DISCUSSÃO CONCEITUAL DE ESTIGMA ALUDINDO O

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DISCUSSÃO CONCEITUAL DE ESTIGMA ALUDINDO O
DISCUSSÃO CONCEITUAL DE ESTIGMA ALUDINDO O CONCEITO
FUNDADOR DE GOFFMAN E DE AUTORES QUE PAUTARAM SUAS IDEIAS A
PARTIR DELE.
SIQUEIRA, R. C. de
CARDOSO JR. H. R.
Departamento de História
Universidade Estadual Paulista – Unesp - Faculdade de Ciência e Letras de Assis
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP
RESUMO
Goffman (1975) foi o pioneiro em pensar o conceito de estigma numa perspectiva
social. Para Goffman, a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de
atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas
categorias. A relação social cotidiana em ambientes já estabelecidos propicia um
relacionamento entre pessoas previstas e esperadas a tal lugar, sem atenção ou reflexão
particular umas com as outras. As pessoas normais preveem as categorias e os atributos de
um estranho que se aproxima através de seus primeiros aspectos. O processo de
estigmatização não ocorre devido à existência do atributo em si, mas, pela relação
incongruente entre os atributos e os estereótipos que os normais criam para um determinado
tipo de pessoa. Todos aqueles atributos não proporcionais com o estereótipo que os normais
criam para um determinado tipo de indivíduo caracterizam o processo de estigmatização por
gerar identidades deterioradas.
A partir desta ideia central do conceito de estigma proposto por Goffman, objetiva-se
estudar o conceito de estigma para Goffman, e os conceitos de estigma para alguns entre
tantos autores que desenvolveram suas idéias a partir dele – para esta pesquisa foram
escolhidos: Ainlay, Coleman & Becker (1986); Link & Phelan (2001); Stafford & Scott
(1986); Becker & Arnold (1986); Martin (1986); Jones, Farina, Hastorf et al (1984); e
Crocker & Major (1989). Cada um deles traz uma problemática e complexidade a mais na
conceituação de estigma tendo como quadro teórico, o referencial goffmaniano. Assim, em
específico, pretende-se relacionar Goffman e os autores que pensam o conceito de estigma
sob a visão de que estigma é um processo estabelecido pelo social; relacionar Goffman e os
autores que pensam o conceito de estigma evidenciando o relacionamento entre
estigmatizados e estigma; e identificar quais pensadores podem ser elos para um estudo
foucaultiano sobre estigma. Este último objetivo consiste devido o interesse em um estudo a
posteriori sobre a contribuição de Foucault na discussão de estigmas.
Julga-se que o tema proposto, discussão conceitual de estigma, é um tema pouco
explorado no Brasil. Estigma é bastante trabalhado aqui quando se diz respeito a prática de
estigmatização, mas não o conceito em si. Com a elaboração dessa pesquisa, pretende-se
refletir os efeitos do estigma para a subjetivação do sujeito e o papel da sociedade para tal
processo. Por ser uma pesquisa teórica, a metodologia consiste na leitura e discussão das
questões referentes ao tema proposto.
PALAVRAS CHAVES
Goffman – Estigma - Conceito - Foucault
ABSTRACT
Goffman (1975) was the pioneer in thinking the stigma concept in a social perspective.
For Goffman, the society establishes the means of classifying the people and the total of
attributes considered as common and natural for the members of each one of those
categories. The daily social relationship in atmospheres already established propitiates a
relationship among foreseen people and expected the such place, without attention or private
reflection with some to the other ones. The normal people foresee the categories and a
stranger's attributes that they approach through their first aspects. The stigmatization process
doesn't happen due to the existence of the attribute in itself, but, for the incongruous
relationship among the attributes and the stereotypes that the normal ones create for a certain
person type. All those attributes don't provide with the stereotype that the normal ones create
for a certain individual type characterize the stigmatization process for generating
deteriorated identities.
Starting from this central idea of the stigma concept proposed by Goffman, it is aimed
to study the stigma concept for Goffman, and the stigma concepts for some among so many
authors that developed their ideas starting from him. The authors are: Ainlay, Coleman &
Becker (1986); Link & Phelan (2001); Stafford & Scott (1986); Becker & Arnold (1986);
Martin (1986); Jones, Farina, Hastorf et al (1984); e Crocker & Major (1989). Each one of
them brings more problems and complexity in the stigma conception tends Goffman as
theoretical picture. Like this, in specific, it intends to relate Goffman and the authors who
think the stigma concept under the vision that stigma is an established process for the social;
to relate Goffman and the authors who think the stigma concept evidencing the relationship
among having stigmatized and stigma; and to identify which thinkers can be links for a
study foucaultiano on stigma. This last one objective consists due the interest in a study a
posteriori about the contribution of Foucault in the discussion of stigma.
We believe that the proposed theme, conceptual discussion of stigma, is a theme with
little exploration in Brazil. Stigma is quite worked here when respect the stigmatization
practice is said, but not the concept in itself. With the elaboration of that research, it intends
to reflect the effects of the stigma for the subject's subjectivities and the paper of the society
for such a process. For being a theoretical research, the methodology consists of the reading
and discussion of the subjects regarding.
