestre”. E o próprio Jesus
certamente se identificou com a sabedoria quando fez o seguinte convite:
Vinde a mim todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e
109
Igreja: Por quê Me Importar?
humilde de coração; e achareis descanso para as vossas
almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve
(Mateus 11.28-30, compare Eclesiástico 51.23-27; 6.24,
30; Provérbios 9.32-35).
De acordo com os escritores do Novo Testamento, em Jesus Cristo
encontramos não a loucura, mas a própria sabedoria de Deus (1 Coríntios
1.24; Provérbios 8.12). Ele é o Logos, ou a ordem da criação, que nos
chama pessoalmente para seguí-lo (João 1.1-4; 14.6; Provérbios 8.22-24,
30, 32-36). O apóstolo Paulo várias vezes aplicou a Cristo a linguagem
sapiencial (1 Coríntios 8.6—compare Sabedoria 9.1; Colossenses 1.15—
compare Sabedoria 8.22; 7.26 e Eclesiástico 1.4; Colossenses 1.17—
compare Sabedoria 7.27; 8.1).
IMPLICAÇÕES ATUAIS
É mister lembrar que as implicações elaboradas através do nosso
estudo são meramente sugestivas e representativas e de maneira alguma
pretendem ser compreensivas e exaustivas. Uma teologia bíblica, jamais é
definitiva pois, enquanto o povo de Deus permanece com uma tarefa de
testemunho no mundo, sempre e em todo lugar terá que repensar, atualizar
e contextualizar a sua fé em novas situações e para novos desafios. Não é
que a fé em si mude, mas a expressão adequada e efetiva dela. Os Escritos
revelam vários bons princípios para a comunicação efetiva da fé. Sugerimos,
por enquanto, três: coerência, contextualização, e diálogo.
Coerência
A literatura sapiencial ressalta a necessidade duma ética pessoal e
social que testemunhe do caráter justo e misericordioso de Deus. A
mensagem que anunciamos exige uma coerência de vida que implica numa
ética.
A preocupação principal dos sábios era a edificação e permanência
de uma sociedade harmoniosa. Bem antes da rebelião e discórdia civil,
entendiam como boa e sábia qualquer contribuição à harmonia e ao
110
bem-estar da nação, e como má e tola qualquer atividade ou atitude que
provocava discussão e contenda. Sabiam que a pobreza era uma causa
principal de muita desordem civil e, por isso, incentivavam o cultivo,
os cuidados dos campos, a distribuição igual de riquezas e denunciavam
a preguiça e a avareza (Provérbios 24.30-34; 10.4-5, 26; 13.4, 23; 20.4;
26.16; 21.26; 11.26; 22.9). Buscavam a justiça (Provérbios 22.28; 23.10;
19.9; 17.23; 15.27; 16.8; 18.5) e o bom governo (Provérbios 29.12).
Para eles, o verdadeiro sábio e homem certo é aquele que entende os
direitos dos pobres (Provérbios 29.7-14), organiza a sua vida de modo
apropriado e contribue para o bem-estar da comunidade (Provérbios
10). Inculcavam a generosidade, tolerância, humildade e a capacidade
de perdoar, mas advertiam contra a inveja, difamação e o orgulho
(Provérbios 11.2,9, 12-13; 12.17, 22; 14.5; 16.32; 18.12; 19.11; 21.1-4;
24.1; 27.2; 25.21).
Todavia, nenhum destes ideais era peculiar a Israel, pois os
princípios de justiça e harmonia na sociedade eram universais e baseados
na noção e confiança numa ordem divina operante no mundo e acessível
ao conhecimento humano. Mesmo assim, o povo de Deus precisava
testá-los pelas experiências da sua fé no dia-a-dia.
A comunicação da nossa fé e a proclamação do domínio do Rei
Iahweh exigem uma ética pessoal e preocupação pela justiça social,
que são coerentes com as qualidades daquele que representamos e
anunciamos.
Contextualização
A contextualização do evangelho, atualmente, é o foco da atenção
de muita discussão teológica. Contudo, ainda há muito
mal-entendimento sobre o assunto. A Bíblia nos dá muita orientação,
especialmente exemplos de contextualização sem compromisso da fé,
tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Aqui reparamos três
princípios básicos e abrangentes baseados no nosso estudo dos Escritos:
a comunicação contextualizada deve ser prática, afetiva e proposital.
Comunicação prática. A idéia de contextualização significa
simplesmente uma comunicação facilmente receptível e intimamente
111
Igreja: Por quê Me Importar?
compreendida pela audiência. É comunicar em termos que o povo
entenda, sendo fiel ao conteúdo da mensagem enquanto emprega idéias
e formas familiares ao povo. A tensão existe justamente na coordenação
da fidelidade à mensagem com o emprego de elementos culturais do
povo que possam servir como veículo de transmissão da mensagem.
Quais são os veículos apropriados? Até que ponto são apropriados?
Quem pode julgar estas coisas?
O primeiro princípio que queremos reparar nos Escritos é o
princípio de praticabilidade ou popularidade. Já vimos que a literatura
sapiencial focaliza mais nos problemas imediatos e cotidianos da vida.
Esta forma de sabedoria proporcionava verdades que
se aplicam à vida humana, de acordo com as quais um
homem pode guiar sua conduta. Ela foi sempre lúcida
e sensível, freqüentemente prosaica, prática e intentava
ser útil (Fohrer 1982a:196).
Comunicação afetiva. Praticabilidade implica em afetividade.
É comunicação que fala ao coração do povo por criar associações
familiares e íntimas. A literatura sapiencial, empregou formas culturais
bem familiares daquela região e daquele período. Já elaboramos sobre
a influência estrangeira na literatura sapiencial. Qual é a significância
deste fenômeno?
Por certo, esta familiarização de forma literária servia de ponte
para a comunicação do evangelho entre as nações, se não explícita,
pelo menos implicitamente. A filosofia de vida de Israel não eram algo
totalmente estranho para as nações vizinhas, pelo menos em termos da
sua forma e seu estilo. Por outro lado, o conteúdo da fé israelita era
muitas vezes peculiar, mas nem tanto a forma de expressar esta fé em
culto e em filosofia de vida. Não podemos aqui categorizar de maneira
absoluta, pois é também verdade que nem todo o conteúdo da fé de
Israel era novidade para as nações. Por exemplo, a idéia da personalidade
da deidade era comum entre os antecedentes politeístas do Antigo
Testamento e alguma noção da ressurreição dos mortos existia na
mitologia suméria. E provavelmente Israel tenha possuído algumas
formas de expressão da sua fé que eram peculiares às nações vizinhas.
112
Mesmo assim, o princípio geral da semelhança das suas formas culturais
e gnômicas permanece, e estas semelhanças devem ter auxiliado a
comunicação do conteúdo e significância da sua fé. Bernard W.
Anderson lucidademente expôs esta tensão entre a fé de Israel e as
culturas vizinhas ao seu redor:
Israel não disse enfaticamente um não de repúdia a
cultura avançada na qual entrou, mas disse não e sim.
A fé em Iahweh, o Deus de Israel, exigiu uma rejeição
dos outros “deuses” e, conseqüentemente, a repúdia
das presssuposicões teológicas das religiões do
ambiente ... Não poderia haver um meio termo entre a
fé em Iahweh e os deuses do paganismo. Todavia, o
não de Israel neste nível mais profundo, freqüentemente
foi acompanhado por um sim de apropriação, isto é,
tomando posse das formas de culto (tal como o
sacrifício) e formas literárias (tal como o salmo) e
convertendo-as ao serviço de Iahweh [tradução, ênfase
acrescentada] (Anderson 1970:24s).
Aplicando estes princípios à comunicação do evangelho hoje no
Brasil, perguntamo-nos: Como podem os ditados e os provérbios
brasileiros ser adaptados para a evangelização? Encontramos pistas na
letra de algumas músicas populares e cristãs:
Saiba que a nossa vida, irmão
Não é viver só d’água e pão
Quem se esforça, força a barra e cai
Não é no braço que se vai
Alcançar firmeza na mesma dimensão
Que Cristo disse ter prá dar... [ênfase acrescentada] (Pimenta
1985)
... Sim, mas foi Pilatos que por fim O entregou, Cara e mãos
lavadas, a saída que escolheu
113
Igreja: Por quê Me Importar?
E o povo irado como um só se levantou,
Falou: ...
(Será que a voz do povo é voz de Deus?)
Cruz e morte ao Benfeitor! [ênfase acrescentada] (Kerr 1985)
Será que outros ditados populares podem ser usados ou adaptados
à comunicação do evangelho? Consideremos:
“A união faz a força”
“Deus escreve certo por linhas tortas”
“Melhor é um pássaro na mão que dois voando”
“Quem pode mais, chora menos”
“Quem tem boca vai à Roma”
“Quem corre nem sempre alcança, nem tarda por madrugar, quem quiser
chegar a tempo ande firme e devagar”
“Antes só do que mal-acompanhado”
“De grão em grão a galinha enche o papo”
“Quem canta, seus males espanta”
“Um homem prevenido vale por dois”
“Sarna prá se coçar”
“Quem não pode com o pote não pega na rodilha”
“Cada um sabe o sapato que lhe aperta”
“Pimenta nos olhos dos outros é refresco”
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”
“Quem não chora, não mama”
“Quando a esmola é grande, o cego desconfia”
“Devagar com o andor que o santo é de barro”
“Dá pano prá manga”
“Está pondo o carro na frente dos bois”
“Está puxando a sardinha para o seu lado”
“A galinha do vizinho é sempre mais gostosa”
114
“O olho do dono é que engorda o boi”
“Em casa de fereiro espeto é de pau”
“Não queima a casa para assar o porco”
“Bater na cangalha para o boi entender”
“Tamanho não é documento”
“O porco só engorda nas vistas do dono”
“Pau que nasce torto morre torto”
“Burro velho não pega marcha”
“Por for bela viola, por dentro, pão bolorento”
“O sol nasce para todos”
“Quem muito quer, tudo perde”
“Diga com quem andas e direi quem tu és”
“Quem meu filho beija, minha boca adoça”
“Santo de casa não faz milagre”
“Macaco velho não põe a mão em cumbuca”
“Cachorro mordido de cobra tem medo até de linguiça”
“Gato escaldado tem medo de água fria”
“Não adianta fechar o porteiro depois que a boiada passou”
“Quem planta vento colhe tempestade”
O importante é considerar quais são os meios e formas que melhor
comuniquem hoje para uma dada audiência sem sacrificar o conteúdo
da mensagem. No Brasil, isto também implica na consideração regional.
Será que a nossa comunicação aos que estão fora do evangelho é
percebida íntima e profundamente?
Comunicação proposital. A contextualização também envolve
a direção e o objetivo da comunicação. Uma comunicação proposital é
tão estreita e específica em termos do seu assunto, quanto larga e
universal na sua audiência.
O assunto específico é a incomparabilidade e a soberania
exclusiva de Iahweh. O propósito da sabedoria era levar quem quer que
a buscasse a um relacionamento salvífico com Deus (Provérbios 2.5-8;
115
Igreja: Por quê Me Importar?
1.20; 8.35). É Deus que reina. A Ele pertence a glória. O temor do
Senhor é o princípio de sabedoria.
A audiência é a arena das nações. A literatura sapiencial deu ao
povo de Deus uma prontidão de entrar em discussão com os povos
estrangeiros e dialogar com eles a respeito de Deus e a base da própria
sabedoria deles. A história de Israel está em estreita relação com o destino
das nações.
Em síntese, a contextualização implica no emprego de formas
culturais populares e da vida diária, uma comunicação do coração do
povo, uma abrangência universal de audiência e uma mensagem
específica sobre o domínio do único Deus.
Diálogo
A literatura sapiencial é evidência que o testemunho cristão não
precisa ser monológico e altivo. O cristão não é o dono da verdade, mas
conhecedor de sua fonte pessoal. A literatura sapiencial revela que há
um padrão e uma ordem divinos na criação que podem ser discernido
por aqueles que estão atentos à sabedoria, já que a sabedoria se tornou
conhecida na criação, e naturalmente acessível a todos os povos. Isto é
uma ponte de diálogo com as nações pagãs. Por isto, Salomão podia
discutir a ética e questões de sabedoria com os egípcios e cananeus,
sem permitir que as diferenças teológicas impedissem a discussão.
Um espírito de diálogo não é incoerente com o reconhecimento
de que a sabedoria, em última análise, é derivada de Deus, e atribuída
no seu sentido mais pleno a ele (Jó 12.13ss; Isaías 31.2). Deus manifestou
a sua sabedoria na criação do mundo (Provérbios 3.19s; 8.22ss) e na
humanidade (Jó 10.8ss; Salmo 104.24). Se é derivada de Deus, então,
toda sabedoria possue um caráter religioso. E se é manifestada na criação
e entre todos os homens, também possue traços seculares. Isto parece
contraditório, mas não o é. Para o hebreu, não havia nenhuma dicotomia
entre o religioso e o secular, e entre o intelectual e o prático (Harrison
1969:1008). O mundo tem sentido, possue uma ordem. As obras do
Senhor são grandes (como diz o salmo sapiencial), e não só “grandes”,
mas também podem ser estudadas por aqueles que nelas se comprazem
(Salmo 111.2). Isto não justifica a atitude de arrogância intelectual que
116
o livro de Jó repreende (38.32-36, compare 1 Coríntios 1.17-19; 2.4s,13;
Romanos 1.22), nem implica na possibilidade de decifrar os mistérios
da criação de Deus, como Eclesiastes nos mostra (compare Provérbios
16.25). Mas ao mesmo tempo, também o pensamento sapiencial não
permite nenhuma atitude anti-intelectual, uma retirada para a
irracionalidade. A existência, então, de sabedoria entre povos
não-cristãos, estabelece uma ponte de contato para dialogar sobre a
ordem e o padrão divinos existentes no mundo de maneira “racional” e
ao mesmo tempo “espiritual”. Fornece também meios de comunicar
que o princípio da verdadeira sabedoria é o temor do Senhor, e assim
leva quem busca sabedoria à fonte da verdade através de relação pessoal
com o Senhor Jesus (João 14.6).
PERGUNTAS PARA A DISCUSSÃO:
1.
Existem sábios hoje? Por quê?
2.
Como aplicar a sabedoria do Velho e do Novo Testamento às
nossas vidas?
3.
A sabedoria popular e “mundana” poderá ou deverá ser um
meio de comunicar o evangelho? Como?
4.
Discuta a importância da tradução da Bíblia numa linguagem
mais contextualizada.
5.
Qual é a relação do tema da criação com a literatura sapiencial?
6.
Escreva uma mensagem de 3 páginas usando pelo menos cinco
ditados populares.
117
Igreja: Por quê Me Importar?
1
Uma classe de sábios existia na terra de Canaã até antes de Israel, como demonstram as cartas
de Amarna no século XV e o nome da cidade de Debir, que significa “cidade do livro” ou
“cidade dos escribas” (Josué 15.15-19).
2
Veja, por exemplo, os provérbios nas cartas de Amarna, os textos de Ras Shamra, as
Máximas Egípcias de Amenemope e outros textos do Antigo Oriente em The Ancient Near
East. An Anthology of Texts and Pictures, editado por James B. Pritchard. Princeton:
Princeton University Press, 1958.
118
A ADORAÇÃO DO
POVO DE DEUS
Os Salmos
Afirmamos na última lição que a resposta cúltica de Israel tem
significância para a sua tarefa no mundo. Lembramos desta tarefa como
parte dum relacionamento triangular entre Deus, o seu povo e o mundo.
A tarefa do povo escolhido encontra sua relação eficaz com o mundo à
medida que responda sincera e pessoalmente a Deus. E esta resposta é
uma tanto de adoração a Deus quanto de provérbios em forma de
observações práticas acerca do mundo ao seu redor.
Nesta lição queremos estudar o livro dos Salmos que também
ilumina nossa compreensão da adoração de Israel a Deus no meio dos
seus vizinhos.
O título do livro dos Salmos no texto original é “louvores”
(tehllim). O termo “salmo” se deriva da tradução grega (a Septuaginta)
duma expressão em Hebraico (mizmor) que significa “cântico
acompanhado de instrumentos musicais”. O livro compreende 150
cânticos divididos em cinco livros (Salmos 1-41, 42-72, 73-89, 90-106
e 107-150), cada um terminando numa doxologia especial, sendo o
Salmo 150 uma doxologia do saltério todo. Fora do saltério há ainda
mais cânticos de Israel, como o cântico de Débora (Juízes 5), da irmã
de Moisés (Êxodo 15.21), de Davi (2 Samuel 1.19-27), sobre a libertação
por meio do Mar Vermelho (Êxodo 15.1-19) e sobre a sabedoria
(Provérbios 8). Encontramos hinos de Israel também fora da Bíblia,
como os Salmos de Salomão e os cânticos de agradecimento no Qumran.
Como um livro de “louvores”, o livro dos Salmos possue o
caráter de testemunho devocional, composto à luz da salvação que Deus
realiza em Israel. Enquanto a Bíblia, em geral, relata aquilo que Deus
fez pelo povo e lhe falou, nos Salmos é principalmente o homem que
fala a Deus de maneira totalmente pessoal e devocional. Esta natureza
intensamente devocional e sua expressão viva das necessidades humanas
119
Igreja: Por quê Me Importar?
mais profundas transcendem as divisas de tempo, cultura e
nacionalidade, de tal modo que pessoas no mundo inteiro, através de
toda a história, se identificam com o conteúdo e forma existenciais dos
Salmos.
Esta expressão profunda de sentimento toma principalmente
duas formas: primeiro, o louvor tanto pelo que Deus é (Salmos 117.1-2;
121; 147.1-11; 149 e 150) quanto pelo que fez (Salmos 124.6-7; 40.1-3;
46.8-10; 66.5-7; 85.1-3), e segundo, a súplica pelo socorro em situações
críticas (Salmos 123.3-4; 12.1-2; 54.1-3; 55.1- 5; 60.1-3). Estes
exprimem tanto o sentimento da comunidade toda quanto do indivíduo
e, às vezes, dos dois ao mesmo tempo (Salmo 44.4-7). Todavia, os
Salmos eram principalmente cânticos para o culto público, alguns até
contendo anotações musicais. Eram originalmente cantados,
primeiramente na vida comum do povo, e depois no culto formal do
santuário.
Alguns estudiosos asseveram que a maioria dos salmos foram
compostos no período pós-exílico. Contudo, tanto a evidência
arqueológica recente quanto a comparação literária indicam, em grande
parte, uma datação da era de Davi e Salomão. Alguns salmos (por
exemplo, Salmo 48) podem ter tido origem no início da monarquia, e
outros, no período do exílio (Salmo 137). Alguns podem ser mais
recentes ainda (Salmos 105-106, 136), e outros podem ter origens mais
antigas que o tempo de Israel, provindo de fontes pagãs, como veremos
em seguida.
A influência estrangeira nos salmos
Quando comparamos os Salmos de Israel com os testemunhos
literários da poesia sumério-acádica, egípcia e cananéia, confirma-se
que aqueles seguem as mesmas regras de estilo e estrutura que estes.
Os dois empregam a técnica de parallelismus membrorum, ou seja, rima
de pensamento (ao invés de rima de som, como na poesia ocidental).
Esta rima, ou paralelismo, pode ser sinônimo (Salmo 19.1-2), antitético
(Salmo 1.6), sintético (Salmo 19.7s) ou climático (Salmo 93.1a).
Foi neste âmbito de intercâmbio cultural que Israel, sob a
influência fenícia, alcançou níveis de excelência musical. Salmos de
120
origem cananéia (18, 29, e 45) foram adaptados para uso israelita. As
semelhanças são bem evidentes, indicando que os louvores e as orações
de Israel tomaram formas facilmente compreensíveis pelos povos
vizinhos. Só podemos concluir, então, que sua forma e estilo estavam
em harmonia com seu propósito e mensagem de chamar as nações a um
culto universal ao verdadeiro Deus, (Salmos 7.7,8; 9.8,11; 10.16; 19.1-4;
22.27-28; 33.12; 40.3; 47; 50.1; 57.7; 59.5; 64.9-10; 66.1,8; 67; 68.28-32;
72.8-11, 17-19; 86.9; 87.4; 96- 100; 102.15-22; 105.1, 44-45; 108.3;
113.3-4; 117.1).
Se os hebreus do Antigo Testamento reagiram enfaticamente
contra o politeísmo dos seus vizinhos, não eram iconoclastas literários,
mas empregaram muitas frases gráficas das culturas ao seu redor,
especialmente aquelas que intensificavam a qualidade altamente pessoal
de Deus. Por exemplo, no Salmo 68.5, o Senhor é chamado “cavaleiro
das nuvens”, um epíteto freqüentemente usado para o deus cananeu,
Baal. Desta forma, o salmista não está sucumbindo ao politeísmo, mas
usando linguagem popular para descrever o controle de Iahweh sobre a
natureza. Mas, enquanto os poetas hebraicos usavam livremente a
linguagem cananita, não fizeram-no descuidadosamente. Somente
conceitos teologicamente aceitáveis eram empregados. Por exemplo, o
termo semítico e comum, ilt, significando “deusa”, era rejeitado por
todos os escritores, já que na teologia hebraica, tal conceito do Velho
Testamento, em todas as épocas, não tinha significado. Elmer Smick
acertou bem a maneira que Israel adaptou a literatura estrangeira:
Embora o Velho Testamento tenha sido, de
certo modo, um produto da sua época, sua própria
asseveração de ser o produto do Espírito Santo de Deus
é enriquecida pela sua justa reação às práticas e às
crencas vis das religiões vizinhas, sem rejeitar aqueles
elementos que fizeram parte daquele vestígio de
verdade ainda remanescente num mundo corrupto
[tradução, ênfase acrescentada] (1970:115).
Uma comparação do hino egípcio ao sol com o Salmo 104 feito
por Othmar Schilling, ilustra este processo de assimilação e adaptação
(1978:388-389):
121
Igreja: Por quê Me Importar?
Hino ao Sol
Belo é o teu esplendor, na extremidade do céu, tu, Aton,
vivente que antes já vivias.... Quando tu ultrapassas a
extremidade do céu, eis que o mundo jaz na escuridão,
como se estivesse morto...
Os leões saem de suas cavernas, as serpentes atacam...
cala-se o mundo, porque quem o criou se deitou na
extremidade do céu...
Luminosa é a terra, quando tu surges no horizonte,
quando tu, Aton que és, brilhas no dia...
Todos os homens fazem o seu trabalho...
Todo animal se contenta com o seu alimento, todas as
árvores e plantas florescem os pássaros volteiam sobre
os seus pauis...
Os barcos navegam descendo e subindo a corrente...
Os peixes na corrente saltam diante de ti e os teus raios
estão no meio do grande mar...
És
tu que formas as crianças nas mulheres... que dás a
vida ao filho... que dás a respiração para que viva tudo
o que fizestes...
Tu colocas cada um no seu lugar e lhe dás aquilo de
que tem necessidade.
122
Salmo 104
Iahweh, Deus meu, mui grande sois, de majestade e
magnificência revestido, sois vós que distendeis a luz
como um manto!... Sois aquele que para marcar os
tempos fez a Lua e o Sol indicou o seu ocaso!
Quando produzis as trevas e se faz escuro, então
desentocam-se os animais da selva, e os leõezinhos
rugidores em busca da presa...
Ao despontar o sol, se retiram e se deitam nos seus
covis...
Sai então o homem para a sua faina, e para os seus
labores até a noite.
Faz crescer a erva para as alimárias... cheias de suco
são as árvores de Iahweh, sobre elas fazem as aves os
seus ninhos...
Eis o mar, tão grande e espaçoso, onde se agitam sem
número animais pequenos e grandes. Sulcam-no as
naus....
Logo que enviais o vosso espírito são criados...
Todos de vós esperam que lhes deis alimento a seu
tempo... abrindo as mãos os saturais de bens.
A comparação é reveladora. Enquanto o faraó adora o Sol do
Egito, o Salmo 104 exalta o criador do sol, Iahweh, que está infinitamente
acima de toda a sua criação. A confissão de Israel permanece: ‘Iahweh
é nosso Deus, Iahweh é único’” (Deuteronômio 6.4).
123
Igreja: Por quê Me Importar?
Em resumo, Israel utilizou a mesma forma poética das culturas
vizinhas, isto é, o estilo, a estrutura, a rima e, freqüentemente, até mesmo
as mesmas figuras de linguagem a fim de efetuar uma comunicação
familiar e compreensível ao nível popular. Todavia, rejeitou qualquer
material que não coadunava com a fé em Iahweh, e modificou outros
materiais para exprimir as verdades da sua fé.
Seu conteúdo
Seria fútil, em poucos parágrafos, tentar discursar a respeito
dos vários temas que os salmos tratam. As categorias de tipos já
diversificadas, junto com a variedade de assuntos, praticamente proíbe
uma classificação temática muito resumida e sistematizada. Contudo,
quando lembramos que, como poesia, oração e hinos, os salmos possuem
uma qualidade altamente emotiva, então reparamos especialmente os
temas relacionados à esperança humana. Embora estes não esgotem os
temas que os salmos elaboram, são especialmente significantes. A
esperança religiosa é uma categoria escatológica e, conseqüentemente,
os temas que trataremos exprimem uma esperança escatológica e por
isso são orientados em grande parte para o futuro. Estes temas são: a
glória de Deus, o domínio universal de Deus, a esperança messiânica,
juízo e misericórdia.
A glória de Deus. Já falamos que nos salmos não encontramos
tanto Deus falando para o seu povo mas o povo se exprimindo diante de
Deus. Uma das primeiras reações deste povo diante de Deus é a
expressão da sua infinita grandeza e santidade. O povo de Israel
freqüentemente empregou a frase, “a glória de Deus” (kebhôdh YHWH)
em referência à sua grandeza. A “glória de Deus” se referia a sua
grandeza (Salmo 138.5), a sua manifestação (Salmo 63.2) e a sua honra
ou importância (Salmo 66.2; 79.9).
No seu testemunho, não é o povo de Deus como comunidade,
nem tampouco os indivíduos ou líderes cristãos populares e verbosos
que devem se destacar. Somente Deus merece a honra e a glória no
meio das nações.
124
Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os
povos as suas maravilhas. Porque grande é o SENHOR
e mui digno de ser louvado,
Temível mais que todos os deuses...
Aclamai a Deus, toda a terra.
Salmodiai a glória do seu nome, dai glória ao seu
louvor... [ênfase acrescentada] (Salmos 96.3,4; 66.1,2).
Para Israel, as dimensões da glória de Deus devem corresponder
às dimensões do seu conhecimento pelas nações. E assim se estabelece
uma esperança religiosa e futura na ligação entre a glória ou manifestação
de Deus e a salvação futura das nações, pois esta glória ou manifestação
não é tanto da natureza intrínseca quanto da realização final do seu
direito como soberano sobre o mundo. Desta forma se entende o salmista,
“... da sua glória se encha toda a terra” (72.19) e “... em toda a terra
esplenda a tua glória” (57.5,11).
O domínio universal de Deus. A glória de Deus, então, encherá
a terra. O seu domínio real será universal. Esta afirmação escatológica
é o tema dos salmos de entronização.
O SENHOR preside aos dilúvios;
como rei presidirá para sempre (29.10)
Deus é o rei de toda a terra... (47.7)
Desde a antigüidade está firme o seu trono... (93.2)
... O SENHOR é o Deus supremo, é o grande rei acima
de todos os deuses (95.3)
Dizei entre as nações: Reina o SENHOR (96.10)
Reina o SENHOR. Regozije-se a terra (97.1)
Reina o SENHOR; tremam os povos.
Ele está entronizado acima dos querubins; abale a terra
(99.1)
125
Igreja: Por quê Me Importar?
Todos estes salmos são hinos para serem cantados na casa do
Senhor (1 Crônicas 6.31-31). Mas enquanto pressupõem a centralidade
de Sião, aonde o povo louva a Deus (Salmos 96.6; 97.8; 99.2,9), mesmo
assim, não limitam o domínio de Deus a Sião. Iahweh é rei sobre Israel,
as nações, e o cosmos. No livro dos Salmos, há mais que 175 referências
de natureza universal às nações do mundo.
Diante da extensão do domínio soberano de Deus, nem Israel e
nem a igreja podem desfalecer ou se inibir como se fosse uma minoria
insignificante no mundo. Pelo contrário, têm uma tarefa de dimensões
universais (Salmo 67.2) e a promessa de que o Soberano cumprirá seu
domínio pela extensão de toda a terra. Nenhum outro projeto histórico
chega aos pés da importância da promoção do reino de Deus. Nossos
afazeres, quando não relacionados a este projeto e diante dele, perdem
por completo a sua significância. Por isso, o próprio Jesus gastou seu
ministério pregando este reinado (Marcos 1.16) e desafiou seus
discípulos a fazerem o mesmo até o fim escatológico (Mateus 24.14).
A esperança messiânica. A esperança messiânica é
intimamente ligada ao tema do domínio universal de Deus nos Salmos.
Esta esperança se promoveu especialmente através dos denominados
salmos reais (2, 18, 20, 21, 45, 72, 101, 110, 144). No seu contexto
original, encontramos uma referência muito elevada à monarquia e à
linhagem davídica como uma nova depositária da aliança com Deus,
que recebia uma missão de salvação como testemunho da fidelidade de
Deus (89.1-2) diante do povo de Deus (22.22s), das nações (22.27s),
até dos ainda não nascidos (22.30s) e, assim, até mesmo diante do cosmos
(89.36s) e todos os deuses (138.1). Seu testemunho de Deus é também
inspirado por Deus (51.14-17; 71.17) e o seu conteúdo inclui aquilo
que Iahweh fez pessoalmente a favor do rei—sua libertação do perigo
(18.3-6)—e sua misericórdia eterna (18.2s, 29-31; 118.13s; 3.3; 54.5;
144.1s). Mas, com o passar do tempo, Davi se tornou o tipo do rei ideal,
o soberano do tempo escatológico da salvação, o ungido ou “messias”
de Deus que devia concretizar o ideal, realizar a “plenitude dos tempos”
e levar tudo a cumprimento. Mesmo que na mesopotâmia o rei tenha
sido proclamador da glória da sua deidade sobre todos os povos e dos
deuses para sempre, isto na explica porque os salmistas, com uma fé
126
javista, aplicariam a um rei de Israel as qualidades de supremo soberano
da era messiânica vindoura (Salmo 72), cujo reinado será universal em
extensão (Salmo 2) e governado pelo messias em associação com Deus.
Este messias, descrito como consquistador, rei e sacerdote que reinava
em glória a destra de Deus (Salmo 110), mesmo na mais radical poesia
metafórica, mal poderia ser associado com os atributos de Davi, Salomão
ou qualquer outro rei de Israel ou Judá. É neste sentido que os salmos
fomentavam a grande esperança messiânica voltada para o futuro e
preparavam o fundo histórico para o ministério de Jesus.
Juízo e misericórdia. A expectativa do futuro é de juízo e
também de misericórdia. O rei vem para “julgar” a terra e estabelecer o
seu trono (Salmo 96.10-13; 97; 98.7-9; 110.5-6). A ira de Deus está
contra os reinos que não o adoram (79.6). Ele exerce sua sabedoria e
poder, vencendo a injustiça e defendendo o oprimido e assim expressa
o seu julgamento. Para o salmista, cada indivíduo é responsável por
buscar a Deus, pois todos se corromperam (53.2-3).
Contudo, os salmos ressaltam mais ainda a misericórdia de Deus
(52.8; 63.3) que todos necessitam e que é oferecida a todos que o
invocam (86.5); não só Israel, mas todas as famílias das nações (22.27).
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Na última lição, ressaltamos três princípios para a comunicação
da nossa fé, baseados na literatura sapiencial: coerência,
contextualização, e diálogo. O livro dos Salmos avança estes três
princípios e levanta mais
dois: o conteúdo essencial
Princípios para o testemunho da fé:
da mensagem, e a forma
• essência da mensagem
litúrgica da mesma.
• coerência entre fé e vida
• contextualização
• diálogo
• liturgia “universal”
127
Igreja: Por quê Me Importar?
Essência
A comunicação missionária e bíblica é uma comunicação
substancial que possue um certo conteúdo essencial. Logo devemos
esclareçer que, por “essencial” não justificamos uma pregação parcial
ou incompleta, deixando de ensinar tudo que Jesus ordenou (Mateus
28.20), mas procuramos as ênfases que os autores veterotestamentários
deram. Já mencionamos estas anteriormente, basta apenas ressaltar e
resumir.
A soberania de Deus. Os salmos enfatizam o domínio real de
Iahweh sobre Israel, as nações e toda a sua criação. De modo inverso, o
livro dos Provérbios destaca as limitações da ação e da discrição humanas
(16.9; 19.21; 22.2; 16.2; 20.24; 21.20s). Aquele que é sábio sempre
reconhece Deus como o fator limitador e incalculável. Toda a vida
humana está completamente sujeita à vontade soberana de Deus (veja
Gênesis 50.20). O anúncio do evangelho é a proclamação da
insuficiência humana para ordenar seu mundo independente de Deus e
o testemunho da atividade soberana de Deus sobre toda a criação e a
história humana.
A glória de Deus. A grandeza e honra de Iahweh é incomparável
em relação aos outros deuses. Sua glória exige uma exclusividade de
culto e adoração. À medida que sua glória se refere à manifestação de
Deus, proclamamos o pleno cumprimento da sua presença na pessoa de
Cristo Jesus (João 1.14; Romanos 11.36; Hebreus 1.3). Por isso, a
incomparável grandeza do Deus que louvamos se encontra na pessoa
de Jesus (Colossenses 1.13-20). Ele é o sujeito sobremodo excelente
que anunciamos.
A misericórdia e ira de Deus. O evangelho se constitue tanto
das boas notícias a respeito da graça e misericórdia de Deus oferecidas
a todo homem, quanto do realismo justo de que a ira de Deus está contra
todos aqueles que não invocam o seu nome, tornando o envio de
mensageiros e a pregação indispensáveis (Romanos 10.13-15) na missão
de Deus de reconciliação (2 Coríntios 5.18-21).
128
A chegada do messias! Finalmente, com o salmista gritamos
“Iahweh é rei!” (93.1a) e celebramos a chegada do rei ideal, o ungido
de Deus, Jesus. Através da sua ressurreição, o “hoje” escatológico do
Salmo 2.7 chegou (Romanos 1.4; Atos 13.33).
Coerência
(desenvolvendo mais a idéia pelo livro dos Salmos)
Na última lição já reparamos a ética pessoal e social a literatura
sapiencial pressupõe para o testemunho e vida do povo de Deus. Os
salmos ressaltavam esta mesma necessidade de ética pessoal e social.
Porque o Deus que reina é aquele que governa com princípios
de justiça, retidão, fidelidade e misericórdia (Salmos 89.14; 97.2), estas
qualidades devem também pertencer ao seu povo representativo. Os
salmos encaram o mundo não só na sua beleza estética, mas também
como a esfera de atividade moral aonde se aplica o princípio divino de
retribuição, pela maldade, imediata ou pelo menos próxima. Confiante
na justiça de Deus, o salmista emite seu hino:
Os sofredores hão de comer e fartar-se;
louvarão o SENHOR os que o buscam. Viva para
sempre o vosso coração (22.26).
A comunicação da nossa fé e a proclamação do domínio do Rei
Iahweh exigem uma ética pessoal e preocupação pela justiça social,
que são coerentes com as qualidades daquele que representamos e
anunciamos.
Contextualização
(desenvolvendo mais a idéia pelo livro dos Salmos)
Na última lição reparamos três princípios básicos a respeita da
contextualização, baseados no estudo dos Escritos: a comunicação
contextualizada deve ser prática, afetiva e proposital. O livro dos Salmos,
mais uma vez, avança estes princípios.
129
Igreja: Por quê Me Importar?
Comunicação prática. Encontramos a mesma ênfase no teor
prático da nossa comunicação nos salmos. Os salmos mais antigos
refletem formas mais populares de piedade. A poesia e a oração tratam
dos problemas mais proeminentes de vida e da questão de Deus.
Os Salmos surgem da experiência humana
cotidiana. Indicam as dúvidas, as inquietudes, as lutas,
os anseios de quem quer conhecer melhor a Deus.
Buscam respostas à tristeza, às dificuldades, às
injustiças da vida contemporânea. Os Salmos são
populares porque expressam sentimentos comuns
(Breneman 1983b:26).
E para tratar destas questões, estes escritores empregaram formas
literárias bem conhecidas e populares daquela época, tanto em Israel como
nas nações vizinhas do Oriente Médio. Usou a poesia, a música, ditados,
aforismos e contos. Enquanto a literatura profética (anterior e posterior)
enfatizou a soberania de Deus através da história, de certo modo, seu
senhorio e sua transcendência sobre o cosmos, os Escritos destacam mais
o seu senhorio sobre as questões cotidianas da vida e sua imanência ou
presença próxima entre seu povo. Assim, também a comunicação do
evangelho não é somente nem principalmente doutrinação. É a proclamação
do Deus sempre presente nos mínimos detalhes da nossa vida, nos
problemas comuns e existenciais da vida diária.
Uma comunicação contextualizada, então, é prática e popular.
Utiliza elementos culturais da vida diária do povo. Quais formas,
costumes e conceitos do ambiente aonde ministramos podem ser
empregados para comunicar o evangelho?
Comunicação afetiva. Uma grande parte da linguagem dos
salmos é intencionalmente emotiva, abrangendo as emoções extremas,
desde a mais profunda tristeza (69.7-20; 88.3-9) até a mais elevada
felicidade (98; 133; 23.5,6). Para tal, os salmistas, bem como a literatura
sapiencial, empregam formas culturais bem familiares daquela região
e daquele período. Já elaboramos sobre a influência estrangeira tanto
nos salmos quanto na literatura sapiencial.
130
Perguntamos que formas de música brasileira podem ser
adaptadas à comunicação do evangelho? É um assunto controvertido,
freqüentemente pela falta de reconhecimento do dinamismo e
pluralidade da cultura brasileira. Aqueles que promovem uma hinologia
“contextualizada” e brasileira em termos de ritmos e estilos populares,
encontrarão muito apoio na perspectiva que elaboramos neste capítulo.
Acreditamos que o
emprego e devida adapContextualização = a origem nacional
tação destas formas
Contextualização = o sagrado
ajudarão especialmente
Contextualização = aquilo que comunica
na evangelização de
mais íntima, fiel, e profundamente no dado
pessoas que não são do
contexto
meio evangélico, e
podem também contribuir para uma adoração mais afetiva por muitos
evangélicos.
Contudo, é mister cautela e equilíbrio neste ponto, pois não
creio que a promoção de formas populares na música evangélica leve,
necessariamente, a uma rejeição dos hinos tradicionais de origem
estrangeira. Pois uma grande porção de pessoas nas igrejas evangélicas
no Brasil foi criada com estes hinos. Portanto, embora de origem
estrangeira, estes hinos se tornaram tão familiares, falam tanto para o
coração e são tão “brasileiros” quanto o quibe, o futebol, certos traços
arquitetônicos ou café—todos de origem estrangeira. Aqui não devemos
cometer o erro de alguns advogados da contemporaneidade, que reduzem
a questão de contextualização a uma tensão entre o que é de origem
estrangeira e o que é de origem nacional. Nem tampouco devemos
cometer o erro de alguns advogados do tradicionalismo, que reduzem a
questão de contextualização a uma tensão entre o “sagrado” e o
“profano” (por exemplo, o uso do termo “música sacra” como se existisse
uma forma “sagrada” de música). A contextualização não implica tanto
na tensão entre a origem estrangeira e a origem nacional, nem na tensão
entre o sagrado e o profano, mas é uma questão de familiaridade e
afetividade. Contextualização é aquilo que comunica mais íntima e
profundamente no dado contexto. Raras vezes, a origem última das
formas culturais numa cultura ocidentalizada e pluralista como o Brasil
é puramente “nativa”. Também isto não é a questão mais relevante.
Mais uma vez, o importante é considerar quais são os meios e formas
131
Igreja: Por quê Me Importar?
que melhor comuniquem hoje para uma dada audiência. No Brasil, isto
também implica na consideração regional. Será que a nossa comunicação
aos que estão fora do evangelho é percebida íntima e profundamente?
Comunicação proposital. Os salmos entesouraram uma
expressão viva das mais profundas necessidades e emoções humanas,
que criavam uma ponte de comunicação com as nações. A história de
Israel está em estreita relação com o destino das nações (Salmos 67.2,7;
117). Mais uma vez, a contextualização implica no emprego de formas
culturais populares e da vida diária, uma comunicação ao coração do
povo, uma abrangência universal de audiência e uma mensagem
específica sobre o domínio do único Deus.
Liturgia
Nas lições anteriores, vimos que através do êxodo e da aliança
sinaítica subseqüente, Israel se transformou de mero povo qualquer numa
comunidade chamada, que cultua e louva aquele que providenciou a
sua libertação. Aludimos à significância do seu culto e louvor para a
tarefa missionária. O livro dos Salmos traz a esta significância um grande
relevo. Os salmos não eram mera poesia que servia de instrumentos
didáticos para a educação de filhos. Mas, eram em grande parte hinos,
com algumas anotações musicais, e sua finalidade era de ajudar no culto
e adoração a Deus, talvez inicialmente na vida diária do povo, mas
depois no próprio templo. “O louvor constitue a característica mais
persistente da religião bíblica” [tradução] (Senior 1983:111). Os salmos
revelam a natureza e o conteúdo litúrgicos de Israel. Embora dirigida
para Israel, esta liturgia está repleta de desafios e mensagens missionárias
(Salmos 2; 33; 66; 72; 98; 117; 145). Ela chama os povos ao culto
universal:
Batei palmas, todos os povos;
Celebrai a Deus com vozes de júbilo:
Pois o SENHOR Altíssimo é tremendo, é o grande rei
de toda a terra...
132
Salmodiai a Deus, cantai louvores; salmodiai ao nosso
Rei, cantai louvores.
Deus é o rei de toda a terra, salmodiai com harmonioso
cântico.
Deus reina sobre as nações:
Deus se assenta no seu santo trono (Salmo 47.1-2, 6-8).
Fala o Poderoso, o SENHOR Deus, e chama a terra
desde o levante até ao poente (Salmo 50.1).
Aclamai a Deus toda a terra. Salmodiai a glória do seu
nome, dai glória ao seu louvor (Salmo 66.1-2).
Render-te-ei graças entre os povos, ó SENHOR!
Cantar-te-ei louvores entre as nações (Salmo 108.3).
Louvai ao SENHOR vós todos os gentios, louvai-o
todos os povos.
Porque mui grande é a sua misericórdia para conosco,e
a fidelidade do SENHOR subsiste para sempre. Aleluia!
(Salmo 117).
Faz parte, então, do conteúdo da liturgia do povo de Deus, um
convite às nações para participarem no culto e adoração a Deus. Então,
a própria liturgia, longe de ser uma cerimônia exclusivista, é um
verdadeiro desafio missionário para o povo de Deus.
Mas, além de desafiar o povo de Deus, a liturgia também fornece
um meio condutivo à participação litúrgica e, por conseqüência,
salvífica, das nações, pois o louvor e a celebração não só são
características da fé bíblica, como também são uma reação inerente e
muito essencial entre todos os povos do mundo. A música, a dança, a
risada, o grito, as palmas e os instrumentos musicais dos salmos refletem
uma celebração que toda a humanidade deseja e expressa, se não em
culto, então de maneira profana. É curiosíssimo, para não falar trágico,
o tanto que a liturgia evangélica, pelo menos a tradicional, tem se
distanciado e se “sofisticado” em relação à liturgia expressiva e bíblica.
Isto é mais trágico ainda para um povo “latino”, que vibra com a música,
instrumentos, dança e participação. Por certo, isto é uma reação contra
a motivação freqüentemente profana da celebração secular (e.g.,
133
Igreja: Por quê Me Importar?
sensualidade) e contra a motivação, entendida como idólatra, da
celebração católica e tradicional (e.g., procissões). Contudo, quando se
rejeitou estas motivações de celebração, houve também muita rejeição
de formas de celebração e louvor pelas igrejas evangélicas (“queimou a
casa para assar o porco!”), de tal modo que a nossa liturgia se tornou
um tanto estéril e francamente sem graça. Não expressa realmente
alegria, celebração e adoração profundas. Mal pode cumprir o desejo
íntimo das nações de se alegrar e celebrar, quanto mais canalizar este
desejo a uma adoração a Deus.
A liturgia, portanto, não é apenas uma atividade interna da igreja,
enquanto missões, apenas uma preocupação externa dos evangelistas e
missionários. Ambas, a liturgia e a ação missionária, pertencem uma a
outra. Isto se torna evidente nos salmos. A verdadeira liturgia desafia e
capacita o povo de Deus para sua ação missionária e atrai os povos ao
culto, enquanto o objetivo da ação missionária é a integração plena no
corpo de Cristo, que alcança sua mais elevada expressão não no batismo
e nem na profissão de fé, mas na verdadeira adoração (conseqüente da
fé) ao Senhor. “A liturgia sem a missão é como um rio sem uma fonte.
A missão sem o culto é como um rio sem um mar” (Orlando Costas
1979:90-91).
PERGUNTAS PARA A DISCUSSÃO:
1.
Podemos usar formas seculares de música e de sabedoria/
conhecimento hoje no louvor e na transmissão do evangelho?
Existem limites? Quais são?
2.
Existem músicas que, pelo seu estilo, justificavelmente podemos
denominar como sendo “sacra”? Quais são as características
da música sacra e quais são os critérios para se compor uma
música sacra?
3.
Podemos utilizar formas musicais e músicos não-cristãos, ou
para o culto ou para a evangelização? Quais seriam os limites?
134
O PERIGO
DE APOSTASIA
Isaías-Malaquias
A literatura profética representa um momento central na história
da fé de Israel. Além de recapitular os grandes temas bíblicos, esta
literatura elabora as conseqüências últimas destes temas para a vida do
povo de Deus e antecipa a era em que Deus realizará as suas promessas
de salvação para seu povo e, através deste, para todas as nações. Por
isto, a sua mensagem é indispensável para uma compreensão da tarefa
da qual Deus encarregou seu povo.
O movimento profético
Já reparamos na nona lição que o movimento profético surgiu
junto com a monarquia, como um tipo de controle divino sobre o rei e
também sobre os sacerdotes. Seu propósito era de lembrar aos reis de
Israel do seu papel de servo de Deus e não de soberano independente.
Também, alertava o povo sobre os perigos de sincretismo, sempre
eminente pelo baalismo dos cananeus.
Como o rei, o sacerdote e o sábio, o ofício do profeta não é
exclusividade de Israel, pois temos conhecimento do profeta egípcio,
Wen-Amon, do século XI a.C. e ainda antes, profetas em Mari, sem
mencionar as figuras posteriores de Confúcio, Lão-Tzu, Siddharta
Gautama conhecido como o Buda, Zoroastro, e bem mais tarde, de
Maomé. Todavia, estes não falaram em nome do Criador dos Céus e da
terra, mas somente em nome de uma entidade particular.
Os primeiros “grandes” profetas do século VIII, Amós, Oséias,
Isaías e Miquéias, já eram bem diferentes dos bandos de extáticos
estranhos que vagueavam a região na época de Samuel, trezentos anos
anteriores. Também eram alienados do grande número de profetas
135
Igreja: Por quê Me Importar?
profissionalizantes, estratificados e oficiais do seu tempo. Os profetas
escritores de Israel, no breve espaço de duzentos anos, até Sofonias,
Jeremias e Ezequiel, se destacam dos seus contemporâneos falsos de
Israel e dos seus contemporâneos estrangeiros pela riqueza da revelação
divina mediada. Eram, portanto, um tipo sui generis.
Os profetas escritores eram o instrumento de Deus para purificar
Israel e revigorar a sua missão. Eles chamaram Israel às suas origens na
fé mosaica de aliança com Iahweh. O profeta podia participar do
conselho de Deus e assim, compreender a sua vontade (Amós 3.7;
Jeremias 23.18, 22). A sua função essencial era a mediação de uma
palavra que recebia por divina inspiração. Era o porta-voz de Deus. Ele
jamais cogitaria profetizar sem antes ter uma experiência extraordinária
de chamamento de Deus.
Rugiu o leão,
quem não temerá?
Falou o Senhor Deus,
quem não profetizará? (Amós 3.8)
O contexto profético
Quando os profetas clássicos de Israel surgiram, a nação não
era mais jovem, mas já existia há mais de trezentos anos. Durante este
lapso de tempo, a sociedade israelita muito se afastou da vida dos seus
dias iniciais. Contrastes sociais e espirituais agudos existiam na
sociedade. Uma classe rica e poderosa se opunha a um proletariado
desfavorecido de pequenos sitiantes, e a vida religiosa se transformava
em um ritual vazio e externo, sem fé séria ou reverência verdadeira a
Deus.
Os profetas dirigiam sua crítica contra o Estado, em particular
contra a monarquia que seria responsável perante Iahweh pelo bem-estar
espiritual e social da nação. Criticava o culto, que virara um culto estatal
e apoiador do status quo e da política oficial, pois eles não queriam que
a fé fosse dependente da política, muito menos procuravam ter as ações
políticas do Estado sob a tutela dos representantes da fé. A crítica
136
fundamental de Karl Marx cabe bem neste período: era precisamente a
religião que legitimava e tornava possível a economia de afluência (1
Reis 4.20-25) e a política de opressão (1 Reis 5.13-18; 9.15-22) que
surgiram e coabitaram. A religião se tornara o “ópio do povo”. Mas os
profetas exigiam, em nome de Deus, que os governantes tomassem suas
decisões como crentes fiéis e dependentes de Deus (Isaías 7.1-9).
Ousadamente, anunciavam que Israel era povo de Deus somente
à medida que obedecia a lei e manifestava justiça e retidão. De outra
sorte, o Israel político não podia ser identificado como povo de Deus
(Amós 9.8-10). Deus é livre para dispensar Israel de ser seu povo quando
este não cumprir a aliança, deixando de ser, por conseqüência, um povo
santo e um reino de sacerdotes para as nações. Em vez de ser testemunha
de Deus para as nações, foi levado à decadência por elas e se preocupou
apenas com sua própria grandeza.
Era neste contexto que os profetas operavam, chamando Israel
para os primeiros dias da sua aliança com Iahweh, procurando reformar
as instituicões religiosas e civis por uma volta para os tempos livres,
heróicos e não complicados de Moisés, quando Israel estava diretamente
sob a liderança de Deus.
Assim diz o SENHOR: Lembro-me de ti, da tua afeição
quando eras jovem, e do teu amor quando noiva, e de
como me seguias no deserto, numa terra em que se não
semeia. Então Israel era consagrado ao SENHOR, e era
as primícias da sua colheita; todos os que o devoraram
se faziam culpados; o mal vinha sobre eles, diz o
SENHOR (Jeremias 2.2-3).
Mas o encargo dos profetas, de fazerem o seu povo retornar a
Deus, aparentemente foi inútil, pois nenhum deles afirma ter tido êxito
nesta missão. O anúncio do castigo pendente dos profetas pré-exílicos,
de Amós a Jeremias, não conseguiu mudar muita coisa na conduta do
povo.
O contexto histórico. Então, através da conquista assíria em
721 a.C., o julgamento de Deus finalmente chegou. Permaneceu apenas
137
Igreja: Por quê Me Importar?
Judá, mas sua sorte logo seguiria a de Israel, isso porque a apostasia
espiritual, a decadência moral e a opressão política também
caracterizaram esta nação, apesar de algumas reformas nacionais e
movimentos de libertação (Isaías 37.33,35). Embora Judá nunca tenha
chegado à extrema decadência de Israel, pois sempre havia um
“remanescente fiel” no seu meio, mesmo assim, a adoração assíria, a
adivinhação e a magia, a prostituição religiosa e o sacrifício humano
poluíram o seu culto. Houve um período de reforma espiritual através
de Josias (2 Reis 22-23), mas depois da sua morte o declínio espiritual
mais uma vez entrou em vigor. Jeremias foi o instrumento profético de
Deus para anunciar que Deus também rejeitara Judá como veículo do
seu reino. Desta vez, a Babilônia foi o instrumento de Deus para castigar
os judeus e, até 587, a destruição de Jerusalém se realizou por completo.
O templo se reduziu a ruínas, e depois da morte de grande porção da
população, o resto foi levado ao cativeiro. Era o fim de Israel como
entidade política e religiosa. Os cativeiros eram o julgamento de Deus
sobre o seu povo, e marcaram um momento decisivo na história de
Israel, apenas menos importante que o êxodo. Reparamos o comentário
de John Bright:
Aqui aprendemos sobre as esperanças falsas
da redenção do homem. O estado e seus programas,
sua riqueza e sua prosperidade, até sua religião e seus
esforços mais nobres pela reforma, estes não podem
produzir o reino de Deus, nem podem criar o povo sobre
o qual Ele reinará. A ordem terrestre, na melhor das
hipóteses, é uma aproximação fraca da ordem de Deus,
e na pior, é uma paródia dela. Pelo contrário, ela vive,
hoje como ontem, sob o julgamento da história. Mas
aqui também aprendemos da esperança verdadeira. Ela
está na graça de Deus, que outorga uma Nova Aliança
aos homens, sua lei escrita nos corações humanos. O
povo desta aliança é o povo do Reino de Deus, porque
são os puros de coração que são, vamos dizer, nascidos
de novo. A Velha Aliança assim, aponta para uma
solução além de si mesma, a criação de um novo povo
[tradução] (Bright 1953:126).
138
Com a destruição do templo e a remoção do rei davídico em
587 a.C., as duas tradicões mais preciosas, e por conseqüência, seu
passado, desmoronaram. Israel havia morrido (Jeremias 15.5-9) e o
cativeiro se transformou na sua sepultura (Ezequiel 37.12; Jeremias
9.17-22). Era o terrível “dia do SENHOR” (Lamentações 1.12; 2.1, 21-22).
A partir de então, toda a direção da fé profética se orientou para a volta
daquela parte de Judá levada ao cativeiro babilônico. A “morte” e a
“ressurreição” de Israel se tornaram os temas principais que ligaram
todos os profetas diferentes durante mais de dois séculos, desde Amós
e a ameaça da Assíria em meados do século VIII a.C., até as primeiras
voltas do século V (Jeremias 24.1-10; 29.10-14; Ezequiel 36.8-15; Isaías
40.1ss).
