PatriciaZangaro

Transcrição

PatriciaZangaro
TEATRO
Tango
De Patricia Zangaro
Tradução de Rogério Viana
2011
Tango
Personagens
Ele
Ela
(texto vencedor do Prêmio “La scrittura della differenza” – Itália, 2008)
Dedicado a
Hector Mayoral, El Duende Del tango
e a “Tino Diaz, milongueiro e maestro
2
Tango
Um homem e uma mulher estão
sentados em frente ao público.
Permanecem imóveis.
Ele – Os pés juntos.
Ela – Faz calor.
Ele – Não. Seis, sete, oito. Os pés
juntos.
Ela – Não consigo acompanhar o
compasso.
Ele – Eu marco o compasso.
Pausa.
Ela – Estou com calor.
Ele – Os braços formam um arco.
Ele – Por que avançou se eu não a
chamei?
Ela – Poderia abrir a janela?
Ela – Não me chamou?
Ele – Entra corrente de ar. Não dobre o
cotovelo.
Ele – Tem que entender a marcação.
Ela – Tenho medo.
Ele – Deixe-se levar. Como um
paninho.
Ela – E se eu o pisar?
Ele – Atenção com minha mão.
Ele – Apertou-me.
Ele – É a marcação. Orienta sua cintura
para onde deve ir.
Ela – Equivoquei-me.
Ele – Um. Pausa. Dois. Pausa. Três.
Quatro. Cruze. Pausa.
Ela – Seus sapatos.
Ele – O que tem?
Ela – Reluzem.
Ele – Não olhe para o chão.
Ela – Onde eu olho?
Ela – E se eu não a entender?
Ele – Não faz falta olhar.
Ele – Como um paninho.
Ela – Fecho os olhos?
Pausa
Ele – Como quiser.
Ela – E sua companheira?
Pausa.
Ele – Partner.
Ele – Do que está rindo?
Ela – E sua partner?
Ela – Eu gosto.
Ele – Não tenho. Um, dois, três, quatro.
Cruze.
Ele – A mulher se deixa levar.
Ela – Procurando uma?
Ela – É como se voasse.
Ele – O que voa sou eu.
Ela – Mas tinha uma.
Pausa.
Ele – O quê?
Ela – Que faz sua mão?
Ela – Partner.
Ele – Chama sua cintura.
Ele – Tive muitas.
Ela – O que quer?
Ela – O que aconteceu?
Ele – Que gire.
Ele – Com o quê?
Ela – Para quê?
Ela – Com a anterior.
Ele – Para fazer o “oito”.
Ele – Alargue seus passos.
Ela – Cruzo os pés?
Ela – Por que foi embora?
Ele – Agora.
Ele – Tem pernas compridas. Vai
dançar bem.
Ela – Estou suando.
Pausa.
Ele – É falta de costume.
Ele – O abraço.
Ela – Posso abrir a janela?
Ela – O abraço?
Ele – Há corrente de ar.
Ele – Mais apertado.
Ela – Entra ar.
Ela – Mais próximo.
Ele – Vou me resfriar.
Ele – Um.
Ela – Mas faz calor.
Ela – Um?
Ele – Vou ficar doente. Por que fez um
pivô?
Ele – Homem e mulher são um.
Ela – Para repetir o “oito”.
Ela – Assim?
Ele – Não mandei.
Ele – Da cintura para cima, unidos. Da
cintura para baixo, soltos. O segredo
está nos braços, não nos pés.
Ela – Pensei...
Ele – Nada. Atenção à marcação. É
tudo.
Ela – Abraço-o?
Ele – O que abraça sou eu.
Ela – Desculpe-me.
Pausa.
Pausa.
Ela – Sufoca-me.
4
Ele – Não é para tanto.
Pausa.
Ela – Vou desabotoar a blusa.
Ela – Fiz direito?
Ele – Seu pescoço.
Ele – Agora sim.
Ela – Seus dedos queimam.
Ela – Assustei-me.
Ele – É flexível.
Ele – Não vejo razão.
Ela – Como o dela?
Ela – Por causa de seu braço.
Ele – Quem?
Ele – Meu braço?
Ela – Sua partner.
Ela – É forte.
Ele – Desabotoe este botão.
Ele – Não gosta?
Ela – Até aí está bem.
Ela – Sim.
Ele – Vamos fazer o “oito” para trás.
Ele – Então.
Ela – Estou pronta.
Ela – E ela?
Ele – Junte os pés.