KEY-WORDS
Goffman – Stigma – Concept - Foucault
INTRODUÇÃO
Estigma é um termo presente na sociedade desde a Grécia Antiga, porém, é a partir da
década de 60 do século XX, com Goffman, que lhe foi atribuído conceitos que tomam a
sociedade como participante do seu processo de formação. Estigmas: notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada (1975), de Goffman, é o fundamento e o estímulo de
diversos outros trabalhos na intenção de conceituar e pensar estigmas. Pesquisas, desde a
publicação de Goffman, têm sido produzidas em grande profusão, conduzindo elaborações,
refinamentos conceituais e repetidas demonstrações do impacto negativo do estigma sobre a
vida de pessoas estigmatizadas (LINK & PHELAN, 2001, p.365). Pautando-se na
sociologia, na psicologia social e em estudos clínicos, Goffman estudou uma gama de
situações que envolvem estigma, ou seja, circunstâncias onde os indivíduos não se
introduzem na plena aceitação social (AINLAY, COLEMAN & BECKER, 1986).
Tendo em vista a delimitação do objeto, esta pesquisa baseia-se em dois aspectos que
surgem como focos em meio à variedade dos estudos sobre o estigma, são eles: o
estabelecimento do estigma pela sociedade e o relacionamento de quem é estigmatizado com
o estigma. Por isso, foram escolhidos os seguintes autores que desenvolveram suas
pesquisas a partir de Goffman: Ainlay, Coleman & Becker (1986); Link & Phelan (2001);
Becker & Arnold (1986); Stafford & Scott (1986); Martin (1986), Jones, Farina, Hastorf et
al (1984); e Crocker & Major (1989).
Diante deste cenário, o objetivo geral da pesquisa consiste em estudar o conceito de
estigma para Goffman, o pioneiro ao pensar estigma numa perspectiva social, e os conceitos
de estigma para alguns entre tantos autores que desenvolveram suas ideias a partir dele.
Diante deste objetivo geral, pretende-se, primeiramente, relacionar Goffman e os autores que
pensam o conceito de estigma sob a visão de que estigma é um processo estabelecido pelo
meio social; segundo, relacionar Goffman e os autores que pensam o conceito de estigma,
evidenciando as situações de relacionamento entre estigmatizados e estigma; e terceiro,
identificar quais pensadores podem ser elos para um estudo foucaultiano sobre estigma.
Pode-se perceber pelos estudos de estigmatização que, ser estigmatizado sempre tem
consequências não benéficas para a vida do indivíduo. Sua identidade real sofre
deteriorizações por não se incluir no que a sociedade institui como normal e natural. Deste
contexto pode-se pensar em dois fatos que torna importante a realização desta pesquisa:
refletir os efeitos do estigma para a subjetivação do sujeito e o papel da sociedade para tal
processo. E ainda, julga-se que o tema, discussão conceitual de estigma, é ainda pouco
explorado no Brasil.
A presente pesquisa encontra-se em andamento, sendo que, os resultados aqui
apresentados compõem a metade da pesquisa realizada. A relação de Goffman com Foucault
ainda é ínfima e hipotética, pois, as leituras ainda estão em desenvolvimento.
METODOLOGIA
A metodologia consiste na leitura e discussão das questões referentes ao tema
proposto, assim como, reuniões entre bolsista e orientador para discussão dos temas
estudados.
RESULTADOS
Em Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (1975), Goffman
(1975) apresenta um estudo sobre estigmas focalizando a interação como responsável pela
construção social dos significados. O trabalho de Goffman quanto ao conceito de estigma é
permeado pela ideia de presença física entre estigmatizados e normais - termo exposto por
Goffman para definir aqueles que não sofrem o processo de estigmatização. Assim, todos os
conceitos apresentados abaixo remetem à ideia da presença corporal entre tais grupos.
Para Goffman, a sociedade institui como as pessoas devem ser, e ainda torna esse
dever como normal e natural perante todos que a compõem. “A sociedade estabelece os
meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais
para os membros de cada uma dessas categorias” (GOFFMAN, 1975, p.12). A relação social
cotidiana em ambientes já estabelecidos propicia um relacionamento entre pessoas previstas
e esperadas a tal lugar, sem atenção ou reflexão particular umas com as outras. Assim, as
pessoas normais preveem as categorias e os atributos de um estranho que se aproxima,
através de seus primeiros aspectos. Essas pré-concepções, elaboradas pelos normais, são
transformadas em “expectativas normativas, em exigências apresentadas de modo rigoroso”
(GOFFMAN, 1975, p.12). No entanto, os normais, cotidianamente, ignoram essas préconcepções até o surgimento de uma questão que seja efetiva para a realização de suas
exigências. É neste momento que os normais podem perceber que fazem afirmações daquilo
que o outro deveria ser.
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem
um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em
que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável [...]. Assim
deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa
estragada e diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu
efeito de descrédito é muito grande [...] (GOFFMAN, 1975, p.12).
Goffman (1975) acredita que a pessoa estigmatizada possui duas identidades: a real e a
virtual, caracterizando, assim, o processo de estigmatização descrito acima. A identidade
real é o conjunto de categorias e atributos que uma pessoa prova ter; e a identidade virtual é
o conjunto de categorias e atributos que as pessoas têm para com o estranho que aparece a
sua volta, portanto, são exigências e imputações de caráter, feitas pelos normais, quanto ao
que estranho deveria ser. Deste modo, uma dada característica pode ser um estigma,
“especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande e possui uma discrepância
específica entre a identidade social virtual e a identidade social real” (GOFFMAN, 1975,
p.12).
