Keep Branding - GlobalBrands

Transcrição

Keep Branding - GlobalBrands
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KEEP B RANDING!
A peregrinação da marca Johnnie Walker rumo a sua lógica.
Copyright/2006: José Roberto Martins *
www.globalbrands.com.br
Resumo:
Apesar dos esforços da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e de outras
organizações, o termo “branding” ainda não decolou em seu sentido real no Brasil,
sendo ainda utilizado como um substantivo do “design”, possivelmente devido ao
seu melhor apelo de venda junto aos empresários locais. A incorreta utilização do
termo requer atenção maior dessas empresas, evitando que comprem serviços de
natureza estratégica e levem trabalhos de finalidade estética. É importante olhar à
distância para alguns projetos onde o termo seja aplicado corretamente, embora,
aparentemente, não ainda em sua plenitude.
Palavras-chave:
Branding; propaganda; design; comunicação; marketing; bebidas.
“Eu bebo sim. Estou vivendo. Tem gente que não bebe, está morrendo”. Os versos
são da música escrita por Luís Antonio e João do Violão, hit do carnaval de 1973,
que se tornou o hino daqueles que não sabem beber e o fazem até cair. A música
tem lá um apelo de desculpa para essas pessoas.
O negócio das bebidas alcoólicas é complicado. Quando uma empresa produz e
distribui essas marcas ela não tem muito controle sobre como os seus consumidores
irão tomá-las, fato que às vezes causa problemas muito graves. Nos dias atuais, de
franco e quase ilimitado acesso a qualquer coisa que se queira beber, o cerco ao
setor tem crescido no mundo inteiro, em especial por causa do consumo precoce
pelas crianças e adolescentes. Ninguém pode negar que o problema existe, é grave,
e certamente irá causar impactos sérios nas marcas das indústrias.
Além disso, o setor vive uma concorrência acirrada, com inúmeras marcas globais e
novos padrões de bebidas, o que amplia a oferta de riscos e oportunidades de
transformação. Algumas marcas perceberam isso muito mais cedo e melhor que
outras. Um caso que merece nota é o trabalho realizado pela marca Johnnie Walker,
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que contou com o apoio da agência BBH de Londres, cujos trabalhos se iniciaram
em 2000.
Trata-se da minha marca favorita de uísque e, até por conta disso, observei
atentamente a campanha desde o seu nascimento. Lembro-me que o primeiro
comercial tinha o jogador Roberto Baggio como protagonista, revisitando o fiasco da
Copa de 1994, quando perdeu um pênalti contra o Brasil. Observei que a marca
centrava sua mensagem no mote da superação, vinculando emocionalmente a
personalidade central com o “andarilho” (striding man), o que criava uma forte e
imediata associação entre os consumidores e o logotipo.
Desde o início achei uma idéia muito bem orquestrada, já que se por um lado é
simples pensar em amarrar o logotipo à campanha, por outro é de rara viabilidade
técnica conseguir capturar os significados da marca e fixá-los no inconsciente dos
consumidores, fato que exige um acabamento plástico que faça sentido
graficamente. O slogan “keep walking” fechava todas as peças, em geral sobre
fundo negro, o que ampliava ainda mais a relação sensorial entre as pessoas, o
produto mais caro da marca (Black Label) e a mensagem, algo assim interpretada
como: “Vá em frente. Não se deixe abater pelos problemas ou as dificuldades. Se
persistir, você pode fazer muito melhor”.
A marca seguiu seu caminho de comunicação, sempre estrelando personalidades,
inclusive com o ator Harvey Keitel, até chegar ao ápice e promover um dos mais
interessantes filmes da história da propaganda, mostrando de maneira impactante e
muito bem produzida a mensagem evolucionista da espécie humana, que sai do
lugar comum e dá o primeiro passo de sua evolução. Genial!
Infelizmente a marca perdeu o ponto. Os filmes seguintes indicam uma certa perda
de rumo e conflitos com o projeto original, talvez porque a equipe tivesse resolvido
transferir os efeitos positivos para a versão econômica do produto (Red Label), com
claras intenções de capturar o público que não podia pagar pela versão “black”.