Quando Ciro conquistou o império neo-babilônico em 539 a.C.,
e os medo-persas ganharam a supremacia internacional no Ocidente, os
judeus exilados tiveram a opção de retornar à Palestina e restabelecer o
templo. Segundo o registro de Esdras, cerca de 50 mil regressaram à
Jerusalém, enquanto a maioria preferiu permanecer no exílio, aonde
muitos haviam se estabelecido materialmente bem. Apesar deste retorno
e a reconstrução do templo subseqüente, o estado judeu nunca mais
obteve completa independência do império persa, e então o reino não
foi restaurado. Também não ouvimos nenhum registro de que a glória
de Deus tenha enchido o templo como antes. A moral do povo
permaneceu baixa e as preocupações políticas e religiosas eram
insignificantes. Enquanto isto, o domínio internacional passou dos persas
para os gregos e, eventualmente, para os romanos, e o papel de Israel
como testemunha de Deus no meio das nações parecia cada vez mais
escasso.
O contexto teológico. Acabamos de traçar a seqüência histórica
que estabeleceu o contexto do surgimento dos profetas. Algumas dicas
do contexto teológico destes eventos foram feitas. Este contexto trata
da razão do fracasso de Israel durante este período. Isto é,
fundamentalmente, Israel fracassou na sua aliança, tanto em termos da
sua fidelidade e devoção a Iahweh, e como conseqüência, também em
termos do seu testemunho no meio das nações.
1. Sua relação com Iahweh. Os termos da eleição e da aliança
se entrelaçam por todo o Velho Testamento e já vimos a sua significância
139
Igreja: Por quê Me Importar?
missiológica em capítulos anteriores. Não é necessário repetir toda esta
discussão. Apenas reparamos que uma compreensão cada vez mais
distorcida da sua eleição levou Israel a julgamento durante o período
dos profetas clássicos. Toda a noção da aliança e da eleição se tornara
algo mecânico, e suas implicações morais e missionárias se
obscureceram. Israel se esqueceu que a sua aliança era uma obrigação
bilateral, que envolvia não só compromisso da parte de Deus, mas
também um compromisso da parte do povo de Deus para adoração
apenas a Iahweh e para a mais estrita obediência à sua lei em todas as
relações humanas. Em vez disto, a relação entre Deus e a nação era
algo estático e pagão, baseado em sangue e culto, e o propósito da religião
se tornou totalmente pagão: manipular o ritual para ganhar o favor de
Deus, a fim de assegurar proteção e lucro material para o indivíduo e a
nação. Israel havia entendido a sua eleição como favoritismo, ao invés
de responsabilidade e serviço.
Foi neste contexto que Amós, enquanto reconhecesse a graça
de Deus na história de Israel (2.9-12), advertiu que este povo estava tão
sujeito ao julgamento da justiça de Deus quanto as outras nações
(capítulos 1-2; 5-7). A eleição deixa mais clara ainda a obrigação e a
responsabilidade, e de maneira alguma é isenta de julgamento. “De
todas as famílias da terra somente a vós outros vos escolhi, portanto eu
vos punirei por todas as vossas iniqüidades” [ênfase acrescentada] (3.2).
Em síntese, Israel somente é povo de Deus à medida que guarda a lei e
exibe a justiça.
O livro de Jonas também realça a necessidade de Israel ter uma
compreensão da sua eleição como de serviço e responsabilidade, e não
de exclusivismo. Freqüentemente, entende-se como tema deste livro, a
necessidade missionária de pregar a mensagem de Deus para outros
povos. Quando então o desafio missionário não é aceito, Deus castiga o
missionário relutante, como através do grande peixe. Contudo, os temas
da pregação transcultural e o castigo de Deus pela desobediência
missionária, enquanto temas importantes, são secundários ao foco
principal deste pequeno estudo de caso. Não é tanto no grande peixe da
tempestade quanto no pequeno verme da planta sombrosa que
encontramos a metáfora da moral e do ponto culminante deste relato.
Aqui encontramos a grande lição do livro: Deus se preocupa com todos
aqueles que ele criou. Ele não é propriedade particular de Israel (mesmo
140
que Israel seja propriedade particular de Deus através da eleição)! Deus
se compadece de todos, e através do arrependimento sincero destes,
poupa-os da destruição, mesmo que estes sejam os mais cruéis opressores
de Israel (4.11). Jonas, e através dele, Israel, se esquecera do propósito
da sua eleição, ser testemunha no meio das nações, e se banhara em
extremo no conforto da sombra das bençãos de Deus, ao invés de se
preocupar pela salvação dos povos (4.5-6).
Jonas nunca foi muito entusiasmado pela tarefa da qual fora
encarregado. Quando Deus o mandou pregar uma mensagem de
julgamento e também misericórdia para aqueles que se arrependessem,
ele não achou nada agradável, já que os assírios, cuja capital Nínive era
o objeto da missão de Jonas, eram os cruéis opressores de predominância
internacional daquela época. Portanto, Jonas iniciou sua viagem em
direção diametralmente contrária. Foi o incidente do peixe grande e um
segundo chamamento subseqüente que, enfim, colocaram Jonas na
direção certa para Nínive. Lá, pregou a mensagem dura do julgamento
de Deus. Todavia, para a surpresa e decepção de Jonas, o povo e o rei
de Nínive se arrependeram e Deus suspendeu a destruição da cidade
que tanto Jonas queria ver. O Deus vingador de Israel compadeceu-se.
Como observou Johannes Verkuyl, “Jonas é o pai de todos aqueles
cristãos que desejam os benefícios e as bençãos da eleição, mas recusam
sua responsabilidade” [tradução] (1978:100).
2. Sua relação com as nações. Quando Israel entendeu mal
sua eleição, fracassou não só na sua relação de fidelidade com Deus,
mas também na sua relação de testemunho às nações. Aliás, esta seria
conseqüência inevitável daquela. Para falar de modo inverso, o povo
de Deus, quando obediente e fiel à sua aliança e debaixo da soberania
de Deus, é a testemunha mais forte que Deus tem. Através de Israel, o
mundo deveria aprender da grandeza de Deus. E as nações dariam glória
a Deus quando confrontadas pela transformação inegável de Israel em
povo de Deus, eleito e precioso. Mas Israel fracassou pela desobediência
e compreensão distorcida da sua eleição. Deus, que se dirigiria ao mundo
através do fermento salvífico de Israel, agora se dirige a Israel através
do fermento salvífico dos profetas. Através dos profetas, o
relacionamento exclusivo de Iahweh com Israel foi superado. O Deus
nacional tornou-se o Senhor do mundo. Ele conduz o destino de todas
as pessoas e nações. Voltaremos depois a este tema da missão de Israel
141
Igreja: Por quê Me Importar?
entre as nações como parte da mensagem dos profetas. Basta apenas
observar, nesta altura, que o fracasso de Israel em entender sua eleição
em relação às nações fez parte do contexto teológico do surgimento do
movimento profético.
A atitude profética
Em referência a este contexto histórico e teológico, podemos
traçar algumas características de uma atitude profética. Anteriormente,
reparamos que os profetas eram indivíduos com suas próprias
personalidades, que também se manifestam através dos seus escritos.
Mas, apesar das suas idiossincrasias, algumas características são comuns
a todos eles. Eles possuem tanto uma preocupação espiritual quanto
social.
Os pecados característicos de Israel eram a idolatria e a opressão
dos pobres. Os profetas revelaram a vontade de Deus em relação a estes
pecados. Eles falaram em nome de Deus (Amós 3.8; Isaías 1.21,23).
Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é que o
SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça e
ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu
Deus? (Miquéias 6.8).
Os profetas inculcavam no povo de Deus a necessidade de uma
completa consagração a Deus. Contudo, como Georg Fohrer bem
reparou:
Isto, naturalmente, não significa uma vida afastada do
mundo, transcorrendo em tranqüila simplicidade,
sinceridade, mansidão. Ao contrário, indica firme
dedicação ao mundo, apaixonada atividade a serviço
de Deus e descoberta de sua vontade em todos os
aspectos da vida (1982b:125).
142
Quanto à preocupação pela justiça social, vale a pena fazer
algumas observações a respeito de diversos estereótipos dos profetas,
feitos hoje em dia. Por um lado, algumas pessoas freqüentemente
consideram os profetas advinhadores de acontecimentos futuros e
distantes e, às vezes, celestiais. Por outro lado, outras pessoas consideram
os profetas contestadores sociais da sua realidade contemporânea e
terrestre. É possível quaisquer destas duas posições representar o objetivo
profético? A observação perspicaz de Walter Brueggemann merece
reprodução:
Um mal-entendido dos conservadores, evidente em
partidários muito importantes, é que o profeta seja um
homem que prevê o futuro, uma pessoa que prognostica
coisas que vão acontecer, muitas vezes ameaçadores, e
geralmente encontramos uma referência específica a
Jesus. Enquanto ninguém iria negar totalmente aqueles
aspectos da prática profética, há uma tendência a um
tipo de reducionismo mecânico e, por isso,
insustentável. Se, por um lado, os profetas foram
homens que previram o futuro, por outro lado, foram
homens preocupados com o futuro na medida em que
o mesmo contradizia o presente. Já os progressistas,
que abandonaram e deixaram o medo do futuro para os
conservadores, tomaram como direção o presente. De
modo que a profecia é, alternativamente, reduzida a
uma justa indignação e, no círculo das idéias em que
nos movemos, a profecia é compreendida sobretudo
como ação social. Na realidade, esta compreensão
progressista da profecia é um artifício atraente e um
disfarce contra qualquer desgaste na defesa de qualquer
coisa. Provavelmente, o que faríamos de melhor seria
deixar o medo do futuro dos conservadores e a crítica
ao presente dos progressistas corrigirem-se um ao outro.
Creio que nenhuma destas posicões entende
adequadamente qual seja, na realidade, o ponto
principal na questão da profecia israelita (1983:11s).
143
Igreja: Por quê Me Importar?
Decerto, os profetas manifestaram um espírito crítico e dinâmico
mas, como Brueggemann observou, não como meros contestadores
sociais, muito menos como apenas revolucionários políticos. Aliás, a
mudança que advogavam era muito mais radical do que apenas social e
atingiu o cerne da visão do mundo do povo. Estavam, sim, preocupados
com mudanças essenciais na sociedade mas, mais ainda, sua função era
“alimentar, nutrir, criar uma consciência e uma percepção alternativas
à consciência e à percepção culturais dominantes a nossa volta”
(Brueggemann 1983:12). E, para tanto, empregavam a extraordinária
força da linguagem. Portanto, mais do que contestar as injustiças sociais
da sua época, os profetas, pelo uso da linguagem criativa, propunham
uma nova visão alternativa de vivência com Deus e com o próximo,
que Deus iria estabelecer e a qual Deus estava convidando o seu povo a
construir. Mais que contestar, os profetas anunciavam propostas
alternativas e davam a esperança de que Deus iria realizá-las e, para
tanto, empregavam a extraordinária força da linguagem.
Na verdade, nem a dicotomia entre o espiritual e o social, nem
a de orientação apenas para o presente ou apenas para o futuro, capta a
atitude profética dominante, pois esta olhava tanto para o homem em
todas as suas dimensões quanto para o tempo como um todo, aonde a
livre soberania de Iahweh deve ser reconhecida e obedecida em todas
as relações, tanto com a divindade quanto nas relações humanas.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
A perspectiva dos Profetas Posteriores explicita e refina as
implicações delineadas lições anteriores a respeito da tarefa do povo de
Deus no mundo. É à luz da literatura profética que o leitor é forçado a
refletir sobre seu presente, como os profetas se dirigiam para seu
presente. E junto com os profetas, o leitor faz uma avaliação do povo
de Deus: este povo é fiel? Vive os padrões mosaicos de justiça que
refletem o próprio caráter de Deus?
Como sempre, deixamos transparecer no discorrer de toda esta
lição as implicações para o povo de Deus hoje. Simplifica-se nosso
trabalho agora. Basta apenas ressalta-las e completa-las. Propomos uma
tensão geral para nossa reflexão:
144
As Dimensões Sociais e Pessoais da Fé
A distinção entre as dimensões pessoais e as implicações sociais
da fé é mais conveniente do que real em se tratando da fé bíblica. Nunca
na vida de Israel encontramos um coletivismo extremo ou um extremo
individualismo. A pessoa e a nação eram responsáveis diante de Deus
por todas suas ações, por mais específicas ou abrangentes que fossem.
Contudo, seria ingênuo negar nossa herança teológica dualista,
que faz separação bem clara entre o corpo e o espírito, entre o indivíduo
e a sociedade. Esta herança, no Brasil, foi nítida e sobriamente
documentada por Antônio Gouveia Mendonça no seu O Celeste Porvir
(1984), e antes por Rubem Alves no seu Protestantismo e Repressão
(1979). Ambos os documentos não deixam que subestimemos esta
dicotomia da fé. Os profetas inequivocamente mantém em equilíbrio e
inseparáveis as dimensões sociais e pessoais da fé bíblica.
1. A fé exige uma ética social. Os profetas são incansáveis em
denunciar injustiças sociais dentro e fora de Israel. Já ilustramos estas
denúncias antes neste capítulo. Apenas para relembrar, estas denúncias
eram contra aqueles que oprimiam os pobres e profanavam a casa de
Deus pelas suas indulgências (Amós 2.6-8), o favorecimento das classes
ricas (Amós 5.7, 10-12), o comércio fraudulento que explorava o pobre
(Amós 8.4-6), e impostos injustos (Amós 4.1). Israel era especialmente
julgado por estes crimes sociais por causa da sua relação especial (pela
eleição) com o Deus de todas as nações (Amós 3.1-2) e,
conseqüentemente, porque tinha uma responsabilidade e obrigação (pela
aliança) de reconhecer e refletir (pela imagem de Deus no homem) o
Senhorio e caráter justo de Iahweh. Para Israel, as injustiças sociais,
antes de serem crimes contra o seu próximo, eram uma blasfêmia contra
a santidade e retidão de Deus. Israel tinha sempre uma “missão” de ser
testemunha e instrumento de benção no meio das nações. “Lavai-vos,
purificai-vos, ... atendei a justiça, repreendei ao opressor, defendei o
direito do orfão, pleiteai a causa das viúvas” (Isaías 1.16-17). As nações
veriam o povo de Deus como modelo, portanto este modelo precisava
de correção e julgamento divinos. As bençãos resultantes da obediência
à aliança também são acompanhadas por maldicões resultantes da
desobediência.
145
Igreja: Por quê Me Importar?
Em lições posteriores, repararemos que a igreja primitiva
também foi exortada a tomar uma posição forte contra qualquer injustiça
social, e que isto se evidencia acima de tudo pelo seu próprio estilo de
vida e participação na sociedade maior e secular, não comprometendo
de maneira alguma a sua moralidade pessoal ou social cristã, muito
pelo contrário, como uma testemunha radical no meio das nações do
caráter justo e Senhorio de Jesus.
Quando a igreja cristã contemporânea dicotomiza as áreas
espirituais e sociais, relegando seu testemunho social ou para o governo
ou para o futuro, ela assim está cortando um nervo principal do seu
testemunho e negando exigências fundamentais da sua aliança.
2. A fé também é uma questão interior e pessoal. Enquanto
os profetas não pouparam palavras em críticas agudas contra toda forma
de injustiça social, não eram meros contestadores sociais. Queriam
chegar ao cerne do problema.
O pecado se manifesta não só na vida pessoal de indivíduos
como também nas próprias estruturas sociais nas quais todos vivem.
Todavia, esta manifestação do pecado nas estruturas sociais sempre é
nutrida pela presença do pecado nas vidas pessoais. Por outro lado, as
estruturas já têm inestimável influência nas vidas pessoais. Por isto, o
pecado é confrontado nos dois níveis, pessoal e social.
A injustiça social em Israel era fruto sobretudo da negligência
para com a lei e a sua transgressão. Isto ocorria quando o homem se
declarava interiormente independente de Iahweh, negando, por
conseqüência, o seu Senhorio. As leis exteriorizadas, “corrigi o opressor,
fazei justiça ao orfão, defendei a causa da viúva”, etc., dependem
primeiro de um princípio que só poderia ser avaliado interiormente,
“cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem” (Isaías 1.16-17,
compare Miquéias 6.8), praticamente o sinônimo de um outro princípio
que começa no interior, “buscai-me, e vivei” (Amós 5.4, compare Isaías
56.6). Tais exortações não deviam ser presas a meditações pessoais
interiorizadas, e, sim, achar expressão na devoção pessoal e na vivência
social caracterizada pela justiça. A lei deveria ser inscrita, em primeira
instância, no coração (Jeremias 31.33).
Especialmente Jeremias e Ezequiel proclamavam o fim do culto
nacional como base da fé. Agora a decisão pessoal quanto às
146
responsabilidades e aos direitos do indivíduo para com a aliança de
Iahweh era determinante para sua inclusão na comunidade de fé.
Continuando essa preocupação profética, o Novo Testamento
apresenta ainda mais esta dimensão interior e pessoal da fé. A igreja
contemporânea não pode recuar para uma compreensão apenas
denominacional da fé, que entende somente seus membros como o povo
de Deus e somente seus programas como a expressão da missão de
Deus dada a igreja.
Voltando a relação entre estas duas dimensões da fé, a pessoal
e a social, esclarecemos que a fé interior alimenta a sua expressão social
de justiça em todas as relações humanas. Por outro lado, as estruturas
sociais, quer boas quer não, têm uma forte influência na formação da fé
pessoal. Como asseveramos anteriormente, as duas dimensões não são
separáveis e, portanto, o testemunho profético se dirige a ambas. Não
há, então, dicotomia real. As duas ênfases são fundamentais para a
perspectiva bíblica do papel do povo de Deus no mundo.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Existe alguma base bíblica para a opinião e participação públicas
da igreja diante de questões graves de injustiça? Faça uma lista
de questões no seu contexto que a igreja deve tratar; que pode
tratar; que não deve tratar. Por que isto é ou não é essencial ao
testemunho missionário do povo de Deus?
2.
Quais eram os dois principais pecados de Israel no período dos
profetas posteriores?
3.
Quais dificuldades precisamos superar para chegar ao nível da
atitude profética no Velho Testamento?
5.
Quais são as conseqüências para os crentes do século XX que
acreditam no dualismo entre corpo/espírito?
147
Igreja: Por quê Me Importar?
148
A PALAVRA
DOS PROFETAS
Isaías-Malaquias
Era no contexto do fracasso vocacional de Israel e com a atitude
profética, elaboradas na lição anterior, que os profetas apresentavam a
sua mensagem. Esta continha tanto um aviso sobre o julgamento quanto
uma promessa de misericórdia.
Às vezes a mensagem profética era corretiva, às vezes
escatológica. Incluia promessas de conforto e esperança, mas também
advertências sobre julgamento. No início, nos profetas pré-exílicos, a
maior atenção foi dada aos perigos do sincretismo com o baalismo, de
casamentos mistos, e de alianças estrangeiras, e não à confiança no
Senhor. O dia do Senhor certamente virá para julgar tal idolatria e
opressão (Sofonias 1.14-16; Isaías 2.10-21). Mesmo assim, os profetas
também anunciaram a salvação, cujo ponto de entrada para as nações
era um Israel fiel. Podemos observar que, enquanto este tom de salvação
era amortecido pelo julgamento predominante da profecia do período
mais antigo, ela ganhou cada vez mais força e destaque nos profetas
mais recentes. Só podemos deduzir que, enquanto o tratamento de Deus
com seu povo e com todo o mundo implica em julgamento por
desobediência, a sua finalidade envolve crescentemente um
relacionamento de salvação. Examinemos com mais atenção estas duas
dimensões da mensagem profética.
O aviso sobre julgamento
Apesar do Novo Testamento ressaltar a função previsível dos
profetas em relação a Cristo, isto não era sua principal ocupação. Sem
negar-lhes a característica de previsão, uma leitura abrangente dos
profetas, especialmente os mais antigos do século VII, leva-nos à
149
Igreja: Por quê Me Importar?
conclusão de que sua principal missão era a de anunciar o juízo ao seu
povo. Nos livros históricos (ou os profetas anteriores), o juízo é dirigido
ao indivíduo, especialmente ao rei. Mais tarde, nos profetas escritores
(ou os profetas posteriores), desde Amós até Jeremias e Ezequiel, o
juízo é dirigido ao povo todo. Esta transição se fez porque, neste período,
a desobediência do povo chegou a afastá-lo de Deus a tal ponto, que a
destruição era iminente. O anúncio do juízo era necessário não por causa
dos pecados de alguns aqui e ali, mas porque os pecados de todo o povo
se acumularam em todo o decurso da história de Israel.
Amós (760-750 a.C.) lamentou que em Israel houvesse a
opressão dos pobres, a corrupção da justiça, o desrespeito de direitos
humanos e fundamentais (2.6-8; 5.10-12; 6.4) e pronunciou as seguintes
palavras do Senhor: “chegou o fim para o meu povo Israel; e jamais
passarei por ele” (8.2; compare 5.2). Diante de tanta injustiça social, a
liturgia e o culto de Israel eram repugnados por Deus como farsa.
Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu não
posso ouvir o som de tuas harpas! Que o direito corra
como água e a justiça como um rio caudaloso! (5.23,
24, tradução da Bíblia de Jerusalém).
Oséias também anuncia o juízo de Deus contra Israel (e em segundo
lugar, como Amós, contra Judá). Só que, em vez de enfatizar a natureza
social dos pecados, ele destaca os abusos religiosos como a idolatria, rituais
falsos, e práticas sexuais detestáveis (4.11-14, 17-19; 6.8-10).
Isaías (740-700 a.C.), nos capítulos 1-39, como Amós e Oséias,
anuncia condenação e juízo sobre Israel e Judá, mas enfatiza a ameaça
preeminente sobre o reino do sul por causa da opressão dos pobres e da
idolatria. O juízo ressoa como o tema principal, apesar de passagens mais
extensas sobre a promessa de salvação e libertação futuras (2.2-4; 11.1-9;
14.1-2; 32.1-8).
Miquéias também se junta aos profetas do século VIII quanto à
característica principal da sua pregação: o juízo vindouro sobre Judá.
Mais tarde, no século VI, os profetas Jeremias e Ezequiel condenam
os mesmos pecados de Judá, que trouxeram a ira de Deus sobre Judá.
150
Os profetas se lançavam contra os governantes injustos (Isaías
3.12-15), inclusive os reis (Oséias 8.4); contra os ricos e notáveis
insensíveis (Amós 6.1-7); contra os grandes proprietários
monopolizadores (Isaías 5.8); contra os juízes e anciãos corruptos (Amós
5.12); contra os comerciantes exploradores (Amós 8.4-7); contra os
sacerdotes enganadores (Oséias 5.1-2); contra os profetas profissionais
mentirosos da corte e do culto (Miquéias 2.2); mas também contra os
trabalhadores e os pobres que transgrediram a lei (Oséias 4.1-2).
Certamente, se confirma a perspectiva de que a base fundamental da
profecia veterotestamentária se expressa no anúncio de condenação e
juízo.
A promessa de salvação
Contudo, a mensagem dos profetas, embora o fosse
principalmente, não era somente a de juízo. Era também uma mensagem
de esperança e continha uma promessa de misericórdia e salvação. Aliás,
a realidade do juízo era tão terrível e inevitável que o povo de Deus só
podia se interrogar sobre a possibilidade de um novo homem que
praticasse a vontade de Deus e mostrasse o caminho de retidão e justiça
para Israel (Sofonias 3.12s), que se converteria com um novo coração
(Ezequiel 36.26s). Desta interrogação, em face do juízo, surgiu a
mensagem de esperança e, por conseqüência, a promessa de salvação.
O anúncio claro e inequívoco da libertação e restauração de
Israel aparece nas profecias de Isaías 40-55, que a maioria dos estudiosos
datam do fim do século VI. Assim, concluem que só no final do exílio
os profetas anunciaram a esperança de restauração. Portanto, outras
mensagens de esperança nos profetas, segundo eles, devem ser o
resultado de trabalho editorial bem mais recente (por exemplo, Amós
9.11-12; Oséias 2.5; Isaías 9.2-7; 11.1-9; 32.1-8).
Por outro lado, R. E. Clements argumenta convincentemente
que estas passagens de esperança refletem um certo otimismo já presente
durante o reinado de Josias (640-609 a.C.) e, portanto, podem datar
pelo menos do século VII, senão antes (1978:140-142). O resultado
destes e outros estudos crítico-literários ultrapassam o alcance da nossa
análise teológico-bíblica, mas de maneira alguma possuem pouca
151
Igreja: Por quê Me Importar?
relevância para ela. Não podemos traçar com segurança o
desenvolvimento histórico da mensagem de esperança na literatura
profética, apenas reparar sua presença e importância cada vez maior,
culminando no Novo Testamento. Seus temas são vários e um tanto
complexos, e a sua relevância, inestimável para as perspectivas
teológicas no Novo Testamento e para nossa teologia de missão.
Portanto, dedicamos um estudo maior a estes temas na próxima lição.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Os profetas falaram que Deus está em absoluto controle da
história, mas não duma forma mecanista ou fatalista. Espera e exige a
participação do seu povo nesta história a fim de manifestar o seu própio
carácter justo e misericordioso. Esta exigência de participação nos traz
várias lições para a tarefa deste povo de Deus até os dias de hoje.
Deus controla a história
Deus tinha e sempre terá controle da história. Abençoou e
julgou tanto a Israel quanto as nações através de eventos da história.
Sua missão se realiza não no céu, mas aqui na terra onde os objetos da
sua missão vivem. Devemos procurar discernir esta missão em nossa
história específica para nos afinar aos propósitos de Deus no nosso
contexto. Aqui não estamos recomendando um mero relativismo para
interpretar os sinais da atuação de Deus entre nós. Todo discernimento
é sujeito à revelação anterior, como foi para os profetas e depois para
a igreja primitiva. O ponto é este: tal revelação não é apenas aplicável
para aquele passado, ou para um futuro distante, ou para um plano
espiritual e extraterrestre. A revelação para nós, como para os profetas,
é Deus também se dirigindo a nós no nosso contexto histórico. Exige-se
ainda o trabalho delicado, mas necessário, de discernir os indícios da
atuação de Deus entre nós, a fim de respondermos fielmente como povo
de Deus.
152
A igreja não inaugura o reino vindouro
Um corolário da soberania de Deus sobre a história é a
observação de que a igreja não pode inaugurar o reino vindouro que
consumará a história. A igreja nunca pode ser auto-confiante em relação
aos seus programas, mas sempre se interrogar: “Até que ponto estamos
em harmonia com a missão de Deus para tal contexto?”
Salvação abrangente
Outro corolário da soberania divina é a inclusividade da
salvação. Aquele que controla tudo, que criou tudo, tem um plano e
visa eventualmente o tudo. Não só todas as nações são incluídas como
alvos da sua salvação, como também toda a criação (Isaías 11.6-9,
Ezequiel 36.30; Oséias 2.21-22). Os profetas viam a salvação vindoura
como sendo um evento totalmente inclusivo, abraçando a criação na
sua inteireza. Uma reflexão bíblica e abrangente a respeito da tarefa do
povo de Deus no mundo leva em conta não só as transgressões humanas
e universais como também os desafios de transgressões ecológicas.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a mensagem específica dos profetas de Israel? Qual é a
relevância desta mensagem hoje?
2.
Se a igreja não é sinônimo do reino de Deus, qual é a missão
dela no mundo de hoje para o estabelecimento e vinda
definitivos do reino?
153
Igreja: Por quê Me Importar?
154
A ESPERANÇA
NO MESSIAS
Isaías-Malaquias
A mensagem dos profetas não termina com uma nota
pessimista! Entrelaçado com advertências sobre o juízo, encontra-se o
anúncio de uma solução futura de restauração e do reino vindouro de
Deus. Embora, como já dissemos, esta esperança não fosse o grosso da
literatura profética, será que não podemos concordar com os escritores
do Novo Tesamento e reconhecer tal esperança como o foco e alvo
desta literatura, mesmo que não completamente entendido assim pelos
próprios profetas?
O julgamento e ruína de Deus eram vistos como uma preparação
para uma nova criação e um novo êxodo. Pois, doutra sorte, não haveria,
humanamente pensando, nenhum futuro para Israel. Somente Deus
poderia dar qualquer base de esperança. É por isso então que, nos
profetas, apesar e por causa do juízo, encontramos a mais brilhante
esperança de qualquer período da história de Israel. A ênfase no Velho
Testamento muda do passado no êxodo e a posse de Canaã, para o
presente nos salmos reais e no culto do templo, para o futuro nos
profetas—o futuro próximo nos profetas mais antigos e o futuro mais
distante nos profetas mais recentes.
A morte e o renascimento de Israel eram os temas que uniam
estes Profetas Posteriores através de um período de mais que dois
séculos. A mensagem de esperança se tornou um anúncio compreensivo
da restauração e da grandeza futura de Israel, e isto através de vários
temas repetidos que tornamos a examinar.
O remanescente
A idéia do “resto” ou do “remanescente” se desenvolve
especialmente nos profetas, porém não se limita a eles. Já encontramo-na
155
Igreja: Por quê Me Importar?
na narrativa do dilúvio, tanto na escolha de Noé e sua família que
constituem o resto, quanto no princípio de seletividade, que se desdobra
no registro da descendência de Noé. Aparece depois na promessa de
benção para Abraão e sua descendência, que se restringia a um dos
filhos de Isaque. A idéia de novo se evidencia no tempo de Elias, quando
sete mil justos não dobraram o joelho a Baal, permanecendo fiéis a
Deus (1 Reis 19.18). Nos profetas pré-exílicos, o remanescente tem
uma conotação de ameaça e se refere à porção que sobrou depois da
destruição. O resto foi salvo como um “tição retirado do braseiro” (Amós
4.11) ou “pedaços de carneiros arrancados da boca do leão” (Amós
3.12; compare Êxodo 10.12; Levítico 10.12 e Josué 11.22). Neste caso,
o termo acompanha ameaças de julgamento e exortações de
arrependimento (Isaías 1.8; 6.11-12; 7.3-6; 30.14, 17; Amós 5.3; Jeremias
24.8-9; 42.2-3; Ezequiel 9.8; 17.21). Mas, em outros lugares, o remanescente
tem uma conotação de promessa e de salvação (Isaías 4.3; 10.20-21; 11.11,
16; 28.5; 46.3-4; Miquéias 7.18; Ageu 2.2; Zacarias 8.6).
O conceito é especialmente característico em Isaías e
fundamental ao pensamento do profeta desde o início, pois deu para
seu primogênito o nome “resto-que-retornará,” She’âr-yâshûbh. Este
nome mantém as duas conotações da idéia do remanescente, a conotação
de ameaça e a conotação de promessa, dependendo da ênfase que se dá
para as duas palavras. Pode significar ameaça, “o resto retornará” (isto
é, somente o resto), e pode significar promessa, “o resto retornará” (a
garantia que alguns, de fato, se arrependerão e voltarão a Deus).
Estas conotações aparecem também no Novo Testamento, “nem
todos os de Israel são de fato israelitas” (ameaça, Romanos 9.6) e “assim,
pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente
segundo a eleição da graça” (promessa, Romanos 11.5). No Novo
Testamento, como em Isaías, o remanescente é o povo sobre o qual
Deus reina. O Israel espiritual não é idêntico ao Israel político, e serve
de base para a esperança profética de que Deus triunfará através da
história.
O remanescente, então, representa um estreitamento do povo
de Deus, uma “redução progressiva”, não como um grupo de indivíduos,
mas como um todo.
156
A humanidade, criada por Deus mas alienada pelo
pecado, é representada depois do chamamento de
Abraão por uma minoria escolhida, Israel. Quando
Israel, como um todo, deixa de cumprir seu destino, é
representado, por sua vez, pelo remanescente.
Ultimamente, este remanescente é representado por um
homem, o Servo Sofredor de Isaías, que também é o
Filho do Homem de Daniel, o Senhor Jesus. Pela sua
morte e ressurreição, ele inverte a corrente da história
e inaugura o Reino. Uma expansão progressiva se
segue, começando com os apóstolos e desde então para
a igreja, o novo Israel, e até a manifestação última do
Reino com sua promessa para toda a humanidade
[tradução, ênfase no original] (Scott l980:74).
Mas isto não significa que o remanescente sempre é virtuoso.
Às vezes, Deus o poupa misericordiosamente, não pelo seu mérito, mas
a fim de poder transportar para outra época a revelação que o próprio
“resto” desvaloriza. Assim, ainda servia de esperança na salvação futura.
O messias
O conceito do messias era intimamente ligado à idéia do
remanescente e contribuia mais ainda para a esperança profética de
salvação. Tanto o “messias” quanto o “renovo” eram descendentes
davídicos na sua natureza humana (Jeremias 23.5-6) e, ao mesmo tempo,
descendentes de Deus na sua natureza divina (Isaías 4.2; compare
Zacarias 3.8; 6.12). Este “renovo”, nos dias do fim, restaurará a terra,
estabelecerá um remanescente de “sobreviventes”, santificará a parte
restante, purificará o povo da imoralidade e manifestará a glória brilhante
da presença pessoal de Iahweh.
O termo messias traduz o aramaico meshîa que, por sua vez,
vem do hebraico mâshîah, significando “ungido”, e aparece umas
quarenta vezes no Antigo Testamento, principalmente nos Salmos e
em Primeiro e Segundo Samuel. Este termo pode se referir ao sumo
sacerdote (Levítico 4.5), mas geralmente denota o rei de Israel (2 Samuel
157
Igreja: Por quê Me Importar?
1.16). Numa lição anterior, já notamos que, enquanto messias
representava o rei ou vice-regente de Deus no Israel contemporâneo, o
termo freqüentemente transcendia a esfera contemporânea e particular
para adquirir características futuras e universais. Este também é o caso
nos profetas.
À primeira vista, o tema do messias parece ocupar um lugar
insignificante nos profetas. Embora, no Antigo Testamento, o termo
nunca tenha se referido ao futuro soberano humano que Deus levantará
para trazer a salvação escatológica, não se pode negar ao conceito do
messias as suas qualidades escatológicas e soteriológicas. Pois, ao
descrever o domínio de Iahweh sobre o seu povo, o conceito do messias
representou o alvo efetivo da história”, e não se pensava que nada
pudesse estar além deste alvo. Portanto, enquanto as referências ao
messias parecem escassas, o conceito assume cada vez mais importância
na elaboração da literatura profética.
Por esta razão, não é de se surpreender que as tradições judaicas
e cristãs tenham se desenvolvido paralelamente no seu entendimento
das passagens messiânicas do Antigo Testamento. Concordaram nas
seguintes passagens como messiânicas: Gênesis 3.15; 14.17,20; 49.10;
Êxodo 25.10,40; 2 Samuel 23.1,7; Salmo 110.4; Isaías 2.2,5; 4.2; 9.1;
Miquéias 4.1,4; 5.1,5; Amós 9.1; Oséias 3.5; Jeremias 23.5,8; 30.9;
33.14,18; Ezequiel 34.21,30; 37.24,28; Ageu 2.7,10; Zacarias 6.9-15;
9.9-10.
Mas é Isaías que dá expressão clássica à esperança messiânica.
Destacam-se duas passagens: 9.1-7 e 11.1-9. A primeira anuncia o
menino e descendente de Davi que trará salvação futura e que recebe os
títulos régios de “Admirável Conselheiro, Guerreiro Divino, Pai
Perpétuo, Príncipe da Paz”. A segunda promete a vinda de um novo
Davi, que possuirá as qualidades carismáticas do primeiro (versículo
2) e estabelecerá tal paz que “a terra se encherá do conhecimento do
SENHOR como as águas cobrem o mar” (11.9b).
O filho de Davi
A figura messiânica foi associada principalmente com a idéia
do rei e especificamente com a casa de Davi. Assim, a benção de Jacó
158
sobre Judá pode ser considerada a mais antiga expectativa messiânica
(Gênesis 49.8-12). A glorificação de Davi na promessa dada através de
Natã contribuiu mais ainda para o desenvolvimento da idéia (2 Samuel
7.12-15).
Nos profetas, grande número das passagens messiânicas fazem
a ligação com a dinastia real davídica (Isaías 9.1-7; 11.1-5; 32.1; 33.17;
Miquéias 5.2-4; Amós 9.11-12; Oséias 2.5; Jeremias 33.19-26; Ezequiel
37.24-28). Este “Filho de Davi” nos profetas será o rei “ungido”
(messias) e, portanto, há uma base para entender as esperanças nele
como sendo esperanças messiânicas. Isto não era ainda a expectativa
plena numa figura sobrenatural como do judaísmo mais tardio e do
cristianismo nascente, mas uma esperança na restauração divina de um
rei davídico, e assim já preparou muito o caminho para a esperança e
cumprimento messiânicos encontrados no Novo Testamento. Tanto que
Jesus de Nazaré recebeu da igreja o título de Cristo, a tradução grega
do hebraico, Messias, ou “ungido”.
Todavia, as referências messiânicas que falam do Filho de Davi,
sózinhas não são suficientes para se fazer uma associação exata com a
obra de Jesus, e por isso não devem ser forçadas. Não contém, por
exemplo, nenhuma indicação da importância do sofrimento para a
mediação da salvação. Encontramos estas referências só nos cânticos
do Servo Sofredor e nas promessas da vinda do Filho do Homem.
Portanto, somente uma teologia bíblica, e neste caso, não apenas os
métodos analíticos da crítica histórica, pode dar conta da interpretação
de todas as referências messiânicas de tal modo que a sua significância
para a cristologia apareça. E assim, tornamos nossa atenção para o
conceito do Servo Sofredor.
O servo de Iahweh
O termo “servo” aparece vinte vezes na forma singular em Isaías
40-53, e mais dez vezes na forma plural em Isaías 54-66. Especialmente
significante para nosso discurso é o certo clímax que este termo alcança
nos quatro cânticos do “Servo de Iahweh”, ‘ebhedh YHVH, em Isaías
42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13-53.12.
159
Igreja: Por quê Me Importar?
Uma referência messiânica. Estas passagens não podem ser
consideradas como referências messiânicas no sentido mais restrito,
isto é, de um rei ungido. Há alguma designação régia atribuída aos
cânticos, por exemplo, na introdução do primeiro cântico, e na evocação
com a “vergotea” o “rebento de Jessé” (Isaías 53.2 e 11.1), mas não é
essa que sobressai. Mas, entendendo o messias mais amplamente como
uma figura salvadora em termos históricos e concretos e em termos da
sua função de mediador, não há como negar ao Servo do Senhor a sua
referência messiânica. Aliás, ele é a mais plena realização da missão do
messias, como veremos logo em seguida. Mas antes disto indagamos:
Quem é o Servo do Senhor?
Sua Identidade. A identidade do Servo do Senhor há muito
tempo foi objeto de muita discussão. A idéia do Servo é móvel, às vezes,
se referindo a uma personalidade coletiva, às vezes a um indivíduo, às
vezes aos dois ao mesmo tempo.
No Antigo Testamento, vários indivíduos foram chamados de
servos do Senhor, Abraão (Gênesis 26.24) e os patriarcas (Êxodo 32.13,
Deuteronômio 9.27), Moisés (Êxodo 14.31; Josué 1.1-15), Davi (2
Samuel 3.18; 7.5l, 8, 26), os profetas (2 Reis 9.7; 17.13; Jeremias 7.25;
26.5) e outros. Em Isaías, muitas das passagens sobre o “servo” se
referem a Israel coletivamente (43.10; 44.21; 45.4), sendo o
“descendente de Abraão” e “amigo de Deus” (41.8). Esta referência se
torna clara pela alusão à desobediência histórica de Israel como servo
cego e surdo (42.19). Em outros lugares porém, a referência é ao
remanescente fiel dentro de Israel (44.1; 51.1, 7) que levará a nação de
volta para Deus (49.3-5), será obediente ao seu chamamento e dará
testemunho do poder de Deus no mundo (49.1-13; 42.1-7).
Mas em certas ocasiões, especialmente no quarto cântico, o
Servo do Senhor é descrito em termos que ultrapassam qualquer
possibilidade de referência a Israel ou mesmo a um remanescente fiel.
Ele é o Redentor vindouro do verdadeiro Israel, que
através do seu sofrimento, possibilita o cumprimento
da tarefa de Israel; ele é o ator central na “coisa nova”
que está para acontecer; ele é, poderíamos dizer, o
160
“novo Moisés” no novo Êxodo, prestes a começar
[tradução] (Bright 1953:150-151).
O Servo é simultaneamente Israel e um indivíduo, que
representa toda a comunidade e leva ao seu ponto
culminante a missão da nação, convocando todo o povo
a ingressar nessa missão, de modo que seja também a
sua missão e não meramente a dele. Que no pensamento
do profeta se trate de um indivíduo futuro, parece-me
acima de qualquer discussão (Rowley 1977:130).
O cristão, justificavelmente, identifica o Servo Sofredor do
quarto cântico com Jesus, pois esta foi a interpretação do próprio Jesus
e a afirmação da igreja primitiva (Marcos 10.45; Filipenses 2.5-11; Atos
8.26-40).
Todavia, não é por isso que se deve concluir precipitadamente
que o quarto cântico é apenas uma predição sobre Jesus. Enquanto Jesus
cumpre plenamente a realidade que este cântico enuncia, há ainda, e
antes, uma mensagem aqui aos que viviam naquele tempo.
O profeta estabelece uma relação entre a libertação atual de
Israel, do exílio babilônico e a libertação da opressão no Egito. Israel é
o servo que sofre e que por seu testemunho-fiel-servo sofredor será o
instrumento para a libertação de muitos. Haverá um novo êxodo
babilônico que, como o primeiro, será sofredor mas resultará num novo
início.
A missão do Servo ideal. O Servo em Isaías 42.1 não tanto
ativamente “trará” as nações à justiça (mishpâ) quanto passivamente a
“causará ser visível” (yôçî). É um testemunho cego e surdo, inútil pelos
padrões modernos de testemunho judicial e, na última instância, é o
próprio Iahweh que é a testemunha. Não são as atividades próprias do
servo que são enfatizadas, mas o fato de que Deus opera nele e através
dele” [tradução, ênfase no original] (1980:75). A atuação do servo é
antes centrípeta que centrífuga.
161
Igreja: Por quê Me Importar?
Entretanto, também é verdade que Deus opera nele e através
dele, ou seja, o servo é o instrumento missionário de Deus. Qual é,
então, a missão do servo?
Em primeiro lugar, a missão do servo se define pelo sofrimento
que ele experimenta. O profeta Jeremias já fora exemplo para Israel de
que a missão do servo e profeta do Senhor implica em sofrimento
(Jeremias 11.18-12.6; 15.10-20; 17.14-18; 18.18-23; 20.7-11, 14, 18).
Só que Jeremias não via um valor positivo no sofrimento suportado por
causa da sua missão. O sofrimento do Servo do Senhor em Isaías 53 era
algo totalmente novo. Era um sofrimento expiatório substitutivo, um
conceito simplesmente sem paralelo antes, ou no Antigo Testamento,
ou no Antigo Oriente.
O Servo do Senhor sofre em prol de toda a humanidade e assim
provê o meio de expiação (63.4-6), e isto apesar da rejeição da sua
mensagem (53.1), sua pessoa (53.2) e sua missão (53.3). Seu sofrimento
o leva para morte (53.8) e sepultamento (53.9). Especialmente
significante neste quarto cântico é o fato de que o Servo é justo e
inocente, em contraste com Israel, que sofreu pelos pecados dos outros.
Mas como resultado, será exaltado e grandemente premiado (53.10-12).
Ele, então, carregou o pecado da humanidade inteira, mas é esta
humilhação que possibilita a sua exaltação.
A morte do Servo provê redenção. Seu sofrimento e morte não
resultam em mera tragédia. Deus, através deles, está realizando os seus
propósitos redentores. E o Servo encontra satisfação na sua realização
desta vontade de Deus. Ele será a fonte da justificação de “muitos”
(53.11) e será, ele mesmo, altamente exaltado.
Israel precisava da salvação e Deus prometera apagar seu pecado
através de expiação (44.22). Para tanto, Deus escolhe o Servo (49.1-6)
e Israel é admoestado três vezes a prestar atenção e preparar-se para a
salvação prometida (51.1-8). Mas tal salvação não se define por mero
livramento do exílio, mas por libertação do pecado através do Servo
Sofredor (52.13-53.12).
Este não só oferece a salvação a Israel, mas também é luz para
os gentios (42.6; 49.6). No fim, todas as nações se prostarão a seus pés
(49.7; 9.7). A missão do Servo é dotada de significância universal. A
sua “posteridade possuirá as nações” (54.2-3), e então Iahweh será “o
162
Deus de toda a terra” (54.5; 49.6), que se compromete através da sua
“misericórdia” (eedh) e a “aliança da paz” (54.9-10) com todas as nações
(55.1-9; 49.6, veja Atos 13.45-49; 26.22-23). Aqui lemos sobre o
propósito de Deus de governar seu reino mundial e convidar todas as
nações a participarem; e a vitória deste reino não se realizará através de
força ou poder espetacular, mas por meio do labor sacrificial do Servo
do Senhor.
Mais uma vez, reparamos que não é tanto o Servo que sai para
um “campo missionário” a fim de buscar as nações, e, sim, as nações
que virão ao servo como os dez homens de todas as línguas das nações,
pegarão no vestido de um judeu, dizendo: “Iremos convosco, porque
temos ouvido que Deus está convosco” (Zacarias 8.23). A atividade
missionária do Servo é uma atividade centrípeta; porém, nem por isso,
deixa de ser missionária.
A missão de Israel. A missão do servo ideal é paradigmática
para a missão do servo coletivo, Israel. Ambos recebem uma missão
universal e ambos encontram seu pleno sentido apenas em serviço para
o mundo. Esta missão não pode ser identificada com os esquemas
espertos de calculações humanas, pois sua origem está no Deus criador
que formou o Servo desde o ventre (43.21; 49.5-6). Nem tampouco
podem seus propósitos e alvos serem confundidos com mera estratégia
que glorifique os programas de denominações. Sua finalidade está na
glorificação do Senhor dos Exércitos (54.5; 52.7,10; 51.4-5; 45.22-23;
37.20). A missão de servo/povo de Deus é fundada, centrada e finalizada
em Deus; antes de tudo, é missio Dei.
Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu redentor, o
SENHOR dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o
último, e além de mim não há Deus ... Vós sois as
minhas testemunhas. Há outro Deus além de mim? Não,
não há outra Rocha que eu conheça (Isaías 44.6-8).
Israel será o instrumento da glória de Deus no mundo (49.1-2)
e voltará ao destino da sua eleição como luz para as nações (49.5-6).
Ser servo, como ser eleito, antes de denotar status, descreve sua função
163
Igreja: Por quê Me Importar?
sacrificial no mundo das nações. Com o Espírito de Deus (42.1), seu
progresso missionário não será de conquista e glória, mas de labor e
paciência infinita (42.2-3). Mesmo desanimado não desistirá até
conseguir a vitória (42.4). Açoitado, atormentado e cuspido (50.6), ainda
persevera pacientemente e confiante que Deus o vindicará (50.7-9).
Israel será o povo do Servo e, somente assim, será o povo de Deus.
O filho do homem
As visões de Daniel 7-12 acrescentam uma nova dimensão à
esperança messiânica no Velho Testamento pelo seu novo entendimento
da história e pela nova conceituação do Messias, o Filho do Homem.
Daniel, não como Isaías, viu o servo de Deus não no seu sofrimento,
mas no seu triunfo final como o Filho do Homem:
... eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho
do homem, e dirigiu-se ao Ancião de dias, e o fizeram
chegar até ele. Foi-lhe dado domínio e glória, e o reino,
para que os povos, nações e homens de todas as línguas
o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não
passará, e o seu reino jamais será destruído (Daniel
7.13-14).
O domínio prometido a Adão (veja capítulo 2) e o reino
prometido a Davi e a sua semente (capítulo 6) agora se liga àquele
chamado de Filho do Homem e ao seu povo. Ele é entronizado no texto
acima no contexto de adoração e serviço prestados pelas nações como a
entronização de Jesus no meio das nações (1 Timóteo 3.16; Filipenses
2.9-11; Hebreus 1.5-14).
O próprio Jesus assumiu o título de Filho do Homem para si
mesmo mais que qualquer outro título. O título aparece umas 82 vezes
no Novo Testamento e, com a exceção de uma vez, sempre usado por
Jesus. Certamente Jesus o entendeu como título messiânico (Marcos
14.61-62) e, portanto, asseverou ser o homem celestial e o representante
esperado do Israel verdadeiro, o povo de Deus. Contudo, Jesus alterou
a idéia do Filho do Homem, ou melhor, combinou-a com a idéia do
164
Servo Sofredor, pois disse que o Filho do homem deve sofrer muitas
coisas (Marcos 8.31; 9.12, 31; Lucas 9.22; 24.7). Desde o início ele
entendeu que o plano redentor e glorioso de Deus, sua missão, se
realizará somente através de sacrifício e sofrimento. Somente através
do caminho da cruz haverá a ressurreição.
A visão de Daniel introduz um novo entendimento sobre a
história. Ele escreveu depois do exílio e da restauração dos judeus na
Palestina, um período caracterizado por opressão e exploração
estrangeiras, mediocridade da casa de Davi e desânimo geral. Não havia
muito mais esperança no reino terrestre de Israel. Para Daniel, então, o
reino de Deus assumiu proporções cósmicas. Estabeleceu-se um
contraste entre a história do mundo e o reino de Deus, que só se
inauguraria depois de um julgamento catastrófico futuro. O testemunho
profético mudou de esperança escatológica por um reino terrestre dentro
da história para a esperança apocalíptica1 de um reino além da história.
O Libertador celeste e transcendental de Daniel 7.13-14 eclipsou o
Messias terrestre davídico. Enquanto de forma humana, ele é
superhumano em essência e existe antes da sua manifestação à
humanidade. Devemos acrescentar que, sem a fundição com as idéias
anteriores do Filho de Davi e o Servo Sofredor, as nossas esperanças
escatológicas seriam resumidas numa orientação ultramundana, apenas
voltada para além deste mundo, com o resultado de afastamento da luta
pela justiça neste mundo.
As nações
Além da figura messiânica nascente no conceito do
remanescente e mais desenvolvida nas idéias do Filho de Davi, o Servo
Sofredor e o Filho do Homem, um outro modelo básico da esperança
profética é a compreensão cada vez maior da relação de Israel com as
nações. Esta encontra sua expressão mais destacada na crença duma
glorificação última do Monte Sião como o centro de um grande reino
de paz, aonde a glória de Deus aparecerá e para onde as nações afluirão.
Assim, a casa de Deus será “casa de oração para todos os povos” (Isaías
56.7; cf. 2 Crônicas 6.32), conseqüência da unicidade e universalidade
de Iahweh. Em Isaías 66.18-21 (compare Miquéias 4.1-4), lemos que
Iahweh tomará pessoas dentre as nações para participarem não só das
165
Igreja: Por quê Me Importar?
bençãos da salvação, mas também para participarem do ministério do
povo de Deus como testemunhas.
Embora a relação entre Israel e as nações já tenha aparecido
nas lições anteriores, é à luz do exílio que o papel de Israel diante das
nações fica claro. Em vez de destruir sua confiança em Deus, as próprias
frustrações e desapontamentos da era pós-exílica intensificaram a convicção
de Israel de que o alvo final dos propósitos de Deus, a era escatológica de
salvação, certamente viria e incluiria o cumprimento da promessa feita
para Abraão acerca de benção para as nações (Gênesis 12.3).
Mesmo na era pré-exílica, encontramos a esperança no dia em
que os povos prestarão culto a Iahweh depois de uma purificação de
seu povo-testemunha, Israel (Sofonias 3.10, compare Jeremias 16.19-21;
Habacuque 2.14).
Depois do exílio, a visão se intensifica. As nações procurarão o
Senhor no centro religioso de Israel, em Jerusalém, sendo dirigidas pelo
judeu fiel (Zacarias 8.22s). Isaías 40-55 relacionou nitidamente o
universalismo já evidente anteriormente com a missão de Israel. Sua
esperança não era remota e acreditou que a lei de Deus que atrai os
povos deve ser logo proclamada (45.22; 42.6; 43.10). Como
conseqüência do monoteísmo explícito (44.10, 20; 46.1-13), o único
Deus deve ser conhecido entre as nações que ele criou (45.22-23; 51.4-5;
55.5). O modelo de Israel para esta missão, como já deparamos, é o
servo de Iahweh (49.6).
A mesma idéia se destaca em Isaías 56.66. O grande futuro de
peregrinação das nações para Sião (66.19s, compare Isaías 55.5; 2.2-4
e Miquéias 4.1-3) e a paz mundial conseqüente são inseridos numa
perspectiva mais espantosamente universal ainda, em Isaías 19.24-25:
Naquele tempo será o terceiro com os egípcios e os
assírios, uma benção no meio da terra; porque o
SENHOR dos Exércitos os abencoará, dizendo: Bendito
seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra de minhas
mãos, e Israel, minha herança.
Em síntese, a esperança profética inclue necessariamente uma
maior compreensão do papel de Israel no meio das nações como preparo
166
para a era escatológica vindoura. Esta compreensão abrange as seguintes
observações:
Deus é soberano na história universal. Os atos de Deus na história
de Israel são uma amostra só da maneira como Deus trata as nações. O
Deus de Israel é também, e antes (!), o Deus das nações. Nenhum outro
profeta destaca este ponto mais que Amós. Deus havia operado na história
dos filisteus e os arameus (9.7). Manda o fogo do seu julgamento sobre as
nações que se opõem à sua autoridade (1.3-2.3). Uma nação se torna o
instrumento da ira de Deus contra outra (6.14). Até desastres mundiais
servem aos seus propósitos (7.1, 4; 4.6-11). Tudo isto realça que Deus age
através dos eventos da história humana, dentro das nossas vidas concretas.
Também esclarece que todas as nações são responsáveis diante de Deus
que responderá através de juízo ou benção.
Deus deseja o arrependimento das nações. Ele não se regozija
no julgamento, mas muito mais prefere a misericórdia. Isto, sem dúvida
é o tema principal de Jonas:
Tens compaixão da planta que te não custou trabalho,
a qual não fizeste crescer; que numa noite nasceu e
numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da
grande cidade de Nínive em que há mais de cento e
vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão
direita e a mão esquerda, e também muitos animais?
(4.10-11).
Israel é testemunha de Deus para as nações. Pela sua
fidelidade a Iahweh como Rei de Israel, a nação confirma que Deus é
também Rei do mundo. Este testemunho não é totalmente passivo, pois
o povo de Deus ativamente vive e demonstra a justiça de Deus no meio
das nações. Mas também não é ativo no sentido de “ir” às nações
proclamar (com pouquíssimas excessões, como Isaías 42.6 e 49.6 e
Jonas). Seu papel missionário era principalmente centrípeto. A soberania
de Deus como autor da missão não nega nem diminue o papel de Israel,
e, sim, o intensifica. Não há competição entre Deus e seu povo.
167
Igreja: Por quê Me Importar?