Ele – Ela?
Pausa.
Ela – Se assustava?
Ela – Empurrou-me.
Ele – Com o quê?
Ele – Indiquei que afastasse.
Ela – Que a abraçasse assim?
Ela – Não gosto.
Ele – Não.
Ele – Apenas apertei.
Ela – Não a abraçava assim?
Ela – Poderia cair.
Ele – Assim como?
Ele – Eu a seguro.
Ela – Como se quisesse...
Ela – E machucar-me.
Ele – O quê?
Ele – Nunca machuquei uma mulher.
Ela – Nada.
Ela – Não?
Pausa.
Ele – O que quer dizer?
Ele – Por que olha para mim?
Ela – Nada.
Ela – Seus olhos.
5
Ele – O quê?
Ela – Meu pé.
Ela – É como se me tivessem mordido.
Ele – O quê?
Ele – Não olhe.
Ela – Fica preso entre os seus.
Ela – E como o sigo?
Ele – É o sanduíche.
Ele – Não faz falta olhar.
Ela – O sanduíche?
Ela – Olho o vazio?
Ele – Prendo seu pé e ao soltá-lo o
afasto para um lado.
Ele – Como quiser.
Ela – Que lado?
Pausa.
Ele – Para onde eu mandar.
Ele – Continua olhando-me. Distrai-me.
Ela – Estou asfixiada.
Ela – Por quê?
Ele – Pode tirar sua blusa.
Ele – Seus olhos.
Ela – Se abrir a janela...
Ela – O quê?
Ele – A corrente de ar deixa-me doente.
Ele – Profundos.
Ela – Não uso corpete.
Ela – Profundos?
Ele – Não me importo.
Ele – Vamos girar para a direita.
Ela – E ela?
Ela – Dá medo cair?
Ele – Quem?
Ele – Cair?
Ela – Usava corpete?
Ela – Ao olhar-me.
Ele – Não sei.
Ele – Primeiro o “oito” para trás e
depois para frente.
Ela – Não sabe?
Ela – Fico tonta ao girar.
Ele – Não me lembro.
Ele – Tonta?
Ela – Não se lembra de seus peitos?
Ela – O suor me molha.
Ele – Seus peitos?
Ele – É a vertigem.
Ela – Como eram?
Ela – É o calor.
Ele – Não vou olhar.
Pausa.
Pausa.
6
Ela – Sua mão me roçou.
Ele – Seus peitos.
Ele – O quê?
Ela – Está olhando.
Ela – Roçou o mamilo.
Ele – Não estou tocando.
Ele – Procurava sua cintura.
Pausa.
Ela – Doeu.
Ela – Ela gostava?
Ele – Não quis tocá-la.
Ele – Do quê?
Ela – Ficou vermelho.
Ela – Que a tocasse.
Ele – Queria que girasse.
Ele – Você gosta?
Ela – E duro.
Ela – Por que se foi?
Ele – Mas não girou.
Ele – Seguimos com outro passo.
Ela – Veja.
Ela – Sufoco-me.
Ele – Não vou olhar.
Ele – Não vou abrir.
Ela – Está me tocando.
Pausa.
Pausa.
Ele – Agora vai se enganchar.
Ela – Vou abrir a janela.
Ela – O quê?
Ele – Não.
Ele – Sua perna entre as minhas, como
uma chicotada.
Ela – Está queimando.
Ela – Já?
Ele – Não é o calor.
Ele – Quando minha mão ordenar.
Ela – Eram assim?
Ela – E se eu errar?
Ele – O quê?
Ele – Atenta na marcação.
Ela – Seus peitos.
Ela – Como uma chicotada?
Ele – Está tremendo.
Ele – Enganche-se.
Ela – Pressão baixa.
Ela – Poderia machucá-lo.
Ele – São flácidos.
Ele – Machucar-me?
Ela – Flácidos?
Ela – Com um chute.
7
Ele – Não vai me chutar.
Ele – O pescoço é flexível.
Ela – Tenho medo.
Ela – Abre a porta.
Ele – De quê?
Ele – E os peitos flácidos.
Ela – Ela o chutou?
Ela – Minha blusa.
Ele – Enganche-se.
Ele – Quero ver mais.
Ela – Ela o chutou alguma vez?
Pausa.
Ele – Minha mão está dando uma
ordem.
Ela – Poderia abrir?
Pausa.
Ela – O chutou antes de ir embora?
Ela – Abrir a porta.
Ele – Não está enganchada em mim.
