A instrumentalização da dança na Guerra Fria

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A instrumentalização da dança na Guerra Fria
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INTRODUÇÃO
O longo período na história mundial conhecido como Guerra Fria (1945 – 1991)
consistiu na polarização mundial em questões político-ideológicas e na divisão do
controle das relações internacionais (e do mundo) entre as duas grandes potências:
Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com
fortes antagonismos que aproximavam a eclosão de uma terceira guerra mundial,
análises tradicionais que envolviam a capacidade militar e aspectos econômicos
prevaleceram nas produções intelectuais do período.
Tendo em vista que as manifestações artísticas, em particular a dança, se
apresentam como formas de linguagem que, ao mesmo tempo, são representantes
e formadoras culturais e identitárias, torna-se pertinente utilizá-las como foco de
exame de conflitos que envolvam a ampliação e imposição de ideologias. Em
projetos de supremacia mundial, cabe esse tipo de análise uma vez elas tocam a
dimensão social e, portanto, ajudam a compreender a legitimação e perpetuação de
determinadas ideologias. Esse é o aspecto sob o qual o presente trabalho pretende
se focar.
Para melhor compreensão do trabalho, inicia-se com a apresentação do recorte
temporal e com a contextualização. Não cabe aqui explorar em detalhes os
acontecimentos e desdobramentos do período conhecido como Guerra Fria, mas
apresentar um panorama geral para, então, concentrar-se na dimensão cultural
deste. A partir daí, debruça-se sobre a questão da construção identitária, desde o
nível mais elementar até o nível sistêmico. Com esse aparato teórico, analisa-se a
identidade nacional em cada uma das superpotências durante a Guerra Fria. Por
último, um estudo mais direcionado para o tema principal – a instrumentalização da
dança – será realizado. Nesse momento, identificam-se momentos nos quais houve
investimentos governamentais na arte da dança, a propagação desta em território
nacional, intercâmbio de dançarinos e realização de turnês de companhias de dança
patrocinadas pelo governo central. Busca-se analisar como o balé foi influenciado
9
pelas ideologias nacionalistas e como ele foi empregado como uma ferramenta de
diplomacia cultural.
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1 – GUERRA FRIA
Repetindo o ocorrido na Primeira Grande Guerra (1914 – 1918), a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) uniu-se, temporariamente, aos Estados
Unidos da América (EUA) contra as forças e pretensões germânicas durante a
Segunda Grande Guerra (II GG) (1939 – 1945). Porém, desde a Revolução
Socialista na Rússia, em 1917, as potências ocidentais temiam que o comunismo se
espalhasse pelo mundo. Destarte, não era inconcebível que as ideologias 1
comunista/socialista e capitalista chocassem-se no sistema internacional. O período
de evidente confronto entre essas ideologias ficou conhecido como Guerra Fria
(1945 – 1991). (PAZZINATO; SENISE, 2004).
Em sua obra História do Mundo Contemporâneo, Norman Lowe (2011), apresenta
os seguintes motivos para a ocorrência da Guerra Fria: divergência ideológica,
política externa stalinista expansionista e a aberta hostilidade das potências
ocidentais em relação ao regime soviético. Nos anos de 1980, entretanto, a
interpretação histórica pós-revisionista das motivações da Guerra Fria ganhou
espaço e respaldo uma vez que os historiadores tiveram acesso a documentos que
antes não tinham. Segundo essa visão, a responsabilidade pelo tenso período deve
ser atribuída à ambas as partes:
“(...) as políticas dos Estados Unidos, como o Plano Marshall visavam
deliberadamente a aumentar a influência política do país na Europa, mas
também acreditavam que, embora não tivesse planos de longo prazo para
espalhar o comunismo, Stalin era um oportunista que aproveitaria qualquer
fragilidade no Ocidente para expandir a influência soviética”. (LOWE, 2011,
p.140)
Os anos iniciais do conflito presenciaram a tentativa de reorganização do continente
europeu após a II Guerra Mundial. A Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, e a
1
Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2006), com uma definição mais ampla, apresentam
ideologia como um sistema de crenças e ideias, relativamente coerentes, que serve para
compreender, explicar e posicionar-se no mundo. Afirmam que há uma pluralidade de ideologias
convivendo em uma mesma sociedade, não descartando, entretanto, a possível existência de uma
ideologia dominante ou hegemônica; que será contrastada e/ou corroborada por ideologias
adjacentes. (SILVA; SILVA, 2006, p.205 e 206).
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Conferência de Potsdam, em julho do mesmo ano, são exemplos dessa tentativa.
Foi possível observar, também, uma considerável expansão da URSS no leste
europeu com o predomínio de governos comunistas na região. Com receio, os EUA
adotaram a Doutrina Truman, que visava à contenção do Comunismo na Europa, e
lançaram mão do Plano Marshall pelo o qual auxílio financeiro era concedido aos
países europeus sob a justificativa de combater a fome, o caos e o desespero. Mas
que pode ser interpretado, também, como uma tentativa de cooptação de países
europeus e de assegurar sua conformação com a ideologia ocidental-capitalista. Em
contrapartida, no lado comunista, foi criado o Cominform (Bureau Comunista de
Informações) para controlar os Estados satélites e direcionar os partidos comunistas
no mundo nos moldes soviéticos, e o Comecon (Conselho de Assistência
Econômica Mútua) para a articulação das políticas econômicas. (LOWE, 2011).
No plano militar, foi formada, em 1949 e sob a liderança estadunidense, a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) com a participação GrãBretanha, França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Portugal, Dinamarca,
Irlanda, Itália e Noruega. Em resposta, a URSS criou, em 1955, o Tratado de
Assistência Mútua da Europa Oriental (Pacto de Varsóvia), integrado por países do
leste europeu. De forma geral, a disputa armamentista foi intensa tanto na questão
da quantidade quanto na inovação em equipamentos bélicos durante todo o período
observado. (PAZZINATO; SENISE, 2004).
A partir de 1953 notou-se uma distensão do conflito. Segundo Lowe (2011), tal fato
deve-se à alguns fatores principais: à morte do líder soviético (Josef Stalin); ao
desenvolvimento das bombas de hidrogênio por ambas as partes, o que fez da
política de coexistência pacífica a única alternativa2; ao descrédito do senador
estadunidense Joseph McCarthy, que foi responsável pela perseguição sistemática
de indivíduos que alegadamente apresentavam comportamentos subversivos
associados ao comunismo nos EUA, e à adoção de uma postura mais amistosa dos
norte americanos, comandados por Eisenhower, em relação aos soviéticos. O autor,
no entanto, deixa claro que essa distensão foi parcial, como corrobora a continuação
2
Caso contrário, ocorreria a maior guerra da história.
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do impasse e da tensão em relação à divisão da Alemanha (Alemanha Ocidental e
Alemanha Oriental), o que culminou na construção do muro de Berlim em 1961.
A tensão do conflito retorna em níveis extremos com o episódio que ficou conhecido
como a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Após a derrubada do ditador Batista e
a ascendência de Fidel Castro em Cuba em 1959, os EUA voltaram-se contra Cuba,
tentaram reverter a situação e retirar Castro do poder, mas falharam. Romperam,
então, relações com o país, em 1961, e impuseram um embargo econômico, ao
passo em que a URSS aumentou a sua ajuda econômica à ilha caribenha. Diante da
hostilidade estadunidense, Castro pediu auxílio militar à URSS; auxílio este que foi
materializado na instalação, em Cuba, de mísseis nucleares direcionados aos EUA.
A URSS “(...) colocaria os norte americanos sob o mesmo tipo de ameaça que os
russos tinham que suportar com os mísseis yankees instalados na Turquia”. (LOWE,
2011, p. 153).
A perigosa iminência de uma guerra nuclear resultou na retirada dos mísseis de
Cuba, no desarmamento dos mísseis na Turquia e na promessa de que os EUA não
invadiriam Cuba. Em relação ao episódio, Lowe (2011) diz “A crise durou somente
alguns dias, mas fora extremamente tensa e seus resultados eram importantes”
(LOWE, 2011, p. 154). Apesar de não ter havido um conflito direto entre os EUA e a
URSS em seus próprios territórios, as ideologias comunistas e capitalistas se
enfrentaram diretamente em outras partes do globo. A Guerra da Coreia (1950 –
1953) e a Guerra do Vietnã (1961 – 1975) são exemplos desse embate.
Um novo período de relaxamento iniciou-se nos anos 1970, conhecido como
Détente. Durante o período, tratados importantes entre as potências foram
estabelecidos3. Além disso, a iniciativa do então líder soviético, Mikhail Gorbatchev
(1985 – 1991) com políticas como a Perestroika (reestruturação) e Glasnost
(transparência), e tendências mais “democratizantes”, deram novo fôlego à Détende
3
Ex.: SALT 1 e 2 que limitavam, em certa medida, os arsenais militares de ambos os lados. (LOWE,
2011)
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e contribuíram, de certa forma, para o declínio e dissolução da URSS. (PAZZINATO;
SENISE, 2004).
Crescentes manifestações de oposição ao regime soviético e à forte crise
econômica, somados à perda de influência e controle enfrentados pela URSS
culminaram na dissolução do bloco comunista em 1991, na reorganização do mundo
com a liderança dos EUA e na reestruturação das relações internacionais. Se essa
drástica mudança no status quo foi ou não positiva, não cabe aqui dizer, mas
atendendo aos objetivos do presente trabalho, é pertinente examinar em maior
profundidade a dimensão cultural do conflito.
1.1 – GUERRA FRIA CULTURAL
A luta no âmbito cultural durante a Guerra Fria foi intensa e ambos os lados estavam
comprometidos a superar o outro em todas as dimensões possíveis. Eventos
esportivos e artísticos no geral tornaram-se plataformas políticas carregadas de
ideologia. Tais movimentos deram-se não só para demonstrarem a sua própria
superioridade e tentar subverter a cultura oposta, mas, muitas vezes, o propósito era
reforçar, internamente, aquilo que já era defendido. (SHAW, 2001)
As preferências de cada lado eram bastante distintas, mas, para que essa
competição acontecesse, era imprescindível que eles compartilhassem certo
conjunto de valores, habilidades e nível de excelência. Não é tudo que é válido; é
preciso que o outro reconheça que o seu trabalho esteja em um patamar, no
mínimo, aceitável. Competições de música, de dança e festivais de cinema são
exemplos de campos de batalha artísticos em comum. (CAUTE, 2005)
As abordagens eram muito diferentes, quase opostas. Fortes defensores e
reverenciadores dos clássicos, da estética realista clássica da literatura e das artes,
os soviéticos autoproclamavam-se herdeiros e fiéis depositários do Renascimento
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Europeu. Daí vem toda a repulsa pelos movimentos modernistas (futurismo,
surrealismo, impressionismo, etc.); pelos movimentos que desafiavam as regras
atemporais (perspectiva, harmonia e narrativa clássicos). A arte foi, em grande
medida, guiada pelo conservadorismo e ortodoxia no lado soviético. Isso pode
surpreender uma vez que, advindos de uma revolução social e econômica, seria
plausível esperar que os soviéticos revolucionassem, também, o campo cultural, e
não que o passado clássico e uma cultura supostamente elitizada fossem
resgatados e protegidos ferozmente. O diferencial foi a intensa popularização e a
propagação dessa cultura clássica. (CAUTE, 2005)
A política cultural soviética era autoritária e a censura era forte. Nesse cenário, cabia
ao Estado “educar” os seus cidadãos da maneira “correta e ideal”. Assim, ao mesmo
tempo em que ressaltava as melhores qualidades do homem soviético, mostrava à
ele como deveria se comportar e castigava aqueles que se prendiam ao passado e
comprometiam o progresso do povo soviético. Uma política um tanto quanto
paternalista nesse sentido. Em sua obra The Dancer Defects – The Struggle for
Cultural Supremacy during the Cold War, David Caute (2005) aponta:
A filosofia Bolchevique era, é claro, centralizada e autoritária. Os Russos
não acreditavam – ou não mais acreditavam, mas não podiam negar
publicamente – [n]a doutrina marxista [na qual] a classe trabalhadora gera a
consciência proletária. Pelo contrário! O Partido assemelhava-se à uma sala
de mestres em constante lamento pela vulnerabilidade de seus alunos aos
prazeres mundanos, à ociosidade, seduções e desvios. Se deixados
sozinhos, o povo russo, embora nominalmente os governantes da URSS,
iria direto para o ralo preparado pelos ardilosos capitalistas. 4 (CAUTE, 2005,
p. 7, tradução nossa).