O processo de estigmatização não ocorre devido à existência do atributo em si, mas,
pela relação incongruente entre os atributos e os estereótipos que os normais criam para um
determinado tipo de pessoa. Todos aqueles atributos não proporcionais com o estereótipo
que os normais criam para um determinado tipo de indivíduo caracterizam o processo de
estigmatização. Assim, Goffman (1975, p. 13) afirma que “o termo estigma, portanto, será
usado em referência a um atributo profundamente depreciativo” numa linguagem de
relações e, não de atributos em si. Ora, alguém ter um determinado atributo não o caracteriza
com um estigma, pois, o estigma se dá intrinsecamente pela relação entre alguém que possui
atributos distintos de uma dada categoria da qual ele se aproxima e pessoas que não possuem
tais atributos. De acordo com os estudos de Melo (2000), estigmas, para Goffman,
representam algo mau dentro da sociedade que deve ser evitado, em síntese, são identidades
deterioradas por uma ação social.
O processo de estigmatização pode variar de acordo com a evidência e a exposição das
características do indivíduo. Goffman (1975) caracteriza dois tipos de grupos de indivíduos
de acordo com seu estereótipo: o desacreditado e o desacreditável. O desacreditado possui
características distintas em relação aos normais, sendo estas conhecidas e perceptíveis. O
desacreditável possui características distintas das dos normais, mas nem sempre conhecidas
e percebidas por eles. Essas duas perspectivas podem caminhar juntas na relação
estigmatizados e normais.
Goffman (1975) afirma que os normais constroem uma teoria do estigma. Eles
constroem uma ideologia para explicar a inferioridade das pessoas com um estigma e para
ter controle do perigo que ela representa, acreditando que alguém com um estigma não é
verdadeiramente humano. Para Melo (2000, p.2), o “social anula a individualidade e
determina o modelo que interessa para manter o padrão de poder e anula todos os que
rompem ou tentam romper com o modelo social”. Os estigmatizados possuem uma marca,
significando então que, sua identidade social é deteriorada para conviver com os outros. Para
Goffman, “normais e estigmatizados são perspectivas que são geradas em situações sociais
durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam
sobre o encontro” (1975, p.148).
As teses e hipóteses de Goffman (1975) se pautam no objetivo de estudar os estigmas
a partir dos momentos em que os estigmatizados e os normais estão em presença física um
do outro, como já explicitado anteriormente. Diante dessas afirmações, pretende-se pensar
nas relações entre estigmatizados e estigma. Segundo Goffman, há diversas formas da
pessoa estigmatizada se relacionar com a situação que lhe envolve.
Algumas pessoas estigmatizadas carregam o estigma e não aparentam impressionadas
ou arrependidas com a circunstância. Isso acontece devido a negação em viver de acordo
com o que lhes foram exigidas, fazendo com que se sintam normais e as pessoas normais,
estranhas. Outra situação é quando o indivíduo estigmatizado percebe que um de seus
atributos é impuro e, por isso, pode-se imaginar como um não portador dele. Quando essa
pessoa se aproxima de normais pode ocorrer auto-ódio e auto-depreciação. Outra
circunstância é do estigmatizado ter que lidar com pessoas que não conseguem lhe
proporcionar respeito e consideração, e em resposta a este fato, ele tenta corrigir, de forma
dedicada, a base de seu defeito – quando a correção tem êxito, há transformação do ego,
deixando a pessoa com uma predisposição a vitimização. Já outras pessoas reagem com um
grande esforço pessoal para dominar áreas e atividades que são consideradas fechadas e
limitadas a pessoas com suas características, devido a motivos físicos e circunstanciais.
Algumas pessoas já se utilizam de seu estigma para ganhos secundários, principalmente
aquelas com atributo diferencial vergonhoso. Elas podem tentar romper com a realidade e
tentar empregar uma interpretação não convencional à sua identidade social (GOFFMAN,
1975).
Melo (2000), em seus estudos sobre estigmas, pautando-se no referencial teórico de
Goffman, expõe que o social é responsável por determinar os atributos e por marcar os
juízos de valores éticos e morais aos sujeitos, os quais não correspondem às qualidades
determinadas para cada categoria. O social rotula, cataloga e estigmatiza os sujeitos,
classificando-os como sujeitos ou grupos de baixa potencialidade humana, destrutivos e
prejudiciais à convivência humana. A identidade social de um indivíduo enquanto
estigmatizada pode destruir seus atributos e suas qualidades de sua identidade real.
No ensaio intitulado Stigma Reconsidered (1986), Ainlay, Coleman e Becker
apresentam uma proposta de definição de estigma pautando se, primordialmente, nas ideias
de Goffman. O trabalho destes autores objetiva expor os paradoxos, as ambiguidades, as
variações e as polaridades que envolvem o estigma, através da tese de que os atributos
particulares que desqualificam as pessoas variam de acordo com os períodos históricos e a
cultura, propiciando-as uma não aceitação social plena (AINLAY, COLEMAN & BECKER,
1986).
