Almanaque - Entrementes

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Almanaque - Entrementes
0
1
Revista Literária
“O Voo da Gralha
Azul”
n0. 9 – Paraná, janeiro / março 2012
Idealização, seleção , layout e edição:
José Feldman
Contatos, sugestões, colaborações:
[email protected]
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br
Endereço para correspondencia:
Rua Vereador Arlindo Planas, 901-A
Zona 6
Cep.87080-330
Maringá/PR
Que a humanidade possa aprender com a nossa Gralha-azul e entender que o equilíbrio e o respeito
ecológico entre fauna e flora é fundamental para a existência do Homem na face da Terra!!!
Prezado Leitor
Este almanaque não tem a pretensão e nunca poderá ser considerada como substituição aos livros, jornais, colunas, etc. que circulam virtualmente ou
não, mas sim como mola propulsora de incentivo ao cidadão para buscar novos conhecimentos, ou relembrar aqueles perdidos na névoa do passado.
Por que o Voo da Gralha Azul? A Gralha Azul, que assim como semeia o pinheiro, ela alça voo e semeia no coração de cada um que alcançar, o pinhão
da cultura, em todas as suas manifestações.
Ao leitor, novos conhecimentos.
Ao escritor ou aspirante a tal, sejam poetas, trovadores, romancistas, dramaturgos, compositores, etc., um caminho de conhecimento e inspiração.
Obrigado por me permitir dividir consigo estes breves momentos,
José Feldman
2
SUMÁRIO
ANÁLISES LITERÁRIAS
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
O poema das sete faces ...............................................
144
CECÍLIA MEIRELLES
Romanceiro da Inconfidência .......................................
203
MACHADO DE ASSIS
Trio em Lá Menor .........................................................
183
ARTIGOS
ADELTO GONÇALVES
Uma “redescoberta” da Literatura Africana no Brasil ...
58
ALBA KRISHNA TOPAN FELDMAN
A Identidade da Mulher Indígena na Escrita de Zitkala-Ša e
Eliane Potiguara ...........................................................
220
AMOSSE MUCAVELE
A poesia epigramática do Amin Nordine ou a Babalaze do
Atirador das Verdades ..................................................
49
CILZA CARLA BIGNOTTO
Duas leituras da infância,segundo Monteiro Lobato ....
116
ELMANO CARDIM
As primeiras revistas literárias ......................................
52
IALMAR PIO SCHNEIDER
Outra Época e um Poeta Inesquecível .........................
A literatura infanto-juvenil: do acesso ao livro até a formação do
leitor ..............................................................................
133
J. G. de ARAÚJO JORGE
213
JULIANA BOEIRA DA RESSURREIÇÃO
A Importância dos Contos de Fadas no Desenvolvimento da
Imaginação ...................................................................
71
NILTO MACIEL
A Poética de Linhares Filho ..........................................
21
RICARDO FARIA
Um poeta chamado Solano Trindade ...........................
154
SERAFINA FERREIRA MACHADO
A imagem do negro na poesia de Solano Trindade .....
156
WALDOMIRO WALDEVINO PEIXOTO
O Tempo na Ficção ......................................................
103
BIOGRAFIAS
Afrânio Peixoto ...............................................
Américo Facó .................................................
Amaury Nicolini ..............................................
Cassiano Ricardo ...........................................
Cilza Carla Bignoto ........................................
Cláudio de Cápua ..........................................
Cornélio Pires.................................................
Dalton Trevisan..............................................
174
36
55
68
84
80
25
48
179
10
CONCURSOS LITERÁRIOS
Concurso Literário Padre João Maia 2012 'Vila de
Rei: Rostos e Olhares' ..................................
228
III Concurso Literário da Academia Taubateana de
Letras ............................................................
229
XV Concurso Nacional de Contos 'Prêmio Jorge
Andrade' .......................................................
230
Prêmio Professor Mário Clímaco - Alepon ....
231
15º Prémio Literário Fernando Namora (Portugal)
.......................................................................
232
200
JANDI FABIAN BARBOSA e TANIA M. K. ROSING
Uma Casa na Lembrança .............................................
Dodora Galinari..............................................
Domício da Gama ..........................................
Elmano Cardim ..............................................
Inoema Nunes Jahnke ...................................
Jacy Pacheco ................................................
João Justiniano da Fonseca ..........................
Linhares Filho ................................................
Lino Sapo.......................................................
Luciene Barrel (lubarrel) ................................
Milton Nunes Loureiro ...................................
16
102
227
31
121
6
165
217
CONTOS / CRONICAS
ABÍLIO PACHECO
Cheiro de café ................................................
177
AFRÂNIO PEIXOTO
Barro Branco ..................................................
15
AMOSSE MUCAVELE
Carta do aniversariante no dia em que não se fará a
festa ...............................................................
112
ANTONIO BRÁS CONSTANTE
Humor – Sol e Frio (tomou Doril e Não Sumiu) 26
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
A canção que tocou no meio da noite ............
64
Caminho sem Volta ........................................
214
ARTUR DE AZEVEDO
Uma aposta ....................................................
125
CAROLINA RAMOS
Como de Costume... ......................................
41
CLÁUDIO DE CÁPUA
Galo Doidão ...................................................
6
DALTON TREVISAN
Em Busca da Curitiba Perdida ......................................
DOMÍCIO DA GAMA
Maria sem Tempo ..........................................
FERNANDO SABINO
A mulher vestida.............................................
217
33
142
2
FRANCISCO JOSÉ PEREIRA
A Velha Senhora e seus Cachorros ...............
HENRIQUE OLIVEIRA
O Bêbado e o Poeta ......................................
JOÃO SCORTECCI
Eu sou um livro ..............................................
LEON ELIACHAR
A Outra ...........................................................
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Vitor e seu irmão ............................................
OLIVALDO JÚNIOR
Fim de Linha .................................................
MACHADO DE ASSIS
Adão e Eva.....................................................
Trio em Lá Menor
.....
Um homem célebre ........................................
RACHEL DE QUEIROZ
Os Dois Bonitos e os Dois Feios ..................
VICÊNCIA JAGUARIBE
A Decisão .......................................................
Por uma nota de dez reais .............................
10
45
114
81
68
3
195
180
169
130
88
106
ENTREVISTAS
LINO MENDES
Conversas Curtas com Fernando Máximo ...................
211
FOLCLORE
FOLCLORE DO BRASIL
Alamoa .........................................................................
Ana Jansen ..................................................................
Anhangá .......................................................................
Arranca-Língua ............................................................
A Tartaruga e o Gavião ................................................
Barba Ruiva .................................................................
Bicho-Homem ..............................................................
Boitatá ..........................................................................
Boto Sedutor ................................................................
Cabeça-De-Cuia ..........................................................
Caboclo-D´água ...........................................................
Caipora ........................................................................
Canhambora ................................................................
Capelobo ......................................................................
Cavalo Branco .............................................................
Cavalo Das Almas .......................................................
Chibamba .....................................................................
Chupa-Cabras ..............................................................
Cobra Grande ..............................................................
Cobra-Jabuti ................................................................
Cobra Norato ...............................................................
Corpo Seco ..................................................................
Cuca .............................................................................
Curaganga ...................................................................
Curupira .......................................................................
Famaliá ........................................................................
90
91
91
91
175
91
92
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95
95
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95
95
96
96
96
Gorjala..........................................................................
Gralha Azul ..................................................................
Iara ...............................................................................
João Galafoice .............................................................
João Galafuz ................................................................
Labatut .........................................................................
Loira Do Banheiro ........................................................
Lobisomem...................................................................
Mãe-Do-Ouro ...............................................................
Mani (A Lenda Da Mandioca) ......................................
96
96
97
97
97
98
98
98
98
99
JOSÉ GERALDO MARTINEZ
Lendas da Infância .......................................................
201
LENDAS INDÍGENAS
O guaraná ....................................................................
Vênus e Sirius ..............................................................
140
141
LUIZ EDUARDO CAMINHA
Lenda de Iaraguaçu ......................................................
60
MARIA ROSA MOREIRA LIMA
A lenda dos tatus brancos ............................................
150
PARLENDAS .................................................
126
HAICAIS
ACADEMIA RIBEIRAOPRETANA DE POESIA
HAICAIS, 1996
Arthur Francisco Baptista...............................
Geraldo Lyra ..................................................
Dercy Alonso de Freitas.................................
Sérgio Bernardo.............................................
Darly O. Barros ..............................................
Morais Lopes (Portugal).................................
Maria Thereza Cavalheiro..............................
Arthur Francisco Baptista...............................
Napoleão Valadares ......................................
Sérgio Bernardo.............................................
Arthur Francisco Baptista...............................
Izo Goldman ..................................................
Darly O.Barros ...............................................
Neide Rocha Portugal....................................
Darly O. Barros ..............................................
Dercy Alonso de Freitas.................................
Edmar Japiassu Maia ....................................
Lila Ricciardi Fontes ......................................
Lila Ricciardi Fontes ......................................
Silvio Ricciardi ...............................................
Branca Marilene Mora de Oliveira .................
Lila Ricciardi Fontes ......................................
Sílvio Ricciardi ...............................................
Sílvio Ricciardi ...............................................
Rita Marcianp Mourão ...................................
Lila Ricciardi Fontes ......................................
Silvio Ricciardi ...............................................
AFRÂNIO PEIXOTO
Haicais ...........................................................
104
104
104
104
104
104
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106
106
106
14
3
JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA
50 Haicais + 3 ................................................
NILTON MANOEL
Haicai – O Poema de Três Versos .................
86
Mistério.........................................................................
84
1
40
João Justiniano Da Fonseca/BA
Soneto sem sal e sem pimenta ....................................
Sussurros .....................................................................
(Ademar Macedo: seleção)
MENSAGENS POÉTICAS 82 ........................
MENSAGENS POÉTICAS 84 ........................
MENSAGENS POÉTICAS 88 ........................
MENSAGENS POÉTICAS 93 ........................
MENSAGENS POÉTICAS 101 ......................
MENSAGENS POÉTICAS 104 ...................
MENSAGENS POÉTICAS 108 ......................
MENSAGENS POÉTICAS 111 ......................
3
18
40
62
114
145
176
188
Estrofe do Dia
Ademar Macedo/RN ......................................
Ademar Macedo/RN.......................................
Carolina Ramos/SP .......................................
Djalma Mota/RN ............................................
Gilmar Leite/PE..............................................
José Lucas De Barros/RN
......
José Tomaz/PB .............................................
José Zilmar/PB ..............................................
4
189
40
19
63
115
177
145
...E Suas Trovas Ficaram
Aloísio Alves Da Costa/CE ...........................
Aloísio Alves Da Costa/CE ............................
Durval Mendonça/RJ .....................................
Edmilson F. Macedo/MG ...............................
Luiz Otávio/RJ
...............................
Paulo Cesar Ouverney/RJ..............................
Miguel Russowsky/SC ...................................
Waldir Neves/RJ ............................................
19
115
63
40
145
189
4
176
63
177
Rogaciano Leite/PE
Simplesmente Poesia
Antonio m. A. Sardenberg/RJ –
63
Antonio Roberto Fernandes/RJ –
19
Djalma Mota/RN
Décima- (Redondilha Menor) .......................................
115
Renato Alves/RJ
MENSAGENS POÉTICAS
Saudade... ....................................................................
Um Soneto Filho do Sol ...............................................
Soneto do Abandonado ...............................................
PAULO V. PINHEIRO
Sorriso ..........................................................................
19
Francisco Macedo/RN
Ialmar Pio Schneider/RS
MENSAGEM
Uma Flor no Meio da Vida ...........................................
Soneto do Dia
Amilton Maciel Monteiro/SP
Impossível ....................................................................
145
Sônia Sobreira/RJ
Eu Gosto da Chuva ......................................................
189
Vanda Fagundes Queiroz/PR
Transitório ....................................................................
4
Uma Trova de Ademar
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
Ademar Macedo/RN .....................................
4
19
40
63
115
145
176
189
Uma Trova Nacional
A. A. De Assis/PR ..........................................
Carolina Ramos/SP .......................................
Izo Goldman/SP.............................................
Jeanette De Cnop/PR ....................................
Marina Bruna/SP ...........................................
Olympio Coutinho/MG ...................................
Rejane Costa/CE ...........................................
Roberto Medeiros/MG ....................................
18
145
40
62
3
114
176
188
Uma Trova Potiguar
Ascendino De Almeida/RN ............................
Bento Rabelo/RN ...........................................
Carmo Chagas De Oliveira/RN ......................
Fabiano Wanderley/RN ..................................
Joamir Medeiros/RN ......................................
Marcos Medeiros/RN .....................................
Marivaldo Ernesto/PB ....................................
Pedro Grilo/RN ..............................................
18
63
115
188
3
176
40
145
Uma Trova Premiada
Alcy Ribeiro S. Maior/RJ ................................
Dorothy Jansson Moretti/SP ..........................
Eduardo A. O. Toledo/MG .............................
Marcelo Zanconato Pinto/MG ........................
Olympio Coutinho/MG ...................................
188
4
19
115
145
145
Eduardo A. O. Toledo/MG
Por Sobre as Nuvens ...................................................
189
Gilson Maia/RJ ..............................................
Manoel De Macedo/RN .................................
Zé De Sousa/PB ............................................
115
40
176
4
Pedro Melo/SP ..............................................
Selma Patti Spinelli/SP ..................................
Thereza Costa Val/MG ..................................
63
176
40
POESIAS
71
226
226
227
227
227
AMÉRICO FACÓ
Noturno ........................................................................
Ar da floresta noturna ..................................................
99
100
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
Amor e paixão ..............................................................
Seu beijo ......................................................................
Presa ............................................................................
Abraço ..........................................................................
Noite de amor ..............................................................
Você .............................................................................
56
56
56
57
57
57
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Adeus a Sete Quedas ..................................................
Balada do amor através das idades .............................
Debaixo da ponte .........................................................
Poema das Sete Faces ...............................................
149
121
130
143
CASSIANO RICARDO
Riso e lágrima ..............................................................
Manhã de caça ............................................................
Brasil-menino ...............................................................
A rua ............................................................................
A sintaxe do adeus ......................................................
Serenata sintética ........................................................
Imemorial .....................................................................
Poema implícito ...........................................................
O cacto .........................................................................
Você e o seu retrato .....................................................
27
27
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29
29
29
30
30
31
CECÍLIA MEIRELES
Canção .........................................................................
Motivo ..........................................................................
Balada das dez bailarinas do cassino ..........................
Canção .........................................................................
Canção de alta noite ....................................................
Canção do caminho .....................................................
Canção .........................................................................
Guitarra ........................................................................
Serenata ......................................................................
Pássaro ........................................................................
122
122
122
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123
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190
190
146
69
IALMAR PIO SCHNEIDER
Soneto a Laurindo Rabelo ...........................................
Soneto para Jayme Caetano Braun .............................
Soneto a Arthur Azevedo .............................................
Soneto a São Francisco De Assis ................................
Soneto a Ernest Hemingway ........................................
2
2
2
2
3
INOEMA NUNES JAHNKE
Imortal ..........................................................................
Coração guerreiro ........................................................
Corpo e alma................................................................
Esperança ....................................................................
Saudade .......................................................................
Refúgio .........................................................................
Lasciva .........................................................................
Janela da emoção ........................................................
É preciso ......................................................................
Compaixão pela vida ....................................................
O fim.............................................................................
66
66
66
66
67
67
67
67
67
67
68
JACY PACHECO
Ambição do pingo d'água .............................................
Primavera do mundo ....................................................
O ateu ..........................................................................
Conformismo ................................................................
83
83
83
84
J.B. XAVIER
O Camelô ......................................................................
197
JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA
A beleza da vida ...........................................................
A morte do sonho .........................................................
As plantas do sertão ....................................................
Coração do velho .........................................................
O esquecimento ...........................................................
O tecelão da vida .........................................................
79
79
80
80
80
80
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Tempo de colheita........................................................
71
LINHARES FILHO
A minha mãe, habitante da morte .................................
A Machado de Assis, morto vivo ..................................
Das coisas ....................................................................
Ode a Fernando Pessoa ..............................................
22
23
24
24
LINO SAPO
70
LUBARREL
51
51
51
51
As fadas ........................................................................
Tributo ao mar ..............................................................
Placidez noturna ...........................................................
Refúgio .........................................................................
Ode a Iara .....................................................................
EFIGÊNIA COUTINHO
Porque amo .................................................................
O sonho realizado ........................................................
Sonhos .........................................................................
Canção do amor ..........................................................
Colheita ........................................................................
69
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
O tolo e o sábio ............................................................
A briga de dois cegos por causa de uma esmola .........
Jardim dos sonhos .......................................................
Poesia da cachoeira.....................................................
Cachoeira do sapo .......................................................
Minha tapera ................................................................
CECIM CALIXTO
Colheita da fé ...............................................................
Missão terrestre ...........................................................
Segredo........................................................................
Amor de extremos ........................................................
Bacharel .......................................................................
Dia de resgate ..............................................................
HÉRON PATRÍCIO
AMAURI NICOLINI
Calendário ....................................................................
No caminho .................................................................
Memórias .....................................................................
Passageiros a bordo .....................................................
Velhos carnavais .........................................................
52
ENÉIAS TAVARES DOS SANTOS
ALBA HELENA CORRÊA
Semeadura do bem .....................................................
Só quero existir ............................................................
ELISABETH SOUZA CRUZ
46
46
47
47
178
178
178
178
179
5
Reencontro ...................................................................
179
MAURÍCIO CAVALHEIRO
Colheita para Deus ......................................................
70
NILTO MACIEL
Conhecimento ..............................................................
Arco íris ........................................................................
Soneto crepuscular ......................................................
Visionário .....................................................................
O jangadeiro ................................................................
37
37
38
38
39
PEDRO DU BOIS
Final .............................................................................
Transformar .................................................................
Estar .............................................................................
Construir ......................................................................
Reinstalar .....................................................................
Esquecer ......................................................................
13
13
13
13
13
14
PLINIO LINHARES
Trovamando V - Helena ..............................................
191
PROF.GARCIA
Sentimentos ..................................................................
71
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
Ela e a janela ...............................................................
Percepção ....................................................................
Passarinho ...................................................................
Ponto final ....................................................................
89
90
90
90
ROBERTO RESENDE VILELA
Momentos de reflexão .................................................
70
SILMAR BOHRER
(Outros) versos marinhos ............................................
Prisioneiro ....................................................................
Cantilenas ....................................................................
Riquezas ......................................................................
Mensagem ...................................................................
19
20
20
20
21
43
43
44
44
SOLANO TRINDADE
Poema autobiográfico ..................................................
Canta América .............................................................
Conversa ......................................................................
Eu gosto de ler gostando .............................................
Negra bonita ................................................................
Reflexão .......................................................................
Poema do homem ........................................................
O canto da liberdade ....................................................
Meu canto de guerra ....................................................
Abolição número dois ..................................................
Quem tá gemendo? .....................................................
151
151
151
152
152
152
152
153
153
153
153
THEREZA COSTA VAL
Colhendo versos ..........................................................
70
TROVAS
ADEMAR MACEDO
Trovas Engraçadas ......................................................
113
AQUARELA DE TROVAS
A. A. de Assis – PR ......................................................
A. A. de Assis – PR ......................................................
5
5
5
5
5
4
5
5
5
5
4
6
6
6
5
4
5
6
5
4
5
6
6
5
5
5
5
6
5
6
CLÁUDIO DE CÁPUA
Trovas ...........................................................................
42
CORNÉLIO PIRES
Trovas ...........................................................................
Causos sobre Cornélio .................................................
164
167
DODORA GALINARI
Trovas ...........................................................................
SILVIAH CARVALHO
Insensato coração ........................................................
Canção do amor ..........................................................
Me perdoa ....................................................................
Até que as águas nos unam ........................................
Ademar Macedo – RN ..................................................
Angélica V. Santos – SP ..............................................
Antônio da Serra – PR .................................................
Aparício Fernandes – RN .............................................
Carolina Ramos – SP ...................................................
Carolina Ramos – SP ...................................................
Diamantino Ferreira – RJ .............................................
Dinair Leite – PR ..........................................................
Diva da Costa Lemos – RS ..........................................
Domitilla B. Beltrame – SP ...........................................
Eliana Palma – PR .......................................................
Francisco Macedo – RN ...............................................
Francisco Pessoa – CE ................................................
Heliodoro Morais – RN .................................................
Jeanette De Cnop – PR ...............................................
Jeanette De Cnop – PR ...............................................
José Marins – PR .........................................................
Júlia Leal Miranda – RJ ................................................
Luiz Antonio Cardoso – SP ..........................................
Luiz Antonio Cardoso – SP ..........................................
Milton Nunes Loureiro – RJ ..........................................
Nei Garcez – PR ..........................................................
Nilton Manoel – SP ......................................................
Osvaldo Reis – PR ......................................................
Relva de Egypto Rezende – MG ..................................
Rodolpho Abbud – RJ ..................................................
Ronaldo Afonso Júnior – MG .......................................
Thereza Costa Val – MG ..............................................
174
MILTON LOUREIRO
Trovas ..........................................................................
8
PARANÁ TROVADORESCO
Adilson de Paula - Joaquim Távora .............................
Alberto Paco – Maringá ................................................
Aldo Silva Júnior – Curitiba ..........................................
Angelo Batista – Curitiba ..............................................
A. .A. Assis – Maringá ..................................................
Antônio Facci – Maringá ..............................................
Antônio Salomão – Curitiba .........................................
Apollo Taborda França – Curitiba ................................
Araceli Friedrich – Curitiba ...........................................
Argentina de Mello e Silva – Curitiba ...........................
Ariane França De Souza – Curitiba .............................
Arlene Lima – Maringá .................................................
Átila Silveira Brasil – Cornélio Procópio .......................
Camilo Borges Neto – Curitiba .....................................
Cassiano Souza Ennes – Curitiba ...............................
Cecília Souza Ennes – Curitiba ...................................
Ceciliano José Ennes Neto – Curitiba..........................
Cecim Calixto – Tomazina ...........................................
Cristiane Borges Brotto – Curitiba ................................
Cyroba Braga Ritzmann – Curitiba ..............................
Dinair Leite – Paranavaí ...............................................
Fernando Vasconcelos - Ponta Grossa .......................
Gerson Cezar Souza - São Mateus .............................
Gilberto Ferreira – Curitiba...........................................
107
107
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Glycínia De França Borges – Curitiba .........................
Harley Clovis Stocchero – Almirante Tamandaré ........
Heitor Borges de Macedo – Curitiba ............................
Heitor Stockler de França – Palmeira ..........................
Hely Marés de Souza - União Da Vitória .....................
Hilda Koller – Castro ....................................................
Horácio Portella – Piraquara ........................................
Istela Marina Gotelipe Lima – Bandeirantes ................
Janete de Azevedo Guerra – Bandeirantes .................
Jeanette de Cnop – Maringá ........................................
José Feldman – Maringá .............................................
Josias de Alcântara – Curitiba .....................................
Lairton Trovão de Andrade – Pinhalão ........................
Leonardo Henke – Curitiba ..........................................
Ligia Cristina de Menezes – Pinhais ............................
Lorys Marchesini – Curitiba .........................................
Lourdes Strozzi – Curitiba ............................................
Lucília Trindade Decarli – Bandeirantes ......................
Lúcio da Costa Borges – Morretes ..............................
Luiz Hélio Friedrich – Curitiba ......................................
Lygia Lopes dos Santos – Curitiba ..............................
M. Machado – Curitiba .................................................
Manoel Claro Alves Neto – Curitiba .............................
Manuel M. Ramirez Y Anguita – Curitiba .....................
Maria Conceição Fagundes – Curitiba .........................
Maria de Lourdes Akel – Curitiba .................................
Maria Eliana Palma – Maringá .....................................
Maria Lúcia Daloce Castanho - Bandeirantes ............
Marita França – Curitiba ..............................................
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Maria Nicólas – Curitiba ...............................................
Mariza Soares De Azevedo – Curitiba .........................
Maurício Leonardo – Ibiporã ........................................
Maurício Norberto Friedrich – Curitiba .........................
Nei Garcez – Curitiba ...................................................
Neide Rocha Portugal – Bandeirantes .........................
Olga Agulhon – Maringá ..............................................
Orlando Woczikosky – Curitiba ....................................
Ralf Gunter Rotstern – Curitiba ....................................
Rose Mari Assumpção – Curitiba .................................
Roza de Oliveira – Curitiba ..........................................
Serafim França-Curitiba ...............................................
Sinclair Pozza Casemiro - Campo Mourão. .................
Sônia Ditzel Martelo – Ponta Grossa ...........................
Tasso da Silveira – Curitiba .........................................
Vanda Alves da Silva – Curitiba ...................................
Vanda Fagundes Queiroz – Curitiba ............................
Vânia Maria Souza Ennes – Curitiba ...........................
Vasco Taborda Ribas – Curitiba ..................................
Vera Vargas – Piraí Do Sul ..........................................
Victorina Sagboni – Curitiba .........................................
Vidal Idony Stockler – Curitiba .....................................
Walderez de Araújo França – Paranaguá ....................
Walneide Fagundes S. Guedes – Curitiba ...................
Wandira F. Queiroz – Curitiba ......................................
Wellesley Nascimento– Almirante Tamandaré .......... ..
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SUPLEMENTO ESPECIAL (ANEXO) – HOMENAGEM A FRANCISCO NEVES DE MACEDO
Este Almanaque não pode ser comercializado em hipótese alguma.
Caso assim o desejar, deve-se contatar o/s autor/es para obter
autorização.
Respeite os Direitos do Autor.
1
Mensagem
Paulo V. Pinheiro
Uma Flor no Meio da Vida
O quê queres? Perguntei-me a mim.
Dia e outro, na procura dos sentidos, me perco nas
palavras que brotam por todo lado com seu
propósito de me confundir.
Jornais, revistas, livros... tantas letras que doem.
Já li de tudo, me arrebatam as bulas...
Machado, Alencar, Scliar, Saramago, Lobato, e tanta
gente que depois de um tempo me cobra: que
dizes? Que me dizes?
Ousado, talvez com um pouco de medo, arrisquei
umas
pequenas
linhas...
pequeninas...
pequenininhas.
Então escrevi.
Tive a sorte de aprender a letrar pensamentos e os
letrei; então achei pouco.
Pensei: se posso descrever o que penso... porquê
não posso escrever o que sinto?
Vi que existia uma ponte estreita, longa, perigosa e
muita vez conflitiva, entre o que eu sentia e pensava.
Sofri, mas não desanimei, então me reescrevi.
Contei contos, desvelei novelas, trabalhei textos...
passei a ler com mais cuidado, com mais rigor, com
mais seleção.
Passei a ler como se eu tivesse escrito o texto que
não escrevi. Busquei o sentimento que vale a pena
(no estrito sentido da pena que escreve).
Antes disso eu não respeitava os que escreveram
tanto como mereciam.
Textos bons ou textos nem tanto como queríamos
ler, servem para o que servem, para se qualificarem
uns aos outros.
Quem sabe o que é bom?
Sempre gostei das coisas mais fáceis e por isso
busquei as mais difíceis, só para me contrariar... só
eu sofri no caso das palavras que li.
Agora a pouco me perguntaram: e a flor, onde entra
nisso que dizes?
Ora entendo que a flor é o produto da expressão do
que se diz, do que se escreve, do que se pinta, do
que se faz para a apreciação, como o trabalho,
como o amor... como a expressão pura e simples da
ação.
Existe no campo ou nos jardins, todo o tipo de
expressão floral. Existe no jardim de nossos dias
uma quantidade de obras a se admirar, umas com
mais cuidado, outras com mais atenção, outras
detalhadas, outras simples... cada qual com suas
qualidades.
Para nós sobra entender o que fizemos ou faremos
de nós.
Fonte:
Revista Entrementes
2
Ialmar Pio Schneider
Homenagens em Soneto
SONETO A LAURINDO RABELO
– In Memoriam –
Nascimento do poeta em 8.7.1826 - . –
SONETO A ARTHUR AZEVEDO
– In Memoriam –
Nascimento do escritor em 7.7.1855
Foi poeta... sofreu e fez seus versos,
clamando que seriam ais sentidos,
pois quanto mais tristonhos, mais perversos,
representando corações partidos...
Foi dramaturgo, poeta e contista,
com “Arrufos”, um soneto forte,
após desentender-se com a consorte,
fez uns ares de quem do amor desista...
Mas sua obra é vasta e os dias idos
na existência de sonhos tão dispersos,
lamentou como se fossem perdidos
os cantos que compôs, os mais diversos...
Toma o chapéu e sai, sem que suporte,
fingir que não mais ama e se contrista,
mas algo o faz voltar e então persista
a manter a paixão até a morte...
E no soneto “O Tempo” põe sua alma
arrependida de gastá-lo em vão,
tal como se fosse perder a calma.
Assim são os amores verdadeiros,
ao menos na aparência dos amantes,
que às vezes têm questiúnculas por nada...
Um conselho final então dos diz:
de não desperdiçarmos, sem razão,
o tempo em que se pode ser feliz...
E quando voltam ficam companheiros
para viverem todos os instantes,
seguindo adiante pela mesma estrada...
SONETO PARA JAYME CAETANO BRAUN
– In Memoriam –
Jayme Caetano Braun, o inimitável poeta gauchesco
e pajador, falecido há 12 anos, ou seja, em 8 de
julho de 1999, aos 75 anos de idade.
SONETO A SÃO FRANCISCO DE ASSIS
– Nascimento em 5 de julho de 1182 -
Jayme Caetano Braun quando tu cantas,
eu me quedo silente a te escutar;
em teus poemas de belezas tantas,
encontro o Rio Grande a me falar.
Não posso compreender quem não encantas
no teu nobre e gauchesco linguajar;
sobre as coxilhas quando te levantas
eu vejo um farroupilha em teu lugar.
Primoroso cantor, valente e forte,
sem temor de lutar, de altivo porte
tal qual o lutador galo de rinha
que morre de tortura e não se entrega
e aguenta firme a ríspida refrega,
pois morre sem deixar dobrar a espinha.
Quero ao “O Pobre de Deus” render meu preito
de gratidão por suas orações;
quando pregava às aves, com efeito,
ele atingia a todos os corações...
“Padroeiro dos Trovadores”, aceito
e venerado pelas multidões,
seu nome São Francisco tem conceito,
e nos consola em horas de aflições...
Pregou a paz entre os irmãos e santo
permanece p´ra sempre no seu canto
de amor sublime a todas as criaturas...
Hoje, no dia do seu nascimento,
que sua bênção traga um sentimento
de concórdia, de luz e de ternuras...
3
que faça qualquer coisa ao seu alcance...
SONETO A ERNEST HEMINGWAY
– In Memoriam –
Morte do escritor em 2.7.1961
Um trágico final a um grande amor
em que Ernest Hemingway desenvolveu
a efemeridade da vida e a dor...
Lembra-me “Adeus às armas”, um romance
que li mais de uma vez, pois foi chocante
a emoção que senti naquele lance:
Catherine despede-se do amante...
Com certeza, não há maior tortura
do que aquela em que ele descreveu
a passagem da amada criatura...
Henry, desesperado, vive o instante,
e reza para um Deus, sentindo o transe
que o acomete, e não está confiante
Fonte:
Sonetos enviados pelo autor
Olivaldo Júnior
Fim de Linha
Pois é, o ano velho está no fim, é o fim da
linha para ele. Acabam-se as aulas e as férias
invadem as casas, causando frisson nas crianças e
em todos que estudaram ou trabalharam durante o
ano. O ano velho está de molho, o molho que é feito
de amizade.
Amigos que telefonavam todo dia já não
ligam quase nunca; amigos que não ligavam quase
nunca já não telefonam mais. Pois é, a vida é assim
mesmo: ligações ou longos períodos ocupados ou
fora da área de cobertura. Cobrindo o ano velho,
cubro a mim mesmo, que eu mesmo ando velho,
bem velho, querendo nascer. Nasceram amigos que
eu pensei que seriam eternos, mas fenecem no
esquecimento desta pessoa; tenho amigos que não
telefonam mais, ainda que ligassem quase todo dia.
Dia a dia, eu noto bem: tudo é ciclo, e o círculo dos
meus amigos é o quadrado de uma folha de papel
em que pousam ilusões. Ilusão é pôr-se à mercê de
ninguém. Ninguém vive sem ninguém.
Iludo-me. Mas o ano é novo. Fim de linha
para o velho que mora em mim. Mas o que faço para
o despejo de quem me ajuda a ter assunto para
meus versos, combustível para os lampejos de um
verso à-toa, que me atordoa? Contando com amores
que nunca foram amáveis, amei quem nem sabe
que o meu amor contava com o dele, o amor do meu
amor. O amor é velho; o ano, não. E eu estou
cansado de ser amigo de ninguém e de ninguém
estar comigo quando entra o ano novo e todos
fazem tim-tim.
Fontes:
O Autor
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 82
Trova do Dia
Trova Potiguar
Neste ano novo eu pretendo
rasgar meus dias tristonhos
e, de remendo em remendo,
reconstruir os meus sonhos...
MARINA BRUNA/SP
Um Ano Novo sem guerra,
mandai, ó Deus paternal:
que reine a paz sobre a terra,
que reine o bem contra o mal!
JOAMIR MEDEIROS/RN
4
Uma Trova Premiada
2000 > Petrópolis/RJ
Tema > Ano 2000 > 13º Lugar
Que os anos 2000 nos falem
de novos feitos de luz,
mas que seus ecos não calem
a voz que bradou na cruz!
DOROTHY JANSSON MORETTI/SP
Uma Trova de Ademar
Neste Ano Novo eu queria
entre nós mais união;
e, que o amor pela poesia
cresça em nosso coração!
ADEMAR MACEDO/RN
...E Suas Trovas Ficaram
Deus com seu saber profundo,
para nos trazer a paz,
mandou o seu filho ao mundo
há dois mil anos atrás
MIGUEL RUSSOWSKY/SC
Estrofe do Dia
Hoje eu pedi para o povo,
em preces e em orações,
muita paz neste Ano Novo,
muito amor nos corações!
E fiz pra Deus uma carta
pedindo uma mesa farta
para o faminto comer;
mandei essa carta em nome
daquele que passa fome
e que não sabe escrever!
ADEMAR MACEDO/RN
Soneto do Dia
– Vanda Fagundes Queiroz/PR –
TRANSITÓRIO.
Trezentos e sessenta e cinco dias,
meu calendário, foi seu tempo exato.
Agora é estranho, quando então constato:
- É um bloco velho, já sem serventias.
Mas eu o estimo. As datas foram guias...
Cada lembrete compôs um retrato
do cotidiano que se fez, de fato,
de altos e baixos, sombras e alegrias.
Releio as notas... Dói-me concordar:
- Dever cumprido! Ceda o seu lugar
para o que chega e estréia no cenário.
Tão companheiro, em toda a minha lida
de um ano inteiro... para mim, tem vida!
– Adeus, meu velho amigo Calendário...
Fonte:
Ademar Macedo
Aquarela
de Trovas
Desta saudade infinita
não guardo mágoas, porque
foi a coisa mais bonita
que me ficou de você.
Aparício Fernandes – RN
A ressaca da bebida
é pra ninguém esquecer.
Por isso a melhor pedida
é não parar de beber.
Heliodoro Morais – RN
Sou tal qual ave ferida
que as suas asas quebrou
e Deus, para dar-lhe vida,
os seus pedaços juntou.
Diva da Costa Lemos – RS
O vazio dos teus braços,
depois de tristonho adeus,
fez a dor rondar meus passos,
na busca inútil dos teus...
Júlia Leal Miranda – RJ
5
Disse o carteiro, confuso:
- mora aqui o “seu” Leitão?
- Não mais, respondeu o luso:
virou torresmo e sabão.
Relva de Egypto Rezende – MG
Paz, amor, felicidade!
Palavras tão usuais,
que seriam, na verdade,
mais bonitas, se reais.
Luiz Antonio Cardoso – SP
Os dois velhinhos dançavam,
mostrando desenvoltura;
mas sempre que tropeçavam,
trocava de dentadura!
Ronaldo Afonso Júnior – MG
Do Ano Velho ao Ano Novo:
– Baixa a pose, ó garotão,
que num zás o jovem ovo
torna-se um galo ancião!...
Osvaldo Reis – PR
De quantas bênçãos se tecem
as vidas fortes, sofridas,
que de si mesmas se esquecem
para cuidar de outras vidas!
A. A. de Assis – PR
Fugindo pela janela,
o “dom juan” quis “dar no pé”.
– Um fantasma!, gritou ela.
E o marido: – Agora é!
Angélica V. Santos – SP
Nesta vida não deu certo,
mas na próxima quem sabe?
Quem sabe, eu de ti mais perto,
o muro entre nós desabe?...
Antônio da Serra – PR
Toda vez que eu chego tarde,
lá em casa, rente ao portão,
minha esposa dá “boa-tarde”
com a vassoura na mão...
Nei Garcez – PR
Deus um dia há de me dar
o que peço em cada prece:
- A virtude de perdoar
a quem perdão não merece.
Carolina Ramos - SP
Casa velha, quanto encanto!
... tem cobras, cupins, lagartos!
Uma história em cada canto
e fantasmas pelos quartos.
Nilton Manoel – SP
Não sou ave nem sou peixe,
nunca aprendi a nadar,
mas peço a Deus que me deixe
num dia desses voar!
Diamantino Ferreira – RJ
Nos passos do bailarino,
na garganta do cantor,
em cada tango argentino
geme uma história de amor.
A. A. de Assis – PR
Palavras ditas à alma
num sussurro, é como fosse
uma sonata bem calma
tocada por flauta doce.
Francisco Pessoa – CE
O amigo que nos quer bem
é aquele que, sem temor,
oculta uma dor que tem
e vem sanar nossa dor...
Ademar Macedo – RN
Nesta imagem refletida
(tão bom se o espelho falasse...),
quanta história está contida
nos vincos da minha face!
Jeanette De Cnop – PR
Somos anões sem idade,
a perseguir-te sem tréguas,
enquanto, felicidade,
tens botas de sete léguas...
Carolina Ramos – SP
Ah, o mutirão da pamonha,
lá na casa de meus pais;
em mim o menino sonha
um tempo que não vem mais.
José Marins – PR
Na esperança verde e bela
há o otimismo de luz!
Se a porta fecha, a janela
se abre em par e o sol reluz!
Dinair Leite – PR
6
Oh, minha mãe, quando eu falho,
tua lágrima rolada
é qual pérola de orvalho
sobre a rosa machucada!...
Domitilla B. Beltrame – SP
O que vou fazer agora
se a lembrança não tem fim?
Luiz Antonio Cardoso – SP
Amanhã... Depois... Depois...
Foi assim a vida inteira...
E entre os sonhos de nós dois,
a intransponível fronteira...
Milton Nunes Loureiro – RJ
O verde em brasa estalando;
uivos doridos da mata:
gritos horrendos compondo
uma fúnebre sonata!
Eliana Palma – PR
Na vida, lutar, correr,
não me cansa tanto assim...
O que me cansa é saber
que estás cansada de mim!
Rodolpho Abbud – RJ
A saudade dos meus filhos,
dói, machuca, me amordaça.
Comparo-me aos velhos trilhos,
Por onde o trem já não passa.
Francisco Macedo – RN
Agora peço somente,
ao tempo de que disponho,
que um tempo me dê, paciente,
para que eu viva o meu sonho...
Thereza Costa Val – MG
Ausência do bem, o mal
só traz sofrimento a quem
não conhece o especial
prazer que é se querer bem!
Jeanette De Cnop – PR
Fontes:
Ademar Macedo (RN) – O Trovadoresco n. 67, de janeiro de 2011
A. A. de Assis (PR) Revista Virtual Trovia n.133 – janeiro de 2011
A. A. de Assis (PR) Revista Virtual Trovia n. 134 – fevereiro de 2011
Minha amada foi-se embora
para bem longe de mim...
Cláudio de Cápua
Galo Doidão
publicado originalmente na edição número 2 da
revista Santos Arte e Cultura
média de cana e uma enorme goiabeira de frutos
vermelhos, que, temporã, frutificava o ano inteiro.
Certas cenas indelevelmente ficam registradas, em
nossa mente e, de uma forma ou de outra, marcam
nossas vidas. Uma delas: eu tinha aproximadamente
sete anos e Berto, meu irmão, uns três menos.
Morávamos na Avenida Inajá, hoje Lavandisca, no
bairro de Indianópolis, em São Paulo. Terreno, com
20 metros de frente, e 65 de fundos. Na frente, a
casa de meu avô materno, e nos fundos, a nossa
casa. Tínhamos no belo pomar dois pessegueiros,
limoeiro, laranjeira, ameixeira e dois pés de figo,
sendo que um deles era raro, figo branco. E ainda
uma parreira de uvas rosé, um pé de louro, touceira
Certo dia, nossa avó, Maria da Glória, fez-nos uma
surpresa; - trouxe da feira cinco pintinhos, que nos
foram dados de presente. Dois logo morreram, e os
outros três se transformaram em duas frangas e um
frango. As frangas logo foram parar na panela, mas
o galo virou bicho de estimação. Nossa família,
descendente de italianos, como 85% das famílias
paulistanas, nunca deixava faltar vinho à mesa.
Certo dia, num almoço domingueiro, tio Rafael,
irmão de minha mãe, molhou miolo de pão num
resto de vinho e arremessou-o pela janela, em
direção ao nosso galo. Petisco de imediato
7
devorado. Resultado: o galo pôs-se a cantar fora de
hora.
Berto, meu irmão, embora pequeno, era vivo e
arteiro. Viu o que o pão e o vinho fizeram ao galo e
passou a repetir a arte a qualquer hora do dia ou da
noite. E, após algum tempo, o galo assumiu um ritual
todo seu. Devorava o petisco, subia no tanque,
pulava para o muro da vizinha, de onde saltava para
o telhado do tanque e depois para o telhado da
casa. E, aí, ele percorria o telhado, até a frente da
residência e bem no alto da cumeeira punha-se a
cantar, a qualquer hora do dia ou da noite, para uma
platéia de transeuntes que paravam diante da casa,
abismados com o espetáculo daquele galo doidão,
sem entender as razões de sua estranha euforia.
CLÁUDIO DE CÁPUA
O dia oito de março marca a data do nascimento de
Cláudio de Cápua, que é natural de São Paulo, e
que em 1960 mudou-se para Araraquara, tendo mais
tarde ingressado na Escola Superior de
Agrimensura. Paralelamente aos estudos, Cláudio
começou a colaborar no jornal semanário "A Cidade"
onde respondia pela edição da "Coluna do
Estudante". A partir deste momento, Cláudio não
parou mais de escrever. Escrever tornou-se a forma
de comunicação marcante em sua existência. Foi
escrevendo que Cláudio de Cápua passou a
escrever em jornais paulistanos como a antiga "A
Gazeta", "Diário da Noite", "A Tribuna Italiana",
"Diário Popular"; colaborou também na revista
"Destaque", de Santos, além de outras assim como
ainda em cerca de 30 jornais de bairro, do interior de
São Paulo e até de outros estados.
Em sua volta a São Paulo, Cláudio de Cápua teve
de abandonar em definitivo os estudos de
Agrimensura, uma vez que não existia este curso em
nível superior na Capital. Foi nesta época que
começou a conviver com poetas como Guilherme de
Almeida, Paulo Bomfim, Judas Isgorogota. Bernardo
Pedroso, Orlando Brito, Oswaldo de Barros, Antônio
Lafayette, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia,
Laurindo de Brito, Ibrahim Nobre, só para mencionar
os mais conhecidos. Para aperfeiçoar sua vocação
natural e satisfazer seu desejo de ampliar os
conhecimentos e adquirir um maior lastro
profissional, Cláudio ingressou num curso de
jornalismo. A partir daí, o jornalismo constituiu-se a
base de todas as variadas atividades nas quais
Cláudio de Cápua se envolveu e nas quais deixou
sempre a marca de sua integridade e força de
trabalho. Ainda no jornalismo, tornou-se professor de
jornalismo eletrônico, na Universidade Mackenzie,
na década de 80.
Cláudio de Cápua fez ainda algumas incursões
pelas artes dramáticas, tendo participado como ator
no filme "A Marcha" baseado no romance de Afonso
Schmidt. Na televisão, foi ator coadjuvante na
telenovela "Hospital" da extinta TV Tupi, isso em
1971, e na TV record trabalhou como assistente de
produção de externas na telenovela "O Leopardo".
Cláudio de Cápua atuou sempre de forma marcante
na vida literária paulista, tendo participado
ativamente de diversas eleições da União Brasileira
de Escritores. Nesta entidade deixou marcas de sua
defesa intransigente dos direitos do escritor, e tem
lutado pela divulgação de suas obras e do
pensamento do escritor paulista. Nenhum
movimento sugnificativo que tivesse por objetivo a
valorização e a divulgação dos escritores e suas
obras deixou de contar com o apoio e iniciativa
decisiva de Cláudio de Cápua. Da mesma forma
teve ainda atuação destacada junto ao Sindicato dos
Escritores do Estado De São Paulo e Centro de
estudos Euclides da Cunha de São Paulo.
Como escritor, Cláudio de Cápua publicou livros que
não foram brindados com edições fantásticas, mas
que foram procurados avidamente pelos
conhecedores das obras de qualidade, esgotando
rapidamente suas edições. Estão nessa categoria, a
começar por 1980, a biografia do escritor e político
Plínio Salgado, livro que alcançou 4 edições e
vendeu 11 mil exemplares mantendo-se durante 9
semanas entre os livros mais vendidos. (...) Em
1981, Cláudio de Cápua lançou o livro "Meu
Caderno de Trovas", editado por Mestre das Artes;
anos depois publicou em co-autoria com sua
esposa, Carolina Ramos, o livro "Paulo Setúbal Uma Vida - Uma Obra", que teve sua primeira
edição esgotada em apenas 90 dias. Entre os
projetos de Cláudio de Cápua está a publicação de
um ensaio sobre a revolução de 1924, obra que
demandou muita pesquisa e anos de trabalho.
Nas palavras de Carolina Ramos, “Ninguém passa
pela Trova saindo impune. Rendido aos seus
encantos, sempre deixa com ela um pedaço do
coração, quando não o coração inteiro. No passado,
grandes poetas como Vicente de Carvalho, Martins
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Fontes, Bilac, Colombina e outros, passaram por ela,
ainda que de raspão. Naquele tempo, a Trova não
tinha a força nem o prestígio que hoje tem. Mas,
convém lembrar que o santista Ribeiro Couto
conquistou Prêmio Internacional com o livro "Jeux de
l'apprenti animalier", com suas fábulas consideradas
superiores às de La Fontaine pela concisão com que
eram apresentadas, ou seja, sob o formato de
Trovas.”
Embora concorrente bissexto, Cláudio de Cápua
conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas
realizados em território nacional.
Cláudio de Cápua não seria uma exceção.
Fonte:
Trechos extraídos do Discurso de Saudação de
Henrique Novak em recepção a Cláudio de Cápua.
31 de outubro de 1998 . Disponível em
http://www.de-capua.com/biografia.html
Excerto da Introdução por Carolina Ramos ao livro
“Canto que eu Canto”, de Cápua.
http://www.de-capua.com/galodoidao.html
Biógrafo, prosador e poeta, esbarrou na Trova e
deixou-se cativar por ela. Em 1969, foi um dos
fundadores da "União Brasileira de Trovadores",
Seção de São Paulo e, desde 1980, faz parte do
quadro associativo da Seção de Santos.
A ciência me conduz
a pensar desta maneira:
do excesso, às vezes, de luz,
pode nascer a cegueira...
Amanhã... Depois... Depois...
Foi assim a vida inteira...
E entre os sonhos de nós dois,
a intransponível fronteira...
A penumbra que me invade
e que nunca chega ao fim,
é a janela da saudade
fechada dentro de mim...
A tristeza que me invade,
Seu trabalho em prol da Trova, sincero e
despretensioso, merece o respeito daqueles que
cultuam o gênero e fazem do Movimento
Trovadoresco Nacional, uma das mais ativas e
populares facções da literatura do nosso país.”
parecendo não ter fim,
é o cantar de uma saudade
que eu ouço dentro de mim...
A vida às vezes revela
certos contrastes assim:
eu – enredado por ela;
e ela – a tramar contra mim!
Chegaste, os braços abertos,
tranqüila... em tuas andanças,
e plantaste em meus desertos
mil sementes de esperanças...
Embora colhendo espinhos
em meu viver malogrado,
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semeio pelos caminhos
bem-me-quer por todo lado...
Entre caminhos, frementes,
os meus lábios, em volteios,
dançam valsas diferentes
na vereda dos teus seios...
Esperança, não me peças
que acredite em tuas juras...
Já me cansei de promessas
e me perdi nas procuras...
Esta cautela, querida,
Primaveris e frementes
os meus lábios, em volteios,
trocam passos diferentes
sob o manto dos teus seios...
Sem direito de sonhar,
vagando no mundo, a esmo,
nem sequer pude marcar
encontro comigo mesmo!
Se o meu tempo está marcado
e da saudade eu disponho,
invento alguém ao meu lado,
cerro meus olhos e sonho...
Sem jamais fazer menção
ao destino que a conduz,
a raiz, na escuridão,
mantém os ramos na luz!...
Somente tristes lembranças
vão comigo pela estrada...
Eu, que plantei esperanças,
colho derrotas... mais nada...
Tarde demais... e as lembranças
vão comigo pela estrada...
eu que plantei esperanças
vivo de sonhos... mais nada...
Senhor, escuta os cicios
dos excluídos, sem teto...
Troca seus ninhos vazios
por ninhos cheios de afeto!
Tanta ternura mostrando,
teus olhos – juro por Deus –
são mil promessas bailando
que persiste entre nós dois,
dá mais vida à nossa vida
e mais crença no “depois” ...
O poeta em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
nos devaneios da vida
vai muito além do horizonte...
O amanhã, que importa agora?
Que nos importa o depois?...
Vamos viver, vida afora,
o imenso amor de nós dois!...
na valsa do nosso adeus...
EU não entendo, Senhor,
a diferença das ruas:
- Umas, repletas de amor,..
outras, de amor, sempre nuas.
Teu poder de sedução.
e a magia dos teus braços,
levam minha solidão
a percorrer os teus passos ...
Não quero o poder que esmaga
o sonho com seu furor..
Eu quero o poder que afaga
nossos momentos de amor ...
Do poder tens o infinito,
à fortuna tens direito,
mas não sufoques o grito
do amor que vive em teu peito...
Enquanto a noite vagueia
pela minha solidão,
a distância mais ateia
o fogo desta paixão...
Esta carta que ora mando
a você, com muita ânsia.
é a saudade soluçando
sobre os trilhos da distância
Liberta este amor profundo
dos grilhões dos teus desertos,
que o maior Homem do mundo
morreu de braços abertos.
Esta pergunta te faço,
10
Delegado, além de poeta/trovador, Milton Loureiro é
presidente da UBT, seção de Niterói, há mais de
trinta anos, pela qual promove um dos mais
tradicionais Jogos Florais do gênero no país. Essa
realização anual reúne em torno de uma centena de
amantes do gênero, além de inúmeras autoridades.
Edita um livro de resultados, em riquíssima
impressão, com cerca de 60 páginas que, além dos
trabalhos premiados, entre diversas matérias
ilustrativas traz, aos trovadores, os "Lembretes e
Recomendações do Presidente Nacional da UBT",
cujo primeiro item dá o seguinte alerta: "Não envie a
mesma trova para mais de um concurso".
meu coração sonhador:
- se possuis tão pouco espaço,
como guardas tanto amor?...
Uma verdade patente,
que não tem contestação:
abrir ESCOLA é semente
que fecha muita prisão.
Apesar dos solavancos
em minha vida sem cor,
adornei, com lírios brancos,
nossos segundos de amor...
De tanto sofrer na vida,
eu peço a Deus, sem revolta:
- Abra as porteiras da ida,
feche as porteiras da volta!...
Títulos:
- Cidadão Cantagalense,
- Cidadão Niteroiense,
- Cidadão Gonçalense,
- Cidadão Benemérito do Rio de Janeiro;
Eu não sei, meu Deus, por que,
tendo a vida em desalinho,
encontro sempre você
ao longo do meu caminho.
Membro:
- Academia Brasileira da Trova;
- Academia Niteroiense de Letras e Artes, e
- Academia Ateneu Angrense de Letras e Artes.
Neste mundo passageiro,
a vida, que vai fluindo,
é um intervalo ligeiro,
dois silêncios dividindo...
Autor dos livros:
“Sonetos de Outono”
“Dos Sonhos Brotaram Versos” e
“Varanda dos Sonhos”
Milton Nunes Loureiro (1925- 2011)
Milton Nunes Loureiro nasceu em CamposRJ, a 09 de junho de 1925.
Radialista, jornalista, apresentador de
programas de TV, Escrivão de Polícia, Advogado,
Fontes:
Falando de Trova
Silvia Araujo Motta
Francisco José Pereira
A Velha Senhora e seus Cachorros
A velha senhora vivia só, preferira assim.
Quando ficou viúva, suas duas filhas propuseram
levá-la. Ela não quis. - Assim sozinha e tão longe,
mamãe - ponderaram, inutilmente.
Embora não fosse necessário, e tampouco elas
houvesses pedido, a velha senhora justificou-se.
Alegou razões conhecidas, atribuindo-lhes caráter
de irreversibilidade. Assim, as filhas poderiam sentirse consoladas ou redimidas. Disse-lhes:
- Casei aqui, nesta casa que ele mesmo construiu.
Vocês nasceram aqui, viveram aqui e também
casaram aqui. Ele morreu aqui. E eu vou morrer
aqui.
11
- Ô mãe, que bobagem, - em uníssono. Sem que
pudessem dissimular um certo tom de conforto.
também de pequena horta, com o mesmo desvelo
dele, e preparava sem prazer o parco almoço.
Uma eternidade parecia separá-la das meiguices de
suas meninas. Elas cresceram e foram perdendo
aquela ternura. Ele acompanhara esse lento e
natural distanciamento delas, e lamentava. Ela
também acompanhara, mas sem lamentar. Afinal a
vida é mesmo assim, fora assim também com ela,
bifurcando-se igualmente lenta e definitiva. Elas
casaram e procriaram com genros chatos. Ele os
estima, ela não - e com razão. Por onde, afinal,
andavam durante o calvário da penosa enfermidade
que terminou por matá-lo? Só ela, solitária, estivera
ali, na hora de fechar-lhe os olhos. Depois vestiram
lutos, todos. Os netinhos inclusive, com tarjeta preta
na manga da camisa curta. Coitados, três pequenos
idiotas.
Nas tardes longas e ociosas, senta-se no degrau
mais alto da escada lateral, que dá acesso à sala,
toma Zimbo no colo, com o Xapado sentado no
degrau abaixo, e os faz confidentes de infindáveis
revelações de seu tempo de menina, de sua
adolescência, e sobretudo de sua vida feliz junto a
ele.
As filhas a visitavam com alguma frequência e
traziam os netos que cresciam sem que ela se desse
conta. E tampouco se deu conta de como as visitas
das filhas, com o tempo, se tornaram cada vez
menos frequentes e, agora, já muito raras. Raras
mesmo.
Mas havia seus cachorros.
Ela sempre os tivera, dividindo com ele um igual
carinho pelos bichos. Foram vários. Agora restavam
apenas esses dois, que haviam chorado com ela a
morte dele: o mais velho, Zimbo, tão velho quanto
ela - exagerava, obviamente- e o Xapado, que
chegou bem depois, à época em que surgira a
enfermidade dele, e fora ele quem o trouxera e lhe
dera o nome.
A velha senhora passava parte dos dias falando com
seus cachorros. Não só porque carecesse de gente
com quem falar - o que era um fato - mas porque
eles a entendiam e compartilhavam seus pesares e
sua solidão.
Há muitos séculos, aliás, que humanos e cães
partilham seus alimentos, suas moradais e suas
vidas. Neste planeta fortuito,entre outras formas de
vida que nos circundam,nenhuma - exceto o cão tem feito aliança conosco.
Após o café matinal, a velha senhora seguia sua
antiga rotina de afazeres domésticos que, há muito
sozinha, já se reduzido a quase nada. Ocupava-se
Nessas ocasiões, como acontece também com a
gente, Zimbo se deixa envolver pelo hipnótico som
da velha senhora, cochila e dorme. Desperta
minutos depois, apruma-se com olhos de espanto,
sacode repentinamente a cabeça num eficaz esforço
para afastar o sono, e não cochila mais. Xapado,
este sempre desligado, logo estendia suas pernas
traseiras e dormia a sono solto.
Vencidas as longas tardes, segue-se repetitivo ritual.
A velha senhora se levanta, beija Zimbo, acaricia
Xapado e os afugenta com delicadeza para os
fundos do quintal. Ambos obedecem, caminhando a
passos lentos e em silêncio, com as compridas e
úmidas línguas lambendo seus gelados focinhos um antigo e atávico cacoete.
Há dias em que Zimbo sente vontade de alertar
Xapado para a recente tristeza da velha senhora.
Esta tristeza, preocupava Zimbo, não era como as
outras tristezas, tão antigas e conhecidas desde a
morte dele. Essa nova tristeza era uma tristeza que
lhe reduzia o cheiro. E isso, Zimbo sabia, não era
boa coisa. Mas não dissera nada ao Xapado, porque
este - desde pequeno - se revelara um cachorro
retardado ou de poucos ouvidos.
Em verdade, essa tristeza que preocupava Zimbo
tomara forma quando a velha senhora, há algum
tempo já, percebera, acabrunhada, uma insuportável
fadiga que - ela se convencera - iria prostrá-la
definitivamente. E, desde então, um sentimento de
que sua vida se tornara inútil instalara-se
dolorosamente em seu coração. Após anos de
tantas ausências a velha senhora finalmente
sucumbia à sua imensa solidão.
Suas pernas já nem sempre lhe obedeciam,
seguindo, cansadas, direção que ela não pretendia.
Os pulmões respirando menos ajudavam menos,
quando as pernas cansavam. A cabeça insistia em
12
se esquecer, só tendo lembranças muito antigas.
Espantou-se, por fim, quando a cabeça embaralhou
dia e mês da morte dele. E, então, se horrorizou no
limite do desespero, temendo que viesse a
esquecer-se de si mesma. Foi quando decidiu não
esperar mais pela morte que se tardava tanto, e
começou a organizar sua morte com pungentes
cuidados.
Utilizaria o veneno que ele trouxera para ser usado
quando o suplício da dor lhe fosse insuportável.
Tinha efeitos semelhantes ao arsênico, dissera, e a
ensinou como preparar a dose que ela deveria servir
a ele. O suplício dele se estendeu e a dor o matava
lentamente, mas ela não teve coragem. Ele morreu,
já sem dor, agradecendo o gesto dela.
Pensou, sem mágoas, em suas filhas que não
apareciam. E resolveu, aflita, não abandonar os
cachorros, temendo que eles fossem recolhidos por
mãos malvadas. Havia suficiente veneno para os
três.
Na véspera, à noite, ela preparou meticulosamente e
com estranha frieza - da qual, aliás, já não tinha
consciência - doses adequadas de veneno. Não
havia nela qualquer outra emoção, senão a de
concluir, com isenção, esses ritos finais.
Desde o quintal, chegavam uivos que - também à
véspera - haviam anunciado a morte dele. Como
soubera Zimbo? E como soube agora, se ela apenas
pensara sozinha? E tem gente que não crê na
percepção sensorial dos cachorros! - exclamou
baixinho. Ou, quem sabe, é a morte que lhes avisa?
- indagou-se ainda, já muito abalada. E dormiu tarde.
Despertou cedo. Com o café, comeu mais torradas
do que normalmente comia, pois com o estômago
vazio - acreditava assim - a dor do veneno seria
maior. Tomaria cuidados iguais com os cachorros.
No quintal, Zimbo se movia em pequenos círculos
sem parar, num verdadeiro desassossego. Xapado,
distante dele, arrastava as patas na vegetação rala,
buscando, paciente, algo que só ele aparentemente
sabia.
Serviu-lhes a ração, como fazia a cada manhã;
desta vez, porém, em quantidade excessiva. Zimbo
comeu lenta e passivamente, como se já houvesse
esquecido seus premonitórios uivos. Xapado, como
sempre, digeriu vorazmente sua ração.
Após, como também era costume, estendeu-lhes as
pequenas tinas com água - agora com o veneno
dissolvido em ambas. Zimbo fixou seus olhos
remelentos nos olhos exauridos da velha senhra,
lambeu-lhe os pés, que já haviam perdido o antigo
cheiro, bebeu a água envenenada de sua tina, e
toda a água da tina do Xapado - antes que este a
bebesse.
A velha senhora perturbou-se e, sem ânimo para
entender o incidente, voltou à cozinha, encheu a tina
de água com nova dose de veneno e depositou-a na
frente de Xapado, que se deteve confuso. Zimbo,
com seus movimentos já muito afetados pela ação
do veneno que agia rápido, ainda teve forças para
impulsionar as patas dianteiras e derramar,
novamente, a água da tina do Xapado.
Só então a velha senhroa percebeu nos olhos
moribundos de Zimbo sua derradeira súplica pela
vida de Xapado. Não teve tempo sequer de afagá-lo,
Zimbo não se movia mais.
Com a alma esvaindo-se, a velha senhora retornou a
casa. Esqueceu-se de fechar a porta e de se banhar,
como pretendera. Sentiu-se aliviada, enquanto
sorvia o veneno no copo, escutando, lá fora, latidos
alegres do Xapado provocados pelo prazer da
barriga cheia.
Fonte:
PEREIRA, Francisco José. Contos Completos. Florianópolis:
Garapuvu,
2006.
Disponível
em
http://grandesautorescatarinas.blogspot.com/
13
Pedro Du Bois
Poemas Inéditos
FINAL
No final do dia
aproximado ao cansaço
trazido dos ofícios
não estou
presente. Ausentado ao tempo
não traduzido, esmaecido
nos alvoreceres da noite
amanhecido em finais
de tardes recompostas
minha ausência despercebida
em minúcias: a estrada
bloqueando a entrada.
TRANSFORMAR
Sobre o despovoado: tapera
(rancho espalhado
ao mar, barco
encalhado em areias
límpidas, peixe
saciado em vontades)
e do início sentimos
o ordenar das coisas;
ao primeiro soprar da vela
em chama, minha senhora,
o despertar do monstro
se apresenta: assim a espera
e a entrega.
CONSTRUIR
O telhado impede
a natureza
o piso
concede aos pés
a maciez
as portas, bifurcações
do acaso: entrar
sair
ficar na soleira
voltado ao tempo
original da hora
janelas permitem observar
a rua pelo lado de fora.
REINSTALAR
sobre a beleza
paira: Itapema
(rancho desconsiderado
em altos prédios, carro
congestionando ruas,
peixe desesperado
em águas impuras).
ESTAR
Não estamos, minha senhora,
à espera do despropositado;
as vírgulas assinalam distanciamento;
estamos, minha senhora, a praticar atos
necessários no encaminhamento
da história aos primórdios: cada fato
se reporta em cadeia
ao fato inicial; minha senhora,
o esforço finda o caminhar
Reinstalo a vida
e a remeto ao final:
o mágico e o profeta
duelam crenças
a carta marcada
indica a morte
reinventada: vida
na sucessão
da hora
induzida
ao desconhecimento
a vida se distancia
no espaço em acreditar
e descobrir do truque
a artimanha: desvanecer
em barulhos diários de antigas
reconstruções.
14
ESQUECER
Inolvidável: a lembrança se aventura
em paralisações faciais
o medo
transparece
o suor
do corpo
em cabelos ralos
em cabelos brancos
em olhos ansiosos
com que procuro
na memória o inolvidável
fazer de conta.
Fonte:
O Autor
sou o mesmo
Afrânio Peixoto
Haicais
Arte de Resumir
Perfume Silvestre
O ipê florido,
Perdendo todas as folhas,
Fez-se uma flor só.
As coisas humildes
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...
Crítica à Criação
[Pétala caída]
O boi come a grama
E nós o boi. Deus não teve
Imaginação.
Pétala caída
Que torna de novo ao ramo:
Uma borboleta!
Disparidade
[Na alcova desfeita]
Derrete-se o gelo.
Porém se resfria a água:
Ela fria, eu ardo...
Na alcova desfeita,
Onde não há mais ninguém,
Uma flor caída...
Herança
[Na poça de Lama]
Ele pó, modesto,
Ela neve, pura: deram
Um pouco de lama.
Na poça de lama
como no divino céu,
Também passa a lua
Fonte:
PEIXOTO, Afrânio. Miçangas: poesia e folclore. São Paulo: Ed.
Nacional, 1931
15
Afrânio Peixoto
Barro Branco
Os dias passavam no Barro Branco numa
sucessão rápida e descuidada, ao passo que se
operava a conformação necessária do tempo e que
as distrações incessantes do campo tomavam a
atenção de Paulo. E percebendo que lhe voltava a
serenidade e a paz, mais se absorvia nas diversões
simples da vida da roça, que o tinham valido. Ele,
que sempre fora um desatento à natureza, nessa
inconsciência espantada das crianças inteligentes
que vêem e ouvem, mas sentem apenas
exteriormente a representação da própria
curiosidade e imaginação, era agora quase um
epicurista sutil, a retirar de cada aspecto da natureza
- pedra, águas, árvore, ninhos, casa rústica, ou
paisagem - uma multidão de observações felizes,
logo da primeira impressão transformadas em
imagens tumultuosas... Constante nesse vezo
irreprimível de trocar a percepção das coisas
sentidas em representação adequada ou fantasiosa,
comparava-se, e aos artistas, a moedeiros
obcecados que onde encontrem uma cintilação de
ouro, no minério, na escória, na pepita, são levados
a cunhar a medalha nítida e perfeita que lhe dará o
circular e viver para o gozo humano. Muitas vezes,
saindo para o campo, armado de espingarda e de
petrechos de caça, e volvendo sem ter dado um tiro,
nem se lembrando, mesmo ao acaso, de acordar um
eco na floresta, ele se dizia pago dessas horas de
excursão, enlameado embora, ou arranhado de
espinhos,
pois
caçara
imagens,
vendo,
contemplando, divagando...
cabras a ordenhar, o banho frio nos riachos de vale
embrumado, o café ou primeiro almoço farto de
guloseimas da roça, a partida para a lavoura, a
malhada, a caça, ou a feira, as sestas lânguidas e
bocejantes dos meios-dias encalmados, a volta
fatigada e contente nas tardes suaves e tristes, a
ouvir a melancolia do aboio e acompanhar o
esmorecimento lento do crepúsculo: tudo ele
soubera reviver com volúpia demorada de
lembrança e um gozo constante na presença.
Nesses meses procurara reviver todas as alegrias e
tristezas da vida do campo; recapitulara numa
inteligência afetiva e numa compassividade tranqüila
todos os mistérios que encantaram ou assustaram
seu coração de menino. Em volta da fazenda não
ficaram córregos e valados, cachoeiras ou
boqueirões, rechãs ou espigões de serra, sem a sua
visita amável e melancólica, agora que, se não tinha
mais o espanto dos olhos da infância, sentia a
saudade das emoções que outrora lhe causaram.
Em casa não perdera nenhuma dessa visões
singelas e quase rituais da vida sertaneja. A
diligência afanada das manhãs, pelas vacas e
Outras vezes, ficava a ouvir as proezas de caça e de
vaquejadas, transes arriscados e artimanhas sutis
contra feras e bois bravos, misturados por caçadores
e vaqueiros aos entretenimentos práticos da vida,
quando a chama da fogueira os reunia no prazer de
uma fumaça e no maior de despertar a curiosidade,
e dar um interesse. Já lhes aprendera a gíria difícil e
expressiva e não encontrava mistério quando ouvia
ao Sérgio contar que dera na malhada grande com
uma novilha bargada, ponta baixa, com uma estrela
na testa, bico de renda e buraco de bala na orelha
direita, forquilha e entalhada por cima na outra
orelha... ou riscar com a ponta de um garrancho, no
Depois da dispersão curiosa e ativa em busca da
natureza, a concentração íntima no convívio dos
homens. Coisas e gentes do sertão, como lhe
aparecíeis, na mesma simplicidade forte, na mesma
ingênua poesia! A noite era sempre docemente
ocupada no Barro Branco. Lia na varanda para o
Ângelo, o Sérgio e algum adventício, a história de
Carlos Magno e dos Doze Pares de França,
comovendo-se com eles por bravuras e façanhas,
desacreditadas
hoje,
mas
eternamente
interessantes, enquanto os homens forem rústicos e
simples ou se lembrarem que a humanidade teve
uma infância e eles foram meninos. Em torno da
mesa familiar e à luz de uma lâmpada de petróleo,
enquanto os homens fumavam e Luisinha cosia,
repetira longos romances de Dumas pai, com as
suas peripécias, façanhas, ardis, sacrifícios,
desprendimentos, sempre animado e feliz, porque
ter curiosidade e satisfazê-la foi sempre desejo e
contento humano.
16
chão frouxo, o ferro da pá esquerda, uma flor com
um monograma incluso: era a marca do Zé Lopes,
do Encravado. E as histórias de Trancoso, façanhas,
guerrilhas, tretas, esconjuros, assombramentos,
notícias de casos rústicos e comuns pareciam-lhe
mais divertidos e sadios que as literaturas perversas,
indecorosas, as vaidades imbecis e os jornais
interesseiros, que alimentam a curiosidade
intelectual dos civilizados...
Protegido pela sombra na janela aberta, enquanto o
luar escorria sobre a parede do oitão como uma
gaze doirada que lhe velasse poeticamente a
construção grosseira, passara serões ouvindo a
velha ti’Ana contar histórias aos meninos... histórias
que ele aprendera com terror ou curiosidade, que o
fizeram rir e às vezes chorar, e muitas vezes
recolher-se no sono para sonhar e sofrer com elas,
nas indiscrições dos que não se contêm, mesmo
dormindo. Eram fadas amáveis, príncipes perfeitos,
animais falantes. Nossa Senhora disfarçada,
mendigos que eram Nosso Senhor, pequenos heróis
humildes, donzelas desvalidas e de destino
magnífico, maldades castigadas, prêmio de esforço
e da sagacidade... todas começadas pelo constante
Era uma vez ou Foi um dia... e terminadas sempre
por um vasto bródio ou grande comezaina, onde
houvera doces e guloseimas, a que assistira sempre
a contadora do caso e de que trouxera uma amostra,
mas que no caminho se desviara e perdera ou fora
comida por Sancho ou Martinho, que por isso
ficaram barrigudos ou calvos... A pequenada ria do
cômico dessa malvadez, quando a última frase
aparecia: entrou por uma porta, saiu por outra, rei
meu senhor que me conte outra... As vozes débeis e
a curiosidade incansada queriam mais, e pediam...
Conte outra... aquela do gato do botas... Não, a da
moura torta...
E assistia de novo, ou os evocava a todos os brincos
infantis, as piculas, as bocas de forno, a senhora
Dona Sancha, o esquenta-sol, a cabra-cega, o anelanda-na-roda... e cânticos... e descantes de
cantadores... e sambas... e batizados e casamentos
rústicos... e até os seus primeiros enleios de
primavera... o seu violão... a sombra confidente da
velha cajazeira... seu sacrifício e sua renúncia...
meninice encantada que passara e que revivia na
contemplação de outras felizes e que iam passar
também, mas cuja saudade doce e carinhosa lhe
espraiava uma umidade quente nos olhos e lhe
descompassava um apressado bater de coração...
Esquecera o Amparo e o Rio... finalmente. Os
jornais que Pedro lhe enviava ficavam atados aos
maços, até que Luísa os consumia para moldes de
vestidos ou para aproveitar o folhetim... No Rio
talvez o esquecessem ou não queriam lembrar-se
dele. Teve, pois, uma surpresa, entre mágoa e
contentamento, no dia em que recebeu, tanto tempo
depois, uma carta sumária do velho Lisboa, pedindolhe notícias. Quando voltaria aos seus trabalhos?
Estava o Prometeu à espera da liberdade, que lhe
cumpria dar. Fosse pensando em volver. E
terminava com uma palavra afetuosa de saudade...
A princípio pensou com tristeza e quase protesto: irse já, tão cedo? Mas, desde esse dia, sem o querer,
começou a cuidar em tornar ao Rio... Era tempo de
recomeçar e de refazer a sua vida... Trepar pela
montanha abrupta da existência, aprumado, tenaz e
vitorioso, como as árvores das vertentes
montanhosas... Fazer a sua sorte como o Zé
Lopes... E uma grande esperança, toda de desejos
novos, entrou a viver nele...
Um dia, calculada a época dos vapores do Amparo,
avisou em casa que partiria. Foi uma grande pena
silenciosa em sua família rústica... Olhavam-no com
tristeza, sem ânimo de se opor, mesmo num pedido,
mas numa quase exprobração de os deixar assim,
tão cedo, depois que lhes comunicara o gosto de o
amarem na sua simplicidade afetuosa e na sua
bondade deligente... Várias vezes pegara Luisinha
olhando-o de longe, com olhos compridos, cheios
dele e de tristeza. Ela os desviava, quando
apanhada, afastando-se e encobrindo o seu enleio
num sorriso descorado. Ele mesmo andava tristonho
e fechado, depois de tomada sua resolução;
custava-lhe despegar-se das coisas e dos lugares,
das gentes e das lembranças que tanto lhe valeram
em sua aflição... possuído de um grande
reconhecimento por essa bondade simples, por essa
ternura esparsa em que sarara os males passados e
cobrara energias sãs para tornar a viver.
Fonte:
PEIXOTO, Afrânio. A esfinge, 3a parte, capítulo VIII. Clube do Livro.
AFRÂNIO PEIXOTO (1876 – 1947)
Júlio Afrânio Peixoto, médico legista, político,
professor, crítico, ensaísta, romancista, historiador
literário, nasceu em Lençóis, nas Lavras
Diamantinas, BA, em 17 de dezembro de 1876, e
faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de janeiro de
1947.
17
Foram seus pais o capitão Francisco Afrânio
Peixoto e Virgínia de Morais Peixoto. O pai,
comerciante e homem de boa cultura, transmitiu ao
filho os conhecimentos que auferiu ao longo de sua
vida de autodidata.
Criado no interior da Bahia, cujos cenários
constituem a situação de muitos dos seus romances,
sua formação intelectual se fez em Salvador, onde
se diplomou em Medicina, em 1897, como aluno
laureado.
Sua tese inaugural, Epilepsia e crime,
despertou grande interesse nos meios científicos do
país e do exterior.
Em 1902, a chamado de Juliano Moreira,
mudou-se para o Rio, onde foi inspetor de Saúde
Pública (1902) e Diretor do Hospital Nacional de
Alienados (1904).
Após concurso, foi nomeado professor de
Medicina Legal da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro (1907) e assumiu os cargos de
• professor extraordinário da Faculdade de
Medicina (1911);
• diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro
(1915);
• diretor da Instrução Pública do Distrito Federal
(1916);
• deputado federal pela Bahia (1924-1930);
• professor de História da Educação do Instituto
de Educação do Rio de Janeiro (1932).
• Reitor da Universidade do Distrito Federal, em
1935.
Após 40 anos de relevantes serviços à
formação das novas gerações de seu país,
aposentou-se.
A sua estréia na literatura se deu dentro da
atmosfera do simbolismo, com a publicação, em
1900, do drama Rosa mística, curioso e original
drama em cinco atos, luxuosamente impresso em
Leipzig, com uma cor para cada ato.
O próprio autor renegou essa obra,
anotando, no exemplar existente na Biblioteca da
Academia, a observação: “incorrigível. Só o fogo.”
Entre 1904 e 1906 viajou por vários países
da Europa, com o propósito de ali aperfeiçoar seus
conhecimentos no campo de sua especialidade,
aliando também a curiosidade de arte e turismo ao
interesse do estudo. Nessa primeira viagem à
Europa travou conhecimento, a bordo, com a família
de Alberto de Faria, futuro acadêmico, da qual viria a
fazer parte, sete anos depois, ao casar-se com
Francisca de Faria Peixoto. Quando da morte de
Euclides da Cunha (1909), foi Afrânio Peixoto quem
fez o laudo de autópsia.
Ao ir ao Rio, seu pensamento era de apenas
ser médico, tanto que deixara de incursionar pela
literatura após a publicação de Rosa mística. Sua
obra médico-legal-científica avolumava-se.
O romance foi uma implicação a que o autor
foi levado em decorrência de sua eleição para a
Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito
à revelia, quando se achava no Egito, em sua
segunda viagem ao exterior.
Começou a escrever o romance “A Esfinge”,
o que fez em três meses antes da posse em 14 de
agosto de 1911. O Egito inspirou-lhe o título e a
trama novelesca, o eterno conflito entre o homem e
a mulher que se querem, transposto para o ambiente
requintado da sociedade carioca, com o então
tradicional veraneio em Petrópolis, as conversas do
mundanismo, versando sobre política, negócios da
Bolsa, assuntos literários e artísticos, viagens ao
exterior. Em certo momento, no capítulo “O Barro
Branco”, conduz o personagem principal, Paulo, a
uma cidade do interior, em visita a familiares ali
residentes. Demonstra-nos Afrânio, nessa páginas,
os aspectos da força telúrica com que impregnou a
sua obra novelesca.
O romance, publicado em 1911, obteve um
sucesso incomum e colocou seu autor em posto de
destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Na
trilogia de romances regionalistas Maria Bonita
(1914) Fruta do mato (1920) e Bugrinha (1922).
Entre os romances urbanos escreveu “As razões do
coração” (1925), “Uma mulher como as outras”
(1928) e “Sinhazinha”(1929).
Dotado de personalidade fascinante,
irradiante, animadora, além de ser um grande
causeur e um primoroso conferencista, conquistava
pessoas e auditórios pela palavra inteligente e
encantadora. Como sucesso de crítica e prestígio
popular, poucos escritores se igualaram na época a
Afrânio Peixoto.
Na Academia, teve também intensa
atividade. Pertenceu à
• Comissão de Redação da Revista (19111920);
• Comissão de Bibliografia (1918) e
• Comissão de Lexicografia (1920 e 1922).
Presidente da Casa de Machado de Assis
em 1923, promoveu, junto ao embaixador da França,
Alexandre Conty, a doação pelo governo francês do
palácio Petit Trianon, construído para a Exposição
18
da França no Centenário da Independência do
Brasil.
Em 1923 criou a Biblioteca de Cultura
Nacional dividida em : História, Literatura, Dispersos
e Bio-bibliografia, iniciando esta série com a
biografia de Castro Alves. Em sua homenagem a
coleção passou a ter o nome de Coleção Afrânio
Peixoto.
Como ensaísta escreveu importantes
estudos sobre Camões, Castro Alves e Euclides da
Cunha.
Em 1941 visitou a terra natal, Bahia, depois
de 30 anos de ausência e publicou 2 livros:
“Breviário da Bahia” (1945) e “Livro de Horas”
(1947).
Afrânio Peixoto procurou resumir sua
biografia o seu intenso labor intelectual exercido na
cátedra e nas centenas de obras que publicou em
dois versos: “Estudou e escreveu, nada mais lhe
aconteceu.”
Era membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, da Academia das Ciências de
Lisboa; da Academia Nacional de Medicina Legal, do
Instituto de Medicina de Madri e de outras
instituições.
Na Academia Brasileira de Letras era
ocupante da Cadeira 7, eleito em 7 de maio de 1910,
na sucessão de Euclides da Cunha.
Principais obras:
• Rosa mística, drama (1900);
• Lufada sinistra, novela (1900);
• A esfinge, romance (1911);
• Maria Bonita, romance (1914);
• Minha terra e minha gente, história (1915);
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Poeira da estrada, crítica (1918);
Trovas brasileiras (1919);
Parábolas (1920);
José Bonifácio, o velho e o moço, biografia
(1920);
Fruta do mato, romance (1920);
Castro Alves, o poeta e o poema (1922);
Bugrinha, romance (1922);
Ensinar e ensinar (1923);
Dicionário dos Lusíadas, filologia (1924);
Camões e o Brasil, crítica (1926);
Dinamene (1925);
Arte poética, ensaio (1925);
As razões do coração, romance (1925);
Uma mulher como as outras, romance (1928);
Sinhazinha (1929);
Miçangas (1931);
Viagem Sentimental (1931);
História da literatura brasileira (1931);
Castro Alves - ensaio biobibliográfico (1931);
Panorama da literatura brasileira (1940);
Pepitas, ensaio (1942);
Amor sagrado e amor profano (1942);
Despedida (1942);
Obras completas (1942);
Indes (1944);É (1944);
Breviário da Bahia (1945);
Livro de horas (1947);
Obras literárias, ed. Jackson, 25 vols. (1944);
Romances completos (1962);
Trovas brasileiras (s.d.);
Autos (s.d.).
Fonte:
Academia Brasileira de Letras
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 84
Trova do Dia
Trova Potiguar
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
A. A. DE ASSIS/PR
A bondade não tem dono,
nem mesmo pátria ela tem,
mas, sem cansaço e sem sono,
aonde vai leva o bem.
ASCENDINO DE ALMEIDA/RN
19
Uma Trova Premiada
Estrofe do Dia
2003 > Niterói/RJ
Tema > RAZÃO > Vencedores
A razão perde o juízo,
ganha um ar de pequenez,
quando troca o NÃO preciso
pelas sombras do TALVEZ!!!
Eduardo A. O. Toledo/MG
Uma Poesia
– Antonio Roberto Fernandes/RJ –
SAUDADE...
...Quem diz que a saudade é roxa,
quem diz que a saudade é triste
e quem diz que não existe
quem a possa definir,
não sabe o que é saudade.
Saudade é mais do que isso.
Saudade é como um feitiço,
Saudade é falta de ti...
Uma Trova de Ademar
Quer saber por onde anda
a saudade adormecida?
Procure em sua varanda,
naquela rede estendida...
ADEMAR MACEDO/RN
...E Suas Trovas Ficaram
Na minha infância passada,
já distante, ainda se vê,
um circo... e na arquibancada,
eu... a saudade... e você...
ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE
É preciso acreditar
nunca, jamais desistir...
Percorrer longos caminhos
vivenciar, resistir...
Seguir sempre a boa luz,
quem acredita em Jesus
ganha força para agir!
DJALMA MOTA/RN
Soneto do Dia
– Amilton Maciel Monteiro/SP –
MISTÉRIO
A nossa vida em si já é um bom mistério...
Mas até onde meu juízo alcança,
Eu vejo que o sofrer, se é muito sério,
Aumenta sempre em nós a esperança!
Foi Deus que quis assim; não sem critério,
Mas só visando a nossa segurança...
Porque o Criador, mais que cautério,
Aspira a nossa bem-aventurança!
A dor tem sempre a sua utilidade,
Quer para alertar de um mal maior,
Ou tendo em vista a nossa santidade.
Por certo o sofrimento foi criado
Só pra que a gente possa ser melhor
E chegue, assim, ao céu, tão almejado!
Fonte:
Ademar Macedo
Silmar Bohrer
Poesias
(OUTROS) VERSOS MARINHOS
Estes ventos friozinhos
que gemem ali nos beirais
são coitados, coitadinhos
dos diabinhos hibernais.
Em lentárgica agonia
20
pela intempérie urdidas
andam gaivotas perdidas
nestas tardes de invernia.
onde muitos vivem com a incerteza
de horas felizes e sem desenganos,
embora encontrem neles sua defesa,
Tem tido sido inesgotável
essa fonte dos meus versos,
são petitas dos universos
e u'a companhia saudável.
Em nosso mundo nocivo que molesta
os corações humanos com embaraços
estóicos aos anelos em cada gesta,
Devia ser cá na praia
perante o meu céu anil,
receber a trova sete mil
louvando a essência gaia.
Eu quero ser mesmo um prisioneiro
que goza na peia dos teus abraços
as delícias do nosso amor fagueiro.
CANTILENAS
Ventos, oh dóceis ventinhos,
ventilai o meu pensar,
céus, oh céus azuladinhos,
inspirai meu versejar.
Na rude sina de escrever
não tenho o brilho de versejar,
sem o estro como me atrever
a alguma rima iluminar.
E converso com as musas
varando as madrugadas,
rimas tantas, profusas,
rimas tantas, orvalhadas.
Lendo Confúcio e os sonetos
de Bilac reverberando,
nos parnasianos, nos analetos
a rabiscar vou bem lutando.
Anda uma paz de éden
cá na beira dos meus mares,
e os ventos, bons ventares
em sonares se medem.
São cantigas mãos-atadas,
sem vigor e sem brilho, dezenas
de estrofes versalhadas,
Uma trova varonil
se não fosse singular,
é que estou a registrar
a filhotinha sete mil.
São carmes sem nenhum matiz,
tantos versos cantilenas
e garatujas do bardo aprendiz.
RIQUEZAS
Caem as noites cá na praia,
sopram ventos desgarrados,
anoiteceres alumiados,
tanta estrela na tocaia.
Tirem-me tudo na vida,
mesmo os brilhantes ouropéis,
mas me deixem na guarida
da caneta e dos papéis.
Ando ao sabor dos ventinhos
pelo látego dos mares
e vejo tantos avatares
por estes velhos caminhos.
Companhias singulares
que trago na algibeira,
repositório dos pensares
que revolvo a vida inteira.
PRISIONEIRO
E assim neste mundo material
vou cultivando perenidades
que fazem bem ao meu astral,
Em nosso mundo cheio de aguilhões
onde os seres aspiram a liberdade,
e com toda força em seus corações
lutam por ela, lutam com ansiedade,
Em nosso mundo eivado de reclamos
Quais delícias inefáveis
os meus versos raridades
são riquezas inalienáveis.
21
MENSAGEM
Meus olhos leram no seu doce olhar
a mensagem sublime do nosso porvir,
e embevecido, sem poder falar,
Amados versos que faço nesta hora
todo satisfeito a relembrar o dia
que encarnei no íntimo essa magia
e o sentimento que me ocupa agora.
Imerso na candura do seu esplendor,
abri o véu da alvorada e vi surgir
a manhã radiosa do nosso amor.
-----
Não esqueço do seu gracioso olhar
eivando o amor a nossas primícias,
a voz ternura e as maçãs puníceas
são detalhes que não pude olvidar.
Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/sonetos/2026220
Nilto Maciel
A Poética de Linhares
Filho
Sou contemporâneo de Linhares Filho. Quase da
idade dele. Um pouco mais novo. Em poesia,
estreou em 1968, com Sumos do tempo. Ano de
terríveis confrontos sociais no Brasil e no mundo,
ano em que me vi no meio do turbilhão político. Por
isso, talvez, não pude acompanhar o nascimento
literário do poeta de Lavras da Mangabeira. Passada
a cólera, a ira, o tumulto, a agitação nas ruas
(seguiu-se a fase do silêncio ao ar livre e do gemido
nos cárceres), passados os devaneios juvenis, salvo
das garras das aves de rapina dos anticomunistas,
voltei-me para os livros. Linhares também deve ter
se recolhido naquele período, pois em sua biografia
há um hiato prolongado a separar o livro inicial do
segundo e do terceiro: A metáfora do mar no Dom
Casmurro (ensaio crítico) é de 1978, e Voz das
coisas, (poemas), do ano seguinte. É a partir desses
anos meu conhecimento dele. Ou de sua obra
literária.
Ganhei dele, agora, final de 2010, mais três
volumes: Com a palavra (palestras); 50 poemas
escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Edições Galo
Branco, 2008) e No limiar do inverno (Fortaleza:
Expressão Gráfica Editora, 2010), de poemas.
Poderia comentar toda a obra em verso de Linhares,
se não me faltassem a dedicação de leitor ou o
senso e a sabedoria de crítico. Direi, porém, duas ou
três palavras apenas a respeito de sua poética,
deixando para outrem o pesquisador da literatura, o
analista minucioso e atento de Machado, Pessoa,
Torga, Camões, Saramago, Drummond e outros.
A poesia de Linhares Filho tem roupagem
tradicional, sobretudo pelo uso frequente do verso
medido e rimado. Entretanto, vai além disso, com a
manipulação de múltiplos recursos formais: do
soneto ao verso livre e a poemas de variados feitios,
em versos decassilábicos ou de cinco, seis, sete e
oito sílabas. O apego à vestimenta da tradição o
livrou da aventura pela chamada poesia de
vanguarda, pelo antiverso, pelo poema visual e
outras modalidades de efêmera duração. Isto é,
consciente e conhecedor do fenômeno estético, tem
pleno domínio da técnica do verso. Sem se apegar,
com fanatismo, à métrica e à rima, faz uso também
do verso branco, como em “Das coisas”. Quanto à
rima, ele a pratica muito bem, em todas as suas
modalidades ou tipos: consoante, aguda, esdrúxula,
grave, etc.
Não bastasse isso, é conhecedor dos sortilégios da
linguagem, da densa elaboração da linguagem, da
melodia do verso, a exemplo dos bons cultores do
verso. Encontramos em seus poemas o “encanto
verbal” (Drummond) ou a “pureza vernácula”
(Iranildo Sampaio), tão afastados de uma infinidade
de escritores que estudam pouco, leem quase nada
e se acham gênios. Em Linhares a tal pureza
vernacular pode ser constatada com facilidade,
como quando pomos em linha reta, ou de prosa,
alguns versos: “Certo é que, sob o rescaldo da
fogueira antropofágica do teu povo caeté, já se
ateara teu desafio, e, da fornalha a vir, manarão as
22
larvas de um vulcão, fluindo sempre, em rio” (“A
Lêdo Ivo, ante Réquiem”).
A poesia de Linhares foi chamada por alguns críticos
de intimista. Pois o poeta não se deslumbra com o
circunstancial e o efêmero, embora não os deixe de
lado. Em seus livros há poemas de puro
descritivismo ou de saudação: “És, Cidade
Maravilhosa, / luz do Sudeste, glamourosa / fidalga”
(...). Ou “Cidade show, cidade shopping, / cidade
grávida, / devolves à Nação inteira” (“Ode à
Pauliceia”). Assim como há observações de fatos: O
terremoto do Haiti.
Como percebeu Adriano Espínola, outro poeta
admirável, Linhares Filho “encara com a maior
seriedade os graves problemas do homem, em
termos existenciais, sociais e metafísicos”. São
muitos os seus poemas em que se vê além da
matéria, como ser, como parte do Todo. E se
explica: “Por isso também canto salmos e hinos”. Ou
composições recheadas de religiosidade: “Ao
Espírito Paráclito”, “Ato de Humildade” (“Sei que,
apesar de tudo, / não sou maior em nada”), “Amor
Perene” (“Entre nós Deus habita, e por seu nome /
cumprimos nosso ideal de amor eterno”).
Como todo grande poeta, Linhares é bom filho e
sabe amar seus pais espirituais, os poetas que nos
antecederam aqui e alhures. Sua obra é plena de
“ressonâncias intertextuais”, de que fala José
Augusto Cardoso Bernardes. Não apenas nas
muitas homenagens a poetas cearenses e de outros
Estados (Anderson Braga Horta, Cassiano Ricardo,
Dias da Silva, Drummond, Dimas Macedo, Filgueiras
Lima, Lêdo Ivo, Machado de Assis, Manuel
Bandeira), mas aos estrangeiros de sua predileção,
como Camões (“E cada vez que nos sentimos
tristes, / ou do amor com enganos, desenganos, /
mais, ao lermos teus poemas, te sublimas!”),
Borges, Heidegger, Pessoa, Torga, presentes
também em epígrafes.
Como observou Sânzio de Azevedo, outro poeta e
crítico de reconhecido talento, o autor de Tempo de
colheita “é um desses artistas verdadeiros, um poeta
no sentido mais nobre do termo”. Isto é de fácil
comprovação, como no último verso do belíssimo
poema “A Machado de Assis, morto vivo”: “A Dor
dos que ainda ficam te saúda!”
Fonte:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2011/01/poetica-delinhares-filho-nilto-maciel.html
Linhares Filho
Poesias
A MINHA MÃE, HABITANTE DA MORTE
Tua branca rede já não se arma
para a sesta. Todavia guardo,
com o ranger longínquo dos armadores,
a placidez do teu sono
a entreter o meu sonho
No teu aposento, mansa e invisível, dorme uma ave.
À mesa posta, entre o apetite e a lembrança,
há uma cadeira sem dono.
Falta ao alimento o tempero
que de tuas mãos ninguém pôde aprender.
Mas junto a mim está um cântaro
que se encheu de lágrimas que libertam.
As dálias do jardim continuam a florescer,
cada ano, tão brancas, tão viçosas!
Contudo
parecem reclamar a sutileza
de um carinho que o meu sono não esquece...
Teus pincéis dormem
com a resignação de pincéis,
Minha alma imperfeita,
a despeito de teres sido
artista perfeita, pede, todo dia,
os últimos retoques.
Santa e elmo,
no navio em que eu encontrar borrasca,
os teus olhos serão santelmo...
No silêncio noturno não se ouvem mais
os passos cautelosos com que fechavas
a janela que dá para a rua,
no entanto percebo,
23
na lã escura da noite,
o abrigo do teu xale.
A MACHADO DE ASSIS, MORTO VIVO
De que maneira a fundo iremos conhecer-te,
se muita vez estás noutro lugar,
mil cabriolas a dar
com a manipulação freqüente de um falar
e dois entenderes?
O que propões, porém, vamos tateando,
e o teu pungente riso saboreando.
Algo fica, afinal, de tuas reticências –
mesmo sem se atingir total a tua essência
e não obstante a previsão de Cubas –,
também nas duas tais colunas da opinião,
não só numa terceira, a dos agudos,
e assim o teu discurso não é vão.
De além dos vermes que roeram
as tuas frias carnes
sem deixar boca para rir
nem olhos para chorar,
escuta-me com a alma que restou
do teu grande naufrágio
(longe do feroz ágio e do pedágio).
Aqui estou para dizer-te o quanto
ainda te ouvimos, lemos e te amamos.
Ensinaste-nos que há sempre
uma gota da baba de Caim,
tanto a vontade como a ação umedecendo
de indivíduos, de classes ou de tribos.
Que por batatas uns aos outros se consomem.
(Quantos, qual tu sem Deus, acham que a morte é o
fim!)
Joaquim Maria, as tuas esquivanças,
silêncios e trejeitos e artimanhas
deram-nos luz para a experiência do homem.
E, quanto a nado, mar, navegação,
embora cada um de nós manobre
bem a seu modo o timão,
para o leitor abriste uma Escola de Sagres,
onde muito se pode observar,
dos olhos de ressaca em tua Capitu
até os confins da Europa no seu corpo,
que por Bentinho, enfim, é rejeitado.
Fizeste de Escobar o próprio Rio Cobar,
para em Ezequiel, homônimo do bíblico,
denunciar-se por fumos todo um fogo,
a culpa intencional da sedução de um mar...
E fizeste surgir a dúvida no ar.
Ora com humour, ora com ironia,
contra Leibniz puseste Schopenhauer.
Em Maistre e Sterne filtraste
a sátira menipéia.
E o vulnerável, mestre, apanhas com mão fria.
Sobressai-te um vigor: a sensual latência,
quase sempre consciente e deletéria,
qual sangue a latejar por dentro de uma artéria.
Evidenciando aqui, ali insinuando,
soubeste registrar o desconforto,
o descontentamento e a frustração
da nossa humana condição
desde o emplasto de Brás Cubas
à solda da opinião.
E aqui ficamos tristes e inquietos
com as mil formas de ser da humana Dor.
Muito amor ainda falta e pão. Faltam mais tetos,
a paz pública falta e a paz interior.
Sentimo-nos pequenos e incompletos.
Da glória arrebatou-se-nos a palma.
Hoje, além de buraco haver na alma,
que no teu tempo e já bem antes se feria,
há buracos no asfalto e em nossa economia,
várias lesões em corpos pelo césio,
e há buracos até na camada de ozônio
que protege do Sol a pobre Terra,
a que a nossa ambição tanto se aferra.
E a interjeição de dor em muitos deste agora
sem tílburis, lampiões a gás na rua, alcaides
– ai, ai! – enfatizou-se tanto, tanto,
que eles a sua dor gritam em AIDS.
Mas resta uma esperança, a de que um dia,
segundo está em Dante e em Bento Santiago,
nós nos encontraremos renovados
tal como as plantas novas,
além da lágrima e do riso,
além de qualquer jogo ou quaisquer provas.
Se o mundo mostras sempre negativo,
passas de vivo morto a morto vivo.
És trágico, mas és eterno na arte.
Por isso, estou aqui para saudar-te.
Das nuvens não cairás nem de um terceiro andar.
Sei que Oblivion jamais te pode apear.
O olvido esquecerá quem o lembrou tão bem...
E de Saturno não te atingirá o desdém.
Habitas aureolado o símbolo, meu bruxo.
Por tudo o que tu foste e és, te amamos!
De louro te ofertamos novos ramos
pela meia palavra, a sugestão,
a agudeza do olhar, as linhas do debuxo,
a tradução da alma e o bom uso do não.
Até o dia, afinal, da grande muda!
A Dor dos que ainda ficam te saúda!
24
DAS COISAS
Meus cabelos captam a voz das coisas
do espaço e do inespaço.
As coisas: fungíveis e infungíveis,
móveis, imóveis e semoventes,
operam o fenômeno ou são o númeno.
Queiramos ou não,
as coisas nos cercam, nos integram,
ou são presença na nossa memória.
E nos espreitam com o enigma
de seu olho plurimático.
Aonde ninguém vai,
aí penetra o olhar de alguma coisas.
Testemunhas de virtudes e munditudes,
de todas as nossas contradições,
do sem-saber-para-onde-ir.
Levam a marca dos nossos
usos e abusos.
Sofrem conosco? Riem conosco? ou de nós?
Confidentes na solidão,
inconfidentes para a perícia.
As coisas nos encantam e desencantam.
Umas coisas, talvez,
nos libertem algum dia,
e outras decerto dependurada
trazem a morte consigo.
As coisas nos mandam e desmandam,
formam, deformam,
informam, transformam.
As coisas nos assaltam e improvisam.
Com o xadrez de situações elaboram
mais a surpresa do que a expectativa.
As coisas nos precederam e nos sucederão.
(É preciso reagir contra certas coisas.)
Sentimo-nos sós no meio das coisas.
ODE A FERNANDO PESSOA
1.
Morreste, afinal, ó poeta geral,
ou prossegues, lívido, a cantar
à paz de teu silêncio
e ao verde-azul
do mar?
Se ponho — sim, estás vivendo em mim.
Se digo — não, contemplo-te em canção,
qual fantasma, insone, a vagar
em nossa solidão.
Se morreste, também morreu Ricardo
e Álvaro se foi, partiu Alberto.
Ou todos esses e quantos mais tu foste
— como as máscaras gregas da tragédia —
só viveram no poema, no teu verso,
pendurados na dor dos vilancetes?, no teu verso,
pendurados na dor dos vilancetes?
Pode um poeta perder o seu futuro
ou a morte não passa de interlúdio
no resfolgar fatal de seus ginetes?
E o fingimento? E todo o sal do mar
nascido das guitarras marinheiras
na hora de cantar?
Ai, cantar e chorar
são sempre a mesma cousa!
Ambos rimam conosco e inscrevem-se na lousa
que vai cobrir o que de essência somos.
E tu, irmão do Tejo, do Lima e do Montego,
por que tão perto estás e és cacto com medo
a perecer no meio de um deserto?
Oh, o teu verso tão certo a brilhar
sobre os homens e o mar
português!
Teu verso que se fez
de sono, mito, encantação e olhar.
Mesmo não crendo, creste. E assim criavas
novas formas de fé que alimentavam
a lenta sombra rubra da existência.
E foste na tarde a sobretarde
e no real/irreal a consciência
em fome de verdade.
E cantaste da vida a brevidade
entre o sempre e o jamais, a mágoa
e a História.
E nossa foi
tua vasta visão premonitória.
2.
É certo: em brumas sobrevéns
de Alcácer-Quibir.
Foi-te dado com isso pressentir
o mistério do tempo e da memória,
o lá-dentro das cousas e o lá-fora,
a estrada de Delfos e de Ofir.
Então, se tal se deu, nunca morreste.
Estás nos tombadilhos, a boreste,
com capa e pince-nez, a viajar.