Por sua vez, os estadunidenses, por defenderem uma democracia e uma ideologia
com maior liberdade de expressão, não restringiam tanto5 a forma pela qual ela se
4
“The Bolshevik philosophy was of course centralized and authoritarian. The Russians did not believe
– or no longer believed, yet could not publicly deny – Marx’s doctrine that the working class generates
proletarian consciousness. Quite the contrary! The Party resembled a common room of schoolmasters
in permanent lament about the vulnerability of their pupils to wicked worldly pleasures, idleness,
seductions, deviations. Left to themselves the Russian people, although nominally the rulers of the
USSR, would go straight down the drain laid out for them by the artful capitalists.” (CAUTE, 2005, p.
7).
5 Vale lembrar do período do Macarthismo. Tal período iniciou-se com a criação, em 1945, do Comitê
de Atividades Antiamericanas que investigava a vida de artistas, intelectuais, sindicalistas e
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apresentava. Na música, na arte e na literatura era (quase) tudo válido. E, devido à
forte aversão ao totalitarismo, sobretudo o soviético, movimentos modernistas
configuraram o carro chefe da propaganda cultural yankee, mesmo que esse
impulso cultural não fosse compreendido totalmente e/ou apoiado no âmbito
doméstico. Além disso, os norte-americanos acreditavam que uma campanha
internacional baseada na cultura ajudaria a espalhar a democracia e a ideologia
liberal pelo mundo, e a conter ideologias subversivas como o fascismo e o
comunismo (GIENOW-HECHT, 2000). De forma geral, os soviéticos retratavam os
capitalistas, sobretudo os estadunidenses, como culturalmente decadentes e eram
considerados rígidos e ultrapassados por estes. (CAUTE, 2005)
Ademais, a luta no campo cultural serviu para internalizar o conflito na mente das
pessoas. Temas com questões nucleares, espionagem e guerras foram amplamente
abordados, principalmente, pelo lado capitalista que permitia maior liberdade aos
seus autores, artistas e jornalistas quando comparados com o lado socialista. Além
de refletir o momento, livros, filmes, eventos esportivos, obras de arte, música,
dentre outras manifestações culturais projetavam preceitos político-ideológicos.
(SHAW, 2001)
Durante essa “Olimpíada Cultural”, alguns acordos de transferência e intercâmbio
cultural foram assinados entre os polos e serão tratados em maior detalhe mais
adiante. Eles foram acordados, basicamente, após a morte de Stalin, em 1953, com
a gradual dissolução da cortina de ferro, e não é surpreendente que esses fluxos
fossem intensificados no período de Détente, abordado anteriormente.
Yale Richmond (2013) defende que os objetivos estadunidenses nessa empreitada
eram: ampliar e aprofundar as relações com a URSS, aumentar o próprio
conhecimento norte-americano sobre a União Soviética, desenvolver hábitos de
cooperação entre os estados, retirar a URSS do isolamento no qual se encontrava e
funcionários do governo, procurando detectar atividades “subversivas”. As atividades do comitê foram
encerradas em 1954 com a desmoralização de seu coordenador, o senador Joseph McCarthy.
(PAZZINATO; SENISE, 2004).
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obter benefícios de longo alcance através da cooperação nos campos cultural,
científico, educacional e tecnológico. Por sua vez, os objetivos soviéticos seriam: ter
acesso à ciência e tecnologia, aprender mais sobre os EUA, promover uma imagem
mais positiva da própria URSS no mundo, amenizar pressões internas de
intelectuais, atletas e artistas soviéticos, demostrar os feitos e conquistas do povo
soviético, e ganhar divisas internacionais por meio das apresentações de seus
artistas e atletas. Segundo o autor:
As três palavras [chave] das trocas eram igualdade, reciprocidade e
benefício. Os dois países deveriam tratar-se como iguais, reciprocidade
equiparada deveria ser buscada nas diversas trocas e os benefícios para
ambos os países deveriam ser comparáveis. 6 (RICHMOND, 2013, p. 3,
tradução nossa)
As trocas ocorreram por meio de intercâmbio de alunos do ensino superior,
exibições em diversas áreas (medicina, educação, tecnologia, agricultura, etc.) e
artes performáticas (grupos de dança, orquestras, músicos e companhias teatrais),
cinema, dentre outras formas. Elas foram especialmente chocantes e/ou
esclarecedoras para o público soviético que pode observar o estilo de vida
americano tão rechaçado na URSS e de dificílimo acesso até então. Nesse ponto,
David Caute (2005) argumenta que essas trocas foram especialmente contributivas
para o completo desmantelamento da URSS: “(...) ainda assim o golpe fatal que
finalmente enterrou o comunismo Soviético foi, possivelmente, moral, intelectual e
cultural assim como econômico e tecnológico.”
7
(CAUTE, 2005, p. 1, tradução
nossa).
Em 1975, representantes do EUA (Gerald Ford), da URSS (Leonid Brejnev), dentre
outros líderes tanto do ocidente quanto do oriente, reuniram-se em Helsinki, na
Finlândia, e assinaram a Acta Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação
na Europa (CSCE). O documento enfatizava a necessidade da promoção de mais
6
The three watchwords of the exchanges were equality, reciprocity, and mutual benefit. The two
countries were to treat each other as equals, approximate reciprocity was to be sought in the various
exchanges, and benefits to the two countries should be comparable.” (RICHMOND, 2013, p. 3)
7
“(...) yet the mortal ‘stroke’ which finally buried Soviet Communism was arguably moral, intellectual,
and cultural as well as economic and technological.” (CAUTE, 2005, p. 1)
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trocas e abriu espaço para um maior fluxo de ideias e pessoas entre os polos.
Sobre os custos do intercâmbio internacional e a sua intensidade, Cull (2010) diz:
(...) acordos culturais com os poderes ocidentais no final dos anos 1950,
permitiu que os soviéticos montassem exibições em Nova Iorque, Londres,
e em outros lugares, mas poucas pessoas compareceram, enquanto os
eventos recíprocos, como a exibição nacional americana ocorrida em
Moscou no verão de 1959, eletrificaram as massas e sugeriu que algo de
abundante fluía do sistema capitalista. 8 (CULL, 2010, p. 441, tradução
nossa)
Neste ponto, parece ser um pouco precipitado afirmar que a popularidade das
exibições estadunidenses na URSS, em contraste com as exposições soviéticas no
EUA, derivam, em grande parte, da magnitude e opulência da cultura capitalista.
Antes de fazer tal afirmação, seria necessário explorar um pouco mais a
predisposição da população em comparecer a esses tipos de eventos e a sua
curiosidade em relação ao externo. Se levarmos em consideração a livre
expressividade da cultura estadunidense, seria compreensível a “sede” pelo
diferente pela qual passavam os soviéticos englobados por estrutura mais rígida e
conservadora. Ao passo que, ainda em relação à liberdade da cultura
estadunidense, os norte-americanos poderiam não estar tão intrigados com a cultura
soviética, uma vez que mal conseguiam absorver e compreender tudo o que era
produzido e expressado em sua própria cultura, se é que estavam realmente
conectados aos movimentos culturais.
Em relação à campanha cultural estadunidense, GIENOW-HECHT (2000) discute a
questão do imperialismo cultural, entendido aqui como: “(…) o uso de poder político
e econômico para exaltar e disseminar valores e hábitos de uma cultura estrangeira
às custas da cultura nativa.”
9
(BULLOCK; STALLYBRASS, 1982 apud GIENOW-
HECHT, 2000, p. 472, tradução nossa). A exportação cultural estadunidense
“(...) cultural agreements with the Western powers in the late 1950’s allowed Soviets o mount
exhibitions in New York, London, and elsewhere, but few people came, whereas the reciprocal events,
like American National exhibition held in Moscow in the summer of 1959, electrified the masses and
suggested something of the abundance that flowed from the capitalist system.” (CULL, 2010, p. 441)
9 “(...) the use of political and economic power to exalt and spread the values and habits of a foreign
culture at the expense of a native culture.” (BULLOCK; STALLYBRASS, 1982 apud GIENOW-HECHT,
2000, p. 472)
8
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realizada de forma massiva (jeans, Coca-Cola, Disney, jazz, etc.), por considerar
essa uma poderosa arma contra o totalitarismo no mundo, indica o caráter
expansivo e predatório da propaganda yankee.
É pertinente destacar o papel desempenhado por organismos centrais na
propagação cultural. Um importante ator na propaganda soviética foi Comitê de
Segurança do Estado conhecido como Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnost
(KGB). Este órgão subsidiou jornais simpáticos à causa soviética, principalmente
nos países ditos de terceiro mundo, controlou o fluxo e o tipo de informação
circulante dentro da URSS, acompanhou e vigiou artistas em turnês internacionais, e
chegou a pagar por demonstrações de apreciação à cultura soviética. Tudo isso com
o intuito de reforçar a imagem de que a União Soviética era próspera para a sua
própria população e amenizar a má imagem da nação comunista no mundo
ocidental. (CULL, 2010)
Do lado ocidental, a Central Intelligence Agency (CIA) foi um dos órgãos de maior
destaque na propaganda yankee. Segundo James Petras (1999), a CIA subsidiou
jornais ao redor do mundo que criticavam a teoria Marxista e o comunismo,
patrocinou arte abstrata para combater a arte socialmente engajada, e promoveu
exibições de arte, balé, orquestras sinfônicas, grupos de teatro e reconhecidos
artistas de jazz e ópera. Artistas e escritores que se autoproclamavam apolíticos,
foram cooptados por um desígnio político para representarem a arte e literatura ditos
livres e independentes: “Muitos intelectuais foram premiados com prestígio,
reconhecimento público, e fundos para pesquisas justamente por operarem sob a
viseira ideológica estabelecida pela Agência.”
10
(PETRAS, 1999, p. 4, tradução
nossa)
Vale ressaltar, ainda, que as campanhas culturais não foram recebidas de forma
totalmente passiva. Houveram, como aponta Jeremi Suri (2010), movimentos de
contracultura que surgiram devido à insatisfação com as culturas dominantes na
“Many intellectuals were rewarded with prestige, public recognition, and research funds precisely for
operating within the ideological blinders set by the Agency.” (PETRAS, 1999, p. 4)
10
19
Guerra Fria. As constantes promessas de prosperidade, feita por ambos os lados,
criaram expectativas nas pessoas que não foram correspondidas e desilusões,
principalmente entre a classe educada. Segundo o autor, ambos os lados “(...)
aparentemente perderam a combinação de impregnante medo e intenso
nacionalismo que motivou a conformidade e até entusiasmo público durante os anos
logo após a II Guerra Mundial.”
11
(SURI, 2010, p. 463, tradução nossa). O ambiente
de competição entre o Comunismo e o Capitalismo limitava o espaço percebido para
iniciativas criativas que combinassem ou subvertessem os dois sistemas, e
intervenções estrangeiras desviavam recursos e energias de reformas internas.
