Revista de edição única que aborda a opção energética do
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Revista de edição única que aborda a opção energética do
Electra As termelétricas de Mato Grosso do Sul em publicação especial é um projeto experimental desenvolvido para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, realizado pelas acadêmicas Daniela Rocha Rodrigues, Keila Mesquita da Fonseca e Vivian de Castro Alves, sob orientação do professor Doutor Mauro César Silveira e co-orientação do professor José Márcio Licerre. Produção, reportagem, edição e diagramação: Daniela Rocha Keila Mesquita Vivian de Castro Alves Foto capa: Vivian de Castro Alves Colaboradores: Projeto gráfico e capa - Gesiel Rocha Diagramação - Fábio Ferreira Correspondência: Electra Departamento de Comunicação Social/Jornalismo (DJO/CCHS) Cidade Universitária, s/n CEP 79070 - 900 Campo Grande - MS Fone: (067) 345-7600 Contato:[email protected] As matérias aqui veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS e seus dirigentes Sumário O lado escuro da crise 04 Como o governo federal criou um programa que salvou as multinaciuonais de termelétricas e penalizou o cidadão brasileiro Pioneira nas controvérsias 12 Entre o lago e as árvores 17 Na expectativa 20 Destino incerto 21 Toneladas tóxicas 24 Chuva ácida e aquecimento global são algumas das conseqüências do grande volume de poluentes lançados pelas termelétricas Perigo invisível 28 A queima de gás natural libera mercúrio, a substância mais tóxica para o homem, além de gases que causam câncer e impotência sexual Fora da lei 34 Jornalismo engajado 38 Alternativas promissoras 41 Fontes renováveis garantem o abastecimento de energia com menor índice de poluição Artigo - Falta de caráter 46 Março/2003 Editorial Fábio Ferreira Às custas do povo Março/2003 Desinformação e controvérsias. Foram esses os motivos que levaram à produção da Electra, uma revista de edição única que aborda a opção energética do governo de Mato Grosso do Sul, baseada na instalação de termelétricas a gás natural boliviano. Pior que a falta de informação, da qual é vítima o sul-mato-grossense, é a informação manipulada pelas autoridades locais a favor de uma política de concessões, que beneficia grandes grupos econômicos e rende aumento na arrecadação tributária do estado. Este foi o contexto dos projetos de implantação dessas usinas, sem qualquer discussão com a sociedade sobre as conseqüências negativas desse modelo. Pelo contrário. O governo apenas promoveu propagandas institucionais, difundindo a idéia de que esses investimentos tornariam o estado exportador de energia limpa, além de atrair indústrias para a região. Antes de chegar ao âmbito estadual, a questão passa pela crise no sistema energético brasileiro, que tem se tornado mais evidente a cada dia. Essa situação é uma conseqüência da falta de planejamento no setor, ou melhor, de um plano elaborado às pressas, que quase levou o país a um colapso energético e penalizou os consumidores, os quais têm arcado com aumentos obscenos nas tarifas de energia. Diante dessa conjuntura, a construção de usinas termelétricas no estado, que exigem um alto investimento, emitem toneladas de poluentes e geram energia mais cara que a produzida por hidrelétricas, não convenceu como a solução que traria desenvolvimento para a região. Apesar da relevância do assunto, o governador José Orcírio Miranda dos Santos não concedeu entrevista à equipe de Electra. A solicitação foi protocolada três meses antes do fechamento da revista, na governadoria e, mesmo com insistentes tentativas posteriores, a assessoria de imprensa sequer respondeu aos apelos. Um silêncio verdadeiramente comprometedor. O lado escuro da crise Programa do governo federal elaborado para corrigir erros de multinacionais é pago pelo consumidor 4 O Programa Prioritário de Termeletricidade encobriu detalhes fundamentais para a compreensão dos motivos que levaram à sua efetivação. Com a crise do sistema elétrico ocorrido em 2001, o governo federal estabeleceu uma política de emergência para suprir a demanda de energia. As medidas estabelecidas, dentre elas, o racionamento e multas, caso o consumo máximo fosse ultrapassado, não eram simplesmente para evitar que o país entrasse em um colapso do sistema elétrico, ou melhor, o black out. Apesar do discurso do poder público, remetendo a culpa da crise à população, que teria gastado muita energia, essas medidas pretendiam corrigir a omissão dos empre- sários que compraram as estatais na época das privatizações. Na verdade, os contratos estabeleciam que, para elevar o aproveitamento do potencial das usinas hidrelétricas, responsáveis por cerca de 90% da geração de energia no Brasil, havia a urgência de investimentos no setor elétrico, que não foram feitos. A falta de planejamento do governo é demonstrada pelo fato de não saber que a população fosse se adequar à campanha e baixar 25% do consumo, valor muito além do esperado, explica o professor de Geociências do Campus de Aquidauana da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Paulino Eduardo Coelho. Por isso que, logo depois, houve um tarifaço, um incremento da tarifa de energia para compen- Vivian de Castro Alves O PPT tem como objetivo atender às necessidades do Brasil, tendo em vista que uma termelétrica a gás natural pode ser construída e colocada em operação rapidamente Março/2003 Revista Época O Gasoduto Bolívia-Brasil foi apresentado à população brasileira, em 1998, como um dos maiores avanços econômicos e tecnológicos dos últimos tempos. Mas a história mostra que até agora ele não passou de um grande desastre de planejamento sar as perdas havidas pelas empresas que adquiriram as estatais energéticas. Com os reservatórios das antigas hidrelétricas vazios, situação que poderia ser evitada se houvesse incremento no setor, somado ao período de grande estiagem no país, algo de imediato precisava ser feito. Nessa época, a Petrobras (Petróleo Brasileiro S/A), uma das maiores estatais brasileiras e uma das mais importantes empresas no mercado do petróleo do mundo, pretendia expandir sua área de abrangência à geração de energia elétrica. A Petrobras passou por uma reestruturação grande, foi criada uma diretoria de Gás e Energia exatamente pelo o que representa ou o que vai representar o gás natural na matriz energética do Brasil, afirma o senador Delcídio do Amaral (PT), que ocupou essa diretoria no período entre 1999 a 2001. Fadado ao fracasso O senador lembra que a Petrobras já tinha um programa modesto de termeletricidade usando gás natural basicamente para atender o consumo próprio da empresa, que é de 700 MW/h, mais que o consumo em horários de pico de Mato Grosso do Sul. A estatal já havia construído o Gasoduto Bolívia-Brasil e, portanto, pretendia expandir o mercado de gás no Brasil. Essa conjuntura, aliada aos problemas com o abastecimento de energia que o país enfrentou, criou a condição ideal para a implantação do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT). Março/2003 Já existia um interesse em terminar o projeto de gás natural e coincidiu também com a falta de energia no país, declara o senador. O programa era para atender às necessidades do Brasil, tendo em vista que uma termelétrica a gás natural pode ser rapidamente construída e colocada em operação. Assim, o PPT nasceu com uma previsão de dez termelétricas movidas a gás natural a serem instaladas pela Petrobras e por parceiros privados. Mais tarde, esse número aumentou quase cinco vezes, totalizando 49 usinas. Quem iria investir na geração de energia elétrica, a partir do gás externo, eram empresas brasileiras consumidoras da energia produzida, afirma o engenheiro e exprofessor das Universidades de Brasília, de Campinas e Federal da Bahia, José Walter Bautista Vidal. De acordo com o professor e ex-secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Industria e do Comércio, essas empresas afastaram-se do negócio pelos preços ascendentes do gás em dólares e a variação das taxas de câmbio. O negócio fracassou como tinha sido pensado, sentencia Bautista Vidal. O que se fez depois foram esquemas malucos em que envolveram a Petrobras, que teve elevados prejuízos com isso, cerca de 400 milhões de dólares no ano passado, segundo informação dos jornais. Nem MS escapou Mato Grosso do Sul exerceu um importante papel na concretização não só do Gaso- 5 duto, já que faz fronteira com a Bolívia. O estado entrou compulsoriamente no Programa, devido à arbitrariedade do governo federal. O PPT estabelece a instalação de três usinas em Mato Grosso do Sul: uma em Campo Grande, que já foi construída, outra em Três Lagoas, já em fase de testes, e uma em Corumbá, cuja empresa que iria construir desistiu do projeto. As outras duas que nós estamos estudando, junto com parceiros e investidores privados e a Petrobras, são um meio para ancorar o gasoduto lá para Brasília, prevê o senador, que foi secretário de infraestrutura e obras do estado, antes de se lan- çar candidato ao senado em 2002. Para propiciar a implantação do gasoduto até o Distrito Federal, seria necessária a instalação de uma térmelétrica na região entre os municípios de Coxim e Rio Verde. A outra usina deve ser construída em Dourados, a fim de ancorar o ramal que sairá de Campo Grande em direção ao Paraná, para encontrar o Bolívia-Brasil no litoral deste estado. Com muita luz no fim do túnel A desestatização promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, enfraqueceu o sistema elétrico brasileiro. A Petrobras pagou um alto preço por esse pro- O PPT prevê a implantação de 49 termelétricas, mas foi paralisado com menos de 10% do total de projetos concluídos 6 Fonte: Nacional ( O N S ) de Operador Sistema Março/2003 Vivian de Castro Alves cesso e para viabilizar o mercado de gás das empresas estrangeiras que possuíam as reservas na Bolívia, Argentina e Peru e não tinham para quem vender o produto. Há longa data que as irmãs, grandes corporações de petróleo, como a Shell, a British Petroleum, a Exxon, Repsol, Texaco, Chevron, Total e seus agentes internos brasileiros pretendem impor esse absurdo ao Brasil, opina Bautista Vidal. Com o governo entreguista de FHC as condições foram criadas, mas para isso precisavam destruir o sistema hidrelétrico brasileiro, dos mais eficientes do mundo, o que quase conseguiram, não fosse o desastre do apagão de 2001. A assessoria de imprensa da Petrobrás informou que esse momento é muito complicado para dar declarações oficiais, já que a empresa está em um processo de transição e não cedeu informações sobre o assunto. O projeto está paralisado, já que os reservatórios das hidrelétricas estão cheios novamente. Por enquanto, as termelétricas que já foram instaladas estão operando bem abaixo da capacidade máxima e apenas para complementar a oferta de energia nos horários de maior consumo. Fora isso, a desvalorização do real e a iminência de estourar uma guerra dos Estados Unidos (EUA) contra o Iraque, sob o falso pretexto do perigo das armas químicas, inviabiliza o investimento nessas usinas, já que o gás é comprado em dólar e a energia é vendida em reais. Além desses fatores, o setor de gás e energia nos EUA, país origem de grande parte das empresas investidoras, está em crise. O total de endividamento das companhias atingiu US$ 477,6 bilhões em 2002, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo em 18/02/03. As distribuidoras são responsáveis por grande parte dessa dívida. Apenas as nove principais distribuidoras elétricas americanas, como a El Paso, que pretende instalar uma usina em Mato Grosso do Sul, e a Duke Energy, que desistiu de um empreendimento em Corumbá, acumulam um débito de US$ 116,5 bilhões. A ministra Dilma Rousseff (PT) considera que o projeto de construção de 49 termelétricas no país só poderá ser retomado depois que esse sistema elétrico for inteiramente remodelado. A posição da titular da pasta de Minas e Energia foi exposta, de forma clara, à jornalista Miriam Leitão, no programa Espaço Aberto, exibido pelo canal de tv a cabo Globo News, no dia 6 de fevereiro de 2003: O projeto em si não é ruim, releva a ministra. A forma como se supôs, a partir da idéia de mais competitividade, é que sim. Até que provem o contrário, mais competitividade significa energia mais barata. E a termelétrica não é a mais barata. Mesmo depois que foi resolvido o problema do pagamento do gás em dólares, num valor razoável acordado entre as partes, o projeto não deslanchou. Afinal, a suposição de introduzir uma fonte tecnologicamente menos eficiente e mais cara (termelétricas) vai contra toda a lógica do sistema elétrico nacional. Poder de decisão Para definir quais unidades gerarão energia, criou-se o Operador Nacional de Sistema (ONS). O órgão tem como base o melhor aproveitamento do sistema elétrico, visando o menor custo a curto e médio prazo. Quando há bastante água nos reservatórios, por exemplo, o Operador prioriza a geração nas hidrelétricas, Rede de transmissão da Enersul (empresa responsável pela comercialização de energia mas quando há seca, para não faltar energia, o sistema opta pela geração das termelétricas. no estado), que distribui a energia gerada O operador avalia, também, as possibilidades e restrições da pela usina William Arjona, em Campo Grande rede de transmissão local. Alguns lugares têm tamanha limitação de transmissão que não suporta trazer o volume de energia necessário para a região. É o caso de Mato Grosso do Sul, que também tem pouca produção de energia. Para reverter esse quadro, a Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil (Eletrosul), subsidiária do sistema Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S/A), pretende investir R$ 250 milhões na implantação de mais duas linhas de transmissão no estado com capacidade total de 500 MW. Agora resta a aprovação da Aneel para o início das obras. Apenas com a expansão da rede de transmissão local, desconsiderando a geração termelétrica, Mato Grosso do Sul poderá dobrar o consumo atual de energia. Março/2003 7 Keila Mesquita Discurso eleitoreiro Senador e governador do estado garantem mandatos defendendo um projeto de termeletricidade que já dá sinais de fracasso É preciso ter geração local de energia e um gás natural barato para estimular o processo industrial Delcídio do Amaral, senador A implantação de termelétricas no estado foi usada como plataforma de campa8 nha política de Delcídio do Amaral e do governador do estado José Orcírio Miranda dos Santos, Zeca do PT, que se reelegeu no pleito de 2002. A promessa é de que uma maior oferta de energia, chamada nas propagandas institucionais do governo de energia limpa, trará industrialização, desenvolvimento e, conseqüentemente, a geração de novos empregos. Outra razão para esses investimentos é o aumento na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que seria cobrado, também, sobre a geração de energia. O senador Delcídio do Amaral lembra que Mato Grosso do Sul é um estado importador de energia, sem a qual as indústrias não podem se instalar, mas acrescenta que somente isso não trará o progresso esperado. Na verdade, existe um conjunto de medidas que tem que ser tomadas, admite ele. É preciso ter geração local de energia e ter um gás natural barato pra estimular o processo industrial. Esse estudo já está pronto e também existe uma política fiscal montada para alavancar esses empreendimentos. A disparidade entre as