E aqui ficamos a te reinventar
como as nuvens inventam sua sombra
de naves fantásticas no mar.
O mar de Camões. O reino das canções.
A concha dos mistérios e navegações.
E aqui te esperamos.
Virás — quem sabe — de qualquer ilhota
(ao lado de Almada e Sá-Carneiro)
25
no solitário voar das gaivotas.
Ou te erguerás, triunfal, a qualquer hora,
de algum poema teu, à luz de auroras.
Ou talvez desardomeças num soneto
inglês. E todos de uma vez
gritaremos teu nome que não some
e é camerata, e luz, e dor, e ritmo,
ou sagrado logaritmo
nas álgebras
do poema.
3.
No tempo te saúdo. Não te enxergo
na morte silenciosa. E só estás mudo.
A tua voz se oculta entre as ramagens
da árvore da vida. A tua voz
ferida. A tua voz
tão perto e tão distante.
Voz, como os perfumes, caminhante,
na curva e contracurva de algum fado.
E aqui estou, igual a ti, parado,
a louvar tua face essencial.
Teu sonho delirante e teu naval
olhar.
Ou o teu guitarreio e suspirar.
Ou o maldizer. Ou o teu saber.
Ou o teu grito crescendo em solidão
no reino de Netuno ou de Plutão.
LINHARES FILHO (1939)
José Linhares Filho nasceu em Lavras da
Mangabeira, Ceará, no dia 28 de fevereiro de 1939.
Graduado em Letras pela Universidade
Federal do Ceará, onde fez cursos de
especialização e aperfeiçoamento.
Mestre em Literatura Portuguesa e doutor
em Letras Vernáculas (área de Literatura
Portuguesa) pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
É professor titular de Literatura Portuguesa
da Universidade Federal do Ceará, ministrando
também Literatura Brasileira.
Foi coordenador da Casa de Cultura
Portuguesa, do curso de pós-graduação em Letras
da UFC (1993), editor da Revista de Letras e
pesquisador do Instituto de Língua e Cultura
Portuguesa em Lisboa.
Professor visitante na Universidade de
Colônia e na Universidade Técnica de Aachen,
Alemanha.
Ensaísta e poeta, cuja poesia é elogiada por
intelectuais de grandes méritos.
Sânzio de Azevedo a propósito de um dos
seus livros diz: “... ele é poeta, senhor do verbo e do
verso, pastor de metáforas e recriador do mundo...”
Faz parte do Grupo SIN de Literatura e de
várias entidades culturais.
Obras poéticas:
Sumos do tempo, 1968;
Voz das coisas, 1979;
Frutos da noite de trégua, 1983;
Tempo de colheita, 1987;
Andanças e marinhagens, 1993;
Rebuscas e reencontros, 1996;
Itinerário: trinta anos de poesia, 1998;
Notícias de bordo: poemas selecionados, 2006; e
Cantos de fuga e ancoragem, 2007.
Outras publicações:
A metáfora do mar no dom Casmurro, 1978;
A “outra coisa” na poesia de Fernando Pessoa,
1982;
O poético como humanização em Miguel Torga,
1997;
A modernidade da poesia de Fernando Pessoa,
1998; e
O amor e outros aspectos em Drummond, 2002.
Recebeu os prêmios:
Estado do Ceará de Ensaio, em 1986 e de Poesia,
em 1987.
Detentor do diploma de Mérito Cultural, concedido
pela Academia Brasileira de Filologia, Rio de
Janeiro.
Ingressou na Academia Cearense de Letras
no dia 23 de julho de 1980 na vaga deixada por
Josaphat Linhares, ocasião em que foi saudado pelo
acadêmico e contista Moreira Campos. Ocupa a
cadeira número 30, cujo patrono é Rocha Lima.
Sócio
•
•
•
•
•
da Associação Internacional de Lusitanistas,
da Associação Brasileira de Literatura
Comparada,
da Academia de Letras e Artes do Nordeste,
CE,
da Academia Lavrense de Letras, de que é
presidente de honra e
da Associação Brasileira de Bibliófilos.
Fontes:
Academia Cearense de Letras.
http://www.ceara.pro.br/ACL/Cadeiras/LinharesFilho.html
http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Linhares+Filho
Academia Brasileira de Letras
26
Antonio Brás Constante
Humor – Sol e Frio (tomou Doril e
Não Sumiu)
...A netinha então perguntou para sua vovozinha,
muito velhinha e bondosa: “Vovó, quando a senhora
nasceu o Sol já existia?”, e a vovozinha lhe
respondeu cheia de ternura: “sim, minha netinha
queridinha, por quê?”, a menininha, na inocência de
sua tenra infância, arregalou os seus olhinhos
brilhantes e disse: “NOOOOSSA!! COMO O SOL É
VELHO!”. Alguns dizem que a anedota termina por
aí, já outros juram que a tal avó arrancou a própria
dentadura da boca e arremessou na cabeça da
netinha malcriada. Mas essa introdução serve
apenas para falarmos do maior rei anão que
conhecemos: O nosso Sol (para quem não sabe, o
Sol é uma estrela anã que fugiu do circo do infinito
para brilhar em nosso sistema solar).
O Sol parece uma bola gorda e gigantesca
(provavelmente deve até ter sofrido algum tipo de
bulling após os acontecimentos do Big Bang,
moldando assim o seu atual jeitão esquentadinho).
Ele fica no espaço ocupando espaço de forma
aparentemente sedentária, mas queima calorias
como ninguém, e é graças as suas terríveis crises
de gases que continuamos vivos aqui na Terra.
Algumas pessoas tiveram que queimar na fogueira
da ignorância (porém, montada com madeira de
verdade), para que o Sol ganhasse o destaque que
merece como centro de nosso sistema solar, e
apesar de não ser egocêntrico (esses sentimentos
pequenos e desprezíveis pertencem a muitas das
criaturas minúsculas que se acham grande coisa por
aqui na nossa terrinha) ele é a principal peça do
sistema heliocêntrico (para quem não sabe,
heliocêntrico é como o seu Hélio chama o seu
sistema de vendas de pipoca com gordura
hidrogenada, que ele estoura e comercializa através
de seu carrinho de pipoqueiro, localizado no centro
da praça universal, em uma das periferias do bairro
Via Láctea).
O Sol tem uma característica explosiva, e talvez por
isso poucos amigos (apenas nove, sendo que um
deles, Plutão, foi rebaixado para segunda divisão há
alguns anos atrás). Eles ficam perambulando em
volta do Sol como se estivessem brincando de
ciranda (só que em uma espécie de fila indiana
formada por bêbados) ou como moscas em volta de
uma lâmpada acesa qualquer. Alguns desses
planetas são acompanhados por seus filhotes,
também conhecidos como satélites. É o caso da lua,
que é filha da Terra (e a Terra, como muitos sabem,
dispõe de muitos indivíduos que são verdadeiros
filhos da mãe e outros que vivem no mundo da lua).
É através dos raios do Sol que nóis pega um
bronzeado (estou me adequando as novas
tendências e aderindo a linguagem popular,
lembrando sempre que a principal expressão
popular aqui no Brasil é o famoso “nóis fumo”, ou
seja, “nóis fumo robadu”, “nóis fumo enganadu”,
“nóis fumo sacaneadu”, mas no fundo nóis é tudo
CB “Sangue Bom”). O Sol tem seu brilho próprio de
verdadeira estrela em todas as suas dimensões, e
quando nosso planeta lhe dá as costas (literalmente
falando) é porque está na hora de irmos dormir um
pouco, muitas vezes olhando para o céu e vendo a
parentada celestial e brilhante de nosso astro-rei,
pontilhada na negritude do espaço.
Mas é no inverno que sentimos mais falta do calor
desumano do Sol, principalmente aqui no Sul, que
não é o Pólo Sul, mas também é frio pra chuchu
(não sei explicar porque o chuchu serve para
exemplificar algo tão frio). Neste período do ano o
cobertor frio do inverno cobre os habitantes bem ao
sul do Equador em uma época em que Papai Noel
ainda está hibernando no Pólo Norte ou quem sabe
escravizando duendes e obrigando-os a fazerem
brinquedos para as crianças do mundo, mas
somente para aquelas que foram boazinhas o ano
inteiro (provavelmente apenas uma meia dúzia).
Ao ser percebido através de uma visão cósmica, o
clima frio que muitos lugares enfrentam é
insignificante perante a força e majestade do
27
esplendoroso Sol. Mas infelizmente esta
insignificância nos dá calafrios quando notamos que
ele, o clima frio, não está nem aí para isso tudo que
acabei de escrever e nos faz tremer com suas
baixas temperaturas, tão agressivas quanto qualquer
golpe baixo em campeonatos de luta livre.
O Sol na imensidão fria do universo servindo de farol
para nossa existência, intrinsecamente ligado a
nossa tênue essência, lutando bravamente contra o
frio que tantas vezes cerceia nossa temporária
vivencia. Frio este também aplacado com o mate
quente e amargo, servido em minha amada
querência.
Buenas tchê! Já falei do Sol, já falei do frio, mas e o
Doril? No caso do Doril, você pega ele, tira da
embalagem, e depois você... Você... Você... Você,
você, você, você, você, você (vamos lá gente, todo
mundo fazendo a dança “Você, Você” do pânico na
TV). Eu até ia terminar este texto falando alguma
coisa sobre o Doril, mas agora a ideia sumiu...
Fonte:
Texto enviado pelo autor
Cassiano Ricardo
Poesias
RISO E LÁGRIMA
Há uma lágrima, sempre atenta, em nossos olhos.
LUÍS EDMUNDO
Morre na alma um sorriso e a lágrima, sentida,
surge, treme, de leve, e traz à vossa face
o signo natural da tristeza que nasce
e não pode viver tão secreta, escondida.
Muitas vezes, porém, nas horas em que a vida
alegre se vos faz, como se se ocultasse
viverá - quem o sabe? - inútil, esquecida.
E assim, quando esqueceis a vossa desventura
a tristeza se esvai e a lágrima procura
ocultar-se, qual flor que nasceu entre abrolhos.
No entanto, para mim, há destas variedades:
passo a vida a cantar para matar saudades,
vivo sempre a sorrir com lágrimas nos olhos...
(Dentro da noite, 1915.)
MANHÃ DE CAÇA
Mal entrava eu no mato
era um delírio. Os papagaios
se reuniam em bando, protestando.
Como em verde comício.
Por que tanto barulho? eu indagava
de mim mesmo, da minha malvadez.
Como se não soubesse
que era justo o protesto
dos papagaios ásperos, verde-gaios.
Araras, canindés, maitacas
mais ensurdecedoras que matracas,
reunidas em bando,
também gritavam, me acusando.
Mas por que tanto horror? por que, de súbito,
tanto medo insensato?
Como se eu não soubesse,
com absoluta certeza, que era o mato
contra a minha maueza.
Maracanãs, tiribas, periquitos,
que eram asas aos gritos,
papagaios, enfim, de vários nomes
e de vária plumagem,
que eram os donos do país selvagem
e confuso,
lavravam seu protesto contra o intruso,
gritando, gritando.
Um morro de cabelo verde pixaim
começava a pensar.
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Se encolhia a pensar numa coisa sem fim.
Por que pensar assim?
Como se eu não soubesse dos motivos
de tanta guerra, de tanta algazarra.
Conferenciavam, graves, os tucanos.
Saltavam rãs e gafanhotos,
junto a meus pés, a meus sapatos rotos.
O caapora acendia o fogo do cachimbo.
A mãe-d'água - se é que a mãe-d'água existe saltava como louca, a face oculta
em seu cabelo verde - se é verdade
que o seu cabelo é verde.
Como se eu não soubesse que no mato
tudo é cabelo verde, é susto, é graça,
é surpresa, é protesto
(quando não é a solidão selvagem).
Mas por que tanta atoarda?
E eu apontava o cano da espingarda
e bumba! um papagaio verde-gaio
caía ao solo e os outros, com assombro,
se reuniam em bando, gritando.
Uma chuva de garras e de bicos
despencava do céu sobre o meu ombro.
Os ecos proferiam, pelas grotas,
outros protestos, como se a distância
também caísse ao chão, de bruços,
com a boca cheia de soluços!
Mas pra quê tanto medo?
E - último eco - uma voz, enroscada
num cipoal em flor, numa barba-de-bode,
ficava protestando:
não pode!
não pode!
(Vamos caçar papagaios, 1926.)
BRASIL-MENINO
I
Meu pai era um gigante, domador de léguas.
Quando um dia partiu, a cavalo
no seu dragão de pêlo azul que era o Tietê
[dos bandeirantes.
lembro-me muito bem de que me disse: olhe,
[meu filho,
eu vou sururucar por esta porta e um dia voltarei
[trazendo umas duzentas léguas de caminho
[e umas dezenas de onças arrastadas pelo
[rabo a pingar sangue do focinho!
E dito e feito! lá se foi dando empurrões no mato dos
[barrancos
por entre alas de jacarés e de pássaros brancos.
Quando veio o Natal meu pai estava longe,
em luta com os bichos peludos, com os gatos
grandões
[de cabeça listada e com as mulas-de-sete-cabeças
[que moram no fundo das árvores espessas.
No planalto batia um sino perguntando: ele não
vem?
[ele não vem?
Um outro sino de voz grossa respondia: não ... e
[não, dizendo "nãão" e repetindo "nãão" e não.
II
E eu me lembrei de procurar um par de botas
das que meu pai usava e pôr o par de botas
atrás da porta do sertão que resmungava entocaiado
[no arvoredo.
Como fazia frio aquela noite!
Fiquei com tanto medo... Um gato corrumiau
passeava pelos vãos da telha-vã...
Mas chegou a manhã, linda como um tesouro!
e eu fui achar, com o coração aos pulos de alegria,
as duas botas de couro
abarrotadas de ouro!
III
Passou mais um ano e meu pai não voltou.
Botei meus sapatões atrás da porta novamente
e no outro dia
fui encontrar meus sapatões abarrotados de
[esmeraldas!
Minha vovó, uma velhinha portuguesa com cabelo
de
[garoa e xale azul-xadrez me garantia:
- "Foi o papá Noel quem trouxe." Até que um dia
29
fiz que não vi mas vi; acordei da ilusão.
Meu pai era um Gigante, caçador de léguas,
um feroz domador de onças pretas,
terror do mato, assombração das borboletas
mas tinha um grande coração.
Por fim cresci. Hoje sou gente grande.
Sou comissário de café. Tenho viadutos encantados.
Minha cidade é esse tumulto colorido que aí passa
levando as fábricas pelas rédeas pretas de fumaça!
Barulho fantástico
de um mundo que saiu da oficina.
Grito metálico de cidade americana.
Vida rodando fremindo batendo martelos
com músculos de aço.
E o Tietê conta a história dos velhos Gigantes
que andaram medindo as fronteiras da pátria,
ao tempo em que S. Paulo colocava os sapatões
atrás da porta
e os sapatões amanheciam cheios de ouro...
(Um dia depois do outro, 1947.)
A SINTAXE DO ADEUS
O frio que a morte traz
quem o sente não é o morto.
O morto apenas esfria.
É o frio do calafrio...
E são os vivos que sentem.
Também os vivos têm medo
de olhar nos olhos do morto.
Ah, o terrível segredo.
E alguém, com dedos de rosa
vem e automaticamente
pra que o morto não nos veja,
lhe fecha as pálpebras como
a duas pétalas e adeus.
A-deus quer dizer sem Deus.
SERENATA SINTÉTICA
E os sapatões amanheciam cheios de esmeraldas...
E os sapatões amanheciam cheios de diamantes...
(Martim Cererê, 1928.)
Rua
torta.
Lua
morta.
A RUA
Bem sei que muitas vezes,
o único remédio
é adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
a dívida, o divertimento,
o pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
de contínuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não,
apenas,
esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.
A esperança
nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da
espera.
Nunca é a figura de mulher
do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.
Tua
porta.
IMEMORIAL
Não fui quem sou, quando nasci.
Nem sou quem sou, quando amo.
Nem quando sofro.
Porque coexisto. Porque a angústia
é uma herança.
Só me aproximo de mim mesmo
quando fujo,
atravesso a fronteira,
ou me defendo, ou fico triste.
Ou quando sinto a rosa
secreta e quente da vergonha
subir-me à face.
O mar me bate à porta,
30
como um grito da origem.
Mas como descobrir
a onda imemorial que me trouxe?
(Um dia após o outro, 1947.)
POEMA IMPLÍCITO
uma folha sobre outra,
formaremos um grande cacto.
De cada braço, já no espaço,
nascerá mais um braço, e deste
outros braços, qual ramalhete
de flores para um só abraço.
O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.
Filhos da pedra e do pó,
fique aqui embaixo o nosso orgulho,
pisado sobre o pedregulho.
Formaremos, num corpo só
Não gosto dos explícitos
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.
Uma folha sobre outra
e já uma árvore de feridas
por entre os anjos de azulejo
e as borboletas repetidas.
Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.
Para provar a Deus que a terra,
numa fotografia exata,
não é redonda, mas chata;
não é redonda, mas chata.
(A face perdida, 1950.)
O CACTO
This is cactus land.
Here the stone images
and raised...
T. S. ELIOT
Vamos, todos, brincar de cacto
na areia da nossa tristeza.
Uma folha sobre outra,
Em caminho do céu intacto.
Uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
(uma folha sobre outra
uma folha sobre outra,
um braço a nascer de outro braço),
a nossa escada de Jacó.
Pra que torre de Babel
ou o Empire State, compacto,
se, uns nos ombros dos outros,
chegaremos ao céu, num cacto?
Que fique aqui embaixo a terra;
lá de cima nós tiraremos
uma grande fotografia
do seu rosto de ouro e prata.
Pra provar, por B mais H,
que o homem, animal suicida,
já sabe fabricar estrelas...
Se é que Deus disto duvida.
Que iríamos fabricar luas
(se não fora, para Seu gáudio,
o espião nos ter furtado a fórmula)
mais bonita do que as Suas.
Vamos, todos, brincar de cacto,
uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma folha sobre outra.
31
me olha, sempre, de frente
Vamos subir, de folha em folha,
mais alto do que vai o avião.
Lá onde os anjos jogam pedras
no cão da constelação.
Que outros usem avião a jacto
pra uma viagem em linha reta:
nós, filhos da planície abjeta,
subiremos ao céu num cacto.
(amorosamente)
Talvez porque o seu retrato
mais se parece com você
do que você mesma (ingrato).
Talvez porque, no retrato
você está imóvel,
Uns nos ombros dos outros,
injustiças sobre injustiças,
formaremos um verde pacto...
Vamos, todos, brincar de cacto.
(sem respiração...)
Vamos, todos, brincar de cacto.
(A difícil manhã, 1960.)
(João Torto e a fábula, 1954.)
Cassiano Ricardo (1895 – 1974)
VOCÊ E O SEU RETRATO
Por que tenho saudade
de você, no retrato,
ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato,
mais que você, me comove,
se você mesma está presente?
Talvez porque o retrato
já sem o enfeite das palavras,
tenha um ar de lembrança.
Talvez porque o retrato
já sem o enfeite das palavras,
tenha um ar de lembrança.
Talvez porque o retrato
(exato, embora malicioso)
revele algo de criança
(como, no fundo da água,
um coral em repouso)
Talvez pela idéia de ausência
que o seu retrato faz surgir
colocado entre nós-dois
(como um ramo de hortênsia)
Talvez porque o seu retrato,
embora eu me torne oblíquo,
Talvez porque todo retrato
é uma retratação.
Cassiano Ricardo Leite, jornalista, poeta e ensaísta,
nasceu em São José dos Campos, SP, em 26 de
julho de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em
14 de janeiro de 1974.
Era filho de Francisco Leite Machado e Minervina
Ricardo Leite. Fez os primeiros estudos na cidade
natal.
Aos 16 anos publicava o primeiro livro de poesias,
Dentro da noite.
Iniciou o curso de Direito em São Paulo, concluindoo no Rio, em 1917. De volta a São Paulo, foi um dos
líderes do movimento pela Semana de Arte Moderna
da 1922, participando ativamente dos grupos "Verde
Amarelo" e "Anta", ao lado de Plínio Salgado,
Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Mota Filho
e outros.
No jornalismo, Cassiano Ricardo trabalhou no
Correio Paulistano (de 1923 a 1930), como redator,
e dirigiu A Manhã, do Rio de Janeiro (de 1940 a
1944).
Em 1924, fundou a Novíssima, revista literária
dedicada à causa dos modernistas e ao intercâmbio
cultural pan-americano. Também foi o criador das
revistas Planalto (1930) e Invenção (1962).
Em 1937 fundou, com Menotti del Picchia e Mota
Filho, a "Bandeira", movimento político que se
contrapunha ao Integralismo. Dirigiu, àquele tempo,
o jornal O Anhangüera, que defendia a ideologia da
Bandeira, condensada na fórmula: "Por uma
32
democracia social brasileira, contra as ideologias
dissolventes e exóticas."
Eleito, em 1950, presidente do Clube da Poesia em
São Paulo, foi várias vezes reeleito, tendo instituído,
em sua gestão, um curso de Poética e iniciado a
publicação da coleção "Novíssimos", destinada a
publicar e apresentar valores representativos
daquela fase da poesia brasileira. Entre 1953 e
1954, foi chefe do Escritório Comercial do Brasil em
Paris.
Poeta de caráter lírico-sentimental em seu primeiro
livro, ligado ao Parnasianismo/Simbolismo, em A
flauta de Pã (1917) adota a posição nacionalista do
movimento de 1922, revelando-se um modernista
ortodoxo até o início da década de 40.
As obras Vamos caçar papagaios (1926), Borrões de
verde e amarelo (1927) e Martim Cererê (1928)
estão entre as mais representativas do Modernismo.
Com O sangue das horas (1943), inicia uma nova e
surpreendente fase, passando do imagismo
cromático ao lirismo introspectivo-filosófico, que se
acentua em Um dia depois do outro (1947), obra que
a crítica em geral considera o marco divisório da sua
carreira literária.
Acompanhou de perto as experiências do
Concretismo e do Praxismo, movimentos da poesia
de vanguarda nas décadas de 50 e 60. A sua obra
Jeremias sem-chorar, de 1964, é bem representativa
desta posição de um poeta experimental que veio de
bem longe em sua vivência estética e, nesse livro,
está em pleno domínio das técnicas gráfico-visuais
vanguardistas.
Se a sua obra poética é tida como de importância na
literatura brasileira contemporânea, a de prosador é
também relevante.
Historiador e ensaísta, Cassiano Ricardo publicou
em 1940 um livro de grande repercussão, Marcha
para Oeste, em que estuda o movimento das
entradas e bandeiras.
Cassiano Ricardo pertenceu ao Conselho Federal de
Cultura e à Academia Paulista de Letras.
Na Academia Brasileira de Letras, teve atuação
expressiva.
Relator da Comissão de Poesia em 1937, redigiu
parecer concedendo a láurea ao livro Viagem, de
Cecília Meireles. Saiu vitorioso, e Viagem foi o
primeiro livro da corrente moderna consagrado na
Academia. Ao lado de Manuel Bandeira, Alceu
Amoroso Lima e Múcio Leão, Cassiano Ricardo
levou adiante o processo de renovação da
Instituição, para garantir o ingresso dos verdadeiros
valores.
Marcha para Oeste foi traduzido pelo Fondo de
Cultura Económica do México, com o título La
Marcha hacia el Oeste; e Martim Cererê, do qual
Gabriela Mistral já havia traduzido alguns poemas,
foi depois integralmente vertido para o castelhano,
pela escritora cubana Emília Bernal, e publicado em
Madri, pelo Instituto de Cultura Hispânica, em 1953.
Bibliografia
Poesia:
Dentro da noite (1915);
A flauta de Pan (1917);
Jardim das hespérides (1920);
A mentirosa de olhos verdes (1924);
Vamos caçar papagaios (1926);
Borrões de verde e amarelo (1927);
Martim Cererê (1928),
Deixa estar, jacaré (1931);
Canções da minha ternura (1930);
O sangue das horas (1943);
Um dia depois do outro (1947);
Poemas murais 1950;
A face perdida (1950);
O arranha-céu de vidro (1956);
João Torto e a fábula (1956);
Poesias completas (1957);
Montanha russa (1960);
A difícil manhã (1960);
Jeremias sem-chorar (1964).
Ensaio:
O Brasil no original (1936);
O negro da bandeira (1938);
A Academia e a poesia moderna (1939);
Marcha para Oeste (1940);
A poesia na técnica do romance (1953);
O tratado de Petrópolis (1954);
Pequeno ensaio de bandeirologia (1959);
22 e a poesia de hoje (1962);
Algumas reflexões sobre a poética de vanguarda
(1964).
Fonte:
Academia Brasileira de Letras
33
Domício da Gama
Maria sem Tempo
Era magra, pequena, escura. Tinha a extrema
humildade dos que vivem longos anos sob o céu
destruidor, sem pensar ao menos em resistir à sorte,
com a passividade inerte da folha que o vento rola
pelos caminhos. Era assim mirrada e seca e
sombria, como se tivesse perdido a seiva ao ardor
dos estios, como se guardasse das noites sem
estrelas o negrume cada vez mais denso.
Era louca, porque só tinha uma idéia, e a criatura
humana pode não ter idéias, mas não pode ter uma
só. A sua era o angustioso desassossego das
maternidades malogradas. Perdera um filho e o
procurava. Andava pelos caminhos para buscá-lo e
só levantava a voz para chamá-lo, ansiosamente,
carinhosamente: "Luciano! Meu filho!..." E escutava
longo tempo por trás nas cercas, no aceiro dos
matos, à entrada dos terreiros das fazendas, nos
desertos e nos povoados, onde quer que a levasse a
sua dolorosa esperança. Aquela figura miserável,
toda feita num gesto indagador, com a mão
abrigando os olhos, à espreita, ou levantando o
chale que lhe encobria a cabeça de cabelos hirtos,
para ouvir melhor a resposta ideal, aquela
encarnação de um desejo sempre iludido enturvava
o esplendor do mais radioso meio-dia.
Gente compassiva, donas de casa a quem se
apertava o coração ouvindo ecoar pelas estradas o
seu reclamo desolador, quiseram rete-la, dar-lhe
amparo e agasalho: "Aonde vai, Sinhá Maria? Fique
com a gente, mulher! Por estes sóis que matam,
assim ao desabrigo do tempo, o que faz uma
criatura de Deus? Descanse uns dias e vá então..."
Mas a louca se escusava resolutamente: "Não tenho
tempo, minha senhora. Vou ao encontro do meu
Luciano, que me disse que havia de voltar. Como
não tenho mais casa, preciso de estar no caminho.
Não vá ele passar enquanto aqui estou..." E se
precipitava para fora exalando o seu grito: "Luciano!
Meu filho Luciano!..."
E Maria sem Tempo não era uma lição, nem um
castigo, nem um exemplo. Se alguma coisa ela
provava, era que há sofrimentos que nada provam e
que nada justifica, que são, pela razão obscura
daquilo que tem de ser. A sua miséria nem mesmo
era trágica, porque não exclamava, não lutava, não
indagava. O céu rigoroso era-lhe como um senhor
cruel, que a pobre escrava não entendia e sob cujos
golpes se encolhia apenas. Vivera para ser mãe:
sofria disso, como disso outras jubilam.
Quem a encontrava pelos desertos, longe de todo o
amparo, às horas tristes do dia, pensava logo com
piedade na solidão da sua alma. Mas se iam falarlhe, ela se não mostrava agradecida à sociedade
que lhe queriam dar: recaía logo no seu silêncio
absorto, tão ocupado pelo seu sentimento.
O meu Luciano! dizer estas palavras era para ela o
mesmo que sentir-se viva. Dizia-as alto, gritando,
clamando, enchendo as grotas e os recantos das
florestas com o seu alarido de araponga louca; diziaas baixinho, suspirando, fundindo o coração num
ajoelhamento de prece, na prostração suprema do
supremo amor. E às vezes, caminhando horas ao
longo da praia, com os cabelos sacudidos pelo vento
do largo, vacilando sobre a areia branca e infirme
que entontece, ela cantava ao mar em fúria a
canção monotonamente sublime da sua pena sem
fim.
Eles eram dois humildes e mansos e os soberbos e
violentos lá de longe fizeram uma guerra para mal
deles, uma guerra de tantos anos durando já que os
cabelos da mulata tiveram tempo de embranquecer.
E o seu Luciano sempre por lá, longe da sua velha,
que só tinha a ele no mundo, e que não pudera
opor-se a que partisse, porque com o poder de
homens, que o vieram buscar naquela noite, tinha-se
juntado todo o poder celeste, estrondando numa
trovoada de arrasar o mundo. Quando chegaram os
homens malditos, ela estava com o filho rezando o
Magnificat, à claridade da vela benta em frente ao
34
registro da advogada contra o raio. A voz dele tinha
uma toada grave e cheia de fervor, que lhe quebrava
a ela a friura do medo no coração. Ai! não era dos
raios e coriscos do céu que a pobre mulata devia
recear! Num silêncio entre dois refegões de vento,
bateram de repente à porta. Luciano foi abrir e logo
um homem entrando, antes de dizer uma palavra,
lhe foi deitando a mão. O rapaz deu um pulo,
esquivando-se, mas o outro gritou e a casa se
encheu de gente armada, soldados, que subjugaram
o seu filho e o amarraram. Ela conhecia um dos
homens, o que tinha entrado primeiro: de joelhos,
como tinha ficado diante da santa, arrastou-se aos
pés dele. "Seu Capitão, não me tire o meu filho, que
não cometeu crime. Tenha piedade de uma pobre
mãe..." O Capitão, meio embaraçado, sem
convicção, resmungou umas frases, falou em defesa
da pátria, em honra nacional ofendida, dever de todo
brasileiro e não sei que mais. Mas a mulher não lhe
deu ouvidos; viu que lhe tiravam o filho para a
matança nos campos do Sul e desatinou de todo, a
pedir, a suplicar, de rastos pelo chão, beijando os
pés e abraçando pelos joelhos os seus carrascos,
sem poder mais chegar ao filho das suas entranhas.
O Capitão começou a se incomodar com a cena e
deu ordem de partir, apesar da tempestade no seu
auge. Então Maria se endireitou, arquejante sobre os
joelhos, e viu, enquadrado pela porta aberta sobre a
noite negra cortada de relâmpagos, o seu belo
rapaz, que, sem chapéu, de roupas rotas mostrando
o peito nu, levantava para ela as mãos algemadas,
num gesto de adeus, e lhe dizia com voz trêmula e
sentida: "Não se desconsole, Mãe, que ainda hei de
voltar..." Nesse instante um fuzil cegou-a e o
estampido imediato de um trovão derrubou-a por
terra. Quando tornou a si estava sozinha no meio da
noite escura. Parece que esta lhe entrou deveras
pela mente, e lhe apagou as últimas claridades que
lá luziam. Ela se desinteressou de tudo o que ocupa
as vidas mais humildes, desprendeu-se por uma
inatenção absoluta dos fatos que podem servir de
marca aos dias, perdeu a noção do tempo, perdeu
as suas afeições menores, enclausurou-se,
absorveu-se no seu único sentimento transformado
em culto, endoideceu.
Como sempre fora uma pobre inteligência, a sua
loucura não se caracterizou senão por uma teimosia
especial, passiva, mas inflexível, uma recusa
absoluta a ceder aos argumentos dos que queriam
convencê-la de que o filho não andava por aquelas
bandas e que não era gritando pelos caminhos que
ela havia de o recuperar. Ele lhe dissera que havia
de voltar... Essa promessa lhe não deixava lugar no
espírito nem para a idéia da morte. Quando lhe
disseram que Luciano morrera num combate, que
um voluntário, que voltava ferido, o tinha visto cair
ao seu lado no campo e ao seu lado morrer no
hospital de sangue, ela sacudiu a cabeça, incrédula.
A força da idéia fixa venceu-lhe a timidez natural e
lhe tirou todos os escrúpulos e receios que a
pudessem deter no cumprimento do seu fadário. Na
abstração poética é assim um caráter heróico.
Os sinais físicos de loucura estavam nos seus olhos
perdidos como os de um cão de caça, desatentos ou
muito atentos, mas sem simpatia, e nos cabelos
hirtos, eriçados, como num perene arrepio de pavor.
O resto, mãos e pés de nômade selvagem, miséria
profunda do corpo desprezado, fizera-o o ascetismo
inconsciente da sua existência errante. A voz
cantante, plangente antes, arrastava-se apoiando
demais em certas sílabas, como quem chama. E
falando baixo tinha umas inflexões escuras, vindas
mais de dentro, o tom reflexivo de quem pensa em
voz alta.
Sonhava muito, quando dormia, e prolongava o seu
sonho, sempre o mesmo, pela vigília. Era com o dia
da volta dele que sonhava, com a hora em que,
avistando-o, lhe dissesse: "Bendito seja Deus, meu
filho, que te torno a ver!" Ele abaixaria os olhos
diante do seu olhar carinhoso, com os seus modos
tão bonitos de bom filho e depois lhe contaria o que
tinha visto pelas terras longes, a história da sua
ausência, as grandezas do mundo, as lindezas das
outras gentes, tudo o que ela nem podia imaginar
que fosse, tudo evocaria o som da sua voz, cuja
lembrança bastava para lhe encher a ela os olhos de
lágrimas. E voltariam a levantar a casa arruinada, o
ninho velho donde a má sorte os enxotara, a refazer
a vida antiga, humilde e pobre, que ela não trocaria
pela de uma rainha, com Luciano...
Sonhava, e procurava o seu sonho, correndo as
estradas. Mas não se afastava dos sítios familiares,
algumas léguas de circuito, três municípios, a pátria.
Mais longe já parece que a língua mudava ou pelo
menos mudavam os costumes. Eram mais duros
para a pobre mãe, como se ela pudesse fazer mal,
ou não entendiam-na e desconfiavam. Um dia
chegou ao pé de uma cidade muito bonita: as casas
tinham vidros que faiscavam ao sol; nas ruas
passava muita gente, toda calçada de botinas, os
homens de gravata ao pescoço, as mulheres de
35
chapéus com flores, todos muito soberbos; carros e
cavaleiros passavam a toda a pressa, fazendo muito
barulho nas pedras da calçada. Apareceram uns
soldados e a pobre Maria fugiu espavorida. Era ali
sem dúvida que moravam os que lhe tinham
arrancado o seu Luciano. Disseram-lhe mais tarde
que ela quase tinha estado na Praia Grande, que era
para onde iam os designados para o recrutamento
militar, mas que não era ali que eles batalhavam.
O invencível terror do desconhecido a impediu de ir
procurar o filho aos campos do Sul. O Sul sabia ela
onde era. De lá vinham as piores borrascas. E os
tiros de canhão, que diziam de gala na cidade, para
ela eram batalhas mais perto, a guerra que se
aproximava. Se com a guerra lhe aparecesse um dia
de repente Luciano! Quando o ar estava pesado, o
tempo de oraça, ela escutava estremecendo o troar
surdo dos canhões que salvavam no Rio, avaliando
a aproximação da guerra pela sonoridade mais clara
dos tiros, que lufadas de aragem quente e a
banzeira traziam.
Um dia de verão, depois do meio-dia, ela vinha
subindo da restinga do mar para a terra firme. Não
passava ninguém pelas estradas. O sol de fogo
retorcia a folha das árvores e fazia ferver o miolo da
doida vagabunda. No grande silêncio da calma
acabrunhante só se ouvia o zumbido do enxame de
mutucas importunas, que acompanham a gente
pelos caminhos à beira dos charcos, e o canto de
galos longe. O chão escaldava; a doida movia rápida
os magros pés descalços e caminhava de braços
levantados, sustentando o chale acima da cabeça.
Mas de instante a instante parava, com um gesto de
impaciência, e se abaixava para atirar uma pedrada
ou um punhado de areia aos camaleões cinzentos,
que vinham pôr-se à beira do caminho, debaixo dos
gravatás de folhas de serra e flor vermelha, e lhe
faziam sinaizinhos brejeiros com a cabeça, quando
ela passava. Sobre a ponte do Paracatu parou para
ver uma cobra verde, que se lavava no magro fio
d’água que ainda corria. Depois entrou na sombra
do caminho estreito, com árvores dos dois lados, um
desfiladeiro entre a lagoa e a barranca de um morro
a pique, e se deteve a colher os cachinhos de jatitás
verdes para refrescar a boca sequiosa. Passou um
cavaleiro pela estrada e no ouvido ficou-lhe a
cadência do meio galope, acompanhamento da
toada favorita de Luciano, quando falquejava no
mato:
Os olhos de Joanita
São pretos como carvão...
Fora ela que lha ensinara, em pequenino. Vinha de
tão longe a cantiga do Mineiro da serra! Vinha de
antes das tristezas dela... Cerrou-se-lhe a garganta
e retomou a estrada.
Já ia pondo a mão à cancela do campo do capitão
Rosa, quando um tiro de canhão atroou os ares;
depois outro e outro e em seguida um estrondo
prolongado, como o de uma casa desabando.
Maria sem Tempo pensou na guerra. Chegara enfim!
A artilharia destruía as grossas muralhas da casa da
fazenda. Só lhe admirava aquele silêncio depois da
catástrofe. Deu a volta para ir espreitar pela outra
cancela, e não entendeu mais nada, quando viu a
casa em pé, o gado no campo e na lombada do
morro do Cantagalo e o eito de escravos no
trabalho, manejado as enxadas, em que o sol
faiscava. Ali estava tudo em paz; no céu nem uma
nuvem quebrava a dureza do azul implacável: donde
vinha então aquele troar de canhões?
A doida aproximou-se da fazenda, mas saíram-lhe
cães bravos ao encontro e ela regressou do meio da
ladeira. Deu então volta ao morro pelo lado do brejo,
para entrar pelo engenho. Mas ao passar pelo
campinho de dentro, onde se soltavam os animais
de sela e as lavadeiras estendiam a roupa a corar,
pareceu-lhe que ouvia deveras a cantiga do Mineiro
da serra, a cantiga da saudade, que lhe entrava
pelos ouvidos, em vez de ressoar-lhe apenas da
memória esvaída. Transpôs a cerca de bambus em
moitas sussurrantes e encontrou um cavouqueiro,
dos que ali andavam a arrebentar pedra para
construção, que descia da pedreira e vinha jantar.
Maria perguntou-lhe ansiosamente: "O meu filho? é
o meu Luciano quem está cantando?" O homem
respondeu: "É o Luciano, sim; mas não vá para lá
agora, que ele vai pegar fogo à mina." A doida não
lhe deu mais atenção e embarafustou pelos cafezais
acima. Chegando à entrada da pedreira, viu um
rapaz meio pendurado de uma corda de nós, que
acabava de arranjar os estopins e punha fogo à
mina. Ela gritou: "Meu filho? És tu, meu Luciano?" O
Chico Macaé, que já ia marinhando pela corda
acima, voltou-se espavorido: "Meu Deus! que faz aí,
Sinhá Maria? Fuja, que aí vai pedra! Corra, suma-se
depressa, mulher!" E como ela estacasse atônita, ele
lançou mão de uma pedra para afugentá-la. A mãe
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louca viu o gesto e, pondo as mãos na cabeça,
despenhou-se pelo cafezal da grota. Alguns
segundos mais e a mina rebentava e Maria sentia
cair-lhe em torno uma chuva de pedras miúdas,
enquanto ao longo da pedreira as grandes lascas
desabavam fragorosamente.
Maria sem Tempo caiu extenuada sob uma grande
mangueira no meio do campo. Na perturbação da
emoção profunda todas as idéias se lhe confundiram
e o desvario completo entrou-lhe na mente.
Era aquilo a guerra e era o seu filho que a fazia
contra ela. O homem dissera que era ele e a cantiga
a não enganara. Para se encontrarem daquele modo
vivera ela tão longos anos, penando pelos caminhos!
À idéia de que pudera ter morrido aos golpes do filho
estremecido, um calafrio sacudiu-a toda
convulsivamente e por fim as pernas se lhe
inteiriçaram. Depois, a necessidade de abandonar
toda a esperança quebrou-lhe as derradeiras forças.
Uma toalha de gelo espremeu-lhe o coração num
grito de agonia infinita e Maria sem Tempo morreu.
Algumas horas depois formava-se uma trovoada e
um raio caía sobre a árvore que abrigava o cadáver.
A tempestade passou e os escravos que, voltando
da roça, foram ver o tronco lascado descobriram a
morta. Os respingos da chuva lhe tinham coberto o
rosto de terra e os olhos esgazeados já pareciam
olhar do fundo da sepultura. Um dos escravos se
abaixou para lhos fechar, dizendo: "Coitada de Sinhá
Maria! Vá que ela agora descanse de procurar o
filho!..." E outro, velho, resmungou, sem saber que
tão bem dizia: "Esta morreu de ser mãe..."
(Histórias curtas, 1901.)
Domício da Gama (1862 – 1925)
Jornalista, diplomata, contista e cronista, nasceu em
Maricá, RJ, em 23 de outubro de 1862 e faleceu no
Rio de Janeiro, RJ, em 8 de novembro de 1925.
É um dos dez acadêmicos eleitos na sessão de 28
de janeiro de 1897, para completar o quadro de
fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Escolheu Raul Pompéia como patrono, ocupando a
Cadeira n. 33.
Domício Afonso Forneiro nasceu em Ponta Negra,
Maricá, aos 23 de outubro de 1863, sendo filho de
Domingos Afonso Forneiro, pequeno comerciante, e
de Mariana Rosa Loreto. De origem humilde, desde
a infância mostrava uma inteligência viva e brilhante.
O sobrenome Gama, que sempre trouxe consigo,
herdou-o de seu padrinho, o Pe. Sebastião de
Azevedo Araújo e Gama, vigário de Maricá durante
41 anos, no período de 1851 a 1892.
Seus primeiros estudos se passaram no Colégio
Henrique, no Rio de Janeiro. Matriculou-se
posteriormente na Escola Politécnica, mais
precisamente em 1878, mas desistiu logo a seguir,
ao perceber que sua vocação não era lidar com
ciências exatas. Dedicou-se com sucesso ao estudo
de Literatura e Geografia, que realmente o
apaixonavam.
Não contando com a ajuda de pessoas importantes,
foi vencendo sozinho, em decorrência de seus
esforços e de sua inteligência singular. Mesmo sem
recursos, fez-se repórter da "Gazeta de Notícias",
exercendo o cargo com eficiência, tornando-se
amigo e auxiliar do famoso jornalista Ferreira de
Araújo.
Em 1888 encontramo-lo na Europa, correspondente
internacional da Gazeta de Notícias. Durante este
tempo aprofundou mais os seus estudos de
Literatura e Geografia. Membro integrante do
Sindicato da Imprensa Estrangeira, atuou com brilho
durante a célebre Exposição de Paris, ano 1889.
Motivado pelo Barão do Rio Branco, de quem era
amigo particular, trabalhou no Comissariado da
Emigração da Europa.
Lidou na Política Exterior Brasileira, consagrando-se
ao lado do Barão do Rio Branco. Diplomata arguto e
competente, era sempre lembrado nos casos mais
exigentes da Diplomacia Brasileira. É assim que o
vemos auxiliando o Barão do Rio Branco nas
questões do Amapá, Missões e Acre.
Pertencem-lhe, na história da Diplomacia do País, as
boas relações com o Peru, em 1906, e com a
Argentina, pouco depois. Com larga visão política e
grande capacidade, houve-se bem ao substituir
Joaquim Nabuco, em Washington.
Foi secretário de Legação na Santa Sé, em 1900 e
ministro em Lima, em 1906, onde desenvolveu
grande e notável a atividade, preparatória da política
de Rio Branco, coroada pelo Tratado de Petrópolis.
37
Embaixador em missão especial, em 1910,
representou o Brasil no centenário da independência
da Argentina e nas festas centenárias do Chile.
Embaixador do Brasil em Washington, de 1911 a
1918, foi o digno sucessor de Joaquim Nabuco, por
escolha do próprio barão do Rio Branco.
Ao celebrar-se a Paz européia de Versalhes,
Domício, como ministro das Relações Exteriores,
pretendeu representar o Brasil naquela conferência,
propósito que suscitou divergências na imprensa
brasileira. Convidado para a mesma embaixada, Rui
Barbosa recusou, e o chefe da representação
brasileira foi, afinal, Epitácio Pessoa, eleito pouco
depois, em seguida à morte de Rodrigues Alves,
presidente da República.
Domício foi substituído na Chancelaria por Azevedo
Marques, seguindo como embaixador em Londres,
em 1920-21. Foi posto em disponibilidade durante a
Presidência Bernardes.
Sua atuação como Embaixador Brasileiro em
Londres valeu-lhe as seguintes observações, feitas
por Pandiá Calógeras, em sua obra "Estudos
Históricos e Políticos": "só quem conhece os meios
oficiais londrinos pode apreciar o prestígio que
cercava esse diplomata calmo, sisudo, inimigo da
ostentação e atento a quanto interessasse ao
Brasil". E disse ainda mais: "a sua perda é um
empobrecimento mental e moral para o País".
Em 1919 foi Presidente da Academia Brasileira de
Letras, em substituição a Rui Barbosa.
Domício da Gama era colaborador da Gazeta de
Notícias ao tempo de Ferreira de Araújo.
Escreveu "Contos a Meia Tinta" (1891 ) e "Histórias
Curtas" ( 1901 ). Foi ainda Diretor de Publicação do
Atlas de Geografia Física e Política e do Atlas de
História Antiga e Moderna.
O seu estilo é primoroso, leve e sutil, prenhe de
originalidade, e revela o espírito profundamente
observador do literato.
Como tantos outros vultos ilustres, faleceu
esquecido depois de tão numerosos serviços, aos 8
de novembro de 1925, na cidade do Rio de Janeiro
Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Texto do livro "Maricá meu Amor", de Paulo Batista Machado,
disponível em http://www.marica.com.br/2003b/2910domicio.htm
Nilto Maciel
Poesias
CONHECIMENTO
Poucos conseguem
entender o verbo,
por mais comum que seja.
Muito menos,
o silêncio.
ARCO ÍRIS
As árvores tocavam alaúde,
requebravam-se bailarinamente
ao escapar dos ventos e das nuvens.
As torres das igrejas e seus pássaros
- geometrias ásperas, cadentes desenho branco no reverso azul.
Azafamado, o homem nem sequer
via o menino ver sua partida,
a porta aberta, a rua, seu chapéu.
Quando chovia e o sol brilhava ainda,
via o menino o espectro das cores
nos olhos da menina que sorria.
E longe deles, onde os anjos moram,
o arco-celeste a cauda aberta em leque,
em cores se curvava sobre o mundo.
38
Os alaúdes não se tocam mais;
há forcas pelos campos e cidades;
morcegos voam pelas sacras naves.
O homem sumiu com seu chapéu de feltro
na curva da avenida, e, mais sisudo,
nem disse ao filho expectante adeus.
Do paraíso os anjos foram expulsos.
Desvaneceu-se o arco-íris, pouco a pouco.
Menina foi, menino foi - partiram.
SONETO CREPUSCULAR
Para Francisco Carvalho
Nos campos de meu pai antigamente
as chuvas inundavam meus pensares
e do pomar do céu pingavam frutos.
Ventos ninavam aves repousadas
nas árvores vigias de seu sono,
sentinelas da luz crepuscular.
As ovelhas baliam suas crias,
os vaga-lumes alumbravam tudo
e a solidão das vacas nos currais.
Duendes se assustavam co’os trovões.
Na escuridão dos quartos o perfume
do amor gemente à sombra dos lençóis.
Invernos que de mim se evaporaram
nos campos de meu pai antigamente.
VISIONÁRIO
Da varanda do apartamento
olho para a cidade.
Torre de marfim,
torre de babel.
Árvores agitadas,
carros correndo na avenida,
pessoas andando à toa,
um cão vadio.
Cheiros diversos,
chiados, barulhos.
Onde estará o centro do mundo?
Onde estará acontecendo
a notícia de amanhã?
Dentro daquele ônibus
viajará a moça iludida
e que poderia estar comigo.
Viajará o rapaz triste,
embriagado e que poderia
me contar sua vida
- arcabouço de um conto.
O motorista irá atropelar
uma criança sem futuro.
No automóvel de luxo
vai a mulher
que brigou com o marido
e anda atrás de vingança.
Na parada de ônibus
talvez esteja o assassino
de logo mais.
Na tela do cinema
a musa de todos nós,
estrela que se apagará.
Numa cadeira
um homossexual olhará
para as pernas do rapaz
que come pipoca.
Noutra cadeira um senhor
alisará o próprio bigode
pensando no passado.
No banco da praça
o mendigo comerá pão
olhando para as nádegas
das mocinhas que passam.
No palácio o presidente
alinhará o decreto
que me dará dor de cabeça.
O deputado beberá uísque
no bar e falará de si mesmo.
Sentado num sofá o homem
lerá o romance da mulher
deitada eternamente
em berço esplêndido.
O poeta escreverá uns versos
que lerão daqui a dez anos,
versos sem rima ou sem ímã,
sem métrica e sem ritmo.
No meio do mato a onça
farejará o veado;
o macaco morderá o rabo
do tatu; a formiga
caminhará sem rumo;
e tudo estará escuro.
No rio o peixe, a água,
o frio, o pescador.
No mar o tubarão,
a baleia, o turbilhão.
39
No céu a estrela virando pó,
o foguete se espatifando,
o infinito e nada.
Aqui, sozinho, longe e perto
de todos, de tudo,
quero estar no centro do mundo,
na crista da onde,
quero ser testemunha do crime,
da crise, do apocalipse.
Quero ver de perto o amor, o ódio,
a solidão, a multidão.
Quero estar no palco, no show,
no centro da cidade,
do campo, do rio, do mar,
do céu, do universo.
Quero a onipresença,
a onisciência,
toda a ciência.
O JANGADEIRO
Para Edinardo, às vésperas do primeiro
ano de sua partida.
Arrodeio a superesfera
na minha jangada amiga,
rindo de quem me espera,
chorando à moda antiga.
De quantos paus ela é feita
só dizem os jangadeiros
velhos e companheiros,
fugidos da rota estreita.
Não rio por palhaçada
nem choro angustiado;
já me bastava a maçada
de ansiar o desejado.
Levo comigo a coroa
dos filhos da Eternidade,
relendo Fernando Pessoa
frente a toda realidade.
Passeio as nebulosas,
os astros, o espaço sem fim,
saudadoso das carinhosas
meninas do Otávio Bonfim.
De dois velhos meus criadores,
meu primeiro e doce abrigo,
de duas pequenas flores,
em quem pensando prossigo.
De uma soidade que amei
e que na Bahia deixei,
de sete meus germanos
deixados a fazer planos.
Dos pareceiros risonhos
do pobre Amadeu Furtado,
esses bebedores bisonhos
de fel, cachaça e melado.
Mergulho a atmosfera
montado em cavalo-de-pau,
zombando da besta-fera,
lembrando o primeiro mau.
Conduzo comigo um poema
jamais publicado em papel
para reler na suprema
corte do mais alto céu.
Vasculho os tempos perdidos
no carro dos deuses gregos,
tristonho de ver iludidos
os que ficaram aos pregos.
De recordar os pileques
que com meu mano bebi,
choroso de ver os moleques
famintos do que comi.
Cavalgo o cavalo das eras
na mais incrível carreira,
carregando uma flor de parreira
para o homem e para as feras.
Na minha ida desejei
deixar o que sempre sonhei:
projetos de muito amar
para a terra e para o mar.
O mundo que nos aguarda
não tem regulamentos nem leis,
é o país do povo sem guarda,
não tem um, nem dois, nem três,
tem milhões de seres iguais,
é a utopia dos pensadores,
o sonho dos ancestrais,
a terra só dos amores.
Comigo navegam poetas,
40
revolucionários e santos,
partimos no rumo das metas,
dos fins, começos e cantos
Fonte:
Visionário. Poemas inéditos.
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 88
Uma Trova Nacional
Nosso amor que o destino
vai pintando com ternura,
forma um quadro tão divino
que nem precisa moldura...
(IZO GOLDMAN/SP)
Uma Trova Potiguar
Com as rimas de rebolo
fiz um verso sem projeto
tijolo sobre tijolo,
um verso quase concreto.
(MARIVALDO ERNESTO/PB)
Uma Trova Premiada
nem todo lorde é decente,
nem tudo que tomba cai.
(MANOEL DE MACEDO/RN)
Uma Trova de Ademar
Toda menina é bonita,
toda morena é faceira,
toda cabra tem cabrita,
toda semana tem feira.
(ADEMAR MACEDO/RN)
...E Suas Trovas Ficaram
A saudade é como o espinho
que entra no peito da gente:
no início – dói um pouquinho,
depois... dói profundamente!
(EDMILSON F. MACEDO/MG)
2010 > Curitiba/PR
Tema > MADRUGADA > Menção Honrosa
Estrofe do Dia
(Em resposta a de Ontem, de J.Ouverney)
Madrugada, por que insistes
- na solidão que apavora –
em arrastar horas tristes...
se eu anseio pela aurora?
(THEREZA COSTA VAL/MG)
Para ser bom trovador,
inteligência não basta,
que a cabeça se desgasta
e o Q.I. perde o valor!
É preciso estar marcado
com aquele dom sagrado
que em seu coração virá!
Sim, o estudo e a inteligência,
dão-lhe conceitos, fluência,
mas alma à trova... quem dá?!
(CAROLINA RAMOS/SP)
Simplesmente Poesia
MOTE :
Nem tudo que tomba cai.
GLOSA :
Nem todo homem tem brio,
nem toda moça se casa,
nem todo fogão tem brasa
nem toda lã dá pavio.
Nem todo inverno faz frio,
nem todo filho tem pai,
nem tudo o que entra sai,
nem toda fera é valente;
Soneto do Dia
– Ialmar Pio Schneider/RS –
SONETO DO ABANDONADO.
Se teu amor chegasse de mansinho
e aos poucos me envolvesse corpo e alma;
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se ele viesse me trazer carinho
quando me desespero e perco a calma...
tanto sincero quanto predileto,
viveríamos horas mais amenas...
Se fosses o fanal do meu caminho
e me surgisses numa noite calma,
como alguém que procura um quente ninho
para amar e aquecer o corpo e a alma...
Mas enquanto não vens não tenho nada;
minha vida é uma casa abandonada
onde alguém chora a sós amargas penas.
Fonte:
Ademar Macedo
Ambos unidos pelo mesmo afeto,
Carolina Ramos
Como de Costume...
A majestade daquela lua enorme, exageradamente
iluminada, não combinava, em absoluto, com o
nebuloso astral daquele homem abatido à procura
de um jeito honroso para retorno ao lar.
Largou-se em seguida na cama, soluçando
desconsolada. Algum tempo depois, socava o
travesseiro, como quem socasse a cara do marido
desaforado...
O dia fora terrível! O almoço, desastroso! Homem e
mulher, se por uma balela qualquer se
desentendem, a cada palavra cavam cada vez mais
fundo o abismo que os separa, envolvidos pela
avalanche verborrágica, que enrola razões, manipula
argumentos, inflama egos e espicaça vaidades, na
tentativa insana, de provar quem de fato é o dono da
verdade.
De volta à pia, filosofava: - Por quê são os homens
tão incompreensíveis?! Tão intransigentes, a ponto
de comprometerem um diálogo sadio... um acerto de
opiniões, uma análise de pontos de vista capazes de
levar ao consenso ou, quem sabe, à discordância, já
que nem sempre duas cabeças pensam de forma
igual. Sempre cheios de razão ...incapazes de
admitir um erro... dar a mão à palmatória... E, que
fácil seria dizer: - “Desta vez, errei, querida” . Até
que aquele querida poderia ser dispensado. Bastaria
dizer: - Errei, pronto! Perdoa, sim? – Claro que,
depois disso, tudo terminaria bem. Qualquer mulher,
mesmo entre raios e trovoadas, agiria assim, com
aceitação... com naturalidade. Mas, qual deles à
beira de uma tempestade, pensaria em valer-se do
guarda-chuva do perdão, mesmo sabendo ser, essa.
a única solução?
Em poucos minutos, aquele casal, até ali tão unido,
escorregara do éden conjugal para o inferno
dantesco das acusações mútuas.
Lágrimas enxugadas na barra do avental e a batida
violenta da porta, foram mais que convincentes para
provar que o primeiro round estava findo, mas a luta
, não.
Mirna empilhou os pratos sobre a mesa,
transportando os copos para a pia, sem conseguir
evitar que um deles se espatifasse a seus pés.
Catou os cacos resignada. Era o primeiro copo
quebrado, daquele bonito jogo azul, bico de jaca,
presente de casamento da tia Júlia. Gostava dos
copos. E mais ainda, da tia. Contudo, a dor que lhe
doía no peito era tão forte que nem sentiu a perda.
Com raiva, atirou os cacos na lata de lixo.
A esponja da filosofia, ajudou... e a louça foi lavada
com requinte. A cozinha, arrumada, ganhou ares de
cozinha de revista. Na fruteira, o brilho das frutas foi
despertado pela flanela, em lustro vigoroso. As
maçãs ficaram mais rubras, apetitosas. A raiva da
moça exagerou no esfregão, a ponto de machucar
uma delas.
Precisava ficar mais calma. Nenhum homem
merecia uma lágrima de mulher – isso lhe dissera
42
tantas vezes a mãe – pobre mãezinha, quantas
vezes a vira chorar em silêncio!
porém, não passou despercebido o torcer da chave
na fechadura.
O chuveiro lavou-lhe corpo e alma. Maquiou-se com
cuidado e perfumou-se. Nenhum gladiador adentra a
arena desarmado. Faltava pouco para o retorno do
marido. Retornaria? - Ah... haveria de ouvir poucas e
boas!
Ele! Sequer virou a cabeça ou desgrudou os olhos
do vídeo. O tricô...
Dedos nervosos pegaram o tricô e ligaram o
televisor. Tempo de novela. Tanto drama em casa e
aquela mania tola de imiscuir-se nas tramas
televisivas, como se a vida não passasse de
histórias somadas entre tapas e beijos... briguinhas
e abraços , intrigas e enrolações, quase sempre
encaminhadas para um final feliz, a premiar bons e
castigar maus. Como se tudo pudesse ser resolvido
por toques no teclado de um computador, à
disposição dos dedos do autor. Como se aqueles
dedos fossem pequenos deuses a tal ponto
poderosos que capazes de criar vidas, tecer tramas
e alterar destinos, a bel prazer.
Envolta em mágoas, Mirna deixou escapar a malha
do tricô e perdeu o fio da novela. Ao ouvido atento,
Esperava pela primeira palavra, que não veio. A
tensão cresceu quando sentiu a aproximação do
marido. Teve vontade de encará-lo. Conteve-se. Ele
sentou-se no sofá ao seu lado. Tenso e mudo.
O corpo da moça retesou-se, pronto para recomeçar
a batalha verbal interrompida.
Relaxou, quando sentiu a cabeça do marido aninharse no seu colo, como de costume. E, como de
costume, os dedos dela deslizaram mansamente
pelos cabelos macios, como que alisando, com a
ternura de sempre, o pelo macio de um gato fujão.
Naquela noite, o amor falou tão alto... que nem foi
necessária palavra alguma!
Fonte:
A Autora
Cláudio de Cápua
Trovas
É neste "Canto que eu Canto"
belezas que a vida tem
que ao meu mundo dão encanto
e tanto me fazem bem!
Ante ao talento me ajoelho...
E o teu talento invulgar,
tanto me serve de espelho
como me serve de altar.
(uma homenagem a Carolina Ramos)
Esta foto é mais um fato,
que nos traz para o presente,
através deste retrato,
lembranças de antigamente.
Palhaços de profissão?
Ah, Como é bom, fazem bem.
O triste é ter coração
e ser palhaço de alguém!
Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
Olha! A noite é uma criança,
diz o refrão popular que sacode e balança
presa às tranças do luar.
Só por descuido é que a Helena
acabou por se casar...
Pois, pensou que Cibalena
43
fosse a pílula... Que azar!
Certo bispo ouve uma "história"
de um padre chamado Hilário
e grava, assim, na memória
um bom "Conto do Vigário"
Avisto do alto da serra
a pujança do sertão
e sinto orgulho da terra
que mora em meu coração!
Servidor da tributária,
bem "Severo", sem igual,
ergue a saia à secretária,
por ser, de "rendas", fiscal.
Quando o rei sol estorrica,
tortura, com seu clarão,
mais forte é aquele que fica
e dá valor ao seu chão!
O delegado Pereira...
Êta Pereira bacana,
- É de pouca brincadeira,
não dá pêra, só da "cana"!…
De "mau jeito" o Zé Baleia,
pescador de sorte estranha,
noivou com uma sereia,
casou com uma piranha..
Fonte
http://www.de-capua.com/publicacoes.html
Silviah Carvalho
Um Coração que Ama
INSENSATO CORAÇÃO
CANÇÃO DO AMOR
Meu pobre coração perdeu-se em meio as suas
palavras, dúvidas e incertezas ferem minha
consciência, como pode este amor surgir do vazio
de suas respostas, do silêncio que domestica minha
impaciência, eu que sou um ser arredio e limitado
levo-te frases, mas, deixo cair palavras que,
alimentam outros corações, mesmo sem intenção e
percebo a semelhança de estupidez com inocência.
Às vezes, nos parecemos egoístas agindo de acordo
com nossos interesses, como a águia que, quando
avista uma presa, se lança sem se dar conta das
intempéries, dos obstáculos... Insensato coração,
pois, não deseja mais ninguém além de você, nem
se vê em outros braços senão nos teus, os olhos do
meu sentimento te vê só, sem ninguém a cuidar-te,
desprotegido cercado pelas águas... Saiba, o anseio
da minha alma é parecido com a tristeza que, me faz
preferir o silêncio a uma triste surpresa. Consciente
desprezo as agruras que este amor possa deixar
aqui dentro e, assumo este sentimento mesmo sem
esperança de poder vivê-lo.
Quando no frio da madrugada meu corpo tremer na
solidão
Unirei meus sentidos e em uma só voz cantarei – Eu
te amo...
E um som borbulhante, um brotar de águas e uma
corrente
encherá seu meigo coração...
Quando pela manhã acordares e aquecer-se do frio
do fim da
madrugada, no vento banhado pelos primeiros raios
de sol
Levarei aos seus ouvidos o meu canto de fidelidade
- Eu te espero
Sentirás aquecido na sobriedade de minha
sinceridade...
Quando a integridade de meu amor tocar o curso
das águas
no fundo do seu ser, e alcançarem as torrentes que
há muito
estavam ocultas, a música do meu desejo acendera
a chama
que se consumirá em você...
44
Sim, na noite, está se preparando nosso cântico, e
no monte
afinamos nossa voz, sem rimas, as nuvens darão
sonoridades aos
acordes que dissipam toda dor.
A chuva suaviza a melodia, eternizando este louvor
na transição brusca do meu medo à minha
esperança
Eu te ofereço este sincero cântico de amor...
ME PERDOA
No vale, lugar onde o menor sobrepõe o maior, onde
as lagrimas substituem as palavras...
Onde a obsessão perde a razão, entendo que, em
nenhum dos seus estágios o amor verdadeiro é
vulgar. Esvazio-me no meu silêncio, revelo o
desalento de te amar...
Mergulho no fundo do meu ser, vitimada pelo sentir
em demasia, quanto mais me humilho em oração,
mais sinto no meu peito esta agonia.
Somos duas metades separadas pela vida, eu sei
tão pouco de você e nem sabes que existo, nada
sabes de mim... Se um dia a vida nos unir, então
meu ser se satisfará de tudo que falta para mim.
Aqui no vazio do meu quarto, na solidão do meu
viver, no momento em que falando com Deus Penso
em você!
– Rogo, com o rosto banhado em pranto, me perdoa
por em tão pouco tempo e, sem nenhuma
explicação, te querer deste jeito - te amar tanto...
ATÉ QUE AS ÁGUAS NOS UNAM
Dir-se-ia uma prova de amor um tanto estranha...
Mas,
quem deixaria seus sonhos para viver um amor
desconhecido
Alguém de quem pouco se ouviu falar, nem tenha
visto seu rosto
Quem atravessaria um oceano na possibilidade de
um desgosto
Eu, pois ainda ontem eu me encontrava em terra
firme, hoje perdi
o chão, eu cantava no esplendor da manhã, hoje
estou abatida e,
canto na prisão. Ao meio dia eu me aquecia com o
calor da solidão
Agora sinto medo deste sentir, do silêncio a afligir
meu coração
Bem sei que a sombra faz o trabalho que a claridade
não faz
Mas sei que o amor pede sempre mais, pois na
sombra ou na luz
O amor se refaz e, vive de refazer-se, o amor é
como a canção
Faz dormir ou acordar, sugere palavras, proporciona
ocasião...
A minha alma engrandece este amor, pois nenhum
outro a alcançou
Um querer se apega a suas palavras que, o meu ser
as adotou
Ah! Alma minha, um amor além do mar te
arrebatou? Saibas, nem
sempre estamos preparados para o deserto, desta
vez eu não estou.
Diga-me amor distante, esperava um amor assim tão
presente?
Procura-me, estou tão só! Se for sua vontade logo
me achará
Encontremos-nos no meio deste caminho,
encurtemos este mar
Anjo tecedor de sentimentos rasgue o oceano e vem
me buscar
Fontes:
http://umcoracaoqueama.blogspot.com/
45
Henrique Oliveira
O Bêbado e o Poeta
- Faz tempo que não venho num espetáculo
- Tem leão?
- Acho que tem.
- Quer quebra-queixo?
- Quero.
- Chocolate quente também?
- Prefiro uma.
- O circo é um lugar sagrado. Você não pode beber
aqui.
- Ué. Não é desrespeito beber da forma que eu
bebo. Sabe disso.
A noite começava a chegar quando a fila se formava
sob a gigante lona amarela e azul. O chão de terra
batida era coberto pelo pó de serra. Um friozinho
agradável aumentava a venda do tiozinho da
barraca de chocolate quente. Osvaldo, o poeta
pacientemente aguardou sua vez e pediu ao tiozinho
um chocolate e se ele tinha vodka. O bigodudo lhe
serviu a bebida quente e balançou a cabeça para os
lados respondendo a pergunta. Enquanto fazia o
troco para dez, o tiozinho lembrou.
- Não quer um conhaque?
- Pode ser.
- Com gelo?
- Não precisa. Quero quatro doses.
Antes de voltar pra fila Osvaldo passou na
barraquinha de doces e comprou dois quebraqueixos. Num, deu uma pequena mordida. O outro
deu para o moleque que pedia para engraxar
sapatos.
- Obrigado por guardar o lugar.
A moça de vestido roxo sorriu.
- Está forte o chocolate, bêbado?
- Está bom.
- Vamos sentar aqui.
- Aqui é melhor.
- É muito perto do palco. Assusto-me com as
bombinhas dos palhaços.
- Deixa de frescura.
- Demora pra começar?
Osvaldo era homem de bom coração. Com canetas
e teclados transformava palavras em obras
admiráveis. Era um nobre escritor. Chorava fácil.
Seus ápices da felicidade atingiam-se em momentos
toscos, ingênuos e infantis. O circo era um deles. As
luzes se apagaram, uma lágrima desceu para a
bochecha do poeta.
Gritou o homem de cartola e smoking pretos.
- Gosto de malabares.
- Eu também.
- Esses são bons.
- Vou pegar mais um conhaque.
Não tinha fila na barraquinha do bigodudo. “O
senhor me vê quatro doses de conhaque e um
chocolate quente”, pediu o bêbado, que sentou no
banquinho de madeira do meio. O tiozinho, sem
fregueses naquela hora, puxou papo com o bêbado.
“Frio, né? Não gosta de circo?” O bêbado já tem ela
pronta. “Gosto sim, e muito. Estou aqui fora porque
queria tomar mais um conhaquinho, mas já vou
voltar. Quero ver os palhaços. Adoro os palhaços.
Você gosta?” “Gosto também. Já fui palhaço. Era um
dos bons. Ninguém ficava sem rir. Tenho saudade
daquela época.” O causo foi longo. O bêbado ouviu
o bigodudo atenciosamente. Despediu-se do tiozinho
e voltou para o circo. O espetáculo chegara ao fim.
Sua decepção foi visível. Encheu os olhos de água e
partiu em direção a porta de saída.
- Eu não vi nada.
- Quem mandou ficar lá fora?
- Não seja ruim comigo.
- Não estou sendo.
- Vamos passar no bar
Osvaldo puxou a cadeira de uma mesa que estava
próxima à parede e se sentou. Puxou uma caneta do
bolso, um pedaços de guardanapos do portaguardanapo e começou a resenhar. O bêbado pediu
uma vodka.
- Vai tomar vodka?
46
- Não quero mais conhaque.
- Você está triste por ter perdido os palhaços?
- Um pouco.
- Vamos voltar ao circo amanhã.
- Ótimo.
Responde o dono do boteco: “Vou pendurar, mas
preciso que você me pague na semana que chega.
Combinado Osvaldo?” “Combinado”, responde o
bêbado que foi para casa terminar o conto que havia
começado.
O bêbado, completamente embriagado levantou-se.
Foi ao balcão.
Só fico sóbrio para corrigir a gramática do que crio
na embriaguez.
Osvaldo, o poeta.
- Eu quero mais uma vodka. Marca pra mim. Estou
indo embora.
Fonte:
http://oliveirando.blogspot.com/2009/09/o-bebado-e-o-poeta.html
Lino Sapo
Poesias
JARDIM DOS SONHOS
POESIA DA CACHOEIRA
Abra seu coração e liberte a solidão
Vá até a porta do egoísmo e o prenda com as
algemas do altruísmo.
Ache o lugar onde guardou seu ódio e o extraia até a
última gota e as lance no fogo do perdão
Atice com coerência,
Para que a temperatura seja correspondente a da
razão.
Para apagar o fogo use a lógica,
Depois junte as cinzas no caco da esperança
E misture com honestidade
Deixe descansar por algum tempo à sombra da
ética.
Quando estiverem homogêneas plante uma semente
do bem
Aguai todos os dias com muito amor,
Quando a paz estiver desabrochando adube com
dignidade
Aguai e adube sempre e em pouco tempo colherás
felicidade
Tire uma semente e deixe secar aos raios da
sabedoria
Embrulhe na gratidão e amarre com solidariedade
Presentei alguém e peça que continue fazendo
Só assim existirá o jardim dos sonhos
Que brotará unicamente da simplicidade
Para que o jardim seja sempre vivo.
Use como inseticida para o orgulho a humildade
Cachoeira do sapo desvirginada antes de nascer ,
Por tropeiros valentes em suas entranhas a
percorrer.
Nascida isolada depois de batizada em recantos tão
errantes,
Crescendo cheia de vida adotada por pais distante.
Com remonto de segredos que embeleza o existir,
Triunfante como um cometa no seu curso a seguir,
Foste menina que a infância não celebrou,
Devendo obediência a quem não se importou,
Adolescente rebelde que já que andar sozinha,
Nos caminhos da vida já sabe cobrar carinho.
Sempre fostes mãe antes que soubesse caminhar,
De seca a inverno sempre no mesmo lugar
Um presente que Deus deu a quem não sabe cuidar,
Guardas em teu seio segredos de lutas longas a
conquistar.
Tua alma espelha a grandeza daqueles que a
povoou,
E chora com saudade aqueles que te amou.
Entre o chorão e o purão tuas lagrimas despejou,
Por Inês que foi embora e Sofia que não chegou.
Tão linda como era quando belas fica a encantar,
Mas triste como Danaê sem a chuva a encontrar.
O sol que brilha nascendo por trás das serras a
coroa de magia,
E a criança que chora procurando o peito da mãe
47
É tão viva quanto a lua que a vigia.
Teus rochedos são tão fortes que parecem Sansão.
Tens ventos suaves que alivia o fardo do pobre
coração.
Cachoeira das Damianas,das coroas de espinhos.
Sois cigana que sangra cada ano um pouquinho.
Teu poeta é tão simples que nem parece existir,
Mas te louva com amor e te planta na memória
Para no futuro te dividir.
CACHOEIRA DO SAPO
A minha amada terra (Cachoeira do Sapo)
Onde as águas rolam fortes, onde as pedras são
sem igual
Onde o vento é maravilha, onde tudo é bem normal
A natureza é uma beleza, E que por aqui ficou
A fauna e a flora que o tempo conservou.
Tudo é maravilhoso, por aqui se pode ver
Já sabemos quem criou, e agradecemos ao senhor.
Como prova de sua grandeza essa terra povoou
Com criaturas exóticas e homem de valor
Obrigado pelo presente que vós nos deixou
O orgulho dessa gente, é que cachoeira do sapo se
tornou.
Que eu sou cachoessapense, eu sou.
Com muito orgulho e muito amor.
Cachoeira do sapo eu sei,
Nesta terra me criei.
Foi aqui que eu nasci, por aqui aprendi
O que deve cultivar, o amor e a alegria
Sempre em grande parceria, eternamente iremos
levar.
Nossa dor é quase nada e foi imediatamente
superada,
Transformada em piada para quem nos escutar.
E a força dessa gente, se deve ao lugar
Nossa historia é forte, não se pode duvidar
Houve conflitos teve mortes, Mas deixou tudo pra lá
Hoje o povo é feliz e pode se orgulhar,
Pois nos restou, a paz para contemplar.
Que eu sou cachoessapense, eu sou.
Com muito orgulho e muito amor.
Cachoeira do sapo eu sei,
Nesta terra me criei.
De seca a inverno, de janeiro a dezembro
Essa terra não deixou seus filhos morrerem em
desalento
Água pra matar a sede e pão pra saciar fome
A vida por aqui é bela, e molda nosso homem
De Pedro leite a Junior Bernardo, de Silvio a
andrelino
Vivemos de realizar sonhos, que nasceram quando
menino
De Neném loicera a Zé Quixaba, de Nicolau a
expedito
Nossa sociedade é organizada, esse é o lado mais
bonito
São José nosso padroeiro e também bom protetor
Ajude aos filhos de cachoeira do sapo, a viver com
muito amor.
Que eu sou cachoessapense, eu sou.
Com muito orgulho e muito amor.
Cachoeira do sapo eu sei,
Nesta terra me criei.
MINHA TAPERA
Quem dera fosse uma mansão
Com quarto, cozinha, banheiro e salão.
Não, não era.
Era miúda com cacto crescendo em suas telhas,
Como cresce verrugas em crianças que contam
estrelas.
Tortinha e pensa,
Baixinha e magra,
Suas varas apareciam amarradas com embira
E coberta com folhas de marmeleiro.
Parecia um menino buchudo e desnutrido
Com os pés cheios de feridas.
Assim, ficava
Quando o barro começava a caí dos paus que a
segurava.
Barroquenta e fria,
Com meus pés tocando o chão,
A sentia e a via,
Com os olhos remelentos rodeados de mosquitos.
Suas janelas viam os lados
E quando suas portas se fechavam,
As tramelas eram transpassadas
Para dar segurança;
Segurança desnecessária.
Em suas paredes estavam as digitais
Dos dedos marcados no barro seco,
Legado da luta que foi construí-la.
48
E as frestas de suas telhas,
Quando não tinha uma lata de óleo aberta
substituindo uma,
Clareavam o chão batido do piso.
As restas redondinhas ou ovais
Seguiam seu caminho ao contrário do sol.
Em suas rachaduras,
Ficava o habitat dos insetos,
Que furavam seus buraquinhos redondos.
Maribondos também faziam suas casas
Nas linhas de facheiro ou nos caibros de mufumbo.
Minha tapera,
Que não era só minha,
Abrigava sapos, ratos,
Cobras, lagartixas, víboras, maribondos e
muriçocas.
Minha tapera,
Que na chuva quase se desfazia por completa
e que na minha infância seu barro era comestível
Tão fria e lamacenta,
Fedorenta e fumacenta.
Lembro ainda do teu fogão de lenha,
Das tripas e preás espendurados num cordão,
Da portinha toda emendada,
Dos armadores da minha rede,
Do pote no canto da sala,
Do cupinzeiro na furquia.
Ah! Que lembrança salgada,
Lembranças das noites mal dormidas
Em que as goteiras caiam dentro de minha rede
Ou os grilos cantavam nos rachões do barro até de
manhã.
Velha minha,
Velha tapera,
Hoje já não estais aqui.
Teu barro foi nas águas do riacho
Que tanto nos acordou no meio da noite (com água)
Querendo nos levar.
Tua madeira foi queimada nos fogões da vizinhança
E nas fogueiras de são João.
Tuas poucas telhas
Não serviram para nada,
Nem mesmo para cobrir a casa do meu cachorro,
Virou aterro para o baldame de tua substituta.
Minha querida tapera,
Da minha infância nostálgica,
Ainda lembro de teus quatros repartimentos,
Da meia parede,
Dos papelões tapando teus buracos,
Das pontas de vara nos portais
Arranhando-nos os braços ao passar.
Quantos sonhos de te substituir
Elaborados dentro de ti!
Separamo-nos
Como quem há tempo desejava.
Mesmo ao longe,
Via-te erguida.
Tristinha,
Como se sentisses a minha saída.
Em pouco tempo,
Viesses ao chão
Se desmanchando por completa
E não duraste muito até desapareceres,
Ficando apenas marcas tuas
Do lugar onde foste erguida.
Não te guardei os restos mortais pequenina,
Mas te gravei pra sempre em meu coração,
Que parece te encontra em cada arranha céu que
vejo,
Hoje, ele parece ser do mesmo barro que você,
Pois acolhe a todos
Dentro de seus limites, que queira nele viver.
(Homenagem a tapera em que vivi minha infância)
Lino Sapo (1981)
Andrelino da Silva (Lino Sapo) nasceu no dia
06/01/1981, no distrito de Cachoeira do Sapo/RN.
Filho do casal José Adelson da Silva e de dona
Damiana Lúcia da Silva.
Foi o segundo filho do casal num total de cinco.
Após seu nascimento foram morar em outras casas
do lugar somando num total de doze casas e um pé
de árvore por um dia. Começou seus estudos no
Projeto Casulo, e sua primeira serie fez na mesma
escola que nasceu, agora reformada e em atividade.
Aprende a ler influenciado pelos livros de cordéis
que via seu pai ler. Em 1989, seu pai se separa de
sua mãe deixando apenas com seus cinco filhos
onde a mais velha tinha 10 anos e a mais nova
estava na barriga com dois meses.
Andrelino encontra na escola uma oportunidade de
fugir de sua realidade, já que a fome e tantas outras
necessidades o faziam sofrer diversas formas de
preconceito tanto racial como econômico.
49
Faz seu ginásio em Cachoeira do Sapo, e conclui
seu ensino médio em 1998, aos 17 anos.
Considerado como vagabundo por gostar e andar
com livros pra cima e para baixo, foi amante da
literatura no qual se apaixona por personagens
como dom Quixote e Policarpo Quaresma.
Também começa a fazer o curso de História na
Universidade potiguar UNP.
Trabalhou como carregador de ração de porco
durante nove anos, foi carvoeiro, batedor de tijolo e
arrancador de toco. Mesmo não tendo apoio fundou
o PLUJET, grupo de jovens que trabalhava com o
desenvolvimento social e cultural de Cachoeira do
Sapo, no qual ocupava a função de diretor de
eventos, colocando sua pequena cidade na mídia ao
realizar a festa de comemoração dos 70 anos de
Cachoeira do Sapo no ano de 1999.
Também leva para o interior a idéia de que é
possível chegar a universidade, e começa a dar
aulas solidariamente para alunos tanto do interior
como de outros.
No ano 2000 foi soldado do exército, onde começou
a criar suas primeiras poesias. Ao terminar seu ano
no exército retorna para Cachoeira do Sapo onde
funda no ano 2001 o Arraiá do Sapo, o primeiro
grupo de quadrilha matuta a disputar em festival e a
ganhar destaque no meio cultural da região
conquistando seus primeiros troféus.
Criador de peças de teatro e também ator, investiu
por conta própria na cultura de Cachoeira do Sapo
pesquisando e escrevendo história local. No ano de
2003 foi trabalhar em Natal como servente de
pedreiro, lugar onde se encanta com a Universidade
Federal.
No ano de 2005 presta seu primeiro vestibular.
Passando em décimo lugar para o curso de
Biblioteconomia, se tornando o primeiro cidadão
Cachoeissapense a entrar na Universidade Federal,
saindo do interior e estudando somente em escola
pública sem nunca ter feito cursinho.
No mesmo ano passa no concurso para agente de
saúde da Prefeitura Municipal de Riachuelo.
Em 2006 torna-se palestrante do projeto conheça a
UFRN através do residente, motivando os alunos do
interior do estado através de sua história de vida.
No ano de 2007 se torna conselheiro da residência
universitária CAMPUS II, durante um ano. Nesse
mesmo ano escreve a fabula Inês.
Em 2008 apresenta na câmara municipal proposta
de um projeto de lei que para cada criança nascida
no município, um livro seja comprado, dedicado à
criança e inserido na biblioteca pública do município.
Suas poesias são trabalhadas a nível acadêmico e
além de despontar o patriotismo da terra que
nasceu, apresenta as situações econômica das
famílias humildes do interior do estado.
Atualmente Andrelino ou Lino Sapo, nome que
ganhou por ser dessa terra e ter herdado do sapo a
característica de ser persistente.
Bacharel em biblioteconomia, licenciado em Historia
pela UNP, aluno de letras da UFRN, e mestrando de
Ciências Sociais pela UFRN. Tem como ícone de
suas poesias coisa do sertão de antes, e o conto
Conhecendo os Nomes das cidades do Rio Grande
do Norte (publicado neste blog), além de livros e
outras tantas poesias.
Fonte:
http://linosapovidaeobra.blogspot.com/
Amosse Mucavele
A poesia epigramática do Amin Nordine
ou a Babalaze do Atirador das Verdades
Um poema assim é árduo/ sem cola e na vertical/
pode levar uma eternidade. ‘’ ARMÊNIO VIERA’’ Ao
Sangare Okapi e Lúcilio Manjate "Amosse Mucavele"
Amin Nordine nasceu em Maputo aos 17 de
fevereiro de 1969 e perdeu a vida aos 5 de fevereiro
50
de 2011,e autor de apenas 3 livros, o que não tem
importância porque a literatura não se assemelha a
uma competição, onde quem publica muitas obras
sai vencedor (assim sendo existem escritores que
tem sido felizes nesta maratona aliando a
quantidade versus qualidade como o seu cavalo de
batalha e tem se notabilizado como verdadeiros
campeões ex: Mia Couto, Antônio Antunes,
Pepetela, Moacyr Scliar…),bastando lembrar-se do
Luís B. Honwana, Noemia de Sousa, Gulamo
Khan,e Lilia Momple para sustentar a tese de que
qualidade nem sempre rima com a quantidade.
Publicou - Vagabundo Desgraçado (1996), Duas
Quadras para Rosa Xicuachula (1997), e Do lado da
ala-B.
Amin Nordine e um militante de uma escrita sólida
em todos lados seja o da ala- A ou da ala- B, isenta
de qualquer submissão política, caracterizada pelo
inconformismo da realidade que o circunda e pela
revolta social, esta poesia epigramática e uma
revelação de um fatalismo que voa em voo rasante
sobre as angustias de um passado melancólico, e
um presente envenenado.
E do futuro o que se espera ? o futuro não será
isto!’’… superlotada receita galgando o vento/com as
mãos no coração do destino.’’
O que é do lado da ala-B? o leitor descobrirá que
esta no lado mas vil de um jovem país com os seus
problemas, e é neste lado onde reside o poeta
solitário nas suas abordagens anti-heróicas, mas
das multidões na sua mordacidade social, um
verdadeiro maquinista do comboio dos duros, um
autêntico vomito da babalaze de um poeta bêbedo
do seu dia-a-dia. Detentor de uma caligrafia rebelde,
com versos quentes como o fogo e cortantes como a
espada afiada, onde eclodem temáticas de
afrontamento de um certo tempo histórico (ex: carta
ao meu amigo Xanana, banqueiros de banquetes,
bandeira galgada aos 25, (c)anibalizinhos…)
Talvez o outro lado da ala destes poemas, não! Isto
ultrapassa a dimensão poética, ou por outra destes
melancolicos dissabores que despertam os filhos
desta pátria que nos pariu deste manancial de
barbaridades versus mentiras, que transformam o
sonho de estar livre da opressão em um pesadelo
,não será esta a voz do povo?
Estes melancolias dissabores são a pólvora contida
na’’ bala’’(ala-B) desta poesia que o autor preferiu
chamar de’’ arma da vitória’’ que dispara esta bala
certeira onde a cada estrofe vai abatendo o seu alvo.
Dai nasceu este livro embrulhado por uma critica
social.
A título de exemplo o poema ‘’barbearia dos cabrões
(‘’queixos barbudos engravatados/ barbearia dos
cabrões/ que deixa todo chão careca/ e ao alto
mastro hasteiam bandeira/ para desfraldarem o
corpo nu do povo…’’)
‘’Apesar da irrequietude e da impenitência, algumas
vezes virulentas que caracterizam esta poesia ou
das entremeadas doses de apurada ironia ou de
compaixão pelos desafortunados, o que sobressai
nesta forma particular da escrita e um virtuosismo
estimulador da sensibilidade da razão,(…),nessa
brevidade desafiadora da nossa capacidade leitoral
e estética.’’( F.NOA-o prefaciador).
Segundo Zenão a brevidade e um estilo que contêm
o necessario para manifestar a realidade. Esta
brevidade encaixa-se na poesia do A.Nordine onde
nota-se uma presença massiva de traços intertextuais da obra do poeta Celso Manguana cidadãos
da mesma esquina (ambos eram jornalistas culturais
do semanário Zambeze) guerreiros da poesia
epigramática, e soldados da mesma trincheira.
A.Nordine exilou-se na morte, Celso Manguana
exilou-se na loucura, e eu procuro exílio na memória
destes 2 poemas:
‘’Sonâmbula esta pátria
cresce nas estatísticas
e acorda com fome
custa amar uma bandeira assim?
tem o amargo do asilo
almoço de pão com badjias
sabem bem todos dias.’’
Celso Manguana pag.14- aos meus pais-Pátria que
me pariu-2006.
‘’ Se por tanto tivesse ser capaz
moça-pátria deste amor que refrega
seja o meu coração a minha entrega
escrever-te a cerca duma paz
e alto levante-se da vez que nega
não é para o povo o discurso assaz
nenhum político, milagroso ás
é tamanho o sofrimento que chega!
51
para o povo aumentem um quinhão
venha do vosso governo mais pão
burilada a página da história
apagar a sua triste memória
fazemos o país livre da escória!!!’’
A.Nordine-pag.50-soneto da paz-Do lado da ala-B2003.
Fonte:
Texto enviado pelo autor
Efigênia Coutinho
Poesias
PORQUE AMO
Amo-te na união de todos os sonhos
Que te completam em cada era destinada.
Amo-te nos meus ideais mais risonhos...
Teu coração é minha estrela Futurecida!
Amo-te até na aerosfera que respiro…
Tal qual o verão estação que prefiro,
Amo-te acima, aos céus, onde és meu suspiro,
Porque creio nos sonhos e por ti aspiro!
E nas noites, jamais sozinho ficarás,
Porque o futuro ditará a nossa vontade.
Na cama, teu corpo ao meu tu unirás
E no sempre viveremos nessa dualidade.
Este sentir que hoje é tão sonhado,
Logo será o nosso mais belo momento.
Quando se fizer em ato consumado,
O aconchego deste sublime sentimento.
SONHOS
Num amor pelos deuses do Olimpo aclamado,
Onde sou vestal preparando a tua vinda,
Vestida em brocados de cristal dourado,
Para te ofertar o amor de minha alma infinda!
Amo-te! E amarei assim tão docemente,
Afagando os sonhos postos em minha mente.
Amo-te! Deste grande amor eu sou ciente
Que seremos abençoados eternamente!
Sei que a vida nos colocou num só destino,
Por esta razão o meu amar eu proclamo.
Vou embalando o amor ao tons cristalinos,
Acalentando por todo Universo porque Amo!
Quando tiver um sonho, construa um altar:
um espetacular altar de rua
que lhe couber em sorte no ato de amar
ainda que imperfeito à luz da Lua!
Quando você sonhar, construa um caminho
de saibro ou granito, pouco importa!,
onde a Lua possível seja o linho
dum telhado com janelas e uma porta!
Não há sonho que dure eternamente,
perdemos um-a-um, sem grande esforço,
sorrimos à deriva pela mente
que nos atrai o pólo ou o seu dorso.
O SONHO REALIZADO
E na noite, onde o sonho que te inflama,
Tornar-se-á na mais bela realidade.
Ao amanhecer tecendo toda trama,
Unindo corpos em aprazível felicidade.
No real que nos tinge nas cores do amor,
Serei tua, sequiosa de todos os desejos.
Na pele, sentirei da paixão todo ardor
Do teu afago em mim, tão benfazejo.
Somos fiéis ao amor pra nosso mérito
porque nele encontramos o que é feérico...
CANÇÃO DO AMOR
Quando em teus braços estou
sou o teu sonho todo esplendor
vestida nas cores dum arco-íris
Palpitando o coração amoroso!
52
Com teu Amor deixo-me a sonhar
dentro, teu olhar, ouvindo teu cantar
outra vez, em teus olhos banho-me
Com este imenso Amor a Sonhar...
Me prendem nas prendas
Enclausuradas do lar
Afinal, você faz tudo
Mas exigem tudo de mim
Vou levando essa melodia sem par
Se é sonho ou soneto, veio para ficar...
Com teu olhar tua voz, eu Amo sonhar!
Me tolhem ações e pensamentos
Mas quando ajo e penso
Querem saber o que fiz
Querem saber o que penso
De Amar e de ser Amada...,
Todo meu esplendor te dou
Na canção que nasceu essa paixão!
Me tiram até o direito ao sonho
Mas me exigem sonhando
Me tiram até o direito ao canto
E me querem só música
SÓ QUERO EXISTIR
Me dão asas que me prendem
Querem-me mãe-líder
Porque você resolve tudo
E me mantém submissa
Me prendem imobilizada
Sem deixar de cobrar-me liberdade
Sem que eu possa me dividir
Nem me doar a ninguém
Me querem omissa
Mas me cobram decisões
Não me permitem ir
Mas me cobram a busca
Fontes:
A Autora
Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores
Elmano Cardim
As primeiras revistas literárias
Idade d'Ouro do Brasil (1a. edição publicada)
Contudo, a imprensa literária surgiu cedo no Brasil,
logo em seguida aos dois primeiros periódicos, que
se registram na história do nosso jornalismo.
Depois da Gazeta do Rio de Janeiro e da Idade
d’Ouro do Brasil, apareceu na Bahia em janeiro de
1812, com o título AS VARIEDADES ou ENSAIOS
DE LITERATURA, o primeiro jornal literário, que foi,
ao mesmo tempo, o terceiro publicado no país.
Fundou-o, ao que tudo indica, Diogo Soares da Silva
de Bivar, português culto, dado às letras, formado
em Coimbra e de espírito liberal. Dizia-se
descendente do Cid, o Campeador. Mandado em
degredo para Moçambique, por haver hospedado
Junot na sua casa da vila de Abrantes, desviou-se
na viagem para a Bahia, onde se instalou e obteve
depois o perdão pelo crime que hoje seria chamado
de colaboracionismo com o inimigo. Da Bahia, onde
exerceu a advocacia, passou para o Rio e aqui viveu
até os 80 anos, ocupando vários cargos em
associações cultas, benquisto e considerado. Era
sócio do Instituto Histórico e faleceu aos 10 de
outubro de 1865, deixando dois filhos ilustres,
Rodrigo Soares Cid de Bivar e Luís Garcia Soares
de Bivar, e uma filha que foi a primeira jornalista
brasileira, Violante Atalipa Ximene de Bivar e
Velasco, diretora, em 1852, do Jornal das Senhoras.
O Sr. Hélio Vianna desfez todas as dúvidas e
confusões dos bibliógrafos sobre As Variedades,
que se publicou em três números, reunidos os dois
últimos num só, e assim se apresentava aos leitores:
"O Folheto que oferecemos ao Público, mostra de
alguma forma o plano que havemos concebido, e
que, quanto em nós é, desejamos desempenhar na
53
redação e publicação do presente Periódico.
Discursos sobre os costumes e as virtudes morais e
sociais, algumas novelas de escolhido gosto e
moral; extratos da história antiga e moderna,
nacional ou estrangeira, resumo de viagens;
pedaços de autores clássicos portugueses, querem
em prosa, quer em verso, cuja leitura tenda a formar
gosto e pureza na linguagem; algumas anedotas e
boas respostas, etc. - tais são os materiais que
tencionamos servir-nos para a coordenação desta
obra, que algumas vezes oferecerá artigos que
tenham relação com os estudos científicos
propriamente ditos, e que possam habilitar os
leitores a fazer-lhes sentir a importância das novas
descobertas filosóficas".
O sumário dos três números das Variedades é
interessante, de nível evidentemente elevado para o
meio, o que determinaria, por certo, o seu fracasso,
pois logo desapareceu, por falta de assinantes.
O segundo jornal com o tipo de revista literária
surgido no Brasil foi O Patriota, fundado em janeiro
de 1813 pelo Coronel Manoel Ferreira de Araújo
Guimarães, redator da primeira folha brasileira, a
Gazeta do Rio de Janeiro, e fundador do Espelho,
que foi, no período da Independência, um periódico
muito informativo.
O Patriota teve, para a época e para o seu feitio,
uma longa duração, pois se publicou até dezembro
de 1814. Foi, na opinião do Sr. Carlos Rizzini,
comprovada pelos fatos, a melhor publicação
literária, não apenas da Colônia, mas do Reino e da
Regência. Foi o primeiro jornal no Brasil a
apresentar ilustrações.
O seu fundador, que abreviava o nome para Ferreira
de Araújo, igual ao do jornalista que foi no fim do
século uma glória da imprensa carioca, era baiano e
tinha uma marcada vocação profissional. Fez
carreira de engenheiro, alcançou o cargo de
professor da Academia da Marinha de Lisboa, onde
estudara, lecionou depois nas Academias da
Marinha e Militar do Brasil e chegou ao posto de
brigadeiro.
Tinha um grande pendor para as letras e por isso
fundou O Patriota, cujas páginas publicaram a
melhor produção literária da época, dos escritores
Borges de Barros, Garção Stockler, Mariano da
Fonseca, José Bernardes de Casto, Camilo Martins
Lage, Ildefonso José da Costa e Abreu, Pedro
Francisco Xavier de Brito, Silva Alvarenga, José
Bonifácio, Silvestre Pinheiro e José Saturnino.
O Patriota, pelo seu subtítulo, se destinava a ser um
jornal literário, político, mercantil etc. Saiu da
Imprensa Régia. Publicou - diz Inocêncio - muitos
documentos inéditos e notícias importantes para a
história de Portugal e do Brasil, muitas poesias e
artigos de arte, ciências e literaturas, como se vê do
índice geral inserto no terceiro e último volume.
Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, que era
poeta, divulgou muitos dos seus versos no Patriota.
Da veia lírica do jornalista, Joaquim Norberto, no seu
Bosquejo da História da Poesia Brasileira, diz "que
Araújo Guimarães cultivava a poesia lírica com
pouca felicidade, porque a sua fantasia estragada
com círculos e retas não era para poesia; e suas
produções, a maior parte delas seladas com o cunho
da mediocridade, ali jazem, e foram o assunto de
muitas censuras dos seus coevos".
Os Anais Fluminenses de Ciências, Artes e
Literatura estavam fadados a morrer de inanição, por
falta de assinaturas que correspondessem ao
esforço representado pela sua criação. Era uma
revista, com 15 páginas, aparecida em princípios de
1822 e publicada uma só vez pela Sociedade
Filotécnica, associação literária, que não chegou
propriamente a funcionar, presidida pelo Conde da
Palma e que fora fundada por José Silvestre Rebelo,
que depois serviu à Diplomacia brasileira e foi um
dos fundadores do Instituto Histórico.
A introdução, ou plano da revista, teria sido escrita
por José Bonifácio, segundo a Vale Cabral declarou
Varnhagen.
Os Anais foram o terceiro jornal literário do país. O
seu redator era José Vitorino dos Santos e Sousa,
que tinha uma oficina tipográfica e era matemático,
autor de livros de álgebra e geometria e foi depois
redator do Jornal Científico, Econômico e Literário.
O único número dos Anais tem na capa externa esta
quadra, seguida de tradução:
Père de la nature, Être puissant et bon
Protège cet Empire, où l’humaine raison,
Dans un ordre nouveau, sous ton Auguste auspice,
De la Societé rebatit l’édifice.
54
O principal trabalho publicado nos Anais é o estudo
do Desembargador Antônio Rodrigues Veloso de
Oliveira sobre "A Igreja no Brasil", com dados e
informações que constituem ótimo subsídio para a
história eclesiástica do país.
***
Todos os historiadores são acordes em reconhecer
o relevante papel que teve a imprensa na
proclamação da Independência. A influência desse
fator da emancipação nacional foi, no entanto,
menos dos jornais propriamente ditos e dos
panfletos de então do que dos redatores, cuja ação
estudamos rapidamente nesta palestra. Com
exceção de Hipólito da Costa, todos eles agiram à
margem dos periódicos que redigiam, em ação
política desenvolvida nas associações secretas,
como a Maçonaria, nas reuniões, na Assembléia
Legislativa e no próprio seio do governo.
Os nomes dos redatores das folhas de então não
apareciam nos cabeçalhos, nem assinavam os
artigos publicados. As "correspondências" valiam
pelos "A pedido" de hoje. A luta contra o anonimato
era, como já vimos, uma preocupação dos homens
públicos, a fim de coibir os excessos da liberdade de
imprensa.
Estudando esse aspecto da época, o Sr. Octávio
Tarquínio de Souza acentua que "por força da
estreiteza e do acanhamento do meio social do Rio
desse tempo, de par com a exaltação das paixões
políticas, o jornal era a expressão de uma
personalidade, refletindo-lhe as idéias, os
sentimentos, o feitio moral. O jornal era o seu
redator, recebia-lhe a marca, como um livro, como
uma obra individual a recebe do seu autor
exclusivo".
Nas lutas da Independência, como em todos os
outros momentos graves da nacionalidade, a
imprensa representou, de fato, um grande papel.
Mas não é de crer que a sua influência sobre a elite
dirigente resultasse do reflexo da opinião pública,
expressão que raramente aparecia nos escritos da
época, embora neles se usasse e se abusasse
mesmo das invocações ao povo.
Mas povo, em verdade, ainda não havia no país,
cuja população era na sua grande maioria composta
de analfabetos e de escravos.
Na época da Independência, o "povo" brasileiro era
um valor muito relativo, uma expressão muito mais
social do que demográfica. Basta dizer-se que o
apelo entregue ao Príncipe Regente em favor da
Independência continha 8.000 assinaturas, quando a
população do país andava por três milhões de
habitantes.
Como mostraram Armitage, Oliveira Lima, Oliveira
Viana, Barbosa Lima Sobrinho e outros publicistas, o
"povo" eram então os fazendeiros, os letrados, o
clero, a burguesia comerciante.
Havia, naturalmente, as manifestações da rua, nas
quais aparecia, não o povo, mas a plebe, facilmente
manejada pelos agitadores que a usavam como
instrumento para os seus desígnios políticos.
Foi essa plebe que acompanhou, com vaias e
assobios, os deputados presos por ocasião da
dissolução da Constituinte, o que levou José
Bonifácio, ao entrar no Arsenal da Marinha, caminho
da Fortaleza da Lage, onde ficaria preso, a dizer ao
General Morais, que o recebeu: " hoje é o dia dos
moleques".
Os fatos marcantes da época tinham pouca
repercussão no noticiário, e entre eles a própria
proclamação da Independência, sobre a qual os
periódicos foram omissos ou parcimoniosos. Nem se
usava, para a divulgação dos acontecimentos, das
colunas dos jornais, embora em 1822 constasse o
Rio de Janeiro com quatro tipografias e 14 jornais,
entre os quais dois quotidianos, o Volantim, de
existência muito passageira, e o Diário do Rio de
Janeiro, aparecido em 10 de junho de 1821 e cuja
publicação foi até 1878. Esse jornal, que teve uma
grande importância na imprensa brasileira,
timbrando no começo em não cuidar de política,
deixou de noticiar a proclamação da Independência.
