“O Lince”: As edições de aniversário em 67 anos de

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“O Lince”: As edições de aniversário em 67 anos de
“O Lince”: As edições de aniversário em 67 anos de história1
Susana Azevedo REIS2
Christina Ferraz Musse3
Universidade Federal de Juiz de Fora
RESUMO:
Este artigo tem como objetivo compreender a diversidade e características da imprensa
regional, da constituição das identidades simbólicas do país, cuja história é marcada
pela por sucessivos períodos centralização de produção jornalísticas. Para tanto, possui
como objeto empírico o periódico “O Lince”, que circulou pela cidade de Juiz de Fora
de 1912 a 1979, e delimitaremos nossa investigação na análise das edições
comemorativas do periódico. Este trabalho pertence ao projeto Memórias da Imprensa
de Juiz de Fora, que busca catalogar e analisar os principais jornais que fizeram parte da
história da cidade.
História; imprensa; jornal regional; edições comemorativas; “O Lince”
1- Um panorama sobre a imprensa da época
No início do século XX , a imprensa brasileira sofre diversas modificações, por
ocasião do surgimento de novos aparelhos tecnológicos e novas formas de se fazer
jornalismo. As novas tecnologias permitiram a maior tiragem, maior qualidade e rapidez
na impressão, diminuindo as distâncias entre os acontecimentos e o público que lia as
revistas e jornais. Marialva Barbosa comenta como essa mudança englobou
modificações nas redações, que tiveram que realocar estrategicamente os diversos
profissionais que as compunham; nas editorias, onde surgiram mudanças de conteúdo
das notícias; e na forma como as páginas dos impressos eram diagramadas e
distribuídas. As pautas policiais e os folhetins ganharam o gosto do público, enquanto as
1
Trabalho apresentado no GT 1 – História do Jornalismo, no 3º Encontro Regional
Sudeste de História da Mídia
2
Estudante de graduação do 5º período de Jornalismo na Universidade Federal de Juiz
de Fora. Bolsista de iniciação científica UFJF e membro do grupo de pesquisa
Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. Email: [email protected]
3
Jornalista, mestre e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da
UFJF no curso de Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Coordenadora do projeto “Memórias da Imprensa de Juiz de Fora” e do grupo de
pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. E-mail: [email protected]
charges e algumas notícias como as sensacionalistas, os resultados e palpites de jogos
de azar e o carnaval, buscaram um público mais diverso e heterogênio. (BARBOSA,
2007).
Segundo Christina Musse (2008), a imprensa no início do século XX foi
construída com base em uma nação idealizada. A ideia de um Brasil moderno,
provocada principalmente pelas constantes lutas contra a escravidão, a defesa da
república e a ascensão da burguesia industrial, contribuiu para o desenvolvimento da
imprensa. A imprensa se torna então um catalisador das transformações sociais, um
lugar de debate, previsões sociais e, que mais tarde, se torna parte do dia-a-dia da
população em geral. Deste modo, os relatos nas páginas dos jornais das modificações
sociais e políticas brasileiras, permitiram a criação de um sentimento de pertencimento e
patriotismo noc cidadãos do país, construindo assim a noção de lugar. (MUSSE, 2008)
A cidade de Juiz de Fora, localizada na Zona da Mata mineira, no início do
século XX, é o centro de cultura da região. Não possui vínculo com o sistema colonial
mineiro, as cidades do interior, mantendo um grande intercâmbio cultural com o Rio de
Janeiro. (MUSSE, 2008). O primeiro jornal de Juiz de Fora foi “O Constituinte”,
existindo na época outras publicações da imprensa urbana, que circularam sem
periodicidade ou apenas em um número, como comenta a autora a partir do registro do
jornalista Albino Esteves4:
Albino Esteves afirma ter sido O Constituinte, que provavelmente,
circulou no primeiro semestre de 1870, o primeiro jornal da cidade, ao
qual sucederam mais de cem publicações, dentre os jornais,
almanaques e revistas, até o ano de 1900(1915, p. 317 – 333). Entre os
jornais, houve aqueles que tiveram uma edição única, outros
circularam por mais de um ano. Alguns eram ligados a partidos
políticos, outros eram literários e ainda existiam os humorísticos.”