moedas americana e brasileira, porém, pode tornar os investimentos em termelétricas inviáveis, se não houver grandes incentivos governamen- tais. Isso paralisou o Programa Prioritário de Termeletricidade. Os interessados resolveram dar um tempo porque as regras eram pouco claras e, conseqüentemente, esse pessoal não vai botar dinheiro numa coisa que não tem retorno financeiro, ressalta Delcídio do Amaral. Assim, o governo federal decidiu sobretaxar a energia elétrica para viabilizar a expansão do mercado do gás natural no país. A energia elétrica subiu no início deste ano mais de 30%. As tarifas energéticas e de outros insumos combustíveis vem subindo, não só por questões de câmbio e de mercado, revela o professor Paulino Coelho. É também justamente para tentar colocar o gás em um patamar competitivo. Ou põe um subsídio, que é uma prática econômica não recomendada, porque tira dinheiro de áreas prioritárias para colocar em uma outra área, ou então sobretarifa a forma mais barata de geração de energia. É o que está sendo feito com a hidroeletricidade para tornar a energia do gás mais competitiva. O professor afirma que, com esse aumento, as empresas que compraram as antigas estatais de energia estão lucrando ainda mais, sob a alegação de que a economia foi tão grande que elas ficaram sem dinheiro para gerar energia e por isso teriam sido obrigadas a reajustar o preço. Março/2003 Vivian de Castro Alves Crítica feroz Além de incoerente com as vocações naturais do estado, o modelo de desenvovimento proposto pelo governo é ultrapassado O modelo industrial não tem uma distribuição mais justa, mais correspondente aos esforços intelectuais ou físicos das pessoas envolvidas Paulino Coelho, professor da UFMS As usinas termelétricas estão muito longe de ser a solução para os problemas sócio-econômicos do Brasil. Isso porque foram conseqüência de um modelo imediatista, calcado na imprudência. A crítica não é as termelétricas, mas à qualquer panacéia de que essa solução vai resolver os problemas do estado, afirma o professor do departamento de Geociências do Campus de Aquidauana da UFMS, Paulino Eduardo Coelho. A economia do mundo hoje está voltada para a área de prestação de serviços. Segundo o professor, o setor industrial está deixando de ser vantajoso, pois hoje o mundo privilegia o terceiro setor. A maior prova disso é o sudeste, onde apenas concentrouse riqueza e distribuiu-se miséria, enfatiza Coelho. O modelo industrial não tem uma distribuição mais justa, mais correspondente aos esforços intelectuais ou físicos das pessoas envolvidas. Essa concentração de renda resulta de uma equação muito simples. Quem tem a idéia de um produto industrial e elabora o projeto dele fica com dois terços dos recursos gerados, enquanto quem constrói fica com um terço. É justamente nessa fase de manufatura que se utiliza maior número de mão-de-obra. É um modelo de concentração de renda que vai contra os ideais do PT, partido do Março/2003 governador José Orcírio Miranda dos Santos e do atual presidente da república Luís Inácio Lula da Silva. A ideologia petista sempre apregoou a igualdade de direitos. O projeto das termelétricas e das indústrias atreladas a elas não só aumentará as diferenças sociais, como também não terá o efeito de desenvolvimento econômico que se tem divulgado, já que a maior parte das divisas irá para as empresas estrangeiras. Planejar é preciso Antes de qualquer iniciativa de se implantar um sistema energético, é necessário fazer um estudo para definir quais as alternativas de geração de energia no estado, a vocação social e econômica, a demanda atual e futura de eletricidade e qual a perspectiva sócio-econômica para o futuro. Mas, em Mato Grosso do Sul, nenhuma análise dessas teria sido feita, conforme denuncia o professor Coelho: Existe, no país, uma carência muito grande de planejamento a longo prazo que seja contextualizado dentro de uma situação de desenvolvimento global. Hoje, não se sabe qual é a disponibilidade de matriz energética em cada município e região do estado. Não existe um levantamento do potencial de Mato Grosso do Sul. Além disso, o projeto do governo do estado de construir um pólo gás-químico em 9 dual, principalmente durante a campanha eleitoral de 2002, de que as termelétricas gerarão mão-de-obra e desenvolverão o estado é, portanto, incoerente. A realidade das indústrias atuais está bem longe de precisar de muita mão-de-obra para entrar em operação. A produção industrial está cada vez mais dependente dos recursos da informática. A geração de postos de trabalho é outra ilusão, critica o professor Coelho. A indústria moderna não gera emprego. É tudo automatizado. A usina William Arjona, em Campo Grande, por exemplo, gerou cerca de 150 postos de trabalho na etapa de construção e na fase de operação esse número foi reduzido para 11. Além disso, 90% desses traVivian de Castro Alves balhadores vieram da região sul, principalmente de Santa Catarina, onde fica a sede da Tractebel Energia, proprietária da usina. Se aplicarmos a regra básica de que cada emprego gera 3 indiretos, vamos gerar 36 empregos, o que vai injetar um grande nada na sociedade sul-mato-grossense, indigna-se Coelho. Vivian de Castro Alves Campo Grande ou Corumbá, atrelado à energia produzida pelas termelétricas, conforme Coelho, seria prejudicial à região. O professor chama a atenção para o alto preço dos incentivos fiscais que as indústrias teriam, necessariamente, de receber: Isso será um grande crime se for feito, porque as indústrias vão ser de altíssimo consumo de insumos (como recursos naturais), elevadíssima geração de resíduos e efluentes, baixíssima ocupação de mão de obra e com excessiva carga social na comunidade, porque tudo terá de ser dado para essas indústrias entrarem aqui. Outra questão importante, além da ausência de um planejamento bem fundamentado, é que o modelo industrial pretendido pelo governo está ultrapassado, sem contar que não é adequado a Mato Grosso do Sul. O estado não tem um parque industrial, e não precisa ter, no conceito atual de desenvolvimento, analisa o professor. Seria outro mito dizer que a industrialização vai gerar novos postos de trabalho. A indústria moderna vem passando por um processo de automação, com considerável diminuição da necessidade do 10 trabalho humano nas fábricas. O homem, pela tecnologia, domina a energia da natureza, permitindo superar de longe o trabalho muscular, avalia o ex-secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Industria e do Comércio Bautista Vidal. Por isso, nas sociedades industrializadas, o operário pode ser dispensado. Na visão liberal, o operário passa a não ter mais razão de existir. Empregos virtuais O discurso propalado pelo governo esta- A termelétrica William Arjona emprega apenas onze pessoas, a maioria proveniente de Santa Catarina Março/2003 Entramos pelo cano Daniela Rocha Contrato absurdo de compra de gás natural boliviano obriga o estado a pagar dezesseis vezes a mais o valor da quantidade consumida Keila Mesquita O investimento em geração de energia termelétrica é um empreendimento recente no país e que ganhou especial destaque nos últimos quatro anos. Enquanto em países como Estados Unidos, maior consumidor de petróleo do mundo, e Canadá, há uma tendência de reduzir o consumo de gás natural, principal combustível das termelétricas, o Brasil adotou uma política de incentivo ao uso do produto, apesar de possuirmos 20% da água potável do mundo. Mato Grosso do Sul abraçou a causa e pretende remodelar a matriz energética estadual, em função da oferta do combustível boliviano, incentivando a produção de energia termelétrica à base de gás natural, ainda que a política do atual Para viabilizar o gás no estado governo federal sinalize que e atingir o volume contratado hidroeletricidade será o focom a Bolívia, a prioridade é co das atenções da administermeletricidade mesmo tração. O senador Delcídio do Amaral reconhece que Delcídio do Amaral, senador nossos recursos hídricos têm muito potencial para gerar energia, mas acredita ser o projeto termelétrico fundamental para o sistema energético atual: O gás é o combustível do futuro, prevê o senador. Março/2003 Para viabilizar o gás no estado e atingir o volume contratado com a Bolívia e produzido na Bacia de Campos, a prioridade é termeletricidade mesmo. Não há dúvida. O estado compra, atualmente, mais de oito milhões de metros cúbicos por dia de gás natural boliviano. Essa quantidade é suficiente para abastecer mais de seis usinas de cinco turbinas funcionando 24 horas por dia, a uma potência de 200 MW/h, e ainda sobraria combustível para postos de abastecimento e pequenas indústrias. No entanto, o consumo atual é de, aproximadamente, 500 11 mil m3/dia, ou melhor, menos de 10% do que é comprado da Petrobras. A MSGÁS, empresa que distribui o gás no estado, na qual a Petrobras tem participação acionária de 49% e o governo estadual 51%, quer atingir o maior número possível de clientes de vários segmentos para reverter este quadro. O gerente de engenharia da empresa, Fernando Augusto dos Reis Lima não esclarece o que é feito com o gás que é pago e não é consumido: Existe um volume contratado com a Petrobras de oito milhões e 100 mil metros cúbicos por dia. Mas, do que vai ser vendido, o que será feito é outra história. Isso é a dinâmica do mercado. Nós estamos tentando atrair as empresas. Agora, tem essas crises de guerra, apagão, que deixa a situação indefinida. Até o momento, apenas uma indústria estadual consome o gás natural, a Mabel Indústria de Alimentos, em Três Lagoas. A distribuidora de gás pretende expandir e diversificar o mercado do combustível. Há um contrato fechado em fevereiro deste ano para abastecer a UFMS e o Hospital Universitário e há uma previsão para que até 2004 as residências e os estabelecimentos comerciais possam ser abastecidos com gás natural encanado. Pioneira nas controvérsias A instalação da termelétrica William Arjona foi o pontapé inicial para as discussões sobre os problemas causados pelas usinas no estado Daniela Rocha 12 Março/2003 Março/2003 Magno Lemes Um outro agravante seria a tecnologia empregada no empreendimento. Essa turbina da termelétrica William Arjona era sucata em El Salvador, denuncia a pesquisadora. Como sucata, a tecnologia de queima é péssima e ultrapassada. Assim sendo, ela é extremamente poluidora. A professora participou do grupo de técnicos que prestaram consultoria à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da comarca de Campo Grande, que movia o processo. Para exemplificar o que representam 20 mil toneladas, um caminhão grande é capaz de carregar 70 toneladas. Entretanto, o gerente da William Arjona, José Luiz Jansson Laydner, assegura que todas as turbinas possuem mais de 20 anos de vida útil. Das cinco turbinas, cada uma com potência de 40 MW, as duas primeiras foram compradas novas, e as outras três foram adquiridas já com uso de empresas de outros países, como Chile e El Salvador. A mais antiga foi comprada em 1989, mas, se forem somadas as poucas horas de operação dessas turbinas, elas ainda têm boas possibilidades de uso, segundo Laydner: Se compararmos com os 25 anos de vida útil que esse modelo tem, como as usadas têm no máximo três ou quatro anos de vida gasta, pode-se dizer que todas elas são unidades novas. A professora Hess, no entanto, alerta que a tecnologia atrasada implica em mais poluentes perigosos lançados na atmosfera, como o óxido nítrico (NO). Esse gás preoEssa turbina da termelétrica William cupa por causa dos Arjona era sucata em El Salvador efeitos sobre o orgaSônia Corina Hess, professora nismo humano, podendo causar câncer e impotência sexual. Cada unidade emite quatro toneladas por dia de óxidos de nitrogênio (NOx), que são o óxido nítrico mais o dióxido de nitrogênio (NO 2 ), também poluente. Conforme a química, se o equipamento de queima fosse melhor, a emissão de óxidos de nitrogênio poderia ser reduzida em até 80%, mas a empresa não quer investir em equipamentos mais avançados. Para Laydner, não há o que questionar. As turbinas atendem aos níveis exigidos pela legislação brasileira, pelos órgãos de meio ambiente e pelas normas de saúde no trabalho, até com uma certa folga. Além disso, o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) não prevê índices de qualidade do ar para óxido nítrico. Podem existir usinas que As turbinas atendem aos níveis exigidos pela legislação brasileira e pelos órgãos de meio ambiente, até com uma certa folga José Laydner, gerente da William Arjona têm mais, e que têm menos, mas essa aqui está dentro da solução. De acordo com o gerente da usina, a tec- 13 nologia empregada estaria relacionada à finalidade do empreendimento. A William Arjona foi concebida para fazer corte de ponta, isto é, trabalhar em conjunto com as fontes energéticas existentes, principalmente no horário de maior consumo, entre as 18:00 e as 21:00 horas. É uma espécie de garantia para o fornecimento nos horários em que aumenta a demanda e nos períodos de seca. Em 2001, época do racionamento energético, todas as unidades estavam funcionando. Laydner esclarece que para essa finalidade, a solução tecnológica mais indicada é instalar pequenas unidades com potência menor, trabalhando em ciclo aberto. O modelo de turbina a gás instalado na William Arjona é o mais vendido no mundo, com 920 unidades comercializadas. O carro mais avançado do mundo é a Ferrari do Schumacher, mas eu não vou comprar um carro desses para ir ao supermercado, compara Laydner. Atualmente, como os reservatórios de água das hidrelétricas estão cheios, diminuindo a demanda por energia das térmicas, a William Arjona está com apenas duas turbinas operando: uma em modo contínuo e outra apenas 17 horas por dia, entre as 7:00 e as 24:00 horas. Pressões Políticas A professora Sônia Hess revela que apesar de todos As usinas termelétricas produzem eletricidade a partir da queima as questões levantadas pela de combustíveis. Elas podem utilizar combustíveis fósseis, como o carcomunidade científica sovão mineral, petróleo e derivados, e também o gás natural, que entre bre a poluição ambiental e esses é o menos poluente. A usina movida a gás natural pode operar no os possíveis problemas de ciclo simples, quando os gases resultantes da queima são expelidos saúde pública, a legislação diretamente na atmosfera em altas temperaturas, ou no ciclo combibrasileira é ineficaz contra nado, pelo qual a turbina a gás é acoplada a uma turbina a vapor. O esse tipo de agente pocalor necessário para a caldeira da unidade a vapor é fornecido pelos luidor. É uma discussão gases quentes da exaustão das turbinas a gás. árdua e até agora não tivemos sucesso em forçar a empresa a fazer alguma endimento ainda em fase de instalação para coisa, lamenta. A doutora Marigô se esa empresa Tractebel Energia. forçou muito, mas ela sofreu muitas pressões políticas, refere-se à promotora de JusA promotora revela que teve de arquivar esse inquérito, uma vez que nenhum técnitiça do Meio Ambiente, Marigô Regina Bittar co se prontificou a alertá-la sobre os riscos Bezerra. No dia 11 de dezembro de 1998, causados pela usina. Somente agora, em Bezerra instaurou inquérito contra a Enersul (Empresa Energética de Mato Grosso do Sul 2002, após a usina estar implantada e com várias turbinas funcionando, vieram técnicos S/A), que estava construindo a usina na époda Universidade Federal para me alertar, ca. Mais