Os acontecimentos da história pátria eram
conhecidos, seja por editais afixados nas esquinas,
seja por meio dos bandos, que vinham à praça
pública, numa pitoresca encenação, descrita por
Max Fleiuss como uma "espécie de proclamação de
caráter todo municipal, consistente em uma ruidosa
cavalgada, em que tomava parte todo o Senado
incorporado: presidente, procurador, portaestandarte, oficiais, almotáceis e meirinhos,
precedidos de um pelotão de cavalaria de polícia,
55
seguido de uma banda de música da milícia
burguesa.
jornal redigiu por algum tempo as famosas “Várias” e
passou de revisor de provas a diretor e proprietário.
"À frente iam pretos, soltando foguetes, e fechava o
préstito outro pelotão de cavalaria e o povo dando
vivas.
Exerceu cumulativamente alguns cargos públicos,
no Arquivo Nacional e mais tarde foi indicado
escrivão de uma das Varas de Órfãos e Sucessões.
"Nas encruzilhadas das ruas, parava o cortejo e um
dos oficiais da Câmara, a cavalo e de cabeça
descoberta, procedia à leitura do bando ou
proclamação como assim sempre se fazia, nos três
dias antes das principais solenidades da Corte, tais
como o nascimento, casamento ou falecimento de
alguma pessoa real.
Em 1935 presidiu a delegação de jornalistas que
acompanhou o presidente Getúlio Vargas em
viagem aos países do Prata.
"Nos bandos que anunciariam a aclamação e
coroação de D. João VI, que se realizou em 6 de
fevereiro de 1818, e as cerimônias da coroação e
sagração de D. Pedro I, a 10 de dezembro de 1822,
os mais notáveis personagens disputavam a honra
de neles figurar".
A imprensa, com a restrita circulação dos periódicos,
era então essencialmente política, doutrinária e
personalista. Mas nem por isso deixava de existir e
de pesar sobre o ânimo dos que detinham o poder e
orientavam os acontecimentos formadores da nação
que se criava.
É que já se forjara, nítida e robusta, como alavanca
de comando dos episódios históricos, uma
consciência nacional, que naqueles dias confusos e
tormentosos orientava o patriotismo dos brasileiros.
(Jornalistas da Independência, 1958)
Elmano Cardim (1891 – 1979)
Elmano Gomes Cardim era natural de Valença, no
Estado do Rio de Janeiro, onde nasceu a 24 de
dezembro de 1891, filho de Francisco Eduardo
Gomes Cardim e de Adelia Figueiredo Cardim.
Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 19 de
fevereiro de 1979.
Estudou nos Colégios Pedro II e Alfredo Gomes.
Concluiu o curso de Direito na Faculdade do Rio de
Janeiro em 1914.
Iniciou cedo a carreira de jornalista em "O selo" e no
"Diário de Notícias". Integrou-se, em 1909, na equipe
do "Jornal do Commercio", do Rio de Janeiro. No
Recebeu em 1951 o Prêmio Moors Cabot de
Jornalista. Foi eleito sócio honorário do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro" em 1937,
passando a efetivo em 1970 e a benemérito em
1976. Integrou a missão cultural no Uruguai em
1943, onde pronunciou conferências na
Universidade daquele país.
Entre os trabalhos publicados por Elmano Cardim
merecem destaque - "Justiniano José da Rocha", "A
vida jornalística de Rui Barbosa", "Joaquim Nabuco,
homem de imprensa", "Na minha Seara",
"Jornalistas da Independência", "Discursos", "Rocha
Pombo", "Vidas Gloriosas", "Graça Aranha e o
modernismo Brasil", "Na pauta da História".
Presidiu Elmano Cardim a Associação Brasileira de
Imprensa.
No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
ingressou como sócio honorário em 1937, passado a
efetivo em 1970 e a benemérito em 1976.
Membro da Academia Brasileira de Letras, quinto
ocupante da Cadeira 39, eleito em 13 de abril de
1950.
Obras publicadas:
Justiniano José da Rocha,
A vida jornalística de Rui Barbosa,
Joaquim Nabuco, homem de imprensa,
Na minha Seara,
Jornalistas da Independência,
Discursos,
Rocha Pombo,
Vidas Gloriosas,
Graça Aranha e o modernismo Brasil,
Na pauta da História.
Fonte:
Academia Brasileira de Letras
56
Antonio Manoel Abreu
Sardenberg
Poemas de Amor
AMOR E PAIXÃO
Amor é brisa suave,
é aconchego, é carinho,
vôo cadente da ave
indo em busca do seu ninho.
É bruma leve do mar
em manhã de primavera,
desejo louco de estar
com alguém que se espera.
Volúpia louca é paixão,
mar revolto, tempestade...
É amar sem a razão,
é só loucura e vontade.
Paixão é amor sem juízo,
sem norte, reta ou tino,
errante sem ter destino,
o inferno no paraíso!
Amor é paz, é ternura,
é o frescor da aragem,
a mais cálida coragem,
maior ato de bravura.
É o céu lá nas alturas,
é a mais sublime imagem!
Paixão é inconseqüência,
é demência desmedida,
é o nada, é ausência,
é o fim – a despedida!
Amor é tudo, enfim
é a vida iluminada,
é a afirmação, é o sim,
é o encontro na chegada!
É o fogo mais ardente,
que se pode experimentar,
é sinônimo de querer,
volúpia louca de amar!
Seu beijo é tudo, enfim!
É o querer.
O gostar,
vontade imensa de ter
mas que não posso alcançar!
seu beijo é gotinha dágua,
nas profundezas do mar!
PRESA
Quero ser a sua presa,
Enroscar-me em sua teia
Sem reação ou defesa,
Ser manjar em sua mesa,
Deixar sugar o meu sangue
Até secar minha veia...
Quero ser seu alimento,
Provisão de cada dia,
Ser o seu pão, seu sustento,
E depois do acalento,
Ser sua noite de orgia.
Eu quero ser o seu vinho,
O cálice que inebria.
Ser madrugada, seu dia,
Ser seu parceiro no ninho.
SEU BEIJO
Quero ser a sinfonia
Mais suave e maviosa,
Ser seu verso e sua prosa
Seu delírio e fantasia...
Seu beijo é favo de mel,
a seiva que me alimenta,
é pedacinho do céu,
desejo que me atormenta!
Quero ser a sua rima,
Sua trova e sextilha,
Sua estrada, sua trilha,
Seu fogo ardente, seu clima.
57
ABRAÇO
Chegou como aragem mansa
Em manhã de primavera...
Era a mais doce quimera,
A mais intensa esperança,
A desejada bonança
Que um homem quer e espera.
Sinto o calor que ele me irradia,
Ouço em teu peito o coração pulsar,
Quero que a noite nunca vire dia,
Que o tempo pare, só pra te amar!
Em toques cálidos fico a percorrer,
Todo teu corpo , só para sentir,
A sensação gostosa de te ter!
No rosto, abria um sorriso,
Um semblante angelical,
Um mundo pleno e total.
Era o próprio paraíso!
Nunca senti nada igual.
E já em êxtase eu te quero tanto,
Mais, muito mais, começo a te pedir,
E você me dando todo teu encanto!
Nos seus olhos cor de mel
Trazia a luz que irradia
Lindo toque de magia,
Universo de esplendor
Que eu sempre quis um dia.
No rosto traz um sorriso
terno, amigo e verdadeiro,
no peito traz um gigante,
que se abre a todo instante
e acolhe um mundo inteiro!
Seus braços aconchegantes
Eram buquê de carinho,
O afago de um ninho,
A ternura de amante,
O perfume do jasmim,
Emoção mais fascinante
Que senti dentro de mim.
És ternura da mais terna,
és doçura da mais doce,
e se eu poeta fosse,
diria da forma mais Vera:
és outono, primavera,
o mais ardente verão!
És acalento, alegria,
meu sonho de cada dia,
és tudo afinal então!
E, assim, bem de mansinho,
Nossos braços se enroscaram.
E ficamos bem juntinhos
Atados como num laço...
Então eu pude sentir
Minha razão de existir
Nesse terno e doce abraço.
NOITE DE AMOR
Entro em teu quarto com meu pensamento,
Devagarinho pra não te despertar,
E pouco a pouco, em doces movimentos,
Passo em teu corpo todinho tocar!
VOCÊ
E neste dia de hoje,
quero te confessar:
se eu fosse o CRIADOR,
dar-te-ia o céu, o mar,
o campo coalhado de flor,
e para arrematar,
dar-te-ia todo amor,
que se possa imaginar!
Fonte:
E-mail enviado pelo poeta
http://www.sardenbergpoesias.com.br/dia_dos_namorados/dia_dos_n
amorados.htm
58
Adelto Gonçalves
Uma “redescoberta” da Literatura
Africana no Brasil
A Editora da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) colocou no mercado uma nova coleção,
Poetas de Moçambique, em que apresenta
antologias dos maiores poetas modernos de língua
portuguesa e origem moçambicana. Segundo a
editora, os autores escolhidos estabeleceram
freqüentemente diálogo com a literatura brasileira,
especialmente com as obras de Carlos Drummond
de Andrade (1902-1987), Cecília Meireles (19011964), Vinicius de Moraes (1913-1980) e Manuel
Bandeira (1886-1968). Os primeiros volumes são
dedicados a José Craveirinha (1922-2003) e Rui
Knopfli (1932-1997).
Craveirinha, primeiro autor africano galardoado com
o Prêmio Camões, em 1991, é um dos nomes
fundamentais da literatura moçambicana. Filho de
pai algarvio e mãe ronga, é dono de uma obra
concisa, que cobre cinco livros publicados em vida e
duas coletâneas póstumas, além de dezenas de
poemas espalhados em periódicos e antologias.
Este livro reúne os principais poemas do autor com
nota biobibliográfica de Emílio Maciel.
Já Rui Knopfli produziu uma encorpada e original
obra literária durante o período colonial. Seus
poemas selecionados estabelecem diálogo com as
principais tradições clássicas e modernas da poesia.
O livro traz posfácio com texto crítico e nota
biobibliográfica de Roberto Said.
Ao mesmo tempo, a Ateliê Editorial, em parceria
com a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado
de São Paulo (Fapesp), acaba de lançar Portanto...
Pepetela, organizado por Rita Chaves e Tania
Macêdo, professoras de Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo
(USP). O angolano Pepetela, nascido Artur Carlos
Maurício Pestana dos Santos, ganhador do Prêmio
Camões de 1997, é talvez o mais importante
romancista de seu país. Com apresentação do
moçambicano Mia Couto, o livro reúne 38 artigos e
ensaios de estudiosos da obra de Pepetela.
Nada mais alvissareiro do que essa “redescoberta”
da literatura africana de expressão portuguesa. Mas
desses três autores, apenas José Craveirinha é
resultado da mistura do sangue português com
africano. O que se espera é que esse interesse não
se restrinja apenas a autores lusodescendentes,
mas seja aberto a todos os africanos que fazem
literatura em Língua Portuguesa.
II
Nada contra Pepetela, Agualusa, Mia Couto ou
Luandino Vieira, nomes hoje incontestáveis no
panorama da literatura africana de expressão
portuguesa. O que se estranha é por que só
descendentes de portugueses que nasceram em
terras africanas têm largo espaço nos veículos de
comunicação de Portugal e nas universidades de
Portugal e do Brasil.
Basta ver que o livro Portanto... Pepetela traz, ao
final, uma lista de 56 teses de doutorado e
dissertações de mestrado defendidas em
universidades brasileiras sobre a obra de Pepetela.
Um exagero, evidentemente, porque há muitos
outros autores africanos de expressão portuguesa
que poderiam ser estudados. E não o são. Não se
quer acreditar que seja por racismo, pois o que se
espera é que esse tipo de comportamento seja algo
já superado, sem razão de existir neste começo de
século XXI.
Talvez seja ainda a "saudade do império colonial
perdido", como disse Patrick Chabal, professor de
Estudos Africanos do King´s College, de Londres,
para se citar aqui um nome isento destas
questiúnculas lusófonas, que impeça os acadêmicos
e editores portugueses de enxergar que a lusofonia
é uma falácia – que não vai chegar a lugar nenhum
– enquanto eles não aceitarem a verdadeira
dimensão da língua portuguesa para além da
Europa.
Em outras palavras: Pepetela, Agualusa, Mia Couto
e Luandino Vieira fazem parte da última geração de
lusodescendentes que, nascidos na África, praticam
59
uma literatura com vivência africana. Dentro de 20
ou 30 anos, quando provavelmente já não estiverem
mais neste mundo, quem irá representar a Literatura
Africana de expressão portuguesa senão os
autóctones ou um ou outro miscigenado?
Portanto, o futuro da Língua Portuguesa na África
vai depender dos naturais desses países por onde
os portugueses criaram raízes – e também daquelas
regiões que, hoje, sofrem com a opressão de
vizinhos que não falam português. É o caso da
Casamansa, província do Sul do Senegal, que ainda
aspira livrar-se da opressão de Dakar para se tornar
um país independente e membro da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Será que
em Casamansa não há um único poeta ou escritor
que escreva em português? Ou somos nós que não
queremos vê-los?
Como diz o escritor moçambicano João Craveirinha,
por mais que se assumam "lusófonos", os escritores
de tez escura serão sempre os "outros", os
outsiders, os ex-colonizados. Entre esses, além de
João Craveirinha, pode-se citar de uma enfiada
Paulina Chiziane, Ungulani ba Ka Kossa, Nelson
Saúte, Noémia de Sousa, Kalungano, Luís Bernardo
Honwana e Suleimane Cassamo, de Moçambique;
Adriano Mixinge, João Melo, Ondjaki, Victor
Kajibanga, Uanhenga Xitu, Ana Paula Tavares, Luís
Kandjimbo, de Angola; José Luís Hopffer Almada e
Germano Almeida, de Cabo Verde; Abdulai Sila,
Hélder Proença (?-2009) e Odete Semedo, da
Guiné-Bissau; Alda do Espírito Santo e Tomás
Medeiros, de São Tomé Príncipe. E muitos outros.
portuguesa, especialmente entre aquela camada
mais culta, que gostava de ler Jorge Amado (19122001), Érico Veríssimo (1905-1975), Guimarães
Rosa (1908-1967) e outros tantos.
Rui Knopfli mesmo é um poeta fortemente
influenciado pela literatura brasileira, além de suas
grandes ligações com a poesia portuguesa moderna.
De africano, só carrega o fato de ter nascido em
Inhambane. Trata-se de um fino poeta, cuja poesia
está entre o que de melhor se escreveu em Língua
Portuguesa no século XX, mas que, ao contrário de
Pepetela que permaneceu em Angola e lutou contra
o colonialismo, deixou Moçambique tão logo o país
se separou de Portugal. Jamais se assumiu
"moçambicano" no anterior e muito menos no atual
contexto africano e sociopolítico do pósindependência. Assumiu-se, sim, como um
português de Moçambique agastado com os "pretos"
da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo)
que queriam ser iguais aos "brancos".
A visão que Knopfli tinha da África era eurocêntrica,
de um colono que pertencia a uma elite colonial
intelectual que, provavelmente, sonhava com um
Moçambique semelhante à Rodésia ou à África do
Sul sem apartheid, mas com os chamados “brancos”
a mandar nos "pretos", ou seja, “cada macaco no
seu galho", para se repetir aqui uma expressão
politicamente nada correta que se ouve ainda neste
Brasil de racismo disfarçado. A lusitanidade européia
de Knopfli sempre falou mais alto.
III
Quem conhece a vida moçambicana préindependência sabe muito bem que Knopfli atacara
a arte banta do escultor Alberto Chissano e do pintor
Malangatana em termos depreciativos, como a dizer
que eles nunca poderiam ascender a artistas plenos
em razão de sua origem "primitiva", tal como os
"bons selvagens" de Jean-Jacques Rousseau (17121778), que seriam congenitamente limitados. Isto
está na Revista Tempo, de Lourenço Marques (hoje
Maputo), dos anos 1970-1971. Quem duvidar que
consulte na Biblioteca Nacional de Lisboa a coleção
da revista. Mas é claro que isto ninguém gosta de
lembrar.
Embora o desconhecimento no Brasil acerca dos
assuntos africanos seja abissal, não se pode deixar
de reconhecer que foi graças aos literatos brasileiros
que a Língua Portuguesa continuou viva nas
décadas de 1950, 60 e 70 na África de expressão
Como se sabe, na África os conceitos não são os
mesmos vigentes no Brasil, nos Estados Unidos e
na Europa em relação ao ser e estar africano. Até
porque na África os "nativos" não foram
exterminados como os ameríndios nas Américas. E,
O que é preciso dizer – e quase ninguém o faz – é
que persistir nessa visão preconceituosa é um erro,
que equivale a dar um tiro no próprio pé, pois
recusar-se a reconhecer que o futuro da Língua
Portuguesa na África depende dos naturais daqueles
países é condená-la ao desaparecimento. E olhem
que quem escreve isto é um brasileiro de primeira
geração, de pai português de Paços de Ferreira,
Norte de Portugal, e de avós maternos açorianos.
60
como continuam a sê-lo no Brasil em pleno século
XXI. Para se ter um exemplo desse holocausto,
basta ver que os traços indígenas hoje são pouco
perceptíveis no brasileiro médio, exceto talvez no
homem do Centro-Oeste e do Amazonas, ao
contrário do que se pode constatar no Chile, no
Paraguai, na Bolívia, no Equador e até na
antigamente tão conservadora Argentina. Basta ver
o que fazem, nos dias de hoje, certos fazendeiros e
seus capangas com os caiowás, em Mato Grosso do
Sul, sem que as autoridades tomem qualquer
providência mais efetiva.
Na África, os autóctones continuam a ser maioria
esmagadora e isso tem um peso enorme na
consciência dos africanos, mesmo em meio a crises
econômicas. Até mesmo porque eles estavam num
estágio de desenvolvimento superior ao dos
indígenas americanos, o que obrigou a chamada
colonização portuguesa a restringir-se a vilas e
destacamentos litorâneos. Até mesmo para
“atravessar” o comércio da escravatura, os
portugueses dependiam de nações africanas que
traziam subjugados seus inimigos para comercializálos nas praias. Com isso, a ocupação européia, de
um modo geral, nunca conseguiu apagar no homem
africano o grande sentimento de pertença ao legado
banto.
Como tudo isso são águas e ressentimentos
passados, o que importa hoje é preservar a Língua
de Camões também na África. E essa preservação
passa por um apoio mais decisivo em favor da
divulgação e estudo da literatura de expressão
portuguesa que é hoje praticada por africanos de
todos os matizes de pele, indistintamente.
_______________________
PORTANTO... PEPETELA, de Rita Chaves e Tania Macêdo
(organizadoras). São Paulo: Ateliê Editorial/Fapesp, 2009, 389
págs.
ANTOLOGIA POÉTICA, de José Craveirinha. Organizadora:
Ana Mafalda Leite. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 198
págs.
ANTOLOGIA POÉTICA, de Rui Knopfli. Organizador: Eugénio
Lisboa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 206 págs.
__________________________
Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa
pela Universidade de São Paulo e autor de
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho,
2003). E-mail: [email protected]
Fonte:
Literatura Sem Fronteiras.
Luiz Eduardo Caminha
Lenda de Iaraguaçu
Lenda premiada em 1º.Lugar no 1º. Concurso Internacional de
Lendas e Poesia ME (Mulheres Emergentes) - 2010
Iaraguaçu, grande mãe d’água, era uma velha índia
da aldeia Mbyá, do tronco Guarani-karijós, que
habitava a ilha de Santa Catarina nos séculos XVI a
XVIII, quando o homem branco chegou. Sua tribo
descendia dos últimos sete casais fugitivos dos
brancos invasores que massacraram a maioria dos
Guaranis-karijós da Ilha da Magia. Antes, os casais
refugiaram-se no sul da ilha, donde atravessaram
para a Praia da Pinheira. Ali, permaneceram apenas
um verão, temerosos de novos massacres. Foram
para o Morro dos Cavalos. Anos mais tarde, seus
pais e parentes migraram para o local onde vivia.
Eram pescadores e não podiam viver longe das
águas. Dela tiravam seu sustento em canoas de um
pau só de garapuvu. Assentaram-se, ainda na
segunda metade do século XVII, às margens da
Lagoa de Fora, como chamavam a Lagoa de Santo
Antônio onde, na margem oposta, crescera a Vila de
Laguna.
Iara, como gostava que a chamassem, vivia numa
choupana de paus e telhado de folhas de Indayá,
uma palmeira da região. Desde pequena tinha
visões que prenunciavam coisas boas ou ruins. Na
tribo, estas atribuições eram próprias dos Pajés, mas
muitos de seus “irmãos da terra” - como ela
chamava os índios – dela se valiam. Também era
61
dada a práticas medicinais e até caciques vinham
atrás de seu conhecimento sobre as ervas.
Era o ano de 1838. Sua idade era desconhecida,
mas os fatos que narrava ter vivido, como a
fundação de Laguna em 1776, supunham que
beirava os 75 anos. Sua vida resumia-se aos
arredores da choupana e, boa parte do dia, em torno
de um fogão de barro construído por um de seus
netos. Curava muita gente, dava muitos conselhos e
mesmo as autoridades de Laguna e as famílias de
posse, de vez em quando, a ela recorriam.
Afirmavam que, além das curas, ela mudara a vida
de muita gente com seus aconselhamentos e
adivinhações.
Ainda menina, fora levada pela mãe para servir a
uma família da Vila, mas não sabia viver longe da
liberdade da mata. Quase nada fazia que fosse
costume dos brancos. Sua Senhora, uma mulher
má, surrava-lhe com açoites e com uma
espalmadeira “pra aprender as coisas”, como dizia.
Um dia, já moça feita, depois de inúmeras tentativas
de fuga, fora mandada embora. A mãe já não vivia
mais. Havia morrido de fraqueza nos pulmões,
doença trazida pelos brancos. A maioria da aldeia
havia deixado o lugar.
Iara foi catequizada aos 30 anos e aprendeu
malmente a língua dos brancos misturando palavras
com o tupi-guaraní. Era assim que falava com as
pessoas que a procuravam. A todos atendia e
transmitia sua paz interior, fruto das bênçãos de
Nhanderú-etê, o Deus Verdadeiro, em quem
acreditava.
Vivia com o neto, um cachorro velho e uma formosa
águia cinzenta que ela mesma amestrara. Os
moradores de Laguna já haviam se acostumado com
sua presença soberana e solitária nos céus. Sempre
que ela aparecia com seus estridentes trinados,
alguma coisa estava por acontecer. Diziam que era
Iaraguaçú que a enviava para lhes avisar. Era
corrente a crença: quando a águia de Iaraguaçú
plainava silente era época de calmaria e peixe em
abundância, mas quando aparecia gritando e
fazendo voos rasantes, um tempo ruim estava por
vir. Era melhor guardar os animais, não sair para o
mar e recolherem-se em suas casas, “prá modo de
mal algum assussedê”, como diziam os matutos
pescadores. Era dito e feito. Quando alguém
desafiava o aviso, alguma tragédia acontecia.
Barcos que soçobravam, pessoas que adoeciam – e
até faleciam – vítimas de uma molha de chuva, gado
que morria por ter ficado fora dos potreiros, enfim, o
melhor era se precaver.
Uma das protegidas de Iaraguaçú era Aninha, a
quem chamava kunhataí, filha do tropeiro Bentão.
Fora Iara quem prevenira Aninha que seu
casamento, arranjado pela mãe, com o sapateiro da
cidade, não vingaria. Também previra que Aninha
iria esposar um aventureiro de outras terras, vindo
do mar, um valente que viria junto com a guerra que
aconteceria no sul do Brasil e que tentaria criar em
Laguna uma outra nação, a República Juliana. Tudo
acontecera como dissera. Até a doença do pai,
também vítima dos pulmões, quando tomara uma
chuvarada no alto da Serra do Dose, assim escrita,
com “esse”, em virtude de um estalajadeiro italiano
da família Dose que vivia no sopé da escarpada
montanha. O pai não aguentara e, como previra Iara,
atravessara “manõ yvy ugwa” - o vale da morte, para
se juntar a Nhanderú-etê.
Aninha não dava um passo sem consultar a velha
índia. Muitas vezes, quando algo lhe afligia, era a
própria águia que pousava num galho alto de um
garapuvu, perto de sua casa, emitindo trinados
peculiares, sinal de que a índia queria lhe falar.
Por isso, Aninha muito chorou quando a velha amiga
partiu. Teve um estranho pressentimento naquela
manhã, ao ver a chuva incomum com raios e trovões
como se fosse uma chuvada de verão.
De repente, o sol se abriu, o vento parou e um duplo
arco-íris, que ia em direção à Lagoa de Fora,
apareceu no céu.
A passarada, que já vinha se ocupando do
acasalamento, no leva e trás de palhas e raminhos
para os ninhos, parecia ter sido convocada por um
Ser Supremo para uma revoada conjunta. O barulho
dos pardais, tico-ticos, sabiás laranjeiras, coleirinhas
e dos sanhaçus azuis, se misturavam com o gorjeio
das pombas rolas e com o grito agudo dos gaviões.
Uma Sinfonia da Natureza. Todos os pássaros
seguiam o mesmo rumo, em direção ao final do
arco-íris. Nas ruas, cavalos relinchavam como se
pressentissem um predador. Cães ladravam. Não
um latido comum. Uivavam como se estivessem a
sofrer, a chorar.
Foram três minutos daquela algaravia. E uma calada
se fez. Um grito agudo, da águia cinzenta que voava
62
acima de tudo, rompeu o silêncio. A atenção se
voltou para os lados da Lagoa de Fora.
serviços funerais de um padre, mas queria que seus
restos repousassem com sua gente.
A notícia correu pela Vila como o vento gelado vindo
do Sul. Era trazida por “pena-esvoaçante” o pequeno
indiozinho carijó, o neto que vivia com Iaraguaçu.
Aninha estava desolada, mas ao mesmo tempo
resignada. Embora triste, ficou ali, velando aquele
corpo cuja alma, cujo espírito, já estava no lugar que
a vida eterna lhe reservara. Um lugar diferente da
choupana humilde e pobre que vivera, embora Iara
sempre lhe dera a impressão que era feliz do jeito
que vivia, da sorte que “Nhanderú etê” lhe reservara.
Talvez porque soubesse que a morte era uma
passagem para um lugar de Paz, sem sofrimentos,
sem o frio gelado do inverno e o calor insuportável
dos verões. Uma vida onde as primaveras e os
outonos eram as únicas estações. Lá, onde dizia
que seu pai Bentão também estava, Iara seria uma
luz a brilhar em todos os momentos.
~ Mãe Iara suspirou! Foi pra terra de seus pais! Seu
espírito viaja pra encontrar “Nhanderú etê”.
Aninha montou seu cavalo assim mesmo, no pelo,
sem perder tempo de encilhá-lo. Disparou em
cavalgada para as bandas de onde, à beira da
laguna, jazia no leito de palha, o corpo da amiga.
Chorava pelo caminho. Suas lágrimas escorriam
pelo rosto e embaçavam-lhe a visão.
Não foi só Aninha a única que para lá se dirigiu. A
cidade quase se esvaziara para reverenciar a velha
índia. Até o Vigário se abalou, em uma charrete,
para lá estar. Embora guardasse alguma ligação
com aquela espécie de ocultismo dos silvícolas, ele
não tinha dúvidas, ali, naquele corpo, habitara um
Anjo. Não! Iaraguaçu não era uma bruxa como
insistiam alguns poucos maldizentes. Seu Deus era
o mesmo Deus da Cristandade. Quando fazia uma
prece a “Nhanderú etê”, estava orando ao Deus
Verdadeiro dos cristãos. Quando rogava a
“Nhanderu ra'y”, o filho de “Nhanderú etê”, era a
Jesus Cristo que evocava. Por isso, e por ser
batizada, merecia um enterro cristão, no Cemitério
da Vila.
Mas, estas vãs preocupações eram desnecessárias.
Iara tinha um testamento. Queria um enterro cristão,
mas também, de acordo com a tradição tupiguarany, ser enterrada no Campo dos Espíritos,
aonde muitos de sua tribo jaziam em paz.
Manifestou ainda em vida, o desejo de ter os
Hoje, as águias cinzentas são uma raridade. Como
os índios, foram enxotadas por seu predador, o
homem. Mas o espírito de Iaraguaçu ainda paira
sobre a Lagoa. Dizem os mais antigos que quando
uma tormenta vinda do sul ameaça os pescadores,
basta uma prece: “Iaraguaçu, grande mãe d’água,
socorrei-nos!” Logo o vento se dissipa e a calmaria
reina absoluta.
Quando uma águia cinzenta ainda é vista plainando
silente e graciosa sobre os céus da região, os mais
velhos sabem que a pesca do camarão e das
tainhas será afortunada.
E ainda se recolhem e se protegem quando ouvem
alguma delas, com trinados agudos voarem em
rasantes por ali.
Luiz Eduardo Caminha
Ratones, Florianópolis
Fonte:
– O autor
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 93
Uma Trova Nacional
Você me faz tanta falta,
que eu tenho a triste impressão
de ser nota numa pauta
sem clave nem duração...
(JEANETTE DE CNOP/PR)
63
Uma Trova Potiguar
Minha mãe – por sua cruz,
meu pai – por sua bondade,
hoje são anjos de luz
que tenho na eternidade.
(BENTO RABELO/RN)
Uma Trova Premiada
2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > M/H.
Quando a ilusão me conclama
a esperar por quem não vem,
eu deliro... e, em minha cama,
beijo o lençol... sem ninguém...
(PEDRO MELO/SP)
Simplesmente Poesia
– Antonio M. A. Sardenberg/RJ –
SORRISO
Esse seu sorriso aberto,
Mais lindo do que o luar
É como chuva miúda
Que faz a vida nascer
E a esperança germinar.
Ele é toque de ternura,
Toda candura que há,
É a beleza mais pura,
Tem a leveza e frescura
Da brisa que vem do mar.
Esse seu sorriso aberto
Transmite tanta energia
Que parece a luz do sol
Raiando ao nascer do dia.
Ele é doce que nem mel,
É como um jardim florido,
É pedacinho do céu,
O meu mundo colorido.
Uma Trova de Ademar
Uma mensagem de luz,
que trouxe uma fé tamanha,
foi aquela que Jesus
deixou pra nós na montanha.
(ADEMAR MACEDO/RN)
...E Suas Trovas Ficaram
Chuvarada de granizo
deu cabo da plantação,
deu cabo do meu sorriso,
do cabo da enxada, não!...
(DURVAL MENDONÇA/RJ)
Estrofe do Dia
Eu fiquei contemplando o Ser divino
Exalando seu mundo de inocência
Os orvalhos cristais da transparência
Cintilavam no rosto pequenino.
O seu jeito delicado e cristalino
Expressava da vida a flor ternura,
Cada planta se curvava com brandura
Ofertando respeito e reverência,
Onde os galhos sutis da consciência
Tinham Deus na divina criatura.
(GILMAR LEITE/PE)
Soneto do Dia
– João Justiniano da Fonseca/BA –
SONETO SEM SAL E SEM PIMENTA.
Eu te responderei. Tenho presentes
os teus olhos, nas praias do infinito,
aonde o azul do céu é mais bonito,
em manhãs de maré, sonhos ardentes!
Nos teus porões de sonhos descontentes,
de bruxas e duendes, de maldito,
há sofrimento? Então, dá por proscrito,
o mal. Põe riso nos teus alvos dentes.
Busca-me sempre e mais, estás bem viva,
na lembrança do amado. És a Diva
do sonho, do ideal - o que desejo.
Toca a orquestra do amor no coração,
e mais te quero e com maior paixão,
onde me encontre, junto a ti me vejo.
Fonte:
Ademar Macedo
64
Aparecido Raimundo de Souza
A canção que tocou no meio da noite
Minha namorada ao ouvir uma música no rádio
resolve me acordar às quatro horas da manhã.
- Engraçadinho. Fala sério – troveja injuriada. Quem
canta essa preciosidade?
- Amor, amor -, grita numa euforia barulhenta. – Olha
que coisa linda...!!!
- Sua irmã Pri - digo acorrendo num ímpeto quase
carinhoso.
Pulo, assustado, tropeçando os olhos embaralhados
no travesseiro sonolento.
- Não brinca - Brada incontrolável. - Olha como
estou trêmula. Parece até que me acorrentei às raias
de um piripaque.
- O que foi PP???
- Olha...!!!
- Minha linda, se essa droga da música está lhe
fazendo mal, me deixa desligar o som. Basta um clic
e pronto.
- Não estou vendo nada. Onde? Cadê???
- A música...!!!
- Pelo amor de Deus, não faça isso. Eu amo essa
música. Eu amo, entende? Amo de paixão.
Amoooooooooo!...
- Que música???
- Essa que está tocando... Ouça...!!!
- Então não é pra ver, é pra ouvir. Tudo bem! Estou
gostando. O que tem ela?
- Não é divina? - Completa PP espichando para meu
rosto seus olhos meigos da noite não dormida.
- Ah, sim, maravilhosa! Principalmente para se curtir
depois de ser arrancado, aos sobressaltos, dos
braços de Morfeu.
- Desculpa amor, não foi por querer – cochicha à
vozinha fina: É que achei tão caliente. Sabe quem
está cantando?
- Como consegue gostar de uma música, ou melhor,
amar uma canção que desconhece quem a está
cantando?!...
- Acontece, amor. – Diz num acesso de
arrebatamento jubiloso. - Nunca passou por uma
situação assim? Asseguro que é deveras
constrangedor, mas, ao mesmo tempo, inebriante,
avassalador – completa PP espalhando, por tudo,
em redor, a doçura do seu entusiasmo.
- Concordo com você. Mas, PPzinha, como pode
ver, essas bobeiras não me acontecem nem quando
entro em alfa. Sabe, ao menos, o nome da bendita
cantora?
- Nem imagino...!!!
- Sei.
- Nossa, amor, que bom. Hoje então será meu dia de
sorte. Nosso dia, melhor dizendo. Diz ai: quem é a
deusa dessa voz venturosa?
- Você daqui a cem anos.
- PP, PPzinha, me explica de novo: como se deixar
envolver por uma simples canção que toca no rádio,
se você acabou de me dizer que desconhece o
principal, que é nome da artista?
- A isso, seu bobinho, se dá o nome de amor a
primeira vista. Despertei com ela, me enamorei. Ela
65
mexeu comigo. Desculpe, me esqueci: você não é
nem um pouquinho romântico – conclui a guisa de
resmungo.
anormal. Entro em outra loja, logo adiante, e me
dirijo também à primeira funcionária que se destaca,
não só pelo brilho do rosto, como pela beleza de seu
uniforme impecável. Mando a pergunta, na bucha:
- Sou romântico sim.
- Me poupe. Se fosse romântico, ao menos
carinhoso, estaria, agora, grudado em meu peito,
curtindo juntinho ao meu corpo essa belíssima
canção angelical.
- O fato de não estar colado em você não quer dizer
que não seja romântico. Sou mais do que possa
imaginar.
- Aposto que não se deu conta. Pare um minuto,
ouça a letra, sinta a melodia, se ligue nos acordes,
procure viajar na orquestração, na voz, enfim, cadê
seu lado zen...?
-... Em...???
- Que música é esta? – Aventuro incontido. - Sabe
dizer que música é esta? - Ou quem canta, pelo
menos?
Diante da negativa da jovem volto a carreira, o rádio
executando a música que me acordou às quatro
horas da manha. Outra loja e mais gente balançando
a cabeça contraria a resposta que busco, embalde.
Finalmente, me deparo com uma discoteca enorme,
sofisticada, bem sortida. “ - Ufa! Até que enfim...” Murmuro com meus botões – “Alguém, nesta joça,
me dará a resposta que procuro”. Dito e feito:
- Essa musica ai se chama “Canção do amor
verdadeiro”, temos em estoque, e quem canta é
Mariza da Ximbica Cor de Rosa. O senhor quer
ouvir???
-... Zen...!!!
-... Ah, meu amor, deixa isso pra lá: vem pra mim,
vem!...
Centro de São Paulo horas depois, na avenida
movimentadíssima, em direção ao meu trabalho,
perto do prédio onde fica o escritório da empresa, ao
passar em frente duma loja de eletroeletrônicos,
deparo, sem querer, com a tal da musica tocando
em vários aparelhos ao mesmo tempo. Pergunto
para a moça que se apressa ao meu encontro com
um sorriso aberto de um canto a outro da boca:
- Pois não, senhor? Em que posso ajudá-lo?
- Que música é esta? - Berro trovejando vertente
ansiedade.
- Não sei senhor!
Tomado por um impulso movido a doidera
momentânea, passo a mão em um dos aparelhos
que servem de mostruário ao público. Na verdade,
arranco do meio dos outros um três em um pequeno,
movido a pilha e luz, e, saio correndo em direção à
movimentação da cidade barulhenta. Os seguranças
deitam em meu encalço. O gerente chama a policia.
Na calçada, esbarrando em transeuntes açodados,
desembesto o trocinho tocando, numa altura
Agradeço, viro as costas e me disponho a ganhar o
dia lindo de céu azul e ensolarado. Todavia, ao
meter os pés no frontispício da giratória, percebo
uma galera a minha recepção, lá fora. Vislumbro a
vendedora, o dedo em riste apontado em minha
direção, os seguranças imbuídos de um forte apetite
bestial, e, em meio a esse quase surto histérico,
capturo os semblantes de poucos amigos de dois
policiais militares, um dos quais, com as algemas
ameaçadoras e prontas para encaixarem em meus
braços.
- “... É ele...!!! ... É ele...!!!...” - Escuto a alta voz. – “...
Foi ele...” - Fulmina uma branquelinha com uma
soberba vivacidade de discrição – “... Olha a prova
do crime nas patas sujas do sujeito...” -, instiga outra
notívaga, que a acompanha, enquanto cerra a meio
os seus macios olhos de míope. “... Cana no
meliante, sargento...!!!”.
Saio preso e algemado em flagra, depois de levar
uns belos catiripapos pelas ventas. Contudo, feliz,
realizado. Sei, agora, o nome da porcaria da música
e quem a interpreta. Depois de me livrar do
delegado, poderei adentrar numa dessas lojinhas
existentes ai pela cidade e comprar o cd para a
PPzinha, minha doce e esfuziante cara metade.
Fonte:
Texto enviado pelo autor
66
Inoema Nunes Jahnke
Poesias
IMORTAL
CORPO E ALMA
Procuro uma canção
Em que meu amor se reconheça,
Apenas uma melodia
Capaz de alegrar o dia,
Fácil de cantarolar
Como é amar,
Um solo de violão
Que bata na batida do coração,
Que pra se reconhecer
Não tenha que prestar atenção,
Onde até os desatentos
Possam sentir a alegria do amor,
Amor imortal como a vida,
Que renasce a cada batida.
Sou como um belo jardim de flores do campo
Cercado por uma bela cerca de madeira
Toda pintada de branco...
CORAÇÃO GUERREIRO
Na tua ira recai impiedosa maldade
Dissoluto do amor guerreiro,
Esgotado, vencido...
Se faz pesado o fardo
De amar sem ser notado,
Amor só de um lado,
Amor renegado,
Guerreiro vencido em batalha,
Surrado, abatido, cansado,
Desmorona em meu peito
Acalenta em meu seio
Retorna a mim
Coração guerreiro,
Tua luta é minha luta,
Tuas dores são minhas lágrimas,
Tua saudade é minha agonia,
Tua história é minha vida,
Teu desespero é minha salvação,
Pois retorna à Deus
O coração que amou,
E a alma que sofreu
Só aprendeu.
No jardim à vida tem razão pra existir
Pra alegrar os olhos de quem o refletir,
Das margaridas o perfume, impossível confundir
Que mesmo longe dali é capaz de se sentir.
A cerca é a moldura de paisagem tão serena
Contida em seu jardim...
A alma dentro de mim.
Um dia, toda amadeira perecerá
Por mais cuidado que se tenha
Por melhor que seja a lenha,
Um dia se extinguirá.
O jardim não mais contido
Pela cerca de madeira,
Lançará ao vento seu pólen
Fecundará outra terra,
-Viverá em outro jardimA moldura será outra
Branca, amarela, vermelha
Outra, bela cerca de madeira!
Que emoldura o jardim
Que hoje...
Desabrocha dentro de mim
ESPERANÇA
Eu sou o sorriso sincero,
Sou o medo na solidão,
Sou a dúvida sussurrada,
E a resposta encontrada,
Sou a saída, e a chegada,
Na mesma estrada,
Sou a luz na escuridão,
67
A ternura no coração,
Sou o sorriso da criança,
Eu sou...A própria esperança.
SAUDADE
Se do nada uma lágrima
Rolar no seu rosto...
Não tente entender,
Se mesmo, sem você querer,
Outra lágrima teimar
Em embaçar teu sorriso...
Não procure nem tente entender,
Com certeza e teu coração,
Com vontade de me ver.
REFÚGIO
Só estou, e só fico
A solidão é meu refúgio,
Meu instante de meditação,
De escutar meu coração,
No silêncio mudo
Transcendo o mundo,
Em absoluta união
Numa contemplação,
Que foge a qualquer compreensão.
LASCIVA
Sou madrugada que chora sozinha,
Chuva que se perde em poças
E escorre pelos bueiros
A despertar a madrugada...
Em teus olhos vejo-me refletida
Ofuscada na retina do teu olho
Feito água na poça d’água
Escorrendo no teu corpo...
As linhas que traçam teu rosto
Revelam um sorriso jocoso,
Talvez, teus braços sejam o bueiro
Que desnuda minha alma
E recebe o meu corpo...
Ali, meu corpo se acalma
Repousando no teu peito
Feito rio e leito...
JANELA DA EMOÇÃO
Beijar eu já beijei
Alguns morrerão na boca
Outros queimarão em vão,
Já dei beijos de despedida
Que marcaram minha vida,
Beijar eu já beijei
Alguns mornos, mas, nunca frios
Uns deram tremedeira, outros arrepio,
...O beijo que não esqueço
Deu choque na janela da emoção
E trancou o amor dentro do meu coração!
É PRECISO
É preciso que a saudade machuque de verdade,
Que leve ao vento as lágrimas
Envoltas em pensamentos,
É preciso, que a ausência seja sentida...doída
Que se relembre a partida
E se anseie o retorno,
É preciso sentir a inquietude do desejo
Que não cessa e arranca o sossego,
A vida assim, jamais cansa...
Renova-se na esperança!
COMPAIXÃO PELA VIDA
Do nada uma freada,
Uma trombada...
E num segundo
Tudo se apaga.
Bebida, velocidade...
Imprudência, fatalidade...
Culpados e inocentes
Vidas perdidas simplesmente.
Acabou a vida promissora,
Acabou o futuro brilhante,
Mais um na estatística
Desta tragédia constante.
Partisse uma família,
Acabou a alegria,
Acabou o sorriso do pai...
Acabou o sorriso da filha.
Acabou mais uma vida,
Desperdiçada nas estradas,
Acabou!... E não se faz nada?
Acabou, acabou, acabou...
68
Então, porque não ter
A mesma intensidade,
A mesma força,
E eis minha esperança,
Que o inevitável fim...
Seja pra você, e pra mim.
==========================
Choram os pais...
Choram os filhos,
Choram os amores...
Choram as dores,
Choram os amigos...
Choram comigo!
Inoema Nunes Jahnke (1971)
O FIM
Inoema Nunes Jahnke gaúcha de Pelotas, nasceu
no dia dezesseis de agosto em 1971, empresária na
área de software atualmente reside em
Cachoeirinha, Rio grande do Sul, esposa e mãe, a
escritora dedica boa parte do tempo à poesia, em
2008 publicou seu primeiro livro"Imortal", em 2009
publicou o segundo, autora de poesias consagradas
como “Orgulho gaúcho” e “Compaixão pela vida”,
acredita no amor e no poder da poesia de emocionar
e inspirar os corações!
Percebo o fim; mas tenho medo,
É tão triste!... A idéia assusta,
É minha a culpa!... Sua?
Não importa!...
São tantos beijos
Tantos anos,
Tanta vida jogada fora...
Vira um nada, um passado,
Chorar não adianta,
Mas como não chorar,
Lutar pra que,
Contra o que?
O tempo ninguém para, nada muda...
Mas eu sinto!... Pressinto o inevitável,
Fontes:
http://inoemaescritora.blogspot.com/
http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/
http://www.artistasgauchos.com.br/
Luís Fernando Veríssimo
Vitor e seu irmão
Não era prevenção. A professora tinha o cuidado de
tratar todos os seus alunos da mesma maneira.
— Por que, Vitinho?
— Minha mãe teve um filho esta semana.
Pelo menos, se esforçava para isto. Mas, com o
Vitor, ela sempre estava com um pé atrás. O Vitinho
era um caso à parte.
Uma risadinha correu pela sala, mas o Vitor ficou
sério. Estava sempre sério.
— Qual é a população do Brasil?
Um aluno levantou a mão e leu a resposta que
estava no livro.
— Quantos filhos a sua mãe teve, Vitor?
— Até agora?
— Não, desta vez.
— Um. Mas dos grandes.
— Cento e vinte milhões.
Outra risadinha, como marola na superfície de um
lago.
O Vitor levantou a mão. A professora sentiu um
vazio na barriga. Lá vinha ele.
— Então não são cento e vinte e um milhões. São
cento e vinte milhões e um.
— O que é, Vitinho?
— Cento e vinte e um milhões. (*)
E a professora escreveu o número no quadro-negro.
Depois apontou para o um no fim do número e disse:
69
— Brasília?!
— É, Alice. Por quê?
— Nada.
— Este aqui é o seu irmãozinho, Vitor.
Depois, antes mesmo do Vitor falar, ela se deu conta
de como aquele um parecia solitário, no fim de
tantos zeros.
— Coitadinho do meu ermão.
— Irmão, Vitor. E é claro que este número não é
exato. Tem gente nascendo e morrendo a todo
momento...
— Lá no hospital tava cheio de crianças. Será que já
contaram?
— Não sei, Vitor, eu...
— Bota mais uns dois ou três pra acompanhá meu
ermão, tia.
Ela teve que rir junto com os outros.
— Você, hein, Vitinho? Com você eu tenho que ficar
sempre com um pé atrás.
— Cuidado pra não caí pra frente, tia.
— Chega, Vitor!
Outro caso era o da Alicinha, que se espantava com
tudo. Era só a professora dizer, por exemplo, que a
capital do Brasil era Brasília e a Alicinha arregalava
os olhos e exclamava:
Depois ficava com aquela cara de que só ela era
certa no mundo de loucos, onde se viu a capital do
Brasil ser Brasília, mas era melhor deixar pra lá. Um
dia a professora disse que o Brasil tinha 8.000 km de
costa marinha e ficou esperando a reação da
Alicinha.
Nada.
— O Brasil é banhado pelo oceano Atlântico.
— Atlântico?!
— É, Alice.
— Desde quando?
— Desde sempre, Alice.
— Eu, hein?
"Eu, hein" era mortal. "Eu, hein" era de matar, mas a
professora precisava se controlar. Entre o Vitinho e a
Alicinha ainda acabaria louca.
(*) É claro que este livro foi escrito há alguns anos.
Hoje são mais de cento e sessenta milhões.
Fonte:
VERISSIMO, Luis Fernando. O Santinho. Ed. Objetiva, 2002.
Livro de Sonetos
Héron Patrício
(São Paulo – SP)
COLHEITA
É no riscar do solo, no trabalho
que torna o chão estéril em fecundo;
é na escolha do bom e melhor talho
que o arado irá ferir, de leve ou fundo…
É, do nascer do sol que seca o orvalho
até depois que o dia, moribundo,
busca da noite o fúnebre agasalho,
que o lavrador não pára, um só segundo…
E é, juntando esperanças às sementes,
com chuva certa e sol – sempre presentes -,
que a recompensa vem, mais que perfeita,
pois o plantio, para Deus, é prece
que tem resposta pronta… quando a messe
transborda no celeiro, na colheita!…
Cecim Calixto
(Curitiba – PR)
COLHEITA DA FÉ
É pouca chuva! E o sol sem dó castiga
a terra arada que semente espera.
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A luta insana não lhe traz fadiga
e nem fenece a singular quimera.
A vocação não lhe sugere briga
e nem o ódio o coração verbera.
Chuva madrinha há de lhe dar a espiga
que no paiol o dissabor supera.
Vai à capela e de emoção se agita
e ao Lavrador que lá no céu habita
em pranto implora tudo a nova empreita.
E a chuva cai… tão silenciosa veio…
para alegria do celeiro cheio
e à gratidão pela integral colheita.
Maurício Cavalheiro
(Pindamonhangaba – SP)
COLHEITA PARA DEUS
Enquanto o sol, no repousar, se atrasa
asseverando a seca que prospera,
o sertanejo, em vão, se desespera
ao ver o filho delirar em brasa.
A fome e a sede expostas pela casa
ceifam-lhe a fé, enquanto à cruz, pondera:
“Plantei e o chão rachado não coopera…
por que a miséria, a minha vida, arrasa?”
Nisso uma lágrima, do Cristo, escorre
no mesmo instante em que o menino morre
sem que pudesse dar, ao pai, adeus.
E um anjo chega nesse anoitecer
envolto em luz para no amor colher
mais uma flor para o jardim de Deus.
Thereza Costa Val
(Belo Horizonte – MG)
COLHENDO VERSOS
O pensamento enchi de lindos versos
colhidos em leituras fascinantes;
dentro do coração, deixei imersos
meus sonhos de poeta, fervilhantes.
Na mente e no papel, tracei diversos
esboços de poemas, incitantes…
O tempo foi passando… e pôs dispersos
meus sonhos, ideais e os planos de antes,
mas nunca reneguei esta magia
que, em mim, exerce ainda a Poesia.
E vi chegado o dia da colheita!
Vesti-me de emoções – a idéia feita –
e, no papel em branco que escolhi,
o soneto nasceu… e eu o colhi!
Roberto Resende Vilela
(Pouso Alegre – MG)
MOMENTOS DE REFLEXÃO
Quem acha caro o que produz a roça
nada sabe de lá. Também ignora
quem, já no alvorecer, deixa a palhoça
e volta quando o Sol se foi embora!
Nem pode avaliar o que destroça
(o estio… a enchente…) sem marcar a hora;
e às vezes leva tudo… até a carroça!…
- Só não carrega o coração que chora!
Tais momentos exigem reflexão;
que não se faça a mínima desfeita
àquele que do solo tira o pão
que mata a fome da família e a fome
de quem nunca fez parte da colheita,
não conhece, não viu, nem sabe o nome!
Edmar Japiassú Maia
(Rio de Janeiro – RJ)
O TOLO E O SÁBIO
- O que colheste nesta vida, amigo?…
pergunta o tolo ao sábio que o escuta.
Só te vejo empenhado na labuta,
como se a vida fosse o teu castigo.
- E o que colhes na tua, ele refuta,
se tens na ociosidade o teu abrigo?
Quem busca o florescer de um Bem antigo,
semeia o fértil solo que desfruta…
O amor é um grão que o humano fertiliza,
que faz brotar a floração precisa,
para a divina graça da colheita…
E conclui, ante o tolo, com paciência:
- Um coração plantado de indulgência,
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por amor, a Seu jeito, Deus ajeita!
Prof.Garcia
(Caicó – RN)
SENTIMENTOS
terá colheita farta, garantida,
e, lá, no céu, terá o seu lugar.
Sejamos, pois, fraternos lavradores;
sem esperar por glórias ou louvores,
plantemos, na existência, o bem-querer.
Quando o dia se apressa e vai embora,
num silêncio que fere e que angustia,
a tristeza me invade e me devora,
nas horas sepulcrais, do fim do dia.
Como quem diz adeus e triste chora,
vai-se o sol delirando de agonia,
e a cortina da noite, Deus decora,
com luz tênue, de vã melancolia.
Distante, bem distante, muito além,
a tristeza me acena, como quem
se despede de alguém, que já morreu,
foi apenas a luz de um dia lindo,
que cansada, acenou quase dormindo
e nos braços da noite adormeceu!
Alba Helena Corrêa
(Niterói – RJ)
SEMEADURA DO BEM
Qual árvores deixemos sombra amiga;
talvez o nosso esforço alguém bendiga
ao estender as mãos para colher!
José Tavares de Lima
(Juiz de Fora – MG)
TEMPO DE COLHEITA
Semeia a benquerença pelo mundo,
indiferente ao tanto da colheita…
O solo semeado é mais fecundo
se a plantação só por amor for feita!
Perdoa, que o perdão quando oriundo
de uma fonte sincera, a Deus deleita.
Mata no peito o teu rancor profundo,
e, com sorrisos, tua vida enfeita.
Estende tua mão à dor alheia;
reparte com famintos tua ceia;
ampara contra o frio o descoberto…
Imita o agricultor em tua vida;
verás o quanto é nobre semear.
Repara – sempre a terra agradecida,
com flores, frutos, vai recompensar.
O ser humano que na sua lida
espalha o bem sem disso se ufanar,
Mas segue, atentamente, esta sentença:
não ajudes pensando em recompensa,
que a colheita virá no tempo certo!
Fonte:
Academia de Letras de Maringá
Juliana Boeira da Ressurreição
A Importância dos Contos de Fadas no
Desenvolvimento da Imaginação
Resumo: O presente artigo trata da “Importância
dos contos de fadas: no desenvolvimento da
imaginação”. Neste artigo, procurei destacar os
seguintes tópicos: A fantasia nas histórias infantis; O
herói em desenvolvimento; Os contos infantis e a
educação; Imaginando o que foi imaginado; e, por
último, relacionei, usando a metodologia da pesquisa
exploratória, a teoria estudada com as informações
obtidas em entrevista realizada com uma professora
que atua na hora do conto em uma escola estadual
no município de Terra de Areia/RS.
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Palavras-chave: imaginação, educação, criança,
encantamento, magia, emoções
suave e docemente que se despertam consciência”.
(Jean de La Fontaine, século XVII )
Introdução
As histórias infantis são contos bem antigos e ainda
hoje podem ser consideradas verdadeiras obras de
arte, lembrando sempre que seus enredos falam de
sentimentos comuns a todos nós, como: ódio, inveja,
ciúme, ambição, rejeição e frustração, que só podem
ser compreendidos e vivenciados pela criança
através das emoções e da fantasia. Os contos de
fadas funcionam como instrumentos para a
descoberta desses sentimentos dentro da criança
(ou até mesmo de adultos), pois os mesmos são
capazes de nos envolver em seu enredo, de nos
instigar a mente e comover-nos com a sorte de seus
personagens. Causam impacto em nosso psiquismo,
porque tratam das experiências cotidianas,
permitindo que nos identifiquemos com as
dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos
narrados expressam, em suma, a condição humana
frente às provações da vida.
Falar sobre literatura é, sem dúvidas, falar sobre a
imaginação. Sosa (1982) assinala a importância da
literatura infantil como etapa criadora dentro do
problema geral da imaginação, uma vez que não se
sabe bem em que idade, nem em que forma e
circunstâncias ela aparece na criança. O mesmo
autor afirma que a imaginação é a “faculdade
soberana” e a forma mais elevada do
desenvolvimento intelectual. Se em outros
componentes curriculares atenta-se a conteúdos
significativos para as crianças, na literatura infantil
encontra-se o espaço privilegiado para estimular o
sujeito como elemento gerador das hipóteses
mágicas.
A fantasia dos contos de fadas é fundamental para o
desenvolvimento da criança. Há significados mais
profundos nos contos de fadas que se contam na
infância do que na verdade que a vida adulta ensina.
É por meio dos contos infantis que a criança
desenvolve seus sentimentos, emoções e aprende a
lidar com essas sensações.
É encantador para mim, hoje adulta, relembrar as
histórias contadas por meus pais. Quando criança,
ao ouvir, por exemplo, a historinha do Patinho Feio,
sentia pena dele, ficava triste. Hoje enxergo a
mesma história de uma outra forma; quantas vezes
nos sentimos um Patinho Feio, ou ainda, quantos
patinhos feios existem por aí excluídos e
discriminados. O mundo infantil é realmente
encantador e surpreendente.
Este artigo resulta de uma pesquisa exploratória, em
que se buscou compreender como o professor
percebe que os contos de fadas têm contribuído no
desenvolvimento da imaginação infantil. A coleta de
informações foi realizada por meio de uma entrevista
com uma professora que atua com a Hora do Conto,
em uma escola estadual no município de Terra de
Areia/RS.
2. A fantasia nas histórias infantis
“Se se quiser falar ao coração dos homens, há que
se contar uma história. Dessas onde não faltem
animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim
Histórias como: Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel,
Cinderela, o Lobo Mau e todos os seus
companheiros continuam sendo os antídotos mais
eficientes contra as angústias e temores infantis.
Quando essas histórias são apresentadas às
crianças, os personagens podem ajudá-las a se
tornar mais sensíveis, esperançosas, otimistas e
confiantes na vida. A fantasia é fundamental para o
desenvolvimento emocional da criança. Nessas
histórias, a criança se identifica mais facilmente com
os problemas dos personagens. Ao mergulhar com
prazer no faz-de-conta, as crianças dão vazão às
próprias emoções.
Os contos começam de maneira simples e partem
de um problema ligado à realidade como a carência
afetiva de Cinderela, a pobreza de João e Maria ou o
conflito entre filha e madrasta em Branca de Neve.
Na busca de soluções para esses conflitos, surgem
as figuras “mágicas”: fadas, anões, bruxas
malvadas. E a narrativa termina com a volta à
realidade, em que os heróis se casam ou retornam
ao lar.
Bettelheim, em seu livro A psicanálise dos contos de
fadas (1980, p.19), diz:
“Só partindo para o mundo é que o herói dos contos
de fada (a criança) pode se encontrar; e fazendo-o,
encontrará também o outro com quem será capaz de
viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter
73
de experimentar a ansiedade de separação. O conto
de fadas é orientado para o futuro e guia a criança –
em termos que ela pode entender tanto na sua
mente inconsciente quanto consciente – a ao
abandonar seus desejos de dependência infantil e
conseguir uma existência mais satisfatoriamente
independente”.
A fantasia facilita a compreensão das crianças, pois
se aproxima mais da maneira como vêem o mundo,
já que ainda são incapazes de compreender
respostas realistas. Não esqueçamos que as
crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a
lua é viva, assim como todos os outros elementos do
mundo, da natureza e da vida.
Ainda de acordo com Bettelheim (1980, p.13), para
que uma estória realmente prenda a atenção da
criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade.
Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a
imaginação, ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a
tornar claras suas emoções; estar harmonizada com
suas ansiedades e aspirações; reconhecer
plenamente suas dificuldades; e, ao mesmo tempo,
sugerir soluções para os problemas que a
perturbam. Resumindo, deve de uma só vez
relacionar-se com todos os aspectos da
personalidade da criança e isso sem nunca
menosprezá-la, buscando dar inteiro crédito a seus
predicamentos e simultaneamente promover a
confiança nela mesma e no seu futuro.
Penso que um dos meios mais preciosos que existe
de se falar ao coração é a literatura; ela é
encantadora, capaz de nos mover sem sairmos do
lugar. É fascinante reconhecer o quanto uma leitura
é capaz de explorar a nossa imaginação, mexer com
nossos sentimentos mais íntimos e contribuir no
desenvolvimento da imaginação, da fantasia e até
mesmo da personalidade humana.
2.1 O herói em desenvolvimento
O que salva o herói é seu grau de amadurecimento,
e este é alcançado sempre fora da casa paterna. A
mensagem oculta é a de que precisamos de nossos
pais, mas para crescer, temos de nos libertar da
dependência deles.
Bettelheim (1980, p.16) destaca que
“Para dominar os problemas psicológicos do
crescimento – superar decepções narcisistas,
dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de
abandonar dependências infantis; obter um
sentimento de individualidade e de autovalorização,
e um sentido de obrigação moral – a criança
necessita entender o que está se passando dentro
de seu inconsciente. Ela pode atingir essa
compreensão, e com isto a habilidade de lidar com
as coisas, não através da compreensão racional da
natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas
familiarizando-se com ele através de devaneios
prolongados – ruminando, reorganizando e
fantasiando sobre elementos adequados da estória
em resposta a pressões inconscientes, o que
capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os
contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto
oferecem novas dimensões à imaginação da criança
que ela não poderia descobrir verdadeiramente por
si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos
contos de fadas sugerem imagens á criança com as
quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles
dar melhor direção à sua vida.”
Condiz com o que comenta a professora em sua
entrevista:
“Através dos contos de fadas, podemos levar as
crianças a compreender que na vida real, devemos
estar preparados (as) para enfrentar as coisas
difíceis com coragem e otimismo para a conquista
da felicidade”.
O maravilhoso sempre foi, e continua sendo, um dos
elementos mais importantes na literatura destinada
as crianças. Através do prazer ou das emoções que
as estórias lhes proporcionam, o simbolismo que,
está implícito nas tramas e personagens, vai agir em
seu inconsciente, atuando pouco a pouco para
ajudar a resolver os conflitos interiores normais
nessa fase da vida.
A psicanálise afirma que os significados simbólicos
dos contos maravilhosos estão ligados aos eternos
dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu
amadurecimento emocional. É durante essa fase
que surge a necessidade da criança em defender
sua vontade e sua independência em relação ao
poder dos pais ou à rivalidade com os irmãos ou
amigos.
Lembra a psicanálise que a criança é levada a se
identificar com o herói bom e belo, não devido à sua
bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria
personificação de seus problemas infantis: seu
74
inconsciente desejo de bondade e beleza e,
principalmente, sua necessidade de segurança e
proteção. Pode assim superar o medo que a inibe e
enfrentar os perigos e ameaças que sente à sua
volta, podendo alcançar gradativamente o equilíbrio
adulto.
O herói sofre a perseguição do mal – a bruxa -, o
que faz aumentar o conflito até o final, quando a
virtude triunfa e o ser malévolo é impiedosamente
castigado. Assim, tudo termina com final feliz.
Se o aspecto principal na definição do conto popular,
enquanto gênero literário, é a organização do motivo
e das motivações dos personagens, no conto
maravilhoso é necessário acrescentar um outro
elemento: o encantamento provocado pela ação de
um ser sobrenatural. Num momento de grande
conflito, um ser sobrenatural intervém no destino do
herói e modifica totalmente sua vida. É isto que
define o conto de fadas, tornando-o distinto das
demais narrativas literárias.
Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos
com a cabeça funcionando racionalmente como a
deles, e acreditam que a sua maturidade depende
exclusivamente do ensinamento oferecido pela
maioria das escolas que, via de regra, em nossa
sociedade moderna, pouco fazem além de repassar
um conteúdo pedagógico desprovido de maiores
significados para a vida. Esquecem-se de explorar
os sentimentos como integrante fundamental da
formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem,
algumas escolas desconsideram os contos de fadas
como se esses só gerassem confusões quanto aos
conceitos sólidos de realidade que devem ser
ensinados às crianças.
“Herói é o personagem que vive grandes aventuras
e consegue vencer todos os problemas que surgem
à sua volta. Por isso ele é considerando o
personagem principal, cujas ações, pensamentos e
sentimentos acompanhamos com maior interesse. O
herói é também chamado protagonista da história.
Nem sempre o herói é um personagem com
qualidades positivas. Existem heróis que são
atrapalhados, malandros e vivem grandes situações
de embaraço, mas continuam sendo protagonistas.
Estes são conhecidos como anti-heróis”.
(MACHADO, 1994, p. 45)
Nos contos de fadas, pode-se encontrar o modelo
básico de qualquer narrativa literária, em toda
narrativa literária existem episódios, ou seja,
situações de equilíbrio e desequilíbrio, que se
modificam, provocando a passagem de uma
situação a outra. É nessa cadeia de episódios que
se situam os conflitos e as soluções aos problemas
que tanto nos prendem a atenção. A diferença é
que, nos contos de fadas, a transformação é
provocada pela intervenção uma ação mágica.
Assim, os seres mágicos são tão importantes para o
desenvolvimento da história quanto para o
comportamento do herói.
Logo, todos os contos de fadas apresentam histórias
de príncipes e princesas – heróis – que vivem
situações terríveis criadas por seres malévolos – as
bruxas - , mas, felizmente, contam com os seres
mágicos: fadas, magos, anões. Por isso, os conflitos
são provados por uma intenção maldosa contra uma
pessoa de bem e só se resolve pelo encantamento.
2.2 Os contos infantis e a educação
A sabedoria, afinal, não é coisa que nasça pronta
como a deusa Palas Atena, que, inteiramente
formada, pulou fora da cabeça de Zeus; é, antes,
algo delicado, que se constrói desde os tenros anos
da infância e que passa necessariamente por um
estágio de extraordinário potencial, o qual só se
desdobrará convenientemente num bem explorado e
maduro psiquismo. Obrigatoriamente, isso leva à
necessidade de lidar com os sentimentos. O mundo
interior,
desconhecido
pela
consciência
intelectualizada, encerra segredos legítimos, guarda
metade de nós mesmos, e sua assimilação é
imprescindível para todo aquele que deseje
conhecer-se melhor ou que esteja buscando
respostas honestas para os enigmas da existência.
Nesse particular, os contos de fadas cumprem
relevante papel. São expressão cristalina e simples
de nosso mundo psicológico profundo. De estruturas
mais simples que os mitos e as lendas, mas de
conteúdo muito mais rico do que o mero teor moral
encontrado na maioria das fábulas, são os contos de
fadas a fórmula mágica capaz de envolver a atenção
das crianças e despertar-lhes sentimentos e valores
intuitivos que clamam por um desenvolvimento justo,
tão pleno quanto possa vir a ser o do prestigiado
intelecto.
Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar
nosso caminho pessoal de desenvolvimento,
75
apresentando-nos as situações críticas de escolha
que invariavelmente enfrentamos, não despertariam
nem sequer o interesse nas crianças que buscam
neles, além da diversão, um aprendizado apropriado
à sua segurança. Nesse processo, cada criança
depreende suas próprias lições dos contos de fadas
que ouve, sempre de acordo com seu momento de
vida. Elas extraem das narrativas, ainda que
inconscientemente, o que de melhor possa
aproveitar para ser aí aplicado. Oportunamente
pedem que seus pais lhe contem de novo esta ou
aquela história, quando revivem sentimentos que
vão sendo trabalhados a cada repetição do drama,
ampliando assim os significados aprendidos ou
substituindo-os por outros mais eficientes, conforme
suas necessidades do momento.
Os contos de fadas nos impressionam, porque
sempre foram populares como tradição oral, mas,
antes, porque suas histórias são instigantes. Não há
como alcançar completamente seu sentido em
termos puramente intelectuais, fato que nos
desperta a percepção intuitiva. A fantasia irracional a
ponto de permitir que a Vovó, engolida pelo Lobo
Mau, permaneça viva em sua barriga até ser salva;
que Bela Adormecida durma enfeitiçada um sono de
cem anos; e que João suba num pé de feijão até
alcançar no céu o castelo de um gigante.
Justamente pelo inverossímil que expõe, provoca
uma reviravolta em nosso mundo psíquico, o qual
estimula, aguça-se na tentativa de compreendê-la. E
não há como explicá-la pelos padrões da razão
metódica. A história de fadas é por si sua melhor
explicação, do mesmo modo que as obras de arte
encerram aspectos que fogem do alcance do
intelecto, já que suscitam emoções capazes de
comover os que fogem do alcance do intelecto; já
que suscitam emoções capazes de comover os que
diante delas se colocam. O significado desses
contos está guardado na totalidade de seu conjunto,
perpassado pelos fios invisíveis de sua trama
narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas
formas de abordá-lo são possíveis e igualmente
válidas, posto que acrescentam luz à sua
compreensão.
A literatura dirigida ao público infantil foi produzida a
partir do século XVII, uma vez que antes desta data,
a sociedade feudal não reconhecia que as crianças
possuíam características próprias da infância. Com a
queda do sistema feudal, a família tornou-se
unicelular, ou seja, mais unida e privada, e a criança
é tida como frágil (biologicamente), distanciada dos
meios produtivos; e então, como conseqüência, é
um ser dependente do adulto, de quem precisa
ajuda para agir na sociedade.
Segundo o modelo familiar burguês que surgiu na
Idade Moderna, a criança passou a ser valorizada, e
juntamente com as idéias para seu desenvolvimento
intelectual surge a necessidade de manipulação de
suas emoções. É neste contexto que a escola e a
literatura aparecem para atender a essas questões.
Prova disto é que os primeiros textos para as
crianças são de caráter educativo. O cunho
educativo é dotado de um pragmatismo que não
aceita a literatura como arte, mas como atividade de
dominação da criança, ou seja, de cunho
exclusivamente moralista e ditadora de regras.
Essa idéia de dominação é incorporada pela escola
como objetivo, uma vez que esta introduz a criança
na vida adulta, mas ao mesmo tempo, protege-a
contra as agressões do mundo exterior, separando-a
de seu coletivo (família, sociedade) e a fazendo
esquecer o que já sabe.
“O sistema de clausura coroa o processo: a escola
fecha suas portas para o mundo exterior [..]. As
relações da escola com a vida são, portanto, de
contrariedade [...] É por omitir o social que a escola
pode se converter num dos veículos mais bem
sucedidos da educação burguesa; pois a partir desta
ocorrência, tornou-se possível a manifestação dos
ideais que regem a conduta da camada do poder,
evitando o eventual questionamento que revelaria
sua face mais autêntica.” (ZILBERMAN, 1985, p.
19).
As relações entre literatura e escola possuem
aspectos comuns e divergentes. Comuns pois as
duas são de natureza formativa e divergentes pois a
escola busca transformar a realidade viva e
sintetizá-la nas disciplinas. Nesse processo de
síntese, interrompem-se os vínculos com a vida
atual. Já a literatura infantil sintetiza, por meio dos
recursos de ficção, uma realidade que tem amplos
pontos de contato com o que o leitor vive
cotidianamente.
O professor precisa estar consciente dessas
questões e trabalhar para que a relação literatura e
escola aconteça de forma harmônica. Um dos
passos que precisa ser bem construído refere-se a
76
escolha dos textos e a adequação dos mesmos ao
leitor.
O mais importante que resta disso tudo é que nunca
esqueçamos a lição, crianças, jovens ou adultos no
mundo das fadas, todos seguimos encantados e
felizes para sempre!
3. Imaginado o que foi imaginado
O maravilhoso dos contos de fadas faz com que aos
poucos a magia, o fantástico, o imaginário deixem
de ser vistos como pura fantasia para fazer parte da
vida diária de cada um, inclusive dos adultos que já
se permitem em muitos momentos se transportar
para este mundo mágico, onde a vida se torna mais
leve e bem menos operativa.
Imaginação s. f. ( lat. imaginatio, imaginationis). 1.
Faculdade que permite elaborar ou evocar, no
presente imagens e concepções novas, de encontrar
soluções originais para problemas. 3. Faculdade de
inventar, criar, conceber”. (Dicionário CULTURAL.
1992, p. 604)
As situações reproduzidas no conto maravilhoso
acontecem num espaço redigido por leis totalmente
diferentes daquelas que dominam nosso mundo
cotidiano, embora haja uma preferência muito
grande pelos bosques e florestas. Quer dizer, neste
espaço, onde dominam as leis do sobrenatural e do
imaginário, não existem distâncias e os personagens
podem deslocar-se com grande facilidade da terra
para o céu e deste para o mar.
Com isso, o conto maravilhoso pode até introduzir a
situação inicial com a famosa frase “Era uma vez,
num reino muito distante...”; contudo, num mundo
imaginário e sobrenatural, o que menos importa é a
localização temporal. Tudo acontece de repente e a
duração dos acontecimentos não é cronometrada
pelas mesmas unidades temporais que vivenciamos.
Por exemplo, se o autor diz ‘dia’, ele está se
referindo a um momento sideral preciso que altera o
dia e a noite. O tempo é apenas uma paisagem da
situação vivida pelos personagens.
Num espaço e num tempo assim constituídos, não
se poderia esperar que habitassem seres como a
gente. Pelo contrário, este é o mundo habitado pelos
seres maravilhosos: fadas, magos, bruxas, anões,
gigantes, gênios, gnomos, ogros, dragões, duendes
e outros seres criados pela natureza. Todos eles
convivem com grande naturalidade e nada que lhes
ocorre é considerado estranho. Também não
conhecem o processo do crescimento biológico. São
crianças e adultos, mas não sofrem a ação do
tempo, já que este não existe. A velhice ou a
juventude faz parte do caráter do personagem.
“No espaço sobrenatural não existe tempo real, tudo
acontece de repente e justamente, com total arbítrio
do acaso. Os personagens existem, mas não foram
criados por leis humanas. São, antes, fenômenos
naturais. Por isso são seres encantados”.
(MACHADO, 1994, p. 43)
Todo conto popular revela uma tendência muito
grande para o encantamento: aquelas situações em
que ocorrem transformações provocadas por algum
tipo de magia, que não são explicadas de modo
natural.
Há aquele tipo de história em que o encantamento
ocorre em qualquer circunstância, pois o elemento
mágico está presente em toda parte. Mas há
também, um tipo de conto maravilhoso em que as
transformações são privilégios de alguns seres
encantados, dotados de poderes sobrenaturais. As
narrativas mais significativas deste modelo são as
histórias dos contos de fadas. São as histórias que,
como o próprio nome diz, se concentram nos
poderes mágicos das fadas, dos magos ou de algum
outro ser dotado de poderes sobrenaturais.
“Fadas: são os seres que fadam, isto é, orientam ou
modificam o destino das pessoas. Fada é um termo
originado do latim fatum, que significa destino”.
(MACHADO, 1994. p. 44)
Ainda que não se possa localizar no tempo a origem
desses seres, a nossa tradição cultural se
encarregou de definir as fadas como seres
simbólicos, dotados de virtudes positivas e poderes
sobrenaturais, concentrados em suas varinhas
mágicas. Por isso, elas sempre aparecem nos
momentos de grandes conflitos, quando as pessoas
pensam que seu destino está tomado por uma
fatalidade da qual é impossível fugir. Assim sendo, o
conto de fadas torna-se uma manifestação valiosa
na representação dos sonhos e dos desejos
humanos, os mais profundos e significativos.
77
A professora com a qual realizei a entrevista diz que
“o importante é que o maravilhoso acontece no
mundo da magia, do sonho e da fantasia, onde tudo
escapa às limitações da vida humana e onde tudo se
resolve por meios sobrenaturais”. Foi bastante
interessante ouvi-la contando sobre a reação das
crianças nos momentos em ela conta as histórias,
como trabalha com a entonação da voz e como as
crianças reagem às situações vividas pelos
personagens. Ela contou que é muito fácil perceber
as emoções sentidas pelas crianças através de um
olhar, de um sorriso, de um olhar de medo e até
mesmo pela torcida de que, no final da história, o
bem vença e os problemas se acabem e que sejam
felizes.
Durante o relato, ela também contou:
“Tenho observado, no meu fazer pedagógico,
satisfação e encantamento de crianças que variam
dos 6 aos 10 anos de idade, cada vez que
trabalhamos com contos de fadas. Ouvem com
atenção, participam, opinam, contam estórias, etc.
Através da fantasia, da imaginação, transmite-se à
criança, valores que poderão auxiliá-la na sua
formação, ajudando-a a superar medos, a enfrentar
situações difíceis, enfim encorajando-a para
alcançar o equilíbrio”.
Após leituras e comentários com a professora fiquei
a pensar neste processo encantador pelo qual passa
a nossa imaginação; o escritor, ao escrever, trabalha
com sua imaginação para que o leitor venha a
imaginar aquilo ele escreveu, e talvez o que o
escritor imaginou pode não ter nada a ver com o que
o leitor imaginou.
É incrível o quanto a nossa imaginação é livre; ao
ouvirmos uma história ou ao lermos um livro,
podemos viajar pelo mundo todo, por lugares nunca
vistos, imaginando seres e situações nunca vividas
antes. Por meio da imaginação podemos resolver
nossos problemas, viver nosso presente, planejar
nosso futuro e aprimorar nosso passado.
Imagino como é mágica a imaginação das crianças;
para elas tudo parece tão real, mesmo no mundo
imaginário. Quantas crianças possuem um amigo
imaginário, com o qual brincam, conversam, cantam
e até mesmo contam histórias imaginadas por elas
mesmas. E este se torna um ser “real”, vem a ser
uma realidade que vive somente no imaginário da
criança. A professora acrescenta “um conto bem
narrado ativa e intensifica toda uma série de
experiências na criança, pois através da fala, dos
gestos, da entonação da voz, o narrador atribui
sentido ao que está sendo narrado”.
Comparo a imaginação infantil ao planejamento por
meio de sonhos que alguns adultos se permitem
passar; a diferença é que, em alguns casos, os
sonhos podem se tornar realidade, e isto é o que faz
com que a vontade de sonhar continue viva.
4. Hora do Conto na escola
A literatura infantil é algo que me encanta, me
interessa; seguidamente converso com meus alunos
do Ensino Médio sobre a relação que existe entre
eles e as histórias infantis. Hoje percebo o quanto
eles gostam de relembrar os momentos da infância e
o quanto alguns personagem se tornaram
inesquecíveis em sua vida. No entanto, considerei
imprescindível compreender como se efetiva esse
contato pedagógico do professor com a criança e os
contos de fada, até mesmo para compreender mais
o que os jovens manifestam de lembranças dessas
vivências, e para poder disponibilizar este estudo
aos professores que desempenham este papel.
Decidi-me, pois, por desenvolver uma pesquisa
exploratória, analisando a bibliografia pertinente e
conversando com uma professora que atua com a
Hora do Conto.
A pesquisa exploratória é vista como o primeiro
passo de todo o trabalho científico. Este tipo de
pesquisa tem por finalidade proporcionar maiores
informações sobre determinado assunto; facilitar a
delimitação de uma temática de estudo; definir os
objetivos ou formular as hipóteses de uma pesquisa,
ou, ainda, descobrir um novo enfoque para o estudo
que se pretende realizar. Pode-se dizer que a
pesquisa exploratória tem como objetivo principal o
aprimoramento de idéias ou a descoberta de
intuições. Através dessa metodologia de pesquisa
avalia-se a possibilidade de se desenvolver um
estudo inédito e interessante, sobre uma
determinada temática. Sendo assim, proporciona
maior familiaridade com o problema, com vistas a
torná-lo mais explícito. De um modo geral, esta
pesquisa constitui um estudo preliminar ou
preparatório para outro tipo de pesquisa.
78
O instrumento de coleta de dados que utilizei foi uma
entrevista semi-estrutura, a partir da qual apresento
uma análise descritiva.
A Hora do Conto, nesta escola, é realizada uma vez
por semana para alunos de pré à 4ª série. É uma
atividade do laboratório de aprendizagem que
oferece ainda a visita do “carro da leitura” (biblioteca
ambulante que visita salas de aula uma vez por
semana). Durante a visita do “carro da leitura”, todas
as turmas de pré à 4ª série param outras atividades
para poder ler, seja contos ou histórias em
quadrinhos.
Sempre que possível, a Hora do Conto é realizada
de acordo com o projeto que está sendo
desenvolvido pelo currículo - contos, histórias,
poesias, músicas são apresentados tanto pelas
professoras responsáveis pelo Laboratório de
Aprendizagem, como também pelos alunos.
Algumas vezes, a Hora do Conto é enriquecida com
trabalhos em dobradura, colagem, desenho e
formação de textos, poesias e dramatizações.
Existe também a preocupação com o
desenvolvimento da sociabilidade e desenvoltura
dos/as alunos/as para se apresentarem em Horas
Cívicas e festas comemorativas na escola, através
de pequenas dramatizações de contos infantis,
danças, músicas ou declamações de poemas.
Na conversa com a professora entrevistada, ela
comentou sobre a importância do maravilhoso dos
contos de fadas que concretiza imagens, símbolos,
etc. como mediadores de valores eventualmente
assimilados pelos ouvintes; esses valores
contribuem e influenciam à formação da
personalidade da criança.
A capacidade de simbolizar é fundamental para a
nossa natureza psíquica e emocional, e é um
atributo desejável para um desenvolvimento
intelectual pleno, saudável e criativo. A professora
acredita que os contos de fadas são a chave para
ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da
realidade, e diz que talvez a resposta esteja na
linguagem simbólica de que os contos de fadas se
revestem, pois está ligada aos dilemas que o
homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento
emocional.
Concordo com a professora entrevistada, quando a
mesma diz que “Os contos de fadas têm formas
diferentes de expressar idéias, mostrando sentidos
profundos e inesperados às crianças e as auxiliam a
compreender a sua condição humana e a lidar com
os conflitos a ela inerentes”, pois os contos de fadas,
de uma forma mágica, têm o poder de mexer com os
nossos sentimentos mais íntimos e verdadeiros. Por
meio deles as crianças se identificam com as
situações vividas pelos personagens como se fosse
sua própria vida; de acordo com os acontecimentos
no decorrer da história, são perceptíveis as reações
das crianças. E esses conflitos, vividos por meio do
imaginário, são capazes de auxiliar muito no
desenvolvimento emocional e humano das crianças,
ajudando-as a entender, de forma mais acessível, os
acontecimentos de sua vida real.
Considerações finais
Durante cada leitura que realizei para escrever este
artigo mais me encantava e vibrava com cada novas
descobertas. Os contos de fadas são
enriquecedores e satisfatórios, eles ensinam sobre
os problemas interiores dos seres humanos e
apresentam soluções em qualquer sociedade. A
fantasia ajuda a formar a personalidade e por isso
não pode faltar na educação.
Durante os estudos, relembrei momentos de minha
própria infância: o medo de alguns personagens,
como a bruxa; a ansiedade para saber o que
aconteceria com a Cinderela no final da história e
qual seria o destino da madrasta malvada e de suas
filhas. Foi muito interessante, pois hoje todas estas
sensações se transformaram em lembranças
encantadoras. Percebo também essas sensações
quando meus alunos relatam algumas lembranças
da infância: observo as expressões do rosto, do
olhar, dos gestos... É impressionante como podemos
aprender, criar, sonhar, imaginar por meio de nossas
leituras e recordações.
Por isso, saliento a importância dos contos de fadas
e da leitura no desenvolvimento da imaginação
infantil: os mesmos contribuem muito na formação
da personalidade, ajudam as crianças a entenderem
um pouco melhor este mundo que as cercam. Se no
processo de ensino se desse uma atenção especial
ao emocional que existe em cada uma das crianças,
este mundo seria bem melhor!
79
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Ricardo. Literatura infantil: origens,
visões da infância e certos traços populares.
Disponível
em
http://
www.ricardoazevedo.com/artigo07.htm. Acessado
em 17-07-2005.
BARCO, Frieda Liliana Morales, RÊGO, Zíla Letícia
Goulart Pereira, FICHTNER, Marília Papaléu. Era
uma vez ... na escola: formando educadores para
formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.
BETTLLHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de
fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te quero livre.
Rio de Janeiro: Nordica, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria,
análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
DOHME, Vania. A atividade lúdica como mídia
educacional.... Disponível em http://www.uebdf.org.br/artigo0.asp?art=11,
acessado
em
17/07/2005.
FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia. –
3.ed.- São Paulo: Saraiva, 2001.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de
pesquisa. – 3. Ed.- São Paulo: Atlas, 1991.
MACHADO, Irene A. Literatura e redação. São
Paulo: Scipione, 1994.
SOSA, Jesualdo. A literatura infantil. Literatura
Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo:
Ática, 1982.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola.
São Paulo: Global, 1995
======================
Juliana Boeira da Ressurreição, pós-graduanda do curso
de Novas Abordagens em Língua Portuguesa e Literatura
da Língua Portuguesa -Faculdade Cenecista de OsórioFACOS/RS Orientadora Profa. Dra. Cristina Maria de
Oliveira
Fonte:
www.monografias.com
João Justiniano da
Fonseca
Poesias
A BELEZA DA VIDA
A MORTE DO SONHO
A beleza da vida está na própria vida,
nas flores do jardim, no fruto do pomar.
No amanhecer do dia, o sol vindo do mar,
ou da várzea, da serra - eterno na subida.
Era o sustento e a crença, a fé, o arrimo
em que me equilibrava para a luta.
Veio a ser desespero e dor - cicuta
que a esperança levou à morte e ao limo.
A beleza da vida está no conjugar
os rios, a floresta, e a comprida avenida...
Pista e velocidade, os pneus a rolar!
Ou, no espinho e na rosa? Ou na idade vivida?
Assim mesmo o bendigo - ao sonho ardente
que, infinito, vivemos cem por cento
e ao ocaso passou. Gemia o vento
quando o sonho descia no poente...
A beleza da vida – o homem no trabalho,
no campo ou na cidade. A enxada. A pena. O malho.
Mover de sonho e fé, de luz, de cabedais.
Hoje, que tudo foi, direi apenas,
que as tuas rosas, dálias e açucenas,
murchas, guardei-as com o maior carinho...
A beleza da vida – o todo na impulsão
de tudo que se move. O amor, o coração...
O destino da paz, a paz. A íntima paz!
Morreu, morreu! Vamos adiante, eu me erga,
ator no palco da tragédia grega
busque outro sonho, siga outro caminho...
80
AS PLANTAS DO SERTÃO
É um milagre do Eterno; não sei de onde
vem, a potente força com que vinga
a planta no Sertão, por mais que a ronde
e roa, da canícula a língua!
O umbuzeiro sagrado, na caatinga,
alarga, entrança e reentrança a fronde,
para se proteger do sol; e à míngua
da chuva, a água na raiz esconde.
Macambira, umburana, xiquexique,
têm as raízes ou o caule aquosos,
para que o sol não os seque e mumifique.
Em outras plantas, troncos mal porosos,
pode ser que a dureza justifique
a resistência aos raios venenosos.
CORAÇÃO DO VELHO
O coração do velho é a mansidão do lago,
a angústia do passado, a lembrança do sonho...
Roída pelo tempo, é uma raiz, suponho,
exposta, ressequida, à procura de afago.
O amor que se lhe dê, pesa tanto em conforto,
que sendo uma migalha, é por milhões que vale...
Se quer vê-lo feliz, do futuro lhe fale,
se quer vê-lo sofrer, lembre o passado morto...
Consente em rir e é sol, tão só porque lhe apontem
a gota de ilusão que a velha angústia acalma,
chora o belo perdido, as mágoas que se contem...
O coração do velho é a sensitiva da alma,
que marca desolada e triste, o riso do ontem,
tem lembrança e não fé, já não espera a palma...
O ESQUECIMENTO
Não dá para esquecer: Um sonho. Nos seus braços
Corria mansa a vida. O amor de adolescente
Ensejava a esperança e a fé. Primeiros passos
De um mundo idealizado – o futuro da gente.
Eu e você. A casa erguida na colina
No mais alto do topo. A fonte. O minadouro.
Um córrego descendo. A água cristalina
Banha meu corpo e o seu. Aqui nosso tesouro.
Vem o primeiro filho, agora somos três.
As vacas no curral. As cabras. As galinhas.
Crescia a vida. O tempo andava mês a mês.
E fomos quatro, cinco... O tempo, ano a ano
Levou a mocidade. Os filhos e as vizinhas...
De nós o esquecimento, em nós o desengano...
O TECELÃO DA VIDA
O tempo tece a vida fio a fio,
sem pressa e sem recuo na memória.
Como o curso das águas, vão, em rio,
um para o mar, o outro para a história.
Não pára o tecelão. A sua glória,
é a força do tear. E, como em cio,
a si se soma subtraindo a escória.
Ao fim da era é fósforo e pavio.
Explode em chamas ou submerge, ou oculto,
sobe ao espaço aéreo e aí se planta
por milênios sem pôr à mostra o vulto.
Renasce na pesquisa e se suplanta.
É o passado remoto. Cresce, e adulto,
às novas gerações empolga e espanta.
João Justiniano da Fonseca (1920)
Poeta e ficcionista, com incursões na historiografia e
na biografia.
Nasceu em Rodelas, Estado da Bahia, a 30 de junho
de 1920, filho de Manoel Justiniano da Fonseca e
Eufrosina Maria de Almeida.
Servidor Público, João tem um longo percurso de
trabalho. Serviu ao Exército Nacional entre 1940 e
1944, tendo aí realizado o curso de formação de
graduados - sargento.
Preparou-se para a vida por via de cursos
intensivos, para realizar concursos públicos. Nesses
cursos estudou, além da matéria de conhecimentos
gerais, matemática, contabilidade geral e pública,
geografia, voltada especialmente para informações
sobre portos marítimos e fluviais, direito tributário,
direito administrativo, direito comercial, direito civil e
direito penal na área de crimes contra a
administração pública.
Tem aprovação nos concursos públicos então
realizados pelos extintos - Departamento
81
Administrativo do Serviço Público (DASP) e
Departamento Estadual de Serviço Público
(DSP\BA), para Escrivão de Coletoria Estadual
(Bahia) Fiscal de Rendas do Estado (Bahia),
Escrivão de Coletoria Federal e Agente Fiscal do
Imposto de Consumo, cargos reestruturados com
denominação outra. Exerceu, por concurso público,
os cargos de Auxiliar de Coletoria Federal, Escrivão
de Coletoria Federal e Agente Fiscal do Imposto de
Consumo, correspondente, na atual nomenclatura, a
Auditor Fiscal da Receita Federal.
Em comissão, passou pelos cargos de Inspetor de
Coletorias Federais, Fiscal do Selo nas Operações
Bancárias, Inspetor Fiscal do Imposto de Consumo e
Inspetor Fiscal de Rendas Internas na área federal;
Assessor Técnico de Planejamento na área estadual
(Bahia) e Diretor Administrativo Financeiro da extinta
COHAB/SALVADOR, na área municipal.
Aposentou-se como Auditor Fiscal da Receita
Federal com redução de tempo de serviço, como
participante de operações bélicas.
Nomeado posteriormente para o cargo vitalício de
Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios
do Estado da Bahia, renunciou a aposentadoria
federal para exercer o novo cargo, no qual veio a
aposentar-se em 1990, encerrando, então, sua
carreira no serviço público. Exerceu, ainda, o
mandato eletivo de Prefeito de sua terra natal no
período 1967/1971 e posteriormente o mandato de
vereador.
Obra Literária:
Safiras e Outros Poemas (poesia lírica),
Sonhos de João (poesia lírica),
Brados do Sertão (poesia épico-social),
Sonetos de Amor e Passatempo, Rio Grande do Sul
(poesia vária).
Luiz Rogério de Sousa - Educador Emérito (resumo
biográfico e coroa de sonetilhos),
Cacimba Seca (romance),
Terra Inundada (romance),
Grilagem (romance),
Aquele Homem (romance),
Rodelas - Curraleiros, Índios e Missionários (história
da colonização na região das corredeiras do Rio São
Francisco),
Sertão, Luz e Luzerna (contos),
Cantigas de Fuga ao Tédio (poesia lírica),
Memórias de Pedro Malaca (romance).
É editor da Revista da POEBRAS SALVADOR, no
4o número em 2002.
Instituições culturais a que pertence
1 - Academia Rio-grandense de Letras, acadêmico
correspondente;
2 - Academia Goianiense de Letras, cadeira nº 47;
3 - Academia Petropolitana de Letras, sócio
correspondente, cadeira nº 103;
4 - Academia Petropolitana de poesia Raul de Leoni,
sócio correspondente;
5 - União Brasileira de Trovadores, seção de
salvador;
6 - Casa do Poeta Rio Gradeasse - C.A.P.O.R.I.,
sócio correspondente nº 761;
7 - Clube baiano de Trova - CBT, sócio efetivo nº 12;
8 - POEBRAS - Casa do poeta Brasileiro em
Salvador, presidente e editor da revista.
É verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira,
de Afrânio Coutinho, 1990 e 2001, verbete no
Dicionário de Poetas Contemporâneos, de Francisco
Igreja, 2a edição, 1991.
Fonte:
http://www.joaojustiniano.net/
Leon Eliachar
A Outra
Amâncio tinha outra mulher. Toda a vizinhança
sabia, menos ela, Iracema, que era a verdadeira.
Chegara a duvidar se a mulher verdadeira é a que é
casada, com juiz de paz e tudo direitinho, ou se é a
outra, que aparece sem mais nem menos e toma o
marido das outras. Sempre fora uma boa esposa,
82
econômica, doméstica, não era dada a
extravagâncias — no fim deu nisso que todo mundo
dizia. Não sabia até que ponto um homem pode
fingir dentro de casa, sem que a mulher perceba.
Amâncio continuava, aparentemente, o mesmo
homem. Em casa não faltava nada, nem mesmo
carinho. Talvez fosse veneno das amigas:
— Deixa de ser boba, você não quer acreditar
porque é ingênua. Todo mundo sabe que seu marido
não é fiel. Segue até mulher na rua.
Uma amiga mais íntima chegou a dizer frontalmente:
— Não tenho nada com a sua vida, só lhe digo isso
porque somos amigas há mais de doze anos. Mas o
seu marido tem outra mulher. E digo mais: se você
bobear, ele vai trocar você pela outra.
Iracema não queria dar ouvidos. Sempre viveu bem
com o marido, não era agora que ia dar trela pras
fofoquices dos invejosos. “É despeito de quem fala”,
pensava consigo mesma. Mas no íntimo, muito lá no
íntimo, não se mostrava assim tão conformada.
Ouviu dezenas de casos, todos semelhantes. Não
agüentava mais ouvir as histórias das outras,
sempre atribuídas a uma amiga ou uma conhecida.
Nunca era com elas mesmas.
— Vivo muito bem com o meu marido, mas se isso
que está acontecendo com você fosse comigo, não
sei não.
Iracema não resistiu à pressão. Uma tarde, bateu o
telefone pra uma agência dessas que resolvem
problemas: “Serviço rápido e eficiente, mantendo
completo sigilo”. Nem sequer deu o seu nome,
inventou um qualquer, o próprio detetive disse que
assim era melhor, que a agência não fazia questão,
pra inspirar mais confiança.
— Às oito está bom?
— Não, senhor, às oito meu marido está em casa.
Prefiro às quatro.
— Qual o endereço, por favor?
— Prefiro num lugar distante da minha casa.
— Que é que posso fazer?
— Compreendo, minha senhora.
Até o porteiro do edifício já olhava pra ela como se
ela fosse uma boboca, passada pra trás pelo marido.
Talvez até ele estivesse levando algum pra ficar na
moita, mas o seu ar zombeteiro, quando ela o
cumprimentava, já estava atravessando os limites da
sua paciência. Os tormentos não paravam:
— Faz macumba, sua boba.
Ela fez tudo que podia fazer: macumba, prece,
cartomante, pitonisa, promessa, nada deu certo.
Chegou ao cúmulo de dar trotes pelo telefone e de
fazer ameaças com cartas anônimas. Estava se
sentindo ridícula ante a certeza dos outros e a sua
dúvida. Por mais que quisesse se afastar da idéia de
que o marido a traía, os boatos e os cochichos
acabaram vencendo e trazendo à tona o seu amorpróprio. Era preciso tomar uma atitude e só tendo
provas concretas poderia ter coragem pra falar com
o marido.
— Põe um detetive atrás dele. Uma vez aconteceu
isso com uma conhecida minha e. . .
— No barzinho Lagoa, que ele nunca passa por lá.
— Combinado, às quatro em ponto. Como é que a
senhora vai vestida?
— Bem simples. Uma saia cinza e uma blusa
branca, com um broche do lado esquerdo.
— Perfeito. Eu vou de terno cinza.
Iracema foi viva, achou melhor ir toda de verde, pra
despistar. Às quatro em ponto, lá estava ela,
tomando um guaraná, quando entrou o marido:
— Você aqui, Amâncio?
Ele puxou uma carteirinha do bolso:
— Nunca lhe disse nada, mas nas horas vagas sou
detetive particular.
E começou a bronca:
83
— E você? Que é que está fazendo aqui a esta hora
da tarde?
Iracema não teve saída. Voltaram discutindo o
caminho todo, ele acusando, ela se defendendo.
Fonte:
ELIACHAR, Leon. A mulher em flagrante. Círculo do Livro.
Digitalizado, revisado e formatado por Susana Cap
Jacy Pacheco
Poemas
AMBIÇÃO DO PINGO D'ÁGUA
e as rosas se abrirão todas vermelhas.
A noite esqueceu
no côncavo de uma folha
vizinha de um riacho,
um pingo d’água.
Mas chegarás!
E extirparás a tirania
e todos os princípios egoístas.
E as máquinas da paz
revolverão o solo redimido
pelo sangue de irmãos idealistas.
Veio o sol
como uma rosa grande ardendo em febre
envolveu a pequenina gota
num punhado de cores.
Pingo d’água acordou,
olhou para baixo,
gostou do riacho...
Sonhou ser assim,
ser riacho também...
Primavera do mundo, eu te entrevejo
numa nesga de sol recém-nascido,
anunciando o bem dos homens livres,
a vitória do amor, do ideal fecundo!
Aguardo o teu instante triunfal
primavera do mundo!
O ATEU
E correr,
e crescer,
ir além...
ser um rio bem grande,
maior do que ninguém...
veio o vento
de repente
e desgarrou da folha o pingo d’água.
Pingo d’água morreu.
Pingo d’água perdeu-se no riacho.
Pingo d’água sou eu.
Era médico e jovem. Dizia
impropérios ao Deus que adoramos:
- Terra e mar, sol e sal, penedia,
vales, rios, e peixes, e ramos,
são produtos do acaso. Eu queria
defrontá-lo onde está, onde estamos.
Se existisse, por certo O veria.
Ora, Deus! Na ciência creiámos!
Mas, um dia, se viu a tratar
de seu filho... Que esforço gigante!
Tudo fez na aflição de o salvar!
PRIMAVERA DO MUNDO
Primavera do mundo, tu virás!
Talvez não venhas na tranqüilidade
de um dia claro e musical.
Trarás as mãos ensangüentadas
E, prevendo-lhe o último adeus,
o doutor, a buscar céu distante,
suplicou: - Ajudai-me, meu Deus!
84
publicação dos poemas "Planície" (1939) e
"Bancário, Misérias de Uma Profissão" (1942).
CONFORMISMO
Lembrar é bom... Já não me abraso
ao suscitar recordações:
glórias colhidas ao acaso
e as mágoas, Vida, que me impões!
Em 1955, publicou suas memórias do primo famoso
(seus avós são irmãos), às quais se somaram as de
Hélio Rosa, irmão de Noel, que na época morava
com Jacy em Niterói. Trata-se da primeira biografia
em livro de Noel Rosa. A boa recepção pelo público
incentivou-o a lançar um segundo volume, O Cantor
da Vila, em 1958. Publicou ainda um terceiro livro (de
bolso) sobre o cantor, A Vida e os Amores de Noel
Rosa. João Máximo e Carlos Didier, ao escreverem
Noel Rosa: Uma Biografia, considerada a mais
completa biografia sobre Noel, usaram os livros e o
testemunho de Pacheco como base. Em seu Noel
Rosa e sua Época acha-se o único registro sobre o
encontro do compositor com Sinhô, em 1926.
Uns me trataram com descaso,
ungiram-me outros de atenções.
E mergulhei no meu ocaso
de frios sonhos e paixões...
Lembrar, após longa jornada...
Sustar um pouco a caminhada.
revendo a etapa percorrida...
Lembrar é bom.., deixando em paz
glórias e mágoas para trás,
para aceitar melhor a vida.
Jacy Pacheco (1910 – 1989)
Jacy de Freitas Pacheco (Duas Barras, 27 de
novembro de 1910 — Niterói, 13 de julho de 1989)
foi um bancário, escritor e poeta brasileiro. Era primo
de Noel Rosa.
Jacy Pacheco passou sua juventude em Campos
dos Goitacazes. Estudou pistom no Colégio
Salesiano de Campos e trabalhou na Casa Pratt, loja
onde vendiam-se máquinas de escrever e pianos.
Foi ali que Pacheco aprendeu informalmente a "tocar
teclados",
e
ganhava
alguns
trocados
acompanhando ao piano a exibição de filmes
(mudos) no cinema local.
