S U M Á R I O
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ISSN 1518-1219 Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais NºS 47 Junho – 2004 S U M Á R I O 2 Os objetivos da Política Exterior de Lula Amado Luiz Cervo 6 Posibilidades y ejes de la política exterior de los países pequeños de América Latina a inicios del siglo XXI Lincoln Bizzozero 9 Taiwan: Um Futuro Formoso para a Ilha? A dimensão de segurança Paulo Antônio Pereira Pinto 12 Interessa ao Brasil uma taxa sobre os movimentos de capitais? Paulo Roberto de Almeida 16 O contencioso Israelo-Palestino, a Corte de Haia e a Construção do Muro: Uma vitória moral suplanta uma política de humilhação Hussein Ali Kalout 18 Vaticano: as eleições norte-americanas Virgílio Arraes 20 Mercosul, para além de uma agenda externa Janina Onuki 22 O breve século XXI e o novo conflito de lideranças: EUA versus EUA José Ribeiro Machado Neto 16 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O contencioso Israelo-Palestino, a Corte de Haia e a Construção do Muro: Uma vitória moral suplanta uma política de humilhação Hussein Ali Kalout* O que para o governo de Israel é uma barreira para frear os atentados terroristas, para os palestinos é o “muro da vergonha”. Trata-se de obstáculo que combina humilhação diária, crise humanitária e privações de liberdade de movimento com violações de leis internacionais, de direitos humanos e da soberania do povo palestino. A barreira de concreto, cuja altura alcança os dez metros, tem custo estimado em aproximadamente U$ 2 bilhões. Até 2005, o muro se estenderá ao longo de 728 quilômetros, cercando a Cisjordânia e parte de Jerusalém Oriental. Desde o início da construção, ordenada há cerca de dois anos pelo primeiro-ministro Ariel Sharon, o governo israelense demoliu cerca de duas mil casas e deixou sem terra para cultivo e sem água a população que vive nas proximidades da barreira. Outra importante faceta é como o muro modificou a vida dos palestinos, que se sentem como se estivessem vivendo em guetos, necessitando de salvo-condutos especiais para irem a escolas, postos de saúde e ao trabalho. Para a Autoridade Nacional Palestina, a construção do muro é uma desculpa que escamoteia outro propósito: a anexação de mais terras e a construção de novos assentamentos. O muro vai do norte ao sul da Cisjordânia e viola a chamada “linha verde”, fronteira estabelecida em 1948. Apenas 11% da extensão total do muro respeitará a fronteira histórica, o resto ocupará uma média de 20 quilômetros dentro do território palestino. O perímetro da cidade de Qalqilya, acometida pela pior parte do muro, possui 32 quilômetros e está totalmente cercado. A cidade palestina fica ao norte da Cisjordânia a 35 quilômetros da cidade israelense de Tel-Aviv. Do alto da estrada a cidade parece um presídio gigante. A cada 300 metros notam-se torres de observação enormes equipadas com metralhadoras e moderno sistema de câmeras de televisão, que eliminam qualquer possibilidade de escape. A única entrada da cidade é controlada pelo exército israelense. Os 50 mil habitantes que precisam sair de suas casas para trabalhar nas cidades vizinhas são submetidos a humilhações diárias. Com o intuito de avaliar as controvérsias em torno da construção do muro, a Assembléia Geral da ONU aprovou por 90 votos a favor, 74 abstenções e 8 votos contrários (Estados Unidos, Israel, Austrália, Etiópia, Nauru, Ilhas Marshall, Micronésia e Palau), em 8 de dezembro de 2003, uma resolução apresentada pelos palestinos que solicita à Corte Internacional de Justiça um parecer sobre a legalidade da barreira erguida por Israel, com base nas regras e nos princípios do direito internacional e à luz da Quarta Convenção de Genebra, de 1949. O resultado do parecer da Corte Internacional de Justiça sobre as conseqüências legais da construção do muro da Cisjordânia, divulgado no último dia 9 de julho, determinou muito apropriadamente a suspensão imediata da construção e a derrubada do muro nos trechos já erguidos, fato esse que representa para os palestinos uma vitória moral. A decisão do tribunal possui caráter meramente consultivo e não vinculante, uma vez que não implica sanção imediata, sendo apenas uma recomendação para os membros da Assembléia Geral da ONU, incluindo Israel. A aprovação do parecer da Corte de Haia sobre a ilegalidade da construção do muro por 14 votos contra 1 – o do juiz americano Thomas Buergenthal, terá, sem dúvida, reflexos diretos na resolução do contencioso israelo-palestino. A decisão da CIJ será novamente objeto de apreciação e debate político no âmbito da Assembléia Geral, e, em caso de vitória palestina, a discussão seguirá para o Conselho de Segurança. * Professor de Relações Internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) e especialista em Oriente Médio. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No Conselho de Segurança ocorrerá o debate mais duro acerca da questão. Um veto americano contra o endossamento do parecer da Corte de Haia colocaria o “Mapa do Caminho” e a atuação do “Quarteto” em encruzilhada, e representaria retrocesso no processo de negociação. Ademais, a desqualificação do parecer da Corte por parte do governo Bush e a isenção da União Européia conduziriam ao recrudescimento e ao enfraquecimento do diálogo entre palestinos e israelenses, o que daria ao governo Sharon legitimidade para prosseguir com a construção do muro. A eleição presidencial nos Estados Unidos, prevista para novembro próximo, será decisiva para o futuro do processo de paz, pelo menos no médio prazo. O atual governo já admitiu a inviabilidade da criação de um Estado Palestino independente e soberano em 2005. O reconhecimento por parte do governo americano da impossibilidade de traçar e cumprir objetivos para alcançar a paz leva a crer na necessidade de agregar participantes mais ativos e compromissados com um processo de paz justo. Ao admitir o fracasso, o governo norte-americano fortalece os setores radicais e eleva o nível de tensão. A política de agressão e de retaliação voltará a ser uma constante diária. Cumpre ainda dizer que Bush e sua equipe vetarão qualquer resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando a construção do muro e a política ocupacionista do governo Sharon. Tendo em vista a obtenção de apoio financeiro e eleitoral da comunidade judaica, as políticas de distanciamento do processo de paz e de apoio total à Israel tornam-se cruciais para a reeleição de Bush. A vitória do candidato democrata, John Kerry, poderá modificar o quadro de negociação. No entanto, as modificações não serão bruscas, tampouco romperão os democratas a sua aliança com o Estado de Israel. Kerry poderá impulsionar uma negociação hoje estagnada a partir da reformulação da política exterior norte-americana para o Oriente Médio. Em declarações de campanha e em artigo publicado na revista Foreign Policy, Kerry salientou: “We must change the way we interact with the world.” “We need Partners.” “We must give countries in Middle ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 17 East a reason to want peace.” “Americans’ security depends on helping the people of the Middle East see and act on a legitimate vision of peace.” “But it will only be viable if U.S. engagement in this process is active, constant, and at the highest levels.” “The United States must support their efforts – keep them focused on the end game of two states; Israel and Palestine, living side by side in peace and security – and help them take the necessary steps to build enough confidence and trust in each other to get there.” Convicto de suas ações e respaldado pelo governo Bush, Ariel Sharon apostou firmemente no esfacelamento do território palestino e na destruição de sua estrutura como a melhor forma de eliminar o terrorismo. A política adotada por seu governo de isolar os palestinos em presídios demonstrou ser ineficiente e contraproducente, na medida em que a violência perdura nos territórios ocupados. A interrupção da construção do muro só ocorrerá por meio de pressões diretas de Washington. Retomar o diálogo, diminuir os atritos e elevar o nível da relação concorreriam para nova guinada em direção à paz. O simbolismo moral da decisão da Corte de Haia suplanta as alegações do governo do Likud e reabre o debate sobre a condução do processo de paz. Obstáculos à liberdade de movimento, limitações ao acesso ao trabalho, saúde e educação e a um nível de vida adequado – conforme previsto nas convenções internacionais –, não é a melhor política contra o extremismo palestino. Infenso à retórica e à verborragia, Edward Said, afirma que a paz não é um acordo assinado entre indivíduos, é uma reconciliação entre povos. Os dois povos não podem se reconciliar se há demanda de controle sobre o próximo, se há recusa em tratar o semelhante como parceiro na paz e se a lógica do poder predomina sobre o poder da lógica. Para a consecução de uma paz justa e duradoura na região, é necessária, no dizer de Uri Avnery, uma política de integração e não de segregação. O verdadeiro paradigma do processo de paz é a transformação do papel das fronteiras israelopalestinas em uma forma de convívio pacífico. Um vetor de integração entre as duas sociedades.