Pausa.
Ela – O que fez?
Ela – Não vai abrir?
Ele – Enquanto não se enganchar não a
soltarei.
Pausa.
Ela – O que vai fazer?
Ela – O que quer ver?
Ele – Merda. Chutou-me.
Ele – Tudo.
Pausa.
Pausa.
Ele – Chutou-me.
Ela – Depois você abre?
Pausa.
Pausa.
Ele – Merda.
Ela – Assim está bom?
Pausa.
Ele – Tudo.
Ele – Sabe o que é um paninho?
Pausa.
Ela – Aqui falta ar.
Ela – A prendia?
Ele – Faço com ele o que quiser.
Ele – Dá uma volta.
Ela – Vou sair.
Pausa.
Ele – E o paninho, deixa.
Ela – Sua mão.
Ela – Fechou com a chave.
Ele – O quê?
8
Ela – Cutucou-me.
Pausa.
Ele – É curiosa.
Ele – Acorde final.
Ela – É cruel.
Pausa.
Ele – Está úmida.
Ele – Última pose.
Ela – A pressão caiu.
Pausa.
Ele – Gosta?
Ele – Sentadinha em minhas pernas.
Pausa.
Pausa.
Ela – Dói.
Ele – Imóvel.
Ele – Não pare de se mexer.
Pausa.
Pausa.
Ele – Ouviu?
Ela – Afasto-me.
Pausa.
Ele – Não perca o compasso.
Ele – Ouviu?
Pausa.
Pausa.
Ela – Estou sangrando.
Ela – Começou outro tango.
Ele – Não grite.
Ele – É?
Pausa.
Ela – A música, não ouve?
Ele – Não grite, já disse.
Ele – Ah.
Pausa.
Pausa.
Ele – Quem grita sou eu.
Ele – A La gran muñeca.
Pausa.
Ela – É?
Ele – Eu.
Ele – Tango de Jesús Ventura, versão
de Di Sarli.
Pausa.
Ela – Ah.
Ele – Eu.
Pausa.
Pausa.
Ela – Por que se foi?
Ele – Eu.
Ele – Quem?
9
Ela – Sua partner.
Pausa.
Ele – Não tenho partner.
Ela – Só os braços, para poder me
enlaçar.
Ela – Mas teve uma.
Pausa.
Ele – Tive muitas.
Ela – Por isso ela se foi.
Ela – E as mãos, para indicar a
marcação.
Ele – Você não queria sair?
Pausa.
Ela – Quero minha blusa.
Ela – E a bochecha. Contra a minha.
Ele – Não se esqueça da calcinha.
Pausa.
Pausa.
Ela – Da cintura para cima, unidos. Da
cintura para baixo, soltos.
Ela – Abriu a porta.
Pausa.
Ele – A saída francesa, madame.
Ela – O ar fede.
Ele - Para a saída americana tem que
mudar de frente.
Pausa.
Ela – Até onde?
Ele – Não lhe ensinei a saída americana.
Ele – Os dois do mesmo lado.
Pausa.
Pausa.
Ela – E a janela?
Ele – Nem a varrida.
Ele – O quê?
Pausa.
Ela – Quero a janela aberta.
Ele – Que pena. É onde a mulher mais
brilha.
Ele – E se eu me esfriar?
Pausa.
Ela – Faz um calor do inferno.
Ela – Deixou a porta aberta.
Ele – Será sua responsabilidade.
Pausa.
Pausa.
Ela – E a chave fica comigo.
Ele – O que faz com o salto?
Pausa.
Ela – Uma firula.
Ela – E não coloca um dedo em cima.
Ele – Não a ensinei.
10
Ela – Posso fazer sem sua marcação?
Ela – Depilá-la?
Ele – É um enfeite...
Ele – Parecer uma menina.
Ela – Um passo livre...
Ele – É depravado.
Ele – Como o aprendeu?
Ela – Quem?
Ela – Eu o copiei.
Pausa.
Pausa.
Ela – Sua barba.
Ele – Não vestiu.
Ele – O quê?
Ela – O quê?
Ela – Arranha o meu rosto.
Ele – A calcinha?
Ele – Arranha?
Ela – E...
Ela – Quando fez a barba?
Ele – Quando fizer uma saudação, vão
ver a...
Ele – Como?
Ela – Está me incomodando.
Ela – Uma saudação?
Ele – Se não quer, não se encoste.
Ele – A perna cruza e se levanta...
Pausa.
Ela – Assim?