(MUSSE, 2008, p. 98)
A cidade de Juiz de Fora possuía muitos traços europeus, principalmente
franceses, inseridos em sua cultura urbana e na imprensa. Musse observa um crescente
ufanismo na cidade de Juiz de Fora, que se apresentava como uma nova possibilidade,
cultural e industrial, para todos, um eldorado regional. Deste modo, os primeiros jornais
4
Albino Esteves será mencionado diversas vezes nesse trabalho. Seu exercício jornalístico em Juiz de
Fora é amplo, e de grande importância para o desenvolvimento da imprensa da cidade. Nasceu em
1884, em Sapucaia, Rio de Janeiro, mas se mudou para Juiz de Fora ainda jovem. Foi redator do jornal
“O Pharol”, um dos fundadores do jornal “O Dia”, e elaborou em 1916 o “Álbum de Juiz de Fora”, uma
obra de grande importância para o registro histórico e cultural do município.
da cidade apresentavam os ideais da construção de lugar e de pertencimento,
apresentando sempre o ideal de modernidade e o futuro promissor que a cidade oferecia.
Entre 1885 e 1935, surgiram cerca de 201 periódicos na cidade, crescendo ainda
mais esse número a partir e 1920. (MUSSE, 2008, pág 103). Entre esses jornais, em
1912 foi publicada a primeira edição de “O Lince”. Jornal de cultura, de apenas quatro
páginas, fundado por Jesús de Oliveira.
2- “O Lince”
Jesús de Oliveira nasceu em Olaria, distrito de Lima Duarte, em 09 de janeiro de
1891. Aos quatro anos de idade foi morar em Benfica, bairro de Juiz de Fora. Lançou
antes de “O Lince”, os impressos “O Benfica”, “O Tiro 17”, “A Propaganda” e
“Constelações”, todos esses de vida efêmera, e o “Médium”. Publicou por último o
jornal “O Independente”, mas foi impedido por seu pai de continuar o jornal.
(ESTEVES, 1962).
Em 9 de janeiro de 1912, quando Jesús completou 21 anos e se tornou maior de
idade, fundou “O Lince”. Segundo Adail de Oliveira, filho de Jesús, o fundador de “O
Lince” era na época tipografo no jornal “O Pharol”5 e foi incentivado por dois amigos a
fundar um pequeno jornal.
Ele era tipógrafo, trabalhava com tipo. Então foi que o Albino Esteves
entrou na história, porque o papai era amigo do Albino Esteves no
negócio do “Pharol”. Outro que colaborou com meu pai no negócio
de “O Lince” foi o cunhado do Albino Esteves, o Epaminondas Braga.
[...]Então eles que deram incentivo ao meu velho (OLIVEIRA, 2013).
Adail de Oliveira destaca o afeto que Jesús tinha por Benfica, bairro localizado
na zona norte da cidade de Juiz de Fora, pois mesmo o jornal sendo editado e impresso
no centro do município, o periódico registrava que era elaborado em Benfica,
pressupondo que o bairro era independente da cidade, causando confusão nos leitores.
Mais tarde, o jornal foi transferido oficialmente para Juiz de Fora.
Então quando ele fundou o jornal, ele não estava em Benfica, mas
como homenagem a Benfica, ele pôs como se fosse a redação em
Benfica. Por que Benfica era um bairro de Juiz de Fora. Benfica era
simbólico, uma homenagem ao lugar. Por que lá não tinha tipografia,
não tinha nada (OLIVEIRA, 2013).
5
“O Pharol” foi um dos mais importantes veículos impressos de Juiz de Fora, circulando 69 anos pela
cidade.
Segundo Adail de Oliveira, o nome do jornal foi uma sugestão de Albino
Esteves. Lince é uma espécie de gato, que possui uma ótima visão.