tarde, a Enersul vendeu o empre- 14 MS Imagens Turbinas em ciclo Arjona: construção compulsória A instalação da termelétrica William Arjona, a primeira a utilizar gás natural boliviano no país, já estava prevista em contrato há cerca de seis anos. Em setembro de 1998, o governo federal privatizou a Gerasul, uma estatal de geração de energia elétrica que atendia a Região Sul e Mato Grosso do Sul. A Gerasul havia sido originada da cisão da estatal Eletrosul, que foi dividida em uma empresa geradora e outra transmissora de energia. A empresa Tractebel S/A ganhou o leilão da Gerasul, que passou a se chamar Tractebel Energia. O edital do leilão previa que quem adquirisse a estatal teria de construir uma usina termelétrica com potência de 120 MW em Mato Grosso do Sul. A determinação para a instalação veio do Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico Brasileiro, da Eletrobrás, que indicou a geração local como a alternativa de menor custo para o sistema elétrico, a fim de evitar os cortes de energia na região e melhorar a qualidade do fornecimento. A usina, que consumiu um investimento de R$ 100 milhões, está localizada a 20 quilômetros de Campo Grande, na saída para o município de Sidrolândia, região Sul da cidade. O nome William Arjona foi uma homenagem ao funcionário da Gerasul, falecido no trágico acidente com o Fokker da companhia aérea TAM, em São Paulo, em 1997. A Tractebel S/A é o braço de energia do Grupo Suez, que atua em 130 países e tem em torno de 90 mil empregados. O interesse da multinacional pelo Brasil se deu com a abertura do setor elétrico na década passada. A empresa já ganhou prêmios da área ambiental, como o Troféu Fritz Muller, no ano passado, por um trabalho de recuperação de áreas degradadas relacionadas ao Complexo Termelétrico Jorge Lacerda. Março/2003 Daniela Rocha Tubos que transportam o gás natural até as turbinas da termelétrica William Arjona justifica-se. O que eu podia fazer? Implodir a termelétrica não poderia, então eu procurei minimizar os impactos causados pela usina. Conforme a professora Hess, a comunidade científica do estado não se manifestou antes porque não sabia das conseqüências da operação de uma usina a gás, já que isso é algo novo até no país. Embora não seja pesquisadora dessa área, ela se envolveu nas investigações sobre os efeitos da termelétrica, porque não havia alguém nas discussões com conhecimento em química. Em dezembro de 2001, Hess foi a uma audiência pública para a qual foram chamados os representantes da usina, então já de propriedade da Tractebel Energia. Durante essa audiência, eu percebi que havia muitas falhas na postura da empresa, no nível de poluição que ela estava causando e no monitoramento da poluição, que era muito frágil e insuficiente. A investigação dos danos causados ao meio ambiente e ao consumidor em função do processo de transformação do gás em energia elétrica , como é citado no processo, foi o objetivo do segundo inquérito civil instaurado no dia 8 de janeiro de 2002, desta vez com a ajuda de técnicos. O próprio Ministério Público foi o denunciante. Embora a equipe da Electra tenha iniciado uma entrevista marcada com antecedência, e estivesse com todos os gravadores ligados, a promotora Marigô Bezerra, já usando o microfone de lapela, recusou-se a falar mais Março/2003 que isso sobre o processo. Ela limitou-se a informar que um cliente a esperava, e que não teria tempo, pelos próximos dois meses, para marcar um novo encontro, apesar de ter sido comunicada de que muitas questões ainda 15 precisavam de esclarecimento. Uma a menos A Enersul (Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S/A), responsável pela distribuição de energia no estado, também entrou na onda do gás natural para gerar energia elétrica. A empresa tinha interesse em gerar 240 MW por dia. O investimento, que custaria US$ 140 milhões, foi excluído, em novembro de 2002, do planejamento da Enersul. Conforme ofício encaminhado à Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da comarca de Campo Grande, a diretoria de distribuição da empresa alegou inviabilidade comercial da energia gerada por termelétricas a curto e médio prazos, devido a volatibilidade cambial, além da redução do consumo de eletricidade ocorrida depois do racionamento em 2001, provocando sobra de energia, com a conseqüente elevação da oferta a preços reduzidos. A desistência da Enersul configura o insucesso do modelo de sistema energético do estado, baseado na geração de energia proveniente das termelétricas a gás natural. Termo para inglês ver à saúde pública, não há compensação estabelecida. O termo ainda estabelece que a empresa faça um reflorestamento de apenas 100 metros no entorno da usina. Mas essa medida serve apenas para as questões visuais e de acústica do ambiente, e não tem nenhuma relação com o seqüestro do gás carbônico (CO2), emitido em grandes quantidades. Tractebel Energia O resultado do inquérito civil sobre a termelétrica William Arjona foi o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual a Tractebel Energia se propõe a tomar uma série de medidas para controlar e amenizar os impactos ambientais. No entanto, conforme a professora Hess, nenhuma medida do TAC vai realmente evitar a poluição que a usina está causando. Eles se propuseram a monitorar melhor, a financiar alguns projetos como compensação ambiental, mas em termos de controle da poluição não estão fazendo absolutamente nada, acusa, lembrando que não podem ser punidos, porque não existe legislação nesse sentido. Dentre as medidas do TAC, estão previstos os monitoramentos do clima, de possíveis descartes de resíduos, da qualidade do ar e da água e também das emissões de substâncias poluentes. A empresa também deve participar da implementação de dois projetos: o projeto Rede de Sementes do Pantanal, da UFMS, e o de Planejamento e 16 Desenvolvimento Sustentável e Ambiental do Bairro Nova Lima, em Campo Grande. Esses dois projetos são medidas de compensações ambientais durante a fase de implantação. Já para a fase de operação, principalmente em relação aos danos causados O Termo de Ajustamento de Conduta prevê monitoramento mais eficiente da qualidade do ar e da água , mas não estabelece ações efetivas para o controle da poluição Termelétrica virtual A quinta termelétrica a gás natural prevista para ser instalada no estado é de responsabilidade da El Paso Energy International do Brasil, empresa norte-americana com sede no Rio de Janeiro. A usina seria localizada na bacia do córrego Gameleira, zona rural de Campo Grande. Com um custo estimado em R$ 400 milhões, ela operaria com uma potência de 277 MW e ciclo combinado, consumindo 1.200.000 m3 de gás natural por dia. A El Paso tem a Licença Prévia desde novembro de 2002. O prazo para pedido da Licença de Instalação já expirou e a empresa, que já enfrenta um inquérito civil instaurado desde o início do ano passado devido a impactos ambientais, principalmente nos lençóis freáticos, até agora não construiu a usina. Tudo ficou mais difícil depois que o vicepresidente Comercial e de Desenvolvimento de Negócios da El Paso, Eduardo Karrer, divulgou que a empresa venderá sua participação no Gasoduto Bolívia-Brasil a multinacional tem 9,6% de participação na Transportadora Brasileira do Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), companhia que opera o duto. A informação foi divulgada pela Agência Estado, em 21/02/03. Conforme a matéria, Karrer nega que a desistência no Gasbol esteja ligada à paralisia do mercado brasileiro de gás. O vice-presidente da El Paso, a qual passa por dificuldades nos Estados Unidos, ressalta que a multinacional quer concentrar seus esforços na exploração e produção de gás natural no Brasil, um segmento com maior potencial. Março/2003 Entre o lago e as árvores A Usina Termelétrica de Três Lagoas, cercada pelas marcas da exploração econômica, sofreu sucessivos atrasos no projeto e ainda não conseguiu operar Vivian de Castro Alves Um labirinto verde. Assim pode ser descrito o caminho percorrido para se chegar à Usina Termelétrica de Três Lagoas. É preciso atravessar uma estrada de chão, costurada por uma cortina de milhares de pés de eucaliptos, herança da compensação ambiental feita devido à construção da represa da hidrelétrica Souza Dias, antiga Jupiá, na divisa com São Paulo. O caminho tem tantas voltas quanto a própria história da termelétrica. O gerente de projeto da usina, o engenheiro eletricista Joel Trindade Mariz Júnior, informa que a construção deveria começar em maio de 2001, mas a obra teve início somente em fevereiro do ano passado, em razão da demora na liberação da licença de instalação, expedida pelo Ibama. A Petrobras é a única proprietária do empreendimento, que está em fase de testes das turbinas. Essa etapa deveria ter começado em meados de setembro, porém sofreu atraso devido à falta de odorização do gás natural. Como o gás é inodoro, é necessário misturá-lo a uma substância com cheiro forte para tornar possível a detecção de eventuais vazamentos. Os testes tiveram início no dia dez de outubro de 2002 e perduram até hoje. Março/2003 Essa fase é um grande ponto de interrogação, você pode ou não detectar pequenos problemas, adverte o engenheiro. Se houver algum problema, dependendo da complexidade, o teste pode se prolongar por semanas ou meses. Essa interrogação teve a resposta em fevereiro deste ano, quando foi detectada uma falha em uma turbina, causando preocupação aos três-lagoenses. No entanto, Mariz garante que não há risco algum para a população. Segundo o gerente, houve um problema no sistema de resfriamento do óleo lubrificante, que estava com a temperatura um pouco acima do normal, mas a revisão do sistema já foi solicitada ao fabricante, a empresa General Eletric Energia e Produto, 17 subsidiária européia da norte-americana General Eletric Company (GE). As turbinas, cujo modelo foi lançado no mercado em 1995, são novas e de última tecnologia. Combinação dos ciclos Pelo cronograma inicial, a primeira turbina deveria começar a funcionar em dezembro de 2001. Com o atraso das obras, a expectativa é de que a usina inicie a operação no ciclo simples (ver box na página 14) em junho deste ano. Para gerar energia nesse Vivian de Castro Alves sistema, a térmica tem quatro turbinas já instaladas, com potência de 60 MW cada, que produzem energia através da queima de gás natural, proveniente do Gasoduto Bolívia-Brasil. O ciclo simples, que a gente chama de Fase 1, foi uma forma que a Petrobras encon18 trou para disponibilizar uma maior quantidade de energia, de forma mais rápida, em função da carência energética que o país apresentava em 2000, explica o engenheiro. Havia uma pressão do governo para que a Petrobras acelerasse o processo. O modo de fazer isso foi instalar o ciclo simples primeiro e, depois, o ciclo combinado. Os equipamentos do ciclo combinado, que consistem em duas turbinas a vapor, cada uma com potência de 80 MW, dentre outras máquinas, levam mais tempo para serem instalados. Apesar do aumento na capacidade de geração de energia, a implantação da segunda fase não implicará em maior consumo de gás natural. A crise no setor elétrico parece ter afetado os investimentos da Petrobras. O Correio do Estado, na edição de 24 de dezembro de 2002, divulgou que a estatal pode deixar de investir US$ 100 milhões na usina, destinados à implantação dos equipamentos que completariam o ciclo combinado. Essa segunda etapa acrescentaria 110 MW à potência de 240 MW já instalada na etapa de ciclo simples, totalizando 350 MW. Se for mantido o projeto inicial com as duas etapas, o valor total do investimento será de US$ 250 milhões. Apesar das notícias, Mariz afirma que a Petrobras não passou nenhuma orientação sobre o corte. Cuidados com o ambiente Um dos pontos que suscitou maiores discussões com o Ibama, foi a utilização de água do lago da usina hidrelétrica Souza Dias, a antiga Jupiá, que fica a 600 metros da térmica. A água será utilizada na segunda fase de operação, quando forem implantadas as usinas a vapor, devendo ser devolvida ao lago em altas temperaturas. O Ibama questionou os impactos que esse descarte poderia causar. Qualquer empreendimento que vai consumir algum recurso sempre gera polêmica, justifica Mariz. Adicional por periculosidade A usina já teve de enfrentar até uma greve. Conforme a edição do jornal Correio do Estado, do dia seis de novembro de 2002, funcionários de uma empresa terceirizada, a empreiteira Enesa, que trabalhavam na obra, fizeram uma paralisação em novembro para cobrar da empreiteira o pagamento de adicional porpericulosidade, já que os riscos no local teriam aumentado com o início dos testes. O gerente, entretanto, diz desconhecer a realização de uma greve, afirmando que houve apenas um descontentamento dos funcionários com a empresa subcontratada da Petrobras. Março/2003 Vivian de Castro Alves A usina conta com mecanismos de diminuição do impacto ambiental. Uma das principais tecnologias de controle da poluição é o uso do sistema Dry-Low-NOx, que reduz as emissões dos óxidos de nitrogênio (NOx). Além desse sistema, a Petrobras investiu em vários programas de gerenciamento, para controlar as emissões e o descarte de poluentes, e de monitoramento, com o objetivo de avaliar os impactos da usina na fauna e no meio aquático, entre outras medidas. Um dos principais projetos é o Programa de Educação Ambiental, que, de acordo com Mariz, visa conscientizar os funcionários da usina e a comunidade da região da necessidade de se preservar o meio ambiente. O programa ofereceu um curso a 40 professores da rede pública municipal de ensino, e distribuiu materiais educativos, como folders, vídeos, jogos e revistas em quadrinhos, destinadas principalmente às escolas públicas. Há também o Prade Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, criado para recuperar a vegetação que sofreu impacto com a instalação da usina. Também está sendo restaurada a vegetação degradada pela construção da hidrelétrica Souza Dias. As áreas serão reflorestadas com espécies nativas da região, o que é importante para a recuperação do ecossistema. Havia uma pressão do governo para que a Petrobras acelerasse o processo. O modo de fazer isso foi instalar o ciclo simples primeiro e, depois, o ciclo combinado Joel Mariz, gerente da usina, referindo-se ao fato de que a térmica funcionará, a princípio, sem as turbinas a vapor Dourados na rota do gasoduto A instalação de um ramal para o gás boliviano de Campo Grande a Dourados, planejada pela Petrobras, é uma proposta do governador do estado José Orcírio Miranda dos Santos (PT) que não foi cumprida no mandato anterior, mas que ele pretende concretizar até 2006. O ramal fornecerá gás à usina que será instalada no município, conforme os planos do governo estadual. Já existem estudos em curso, e algumas áreas estão sendo selecionadas para não atrapalhar a população. Mas há questões que preocupam, como a localização, o acesso à usina, a infra-estrutura, principalmente com Março/2003 relação às redes de alta tensão, o sistema de irrigação da energia e a disponibilidade de água para o ciclo combinado, que exige maior quantidade - cerca de 600 mil litros por dia. Pesquisadores da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em Dourados, acreditam que o excedente de energia será interessante para a região, mas alertam para a necessidade de uma garantia de que realmente existirão medidas compensatórias que atendam as comunidades indígenas da área, porque fatalmente o ramal do gás terá de passar por algumas delas. 