Os atributos de uma pessoa estigmatizada não são inerentes a ela, o estigma, portanto,
não é uma propriedade individual. As pessoas são estigmatizadas somente num contexto, o
qual envolve a cultura; os acontecimentos históricos, políticos e econômicos e uma dada
situação social. Para os autores em destaque, estigma reflete a sociedade em si e é
constituído por ela e pela época (AINLAY, COLEMAN & BECKER, 1986). As tendências
morais e intelectuais da época e a estrutura cultural são elementos importantes quando se
pensa onde e quem determina o que é estigma. Em comparação, para Goffman (1975), os
normais e os estigmatizados não são pessoas em si, mas perspectivas constituídas
principalmente pela discrepância entre as identidades real e virtual.
O contexto histórico pode provocar mudanças no curso de estigma, propiciando
alterações em suas descrições, nas categorias que o envolve e no processo de estigmatização
e suas consequências. Pode-se dizer, também, que a prática, a compreensão e a percepção de
estigma são variáveis de acordo com a historicidade. Alguns estigmas perpetuam durante as
épocas, porém, muitos são findáveis e característicos de um dado contexto histórico, social e
cultural (AINLAY, COLEMAN & BECKER, 1986). A percepção de estigma modifica-se
também entre os contextos sociais, sendo sutilmente diferente diante de cada um. “Cada
sociedade cria hierarquias de atributos agradáveis e desagradáveis e um conjunto de regras
para gerenciá-los” (AINLAY, COLEMAN & BECKER, 1986, p.4, tradução nossa). Dadas
tais afirmativas anteriores, Ainlay, Coleman & Becker (1986) classificam estigma sendo
ambíguo e efêmero.
As pessoas que compõem a sociedade são responsáveis pela perpetuação de estigma.
Como membros da sociedade, os indivíduos perpetuam as suas concepções de estigma e a
forma de responder a ele. Isso se dá pelo passar das gerações, através da aprendizagem
social e da socialização. Assim, Ainlay, Coleman & Becker (1986, p.4). concluem esta
relação afirmando que as “concepções de estigma caminham juntamente com a evolução da
sociedade”.Vale ressaltar também que, estigma pode estar presente na vida das pessoas
durante todo seu ciclo, portanto, ele pode criar “descontinuidades para as pessoas ao longo
de suas vidas” (AINLAY, COLEMAN & BECKER, 1986, p. 7, tradução nossa).
As relações sociais entre pessoas não estigmatizadas e pessoas estigmatizadas seguem
o fluxo das primeiras. Estas relações não são igualitárias devido ao sistema de percepções
das pessoas não estigmatizadas e pelo seu conjunto de categorias - as quais não as permitem
prever uma pessoa estigmatizada em uma categoria comparada com a sua. Destarte, uma
pessoa dentro de uma categoria da qual ela não é esperada pode ser tolerada, mas não aceita
totalmente.
Ainlay, Coleman & Becker (1986) apresentam alguns impactos que o estigma pode
gerar para o indivíduo que o vivencia. Para eles, estigma pode criar indivíduos dependentes
e fazer com que estas pessoas tornem-se comprometidas com essa dependência, apesar de
desejar ser independente. O estigma pode fazer com que as pessoas, uma vez poderosas,
fiquem em uma posição de menor poder. E ainda, eles afirmam que o estigma faz as pessoas
com menos poder, sentirem um senso de superioridade ou poder sobre os outros que são
mais estigmatizados do que elas. E ainda, pode haver paradoxos nas consequências do
estigma para quem o vivencia, ora ser desumano, como demonstrado acima, e ora
inspirador, como nos movimentos sociais.
Em síntese, a tese de Ainlay, Coleman & Becker (1986) tomam o conceito de estigma
exposto por Goffman como fonte teórica primária. Para Goffman (1986), a sociedade é
responsável por estabelecer os meios de categorizar as pessoas e os atributos tidos como
naturais para os membros de cada uma dessas categorias. O estigma é estabelecido a partir
desta lógica social, onde pessoas não previstas a estas categorias são tidas como estranhas, e
a elas são dadas identidades virtuais. Ainlay, Coleman & Becker (1986) pautam-se nestas
questões acrescentando a tese que, este social englobado pela cultura, modifica-se com o
tempo e o lugar e, portanto, os estigmas modificam-se paralelamente com ele.
Becker & Arnold (1986) em Stigma as a social and cultural construct argumentam,
desde o principio de seu ensaio, que a o modelo de análise de estigma deve se dá através do
social, do cultural e do histórico. Estes três elementos são suportes necessários para a
compreensão do indivíduo. Referindo-se a Goffman, percebe-se uma íntima relação entre
suas ideias e as de Becker & Arnold (1986) quanto à definição de estigma atrelada à
construção social.
Os atributos culturais determinam a estrutura da sociedade (normas, valores, crenças
religiosas, etc.); a natureza da organização social e sua estruturação política e econômica.
Neste contexto, Becker & Arnold (1986) lançam a ideia de poder. Para eles, a estrutura
social e o sistema de crenças de uma dada sociedade costumam definir quem terá o poder e
qual a sua natureza. Eles afirmam que em toda sociedade algumas pessoas têm mais poder
do que as outras. Becker & Arnold (1986) definem poder como prestígio, riqueza e
habilidade de manter o controle social sobre alguém. E é esse sistema que engloba o
processo que envolve a sociedade e o estigma, pois, a sociedade, nesta compreensão, tem o
poder de impor suas normais, valores e crenças sobre as pessoas com menos poder.
