nas trilhas de nome - Portal de Poéticas Orais
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VINÍCIUS SILVA DE LIMA NAS TRILHAS DE NOME: A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES Londrina 2008 VINÍCIUS SILVA DE LIMA NAS TRILHAS DE NOME: A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, em Estudos Literários da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Orientador: Prof. Dr. Garcia Fernandes. Londrina 2008 Frederico Augusto Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina. Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) L732n Lima, Vinícius Silva de. Nas trilhas de Nome : a poesia multimídia de Arnaldo Antunes / Vinícius Silva de Lima. – Londrina, 2008. 117f. : il. Orientador: Frederico Augusto Garcia Fernandes. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) − Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, 2007. Bibliografia: f. 111-117. 1. Antunes, Arnaldo, 1960- –Crítica e interpretação – Teses. 2. Poesia brasileira – História e crítica – Teses. 3. Literatura e tecnologia – Teses. I. Fernandes, Frederico Augusto Garcia. II .Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. III.Título. VINÍCIUS SILVA DE LIMA NAS TRILHAS DE NOME: A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Prof. Dr. Frederico Augusto Garcia Fernandes (Universidade Estadual de Londrina) ______________________________________ Profa. Dra. Jerusa de Carvalho Pires Ferreira (PUC-SP) ______________________________________ Profa. Dra. Regina Helena Machado Aquino Corrêa (Universidade Estadual de Londrina) Londrina, 26 de Fevereiro de 2008. Dedico este trabalho à Carina, exemplo de espírito crítico e ética, pela paciência, atenção e parceira em todas as horas. AGRADECIMENTOS Ao amigo Frederico Garcia Fernandes, pelo incentivo constante, orientação segura e acompanhamento crítico desta pesquisa; A minha família, pela confiança e apoio ao longo deste trabalho; Aos professores e colegas do Mestrado em Estudos Literários da UEL, grandes amigos e parceiros de discussão literária. Ao poeta Arnaldo Antunes que a cada trabalho seu nos presenteia com uma poesia vigorosa e bela. A todos que colaboraram para a realização e finalização deste trabalho. La escritura no puede ser únicamente una acción caligráfica. Dámaso Ogaz LIMA, Vinícius Silva de. Nas trilhas de nome: A poesia multimídia de Arnaldo Antunes. 2007. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008. RESUMO Este trabalho tem como principal objetivo apresentar a obra do poeta brasileiro Arnaldo Antunes, demonstrando a forma como ele realiza uma poesia contaminada por diversas mídias e como o hibridismo de meios promove uma potencialização dos efeitos estéticos e sinestésicos do poema no receptor. Para isto, será analisado o projeto Nome, composto por um livro, um vídeo (VHS) e um CD, lançado pelo poeta em 1993 e relançado em 2006, no formato CD-DVD, com o som remixado e remasterizado e as imagens restauradas. Discutirá também a filiação de Arnaldo Antunes a uma tradição de ruptura que tem início com as experiências de Mallarmé, passando pelas vanguardas européias, Modernismo brasileiro e chegando até os poetas concretos, grupo este que exerce profunda influência em sua obra. Palavras-chave: Nome. Arnaldo Antunes. Poesia multimídia. LIMA, Vinícius Silva de. The tracks of Nome: The multimedia poetry by Arnaldo Antunes. 2007. 105p. Dissertation (Masters in Literary studies) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008. ABSTRACT The main objective of this study was to present the work of the Brazilian poet Arnaldo Antunes, showing the way in which he wrote poetry contaminated by several media and how the hybridism of the media enhances the aesthetic and synesthetic effects of the poem on the audience. For this, the Nome (Name) project will be analyzed, that consists of a book, a video (VHS) and a CD released by the poet in 1993 and released again in 2006 in CD-DVD format, with remixed and remastered sound and restored images. It will also discuss the affiliation of Arnaldo Antunes to a tradition of rupture that started with the experiments of Mallarmé and continuing in the European vanguards, Brazilian modernism and reaching the concrete poets, a group that profoundly influenced his work. Keywords: Nome. Arnaldo Antunes. Multimedia poetry. LISTA DE IMAGENS Figura 1 – (ANTUNES, 2006, p.92-93) .............................................................42 Figura 2 – NB – Kurt Schwitters........................................................................47 Figura 3 – Márcia Futurista ...............................................................................47 Figura 4 – (ANTUNES, 2006, p.80) ..................................................................49 Figura 5 – (ANTUNES, 2006, p.154) ................................................................50 Figura 6 – (ANTUNES, 2006, p.32) ..................................................................56 Figura 7 – (ANTUNES, 2006, p.196) ................................................................56 Figura 8 – Poema .............................................................................................65 Figura 9 – (ANTUNES, 2005, p.13) ..................................................................72 Figura 10 – (ANTUNES, 2005, p.14) ..................................................................72 Figura 11 – (CUMMINGS, 1986, p.32)................................................................73 Figura 12 – (ANTUNES, 2006a, p.113) ..............................................................74 Figura 13 – (ANTUNES, 1990) ...........................................................................74 Figura 14 – (ANTUNES, 2005, p.45) ..................................................................76 Figura 15 – Poema .............................................................................................84 Figura 16 – Poema .............................................................................................88 Figura 17 – Poema .............................................................................................89 Figura 18 – Poema .............................................................................................93 Figura 19 – Poema .............................................................................................94 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................11 CAPÍTULO I – POESIA EM MOVIMENTO – AS (PO) ÉTICAS HÍBRIDAS .........15 1.1 POESIA E NOVAS TECNOLOGIAS ..........................................................................15 1.1.1 Tecnologia, Arte e Sociedade ......................................................................15 1.1.2 Literatura e Tecnologia.................................................................................17 1.2 AS POÉTICAS MULTIMÍDIAS .................................................................................23 1.2.1 Conceitos .....................................................................................................23 1.2.2 Breve Histórico das Poéticas Multimídias.....................................................26 1.3 AS MODALIDADES DA POESIA MULTIMÍDIA ............................................................28 1.3.1 Vídeopoesia/ Clipoema ................................................................................28 1.3.2 Holopoesia ...................................................................................................30 1.3.3 Polipoesia.....................................................................................................32 1.3.4 Infopoesia.....................................................................................................35 1.3.5 Ciberpoesia ..................................................................................................36 CAPÍTULO II – ARNALDO ANTUNES: UM POETA DE SEU TEMPO................39 2.1 TRAJETÓRIA POÉTICA .........................................................................................39 2.2 INFLUÊNCIAS DAS VANGUARDAS NA OBRA DE ARNALDO ANTUNES .........................45 2.2.1 As Vanguardas Européias............................................................................46 2.2.2 Oswald de Andrade e o Modernismo Brasileiro ...........................................48 2.2.3 A Palavra Concreta ......................................................................................51 2.3 UM POETA TRANSGRESSOR ...............................................................................57 2.3.1 A Transgressão como Tradição ...................................................................57 2.3.2 A Ruptura de Gêneros em Arnaldo Antunes ................................................62 2.3.3 Uma Poesia sem Fronteiras .........................................................................66 CAPÍTULO III – NOME: UM PROJETO MULTIMÍDIA .........................................70 3.1 SENTIDOS EM TODOS OS SENTIDOS ....................................................................70 3.2 O NOME DISSO É NOME .....................................................................................77 3.2.1 Nome Não - A Nomenclatura do Mundo.......................................................82 3.2.2 Tudo ao Mesmo Tempo Agora.....................................................................87 3.2.3 Armazém – Repetir para não se Repetir ......................................................91 CONCLUSÃO .......................................................................................................96 REFERÊNCIAS.....................................................................................................99 11 INTRODUÇÃO e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura por isso recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é o futuro do escrever Haroldo de Campos (fragmento Galáxias) Este é um trabalho sobre poesia. Mas não exclusivamente sobre a poesia encerrada na bidimensionalidade das páginas de um livro. Nosso enfoque volta-se para a investigação das poéticas multimídias que se caracterizam pela hibridação dos meios e pela utilização de novas ferramentas de criação poética, hoje possíveis pelo advento das tecnologias de ponta. O olhar aqui lançado busca compreender alguns caracteres desta produção literária que se constrói em um diálogo com as novas tecnologias. Não se trata de conflitar essa nova literatura com a produzida para o suporte papel, mas antes disso, mostrar as relações existentes entre elas, reconhecendo, portanto, a dinâmica e mutabilidade inerentes à composição dos horizontes desta produção literária do século XXI. Esta dissertação surge de meu interesse pelas poéticas experimentais desenvolvidas com intensidade a partir do início do século XX com as Vanguardas européias, sendo estas, no Brasil, digeridas e retrabalhadas pelos poetas modernistas, concretos paulistas e os neoconcretos no Rio de Janeiro1. O Concretismo foi responsável por uma aproximação da literatura às artes plásticas (leiam-se pinturas, esculturas, colagens) e música contemporânea, o que possibilitou, a partir destes diálogos, a introdução no Brasil da poesia visual, 1 Outras expressões como o poema processo de Dias-Pino e a poesia-práxis de Chamie são parte importante das Vanguardas brasileiras. A ênfase sobre o Concretismo é por conta de sua forte influencia em Arnaldo Antunes. 12 poesia sonora, videopoesia, entre outras vanguardas poéticas. Devido a sua importância, a presença da arte concreta é influência forte até os dias atuais dentro do sistema literário brasileiro. Dois exemplos de poetas atuais profundamente marcados pelas experiências concretas são Frederico Barbosa e Arnaldo Antunes, principalmente no que diz respeito ao rigor formal. Em Barbosa, a palavra é concisão que emerge da tensão entre o significado e a recusa deste. A negação de sua poesia nasce “da pulverização do(s) sentido(s) de uma linguagem que expressa o existencial e o experimental num todo indissolúvel” (NETO, 2006, p.1). Os próprios títulos dos seus livros acusam esse conflito entre afirmação e negação da linguagem: Rarefato (1990), Nada feito Nada (1993), Contracorrente (2000), Louco no Oco sem Beiras; Anatomia da Depressão (2001); Cantar de Amor entre os Escombros (2003) e Brasibraseiro (2004). Arnaldo Antunes é um poeta que se diz assumidamente fruto das experimentações da poesia concreta. Todos seus livros trazem uma forte influência dos irmãos Campos e Décio Pignatari e principalmente de Edgard Braga, autor de poemas caligráficos que Antunes considera seu mestre. A arte da caligrafia sempre se fez presente nas obras de Arnaldo Antunes, sendo possível em todos seus livros encontrar pelo menos um trabalho neste formato, sendo seu primeiro livro Ou E, de 1983, todo caligráfico. A importância da caligrafia para o poeta vem da sua particularidade em marcar uma ligação com o corpo. Para Antunes: O traço é rastro de gesto, assim como a voz é rastro da presença física, que vibra no ar. Essa relação orgânica com a expressão está ligada a um impulso mais cego, inconsciente, que, na caligrafia, ocorre junto com a construção formal mais elaborada. Essas duas linhas meio que se encontram, daí vem esse fascínio pela caligrafia, que desde sempre me interessou (ANTUNES, 2006a, p. 358-359). Devemos observar também que o poeta Arnaldo Antunes desenvolve seus trabalhos dentro de um momento marcado pela ideologia multiculturalista e com uma forte presença das mídias e da indústria cultural. Tal panorama possibilitou ao poeta introduzir em seu trabalho o diálogo entre as mídias, gerando obras com fortes acentos híbridos. Essa hibridação se mostra de forma mais complexa e completa no projeto Nome, lançado pelo poeta em 1993, e que é constituído por um livro, um CD e um Vídeo (VHS). 