19 Vivian de Castro Alves Na Na expectativa expectativa Ansiosos Ansiosos por por um um emprego, emprego, corumbaenses corumbaenses esperam esperam oo desfecho desfecho da da novela novela da da TermoCorumbá TermoCorumbá Corumbá deveria abrigar a primeira termelétrica à base do gás natural da Bolívia. Porém, apesar de ser a unidade mais competitiva do Brasil, devido à proximidade com o ramal boliviano, a TermoCorumbá não saiu do papel. Há mais de quatro anos, os sócios (a Petrobras e a empresa norte-americana Duke Energy) ensaiam instalá-la. A termelétrica 20 chegou a obter a Licença de Instalação, mas o projeto parou na demarcação do terreno. A construção da usina não foi efetivada porque a Duke Energy, sócia majoritária, desistiu deste e de outros empreendimentos no Brasil. A desistência foi marcada por boatos. Um deles dizia que ela não se responsabilizaria pela remoção de mais de 2.000 moradores do bairro Nova Aliança, a menos de 400 metros do local onde seria instalada a usina. Funcionários da Petrobras informaram que a termelétrica não atingiria a população local. Porém, o Ibama exigia a remoção das famílias para garantir segurança. A Duke alegava ser essa responsabilidade do governo estadual. Assim, o licenciamento ficava cada vez mais lento. Como conseqüência, o processo sofreu a pressão de corumbaenses que, esperando por uma vaga de trabalho, realizaram uma manifestação em frente à prefeitura cobrando a liberação da Licença de Instalação. Desconhecimento Assim como em outros lugares, a população de Corumbá pouco sabe sobre termelétricas. O senhor Jorge, morador há dois anos do Bairro Nova Aliança, lamenta o descaso dos interessados e o pouco acesso às informações, o que aumenta a angústia da espera. O terreno foi recebido como pagamento de Senhor Jorge: Gostaria de ter mais informação sobre essa termelétrica impostos e teria de ser direcionado à indústria. Mas, depois do assentamento dos sem-tetos, houve a promessa de que o local seria um lote social. Segundo os moradores, o processo parou porque houve uma briga entre o governo e a prefeitura. O acordo definia que metade do terreno seria pólo industrial e metade moradia, mas nunca foi colocado em prática. O senador Delcídio do Amaral (PT) aponta outro motivo: A Duke está com muitos problemas nos Estados Unidos por causa do fechamento da Enron. Como foi aberta uma investigação de todas as companhias de energia, várias empresas resolveram parar os projetos. A empresa seria parceira no projeto de outra usina, em Puerto Suarez, Bolívia, que também não se concretizou. Bem-me-quer, mal-me-quer A TermoCorumbá, uma das três usinas previstas pelo PPT para o estado, segundo o senador, é fundamental para o desenvolvimento da região porque o sistema de transmissão em Corumbá já está esgotado, inviabilizando o pólo mínero-siderúrgico previsto para o estado. A usina, além de maximizar o sistema, atrairia outras indústrias. Ela seria uma das mais competitivas porque não precisaria pagar a tarifa de transporte cobrada no Gasoduto Bolívia-Brasil, já que receberia gás de um ramal que sairia da Bolívia direto para Corumbá. A Petrobras ainda não encontrou outra parceira para o projeto. Conforme Amaral, existem propostas de empresas americanas e européias que querem assumir a participação da Duke, mas até agora nenhum acordo foi fechado. Março/2003 Destino incerto Apesar dos investimentos, laboratório para estudo do gás ainda não é capaz de medir os aspectos positivos e negativos deste combustível Sete meses depois de inaugurado, o Centro de Análise e Monitoramento Ambiental do Gás Natural (Gaslab), localizado na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em Dourados, no sul do estado, ainda não possui estrutura necessária para diagnosticar e monitorar os possíveis efeitos causados pelo gás natural. De acordo com os pesquisadores do centro, não existem indicadores específicos de impactos ambientais referentes ao gás. Por isso, ainda é difícil julgar se a instalação de termelétricas é boa ou ruim. O coordenador do projeto de Avaliação Ambiental Estratégica para o Gás Natural, Mário Vito Comar, admite que não existe equipamento que disponha de toda a tecnologia para afirmar se poluentes emitidos por uma termelétrica podem influenciar na saúde humana. Mas ele não descarta essa possibilidade e conta que está sendo montado um sistema de laboratórios para avaliar o nível de ecotoxicologia, saber quais seriam os organismos emitidos no ambiente e os efeitos que eles poderiam causar. Na complexidade da vida atual não dá para saber quais elementos que estão afetando a população, mas sem dúvida isso é uma carga adicional, afirma o coordenador, descartando a hipótese dos impactos serem muito altos, caso a localização seja adequada e os procedimentos corretos. A proposta do Gaslab, conforme Mário Vito Comar, não é necessariamente defender o uso do gás e, sim, investigar e avaliar todos os efeitos dele através de um monitoramento não só ambiental como também demográfico e cultural, avaliando o desenvolvimento de seu impacto e sua dinâmica, porque cada vez que se inova em tecnologia, que muda a matriz energética, todo o contexto socio-econômico é modificado. Por isso, ele acredita que a pesquisa para averiguar transforma- 21 ções biológicas no ambiente ainda tem muitos anos pela frente. Ainda não existe pesquisa específica para comprovar se um impacto é devido ao gás natural ou a um agrotóxico que já está no ambiente há muito tempo, exemplifica. Keila Mesquita Março/2003 Keila Mesquita retar, sem dúvida, o desenvolvimento de outras áreas a partir da Os interesses projeção do Centro, imagina o da Petrobras pró-reitor de pesquisa e pós-granão são necessaduação da UEMS, Fábio dos Sanriamente os tos Costa. nossos Isenção Justificada Apesar de o projeto ter sido concretizado através de um financiamento concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a estrutura atual do Gaslab só foi possível devido a parcerias com a Petrobras, MSGás e a TBG. Ainda Uma vez que exista o problema, assim, o coordenador do projeto garante que não há duas posturas. A Petrobras isso não muda o direcionamento das pesquiterá que providenciar medidas sas, nem mesmo pelo investimento da corretivas urgentes para definir a Petrobras, maior interessada na expansão do situação mercado de gás natural no Brasil. Os inteMário Vito Comar, coordenador resses dela não são necessariamente os nosEm busca de um modelo sos, mas nesse projeto estamos associados Os pesquisadores do centro consideram para que o gás natural seja conhecido como que a maior contribuição do projeto será a energético e usado de forma mais apropriada, justifica Comar. criação de um procedimento padrão que permita apontar, através do Sistema de AvaO coordenador garante que os trabalhos liação Ambiental Estratégica (SAAE) e de Anáestão sendo feitos com natureza investigativa lise e Monitoramento Ambiental (Samagás), se para a socialização do conhecimento. Segun22 o uso do gás natural é ou não indicado para do ele, se os resultados apontarem que a determinadas regiões, apontando os prós e os empresa não está atendendo aos padrões contras. Essa projeção, segundo o pesquisaexigidos, o Gaslab não vai acobertar falhas. dor Afrânio José Soriano Soares, tem seus deUma vez que exista o problema, não há duas feitos, mas dá um direcionamento para que posturas. Eles terão que providenciar medinão só os políticos e empresários, como tamdas corretivas urgentes para definir a situabém a população organizada, tomem decição, afirma. Mas Comar deixa escapar que sões, possam optar. Nós não fazemos leis, a a Petrobras estimulou esse trabalho porque, gente pode sugerir, mas a decisão é sempre na verdade, iria beneficiar também seus da justiça. próprios procedimentos. O coordenador diz Soares prevê que o modelo do procedique a empresa não tem interesse em ocultar mento fique pronto em três meses. Na veros resultados, pois está pesquisando justadade, ele nunca vai estar totalmente termimente para saber como melhorar o padrão nado, porque cada vez que a gente dá um de qualidade, tendo medidas para que posdetalhamento, descobre novos dados físicos, sa intervir onde for necessário. biológicos, etc, é incorporada uma nova técO pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação nica e ele fica ainda melhor, pondera. da UEMS assegura que ela só aceitou essas Os pesquisadores do Centro de Análise e parcerias porque acredita e confia na intenMonitoramento têm a pretensão de patenteção do projeto. Segundo Costa, o principal obar o método e futuramente reconhecê-lo com jetivo da instituição é dar respostas à sociedacertificação internacional, para que o emde. Isso significa que, se por algum motivo, preendedor que venha a construir uma térhouver qualquer questionamento com relamica em qualquer lugar do país, usando o ção ao gás natural, sem dúvida, os profissiomodelo desenvolvido pelo Gaslab, tenha a nais da UEMS terão total liberdade para fagarantia de que estará fazendo o melhor prolar: Eles querem que nós trabalhemos com cedimento de construção possível. A intennossa capacidade técnica para respaldá-los ção é que ele se torne um centro de refeem cima de qualquer dificuldade que venha rência a nível nacional, projetando o estado a existir, e se nós detectarmos algo errado é do ponto de vista cientifico, o que vai acarnossa obrigação informar. Março/2003 Trajetória fugaz Março/2003 Keila Mesquita A partir da instalação do gasoduto Bolívia-Brasil, a Petrobras pediu que todos os setores interessados no uso desse combustível enviassem propostas de desenvolvimento tecnológico para melhorar a produção e o consumo do gás natural. As propostas foram encaminhadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia, através da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos). Foram abertos dois editais, um para projetos destinados à infraestrutura e outro para projetos que apresentassem metodologias para a avaliação ambiental. Cinco propostas encaminhadas pela UEMS atenderam às exigências dos editais e foram efetivadas em dois projetos. Um é o Centro de Avaliação Ambiental Estratégica (Gaslab), que engloba os laboratórios, os procedimentos e as equipes, e o outro é o Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que trabalhará diretamente com a questão sócio-ambiental, incluindo dinâmica populacional e a influência do gasoduto e das termelétricas. A Finep disponibilizou R$ 1 milhão para o financiamento desses projetos, dos quais no máximo 20% poderiam ser destinados à infra-estrutura, incluindo a construção e os equipamentos do Gaslab. Do total investido para o desenvolvimento do AAE, 70% do valor (mais de R$ 850 mil) vieram da financiadora e os outros 30%, das parcerias com a Petrobras, MSGÁS e TBG. No caso do Centro de Análise e Monitoramento, R$ 130 mil foram usados na construção do prédio, equipado com R$ 80 mil pagos pela Petrobras e R$ 30 mil pela MSGÁS. O Gaslab possui quatro laboratórios (propriedades físico-químicas da água, emissões gasosas, ecologia e impactos sócio-econômicos) que poderão ser usados independente- mente das pesquisas sobre o gás natural, que é a de maior interesse. Já existem outras possibilidades: a prefeitura de Dourados, por exemplo, pretende desenvolver pesquisas sobre a qualidade da água e o IPLAN (Instituto de Planejamento), sobre padrões ambientais. Além de trabalhar na área de monitoramento e avaliação ambiental estratégica, cada um dos laboratórios poderá prestar outros serviços, o que deve manter o Centro funcionando, talvez até melhor equipado, podendo ter maior desempenho também para os alunos, para bolsas de estudo, iniciação científica, mestrado e possivelmente doutorado. Afrânio Soares, um dos pesquisadores do Gaslab, diz que eles se propuseram a desenvolver projetos na área de monitoramento ambiental do gás porque na UEMS a maio- 23 ria dos professores mestres e doutores trabalham com o meio ambiente. De tecnologia do gás, automação, parte industrial, a gente disse que não entendia. A universidade não tinha nem curso de física ou engenharia, lembra. A questão do gás podia não ser especialidade de ninguém, mas a ambiental era. Por isso decidimos parar outros projetos para nos dedicar a entender o processo e poder informar a sociedade. Além de atender às pesquisas de análise e monitoramento do gás natural, os laboratórios poderão prestar outros serviços, atraindo recursos para novos equipamentos Toneladas tóxicas 24 Graves problemas ambientais são causados ou agravados por gases expelidos pelas termelétricas, como o aquecimento global e a chuva ácida Março/2003 Daniela Rocha Apenas os danos causados à saúde humana, somados a uma certa inviabilidade econômica, já seriam suficientes para, se não invalidar a proposta, pelo menos fazer com que as autoridades repensassem o projeto de instalação de usinas termelétricas em Mato Grosso do Sul e no Brasil. Mas, além desses fatores, os pesquisadores denunciam que a operação das usinas aumentará brutalmente a emissão de gases poluentes na atmosfera, gerando graves problemas ambientais. Os números da emissão de gás carbônico, por exemplo, são altos. Conforme os cálculos do engenheiro florestal e doutorando em planejamento de sistemas energéticos pela Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos Roberto de Lima, a implantação de seis termelétricas a gás natural no estado, com potência total em torno de 1400 MW, como o governo anunciou, causaria a emissão de cerca de 3,93 milhões de toneladas de gás carbônico Março/2003 (CO2) por ano, principal responsável pelo efeito estufa ou aquecimento global da Terra, que está causando mudanças drásticas no clima. Uma medida que mitigaria a emissão de carbono seria o reflorestamento. De acordo com o engenheiro, se forem levadas em consideração apenas as termelétricas de Campo Grande (William Arjona), de Três Lagoas e de Corumbá, quando estiverem com todas as turbinas funcionando, haverá uma emissão total em torno de 1,72 milhão de toneladas desse gás por ano. Lima explica que, para compensar tais níveis de emissões, são necessários, no mínimo, 52 mil hectares de reflorestamento. É importante frisar que para cada hectare de árvores plantadas, existe a possibilidade de gerar até quatro empregos permanentes, o que resulta em um potencial de 208 mil postos de trabalho, acrescenta. Ele lembra que o reflorestamento pode até anular as emissões de carbono, mas não terá o mesmo efeito sob os demais poluentes. 25 Keila Mesquita As termelétricas emitem gases formadores da chuva ácida, que diminui a produtividade agrícola, trazendoprejuízos ambientais e econômicos Há opiniões contrárias. O gerente de meio ambiente da Tractebel, José Lourival Magri, por exemplo, afirma que o gás carbônico não é um poluente. Nós inspiramos oxigênio e expiramos gás carbônico, explica. Esse gás não tem problema nenhum para a saúde e meio ambiente. 