Escatologia
A esperança profética no destino das nações levou para a
expectação escatológica de salvação. Toda a esperança acima elaborada,
a missão do Servo de Iahweh, a vinda do Messias, ou papel de
testemunha de Israel, é atividade do futuro. A esperança profética na
vinda das nações para o cerne de Israel é uma expectativa escatológica
que será cumprida apenas no fim dos tempos. Enquanto o desempenho
de Israel no seu papel missionário, sua atividade humana, poderá
preparar para aquele dia, por si mesmo jamais produzirá a era
escatológica de salvação. Isto pertence em primeira e última instância a
Deus. Iahweh está mobilizando a história para o seu grande futuro.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Um corolário do controle de Deus sobre a história é a esperança
no mediador messiânico, através de quem a consumação da história se
realiza. A linhagem profética iniciada com Moisés se cumpre na pessoa de
Jesus. Ele foi erguido (Atos 3.26; 13.33) como aquele que fala as palavras
de Deus e será o modelo para a igreja fazer o mesmo (1 Coríntios 2.13). A
missão de Deus dada à igreja é centrada na pessoa de Jesus. A igreja prega
e ensina sobre muitos assuntos, mas o centro é Cristo. Dirigir as nações à
pessoa de Jesus é obedecer não só ao mandato do Novo Testamento, mas
também ao anseio da esperança messiânica dos profetas.
A comunidade eleita é o instrumento da missão de Deus. A
soberania de Deus não anula a responsabilidade e serviço missionários
do seu povo. Quando a comunidade de fiéis recua do seu papel
testemunho, não está recuando apenas do seu dever, mas está se
afastando da graça e da eleição. Este papel de testemunho é assumido
seguindo o padrão do Servo de Iahweh em Isaías. A indagação inquieta
de John Bright ainda demanda reflexão séria:
Pois como membros da igreja de Cristo, nossa vocação
é aquela vocação do servo. Até que ponto nós a levamos
168
a sério? Compreendemos-na de alguma forma? A
missão mundial da igreja nós aceitamos. Acreditamos
num só Deus; declaramos que seu Reino está sobre toda
a terra; enviamos missionários para pregar o evangelho
em terras distantes. Mas, como nós pouco entendemos
as conseqüências dessa grande teologia!...Queremos um
Cristo que sofre para que não precisemos fazê-lo, um
Cristo que se sacrifica para que nosso conforto não seja
incomodado. O chamado de perder a vida para que esta
seja achada novamente, de tomar a cruz e seguir,
permanece misterioso e ofensivo para nós. De certo,
trabalhamos para trazer os homens a Cristo, e oramos,
“venha o Teu reino”. Mas nosso trabalho vemos como
um trabalho de conquista e crescimento, programas
bem-sucedidos e dólares. Pode ser que procuremos
construir o Reino do Servo, sem seguir o Servo? Se
assim fazemos, sem dúvida edificaremos uma grande
igreja, mas teria algo a ver com o Reino de Deus?
Lembremo-nos, então, que a tarefa da igreja
não é outra, senão a tarefa de servo [tradução]
(1953:154-155).
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
O conceito do remanescente é relevante hoje? Como?
2.
Qual é o papel escatológico de Israel no mundo hoje?
3.
Se a igreja não é sinônimo do reino de Deus, qual é a missão
dela no mundo de hoje para o estabelecimento e vinda
definitivos do reino?
4.
Como podemos ser uma igreja-serva conforme o modelo do
Servo Sofredor?
169
Igreja: Por quê Me Importar?
1
A perspectiva apocalíptica vê o tempo dual e cosmicamente. A era presente então, é má e
temporal, dominada por Satanás, enquanto a era futura é perfeita e eterna, sob o domínio de
Deus.
170
RESUMINDO
O VELHO TESTAMENTO
No decorrer da nossa análise do Velho Testamento,
transpareceram repetida e progressivamente vários temas decisivos.
Nesta lição, refletimos acerca da contribuição do Velho Testamento
para a identidade pelo de Deus de si mesmo e da sua tarefa no mundo
das nações.
Não propomos fazer do Velho Testamento o que não é, uma
teologia sistemática. A sua literatura é diversa e múltipla não só no seu
desenvolvimento histórico mas também nas suas orientações e
perspectivas teológicas, e assim, não permite tal sistematização. Por
outro lado, é possível detectar uma certa convergência e
desenvolvimento das suas idéias principais. Sem diminuir ou
menosprezar a riqueza da sua diversidade, queremos aqui ressaltar esta
convergência destes. Sugerimos seis temas abrangentes.
A origem da missão
Através de toda a revelação no Velho Testamento, se torna
patente que o principal ator no drama é Deus. “No princípio criou Deus
...” É Deus quem cria, quem julga, quem age, quem escolhe, e quem se
revela. Ele é ativo não só na criação, mas também nos julgamentos, na
libertação do seu povo do Egito, nas exortações dos seus profetas e na
promessa de restauração vindoura. Ele é o único e verdadeiro Deus e
deseja que sua glória seja conhecida nos céus (Salmo 19) e nas
extremidades da terra (Isaías 11.9).
Portanto,“missão” é uma categoria que pertence a Deus. A
missão, antes de ter uma conotação humana que fala da tarefa da igreja,
antes de ser da igreja, é de Deus. Esta perspectiva nos guarda contra
171
Igreja: Por quê Me Importar?
toda atitude de auto-suficiência e independência na tarefa missionária.
Se a missão é de Deus, então é dele que a igreja deve depender na sua
participação na tarefa. Isto implica numa profunda atitude de humildade
e de oração para a capacitação missionária, uma dependência confiante
em Deus, em vez de que a independência característica da queda, do
dilúvio, da torre de Babel e do próprio cativeiro.
Por outro lado, se a missão é de Deus, temos segurança de que
é Deus que está comandando a expansão do seu reino, nos seus termos,
e isto nos dá plena convicção de que ele realizará os seus propósitos.
O propósito da missão
Se a missão tem como principal ator Deus, ressaltamos que
Deus tem como principal atividade uma missão. A própria existência
do Velho Testamento, e de toda a Bíblia, é a primeira evidência de que
Deus tem uma missão, um propósito no mundo. Não é um Deus da
reflexão filosófica, fruto das nossas mais espertas cogitações. Mas é o
Deus que age no nosso meio, que se revela por si mesmo a nós e que
tem uma finalidade para sua criação. Se a origem da missão está em
Deus—“no princípio criou Deus...”—seu fim está no alcance universal
da sua misericórdia e graça—“a graça do Senhor Jesus seja com todos”
(Apocalipse 22.21). Portanto, toda a extensão da Bíblia reflete um tema
integrante e unificador, a missão.
Para usar um termo mais abrangente, podemos descrever o
propósito da missão como sendo de restauração, é a missão da salvação.
Aquilo que Deus criou, ele pretende restaurar. Contudo, a restauração é
salvação não só no sentido de poupar, mas também no sentido de julgar.
Haverá um novo céu e uma nova terra, mas isto através do sofrimento,
tribulação e julgamento. A mensagem de restauração no Velho
Testamento, consistentemente, inclui estas duas dimensões de salvação
e de julgamento. Vemo-nas no relato do dilúvio (julgamento) e da arca
(salvação), da torre de Babel (julgamento) e do chamamento de Abraão
(salvação), no Êxodo, na aliança com Israel e na conquista de Canaã.
Vemo-nas nas críticas dos profetas (julgamento) e nas suas promessas
de salvação vindoura. Ou misericórdia ou julgamento, era a sorte dada
a Israel e às nações, de acordo com o seu relacionamento de dependência
172
de Deus e com o seu relacionamento de misericórdia sobre a criação,
duas características da imagem de Deus no homem. Por isso, tanto a
adoração apropriada e genuína para com Deus quanto a justiça expressa
nos relacionamentos sociais e ecológicos dentro e fora de Israel, eram o
critério usado para determinar a reação divina, ou julgamento ou
salvação, ambos como alvo da restauração da criação e da humanidade.
Este critério duplo, adoração e justiça, integra as dimensões
pessoais e sociais da missão de restauração, fundindo as distinções
espirituais e materiais da fé. A verdadeira espiritualidade terá expressão
mais aguda nas relações concretas em que o povo de Deus vive.
Esta perspectiva do propósito restaurador da missão nos guarda
contra as falsas dicotomias da tarefa missionária e da fé. Restauração é
este propósito, portanto a obra redentora de Jesus Cristo e a
evangelização permanecem centrais à missão de Deus. Contudo, esta
redenção deve ser entendida como resultando tanto em adoração própria
e sincera a Deus quanto em relações de justiça com o próximo humano
e com toda a criação.
Em termos de adoração no Brasil, isto implica na dinamização
nas igrejas cristãs, do culto e especialmente da liturgia. Implica na
valorização e implementação de músicas e liturgias contextualizadaspard
, com conteúdo bíblico e expressão afetiva, enfim, um culto que leve o
povo à profunda e sincera adoração e não ao mero estímulo intelectual.
Também implica em denunciar toda idolatria da adoração ao Deus único,
desde as expressões populares do catolicismo com a sua iconolatria e
adoração mariana até as diversas manifestações de espiritismo com a
sua adoração sincrética. Enquanto os evangélicos têm reparado mais o
primeiro, é o segundo que representa cada vez mais um desafio à
adoração monoteísta e cristã, como a seguinte tabela demonstra:
Certamente, o sincretismo espírita representa hoje para a igreja
brasileira um desafio à adoração singular a Iahweh do tamanho do
desafio do baalismo cananeu.
O propósito da missão como sendo a restauração, além de
implicar em adoração própria, também implica em relações de justiça
dentro e fora do povo de Deus. Decerto, pouco o povo de Deus teria de
testemunho quanto às questões de justiça se no seu próprio meio estes
padrões não encontrassem expressão. Ser povo de Deus implica em
173
Igreja: Por quê Me Importar?
refletir algo do caráter de Deus, e isto inclui fundamentalmente a
qualidade de justiça. Por isso, a diaconia na igreja primitiva assumiu
uma importância essencial para o seu testemunho no mundo.
Infelizmente, em questões de justiça social, a igreja brasileira formulou
sua perspectiva de envolvimento grandemente em contraposição ao
“evangelho social” dos modernistas, em contraposição à doutrina de
boas obras do espiritismo e do catolicismo, em contraposição à análise
marxista (que se diz atéia) de estruturas sociais, em contraposição à
temida teologia da libertação e de acordo com um evangelho truncado
de alguns missionários estrangeiros, que acredita que a conversão pessoal
em grande número deve preceder qualquer tentativa de melhorar o
mundo. Todavia, a igreja necessita de uma perspectiva bíblica da sua
tarefa para formular seu entendimento sobre estas questões, não em
contraposição às perspectivas x, y e z, e nem de acordo com as
formulações teológicas importadas que refletem brigas teológicas
estrangeiras, mas de acordo com os padrões e ensinos bíblicos. Tal
formulação só poderá desafiar a igreja a participar no propósito da missão
como sendo a restauração dos seres humanos e da criação toda; e esta
participação se manifestará através de uma adoração sincera e exclusiva
ao Senhor e através de padrões de justiça dentro da igreja que a qualifique
a anunciar o domínio de Deus pelo mundo, o que implica,
simultâneamente, em padrões de justiça no mundo.
O alcance da missão
O
propósito
restaurador da missão
alcança dimensões universais. Se Deus é o principal ator ou sujeito da
missão, e a restauração o
seu conteúdo, então seu
objetivo é a criação toda.
Deus se propõe a restaurar aquilo que criou.
Sua missão é uma missão
Fonte: World Christian Encyclopedia e Operation World
174
para a criação. Não é por acaso que a revelação escrita que descreve a
missão de Deus começa com a criação dos céus e da terra e termina
com a restauração dos mesmos num novo céu e nova terra. O homem
não só é guardião do seu próximo, mas mordomo da própria criação.
Através do julgamento do dilúvio, não só parte da raça humana é salva,
mas também parte representativa da criação toda. As leis da aliança
detalham as dimensões religiosas, sociais e ecológicas da fé e da
obediência do povo de Deus, provendo instruções para o bem-estar de
toda a criação e toda a vida, em todas as suas múltiplas dimensões. Os
salmos e hinos no Velho Testamento incluem os louvores não só do
povo de Deus, mas também da própria natureza; e a era vindoura de
salvação só pode incluir a expectativa de restauração não só de Israel e
das nações, mas da criação toda (Isaías 43.18-21; 65.17-25).
Esta perspectiva nos guarda contra toda sorte de miopia
missionária. Não nos satisfazemos até que todos os povos, línguas, tribos
e nações recebam o evangelho do reino (Mateus 24.14) para o louvor
do Cordeiro de Deus (Apocalipse 5.9-14; 7.9-12), implica então numa
motivação e estratégia evangelística que procure ir não só para os mais
distantes lugares, mas aonde quer que Cristo não tenha sido anunciado
(Romanos 15.20), quer sejam grupos humanos negligenciados ou
“escondidos” por perto, quer sejam povos não-alcançados mais distantes.
Mas o alcance da missão não pára com toda a raça humana.
Também implica na igreja assumir a tarefa de mordomo sobre a criação
toda. Problemas ecológicos como a seca no nordeste, enchentes no sul,
desflorestamento da Amazônia, poluição do meio-ambiente, o uso
apropriado e a redistribuição de terras também devem ser tratadas pelo
povo de Deus. Fazem parte da sua missão. Que isto seja dever do governo
não há dúvida, contudo a igreja antes, tendo uma restauração substancial
da imagem de Deus nele, deve opinar e se envolver num testemunho
para toda humanidade e toda a criação.
O instrumento da missão
Se Deus é o principal ator e origem da missão, não é o único
ator. Seu instrumento é um povo específico. A missão também é a tarefa
da igreja que é derivada então da missão de Deus. Deus escolhe um
175
Igreja: Por quê Me Importar?
povo específico como instrumento da sua missão de restauração. Elegeu
um povo, Israel, no Velho Testamento e com este fez uma aliança
peculiar a fim de que este fosse o seu testemunho no meio das nações
(Gênesis 12.3; Êxodo 19.5-6). A eleição de Israel, antes de denotar
qualquer favoritismo exclusivista de Deus, teve um propósito inclusivo
de serviço missionário para as nações. Quando não cumpria este
propósito, Israel foi julgado pelos mesmos para quem ele deveria ter
dado testemunho e deveria ter sido uma benção.
Esta perspectiva nos guarda contra todo sentimento de
favoritismo exclusivista. Não nos orgulhemos na nossa eleição com
atitude de superioridade espiritual para com os que não crêem, nos
separando socialmente deles. A eleição não é para separação social
(separação moral sim!), mas envolvimento e serviço. A igreja não
encontra sua identidade verdadeira em contraposição social ao mundo
mas justamente numa relação com ele, uma relação não de identificação
com seus valores, mas uma relação evangelística de serviço e testemunho
ousados. Então, esta perspectiva também nos guarda contra todo
escapismo deste mundo para um plano espiritual além.
Também nos guarda contra todo passivismo e comodismo. A
missão de Deus não inibe a atividade do seu povo, mas dinamiza-a. Se
é Deus quem escolheu, fica patente que escolheu um povo para, através
dele, realizar sua missão. A igreja passiva quanto ao seu envolvimento
missionário, não poderá invocar a soberania exclusiva de Deus como
justificativa pela sua passividade, pois o Deus soberano escolheu o seu
povo para testemunhar. Usando um exemplo do Novo Testamento, era
necessário que Pedro pregasse para Cornélio, muito embora o anjo que
o precedeu bem pudesse ter anunciado o evangelho para este centurião
(Atos 10). Para atingir alvos universais, a restauração de toda a criação,
Deus escolheu meios particulares, um povo.
O local da missão
O lugar aonde a missão se desdobra é o mundo, e o seu processo
se realiza na história deste mundo. Desde o início do testemunho bíblico
observamos que Deus age dentro e através de eventos concretos na
vida dos seres humanos. Ele se manifesta nem tanto num plano
contemplativo e fora deste mundo, mas dentro e através da história.
176
Julga através da expulsão do Éden, através do dilúvio e da dispersão de
povos. Julga as nações através das pragas no Egito, a conquista de Canaã
e a queda de um império por outro. Julga seu povo através dos profetas
e através do exílio. Mas também abençoa através da libertação do Egito
e do exílio. São todos estes eventos históricos, acontecimentos neste
mundo. Até mesmo a literatura apocalíptica que enfatiza um contraste
com este mundo, ensina que a intervenção futura e catastrófica de Deus
será uma irrupção para dentro desta história e deste mundo. Embora
enfatize descontinuidade com a progressividade natural da história
humana, não transfere o cenário dos atos salvíficos de Deus para um
plano extra-histórico ou ultra-mundano. Apenas ressalta a opção sempre
presente e futuramente iminente da intervenção divina na história, como
sendo abrupta e extraordinária.
Creio que a perspectiva do Velho Testamento ilumina muito a
tarefa ou a missão da igreja no Brasil e em toda a América Latina.
Sabendo que Deus embarca num projeto histórico, a igreja tem uma
boa base para se perguntar: “aonde, nos eventos históricos da realidade
latinoamericana, podemos discernir a mão de Deus?” Alguns podem
entender isto como sendo uma secularização da fé. Não é nossa intenção.
Em vez de reduzir a missão de Deus aos afazeres deste mundo, queremos
discernir aonde e como Deus poderá estar manifestando seu reino na
nossa história. Implica na proclamação do evangelho para
arrependimento e conversão. E implica em participar na luta pela justiça.
Com os pés no chão, as mãos em oração e os olhos abertos à realidade
multidimensional e latinoamericana, a igreja dá testemunho pela
proclamação das boas novas e pela promoção de justiça de maneira
concreta, visível e “mundanapard ” (isto é, na nossa história).
Implica numa desmistificação da fé. A verdadeira
espiritualidade não é aquele jejum “sagrado” com orações de belas
palavras perfumadas, mas é um estilo de vida cotidiano e mundano que
reflete o caráter justo de Deus para com o seu próximo.
Porventura, não é este o jejum que escolhi, que
soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras
da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces
todo jugo?
177
Igreja: Por quê Me Importar?
Porventura não é também que repartas o teu
pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres
desabrigados, e se vires o nu, o cubras, e não te escondas
do teu semelhante? (Isaías 58.5-7).
Uma análise, até das mais superficiais, da situação socioeconômica na
América Latina deixa a igreja sem desculpa quanto a sua missão neste
mundo e nesta história: anunciar às nações a chegada do reino de Deus
e viver um modelo deste reino através de sincera adoração e de um
padrão de justiça que tome expressão no mundo e na história.
Não obstante, este processo jamais poderá ser identificado
simplesmente com o processo histórico e humano. A literatura
apocalíptica e as intervenções singelas e dramáticas de Deus na história
de Israel (ex.: o êxodo) nos distanciam de uma plena confiança nos
processos apenas humanos da história. O reino de Deus não poderá ser
identificado com o processo histórico, embora possamos e devamos
detectar indícios deste reino na história. Enquanto a era escatológica
seja apenas divinamente inaugurável, o povo de Deus também participa
na sua promoção. E, enquanto sua realização seja apenas futura, já
podemos discernir sinais dela na história presente.
A dinâmica da missão
Como os dois conceitos de Servo de Iahweh e de Filho do
Homem oscilam entre uma referência individual e uma coletiva, nossa
referência à missão varia entre uma referência à missão de Deus e uma
à missão do povo de Deus. Discursando a respeito de missão,
referimo-nos, ora à missão de Deus, ora à missão da igreja, considerando
o conteúdo do primeiro, e por conseqüência, logo refletindo sobre as
implicações disto para o segundo. Tal discurso ilustra a dinâmica da
missão como sendo a missão de Deus e da igreja.
Deus partilha sua tarefa com seu povo e nela o convida a
participar. Este recebe a promessa que aquele estará sempre presente
na realização da missão. Decerto, a missão de Deus jamais poderá ser
sinônimo da missão da igreja. Por outro lado, nem tampouco poderá a
178
missão da igreja ser considerada absolutamente divorciada da missão
de Deus. A dinâmica entre os dois encontra sua expressão ideal à medida
que a igreja discerne a missão de Deus e se conforma à mesma, um
ideal que embora nunca se realize perfeitamente, mesmo assim se
manifesta em parte.
A vice-regência do homem sobre a criação teve como um
propósito refletir a soberania de Deus, mas jamais duplicá-la ou
substituí-la. Israel herda este papel de embaixador de Deus no meio das
nações, ou melhor, de sacerdote e testemunha. Portanto, Deus e o seu
povo não são competidores na missão, e, sim, cooperadores, sendo a
igreja serva da missão de Deus. Enquanto o povo de Deus é convidado
a participar com Deus na sua missão de restauração, Deus promete sua
presença no desempenho da missão do povo de testemunha diante das
nações.
Tal perspectiva da dinâmica da missão nos guarda, por um lado,
contra uma identificação completa dos programas missionários das
denominações e agências missionárias com o propósito e missão global
e integral de Deus. O povo de Deus reflete, apenas parcial e
imperfeitamente, a missão de Deus. Historicamente, nem sempre a
missão da igreja refletiu o caráter justo, salvador e libertador de Deus.
A íntima associação de missões com a política expansionista e
conquistadora do Império Carolíngio do século VIII na Europa e da
Ibéria do século XVI na América Latina, ou com o colonialismo do
século XIX na África Negra, proíbe qualquer identificação da missão
de Deus com a missão da igreja. Até hoje, um certo triunfalismo às
vezes se evidencia nas nossas promoções e nos slogans missionários
que jamais poderá ser comparável com a adoção humilde do papel de
missionário-servo do povo de Deus no meio das nações.
Por outro lado, esta dinâmica da missão estimula e capacita o
povo de Deus a uma aproximação e a participação com a missão de
Deus e nos dá a confiança, mesmo em meio de dificuldades e desânimo,
de que Deus vai levar avante sua missão. Ele é criador do mundo e
autor da história, e sua missão de restaurar aquele e completar esta vai
se realizar, não apesar, mas através do seu povo.
179
Igreja: Por quê Me Importar?
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Diante da doutrina de predestinação, porque devemos dar
testemunho e evangelizar?
2.
Na missão da igreja como você entende a prioridade ou não da
evangelização em relação à justiça?
3.
A nossa teologia é muito norteamericana?
4.
Qual é a abrangência da missão da igreja? O que está central a
esta missão?
5.
Como Deus está agindo na nossa história hoje, no Brasil? Ou
não está?
180
ANTECIPANDO
O NOVO TESTAMENTO
As conclusões acima delineadas levantam uma interrogação
para a teologia cristã. Apesar da enorme base que o Velho Testamento
estabelece para tal teologia, ela é completa? Se respondemos
afirmativamente, então ainda interrogamos: O Novo Testamento é
necessário? Acrescenta alguma coisa? Por outro lado, se respondemos
negativamente, nos defrontamos com uma outra série de perguntas: se
o Velho Testamento é incompleto teologicamente, ele então é
secundário, menos inspirado em relação ao Novo Testamento e tem
menos autoridade? Em preparação para a continuação da nossa pesquisa
no Novo Testamento, queremos primeiro refletir a respeito da relação
entre o Velho e o Novo Testamento.
O Velho Testamento é inconcluso
Duas características da teologia do Velho Testamento apontam
para sua própria inconclusão: a sua orientação missionária centrípeta e
sua antecipação do futuro.
Sua orientação missionária centrípeta. O Velho Testamento
não contém nenhuma instrução explícita de que o povo de Deus deva ir
às nações para proclamar a verdade. Esta observação leva muitos
estudiosos a falar sobre uma missão centrípeta (que procura aproximarse ao centro) no Velho Testamento, a idéia de que as nações peregrinarão
para o centro de Israel, o monte de Sião e o templo, sendo atraídos pelo
testemunho do povo de Deus. A missão de Israel implicava num
testemunho que marca sua “presença” no mundo, e não um testemeunho
de “proclamação” ou “persuação”. Esta presença evangelística no meio
181
Igreja: Por quê Me Importar?
das nações constituia a principal obrigação missionária do povo de Deus
no Velho Testamento e, por certo, estabelece uma base insubstituível
para o testemunho no Novo Testamento.
Esta orientação centrípeta não deve ser entendida como
totalmente passiva como se missão fosse exclusivamente um ato de
Deus. Ao invés disto, o testemunho de presença descreve a participação
ativa do povo de Deus nos afazeres do mundo. É indispensável para o
papel evangelístico entre as nações que Israel mantenha um verdadeiro
relacionamento de genuína e exclusiva adoração a Iahweh e de retidão
moral e justiça social para com os outros. Aliás, quando Israel entendeu
sua eleição como referência ao seu status e privilégio passivos em
contraposição às nações, em vez de como referência ao seu serviço
ativo no meio das nações, foi lembrado que não era diferente nem melhor
que os outros povos: “não sois vós para mim, os filhos de Israel, como
os filhos dos etíopes?” (Amós 9.7a). Enquanto é justa a observação que
o movimento missionário no Velho Testamento é grandemente para
dentro, ou seja, centrípeto, isto não significa que Israel era passivo neste
papel missionário. Pelo contrário, sua aliança com Iahweh resultava
em obrigações quanto à sua vivência, obrigações para com seu Deus e
obrigações para com seu próximo.
Contudo, enquanto este centripetismo forma uma base
indispensável para a natureza missionária do povo de Deus em todos os
tempos, ilustra também a inconclusão do Velho Testamento. Se o
testemunho centrípeto é ativo, então não encontramos ainda no Antigo
Testamento nenhuma realização de testemunho fiel e ativo que de fato
atraiu as nações para Israel. Pelo contrário, Israel entrou num longo
período de cada vez mais exclusivismo e, por conseqüência, cada vez
menos palavras reveladoras de Deus. E o período intertestamentário se
caracterizava pela esperança cada vez maior na reinvindicação divina
do povo de Deus no seu papel crítico e ativo diante das nações.
Sua antecipação do futuro. Este anseio ou antecipação também
denota a inconclusão do Velho Testamento. Muitas promessas de Deus
foram entendidas como referências à futura era escatológica. O elemento
de esperança se destacou progressivamente à medida que Israel perdia
a confiança na realização do reino de Deus no seu contexto atual.
Decerto, a esperança tomou formas diferentes. Na época de Jesus, os
182
fariseus esperavam a exaltação de Israel sob o domínio do Messias e
acreditavam que a participação apropriada seria obediência estreita à
lei, que então prepara o caminho para a vinda do Messias. E ainda havia
uma esperança apocalíptica na intervenção catastrófica de Deus e na
vinda do Filho do Homem nas nuvens para receber o reino eterno. Apesar
das direrentes formas de esperança, todos esperavam e reconheciam
que alguma participação do povo de Deus era necessária. Esta esperança
no futuro ilustra a inconclusão do Velho Testamento.
O Velho Testamento não é inferior ao Novo
Uma vez que sustentamos a inconclusão do Velho Testamento
em relação ao Novo, torna-se necessário uma qualificação: por ser
inconcluso não se deve deduzir que o Velho Testamento seja inferior
ao Novo e, por conseguinte, com menos autoridade ou menos
importância. A relação entre os dois não é uma questão do seu valor
intrínseco, mas é uma questão de seqüência.
O Velho Testamento não é provisório. Dizer que o Velho
Testamento é inconcluso não significa que sua importância seja
temporária, passageira ou provisional. Não é algo que já passou, mas
algo complementado pelo Novo. O tratamento de Deus para com Israel
está em um continuum com a história da igreja. Assim, Israel e o Antigo
Testamento refletem os propósitos de Deus para a humanidade e toda a
criação. Deus plantou só uma oliveira, que está sujeita, através de toda
a história, à sua poda e ao seu enxerto (Romanos 9-11). Portanto, o
Velho Testamento não é provisório. Sua relevância e autoridade
permanecem atuais.
A continuidade entre os dois testamentos
A relação entre os dois testamentos, portanto, é uma de
continuidade. Existe uma seqüência e um desenvolvimento entre e dentro
dos dois. Por um lado, e mais obviamente, este desenvolvimento é
histórico, procedendo-se de um começo até um fim. Mas também, o
desenvolvimento é teológico, exprimindo uma relação de promessa e
cumprimento.
183
Igreja: Por quê Me Importar?
O desenvolvimento histórico: começo e fim. Esta qualidade
histórica da fé do Velho Testamento também atesta sua inconclusão,
pois lança o leitor para um futuro ainda a ser realizado. Isto está em
contraposição total com a orientação cíclica dos seus vizinhos e a
desesperança e resignação estática que esta gera. A história se move
para frente e não para trás, para seu início original como nas religiões
vizinhas de Israel. Deus chama o homem para uma tarefa histórica e
cada vez mais progressiva. O homem não está preso a uma maneira de
pensar, passiva e orientada para o passado .
Este processo de desenvolvimento histórico implica,
naturalmente, em um começo e um fim. Alguns elementos no início,
então, são vagos ou até nem estão presentes ainda, mas com o tempo se
tornam mais claros e explícitos. Isto é verdade também quanto à
dimensão missionária da fé do Velho Testamento. Suas implicações
completas só se desdobram gradualmente à medida que Deus se revela
ao seu povo e atua no seu meio. Por isso, não nos afligimos com a
orientação missionária predominantemente centrípeta do Velho
Testamento, pois isto apenas aponta para sua inconclusão e a antecipação
de uma orientação a ser realizada depois. Como outro exemplo, a ênfase
na unicidade e incomparabilidade de Iahweh em Isaías quase nos leva à
conclusão lógica da necessidade de proclamar e fazer conhecido este
Deus em todo o mundo. Só que o Velho Testamento não chega a tanto,
e assim antecipa e aguarda a revelação e desenvolvimento subseqüentes.
Para o Velho Testamento, o curso da história é irreversível, o velho
abre caminho para o novo. Não encontrando qualquer testemunho no
Velho Testamento de que o alvo tenha sido realizado, o leitor é levado
obrigatoriamente a esperar tal realização futura e reconhecer que o texto
testifica a sua inconclusão.
O desenvolvimento teológico: promessa e cumprimento. Este
desenvolvimento entre promessa e cumprimento já há muito tempo é
reconhecido pelos “gigantes” da teologia bíblica. Vale a pena citar alguns
deles para ressaltar a importância deste conceito para a compreensão
da relação entre e também dentro dos dois testamentos.
Os dois testamentos são ligados orgânicamente um ao
outro. O relacionamento entre os dois não é nem de
184
desenvolvimento ascendente nem de contraste, é de um
início e complementação, de esperança e cumprimento
[tradução] (Bright 1953:196-197).
... a maneira que o Velho Testamento é absorvido no
Novo é o final lógico de um processo iniciado pelo
próprio Velho Testamento ... Nenhum método
hermenêutico é necessário para ver o movimento inteiro
e diversificado dos eventos salvíficos
veterotestamentários, composto das promessas de Deus
e seus cumprimentos temporários, como apontando
para seu cumprimento futuro em Jesus Cristo. Isto pode
ser dito bem categoricamente. A vinda de Jesus Cristo
como uma realidade histórica deixa o exegeta sem
nenhuma escolha; ele deve interpretar o Velho
Testamento como apontando para Cristo, que ele deve
entender à sua luz. Este fluxo de entendimento recíproco
é claramente estabelecido, tanto pela importância
histórica do evento salvífico neotestamentário quanto
pelo movimento incessante de promessa e cumprimento
no Velho Testamento [tradução] (von Rad
1966:321,374)
... no Novo Testamento, a compreensão
veterotestamentária do mundo e da humanidade, que
brota da auto-revelação da vontade divina na orientação
histórica de Israel, encontra suas mais profundas
aspirações imediatamente confirmadas e ampliadas de
uma maneira que mal pode ser descrita por qualquer
outra expressão a não ser “cumprimento”. Por outro
lado, a tensão mútua existente entre as proclamações
de sacerdote, profeta e sábio é espantosamente resolvida
na salvação revelada em Cristo. Doutra sorte, a nova
irrupção da realidade de Deus no evento salvífico
neotestamentário, que aponta para o povo
neotestamentário de Deus como herdeiros legítimos do
povo da antiga aliança, supera a falta de tentativa de
185
Igreja: Por quê Me Importar?
por em prática a sua herança veterotestamentária, e a
qual estava aleijada internamente a conduta na sua vida
cotidiana [tradução] (Eichrodt 1961:519).
Para o cristão, portanto, o Velho Testamento não só é
incompleto, mas clama por ser completado. Isto não quer dizer que o
Antigo é apenas promessa e o Novo apenas cumprimento. Melhor dizer
que o Antigo Testamento contém a história da promessa, às vezes nela
mesma pelo menos parcialmente cumprida, mas a qual encontra um
cumprimento substancial apenas no Novo. Sem dúvida, esta foi a
perspectiva dos escritores do Novo Testamento (Marcos 1.15; Atos 1.7;
Romanos 3.26; Gálatas 4.4; Efésios 1.10; Hebreus 1.2; 6.12; 7.6), mas
isto somente porque o próprio Antigo Testamento aguardava um
cumprimento, e assim já contribuía para esta perspectiva no Novo
Testamento. Ainda resta delinear mais a maneira como o Velho
Testamento contribui para o Novo.
A contribuição do Velho Testamento ao Novo
A inconclusão do Velho Testamento não diminue nem sua
importância máxima para a igreja e sua missão hoje, nem prejudica a
unidade entre os dois testamentos. O Velho Testamento, por ser
superado, jamais é negado, e, sim, complementado pelo Novo.
Conquanto seja verdade que o Novo completa e esclarece o Velho,
igualmente urge a afirmação de que o Velho contribue para o Novo e o
esclarece. O Velho esclarece as bases do Novo e traz à luz a meta do
Novo.
O Velho Testamento esclarece as bases do Novo. O Novo
Testamento depende do Velho e nele está arraigado. Cristo veio para
realizar a esperança do Velho Testamento, não para destruí-la e
substituí-la com uma fé nova e melhor. Os temas centrais na pregação
de Jesus (o reino de Deus, o preceito básico do amor a Deus e ao
próximo), a escatologia e a perspectiva missionária do Novo Testamento
encontram suas raízes no Velho Testamento.
186
Por exemplo, a ênfase no povo de Deus como testemunha-fiel
de Iahweh que realiza sua missão centripetamente à medida que
demonstra padrões de justiça e verdadeira adoração e assim atrai as
nações ao culto no seu meio, esclarece a atenção constante dada à vida
moral, social e espiritual da comunidade cristã nascente no Novo
Testamento. Assim, as cartas “pastorais” são entendidas não como
exemplos de uma preocupação doméstica e tardia da igreja em
contraposição ao zelo missionário e escatológico dos primeiros anos da
igreja primitiva, mas como correspondências para o povo de Deus na
linha de frente da batalha evangelística mundial.
Semelhantemente, a eleição e predestinação de Efésios 1 e
Romanos 8 são esclarecidas não como doutrinas de privilégio e status
passivos do povo de Deus, mas como o fundamento desafiador e prefácio
para o serviço ativo e missionário do povo de Deus empenhado na
evangelização do judeu e gentio (Romanos 9-11) e todos os poderes e
potestades (Efésios 3.10), para que o plano salvífico de Deus alcance
suas dimensões mais universais (Romanos 11.25-26, 32, 36; Efésios
4.7-16). Estes são apenas dois exemplos de como o Velho Testamento
esclarece as bases do Novo.
O Velho Testamento também traz à luz a meta do Novo.
Enquanto muitas promessas do Velho Testamento ou já se cumpriram
ou já tomaram corpo em Jesus, algumas destas, e outras, não foram
realizadas na história do mundo contemporâneo. Estas vão além da
história de Jesus e motivam a igreja a uma espera ativa. Ainda
aguardamos um novo céu e uma nova terra, a paz eterna entre nações e
criaturas, e o louvor de todos os povos rendido ao Cordeiro de Deus.
Estas promessas do Antigo Testamento conduzem seus leitores às metas
finais, nos encorajando na tarefa missionária no nosso tempo e no nosso
mundo e nos sustentando na espera da consumação do reino de Deus
ainda por vir.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Algumas pessoas definem a evangelização em termos da
presença (testemunho de vida) da igreja no mundo. Outras
187
Igreja: Por quê Me Importar?
pessoas incluem, além da presença, a necessidade da
proclamação. Outras ainda alegam que não houve evangelização
se o evangelizando não estivesse persuadido. Qual é a relação
devida entre a presença, a proclamação e a persuação na tarefa
evangelística da igreja?
2.
Levante a sua Bíblia de tal modo que você enchergue as páginas
mais puxadas do dorso. Quais são as partes da sua Bíblia que
você lê mais? Por que? Qual é a importância de estudar e
contemplar a Bíblia toda?
3.
Dê alguns exemplos de “promessa” no Velho Testamento que
se cumprem no Novo Testamento.
4.
Qual é a relação entre o ministério pastoral e o missionário/
evangelístico?
188
NOVO
TESTAMENTO
189
Igreja: Por quê Me Importar?
190
O REINO DE DEUS
Os Evangelhos
O Novo Testamento, como o Velho, apresenta várias perspectivas
do papel que o povo de Deus exerce no mundo. Isto ocorre por razões
diferentes daquelas que explicam a diversidade de perspectivas no
Antigo Testamento. A abrangência histórica de centenas de anos no
Antigo Testamento, além dos diversos ministérios em desenvolvimento
durante a sua composição, logicamente preparam o leitor para uma
diversidade de perspectivas. Mas este não é o caso do Novo Testamento.
Os estudiosos dizem que o Novo Testamento foi escrito dentro de 30 a
70 anos. Portanto, por um lado há mais coesão literária e temático no
Novo Testamento que no Velho Testamento.
Mas por outro lado há perspectivas diferentes também no Novo
Testamento. Pois, os escritores do Novo Testamento eram pastores,
líderes de comunidades cristãs primitivas, com os seus problemas
específicos, regionais e sócio-culturais. E mesmo escrevendo com um
tema em comum, a vida de Jesus, faziam-no lembrando das necessidades
e das características peculiares dos seus leitores. Isto é, escreviam obras
literalmente contextualizadas, e por isso, com os seus enfoques
específicos. Esta observação não precisa ferir a doutrina cristã da
inspiração pelo Espírito Santo das Escrituras. Apenas qualificamos que
o Espírito Santo estava inspirando não um dogma fixada e sistematizada
que nunca mais precisava de explicação e aplicação atual. Uma vez
feita esta observação, podemos apreciar a diversidade dos Evangelhos,
e até seguir o seu modelo de especificação histórica e cultural. A partir
do Novo Testamento ainda continuaremos a reparar as diversas
dimensões de testemunho do povo de povo frente os desafios concretos
da sua vida no mundo.
Mas antes de repara a especificação e peculiaridade de cada um
dos testemunhos no Novo Testamento, convém comentar alguma
191
Igreja: Por quê Me Importar?
perspectiva que tinham em comum. Em síntese, todos os escritores do
Novo Testamento concordavam que através dos eventos que cercavam
a carreira de Jesus de Nazaré, especialmente a sua morte e ressurreição,
o Deus de Israel estava realizando uma grande transformação definitiva
na história do povo de Deus, inclusive entre os gentios. Os Evangelhos,
especialmente os primeiros três, descreviam tal transformação utilizando
a linguagem antiga do prometido “reino de Deus”. É para este tema que
volvemos a nossa atenção.
Um tema comum
Jesus nunca definiu o reino de Deus, mas ensinou sobre ele, o
personificou e exemplificou.
Nos ensinos de Jesus. Há mais de setenta referências ao reino,
por Jesus, nos Evangelhos. O tema se destaca desde o início até o fim
do seu ministério (Marcos 1.14-15; Atos 1.3). Liga a comissão dada à
comissão executada (Atos 1.1-5, 6.11, 2.1-13, 37-41). Serve até de chave
de interpretação para compreender os seus ensinos.
Um exemplo é a sua interpretação da lei. Embora um judeu reto,
Jesus usa a sua autoridade e sua própria experiência para colocar os
valores de compaixão e integridade interior, às vezes, em confrontação
direta com a interpretação da lei pelos que se opõem à ele (Marcos
2.23-28; 3.1-6; 7.1-23). A subordinação de toda a lei ao mandamento
do amor bem descreve o espírito dos seus ensinos (Mateus 22.40 par.).
O Deus que vem reinar é um Deus de compaixão esmagadora.
Um outro exemplo é o ensino de Jesus a respeito da reconciliação
e do perdão que reflete a sua experiência de Deus, também. A oração
dominical, o “pai-nosso”, liga o perdão divino à reconciliação humana.
Deve-se, portanto amar até o seu inimigo porque Deus nos amou
primeiro. A reconciliação precede, também, o ato litúrgico, o sacrifício
(Mateus 5.23-24; cf. Mateus 18.21-35—o rei perdoador e o servo que
não perdoou).
Era o tema do reino de Deus que definia o conteúdo de muitas
das suas parábolas. Veja, por exemplo, as cinco parábolas sobre a
demora da vinda do reino em Marcos 13.34ss; Mateus 24.43-25,30.
192
Estas parábolas expressam a indiferença e a afrouxamento que a demora
da volta do messias causa. São parábolas de crise para despertar os
ouvintes para a horrível seriedade do momento. Há também quatro
parábolas a respeito da maneira como o reino vem: 1) já vem agora e
isto é um mistério (Marcos 4.11 par.); 2) do semeador (Mateus 13.123; Marcos 4.1-9; Lucas 4.4-8); 3) do joio e da rede que serão separados
somente no fim (Mateus 13.24-30; 47s), do grão de mostarda e do
fermento que indicam que um início insignificante provoca um resultado
final de significado global (Mateus 13.31-33); e 4) do tesouro no campo
e da pérola de grande valor (Mateus 13.44-46), indicando que o reino
não é conseguido por meios humanos, apenas encontrado por pessoas
que sacrificam tudo alegremente para possuí-lo.
Na pessoa de Jesus. Mas é na própria pessoa de Jesus, no seu
caráter e no seu ministério, que o sentido do reino tem que ser deduzido.
Orlando Costas aptamente afirmou que “Jesus não era somente o arauto
do reino como também a sua personificação”. Orígenes de Alexandria
sustentou, mais enfaticamente ainda, “Jesus mesmo é o reino”.
Isto se evidencia, em primeiro lugar, no caráter de Jesus pela sua
piedade. Jesus desfrutava dum relacionamento íntimo e livre com Deus.
Chamava-o afetivamente de “abba”, “pai”. Compreendia Deus como o
Deus de misericórdia e compaixão (veja as três parábolas de
misericórdia—da ovelha, da moeda e do filho perdidos, em Lucas 15).
Por isso, o chamado evangelístico era também um chamado para o
arrependimento (Marcos 1.15).
Em segundo lugar, o conteúdo do reino de Deus se demonstrava
no ministério de Jesus pela sua compaixão por pessoas da periferia.
Nos evangelhos, Jesus constantemente se associa com os membros da
sociedade judaica considerados fora da lei e que eram excluídos da
participação na comunidade religiosa e social de Israel. Ele tomava
ceia com publicanos, que recolhiam impostos, com samaritanos,
mulheres, estrangeiros. A misericórdia irresistível do Deus do reino
remove as divisas arbitrárias e sociais.
No ministério, Jesus enfatizava a libertação (Mateus 12.22-28;
Lucas 11.14-23; João 8.32; Gálatas 5.1-13) não só para toda a
humanidade como também para toda a criação (Romanos 8.20-21). As
evidências desta libertação são os milagres e curas que anunciam a
193
Igreja: Por quê Me Importar?
chegada do tempo da graça e da vitória sobre Satanás (Mateus 11.6
“reino é chegado entre vós”). Mas é uma libertação integral:
Todas as linhas judaicas têm duas coisas em comum
quanto ao futuro reino de Deus: 1) O reino de Deus
ainda não é dado como fato de Deus ser Senhor sobre o
desenrolar da história; tem que ser exigido em oposição
ao mundo. Isto ocorre em meio de juízo final, como
evento escatológico. 2) Sua realização provoca uma
nova história, uma situação cósmica que significa
salvação para todos os que dela participam,
especialmente para o povo de Deus. 3) A chamada para
o discipulado é uma chamada para obediência, possível
pela habilitação mística do próprio Senhor. Não é
apenas uma chamada para pregar, mas para declarar e
enfrentar guerra total contra o mundo demoníaco, já
que o kurios é o Senhor de um reino universal...”—
Goppelt
A missão que Cristo tem para seus discípulos, surge de uma
nova autoridade e de um novo poder e se expressa numa nova
maneira de viver que pode ser vista e reconhecida por outros
no seu meio. O discípulo vive em tensão pois participa na criação
duma nova história na qual ele vive. É a tensão entre o ‘já’ do
reino neste mundo e o ‘ainda não’ da consumação”—Pedro
Savage
“Quando Deus reina, Ele concede salvação para seu povo. Há
ligação íntima”—John Stott (veja Marcos 10.17,23,26—“o
reino de Deus”, “a salvação” e “vida eterna”).
“Para Jesus, a vinda do reino de Deus não está incluída na
história e subordinada à mesma, mas dá ao mundo presente,
bem como ao futuro a sua feição”—Goppelt
194
Os sinais de Deus no mundo
A igreja faz o seu papel mais crítico no reino vindouro e presente
de Deus quando exerce a sua tarefa na mundo (Mateus 24.1-14—
compare Mateus 28.20; 26.13; Marcos 13.10 e Atos 1.8). A sua missão
é penúltimo no plano escatológico e salvífico de Deus. Vem em segundo
lugar somente depois de glorificação de Deus pela humanidade e está
intimamente ligada a este “fim principal”.
“O sentido último da história entre a ascensão do nosso
Senhor e a sua vinda em glória se acha na extensão e
na operação do Evangelho no mundo”—George Ladd
Por isso, é importante reparar mais uma característica do
ministério de Jesus destacado nos primeiros três Evangelhos e ligado
ao tema do reino de Deus: o papel dos sinais do reino.
Os sinais do reino. Historiador sobre o século I, Robert Grant,
ressalta, “é difícil achar qualquer grão não milagroso no Evangelho”.1
Dos 661 versículos que se encontram no Evangelho Segundo Marcos,
209 tratam de milagres. Há 35 milagres atribuídos a Jesus nos
Evangelhos. Jesus não só pregou a chegada do reino de Deus como
também a demonstrou através do ministério de cura, expulsão de
demônios e outros milagres. Estes faziam parte normal do seu ministério
(Mateus 4.23). Até os judeus mais hostis a Jesus reconheceram-no como
operador milagroso de maravilhas e exorcista. Também Jesus deu aos
seus doze discípulos a autoridade para realizar estas operações, como
sinal e demonstração de que o reino estava próximo (Mateus 10.7), e
fez o mesmo para com os setenta discípulos (Lucas 10.8-9). Estes sinais
evidenciaram a chegada do reino e a vitória conseqüente sobre Satanás
e seu poder (Mateus 11.22-28 par.)
1. Os termos dos sinais. É necessário esclarecer alguns termos
usados na linguagem sobre os sinais. O Novo Testamento adota a
linguagem da Septuaginta (tradução grega do Velho Testamento), em
particular, três termos: 1) to teras, sempre usado no contexto de semeion,
para se referir aos “feitos extraordinários de Deus” (e.g., diante dos
195
Igreja: Por quê Me Importar?
egípcios, Êxodo 7.3; Deuteronômio 4.34). No Novo Testamento o termo
denota o evento extraordinário que aponta para Deus e se traduz
geralmente como “milagre”; 2) semeion, na Septuaginta se refere a todo
acontecimento que aponta para Deus, especialmente para sua disposição
de auxiliar; no Novo Testamento se traduz como “sinal”; e 3) dunamis,
na Septuaginta refere ao poder de Deus que forma a história (e.g., a
libertação no êxodo, Êxodo 6.26; 7.4; Deuteronômio 3.24); no Novo
Testamento se traduz como “ação poderosa” (de Deus).
Nos Evangelhos Sinóticos, os judeus pedem um “sinal” a Jesus
que deveria demonstrar com toda clareza a sua origem divina (Marcos
8.11-13 par; Mateus 12.38 par; Lucas 23.8). Nos sinóticos, geralmente
tem uma conotação negativa, mas em João é o conceito constante para
os milagres de Jesus no sentido positivo. A palavra dunamis, “ação
poderosa”, é usado nos sinóticos para os milagres de Jesus no sentido
positivo. Então, os milagres aqui são entendidos como exteriorizações do
poder que provoca salvação na história e a conduz rumo à salvação. A
cura, em si, é inteiramente secundária ao seu poder (Mateus 11.21 par.).
Em relação à vinda do reino, os sinais suscitam a noção de que o
momento escatológico havia chegado. A resposta de Jesus para João
Batista reivindica veladamente que, através de seu ministério milagroso
e de sua pregação, esteja ocorrendo o que foi anunciado para o tempo
da graça (Mateus 11.2-6 par.).
Também, enquanto Elias e Eliseu realizavam sinais no Antigo
Testamento, os sinais de Jesus possuem uma qualidade única.
Distinguem-se de duas maneiras: 1) não julgam, e 2) em Jesus não
encontramos (Lucas 9.51-56; 2 Reis 1.10) o milagre do castigo. A única
ocorrência parecida é a maldição da figueira (Marcos 11.12ss. par.),
pois Jesus não traz o reino como demonstração de poder e julgamento
como os judeus esperavam, mas através duma demonstração
incondicional, Jesus inaugura a época da graça.
2. A fé. Os sinais também estão ligados à fé. Por isso mesmo
Jesus podia recusar-se a executar um milagre espetacular porque seu
povo era incrédulo (Marcos 6.5 par; Marcos 8.11ss. par.), pois uma
revelação de Deus não permite uma posição neutra do observador, mas
significa sempre ou graça ou juízo. Jesus se manifesta como o salvador
para aqueles que crêem.
196
O conceito de “fé” no Novo Testamento era algo completamente
novo no ambiente histórico religioso. No ambiente helenista nenhuma
religião fazia propaganda duma fé em relação à divindade. O homem
grego devia refletir que o mundo é essencialmente divino. A filosofia
estóica baseava-se em conclusões racionais e o gnosticismo em
fenômenos extáticos. No ambiente judaíco o importante era obedecer à
Torá. A fé tinha que ser comprovada pela obediência à lei. Mas a
compreensão de Jesus era diferente.
A fé, em primeiro lugar, era uma resposta à aflição (“Tua fé te
salvou”, Marcos 5.34 par; 10.52 par; Lucas 17.19; 7.50). No Velho
Testamento, sozein, “salvar”, designava a salvação de Deus, onde quer
que haja aflição. Neste sentido, os Salmos falam oitenta vezes,
principalmente ao “pobre” ou “humilde” (anaw), como nas bemaventuranças. É necessário “crer”, e ter fé em Jesus como libertador
que introduz o reino divino na terra.
A fé, em segundo lugar, se baseava em um encontro pessoal com
Jesus. A fé surge sempre e apenas no encontro individual e real com a
presença de Jesus, quando Jesus se dirige a alguém que o procura em
determinada aflição (Mateus 8.10 par, o centurião: “Não achei em Israel
fé como esta”). Fé é a participação real e pessoal (veja o pronome
possessivo: “tua fé te salvou”), não só o saber e a certeza.
A fé toma forma apenas quando o indivíduo desiste de se auxiliar
a si mesmo e de ser altivo, e busca e encontra auxílio em Deus. Fé é
abandono em direção à Deus. O termo hebraico, he‘emin, significa
reconhecer que uma pessoa que nos assegura algo, o possa cumprir. Fé,
então é uma atitude humana somada à obediência e à confiança.
Cooperação é necessária.
A base da fé está na autoridade de Jesus. As narrativas de cura
nunca falam da própria fé de Jesus, mas de sua exousia, de seu “poder”
ou “autoridade”. Então não é uma potência religiosa vicária, mas o poder.
A fé, em terceiro lugar, é evidência da chegada do reino. As
curas são eventos de cumprimento (Mateus 11.3 par) ou vinda do reino
(Mateus 12.28 par). Quando pessoas se transformam em crentes e
intensificam sua relação com Deus, tudo se torna são. Aliás, é
especialmente através da doença, mais do que por culpa e
desconsideração social, que o homem nota que é “pobre”, isto é, alguém
que depende totalmente de seu Criador. Essa condição pessoal é o ponto
197
Igreja: Por quê Me Importar?
de partida para a fé. E fé significa salvação e sanidade corporal. Do
abscôndito do novo (reino) vem a quebra da lei da recompensa: o homem
recebe graça onde deveria contar com desgraça e merecê-la.
3. Os sinais e a pregação. As curas eram diretamente ligadas e
subordinadas à mensagem da alvorada do reino divino, a ser consumado
brevemente (Mateus 9.35). O propósito principal de Jesus não era
meramente curar as pessoas, mas simbolizar e prefigurar a sua salvação
no reino, e ao mesmo tempo, por este “sinal”, prepará-las para aquele
evento já alvorecendo e próximo a ser completado. Não são só
“símbolos”, como também, e ao mesmo tempo, parte componente e
verdadeira destes eventos. Efetuam o que simbolizam, são sinais efetivos
que causam o que significam. São vitórias reais na batalha. Eram estes
atos de poder aliados à pregação de Jesus que tinham tanto impacto,
como na igreja nascente (Atos 6.8,10). Michael Green, no seu livro, A
Evangelização na Igreja Primitiva (Edições Vida Nova), cita numerosos
exemplos desta combinação de pregação e operações de sinais, desde
Jesus e através da igreja apostólica e pós-apostólica até o século III.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
O mínimo que se pode deduzir do ministério milagroso de Jesus
é que a missão implica tanto em demonstração concreta da ação
libertadora e salvífica de Deus, quanto em anúncio desafiador de entrar
numa ordem inteira e radicalmente diferente de valores sob o governo,
o senhorio de Jesus (Romanos 15.18-19; 1 Coríntios 2.4-5). Esta
demonstração atinge as áreas de mais aflição humana—fome, doença,
pobreza, etc.—para evidenciar e efetuar este do reino no meio dum
mundo sujeito às maldades e corrupções espirituais, morais e sociais de
Satanás. Esta demonstração nunca tem como alvo chamar a atenção
apenas para si, mas levar quem for atingido a um encontro pessoal e
real com Jesus, que inaugura o reino. A tarefa da igreja, portanto, antes
da formação doutrinária e institucional, é a participação humana e
profunda com Jesus, isto é, a fé no libertador. Esta tarefa procura instilar
a fé, antes que compromissos eclesiásticos e doutrinários. As fronteiras
da tarefa da igreja no mundo se caracterizam pela presença de “sinais”,
como símbolos e evidências do reino em avanço e como causadores
198
deste avanço. Onde esta tarefa está avançando, podemos esperar a
presença de sinais, e onde não se evidenciam, então este avanço é mais
lento.
O povo de Deus não é um povo viajante e aventureiro à procura
de novas conquistas geográficas e culturais, e sim, um novo peregrino
que, olhando para o reinado e senhorio do Senhor, edifica uma
comunidade de discípulos e seguidores de Jesus que, por sua vez, têm
como valores do reino a justiça e a compaixão.