13 O objetivo geral deste trabalho é demonstrar, após as leituras teóricas e análises dos vídeopoemas de Arnaldo Antunes, como a linguagem híbrida da poesia multimídia, com seus constantes intercâmbios entre o verbal e o icônico, continua sendo poesia, ao manter suas marcas em qualquer dos suportes. Um dos objetivos específicos desta dissertação será mostrar como a poesia de Arnaldo Antunes se potencializa quando ao texto são incorporadas outras mídias, como o vídeo, a pintura, a música, o som, a fotografia, a performance, e como este projeto poético híbrido promove uma recuperação dos sentidos no poema. Outro objetivo específico será apresentar Antunes como pertencente a uma tradição de ruptura dentro da historiografia literária, que tem início em Mallarmé, passando pelas Vanguardas européias, o Modernismo brasileiro, desembocando nas experiências do grupo Noigandres. Além disso, pretendemos mostrar como o poeta Arnaldo Antunes foge das especializações e dos rótulos dos cânones literários ao produzir tanto trabalhos com apelo mais comercial, quanto obras mais elaboradas, todas com qualidade acima da média. O poeta trafega, portanto, por todas as áreas com grande facilidade. Do território da canção, do grafite nas ruas ao ambiente dos museus, onde expõe caligrafias, poema visuais e instalações. Essa peculiaridade encontrada na trajetória artística de Arnaldo Antunes é fruto do que já apontou Antônio Cícero, em seu livro de ensaios Finalidades sem Fim (2005), de que os poetas atuais detêm a liberdade de usar quaisquer formas, conforme as suas necessidades estéticas, sendo também responsáveis por tomarem conhecimento do saldo histórico das vanguardas. O presente trabalho está divido em três partes: No primeiro capítulo, trataremos das relações entre as inovações tecnológicas e a sociedade, e como essa tecnologia interfere na literatura, ou seja, como a literatura, e especificamente o poema, modifica-se com a introdução de novos equipamentos tecnológicos como o vídeo, o gravador de som, a holografia e o microcomputador, gerando as chamadas poéticas multimídias. Neste capítulo, destacamos também as modalidades de poesia multimídia e as principais características de cada uma delas. No segundo capítulo, apresentaremos, resumidamente, a trajetória poética de Arnaldo Antunes e como este se insere dentro de uma tradição de ruptura de gêneros. Mostraremos também como as experiências promovidas pelos movimentos ligados às Vanguardas européias e a presença do Concretismo e dos 14 poetas modernistas, em especial Oswald de Andrade, vão contribuir para a formação estética de Arnaldo Antunes. Este capítulo mostrará também como o ex-titã realiza uma obra poética livre de rótulos, trafegando entre a cultura de massa, a “altaliteratura” e a cultura popular. O terceiro e último capítulo versará sobre a simultaneidade na obra de Arnaldo Antunes. Analisando os trabalhos em livro de Arnaldo Antunes, a partir de algumas análises de poemas, mostramos como ocorre o fenômeno da simultaneidade na obra do poeta, que se dá em dois níveis: no campo sintático e no terreno gráfico do poema. Neste capítulo, apresentaremos o projeto Nome e todas as suas particularidades que o tornam uma produção ímpar dentro da produção literária brasileira. Para finalizar, analisaremos três vídeopoemas inseridos em Nome. As peças escolhidas foram “Nome Não”, “Agora” e “Armazém”. No primeiro trabalho, um vídeopoema no formato videoclipe, analisaremos a presença da nomenclatura e a coisificação na obra do poeta, mostrando como a poesia restitui “através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa – que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história” (ANTUNES, 2006a, p. 323). No segundo vídeo, um dos muitos poemas de Antunes que provocam a simultaneidade dos sentidos, trataremos da questão da transitoriedade do tempo no mundo contemporâneo e a incapacidade do homem em capturar o instante, o “agora”. No último trabalho a ser analisado, mostraremos a profunda marca da herança concretista na obra de Arnaldo Antunes. Armazém é um excelente exemplo de tradução intersemiótica bem feita; um trabalho onde som e imagem se relacionam intensamente sendo uma das peças mais bem realizadas de Nome. Em suma, tentaremos mostrar como cada vídeo trabalha a relação entre suportes e qual efeito estético e sinestésico que provocam no leitor-ouvinteespectador. Para realização das análises, optamos por utilizar a edição de 2006, haja vista a qualidade de imagem e som do DVD, e também pelo fato de que no DVD estão presentes os poemas que no formato anterior (livro-vídeo-CD) aparecem impressos no suporte livro. 15 CAPÍTULO I – POESIA EM MOVIMENTO: AS (PO) ÉTICAS HÍBRIDAS 1.1 POESIA E NOVAS TECNOLOGIAS Computadores fazem arte Artistas fazem dinheiro. Cientistas criam o novo Artistas pegam carona. Pesquisadores avançam Artistas levam a fama. Fred Zero Quatro 1.1.1 Tecnologia, Arte e Sociedade Um assunto bastante significativo e presente nos meios acadêmicos literários, em especial nas últimas décadas, tem sido o diálogo entre a poesia e as novas tecnologias. Isto se deve principalmente ao acentuado crescimento das complexidades presentes no campo comunicacional de 1980 até os dias atuais e a forma como estas comunicações influenciam no dia-a-dia da sociedade tanto em nível prático quanto estético. Esse desenvolvimento acelerado das novas tecnologias de comunicação como o rádio, a televisão, o telefone fixo e móvel, os computadores e a internet, entre outros, provoca profundas transformações nas diferentes esferas da sociedade. No campo econômico, é bastante visível a presença das tecnologias midiáticas nos mercados financeiros, na migração dos bancos para o meio digital, no surgimento do cartão de crédito, que torna a moeda um objeto virtual. É no âmbito militar que geralmente as inovações tecnológicas se formam com o intuito de desenvolver a capacidade de armazenamento e transmissão de informações 16 sigilosas, ou uma arma que seja mais eficaz contra os inimigos. Foi assim que surgiram o computador e a Internet. É cada vez mais acentuada a presença dos computadores e das redes digitais no cotidiano das pessoas. A internet cresce em velocidade espantosa e vem promovendo uma revolução na maneira de se conceber o tempo, o espaço e os relacionamentos humanos. A facilidade com que as informações são transmitidas, mesmo a longas distâncias, tem permitido às pessoas o acesso a diversas e infindáveis fontes de conhecimentos, transformando o microcomputador em uma verdadeira Biblioteca de Babel, como no famoso conto homônimo de Jorge Luís Borges, inserido em seu livro Ficções, de 1944. A informação e o conhecimento, nos dias atuais, transformaram-se em bens econômicos e de consumo essenciais. Embora tidos como imateriais, são na verdade desterritorializados, ou seja, não se prendem a apenas um suporte específico, o que lhes dá um caráter de virtualidade. O conceito de virtual é sempre ligado à idéia de algo desprovido de realidade, o que para o filósofo Pierre Lévy, não passa de um grande engano. Para ele: Desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte específico. Essa entidade virtual atualiza-se em múltiplas versões, traduções, edições, exemplares e cópias. Ao interpretar, ao dar sentido ao texto aqui e agora, o leitor leva adiante essa cascata de atualizações (LÉVY, 1996, p.35). Como as tecnologias atingem todas as áreas do conhecimento humano, não demorou para que elas fossem inseridas no universo das artes. Desde a Revolução Industrial, no século XIX, estamos presenciando um evidente crescimento das mídias e dos signos. A Revolução Industrial nos trouxe inúmeras máquinas capazes de facilitar o trabalho braçal, diminuindo a exigência da força física do trabalhador e, desta forma, promovendo um aumento da produção de bens materiais. O que não podemos esquecer é que paralelo ao aparecimento destas máquinas de produção, temos também o surgimento de máquinas de produção de bens simbólicos como a fotografia, a prensa mecânica e o cinema. Com a prensa mecânica, tivemos uma aceleração na impressão e reprodução de jornais e livros. A fotografia surge como uma revolução na 17 transmissão de informações e quando aliada ao jornalismo (fotojornalismo) torna-se um eficaz suporte de comunicação de informações. O cinema dá movimento à fotografia e, principalmente, a partir do cinema de narrativa ficcional, torna-se um grande meio de transmissão de bens simbólicos. Após este primeiro momento temos o surgimento de uma segunda Revolução Industrial: a eletroeletrônica. Com ela vieram o rádio, a televisão, o telefone, e a irrupção e consolidação da cultura de massas. De acordo com Lúcia Santaella, “a cultura de massas provocou profundas mudanças nas antigas polaridades entre a cultura erudita e a popular, produzindo novas apropriações e intersecções, absorvendo-as para dentro de suas malhas” (SANTAELLA, 2005, p.11). Com isso, a comunicação de massas acaba gerando algo inevitável: a hibridação das diversas formas de comunicação e de cultura, ou seja, a aproximação entre as comunicações e as artes. Desde o surgimento do Modernismo, os artistas têm demonstrado interesses pelas tecnologias. Gradativamente, essas tecnologias foram fazendo cada vez mais parte do universo dos artistas que enxergaram e enxergam na tecnologia uma possibilidade de expansão das possibilidades de expressão de suas obras. Com o surgimento da cultura digital, ou cibercultura, essas relações entre tecnologias e arte vêm se tornando cada vez mais visíveis e intensas. A literatura é uma destas manifestações artísticas que sofreram enormes modificações com a incorporação das tecnologias e da cultura de massas. 1.1.2 Literatura e Tecnologia Roland Barthes, em O Grão da Voz, profeticamente afirmava que o termo literatura caminhava para o seu fim, visto as constantes transformações a que estava sendo submetida: 18 Posso apenas dizer (e não sou o único a dizê-lo) que a literatura foi um objeto definido historicamente por um certo tipo de sociedade. Mudando a sociedade inevitavelmente, seja em um sentido revolucionário, seja em um sentido capitalista (pois a morte dos objetos de cultura não leva em conta o regime), a literatura (no sentido institucional, ideológico e estético que dávamos outrora a esta palavra) passa: ela poderá ou abolir-se completamente (uma sociedade sem literatura é perfeitamente concebível) ou modificar de tal maneira as suas condições de produção, de consumo e de escritura, enfim, o seu valor, que teremos de mudar o seu nome. O que é ainda sobra das formas antigas da literatura? (BARTHES, 1995, p. 215). Para o poeta e ensaísta português Ernesto Manuel de Melo e Castro, mesmo com as transformações que a literatura vem sofrendo com a inserção das novas ferramentas tecnológicas, devemos insistir na palavra poesia, porque poesia ao fim e ao cabo é a grande projeção virtual da mente humana e nas novas ciberpoéticas continuamos a ter essa projeção virtual da mente humana, mas agora é o virtual do virtual, através de alguns elementos gramáticos importantes, como por exemplo, o movimento, a velocidade, o rigor, a variabilidade e simultaneidade espaço-temporal e a transformação (CASTRO, 2001, p.03). Este novo momento, regido pela intervenção dos suportes tecnológicos, de fato provocou inúmeras alterações no formato do texto literário. No caso da poesia, temos a partir de Mallarmé e das Vanguardas européias do início do século XX um redimensionamento da escrita, seja através da espacialização das palavras na página e na valorização dos silêncios representados pelos espaços em branco, seja na incorporação de outras linguagens e suportes, nas vanguardas, que visavam a busca por uma arte total, isto é, uma manifestação que incorporasse tanto o texto quanto à performance, a música, as artes plásticas, entre outros. As relações entre a obra de Mallarmé, as vanguardas e a poesia contemporânea serão melhor trabalhadas no capítulo 02, quando discutiremos as influências destas poéticas experimentais na obra de Arnaldo Antunes. A tecnologia só começou realmente a se fazer presente no universo das artes a partir da Revolução Industrial, como já mostrado anteriormente, principalmente com a invenção da fotografia. As artes saem desta forma de um momento em que predominava o artesanato, influência do Renascimento, e passa 19 para uma esfera em que as imagens ganham força e a tecnologia começa a ser usada como ferramenta de produção estética. É somente no século XX, em especial a partir dos anos 50, que as artes tecnológicas atingem uma maturidade formal. É neste momento que o cinema experimental começa a ganhar força, principalmente através das obras de artistas ligados ao movimento Fluxus2. É nos anos 50 também que o poeta francês Henri Chopin, em parceria com músicos das chamadas música concreta, música eletrônica e música eletroacústica, entre eles Pierre Schaeffer, Karlheinz Stockhausen, Pierre Henry, entre outros, iniciam um trabalho de captação e intervenção sonora no poema e uma revalorização da voz como elemento acústico e poético. Surge então o conceito de poesia eletroacústica, que, posteriormente passa a ser denominada de poesia sonora a partir do lançamento do livro Poesie Sonore Internationale, em 1979, de Henri Chopin. Devemos lembrar que o termo poesia sonora já havia aparecido algumas vezes na história das vanguardas, principalmente entre os dadaístas como Hugo Ball, que via na performance da voz um suporte muito intenso de comunicação poética. Com a revolução eletrônica, começam a surgir inúmeras modificações nas artes, que geralmente obedecem a um mesmo processo, como é muito bem observado por Eduardo Kac: Quando surge um novo meio de produção de linguagem e de comunicação, observa-se uma interessante transição: primeiro o novo meio provoca um impacto sobre as formas e meios mais antigos. Num segundo momento, o meio e as linguagens que podem nascer dentro dele são tomados pelos artistas como objeto de experimentação (apud SANTAELLA, 2004, p. 156). Assim aconteceu com o rádio que surge como um instrumento da cultura de massa, logo passando a ser usado como um equipamento de produção artística experimental, questionador da natureza do próprio veículo. É o que podemos averiguar no caso da música concreta ou da rádio arte. Nestas novas formas artísticas, temos pesquisadores e artistas dedicados às experimentações sonoras e radiofônicas em que os conteúdos artísticos ou estéticos e as tecnologias 2 Fluxus: Movimento artístico de caráter internacional, surgido nos anos 60, caracterizado pela mescla de diferentes artes como música, artes, literatura e performance. Seus integrantes se proclamavam antiartistas. 20 empregadas na veiculação acabam exercendo a função de matéria-prima. Sendo assim, “a arte não é transmitida num programa de rádio, pois o programa é a própria arte” (FIGUEIREDO, 2003, p. 01). O debate entre os intelectuais em torno das relações entre as artes e as tecnologias é bastante acirrado. De um lado, estão aqueles que têm uma visão negativa da tecnologia, como é o caso de Baudrillard e Virílio. Do outro lado, temos os que pensam as novas tecnologias como um novo respiro criativo para as artes, como Pierre Lévy e Arlindo Machado. Sob uma ótica otimista, as tecnologias são vistas como um instrumental enriquecedor na realização e execução de uma obra de arte. Por outra perspectiva, as relações entre artes e tecnologias são enxergadas de forma negativa, com os intelectuais assumindo muitas vezes posturas apocalípticas, o que na visão de Arlindo Machado não passam de posições comodistas e preconceituosas. [...] as imagens tecnológicas podem parecer tão assustadoras que, até mesmo um pensador da categoria de Baudrillard as ataca, taxando-as de “diabólicas, imorais, perversas, pornográficas”. Portanto, responsáveis por uma “desrealização fatal” do mundo humano (apud GUIMARÃES, 2004, p. 148). Esta é a posição de alguns intelectuais, que Umberto Eco já chamou de apocalípticos, e que, hoje, são conhecidos pela denominação de neo-luddites. Seus integrantes seguem os ideais do movimento antitecnológico Luddites dos operários ingleses, liderado por Ned Ludd, entre os anos de 1811 e 1816. Os neoluddites acreditam ser necessário regular e controlar as novas tecnologias, alertando a sociedade para o poder destrutivo que estas tecnologias trazem para o homem e a natureza. O pensador Paul Virílio é considerado o principal expoente deste novo grupo, que se coloca contra a euforia tecnológica. Para o filósofo e urbanista francês, a era da informática é perigosa por conduzir o homem à perda da noção da realidade, quebrando distâncias e territorialidades e ainda proporcionando uma quantidade absurda de informações. Outro intelectual, crítico fervoroso das novas tecnologias, é Jean Baudrillard. Para ele: 21 As máquinas só produzem máquinas. Isso é cada vez mais verdadeiro na medida do aperfeiçoamento das tecnologias virtuais. Num certo nível maquinal, de imersão na maquinaria virtual, não há mais distinções homem/ máquina (BAUDRILLARD, 1999, p. 147). Neste caso, os artistas ou criadores não passam de “agentes virtuais, cujo gesto se reduz ao da programação: o restante obedecendo a critérios automáticos” (BAUDRILLARD, 1999, p.148). Este trabalho não coaduna com a posição deste teórico. Enxergamos que os suportes tecnológicos são apenas um instrumental, assim como a escrita, para uma elaboração estética do mundo, portanto, não definem a qualidade da obra de arte. O que define se um artista é relevante é o uso que este faz das tecnologias e como transmite sua experiência estética do mundo para seus leitores, usando ou não a nova tecnologia a seu favor. Para Pierre Lévy, um dos mais importantes pensadores das novas mídias e da cibercultura, “a mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginação inventiva” (LÉVY, 1998, p.17). Com isso, temos uma mudança nas culturas nacionais e nas formas de representações artísticas deste novo mundo. Com o desenvolvimento do ciberespaço, surgem novas formas literárias e artísticas, como as obras interativas e os ambientes virtuais. Assim como a invenção da escrita promoveu uma mudança na arte, e possibilitou a evolução dos gêneros literários, o surgimento da cultura digital, do computador e da internet impõe uma nova forma de representação da realidade e da sociedade, sendo esta representação norteada pelos novos recursos tecnológicos. Com relação à interatividade na arte virtual ou na ciberliteratura, Baudrillard é taxativo em afirmar que “quando todos se convertem em atores, não há mais interação, fim da representação. Morte do espectador. Fim da ilusão estética” (BAUDRILLARD, 1999, p.147). Na sua opinião, esta falsa idéia de interatividade existe, pois: A internet apenas simula um espaço de liberdade e de descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço fragmentado, mas convencional, onde o operador interage com elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos. Nada existe para além desses parâmetros de busca (BAUDRILLARD, 1999, p.148). 