Ela – Então não estamos unidos.
Ele – Dá para ver.
Ele – É?
Ela – O incomoda?
Pausa.
Ela – Ela se depilava?
Ela – Se não me apoio em sua
bochecha.
Ele – Não é que te incomoda minha
barba?
Ele – O quê?
Ela – Arranha.
Ela – Eu gosto dela sem pelos.
Ele – Isto.
Ele – Não...
Ela – Não estamos unidos.
Ela – Não se depilava?
Ele – Não é minha culpa.
Ele – Não gosto sem pelo.
Ela – Poderia ter feito a barba.
Ela – Como uma menina.
Pausa.
Ele – É depravado.
11
Ela – Você se resfriou?
Ela – Eu vi seus pés.
Ele – Por quê?
Ele – Não tem que olhar o chão.
Ela – Entra ar.
Ela – Terminam juntos. Você me
ensinou.
Ele – Não.
Pausa.
Ela – Não se resfriou?
Ele – Por que parou?
Ele – Por ora não.
Ela – Dói.
Ela – Então é mentira?
Ele – Ainda?
Ele – Que coisa?
Ela – Quieto.
Ela – Que o ar lhe faz mal.
Pausa.
Ele – Não é mentira.
Ela – Nem um dedo em cima.
Pausa.
Pausa.
Ela – Juntar os pés.
Ela – Não está bem.
Ele – Como?
Ele – O quê?
Ela – Não justaste os pés.
Ela – O que me fez.
Ele – Quando?
Ele – Você gostou.
Ela – Ao terminar o passo.
Ela – Não é de homem.
Ele – E como você sabe?
Ele – Procurou-me.
Ela – Eu o vi.
Ela – Um homem teria me feito gozar.
Ele – Está olhando para o chão?
Pausa.
Ela – Estou olhando os pés.
Ele – Por que parou?
Ele – Não tem que olhar o chão.
Pausa.
Ela – E por que você olha?
Ele – Por que, merda?
Ele – Porque tenho que lhe ensinar.
Pausa.
Ela – Por isso.
Ele – Merda.
Ele – O quê?
Pausa.
12
Ela – Por isso foi embora.
Ele – Um ferro.
Ele – Por que não vai embora?
Ele – Não a toco. Eu juro. Continua.
Pausa.
Pausa.
Ele – Está manipulando.
Ele – Um vergalhão.
Ela – Não gosta?
Pausa.
Ele – O que quer?
Ele – Não a toco.
Pausa.
Pausa.
Ela – É você que me procura.
Ele – Eu juro.
Pausa.
Pausa.
Ele – Depois não se queixe.
Ele – Continua.
Pausa.
Pausa.
Ela – A cabeça.
Ele – Continua.
Ele – É?
Pausa.
Ela – Está me acariciando.
Ele – Continua.
Ele – Como está de joelhos...
Pausa.
Ela – Disse para não me tocar.
Ele – Continua.
Pausa.
Pausa.
Ele – Como não é de homem?
Ele – Vou gozar.
Pausa.
Pausa.
Ele – Não a toco. Eu juro. Continua.
Ela – Sol – do.
Pausa.
Ele – É?
Ele – Assim que não é de homem...
Ela – Terminou.
Pausa.
Pausa.
Ele – Não a toco. Eu juro. Continua
Ele – Tango de Carlos Macchi.
Pausa.
Ela – É?
13
Ele – El fierrazo. De Carlos Hernani
Macchi.
Ele – Se queixou.
Ela – E por que se foi?
Ela – Não me faças rir.
Ele – Vai sair ou não?
Pausa.
Pausa.
Ela – O paninho.
Ele – Usava corpete.
Ele – É?
Ela – Ah, sim?
Ela – A última pose. O paninho.
Ela – E era ligeira, como um...
Pausa.
Ela – Como um paninho.
Ela – Entre suas pernas.
Ele – E nunca se depilou.
Pausa.
Ela – Porém saiu.
Ele – Saia.
Pausa.
Pausa.
Ele – Não é de fêmea.
Ele – Sua puta, saia.
Ela – O quê?
Ela – Não se esqueça de fechar a
braguilha.
Ele – O que disse.
Pausa.
Ela – Que o deixou?
Ele – Ela...
Ele – Quem me deixou?
Ela – O quê?
Ela – Ela.
Ele – Saia.
Ele – Ninguém me deixou.
Pausa.
Ela – Não.
Ele – Os sapatos!