26 Além do gás carbônico, Lima cita diversas outras substâncias que prejudicam toda a natureza de uma forma geral, como os compostos orgânicos voláteis, considerados cancerígenos e genotóxicos, já que afetam o material genético das células. Há também as emissões de óxidos de enxofre e monóxido de carbono, entre outras. Tudo isto sendo emitido por uma fonte com um grande potencial de emissões atmosféricas, tendo um efeito maléfico sobre o meio ambiente. .As termelétricas que operam em ciclo aberto (ver box na página 14) expelem os gases resultantes da queima diretamente na atmosfera, a temperaturas superiores a 540o C. É o caso da William Arjona e da termelétrica de Três Lagoas, quando estiver na primeira fase de operação. Segundo a engenheira química e professora do Departamento de Hidráulica e Transporte da UFMS, Sônia Corina Hess, os gases em altas temperaturas são um risco para os pássaros que sobrevoam as redondezas. E não é só isso. A emissão contínua de gases poluentes aquecidos é uma expressiva fonte de problemas ambientais, como a possível alteração do clima da região onde a usina está instalada. Outro fator refere-se ao aproveitamento do gás. Essa eliminação de calor junto aos gases no ciclo aberto também repre- senta a perda de um terço do potencial energético da queima do combustível. A chuva ácida é mais um problema. A engenheira química esclarece que, quando o óxido nítrico é lançado no ambiente, transforma-se em ácido nítrico, que volta da atmosfera na forma de chuva ácida. As usinas, dependendo da tecnologia, formam toneladas de ácido nítrico por mês. Uma usina como a Arjona gera 1200 toneladas dessa substância. Isso causa degradação ambiental, diminui a produ- Todos os dias são emitidas tonetividade agrícola e causa ladas de gás carbônico e substânperda na fertilidade do solo. cias cancerígenas e genotóxicas, É um problema seriíssimo, que prejudicam todo o meio avalia Hess. O geólogo e professor do Departamento de Geociências do campus de Aquidauana da UFMS, Paulino Eduardo Coelho, acrescenta que por causa dos ventos, a chuva ácida incidirá também sobre o Pantanal. Maus ventos o trazem Os mesmos ventos que levam a chuva ácida para a região do Pantanal também carregam o mercúrio. Segundo o professor Coelho, dependendo do sistema de funcionamento da usina, que pode ser ciclo aberto ou ciclo combinado, o mercúrio expelido das térmicas em altas temperaturas sofrerá um resfriamento, e se precipitará da atmosfera na região para onde o vento sopra. As usinas de Campo Grande e de Três Lagoas estão situadas no leste e sudeste do estado. Como os ventos sopram do sudeste para o noroeste, o mercúrio será levado para o Pantanal, onde já houve muita contaminação causaMarço/2003 da pelo garimpo de ouro. Além disso, há uma usina que está prevista para ser instalada em Corumbá, que se localiza no meio do Pantanal. O mercúrio se acumula nos organismos de toda cadeia alimentar, principalmente no topo, posição em que estão classificados os grandes pássaros e o homem, por exemplo. O teor de merA sexta substância mais perigosa conhecida, o mercúrio, presente no cúrio no gás natural varia conforme o local de gás boliviano, será liberada na atmosfera e incidirá principalmente onde o produto é retirado. Mercúrio, cádmio, sobre o Pantanal chumbo, todos esses elementos são péssimos e são muito persistentes no meio ambiente. Tudo isso tem no gás, acusa o professor. Grupo de Risco Cada turbina da William Arjona deve emitir 3,15 gramas de mercúrio por ano, conforme os cálculos do professor do Departamento de Física da UFMS, Paulo Ricardo da Silva Rosa. Mas, mesmo que o índice de mercúrio emitido anualmente seja baixo, para Coelho, ele se torna preocupante quando se imagina que as usinas operarão cerca de vinte anos. Um aspecto importante é o grupo de risco. É necessário conhecer qual o grupo da fauna e da flora mais sensível ao poluente do lugar onde será incidida a emissão. Além disso, é necessário fazer um estudo sobre a amamentação, para verificar se esse metal pesado pode estar presente no leite materno, e pesquisar como o elemento se agregaria à cadeia alimentar humana, dentre outros estudos. O professor explica que os ecossistemas podem ser muito sensíveis às alterações ambientais. Até pequenas variações de temperatura, de 1° C, por exemplo, são capazes de acabar com determinada população da fauna ou da flora, quebrando uma cadeia dentro de um ecossistema. Aí dizem que algumas gramas de mercúrio não são nada. Depende do que ele vai afetar, e de qual a importância da sustância na cadeia alimentar daquilo que ele afetar. Homem-ambiente Ao se referir sobre a implantação das térmicas, Coelho argumenta que o problema não é simplesmente o meio ambiente, mas a possibilidade dessas usinas acabarem com a qualidade de vida no estado. O professor defende que o principal elemento do meio ambiente é o homem, o que, segundo ele, muitos esquecem. Se esse cidadão não come, não tem saúde, não tem segurança, como ele conseguirá se preocupar com o meio ambiente?, indaga. Se ele é tratado como lixo, como pode distinguir que não deve jogar lixo na rua?. O meio ambiente deve ser visto, inclusive, como uma forma de sobrevivência. Um exemplo disso seria a coleta de lixo nas favelas, que pode gerar empregos para os próprios moradores, ao mesmo tempo em que 27 contribui para a preservação da natureza. Para o professor, faltaria aos empresários e até aos profissionais da área, a visão do meio ambiente como gerador de soluções. Mas, hoje, isso já está evoluindo. Há um tempo, existia o ambientalista xiita e o empresário tratorista, diz. A tendência é chegar a um contexto de ajuste, a sustentabilidade. Daniela Rocha Março/2003 Vivian Castro Alves 28 Perigo invisível Os gases emitidos por uma termelétrica são incolores. Mas, se houvesse uma cor ideal com que se pudesse tingí-los, seria o vermelho, para indicar alerta A saúde da população corre sérios riscos com a instalação das usinas termelétricas no estado. O alerta, que vem da comunidade científica, justifica-se pelo plano do governo estadual de instalar seis termelétricas, que gerarão energia através da queima de gás natural boliviano, outra fonte de graves preocupações. A comprovação de existência de mercúrio (Hg) no gás boliviano causou angústia na classe científica, mas parece não ter sensibilizado as autoridades políticas, sanitárias e mesmo judiciárias, que estão demorando a tomar atitudes sobre o assunto. Os teores presentes no gás são baixos, mas não deixam de ser preocupantes, uma vez que este metal é extremamente tóxico, e se acumula no organismo, declara a professora da UFMS e engenheira química, Sônia Corina Hess, pós-doutorada em química orgânica. É mais um risco que temos que enfrentar para não adoecermos. Uma vez exposto ao mercúrio, assim como a outros metais pesados, o organismo dos seres vivos não é mais capaz de eliminá-lo. Alguns dos problemas que esse elemento desencadeia são descritos pelo médico otorrinolaringologista Milton Nakao. Ele pode causar problemas neurológicos como paralisia, e até morte, no caso de exposição à grandes quantidades. Quando se trata de mercúrio, uma grande quantidade corresponde a volumes mínimos: apenas 0,3 a 0,4 grama de dicloreto de mercúrio é o suficiente para matar um Março/2003 homem adulto. O mercúrio tem dois tipos principais de ação nociva ao orOs índices nos quais o mercúrio tem efeitos prejudiciais ao ganismo humano. Eorganismo são pequenos, podendo ser medidos até em µg xistem os efeitos ne(micrograma), que equivale ao grama elevado a 10-6. No sanfrotóxicos, que atingue, o nível de mercúrio associado a distúrbios é de 20-60 µg/ gem os rins, e os efei100mL; no cabelo, o nível é de 50 mg/g; nos eritrócitos, de 0,4 tos neurotóxicos, que mg/g. A menor concentração tóxica de mercúrio, por inalaafetam o sistema nerção, capaz de determinar efeitos neurológicos, é de 169 µg/m³. voso central. Além A dose letal para um homem adulto é de apenas 0,3 a 0,4 gradesses danos, o merma de dicloreto de mercúrio. De todas as substâncias conhecidas, cúrio provoca efeitos o mercúrio é a sexta mais perigosa. mutagênicos (alterações no DNA), perda de memória, deficiências nos órgãos sensoriais e alterações mercúrio, quando a Promotoria de Justiça do no metabolismo, o que o torna a substância Meio Ambiente abriu, em janeiro de 2002, mais tóxica para o homem e grandes anium inquérito para investigar os impactos mais. Na cavidade oral, o mercúrio causa causados pela usina William Arjona, em gengivite, estomatite e salivação aumentada. Campo Grande, os pesquisadores solicitaram Também causa danos ao sistema respiratório. ao Ministério Público que pedisse a análise Tirando a prova do gás para a empresa responsável pela A queima de grandes volumes de gás termelétrica, a Tractebel Energia. natural pelas termelétricas, fornecido pelo A análise examinou a presença de meGasoduto Bolívia-Brasil, foi um dos fatores tais pesados, como o cádmio, chumbo, croque chamou a atenção dos pesquisadores. mo, manganês e mercúrio, único elemento Somente na termelétrica de Três Lagoas, cada que a metodologia empregada foi capaz de 29 uma das quatro turbinas queimará 19.056 detectar. A quantidade mínima acusada foi m³ de gás por hora quando estiver operande 0,036 µg/Nm³ (unidade que equivale a do. Como existia a suspeita da existência de um micrograma por cada metro cúbico nas Perigo em pequenas doses Vivian da Castro alves Os teores de mercúrio presentes no gás são baixos, mas não deixam de ser preocupantes, uma vez que esse metal é extremamente tóxico e se acumula no organismo Sônia Corina Hess, engenheira química Março/2003 condições normais de temperatura e pressão). O gás boliviano está, re- Óxido nítrico já ren deu Nobel almente, contaminado com mercúrio em índices preocupantes, que Há pouco tempo foi constatado que o óxido estão acima dos limites de detecção nítrico funciona como uma molécula de comudos aparelhos existentes para a anánicação entre as células. Em 1998, os pesquisalise, ressalta um ofício de novemdores L. J. Ignarro, F. Murad e R. F. Furchgott fobro de 2002, informando sobre os ram premiados com o Nobel de Fisiologia e Meimpactos das termelétricas, que foi dicina, como uma forma de reconhecimento pela qualidade do seu trabalho tratando do papel do entregue ao procurador Geral de óxido nítrico como molécula de sinalização no Justiça do Ministério Público, Sérgio sistema cardiovascular. Luiz Morelli, e assinado pela professora Hess, pelo presidente do Centro de Tecnologia de Energia Limpa (Cetel), Bruno Mangiapelo, e pelo jornalista nor variação entre elas. O correto seria Allison Ishy, da organização não-governacoletá-las ao longo de três a seis meses, senmental Ecologia e Ação (Ecoa). do metade coletada em horários fixos e meSerá que ele é? tade em horários aleatórios. Além disso, as A análise do mercúrio levanta muitas susconcentrações variam ao longo da vida útil peitas. Estes laudos não esclarecem se o gás dos poços de gás. Portanto, a análise para natural analisado é, ou não, boliviano, pois metais pesados deve ser feita periodicamennão fazem referências aos locais onde as te, pois com a diminuição do volume de gás amostras foram coletadas, acusa o profesnos poços, pode ocorrer uma concentração sor da Universidade Federal da Paraíba, Cardesses elementos químicos. los Roberto de Lima, engenheiro florestal e A ligação entre a análise e a Petrobrás é doutorando em Planejamento de Sistemas revelada no próprio laudo, cujo ofício que o Energéticos pela Universidade de Campinas encaminha à Promotoria de Justiça do Meio 30 (Unicamp). Ambiente, datado de 14 de novembro do ano A influência da Petrobras também torpassado, é assinado por Luiz Rodolfo Landim naria o laudo um documento suspeito, como Machado, na época diretor gerente do Gás aponta o professor. A análise foi feita pela Natural da Petrobras. O documento foi enCTQ Química, um laboratório de Santo viado pela promotoria para avaliação ao InsAndré, São Paulo, a pedido do Centro de tituto de Meio Ambiente Pantanal (Imap), o Tecnologia do Gás (CTGÁS) de Natal, no Rio órgão estadual responsável pelo meio ambiGrande do Norte. O CTGÁS seria ligado à ente. Até meados de fevereiro deste ano, o Petrobras, a importadora e comercializadora instituto ainda não tinha analisado o laudo. do gás boliviano, o que comprometeria a Óxidos tóxicos imparcialidade do documento. As amostras Uma substância cuja ação no organismo analisadas poderiam ter sido coletadas em humano ainda não é totalmente conhecida poços ou gasodutos do próprio Rio Grande pela ciência, mas que estudos já indicam que do Norte, cujas reservas devem ser diferenprejudica a saúde, é o óxido nítrico (NO). tes do gás boliviano, especula Lima. Os efeitos dessa molécula, com ação A professora Sônia Hess também tem dúcancerígena, têm preocupado a população vidas, e acredita que deveria ser realizada e provocado muitas discussões entre empreuma contra-prova em um laboratório não sas e comunidade científica. vinculado à estatal. Ela conta que uma das Apenas uma turbina, dependendo do razões para a hipótese de presença de mermodelo, pode ser capaz de emitir quatro tocúrio no gás boliviano teria sido o relato de neladas por dia de óxidos de nitrogênio um técnico da Petrobras, do Rio Grande do (NOx), que são o óxido nítrico mais o dióxido Norte, cujo nome foi protegido, o qual asde nitrogênio (NO2). Esses dados tornamsegurou que há bastante mercúrio no gás se relevantes ao associá-los a estudos das áreda Bolívia. as de medicina, toxicologia e farmacologia, Outra questão levantada pelo professor alega a professora Hess. Esses estudos têm Lima é quanto à metodologia empregada. revelado que o óxido nítrico, um radical liComo as amostras foram coletadas dentro vre, está envolvido em diversas condições de um curto espaço de tempo, há uma mepatológicas. Março/2003 Vivian da Castro alves Hess fez um grande levantamento na literatura médica, na qual constam mais de dois mil artigos científicos tratando do óxido nítrico, publicados nos últimos quatro anos. Dentre os efeitos prejudiciais desse gás, a professora cita a impotência sexual masculina e o câncer no colo de útero. Ela afirma que um homem exposto à concentração desse gás, dependendo das condições de saúde e de vários outros fatores, realmente corre o risco de ficar impotente. Além disso, segundo a professora, a exposição ao óxido nítrico causa diarréias em crianças e, a longo prazo, diminui a resistência a enfermidades, tornando o indivíduo indefeso contra doenças infecciosas como tuberO óxido nítrico não é considerado gás culose e hanseníase. “O óxido nítrico é um tóxico em nehuma parte do mundo agente que destrói a saúde de um modo subversivo e, como regra, quando os problemas José Magri, gerente de meio ambiente da Arjona são detectados, já ocasionaram danos graves”, O gerente afirma que o óxido nítrico alerta Hess. faria mal em grandes quantidades. E comGuerra científica para: Se eu comer um boi durante um Desde as audiências públicas sobre a ano, vai fazer bem para a saúde, mas se implantação da William Arjona que os reeu comer um boi em um dia, eu vou mor- 31 presentantes da empresa e os pesquisadores rer. Para ele, ainda não se pode afirmar estão em conflito. O gerente da área de meio com segurança que o gás faz mal a saúde. ambiente da usina, o químico industrial José Se disserem que em tais concentrações Lourival Magri, ressalta que o óxido nítrico o óxido nítrico causa impotência, câncer, não é considerado gás tóxico em nenhuma danos à saúde e ao meio ambiente, aí, sim, parte do mundo. Nem as normas da Orgaé correto afirmar. Magri lembra que o nização Mundial de Saúde prevêem padrão gás está presente, inclusive, na composide qualidade do ar para o gás. Pela legislação do Viagra. ção brasileira, ele é considerado um produA ciência ainda não estabeleceu a conto