a participação social junto ao poder público brasileiro na
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a participação social junto ao poder público brasileiro na
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL JUNTO AO PODER PÚBLICO BRASILEIRO NA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS FÁBIA DE KÁSSIA MENDES VIANA BUENOS AIRES1 SIMONE GUIMARÃES2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ (UFPI) RESUMO O artigo apresenta a relevância da participação social junto ao poder público na garantia dos direitos humanos no Brasil. Destaca os sujeitos sociais que proporcionaram visibilidade política e social destes direitos em diversos espaços de criação e implementação de políticas públicas. Apresenta também o processo de transformação da participação social em elemento essencial na construção e implementação de direitos, recentemente normatizada através do Plano Nacional de Participação Social, instituído pelo Decreto presidencial nº 8.243, de maio de 2014. Palavras – chave: sociedade civil; Estado; políticas públicas; efetivação de direitos. 1 INTRODUÇÃO Na medida em que os grupos da sociedade civil se organizam em torno de demandas, focalizando-as e agindo em prol da sensibilização e da mobilização de outros segmentos sociais, essas demandas adentram a agenda do Estado enquanto políticas públicas. O papel destes grupos está em adensar forças e pressioná-las no sentido de transformar em prioridade suas solicitações e introduzi-las no espaço de disputa política, fato esse perceptível também na seara dos direitos humanos. O ingressar da demanda na agenda estatal eleva sua 1 Advogada; Especialista em Direito Público pela FAETE; Mestre em Políticas Públicas - UFPI, Doutoranda do Programa de Doutorado em Políticas Públicas -UFPI. Docente do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí. Instituição: Universidade Federal do Piaui – UFPI. E-mail: [email protected] 2 Professora Doutora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. 1 categoria à de prioritária no campo das políticas públicas tornando-se interesse não apenas da sociedade civil, mas do próprio Estado. (TEIXEIRA, 2003) Partimos do conceito de políticas públicas, nesse contexto, como conseqüência da atividade política, as quais necessitam de variadas realizações estratégicas com fins a alcançar os objetivos almejados, envolvendo para isso inúmeras decisões políticas. (DIAS; MATOS, 2012). Algo descrito por Teixeira (2003, p.2) como “princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”. (TEIXEIRA, 2003, p.2) Os movimentos sociais no Brasil, assim como em diversos países da América Latina, tiveram relevante papel na considerável ampliação das oportunidades para a participação, principalmente a partir do estabelecimento de novos espaços para o diálogo e a negociação entre Estado e organizações sociais, em prol da garantia e efetivação de direitos. (TATAGIBA, 2009). É possível mensurar o grau de relevância do tema ao constatar as reformulações dos marcos legais com a incorporação de uma nova arquitetura participativa, proporcionando a criação de espaços institucionais nos quais a sociedade civil poderia manifestar seus interesses nas diversas áreas, nos aspectos deliberativos, propositivos e consultivos, predominando grande quantidade e variedade de princípios e mecanismos legais nas constituições. Acrescenta-se a isso a instituição de espaços participacionistas mediante leis secundárias setoriais, bem como leis regionais e regulamentos. (TATAGIBA, 2009). Nas décadas de 1970 e 1980, o direito à participação veio ao encontro da atuação contestatória e reivindicatória dos movimentos populares, com suas variadas bandeiras de lutas e na busca por transformações político-institucionais, permeadas por ideologias de soberania e emancipação popular, autonomia social, gestão compartilhada, garantia e efetivação de direitos humanos, etc. (TATAGIBA, 2009). O fato de a sociedade civil brasileira ter sido relevantemente marcada pela experiência autoritária do regime militar vigente em 1964, traduziu-se em uma espécie de ressurgimento, tendo como objetivos a oposição ao autoritarismo estatal, o que para Avritzer (apud DAGNINO, 2002, p.9) representou a “efetiva fundação da sociedade civil no Brasil, já que sua existência anterior estaria fortemente caracterizada pela falta de autonomia em relação ao Estado”. 