O movimento de contracultura chegou a tomar contornos violentos e a reação a
esses movimentos militarizaram a vida cotidiana na Guerra Fria, tanto no lado
ocidental quanto no lado oriental. Ao mesmo tempo em que eles atacavam a
militarização, inspiravam mais da mesma, e a violência só agravava a ruptura entre
os Estados e seus cidadãos. Suri (2010) apresenta como exemplos de
incongruência entre Estado e população civil a continuação da campanha
estadunidense no Vietnã apesar da resistência doméstica e a invasão da
Tchecoslováquia, feita pela URSS, a despeito da forte oposição do bloco oriental.
Um novo consenso internacional a respeito da política externa foi estabelecido e
culminou no período conhecido como Détente. Tal consenso abriu espaço para
maior racionalidade, sensatez e moderação nas relações entre os blocos socialista e
capitalista. Ele tomou forma no “The Basic Principles of Relations between the
United States of America and the Union of Soviet Socialist Republics”12 e foi
assinado em Moscou, em 1972. Nos anos de 1970, foi observada uma retração do
discurso otimista e a centralização das políticas, “ajuste” das expectativas da
população e certa conformidade da mesma com a realidade.
11
“(...) apparently lost the combination of pervasive fear and intense nationalism that had motivated
conformity, and even public enthusiasm, during the years after World War II.” (SURI, 2010, p. 463)
12
Os Princípios Básicos entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.
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De forma geral, as pressões internacionais derivadas da competição inspiraram
discórdia doméstica. À medida que os Estados adquiriam força externa, eles
perdiam coesão interna, e o movimento de contracultura teve papel importante no
desenvolvimento da Guerra Fria e das relações internacionais. Como autor diz: “A
contracultura foi tanto um produto da Guerra Fria quanto um agente de
transformação desta.” 13 (SURI, 2010, p. 481, tradução nossa).
As expressões culturais são reflexos e formdoras de identidades. Destarte, tratar a
questão identitária é de extrema importância em um estudo que se debruça sobre
esse aspecto da vida social. Um aparato teórico que trate deste assunto deve,
então, ser apresentado para que seja possível a realização da análise do período
em questão sob tal perspectiva.
2 – IDENTIDADE
A definição de identidade adotada aqui apresenta um tom filosófico, mas também
conecta-se com os campos da antropologia e da psicologia. Nesse sentido, a
identidade seria “caráter do que permanece idêntico a si próprio; como uma
característica de continuidade que o Ser mantém consigo mesmo.” (SILVA; SILVA,
2006, p.202); mais especificamente, a identidade é “(...) um sistema de
representações que permite a construção do “eu”, ou seja, que permite que o
indivíduo se torne semelhante a si mesmo e diferente dos outros.” (SILVA; SILVA,
2006, p.202). Através desses conceitos, é possível perceber que a identidade de um
indivíduo é essencial para a sua existência; para sua localização no espaço e no
tempo como uma unidade contínua, principalmente, quando este se encontra
inserido em um contexto social. É através dela que ele se auto define e posiciona-se
perante o mundo à sua volta.
“The counter-culture was both a product of the Cold War and an agent in its transformation.” (SURI,
2010, p. 481)
13
21
Assumindo que a identidade edifica o indivíduo e o norteia, é cabível dizer que a
identidade partilhada, como a identidade nacional, que será aprofundada mais a
frente, estabelece um tipo de consciência nacional e percepção da própria
comunidade (quem somos, de onde viemos e para onde vamos?). Essa consciência
partilhada faz-se relevante na condução das relações internacionais uma vez que
serve de guia e influencia o posicionamento de dado Estado frente aos demais
países da sociedade internacional. Entretanto, isso não implica dizer que essa
identidade seja, necessariamente, inata e imutável ao longo de toda a vida do
sujeito.
Stuart Hall (2005), por exemplo, apresenta três concepções de identidade: a
identidade do sujeito do Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno.
Na primeira concepção, o autor desenha a identidade como algo inato e central; algo
que nasce, desenvolve-se e morre com o indivíduo; ela é intrínseca ao sujeito e
permanece a mesma durante toda a sua existência. Já a segunda, a do sujeito
sociológico, assume que há algo de essencial e particular, mas essa identidade é
construída e moldada através da relação entre o privado e o público. Aqui, ela não é
autossuficiente como a anterior, mas se relaciona o tempo todo com o exterior, fixa e
ajuda a conformar o sujeito à estrutura na qual ele se insere. Dessa forma, o
indivíduo tem a sua construção e desenvolvimento a partir da interação entre “Eu”
primário com os “Outros”. Por fim, a concepção do sujeito pós-moderno prevê um
rompimento com a continuidade. Nessa concepção, não há um centro essencial
particular e inato no indivíduo. O homem é descentrado tanto de uma posição
estável e perene, quanto de si mesmo. Essa descentralização suscita a formação de
múltiplas identidades, fragmentadas e, muitas vezes, contraditórias entre si. Essas
identidades estão em redefinição constante pela estrutura altamente mutável. São
encaradas como a celebração móvel de um sujeito multifacetário, que assume
diferentes identidades em diferentes momentos e lugares. (HALL, 2005).
Essa última concepção é um tanto quanto atual e pertinente quando avalia-se as
diversas possibilidades de atuação social humana. Um único sujeito pode ser várias
coisas ao mesmo tempo – homem, cristão, pai, filho, irmão, empregado, colega de
22
trabalho, vizinho, professor, etc. Em cada situação social, ele apresenta uma
identidade e se comporta de acordo com ela. Um acontecimento moderno que
mudou paradigmas e ampliou a gama de atuação social, e que merece destaque, foi
o advento do Estado-Nação. Para Hall (2005), essa nova “invenção”, que surgiu no
final do século XVIII e início do século XIX, representou uma transformação
institucional radical na modernidade. Rupturas sociais dessa natureza podem causar
forte descentralização e deslocamento das identidades, e até ocasionar crises de
identidade.
Anthony Smith (1991) vê o surgimento da identidade nacional como uma resposta à
essa crise identitária. Segundo o autor, ela se manifestaria, primeiramente, no grupo
de intelectuais de uma sociedade e advém, principalmente, dos desafios
apresentados pelos debates entre a religiosidade tradicional e razão científica,
endossados pelos Estados, na busca por legitimação da realidade. A solução
nacionalista para essa crise:
(...) aprofundaria ou realizaria a identidade individual dentro da nova
identidade coletiva cultural da nação. O indivíduo nessa solução tira sua
identidade de uma coletividade cultural; ela ou ele se torna um cidadão, ou
seja, um membro reconhecido e legítimo de uma comunidade política que é,
simultaneamente, uma ‘comunidade histórica e de destino’ cultural. (SMITH,
1991, p.97, tradução nossa)14.
Nota-se aqui uma forte ligação entre a percepção de identidade nacional de Smith e
a identidade do sujeito pós-moderno de Hall. A identidade individual, nesse
raciocínio, teria um lócus externo ao indivíduo; seria produto da interação dele com
outros agentes na sociedade/comunidade.
Levando em consideração a importância da identidade nacional e do papel da arte
no processo de sua construção, para os propósitos do presente trabalho, é preciso
14“(...)
sinks or ‘realizes’ individual identity within the new collective cultural identity of the nation. The
individual in this solution takes her or his identity from a cultural collectivity; she or he becomes a
citizen, that is, a recognized and rightful member of a political community that is, simultaneously a
cultural
‘community
of
history
and
destiny’.”
(SMITH,
1991,
p.97).
23
compreendê-la um pouco melhor, avaliando questões como Nação, nacionalismo
como ideologia, Estado-Nação e a influência da própria arte nessa questão.
2.1 - IDENTIDADE NACIONAL E O PAPEL DA ARTE EM SUA CONSTRUÇÃO
O Estado como é conhecido hoje é uma invenção moderna e constitui uma “(...)
entidade composta por diversas instituições, de caráter político, que comanda um
tipo complexo de organização social.” (SILVA; SILVA, 2006, p.115).
Por essa
definição, deduz-se que questões de gerenciamento da vida social como o sistema
legal e os aspectos políticos presentes na noção de cidadania (entendida como o
exercício de direitos e deveres) estejam estreitamente ligados à noção de Estado. A
Nação, por sua vez, pode ser entendida como “(...) uma comunidade humana,
estabelecida neste determinado território, com unidade étnica, histórica, linguística,
religiosa e/ou econômica.” (SILVA; SILVA, 2006, p.115). Os membros de uma nação
são iguais entre si na medida em que se diferem dos membros de outras nações.
A noção de Estado-Nação, assim, perpassa pela fusão de alguns elementos dos
dois conceitos apresentados acima e forma o que Montserrat Guibernau (2004)
chama de
(...) uma instituição moderna, definida pela formação de um tipo de Estado
que possui o monopólio daquilo que ele alega ser o uso legítimo da força
dentro de um território demarcado e busca unir a população sujeitada às
suas regras por meio da homogeneização cultural [nacional].15
(GUIBERNAU, 2004, p.132, tradução nossa).
É comum que os conceitos de Estado e Nação sejam projetados como sendo a
mesma coisa quando não são. A clara distinção entre Nação e Estado é
fundamental pelo fato de que, assim como é possível existir uma nação sem um
Estado próprio16, mas que apresenta uma identidade nacional distinta, é possível,
também, que dentro de um único Estado existam várias nações. Nesse sentido, um
15“(…)
a modern institution, defined by the formation of a kind of state which has the monopoly of what
it claims to be the legitimate use of force within a demarcated territory and seeks to unite the people
subject to its rule by means of cultural homogenization.” (GUIBERNAU, 2004, p.132).
16
Exemplos de nações sem Estados: Curdos (região do Oriente médio e Ásia), Tibetanos (Ásia) e
Bascos (Europa).
24
Estado pode usar os ideais nacionalistas para se legitimar como representante da
nação e pode usar esse mesmo discurso para criar/impor uma identidade nacional
uniforme em seus limites territoriais. (GUIBERNAU, 2004).
O nacionalismo seria “(...) um movimento ideológico para obtenção e manutenção da
autonomia, unidade e identidade em nome de uma população, considerado por
alguns de seus membros, para constituir uma real ou potencial ‘nação’.”
17
(SMITH,
1991, p. 73, tradução nossa). Dessa definição extrai-se que a própria nação, ou pelo
menos a percepção de uma, e a identidade nacional são resultados da ideologia e
discurso nacionalistas. O nacionalismo, segundo Smith (1991), opera nos níveis
político, social e econômico e conecta-se com sentimentos de massa e aspirações
das diversas camadas sociais, principalmente, através de slogans, ideias, símbolos
e cerimônias. Há aqueles que são mais facilmente percebidos em um contexto
nacional como a bandeira, a moeda, os hinos, fronteiras e memoriais. Mas há,
também, aqueles elementos que são mais sutis e que expressam, da mesma forma,
o discurso nacionalista como a etiqueta, as artes, heróis e heroínas populares,
procedimentos legais e práticas educacionais. Por um lado, o nacionalismo em si
pode gerar efeitos positivos como a defesa de culturas minoritárias, a legitimação de
comunidades e solidariedade social, o ideal de soberania popular e mobilização
coletiva, e a motivação para crescimento econômico autossustentável. Por outro,
níveis exacerbados de sentimento nacionalista podem provocar desde a indiferença
até o desprezo e hostilidade em relação às outras nacionalidades, podendo chegar
ao chauvinismo e xenofobia18.
A identidade nacional em si age, segundo Guibernau (2004), em cinco dimensões, a
saber: psicológica, cultural, territorial, histórica e política. Na dimensão psicológica, a
identidade parte da consciência de um sentimento de proximidade e pertencimento à
uma dada nação. A crença nessa ancestralidade comum cria um vínculo e engendra
17“(...)
an ideological movement for attaining and maintaining autonomy, unity and identity on behalf of
a population deemed by some of its members to constitute an actual or potential ‘nation’”. (SMITH,
1991, p. 73).