22 Não enxergamos desta forma. A interatividade no meio virtual potencializa as relações entre criador e receptor. Entendemos que a interatividade, que já se fazia presente em Mallarmé, potencializa-se com o advento das novas tecnologias pelas múltiplas possibilidades de criação e recepção que estas proporcionam. Outro ponto a ser considerado quando pensamos em tecnologias é qual o impacto que exercem sobre a vocalidade. De modo geral, é claro que as mídias eletrônicas fixam a voz através do processo de gravação, retirando dela sua tactilidade, a sua presença enquanto performance. Mas, para Paul Zumthor, se por um lado a tecnologia dos medias transforma a voz em algo abstrato, por outro, promove uma “ressurgência das energias vocais da humanidade, energias que foram reprimidas durante séculos no discurso social das sociedades ocidentais pelo curso hegemônico da escrita” (ZUMTHOR, 2007, p.15). É esta presença da voz que marca a diferença biológica entre o homem e a máquina. É da aproximação entre o tecnológico e o analógico, da arte e da ciência, que nascem as poéticas tecnológicas. Por ter perdido sua hegemonia para as mídias eletrônicas da cultura de massa (TV, rádio, Internet), a arte contemporânea se aproxima das tecnologias como estratégia de sobrevivência. Desta maneira, “em interface com as máquinas, a arte busca nova energia no universo cibernético, aquele universo híbrido e perturbador, no qual impera a conexão entre natural e artificial” (GUIMARÃES, 2004, p.149). No universo literário, mais especificamente no terreno da poesia, as tecnologias começam a aparecer no final do século XX como suportes indispensáveis para a poesia visual. Apesar de as poéticas visuais sempre terem representado a parte mais radical da literatura, as experiências com a visualidade não puderam ao longo da História se concretizar em sua totalidade, visto que grande parte dos poemas visuais foram, e ainda hoje são em grande maioria, realizados com palavras e imagens bidimensionais. Somente a partir do surgimento dos equipamentos eletrônicos e digitais é que os poetas visuais conseguiram ampliar seus horizontes, adicionando aos poemas uma tridimensionalidade e movimento que muito enriqueceram suas obras. A partir disso temos um outro tratamento do material poético, “tratamento esse que configura suas formas a partir de dentro e não como meros aparatos externos e estranhos à criação” (GUIMARÃES, 2004, p.155). Temos, então, nestas novas poéticas contemporâneas, uma atenção maior 23 por parte do poeta com a técnica, com o funcionamento da mídia em que está trabalhando e as formas como estes suportes interferem no processo de significação do poema. É o surgimento destes novos instrumentais poéticos a partir de um diálogo com as tecnologias e da cultura de massa que vão possibilitar um aprimoramento da poesia visual e um redimensionamento das poéticas híbridas ou multimídias, universo em que se enquadra o poeta Arnaldo Antunes e seu livrovídeo-CD Nome. 1.2 AS POÉTICAS MULTIMÍDIAS “desde o fim o princípio da poesia é o meio” João Bandeira 1.2.1 Conceitos Partindo da constatação feita por Lúcia Santaella (2004, p.135) de que existem muitas formas de artes que são híbridas por natureza como o teatro, a ópera, a performance ou o cinema, vamos agora tentar entender o que são as poéticas híbridas ou multimídias. Como o próprio termo já explicita, as produções poéticas multimídias são resultados de uma soma de várias mídias e proporcionam ao receptor da obra uma experiência de natureza visual e auditiva. Destas associações de sentidos e sensações “surge uma situação híbrida para a fruição do objeto artístico, inserindose num espectro mais vasto, onde sinais emitidos por signos de linguagem tecnológica estão relacionados a poéticas verbais, num processo de intersemiose” (GUIMARÃES, 2004, p.156). As diversas linguagens usadas na criação do poema multimídia se organizam a partir de um processo de colagem e montagem de diferentes formas de letras, palavras, fontes sonoras e uma grande diversidade de imagens em uma tela de vídeo ou computador. 24 Um ponto muito importante quando pensamos as poéticas ou obras de arte multimídias é a relação entre as artes e as comunicações, que foi e é a grande responsável por uma atualização das artes com o momento em que está sendo produzida, e desta forma deixando de lado a pureza estética das “belas artes” do período Renascentista. As obras multimídias só foram possíveis devido ao surgimento desta convergência entre os meios de massa e as artes, meios esses intrinsecamente intersemióticos. Um exemplo apropriado de discussão é o cinema, que, é constituído por imagens, diálogos, sons, ruídos, cores, fotografia, textos e performance do ator, e que em um processo de montagem ganham relações profundas. É dessa mistura de meios e linguagens que nasce a obra multimídia, pela qual o receptor terá uma rica experiência sensorial. Outro ponto bem marcante nas culturas das mídias é a intensificação das mistura entre as mídias por elas produzidas. Temos, então, filmes (cinema) apresentados na televisão e disponibilizados em formato vídeo, bem como a publicidade fazendo uso da fotografia. Desta forma, as misturas entre as artes ficam cada vez mais intensas e as suas fronteiras se diluem. É sempre bom lembrarmos que antes dos anos 1970, os meios de massa, como a televisão e o rádio, faziam sombra sobre as artes. A partir dos anos 80, com a intensificação dos debates sobre as relações entre as comunicações e as artes e sobre a pós-modernidade, houve uma mudança de paradigma e visão sobre o objeto artístico. Ficou claro que se constituía um erro negar os suportes de comunicação de massa. Era preciso se aproveitar deles para transmitir uma mensagem estética ao receptor e, através dos laços com os veículos de massa, atingir um maior número de pessoas. Uma característica marcante das artes e poéticas multimídias é o seu caráter interativo. Essa interatividade, segundo alguns teóricos, permite que as novas linguagens transmitidas pelos multimeios provoquem alterações nas relações entre as pessoas, a vida e a arte. Para Denise Guimarães, quando pensamos na interatividade como natureza marcante das poéticas multimídias, é preciso que as discussões não sejam em um nível simplificado. A teoria aponta que nas recepções das obras multimídias, “é importante ter em conta que, tal como acontecia em todas as manifestações da arte da contemplação, a obra continua imutável, como um espaço fechado que 25 conserva as características dadas pelo artista” (GUIMARÃES, 2004, p.156). Desta forma, a fruição da obra artística se dá por interpretações de natureza mental e o espectador pode ser um agente em níveis como direções e ritmos de leitura. O vídeo é uma tecnologia analógica que possibilita ao receptor penetrar a obra e, em alguns casos com softwares apropriados, interagir com ela. Com as tecnologias digitais este panorama se modifica, e é a partir destas tecnologias que realmente o conceito de interatividade é posto em prática. Se por um lado, a relação entre indústria cultural e arte gera uma reflexão sobre a própria indústria cultural e sociedade, por outro lado, permite que os objetos artísticos cheguem até onde não tinham alcance, promovendo uma espécie de democratização da arte. É o que defende o pesquisador e ensaísta mexicano Néstor Garcia Canclini (tradução nossa): As indústrias culturais proporcionaram à arte-plástica, à literatura e à música uma repercussão mais extensa que a lograda pelas mais exitosas campanhas de divulgação popular provenientes da boa vontade dos artistas. A multiplicação de concertos e atos políticos alcança um público mínimo em comparação com o que oferecem os mesmos músicos nos discos e na televisão. Os fascículos culturais e revistas de moda e ou decoração vendidas em bancas e supermercados levam as inovações literárias, plásticas e arquitetônicas a quem nunca visitou livrarias nem museus (CANCLINI, 1990, p.225). À medida que a arte é transportada do espaço privado dos museus, teatros e salas de concertos para o espaço público da televisão, da internet, do rádio, e do ambiente urbano (grafite, teatro de rua), estimula novas possibilidades de inserção social. Não devemos esquecer que isso é uma questão bastante complexa e contraditória, haja vista que, a arte alçada à condição de evento de massa, surge o novo desafio de lutar contra a dissolução das manifestações artísticas e sua transformação em produtos de fácil consumo. Usar a tecnologia como um instrumento de produção poética de qualidade, utilizando os veículos de comunicação como um propagador desta arte, parece-nos ser uma opção eficaz, já que possibilita ao artista um maior alcance de leitores, tirando a poesia dos guetos, e a afastando da ideologia beletrista, tão difundida no período do Renascimento e ainda presente nos dias atuais. 26 1.2.2 Breve Histórico das Poéticas Multimídias Desde de sua origem, a escrita tem sido uma ferramenta modeladora do pensamento do homem em uma espécie de logocentrismo que Jacques Derrida assumiu como grande inimigo do pensamento ocidental. Para o filósofo argelino, a visão logocêntrica da escrita prevaleceu por séculos, sendo necessário desconstruí-la. Daí surge a vertente filosófica que é o desconstrutivismo. Nos anos 1950, no Brasil, os poetas do grupo concretista são um dos pioneiros em perceber as múltiplas possibilidades poéticas que os novos meios vieram a acrescentar à literatura. Partindo da idéia de verbivocovisualidade do poema, ou seja, a convergência dos elementos verbais, vocais, visuais dentro do poema, os concretos abrem caminho para um número incontável de artistas e escritores para a exploração de terrenos novos para as artes brasileira e mundial. Em 1959, o americano William Burroughs, juntamente com o matemático Ian Sommerville, cria com o computador o poema I AM THAT I AM, e em 1961, o poema JUNK IS NO GOOD BABY. Nos anos 60, na França, Raymond Queneau cria seu Cent Mille Milliards de Poèmes, que consiste em 10 sonetos, com 14 versos cada um, e que a partir de um programa de computador, o leitor pode combinar cada verso com um dos outros nove que o correspondem. Assim, o leitor no final da experiência chega a quantia de 100 trilhões de sonetos diferentes possíveis. Em Portugal, o poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro realiza, desde 1968, poemas com o suporte do vídeo, sendo um dos criadores da videopoesia. O mesmo Ernesto Manuel de Melo e Castro, nos anos 1980, cria os primeiros poemas animados e pensados exclusivamente para serem transmitidos na televisão. Esses poemas são criados com os geradores de caracteres, ou GC, que consistem em dispositivos concebidos para criar e inserir textos de diversos tamanhos, cores e formatos, sobrepondo-os ou não, em imagens já existentes, e permitindo inúmeras formas de manipulações do texto e das letras. Apesar de todas as vantagens que essas tecnologias propiciam ao texto e ao poema, são responsáveis por um sério problema, muito bem detectado por Denise Guimarães, e que consiste 27 na velocidade com que as inovações são introduzidas no mercado, trazendo para o consumidor uma infinidade de opções e formatos (player´s) de exibição de imagens em movimento nas telas dos computadores, havendo também sempre uma defasagem entre uma produção e outra, entre determinados locais ou países (GUIMARÃES, 2004, p.159). Para José Romera Castillo, em seu ensaio Literatura y nuevas tecnologias, é preciso sempre levar em conta a qualidade do produto artístico desenvolvido, independente do suporte utilizado (tradução nossa): Acima de tudo é necessário ter muito claro que as multimídias em que os textos literários podem se expor são um meio, nunca um fim em si mesmos. A literatura será literatura não pelo meio ou suporte em que se apresenta, mas sim pelas naturezas e qualidades intrínsecas a ela mesma (CASTILLO, 1997, p.32). Sendo assim, a posição de Castillo alinha-se em sentido contrário ao que Barthes prenunciou como o “fim da literatura”. Se para Barthes, as modificações dos mecanismos de produção e circulação implicam a conseqüente criação de uma outra obra artística, para Castillo trata-se de apenas uma modificação no suporte que não vai comprometer a “essência” da arte literária. Dessa forma, a obra de Arnaldo Antunes é passível de sofrer um questionamento a respeito de seu conceito literário ou não. Da nossa parte, acreditamos que Antunes pode e deve ser absorvido como uma expressão literária, tendo em vista que ele faz a arte da palavra, condição sine qua nom da Literatura. Acreditamos que as mudanças de suporte são inevitáveis, como foi a passagem da “literatura” medieval para a literatura circulada pelo livro em grande proporção após o advento de Gutenberg. Concordamos com Castillo, afinal, o bom poeta é aquele que consegue criar uma obra rica independente do suporte e da tecnologia que possui na mão. Assim, como existem poetas de livros pouco significativos, que despejam diariamente uma poesia rasa e vêem nas letras um confessionário pessoal, o mesmo ocorre com poetas multimídias quando se prendem à frieza da máquina e se esquecem de que por tas da máquina está o homem. 28 1.3 AS MODALIDADES DA POESIA MULTIMÍDIA Devemos, antes de tudo, esclarecer que o uso do termo multimídia, neste trabalho, refere-se especificamente à presença de duas ou mais mídias eletrônicas envolvidas no processo de criação e execução da obra poética. São diversas as formas de veiculação do poema multimídia, e isto depende do formato ou suporte em que é apresentado para o leitor. Partindo deste ponto, resolvemos separar as chamadas poéticas visuais em movimento em cinco grupos de acordo com suas especificidades e diferentes suportes tecnológicos empregados na realização do poema. São eles: a videopoesia ou clipoema, a infopoesia, a holopoesia, a polipoesia e a ciberpoesia. 