Este gato a visão dele é muito boa, ele vê através das paredes, atrás de
uma parede ele sabe o que tem do outro lado. Esse gato o Lince, que é
um gato selvagem. Assim, quem deu o título, foi aquele o historiador
da cidade, Albino Esteves. (OLIVEIRA, 2013)
Jesús de Oliveira e Nestor Campos foram os primeiros editores de “O Lince”. A
maioria das matérias era escrita pelo próprio Jesús juntamente com alguns
colaboradores, com temáticas culturais, de entretenimento e notas informativas.
O jornalista Luiz José Stehling, em uma matéria intitulada “O cinquentenário de
O Lince”, publicada na edição comemorativa de 50 anos do jornal, revela que os
primeiros números dos jornais foram impressos na oficina de “O Pharol”. Dois anos
depois, Jesús de Oliveira comprou “uma manobra manual e uma caixa de tipos pela
importância de Rs. 1.500$000” (STEHLING,1962, p.23) e transformou seu “quarto de
solteiro”, localizado na sede do Tiro 17, na Av. Perry, em uma redação e oficina de seu
jornal. Em 1930, mudou-se para a Av. Rio Branco, mais tarde para a Av. dos Andradas.
A redação de “O Lince” também localizou-se na Av. 7 de setembro, na Rua Dr. Frontini
e na Rua Hermes da Fonseca.
As primeiras edições de “O Lince” eram em formato 22 cm x 16 cm e possuíam
uma tiragem de cerca de 200 exemplares, sendo que o número de páginas de cada
edição variava de 4 a 12. Em 1939, quando ocorreu uma mudança editorial e o jornal
tornou-se uma revista mensal, o periódico chegou a publicar cerca de 1000 exemplares
por dia. Mas, de acordo com Adail de Oliveira, o número da tiragem variava de acordo
com o espaço reservado para a publicidade. Quanto maior a quantidade de propagandas
no espaço do jornal, maior a tiragem de determinado exemplar. A principal distribuição
de “O Lince” era dirigida para os assinantes, mas exemplares também eram enviados
para as bancas de revistas e os patrocinadores.
Eu fazia uma distribuição dirigida, fora os assinantes, porque a base
nossa era dos assinantes. Tinha venda na banca, esse negocio, mais o
que tinha um maior volume era a assinatura, e as distribuições
dirigidas que eu fazia (OLIVEIRA, 2013).
Existiam assinantes de todo o Brasil, e até do exterior. “Nós tínhamos assinantes
em Moçambique, na África, tínhamos em Nova York, tinha aqui na Argentina e em
Portugal, em várias cidades” (OLIVEIRA, 2013). Havia um grande intercâmbio entre
outros países e “O Lince”, principalmente quando o periódico já havia se tornado
revista, pois, além da revista ser enviada para o exterior, poetas e jornalistas estrangeiros
enviavam seus textos para serem publicados no periódico tornando-se assim
colaboradores. Esses colaboradores foram de grande importância para “O Lince”, pois
eram eles que contribuíam para a diversidade de textos, poemas e ilustrações.
O periódico foi publicado quinzenalmente até dezembro de 1939, quando se
transformou em revista, sendo publicada mensalmente. Porém, em abril de 1946, devido
“as grandes dificuldades que encontrava na aquisição e papel estrangeiro”
(STEHLING,1962, p. 22), o impresso teve que retornar ao formato de jornal, sendo
publicado de dez em dez dias. Em 1948, com o número 1183, ele voltou ao formato de
revista, permanecendo até o fim de seu dias.
Adail de Oliveira comenta que percebeu que o formato de revista seria mais
interessante para a proposta de conteúdo que “O Lince” possuía. Ele insistiu com Jésus
e conseguiu mudar o formato do periódico.