O mandato de Jesus para missão não se reduz a uma ordem ou lei
legalista, mas surge da identificação com o Messias sofredor e ressurreto
e está inseparavelmente ligado ao dinamismo do Espírito Santo, que
também une o povo de Deus para ser uma comunidade missionária.
Este mandato alarga o próprio ministério de Jesus através de seus
discípulos. O estilo e o exemplo dele são definitivos para os seus
discípulos.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
A pregação da palavra e a aceitação pelos ouvintes são
evidências suficientes da chegada do reino de Deus? Falta algo
mais?
2.
De que maneira o processo de institucionalização eclesiástica
pode desviar a igreja da sua missão integral?
3.
Podemos estabelecer uma analogia entre os diferentes contextos
antigos que levavam para nuanças diferentes entre os
Evangelhos e as diferentes personalidades (e ênfases teológicas)
de denominações contemporâneas?
1
Historical Introduction to the New Testament, 1963.
199
Igreja: Por quê Me Importar?
200
AS BOAS NOVAS
SOBRE JESUS
segundo Mateus
O Novo Testamento do início até o fim, é um livro sobre a
tarefa da igreja no mundo. Os Evangelhos são “gravações vivas” da
pregação missionária, bem como as Epístolas, que serviam como
instrumentos autênticos e reais da obra missionária. Ambos serviram
para consolidar, exortar e incentivar as primeiras igrejas cristãs
emergentes. As comunidades de todos os Evangelhos eram mistas—
havia tanto judeus quanto gentios conversos—e por isso, os Evangelhos
refletem tal mistura de audiência original. Os Evangelhos, porém, não
foram escritos para não-crentes, e sim, para as igrejas em si, para
justificar, renovar e motivar a compreensão da igreja sobre a sua herança
do ministério de Jesus que quebra todas as divisas humanas.
No último estudo enfatizamos uma mensagem e um tema que
todos os Evangelhos têm em comum: o anúncio da inauguração do reino
de Deus por Jesus. No presente estudo, sem perder de vista este tema
comum, queremos enfocar a ênfase específica que Mateus dava ao seu
testemunho a Jesus.
Ênfases do Evangelho de Mateus
Jesus: o Filho de Israel e o inaugurador da nova época dos
gentios. O Evangelho de Mateus foi escrito logo depois da revolta
judaica, cerca de 80-90 depois de Cristo, para uma igreja urbana na
Síria, quando havia uma transição entre o cristianismo judeu e o
cristianismo gentio. Por isso Mateus fala de Jesus tanto como o Filho
de Israel1 quanto o Inaugurador da nova era de salvação, que se estende
para todas as nações. Esta última referência à extensão universal do
ministério de Jesus é central ao Evangelho de Mateus (Mateus 28.16201
Igreja: Por quê Me Importar?
20) embora, às vezes, o Evangelho vacile entre uma perspectiva mais
exclusiva e uma inclusive de salvação.
Jesus: o evangelho do reino. Marcos era a fonte principal do
Evangelho segundo Mateus, mas este último usa também outras fontes.
E assim como Marcos e os outros Evangelhos, adotou o método literário
de narrativa. Porém, Mateus começou mais cedo no seu relato que
Marcos, falando do nascimento de Jesus. Além disto, concluiu mais
tarde, com as aparições em Jerusalém e Galiléia, e entrou assim dentro
da própria história da igreja de Mateus.
Mateus continuou o tema do reino como Marcos, mas muda o
termo para “o reino dos céus”, simplesmente para não ofender a sua
audiência judaica que teria se chocado pelo uso da referência direta ao
nome de Deus. Porém, ele fala especificamente do evangelho do reino,
dando ênfase ao “evento” inteiro do ministério de Jesus. Encontrar o
reino para Mateus, é principalmente encontrar Jesus. Há outros temas
de destaque no Evangelho segundo Marcos que Mateus não desenvolve
(ex., o templo e a polaridade entre Galiléia-Jerusalém não são centrais).
Jesus: a “dobradiça” da história da salvação. A salvação
que experimentamos a nível pessoal e espiritual, na Bíblia, depende
dum processo antes coletivo e histórico. Deus age com a humanidade
em geral e com um povo específico através de eventos na sua história
que revelam progressivamente a vontade de Deus. Chamamos este
processo de história da salvação. Jesus é o ponto crucial e transformador
de toda a história. Inaugura a nova era gentílica. A morte e ressurreição
são o clímax da história pessoal de Jesus, dão significado à sua missão,
e sinalizam o início da nova era que ele inaugura. Mateus releva o evento
da morte e da ressurreição mais que Marcos, pois também relata uma
série de eventos cósmicos: terremotos, pedras rachando, e sepulcros se
abrindo. Há uma transição em Mateus, duma missão de salvação limitada
(10.5; 15.24) para uma missão inclusiva (24.14; 28.19). Assim, a missão
da igreja para os gentios não é acidente da história, e sim, conseqüência
dela, e isto é o propósito de Deus.
202
Jesus: o cumprimento das promessas para Israel. Também
Mateus enfatiza que Jesus cumpriu as promessas feitas para o povo
judaico, não revogando a lei (5.17). Jesus é até descrito como o novo
Moisés. Ao mesmo tempo, Jesus é rejeitado por Israel. A vida de Jesus,
portanto, exige uma resposta: aceitação ou rejeição (veja a parábola do
vinhedo, 21.33-46, versículo 43 é um acréscimo à parábola registrada
em Marcos). A rejeição dos judeus se torna paradoxalmente a abertura
para as nações.
Jesus exige uma resposta de fé. A resposta apropriada a Jesus e
à sua mensagem inclui uma fé ativa na sua pessoa (8.1-4, 5.13; 9.18-31;
15.21-28). A fé dos discípulos é mais evidente em Mateus do que em
Marcos (cf. Mateus 14.33 e Marcos 6.52), mas ainda é pouca fé (6.30;
8.26; 14.31; 16.8). Esta fé, em Mateus exige “entendimento” (em Marcos
os discípulos não entendem, mas em Mateus entendem: cf. Marcos 8.21 e
Mateus 16.12). Também exige “obediência”, demonstrando que Mateus
tem preocupação por uma fé ativa (7.24-27; 5.19).
O desafio evangelístico
No período medieval e logo depois, pensava-se que os apóstolos
tivessem subdividido o mundo entre eles e completado a evangelização
do mundo. Embora Lutero tenha achado que isto era bobagem, nem ele
nem Calvino fizeram muito para mudar esta idéia. O primeiro que
sucedidamente desafiou esta perspectiva popular foi Guilherme Carey,
que em 1792 publicou um livro pequenno com o seguinte título longo:
“Inquérito sobre a obrigação dos cristãos usarem meios para a conversão
dos pagãos”. Disse que o mandato de evangelizar em Mateus 28 aparece
no mesmo contexto que o mandato de batizar e da promessa da presença
de Jesus. Já que se reconhecia a validade atual destes últimos, deveriase também reconhecer a validade da obrigação evangelística. Ele
enfatizou que a “grande comissão” é uma ordem para ser obedecida.
Nossa dívida a Carey pela reconhecimento da importância atual
da “grande comissão” é, sem dúvida, enorme. Mesmo assim, a colocação
desta comissão como ordem e obrigação não é tão boa. De fato, esta
orientação predomina popularmente até hoje. Vale a pena notar, porém,
203
Igreja: Por quê Me Importar?
que nenhuma das passagens paralelas contém própriamente um
imperativo para evangelizar. E, curiosamente, a igreja primitiva nas
epístolas, nunca fez nenhum apelo a tal mandamento. Isto é porque a
missão surge não de ordem e sim de Pentecostes. Era uma dívida de
gratidão e não de dever. Missões não se define por “ir”, e sim por
“fazer discípulos” onde quer que estejamos (cf. Romanos 15.20).
Esta dívida se encontra nos Evangelhos como o último desafio
de Jesus. Foi relatado cinco vezes (enquanto o Sermão no Monte foi
relatado duas vezes, o grande mandamento três vezes, e a oração
dominical duas vezes). São palavras pronunciadas entre a ressurreição
e a ascenção de Jesus. São relatos escritos após a ressurreição, aliás,
depois até das epístolas, portanto, refletem as preocupações também da
igreja primitiva já estabelecida. Os próprios Evangelhos já são atos
missionários. Assim, queriam chamar as pessoas à uma decisão de fé
em Jesus.
O mandato está sempre ligado à ressurreição de Jesus que a revela
como o resultado da coroação de Jesus como Senhor. Portanto, o período
entre a ressurreição e a segunda vinda não é um simples período vazio,
mas o período de evangelismo quando o domínio do Senhor é expandido
universalmente (veja Filipenses 2.5-11 e I Coríntios 15.23-28).
Aprofundando mais...
É importante reparar o contexto da passagem: os discípulos
estavam entre a adoração e a dúvida (Mateus 28.17)! A passagem é
compreendida em três divisões. Primeiro, há uma declaração de
autoridade que lembra de Daniel 7.13-14 e do interrogatório de Jesus
pelo Sinédrio em Mateus 26.64. Tanto o local, a montanha (sempre o
lugar de revelação em Mateus), quanto a atividade dos discípulos, a
adoração, ressaltam a autoridade de Jesus. Certamente ele já possuía
autoridade antes (curando, libertando, ensinando, etc.) mas agora é lhe
atribuida “toda” autoridade “nos céus e na terra”, tendo uma dimensão
de extensão universal. Todos os relatos enfatizam que a autoridade
salvífica e libertadora procede dele, a vítima que se tornou vitoriosa.
A segunda divisão, indicada pela conjunção “portanto”, indica
que o mandato segue como conseqüência da coroação do Senhor
204
ressurreto e da autoridade que isto traz. Em síntese, a proclamação do
evangelho é a proclamação do seu senhorio. A missão é a manifestação
do seu domínio universal. O verbo “ir” é secundário, e ligado
gramaticalmente ao verbo principal “discipular”. Desta forma, os dois
juntos se referem a uma só ação, a ação não de ir para algum lugar, mas
a ação de fazer discípulos. O verbo “ir” serve como reforço à ação do
verbo “fazer discípulos” e acrescentando uma nota de urgência. Podese traduzir assim: “ide fazer discípulos”, ou passando a terceira pessoa
singular: “vá fazer discípulos”. É a tarefa, portanto, e não a localidade
que é importante. Missão é trazer pessoas a Jesus, como Senhor, onde
quer que estejam. Missão ocorre em todo lugar onde o senhorio de
Jesus não penetrou toda faceta da vida humana.
A idéia do “discípulo” cristão é semelhante à idéia do discípulo
do rabino, mas também é diferente das seguintes maneiras: o discipulado
cristão se liga a Jesus em si. Jesus está no centro do relacionamento e
não a Torá. O discípulo cristão é chamado por Jesus e não vice-versa,
tem relacionamento permanente com Jesus, e transmite não só os ensinos
do mestre como dá testemunho do próprio mestre. Finalmente, Jesus
não debate com alunos como os rabinos o fazem. Jesus debate só com a
oposição. O discipulado em Mateus 27.57 se assemelha à espera pela
vinda do reino em Marcos 15.43.
Esta segunda divisão da passagem, que afirma a atividade
missionária contínua, ainda define o discipulado pelos verbos qualificativos,
“batizando” e “ensinando”. Estes descrevem o conteúdo do discipulado e
o coloca no contexto de ingresso na igreja. “Guardar todas as coisas que
vos tenho ordenado” é uma alusão clara a Mateus 19.17. Em outros lugares
se resume com “fazer justiça” (Mateus 5.20, 6.33).
Se “batizando” e “ensinando” definem o conteúdo do
discipulado, as “nações” (ethne), definem o seu alvo. Este termo não se
refere apenas a grupos sociologicamente definidos como grupos étnicos,
mas também é uma distinção religiosa diferenciando o judeu do nãojudeu (como o hebraico que o traduz, gôyim). Mas nem sempre é uma
referência apenas aos gentios, pois pode também se referir ao mundo
inteiro (compare Mateus 24.14; Marcos 13.10; Marcos 16.15 e Mateus
26.15) incluindo tanto os judeus como a pluralidade de povos distintos
(Salmo 72; Isaías 66; Apocalipse 5.7). O discipulado se destina a todos,
sem distinção, do mundo inteiro.
205
Igreja: Por quê Me Importar?
Finalmente a terceira divisão abrange a promessa da presença
do Senhor (a autoridade que dá o mandato) na tarefa que a igreja recebe.
Esta promessa é o maior dom que a igreja recebe, e é a maior e última
promessa de Jesus, válida até os dias de hoje. Ela nos lembra do início
do Evangelho e o nome dado a Jesus, “Emanuel”2 , “Deus conosco”.
Estas palavras são, então, uma recapitulação das promessas implícitas
em Mateus. Mas também são uma antecipação, pois ligam missão ao
fim. Missão é uma expectativa escatológica da realização plena do
reino de Deus, quando a justiça definitivamente se instalará.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a relevância do enfoque específico de Mateus para as
igrejas no Brasil?
2.
Como você relaciona o Jesus Cristo ao nosso modelo para
missões hoje?
3.
Qual é a ligação entre a ressurreição e missões?
4.
O uso de expressões e conceitos regionais e não judaicos serve
como modelo para a comunicação do evangelho hoje? Como?
5.
Quais são principais barreiras para que sejamos “imitadores de
Cristo” no nosso testemunho no mundo? Como podemos vencêlos?
6.
Podemos realmente “encontrar pessoalmente” com Jesus hoje?
Como?
1
Mateus cita o Velho Testamento 40 vezes, das quais 20 vezes são independentes de Marcos e
Lucas para mostrar que Jesus cumpre a aliança veterotestamentária e é o “novo Moisés”.
2
Ligado ao conceito rabínico de Shekinah, com uma missão perigosa (cf. Josué 1.5; Isaías
43.2,5)
206
AS BOAS NOVAS
SOBRE JESUS
segundo Marcos
Marcos escreveu o primeiro dos Evangelhos, ou logo antes ou
logo depois da destruição de Jerusalém, no ano 70 depois de Cristo,
talvez em Roma (embora alguns pensem ter sido na Palestina ou Síria).
“Marcos” provavelmente era João Marcos (Atos 12.12, 25; 15.37, 39;
Colossenses 4.10; 2 Timóteo 4.11; Filemon 24; 1 Pedro 5.13).
O Evangelho fielmente transmite o conteúdo e intentos básicos
do ministério do reino de Jesus. Apresenta o reino como a nota chave
do ministério de Jesus (1.14-15) e depois descreve toda a extensão da
sua atividade que define o sentido do reino, sendo a sua morte e a sua
ressurreição o ingrediente principal.
A dinâmica do estilo narrativo. Marcos, como os demais
evangelistas, interpreta a missão de Jesus de várias maneiras. Primeiro,
o mero fato de empregar o estilo literário da narração favorece a nossa
compreensão de Jesus e da sua mensagem como sendo dinâmicos e não
estáticos. Somente uma narrativa pode capturar isto. Marcos acredita
na comunicabilidade inerente da pessoa e da mensagem de Jesus.
A estrutura do Evangelho. Quanto à estrutura da narrativa,
no prólogo (1.1-13), a missão de Jesus está ligada à missão escatológica
de João. A seguir, na primeira seção (1.14-8.21), o ministério de Jesus,
ministrando o reino de Deus, ocorre na Galiléia. Há um ministério de
cura, ensino e confronto profético. Na segunda seção (8.22-10.52), o
tema gira em torno do sofrimento. A audiência é quase exclusivamente
composta por seus discípulos (sem as multidões) ainda na Galiléia, mas
já em transição para Jerusalém. Na terceira e última seção (11.1-16.8),
o enredo se intensifica nos temas de oposição, sofrimento e morte. O
local muda para Jerusalém. O tema da peregrinação de Jesus permeia
207
Igreja: Por quê Me Importar?
todo o Evangelho, sendo anunciado em 1.2-3, e prefigurado no ministério
de João (1.4-8). Jesus está peregrinando e todo o relato implica que a
igreja deve seguí-lo, caminhando além de seus limites tradicionais. Esta
estrutura, no mínimo, reforça o dinamismo da pessoa e ministério de
Jesus.
O Jesus histórico. Marcos especialmente descreve Jesus como
uma figura dinâmico e comunicável. Aliás, o fato de Marcos concentrar
em tantos detalhes da vida e ministério de Jesus mostra o tanto que o
Jesus histórico era considerado. Marcos e os outros Evangelhos
consideram a significância da sua morte e ressurreição à luz de todo o
seu ministério histórico, não como Paulo, que não menciona nenhum
detalhe da carreira de Jesus antes da sua morte. Em Marcos, a definição
da missão da igreja se torna uma recitação histórica da vida de Jesus.
Uma “missão” não exclusiva. A inclusividade da missão de
Jesus no Evangelho revela uma outra convicção do autor quanto a
responsabilidade missionária da igreja. Isto se evidencia pela maneira
que Marcos organiza as palavras de Jesus pelo uso de geografia, de
Galiléia até Jerusalém. Na Galiléia a população era mista. Era o lugar
de abertura para a pregação entre os gentios. Por sua vez, Jerusalém era
o lugar de oposição e morte. A sua população era judaica. Depois da
sua morte, Jesus envia seus discípulos de volta para Galiléia, o lugar do
seu ministério do reino, para uma missão universal (14.28; 16.7). O
mar da Galiléia (4.35-8.21) é paradigmático: de um lado, os judeus, do
outro, os gentios. Jesus vai e volta várias vezes, um ato que Marcos
interpreta como uma indicação de que o evangelho é tanto para judeu
quanto para gentio.
A inclusividade da missão de Jesus em Marcos se evidencia no
relato do centurião gentio que é o primeiro ser humano a confessar
abertamente que Jesus é o filho de Deus (15.39). E é dentro desta
perspectiva que enquanto a pregação se dirije primeiro para o judeu
(7.27-28), há uma abertura de espaço para a comissão universal (13.10).
Aqui lemos da rejeição de Jesus pelos judeus e a conseqüente abertura
do evangelho para os gentios que começa na primeira parte do
Evangelho, mas alcança o seu clímax na terceira, onde em Jerusalém
Jesus encontra a oposição dos judeus.
208
Em terceiro lugar, a inclusividade da missão de Jesus aparece
na referência ao novo templo não feito pelas mãos (capítulos 11-15).
Este será uma “casa de oração para todas as nações” (11.17) e substituirá
o templo. A mesma mensagem é dada pela referência aos “outros” na
parábola do vinhedo (12.1-2) e pelo enfoque no véu que se rasga na
morte de Jesus. O evangelho se destina a todos, judeus e gentios.
O discipulado. Uma outra maneira que Marcos interpreta a
missão de Jesus é pelo relevo dado o discipulado. Marcos define
“discipulado” em termos da resposta que os seguidores dão a Jesus. O
discípulo deve ser um “pescador de pessoas” (1.16-20; 2.14). Porém,
nem sempre os discípulos responderam positivamente; eles não
entenderam as parábolas e alguns milagres, não sabiam responder a
questão da identidade de Jesus, dormiram no Getsêmani e na sua morte
um o traiu (Judas) enquanto um outro o negou (Pedro). Assim, os
discípulos exemplificam tanto a resposta certa quanto a resposta errada
que deve ser dada à identificação de Jesus.
Jesus, a revelação de Deus. Finalmente, Marcos compreende
Jesus como a revelação de Deus. Sua identidade transcendente sempre
aparece no Evangelho: quando declarado Filho de Deus no batismo
(1.11) e na transformação (9.7); nas curas e nos exorcismos; e pelas
reações que Jesus provocava nas pessoas (temor e reverência 1.27; 9.32;
silêncio 16.8).
Em tudo isto, pela pregação do reino de Deus, pela
comunicabilidade de sua pessoa, pela universalidade da sua missão,
pela resposta que exige de quem queira ser seu discípulo, e por ser a
revelação de Deus, Marcos enfatiza a importância da pessoa de Jesus
como o Cristo cósmico.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a relevância do testemunho de Marcos para a igreja no
Brasil?
209
Igreja: Por quê Me Importar?
2.
A igreja deve peregrinar “além dos seus limites tradicionais”?
Como? Quem são os nossos galileus?
3.
Que estratégia a igreja pode usar para estender suas tendas,
lembrando o Evangelho de Marcos?
4.
Como você vê a pessoa de Jesus? Quem era ele, a final de
contas?
210
AS BOAS NOVAS
SOBRE JESUS
o Evangelho de Lucas
Os dois volumes de Lucas, o seu Evangelho e os Atos dos
Apóstolos, podem ser a apresentação mais clara da missão da igreja em
todo o Novo Testamento. O fato de Lucas ligar a história de Jesus à
história da igreja indica que um dos seus propósitos era mostrar o
relacionamento entre os dois.
Especialmente no “terceiro mundo”, há muito interesse na
perspectiva de Lucas por causa da sua ênfase no caráter profético do
ministério de Jesus, e por causa do seu confronto com questões de
injustiça. Além disto, o relato por Lucas do desenvolvimento da
comunidade primitiva, nos oferece a melhor fonte de informação sobre
a história da igreja primitiva. Portanto, pessoas interessadas tanto na
história quanto no ministério social, freqüentemente recorrem a Lucas.
É difícil identificar a situação da igreja de Lucas. Seus dois
volumes provavelmente foram escritos depois de 80 d.C., e
provavelmente para uma igreja de maioria gentílica. Havia uma
perseguição talvez tanto dos judeus quanto dos pagãos. Mesmo assim,
o tom do Evangelho é mais positivo que negativo. Seu objetivo é de,
ousadamente, urgir seus colegas cristãos para penetrarem no mundo
com o mesmo Espírito de Jesus e da primeira geração de discípulos.
A “ordem” (Lucas 1.3) que Lucas menciona na sua exposição
não se refere a uma simples recitação cronológica impassível dos
eventos, mas reflete o seu entendimento da significância da história de
Jesus. Seu relato demonstra que uma preocupação principal era a de
fortificar a missão inclusiva e contínua da comunidade de Jesus, que
ele havia estabelecido através do seu ministério dinâmico do reino.
211
Igreja: Por quê Me Importar?
Ênfases de Lucas (vv. 24.44-49)
O elo entre seus dois volumes é Lucas 24.44-49, e o seu eco,
Atos 1.3-8. Esta passagem sintetiza o enfoque e propósito do Evangelho
e, ao mesmo tempo, prepara o leitor para a continuação da saga no
livros dos Atos dos Apóstolos. O seu propósito é instruir a igreja sobre
a natureza e o escopo da sua tarefa no mundo. As características
principais destas passagens são:
1. Uma afirmação do Cristo ressurreto sobre o ministério
que a igreja deve cumprir depois que Jesus volta ao Pai (v. 44). A
natureza da tarefa da igreja se tornou evidente e clara apenas depois da
páscoa. Mesmo assim, o reconhecimento não veio facilmente. Foi
através do poder e da intervenção do Espírito que os apóstolos
compreenderam plenamente que eram chamados para irem “até os
confins da terra”.
Lucas nos relata que essa tarefa da igreja está arraigada na
própria história de Jesus. Como em Mateus, a comunidade recebe a sua
missão pela autoridade de Cristo (Mateus 28.19); aqui também esta
missão deve ser realizada “em seu nome” (Lucas 24.47). Por isso o
evangelho serve de paradigma para a tarefa da comunidade. Todas as
características do ministério de Jesus, portanto, se manifestarão na tarefa
da igreja no mundo.
2. O cumprimento das escrituras (v. 44). Cristo deixa claro e
explícito aquilo que interliga todo o evangelho: ele cumpria “tudo o
que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos profetas e nos Salmos”
(compare Levítico 24.20). Esta perspectiva é semelhante a de Mateus e
até de todo o Novo Testamento que enxergava na pessoa e no ministério
de Jesus o cumprimento do plano divino de salvação profeticamente
expressado no Velho Testamento. Assim, há continuidade com a herança
de Israel.
É significante que Lucas entenda que o cumprimento das
Escrituras não se dava apenas na história de Jesus, mas também na
história da comunidade, pois todos os elementos de v. 46-48 encaixam
sob o título “Assim está escrito”; a morte e ressurreição de Jesus, a
212
proclamação mundial da conversão e perdão, e o dom do Espírito para
a comunidade testemunha.
3. A tarefa da igreja no contexto da ressurreição de Jesus.
Lucas, junto com os outros Evangelistas, encarou a morte e a ressurreição
como o ápice na história de Jesus. A narrativa da jornada iniciada em
Lucas 9.51 e continuada até a entrada em Jerusalém (19.41) focaliza o
relato nesta direção. O sofrimento de Jesus passa a ser um padrão da
obra de Deus na história e era necessário para Jesus (24.26) como era
para os profetas de Israel (13.34) e serve de padrão para a própria
comunidade de testemunhas.
A mensagem de salvação chegará às nações em e através de
sofrimento: o aprisionamento dos apóstolos se torna uma oportunidade
para pregação (Atos 5.40-42), a morte de Estevão traz a mensagem
para Samaria (Atos 8.4-5) e aos gregos (Atos 11.19-21), e as
perseguições e dificuldades de Paulo não impedem o Espírito (Atos
28.30-31).
O restante da passagem chave de Lucas (24.47-49) descreve o
estilo e conteúdo da missão da comunidade.
4. O chamamento para a conversão e a promessa de perdão.
O chamamento para conversão implica em compromisso total e a reação
ao evangelho deve ser deliberada e aberta (veja as parábolas em Lucas
14.28-33). Continua logo no início da pregação da comunidade primitiva
(Atos 2.37-38) e serve como um tema dominante dos dois volumes.
Assim, Lucas lembra à comunidade que a salvação permanece o alvo
da tarefa da igreja no mundo.
5. A tarefa deve ser inclusiva (v. 47). A tarefa começou em
Jerusalém e se expandiu para todas as nações (Lucas 24.47). A origem
da missão em Jerusalém destaca o cumprimento de Jesus para Israel, e
o local predomina especialmente em Lucas (Lucas 1.9; 2.41-52; 9.5119.40; 24.49,52; Atos 1.4). Jesus, que cumpre o Velho Testamento, faz
o clímax do seu trabalho messiânico em Jerusalém (Lucas 13.33) e é de
Jerusalém que a comunidade cristã parte para a sua missão. A missão
da igreja continua o plano de Deus para salvação que começou em Israel.
213
Igreja: Por quê Me Importar?
6. A tarefa da igreja quebra todas as barreiras humanas.
Mesmo Lucas, reconhecendo que a igreja tem raízes judaicas, afirma
que a sua missão vai além de qualquer barreira humana. Toda a estrutura
de Atos demonstra esta quebra, assim como o evangelho penetra desde
“Judéia e Samaria até aos confins da terra” (Atos 1.8). Lucas,
eventualmente, baseará esta universalidade na vontade de Deus (Lucas
4.14,18; Atos 10.34).
7. Os apóstolos são “testemunhas” (v. 48). Os doze apóstolos
formam uma ligação viva entre a história de Jesus e a história da igreja.
A perseverança se torna uma associação crucial para eles na perspectiva
de Lucas (veja a lista de pré-requisitos em Atos 1.21-22). Eles fazem
um papel muito importante no início da missão da igreja e ocupam
muito da atenção de Lucas até o foco em Paulo, a partir do capítulo 15.
8. A fonte sustentadora e direcionadora da missão: o Espírito
Santo (v. 49). Sem dúvida, isto é um tema que domina todo o relato de
Lucas. O próprio ministério de Jesus inaugura a era do Espírito. O dom
do Espírito para a comunidade é o verdadeiro resultado da obra redentora
de Jesus (Lucas 24.49; Atos 1.4-5). Começando com o Pentecostes e
através de todo o relato em Atos, o escopo cada vez mais abrangente e
mais largo da missão da igreja é atribuído a obra do Espírito.
Os elementos básicos da perspectiva missionária de Lucas são
resumidos então em Lucas 24.44-49, e entrelaçam e ligam os seus dois
volumes. Destacamos, agora, estes elementos no Evangelho segundo
Lucas.
Aprofundando mais... (todo o Evangelho)
1. O escopo universal da tarefa. Apesar das restrições
geográficas do ministério de Jesus, Lucas claramente destaca a sua
potência universal. O cântico de Simeão expressa o tema na infância de
Jesus: “luz para revelação aos gentios e para glória do teu povo de
Israel” (Lucas 2.32). Todo o clima destes primeiros capítulos enfatiza o
tema. O nascimento de Jesus exige a marcação dum imperador mundial,
214
Augusto, e o seu governador, Quirino (2.1-2); e o seu ministério é
marcado pelo reinado de Tibério (3.1). Isto coloca a vida de Jesus ao
nível de eventos mundialmente significantes. O tema é ecoado de novo
na citação de Isaías, “e toda a carne verá a salvação de Deus” (Lucas
3.6). Paulo também ecoará Isaías 40.5 na conclusão de Atos, quando
ele vira que a salvação passou dos judeus para os gentios: “tomai, pois,
conhecimento de que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios”
(Atos 28.28). Esta universalidade se encontra no próprio ministério de
Jesus, onde sua força pode ser sentida na dramática cena inaugural do
seu ministério em Nazaré:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me
ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para
proclamar libertação aos cativos e restauração da vista
aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e
apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4.18-19,
veja Isaías 60.1-2a).
Aqueles na periferia—os pobres, os cativos, os cegos, e os
oprimidos—são especialmente os recipientes do ministério de Jesus
cheio do Espírito. Aqui Lucas está prevendo literalmente as
conseqüências últimas do ministério de Jesus: um ministério com
publicanos e pecadores (Lucas 5.27-32; 15.1-2, ...), com mulheres, o
centurião gentio (7.1-10) e samaritanos (9.52-55; 10.30-37; 17.11-19),
com leprosos (5.12-15) e com pobres (16.19-31; 18.18-27). Lucas deixa
claro que esta característica universalista do ministério de Jesus se tornou
o padrão para a igreja primitiva (Atos 10.38).
2. A continuidade com a história de Israel. Jesus é o Messias
e filho davídico de Deus (1.32,35,68-79; 2.11; 3.22). A expectativa de
Zacarias, Isabel, Maria, José, Simeão, Ana e os pastores demonstra que
o nascimento de Jesus é o clímax das promessas para Israel. A genealogia
de Jesus é traçada através da linha davídica desde Abraão, Adão e desde
até o próprio Deus (3.23-28). Jesus afirma que a promessa messiânica
de Isaías 61 se cumpre na inauguração de seu ministério (4.17-22).
215
Igreja: Por quê Me Importar?
A necessidade de sofrimento está de acordo com os profetas de
Israel (20.9-10), e a necessidade explícita de se esforçar para Jerusalém
(17.24; 18.31-34; 24.7,26,44 e também Atos 17.3; 26.22-23) mostra
que a morte de Jesus é o clímax da obra salvífica de Deus para com o
seu povo Israel. Jesus é o Filho de Deus (20.17) e seu nome funda a
comunidade messiânica (22.28-30).
3. A missão da salvação. O conteúdo do ministério da igreja é
o mesmo do ministério de Jesus: o arrependimento e o perdão (Atos
2.38; 3.19,26; 8.22; 10.43; 13.38; 17.30; 20.21; 26.18,20). Este
ministério é anunciado por Zacarias (Lucas 1.77) e prefigurado em João
Batista (Lucas 3.3, veja a definição por João em 3.7-14).
No ministério de Jesus (Lucas 4.31ss) a palavra “perdão”, afesis,
significa libertação. Jesus não só “perdoa” (5.20; 7.47-48; 28.34) como
também “liberta” aqueles amarrados fisicamente por dor, doença, etc.
(13.10-17). Lucas, como os outros Evangelistas, indica que a libertação
é libertação de Satanás, o mal último (4.13; 22.23-28; 11.20).
O chamamento para conversão é parte essencial da missão de
Jesus de salvação. Implica em transformação, metanoia (24.47; 3.3;
5.32; 15.7,9,32). As exigências do discipulado são uma forma intensiva
deste chamamento à metanoia. Os candidatos para o discipulado devem
calcular o custo e reconhecer a necessidade de renunciar todo obstáculo
para o compromisso completo, antes de embarcar no caminho do
discipulado (14.25-33).
4. A formação da comunidade. Os discípulos juntaram-se no
fim do Evangelho (24.33) não só para continuar a missão de Jesus no
período pós-páscoa, mas como resultado final daquela missão. O
propósito da missão de Jesus era restaurar Israel (1.68-79) e formar o
povo de Deus. O relato de Pentecostes conta o clímax desta formação
(Atos 2.43-47). Pois o propósito de Deus, que Lucas destaca, é que
“toda carne” se incorpore no povo de Deus, todos que temem a Deus e
se comportam justamente (Atos 10.34).
O tema da “refeição” é usado para reforçar esta formação de
gente, a despeito de divisas humanas (Lucas 5.29-32; 7.34; 15.1-2; 7.3650; 19.1-8; 22.19-20; 24.13-35, 41-43). Assim, em Atos, a comunidade
216
pelejará para se assentar à mesa dos gentios. A parábola do banquete
ilustra esta preocupação de incluir todos na salvação de Deus,
especialmente os menos esperados (14.15-24; veja 13.29). Em Lucas,
isto é ilustrado pelo grande número de vezes que o socialmente
marginalizado responde, até melhor que os judeus (o centurião—7.110, a pecadora—7.42-50, as cidades de Tiro e Sidon—10.13-14, a rainha
do sul e os cidadãos de Nínive—11.29-32, o leproso samaritano—17.1119, o Samaritano amoroso—10.25-37, o pobre Lázaro—16.19-31, o
publicano arrependido—18.9-14 e a pobre viúva—21.1-4).
O direito de ser incluído na comunidade do povo de Deus, portanto,
não depende da herança ou do status de alguém, mas somente da sua posição
e atitude que assume para com o convite universal de Deus.
5. Os testemunhos perseverantes. Já vimos em Mateus e
Marcos que aqueles que encontram Jesus devem assumir também uma
atitude para com ele. O mesmo é verdade em Lucas. O tema já surgiu
na aparição depois da ressurreição: “Vós sois testemunhas destas coisas”
(24.48), disse Jesus para “os onze e outros com eles” (24.33). À medida
que o relato se desdobra em Atos, serão os apóstolos (agora os “doze
restaurados”, Atos 1.15-26) e outros discípulos importantes como
Barnabé e Paulo que darão testemunho de Jesus aos confins da terra.
Esta função tem suas raízes no Evangelho, onde as exigências
para o discipulado são definidas como “quem andou com Jesus desde o
início” (Atos 1.21-22). Um exemplo notável de discípulo é a própria
mãe de Jesus, Maria (Lucas 1.26-38, veja 8.15), que perseverou na sua
fé (Lucas 1.45; 8.19-21; 11.27-28). Lucas caracteriza a comunidade
que dará testemunho de Jesus (Lucas 5.1-11) através da noção do
discipulado—ouvir atentamente a Palavra, ter uma atitude de fé e
perseverar.
A função específica dos doze começa a surgir quando, em Lucas,
Jesus seleciona seus discípulos e os chama de “apóstolos” (Lucas 6.1216). Em Lucas 9.1-6 estes doze são “enviados” (o significado de
apóstolos) para “pregar o reino de Deus e curar”, a missão exata do
próprio Jesus. Há um círculo maior de discípulos, dos quais os doze são
escolhidos, os “setenta”, que também são enviados para combater o
mal como Jesus o faz (Lucas 10.1-20).
217
Igreja: Por quê Me Importar?
O papel dos “doze” é enfatizado porque demonstra a ligação
entre Israel (doze tribos) e a igreja (Lucas 22.14-32); enquanto os
“setenta” demonstram a ligação entre as nações (de acordo com a
tradição judaica) e a igreja. Por causa deste papel, o discípulo deve
perseverar, e este tema é desenvolvido por Lucas, tanto que o fracasso
dos discípulos na paixão adquire menos ênfase em Lucas, para manter
o tema de perseverança (Lucas 23.49), e o fracasso de Pedro, em
particular, somente em Lucas parece ser corrigido durante o julgamento
de Jesus (Lucas 22.61-62); e os relatos da aparição de Cristo ressurreto
para os doze servem para reanimar sua fé na hora em que a perseverança
estava fraca (24.8,9,33,36-49).
6. O poder do Espírito Santo. As últimas palavras de Jesus
garantem o dom do Espírito: “Eis que envio sobre vós a promessa de
meu Pai, permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos
de poder” (24.49, veja Atos 1.4-5,8). De todos os Evangelistas, Lucas
elabora mais a significância do Espírito. É o poder do Espírito que
propulsiona a comunidade para dentro do mundo gentio e a guia na sua
estratégia pastoral.
Porque o Espírito se torna, num sentido, o “substituto” da pessoa
de Jesus, não é surpreendente que ele apareça mais em Atos (42 vezes)
que no Evangelho (13 vezes). Porém, como em tudo, para Lucas a
história da igreja tem as suas raízes na história de Jesus. Portanto, antes
do Cristo ressurreto enviar o Espírito para a comunidade, ele mesmo
prova a “promessa do Pai”.
O Espírito marca a explosão da nova era de salvação no
nascimento de Jesus (Lucas 1.67,41,15; 2.25,36; 3.16; 1.35), como marca
a explosão da missão da igreja para o mundo (Atos 2). É o Espírito que
identifica Jesus como Filho de Deus (Lucas 1.35; 3.22) e que dá
dinamismo para a sua missão (Lucas 4.1; 3.22-38; 4.4; 4.16-30). Desta
maneira, o Espírito de Deus é o elo que causa a continuação entre a
missão de Jesus e a missão da comunidade do povo de Deus.
218
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a relevância da perspectiva de Lucas para a igreja no
Brasil?
2.
Como você relaciona Jesus Cristo ao nosso modelo de missões
hoje?
3.
Como você relaciona o Espírito Santo ao nosso modelo de
missões hoje?
4.
Qual é a ligação entre a ressurreição e missões?
219
Igreja: Por quê Me Importar?
220
AS BOAS NOVAS
SOBRE JESUS
o Evangelho de João
João escreve de maneira bem diferente que os outros Evangelistas,
e descreve Jesus também de maneira diferente. Por isso, a sua
contribuição é singular no Novo Testamento. Ele tem atraído
contempladores e comentaristas durante toda a história da igreja,
inclusive, nos dias de hoje. Poucos destes comentaristas, porém, repara
a significância de João para a tarefa da igreja no mundo.1 Isto é uma
grande pena, pois muitas das ênfases e preocupações de João têm alta
significância para a tarefa evangelística.
O Evangelho de João e os Evangelhos Sinóticos
Antigamente, a idéia comum era que os três primeiros Evangelhos,
também chamados de sinóticos2 , descreviam a história de Jesus como
“fotografias”, enquanto o Quarto o fazia mais criativamente como uma
“pintura”. Hoje se reconhece a criatividade de todos os quatro
Evangelhos, sendo todos vistos como “pinturas”. De fato, há diferenças
de forma—os Evangelhos sinóticos compartilham um estilo episódico
notavelmente diferente da continuidade alusiva do Quarto. Porém, a
diferença que importa mais não é só de forma, mas a diferença na própria
intenção do autor.
Cada um dos evangelistas inicia sua obra traçando a
atividade de Jesus desde a sua origem (arche): Marcos
desde a obra do Batista e o batismo de Jesus, com a
descida do Espírito e o pronunciamento divino, “Tu és
meu Filho”; Mateus e Lucas, desde o nascimento de
Jesus duma virgem; João desde a criação, e além dela.
221
Igreja: Por quê Me Importar?
Cada um tem o propósito de preparar seus leitores para
a compreensão da narrativa subseqüente; Jesus deve
somente ser entendido como Messias, como Filho de
Deus, e como o Logos. Somente João, entretanto, dá à
narrativa sobre Jesus, uma estrutura teológica
absoluta. (Barrett)
O pano de fundo
O Evangelho segundo João foi escrito no contexto do diálogo
com vários grupos e ideologias do século I. Não há concordância,
entretanto, a respeito da origem específica da comunidade de fiéis da
qual João faz parte e para quem este Evangelho foi escrito, nem
tampouco sobre as influências que esta comunidade sofreu e que João
trata neste Evangelho. O que podemos afirmar é que o apóstolo foi
associado às igrejas da Ásia e que a autoridade conferida à João na
época de Domiciano (81-96 d.C.) nesta região era tão notória quanto a
fama de Paulo nas regiões européias.
No contexto de um mundo variado nos seus conceitos de
divindade, nem mesmo o nascimento virginal seria necessariamente
prova de que Jesus era Deus. Jesus, portanto, é apresentado como “o
verbo que estava no início com Deus, e que era ele mesmo Deus”. Ou
seja, João contextualiza o evangelho em termos que seus leitores possam
compreender, e de maneira relevante às suas idéias e ao seu mundo.
João, como Paulo, começou a discursar sobre Jesus de uma
maneira que seus leitores pudessem entender dentro da sua apreensão
intelectual—verdadeira ou falsa—com a revelação de Deus. Paulo e
João deixam claro que apenas Cristo tem autoridade última no cosmos.
Aceitá-lo como possuindo autoridade limitada é não entendê-lo de
maneira alguma. Paulo e João querem mostrar as implicações absolutas
da fé cristã—que Jesus é o evangelho e que o evangelho é Jesus—para
pessoas cientes da linguagem das religiões e filosofias populares naquele
tempo em grande parte do Império Romano. A convicção de João, que
Jesus é o único revelador de Deus, levou-o a, corajosamente, reinterpretar
as conceituações tradicionais e proclamar o evangelho numa linguagem
popular, com símbolos potentes e cósmicos, uma linguagem que fazia
sentido para os seus primeiros leitores.
222
A divindade de Jesus
O Quarto Evangelho logo apresenta Jesus como o revelador único
do Deus vivo (1.18). Assim, desde o princípio no seu Evangelho, Jesus
é levado a mais alto nível cósmico. Tal cristologia desenvolvida se torna
a chave para todo o Evangelho, inclusive no que se trat da tarefa da
igreja no mundo.
A encarnação: o Logos. O prólogo (1.1-18) serve como base de
todo o Evangelho de João. Em linguagem da filosofia grega popular
(com o padrão de descida e subida espacial, e o uso de termos como
“logos”, “mundo” e “carne”), João descreve Jesus como o “Logos” cuja
missão é oriunda do Pai, estando junto com Ele desde o início e sendo
tão intimamente ligado a Deus e revelando-o de tal forma, que o verbo
se identifica como Deus (1.1-2). O “Verbo” penetra progressivamente
a esfera humana, criando toda a realidade, dando-lhe vida, e iluminandoa. Este último aspecto não se refere à uma “iluminação”, por Deus, de
todos os homens que, subseqüentemente, era aprofundada pela
manifestação mais completa de Logos na encarnação. Embora
“iluminar” possa significar “iluminar interiormente”, o sentido mais
freqüente na Bíblia é “derramar luz sobre” ou “trazer à luz” e então
expor ao julgamento. João 3.16-21, portanto, serve de comentário para
João 1.9. Afirmar que o “Verbo” ou a “Palavra” de Deus pode se
encontrar particularmente, ainda que obscuramente, em qualquer sistema
religioso, é precário. A “vida” é a “luz dos homens” porque traz para o
julgamento “as trevas” egocêntricas, materialísticas e opressoras que
escravizam o ser humano por natureza; e o faz onde quer que as trevas
se encontrem—em qualquer religião, inclusive na própria igreja de Deus
e em qualquer sistema social em todos os níveis. Contudo, em seu
motivo, o julgamento não é destrutivo. A Palavra de Deus julga
primariamente, a fim de salvar. E aqueles que aceitam a Palavra
encontram a sua identidade verdadeira nela.
Finalmente, a Palavra se envolve tanto na esfera humana que se
torna “carne” e vive no meio da comunidade (1.14). E a comunidade crente
é quem reconhece a “glória” de Deus revelada na Palavra feita carne e
assim recebe uma abundância sem paralelo de graça, para verdadeiramente
conhecer ou ver o Deus impossível de se ver (1.16-18).
223
Igreja: Por quê Me Importar?
Além do contexto da filosofia grega popular, não devemos
negligenciar a influência de fontes bíblicas e judaicas no discurso de
João sobre a encarnação. O Velho Testamento já possuía uma noção
desenvolvida da “Palavra de Deus” como a revelação da sua vontade e
propósito criativos. Está até personificada em textos proféticos como
Isaías 55.10-11. Também as passagens que falam da Sabedoria
personificada são cruciais para se entender o pensamento de João. A
sabedoria é descrita como a manifestação da presença de Deus ao mundo
que forma o padrão da criação (Sabedoria 9.1-2,9; Provérbios 8.22-31),
que vem habitar no mundo (Sabedoria 9.10; 18; 14-15; Sirácida 24.814) e encontra ou aceitação ou rejeição (Sirácida 24.19-22; Provérbios
8.32-36). João, então, identifica abertamente Jesus como a Palavra
reveladora de Deus, como a Sabedoria encarnada.
A encarnação não é mais um tema do Evangelho de João, mas é
a base para todos os demais aspectos da teologia deste Evangelho.
O Filho do Homem. O título usado por João 20 vezes, “Filho do
Homem”, é o mais significante de todos os títulos usados no primeiro
capítulo do Evangelho (1.19-51), pois João o usa para descrever a origem
celestial e misteriosa de Cristo na sua missão de revelar a Deus. E para
ele, o momento mais intenso na missão reveladora é o momento da
morte de Jesus. É neste momento que Jesus é elevado (3.14; 8.28;
12.32,34 compare Filipenses 2.9), é a “hora” em que “a glória de Deus
se manifesta” (12.27-28; 13.1; 17.1,4-5 ...) e o momento em que o amor
de Deus pelo mundo é revelado e provado (João 3.16). Não é por acaso,
então, que neste momento João liga o título “Filho do Homem” à morte
de Jesus (3.14; 8.28) pois, somente quando o Filho do Homem é
levantado na cruz, completa a sua missão de revelar o amor salvador de
Deus para com o mundo.
“Eu Sou”. As afirmações de Jesus que começam com “eu sou”,
também fazem uma parte importante da cristologia deste Evangelho.
Em João, Jesus emprega o nome de Deus, “Eu Sou”, revelado para
Moisés como uma autodesignação. Estas afirmações se encontram ou
em forma absoluta ou com predicados como “pão”, “vida”, “luz”,
“ressurreição”, etc. Em Jesus, portanto, se encontra a presença de Deus,
uma presença salvífica sugerida no próprio nome que Jesus pode ousar
224
a aceitar como o dele próprio. E ligando o nome aos predicados, João
passa a sua teologia de revelação para um nível mais profundo, pois
todos estes predicados simbolizam a busca do homem a Deus. Assim,
em Jesus, a presença manifesta de Deus e a busca humana por Deus se
encontram. A missão de Jesus é fazer o nome de Deus conhecido (17.4).
Ele é o mediador entre Deus e o homem e o próprio revelador de Deus.
O enviado do Pai. Já que a cristologia em João é tão
inerentemente “missionária”—o Verbo revela Deus para o mundo—
não é por acaso que Jesus é chamado repetidamente de “o enviado”.
Este termo esclarece o propósito da missão de Jesus, agente ou enviado
do enviador: “porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para
que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (3.17,
compare 6.38-39; 12.49-50). Isto é a “obra” ou a “comida” de Jesus
(4.34) e aqueles que aceitam o Filho e crêem nele, têm a vida eterna
(5.24). Por meio do agente encontram o enviador, pois a atitude tomada
em relação ao agente é crucial. E através do Evangelho, João enfatiza a
crença no Filho como o meio para conseguir a vida eterna (3.15 e muitos
outros textos) e a comunhão íntima com Deus (17.20-21).
O testemunho. É possível ver todo o Quarto Evangelho no
contexto dum “tribunal”, com Jesus (e o Pai, 5.37) dando testemunho
ao seu favor, certificando que, de fato, sua missão é de Deus (5.30-47;
8.17-19). João Batista (1.6-8), o discípulo amado (19.35) e a própria
comunidade são chamados para testemunhar da missão de Jesus para o
mundo. Testemunhar também é uma função do Paráclito (15.26).
Em síntese, João apresenta a história toda de Jesus da perspectiva
duma missão cósmica. Como os Evangelhos sinóticos usam a linguagem
do reino de Deus, João usa a linguagem cósmica para mostrar que Jesus
não só cumpriu as esperanças de Israel pelo reinado vindouro de Deus,
como os primeiros três Evangelhos mostram, mas que Jesus revela a
face não vista de Deus para toda a humanidade (1.18). Portanto, em
João, Jesus assume a posição de “salvador do mundo” (4.42), a “luz do
mundo” (8.12; 9.5) e o cordeiro que tira “os pecados do mundo” (1.29)
e como o “pão da vida” (6.51).
225
Igreja: Por quê Me Importar?
O Espírito: consolação e advogacia para missão
João, como Paulo e Lucas, destaca o papel importante do Espírito
Santo na vida da comunidade crente. Embora João compartilhe algumas
imagens do Espírito com a tradição sinótica—por exemplo, o testemunho
por João Batista da descida do Espírito sobre Jesus no seu batismo e a
insistência de que Cristo ressurreto é quem dá o Espírito para a
comunidade—em grande parte, a sua apresentação do Espírito é única
e singular.
O uso do termo “paráclito”. Por exemplo, o termo usado para
o Espírito nos capítulos 14-16 é “paráclito”. Aqui, João trata da função
do Espírito na comunidade no contexto dum discurso de despedida por
Jesus. Desta forma, o “paráclito” se refere ao “advogado” e “mediador”
ou até ao “consolador” e “animador”. Na ausência de Jesus, o paráclito
sustenta o mesmo relacionamento vivo e dinâmico que os discípulos
experimentaram com Jesus no seu ministério terrestre. Assim, o Espírito
assume o papel dum “outro Consolador” que fica com a comunidade
(14.16), a “ensina” e a “guia” (14.26; 16.13), revela a mensagem do Pai
para ela (16.13) e confronta proféticamente o mundo descrente (16.8-11).
Ainda mais que somente preencher o vão que Jesus deixa na
comunidade, o Paráclito até mesmo enriquece o estado da comunidade
pós-páscoa, ao ponto dela ser melhor que a dos próprios discípulos de
Jesus, porque “embora não tenham visto, creram” (20.29). O Paráclito
iria “lembrar” à comunidade tudo o que Jesus disse (14.26), muito do
qual nem os discípulos entenderam durante o ministério de Jesus (2.22).
Enquanto os “sinais” de Jesus encheram o Evangelho, através do Espírito
a comunidade poderia fazer outros “maiores” (14.12). Assim, o Espírito
intensifica a presença do Cristo ressurreto e não meramente a substitue.
Obviamente, esta intensificação do poder e da presença de Cristo
ressurreto é ligada à experiência missionária da comunidade. Pois a
missão por ela recebida de Cristo, imediatamente é ratificada pela infusão
do Espírito (20.21,22). O Espírito dará testemunho de Cristo como os
discípulos darão (15.2-27), e confrontará o poder do maligno no mundo,
como Jesus o fez e a comunidade deverá fazer (16.8-11; 17.14-18).
Talvez as “obras maiores” que o Espírito fará também se refira à
226
experiência missionária da igreja como testificam repetidas vezes, tanto
Paulo quanto Lucas, que a expansão missionária da igreja se realizou
sob a direção e poder do Espírito.
Na missão capacitada pelo Espírito, a igreja descobre o verdadeiro
sentido da Palavra que se fez carne.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
A presença necessária da comunidade cristã é destacada em todo
o pensamento de João. Não há missão cristã autêntica sem levar em
conta a igreja.
Esta comunidade é composta primeiro dos discípulos de Jesus,
que progressivamente crescem na sua crença em conhecimento de Jesus
(1.15-19); Nicodemos progride de discípulo inadequado (3.2-15) para
a defesa de Jesus diante dos principais sacerdotes e fariseus, (7.50-52)
para oferecer a unção funerária do corpo de Jesus (19.39); a mulher
samaritana—capítulo 4 e o cego capítulo 9.
Nossas comunidades cristãs hoje não precisam ser fábricas de
discípulos “já feitos”. Somos edifício de Deus ainda em contrução! Por
outro lado, isto não justifica a inértia ou o contentamento com o estágio
aonde estamos, nem como indivíduos e nem como a igreja toda. Deve
haver “desenvolvimento” da nossa fé e nossa salvação (Filipenses 2.12),
pois a estagnação leva para a religiosidade farisáica que Jesus tanto
condenava.
Amor e justiça. Porém, só “crer em Jesus” como revelador de
Deus, por mais crucial que seja, não é o único sintoma da existência
cristã. Junto com o resto do Novo Testamento, João destaca “amor e
serviço” como ingredientes necessários para a crença autêntica (13.15).
Quem é “amigo” de Jesus (15.14-15) e “permanece” nele (15.1-11),
deve manifestar o amor misericordioso entre eles (13.12-16, 34-35;
15.12-17). A fé e o amor são os fundamentos da experiência cristã, que
identifica os discípulos como seguidores de Jesus. Nas nossas
comunidades (nas liturgias, nas reuniões e classes, e no ministério aos
outros), há expressão concreta de amor e justiça?
227
Igreja: Por quê Me Importar?
Compromisso com o mundo. Também os discípulos assumem
a missão de Jesus no mundo (20.21; 17.18; 13.16, 20; 4.34, 38) que,
como já vimos, é ativada pela vinda do Espírito. Portanto, nada menos
que a missão de Jesus para o mundo serve de modelo para a missão da
igreja. O prólogo já descreveu a sua missão como sendo essencialmente
salvífica (1.4-5,12) e o texto chave para entender a missão de Jesus,
3.16-17, deixa isto bem claro (veja 6.38-40; 12.44-47).
Estes textos ilustram como Jesus “é enviado” e determinam a
base e o modelo da missão da comunidade. A posição fundamental do
Evangelho é positiva em relação ao “mundo”. Do ponto de vista de
Deus, o mundo é objeto de amor. Do ponto de vista humano, a iniciativa
de Deus pode ser ou aceita ou rejeitada; conforme isto, determina-se a
caracterização positiva ou negativa do “mundo” em João.
A igreja não deve ser seduzida, porém, pelo mundo, como se ele
sempre fosse aceitar o amor de Deus, pois ele é governado pelo Príncipe
deste mundo, Satanás, e ativamente hostil a Jesus. Por isso, o tom da
oração de Jesus no capítulo 17. Mas, mesmo neste mundo alienado, os
discípulos devem permanecer (17.14) para compartilhar a missão de
Jesus de salvá-lo (17.18-21).
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a relevância da perspectiva de João para a igreja no Brasil?
2.
Nas nossas comunidades (nas liturgias, nas reuniões e classes,
e no ministério aos outros), há expressão concreta de amor e
justiça?
3.
Como entendemos “o mundo” e a relação da igreja com ele?
1
Uma exceção, em português, é a obra perspicaz de José Comblin, O Enviado do Pai.