2 A partir da década de 1990, já com uma retórica reformista, a participação apresenta-se com relevante papel no que diz respeito à reorganização da gestão pública, com fins de eficiência e eficácia das políticas públicas criadas, especialmente as relacionadas aos direitos sociais. Tem-se uma necessidade quase que obrigatória dos espaços de participação de atuar em prol de um referendar das ações públicas muito mais do que contestar, questionar e efetivamente colaborar para uma gestão pública compartilhada. Recentemente, foi instituída mediante decreto presidencial nº 8.284, de 23 de maio de 2014, a chamada Política Nacional de Participação Social (PNPS), a qual apresenta como objetivo principal fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre o governo federal e sociedade civil, o que tem provocado enorme celeuma na arena política, uma vez que alguns setores e partidos políticos representados na Camara e no Senado declaram estarem diante de uma afronta à democracia representativa. No entanto a supracitada política estabelece parâmetros para a construção e articulação dos mecanismos existentes, tais como conselhos, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, consultas públicas, audiências públicas e ambientes virtuais de participação social, em prol do compartilhamento de decisões sobre programas e políticas públicas3. O presente artigo apresenta a relevância da participação social junto ao poder público na garantia dos direitos humanos no Brasil. Destaca os sujeitos sociais que proporcionaram visibilidade política e social destes direitos em diversos espaços de criação e implementação de políticas públicas. Apresenta também o processo de transformação da participação social em elemento essencial na construção e implementação de direitos, recentemente normatizada através do Plano Nacional de Participação Social (PNPS), instituído pelo Decreto presidencial nº 8.243, de maio de 2014. 2 FATOS E PROTAGONISTAS NO PROCESSO DE CONCEPÇÃO DA PARTICIPAÇÃO O Brasil foi, até os anos de 1980, um país com baixa propensão participativa, fenômeno esse, segundo Avritzer (2009, p. 27) “(...) ligado às formas verticais de organização 3 Disponível em: <http://www.participa.br/>. Acesso em: 07 jun. 2014. 3 da sociabilidade política, tais como a concentração do poder na propriedade da terra e a proliferação do clientelismo no interior do sistema político na maior parte do século XX”. Os primeiros setenta anos do século XX foram marcados por experiências isoladas de um número reduzido de associações civis, em particular associações comunitárias na cidade do Rio de Janeiro e de práticas recreativas e associações de moradores de bairros, como por exemplo, a Sociedade de Amigos de Bairro (SAB’s), na cidade de São Paulo, durante os anos de 1950. A cidade de Porto Alegre se apresentou como a que teve um associativismo comunitário menos clientelista e mais comunitário neste período, a qual ensaiou certas características do associativismo comunitário, tais como o anticlientelismo e uma relativa autonomia frente ao Estado, fortemente sentidos no período da redemocratização dos anos de 1970 e 1980. (AVRITZER, 2009). A partir de meados dos anos de 1970 houve um relevante crescimento das associações comunitárias, com enfoque na reavaliação da ideia de direitos, na defesa de autonomia organizacional perante o Estado, e a busca por instrumentos públicos de apresentação de demandas e negociação com o mesmo. Tem-se daí em diante uma concepção renovada de sociedade civil permeada por valores democráticos (AVRITZER, 2009). As reivindicações articulavam-se em torno da luta por direitos e construção de cidadania, as quais "a participação da sociedade e especialmente dos setores desprovidos destes direitos era vista como indispensável, os movimentos sociais tiveram na Constituição de 1988 uma vitória importante" (DAGNINO e TATAGIBA, 2010, p. 1). Segundo Tatagiba, “esperava-se, ainda, que a participação tivesse um efeito direto sobre os próprios atores que participavam, atuando assim como um fator educacional na promoção da cidadania.” (TATAGIBA, 2009, p. 11). Para além dos variados instrumentos de participação social que foram sendo implementados, através da Constituição de 1988, complementando a democracia representativa, outros mecanismos de regulação e criação de políticas públicas foram sendo criados, como bem assevera Tatagiba (2009, p. 11), quais sejam: “o Sistema Único de Saúde (SUS), a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Estatuto da Cidade, o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), etc”. A Constituição de 1988 referendou a participação da sociedade civil através da criação de espaços públicos e não tão somente das eleições. Não se trata da substituição das 4 instituições da democracia representativa, mas de sua complementação, promovendo na visão de Tatagiba e Teixeira (2006, p. 4) “(...) uma nova arquitetura institucional onde o sistema representativo possa ser fortalecido e tensionado pela inclusão de mecanismos de participação cidadã”. Tem-se em nível federal, a partir de 2003, o estabelecimento de um conjunto de estratégias visando ampliar a participação dos atores da sociedade civil nesta instância governamental. No ano de 2014, mediante decreto presidencial nº 8.284, de 23 de maio de 2014, foi lançado o PNPS, cujo objetivo principal é a consolidação da participação social como estratégia de governo. 