com toxidez para ambientes fechados. centração mínima do óxido nítrico que As normas existentes relativas ao óxido nítrico, de acordo com Magri, são de saúde e segurança no trabalho, que estabelecem uma concentração máxima Em novembro do ano passado, foi entregue à Procupara o gás no ambiente radoria Geral de Justiça de Mato Grosso Sul um abaixoda empresa. Mas, segunassinado, solicitando às autoridades competentes provido a professora Hess, dências para que sejam minimizados os impactos negatipesquisas indicam que vos ao meio ambiente e à saúde humana, causados pela em fábricas de ácido instalação da usina William Arjona, em Campo Grande. nítrico, por exemplo, uO documento, com 2.270 assinaturas organizado pelos sado na fabricação de professores da UFMS Bruno Mangiapelo e Sônia Hess e adubo, onde há óxidos de pelo jornalista Allison Ishy, exige, entre outras medidas, nitrogênio na atmosfera, o banimento do gás natural como combustível para uso o nível de doenças entre em edifícios onde haja circulação de pessoas. os empregados é quase 28% maior do que em outras indústrias. Abaixo à poluição Março/2003 causa prejuízos à saúde, porque a ação do gás no organismo foi descoberta recentemente, e as pesquisas ainda não terminaram. As empresas asseguram que a concentração emitida pelas turbinas é pequena, já que o gás é disperso na atmosfera. Hess lembra que no inverno, a concentração aumenta, e que o índice que causa efeito no organismo é muito baixo. Para se ter uma idéia, na concentração de 1 ppm, o que equivale a um miligrama por tonelada, o óxido nítrico é medicamento para problema cardíaco. Há pesquisas que, por outro lado, procuram mostrar que o óxido nítrico faz bem à saúde, sob as quais muitas empresas se pautam, para contra-argumentar os cientistas que consideram a substância perigosa. Documentos assinados pela Universidade da Califórnia e pelo médico norteamericano Peter Dadano relatam que o óxido nítrico é usado em medicamentos para combater o câncer, diabetes, anorexia e impotência sexual. Como não se pode ainda estabelecer um 32 Livre no ar Apesar da periculosidade dos metais pesados, a legislação brasileira não prevê índices de emissões atmosféricas para esses elementos, incluindo o mercúrio, em instalações de geração de energia a partir da queima de gás natural. Para esse metal específico, há apenas índices para qualidade da água. índice mínimo para garantir a saúde das pessoas expostas ao óxido nítrico, a professora defende a criação de uma lei muito simples: somente será permitida a instalação de uma usina, se for empregada a melhor tecnologia do mundo, a fim de evitar a poluição. Atualmente, existem sistemas de controle de emissão de óxidos de nitrogênio, como o Dry Low Nox, que reduz de 30% a 40% o volume de óxidos de nitrogênio expelido pelas térmelétricas, mas nem todas as usinas possuem esse tipo de dispositivo. Disparada do câncer O número de casos de câncer de pulmão aumentou 25% entre 2000 e 2001, conforme revelou um levantamento da Secretaria Estadual de Saúde sobre a evolução do câncer em Mato Grosso do Sul. Os casos de morte por câncer de colo de útero também tiveram um aumento considerável nos últimos anos. A doença causou a morte de três mulheres em 1998, e de nove no ano seguinte. Mas, em 2000, foram registradas 53 mortes e no ano de 2001, esse número saltou para 128. O engenheiro florestal Carlos Roberto de Lima alertou para o crescente número de casos, segundo a professora Sônia Hess. Essa explosão das estatísticas coincide com o início da operação da usina termelétrica William Arjona em Campo Grande, em 1999, a qual emite grande quantidade de óxido nítrico, um gás cancerígeno. É claro que qualquer pesquisador sério não vai dizer que a usina está causando câncer, pondera a professora. Para afirmar isso, seria necessário um estudo epidemiológico. A Secretaria de Saúde alega que os casos não aumentaram e, sim, que houve mais precisão nas estatísticas, devido ao melhor empenho no trabalho de notificação. Porém, segundo Hess, a equipe responsável pelo levantamento confirmou a melhora na metodologia, mas admitiu que de fato aumentou muito o número de casos de câncer de colo e pulmão. Para descobrir qual a verdadeira razão para o aumento dos casos, bem como se ele estaria relacionado aos gases da usina, representantes da comunidade científica pediram ao Conselho Estadual de Saúde, em uma reunião no dia 13 de dezembro do ano passado, que fosse feito um estudo completo sobre os óbitos por câncer na capital. Esse estudo epidemiológico será feito com a população que vive em torno da usina, para verificar se estão ocorrendo danos à saúde. O levantamento será financiado pela Tractebel Energia, proprietária da usina. Também ficou deliberado na reunião que seja convocada uma audiência pública para debater a política do gás natural, junto à Assembléia Legislativa. Março/2003 Tractebel Energia A má localização de fontes poluidoras, como usinas termelétricas, faz com que os ventos levem os poluentes diretamente à população das cidades próximas. É o caso de Três Lagoas Multiplicação dos venenos As termelétricas a gás natural também aumentarão a emissão de outros poluentes prejudiciais à saúde, além dos óxidos de nitrogênio, como hidrocarbonetos policíclicos e aromáticos (HPAs), conforme o engenheiro florestal e professor da Universidade Federal da Paraíba, Carlos Roberto de Lima. Alguns desses hidrocarbonetos são cancerígenos e genotóxicos, provocando alterações no DNA. Tais substâncias não estão relacionadas na legislação brasileira, mas apenas a sua presença entre as emissões, independentemente dos seus níveis de emissões ou concentrações no ar atmosférico, é suficiente para provocar danos à saúde das pessoas, declara o professor. Outros hidrocarbonetos causam irritação nos olhos, nariz e pele. Essas substâncias e os óxidos de nitrogênio reagem na atmosfera formando um conjunto de gases agressivos, dentre eles o ozônio troposférico (O3), que, entre outros problemas, causa lesão nos tecidos do corpo humano. Março/2003 O professor afirma ainda que os efeitos maléficos dos poluentes são multiplicados várias vezes devido à localização inadequada dos empreendimentos, relacionada a velocidade e direção dos ventos. Um exemplo é a usina de Três Lagoas, que má localizada em relação à malha urbana, exporá os cerca de 80 mil habitantes do município aos danos causados pelas suas emissões atmosféricas. Tudo indica que este fato tenha se repetido em outras usinas termelétricas, devido à falta de infraestrutura material e humana nos órgãos de licenciamento ambiental. As questões relativas aos problemas de saúde pública, causados pelas emissões atmosféricas poluidoras das termelétricas, foram omitidas nos estudos de impactos ambientais e, por conseqüência, das audiências públicas, conforme denuncia o professor Carlos Lima. Devemos provocar essas discussões. Pessoas terão menor expectativas de vida, e o estado gastará mais com saúde pública. Quem pagará estas contas?. 33 Daniela Rocha Fora da lei A termeletricidade à base de gás natural é impulsionada pelo governo, mas não é prevista na legislação. Isso permite que os empreendedores atuem à vontade, livres da fiscalização Apesar de o Brasil ter uma das legislações mais avançadas e rigorosas do mundo, ainda carece de lei específica para o gás natural, principal combustível das termelétricas. Com a oferta do produto boliviano nos últimos quatro anos, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) remodelou o processo de autorização para esses em34 preendimentos. Houve uma ampla reestruturação, que vislumbrou a adoção de critérios mais simplificados e a agilização da emissão do ato, conforme a Resolução ANEEL nº 112, de 18 de maio de 1999. Anunciou-se grandes incentivos a esses investimentos, mas não concluiu-se a legislação. Ficaram grandes lacunas tanto no âmbito da regulamentação das obras, dos serviços, quanto da conseqüência da instalação, principalmente no aspecto de qualidade ambiental. Isso criou um clima desfavorável e incerto tanto para os investidores quanto para a população brasileira. O gerente de projeto da Usina Termelétrica da Petrobras, em Três Lagoas, Joel Trindade, assim como outros empreendedores, reclama da falta de legislação específica para a utilização do gás natural e o controle das conseqüentes emissões de gases poluentes. Ele acredita que isso atrapalha a instalação do empreendimento. Qualquer homem que faça um empreendimento industrial de grande porte vai fazer impacto, aponta. O que nós temos que ter são leis adequadas e critérios razoáveis que penalizem de uma maneira coerente o empreendedor. No Brasil, as leis relacionadas ao meio ambiente são elaboradas pelo CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), que é vinculado ao Ministério de Meio Ambiente. O CONAMA fixa, entre outras medidas, a obrigatoriedade do licenciamento ambiental para atividades modificadoras do meio ambiente, como as destinadas à oferta de energia elétrica. Além disso, o Conselho estabelece que os estados devem formular sua própria legislação, mas a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul não fez isso. Paulo Roberto A- A lei não impõe nenhuma dificulquino, gestor ambiental dade aos empreendedores, já que do Instituto de Meio Am- nossos critérios não são rigorosos biente Pantanal (IMAP), reconhece que a falta da Bruno Mangiapelo, professor da UFMS lei específica para o estado dificulta o trabalho. Ele diz que para compensar essa ausência, faz consultas na Organização Mundial de Saúde (OMS), nas resoluções do CONAMA e nos padrões do Banco Mundial, que define os parâmetros aceitáveis para emissões de poluentes. Muitos cientistas questionam esse recurso porque os padrões do Banco Mundial desconsideram o contexto brasileiro. A lei não impõe nenhuma dificuldade. Ela é frouxa e nossos critérios são muito pequenos. Assim, é simples para os empreendedores se enquadrarem nela. E mesmo que a lei seja boa, no Brasil tudo é interpretação. Então, nunca se estuda o mérito, avalia o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Bruno Mangiapelo. Março/2003 Vivian de Castro Alves Auto-fiscalização Hoje, praticamente qualquer empreendimento precisa de licenciamento ambiental. Porém, apesar do caminho burocrático, o processo tem brechas, permitindo, por exemplo, que o diagnóstico dos impactos que a termelétrica provocará e o monitoramento da operação das usinas sejam feitos pelo próprio empreendedor. A fiscalização, fundamental em casos tão peculiares como esses que envolvem a qualidade ambiental e a saúde da população, restringe-se à análise de dados coletados por uma equipe técnica contratada pelo empreendedor, o que facilita a manipulação de informações. Tudo no processo de licenciamento é por conta do empreendedor, explica a coordenadora de licenciamento do Ibama/MS, Elisabeth Arndt. A fiscalização só entra, nesses casos, quando o empreendedor não cumpre o estabelecido nas licenças. Aí entra multa. Na opinião da gerente de controle ambiental do IMAP, Giselle Marques de Carvalho, a empresa tem mesmo que se automonitorar e o governo só fiscalizar. A coordenadora do Ibama revela que não há na unidade de Campo Grande uma equipe de licenciamento ambiental formada. Como as termelétricas começaram há bem pouco tempo no Brasil, a gente tem que correr atrás, ir buscar conhecimento ou procurar outros profissionais porque a gente, como órgão ambiental, tem prática do que pode ocorrer sobre o solo, sobre a água, só que tem especificidades de projeto, como produtos químicos, lançamentos de poluentes no ar, que exigem conhecimento mais específico. Então, os engenheiros químicos são os A empresa tem mesmo que se automonitorar e o governo só fiscalizar Giselle Marques, gerente do IMAP que realmente entendem. Apesar de haver a previsão de seis termelétricas para o estado, o Ibama/MS não tem engenheiros quí- 35 micos, reflexo da precariedade das instituições públicas brasileiras. Os únicos profissionais dessa área estão em Brasília e são apenas dois. Modelo de Estudo Furado O Estudo de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA) - que detalha, entre outras exigências, as conseqüências ao meio ambiente e à saúde humana com a instalação do empreendimento e as medidas compensatórias - é elaborado por empresas de consultoria ambiental, também contratadas pelo empreendedor. Arndt reconhece que apesar do Estudo ter o dever de ser isento, muitas vezes ele tenta mascarar um pouco ou não dá a devida importância ao impacto maior para facilitar a instalação. Quem licencia Como as termelétricas são empreendimentos de grande porte, o licenciamento compete ao Ibama. Porém, quando a usina não abrange um ou mais estados ou fronteira de países, o Instituto pode delegar a competência de licenciamento para o órgão estadual, assumindo uma co-responsabilidade. Em Mato Grosso do Sul, esta função cabe ao IMAP (Instituto de Meio Ambiente Pantanal), braço executivo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Turismo (SEMACT). Além disso, todos os empreendimentos precisam ter a anuência do município onde será instalado, garantindo que a atividade está de acordo com as leis e usos dos solos do local. Março/2003 O empresário não quer saber se vai ter um EIA/RIMA que vai retratar fielmente os problemas que determinada região tem e como resolvê-los. Ele quer saber se o projeto será aprovado Paulino Coelho, geólogo Vivian de Castro Alves O geólogo e professor da UFMS, Paulino Coelho, que já trabalhou tanto para empresas privadas quanto para órgãos públicos, diz que os estudos são limitados: Você faz um projetinho de um ano e meio, no máximo, para dar um aval. O modelo de estudo de impacto ambiental é totalmente furado. O empresário não quer saber se vai ter um EIA/RIMA que vai retratar fielmente os problemas que determinada região tem e como resolvê-los. Ele quer saber se o projeto será aprovado. Coelho ressalta a importância da pesquisa pura para definir os impactos ambientais e afirma que é impossível ter resultados confiá-veis e imediatos. Os passos para a termelétrica A licença ambiental é expedida por fases e em todas elas há discussão e negociação das diretrizes do processo. Primeiramente, a empresa entrega ao Ibama um documento no qual consta as características do empreendimento tamanho, tipo, quantidade de resíduos , para subsidiar o Termo de Referência, que 36 norteará o Estudo de Impacto Ambiental EIA. O Estudo vem acompanhado do RIMA Relatório de Impacto Ambiental, que fica disponível ao público. A partir daí, a empresa tem 45 dias para realizar uma audiência pública para debater o resultado do estudo com pesquisadores e medir a receptividade da população. Em geral, o público quer (o empreendimento) porque a empresa faz um trabalho de convencimento, diz que o projeto é a melhor coisa para aquele lugar, apontando a geração de mais empregos, explica Arndt. O EIA deve conter três alternativas locacionais. Das três, deve ser escolhida a que afeta menos áreas naturais. O EIA/RIMA é submetido à análise do Ibama e a aprovação é fundamental para a obtenção da Licença Prévia (LP), que autoriza o local onde será instalado o empreendimento. Todas as análises de impacto são feitas nesse estágio. A partir da LP, o empreendedor passa a apresentar os projetos do investimento, os programas ambientais e é definida a compensação ambiental. Todo empreendimento que causa impacto no meio ambiente tem que destinar