1.3.1-Videopoesia / Clipoema As experiências poéticas com o vídeo surgem praticamente com o cinema e, desde o início, têm como mote principal a experimentação com a linguagem visual. Com o aparecimento do vídeo, a poesia e o poema ganham outro impulso. O que antes era uma experimentação artesanal, passa, a partir da incorporação das tecnologias do audiovisual, a ser uma poesia de grande complexidade que exige do receptor uma outra relação de fruição estética. Isto se deve ao fato de que “a videopoesia, ainda mais que o videoclipe, potencializa o uso consciente do vídeo porque a permanência da letra obriga a um fechamento reticular, a uma focalização, a uma quebra do fluxo” (JUSTINO, 2003, p.05). O termo videopoesia só começa realmente a existir a partir de 1980, quando o poeta português Ernesto Manuel de Melo e Castro inicia suas primeiras experiências com o gerador de caracteres e cria seus primeiros poemas animados pensados para serem transmitidos na tela de televisão. Muito antes disso, o poeta já havia realizado inúmeras outras experiências com os signos verbais e não-verbais, em Lisboa, Portugal. Para E. M. de Melo e Castro (1996, p.138-149), a videopoesia, distinta da videoarte, é uma experimentação a partir da poesia sonora, verbal e visual, e tem referência direta com a poesia experimental dos anos 60. 29 A grande contribuição que a videopoesia trouxe para o universo poético foi o movimento incorporado ao texto, que de alguma forma já existia de forma latente na poesia visual impressa, e que pôde ser explorada de forma mais completa com os recursos das tecnologias do audiovisual. Audiovisual esse que é “lugar da simultaneidade e da instantaneidade: espaço do sem fronteira, do ao vivo, da proximidade do distante; tempo da constelação, das diacronias sincronizadas, dos passados presentificados” (JUSTINO, 2003, p.5). As estruturas e composições do videopoema são muito bem analisadas pelo poeta Álvaro Andrade Garcia. Para ele, na videopoesia: As palavras são objetos compostos e adornados segundo novas inspirações que se aglutinam ao sentido inicial do poema. Os textos têm que ser sucintos em função da legibilidade no monitor, sua maior espessura é horizontal, não mais vertical. Elementos gramaticais de ligação podem ser dispensados e substituídos por movimentos e posicionamento dos vocábulos na tela. Conceitos antigos na poesia como justaposição, analogia, áreas de irradiação semântica, podem ser utilizados/visualizados no espaço com facilidade. O uso de trilha sonora nas animações permite interseções com a música e mesmo com a poesia falada. Trilhas de suporte, interferências de ruídos, declamação sampleada, são possibilidades que o videopoeta tem para explorar (GARCIA, 2007, p.1). Com relação ao impacto sobre o público, podemos dizer que a videopoesia abre novas possibilidades para as pessoas sem um hábito de leitura. A videopoesia consegue ter uma maior aceitação entre o público, já que este já possui um certo repertório audiovisual em decorrência da cultura televisiva em que está inserido. Para E. M. de Melo e Castro: Ler um videopoema é uma experiência complexa como diferentes momentos de percepção que irão coincidir com imagens se movendo e se transformando. Então nos confrontamos com diferentes tempos e ritmos: a) o tempo pertencente ao vídeopoema como uma de suas variáveis; b) o movimento de nossos próprios olhos para encontrar um caminho para ler os signos; c) o tempo de nossa decodificação e entendimento do que estamos vendo no momento (CASTRO, 1996, p.142-143). 30 Além disso, os videopoemas “abrem portas para a exploração de novos espaços de linguagem que surgem como desdobramentos tecnológicos da nova mídia: a criação de quadros cinéticos em paredes, a poesia multimídia em livros eletrônicos e a realidade virtual estão aí” (GARCIA, 2007, p.1). Já o termo clipoema refere-se aos trabalhos desenvolvidos por videomakers e artistas, que no início dos anos 90, fazendo uso da computação gráfica, transcriaram poemas concretos para os novos suportes do vídeo. Este trabalho de transcriação de poemas concretos está muito bem apresentado e esmiuçado por Ricardo Araújo no livro Poesia Visual- Vídeo Poesia, de 1999. Acerca do uso do vídeo e da relação com a poesia concreta, Augusto de Campos dá a seguinte declaração: O que a gente observa é que há uma compatibilidade muito grande entre este tipo de sintaxe espacial, mais reduzida, que foi o modelo, digamos assim, das experiências da Poesia Concreta,e a linguagem do vídeo. Ocorre o seguinte: o texto muito longo, muito discursivo, fica muito cansativo e até difícil de ler no vídeo, no estágio em que está a imagem hoje. E esta linguagem mais ágil, que não tem muitos conectivos, de curso não linear, ela é apropriada para o vídeo, então há uma certa facilidade de adequação (apud ARAÚJO, 1999, p.53). A palavra clipoema passou a ser empregada em entrevistas e artigos dos anos 90, por poetas como Augusto de Campos, Décio Pignatari e Julio Plaza em associação com o videoclipe. O termo aparece pela primeira vez, no Brasil, em 1994, na sexta edição do Perhappiness, evento criado em homenagem a Paulo Leminski que se realiza anualmente na Cidade de Curitiba. Nesta edição foram exibidos clipoemas criados a partir de poemas de Paulo Leminski. 1.3.2 Holopoesia A holopoesia é uma modalidade da poesia multimídia que faz uso de tecnologia de ponta e que proporciona uma tridimensionalidade ao texto poético. As primeiras experiências com a poesia holográfica se dão com o descobrimento do laser em 1960. O uso do laser de forma criativa possibilita que a imagem registrada 31 seja apresentada de modo natural em todos seus planos de perspectivas, dando a ela um caráter de escultura. O holopoema é fruto de uma sucessão de experiências desenvolvidas dentro da literatura, que visam libertar as palavras do papel e do livro. A poesia holográfica talvez seja a única manifestação das poéticas visuais que de fato eliminam os suportes fixos (vídeo, microcomputador). O holopoema se projeta no ar através da manipulação de luzes, modificando as noções de espaço e de tempo. Isto se dá principalmente devido ao fato de que “a holografia instaura uma dinâmica inovadora em termos de recepção da obra, por que o espectador circula ao redor da obra e seu ponto de vista determina, a cada instante, o que ele vê” (GUIMARÃES, 2004, p.183). O brasileiro Eduardo Kac é o principal realizador de holopoesia no Brasil e no mundo. Além da criação neste novo suporte, tem vasto material teórico sobre o tema. Para Kac, a poesia holográfica dá continuidade à tradição das poéticas experimentais, mas tenta inaugurar um outro caminho. Para ele, diferente da poesia visual, a holopoesia “pretende corresponder à descontinuidade do pensamento, ou seja, a percepção do holopoema não vai se dar linear nem simultaneamente e sim através dos fragmentos vistos aleatoriamente pelo observador conforme seu posicionamento em relação ao poema” (KAC, 1983, p.1). Apesar da aproximação intensa com as tecnologias high tech, a holopoesia é uma arte cuja matéria é a palavra. Não é uma manifestação de elogio à máquina, como no Futurismo. Trata-se de uma poesia que se utiliza dessa máquina para expandir os efeitos poéticos, conduzindo o receptor a uma experiência estética completa, pois o coloca em uma posição de participação do poema. É o que relata Eduardo Kac em seu artigo Holopoesia, Hipertexto, Hiperpoesia, de 1993: Busco criar textos cujo processo de significação se dá apenas em resposta ao ativo engajamento perceptual e cognitivo do leitor. Isto implica dizer que cada leitor "escreve" seu próprio texto à medida que explora visualmente a obra. Meus holopoemas não se encontram imóveis e presos à superfície. Quando o observador começa a procurar as palavras e seus elos, o texto se transforma, se movimenta no espaço tridimensional, muda cores e sentidos, se dissolve e desaparece (KAC, 1993, p.1). 32 Além de Eduardo Kac, por volta dos anos 80, Augusto de Campos e Haroldo de Campos, em parceria com o artista plástico Júlio Plaza, iniciam algumas experiências com a holopoesia. Em setembro de 1985, no MAC da USP, é projetado o holopoema POEMÓBILE, de Augusto de Campos. Em 1986, Moysés Baumstein realiza a exposição Triluz, em parceria com Décio Pignatari, na qual foram projetados os seguintes holopoemas: Pintando o ar de Vermelho, de Moysés Baumstein; Spacetime, de Décio Pignatari; O Arco-Íris no ar curvo, de Júlio Plaza e Céu e Mente, de José Wagner Garcia. Em 1987, é realizada a Mostra Idehologia, no MAC da USP, que reuniu trabalhos de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Júlio Plaza e Wagner Garcia, adaptados para o meio holográfico por Moysés Baumstein. As diversas experiências realizadas com a holografia na poesia são mais um exemplo de como os poetas se adaptam às formas de tecnologias com o intuito de expandir a relação com o leitor/ receptor e com isso aprimorar as formas de transmissão de seus materiais poéticos e pictográficos. 1.3.3 Polipoesia Em 1987, o poeta e ensaísta Enzo Minarelli propõe, por meio de seu Manifesto da Polipoesia, uma poesia gerada pela fusão de diversos meios técnicos diferentes. Esta nova poesia teria por objetivo proporcionar aos ouvintes uma experiência única em níveis sensoriais, através dos sons vocais, música, ruídos, mímica, performance, videopoesia, entre outros elementos. No caso da polipoesia, temos, portanto uma mistura das tecnologias mecânicas e eletrônicas, unidas em um único propósito de criação de uma “arte total”. O Manifesto da Polipoesia aparece pela primeira vez no catálogo Tramesa d`Art, em Valência, no ano de 1987, porém, as idéias básicas já se faziam evidentes no ensaio Polipoesia, da leitura à performance da Poesia Sonora, redigido por Minarelli e publicado na revista italiana Visoni, Violazioni, Vivisezioni, em 1983. Tendo como influências as vanguardas históricas européias, o projeto da polipoesia amplifica o que já havia sido trabalhado pela poesia concreta, Futurismo (italiano e russo) e Dadaísmo, sem deixar de ser fiel às propostas destas poéticas 33 experimentais. Desta forma, ela abre novas possibilidades para a arte puramente literária e escrita. Muitos são os poetas, ao redor do mundo, que praticam a polipoesia e cujo dispositivo teórico vem sendo discutido, ao longo dos anos, por críticos como Paul Zumthor, Renato Barilli, Clemente Padin e pelo próprio Enzo Minarelli. Cada polipoeta desenvolve seu estilo, ou marca pessoal, ao interpretar a poesia através dos filtros vocais, teatrais, audiovisuais, musicais ou tecnológicos. Deste modo, as possibilidades de difusão e encontro com o espectador de poesia são múltiplas. Dentre os poetas praticantes da polipoesia, alguns se destacam no contexto mundial. São eles: Américo Rodrigues, Fernando Aguiar, Serge Pey, Jaap Blonk, Xavier Sabater, Xavier Canals, Tracy Splinter, Bartomeu Ferrando, Lydia Lunch, Rafael Metlikovec, Clemente Padin, e Enzo Minarelli. Como constatou Philadelpho Menezes, na introdução do livro Poesia Sonora: Poéticas Experimentais da Voz no Século XX, a busca pela “poesia total” surge como uma opção para o esgotamento da Poesia Sonora e do caráter revolucionário das vanguardas. A fusão tecnológica das formas expressivas, o produto estético dirigido exclusivamente à sensorialidade redentora e apaziguadora, o poema como efeito óptico ou acústico nas atuais poéticas visuais e sonoras, que extravasa seus limites para uma arte do corpo e do espaço, são respostas para essa nova situação em que experimentar, nesse âmbito é a norma e a expectativa e não mais o desvio e o estranhamento (MENEZES, 1992, p.15). O Manifesto de Enzo Minarelli é dividido em seis itens (MINARELLI, 2005, p. 196-210): 1- Apenas o desenvolvimento das novas tecnologias marcará o progresso da poesia sonora: as mídias eletrônicas e o computador são e serão os verdadeiros protagonistas. 2- O objeto língua deve cada vez mais ser indagado em seus mínimos e máximos segmentos: a palavra, elemento base da comunicação sonora, assume os traços de multipalavra, penetrada 34 em seu interior e recosturada no seu exterior. A palavra deve poder libertar suas sonoridades polivalentes. 3- A elaboração do som não admite limites, deve ser impelida além do limiar do puro rumorismo, um rumorismo significante: a ambigüidade sonora, seja lingüística seja vocal, tem sentido se conseguir valer-se plenamente do aparato instrumental da boca. 4- A recuperação da sensibilidade do tempo (o minuto, o segundo) fora dos cânones da harmonia e da desarmonia, porque apenas a montagem é o justo parâmetro de síntese e equilíbrio. 5- A língua é ritmo, os valores tonais são reais vetores de significado: antes vem o ato de racionalidade, depois o ato de emotividade. 6- A polipoesia é concebida e realizada para o espetáculo ao vivo, entrega-se à poesia sonora como prima dona ou ponto de partida para relacionar-se com a musicalidade (acompanhamento, linha rítmica), a mímica, o gesto, a dança (interpretação, ampliação, integração do poema sonoro), a imagem (de TV, diapositiva, enquanto associação, explicação, redundância, alternativa), a luz, o espaço, os costumes, os objetos. Como se pode observar, no sexto e último tópico do Manifesto da Polipoesia, Minarelli elege como ponto de partida, ou “prima dona” desta interação entre as diversas manifestações artísticas, a poesia sonora. O conceito de poesia sonora, que aparece pela primeira vez com os dadaístas e o Cabaret Voltaire, renasce na França, em 1950, com a modernização dos estúdios sonoros e a invenção do gravador de som em fita magnética. O poeta francês Henri Chopin em parceria com os então músicos concretos e eletroacústicos Pierre Henry e Pierre Schaeffer são os primeiros a realizarem experiências no campo desta nova forma de poesia, que na verdade, faz uma recuperação de uma vocalidade que há muito fora abandonada pela literatura e pelas poéticas experimentais que a substituíram pela visualidade. De acordo com Paul Zumthor: 35 A Poesia Sonora está hereditariamente marcada por dois desejos aparentemente contraditórios, mas de fato complementares, que lhe deram origem: o desejo do retorno ao oral, no âmbito dos poetas; o desejo de retorno ao falado, no âmbito dos músicos (ZUMTHOR, 1992, p.139). Nos dias atuais, o termo poesia sonora é usado para designar toda manifestação poética experimental baseada nas possibilidades expressivas da voz humana. Desta forma, é dada primazia à voz e às características rítmicas, fônicas e plásticas dos sons emitidos pela boca do poeta ou performer. A polipoesia surge então com a proposta de ampliar o poder da voz, desenraizá-la dos suportes de gravação, colocá-la em performance, ao vivo e em convergência com outras mídias e com o público presente na apresentação da obra. 1.3.4 Infopoesia Conceito de poesia desenvolvido pelo português Ernesto Manuel de Melo e Castro que se define como uma poética estabelecida a partir das relações entre a palavra e a imagem nos meios eletrônico-digitais. Trata-se de uma nova linguagem poética que faz a "utilização simultânea de signos verbais e não verbais, para, através de instrumentos informáticos, criar estruturas poemáticas de alta complexidade visual, complexidade essa que também se manifesta simultaneamente no nível semântico” (CASTRO, 1998, p.9). Um dado importante que diferencia a infopoesia das demais poéticas digitais e eletrônicas é que ela tem como origem e se faz com a presença da palavra. Palavra esta direcionada para uma posição de transgressão e metalinguagem. A diferença entre o infopoema e o clipoema é que enquanto o primeiro só pode ser apresentado em um microcomputador, o segundo pode ser transmitido tanto no micro quanto em um aparelho de vídeo. Para Jorge Luiz Antônio (2000, p.2), a infopoesia não pode ser considerada poesia visual, posição esta que discordamos, visto que segundo nossa concepção, a poesia visual se caracteriza por ser toda poesia que utiliza elementos gráficos, imagens e textos em sua composição. E no caso da infopoesia, além de 36 possuir uma estrutura que a aproxima da poesia visual, utiliza-se das novas tecnologias, no caso o microcomputador, para a sua realização e apresentação, o que a aproxima das poéticas tratadas aqui como multimídias, ou particularmente para a infopoesia, poesia digital. 