Foi o autor de músicas e letras jamais gravadas, e só
começou a ter reconhecimento artístico com a
Obras
• Noel Rosa e sua Época, Rio, G.A. Pena Editor,
1955
• O Cantor da Vila, Rio, Minerva, 1958
• A Vida e os Amores de Noel Rosa (s/d)
• Planície, poemas, Rio, Pongetti, 1939
• Bancário - Misérias de Uma Profissão,
romance, Rio, Editora Getúlio Costa
• Quando a Primavera Chegar, poemas, 1950
• Quatro Caminhos, com Cid Andrade, Celio
Grunewald e Lourival Passos, poemas, 1951
• Éramos Dois, poemas, Rio, Minerva
• Paisagem Fluminense, Niterói, Imprensa
Oficial, 1969
• Itinerário, poemas, Niterói, INDC, 1973
• Haicais, poemas, Rio, Cultura Contemporânea,
1981
Fonte:
Wikipedia
J.G . de Araujo Jorge. Antologia da Nova Poesia Brasileira- 1a ed.
1948
Nilton Manoel
Haicai – O Poema de
Três Versos
Aproveitei-me deste final de semana chuvoso, para
colocar em ordem minha estante de arte-poética,
separando os volumes que me servirão de ponto de
referência no correr deste ano ímpar. Em meio desta
tarefa encontrei o “Itinerário” – livro de autoria de
Jacy Pacheco, premiado em 1.972, pela secretaria
85
da Cultura,Esporte e Turismo da Guanabara e,
editado no ano seguinte elo Instituto Niteroiense de
Cultura. O volume foi-me ofertado pelo autor,
durante a minha estada em Nova Friburgo –RJ,
participando dos Jogos Florais da localidade. O
Itinerário tem 66 páginas, sendo que 51 estão
divididas entre trovas, sonetos, poemas e haicais.
No verso de uma das páginas de apresentação,
encontrei um haicai de Luiz Antônio Pimentel;
“ Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas,
Num pingo de orvalho!”
Daí resolvi envolver-me um pouco mais neste
poema e parti para a mineração da arte indo até
Hêni Tavares ( Teoria Literária, Ed. Itatiaia,
BH,1971) onde consegui a afirmação de que “
poema é o nome gerérico de toda composição com
intenção poética”. Folheando Aurélio B. Holanda
encontrei: “ Haicai – poema japonês formado de três
versos dos quais dois de cinco sílabas e um ( o 2º )
de sete sílabas poéticas. Além, na Antologia Luso
Brasileira de Wagner Ribeiro- FTD, Adelino R.
Ricciardi (irmão do Sílvio Ricciardi, da ARL) diz-me
que Guilherme de Almeida jurava que esse gênero
tinha sido criado especialmente para nós. Eis um
exemplo:
“ Noite. Um silvo no ar;
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar” ( Guilherme)
Na mesma antologia, em crônica extraída do jornal
dos Municípios, 1959, Altino de Castro informa que,
coube a Guilherme de Almeida, a introduzir rimas (1º
e 3º) na composição. Adiante escreve: “ Quando foi
eleita em Long Beach, miss Universo, a japonesa
Akiko Kojima – nome que significa “ alegre pequena
ilha, eu me lembrei que não existia melhor modo de
homenageá-la, do que compondo, à feição do
Oriente, um colar de haicais, para o seu lindo
pescoço pagão”. Do colar prendo-me em duas das
sete contas:
“Agora são ricos
quimponos, leques, o sonho,
os olhos oblíquos...”
“Na concha do verso
alegre pequena ilha,
o sol do Universo.”
Voltando ao Itinerário de Jacy Pacheco releio alguns
deles com rimas ou sem elas:
“Livre é o pensamento,
é porém à flor dos lábios
pássaro detento”.
No exemplo acima o primeiro verso rima com o
terceiro e, neste outro, há rima paralela no primeiro
com o segundo verso:
“ Com sabedoria,
tu pouparás alegria,
para as horas más”.
Já este outro não tem rimas:
“ Lagartas e tanques,
apagam sulcos de arados
e semeiam sangue”.
Finalmente, no Pequeno Dicionário de Arte Poética
de Geir Campos, entre os 618 verbetes, encontro
uma definição mais ampla:”Haicai – tipo de poema
japonês (Hokku) de forma fixa, formado de 17
sílabas, distribuídas em três versos ( 5-7-5) sem
rima como toda poesia nipônica. Em princípio, o
haicai deve sugerir uma das estações do ano, e o
gênero foi imortalizado por Bachô. Na segunda
metade do século XVII. No Brasil Guilherme de
Almeida, houve por bem fazer rimarem os versos 1 e
3 e introduzindo a rima leonina no segundo, como
este exemplo do livro Poesias Várias:
“ Uma folha morta,
um galho no céu grisalho.
Fecho a minha porta”.
O verso leonino, como o segundo deste haicai, é o
que tem rima nos hemistíquios ou nos membros
métricos. Sendo o haicai pequeníssimo poema, o
poeta se obriga a um grande poder de síntese para
que dentro dessa forma possa revelar com
originalidade, mensagem poética que cative o leitor
e, perpetue-se através dos tempos.
-------------------------DIARIO DA MANHÃ 6/1/83
Fonte:
O Autor
86
João Justiniano da
Fonseca
Haicais
1
É ter paciência
Para deixar que a tormenta
Ceda à calmaria.
2
Reabrindo o sol
A gente tem segurança
E pode voar.
3
Jamais espera
A dependência da terra,
Da água e do sol.
4
Quero crer que a sorte
Não nos dispensa o trabalho
Que oferece o pão.
5
Tenho sempre em mente
Que chuva, sol e semente
Dão sustento a vida.
6
A prosperidade
Sempre acompanha o trabalho
Se este é inteligente.
7
Nenhum luxo vale
Se falta a mulher amada,
Que preenche a vida.
8
O lar sem mulher
Vem a ser quatro paredes
De prisão e fel.
9
Ora, meu amigo,
Não faz mal bater a cara,
Se fica a lição!
10
Acerca da vida
Foi o tempo que ensinou
Tudo quanto sei.
11
No jogo da vida
A inteligência só vence
Se mantém a calma.
12
Levanta com o sol
Estica as pernas, caminha,
Para ser longevo.
13
Os deuses do sonho
Fazem parelha comigo
No vôo infinito.
14
É sábia a manhã.
Caminha o dia inteirinho,
Descansa à tardinha.
15
Já sei. Demorou.
Mas aprendi direitinho!
A insônia é um grilo.
16
Que coisa fatal!
O mundo sempre desaba
nas costas do pobre?...
17
Meu grande inimigo
Tem sido o excesso de papo.
Amigo? O silêncio.
18
Se o bem que te faço
Me pagas em inversão,
O mal não é meu.
19
Quem põe cobra em casa,
Pode esperar que algum dia
Recebe a picada.
20
A luz do arrebol
Batendo sobre a semente,
Muda o sol em planta.
21
Vidrada no brilho
E na ovação das platéias,
Esqueces de ti...
22
Exercito a mente
87
pensando e compondo haicais,
sem pressa nenhuma.
23
A morte do sonho
é o pior dos tormentos
do homem, suponho.
24
Tenha firme o leme,
e deixe, que o barco vá,
aos ventos do sonho...
25
Cuidado, que a intriga,
da mulher não te conduza
da amizade à briga!
26
Quem lamenta a dor
De não ser o bem amado,
Mata o próprio amor.
27
Se o ódio atrai ódio,
E a maldição maldição,
O perdão perdoa...
28
Quem pensa que a vida
É o simples hoje e o agora,
Não ganha a partida.
29
O fulgor dos olhos
Sendo azul verde, céu mar,
Tem brilho de estrelas!
30
Eu queria ver
A Providência Divina
Dando espaço a todos.
31
Que o diabo invente
Coisa pior que política,
Eu estou por ver.
32
Foi superciente
quem inventou a ilusão
que segura a gente.
33
Morrerás de mágoa,
Se o que queres é a igualdade,
Antes de alcançá-la.
34
O pão que te sobra,
com certeza está faltando
à mesa de alguém.
35
Repare a formiga,
Depois o boi e o elefante.
Que é o homem, me diga?
36
Por que isso agora?
Levantar de madrugada,
Escrever haicai?
37
Dois dedos de prosa,
um de mel, três de cachaça,
espírito forte.
38
A poça de sangue
é uma faixa colorindo
o negro do asfalto.
39
Quem quer que ofereça,
exatamente por isso
um dia recebe.
40
Um guarda, o apito,
atrito de ferros, gritos
a morte anda solta.
41
Solta a brida, as rédeas,
deixa o ginete ir à frente.
A vitória ou a morte.
42
Só um grão de areia
bastará a quem pretenda
construir seu mundo.
43
A erva daninha
na roça do preguiçoso
acabou com tudo.
44
Se tens a verdade,
falarás só, ninguém mais.
Outro, para quê?
45
O tempo que passa
encarquilhando meu rosto,
é igualzinho a traça.
46
Assim como o sol
pertence a todos os homens,
a terra também.
47
O que dói no outro,
se fosse em você doeria
muito mais que nele.
48
Toda sina é boa
88
se lhe ajuda o portador
a vencer o mau.
49
Não maldigo a sorte,
mas trabalho, sonho, espero
sem pensar na morte.
50
Quem muito conversa,
acaba não tendo tempo
de pensar em si.
Fonte:
http://www.joaojustiniano.net
Vicência Jaguaribe
A Decisão
Não valia a pena ficar batendo boca. Ela via o
mundo de maneira diferente. Tinha uma vida para
fora. Tinha outra vida para dentro. A vida para fora,
ela a vivia de acordo com as normas sociais e com
os valores da família. A vida para dentro, ela a vivia
seguindo suas próprias leis. O diabo era quando
essas duas vidas se chocavam. Abria-se um campo
de batalha. Mas ela sabia que logo logo precisaria
decidir.
O conflito maior ela travava com o noivo, que
desejava casar sem demora. Era juiz em começo de
carreira, fora nomeado para uma cidadezinha nos
confins do estado e queria assumir a comarca já
com a esposa do lado. Ela terminava o Curso Médio
e queria ingressar na universidade. Mas, pelo que
estava vendo, era uma coisa ou outra.
Gostava do noivo, isto é, gostava de conversar com
ele, de estar com ele, mas não sentia a paixão de
que as amigas falavam. Nem se imaginava em uma
cidadezinha do interior, limpando a casa, cozinhando
para o marido e, um pouco mais adiante, cuidando
de filhos. Quando via uma família feliz – pai, mãe e
filhotes –, arrepiava-se. Não. Não nascera para isso.
Podia até ser que, mais adiante, encontrasse
alguém com quem pudesse dividir alguns momentos
da vida. Dividir a vida toda, não, muito menos a
casa. Seria cada um no seu muquifo. Mas o
namorado tinha pressa, e os pais – meu Deus! – não
admitiam nem em sonho que rejeitasse aquele
partido.
Partido! Por que chamam as pessoas casadouras de
partido? O bom e o mau partido! Pelo que ela sabia,
essa palavra se originara, por derivação imprópria
ou conversão, do adjetivo partido, isto é, algo
quebrado, fragmentado, que se dividiu em partes.
Vem a palavra da fonte latina – part/us, que significa
“que partilhou, que tomou o seu quinhão”. Isso pode
querer dizer que em um casamento os cônjuges
devem partilhar tudo: o material e o imaterial; o que
é bom e o que é ruim. Mas pode significar também
que devem tomar para si parte do outro. Não, ela
não queria dividir-se como se divide um espólio,
para que alguém se tornasse dono de uma parte do
seu ser. Ela se queria inteira, para tomar suas
decisões, para resolver o que fazer de sua vida.
Fora criada ouvindo que o destino da mulher é o
casamento. É a procriação. Uma mulher sem marido
e sem filhos é uma mulher incompleta. Ela não
pensava assim. É verdade que não desejava viver
sozinha, mas ainda não era hora para tomar uma
decisão tão radical. Acabara de completar dezoito
anos e ia prestar vestibular, disputando uma vaga no
curso de História. Tinha certeza de que seria
aprovada. Aí, então, largaria tudo, para casar e
morar longe dos centros intelectuais? Para que,
então, estudara tanto, dedicara-se tanto aos livros.
Não fazia sentido. A mãe já dissera que, se ela
decidisse pelos estudos e despachasse o noivo,
teria que arranjar um emprego para se sustentar
enquanto fizesse a faculdade. Contasse somente
com casa, comida e roupa lavada e engomada. Mais
nada.
A mãe apostava no seu gosto por roupas e sapatos
caros, na sua ânsia de comprar, principalmente
livros e discos. Jurava que ela não seria capaz de
renunciar à vaidade, à vida fácil; trabalhar e privar-se
das coisas de que gostava. Mas a mãe se
89
enganava. Mostraria aos pais que tinha um objetivo
na vida, que desejava crescer como pessoa, por
seus próprios méritos. O casamento ficaria para
depois.
Queria falar com o noivo pessoalmente. Não lhe
daria a notícia por carta nem por telefone, por isso
esperou que ele fizesse uma de suas viagens
periódicas para visitar a família e revê-la. Por mais
que temesse sua reação, preferia falar cara a cara.
Sabia que ele sofreria, pois sempre a amara muito.
Tinha certeza de que ele tentaria o impossível para
dissuadi-la. Mesmo assim, preferia enfrentá-lo. E
tiveram a conversa definitiva.
A reação do rapaz foi surpreendente. Parecia até
que já aguardava aquele desfecho. Agiu como se ela
fosse mais uma namoradinha de fim de semana,
com quem não tivesse nenhum compromisso mais
sério. Desejou-lhe boa sorte nos estudos. Deixou-a
perplexa, mas ao mesmo tempo tranquilizada. O
problema a enfrentar não seria tão grande quanto
pensara. Teria que entender-se somente com os
pais. Mas no fundo achava que a reação dele não
fora normal. Havia alguma coisa de que ela não
sabia naquela história. Ah! se havia!
Não foi surpresa nem para ela nem para ninguém
sua aprovação no vestibular. Também não foi
surpresa para ela – mas só para ela – a notícia de
que ele estava de casamento marcado com a filha
única de um fazendeiro rico da região. Bem que
desconfiara de que havia alguma coisa por trás
daquela sua reação, melhor dizendo, da sua falta de
reação ao fim do compromisso com ela. Dizer que
ela não sentiu nada quando soube seria mentir.
Sentiu, sim, uma leve mordida em seu amor próprio,
mas foi coisa de momento. Logo mergulhou de
cabeça nos estudos, conheceu gente nova, fez
amizades e sentiu que tomara a decisão certa. Logo
se engajou em pesquisas e assim que o tempo
permitiu candidatou-se a uma bolsa de iniciação
científica, que lhe rendia algum dinheiro todos os
meses.
Lembrava-se do ex-namorado? Cada vez menos. E,
sempre que isso acontecia, a lembrança vinha
acompanhada de uma sentença que ouvira muitas
vezes de uma pessoa da família: Coração de
homem é terra que ninguém pisa.
Fonte:
Texto enviado pela autora
Roberto Pinheiro Acruche
Meus Poemas no 8
ELA E A JANELA
Continuamente eu ficava
olhando para a janela,
na esperança que ela
ali viesse chegar.
E quando chegava,
a janela a emoldurava;
enquanto eu, distante, fitava
sua figura encantadora.
O coração sorria
tomado de alegria
de vê-la, como queria,
radiante e feliz.
Era um quadro admirável
uma escultura notável,
lindo momento de amor!
Assim, era a cada dia
os nossos encontros!
Não via à hora, de
pertinho ouvir a sua voz,
afagar as suas mãos,
sentir as batidas de seu coração.
Queria senti-la num abraço...
E isso, não aconteceu
por mais que almejássemos...
Nossos encontros marcados,
só eram realizados, quando ela, divinamente...
bela...
Postava-se, naquela janela!
90
que estava sobre a escrivaninha
e comecei a escrever,
no bloco que estava ao lado,
a carta de despedida.
PERCEPÇÃO
Sinto alguma coisa
indeterminada, agitando-me,
querendo ser exposta,
sem que eu compreenda
e saiba como agir.
Havia tomado uma decisão!
Um amor de tantos anos,
vivido com tamanha intensidade,
com total cumplicidade,
estava nos seus derradeiros momentos.
É uma sensação incômoda,
perceptível, complexa.
Quero olhar para fora,
mas o que adianta...
se o que sinto permanece
por dentro, na alma!
A impressão, é que
seria eterno, indissolúvel,
inquebrantável...
Mas acabou!
Sim... acabou definitivamente...
Não dava mais para continuar.
PASSARINHO
Passarinho bate asa
Cantarola e faz o ninho
Do amor vêm os ovinhos
Ampliando a criação...
Com esmero incomum
Sustenta os filhotinhos
De biquinho a biquinho
Perpetrando a alimentação.
Passarinho que bate asa
Que nunca abandona o ninho
Até que os filhotinhos
Batam azas e gorjeando
Saiam por aí voando
Construindo novos ninhos
Ampliando a criação...
Porém, mais difícil que acreditar
era iniciar a missiva.
Rasguei a primeira folha...
Rasguei a segunda, e adentrei
a madrugada desfolhando o bloco
sem conseguir dar início ao texto
que pudesse explicitar a razão.
No alvorecer, na última folha,
em estado dúbio,sem saber começar,
escrevi apenas...
Não sei o que dizer... PONTO FINAL.
Fonte:
Colaboração do Poeta
PONTO FINAL
Apanhei a caneta,
Folclore do Brasil
ALAMOA
Belíssima mulher, loura, misteriosa, olhos neons,
que podem ser verdes ou azuis, cabelos lisos e
compridos, vestida numa túnica muito transparente
que chega quase a tocar o chão.
Assim a chamam porque loria é “alamoa” (alemã)
para os habitantes de Fernando de Noronha, onde
ela reside, nos altos picos dessa ilha.
91
À noite, surge nas praias, às vezes dança, nua,
iluminada pelos raios que coincidem com sua
aparição. Deslumbra, fascina, enche de desejo os
desavisados que com ela se defrontam – e de medo
os pescadores que já a conhecem e dela correm,
espavoridos, pois o apaixonado que ao seu namoro
não resiste e se põe a segui-la, nunca mais é visto.
Dizem que a Alamoa atrai com seu fascínio os que
por ela se apaixonam, guiando-os para os picos da
ilha, onde se transforma numa medonha caveira.
(A ela já se referiram como “lenda da Alamoa” e
como “mito da Alamoa”, cf. “Alamoa”, Dicionário do
Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Casculdo.)
ANA JANSEN
Assombração de uma mulher deformada pelo fogo
que aparece de madrugada nas ruas de São Luís do
Maranhão, conduzindo velozmente uma carruagem
em chamas, puxada por enormes cavalos sem
cabeça.
Conta-se que, quando viva, foi uma perversa mulher
que sentia prazer ao fazer seviciarem seus
escravos. Ela mandava arrancar os dentes e as
unhas de crianças, filhos de escravos, que visse
apanhando frutas em seus pomares. Ordenava que
açoitassem cruelmente os escravos, às vezes por
nenhum motivo.
Tendo em vista uma das distinções entre mito e
lenda, segundo a qual esta última seria mais
localizada – não obstante a dúvida quanto à
extensão territorial que um ou outra precisa alcançar
para ser classificado como tal ou qual – atrevemonos a dizer que se trata de uma lenda a história de
Ana Jansen, pois na bibliografia consultada dela não
encontramos referência; tomamo-lhe conhecimento
por meio de informantes maranhenses por ocasião
do Festival do Folclore de Olímpia/SP, realizado
anualmente, em Agosto.
ANHANGÁ
Mito geral no Brasil, o Anhangá é criatura
assustadora, um grande veado cujos olhos são
lança-chamas. Ele representa um grande pesadelo
para os caçadores, que, quando com ele se
defrontam, ao tentarem baleá-lo, vêem seus tiros
serem desviados em direção a entes queridos e
pessoas amigas.
Sua fúria contra os caçadores se amplia quando as
vítimas são animais lactantes ou filhotes que ainda
precisam ser amamentadas.
Conta uma lenda que um índio perseguia
implacavelmente uma veada que amamentava seu
filhotinho, tendo sido este gravemente ferido por
uma certeira flechada, e depois seguro pelo caçador,
que a torturava, atrás de uma árvore, para atrair a
veada com os gritos do filhote.
Caindo na emboscada, o animal é trespassado por
uma mortífera flecha do índio.
No entanto, ao contemplas sua presa, o índio,
desesperado, viu-se vítima de uma ilusão
engendrada pelo Anhangá. Era o corpo de sua mãe.
ARRANCA-LÍNGUA
Macacão gigante que atacava os gados em Goiás,
matando-os a murros e arrancando-lhes somente a
língua, com a qual se alimentava.
Câmara Cascudo informa que a imprensa goiana,
carioca e mineira registraram esse mito em várias
matérias sobre os assombrados depoimentos de
fazendeiros.
Regina Lacerda o catalogou como lenda em
“Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso”.
BARBA RUIVA
Piauiense dos mais famosos, o Barba Ruiva é um
homem encantado, de barba e cabelos ruivos, alto,
viril, muito branco, que faz morada na Lagoa do
Paranaguá, onde teria sido jogado ao nascer, e
salvo por uma mãe d´água, diz a lenda.
À margem da já mencionada lagoa, costuma ser
visto a repousar, quando da água se farta,
despertando a curiosidade das mulheres que lá vão
lavar roupa – a cujas perguntas não responde.
Quando dele se aproximam percebem que, fora da
água, sua barba, unhas e peito estão em brasa.
Correm, então, assustadas, enquanto ele as
persegue querendo abraçá-las e beijá-las.
92
À vista disso, nenhuma mulher lava roupa sozinha
às margens daquela lagoa.
Algumas gotas de água benta na cabeça do Barba
Ruiva poderiam quebrar seu encanto.
Mas, apesar de ser ele inofensivo, ninguém ainda
teve coragem.
(Registrado como mito e como lenda)
BICHO-HOMEM
Outro gigantesco antropófago, de um olho só, e que
também só tem uma perna, cujo pé tem forma
redonda, deixando pegadas que lembram o fundo de
uma garrafa.
Pode derrubar até uma montanha com seus
possantes murros e é capaz de beber um rio inteiro.
Vive oculto nas serranias.
Mito corrente, em variantes, em quase todo o Brasil.
Muito se confunde com o chamado Pé-de-Garrafa.
Alguns autores, aliás, registram-nos como sendo
manifestações de uma mesma entidade: “o mítico
Bicho-Homem é também chamado Pé-de-Garrafa”
(Câmara Cascudo, “Dicionário do Folclore
Brasileiro”).
Entretanto, alguns relatos sobre o Pé-de-Garrafa (df.
p. 47), em que se lhe dão outras características,
levam-nos a defender que sua existência, na
imaginação do povo, se não era, passou a ser
independente da do Bicho-Homem.
lhe algum objeto de ferro ou, então, ficar quieto,
prender a respiração e fechar os olhos.
Dizem que se transformar nesse monstro é o castigo
para purificar as almas dos amantes compadres que
em vida traíam seus respectivos cônjuges, e
daqueles que mantiveram relações incestuosas.
Explica-nos Theobaldo Miranda dos Santos (em
“Lendas e Mitos do Brasil”) que “o mito do Boitatá
parece ter se originado do fogo-fátuo ou santelmo,
pequeno penacho luminoso, que aparece nos
mastros dos navios devido à eletricidade, ou, à noite,
sobre os pântanos e cemitérios, e que são apenas
emanações de fosfatos e hidrogênios, produtos de
decomposição de substâncias animais”.
Alguns autores, a exemplo de Crispim Mira (em
“Terra Catarinense”), registram uma variante, dentre
as inúmeras desse mito geral no Brasil, segundo a
qual o Boitatá é um boi ou um touro “com patas
como a dos gigantes e com um enorme olho bem no
meio da testa, a brilhar que nem um tição de fogo”.
Amadeu Amaral (“Tradições Populares”) retrata essa
variante como exemplificativa do fenômeno que se
convencionou denominar “etimologia popular”, que
designa “as alterações dos vocábulos por efeito de
uma errôneas e imaginosa compreensão da
respectiva origem”.
No caso dessa variante, a palavra “boi” (mboi),
segundo o eminente folclorista, representou o
elemento transformador do aludido mito.
BOITATÁ
BOTO SEDUTOR
Um dos primeiros mitos registrados no Brasil,
segundo nos informa Câmara Cascudo, é uma
grande serpente de fogo que habita as margens dos
rios, mata animais e lhes devora os olhos, vindo daí
o seu intenso brilho.
Costumam dizer que a maior protagonista das
lendas sobre a fauna amazonense, famoso em todo
o Brasil, “ele, o Boto”, ao chegar a noite, transformase num belíssimo rapaz, alto, branco, robusto, bem
vestido, mas sempre de chapéu para esconder o
orifício que tem na cabeça, através do qual respira.
Do tupi mboi, cobra, e tatá, fogo: cobra de fogo, o
fogo em forma de cobra.
Há versões de que o Boitatá destrói com o fogo dos
seus olhos, fazendo arder em combustão, aqueles
que incendeiam os campos.
A aparição do Boitatá traz cegueira, loucura ou a
morte. Para escapar de seu ataque, é preciso atirar-
O Boto, quando toma a forma humana, comparece
triunfalmente aos bailes, onde, com as moças
ribeirinhas, conversa, bebe, dança, namora.
Conquistador infalível, adivinha os segredos, os
pensamentos e desejos de suas “vítimas”.
93
Antes que amanheça, porém, ele se retira
furtivamente, mergulha num rio, e torna-se de novo
em boto.
Às vezes é implacavelmente perseguido ou cercado
em emboscadas tramadas por homens enciumados,
mas ele nunca se deixa apanhar pois tem um faro
mais possante que o de cães caçadores e é rápido
como um tiro.
Muitas mulheres costumam também a ele atribuir a
paternidade de filhos espúrios e naturais, os
denominados “filhos do Boto” (muitas vezes
injustamente).
Noutras palavras, quando moças solteiras das
populações ribeirinhas engravidam, dir-se-á que o
filho é do boto.
Para finalizar, dentre algumas superstições acercado
boto, lembremos esta: o olho seco de um boto, para
os índios é poderoso instrumento de feitiços
amorosos, depois de bem preparado, de acordo com
os ritos do pajé-a pajelança, a feitiçaria amazônica.
“Não há mulher que resista sendo olhada através do
olho de um boto”.
(A ele já se referiram classificando-o como lenda e
como mito)
CABEÇA-DE-CUIA
Homem magro, alto, que habita o rio Parnaíba, no
Piauí. O nome deriva de sua cabeça que lembra o
formato de uma cuia. A cada sete anos, devora uma
mulher de nome Maria, e também meninos que
brincam nas águas daquele rio. As mães,
temerosas, proíbem seus filhos de ali nadarem.
Amaldiçoado por sua mãe, a quem muito maltratara,
foi condenado a viver no mencionado rio durante 49
anos. Após comer sete Marias, retomaria seu estado
natural.
CABOCLO-D´ÁGUA
Homem pequeno, musculoso, sisudo, da cor do
cobre, com mãos e pés de pato, ele habita as águas
do Rio São Francisco, aparecendo também em
outras localidades fluviais. Atormenta os
pescadores, vira embarcações, alaga cargas,
provoca ondas, atrapalha pescarias, assombra,
mata.
Para afugenta-lo é preciso fincar uma faca no fundo
da canoa, ou então nela desenhar um signo-desalomão.
(Vale registrar aqui a figura do CAVALO-DO-RIO,
cavalo encantado que também habitaria o Rio São
Francisco exercendo efetivamente o mesmo papel
do Caboclo-d´água.)
CAIPORA
“É o Curupira tendo os pés normais. De caá, mato, e
porá, habitante, morador”, segundo Câmara
Cascudo.
Diz-se que é um caboclinho coberto de pêlos que
anda sempre montado num porco-do-mato, protetor
dos animais e inimigo dos caçadores (descrição
mais comum).
As inúmeras versões sobre o Caipora possibilitam
que se apresentem ele e o Curupira (sempre
associados e confundidos) como manifestações
transformadas de uma mesma entidade, ao mesmo
tempo que se admite a coexistência de ambos.
Ruth Guimarães, por exemplo, em “Quatro Histórias
do Curupira”, acrescente um parêntesis a esse título:
“(Ou Caipora ou Caapora, o Pai do Mato)”.
Basílio de Magalhães (“Folclore no Brasil”), diz que o
Curupira e o Caipora “constituem a mesma
personificação do gênio das florestas.”.
Pessoalmente, acreditamos que quando não se trata
de simples diversidade nominal, alguns mitos – se
não tinham – passaram a adquirir identidade própria
e personalidades distintas.
No presente caso, embora aparentemente se trate
de simples diferença de nome, a figura do Caipora
tal como aqui descrita já se criou efetivamente no
imaginário popular, desvinculada da do Curupira.
CANHAMBORA
Homem negro, grandalhão, feio, com cabelos
compridos até os pés. Às vezes é citado como
tendo, ao mesmo tempo, forma humana e animal,
metade cavalo e metade homem.
94
Ele é detentor de poderes capazes de ressuscitar os
animais mortos pelos homens brancos, a quem
persegue e agride.
Diz o povo que o Canhambora é assombração de
escravos mortos a pancadas a mando de seus
senhores, aos quais, posteriormente, volta para
assombrar.
Mais conhecido em Minas Gerais e em São Paulo.
CAPELOBO
Criatura fantástica, com corpo de homem, cabeça de
tamanduá ou de anta, é pés redondos.
Cães e gatos recém-nascidos são seu alimento
principal. Mas ele também ataca humanos,
“chupando-lhes o miolo”, ou seja, sorvendo-lhe a
massa cefálica.
O ponto vulnerável desse monstro é o seu umbigo,
através do qual pode ser abatido.
Ìndios muito velhos transformar-se-iam nesse
monstro a que costumam chamar de Lobisomem
dos índios.
Popular no Maranhão e na região do Araguaia.
CHIBAMBA
De origem africana, e conhecido em São Paulo e
Minas Gerais, é um negro velho que se veste com
folhas de bananeira, ronca como um porco e está
sempre a dançar, em ritmo compassado.
Ele amedronta crianças choronas:
“Olha esse choro, que a Chibamba vem te pegar; ele
papa criança”.
Acredita-se que ele foi um velho escravo que morreu
no tronco, de tanto chicotada.
Informa-nos Rossini Tavares de Lima que ao
Chibamba também se atribuía a fama de suprimir a
dor dos escravos açoitados, atraindo-a toda para si
quando o invocaram.
CHUPA-CABRAS
É relevante registrarmos esse, haja vista sua
atualidade. “Novo ser mitológico”, segundo Hitochi
Nomura.
O Chupa-cabras teria aparecido nas áreas rurais de
municípios vizinhos à cidade de Campinas, por volta
de 1997. Os habitantes da mencionada região
atribuíram súbitas e misteriosas mortes de ovelhas e
bois a uma estranha criatura notívaga.
CAVALO BRANCO
É um fogoso cavalo branco que em noites
enluaradas é visto a pastar as relvas marginais do
Valo Branco, em Iguape.
As mães sempre advertem suas filhas para não
passarem pelas relvas marginais do Valo Grande
porque o Cavalo Branco, ao ver uma moça virgem,
faz com que ela caia naquelas águas e depois
desaparece com ela.
Quando novamente há lua cheia ele volta para
buscar outra moça para viver com ele no fundo do
Valo Branco.
CAVALO DAS ALMAS
Segundo a Profª Palmira M. Degásperi Rodrigues
(em “Mito, Folclore e Filosofia”), “é um animal
miraculoso, que percorre as estradas à procura dos
mortos recentes, que o esperam nos moirões das
porteiras. As almas vão engarupadas nesse cavalo”.
O jornalista Paulo San Martin, na edição de 8 de
junho de 1997 do jornal A Tribuna, de Campinas,
relata na matéria intitulada “Chupa-cabras: agora ele
se tornou histeria coletiva” que as marcas deixadas
pelo bicho não se confundem com a de nenhum
predador conhecido, não encontrando o seu ataque
referência na zoologia e na biologia. “Praticamente
todo o sangue é drenado e as feridas são
inconfundíveis, como se tivessem sido feitas por
garras longas e afiadas, semelhantes a navalhas.
Em alguns casos são retirados, com precisão
cirúrgica, órgãos e glândulas nobres”.
A história foi, na época, muito divulgada pelos meios
de comunicação. Uma babalorixá campinense, que
afirma tê-lo visto, o descreve como uma criatura
peluda apenas da cintura para cima, com poucos
pelos nas pernas, e com focinho semelhante ao de
um lobo.
95
COBRA GRANDE
Réptil repugnante que atemoriza o homem desde
sempre, na ficção e na vida real, a cobra não
poderia deixar de inspirar no Brasil esse monstro
amazônico: A “Cobra Grande”, também chamada
~Boiúna~.
Gigantesca, de olhos que semelham enormes faróis,
ela faz naufragar até mesmo grandes embarcações,
devorando, após, a tripulação e os passageiros.
Na capital paraense, informa-nos Walcyr Monteiro,
existe a crença de que essa cidade foi fundada
sobre a casa de uma enorme cobra: “Se a Cobra
Grande se mexe, Belém estremece”. “Se a Cobra
Grande sair de seu lugar, Belém vai se
afundar”(“Visagens e Assombrações de Belém”).
cabeça da cobra, derramando-se-lhe, após, a boca,
três gotas de leite materno.
Mas, ao ver a cobra, todos perdiam a coragem, até
que um soldado impávido, com quem Norato fizera
amizade, conseguiu quebrar esse encanto,
libertando o amigo.
(Do norte do Brasil, especialmente do Pará).
CORPO SECO
Criatura perversa que em vida semeou o mal
cometendo toda sorte de crueldades, inclusive a de
fustigar a própria mãe.
Ao morrer, sua alma foi recusada tanto por Deus
como pelo Diabo, e seu corpo nem a terra o quis,
ficando este, depois de reunido a sua alma, a
putrefazer-se insepulto.
COBRA-JABUTI
Catalogada como lenda por Domingos Vieira Filho
(“Folclore Brasileiro-Maranhão”) é um cágado que
depois de tomado como bicho de estimação revelase um monstro de cujos cascos saem horripilantes
cabeças de cobras.
COBRA NORATO
Engravidada pela Cobra Grande, uma índia deu ä
luz dois bebês encantados, que não tinham forma
humana. Atirou-os no rio, a conselho do pajé.
Eram Cobra Norato (ou Honorato) e Maria Caninana.
Esta era má, virara embarcações, matava náufragos
e animais. Norato era bondoso e sempre procurava
interceptar as maldades da irmã.
Certa feita, num duelo para salvar uma vítima da
Maria Caninana, acabou matando esta última.
Assim, graças ä sua bondade, Norato adquiriu o
dom de poder desencantar-se durante à noite,
tornando-se homem bonito, simpático e elegante.
Nas ocasiões de festa nos povoados ribeirinhos,
Norato deixava seu couro de serpente e ia bailar
com as moças.
Ao amanhecer, porém, retomava a forma de
serpente.
Para quebrar definitivamente o encanto era preciso
que se dessem pancadas com ferro virgem na
O Corpo Seco é corpo e alma penados – de quem
nem os insetos se aproximam – que perambulam,
vagabundos, pelos cemitérios e pelas ruas,
assombrando os viventes.
CUCA
Mulher velha e feia, espécie de bruxa, tal qual é está
descrita nos contos de fadas.
Bicho-papão feminino mencionado para se assustar
crianças.
“Velha feia e esfarrapada que vive a intrigar os
casais, despertando-lhes o “ciúme”, sempre
acompanhada de “sapos, lacraus, cobras e aranhas
venenosas”, na descrição da folclorista Gilda Helena
em “Lendas da Nossa Terra”.
É muito citada em acalantos:
“Dorme, nenê, que a Cuca vem pegar, papai foi na
roça, mamãe foi trabalhar. Bicho-papão, sai de cima
do telhado, deixa o nenê dormir sossegado”.
É válido lembrar que a Cuca foi muito popularizada
na série de televisão “Sítio do Pica-Pau Amarelo”,
baseada na obra de Monteiro Lobato, na qual, aliás,
se verifica a citação de muitos dos nossos mitos, a
exemplo do Saci, do Boitatá, da Mula-sem-cabeça,
do Lobisomem, etc. Na aludida série, tal como nas
ilustrações de livros do consagrado autor, a Cuca
era apresentada como uma jacaroa bípede e falante,
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feiticeira poderosa, cercada de bichos peçonhentos.
Dada a fora da propagação televisiva, quando se
fala em Cuca, a imagem que se nos afigura é a da
jacaroa da referida série.
perverso. “O demônio das Florestas”. Mas
sobrelevam as lendas que fazem dele o protetor das
matas.
FAMALIÁ
CURAGANGA
Tal qual ocorre com o Lobisomem, a Curaganga ou
Cumanganga, é no que se torna a sétima filha de um
casal. É uma errante cabeça de fogo, em forma de
bola.
Nas horas mortas, a cabeça da portadora desse mal
separa-se-lhe do corpo e sai em chamas a vagar
pelas matas. Apavora os que a encontram. Às vezes
ataca a dentadas.
É chamada Curacanga, no Maranhão, e
Cumacanga, no Pará.
Basílio de Magalhães (“Folclore no Brasil”) nos
informa que para evitar esse horrível fadário “’e
tomar a mãe a filha mais velha para madrinha da
ultimogênita.
CURUPIRA
De procedência tupi-guarani (de curu, curruptela de
curumim + pira, corpo = corpo de menino), o
Curupira tem ligações originárias com o homem
primitivo e atributos heróicos na proteção da fauna e
da flora.
Ele tem como principal característica a direção
contrária dos pés em relação ao próprio corpo, o que
constitui um artifício natural para despistar os
caçadores, colocando-nos numa perseguição a
falsos rastros.
Possui extraordinários poderes e é implacável com
os caçadores que matam pelo puro prazer de fazelo; quando estes não acabam mortos, ficam loucos.
Dizem também que quando os caçadores não
acertam seu alvo ou quando se perdem na mata, é
certo que foi uma intervenção do Curupira.
Originário da tradição européia de fabricar uma
espécie de demônio caseiro, “familiar” (acabou
famaliá para os sertanejos) é um pequenino diabinho
guardado dentro de uma garrafa. Para cria-lo é
preciso chocar na axila esquerda, durante toda a
quaresma, um ovo de galo (!), que, segundo o povo,
com muita persistência pode ser encontrado (às
vezes leva anos). Desse ovo nascerá, ao final da
quarentena, um diabinho que atenderá a todos os
pedidos de quem o produziu. Não se pode, todavia,
dar esmolas aos pobres com dinheiro vindo do
Famaliá.
Quem o detiver, no entanto, pagará com sua alma
pelos benefícios obtidos, pois criar um Famaliá.
Quem o detiver, no entanto, pagará com sua alma
pelos benefícios obtidos, pois criar um Famaliá não
deixa de ser um pacto com o Diabo.
Já registrado como mito e como lenda, essa história
muito se popularizou quando da exibição, e da
reprise, da telenovela global “Paraíso”, em que um
dos protagonistas, - dizia a população da fictícia
cidade de Paraíso – tinha um diabinho guardado em
uma garrafa, produzindo tal como aqui dissemos.
GORJALA
Negro gigantesco, com um único e grande olho, que
habita as serras cearenses.
Implacável perseguidor dos humanos, coloca-os sob
o braço, quando os captura, devorando-os a
dentadas.
GRALHA AZUL
É descrito de várias maneiras: como um curumim,
um duende, um anão, um caboclinho, dentes verdes,
cabelos vermelhos, mas sempre com os pés
contrário (calcanhares para a frente).
Para o povo paranaense a gralha azul é a
responsável pelo agrupado reflorestamento de
pinheiros, tendo-se em vista a estranheza que
causava o fato de estes aparecerem em grupos, em
pontos afastados, sem que o homem os plantasse.
Existem, no entanto, variantes que divergem dessas
idéias, em que o Curupira é um ser medonho e
Diz o povo que essa ave encontrada nos planaltos
do Paraná se alimenta de sementes dos pinheiros, e
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que, precavida, enterra-os, em pontos diversos e em
considerável quantidade, para posteriormente saciar
sua fome. Como nem todos os pinhões enterrados
se consomem, estes germinam e fazem surgir os
amplos pinhais agrupados. Assim se explicam as
grandes florestas só de pinheiros.
Por isso, as armas dos caçadores negam fogo, ou,
pior, os tiros saem pela culatra, se a ave contra a
qual miram é a gralha azul.
Lenda paranaense.
IARA
Outra celebridade nacional, a Iara é apresentada
como uma esplêndida sereia das águas amazônicas
(mulher cujo corpo, da cintura para baixo é uma
cauda de peixe) linda, de pele alva, olhos verdes e
cabelos cor de ouro. Seu canto, de uma encantadora
voz, enfeitiça e atrai índios e pescadores
enamorados que, sem a menor possibilidade de lhe
resistirem, mergulham nos rios e são por ela
arrastados para o fundo das águas. Nem seus
corpos são encontrados.
Deve-se fechar os olhos e tapar os ouvidos assim
que se notar a presença da Iara nos rios e lagos. Um
talismã feito com escama de boto vermelho também
pode livrar seu portador da sedução da Iara.
Luiz Caldas Tibiriçá, em “Contos e Lendas
Brasileiras”, narra até um casamento da Mãe D’Água
com um índio no conto “O Marido da Mãe D’Água”.
Domingos Vieira Filho, em “Folclore do Maranhão”,
ao falar da lenda da Praio do Olho-d’água, cujas
nascentes de água teriam se originado das lágrimas
de uma índia que perdera o seu amor para a linda
sereia, relata:
“Sucede que pelo mesmo índio se apaixonara a
mãe-d’água. Um belo dia, a iara traiçoeira empolga o
rapaz e o leva para o fundo das águas, deixando o
cunhatã alucinada de dor”.
Pescadores, que garantem que ela existe,
costumam contar que já houve casos de se fisgarem
chumaços de cabelos louros com mais de um metro
de comprimento.
Obs: A Iara ou Uiara é também comumente
chamada “Mãe d’Água”, mas preferimos a
denominação Iara, tendo em vista que quando se
fala em “Mãe d’Água”, nas inúmeras lendas, há
outros aspectos além da sensualidade e da sedução
(as grandes marcas desse mito), enquanto que tais
características representam o cerne das descrições
narrativas se o nome mencionado for Iara
JOÃO GALAFOICE
No entanto, nem toda as narrativas sobre a Iara
retratam-na dessa forma. Em algumas, há finais
felizes, como essa registrada por Theobaldo Miranda
dos Santos em “Lendas e Mitos do Brasil”, na qual o
índio Jaraguari desaparecera depois de mergulhar
num rio encantado pela linda sereia. Foi ele
posteriormente visto abraçado com ela a namorar.
“Tia Regina”, em “Histórias e Lendas do Brasil”,
conta uma versão semelhante, na qual a Iara vive
um forte romance com o índio Jaraguari e acaba por
leva-lo para viver com ela em seus palácios
subaquáticos. Seus poderes sobrenaturais mantê-loiam vivo debaixo d’água.
Outras lendas falam de índios que com a Iara
mantinham relacionamentos amorosos, a exemplo
de Inaiê:
“Diziam-no manorado da Iara, pois desprezava as
belas cunhantãs, que lhe ofereciam seu amor” (Gilda
Helena em “Lendas da Nossa Terra”).
Semelhante ao Papa-Figo, é um preto velho. Ele
ronda as residências à procura de crianças que se
encontram fora de suas casas pra leva-las embora
consigo.
Alfredo Brandão (“Os Negros na História de
Alagoas” ) informa que a lenda do João Galafuz
(veja abaixo), em Alagoas, foi alterada na história de
João Galafoice, esse “nego véio”raptor de crianças.
JOÃO GALAFUZ
Duende que habita as águas dos mares e se
manifesta como um facho luminoso e colorido que
rutila sobre as ondas.
Os pescadores acreditam que é o espírito de um
caboclo que morreu sem ser batizado.
De Pernambuco e Sergipe.
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LABATUT
Homenzarrão monstruoso, de pés redondos,
conhecido nos Estados do Ceará e Rio Grande do
Norte. Tem pés redondos, longos e revoltos cabelos,
só um olho na testa, mãos compridas, corpo
cabeludo como o do porco-espinho, dentes como as
presas de elefante. Devora crianças.
Conta-se que se transformou nesse monstro um
sanguinário general francês que, no Ceará,
promoveu uma verdadeira carnificina quando da
repressão à insurreição de Joaquim Pinto Madeira.
LOIRA DO BANHEIRO
O horror das crianças nas escolas era uma mulher
que, diziam, costumava aparecer nos banheiros. Era
loira, cabelos compridos, com as cores próprias dos
defuntos e com algodões em suas narinas: um
cadáver ambulante, distinguindo-se o aspecto deste
apenas pelo fato de escorrer sangue de seus lábios.
O encontro de pedaços de algodão no chão do
banheiro, sujos de sangue, era sinal de que a “Loira”
estivera por ali. O medo de encontrá-la era tanto que
as crianças não iam ao banheiro desacompanhadas.
Quem conta sobre a “Loira”diz que ela era uma
jovem que foi violentada e morta num banheiro de
uma escola pública.
(Lenda?)
LOBISOMEM
Meio bicho, meio humano, o Lobisomem é mito
universal que protagoniza muitas narrativas
populares desde a Antiguidade, trazido às terras
brasileiras pelos europeus, que morriam de medo
dos lobos.
O lobisomem abrasileirado pode ser o sétimo filho
homem de um casal; o que nasceu depois de sete
filhas; o que não foi batizado; o filho de comadre e
compadre, padrinho e afilhada, ou de união
incestuosa.
Enquanto homem é sempre magro, pálido, que
nunca adquire aspecto de pessoa saudável.
A transformação acontece nas noites de lua cheia e
nas noites de quinta para sexta-feira: seu corpo
começa a se cobrir de pêlos espessos; seu
semblante toma a forma do de um morcego; suas
orelhas crescem; as mãos se tornam garras; corre
com os joelhos e cotovelos, que, pela manhã, após a
transformação, se vêem feridos e ensangüentados.
Ao metamorfosear-se, sai em busca de sangue.
Suas vítimas, se viverem, podem contagiar-se dessa
maldição.
O lobisomem é morto através de uma bala de prata.
O encanto do monstro, por sua vez, pode ser
desfeito por meio de algum ferimento que lhe
arranque sangue, mas o autor do ferimento que evite
se sujar com o sangue; senão se contagiará da triste
sina.
Segundo Oliveira Martins (em “Sistema dos Mitos”)
“os sacerdotes do Sorano Sabino, nos bosques da
Itália primitiva, vestiam-se com as peles do lobo,
animal do deus; a imagem confunde-se com o objeto
da imaginação infantil, o sacerdote com o deus, a
profissão com o fado. Por ventura o mito nasceu do
rito”.
MÃE-DO-OURO
Senhora das minas, a Mãe-do-Ouro é um mito
multiforme: no Paraná, é uma mulher sem cabeça;
“no Rio Grande do Sul é informe, agindo com
trovões, fogo, vento, dando o rumo da mudança (...)
a Mãe-do-Ouro passeia luminosa, pelos ares, mas
vive debaixo d’água, num palácio” (Câmara
Cascudo, em “Mitos Brasileiros”); formosa mulher,
de pele branca como a neve e com uma linda
cabeleira cor de fogo, segundo Ruth Guimarães, em
“Lendas e Fábulas do Brasil”; “fada formosíssima,
filha do sol e irmã da aurora” (Luiz Caldas Tibirçá,
“Folclore – Contos e Lendas Brasileiras”); em São
Paulo é descrita como uma grande bola de fogo de
ouro que atravessa o céu; onde ela cair, há ouro
(Alceu Maynard Araújo, em “Folclore Nacional”).
“Mito ígneo, informe, pertence ao número dos
fenômenos metereológicos, confundindo com a
estrela cadente (...)esconjurada e tida, num só
tempo, como capaz de satisfazer votos formulados
durante sua trajetória cintilante”(Câmara Cascudo,
op. Cit.).
De acordo com o consagrado autor, esse mito
também infiltrou-se no ciclo das Mães-d’Água,
99
assimilando-lhe o poder sensual: “os homens
deixam a família e amigos, arrastados pela Mãe-doOuro”(talqualmente as perigosas sedutoras Iara e
Alamoa).
Há muitas lendas sobre a Mãe-do-Ouro, uma das
mais conhecidas fala de sua intervenção para ajudar
um escravo a encontrar ouro para entregar ao seu
senhor, homem mau e ganancioso, a fim de assim
evitar duro castigo. A Mãe-do-Ouro, no entanto, lhe
impôs a condição de não revelar a ninguém o lugar
onde encontrou ouro. O Fazendeiro torturava-o no
tronco para lhe arrancar o segredo, até que a Mãedo-Ouro permitiu ao escravo que o revelasse. O
fazendeiro, fascinado diante de tanta riqueza,
começou ele próprio a cavar aquela vastidão de
ouro. Tanto cavou que morreu soterrado.
tribo, no entanto, interveio, e disse ao índio que a
mulher era inocente, o que seria muito castigo se
tentasse qualquer coisa contra as duas.
A criança, a que deram o nome Mani, cresceu, linda,
inteligente, querida por todos na tribo. Mas ela não
viveu muito tempo.
Seus pais a sepultaram dentro de sua própria
maloca e a regavam todos os dias com suas
lágrimas.
No local, nasceu uma planta que, descascada, era
branca como a pele de Mani. Os índios julgaram ter
sido um milagre de Tupã (deus dos índios), pois a
planta revelou-se saboroso e nutritivo alimento, e de
suas raízes se vez um vinho delicioso.
Deram-lhe, então, o nome “mandioca” ou “manioca”,
que significa “corpo de mani”.
MANI (A LENDA DA MANDIOCA)
Numa tribo indígena, uma mulher deu à luz uma
menina de pele muito alva. Seu marido, desconfiado
e com raiva, queria matar a ambas. O feiticeiro da
Fonte:
http://www.folcloreolimpia.com.br/?pagina=folclore=mitoselendas
Américo Facó
Poesias
NOTURNO
Quando jamais na ausência escura,
Na imensa noite sem memória,
Há de repetir-se a aventura
Da antiga floresta ilusória?
Dormência lunar vaga e pura,
Flores, folhas, troncos, raízes,
Revivas de extinto mistério...
Quando na tépida espessura
Há de tornar o sono aéreo,
Os límpidos sonhos felizes?
Mimar de múrmura magia!
Remansear de sombra fremente!
Magia e sombra pesam onde
Se ouvia a voz de um deus presente...
De ouvir a terra estremecia,
O céu profundo se acendia,
Noturnamente, brandamente!
Depois... Depois a voz sombria
Se velou na treva, que a esconde,
Atrás do universo silente.
Ó tempo em flor e folha, menos
Amarga fora esta lembrança,
O mais sutil de teus venenos,
Se cansasse do que não cansa...
Lembrança! filtro acerbo e quente,
Que eu bebo, e quero mais! – espelho,
Mágico espelho contemplado,
Miragem de cristal vermelho
Que fixa o tempo eternamente,
E faz presente do passado!
Imagem nunca mais perdida,
Surta na sombra, que demora!
Noturno ardor, boca de aurora
Que oferta a fruta apetecida!
Forma de si mesma despida,
100
Imagem sempre a mesma – embora
Paire suspensa além da vida,
Penso que a vejo viva agora,
Não porque a veja revivida,
Só por sonhá-la a igual de outrora.
Sonho! É sonho, minha alma! Vede
O avito engano em que se agita
Para matar a própria sede,
Aumentando a própria desdita...
É sonho! Traz no riso mudo
Certeza e dádiva de tudo...
Sonho!... E sonho, por ele a nua
Negra floresta reverdece;
Por ele, outra vez, no ar flutua
A Presença, que não esquece.
Odor e flor a terra, estuante,
Trescala, arrouba-se no espaço,
Esto que impele ansiosa amante
A procurar no ansiado abraço,
Maviosa vertigem do instante,
A unidade do ser disperso;
E o deus aspira a morna essência
Por que se desvela, diverso,
Múltiplo e solto na consciência
Predestinada do universo.
De novo a Lua, mãe propícia,
Derrama o leite de seu seio;
A vida, a vida esponsalícia,
Vibra total no que era alheio!
Desce de novo a claridade
Por nova confusa carícia,
Enquanto o gesto de bondade
Da vestal dourada derrama
Em lábios eleitos a flama
Da mais que perfeita delícia.
Delícia eterna sempre nova!
Porque a merece a alma sincera
Nem se teme do mal que prova
Nem teme a dor que desespera...
Respiro da noite sonora,
Cujo segredo o dia ignora!
Repouso ao fim de escusas trilhas!
Recompensa de estranho rito,
Maravilha das maravilhas,
Dom do Infinito, – indefinito!
Em teu limiar, porta secreta,
Onde a imensidade começa,
Ressoa a resposta completa,
Murmúrio florido em promessa...
Livre, – livre da aérea bruma
Por que o mistério azul inquieta,
Cria o sonho de si a suma
Graça, a ingênua suma surpresa,
A novidade que perfuma
Esta promessa de beleza.
Fecham-se os braços sobre a escolha
Sem nome, nata do desejo;
De flor a flor, de folha a folha,
A selva salva o suave ensejo,
Encontro prometido e lento,
Ou sonho ou destino, composto
Em um só beijo, – claro intento,
Um mel de música no gosto,
Rosto abismado em outro rosto,
Forma prima de pensamento.
Eu beijo o beijo e abraço o abraço,
Meu raro instante luminoso,
Que se exclui do tempo e do espaço
Na eternidade de um regaço,
A dar-me sem medir seu gozo...
Mago instante que não refaço!
Divino instante que me adverte!
Fugiu-me cedo...
– Onde ir a esmo,
Alma ferida, corpo inerte,
Buscar a ilusão de mim mesmo?
AR DA FLORESTA NOTURNA
Sumida sombra, secreta espessura,
– A noite em meio, ou lembrança do dia,
Selva! selva abismal do tempo, escura,
Onde a força renasce, que não dura,
E fulge a imagem, forma fugidia:
Selva – assombro, sombrio fundo emerso!
Ardor indene, força fria e mansa!
Ventre que gera a suma do universo!
– Tornas o sonho múltiplo, diverso,
O tempo em sonho tornas, sem mudança.
Ou tempo ou sonho, em teu seio, sozinha,
Perdeu-se uma alma, e sozinha consulta
A sombra e, sombra ela mesma, caminha...
Acaso busca, alma enganosa e minha,
Atrás da sombra a maior sombra oculta.
101
Eu mesmo, o mesmo, bebo neste engano,
E outro, que sou, indago, diferente,
Se a aparência me engana, ou se me engano,
Ao pensar dispartir-me ao desengano
Que faz sentir mais grave o que se sente.
Perdidos evos, quem vos acha o traço?
Existe um norte onde não adivinho?
Qual nume ou nome procuro de espaço?
Importa apenas o gesto que faço?
– No chão noturno escondeu-se o caminho.
Muda-se o mudo momento em surpresa,
Ambíguo pasmo, ao vir de outro momento...
Jamais se muda a sutil incerteza,
Jamais! jamais! – porta de ouro defesa
Da Fábula, que alerta um mundo isento.
O perpassar de uma sombra ligeira
Corta a noite, vai onde a noite a some...
Assim perpassa a doce mensageira
Saudade, que não sinta quem não queira,
E a noite acorda a música de um nome!
Talvez de novo a dileta presença,
Atando enleios de amorosa trama,
Ora tornasse, eterna amante infensa,
Para fugir quando menos se pensa...
E volta, e parte, e quer, e ilude, e chama!
E chama! E vem de novo, como vinha,
A meu desejo, adorada visita,
Perdida para sempre, e mais vizinha,
A minha toda bela, a minha minha;
Meu bem! meu mal! minha amante infinita!
Ela, e não ela, imagem dela ainda,
Certeza dela, e divina conquista,
Veste as rosas da noite, e vem, bem-vinda...
Florido engano! E o doce engano finda,
E se deflora sobre a imagem vista.
Bem longe estais, meus tesouros de outrora,
– Carícias de sol, palores de lua,
Cúmplice olhar ofertando o que implora,
Vermelho riso esparzido na aurora
Da paisagem de linho branca e nua!
Nomais a mim, nomais de mim suponho
Rever-me a ver renovar-se de opressa
Pena de amor um tumulto risonho!
Na sombra a Sombra desfez-se... Foi sonho,
Mal acabou... – Novo sonho começa.
Como se aspira a presença ignorada
De uma flor – pura flama de mil vidas,
Que tanto mais esparsa mais agrada,
Aqui se ouve o silêncio... Ó tudo! ó nada!
Silêncio – voz de harmonias perdidas!
Silêncio – trama infinita do instante!
No afastamento, onde a memória alcança,
Move-se imensa tua vaga, avante,
Inunda, vai, sorve a noite de amante,
Até morrer na inconcessa lembrança...
Lembrança inútil, silêncio indiviso!
Espelho de arremedos e de mágoas!
Sepultou-se na treva um paraíso,
Entre águas negras... Treva! nem me aviso
Do espírito que voga sobre as águas.
Luz, mas luz presa no abismo indistinto,
O pensamento furta-me o que penso,
Outro abismo... Atro abismo! – E cedo! e sinto,
Imagem dupla de mim mesmo, o instinto,
Meu ser de treva entre dois caos suspenso.
A mão de leve se alonga, palpita,
Procede lenta no ar soturno e quedo,
Procura... – Que procura a mão aflita?
Quem guarda a sombra assombrosa onde habita
O instante, imoto, eviterno segredo?
Não sou? não fui? – A unânime verdade
Se faz ínvio jardim de ausência pura;
E no aroma selvagem que as invade,
Gêmeas fatais, a noite e a soledade
Respiram sós de impossível doçura...
Respira livre a noite sem destino,
Sem limite... Respira, ignota e calma,
Respira sobre um delírio divino,
Transmuta-se em temor quando imagino,
E a magia do Sol me extingue na alma!
Recresce o caos... Onde a purpúrea argila
Se turba, tombam as rosas que dantes
Frescas sangravam da manhã tranquila...
E tomba a flor de sonho, que cintila,
– Ouro sutil das estrelas distantes!
Eu cego! Eu só! E a negra plenitude
No ausente espaço urde a surpresa enorme
102
De um mundo esconso, ermo, repulso, rude...
Não mente a noite, a mente não se ilude,
É teu, minha alma, este mundo que dorme.
É tua a noite, a voragem secreta,
Fora do tempo, alheia ao tempo insonte,
E as aves torvas do fundo sem meta,
– Lascívias idas, que a palavra inquieta,
Imagens, nuvens de inviso horizonte:
É tua a soledade em que te apagas,
Imane mar de morte sonolento...
E elas revoam de inauditas plagas,
Informes, – formas dissolutas, vagas,
Flutuantes entre a noite e o pensamento.
Meu pensamento – minha noite escura!
Desejos, iras, penas, alegrias,
Foram de novo insuspeita amargura
Se foram mais que a sombra, que perdura
No abismo das memórias erradias...
Dormi, lembradas iras! Dormi, penas,
Desejos baldos que nunca dormistes!
As alegrias passaram apenas
Como as furtivas mágoas mais serenas...
Dormi, sombras! Dormi, fantasmas tristes!
Américo Facó (1885 – 1953)
Américo Facó (Beberibe, CE 21 de outubro de 1885
— Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1953) foi um poeta
e jornalista cearense, viveu a maior parte de sua
vida no Rio de Janeiro. Publicou poemas em vários
períodicos de seu tempo, como o Jornal do Ceará e
o Álbum Imperial, de São Paulo.
Considerado pela crítica literária como surrealista,
seus primeiros versos (em torno de 60 poemas)
foram publicados no periódico Jornal do Ceará, de
Fortaleza, entre 1907 e 1908. Lá publicou também
artigos políticos de oposição ao governo de
Nogueira Acioly ("um dos mais poderosos oligarcas
do Norte", segundo Edigar de Alencar). Por causa
desses artigos, em "21 de dezembro de 1908, dois
ou três soldados da polícia à paisana deram violenta
surra no poeta nas imediações da Praça Marquês do
Herval", segundo afirma Gustavo Barroso, que diz
ainda que "salvou-lhe talvez a vida a intervenção do
Capitão do Exército Castelo Branco, morador na
casa da esquina, atraído pelos seus gritos".
Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro. Em
1911, já fazia parte dos círculos literários mais
importantes do país. Sua obra, porém, só seria
publicada em livro em 1946, com Sinfonia Negra.
Em 1951, publicou Poesia Perdida, renegando tudo
o que produzira no Ceará. Seus poemas revelam o
cultivo da forma e das rimas raras, talvez reflexo da
leitura dos clássicos portugueses.
Foi diretor da parte literária da revista Fon-Fon.
Trabalhou no Instituto Nacional do Livro e no
Senado Federal.
Foi grande amigo de Carlos Drummond de Andrade,
que dedicou a Américo Facó o livro Claro Enigma.
Em O Observador no Escritório, Drummond
escreveu: "Na casa da rua Rumânia, durante três
noites, confiei-lhe os originais do meu livro Claro
Enigma e ouvi suas opiniões de exímio versificador.
Eu 'convalescia' de uma amarga experiência política
[...]. Paciente e generoso, Facó passou um mínimo
de nove horas, contando as três noites seguidas, a
aturar minhas dúvidas e indecisões. Se não aceitei
integralmente suas observações, a verdade é que as
três vigílias me deram ânimo a prosseguir [...]. E me
fizeram sentir a nobreza do seu espírito de autêntico
homem de letras, mais preocupado com a linguagem
e seus recursos estéticos do que com a fácil vida
literária das modas e dos bares."
Segundo Vagner Camilo, no livro Drummond: da
rosa do povo à rosa das trevas, "a interlocução
Facó-Drummond merece e deve ser considerada
marcante na composição do livro de 1951" (ou seja,
Claro Enigma).
A convite de Américo Facó, Drummond trabalhou na
frustrada remodelação do Departamento Nacional de
Informações, antigo DIP.
Após a morte do amigo, Drummond iniciou uma
campanha para que a biblioteca de Américo Facó
fosse doada à Fundação Biblioteca Nacional. A
família, no entanto, optou por vender os livros.
Segundo José Mindlin, eles foram comprados por
Libano Calil, proprietário da Livraria Calil Antiquária,
o sebo mais antigo de São Paulo.
A venda dos livros provocou, na época, grande
discussão na imprensa. A Fundação Casa de Rui
Barbosa tem em seus arquivos carta de Elda Facó
Marchese, filha do Gen. Edgar Facó, em que
comenta crônica de Drummond sobre "a dissolução
103
da biblioteca de Américo Facó, por iniciativa de um
dos 'seus primos generais'. Nos arquivos da casa de
Rui Barbosa, consta que há anotações de Carlos
Drummond de Andrade no corpo da carta.
Américo era irmão da Doutora Aglaêda Facó
Ventura, professora de Teoria Literária na
Universidade de Brasília.
Fontes:
Wikipedia
FACÓ. Américo. Poesia Perdida. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1951.
Waldomiro Waldevino
Peixoto
O Tempo na Ficção
Não é possível entender uma obra de ficção sem
perceber todos os fundamentos de sua estrutura
formal. Entre eles está o tempo. “É o tempo, sem
dúvida, que detém a essência da vida, e talvez de
toda a realidade” já nos disse Bérgson. Essa
importância do tempo o fez tema global e
predominante na literatura recente. Se a literatura
espelha a natureza humana e se o homem é cada
vez mais consciente da penetrante e precária
natureza do tempo, essa consciência tem sido cada
vez mais, também, refletida nas obras literárias.
A sociedade moderna instituiu a ditadura do tempo
cronológico, sujeito a relógio, calendário e
planejamento. Há uma obsessão por planejamentos
em quase todas as atividades humanas. Mas o
tempo interior do homem não é rigoroso, não se
mede por relógios e calendários, não obedece a
planos pré-estabelecidos. O tempo cronológico
consiste num esforço para opor uma barreira ao
tumulto subjetivo, presenças da memória, duração
interior, aspectos humanos imprevisíveis e
incontroláveis. A literatura tem o poder de tirar de
sintonia os elementos marcados pelo relógio e criar
outros que são representações do espírito humano.
A ficção trata do tempo cronológico, mas
fundamentalmente trabalha com o tempo
psicológico, porque sua essência está intimamente
relacionada ao conflito humano e este é a pedra
fundamental da literatura de qualidade.
Luiz de Toledo Machado afirma que “nas sociedades
arcaicas e antigas o homem percebia o tempo como
um fenômeno cíclico, repetitivo, como um eterno
retorno. Na cultura ocidental o conceito de tempo foi
alterado, passando a ser entendido como sucessão,
continuidade e consecutividade (...) Contudo o
homem moderno traz dentro de si, inerente à sua
realidade psicológica, tanto o tempo cíclico
enraizado na inconsciente, que é a morada dos
símbolos, mitos e arquétipos, como o temposucessão, idéia que contém valores culturais e
históricos”.
O tempo integra a essência da vida e do ser
humano. Faz parte deles. A literatura – como a
música – é manifestação temporal por excelência. O
fato literário expressa, com palavra sugestiva e
transubstanciadora, uma experiência real ou
imaginária, num instante do viver.
Enquanto fazemos alguma coisa, um milhão de
outras
acontecem
simultaneamente.
Essa
simultaneidade não é possível apreender na obra
literária. No máximo, consegue sugeri-la, pois o
poder expressivo da palavra faz-se pela sucessão
natural. Quando o escritor codifica sua linguagem
para reproduzir fatos, ele fica preso a essa
sucessão. Quando o leitor decodifica a linguagem do
escritor e toma conhecimento dos fatos por este
narrado acaba por se submeter, também, ao mesmo
fenômeno da sucessão.
Os fatos podem estar potencializados na mente do
escritor como ocorrência simultânea, nos moldes da
vida, mas, ao submetê-los à impressão na folha de
papel, troca-se a simultaneidade da realidade “real”
104
pela sucessão da realidade “transfigurada” pela
literatura.
“No momento em que escrevo estas linhas, tenho
diante de mim o papel e a pena que nele desliza;
ouço rumores de crianças que brincam no parque;
penso no problema que expresso; um rádio distante
transmite notícias; ouvem-se buzinas de automóveis.
A ficção do fluxo de consciência e do monólogo
interior cuidou de expressar, com recursos indiretos,
essas coexistências, mas a instantaneidade e
simultaneidade, perseguidas em tais intentos,
somente se realizaram através de referências
sugeridas, não de fatos concretos”. (Raúl
Castagnino)
Como podemos perceber, a arte literária está
impregnada de tempo: no conteúdo – porque faz
parte do conflito humano – e na forma – porque sua
matéria-prima, a linguagem, está umbilicalmente
presa ao fenômeno da sucessão. E talvez o grande
desafio do escritor resida no conflito entre a
simultaneidade dos fatos narrados, o conteúdo
(tempo narrado) e a sucessão narrativa (tempo de
narração).
Ler e escrever estão presos à sucessão, portanto a
literatura é uma arte temporal em todas as suas
instâncias, tanto da criação do autor quanto na
recriação do leitor.
Fonte:
Academia Ribeiraopretana de Letras. Ribeirão Preto , SP - Ano III - Nº
8 - Março/2004
Academia Ribeiraopretana
de Poesia
Haicais, 1996
Em 1.996, realizou importante concurso nacional de
Haicai sob os temas: Luz e Noite. Foram
vencedores:
O inseto se olhou no espelho
da gota de orvalho.
5- Darly O. Barros
LUZ - NACIONAL/INTERNACIONAL
1-Arthur Francisco Baptista
À luz da manhã
a borboleta amarela
leva o sol nas asas.
A luz do farol
no mar sem ter quem buscar
adormece ao sol.
Menções Honrosas:
1- Morais Lopes -(Portugal)
2- Geraldo Lyra
Balão colorido
qual esteira de fogueira
vai de luz vestido.
Eis a luz e a vida;
ser primavera é ser luz,
ser luz é ser vida.
2-Maria Thereza Cavalheiro
3-Dercy Alonso de Freitas
Um raio de luz
carinho em nosso caminho
o amor de Jesus.
Deus apaga o sol,
e acende luzes de estrelas
em todas as árvores.
3-Arthur Francisco Baptista
4-Sérgio Bernardo
Na luz da manhã
Encontro no mar.
O abraço nosso é um pedaço
105
da luz do luar.
4-Napoleão Valadares
As luzes do dia
varrem com raios de sol
as sombras da noite.
Eu quero sonhar
enquanto tiver o encanto
da luz desse olhar.
NOITE - MUNICIPAL
vencedores:
5- Sérgio Bernardo
No infinito, o sol
chora lágrimas de luz
dando adeus ao dia.
6-Arthur Francisco Baptista
O sol do poente
da vidraça, a luz embaça
desejo dormente.
7- Izo Goldman
Olho arregalado
no escuro do azul profundo,
a luz de lua cheia.
1- Lila Ricciardi Fontes
É chuva sem fim!
É goteira, a noite inteira,
solfejando em mim!
2- Lila Ricciardi Fontes
Na noite silente
da mata,o luar de prata,
passeia imponente!
3– Silvio Ricciardi
Menções especiais:
Foi a noite embora...
e a passarada acordada
já festeja a aurora.
1- Darly O.Barros
Menções Honrosas:
Sobre a Bíblia aberta,
a branca luz de luar
faz sua oração.
1- Branca Marilene Mora de Oliveira
2- Neide Rocha Portugal
Sem discriminar
o raio de luz penetra
na velha tapera.
3- Darly O. Barros
A luz da lareira...
Coreografia perfeita
de um baile de sombras...
4- Dercy Alonso de Freitas
A fome rodeia,
falta comida na mesa
à luz da candeia.
5- Edmar Japiassu Maia
Lá vem a saudade!
Junto com a noite chegando.
esta dor me invade
2– Lila Ricciardi Fontes
O vento em açoite,
martela minha janela,
assustando a noite.
3- Sílvio Ricciardi
Um preito ao luar!...
A dama da noite emana
perfume invulgar.
4– Sílvio Ricciardi
Que "show" de pernoite!
Quantas estrelas...êm vê-las
enfeitando a noite.
106
noite de poesia.
5– Rita Marcianp Mourão
7- Silvio Ricciardi
Noite.Mil segredos!
Surge a luz bela e nua
a enganar os medos.
Que noite!...E o cansaço
é tanto...eu busco acalanto
no teu meigo abraço.
6– Lila Ricciardi Fontes
Fonte:
Nilton Manoel
A luz que irradia
do luar,faz singular,
Vicência Jaguaribe
Por uma nota de dez
reais
Quando a menina chega do colégio, a mãe manda-a
trocar a roupa: tire a farda e vista o vestido mais
novo que encontrar. Quer levá-la à casa de um
amigo, que deseja conhecê-la. A menina ainda
objeta: tem que ir para a casa da dona Railda, ajudála, como faz toda tarde. A mãe grita com ela e diz
que, a partir daquele dia, ela não precisa mais ajudar
aquela exploradora de menores. A menina assustase com o grito e tem medo do que a mãe está
planejando. Só pode ter alguma coisa em mente
para querer sair com ela naquele horário.
Ela tem nove anos, no entanto parece bem mais
nova. Seu corpinho raquítico e seu rostinho de
feições miúdas não permitem que lhe deem mais de
seis anos. Mora com a mãe em um barraco perto da
linha do trem e estuda na escola pública do bairro.
Logo que foi morar ali, acordava todas as vezes que
o trem passava e tinha medo que ele descarrilhasse
e caísse sobre o barraco. Com o tempo, porém,
acostumou-se, e nem o apito da locomotiva nem o
barulho que ela provoca ao deslocar-se a perturbam
mais. Agora, em vez de ter medo, ela fantasia em
torno do trem. Aquele é um trem mágico, que vai
levá-la a uma terra distante, onde não existe bebida,
nem droga, nem mãe violenta, com namorado
asqueroso.
Acorda cedo, come alguma coisa, quando há o que
comer em casa. Sai na ponta dos pés para não
acordar a mãe, que chegou de madrugada, com
cara de quem andara usando aquelas porcarias, que
a menina bem sabe o que são, mas evita dizer o
nome. Ainda bem que há o colégio onde ela passa a
manhã inteira, e lá ela pode contar com a merenda
escolar. Enquanto está na escola, esquece-se da
mãe, do barraco, da fome e do namorado da mãe,
que de vez em quando tentava agarrá-la.
Mas nem sempre fora assim. Ela se lembra, ainda
que vagamente, do tempo em que moravam em uma
casa de verdade e sua mãe saía para trabalhar,
deixando-a na creche. Passava para pegá-la à
tardinha e iam as duas para casa. Ela não tinha
aquela cara que tem hoje, nem aquelas crises de
violência que a aterrorizam. Era divertida e
carinhosa. E a menina adorava ouvi-la cantar e
contar histórias. A mudança começou quando ela
arranjou um namorado com cara de marginal.
Levava-o para dormir em casa e o que ganhava
acabava na mão dele. Aí começou a faltar tudo, e a
mãe passou a agir de maneira esquisita.
Às vezes, o namorado nojento chamava-a e queria
abraçá-la, beijá-la, fazê-la sentar-se em seu colo.
Mas a menina fugia dele, corria para os barracos
dos vizinhos e só voltava quando, já bêbados ou
drogados, os dois adormeciam. Até que a mãe
perdeu o emprego e não mais pôde dar dinheiro a
ele. Um dia, o maldito simplesmente desapareceu.
Foi quando sua mãe resolveu vender a pequena
casa onde moravam. Ela precisava de dinheiro para
comprar comida e... aquelas porcarias, cujo nome a
menina evitava pronunciar.
107
Ultimamente, quando volta da escola, vai para a
casa de uma senhora que mora perto e tem um
filhinho pequeno. Ela passa a tarde ajudando com a
criança, em troca do jantar. Mas gosta de ficar ali, de
brincar com o menino. O ruim era que, agora, só
pode preparar os deveres do colégio à noite. Mas,
naquela tarde, a dona Railda ia pensar o que dela?
Que era uma irresponsável. E não iria mais querer
que ela trabalhasse na sua casa.
A mãe arranca-a do barraco puxando-a pelo braço e,
sem explicar nada, vai caminhando apressada,
entrando em umas ruas que ela não conhece. Até
que para em frente a uma casa de muro alto e bate
no portão. Um latido de cachorro responde à batida.
Logo em seguida, um homem não muito jovem,
segurando o cachorro pela coleira, abre o portão e
manda-a entrar. Ela puxa-o para um lado e conversa
com ele, apontando de vez em quando para a filha.
Ele mete a mão no bolso e lhe entrega uma cédula,
que ela amassa e depois mete no bolso do vestido.
Despede-se do homem e dirige-se ao portão,
seguida pela menina. Sem olhar para trás, grita para
a filha: ela deve ficar naquela casa, por uns dias.
Aquele senhor cuidará dela. Empurra-a para longe
do portão e sai quase correndo. O homem tranca o
portão, pega na mão da menina, que chora gritando
pela mãe, leva-a para dentro de casa e fecha a
porta.
A mulher, caminhando apressadamente, só deixa de
ouvir os gritos da filha, quando dobra a esquina. Aí,
então, tira de dentro do bolso a nota amassada: dez
reais. Dá para comprar somente duas pedras de
crack, o suficiente para aquela noite. Na manhã do
dia seguinte, arranjará outra coisa para vender.
Fonte:
A Autora
Paraná
Trovadoresco
Saboreando a lembrança
das artes de um meninote,
me sinto outra vez criança
roubando doces de um pote.
ADILSON DE PAULA - JOAQUIM TÁVORA
O meu humilde barquinho,
à praia eu fiz aportar.
Vim procurar o caminho
que teimas em me negar.
ALBERTO PACO - MARINGÁ
Sempre que ponho em meus versos
as coisas do coração,
os pensamentos, dispersos,
tomam forma de oração!
†ALDO SILVA JÚNIOR–CURITIBA
Deus nos deu inteligência,
arbítrio e também saber.
Não inverta esta sentença:
Viva... e deixe-me viver!
ANGELO BATISTA-CURITIBA
A natureza protesta
sempre que alguém a maltrata.
Se matas uma floresta,
vem o deserto e te mata!
A.A. ASSIS – MARINGÁ
Se de barro fomos feitos
nesta olaria divina,
somos dois corpos perfeitos,
partilhando a mesma sina!
+ ANTÔNIO FACCI – Maringá/PR
Eu vejo a terra cansada
a cada passo mais linda
sofrendo golpes de enxada
e dando frutos ainda.
†ANTÔNIO SALOMÃO-CURITIBA
108
A mulher, eu sei, confesso,
é luxo da natureza...
Fruir seu corpo é acesso
às loucuras da beleza!
APOLLO TABORDA FRANÇA-CURITIBA
E na escalada da vida
tenho uma grande ambição:
de ser a amiga escolhida
pra te levar pela mão.
ARACELI FRIEDRICH-CURITIBA
Diz um sábio singular
este aforismo, a valer:
Deus criou o bem e o mal
compete à gente escolher.
+ARGENTINA DE MELLO E SILVA-CURITIBA
Pinheiros ou araucárias,
com formas de belas taças
dão pinhas extraordinárias
e ao pinhão rendemos graças!
+ARIANE FRANÇA DE SOUZA-CURITIBA
As minhas mãos calejadas,
plantam sementes de amor,
que nascem e são cuidadas,
e se transformam em flor.
ARLENE LIMA - MARINGÁ
Velha foto esmaecida
deixou lágrima de herança!
Hoje a vejo colorida
pelo cristal da lembrança!
ÁTILA SILVEIRA BRASIL – CORNÉLIO PROCÓPIO
Tudo o que é bom, por um lado,
pelo outro tem um custo.
Mesmo Deus em se reinado
antes de ser bom foi justo!
CAMILO BORGES NETO - CURITIBA
No comércio, o cidadão,
nunca vive sossegado.
Quando escapa do ladrão,
cai no golpe do fiado.
CASSIANO SOUZA ENNES - CURITIBA
Sol e chuva, distinção,
desta Cidade Sorriso
sob qualquer condição,
me sinto no paraíso!!!
CECÍLIA SOUZA ENNES - CURITIBA
Não seja bobo, sorria
das coisas que vê na vida.
Faça uma trova por dia,
que é saúde garantida.
CECILIANO JOSÉ ENNES NETO – CURITIBA
É verdade, neste inverno,
vou dar tudo a quem não tem,
porque sei que para o inferno
nunca vai quem faz o bem.
+CECIM CALIXTO – TOMAZINA
Trovador é “gente” esperta
e só faz rima de artista,
põe todos de boca aberta,
mais do que eu... Que sou dentista!
CRISTIANE BORGES BROTTO - CURITIBA
Salve Ano Novo! Risonho,
feliz, tranquilo a chegar!
Vem, como meu grande sonho:
de a tudo e a todos amar!
CYROBA BRAGA RITZMANN - CURITIBA
Tem meu avô que não mente,
foi um pescador de escol.
Já lutou contra a corrente,
com tubarão no anzol...
DINAIR LEITE – PARANAVAÍ
Vassoura de bruxa arrasa,
é enorme a sua ação,
depois de limpar a casa,
inda vira condução!
FERNANDO VASCONCELOS - PONTA GROSSA
Quem no lar planta o carinho
sempre colhe muito mais:
o filho molda o caminho
pelas pegadas dos pais!
GERSON CEZAR SOUZA - SÃO MATEUS
Hei de te fazer, mulher,
a mais feliz companheira.
Não por um dia sequer,
senão pela vida inteira.
GILBERTO FERREIRA - CURITIBA
Explode no firmamento
um sol de raro esplendor,
109
JANETE
DE
BANDEIRANTES
espargindo pelo vento,
eflúvios de eterno amor!
GLYCÍNIA DE FRANÇA BORGES - CURITIBA
Minha mãe, que orava aqui,
é nos céus que reza agora;
foi no meu sonho que a vi
aos pés de Nossa Senhora!
+HARLEY CLOVIS STOCCHERO–ALMIRANTE
TAMANDARÉ
Minha mãe que eu adorava,
para mim tão boa e linda
com tanto amor me falava
que lhe escuto a voz ainda!
†HEITOR BORGES DE MACEDO-CURITIBA
Numa espera doce e mansa,
qual zelosa tecelã,
bordo rendas de esperança,
para enfeitar nosso amanhã.
JEANETTE DE CNOP – Maringá
Ao perder-se um grande amor
nosso coração dá um brado:
– Por favor, tire essa dor!
Oh, pranto! Fique calado!!!
JOSÉ FELDMAN – MARINGÁ
Se toda literatura,
fosse obra de certos críticos,
carecia sepultura
pra enterrar versos raquíticos.
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE - PINHALÃO
Nasci onde o vento bate
e junto a um grande terreiro,
ao lado um pé de erva-mate
e um majestoso pinheiro.
HELY MARÉS DE SOUZA - UNIÃO DA VITÓRIA
No mundo por onde andei,
nestes anos que vivi,
as minhas culpas paguei,
tudo o que semeei – colhi!
+ LEONARDO HENKE – CURITIBA
Saibamos as leis de cor,
Façamos do lar um templo,
Mas nada educa melhor
Do que o nosso bom exemplo.
HILDA KOLLER - CASTRO
Mãe... és luz do meu olhar!
És minha flor preferida,
induz meu ser a sonhar,
até o fim da minha lida.
LIGIA CRISTINA DE MENEZES – PINHAIS
A Justiça para todos
tem que ter rumo perfeito,
sem artimanhas e engodos,
prevalecendo o Direito.
HORÁCIO PORTELLA - PIRAQUARA
Cartas de amor escondidas,
no meu baú de esperança,
são testemunhas de vidas
que ficaram na lembrança.
GUERRA
Faça a criança feliz!
Ensine a mesma a pensar.
Dê-lhe na ponta do giz
razão pra não fracassar!
JOSIAS DE ALCÂNTARA - CURITIBA
Confesso, é no teu perfume
e no sabor do teu beijo,
que para mim se resume
a volúpia do desejo.
†HEITOR STOCKLER DE FRANÇA - PALMEIRA
As lembranças de nós dois
fui guardando nas caixinhas...
Para descobrir depois...
Que em verdade... Eram só minhas!
ISTELA
MARINA
GOTELIPE
BANDEIRANTES
AZEVEDO
Bandeira da minha terra
lindo pendão de esperança.
O teu pavilhão encerra
luta, heroísmo e bonança.
+LORYS MARCHESINI - CURITIBA
LIMA
–
É na tarde que desmaia,
é numa canção dolente
que a saudade se atocaia
para apunhalar a gente.
†LOURDES STROZZI - CURITIBA
–
110
Por nunca amar quem me ama
e amar quem nunca me quis,
as feridas do meu drama
deixam dupla cicatriz...
LUCÍLIA TRINDADE DECARLI - BANDEIRANTES
Poesia estado de graça,
chama da alma em delírio.
É prazer que nos abraça
mas, também nos traz martírio.
+ LÚCIO DA COSTA BORGES - MORRETES
Brincava feliz menina
com a boneca na mão
hoje cresceu, triste sina,
brinca com meu coração.
LUIZ HÉLIO FRIEDRICH - CURITIBA
Só, eu vivo bem comigo,
pois sou boa companhia;
nem preciso de um amigo
para sentir harmonia.
LYGIA LOPES DOS SANTOS – CURITIBA
Numa manhã de domingo
li versos de muita gente.
Disse: Eu agora me vingo...
e escrevo os meus finalmente!
M. MACHADO-CURITIBA
Arrisca um olho no amor,
nessa incerteza em que vais.
Na vida, o maior perigo
é precaver-se demais.
MANOEL CLARO ALVES NETO - CURITIBA
Ante as leis, às vezes, penso
dessa Justiça que aceito,
que embora exista um consenso,
nem sempre o certo é o direito.
MANUEL M. RAMIREZ Y ANGUITA-CURITIBA
Longe vão minhas andanças
e,em meu trêmulo cansaço,
tento fazer das lembranças ...
bastão... e assim firmo o passo.
MARIA CONCEIÇÃO FAGUNDES - CURITIBA
Ao longo desta jornada
percorri "sobes e desces",
mas sempre bem humorada
envolvida em minhas preces!
MARIA DE LOURDES AKEL - CURITIBA
Para a alma aliviar
na dor, conflito, paixão,
a lágrima acalma o olhar,
um poema, o coração.
MARIA ELIANA PALMA - MARINGÁ
Em meus rascunhos guardados,
não há mistérios… Porque
nos versos que são lavrados
o tema é sempre… você!
MARIA
LÚCIA
DALOCE
BANDEIRANTES
CASTANHO
É fácil de fazer trovas
quando se tem grande amor.
Mil idéias sempre novas
descem dos céus em louvor!
†MARITA FRANÇA-CURITIBA
Glória que tenho na vida,
ninguém pode duvidar:
foi vencer os contratempos,
sem aos outros melindrar.
+ MARIA NICÓLAS-CURITIBA
Sobre a vida do vizinho,
o porteiro argumenta...
já faz dele um picadinho...
se puder... joga pimenta!
MARIZA SOARES DE AZEVEDO – CURITIBA
O amor chega de mansinho
como quem está brincando…
Mostra a flor, esconde o espinho,
e acaba nos machucando!
MAURÍCIO LEONARDO – IBIPORÃ
Minhas trovas são singelas,
sem marcas nem pedantismo,
pois eu faço, assim, com elas,
arautos do romantismo.
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH - CURITIBA
A melhor sogra do mundo,
que não é uma qualquer,
encontrei-a num segundo
e a dei pra minha mulher.
NEI GARCEZ - CURITIBA
.
-
111
Não me peças esperanças
perdidas em vendavais,
se eu não posso ter lembranças
do que eu já nem lembro mais!
NEIDE ROCHA PORTUGAL - BANDEIRANTES
.
Há pessoas que nem notam...
Mas, no mundo, há mais beleza,
quando as folhas novas brotam,
renovando a natureza.
OLGA AGULHON – MARINGÁ
Se a saudade em mim subisse
como me sobe a pressão,
o dia em que eu não te visse
me explodia o coração.
ORLANDO WOCZIKOSKY-CURITIBA
Curitiba, ninguém mais,
não importa aonde eu vá,
pode dar-me o que me dás:
És a Flor do Paraná!
RALF GUNTER ROTSTERN – CURITIBA
Carros? Jóias? Bens? Dinheiro?
Isso também é importante!
Mas um amor verdadeiro...
torna o viver mais vibrante!
ROSE MARI ASSUMPÇÃO – PR
Depois da aviária e a suína,
mais folga o aluno cobiça:
quer que venha, repentina,
a gripe bicho-preguiça!
ROZA DE OLIVEIRA – CURITIBA
À primeira claridade,
da manhã fresca e bonita,
a nossa bela cidade
desperta alegre e se agita.
+ SERAFIM FRANÇA-CURITIBA
A verdade só proclama
quem pouco sabe, de fato.
O mundo é um grande anagrama:
movem-se as letras e os atos.
SINCLAIR POZZA CASEMIRO - CAMPO MOURÃO.
A Trova é tão pequenina
mas quanta Beleza encerra,
feliz de quem tem a sina
de espalhá-la pe la Terra!...
SÔNIA DITZEL MARTELO – PONTA GROSSA
Da vida no grande coro,
eis nosso destino atroz:
Seguirmos de chôro em chôro,
até que chorem por nós.
+ TASSO DA SILVEIRA
Pelo bem, lute na terra,
com garra: seja tenaz;
Pois é através da guerra
que só se consegue a paz.
VANDA ALVES DA SILVA-CURITIBA
Certas trovas são tão belas,
dão tal encanto e prazer,
que eu vejo, pensando nelas,
quanto preciso aprender!
VANDA FAGUNDES QUEIROZ–CURITIBA
Saudade vive e contesta,
me acorda de madrugada,
faz lembrar-me o fim da festa...
o beijo... e a noite estrelada!
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES – CURITIBA
Estudar é necessário
quanto o alimento tomar.
Saber é chave do armário
pra experiência acumular.
+ VASCO TABORDA RIBAS-CURITIBA
Angústia é isto: este anseio,
pássaro aflito, doente.
Nem se sabe de onde veio
pra sofrer dentro da gente!
+ VERA VARGAS – PIRAÍ DO SUL
Quando chora um trovador
não é o seu pesar somente,
canta, sofre e chora a dor
colhida de toda gente.
+ VICTORINA SAGBONI-CURITIBA
Seja estrela sorridente
no seu modo de viver,
e com força transcendente
faça o bem acontecer!
VIDAL IDONY STOCKLER-CURITIBA
112
Quando encontram-se as amigas,
mil fofocas vão pro ar...
Sob a transa das intrigas,
se divertem: tudo ao par!
WALDEREZ DE ARAÚJO FRANÇA-PARANAGUÁ
Passa o tempo... e a mocidade
vai deixando, em seu lugar,
pegadas para a saudade,
um dia, me procurar!
WANDIRA F. QUEIROZ –CURITIBA
No caminhar, vença o atalho
da vida, exercite a messe,
veja o exemplo do carvalho,
demora a crescer, mas cresce!
WALNEIDE FAGUNDES S. GUEDES - CURITIBA
A Trova, chispa divina
Bem igualzinha ao amor;
É sublime, é bela, fina...
Nos lábios do Trovador.
WELLESLEY NASCIMENTO-A. TAMANDARÉ
Amosse Mucavele
Carta do aniversariante no dia em que
não se fará a festa
Ontem foi o dia do meu aniversário, comemorei com
as 4 paredes que ladeiam o meu quarto,
E hoje, dia em que os Astros advogaram sem uma
causa justa, mas com um aviso prévio sendo este o
verdadeiro dia do meu aniversário
24 anos completam-se em mim, e eu nem estou ai,
neste instante procuro refúgio na imensidão deste
poema-assim o julgo eterno.
Tal como a as palavras que o guiam, eu deambulo
no vazio do suco que refresca o bolo que vos
ofereço
Desculpe a todos que esperavam uma festa.
Agora vos digo – eu não sei organizar uma festa,
assim sendo tenho da vossa companhia motivos
suficientes para estarmos em festa.
Que zanguem os homens das gargantas abertas, os
das barrigas vazias, pois não há mais nada a dizer,
por isso sintetizo – eu não sei organizar uma festa,
Depois de uma conversa afiada com a minha mãe
no cemitério, onde ,eu fui lhe dar uma água, uma
flor, um beijo, e jurar perante ela que eu já sou
homem crescido e novo,
Já não sou aquele menino tal como o pai que
destruía lares e eu, sendo filho de peixe, sabia nadar
até no arreal, e em contrapartida desmanchava
prazeres das meninas, brincava com os sentimentos
delas. Agora sou um novo homem, 24 poemas me
esperam,,, desde já, juro fidelidade às garrafas e aos
livros.
E mulheres preciso daquelas divorciadas,
humilhadas, mal amadas, pois ontem á noite recebi
o antídoto para este veneno chamado traição, e as
minhas namoradas do passado que o presente
tornou-as Ex. Nem sei onde foi o buscar este prefixo
e o futuro chama-as por amigas, elas me amaram e
eu as violentei domesticamente no meu pobre quarto
de madeira e zinco.,No momento diziam me
machucar, eu puxava-lhes as mechas, dava-lhes
palmadas, e não tinham onde queixar pois pediam
que as machucasse. Ponto final! Eu já não quero
brincar ou fazer orgias com os virgens sentimentos
destas miúdas.
O que me espera agora é viajar no silêncio de uma
garrafa de whisky Old Pascas.
Fonte:
Texto enviado pelo autor
113
Ademar Macedo
Trovas Engraçadas
Trabalho só é bacana
se tiver, por sua vez,
uma folga por semana
e férias de mês em mês!
Sempre que eu vou me deitar
acompanhado na cama;
já que eu sei que vou tirar...
– Pra que botar o pijama?
A minha sogra, assanhada,
no barracão da mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...
Você pode acreditar
no que eu digo pra você:
Dívida é pra se pagar...
mas quando se tem com quê!...
Por agir sem ter cautela
um grande mico eu paguei,
investi numa donzela
que na verdade era um gay!...
Visita pra meter medo,
que nem vassoura adianta,
é aquela que chega cedo
e só sai depois que janta!
Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer.
Pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!...
Teve um chilique o Oscar
ao ver seu filho, um nissei,
ser o primeiro lugar
numa passeata gay.
Com sua língua de trapo,
disse, ao ser mandado embora:
– É moleza engolir sapo;
o duro é botar pra fora!
Todo mundo me cobrando,
parece um alto relevo;
a dívida vai aumentando,
quanto mais pago, mais devo!
Pra poder me atazanar,
por vingança ou por castigo,
minha sogra vem morar
parede e meia comigo!...
Inimigo do trabalho,
é meu primo o “Paraíba;”
seu emprego é no baralho:
buraco, truco e biriba.
Pelas “coisas” que fazia,
vive o malandro enjaulado;
usando de noite a dia
o seu “pijama listrado”.
Chega a causar agonia,
uma visita sacana,
que vem pra passar um dia,
passa mais de uma semana!
Plantei um pé de tomate
e fiz tanta adubação,
que ele está dando abacate,
alho, cebola, e melão...
Fonte:
O Autor
114
João Scortecci
Eu sou um livro
Eu sou um livro.
Um exemplar do romance de nome Memórias
Póstumas de Brás Cubas, do escritor Joaquim Maria
Machado de Assis que nasceu no dia 21 de junho de
1839 e morreu em 29 de setembro de 1908,
considerado o maior nome da literatura brasileira.
Fui impresso no ano de 1881, nas Oficinas da
Tipografia Nacional, na Cidade do Rio de Janeiro.
Tenho pouco mais de 127 anos, muitas páginas e
uma belíssima encadernação de luxo. Uma
unanimidade em primeira edição com autógrafo e
dedicatória em bico de pena.
Estou catalogado no acervo da biblioteca de um
importante bibliófilo apaixonado por leitura.
Tive sorte, muita sorte na sua escolha dele por mim.
Não sei se vocês sabem, somos nós “livros” que
escolhemos leitores. Antes de ganhar notoriedade e
referência de obra rara passei um longo tempo em
um sebo jogado literalmente às traças. Já escapei
de um incêndio, de vazamento de água bem na
minha cabeça e de uma ameaça de reciclagem
imprudente. Minha morte seria um crime. Felizmente
escapei com a sorte de poucos.
Um livro precisa de amigos. Sofremos com
destruição por fanatismo religioso e político, roubos,
falsificações, reciclagem e contaminação por fungos
e bactérias.
Não sou forte e resistente como antigamente.
Minhas páginas estão amareladas. É o desgaste
natural causado pelos excessos à luz, umidade,
temperatura inadequada e inimigos predadores
como cupins, traças e roedores.
Gostamos de ficar em prateleiras em local afastado
das paredes, ordenados verticalmente, sem acúmulo
excessivo. Ventilação e limpeza são indispensáveis
para nossa sobrevivência. Não gostamos de muito
calor e aperto.
22° C está perfeito. Não precisa também exagerar!
Temperatura excessiva faz com que as fibras de
celulose percam as suas propriedades de
Elasticidade, Flexibilidade e Resistência.
A umidade relativa do ar não deve ultrapassar 60%.
Iluminação ambiental de 50 watts é a correta. A luz
artificial mais utilizada é a fluorescente. Nunca
utilizar luz ultravioleta. Os segredos e mistérios de
um livro estão no seu conteúdo.
Dia 29 de outubro é o meu Dia Nacional. Foi
escolhido por ser a data de aniversário da fundação
da Biblioteca Nacional, que nasceu com a
transferência da Real Biblioteca portuguesa para o
Brasil.
Um dia de todos os dias e de todos nós. Não se ama
um livro vez por outra e muito menos com lapsos de
memória.
Eu sou um livro. E você?
Fonte:
Amigos do Livro
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 101
Uma Trova Nacional
Amor é... um quase nada,
poucos sabem perceber,
é brincar de madrugada
sem pensar no amanhecer.
(OLYMPIO COUTINHO/MG)
115
Uma Trova Potiguar
...E Suas Trovas Ficaram
Um dia ela me olhou,
por mera casualidade;
daí nasceu nosso amor
para toda a eternidade.
(CARMO CHAGAS DE OLIVEIRA/RN)
Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!
(ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE)
Uma Trova Premiada
Estrofe do Dia
1994 > Belo Horizonte/MG
Tema > OÁSIS > Menção Honrosa
Todo poeta se inspira
Na vibração de seu canto,
Embora, às vezes, o pranto
Em seu caminho interfira;
Afeito ao toque da lira,
O som das canções o encanta,
Mas, se um dia a musa santa
De seus sonhos vai embora,
O poeta também chora,
Mas chora como quem canta.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)
Quando a aflição nos alcança,
o Bom Deus, sempre por perto,
planta o oásis da esperança
no coração do deserto!
(MARCELO ZANCONATO PINTO/MG)
Simplesmente Poesia
MOTE: (Ademar Macedo)
Em cada cabelo meu
tem um verso pendurado.
GLOSA:
Finge que já me esqueceu,
chora no canto a coitada.
Diz que a vida é complicada
e, em cada cabelo meu,
amarra um cabelo seu
dando um nó bem caprichado
pra impedir o mau olhado.
Sem meus versos não sossega
e até na porta da adega
tem um verso pendurado.
(GILSON MAIA/RJ)
Soneto do Dia
Francisco Macedo/RN
UM SONETO FILHO DO SOL
Foi um Raio de sol... Chegou silente!
Engravidou a folha onde escrevia,
e a gestação se fez tão de repente,
... de repente, nasceu essa poesia.
Se fez soneto, tão surpreendente,
sem tema, assunto, assim à revelia,
e crescendo se fez incandescente,
pleno de amor e luz no novo dia.
Uma Trova de Ademar
Filho do sol amando a liberdade,
responsável, lhe dei paternidade,
vou educá-lo para ser moderno.
Ninguém jamais colhe flores,
plantando ódio e maldade;
só faz colheita de amores
quem planta amor de verdade!...
(ADEMAR MACEDO/RN)
E com ele vou ter cumplicidade,
para vê-lo atingir posteridade,
conquistar o leitor, e ser eterno!
Fonte:
Ademar Macedo
116
Cilza Carla Bignotto
Duas leituras da infância,
segundo Monteiro Lobato
Emília. O nome de uma boneca provavelmente é a
primeira “palavra-chave” que a memória puxa do
fundo dos arquivos pessoais quando o assunto é
Monteiro Lobato. A palavra Emília certamente abrirá
algumas gavetas empoeiradas, onde a memória
guarda O Sítio do Picapau Amarelo e todos os seus
habitantes. Pode ser que, além de histórias infantis
lidas e assistidas na tv, as gavetas também guardem
Jecas Tatus, um artigo chamado Paranóia ou
Mistificação, ou quem sabe, algumas histórias
envolvendo petróleo.
O que for lembrado depois de Emília pode variar
bastante de leitor para leitor. De qualquer forma, a
boneca, sempre metida onde não é chamada, estará
sentada no topo de tudo o que estiver arquivado
com a etiqueta “Monteiro Lobato”. Clichê maior que
começar artigo sobre Lobato falando de Emília não
há. A força da boneca, porém, é grande: se Gustave
Flaubert disse “Madame Bovary sou eu”, Emília
poderia muito bem ter dito, em suas Memórias,
“Monteiro Lobato sou eu”.
Mas Emília só começou a falar em 1921, ano de
lançamento de Narizinho arrebitado, livro que iniciou
a série de aventuras dos habitantes do Sítio. Antes
disso, Lobato já havia escrito três livros de contos:
Urupês, Cidades Mortas e Negrinha. É deste último
livro o conto homônimo sobre uma menina que,
como Narizinho, tem sua vida transformada por uma
boneca.
No conto Negrinha, o cenário é uma fazenda. Esta
fazenda pertence a uma velha senhora, Dona Inácia,
que cria uma menina órfã, a Negrinha do título. As
Reinações de Narizinho acontecem em um sítio, que
pertence a outra velha senhora, Dona Benta, que
cria a menina órfã e reinadora do título. Dona Benta
é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia
da mais encantadora das netas - Lúcia, a menina do
narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos
dizem.
Dona Inácia é ótima (...) mas não admitia choro de
criança (...) Assim mal vagia, longe, na cozinha, a
triste criança [Negrinha], gritava logo nervosa: Quem é a peste que está chorando aí?