no mínimo 0,05 % do valor da obra para compensação ambiental que é destinada ao Sistema Nacional de Unidade de Conservação, esclarece Arndt. As usinas termelétricas são caracterizadas sempre como atividades de grande ou excepcional porte e de alto potencial poluidor. Os custos das licenças também são sempre altos. O IMAP, por exemplo, classifica como atividade de porte grande, os investimentos entre 30 mil e 5 milhões UFERMS e excepcional aqueles acima de 5 milhões, o que corresponde a R$ 2.700 e R$ 45 milhões respectivamente. O valor da licença está diretamente ligado ao alto potencial de poluição dessas usinas. De acordo com a tabela classificatória do IMAP, as licenças variam entre R$ 2.430 e R$ 5.472, respectivamente. Cumprida as exigências da LP, a empresa recebe a Licença de Instalação e pode começar a ser construída. Nessa fase, o empreendedor detalha e executa os projetos, programas ambientais e as medidas compensatórias. Após concluir a montagem da termelétrica, inicia-se uma fase de testes de 720 horas diretas para cada turbina da usina. Depois de aprovados os testes, é emitida a Licença de Operação (LO) que permite a comercialização da energia gerada. Mas o processo continua: O licenciamento não acaba com a LO. Depois dela, o empreendedor tem, às vezes, prazo de cinco anos de monitoramento. Eles continuam a coleta de dados nesse caso, medindo a emissão de poluentes que começou antes da operação, para ter os parâmetros. Março/2003 Vivian de Castro Alves Controvérsia dos prazos Uma das maiores queixas que os empreendedores têm do órgão licenciador são os prazos. O processo de licenciamento leva pelo menos um ano para ser concluído. A gente está tentando estabelecer prazos mínimos e prazos máximos para fazer essa análise, porque quando o empreendedor chega no órgão ambiental, ele quer a licença pra ontem, mas as avaliações são demoradas, afirma Elisabeth Arndt. Ela atribui o atraso de muitas licenças ao não cumprimento, por parte do empreendedor, de algumas exigências do órgão. Já os empreendedores culpam o órgão licenciador. O gerente O empreendedor, ainda hoje, de projeto da Usina Terna maioria das vezes, não está melétrica de Três Lagoas, por muito preocupado com a exemplo, acredita que a maiqualidade ambiental or dificuldade em conseguir Elisabeth Arndt, coordenadora do Ibama as licenças está na falta de experiência do Ibama com termelétricas a gás. Com a crise do sistema elétrico, foi feita uma medida provisória para diminuir os prazos do licenciamento e, ainda, simplificar os Estudos de Impacto Ambiental. Arndt aponta as mudanças em curso: Agora estão fazendo uma portaria que vai fixar melhor os prazos, mas em geral eles não são muito definidos, já que há muita complementação. Mas a coordenadora de licenciamento ressalta o comportamento do empresário: O empreendedor também precisa cumprir o prazo dele, não depende só do Ibama. Se eles entregarem tudo redondinho, o procedimento é mais rápido, mas a coisa demora muito porque sempre tem negociação. Eles acham que não precisa fazer determinado reparo para melhorar a qualidade do ambiente ou acha que 37 determinado filtro é mais caro que outro e não quer colocar. Há uma resistência à melhoria porque eles querem fazer tudo com o menor custo. O empreendedor, ainda hoje, na maioria das vezes, não está muito preocupado com a qualidade ambiental. Joel Trindade justifica que é impossível fazer qualquer desenvolvimento que use recurso natural sem impacto. Para ele, o empreendimento tem que ser feito com o menor impacto possível. O ideal é economicamente inviável. O processo vai ficar tão caro que não compensa fazer nada. Você não vai ter um custo competitivo seja com o produto biscoito, seja roupa, seja energia elétrica, contesta. Na contramão do Protocolo de Kyoto Em 1998, o Brasil e vários outros países do mundo que participaram, no ano anterior, da reunião da Conferência das Partes, no Japão, firmaram o Protocolo de Kyoto, que estabelece a redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa, em no mínimo 5% em relação aos níveis de 1990. A redução deve ocorrer em vários segmentos e de várias formas, dentre elas, reformando os setores de energia e transportes e promovendo o uso de fontes energéticas renováveis. O Protocolo só entra em vigor depois que, pelo menos, 55 países da Convenção ratificarem o acordo, incluindo os desenvolvidos, que contabilizaram 55% das emissões totais de dióxido de carbono naquele ano. Até agora, dos 84 países que participaram, apenas 34 confirmaram o comprometimento. O Brasil foi um deles. No entanto, o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que prevê a instalação de 49 usinas termelétricas no país, coloca o país na contramão do Protocolo de Kyoto, tendo em vista a grande quantidade de poluentes que elas lançarão na atmosfera. Março/2003 Jornalismo engajado Acordos com a Petrobras, despreparo e campanha eleitoral são os fatores que levaram a imprensa a não abordar as termelétricas com devido cuidado Desde que se começou a falar em termelétricas em Mato Grosso do Sul, o que se viu, e infelizmente ainda se vê, é a desinformação da população sobre o assunto. A imprensa, que poderia esclarecer as dúvidas da comunidade, não conseguiu cumprir o seu papel em vários momentos. E mais: muitas vezes acobertou acordos feitos entre empresas e políticos, ludibriando a população. O jornalista Hudson Corrêa, então editor de Cidades da Folha do Povo (hoje correspondente da Folha de São Paulo), revela que por um tempo a própria Petrobras patrocinou os principais jornais do estado. No começo o investimento era alto. Se eles patrocinavam, quem falaria mal das termelétricas?. Todos os veículos de comunicação deixaram a desejar em relação ao assunto. 38 Alguns até apresentavam o gás como uma nova opção de energia, divugavam os estudos da pesquisadora Sônia Hess sobre os possíveis impactos causados pelas usinas e as licenças ambientais. Mas pouco foi dito sobre a real necessidade da instalação das térmicas no estado, a composição do gás boliviano e a forma como todo o processo se efetivou. A cobertura da mídia impressa da capital, por exemplo, ocorreu basicamente em dois momentos distintos. Primeiro, na época do apagão, quando de uma hora para outra, as térmicas foram apresentadas para todo o país como a solução para a falta de energia elétrica. Depois, quando teve início a campanha eleitoral de 2002 e os dois principais jornais impressos do estado partiram para a disputa política, em lados opostos. Hudson Corrêa admite que a mídia não tratou a questão como deveria. No começo, quando o assunto ainda estava pipocando, todo mundo quis falar de termelétricas, mas faltava um pouco de informação para os jornalistas conseguirem explicar às pessoas o que era a térmica movida a gás, por exemplo, lembra. Como o assunto era muito recente, na época, nem os pesquisadores tinham informações precisas sobre as usi- nas. Por outro lado, ainda hoje, muitos órgãos e empresas criticam a postura da imprensa por não terem sido procurados para falar sobre o assunto. O segundo momento foi quando começou a campanha eleitoral no estado. Dois dos três mais fortes candidatos ao senado tinham como suplentes os donos dos dois principais jornais de Mato Grosso do Sul. Antonio João, dono do Correio do Estado, era suplente do candidato petista Delcídio do Amaral, e Gilmar LiDe uma hora para outra, as ma, na época dono térmicas foram apresentadas do jornal Folha do para todo o país como a solução Povo, do candidato do para a falta de energia elétrica PST, Pedro Pedrossian. As pesquisas indicavam que uma das duas vagas já estava garantida pelo então senador Ramez Tebet, deixando a disputa ainda mais acirrada para os demais. Para agravar a situação, o candidato Delcídio do Amaral, que se afastou do cargo de secretário de infra-estrutura do estado para concorrer à vaga, começou a alcançar Pedro Pedrossian, o segundo favorito nas pesquisas. Tentando enfraquecer a candidatura de Delcídio do Amaral, a Folha do Povo passou a publicar reportagens questionando os resultados do projeto das termelétricas, que ele encabeçava. No dia 22 de setembro de Março/2003 2002, o jornal estampou a matéria intitulada Projetos para o gás não saem do papel, colocando em dúvida a execução das obras previstas para Mato Grosso do Sul: O diretor da Petrobras, Delcídio do Amaral, anunciou um suposto plano da empresa de construção da usina termelétrica no norte do estado. O complexo deveria girar em torno de 250 MW a partir de processamento de gás natural boliviano. (...) O projeto não prosperou, nem foi incluído no PPT (Programa Prioritário de Termeletricidade). Em contrapartida, o jornal Correio do Estado publicava matérias que exaltavam a figura do ex-secretário. Conforme Hudson Corrêa, o jornal referia-se ao candidato como o grande pai das termelétricas, que vão gerar empregos e desenvolver o estado, o mesmo discurso que o governador assumiu durante toda a campanha. Sendo que essas obras e recursos, na verdade, nem são estaduais. Parte é da Petrobras e parte da iniciativa privada. Todo jornal tem uma bandeira. A do Correio era a do Delcídio Adilson Trindade, jornalista A culpa pelas matérias tendenciosas publicadas na Folha durante a campanha, segundo Corrêa, não era do repórter porque as pautas, nas editorias de economia e política, já vinham com direcionamento de cima. Já Adilson Trindade, editor de Política do Correio, sustenta que o jornal não favoreceu a candidatura de Delcídio e também não atacou Pedrossian. Mas Trindade admite que o veículo preferia um deles: Todo jornal tem uma bandeira. A do Correio era a do Delcídio, a do governador, porque a proposta deles é trazer coisas para o estado que nós concordamos que são boas. O editorial do Correio do Estado de 20 de setembro de 2002 mostra a posição favorável do jornal à mudança do perfil energético brasileiro: De pouco adianta fazer apontamentos críticos sobre as dificuldades atuais em se implementar infraestrutura para dar vazão ao volume de gás contratado. (...) Abre-se espaço para colocar novamente em discussão a questão da diversificação da 39 matriz energética brasileira, na qual o gasoduto Bolívia-Brasil surge como opção viável, dependendo apenas de ajustes que serão corrigidos com o tempo. Mas não há dúvida de que o produto será estrategicamente decisivo para o crescimento do estado. Os nós da imprensa Em muitos veículos de comunicação, é freqüente que os proprietários exijam a divulgação de determinadas matérias, com o objetivo de beneficiá-los, em detrimento do interesse público. O jornalista Hudson Corrêa conta que, eventualmente, quando isso acontece em sua editoria a matéria é feita de forma burocrática. Se a gente for pedir demissão toda vez que receber uma ordem superior, não vai trabalhar em lugar nenhum. Mas não precisa abraçar a causa. Agora se a iniciativa é nossa, tem que fazer da melhor maneira, afirma. Ele lembra que esperou passar o primeiro turno da eleição para divulgar reportagens sobre as termelétricas que não tinham direcionamento comprometido, mas que, se fossem divulgadas durante a campanha, poderiam parecer que sim. Março/2003 Para Corrêa, o grande problema é que parte da imprensa está amarrada ao governo do estado, e por isso não questiona determinados assuntos. A parcela que não está, muitas vezes, deixa de levantar questões polêmicas para ficar em uma posição intermediária. Isto seria a autocensura de jornalistas que querem ficar bem com todo mundo. Outra falha da imprensa é que certos assuntos não são totalmente esclarecidos e a mídia não volta a abordá-los, dando a impressão de que as matérias são feitas apenas quando há algum interesse. A gente acaba se viciando com essa coisa de gancho, isso é perigoso. Por que não resgatar questões mal resolvidas?. Isso sem contar as vezes em que a imprensa não acompanha o desdobramento dos fatos. 40 Para não dizer que ninguém avisou Se por um lado poucos jornais abordaram a questão da instalação das termelétricas em Mato Grosso do Sul, alguns veículos especializados tentaram levar ao maior número de pessoas informações pertinentes sobre o assunto. O Ecologia em Notícias, boletim semanal com informações sócio-ambientais, distribuído por fax ou e-mail para a mídia local, nacional e internacional, foi um deles. Ele é desenvolvido por uma equipe de jornalistas da Ecologia e Ação (ECOA) - uma organização não governamental ligada a questões ambientais. Segundo a editora da publicação, Yara Medeiros, o boletim sempre procurou abordar o assunto, mas isso era feito de forma generalizada. Além disso, não se falava especificamente do estado ou da capital. Ela lembra que eles começaram a abordar de forma mais incisiva a problemática as termelétricas, depois que a engenheira química Sônia Hess enviou uma carta para a ONG, dizendo que a usina William Arjona iria trazer muita poluição à região de Campo Grande. Protesto Reconhecendo a gravidade do problema, o Ecologia em Notícias estimulou manifestações contra a instalação das termelétricas no estado, chegando a lançar, em março do ano passado, uma publicação exclusiva sobre o assunto denominada edição especial de luto. Mas, conforme Medeiros, nem na época nem depois os jornais demonstraram muito interesse pelo assunto. A gente sempre encaminhou as matérias e os artigos sobre a poluição das termelétricas para todos os veículos de comunicação com a intenSe não divulgavam matérias ção de pautá-los, mas não sobre os impactos causados pelas vimos retorno lamenta. Se não divulgavam, de- termelétricas, deviam achar que viam achar que a questão a questão não tinha relevância não tinha relevância. Yara Medeiros, jornalista Na opinião da editora, a imprensa de Campo Grande, e até a nacional, é falha em relação à questão ambiental. Você quase não vê editorias de meio ambiente nos jornais. Normalmente eles colocam as matérias na editoria de Cidades, porque a maioria só aborda o assunto quando acontece algum desastre ou sai uma licença. Março/2003 Gesiel Rocha Alternativas promissoras Vislumbrando o futuro esgotamento dos combustíveis fósseis, a tecnologia busca outras fontes de energia, baseadas nos recursos renováveis Provavelmente, o século XXI não deve ter apenas uma única fonte de energia predominante, como ocorreu no século XIX com o carvão, e no XX com o petróleo. Isso porque em virtude do risco do esgotamento das fontes exploradas atualmente, como os combustíveis derivados do petróleo, há uma necessidade e uma tendência de se buscar fontes renováveis, pouco poluidoras e que sejam produzidas localmente. Além das termelétricas, que têm custo alto e representam riscos à saúde e O gás natural nos foi imposto e ao meio ambivocê pode ver que nos jornais é ente, e das hicomo se não existisse nenhuma drelétricas que alternativa Bruno Mangiapelo, engenheiro eletricista são responsáveis por cerca de 90% da energia gerada no país, existem diversas fontes alternativas de energia disponíveis, mas que têm a necessidade de um maior desenvolvimento tecnológico para que possam ser economicamente rentáveis e, conseqüentemente, utilizadas em maior escala. Março/2003 O senador Delcídio do Amaral (PT), acredita que as fontes alternativas terão espaço, mas hoje isto é difícil. É um negócio bonito, bacana de falar, mas que ainda não tem escala para gerar energia num custo com petitivo. No Brasil, existem empresas investindo nas fontes alternativas, mas ainda não foi criada uma