2
De “sin” (juntos) e “otica” (vista), significando “visão comum”, “vista junta” ou “vista ladoa-lado”.
228
O ESPÍRITO SANTA
NA IGREJA
Atos dos Apóstolos
O programa missionário pronunciado em Lucas 24.44-49, e
previsto na descrição por Lucas da missão de Jesus, agora é realizado
pelos apóstolos e a comunidade no livro dos Atos dos Apóstolos. O
escopo, a estrutura e o conteúdo de Atos são dominados pela questão
da missão universal. O ministério do reino que Jesus inaugurou e que
alcançou seu clímax na sua morte e ressurreição em Jerusalém, será
continuado pela direção do Cristo ressurreto e o poder do Espírito na
própria história da igreja.
Assim, a perspectiva elaborada no Evangelho segundo Lucas
(especialmente em 24.44-49), é recapitulada nos primeiros versículos
de Atos. A comunidade reunida em Jerusalém é instruída por Jesus
ressurreto sobre o “reino de Deus” e o advento do Espírito (1.3-5). Deve
permanecer na cidade até que recebam o poder do Espírito, que a
capacitará para a missão que se estende “até aos confins da Terra” (1.8).
Enquanto espera, o grupo reconstitue o número de “doze” apóstolos
para estarem prontos para a missão (1.15-26). O início de Atos confirma
o que o final do Evangelho já deixou claro: a preocupação do Evangelista
é a missão universal de salvação anunciada por Simeão (Lucas 2.32) e
João Batista (Lucas 3.6), iniciada pelo ministério de Jesus e agora
continuada pela liderança dos doze.
As principais personagens históricas
Cornélio. A conversão de Cornélio (capítulo 10) e a aceitação
das suas conseqüências pela igreja em Jerusalém (capítulo 11 e 15)
abre a visão missionária da igreja. Porém, já antes (capítulo 2-9), Lucas
ilustra a natureza expansiva da missão. Como Paulo leva a mensagem
229
Igreja: Por quê Me Importar?
da salvação até aos confins da terra, sendo “instrumento escolhido” de
Deus (9.15), Pedro e os outros líderes da igreja em Jerusalém
evangelizaram em Jerusalém, Judéia e Samaria.
Pedro. Pedro é a figura dominante na missão da igreja de
Jerusalém (2.5-11), cujo ministério para os judeus da diáspora confirma
a perspectiva universal de Lucas (2.17; 3.25). Seu ministério de cura
(2.43; 3.1-10; 5.12-26) e o crescimento da igreja (2.41-47; 4.4, 32-35;
5.14; 6.7) confirmam o cumprimento da primeira fase da promessa do
Senhor para testemunho efetivo.
Estevão. A morte de Estevão e a perseguição conseqüente
(capítulo 6-8), paradoxalmente alargam o escopo da missão para Judéia
e Samaria (8.11). Assim como Jesus, a comunidade evangélica
evangeliza no meio de perseguição (8.4,5-8, 26-39). Embora a missão
ainda não tenha ido além dos limites geográficos de Israel, Lucas já
ilustra que é uma missão universal de salvação.
Paulo. Paulo introduz a terceira fase da missão da comunidade
primitiva (7.58; 8.3; 9.1ss) e levará a missão até aos confins da terra.
Porém, ele necessita primeiro da aprovação de Pedro e da igreja em
Jerusalém para ratificar a missão para os gentios. Por isso, Lucas gasta
muito tempo com a visão de Pedro, que abriu este caminho (10.1-11.18).
Só pelejando é que a comunidade enxerga a significância das palavras
de Jesus (Lucas 24.47) e reconhece que “também aos gentios foi por
Deus concedido o arrependimento para a vida” (Atos 11.18). Só com a
aprovação da igreja em Jerusalém, pode a palavra se espalhar da
Antioquia pelos helenistas cristãos, (11.19-20) e somente agora estamos
preparados para a apresentação plena da missão de Paulo (13.2-3); Atos
13 marca o padrão repetido na segunda metade do livro: Paulo prega
primeiro nas sinagogas e, quando rejeitado, ele então se volta para os
gentios (13.44-52). Assim mostra a orientação de Lucas (como Mateus
enfatiza), que a mensagem salvífica é para “o judeu primeiro”, e por
isso é dada tanta ênfase no início da missão em Jerusalém.
230
Na segunda metade de Atos, Paulo se esforça ousadamente na
sua missão para a Ásia, Grécia e finalmente Roma, assim cumprindo a
promessa da salvação universal de Deus (28.28).
Ênfases de Atos
Como a missão universal forma a estrutura de Atos, também
dita o seu conteúdo. Dois temas já foram examinados na nossa
consideração da estrutura, isto é, o escopo universal da missão e sua
continuidade com a história da salvação. Resta destacar outros temas
que já foram desenvolvidos no Evangelho de Lucas.
“Começando em Jerusalém”. Lucas apresenta a própria
missão de Jesus tendo o seu clímax em Jerusalém. A cidade simboliza
o papel de Israel na história de salvação. A missão é sempre feita em
referência à Jerusalém para demonstrar a continuidade daquilo que Deus
fez no Velho Testamento (2.5-12). A história de Israel, portanto, é
recitada em grandes porções nos sermões de Atos (2.22-36; 3.12-26;
7.2-53; 13.16-41), para reforçar esta continuidade. Assim confirma que
o trabalho da igreja entre os gentios “cumpre” o que estava escrito “na
Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lucas 24.44). Esta
preocupação pela continuidade de Israel não diminue o universalismo
inerente ao evangelho, pois embora os gentios se convertam apenas
depois da rejeição de Israel, a sua salvação era o propósito de Deus
desde o início (14.15-17; 17.23-3l).
O propósito da missão da igreja é a salvação. Este é o tema
principal de Lucas 24.44-49. O ministério de Jesus é um ministério de
salvação e define a “vinda do reino de Deus”. E a mesma missão é dada
para a comunidade (Lucas 24.47-48). Jesus ensina-lhe o sentido do reino
(Atos 1.8) e este símbolo chave caracteriza a pregação missionária de
Filipe (8.12) e de Paulo (19.8; 20.25; 28.23,31).
Os sermões de Atos falam da graça incansável de Deus e a
necessidade de responder-lhe pela conversão do coração (2.38; 3.19;
5.31; 10.43; 11.18; 13.38-39; 16.30-31; 20.21; 26.18-20). A mensagem
231
Igreja: Por quê Me Importar?
de salvação também é proclamada pelo ministério de cura da
comunidade, como o foi para Jesus (2.43; 3.1-10; 5.12-16; 9.32-35,3642; 14.3,8-10; 16.16-19). Sem dúvida, a missão da comunidade é a
missão de salvação, como era a missão de Jesus.
A comunidade. A igreja é resultado direto do dom do Espírito
(2.43-47; 4.32-35). Como no seu Evangelho, em Atos também Lucas
enfatiza a comunhão no partir do pão para descrever que os discípulos
formam uma comunidade do povo de Deus. A questão de incluir os
gentios gira em torno disto (cf. 10-11). Mesmo no capítulo 15, onde se
concentra a questão da circuncisão, a questão em jogo é associação da
comunidade com os gentios.
Portanto, as conseqüências da comunhão ousada no partir do
pão exercida por Jesus no Evangelho, determinam o abraço pela igreja
do mundo gentílico. O banquete escatológico de Israel inclue agora não
só “os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” das ruas e becos da
cidade, mas também os convidados distantes dos “caminhos e atalhos”
(Lucas 14.15-24).
Os doze apóstolos como testemunhas perseverantes. Formam
o núcleo da comunidade formada em nome de Jesus (Lucas 24.44). Já
vimos o papel de Pedro continuando o ministério de Jesus de pregação
do reino (2.14-36), cura (3.1-16; 5.15-16), confrontando poderes hostis
(4.8-12,19-20; 5.29-32) e agüentando a perseguição e aprisionamento
(5.17,40-41; 12.3). Ele tem um papel decisivo no estabelecimento da
comunidade e das suas decisões (1.15; 2.14; 5.1-11; 10-11; 8.14).
Paulo compartilha a atenção de Lucas com Pedro como um
“apóstolo” da segunda geração (14.14).
Também há menção de João, Filipe e Estevão (6.8; 8.5) e os
associados de Paulo: Barnabé (13.2), Silas (15.22), Judas (15.22), João
Marcos (2.25), Priscila e Áquila (18.2).
O Espírito Santo. O Espírito é o catalizador e a força guiadora
da missão expansiva da comunidade. Este tema serve como a mais forte
ligação entre Atos e o Evangelho, entre a história de Jesus e a história
da igreja (Lucas 24.49; Atos 1.4-5,8;2.33), pois o Espírito mantém a
232
presença e as diretrizes de Cristo ressurreto na igreja como o impulso
para o universalismo e o poder que possibilita a intrepidez da
comunidade.
A experiência de Pentecostes (capítulo 2) já alarga a missão
para as várias populações da diáspora. O encontro de Filipe com o eunuco
etíope é pela mediação do Espírito (8.29-30), e a aceitação última por
Pedro, de Cornélio e sua família (10.44-48; 11.12-18) é confirmada
pelo derramamento do Espírito sobre esta casa. A confirmação deste
fenômeno pela igreja em Jerusalém é também realizada pelo impulso
do Espírito (15.28,8). Paulo é guiado pelo Espírito (13.2,4; 16.6-10;
19.21; 20.22; 21.11) em todas as suas direções e no chamamento para a
missão universal (9.15-16; 22.21; 26.16-18). O Espírito guia outros
discípulos no seu ministério entre os gentios (11.24; 13.2-4; 19.6).
O Espírito possibilita a intrepidez da comunidade, como Jesus
prometeu (12.11-12). Veja Pedro diante do Sinédrio (4.8), a comunidade
diante da perseguição (4.1-31), e a coragem de Estêvão (6.5,10,55). O
mesmo Espírito que capacitou Jesus na sua missão profética é dado
para a comunidade. Assim, este tema não só assegura a continuidade
entre Jesus e a comunidade, como também afirma que toda a história,
de Jesus e da sua comunidade, testemunha em seu nome.
Conclusão
A missão universal da igreja é a preocupação central de Lucas.
Demonstra que a mensagem de salvação tem seu início com Israel e
floresce plenamente entre os gentios. Este trabalho de salvação é o
resultado final do próprio ministério de Jesus através da sua morte,
ressurreição e envio do Espírito Santo. Esta missão tem um preço: o
discipulado implica em sofrimento e perseguição, como foi na vida de
Jesus, que serve de modelo para a missão da igreja.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Como você relaciona o Espírito Santo com o papel da igreja no
mundo? Com o crescimento disparado das igrejas pentecostais,
233
Igreja: Por quê Me Importar?
quem tem a razão quanto à doutrina e manifestação do Espírito
Santo, eles ou nós? Totalmente ou parcialmente?
2.
3.
Que quer dizer “ser testemunha em Jerusalém”? Qual é uma
aplicação disto hoje?
Que quer dizer “ser testemunha em Judéia e Samaria”? Qual é
uma aplicação disto hoje?
4.
Que quer dizer “ser testemunha até aos confins da terra”? Qual
é uma aplicação disto hoje?
5.
Somos uma comunidade exclusiva ou inclusiva? O suficiente?
6.
Quais são algumas circumstâncias em que você precisou
“perseverar” na sua fé? Como conseguiu fazê-lo?
234
A VOCAÇÃO
DE PAULO
Gálatas 1.10-24
Paulo não é a única nem a primeira pessoa a anunciar o evangelho
para os não-judeus. O evangelho já havia se espalhado pelo menos até
Roma antes de Paulo. Nem ele criou a pregação da igreja primitiva,
mas recebeu-a tanto da antiga tradição cristã quanto do próprio judaísmo.
Mesmo assim, a importância de Paulo para a compreensão do
deseenvolvimento da fé cristã dificilmente pode ser exagerada, pois ele
é quem dá a apresentação mais profunda e sistemática do evangelho.
Herbert Kane afirmou que Paulo:
...fez para o cristianismo o que Moisés fez para o
judaísmo. De fato, os dois homens tinham muito em
comum. Ambos foram cuidadosamente criados na fé
dos seus pais. Ambos conheciam a sabedoria do mundo.
Ambos foram escolhidos por Deus para se tornarem
homens de destino. Ambos tiveram uma dramática
confrontação com Deus em preparação para a obra da
sua vida. Ambos se tornaram líderes dinâmicos,
poderosos em palavra e em ação (1976:72).
De fato, entre bispos e teólogos, revivalistas e evangelistas,
missionários e pastores, nunca na história do cristianismo havia outro
líder de tanto destaque que merecia a distinção de “missionário entre as
nações”. Assim que se entende “apóstolo dos gentios”.
Nas próximas quatro lições queremos fazer quatro perguntas a
respeito deste “missionário entre as nações”: (1) Quem era este Saulo
de Tarso? Quais eram as convicções que levaram um “fariseu dos
fariseus” (Filipenses 3.4-5; Gálatas 1.4) a se tornar apóstolo dos gentios?
235
Igreja: Por quê Me Importar?
(2) Qual era o conteúdo do “seu” evangelho? (3) Como tudo isso
influenciou a sua “teologia”? e (4) Quais eram a estratégia e motivação
da sua atividade missionária?
Voltamos as primeiras perguntas: quem era este Saulo de Tarso?
Quais eram as influências no seu pensamento? Quais eram as convicções
que levaram um “fariseu dos fariseus” a se tornar apóstolo dos gentios?
E quais eram as influências na sua formação?
Influências na formação de Paulo
O judaismo. Mesmo que Paulo tenha reformulado radicalmente
muitos das crenças judaicas que teve antes do episódio na estrada para
Damasco, nem tudo foi mudado. Por exemplo: Primeiro, Paulo
continuou aceitando as Escrituras Hebraicas como a Palavra revelada
de Deus. Aliás ele constantemente elaborou sua própria perspectiva em
diálogo com as Escrituras, usando técnicas rabínicas adquiridas do
judaísmo. Segundo, ele empregou alguns dos mesmos temas do uso
corrente da pregação missionária judaica (e.g., a soberania de Deus;
conhecer a e ser conhecido por Deus), na sua pregação missionária e na
sua estimação do mundo gentílico.
A tradição cristã primitiva. Paulo não é independente do resto
da comunidade cristã, embora ele mesmo tenha dado esta impressão
(Gálatas 1.11-17). Em textos estratégicos, o apóstolo deixa claro que
seu evangelho era recebido da igreja primitiva (1 Coríntios 11.23; 15.3)
e fervorosamente defendeu a autenticidade da sua missão, referindo-se
à aprovação pelas autoridades da comunidade cristã (Gálatas 2.2-10).
Portanto, Paulo não deve ser designado como “o segundo fundador” do
cristianismo, como alguns fazem. Pois, apesar da sua criatividade e o
aspecto original de muito da sua teologia, o apóstolo coexistia e
cooperava com a tradição dos apóstolos.
O helenismo. A cultura helênica já se infiltrara profundamente
no judaísmo Palestino desde o início do século IV antes de Cristo. Muito
mais os judeus da diáspora, como Paulo, eram influenciados por esta
236
cultura. Alguns estudiosos procuram mostrar grandes influências
helênicas na perspectiva paulina sobre o batismo, a santa ceia e até
sobre sua doutrina de salvação. Porém, até hoje, as evidências de tal
influência se baseiam em muitos documentos cujas fontes são mais
recentes que Paulo. Portanto, tal ligação não pode ser mantida. Por certo,
problemas do mundo grego e, portanto, de comunidades cristãs helênicas
provocaram a reflexão paulina (por exemplo: casamentos mistos em 1
Coríntios 7, comendo carne oferecida aos ídolos em 1 Coríntios 8 e
Romanos 14), e conceitos e linguagem helênicos foram usados por Paulo
(por exemplo: o corpo, a lista de vícios e virtudes, etc.). Mas parecenos que as influências do cristianismo primitivo e do judaísmo eram
mais determinantes na sua formação do que as do mundo greco-romano.
A conversão de Paulo
Paulo se refere várias vezes à sua própria experiência de conversão
no contexto duma vocação missionária. As referências que Paulo fez à
sua conversão enfatizam o fato da experiência em si e as consequências
para sua crença em Jesus e para seu papel como apóstolo. Não se
preocupam com a descrição da experiência, como Lucas o faz em Atos.
O Chamamento. A vocação de Paulo se evidencia mais
claramente em Gálatas 1:11-18 no relato sobre o seu encontro como o
Senhor ressurreto na estrada para Damasco. Pela sua próprias palavras,
ele considerou o encontro como uma “revelação”. Ao usar este termo, e
lembrando os chamamentos visionários dos profetas do Velho
Testamento (Isaías 49:1; Jeremias 1:5), Paulo deseja enfatizar a origem
divina do seu evangelho. Ele faz isto a fim de convencer os gálatas de
que o evangelho que ele pregava era autêntico, e que qualquer outro
seria falso, como aquele que estava, de fato, influenciando a igreja gálata.
Em 1 Coríntios 15:8-11 Paulo mais uma vez fala da sua conversão.
E mais uma vez ele o faz porque a sua autoridade apostólica e,
conseqüentemente, a confiança no seu evangelho estavam sendo
ameaçadas. O termo empregado nesta passagem, “foi visto” ou
“apareceu” (15:8). enfatiza ainda mais que Gálatas, a natureza visionária
237
Igreja: Por quê Me Importar?
da experiência. Paulo ainda identificou seu chamamento para o
apostolado com a sua conversão (15:9-10).
Em 1 Coríntios 9:1-2 a referência à sua conversão é bem mais
rápida, porém significante. De novo, há o desafio à sua autoridade (para
discernir sobre carne sacrificada aos ídolos, 9:3). A sua defesa inclui
que ele “viu a Jesus”, a mesma palavra de 1 Coríntios 15, e a sua
designação como apóstolo (9:1), pois para Paulo, em todas estas
passagens, os dois fenômenos são ligados—encontro com Jesus como
Cristo ressurreto e vocação como apóstolo.
Em resumo, antes da sua conversão, Paulo era um judeu
comprometido e zeloso. Isto faz mais sentido diante da situação histórica
da Palestina daquela época que levou muitos judeus a achar que a sua
identidade religiosa e étnica estava sendo ameaçada. O “zelo pela lei”
era uma espécie de grito de guerra da resistência nacional e popular
contra o imperialismo romano. Paulo, antes da sua conversão e como
todo judeu mais convicto, dava importância, e digo importância teológica
judaica, para a manutenção dos sinais externos distintos da identidade
cultural do judaismo—a observação do sábado, a circuncisão, e as leis
culinárias. Foi o orgulho de Paulo sobre a sua herança judaica (Gálatas
1:13-14; Filipenses 3:4-6; 2 Coríntios 2:22 e Romanos 3:1-2; 9:1-5)
que o levou a perseguir a comunidade cristã (Gálatas 1:13; Filipenses
3:6; 1 Coríntios 15:8; veja Atos 8:1-3; 9:1-30). A sua experiência de
conversão provocou uma reversão apocalíptica do seu estilo de vida e
da sua visão do mundo. Passou de principal perseguidor a principal
protagonista do movimento cristão primitivo; de “zeloso pelas tradições
dos nossos pais” a “apóstolo dos gentios”.
Foi, então, este encontro com o Jesus crucificado e agora ressurreto,
que transformou a vida de Paulo, e não uma insatisfação ou infidelidade
religiosa anterior (como no caso de Agostinho e Lutero). Paulo não abraçou
a mensagem cristã e voltou sua atenção para os gentios por causa duma
suposta insatisfação anterior com o judaísmo e a lei. Não foi atormentado
e cheio de sentimentos de culpa numa tentativa fútil de ser fiel à lei, pois
sua própria declaração mostra que Paulo era um judeu fiel e convicto, sem
nenhuma dica do peso de culpa (Filipenses 3.6).
O principal texto citado a favor de um Paulo pré-cristão e
atormentado é Romanos 7.8. Porém, o contexto sugere que nesta
passagem Paulo não está descrevendo sua própria experiência, mas
238
tipificando a condição do não-cristão ou pré-cristão em retrospecto da
convicção de salvação em Cristo. Ou seja, Paulo mostra porque a lei
não é ultimamente adequada sob o ponto de vista de Cristo sendo o
único caminho.
Então, o ponto de partida para a teologia paulina não era sua
experiência pré-cristã, e a catálise veio não de dentro da experiência
subjetiva duma vida perplexa, e sim de fora—dum encontro com Cristo
que deu nova orientação sobre a natureza do Deus de Israel (e do seu
Cristo).
IMPLICAÇÕES ATUAIS
A descrição da conversão de Paulo em Atos, ou narrado
diretamente por Lucas em 9.1-19, ou na boca de Paulo em 22.6-21 e
26.12-18, é detalhada, e assim acaba chamando atenção tanto para a
experiência em si quanto para o propósito de tal experiência. O mesmo
não é o caso quando o próprio apóstolo Paulo escreve sobre a sua
conversão, por exemplo em Gálatas 1.11-17, 1 Coríntios 15.8-11 e 9.12; Romanos 15.15-16; Efésios 3.1-8; e Colossenses 1.24-29. Estas
passagens não se preocupam com a descrição da experiência em si,
como Lucas o faz em Atos. Preocupam unicamente com o conteúdo e
propósito de tal chamamento em termos de reconhecimento da revelação
de Deus através da morte e ressurreição de Jesus e da urgência
consequente disto, de anunciar o evangelho entre todos os povos.
A Bíblia dá testemunha de diversos modos que Deus chama as
pessoas para si. Às vezes, o relato das maneiras, e por consequência, dos
detalhes destes chamamentos, pode ser edificar e encorajar o povo de Deus
na sua peregrinação de fé, como no caso de Lucas. Entretanto, mais
importante ainda, não é a experiência em si. (E se alguem podia se orgulhar
de maravilosa e espetacular experiência, era o apóstolo Paulo!) Paulo
enfatizava, e justamente, o propósito do seu chamamento. E não devemos
deixar de reparar que tal propósito era essencialmente missionário!
Seguir o exemplo de Paulo não é procurar a mesma experiência de
conversão que ele. Isto, afinal, é prerrogativa de Deus! Seguir o exemplo
de Paulo é compreender, anunciar e por em prática a razão do nosso
chamamento: compartilhar urgentemente as boas novas.
239
Igreja: Por quê Me Importar?
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Há base para considerar Paulo como “o segundo fundador do
cristianismo”?
2.
Para que e por que nos convertemos?
3.
A formação anterior a fé é importante? De que maneira?
4.
Paulo “se converteu” duma religião para outra ou se transformou
dentro da mesma religião por um novo reconhecimento?
5.
Qual é o papel da “conversão” na vida cristã? Todos “se
convertem” a Cristo?
6.
A conversão de Paulo é fortemente ligada aos seus ensinos. A
nossa experiência de conversão se evidencia através da nossa
pregação?
240
O EVANGELHO
DE PAULO
Gálatas 3.6-14
Paulo se refere diversas vezes ao “seu” evangelho (Romanos
2.16; 16.24; 2 Coríntios 4.3; 11.4; Gálatas 1.8; 1 Tessalonicenses 1.5;
2 Tessalonicenses 2.14; 2 Timóteo 2.8) no contexto duma revelação e
tarefa lhe dada. Por isso, ele não quer dizer que o seu evangelho seja
distinto e diferente do evangelho de Deus ou de Cristo, termo que ele
também usa (Romanos 1.1, 9; 15.16, 19; 1 Coríntios 9.12; 2 Coríntios
2.12; 9.13; 10.14; 11.7; Gálatas 1.7; Filipenses 1.27; 1 Tessalonicenses
2.2, 8, 9;3.2; 2 Tessalonicenses 1.8). Mas pode ser diferente do evangelho
que outros pregam. Pois este seu “evangelho”, ou o seu anúncio das
boas notícias, se refere a maneira que Paulo compreendeu as implicações
da revelação de Deus em Jesus. E nem sempre a igreja primitiva
concordava no que se refere às implicações práticas desta revelação,
especialmente para a maneira que os gentios agora são incluidos na
igreja que até então era composta predominantemente de conversos
judeus.
O conteúdo da revelação que Paulo recebeu foi este: Primeiro,
reconheceu que Jesus de Nazaré, que morreu crucificado era, de fato, o
Cristo ressurreto e o Filho exaltado de Deus (Gálatas 1:12,16; 1 Coríntios
9:1). Isto era possível, porque o livro de Daniel e a literatura judaica
contemporânea de Paulo (2 Enoque 44:5; cf. Testamento de Abrãao
12-14), começou a discorrer sobre a possiblidade da ressurreição de
indivíduos como uma demonstração que Deus vindicava o seu povo
escolhido, mesmo diante das opressões políticas que sofria das mãos
dos babilônios, depois dos gregos e então dos romanos. A convicção
comum era de que Deus iria, de fato, vindicar o seu povo. Israel não
pereceria, os justos receberiam o seu devido galardão e os ímpios o seu
castigo. Segundo, Paulo também convenceu-se de que, através deste
Jesus, Deus oferecia a salvação para todos, tanto judeus quanto gentios.
241
Igreja: Por quê Me Importar?
Isto é fundamental para o evangelho que ele defende com paixão (Gálatas
1:11,12; 1 Coríntios 15:8-11), ao qual foi chamado desde sua experiência
de conversão. Paulo relata a associação entre a revelação de Cristo
crucificado e ressurreto em Gálatas 3:6-14:
Cristo nos redimiu da maldição da lei quando ele se
tornou uma maldição por nós—pois está escrito,
“Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro”—
a fim de que, em Cristo, a bênção de Abraão possa
pertencer para os gentios... (citando Deuteronômio
21:23).
Para Paulo, ser amaldiçoado por Deus era o mesmo de ter as
bênçãos da aliança canceladas, ser expulso da aliança, isto é, ser colocado
na posição dum gentio pecador. Na crucificação, pela forma de morte,
Jesus era rejeitado por Deus, sendo considerado como um gentio e
portanto fora da aliança. Certamente a revelação de Jesus para Paulo na
estrada para Damasco invertia totalmente este raciocínio, pois indicou
que Deus claramente aceitou e vindicou este precisamente como o
crucificado. A conclusão imediata era evidente: que Deus também deve
favorecer o amaldiçoado, o pecador fora da aliança, isto é, o gentio.
Terceiro, alterou radicalmente sua compreensão do curso da história,
embora não haja uma ligação explícita mencionada nos textos sobre
sua conversão. A era escatológica dos gentios havia, de fato, começado.
E quarto, convenceu-se de que ele mesmo era chamado, como os
profetas antigamente, para anunciar a Palavra de Deus de salvação para
os gentios.
Isto teve repercussões no seu próprio estilo de vida e na sua
imagem de si mesmo. Na maioria das sua cartas, Paulo se refere a si
mesmo como “apóstolo” (Romanos 1:1; 1 Coríntios 1:1; 2 Coríntios
1:1; Colossenses 1:1; Gálatas 1:1). Outras vezes sua auto-compreensão
alude a passagens proféticas (Atos 13:47 6 Isaías 49:6; Atos 18:9b, 10a
6 Isaías 4:1-10 e 43:5; Atos 26:18 6 Isaías 42:7,16; 2 Coríntios 6:2 6
Isaías 49:8). Paulo entendeu que sua tarefa era de continuar a missão do
Messias que é uma “luz para as nações” divulgando as boas novas até
aos confins do mundo. E, como na de Jesus, a missão de Paulo incluiria
o sofrimento e sacrifício (Colossenses 1:24).
242
Que Jesus é o Cristo e agora oferecia salvação aos gentios só
poderia significar que a era final, de fato, já havia começado. No seu
cerne, então, o ponto de partida apropriado e o tema dominante do
evangelho para Paulo era a cruz de Cristo. Deus oferece a salvação a
todos através da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esta salvação,
entretanto, não era apenas pessoal como se pensa popularmente, mas
era uma transformação da própria história, isto é, uma salvação em
que foi revelada a vontade de Deus dentro do plano e curso da história.
Agora as regras do jogo mudaram. O nosso mundo não é mais o mesmo.
Há uma nova criação. Assim, a cruz se vê como o cumprimento daquilo
que passou e a garantia, inauguração e catalizador já daquilo que há de
acontecer, tanto para os judeus como para os gentios.
No seu cerne, então, o ponto de partida apropriado e o tema
dominante do evangelho de Paulo é a salvação. Deus oferece a salvação
a todos através da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esta salvação,
entretanto, não é apenas existencial, mas é uma salvação apocalípticaescatológica, isto é, uma salvação em que foi revelada a vontade
salvífica e universal de Deus dentro do plano e curso da história. Assim,
a crucificação e ressurreição de Jesus se vê como cumprimento daquilo
que passou e garantia, inauguração e catalizador daquilo que há de
acontecer, tanto para os judeus como para os gentios.
Conclusão
Apesar da complexidade e riqueza do pensamento paulino, há
muita coerência na sua experiência de conversão. Em tudo isto, Paulo
dá à cruz e à ressurreição um foco missionário. Para Paulo, Cristo tem
o papel central através da história da salvação. A missão universal tem
sua base na crença pessoal em Jesus Cristo, sua morte e ressurreição, e
tem seu alvo na esperança e preparação evangelística para sua vinda.
Esta crença e esperança eram baseadas na experiência de conversão e
no chamamento apostólico de Paulo, e lançaram-no numa missão
dinâmica que faz uma contribuição sem paralelo à teologia bíblica de
missão.
243
Igreja: Por quê Me Importar?
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a perspectiva salvífica e as implicações missiológicas
da eleição e predestinação?
2.
Qual é o impacto da cruz e da páscoa no seu testemunho?
244
A TEOLOGIA
DE PAULO
1 Coríntios 1:18-25
Paulo não desenvolveu seu ministério de fundamentos
exclusivamente dogmáticos. Nem podemos afirmar que Paulo era um
“teólogo” no sentido que muitos o fazem hoje em dia, como se fosse
um escritor de teologia sistemática. Em vez de considerá-lo como um
teólogo sistemático, devemos encará-lo como um teólogo pastoral, que
desenvolveu sua perspectiva das situações concretas e problemas
eclesiásticos em que se envolvia. Melhor, Paulo seria uma sorte de
teólogo peregrino (ou missionário!) que, na estrada da experiência da
vida e do ministério, procurava “teologar”, ou verbalizar a sua fé, a
partir da sua vivência. Assim, Paulo seria melhor descrito como um
teólogo de práxis que, partindo da sua experiência, refletia nela a base
das escrituras hebraicas e do seu encontro com Jesus crucificado e
ressurreto.
As cartas
As cartas de Paulo não são textos missionários no sentido estrito,
mas são correspondências pastorais (sem dúvida, dum pastor
missionário), que respondem aos problemas particulares e pastorais de
comunidades cristãs específicas. Muito se presume nas cartas, que de
fato, não é dito. Ler as cartas é como ouvir alguém na mesma sala que
está tendo uma conversa no telefone: sempre tem que inferir o que a
pessoa no outro lado da ligação está dizendo.
Felizmente, porém, há também uma dimensão pública e universal
desta correspondência pois, embora escrita para uma audiência
específica, é intencionada para uma leitura pública e talvez até mesmo
para circulação entre outras comunidades. Em todo caso, foi isto que de
245
Igreja: Por quê Me Importar?
fato aconteceu e isto atribuímos à dimensão de inspiração do Espírito
Santo desde o início.
Embora a correspondência não seja textos missionários no sentido
estrito e formal, é importante enfatizar que foi escrita durante o período
da atividade missionária mais energética de Paulo. Assim, as cartas
devem ser vistas como reflexões pastorais em relação à missão que
Paulo recebeu e assumiu.
Nesta cartas, encontramos a “teologia” de Paulo, isto é, a sua
expressão mais elaborada de quem é Deus e qual é o Seu propósito para
o mundo através da história. Mais especificamente, a experiência de
conversão mostrou a Paulo que o Deus de Israel exerce sua soberania
sobre toda a criação e todos os povos, livremente chamando todos à
salvação através de Jesus Cristo. Isto é a pedra angular da sua teologia.
A soberania de Deus sobre tudo e todos
Já havia, no Velho Testamento, a declaração do Senhorio de Deus
sobre todas as pessoas. Paulo, porém, elabora a convicção de que o
Deus de Israel escolhe todos—tanto judeu quanto grego—para a
salvação através de Jesus Cristo.
A sua carta aos romanos. Nesta correspondência, Paulo
desenvolve e define o resultado da sua luta ministerial para mostrar e
explicar a rejeição geral do Evangelho pelos judeus e a sua aceitação
geral pelos gentios. O texto 1.16-17 serve como tema de toda a sua
carta, chegando a um clímax nos capítulos 9-11. Aqui Paulo mostra
que tanto o judeu como o gentio necessitam da justiça de Deus e que
todos igualmente são pecadores. A “justiça” de Deus não é tanto um
termo abstrato e jurídico quanto descreve a relação de Deus com o
homem. Assim, Deus é “imparcial” na sua salvação, pois ninguém a
merece. Ele é o justo que justifica injustos (4.17), e assim se prova
imparcial (3.11). Não é por acaso o tanto que esta perspectiva é
semelhante à imagem de Deus no cerne do ministério de Jesus.
Esta justiça de Deus se manifesta na “história da salvação”, ou
na escatologia divina pois, no fim, a salvação irá de fato atingir não só
os gentios como também os próprios judeus, e assim tanto as promessas
246
de Deus na eleição quanto a sua liberdade na inclusão dos gentios se
mostram motivos de doxologia (11.33-36).
O tema de “conhecer a Deus”. Este tema, que vem da pregação
missionária judaica, demonstra aos gentios o mesmo senso de iniciativa
e chamamento de Deus. O bom exemplo é Gálatas 4.8-9. “Conhecer”,
neste caso, implica em compromisso total com Deus, em contraste com
Romanos 1.21, onde diz que os gentios “conheceram” a Deus, porém,
não o honraram. “Ser conhecido por Deus”, por outro lado, sugere a
ação salvífica de Deus, que é a base da teologia paulina de missão.
Por certo, a experiência de conversão demonstrou a Paulo a
urgência da vontade salvífica de Deus e que esta vontade era
demonstrada através de Jesus Cristo.
A percepção de Cristo
De novo, sua experiência de salvação radicalmente reformulou
sua compreensão de Jesus. Antes, Jesus e o movimento que ele fundou
eram uma ameaça para Paulo. Agora, o “inimigo” se manifestou Messias,
Filho de Deus.
Sem dúvida, o impacto de Cristo na teologia paulina era enorme.
Quase todo parágrafo dos seus escritos o ecoa, tanto que seria impossível
elaborar compreensivamente a cristologia paulina. Em vez disto, apenas
destacamos algumas nocões básicas.
Jesus é o messias exaltado. Isto é a chave para a visão que Paulo
teve da identidade de Jesus. Jesus de Nazaré era a pessoa histórica através
da qual Deus efetivaria seu plano de salvação (Romanos 1.3-4). Isto
tem conseqüências para o papel dos gentios neste plano.
A função messiânica de Jesus. A função messiânica de Jesus se
evidencia preeminentemente através da sua ressurreição. O Velho
Testamento não havia preparado Paulo para este reconhecimento. Paulo
entendeu que no centro do evangelho estava a crucificação de Jesus e
que através da sua exaltação pela ressurreição toda a humanidade recebe
247
Igreja: Por quê Me Importar?
a oferta de mudar da morte para vida, do pecado para Deus (1 Coríntios
1.18, 23-24). O evento de morte-ressurreição de Jesus é a revelação
última do dom gratuito de Deus para a salvação de todos (1 Coríntios
15.1-15). A “universalidade” da missão de Jesus era o fundamento dos
mais amplos textos paulinos de “nenhuma distinção” (Romanos 3.2124; 10.12; Gálatas 3.16-18).
Salvação participativa. Com Paulo, como em todo o Novo
Testamento, a universalidade e inclusividade da salvação que Deus
ofereceu não é independente da resposta humana. Paulo sempre põe
seus qualificadores nas suas declarações de salvação universal, que é
“para aqueles que crêem”, que “estão em Cristo” ou que são “chamados”.
Aqueles que provam o dom universal de salvação são aqueles
que respondem ao evangelho com a fé. Isto, então, limita o escopo que
a salvação vai alcançar, e a dimensão de resposta faria com que Paulo
reavaliasse a atitude dos judeus e dos gentios, pois a lei definitivamente
não era o meio de salvação como constou a própria experiência de Paulo.
Todos, judeus e gentios, estavam debaixo do senhorio do pecado, da
morte e da carne, antes de Cristo. Todos—judeus e gentios—são
justificados através da fé em Jesus Cristo (Romanos 3.21-26; Gálatas
2.15-16; 3.15-19).
As convicções fundamentais da teologia elaborada acima têm
enormes conseqüências para o resto da síntese teológica de Paulo.
Destacamos aqui os assuntos mais significantes.
A história
A era messiânica. O reconhecimento de que Jesus era o Messias
exigia uma reformulação da perspectiva paulina da história. A era
messiânica, há muito esperada, já havia começado! E Paulo responde à sua
chegada admirado (2 Coríntios 6.2; 5.17). O plano de Deus para a salvação,
antes escondido, agora é manifesto neste momento de graça (Romanos
16.25-26; 1 Coríntios 2.7). Mesmo assim, há ainda um momento futuro de
salvação, quando todos os poderes malignos do universo serão conquistados
e sujeitos quando Cristo estabelecer definitivamente seu Senhorio. Então,
Deus será “tudo em todos” (1 Coríntios 15.20-28).
248
Com a chegada do Messias, certamente Paulo lembrou da tradição
judaica que o destino dos gentios aguardava a era messiânica (veja seu
uso do Velho Testamento em Romanos 10.13-21; 15.9-12), quando irá
a Sião em peregrinação (Isaías 66). Esta crença só poderia ter fortalecido
seu chamamento como apóstolo aos gentios.
Também o tema escatológico da peregrinação gentílica
influenciou a estratégia paulina quanto a Israel. Pois, uma razão pela
qual Paulo tanto zelava pela salvação dos gentios era que, através disto,
Paulo convenceria Israel que, de fato, chegou a era missionária e que
Israel pode gozar a salvação em Cristo (Romanos 11).
A era do Espírito. Um outro aspecto da orientação histórica,
junto com sua própria experiência de conversão, que Paulo muito
reparava, era a expectativa judaica que, com a chegada da era messiânica
chegava a era do Espírito. Paulo reconheceu e elaborou que os dons do
Espírito Santo eram derramados sobre os cristãos gentios, como deveria
se esperar para a era final. Paulo se refere muito à sua própria experiência
do Espírito (1 Tessalonicenses 1.5; 1 Coríntios 2.4; 7.40; 2 Coríntios
12.12; Romanos 15.18-19) e as tais experiências entre os cristãos colegas
(1 Coríntios 17; 2.12; 3.16; 6.19; 7.7; 2 Coríntios 1.22; 4.13; 5.5; Gálatas
3.25; 4.6; Romanos 5.5; 8.9,11,23).
Esta evidência da presença ativa do Espírito, garantiu para Paulo
que a idade messiânica havia chegado. De fato, Deus estava operando
entre os gentios e, portanto, o próprio chamamento de Paulo era
confirmado. E a presença do Espírito também confirma a experiência
da atuação de Deus entre os gentios cristãos (Gálatas 3.1-5).
Paulo não era um teólogo teórico só, mas era um teólogo pastormissionário que elaborava suas convicções da experiência religiosa
genuína e da práxis ministerial.
A lei
A partir da sua conversão, Paulo também modificou a sua
perspectiva da lei judaica. Isto, então, provocou uma reformulação do
lugar do gentio e do judeu na história da salvação, e teve impacto direto
na estratégia paulina de missão.
249
Igreja: Por quê Me Importar?
A lei não levava à salvação. Paulo era convencido de que a
salvação de Deus vem apenas e definitivamente através da fé em Jesus
Cristo, e não através da lei. Isto não significava para Paulo que a lei não
tinha valor algum (Romanos 7.12, 16). Era instrutiva, servia de “tutor”
ou “aio”, botando a criança Israel na linha até que a verdadeira fonte de
vida chegasse (Gálatas 3.23-29). Até os gentios tinham acesso ao poder
informativo da lei se apenas seguissem os bons instintos da sua
consciência (Romanos 2.12-14). Porém, de maneira alguma, a lei era
um meio de salvação para alguém.
A partir desta nova perspectiva sobre a lei, a teologia cristã
primitiva, seguindo o próprio exemplo de Jesus, tomou novos rumos.
No seu sermão no monte, Jesus já estabelecera a precedência desta nova
perspectiva. As leis no Antigo Testamento a respeito do homicídio,
adultério, o falso juramento e vingança foram intensificadas e
interiorizadas para incluir a ira, a lascívia, qualquer juramento e o ódio.
Jesus, de fato, vinha cumprir, isto é, intensificar e interiorizar a lei, pois
com a sua vinda, a lei de Deus estava escrita nos corações dos crentes.
Por isto, a partir da vinda de Cristo, vários costumes sagradíssimos
do Antigo Testamento mudaram na prática da igreja primitiva. A
circumcisão foi reinterpretada no batismo cristão (Colossenses 2:1012), a páscoa na ceia do Senhor, o sábado na consagração de todos os
dias da semana, o Israel no povo crente em Jesus, e o dízimo na oferta
da vida toda ao serviço do reino de Deus. Infelizmente, em séculos
posteriores e em alguns lugares hoje, a igreja retrocedeu para o exercício
no Velho Testamento de algumas destas práticas, esquecendo-se do
ensino no Novo Testamento e a prática da igreja primitiva. A maneira
que entendemos o dízimo e a observação do domingo são dois exemplos
deste desentendimento e retrocesso entre nós.
Salvação apenas através de Cristo
Esta perspectiva, em última análise, mudou a maneira que Paulo
tratava os gentios, em contraste ao proselitismo judaico. A salvação de
um gentio não implicava na sua entrada no Israel étnico, pois, se fosse
assim, iria negar efetivamente o verdadeiro caminho de salvação através
de Jesus Cristo. Por isso, Paulo briga veementemente pelo “evangelho”
250
contra os gálatas que eram seduzidos pela lei. Por um lado, Paulo não
fazia objeções quando os cristãos judeus mantinham as práticas da lei,
como ele mesmo o fazia. Por outro lado, para um gentio assumir a lei,
poderia escurecer o ponto central do evangelho: a salvação vem a todos
somente através de Cristo.
Novamente, esta perspectiva não vinha de teoria, e sim da própria
experiência e prática de Paulo. Nem ele mesmo, nem seus convertidos
tiveram um encontro com a ação salvífica de Deus através da lei; e
Paulo lembrava seu rebanho disto (Gálatas 3.2).
O protótipo: Abraão. Paulo baseava esta convicção não só na
experiência e revelação de Cristo, mas também na figura de Abraão.
Abraão era o protótipo do cristão, porque era salvo antes e separado da
lei, ainda na condição de gentio, e com base em sua fé (Gálatas 3.7-29;
Romanos 4.1-25).
Israel
Esta questão, mais que qualquer outra, era difícil, polêmica e
quente para Paulo, e ele a tratou com compaixão (Romanos 9.1-5). Às
vezes, seu amor pelas suas tradições judaicas e seu compromisso
absoluto ao evangelho pareciam estar em grande conflito.
A eleição. Por exemplo, Paulo teve que mudar a sua noção de
eleição, que não poderia mais significar simplesmente uma designação
a um só povo. Agora a eleição se referia à resposta positiva de alguém
à oferta gratuita de salvação e graça de Deus. Os escolhidos são os
“filhos da promessa”, não “filhos da carne” (Romanos 9.8), aqueles
“justificados pela fé em Cristo” (Romanos 8.29-30).
A eleição se manifesta não pela filiação a um certo povo, mas
pela aceitação crente do evento de Cristo. A comunidade cristã é agora
o povo eleito, que levou Paulo a redefinir a própria noção de Israel
(Gálatas 6.16). Os gentios igualmente têm acesso ao povo escatológico
de Deus.
251
Igreja: Por quê Me Importar?
Romanos 9-11. Paulo elabora esta questão do papel de Israel na
história de salvação nestes capítulos.
Aqui Paulo reconhece que os gentios não são somente chamados,
como também estão respondendo afirmativamente ao evangelho,
enquanto os judeus, em grande escala, estavam recusando o evangelho.
Para a sua estratégia missionária, Paulo viu que a rejeição por
Israel fornecia a oportunidade para a missão aos gentios (Romanos
11.11). Mas Israel não está fora do quadro. Também o chamamento
inicial para seu povo permanece intacto (Romanos 9.4-5; 11.1, 29).
Parecem ser “inimigos de Deus” (11.28), “duros de coração” (11.28)
na sua recusa de crer, mas isto também faz parte do plano de Deus, que
abre o espaço para a missão gentílica (11.25) e prepara para um grande
final quando todos—gentios e judeus—serão salvos pela eficácia da
confissão de fé em Jesus (Rm 10.8). Portanto, Paulo conclue: “os dons
e a vocação de Deus são irrevogáveis” (11.29).
O ministério de “ciúmes”. Aceitando a salvação, os gentios
podem convencer Israel de que a era final de salvação chegou e levá-lo
a responder afirmativamente ao evangelho. Provocar estes santos
“ciúmes” era um dos alvos mais amplos de Paulo no seu zelo missionário
(Romanos 11.13-15,25-26,30-31).
Inclusive a coleta de Paulo tinha a ver com estes ciúmes, pois
Paulo corre muito risco de vida para voltar para Jerusalém (de fato,
Paulo foi preso nesta viagem e levado a Roma), com uma companhia
excessivamente grande de convertidos gentios, a fim de provocar o
ciúme em alguns judeus e a conversão em Cristo (Romanos 15.15-29);
neste sentido, não era por acaso que, no fim de cada viagem missionária,
Paulo visitava Jerusalém para tentar ganhar alguns dos seus
companheiros à salvação.
Conclusão
Deus usou especialmente o apóstolo Paulo para esclarecer as
implicações da vinda de Cristo para nós. Desde que ele encontrou o
Cristo ressurreto, sua teologia passou a ser nada menos que a expressão
252
da sua nova compreensão de Deus, sua percepção da história e sua visão
do destino humano. Por isso, ele disse:
Com efeito, a linguagem da cruz é loucura para aqueles
que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para
nós, é poder de Deus. Pois está escrito:
Destruirei a sabedoria dos sábios
e rejeitarei a inteligência dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o homem culto?
Onde está o argumentador deste século? Deus não
tornou louca a sabedoria deste século? Com efeito, visto
que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a
Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura
da pregação salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem
sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós,
porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os
judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para
aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos,
é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o
que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens,
e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens. (1 Coríntios 1:18-25, na versão da Bíblia de
Jerusalém)
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é o papel e lugar de Israel na escatologia paulina e qual é
a relação destes à estratégia missionária de Paulo e da igreja
hoje?
2.
Para Paulo, quando começa a era messiânica? Qual é a
implicação disto para a tarefa missionária da igreja?
253
Igreja: Por quê Me Importar?
3.
Como você define o conceito de “teologia” à luz das cartas de
Paulo?
4.
Paulo era que tipo de teólogo?
254
A MISSÃO
DE PAULO
Romanos 15.14-21
Com sua nova orientação e a revelação por Jesus que a salvação
havia chegado, Paulo não poderia conter a sua explosiva pregação. Isto
é evidente, especialmente nos textos onde Paulo fala diretamente sobre
sua comissão missionária.
A compulsão para pregar
Paulo fala da transformação de sua estimação de Cristo (2 Coríntios
5.16-20). Aquela experiência de conversão transformou sua perspectiva
da história e o fez ciente da sua vocação como “embaixador de Cristo” e
ministro de “reconciliação”. O conhecimento da graça ilimitada de Deus
quebrou todas as divisas entre judeu e grego. Porém, agora a mensagem
tinha que ser anunciada a fim de que todas as pessoas “roguem o nome do
Senhor” e experimentem as boas novas (Romanos 10.12-15).
O ministério de Paulo foi pela “graça” de Deus e era o seu
“serviço sacerdotal”. Sua missão aos gentios era uma oferta a Deus,
que ultimamente atingiria o próprio Israel e, assim, completaria o
ministério da salvação. Sua tarefa o levaria a circular1 o mundo
mediterrâneo, sem construir na obra dos outros, porque o tempo era
curto e a tarefa urgente (Romanos 15.15-21). A combinação das suas
experiências e das suas convicções deixou Paulo sem escolha. Era
compelido a pregar.
Desde Paulo encontrou o Cristo ressurreto, seu conceito de
missão passou a ser nada menos que a expressão da sua nova
compreensão de Deus, sua percepção da história e sua visão do destino
humano.
255
Igreja: Por quê Me Importar?
Sua estratégia
O objetivo. Embora possa ter demorado alguns anos para Paulo
compreender plenamente o escopo do seu chamado, até seu ministério
principal missionário, já era ousado no seu alvo missionário—“trazer
os gentios”, provocando Israel ao arrependimento e, assim, precipitar o
ato final no drama da salvação.
Isto é evidente pelos títulos que Paulo assumiu para si como
seu chamamento profético (Romanos 1.1, veja Isaías 49.1, e Gálatas
1.15 veja Jeremias 1.5; veja suas citações proféticas em Atos 13.47;
18.9,10; 26.18), e seu ministério sacerdotal, oferecendo os gentios a
Deus como “um sacrifício aceitável santificado pelo Espírito Santo”
(Romanos 15.16). Ele concebeu a sua pregação como um meio através
do qual Deus o usou para “manifestar em todo lugar a fragância do seu
conhecimento”. Paulo é “o bom perfume de Cristo” (2 Coríntios 2.1415). O apóstolo afirma que é um “embaixador de Cristo”, “Deus exorta
por seu intermédio” (2 Coríntios 5.20). Seu ministério é “da nova
aliança”, designado por Deus (2 Coríntios 3.6). Ele é o “servo” de Deus,
através de quem pessoas vêm a crer (1 Coríntios 3.5). Acima de tudo,
Paulo é “apóstolo” ou, mais especificamente, “3apóstolo para os gentios”
(Romanos 11.13).
Estes títulos não anulam a confissão franca de Paulo sobre suas
fraquezas. Porém, nunca ele hesita em falar da natureza do seu ministério
mundial e definitivo.
O alcance. Paulo fala explicitamente disto em Romanos 15.1533, talvez o último texto que Paulo escreveu na Bíblia. Seu chamado é
descrito como sendo de “ministro de Cristo Jesus aos gentios”, e a missão
foi realizada “por palavra e por obras, por força de sinais e prodígios,
pelo poder do Espírito Santo”. Portanto, Paulo mesmo afirma que seu
ministério não era limitado apenas à pregação, mas inclui “curas e outros
sinais”. Nesta altura, Paulo já havia chegado até Ilírico desde Jerusalém.
À luz do contexto desta carta, Paulo evidentemente propôs fazer
mais; pelo menos, prosseguir até a Espanha, usando a igreja romana
como sua base, como a igreja de Antioquia era até aquele ponto. Sua
visita a Roma era um passo significante na sua missão escatológica
256
pois, os grandes temas desta carta—salvação para judeu e grego—
forneceram o contexto, o escopo do seu apostolado missionário, que o
levou até Roma e Espanha. Como disse aos coríntios, “tendo esperança
de que, crescendo a vossa fé, seremos sobremaneira engrandecidos entre
vós, dentro da nossa esfera de ação, a fim de anunciar o evangelho para
além das vossas fronteiras...” (2 Coríntios 10.15-16).
A missão gentílica tinha implicações para o próprio Israel.
Portanto, Paulo deve primeiro levar sua coleta das igrejas gentílicas
para Jerusalém. Ele sempre era ciente de que seu ponto de partida era
Jerusalém (Romanos 15.22-29).
A prioridade. Paulo procurava atingir primeiro os centros
provinciais que não eram evangelizados na sua missão. Isto era uma
estratégia do “quadro geral” e não dos detalhes, isto é, não de todo e
qualquer lugar. Ele não tentava evangelizar o mundo gentílico
totalmente, mas contava com a obra evangelizadora das comunidades
que ele estabeleceu para continuar a missão. Ele mesmo se apressava
para a tarefa urgente de pregar o evangelho para aqueles que não o
ouviam (Romanos 10.14). Sua perspectiva era de “preencher” ou
“completar” (Romanos 15.19) os principais lugares que faltavam no
mundo gentílico e prosseguir em frente.2
Já que Paulo entendeu que Deus oferece a salvação a todos
agora e que ele era chamado para pregar entre os gentios, dedicou sua
energia ao ministério móvel da pregação que varreu o mundo gentílico.
Para Paulo, um judeu helenista, o mundo gentílico significava o mundo
greco-romano. Porque esta missão tinha como motivação provocar os
judeus aos ciúmes e, assim, iniciar o capítulo final da história da
salvação, a missão paulina possuia um aspecto de urgência. Não queria
duplicar o trabalho dos outros e não prosseguia nesta missão sem
referência às suas raízes no judaísmo. A coleta e seus esforços para
validar seu ministério com a comunidade em Jerusalém eram sintomas
desta preocupação.
O alvo. Paulo teve uma certa “ansiedade apostólica” pelas
igrejas que estabeleceu e se preocupava muito com a perseverança
destas, pois estas comunidades eram provas do seu próprio apostolado
257
Igreja: Por quê Me Importar?
e chamamento (1 Coríntios 9.1-2; 1 Tessalonicenses 2.19; Filipenses
2.16; 2 Coríntios 11.28). Sua preocupação pela saúde de suas igrejas
refletia também sua orientação à história da salvação. A formação da
“igreja” demonstrou que “agora é o dia da salvação” (2 Coríntios 6.2).
A vida da igreja em Cristo era evidência de que Deus oferecia
salvação a todos através da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Portanto,
para Paulo, a fidelidade contínua das comunidades gentílicas era
testemunho vivo da sua visão escatológica, que ele descobriu em Cristo.
Paulo esperava que esse “testemunho” penetrasse a cegueira de Israel,
e assim pudesse tirar o véu que escondia o final glorioso do plano de
Deus de salvação.
Por isso mesmo, apesar da sua urgência de se apressar para
áreas novas, Paulo gastou considerável tempo no “cuidado pastoral”.
Paulo não se satisfazia em meramente “implantar” a igreja e depois
sair, apesar das suas próprias afirmações a este respeito. Sentiu
responsabilidade pessoal pelas comunidades que ele estabeleceu e, sem
hesitação, mandava-lhes diretrizes específicas e pastorais. O fato de
que comunidades, como os coríntios, pediam conselho de Paulo sobre
questões específicas e suas visitas freqüentes a elas, demonstram que
Paulo não se apresentava como mero evangelista passageiro, mas como
alguém que retinha autoridade sobre estas comunidades e tinha a
intenção de pastoreá-las.
Concluímos que a estratégia e o estilo da missão paulina
correspondiam à sua teologia de missão.