Narizinho, a encantadora, é neta da dona do sítio.
Negrinha, a peste, é filha de escrava da dona da
fazenda. Uma menina é apresentada como Lúcia, e
depois como Narizinho. A outra é apresentada como
Negrinha, e se tem nome, não é dito no conto. O
apelido Narizinho tem origem em uma característica
física, o nariz arrebitado. A menina tem sete anos, é
morena como jambo, gosta muito de pipoca e já
sabe fazer uns biscoitos de polvilho bem gostosos.
Negrinha também tem sete anos, e seu apelido
também tem origem em uma característica física.
Preta? Não, fusca, mulatinha escura, de cabelos
ruços e olhos assustados (...) seus primeiros anos
vivera-os pelos cantos da cozinha, sobre velha
esteira e trapos imundos.
O nome “inicia a existência religiosa e civil da
criatura. O pagão é apenas uma perspectiva de
direitos até que lhe imponham o nome”, afirma Luiz
da Camara Cascudo. Sem nome, não há batismo,
documentos, identidade social ou identidade
individual. O que é imposto a Negrinha é um apelido
que, dentro dos costumes de tratamento brasileiros
poderia até ser considerado afetivo. Essa
possibilidade desaparece algumas linhas depois:
Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira
uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja,
barata descascada, bruxa (...) - não tinha conta o
número de apelidos com que a mimoseavam.
Seu corpo “era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões.
Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou
não houvesse motivo.”
O narrador entra nas casas pela cozinha, cômodo
em que nos são apresentadas as meninas. Em
seguida, descreve-as fisicamente. As primeiras
informações que se lê sobre Negrinha e Narizinho
lembram dados de Censo do IBGE: nome, filiação,
idade, cor. Essas “fichas” das crianças servem para
mostrar o lugar que ocupavam na sociedade
117
brasileira. O fato de aparecerem pela primeira vez
na cozinha, mostra o espaço que ocupavam dentro
de casa, na família.
A cozinha era o lugar das mulheres. Narizinho sabe
cozinhar, e isso funciona como mais um atributo,
porque saber cozinhar bem era ato valorizado na
educação das mulheres da época. Seu papel ativo
na cozinha revela que ocupa um lugar importante
dentro da família. Negrinha vive “pelos cantos”,
como um “gato sem dono”. Seu papel passivo,
dentro de um grupo duplamente passivo (criadas
negras), num lugar consagrado ao sexo “frágil”,
torna-a ainda mais “coisa”.
Portanto, Negrinha não tem nome - tem apelido; não
tem família - tem dona, que não cuida dela; não tem
cor definida - é mulatinha escura; não tem lugar
dentro da cozinha, dentro da casa, dentro da
sociedade. Não é à toa que parece “um gato sem
dono” - sua condição é quase a mesma de um
animal. “Aprendeu a andar, mas quase não andava”.
Apesar de todas essas diferenças, as duas garotas
vão encontrar na companhia de bonecas as
experiências que trasnformarão suas vidas.
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a
mesma - na princezinha e na mendiga. E para
ambas é a boneca o supremo enlevo.
Este trecho é de Negrinha. Duas sobrinhas de Dona
Inácia vem passar férias na fazenda. Trazem, entre
outros brinquedos, uma boneca.
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma
boneca e nem sequer sabia o nome desse
brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança
artificial. - É feita? ...- perguntou, extasiada.
As meninas deixam que ela se aproxime e ficam
admiradas com seu assombro. “- Nunca viu
boneca?” E Negrinha repete: “Boneca? Chama-se
boneca?” As meninas, depois de rirem-se “de tanta
ingenuidade”, perguntam o nome da companheira.
“Negrinha”. Mais risos, e Dona Inácia, comovida,
deixa que Negrinha vá para o jardim brincar com “a
criancinha de cabelos amarelos...que falava
“mamã”...que dormia...” e suas louras donas.
Acontece, então, o despertar da consciência da
menina.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia que
tinha uma alma. Divina eclosão! (...) Sentiu-se
elevada à altura de ente humano. Cessara de ser
coisa - e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida
de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim foi - e essa consciência a matou.
A imaginação de Negrinha, que só ousava
acompanhar os movimentos de um relógio-cuco da
patroa, liberta-se durante o ato de brincar. E irrompe
de forma tão forte em seu “doloroso inferno” que,
quando as meninas vão embora e a vida volta “ao
normal”, Negrinha vai definhando e morre em sua
esteirinha, rodeada de “bonecas, todas louras, de
olhos azuis”. Sua humanidade, restaurada pela
imaginação, só encontra liberdade na morte. Antes
de tudo se esvair “em trevas”, a imaginação, na
forma mais dolorosa de delírio, a rodeia de brancas
bonecas e anjos de olhos azuis.
Narizinho vive sua primeira aventura na companhia
da boneca Emília. As duas vão ao Reino das Águas
Claras, convidadas pelo príncipe Escamado. A
boneca é de pano, e foi feita por tia Nastácia “com
olhos de retrós preto e sombrancelhas tão lá em
cima que é ver uma bruxa.” Emília toma uma pílula
do Dr. Caramujo e começa a falar. A primeira coisa
que diz não é o óbvio “mamã”, mas: “Estou com um
horrível gosto de sapo na boca! E falou, falou, falou,
mais de uma hora sem parar”.
Narizinho “viu que a fala de Emília não estava bem
ajustada” e “viu também que era de gênio teimoso e
asneirenta, pensando a respeito de tudo de um
modo especial todo seu”. Qualquer semelhança com
Monteiro Lobato...
O ato de falar é fundamental nessas histórias.
Negrinha não pode dizer asneiras, sob pena de ser
torturada. Quando chama de “peste” uma criada que
lhe roubara um pedaço de carne, é torturada por
Dona Inácia, que põe um ovo quente em sua boca.
Aliás, não pode falar nada. Talvez por isso seja tão
fascinada pela “bocarra” do cuco e seu único
passatempo, antes da boneca, seja vê-lo “cantar as
horas”. A iniciativa da conversa cabe às sobrinhas
de Dona Inácia. A boneca delas fala “mamã”.
Narizinho tem liberdade para falar com quem quiser,
seja tia Nastácia ou um Príncipe Escamado. E
Emília passa a participar ativamente da história a
partir do momento em que começa a falar. Boa deixa
118
para se fazer uma abordagem, agora, do conceito de
infante - palavra que, na origem latina, significa
“aquele que não fala”.
Quem fala sobre, para e pela infância são os
adultos. Que, através dos séculos, têm esticado,
espremido e torcido o conceito infância, de acordo
com visões de mundo peculiares a cada época e a
cada povo. “Até por volta do século XII, a arte
medieval desconhecia a infância ou não tentava
representá-la. É difícil crer que essa ausência se
devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É
mais provável que não houvesse lugar para a
infância nesse mundo”, afirma Philippe Ariès.
É só a partir do fortalecimento da burguesia como
classe, com intenções políticas e ideológicas a
firmar, que a categoria criança, como a conhecemos
hoje, passa a designar um grupo específico, com
necessidades específicas quanto à roupas, comida,
educação, lazer. Mercados são criados para suprir
essas necessidades familiares; é quando a literatura
passa a ter seu ramo infantil. Não é para pessoas de
uma determinada idade que são escritos livros
infantis; mas para pessoas de uma determinada
idade que fazem parte das classes média e alta, que
vão à escola e que são cuidadas por gente que se
preocupa com sua educação e pode comprar seus
livros.
Portanto, os dados iniciais das duas narrativas são
muito significativos. Ao mostrar como as meninas
são fisicamente e qual a sua condição familiar e
social, as narrativas permitem que se possa situá-las
dentro de um contexto histórico. E a partir daí,
analisar como as representações do que seja ou não
uma criança podem mudar de acordo com vários
fatores, todos externos.
No momento em que aparecem as bonecas, o foco
narrativo das duas histórias passa a se concentrar
no interior das meninas, em sua imaginação, ou
“alma”, como escreve Lobato. E então elas se
mostram iguais, com as mesmas potencialidades e
desejos. Mas primeiro vamos olhar mais de perto
estes fatores externos.
Negrinha é filha de escrava. Dona Inácia “nunca se
afizera ao regime novo - essa indecência de negro
igual a branco e qualquer coisinha: a polícia!”
Qualquer coisinha, no caso, é “uma mucama assada
no forno porque se engraçou dela o senhor”. O que
são alguns espancamentos em uma pessoa que até
pouco tempo atrás era considerada oficialmente
mera mercadoria? Delso Renault, em seu livro
Indústria, Escravidão e Sociedade: Uma pesquisa
historiográfica do Rio de Janeiro no século XIX,
apresenta vários anúncios de jornal que demonstram
claramente a condição de “coisa” dos escravos
negros. Um exemplo é o anúncio publicado no
Jornal do Commercio em 29/01/1851:
Na rua do Ouvidor vendem uma negrinha muito
bonita e elegante, muito própria para presente,
sabendo coser bem e andar com crianças, a qual é
muito carinhosa
Vende-se uma negrinha como se fosse uma boneca,
para dá-la de presente e deixá-la andar com
crianças. O leitor contemporâneo de Lobato, assim
como o leitor de hoje, estão inseridos em um mundo
ideologicamente diverso daquele em que viviam as
crianças negras no século XIX. O horizonte de
perspectivas do leitor atual abrange conceitos como
o de “direitos da criança”, conceito este que serve,
pelo menos em teoria, para todas as crianças.
Diferente era o modo de pensar de alguém que
fosse senhor de escravos - e esse modo de pensar
não desapareceu com a abolição da escravatura,
infelizmente.
Lobato situa a história de Negrinha em um tempo em
que a escravidão havia sido abolida por lei - mas leis
não têm força para abolir costumes culturais
entranhados em pessoas que conheceram uma
época em que a lei era outra. O mundo (ou o Brasil,
a vida, o “certo”) para Dona Inácia ainda é aquele da
escravidão. A ideologia da ex-senhora de escravos
choca-se violentamente com a nova ideologia
decretada no 13 de maio. Para o narrador Negrinha
é uma criança, e é assim que ele a apresenta ao
leitor - não é à toa que a palavra criança aparece 8
vezes no conto, sempre ligada à menina. Mais: ele
mostra o interior da menina, diz que ela tem alma portanto é gente.
É natural para Dona Inácia que Negrinha seja “boa
para uns croques”, viva dentro de sua casa como um
enfeite da sala e, a princípio, não possa brincar com
suas sobrinhas. Negrinha é a boneca de Dona
Inácia, que a conserva como “remédio para os
frenesis” - daí as marcas de espancamentos no
corpo da menina, como as marcas que as crianças
deixam em alguns brinquedos. Boneca que não
119
corresponde, porém, ao ideal físico imaginado para
as bonecas da época. Razão pela qual, talvez,
receba apenas os croques, e não carinhos.
O culto das bonecas louras e de olhos azuis entre as
meninas da gente mais senhoril ou rica do Império
deve ter concorrido para contaminar algumas delas
de certo arianismo; para desenvolver no seu espírito
a idealização das crianças que nascessem louras e
crescessem parecidas às bonecas francesas; e
também para tornar a francesa o tipo ideal de mulher
bela e elegante aos olhos das moças em que
depressa se transformavam nos trópicos aquelas
meninas.
Este comentário de Gilberto Freire reforça a idéia de
que uma criança negra não era considerada uma
criança na época de Negrinha. E mesmo para uma
boneca, ela estava longe do ideal, e portanto dos
cuidados, que “o culto” das meninas deveria
proporcionar às bonecas loiras. Aliás, no final do
século passado era famosa uma cantiga de roda
com os seguintes versos:
Quem são estes anjos
Que estão me rodeando?
(...) Somos filhos de um Conde
e netas de um Visconde
Negrinha, ao morrer, vê-se rodeada de anjos e
bonecas, todos louros. Como se queriam louras as
crianças filhas da elite brasileira. Quem faz
brinquedos, e os dá às crianças, são os adultos.
Brinquedos são objetos nada ingênuos. Carregam
informações sobre a ideologia de seus produtores e
compradores. Quem dá o brinquedo à criança pela
primeira vez são os adultos, que fazem representar
no objeto o seu ideal de infância. Walter Benjamin
comentou a respeito:
E mesmo que a criança conserve uma certa
liberdade de aceitar ou rejeitar, muitos dos mais
antigos brinquedos (...) de certo modo terão sido
impostos à criança como objeto de culto, que
somente graças à sua imaginação se transformam
em brinquedos. É, portanto, um grande equívoco
supor que as próprias necessidades infantis criem os
brinquedos.
A boneca é um brinquedo cuja origem se confunde
com a própria origem humana. Miniaturas de seres
humanos têm sido usadas, há milênios, como objeto
de culto, representações de deuses e demônios,
anjos e musas. Quando produz o objeto boneca, o
homem projeta e modela nele a imagem de ser
humano ideal que traz dentro de si, de acordo com
os horizontes históricos, sociais, religiosos e
estéticos de sua cultura. A boneca representa,
portanto, não uma criança, mas o ideal de criança ou
de adulto de um determinado grupo social; é a
projeção, em forma de roupas e aparência física,
dos valores deste grupo.
Negrinha percebe que a boneca das meninas louras
é “uma criança artificial”. Usando de um certo
exagero, poderíamos fazer um exercício imaginário
e enxergar a pequena escrava no momento em que
contempla a boneca. Uma criança real, brasileira,
pobre e sofrida contempla a forma que deveria ter
para ser considerada criança pelos adultos que
ditavam os valores ideológicos no país. Valores
esses importados da Europa, juntamente com estilos
literários, modelos de leis e vestidos.
Quando Monteiro Lobato entra em cena, o modelo
europeu de um “projeto educativo e ideológico que
via no texto infantil e na escola (e, principalmente,
em ambos superpostos) aliados imprescindíveis
para a formação de cidadãos” havia sido apropriado
por vários escritores e educadores e adaptado à
realidade brasileira. Com a industrialização, algumas
crianças pobres puderam passar a frequentar
escolas. A literatura infantil da época, no entanto, se
pudesse ser traduzida em forma de brinquedo, seria
muito mais parecida com a boneca loira do que com
Emília. Basta lembrar o sucesso dos livros Le Tour
de France par deux garçons (1877), de G. Bruno, e
Cuore (1886), de Edmundo de Amicis. Em 1901,
Afonso Celso publicaria Por que me ufano de meu
país, proclamando em português o patriotismo
tematizado pelos escritores europeus. Em 1930,
quando Narizinho e Emília já eram sucesso, Cuore
continuava best-seller no Brasil: é desse ano a 39ª
edição da tradução brasileira do livro.
O subtítulo do primeiro livro de Lobato para crianças,
Narizinho Arrebitado, é “segundo livro de leitura para
uso das escolas primárias”. O autor visava, mais do
que as crianças, os “escolares” 12. Dentro do Sítio
do Picapau Amarelo, porém, ele encontrou espaço
não só para um projeto estético ou pedagógico, mas
para um projeto político que envolvia inúmeros
setores da vida brasileira. Mostrou idéias sobre
literatura, história, economia, política, religião...
120
Idéias que nem sempre estavam de acordo com o
que queria o tal projeto educativo brasileiro. Seus
livros sofreram campanhas. Não era “recomendável”
que a futura elite lesse, nas Memórias da Emília, que
“a verdade é uma espécie de mentira bem pregada,
das que ninguém desconfia”, entre outras
“inconveniências”.
juntos crianças e bichos mágicos, políticos e
sabugos falantes, o Brasil e o mundo. Essa boneca
não tem forma, é única. Por isso mesmo não é um
anjo. “O mau romance é aquele que visa a agradar,
adulando, enquanto o bom é uma exigência e um
ato de fé”. Aí está a força da literatura de Lobato e a
raiz das polêmicas causadas por seus livros.
A maior inconveniência, porém, era a existência,
ainda, de gente como Negrinha. Ela não tem nome
porque é uma multidão. Quantas meninas brasileiras
foram chamadas assim? Quantas foram analfabetas,
maltratadas, tratadas como coisas? Quantas são
assim? Negrinha é o símbolo de uma grande parte
da população brasileira, criança e mulher, da época
de Lobato e da nossa época. Negrinha é a criança
real.
A boneca loira chegou às mãos de Negrinha por
meio de uma mulher branca e rica - Dona Inácia.
Emília chega às mãos de Narizinho por meio de uma
mulher negra e pobre - Tia Nastácia. Esse fato
singular, que passa quase despercebido no meio do
imenso desfile de narrativas maravilhosas que
compõe o universo do Sítio do Picapau Amarelo, é
importantíssimo.
A boneca de olhos azuis também não tem nome. É o
símbolo da criança ideal, modelo europeu. A fôrma
dessa criança ideal, branca e virtuosa como um
anjo, só existiu no mundo das idéias. Dela só era
possível saírem bonecas e personagens, crianças
artificiais, como percebeu Negrinha; não gente de
verdade. As louras sobrinhas de Dona Inácia não
são virtuosas; riem-se da miséria intelectual e
material de Negrinha. Também elas não têm nome.
Mas são crianças reais: brancas, ricas, filhas de uma
elite dominante, que se espantam ao perceber a
existência de crianças como Negrinha. Quantas
meninas poderiam se encaixar nessa descrição?
Esse conto põe para brincar juntas crianças
símbolos de duas classes sociais, separadas por um
abismo econômico e ideológico, e unidas por um
modelo de ser ideal, pretendido para “o país do
futuro”. No começo deste século, a literatura para
crianças no Brasil era importada, como a boneca
loura. Traduzia-se o francês maman para mamã e as
mamães compravam o produto. Ou emprestava-se a
forma estrangeira para fabricar aqui mesmo as
bonecas e histórias européias. Monteiro Lobato,
quando escreveu esse conto, com certeza não
pensou em tal comparação. Isso é trabalho para
Viscondes de Sabugosa. Ele simplesmente criou
Lúcia-Narizinho e Emília.
A família da menina tem um ramo europeu e outro
africano, como a maioria das crianças reais
brasileiras. A boneca nasceu de uma mistura de
vários objetos: macela, pano de saia velha, retrós.
Como a literatura infantil de Lobato, que costura
A boneca que iria virar mania infantil, símbolo da
obra de Lobato e portanto símbolo da literatura
infantil brasileira, foi feita por uma velha negra.
Levando em conta o que foi dito acima a respeito
dos valores ideológicos que uma boneca representa,
e que o “público-alvo” de Lobato era formado por
escolares, ou seja, pelas crianças de melhor
condição social, é simples entender o que isto
significa.
A criança não é nenhum Robinson, as crianças não
constituem nenhuma comunidade separada, mas
são partes do povo e da classe a que pertencem.
Por isso, o brinquedo infantil não atesta a existência
de uma vida autônoma e segregada, mas é um
diálogo mudo, baseado em signos, entre a criança e
o povo.
Enquanto os adultos conceituavam de diversas
maneiras a infância, num mundo de idéias que o
tempo foi modificando, e a representaram de acordo
com esses diferentes conceitos, no mundo real
gente continuava a nascer, crescer, aprender,
amadurecer. Durante todo esse tempo, os
brinquedos foram um elo entre adultos e crianças, a
representação de um diálogo mudo.
Ao dar o dom da fala a Emília, Monteiro Lobato
estava usando essa espécie de “transmissor de
sinais” que é o brinquedo para mandar suas
mensagens, sua visão de mundo, para as crianças.
Da boca de pano fez sair uma resposta pessoal,
singular, para a “ordem mundial” e brasileira de seu
tempo. Sua verdade pessoal personificou-se em
Emília, e por meio desse outro diálogo mudo que é a
121
literatura, tornou-se uma verdade compartilhada por
milhões de leitores.
A grande ironia é que, anos depois, quando o Sítio
do Picapau Amarelo virou seriado na televisão, a
boneca feia e ordinária virou brinquedo caro, ganhou
olhos azuis e foi parar nas mãos de crianças ricas.
Mas isso já é outra história.
Cilza Carla Bignotto
É graduada em Jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (1993). Fez
mestrado em Teoria e História Literária na
Universidade Estadual de Campinas (1999) e
doutorado, também em Teoria e História Literária, na
mesma instituição (2007), sob orientação da
professora Marisa Lajolo. É professora de Teoria
Literária e Literatura Brasileira na Universidade
Federal de Ouro Preto. Já prestou serviços como
professora e autora de materiais didáticos para a
Unicamp, a Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo, o Instituto Itaú Cultural e o Ministério da
Educação, entre outros. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Teoria Literária e Literatura
Brasileira, atuando principalmente nos seguintes
temas: História do Livro e da Leitura, Monteiro
Lobato, Modernismo, Literatura Infanto-Juvenil,
Crônica.
Fontes:
http://www.monografias.com
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=P472201
Carlos Drummond de Andrade
Balada do amor através das idades
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
122
Cecília Meireles
Poesias
CANÇÃO
De Viagem (1939)
Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...
De Viagem (1939)
BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
Dez bailarinas deslizam
por um chão de espelho.
Têm corpos egípcios com placas douradas,
pálpebras azuis e dedos vermelhos.
Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
e dobram amarelos joelhos.
Andam as dez bailarinas
sem voz, em redor das mesas.
Há mãos sobre facas, dentes sobre flores,
e com os charutos toldam as luzes acesas.
Entre a música e a dança escorre
uma sedosa escada de vileza.
As dez bailarinas avançam
como gafanhotos perdidos.
Avançam, recuam, na sala compacta,
empurrando olhares e arranhando o ruído.
Tão nuas se sentem que já vão cobertas
de imaginários, chorosos vestidos.
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
As dez bailarinas escondem
nos cílios verdes as pupilas.
Em seus quadris fosforescentes,
passa uma faixa de morte tranqüila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.
Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas tão frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
embalsamados de melancolia.
Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas.
123
De Retrato Natural (1949)
CANÇÃO
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para meu sonho naufragar.
Andar... — enquanto consente
Deus que a noite seja andada.
Porque o poeta, indiferente,
anda por andar — somente.
Não necessita de nada.
De Vaga Música (1942)
CANÇÃO DO CAMINHO
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e minhas duas mãos quebradas.
De Viagem (1939)
CANÇÃO DE ALTA NOITE
Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.
Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.
Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
— Se fosse,
em vez da canção, teu braço!
Ah! mas logo ali adiante
— tão perto! —
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)
De Vaga Música (1942)
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.
Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
CANÇÃO
No desequilíbrio dos mares,
as proas giraram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
124
a voz que o vento abraça e leva.
Quando as ondas te carregaram,
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo que existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro dessas águas sem fim.
Repara a canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.
É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.
Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.
De Viagem (1939)
E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura
GUITARRA
por eternidades serenas.
Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
Nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
De Viagem (1939)
Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
— no cabo, flores abertas,
no gume, a medida exata,
a exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata.
De Viagem (1939)
SERENATA
Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de noite fria.
O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
PÁSSARO
Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.
De Retrato Natural (1949)
Fonte:
Meireles, Cecília. Obra Poética. Volume Único. RJ: Nova Aguilar,
1987.
125
Artur de Azevedo
Uma aposta
Se o Simplício Gomes não fosse um rapaz do nosso
tempo, se não usasse calças brancas, paletó de
alpaca, chapéu de palha e guarda-chuva, daria idéia
de um desses quebra-lanças que só se encontram
nos romances de cavalaria. De outro qualquer
diríamos: "Ele gostava da Dudu"; tratando-se,
porém, do Simplício Gomes, empregaremos esta
expressão menos familiar: "Ele amava Edviges."
O seu amor tinha, realmente, alguma coisa de puro
e de ideal, que não se compadecia com os costumes
de hoje. Começava por ser discreto; Dudu adivinhou,
ou antes, percebeu que era amada, mas ele nunca
lho disse, nunca se atreveu a dizer-lhe, não por
timidez ou respeito, mas simplesmente porque não
tinha confiança no seu merecimento.
- Aposto que hoje chove!
- Que idéia! o dia está bonito!
- Pois sim, mas o calor é excessivo: temos água com
toda certeza!
- Não temos!
- Façamos uma aposta!
- Valeu! se chover eu perco uma caixa de charutos.
- E eu aquela blusa que você viu na vitrina da Notre
Dame e cobiçou tanto.
- Quem lhe disse que cobicei?
- Ora, esses olhos não me enganam...
No dia seguinte Dudu recebia a blusa.
A velha costumava dizer com muita ingenuidade:
Estava bem empregado, poderia casar-se e viver
modestamente em família, mas era tão feio, tão
pequenino, tão insignificante e ela tão linda e tão
esbelta, que o casamento lhe parecia
desproporcionado. Ele não se sentia digno dela, não
acreditava que a pudesse fazer feliz, e isso o
desgostava profundamente. Ela, por seu lado, não
concorria para que a situação se modificasse: fingia
ignorar que ele a amava, e atribuía toda aquela
solicitude a um afeto desinteressado.
- Você faz mal em apostar, Simplício! E muito
caipora, perde sempre, e então, em se tratando de
mudança de tempo, é uma lástima!
Dudu vivia com a mãe, uma pobre viúva sem outro
recurso que não fosse o do meio soldo e montepio
deixados pelo marido, brioso oficial do Exército que
viveu sempre desprotegido, porque não sabia
lisonjear nem pedir; mas o Simplício Gomes, sem
fumaças de protetor, e dando a esmola com ares de
quem a recebia, achava meios e modos de fazer
com que naquela casa faltasse apenas o supérfluo.
Como era parente, embora afastado, das duas
senhoras, estas consideravam os seus favores
simples atenções de família.
Dudu impressionou-se por um cavalheiro muito bem
trajado, que começou a rondar-lhe a porta quase
todos os dias, cumprimentando-a, depois sorrindolhe, e finalmente escrevendo-lhe graças à
cumplicidade de um molecote da casa.
O caso é que o Simplício Gomes parecia adivinhar
os menores desejos de Dudu e nessas ocasiões
recorria ao ardil de uma aposta:
Conquanto não se atrevesse a falar em casamento,
o pobre rapaz sofria, oprimido pela idéia de que
quando menos se pensasse, Dudu teria um
namorado... um noivo... um marido e efetivamente,
não se passou muito tempo que os seus receios não
se realizassem.
Depois de receber três cartas, Dudu contestou,
convenceu-se de que as intenções do namorado
eram as melhores e mostrou a correspondência à
mãe, que imediatamente consultou o Simplício
Gomes sem saber o desgosto que lhe causava.
Este, que já havia notado as idas e vindas do
transeunte suspeito, disfarçou o mais que pôde, os
seus sentimentos, limitando-se a dizer que Dudu não
deveria casar-se com aquele homem sem ter
126
primeiramente certeza de que ele a amava deveras.
A velha, com toda a sua simplicidade, pediu-lhe que
se informasse da idoneidade do pretendente, e o
mísero logo se transformou de quebra-lanças em
quebra-esquinas.
Foram desanimadoras (para ele) as informações que
obteve: o rival chamava-se Bandeira, era de boa
família, de bons costumes, funcionário público de
certa categoria, estimado, e tinha alguma coisa. O
seu único defeito era ser um pouco genioso.
O Simplício, que não tinha o altruísmo heróico de
Cirano de Bergerac, não avolumou as qualidades do
outro, mas foi leal: não as diminuiu. Em suma: o
Bandeira pediu a mão de Dudu; e começou a
freqüentar a casa.
O coitado não articulou uma queixa, mas começou
desde logo a emagrecer a olhos vistos; perdeu o
apetite, ficou macambúzio, fúnebre... Dudu, que tudo
compreendeu, teve muita pena, teve quase
remorsos; mas a velha nem mesmo assim
desconfiou que a filha fosse adorada pelo infeliz
parente.
Entretanto, o Simplício Gomes começou a ser
assíduo em casa de Dudu; o seu desejo oculto era
não deixá-la sozinha com o tal Bandeira enquanto
não se casassem. O noivo tinha, efetivamente, boas
qualidades, mas era não só genioso, mas de uma
arrogância, de uma empáfia, de um autoritarismo
que começaram a inquietar Dudu.
Uma bela tarde em que se achavam ambos
sentados no canapé, e o Simplício Gomes, afastado,
num canto da sala, folheava um álbum de retratos, o
Bandeira levantou-se dizendo:
- Vou-me embora; tenho ainda que dar umas voltas
antes da noite.
- Ora, ainda é cedo; fique mais um instantinho,
replicou Dudu, sem se levantar do canapé.
- Já lhe disse que tenho que fazer! Peço-lhe que vá
desde já se habituando a não contrariar as minhas
vontades! Olhe que depois de casado, hei de sair
quantas vezes quiser sem dar satisfações a
ninguém!
- Bom; não precisa zangar-se...
- Não me zango, mas contrario-me! Não me
escravizei; quero casar-me com a senhora, mas não
perder a liberdade!
- Faz bem. Adeus. Até quando?
- Até amanhã ou depois.
O Bandeira apertou a mão de Dudu, despediu-se
com um gesto do Simplício Gomes, e saiu batendo
passos enérgicos, de dono de casa. Dudu ficou
sentada no canapé, olhando para o chão.
O Simplício Gomes aproximou-se de mansinho, e
sentou-se ao seu lado. Ficaram dez minutos sem
dizer nada um ao outro. Afinal Dudu rompeu o
silêncio. Olhou para o céu iluminado por um
crepúsculo esplêndido, e murmurou:
- Vamos ter chuva.
- Não diga isso, Dudu: o tempo está seguro!
- Apostemos!
- Pois apostemos! Eu perco uma coisa bonita para o
seu enxoval de noiva. E você?
- Eu... perco-me a mim mesma, porque quero ser tua
mulher! E Dudu caiu, chorando, nos braços de
Simplício Gomes.
Fonte:
Histórias brejeiras, 1962. In AZEVEDO, Artur de. Contos. SP: Editora
Escala. s/d
Folclore
Parlendas
As parlendas são brincadeiras antigas e fazem parte
do folclore brasileiro, são formas literárias
tradicionais, rimadas com caráter infantil, de ritmo
fácil e de forma rápida. Não são cantadas e sim
declamadas em forma de texto, estabelecendo-se
como base a acentuação verbal. São versos de 5 ou
6 silabas recitadas para entender, acalmar, divertir
as crianças, ou mesmo em brincadeiras para
127
escolher quem inicia a brincadeira ou o jogo, ou
mesmo aqueles que podem brincar.O motivo de uma
Parlenda é apenas o ritmo como ela se desenvolve,
o texto verbal é uma série de imagens associadas e
obedecendo apenas o senso lúdico, ela pode ser
destinada a fixação de números ou idéias primarias,
dias da semana, cores, dentre outros assuntos
Atualmente as Parlendas têm sido muito utilizadas
pelos educadores de infância em sala de aula, é
uma brincadeira que toda criança gosta e se
interessa, já que estimula a imaginação de cada um.
As parlendas podem ser utilizadas para
memorização de números, dias da semana, meses,
nomes de cidades e outros temas diversos; o
professor pode criar a sua própria parlenda que mais
se adeque ao momento educacional da criança.
Parlendas:
Amanhã é domingo, pé de cachimbo.
O cachimbo é de ouro, bate no touro.
O touro é valente, bate na gente.
A gente é fraco, cai no buraco.
O buraco é fundo, acabou-se o mundo.
============
-O Papagaio come milho.
periquito leva a fama.
Cantam uns e choram outros
Triste sina de quem ama.
============
-Um, dois, feijão com arroz,
Três, quatro, feijão no prato,
Cinco, seis, falar inglês,
Sete, oito, comer biscoito,
Nove, dez, comer pastéis.
============
-Eu sou pequena,
Da perna grossa,
Vestido curto,
Papai não gosta
============
-Por detrás daquele morro,
Passa boi, passa boiada,
Também passa moreninha,
De cabelo cacheado
============
-Tropeiro fala de burro,
Vaqueiro fala de boi,
Jovem fala de namorada,
Velho fala que foi.
============
-Era uma bruxa
À meia-noite
Em um castelo mal-assombrado
com uma faca na mão
Passando manteiga no pão
============
-A sempre-viva quando nasce,
toma conta do jardim
Eu também quero arranjar
Quem tome conta de mim
============
-Batatinha quando nasce,
Se esparrama pelo chão,
Mamãezinha quando dorme,
Põe a mão no coração.
============
-Palminha
Palma, palminha,
Palminha de Guiné
Pra quando papai vié,
Mamãe dá a papinha,
Vovó bate cipó,
Na bundinha do nenê.
============
- Homem com homem
Mulher com mulher
Faca sem ponta
Galinha sem pé
============
- Enganei um bobo
Na casca do ovo!
============
- Vá à …
Já fui e já voltei!
Burro que nem você nunca encontrei
============
- Zé Capilé!
Tira bicho do pé
Pra tomar com café!
============
- Aparecida! (ou Cida!)
Come casca de ferida
Amanhecida!
============
- Cala a boca!
Cala a boca já morreu
Quem manda em você sou eu!
============
- Coco pelado
Caiu no melado
Quebrou uma perna
128
Ficou aleijado
============
-Uni, duni,tê
Uni, duni, tê,
Salamê, mingüê,
Um sorvete colorê,
O escolhido foi você!
============
- O cochicho
Quem cochicha,
O rabo espicha,
Come pão
Com lagartixa
============
- Rei Capitão
Rei, capitão,
Soldado, ladrão.
Moça bonita
Do meu coração
============
- Fui à feira
Fui à feira comprar uva.
Encontrei uma coruja,
Pisei no rabo dela.
Ela me chamou de cara suja
============
-Os dedos
Dedo mindinho,
Seu vizinho,
Pai de todos,
Fura bolo,
Mata piolho..
============
- Chuva e sol, casamento
de espanhol.
Sol e chuva, casamento
de viúva.
============
- Meio dia
Meio dia,
Panela no fogo,
Barriga vazia.
Macaco torrado,
Que vem da Bahia,
Fazendo careta,
Pra dona Sofia.
============
- PAPAGAIO LOURO
Papagaio luoro
Do bico dourado
Leva essa cartinha
Pro meu namorado
Se tiver dormindo
Bate na porta
Se tiver acordado
Deixe o recado.
============
-O cemitério
No portão do cemitério,
Tério, tério, tério,
Duas almas se encontraram,
Traram, traram, traram.
Uma disse para a outra,
Outra, outra, outra,
Você é uma vagabunda,
Bunda, bunda, bunda,
Mas que falta de respeito,
Peito, peito, peito
Mas que peito cabeludo,
Ludo, ludo, ludo
============
Andando pelo caminho
Fui andando pelo caminho.
Éramos três,
Comigo quatro.
Subimos os três no morro,
Comigo quatro.
Encontramos três burros,
Comigo quatro.
============
- Perna de pato
Entrou pela perna do pato,
Saiu pela perna do pinto.
O rei mandou dizer
Que quem quiser
Que conte cinco:
Um, dois, três, quatro, cinco
============
-A mulher morreu
Lá na rua vinte e quatro,
a mulher matou o gato,
com a sola do sapato,
o sapato estremeceu
a mulher morreu
o culpado não fui eu.
129
============
-La em cima do piano
tem um copo de veneno
Quem bebeu, morreu
O azar foi seu.
============
-Agá, agá
A galinha quer botar
Ijê, Ijê
Minha mãe me deu uma surra
fui parar no Tietê
Alô,Alô
O Galo já cantou
Amarelo, amarelo
Fui parar no cemitério
Roxo, roxo,
Fui parar dentro do cocho
============
- Cadê o toucinho que estava aqui?
O Gato comeu
Cadê o gato?
No mato
Cade o mato?
O fogo queimou
Cadê o fogo?
A água apagou
Cadê a água?
O Boi bebeu
Cadê o boi?
Amassando o trigo
Cadê o trigo?
A galinha espalhou
Cadê a galinha?
Botando ovo
Cadê o ovo?
O padre bebeu
Cadê o padre?
Rezando missa
Cadê a missa?
Tá na capela
Cadê a Capela?
Ta aqui.........
============
-BÃO BALALÃO
Bão, babalão,
Senhor Capitão,
Espada na cinta,
Ginete na mão.
Em terra de mouro
Morreu seu irmão,
Cozido e assado
No seu caldeirão
============
Ou
Bão-balalão!
Senhor capitão!
Em terras de mouro
Morreu meu irmão,
Cozido e assado
Em um caldeirão;
Eu vi uma velha
Com um prato na mão,
============
-Quem é?
É o padeiro
E o que quer?
Dinheiro
Pode entrar
que eu vou buscar
O seu dinheiro
Lá embaixo do travesseiro
============
-O Macaco foi á feira
Não sabia o que comprar
Comprou uma cadeira
Pra comadre se sentar
A comadre se sentou
A cadeira escorregou
coitada da comadre
foi parar no corredor
============
-Batalhão
Batalhão, lhão, lhão,
quem não entrar é um bobão.
Abacaxi, xi, xi
quem não sai é um saci.
Beterraba, aba, aba,
quem errar é uma diaba.
Borboleta, leta, leta
, quem errar é uma capeta.
============
-PEDRINHA
Pisei na pedrinha,
A pedrinha rolou
Pisquei pro mocinho,
Mocinho gostou
Contei pra mamãe
Mamãe nem ligou
Contei pro papai,
Chinelo cantou.
Fontes:
http://www.qdivertido.com.br/verfolclore.php?codigo=21
http://www.bigmae.com/o-que-sao-parlendas/
http://www.brasilfolclore.hpg.ig.com.br/parlenda.htm
130
Carlos Drummond de Andrade
Debaixo da ponte
Moravam debaixo da ponte.
Oficialmente, não é lugar onde se more, porém eles
moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto
predial, taxa de condomínio: a ponte é de todos, na
parte de cima; de ninguém, na parte de baixo. Não
pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não
consumiam. Não reclamavam contra falta dágua,
raramente observada por baixo de pontes. Problema
de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer
parte, embora não conviesse atirá-lo em parte
alguma, se dele vinham muitas vezes o vestuário, o
alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte,
podiam dar esse endereço a amigos, recebê-los,
fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte.
À tarde surgiu precisamente um amigo que morava
nem ele mesmo sabia onde, mas certamente
morava: nem só a ponte é lugar de moradia para
quem não dispõe de outro rancho. Há bancos
confortáveis nos jardins, muito disputados; a
calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na
pedra, o mato. Até o ar é uma casa, se soubermos
habitá-lo, principalmente o ar da rua. O que morava
não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da
ponte e trazer-lhes uma grande posta de carne.
Nem todos os dias se pega uma posta de carne.
Não basta procurá-la; é preciso que ela exista, o que
costuma acontecer dentro de certas limitações de
espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da
ponte, e não estavam sonhando, sentiam a presença
física da ponte, o amigo rindo diante deles, a posta
bem pegável, comível. Fora encontrada no
vazadouro, supermercado para quem sabe
freqüentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa e
olfativa ciência.
Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo
gosto. Um de debaixo da ponte saiu à caça de sal. E
havia sal jogado a um canto de rua, dentro da lata.
Também o sal existe sob determinadas regras, mas
pode
tornar-se
acessível
conforme
as
circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da
ponte.
Debaixo da ponte os três prepararam comida.
Debaixo da ponte a comeram. Não sendo operação
diária, cada um saboreava duas vezes: a carne e a
sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o
resto do dia dormindo (pois não há coisa melhor,
depois de um prazer, do que o prazer complementar
do esquecimento), quando começaram a sentir
dores.
Dores que foram aumentando, mas podiam ser
atribuídas ao espanto de alguma parte do organismo
de cada um, vendo-se alimentado sem que lhe
houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois
morreram logo, o terceiro agoniza no hospital. Dizem
uns que morreram da carne, dizem outros que do
sal, pois era soda cáustica.
Há duas vagas debaixo da ponte.
Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra Completa. RJ: José Aguilar
Ed., 1967.
Rachel de Queiroz
Os dois bonitos e os dois feios
Nunca se sabe direito a razão de um amor. Contudo,
a mais frequente é a beleza. Quero dizer, o costume
é os feios amarem os belos e os belos se deixarem
amar. Mas acontece que às vezes o bonito ama o
131
bonito e o feio o feio, e tudo parece estar certo e
segundo a vontade de Deus, mas é um engano. Pois
o que se faz num caso é apurar a feiúra e no outro
apurar a boniteza, o que não está certo, porque
Deus Nosso Senhor não gosta de exageros; se Ele
fez tanta variedade de homens e mulheres neste
mundo é justamente para haver mistura e dosagem
e não se abusar demais em sentido nenhum. Por
isso também é pecado apurar muito a raça, branco
só querendo branco e gente de cor só querendo os
da sua igualha — pois para que Deus os teria feito
tão diferentes, se não fora para possibilitar as
infinitas variedades das suas combinações?
O caso que vou contar é um exemplo: trata de dois
feios e dois bonitos que se amavam cada um com o
seu igual. E, se os dois bonitos se estimavam, os
feios se amavam muito, quero dizer, o feio adorava a
feia, como se ela é que fosse a linda. A feia,
embalada com tanto amor, ficava numa ilusão de
beleza e quase bela se sentia, porque na verdade a
única coisa que nos torna bonitos aos nossos olhos
é nos espelharmos nos olhos de quem nos ame.
Vocês já viram um vaqueiro encourado? É um traje
extraordinariamente romântico e que, no corpo de
um homem e delgado, faz milagres. É a espécie de
réplica em couro de uma armadura de cavaleiro.
Dos pés à cabeça protege quem a veste, desde as
chinelas de rosto fechado, e as perneiras muito
justas ao relevo das pernas e das coxas, o guardapeito colado ao torso, o gibão amplo que mais
acentua a esbelteza do homem e por fim o chapéu
que é quase a cópia exata do elmo de Mambrino.
Aliás, falei que só assenta roupa de couro em
homem magro e disse uma redundância, porque
nunca vi vaqueiro gordo. Seria mesmo que um
toureiro gordo, o que é impossível. Se o homem não
for leve e enxuto de carnes, nunca poderá cortar
caatinga atrás de boi, nem haverá cavalo daqui que
o carregue.
Os dois heróis da minha história, tanto o feio como o
bonito, eram vaqueiros do seu ofício. E as duas
moças que eles amavam eram primas uma da outra
— e apesar da diferença no grau de beleza,
pareciam-se. Sendo que uma não digo que fosse a
caricatura da outra, mas era, pelo menos, a sua
edição mais grosseira. O rosto de índia, os olhos
amendoados, a cor de azeitona rosada da bonita,
repetidos na feia, lhe davam uma cara fugidia de
bugra; tudo que na primeira era graça arisca na
segunda se tornava feiúra sonsa.
De repente, não se sabe como, houve uma
alteração. O bonito, inexplicavelmente, mudou.
Deixou de procurar a sua bonita. Deu para rondar a
casa da outra, a princípio fingindo um recado, depois
nem mais esse cuidado ele tinha. Sabe-se lá o que
vira. No fundo, talvez obedecesse àquela abençoada
tendência que leva os homens bonitos em procura
das suas contrárias; benza-os Deus por isso, senão
o que seria de nós, as feiosas? Ou talvez fosse
porque a bonita, conhecendo que o era, não fizesse
força por sustentar o amor de ninguém. Enquanto a
pobre da feia todos sabem como é — aquele
costume do agrado e, com o uso da simpatia,
descontar a ingratidão da natureza. E embora o seu
feio fosse amante dedicado, quanto não invejaria a
feia a beleza do outro, que a sua prima recebia
como coisa tão natural, como o dia ser dia e a noite
ser noite. Já a feia queria fazer o dia escuro e a noite
clara — e o engraçado é que o conseguiu. Muito
pode quem se esforça.
O feio logo sentiu a mudança e entendeu tudo.
Passou a vigiar os dois. Se esta história fosse
inventada poderia dizer que ele, se vendo traído,
virou-se para a bonita e tudo se consertou. Mas na
vida mesmo as pessoas não gostam de colaborar
com a sorte. Fazem tudo para dificultar a solução
dos problemas, que, às vezes, está na cara e elas
não querem enxergar. Assim sendo, o feio ficou
danado da vida, e nem se lembrou de procurar
consolo junto da bonita desprezada; e esta, se
sentindo de lado, interessou-se por um rapaz
bodegueiro que não era bonito como o vaqueiro
enganoso, mas tinha muito de seu e podia casar
sem demora e sem condições.
Assim, ficaram em jogo só os três. O feio cada dia
mais desesperado. A feia, essa andava nas nuvens,
e toda vez que o "primo" (pois se tratavam de
primos) lhe botava aqueles olhos verdes — eu falei
que além de tudo ele ainda tinha os olhos verdes?
— ela pensava que ia entrar de chão adentro, de
tanta felicidade.
Mas o pior é que os dois vaqueiros ainda saíam todo
o dia juntos para o campo, pois eram campeiros da
mesma fazenda e se haviam habituado a trabalhar
de parelha, como Cosme e Damião. Seria
impossível se separarem sem que um dos dois
132
partisse para longe, e, é claro, nenhum deles
pretendia deixar o lugar vago ao outro.
peixeira nova do rival. E, sendo do seu natural
taciturno, continuou calado e fechado consigo.
Assim estava a intriga armada, quando a feia, certa
noite, ao conversar na janela com o seu bonito que
lá viera furtivo, colheu um cravo desabrochado no
craveiro plantado numa panela de barro e posto
numa forquilha bem encostada à janela (era uma
das partes dela, ter todos esses dengues de mulher
bonita) e enquanto o moço cheirava o cravo, ela
entrefechou os olhos e lhe disse baixinho:
E o outro — nós mulheres estamos habituadas a
pensar que todo homem valente é bonito, mas a
recíproca raramente é verdade, e nem todo bonito é
valente. Este nosso era medroso. Era medroso mas
amava, o que o punha numa situação penosa. Não
amasse, ia embora, o mundo é grande, os caminhos
correm para lá e para cá. Agora, porém, só lhe
restava amar e ter medo. Ou defender-se. Mas
como? O rival não fazia nada, ficava só naquela
ameaça silenciosa; as juras de morte que fizera —
se as fizera — de juras não tinham passado ainda.
Meu Deus, e ele não era homem de briga, já não
disse? Tinha a certeza de que se provocasse aquele
alma fechada, morria.
— Você sabe que o outro já lhe jurou de morte?
Falei que o desprezado jurara de matar o traidor.
Seria verdade? Quem sabe as coisas que é capaz
de inventar uma mulher feia improvisada em bonita
pelo amor de dois homens, querendo que o seu
amor renda os juros mais altos de paixão?
O belo moço assustou. Gente bonita está habituada
a receber da vida tudo a bem dizer de graça, sem
luta nem inimizade, como seu direito natural, que os
demais devem graciosamente reconhecer. As
mulheres o queriam, os homens lhe abriam caminho.
E não é só em coisas de amor: de pequenino, o
menino bonito se habitua a encontrar facilidades,
basta fazer um beiço de choro ou baixar um olho
penoso, todo o mundo se comove, pede uni beijo, dá
o que ele quer. Já o feio chora sem graça, a gente
acha que é manha, mais fácil dar-lhe uns cascudos
do que lhe fazer o gosto. Assim é o mundo, e se
está errado, quem o fez foi outro que não nos dá
satisfações.
Pois o bonito assustou. Deu para olhar o outro de
revés, ele que antes vivia tão confiado, como se
adiasse que a obrigação do coitado era lhe ceder a
menina e ainda tirar o chapéu. Passou a ver mal em
tudo. De manhã, ao montar a cavalo, examinava a
cilha e os loros, os quatro cascos do animal. Ele,
que só usava um canivete quando ia assinar criação,
comprou ostensivamente uma faca, afiou-a na beira
do açude, e só a tirava do cós para dormir. E quando
saía a campo com o companheiro, em vez de irem
os dois lado a lado, segundo o costume, marchava
atrás, dez braças aquém do cavalo do outro.
O feio não falava nada. Fazia que não enxergava as
novidades do colega. Como sempre andara armado,
não careceu comprar faca para fazer par com a
Bem, as juras eram verdadeiras. O feio jurara de
morte o bonito e não só de boca para fora, na
presença da amada, mas nas noites de insônia, no
escuro do quarto, sozinho no ódio do seu coração.
Levava horas pensando em como o mataria —
picado de faca, furado de tiro, moído de cacete. Só
conseguia dormir quando já estava com o cadáver
defronte dos olhos, bonito e branco, ah, bonito não,
pois, quando o matava em sonhos, a primeira coisa
que fazia era estragar aquela cara de calunga de
loiça, pondo-a de tal modo feia que até os bichos da
cova tivessem nojo dela. Mas como fazer? Não
poderia começar a brigar, matá-lo, sem quê nem
mais. Hoje em dia justiça piorou muito, não há
patrão que proteja cabra que faz uma morte, nem a
fuga é fácil, com tanto telégrafo, avião, automóvel. E
de que servia matar, tendo depois que penar na
prisão? Assim, quem acabaria pagando o malfeito
haveria de ser ele mesmo. O outro talvez fosse para
o purgatório, morrendo sem confissão, mas era ele
que ficava no inferno, na cadeia. Aí então teve a
idéia de uma armadilha. Botar uma espingarda com
um cordão no gatilho... quando ele fosse abrindo a
porta. Não dava certo, todo o mundo descobriria o
autor da espera. Atacá-lo no mato e contar que fora
uma onça... Qual, cadê onça que atacasse vaqueiro
em pleno dia? E a chifrada de um touro? Difícil,
porque teria que apresentar o touro, na hora e no
lugar... Lembrou-se então de um caso acontecido
muitos anos atrás, quase no pátio da fazenda. O
velho Miranda corria atrás de uma novilha, a bicha
se meteu por sob um galho baixo de mulungu, o
cavalo acompanhou a novilha, e em cima do cavalo
ia o vaqueiro: o pau o apanhou bem no meio
133
da testa, lá nele, e quando o cavalo saiu da sombra
do mulungu, o velho já era morto... Poderia preparar
uma armadilha semelhante? Como induzir o rival?...
Levou quatro dias de pesquisa disfarçada para
descobrir um pau a jeito. Afinal achou um cumaru à
beira de uma vereda, onde o gado passava para ir
beber na lagoa. O cumaru estirava horizontalmente
um braço a dois metros do chão, cobrindo a vereda
logo depois que ela dava uma curva. A qualquer
hora passariam de novo os dois por ali. E como só
um passava pela vereda estreita, bastaria ele ficar
atrás, apertar de repente o passo, meter o chicote no
cavalo da frente; o outro, assustado com o disparo
do cavalo, se descuidava do pau — e era um
homem morto.
Mas não deu certo. Isto é, deu certo do começo ao
fim — só faltou o fim do fim. Pois logo no dia
seguinte se encaminharam pela vereda, perseguindo
um novilhote. O bonito na frente, o feio atrás, como
previsto. Quando chegaram à curva que virava em
procura do cumaru, o de trás ergueu o relho, bateu
uma tacada terrível na garupa do cavalo da frente,
que já era espantado do seu natural, e o animal
desembestou. Mas o instinto do vaqueiro salvou-o
no último instante. Sentiu um aviso, ergueu os olhos,
viu o pau, deitou-se em cima da sela e deixou o
cumaru para trás. Logo adiante acabava a caatinga
e começava o aceiro da lagoa. O bonito sofreou
afinal o cavalo. Podia ser medroso, mas não era
burro, e uma raiva tão grande tomou conta dele, que
até lhe destruiu o medo no coração. Sem dizer
palavra, tirou a corda do laço debaixo da capa da
sela, e ficou a girar na mão o relho torcido, como se
quisesse laçar o novilho que também parará várias
braças além, e ficara a enfrentá-los de longe. O
companheiro espantou-se: será que aquele idiota
esperava laçar o boi, a tal distância? Claro que não
entendera como andara perto da morte... Mas o
laço, riscando o ar, cortou-lhe o pensamento: em vez
de se dirigir à cabeça do novilho, vinha na sua
direção, cobriu-o, apertou-se em redor dele,
prendeu-lhe os braços ao corpo e, se retesando num
arranco, atirou-o de cavalo abaixo. Num instante o
outro já estava por cima dele, com um riso de fera
na cara bonita.
— Pensou que me matava, seu cachorro... Açoitou o
cavalo de propósito, crente que eu rebentava a
cabeça no pau... Um ele nós dois linha de morrer,
não era? Pois á assim mesmo... um de nós dois vai
morrer. Enquanto falava, arquejando do esforço e da
raiva, ia inquirindo na corda o homem aturdido da
queda, fazendo dele um novelo de relho. Dai saiu
para o mato, demorou-se um instante perdido entre
as aves e voltou com o que queria — um galho de
imburana da grossura do braço de um homem. Duas
vezes malhou com o pau na testa do inimigo.
Esperou um pouco para ver se o matara. E como lhe
pareceu que o homem ainda tinha um resto de
sopro, novamente bateu, sempre no mesmo lugar.
Chegou à fazenda, com o companheiro morto à sela
do seu próprio cavalo, ele à garupa, segurando-o
com o braço direito, abraçado como um irmão; com
a mão esquerda puxava o cavalo sem cavaleiro.
Ninguém duvidou do acidente. Foi gente ao local,
examinaram o galho assassino, estirado sobre a
vereda como um pau de forca. Fincaram uma cruz
no lugar.
E o bonito e a feia acabaram casando, pois o amor
deles era sincero. Foram felizes. Ela nunca
entendeu o que houvera, e remorso ele nunca teve,
pois, como disse ap padre em confissão, matou para
não morrer.
E a moral da história? A moral pode ser o velho
ditado: faz o feio para o bonito comer. Ou então
compõe-se um ditado novo: entre o feio e o bonito,
agarre-se ao bonito. Deus traz os bonitos de baixo
da Sua Mão.
Fonte:
SANTOS, Joaquim Ferreira (organizador). As cem melhores crônicas
brasileiras. RJ: Ed. Objetiva, 2007.
Jandi Fabian Barbosa e Tania M. K. Rosing
A literatura infanto-juvenil: do acesso ao livro
até a formação do leitor
RESUMO: O presente trabalho – A Literatura
Infanto-Juvenil: Do acesso ao livro até a formação
do leitor – reúne reflexões acerca de um tema com
linha tríplice, ou seja, o estudo de algumas
134
particularidades referentes ao desenvolvimento da
literatura infanto-juvenil em sala de aula. Em
primeiro plano a abordagem segue a linha que
envolve a problematização de acesso a obra
literária. Em segundo momento a questão da
formação de mediadores de leitura e, a importância
desse mediador consolidar-se como um eu - leitor e,
assim, construir uma fortuna literária adequada para
realizar sua função de formar leitores literários
críticos. Assumindo o leitor um papel de pronunciar
sua percepção sobre o que encontrou por meio da
leitura e e/ou ampliar sua organização intelectual a
respeito do contingente social que o cerca.
PALAVRAS - CHAVE: Acesso – mediadores –
leitura – leitor.
1- Introdução
O presente trabalho – A Literatura Infanto-Juvenil:
Do acesso ao livro até a formação do leitor – reúne
reflexões acerca de um tema com linha tríplice, ou
seja, o estudo de algumas particularidades
referentes ao desenvolvimento da literatura infantojuvenil em sala de aula. Em primeiro plano a
abordagem segue a linha que envolve a
problematização de acesso a obra literária, não
somente dos livros tradicionais, mas também, a
inclusão das novas e mais diversas ferramentas
como: Hqs, Dvds, quadrinhos, entre outros que
servem como suporte de alto grau de interesse dos
jovens estudantes. Em segundo momento a questão
da formação de mediadores de leitura e, a
importância desse mediador consolidar-se como um
eu - leitor e, assim, construir uma fortuna literária
adequada para realizar sua função de formar leitores
literários críticos.
Por fim o objetivo primordial que alimenta essa
proposta cientifica é demonstrar as possibilidades
em que o mediador de leitura pode desenvolver o
seu trabalho buscando debruçar a ênfase na forma
de apresentar a obra literária aos leitores, pois é por
meio de seu entusiasmo, de sua paixão e dedicação
que essas novas peças do mundo da leitura
conseguirão desenvolver a capacidade de conhecer
e lidar com as realidades que convivem. Nesse
sentido procura-se principalmente em evidenciar os
recursos que podem ser retirados da obra escolhida
e a forma de aplicação que consiste em uma
ferramenta extremamente eficaz no processo de
emancipação intelectual e cultural desse individuo.
2- Por onde caminha a literatura infanto-juvenil
É costume de qualquer cidadão manifestar opiniões
sobre os mais diversos temas que transitam entre
nossa sociedade, informações de um conhecimento
empírico que na maioria das vezes não são
sistematizados e muito menos críticos. No entanto,
quando nos deparamos com professores,
responsáveis pela boa formação e informação
daqueles que logo formarão os pensamentos da
futura sociedade, manifestando opiniões dispersas e
sem qualquer embasamento teórico sobre as reais
condições da propagação da literatura infantojuvenil; acabamos por perceber as dificuldades que
esse profissional tem de assimilar as realidades e
condições que circulam em seu ambiente de
trabalho e/ou o próprio descomprometi mento com a
função de formar um cidadão capaz, leitor, critico e
emancipado das grades da ignorância. O contexto é
outro e novas atitudes precisam ser traçadas como
mostra o excerto:
A movimentação pela formação de leitores no Brasil
identifica uma primeira necessidade: reconhecendose, na atualidade, a importância da instituição escola
como centro de difusão educacional, cultural e
tecnológica, onde deve ocorrer o processo de
formação de dados em informações e de
informações em conhecimento entre professores e
alunos, impõe-se urgentemente a formação de
professores leitores no exercício da docência a partir
de novos parâmetros. (ROSING, 2009, p.129).
Tânia Rosing afirma no trecho supracitado a
necessidade de o professor agregar em sua vida
mais uma atividade que na verdade já deveria fazer
parte de seu cotidiano, a um bom tempo. Ou seja, a
importância do educador ir alem dos limites da sala
de aula e configurar-se como um leitor competente,
integrado e conhecedor da capacidade de envolver o
aluno que recai sobre sua função; assim
capacitando-se para dialogar com competência
sobre as diversas obras que fazem parte de sua
fortuna literária.
Experiências de leitura que provavelmente formarão
junto com o entusiasmo do professor e sua vontade
de romper barreiras um mecanismo eficiente contra
a atual situação em que se encontra a escola e os
jovens, esses sem interesse algum pelo
conhecimento literário, muito provavelmente
135
originado pelas maneiras arcaicas e pouco
interessantes em que à literatura e suas obras são
apresentadas em sala de aula.
A criança, o jovem, enfim, o aluno precisa ser
cativado, ser conquistado, direcionado para o
caminho da leitura, se a pessoa se sente pouco à
vontade em
agregar com competência a importância de
apropriar-se do titulo de professor-leitor; e dessa
forma conseguir despertar a criança para leitura e
conseguir desenvolver esse gosto e crescimento
intelectual por toda sua carreira escolar. Zilberman
(2009) já afirmava que a crise da leitura é
igualmente uma crise da escola, e vice-versa.
3- O Livro ao alcance do leitor
aventurar-se na cultura letrada devido à sua origem
social, seu distanciamento dos lugares do saber, a
dimensão do encontro com um mediador, das
trocas, das palavras “verdadeiras”, é essencial.
(PETIT, 2008). Muito provavelmente o ato de
despertar para o mundo da leitura, do conhecimento
acontece por meio de certo amor, de uma admiração
resultante do contato com uma bibliotecária,
professor, pai, mãe, amigo que independente do
grau de aproximação mostra-se como um cidadão
comprometido com o conhecimento letrado e
demonstra sua satisfação de tal forma que acaba
contagiando muitos daqueles que o cercam. Como
evidencia o relado da jovem Bopha em pesquisa
realizada por Michele Petit.
Lembro-me muito bem como foi que tomei gosto
pela leitura: apresentando um livro a meus colegas
de classe (tinha uns onze anos). Escolhi Ratos e
homens, de Steinbeck. Era a historia de um
retardado mental, a historia da amizade entre dois
homens. Esse livro me marcou muito, e a partir dele
comecei realmente a ler outras coisas, a ler livros
sem figuras, a ler autores. Comecei a freqüentar
bibliotecas, acompanhando minha irmã, para ver
livros, folhear, olhar. (PETIT, 2008, p. 154).
A criança, o jovem precisa estar em contato com o
livro, com as revistas, enfim, com todo acervo de
leitura possível e realizar ação desde um simples
folhear páginas até as leituras, mas intensas. No
entanto, acaba sendo na escola que o leitor deixa de
ler ou não desenvolve suas leituras. Nas páginas
seguintes essa pesquisadora francesa Michele Petit
mostra que a jovem bopha que aos onze anos
despertou para leitura quando entrou para o ensino
médio devido o acumulo de atividades, de matérias
e a obrigatoriedade de leitura de algumas obras que
exigiam maior poder de compreensão ela acaba
distanciando-se do prazer de ler. Essa informação
remonta sobre a necessidade de desenvolver uma
urgente reformulação no sistema de ensino nas
escolas e também a adesão do professor em
Mais adiante retomaremos a questão de mediação
de leitura, afim de, apresentar maneiras de
desenvolver essa prática. Agora outro fator que
aparece como grande problema para disseminação
da leitura é o acesso que as crianças tem aos
materiais, não somente o livro em sua forma
tradicional, mas também, as mais novas e modernas
tecnologias de acesso à leitura como: Quadrinhos,
hqs, dvds, internet, televisão entre outros.
É, contudo, pois, que Regina Zilberman, afirma que
o livro didático exclui a interpretação e, com isso,
exila o leitor [...] Consequentemente, a proposta de
que a leitura seja enfatizada na sala de aula significa
o resgate de sua função primordial, buscando,
sobretudo a recuperação do contato do aluno com a
obra de ficção. O estudo de trechos de obras
literárias, o uso da literatura para conhecer a sintaxe,
como realiza a maioria os livros didáticos, pouco
oferecem para o desenvolvimento da leitura.
Limitando-se a atividades de cunho estritamente
pragmático. O contato com o livro, em sua
integridade, deve ser constante, as estimulações por
meio das imagens, a criação de histórias, as
comparações com a realidade, à leitura da obra pelo
professor, juntamente com o ato de folhear e
manusear o livro que conseguirão despertar a
curiosidade e instigar o estudante a disseminar o
gosto pela leitura. É de suma importância o contato
com o objeto, com a obra de ficção, essas devem
estar a todo o momento ao alcance dos pequenos
leitores, para que assim consigam busca-las sempre
que desejarem e acabem como afirma o trecho
abaixo realizando uma descoberta:
Com efeito, o recurso à literatura pode desencadear
com eficiência um novo pacto entre estudantes e o
texto, assim como entre aluno e professor. No
primeiro caso, trata-se de estimular uma vivência
singular com a obra, visando ao enriquecimento
pessoal do leitor, sem finalidades precípuas ou
cobranças ulteriores. Já que a leitura é
136
necessariamente uma descoberta de mundo.
(ZILBERMAN, 2009, p.36).
criatividade, do raciocínio lógico e, principalmente,
para a criação do hábito da leitura entre as crianças.
A constante aproximação dos alunos com a obra
literária como antes evidenciado é imprescindível,
mas, se faz necessário nesse novo contexto, de
constantes descobertas tecnológicas, da televisão,
da internet, em que esta envolvida a escola e a
educação apresentar para os alunos as outras
ferramentas que hoje facilitam o acesso ao mundo
da leitura. Ferramentas essas que muitas vezes
proporcionam um envolvimento mais rápido e
cativante para os pequenos em processo de
apropriação da leitura.
A preocupação dos editores da programação do
Mundo da Leitura mostra como essa mídia, a
televisão, pode ser extremamente relevante no
processo de formação e acesso á leitura dos
estudantes. Somente se faz necessário à habilidade
do professor em escolher as obras, os programas,
as atividades que realmente poderão proporcionar o
enriquecimento das aulas e do prazer em conhecer
a literatura. Da mesma forma pode o educador
utilizar-se das inúmeras páginas na internet que
fazem referências as obras infantis, ao despertar da
curiosidade, trabalhando as imagens em conjunto
com o texto escrito. Transitar pelos quadrinhos,
pelas hqs, que por suas diversas cores e formatos
despertam intensa curiosidade dos alunos. Ou seja,
os materiais disponíveis para facilitar a compreensão
da literatura e desenvolver o gosto pela leitura são
os mais variados, mas, relembramos a necessidade
de estarem absolutamente ao alcance dos alunos,
devem fazer parte de seu dia-a-dia na escola e
principalmente da mediação realizada pelo professor
entre esses materiais e os jovens leitores.
Um grande exemplo dentre as novas mídias que
cativam de forma gigantesca os jovens, crianças e o
público de forma geral é a televisão, que acaba
sendo duramente criticada pela pedagogia devido à
qualidade de sua programação e seu poder de
deformação de caráter, no entanto, assistir televisão
é um grande hábito da sociedade contemporânea. E
existem programas diversos que o educador pode
levar para sala de aula e juntamente com o livro
desenvolver um trabalho pedagógico de ensinoaprendizagem altamente produtivo.
Ocupar um espaço na televisão com um programa
educativo infantil também despertou, na equipe
responsável pelo Mundo da Leitura (*), o cuidado de
não reduplicar e reforçar a cultura de massas, tão
fortemente
enraizada
nessa
mídia.
Em
contraposição a isso, elegeu-se como foco do
programa a difusão das produções literárias e
artísticas provenientes da cultura erudita e da cultura
individual criadora e dos conhecimentos gerados
pelas ciências modernas; por outro lado, buscou-se
resgatar as manifestações da cultura popular,
depositária da sabedoria secular do povo iletrado.
(BECKER, 2009, p.261).
(*) Mundo da Leitura é um programa de TV
produzido pela Universidade de Passo Fundo e
exibido nacionalmente no Canal Futura. As
aventuras de Gali-Leu e sua turma são elaboradas
por uma equipe interdisciplinar que envolve os
cursos de Letras, Artes e Comunicação , Educação,
Ciências Exatas, e a UPFTV. De forma lúdica e
dinâmica, as diversas linguagens apresentadas manipulação de bonecos, leitura e encenação de
textos infantis, artes gráficas, música, entre outros servem de incentivo para o desenvolvimento da
4- Transmitir literatura com amor: Formação de
Mediadores de leitura
A escritora Michele Petit em seu livro, Os Jovens e a
Leitura – Uma nova perspectiva, afirma que o
mediador, ou no termo utilizado pela autora, o
iniciador aos livros, é aquele que pode legitimar o
desejo de ler. Que ajuda a ultrapassar os umbrais
em diferentes momentos, que acompanha o leitor no
momento difícil de escolher o livro, aquele que
possibilita fazer descobertas por meio de seus
conselhos sem pender para uma mediação
pedagógica. Ë evidente a importância da atuação
continua do mediador, entusiástica, mantendo-se de
forma persistente ao lado desse jovem que começa
a desenvolver o prazer pela leitura.
No entanto, não é esse profissional que
encontramos na grande maioria das escolas
brasileiras, é comum encontrar educadores voltados
às reclamações sobre má remuneração, carga
excessiva de aulas, indisciplina dos alunos, e
bitolados as mais arcaicas formas de promover o
encontro com o conhecimento. Em sua grande
maioria, e não falo somente do professor de língua
portuguesa, mas também de matemática. Física,
137
geografia, história, química, biologia, entre outras,
que não se configuram como leitores assíduos, em
que parece terem abandonado o hábito da leitura
juntamente com o final de suas graduações. O
professor independente da disciplina que leciona
precisa posicionar-se como um cidadão literalmente
emancipado em termos de leitura, e todos os tipos
de leitura como diz Celso Sisto:
Para se chegar a reconhecer um bom livro, é preciso
ter lido maus livros! É preciso ter lido livros mais ou
menos. É preciso ter descoberto bons livros. É
preciso estar atento ao que esta aí no mercado,
freqüentar livrarias, mexer nos livros, fuçar nas
estantes das bibliotecas. Seja qual for à experiência
de escolha dos livros (a táctil não deveria estar
descartada, como em algumas bibliotecas!), o
histórico das leituras esta lá, latente, guardado (e
grudado!) no leitor, e se põe em movimento cada
vez que se começa a ler um livro. (SISTO, 2009,
p.123).
É, contudo, pois, ainda utilizando-se dos
apontamentos de Sisto que se o leitor alcança o
estágio de leitor crítico, ele não deixara, ou seja, não
é possível voltar atrás, abandonar a leitura e
esquecer sua fortuna literária, mas lembra, existe
apenas um caminho para atingir esse ideário, lendo!
Reflexões dessa magnitude nos levam a imaginar
que os educadores que compõe o quadro de
trabalho das escolas de hoje, como não
desenvolvem o hábito da leitura e apresentam
enorme dificuldade em indicar as obras aos alunos;
encaminhá-los por um caminho interessante,
recheado de descobertas, de reconhecimento de si e
do mundo que o cerca, evidencia que esse
profissional nunca chegou a se tornar um leitor.
Procuramos demonstrar a necessidade do educador
se converter em uma pessoa leitora, em um cidadão
leitor e principalmente em professor leitor. E para
atingir esse objetivo considera-se prioritário atentar
as seguintes questões:
a) Criar o hábito da leitura diária.
b) Desenvolver o letramento necessário para a
leitura das diversas fontes existentes na
contemporaneidade.
c) Conhecer as novidades em autores e obras da
literatura.
d) Participar de encontros de leitura, mesas redonda,
congressos, seminários, entre outros.
e) Trocar experiências e apontamentos com os
professores das outras áreas do conhecimento.
f) Favorecer a interatividade entre as matérias.
g) Proporcionar o desenvolvimento de uma
biblioteca pessoal
h) Ser freqüentador assíduo de bibliotecas, livrarias
e revistarias.
Permitindo-se participar dessa grade de
recomendações muito provavelmente o professor
alcançara um ritimo de trabalho e de leitura capaz de
contagiar inúmeras almas que estão lá nas salas de
aulas esperando um mediador, um contador de
histórias, alguém que desenvolva um caminho
perspicaz em direção a construção do cidadão
emancipado, dono de suas ideologias, recheado de
argumentos, e que chegara a sua vida adulta já
consolidado como um leitor crítico e com uma visão
próxima ao que vislumbra Teresa Colomer:
Como quem aprende andar pela selva notando as
pistas e sinais que lhe permitirão sobreviver,
aprender a ler literatura dá oportunidade de se
sensibilizar os indícios da linguagem, de converterse em alguém que não permanece à mercê do
discurso alheio, alguém capaz de analisar e julgar,
por exemplo, o que se diz na televisão ou perceber
as estratégias de persuasão ocultas em um anúncio.
[...] se alude isso com a aquisição de uma
capacidade crítica de “desmascaramento” da
mentira, um meio para não cair nas armadilhas
discursivas da sociedade.(COLOMER, 2007, p. 71).
Esse é o ideal de mediador de leitura que carece
nosso Brasil, capaz de reconhecer as grandes
estratégias discursivas nos mais diversos meios de
comunicação, por isso a importância do letramento,
e dessa forma conseguir encantar os estudantes que
à medida que conseguem reconhecer a eles
próprios entendem a complexidade do contexto
social ao qual estão inseridos.
É evidente que o governo poderia propiciar inúmeros
projetos para formação de mediadores de leitura,
afim de que, os professores conseguissem alcançar
138
os níveis de conhecimento e habilidades até aqui
comentados, no entanto, esse capitulo priorizou
demonstrar como o educador pode por uma atitude
sua, independente tornar-se um mediador
competente e, quem sabe, contaminar com sua
energia e entusiasmo aqueles que o cercam, e
provavelmente quando o sistema político de nosso
país acordar para a necessidade de embalar com
mais dedicação à leitura e educação, esse mediador
já estará preparado para aplicar com gigante
eficiência o trabalho de formar leitores, uma vez que
já é um professor-leitor, um mediador de leitura.
5- Como e o que explorar no livro
A necessidade de saber “mais” para entender
“melhor” é algo próprio a qualquer processo de
compreensão, inclusive, é claro, a leitura. No
entanto, para crianças menores, o livro se cria em
suas mãos. (COLOMER, 2007). É uma afirmação
interessante para começarmos a desenvolver
reflexões sobre como apresentar e o que explorar
nos livros de literatura infanto-juvenil. Como já
mencionado no inicio deste trabalho o contato com
livro e as outras formas de leitura, o ato de
manusear, folhear é imprescindível, a criança
precisa desenvolver gradativamente o gosto por
esse conhecimento. Inicialmente o reconhecimento
das imagens, daquilo que ela possa relacionar com
o seu mundo, para depois integrar imagem e texto e
futuramente preocupar-se com o nome do autor,
características,
estilo,
crítica
e
demais
especificidades, ou seja, a criança precisa despertar
o interesse em saber essas questões, que no
momento certo são apresentadas pelo mediador.
Certamente além do contato imediato do aluno com
a obra de ficção a contação de histórias, a leitura em
voz alta pelo mediador de poemas que vislumbrem
situações possíveis de serem reconhecidas pelos
pequenos leitores despertam a vontade de continuar
escutando e muitas vezes de compartilhas histórias,
vejamos um exemplo:
Este pequeno mundo
Sei que o mundo é mais que a casa,
Mais que a rua, mais que a escola,
Mais que a mãe e mais que o pai.
Vão alem do horizonte,
Que eu desenho no caderno
Como linha reta e preta,
Que separa o azul do verde.
Sei que é muito, sei que é grande,
Sei que é cheio, sei que é vasto.
Me disseram que é uma bola
Que flutua pelo espaço,
Atirada pelo chute
De um gigante poderoso;
Vai direto para um gol
Que ninguém sabe onde é.
Mas para mim o que mais conta
É este mundo que eu conheço
E que cabe direitinho
Bem debaixo do meu pé!
(BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São
Paulo: Moderna, 2002. )
A riqueza da linguagem literária deve aqui ser
ressaltada pelo mediador, fazer o aluno perceber as
dessemelhanças entre as falas do cotidiano e
apreciar o enriquecimento que a linguagem
elaborada acarreta ao texto. Sem necessidade de
trabalhar com os clássicos da literatura inicialmente,
pois existem inúmeras formas de textos modernos
que podem suprir essa necessidade inicial.
(ROSING, 2009).
Cada verso do poema de Pedro Bandeira pode ser
transfigurado e transformado pelas crianças, no
entanto,
exige
do
professor
um
real
comprometimento com o conhecimento, que de ser
literalmente dominado, estar integrado com as novas
formas de leitura e principalmente comas novas
tecnologias que permitem uma interação mais rápida
e instigante para os alunos. Essa ampliação dos
mecanismos que pode o professor estar utilizando
em sala de aula proporciona uma efetiva elaboração
de encontros realmente produtivos e, voltados ao
comprometimento do texto literário não mais de
forma aleatória e sim a utilização do texto integral.
Após ler o poema e analisar com os alunos, sob a
orientação do professor, pode esse propor a fim de
evidenciar o gosto pelo texto, um pequeno
questionário de forma oral mesmo, simplesmente
envolvendo todos em uma brincadeira de
compreensão utilizando-se das seguintes questões:
a) Como é o mundo que vocês imaginam?
139
b) Ele é maior que a escola e a casa mesmo?
c) Que coisas fazem parte do mudo?
d) O mundo é igual a uma bola?
e) O que tem debaixo de seu pé?
Ao responderem questionamentos como estes, o
aluno aciona seus referentes culturais e seu
conhecimento de mundo, que passa a ser
compartilhado com os demais colegas e o professor,
o qual facilita o processo de compreensão
realizando pontes entre o mundo cotidiano e o
mundo figurado apresentado pelo poema. Gerando
uma atmosfera extremamente interessante para
aluno, em que ele conseguira desenvolver
habilidades para interar-se com os demais texto que
possa encontrar, muitos desses que logicamente
serão apresentados pelo professor.
6- Considerações finais
Um bom livro é aquele que agrada, não importando
se foi escrito para crianças ou adultos, homens ou
mulheres, brasileiros ou estrangeiros. E ao livro que
agrada se costuma voltar, lendo-o de novo, no todo
ou em parte, retornando de preferência àqueles
trechos que provocaram prazer particular."
(ZILBERMAN, 2005). Essa definição ressalta a
importância da boa formação do mediador de leitura,
pois é através de suas indicações que o aluno vai
encmainhar-se para o processo de desenvolver o
gosto pela leitura. Conseguir reconhecer a riqueza
de linguagem que oferece o texto literário.
Enquanto um texto didático procura uma
convergência, todos os leitores chegando a uma
mesma resposta, apontando para um único ponto, o
texto literário procura a divergência. Quanto mais
diversificadas as considerações, quanto mais
individuais as emoções, mais rico se torna o texto.
Digo sempre que o livro é um objeto, e o leitor um
sujeito. (QUEIRÓS, 2005, p.171).
Sendo assim o leitor assume o papel de pronunciar
sua percepção sobre o que encontrou por meio da
leitura, ou seja, não é o que o texto quis dizer e sim
aquilo que o leitor, emancipado e crítico, percebeu,
conseguiu captar, e dessa forma pode utilizar esse
conhecimento apreendido para melhorar e/ou
ampliar sua organização intelectual a respeito do
contingente social que o cerca.
A formação desse futuro leitor certamente enfrente
um contexto de enormes contradições e desafios,
em meio a tecnologias e resistências do passado,
mas cabe principalmente ao professor conscientizarse como um cidadão leitor e inserido no mundo
literário apresentar as portas do saber e da viagem
maravilhosa que representa a leitura na vida de
todos.
Referências bibliográficas
BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo:
Moderna, 2002.
COLOMER, Teresa. Andar entre Livros. A leitura literária na
escola. 1. ed. São Paulo: Ed. Global, 2009.
PETIT, Michele. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva.
São Paulo: Editora 34, 2008.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Leitura, um diálogo
subjetivo. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil?:
com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ROSING, Tânia M.K. Do currículo por disciplina à era da
educação – cultura-tecnologia sintonizadas: processo de
formação de mediadores de leitura. In: Mediação de Leitura –
discussões e alternativas para a formação de leitores. São
Paulo: Global, 2009.
SISTO, Celso. A pretexto de se escrever, publicar e ler bons
textos. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil?
Com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ZILBERMAN, Regina. A leitura na escola. In: ROSING, M.K. e
ZILBERMAN, Regina (Org.). Escola e Leitura: velha crise,
novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil
brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
–––––––––––––––
Sobre as autoras
Jandi Fabian Barbosa, Mestrando em Letras –
Concentração em Estudos Literários – Universidade
de Passo Fundo – UPF – [email protected]
Tania M. K. Rosing, Graduada em Letras (UPF,
1969) e Pedagogia (UPF, 1977), Mestre em Teoria
Literária (PUCRS, 1987), Doutora em Teoria da
Literatura (PUCRS, 1994). Professora do PPGL e do
Curso de Letras, atua na linha de pesquisa “Leitura e
formação do leitor”.
Fonte:
II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino
e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010 - UNIOESTE - Cascavel / PR
140
Lendas Indígenas
O Guaraná
Vênus e Sirius
O GUARANÁ
O guaraná para o homem civilizado significa apenas
uma simples bebida. Muitos o chamam até de bokemoko. Mas para os índios do vale dos rios Andirá e
Maués (AM), tinha valor de um precioso tesouro.
Servia de alimento e remédio. Como o bago do
guaraná é parecido com o olho humano, surgiu a
lenda que correu de boca em boca por toda a região
amazônica.
Outrora, vivia na selva um casal de índios muito
estimado pela tribo. Apesar da felicidade que o unia,
faltava-lhe um filho para ser completamente feliz.
Tupã (Deus supremo) com pena, deu ao casal um
menino que logo passou a ser adorado pelos
indígenas.
Um dia, Jurupari, o invejoso gênio do mal, ao ver o
indiozinho brincando com os animais, ficou furioso,
transformando-se numa grande cobra. Os animais,
quando o notaram, fugiram apavorados. O garoto
continuou na floresta sem perceber a presença do
invisível Jurupari que mordeu o menino, matando-o
imediatamente.
A tribo ficou aos prantos. De repente, um raio
interrompeu as lágrimas. Em seguida, fez-se
silêncio. Só a mãe do pequeno entendera o sinal:
— Tupã deseja que plantemos os olhos do meu
filho. Deles brotarão uma planta milagrosa que dará
muitos frutos e nos farão felizes para sempre!
Os índios enterraram os olhos da criança. Pouco
depois, surgia o guaraná. Guará, na língua indígena
significa o que tem vida, gente; e ná, igual,
semelhante. A palavra guaraná, assim traduzida,
quer dizer bagos iguais a olho de gente.
Fenômenos da natureza sempre atraíram a atenção
dos indígenas que procuraram dar, a seu modo, as
mais diversas interpretações, surgindo, assim,
inúmeras lendas.
Os índios Cauaiua-Parintins, do Vale do Rio
Madeira, contam uma história ingênua sobre o
aparecimento da noite, mostrando o alto grau
imaginativo do silvícola brasileiro.
Um velho querendo dormir perguntou à coruja:
— Como é que a gente dorme?
A coruja respondeu-lhe que só ela conhecia a noite
e se ele a quisesse teria de arranjar-lhe milho preto.
O velho trouxe o milho preto, colocou-o numa
cabaça e levou à coruja.
Esta, ao recebê-la, tratou de tapar a boca da vasilha
com barro e cantou:
Nós andamos a noite toda, caçando
E de dia dormimos
Tu já viste coruja de dia?
Mas tu dormirás durante a noite
Acordarás de madrugada
E trabalharás todo o dia.
Quando acabou de cantar a cabaça partiu e a noite
apareceu.
Cinco Cauaiua-Parintins foram viajar por terras
desconhecidas. Iam munidos de arco e flechas, um
atrás do outro.
Ao chegarem à beira de um lago, pararam para
descansar. Um deles resolveu separar-se do grupo
para ver como era a noite. Armou a rede e dormiu
profundamente. No dia seguinte, os companheiros
foram chamá-lo e lá estava ele morto no fundo da
rede.
Os companheiros falaram:
— Bem feito. E continuaram a viagem.
141
Mais adiante viram uma árvore alta e ouviram vozes
de mulheres banhando-se no porto e o toque-toque
de pica-pau, mordendo o tronco de uma árvore.
No dia seguinte, bem cedo, o companheiro foi
chamar o amigo, encontrando-o morto. Então, voltou
sozinho para sua maloca.
Um dos companheiros disse:
Para esses índios, os curiosos deveriam morrer.
— Ninguém deve espiar as mulheres e os pica-paus.
Vamos de cabeça baixa, em fila.
VÊNUS E SIRIUS
Um deles quis espiar o pica-pau e as mulheres. Os
outros continuaram andando. De repente, a árvore
grande caiu em cima do curioso.
Os companheiros ouviram os gritos, entendendo o
que acontecera.
Havia três irmãos: dois solteiros e um casado,
contam os índios makuchys, do território de Rio
Branco, atual Roraima. Daqueles dois, um era feio e
o outro, bonito. O casado e o bonito não gostavam
do feio, sendo que o segundo procurava a todo
custo matar o irmão feio. Em determinada ocasião,
aguçou um pau, apontou-o bem e depois de
preparar um plano, chamou o feio.
— Bem feito, comentaram.
E continuaram a viagem. Mais à frente, ouviram o
inhambu cantar. Um deles falou:
— Meu mano, vamos apanhar urucu (substância de
tinta) para pintar nosso corpo?
— Vamos, respondeu o outro.
— Ninguém deve espiar o inhambu cantar.
Eles foram ao urucueiro e o bonito falou:
O homem foi espiar e acabou ficando doido. Andava
desnorteado de um lado para o outro até que
morreu. O corpo dele ficou seco e de baixo da pele
lhe saía um pó esbranquiçado, como o que tem a
pele do inhambu.
— Sobe para apanhar urucu para nós.
O feio subiu e o irmão matou-o com o pau. Cortou as
pernas, deixou o cadáver e foi embora.
— Bem feito, concluíram os outros.
Logo depois chegava a cunhada.
A essa altura só havia dois Cauaiua-Parintins. Eles
andavam sem parar, durante todo o dia.
— Como estás, meu cunhado?
— Como hei de estar? Bem.
À tardinha um disse:
— Como está o outro meu cunhado?
Vamos buscar bastante lenha para fazer uma boa
fogueira para espantar os bichos que este lugar
deve ter. Foram para o mato. Mas apenas um trouxe
paus para a fogueira. O outro só apanhou ramos e
gravetos. Não queria fogueira grande porque fazia
muito calor e ele queria ver como eram os morcegos
do local.
O outro deitou-se sozinho, bem perto de uma grande
fogueira.
Mais tarde vieram muitos morcegos-grandes.
Apagaram o fogo e chuparam o sangue do pescoço
do curioso.
— Está lá fora, passeando.
— Ah! Pode ser.
A cunhada indo passear atrás da casa, achou o
corpo com as pernas cortadas e separadas.
Em seguida, apareceu o irmão bonito.
— Para que me servem estas pernas cortadas?
Para nada. Agora só estão boas para os peixes
comerem.
O irmão pegou as pernas e as colocou no rio. Elas
viraram surubim (peixe). O corpo ficou na terra, mas
142
a alma subiu ao céu. Chegando lá transformou-se
em estrela. O corpo ficou no centro e as pernas
postas uma de cada lado. O irmão assassino, por
sua vez, transformou-se na estrela Caiuanon
(Vênus) e o irmão casa na estrela Itenha (Sírius).
Ficaram os dois fronteiros ao irmão morto por
castigo, a fim de serem obrigados a olharem sempre
o irmão.
A velha estava sempre aborrecida, pedindo ao
sobrinho cada vez mais lenha. Um dia o rapaz
trouxe muita muirapiranga (madeira parecida com o
pau-brasil) e para acabar com aquele trabalho pediu
a tia que o deixasse beber todo o urucu.
A velha pensando que ele morreria disse:
— Bebe, bebe logo.
Assim nasceu Vênus e Sírius.
SOL
Segundo os índios Tucuna e Uitoto (AM),
antigamente havia um moço forte e bonito naquela
região. Sua tia preparava o urucu para pintar os
tucunas nos dias de festa de Moça-Nova.
O sobrinho partia a lenha para a fogueira, onde a
velha punha a panela para ferver urucu.
O rapaz bebeu e foi ficando vermelho como o urucu
e a muirapiranga. Depois subiu ao céu, meteu-se
entre as nuvens, transformando-se no Sol, o índio
vermelho.
Fonte:
Quatro séculos de lendas. Revista Petrobras, Rio de Janeiro,
setembro/outubro de 1972.
Disponível em Jangada Brasil. Revista Almanaque. Abril 2010 - Ano
XII - nº 135.
Fernando Sabino
A mulher vestida
Eu estava num centro comercial de Copacabana e
era sábado, pouco depois do meio-dia. Às tantas,
comecei a ouvir uma martelação de ensurdecer. O
dono de uma lojinha de sapatos para senhoras
chegou-se à porta, assustado:
- O professor levou - respondeu a voz.
- Que será isso?
- Espere que eu vou buscar o zelador- arrematou o
homem, solícito.
E saiu pelo corredor a investigar. Caminhávamos na
mesma direção e logo descobrimos que o ruído
vinha de uma sala fechada, um curso de ginástica.
Batiam desesperadamente na porta, lá dentro - com
um haltere, no mínimo.
- Que professor?
- O professor de ginástica.
E se voltou para mim :
- O senhor podia fazer o favor de procurar o zelador
para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha
loja sem ninguém.
- Que está acontecendo? - o sapateiro gritou do lado
de cá.
Não tive outro jeito senão sair à procura do zelador.
Uma voz chorosa de mulher explicou que a porta
estava trancada, que ela não podia sair.
Era delicado e solícito, mas infelizmente não podia
fazer nada: não tinha a chave da sala.
- Quede a chave? - berrou o homem.
Voltei ao corredor, vencendo a tentação de cair fora
de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A
143
bateção recomeçara, ela parecia disposta a botar a
porta abaixo:
- Abre essa porta! Pelo amor de Deus!
- Calma, minha senhora - berrei do lado de cá: Vamos ver se a gente dá um jeito.
No corredor ia-se juntando gente, e várias sugestões
eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar
o Corpo de Bombeiros, retirá-la pela janela.
Não havendo mais nada a fazer, resolvi tomar o
caminho de casa - mas a curiosidade me arrastou
mais uma vez até ao centro comercial.
O interesse conquistara todo o andar, espalhava-se
aos demais, ganhava a rua : gente se acotovelava
diante do prédio, agora era uma multidão de verdade
que acompanhava os acontecimentos :
- Por que não arrombam a porta de uma vez?
- Deve ser uma mulher forte.
- O que a mulher está fazendo lá dentro?
- Eu se fosse ela aproveitava e quebrava tudo lá
dentro.
- Dizem que ela está nua.
Pensei em transferir a alguém mais a tarefa que o
sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que
parecesse disposto a aceitar a responsabilidade:
todos se limitavam a fazer comentários jocosos,
estavam é se divertindo com o incidente. De súbito
me ocorreu perguntar à mulher o número de telefone
do professor. Foi um custo fazê-la cantar de lá a
resposta, algarismo por algarismo.
Saí para a rua à procura de um telefone - tive de
andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde
fiquei aguardando na fila. Chegou afinal a minha
vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente
filha do professor. Que ainda não havia chegado em
casa, pelo que pude entender:
- Escuta, meu benzinho, diga para o papai que tem
uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está
me entendendo? Repete comigo : uma mulher
trancada...
A palavra mágica correu logo entre a multidão : nua,
uma mulher nua! E cada vez juntava mais gente,
ameaçando interromper o tráfego :
- Mulher nua! Mulher nua! - gritavam os moleques.
Dois soldados da polícia militar, passaram correndo,
cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A
multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar
decidido pedia licença e ia entrando pelo centro
comercial adentro, como quem vai resolver o
problema. Devia ser algum comissário de polícia.
Era o professor, que comparecia com a chave. Em
pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a
mulher saiu, ressabiada - completamente vestida.
Era baixinha e meia gorda, estava mesmo
precisando de ginástica.
Fonte:
SABINO, Fernando, Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.
Carlos Drummond de
Andrade
Poema das Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
144
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu
coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Análise do Poema das Sete Faces
Publicado em seu primeiro livro, Alguma poesia, de
1930, no Poema de sete faces, de Carlos
Drummond de Andrade, o poeta retoma a passagem
bíblica referente à morte de Cristo. Ele fala de vários
assuntos: da infância, do desejo sexual desenfreado
dos homens, questiona sobre o seu próprio eu e faz
uma cobrança a Deus. Ele mostra de modo
metafórico uma só realidade, a sua visão
desesperançada diante do mundo. Ele se via
injustiçado diante do mundo e do abandono de
Deus, firmando com isso a fala do anjo: “vai ser
gauche na vida”.
As “setes faces” do título são trabalhadas nas sete
estrofes que compõem esse primeiro texto, que
pode ser lido como um perfil autobiográfico do poeta,
como indicia o uso do próprio nome no verso 3. Ou
seja, trata do indivíduo desajustado, gauche (palavra
em francês; lê-se 'gôx'), em desacerto com o mundo.
O EU em conflito com o mundo. No poema são
apresentados tanto seu discurso quanto sua gênese,
numa estrutura marcada pela ambivalência: a cada
estrofe intercalam-se harmonia e desarmonia, ainda
que a linguagem pretenda-se impessoal e casual. O
tom do poema é o do observador e sua poética nos
é apresentada como a do incomunicável.
Nas sete estrofes do poema exibem as sete faces da
poesia de Drummond, nos tons e nos temas: a
conversa quase prosa, a fala, o ritmo exato, a prece,
o retrato falado, a caricatura, o humor, a oralidade. E
o indivisível indivíduo que se multiplica fraco e forte,
tímido e “voyeur”, irônico e solidário, confidente e
mineiramente arredio. Não por acaso, o poema foi
escrito no dia de natal, em 1928, o que pode explicar
o anjo embora torto e a invocação bíblica da 5ª
estrofe. Algumas dessas sete faces podem ser
facilmente reconhecidas ao longo de sua obra.
O poeta se via como “gauche”, “torto”, “canhestro”,
em face de si e do mundo, ele não consegue se
situar em um contexto social. O seu referencial é o
seu próprio eu insatisfeito, buscando, desejando,
retraindo-se. Por isso ele cobra: “Meu Deus, por que
me abandonaste/ se sabias que não era Deus/ se
sabias que era fraco”. Ele é esquecido por Deus e
termina o poema “comovido como o Diabo”, depois
de beber e de relembrar sua triste realidade. No
entanto, antes de finalizar ele afirma que apesar de
se chamar Raimundo que significa: “protetor,
poderoso, sábio, indica uma pessoa que tende a se
isolar, pois é muito rigorosa consigo mesma e
supervaloriza as virtudes dos outros. Mas, quando
se conscientiza da sua própria importância, torna-se
capaz de dar apoio e conselhos valiosos a todo
mundo”, só serviria para rimar com o mundo, não
para solucionar seu problemas.
Dá para entrever Drummond, no que se refere ao
momento histórico em que se situa o Poema de Sete
Faces, como um poeta conflituado com o mundo,
buscando na própria dialética existencial a
explicação do sem-sentido da vida. Seu drama
começa ao ser lançado nos adversidades do mundo
sob as ordens de um “anjo torto”: anjo que
representa as desarmonias entre o poeta gauche e o
mundo. Para o gauche visualista, o mundo é um
espetáculo que passa, assim como o bonde citado
no poema, à revelia de qualquer indagação ou
explicação. Na oscilação entre o real e o irreal, na
busca entre essência e aparência é que a cena se
movimenta.
O poeta gauche é um contemplador orgulhoso que
se considera maior que o mundo num mesmo
momento em que se vê quebrantado pela realidade,
145
pelo dualismo do Eu menor que o Mundo, sente-se
fraco e não vacila em apelar: “Meu Deus, porque me
abandonaste”.
Fontes:
http://www.passeiweb.com/
ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. 1930.
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 104
Uma Trova Nacional
Vida – viagem sem pressa
por estradas desiguais
– sabemos onde começa,
mas, quando acaba... jamais!
(CAROLINA RAMOS/SP)
Uma Trova Potiguar
A saudade é a tortura,
que amofina muitas vidas,
escravas das desventuras,
de algumas paixões perdidas.
(PEDRO GRILO/RN)
Uma Trova Premiada
2009 > Belo Horizonte/MG
Tema > DESPREZO > Vencedora
Desprezo eu senti de fato
ao ver em seus escaninhos
“aquele” nosso retrato
rasgado em mil pedacinhos.
(OLYMPIO COUTINHO/MG)
Simplesmente Poesia
DÉCIMA- (REDONDILHA MENOR)
É nossa missão
Fazer o reparte
Zelar nossa arte
Pensar no irmão
Agir com razão
Frear a ruptura
Da forte censura
Soltar as algemas
Vencer os problemas
Saudar a cultura.
(DJALMA MOTA/RN)
Uma Trova de Ademar
Descobri no envelhecer,
em meus momentos tristonhos,
que eu não tive, em meu viver,
nada mais além de sonhos!...
(ADEMAR MACEDO/RN)
...E Suas Trovas Ficaram
.
Meu túmulo, belo ou feio,
será pequeno, suponho,
para guardar tanto anseio,
para enterrar tanto sonho!
(LUIZ OTÁVIO/RJ)
Estrofe do Dia
O poeta é portador
das grandes mágoas da vida,
seu peito é uma ferida
que nunca se acaba a dor.
Sofre por causa de amor,
menosprezo e fingimento,
desgosto no casamento
e ingratidão de colega;
todo poeta carrega
um fardo de sentimento.
(JOSÉ ZILMAR/PB)
Soneto do Dia
– Rogaciano Leite/PE –
IMPOSSÍVEL.
Tudo findo. Deixaste-me e seguiste
o primeiro que veio ao teu caminho;
146
não pensaste sequer que fiquei triste,
preso à desgraça de viver sozinho!
que eu vá viver contigo novamente,
pois só contigo poderei ter paz!”
Dois longos anos!...Nunca mais me viste!
Foram-se as aves, desmanchou-se o ninho!...
Hoje, me escreves: “Meu viver consiste
na mistura de lágrimas e vinho!”
Eu te perdôo... mas o empecilho é este:
eu amava aquela alma que perdeste...
alma que nunca reconquistarás!...
E me imploras: “Perdoa-me e consente
Fonte:
Ademar Macedo
Enéias Tavares dos Santos
A briga de dois cegos por
causa de uma esmola
Eu volto agora à poesia
com a mente aperfeiçoada
contando mais um gracejo
que o povo dar gargalhada...
uma briga de dois cegos
que eu achei muito engraçada.
Aconteceu em Rio Largo
no estado das Alagoas;
esta cena interessante
vista por muitas pessoas
pois eu só conto o passado
não conto coisas atoas!
De Maceió, em um trem
para Rio Largo rumei
quando saltei na estação
para a feira me encaminhei
e lendo livros para o povo
o dia todo passei.
Lá para as tantas da tarde
a feira já terminado
eu então fechei a mala
e fiquei assim, conversando
olhando o que se passava
e algum transporte esperando.
Nisso passaram dois cegos
um na frente o outro atrás
talvez um guiando o outro
por caprichos naturais
pararam assim adiante
junto à banca dum rapaz.
Imploraram uma esmola
ele calado ficou
eles tornaram a pedir
ele atenção não prestou,
os cegos iam saindo
quando o rapaz lhe falou:
— Esperem mais um pouquinho.
Onde vão nessa jornada?
Botem as mãos para cá
Que a banca está recuada
Tomem para vocês dois
Porém a nenhum deu nada.
Passando-se alguns segundos
um encolheu logo a mão
e disse ao seu companheiro:
— Anda para cá seu João,
se ele te deu foi trocado
me dá logo o meu quinhão.
O outro disse: Tá doido!
Já quer me lubridiar?
ele deu foi a você
Vá cuidar logo em trocar
Tire o seu e de cá o meu
para a gente viajar.
O outro um tanto alterado
logo respondeu: seu João;
ele deu foi pra nós dois
não quero tapeação
o senhor já é um cego
147
além de cego ladrão!
— Ladrão não! gritou o outro
repare bem quem sou eu,
o homem deu a esmola
você foi quem recebeu
agora quer tapear
só para não dá o meu.
Nessa altura os curiosos
Pra perto foram chegando
para ver o resultado;
e os dois cegos se alterando
o rapaz, um ar de riso
fazendo de vez enquando.
Um cego disse: É por isto
que gosto de andar sozinho
tanto que eu tenho rezado
mas meu destino é mesquinho,
só encontro com fantasma
cruzando no meu caminho.
Disse o outro: Essa é que é boa
você sim que é trapaceiro
veja bem que foi você
que encolheu a mão primeiro
então já está bem provado
que recebeu o dinheiro.
Disse o outro: Não senhor
eu só puxei minha mão
porque vi bem que o senhor
tinha melhor condição
de receber, porque estava
mais perto do cidadão!
O outro gritou eufórico:
Eu já sei que estou de azar,
você recebe o dinheiro
agora quer me enganar
ou você me dá o meu
ou o pau vai "trovejar".
— Eu tenho medo de pau?
Diz ele serrando o cenho,
de pau eu não tenho medo
porque pau eu também tenho
hoje aqui vai correr sangue
igualmente a mel de engenho.
Como é que um "cabra" deste
sai pela feira mais eu,
recebe aqui uma esmola
que eu vi quando o rapaz deu,
mete toda no bisaco
e diz que não recebeu!
O outro muito zangado
de raiva estava "cinzento"
Logo levantou o pau
e gritou: ladrão nojento
tome este na cabeça
para não ser avarento.
Perto estava uma mocinha
com uma panela na mão,
olhando a briga dos cegos
com tanta admiração
que chegava até fazer
toda gesticulação.
O cego com toda raiva
quando o cacete baixou
bateu foi a mão na moça
que a panela se quebrou
em mais de vinte pedaços
nisso o povo gargalhou!
A moça logo saiu
correndo pela calçada
foi para casa ligeiro
da feira não levou nada,
ficou com a mão doente
e a panela arrebentada.
Outro cego também
tempo nenhum não perdeu,
levantou logo o bastão
gritando, lá vai o meu...
bateu na testa de um velho
que o sangue logo desceu.
Um gritava: Tome pau
para não ser mais ladrão,
o outro então respondia
aguente lá meu rojão;
nisso rodava o cacete
com toda força da mão.
A meninada gritava
gente pulava e corria,
e os dois cegos danados
fazendo grande arrelia,
148
metendo o pau adoidado
sem saber em quem batia.
para você nunca mais
roubar esmola de cego.