Toda sociedade possui normas e valores que determinam os atributos e
comportamentos aceitáveis para seus membros. “Cada sociedade tem mecanismos de
controle social para garantir que a maioria de seus membros conforme-se com essas normas.
As pessoas que não se conformam com essas regras ou quebram os tabus sociais são
excluídas socialmente” (BECKER & ARNOLD, 1986, p. 40, tradução nossa). Dentro dessa
concepção Becker & Arnold (1986) pensam o conceito de estigma. Para eles, os membros da
sociedade têm crenças comuns sobre o significado cultural de um atributo e do estigma
ligado a ele. Essas crenças sobre estigma ditam a natureza de estigma. As pessoas tomam
atitudes específicas sobre um dado estigma e sobre as respostas de pessoas estigmatizadas,
afetando, portanto, a forma pela qual um indivíduo estigmatizado é integrado num grupo
social ou excluído.
A experiência de estigma para um indivíduo constitui-se de atitudes sociais que são
sutis e difundidas amplamente. Estigma para Becker & Arnold (1986) é a condição de não
possuir atributos considerados importantes por um grupo social. Os indivíduos
estigmatizados tornam-se rapidamente cientes da forma que os outros os veem. Assim,
aquele que é estigmatizado pode sofrer um complexo processo de normatização, o qual se dá
pela forma que o indivíduo estigmatizado se adapta a sociedade, a fim de reduzir sua
diferença das normas culturais. Este processo de normatizar os estigmatizados em relação às
normas culturais, afeta o conceito de si da pessoa.
Para Becker & Arnold (1986), assim como para Ainlay, Coleman & Becker (1986
(2001), o conceito de estigma é variante em cada sociedade. Esse pensamento é conveniente
para diferenciar as normas culturais, os valores e as estruturas. Um sistema de crenças
culturais é guiado por um modelo de cultura que os indivíduos carregam, porém, como
indivíduos, as pessoas não são conscientes deste processo (BECKER & ARNOLD, 1986).
“Nós, às vezes, paramos de nos perguntar o motivo que pensamos e nos comportamos de tal
forma, nós fazemos isso porque a cultura é um extenso processo inconsciente” (BECKER &
ARNOLD, 1986, p. 40, tradução nossa). Deste modo, Becker & Arnold (1986) concluem
que estigma é constituído nesse processo cultural e é reflexo da cultura.
Alguns comportamentos ou atributos podem ser universais quando se relacionam ao
estigma, assim como outros podem ser específicos de uma cultura. Um atributo ou
comportamento serão vistos em seu contexto cultural de acordo com o significado que a
cultura lhes proporcionará. A cultura modifica-se juntamente com a sociedade, portanto, a
percepção cultural altera-se de acordo com as mudanças sociais e históricas (BECKER &
ARNOLD, 1989).
Em conclusão, estigma, para Becker & Arnold (1986), é completamente relacionado
ao social, ao cultural e ao histórico. Estes três elementos refletem a experiência individual de
estigma. Estigma é uma construção e se dá numa relação entre indivíduos, num contexto
sociocultural e histórico, e forma a natureza de algumas relações. “Para compreender a
natureza de estigma nós devemos nos focar na cultura, na estrutura social e no período
histórico no qual onde há o estigma” (BECKER & ARNOLD, 1986, p. 55, tradução nossa).
Pode-se observar uma estreita relação da conceituação de estigma proposta por Becker
& Arnold com Ainlay, Coleman & Becker (1986) quando tratam o estigma como uma
construção histórica, social e cultural, considerando que estes três elementos modificam-se
e, a noção de estigma caminha nesse processo. As ideias de tais autores parecem completar
uma à outra, o que as diferenciam é o foco de seus estudos. Os primeiros priorizam pensar a
cultura como fator essencial na construção de estigma, já os últimos enfatizam as
modificações dos atributos que desqualificam as pessoas no decorrer do tempo, de cada
sociedade e cultura. Becker & Arnold (1986) apresentam também a ideia de poder
relacionada à construção de estigma, principalmente ao poder que a sociedade exerce sobre
as pessoas. Link & Phelan (2001), autores que serão trabalhados a seguir, tomam o poder
como fator central na constituição dos elementos formadores de estigma e dá maior
complexidade ao tema poder e estigma. Goffman é ponto teórico norteador dos estudos de
Becker & Arnold (1986), tal afirmação pode-se dá pelas diversas ideias convergentes entre
eles pautadas em citações de Goffman, principalmente no que tange o social como
responsável pela origem, existência e prática de estigma.
Link & Phelan (2001), no artigo Conceptualizing Stigma, focalizam seu trabalho numa
nova proposta em conceituar estigma. Os autores tomam as obras de Goffman como
princípio de sua discussão conceitual e retornam a ele dando prioridade na relação entre
estereótipo e atributo como fontes que propiciam o estigma. Porém, Link & Phelan (2001)
ao retomarem Goffman, objetivam “ampliar esta relação proposta por este sociólogo, a fim
de capturar um maior conjunto de significados para o tema estigma” (LINK & PHELAN,
2001, p.365, tradução nossa). Para Casaes (2007), “Link & Phelan (2001, p. 15) elaboram
uma definição mais complexa para o conceito estigma”.