Ele era o diretor, mas me passou o cargo de redação. E eu comecei a
fazes alterações na revista. E eu comecei a notar que tinha algumas
coisas na revista que não agradavam a ele não, mas o leitor sempre
gostava, e então elogiava com ele. "Oh, mais fulano melhorou e tal". E
com isso ele foi agradando e eu comecei a assumir secretário da
revista, depois redator, e eu continuei a fazer tudo na revista no final
de contas, porque eu... Não, ja era revista, por insistência minha, ideia
minha... (OLIVEIRA, 2013)
Durante os 67 anos de existência de “O Lince”, houve três editores. Jesús de
Oliveira permaneceu como editor de 1912 a 1966. Com o seu falecimento, Adail
ocupou o cargo, permanecendo até 1974. Marilda Ladeira foi editora geral apenas dois
anos, 1975 e 1976, quando Adail retornou ao cargo, continuando até o fechamento do
jornal, em 1979. Ele comenta como ocorreu essa mudança no jornal, por questões
financeiras e editoriais:
Na época o jornal era um jornalzinho muito fraco. Ele [Jesús]
desaprovava, aprovava matéria, mais saía assim mesmo, contra a
vontade dele às vezes. E a gente foi tocando. Depois do falecimento
dele eu assumi a responsabilidade mesmo. Mas foi aquela luta
tremenda, imprensa sempre passando dificuldade. Nós não tínhamos
recurso assim pra continuar. [...] Teve uma época, em que a Dona
Maria Ladeira, dirigiu “O Lince” por dois anos, fez uma revista que
era uma beleza, na época era uma beleza de revista. Era chique... Mas
também não aguentou. Então ela me devolveu e eu completei assim
com, o jornal. Em 1979 eu encerrei. (OLIVEIRA, 2013)
O periódico durante quase toda sua existência foi impressa na gráfica da família
Oliveira. Quando a gráfica foi vendida, Adail não teve mais condições de manter a
revista. Ela foi impressa durante peíodo na Esdeva Indústria Gráfica, em Juiz de Fora,
mas em 1979, por ocasião da falta de publicidade e consequentemente recurso
financeiro, a revista teve sua última edição.
3- A importância histórica das edições comemorativas
O jornalismo sempre teve um papel histórico. A pesquisadora Ana Paula Goulart
Ribeiro comenta que as notícias produzidas no mundo jornalístico se tornam fatos que
poderão ser utilizados como registros e documentação histórica, além de permitir a
rememorização de fatos no futuro.
Jornalismo exerce um papel crucial na produção de uma ideia de
história, não só porque indica aqueles que, dentre todos os fatos da
realidade, devem ser memoráveis no futuro (ou seja, aqueles que
teriam relevância história), mas também porque se constitui ele
mesmo em um dos principais registros „objetivos‟ de seu tempo.
(RIBEIRO, 2003, p. 100)
Pensando na função histórica dos jornais, Letícia Cantarela Matheus comenta
que para separarmos o presente e o passado em um periódico, estamos sempre
escolhendo coletivamente “marcas temporais que têm sido, cada vez mais,
acontecimentos midiáticos na forma noticiosa” (MATHEUS, 2011), ou seja, os jornais
estabelecem datas e assuntos para relembrar periodicamente um fato. No caso das
edições de aniversário, esse marco é a fundação do jornal, que é relembrado
anualmente, e é o próprio jornal que se torna notícia.
Utilizando as ideias do pensador Willian Johnston, Matheus afirma que “a
comemoração responde a necessidade do homem ritmar sua existência.” (MATHEUS,
2011, p. 28). Ou seja, a comemoração do aniversário do jornal vem da necessidade do
mesmo relembrar a sua trajetória, a sua história. Elas ritualizam o jornalismo, fazendo
com que se use o passado para que não se perca a “essência” do jornal. Johnston atribui
três funções para a presença das comemorações midiáticas: a pedagógica, a fim de
ensinar ao leitor a história de determinado veículo e do contexto histórico ao qual ele
pertence; a de estabelecer continuidade com origens, mostrando ao leitor como o jornal
se originou e quais são as personalidades que o fundaram; e a de ser ritual de
simbolização, tornando-se um evento esperado anualmente pelos leitores, que apresente
símbolos do progresso e registradores do tempo. (JOHNSTON apud MATHEUS, 2011)
Desta maneira, essas comemorações do jornal se tornam a “consagração de
forma de interpretação do passado” (MATHEUS, 2011, p. 29), de forma ritualística, se
tornando uma tradição.