tarifa adequada para que os investidores instalem projetos desse tipo. Na opinião do senador, conforme aumentar a escala, aumentam os investimentos, a tecnologia e, assim, os caminhos se abrirão para a implementação de projetos no país e no mundo. Mesmo sem a regulamentação apropriada no país e um estudo do potencial das fontes energéticas disponíveis no Estado, pesquisadores afirmam que há outras possibilidades para produção de energia. O gás natural nos foi imposto e você pode ver que nos jornais é como se não existisse nenhuma alternativa, aponta o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato rosso do Sul, Bruno Mangiapelo. Usando as nossas alternativas, tenho cer- 41 www.labsolar.ufsc.br 42 A luz do sol pode ser transformada em energia através de placas fotovoltaicas, mas ainda não existem mecanismos de armazená-la Gesiel Rocha teza que não haveria impacto ambiental. Vocações Em Mato Grosso do Sul, a melhor perspectiva está na biomassa, que é extremamente favorável. A biomassa florestal, por exemplo, além de ser renovável e não emitir gás carbônico desde que a madeira não seja queimada , possibilitaria maior oferta de energia elétrica que a demanda atual, gerando empregos permanentes em maior número e benefícios ambientais, quando comparada com as usinas termelétricas a gás natural. O potencial de comercialização da biomassa florestal poderia ser ampliado, se a plantação de árvores nas propriedades rurais superar os 20% mínimos. O álcool, que pode ser obtido através da O biodiesel, que pode ser produzido a partir da cana-deaçúcar, é uma opção de combustível mais limpo que o óleo diesel cana-de-açúcar, uma das principais produções do estado, é outra alternativa para otimizar o sistema elétrico do Estado. Segundo Mangiapelo, o bagaço da cana tem uma quantidade energética imensa. Existe, ainda, o biodiesel, que é produzido a partir da cana, da soja e do milho, podendo substituir o óleo diesel, combustível altamente poluidor. Além da biomassa, a energia solar e as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) são fontes renováveis de energia promissoras no Estado. Mas conforme o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, apesar do sol ser uma fonte inesgotável, há ainda a dificuldade de acumular a energia proveniente dele e o desenvolvimento tecnológico para uma maior eficiência energética tem custo elevado. O físico lembra que, exceto a energia geotérmica e a nuclear, todas as outras fontes disponíveis na terra vem do sol, daí a importância de se investir nessa opção. As PCHs representam uma grande perspectiva para o desenvolvimento da matriz energética estadual porque MS tem muitos recursos hídricos. O professor Mangiapelo explica que as PCHs não Além da biomassa, a energia solar e as pequenas centrais hidrelétricas são fontes renováveis de energia promissoras no estado Março/2003 A energia eólica é opção para Mato Grosso do Sul, mas não há estudos que comprovem a viabilidade do investimento www.terravista.pt representam tantos riscos ao meio ambiente, enquanto as grandes hidrelétricas podem interromper o curso do rio, acabar com as quedas dágua e prejudicar a reprodução dos peixes. Só em PCHs o estado tem um potencial de 2.500 MW, o que daria para alimentar o estado seis vezes na média de consumo que é de 400 MW, sugere o engenheiro. A energia eólica e a geotérmica também são apontadas por pesquisadores como opções para Mato Grosso do Sul, mas ainda não existem estudos que comprovem a viabilidade desses investimentos. No estado só tem um dado nacional, uma estimativa de alguns anos atrás que diz que há algum potencial eólico na beirinha sul e sudeste, informa o geólogo e professor da UFMS Paulino Coelho. No caso da geotérmica, Coelho diz que há locais no estado com demanda de energia muito baixa e que tem água quente. Nessas situações, segundo ele, haveria a possibilidade de aproveitar o calor vindo do interior da terra para gerar energia com custo local baixo. De acordo com Mangiapelo a energia geotérmica tem a vantagem de funcionar 24 horas. A energia solar é ótima, mas não funciona à noite, a geotérmica não acaba nunca porque é um fogo eterno no interior da terra que alimenta, explica. Os pesquisadores concordam que o caminho é usar os recursos disponíveis de cada região e que não tenham tantos efeitos negativos como o gás natural. A intenção não é suprir todo o consumo e, sim, otimizar o sistema elétrico de Mato Grosso do Sul com a co-geração, equilibrando tipos diferentes de geração de energia. Os resultados nem sempre serão imediatos, por isso, é preciso começar a plantar hoje para colher em alguns anos. www.riosvivos.org.br Panorama energético do Brasil Fonte: MME / 14 junho 2002 Engenheiro ecológico Com o objetivo de divulgar tecnologias para se produzir energia elétrica coerente com o meio ambiente, foi criada, em Campo Grande, uma organização não-governamental, o CETEL Centro de Tecnologia de Energia Limpa. Segundo o engenheiro eletricista e presidente do Centro, Bruno Mangiapelo, hoje, o profissional que se forma em engenharia elétrica além de aprender a gerar energia, deve se preocupar com o meio ambiente, usando metodologias para que ele seja preservado. Março/2003 43 Tipos de energias alternativas Biomassa - Aproveitamento de resíduos florestais e de processos biológicos. Salvo algumas exceções, não poluem e nem se esgotam. Pelo contrário, podem contribuir para diminuir a poluição devido ao uso produtivo do lixo e de outros detritos. Álcool - Usado tanto como combustível para automóveis, com a vantagem de ser renovável e menos poluidor que a gasolina, como para a produção de energia elétrica. No último caso, ainda não foi experimentado em grande escala. Pode ser extraído da cana-de-açúcar, beterraba, cevada, eucalipto, entre outros. Biogás - Gás natural produzido a partir da decomposição de matéria orgânica como esterco, bagaço de vegetais, palha e lixo. Pode ser usado como combustível para fogões, motores e até turbinas que produzem energia elétrica com economia e menor impacto ambiental. Lenha - Utilizada principalmente na indústria em substituição a derivados de petróleo. Atualmente, sua importância tem diminuído nos países industrializados por provocar devastação das florestas. Carvão vegetal - Pode ser utilizado como combustível em residências, usinas siderúrgicas e em usinas termelétricas, porém causa grande desmatamento. Óleos vegetais - São extraídos da mamona, babaçu, soja, amendoim, etc. Podem ser usados em motores do ciclo diesel, mas, por enquanto, não são uma alternativa economicamente viável. 44 Eólica - Obtida pela força dos ventos, pode ser um bom negócio no Brasil. É a única que pode produzir energia em pequena escala a um custo baixo e com retorno razoável, além de não poluir o meio ambiente. Solar - Fonte energética não poluente e renovável, porém ainda não se sabe uma maneira de aproveitá-la com baixo custo, nem como armazená-la. Pode ser obtida de forma direta (fotovoltaica) e indireta (térmica). Hidrogênio - Não é uma fonte primária de energia, já que precisa ser obtido a partir de outro composto, como a água, por exemplo. Tem custo baixo, não é poluente e pode ser usado para abastecer automóveis. Geotérmica - Calor proveniente do interior do planeta. Em alguns países é usada como aquecedor natural. No Brasil, não há muitas possibilidades de aproveitamento, a não ser para banhos no próprio local, como em Caldas Novas, em Goiás. Oceânica - Pode ser aproveitada em locais com grande diferença de nível entre a maré baixa e maré alta. No Brasil é inviável, já que o país não possui essa variação. Mineral - Carvão mineral, gás natural e xisto betuminoso são fontes de energia proveniente das rochas, mas não são renováveis. Utilizadas geralmente para fornecer calor para os altos fornos de indústrias siderúrgicas e eletricidade através de usinas termelétricas ou ainda como combustível de automóveis. Nuclear* - Energia obtida a partir da divisão do átomo, tendo como matéria-prima minerais altamente radioativos. As usinas nucleares possuem altos custos de instalação e tem duração média de 25 anos. Apresenta malefícios, como desenvolvimento tecnológico para construção de armas nucleares, produção de lixo atômico e riscos de acidentes como o da usina ucraniana de Chernobyl. *Não considerada como fonte alternativa de energia por alguns pesquisadores Março/2003 Banco de dados Nem tudo o que é lixo deve ser jogado fora Além de aproveitar as 450 toneladas de lixo produzidas na capital, a usina a partir de resíduos é menos poluidora que os aterros sanitários e as termelétricas a gás natural Ganhar com o que seria jogado fora é a nova tendência do mercado. Um exemplo disso é o projeto de implantação de uma usina termelétrica em Campo Grande com geração de energia a partir da combustão do lixo urbano. O projeto da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico prevê inicialmente a geração de 12 MW por ano, que serão destinados apenas às repartições públicas municipais e deve ser viabilizado ainda neste semestre. A empresa que vencer o processo licitatório de concorrência será instalada no terreno onde hoje funciona o aterro sanitário. O secretário Carlos Henrique Santos Pereira afirma que a usina à base de lixo é muito viável porque, além de aproveitar as 450 toneladas de lixo produzidas diariamente na capital, é menos poluidora que os aterros sanitários e que as termelétricas a gás natural. Segundo Santos Pereira, a usina não gasta muita água, não gera compostos de oxigênio, nem provoca chuva ácida. Em Dourados, empresários britânicos também estão apostando no uso da biomassa para a geração de energia. O projeto prevê a instalação de uma usina energética a partir do uso de dejetos de estabelecimentos agrícolas, como a cama de frango. Os investidores apostam na matéria-prima produzida nos aviários da região sul do estado e no consumo de energia das principais agroindústrias da Grande Dourados. Outro exemplo é a iniciativa do INEE (Instituto Nacional de Eficiência Energética) que, com recursos das Nações Unidas, está desenvolvendo a utilização energética de resíduos de madeira provenientes de serrarias e da indústria madeireira. O projeto pretende mostrar que 45 as indústrias podem transformar os resíduos de madeira em fonte de geração de energia capaz de suprir a necessidade das empresas. Vamos apontar para o setor as possibilidades da verdadeira exploração florestal sustentada, do manejo sustentável das florestas e a oportunidade para a produção da própria energia consumida, afirma Osório de Brito, diretor do instituto. Os resíduos de madeira não só podem ser usados para abastecer termelétricas brasileiras, como também para substituir a lenha convencional utilizada em olarias e indústrias cerâmicas, além de contribuir com o meio ambiente e a saúde pública. Derrota brasileira Apesar do esforço de muitos pesquisadores em desenvolver projetos de energia alternativa, a proposta brasileira de aumentar para 10% o total de fontes renováveis na matriz energética dos países até 2010 foi derrotada na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo, África do Sul, em agosto de 2002. A proposta foi reeditada, com as restrições dos países árabes e dos Estados Unidos de não estabelecer metas para energias renováveis, além de não definir Março/2003 um período para que os países adotem fontes alternativas. O texto aprovado na Rio + 10 estabelece apenas que os países promovam, com urgência, um aumento substancial no uso de energias renováveis, reconhecendo o papel das metas regionais e nacionais voluntárias onde existirem. Ou seja, se o Brasil decidir adotar metas, o cumprimento delas poderá até ser fiscalizado pela Comissão Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, mas se não fizer não receberá punição. Falta de caráter Rogério César de Cerqueira Leite* Sempre que há uma falha em um sistema qualquer, iniciamos a análise procurando determinar se a causa foi devida a um defeito de fabricação ou erro humano. Quando, em 2001, ficou evidente a necessidade de um imediato racionamento de energia elétrica para prevenir uma desastrosa e eminente interrupção no fornecimento de energia, o governo federal procurou desesperadamente esquivar-se de qualquer responsabilidade, eliminando a hipótese de falha humana. Restava, portanto, apenas encontrar um segmento do sistema de equipamentos que pudesse ser inculpado. Eis como acabou sendo eleito São Pedro como bode expiatório. Foi a escassez de chuvas a responsável, afirmaram políticos e técnicos do governo, apesar de dados meteorológicos mostrarem que não se tratava de uma estia46 gem maior que outras do passado. A tese alternativa era de que a inovação gerencial denominada Mercado Atacadista de Energia(MAE) havia fracassado. O MAE era uma espécie de Ceasa em que consumidores comparam os preços da caixa de tomates e escolhem os fornecedores menos careiros. E o único regulador é o mercado. Se funciona para o Ceasa, deve funcionar para o MAE. De acordo com este modelo, quando houvesse escasseamento de energia, os preços subiriam e investimentos afluiriam, até que a oferta fosse satisfatória e os preços retrocedessem. Este mecanismo funciona bem com tomates. O que esses brilhantes planejadores não teriam levado em conta é que no caso de escasseamento de tomates, comemos rabanetes, mas para energia elétrica não há sucedâneo tão facilmente encontrável. Para as opções existentes, quanto menores os custos e tempo de retorno de capitais, maiores os custos da energia e mais penoso é para o consumidor. Assim, a única escolha atraente para a iniciativa privada - a termelétrica a gás tinha custos de produção, que seriam o dobro do custo para novas hidrelétricas e quatro vezes os custos da eletricidade vendida por Furnas e outras hidrelétricas já amortizadas. Além do mais, as reservas brasileiras de gás natural são exíguas e as bolivianas, além de limitadas, fornecem gás a preços determinados pelos do petróleo no mercado internacional. Tendo colocado suas esperanças em uma solução fracassada, o Estado também se omitiu, interrompendo inclusive a construção de varias hidrelétricas. Eis a melhor interpretação encontrada para o apagão, embora não explique por que esta opção tão esdrúxula tenha sido escolhida, em momento tão critico e de maneira tão apressada e irresponsável. Dentro das condicionantes, não teria sido fácil outra solução, a menos que o Brasil resolvesse desafiar o Fundo Monetário Internacional, que considera investimentos de empresas estatais brasileiras despesas governamentais e as proíbe. Em 2001, o governo federal percebeu a inviabilidade do esquema para o setor elétrico e o liquidou. Houve, entretanto, um desperdício de bilhões de dólares, um aumento surpreendente das tarifas e quem saiu perdendo foi o cidadão. Lucros foram remetidos para o exterior por empresas endividadas, que foram socorridas pelo governo reiteradas vezes com aumentos das tarifas e empréstimos subsidiados pelo BNDES. Enfim, tudo aquilo que compõe a razão ideológica da privatização se transformou em lamentável obscenidade. O apagão não foi conseqüência de quebra de equipamento, nem de falha humana (técnica), mas tão somente da falta de vontade política de uns e da especulação mercantilista de outros. Em resumo, foi conseqüência de falta de caráter. *Físico e professor emérito da Unicamp Artigo retirado do livro ‘Energia para o Brasil - um modelo de sobrevivência’ Março/2003