18
O movimento nazista na Alemanha na primeira metade do século XX, por exemplo, utilizou, de
forma notória, o discurso nacionalista. A exaltação e proclamação da superioridade da “raça”
germânica auxiliaram na disseminação do ódio dirigido à nação judaica.
25
lealdade entre os “irmãos” nacionais. No nível cultural, o compartilhamento de
costumes, valores, crenças, símbolos e práticas de uma dada cultura proporciona
um processo de identificação que cria vínculos de solidariedade e apego emocional
entre os membros de uma comunidade que se reconhecem como nacionais. Já na
esfera histórica, a identidade nacional parte da legitimação da existência de uma
nação; a resiliência é valorizada e o senso de continuidade conferido por um
passado longínquo contribui para a construção da imagem da nação e para a
preservação dessa comunidade. No âmbito territorial, a questão do espaço onde
surgiu a nação (ou o mito dela) é de grande significância para a identidade nacional.
É nesse local que as “raízes” são mais profundas; é a terra natal; é o lar da nação. E
apesar de a globalização ter relativizado a noção de espaço, a intensidade da
reação dos nacionais aos eventos que se passaram fora de seus limites territoriais é
muito diferente daqueles que atingem a sua própria “terra natal” e aos seus “irmãos”.
Por último, na dimensão política, a identidade nacional se liga à noção de EstadoNação. Aqui, a nação, personificada em símbolos e rituais, torna-se o foco do apego
e da lealdade do povo que antes, em muitos dos casos, foram conferidos ao
monarca e/ou à Igreja, e o Estado-Nação aparece como o fiel guardião e
representante dessa nação.
Quando se trata da concepção de identidade nacional, a dimensão política, aplicada
à noção de Estado–Nação, está relacionada às estratégias usadas pelo Estado para
se alcançar uma identidade nacional única que integre os seus cidadãos. Ela
envolve a criação e disseminação de uma imagem da nação baseada, geralmente,
nas características da nação dominante, o avanço dos aspectos de cidadania
conferindo direitos e deveres aos cidadãos e intensificando o sentimento de
lealdade, a criação de inimigos comuns (scapegoats19), e a consolidação de um
sistema de educação pública nacional e de um sistema midiático. (GUIBERNAU,
2004).
Conclui-se que a identidade nacional seria, então, uma identidade cultural criada no
âmbito coletivo a partir das interações dos membros de uma nação, que partilham
19
Bode expiatório, tradução nossa.
26
história, mitos, símbolos e cerimônias comuns. Elas podem ser exacerbadas por
discursos nacionalistas, servir de base para o estabelecimento de um Estado-Nação,
e legitimá-lo como o seu fiel representante e protetor. Podem, também, ser impostas
aos indivíduos de outras nações circunscritos em um dado Estado-Nação que não
os representa. A consolidação e perpetuação das identidades nacionais, no entanto,
dependem da sua atuação em diversas dimensões sociais e do processo cognitivo
de internalização desse tipo de identidade nos indivíduos. Esse processo de
internalização, por vezes, conta com o auxílio das expressões artísticas em uma
comunidade, uma vez que elas proporcionam a ilustração da nação e da própria
identidade nacional.
A arte é uma forma simbólica de representar o real ou o imaginado, e ela tem grande
importância na construção do nacionalismo e na representação da identidade
nacional. Partindo da presunção de que o nacionalismo pode ser, de fato, criador da
identidade nacional, abre-se espaço para intuir sobre o papel que as artes podem
desempenhar nesse processo uma vez que:
Nacionalistas, com a intenção de celebrar ou comemorar a nação, são
atraídos para as possibilidades dramáticas e criativas de mídia artística e
gêneros na pintura, escultura, arquitetura, música, ópera, balé e cinema,
bem como no artesanato. Por meio destes gêneros, artistas nacionalistas
podem, direta ou evocativamente, "reconstruir" os cenários, sons e imagens
da nação em toda a sua especificidade concreta e com verossimilhança
'arqueológica'.20 (SMITH, 1991, p.92, tradução nossa)
A respeito dessa ligação entre identidade nacional e a circulação artística, Jorge
Lasmar (2001) defende o papel das obras de artes, ricas em significações culturais,
como formas da narrativa nacional que, segundo ele, auxiliam na construção da
nação e da identidade nacional. O autor defende, ainda, que esse tipo de narrativa
pode ser instrumentalizada pelos poderes centrais, sobretudo estatais, que, ao
controlar a sua forma e circulação, cumprem o papel de “ensinar” aos seus nacionais
“Nationalists, intent on celebrating or commemorating the nation, are drawn to the dramatic and
creative possibilities of artistic media and genres in painting, sculpture, architecture, music, opera,
ballet and film, as well in the arts of crafts. Through these genres nationalist artist may, directly or
evocatively, ‘reconstruct’ the sights, sounds and images of the nation in all its concrete specificity and
with ‘archaeological’ verisimilitude.” (SMITH, 1991, p.92).
20
27
o que significa pertencer a uma determinada nação. Esta seria a finalidade
pedagógica da instrumentalização que em conjunto com intentos discursivos:
(...) transmitem símbolos sociais que, manipulados, podem criar uma
consciência coletiva e tornar a própria identidade uma ideologia e forma de
representação coletiva, através da qual os sujeitos definirão a si mesmos e
a seu Estado [Nação], criando um consenso e gerando dominação, à
maneira das políticas culturais imperialistas. (LASMAR, 2001, p. 100).
Da mesma forma que essa instrumentalização atua nos limites territoriais, ela pode
vir a atuar fora de suas fronteiras. Uma das formas dessa atuação é através da
chamada Diplomacia Cultural21. Assim:
A circulação dos elementos que narram, e a própria narrativa do nacional
tornaram-se, neste contexto, associadas à realização de “interesses
nacionais”, marcando o surgimento de uma diplomacia cultural que visava,
segundo Herz, apoiar a política externa dos Estados Nacionais, gerir os
padrões culturais hegemônicos (historicidade) e exportar cultura (cf. Herz,
1987). (LASMAR, 2001, p. 93).
Tendo em vista que a arte é utilizada (de forma inspirada ou proposital) tanto para
trazer à vida e disseminar o nacionalismo, quanto uma forma de expressão de
escape diferente daquela tradicional, é válida a proposição de que a forma de arte a
ser tratada mais adiante nesse trabalho – a dança – é uma forma de linguagem que,
ao mesmo tempo, é representante e formadora de cultura e identidades nacionais.
Em seu texto O fluxo de arte e as relações internacionais: narrativa, circulação e
identidade nacional, Lasmar (2001) ainda faz uma distinção entre a circulação de
obras de arte na lógica westiphaliana e pós-westphaliana. A primeira representa
uma circulação estreitamente mediada pelo Estado; ele seria o único promotor
dessa diplomacia cultural. Já a segunda, refere-se ao surgimento de novos atores
internacionais que promoviam intercâmbio cultural sem necessariamente passar
pelos controles estatais. Como foi possível observar no capítulo 1, o controle estatal
sobre os fluxos culturais à época da Guerra Fria foi intenso. Cada um dos polos
21
Definida basicamente como mecanismo pelo qual divulga-se externamente a sua própria cultura e
estabelece relações de natureza cultural com outros Estados.
28
adotou este controle não só para evitar que expressões de uma cultura “subversiva”
se infiltrasse em seu território, como, também, lançou mão do emprego ativo e da
exportação de sua própria perspectiva cultural.
As ponderações sobre a identidade nacional realizadas até aqui se deram,
sobretudo, em uma esfera micro; no domínio individual ou da comunidade nacional.
Em um estudo de Relações Internacionais, no entanto, é interessante observar a
dinâmica entre as esferas doméstica e internacional, ou seja, avaliar como as
diferentes identidades nacionais se interagem no âmbito internacional, no nível
sistêmico, e são afetadas por ele. A teoria Construtivista nesse campo de estudo
oferece contribuições significativas para a análise dessa dinâmica.
2.2 – A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA
A perspectiva Construtivista das Relações Internacionais, que foca na construção
social da política internacional fornece uma base para a análise identitária em nível
sistêmico; quer dizer, em nível do sistema internacional. Emanuel Adler (1999)
aponta que “(...) os construtivistas desejam saber, em detalhe, como as normas
constituem as identidades e interesses de segurança dos atores internacionais e
transnacionais nos casos particulares.” (ADLER, 1999, p. 224). Há várias vertentes
da teoria construtivista, o que faz dela uma espécie de espectro, entretanto, adotase aqui a abordagem de Alexander Wendt.
Uma das principais premissas dessa teoria é o imprescindível papel das interações
sociais na construção da realidade. Isso não é dizer que as bases materiais são
inexistentes ou dispensáveis, mas implica afirmar que sem o processo de
significação, socialmente construído, a realidade não tem sentido. Dessa forma,
questões como anarquia, identidade e interesse não seriam puramente inatas, mas
construídas nas interações sociais ao longo do tempo.
29
Segundo Wendt (2003), a interação pode ocorrer por meio de duas formas:
comportamental e retórica. A primeira sugere que a cooperação, em longo prazo,
gera efeito nas identidades e interesses, podendo estreitar o relacionamento entre
os atores. Assim, comportando-se de forma cooperativa, o agente reconsidera as
suas
práticas,
interesses
e
identidades
e
pode,
também,
influenciar
o
comportamento de outros agentes. Já a segunda forma, também surte efeitos
similares aos anteriores, mas o faz através de outros mecanismos como a educação,
ideologia, ação simbólica, diálogo, persuasão, dentre outros. Aceita-se que os
significados compartilhados presentes no mundo social podem ser manipulados:
“Daí a importância do simbólico e das práticas discursivas que exprimem ou até
mudam ideias sobre quem somos ou sobre o que a ação coletiva é, tendo efeitos na
redefinição ou reprodução das identidades e interesses.” (TOLOSSA, 2004, p.31)
Em sua obra Social Theory of International Politics, Alexander Wendt (2003)
apresenta quatro tipos de identidade, a saber: a) Corporativa: inerente ao Eu e
independente da interação com o Outro; é a primeira diferenciação e a base para
outras identidades; b) Tipo: apresenta características que são intrínsecas ao Eu,
mas que são compartilhadas com Outros. No sistema de Estados, essas identidades
correspondem aos tipos de regime ou forma de Estado (ex.: capitalismo, socialismo,
monarquia); c) Papel: construída a partir da interação; depende do Outro. Ocupa-se
um papel na estrutura social e segue-se normas comportamentais geralmente já
institucionalizadas (ex.: professor/aluno, ídolo/fã, médico/paciente); e d) Coletiva:
envolve a identificação do Eu com o Outro e transcende a diferenciação entre eles
em um aspecto determinado. É o surgimento de uma identidade que está além da
soma das duas identidades individuais. Em uma análise micro, essa identidade
poderia se manifestar como a identidade nacional. Já no caso macro, essa
expressão poderia se dar na formação de regimes ou em movimentos de integração.
A identidade nacional seria, nesse sentido, uma mistura da identidade corporativa e
coletiva. Ao mesmo tempo em que ela é aquela que distingue uma nação da outra,
ela é construída em um processo de interação social doméstico que é mais do que a
simples soma das identidades dos indivíduos.
30
Tais identidades, para Wendt (2003), originam os seguintes interesses: a) Objetivo:
interesses essenciais para a sobrevivência e perpetuação da identidade, fortemente
ligado à identidade corporativa; b) Subjetivos: interesses que refletem a crença do
ator de como alcançar as suas necessidades identitárias e configuram a motivação
para a ação. Assim,
É, em parte, porque os Estados têm certas necessidades de segurança
(interesses objetivos) que eles definem seus interesses subjetivos como o
fazem. O relacionamento entre os interesses objetivos e subjetivos é prédeterminado, mas, em longo prazo, uma falha persistente em alinhar e os
interesses subjetivos com os objetivos levará ao falecimento do ator. 22
(WENDT, 2003, p. 234, tradução nossa).