1.3.5 Ciberpoesia Os primeiros textos criados em computador começam a ser desenvolvidos em 1959, em Stuttgart, Alemanha, por Théo Lutz, e em 1964, em Montreal, Canadá, por Jean Baudot. Ambos trabalharam com os geradores de textos em projetos que visavam colocar o computador a serviço da literatura. É o que constata Philippe Bootz em seu artigo Poetic machinations (1996, p.118-137). O autor analisa também como o computador, em principio, é utilizado apenas como um suporte que auxilia na redação, na escrita. Neste caso, os textos são objetos gerados pelo computador e podem ser lidos no papel. Só recentemente as tecnologias digitais estão sendo usadas de forma criativa, de modo a potencializar as experiências do receptor da obra, através de uma interação com o poema. Diante das novas perspectivas poéticas surgidas com a cibercultura, o poeta Álvaro Andrade Garcia percebe que a terminologia videopoesia já não cabe mais para definir algumas produções geradas no novo suporte que é o microcomputador. Para ele, existem algumas características que aproximam os poemas criados em vídeo e na tela do computador como o movimento, a textura e a sincronia texto-áudio. Mas existem também diferenças entre a forma/conceito dos trabalhos realizados em um ou outro suporte. Com base nestas diferenças entre os suportes, Garcia propõem o termo multipoesia como nome provisório para as obras produzidas no computador. Multipoesia foi o nome mais entendível nesse momento para guardar por algum tempo o significado dessa nova forma de expressão e comunicação artística que abole as fronteiras que já eram tênues entre diversas formas de arte, as fronteiras entre criador e leitor, as fronteiras entre idiomas, estilos, etc. Multipoesia para representar a poesia em suporte computacional multimídia, ou melhor, a criaçãoapropriação literária em suporte digital multisensorial e interativo. A poiesis na comunicação digital (GARCIA, 2007, p.01). 37 Para Álvaro Garcia, sempre que uma linguagem é digitalizada, perde sua materialidade e suportes, sendo retrabalhadas dentro do computador. A partir deste processo, Denise Garcia observa que “são gerados hipersignos de caráter mutante, que são essencialmente híbridos” (GUIMARÃES, 2004, p. 194). A informática introduz no texto uma nova temporalidade, tanto no modo de produção como no da leitura, ampliando a noção temporal da literatura impressa, que se limita ao domínio da atividade de leitura, ou seja, o tempo correspondente à leitura do poema. Na ciberpoesia, ou literatura digital, ela avança também para o domínio do próprio texto. É essa nova temporalidade aliada a uma mobilidade e multiplicidade da ciberpoesia que permite o fenômeno da interatividade. A interação entre leitor e obra é um dado novo dentro das poéticas multimídias, e só pôde ser realmente aplicada na literatura com o desenvolvimento dos computadores pessoais e da internet a partir dos anos 90. A participação tem sido o fio condutor que uniu cada proposta da poesia em todos os tempos. Com certeza, os novos meios digitais não farão outra coisa senão estimular, incentivar, motivar através da interatividade do leitor com a obra ou até mesmo com o autor do texto. Para José Augusto Mourão: Tornada interactiva, a poesia permite explorar as ligações verticais entre as várias “falas”, tanto pelo(s) autor(es) como pelo(s) leitor(es), desconstruindo assim a ordem hierárquica, hierática, que coloca o poeta junto dos deuses e os leitores na posição da admiração ou do fascínio. Os novos papéis de ciberautor e ciberleitores tornam obsoletos os antigos papéis do autor e do leitor (MOURÃO, 2005, p.03). Essa interação está profundamente ligada à figura rizomática do hipertexto. O hipertexto se caracteriza por ser uma escrita não seqüencial, ou seja, blocos de textos ligados por trajetórias múltiplas (links), que têm como objetivo permitir ao leitor a escolha de caminhos alternativos. O hipertexto é a mais conhecida modalidade de cibertexto e muito interessa aos estudos literários e culturais no sentido de que ele nos leva a identificar, no formato de escrita não-linear e seqüencial, a própria idéia de literariedade bastante discutida no início do século XX, principalmente pelos formalistas e estruturalistas, como fator constituinte do 38 sistema literário. É importante lembrarmos que, mesmo dentro de obras impressas no formato livro, o conceito de hipertextualidade está presente. Basta darmos uma olhada na metaficção de um Cortazar (Jogo de Amarelinha) ou Calvino, na fragmentação do discurso de Clarice Lispector e António Lobo Antunes ou nos labirintos textuais e também rizomáticos de Jorge Luis Borges. Enfim, podemos observar que as poéticas multimídias e digitais, frutos dos avanços tecnológicos que influenciaram esteticamente o material poético produzido, contribuíram para a expansão dos horizontes literários, especialmente da poesia, por meio da promoção de uma mudança de paradigmas sociais e culturais do homem. Esse caráter híbrido das artes está presente em muitos poetas e obras literárias contemporâneas, como é o caso de Arnaldo Antunes, poeta que sempre transitou por todas as mídias com total naturalidade. Para Antunes, “a poesia só tem a ganhar quando se contamina com outros códigos, pois alcança outros públicos e descobre possibilidades de linguagem” (ANTUNES, 2006, p. 15). Essa pincelada sobre algumas expressões poéticas experimentais do século XX permite entrever um certo incômodo no que toca o conceito de “literatura”. O “coup de dés” mallarmaico já prenunciava a significação do branco do papel em ralação à grafia da letra. Com os pixels surgiu a possibilidade de movimento, cor, fundo e forma misturados ao som. A poesia e, conseqüentemente, o poema já requerem, em vez da figura do leitor isolado, uma nova presença, e cabe ao poeta um experimentalismo sem-fim acompanhando as transformações tecnológicas. Sendo assim, passamos a enfocar a poética antunesiana e apontar como a ligação com os recursos tecnológicos permitiu a ele criar uma expressão poética capaz de subverter a letra estática e criar significados a partir de suas mutações e movimentos. 39 CAPÍTULO II – ARNALDO ANTUNES: UM POETA DE SEU TEMPO É fácil ser Flor / ou / ser Capim / É fácil /ser flor / ou ser Capim / É fácil ser Flor ou ser Capim / Difícil / é Ser Flor e Ser Capim. Arnaldo Xavier 2.1 TRAJETÓRIA POÉTICA Arnaldo Antunes é um poeta cuja marca registrada é a pluralidade. Vem ao longo da carreira investindo sua criatividade em várias direções. Sua própria biografia já mostra este aspecto nômade de sua trajetória. Seja através de livros de poemas, letras de músicas, instalações, caligrafias, poesia sonora, entre outros, o poeta cria obras ímpares, em um diálogo constante com o universo das palavras. Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu no dia 02 de setembro de 1960, na cidade de São Paulo, filho de Arnaldo Augusto Nora Antunes e Dora Leme Ferreira Antunes. Em 1975, entra para o colégio Equipe, que desenvolve forte trabalho de arte-educação. O Produtor Serginho Groissman está a frente da programação musical do Centro Cultural do Equipe, que apresenta shows de artistas como Nelson Cavaquinho, Cartola, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros. Neste colégio, tem aula de cinema e realiza Temporal, um super 8 de ficção, com 40 minutos de duração. No mesmo colégio conhece Branco Mello, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Ciro Pessoa, Nando Reis e Marcelo Fromer, futuros parceiros da banda Titãs. Começa a compor com Paulo, que é da mesma classe. Do 2º para o 3º ano publica a novela CAMALEÃO, impressa na gráfica da escola. Inicia o curso de Letras na USP, em 1978, mas logo tem que mudar para o Rio de Janeiro. Transfere seu curso para a PUC-RJ, onde realiza o filme experimental em super 8 Jimi Gogh, com músicas de Jimi Hendrix e quadros de Van Gogh. 40 Em 1980, muda-se para São Paulo para morar com Go, sua primeira mulher. Moram por dois anos na casa do artista-plástico José Roberto Aguilar, com quem realizam diversas performances, até a formação da Banda Performática, da qual Arnaldo Antunes e Go fazem parte. Valia de tudo nas performances, e é desta experiência com um toque dadaísta que o poeta vai tirar bagagem para seus projetos multimídias futuros. No mesmo ano, escreve e produz artesanalmente, em parceria com Go, pequenos livros impressos em xérox. A flecha só tem uma chance, e deu na cabeça de alguém uma árvore, um piano e muitas galinhas, são alguns dos títulos. Edita com Beto Borges e Sergio Papi a revista Almanak 80. Com Beto Borges, Sergio Papi e Nuno Ramos, publica a revista Kataloki (Almanak 81). No mesmo ano, participa dos vídeos Kataloki, realizado por Walter Silveira especialmente para o lançamento da revista, e Sonho e contra-sonho de uma cidade, de Aguilar. Participa do show no evento A idade da pedra jovem, na Biblioteca Mário de Andrade, que marca a estréia de Arnaldo, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Marcelo Fromer, Nando Reis, Ciro Pessoa e Tony Bellotto, entre outros, num mesmo palco. O ano de 1982 marca a estréia da banda Titãs do Ieiê, no Teatro Lira Paulistana e no Sesc Pompéia, em São Paulo. Arnaldo e Go fazem a exposição Caligrafias, na Galeria Cultura, em São Paulo, onde apresentam, na inauguração, a ópera performática A espada sinfônica, com vários convidados. Realizam também performances na Pinacoteca do Estado, Defeitos cônicos, na Livraria Belas Artes, Noite de performance: epicaligráfica, no Sesc Pompéia. O primeiro livro de Arnaldo Antunes, Ou E, é lançado no Sesc Pompéia, em 1983. Em uma estréia ousada, o livro é composto por uma caixa com dois buracos e um círculo giratório dentro. Dentro da caixa estão 29 poemas soltos: charadas, releituras de textos de outros autores (Hoelderlin, Haroldo de Campos, Flaubert, Mick Jagger, Blake, Pagu), caligrafias, entre outras experimentações. O trabalho foi chamado pelo artista-plástico Nuno Ramos de cine-letra, visto que quando o círculo é girado, “os alfabetos mais distantes vão passando pelos buracos” (RAMOS, 1984, p.1). No ano seguinte, Antunes participa da mostra de poesia visual Poesia Evidência, na PUC-SP. O grupo Titãs grava seu primeiro disco e a música Sonífera Ilha é sucesso nacional e o grupo participa de diversos programas de 41 auditório, como Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, entre outros. Em 1986, os Titãs lançam o disco que vai definir o som do grupo, Cabeça de Dinossauro. No mesmo ano, Arnaldo Antunes lança o livro de poemas Psia. Neste segundo livro, lançado em 1986 e reeditado pela Editora Iluminuras em 1991, o poeta continua com a proposta do livro anterior, acrescentando desta vez uma poesia mais concisa, herança dos poetas concretos brasileiros. Neste livro, há a predominância de poemas verbais, além de algumas incursões na caligrafia e poemas visuais como, por exemplo, H2Omem. A preocupação com um rigor e uma materialidade da palavra, além de um gosto pelo lúdico, mais uma vez marca ponto na poesia de Arnaldo Antunes. No próprio título do livro, o poeta propõe algo inovador e non sense. Psia pode tanto ser o feminino da palavra Psiu, como a palavra poesia com “um hiato a menos” (ANTUNES, 2006, p. 39). Antunes participa, em 1987, da Palavra Mágica, exposição de arte contemporânea, no MAC, e do vídeo Agráfica, realizado por Walter Silveira, em São Paulo. Dois anos mais tarde, grava com os Titãs o LP Õ BLÉSQ BLOM, que recebe disco de ouro. O poeta fica responsável também pelo projeto gráfico do disco. Em 1990, Arnaldo Antunes participa da projeção de alguns poemas seus, entre alguns trabalhos de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Walter Silveira, com raio laser na Avenida Paulista. É a primeira experiência em poesia holográfica no Brasil. Neste mesmo ano, publica Tudos e participa da leitura de poemas no Perhappiness I, evento realizado em homenagem a Paulo Leminski, na Fundação Cultural de Curitiba. Participa também da mostra de poesia visual Transfutur — Visuelle Poesie, na cidade de Kassel, Alemanha. No terceiro livro, Antunes começa novamente a brincadeira a partir do título. Tudos é o plural da palavra tudo. Gramaticalmente um erro imperdoável, mas quando transportado para um livro de poemas, o erro vira ruído no processo comunicativo, ou seja, poesia. Para o crítico Mario Cesar Carvalho, o livro “é uma espécie de artesanato high-tech de Arnaldo: foi totalmente feito num microcomputador, com letras distorcidas, desenhadas a mão, voando pela página etc” (CARVALHO, 1990, p.1). Participa em 1991, no MASP, da mostra de Poesia Visual — Nomuque Edições 1974/1991. Tem seu poema H2Omem, exposto em outdoor, em projeto da Secretaria da Cultura, homenageando a Avenida Paulista. Os Titãs lançam Tudo ao mesmo tempo agora, e recebem disco de ouro. No ano seguinte, participa da exposição p0es1e — digitale dichtkunst, na Galerie Am Market 42 Annaberg-Burchholz, em Munique, Alemanha. Produz o CD Isto não é um livro de Viagem, com gravações do poeta Haroldo de Campos de alguns fragmentos do livro GALÁXIAS. Desenvolve trabalhos gráficos em parceria com Augusto de Campos para o livro de traduções Rimbaud Livre, lançado pela Editora Perspectiva. Publica o livro As coisas, pela Editora Iluminuras. Em As Coisas, o poeta faz um passeio pela dicção da criança, ou seja, busca uma linguagem pré-fala. Antunes dialoga, nesta obra, com Oswald de Andrade e o seu Primeiro caderno de poesia do Aluno Oswald de Andrade, e com o poeta Manoel de Barros, criando frases com uma simplicidade e coloquialidade desconcertantes, como podemos notar no exemplo abaixo: Figura 1 – (ANTUNES, 2006, p.92-93) O livro é ilustrado por sua filha Rosa, então com três anos, sendo que estes desenhos “nos coloca em um tempo mítico das inscrições rupestres” e nos remetem a uma “zona de leitura virginal” (SACRAMENTO, 2002, p.10-11). Este livro ganha o premio Jabuti de Poesia, em 1993, mesmo ano em que lança o projeto multimídia Nome, unindo música, poesia e produção gráfica em um único projeto. Trataremos especificamente deste livro no terceiro capítulo, quando analisaremos alguns videopoemas de Arnaldo Antunes. Ainda e 1993, realiza performances baseadas no projeto Nome, na Alemanha. O vídeo Nome é exibido em festivais de vídeo e mostras nos Estados Unidos, Áustria, Itália, França, Alemanha, Suíça, Suécia, Espanha, Holanda, Mônaco, Austrália, Uruguai, Argentina, Colômbia e Chile. Recebe uma Menção Honrosa do Juri de The First Annual New York Video Festival, Nova York, EUA e a Recomendação