Ele – Sou eu quem deixa.
Ela – Você os manchou.
Pausa.
Ele – Por que não sai.
Ele – O paninho.
Pausa.
Ela – Outra vez?
Ele – Ela nunca...
Ele – Não é de fêmea.
Ela – O quê?
Ela – Ah, não?
14
Ele – Fêmea é a que o faz viver.
Ela – O amague?
Pausa.
Ele – Vai sair ou não?
Ela – Vou sair.
Ela – Não.
Pausa.
Ele – Vai sair?
Ela – Fecho a porta?
Ela – Não me ensinou.
Pausa.
Ele – Ah.
Ele – El espiante.
Pausa.
Ela – O quê?
Ele – Não se pode.
Ele – Tango de Osvaldo Fresedo.
Ela – O quê?
Ela – Não disse que vou sair?
Ele – Sem a agarrar.
Pausa.
Ela – Onde?
Ele – O peito.
Ele – Toda.
Ela – O quê?
Pausa.
Ele – Dói.
Ele – Tem medo?
Ela – Dói seu peito?
Ela – O quê?
Ele – Acho que me resfriei.
Ele – Que eu olhe.
Ela – Ah.
Ela – E você?
Pausa.
Pausa.
Ele – Não a abotoou.
Ele – Quatro pernas.
Ela – É?
Ela – O quê?
Ele – A blusa.
Ele – Um só corpo com quatro pernas.
Ela – E você a...
Pausa.
Ele – Ah, sim.
Ela – Está fervendo.
Pausa.
Ele – Sim.
Ele – Eu ensinei o amague?
Pausa.
15
Ele – Está tremendo.
Ele – E se eu a morder?
Ela – Sim.
Ela – Eu o arranharei.
Pausa.
Ele – Então a asfixiarei.
Ela – Não gostei.
Ela – Eu furo seu olho.
Ele – Do quê?
Ele – Arranco sua língua.
Ela – O que você fez.
Ela – E eu o como.
Ele – Já sei.
Ele – E eu a bebo.
Pausa.
Ela – Arranco o outro.
Ele – Não gostei.
Ele – Vou devorá-la.
Ela – O que eu disse.
Pausa.
Ele – Sim.
Ela – Gosta?
Pausa.
Ela – Muito.
Ele – Se enfureceu.
Ele – Disse que sou
Ela – O quê?
Ela – Um bom macho.
Ele – O que eu fiz.
Ele – E você?
Ela – E você se enfureceu com o que eu
disse.
Ela – Diz.
Ele – A melhor fêmea.
Pausa.
Ela – Vou morrer.
Ele – Está brava?
Ele – Mas...
Ela – Sim, e você?
Ela – Mate-me.
Ele – Com muita raiva.
Ele – Mato.
Pausa.
Ela – Vou morrer.
Ela – Quer se vingar?
Ele – Morro.
Ele – Sim, e você?
Ela – Morro.
Ela – Com raiva.
Ele – Morro.
Pausa.
16
Ela – Morro.
Tanguedia
Ele – Morro.
Sobre “Tango” de Patricia Zangaro
Pausa demorada.
Entre o frio da imobilidade e o calor do
movimento total de macho-fêmea,
“Tango” é um poematango.
Ela – Sol – dó.
Ele – Junte os pés.
Cai a luz.
Patricia Zangaro – Buenos Aires
Tradução de Rogério Viana
Curitiba – PR – Brasil
29 de abril de 2011.
Não somente uma dança com a palavra,
senão uma cerimônia erótica,
descaradamente tanguera: a paixão do
homem que manda, ordena, marca, e
Ela, o paninho, a seus pés.
Papéis de homem-mulher que também
significam marcação, em um duelo
sexual onde se fala com as mãos, os
pés, a carne, os mamilos, o sêmen, a
“apertada”. Dança desaforada dos
zelos, que não perde nunca o um, dois,
três, “sentadinha”, acompanhada pelo
título de um tango, ou outro, ou outro...
A paixão final, devorar-se, morrer um e
o outro, morde em torno de imagens: os
corpos e a palavras compõe e dançam
uma “tanguedia” tão rígida quanto
feroz.
Susana Poujol
17
18
Vídeos de tango
http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&rlz=1C1CHMB_ptBRBR348BR348&q=tango+v%C3%ADdeos&aq=0&aqi=g1&aql=&oq=tango+v%C3
%ADdeo
http://www.mundotango.net/video/dance-milonga/index.php
19

Documentos relacionados