Seu conteúdo
Embora as cartas de Paulo não contenham explicitamente
sermões que o apóstolo pregava, é razoável que refletem os temas básicos
que empregou na sua pregação. Como já reparamos, alguns temas vieram
da tradição judaica de pregação missionária, embora o fundamental
seja o fruto da revelação de Jesus na sua experiência de conversão.
Abandonar os ídolos. Paulo apelou para os gentios
abandonarem seus ídolos (1 Tessalonicenses 1.9; Romanos 1.18-32).
258
Porém, Paulo não se referia a idolatria apenas no sentido de adoração
aos ídolos, mas incluia o sentido de aliança a qualquer coisa que era
falsa. Abandono dos ídolos, como na pregação judaica, poupava os
gentios da “ira vindoura” de Deus; só que para Paulo, esta libertação
era atribuída a Jesus (1 Tessalonicenses 1.10); Paulo, substancialmente,
dá uma modificação cristã para um tema judaico tradicional.
O conhecimento de Deus e por Deus (Gálatas 4.8-9). Para o
judeu, “conhecer a Deus” pode ou se referir ao conhecimento de Deus
através da natureza (o sentido que Paulo usa em Romanos 1.18-23) ou
a um compromisso total com Deus. Em Gálatas, Paulo usa o termo
neste segundo sentido. “Conhecer a Deus” implicava em libertação da
ignorância da prisão aos falsos deuses. Paulo acrescentou uma outra
dimensão quando falou de “ser conhecido por Deus”, sendo este termo
equivalente à escolha e à eleição do crente por Deus. Esta dimensão
não tinha precedência na literatura judaica.
Paulo relacionou os dois aspectos—“conhecendo” e “sendo
conhecido”, libertação e eleição—ao ato de redenção de Cristo (Gálatas
4.4-5). Portanto, como no tema idolatria, Paulo cristianiza o tema
emprestado do judaísmo.
A morte e a ressurreição de Jesus. Isto era a parte principal
da pregação de Paulo e veio pela sua experiência de conversão (1
Coríntios 15.4; 2.2).
Por certo, Paulo era flexível, conforme situações diferentes.
Mas, mesmo assim, a sua teologia missionária marcou profundamente
os traços da sua pregação, mesmo quando empregou temas judaicos.
Portanto, as convicções formadas na sua experiência de
conversão—que Deus oferecia salvação a todos através de Jesus Cristo
morto e ressurreto—serviam como plataforma básica à sua mensagem
missionária.
O foco escatológico da pregação. Paulo fala “desta era”
(Romanos 12.2; 1 Coríntios 1.20; Gálatas 1.4) e da “era vindoura”
(Efésios 1.21). Mas antes de serem categorias de tempo, estas são
259
Igreja: Por quê Me Importar?
categorias qualitativas que descrevem os dois domínios distintos—do
inimigo e de Deus. A era vindoura e o domínio de Deus é tanto futuro
(2 Coríntios 4.7) como presente (2 Coríntios 5.17ss; Gálatas 6.15).
Como no Velho Testamento, o sinal da vinda do fim (escaton)
seria a vinda do Espírito de Deus em poder. Por isto, Paulo enfatiza a
vida no Espírito como prova da chegada do escatão (Romanos 5.5;
Gálatas 4.6,7) e garantia da consumação do mesmo no futuro (Romanos
8.23; 2 Coríntios 1.22; 5.5).
As comunidades que Paulo estabeleceu são o povo escatológico
de Deus, provas da fase final do plano de salvação de Deus.
IMPLICAÇÕES ATUAIS
Muitos estudiosos acreditam firmemente que Paulo esperava o
retorno de Jesus logo em seguida, talvez enquanto Paulo estivesse ainda
vivo. Entretanto, há vários indícios do contrário. Por exemplo, ele nunca
fala disto, e esta observação deve pesar muito, diante do elevadíssimo
nível de paixão e urgência que Paulo sentia em relação a seu serviço a
Cristo. Além do mais, gastava muito tempo no trabalho pastoral. Paulo,
o maior missionário da história, prezava o pastorado! Pois sem a firmeza
e permanência das sua igrejas, o seu evangelho se provaria defeituoso,
e sua crença no estabelcimento da era vindoura por Deus, enganada.
Creio que haja uma lição de tremenda importância para nós nisto tudo.
Enquanto (e porque!), sem dúvida, devemos estar sempre prontos para
o Dia Final, nosso esforço no aqui e no agora se nutre não apenas nesta
esperança futura, mas também na já inauguração do reinado de Deus
no nosso mundo. É nesta dispensação da graça de Deus, em que os
povos estão conhecendo a Deus e sendo conhecido por Deus, que a
igreja pode e deve anunciar as boas novas. Apesar das aparências
contrárias, maldade e pecado no mundo, e problemas dentro da própria
igreja (não era diferente na igreja primitiva!), quase dois mil anos de
história comprova: o evangelho está de fato avançando e Deus
estabeleceu seu povo para ser Sua testemunha. Se recuamos neste dever,
as próprias pedras anunciarão.
Mas além da urgência (ainda!) da tarefa e da certeza da sua
viabilidade, Paulo nos oferece estratégias concretas que nos guiam até
260
os dias de hoje: 1) manter na mira os grandes centros urbanos das
províncias (mas infelizmente nós aqui hoje priorizamos as regiões mais
distantes dos centros!); 2) enfocar lugares não onde Cristo já fora
anunciado (não necessariamente onde a nossa igreja não fora
estabelecida!); 3) ter uma visão ousada do mundo inteiro como nosso
campo de trabalho (não apenas nossa região e nem sequer todo o nosso
país); 4) estrategizar em termos de grupos ou povos étnicos; e 5)
estabelecer e acompanhar de perto, igrejas fortes que vivam não na
precariedade espiritual e moral, mas comunidades de fiéis que
transbordam de alegria e unção do Espírito, que Deus nos deixou como
selo e garantia da nossa salvação.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é o papel e lugar de Israel na escatologia paulina e qual é
a relação destes à estratégia missionária de Paulo e da igreja
hoje?
2.
Para Paulo, quando começa a era messiânica? Qual é a
implicação disto para a tarefa missionária da igreja?
3.
Qual era a estratégia missionária regional e étnica de Paulo?
1
As versões em português geralmente traduzem Romanos 15.19 “circumvizinhanças” ou
“arredores”, mas a palavra, tanto no Novo Testamento quanto em toda a literatura grega
antiga, sempre significa “círculo” e assim deve ser traduzido com “circulando” e descreve
todos os roteiros missionários de Paulo.
2
"Divulgar” o evangelho em Romanos 15.19 tem a idéia literalmente de “completar” ou
“preencher” os lugares que a pregação do evangelho ainda não atingiu.
261
Igreja: Por quê Me Importar?
262
FINALIDADE DE CRISTO E
FIDELIDADE DA IGREJA
Hebreus
A Carta aos Hebreus contribui por afirmação e por exortação à
ênfase missionária da Bíblia. Contribui por exortação pois nos mostra,
que a confiabilidade de Deus em salvar o mundo por meio de Cristo, é
ameaçada quando a igreja vacila na sua fé e no seu testemunho. Esta
carta, portanto, exorta a igreja de permanecer firme na fé, tanto diante
de perseguição e zombaria oriundas fora da igreja, quanto diante da
tentação à preguiça e o relaxamento dentro da igreja.
Também contribui porque afirma a finalidade de Cristo em
cumprir os propósitos de Deus para o mundo. Estes propósitos parecem
como sombras no Velho Testamento em comparação com a supremacia
de Cristo. Tal ênfase na supremacia de Cristo pelo seu cumprimento
histórico do Velho Testamento destaca a importância da época atual
como o período da salvação e portanto o período de missão (Hebreus
1.5; 3.7, 13, 15; 4.7; 5.5; 13.8).
Assim o duplo tema da carta aparece como: 1) a finalidade de
Cristo nos planos de Deus, vistos como sombra no Velho Testamento,
para a salvação do mundo e 2) a necessidade consequente da igreja se
encorajar e permanecer firme na fé.
O pano de fundo histórico
A Carta aos Hebreus não começa como outras cartas do Novo
Testamento que deixam transparecer o seu carácter ocasional. Na
verdade, Hebreus parece mais uma homília extensa com um alto estilo
de composição retórica, que uma carta. Entretanto, a conclusão de
Hebreus demonstra que um grupo específico (talvez em Roma),
conhecido pelo autor, está em mente (13.19, 23), e por isso fala-se da
263
Igreja: Por quê Me Importar?
“Carta” aos Hebreus.
A autoria específica da carta é desconhecida, algumas sugestões
incluindo Paulo (pelo teólogo puritano João Owens), Lucas ou Clemente
(por João Calvino), Apolo (por Lutero), e até Priscila. O mais certo,
entretanto, é o comentário de Orígenes, logo no início da história da
igreja: “somente Deus sabe”! Mas mesmo não sabendo o nome do autor,
é difícil duvidar que tanto ele quanto os seus leitores tenham sido judeus,
pelo grande volume e profundidade de citações do Velho Testamento.
O velho Testamento na Carta aos Hebreus
(as referências em Hebreus estão entre parênteses)
1. Citações de:
2. Personagens
Gênesis ( 4.4 )
Êxodo ( 8.5 )
Levítico ( 9.7 )
Números ( 3.5 )
Deuteronômio ( 10.30 )
2 Samuel ( 1.5 )
Salmos ( cita 11 vezes )
Provérbios ( 12.5-6 )
Isaías 2.13 )
Jeremías ( 8.8-12 )
Ezequiel ( 13.15 )
Oséias ( 13.15 )
Habaquque (10.37-38 )
Ageu ( 12.26 )
Zacarias ( 13.20 )
Caim e Abel ( 11.4; 12.24 )
Enoque ( 11.5-6 )
Noé (11.7 )
Abraão ( 7.1-10; 11.8-19 )
Isaque ( 11.21 )
Jacó ( 11.21 )
Esaú ( 12.16 )
José ( 11.22 )
Moisés ( 3.1-6; 11.23ss )
Arão ( 5.4; 9.4 )
Raabe ( 11.31 )
Muitos juízes e profetas
( 11.32-38 )
3 Eventos
4 Instituições e ceremônias
criação ( 11.3; 4.4 )
queda ( 6.8 )
Moisés no Egito ( 11.24-27 )
Páscoa ( 11.28 )
Êxodo ( 3.16; 11.29 )
Monte Sinai ( 9.18-21; 12.18-21 )
Entrada na Terra Prometida
( 3.18-19; 11.30 )
tabernáculo ( 9.1-5 )
Dia da propiação ( 9.7 )
Sacerdócio ( 5.1-3; 10.11 )
Sacrifícios ( 7.27; 8.3 )
Ritos de purificação ( 9.13 )
Lei ( 7.28; 8.4 )
Aliança ( 9.15-20 )
Extraída de Homens com uma mensagem, de John Stott e Stephen Motyer, Campinas , Editora
Cristã Unida, p. 109.
264
Figure 1
Sabemos que estes últimos sofreram perseguição quando se
converteram (10.32-34), e que eram conhecidos pelo seu serviço
sacrificial (6.12). Mas hoje o autor os chama de “preguiçosos” e “tardios
em aprender” (5.12; 6.12), necessitando de repetidas exortações para
não se afastarem de Deus (3.12), mas avançarem em maturidade (6.1).
Desanimaram na fé ou estavam sucumbindo à tentação de abandonar a
fé e retornar ao judaísmo? Não sabemos precisamente, mas em qualquer
caso, o autor oferece a solução: uma visão nova e clara de Jesus na sua
finalidade e supremacia, em relação às instituições mais sagradas da
tradição judaica elaboradas nas escrituras. Assim resumimos o conteúdo
da carta em quatro partes.
O ensino de Hebreus
A mensagem de Hebreus se resume no cumprimento definitivo
e final por Cristo de toda a revelação divina até então:
Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de
muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos
dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de
todas as cousas, pelo qual também fez o
universo....Jesus, por causa do sofrimento da morte,
foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça
de Deus, provasse a morte por [toda a humanidade]
(1.1-2; 2.9b).
Como João, o autor de Hebreus destaca a natureza
absolutamente divina de Cristo e realça a sua obra redentora, uma obra
de significância universal, a favor de toda a humanidade (2.9-18; 5.79). Sua supremacia é elaborada na carta tanto em termos de sequência
histórica (horizontalmente: antes e agora, o temporário e o eterno) quanto
em termos de nível e local (verticalmente: o terrestre e o celeste, a
sombra e a plena revelação). Assim o autor comunica que em tudo,
Cristo é a revelação maior, mais completa e final de Deus. Não há
nenhuma outra palavra de Deus por vir.
265
Igreja: Por quê Me Importar?
Esboço de Hebreus:
Assunto
Anjos
Moisés
Arão
Sacerdócio / alinça
Teologia
1.4-2.17
3.1-6
4.14-5.10
7.1-10.18
Ética
2.18
3.7-4.13
5.11-6.20
10.19-13.25
Supremacia histórica: antes e agora. O autor de Hebreus
demonstra a primazia de Cristo contrastando o seu papel no plano de
Deus com o papel dos anjos, de Moisés, de Arão e de todo o sacerdócio
levítico. Finalmente compara o sacrifício de Cristo crucificado com
todo o sistema de sacrifícios elaborado na extensão das escrituras. Nisto
tudo, Cristo é a realização final e substituto destas figuras e instituições
que apontavam, mesmo obscuramente, para a sua obra redentora.
Convém reparar que no final de cada seção, o autor fez uma aplicação
cada vez mais clara da sua comparação teológica à necessidade dos
seus ouvintes permanecerem firmes na fé. A ética apropriada nasce de
teologia apaixonada.
Jesus é maior que os anjos (1.4-2.18) por dois motivos.
Primeiro, ele realizou aquilo que os anjos não podiam, a identificação
com a humanidade pela incarnação, que por um lado estabeleceu Jesus
como um “pouco” menor que os anjos (2.7). Segundo, Jesus foi coroado
e honrado pela sua ressurreição—sujeitando tudo, inclusive os anjos,
debaixo dos seus pés— e assim conduz “muitos filhos” semelhantemente
à glória (2.10). Finalmente, o autor apresenta a sua implicação ética
deste ensino, mesmo que sutil e indiretamente: naquele que venceu a
máxima tentação encontramos forças também para vencer a tentação.
Jesus também é maior que Moisés (3.1-4.13), pois embora
ambos fossem fiéis nas suas respectivas “casas” (Israel e a Igreja), a
fidelidade de Moisés era aquela dum servo do Construtor, enquanto a
de Jesus era a dum Filho. Também o ministério de Moisés aguardava
cumprimento enquanto o de Jesus se goza plenamente hoje. A exortação
do autor agora é mais desenvolvida: se alguns podiam se rebelar nos
dias de Moisés e sofrer o castigo divino, quanto mais hoje devemos
zelar para não endurecer os nossos corações.
266
De modo crescente e climático o autor de Hebreus continua a
sua comparação, demonstrando que Jesus é ainda maior que também
Arão, um argumento que desenvolve extensivamente (4.14-10.39). O
argumento se desdobra da seguinte maneira: Arão representa o
sacerdócio levítico, o pessoal autorizado a cuidar do tabernáculo e do
templo e de todo o processo de oferecimento de sacrifícios ligado a
estas instituições judaicas cúlticas antigas. Cristo, por sua vez, é
antecipado por Melquisedeque, uma personagem que mal aparece no
Velho Testamento, apenas duas vezes em Gênesis 14.17-24 e Salmo
110:4. Mas o autor de Hebreus dá muito importância para a sua pessoa
por dois motivos. Primeiro, a mera presença do sacerdócio de
Melquisedeque no Velho Testamento é evidência de que o sacerdócio
de Arão e dos seus herdeiros era incompleto e imperfeito (7.11).
Segundo, a própria pessoa de Melquisedeque é compreendida como
prefiguração de Jesus. Pois ambos:
• exercem uma função tanto de realeza quanto de sacerdócio (7.1;
1.8) em contraposição à mera função cúltica dos sacerdotes
levíticos
• precedem o nascimento e ultrapassam a morte em contraposição
à vida temporária dos sacerdotes levíticos (7.3, 16)
• merecem a homenagem dos sacerdotes levíticos como a Deus,
já que era Melquisedeque que abençoou Abraão, de quem
descendem os levitas (7.4-10, expondo Gênesis 14; cf. Números
18.26)
• possuem uma linhagem independente da casa de Levi (7.1314); e
• são designados sacerdotes por juramento divino e de validade
eterna, diferentemente da designação genealógica e temporária
dos sacerdotes levíticos (7.21-23).
Em tudo isso, o sacerdócio de Jesus prefigurado na pessoa de
Melquisedeque, é infinitamente maior do que o sacerdócio levítico da
religião judaica que o precedeu. Jesus, portanto, possue a supremacia
histórica em relação àquilo que o precedeu. E esta supremacia também
se deve a posição superior de Jesus.
267
Igreja: Por quê Me Importar?
Supremacia de posição: o terrestre e o celeste. O sacrifício
de Jesus é maior que o sistema de sacrifícios judaicos pois é celeste e
não apenas terrestre. De pelo menos quatro maneiras o sacrifício de
Jesus supera a sombra imperfeita do Dia da Propiciação. Primeiro, a
esfera do sacrifício de Jesus não se limitava à cerimônia externa do
culto (9.13) mas também incluia a moralidade interior e pessoal (9.9,
14) do adorador. Segundo, pela sua natureza, o sacrifício de Jesus era
perfeito (9.26), espiritual (9.14) e vicário (9.28). Terceiro, o seu sacrifício
único, realizado “uma vez para sempre” (9.12, 26, 28; e 10.10). E quatro,
a eficácia do seu sacrifício era permanente, não passageira (6.20).
Portanto, em Jesus, Deus estabelece uma nova aliança ou um
novo testamento, baseado na santidade interior, no conhecimento pessoal
e no pleno perdão. Jesus é mediador deste novo pacto, superior ao
anterior (9.15; 8.6), e definitivo, pois não será superado. É uma “aliança
eterna” (13.20), que traz ao povo de Deus uma “salvação eterna” (5.9),
uma “redenção eterna” (9.12), e uma “herança eterna” (9.15).
A exortação de Hebreus
Na teologia, ou mais precisamente na cristologia, de Hebreus,
há sempre uma preocupação de aplicar a visão sublime do papel e
posição superiores de Cristo à situação da fé precária dos leitores. Já
vemos isso depois da comparação de Jesus com os anjos, e depois com
Moisés, e finalmente com Arão. Esta exortação alcança o seu momento
mais intenso a partir de 10.19, “tendo, pois, irmãos”. Aqui encontramos
um encorajamento profundo e uma advertência sóbria: encorajamento
para se firmar na fé (10.22), na esperança (10.23), e no amor (10.24; e
advertência sobre as consequências horríveis para aqueles que
deliberadamente pecam depois de conhecer a verdade (10.26). Não
podemos assim desprezar o único sacrifício que resta pelo pecado sem
correr o risco de cair no julgamento terrível e eterno de Deus (10.2627).
A fé. Pela plena certeza mesmo naquilo que não vemos (11.1),
não desfalecemos, mas cremos para sermos salvos (10.39), como os
heróis da fé nas escrituras antigas (capítulo 11), e considerando
cuidadosamente o exemplo supremo de Jesus na cruz (12.1-3).
268
A esperança. A disciplina e a perseverança à luz da esperança
em Jesus agora caracterizarão a vida cristã (capítulo 12).
O amor. Finalmente, o amor fornece o princípio mestre de
ética que guia toda a conduta dos fiéis. Mas este amor não é mero
sentimento. Caracteriza-se por ações concretas e visíveis: hospitalidade
para os desconhecidos (13.2), atenção aos presos (13.3), fidelidade no
casamento (13.4), contentamento ao invés da cobiça (13.5), e respeito
aos líderes da igreja (13.7-9, 17, 24).
Em tudo isto nós assumimos a desgraça de Jesus (13.13-14) e
permanecemos solidários com ele onde ele sofreu, fora dos portões da
cidade. Enchemos nossas vidas de louvor (13.15) e procuramos fazer o
bem aos necessitados (13.16), orando por todos (13.18-19) e olhando a
Deus que nos capacita (13.20-21)
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
A igreja hoje sofre por causa dos seus valores e estilo de vida?
2.
A sua igreja ou a sua vida evidencia relaxamento e
desfalecimento na fé? Quais são alguns motivos disto? Como
podemos vencer e permancer firmes?
3.
Você acha que missões realmente dependem do testemunho da
igreja, e do seu testemunho?
269
Igreja: Por quê Me Importar?
270
A IGREJA NA
SOCIEDADE
1 Pedro
Através da história da expansão da igreja, uma de duas táticas
foi assumida em relação ao seu envolvimento no sistema e nas
instituições da sociedade geral—ou participação ou isolamento. Alguns
dos fatores principais que contribuíram para estas duas posições incluem:
a hostilidade ou receptividade pela sociedade da comunidade da fé e da
sua mensagem; a atitude, ou otimista ou pessimista, pela igreja da
transformabilidade da sociedade; e a compreensão pela igreja do destino
divino deste mundo. A resolução desta questão hoje leva para vários
extremos do entendimento do papel da igreja na sociedade.
Surpreendentemente, os livros de 1 Pedro e Apocalipse chegam a
soluções contrárias, porém por razões e circunstâncias diferentes. Mesmo
assim, os dois são coerentes na sua avaliação da vontade de Deus em
relação ao mundo e assim acrescentam uma perspectiva significante
para o testemunho bíblico.
O pano de fundo histórico
A primeira carta de Pedro se dirige a uma comunidade
minoritária, numa situação hostil no norte da Ásia Menor (1.1). Estes
cristãos eram “forasteiros”, “peregrinos”, isto é, “exilados” e membros
da “dispersão” (1.1; 2.1). Aparentemente, o autor escreve de Roma,
conhecido pelo apelido diminuitivo, “Babilônia” (5.13; veja Apocalipse
14.8; 17.5,18; 18.2).
Por causa de seus valores e seu estilo de vida, a igreja estava
“por fora” do padrão da sociedade dominante (4.3, 4). Esta desarmonia,
em vez de qualquer perseguição explícita, era a causa fundamental do
sofrimento que os cristãos tinham que passar. Eram ridicularizados pela
mudança no seu estilo de vida que acompanhou sua conversão. Alguns
271
Igreja: Por quê Me Importar?
deles sofreram mais ainda por causa do seu papel mais envolvido na
sociedade geral, como por exemplo os escravos domésticos e esposas
crentes de maridos descrentes. Portanto, os cristãos eram uma minoria
num ambiente grande e hostil e, por causa de sua conduta nãoconformista, eram “forasteiros” e um povo dispersado na sua própria
terra.
O ensino teológico
Mesmo assim, a carta demonstra uma atitude positiva em relação
ao mundo pagão ao seu redor, e não uma atitude predominantemente
defensiva. A Primeiro Carta de Pedro relaciona este senso de
responsabilidade cristã para com o mundo com uma teologia de batismo
e vocação. Esta teologia não é a mesma que se encontra nos Evangelhos
e nas cartas de Paulo. Por exemplo, não trata da questão do
relacionamento entre judeus e gentios e pouco se apoia na perspectiva
da história da salvação.
Desde seu início, a carta enfatiza que o cristão é “escolhido”
por Deus e “consagrado” (1.1-7). O fiel encontra esta graça de Deus
através da pregação missionária da igreja (1.12, 25) e das águas do
batismo (3.21). Esta graça salvadora encontrada no batismo e na
conversão assume a imagem nestes de “regeneração” (1.3), a aquisição
de herança incorruptível (1.4), resgate da futilidade (1.18-21) e uma
boa consciência para com Deus (3.21).
A salvação de Deus se torna a base para a identidade da igreja
e sua responsabilidade no mundo. Na carta, o autor lembra seus leitores
que são “povo de Deus” (2.10), “eleitos” (1.2), e “chamados” (1.15).
Em 2.4-10, o autor reúne uma série de figuras bíblicas para descrever a
comunidade cristã como o povo de Deus. Estas figuras preparam para a
descrição da responsabilidade cristã.
Pois nem sua posição minoritária na sociedade, nem sua
consciência de conversão e eleição, levou a igreja para uma atitude
defensiva em relação ao mundo. Nesta carta, o cristão não deve se
separar do mundo, nem condená-lo. A comunidade cristã deve oferecer
um testemunho vivo da esperança que eventualmente levará o mundo a
dar glória a Deus.
272
A ética pessoal e social
Os princípios básicos desta missão de testemunho são
elaborados em 1.1-2.10: agora o autor se concentra nas conseqüências
práticas desta identidade. Os princípios são dois: a pureza moral e o
envolvimento na sociedade.
A pureza moral. O primeiro princípio é que o cristão não deve se
render às “paixões carnais” que podem destruir o espírito humano (2.11).
Isto será um resultado direto da conversão, a negação da sensualidade e
mudança do estilo de vida que distancia a comunidade da sociedade. Este
distanciamento e recusa de aceitar os padrões dominantes da sociedade
provoca desconfiança e até hostilidade (4.4). E, para isto, a comunidade
deve permanecer sóbria e vigilante, resistindo às seduções do mal (5.8-9).
O envolvimento na sociedade. Apesar da ameaça da sociedade
em geral, a comunidade deve se envolver ativamente na sociedade e darlhe testemunho. Este testemunho consiste em “boas obras” (2.12, 14; 4.19)
e seu senso de esperança. Para que seu testemunho seja visível, o cristão
deve ser “submisso” ou se envolver nas instituições da sociedade humana
(2.15).1 Esta participação ativa e testemunho moral são oferecidos para
“silenciar” as difamações contra os cristãos (2.15). A comunidade cristã,
portanto, deve cuidar de andar, por um lado, participantes ativos na
sociedade e, por outro lado, com reverência leal a “Deus” (2.16-17).
Por causa da sua boa conduta, a igreja sofre o afastamento da
sociedade, e este sofrimento tem um impacto missionário na sociedade
(2.12, 15; 3.1, 2, 16). A igreja acaba tendo uma vida distinta na sociedade
geral. Por outro lado, pelo seu envolvimento e participação na sociedade,
a igreja também tem um impacto missionário na sociedade, uma
penetração evangelística.
Os dois aspectos, distinção moral e participação social devem
ser mantidos para que o testemunho seja fiel e tenha integridade. Por
um lado, a igreja toma posição ao lado de Deus, em contraposição ao
mundo. Mas, por outro lado, esta posição deve falar profeticamente
àquele mundo no qual a igreja vive e participa, e ao qual a igreja serve.
273
Igreja: Por quê Me Importar?
Dois exemplos de participação na sociedade são especificados
por Pedro: os escravos domésticos e esposas de maridos descrentes. A
instrução para estes se encontra em 2.18-25. São exortados a serem
“submissos” aos seus senhores, isto é, continuar na sua posição na
sociedade, pois é nesta posição que o testemunho de suas vidas é visto.
Portanto, devem cumprir seu serviço com “temor” aos seus senhores
(uma palavra que Pedro restringe à atitude que se tem em relação à
Deus). Esta tentativa de, por um lado, ser um bom servo (participar na
sociedade) e, por outro lado, ser um bom cristão (sofrer isolação da
sociedade), pode levar ao sofrimento. Mas neste sofrimento há poder e
potencial para um testemunho eficaz (2.20), pois Cristo sofreu, mesmo
inocente, e este sofrimento era salvador (2.21-24).
O outro exemplo da participação dos crentes na sociedade geral
se refere às esposas crentes de descrentes. As esposas cristãs estavam
numa posição particularmente vulnerável, porque normalmente na
sociedade romana, a mulher adotava a religião do seu marido. Tal
vulnerabilidade aumentava mais ainda quando o seu marido era hostil
ao cristianismo (3.1). Mesmo nesta situação aparentemente insuportável,
a esposa cristã deveria ser “submissa”. Neste contexto, a submissão
não é passiva, já que a questão em jogo é justamente resistência corajosa
à vontade do marido de assumir a religião dele. Em vez disto, semelhante
ao caso dos escravos, a mulher deveria continuar no seu papel como
esposa e cristã comprometida. Porém, o bom senso indica que ela não
deve confrontar seu marido diretamente, mas deixar seu procedimento
ganhá-lo “sem palavra alguma” (3.1), como Sara que “pratica o bem e
não teme perturbação alguma” (3.6). Dificilmente poderia entender esta
exortação como uma à submissão meiga.
Então, apesar da gozação, desconfiança e afastamento, o cristão
deve continuar a levar uma vida de integridade, “não pagando mal por
mal, ou injúria por injúria” (3.9). Seu chamamento é bendizer, e não
responder com hostilidade.
A base destes testemunhos é nada menos que o próprio exemplo
de Jesus crucificado. Aqueles sofrimentos fizeram parte integrante e
ativa do ministério dele. Ele morreu pelos pecadores...o justo pelos
injustos para conduzí-los a Deus (3.18).
274
O testemunho humano e divino
O testemunho que Pedro exorta a comunidade cristã a dar é,
acima de tudo, o testemunho da boa conduta e das boas obras (veja
acima); entretanto, inclue também o testemunho verbal. O correlato de
demonstração é explanação, que por sua vez já pressupõe algo presente
e conhecido, mas não entendido. O testemunho verbal explica e esclarece
a presença já do testemunho de vida, a demonstração da fé e vida cristã.
O testemunho verbal inclui dois aspectos—a proclamação humana e a
revelação divina.
A proclamação humana. Como resultado e conseqüência da
sua identidade como povo eleito, sacerdócio real, nação santa e
propriedade divina, a igreja “proclama” as características dAquele que
deu-lhe esta identidade. A proclamação, então, chama a atenção para a
ação salvífica de Deus para com a igreja, e por isso mesmo tem que
pressupor a evidência clara da sua transformação (2.9). O crente é
chamado para dar a razão da esperança que ele possue, esperança esta
que tem que ser manifesta e visível para poder levantar a pergunta a
qual a razão responde (3.15). Às vezes, a explanação é dispensável,
como vimos no caso das esposas cristãs de maridos descrentes (3.1). E
quando dada, a explanação não pode se caracterizar por um tom de
superioridade, arrogância ou duplicidade (3.16). Mesmo assim, a
proclamação permanece essencial, tanto porque alguns podem pedí-la,
quanto porque a demonstração precisa dela como complemento, pois
foi pela proclamação que a igreja para quem Pedro escreve, recebeu a
graça de Deus (1.12, 25).
A revelação de Deus. A evangelização e a tarefa missionária
têm tanto uma origem e fonte divina quanto um exercício humano. A
proclamação humana precisa ser acompanhada pela revelação divina
para efetuar a transformação do ouvinte. Pedro lembra à comunidade
da fé que assim eles receberam a graça de Deus (1.11-12). A natureza
reveladora da palavra de Deus é enfatizada na carta (1.23-25).
275
Igreja: Por quê Me Importar?
A escatologia evangelística
O objetivo principal do testemunho da igreja não é descrito
como um programa de recrutamento de membros para a igreja. Mas,
através das boas obras e da boa conduta da igreja, o mundo pagão
“glorifique a Deus no dia da visitação” (2.12). O papel da comunidade
cristã é se preparar para o dia final, quando os não-crentes poderão
aclamar seu Deus. Portanto, o sofrimento que o cristão pode passar
dando testemunho ao não-cristão é por “breve tempo”, em comparação
com a “eterna glória” que gozará no dia da visitação (1.6; 5.10). Por
isto, a orientação da boa testemunha é sempre para o fim, que só pode
ser “próximo” (4.7), já que o juízo é chegado para a igreja (4.17) e isto
torna mais urgente a obediência do descrente.
Conclusão
Mesmo em frente à sociedade pagã, que não entende as
peculiaridades dos cristãos e se chateia pela recusa destes de assumir
seus valores, a igreja deve ser tanto firme na sua boa conduta, quanto
também participar nas instituições da sociedade, a fim de efetuar um
testemunho cuja finalidade é levar os gentios a glorificarem a Deus no
dia final. O testemunho é principal e fundamentalmente uma
demonstração de vida vivida de acordo com as virtudes de Deus.
Entretanto, é complementado pela proclamação verbal da igreja e
efetuado pela própria revelação de Deus. Assim 1 Pedro esclarece a
atitude apropriada da igreja em relação ao mundo.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a posição da igreja diante da sociedade: envolvimento
ou afastamento?
2.
A Bíblia exige a abstinência (afastamento profético), pela igreja,
de práticas socialmente aceitas? Dê exemplos.
276
3.
A igreja hoje sofre por causa dos seus valores e estilo de vida?
4.
Em quais casos a igreja não deve se envolver na sociedade em
geral?
1
A conotação da palavra hipotasso, ”sujeitar-se” (2.13), se torna evidente pela sua alternativa
neste contexto. Esta alternativa não é “rebelião”, cujo oposto seria “render-se”, mas é
“separação”, cujo contrário seria “participação”. Portanto, a referência à submissão é uma
referência à participação.
277
Igreja: Por quê Me Importar?
278
A IGREJA CONTRA
A SOCIEDADE
Apocalipse
O Apocalipse de João difere muito em forma e em tom de 1
Pedro, pois Apocalipse tem uma característica profética e apocalíptica,
enquanto 1 Pedro tem um estilo homilético e pastoral. Enquanto o autor
começa com um formato de carta (1.4-3.22), a maior parte desta literatura
emprega figuras apocalípticas, e portanto simbólicas, para construir sua
visão dramática da história do mundo. O próprio autor descreve sua
obra como “profecia” (1.3), e assim escreve às comunidades cristãs
para lhes dar uma orientação cortante e destemida num momento de
crise.
O pano de fundo histórico
Provavelmente, a carta tenha sido escrita durante o reinado de
Domiciano (81-94 d.C.), quando o culto ao imperador se tornou um
problema sério para os cristãos e uma ocasião para perseguição
sistemática, embora esporádica, pelo estado romano. Portanto, os
problemas que as igrejas da Ásia Menor enfrentaram não eram causados
meramente por elas serem uma minoria, com valores diferentes da
maioria ao seu redor, como no caso de 1 Pedro. A recusa de participar
numa função cívica tão importante como homenagens religiosas ao
imperador poderia ter, e tinha, conseqüências sérias de natureza
econômica, política e social.
Além deste conflito com a sociedade fora, as igrejas também
enfrentaram problemas internos que eram mais sérios ainda. Em 1 Pedro,
porém, não há nenhuma dica de divisão ou conflito dentro da
comunidade cristã. João, por sua vez, não poupa palavras duras para os
falsos mestres, que ao seu ver, ameaçavam a vida da igreja. Suas
279
Igreja: Por quê Me Importar?
mensagens às sete igrejas aludem a estes conflitos internos. Alguns
abandonaram o amor que tinha no início (2.4), outros estão “prestes a
morrer” porque suas obras não eram “perfeitas” aos olhos de Deus, e
ainda outros se tornaram ricos e presunçosos (3.15-17).
As facções mais problemáticas que violentamente perturbam
João são o partido nicolaíta (2.6, 15), a profetisa tipo Jezabel (2.20) e
aqueles que aderem ao ensino de “Balaão” (2.14). Embora não tenhamos
detalhes quanto a origem destes grupos, sabemos algumas coisas sobre
o seus ensinos. Seus líderes permitiram comer carne oferecida aos ídolos
(2.14, 20) e praticaram “imoralidade” (2.14, 20), que se referia
metaforicamente à idolatria (a literatura judaica freqüentemente
chamava a idolatria de imoralidade).
O ensino teológico e ético
Paulo havia concluído em 1 Coríntios e Romanos que o comer
carne oferecida aos ídolos, em si, não constituía fazer mal enquanto o
praticante não prejudicava a consciência de seus irmãos mais imaturos
na fé. Mas João entendia, no seu contexto, que comer esta carne era
símbolo de solidariedade com todo o sistema do estado romano e a
asseveração blasfêmica do imperador às prerrogativas divinas. Com
isto, a questão em jogo não era comer esta carne, mas a luta cósmica
entre o reino de Deus e as forças do pecado e da morte, personificadas
no estado romano e no seu culto idólatra. Assim sendo, o cristão não
pode prejudicar sua aliança e lealdade ao reino de Deus e, portanto,
seu testemunho heróico e profético de não-participação é absolutamente
necessário. Embora a derrota das forças da morte seja assegurada, até a
vitória final, o cristão deve viver uma vida de integridade vigorosa.
A base teológica de tudo isto se encontra na dramática visão
apocalíptica que João descreve. O cenário é cósmico, alcançando toda
a história futura. O tema é a luta entre o bem e o mal e o destino último
do mundo criado. Embora a arena imediata seja o poder desumanizante
do estado romano, nos bastidores desta cena encontramos o combate
cósmico de Deus e Satanás.
Neste quadro João afirma a salvação universal intencionada
por Deus e efetuada pela morte e ressurreição de Cristo. Assim, uma
280
parte chave da teologia encontrada em Paulo e nos Evangelhos é
reafirmada aqui. O “Cordeiro que foi morto” é aquele cujo sangue redime
para Deus “de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os
constitui reino e sacerdotes; e reinarão sobre toda a terra” (5.9-10).
Este Cordeiro receberá louvores de “toda criatura que há no céu e sobre
a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há” (5.13). O
evangelho desta salvação será proclamado a todos: “aos que se assentam
sobre a terra, e a cada nação e tribo e língua e povo” (14.6).
A base do seu alcance salvífico é o senhorio cósmico de Cristo
ressurreto. Seu senhorio não tem igual. Ele é “o soberano dos reis da
terra” (1.5) e seu julgamento vindouro causará que todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre
ele, certamente (1.7). Eis o conflito fundamental entre a igreja e o império
romano. Porque o império assumia uma autoridade que pertence apenas
a Cristo, se colocou contra Deus e assim se manifestou como agente de
Satanás. Esta “besta” de império ataca a igreja (6.9; 13.7), e sua natureza
corrupta se caracteriza pela injustiça (13.16-17; 18.3,11-19) e pela
imoralidade sensual (17.2-5; 18.1-3).
Não há dúvida quanto ao resultado deste combate entre o reino
de Deus e o reino de Satanás. A descrição do triunfo começa a partir do
capítulo 19 e continua até o fim do livro. Aqueles que perseveram até o
fim, até que o reino do pecado seja expulso, terão que passar por
sofrimentos e perseguições (20.4). Devem, então, perseverar firmes
(4.12). Porque João encara esta luta entre Cristo e Satanás, não há lugar
para concessões em questões cruciais como o comer carne oferecida
aos ídolos. As conseqüências de tal posição podem implicar em
afastamento da sociedade geral (uma posição bem diferente que aquela
assumida em 1 Pedro), porém este afastamento é feito como um
testemunho profético que chame a sociedade geral ao senhorio de Jesus.
Conclusão
Tanto em 1 Pedro como em Apocalipse, a igreja é chamada
para sua tarefa missionária, a de dar testemunho—no primeiro caso,
por participação ativa na sociedade, e no segundo por afastamento
profético. O chamado para testemunhar vem da convicção na vontade
281
Igreja: Por quê Me Importar?
salvífica universal de Deus e no sentido de responsabilidade a todos os
povos por causa do ministério de Cristo ressurreto.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
Qual é a posição da igreja diante da sociedade: envolvimento
ou afastamento?
2.
A Bíblia exige a abstinência (afastamento profético), pela igreja,
de práticas socialmente aceitas? Dê exemplos.
3.
A igreja hoje sofre por causa dos seus valores e estilo de vida?
4.
Em quais casos a igreja não deve se envolver na sociedade em
geral?
282
AS RAÍZES DO FIM
“O empreendimento missionário é entidade
escatológica, tanto no sentido da escatologia futura,
como no da escatologia realizada ... Os componentes
geográficos (confins da terra) e temporais (fim dos
tempos) pertencem à própria essência do serviço
missionário”—Wilhelm Andersen (citado por Blauw
1966:111).
Através do Novo Testamento reparamos a importância e a
centralidade do reinado de Jesus para a questão missionária. Isto se
tornou muito evidente através do emprego do conceito “o reino de Deus”
ou “o reino dos céus” nos Evangelistas sinóticos; mas também se
manifestou através da cristologia cósmica e universal, tão elevada em
todo o Novo Testamento, que destaca a soberania de Deus, especialmente
expressa em Cristo Jesus crucificado e ressurreto.
Ainda resta-nos esclarecer a relação entre este conceito do reino
de Deus e a escatologia. Os dois se enquadram dentro da perspectiva da
história da salvação, isto é, que Deus está levando os seus propósitos
progressivamente ao seu cumprimento, a salvação do mundo, e isto através
da própria história humana. A escatologia, o estudo das “últimas coisas”,
se preocupa principalmente com o cumprimento, o fim do plano, o seu
aspecto futuro e final. Entretanto, também trata do presente à medida que
este já manifesta a chegada do fim, fato este realizado através da morte e
ressurreição de Jesus. NEle, os últimos dias (futuro) agora chegaram
(presente) e assim enquadram-se na escatologia (Hebreus 1.1-2).
283
Igreja: Por quê Me Importar?
O reino de Deus e a escatologia
O reino de Deus é um conceito mais amplo que a idéia de
escatologia. Refere-se à elaboração e ao desdobramento do plano
salvífico de Deus em toda a história. Mais estreitamente trata do domínio,
do governo, da onipotência, da soberania de Deus na expansão temporal
(em toda a história) e geográfica (em todo o lugar) do mundo.
Podemos dizer que a escatologia focaliza o cumprimento
(presente e futuro) do reino de Deus. Portanto, é difícil, se não
impossível, tratar de escatologia e missão sem se referir à sua base e
seu alvo no reino de Deus. Mesmo assim, nesta lição nos concentraremos
na significância do “fim” para a missão da igreja.
A esperança do fim e o esforço missionário. Para alguns, a
obra missionária é descrita como se fosse um substituto para a esperança
não-realizada da chegada do fim. Outros ainda são paralizados no seu
envolvimento missionário com total pessimismo à possibilidade de
redenção deste mundo.
Acreditamos que a proclamação missionária é a característica
apropriada da ação cristã neste mundo, visto que ela demonstra a
confiança que a obra missionária faz, essencialmente, parte do plano
escatológico de Deus para a salvação do mundo. A obra missionária da
igreja é o sinal escatológico do reino de Deus, e a esperança bíblica no
“fim” constitui seu estímulo mais intenso para a ação missionária.
A demora do fim. Não há dúvida que a esperança na volta
iminente de Cristo deu grande ímpeto ao evangelismo pela igreja
primitiva. Basta olhar para 1 Tessalonicenses 1.5-10 para observar a
maneira com que a pregação do evangelho, tanto por Paulo quanto pelos
próprios tessalonicenses nas regiões próximas e distantes, se colocou
no contexto da volta de Jesus dos céus. A pregação evangelística
freqüentemente terminou com o anúncio da volta iminente de Cristo e
um desafio para o arrependimento e fé, à luz da culminação de todas as
coisas.
284
Entretanto, Cristo não voltou tão rápido. Por isto perguntamos:
até que ponto a energia evangelística da igreja primitiva era resultado
de uma escatologia errada?1 Primeiro observamos que a esperança
escatológica continuou a incentivar muito a igreja na sua missão durante
os séculos II e III, muito depois que era óbvio que uma volta imediata
era sem base. Deduzimos, então, que o evangelismo não deve ter
dependido de tal esperança pressuposta, ou tería diminuído e não
aumentado (compare os escritos antigos: Epístola de Clemente, 2
Clemente, Epístola de Barnabé, Teófilo, Clemente de Alexandria,
Ignácio, Justino Mártir, Tácito e Irineu).
Conseqüentemente, a expectativa escatológica permaneceu
como grande incentivo para a obra missionária da igreja muito depois
que ficou bem clara a demora duma volta rápida de Cristo.
Michael Green, em Evangelismo na Igreja Primitiva, argumenta
contra a maioria dos estudiosos do Novo Testamento e afirma que, de
fato, os escritores do Novo Testasmento nunca ensinaram que Cristo
voltaria imediatamente. A metáfora do ladrão em quatro textos diferentes
apoia esta posição (Mateus 24.43s; Lucas 12.29s; Apocalipse 3.3; 16.15).
Paulo, inclusive, fala dum intervalo antes do clímax da história (2
Tessalonicenses 2). Além disto, as várias parábolas nos alertam sobre
uma demora (Lucas 17.24—o relâmpago; Mateus 21.33s—dono da casa
que demorou, cf. Mateus 25.1ss e Lucas 12.39), e a falta de conhecimento
do tempo da sua volta (Lucas 12.35-48; 17.24; Marcos 13.32; Atos
1.7). Será que os discípulos sabiam mais que seu Senhor? É bem mais
razoável, ao nosso ver, que não deveria haver mudança tão traumática e
repentina no ensino sobre a rapidez do retorno de Cristo, embora os
muitos estudiosos contemporâneos afirmem que tal mudança aconteceu.
Concordamos com Green que, enquanto havia um senso da iminência
da volta, isto não era associado, necessariamente, com a proximidade
temporal. A parousia seria “repentina” ou “inesperada”, mas não
necessariamente “breve” ou “logo”.
Então, o supremo incentivo para o procedimento em santidade
e para a tarefa missionária dedicada era esta consciência da iminência
do Fim, das limitações nas oportunidades para evangelismo, e de ter
que prestar contas, por último, a Deus.
Nunca, no Novo Testamento, há possibilidades de se calcular a
data destes eventos futuros, mesmo quando descritos como “próximos”.
285
Igreja: Por quê Me Importar?
Sempre estão debaixo da soberania de Deus, e a única resposta humana
apropriada é “vigiar e orar” (Mateus 24.42). Porque não sabemos quando
o fim virá, a onipotência de Deus recebe seu destaque apropriado.
Nenhum esforço ou conhecimento humano nos capacitará para
acertarmos quando o reino de Deus virá. Nós não podemos “trazer” o
reino de Deus. Isto é a obra e prerrogativa de Deus apenas. Todavia,
este reconhecimento na onipotência de Deus em realizar o fim não nos
paraliza na obra missionária. De maneira alguma! Pois, somente aqueles
que são convictos que o reino vem de Deus, encontram a coragem para
agir agora e aqui, quer com sucesso quer não. Se pensassem que a vinda
do reino dependia deles, quando enfrentados com fracasso iriam se
desesperar. Por isso, trabalhamos com alegria e coragem, não para
“apressar” a vinda do reino no sentido desta depender somente de nós,
mas porque sabemos que o reino vem de Deus.
A chegada do início do fim. Embora não saibamos da data da
chegada do fim, o evento decisivo da sua inauguração ou do seu início
já se realizou—a Ressurreição de Jesus. O fim pode parecer demorar,
mas isso não é razão para desânimo, dúvida ou desespero. A fé na
ressurreição gera firme convicção de que a soberania real de Jesus já
começou e continuará por um período desconhecido, até Cristo “entregar
o reino a Deus e Pai, quando houver destruído todo o principado, bem
como toda potestade e poder” (1 Coríntios 15.24, repare o contexto de
ressurreição). A ressurreição de Cristo inaugura o início do fim, o período
em que as nações serão evangelizadas, pois apenas o Cristo exaltado
pode atrair para si todos os homens sem distinção (João 3.14; 12.32).
Por isso, reparamos que uma teologia de missão reconhece uma
cristologia muito elevada, cósmica e universal, como de fato, o Novo
Testamento constantemente o faz.
O período do cumprimento. Com a inauguração dos últimos
dias pela morte e ressurreição de Jesus, podemos nos referir ao período
atual como o período do cumprimento, mais conhecido como o período
interino, pois é neste tempo que Deus já está iniciando o cumprimento
do seu plano salvífico. “Hoje” é o dia da salvação. A evidência deste
fato é a presença do Espírito Santo na igreja. A promessa da vinda do
Espírito (Joel 2.28-32), como sinal do dia terrível do Senhor, quando a
286
salvação chega a se cumprir no meio da igreja, a partir de Pentecostes.
Seu propósito principal é capacitar os crentes para a expansão
missionária da igreja (Atos 1.8). Ele é a garantia (2 Coríntios 1.22) e as
primícias (Romanos 8.23) das promessas de Deus na igreja. Com sua
presença, se torna manifesta a chegada da era em que muitos se
converterão a Deus das extremidades da terra. O período antes do fim
não é um período vazio de espera passiva; é a era do Espírito, o tempo
de missão. Estes são os “sinais” da fase final (Mateus 24.14; Marcos
13.10). O Evangelho deve ser pregado para todas as nações antes do
fim, pois Deus não quer que ninguém pereça (2 Pedro 3.9), mas que
todos se arrependam. Porém, a vinda do reino não depende da aceitação
humana deste chamado. Aí está o mais forte incentivo para a decisão
humana, e ao mesmo tempo, a soberania de Deus é totalmente mantida.
A tarefa missionária faz parte do cumprimento final,
uma demonstração divina e de fato da exaltação do
Filho do Homem, uma escatologia no progresso de
realização. Ela oferece a possibilidade de cooperar com
Deus na sua antecipação benevolente da hora decisiva
de redenção descrita em Isaías 25: “Os gentios são
aceitos como convidados à mesa de Deus (v. 6), o véu
é arrancado dos seus olhos (v. 7) e a morte é abolida
para sempre (v. 8) (ênfase no original, Joachim
Jeremias, Jesus’ Promise To the Nations 1958:75).
Vamos examinar estas perspectivas, mas primeiro com uma
investigação das suas origens no judaísmo.
A origem judaica da missão escatológica
O judaísmo pré-cristão possuía um senso de missão, embora
não como pré-condição do reino messiânico. Mesmo assim, um outro
conceito influenciou a doutrina neotestamentária da missão da igreja
como um “sinal” do fim. Havia esforços no judaísmo para calcular a
data do reino messiânico. Durante o período do Novo Testamento, surgiu
a expectativa expressa no Talmude e nos livros apócrifos, que o reino
287
Igreja: Por quê Me Importar?
de Deus virá somente quando todo o Israel tiver se arrependido. À
pergunta, “Quem está impedindo a aparição do messias?”, surgiam duas
perspectivas rabínicas, divergentes à perspectiva do Novo Testamento.
A escola de Rabino Eliezer. Os seguidores desta escola
desistiram de qualquer tentativa de calcular a data da vinda do messias.
Ensinaram que o messias virá quando todo o Israel tiver se arrependido.
Esta perspectiva prejudica a soberania de Deus, pois afirma que a vinda
do reino depende da atitude moral do homem, e esta vinda já não é mais
um ato soberano e divino.
A escola de Rabino Jeheshua. Esta fixou uma data, o ano de
240 d.C., quando, independentemente do homem, o fim do mundo viria.
À pergunta: “O que impede a vinda do messias?”, eles não responderam,
“Israel não se arrependeu completamente”, mas “o tempo ainda não
chegou”. Contudo, esta perspectiva também prejudica a soberania de
Deus porque a vinda do messias ainda depende do esforço humano,
isto é, a característica de cálculos.
Por outro lado, a escatologia no Novo Testamento mantém
plenamente a soberania divina, pois nem o esforço nem o conhecimento
humano capacita-o para saber quando o reino virá. O conceito de
“missão” no Novo Testamento, segundo o qual o Evangelho será pregado
para todas as nações antes do fim, confirma esta orientação. Antes de
examiná-la mais ainda, destacaremos três perspectivas judaicas que
contribuíram para a perspectiva neotestamentária: 1) Elias pregará o
arrependimento nos últimos dias (Malaquias 3.1; Eclesiástico 48.10,
11); 2) O reino virá quando o número dos eleitos se completar (1 Henoc
47.4; 2 Baruc 30.2; 4 Esdras); e 3) A peregrinação das nações para
Jerusalém (Isaías 66, cf. 2 Tessalonicenses 1 e 2).
IMPLICAÇÕES MISSIOLÓGICAS
Não precondição do fim. Missões nunca devem ser
consideradas como precondição ou pré-requisito para a vinda do fim,
nem pode a igreja apressar o fim através do seu fervor missionário.
288
Isto é, o fim não depende nem do cálculo nem do esforço
humano. Só Deus sabe a hora. Ele é soberano. Portanto, o
empreendimento missionário não pode possuir nenhum aspecto de
triunfalismo, mas deve manter uma atitude de humildade, dum servo
no seu papel de instrumento no plano salvífico de Deus. A igreja é a
comunidade serva de Deus. O reino de Deus não é equivalente à igreja,
pois a última possui as suas falhas e seus fracassos, embora seja também
criação de Deus. Mas mesmo tendo estas falhas, a igreja manifesta na
sociedade geral uma “presença salvífica”, uma amostra do reino de Deus.
Desse forma, em toda área das suas vidas, a igreja é desafiada a afirmar
o senhorio de Deus e refletir Suas preocupações. O desafio significa
que a igreja assume a preocupação veterotestamentária pela justiça na
sociedade humana e lança o aviso sobre a oportunidade de
arrependimento e conversão pessoal (Romanos 8.9,29; 1 Coríntios 15.3;
João 1.12; 2 Coríntios 5.20).
Não ultramundanismo. Em relação à observação anterior, isto
não significa que a igreja deva desenvolver uma atitude escapista, ou
de isolamento quanto ao mundo e simplesmente se preocupar por
questões internas ou eclesiásticas.
Algumas seitas judaicas do século I (essênios) tomaram esta
atitude e alguns interpretam referências no Velho Testamento ao
“remanescente” e a referência de Jesus ao “pequenino rebanho” (Lucas
12.32) desta maneira. A igreja cristã, freqüentemente na sua história,
assumia a mesma mentalidade.
Pelo contrário, a perspectiva escatológica de missão põe a igreja,
seu chamamento e sua vocação dentro dos mais amplos parâmetros—
até aos confins da terra e o fim do tempo. O grito litúrgico, Maranata,
“vem Senhor” (1 Coríntios 16.22; Apocalipse 21.17,20) se torna estéril
se não traduzido em ação missionária decidida para este mundo.
Uma tarefa contínua até o fim. O evento escatológico de
missão lembra à igreja que sua tarefa nunca termina antes do fim. A
perspectiva escatológica de missão dá um estímulo e motivação
contínuos para a igreja, pois o plano salvífico de Deus se manifesta à
medida que a igreja se envolve na promoção do reino neste mundo.
289
Igreja: Por quê Me Importar?
Esperar o fim nunca implica em passividade, mas atividade intensa no
agora e aqui. Envolvimento no mundo é uma das maneiras principais
de como a igreja se prepara para o fim.
Um reino tanto presente quanto futuro. O evento escatológico
de missão reconhece a certeza tanto da realidade futura quanto da
presença atual do reino de Deus em nosso meio. A igreja vive de acordo
com o que “já está aqui” do reino, a caminho do que “ainda não chegou”.
O sentido da história pode ser discernido, já que o seu alvo foi revelado.