do Juri do Festival Internacional de Vídeo da Cidade de Vigo, na Espanha. O poeta participa, junto com Augusto de Campos, Haroldo de Campos, 43 Décio Pignatari, Livio Tragtemberg, Walter Silveira e outros da performance poética na comemoração dos 30 Anos da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, Teatro Alterosa, no Centro Cultural da UFMG, em Belo Horizonte, MG, e no Perhappiness 93. No ano de 1996, há poemas seus incluídos na Antologia Poética: Brasil-Colômbia (Para Conocernos Mejor), organizada por Aguinaldo José Gonçalves e Juan M. Roca, Editora Unesp, São Paulo. Participa nos Estados Unidos da exposição Manipulated Word/Text and Image, South Florida Arts Center/Ground Level Gallery, integrando o New Vison Florida-Brazil/A Festival Exchange, em Miami, na Flórida. Apresenta nos Estados Unidos a performance Nome, no Festival New Vison Florida/Brazil/A Festival Exchange em Miami. Arnaldo Antunes tem, em 97, poemas incluídos nas antologias Norte y Sur de la Poesía Iberoamericana — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, México, Venezuela, organizada por Consuelo Triviño, Editorial Verbum, Colômbia e Nothing The Sun Could Not Explain — Contemporary Brazilian Poets, antologia bilíngüe de vinte poetas brasileiros contemporâneos, organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher, com colaboração de João Almino, Sun & Moon Press, Los Angeles, EUA. É lançado, também em 1997, o livro-cd 2 ou + corpos no mesmo espaço. Nesta obra, adotada pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Ministério da Educação (MEC) de São Paulo, Arnaldo Antunes tenta novamente sair do formato livro, ao anexar ao material imprenso um CD com sonorizações de alguns poemas contidos no livro. O poeta desenvolve neste trabalho uma poesia de cunho fonético fazendo uma revisão da poesia sonora praticada pelos dadaístas do início do século XX. Participa da antologia Esses Poetas — Uma Antologia dos Anos 90, organizada por Heloisa Buarque de Holanda. Tem obras suas incluídas na exposição Handmade, Ideogramas, Caligrafias, etc., com Walter Silveira, no Ybakatu Espaço de Arte, em Curitiba. Ainda neste ano, participa da XXIV Bienal Internacional de São Paulo, com uma instalação gráfico-poética com camadas de cartazes colados e rasgados. Em 99, Antunes participa da II Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em Porto Alegre, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, onde expõe duas grandes instalações construídas com letras de alumínio pintadas — Cresce e Infinitozinho. 44 O poeta entra no novo milênio fazendo diversos shows, como o Festival Ritmos e Festas do Mundo, realizado na cidade do Porto, e no Festival Transatlântico, em Lisboa. Na Espanha, participa do Festival La Mar de Músicas, em Cartagena. Na mesma Espanha sai a antologia de poemas Doble Duplo, traduzida e organizada por Iván Larraguibel, com prefácios de David Byrne e Arto Lindsay. Compõe, neste mesmo ano, a trilha sonora para o grupo O corpo e lança o livro de ensaios 40 escritos. Organizado por João Bandeira, este livro contém 40 textos sobre assuntos diversos publicados em jornais e revistas desde 1980. Podem ser encontrados neste volume poemas, resenhas de livros, ensaios sobre música, poesia, artes-plásticas, entre outros. Em 2001, lança o livro Outro, realizado em parceria com a poeta Josely Vianna Baptista e a artista-plástica Maria Ângela Biscaia. A obra marca o diálogo do poeta com as artes-plásticas, universo que sempre se fez presente na vida de Antunes. O poeta realiza a performance Nome com Zaba Moreau, no Festival Internacional ROMAPOESIA, em Roma, Itália. No ano seguinte, lança o livro Palavra Desordem. A síntese e o gosto pelo lúdico são as marcas deste trabalho. Antunes subverte as ditas palavras de ordem: axiomas, slogans publicitários, ditos populares, provérbios. O projeto gráfico do livro se aproxima dos cartazes futuristas, e as frases são carregadas de um teor libertário, tanto em relação à linguagem como em relação à própria vida. Realiza, em 2002, a exposição de caligrafias Cérebro Sexo, na galeria Portinari, da Fundación Centro de Estudos Brasileiros, em Buenos Aires, Argentina. Tem obra incluída na exposição Brazilian Visual Poetry, no Mexic-Art Museum, na cidade de Austin, Texas, EUA, sob a curadoria da artista brasileira Regina Vater. Realiza performances poéticas no KOSMOPOLIS 2 – Festa Internacional de la Literatura, no Centro de Cultura Contemporània de Barcelona, Barcelona, no Ciclo Internacional de Conferências FUTURISME, em Palma de Mallorca, na Espanha, e no Festival Internacional ROMAPOESIA - Roma, a performance Poemix Brasil, com Lenora de Barros, João Bandeira e Cid Campos. O livro ET EU TU é lançado em 2003, com poemas seus e fotografias de Márcia Xavier. O projeto nasceu do desejo de explorar as relações entre imagem e palavra. Neste livro, o poeta dá prioridade aos poemas verbais. Antunes não quis incluir neste trabalho poemas visuais, para que os poemas se 45 relacionassem estritamente com as fotos. Também neste ano realiza a exposição de caligrafias Escrita à mão, em São Paulo e Rio de janeiro. Antunes participa, em 2004, da Festa Literária Internacional de Parati (FLIP-RJ), na mesa redonda A lírica exata: três vozes, ao lado de Francisco Alvim e Antonio Cícero e realiza performance. O livro de poesia ET EU TU ganha o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, pelo 1º lugar na categoria Projeto e Produção Editorial. Em 2006, ocorre o relançamento do projeto multimídia Nome, no formato CD-DVD, remasterizado. Lança em Portugal o livro Antologia de Arnaldo Antunes e participa da exposição Entre la palabra y la imagen, na Fundación Luis Seoane, em La Coruña, Espanha, e realiza performance poética. Tem poemas incluídos na Antologia comentada da poesia brasileira do século 21, de Manuel da Costa Pinto, Publifolha, São Paulo, Brasil. No mesmo ano, o poeta lança o disco Qualquer e a antologia Como É que Chama o Nome Disso, um apanhado de todos os livros de poemas anteriormente publicados, incluindo artigos e uma coletânea de poemas novos, Nada de Dna. O livro conta ainda com uma longa entrevista com Arthur Nestrovski, Francisco Bosco e José Miguel Wisnik, além de um ensaio introdutório de Antonio Medina Rodrigues. O poeta tem fôlego ainda para lançar o livro Frases do Tomé aos Três Anos, pela editora Alegoria, em que Arnaldo Antunes ilustra algumas frases do filho Tomé. O poeta retoma o projeto que já havia realizado em 1992 com o livro As Coisas. 2.2 INFLUÊNCIAS DAS VANGUARDAS NA OBRA DE ARNALDO ANTUNES O poeta Arnaldo Antunes desenvolve ao longo de toda sua trajetória poética uma obra profundamente marcada pelas inovações literárias oriundas das vanguardas européias do início do século XX e das experiências de Oswald Andrade no Modernismo brasileiro da Geração de 22. Outra influência bastante visível na obra do poeta são as experimentações promovidas pelos concretistas brasileiros, principalmente através das figuras dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e do semiólogo e poeta Décio Pignatari. 46 2.2.1 As Vanguardas Européias No que se refere às Vanguardas européias, não somente Arnaldo Antunes, mas uma grande parcela da literatura contemporânea recebe influências das experiências de vanguarda poética do início do século XX. Os grandes responsáveis por esta presença experimental na poesia brasileira são os modernistas, em especial Oswald se Andrade, que foi o maior fomentador dos ideais literários europeus do Futurismo em nosso País. Mais tarde, esta missão seria reservada aos integrantes da chamada poesia concreta: Décio Pignatari e os irmãos Campos. Os membros do Concretismo, além de recuperarem o próprio Oswald de Andrade, principalmente no livro Poesia Antipoesia Antropofagia, de 1978, em que Augusto de Campos revaloriza o trabalho de Oswald de Andrade, retomando a linha de invenção da poesia minimalista do antropófago Oswald de Andrade, recapitulam algumas técnicas já utilizadas pelas vanguardas, como a colagem, a poesia fonética, a poesia visual e as performances. Antes de entrarmos no assunto poesia concreta e suas influências sobre Arnaldo Antunes, faremos um breve retorno no que foram as vanguardas européias e quais as heranças que deixaram para a poesia concreta, considerada por Philadelpho Menezes, “uma das últimas manifestações de vanguarda poética importante em nível mundial” (MENEZES, 1998, p. 16). Podemos iniciar nossa discussão a partir da análise da própria palavra vanguarda. O termo vanguarda possui uma construção híbrida, isto é, metade dela tem origem latina: avant; e a outra parte da palavra origem germânica: garde. Em seu sentido literal, vanguarda faz referência ao batalhão militar que precede as tropas em ataque durante uma batalha. A partir daí podemos deduzir que vanguarda é aquilo que "está à frente". Desta necessidade de sempre estar à frente, surge uma das características mais marcantes dos movimentos de vanguarda: a agressividade. Agressividade esta, “manifestada no antilogismo, no culto a valores estranhos (o negrismo dos cubistas), os poderes mágicos, a beleza da anarquia, o instantaneísmo, o dinamismo, a imaginação sem fio,...” (TELES, 2005, p. 82). De maneira geral, todos os movimentos vanguardistas estavam interessados em promover uma desorganização no universo das artes, seja por meio 47 de uma ruptura completa com o passado e uma crítica acirrada aos modelos artísticos do presente: Futurismo, Dadaísmo e Surrealismo; seja visualizando na destruição uma possibilidade de construção de uma nova realidade: Cubismo e Expressionismo. Em ambos os casos, o que devemos notar é que as ações dos movimentos vanguardistas são realizadas sobre a linguagem. No Futurismo e Dadaísmo temos a tentativa de uma destruição e pulverização da linguagem, buscando uma provável eliminação da palavra, o que é possível verificar nos diversos poemas sonoros ou fonéticos de Hugo Ball, ou ainda nas colagens de Kurt Schwitters e Filippo Tommaso Marinetti, como podemos ver respectivamente nos exemplos abaixo: Figura 2 – NB – Kurt Schwitters Figura 3 – Marcia Futurista - Marinetti É também sobre a linguagem que atuam as forças mágicas do expressionismo, a geometrização do cubismo, a busca pela língua universal, ou 48 transmental, da poesia zaum3 dos cubofuturistas russos, e as experiências com o inconsciente e automatismo dos surrealistas. 2.2.2 Oswald de Andrade e o Modernismo Brasileiro O Modernismo brasileiro, historicamente marcado pela Semana de Arte Moderna de 1922, recebeu profundas influências das vanguardas européias do início do século XX, e é a fonte para os poetas concretos, principalmente por meio da figura mais radical do movimento: Oswald de Andrade. As idéias de Oswald são uma mistura do Futurismo italiano e Dadaísmo, e podem ser encontradas no momento nacionalista da 1a Geração modernista, a da poesia Pau-Brasil, de 1924. A partir de 1928, o poeta inclui, em seu Manifesto antropófago, elementos do Surrealismo e algumas idéias presentes nos textos de Marinetti, publicados na revista Cannibale. A poesia pau-brasil de Oswald, nome retirado da madeira vermelha que foi arduamente extraída e exportada por nossos “irmãos” portugueses no período em que o Brasil era colônia de Portugal, caracteriza-se pelo texto reduzido, pelo uso da linguagem direta, do coloquial e do humor. Em uma tentativa de chegar à concisão e à síntese, Oswald de Andrade cria verdadeiros poemas-comprimidos, poemas estes definidos por Haroldo de Campos como: [...] cápsulas de linguagem viva, colhidas no cotidiano, dotadas de alta voltagem lírica e freqüentemente providas de agudo gume crítico, como mais tarde- no fim da década de 30- faria Brecht com seus poemas elípticos, cujos nexos cabem ao leitor restabelecer (CAMPOS, 1977, p.28). Esta particularidade da poesia pau-brasil de Oswald em buscar uma linguagem direta e coloquial muito influenciou a obra dos concretistas e posteriormente a poesia de Arnaldo Antunes. 3 Trata-se de uma expressão poética caracterizada pela busca de uma língua universal, ou melhor, transmental, capaz de transpor os valores culturais locais. 49 Como muito bem destacou Philadelpho Menezes, os concretistas criaram seus poemas em um nível de contenção máxima, onde “a palavra, por sinal, retoma sua estrutura normal, não se esfacelando em pedaços como na caótica poética do futurismo...” (MENEZES, 1998, p. 34). Podemos observar este tipo de construção concisa em alguns poemas de Arnaldo Antunes, como por exemplo, em Silêncio, do livro Tudos, de 1990: Figura 4 – (ANTUNES, 2006, p.80) Neste poema detectamos uma síntese muito próxima do haicai japonês, e um suposto diálogo com as experiências de Un coup de dès, e sua poética dos espaços em branco, dos silêncios na página. Este procedimento de apontar os espaços vazios é uma constante na obra de Arnaldo Antunes. Para o poeta: Isso tem um pouco a ver com a coisa taoísta, de você chamar a atenção para o vazio, e não apenas para a matéria. Se você pensar no ato de andar, é necessário também o espaço entre o chão e o pé, senão o andar não acontece. Então, estou sempre chamando a atenção para esses vazios (ANTUNES, 1997, p.8). Em um outro poema, the and, do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, de 1997, a estratégia de escrita telegráfica, concisa, se repete, desta vez aliada a uma visualidade que demonstra a filiação de Antunes com os poetas concretos: 50 Figura 5 – (ANTUNES, 2006, p.154). Neste poema visual, Antunes faz uma leve brincadeira com o enunciado the end (o fim), que sempre marca o término de algum evento. Desta vez o poeta subverte o enunciado, substituindo o substantivo end (fim) pela conjunção and (e). A construção do poema nos passa a idéia de suspensão de um fim, ou seja, no processo de recepção, o leitor naturalmente ao ler o artigo the, forma a frase the end, e ao constatar que esta resolução não se concretiza, tem o seu horizonte de expectativa rompido. Ocorre um ruído no processo comunicativo e a sugestão do binômio fim-continuidade. O poeta joga novamente tanto com a tipografia ao imprimir as letras sobrepostas, quase que como um corpo único, como com os significados que as duas palavras sugerem. Arnaldo Antunes realiza neste poema exatamente o que Alfonso Berardinelli diz sobre a linguagem poética. Para ele, “a língua poética é definida como esvaziamento e suspensão do significado” (BERARDINELLI apud AMARAL, 2007, p. 01). Este jogo lúdico, muitas vezes pontuado pelo elemento do humor [“radicalmente sério só o cemitério” LEITE, 1988, p.131], é também uma marca da poesia de Arnaldo Antunes e herança direta dos poemas-piadas de Oswald de Andrade e de alguns poemas concretos como Beba Coca-Cola de Décio Pignatari. É esta marca do humor que, na nossa visão, é uma das grandes contribuições dos movimentos vanguardistas como o Dadaísmo, Modernismo brasileiro e Concretismo. Trata-se do humor este que se manifesta por meio do riso e que derruba a poesia e o poeta de seus pedestais. Para Philadelpho Menezes: Não se trata do riso sarcástico, que exclui e aniquila o objeto do riso, ou mesmo do riso da ironia crítica, que muitas vezes fazemos diante de algo que não entendemos. É o riso que se dá quando identificamos algo, quando sentimos que aquilo que aparentemente nos desconforta é por nós reconhecível (MENEZES, 1998, p. 08). 