O interesse nacional se enquadra na gama de interesses objetivos do complexo
Estado-sociedade uma vez que, segundo o autor, apresenta aspectos que envolvem
a sobrevivência e/ou segurança na Nação/Estado (sobrevivência física, autonomia,
bem-estar econômico, autoestima coletiva). (WENDT, 2003). Como coloca Adler
(1999):
Os interesses nacionais não são apenas os interesses coletivos de um
grupo de pessoas; nem, com raras exceções, de um único indivíduo
dominante. Antes, os interesses nacionais são entendimentos
intersubjetivos sobre o que se faz necessário para promover poder,
influência e riqueza que sobrevivam ao processo politico, dada a
distribuição de poder e conhecimento em uma sociedade. (ADLER, 1999, p.
224)
Seja como for, identidade e interesses são co-dependentes: “Sem interesses,
identidades não têm força de motivação; sem identidades, interesses não têm
direção.23” (WENDT, 2003, p. 231, tradução nossa). Ou seja, sem identidade e/ou
interesse, não há ação.
“It is in part because states have certain security needs (objective interests) that they define their
subjective interests as they do. The relationship between objective and subjective interests is underdetermined, but in the long run a persistent failure to bring subjective interests into line with objective
ones will lead to an actor’s demise.” (WENDT, 2003, p. 234).
23 “Without interests identities have no motivation force, without identities interests have no direction”.
(WENDT, 2003, p. 231).
22
31
Considerando o Estado como o real agente no sistema internacional, a ele conferese um Eu (uma identidade) que age segundo determinados interesses; de forma
similar a um indivíduo. Ele atua na estrutura que é o arcabouço da distribuição de
conhecimento ou ideias. Essa estrutura é criada pela ação/interação dos agentes e
condiciona, de certa forma, a ação deles. As estruturas são definidas,
principalmente, por ideias compartilhadas; não só por bases materiais. Assim, a
problemática agente-estrutura evidencia a interdependência e co-constituicão entre
eles, o que proporciona um ambiente dinâmico no qual há a possibilidade de
mudança, seja no agente, seja na estrutura. (TOLOSSA, 2004)
Nesse ponto, é interessante abordar a questão da anarquia. Ao contrário do que
muitos estudiosos24 no campo das Relações Internacionais assumem, para Wendt
(1994) o caráter anárquico da estrutura não desenvolve, necessariamente, um
ambiente hostil, propenso ao conflito no qual os agentes se comportariam,
inevitavelmente, de forma egoísta. Culturas anárquicas seriam arranjos dentro dos
quais os agentes atribuem diferentes papeis uns aos outros; assim “A anarquia é o
que os Estados fazem dela.25” (WENDT, 1994, p. 388, tradução nossa). Com isso,
Wendt (1994) apresenta três possíveis espécies de culturas anárquicas: a)
Hobbesiana: atribui-se ao Outro o papel de inimigo; b) Lockeana: o Outro assume
um papel de rival; e c) Kantiana: o Outro é visto de forma amigável.
Durante a Guerra Fria, a lógica anárquica pendulou, basicamente, entre hobbesiana
e lockeana. Essa breve análise em nível sistêmico será retomada no capítulo 3,
durante o exame da instrumentalização da dança durante período trabalhado. Mas,
primeiramente, faz-se necessário compreender o estabelecimento da identidade
nacional no âmbito doméstico de cada um dos polos para, então extrapolar a análise
para o nível internacional.
24
25
Um exemplo seria Kenneth Waltz (1979).
“Anarchy is what states make of it.” (WENDT, 1994, p.388)
32
2.3 - IDENTIDADE NA GUERRA FRIA
A noção de identidade nacional e o orgulho nacional, geralmente, mostram-se mais
intensos em tempos de guerra. Esta presunção é natural uma vez que esse é um
contexto no qual a integridade nacional e a própria identidade nacional,
normalmente, encontram-se ameaçadas. Nesse sentido, durante o processo de
interação entre o “Eu” e “Outro”, neste caso circunscrita em uma ótica litigiosa, a
Identidade Corporal, descrita por Wendt (2003), estaria comprometida e levaria o
Estado a agir com base em interesses básicos de sobrevivência; em interesses
objetivos. Essa percepção de ameaça à identidade corporativa estimula o
estabelecimento de um ambiente de hostil no qual predominam a desconfiança e a
autoajuda. Destarte, uma cultura anárquica do tipo hobbesiana pode ser implantada.
Sobre isso, Robert Jervis (2010) argumenta:
(...)uma identidade não pode ser completamente interna, dado que se forma
em resposta a outros. Manter uma identidade implica em estabelecer
limites, para separar o Eu dos Outros, para excluir, bem como para incluir
(...). Por outro lado, o conflito, geralmente, leva o ator a ver o adversário de
uma forma que maximiza o contraste com ele.26 (JERVIS, 2010, p. 27,
tradução nossa).
Em seu texto Identity and the Cold War, Jervis (2010) diz que a identidade
americana à época da Guerra Fria incluía as noções de
“(...) democracia, individualismo e voluntarismo (...); oposição à
concentração de poder; a crença em um ser superior que fornece sentido à
vida; e a fé de que esse modelo [American Way of Life] pode, deve e,
eventualmente, será adotado pelos demais Estados”27. (JERVIS, 2010,
p.23, tradução nossa).
“(...) an identity cannot be completely internal because it forms in response to others. To hold an
identity is to set boundary, to separate Self from Others, to exclude as well as include (...). Conversely,
conflict usually leads the actor to see the adversary in a way that maximizes contrast with it.” (JERVIS,
2010, p. 27.).
27 “(...) democracy; individualism and voluntariarism (...); opposition to concentrated power, especially
when wielded by the government; the belief in a supreme being the suplies mesning to life; and faith
that this modelor way “way of life” can, should, and eventually will be adopted by others as well.”
(JERVIS, 2010, p. 23).
26
33
De forma mais abrangente, a identidade estadunidense é marcada pelos princípios
apresentados pelo Destino Manifesto. Ele representa uma doutrina apoiada em
preceitos religiosos, principalmente protestantes, para legitimar a expansão e o
crescimento da nação:
Deus escolheu a América para que aqui se construísse a sede do paraíso
terrestre, por isso, a causa da América será sempre justa e nada de mal
jamais lhe será imputado. Os colonos são os verdadeiros herdeiros do povo
eleito, pois prestavam a Santa Fé. Nossa missão é liderar os exércitos de
luz em direção aos futuros milênios. (Pregações Puritanas em Nova
Jersey,1660 apud OLÍMPIO & MAIA, 2006, p. 7)
Uma premissa impregnada por um respaldo religioso de messianismo mundial cria
raízes profundas na identidade nacional que podem ser mais resistentes ao tempo e
às transformações. Assim:
Apesar de o termo ter sido utilizado pela primeira vez em meados do século
XIX por John O’Sullivan em ensaio sobre a anexação do Texas, o espírito
do Destino Manifesto é ainda mais antigo e carrega fortes significados no
imaginário estadounidense. (...). A doutrina foi amplamente utilizada por
políticos, meios de comunicação e até hoje deixa vestígios no espírito do
cidadão estadounidense. Este sentimento é ainda perceptível nas condutas
militares, econômicas e políticas, principalmente no que diz respeito às
relações externas do país. (COSTA, 2011, p. 2268).
Percebe-se que, pela elaboração e difusão dos preceitos presentes no Destino
Manifesto, a identidade estadunidense, determinada em grande medida pelo texto,
foi desenhada por um grupo de pessoas. E essa é a identidade corporativa dos
EUA; identidade que os distinguem dos demais. Notando a necessidade de uma
coesão social no novo mundo, esse discurso nacionalista foi propagado e, em
processos de interação social, assimilado pelos então colonos. Isso os ajudou a
constituir uma sociedade que se diferenciava das populações nativas e, justificar
movimentos expansionistas e ataques contra tais populações.
A identidade soviética, por sua vez, foi “(...) construída ao redor do proletariado, da
centralidade do conflito entre classes, e da transformação de indivíduos e
34
sociedades.28” (JERVIS, 2010, p.23, tradução nossa). Em certa medida, a identidade
soviética foi desenvolvida pela intelligentsia29 russa em contraposição à identidade
que, então, representava a face do capitalismo. O socialismo soviético seria, assim,
uma alternativa ao capitalismo. (JERVIS, 2010, p.23).
A ideia inicial dos soviéticos era a superação das identidades nacionais e a
comunhão da classe trabalhadora em uma identidade de companheiros. O
pensamento comunista pressupõe que os Estados são ferramentas de dominação
da classe burguesa. Disso deriva a noção de que, com a propagação do comunismo
pelo mundo, os Estados, eventualmente, seriam extintos. Entretanto, a imposição de
um novo modelo de organização política e social em territórios bastante
heterogêneos não foi simples, e uma guerra civil sucedeu a Revolução de Outubro.
Para não serem rotulados de imperialistas, acalmar as agitações nacionais e manter
a integridade dos territórios do antigo império russo, os revolucionários optaram por
manter e valorizar as diferentes nacionalidades, não impondo de forma brusca e
evidente uma identidade única.
Assim, a solução federalista levou à criação da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas como uma entidade que consistia em “(...) quinze repúblicas nacionais,
incluindo milhares de territórios nacionais pelo vasto espaço do antigo Império
Russo.30” (HAMM, 2009, p. 16, tradução nossa). Cada território teria uma língua
própria e uma cultura nacional distinta, entretanto a “Cultura nacional tinha que ser,
por definição, nacional em forma, [e] socialista em conteúdo.31” (HAMM, 2009, p. 16,
tradução nossa). Isso implica dizer que, apesar de poderem expressar uma língua e
cultura próprias, os territórios não tinham poderes reais: “Os Bolcheviques sempre
“(...) being built around the proletariat, the centrality of class conflict, and the transformation of
individuals and societies.” (JERVIS, 2010, p.23).
29Em um senso comum, o termo é compreendido como a classe da elite intelectual. No entanto,
Bernardini (2007) afirma que o termo russo refere-se à “(...) uma categoria social muito peculiar de
homens e mulheres, definida por um critério não de classe, mas de consciência.” (BERNARDINI,
2007, p. 109).
30“(...) of fifteen national republics, including thousands of national territories across the vast space of
the former Russian Empire.” (HAMM, 2009, p. 16)
31
“National culture had to be, by definition, “national in form, socialist in content”. (HAMM, 2009, p. 16)
28
35
pretenderam governar o Estado como uma entidade política centralizada (...). 32”
(HAMM, 2009, p. 17, tradução nossa). Nesse cenário, o território e cultura russos
atuariam como um agente unificador e o centro de comando, uma vez que foram
eles os precursores da Revolução de Outubro. Destarte, mesmo mantendo seus
próprios referenciais culturais, as minorias nacionais tiveram que aprender a língua
russa e incorporar parte dessa cultura. Nota-se, então, o cultivo de uma interação
do tipo retórica: a manipulação de certos elementos simbólicos e significados
compartilhados levaram a certa conformidade das nacionalidades presentes na
URSS.
Assim, estar em território soviético significava, na prática, ter mais de uma identidade
nacional: a identidade do território específico do qual o indivíduo era originário e a
identidade soviética. E, como a identidade soviética foi em grande parte ditada pelos
russos, não é difícil de imaginar que crises/conflitos de identidades ocorreram dentro
da União Soviética. Tratando-se desse arranjo específico, cabe dizer que as
identidades corporativa e coletiva estão significativamente conectadas. Por um lado,
a identidade corporativa de cada república e por outro a identidade coletiva das
várias repúblicas da União. Em uma perspectiva global, a identidade soviética
representaria, ainda, uma identidade corporativa per se pelo fato de a União
Soviética atuar como um único bloco político.