Link & Phelan (2001, p. 377) afirmam que “estigma existe quando elementos de
rotulação, estereotipização, separação, perda de status e discriminação ocorrem
simultaneamente em uma situação de poder que permite tais componentes acontecerem”.
Desta forma, observa-se, claramente, que tais autores tomam o pensamento de Goffman
como base e o ampliam com a ideia de poder e com a proposta de mais elementos na relação
que estabelece o estigma.
Faz-se importante discutir sumariamente cada um dos vários elementos colocados por
Link & Phelan (2001) que compõem o conceito e a prática de estigma e são envoltos pelo
poder, tais como: rotulação, estereotipização, separação, perda de status e discriminação.
A maioria das diferenças entre as pessoas são ignoradas em seu cotidiano e
socialmente irrelevantes. Porém, o social faz com que algumas diferenças sejam relevantes.
Isso se dá pela sociedade criar grupos (categorias) e atributos considerados evidentes, os
quais sofrem modificações de acordo com o tempo e o lugar. Com base nesses pressupostos
dados por Link & Phelan (2001), tomamos o conceito de rotulação a partir da compreensão
de Casaes (2007, p.15, grifo do autor): “o termo “rotulação” foi escolhido para enfatizar o
processo social de eleger uma determinada característica e aplicá-la a alguém. Não significa,
necessariamente, que este indivíduo a possua”. E a partir dos rótulos empregados às pessoas
estigmatizadas que os estereótipos são criados, gerando, assim, o processo de
estereotipização. De acordo com Link & Phelan (2001, p. 369, tradução nossa) “o rótulo liga
uma pessoa a um conjunto de características desagradáveis que formam o estereótipo”.
Os rótulos sociais propiciam a existência e uma separação delimitada de dois grupos:
nós e eles (LINK & PHELAN, 2001). “O “nós” é caracterizado por todos os valores que
constituem a visão de um ser humano “normal” apregoada pela ideologia dominante da
sociedade” (CASAES, 2007, p.16, grifo do autor). O “eles” é caracterizado pelas pessoas
que são diferentes do “nós”, e, portanto, são as rotuladas negativamente . Goffman
denominou tais grupos de “normais” e “estigmatizados”.
“As pessoas são estigmatizadas quando são rotuladas e ligadas a características
indesejáveis, dando-lhes uma experiência de perda de status e discriminação” (LINK &
PHELAN, 2001, p. 371). As consequências negativas de ser rotulado e estereotipado
propiciam uma colocação mais baixa na hierarquia social na qual o indivíduo vive, o que
pode gerar efeitos indesejáveis em suas oportunidades. A perda de status em si torna-se a
base da discriminação, considerando que, a perda de status está diretamente ligada à
rotulação e à estereotipização. Por definição, discriminação, portanto, é um comportamento
manifestado em consequência da ligação entre perda de status, rotulação, estereotipização e
separação.
Para Link & Phelan (2001), poder tem importância relevante no estabelecimento de
estigma, numa relação onde este é dependente daquele. “Estigma é totalmente dependente
do poder social, econômico e político – estes elementos tomam o poder para estigmatizar”
(LINK & PHELAN, 2001, p.375, tradução nossa). Porém, o papel crucial do poder no
estabelecimento de estigma geralmente não é notado, pois, em muitas circunstancias esses
diferentes poderes são tomados por concessão como se não fossem problemáticos.
Estigma é totalmente dependente do poder econômico, social e político. As condições
necessárias para gerar estigma podem-se pautar nos processos cognitivos, mas, as condições
suficientes são os processos sociais (CASAES, 2007). Os processos sociais ligados ao poder
consentem soberania para alguns grupos, o que gera consequências para outros (LINK &
PHELAN, 2001). Destarte, poder é o ponto essencial que permite a um determinado grupo
estigmatizar outros, gerando todos os elementos que constituem o estigma, como
apresentados acima.
Concluindo, Link & Phelan (2001) apresentam uma nova proposta de conceito de
estigma partindo e pautando-se em Goffman e em diversos outros pensadores – incluindo
Ainlay, Coleman & Becker - da área da sociologia e da psicologia social, principalmente. É
notória a base de Goffman em sua elaboração do conceito de estigma, principalmente no que
tange a relação de atributos incongruentes com o estereótipo que os normais criam para um
tipo de indivíduo. Porém, Link & Phelan (2001) acreditam que este conceito possa não
atingir alguns aspectos que se referem à estigmatização, daí sua proposta, acrescentando os
elementos de rotulação, perda de status e discriminação, além, da ideia de poder como
propiciador do processo. Link & Phelan (2001) também se aproximam da ideia central do
conceito de estigma para Ainlay, Coleman & Becker (1986) ao considerarem que o processo
de estigma está ligado diretamente às instituições e às redes que compõem o social,
considerando que são mutáveis, de acordo com o tempo e o lugar, e, portanto, o estigma
segue este curso.