51 A maior lição retirada por Arnaldo Antunes dos modernistas brasileiros foi o ideário antropofágico Antunes representa para a literatura contemporânea uma síntese entre o homem primitivo, natural e o homem urbano, tecnizado. É um poeta que se locomove no mundo cibernético sem perder suas raízes. É um poeta “informático ambientalista” (RISÉRIO, 1994, p.1) que digere tudo ao seu redor: poesia, canção, escultura, pintura, e devolve ao mundo com a sua marca, sua singular contribuição estética para o universo das artes. 2.2.3 A Palavra Concreta No início dos anos de 1950, começa a ocorrer uma verdadeira mudança no panorama histórico do mundo. Os países europeus iniciam um longo percurso de recuperação decorrente dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Ocorre uma reestruturação geográfica, política e econômica que divide o mundo em dois blocos: capitalista e socialista, a chamada Guerra Fria. E são dados os primeiros passos para uma mudança do pensamento ocidental que culminará com o maio de 68. Esta agitação também afeta o Brasil. Vivia-se a época da democratização política através do governo Juscelino Kubitschek (1956 – 1960). No plano econômico, o País saía de uma estrutura agrária para uma estrutura industrial. Como conseqüência da industrialização desenfreada, surgem grandes aglomerações urbanas e bolsões de pobreza. É neste período também que chega ao Brasil a televisão e a Indústria Cultural começa a desempenhar importante papel na vida das pessoas. É neste contexto histórico que surge a poesia concreta no Brasil. Para Philadelpho Menezes: 52 A poesia concreta estava intimamente associada ao movimento de boom desenvolvimentista que levanta o país nos anos 50, simbolizado exemplarmente pelo plano de criação de Brasília, uma nova cidade idealizada como centro do poder, matematicamente situada no centro geográfico do país. Basta recordar que o principal texto da poesia concreta, publicado em 1958, tem o título Plano Piloto para Poesia Concreta, assinado por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. É uma citação direta e assumida do Plano Piloto para a Construção de Brasília, elaborado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que sonhava construir do nada, em meio ao inóspito cerrado do Planalto Central brasileiro, uma cidade dentro dos moldes mais racionalistas idealizados pelo urbanismo modernista europeu [...]. (MENEZES, 1998, p.22). Muitos são os artistas que influenciaram os poetas concretos. Quando dizemos artistas, pressupomos não apenas literatos participando da formação do repertório destes autores, mas também pintores, músicos, escultores e cineastas. Paradoxalmente, a música é a atividade que mais se aproxima da poesia dos concretos, o que causa espanto para os críticos que os consideram frios, geométricos e construtivistas. Muitas das técnicas musicais empregadas na época pelos músicos de vanguarda, e introduzidas no Brasil por intermédio de Hans-Joachim Koellreutter, foram traduzidas para a linguagem literária e incorporadas a esta nova poética: a fragmentação tonal (atonalismo) defendida pela Escola de Viena (principalmente através da figura de Shoenberg), a prática da melodia de timbres desenvolvida e utilizada pelo músico alemão Anton Webern e a música mecânica dos americanos George Antheil e Conlon Nancarrow. É em 1955, no Festival de Música de Vanguarda do Teatro Arena, que o grupo formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari usa pela primeira vez o termo poesia concreta. O Concretismo somente se define efetivamente e se distingue de outras vanguardas, quando os poetas paulistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, organizados em torno da revista Noigandres, entram em contato com o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer. Desta troca de informações e influências surge o desejo da criação de um movimento internacional desta nova poética. Em 1956, numa exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo é lançado a público o movimento concretista. 53 Sobre as particularidades do movimento concretista brasileiro, Philadelpho Menezes salienta que: Se no Brasil a ordem matemática e geométrica do poema concreto se coaduna perfeitamente com o surto progressista da industrialização dos anos 50, na esfera mundial o Concretismo parece mais ligado a uma idéia de reconstrução de uma nova ordem mundial no pós-guerra e à retomada da fé no progresso científico. Contudo, é importante observar que, em que pese a grande difusão também na Europa das idéias da poesia concreta, o movimento parece não ter surtido o mesmo efeito e choque cultural que aqui provocou (MENEZES, 1998, p.36). Na França, o novo movimento de poesia experimental foi lançado por Pierre Garnier, em 1962, através do Manifesto para uma Poesia Nova, Visual e Fônica (TELES, 2005). Neste manifesto, Garnier denomina o seu movimento de “espacialismo”, referindo-se, portanto, à ordenação espacial do poema na página em branco, possivelmente influenciado por Mallarmé e seu Un Coup de Dés (Um Lance de Dados). A poesia de Mallarmé pregava um rigoroso hermetismo e uma interação do leitor na própria criação lingüística do poema. Esta interação se faz presente em seu último trabalho através da participação do leitor na montagem textual. Como os versos são dispostos em planos paralelos e interpenetrantes, a obra exige do leitor uma participação na construção da mesma. Como a sua estrutura não é fixa e se dá em vários planos, adquire um sentido de obra aberta, conceito este elaborado e defendido também por Umberto Eco (1997), que conciste na idéia de que toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação. O semiólogo italiano foi buscar nas teorias da relatividade, física quântica, na fenomenologia e no desconstrutivismo as bases para suas teorias sobre a “obra aberta”. Como já mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, o Prefácio para o poema Un Coup de Dés e a obra de Mallarmé foram importantes influências para a poesia de vanguarda no mundo e no Brasil, principalmente a partir de 1956, quando surge o grupo de poesia concreta, reunido em torno da revista Noigandres. No “Plano-piloto para a Poesia Concreta”, de 1958, o poema de Mallarmé vem apontado como um de seus precursores, notadamente pela “divisão prismática da idéia”, pelos espaços em branco e pelos recursos tipográficos como elementos da composição do poema concreto, idéias básicas do texto de Mallarmé (TELES, 2005, p. 69). 54 Em Portugal, a partir de 1961, um grupo de poetas começa a se reunir nas dependências do Café Gelo, em Lisboa, para ler e discutir a poesia experimental portuguesa. Participaram destas reuniões os poetas: Ernesto Manuel de Mello e Castro, Mário Cesariny, Herberto Helder, António Gancho, Luiza Neto Jorge, Ana Hatherly, entre outros. Apesar destes poetas terem tido seus trabalhos apresentados pela primeira vez por intermédio da revista Poesia Experimental, as produções poéticas deste grupo oscilam entre as designações de poesia concreta e poesia experimental, sendo que muitos dos poetas desta geração usam o termo poesia concreta para se referirem a sua própria produção. A “paternidade” da poesia concreta sempre suscitou dúvidas. A História Literária registra a utilização do termo Concretismo por vários autores para denominar certos poetas. Como salienta Haroldo de Campos: O dadaísta Hans Arp chega a falar também em poesia concreta (Knkrete Dichtung), a propósito do livro de Kandinsky, Klage (Sons). Embora os poemas de Kandinsky não coloquem problemas de estrutura, antes, mantendo o verso linear tradicional (com ligeiras variantes aqui e ali), marquem-se apenas por uma temática abstratizante, um abstracionismo conceitual...” (CAMPOS; PIGNATARI, 1975, p. 53) Este caráter abstrato do livro Klange é de fato defendido pelos concretistas que tinham a idéia de poema como obra aberta, que exige do leitor uma intervenção criativa, uma participação no processo de construção do sentido poético. Outro que utilizou a palavra Concretismo para designar determinada manifestação poética foi o sueco Öyvind Fahlström, que em 1953 escreve o Hätila Ragulpr Pä Fätskliaben (Manifesto para a Poesia Concreta) para classificar seus experimentos poéticos do pós-guerra. Assis Brasil, no livro A Literatura no Brasil, de Afrânio e Eduardo Coutinho, defende a idéia de criação da poesia concreta pelos poetas brasileiros. O grupo Noigandres, que basicamente fundou o movimento da “poesia concreta” foi criado por três poetas paulistas, editores da publicação de nome Noigandres: Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Em 1952 aparecia o primeiro número da revista, ano da Exposição e manifesto do Grupo Ruptura em São Paulo (MAM), e formação do grupo Frente, no Rio de Janeiro (BRASIL, 1986, p.231). 55 O fato é que os poetas concretos brasileiros, mais precisamente Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, desconheciam ainda o trabalho que, simultaneamente, vinha sendo desenvolvido por Gomringer, na Alemanha, como também de outros poetas europeus que teorizaram e produziram poemas concretos sem qualquer ponto de contato entre si. Este surgimento simultâneo do projeto concretista no Brasil e em diversos países da Europa deixa claro que existiam inquietudes vivenciais e necessidades estéticas comuns entre estes poetas. Sobre esta característica transnacional da poesia concreta, Philadelpho Menezes afirma que “o movimento da Poesia Concreta representou na Literatura a retomada de uma índole internacionalista e cosmopolita prenunciada em alguns momentos pelo modernismo brasileiro dos anos 20”. (MENEZES, 1998, p.21). De fato, ao assumirem uma posição de descomprometimento com a criação de uma literatura nacional, e conseqüentemente com um projeto de construção de uma identidade, os poetas concretos viram-se livres para desenvolverem seus trabalhos em um nível transnacional. Ao buscarem uma forma de expressão global, internacional, os concretistas negaram um projeto de caráter exclusivamente nacional, excedendo, portanto, as fronteiras de seus países de origem, colocando-se num plano supranacional. Este fenômeno se estende a quase todos países europeus, América Latina e Ásia, com diversos nomes, tendências, semelhanças e diferenças locais. Esta preocupação em uma linguagem universal da obra de arte já havia sido desenvolvida pelos futuristas russos no início do século XX com a criação da poesia zaum, que buscava uma forma de pudesse ser compreendida por todas as culturas. Como já comentamos anteriormente neste trabalho, as relações de Arnaldo Antunes com o movimento da poesia concreta são muito intrínsecas, a começar pela opção em desenvolver uma poesia de linguagem, marcada pelo rigor formal. Embora muitas vezes pareça despretensiosa, a poesia de Antunes tem um grande apuro formal. Sobre o rigor empregado na poesia, Ernesto de Mello e Castro tem a seguinte opinião: 56 Numa perspectiva pragmática, o rigor é necessário principalmente quando pretendemos alcançar algo mais com a nossa ação do que uma mera agitação superficial fracamente eficaz. Logo que desejarmos uma mais completa perspectiva ou um salto mais arriscado, é o rigor da ação e do seu planejamento que se nos impõe como indispensável para, por um lado, podermos coordenar e compreender o material informativo de que dispomos, e por outro, imaginar, planear e executar a ação (CASTRO, 1973, p.79). Outro elemento que aproxima o trabalho de Arnaldo Antunes dos poetas concretos é a cumplicidade entre o poema e o trabalho gráfico. Devemos lembrar que é o próprio poeta quem é responsável pelos projetos gráficos de seus livros. Existe na poesia de Arnaldo Antunes uma cumplicidade íntima com a visualidade. Seja nas caligrafias do primeiro livro OU E, seja no uso de fotografias no livro ET EU TU, feito em parceria com Márcia Xavier, a palavra está sempre se relacionando semioticamente com a visualidade. É o que podemos notar nos exemplos abaixo: Figura 6 – (ANTUNES, 2006, p. 32). Figura 7 – (ANTUNES, 2006, p.196). 57 Mas Arnaldo Antunes não fica apenas no aspecto visual. Introduz em sua poesia a voz enquanto performance, produzindo uma poesia sonora com forte acentuação fonética. É o que podemos encontrar no livro-cd 2 ou + corpos no mesmo espaço. Mais uma herança dos dadaístas do Cabaret Voltaire e das poesias sonorizadas de Augusto de Campos, incluídas no CD Poesia é Risco, de 1995. Sobre sua relação com as vanguardas Arnaldo Antunes afirma: As coisas de vanguarda sempre me interessaram muito, não só os concretistas. Também Apollinaire, Cummings, Pessoa. Essa movimentação sempre me foi sedutora, tanto que nos primeiros poemas que fiz já tinha desejo de subversão sintática ou de mexer com a matéria da linguagem de uma forma criativa. Lembro-me que num dos primeiros poemas que fiz a última sílaba de um verso era o mesmo som da primeira sílaba do verso seguinte. Então aquilo ia se emendando (ANTUNES apud PACHECO, 2006, p. 01). De forma bastante resumida, a poesia de Arnaldo Antunes “nasce de rabiscos na página em branco, de caligramas, diagramas, do uso visual dos vocábulos e aos poucos vai assumindo a palavra como matéria tensional de significado no jogo som-sentido” (NETO, 2006, p.1). Em outras palavras, trata-se de uma poesia verbivocovisual. 2.3 UM POETA TRANSGRESSOR 2.3.1 A Transgressão como Tradição Uma das grandes discussões quando estudamos a obra do poeta Arnaldo Antunes, e outros poetas contemporâneos com alto teor experimental, é se suas obras se enquadram dentro de uma tradição literária ou não. Para chegarmos a uma resposta, vamos primeiramente verificar quais as posições de alguns críticos acerca da historiografia literária brasileira e as formas como as poéticas experimentais, e em especial o Concretismo brasileiro, se relacionam com o cânone literário. 58 Já sabemos que o desenvolvimento das poéticas experimentais só foi possível, no Brasil, devido ao grupo da poesia concreta. Foram eles que introduziram em nosso País, de forma mais militante e profunda que os modernistas, as vanguardas européias e autores do quilate de e.e. cummings e James Joyce. Sabemos também que foram os concretistas os responsáveis por uma sintaxe ideogrâmica e verbivocovisual do poema. Temos ainda a informação de que após o primeiro momento do Concretismo, com manifestos e posições deveras radicais, os próprios membros do movimento foram buscando outros caminhos, como Haroldo de Campos e seu diálogo com o neobarroco latino americano, Décio Pignatari e o desejo frustrado de criar uma poesia livre das palavras por meio da poesia semiótica, e Augusto de Campos partindo para outros suportes poéticos, como a holografia, a vídeo-poesia, o livro poema e o ciberpoema. Durante todo período histórico da modernidade, que para grande parte dos críticos e historiadores se dá desde o surgimento do Romantismo alemão até a decadência das vanguardas européias, os conceitos de poesia vêm sofrendo constantes rompimentos em um permanente exercício crítico. Octavio Paz, em seu artigo Tradição da ruptura, contido no livro Os filhos do barro, do Romantismo à Vanguarda, de 1984, analisa a presença de um discurso da tradição na arte moderna. No entanto, essa tradição, na concepção de Paz, é “feita de interrupções, em que cada ruptura é um começo” (PAZ, 1984, p.17). Ou seja, a tradição moderna é uma tradição de ruptura por se apresentar sempre diferente da anterior. A diferença entre essa tradição moderna e a tradição antiga é que, na tradição antiga, o tempo não é portador de mudanças, sendo desta forma inexorável. Com isso, traz em si a idéia de queda, de fim, de morte. As Vanguardas européias do início do século XX tinham como missão promover a grande ruptura, e com isso colocar em crise o pensamento moderno. Se na modernidade existe uma revalorização do presente, como nas obras de Baudelaire e Rimbaud; com as vanguardas os artistas passaram a se preocupar apenas com o futuro. Para eles não existia o passado e nem o presente. Desta forma, “a vanguarda, consciente de sua inserção na tradição moderna, rebelou-se contra todas as tradições que a precediam imediatamente e exacerbou o culto ao novo de maneira nunca antes imaginada” (MUNIZ, 2003, p. 01). 