3 A INSERÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA AGENDA PÚBLICA E SEU PAPEL NA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS Os Estados têm apresentado mudanças em sua formação política e em suas estratégias, tendo em vista à nova realidade econômica mundial, modificando suas ações tradicionais e alterando suas noções acerca da soberania, evidenciando os espaços destinados à discussão permanente das políticas públicas. (DIAS; MATOS, 2012). O processo de decisão que emerge no âmbito de um governo, seja ele federal, estadual ou municipal, com a participação da sociedade civil a qual estabelece com o Estado o elo entre os meios, fins e agentes a serem utilizados para alcançar um fim específico acerca de uma política pública implementada gera para o Estado a responsabilidade de criar estratégias orientadas à solução de problemas públicos e/ou a obtenção de maiores níveis de bem-estar social. A implementação de uma política pública apresenta características importantes relacionadas à própria orientação da política e que devem ser compreendidas como extensão da própria legitimidade dessa, entre elas o órgão encarregado de implementá-la, a forma escolhida para fazê-la, bem como a coerência em sua execução. (DIAS; MATOS, 2012). A participação social perpassa inúmeras áreas de interesse da sociedade, dentre elas a saúde, educação, segurança pública, e porque não dizer, a própria luta e reivindicação por direitos. É um preceito que aparece diversas vezes na Constituição4. O parágrafo único do 4 Utilização de plebiscitos e referendos, e iniciativa popular no processo legislativo (art. 14); Diretriz do Sistema Único de Saúde (Art 198, III); Diretriz da Assistência Social (Art. 204, II); Participação na Seguridade Social 5 art. 1º da Constituição Federal de 1988 prevê a participação direta como uma das formas de exercício do poder do Estado. A Lei nº 12.593, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Plano Plurianual – PPA define como diretriz do PPA a ampliação da participação social (art. 4º, II), e impôs ao executivo, como meta para o período 2012-2015, a criação de um Sistema Nacional de Participação Social, o que incorreu no decreto presidencial nº 8.243/2014, que é um decreto de organização da administração pública federal, cujo fundamento constitucional é o art. 84, VI, ‘a’. (BRASIL, 2012). Além da Constituição Federal, a participação social também é assegurada, no âmbito internacional, pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, promulgado pelo Brasil em 19925. Hoje são 35 Conselhos de Políticas Públicas no Governo Federal. Ocorre que fora do plano da normatividade existem sérios obstáculos à efetiva participação da sociedade nos órgãos e instâncias consultivas e deliberativas, obstáculos estes que estão alicerçados no autoritarismo, clientelismo e personalismos das atividades sociais. Estas características impedem ou obstacularizam a efetiva participação social e traz à tona as sérias dificuldades que esta política pública enfrenta. A existência de conselhos não é uma exclusividade do Governo Federal, conforme os números do IBGE, que mostram a forte presença dos conselhos nas administrações estaduais e municipais, sendo os mais presentes os de saúde, assistência social, tutelar, controle e acompanhamento do FUNDEB, dos direitos da criança e do adolescente, da alimentação escolar e de educação. O PNPS apresenta como pilares de sua implementação a sociedade civil, um conselho de políticas públicas (responsável por estimular a participação no processo decisório), uma conferência nacional (instância periódica de debate, de formulação e de avaliação), uma ouvidoria federal e audiências públicas como ferramentas de mobilização e participação social. Trata-se de uma política administrativa de Estado focada na participação social, e estas características favorecem seu entendimento enquanto um plano nacional estratégico em torno da participação social. Ressalta-se, porém, a criação por si só desses (Art. 194, parágrafo único, VII); Participação no Sistema Nacional de Cultura (Art 216, § 1º, X); Participação nos órgãos públicos que tratem dos direitos previdenciários e profissionais dos trabalhadores (art. 10); Gestão do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Art. 79, parágrafo único do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); Decreto Legislativo nº 27 de 1992: “Artigo 23 - Direitos políticos. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;” 5 6 mecanismos não garante sua efetividade, uma vez que as variáveis relacionadas às estratégias regionais para sua efetividade podem interferir nos resultados esperados. Segundo Boff (2014) não há grandes inovações no decreto presidencial que instituiu o PNPS, no que diz respeito à participação social. O que apresenta de relevante é a proposta de possibilitar aos movimentos sociais existentes uma participação ordenada, reconhecendo implicitamente a relevância destes movimentos organizados e estimula a democracia participativa. Nas palavras do autor “uma democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida” 6. Resta-nos acompanhar o deslinde a implementação dessa política nacional de participação sem desconsiderar sua potencialidade, mas avaliando os interesses e as práticas políticas que direcionarão as estratégias de realização da mesma. 5 CONCLUSÃO Ao analisar a formação da participação social no Brasil evidenciou-se o relevante papel dos movimentos sociais tanto no que diz respeito à reivindicação do direito a participar, em um contexto político permeado pelo autoritarismo e pela gestão centralizada, como na sua participação pós redemocratização do país. No entanto, há que se ressaltar que a participação institucional criada e emoldurada pela gestão pública brasileira, apesar de possuir papel bem definido no controle da gestão pública e na democratização das relações sociais e políticas, possui limites que lhe são próprios, entre eles a forte dependência junto aos governos e uma natureza setorial e fragmentada, como vários estudos sugerem. Faz-se necessário uma forte concepção de direitos, reforçada por uma concepção de cidadania renovada, para que as modalidades participativas, ainda que elaboradas e propostas através de modelos institucionais ou de ação direta, mantenham suas características de conflituosidade e discursividade. Ausente a noção de direito, o próprio sentido de participação perde sua potencialidade emancipatória, ajustando-se comodamente aos mecanismos próprios às trocas políticas e mercantis. No caso do Plano Nacional de Participação recentemente criado, a tônica que prevalece é a do diálogo atomizado, construído em torno de demandas específicas. Esse 6 Disponível em: <http://leonardoboff.wordpress.com/page/4/>. Acesso em: 14 Maio 2014. 7 padrão participativo tende a agravar a desarticulação e sobreposição de esforços que historicamente tem limitado a eficiência e eficácia das ações implementadas, produzindo pouco impacto substantivo no processo de produção das políticas. Tem-se como tarefa desvelar o grau de renovação e persistência, nesse jogo rico e complexo marcado, mais uma vez, pelo tema das continuidades e rupturas. Nesse sentido, estruturas tradicionais autoritárias e clientelistas podem conviver de forma mais ou menos pacífica com a nova dinâmica introduzida pelos mecanismos participativos existentes. Mesmo em experiências participativas consideradas bem sucedidas os particularismos podem se impor nas entrelinhas da mudança. Nas relações entre movimentos sociais e instituições políticas (assim como na análise dessas relações) o desafio, como resta claro, seria como manter viva a tensão entre autonomia e eficácia política partindo do reconhecimento das fronteiras entre os campos e, ao mesmo tempo, do intenso e potencialmente produtivo trânsito dos atores entre elas. Reconhecer a especificidade dos campos e suas lógicas específicas, sem reforçar as dicotomias e polaridades interpretativas que têm limitado o avanço do debate teórico, parece nessa agenda de pesquisa uma das exigências centrais. Para essa tarefa é fundamental recuperar as imbricações do político e do cultural na prática dos movimentos sociais para efetivamente sermos capazes de ressignificar os sentidos da distância reconhecendo os elementos de fronteira. O passo principal que falta ser dado no nível federal para se estabelecer uma forma integrada de participação consiste na integração das políticas participativas que continuam fragmentadas. REFERÊNCIAS AVRITZER, Leonardo (Org). Democracia participativa: experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2013. _____. Decreto presidencial n. 8.243/2014. Disponível em: http://www.participa.br/. Acesso em: 07 jun. 2014 DAGNINO, Evelina; TATAGIBA, Luciana. Movimentos sociais e participação institucional: repertórios de ação coletiva e dinâmicas culturais na difícil construção da democracia brasileira. Revue Internationale de Politique Comparée 17(2)– Número especial sobre Répertoires d'action collective em Amérique Latine, [s.d.]. 2010. Disponível em 8 <http://www.nepac.ifch.unicamp.br/pt-br/pa/mouvements-sociaux-et-participationinstitutionnelle-r%C3%A9pertoires-d%E2%80%99action-collective-et>. Acesso em: 10 Jun. 2014. DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e a construção democrática no Brasil. 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