Em Estigma, deviance and social control: some conceptual issues, Stafford & Scott
(1986) apresentam o conceito de estigma como sinônimo de desvio e sua prática como
realização de controle social. “Consideramos que a noção de estigma é sinônimo de desvio
(no sentido de violação de norma) e envolve controle social” (STAFFORD & SCOTT, 1986,
p. 77-78, tradução nossa). Stafford & Scott (1986) se pautam em Goffman para estruturar
sua elaboração do conceito de estigma, especificamente ao concordar com ele que, estigma é
a presença de uma diferença indesejável e é dividido em três tipos, de acordo com as
situações que lhe envolve: deformidades físicas; culpas de caráter individual; e estigmas
tribais de raça, nação e religião.
Para Stafford & Scott (1986), estigma é um fenômeno relativo, pois, o que é estigma
em uma unidade social pode não ser em outra; o que evidencia uma relação com a
conceituação de estigma de acordo com Ainlay, Coleman e Becker (1986). Porém, a
variação de estigma que estes autores trabalham é no âmbito de época e tipos de sociedade, e
para Stafford & Scott (1986) é no âmbito de tipos de unidades da sociedade, por exemplo,
família, nação. Enfim, “estigma é uma característica de um indivíduo que é contrária a certa
norma de uma unidade social. Tal característica pode envolver o que as pessoas fazem (ou
devem fazer), no que elas acreditam ou o que elas são física ou socialmente” (STAFFORD
& SCOTT, 1986, p. 80, tradução nossa).
O termo chave do conceito de estigma para Stafford & Scott é norma. “Norma é o
compartilhar de crenças de como as pessoas devem se comportar de certo modo em uma
dada circunstância” (STAFFORD & SCOTT, 1986, p. 81, tradução nossa). Norma é a
palavra que pode mostrar a relativa e a coletiva natureza de estigma, diferentemente dos
termos regra e modelo, os quais são sinônimos de norma, pois, ambos demonstram somente
a natureza relativa de estigma, uma vez que, não podem ser formulados ou impostos por um
indivíduo (STAFFORD & SCOTT, 1986). O diferencial dos estudos de Stafford & Scott
(1986) é a ampliação do conceito de norma, não o conotando somente como
comportamento, mas o envolvendo com mais características, como: raça, gênero, estado
físico. Esse conceito mais complexo de norma parece se aproximar do que Goffman chamou
de identidade normal. “Há um quadro de pessoa ideal, crenças do que o indivíduo deveria
ser. [...] As pessoas que não se enquadram nos perfis ideais tendem a ser desvalorizadas”
(STAFFORD & SCOTT, 1986, p. 81, tradução nossa ).
Desvio ou violação de normas, de acordo com Stafford & Scott (1986), foram termos
diversas vezes ligados à falta de responsabilidade. Porém, os autores aqui trabalhados não
concordam com esta ideia, afirmando que é preferível tratar a ligação entre violação de
normas e responsabilidade, sendo a responsabilidade um atributo contingente, considerando
que, muitos indivíduos não têm responsabilidade por serem estigmatizados. Stafford & Scott
(1986) alegam, citando Sagarin (1979), que, assim como a responsabilidade, a permanência
de uma violação de normas deveria ser tratada também como um atributo contingente, pois,
algumas violações são efêmeras e não duráveis, já outras são permanentes. Portanto, o
atributo é variável de acordo com as violações das normas.
“Controle social envolve reações para o estigma (ou para o desvio), as quais podem
ocorrer por diversas razões, uma das consequências importante é a restrição ou terminação
das relações sociais” (STAFFORD & SCOTT, 1986, p. 87, tradução nossa). As reações ao
estigma variam de acordo com cada unidade social e pelo tempo. As pessoas estigmatizadas
são desvalorizadas porque não se constituem pessoas ideais dentro das normas sociais, e
assim, tornam-se objetos do controle social, o qual propicia uma limitação em suas relações
sociais. Stafford & Scott (1986) acreditam que há como ocorrer o processo de
destigmatização através da revisão do sistema normativo, pois, o estigma pode ser mudado
por não ser necessariamente comportamento ou tipos de pessoas.
Stafford & Scott (1986) expõem o conceito de estigma dando-lhe mais complexidade
em relação ao proposto por Goffman e por outros autores de sua época, relacionando-o com
controle social, normas e desvios. Goffman trabalhou com a ideia de normalidade e desvio,
mas, Stafford & Scott elaboraram conceitos para este termo, envolvendo-os com a ideia de
controle social, tornando mais complexo a compreensão do conceito de estigma. Algumas
teses de Ainlay, Coleman & Becker também permeiam os estudos destes autores, como já
citado anteriormente.
Stigma: social learning perspective (1986) é um ensaio de Martin cujo foco é a
proposta e a discussão de que estigma é criado, preservado e perpetuado através da
aprendizagem oriunda da sociedade. O objetivo de seu estudo é
analisar a natureza entre aprendizagem social e estigma e como a natureza desta
relação muda no decorrer da vida. Eu [Martin], especificamente, focalizo as
características e os fatores associados à aprendizagem social de estigma; à
aprendizagem social no decorrer da vida; à relação de aprendizagem social para o
desenvolvimento de crenças; à atitude; aos valores; e à maneira que as pessoas
avaliam os outros (MARTIN, 1986, p. 146).
A base teórica de Martin (1986) de compreensão de estigma se pauta no conceito proposto
por Goffman.