Olhando para o futuro, a igreja experimenta conflito e
sofrimento, e isto continuará a ocorrer, se intensificando até a chegada
do fim. A igreja deve “completar o que resta das aflições de Cristo”
(Colossenses 1.24), e os missionários, particularmente, experimentarão
sempre resistência na linha de frente na luta contra as potestades do
mal (Efésios 6.10ss).
Um cumprimento próximo. O evento escatológico de missão
significa que estamos nos aproximando do cumprimento. Embora o
reino já esteja presente, inaugurado pela ressurreição de Cristo, só
podemos vê-lo na perspectiva do reino vindouro. Há um perigo das
igrejas perderem seu campo de visão por estender a missão meramente
em categorias deste mundo. O desafio social de hoje nunca pode ser tão
persuasivo que a esperança pelas coisas invisíveis pareça inútil ou irreal.
É a missão que mantém viva a esperança do cumprimento divino
do reino. Quando a expectativa da intervenção de Deus murcha, missão
perde seu caráter verdadeiro e a escatologia é reduzida para a ética.
Então se torna ou meramente melhoramento humanitário sem uma
dimensão transcendente, ou uma questão privada onde a preocupação
não é pela renovação da criação, mas apenas pela salvação individual.
Missão, escatologicamente entendida, infunde uma esperança não só
num novo céu como também numa nova terra. A idéia de que as coisas
podem ficar do jeito que são é uma antítese absoluta do evangelho.
Uma missão confiante. O evento escatológico de missão
preserva a igreja de desespero. Enquanto o tema escatológico impele a
igreja para envolvimento neste mundo, também fortifica-a contra o
290
perigo de desânimo, frustração e desilusão. A mensagem do reino
transcendente e a confiança de que, em última análise (e na primeira!),
tudo está sob o controle de Deus, nos dá a distância necessária de tudo
neste mundo. É Deus quem prepara o banquete. Nós somos meros servos
que distribuem os convites. O reconhecimento disto determina o
horizonte das nossas expectativas. Sem isto, o evangelho se torna lei, e
nós nos tornamos ansiosos e nervosos nas nossas atividades, como se
tudo dependesse de nós.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
O trabalho missionário é pré-condição para a vinda do fim?
2.
A igreja possue uma visão “escapista” para o seu envolvimento
missionário?
3.
Quando termina a tarefa missionária?
1
O sociólogo Leon Festinger, no seu livro When Prophecy Fails, demonstra pela sua análise
dos Testemunhas de Jeová, como movimentos milenistas freqüentemente compensam o
fracasso das suas profecias pelo maior envolvimento no recrutamento de adeptos.
291
Igreja: Por quê Me Importar?
292
O PROPÓSITO
DO FIM
Na última lição ficou patente que a escatologia bíblica está
intimamente ligada à tarefa evangelística. O evangelismo serve o
propósito do “fim”. Basta agora ilustra este ponto dos textos principais
no Novo Testamento.
No “pequeno apocalipse”
Marcos 13.10 e Mateus 24.14 deixam clara a ordem
escatológica. Marcos especifica a ordem da missão “primeiro” e antes
do aparecimento do Anticristo. Mateus deixa ainda mais claro: “então
virá o fim”, e este “fim” é inaugurado pelo aparecimento do Anticristo.
Nas duas passagens, a missão é mencionada como um “sinal” divino
junto com os “ais” escatológicos: guerras, fomes, catástrofes cósmicas,
perseguições, etc. e a intensificação do mal no homem. Portanto, a vinda
do reino não depende do sucesso da pregação, mas apenas do fato dela
mesma. Esta posição é confirmada em Apocalipse.
No livro de Apocalipse
Em capítulo 6 de Apocalipse, versículos 1-8, não há dúvida
quanto ao segundo, terceiro e quarto cavaleiros. Sempre a referência é
uma das pragas características e escatológicas, que é personificada nestas
figuras misteriosas. Mas, quem é o primeiro cavaleiro? Primeiro,
reparamos que ele não tem o aspecto dos atributos sinistros dos outros
cavaleiros, mas senta num cavalo branco, cor que representa qualidade
celestial. Sobre ele, o versículo diz que saiu “vencendo” e para vencer.
Isto também descreve uma qualidade divina da ação de Deus.
293
Igreja: Por quê Me Importar?
Acreditamos que este é o mesmo cavaleiro de 19.11ss, que então é
chamado “Fiel e Verdadeiro” e “Verbo de Deus”. Ou seja, sua tarefa é
proclamar o Evangelho pelo mundo. Desta forma, a pregação do
Evangelho em Apocalipse também é um sinal divino (ou “promessa”)
do fim e, como última oferta da salvação, é seguida logo pelas pragas,
ou pelos ais, ligados ao mal no homem. Além disto, outras passagens
neste livro enfatizam a necessidade dum apelo para o arrependimento
antes do fim. As duas testemunhas pregam o arrependimento antes do
fim (11.3ss) e o anjo prega o “evangelho eterno” antes do juízo de Deus
(14.5-7), para cada nação e tribo e língua e povo.
Em Atos 1.6-8
Lucas também relata a centralidade da pregação do Evangelho
como sinal escatológico do fim, de maneira muito clara. Popularmente,
esta passagem é muito citada ou para enfatizar o papel do Espírito Santo
na vida do crente ou para destacar a importância da evangelização
mundial. Entretanto, dentro do seu contexto, o versículo 8
essencialmente é uma resposta à uma pergunta escatológica, “Quando
virá o reino futuro” ?
Jesus primeiro repreende os discípulos, porque até a própria
pergunta pertence ao conhecimento e à autoridade exclusivos de Deus.
Não cabe aos discípulos saberem destas coisas. Mas, há uma coisa que
deve ser a preocupação deles—proclamar o evangelho para todo o
mundo até que o “dia” chegue. Isto eles fazem pelo dom do Espírito
Santo, lhes dado em poder. É a vontade de Deus que todos os homens
tenham a possibilidade de ouvir o Evangelho. É Deus que oferece este
Evangelho para o mundo, pois no texto a alusão à missão mundial é
descrita como um indicativo e não como um imperativo. Os apóstolos,
ou enviados, são apenas instrumentos pelos quais o plano de salvação é
realizado.
Na “grande comissão”
Esta perspectiva também é confirmada pelos “mandamentos”
de Jesus para evangelização mundial. Já antes notamos que o “ide”
294
imperativo de Mateus 28.18-20 é melhor traduzido como “ao irdes”,
indicativo ligado ao verbo principal e imperativo “discipulai”. Mateus,
então, como Lucas (24.48) e João (20.21), põem a missão mundial na
forma de indicativo, enfatizando, como Atos, que é Deus quem faz e o
homem é apenas seu instrumento. Mateus também coloca a missão
dentro do contexto escatológico quando relata a afirmação de Jesus,
“eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século”.
No pensamento de Paulo
Como vimos no estudo da perspectiva missionária de Paulo, o
motivo missionário como pré-condição da vinda da salvação permeia
toda a teologia do apóstolo e é intimamente ligado ao seu senso de
vocação. Seu senso de vocação vem da sua convicção de que ele mesmo
é um instrumento importante do plano escatológico da salvação. Vemos
isto muito claramente, primeiro em Romanos 9-11, que bem serve dum
comentário apto de Marcos 13.10.
Romanos 9-11. O capítulo 10 enfatiza que Deus pretende
realizar seu próprio plano mas, ao mesmo tempo, a responsabilidade
humana é igualmente clara. Todos precisam da oportunidade de ouvir
o Evangelho e por isso é necessário que alguém pregue. Os judeus já
tiveram a oportunidade mas não aceitaram, e por isto o apelo vai para
os gentios, antes que os judeus finalmente entrem no reino. A
característica e “sinal” que precede o fim é, de novo, a pregação do
Evangelho pelo mundo. É esta convicção na necessidade da pregação
para as nações que tanto motiva Paulo para “circular” (15.19) o mundo
conhecido, a região mediterrânea, “preenchendo” (15.19) os lugares
onde Cristo não havia sido pregado ainda. Isto era a sua vocação, ou
“ministério” (15.16).
Colossenses 1.22-29. Neste texto Paulo também se refere à sua
vocação e ao seu ministério como parte do plano de Deus para a salvação
de “toda criatura debaixo do céu” através da pregação. Esta perspectiva
do seu papel especial no plano divino explica a “obrigação” (1 Coríntios
9.16) que Paulo tinha de “pregar o evangelho”, como “devedor”
295
Igreja: Por quê Me Importar?
(Romanos 1.14) tanto a gregos como a bárbaros. Ele se considera
prisioneiro de Cristo a favor dos gentios (Efésios 3.1). Desta perspectiva
entendemos a urgência de Paulo para pregar onde o Evangelho não foi
pregado. O tempo é curto: “Ai de mim se não pregar o evangelho!” (1
Coríntios 9.16).
2 Tessalonicenses 2.6-12. Das observações acima elaboradas,
parece-nos coerente entender as palavras “sabeis o que o detém” como
uma referência à pregação do Evangelho como “sinal” que precede o
fim. Reconhecendo o peso da evidência já elaborada de que esta
perspectiva era comum no Novo Testamento, esta interpretação não é
estranha, mas apenas natural. Também a autocompreensão da sua
vocação e a sua importância no plano divino da salvação estabelece o
contexto geral da interpretação de “aquele que agora o detém” como o
próprio apóstolo Paulo, pelo menos teologicamente como o protótipo
do pregador do Evangelho para as nações. Como em Mateus e Marcos,
o Anticristo em 2 Tessalonicenses também aparece logo depois da
pregação do Evangelho para as nações. O contexto (2.9-12, 13-14 e
capítulo 1) trata da relação dos eventos escatológicos com a aceitação
ou rejeição do Evangelho.
Esta interpretação, bem como os textos anteriores examinados,
de maneira alguma sacrifica ou diminui a onipotência de Deus, pois a
vinda do reino não depende do homem e exclue toda a possibilidade de
cálculo. Por outro lado, intensifica muito a responsabilidade do homem
e dá a igreja sua comissão específica, isto é, em nome de Deus levar o
Evangelho para todas as nações.
Uma escatologia progressiva
A Bíblia nos comunica uma perspectiva dinâmica e
desdobradora da história. O movimento está na direção para frente e
Deus está levando a humanidade para um alvo, um cumprimento, podese dizer, para um destino, embora este último não deva ser entendido
de uma forma mecânica do destino mulçumano ou até hipercalvinista.
Este ímpeto da história, a escatologia bíblica, inclue não só a humanidade
como também a natureza e poderes cósmicos. Estes últimos também
296
são intensamente envolvidos nos eventos dos últimos dias e aguardam
o fim (Romanos 8.18-25; 1 Coríntios 15.20-28; Filipenses 2.9-11;
Colossenses 1.13-23; Apocalipse 21). Haverá julgamento e separação
entre os justos e os injustos, com os correspondentes galardões e castigos.
Mas o homem não será mero espectador do drama final. Embora por
muitos séculos não tenha dado a devida atenção para as nações, Israel
sabia que, à medida que a história progredisse, estas fariam parte do
plano salvífico de Deus. Esta perspectiva fazia parte fundamental da
teologia de missão da igreja primitiva. Estas comunidades cristãs
afirmaram que, com a ressurreição de Jesus, esta fase final do plano
salvífico de Deus havia chegado, “Agora é o tempo aceitável, hoje é o
dia da salvação”.
Portanto, a teologia bíblica tem uma orientação otimista sobre
a história. A palavra final é vida e não morte. A ação final é cumprir e
ajuntar, não frustar e dispersar. Entretanto, esta perspectiva não é
ingênua. A literatura apocalíptica claramente relata que haverá
sofrimento agudo e transformação cataclísmica no caminho para o fim
(Mateus 24.13; Marcos 13.13; 2 Timóteo 2.12; Tiago 5.11), pois as
calamidades se agravarão cada vez mais. Contudo, o fim será, sem
dúvida, salvífico, pois Deus terá a palavra final. E a igreja desempenha
seu papel como instrumento de Deus no seu plano quando, perseverando,
ela proclama a vinda do evangelho para todas as nações, chamando-as
ao arrependimento.
PERGUNTAS PARA DISCUSSÃO:
1.
O trabalho missionário é pré-condição para a vinda do fim?
2.
A igreja possue uma visão “escapista” para o seu envolvimento
missionário?
3.
Quando termina a tarefa missionária?
297
Igreja: Por quê Me Importar?
298
RESUMO
Através do nosso estudo sobre o Novo Testamento (e também
no Velho Testamento), procuramos prestar mais atenção ao contexto e
à estrutura do texto bíblico, tentando detectar seus temas básicos, do
que apenas citar versículos bíblicos que “provam” nosso ponto de vista
predefinido. Nosso propósito com essa metodologia era de ouvir a
Palavra de Deus e dispormo-nos a sermos mudados por Ela, em vez de
impor nossos conceitos na Bíblia. Seríamos muito pretenciosos se
afirmássemos que, de fato, fomos definitivamente bem sucedidos, pois
é impossível evitar uma leitura da Palavra de Deus que não seja
humanamente condicionada. Por isso, a necessidade do discernimento
do Espírito Santo sempre existe. Este próprio princípio hermenêutico,
buscar a revelação do Espírito Santo, é, em si, um princípio missionário
pois, como vimos, especialmente em Atos, a continuação do ministério
de Jesus dependia do importantíssimo poder do Espírito Santo,
dependência esta não só doutrinária ou teológica, mas da própria
experiência cotidiana dos fiéis. Por isso, é necessário que cada leitor,
com o descernimento do Espírito, avalie e torne aplicável e dinâmica,
em sua situação específica, a teologia elaborada até esta altura.
Entretanto, procuramos traçar certas “linhas básicas” nas
Escrituras que servem de guia para sua aplicação específica. Cabe-nos
aqui, resumir o estudo e destacar os fundamentos bíblicos do
desempenho da igreja no mundo, inclusive sugerindo implicações e
aplicações para a nossa reflexão e ação hoje.
Resumo e síntese
Como no Velho Testamento, vimos que o Deus da igreja
também é o Deus que age através da história. Observamos os fatores
299
Igreja: Por quê Me Importar?
que tanto facilitaram quanto dificultaram a penetração do Evangelho
no primeiro século. Concluímos que o próprio Deus de Israel agia através
destes eventos da história “secular”. Além disto, vimos como a vontade
salvífica de Deus em relação ao mundo se revelou especificamente
através dos eventos da vida de Jesus. Não que Jesus mesmo iniciou
uma missão plenamente para os gentios, mas os seus ensinos e seu
ministério “abriu a porta” e serviu de exemplo e justificação para a
igreja primitiva embarcar numa missão que incluía todas as nações. A
base duma missão universal não era apenas a vida de Jesus. Os eventos
que cercavam sua morte e, especialmente, sua ressurreição, eram provas
para os apóstolos que a era messiânica, quando um grande número de
gentios virão a Deus, de fato, chegou.
Portanto, podemos afirmar que a pessoa de Jesus era o
catalizador e ponto de referência essencial para missão no Novo
Testamento. Cristo ocupa o lugar principal na missão da igreja.
Olhando, então, para Cristo, reparamos que sua grande
preocupação era de anunciar a vinda do reino de Deus. Embora esta
frase, “o reino de Deus”, nunca seja definida no Novo Testamento (pois
deve ter sido subentendido), mais uma vez encontramos no ensino e na
pessoa de Jesus a caracterização de tal reino. Este reino de Deus era
uma nova ordem de Deus, o Deus de compaixão e soberania que se
preocupa com a humanidade toda, especialmente aqueles que mais
reconhecem sua carência de Deus (na grande maioria das vezes, os
pobres e oprimidos). Jesus, então, ocupava um papel profético,
anunciando a chegada de um novo padrão de justiça, baseado no amor
e compaixão de Deus.
Na sua divulgação do reino, os sinais ocupavam um lugar
importante no ministério de Jesus, pois eles, por um lado, funcionavam
como provas e indicadores da chegada do reino de Deus. Desta forma,
pode-se pensar que seu valor em si é mínimo, subordinando-se àquilo
para o que apontam, o reino. Contudo, os sinais eram mais que
indicadores, eram componentes integrais daquele reino e daqueles
valores que também anunciavam. Por isto mesmo, parece-nos que era a
norma que acompanhava não só o ministério de Jesus, mas de Paulo e
todos os apóstolos, e até todos aqueles que até hoje abrem novas
fronteiras para o Evangelho.
300
A missão de Jesus é dada também para seus seguidores. Por
isso, cada um dos relatos da vida de Jesus, os Evangelhos, termina
destacando de maneiras distintas e características de cada evangelista,
a comissão missionária de Jesus para a igreja. A história terrestre de
Jesus termina com esta transição de passar a tarefa missionária para a
igreja, bem como a história da igreja, especialmente em Atos, começa
também com esta comissão. Seu modelo nesta missão é,
preeminentemente, a vida de Jesus. E com esta idéia em mente, os
evangelistas descrevem-nos a biografia de Cristo, cada um com suas
ênfases e pontos de vista.
Marcos estrutura seu relato ao redor do ministério que Jesus
teve na Galiléia e em Jerusalém. O primeiro lugar representa as
populações mistas onde Jesus operava curas e onde havia a abertura
para a pregação aos gentios. Jerusalém era o lugar de oposição e morte,
onde Jesus ministrava para os judeus. Esta tensão entre a salvação para
os gentios e para os judeus continuava e refletia a tensão da igreja
primitiva que Paulo procura elaborar em Romanos 9-11.
Significantemente, Jesus depois da sua morte, leva seus discípulos de
volta para a Galiléia, onde deveriam embarcar numa missão universal.
Como os outros evangelistas sinóticos, Mateus possui uma
orientação da “história da salvação”, porém ele a desenvolve ainda mais.
Ele mostra que Jesus é o ponto crucial e transformador de toda a história,
cumprindo as promessas feitas para Israel. Nele, todas as esperanças de
Israel se encontram. Mas, paradoxalmente, a rejeição de Jesus pelos
judeus se transforma em abertura e oportunidade salvífica para as nações.
Lucas destaca especialmente bem a universalidade do
evangelho. Jesus quebra todas as barreiras e os preconceitos humanos.
Ele cumpre as Escrituras, encarrega os discípulos para serem
testemunhas fiéis e perseverantes e dá o Espírito Santo para sustentálos e dirigí-los na sua missão. A chave para entender a orientação
missionária de Lucas é a ligação que ele faz entre Jesus e a igreja. Isto
já é evidente pelo fato de ter ele escrito dois volumes, um sendo a história
de Jesus e o outro a história da igreja. Há um paralelo na sua estrutura
também, pois a igreja reflete e continua a missão de Jesus pelo poder
do Espírito Santo.
301
Igreja: Por quê Me Importar?
João descreve a missão da igreja como uma extensão da
encarnação. Como Cristo, sendo Deus, se tornou homem e “concretizou”
o significado de Deus, a igreja deve “contextualizar” em cada situação
as características de Deus. A igreja cumpre a sua missão através da
operação do Espírito Santo, o paráclito que ajuda, consola e capacita a
igreja na sua tarefa.
Paulo foi profunda e radicalmente mudado pelo seu encontro
pessoal com Jesus, que persuadiu-o que Jesus de Nazaré era, de fato, o
Cristo, o Messias que Deus havia prometido. Portanto, agora é a hora
de salvação para todos, pois em Cristo a era vindoura quando as nações
iriam se converter, chegou. E esta salvação é possível apenas através da
morte e ressurreição de Jesus. Este evento único e crítico para toda a
história humana exige uma resposta afirmativa de compromisso total
pelos homens. A lei já não é mais vista como reino de salvação. O filho
de Deus não é quem nasce apenas como judeu. Tudo é reinterpretado
em referência ao evento de Cristo. Por isso, Paulo só pode pregar, e se
lança na missão para os gentios, pois isto é a evidência da chegada do
Messias. Também através da conversão dos gentios, Paulo deseja ganhar
o seu próprio povo judeu, que em grande parte rejeitou a mensagem.
Dois outros livros no Novo Testamento, 1 Pedro e Apocalipse,
ajudam a esclarecer a missão da igreja em relação à sociedade em geral.
O primeiro exorta a igreja a manter a sua pureza moral, mas sem se
separar dos relacionamentos cotidianos com a sociedade em geral. Muito
pelo contrário, os fiéis devem se envolver na sociedade para que esta
possa enxergar seu testemunho, e assim, poder receber os benefícios do
evangelho.
Por outro lado, o conselho de João em Apocalipse é contrário.
Os fiéis devem se manter afastados dos relacionamentos com o mundo.
Isto é porque o contexto social de Apocalipse era bem diferente do
contexto de 1 Pedro. Em Apocalipse, a sociedade geral, pelo domínio
romano, exigia que os cristãos comprometessem sua fé, participando
em atos ligados à adoração ao imperador. Em tal situação a igreja deve
manter corajosamente um testemunho pela separação da sociedade.
Os outros livros do Novo Testamento: Tiago, Judas, 2 Pedro e
Hebreus, contribuem muito pouco para a teologia de missão. Sua
preocupação era mais com problemas internos das suas comunidades
cristãs do que externos. Mesmo assim, isto mesmo destaca a importância
302
que Paulo também dava para a boa saúde e o amadurecimento das igrejas
locais pois, sua própria existência e perseverança eram também evidência
da nova era do Espírito que Jesus inaugurou e que era caracterizada
pela conversão das nações. Era essencial para a missão da igreja que
tal testemunho de perseverança fosse intacto, fiel, compreensível e
persuasivo.
Este, então, é o período de cumprimento, quando o plano salvífico
de Deus para toda humanidade alcança as suas maiores dimensões. Antes
da volta de Jesus, é necessário (para não dizer, misericordioso) pregar o
reino de Deus em todo lugar por todo tempo. O momento de salvação já é
agora, pois o seu fornecedor já veio e já providenciou. Antes que ele retorne
para reivindicar o que lhe pertence, cabe à sua igreja divulgar estas boas
novas para o mundo inteiro. Esta missão dá sentido a existência da igreja.
E a esperança na volta do Messias dá motivação para ela cumprir tal missão
no poder do Espírito Santo.
Isto é, em síntese, a teologia apresentada no Novo Testamento.
Disto podemos observar vários princípios em comum entre os vários
autores do Novo Testamento. Em seguida, sugeriremos alguns destes
princípios ou fundamentos bíblicos.
Fundamentos bíblicos
Deus soberano e salvador. No Velho Testamento já reparamos,
por numerosas maneiras, que Javé é o Deus soberano sobre toda a sua
criação. A universalidade e unicidade de Deus formam a base
fundamental para a universalidade da missão. A vontade do único Deus
sobre o universo é salvar a sua criação.
Esta imagem de Deus está no coração do Novo Testamento
também. Um Deus soberano e misericordioso é o ator último das
parábolas de Jesus. É este Deus salvador que alcança além das leis
judaicas. Sua aproximação do homem exige a atitude de conversão. O
seu reino tem um escopo universal até cósmico. Os marginalizados,
mulheres, samaritanos, e gentios recebem a misericórdia de Deus.
Deus tem um plano salvífico que alcança tanto judeu quanto
gentio, e ele vai cumprí-lo. A confiança no cumprimento do seu plano
dá a igreja motivação para perseverar até o fim.
303
Igreja: Por quê Me Importar?
A igreja, contudo, não fica passiva em relação à soberania de
Deus. Reconhecer que a missão é essencialmente de Deus não significa
que a participação da igreja na evangelização mundial tem pouca
significância. Muito pelo contrário, a missão de Deus exige e se exprime
nas atividades e projetos missionários da igreja. São praticamente dois
lados da mesma moeda. Michael Green resume esta idéia dizendo: “a
evangelização é supremamente a obra de Deus nas vidas dos homens,
na qual ele alista a cooperação humana”.
A história da salvação. O Deus da Bíblia é o Deus que age na
história. Não é principalmente apresentado como um conceito ou idéia,
uma doutrina que podemos elaborar. Ele é, acima de tudo, pessoal e
age nos eventos e experiências concretas das nossas vidas. Deus não se
restringe a uma dimensão mística da nossa vida. Atua através do êxodo,
do dilúvio e do cativeiro no Velho Testamento, todos eventos históricos
até “seculares”. Ele atua através da vida humana do seu filho Jesus,
através da sua morte e ressurreição, eventos bem visíveis que fazem
parte da nossa história.
É na nossa história humana que Deus se revela e o faz com
movimento para frente. Percebemos, através da história, a sua conclusão.
Assim, a perspectiva cristã da história é essencialmente escatológica.
A humanidade está indo na direção do cumprimento, julgamento e
salvação, e este movimento entrou na sua fase final com a ressurreição
de Cristo. Hoje é o dia da salvação.
A criação: cenário de revelação e salvação. Este princípio é
uma correlação do anterior. O Deus que age, atua na nossa história e no
nosso mundo. O próprio mundo criado é revelatório de Deus e participa
no seu plano universal de salvação. Não somente os seres humanos e
sua história são sagrados, mas a terra e o cosmos que habitam pertencem
a Deus.
O Novo Testamento abraça a perspectiva do Velho de que a
criação é essencialmente boa e que tem características (como o homem)
do seu Criador, mesmo caído (Romanos 1.19-20). E ela, como a
humanidade, ainda aguarda sua restauração final (Romanos 8.19-23).
304
A perspectiva bíblica vai além (embora não ultrapasse) da idéia
de salvação de “almas” na dimensão “espiritual”. A salvação é integral,
pois procura a restauração do homem todo, corpo, espírito, mundo,
cosmos e tempo.
A experiência com Deus. Tanto o Israel quanto a igreja tiveram
experiências dramáticas, transformadoras e desafiadoras com Deus.
Vimos como a experiência de conversão mudou e motivou toda a
orientação de Paulo sobre a salvação, a história, a lei e o Israel. A sua
profunda experiência de Cristo transformou Paulo e a comunidade cristã
numa companhia de testemunhas. A experiência íntima que Jesus teve
de Deus se evidenciava através de toda sua missão. Jesus era o enviado
do Pai, fazendo apenas a vontade do Pai.
A experiência religiosa no Novo Testamento era ligada ao papel
do Espírito Santo, capacitador da igreja para missão. Era a igreja
despertada e cheia do Espírito que evangelizava e se envolvia em missão.
Não é acidente algum que a própria história da igreja até hoje testifica
a relação da renovação espiritual com a expansão missionária da igreja.
A direção centrífuga e centrípeta. O Novo Testamento destaca
o movimento centrífugo da igreja na sua ação missionária, bem como o
Velho Testamento enfatiza o movimento centrípeto. Isto não é
contradição, mas apenas ressalta a distinção entre os dois testamentos
como sendo a distinção entre antecipação e cumprimento. Mesmo assim,
isto não significa que o Velho Testamento não revele seus momentos
de evangelização centrífuga, nem que o Novo Testamento não possua
uma dimensão de preocupação centrípeta. Os dois elementos estão
presentes nos dois testamentos, embora difira a ênfase.
O Novo Testamento anuncia a chegada de uma nova era de
salvação, que alcança dimensões mais cósmicas. Por isto, o papel da
igreja é, antes de tudo, ser orientada não para si mesma, mas para o
mundo, para anunciar o reino de Deus. E, mesmo quando há uma ênfase
nas preocupações internas da igreja, isto também tem como propósito o
testemunho missionário que, pela perseverança da igreja comprova a
presença do Espírito Santo, característica principal da era vindoura de
salvação.
305
Igreja: Por quê Me Importar?
A centralidade de Cristo. É impossível dar sentido a qualquer
texto do Novo Testamento sem referência a Jesus. A igreja era
unânimemente cristocêntrica em sua mensagem. O conteúdo da sua
proclamação era, nada mais nada menos, que a pessoa de Cristo.
Empregavam todos os meios culturais e intelectuais para comunicar a
significância da vida, morte e ressurreição de Cristo. A sua mensagem
era a mensagem da Cruz, a mensagem de Cristo crucificado. Era isto
que eles lembravam liturgicamente através da celebração da ceia do
Senhor, pois na cruz Deus havia providenciado a salvação do mundo.
Maneiras diferentes de testemunho
Já observamos que a missão de Deus foi transmitida pela igreja.
Havia várias formas de comunicar esta missão. Algumas se destacam
no Novo Testamento.
A proclamação verbal. Há grande consenso entre os estudiosos
que o meio mais importante de evangelização na igreja primitiva era a
proclamação direta. Os pregadores missionários anunciaram as boas novas
de salvação.
A carreira de Paulo é um exemplo da pregação como o principal
instrumento da igreja na evangelização. Ele fala claramente que era
“obrigado” a pregar. Também sabemos de Paulo que já havia um grande
número de evangelistas que pregavam o evangelho até Roma. Ele congratula
os tessalonicenses por isto mesmo. Os Evangelhos afirmam que o Evangelho
será pregado até os confins da terra. Segundo os Evangelhos, Jesus gastava
muito tempo pregando e ensinando. Por certo, Jesus, então, serviu de modelo
para a importância da proclamação no ministério dos apóstolos. As raízes
da proclamação podem ser traçadas ainda mais para trás na idéia do Velho
Testamento da “Palavra” de Deus (Isaías 55.9-11).
O desafio profético. Embora esta maneira de testemunhar seja
mais explícita no Velho Testamento, também o Novo Testamento
emprega-a. Os Evangelhos, especialmente Lucas, descrevem o
ministério profético de Jesus, desafiando a atitude exclusivista de Israel
e denunciando falsas atitudes e falsos valores.
306
Paulo compreende sua própria vocação em referência aos
chamamentos de Isaías e Jeremias; e o modo profético é central ao
Apocalipse. Aqui a comunidade é exortada para tomar uma posição
profética contra o Império Romano que era idólatra.
O testemunho de vida. Sem dúvida o testemunho do bom
comportamento, pureza moral e envolvimento da igreja na sociedade
serve de modelo para a ação missionária da igreja no mundo. Em Efésios,
a igreja deve ser exemplo e instrumento de reconciliação de Deus para
com o mundo.
João destaca a essencialidade do amor e da unidade da igreja
para a crença do mundo.
O testemunho de vida muitas vezes implicava em sofrimento.
E este sofrimento era parte integrante da missão. Paulo sentiu que seu
aprisionamento e outros sofrimentos “contribuiram para o progresso
do evangelho” (Filipenses 1.12).
Outras maneiras. Embora estas sejam as principais maneiras
de testemunhar, a igreja primitiva contextualizava o Evangelho nas
diversas circunstâncias dos seus contextos. Michael Green relata, de
maneira exaustiva, várias formas de testemunho.
307
Igreja: Por quê Me Importar?
308
ÍNDICE DE
CONCORDÂNCIA
apocalíptica
apostelein
apóstolo
Áquila
arameus
arca
arche
Archer
Arfaxade
Arias
arrependimento
Asera
Assíria
Assírios
Associacão de Missões
Transculturais Brasileiras
Astarote
Aton
Augusto
Baal
baalismo
Babel
Babilônia
babilônicos
Bachli
Bachmann
bahar
balaão
Baly
bârâ’
Barnabé
‘am
‘ebhedh YHWH
‘ehyeh shelâani
‘ehyeh ‘asher ‘ehyeh
2ª Clemente
Aalen
Abel
Abraão
Acabe
Adão
adesse
adoração
afesis
África negra
Aicar
Aitofel
aliança
Almeida
Alves
Amarna
Amazônia
Amenemope
América Latina
Amós
Ananias
Anate
anaw
Anderson
Antioquia
Antioquia
Apocalipse
309
Igreja: Por quê Me Importar?
Barrett
Barth
basileia
Bassham
Bavinck
berîth
Berkhof
Bertholet
Blauw
Boer
Bonhoeffer
Bosch
Braaten
Brasil
Breneman
Bright
Bruce
Brueggemann
Brunner
Budá
budistas
Buis
Bultmann
Cafarnaum
Caim
Caio Fábio
Calcol
Calebe
Calvino
Canaã
cananeus
cânticos
Cão
Carey
carisma
carismati
carismática
Carmelo
carolingiano
Castro
cativeiro
catolicismo
católico romano
çelem
centrifugismo
centripetismo
Centro Evangélico de Missões
Centro Evangélico Brasileiro de
Estudos Pastorais
Ceram
Childs
Christensen e Hutchison
Ciro
Clemente de Alexandria
Clements
Cloé
Cole
colonialismo
Comblin
comunhão
comunicacão
Conferencia Missionária
Ibero-Americana
Confúcio
Congresso Brasileiro de
Evangelização
Contexto
contextualização
Corinto
Cornélio
Cornélio
cosmos
Costas
crescimento da igreja
criação
Crispo
Cristo
cristologia
cruz
Cullmann
culto
Cuza
310
Dã
Daniel
Darda
Davey
Davi
Debir
Decálogo
Deissler
Delitzch
dêmûth
DeRidder
Deschner
deuses
deutero-Isaías
Dia do Julgamento
Dia do Senhor
diaconia
diáspora
dilúvio
Dingermann
direitos humanos
dispersão
Dodd
doxa
dualismo
dunamis
Dyrness
Eaton
Eclesiastes
Eclesiástico
ecumenismo
Eden
eedh
egípcio
Egito
Eichrodt
eleição
Elias
Eliseu
Elohim
Emanuel
emins
encarnação
encontro de poderes
Epístola de Clemente
Epístola de Barnabé
Erasto
escatologia
escaton
Escritos
Escritura
Esdras
Espanha
esperança
espiritismo
Espírito Santo
espíritos
esse
essênios
Estado
Estéfanas
Estevão
estrangeiro
Eta
ética
etnomusicologia
Europa
evangelho social
Evangelhos Sinóticos
evangelical
evangelização
exclusivismo
exílio
êxodo
exousia
expiação
Ezequiel
Faraó
fariseus
favoritismo
Fee e Stuart
Fenícia
311
Igreja: Por quê Me Importar?
Ferreira
Figeiredo
Filho de Davi
Filho de Deus
Filho do Homem
Filipe
Filipos
filisteus
Fohrer
Foulkes
FraternidadeTeológica Latinoamericana
Friesen
Frohnes
fundamentalismo
futuro
gâ’al
Gaio
Galiléia
Gaventa
Gensichen
gentio
Getsêmani
gideão
Giradin
Glasser
glória de Deus
gnômica
Gonzales
Goppelt
Gosen
gôy qâdhôsh
goyim
Grande Comissão
Grant
Green
gregos
Grelot
Grost
Guillet
Guthrie
Gutierrez
adtêy Yhvâh
âîd
âkham
h_ay_ah
Hahn
Harã
Harrison
Harvey
Hasel
he’emin
Heilsgeschichte
Hema
heneulogethésontai
Henkel
hermenêutica
Herodes
Herschel
Hexateuco
hierofania
Hillers
hindus
hino
hipostatização
história da salvação
história
hithbârakhû
hititas
Hoekendijk
Hogg
horeus
Hoskyns
humanismo secular
Iahweh
Ibéria
Idade Áurea
Idade vindoura
idolatria
Ignácio
igreja primitiva
igreja
Ilírico
312
ilt
imagem de Deus
imago Dei
Império Romano
Imschoot
injustiças sociais
institucionalização
International Review of Mission
ira de Deus
Irineu
Isabel
Isaías
Isaque
isolacionismo
Israel
Jacó
Jacobs
Jafe
Jairo
Javismo
Jeremias
Jeroboão
Jerusalém
Jesus
Jezabel
Jó
Jó Sumérico
Joana
João Marcos
João Batista
Joaquim
Jonas
Josias
Josué
Jubileu
Judá
Judaismo
Judas
Judéia
Judeus
Juizes
Juizo
julgamento
justiça
Justino Mártir
kabod Iahweh
Kahler
Kaiser
Kane
Käsemann
kebhôdh YHWH
Keck
Kerr
Kidner
Kline
kôbhash
Kohler
Kraemer
Kuiper
kuklos
kúrios
Kwak
Ladd
Lao-Tzu
Lausanne
Lázaro
lei
Lewis
Líbano
libertação
Lídia
Lind
línguas
liturgia
Logos
Lohmeyer
louvor
Lucas
Lutero
magia
malkûth
mamlekheth kôhanîm
313
Igreja: Por quê Me Importar?
mandato redentor
mandato cultural
Maomé
Mar Vermelho
Marduk
Mari
Maria
Martin-Achard
Marx
marxismo
mâshîah
matheteusate
máximas Egípcias de Menemope
McCarthy
McGravan
mebhârekheydhâ
medo-persas
megaleldhâ
Melquizedeque
Mendenhall
Mendonça
Mesa de Moabe
meshîa
mesnepta
Mesopotamia
Messias
metanoia
Michael
Middle Koop
midianitas
milagre
Miquéias
misericórdia
mishpâ
missão
missão integral
missio
missio ecclesiae
missio Dei
missiologia Latinoamericana
missional
Missionalia
missiones ecclesiae
mitologia
mittere
mizmor
Moisés
monarquia
monoteismo
monte de Sião
Moore
Moraes
muçulmanos
Munck
música
naalâh
nacionalismo
nações
Natã
Nazaré
Neill
Newbigin
nibhrekhû
Nichols
Niebuhr
Niles
Nínive
Noé
nominalismo
North
okhmâh
Onésimo
Onri
oppressão
oração dominical
ordem
Oriente Próximo
Oriente Médio
Orígenes
Oséias
paganismo
Palestina
314
Pape
parábolas
parácleto
parallelismus membrorum
particularismo
patriarcas
Paulo
Pedro
Pentateuco
Pentecostes
peplérókenai
perdão
persas
Pérsia
personificação
Peters
Pierson
Pimenta
pisteuein
pistis
pô’êl yshû’ôth
pobre
poesia
politeismo
política
poreuomai
poreuthentes
porneusai
porta-vozes
pós-exílio
povos não-alcançados
pré-exílio
preferência opcional pelos pobres
Priscila
Pritchard
profetas
profeticismo
progressistas
promessa
provérbios
pseudepígrafo
q_ah_al
queda
Quirino
Rabino Jeheshua
Rabino Eliezer
râdhâh
Ras Shamra
reconciliação
redenção
Redentor vindouro
reino de Deus
religião
remanescente
ressurreição
Rhodes
Roma
romanos
Rooy
Rowley
Rute
sabedoria
sábios
sacerdotes
sacralização
sacrifícios
Safira
salmistas
salmos
Salomão
salvação
Salvador
Samaria
Samuel
Sandmel
santidade
santuário
Satanás
Saul
Savage
Schilling
Schreiter
315
Igreja: Por quê Me Importar?
Schultz
Scott
Séforis
Segundo
Sellin e Fohrer
Sellin
Sem
semeion
Seminário Teológico Fuller
Senhor
Senior
Septuaginta
serviço
servo sofredor
servo ideal
servo coletivo
Servo de Iahweh
She’iâr-yâshûbh
Shenk
Sião
Sider
Sidon
Silas
Silo
Simeão
Sinai
sincretismo
Siquem
Síria
Smick
soberania de Deus
Sofonias
soteriologia
sozein
Spindler
Stam
Stendahl
Steuernagel
Stott
Stuart
Stuhlmueller
Sundkler
súplica
Tabela das Nações
Taber
tabernáculo
Tácito
tehllim
temor do Senhor
templo
teocracia
Teófilo
teologia de libertação
teologia bíblica de missão
teologia da história
teologia contextualizada
teologia de libertação
teologia bíblica
Terá
Tiberíades
Tibério
Tippett
Tirano
Tiro
to teras
tôbh m’ôdt
Torá
tradução da Bíblia
Transjordão
ungido
unidades homogêneas
universalismo
Ur
Verkuyl
VINDE
Vocabulário de Teologia Bíblica
volta de Jesus
von Rad
Vos
Watson
Weber
Wen-Amon
316
Westermann
Wolff
Wright
Wright e Fuller
yôçî
Zacarias
zelotes
Zenas
Ziener
Zoroastro
Zorobabel
ÍNDICE DE REFERÊNCIAS
DA BÍBLIA E MANUSCRITOS
3.15 144
3.16 23
3.17-19 26,
3.19 26
3.23-24 26
4-6 14
4.8 26
4.8-16 37
4.17-22 27
4.26 34, 36
5.6-29 36
6.5 34
6.7 34
6.8 36
6.9 34
6.11-12 34
6.11-13 37
6.13 34, 36
6.18 37
6.22 36
7-8 14
7.1 34, 36
GÊNESIS
13, 16, 18, 21, 25, 28, 36, 77, 101
1-11 14, 15, 40, 45, 105
1 14, 16, 17, 18, 20,106
1.1 23, 51
1.1-2 22
1.2 17
1.11 19
1.26 19, 23
1.27 23
1.28 19, 23, 24, 106
2 14, 18
2.7 22
2.15 24
2.18-25 24
2.19-20 30
3 14
3.11 40
3.8 31
3.10 26
3.12 26
317
Igreja: Por quê Me Importar?
7.5 36
7.16 36
8-9 14
8.1 37
8.15-16 37
8.21-22 37, 41
9 39
9.1-10 27
9.1-17 37
9.6 37
9.20-21 36
9.26 38
9.27 38
10 15, 38, 45
10.5 38
11 14, 45
11.4 39, 40
11.6 39
11.8 40, 50
12ss 40
12-20 46
12.21 46
12 12, 14, 20, 24, 40, 45, 54
12.1 40, 46, 50, 51
12.1-3 47
12.2 40, 88
12.3 15, 40, 54, 55, 56, 153, 167
12.50 46
13.14-16 48
14.17 144
14.20 144
15.5 48
15.7 48
15.18 48
17.1 52
17.4-8 48
17.6 18
17.9 52
17.16 18
18.18 48, 54
21 46
22.12 48
22.17-18 48
22.18 54
26.2-4 48
26.4 54
26.24 48, 146
28.3-4 48
28.4 54
28.13-15 48
35.9-12 48
36.31 85
41.8 104, 107
48.16 48
49.8 55
49.8-12 145
49.10 55, 144
49.25 17
50.20 118
EXODO 61, 70, 77
1-2 61
2.23-25 62, 72
2.24-25 64
3-18 62
3.6 64
3.7-9 62, 72
3.12 61
3.13 61
3.14 61, 63
3.22 55, 61
4.22 51
6.6 69
6.26 188
7.3 188
7.4 188
7.5 65
7.11 107
8.10 65
8.22 62
9.26 62
10.12 142
12 65
14 66
14.13-14 66
14.17 65
14.17-18 66
14.31 146
15.1-19 110
318
15.2 70
15.8 17
15.11 17
15.13 69
15.21 110
19-40 67, 70
19.5 52, 67
19.5-6 52, 56, 167
19.6 49, 67, 85
20 65
20.2 63
20.3 68
20.5 68
20.6 72
21.2-27 73
21.3 73
22.21 73
22.21-24 72
22.22-24 74
22.23 73
22.29 73
23.12 73
24.8 173
25.10 144
25.40 144
31.3ss 103
32.13 146
33.14 70
34.4 68
34.6-7 72
34.10 65
40.35 70
25.25 69
25.25-55 73
25.39-40 73
26.45 56
NÚMEROS 61, 67
14.13-16 66
14.19 64
16.30 17
16.33 35
16.46 35
23.9 47
35.15 73
DEUTERONÔMIO 61, 67, 75
2.10-12 38
3 40
3.24 188
4.12 69
4.34 188
5.2ss 67
5.2-21 52
5.7 68
6.4 113
6.5 72
7.6-8 47
7.7-8 50
8.10 75
9.4 56, 75
9.5 75
9.6 75
9.26 65
9.27 146
10.18 74
10.19 73
12.5 65
14.29 73
15.12-18 73
15.15 65, 73
16.19-20 72
17.14-20 88
18.3 69
20.10-18 75
LEVÍTICO 61, 67, 70
4.5 143
10.12 35, 142
19.10 73
19.15 72
19.18 72
23.22 73
24.22 73
24.27 202
25.18-25 73
25.23 47, 73
319
Igreja: Por quê Me Importar?
24.17-21 74
24.18 65
24.19-21 73
26.5 50
26.5-9 65
26.5-11 77
28 76
28.33 55
29.9 73
29.11 73
33.14ss 17
33.19 49
JOSUÉ 50, 74, 76, 77
1.1-15 146
1.5 194
4.23-24 65
7-9 76
10 76
10.12 17
11 76
11.22 142
15.15-19 103
15.16 67
24.2-3 50
24.2-13 74
24.14-15 93
JUÍZES
1.1-25 76
1.19 76
3.10 84
5 110
5.20 17
7 66
8-23 84
9.7ss 103
14.6 84
14.14 103
RUTE 69
I SAMUEL 143
4 85
4.1-4 84
8-12 85
8.6-9 85
8.7 87
8.11-18 87
9.15-17 86
12-15 87
12.14 86
12.15 85
12.25 85
13.14 86
13.19-23 85
17 87
17.45-46 65
24.14 103
25 87
31 86
II SAMUEL 143
1.16 144
1.19-27 110
3.18 146
7.8 146
7.12-15 145
7.14 89
7.15 87
7.26 146
7.51 146
8.4-9 68
8.18 88
16.23 108
17.14 108
23.1 144
23.5 87
23.7 144
I REIS 93
3.4-28 103
4.20-25 132
4.29-34 103
320
4.30 107
4.31 107
4.33 106
5.13-18 132
6.1-38 88
9.15-22 132
10.7 103
10.11-29 87
10.23ss 103
11.1-8 75
11.7-13 87
12.26-33 87
15.11-15 89
16.30-33 91
16.32 91
18-19 91
18.17-40 93
19.15-18 93
19.18 142
20.11 103
22.52-53 89
12.13ss 128
28 108
28.28 108
38.32-36 128
SALMOS 21, 103, 110, 111, 116, 117,
119, 121, 125, 143
1-41 110
1 103
1.6 111
2 116, 125
2.7 86, 89, 118
2.10-11 115
3.3 116
5.5 35
7.7 112
7.8 112
8 17, 20, 21
9.8 112
9.11 112
10.16 112
12.1-2 111
18 112, 116
18.2s 116
18.3-6 116
18.7-15 17
18.50 86
19 21, 163
19.1-2 111
19.1-4 112
19.7s 111
20 116
20.6-7 87
21 116
21.7 87
22.22s 116
22.26 120
22.27s 116
22.27 117
22.27-28 112, 115
22.28 55
22.30s 116
23 121
23.5 121
II REIS
1.10 189
9.7 146
10.18-31 89
12.4-16 89
17.13 146
22-23 133
22.11-23.27 88
23.3 52
II CRÔNICAS
20 66
ESDRAS 134
JÓ 103, 107, 128
1.3 107
5.13 107
10.8ss 128
10.10 106
321
Igreja: Por quê Me Importar?
23.6 121
24 21
24.1 29
24.2 29
29 17, 112
29.10 115
29-31 116
33 21, 125
33.12 112
37 103
39.12 47
40.3 112
40.1-3 111
42-72 110
44.4-7 111
45 112, 116
46 112
46.8-10 111
47 112
47.1-2 126
47.6-8 126
47.7 115
47.8 115
48 111
50.1 112, 126
51.14-17 116
52.8 117
53.2-3 117
54.1-3 111
54.5 116
55.1-5 111
57.5 115
57.7 112
57.11 115
59.5 112
60.1-3 111
63.2 114
63.3 117
64.9-10 112
66 125
66.1 112, 115
66.1-2 126
66.2 114, 115
66.5-7 111
66.8 112
67 53, 112
67.2 116, 125
67.3-7 116
67.7 125
68.5 74, 112
68.6 74
68.28-32 112
69.7-20 121
71.17 116
72 116, 125, 194
72.8-11 112
72.17 87
72.17-19 112
72.19 115
73-89 110
73 103, 107
74 21, 31
74.12-17 21
78.67-72 86
79.6 117
79.9 114
84.5-7 90
85.1-3 111
86.5 117
86.9 112
87.1-3 90
87.4 112
88.3-9 121
89 21, 31
89.1 21
89.1-2 116
89. 3-4 86
89.14 121
89.27 89
89.33-34 86
89.33-37 87
89.36s 116
90-106 110
91 103
92.12-15 90
93 31
93.1a 111, 118
93.2 115
95 31, 112
95.3 115
322
96-100 112
96. 1-13 116
96.3 115
96.4 68, 115
96.5 68
96.6 115
96.10 115
96.10-13 117
97 117
97.1 115
97.2 119
97.8 115
98 21, 121, 125
98.2 65
98.4 65
98.7-9 117
99.1 115
99.2 115
99.9 115
101 116
102.15-22 112
102.26-28 22
104 21, 113, 112
104.24 105, 128
105-106 111
105.1 112
105.44-45 112
107-150 110
108.3 112, 126
110 116
110.4 86, 144
110.5-6 117
111.2 128
111.10 108
113.3-4 112
117 125, 126
117.1 112
117.1-2 111
118.13s 116
119 103
121 111
123.3-4 111
124.6-7 111
127 103
128 103
132.10-18 86
132.12 86
132.13-14 90
133 103, 121
135-136 65
135 31
136 31, 111
137 111
138.1 116
138.5 114
139 103
144 116
144.1s 116
145 117
146.9 74
147.1-11 111
149 111
150 110, 111
PROVÉRBIOS 103, 107, 108, 118,
119
1-9 108
1-8 108
1.5 104
1.7 108
1.20 125
1.29 108
2.5 108, 109
2.6 109
2.5-8 125
3.19 105
3.19s 128
3.28 109
8 105, 108, 110
8.12 110
8.12-14 108
8.15-16 105
8.22ss 128
8.22-24 110
8.22-31 215
8.22-36 17
8.30 110
8.32-36 110, 215
8.35 125
323
Igreja: Por quê Me Importar?
9.32-35 109
10-29 108
10 119
10.4-5 119
10.26 119
11.2 119
11.9 119
11.12-13 119
11.26 119
12.17 119
12.22 119
13.4 119
13.23 119
14.5 119
15.25 74
15.27 119
15.33 108
16.2 118
16.8 119
16.9 118
16.25 128
16.32 119
17.23 119
18.5 119
18.12 119
19.9 119
19.11 119
19.21 118
20.4 119
20.24 118
21.1-4 119
21.20s 118
21.26 119
22.2 118
22.9 119
22.17-23.11 107
22.28 119
23.10 119
23.13s 107
24.1 119
24.30-34 119
25.2 108
25.21 119
25.23 106
26.16 119
26.20 106
27.2 119
29.7-14 119
29.12 119
30 107
30.15 106
30.16 106
30.18-19 106
30.24-31 106
31.9 107
ECLESIASTES 103
ISAÍAS 21, 74, 131, 142, 144, 146, 151,
160, 204, 225,205, 269
1-39 140
1.2 52, 67
1.4 52, 67
1.8 142
1.10-15 70
1.16-17 157, 158
1.21 137
1.23 137
2.1-4 88
2.2 144
2.2-3 55
2.2-4 140, 153
2.3-4 90
2.5 144
2.10 35
2.10-21 139
2.22 35
3.12-15 140
4.1-10 227
4.2 143, 144
4.3 142
5.8 140
6.11-12 142
7.1-9 132
7.3-6 142
7.14 78
9.1 144
9.1-7 144, 145
9.2-7 89, 141
324
9.6-7 18
9.7 149
10.13 104
10.20-21 142
11.1 146
11.2 144
11.1-5 145
11.1-9 89, 140, 141, 144
11.6-9 159
11.9 163
11.9b 145
11.10 96
11.11 142
11.16 142
12.23 54
14.1-2 140
19.11-12 107
19.23-25 55
19.24-25 153
25 254
25.6 254
25.7 254
25.8 254
28.5 142
28.23ss 103
30.14 142
30.17 142
31.2 128
31.33 158
32.1 89, 145
32.1-8 140, 141
33.17 89, 145
34.4 22
37.33 133
37.35 133
37.20 150
40-53 145
40-55 141, 153
40 38
40.1ss 134
40.5 204
40.18-20 69
40.27ss 21
40.55 147
41.1ss 56
41.8 146
42-44 14
42.1 148, 150
42.1-4 145
42.1-7 146
42.2-3 150
42.4 150
42.5 21
42.5-7 49
42.6 53, 149, 153, 155
42.7 227
42.16 227
42.19 146
43.1 21, 69
43.2 194
43.5 194, 227
43.7 21
43.10 49, 146, 153
43.15 21
43.18-21 166
43.21 150
44.1 146
44.1ss 21
44.2 21
44.6-8 150
44.9-20 69
44.10 153
44.20 153
44.21 21, 146
44.22 149
44.24 21, 31
44.24b-28 21
44.25 107
45.1 56
45.4 146
45.18 17
45.22 49, 153
45.22-23 150, 153
46.1-13 153
46.3-4 142
47.8-13 40
47.10 107
47.12-13 107
49.1 234
49.1-2 150
325
Igreja: Por quê Me Importar?
49.1-6 145, 149
49.1-13 146
49.3-5 146
49.5-6 150
49.6 149, 153, 155, 225, 227
49.7 149
49.8 227
50.4-9 145
50.6 150
50.7-9 150
51.1 146
51.1-8 149
51.4-5 150, 153
51.7 146
51.9-10 21
52.7 150
52.10 150
52.13-53.12 145, 149
53 148
53.1 148
53.2 146, 148
53.3 148
53.8 148
53.9 148
53.10-12 148
53.11 149
54-66 145
54.2-3 149
54.5 149, 150
54.9-10 149
55.1-9 149
55.3 87
55.5 153
55.9-11 269
55.10-11 215
56.6 22, 158
56.7 153
56.66 153
58.5-7 169
60.1-2a 204
60.1-4 90
61 205
62.1-12 90
63.4-6 148
65.17 22
65.17-25 166
66 39, 181, 194, 230, 255
66.1-3 18
66.10-24 90
66.18-21 153
66.19s 153
66.22 22
JEREMIAS 131, 133, 139, 140, 148, 158,
225, 269
1.4-5 225
1.5 234
1.11-17 35
2.2-3 51. 132
3.17 90
7.6 73
7.21-26 70
7.25 146
9.17-22 134
11.1-8 52
11.18-12.6 148
15.5-9 134
15.10-20 148
16.19-21 153
17.14-18 148
18.1ss 67
18.1-7 52
18.18 103
18.18-23 148
20.7-11 148
20.14 148
20.18 148
22.3 73
23.5 144
23.5-6 143
23.8 144
23.18 131
23.22 131
23.28b 103
24.1-10 134
24.8-9 142
25.15 35
25.33 35
326
26.5 146
29.10-14 134
30.7-8 35
30.9 144
31.20 51
31.31-34 53
31.33 57
33.14 144
33.14-25 87
33.18 144
33.19-22 87
33.19-26 89, 145
42.2-3 142
46-52 54
49.7 107
50.35 104, 107
51.57 107
37.24-25 87
37.24-28 89, 145
37.28 144
45.8 73
46.17 73
47.1-12 90
47.22-23 73
LAMENTAÇÕES
OSÉIAS 74, 93, 131, 140
1.12 134
2.1 134
2.21-22 134
4.20 86
2.5 89, 141, 145
2.21-22 159
3.5 144
4.1-2 140
4.11-14 140
4.17-19 140
5.1-2 140
6.7 52, 67
6.8-10 140
8.1 52, 67
8.4 140
9.10 74
10.10 56
11.1-9 51
14.9 103
DANIEL 143
1.4 107
1.20 107
5.11-12 107
7-12 150
7.13s 174
7.13-14 193
7.13-14 151, 152
EZEQUIEL 73, 131, 139, 158
5.8 56
5.14 56
9.8 142
16.3 15
16.3-8 50
16.41 56
17.21 142
25-32 54
28.3ss 107
34.21 144
34.30 144
36.5 35
36.8-15 134
36.26s 141
36.26-27 57
36.30 159
37.12 134
37.24 144
JOEL
2.28-32 253
3.12 35
AMÓS 74, 93, 131, 133, 135, 139,
140, 154
327
Igreja: Por quê Me Importar?