Um menino foi por trás
na calça de um puxou
ele rodou-lhe o cacete,
quando a pancada soou
foi num carro de refresco
todos os litros quebrou.
O rapaz da banca viu
que era grande a confusão
chegou pra perto e gritou:
Epa, assim de faca não!
Eles soltaram os dois paus
correram sem direção.
Os dois cegos enraivados
não escutavam razão,
metia o pau um no outro
como quem tinha visão,
porém sem enxergar nada
toda pancada era em vão.
Porém é que nessa altura
um cidadão educado
foi correndo ao distrito
e deu parte ao delegado
ele veio a toda pressa
trazendo mais um soldado.
Uma mulher foi pra perto
pra ver os cegos brigando,
foi na hora que um deles
o cacete ia baixando
bateu-lhe no pé do ouvido
que ela caiu espumando.
O delegado chegou
no local da confusão
perguntou logo: quem foi
o autor desta questão
mostraram logo o rapaz
um sujeito brincalhão.
Com dez minutos de luta
já tinha banca virada
miudezas pelo chão
lona de corda rasgada
mangalho por toda parte
peça de barro quebrada.
O delegado o prendeu
ele saiu escoltado
e lá dentro do distrito
levou de bolo um bocado
depois indenizou tudo
que os cegos tinham quebrado.
Um cego dizia ao outro:
aguente lá meu "baião"
O homem deu a esmola
você roubou meu quinhão,
agora paga no pau
para não ser mais ladrão.
Passou a noite trancado
sem ver o clarão da lua
deitado no chão molhado
lastimando a sorte crua,
de manhã fez a faxina
para então sair para a rua.
Aí meteu o cacete
como quem está roçando
foi nas pernas duma velha
que ela caiu lá gritando:
tá doido cego da peste
repare quem vai passando!
Enquanto o mundo for mundo
Não falta "cabra de peia"
É desses que enganam cegos
Ilude a filhinha alheia,
Abusa o povo e no fim
Só vai parar na cadeia.
O outro cego gritava:
daqui pra noite eu lhe pego
o serviço que lhe faço
quem me perguntar eu nego
Fonte:
SANTOS, Enéias Tavares dos. A briga de dois cegos por causa de
uma esmola. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 1970.
149
Carlos Drummond de
Andrade
Adeus a Sete Quedas
Sete damas por mim passaram,
E todas sete me beijaram.
Alphonsus de Guimaraens
Aqui outrora retumbaram hinos.
Raimundo Correia
Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
aos apagados fogos
de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se
os sete fantasmas das águas assassinadas
por mão do homem, dono do planeta.
Aqui outrora retumbaram vozes
da natureza imaginosa, fértil
em teatrais encenações de sonhos
aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho
corporizado em cachões e bulcões de aéreo
contorno
mostrava-se, despia-se, doava-se
em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
de remotos egípcios e assírios
em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se
por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
de líquido perfil
dissolvem-se entre cálculos computadorizados
de um país que vai deixando de ser humano
para tornar-se empresa gélida, mais nada.
Faz-se do movimento uma represa,
da agitação faz-se um silêncio
empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
que luz e força tarifadas geram
à custa de outro bem que não tem preço
nem resgate, empobrecendo a vida
na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
de bilhões de touros brancos integrados,
afundam-se em lagoa, e no vazio
que forma alguma ocupará, que resta
senão da natureza a dor sem gesto,
a calada censura
e a maldição que o tempo irá trazendo?
Vinde povos estranhos, vinde irmãos
brasileiros de todos os semblantes,
vinde ver e guardar
não mais a obra de arte natural
hoje cartão-postal a cores, melancólico,
mas seu espectro ainda rorejante
de irisadas pérolas de espuma e raiva,
passando, circunvoando,
entre pontes pênseis destruídas
e o inútil pranto das coisas,
sem acordar nenhum remorso,
nenhuma culpa ardente e confessada.
(“Assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o Brasil grande!”)
E patati patati patatá...
Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.
Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond. Jornal do Brasil, Caderno B, 09 de
setembro de 1982
150
Maria Rosa Moreira Lima
A lenda dos tatus
brancos
A lenda dos tatus brancos, na opinião de Afonso
Arinos, pertence ao folclore paulista e teve início da
seguinte maneira:
Alguns bandeirantes audaciosos, buscando novos
descobrimentos acompanhavam o traçado do rio
Tietê e depois de longa jornada resolveram adentrar
a mata bravia. Caminharam dias seguidos quando
lhes veio a idéia de procurar ouro e pedras
preciosas. Dirigiram-se, então, para as terras das
Minas Gerais. Desta maneira chegaram a um local
desconhecido, onde os campos ficavam perto de
cavernas e furnas imensas, escuras, tenebrosas.
Apesar do local agreste, as tendas foram armadas
para repouso merecido. Acocorados em torno do
lume, saboreando alguma bebida, os viajantes
escutavam as mais curiosas e absurdas histórias
contadas pelos caboclos nativos embora, ao mesmo
tempo, insistissem para que levantassem
acampamento o quanto antes pelo fato daquela
região ser dominada por uma espécie de índios
conhecidos como tatus brancos, habitantes das
cavernas adjacentes e, enxergando tão bem dentro
da escuridão como se tivessem olhos de coruja.
Além desta qualidade excepcional, havia uma outra
e esta verdadeiramente de apavorar pois as citadas
criaturas davam um valor inestimável à carne
humana, preferindo-a mesmo a qualquer caça ao
alcance de suas flechas. Além da predileção
absurda, tinham um faro especial sentiam o cheiro
do alimento favorito, logo se aprestavam para caçálo.
O chefe paulista, sendo o mais interessado nos
relatos concernentes à sanha antropófaga dos
vampiros da tribo dos tatus brancos, prometeu a si
mesmo desvendar o mistério. Daí não querer
escutar os conselhos do mais experimentado
caboclo, cujas palavras eram endossadas pelos
outros guias também confirmando casos de pessoas
sumidas, provavelmente levadas para as vastidões
sombrias e jamais tornaram a aparecer. Mesmo
assim, o moço insistia em ficar no local, dizendo
somente partir depois de certificar-se quanto à
veracidade das histórias contadas por aqueles
homens que, embora reconhecidamente valentes,
manifestavam grande pavor ao ouvir o menor ruído.
Audacioso, o chefe da expedição sozinho começou
investigando e, para isso penetrava nas furnas mais
tenebrosas, examinando rastros, atento ao mais
insignificante rumor.
Certa noite de escuridão cerrada, a tropa
descansava numa clareira. O silêncio era profundo,
perturbado apenas pelo bater de asas de algum
pássaro retardatário buscando o aconchego do
ninho. Pouco a pouco os homens foram percebendo
um clamor estranho. Eram muitas vozes juntas,
inicialmente confusas pela distância mas,
aproximando-se rapidamente, enquanto um tropel
diferente como se incalculável quantidade de
animais pequeninos corressem desenfreados pelas
quebradas em direção ao acampamento e, suas
vozes, foram discernidas à medida que se
aproximavam. Os componentes do grupo paulista
puseram-se de sobreaviso com as armas
engatilhadas. Súbito, uma horda de pigmeus, saindo
da escuridão, iniciou o ataque. O imprevisto do
acontecimento impossibilitou uma defensiva
eficiente.
Mesmo assim a luta foi renhida mas rápida. Era a
força dos homens grandes contra a astúcia e
agilidade assombrosa dos assaltantes. Os pequenos
seres arrastavam para as trevas os corpos
dilacerados e sem vida dos vencidos inclusive os
agonizantes e, nem escapou ao massacre o chefe
da escolta. Este, ferido levemente, em companhia
dos subalternos foi levado para uma das cavernas
dos agressores. Mas aconteceu o seguinte: A
princesa da tribo já vira o moço paulista e por ele se
apaixonara, propiciando-lhe este fato, o direito de
dispor da vida do prisioneiro.
No âmago da caverna o valente bandeirante passa
algum tempo desacordado e quando recupera os
sentidos vê, junto de si, um pequeno vulto de
mulher. Quando seus olhos vão se acostumando às
trevas nota e com horror o restante dos
companheiros devorados pela horda sinistra que,
comemorando a vitória dançavam satisfeitos dando
por terminado o banquete macabro. Naquele antro
151
escuro, o detido permaneceu por muito tempo
sempre vigiado pela jovem apaixonada. Certa noite
a malta assassina parte para os cerrados buscando
alimento humano. Aproveitando a oportunidade, o
moço deixa-se envolver pela turba apressada dos
pigmeus e, sem ser notado, consegue sair também
das cavernas mas, sempre vigiado pela amorosa
companheira. Enfraquecido, não consegue chegar a
saída da gruta e, exausto pela falta de alimentação,
sentindo-se desfalecer, faz um sinal para descansar.
Deitam-se no chão. Ele apesar de tudo, alimentando
a esperança de alcançar a liberdade, finge
adormecer, enquanto a jovem a seu lado, é, na
verdade dominada pelo sono. Disfarçadamente o
prisioneiro atento, aguarda o nascer do sol para ver
onde se encontrava e quando os clarões da
madrugada iluminaram a terra, levanta-se com muito
cuidado e tenta fugir. No mesmo instante a moça
acorda e, mal desperta, atordoada com a claridade,
num esforço tenta arrastar o homem para o negrume
da caverna. E naquele momento de aflição ele
conseguiu observá-la. Era uma pequenina mulher e
como os seus irmãos, mal atingindo a metade da
altura de um homem de baixa estatura, pele clara de
quem nunca sentiu os raios solares, os cabelos
longos de um louro sem vida. Quanto aos olhos
eram de um azul esbranquiçado e ela gemendo
procurava conservá-los fechados ou protegê-los da
claridade com uma das mãos, enquanto com a outra
buscava o companheiro, desta maneira caminhando
às tontas como se fosse inteiramente cega. O moço
desvencilhando-se da criatura que fazia ingentes
esforços para detê-lo, foge em desabalada carreira,
daquele local maldito dominado pela tribo dos tatus
brancos, considerados os mais ferozes canibais que
infestavam aquela região do ouro.
Fonte
LIMA, Maria Rosa Moreira. A lenda dos tatus brancos. Diário de São Paulo,
São Paulo, 09 de agosto de 1975.
Solano Trindade
Poesias
POEMA AUTOBIOGRÁFICO
Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs...
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador...
nem o canto da supremacia dos derramadores de
sangue
das utópicas novas ordens
de napoleônicas conquistas
mas o canto da liberdade dos povos
e do direito do trabalhador...
CONVERSA
Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras...
Obedeci ao chamado das sirenes...
Morei num mucambo do ""Bode"",
E hoje moro num barraco na Saúde...
- Eita negro!
quem foi que disse
que a gente não é gente?
quem foi esse demente,
se tem olhos não vê...
Não mudei nada...
CANTA AMÉRICA
- Que foi que fizeste mano
pra tanto falar assim?
- Plantei os canaviais do nordeste
Não o canto de mentira e falsidade
que a ilusão ariana
cantou para o mundo
na conquista do ouro
- E tu, mano, o que fizeste?
Eu plantei algodão
nos campos do sul
pros homens de sangue azul
152
que pagavam o meu trabalho
com surra de cipó-pau.
- Basta, mano,
pra eu não chorar,
E tu, Ana,
Conta-me tua vida,
Na senzala, no terreiro
- Eu...
cantei embolada,
pra sinhá dormir,
fiz tranças nela,
pra sinhá sair,
tomando cachaça,
servi de amor,
dancei no terreiro,
pra sinhozinho,
apanhei surras grandes,
sem mal eu fazer.
Eita! quanta coisa
tu tens pra contar...
não conta mais nada,
pra eu não chorar E tu, Manoel,
que andaste a fazer
- Eu sempre fui malandro
Ó tia Maria,
gostava de terreiro,
como ninguém,
subi para o morro,
fiz sambas bonitos,
conquistei as mulatas
bonitas de lá...
Eita negro!
- Quem foi que disse
que a gente não é gente?
Quem foi esse demente,
se tem olhos não vê.
EU GOSTO DE LER GOSTANDO
Eu gosto de ler gostando,
gozando a poesia,
como se ela fosse
uma boa camarada,
dessas que beijam a gente
gostando de ser beijada.
Eu gosto de ler gostando
gozando assim o poema,
como se ele fosse
boca de mulher pura
simples boa libertada
boca de mulher que pensa...
dessas que a gente gosta
gostando de ser gostada.
NEGRA BONITA
Negra bonita de vestido azul e branco
Sentada num banco de segunda de trem
Negra bonita o que é que você tem?
Com a cara tão triste não sorri pra ninguém?
Negra bonita
É seu amor que não veio
Quem sabe se ainda vem
Quem sabe perdeu o trem
Negra bonita não fique triste não
Se seu amor não vier
Quem sabe se outro vem
Quando se perde um amor Logo se encontra cem
Você uma negra bonita Logo encontra outro bem.
Quem sabe se eu sirvo
Para ser o seu amor
Salvo se você não gosta
De gente da sua cor
Mas se gosta eu sou o tal
Que não perde pra ninguém
Sou o tipo ideal
Pra quem ficou sem o bem...
REFLEXÃO
Vieste acender o meu fogo poético,
E minh’alma se abriu pras grandes festas,
A música dos teus poemas,
Faz-me dançar o bailado, Da primeira mocidade...
Eu sinto vontade de não ser sexo,
Para brincar contigo como criança,
E brincar de cirandinha com tu’alma.
Mas como sou sexo, Vou assistir um espetáculo
humano;
A confecção de bandeiras iguais,
Para seres que parecem diferentes.
POEMA DO HOMEM
Desci à praia
Para ver o homem do mar,
153
E vi que o homem
É maior que o mar
Subi ao monte
Pra ver o homem da terra,
E vi que o homem
É maior que a terra
Olhei para cima
Para ver o homem do céu,
E vi que o homem
É maior que o céu.
O CANTO DA LIBERDADE
Ouço um novo canto,
Que sai da boca,
de todas as raças,
Com infinidade de ritmos...
Canto que faz dançar,
Todos os corpos,
De formas,
E coloridos diferentes...
Canto que faz vibrar,
Todas as almas,
De crenças,
E idealismos desiguais...
É o canto da liberdade,
Que está penetrando,
Em todos os ouvidos...
MEU CANTO DE GUERRA
Eu canto na guerra,
Como cantei na paz,
Pois o meu poema
É Universal.
É o homem que sofre,
O homem que geme,
É o lamento
Do povo oprimido,
Da gente sem pão...
É o gemido
De todas as raças,
De todos os homens.
É o poema
da multidão!
ABOLIÇÃO NÚMERO DOIS
Parem com estes batuques,
Bombos e caracaxás,
Parem com estes ritmos tristes e sensuais
Deixem que eu ouça
Que eu veja
Que eu sinta
O grito
A cor
E a forma
da minha libertação...
QUEM TÁ GEMENDO?
Quem tá gemendo,
Negro ou carro de boi?
Carro de boi geme quando quer,
Negro, não,
Negro geme porque apanha,
Apanha pra não gemer...
Gemido de negro é cantiga,
Gemido de negro é poema...
Gemem na minh'alma,
A alma do Congo,
Da Niger, da Guiné,
De toda África enfim...
A alma da América...
A alma Universal...
Quem tá gemendo,
negro ou carro de boi?
Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br
http://colecionadordepedras.blogspot.com/2006/01/trs-poemas-de-solanotrindade.html
http://brazilianmusic.com/aabc/literature/palmares/solano.html
154
Ricardo Faria
Um poeta chamado
Solano Trindade
Tempos de Teatro de Arena, Redondo, TBC, TAIB,
do Teatro das Nações, inaugurado com uma ópera
para mais de mil pessoas vestidas a rigor.
A gente se reunia no Ponto de Encontro, uma livraria
no subsolo da Galeria Metrópole, em frente à Praça
da Biblioteca, na então Paulicéia Desvairada dos
anos sessenta. Que bom ter conhecido tantas
pessoas especiais.
Aquele negrão era cativante, mais ainda quando
declamava e se repartia.
Solano Trindade, pernambucano de Recife, filho do
sapateiro Manuel Abílio e da quituteira Emerenciana,
cresceu dançando o Pastoril e Bumba-meu-boi.
Participou dos Congressos Afros dos anos trinta,
especialmente quando Gilberto Freyre lança seu
Casa Grande & Senzala.
Em 1936, Solano funda o Centro Cultural AfroBrasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma
extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os
seus Poemas Negros. Inquieto, viaja para Minas
Gerais e depois para o Rio Grande do Sul, onde cria,
em Pelotas, um Grupo de Arte Popular.
Aquele homem de andar manso, cabeça cheia de
planos e energia inabalável foi depois para o Rio de
Janeiro. Em 1944 publicou o livro Poemas de uma
Vida Simples. Em 1945, junto com Abdias
Nascimento, criou o Comitê Democrático AfroBrasileiro.
Com Haroldo Costa fundou o Teatro Folclórico.
Atuou em filmes como A hora e a vez de Augusto
Matraga e O Santo Milagroso.
Na cidade maravilhosa, Solano gostava do Café
Vermelhinho freqüentado por intelectuais, políticos,
jornalistas, escritores e atores teatrais. Era amigo de
pessoas como o Barão de Itararé e Santa Rosa.
Solano filiou-se ao Partido Comunista, as reuniões
da Célula Tiradentes ocorriam na sua residência e,
durante a perseguição aos comunistas, empreendida
pelo governo Dutra, entram em sua casa. Seu filho,
Liberto, está deitado, doente. A polícia vira o
colchão, à procura de armas. Exemplares de seus
livros são apreendidos.
A filha Raquel lembra: "Papai jamais esconderia
armas. Sua luta era feita com idéias". Preso, não se
abala. Raquel e a mãe, Margarida, percorrem as
cadeias até encontrá-lo.
Quando sai, Solano parece fortalecido. Embora com
os olhos tristonhos, seu otimismo é contagiante,
nasce do seu amor pela arte e pela vida. Continua
escrevendo, fazendo teatro e espalhando sonhos e
esperanças por onde passa.
Preocupava-se com o que chamava de folclore, com
as danças populares. Dizia ser necessário pesquisar
nas fontes de origem e devolver ao povo em forma
de arte. Sua experiência mais bem sucedida neste
sentido foi o Teatro Popular Brasileiro, criado por
ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo
sociólogo Édison Carneiro em 1950
Com Haroldo Costa fundou o Teatro Folclórico.
Atuou em filmes como A hora e a vez de Augusto
Matraga e O Santo Milagroso.
Na cidade maravilhosa, Solano era freqüentador do
Café Vermelhinho, onde se reuniam intelectuais,
políticos, jornalistas, escritores e artistas de teatro.
Ali era amigo de pessoas como o Barão de Itararé e
Santa Rosa.
O Embu é um agradável município distante cerca de
uma hora do centro de São Paulo. Embora tão
próxima à metrópole, a cidade guarda um clima
bucólico, aconchegante.
Quem chega no Embu aos domingos, quando é
grande o movimento de turistas, não imagina estar
diante da concretização do sonho de artistas negros,
dentre eles o poeta Solano Trindade, pesquisador
das nossas tradições populares, teatrólogo, pintor e
boêmio; um ser humano de grande carisma e visão,
155
para quem a arte representava parte essencial da
vida.
Solano vem a São Paulo e é convidado pelo escultor
Assis para apresentar-se no Embu e leva o seu
grupo. Dormem no barracão de Assis nos finais de
semana, quando mostram sua arte para um número
cada vez maior de pessoas. Participam da peça
"Gimba", de Gianfrancesco Guarnieri. Em 1967,
apresentam-se para um dos criadores da Negritude:
Leopold Senghor.
Solano apaixona-se pelo Embu, muda-se para lá e
sua casa torna-se uma núcleo artístico. Na cidade já
havia um movimento com artistas como Sakai e
Azteca, mas a atividade de Solano e Assis faz surgir
a feira de artesanato e revoluciona o local,
aumentando o fluxo turístico.
Solano chegou a ser conhecido como "o patriarca do
Embu". A casa e o coração de Solano estavam
sempre prontos para receber, na panela, havia
comida para quem chegasse a qualquer hora.
Ironicamente, no final da vida, vários desses amigos
se afastaram, mas talvez este seja o cruel destino
dos grandes criadores, de profetas e poetas
assinalados. A poesia de Solano o marcou.
Orgulhava-se ser chamado de “poeta negro”; - “Sou
negro, meus avós foram queimados pelo sol da
África minh'alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gonguês e agogôs.”
Casou-se três vezes e teve quatro filhos. Raquel
Trindade, que hoje continua o trabalho do pai, no
Embu, descreve-o: "Existem artistas que aparentam
ser uma coisa e, no fundo, são outra. Papai
mostrava-se como era, um pai fantástico".
Último ato: esse poeta dava-se completamente à
arte e à vida sem se importar com bens materiais,
ainda que seu trabalho tenha favorecido a muitos. A
partir de 1970, sua saúde começou a apresentar
problemas. Morreu no Rio de Janeiro, em 1974.
Em 1976, voltou aos braços do povo como tema da
escola de samba Vai-Vai, com enredo elaborado por
sua filha Raquel. Os versos do samba de Geraldo
Filme ainda ecoam: “Canta meu povo, vamos cantar
em homenagem ao poeta popular Vai-Vai é povo,
está na rua saudoso poeta, a noite é sua.”
Palavras escritas num poema à filha Raquel se
tornam proféticas: “Estou conservado no ritmo do
meu povo Me tornei cantiga determinadamente,
nunca terei tempo para morrer.”
Um de seus trabalhos mais famosos, intitulado "Tem
gente com fome", foi musicado e gravado por Nei
Matogrosso: Trem sujo da Leopoldina correndo,
correndo, parece dizer tem gente com fome, tem
gente com fome, tem gente com fome. O ritmo é o
de um trem em movimento. No final, quando vai
parando, a voz ouvida pelo poeta exige: se tem
gente com fome, dá de comer. Solano também
cantou continuamente o amor. - Fonte Márcio
Barbosa
Em tempos de Beto Carneiro, o Vampiro Brasileiro, e
Emílio Surita com seu Pânico na TV, vale a pena
homenagear Solano Trindade:
Tem gente com Fome
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
156
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
Fonte:
Revista Entrementes
Só nas estações
Serafina Ferreira Machado
A imagem do negro na poesia
de Solano Trindade
Este artigo mantém a grafia original de quando foi
escrito. Na época, afro-brasileiro era da raça negra.
RESUMO: Este artigo se propõe a revisar o
processo da formação da identidade do negro: da
subalternidade à luta pelo reconhecimento, na esfera
histórica e literária. Na obra de Solano Trindade, o
poeta cede sua voz ao oprimido (o homem negro ou
branco) para denunciar as injustiças sociais. O
discurso de Trindade convida o leitor a uma revisão
da condição do negro e, ao ressaltar o caráter
humano em sua poética, questiona as imagens fixas,
revestidas por estereótipos que estigmatizam. A
obra deste poeta se propõe, pois, a uma (re)leitura
das imagens impingidas ao negro na diáspora,
confrontando-se com valores morais, políticos e
sociais da elite, no intuito de reconhecer o caráter
humano do negro.
PALAVRAS-CHAVE: poesia, negro, humanização.
Na produção literária brasileira, apesar da referência
ao negro, é comum encontrar sua imagem marcada
por preconceitos e estereótipos construídos numa
tentativa de apagar sua representatividade cultural.
E hoje, em pleno século XXI, as discussões em
torno de medidas compensatórias para sanar as
consequências comprovam o resultado desastroso
desta lógica. Ou seja, embora o Brasil traga marcas
de várias etnias, nota-se que o cânone literário fez
sua opção pelo modelo europeu durante um longo
tempo. Nesta opção, reconhece-se a tentativa de
dominar o caráter humano do negro, retratando-o
pelo crivo da inferioridade, a partir da lógica
maniqueista que ora o apresenta como dócil, ora
como selvagem e quase sempre zoomorfizado.
Portanto, muitas foram as formas de violências pelas
quais o negro foi submetido. A sua verdadeira
humanidade foi, aos poucos, sendo substituída por
imagens que, com o passar do tempo, alicerçaramse na cultura nacional. Imagens estas que refletiam
as ideologias adotadas e cobravam do “sujeito
brasileiro” uma “boa aparência”, isto é, assimilação
dos modelos da sociedade branca europeia. Assim
sendo, justifica-se a exclusão do negro, denunciada
no poema “Civilização Branca”, de Solano Trindade:
.
Lincharam um homem
entre os arranha-céus
(li num jornal)
procurei o crime do homem
157
o crime não estava no homem
estava na cor de sua epiderme...
(Trindade 1961: 37)
A ideologia branca, ao longo da história, tentou
enfraquecer a participação do negro na vida social,
por isso o poeta busca um verbo forte (lincharam)
para definir a violência contra este homem que figura
em seu poema. A “boa aparência” cobrada pela
época representava o oposto da negrura da pele,
dos cabelos pixains, do nariz achatado... Diante
desta questão de “aparência”, observa-se que,
embora a cultura negra seja, hoje, visível, tolerada,
respeitada e integrada nos símbolos constitutivos da
cultura nacional, os homens e as mulheres negras,
produtores dessa cultura são “invisibilizados”,
“linchados”.
Desta forma, diante da civilização branca, Trindade
reconhece que a passagem de ser “o outro”
apagado, para um “Eu”, requeria o resgate da
experiência histórica do ser negro. Assim, ele utiliza
a poesia como arma contra as opressões e
marginalização social. Mantém um diálogo com a
sociedade atual e se insere numa produção que
busca incluir as classes marginalizadas.
A palavra foi a arma de Solano Trindade contra a
opressão de seu tempo. No poema “Canto de
Palmares” ele relata uma batalha onde muitos de
seus irmãos foram mortos, mas o poema, arma do
eu lírico, permaneceu. E ao revelar “meu poema é
cantado através dos séculos/ minha musa esclarece
a consciência” percebe-se ainda mais o poder da
palavra que pode agir na consciência, como agiu na
consciência dos mais jovens como Cuti, Oubi, Adão
Ventura etc, que continuaram o canto simples de
Trindade.
Através da poesia negra, em que a palavra poética
configura-se como arma contra a opressão, pode-se
reconhecer a resistência do escritor afrodescendente contra as formas de descriminação
racial. Na obra de Solano Trindade, por exemplo, há
a cobrança por um reconhecimento, na tentativa de
visibilizar e re-apresentar esta categoria
marginalizada. A escrita negra faz exatamente isto:
rasura a identidade mumificada pela negação e faz
emergir um “eu” que reivindica sua voz e seu lugar
de agente de/no processo histórico.
Ter consciência de si mesmo é o processo
necessário para que o negro efetivamente construa
sua identidade. Ou seja, através da conscientização
o afro-descendente pode negar os símbolos de
estereotipias que foram anexadas a sua real
imagem. Na poética é possível verificar o
comprometimento do “eu” negro com sua própria
identidade como pessoa, aceitando-se e assumindo
a própria cor.
Solano Trindade, em diversos momentos, faz
menção à tentativa da literatura canônica de
“dilaceração” da produção do autor afro-brasileiro. A
presença do opressor é, desta forma, constante em
“Canto dos Palmares” e as armas são diversas:
dinheiro, flechas, os ideais de escravagismo, o
sadismo... Mas, a arte poética mostra-se superior a
estas formas coercitivas: “...eu os faço correr”. O
sangue foi derramado, amadas foram mortas, canta
o eu lírico. No entanto, ressalta-se por diversas
vezes “Ainda sou poeta e meu poema/ levanta os
meus irmãos”. Reiterando, a resistência é marca
constante na obra deste poeta pernambucano.
A poesia configura-se como uma oportunidade
histórica para se aclamar a negritude, uma negritude
que resistiu às diversas formas de coerção, e que
agora, incendeia-se para o mundo, consumindo as
imagens de negro mau, primitivo, submisso,
invisível... Fica no leitor a visão de uma uma brecha
por onde o afro-descendente pode atravessar e
mostrar-se ao mundo, obrigar-se a ser visto e
ouvido: a poesia. A obra de Trindade adquire este
sentido e o eu lírico busca transformar o seu status
social através do discurso poético. Roger Toumson,
em “La littérature antillaise d’expression française”,
define essa crise da consciência do sujeito
dominado que exige a voz da seguinte forma: “Sua
enunciação tem por objetivo arrancá-lo do nada em
que a opressão o manteve por tão longo tempo,
testemunhar sua presença no mundo e sua
verdadeira experiência da história. Polêmico, o
discurso afro-antilhano se propõe a restabelecer
uma verdade até então deliberadamente abafada”
(Bernd 1988: 29).
O olhar do eu lírico nas poesias de Trindade, assim,
reconstrói a trajetória do homem, apreendendo um
outro sentido nas “mercadorias humanas” trazidas
da África, como se pode verificar no poema abaixo:
Lá vem o navio negreiro
158
Lá vem sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...
Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...
Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...
(Trindade 1961: 44)
O poeta inicia uma luta pelo reconhecimento da
história dos marginalizados, no entanto, convoca o
povo para que se junte a ele, para que redescubra
as verdades sufocadas pelo preconceito. Para isso,
mergulha sem medo no passado histórico e encontra
neste mergulho não múmias marcadas pelas
ferrugens de um cárcere, ou por pedras de
muralhas, mas o ser humano. E ao buscar o
humano, ao invés de carga ou mercadoria a ser
vendida, o poeta denuncia uma situação política e
social que ainda não fora extinta: o afro-descendente
continua psicológica e economicamente escravo,
oprimido, sem chances reais de alcançar melhores
condições de existência humana. Desta forma, é
necessário retornar ao passado, visualizar o navio
negreiro e perceber o que está contido neste
símbolo que até então marcara a dor, o
desenraizamento, o apagamento. E a primeira
descoberta de Trindade é que neste navio havia
carga humana: “Lá vem o navio negreiro/ Trazendo
carga humana”. No entanto, o adjetivo “carga” é
utilizado com um sentindo deliberadamente
pejorativo, referindo-se à condição do transporte de
escravo. Por isso, ele convoca todos para que olhem
o navio, que redescubram o conteúdo destas
embarcações: o negro e sua possível humanidade.
Logo à primeira leitura, o poema chama a atenção
para o aspecto visual. A figura do navio negreiro se
impõe ao leitor desde o início, como um objeto que
deve ser observado: “Vamos minha gente olhar....”
Ele é visualizado durante todo o poema, situado no
espaço, apresentado por sua função geral (trazer
carga humana), o interior do meio de transporte
(“cheio de melancolia/ cheio de poesia”) e o interior
de seus passageiros: a resistência e a inteligência.
A primeira referência do poeta em relação ao navio é
o seu aspecto externo. Através deste ponto de vista
destaca-se, no navio, a função de transporte de
escravos; em seguida, é captado seu interior e os
seres nele transportados. Sobressai a integração
dos diferentes ângulos deste mesmo objeto, que se
une numa idéia geral de resistência e inteligência. A
última palavra, que finaliza o poema harmoniza-se
com o vocábulo resistência. A inteligência é símbolo
do homem que pensa, que resiste à condição de
besta de carga. Por isso, a ausência de ponto final
no poema é significativa para demonstrar uma luta
iniciada, deixando uma ideia de continuidade.
O efeito geral do poema é de um quadro, mas um
quadro que se movimenta de acordo como o olhar
do poeta conduzindo o do leitor. Desta forma, é
compreensível a insistência nos fonemas [m] e [n]
devido o valor expressivo que possuem dentro do
poema. Ao reiterar estes fonemas, assim como a
frase “Lá vem o navio negreiro”, realiza uma
operação ondeante que aproxima o movimento do
poema ao movimento do mar. A repetição insiste no
retorno, no olhar novamente. Mas, além disso,
insiste no prosseguir, num novo passo, ou numa
nova visão sobre o objeto que apresenta conteúdos
que se diferenciam a cada olhar: carga humana,
melancolia, poesia, resistência e inteligência. Cada
novo verso equivale a um retorno, a uma retomada
do olhar a partir de um ângulo novo sobre o mesmo
navio, justapondo-se as faces deste objeto como um
recomeço sempre nascente da percepção, até
completar-se a imagem real do objeto: um navio que
transporta pessoas que sofrem, sentem, se indignam
e agem com discernimento.
Nota-se, pois, uma atração do apelo musical que
parece vir do mar, do marulho das águas, do som
sempre recomeçado das ondas, cujo movimento
repetitivo vem representado pela reiteração do verso
“Lá vem o navio negreiro”. Além disso, não se pode
deixar de perceber a relação entre a música e a
poesia, assim como o seu vínculo com a natureza,
com a simplicidade.
O paralelismo traz de volta a frase de convocação,
ao lado dos outros versos, todos livres, sem
qualquer pontuação a não ser o ponto final da
quadra. Esta liberdade permite classificar as
159
quadras, do ponto de vista sintático, como uma
construção paratática, ou seja, é composta por
orações coordenadas absolutas, livres, sem
qualquer vínculo conjuntivo ou mesmo sinal de
pontuação.
O ritmo, apoiado pela construção paralelística,
vincula os versos fazendo ondular, ao mesmo
tempo, as ondas do mar e a subjetividade do sujeito
que olha, mas, retoma o olhar, no desejo de partilhar
a sua visão. As construções verbais, feitas com
palavras corriqueiras e repetitivas, em ritmo
encantatório, servem para mobilizar alguns
elementos temáticos. São motivos tomados do
espaço natural (o mar, a água) ou da interioridade
humana (melancolia, resistência, inteligência).
A mobilidade fortifica o ritmo que, no poema, passa
a ideia de retorno à origem (o verso e a unidade
rítmica é uma forma de voltar). Ao mesmo tempo, o
navio avança (sempre mais próximo do receptor,
desnudando-se, mostrando-se internamente). Com
um ritmo tão marcado, tão repisado, o poema parece
preparar o leitor para uma dissolução da
consciência.
Isto faz com que o poema se assemelhe a certas
formas de músicas primitivas, de rítmica rebatida e
incisiva, como é o caso, por exemplo, da música dos
cultos afro-brasileiros e/ou da poesia lírica medieval.
Verifica-se, no poema, a mesma força hipnótica da
música popular. No movimento incessante do navio
negreiro, um novo ponto de vista vai se revelando. O
navio negreiro que se movimenta por águas
brasileiras traz sim o sofrimento, a dor, a melancolia;
mas, nesse passado de revolta, de exploração, de
desaculturação, o poeta encontra a fonte de uma
poesia de denúncia: denúncia de um passado de
violência, denúncia de um presente de repressão
camuflada.
Neste poema que imita o movimento do mar (retorno
e avanço) o eu lírico retorna à época de tráfico de
escravos. É o retorno necessário para a fonte da
poesia e para sugerir um re-olhar. O navio negreiro
não representa apenas a embarcação de transporte
de carga para o trabalho escravo, perpetuando uma
história de humilhação. Se olhado novamente, podese reconhecer no navio negreiro o expoente de
resistência. O eu lírico, assim, convoca “sua gente” a
se auto-reciclar, a se autodescobrir. E deste
descobrimento, percebe-se que o navio negreiro
trazia uma carga “cheinha de inteligência”, cheinha
de história a ser contada, a ser retomada. No
entanto, a inteligência a que se refere o eu lírico não
é a inteligência racionalista e unilateral, mas, a
inteligência ancorada em outros saberes e registros.
A prova é que a história é para ser contada e não
para ser imposta por leis da grafia.
A poética de Solano Trindade, como se pode
perceber, torna-se uma convocação contra as
diversas formas de opressão sofridas pelo afrodescendente. Além disso, expressa um convite para
o ingresso a um outro universo de sentido, outra
forma de apreender, significar e organizar o
espaço/mundo. Em sua obra, busca o reconhecimento do negro e propõe um olhar
novamente. Para alcançar este re-conhecimento
explicita a diferença entre cada pessoa. Uma
diferença expressa nas palavras de Fanon: “Por que
não a tentativa simples de tocar o outro, de sentir o
outro, de explicar o outro a mim mesmo?... Na
conclusão deste estudo, quero que o mundo
reconheça, comigo, a porta aberta de cada
consciência” (1983: 177).
Nas palavras acima se observa a despersonalização
imposta pelo sistema colonial, fechado em seu
narcisismo, reconhecendo apenas a sua imagem e
negando o diferente. É preciso, no entanto, re-olhar
o “outro” que se apresenta como o diferente, que
mostra sua subjetividade. Ao olhar novamente o
“outro”, pode-se reconhecer “a porta aberta de cada
consciência”, a individualidade de cada agente social
que detém um saber resultante de uma experiência.
O poema aponta para a necessidade de olhar
novamente a história desse povo tantas vezes
ignorado e que tem muito a revelar. Por isso, em
outro poema, “Canto da América”, o poeta pede que
a América cante a verdadeira história, não a versão
da supremacia de uns em detrimento dos outros,
mas sim, o canto da liberdade.
Desta forma, reconhece-se, na obra de Solano
Trindade, a resistência às formas de marginalização,
valorizando a voz negra e, ao mesmo tempo,
identificando-se com os oprimidos, sejam negros ou
brancos. Este aspecto da poesia de Trindade pode
ser reconhecido no poema “Cantiga”, onde é
possível verificar a necessidade de o negro
identificar-se com a Negritude a fim de dar valor a si
mesmo e à sua produção cultural. Pois, a negritude
– como tomada de consciência da descriminação e a
160
busca de uma identidade negra - permite que o
negro volte a ter orgulho do patrimônio africano que
foi perdido no transporte para a América. Desta
forma, no poema, ele assume com orgulho: “Negro
bom que sou / que bom / Como noite sem lua sou /
Negro bom! / ...que bom!”. O eu lírico sente-se feliz
em ser negro e encontra o lado positivo dessa
negritude, assumindo-se plenamente, como uma
noite sem lua, totalmente escura, mas cuja presença
ou ausência já não pode ser ignorada.
No desejo de transmitir as mensagens escondidas,
ignoradas pela mentalidade vigente, forma-se a alma
de poeta social. Assim, é com orgulho que ele
também assumirá: “Poeta e negro sou”. Num
processo de pleno acolhimento de si mesmo, o eu
lírico reconhece-se como poeta, mas como um poeta
negro, que não tem vergonha de enunciar-se como
tal. Há, porém,uma procura de não se fechar em si
mesmo e, por isso, a voz no poema declara que
qualquer cor serve para a sua obra poética, para o
assumir-se como pessoa capaz de amar o outro
independente da cor da pele. Assim, de forma
prognóstica o eu lírico conta que num mundo de
igualdade, a cor não terá importância, não
diferenciará as pessoas e nele servirá, portanto,
qualquer cor. E quando este tempo chegar: “Que
bom! / ... que bom!”
Há no poema um efeito admirável, pois Trindade
aproveita-se dos valores fônicos, criando uma
orquestração onomatopeica que traduz o som do
batuque e simboliza também a intensidade do
desejo do eu lírico em ver os homens unidos, ao
mesmo tempo em que aponta para um fluxo vital de
recuperação, recriação e reinterpretação de valores
fundamentais para a afirmação da individualidade e
da coletividade do afro-descendente.
Desenham-se contornos mais coerentes com as
verdadeiras raízes históricas e culturais do Brasil. O
negro passa por um processo em que ele descobre
a própria história perdida e, nesta história, logrou
preservar, reelaborar e sustentar sua cultura e
desdobrar a herança africana. Com isso, Trindade
restabelece em suas poesias uma identidade
humanizada. É necessário, desta forma, reconhecer
a particularidade de cada cultura, pois, ela faz parte
do processo de afirmação do ser humano como
agente social no mundo. Desta forma, o poeta
imprime ao longo de sua obra o desejo de um
projeto integrador de todas as culturas, sem perder
de vista o reconhecimento da particularidade de
assumir-se, como fica evidente no poema “Sou
negro”.
Nesse poema, ele se refere à História, mas do ponto
de vista de quem recupera a escravidão como
condição de vida e não através da visão do senhor
de engenho. É preciso destacar, igualmente, o valor
da oralidade na literatura trindadiana: “Contaram-me
que meus avós vieram de Loanda/ como mercadoria
de baixo preço”. É a herança africana que não se
perdeu totalmente.
O poeta, assim sendo, conta a história de seu povo,
que também é sua: ele é negro, é descendente de
africanos e herdeiro do som dos “tambores/
atabaques, gonguês e agogôs”. Todos estes
instrumentos ligando o negro-escravo à sua terra
origem, a África. O ritmo do tambor, ritmo de vida,
torna mais estrondosa a voz de Trindade
proporcionando um som forte, já que a obra do
poeta deve alcançar outros ouvidos. O som dos
instrumentos que ficam na alma do poeta atravessa
o espaço, leva a mensagem de união entre os
povos, o ritmo da fraternidade.
Pode-se perceber, ainda, que o eu lírico relata sobre
a exportação forçada de homens para serem
escravos, vendidos como mercadoria. O trabalho do
negro para enriquecimento do senhor novo também
não é esquecido: “plantaram cana pra senhor de
engenho novo”. Mas, apesar de toda exploração
humana, apesar de distantes do país de origem, os
negros fundaram o primeiro Maracatu, uma dança
dramática afrobrasileira.
O ritmo novo do povo negro resistiria em terra
brasileira.
No avô, o eu poético destaca o reconhecimento da
não alienação do homem negro, refutando a ideia de
escravos totalmente submissos e até felizes em
servir. De certa forma, o estereótipo do pai João foi
construído na tentativa de encobrir esta luta negra
pela liberdade. Mas Trindade une a imagem do avô
à imagem de Zumbi, referencial de conscientização
e resistência.
Sabe-se que a mulher negra e escrava, no período
colonial, foi símbolo do mais baixo nível de poder e
vontade própria. No entanto, a avó retratada pelo eu
lírico também desmente esta visão de submissão.
161
Sua atuação na guerra dos Malês, obscurecida pela
oficialidade vigente, é exemplar para se perceber o
papel de mulher consciente, guerreira, altiva, sofrida,
e que nem todas as mulheres negras foram
mucamas passivas.
e querendo ou não, faço parte desta sociedade. O
eu poético primeiramente olha para si próprio e é
este olhar que permite a identificação com a cultura,
com a etnia e, por fim, com o continente em que está
inserido.
Com uma história de luta, de resistência, de
exemplos a serem seguidos, na alma do eu lírico fica
não a marca do escravo, para sempre escravo, mas
elementos simbólicos de sua origem, de sua
identidade como homem negro: “o samba, o batuque
e o desejo de libertação”.
Pode-se verificar, no projeto de Trindade, a
necessidade de aceitação da participação histórica
de todas as culturas, ou seja, a luta pelo fim do
maniqueismo branco/negro, num processo essencial
para o reconhecimento do Ser Humano que existe
em cada ser. Teve, no entanto, que passar pelo
olhar europeu sobre as culturas africanas para
redescobrir-se e, a partir daí, com voz poética,
recusar ser um tipo, para ser negro e homem. O
resultado deste processo de reconhecimento pode
ser notado em seu poema “Negros”:
No poema “Sou Negro” é possível perceber como o
eu lírico rejeita a idéia de um negro servil, mas
destaca e deposita na imagem dos avós o empenho
em conquistar a humanização, a identidade apagada
pela história, o desejo de serem livres. Através do
conhecimento do passado o negro conhece a si
mesmo e a sua cultura e, por isso, a cor da pele
deixa de ser motivo de desonra e ele pode assumir
com “Orgulho”:
Sou filho de escravo
Tronco
senzala
chicote
gritos
choros
gemidos
Sou filho de escravo
(Trindade 1961: 43)
Bernd afirma que a marca registrada da poesia de
Solano Trindade é a “obsessão da reconstituição
histórica” (1988: 89). Esta reconstituição do passado
negro do ponto de vista de quem sofreu os efeitos
da História tornou-se uma importante ferramenta
para a sua produção, ao mesmo tempo que trazia o
propósito de, ressignificando a História, valorizar
aqueles a quem foram impostas as mais duras
experiências. Através da reconstituição do passado,
este homem passaria a ter um “espelho” no qual ele
poderia reconhecer a sua cultura, assumindo um
orgulho pelo passado africano que se perdeu com a
chegada na América. A história de escravidão, desta
forma, não o envergonha mais, ao contrário servelhe como arsenal de experiências e ele aprende,
afinal, a se olhar como sujeito e reconstrói-se como
homem. Assim, pode-se entender o reconhecimento:
sou filho de escravo, fui violentado humana e
historicamente, mas a humanização resistiu em mim
Negros que escravizam
e vendem negro na África
não são meus irmãos
negros senhores na América
a serviço do capital
não são meus irmãos
negros opressores
em qualquer parte do mundo
não são meus irmãos
Só os negros oprimidos
escravizados
em luta pela liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema grande como o Nilo.
(Trindade 1981: 15)
A escolha do tema negro, além de encontrar-se em
consonância com os ideais que o poeta defendeu, é
um dos exemplos mais explícitos do processo de
desumanização que se delineia ao longo da história
oficial.
Na primeira estrofe do poema, com uma economia
de recursos irretocável, o eu lírico traz para a sua
poesia o passado. Assim, os dois primeiros versos
dão conta de três séculos de escravidão na América.
Há que se destacar que os dois verbos que indicam
esse processo de exploração da força física do outro
– “escravizam” e “vendem” – apontam como sujeitos
os próprios negros. Fica evidente já nesta primeira
estrofe a lucidez e o olhar isento do poeta quando
identifica alguns negros com o senhor de escravos;
negros servindo um sistema que, ao escravizar,
162
desumanizou e transformou o homem negro em
mercadoria a ser vendida e explorada.
Na segunda estrofe há um passado mais recente. O
colonialismo cede lugar a outro tipo de exploração
humana: o capitalismo. Os agentes são os mesmos:
negros. Não se enfoca, porém, o negro operário,
mas sim “negros senhores na América”. A crítica que
se pode abstrair é que os próprios negros serviram a
mercantilização do homem, favorecendo a
exploração do trabalho humano a preços baixos. A
desumanidade do sistema colonial é substituída pela
desumanidade do sistema capitalista.
Na estrofe que se segue, o poeta sai do particular
para alcançar uma visão universal da exploração e
da opressão sócio-política do trabalhador. Através
desta estrofe, há uma ligação de indivíduos
oprimidos em qualquer parte do mundo. Os
opressores novamente são alguns negros.
Ao longo das três primeiras estrofes, o poeta
desmistifica a visão do negro vitimizado,
identificando o negro ao senhor, ao capitalista e ao
opressor. No entanto, ao final destas estrofes, a voz
do eu lírico negará esses negros: “Não são meus
irmãos”. É o gesto de recusa que se repete diante
dos negros que servem às diversas formas de
exploração. Tem-se, pois, ao final destas estrofes
uma expressão direta e indignada.
O projeto de Solano Trindade consiste no amor
incondicional pelo povo e pela vida, e na confiança
no progresso da humanidade. Assim sendo, há no
poeta uma íntima adesão aos problemas próprios de
sua época, criticando a desumanidade da vida
capitalista.
Em “Negros”, o poeta condena algumas atitudes
individualistas que impedem o ser humano de se
identificar consigo mesmo e com os outros. O
poema é ordenado de modo a revelar a relação
entre opressores e oprimidos, como consequência
óbvia da superioridade de força de uns sobre os
outros. No entanto, faz-se necessário replicar com
uma indignação genuína: “Não são meus irmãos”. O
eu lírico propõe uma ruptura com todos os negros
que operam no nível da opressão humana,
separando os negros (senhor, capitalista,
explorador), dos negros (escravo, operário,
explorado).
A quarta estrofe é iniciada com o advérbio “só”, com
a finalidade de delimitar a relação com os homens
negros do mundo, mas moldando esta relação de
acordo com as as convicções marxistas do eu lírico:
“só os negros oprimidos/ escravizados” que, como
ele compartilham o mesmo ideal de liberdade, são
seus irmãos. Esta identificação pode ser notada no
uso do artigo “o” com um valor afetivo, aproximando
o eu lírico destes negros que representam seu
projeto de irmandade. Este desejo de que todos os
homens sejam livres fica expresso no terceiro verso
da quarta estrofe: “em luta pela liberdade”.
A liberdade que o poeta expressa vai além da
condição de não ser mais escravo no sistema
colonial. A liberdade expressa no poema é o uso dos
direitos de homem livre e, principalmente, a
condição de igualdade. No último verso da quarta
estrofe, porém, a ideia de recusa expressa no
advérbio “não” desaparece e o eu lírico reconhece
os oprimidos e escravizados: “São meus irmãos”.
Esta identificação com o oprimido constitui uma das
bases temáticas de Trindade, afastando-se
momentaneamente do foco de afirmação do “ser
negro”, a fim de buscar matizes universais. A
opressão, desta forma, é o denominador comum de
luta para os homens, brancos ou negros. E para
estes homens, ligados ao eu lírico por um laço de
irmandade, há um presente, que é também uma
arma, um poema grande como o Nilo, rio
extremamente simbólico para os africanos.
Ao longo do poema, desmistifica-se o estereótipo
sociológico. Mussa define o estereótipo sociológico
como a observação do comportamento do negro em
relação ao branco: o negro bom e o negro ruim
(1989: 24). A relação é excludente, ou o negro é fiel,
submisso, ou é selvagem, fujão, vingativo, perigoso
para a sociedade. O estereótipo sociológico se
configura com uma grande violência, pois retira do
negro a humanidade, marmorizando-o em uma
pedra de apenas uma dimensão, (ou bondade, ou
maldade) esquecendo que o ser humano é um ser
contraditório, complexo, e que traz em si ambos
sentimentos. É esta a verdadeira dialética da
realidade humana que o poeta apresenta no poema
“Negros”.
A negação, (não são meus irmãos), encontrada ao
longo do poema, torna-se essencial para a
compreensão do processo de humanização: o
163
espírito negador transcende a indiferença narcísica.
Ao negar, o eu lírico, que se identifica com o
excluído, impõe a identidade destes marginalizados,
desestruturando a forma fixa de ser visto.
Através da leitura do poema fica patente que o negro
não foi apenas vítima e que serviu ao opressor.
Assim fazendo, o poeta descongela as estereotipias
em que foi plasmada a figura do negro. Como bem
expressa Lacan, o “outro é uma matriz de dupla
entrada” (Bhabha 1998: 87). Ou seja, o ser humano
é ambíguo, antagônico em seus desejos e, por isso,
jamais homogeneizado, fixo.
A leitura do poema revela, pois, uma crítica à
obsessiva reconstituição de uma identidade
supostamente estável, fixa, imobilizada como uma
fotografia. A dinamicidade complexa é que deveria
constituir o jogo necessário para uma distinção entre
alteridade e diferença, uma vez que a cultura póscolonial supõe extirpar as raízes únicas e deixar
aflorarem as estratégias alternativas de
representação para articular as diferenças históricas
e os valores em construção. Através da explicitação
da diferença entre os negros (irmãos e não-irmãos),
recupera-se
uma
ordem
identitária
de
representações ethoetnoculturais que expressam
uma matriz contaminada pelo processo de
assimilação colonial, mas possibilitando a afirmação
da alteridade na diferença, cujo paradigma foi aberto
por Frantz Fanon, Aimé Césaire e Léopold Senghor,
como resposta identitária étnica ao excludente
universalismo colonialista.
Através do poema “Negros”, o poeta evidencia que é
necessário visualizar a diferença, a identidade
heterogênica, a fim de perceber o entre-lugar da
subjetividade pós-colonial, em que se evidencia a
permanência do outro, a falta, a perda, a não
coincidência dos sujeitos. Ao apresentar o negro em
sua diferença, o poeta explicita o fato de o próprio
negro optar por sua subjetividade, ou seja, ele
escolhe servir ao opressor ou unir-se ao negro
oprimido. Essa opção é o caminho e o meio para
que o Negro se manifeste como um ser humanizado,
desvelando-se e opondo suas várias faces diante da
imagem fixa, estereotipada. No poema o eu lírico
rejeita o olhar maniqueísta presente nas
estereotipias na qual o negro era a vítima, ou o
negro bestial, o selvagem fadado à extinção. Desta
maneira o projeto poético de Solano Trindade se
concretiza, ou seja, ele concede a sua ARMA
poética um caráter humanizador.
----Obras citadas
ARAÚJO, Ari. 1986. “Por um pensamento negro-brasileiro; a
reversibilidade do espelho”. Estudos afro-asiáticos (Rio de
Janeiro) 12 (ago.): 63-79.
BERND, Zilá. 1988. Introdução à Literatura negra. São Paulo:
Brasiliense.
BHABHA, Homi. 1998. O local da cultura. Tradução de Myrian
Ávila et al. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
FANON, Franz. 1983. Pele negra, máscara branca. Tradução
de Adriano Caldas. Rio de Janeiro: Fator.
FONSECA, Maria Nazareth Soares, org. 2000. Brasil afrobrasileiro. Belo Horizonte: Autêntica.
GIACOMINI, Sônia Maria. 1988. Mulher e escrava: uma
introdução histórica ao estudo da mulher negra no Brasil.
Petrópolis: Vozes.
MUSSA, Alberto Baeta Neves. 1989. “Estereótipos de negro na
literatura brasileira: sistema e motivação histórica”. Estudos
Afro-asiáticos (Rio de Janeiro) 16 (jan.-jun.): 70-87.
TRINDADE, Solano. 1944. Poemas de uma vida simples. Rio
de Janeiro: [s.e.].
——. 1961. Cantares ao meu povo. São Paulo: Fulgor, 1961.
——. 1988. Tem gente com fome e outros poemas. Rio de
Janeiro: Departamento Geral da Imprensa Oficial, 1988.
Fontes:
Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. volume 17-A .
Londrina; UEL, dez. 2009
164
A bica do maldizente
Que vive de reprovar;
É igual à boca da noite,
Que ninguém pode fechar.
Afirmação que interessa
Tanto ao fraco quanto ao forte:
Quem açambarca a fortuna,
Desconhece a lei da morte.
Ante a Lei de Causa e Efeito
Que nos libera ou detém,
Há muito bem que faz mal,
Muito mal produz o Bem.
A pessoa ponderada
Aceita o dever, age e pensa;
Não exagera perguntas,
Falar demais é doença.
As minhas trovas de agora;
Não guardam nada de novo,
São pensamentos dos sábios;
Com pensamentos do povo.
Até que haja na Terra
Limpeza de alma segura,
Todos nós carregaremos
Um pouco de loucura.
Computador é progresso,
Facilidade de ação,
Prodígio da inteligência,
Mas precisa direção.
Convidado para a festa
Não se adianta, nem demora,
Nunca surge tarde ou cedo,
Dará presença na hora.
Da multidão dos enfermos
Que sempre busco rever
O doente mais doente
É o que não sabe sofrer.
Diz o mundo que a nobreza
Nasce de berço opulento,
Mas qualquer pessoa é nobre,
Conforme o procedimento.
Em questões de livre-arbítrio,
Discernimento é preciso;
Todos temos liberdade,
O que nos falta é juízo.
Eis uma dupla correta
Que na vida é sempre clara:
O sofrimento nos une,
A opinião nos separa.
Estes versos me nasceram
Na intimidade do peito,
Se alguém lhes der atenção;
Fico grato e satisfeito.
Existem casos ocultos
Nos corações intranqüilos
Que, a benefício dos outros,
Não se deve descobri-los.
Existem homens famosos,
E muitos deles ateus,
Esquecidos de que moram
No grande Mundo de Deus.
Fenômeno admirável
165
Para os crentes e os ateus;
Notar em cada pessoa
A paciência de Deus.
Não te irrites, nem fraquejes;
Quando mais te desconfortas,
A tua vida é uma casa
Com saída de cem portas.
Não te revoltes se levas
Uma existência sofrida,
A provação, quando chega,
Age em defesa da vida.
No corre-corre dos homens
Há quadros fenomenais.
Anota: Quem sabe menos;
É fala muito mais.
No que fazer e fizeste
Registra em paz o que tens;
Há muitos bens que são males,
Muitos males que são bens
Age fora do juízo.
Sem sofrimento em nós mesmos,
Não se sabe o que se é,
Não se sabe da ingenuidade
Nem se sabe se tem fé.
Silêncio é um amigo certo,
Guardando virtudes raras,
No entanto, a palavra livre,
Às vezes, tem muitas caras.
Sociedade é um jardim
De expressão risonha e bela;
Entretanto, a convivência
Exige muita cautela.
Vinha do enterro do avô,
Mas jogou na loteria;
Ganhando cem mil reais,
Antônio chorava e ria.
Cornélio Pires (1884 – 1958)
Observando a mim mesmo,
Anoto em linhas gerais;
Os nossos irmãos mais loucos
Estão fora de hospitais.
Cornélio Pires (Tietê, 13 de julho de 1884 — São
Paulo, 17 de fevereiro de 1958) foi um jornalista,
escritor, folclorista e espírita brasileiro. Foi um
importante etnógrafo da cultura caipira e do dialeto
caipira.
O orgulho é uma enfermidade
Na pessoa o que se aferra,
Doença que a vida cura
Usando emplastros de terra.
Cornélio Pires nasceu na cidade de Tietê, Estado de
São Paulo, no dia 13 de julho de 1884, e a sua
desencarnação aconteceu na cidade de S. Paulo, no
dia 17 de fevereiro de 1958.
Provérbio antigo que achei,
Entre nobres companheiros:
"O avarento passa fome
Para luxo dos herdeiros ".
Homem de personalidade inconfundível, tornou-se
figura popular e de bastante destaque em todo o
Brasil, graças ao trabalho, por ele encetado, de
viajar pelas cidades do Interior do Estado de S.
Paulo e outros Estados, estreando na condição de
caipira humorista.
Quem quiser auxiliar
De qualquer modo auxilia;
Quem não quer, manda fazer
Ou deixa para outro dia.
Quem quiser saber o início
Das grandes obras do Bem,
Procure ajudar aos outros,
Nem fale mal de ninguém.
Em 1910, Cornélio Pires, apresentou no Colégio
Mackenzie hoje Universidade Presbiteriana
Mackenzie, em São Paulo, um espetáculo que
reuniu catireiros, cururueiros, e duplas de
cantadores do interior. O Colégio Mackenzie foi
fundado e sempre mantido pela Igreja Presbiteriana,
à qual Cornélio Pires pertencia.
Sabedoria só age
No que for justo e preciso;
Mas a Ciência, por vezes,
Em sua juventude aspirava participar de um
concurso de admissão numa Faculdade de
Farmácia. Animado desse propósito viajou de Tietê
166
para S. Paulo, a fim de se inscrever como candidato
a um desses concursos, porém, apesar do seu
desempenho não logrou êxito nesse seu intento.
Ambicionando cursar a Faculdade de Farmácia,
deslocou-se de Tietê para a cidade de São Paulo, a
fim de prestar concurso de admissão. Não teve
sucesso em seu intento.
Tomou então a deliberação de dedicar-se ao
jornalismo, passando a trabalhar na redação do
jornal O Comércio de São Paulo, em cujo cargo
desenvolveu um aprendizado bastante estafante.
Posteriormente passou a exercer atividades nos
jornais O São Paulo e O Estado de São Paulo,
tradicional órgão da imprensa paulista, onde
desempenhou a função de revisor e, finalmente, no
ano de 1914, passou a dar a sua contribuição ao
órgão O Pirralho.
Numerosos escritores teceram comentários sobre a
personalidade de Cornélio Pires e, para ilustração,
passemos a citar Joffre Martins Veiga, que em seu
trabalho A Vida Pitoresca de Cornélio Pires,
escreveu " Ninguém amou tanto a sua gente como
Cornélio Pires; ninguém se preocupou tanto com
seus semelhantes como esse homem, que foi, antes
de tudo, um Bom". O famosos poeta Martins Fontes,
por sua vez, escrevendo sobre ele, afirmou: "é um
bandeirante puro, um artista incansável,
enobrecedor da Pátria e enriquecedor da língua".
Admirado também pelo grande jornalista Amadeu
Amaral, este deu-lhe a sugestão de tornasse um dos
maiores divulgadores do folclore brasileiro.
Pelos idos de 1910, Cornélio Pires lançou o livro
Musa Caipira, obra que foi largamente saudada pela
crítica, graças ao seu conteúdo tipicamente
brasileiro. Sílvio Romero tornou-se um dos seus
mais salientes críticos, comentando da seguinte
forma o lançamento dessa obra: " Apreciei
imensamente o chiste, a cor local, a graça, a
espontaneidade de suas produções que, além do
seu valor intrínseco, são um ótimo documento para o
estudo dos brasileirismos da nossa linguagem".
Foi autor de mais de vinte livros, nos quais procurou
registrar o vocabulário, as músicas, os termos e
expressões usadas pelos caipiras. No livro
"Conversas ao Pé do Fogo", Cornélio Pires faz uma
descrição detalhada dos diversos tipos de caipiras e,
ainda no mesmo livro, ele publica o seu "Dicionário
do Caipira". Na obra "Sambas e Cateretês" recolhe
inúmeras letras de composições populares, muitas
das quais hoje teriam caído no esquecimento se não
tivessem sido registradas nesse livro. A importância
de sua pesquisa começa a ser reconhecida nos
meios acadêmicos no uso e nas citações que de sua
obra faz Antonio Candido, professor na Universidade
de São Paulo, o nosso maior estudioso da
sociedade e da cultura caipira, especialmente no
livro Os Parceiros do Rio Bonito.
Foi o primeiro a conseguir que a indústria
fonográfica brasileira lançasse, em 1928, em discos
de 78 Rpm, a música caipira. Segundo José de
Souza Martins, Cornélio Pires foi o criador da música
sertaneja, mediante a adaptação da música caipira
ao formato fonográfico e à natureza do espetáculo
circense, já que a música caipira é originalmente
música litúrgica do catolicismo popular, presente nas
folias do Divino, no cateretê e na catira (dança ritual
indígena, durante muito tempo vedada às mulheres,
catolicizada no século XVI pelos padres jesuítas), no
cururu (dança indígena que os missionários
transformaram na dança de Santa Cruz, ainda hoje
dançada no terreiro da igreja da Aldeia de
Carapicuíba, em São Paulo, por descendentes dos
antigos índios aldeados, nos primeiros dias de maio,
na Festa da Santa Cruz, a mais caipira das festas
rurais de São Paulo).
A criação de Cornélio Pires permitiu à nascente
música caipira comercial, que chegou aos discos
78rpm libertar-se da antiga música caipira original,
ganhar vida própria e diversificar seu estilo.
Atualmente a música caipira é chamada de música
raiz para se diferenciar da música sertaneja. A
música caipira dos discos 78rpm nasce, no final da
década de 1920, como o último episódio de
afirmação de uma identidade paulista após a
abolição da escravatura, em 1888, que teve seu
primeiro grande episódio na pintura, especialmente a
do piracicabano Almeida Júnior, expressa em obras
como "Caipira picando fumo", "Amolação
interrompida", dentre outras. A ironia e a crítica
social da música sertaneja originalmente proposta
por Cornélio Pires, situa-se na formação do nosso
pensamento conservador, que se difundiu como
crítica da modernidade urbana. O melhor exemplo
disso é a "Moda do bonde camarão", uma das
primeiras músicas sertanejas e uma ferina ironia
sobre o mundo moderno.
167
No início do presente século, Cornélio Pires
começou a freqüentar a Igreja Presbiteriana,
entretanto não conseguiu conciliar os ensinamentos
dessa religião com o seu modo de pensar. Ele não
admitia a existência das penas eternas e de um
Deus que desse preferência aos seguidores de
determinadas religiões. O demasiado apego aos
formalismos da letra, na interpretação dos textos
evangélicos fez com que ele quase descambasse
para o materialismo.
Nessa época ele desconhecia o que era Espiritismo,
entretanto, durante as suas viagens ao Interior,
aconteceram com ele vários fenômenos mediúnicos,
inclusive algumas comunicações do Espírito Emilio
de Menezes, as quais muito o impressionaram.
Como conseqüência ele passou a estudar obras
espíritas principalmente as de Allan Kardec, Leon
Denis, Albert de Rochas e alguns livros
psicografados pelo médium Francisco Cândido
Xavier.
Dali por diante integrou-se decididamente no
Espiritismo, interessando-se muito pelos fenômenos
de efeitos físicos. Nos anos de 1944 a 1947 ele
escreveu os livros Coisas do Outro Mundo e Onde
estás, ó morte?, tendo desencarnado quando
escrevia Coletânea Espírita.
De sua vasta bibliografia destacamos: Musa Caipira,
Versos Velhos, Cenas e Paisagens de minha Terra,
Monturo, Quem conta um conto, Conversas ao Pé
do Fogo, Estrambóticas Aventuras de Joaquim
Bentinho - O Queima Campo, Tragédia Cabocla,
Patacoadas, Seleta Caipira, Almanaque do Saci,
Mixórdias, Meu Samburá, Sambas e Cateretês,
Tarrafas, Chorando e Rindo, De Roupa Nova, Só
Rindo, Ta no Bocó, Quem conta um Conto e outros
Contos..., Enciclopédia de anedotas e Curiosidades,
além dos dois livros espíritas acima citados.
Num de dos seus escritos sobre o Espiritismo, dizia
ele: " O Espiritismo, mais cedo ou mais tarde, fará
aos católicos romanos, aos protestantes e aos
adeptos de outros credos, a caridade de robustecerlhes a Fé, com os fatos que provam a imortalidade
da Alma, que se transforma em Espírito ao deixar o
invólucro material" e mais adiante " O Espiritismo
nos proporciona a FÉ RACIOCINADA, nos arrebata
ao jugo do dogma e nos ensina a compreender
DEUS como Ele é".
Pouco antes de sua morte, Cornélio Pires,
demonstrando que havia assimilado o preceito de
Jesus Cristo: " Amai ao próximo como a ti mesmo",
voltou para a cidade do Tietê e ali comprou uma
chácara, onde fundou a " Granja de Jesus", lar
destinado a crianças desamparadas. Infelizmente
ele não chegou a ver a conclusão da obra.
Cornélio Pires chegou a organizar o " Teatro
Ambulante Cornélio Pires" perambulando de cidade
em cidade, sendo aplaudido por toda a população
brasileira por onde passava. Esse intento foi
concretizado após ter abandonado a carreira
jornalística.
Causos sobre Cornélio
Cornélio foi descendente de Bandeirantes, era filho
de Raimundo Pires de Campos e de Ana Joaquina
de Campos Pinto, (D. Nicota), nasceu antes do
tempo, pois Tia Nicota, grávida de Cornélio,
escorregou em uma casca de laranja, caiu sentada e
passou a sentir fortes dores, acabou indo para a
cama por volta das 11 horas. Quando Tio Raimundo
chegou da roça, teve que cortar o cordão umbilical
do recém nascido.
Como vê, nascido antes do tempo e ainda com o
nome trocado. E o próprio escritor diz: "Meu nome
tem a sua historia". Uma de minhas tias maternas
andava de namoro com um parente chamado
Rogério Daunt, e foi ela que me levou a Pia
Batismal. Ao me batizar, Padre Gaudêncio de
Campos, que era nosso parente, e nesta época já
bem velho e muito surdo, pergunta: "Como se
chama o inocente?". Ao que responde sua Tia,
"Rogério". E o Padre – "Eu te batizo, Cornélio...".
E Cornélio crescia, porém desde cedo revelou-se um
chorão de primeira, por qualquer motivo soltava as
lágrimas. Certa feita, sua mãe o levou para visitar
alguns parentes, e em meio a conversa com os
adultos, ele começou a chorar sem nenhuma razão.
A dona da casa, muito preocupada, desdobrou-se
para acalmá-lo dizendo: -Que é isso Cornélio..., o
que você tem? – Perguntou ela com ternura, alisoulhe os cabelos loiros e deu-lhe uma moeda de
alguns reis. – Tá, tome este presentinho pra calar o
bico. Coitadinho! O menino parou de chorar, limpou
as lágrimas com as costas das mãos e exclamou. –
Ah! A senhora pensa que eu choro por dinheiro? E
168
bem rápido, agarrou o níquel, enfiou no bolso da
calça de brim e iniciou outra choradeira.
De outra feita, um outro tio, muito zombeteiro,
sempre que o encontrava, dava-lhe amáveis e
doidos piparotes na cabeça. A brincadeira tornou-se
monótona pela repetição. O menino não gostava dos
gracejos, porém, nunca se queixou aos pais. D.
Nicota, contudo, soube dos que se passava e
recomendou ao filho, entre divertida e indignada. –
Quando ele bater outra vez, você responda que não
foi batizado por Cabeçudo. Certo domingo, o garoto
se dirigia ao jardim, quando se encontrou com o
parente e este repetiu o gesto e usou da mesma
expressão. Cornélio, pensando no que sua mãe lhe
disse, foi logo dizendo todo atrapalhado. – "Não fui
BATIZUDO por CABECADO! E saiu de cara
amarrada entre risos dos presentes.
Outra passagem, ocorreu em uma das tentativas de
alfabetização de Cornélio. Seus pais já cansados em
tentativas frustradas, conheceram um grande sábio
dinamarquês, Alexandre Hummel, um professor
ideal para o filho, pensavam os pais. Hummel era
pobre, solteiro, sóbrio, vivia em hotéis quando podia,
altivo de caráter. Vivia baixando em fazendas,
lecionando quase que só a troca de cama e mesa.
Ensinava tudo o que lhe pediam e dominava muito
bem o português. Com a morte de Ruy Barbosa, o
jornal "O Tietê" encomendou-lhe uma reportagem. O
sábio Dinamarquês, sentou-se a mesa da redação e
redigiu um bonito artigo sobre Ruy Barbosa, sem
consultar livros ou biografias. Hummel era dono de
uma memória prodigiosa, dominador de vários
idiomas, tinha um bom senso de humor, porém não
era humorista, no sentido popular. Isto não lhe
deixava entender ou tolerar um menino gordo, muito
feio, cheio de vontades. Talvez no seu íntimo, vendo
a desatenção do caipirinha, às vezes o tachasse de
burro. Mas não foi o que disse um dia irritado. –
"CORRRNELIO PIRRES", você e muito
"INTELICHENTE, mas e muito "IGNORRANTE"!.
Já crescido, por volta de 1907, conhecido como
Tibúrcio, este apelido, ele ganhou na passagem de
um circo pela cidade, que possuía um orangotango
chamado de Tibúrcio, seus amigos achando alguma
semelhança, passaram então a chamá-lo de
Tibúrcio. Cornélio foi trabalhar, a convite de um tal
Dr.Vieira, na redação do jornal "O Movimento",
semanário político que circulava na cidade de São
Manoel, em S.P. Certa noite, alguém lançou um
concurso de feiúra e divulgou pela cidade. Poucas
semanas depois, o redator do jornal de Dr. Vieira,
anunciou que, Cornélio Pires, ele mesmo, ganhara o
concurso – por unanimidade! - O tieteense sempre
brincalhão, achou graça e cooperou no certame para
sua melhor performance. No dia da entrega do
premio, lá estava o vencedor pronto para receber
seu premio: "Uma corda para se enforcar"!
Esta outra ocorreu pelo ano de 1933, já beirando os
49 anos, com a afamada superstição do numero 13.
Um grande amigo das noitadas de Cornélio o
encontrou sentado em um banco na Praça do
Patriarca muito pensativo. Começaram a conversar
e em pouco tempo estava formada a tradicional roda
em volta dos dois. Alguém fez referências ao acaso
de certas pessoas serem perseguidas pelo numero
13. Cornélio com aquele jeitão, achando sempre um
"a propósito" para todos os casos, chamou a
atenção da roda. – Pois saibam vocês que tenho
grande predileção pelo número 13, e sou por ele
fartamente retribuído. E Cornélio começou sua
descritiva:
Cornélio Pires – 13 letras. Vi a luz em Julho – 13
letras. Nasci no dia treze – 13 letras. Século
passado – 13 letras. Eu sou paulista – 13 letras. Sou
brasileiro – 13 letras. Nasci no Brasil – 13 letras. Sul
de São Paulo – 13 letras. Cidade de Tietê – 13
letras. D.Anna Joaquina (minha mãe) – 13 letras.
Raimundo Pires (meu pai) – 13 letras. Poeta e
caipira – 13 letras. Poeta e "conteur" 13 letras.
Conferencista – 13 letras. Escrevo livros – 13 letras.
Sou muito pobre – 13 letras. Sou muito feliz – 13
letras. Eu sou solteiro – 13 letras. Amei treze "emes"
(o M e a 13 letra do alfabeto) – 13 letras. E o escritor
regionalista concluiu: Não cito os nomes das minhas
13 namoradas, porque, vocês compreendem... E
com esta, até logo. – Para aonde vais? - Vou tomar
Bonde! – E note uma coisa, que sua pergunta e
minha resposta, ambas tem 13 letras!
Até doente Cornélio ainda mostrava sua veia de
humorista. Esta aconteceu no hospital que Cornélio
estava internado, em São Paulo. Ele recebia visitas
de parentes, em seu quarto, quando entrou uma
enfermeira com sua medicação diária. Era composta
de comprimidos e de uma injeção. Tomou os
comprimidos enquanto a enfermeira preparava a
seringa. Virou-se ela e perguntou. – Sr. Cornélio,
aonde quer que aplique esta injeção? Cornélio olhou
para os braços já todos picados, olhou para cima,
169
para os lados e sem cerimônia disse: - Pode aplicar
ali na parede mesmo!
tinha 74 anos incompletos. Foi enterrado de pijamas
e descalço, conforme sua vontade.
Algum tempo depois, em 17 de Fevereiro de 1958,
as 2:30 h , falecia Cornélio Pires no Hospital das
Clínicas de São Paulo, vítima de câncer na laringe.
Seus restos mortais foram trasladados no mesmo
dia para sua cidade natal e sepultados no cemitério
local. Faleceu solteiro convicto e em plena lucidez,
Fontes:
http://www.widesoft.com.br/users/pcastro4/biogrcp.htm
http://www.espiritismogi.com.br/biografias/cornelio.htm
http://pt.wikipedia.org/
PIRES, Cornélio. "Alma Do Povo" – Médium: Francisco Cândido
Xavier, 1995.
Machado de Assis
Um homem célebre
— AH! o SENHOR é que é o Pestana? perguntou
Sinhazinha Mota, fazendo um largo gesto
admirativo. E logo depois, corrigindo a familiaridade:
— Desculpe meu modo, mas. .. é mesmo o senhor?
a saracotear a polca da moda. Da moda, tinha sido
publicada vinte dias antes, e já não havia recanto da
cidade em que não fosse conhecida. Ia chegando à
consagração do assobio e da cantarola noturna.
Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sim,
que era ele. Vinha do piano, enxugando a testa com
o lenço, e ia a chegar à janela, quando a moça o fez
parar. Não era baile; apenas um sarau íntimo, pouca
gente, vinte pessoas ao todo, que tinham ido jantar
com a viúva Camargo, Rua do Areal, naquele dia
dos anos dela, cinco de novembro de 1875... Boa e
patusca viúva! Amava o riso e a folga, apesar dos
sessenta anos em que entrava, e foi a última vez
que folgou e riu, pois faleceu nos primeiros dias de
1876. Boa e patusca viúva! Com que alma e
diligência arranjou ali umas danças, logo depois do
jantar, pedindo ao Pestana que tocasse uma
quadrilha! Nem foi preciso acabar o pedido; Pestana
curvou-se gentilmente, e correu ao piano. Finda a
quadrilha, mal teriam descansado uns dez minutos,
a viúva correu novamente ao Pestana para um
obséquio mui particular.
Sinhazinha Mota estava longe de supor que aquele
Pestana que ela vira à mesa de jantar e depois ao
piano, metido numa sobrecasaca cor de rapé, cabelo
negro, longo e cacheado, olhos cuidosos, queixo
rapado, era o mesmo Pestana compositor; foi uma
amiga que lho disse quando o viu vir do piano,
acabada a polca. Daí a pergunta admirativa. Vimos
que ele respondeu aborrecido e vexado. Nem assim
as duas moças lhe pouparam finezas, tais e tantas,
que a mais modesta vaidade se contentaria de as
ouvir; ele recebeu-as cada vez mais enfadado, até
que, alegando dor de cabeça, pediu licença para
sair. Nem elas, nem a dona da casa, ninguém logrou
retê-lo. Ofereceram-lhe remédios caseiros, algum
repouso, não aceitou nada, teimou em sair e saiu.
— Diga, minha senhora.
— É que nos toque agora aquela sua polca Não
Bula Comigo, Nhonhô.
Pestana fez uma careta, mas dissimulou depressa,
inclinou-se calado, sem gentileza, e foi para o piano,
sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros compassos,
derramou-se pela sala uma alegria nova, os
cavalheiros correram às damas, e os pares entraram
Rua fora, caminhou depressa, com medo de que
ainda o chamassem; só afrouxou, depois que dobrou
a esquina da Rua Formosa. Mas aí mesmo
esperava-o a sua grande polca festiva. De uma casa
modesta, à direita, a poucos metros de distância,
saíam as notas da composição do dia, sopradas em
clarineta. Dançava-se. Pestana parou alguns
instantes, pensou em arrepiar caminho, mas dispôsse a andar, estugou o passo, atravessou a rua, e
seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. As
notas foram-se perdendo, ao longe, e o nosso
homem entrou na Rua do Aterrado, onde morava. Já
170
perto de casa, viu vir dois homens: um deles,
passando rentezinho com o Pestana, começou a
assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o
outro pegou a tempo na música, e aí foram os dois
abaixo, ruidosos e alegres, enquanto o autor da
peça, desesperado, corria a meter-se em casa.
Em casa, respirou. Casa velha. escada velha. um
preto velho que o servia, e que veio saber se ele
queria cear.
— Não quero nada, bradou o Pestana: faça-me café
e vá dormir.
Despiu-se, enfiou uma camisola, e foi para a sala
dos fundos. Quando o preto acendeu o gás da sala,
Pestana sorriu e, dentro d'alma, cumprimentou uns
dez retratos que pendiam da parede. Um só era a
óleo, o de um padre, que o educara, que lhe
ensinara latim e música, e que, segundo os ociosos,
era o próprio pai do Pestana. Certo é que lhe deixou
em herança aquela casa velha, e os velhos trastes,
ainda do tempo de Pedro I. Compusera alguns
motetes o padre, era doudo por música, sacra ou
profana, cujo gosto incutiu no moço, ou também lhe
transmitiu no sangue, se é que tinham razão as
bocas vadias, cousa de que se não ocupa a minha
história, como ides ver.
Os demais retratos eram de compositores clássicos,
Cimarosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach,
Schumann, e ainda uns três, alguns, gravados,
outros litografados, todos mal encaixilhados e de
diferente tamanho, mas postos ali como santos de
uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da noite
lá estava aberto: era uma sonata de Beethoven.
Veio o café; Pestana engoliu a primeira xícara, e
sentou-se ao piano. Olhou para o retrato de
Beethoven, e começou a executar a sonata, sem
saber de si, desvairado ou absorto, mas com grande
perfeição. Repetiu a peça, depois parou alguns
instantes, levantou-se e foi a uma das janelas.
Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um
trecho, e executou-o do mesmo modo, com a alma
alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda
xícara de café.
Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais
fez que estar à janela e olhar para as estrelas, entrar
e olhar para os retratos. De quando em quando ia ao
piano, e, de pé, dava uns golpes soltos no teclado,
como se procurasse algum pensamento mas o
pensamento não aparecia e ele voltava a encostarse à janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas
notas musicais fixadas no céu à espera de alguém
que as fosse descolar; tempo viria em que o céu
tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma
constelação de partituras. Nenhuma imagem,
desvario ou reflexão trazia uma lembrança qualquer
de Sinhazinha Mota, que entretanto, a essa mesma
hora, adormecia, pensando nele, famoso autor de
tantas polcas amadas. Talvez a idéia conjugal tirou à
moça alguns momentos de sono. Que tinha? Ela ia
em vinte anos, ele em trinta, boa conta. A moça
dormia ao som da polca, ouvida de cor, enquanto o
autor desta não cuidava nem da polca nem da moça,
mas das velhas obras clássicas, interrogando o céu
e a noite, rogando aos anjos, em último caso ao
diabo. Por que não faria ele uma só que fosse
daquelas páginas imortais?
Às vezes, como que ia surgir das profundezas do
inconsciente uma aurora de idéia: ele corria ao piano
para aventá-la inteira, traduzi-la, em sons, mas era
em vão: a idéia esvaía-se. Outras vezes, sentado,
ao piano, deixava os dedos correrem, à ventura, a
ver se as fantasias brotavam deles, como dos de
Mozart: mas nada, nada, a inspiração não vinha, a
imaginação deixava-se estar dormindo. Se acaso
uma idéia aparecia, definida e bela, era eco apenas
de alguma peça alheia, que a memória repetia, e
que ele supunha inventar. Então, irritado, erguia-se,
jurava abandonar a arte, ir plantar café ou puxar
carroça: mas daí a dez minutos, ei-lo outra vez, com
os olhos em Mozart, a imitá-lo ao piano.
Duas, três, quatro horas. Depois das quatro foi
dormir; estava cansado, desanimado, morto; tinha
que dar lições no dia seguinte. Pouco dormiu;
acordou às sete horas. Vestiu-se e almoçou.
— Meu senhor quer a bengala ou o chapéu-de-sol?
perguntou o preto, segundo as ordens que tinha.
porque as distrações do senhor eram freqüentes.
— A bengala.
— Mas parece que hoje chove.
— Chove, repetiu Pestana maquinalmente.
— Parece que sim, senhor, o céu está meio escuro.
Pestana olhava para o preto, vago, preocupado. De
repente:
— Espera aí.
171
Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se
e espalmou as mãos no teclado. Começou a tocar
alguma cousa própria, uma inspiração real e pronta,
uma polca, uma polca buliçosa, como dizem os
anúncios. Nenhuma repulsa da parte do compositor;
os dedos iam arrancando as notas, ligando-as,
meneando-as; dir-se-ia que a musa compunha e
bailava a um tempo. Pestana esquecera as
discípulas, esquecera o preto, que o esperava com a
bengala e o guarda-chuva, esquecera até os retratos
que pendiam gravemente da parede. Compunha só,
teclando ou escrevendo, sem os vãos esforços da
véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu,
sem interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tédio.
Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma como
de uma fonte perene.
Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda
alguns pontos, quando voltou para jantar: mas já a
cantarolava, andando, na rua. Gostou dela; na
composição recente e inédita circulava o sangue da
paternidade e da vocação. Dois dias depois, foi levála ao editor das outras polcas suas, que andariam já
por umas trinta. O editor achou-a linda.
— Vai fazer grande efeito.
Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a
primeira polca, em 1871, quis dar-lhe um título
poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor
abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam
ser, já de si, destinados à popularidade, ou por
alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das
palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro,
ou Candongas Não Fazem Festa.
— Mas que quer dizer Candongas Não Fazem
Festa? perguntou o autor.
— Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das
denominações e guardou a polca, mas não tardou
que compusesse outra, e a comichão da publicidade
levou-o a imprimir as duas, com os títulos que ao
editor parecessem mais atraentes ou apropriados.
Assim se regulou pelo tempo adiante.
Agora, quando Pestana entregou a nova polca, e
passaram ao título, o editor acudiu que trazia um,
desde muitos dias, para a primeira obra que ele lhe
apresentasse, título de espavento, longo e meneado.
Era este: Senhora Dona, Guarde o Seu Balaio.
— E para a vez seguinte, acrescentou, já trago outro
de cor.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das
denominações compositor bastava à procura; mas a
obra em si mesma era adequada ao gênero, original,
convidava a dançá-la e decorava-se depressa. Em
oito dias, estava célebre. Pestana, durante os
primeiros, andou deveras namorado da composição,
gostava de a cantarolar baixinho, detinha-se na rua,
para ouvi-la tocar em alguma casa, e zangava-se
quando não a tocavam bem. Desde logo, as
orquestras de teatro a executaram, e ele lá foi a um
deles. Não desgostou também de a ouvir assobiada,
uma noite, por um vulto que descia a Rua do
Aterrado.
Essa lua-de-mel durou apenas um quarto de lua.
Como das outras vezes, e mais depressa ainda, os
velhos mestres retratados o fizeram sangrar de
remorsos. Vexado e enfastiado, Pestana arremeteu
contra aquela que o viera consolar tantas vezes,
musa de olhos marotos e gestos arredondados, fácil
e graciosa. E aí voltaram as náuseas de si mesmo, o
ódio a quem lhe pedia a nova polca da moda, e
juntamente o esforço de compor alguma cousa ao
sabor clássico, uma página que fosse, uma só, mas
tal que pudesse ser encadernada entre Bach e
Schumann. Vão estudo, inútil esforço. Mergulhava
naquele Jordão sem sair batizado. Noites e noites,
gastou-as assim, confiado e teimoso, certo de que a
vontade era tudo, e que, uma vez que abrisse mão
da música fácil...
— As polcas que vão para o inferno fazer dançar o
diabo, disse ele um dia, de madrugada, ao deitar-se.
Mas as polcas não quiseram ir tão fundo. Vinham à
casa de Pestana, à própria sala dos retratos,
irrompiam tão prontas, que ele não tinha mais que o
tempo de as compor, imprimi-las depois, gostá-las
alguns dias, aborrecê-las, e tornar às velhas fontes,
donde lhe não manava nada. Nessa alternativa viveu
até casar, e depois de casar.
— Casar com quem? perguntou Sinhazinha Mota ao
tio escrivão que lhe deu aquela notícia.
— Vai casar com uma viúva.
— Velha?
172
— Vinte e sete anos.
— Bonita?
— Não, nem feia, assim, assim. Ouvi dizer que ele
se enamorou dela, porque a ouviu cantar na última
festa de S. Francisco de Paula. Mas ouvi também
que ela possui outra prenda, que não é rara, mas
vale menos: está tísica.
Os escrivães não deviam ter espírito, — mau
espírito, quero dizer. A sobrinha deste sentiu no fim
um pingo de bálsamo, que lhe curou a dentadinha
da inveja. Era tudo verdade. Pestana casou daí a
dias com uma viúva de vinte e sete anos, boa
cantora e tísica. Recebeu-a como a esposa espiritual
do seu gênio. O celibato era, sem dúvida, a causa
da esterilidade e do transvio, dizia ele consigo,
artisticamente considerava-se um arruador de horas
mortas; tinha as polcas por aventuras de petimetres.
Agora, sim, é que ia engendrar uma família de obras
sérias, profundas, inspiradas e trabalhadas.
Essa esperança abotoou desde as primeiras horas
do amor, e desabrochou à primeira aurora do
casamento. Maria, balbuciou a alma dele, dá-me o
que não achei na solidão das noites, nem no tumulto
dos dias.
Desde logo, para comemorar o consórcio, teve idéia
de compor um noturno. Chamar-lhe-ia Ave, Maria. A
felicidade como que lhe trouxe um princípio de
inspiração; não querendo dizer nada à mulher, antes
de pronto, trabalhava às escondidas; cousa difícil
porque Maria, que amava igualmente a arte, vinha
tocar com ele, ou ouvi-lo somente, horas e horas, na
sala dos retratos. Chegaram a fazer alguns
concertos semanais, com três artistas, amigos do
Pestana. Um domingo, porém, não se pôde ter o
marido, e chamou a mulher para tocar um trecho do
noturno; não lhe disse o que era nem de quem era.
De repente, parando, interrogou-a com os olhos.
— Acaba, disse Maria, não é Chopin?
Pestana empalideceu, fitou os olhos no ar, repetiu
um ou dois trechos e ergueu-se. Maria assentou-se
ao piano, e, depois de algum esforço de memória,
executou a peça de Chopin. A idéia, o motivo eram
os mesmos; Pestana achara-os em algum daqueles
becos escuros da memória, velha cidade de
traições. Triste, desesperado, saiu de casa, e dirigiuse para o lado da ponte, caminho de S. Cristóvão.
— Para que lutar? dizia ele. Vou com as polcas. . .
Viva a polca!
Homens que passavam por ele, e ouviam isto,
ficavam olhando, como para um doudo. E ele ia
andando, alucinado, mortificado, eterna peteca entre
a ambição e a vocação. . . Passou o velho
matadouro; ao chegar à porteira da estrada de ferro,
teve idéia de ir pelo trilho acima e esperar o primeiro
trem que viesse e o esmagasse. O guarda fê-lo
recuar. Voltou a si e tornou a casa.
Poucos dias depois, — uma clara e fresca manhã de
maio de 1876, — eram seis horas, Pestana sentiu
nos dedos um frêmito particular e conhecido.
Ergueu-se devagarinho, para não acordar Maria, que
tossira toda noite, e agora dormia profundamente.
Foi para a sala dos retratos, abriu o piano, e, o mais
surdamente que pôde, extraiu uma polca. Fê-la
publicar com um pseudônimo; nos dois meses
seguintes compôs e publicou mais duas. Maria não
soube nada; ia tossindo e morrendo, até que
expirou, uma noite, nos braços do marido,
apavorado e desesperado.
Era noite de Natal. A dor do Pestana teve um
acréscimo, porque na vizinhança havia um baile, em
que se tocaram várias de suas melhores polcas. Já
o baile era duro de sofrer; as suas composições
davam-lhe um ar de ironia e perversidade. Ele sentia
a cadência dos passos, adivinhava os movimentos,
porventura lúbricos, a que obrigava alguma daquelas
composições; tudo isso ao pé do cadáver pálido, um
molho de ossos, estendido na cama... Todas as
horas da noite passaram assim, vagarosas ou
rápidas, úmidas de lágrimas e de suor, de águas-dacolônia e de Labarraque , saltando sem parar, como
ao som da polca de um grande Pestana invisível.
Enterrada a mulher, o viúvo teve uma única
preocupação: deixar a música, depois de compor um
Requiem, que faria executar no primeiro aniversário
da morte de Maria. Escolheria outro emprego,
escrevente, carteiro, mascate, qualquer cousa que
lhe fizesse esquecer a arte assassina e surda.
Começou a obra; empregou tudo, arrojo, paciência,
meditação, e até os caprichos do acaso, como fizera
outrora, imitando Mozart. Releu e estudou o
Requiem deste autor. Passaram-se semanas e
meses. A obra, célere a princípio, afrouxou o andar.
Pestana tinha altos e baixos. Ora achava-a
173
incompleta. não lhe sentia a alma sacra, nem idéia,
nem inspiração, nem método; ora elevava-se-lhe o
coração e trabalhava com vigor. Oito meses, nove,
dez, onze, e o Requiem não estava concluído.
Redobrou de esforços, esqueceu lições e amizades.
Tinha refeito muitas vezes a obra; mas agora queria
concluí-la, fosse como fosse. Quinze dias, oito,
cinco... A aurora do aniversário veio achá-lo
trabalhando.
Contentou-se da missa rezada e simples, para ele
só. Não se pode dizer se todas as lágrimas que lhe
vieram sorrateiramente aos olhos, foram do marido,
ou se algumas eram do compositor. Certo é que
nunca mais tornou ao Requiem.
"Para quê?" dizia ele a si mesmo.
Correu ainda um ano. No princípio de 1878,
apareceu-lhe o editor.
— Lá vão dois anos, disse este, que nos não dá um
ar da sua graça. Toda a gente pergunta se o senhor
perdeu o talento. Que tem feito?
— Nada.
— Bem sei o golpe que o feriu; mas lá vão dois
anos. Venho propor-lhe um contrato: vinte polcas
durante doze meses; o preço antigo, e uma
porcentagem maior na venda. Depois, acabado o
ano, podemos renovar.
Pestana assentiu com um gesto. Poucas lições
tinha, vendera a casa para saldar dívidas, e as
necessidades iam comendo o resto, que era assaz
escasso. Aceitou o contrato.
— Mas a primeira polca há de ser já, explicou o
editor. É urgente. Viu a carta do Imperador ao
Caxias? Os liberais foram chamados ao poder, vão
fazer a reforma eleitoral. A polca há de chamar-se:
Bravos à Eleição Direta! Não é política; é um bom
título de ocasião.
Pestana compôs a primeira obra do contrato. Apesar
do longo tempo de silêncio, não perdera a
originalidade nem a inspiração. Trazia a mesma nota
genial. As outras polcas vieram vindo, regularmente.
Conservara os retratos e os repertórios; mas fugia
de gastar todas as noites ao piano, para não cair em
novas tentativas. Já agora pedia uma entrada de
graça, sempre que havia alguma boa ópera ou
concerto de artista ia, metia-se a um canto, gozando
aquela porção de cousas que nunca lhe haviam de
brotar do cérebro. Uma ou outra vez, ao tornar para
casa, cheio de música, despertava nele o maestro
inédito; então, sentava-se ao piano, e, sem idéia,
tirava algumas notas, até que ia dormir, vinte ou
trinta minutos depois.
Assim foram passando os anos, até 1885. A fama do
Pestana dera-lhe definitivamente o primeiro lugar
entre os compositores de polcas; mas o primeiro
lugar da aldeia não contentava a este César, que
continuava a preferir-lhe, não o segundo, mas o
centésimo em Roma. Tinha ainda as alternativas de
outro tempo, acerca de suas composições a
diferença é que eram menos violentas. Nem
entusiasmo nas primeiras horas, nem horror depois
da primeira semana; algum prazer e certo fastio.
Naquele ano, apanhou uma febre de nada, que em
poucos dias cresceu, até virar perniciosa. Já estava
em perigo, quando lhe apareceu o editor, que não
sabia da doença, e ia dar-lhe notícia da subida dos
conservadores, e pedir-lhe uma polca de ocasião. O
enfermeiro, pobre clarineta de teatro , referiu-lhe o
estado do Pestana , de modo que o editor entendeu
calar-se. O doente é que instou para que lhe
dissesse o que era, o editor obedeceu.
— Mas há de ser quando estiver bom de todo,
concluiu.
— Logo que a febre decline um pouco, disse o
Pestana.
Seguiu-se uma pausa de alguns segundos. O
clarineta foi pé ante pé preparar o remédio; o editor
levantou-se e despediu-se.
— Adeus.
— Olhe, disse o Pestana, como é provável que eu
morra por estes dias, faço-lhe logo duas polcas; a
outra servirá para quando subirem os liberais.
Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era
tempo, porque expirou na madrugada seguinte, às
quatro horas e cinco minutos, bem com os homens e
mal consigo mesmo.
Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. Ed. Martin Claret
174
Dodora Galinari
Trovas
No calor do seu abraço,
se é inverno... não importa;
que o frio, num embaraço,
vai saindo e fecha a porta!
Dodora Galinari
O lago, num doce amplexo,
como prova de paixão,
criou, da lua... o reflexo
em forma de coração!
Psicóloga. Pós-graduada em Pedagogia. Tem 30
anos de experiência na área da Educação:
Magistério,do Ensino Fundamental ao Superior;
Supervisão e Inspeção Escolar; Direção de Escola
de Ensino Médio;Especialização em Superdotação.
Meu coração é uma rua bem fechada, já se vê por onde transita... nua,
a lembrança de você.
Retire a noite do olhar...
deixe o dia amanhecer
- toda alvorada ao chegar,
alegra o nosso viver.
Cupido entrou em descrença...
O AMOR, sofrendo sem fala...
- eu fingindo indiferença
você... negando notá-la.
Enquanto existir criança
e seu olhar de inocência,
pode-se ter esperança
de um mundo sem violência.
De costas, nessa apatia,
ficaste ao me ver voltar;
mas, pelo espelho, eu bem via
um brilho no teu olhar!
As montanhas, de mãos dadas
enfeitam nosso horizonte...
São princesas encantadas,
que os astros beijam na fronte!
Dodora Galinari - nome literário e artístico de Maria
Auxiliadora Galinari Nascimento - é membro da
UBT-seção Belo Horizonte,onde reside.
Na chamada Melhor Idade,dedica-se às Artes
cênicas como Atriz,Manequim,Modelo Fotográfico.
Natural de Dom Silvério/MG.
Desde adolescente,estudando interna em Ponte
Nova/MG,diversas vezes foi premiada por seus
trabalhos literários,tendo sido a 1" Presidente do
Grêmio literário Pio XII - fundado na época.
Em meados de 2003,iniciou-se na UBT/BH e,na sua
primeira participação em Concurso Interno obteve o
6º
lugar
–
2004.
Em
2005
e
2006,sucessivamente,obteve o 1º lugar AnualConcursos Internos, Novos Trovadores.
Ao término de 2006, classificada em Concurso
Nacional/lnternacional, passou para a categoria
Veteranos.
Outros Prêmios:
. 2004: Conc. interno Anual-Medalha de Bronze;
. 2005: Conc. Crueilandia-Menção Honrosa ;
Conc. Hum/BH-3º lugar;
Comunidade Luso-Brasileira-Menção Honrosa;
. 2006: Concurso Hum/BH-3º lugar;
Concurso Nac/lnternac. Pindamonhangaba-Menção
Especial;
Concurso Nac/lnternac. Cidade Belo HorizonteMenção Especial;
. 2007: Concurso Hurn/BH-2º lugar;
Conc. Internos/BH-Menção Especial ;
175
. 2008: Concurso Nac/lnternac. Univerti-Menção
Especial;
Concurso lnterno BH-Menção Especial;
2009: Concurso Intersedes Cidade BH-Menção
Honrosa;
Concurso Hurn/BH-Vencedor;
Concurso Interno/BH-Medalha
Participação:
2006:"Rosas de Cristal";
2008:"Mosaico de Trovas".
Coletânea
Coordenação
Paulo
2009/10:"Mineirices e Mineiridades".
Viotti:
Dodora Galinari é a atual Vice-Presidente de
Administração da UBT - seção Belo Horizonte
(biênio 2009/2010).
Fonte:
UBT Nacional
Coletâneas de Trovas, UBT/BH:
2004:"Caleidoscópio";
Folclore Brasileiro
A Tartaruga e o Gavião
Contam que, nos tempos primitivos, uma tartaruga
matara um gavião, que deixou mulher e um filho
pequeno. Sempre que o filho ia caçar camaleões,
achava penas de pássaros. Chegando em casa
perguntou à sua mãe:
- Vou experimentar minhas forças.
- De quem são as penas que acho sempre no mato,
quando vou caçar?
- Não tenho ainda forças.
- Meu filho, são de teu pai, que morreu.
Calou-se ele e concentrou-se. Cresceu e estava
quase moço.
Um dia foi caçar e encontrou umas tartaruguinhas.
Estas disseram-lhe:
Dizem que experimentou-as no grelo do meriti.
Chegou e meteu as unhas para o arrancar.
Experimentou, puxou e não o arrancou. Disse:
Foi outra vez experimentá-las. Então arrancou o
grelo e disse:
- Agora já tenho força. Agora vou deveras vingar
meu defunto pai. Esperarei a saída da avó das
tartarugas.
- Vamos nos banhar?
Dizem que um dia, aquela espalhou paracá em cima
de uma esteira. Houve depois chuva com vento, e
ela disse às netas:
Ele disse:
- Vocês vão ajuntar para recolher da chuva o paracá.
- Vamos.
As tartaruguinhas não foram, por ser aquele pesado,
e por isso chamaram:
Dizem que se banharam e no banho, ele queria
pegá-las com as unhas. Então elas disseram-lhe:
- Minha avó, venha ajudar-nos.
- Por isso minha avó matou teu pai.
A avó subiu e foi ajudar as netas.
– Agora sei quem verdadeiramente matou meu pai.
O gavião estava vigiando e, vendo-a sair, saltou-lhe
em cima e a carregou para um galho de piquiá.
Cresceu e, quando já grande disse:
Então a velha tartaruga disse ao gavião:
176
- Como vou morrer agora, manda chamar teus
parentes para que venham me ver morrer.
Assim acabaram as tartarugas assassinas; assim se
acabaram.
Vieram, então, todos os parentes do gavião.
Chegaram todos os pássaros e ajudaram a matar a
velha tartaruga. Os pássaros que a mataram ficaram
sarapintados. Outros ficaram vermelhos. Aqueles
que beliscaram o casco ficaram com o bico preto;
outros que beliscaram o fígado ficaram verdes.
Desde então os pássaros ficaram pintados.
Fontes:
Barbosa Rodrigues. Revista Selva. Rio de Janeiro, nº 1, setembro de
1946. In MELO, Anísio (org.). Estórias e lendas da Amazônia. São
Paulo, Livraria Literat Editora, 1962. Antologia ilustrada do folclore
brasileiro. Disponível em Jangada Brasil.