Os periódicos utilizam seu aniversário para relembrar os
acontecimentos marcantes que fazem parte de sua história, condicionando aquela
determinada data como um ponto de tradição para o jornal. Essas histórias são voltadas
para os leitores, mas também para a própria empresa e o jornal como instituição, como
comenta a autora:
Ao mesmo tempo em que se voltam para o público em geral, são,
antes de tudo, celebrações de empresas de comunicação e da imprensa
enquanto instituição e por isso falam também aos profissionais que
nela atuam. Contam histórias que refazem o percurso de jornais e de
jornalistas. Elaboram passados da atividades jornalística, suas
múltiplas memórias em disputa e sua significação na época da
publicação. (MATHEUS, 2011, p. 29)
Esse ritual que se tornam as edições comemorativas, possui a função de
legitimar a existência do jornal e do jornalismo ali exercido. Por meios dessas
publicações, o jornal poderá ampliar seu público leitor e compartilhar sua história para
aqueles que não acompanham determinado periódico desde a primeira edição. Desta
maneira, a comemoração seria um meio pelo qual o periódico determina a passagem do
tempo, afinal o ser humano, segundo Johnson, busca sempre “formas diferentes de ditar
ritmo ao cotidiano” (JOHNSTON apud MATHEUS, 2011, p. 34), seja por meio do
calendário ou do relógio. O jornalismo torna-se o instrumento para essa passagem de
tempo do jornal, uma ferramenta da temporalização.
Vemos então nas comemorações duas funções: primeiro a de temporalizar,
principalmente pela questão da periodicidade já impressa no jornal; a outra seria a
reformulação da memória coletiva sobre as práticas jornalísticas, para que o público
compreenda a ações do veículo comunicacional em certo contexto e lhe valoriza.
Por meios delas [publicações comemorativas], os jornais reconhecem
que sua legitimidade depende, entre outros fatores, de sua capacidade
de fornecer versões autorizadas de passado. Se os jornais são capazes
de temporalizar a realidade sobre o que falam, oferecendo noções de
passado, presente e futuro, precisam também criar marcações
temporais para si próprios, de modo a permitir que o público os situe
no contexto histórico e lhes atribua valor. (MATHEUS, 2011, p. 35)
Desta forma, haverá uma conexão entre passado e presente, serão reproduzidos
pensamentos de outro tempo no “agora”, o que poderá ocasionar reflexão e versões
reformuladas no passado.
4 - As edições comemorativas de “O Lince”
As edições comemorativas de “O Lince” sempre foram um destaque para o
periódico. Anualmente, no mês de seu aniversário, era publicada uma edição especial,
que possuía maior número de páginas e um conteúdo voltado para o próprio jornal e
para seu fundador, Jesús de Oliveira. Com depoimentos de outros jornais, poemas e
dedicatórias de jornalistas e colaboradores, “O Lince” se firmava como um periódico
importante de Juiz de Fora.
Observando as edições comemorativas, que foram publicadas de dez em dez
anos, podemos ressaltar alguns pontos que poderão contribuir para esse trabalho. Foram
analisadas as edições comemorativas dos anos de 1922, 1932, 1942, 1952, 1962 e 1972,
as edições 428, 789, 1086, 1233, 1343, 1972, respectivamente. Procuramos analisar o
conteúdo desses jornais e revistas, percebendo quantitativamente, qual o número de
páginas, anúncios publicitários e matérias com assuntos sobre a temática
comemorativa6. Deste modo, podemos fazer um pequeno panorama de como foi o
histórico dessas edições (Anexo 1).