Nesse ponto pisaram na bola. Como os méritos do branding não estão restritos a
plasticidade e inteligência dos roteiros dos comerciais, cabe notarmos que a marca
está impregnada de um altíssimo teor de branding em todas as peças de identidade
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gráfica do projeto, confirmando todos os atributos projetados na comunicação. Se
visualmente ela continuava a mesma, deixava muito claros os sinais de sua
evolução e harmonia com o projeto central de posicionamento.
O produto também ajuda. O uísque é um produto elaborado por natureza, cujas
características e imagem conseguem apelar irremediavelmente para um estado de
torpor dos sentidos, levando as pessoas de modo mais rápido a um ambiente mental
melhor do que aquele em que estão (“eu ideal”). A popular cerveja do tipo Pielsen
também possui a sua via de transporte, entretanto administrada pelos fabricantes
nacionais como algo menos elaborado, supostamente consumida por homens
menos elaborados ainda, aos quais basta oferecer uma tela da TV cheia de bundas
e peitos, de preferência em um ambiente de praia, o que justificaria a nudez.
Na ótica de alguns fabricantes, o brasileiro médio que aprecia cerveja Pielsen não é
capaz de ler, pensar na carreira, viajar, conquistar mulheres inteligentes ou articular
conversas interessantes na mesa de um bar, sendo quase sempre referido como
fútil, que só consegue pensar em mulheres e praias. As mensagens são tão sem
sentido, que mesmo um barrigudo pré-senil como o Bussunda apresenta-se
qualificado para ser o garoto-propaganda da marca Antarctica. Paradoxalmente,
tudo o que um homem inteligente que gosta de cerveja não quer é ficar com a
barriga igual à do Shrek tupiniquim. Francamente, não sei como a concorrência
deixou escapar essa oportunidade no verão de 2005, preferindo gritar asneiras até
piores. Vai entender...
Mas esse é o universo da cerveja Pielsen, o qual consolidou um tipo de
comunicação que prefere nivelar o produto por baixo, criando barreiras orgânicas e
oportunidades de ouro para a progressão das cervejas de maior valor agregado, o
que explica, em parte, porque temos hoje no Brasil mais de 130 marcas de cerveja,
algumas fazendo trabalhos interessantes de branding, lutando para serem diferentes
e valorizadas.
Voltemos ao Johnnie Walker. A Diageo é o resultado da fusão entre as empresas
Guinness e Grand Metropolitan ocorrida há cinco anos e que somou cerca de
cinqüenta anos de presença mundial através de importantes marcas, além da
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Johnnie Walker: Smirnoff, Guinness, Baileys, J&B, Captain Morgan, Cuervo,
Tanqueray e os vinhos Beaulieu Vineyard e Sterling Vineyards. Burger King e
Haagen-Dazs, dentre outras, também estão no conjunto de ativos do grupo.
Antes da campanha, a Johnnie Walker registrava vendas anuais de 10 milhões de
caixas, pulando para 13 milhões nos anos seguintes, o que significa um crescimento
acumulado de 30%, ou 27 milhões de garrafas (9 garrafas por caixa). No Brasil, e
conforme entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (29/12/04) pelo gerente da
Diageo, as vendas cresceram de 41,5 para 48,9%. Na versão black, o crescimento
foi de 21,4 para 42,7%, tudo no período de 2000 até 2004.
Esses números são interessantes, mas, à distância, não temos como saber se o
branding realmente funcionou. É justamente esse aparente ceticismo de análise que
separa os homens dos meninos no mundo prático do branding. É exatamente essa
imparcialidade emocional que pode servir como inspiração para aqueles que só
gostam de ver e promover o lado estético das coisas.
O Relatório Anual de 2004 (disponível no site www.diageo.com) registra que a
marca aumentou as suas vendas em todos os países nos quais opera, ajudando
ainda a ampliar a presença das outras marcas da Diageo. No mesmo documento
observamos que o grupo investiu pouco mais de 1 bilhão de libras no marketing das
marcas Johnnie Walker, Baileys e Smirnoff.