A URSS percebia a si mesma como um ente igual aos EUA em questão de poderio
internacional (uma superpotência). Esse ponto é um pouco mais complexo uma vez
que, por vezes, alguns soviéticos (principalmente líderes), por se considerarem uma
grande potência, agiam de forma concomitante aos seus pares estadunidenses, e
não de acordo com os princípios socialistas. Isto é, por identificar-se como um par
dos EUA na arena internacional, a URSS definiu seus interesses com base nessa
identidade de superpotência e não tanto nos preceitos comunistas, e agiu de acordo.
Isso gerou impacto no que concerne a atuação internacional da URSS, que buscou
os mesmos “direitos” de atuação internacional que os EUA (ex.: intervenções no
“The Bolsheviks had always intended to run the state as a centralized political entity (...)” (HAMM,
2009, p. 17)
32
36
terceiro mundo e no oriente médio; construções de bases em outros territórios, etc.)
(JERVIS, 2010).
Como a República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR) foi a república
central da URSS, cabe observar alguns aspectos de sua identidade nacional. Mário
Machaqueiro (2007) apresenta o predomínio na Rússia, desde a época imperial, do
familialismo, que representa a transferência de relações intrafamiliares para o
domínio social-político. Segundo esse autor, na Rússia esse elemento é perceptível
“(...) quando, por exemplo, o czar da Rússia é identificado como um “pai da nação”,
ou quando os dirigentes comunistas, Lénine e Stáline [Lênin e Stalin], são
representados com o estatuto de “pais dos povos”.” (MACHAQUEIRO, 2007, p. 143).
Considerando o fato que a Rússia enfrentou forte crise econômica durante os anos
1990, com o fim da URSS, e que a situação foi estabilizada durante o governo de
Vladimir Putin – que permanece no cargo de chefe de Estado da Rússia e/ou
próximo ao poder central desde 1999 – não é absurdo cogitar a possibilidade de que
ele, também, seja visto, de certa forma, como uma figura paternal e messiânica para
os russos. (HILL; GADDY, 2012).
Contrapondo as perspectivas identitárias das potências, Jervis (2010) oferece uma
análise relativa às similaridades e assimetrias entre elas. Segundo o autor, a
possibilidade de disseminação dos valores inerentes de sua identidade nacional; o
fato de as identidades se basearem em ideias; a crença de que são portaestandartes para o progresso e modernidade, e modelos a serem seguidos pelos
demais Estados do mundo são pontos de convergência entre as identidades norteamericana e soviética. Além disso, ambas as ideologias supõem que a política
externa de seu Estado está estreitamente ligada aos seus respectivos sistemas
domésticos e que as premissas precisam estar bem arraigadas para que o seu
sucesso seja real:
Um balanço de poder pode, temporariamente, gerar paz e segurança, mas
pelo papel primário da natureza do regime doméstico, o mundo só seria
seguro para a democracia (para os EUA) ou para o comunismo (para a
37
URSS) se este [ou aquele] se tornasse dominante, se não universal, ao
redor do mundo.33 (JERVIS, 2010, p.25, tradução nossa).
Dessa forma, essas similaridades contribuíram para o estabelecimento de um
ambiente hostil; elas ajudaram na consolidação de acordos provisórios, mas não em
uma cooperação profunda e de longo prazo. Cada agente atribuiu ao Outro o papel
de inimigo e uma cultura anárquica hobbesiana pode, então, ser implantada. Essa
percepção da influência do âmbito doméstico na dinâmica da política internacional
“(...) implica que o conflito internacional só pode acabar quando as crenças
fundamentais do opositor e seus arranjos domésticos mudarem”.34 (JERVIS, 2010,
p.26). Entretanto, uma crença comum impediu a eclosão total do conflito: a crença
de que o tempo é um fator benéfico, ou seja, quanto mais tempo o conflito de
aniquilação total fosse adiado, melhor seria. Isso se traduziria na sua própria
sobrevivência e na probabilidade de vitória.
Nesse ponto, é possível interpretar que a percepção de que suas identidades
corporativas estariam em ameaça constante simplesmente pela existência de um
polo opositor, seria justificável, então, que o interesse objetivo fosse dirigido à
proteção da própria identidade (corporativa), e as ações derivadas desse interesse
fossem contrárias, e até agressivas, ao ameaçador. Quando o ambiente hostil se
tornou o fator ameaçador (a iminência de uma guerra nuclear), os interesses
objetivos de autoproteção se manifestaram em uma forma mais amena de tratar o
opositor, o que propiciou a instalação de uma cultura anárquica do tipo lockeana nos
períodos de distensão, notadamente durante a Deténte.
Quanto às assimetrias, Jervis (2010) aponta as seguintes como principais:
a) A identidade soviética foi desenhada e imprimida de maneira vertical e isso
põe em questionamento o quanto dessa identidade foi de fato absorvida pela
“A balance of power might temporarily yield Peace and security, but because of the primary role of
the nature of the domestic regime, the world could be made safe for democracy (for the United States)
or for Communism (for the Soviet Union) only if it became dominant if not universal throughout the
world.” (JERVIS, 2010, p.25).
34 “(...) implies that the international conflict can end only when the other’s fundamental beliefs and
domestic arrangements change”. (JERVIS, 2010, p.26).
33
38
população das diversas repúblicas. O que, por sua vez, pode ter feito com
que líderes soviéticos fossem mais intervenientes e rigorosos em relação
àquilo que seus cidadãos seriam expostos (exposição de elementos dentro e
fora de seus limites);
b) Cidadãos americanos estariam menos conscientes de sua identidade
americana do que os soviéticos, o que teria propiciado certa flexibilidade
política e resistência de uma identidade mais individual nos EUA;
c) A identidade soviética espelhava não só aquilo que ela era, mas carregava
consigo aquilo que aspirava ser, enquanto a identidade americana refletia a
versão idealizada do que era. Dessa forma, a probabilidade de decepção é
maior na não realização da identidade soviética do que na americana e;
d) A identidade soviética nasceu de uma ideologia explícita que antecede a
própria criação da URSS e em contraposição à ideologia capitalista. Já a
identidade americana se desenvolveu de modo gradual, em diferenciação,
principalmente, da identidade britânica.
De forma geral, ambos os polos só eram capazes de se posicionarem
internacionalmente como superpotências a partir da mobilização de recursos
domésticos. Aqui entra a noção de que a validação interna para os seus desígnios
era essencial e, parte dessa mobilização, passava pela corroboração dos indivíduos
que compõem cada um dos lados, o que toca na internalização subjetiva de uma
identidade compartilhada. Além disso, o fato de o sistema internacional ter sido
configurado como bipolar não foi suficiente para justificar a percepção do polo
oposto como uma ameaça; a percepção de ameaça e a insegurança são fenômenos
subjetivos que perpassam a estrutura cognitiva individual. Isso faz com que boa
parte das hostilidades observadas durante a Guerra Fria entre os EUA e a URSS
seja produto de percepções compartilhadas. (JERVIS, 2010).
As identidades teriam formação interna e externa (sensação e percepção interna, e
rotulação externa). Ver o “Outro” como diferente do “Eu” e acentuar tais diferenças
pode levar à criação de um ambiente hostil. Por outro lado, quando se tem um
conflito, que não tenha bases iniciais na questão da identidade, as diferenças
39
identitárias podem ser exacerbadas para que se “legitime” o conflito. O conflito
poderia, assim, criar e/ou solidificar a identidade nacional. Assim, uma cultura
anárquica do tipo hobbesiana só se instalou porque os Estados, no processo de
interação, se identificaram como inimigos e agiram como tal.
A internalização de uma dada identidade não só determina interesses e ações,
como, também, engendra expectativas nos sujeitos; expectativas de auto realização
de sua própria identidade e da conduta dos Outros. Deste modo, a não
concretização das promessas de uma vida próspera e feliz, preditas na identidade
nacional de e feita por ambos os lados à época da Guerra Fria, culminou em altos
níveis de frustração e se expressou nos movimentos de contracultura discutidos
anteriormente. Da mesma forma, o modo como a política foi conduzida na URSS
(não seguindo estritamente os pressupostos comunistas) levou à frustração de
intelectuais e revolucionários com o regime soviético.
Ainda vale notar que as identidades corporativa, de tipo, de papel, e coletiva se
manifestaram em cada uma das superpotências. Nos EUA, a identidade corporativa
estava fundamentada nos preceitos do Destino Manifesto e foi sendo solidificada ao
longo do tempo, mas por ser um país basicamente formado por imigrantes, a
internalização dessa identidade se deu em diferentes graus nas diversas etnias e
grupos ali presentes. A identidade de tipo edificava-se em pressupostos de uma
sociedade democrática/capitalista e a de papel se mostrava como uma identidade
oposta ao bloco soviético seja como inimigo ou rival. Por último, a identidade coletiva
era, em parte, compartilhada com mundo ocidental sob a orbita estadunidense.
Já na URSS, a identidade corporativa revelava-se em uma espécie de sincretismo
entre as identidades nacionais presentes nas repúblicas soviéticas e a identidade
soviética forjada pela república central (RSFSR), mas ainda assim era fortemente
baseada nas características e na luta do proletariado. A identidade de tipo erguia-se
em conjecturas socialistas/comunistas e a de papel era a identidade de
contraposição aos EUA e ao mundo capitalista. Por fim, a identidade coletiva era
40
aquela compartilhada entre as repúblicas da própria URSS e no mundo oriental
socialista, a identidade soviética per se.
Durante todo o período em questão, os interesses estatais objetivos e subjetivos
foram moldados pelas identidades que os polos apresentavam. Eles foram
remodelados a medida em que a percepção de si mesmo e do outro se modificavam
nas interações entre eles. Um tipo particular de ação movida pelos interesses, e
mais cara aos propósitos do presente trabalho, foi a instrumentalização da dança
como uma ferramenta de consolidação identitária e, principalmente, como uma
embaixadora cultural. Ela foi usada não só para amenizar as relações entre as
superpotências; ela também serviu como mais uma arena de combate entre os EUA
e a URSS. Para que esse tipo de competição fosse possível era necessário que
houvesse o compartilhamento de um conjunto de conhecimento técnico e valores
artísticos. Nesse sentido, a dança representou uma linguagem compreensível a
ambos os polos, mas que, em uma tentativa de demonstração de superioridade,
ganhou contornos nacionalistas e foi exportada para além da cortina de ferro. Assim,
essa forma de arte, fortemente presente no antigo Império Russo, foi adaptada para
comportar aos novos valores socialistas da então URSS e foi utilizada pelos EUA em
seu projeto de disseminação cultural durante a Guerra Fria.
3 - A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA DANÇA NA GUERRA FRIA
Até aqui analisamos a questão da identidade, principalmente identidade nacional, no
âmbito da Guerra Fria. Essa discussão se fez necessária para que fosse possível
avaliar momentos nos quais a
dança, sobretudo a
dança
clássica, foi
instrumentalizada a fim de redefinir e assegurar a identidade de cada um dos polos
tanto internamente quanto internacionalmente, agindo como uma ferramenta de
diplomacia cultural. Para tanto, opta-se focar nos momentos em que o financiamento
governamental direto se fez presente na promoção da dança, em uma ótica
westiphaliana da circulação de obras de arte, apresentando esse aspecto em cada
um dos polos separadamente.