Observando esses dados, podemos perceber que de acordo com os anos que vão
se passando, o número de páginas do periódico vai crescendo, juntamente com o
número de anúncios de publicidade.7 Porém, as matérias com temáticas comemorativas
não seguem o mesmo ritmo, podendo reduzir ou aumentar sem razão específica. Essa
questão é explicada por Adail de Oliveira:
O aniversário era em janeiro. [...]... é uma época em que o comércio e
a indústria davam publicidade. Por que o jornal tinha muito anúncio,
tudo baratinho, não é igual os anúncios de hoje. Então chegava numa
data dessas e havia aquela possibilidade de arrecadar mais
publicidade. Por isso é que havia aquela edição mais avolumada.
(OLIVEIRA, 2013)
6
Para distinguirmos o que seria a temática comemorativa, buscamos matérias que possuíssem as
seguintes palavras chaves: aniversário, anos, Jesús de Oliveira, História, Fundação e Lince.
7
Devemos lembrar que o grande aumento de número de páginas se deve ao fato do periódico ter se
tornado revista em 1939.
A publicidade se mostra então um importante motivo para o grande número de
páginas que aparecem nas edições de aniversário do periódico, mas devemos observar
que a devoção que o jornal possui por seu fundador, também é um importante
motivador de tamanho sucesso das edições comemorativas de “O Lince”. Na primeira
edição, temos matérias que celebram a conquista do aniversário de uma década do
jornal além da demonstração de admiração pelo fundador, Jesús de Oliveira. O
colaborador Heitor Guimarães, escreveu um depoimento na edição comemorativa de
uma década, mostrando todo o seu afeto e reconhecimento pelo jornal:
“Manter uma publicação de um periódico em Minas e creio que em
todo o interior deste paiz de analphabetos, durante dez anos, nas
condições do O Lynce, é um acto de heroísmo que merece ser
registrado. Meu Jovem amigo tenente Jesús de Oliveira foi esse heroe,
que conseguiu contando apenas com sua magnífica força de vontade,
manter durante 10 anos sem solução de continuidade, este muito
sympathico ao periódico, escrevendo-o, compondo-o, revendo-o, e
expelindo-o” (GUIMARÃES, 1922, p. 3)
Podemos observar também, que o periódico se autofirmava como um importante
jornal para Juiz de Fora, publicando notas e mensagens de colaboradores que afirmavam
esse ponto de vista. Dessa maneira, “O Lince” reforçava a ideia de pertencimento que
compartilhava com Juiz de Fora e com a imprensa da cidade.
“O Lynce” é um patrimônio glorioso da cidade. Obra e esforço de um
homem só, honra à geração dos modestos homens de imprensa que, á
custa de abnegações se inscrevem entre os grades realisadores do
sadio e profícuo jornalismo. [...] No dia, portanto, que “O Lince”
completa os seus 30 anos de existência, toda a imprensa mineira tem
motivos para estar em festa, jubilosa e orgulhosa de tão significante
acontecimento. (LAGE, 1942, p. 3)
As edições de aniversário de “O Lince” tornam-se um importante meio pelo qual
o periódico se aproxima dos cidadãos da cidade, mantendo uma relação mais próxima e
acolhedora com os leitores. Desta forma, o periódico se afirma como um importante
veículo comunicacional da cidade, principalmente ao registrar sua própria história nas
páginas de sua revista.
5- A edição de 50 anos
A edição comemorativa de 50 anos da, na época, revista “O Lince”, dentre as
analisadas, foi a que apresentou maior número de publicidade, e consequentemente,
maior número de páginas. São 70 reclames publicitários em 68 páginas de revista. Por
este motivo, ela foi escolhida para uma análise mais criteriosa quanto ao seu conteúdo.
Aplicaremos os conceitos dos autores já discutidos nesse trabalho para tal análise.