O lucro operacional do grupo caiu cerca de 45 milhões de libras no período junho
2003/2004, além do corte de aproximadamente 2,000 postos de trabalho, devido a
ajustes no orçamento e sinergias operacionais em conseqüência da fusão. Tais
cortes permitiram a redução de 115 milhões de libras anuais em despesas com
pessoal.
O passeio pelo Relatório Anual, de 168 páginas, permitiria uma série imensa de
análises e debates. Como isso consumiria mais tempo e estudos muito abrangentes,
vale a pena comentar rapidamente sobre um dos critérios de avaliação de
performance de marcas da Diageo, o qual ela denomina “organic brand
performance” (performance orgânica de marca), que revela as diferenças
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percentuais entre os exercícios através de um mix de indicadores formado pela
apuração dos volumes bruto e líquido de vendas e os gastos de marketing.
Todas as métricas de performance das empresas são válidas, uma vez que elas
devem responder às questões relevantes e particulares das companhias, segundo
as diretrizes propostas pelos seus acionistas, fundamentalmente ocupados na
identificação dos centros de riscos e oportunidades para os níveis adequados de
retorno do capital investido. Consequentemente, as métricas da Diageo funcionam
apenas para a Diageo.
Todavia, é um exercício instigante confrontarmos essas métricas com alguns
critérios da moderna administração de empresas, como, por exemplo, a gestão do
capital intelectual. Se uma empresa investe anualmente mais de um bilhão de libras
em marketing, e economizou 115 milhões com pessoal no mesmo período, é de
fazer pensar qual é a utilidade estratégica das métricas avançadas de capital
humano, incluindo a gestão do conhecimento e outras tantas que têm ocupado o
tempo das grandes organizações nos últimos anos.
Se mesmo ganhando market share mundo afora a Diageo apresentou prejuízo
operacional, tendo ainda que mandar mais de duas mil pessoas embora, qual é o
sentido de elevar a imagem das suas principais marcas e promover a idéia de
organização preocupada com seus stakeholders? Será que conflitos assim explicam
alguns dos motivos que levaram dois grupos detentores de marcas poderosas a se
fundirem para sobreviver?
Devemos voltar ao princípio elementar de se possuir ativos intangíveis e investir
neles. Marcas, por exemplo, só têm sentido quando fazem com que os seus
detentores ganhem dinheiro de verdade com elas. É difícil acreditar que empresas
com mais de 50 anos de existência ainda não tenham aprendido os macetes das
suas sinergias, tendo que fazê-lo em 2003, aparentemente quando as suas marcas
mais valiosas decolaram para o sucesso global, isso segundo as métricas que
adotaram para guiarem suas principais decisões, dentre as quais cortar pessoal e
investir fortunas em marketing, inclusive com um projeto bastante inteligente de
posicionamento de marca e comunicação.
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São paradoxos assim que há mais de dez anos nos levam a investir continuamente
em pesquisas e propor soluções de gestão estratégica de marcas para os nossos
clientes. Branding é uma questão muito mais complexa que os aspectos plásticos, já
que requer uma lógica particular a cada marca, em todos os sentidos da
administração de negócios. Marca é uma atividade integral, e não parcial de
comunicação.
Em tempo. No balanço publicado de 2004 (encerrado em junho), a empresa
registrava o valor de quatro bilhões de libras para os seus ativos intangíveis, sendo
3,9 bilhões relativos às suas marcas, enquanto registrava 1,9 bilhão para os ativos
tangíveis. Para quem ainda duvidava, marcas, apesar dos conflitos, valem dinheiro e
podem ser lançadas nos balanços. Portanto, apenas para garantir, keep branding!
Autor de BRANDING – UM MANUAL PARA VOCÊ CRIAR, GERENCIAR E AVALIAR MARCAS ,
que você lê em:
WWW. GLOBALBRANDS. COM. BR

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