41
3.1 – A DANÇA CLÁSSICA NA URSS
Durante o período imperial, o balé clássico era o ornamento mais reluzente na coroa
czarista e refletia todo o esplendor do regime. O balé imperial russo concentrava-se,
basicamente, nas companhias de dois teatros: O Teatro Mariinsky de Opera e Ballet
em São Petersburgo35, e o Teatro Bolshoi em Moscou. Ambos eram financiados pelo
sistema imperial. A Revolução de Outubro de 1917, ao romper bruscamente com tal
sistema, ameaçou a própria existência do balé e a imprevisibilidade do futuro dessa
arte na Rússia pós-revolucionária fez com que vários dançarinos e coreógrafos
emigrassem, sobretudo, para países ocidentais (EZRAHI, 2012)
A proposta Bolchevique era uma completa revolução, inclusive no âmbito cultural. A
política cultural soviética consistia na superação do atraso vivido pela população do
antigo império russo e na aspiração de uma nova civilização com uma total
transformação cultural da sociedade: a civilização soviética. Para isso, o governo
então estabelecido apropriou-se de diversas manifestações artísticas – dentre elas,
o balé – e as popularizou para remodelar a consciência social, e para promover a
aliança política ideológica. Sobre isso, Christina Ezrahi (2012) coloca:
Por um lado, as artes se beneficiaram com forte apoio estatal e com a
promoção estatal de uma mentalidade de apreciação pelas conquistas
culturais como um valor central da civilização Soviética. Por outro lado,
restrições foram colocadas no desenvolvimento artístico pela tentativa
ideológica do regime de controlar a criação artística. 36 (EZRAHI, 2012, p. 4,
tradução nossa)
O balé, nesse ambiente, sofreu pressões para abandonar o formalismo técnico da
dança clássica, adaptar-se e representar dramaticamente o Realismo Soviético37.
35
Após a Revolução de Outubro, a cidade seria renomeada para Leningrado.
“On the one hand, the arts benefited from strong state support and from a state-sponsored mindset
that promoted a high regard for cultural achievements as a core value of Soviet civilization. On the
other hand, constraints were put on artistic development by the regime’s ideologically driven attempt
to control artistic creation.” (EZRAHI, 2012, p. 4)
37 Realismo soviético era uma espécie de propaganda ideológica que servia para demonstrar a vida
como ela deveria ser: uma vida feliz, na qual trabalhadores, camponeses e diferentes nacionalidades
36
42
Essa provou ser uma tarefa extremamente complicada uma vez que tal formalismo
técnico é intrínseco ao balé; a dança clássica é a essência da arte em si. Nesse
momento surgiu o gênero Drambalet, no qual a preferencia era dada ao conteúdo da
narrativa em detrimento da dança; a magnitude da dança só seria usada nos
momentos em que a narrativa a justificasse, como em celebrações de casamentos.
Tal gênero, estandarte do balé Stalinista, limitava o vasto vocabulário da dança
clássica e abria espaço para o uso de danças folclóricas das mais diversas
nacionalidades circunscritas na URSS em grandes produções. (EZRAHI, 2012)
A possibilidade de uso de danças folclóricas em balés foi importante para a
propaganda governamental ao criar uma imagem de irmandade entre as várias
nacionalidades. Com a morte de Stalin em 1953, a ascensão de Nikita Khrushchev e
suas reformas, as politicas nacionalistas abriram mais espaço para a influência e
igualdade entre as repúblicas presentes na URSS, ao mesmo tempo em que
promoviam a integração entre elas, principalmente no que tange à sua
representação internacional. Nesse ambiente, a criatividade no balé pode ser um
pouco mais explorada, mas a pressão para a produção de balés de conteúdo
socialista permaneceu constante. Um ótimo exemplo de celebração de identidade
nacional através da dança na URSS é o evento promovido em Moscou denominado
dekada – dez dias de celebração da arte e literatura de uma determinada
nacionalidade.
Os artistas que se destacavam, eram levados para estudar em
Moscou ou Leningrado, e retornavam à sua terra natal para desenvolver a dança em
sua região após a formatura. Entretanto, aqueles destaques excepcionais poderiam
ser convidados a compor as companhias russas (ex.: Rudolf Nureyev no Kirov
Ballet). Assim, a dekada servia, também, para demostrar o investimento do governo
central na área artística das repúblicas periféricas da URSS. (HAMM, 2009)
Nesse sentido, é possível supor que a forma de interação entre a RSFSR e as
demais repúblicas da União Soviética se deu por meio retórico, tanto no período
inicial quanto no comando de Khrushchev. O incentivo à cultura nacional e à língua,
se uniam em camaradagem fraternal para construir o socialismo de forma bem sucedida e colher os
frutos de seu trabalho. (EZRAHI, 2012, p. 30)
43
a construção de escolas e incentivos às artes locais, assim como o discurso de
camaradagem e fraternidade sob os auspícios da ideologia comunista podem ser
vistos como mecanismos de interação a que serviram para estreitar as relações
entre as repúblicas da URSS. Indica-se, assim, o surgimento de uma identidade
coletiva: a identidade soviética.
A Guerra Fria adicionou a dimensão internacional no projeto cultural soviético. A arte
produzida na URSS deveria ser claramente distinta e superior à arte produzida nas
democracias capitalistas. Aqui, o balé tornou-se realmente um assunto de Estado. A
popularização do balé e outras artes na URSS contribuíam para o argumento
soviético de que a Revolução de Outubro transformou as massas soviéticas nas
mais bem educadas e cultas do mundo. Tamanho era o orgulho dos soviéticos em
relação às suas artes performáticas que o balé, por exemplo, era exibido aos líderes
estrangeiros durante visitas oficiais. Como coloca Kristen Hamm (2009):
“(...) membros de alto escalão tanto do governo soviético quanto
estrangeiros frequentemente iam assistir balés, não porque eles eram
pessoalmente devotos às artes, mas porque concertos de balé serviam
como um campo onde poder, domínio e ideais do socialismo soviético eram
apresentados através da demonstração da superioridade do balé soviético.
O fato de líderes estrangeiros de Ribbentrop, Gheorgiu-Dej, Tito e Mao ao
presidente Kennedy foram obrigados comparecer às essas performances
(em ambos os sentidos da palavra) atesta para o fato de que balé era uma
poderosíssima ferramenta para a União Soviética. 38” (HAMM, 2009, p. 33,
tradução nossa)
A força do balé dentro da URSS era tão grande que turnês internacionais de
companhias como Bolshoi e Kirov Ballet passaram a ser promovidas pelo governo
soviético, tornando o balé, assim, um oficial embaixador cultural. A turnê de Londres
em 1956 representou a primeira apresentação do Bolshoi Ballet fora da Rússia em
200 anos. A aproximação cultural com a Europa ocidental, exemplificada pela turnê
“high-ranking members of both the Soviet and foreign governments alike often attended ballets, not
necessarily because they themselves were personally devoted to the arts, but because ballet concerts
served as sites where power, dominance, and ideals of Soviet socialism were performed by means of
demonstrating the superiority of Soviet ballet. That foreign leaders from Ribbetrop, Gheorgiu-Dej, Tito,
and Mao to President Kennedy were obliged to attend such performances (in both senses of the word)
attests to the fact that ballet was an immensely powerful tool for the Soviet Union.” (HAMM, 2009, p.
33)
38
44
do Bolshoi na Inglaterra em 1956 e do Kirov Ballet em Paris em 1961, pode ser
encarada como uma tentativa de conseguir simpatia política no continente; de
construir uma cultura anárquica Kantiana (o Outro como amigo), onde predominava
a cultura Lockeana (o Outro como rival). A Rússia identifica-se muito mais com a
herança cultural europeia do que asiática, o que sinaliza uma espécie de identidade
coletiva (“identidade europeia”). Além disso, a estratégica posição da Europa
Ocidental faz dela um alvo a ser conquistado. Tanto é que a questão da divisão de
Berlim, e da Alemanha como um todo, permaneceu um impasse até praticamente o
fim da Guerra Fria. Assim, “Na competição entre os Estados Unidos e a União
Soviética, a Europa Ocidental era o principal campo de batalha e as almas dos
europeus ocidentais eram o cobiçado prêmio.39” (EZRAHI, 2012, p. 139, tradução
nossa)
Em 27 de Janeiro de 1958, o primeiro acordo de intercâmbio cultural entre a URSS e
os EUA foi assinado (Acordo entre os Estados Unidos da América e da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas em Intercâmbio nos campos Cultural, Técnico e
Educacional40), e como era um acordo do poder executivo, e não um tratado, não
houve a necessidade de ratificação deste pelo poder legislativo estadunidense. Vale
notar que o momento do estabelecimento desse acordo coincide com a mudança na
gestão interna da URSS – de Stálin para Khrushchev – o que indica uma mudança
de interesses derivada de um ajuste na identidade soviética. Isso provavelmente foi
o fator que propiciou a transição de uma cultura anárquica entre os dois polos de
hobbesiana (inimigos) para a lockeana (rivais).
A primeira apresentação de um grupo soviético em território norte americano foi a da
Companhia de Dança Igor Moiseyev em 1958. No ano seguinte, foi a vez do Bolshoi
se apresentar em terra yankee. Além de permitir redefinir a sua própria imagem e
afirmar sua identidade em territórios estrangeiros, as turnês propiciaram a
contraposição de estilos e técnicas. Ademais, eles permitiram que os soviéticos
“In the competition between the United States and the Soviet Union, Western Europe was the main
battleground and the souls of Western Europeans were the coveted prize.” (EZRAHI, 2012, p. 139)
40 “Agreement between the United States of America and the Union of Soviet Socialist Republics on
Exchanges in the Cultural, Technical, and Educational Fields.” (PREVOTS, 1998, p.69)
39
45
pudessem observar a realidade do outro lado da cortina de ferro. Alguns se
encantaram pelo que viram (ex.: Igor Moiseyev e Rudolf Nureyev) e foram
repreendidos, outros não se maravilharam tanto (ex.: Galina Ulanova). Seja como
for, o fato é que todos que participaram das turnês foram impactados de uma forma
ou de outra. E mesmo com a tentativa do KGB de minimizar ao máximo o contato
dos artistas com o mundo capitalista, alguns não resistiram e atravessaram de vez a
cortina. A deserção de famosos bailarinos como Rudolf Nureyev (Paris, 1961),
Natalia Makarova (Londres, 1970) e Mikhail Baryshnikov (Toronto, 1974)
representou um terrível golpe para a URSS. Ao apresentar como a principal razão
da deserção o crescimento e desenvolvimento artístico, os bailarinos colocaram em
xeque a legitimidade do balé soviético e o nível repressão dentro da URSS.
