O Globo - 30 de abril de 2012 O Homem dos mil tons clique para ver o

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O Globo - 30 de abril de 2012 O Homem dos mil tons clique para ver o
O GLOBO
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SEGUNDO CADERNO
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
PÁGINA 1 - Edição: 30/04/2012 - Impresso: 29/04/2012 — 16: 18 h
O cantor Cee-Lo Green, que vem ao Brasil em
maio, é destaque do Festival de Nova Orleans • 3
Preocupação com as fracas bilheterias do cinema
nacional domina os debates no Cine PE • 10
SEGUNDO CADERNO
“
SEGUNDA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2012
Divulgação/Pedro David
Quando cheguei a
Belo Horizonte, vi
músicos de jazz
tocando e pensei:
‘Vou ter que
aprender tudo de
novo’. Mas me
disseram: ‘Não
mexe nas coisas
que você faz,
porque ninguém
faz isso’
“
Aquela voz
desatou algo em
mim que
realmente mudou
a vida. Quem ouve
o Milton pela
primeira vez é
imediatamente
transformado
por ele
Claudio Botelho, que fará
musical sobre o cantor
Milton Nascimento
anteriores. Para Chico,
“o declínio não é de Milton, mas da sociedade”.
— Estamos na ressaca
hama-se “Milton
da cultura de massa. É
Nascimento —
um momento de satura50 anos de carção, em que se ouve muireira” a turnê
ta música, mas ninguém
que começou no dia 21
para e escuta um disco
passado em Juiz de Fora,
com calma. Chico, Caetachegou anteontem a Beno, Milton continuam falo Horizonte e se encerzendo coisas importanrará em outubro no Rio,
tes, mas não é como nos
com gravação de DVD.
anos 1960, em que a soComo em 2012 também
ciedade participou de
se completam os 40
uma espécie de gênio coanos do histórico álbum
letivo — diz ele.
duplo “Clube da esquiParte do repertório da
na” e os 70 anos do canturnê de Milton vem da
tor (em 26 de outubro),
primeira fase da carreia temporada tinha tudo
ra: “Travessia”, “Morro
para ser absolutamente
velho”, “Canção do sal”,
festiva, mas Milton afas“Vera Cruz”. Outra estata um dos cálices com
va em “Clube da esquiveemência:
na”: “Cais”, “San Vicen— Não vou falar dos
te”, “Nada será como anmeus 70 anos porque istes”. E há as músicas de
so é um grande erro.
Lô Borges (“Nuvem cigaNão tenho 70 anos, não
MILTON NASCIMENTO canta sucessos em turnê ao lado de Lô Borges, com quem pretende fazer show baseado em “Clube da esquina”
na”, “Para Lennon e Mcconheço nenhum músiCartney”), que fica no
co com 70 anos, artista
palco quase todo o temnão faz 70 anos. Eu tepo ao lado do amigo. Os
nho cara de 70 anos?
dois pretendem montar
Queira ele ou não, a
outro show juntos apedata redonda contribui
nas para marcar os 40
para uma série de projeanos do disco. Inéditas,
tos em torno do seu nosó em 2013.
me: um livro reunindo
— Tenho feito letras.
todas as suas letras;
Mas, quando engrenar de
uma biografia musical
vez, vou chamar Márcio,
escrita pelo compositor
Fernando (Brant) e RoChico Amaral; e um esnaldo (Bastos). Estamos
petáculo da dupla Charmeio parados, mas não
les Möeller e Claudio Boseparados nem brigados
telho. Todas as iniciati— avisa ele, sobre seus
vas ressaltam o lugar
parceiros frequentes.
singular de Milton na
As novas criações semúsica brasileira, e não
rão incluídas no livro
só pela voz privilegiada.
que o jornalista Danilo
Ele conta que apenas
Nuha está preparando
em 1964, nove anos decom as cerca de 60 lepois de formar seu pritras já escritas por Milmeiro conjunto musical
ton — “Pai grande”,
(o Luar de Prata, com
“Canção do sal” etc. O
Wagner Tiso), decidiu
lançamento está previscomeçar a compor. Já toto para outubro pela Cacava piano e contrabaisa da Palavra.
xo há muito tempo. LeEm 5 de agosto, no Teatro Net Rio - Sala
vado por Márcio Borges para assistir a “Ju- “Chega de saudade”. Em Três Pontas, onde música de Milton Nascimento”, o mineiro
les e Jim”, de François Truffaut, saiu tão teve programa de rádio, ele ouvia rock e mú- Chico Amaral quer detalhar essas influências Tereza Rachel, estreará “Milton Nascimenabalado após quatro sessões seguidas do sicas italianas, francesas, espanholas. Ga- e mostrar como Milton fere a tal linha evo- to — Nada será como antes”, musical que
filme que foi para a casa do amigo e os dois nhou uma bagagem grande e diversificada. lutiva da música brasileira — ao menos se Charles Möeller e Claudio Botelho acalen— Quando cheguei a Belo Horizonte (no vista como linha reta, de formação até a bos- tam fazer há cinco anos.
fizeram três músicas numa noite.
— Serão 50 canções, 12 atores, seis mú— O Marcinho tinha ficado uns três me- início da década de 1960, fazendo a mudança sa nova e de modernização a partir dela, sensicos e um roteiro que trata as canções coses insistindo comigo e eu dizendo que definitiva em 1963), vi músicos de jazz tocan- do o tropicalismo seu passo mais ousado.
— Há muitas inovações importantes que mo pequenas peças de teatro, ou blocos de
não queria compor. Quando topei, a alegria do e pensei: “Vou ter que aprender tudo de
ficou estampada na cara dele. Mas eu disse novo”. Mas me disseram: “Não mexe nas coi- ficam praticamente fora dessa história, co- canções como cenas. Não é uma biografia,
que tinha um negócio: “Não quero que as sas que você faz, porque ninguém faz isso”. mo o samba-jazz. E o primeiro disco de Mil- mas uma visão teatral da obra dele desde
músicas que, por acaso, eu vier a compor A bossa nova serviu como estímulo para eu ton (de 1967) foi com o Tamba Trio. Ele ain- “Travessia” — conta o mineiro Claudio,
se pareçam com nada. Vai ser uma coisa compor algo que não parecesse com nada da incorporou manifestações rurais sem que ouviu Milton pela primeira vez aos 12
de ninguém. Tom Jobim era o tal para mim e isolá-las das urbanas. Juntou Villa-Lobos, anos, cantando “O que será (À flor da peminha” — lembra Milton.
Beatles, Baden Powell, Nordeste. Sempre le)”, ao lado de Chico Buarque, no disco
Se colegas de geração como Chico Buar- continua sendo — afirma.
Às canções jobinianas e a tudo o que já co- deu um passo além — diz Chico.
“Geraes”. — Aquela voz desatou algo em
que, Edu Lobo e Caetano Veloso põem a
É quase senso comum que, sobretudo mim que realmente mudou a vida. Acho
bossa nova como gênese de sua produção nhecia se somaram “Sketches of Spain”, de
musical, Milton já se iniciara nos bailes da Miles Davis, e os Beatles. No livro que está como compositor, Milton não manteve, a que quem ouve o Milton pela primeira vez
vida quando João Gilberto apareceu com preparando, provisoriamente chamado “A partir dos anos 1990, a força das décadas é imediatamente transformado por ele. ■
Luiz Fernando Vianna
[email protected]
C
O homem
dos mil tons
Livros e musical ressaltam papel singular de Milton Nascimento,
que completa 70 anos, 50 de carreira e 40 de disco histórico