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 108
Uma Trova Nacional
No meu baú de lembranças
onde a rotina enterrei,
restaram minhas andanças
e os prantos que derramei...
(REJANE COSTA/CE)
Uma Trova Potiguar
Os quadros que já pintei,
usando a tinta da vida,
foi o modo que encontrei
pra torná-la colorida.
(MARCOS MEDEIROS/RN)
Uma Trova Premiada
2010 > Niterói/RJ
Tema > PALAVRA > Vencedora
Eu fiz um jardim suspenso
com terra bem adubada,
planta selecionada
e flores de muito incenso,
depois fiquei muito tenso
numa noite de São João,
no céu zoou um Trovão
que o mundo se sacudiu,
meu belo jardim ruiu
e a terra caiu no chão!
(ZÉ DE SOUSA/PB)
Uma Trova de Ademar
A promessa quando é feita
num altar da santa sé,
no céu, só será aceita
se ela for feita com fé!
(ADEMAR MACEDO/RN)
...E Suas Trovas Ficaram
Tu chegas de madrugada,
cabisbaixo e sempre mudo...
E o silêncio da chegada,
sem palavras, já diz tudo!
(SELMA PATTI SPINELLI/SP)
Gotas de amargas vivências,
ou de alegria incontida,
lágrimas são reticências
no texto frio da vida...
(WALDIR NEVES/RJ)
Simplesmente Poesia
Estrofe do Dia
MOTE.
E a terra caiu no chão!
GLOSA:
Vejam aquele rapaz
sentado naquele banco,
com um traje que já foi branco
177
mas está sujo demais;
na minha mente ele traz
uma caneta na mão,
e dos olhos desse cristão
vejo descer pingos d’água;
aquilo é alguma mágoa
que ele tem no coração.
(JOSÉ TOMAZ/PB)
deixando o coração apaixonado.
Sussurra a meiga chuva no telhado
sussurra docemente, ao vento, a palma...
Deus ouve a confissão, o homem acalma,
e, sussurrando, absolve o seu pecado.
Também sussurra o mar em seu marulho
o sol desponta sem fazer barulho,
e, na oração, em tom menor, eu clamo...
Soneto do Dia
Por isso, o que eu queria, em voz pequena
era ouvir tua boca tão serena
bem fundo em meu ouvido a dizer: "Te amo!"
– Renato Alves/RJ –
SUSSURROS
Tudo o que é bom na vida é sussurrado
as melhores verdades vêm com calma
penetram devagar em nossa alma
Fonte:
Ademar Macedo
Abílio Pacheco
Cheiro de café
Não há nada que mais me pareça com a crônica que
o cheiro do café.
É uma metáfora olfativa, sinestésica; não deveria
explicá-la. Fico tentado a encerrar o texto por aqui.
Continuo.Afinal posso até escrever contos curtos,
mas ainda não optei por treinar as crônicas curtas,
embora elas pareçam correr no meu dia a dia. Quem
sabe eu tente ainda escrevê-las.
O cheiro do café: matutino, fresco, suave, de leve
amargor… Caminhando pelo condomínio pela
manhã, fazendo academia, assistindo ao noticiário
matutino ou tentando se fechar do mundo num
escritório/gabinete é sempre esse gostinho que
chega às narinas trazendo um novo dia, as
novidades do dia. Mesmo os barulhos da cidade
chegam com o café e, antes dele, o seu cheiro.
A crônica seria esse agradável sabor de fragrância
noviça e breve. Relativamente pontual e tão ligada
ao presente. Logo surgindo e logo esvaecendo, mas
sempre retomada.
A crônica, a despeito de ser chamada gênero menor,
tem seu mistério. Mesmo quem não gosta de café,
gosta de seu cheiro, mesmo quem não aprecia
literatura ou não tenha hábito de ler, curte uma
crônica. Se bem usada, a crônica traz para literatura
o leitor iniciante, como o cheiro do café chama para
a mesa, convida para uma boa conversa e, mesmo
não o bebericando, a mesa fica rodeada e o diálogo
flui.
A crônica, atrativa… logo o leitor prova de toda
literatura: haicais, sonetos, poemas mais longos,
contos, romances…
Fonte:
Colaboração do Autor
178
Lubarrel
Poesias
AS FADAS
Seres iluminados
Cheios de bondade
São como anjos encarnados
Repartindo caridade.
Quem quiser ser uma fada
é tão fácil como o soprar do vento
Basta ter sempre na alma
o amor doando a todo o tempo.
Fada que se presa não empresta
doa o coração sem espera
pois seu galardão é seguro
Quando o seu sentimento é puro.
Fadas no mundo são poucas
mas valem por uma multidão
pois repartindo a bondade
vai ganhando coração.
A cada coração conquistado
Sua aura resplandece
Seu esplendor se enaltece
e o céu sutilmente , agradece.
Procure em seu interior
a fada então adormecida.
Desperte-a cheia de fulgor
e sejas feliz por toda a vida.
TRIBUTO AO MAR
Quando chego à praia
Fico a observar,
Como é revolto
O crepúsculo do mar.
O inefável murmurar das ondas
Induz meu peito a palpitar.
Dilacera a minh’alma,
Faz meu corpo trepidar.
O negrume da noite
Em contraste com a luz do luar,
Adorna, reluz e inebria
Essa imensidão salutar.
E eu fico a observar
O quase inexorável,
Adorável e infinito
Esplendor divino.
Oh, doce paz!
Ameaçada pelo ser audaz
Que se diz inteligente
E polui...Polui...Somente.
PLACIDEZ NOTURNA
Sento-me embaixo do arvoredo
Sob a sombra plácida e noturna.
Observo atentamente e percebo
Que a sublimidade não se desfigura.
Ainda em meu olhar atento
Pressinto que não estou só.
A altivez da folha farfalhando ao vento
Dá-me a certeza do que há ao redor.
As nuvens que povoam o céu
Não são as que me povoam por dentro.
Dentro, minhas nuvens fazem escarcéu
E as do céu incitam o meu sentimento.
O arrebol que a pouco se findara,
Aliciou a terra e debelou o momento.
Cheia de fulgor a terra se depara
Com a mágica transformação do tempo.
Aos poucos a natureza adormece
E os vigias soturnos sobrevoam ao léu.
Ouço sons suaves que enaltecem
A beleza inexprimível desse imenso véu.
REFÚGIO
Amo a noite cálida.
Inebriada fico a vagar,
Por entre as sombras plácidas,
Acalentadas pela luz do luar.
179
Noites de amores e súplicas,
Eternos e afoitos desejos,
Propicia a um amor encontrar.
Oh, noite! Irás me ajudar?
Procuro um amor saliente
Que preencha o meu coração.
Aplaca a minha sede,
Invada a minha existência
E suga a minha razão.
Na noite ardilosa,
Razões e incertezas
Caminham lado a lado.
Na aurora do porvir,
Quem vencerá de fato?
Sentimentos que me afloram
São incertos devaneios.
Tento vencer o medo,
Buscando fins através dos meios
Pra sair da solidão.
E por isso me refugio
Sob o véu negro do céu,
Que toca o meu ego.
Oh, noite!
Tira-me desse ardor,
Dessa dúvida...
Não me deixe ao léu.
ODE A IARA
Doce veneno
Entorpece o meu ego,
Aniquila a minha razão,
Esmaga o meu coração
Que sedução!
Debruço-me sobre o teu olhar
Que me inebria e enlouquece.
Ponho-me a admirar
Tua cauda escamada
A sacolejar ao léu,
Mostrando-me os recôncavos do céu.
Musa de meus sonhos
Desvairados e inconseqüentes.
És onisciente presente
Com teus lábios tão eloqüentes.
De teus lábios as notas que saem
Chegam suaves aos ouvidos meus.
Um dia, hei de sagrar o teu canto
Deixarei os meus prantos
E me entregarei aos encantos teus.
REENCONTRO
Quando os meus olhos se detêm aos seus
Em apenas um milésimo de segundo
O tempo perde-se no infinito,
A razão não tem mais razão de ser...
As entranhas de minh’alma se estremecem
Quando estou perto de você.
Meus pensamentos se põem a vagar
Em busca dos pensamentos seus.
Diga-me onde poderei lhe encontrar
Para o meu sol se pôr junto ao seu.
Procuro no ar, nas estrelas e no luar,
Solução para os anseios meus.
Sua presença em mim é salutar,
Reaviva o meu ego, inebria o meu “eu”.
Quero encontrar novamente
Você no íntimo do meu ser
Para que eu possa finalmente,
Ver o amor em mim, florescer.
Luciene Barrel (Lubarrel)
Autobiografia
Lubarrel nasceu em Governador Valadares, situada
a leste de Minas Gerais. Quando pequena, ativa e
conversadeira, se dava bem com todas as
coleguinhas do meio em que vivia. Gostava de ficar
horas e horas lendo um livro de literatura que sua
irmã mais velha estudava no curso superior de
Letras. Fato esse que a ajudou muito.
Hoje, é professora primária, graduada no curso
Normal Superior, Magistério de 2º grau , Adicional de
Pré-escolar, Curso Técnico em Administração de
Empresas.
Apaixonada pela literatura e pela arte de forma
geral, teve duas poesias classificadas em 6º lugar,
no X Concurso Internacional de Primavera
promovido por Arnaldo Giraldo, as quais foram
publicadas no livro "A Forja da Liberdade". Tem uma
180
poesia publicada na 16ª e outra na 21ª antologia, do
CBJE (Clube Brasileiro dos Jovens Escritores).
Suas poesias encontram-se registradas na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Escreveu vários contos: Renascimento, que retrata a
vida de uma conhecida; Uma pequena peça de
teatro “O Debate Ecológico” que fala sobre a
fotossíntese e repassa a mensagem de amizade;
“Perdão Assustador” que retrata uma realidade
vivenciada por um antepassado, e outros.
Fonte:
http://www.revista.agulha.nom.br/lubarrel.html
Machado de Assis
Trio em Lá Menor
I ADAGIO CANTABILE
MARIA REGINA acompanhou a avó até o quarto,
despediu-se e recolheu-se ao seu. A mucama que a
servia, apesar da familiaridade que existia entre elas,
não pôde arrancar-lhe uma palavra, e saiu, meia
hora depois, dizendo que Nhanhã estava muito séria.
Logo que ficou só, Maria Regina sentou-se ao pé da
cama, com as pernas estendidas, os pés cruzados,
pensando.
A verdade pede que diga que esta moça pensava
amorosamente em dous homens ao mesmo tempo,
um de vinte e sete anos, Maciel — outro de
cinqüenta, Miranda. Convenho que é abominável,
mas não posso alterar a feição das cousas, não
posso negar que se os dous homens estão
namorados dela, ela não o está menos de ambos.
Uma esquisita, em suma; ou, para falar como as
suas amigas de colégio, uma desmiolada. Ninguém
lhe nega coração excelente e claro espírito; mas a
imaginação é que é o mal, uma imaginação adusta e
cobiçosa, insaciável principalmente, avessa à
realidade, sobrepondo às cousas da vida outras de si
mesma; daí curiosidades irremediáveis.
A visita dos dous homens (que a namoravam de
pouco) durou cerca de uma hora. Maria Regina
conversou alegremente com eles, e tocou ao piano
uma peça clássica, uma sonata, que fez a avó
cochilar um pouco. No fim discutiram música.
Miranda disse cousas pertinentes acerca da música
moderna e antiga; a avó tinha a religião de Bellini e
da Norma, e falou das toadas do seu tempo,
agradáveis, saudosas e principalmente claras. A neta
ia com as opiniões do Miranda; Maciel concordou
polidamente com todos.
Ao pé da cama, Maria Regina reconstruía agora tudo
isso, a visita, a conversação, a música, o debate, os
modos de ser de um e de outro, as palavras do
Miranda e os belos olhos do Maciel. Eram onze
horas, a única luz do quarto era a lamparina, tudo
convidava ao sonho e ao devaneio. Maria Regina, à
força de recompor a noite, viu ali dous homens ao pé
dela, ouviu-os, e conversou com eles durante uma
porção de minutos, trinta ou quarenta, ao som da
mesma sonata tocada por ela: lá, lá, lá…
II ALLEGRO MA NON TROPPO
NO DIA SEGUINTE a avó e a neta foram visitar uma
amiga na Tijuca. Na volta a carruagem derrubou um
menino que atravessava a rua, correndo. Uma
pessoa que viu isto, atirou-se aos cavalos e, com
perigo de si própria, conseguiu detê-los e salvar a
criança, que apenas ficou ferida e desmaiada. Gente,
tumulto, a mãe do pequeno acudiu em lágrimas.
Maria Regina desceu do carro e acompanhou o
ferido até à casa da mãe, que era ali ao pé.
Quem conhece a técnica do destino adivinha logo
que a pessoa que salvou o pequeno foi um dos dous
homens da outra noite; foi o Maciel. Feito o primeiro
curativo, o Maciel acompanhou a moça até à
carruagem e aceitou o lugar que a avó lhe ofereceu
até a cidade. Estavam no Engenho Velho. Na
carruagem é que Maria Regina viu que o rapaz trazia
a mão ensangüentada. A avó inquiria a miúdo se o
pequeno estava muito mal, se escaparia; Maciel
disse-lhe que os ferimentos eram leves. Depois
181
contou o acidente: estava parado, na calçada,
esperando que passasse um tílburi, quando viu o
pequeno atravessar a rua por diante dos cavalos;
compreendeu o perigo, e tratou de conjurá-lo, ou
diminuí-lo.
— Mas está ferido, disse a velha.
— Cousa de nada.
— Está, está, acudiu a moça; podia ter-se curado
também.
— Não é nada, teimou ele; foi um arranhão, enxugo
isto com o lenço.
Não teve tempo de tirar o lenço; Maria Regina
ofereceu-lhe o seu. Maciel, comovido, pegou nele,
mas hesitou em maculá-lo. Vá, vá, dizia-lhe ela; e
vendo-o acanhado, tirou-lho e enxugou-lhe, ela
mesma, o sangue da mão.
A mão era bonita, tão bonita como o dono; mas
parece que ele estava menos preocupado com a
ferida da mão que com o amarrotado dos punhos.
Conversando, olhava para eles disfarçadamente e
escondia-os. Maria Regina não via nada, via-o a ele,
via-lhe principalmente a ação que acabava de
praticar, e que lhe punha uma auréola.
Compreendeu que a natureza generosa saltara por
cima dos hábitos pausados e elegantes do moço,
para arrancar à morte uma criança que ele nem
conhecia. Falaram do assunto até a porta da casa
delas; Maciel recusou, agradecendo, a carruagem
que elas lhe ofereciam, e despediu-se até à noite.
Maciel ouvia sorrindo. Tinha passado o ímpeto
generoso, começava a receber os dividendos do
sacrifício. O maior deles era a admiração de Maria
Regina, tão ingênua e tamanha, que esquecia a avó
e a sala. Maciel sentara-se ao lado da velha. Maria
Regina defronte de ambos. Enquanto a avó,
restabelecida do susto, contava as comoções que
padecera, a princípio sem saber de nada, depois
imaginando que a criança teria morrido, os dous
olhavam um para o outro, discretamente, e afinal
esquecidamente. Maria Regina perguntava a si
mesma onde acharia melhor noivo. A avó, que não
era míope, achou a contemplação excessiva, e falou
de outra coisa; pediu ao Maciel algumas notícias de
sociedade.
III ALLEGRO APPASSIONATO
MACIEL era homem, como ele mesmo dizia em
francês, très répandu; sacou da algibeira uma porção
de novidades miúdas e interessantes. A maior de
todas foi a de estar desfeito o casamento de certa
viúva.
— Não me diga isso! exclamou a avó. E ela?
— Parece que foi ela mesma que o desfez: o certo é
que esteve anteontem no baile, dançou e conversou
com muita animação. Oh! abaixo da notícia, o que
fez mais sensação em mim foi o colar que ela levava,
magnífico…
— Com uma cruz de brilhantes? perguntou a velha.
Conheço; é muito bonito.
— Não, não é esse.
— Até a noite! repetiu Maria Regina.
— Esperou-o ansiosa. Ele chegou, por volta de oito
horas, trazendo uma fita preta enrolada na mão, e
pediu desculpa de vir assim; mas disseram-lhe que
era bom pôr alguma coisa e obedeceu.
Maciel conhecia o da cruz, que ela levara à casa de
um Mascarenhas; não era esse. Este outro ainda há
poucos dias estava na loja do Resende, uma cousa
linda. E descreveu-o todo, número, disposição e
facetado das pedras; concluiu dizendo que foi a jóia
da noite.
— Mas está melhor!
— Estou bom, não foi nada.
— Venha, venha, disse-lhe a avó, do outro lado da
sala. Sente-se aqui ao pé de mim: o senhor é um
herói.
— Para tanto luxo era melhor casar, ponderou
maliciosamente a avó.
— Concordo que a fortuna dela não dá para isso.
Ora, espere! Vou amanhã, ao Resende, por
curiosidade, saber o preço por que o vendeu. Não foi
barato, não podia ser barato.
182
— Mas por que é que se desfez o casamento?
— Não pude saber; mas tenho de jantar sábado com
o Venancinho Corrêa, e ele conta-me tudo. Sabe que
ainda é parente dela? Bom rapaz; está inteiramente
brigado com o barão…
A avó não sabia da briga; Maciel contou-lha de
princípio a fim, com todas as suas causas e
agravantes. A última gota no cálice foi um dito à
mesa de jogo, uma alusão ao defeito do Venancinho,
que era canhoto. Contaram-lhe isto, e ele rompeu
inteiramente as relações com o barão. O bonito é
que os parceiros do barão acusaram-se uns aos
outros de terem ido contar as palavras deste. Maciel
declarou que era regra sua não repetir o que ouvia à
mesa do jogo, porque é lugar em que há certa
franqueza.
Depois fez a estatística da rua do Ouvidor, na
véspera, entre uma e quatro horas da tarde.
Conhecia os nomes das fazendas e todas as cores
modernas. Citou as principais toilettes do dia. A
primeira foi a de Mme. Pena Maia, baiana distinta,
très pschutt. A segunda foi a de Mlle. Pedrosa, filha
de um desembargador de São Paulo, adorable. E
apontou mais três, comparou depois as cinco,
deduziu e concluiu. Às vezes esquecia-se e falava
francês; pode mesmo ser que não fosse
esquecimento, mas propósito; conhecia bem a
língua, exprimia-se com facilidade e formulara um dia
este axioma etnológico — que há parisienses em
toda a parte. De caminho, explicou um problema de
voltarete.
— A senhora tem cinco trunfos de espadilha e
manilha, tem rei e dama de copas…
Maria Regina ia descambando da admiração no
fastio; agarrava-se aqui e ali, contemplava a figura
moça do Maciel, recordava a bela ação daquele dia,
mas ia sempre escorregando; o fastio não tardava a
absorvê-la. Não havia remédio. Então recorreu a um
singular expediente. Tratou de combinar os dous
homens, o presente com o ausente, olhando para
um, e escutando o outro de memória; recurso
violento e doloroso, mas tão eficaz, que ela pôde
contemplar por algum tempo uma criatura perfeita e
única.
Nisto apareceu o outro, o próprio Miranda. Os dois
homens cumprimentaram-se friamente; Maciel
demorou-se ainda uns dez minutos e saiu.
Miranda ficou. Era alto e seco, fisionomia dura e
gelada. Tinha o rosto cansado, os cinqüenta anos
confessavam-se tais, nos cabelos grisalhos, nas
rugas e na pele. Só os olhos continham alguma
cousa menos caduca. Eram pequenos, e escondiamse por baixo da vasta arcada do sobrolho; mas lá, ao
fundo, quando não estavam pensativos, centelhavam
de mocidade. A avó perguntou-lhe, logo que Maciel
saiu, se já tinha notícia do acidente do Engenho
Velho, e contou-lho com grandes encarecimentos,
mas o outro ouvia tudo sem admiração nem inveja.
— Não acha sublime? perguntou ela, no fim.
— Acho que ele salvou talvez a vida a um
desalmado que algum dia, sem o conhecer, pode
meter-lhe uma faca na barriga.
— Oh! protestou a avó.
— Ou mesmo conhecendo, emendou ele.
— Não seja mau, acudiu Maria Regina; o senhor era
bem capaz de fazer o mesmo, se ali estivesse.
Miranda sorriu de um modo sardônico. O riso
acentuou-lhe a dureza da fisionomia. Egoísta e mau,
este Miranda primava por um lado único:
espiritualmente, era completo. Maria Regina achava
nele o tradutor maravilhoso e fiel de uma porção de
idéias que lutavam dentro dela, vagamente, sem
forma ou expressão. Era engenhoso e fino e até
profundo, tudo sem pedantice, e sem meter-se por
matos cerrados, antes quase sempre na planície das
conversações ordinárias; tão certo é que as cousas
valem pelas idéias que nos sugerem. Tinham ambos
os mesmos gostos artísticos; Miranda estudara
direito para obedecer ao pai; a sua vocação era a
música.
A avó, prevendo a sonata, aparelhou a alma para
alguns cochilos. Demais, não podia admitir tal
homem no coração; achava-o aborrecido e
antipático. Calou-se no fim de alguns minutos. A
sonata veio, no meio de uma conversação que Maria
Regina achou deleitosa, e não veio senão porque ele
lhe pediu que tocasse; ele ficaria de bom grado a
ouvi-la.
— Vovó, disse ela, agora há de ter paciência…
183
Miranda aproximou-se do piano. Ao pé das
arandelas, a cabeça dele mostrava toda a fadiga dos
anos, ao passo que a expressão da fisionomia era
muito mais de pedra e fel. Maria Regina notou a
graduação, e tocava sem olhar para ele; difícil cousa,
porque, se ele falava, as palavras entravam-lhe tanto
pela alma, que a moça insensivelmente levantava os
olhos, e dava logo com um velho ruim. Então é que
se lembrava do Maciel, dos seus anos em flor, da
fisionomia franca, meiga e boa, e afinal da ação
daquele dia. Comparação tão cruel para o Miranda,
como fora para o Maciel o cotejo dos seus espíritos.
E a moça recorreu ao mesmo expediente. Completou
um pelo outro; escutava a este com o pensamento
naquele; e a música ia ajudando a ficção, indecisa a
princípio, mas logo viva e acabada. Assim Titânia,
ouvindo namorada a cantiga do tecelão, admiravalhe as belas formas, sem advertir que a cabeça era
de burro.
IV MINUETTO
DEZ, VINTE, trinta dias passaram depois daquela
noite, e ainda mais vinte, e depois mais trinta. Não
há cronologia certa; melhor é ficar no vago. A
situação era a mesma. Era a mesma insuficiência
individual dos dous homens, e o mesmo
complemento ideal por parte dela; daí um terceiro
homem, que ela não conhecia.
Maciel e Miranda desconfiavam um do outro,
detestavam-se a mais e mais, e padeciam muito,
Miranda principalmente, que era paixão da última
hora. Afinal acabaram aborrecendo a moça. Esta viuos ir pouco a pouco. A esperança ainda os fez
relapsos, mas tudo morre, até a esperança, e eles
saíram para nunca mais. As noites foram passando,
passando… Maria Regina compreendeu que estava
acabado.
A noite em que se persuadiu bem disto foi uma das
mais belas daquele ano, clara, fresca, luminosa. Não
havia lua; mas nossa amiga aborrecia a lua, — não
se sabe bem por que, — ou porque brilha de
empréstimo, ou porque toda a gente a admira, e
pode ser que por ambas as razões. Era uma das
suas esquisitices. Agora outra.
Análise realizada por Maria Inês Werlang Ghisleni
(Mestre em Letras pela Universidade de Santa Cruz
Análise do Conto
Tinha lido de manhã, em uma notícia de jornal, que
há estrelas duplas, que nos parecem um só astro.
Em vez de ir dormir, encostou-se à janela do quarto,
olhando para o céu, a ver se descobria alguma
delas; baldado esforço. Não a descobrindo no céu,
procurou-a em si mesma, fechou os olhos para
imaginar o fenômeno; astronomia fácil e barata, mas
não sem risco. O pior que ela tem é pôr os astros ao
alcance da mão; por modo que, se a pessoa abre os
olhos e eles continuam a fulgurar lá em cima, grande
é o desconsolo e certa a blasfêmia. Foi o que
sucedeu aqui. Maria Regina viu dentro de si a estrela
dupla e única. Separadas, valiam bastante; juntas,
davam um astro esplêndido. E ela queria o astro
esplêndido. Quando abriu os olhos e viu que o
firmamento ficava tão alto, concluiu que a criação era
um livro falho e incorreto, e desesperou.
No muro da chácara viu então uma cousa parecida
com dous olhos de gato. A princípio teve medo, mas
advertiu logo que não era mais que a reprodução
externa dos dous astros que ela vira em si mesma e
que tinham ficado impressos na retina. A retina desta
moça fazia refletir cá fora todas as suas
imaginações. Refrescando o vento recolheu-se,
fechou a janela e meteu-se na cama.
Não dormiu logo, por causa de duas rodelas de
opala que estavam incrustadas na parede;
percebendo que era ainda uma ilusão, fechou os
olhos e dormiu. Sonhou que morria, que a alma dela,
levada aos ares, voava na direção de uma bela
estrela dupla. O astro desdobrou-se, e ela voou para
uma das duas porções; não achou ali a sensação
primitiva e despenhou-se para outra; igual resultado,
igual regresso, e ei-la a andar de uma para outra das
duas estrelas separadas. Então uma voz surgiu do
abismo, com palavras que ela não entendeu.
— É a tua pena, alma curiosa de perfeição; a tua
pena é oscilar por toda a eternidade entre dois astros
incompletos, ao som desta velha sonata do absoluto:
lá, lá, lá…
Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. São Paulo: Escala Educacional,
2008.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1896.
do Sul (UNISC)) , sob o título Machado de Assis e a
Música: Uma Análise do Conto “Trio em Lá Menor”
184
A TEORIA MUSICAL NO CONTO “TRIO EM LÁ
MENOR”
No conto “Trio em lá menor”, Machado de Assis
utiliza elementos da teoria musical no título,
subtítulos e em toda a seqüência narrativa,
relacionando a linguagem musical ao significado do
próprio conto. Percebe-se ainda o intuito do autor de
traduzir o que se passa no interior das personagens
nas diferentes partes do texto através da música.
Segundo Kiefer (1987,) nas escalas musicais, há
tons maiores e tons menores. Os tons maiores,
como, por exemplo, lá maior (Lá M) ou dó maior (Dó
M) transmitem alegria, júbilo, são festivos, cheios,
harmônicos. Já os tons menores, como lá menor (Lá
m) ou dó menor (Dó m), são tristes e traduzem
sentimentos de melancolia e tristeza. Com o título
“Trio em lá menor”, Machado de Assis quer nos
adiantar a informação de que o conto vai tratar de
uma história cujo desfecho não será feliz. Para o
leitor menos avisado, poderá parecer que não há
relação entre o texto e as expressões da teoria
musical que Machado usou em todo o percurso da
sua narrativa. Entretanto, a cada ocorrência de um
desses signos, corresponde um sentido no
desenrolar das ações. O título e os subtítulos são
marcadores de significado musical que direcionam o
pensamento do leitor para o que vai acontecer a
seguir.
As expressões musicais presentes no texto nos
apontam características da personalidade e também
dos sentimentos de Maria Regina, protagonista da
história, ilustrando seu estado de espírito em cada
um dos momentos da seqüência narrativa.
“Trio em lá menor” narra o que poderia ter sido uma
história de amor, mas não chegou a se concretizar.
Maria Regina amava dois homens ao mesmo tempo:
Maciel com 27 anos e Miranda, de 50 anos. Com
esse cenário, surge o triângulo amoroso, o que já se
poderia imaginar a partir das idéias que o título
sugere.
Ao levarmos em consideração a teoria musical da
qual Machado magistralmente se serve, poderemos
antever que esse será um conto com um triângulo
amoroso marcado pela tristeza, cujo final será,
possivelmente, também infeliz.
ADAGIO CANTABILE
Machado introduziu a primeira parte do conto com o
subtítulo de Adagio cantabile. Nessa primeira parte,
o problema é apresentado e, após a visita dos dois
homens que estavam enamorados por ela, Maria
Regina sozinha, em seu quarto, põe-se a pensar em
ambos. Há para este cenário um fundo musical,
cantarolado pela personagem enquanto reconstitui,
de memória, cada palavra da conversa ocorrida. É a
melodia da sonata por ela executada ao piano
momentos antes na sala, durante a visita.
Em linguagem musical, conforme Cosme (1959),
Adagio refere-se a um andamento lento. Andamento
é o grau de velocidade com que um trecho musical é
executado. Uma composição pode conter várias
partes que são chamadas de movimentos. Cada um
poderá ser escrito para uma velocidade diferente. Os
andamentos podem ser lentos, moderados ou
rápidos. Dentro da sua categoria, Adagio é o menos
lento, já próximo ao moderado. A primeira parte de
uma música sempre mostra o tema, isto é, a melodia
que vai ser desenvolvida a seguir. Por exemplo: a
introdução, em música, é um movimento não muito
longo, que costuma apresentar variações sobre o
fraseado melódico que a peça contém no seu corpo
principal.
Na primeira parte, portanto, aparece uma pequena
amostra do tema. É o caso do Adagio cantabile no
conto “Trio em lá menor”. Segundo Kiefer (1987),
outra característica do Adagio é que permite
ornamentos. Em música, ornamentos são sons
extras com o objetivo de embelezar sem, no entanto,
modificar ou se sobrepor ao tema melódico.
Esses significados de Adagio para a música podem
ser aplicados para explicar essa primeira parte do
conto. Sendo Adagio cantabile, o subtítulo significa
um andamento lento que pode ser cantado, isto é, o
tema deve ser interpretado como se estivesse sendo
cantado. O fraseado melódico é executado com
esse espírito para causar essa mesma sensação em
quem ouve. Fica nítido para quem escuta que a
música ainda não terminou. Não contém som
conclusivo. É um movimento para o qual haverá
seqüência. Poder-se-ia dizer que haverá solução. De
acordo com Harnouncourt (1990), na música, essa
solução chama-se resolução, que é o som que
finaliza.
185
Ao ler a primeira parte descobrem-se pistas do que
vai ser tratado. Tal como na música, são
apresentadas pinceladas sobre o assunto principal
do conto. Como no Adagio cantabile, os eventos
surgem um tanto lentos, mas carregados de
sentimentos como se estivessem sendo cantabile. A
história começa enfeitada por detalhes de beleza da
personagem e dos seus sentimentos de amor,
respeito e busca da perfeição. Já que também o
Adagio pode conter floreios, essa é uma relação
direta com a apresentação do triângulo amoroso
nesse início do conto: ressaltando o que é bom e
belo.
ALLEGRO MA NON TROPPO
Na segunda parte do conto, chamada de Allegro ma
non troppo, inicia o desenvolvimento da história. Há
um fato envolvendo um dos homens. Maciel arrisca
sua vida jogando-se na frente dos cavalos de uma
carruagem para salvar um menino que
imprudentemente atravessara a rua. Na carruagem,
estão Maria Regina e sua avó. A tragédia é evitada,
com ferimentos inexpressivos para ambos: vítima e
salvador. A partir desse episódio, são ressaltados
atributos positivos da personalidade do novo herói,
Maciel. Maria Regina reconhece nele tantas
qualidades que chega a se perguntar onde arranjaria
melhor noivo.
Nessa segunda parte não aparece Miranda e nem
Maria Regina menciona ter lembrado dele. Esse fato
inclina o leitor a pensar que ela poderia ter se
decidido a escolher Maciel, colocando fim ao
triângulo amoroso, já predizendo um clássico final
feliz, mas tal não acontece.
Analisando pela teoria musical, podemos referir dois
significados. O primeiro seria em relação ao
andamento dos eventos no conto. Allegro é um
andamento rápido. Essa segunda parte chama-se
Allegro ma non troppo, isto é, rápido, mas não muito.
O desenrolar das ações acontece exatamente como
a música descreve esse andamento. O fato
concreto, ou seja, o salvamento protagonizado por
Maciel, ocorre no início e logo Maria Regina devotalhe profunda admiração.
Em seguida, transfere indevidamente seu
deslumbramento pela atitude do rapaz para os
sentimentos que nutria por ele, confundindo o
próprio coração. Tal falta de discernimento deixa o
leitor em dúvida sobre o futuro do triângulo amoroso.
A direção dos acontecimentos, no relato de
Machado, aponta para um lado, vai mais rápido do
que no Adagio, que é a primeira parte, mas não com
muita velocidade. Em seguida, no final desse
segmento, ficamos com uma concreta sensação de
que os fatos não estão se encaminhando para a
resolução do problema.
O segundo significado, de acordo com Wisnik
(2004), o qual também pode ser relacionado com a
música é a alegria no real sentido da palavra. Allegro
ma non troppo começa com um ato heróico. A
mocinha fica feliz, como que inebriada pela coragem
do seu herói e, na seqüência, há demonstrações de
contentamento. Em cada acontecimento, ela vai
sendo tomada por uma satisfação comparável à
alegria. Tal sentimento, porém, não é consistente, o
que pode ser referido ao significado de ma non
troppo porque, já no início da parte seguinte, seu
encantamento por Maciel vai enfraquecendo até
tornar-se insuficiente.
ALLEGRO APPASSIONATO
Allegro appassionato, terceira parte do texto, é a
continuação da visita que Maciel estava fazendo a
Maria Regina na noite do mesmo dia do salvamento.
A conversa entre Maciel e a avó sobre futilidades
corre solta e os sentimentos de Maria Regina vão
passando de interesse para indiferença pelo rapaz.
Ela tentava se prender na admiração ao belo gesto
dele, mas tudo era insuficiente. Logo se descobria
entediada de sua presença. Recorria, então, a um
singular expediente: criava um personagem que
existia só na sua imaginação. Construía uma
combinação entre o presente (Maciel, na sua frente)
e o ausente (Miranda que não a estava visitando
naquele momento). Olhava para um, escutando o
outro, de memória. Sua imaginação era tão eficaz
que ela conseguiu, por algum tempo, contemplar
uma criatura perfeita e única, porém inexistente, pela
qual se via completamente apaixonada. Sua paixão
era por uma pessoa ficcional.
Mais tarde, quando chegou Miranda, o seu segundo
enamorado, Maciel se retirou. Maria Regina, então,
na ordem inversa recorreu ao mesmo artifício. Voltou
a construir na sua imaginação a complementação de
um pelo outro. Na sua frente agora estava Miranda,
186
que, embebido, a escutava na execução de uma
sonata ao piano. Nele encontrava a expressão de
uma porção de idéias que dentro dela lutavam
vagamente sem forma. Tinham o mesmo gosto
artístico: amavam a música. Ao contemplá-lo, sentiu
nele uma expressão de pedra e fel.
Lembrava-se, então, do Maciel franco, meigo e bom.
E, no seu pensamento, um ser irreal tomava forma,
mais uma vez, reunindo o que a encantava em cada
um deles.
Voltando-se para a interpretação através do que a
música apresenta, Allegro appassionato, conforme
Kiefer (1987) e Cosme (1959), é um andamento de
certa velocidade, mas com claro tom apaixonado.
Traduz paixão, move-se pela paixão. É executada
apaixonadamente. A paixão é marca forte capaz de
transmitir e despertar esse sentimento em quem a
ouve.
Enquanto Maria Regina tocava ao piano a sonata
ouvida por Miranda, ia formulando mentalmente a
figura que amava: juntava este (Miranda) com o
outro (Maciel). Amava as idéias e gostos do Miranda
com a imagem e a bondade de Maciel. Estava
apaixonada por esse terceiro homem, que ela não
conhecia. Ele representava o objeto da sua espera e
motivo da sua indecisão.
Com o fragmento “... e a música ia ajudando a
ficção, indecisa a princípio, mas logo viva e
acabada“ (p.135), confirma-se a intenção de
Machado em se servir da teoria musical para
explicar o conto como um todo, cada uma das partes
separadamente e, dentro delas, os eventos que vão
se entrelaçando rumo ao final do texto ou em busca
de solução.
buscava, procurou dentro de si mesma, fechando os
olhos. Ao penetrar em seu interior, viu ali dentro a
estrela dupla e única. Separadas, valiam bastante,
juntas, davam um astro esplêndido. Ela queria o
astro esplêndido. Ao abrir os olhos, percebeu a
imensa distância que a separava do céu. E se
desesperou porque teve consciência da
impossibilidade de alcançar o astro escolhido. Notou
que estava visualizando fora de si os astros que
edificara em sua mente, então deitou e dormiu. Em
seu íntimo, transitavam sentimentos de insaciedade,
ambição, não contentamento e exigência de
perfeição. Maria Regina sonha. No seu sonho, voa
na direção de uma bela estrela dupla. O astro
desdobra-se e ela fica vagando entre as duas
porções em busca do sentimento de satisfação. Foi
então que surgiram do abismo palavras
incompreensíveis para ela, mas não para o leitor.
A voz disse que a pena de Maria Regina seria
oscilar, por toda a eternidade, entre dois astros
incompletos. No mesmo instante, a voz afirma que a
eterna busca da personagem será sempre
acompanhada pelo som da sonata do absoluto: lá,
lá, lá... . O leitor entende que as palavras que a
protagonista ouviu em sonhos reforçam a idéia do
triângulo amoroso na sua vida. Ou ela não encontra
o que idealiza ou então não se satisfaz com os
valores de um único personagem, não conseguindo
assumir uma escolha. Persiste, portanto, a
insatisfação que gera o triângulo, antes
caracterizado pelos dois homens e agora
concretizado na busca por duas estrelas.
Continua, porém, na vida de Maria Regina a
constante companhia da música que, nesse
momento, é registrada pelo fundo musical
proveniente da “velha sonata do absoluto: lá, lá, lá”
(p.138).
MINUETO
Minueto, a quarta parte do conto “Trio em lá menor”,
inicia com incerteza de tempo transcorrido e
reconhecimento da insuficiência individual dos dois
homens. A indecisão de Maria Regina aborreceu-os
até que, perdidas as esperanças, saíram para nunca
mais. Após várias noites transcorridas, quando se
convenceu de que estava tudo acabado, Maria
Regina foi até a janela observar os astros. Procurou
no céu a confirmação de uma notícia lida no jornal,
informando haver estrelas duplas que parecem ser
um só astro. Não encontrando no firmamento o que
Ao dizer velha, Machado quer se referir à sonata que
a personagem central costumava tocar ao piano
desde o início do texto. Ao referir-se a essa
composição como “absoluto”, o autor quer defini-la
como completa, perfeita, significando que, embora a
vida das personagens possa ter tomado um rumo
sem final feliz, o mesmo não acontece com a música
cujo final repousa sobre um som harmônico.
Tentando entender essa quarta parte pela teoria
musical, precisamos lembrar que Minueto é uma
peça composta em compasso de três por quatro ao
187
qual chamamos ternário. Conforme Cosme (1959),
surgiu em 1650 e serviu para acompanhar uma
dança francesa de mesmo nome na corte do rei Luís
XIV. É importante registrar que há outra composição
musical em compasso de três tempos chamada
valsa. Embora possua certa semelhança, há
características que a diferenciam do Minueto, sendo
que a valsa popularizou-se através dos tempos,
ficando
conhecida,
especialmente,
como
composição musical de três tempos para dança de
salão.
Os episódios aqui relatados mostram eventos
marcados por três personagens. Há uma tentativa
de solucionar o problema do triângulo amoroso na
segunda parte (Allegro ma non troppo), porém, nas
seqüências descritas, percebe-se que tal situação é
insolúvel já que a possibilidade de resolvê-lo é
ficção: foi edificada no plano da imaginação. Quando
dois personagens saem da história finalmente se
desfaz o triângulo amoroso e Maria Regina continua
sua busca. Duas estrelas tornam-se seus dois
objetos de interesse. A personagem passa a se
movimentar de uma para outra sem conseguir sentir
satisfação com uma ou outra. Há, portanto, a
manutenção de uma situação em que três elementos
estão novamente em jogo.
Podemos relacionar tais fatos com os três tempos da
composição chamada Minueto. Do início ao fim da
peça, as notas se sucedem sempre obedecendo ao
compasso ternário. Exatamente como no conto.
Inicialmente com três personagens e, no final, com
Maria Regina entre dois astros, os eventos vão
seguindo seu percurso, mantendo o ritmo de três
tempos como acontece com as notas musicais nos
tempos do Minueto.
É importante também mencionar que Minueto é uma
composição musical completa e não um andamento
da música como são as outras partes do conto. Da
mesma forma, Machado, na quarta parte do conto,
não se refere a um andamento do romance, pois
extinguiu-se. Fala, porém, da vida de Maria Regina,
que se move entre dois objetivos. Aborda o tema da
eternidade, afirmando que, para a personagem
exigente de perfeição e incapaz de sentir satisfação,
o ritmo da vida será sempre de três tempos tal qual
o Minueto. Na dança de mesmo nome, os pares se
deslocam em movimentos variados. Tomam
direções diversas, ora para um lado, ora para outro e
a dança, como os dias, as semanas e a vida, vai
transcorrendo. O som da música acompanha todos
os movimentos da dança.
Assim também ocorre no texto de Machado de
Assis. Durante todo o conto há a presença da
música no enredo, todas as vezes em que a
personagem executa a sonata ao piano. E, em
outros momentos, a sonata aparece como pano de
fundo enquanto a protagonista relembra fatos e
conversas. No final do conto, há o registro de que a
sonata do absoluto é um fundo musical permanente
para a vida daquela que, não conseguindo
satisfazer-se com o que encontrou de bom num
ponto, continua a oscilar entre dois objetos. A única
companhia absoluta, completa que lhe restou foi a
da sonata.
Machado de Assis se serve da teoria musical com
muita propriedade e não por acaso usa a sonata
para sugerir perfeição, porque sonata é uma
composição musical em três ou quatro movimentos
destinada a um instrumento de teclado. Suas
diferentes partes têm começo, meio e fim,
revelando-se completa. Movimentos são cada uma
das partes que compõe a sonata. Os movimentos
são escritos em diferentes andamentos, pois, dentro
do mesmo tema, cada um deles tem algo diferente a
comunicar. Formam um conjunto harmoniosamente
belo, completo, perfeito e absoluto. O som da
sonata, sempre presente no pano de fundo,
complementa o clima significativo dos eventos.
Também no conto “Trio em lá menor”, as partes são
individuais, com características próprias. Juntas
formam, como na sonata, um todo completo, com
início, desenvolvimento e fim.
Diante de tudo o que foi descrito pode-se dizer que
não foi acidentalmente que Machado utilizou a
linguagem musical para descrever o conto. Ficou
demonstrado que o autor era profundo conhecedor
da teoria musical, pois a música referendou o
significado de cada uma das partes do conto em
particular. Esteve presente no decorrer de toda a
narrativa, deixando marcada sua função em todos os
momentos. E, mais especialmente, quando a
personagem principal colocava-se em silêncio para
recordar. Nesses momentos as palavras calavam,
mas o som musical continuava a ser escutado por
Maria Regina como acompanhamento para seus
pensamentos,
acrescentando-lhes
maior
significância. Essa é uma amostra da intensa ligação
188
de Machado e das suas personagens com a música
e, nesse conto, com a sonata, em particular.
Revela uma visão da vida, em as pessoas da
sociedade de sua época têm ambições desmedidas
em busca da perfeição numa sociedade imperfeita.
CONCLUSÃO
No título “Trio em lá menor”, e em todo o desenrolar
dos acontecimentos percebe-se claramente que a
teoria musical, permeia os eventos, agregando
significado ao desenrolar da trama e oferece ao
leitor uma oportunidade extra de conhecimento, que
o torna capaz de melhor entender a personalidade
que o autor pretende para a personagem central de
sua obra. A narrativa assume uma maior
significância, não ficando limitada ao enredo em si,
pois desvenda muito mais do que os simples fatos.
O leitor, ao enxergar através do véu, que é o texto
de Machado, abre um leque de interpretações e
descobre a música.
“Trio em lá menor” é mais uma obra machadiana em
que o autor se releva como grande analista da alma
humana. Pouco importam as circunstâncias que
envolvem a protagonista, a não ser para perscrutar o
que se passa em seu íntimo. A ânsia de perfeição
que Maria Regina busca em seus namorados reflete
a intenção de Machado em mostrar que a criatura
humana jamais vai alcançar seus intentos, ficando
irremediavelmente só, nesse caso, com sua música.
Ao utilizar-se da música como complemento do
texto, Machado revelou seu profundo conhecimento
e admiração por ela. Em cada momento em que se
percebeu a presença da música entrelaçada ao
conto, ela colaborou para que o leitor sentisse maior
prazer na leitura. A música vai além dos limites que
as palavras impõem. Seu entendimento é amplo e,
principalmente, subjetivo, outra marca machadiana.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. Trio em lá menor. In:__. Várias histórias.
São Paulo: Mérito, 1961, p.125138.
COSME, Luís. Introdução à música. 2. ed. porto Alegre: Globo.
1959.
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
KIEFER, Bruno. Elementos da linguagem musical. 5. ed. Porto
Alegre: Movimento, 1987.
TOMÁS, Lia. Ouvir o lógos: música e filosofia. São Paulo:
UNESP, 2002.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
Fonte:
Santa Cruz do Sul, v. 33 n especial, p. 88-98, jul., 2008.
http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/index
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas 111
Uma Trova Nacional
“A bolsa ou a vida” – eu ouço
e retruco as ironias:
- Que leve as duas, seu moço,
pois ambas estão vazias.
(ROBERTO MEDEIROS/MG)
Uma Trova Potiguar
Nessa vida de rancores,
de fatos imprevisíveis,
coragem faz vencedores,
concórdia faz invencíveis.
(FABIANO WANDERLEY/RN)
Uma Trova Premiada
1999 > Niterói/RJ
Tema > TIMIDEZ > Menção Honrosa
Sou tímida, na verdade,
e você já percebeu.
Porém... me beije à vontade
porque a tímida sou eu...
(ALCY RIBEIRO S. MAIOR/RJ)
189
Simplesmente Poesia
Estrofe do Dia
– Eduardo A. O. Toledo/MG –
POR SOBRE AS NUVENS.
Por decreto de um pai onipotente
e por ordem expressa de Jesus,
eu carrego pra sempre a minha cruz
que de Deus eu ganhei como presente;
e agradeço por eu ser tão contente
sem ter mágoa, sem dor, sem fantasia,
a minha vida é um poema de alegria
que eu me sinto feliz em declamar;
no “cotoco” da perna de Ademar
Deus plantou a semente da poesia.
(ADEMAR MACEDO/RN)
Por sobre as nuvens, meu sonho
vai dedilhando, disperso,
as ilusões que componho
na pauta azul do universo.
Por sobre as nuvens me ponho,
preso às estrelas, imerso,
como se fosse um risonho
canteiro cheio de versos.
Por sobre as nuvens, são tantos
devaneios e acalentos,
que o céu parece um coreto
de estrelas doidas, vadias,
declamando poesias
sob as nuvens de um soneto!!!
Soneto do Dia
– Sônia Sobreira/RJ –
EU GOSTO DA CHUVA.
Gosto da chuva, do seu marulhar,
dos pingos caindo com precisão,
do vento alegre que teima em soprar
folhas molhadas caídas no chão.
Uma Trova de Ademar
Vejo sentadas no chão,
trajadas de desamor;
crianças comendo pão
amanteigado de dor!
(ADEMAR MACEDO/RN)
Gosto da chuva, do seu gotejar,
águas rolando, enxurrada em roldão
deixando nas pedras brilho sem par,
como o trabalho de fino artezão.
...E Suas Trovas Ficaram
Gosto da chuva a cair sobre mim,
névoa de prata a envolver meu jardim,
que todo encharcado, em brilhos reluz!
A morte não me intimida...
Perfil de dor que eu descarto.
A morte é somente a vida
fazendo um segundo parto!
(PAULO CESAR OUVERNEY/RJ)
Eu gosto de ouvir o som que ela faz,
qual retinir dos mais finos cristais
jorrando do céu, pedaços de luz!
Fonte:
Ademar Macedo
Elisabeth Souza Cruz
Poesias
MISSÃO TERRESTRE
Não vim ao mundo para um breve passo,
trouxe roteiro e amor dentro da mala...
Deus me mandou... e me estendeu Seu braço,
deu-me os conselhos e eu sei bem da fala...
Deus me disse assim: - “- Pega o teu espaço,
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usando... o amor, o teu traje de gala...
Prossegue o bom destino que eu te traço
e faz teu rumo, azul, em alta escala!!”
É plantação... estio com fartura,
É sensatez vestida de loucura...
É breu... é noite... é Sol de meia dia!!!
E muito atenta à fala do bom Deus,
estou na Terra e... esses caminhos meus
são adornados pelo verbo amar...
BACHAREL
Porque eu tenho uma Rosa que viceja,
não pego o lugar de quem quer que seja...
eu me assumo e... conquisto o meu lugar!
SEGREDO
Viver a vida é parte de um mistério
na encenação da qual somos atores,
sem ter ensaio, sem qualquer critério,
misto de sombra e luzes multicores...
E nesta vida há sempre um revertério,
um dissabor, espinhos entre as flores...
Mas há segredos, sempre há um refrigério,
há muita luz atrás dos bastidores!
Então... comece a desvendar segredos,
descubra o sol brilhando entre os seus medos...
e ante a tristeza não se entregue ao léu!
Ouvir estrelas no breu da tormenta
é o grande alento de quem se alimenta
do Pão da Vida... o Pão que vem do céu!
AMOR DE EXTREMOS
O nosso Amor é um mar cheio de extremos...
Mar perigoso de navegação...
Às vezes... temo e abandonar os remos
parece a diretriz... a solução.
Eu me amedronto, mas, ante o que temos,
dou meia volta... vejo a salvação
nos tempos de prazer... tantos... supremos,
e eu sigo em frente, atrás dessa emoção...
O nosso Amor é uma cumplicidade...
é todo feito de diversidade....
é guerra... é fogo... é paz... é rebeldia...
Não entristeço a folha de papel
que ela merece uma canção feliz...
Então, eu pego um sonho, o meu batel,
mudo o roteiro e inverto a diretriz!!!!
Meu sonho é diplomado... é um bacharel
contorna os desenganos com seu giz...
Conhecedor da vida, em seu farnel,
tem sempre uma ilusão... pedindo bis...
Meu sonho... faz a vez de um navegante,
pega a alegria, o seu farol constante,
e adentra os mares onde houver tristeza...
Eu sei que o mar nem sempre é meu amigo,
mas eu me exponho às ondas do perigo,
porque a esperança é sempre uma certeza!
DIA DE RESGATE
O caos, a fome, o medo, a frustração...
e os trinta e três guerreiros no combate...
dia após dia... a espera... a indecisão
da vida, por um fio, em xeque-mate!
Uma Esperança vence a escuridão,
porque o mineiro bom, jamais se abate
e enfrenta a fúria da Mineração
para esperar o Dia de Resgate!
O Chile comprovou a sua fibra
e o mundo, em energias, todo vibra
para trazer à Luz esses guerreiros!
E o Atacama emerge para a história
e escreve no deserto a trajetória
da inesquecível saga dos Mineiros!
Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Litero Cultural
191
Plínio Linhares
Trovamando V - Helena
A HELENA
(minha musa inspiradora)
As forças da natureza,
Venham todas em amparo;
Que haja maior riqueza,
Para musa que preparo.
Que ela tenha as virtudes,
De um anjo divinal;
E venha com atitudes,
De uma dama bem formal.
Desejo que seja linda,
Num corpo escultural;
Espírito na berlinda,
Rainha universal.
Veja o bem nos irmãos,
Ampare o deserdado;
Estenda sempre as mãos,
A alguém desamparado.
Que sorria e mais encante,
O adulto e a criança;
Doando, sempre avante,
A paz e a esperança.
E com um simples olhar,
Faça o doente são;
O aflito acalmar,
Ao acenar de sua mão!
Precisa o trovador,
Receber a sua parcela;
Deste anjo salvador,
Do bem e paz, que ele sela.
Presentes eu lhe darei,
E todo dia bela rosa;
Amor, afeto, farei,
Pra ficar rindo e prosa.
Pra ela, como fiz outrora,
E deixando-a bem grata;
Na noite, em qualquer hora,
Farei linda serenata.
Passou bela, flutuante,
Fui, perguntei-lhe o nome;
E com voz estonteante,
Disse só o seu prenome: - HELENA, a sua criada,
Vejo que é bom rapaz;
Só serei a sua amada,
Se a trova for capaz!
Andar firme, bem andante,
Olhar doce e suave;
Fala macia, bem galante,
Linda, soberana ave.
HELENA, musa perfeita,
Ornamento, belo brinco;
Deusa mor de gala seita,
És, no TROVAMANDO CINCO...
Por seu passado seguro,
Pelo presente bem são;
Para um feliz futuro,
HELENA, quero sua mão!
Lavarei seus pés com flores,
Ao recebe-la por minha;
Demonstrando meus amores,
Mesmo quando não a tinha.
Pra poder lhe merecer,
Erradicarei defeitos;
Farei puro o meu ser,
E verás cantar meus feitos...
Cercar-lhe-ei de afetos,
Como mar cerca a terra;
Tal qual avós aos netos,
Como neblina na serra.
Amparo eu lhe darei,
E amor compreendido;
O afeto que farei,
Há de ser correspondido.
192
Haverá companheirismo,
E um trato fraternal;
Dose de cavalheirismo,
União no ideal.
Dois corpos a caminhar,
E as almas siamesas;
Impossível separar,
Nem com doutas sutilezas.
DON QUIXOTE DE LA MANCHA,
Eu, a derribar moinhos;
Terei a grata ensancha,
De mostrar os meus carinhos.
Eu, andante cavaleiro,
Montado no ROCINANTE;
Para ser-lhe prazenteiro,
E tornar apaixonante.
És estrela que me guia,
De luz deveras brilhante;
Clara noite, como dia,
Você é o meu calmante...
Meu amor, por que mantém?
Seu querer adormecido;
O meu ser só se sustem,
Com seu beijo aquecido.
Que coisa linda o beijo!
Exalta todo meu ser;
Põe cérebro em lampejo,
Dá vontade de viver...
Aquele abraço doce,
Que você me deu um dia;
Não esqueço nem que fosse,
O rei momo da folia!...
Seu arfar, no meu ouvido,
Nele, seu beijo ardente;
Ao chamar-me de querido,
Diz verdade, ou me mente?
No dia em que me levou,
Provar sua intimidade;
A minh’alma se lançou,
No orgasmo da verdade.
Você me deu o maná,
Que dado ao prometido;
E ainda o fará,
Com amor arremetido.
Seu afago, carinhoso,
O olhar mais dardejante;
Meu querer fica formoso,
O meu ser eletrizante!
Dançando, rostos colados,
E corpos em conjunção;
Ficam cupidos corados,
E anjos em aflição...
Você me põe no espaço,
Naquele, o sideral;
Sempre ledo no regaço,
Do seu bom manancial.
Me ame, minha querida,
Deixe-me amar também;
Extinga minha ferida,
Meu amor, meu forte bem!
O céu, dar-lhe-ei em verso,
Pois na prosa, se esvai;
Mas o grande universo,
Pra lhe dar, só nosso PAI!
Fundo extrato d’amor,
Perfumarei meu querer;
Far-lhe-ei do meu fulgor,
Como o amanhecer.
Para seu luxo, a teia,
Tecerei com fios d’ouro;
De amor, será a ceia,
Imortal e porvindouro.
Adorná-la e vestir-lhe,
Faze-la mais preciosa;
Do mar, pérolas roubar-lhe,
Do jardim, mais bela rosa...
Vamos, na realidade,
HELENA, meu bem querer;
Dar-lhe-ei a faculdade,
Em mi’a fala escolher.
Quero fazer, como dantes,
Amar-lhe na velha forma;
Sermos os finos amantes,
193
Na melhor, perfeita norma.
Prazeirar a natureza,
Atirar pedras no lago;
Sentir a lua benfazeja,
E acreditar em mago...
Em todas as coisas belas,
Igualá-las à você;
E a mais bonita delas,
Nunca há lhe merecer!
Agrupar as nossas almas,
Na mais doce lua de mel;
Pairar sobre nuvens calmas,
Sob bênçãos de lindo céu.
Vindo fundo sentimento,
Com amor forte, seguro;
Dar-lhe-ei enlaçamento,
De agora ao futuro...
Qualidade de amor,
Terá nosso matrimônio;
Afeto e esplendor,
Será o nosso binômio.
Ajuda lhe prestarei,
E você me cuidará;
Bom amor receberei,
Mais ternura hei de dar.
O amor é como luz,
E nas trevas ilumina;
Fortalece e seduz,
A sua saga, contamina.
Os casais indiferentes,
Ao verem nosso exemplo;
Tornar-se-ão firmes crentes,
E virão ao nosso templo.
Que bom, é o bem viver,
Que maldade, é discórdia;
Ore muito pra não ter,
Que pedir misericórdia.
Para viver desta forma,
E Ter essa harmonia;
Há de se seguir a norma: Só com DEUS, em sintonia!
No jantar a luz de velas,
Com a paz dos querubins;
Comporei trovas mais belas,
Na lira, dos serafins.
Suave música de fundo,
Aflorando sentimento;
Dar-lhe-ei do mais fecundo,
Amor e desprendimento.
O casamento perfeito,
Há de ter a BOA discórdia;
Pois, de rosas, não há leito,
Nem a forçada concórdia.
Ter bom senso de ouvir,
Mais a arte de calar;
Para tudo discernir,
E a vida aclamar.
A fala mansa, macia,
O cenho descontraído;
Forma a paz e sacia,
De bênçãos, um lar caído.
Um casal prenhe de paz,
Faz do lar, foco de luz;
Qualquer treva se desfaz,
Pois ali, está Jesus!
O amor não tem espécie,
É amor sem discussão;
É natural de sua messe,
E não tem comparação.
Não existe confusão,
Há de ter contentamento;
Sem amor, é ilusão,
O perfeito casamento.
A relação em conflito,
Só bem querer modifica;
Faz bendito o maldito,
E amor solidifica!
Quer viver fatal inferno?
É em casa atritar;
Ampare e seja terno,
Chegue até lisonjear.
Casamento com problema,
Já são muitos o da vida;
194
Só o amor como lema,
Há de faze-la querida!
Se no lar houver disputa,
E só uma eu admito: De amor e de labuta,
Pois a paz não é um mito.
Com uma linda atafona,
Lavarei seus pés com flores;
Bem, que a fada abona,
Prometendo meus amores...
Enxugar com alvo linho,
Com sândalo perfumado;
Que fará do nosso ninho,
Aposento consagrado.
Enfim, ó bela HELENA,
Você é minha gracinha;
É a mais linda pequena,
Entre moças da pracinha.
Com HELENA, há certeza,
De perene bem viver;
A sua alma de beleza,
Seu eterno bem querer.
Você é o douro trigo,
Saciando minha fome;
É caminho que eu sigo,
HELENA, sublime nome.
Bela de TRÓIA, viesse,
Mi’a HELENA, visitar;
A sua beleza fenece,
Se a minha comparar!
Adjetivo gentílico,
HELENA, igual à grego;
Povo culto e idílico,
Pelo amor têm apego.
HELENA, larga estrada,
Caminhou a minha vida;
De sedenta na parada,
É a água mais querida.
Com um sexo respeitoso,
Sempre, sempre sublimado;
No sagaz harmonioso,
Do OLIMPO, consagrado.
E será sempre assim,
Pois és deusa que encanta;
Muito mais que um jasmim,
Minha musa, minha mantra!
Eu tivesse um harém,
Amaria a todas elas;
Somente você porém,
É a bela, das mais belas!...
Sonho em ser um sultão,
Dono de gema formosa;
Todos reis invejarão,
Você, pedra preciosa!
A fausta tiara rica,
Que orna cabeça nobre;
Em vossa mercê, que fica,
Para quem o sino dobre.
E como agradecer,
Inspiração de HELENA;
Me fez mais enternecer,
Com sua beleza serena.
Despeço emocionado,
Minha musa, minha luz;
Sou o seu apaixonado,
Com auspícios de JESUS!
ANA PAULA, também AMANDA,
VALQUIRIA, linda pequena;
MARIA, a mais veneranda,
A Quinta, bela HELENA...
Digo sempre o que sinto,
E inspiro em SUAS, leis;
Para terminar o CINCO,
E a começar o SEIS.
O trovador sempre faz,
Consigo auto-ajuda;
Deseja ao LEITOR – PAZ!
Mais amor, que tudo muda.
Ao meu querido LEITOR,
Sou grato em profusão;
Minhas trovas de amor,
Em você, INSPIRAÇÃO!...
Fonte:
http://blogdodegasdc.blogspot.com/2010/04/trovamando-v-helena.html
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Machado de Assis
Adão e Eva
UMA SENHORA de engenho, na Bahia, pelos anos
de mil setecentos e tantos, tendo algumas pessoas
íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas,
grande lambareiro, um certo doce particular. Ele quis
logo saber o que era; a dona da casa chamou-lhe
curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam
todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou
feminina, e se a responsabilidade da perda do
paraíso devia caber a Eva ou a Adão. As senhoras
diziam que a Adão, os homens que a Eva, menos o
juiz-de-fora, que não dizia nada, e Frei Bento,
carmelita, que interrogado pela dona da casa, D.
Leonor:
— Eu, senhora minha, toco viola, respondeu
sorrindo; e não mentia, porque era insigne na viola e
na harpa, não menos que na teologia.
Consultado, o juiz-de-fora respondeu que não havia
matéria para opinião; porque as cousas no paraíso
terrestre passaram-se de modo diferente do que
está contado no primeiro livro do Pentateuco, que é
apócrifo. Espanto geral, riso do carmelita que
conhecia o juiz-de-fora como um dos mais piedosos
sujeitos da cidade, e sabia que era também jovial e
inventivo, e até amigo da pulha, uma vez que fosse
curial e delicada; nas cousas graves, era gravíssimo.
— Frei Bento, disse-lhe D. Leonor, faça calar o Sr.
Veloso.
— Não o faço calar, acudiu o frade, porque sei que
de sua boca há de sair tudo com boa significação.
— Mas a Escritura... ia dizendo o mestre-de-campo
João Barbosa.
— Deixemos em paz a Escritura, interrompeu o
carmelita. Naturalmente, o Sr. Veloso conhece
outros livros...
— Conheço o autêntico, insistiu o juiz-de-fora,
recebendo o prato de doce que D. Leonor lhe
oferecia, e estou pronto a dizer o que sei, se não
mandam o contrário.
— Vá lá, diga.
— Aqui está como as cousas se passaram. Em
primeiro lugar, não foi Deus que criou o mundo, foi o
Diabo...
— Cruz! exclamaram as senhoras.
— Não diga esse nome, pediu D. Leonor.
— Sim, parece que... ia intervindo frei Bento.
— Seja o Tinhoso. Foi o Tinhoso que criou o mundo;
mas Deus, que lhe leu no pensamento, deixou-lhe
as mãos livres, cuidando somente de corrigir ou
atenuar a obra, a fim de que ao próprio mal não
ficasse a desesperança da salvação ou do benefício.
E a ação divina mostrou-se logo porque, tendo o
Tinhoso criado as trevas, Deus criou a luz, e assim
se fez o primeiro dia. No segundo dia, em que foram
criadas as águas, nasceram as tempestades e os
furacões; mas as brisas da tarde baixaram do
pensamento divino. No terceiro dia foi feita a terra, e
brotaram dela os vegetais, mas só os vegetais sem
fruto nem flor, os espinhosos, as ervas que matam
como a cicuta; Deus, porém, criou as árvores
frutíferas e os vegetais que nutrem ou encantam. E
tendo o Tinhoso cavado abismos e cavernas na
terra, Deus fez o sol, a lua e as estrelas; tal foi a
obra do quarto dia. No quinto foram criados os
animais da terra, da água e do ar. Chegamos ao
sexto dia, e aqui peço que redobrem de atenção.
Não era preciso pedi-lo; toda a mesa olhava para
ele, curiosa.
Veloso continuou dizendo que no sexto dia foi criado
o homem, e logo depois a mulher; ambos belos, mas
sem alma, que o Tinhoso não podia dar, e só com
ruins instintos. Deus infundiu-lhes a alma, com um
sopro, e com outro os sentimentos nobres, puros e
grandes. Nem parou nisso a misericórdia divina; fez
brotar um jardim de delícias, e para ali os conduziu,
investindo-os na posse de tudo. Um e outro caíram
aos pés do Senhor, derramando lágrimas de
gratidão. "Vivereis aqui", disse-lhe o Senhor, "e
comereis de todos os frutos, menos o desta árvore,
que é a da ciência do Bem e do Mal."
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Adão e Eva ouviram submissos; e ficando sós,
olharam um para o outro, admirados; não pareciam
os mesmos. Eva, antes que Deus lhe infundisse os
bons sentimentos, cogitava de armar um laço a
Adão, e Adão tinha ímpetos de espancá-la. Agora,
porém, embebiam-se na contemplação um do outro,
ou na vista da natureza, que era esplêndida. Nunca
até então viram ares tão puros, nem águas tão
frescas, nem flores tão lindas e cheirosas, nem o sol
tinha para nenhuma outra parte as mesmas
torrentes de claridade. E dando as mãos
percorreram tudo, a rir muito, nos primeiros dias,
porque até então não sabiam rir. Não tinham a
sensação do tempo. Não sentiam o peso da
ociosidade; viviam da contemplação. De tarde iam
ver morrer o sol e nascer a lua, e contar as estrelas,
e raramente chegavam a mil, dava-lhes o sono e
dormiam como dous anjos.
Naturalmente, o Tinhoso ficou danado quando soube
do caso. Não podia ir ao paraíso, onde tudo lhe era
avesso, nem chegaria a lutar com o Senhor; mas
ouvindo um rumor no chão entre folhas secas, olhou
e viu que era a serpente. Chamou-a alvoroçado.
— Vem cá, serpe, fel rasteiro, peçonha das
peçonhas, queres tu ser a embaixatriz de teu pai,
para reaver as obras de teu pai?
A serpente fez com a cauda um gesto vago, que
parecia afirmativo; mas o Tinhoso deu-lhe a fala, e
ela respondeu que sim, que iria onde ele a
mandasse, — às estrelas, se lhe desse as asas da
águia — ao mar, se lhe confiasse o segredo de
respirar na água — ao fundo da terra, se lhe
ensinasse o talento da formiga. E falava a maligna,
falava à toa, sem parar, contente e pródiga da
língua; mas o diabo interrompeu-a:
— Nada disso, nem ao ar, nem ao mar, nem à terra,
mas tão-somente ao jardim de delícias, onde estão
vivendo Adão e Eva.
— Adão e Eva?
— Sim, Adão e Eva.
— Duas belas criaturas que vimos andar há tempos,
altas e direitas como palmeiras?
— Justamente.
— Oh! detesto-os. Adão e Eva? Não, não, mandame a outro lugar. Detesto-os! Só a vista deles fazme padecer muito. Não hás de querer que lhes faça
mal...
— É justamente para isso.
— Deveras? Então vou; farei tudo o que quiseres,
meu senhor e pai. Anda, dize depressa o que queres
que faça. Que morda o calcanhar de Eva?
Morderei...
— Não, interrompeu o Tinhoso. Quero justamente o
contrário. Há no jardim uma árvore, que é a da
ciência do Bem e do Mal; eles não devem tocar nela,
nem comer-lhe os frutos. Vai, entra, enrosca-te na
árvore, e quando um deles ali passar, chama-o de
mansinho, tira uma fruta e oferece-lhe, dizendo que
é a mais saborosa fruta do mundo; se te responder
que não, tu insistirás, dizendo que é bastante comêla para conhecer o próprio segredo da vida. Vai,
vai...
— Vou; mas não falarei a Adão, falarei a Eva. Vou,
vou. Que é o próprio segredo da vida, não?
— Sim, o próprio segredo da vida. Vai, serpe das
minhas entranhas, flor do mal, e se te saíres bem,
juro que terás a melhor parte na criação, que é a
parte humana, porque terás muito calcanhar de Eva
que morder, muito sangue de Adão em que deitar o
vírus do mal... Vai, vai, não te esqueças...
Esquecer? Já levava tudo de cor. Foi, penetrou no
paraíso, rastejou até a árvore do Bem e do Mal,
enroscou-se e esperou. Eva apareceu daí a pouco,
caminhando sozinha, esbelta, com a segurança de
uma rainha que sabe que ninguém lhe arrancará a
coroa. A serpente, mordida de inveja, ia chamar a
peçonha à língua, mas advertiu que estava ali às
ordens do Tinhoso, e, com a voz de mel, chamou-a.
Eva estremeceu.
— Quem me chama?
— Sou eu, estou comendo desta fruta...
— Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal!
— Justamente. Conheço agora tudo, a origem das
coisas e o enigma da vida. Anda, come e terás um
grande poder na terra.
— Não, pérfida!
— Néscia! Para que recusas o resplendor dos
tempos? Escuta-me, faze o que te digo, e serás
legião, fundarás cidades, e chamar-te-ás Cleópatra,
Dido, Semíramis; darás heróis do teu ventre, e serás
Cornélia; ouvirás a voz do céu, e serás Débora;
cantarás e serás Safo. E um dia, se Deus quiser
descer à terra, escolherá as tuas entranhas, e
chamar-te-ás Maria de Nazaré. Que mais queres tu?
Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma
estulta obediência. Nem será só isso. Toda a
natureza te fará bela e mais bela. Cores das folhas
verdes, cores do céu azul, vivas ou pálidas, cores da
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noite, hão de refletir nos teus olhos. A mesma noite,
de porfia com o sol, virá brincar nos teus cabelos. Os
filhos do teu seio tecerão para ti as melhores
vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as
aves te darão as suas plumas, e a terra as suas
flores, tudo, tudo, tudo...
Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e
confirmou a resposta de Eva; nada valia a perda do
paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma outra
ilusão da terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao
outro, e deixaram a serpente, que saiu pressurosa
para dar conta ao Tinhoso.
Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel:
— Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre,
onde vivem Adão e Eva, e traze-os para a eterna
bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às
instigações do Tinhoso.
E logo o arcanjo, pondo na cabeça o elmo de
diamante, que rutila como um milhar de sóis, rasgou
instantaneamente os ares, chegou a Adão e Eva, e
disse-lhes:
— Salve, Adão e Eva. Vinde comigo para o paraíso,
que merecestes pela repulsa às instigações do
Tinhoso.
Um e outro, atônitos e confusos, curvaram o colo em
sinal de obediência; então Gabriel deu as mãos a
ambos, e os três subiram até à estância eterna,
onde miríades de anjos os esperavam, cantando:
maléficos, às plantas daninhas e peçonhentas, ao ar
impuro, à vida dos pântanos. Reinará nela a
serpente que rasteja, babuja e morde, nenhuma
criatura igual a vós porá entre tanta abominação a
nota da esperança e da piedade.
E foi assim que Adão e Eva entraram no céu, ao
som de todas as cítaras, que uniam as suas notas
em um hino aos dous egressos da criação...
... Tendo acabado de falar, o juiz-de-fora estendeu o
prato a D. Leonor para que lhe desse mais doce,
enquanto os outros convivas olhavam uns para os
outros, embasbacados; em vez de explicação,
ouviam uma narração enigmática, ou, pelo menos,
sem sentido aparente. D. Leonor foi a primeira que
falou:
— Bem dizia eu que o Sr. Veloso estava logrando a
gente. Não foi isso que lhe pedimos, nem nada disso
aconteceu, não é, frei Bento?
— Lá o saberá o Sr. juiz, respondeu o carmelita
sorrindo.
E o juiz-de-fora, levando à boca uma colher de doce:
— Pensando bem, creio que nada disso aconteceu;
mas também, D. Leonor, se tivesse acontecido, não
estaríamos aqui saboreando este doce, que está, na
verdade, uma cousa primorosa. É ainda aquela sua
antiga doceira de Itapagipe?
Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. Ed. Martin
Claret.
— Entrai, entrai. A terra que deixastes, fica entregue
às obras do Tinhoso, aos animais ferozes e
J. B. Xavier
O Camelô
Tá vendo esse vidro, seu moço?
Ele é meio esverdeado,
Mas num é que foi pintado,
É que lá dentro ele tinha
Mastruço de qualidade,
Misturado com Arnica
Com essa nem vô rimá,
Mas só quero te alembrá
Que esse chá muda a idade
Do véio mais incapais,
E depois de dois, três gole
Ele aumenta sua prole
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Como se fosse um rapais!
Pois te digo ainda mais:
Tenho Gengibre Moída,
Pomada prarca caída,
Cipó Mil Home também!
Tenho chá de Erva Cidrêra,
Chá de Boldo e Agrião,
Chá de Losna e de Alfavaca
E chá para dor nas cadêra.
Remédio pro coração?
Tenho de tudo, variado,
Um oleozinho dormido
Que tu tem que acreditá
Que é o meu mais vendido.
Com ele já vi curá
As cicatriz das chifrada
De muito home traído.
Veja só esse outro aqui
Noutro dia até vendi
Pruma madame embuchada
Que queria se livrá
Daquela baita enrascada.
Tu sabe que isso é difícir!
E que bom é só fazê
Mais depois da coisa feita
Quem fica assim, na suspeita
Costuma se escafedê.
Tasquei esse óinho nela!
Depois dei um chá de Losna
Arrematei com Alecrim,
Misturei então Banchá
Depois botei Camomila
E de Alcachofra um pouquinho,
E fui picanu miudinho
A Folha de Abacateiro
Cum folha de laranjêra.
Dei uma esquentada ligêra,
Misturei Erva do Bicho
Com Raiz de Carrapicho
Mais Erva de Macaé,
Juntei um pouco de Guaco
E pus mais Alho Moído,
Te digo, tava fedido,
E prá mode miorá
Aquele fedor disgramado,
Misturei com Guaçatonga
E um pouco de Guaraná.
Bati tudo com Canela
Tornei batê e dei préla.
E esperei ela tomá.
A mulé saculejô,
Saiu fumaça do ovido,
E dispois fumaceou,
Como o trem da minha terra
Fumaceia quanu sobe
As rampa daquelas serra.
E ficô toda amarela,
Depois foi ficanu inchada
Pensei que fosse morrê.
E deu três passo prá trais
Arregalô bem os zóio,
Como quem viu satanais
Depois pegou esse óio
Pagô e deitô a corrê.
Não tenho curpa de nada,
Porque foi ela que quis,
Mas daquela infeliz
Nada mais há de nascê.
Tenho tamém Carobinha
Depurativo do sangue,
Que é bom tamém pro intestino,
Tamém tenho Cavalinha
Que prá mim é como ouro,
Mió que o Carapiá!
Tenho até Chapéu de Couro
Que melhora até o fel,
E que diz que cura tudo.
Tenho tamém esse Mel
Que é santo se for tomado
Com chá de Cipó Cabeludo.
Prá quem tem o sangue doce,
Eu faço a combinação:
Pata de Vaca, Ipê Roxo,
Pedra ume e Graviola,
Com carqueja e com Gervão.
Tá tudo nesse potinho
Que mermo pequenininho
Prá diabete é a solução!
Gervão, é tamém pros figo!
Vô te contá como amigo:
Não fica perto de gente
Quando tomá o Gervão,
Se tu tem prisão de ventre.
Tamém tenho Quina-Quina
E Casca de Romã Seca,
Tenho Salvia e Sabugueiro
Sassafrás, Salsaparrilha
Que combate até a gota.
E se tu tem dor na vrilha
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Ou tem bolinha na boca
Leva aqui Sete Sangria
Toma um pôco todo dia
Que tu há de miorá.
Mas presta muita atenção,
Tu não vá me errá a mão
Na hora de misturá.
Mió levá Unha de Gato,
Que pode sê reumatismo,
Mais se o pobrema fô sangue
Ou até dor de barriga
Mió tu levá Urtiga
E dela fazê um chá!
Mais ó, prestenção e num teima
Num vai nela se encostá
Porque essa danada queima!
Vai levá? Pois pêra aí,
Que a bula eu vô buscá
Onde está as instrução
De como se misturá!
E o sinhô, que tá tossinu?
Chega mais perto mermão!
E pode tirá o capuz!
Essa gripe vai embora
Assim que o sinhô comprá
Esse chá de Alcaçus!
O seu pobrema é de pele?
Meu amigo, não se afoba,
Veja aqui nesse vidrinho
Um chazinho de Andiroba.
Esse acaba inflamação,
E acaba as doença no cerne,
Pois mesmo assim, diluidinho
Ele acaba até com verme.
Tenho Óleo de Aroeira,
Chá de Arruda e Assa-Peixe,
Só te peço que não deixe
De tomá na hora certa.
Tenho Chá de Cajueiro,
Pomada de Boldo Chileno,
Cana do Brejo e Carqueja .
Tarvez, quem sabe tu teja
Precisanu de um laxante,
Que é prá mode tu sortá!
Cipó de Cascara Sagrada,
É que faz dá uma sortada...
Então tenho aqui prá tu
Essa bebida arretada
Que vai te sortá o...pé!
Ô será que teu pobrema
É só dá uma levantada
Para podê namorá?
Tenho aqui a solução,
Que co teu pobrema acaba,
Contra a falta de tesão
Tome chá de Catuaba.
Eu tenho Cordão de Frade
Que é pramode tu mijá,
Tenho Garra do Diabo,
Capim Cidrão, Fayuiá,
Tem Erva de Macaé,
Passiflora, Pitangueira,
E Semente de Butiá.
Tenho Calêndula e Tília
Milefólio e Douradinha,
Tenho Artemísia e Bardana
Que é prá boa digestão,
Pirapora e Carobinha,
E Erva de São João.
Chegue mais perto seu moço,
Prás moça não escuitá.
Mas tenho tamém picão!
Que apesar do nome feio
Só serve prá digestão!
E ainda tenho solução
Feita só para quem ama,
Seu nome é marapuama
Que deixa forte e machão!
E tu, de mão levantada
Pode falá, senhorita!
No que posso lhe servi?
Como? Repete a pergunta
E chega mais perto, se junta
Aqui, com esse povão.
Isso! Agora me diga
Prá o que a minha amiga
Deseja uma solução?
“Ouvi que o senhor tem remédio
para quem está amando!
Pois eu to amando, seu moço,
Sofrendo no coração!
Eu tô no fundo do poço!
Tô querendo alguma erva
Que acabe co que me enerva
E me tire desse fosso!”
Pois óia aqui senhorita,
A erva mais milagrosa
A menina já tomô.
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Nunca vi erva mais forte
do que a erva do amô...
O amô não vem em vidrinho,
As veis vem devagarinho,
Otras veis num furacão.
Depois ele toma conta
E arrasa co coração!
O amô foi Deus que inventô
Quando o mundo Ele criô
Prá vida ficá bonita!
E dessa remediarada
Que tenho aqui nessa mala
Se não quizé num acredita,
Não tem nenhum pro seu caso.
Num vá pensá que é descaso
De camelô deslexado!
É que o amô foi inventado
Lá pelo sexto dia.
Deus tava em grande euforia
Quando acabô de inventá,
Mas tamém tava cansado,
E parô prá descansá.
Aí veio o sétimo dia,
Que fez virá feriado!
No oitavo dia o Senhor
Foi embora deste mundo
Deixando o amô criado,Esperando vê ele crescê.
Mas Deus, muito atarefado,
Se foi sem ter ensinado
Como um amô desfazê!
Fonte:
http://www.jbxavier.com.br
Ialmar Pio Schneider
Outra época e um poeta
inesquecível
Esses dias estava percorrendo os livros de minha
biblioteca nas prateleiras e encontrei um volume de
saudosa memória, autografado pelo autor, intitulado
Bom Dia, Juventude ! Trata-se da obra do inspirado
poeta de Caçapava do Sul – RS, hoje falecido,
Francisco Guarany De Bem. O autógrafo é de 17 de
maio de 1982, quando ele já andava beirando os 80
anos, pois sua data natalícia é 16 de abril de 1903.
Lembro-me que o conheci na sede da Casa do
Poeta-Riograndense, que naquela época funcionava
nos Altos do Mercado Público, Sala nº 119, que bem
poderia continuar até hoje naquele local, s.m.j., pois
ele já escreveu naquela ocasião: “Em agradecimento
aos relevantes serviços prestados pelo nosso
incansável Fachinelli, inclusive a sua incessante
batalha para que tenhamos um salão próprio, e que
este salão nos seja doado pela Prefeitura de Porto
Alegre. Espero que muito em breve vejamos a nossa
bandeira tremulando sob o caloroso aplauso dos Srs.
Vereadores e hasteada pelas mãos do nosso digno
Prefeito.”
Todavia, como escreveu no prefácio o literato Hugo
Ramírez, ilustre membro da Academia Rio-
Grandense de Letras, a respeito, num texto lapidar, o
seguinte: “São versos tocados de simplicidade e
pureza de alma. Inspirados por distintos momentos e
motivos, inebriam-se de romantismo e saturam a
atmosfera de todo o volume com seu aroma
amoroso. Os versos de amor são os mais
significativos do caráter e da experiência do autor.
Atingir a seu estágio com esta exuberância de bem
querer é privilégio que Deus a poucos concede, tão
sáfaros são freqüentemente os corações que muito
viveram, eivados de amargura.”
O ponto máximo de sua criação literária, está nas
páginas 34 e 35, que aqui transcrevo como uma
homenagem ao saudoso poeta amigo:
“Pedra do Segredo – Prólogo –
“Lá na escarpada da serra, ao lado da altaneira
cidade de Caçapava do Sul, meu querido torrão
natal, há uma pedra lendária em seus assombros.
Lembro-me, quando pequenino ainda, passava as
noites sem poder dormir pelo medo que eu sentia,
horrorizado das assombrações que no galpão um
pardo velho me contava dela. Hoje, para me redimir
do mal que ela me fez sem ter nenhuma culpa, aqui
201
estou eu convidando a todos para oportunamente se
dignarem conhecê-la. E, tenho a certeza absoluta
que, ao defrontarem-se com aquela grandiosidade
que lá está encravada, assim como eu o fiz quando a
conheci, também todos vós ao conhecê-la primeiro
se curvarão, respeitosamente, para depois beijá-la.””
E para complementar, transcrevo abaixo também, o
soneto que ele dedicou ao saudoso amigo poeta e
declamador Hugo Britto, e com o qual ficou
conhecido como o poeta da Pedra do Segredo:
“Muito longe daqui, lá em Caçapava,
Há uma pedra lendária em seus assombros.
Ouviam nela um arrulhar de pombos,
Ou os gemidos de uma antiga escrava.
Na medida que a serra se desbrava,
A lenda morre num montão de escombros.
Sonhando, um peso me saiu dos ombros:
A história dela mal contada estava.
E lá está a pedra majestosa e bela !
Ninguém sabe dizer que pedra é aquela,
Todos a chamam Pedra do Segredo.
É um diamante engastado lá na serra,
Que Deus, olhando para minha terra,
Deixou por gosto lhe cair do dedo.”
Hoje, decorridos tantos anos, ainda me assaltam
aqueles dias em atropelo na lembrança do que não
volta mais. Mas este viver me ensinou que a
convivência poética permanece, como naquele
autógrafo:
“Para o prezado amigo…, com um caloroso abraço,
subscrevo-me. Ass. … Porto Alegre, 17-5-82”, em
sua letra tremida e miúda prestes a octogenário. Que
Deus vele por ele, enquanto eu recito minha quadra:
Os versos que a gente escreve,
mesmo que sejam banais,
é um pouco da vida breve
que não volta nunca mais !
Até outra oportunidade.
Fonte:
http://ialmarpioschneider.blogspot.com/
José Geraldo Martinez
Lendas da Infância
Um dia me contaram uma lenda .
Fui correndo comprar .
Existem nas matas, a Caipora, meio gente e meio
bicho, com os pés ao contrário. Adora fumar. Só
permite que alguém entre mata à dentro se, antes,
colocar fumo ou cigarro no pé de qualquer árvore .
Para me garantir, comprei logo cinco maços de
cigarros e um pedaço de fumo .
Aquilo de certa forma me causou expectativa,
mesmo porque, papai havia me convidado para
pescar e justamente num córrego margeado por
pequena mata.
Chegado o dia , preparei toda tralha de pesca:
anzóis, iscas , varinhas, picuá , lanches e
guloseimas…
Não podia me esquecer do cigarro da Caipora .
Seguimos pela manhã que se abria quente ,
ensolarada e de poucas nuvens .
Conosco levamos um amigo , “Girico”, este apelido
lhe foi dado por seu tamanho . Era franzino , miúdo ,
a ponto de mostrar as costelas todas . “Girico” é o
nome dado ao jegue tão usado e querido pelos
nortistas !
Ele era pequeno porém, forte .Garoto astuto e
destemido, criado a vida toda no mato, nas fazendas
da região, até que seu pai acometido de séria
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doença teve que abandonar a vida no campo e voltar
para cidade.
Quis continuar o assunto, mas papai logo me
interrompeu com os dedos nos lábios .
- Psiuu ! Tem peixe mordendo a isca !
Chegamos finalmente . Logo de cara, Girico fisgou
um piau, peixe típico da região e com ele fazia festa,
como se desafiando a mim e meu pai. Engraçado
que seguidamente , Girico fisgava algum peixe ,
enquanto a gente já desanimava de molhar as
minhocas . E a cada fisgada, a mesma festa.
Lembrei-me finalmente da Caipora , depois de
escutar um assobio vindo da mata .
O dia passou, voltamos para casa felizes. Com
alguns pequenos peixes, menos Girico que estava
com um farto bornal de piaus grandes. Não dormi
pensando no jardim da minha casa. Lembrei-me de
algumas vezes que escutara assobiar e achava que
podia ser alguma pessoa passando pela rua.
Nem perguntei ao meu pai o que seria. Fui logo
correndo ao pé de uma velha figueira e lá colocando
todos os maços de cigarro, inclusive o pedaço de
fumo .Vai se a tal Caipora era do tempo do meu avô
?
No dia seguinte, fui correndo comprar cigarros.
Claro! dos mais baratos, afinal minha mesada era
pequena e não podia consumí-la em cigarros para
Caipora. Gostava de sorvetes , cinemas , enfim…
guloseimas muitas. Aprendi a lição e coloquei
apenas um maço de cigarros no meio dos antúrios
da mamãe .
Passamos o dia alí pescando, brincando e nos
banhando nas águas do rio Baguaçu , no oeste
paulista .
A noite chegava e já nos preparávamos para dormir,
depois de um farto lanche servido pelo meu pai.
Girico comia feito louco ! O que tinha de magrinho,
tinha de guloso. Comeu quatro pães com presunto e
queijo tomou uma guaraná de dois litros inteiras, três
bananas nanicas ! Arrumamos as camas
improvisadas com velhos cobertores, dormimos .
A noite foi de certa forma longa, não parava de
pensar na tal Caipora. Tremia de medo à qualquer
barulho na mata. Girico, aparentemente, dormia que
chegava a roncar. O dia amanheceu, voltamos à
pescaria. Curiosamente fui olhar os cigarros
colocados para Caipora . Para minha surpresa,
estava só o pedaço de fumo! Os cigarros em maço
desapareceram. Voltei correndo contar para meu pai
me que deu pouca atenção, ironicamente brincou
dizendo que aquela Caipora deveria ser urbana,
acostumada à cidade .
Nosso jardim era farto de plantas e arbustos e muito
verde, com samambaias, pinheiros e uma enorme
laranjeira. Era do tipo lima, que papai não deixou
cortar dado a doçura da fruta e os anos que estava
ali. No outro dia bem cedo, mal tomei o café, fui olhar
se o cigarro estava entre os antúrios . Viva ! Não
estava ! Havia mesmo no jardim ,uma Caipora . Sai
correndo contar aos amigos , feliz da vida.
Os dias se passaram . A cada amanhecer era um
maço de cigarros, depois doces , frutas , assim por
diante …
Até que um dia, contando para mamãe, ela
indignada, resolveu comigo ficar escondida para
vermos a tal Caipora .
Criança, ainda, perguntei :
Ficamos no quarto, com a janela levemente aberta,
que mal cabiam meus olhos, metade da minha face.
Pouco respirava e o coração acelerado à medida que
as horas iam passando. De repente ,um barulho…
Parei de respirar, mas a minha curiosidade era
maior. Permaneci de olhos na fresta da janela. Qual
foi minha surpresa ! Girico comia tranquilamente as
frutas e doces todos , guardava os cigarros e saia.
- E na cidade pai, onde a Caipora moraria ?
- Nos jardins das casas, em meio às folhagens .
Assim deve ter sido à beira do rio . Ele seria a
Caipora urbana que meu pai falava .
Fiquei pensando, preocupado. Será que no jardim da
minha casa existe alguma Caipora ?
Muita decepção! O engraçado era que quando
chegava em nosso jardim, pressentindo alguma
coisa, assobiava como a Caipora colocando-me
rapidamente embaixo das cobertas .
203
Passados os dias, na casa de uma tia, ela me
contava sobre a lenda de um tal “boto cor de rosa”,
que encantava as mulheres com seu canto!
Dias depois, minha prima desapareceu e voltou
grávida .
Saí correndo pela rua esparramando a notícia,
gritando :
-Tem um boto no jardim da minha tia, minha prima
está grávida !
Quem será ? quem será ?
Esta foi a última surra que tomei naquele ano. Afinal,
chegavam as festas natalinas e me preparava para
receber papai-noel.
José Geraldo Martinez (1958)
Músico, arranjador, produtor fonográfico, escritor,
poeta, cronista, compositor com mais de cento e
cinquenta obras gravadas e editadas
Ninguém melhor que a nossa mãe para fazer a
nossa biografia !
Então lá vai :
Chegava a primavera . Os flamboyans floridos
enfeitavam as praças de nossa cidade . Araçatuba:
“Terra dos Araçás , “Capital do Boi Gordo “.
14/09/58. Nascia ele , José Geraldo, das mãos
habilidosas de Dr. Creso Machado Pinto.
Alegria só no lar, pais professores : José Martins
Rodrigues e Mercilia Rodrigues .
Louro , olhos azuis, a alegria de ser gente
manifestava-se no choro forte da criança nascida.
Cresceu conhecendo cada pedacinho da terra.
Cada pedacinho de chão .
Trocava gatos por pombos .
Pescava no “Machadinho”.
Nadava no ribeirão .
Ouvia as histórias contadas , cantadas ,
Se deixassem as madrugadas.
Artes ? quantas !
Mas cresceu …
Homem feito .
Faculdade fez .
Filhos dele e de outros,
porque também adotou.
Casado e descasado .
Amar, isto ele amou !
Teve muito a receber .
Mas também muito doou .
Se canta a melodia
De seu grande coração
É porque lá , algum dia
Alguém lhe estendeu a mão
Bem feito ,
Sem jeito ,
Alegre ,
Bonachão
Traça riscos ,
Arabescos
Com toda ternura .
É filho da terra .
É cheiro do chão .
Amor e candura
Tamanha leveza
Do seu coração
Mercilia Rodrigues
Fonte:
http://www.josegeraldomartinez.hpg.ig.com.br
Cecília Meireles
Romanceiro da Inconfidência
Romanceiro da Inconfidência é uma coletânea de
poemas da escritora brasileira Cecília Meireles,
publicada em 1953, que conta a História de Minas
dos inícios da colonização no século XVII até a
Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins do
século XVIII na então Capitania de Minas Gerais.
204
Em 85 “romances”, mais quatro “cenários” e outros
de prólogo e êxodo, Cecília evoca primeiro a
escravidão dos africanos na região central do
planalto em episódios da exploração do ouro e dos
diamantes no século 18; logo o centro da coletânea é
dedicado ao destino dos heróis da chamada
“Inconfidência Mineira” – Joaquim José da Silva
Xavier, o Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, sua
noiva e amada Marília de Dirceu bem como de
outras
figuras
históricas
implicadas
no
acontecimento, como D. Maria I a louca, na altura
Rainha de Portugal.
Mais lírica do que narrativa, a obra assume o lado
dos derrotados (transformados depois em heróis da
Independência do Brasil) denunciando o sistema
colonial que favorece a exploração dos desvalidos:
A terra tão rica
e – ó almas inertes! –
o povo tão pobre…
Ninguém que proteste! (…) (in: Do animoso Alferes,
Romance XXVII)
Estes branquinhos do Reino
nos querem tomar a terra:
porém, mais tarde ou mais cedo,
os deitamos fora dela. (in: ‘Do sapateiro Romance
XLII)
A reinterpretação da história serve no entanto de
ponto de partida para uma reflexão filósofica e
metafísica sobre a condição humana. Surgindo
Tiradentes como um avatar de Cristo e sofrendo o
sacrifício do bode expiatório, ele se torna num
redentor do Brasil, que abriria a nova era da
liberdade. “Construindo com o Romanceiro da
inconfidência um mosaico em que cristalizariam
vibrações captadas na terceira margem da memória
coletiva, Cecília consolidava uma teia de mitos
suscetíveis de fortalecer o sentimento da identidade
brasileira“(Uteza, 2006 : p. 294).
Podemos dividir os fatos que compõem o
Romanceiro em três partes ou ciclos:
Aí parece haver uma
ouro/diamante/liberdade.
gradação
proposital:
Como o ouro e o diamante, a liberdade brilhou
intensamente nas Minas Gerais, mas como o ouro e
o diamante, a liberdade só trouxe desgraças,
masmorras e mortes….
a) Ciclo do ouro
O cenário colocado para o ciclo do ouro prenuncia
também o ciclo da liberdade, no qual “a mão do
Alferes de longe acena” como a querer dizer:
Adeus! que trabalhar vou para todos!…
Mas essa mão que acena à liberdade e ao homem
livre será enforcada mais tarde. Por enquanto,
vejamos o alvorecer do ouro que vai brilhar
intensamente nas Minas Gerais, despertando a
cobiça e ganância dos homens e, quem sabe, o
sonho de liberdade dos inconfidentes que nasceria
também do ouro da terra.
Descobre-se o ouro e, por causa dele, o homem vai
matando animais, pessoas, florestas e tudo que lhe
atravessa o caminho. Desbrava-se a mata. Surgem
montanhas douradas de ouro e de cobiça que
despertam uma verdadeira alucinação:
Selvas, montanhas e rios
estão transidos de pasmo.
É que avançam, terra adentro,
os homens alucinados.
(Romance I)
E gerações e mais gerações de netos afundariam
nesse abismo:
Que a sede de ouro é sem cura,
e, por ela subjugados,
os homens matam-se e morrem,
ficam mortos, mas não fartos. (ib .ib)
b) ciclo do diamante;
Como o ouro que brota da terra, brotam também “as
sinistras rivalidades”, ladrões e contrabandistas, –
um clima de intranqüilidade:
c) ciclo da liberdade ou inconfidência com sua
ascensão e queda.
todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos,
a) ciclo do ouro;
205
mas vão sendo fabricadas
muitas algemas de ferro.
O ouro lhe tiraria o “t” da terra e o “s” da serra e ele
erra cativo, sem liberdade, com os elos de ferro da
escravidão…
(Romance II)
E por amor, pelo ouro, uma donzela é assassinada
pela mão de seu pai. O ouro não permitia que a
donzela acenasse a enasse a um amor “de condição
desigual” o seu lencinho” de sonho e sal”
Surge Felipe dos Santos, que assanha a fúria do
Conde de Assumar. É morto e esquartejado, mas o
herói que tomba no Arraial do Ouro Podre ficará
como exemplo perene de força e de coragem para
os que virão.
O tirano conde haveria de chorar porque quem ri,
chora também. O Brasil ainda era criança – um
“menino” apenas. Nasceriam outros como Felipe dos
Santos:
Dorme, meu menino, dorme,
- que Deus te ensine a lição
dos que sofrerem neste mundo
violência e perseguição
Morreu Felipe dos Santos;
outros, porém, nascerão.
(Romance V)
Cria-se o quinto do ouro, cobrado a ferro e fogo: a
Coroa precisava de ouro. Há logros: D. Rodrigo
César e Sebastião Fernandes enviam para a coroa
caixotes selados com “grãos de chumbo” em vez de
grãos de ouro.
Ai, que o Monarca procura
os que vão ser castigados.
E o “quinto falsificado” se tornaria o décuplo de
forcas e degredos para a dourada colônia! Pela
madrugada fria, rompe o canto do negro no serviço
de catar o ouro, enquanto o patrão dorme e sonha. O
negro pena e chora, canta e ri na saudade da serra,
na imensidão da terra. E na sua vida escrava, ele
erra sem terra, sem serra, sem nada:
(Deus do céu, como é possível!
penar tanto e não ter nada!)
(Romance VII)
Mas o ouro que brotava da terra não cativara apenas
o preto, como Chico, que também já fora rei “lá na
banda em que corre o Congo”: também os brancos
foram atirados naquela lama que alimentava a
ganância de reis e rainhas:
Hoje, os brancos também, meu povo,
são tristes cativos.
(Romance VIII)
Santa Ifigênia, princesa núbia, protetora dos negros,
desce às minas “vira-e-sai”, depois de amenizar o
sofrimento deles.
As pessoas, por causa do ouro, iam-se
embrutecendo: movido pelo ódio, um contratador,
quase assassinou um ouvidor, dentro de uma igreja,
porque este, enamorado, arremessara uma flor a
uma donzela.
Os filhos do almotacé (inspetor de pesos e medidas),
sete crianças, rezam diante de Nossa Senhora da
Ajuda. Joaquim José é uma delas.
As crianças pedem à Virgem que o salve “do triste
destino que vai padecer”. Será em vão. A virgem não
poderá atendê-los, mesmo sendo crianças. Mais
forte do que um pedido de criança é o destino
traçado para um homem! Mesmo sendo seis e
irmãos do sentenciado!
(Lá vai um menino
entre seis irmãos.
Senhora da Ajuda,
pelo vosso nome,
estendei-lhe as mãos!)
(Romance XII)
O pedido agora (entre parênteses) é da poetisa à
Virgem. Não será atendida: mais forte do que o
pedido de um poeta é o destino traçado para um
homem!
Mas, por enquanto, reina a bonança: “os tempos são
de ouro”. A tempestade virá depois, em 1792, com a
execução.
206
Antes de chegar a forca, porém, outro metal brilhará
intensamente nas Minas Gerais: os diamantes do
Tejuco, depois Diamantina.
b) Ciclo do diamante
Continua a corrida alucinante. Agora é a vez do
diamante nas regiões do Serro Frio e do Tejuco,
onde vive o contratador João Fernandes, “dono da
terra opulenta”.
Chega às suas terras, com o fim de persegui-lo, o
Conde de Valadares, homem enganoso e fingido.
Hospeda na casa de João, que lhe abre a casa e o
coração das mulatas, menos o de Chica da Silva.
Sua riqueza é imensa e o fingido conde suspira de
cobiça:
Deste tejuco não volto
sem ter metade das lavras,
metade das lavras de ouro,
mais outro tanto das catas;
sem meu cofre de diamantes,
todos estrelas sem jaça,
- que para os nobres do Reino
é que este povo trabalha!
Maldito o conde, e maldito
esse ouro que faz escravos,
esse ouro que faz algemas,
que levanta densos muros
para as grades das cadeias,
que arma nas praças as forças,
lavra as injustas sentenças,
arrasta pelos caminhos
vítimas que se esquartejam!
(Romance XVII)
Os velhos do Tejuco, na sua experiência, pensam
com a amargura na “febre que corta o Serro Frio”.
João Fernandes, que até então era senhor opulento,
fora levado num navio “igual a um negro fugido”, o
que dá margem a esta reflexão da autora:
(Que tudo acaba!
Quem diz que montanha de
ouro não desaba?)
(Romance XVIII)
Acabara-se o tempo de João Fernandes e de Chica
da Silva, cravejada de brilhantes. Mas:
(Romance XIII)
O romance XIV apresenta Chica da Silva no seu
império de luxo, resplandecente de ouro e diamante.
Comparada à rainha de Sabá, ela tinha mais brilho
que Santa Ifigênia, a princesa núbia, em dias de
festa:
Sobre o tempo vem mais tempo.
mandam sempre os que são grandes:
e é grandeza de ministros
roubar hoje como dantes
vão-se as minas nos navios…
Pela terra despojada,
ficam lágrimas e sangue.
(Coisa igual nunca se viu.