Primeiramente, percebemos que a quinquagésima edição de aniversário de “O
Lince” torna a revista notícia em diversas matérias. São curiosidades, histórias,
personagens e fatos, que são contadas em 21 matérias, com os seguintes títulos:
“Crônica”; “Cinquentenário de „O Lince‟”; “ Lince – há 50 anos...1912”; “Saudação”;
“Conheça a nossa história”; “Soprando Velas”; “Nossa homenagem a O Lince”; “Vultos
de ontem e de hoje”; “Escaninho”; “Cinquentenário de „O Lince‟”; “Conheça a nossa
história”; “Nosso jubileu de Ouro”; “ O primeiro jornal dentro deste”; “A gráfica „Jesús
de Oliveira‟ Ltda. está apta a atender o mais exigente freguês com rapidez e perfeição”;
“Jubileu de Ouro”; “Curiosidades cinquentenárias”; “Gratidão aos amigos de „O Lince”;
“50 anos de exemplos”; “Gigante da perseverança”; “Notícias daqui e dali, nº12” e
“Cinquentenário de „O Lince‟”.
Observamos que essas matérias atendem as três funções que Johnson atribui às
comemorações midiáticas: a de ser pedagógico, reafirmar a origem e tornar-se ritual de
simbolização.
Primeiramente, diversas matérias possuem a função pedagógica de ensinar ao
leitor a história do jornal e do seu fundador. A trajetória de Jesús e de “O Lince” é
recontada variadas vezes, mas o jornalista Luiz José Stehling, em uma das matéria
intituladas “O Cinquentenário de „O Lince‟”, é quem descreve essa história de forma
mais completa. A introdução já deixa claro o tom pedagógico do texto:
Como todas as histórias das “mil e uma noites”, esta também deveria
começar assim... Era uma vez – um menino chamado Jesús, não o de
Nazareth, mas, nascido em Olaria, no Município de Lima Duarte,
onde foi batizado com o nome de Jesús Rodrigues de Olieira. Nasceu
em 9 de janeiro de 1891, filho de Eloy Praxedes Braga e D. Cândida
Cunha, já falecidos. (STEHLING,1962, p. 23)
Esta matéria de Luiz José Stehling narra toda a trajetória de “O Lince”, desde o
nascimento de seu fundador até o atual momento da revista. Para finalizar, o autor
destaca a importância de Jesús para o periódico. Stehling de escrever sobre o Jesús
fundador, mas também sobre um Jesús idealizado, que lutou com para a continuidade do
jornal e sua valorização.
Seja-me permitido, entretanto, relembrar aqui suas lutas e sacrifício,
que , sozinho, manteve nestes cinquenta anos para editar O LINCE. Se
durante esse período só teve prejuízo financeiros, a incompreensão, e
mesmo a intolerância de muitos; a satisfação de comemorar o
cinquentenário de O LINCE, valerá por tôdas as canseiras e
dificuldades passadas nesse meio século. (STEHLING,1962, p. 23)
Novamente, encontramos diversos textos e homenagens a Jesús, tornando-o
quase um ser heróico frente a comunidade jornalística da época. Matheus comenta
como, nas comemorações, pode existir a forte “celebração dos ancestrais do jornalismo
– dedicando boa parte da edição a descrever antigos funcionários - e, principalmente, no
desejo da continuidade absoluta com seu fundador”. (MATHEUS, 2011, p. 9) A edição
de aniversário de 50 anos de “O Lince” também trás um anexo com a edição do
primeiro jornal e curiosidades sobre os primeiros números, reforçando esse conceito de
retornar as origens e conhecer um pouco mais sobre o periódico.