“As pessoas categorizam as outras e o tipo de atributo que elas possuem através de
rotinas de inter-relações sociais em determinados ambientes. Essas rotinas nos propiciam
averiguar, rapidamente, a “identidade social” das pessoas que encontramos” (GOFFMAN,
1963 apud MARTIN, 1986, grifo do autor). Neste contexto de categorização, algumas
pessoas possuem atributos que as fazem ser diferentes em determinados lugares, havendo,
como afirma Martin (1986), uma situação desagradável. Uma pessoa estigmatizada é
atribuída de descréditos e não é considerada uma pessoa comum, em casos extremos, é vista
como estragada, diminuída, completamente má, perigosa ou fraca (MARTIN, 1986).
Em concordância com Goffman, estigma para Martin (1986) constitui-se por marcas
desacreditáveis que um indivíduo possui, as quais são estabelecidas por outras pessoas em
presença física entre eles num contexto social. A interação social é o processo onde se dá a
aprendizagem social de estigma. Portanto, as expectativas e os comportamentos que
resultam em estigma são aprendidos, o que torna o controle e a perpetuação de estigma um
processo tão complexo.
A percepção de si é desenvolvida através de interpretações individuais do sistema de
crenças culturais e valores. “O processo de socialização que a sociedade emprega para
exercer controle na vida de seus membros é extraordinário” (BECKER, 1973 apud
MARTIN, 1986). Aprender é um processo social que adéqua informações pessoais através
de motivação própria do indivíduo ou de outro, intuição, proposta e dedicação consciente ou
subconsciente. A aprendizagem, que resulta em relativas mudanças permanentes no
comportamento, se dá por três estágios: aquisição, transmutação, evolução/aplicação.
Aquisição ocorre quando o indivíduo adquiri informação de um meio imediato. A
transmutação acontece quando o indivíduo internaliza novas informações e guiadas por
valores e auto percepção são ligadas à aquisição. E a evolução/aplicação se dá quando o
indivíduo considera novas informações, testando-as e usando-as como recursos (MARTIN,
1986). Em síntese, estes são os três processos pelos quais ocorre a aprendizagem social.
A aprendizagem social constitui-se no meio social, portanto, na vida real – na família,
nos grupos, na escola, no lazer, no emprego etc – modificando-se e expandindo-se ao longo
da vida das pessoas. Seu objetivo consiste na adaptação pessoal e social do indivíduo. A
aprendizagem social tende a contribuir para a formação da visão do indivíduo diante da
realidade social ao formar valores e determinar a extensão de encontros entre as pessoas.
Para Martin (1986), a realidade social influencia a aprendizagem social e “a aprendizagem
social molda a percepção da realidade social do indivíduo” (MARTIN, 1986, p.148,
tradução nossa). A vida, portanto, está permeado pela aprendizagem social.
Aprendizagem social é um mecanismo para fazer o indivíduo aprender um
comportamento normativo convencional esperado dele (MARTIN, 1986). Ela é um
instrumento na aquisição, modificação, generalização e extinção de comportamento social.
Diante disso, Martin (1986, p. 149, tradução nossa) argumenta que a aprendizagem social é
um “poderoso mecanismo de aquisição e manutenção de comportamentos que propiciam a
estigmatização de pessoas”. Portanto, aprendizagem social é “também um mecanismo
através do qual as pessoas aprendem e esperam certos comportamentos de pessoas
estigmatizadas” (MARTIN, 1986, p.149).
Martin (1986) torna mais complexa a ideia de conceituação de estigma para Goffman
ao acrescentar a proposta de aprendizagem social no processo de estigmatização. Há
ambientes e categorias prontos e elaborados pela sociedade nos quais há pessoas esperadas.
São colocados (pelas pessoas previstas), à pessoa que não se enquadra nos critérios
estabelecidos, atributos que não fazem parte de sua real identidade – a esse processo
Goffman caracteriza como estigma (GOFFMAN, 1975). Para Martin (1986), estigma é
produto da aprendizagem social, pois, a pessoa é estigmatizada por não estar inserida
naquilo que é esperado pela sociedade. Através da sociedade – das instituições e grupos que
a compõe –, ao nascer a criança inicia um processo de aprendizagem de crenças e valores
que a forma como indivíduo e determina seus comportamentos, incluindo suas
interpretações. Essa aprendizagem é modificada ao longo da vida (MARTIN, 1986).
Ao longo da realização desta pesquisa, pôde-se notar a complexidade do termo
estigma a partir da tese inicial de conceituação elaborada por Goffman. Goffman foi o
fundador do conceito de estigma dentro de uma perspectiva social de compreensão. No
entanto, Goffman não esgotou este tema, ao contrário, ele abriu caminhos para inúmeros
pensadores de diversas áreas científicas a interessar por este estudo. Cada autor selecionado
para compor esta pesquisa tem Goffman como referencial teórico e traz questões que
problematizam o conceito de estigma. Daí o interesse de nosso trabalho, trazer os conceitos
de estigma e a posteriori estabelecer relações com o pensamento de Foucault, tendo em vista
que a estigmatização é tão vívida na sociedade e nos processos de subjetivação. Em
hipótese, algumas abordagens do pensamento foucaultiano podem ser elos com o
pensamento de Goffman e seus sucessores, tais como, ideias de: anormalidade; subjetivação;
normalização, poder, discurso e o social como constituinte desses processos citados.
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