(CAUTE, 2005)
O
sucesso
das
turnês
socialistas
em
territórios
ocidentais
traduziu-se,
principalmente, na aclamação dos bailarinos soviéticos. Ainda que o balé não fosse
uma arte muito popular nos EUA, os ingressos das apresentações, na maioria das
vezes, ficaram esgotados e as transmissões televisivas ajudaram a difundir a
grandiosidade do balé soviético no país. Isso induz a conclusão de que a
instrumentalização da dança clássica por parte do regime soviético foi, em grande
medida, bem sucedida. Eles arrecadaram divisas com as apresentações,
conseguiram amenizar a imagem da URSS pelo mundo expondo seus mais
celebrados bailarinos, e abriram espaço para o aprofundamento da cooperação
ocidente – oriente no âmbito cultural, dentre outros. Muitos americanos tiveram que
repensar a noção que tinham da URSS, do comunismo e do papel das artes na
política externa. (EZRAHI, 2012)
3.2 – A DANÇA NOS EUA
Como o observado anteriormente, a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia
acarretou a emigração de coreógrafos e bailarinos. Parte deles estabeleceu-se nos
EUA e influenciaram fortemente a dança clássica no país. Nomes como George
46
Balanchine, fundador do New York City Ballet, e Mikhail Mordkin, idealizador do
American Ballet Theater são exemplos desse movimento. (HAMM, 2009, p. 11)
Dessa forma, o treinamento de grandes dançarinos norte-americanos foi pautado na
história e técnicas de mestres russos, o que levou à uma forte identificação e,
provável, empatia destes com as raízes russas da União Soviética. (CROFT, 2009)
O que realmente distinguia o balé soviético daquele desenvolvido nos EUA durante
o século XX, e em outros países ocidentais, era a importância dada à dança clássica
em si. Enquanto na União Soviética a criação do gênero Drambalet, que dava
preferência à narrativa/conteúdo e interpretação mais real possível das emoções
humanas no balé, nos EUA, a dança era o elemento principal. O abando da narrativa
era quase que completo e a abstração, musicalidade e precisão técnica
sobressaíam. Opulência cenográfica, passos grandiosos e expressivos de um lado,
o minimalismo, passos curtos, rápidos e precisos do outro: essa clara distinção
possibilitou a criação da identidade da dança, em cada um dos polos, e a rivalidade
entre os gêneros no cenário internacional. (CAUTE, 2005, p. 465)
No início dos anos 1950, a imagem estadunidense estava nacionalmente e
internacionalmente deteriorada devido a Guerra Fria, ao Macarthismo, à segregação
racial e violação de direitos civis, à Guerra da Coréia, à bomba, e outros fatores.
Assim, em um ambiente hostil (cultura anárquica hobbesiana) e com possibilidade
de guerra mundial, fez-se necessária a criação de mecanismos que amenizassem a
tensão no cenário e melhorassem a imagem norte americana. Bem como a URSS,
os EUA usaram as artes como ferramentas de diplomacia cultural durante grande
parte da segunda metade do século XX, dentre elas a dança. Para que a ativa
promoção de turnês pelo lado norte-americano se concretizasse, o Fundo de
Emergência de Eisenhower (Eisenhower’s Emergency Fund), aprovado em 1954, foi
de importância ímpar. Ele destinava “(...) $2.250.000,00 para apresentações
americanas de dança, teatro, música e esportes no exterior (...)
41”
e “(...) à Agência
de Informações dos Estados Unidos [USIA], criada em 1953, foi concedido
“(...) $2,250,000 for presentations of American dance, theater, music, and sports abroad (...)”
(PREVOTS, 1998, p.11)
41
47
$157.000,00 para ajudar divulgar eventos de artes performáticas e esportes. 42”.
(PREVOTS, 1998, p.11, tradução nossa)
Com o estabelecimento do Fundo, verificou-se a necessidade de uma estrutura que
estivesse apta a julgar o valor artístico das produções a serem exportadas,
selecionar e cuidar de toda a operacionalização do processo. Assim, foi assinado um
contrato entre o Departamento de Estado e O Teatro e Academia Nacionais
Americanos (American National Theater And Academy – ANTA), que contava com
um Painel para Dança. Apesar de ser uma estrutura separada, a ANTA, em algumas
ocasiões, foi influenciada pelos interesses do Departamento de Estado, como
exemplifica o envio de Martha Graham para a Ásia em 195543. Os EUA, percebendo
que sua identidade corporativa poderia estar sob ameaça devido à situação na
Ásia44, onde tinha grande interesse estratégico e militar, definiu como interesse
subjetivo se estabelecer melhor na região45. Assim, como expõe Prevots (1998): “O
Departamento de Estado deixou claro para a ANTA que a Ásia era uma área de
preocupação onde questões políticas e militares eram primordiais e que a
exportação cultural poderia ser valiosa.46”. (PREVOTS, 1998, p.44, tradução nossa)
Confirma-se aqui a importância da dança para a concretização dos interesses
nacionais estadunidenses.
Com destino à América Latina, a Companhia José Limón foi a primeira a ser
exportada, em 1954, com o auxílio do Fundo47. O primeiro grupo de dança de afroamericanos, Carmen de Lavallade-Alvin Ailey American Dance Company, foi
42“(...)
the United States Information Agency (USIA), which had been created in 1953, was granted
$157,000 to help publicize performing arts and sports events.” (PREVOTS, 1998, p.11)
43
Durante a turnê, além de se apresentar, Graham lecionou classes demonstrando a sua técnica e
participou eventos sociais e diplomáticos. Assim. Trabalhou para imprimir uma imagem favorável da
cultura norte americana na região. (PREVOTS, 1998)
44 A região estava instável e contava com forte presença do comunismo (russo, chinês, etc), recente
conflito das Coreias e do Vietnã, e recente independência de países como Índia, Indonésia, e Burma
também comprometiam a inserção estadunidense na região.
45 O interesse objetivo, nesse cenário, seria a manutenção de sua influência na região. Se fixar no
local era a forma como o EUA asseguraria esse interesse primário.
46 “The State Department made it clear to ANTA that Asia was an area of concern one where political
and military issues were paramount and cultural export could be valuable.” (PREVOTS, 1998, p.44)
47
Especula-se que a escolha do destino foi graças à preocupação norte americana em relação aos
países não alinhados a nenhuma ideologia ou contrários às ações estadunidenses; um movimento
para aproximá-los como o foi a Política da Boa Vizinhança.
48
enviado para a turnê no Oriente Distante (Australia, Japão, Vietnã, Burma,
Indonésia, Hong Kong, Formosa, etc.), em 196248. Ambas iniciativas foram bem
sucedidas.
Três companhias de balé atravessaram a cortina de ferro e foram enviadas para a
União soviética sob o Acordo entre os Estados Unidos da América e da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas em Intercâmbio nos campos Cultural, Técnico e
Educacional, de 1958: o American Ballet Theater (1960), o New York City Ballet
(1962) e o Robert Joffrey Ballet (1963). Essas empreitadas foram bem sucedidas
embora houvesse certa discrepância entre a aprovação da audiência e os resultados
das bilheterias, e aquilo que era retratado na mídia soviética, que admitia a
consistência técnica, mas criticava a falta emoção do balé americano. (PREVOTS,
1998)
A turnê do New York City Ballet foi a mais emblemática de todas devido ao fato do
seu fundador ser o emigrado russo George Balanchine e, enquanto o grupo estava
em turnê na URSS, a Crise dos Mísseis de Cuba teve início. Sobre esse episódio,
Clare Croft (2009) diz:
Em face a uma possível guerra, a situação da companhia era realmente
precária. Estar no coração do território do suposto inimigo pode, na
verdade, ter protegido os bailarinos da crise, porque eles não
experenciaram a ansiedade então presente nos Estados Unidos, e não
possuíam competências linguísticas suficientes para serem capazes de
discernir a opinião Soviética.49 (CROFT, 2009, p. 436, tradução nossa)
Apesar de terem sido enviados como representantes da identidade cultural
americana, muitos bailarinos americanos, sobretudo do New York City Ballet,
48
Para os bailarinos negros, o mundo da dança moderna era muito mais receptivo do que o mundo
da dança clássica. Ainda assim, muitos dançarinos afro-americanos sofreram preconceito e ouviram
que não tinham o corpo adequado para a dança. Indaga-se que essa iniciativa só se concretizou
devido à crescente mobilização social a favor do fim da segregação racial e da importância de sua
herança cultural para a dança americana. (PREVOTS, 1998)
49 “In the face of possible war, the company’s situation was truly precarious. Being in the heart of
allegedly enemy territory may actually have shielded the dancers from the crisis, because they did not
experience the anxiety current in America and did not possess sufficient language skills to be able to
discern Soviet opinion.” (CROFT, 2009, p. 436)
49
identificaram-se bastante com os soviéticos no quesito dança clássica. Seus
mestres, muitas vezes, vinham de uma tradição russa e a linguagem do balé
transcendia (e ainda transcende) as barreiras nacionais. Dessa forma, em contato
com o berço do esplendor do balé clássico, os dançarinos experimentaram uma
identidade híbrida que revelou um nível no qual a identidade do balé americano não
podia ser desvencilhada da identidade do ballet russo. (CROFT, 2009) Em bases
teóricas, essa identidade híbrida pode ser associada à criação de uma identidade
coletiva no balé, partilhada entre os EUA e a URSS por mais que eles quisessem
diferenciar-se e sobrepor um ao outro no campo da dança. Essa identificação pode
não ter sido o principal interesse das superpotências, mas é plausível supor que tal
fato semeou maior tolerância entre elas e auxiliou no processo de amenização do
conflito.
Embora a dança não tenha sido utilizada em território americano com a finalidade de
assegurar a sua própria identidade internamente, como a URSS o fez, o impulso de
exportar a dança serviu para que ela fosse valorizada domesticamente. O
reconhecimento do potencial das artes performáticas auxiliou no processo de
construção do National Culture Center (John F. Kennedy Center for the Performing
Arts), erguido em Washington e inaugurado em 1971. (PREVOTS, 1998)
50
CONCLUSÃO
A proposta do presente trabalho foi analisar a instrumentalização da dança durante a
Guerra Fria, levando em consideração o papel desta como um símbolo nacional e o
processo de construção das identidades. Para isso, ilustrou-se o recorte histórico,
sobretudo, em sua dimensão cultural e sistematizaram-se os períodos de real uso da
dança como uma ferramenta de diplomacia cultural.
Demonstrou-se que o processo de construção das identidades é realizado de forma
exógena, através da interação, para, então, ser internalizado pelos indivíduos. Tal
preceito pode ser observado tanto nas teorias de análise micro, como o sujeito pósmoderno de Hall, quanto em uma perspectiva sistêmica, como aponta a teoria de
Wendt. O exame da atuação das manifestações artísticas no imaginário da
comunidade ajudou a evidenciar a importância destas na sedimentação de
identidades
compartilhadas,
bem
como
revelou
a
possibilidade
de
sua
instrumentalização para propósitos políticos.
Durante o período em questão, a dança foi influenciada por preceitos ideológicos e
cumpriu o papel de representante da identidade nacional. Ela foi de fato utilizada
como uma embaixadora cultural e desempenhou importante função na consolidação
e disseminação identitária. Mas, ainda que o balé clássico fosse travestido por
símbolos nacionalistas, a sua linguagem – a dança clássica – continuou sendo um
ponto de congruência entre as duas superpotências. Nesse cenário, os bailarinos
experimentaram uma identidade coletiva; uma identidade que compartilhavam com
os bailarinos do outro lado da cortina de ferro. Os esforços estatais de mascarar o
balé completamente foram, dessa forma, contrariados. Mas isso não representou o
insucesso da empreitada de instrumentalização da dança, uma vez que ela ajudou a
gerar uma maior compreensão e tolerância em relação ao “Outro”, e a amenizar as
tensões entre os polos.
51
Apesar de a abordagem adotada apresentar contribuições interessantes, é válido
ressaltar que a perspectiva wendtiana apresenta graves limitações e contradições.
Uma delas é a o foco, praticamente exclusivo, dado ao nível sistêmico. Por
considerar o Estado como o agente internacional per se, Wendt ignora valiosas
contribuições e influências que agentes não-estatais têm na construção e
propagação de uma identidade nacional, e isso o aproxima muito das abordagens
realistas do campo das Relações Internacionais. Além disso, quando o autor
presume que há algo de intrínseco e independente da interação no agente (a
identidade corporativa), ele se afasta ainda mais dos preceitos da órbita
Construtivista, que dita que a realidade é uma construção fruto de interações.
De forma geral, o presente estudo mostrou a viabilidade de se analisar conflitos
internacionais, como a Guerra Fria, sob uma ótica cultural específica, o que,
infelizmente, muitas vezes é ignorado nas academias. É inegável que abordagens
desse tipo estão longe das possibilidades de esgotamento e oferecem um novo e
interessante ângulo analítico. Destarte, espera-se que ele inspire mais trabalhos
desse tipo.
52
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