1.3-2.3 154
1-2 54, 135
2.6-8 139, 155
2.9-12 135
3.1-2 157
3.2 49, 135
3.7 131
3.8 131, 137
3.9 56
3.12 142
4.1 157
4.4 70
4.5 70
4.6-11 154
4.11 142
4.12 31
5-7 135
5.2 140
5.3 142
5.4 158
5.7 157
5.8 31
5.10-12 139, 157
5.12 140
5.21-24 70
5.23 140
5.24 140
6.1-7 140
6.4 139
6.8-10 140
6.14 56, 154
7.1 154
7.4 154
8.2 140
8.4-6 157
8.4-7 140
9.1 144
9.7a 172
9.7 54, 135, 154
9.8-10 132
9.11-12 89, 141, 145
8 107
8ss 35
JONAS 135, 155
4.5-6 135
4.10-11 154
4.11 135
MIQUÉIAS 74, 131
2.2 140
4.1 144
4.1-3 153
4.1-4 153
4.1 144
5.1 144
5.2-4 145
5.5 144
6.8 94, 137, 158
7.18 142
HABACUQUE
2.14 153
SOFONIAS
131
1.14-16 139
3.8 35
3.9 42
3.10 153
3.12s 140
AGEU
2.2 142
2.7 144
2.10 144
ZACARIAS
OBADIAS
3.8 143
328
6.9-15 144
6.12 143
8.6 142
8.22-23 55
8.22s 153
8.23 149
9.2 107
9.9-10 144
14.16-21 90
II BARUQUE
MALAQUIAS
MATEUS 180, 193, 194, 200, 201,
202, 203, 206, 208, 212,
255, 258, 264
30.2 255
SIRACIDA
24.8-14 215
24.19-22 215
2.10 31
3.1 255
3.5 74
1.1 57
3.4 93
4.23 188
5.13 201
5.17 200
5.19 201
5.20 194
5.23-24 185
5.42 109
6.24 93
6.30 201
6.33 194
7.24-27 201
8.1-4 201
8.5-13 180
8.10 189
8.11 38
8.26 201
9.18-31 201
9.35 190
10 192
10.5 180, 192, 200
10.7 188
10.23 192
10.32-33 57
11.2-6 189
11.3 190
11.6 186
11.21 189
11.22-28 188
11.28-30 109
SABEDORIA DE SALOMÃO 109
7.22 109
7.25s 110
7.26 110
7.27 110
8.1 110
8.22 110
9.1 110
9.1-2 215
9.9 215
9.10 215
18 215
ECLESIÁSTICO 109
1.4 110
6.24 109
6.30 109
24 109
48.10 255
48.11 255
51.23-27 109
I ENOQUE 151
47.4 255
329
Igreja: Por quê Me Importar?
12.22-28 186
12.28 190
12.38 188
13.1-23 185
13.24-30 185
13.31-33 185
13.44-46 185
13.47s 185
14.31 201
14.33 201
15.21-28 201
15.24 180, 200
15.29-31 184
16.8 201
16.12 201
18.21-35 185
19.17 194
21.33s 252
22.33-46 200
21.43 200
22.40 185
24.1-14 187
24.13 259
24.14 95, 116, 166, 194, 200, 254, 255
24.42 253
24.43s 252
24.43-25.30 185
25.1ss 252
26.13 187
26.15 194
26.64 193
27.55-56 183
27.57 194
28 192
28.16-20 200
28.17 193
28.18-20 192, 257
28.19-20 193
28.19 180, 200, 202
28.20 79, 118, 187
MARCOS 188, 192, 193, 194, 198, 199,
200, 201, 202, 206, 211, 212,
213, 258
1.1-13 198
1.2-3 198
1.4-8 198
1.11 199
1.14-8.21 198
1.14-15 35, 185, 197
1.15 94, 176, 186
1.16 116
1.16-20 199
1.27 199
2.14 199
2.19 109
2.23-28 185
3.1-6 185
4.1-9 185
4.11 185
4.35-8.21 198
5.34 189
6.5 189
6.7 194
6.52 201
7.1-23 185
7.24s 180
7.27-28 199
8.11ss 189
8.11-13 188
8.21 201
8.22-10.52 198
8.31 151
8.34 150
9.7 199
9.12 151
9.31 151
9.32 199
10.17 187
10.23 187
10.26 187
10.45 147
10.52 189
11-15 199
11.1-16.8 198
11.12ss 189
11.17 199
12.1-2 199
12.41-44 184
330
13 198
13.10 187, 194, 199, 254, 255, 257
13.13 259
13.32 252
13.34ss 185
14.28 198
14.61-62 151
14.62 199
15.39 199
15.40-41 183
15.43 194
16.7 198
16.8 199
16.14-18 194
16.15 194
3.23-28 205
3.38 29
4.1 207
4.4-8 185
4.4 207
4.13- 205
4.14 203
4.16-30 207
4.17-22 205
4.18-19 72, 204
4.18 203
4.31ss 205
5.1-11 206
5.12-15 204
5.14 208
5.20 205
5.27-32 204
5.29-32 205
5.32 205
6.12-16 206
7.1-10 204, 206
7.34 205
7.36-50 205
7.42-50 206
7.47-48 205
7.50 189
8.1-3 183
8.15 206
8.19-21 206
9.1-6 206
9.22 151
9.51 202
9.51-19.40 203
9.51-56 189
9.52-55 204
10.1 38
10.1-20 206
10.8-9 188
10.13-14 206
10.25-37 206
10.30-37 204
11.14-23 186
11.20 205
11.27-28 206
11.29-32 206
LUCAS 180, 193, 194, 195, 201, 203, 204,
205, 206, 207, 208, 210, 212,
264, 269
1.3 201
1.9 203
1.15 207
1.26-38 206
1.32 204
1.32-33 18
1.35 204, 207
1.41 207
1.45 206
1.67 207
1.68-79 204, 205
1.77 205
2.1-2 204
2.5-11 208
2.11 204
2.25 207
2.32 204, 207
2.36 207
2.41-52 203
3.1 204
3.3 205
3.6 204, 208
3.16 207
3.22 204, 207
3.22-38 207
331
Igreja: Por quê Me Importar?
12.29s 252
12.32 259
12.35-48 252
12.39 252
12.51 39
13.10-17 205
13.29 205
13.33 203
13.34 203
14.10 109
14.15-24 205, 209
14.25-33 205
14.28-33 203
15 186, 195
15.1-2 204, 205
15.7 205
15.9 205
15.32 205
16.19-31 204, 206
17.11-19 184, 204, 206
17.19 189
17.24 205, 252
18.9-14 206
18.18-27 204
18.31-34 205
19.1-8 205
19.41 202
20.9-10 205
20.17 205
21.1-4 206
22.14-32 206
22.19-20 205
22.23-28 205
22.28-30 205
22.61-62 206
23.8 188
23.49 206
24.7 151, 205
24.8 206
24.9 206
24.13-35 205
24.26 203, 205
24.33 205, 206
24.36-49 206
23.41-43 205
24.44 202, 205,209, 210
24.44-49 195, 202, 204, 207, 209
24.46-47 35
24.46-48 202
24.47 180, 202, 203, 205, 208
24.47-48 209
24.47-49 203
24.48 203, 206, 257
24.49 203, 204, 207, 210
24.52 203
28.34 205
JOÃO 189, 195, 211, 212, 213, 214, 215,
216, 217, 218, 219, 264, 269
1 212
1.1-2 214
1.1-4 110
1.1-14 22
1.1-18 214
1.4-5 219
1.6-8 217
1.9 214
1.12 219, 259
1.14 118, 215, 216
1.15-19 218
1.16-18 215
1.17 212
1.18 214, 217
1.19-51 216
1.29 217
2.19-21 212
2.22 218
3.2-15 218
3.7-14 205
3.14 216, 253
3.15 217
3.16 216
3.16-17 219
3.16-21 214
3.17 217
3.36 34
4 219
4.34 217, 219
4.38 219
332
4.42 217
5.17 27
5.24 217
5.30-47 217
5.37 217
6.38-39 217
6.38-40 219
6.51 217
7.50-52 218
8.12 217
8.17-19 217
8.28 216
8.32 186
9 219
9.5 217
10.16 195
12.27-28 216
12.32 195, 216, 253
12.34 216
12.44-47 219
12.49-50 217
13.1 216
13.12-16 219
13.15 219
13.16 219
13.20 195, 219
13.34-35 219
14-16 218
14.6 110, 128
14.12 79, 218
14.16 218
14.26 218
15.1-11 219
15.2-27 218
15.12-17 219
15.14-15 219
15.26 217
16.8-11 218
16.13 218
17 195, 219
17.1 216
17.1-26 195
17.4 217
17.4-5 216
17.14 219
17.14-18 218
17.18 219
17.18-21 219
17.20-21 217
19.35 217
19.39 219
20 216
20.19-23 195
20.21 27, 219, 257
20.21b 195
20.21-22 218
20.29 218
ATOS 94, 192, 195, 201, 202, 204, 205,
206, 207, 208, 209, 225 257,
264
1.1-5 185
1.1-6.7 195
1.1-12.24 195
1.3 95, 185
1.3-5 207
1.3-8 202
1.4 203
1.4-5 204, 207, 210
1.6-8 195, 256
1.7 176, 252
1.8 79, 187, 203, 207, 209, 210, 254, 256
1.15 210
1.15-26 206, 207
1.21-22 203, 206
1.32 204
1.35 204
1.68-79 204
2-9 208
2 207, 210
2.1-13 185
2.3 195
2.5-11 208
2.5-12 209
2.11 204
2.14 210
2.14-36 210
2.17 208
2.22-36 209
333
Igreja: Por quê Me Importar?
2.25 210
2.33 210
2.37-38 203
2.37-41 185
2.38 35, 205, 209
2.41-47 208
2.43 208, 209
2.43-47 205, 209
3.1-10 208, 209
3.1-16 210
3.12-26 209
3.19 35, 205, 209
3.22 204
3.25-26 48, 57
3.25 55, 208
3.26 159, 205
4.1-31 210
4.4 208
4.8 210
4.8-12 210
4.19-20 210
4.32-35 208, 209
5.1-11 210
5.12-16 209
5.12-26 208, 209
5.14 208
5.15-16 210
5.17 210
5.29-32 210
5.31 35, 209
5.40-41 210
5.40-42 203
6-8 208
6.5 210
6.7 208
6.8 190, 210
6.8-9.31 195
6.10 190, 210
6.11 185
6.55 210
7.2-4 46
7.2-53 209
7.6 62
7.22 107
7.58 208
8.1-3 226
8.3 208
8.4 208
8.4-5 203
8.5-8 208
8.5 210
8.11 208
8.12 209
8.14 210
8.15-18 195
8.22 35, 205
8.26-39 208
8.26-40 147
8.29-30 210
9.1ss 208
9.1-30 226
9.15-16 210
9.15 208
9.32-12.24 195
9.32-35 209
9.36-42 209
10.1-11.18 208
10 168, 192, 208
10-11 209, 210
10.18 209
10.34 29, 203, 205
10.38 204
10.43 205, 209
10.44-45 195
10.44-48 210
11 208
11.12-18 210
11.18 208, 209
11.19-20 208
11.19-21 203
11.24 210
12.3 210
12.11-12 210
12.12 197
12.25 197
12.25-28.31 195
12.25-16.5 195
13 208
13.2 210
13.2-3 208
334
13.2-4 210
13.4 210
13.16-41 209
13.20-23 89
13.33 118, 159
13.38 205
13.38-39 209
13.44-52 208
13.45-49 149
13.47 227, 234
14.3 209
14.8-10 209
14.14 210
14.15 29
14.15-17 209
15 203, 208, 209
15.8 210
15.22 210
15.28 210
15.37 197
15.39 197
16.6-10 210
16.6-19.20 195
16.16-19 209
16.30-31 209
17.3 205
17.4 183
17.12 183
17.23-31 209
17.24 29
17.26 29
17.30 35, 205
17.30-31 35
18.1 183
18.2 210
18.4-7 183
18.8 183
18.9b 227
18.9 234
18.10 234
18.10a 227
19.6 195, 210
19.8 209
19.21 210
19.21-28.31 195
20.21 205, 209
20.22 210
20.25 209
21.11 210
22.21 210
26.16-18 210
26.18 205, 227, 234
26.18-20 209
26.20 35, 205
26.22-23 149, 205
28.23 209
28.28 204, 208
28.30-31 203
28.31 95, 209
ROMANOS 71, 222, 228, 246
1.1 227, 234
1.3-4 229
1.4 118
1.14 257
1.16-17 228
1.18 34
1.18-23 237
1.18-32 237
1.19-20 267
1.20 27
1.21 229
1.22 128
2.12-14 231
3.1-2 226
3.11 228
3.21-24 230
3.21-26 230
3.23 34
3.26 176
4.1-25 232
4.13 57
4.17 228
5.5 231, 238
5.8 64
5.12 25
7.8 227
7.12 231
7.16 231
335
Igreja: Por quê Me Importar?
8 177
8.9 231, 259
8.11 231
8.18-21 28
8.18-25 258
8.19-23 267
8.20 34
8.20-21 186
8.23 231, 238, 254
8.24 31
8.29 259
8.29-30 192, 232
9-11 173, 177, 192, 228, 232, 233,
257, 264
9.1-5 226, 232
9.4-5 233
9.6 142
9.8 232
10 257
10.12 230
10.12-15 234
10.13-15 118
10.13-21 230
10.14 235
11 231
11.1 233
11.5 142
11.11 233
11.13 235
11.13-15 233
11.25 233
11.25-26 177, 233
11.28 233
11.29 233
11.30-31 233
11.32 177
11.36 118, 177
12.2 238
14 224
15.9-12 230
15.15-21 234
15.15-29 233
15.15-33 235
15.16 234, 257
15.18 226
15.18-19 65, 191, 226, 231
15.19 226, 236, 257
15.20 167
15.22-29 235
16.23 182
16.25-26 230
I CORÍNTIOS 222, 246
1.1 227
1.14 183
1.16 183
1.17-19 128
1.18 229
1.20 238
1.23-24 229
1.24 110
1.26 182
2.1-5 65, 78
2.2 237
2.4 231
2.4ss 128
2.4-5 191
2.7 230
2.12 231
2.13 128, 159
3.5 235
3.16 231
6.19 231
7 183, 224
7.7 231
7.40 231
8 224
8.6 32, 110
9.1 226, 227
9.1-2 225, 236
9.3 226
9.16 257
9.16-17 234
10.1-3 65
10.1-13 77
11-14 183
11 183
11.23 224
12 97
336
12.3 98
13.10 79
14 66, 97
15 16, 226
15.1-15 230
15.3 224, 259
15.4 237
15.5-7 226
15.8 225, 226
15.8-11 225, 227
15.9-10 225
15.20-28 230, 258
15.23-28 192
15.24 253
16.22 260
17 231
1.5 226
1.11-17 224, 225
1.11 227
1.12 226, 227
1.13-14 226
1.13 226
1.15-16 225
1.15 234
1.16 225, 226, 227
2.2-10 224
2.15-16 230
3.1-5 231
3.2 232
3.6-14 48
3.7-29 232
3.8 55
3.8-16 57
3.8-29 49
3.15-19 230
3.16-18 230
3.23-29 231
3.25 231
4.4 176
4.4-5 237
4.6 231, 238
4.7 238
4.8-9 229, 237
5.1-13 186
6.6 232
6.15 238
6.15-16 57
6.16 173
II CORÍNTIOS 222
1.1 227
1.22 231, 238, 254
2.14-15 235
2.22 226
3.6 235
4.7 238
4.13 231
5.5 231, 238
5.11 42
5.16-20 234
5.17 28, 230
5.17ss 238
5.18-21 118
5.20 235, 259
6.2 227, 230, 236
6.10 42
10.15-16 235
11.28 236
12.10 78
12.12 231
EFÉSIOS 222, 269
1 177
1.4 23
1.10 28.176
1.21 238
1.21-22 32
2-3 39
2.8-10 36, 72
3.1 257
3.6 38
3.10 177
GÁLATAS 71, 222, 225, 227, 237
1.1 227
1.2 226, 227
1.4 221, 238
337
Igreja: Por quê Me Importar?
4.7-16 177
4.11 97
4.13 227
5.21 23
6.10ss 260
2 252, 255
2.6-12 258
2.9-12 258
2.13-14 258
3.14 97
FILIPENSES 222
I TIMÓTEO
1.12 269
2.5-11 147, 192
2.9-11 151, 258
2.9 216
2.10-11 32
2.16 236
3.4-5 221
3.4-6 226
3.6 226, 227
2.4 34
2.9 183
3.16 151
II TIMÓTEO
2.12 259
4.11 197
COLOSSENSES 222
FILEMOM 222
1.1 227
1.13-20 118
1.13-23 258
1.15 110
1.17 110
1.20 23, 28
1.22-29 257
1.23 5
1.24 227, 260
4.10 197
4.14 183
24 197
HEBREUS 36, 53, 240, 248, 265
1.1-2 251
1.1-3 22, 97, 110, 248
1.2-3 22
1.2 176
1.3 110, 118
1.5-14 151
2.1-4 248
2.9-18 248
3.18-19 36
5.7-9 248
6.12 176
7-11 248
7.6 176
9.14 71
9.35 71
10.32-34 248
11.7 36
11.8 53
11.8-10 47
11.39-40 248
I TESSALONICENSES 222
1.5 226, 231
1.5-6 226
1.5-10 251
1.9 237
1.10 237
2.19 236
3.13 183
II TESSALONICENSES 222, 258
1 255, 258
338
12.22-24 96
3.18 243
3.21 241
4.3 241
4.4 241
4.4 242
4.7 244
4.17 244
4.19 242
5.8-9 242
5.10 244
5.13 197, 241
TIAGO 240, 247, 265
2.14-26 36
5.11 259
I PEDRO 240, 241, 245, 247, 248, 249,
265
1.1 240
1.1-2.10 241
1.1-7 241
1.2 241
1.3 241
1.4 241
1.6 244
1.11-12 244
1.12 241, 244
1.15 241
1.18-21 241
1.23-25 244
1.25 241, 244
2.1 240
2.4 57
2.4-10 241
2.9 49, 56, 67, 80, 244
2.9-10 57
2.10 241
2.11 242
2.12 242, 244
2.13 242
2.14 242
2.15 242
2.16-17 242
2.18-25 242
2.20 243
2.21-24 243
3.1 242, 243, 244
3.2 242
3.3-4 183
3.6 243
3.9 243
3.15 244
3.16 242, 244
II PEDRO 240, 248, 265
2.20 248
3.2 248
3.7 37
3.9 31, 254
I JOÃO
2.2 32, 71
4.1 97
JUDAS 240, 247, 248, 265
4 247
APOCALIPSE 16, 69, 240, 245, 248,
249, 256, 265, 269
1.3 245
1.4-3.22 245
1.5 247
1.7 247
2.4 245
2.6 246
2.14 246
2.15 246
2.20 246
3.3 252
3.15-17 246
4.12 247
5.7 194
5.9-10 16, 38, 246
339
Igreja: Por quê Me Importar?
5.9-14 166
5.13 246
6 256
6.1-8 256
6.9 247
7.9-12 166
7.9-17 16
11.3ss 256
13.7 247
13.16-17 247
14.5-7 256
14.6 246
14.8 241
15.3 69
16.15 252
17.2-5 247
17.5 241
17.18 241
18.1-3 247
18.2 241
18.3 247
18.5 40
18.11-19 247
19 247
19.11ss 256
20.4 247
21 258
21.1 23
21.1-5 28
21.2 90
21.9-11 96
21.10 40
21.17 260
21.20 260
21.24-27 40
21.23 96
22.21 163
340
ÍNDICE DE
ASSUNTOS E AUTORES
‘am 65
‘ehyeh ‘asher ‘ehyeh 63
2ª Clemente 253
Aalen 60, 272
Abel 37, 43
Abraão i, 12, 14, 39, 40, 43, 45-48, 50-55,
57-61, 64, 67, 70, 77, 87, 88, 98, 142, 143,
146, 153, 163, 205, 232
Acabe 7, 91, 93
Adão 16, 26, 29, 34, 37, 40, 61, 70, 151,
205
adesse 63
adoração 65, 67-69, 75, 84, 85, 92-94,
96-98, 118, 124-127, 133, 135, 151, 164,
165, 166, 169, 171, 177, 193, 237, 266
afesis 205
África negra 170
Aicar 107
Aitofel 107
aliança i, ii, 10, 29, 35-37, 40, 41, 45, 47,
50-60, 62, 64, 65, 67-74, 77, 79-82, 84,
86, 87, 96, 101, 105, 113, 116, 125,
131-136, 149, 156, 157, 163, 166, 167,
172, 173, 176, 194, 235, 237, 246
Almeida 54
Alves 7, 138, 156, 272
Amarna 103, 107
Amazônia 167
Amenemope 107
América Latina 2, 3, 6-8, 168-170, 280
Amós 31, 49, 54, 56, 70, 74, 89, 93,
131-135, 137, 139-142, 144, 145, 154,
156, 157, 172, 281
Ananias 183
Anate 92
anaw 189
Anderson 116, 117, 122, 191, 272, 273,
284
Antioquia 79, 183, 195, 208, 235
Apocalipse iii, 16, 23, 28, 33, 38, 40,
65, 68, 69, 90, 96, 98, 163, 166, 194,
211, 213, 240, 241, 245, 249, 253, 256,
257, 259, 261, 266, 270
apocalíptica 152, 168, 169, 172, 226,
228, 245, 246, 260, 276
apóstolo 7, 110, 192, 210, 212, 221,
222, 224-227, 230, 235, 237, 258, 259
Áquila 210
arameus 154
arca 36, 70, 84, 85, 88, 89, 95, 163
arche 212
Archer 18, 19, 68, 71, 111, 272
Arfaxade 15
Arias 6, 272
arrependimento 35, 102, 135, 142, 154,
168, 186, 205, 208, 234, 253, 256, 257,
260
Asera 92, 93
Assíria 84, 133, 134, 153
Assírios 35, 105, 136, 153
Astarote 92
Aton 113
Augusto 182, 204
Baal 68, 91-94, 97, 112, 142
baalismo 93, 94, 99, 130, 139, 165
Babel i, 14, 37, 39, 42, 43, 50, 163
Babilônia 15, 39, 69, 84, 107, 133, 241
babilônicos 35
Bachli 60, 272
Bachmann 8, 272
bahar 47
balaão 48, 246
Baly 111
bârâ’ 21
Barnabé 183, 206, 210, 253
Barrett 211, 213
341
Igreja: Por quê Me Importar?
Barth 159, 191, 272
basileia 95
Bassham 7, 272
Bavinck 53
berîth 51
Berkhof 141
Bertholet 60, 272
Blauw 8, 10, 13, 15, 48, 56, 60, 63,
102, 122, 144, 148, 149, 251, 273
Boer 115, 273
Bonhoeffer 24
Bosch 2, 5, 7, 8, 46, 52, 147, 148,
154, 155, 159, 171, 184, 191, 273
Braaten 11, 273
Brasil 3, 100, 122, 124, 156, 164,
168, 196, 219, 280
Breneman 102, 107, 111, 114, 121,
147, 273
Bright 10, 51, 52, 68, 75, 84, 86, 89,
92, 107, 111, 133, 134, 142, 144, 146,
147, 149, 150-152, 158, 159, 173,
175, 273, 274
Bruce 1, 120, 274, 280
Brueggemann 8, 137, 138, 282
Brunner 81, 274
Budá 130
budistas 43
Buis 51, 274
Bultmann 212
Cafarnaum 180
Caim 37, 40
Caio Fábio 184
Calcol 107
Calebe 75
Calvino 191
Canaã ii, 47, 50, 65, 74-77, 81, 84,
86, 91, 92, 101, 103, 107, 141, 163,
168
cananeus 56, 76, 85, 91, 107, 127,
130
cânticos 110, 111, 145
Cão 20, 38, 39
Carey 191, 272, 281
carisma 61, 84-87
carismati 79
carismática 226
Carmelo 93
carolingiano 170
Castro 5-7, 10, 274
cativeiro ii, 1, 62, 63, 65, 69, 88, 89, 130,
133, 134, 163, 267, 272
catolicismo 6, 164, 166
çelem 19
centripetismo 154, 155, 171, 172
Ceram 52, 274
Childs 111, 152, 274
Christensen e Hutchison 170
Ciro 134
Clemente de Alexandria 253
Clements 10, 18, 47, 51-53, 84, 87, 90,
141, 176, 275
Cloé 183
Cole 52, 63, 64, 275
colonialismo 170
Comblin 211, 275
comunhão 10, 14, 70, 209, 217
Confúcio 130
Contexto ii, 2, 5-9, 13, 14, 16, 23, 25, 29,
34, 46, 62, 68, 72, 79, 82, 93, 97, 102, 105,
111, 116, 124, 132-136, 139, 151, 158-160,
172, 179, 184, 188, 191, 193, 194, 202,
212-215, 218, 223, 225, 227, 235, 242,
243, 246, 248, 252, 254, 257-259, 263,
266, 281, 283
Corinto 182
Cornélio 168, 192, 208, 210
cosmos 22, 115, 116, 121, 214, 268
Costas 2, 3, 5-7, 22, 26, 30, 31, 38, 127,
184, 186, 187, 275
crescimento da igreja 182-184, 208, 283
criação i, 7, 13-34, 36-41, 43, 48, 60, 64,
69, 79, 95, 96, 101, 105, 106, 109, 110,
113, 118, 127-129, 134, 141, 159, 162-164,
166-168, 170, 173, 174, 186, 187, 212,
215, 216, 228, 260, 262, 267, 268, 283
Crispo 183
Cristo 1, 3, 7, 16, 23, 24, 28, 31-33, 41,
47, 48, 57, 64, 65, 72, 77, 79, 89, 95, 97,
98, 109, 110, 118, 123, 127, 139, 145, 150,
159, 160, 164, 167, 173, 175, 176, 182,
187, 197-200, 202, 206, 207, 210, 213,
214, 216-218, 220, 224-238, 243, 246-249,
251-254, 258, 261, 264, 265, 266, 268,
269, 280, 283
342
cristologia 145, 198, 214, 216, 217, 229, 238,
248, 251, 254, 264
cruz 64, 78, 123, 150, 151, 160, 192, 216, 269
Cullmann 215, 251, 275
culto 61, 64, 70, 71, 87-89, 91-96, 111, 112,
115, 118, 122, 125-127, 129, 132, 133, 135,
140, 141, 153, 157, 164, 177, 245, 246
Cuza 183
Dã i, iii, 1-79, 81-99, 101-171, 173-177,
179-249, 251-259, 261-270, 273-278, 280,
283, 284
Daniel 20, 107, 143, 150-152, 174, 193, 280
Darda 107
Davey 211
Davi 86-89, 95, 96, 101, 103, 105, 110, 111,
116, 144-147, 151, 152
Debir 103
Decálogo 63, 68, 71
Deissler 10, 144, 173, 275
dêmûth 19
DeRidder 28, 30, 47, 50, 52, 53, 57, 151, 191
Deschner 155
deuses 26, 50, 68, 69, 75, 91, 92, 114-116,
118, 122, 237
Dia do Julgamento 35
Dia do Senhor 35, 55, 134, 139
diaconia 165
diáspora 208, 210, 224
dilúvio i, 14, 18, 27, 34-37, 39-43, 142, 163,
166, 168, 267
Dingermann 152, 276
direitos humanos 72, 139
dispersão 14, 40, 45, 168, 241
Dodd 192, 211, 213, 276
doxa 216
dualismo 26, 161
dunamis 188, 189
Dyrness 106, 142, 276
Eaton 116, 276
Eclesiastes 103, 128
Eclesiástico 109, 110, 256
Eden 168
eedh 149
egípcio 62, 66, 104, 112, 130
Egito ii, 1, 15, 46, 61, 62, 65, 68, 72, 73, 77,
84, 107, 113, 147, 153, 162, 168
343
Eichrodt 10, 30, 51, 88, 108, 122, 176,
276
eleição i, 10, 15, 21, 36, 40, 42, 45-49,
51-53, 55-59, 61, 64, 67, 75, 77, 78, 81,
86, 87, 99, 101, 134-136, 142, 150,
156, 159, 167, 172, 177, 229, 232, 237,
239, 241
Elias 91, 93, 94, 142, 189, 256
Eliseu 189
Elohim 108
Emanuel 78, 79, 194
emins 38
encarnação 214-216, 220, 265
Epístola de Clemente 253
Erasto 182, 183
escatologia iii, 22, 152, 155, 177, 211,
229, 239, 251-253, 255, 256, 259, 262,
276
escaton 238
Escritos ii, 12, 101, 102, 110, 117,
120, 121, 124, 129, 136, 192, 197, 201,
211, 229, 249, 253, 284
Escritura 91
Esdras 134, 256
Espanha 235
esperança ii, 5, 32, 46, 65, 87-90, 92,
114-117, 133, 138-145, 150-153, 155,
159, 172, 173, 175, 176, 179, 235, 238,
242, 244, 252, 253, 261, 262, 266, 276
espiritismo 27, 64, 93, 94, 164, 166
Espírito Santo 5, 57, 79, 112, 179, 195,
203, 207, 210, 217, 220, 223, 226, 231,
234, 235, 254, 257, 263, 265, 266, 268,
269
espíritos 26, 27, 194
esse 63, 80, 226, 236
essênios 213, 260
Estado 84, 85, 87-90, 93, 132-134,
218, 245, 246
Estéfanas 183
Estevão 4, 203, 208, 210
estrangeiro 39, 47, 48, 72, 73, 76, 80,
86
Eta 107
ética 6, 24, 69, 72, 80, 104, 119, 120,
127, 156, 262
etnomusicologia 124
Igreja: Por quê Me Importar?
Europa 7, 170, 182, 195
evangelho social 166
evangelical 6, 272
exclusivismo 56, 75, 81, 98, 135, 172
exílio 69, 111, 134, 141, 147, 149, 151,
153, 168
êxodo ii, 17, 47, 49, 51, 52, 55, 56,
61-70, 72-74, 77-79, 82, 85, 103, 107,
110, 125, 133, 141, 142, 144, 146, 147,
163, 167, 169, 173, 188, 267, 275
exousia 190
expiação 24, 70, 148, 149
Ezequiel 15, 35, 50, 54, 56, 57, 73, 87,
89, 90, 107, 131, 134, 139-142, 144,
145, 157, 159
Faraó 62, 63, 68, 77, 113
fariseus 109, 172, 183, 218, 221
favoritismo 45, 48, 56, 87, 135, 167
Fee e Stuart 114
Fenícia 107, 111, 180
Ferreira 9, 10, 54, 276
Filho de Davi 88, 89, 145, 152
Filho de Deus 86, 199, 205, 207, 212,
229, 266
Filho do Homem 143, 145, 150-152,
169, 172, 174, 199, 213, 216, 255
Filipe 209, 210
Filipos 183
filisteus 85, 86, 154
Fohrer 10, 102, 104, 106, 107, 111,
114, 116, 121, 122, 131, 137, 144, 146,
151, 158, 176, 276, 282
Foulkes 222
Friesen 124, 276
Frohnes 170, 277
fundamentalismo 24, 137
futuro 5, 22, 26, 32, 45, 46, 49, 88-90,
98, 114, 117, 137, 138, 141, 142, 144,
147, 152, 153, 155, 157, 158, 171, 172,
174, 175, 186, 187, 230, 238, 252, 257,
261
gâ’al 21, 69
Gaio 182, 275
Galiléia 198, 200, 265
Gaventa 8, 277, 282
Gensichen 60, 277
gentio 15, 177, 198-200, 204, 207, 228,
231, 232, 241, 267
Getsêmani 199
gideão 66, 84
Glasser 4, 10, 25, 184, 277
glória de Deus 70, 96, 114-116, 118, 134,
150, 153, 216
gnômica 104, 108
Gonzales 6, 277
Goppelt 184, 187, 241, 277
Gosen 62
gôy qâdhôsh 70
goyim 55, 194
Grant 188, 277
Green 190, 253, 267, 271, 277
gregos 134, 183, 203, 258
Grelot 9, 10, 277
Grost 48
Guillet 63, 277
Guthrie 222, 277
Gutierrez 184
Hahn 8, 29, 60, 181, 277, 278
âkham 103
Harã 46, 50
Harrison 9, 11, 109, 119, 121, 128, 278
Harvey 217
Hasel 10, 278
âîd 147
Heilsgeschichte 38, 194, 224, 252, 259,
280
Hema 107
Henkel 8, 278
hermenêutica 6, 8, 9, 185, 276
Herodes 183
Hexateuco 55, 101, 105
hierofania 92
Hillers 51, 278
hindus 43
hino 112, 113, 119
história i, 1-3, 5, 6, 8-16, 18, 20-23,
26-29, 31-33, 37-40, 42, 43, 45-48, 51, 54,
57, 63-66, 75, 76, 79, 81, 82, 87, 91, 92,
94, 95, 98, 101, 102, 104, 105, 107, 110,
111, 118, 121, 125, 130, 133, 135, 139,
141, 143, 144, 150-152, 154, 155, 158,
159, 168-170, 173, 174, 176, 177,
186-189, 194, 199-204, 207, 209-211, 216,
344
217, 227-231, 233, 234, 236, 238, 240, 241,
245, 246, 248, 252, 253, 259, 260, 261, 264,
265, 267, 268, 274-277, 282
hititas 52, 274
Hoekendijk 4
Hogg 43, 278
okhmâh 103
horeus 38
Hoskyns 211
humanismo secular 30
Iahweh 21-23, 27-29, 38, 46, 51-56, 61-63,
65, 67-76, 79, 81, 84-88, 91-95, 98, 102, 104,
105, 108, 112-116, 118, 120, 122, 125, 131,
132, 134, 135, 136, 138, 143-146, 148, 149,
153-157, 159, 165, 169, 171, 172, 173, 174,
177
Ibéria 170
Idade Áurea 55
idolatria 63, 68, 76, 82, 137, 139, 140, 164,
237, 246
Ignácio 253
igreja iii, 2-6, 9, 13, 23-25, 27, 29, 31-33, 36,
39-42, 44, 47, 53, 57, 58, 60, 64, 65, 72, 75,
78-83, 94, 95, 97-100, 116, 127, 143, 145,
147, 150, 152, 155, 157-161, 163, 165-170,
173, 176, 177, 179-184, 187, 188, 190-192,
194-198, 200-211, 215, 216, 218-222, 224,
225, 235, 236, 239-255, 259-262, 264-271,
273, 277, 283
igreja primitiva 147, 157, 158, 165, 177, 180,
181, 190-192, 201, 204, 221, 224, 240, 252,
253, 259, 264, 265, 269, 271, 277
Ilírico 235
ilt 112
imagem de Deus 19, 23, 29, 30, 36, 44, 74,
106, 156, 164, 167, 228, 234, 267
imago Dei 105
Império Romano 182, 183, 213, 214, 247, 270
Imschoot 63, 278
injustiças sociais 138, 156
International Review of Mission 8
ira de Deus 33-35, 39, 42-44, 117, 118, 140,
154
Irineu 253
Isabel 205
Isaías 14, 17, 18, 21, 22, 31, 35, 38-40, 49,
52-56, 67, 69, 70, 74, 78, 87-90, 96, 103, 104,
107, 128, 131-134, 137, 139-148, 150, 153,
345
154, 156, 157, 159, 163, 166, 169, 174,
181, 194, 204, 205, 215, 225, 227, 230,
234, 255, 256, 270, 273
Isaque 46, 64, 142
isolacionismo 75, 83
Israel i, ii, 1, 12-16, 18, 20, 21, 28, 29,
32, 35, 37-41, 45-70, 72-82, 84-95, 97,
98, 99, 101-105, 107, 108, 110-119,
121, 122, 125, 130-137, 139, 140,
141-144, 146-158, 160, 163, 164, 166,
167, 169-175, 186, 189, 200, 202-206,
208-210, 217, 224, 228, 230-236, 239,
255, 256, 259, 264, 265, 268, 270, 272,
274, 276, 281, 282, 284
Jacó 64, 145
Jacobs 71, 278
Jafe 38, 39
Jairo 183
Javismo 15, 99
Jeremias 35, 51-54, 57, 67, 70, 73, 87,
89, 90, 103, 104, 107, 131-134, 139,
140, 142, 143-148, 151, 153, 157, 181,
225, 234, 255, 270, 278
Jeroboão 88
Jerusalém 28, 39, 50, 54, 86, 88-90,
96, 103, 112, 133, 134, 140, 153, 183,
195, 197, 198-200, 202, 203, 205,
207-210, 233, 235, 236, 256, 265
Jesus iii, 3, 7, 16, 18, 22-24, 26, 27,
31, 32, 35, 38, 41, 57, 66, 72, 77, 79,
89, 90, 93-98, 109, 116-118, 127, 128,
137, 143, 145, 147, 151, 157, 159, 163,
164, 172, 173, 175, 177, 179-181,
183-220, 222, 225, 226, 227-233,
235-238, 243, 247, 248, 251, 252, 254,
255, 257, 258, 259, 260, 263-270, 274,
278, 283
Jezabel 91, 93, 246
Jó 48, 103, 105-108, 128
Jó Sumérico 107
Joana 183
João Batista 93, 189, 205, 207, 212,
213, 216, 217
João Marcos 197, 210
Joaquim 146
Jonas 135, 136, 154
Josias 88, 133, 141
Josué ii, 12, 17, 50, 65, 67, 74-77, 93,
Igreja: Por quê Me Importar?
lei 10, 20, 24, 37, 70-74, 80, 82, 83, 92,
132, 133, 135, 140, 153, 157, 172, 182,
185, 186, 189, 190, 195, 200, 202, 209,
227, 230-232, 262, 266, 268, 281
Lewis 66, 279
Líbano 106
libertação ii, 5, 7, 8, 28, 32, 46, 47, 49,
60-62, 64, 65, 68, 70, 72, 74, 77, 78, 82,
87, 96, 105, 110, 116, 125, 133, 140, 141,
147, 149, 162, 166, 168, 182, 184, 186,
188, 194, 204, 205, 237, 272
Lídia 183
Lind 88, 279
línguas 39, 42, 43, 149, 151, 166
liturgia 65, 125-127, 140, 164
Logos 22, 31, 109, 212-215
louvor 65, 71, 102, 111, 115, 116, 125,
126, 129, 166, 177, 282
Lucas iii, 18, 29, 35, 38, 39, 72, 109, 151,
180, 183-186, 188, 189, 192-195, 201,
202-212, 217, 218, 225, 253, 257, 258,
260, 265, 270
Lutero 191
magia 92, 107, 108, 133
malkûth 95
mandato cultural i, 23-27, 31, 33, 37, 39
mandato redentor 24, 33, 39
Maomé 130
Mar Vermelho 65, 66, 69, 110
Marduk 69
Mari 130
Maria 205, 206
Martin-Achard 280
Marx 132
mâshîah 143
matheteusate 193
McCarthy 51, 280
medo-persas 134
Mendenhall 52, 280
Mendonça 156, 280
Mesa de Moabe 1
meshîa 143
Mesopotamia 116
Messias 37, 88-90, 95, 116, 118, 143-147,
150, 152, 155, 172, 195, 204, 212, 227,
229, 230, 255, 256, 265, 266
metanoia 205
103, 142, 146, 194, 276
Jubileu 73
Judá 93, 117, 133, 134, 140, 145
Judaismo 71, 72, 145, 147, 221, 223, 224,
226, 227, 236, 237, 255
Judas 199, 210, 240, 248, 266
Judéia 182, 195, 203, 208
Judeus 29, 50, 73, 93, 133, 134, 151, 181,
183, 188, 189, 192, 194, 198-201, 204, 206,
208, 213, 221, 224, 227-230, 232, 233, 236,
258, 265
Juizes 17, 66, 76, 84, 85, 90, 103, 105,
110, 140
Juizo 104, 114, 117, 139-141, 154, 186,
189, 245, 257
julgamento i, 9, 14, 26, 34, 35, 37, 39, 40,
42, 45, 49, 50, 56, 58, 61, 85, 117, 133,
135, 136, 139, 141, 142, 152, 154, 156,
163, 164, 166, 175, 189, 191, 206, 214,
215, 247, 259, 268
justiça 35, 49, 56, 62, 74, 75, 77, 80, 82,
85, 88-90, 94, 95, 98, 119, 120, 132, 135,
137, 139, 140, 148, 152, 154-158, 164-166,
168, 169, 171, 177, 184, 194, 195, 228,
229, 247, 260, 264
kabod Iahweh 115
Kahler 7
Kaiser 10, 102, 108, 147, 278
Kane 221, 279
Käsemann 71, 151, 279
kebhôdh YHWH 114
Keck 223
Kerr 123, 279
Kidner 37-39, 46, 60, 102, 107, 109, 111,
117, 279
Kline 20, 51, 52, 157, 279
kôbhash 19
Kohler 47
Kraemer 196
Kuiper 42, 49, 51, 58, 279
kuklos 258
kúrios 187, 192
Kwak 144, 279
Ladd 188
Lao-Tzu 130
Lausanne 120, 184, 277
Lázaro 206
346
Michael 151, 190, 253, 267, 271, 277
Middle Koop 8
midianitas 66
milagre 42, 66, 188, 189
Miquéias 74, 94, 131, 137, 140, 142, 144, 145,
153, 157
misericórdia i, 34, 50, 94, 114, 116-119, 126,
136, 137, 139, 140, 149, 154, 163, 164, 186,
191, 267
mishpâ 148
missão i, iii, 2-9, 11-14, 24, 27, 29-32, 36, 41,
42, 49, 52, 57, 58, 60, 61, 64, 65, 71, 77-79,
81, 98, 102, 105, 116-118, 127, 130, 131, 133,
136, 139, 141, 146-151, 153-156, 158, 159,
161-171, 176, 177, 179, 180, 181, 182, 184,
185, 187, 188, 190-211, 214, 216-219, 221,
223, 224-231, 233-236, 238, 240, 242,
245-248, 251-270, 273, 275, 277, 280
missão integral i, 11, 180, 196
missio 4, 8, 36, 150, 163, 166-170, 195, 267
missio Dei 8, 36, 150, 163, 167, 169, 170, 195,
267
missio ecclesiae 167, 169, 170
missional 125, 127
Missionalia 8
missiones ecclesiae 36, 267
mitologia 18, 122
mittere 4
mizmor 110
Moisés ii, 12, 60-62, 64-67, 69, 77, 78, 82, 83,
90, 110, 132, 146, 147, 159, 194, 200, 202,
209, 212, 216, 221
monarquia ii, 84-88, 90, 94, 95, 97, 99, 101,
111, 116, 130, 132
monoteismo 49, 68, 77, 153
Moore 60, 280
Moraes 124
Munck 224, 280
música 103, 121, 122, 124, 126, 129, 279, 280
nações i, 1, 2, 14-16, 28, 32, 35, 38-41, 45-51,
53-61, 65, 67-70, 75-81, 87, 88, 90, 96, 97,
107, 112, 114-118, 121, 122, 125-127, 130,
132, 134, 135, 136, 139, 148-159, 163,
166-172, 174, 177, 181, 194, 199, 200, 203,
206, 227, 254-256, 258-260, 264-266
Natã 145
Nazaré 145, 180, 181, 204, 215, 216, 225,
227, 229, 265
347
Neill 4, 170, 280
Newbigin 10, 280
nibhrekhû 54
Nichols 120, 280
Niebuhr 4
Niles 20, 280
Nínive 136, 154, 206
Noé i, 34, 36-39, 41, 42, 44, 45, 61,
142
nominalismo 97
North 146, 272, 280
Onésimo 183
Onri 91
oração dominical 185, 192
ordem i, 7, 13, 14, 16-18, 24, 31, 39,
45, 86, 87, 92, 93, 104, 106, 109, 119,
127, 128, 133, 182, 190-192, 195, 201,
256, 264
Orígenes 186
Oséias 51, 52, 56, 67, 74, 89, 93, 103,
131, 140, 141, 144, 145, 159
paganismo 91-93, 122
Palestina 76, 134, 151, 195, 197, 213
Pape 6, 280
parábolas 103, 109, 185, 186, 199,
203, 253, 267
parallelismus membrorum 111
particularismo 40, 48
patriarcas 12, 14, 38, 46, 47, 60, 67,
91, 146, 248
Paulo iii, 3, 7, 19, 42, 59, 66, 71, 72,
78, 79, 94, 110, 120, 181-183, 187,
192, 198, 203, 204, 206, 208-210,
212-214, 217, 218, 221-239, 241, 246,
249, 252, 253, 258, 259, 264-266, 268,
270, 272-284
Pedro iii, 8, 31, 37, 49, 56, 57, 67, 80,
168, 183, 187, 197, 199, 206, 208, 210,
240, 241, 243-245, 247-249, 255, 266,
281
Pentateuco 12, 55
Pentecostes 192, 195, 204, 205, 210,
255
peplérókenai 236
perdão 31, 70, 77, 185, 195, 202, 203,
205
persas 134
Igreja: Por quê Me Importar?
Pérsia 84
Peters 4, 48, 115, 280
Pierson 64
Pimenta 123, 280
pisteuein 189
pistis 189
pobre 78, 156, 184, 189, 190, 206
poesia 102, 111, 114, 116, 121, 125
politeismo 92, 98, 108, 112
política 1, 24, 31, 70, 82, 86-88, 96, 132,
133, 170, 245
poreuomai 193
poreuthentes 193
porneusai 246
porta-vozes 96
Priscila 210
Pritchard 107
profetas ii, 12, 27, 49, 54, 55, 72-74, 78,
84, 89-91, 93, 94, 96-99, 101-105, 107,
130, 131-142, 144-146, 155-160, 162,
163, 168, 174, 202, 203, 205, 209, 227
profeticismo ii, 90, 91, 96
progressistas 137, 138
promessa ii, 10, 28, 37, 40, 46, 48, 53,
60, 63, 65, 70, 75, 78, 79, 88, 92, 93, 101,
116, 139-143, 145, 153, 162, 170,
174-176, 191, 194, 195, 203, 205, 207,
208, 232, 254, 257
provérbios 17, 74, 102-110, 118, 119,
122, 125, 128, 215, 279
pseudepígrafo 181
queda i, 18, 23-26, 33, 44, 163, 168
Quirino 204
Rabino Eliezer 256
Rabino Jeheshua 256
râdhâh 19
Ras Shamra 107
redenção i, 16, 20-22, 24, 25, 31, 32, 41,
47, 49, 53, 57, 58, 69-72, 77, 89, 127,
133, 149, 164, 237, 252, 255
Redentor vindouro 147
reino de Deus 5, 10, 11, 14, 16, 18, 19,
22, 23, 31, 33, 35, 45, 47, 86-90, 95-100,
116, 117, 133, 148, 152, 160, 161, 169,
172, 177, 180, 184, 185-188, 194, 196,
198, 199, 206, 207, 209, 217, 246, 247,
251, 252, 254, 255, 260, 261, 264, 266,
269
religião 6, 43, 69-72, 91, 92, 98, 125, 132,
133, 135, 189, 215, 226, 243, 276
remanescente 37, 112, 133, 142, 143, 146,
152, 160, 260
Rhodes 109, 122, 281
Roma 123, 195, 197, 208, 221, 233, 235,
241, 270
romanos 25, 27, 28, 31, 33, 34, 57, 64, 65,
71, 118, 128, 134, 142, 167, 173, 176, 177,
182, 183, 186, 191, 192, 222, 224,
226-238, 246, 255, 258, 259, 260, 265, 268
Rooy 80, 281
Rowley 10, 49, 55, 60, 66, 68, 72, 131,
143, 146, 147, 156, 281
Rute 48, 69
sabedoria ii, 17, 64, 102-110, 117, 121,
125, 127-129, 215, 221, 284
sábios 75, 103-105, 107, 108, 119, 128
sacerdotes 49, 56, 67, 70, 80, 85, 88, 94,
103, 107, 130, 132, 140, 218, 246
sacrifícios 49, 70, 71, 80, 82, 83
Safira 183
salmistas 104, 116, 121
salmos ii, 14, 17, 21, 22, 31, 55, 65, 74,
103, 110-112, 114-119, 121, 122, 125, 126,
127, 129, 141, 143, 166, 189, 202, 209,
273, 279, 282
Salomão 75, 87-89, 91, 95, 103-105, 107,
109-111, 116, 127
salvação 4-7, 20, 22, 28, 31, 32, 36, 38-43,
45, 47-49, 51, 57, 58, 60, 65, 66, 69, 70,
71, 74, 77, 82, 85, 86, 115, 116, 130, 135,
139-145, 149, 153, 154, 155, 159, 163,
164, 166, 173, 176, 181, 186, 187, 189,
190, 194, 198-200, 202-205, 207-210, 212,
216, 224, 227-238, 241, 246, 247-249, 252,
254, 257-259, 262, 265-269, 272
Salvador 31, 41, 72, 89, 115, 170, 189,
216, 217, 243, 267
Samaria 195, 203, 208
Samuel 47, 65, 68, 84-90, 102, 103, 107,
110, 131, 143-146, 282
Sandmel 47
santidade 69-71, 114, 156, 253
santuário 69, 85, 111
Satanás 26, 68, 152, 186, 188, 191, 205,
219, 246, 247
348
Saul 85, 86, 95
Savage 8, 187, 281
Schilling 111-114, 282
Schreiter 8, 102, 282
Schultz 102, 282
Scott 143, 156, 282
Séforis 180
Segundo 4, 12, 15, 19, 25, 28, 41, 46, 56, 59,
70, 92, 101, 107, 111, 115, 134, 136, 140-144,
164, 169, 180, 186, 188, 189, 192, 193, 200,
204, 207, 211-213, 217, 224, 237, 239, 249,
256, 257, 270, 282
Sellin 102, 104, 106, 107, 114, 116, 146, 282
Sellin e Fohrer 102, 104, 106, 107, 114, 116,
146
Sem 3, 10, 13, 16, 18, 24, 29, 33, 38, 39, 45,
46, 53, 54, 58, 62, 65, 68, 69, 71, 76, 77, 79,
80, 92, 93, 95, 104, 107, 109, 112, 113, 120,
127, 130, 131, 132, 139, 148, 149, 152, 154,
160, 162, 169, 175, 176, 179, 196, 198, 209,
211, 215, 218, 223, 227, 229, 234, 236, 238,
243, 252-254, 260, 262, 266, 269, 270
semeion 188
Senhor 19, 22, 25, 28-30, 34-36, 42, 50, 55,
69, 73, 77, 84, 93, 98, 108, 112, 114, 115, 120,
125-128, 131, 132, 134, 136, 137, 139, 143,
144, 146, 147-150, 153, 163, 166, 181,
186-188, 192-195, 204, 208, 234, 248, 253,
254, 261, 269
Senior 8, 47, 125, 181, 185, 186, 197, 282,
283
Septuaginta 55, 110, 188
serviço 4, 6, 20, 36, 43, 48, 49, 51, 53, 56, 57,
61, 67, 69, 78, 80, 81, 87, 122, 135, 137, 149,
151, 159, 167, 172, 177, 219, 234, 243, 251
servo coletivo 149
Servo de Iahweh 145, 146, 153, 155, 159, 169
servo ideal 147, 149
servo sofredor 71, 143, 145, 147, 149, 151,
152
Shenk 5, 191, 273, 275, 282
Sião 90, 115, 152, 153, 171, 181, 230
Sider 119, 282
Sidon 206
Silas 210
Silo 85
Simeão 204, 205, 207
Sinai ii, 27, 47, 52, 67, 72, 74, 101, 105
349
sincretismo 75, 76, 81, 83, 90, 91, 93,
97-99, 130, 139, 165
Siquem 93
Síria 76, 86, 197, 200
Smick 112, 122, 282
soberania de Deus 10, 20, 26-28, 33,
49, 54, 66, 97, 118, 121, 136, 155, 158,
159, 170, 228, 251, 252, 254-256, 267
Sofonias 35, 42, 131, 139, 140, 153
soteriologia 224, 228, 230
sozein 189
Spindler 8, 282
Stam 8, 11, 283
Stendahl 226
Steuernagel 29-31, 184, 283
Stott 4, 77, 187, 283
Stuart 114, 276
Stuhlmueller 8, 112, 121, 181, 186,
282, 283
Sundkler 45, 143, 283
súplica 111
Taber 8, 283
tabernáculo 28, 70-72, 78
Tácito 253
tehllim 110
temor do Senhor 108, 125, 128
templo 78, 85, 88-91, 95, 115, 125,
133, 134, 141, 171, 183, 199, 200, 212,
213, 248
teocracia ii, 49, 84, 85, 88, 91
Teófilo 253
teologia contextualizada 179
Terá 15, 65, 94, 95, 117, 148, 158,
164, 260
Tibério 204
Tippett 115, 283
Tirano 183
Tiro 206
to teras 188
tôbh m’ôdt 28
Torá 88, 189, 193
ungido 89, 116, 118, 143, 145
universalismo 10, 32, 49, 55, 60, 153,
209, 210
Ur 40, 46
Verkuyl 5, 6, 10, 48, 49, 60, 122, 136,
Igreja: Por quê Me Importar?
184, 233, 283
VINDE 3, 109
von Rad 11, 15, 18, 19, 48, 50-52, 61, 67,
93, 94, 102, 106, 108, 109, 119, 172, 174,
175
Vos 49, 57, 67, 79, 84, 89-91, 109, 113,
126, 135, 150, 156, 172, 186, 194, 206,
207, 235, 283
Watson 47, 53, 283
Weber 84
Wen-Amon 130
Westermann 40, 71, 147, 176, 283
Wolff 102, 107, 121, 174, 176, 284
Wright 52, 65, 72, 98, 105, 111, 147, 148,
284
Wright e Fuller 105, 111
yôçî 148
Zacarias 55, 90, 107, 142-144, 149, 153,
205
Zenas 183
Ziener 102, 103, 105, 107, 110, 119, 122,
284
Zoroastro 130
Zorobabel 146
350
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