Matheus comenta que a simbolização proposta por Johnston torna a edição
comemorativa como parte de um ritual de reafirmação, utilizada como símbolos de
progresso e como um registrador de tempo. “A gráfica „Jesús de Oliveira‟ Ltda. está
apta a atender o mais exigente freguês com rapidez e perfeição” é uma matéria presente
na edição de quinquagésimo aniversário de “O Lince” que ilustra como esse conceito
pode ser aplicado. Está matéria, conta a história da gráfica cuja Jesús era dono, narrando
sua trajetória e fazendo propaganda da mesma. Porém, ao mesmo tempo, a gráfica se
torna um símbolo de desenvolvimento e pregresso da imprensa juizforana, como
podemos perceber neste trecho:
Fazendo seus impressos aqui, estão cooperando no progresso
industrial e dando a JF a possibilidade de possuir a única revista que
rompeu 50 anos de existência enquanto neste prazo houve a fundação
de quase duzentas, que no entanto não foram adiante. (OLIVEIRA,
1962, p.33)
Analisando também o grande número de anúncios publicitários desta edição,
podemos perceber esses anúncios são de grande importância para a valorização dessas
edições comemorativas, por questões que já foram discutidas neste artigo. Mas a edição
comemorativa acaba vendendo o próprio jornal, ao contar sua trajetória e os serviços
que ele presta a comunidade, tornando-o um produto diferenciado, dignos de serem
arquivados. (MATHEUS, 2011)
6- Considerações Finais
Nossa pesquisa revelou que Jesús de Oliveira sempre persistiu em montar um
pequeno jornal no bairro de Benfica, tendo êxito apenas com “O Lince”. No início, o
fundador de “O Lince” produzia seu jornal de forma artesanal, não obtendo lucro
nenhum com seu periódico. Ele possuía apenas um sentimento romântico, um sonho de
idealizador, onde sua primeira motivação para publicar um jornal era a de divulgar o
conteúdo, que ele e seus amigos produziam, para o bairro Benfica conhecer mais do seu
trabalho como escritor e jornalista. Desta forma, o jornal não possuía características
empresariais, não buscava lucros excessivos ou ser um sucesso no ramo jornalístico de
Juiz de Fora. O que impulsionava Jesús era seu ideal jornalístico, um sentimento de
sonhador que o incitou a querer propagar cada vez mais seu pequeno jornal e incluí-lo
entre os impressos valorizados pelos leitores de Juiz de Fora e região.
Mas o jornal foi crescendo e com isso Jesús foi criando uma relação com
outros jornais e jornalistas do Brasil e do mundo. O periódico acabou recebendo
contribuições de colaboradores estrangeiros, sendo enviados para outros países e
recebendo a valorização jornalística que tanto almejava. Jornalistas e escritores dos
Estados Unidos, de países da América do Sul e da África enviavam suas colaborações e
em troca Jesús exportava alguns exemplares dos jornais.
“O Lince” foi um importante periódico para a história da imprensa da cidade
de Juiz de Fora, principalmente por ter circulado 67 anos sem interrupção. O
jornal/revista foi durante muito tempo um dos impressos que atendeu a demanda de
entretenimento e cultura em Juiz de Fora, tornando-se uma tradição para seus leitores,
principalmente amantes de poesia e arte. Foram esses leitores que compraram o jornal
até o fim dos seus dias. Por permanecer tanto tempo em circulação, o periódico teve um
formato híbrido, variando entre jornal e revista, ocasionada por mudanças editoriais e
por problemas financeiros.
Já analisando as edições de aniversário, o grande número de páginas se
fundamentava na necessidade de espaço para anúncios publicitários, pois assim,
aumentavam as vendas e consequentemente o lucro do periódico. Entretanto, as
matérias comemorativas ganham destaque, nesta pesquisa, pela necessidade de
reafirmação do periódico na cidade, tornando-o uma tradição para os leitores. Nessas
edições o jornal se auto referenciava, tornando-se notícia no próprio jornal. Os leitores
sempre encontraram narrativas sobre a trajetória do jornal, de uma história que poderia
ser mantida no esquecimento. Essas edições comemorativas se tornaram uma marca
temporal no jornal, sendo relembrada anualmente.
7- Bibliografia
BARBOSA, M. C. . História Cultural da Imprensa - Brasil (1900-2000). 1. ed. Rio
de Janeiro: MAUADX, 2007. v. 1. 262p .
ESTEVES, Alvayr Braga. Vultos de ontem e de hoje. O Lince, Juiz de Fora , nº1343,
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STEHLING, Luiz José. O cinquentenário de Lince. O Lince, Juiz de Fora , nº1343,
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Anexo 1
Edições
428
789
1086
1233
1343
1972
Número de páginas
12
4
18
42
68
38
Anúncios
7
3
20
25
70
54
3
1
5
3
21
5
publicitários
Temática
comemorativa