Dom João Quinto, rei famoso,
não teve mulher assim!)
(Romance XIX)
Vendo o conde tão interessado pelo João, Chica
cisma nessa falsa amizade e previne a João
Fernandes:
Hoje, todo o mundo corre,
Senhor, atrás de riqueza. (Romance XV)
Dito e feito: o conde, traindo a hospedagem de João
Fernandes, leva-o preso, como Chica da Silva
pressentira.
É a ambição do ouro (ou do diamante, que é sempre
a mesma coisa) que a todos embriaga e corrói:
Mas o ouro e o diamante, que brilharam tão
intensamente nas Minas Gerais, eram apenas
prenúncio de um brilho maior. Um sonho milenar, um
ideal de um sol que despertaria – o sol da liberdade
que a todos iluminaria e que nem rei nem rainha, por
mais despóticos que sejam, podem tirar do homem!
Não importa que haja eclipses de vez em quando: o
sol sempre volta a brilhar depois de um eclipse…
c) Ciclo da liberdade
A poesia apresenta o cenário onde vão se desenrolar
os fatos: enumeração, sobretudo, dos lugares e
207
fixação na névoa que chega às ruas, move a ilusão
de tempo e figuras e que trará, fatalmente, o pranto e
a saudade:
A névoa que se adensa e vai formando
nublados reinos de saudade e pranto.
O “país da Arcádia”, sediado na Vila Rica de outrora
(Ouro Preto), com seus pastores e rebanhos, Nises,
Marílias e Glauceste não passou de um ideal na
literatura.
Pelos céus, nuvens negras de ódio e ambições
ameaçam a doutorada terra de Ouro Preto: uma
“nuvem de lágrimas” está prestes a desabar sobre “o
país da Arcádia” – a “pastoral dourada”:
Com pouco mais surgirá a bandeira da liberdade…
“Atrás de portas fechadas”, os líderes de “fardas e
casacas (= militares, poetas), junto com batinas
pretas” discutem e planejam a inconfidência. A
bandeira com seu lema é escolhida e há um
sobressalto, quando se fala em liberdade:
E os seus tristes inventores
já são réus – pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja),
Liberdade – essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
O país da Arcádia,
súbito, escurece,
em nuvem de lágrimas.
Acabou-se a alegre
pastoral dourada:
pelas nuvens baixas,
a tormenta cresce.
(Romance XXIV)
(Romance XX)
E na “semana santa de 1789″, enquanto na França a
liberdade rompia os grilhões da Bastilha, nas terras
douradas de Minas, a mesma idéia se fermentava
para ser depois enforcada, na pessoa de Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes:
E a Arcádia serena ficava cada vez mais carregada:
agitação, correrias, ódio, ambições, países que se
libertam, “a Europa a ferver em guerras”. Portugal
com uma rainha louca:
- um imenso tumulto humano.
As idéias fervilhavam as mentes de padres e poetas.
Mas, por trás das janelas, ouvidos que escutam…
Por causa dessa palavra – espinha dorsal do homem
de todos os tempos – um rio de sangue está
iminente: uma carta anônima que se recebeu “fala de
rios propínquos / rios de lágrimas e sangue / que vão
correr por aqui”.
Deus, no céu revolto,
seu destino escreve.
Em baixo, na terra,
ninguém o protege;
é o talpídeo , o louco,
- o animoso Alferes.
O país da Arcádia estava carregado de “idéias”.
(Romance XXVII)
Um príncipe que morre, filho de D. MariaI, a rainha
louca, em 1788, é também uma esperança que
morre. Nas exéquias do príncipe, muita agitação.
Alguma coisa está sendo tramada – “já ninguém quer
ser vassalo” e:
A palavra Liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos,
murmura-a em tímido sopro.
(Romance XXIII)
Mas “no grande espelho do tempo”, a poetisa vê
também “o impostor caloteiro” Joaquim Silvério :
(quem em tremendos labirintos
prende os homens indefesos
e beija os pés dos ministros!)
(Romance XXVIII)
No “riso dos tropeiros” está colocado um aspecto de
Tiradentes que a tradição confirma (inclusive um lira
de Gonzaga), a loucura, pois:
208
falava contra o governo,
contra as leis de Portugal.
(Romance XXX)
Quem more, para dar vida?
Quem quer arriscar seu sangue?)
E é exatamente esse comodismo, dos bons que é a
força dos maus, dos traidores, dos déspotas da
liberdade:
Sem dúvida, essa loucura deve ser entendida de
outra forma: a audácia de um homem que se levanta,
sem força e sem armas, contra um governo
despótico e tirânico. É o que parece querer dizer a
poetisa, no Romance XXXI:
Mas os traidores labutam
nas funestas oficinas:
vão e vêm as sentinelas
passam cartas de denúncia…
(Pobre daquele que sonha
fazer bem – grande ousadia quando não passa de Alferes
de cavalaria!)
Na “noite escura” de 10 de maio de 1789, prenderam
o Tiradentes com seus pensamentos de liberdade.
Há um lamento profundo de desespero e dor por
estar sozinho na luta pela liberdade:
É certamente por isso que “o povo todo seria”,
porque o povo nunca ri sem razão…
Aliás, neste sentido, é preciso também o depoimento
do “cigano que viu chegar o Alferes”, quando diz no
Romance XXXIII:
Minas da minha esperança,
Minas do meu desespero!
Agarram-me os soldados,
como qualquer bandoleiro.
Vim trabalhar para todos,
e abandonado me vejo.
Todos tremem. Todos fogem.
A quem dediquei meu zelo?
(Fala e pensa como um vivo,
mas deve estar condenado.
Tem qualquer coisa no juízo,
mas em ser um desvairado.)
o Romance XXXIV, confrontando o delator Joaquim
Silvério com Judas, a escritora conclui que aquele
levou a melhor, pois ele (Judas) encontra remorso /
coisa que não te (= a Silvério) acontece.
Fechando o romance, entre parênteses, há uma
reflexão poética profunda, quando fala da “força de
vermes”, ou seja, dos delatores, dos maus, enquanto
os bons apenas “sonham”.
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens
e a surda força dos vermes.)
Aliás, é o que ocorre também no romance “do
suspiroso Alferes”, onde há, igualmente, um lamento
profundo sobre o comodismo do homem face à
situação que o envolve:
(Todos querem liberdade,
mas quem por ela trabalha?)
(O humano resgate custa
pesadas carnificinas!
(Romance XXXXVII)
E o medo e a ansiedade se espalham por toda Minas
Gerais. No fim do mesmo maio, prendem os outros
suspeitos:
Andam as quatro comarcas
em grande desassossego:
vão soldados, vêm soldados;
tremem os brancos e os negros.
Se já levaram Gonzaga
e Alvarenga, mas Toledo!
Se a Cláudio mandam recados
para que se esconda a tempo!
Outros implicados menores vão sendo presos. Há
“conversas indignadas” – há também “testemunha
falsa”. Há até mesmo um “embuçado” envolto em
panos e mistério que pretende salvar o poeta Cláudio
Manuel da Costa.
Mas todos terão seu fim.
O padre Rolim, famoso por suas safadezas, estava
na iminência de ser preso. O problema era
determinar o seu crime, já que, além da suspeita de
209
inconfidente, era culpado também, segundo o
falatório:
eternos” como um eco sombrio que chama ao ajuste
de contas e à condenação eterna:
por ter arrombado a mesa
de um juiz, em certa devassa;
por extravio de pedras;
por causa de uma mulata;
por causa de uma donzela;
por uma mulher casada.
O vós, que não sabeis do Inferno,
olhai, vinde vê-lo, o seu nome
é só – PULSILANIMIDADE.
(Romance XLV)
Mas o padre, que não era nada bobo, enquanto as
autoridades discutiam a sua prisão, “pulando cercas
e muros”, fugiu, levando consigo os seus sete
pecados ou setenta -e sete…
Nos “seqüestros” das casas e bens, “tudo é visto e
resolvido” pelos executores da lei, havia de tudo, até
mesmo:
as sugestões perigosas
de França e Estados Unidos
Mably, Voltaire e outros tantos,
que são todos libertinos…
(Romance XLVII)
Antes de prosseguir no trabalho de dar fim aos
inconfidentes, a autora interrompe a narrativa para
fazer uma belíssima reflexão na Fala aos
Pusilânimes, na qual condena os que não tiveram a
coragem, a audácia de acender o pavio da chama da
liberdade; os que sonharam e deixaram que seus
sonhos fossem pelos espaços infindos, como bolhas
etéreas…
Mas o fenômeno é eterno e universal – a estirpe dos
pusilânimes sempre existiu e existirá na face da
terra:
- só por serdes os pusilânimes,
os da pusilânime estirpe,
que atravessa a história do mundo
em todas as datas e raças,
como veia de sangue impuro
queimando as puras primaveras,
enfraquecendo o sonho humano
quando as auroras desabrocham!
E a liberdade que foi traída pela pusilanimidade dos
que sonhavam com ela ficará gravada nos “céus
mistério paira sobre o fim do poeta Cláudio, que é
também a versão da história. Suicídio? Fuga?
Rapto? – As dúvidas parecem justificáveis: Cláudio
era secretário do governo e afilhado de João
Fernandes. Daí o interesse por livrá-lo da masmorra
e do desterro.
De qualquer modo paira o mistério:
Entre esta porta e esta ponte,
fica o mistério parado.
Aqui, Glauceste Satúrnio ,
morto, ou vivo disfarçado,
deixou de existir no mundo
em fábula arrebatado.
(Romance XLIX)
Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu da Marília,
também tem fim sombrio na masmorra da Ilha das
Cobras, interrompendo, assim, o enxoval de Maria
Dorotéia (Marília) de quem era noivo.
Depois foi desterrado para as terras da África negra
(Moçambique), onde se casa com Juliana
Mascarenhas , deixando do outro lado do mar e da
vida a pobre e inconsolável Marília a quem celebrara
em inúmeras e ardentes liras de amor, em Marília de
Dirceu.
Enfim, em questões amorosas, o homem é sempre
um pombo enigmático…
Há dúvidas quanto à sua real participação na
Inconfidência como procura demostrar Rodrigues
Lapa em estudo a seu respeito. Aliás, o próprio
Gonzaga em uma das liras de Marília de Dirceu
procura se inocentar junto ao Visconde de
Barbacena.
Cecília Meireles também deixa transparecer a
mesma dúvida, ao indagar:
Inocente, culpado?
Enganoso? Sincero?
210
(Romance LV)
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi
enforcado a 21 de abril de 1792, três anos depois de
ser preso. Como atestam diversas passagens do
Romantismo, era considerado louco por causa das
idéias que tinha. Depois de morto, virou herói:
Que os heróis chegam à gloria
só depois de degolados.
Antes, recebem apenas
ou compaixão ou desdém.
(Romance XLIV)
A passos lentos, ele caminha sereno para o
cadafalso onde o espera, um tanto aflito, o negro
Capitania, que o executará. E diz o mártir:
Ò, permita que te beije
os pés e as mãos…Nem te importe
arrancar-me este vestido…
Pois também na cruz, despido
morreu quem salva da morte!
E o negro Capitania lamenta a sua sorte de carrasco
oficial do grande sonho humano – a liberdade:
Vede o carrasco ajoelhado,
todo em lágrimas lavado,
lamentar a sua sorte!
(Romance LVIII)
Só um carrasco lavou-se em lágrimas! Os outros
seriam lavados com o sangue daquele mártir que
tombava…
O cenário agora era desolador e triste: nada mais
restava dos sonhos e ideais pretéritos. Tudo fora
destruído pelas mãos dos delatores da vida, porque
a vida está na liberdade.
prisioneira do seu próprio destino: ela que executava
tantos, com masmorras , desterros, forcas, torna-se
prisioneira da loucura que é pior que qualquer
masmorra, desterro ou morte de forca.
O destino agora se voltava contra a grande déspota
da liberdade!
Ai, que a filha da Marianinha
jaz em cárcere verdadeiro,
sem grade por onde se aviste
esperança, tempo, luzeiro…
prisão perpétua, exílio estranho,
sem juiz, sentença ou carcereiro…
Terras de Angola e Moçambique,
mais doce é vosso cativeiro!
(Romance LXXIV)
Pela “comarca do Rio das Mortes (= S.João Del-Rei),
Dona Bárbara Eliodora, “a estrela do norte” do poeta
Alvarenga Peixoto, naufragava em lágrimas e
mágoas: seu doce Alceu também fora desterrado
para as longínquas terras d´África, em Angola
(Ambaca).
Agora as amenas colinas de outrora, onde o gado
pastava, onde as flores sorriam, onde os regatos
corriam, onde os pássaros cantavam, eram um
montão de ruínas e desolação ante o olhar magoado
e amargurado da rica e poética Eliodora.
Pela “comarca do Rio das Mortes” também dormia o
padre Toledo, “paulista de grande raça / mação,
conforme o seu tempo”.
Pela “comarca do Rio das Mortes” também passara e
se fora Maria Ifigênia, fruto primaveril do casal
Bárbara – Alvarenga:
Vai ver sua mãe demente
Vai ver seu pai degredado…
(Romance LXXVII)
Tudo agora estava reduzido a “um chão sem ouro
nem diamante”. Nada mais brilhava nas terras
douradas de Minas Gerais!
Também Marília se desfigurou pelo tempo e pela
Inconfidência. O seu retrato agora é o de uma mulher
macerada pela dor:
Também os tiranos tiveram o seu fim.
A rainha D. Maria I, que mandara executar os
inconfidentes da sua coroa, acaba se tornando
já não pertence mais à terra:
é só na morte que está viva
211
Agora, tudo jaz em silêncio: amor, inveja, ódio,
inocência, no imenso tempo se estão lavando,
declara a poetisa na Fala aos inconfidentes mortos.
Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem
No horizonte eterno há de ficar sempre o anseio de
liberdade, e só o purgatório do tempo está apto às
ações vis e nobres dos homens da terra:
Fontes:
http://www.resumosdelivros.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Romanceiro_da_Inconfid%C3%AAncia
Lino Mendes
Conversas curtas com Fernando
Máximo
Falar com FERNANDO MÁXIMO é, pelo menos na
nossa região mas não só, falar com alguém que trata
por tu a “poesia popular”, e esta pequena “conversa”
é disso mesmo elucidativo. Mas entremos na
“conversa”, não sem antes lembrar que “ a quadra é
o vaso que o Povo põe à janela da sua alma”
(Fernando Pessoa).
Amigo Fernando, hoje falemos apenas de Poesia –
de Poesia Popular. E a começar, o que caracteriza
para si um género poético como popular?
Eu, por mim, caracterizo um género poético como
popular, todo aquele que sem se servir de palavras
muito rebuscadas consegue transmitir de uma forma
fácil, simples e perfeitamente perceptível uma
mensagem.
Que géneros populares existem e como os
caracteriza?
Para mim existem duas modalidades de poesia que
são essencialmente populares: a quadra e as
décimas. As quadras e as décimas eram feitas por
gentes sem estudos, por gentes do campo que nas
suas poucas horas de ócio as desenvolviam. As
cantigas à desgarrada não eram mais que
improvisação de quadras, feitas na altura sempre em
resposta a uma provocação, a um desafio. As
décimas, mais elaboradas, eram feitas pelos homens
do campo quando sós, pelas planícies, atrás dos
gados, iam matutando na vida e conseguiam de
modo soberbo, traduzir em verso os seus anseios, os
seus medos, a dura realidade da vida de então.
Qualquer destes géneros, a quadra e a décima, são
expoentes cimeiros da poesia popular.
Estará a poesia popular a ser devidamente divulgada
junto dos jovens?
As ambições dos jovens actuais não passam pela
aprendizagem da poesia e muito menos da poesia
popular. Talvez que se devesse e pudesse ir junto da
juventude ler-lhe poesias que os seus familiares mais
chegados – tios, avôs – tenham feito e tentar incutirlhe o espírito de que se eles, sem terem habilitações
literárias conseguiam fazer trabalhos tão bem feitos,
os jovens, letrados, melhor ainda poderiam dar
seguimento à poesia. Mas, sinceramente, acho muito
difícil…
Muitos consideram a quadra popular como um
produto menor, de fácil elaboração. Em minha
opinião porém, as “quadras ao gosto popular” de
Fernando Pessoa, estão longe de ter a qualidade
das quadras de Aleixo. O que pensa sobre o
assunto?
As quadras jamais poderão ser consideradas um
produto menor se elas forem feitas com cabeça,
tronco e membros. Uma quadra tem que transmitir
em quatro versos apenas, uma mensagem, uma
crítica, seja ela positiva ou negativa. E tanto quanto
mais simples for a sua elaboração quanto mais fácil
se tornará a sua percepção.
As quadras do António Aleixo, pela sua
profundidade, pela sua sábia elaboração, pelo facto
de atingirem perfeitamente os seus objectivos,
apesar de serem feitas por um simples cauteleiro,
212
guardador de rebanhos, quase analfabeto, e talvez
até mesmo por isso, têm para mim um valor muito
maior do que as quadras de Fernando Pessoa, pese
embora todo o respeito que tenho por este grande
vulto da cultura Nacional.
Como define o actual momento quanto aos Jogos
Florais?
Pessoalmente dou grande importância aos Jogos
Florais pois eles demonstram uma enorme vontade
de escrever por parte daqueles que respondem
afirmativamente a esses desafios. A verdade é que
são sempre muitos os poetas e prosadores que
concorrem a estes eventos culturais.
No entanto preocupa-me uma situação que passo a
partilhar: a organização de uns Jogos Florais requer
muita dedicação, muita entrega, muitas horas de
trabalho. O meu receio é que, quando os “carolas”
que agora estão á frente da organização destes
eventos não possam mais colaborar, não haja quem
lhes dê continuidade e estes concursos literários
acabem abruptamente. Sei bem do que estou a falar,
pois tenho conhecimento de situações em que tal já
se verificou.
Que projecto gostaria fosse elaborado para uma
preservação da poesia popular portuguesa?
A poesia não é coisa que se possa ensinar. Menos
ainda a poesia popular. Ela é genuína, nasce com a
pessoa. No entanto penso que as Associações
Culturais devem ter um papel determinante nesta
matéria, promovendo encontros de poetas e
poetisas, não só na área de acção onde estão
inseridas, mas trazendo até si poetas e poetisas
doutras regiões para troca de impressões e
experiências. Em Avis, há cinco anos que, com
assinalável êxito, a Amigos do Concelho de Aviz –
Associação Cultural (ACA) – www.aca.com.sapo.pt
promove encontros de poetas, percorrendo em cada
ano uma freguesia e trazendo até ao concelho de
Avis, de cada vez, cerca de 40 poetas que vêm de
terras tão distantes como por exemplo Évora,
Portalegre, Entroncamento, Alandroal, Vila Viçosa e
Ervidel, no Baixo Alentejo, além, é claro, da prata da
casa.
É este espírito que deve prevalecer para que a
poesia popular não se acabe de todo.
Não será que a décima é uma modalidade em vias
de extinção?
A experiência de pertencer á organização dos Jogos
Florais de Avis, leva-me a concluir que quem faz
poesia em décimas são as pessoas de mais idade.
As décimas são de difícil execução, têm regras fixas
para serem elaboradas e para serem umas décimas
bem feitas, não chega colocar as palavras que rimam
no sítio onde é preciso rimar. Além de rimar as
palavras têm que fazer sentido, têm que ter uma
certa consistência de raciocínio e por vezes isso é
difícil de acontecer.
Partindo de uma quadra, o mote, este é depois
desenvolvido por mais quarenta versos, o que leva a
que as décimas também sejam conhecidas pelos
mais idosos como “obras de quarenta pontos”. Como
disse atrás, as décimas antigamente eram feitas por
quem passava o dia no campo com o gado e sozinho
ia pensando nas agruras da vida. A maior parte
desses fazedores de décimas não sabiam ler nem
escrever. Mas sabiam as regras das décimas. E
faziam-nas. E decoravam-nas. Ainda hoje há por aí
muito poeta, infelizmente analfabetos, que sabem
muitas décimas de cor e que se encontram apenas
registadas nas suas memórias.
Cabe-nos a nós, os amantes deste tipo de poesia,
fazer uma recolha junto dessa gente para que, um
dia, quando eles morrerem, não se perca essa
preciosidade que é a sua poesia.
No sentido de preservar precisamente algumas
destas situações, a ACA, está a elaborara um livro
de recolha de poesia popular de 40 poetas nascidos
ou residentes no concelho de Avis, que estima editar
em Outubro aquando da 2ª Edição dos “Escritos e
Escritores”.
Todos nós temos um papel importante na
preservação deste modo de poesia e podemos,
fazendo recolhas, evitar que as décimas sejam uma
modalidade em extinção, e que se extingam mesmo
mais depressa do que o expectável.
Eu por mim estou a fazer a minha parte: tenho
recolhidas mais de uma centena de décimas de
diversos poetas do meu concelho que contactei e
que me deram os seus trabalhos, muitos deles
apenas decorados pelos autores.
E você? Vai ficar indiferente?
Fonte:
Colaboração de Lino Mendes/Portugal
213
J. G. de Araújo Jorge
Uma Casa na Lembrança
Com a mecanização avassalante da vida moderna,
muitas vezes me pergunto qual será a imagem do lar
do futuro?
perspectivas desse poético mundo prosaico que é o
mundo de nossas casas, tão rico de belezas singelas
em seu aconchego e em sua tranqüilidade.
A dona-de-casa trabalha fora, absorvida por mil e
uma preocupações estranhas ao seu tradicional
mundo doméstico; desaparecem as empregadas; os
apartamentos se resumem a cubículos, com peças
únicas, escamoteáveis, armários embutidos, sofás e
poltronas-camas, quitinetes; aparelhos elétricos
capazes de improvisar papas liquidificadas à guisa
de refeições. Os filhos amontoam-se em camasbeliches, em espaços exíguos de camarotes de
navio.
A casa do futuro talvez acabe tornando o homem
mais solitário que o faroleiro, montado numa penha
perdida, em mar alto.
Amanhã, numa sociedade-síntese, em que se unirão
as conquistas do conforto capitalista ao sistema de
vida socialista, como sobreviverão o homem, a
mulher e os filhos?
Não acredito que a dona-de-casa feliz seja a donade-casa sem casa, sem empregadas, para quem os
afazeres naturais que constituem a sua vida e a sua
alegria se transformem em gestos mecânicos, em
atos frios e automáticos.
Francamente, não sei se serão agradáveis as casas
dos nossos tetranetos. E quando digo casa, na me
refiro apenas ao espaço onde nos recolhemos
depois da luta de cada dia, mais justamente aos
elementos humanos que a compõem e que,
somados, transforma a casa em lar.
Confesso que não gosto de imaginar essa casa
solitária, despojada de tantos valores tradicionais,
espécie de robô habitado, onde as coisas acontecem
sumariamente, a simples toques mágicos, sem a
presença necessária e o calor da convivência
humana.
Lembro-me de como me senti, certa vez, num pósoperatório, imobilizado num leito de hospital, ligado
por tubos que me alimentavam e satisfaziam
necessidades, numa cama que se mexia por mim.
Temo que a casa do futuro desumanize o homem.
Tire-lhe uns restos de paisagem que ainda resistem
como decoração. A intromissão da máquina em
nossa vida particular vai reduzindo ao mínimo as
E como será esse homem que prescinde de seus
semelhantes, que vive cercado de instrumentos,
alimentando-se de pastilhas, procriando por
inseminação artificial, em companhia de seres que
estarão mais longe de seu espírito que os planetas
de seu universo?
Eu, por mim, gosto das casas grandes, antigas,
impregnadas de histórias, de tradições. Numa delas
deixei minha infância, minha adolescência. E quando
falo de casas antigas, lembro-me da casa de meu
avô, o casarão dos Tinoco, na Rua da Piedade, em
Bota-fogo. Está num poema:
“Me lembro da minha rua
velha rua da Piedade
Mudou pra Clarice Índio
Clarisse Índio do Brasil;
o nome de alguma dama
muito importante, quem sabe?
Muito importante, quem viu?”
(A Outra Face).
Bem que o guardo na memória, abrindo suas janelas
altas, com grades de ferro, para a rua; o jardim
lateral, a grande amendoeira, as acácias; e ao fundo,
como uma vaga reminiscência das senzalas, as
casas das empregadas. E me ocorrem visões de
nossa velha aristocracia patriarcal.
214
Os romances de Manuel de Macedo e de Alencar
fixaram para sempre os aspectos e a paisagem
dessa sociedade de fins do século passado. Casas
com telhados coloniais; janelas com gelosias
românticas; amplas varandas com cadeiras de
balanço, com redes preguiçosas, arrastando
franjados no assoalho; quintais com uma infinita
variedade de árvores, cada vez mais raras: abieiros,
caramboleiras, sapotizeiros; salas-de-visitas com
lustres e candelabros como jóias cintilantes,
espelhos bisotês, estofados rococós; uma
quantidade de quadros, salas, corredores, onde os
filhos dos senhores brancos andavam de
cambulhada com toda uma gama de mulatinhos
vivos, filhos das escravas, das mucamas, às vezes
com o senhor branco, cuja elástica moral era a do
“faça o que eu digo e não o que eu faço...”
O casarão do meu avô Tinoco era, evidentemente,
mais recente, mas recendia a sociedade patriarcal,
quase ao tempo dos “sinhôs” e das “sinhás”, quando
os maridos tratavam respeitosamente as esposas
por Vossa Mercê... Lá estava, junto ao quarto de
dormir, o oratório dedicado a Nossa Senhora da
Conceição, com a candeia de azeite sempre acesa,
as jarras com flores, a palha benta.
E a copa e a cozinha, enormes, fervilhantes de
empregadas e tias (nesse tempo eu tinha 16!) nos
dias de festas, onde pontificava a Maria Cozinheira e
seus quitutes! Minha infância está presa à memória
pelo paladar. Falar nela é ficar com água na boca, e
lembrar-me da hora do lanche, quando a grande
mesa da sala-de-jantar (nosso reino encantado!)
ficava rodeada por minha avó, tias, primos, primas e
suas amigas. Lá estavam os biscoitos de polvilho, os
rocamboles, os pãezinhos de minuto, de bolos, as
tortas, por entre bules fumegantes de chocolate,
café, chá, leite. E nos aniversários e festas vinham
os quindins, canudinhos de coco, baba-de-moça, as
ameixas recheadas, bolos de nozes, que sei eu?
Sim, ficou-me no coração a nostalgia das casasgrandes, povoadas pelo bulício e a algazarra de
tantos parentes e amigos, numa época em que as
próprias empregadas como que faziam parte da
família também. Até hoje com a carapinha
algodoada, ainda vive a Maria Cozinheira, mãe-preta
de nossa infância, que recorda com os olhos
marejados de lágrimas aquele tempo. E não me
esqueci também da Juventina, da Conceição, da
Adriana, e até das babás, moças e roliças, que me
ajudaram em algumas primeiras “lições de coisas...”
Não sei como serão as casas do futuro, cada vez
mais apartamentos, ou “apertamentos”. Mas não
trocaria, por nada deste mundo, algumas das casas
da minha infância, intactas, de pé, nas ruas da
memória e do coração.
As casas são como seres que nos envolvem, com
suas paredes, nos abrigam e protegem; nos falam;
partilham de tantos dos nossos momentos; nos
amam e passam, e às vezes morrem, como entes
queridos.
Assim ficou o velho casarão de meu avô Tinoco: não
como uma casa comum, mas como a lembrança de
um primeiro amor, ideal que nunca se esquece e que
não morre nunca!
Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969
Aparecido Raimundo de Souza
Caminho sem volta
“A jornada através das sombras que agora vamos
acompanhar poderia ser a nossa jornada” Rod
Serling.
ANA ANGÉLICA SENTE SUA ALMA RÉS AO
CHÃO. A mente rodopia por fronteiras indistintas
numa bagunça incontrolável. A cabeça parece
cindida em mil pedaços. As vistas estão enfermas
embaixo dos óculos de grau vencido. No peito, o
coração teima acelerar descompassado, como se
alguma coisa anormal o estivesse agitando. As
pernas bambeiam, os dedos dos pés doem
215
apertados dentro dos sapatos de coriáceo
vagabundo. Até as roupas que lhe cobrem a nudez
pesam sobre o corpo magro. Atrelado a isso,
estranho mal súbito, insistindo dominar o ambiente,
como se o universo fosse acabar no próximo minuto.
Nessa agonia sem par, se põe a perguntar: por que a
modorra apática, e a desagradável sensação de
fadiga lhe transformando a carcaça em estrupício?
Se fosse uma pessoa madura, vivida, experiente,
ainda vá lá. Contava somente dezenove anos de
idade, e, diante disso, não tinha uma explicação
plausível para tanto e tamanho sofrimento.
O dia transcorreu pesado e frio, com a mesma
miscelânea circense de sempre. As horas lhe
enterraram num sepulcro hostil e inviolável, tal como
se a vida lhe tivesse tamponado num buraco fundo e
sem retorno. E aquele maldito quarto de pensão,
desgraçadamente mal iluminado, completava o
quadro dantesco da sua triste e malfadada sina.
Tentara, por diversas vezes, dominar o astral,
escapar da turbulência repulsiva; fugir da alienação
inconcebível e poderosa. Não conseguira. O espírito,
perturbado demais, a colocava em posição inferior,
num patamar que lhe deixava totalmente sem forças,
carente e muito só. Outras ninfetas, indiferentes a
dor sentida, zombavam da sua cara, escarneavam
pontos frágeis, motejavam, na verdade, da sua
posição ridícula. No fundo, dava a impressão que
aguardavam, pacientemente, sua entrada nos
labirintos obscuros da neurastenia.
Com os pensamentos embaralhados e, em tumulto
desordenado, perguntava a si mesma, aflita, como
caíra tão rapidamente naquela incúria, deixando-se
levar pelo injustificado das incertezas e das horas
tediosas da solidão? Onde ficara a vontade de
vencer os obstáculos, o desejo de transpor barreiras
e saltar infortúnios inesperados?
Sem obter respostas à altura dessas indagações,
Ana Angélica, praticamente encurralada sobre os
infortúnios da sua própria desgraça, lamentava ter
deixado pequenos contratempos dominarem sua
existência, a ponto de vegetar ao deus-dará. Afinal
de contas, qual o motivo, ou melhor, o que ensejou
toda essa transformação em sua tão curta jornada?
Pôs-se, de repente, a lembrar o passado. Fazia
pouco mais de cinco meses, seu pai lhe colocara no
olho da rua. Motivo? Uma indesejável gravidez. Até
então, Ana Angélica era a melhor filha do mundo.
Com a revelação do exame laboratorial feito às
pressas, perdeu a posição de “princesa” para aquele
cidadão que gozava de alta reputação na cidade. Na
verdade, a autoridade máxima do judiciário local: o
juiz!
Como representante da lei, o cabeça da família
precisava dar exemplo. Assim, o velho genitor viroulhe as costas, mostrando, com esse gesto, a porta da
rua e escancarando a crueldade que começava do
portão que se abria, como um leque, para as
intempéries da sorte. A decadência da moça tornouse maior, praticamente se fez mais pesada, a partir
do instante em que, ao procurar abrigo na casa do
namoradinho que lhe jurara amor eterno, este lhe
virara as costas. Leandro, descendente de tradicional
família e de renome no campo médico, ao saber da
novidade, jogou para o alto os anos de medicina em
boa faculdade, o consultório ricamente montado, a
clínica cardiológica e o comodismo de viver às
expensas paternas. Na calada da noite o doutorzinho
deixou o lugarejo a horizontes ignorados.
Em povoados de extensão limitada, não é preciso
muito esforço para cair na boca do povo.
Envergonhada, sem comida e teto, e, ainda, com a
agravante da fuga do pai da criança, a solução
plausível para Ana foi embarcar no primeiro trem.
Aportou em São Paulo, ou mais precisamente na
Estação da Luz. Sem condições de sobrevivência,
não demorou encontrar os degraus mal cheirosos do
submundo da prostituição. E nesse ambiente árido e
infértil, Ana mergulhou de cabeça.
Bonita, formosa e gentil, não lhe faltavam noitadas
regadas a cervejas e bebidas baratas. Os fregueses
variavam: ora saia com um marginal, outra carregava
para a cama um gringo desses bem nojentos. Às
vezes dormia com almofadinhas elegantes,
casquilhos vestidos a rigor ou efeminados. A maioria
deles drogados e viciados em crak, maconha e cola
de sapateiro. A tempo igual, o espaço que mediava
entre a concepção e o nascimento não interrompia a
hora derradeira, ao contrário, diminuía, diminuía,
diminuía...
Nessa pressa de vida fácil o tempo sempre corre
com rapidez impossível. Voava, para Ana Angélica
como um Pégaso desgovernado, trotando
atabalhoadamente na direção do precipício fatal.
Atiçada pela elevada valorização do corpinho esbelto
216
e garboso, a matrona, dona do bordel não perdia
clientes, longe disso, multiplicava o conjunto de
paroquianos como fiéis num culto religioso.
Os que frequentavam a casa só queriam desfrutar
daquela elegante bem proporcionada e sensual,
caída dos céus, como um anjo em forma de gente.
Por essa razão a cafetina conhecida como ”Maria
Padilha”, em menos de três semanas, adquiriu dois
bons apartamentos quitinetes no edifício “Balança
Mais Não Cai,” na Rua Major Sertório, perto da
antiga rodoviária e comprou um carro novo para
desfilar.
Com a mente ainda em desalinho, e sem um
policiamento ostensivo para conter a avalanche de
desgraças que a atormentava, Ana Angélica
continuava a se questionar dessas mudanças
bruscas, quando, entrementes, lembrou da arma que
a colega de quarto guardava na prateleira. Resoluta,
caminhou até lá. Precisava agir rapidamente. Logo a
parceira chegaria do programa que saíra para fazer.
Abriu a gaveta. Um trinta e oito cano curto, cabo em
madre pérola, municiado, descansava entre as
calcinhas e sutiãs. Apanhou, o revólver, decida,
firme, resoluta, feições contraídas, o coração quase
a saltar peito a fora. Lentamente se acomodou na
banqueta diante do espelho com um pedaço de vidro
faltando numa das extremidades:
-“Adeus, mundo. Adeus, vida.
Pai, mãe, me desculpem!...”
Num último ímpeto materno, alisou a barriga
carinhosamente. Cinco meses. Cinco longos
meses...
Nesse instante amargo, somatizado a tantos outros
percalços, dos seus olhos de menina mulher caíram
algumas lágrimas ligeiras. Lembrou-se do pai, e da
ultima conversa que tiveram antes de acontecer toda
essa bagunça em sua vida: -“Filha, disse ele a certa
altura - aequam memento rebus in arrudas servare
mentem, aconteça o que acontecer. Jamais entregue
os pontos. Seja forte, lute pela vida, brigue,
esperneie, mesmo que todo seu eu interior transpire
solidão e agonia”(*).
Todavia, agora, era tarde demais. Das palavras
sábias do velho pai, só recordações distantes
agonizando no peito despedaçado.
- “Perdoe a mamãe, meu neném querido, seja você
quem for. Não está certo o que vou fazer. Não tenho
o direito de tirar sua vida. Você não vai entender
esse gesto, mas... Mas... Será melhor... Será melhor
que você não conheça esse lado mau e negro.
Mamãe ama você... Mamãe ama você... Mamãe
aaa...”.
O tiro ecoou forte, viajou certeiro em busca do alvo
fácil, e, num instante dolorido, virou uma espécie de
loopem tremendamente perverso dentro do aposento
mal iluminado. Pessoas danaram a gritar. “Maria
Padilha” esmurrou a porta com vigor. Um homem
berrou para que alguém acionasse a polícia.
Enquanto isso, dobrada sobre si mesma, deixando
escapar desejos mal resolvidos e envolta numa
enorme possa de sangue, Ana Angélica, a querida e
desejada dama da noite, agora metida numa via de
mão única e sem retorno, soltava o derradeiro e
lancinante grito de estertor.
Seria um menino ou uma menina?
Sem assistência médica e condições de visitar um
ginecologista, o feto sobrevivia desidratado e a
trancos e barrancos. Que nome lhe daria? Como
seria o rostinho? Com quem pareceria? Talvez,
quem sabe, com ela, ou...
(*) “Lembra-te de manter o ânimo justo nos
momentos difíceis”.
Fontes:
Texto enviado pelo autor
217
Dalton Trevisan
Em busca da Curitiba perdida
Curitiba, que não tem pinheiros, esta Curitiba eu
viajo. Curitiba, onde o céu azul não é azul, Curitiba
que viajo. Não a Curitiba para inglês ver, Curitiba me
viaja. Curitiba cedo chegam as carrocinhas com as
polacas de lenço colorido na cabeça – galiii-nha-óóóvos – não é a protofonia do Guarani? Um aluno de
avental discursa para a estátua do Tiradentes.
Viajo Curitiba dos conquistadores de coco e
bengalinha na esquina da Escola Normal; do Jegue,
que é o maior pidão e nada não ganha (a mãe aflita
suplica pelo jornal: Não dê dinheiro ao Gigi); com as
filas de ônibus, às seis da tarde, ao crepúsculo você
e eu somos dois rufiões de François Villon. Curitiba,
não a da Academia Paranaense de Letras, com seus
trezentos milhões de imortais, mas a dos bailes no
14, que é a Sociedade Operária Internacional
Beneficente O 14 De Janeiro; das meninas de
subúrbio pálidas, pálidas que envelhecem de pé no
balcão, mais gostariam de chupar bala Zequinha e
bater palmas ao palhaço Chic-Chic; dos Chás de
Engenharia, onde as donzelas aprendem de tudo,
menos a tomar chá; das normalistas de gravatinha
que nos verdes mares bravios são as naus Santa
Maria, Pinta e Nina, viajo que me viaja. Curitiba das
ruas de barro com mil e uma janeleiras e seus
gatinhos brancos de fita encarnada no pescoço; da
zona da Estação em que à noite um povo ergue a
pedra do túmulo, bebe amor no prostíbulo e se
envenena com dor-de-cotovelo; a Curitiba dos
cafetões – com seu rei Candinho – e da sociedade
secreta dos Tulipas Negras eu viajo. Não a do
Museu Paranaense com o esqueleto do
Pithecanthropus Erectus, mas do Templo das Musas,
com os versos dourados de Pitágoras, desde o
Sócrates II até os Sócrates III, IV e V; do expresso
de Xangai que apita na estação, último trenzinho da
Revolução de 30, Curitiba que me viaja.
Dos bailes familiares de várzea, o mestre-sala
interrompe a marchinha se você dança
aconchegado; do pavilhão Carlos Gomes onde será
HOJE! só HOJE! apresentado o maior drama de
todos os tempos – A Ré Misteriosa; dos varredores
na madrugada com longas vassouras de pó que nem
os vira-latas da lua.
Curitiba em passinho floreado de tango que gira nos
braços do grande Ney Traple e das pensões
familiares de estudantes, ah! que se incendeie o
resto de Curitiba porque uma pensão é maior que a
República de Platão, eu viajo.
Curitiba da briosa bandinha do Tiro Rio Branco que
desfila aos domingos na Rua 15, de volta da Guerra
do Paraguai, esta Curitiba ao som da valsinha Sobre
as Ondas do Iapó, do maestro Mossurunga, eu viajo.
Não viajo todas as Curitibas, a de Emiliano, onde o
pinheiro é uma taça de luz; de Alberto de Oliveira do
céu azulíssimo; a de Romário Martins em que o índio
caraíba puro bate a matraca, barquilhas duas por um
tostão; essa Curitiba não é a que viajo. Eu sou da
outra, do relógio na Praça Osório que marca
implacável seis horas em ponto; dos sinos da igreja
dos Polacos, lá vem o crepúsculo nas asas de um
morcego; do bebedouro na pracinha da Ordem, onde
os cavalos de sonho dos piás vão beber água.
Viajo Curitiba das conferências positivistas, eles são
onze em Curitiba há treze no mundo inteiro; do
tocador de realejo que não roda a manivela desde
que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do
fogo que passam chispando no carro vermelho atrás
do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a
do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do
Tatu eu viajo.
Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão
misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi?
quem não foi? foi o reizinho do Sião; da Ponte Preta
da estação, a única ponte da cidade, sem rio por
baixo, esta Curitiba viajo.
Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê
é – província, cárcere, lar – esta Curitiba, e não a
outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.
Dalton Trevisan (1925)
(O Vampiro de Curitiba)
218
Nascido em 14 de junho de 1925, o curitibano Dalton
Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de
chegar ao grande público, quando ainda era
estudante de Direito, costumava lançar seus contos
em modestíssimos folhetos. Em 1945 estreou-se
com um livro de qualidade incomum, Sonata ao Luar,
e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de Pastor.
Dalton renega os dois. Declara não possuir um
exemplar sequer dos livros e “felizmente já esqueci
aquela barbaridade“.
Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, “uma
homenagem a todos os Joaquins do Brasil“. A
publicação, que circulou até dezembro de 1948,
continha o material de seus primeiros livros de
ficção, incluindo Sonata ao Luar (1945) e Sete Anos
de Pastor (1948). A publicação tornou-se porta-voz
de uma geração de escritores, críticos e poetas
nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio
Cândido, Mario de Andrade e Otto Maria Carpeaux e
poemas até então inéditos, como O caso do vestido,
de Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia
traduções originais de Joyce, Proust, Kafka, Sartre e
Gide e era ilustrada por artistas como Poty, Di
Cavalcanti e Heitor dos Prazeres.
Já nessa época, Trevisan era avesso a fotografias e
jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro
Novelas Nada Exemplares – que reunia uma
produção de duas décadas e recebeu o Prêmio
Jabuti da Câmara Brasileira do Livro – e conquistou
o grande público. Acresce informar que o escritor,
arisco, águia, esquivo, não foi buscar o prêmio,
enviando representante. Escreveu, entre outros,
Cemitério de elefantes, também ganhador do Jabuti
e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira
dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte
na praça, que recebeu o Prêmio Luís Cláudio de
Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um
de seus livros, foi transformado em filme em 1975.
Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas:
espanhol, inglês, alemão, italiano, polonês e sueco.
Já no começo dos anos setenta Trevisan é incluído
na famosa antologia O conto brasileiro
contemporâneo, organizada por Alfredo Bosi, ao lado
de Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Telles, Osman
Lins, Clarice Lispector, Rubem Fonseca e outros
treze autores. Bosi, na apresentação, chama a
atenção para o fato de que nos contos de Trevisan a
concisão é uma obsessão do essencial que parece
beirar a crônica, “mas dela se afasta pelo tom
pungente ou grotesco que preside à sucessão das
frases, e faz de cada detalhe um índice do extremo
desamparo e da extrema crueldade que rege os
destinos do homem sem nome na cidade moderna“.
E se nos primeiros livros Trevisan já chama a
atenção pela estética de feitio minimalista, com Ah,
é? , de 1994, o autor leva o conto a uma espécie de
limite e praticamente inaugura o miniconto
contemporâneo brasileiro.
São esses três Trevisans, o poeta, o contista e o
minicontista, além de um curioso Trevisan cronista e
crítico literário, que se reúnem em Dinorá, também
datado de 1994 mas publicado um ano depois de Ah,
é?, tornando o volume extremamente interessante,
verdadeiro ponto de partida para se compreender a
obra do vampiro “iconoclasta ou alienado, que
abomina o social e o político”, como se define o
próprio autor em “Quem tem medo de vampiro?”.
O poeta, pouco conhecido, bebe do mesmo sangue
que o prosador, exibindo seres violentos, velhinhos
tarados e tipos pervertidos em versos secos e sem
espaço para rimas ou outras gracinhas literárias. Em
“Dinorá”, por exemplo, texto que dá título ao livro,
uma mulher revela ser espancada e maltratada por
um homem que a “queima de cigarro e corta de
faca”. Em “Curitiba Revisitada”, o pessoal dá lugar ao
social, mas o tom pungente é mantido, criando uma
espécie de ode ao avesso de sua cidade natal,
“cidade irreal da propaganda/ ninguém não viu não
sabe onde fica”.
Mesmo sem grande variação de estilo, o contista é o
que mais chama a atenção, sem dúvidas. Alternando
contos mais longos, de até dez páginas, com contos
de menos de uma página, Trevisan demonstra
domínio técnico e segurança temática em textos
como “O afogado” e “Iniciação”, permitindo-se até um
tom amoroso e sentimental em “Tiau, Topinho”,
quando narra em primeira pessoa a volta para a casa
de um homem que precisou sacrificar seu cãozinho.
Entre a prosa e a poesia, numa espécie de
hibridismo de ambas, surge também o minicontista, o
mesmo que assinou sozinho Ah, é?, dono de um
estilo em formação e então ainda chamado de
“haicai”, mas que preferimos chamar de narrativas
mínimas, ou minicontos. Há três coleções deles no
livro, “Dez haicais”, “Nove haicais” e “Oito haicais”, o
que totalizam 27 mínis (em Ah, é? são 187, todos
219
também sem títulos). E se alguns deles se parecem
anedotas, como “Toda noiva goza duas vezes a luade-mel: uma, quando casa, e outra, ao ficar viúva“,
outros preservam muitas características do conto,
revelando história oculta, história aparente, conflito e
tensão:
em unidade se ganha em originalidade e graça,
graça que revela um Trevisan mais humano, sem
tantos “passinhos iguais” e conhecedor profundo de
teoria e história literárias. Que, se não tornam
ninguém melhor escritor, estão por trás de toda bemsucedida carreira literária.
Parentes e convidados rompem no parabéns pra
você. De pé na cadeira, a aniversariante ergue os
bracinhos:
― Pára. Pára. Pára.
Na mesa um feixe luminoso estraga o efeito das
cinco velinhas:
― Mãe, apaga o sol.
Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um
romance publicado: “A Polaquinha”), Dalton Trevisan
acabou se tornando o maior mestre brasileiro no
gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da
Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra. Mas
Trevisan continua recusando a fama. Cria uma
atmosfera de suspense em torno de seu nome que o
transforma num enigmático personagem. Não cede o
número do telefone, assina apenas “D. Trevis” e não
recebe visitas — nem mesmo de artistas
consagrados. Enclausura-se em casa de tal forma
que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba,
título de um de seus livros.
Numa primeira leitura, o que temos aqui é a história
de um aniversário de criança. Mas, indo um pouco
além da superfície, veremos o sem-limite dos
quereres de uma criança, possivelmente uma criança
mimada da classe média, exigindo da mãe mais do
que bolos, parabéns e velinhas, exigindo a alteração
da natureza para satisfazer seus caprichos.
Mas o mais curioso Trevisan de Dinorá é o
cronista/crítico literário. Tal qual um senhor sem
papas na língua, escreve sobre Machado de Assis,
sobre os críticos de má fé que questionam a traição
de Capitu em Dom Casmurro, ironiza Borges e, em
“Quem tem medo de vampiro?”, brinca com sua
própria produção:
“Há que de anos escreve ele o mesmo conto? Com
pequenas variações, sempre o único João e a sua
bendita Maria. Peru bêbado que, no círculo de giz,
repete sem arte nem graça os passinhos iguais.
Falta-lhe imaginação até para mudar o nome dos
personagens“.
Em “Cartinha a um Velho Poeta” e “Cartinha a um
Velho Prosador”, sobram conselhos e alfinetadas a
pretensos escritores:
“Escrever bem é pensar bem, não uma questão de
estilo. Os bons sabem de seus muitos erros, os
medíocres não sabem coisa alguma. O que há de
ser, para você já foi. Não se finge o talento ― falto
de engenho, vento é vento e pó. As letras roubadas
são falsas.”
Não é leitura fácil, sem dúvida: a colagem de textos
tão diferentes pode confundir o leitor e dissolver o
efeito obtido, tão caro ao conto. Mas o que se perde
Inspirado nos habitantes da cidade, criou
personagens e situações de significado universal, em
que as tramas psicológicas e os costumes são
recriados por meio de uma linguagem concisa e
popular, que valoriza os incidentes do cotidiano
sofrido e angustiante
“O “Nélsinho” dos contos originalíssimos e
antológicos, é considerado desde há muito “o maior
contista moderno do Brasil por três quartos da
melhor crítica atuante“. Incorrigível arredio, há bem
mais de 35 anos, com um prestígio incomum nas
maiores capitais do País. Trabalhador incansável,
fidelíssimo ao conto, elabora até a exaustão e a
economia mais absoluta, formiguinha, chuvinha
renitente e criadeira, a ponto de chegar ao tamanho
do haicai, Dalton Trevisan insiste ontem, hoje, em
Curitiba e trabalhando sobre as gentes curitibanas
(“curitibocas”, vergasta-as com chibata impiedosa) e
prossegue, com independência solene e
temperamento singular, na construção e dissecação
da supra-realidade de luas, crianças, amantes,
velhos, cachorros e vampiros. E polaquinhas,
deveras.”
Além da literatura, Trevisan exerce a advocacia e é
proprietário de uma fábrica de vidros.
Em 2003, divide com Bernardo Carvalho o maior
prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal
220
Telecom de Literatura Brasileira — com o livro “Pico
na Veia”.
Livros Publicados:
- Abismo de Rosas
- Ah, É?
- A Faca No Coração
- A Guerra Conjugal
- A Polaquinha
- Arara Bêbada
- A Trombeta do Anjo Vingador
- Capitu Sou Eu
- Cemitério de Elefantes
- 111 Ais
- Chorinho Brejeiro
- Contos Eróticos
- Crimes de Paixão
- Desastres do Amor
- Dinorá – Novos Mistérios
- 234
- Em Busca de Curitiba Perdida
- Essas Malditas Mulheres
- Gente Em Conflito (com Antônio de Alcântara
Machado)
- Lincha Tarado
- Meu Querido Assassino
- Morte na Praça
- Mistérios de Curitiba
- Noites de Amor em Granada
- Novelas nada Exemplares
- 99 Corruíras Nanicas
- O Grande Deflorador
- O Pássaro de Cinco Asas
- O Rei da Terra
- O Vampiro de Curitiba
- Pão e Sangue
- Pico na veia
- Primeiro Livro de Contos
- Quem tem medo de vampiro?
- 77Ais
- Vinte Contos Menores
- Virgem Louca, Loucos Beijos
- Vozes do Retrato – Quinze Histórias de Mentiras e
Verdades
- Macho não ganha flor
Livros renegados pelo autor:
- Sonata ao Luar
- Sete Anos de Pastor
(Primeiros livros publicados, que o autor renega.
Editores desconhecidos).
Filmes:
- A Guerra Conjugal – histórias e diálogos do autor,
roteiro e direção de Joaquim Pedro de Andrade,
1975.
Fontes:
– PAES, José Paulo e ANTÔNIO, João. Jornal O Estado de São
Paulo. 20 de julho de 1996.
- TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. RJ: Record, 1979.
– SPALDING, Marcelo. O Melhor de Dalton Trevisan.
http://www.digestivocultural.com/ . 27 de março de 2008.
– http://pt.wikipedia.org/
– http://educacao.uol.com.br/
Alba Krishna Topan Feldman
A Identidade da Mulher Indígena na
Escrita de Zitkala-Ša e
Eliane Potiguara
RESUMO:
O estudo de crítica feminina tem se desenvolvido
para abarcar mulheres de diferentes etnias e
também de diferentes formações culturais e épocas.
Este trabalho tem por objetivo discutir como a
identidade de gênero e etnia se apresenta na escrita
de duas autoras de origem indígena, uma brasileira
contemporânea, Eliane Potiguara, e outra
Estadunidense do início do século XX, Zitkala-Ša. As
duas autoras estudadas misturam de forma vivaz a
ficção, a escrita jornalística de informação com
relação à situação indígena, além de poesia e
narração com moldes na oralidade, reafirmando o
papel da mulher indígena como contadora de
histórias e como educadora. Ambas buscaram por
caminhos às vezes diferentes, e muitas vezes
conflitantes pela diferença de cultura e objetivo final
com relação aos leitores, mas muitas vezes
similares, mostrar aspectos desconhecidos e calados
dos sentimentos e angústias vividas pela mulher
indígena diante de uma sociedade opressora
retomando fatos históricos e também as condições
221
contemporâneas de suas tribos e do povo indígena
como um todo.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura étnica comparada;
Eliane Potiguara; Zitkala-Ša; escrita feminina.
1 – Introdução
Eliane Potiguara é descendente de índios Potiguaras
do Recife, escritora brasileira contemporânea,
enquanto Zitkala-Ša é Yankton Dakota, e viveu no
final do século XIX e início do século XX, nação
Sioux, Estados Unidos. O foco de estudo deste artigo
recairá nas estratégias utilizadas pelas duas autoras
como forma de manter e questionar sua condição
como mulher e como indígena em períodos
igualmente marcados pela violência e repressão em
seus respectivos países. Ashcroft (2002), Hall
(2002), e Trinh (1989) fornecerão a base teórica para
a análise. Uma breve intervenção biográfica das
duas autoras será seguido do estudo de excertos
que demonstram seus estilos e suas estratégias para
tornarem-se agentes de suas etnias e de seu gênero.
A primeira parte da análise se focará na etnia e na
reafirmação do indígena procedido pelas duas
autoras, enquanto a segunda discutirá o corpo
indígena e o corpo feminino.
2 – As autoras: vidas e obras
Zitkala-Ša, nascida Gertrude Simmons (1876-1938),
em uma das reservas mais pobres dos EUA era filha
de mãe indígena e pai provavelmente branco, do
qual quase nada se sabe. A autora enfrentou
momentos amargos na história indígena americana,
como as marchas forçadas, chamadas de trilhas de
lágrimas, a aculturação em massa exercida pelas
boarding schools, escolas indígenas que trouxeram
doenças, trauma e morte, além das chamadas
guerras índias, que dizimaram os indígenas no
século XIX e início do século XX. Seus contos
autobiográficos, poemas e artigos foram publicados
em periódicos de renome na época, como o Atlantic
Monthly Magazine, em 1900 e mais tarde
transformada em dois livros, entre 1920 e 1922.
Tornou-se Gertrude Bonnin pelo casamento, mas
optou pelo nome indígena Zitkala-Ša como escritora,
da língua Dakota, que significa “Pássaro Vermelho”.
Ela tornou-se um dos raros Nativos Americanos que
conseguiram chegar ao Ensino Superior, musicista,
escritora e ativista pela causa indígena, autora da
única ópera com tema indígena e composta por um
indígena. Porém, mesmo com todas as suas
realizações, caiu no esquecimento após sua morte.
Seus escritos foram recuperados no final do século
XX, quando os estudos da crítica feminina, do pósmodernismo e do pós-colonialismo questionaram a
construção do cânone literário. Sua obra American
Indian Stories aborda momentos de sua infância, na
reserva Yankton, seus momentos de aluna em uma
boarding school dirigida por missionários e também
como professora de outra boarding school, a
conhecida Carlisle School. Old Indian Legends
recupera as estórias que ouvia enquanto criança, ao
redor da fogueira (LISA, 1996).
Eliane Potiguara é brasileira, 56 anos, Conselheira
do Impbrapi, Instituto Indígena de Propriedade
Intelectual e Coordenadora da Rede de Escritores
Indígenas na Internet e do Grumin – grupo de
mulheres indígenas/ Rede de Comunicação
Indígena. Nascida com outro nome, adotou Eliane
Potiguara para homenagear a tribo de onde veio, da
Paraíba, os Potiguares (Comedores de Camarão). É
formada em Letras e participa de diversas ONGs. Foi
indicada, por seu trabalho como ativista, como
representante do Brasil na campanha “Mil Mulheres
Para o Prêmio Nobel da Paz 2005”. Foi nomeada
uma das 10 mulheres do ano em 1988, pelo
Conselho das Mulheres do Brasil, por ter criado o
GRUMIN. Participou durante anos, da elaboração da
”Declaração Universal dos Direitos Indígenas”, na
ONU em Genebra. Recebeu em 1996 o título de
“Cidadania Internacional”, concedido pela filosofia
Iraniana Baha‟i, que trabalha pela implantação da
Paz Mundial. Foi premiada pelo Pen Club da
Inglaterra pelo seu livro A Terra é a Mãe do Índio.
Sua última obra publicada é Metade Cara, Metade
Máscara, que mescla informações sobre a situação
indígena atual, confissões e histórias autobiográficas,
além da narrativa poética ficcional de Cunhataí e
Jurupiranga, um casal que se separa na época da
colonização, e passa os séculos pelo sofrimento de
seu povo, para se reencontrar no presente.
3 – A identidade fragmentada e reafirmada
A etnia indígena que vivia nos EUA na época de
Zitkala-Ša passaram por diversos problemas que
comprometiam suas identidades, que incluíam:
- a invasão cultural europeizante, que procurava
aculturar e “assimilar” o indígena em um projeto bem
222
planejado e que assumia diversas formas, algumas
inclusive disfarçadas em “pele de cordeiro”, como a
distribuição de terras aos índios através do Dawes
Act, de 1887, que possibilitava aos brancos um
roubo legalizado das terras das reservas indígenas,
ou as boarding schools, internatos religiosos ou
militares que traumatizaram as crianças, fazendo
com que elas perdessem sua tradição étnica, sua
linguagem, mas ao mesmo tempo não conseguissem
se adaptar à sociedade euro-americana;
- as teorias secundárias às idéias darwinianas, que
estabeleciam as raças não européias como
inferiores, e o hibridismo como degeneração. No
caso de Zitkala-Ša, há uma forte possibilidade de
que seu pai seja um homem branco, o que ela nunca
deixou transparecer em sua escrita. Mesmo assim,
sua educação e criação acabou por representar nela
o dilema existencial que fazia parte da vida da
maioria do povo indígena na época: “Mesmo a
natureza parecia não ter lugar para mim. Eu não era
uma menina pequena, nem grande. Não era uma
índia selvagem, nem domada” (ZITKALA-ŠA, 2003,
contracapa).
A identidade fragmentada é apontada por Hall (2002)
ao afirmar que, a partir de certos movimentos que
tiveram início no final do século XIX, como a
Psicologia (que cindiu a mente em consciente e
inconsciente), o marxismo (que cindiu a sociedade
em classes), Foucault e o feminismo, que
questionaram o posicionamento de poder e de
gênero, a identidade deixa de ser um todo, um
“bloco” uno, com um único centro, e passa a ter
diversos centros, ou seja, a identidade vista sob o
prisma dos estudos pós-modernos vai variar de
acordo com os sistemas culturais que a interpelam.
A questão da pluralidade de identidades está
presente em Zitkala-Ša de diversas formas: ela
assume, publicamente, sua condição de índia,
abandonando sua hibridez física, mas utiliza sua
hibridez cultural ao fazer uso de sua educação e
conhecimento da língua inglesa para escrever,
inclusive mostrando sua erudição, contra a cultura
branca e seus efeitos devastadores dos processos
de assimilação aos indígenas de sua época. Por
outro lado, assume os dois papéis destinados às
mulheres índias na época. O primeiro é a a squaw,
palavra para “vagina” em algumas línguas indígenas
e “moça” em outras, usada desdenhosamente pelos
brancos para designar as mulheres indígenas que,
são forçadas a se prostituírem e abandonarem suas
aldeias para servirem aos homens brancos. O
segundo estereótipo é a princesa, personificada pela
filha do chefe Powhatan, a famosa Pocahontas, que,
além de servir de mediadora entre brancos e índios,
arrisca sua vida pelo homem branco, muitas vezes
às custas da destruição de seu próprio povo. ZitkalaŠa deixa em suspenso o fato de que seria ou não
neta de Tatanka Yotanka (O famoso chefe indígena
Touro Sentado, místico e ativista, que participou da
troupe circence do velho oeste de Buffalo Bill e
venceu o general Custer na batalha de Little Big
Horn), assumindo, portanto, o papel de princesa,
neta do chefe. Também é chamada de squaw na
forma de um cartaz quando ganha um concurso de
oratória na faculdade, sendo a única concorrente
indígena. Pode-se, então, observar que a autora
subverte os dois papéis, uma vez que é comprovado
através da análise dos anos de nascimento, que é
impossível para Zitkala-Ša ser neta biológica de
Touro Sentado. Por outro lado, ela usou esse
expediente para ter acesso aos corredores do poder
como ativista em Washington D.C.. Ela também
subverte o estereótipo de squaw, porque recebe este
nome não pela sua subordinação aos brancos, e
nem por favores sexuais, mas por ousadia em
competir em um ambiente cultural não-indígena, e
sua por competência em ganhar.
Potiguara também deixa entrever o hibridismo e a
fragmentação em sua história, quando afirma,
narrando a própria história em terceira pessoa: “Foi
impactante porque eram todas mulheres, as quatro
filhas do índio X, mais a mãe Maria da Luz. Sua avó,
a menina Maria de Lourdes, com apenas 12 anos, já
era mãe solteira, vítima da violação sexual praticada
por colonos que trabalhavam para a família inglesa
X”(POTIGUARA, 2004, p. 27). A história reticente e
muitas vezes imprecisa quanto a dados históricos,
que são apenas entrevistos é utilizada pelas duas
autoras, como forma de generalização e
representação da identidade indígena como um todo:
não são apenas elas ou suas famílias que passaram
por situações parecidas, mas toda uma população
indígena.
Ambas as autoras hibridizam também suas
literaturas: fazem um resgate dos acontecimentos e
as tradições de seus respectivos povos utilizando a
linguagem do dominante, porém, também de forma
híbrida: misturam diversos gêneros literários, como
ensaio reflexivo, narrativa e poesia. Enquanto
223
Potiguara se afirma diretamente e denuncia as
violências sentidas por seu povo, Zitkala-Ša o faz de
maneira velada, mas não menos incisiva, como
quando, por exemplo, ao narrar o corte de seu
cabelo no internato, considerada desonra para seu
povo, ela o faz com as tintas de um estupro:
Eu me lembro de ter sido forçada e puxada, mesmo
resistindo com chutes e unhadas selvagens.
Totalmente contra minha vontade, fui carregada pela
escadaria abaixo e amarrada com força a uma
cadeira. Eu gritava alto, balançando minha cabeça o
tempo todo até sentir as lâminas geladas da tesoura
contra meu pescoço e as ouvir destruírem uma de
minhas grossas tranças. Então, perdi meu espírito.
(ZITKALA-ŠA, 2003, p. 69, tradução nossa).
A doçura da infância na reserva convivendo com o
carinho da tribo contrasta com o tratamento
desumano recebido na escola. E esta era a realidade
de milhares de crianças indígenas na época de
Zitkla-Ša, proibidas de usar as roupas e adereços
das tribos, sua linguagem e qualquer elemento de
suas tradições sob pena de surras e todo tipo de
violência.
Potiguara mistura uma escrita informativa, ensaística
e poética: “Em 18 de abril de 1997, o líder indígena
Marçal Tupã-y, assassinado em 25 de novembro de
1983, esteve nas terras do Sul do Brasil e disse: ‘Eu
não fico quieto não…⁄ Eu reclamo…⁄Eu falo… ⁄ Eu
denuncio’.” (POTIGUARA, 2004, p. 47).
Uma das formas de resistência, segundo Ashcroft
(2002), é o testimonio, ou seja, a narrativa de
histórias do cotidiano dos povos dominados, a escrita
autobiográfica. Esta é uma forma não apenas de
auto-expressão e de arte literária, mas também uma
forma de o dominado denunciar o que ocorre em seu
mundo. Desta forma, o dominado também se
apropria das armas do dominante, seja na forma da
linguagem, ou de sua negação, seja através de
mímica, de ironia, entre outros recursos, para a
formação de seu próprio espaço e, fugindo ao
controle do dominador, mescla sua cultura. O
testemunho é usado pelas duas autoras em suas
escritas autobiográficas e também na recuperação
de tradições e da filosofia indígena.
Uma das provas da insistência na cultura dominada
é a utilização, por parte de ambas, da arte de contar
histórias. Esta é apontada por elas como o método
de educação das crianças indígenas. Ambas as
autoras o fazem por meio de suas narrativas
autobiográficas e ficcionais, subvertendo a erudição
e o uso da linguagem dominante aprendida como
forma de chamar a atenção dos não-indígenas para
a problemática indígena, e também como forma de
recuperação da auto-estima alquebrada de seus
povos. Potiguara aponta para caminhos mais
esperançosos: ao final de sua saga de seu livro
Metade Cara, Metade Máscara, Cunhataí e
Jurupiranga se reencontram e juntos criam
presenciam o renascimento da cultura; da união de
suas lágrimas, produzem a felicidade para si e para
seu povo. Enquanto isso, Zitkala-Ša oscila entre uma
esperança febril e o desânimo ante os poucos
resultados de sua luta. No início de sua obra, em
diversos contos, ela entrevê índios dançando felizes,
como nunca havia visto:
O presente era uma coisa fantástica, a textura muito
mais delicada que a teia brilhante de uma aranha.
Era uma visão! Uma figura de uma aldeia indígena,
não pintada em tela, nem mesmo escrita. Era feita de
sonhos, suspensa no ar, enchendo a área do baú de
cedro. Quando ela olhou para dentro, a figura ficou
mais e mais real, ultrapassando as dimensões do
baú, Enquanto observava a figura, esta crescia mais.
Era tão suave que parecia que uma respiração
poderia tê-la destruído; ainda assim, era real como a
vida – um acampamento circular, cheio de tendas
brancas em forma de cone, viva com o povo
indígena. [...] Ela ouviu distintamente as palavras
Dakota que ele proclamava ao povo. “Alegrem-se,
fiquem felizes! Olhem e vejam o novo dia nascendo!
A ajuda está próxima! Ouçam-me todos.” Ela sentiu
as ondas de alegria e ficou emocionada com nova
esperança para seu povo” (ZITKALA-ŠA, 2003, p.
142, tradução nossa).
Porém, em algumas obras, como no conto Search of
Bear Claws, the lost schoolboy, (em busca de Garras
de Urso, o estudante perdido), onde ela conta a
história de um menino que foge da repressão do
internato, seu final não é feliz. A tribo usa sua
tradição para encontrá-lo, na figura do Medicine Man,
o curandeiro, mas isso não é suficiente, pois a morte
aparece como a libertação para o pequeno fugitivo:
“Ali, sob o manto da neve, eles encontraram o corpo
do estudante fugitivo: o pequeno Garras de Urso
fugira para onde os internatos não poderiam torturálo mais.” (IDEM, 2001, p. 96, tradução nossa) 4
224
Imagens como a reunião da tribo em volta de uma
fogueira para contar histórias ou dançar, em ZitkalaŠa, o uso das ervas para Potiguara, a comunhão
com a natureza e a aldeia, seja ela física ou
simbólica em ambas, procuram estabelecer aspectos
de identidade do índio e lembrar as tradições.
Porém, ambas mostram-se conscientes de que é
necessário o conhecimento do idoso e a ação do
jovem para que a cultura indígena sobreviva, de
forma a não ficarem presas ao passado, mas
procurarem a resolução dos problemas no presente.
A relação respeitosa e simbiótica do indígena com a
natureza também está presente nas autoras, como
pode ser mostrado nesse excerto: “Quando o espírito
penetra meu peito, gosto de andar calmamente entre
as montanhas verdes; ou, às vezes, sentada às
margens do Missouri sussurrante, eu me maravilho
com o grande azul acima.” (IDEM, 2003, p. 114)
No poema “Eu não tenho minha aldeia”, Potiguara
coloca a aldeia como símbolo da própria identidade
indígena para aqueles que a perderam:
Eu não tenho minha aldeia / Minha aldeia é minha
casa espiritual / Deixada pelos meus pais e meus
avós / A maior herança indígena [...]
Ah, Já tenho minha aldeia / Minha Aldeia é Meu
Coração ardente / É a casa dos meus antepassados
/ E do topo dela eu vejo o mundo
(POTIGUARA, 2004, p. 131-132).
Desta forma, as duas autoras, por mais que estejam
forçadamente no limiar de duas culturas, a cultura
branca imposta e a cultura indígena perdida, fazem a
opção pela cultura indígena, utilizando-se de
expedientes da cultura e do conhecimento do
dominante para transmitir seu conhecimento e sua
indignação com a situação em que vivem suas
respectivas etnias, hibridizando seus conhecimentos
e o uso que fazem dele.
A identidade fragmentada e a opção pela indianidade
(o desaparecimento das origens brancas) aparece
propositadamente nas duas escritas autobiográficas.
A união da modernidade e da tradição são patentes
nas duas obras. No conto A dream of her
grandfather, de Zitkala-Ša, a neta ativista recebe de
presente do avô, um medicine man, uma visão. No
mesmo sentido, Potiguara afirma que Jurupiranga
“Percebeu a comunhão da nova e avançada
tecnologia utilizada por alguns indígenas com as
tradições indígenas, onde o diálogo jovens versus
velhos era uma realidade” (POTIGUARA, 2004, p.
129).
Outros símbolos, como o cobertor e a fogueira do
centro da aldeia (para Zitkala-Ša) e a pintura (para
Potiguara) também representam a afirmação do índio
e a busca de sua identidade, mas o choque entre a
cultura branca e indígena procura ser resolvido pelas
autoras de uma forma suave, não violenta, com
respeito mútuo. Esta tentativa é mais forte em
Zitkala-Ša, enquanto Potiguara é mais incisiva na
apresentação e na busca da resolução dos conflitos
em a que a solução aparece pela união da mulher
indígena e do homem indígena.
4 – O corpo e o gênero
O corpo marca as diferenças visíveis entre etnias e
entre gêneros, além de oferecer terrenos seguros
para essencialismos, generalizações e ideologias
sexistas e racistas. Os temas de outremização e
identidade também estão presentes no corpo, pois a
diferença gera hierarquias e dominação (TRINH,
1989).
Zitkala-Ša não é direta sobre questões sexuais,
talvez pela educação rígida que recebera, pelos
veículos nos quais publicou, ou pelas próprias
limitações da época em que viveu, mas ela tem uma
escrita que contrasta e ressalta sensações corporais,
cores, e contrasta o corpo branco e indígena, além
de reiterar exaustivamente a agência feminina.
Metaforicamente, o conto the snow episode mostra
uma outra faceta da relação índio/ branco: as
meninas índias brincam de marcar a neve com seus
corpos e são duramente repreendidas, pois é
inconcebível que deixem as marcas de seu corpo
vermelho na pureza da neve branca (mais uma vez,
a neve representando o branco – como em outros
contos da autora, a frieza e o motivo da dor do índio).
Ao marcarem o branco da neve com seus corpos
vermelhos, as crianças estariam indo contra a
proposta assimilacionista, que era “embranquecer” o
índio, e não “avermelhar” o branco.
O homem indígena em Zitkala-Ša é respeitável e
amado, mas geralmente está perdido, louco, ou
trata-se de um nobre antepassado já morto. A mulher
tem a agência, no entanto, o homem indígena serve
de inspiração à mulher, que sempre será a guerreira
225
e portadora da tradição, utilizando-se de diferentes
armas, como a personagem Tusee, do conto The
Warrior’s daughter, que liberta o amado da tribo
inimiga com sua inteligência e seu conhecimento da
linguagem. Impressions mostra o tio da personagem
narradora como um guerreiro honrado enterrado nas
montanhas da reserva. A terra é mãe do índio,
motivo de inspiração e contato com a divindade e a
mulher é aquela que liberta o homem.
A escrita é sensorial em Zitkala-Ša – os sentidos são
aguçados a todo o momento, e as descrições são
vivazes neste sentido – gostos e cheiros da aldeia
dentro da reserva são suaves e coloridos e é sempre
verão ou primavera, enquanto a escuridão, o frio e a
opressão da prisão são vivazes na escola e o
inverno impera.
Enquanto isso, a escrita de Potiguara além de
profundamente sensorial, como a de Zitkala-Ša, é
também sensual: a terra não é apenas a mãe do
índio, mas sua esposa prometida: a cunhã. A mulher
é consciente de seu poder, mas está no aguardo de
um momento para quebrar o silêncio:
Que faço com a minha cara de índia ?
E meus espíritos / E minha força / E meu Tupã / E
meus círculos ?
Que faço com a minha cara de índia? / E meu
sangue / E minha consciência / E minha luta / E
nossos filhos ?
Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência / Ou estupro / Eu sou história / Eu
sou cunha / Barriga brasileira / Ventre sagrado /
Povo brasileiro / Ventre que gerou / O povo brasileiro
/ Hoje está só … / A barriga da mãe fecunda / E os
cânticos que outrora cantava / Hoje são gritos de
guerra / Contra o massacre imundo (POTIGUARA,
2004 p. 34-35).
O índio de Potiguara está fraco (Jurupiranga), mas é
também um guerreiro nobre e está em vias de
despertar, se levantar e voltar a usar as tintas de sua
tradição, em consonância com a modernidade.
“Então tomaremos o mel da manhã, / Pra que todos
os antepassados renasçam / E olharemos pro céu do
amanhã / Pra que nossos filhos se elevem / E
beberemos a água do carimã / Pra suportar a dor da
Nação acabada /
E os POTIGUARAS, comedores de camarão / Que
HOJE – carentes / Nos recomendarão a Tupã / E te
darão o anel do guerreiro – parceiro. / E a mim? / Me
darão a honra do Nome / A ESPERANÇA – meu
homem! / De uma pátria sem fim” (IBIDEM, p. 138139).
As mulheres nas obras das duas autoras podem ser
empurradas e sofrerem pelas circunstâncias, mas
são fortes e questionam o mundo que as cerca. Ela
salva o homem em quase todas as obras, mesmo
que seja uma salvação simbólica, pequena, como a
avó que opta por ficar para trás num período de
guerra, mesmo sabendo que ia morrer, para procurar
seu netinho (Zitkala-Ša), ou Cunhataí, que faz
Jurupiranga renascer, na obra de Potiguara.
As personagens femininas são fortemente retratadas
dentro das obras das duas autoras, sejam elas o eu
narrador autobiográfico, as parentes, como a mãe
(no caso de Zitkala-Ša) ou a avó, no caso de
Potiguara, ou personagens fictícias. Ambas autoras
enfatizam o choque das culturas, mas apostam na
sua resolução de maneira menos invasiva e violenta.
O homem indígena não é superior ou inferior à
mulher, mas reforça sua identidade (no caso de
Potiguara) ou é fonte nobre e inspiradora de ação
independente por parte da mulher (no caso de
Zitkala-Ša).
5 – Considerações finais
As duas autoras misturam de forma vivaz a ficção, a
escrita jornalística de informação com relação à
situação indígena, poesia e narração com moldes na
oralidade indígena, oferecendo uma hibridez e
resistência tendo como uso a linguagem dominante
subvertida. Ambas buscaram por caminhos às vezes
diferentes, e muitas vezes conflitantes, pela
diferença de cultura e por seu objetivo final com
relação aos leitores, mas muitas vezes similares,
mostrar aspectos desconhecidos e calados dos
sentimentos e angústias vividas pela mulher indígena
diante de uma sociedade opressora. A principal
diferença nas formas está na denúncia direta por
parte de Potiguara, com nomes e situações
históricas comprovadas e claras contra o modo
velado de Zitkala-Ša aludir a situações como as
marchas forçadas, o massacre de índios em
Wounded Knee e às guerras, com outros assuntos
explorados de forma mais dramática, como o
tratamento cruel recebido nos internatos.
226
As duas também fazem uma retomada dos mitos e
tradições para esclarecerem às outras etnias e
lembrarem os próprios indígenas de seu passado.
Potiguara mistura a escrita acadêmica e sóciohistórica, com poesias que discutem a posição da
mulher e do índio na sociedade e perante si mesmo,
além da escrita autobiográfica, enquanto Zitkala-Ša
recupera as histórias e a oralidade de seu povo, que
ouvia quando criança, apostando na captura do leitor
através da identificação do mesmo com o sofrimento
e a bravura das personagensa, além de narrativa
ficcional e também escrita autobiográfica.
Eliane Potiguara e Zitkala-Ša partiram de uma
realidade até certo ponto parecida, mas não
totalmente igual: os índios americanos nos século
XIX não eram considerados cidadãos, não tinham
direito a voto e muito menos representatividade
política. Eram exterminados por doenças e pela
fome, por marchas forçadas, por guerras e ataques
do exército, além de estarem circunscritos ao bel
prazer do governo em reservas, onde recebiam
parcas rações de subsistência. Enquanto isso, os
índios brasileiros passam por lutas parecidas com
relação ao preconceito, à luta pela demarcação de
suas terras, e a ONU, entre outros órgãos mundiais
procuram garantir sua liberdade e tratamento
humano, mesmo que essa não seja uma realidade.
As duas autoras não deixaram que a ânsia e a
necessidade de dizerem suas identidades ou a
identidade da mulher indígena fosse maior que a
forma de talento literário que se apresenta em suas
obras, mas procuraram negociações de suas
identidades, de forma que pudessem viver em um
mundo de culturas e corpos híbridos sem caírem no
identitarismo vazio.
Referências Bibliográficas
ASHCROFT, Bill. Post-colonial transformation.
London and New York: Routledge, 2002.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pósmodernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
LISA, Laurie. The life story of Zitkala-Ša: Gertrude
Simmons Bonnin: writing and creating a public
image. 227 p. Dissertation of requirement for the
Degree Doctor of Philosophy. USA: Arizona State
University. may 1996.
POTIGUARA, Eliane. Metade Cara, Metade
Máscara. São Paulo: Global, 2004
TRINH, T. Minh-ha. Woman, Native, Other: Writing
Postcoloniality and Feminism. Bloomington and
Indianapolis: Indiana University Press, 1989.
ZITKALA-ŠA. American Indian Stories, legends and
other writing. (with introduction and notes by
DAVIDSON, Cathy and NORRIS, Ada). USA:
Penguin Classics, 2003.
______. Dreams and Thunder: Stories, Poems, and
The Sun Dance Opera: Introduction by Jane Hafen.
Lincoln: University of Nebraska, 2001.
Fonte:
II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE –
Cascavel, 06 a 08 de outubro de 2010
Amaury Nicolini
Uma Vida de Poesia
CALENDÁRIO
Tantos janeiros tenho em meu diário,
tantos verões passaram, eu me lembro,
que da minha vida agora o calendário
só tem mais uma folha: a de dezembro
que até as suas pedras sei de cor;
já não lhes volto a vista fatigada
e agora presa a uma aflição maior.
NO CAMINHO
O que farei no fim deste caminho?
Que contas a ajustar terei, não pagas,
se depois de toda a vida andar sozinho
só guardo do que fui lembranças vagas?
Há tanto tempo ando nesta estrada
Terei pecados que são imperdoáveis,
227
momentos de maldade ou covardia
ainda vivos depois de tantos anos?
em busca do que eu mais quis na minha vida.
VELHOS CARNAVAIS
Ou será que os defeitos mais notáveis
foram os de colocar, sempre em poesia,
tudo que está nos corações humanos?
MEMÓRIAS
Por incrível que pareça, é um confete
que descobri num bolso desta calça,
e que a vários anos atrás logo remete
meu pensamento, que esse vôo alça.
Eu sei que, no futuro, estas poesias
ficarão abandonadas numa estante,
retratos do passado, de outros dias
de quem a vida fez sofrer bastante.
Deve estar aí perdido fazem anos,
é roupa que não uso há muito tempo,
e carnaval está fora dos meus planos,
num canto da memória, como exemplo
Serão somente papéis amarelados,
histórias a que o tempo trouxe fim,
talvez por consideração guardados
de uma maneira displicente assim.
de que eu também já alegrei meus dias,
brincando ao som de antigas melodias
que cantavam foliões em algum salão.
A ninguém vai importar o conteúdo,
saber quem um dia amou alguém
ou o desfecho que teve essa paixão.
Será nada o que um dia já foi tudo,
e os versos que pensavam ir além
só estarão vivos num velho coração.
PASSAGEIROS A BORDO
A que horas sai o trem para a saudade?
Quero um lugar já nos primeiros bancos
para chegar mais depressa ao que perdi,
voltar aos sonhos da minha mocidade
quando não tinha estes cabelos brancos
e não pensava em sofrer o que sofri.
Quero um lugar no trem que está partindo
e que sai desta estação rumo ao passado
em cima de infindáveis e invisíveis trilhos,
onde quem hoje chora vai sorrindo,
quem dorme para sempre está acordado
e quem já é até avô não tinha filhos.
Quero um lugar no trem antes que parta
e eu não tenha outro modo de rever
tanta coisa que ainda guardo na lembrança:
uma foto amarelada, um lenço, a carta,
o perfume que nunca mais pude esquecer
e o lugar onde ficou minha esperança.
Por favor, dê-me logo essa passagem,
pois já escuto o sinal e até o apito
que avisa a todos que é hora da partida.
Eu não posso perder essa viagem,
talvez a última que faço, ansioso e aflito,
E que uma voz interior ainda repete,
enquanto eu tiro da roupa este confete
e o guardo dentro do meu coração.
AMAURY NICOLINI (1941)
Carioca. Publicou seus primeiros trabalhos poéticos
na revista do Colégio Militar e em jornais da época.
Concluindo o curso e não desejando seguir a
carreira militar, iniciou-se no que seria a sua
verdadeira vocação, como redator publicitário e
criador de comerciais para TV. Os anos seguintes
foram uma escalada de trabalhos escolhidos pela
crítica especializada e pelo público como os
melhores de cada período.
Sem abandonar a redação, passou a ser Diretor de
Criação em algumas das principais agências de
propaganda do eixo Rio - São Paulo - Belo
Horizonte. Especializou-se em varejo, e criou a
propaganda de redes nacionais como Mesbla,
Bemoreira, Ducal, Casa Masson, Brastel e outras.
Sua especialização em varejo levou a uma variante
profissional. Foi contratado como Gerente de
Desenvolvimento Técnico da Confederação Nacional
dos Lojistas, passando a coordenar simpósios,
seminários e convenções em todos os estados
brasileiros, além de editar a revista Diretor Lojista,
voltada para o empresário do comércio. Foi alguns
anos depois contratado como Diretor Executivo do
Clube de Diretores Lojistas de Fortaleza,
permanecendo aquela capital nordestina por 3 anos.
228
De volta ao Rio, e após temporada como
Coordenador de Marketing da TV Manchete, criou
sua própria empresa de propaganda, que durante 10
anos foi extremamente atuante na praça do Rio de
Janeiro.
Após retirar-se do mercado, passou a prestar
serviços eventuais de planejamento e redação, e
desenvolvendo sua produção literária, que hoje já
alcança um total de 33 livros publicados, abrangendo
poesia, prosa e temas técnicos.
Conquistou vários prêmios em concursos literários,
participou de diversas antologias e escreve artigos
para revistas especializadas em comércio.
Por sua contribuição à cultura, foi distinguido com a
Cruz de Cavaleiro da Ordem do Mérito do Instituto
dos Docentes do Magistério Militar. Recebeu
igualmente a Comenda do Mérito Literário, outorgada
pela Academia de Letras.
Poesia Mínima
Quinquilharias
Velhos Carnavais
Passagem Secreta
Céus e Terras
Dicotomia
Vale o Escrito
Pela Janela
Os Astros Não Mentem
Tempus Fugit
Há Muito Tempo...
Uma Vida de Poesia
e outros.
Ocupa, como membro vitalício, a cadeira n°10 da
Academia de Letras do Brasil, tendo como patrono o
poeta J.G.de Araújo Jorge. Foi agraciado com a
medalha de Mérito Literário, outorgada pela
Academia de Letras do Brasil.
É Acadêmico-Correspondente da Academia de
Letras e Artes de Valparaíso (Chile)
Fontes:
NICOLINI, Amaury. Uma vida de poesia. RJ: Fundação Gutemberg
(SENAI-RJ), 2011.
http://www.amaurynicolini.prosaeverso.net/perfil.php
Entre seus livros, incluem-se:
Salada de Poesia
Um Verso Viajante
Concursos Literários
Inscrições Abertas
CONCURSO LITERÁRIO PADRE JOÃO MAIA 2012
'VILA DE REI: ROSTOS E OLHARES'
Premiação:
I) Cheque-prenda no valor de € 75,00 para o autor de
cada trabalho premiado
Prazo: 15 de Maio de 2012
Organização:
Câmara Municipal de Vila de Rei (Portugal) / Centro
de Estudos Padre João Maia
Biblioteca Municipal José Cardoso Pires
Telefone: 351 274 890 000
E-Mail: [email protected]
Regulamento:
Art.º 1.º - Âmbito
Este concurso destina-se a promover a produção
literária, estimulando o envolvimento da população,
através da realização de textos em prosa ou em
poesia.
Art.º 2.º - Objectivos
São objectivos deste concurso:
a) Incentivar a criação literária;
b) Promover a escrita criativa;
c) Criar hábitos de leitura e de escrita na população.
Art.º 3.º - Entidade promotora
A entidade promotora é a Câmara Municipal de Vila
de Rei. O concurso será dinamizado pelo Centro de
Estudos Padre João Maia.
Art.º 4.º - Destinatários
O concurso destina-se a qualquer pessoa de
229
nacionalidade portuguesa, que não tenha nenhum
livro publicado na área da literatura.
Art.º 5.º - O trabalho
1. Cada participante pode apresentar apenas um
trabalho;
2. O mote do trabalho a apresentar deverá ser “Vila
de Rei: rostos e olhares”, sob qualquer perspectiva
ou interpretação do autor alusivo ao concelho de Vila
de Rei;
3. Os participantes podem constituir-se por grupos;
4. O texto não deverá ultrapassar as 10 páginas A4
(incluindo ilustrações), com margens de 2,5
centímetros, espaçamento 1,5 entre as linhas, com
letra Times New Roman, tamanho 12;
5. As ilustrações utilizadas deverão ser
acompanhadas de informação sobre a sua fonte.
Art.º 6.º - Entrega dos trabalhos
1. Os trabalhos deverão ser entregues até às 18:00
horas do dia 15 de Maio de 2012, do edifício
Biblioteca Municipal José Cardoso Pires, ou por
correio para: Biblioteca Municipal José Cardoso Pires
– Rua da Biblioteca - 6110/174 Vila de Rei;
2. Os trabalhos enviados por correio devem ser
registados e com aviso de recepção. Será entregue
uma declaração comprovativa, a quem entregar os
trabalhos pessoalmente, na Biblioteca Municipal;
3. Não serão aceites trabalhos cuja data do carimbo
dos correios seja posterior à data limite;
4. Os trabalhos deverão, obrigatoriamente, ser
entregues num envelope, contendo no seu interior
outros dois envelopes: num deles deve constar o
trabalho original em formato papel não encadernado,
e no outro (devidamente fechado) deve constar uma
disquete ou um CD (identificado com o pseudónimo
e ano de nascimento) contendo um documento com
o texto e outro documento separado onde conste as
indicações do autor, nomeadamente: nome, morada,
número contribuinte, contacto telefónico,
pseudónimo, género literário do trabalho, e-mail (se
tiver) e ano de nascimento. No exterior de todos os
envelopes, deverá constar apenas o pseudónimo e o
ano de nascimento do autor.
Art.º 7.º - Critérios de apreciação
1. Todos os textos apresentados têm de fazer alusão
a “Vila de Rei: rostos e olhares”, ficando o mesmo ao
critério do autor, sendo apreciados de acordo com o
seguinte:
a) Criatividade;
b) Qualidade literária;
c) Organização;
d) Coerência e coesão do texto.
2. Só serão aceites textos a concurso em Língua
Portuguesa, que nunca tenham sido editados;
3. A Câmara Municipal de Vila de Rei reserva o
direito da reprodução dos trabalhos apresentados a
concurso, mencionando sempre o seu autor.
Art.º 8.º - Júri
1. Compete à Câmara Municipal nomear o júri
composto por três elementos, sendo o presidente do
júri, um representante da autarquia;
2. Caberá ao júri decidir sobre os casos omissos
nestas normas de concurso.
Art.º 9.º - Prémios
1. Será premiado o melhor trabalho em prosa e o
melhor trabalho em poesia;
2. Ao autor de cada trabalho premiado será atribuído
um cheque-prenda no valor de € 75,00 (setenta e
cinco euros);
3. O júri reserva-se ao direito de nomear Menções
Honrosas;
4. Os trabalhos premiados serão publicados, em
suplemento, do Boletim Informativo da Câmara
Municipal de Vila de Rei.
Fonte:
http://www.biblioteca.cmviladerei.pt/public/files/Normas_2012(1).pdf
III CONCURSO LITERÁRIO DA ACADEMIA
TAUBATEANA DE LETRAS
Premiação:
I) 03 primeiros lugares: R$200,00
Prazo: Os trabalhos enviados pelos correios devem
ser entregues na Academia Taubateana de Letras
até o dia 30 de Maio de 2012
Organização:
Academia Taubateana de Letras
Telefone: (12) 3621-3251
Regulamento:
O Concurso é destinado às pessoas maiores de 18
anos, excluídas as que forem membros da Academia
Taubateana de Letras, qualificadas como membros
titulares, honorários, correspondentes e beneméritos.
230
O Tema a ser abordado é EMÍLIA (personagem da
obra infantil de Monteiro Lobato).
MODALIDADE: POESIA ( soneto, poesia clássica ou
poesia livre).
Apenas UM TRABALHO por autor.
sessão de premiação.
Premiação: os 03 primeiros lugares receberão R$
200,00. As 03 primeiras Menções Honrosas
receberão Diplomas.
Taubaté, 01 de março de 2012
José Paulo Pereira – Presidente da ATL
O texto não deverá ultrapassar 30 linhas e ser
apresentado em 03 vias, papel A4, digitado em
ARIAL, corpo 12, espaço simples.
Em caso de dúvidas, ligar para: (12) 3621-3251
Colocar, no alto da página: o tema, o gênero de
poesia escolhido e o pseudônimo do autor.
Fonte:
http://lij-pe.blogspot.com.br/2012/03/la-vem-emiliaconcurso-de-poesias.html
O trabalho deve ser INÉDITO.
Colocar, no mesmo envelope de remessa do
trabalho, um envelope menor, contendo uma
pequena folha de identificação, com os seguintes
dados: nome e endereço completos do autor, ( não
esquecer do CEP ), RG, pseudônimo, telefone para
contato, e-mail (se tiver) e assinatura. Na face
externa do envelope, escrever o pseudônimo e o
gênero da poesia. Colar as abas deste envelope.
Enviar o trabalho pelo Correio, endereçando assim:
III Concurso Literário Externo “Acadêmica Judith
Mazella de Moura” – A/C de Angelica Villela SantosRua Francisco Xavier de Assis, 36-Jardim MorumbiTaubaté-SP-12060-460. Como remetente, colocar:
Emilia de Lobato e o mesmo endereço de remessa.
Os concorrentes não podem ser identificados
externamente.
Só receberemos trabalhos enviados pelo Correio e
chegados ao destino até o dia 30/05/2012. ( exceto
em caso de alguma eventualidade, como por
exemplo, greve dos Correios).
A Comissão Julgadora será composta por
Acadêmicos da Academia Taubateana de Letras.
XV CONCURSO NACIONAL DE CONTOS 'PRÊMIO
JORGE ANDRADE'
Premiação:
I) 1º lugar: R$ 1.200; 2º lugar: R$ 800; 3º lugar: R$
600; e 4º ao 10º lugar: diplomas de menção honrosa
II) Os trabalhos premiados farão parte da Coletânea
de Contos "Prêmio Jorge Andrade"
Prazo: 31 de Agosto de 2012
Organização:
Academia Barretense de Cultura - Barretos/SP
Regulamento:
Art. 1º O XV Concurso Nacional de Contos "Prêmio
Jorge Andrade" promovido bienalmente pela
Academia Barretense de Cultura terá a seguinte
premiação:
1º Lugar: R$ 1.200,00
2º Lugar: R$ 800,00
3º Lugar: R$ 600,00
Art. 2º Os demais classificados até o 10º lugar
receberão diplomas de "Menção Honrosa".
Os trabalhos que não estiverem de acordo com as
especificações deste Regulamento, não serão
considerados.
Art. 3º Os contos deverão ser inéditos, datilografados
(espaço dois) ou digitados (fonte 12) em três vias, de
um só lado, em papel ofício com no máximo 05
páginas.
As decisões da Comissão Julgadora serão
soberanas e irrecorríveis.
Art. 4º Cada concorrente poderá se inscrever com
até três contos.
Os autores premiados serão avisados por carta ou email, contendo também a data, o local e o horário da
Art. 5º Será obrigatório um pseudônimo literário
diferente dos outros já usados. O candidato deverá
231
remeter juntamente com seu trabalho, em envelope
lacrado: título do conto, seu pseudônimo, sua
identificação completa, com endereço postal,
telefone e e-mail (se tiver) e curriculum vitae
resumido. No lado de fora do envelope de
identificação, constar apenas o pseudônimo.
Art. 6º Remeter para – Academia Barretense de
Cultura – ABC no seguinte endereço:
Rua 18 nº 431 – apt 6 - Centro - Ed. Camilo Ferreira
Barretos/SP CEP: 14780- 060
Art. 7º Não poderão concorrer Membros da ABC.
Art. 8º Serão rejeitados os trabalhos que não
enquadrarem nas exigências deste regulamento.
Art. 9º Os contos recebidos valerão como inscrição
automática. O prazo encerra-se em 31 de agosto de
2012, valendo como comprovante, em caso de
atraso, a data do carimbo postal da agência
emissora.
Art. 10º Uma "Comissão Julgadora" nomeada por
portaria da presidência, composta de cinco membros
da ABC, sendo um coordenador, terá até 31 de
outubro do corrente ano para concluir os trabalhos
de julgamento dos contos inscritos.
Art. 11º Os trabalhos premiados farão parte da
Coletânea de Contos "Prêmio Jorge Andrade", de
distribuição gratuita aos autores, bibliotecas públicas
e entidades culturais.
Art. 12º Os contos classificados serão do acervo da
ABC, respeitados os direitos autorais de cada um.
Os contos inscritos premiados ou não, não serão
devolvidos aos seus autores.
Art. 13º Os dez primeiros classificados serão
notificados diretamente, por e-mail, telefone ou ofício
(se necessário), logo após a proclamação dos
resultados. A outorga dos prêmios e certificados será
em sessão solene, em local e data a serem
estabelecidos.
Art. 14º As decisões da Comissão Julgadora serão
soberanas e irrecorríveis, inclusive os casos
omissos.
Fonte:
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=26
6647&tid=5721458958901029401
PRÊMIO PROFESSOR MÁRIO CLÍMACO ALEPON
Premiação:
I) Medalhas
Prazo: 10 de Agosto de 2012
(31) 3881-1697 / 3881-3455 e 3881-2663
Organização:
Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova
Regulamento:
Prêmio “Professor Mário Clímaco”
1º) – A Academia de Letras, Ciências e Artes de
Ponte Nova – ALEPON, fará realizar o VII
CONCURSO LITERARIO - Prêmio “Prof. Mário
Clímaco”, que constará de duas categorias – Poesia
e Crônica, de âmbito nacional.
2°) – Podem concorrer pessoas de ambos os sexos,
com a idade mínima de 15 anos completos até a
data do encerramento das inscrições.
3º) – As inscrições, gratuitas, estarão abertas a partir
de 1º / 03 / 2012 e se encerrarão em 10 / 08 / 2012,
valendo o carimbo do correio. Os membros da
ALEPON não podem concorrer.
4º) – Nas duas categorias os trabalhos, com TEMA
LIVRE, deverão ser de até 2 (duas páginas), em
papel A4, fonte 12, Times New Roman ou Arial.
5º) – Para inscrever-se, basta que o concorrente
envie até três trabalhos inéditos, de sua autoria, em
cinco vias, datilografados ou impressos em
computador (não serão aceitos manuscritos), além
de CD contendo os trabalhos, para a Academia de
Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova – ALEPON,
Rua Cantidio Drumond, 92 - sala 1 - 35430-001 –
Ponte Nova (MG).
6º) – Será usado o sistema de envelopes: o maior,
com o endereço da ALEPON e do remetente,
conterá os trabalhos, com o pseudônimo do autor (o
mesmo para cada trabalho) e o envelope menor,
devidamente lacrado; o menor guardará a identidade
do concorrente: nome, RG, CPF, endereço completo,
232
telefone e data do nascimento (ou a
declaração:“Tenho mais de quinze anos de idade”),
além de data e assinatura.
7º) – Os vencedores receberão medalhas e
diplomas. A critério da comissão julgadora poderão
ser concedidas até 3 (três) menções honrosas. São
irrecorríveis as decisões dos julgadores.
8º) – Os 10 (dez) primeiros classificados poderão ter
seus trabalhos publicados no Informativo ALEPON,
publicação autorizada, automaticamente, com o ato
da inscrição, sem direitos autorais, assim como os
demais participantes.
9º) – Os membros da Comissão Julgadora serão
designados pelo Presidente da ALEPON, anunciados
somente na data da divulgação dos resultados do
concurso, uma vez que seus nomes ficarão em
sigilo.
10º) – O resultado do Concurso será divulgado na
Sessão Solene comemorativa do aniversário de
Ponte Nova, no dia 26 de outubro de 2012.
OBS. – Outras informações poderão ser obtidas
pelos telefones 3881.1697 - 3881.3455 e 38812663.
Fonte:
http://bit.ly/regulamento_alepon
15º PRÉMIO LITERÁRIO FERNANDO NAMORA
(PORTUGAL)
Premiação:
I) € 25.000
Prazo: 30 de Abril de 2012
Organização:
Estoril-Sol
Tel: 21 466 78 20/78 98 | Fax: 21 466 79 90
[email protected]
Regulamento:
1. Está aberto concurso para atribuição do “Prémio
Literário Fernando Namora”, instituído pela EstorilSol em 1988 e que realiza, este ano, a sua 15a
edição.
2. Este Prémio destina-se a galardoar uma obra de
ficção (romance ou novela), de autor português,
editada em 2011, desde que o escritor não tenha
sido premiado nas três edições anteriores.
3. Por se considerar fora do seu âmbito, não serão
admitidas a concurso publicações especialmente
dirigidas a públicos infantis ou infanto-juvenis. O
Prémio não poderá, também, ser atribuído a título
póstumo.
4. O “Prémio Literário Fernando Namora”, tem, no
presente ano, o valor de € 25.000
(vinte cinco mil euros).
5. O Júri terá como presidente de honra o escritor e
ensaísta Vasco Graça Moura, a quem caberá o voto
de qualidade em caso de empate na votação, e será
constituído por representantes das seguintes
instituições: Direcção Geral do Livro e das
Bibliotecas; Centro Português da AICL – Associação
Internacional dos Críticos Literários; APC Associação Portuguesa de Escritores; CNC – Centro
Nacional de Cultura; além de duas personalidades
independentes de reconhecido mérito e de
representantes da Estoril-Sol.
6. As decisões do Júri serão registadas em acta e
em livro próprio, não sendo admitidas abstenções,
atribuição do prémio ex-aequo ou Menções
Honrosas.
7. Para participar na décima quinta edição deste
Prémio, deverão ser enviados 9 (nove) exemplares
das obras concorrentes, em correio registado, ou
serem entregues por protocolo até 30 de Abril de
2012, no seguinte endereço: “Prémio Literário
Fernando Namora” – Assessoria de Comunicação da
Estoril-Sol – Gabinete de Imprensa – Casino Estoril –
Av. Dr. Stanley Ho – 2765-190 Estoril.
§ Único – Os exemplares das obras submetidas à
apreciação do Júri não serão devolvidos.
8. Os romances publicados em 2011 podem ser
apresentados a concurso pelos seus autores, suas
editoras ou outras entidades. Está vedado o
concurso às obras da autoria dos elementos que
venham a integrar o Júri.
9. Em reunião preliminar, o Júri poderá elaborar e
divulgar uma short-list das cinco obras concorrentes
que seleccionar com vista ao apuramento do
vencedor.
233
10. As edições subsequentes da obra premiada
deverão referenciar, em lugar destacado do volume
ou em cinta exterior, o “Prémio Literário Fernando
Namora” bem como a Estoril-Sol, empresa
patrocinadora.
Fonte:
http://bit.ly/regulamento-fernandonamora
11. Caberá à Estoril-Sol proceder à revisão do
Regulamento sempre que tal seja necessário.
Mais concursos literários em
http://concursos-literarios.blogspot.com/
12. As questões omissas neste Regulamento serão
resolvidas pelo Júri e das suas decisões não haverá
recurso.
Contactos: Tel: 21 466 78 20/78 98 | Fax: 21 466 79
90
E-mail: [email protected]
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