59 A poesia concreta foi o movimento que melhor assimilou as propostas das vanguardas européias, e por assumir muitas vezes posições radicais e polêmicas frente a questões literárias e de tradição, acabou por atrair diversas inimizades no meio literário. As opiniões de críticos e historiadores de literatura dividem-se quanto à questão da poesia concreta ser uma ruptura ou uma continuidade da tradição literária. Para Alfredo Bosi: No contexto da poesia brasileira, o Concretismo afirmou-se como antítese à vertente intimista e estetizante dos anos 40 e repropôs temas, formas e, não raro, atitudes peculiares ao Modernismo de 22 em sua fase mais polêmica e mais aderente às vanguardas européias (BOSI, 1970, p. 259). O fato dos poetas e teóricos concretos assumirem como influências autores do cânone das Vanguardas européias, como Mallarmé e Apollinaire, reforça a idéia de continuidade de uma tradição literária. É importante lembrar também que no manifesto Plano Piloto para Poesia Concreta, publicado em 1958, os escritores paulistas elencam, entre seus precursores e influenciadores, Oswald de Andrade, principal agitador e figura chave da primeira fase Modernista, e João Cabral de Melo Neto, que se filiava à Geração de 45, mas cujo trabalho de poesia e composição, muito se aproximava dos princípios do Concretismo. Gilberto Mendonça Teles, em seu livro Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, defende que: Quanto ao experimentalismo, esclarecemos que consideramos os movimentos da poesia concreta, neo-concreta e práxis como manifestações do Modernismo, uma das suas últimas fases de evolução. Todas essas tendências possuem os seus ancestrais dentro do modernismo: a poesia concreta, que fez a poesia retroceder à palavra-chave, busca em Oswald de Andrade, Drummond e Cabral os seus precursores brasileiros; e a práxis foi buscar em Mário de Andrade os seus pontos de referência histórica (TELES, 2005, p.34). Sua posição é bem clara quando considera a poesia concreta uma evolução do Modernismo brasileiro. Trata-se de uma continuidade dentro da tradição 60 literária, tradição esta que se pauta pela ruptura com os cânones do momento, como fizeram os futuristas, dadaístas, surrealistas, entre outros. Para Teles, o único movimento que realmente escapa das influências modernistas é o poema-processo, visto que é uma produção que se realiza fora do campo lingüístico, aproximando-se da pintura e da escultura. Portanto, mesmo se pautando por um projeto de inovação e ruptura, a vanguarda concretista promove uma revisão dos valores de outrora, indicando os precursores e listando quais os autores que irão compor o cânone desta nova poética. Ao escrever sobre as obras de seus predecessores, os escritores buscam esclarecimentos para suas próprias atividades e uma orientação para as produções futuras. Desta forma: Ao escolher falar de certos escritores do passado e não de outros, os escritores-críticos efetuam um primeiro julgamento. Assim fazendo, cada um deles estabelece sua própria tradição e, de certa maneira, reescreve a história literária (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.11). O poeta Ferreira Gullar, mesmo discordando do modelo desenvolvido pelos poetas paulistas da Noigandres, fato este que culminará com o seu afastamento do movimento concretista e a criação do Neoconcretismo, no ensaio A Vanguarda e seus Limites, reconhece a importância da estética concretista e o seu vínculo com as vanguardas européias. Segundo Gullar, a arte neoconcreta antecipou em quase uma década as inovações que iriam se manifestar na Europa e isto só foi possível devido ao radicalismo dos paulistas. Com relação à influência das Vanguardas européias nas artes brasileiras, “deve-se reconhecer que tanto a arte concreta brasileira como a neoconcreta, gerada aqui, são desdobramentos da vanguarda européia que, a partir do último pós-guerra, ganhou amplitude mundial” (GULLAR, 1989, p. 01). Apesar de todas as críticas que recebeu, das acusações de ser uma manifestação artística sisuda e alienada, a poesia concreta influenciou uma geração de novos poetas e sua presença ainda persiste dentro do cenário literário mundial até os dias atuais. Basta observarmos os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos por poetas contemporâneos como, por exemplo, Arnaldo Antunes, João Bandeira, Frederico Barbosa, entre outros. 61 Este fato só foi possível devido ao, já mencionado neste trabalho, caráter transnacional dado ao projeto concretista, a partir de um alargamento do campo poético. Este alargamento relaciona-se com a utilização da linguagem de forma reduzida, que permite a esta forma poética uma comunicação sem fronteiras e que se aproxima da linguagem publicitária. Os componentes não verbais do poema concreto e os elementos extralingüísticos contribuem para que a linguagem visual não se identifique com qualquer idioma, possibilitando desta forma a realização de uma poética internacional. No Brasil, estes poetas promoveram uma verdadeira discussão dos valores tradicionais herdados da literatura regionalista e do preciosismo vocabular e intimista da Geração de 45. Como conseqüência, temos uma poética descompromissada com os valores estritamente nacionais e uma abertura para novas formas de artes, como a música, o cinema e a pintura. O tom cosmopolita empregado no projeto concretista reverbera até os dias de hoje e mantém intenso diálogo com o poeta Arnaldo Antunes, que se enxerga sem qualquer identificação com um sentimento regional, nacionalista ou patriótico. É o que tenta mostrar em muitos de seus poemas e letras de canções, como por exemplo na letra da música Lugar Nenhum, composta para a banda Titãs, em que diz: Não sou brasileiro, não sou estrangeiro / Não sou de nenhum lugar, sou de lugar nenhum, sou de lugar nenhum / Não sou de São Paulo, não sou japonês / Não sou carioca, não sou português / Não sou de Brasília, não sou do Brasil / Nenhuma pátria me pariu [...] (ANTUNES, 2006 a, p.237). Para a crítica e poeta Beatriz Amaral (2007, p.1), a poesia contemporânea é marcada por duas correntes distintas e bem definidas. De um lado temos uma poesia mais experimental, em que se destaca a visualidade e a crescente utilização da tecnologia em suas realizações; de outro lado estão os poetas que optam por uma vertente tradicional de poesia, desenvolvendo trabalhos estritamente verbais e restabelecendo um diálogo com as poéticas discursivas que as vanguardas tanto combateram. 62 O poeta e crítico Rodrigo Garcia Lopes se opõe a este modelo de contraposição entre lirismo e formalismo na literatura brasileira contemporânea. Para ele, A oposição binária construída no processo descrito resgata a divisão cartesiana entre mente/ corpo. Lirismo= poesia “escrita com o corpo” (subjetiva, centrada no eu, “dionisíaca”). Formalismo= poesia “escrita com o cérebro” (objetiva, centrada no objeto, “apolínea”). Mas não existem poetas puramente cerebrais e outros puramente intuitivos (LOPES, 2005, p.48). Na concepção de Rodrigo Garcia Lopes, é no mínimo ingênuo considerar que se possa existir poesia sem subjetividade ou poesia sem um trabalho com a linguagem. Portanto, esta cisão da poesia em duas correntes “limita a gama de possibilidades poéticas e discursivas, camufla uma arena de conflitos, uma práxis muito mais rica e complexa” (LOPES, 2005, p.49). É nesse sentido que buscamos compreender a poética de Arnaldo Antunes. 2.3.2 A Ruptura de Gêneros em Arnaldo Antunes Quando partimos para um estudo de autores, poetas e prosadores, contemporâneos, sempre nos deparamos com inúmeras dúvidas. Os textos produzidos no fim do século XX e início do século XXI se encaixam em qual rótulo? A qual período da historiografia literária pertencem? Existe uma literatura pósmoderna? Arnaldo Antunes, autor que analisamos neste trabalho, se encaixa dentro de um momento pós-moderno, ou supera estas discussões propondo a abolição dos rótulos, através de uma obra transgressora e inclassificável? Tentaremos neste trabalho não vincular a poesia de Arnaldo Antunes ao conceito de pós-modernidade, apesar de possuir em sua estrutura muitos elementos que a encaixe dentro de um período pós-moderno, como defendem alguns estudiosos. Neste ponto, seguiremos a posição do próprio Antunes, quando se diz um artista inclassificável, avesso a rótulos. 63 O próprio termo pós-moderno já está sendo colocado em xeque. Para a crítica Linda Hutcheon (1991, p.20), o termo pós-modernismo não deve ser utilizado como sinônimo para qualquer manifestação contemporânea. A autora salienta também que a arte pós-moderna se caracteriza principalmente por ser um conceito passageiro, ou seja, não se estabelece como uma dominante cultural, e que tem como principais marcas a recuperação de um passado (não nostálgico) e a contestação da realidade social e artística do momento. Por isso, uma das maiores marcas deste momento pós-moderno é a paródia. Com o uso da paródia, os artistas pós-modernos conseguem atuar dentro do sistema, subvertendo-o e lutando para a criação de algo novo. Mas esta paródia não se faz apenas na literatura contemporânea. Podemos detectar o uso da mesma em grande parte das obras dos modernistas Oswald de Andrade e Mário de Andrade, ou então em Guimarães Rosa, que se utiliza da técnica da paródia na construção de sua grande obra: Grande Sertão Veredas. Este artifício além de dar um toque de humor na obra, “usa e abusa, instala e depois subverte os próprios conceitos que desafia” (HUTCHEON, 1991, p.19). Outra marca das artes pós-modernas é, na concepção de Linda Hutcheon, a ruptura dos gêneros. Para Hutcheon, a literatura pós-moderna se caracteriza por eliminar as fronteiras entre os gêneros literários. Mais uma vez essa não é uma particularidade da arte pós-moderna, como veremos mais adiante. A denominação dos gêneros literários surge com as manifestações poéticas mais remotas. Por isso, é possível contarmos a história da teoria dos gêneros literários no Ocidente, a partir da Antiguidade greco-romana. O termo gênero vem do latim (genus-eris) e tem diversos significados, como por exemplo: tempo de nascimento, origem, classe, espécie, geração. Quando se insere uma obra dentro de um gênero, o que fazemos é filiá-la a uma classe ou espécie. Ao longo do tempo, a classificação de obras literárias em gêneros vem sendo tratada de diferentes formas. Enquanto alguns teóricos consideram o gênero como categoria imutável e idolatram as obras que têm certa obediência a leis fixas, outros defendem a flexibilidade das fronteiras entre os gêneros. O primeiro momento em que ocorre uma tentativa de ruptura dos gêneros literários é na segunda metade do século XVIII com o Romantismo. Este desejo de se ter uma maior variabilidade dos gêneros ganha força com os autores românticos, que propunham “suas teorias sempre apoiadas no princípio de 64 derrubada das regras clássicas e do conceito de mímesis reduzido à imitação de modelos, no qual elas se baseavam” (SOARES, 1989, p.14). Se com os autores e pensadores românticos há uma preocupação em romper com os paradigmas clássicos dos gêneros literários, com os movimentos de vanguarda do final do século XIX, essa ruptura é levada as últimas conseqüências. Propondo uma desestruturação completa da obra literária, os vanguardistas criaram obras onde é quase impossível delimitar prosa e poesia, narrativa e poema. O poeta e crítico Haroldo de Campos coloca como um dos motivadores da crise dos gêneros o surgimento e solidificação da mass-media. Para Campos: O “hibridismo dos gêneros“, no contexto da revolução industrial que se inicia na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, mas que atinge o seu auge, com o nascimento da grande indústria, na segunda metade do século XIX, passa a se confundir também com o hibridismo dos media, e a se alimentar dele (CAMPOS, 1977, p.1516). Para Haroldo de Campos, o surgimento da grande imprensa teve papel importantíssimo nos caminhos que a literatura iria tomar. A linguagem descontínua e fragmentada do jornal, que o aproxima da conversação, proporciona uma simultaneidade até então inédita nos meios de comunicação. Os autores modernos, principalmente os futuristas, encontram nesta simbiose entre os gêneros e na aproximação das mídias matéria-prima para suas produções literárias. O poeta francês Mallarmé via na imprensa o “moderno poema popular” e inspirou-se na diagramação e nas técnicas de espacialização do jornal para compor seu poema Um Coup de Dés, obra inovadora e que influenciou toda a literatura moderna e porque não dizer pós-moderna. Para o canadense Marshall McLuhan, O hibridismo ou o encontro de dois media é um momento de verdade e revelação, do qual nasce a forma nova [...] O momento do encontro dos media é um momento de libertação e de resgate do entorpecimento e do transe que eles costumam impor aos sentidos (apud CAMPOS, 1977, p.17). 65 O que podemos afirmar é que esta influência chegou até os modernistas brasileiros e conseqüentemente a Arnaldo Antunes, que parece ver no hibridismo literário uma grande saída para a sua produção poética. O que diferencia Antunes dos modernos futuristas é que, para o escritor brasileiro, o uso do massmedia tem também a função de crítica contra o próprio sistema de informações e o avanço tecnológico que domina o modo de vida contemporâneo. Para Hutcheon, esta visão crítica vai ser a grande contribuição da obra pós-moderna. De acordo com a autora, a arte pós-moderna existe para desafiar a crescente uniformização da cultura de massa. E salienta: “desafiar, mas não negar” (HUTCHEON, 1991, p. 22). Arnaldo Antunes utiliza este recurso, mas essa visão crítica do poeta está mais relacionada com a herança de Oswald de Andrade e do movimento Tropicalista, do que com o momento pós-moderno. A apropriação das linguagens da TV e da publicidade é usada com o objetivo de questionar os próprios meios e criticar a invasão da cultura de massa que acaba interferindo também na situação política e social no País. Um bom exemplo é o livro Palavra Desordem, de 2002, em que o poeta subverte vários slogans, como podemos notar nos seguinte poemas: Figura 8 – Poema 66 Podemos notar no primeiro poema a subversão da expressão “dois em um” que o poeta verte para “eu em um”. No segundo exemplo temos uma clara alusão ao sistema “Peg-Pague”, rede de mercados dos anos 70 e 80. O poeta faz uma crítica explícita ao consumismo. A partir do uso de frases curtas, normalmente empregadas na publicidade, na política e nos aforismos, o próprio autor diagramou em letras vazadas brancas sobre o branco do papel, presenciamos um verdadeiro anticlímax semiótico, que gera o estranhamento e a crítica à própria publicidade e à ditadura das frases feitas. Mais uma vez a paródia se faz presente, mostrando que é um ótimo instrumento de contestação a crescente uniformização da cultura de massa. 2.3.3 Uma Poesia sem Fronteiras A relação entre literatura e mídia é outra marca da arte contemporânea, e este fenômeno permite que ocorra um rompimento das fronteiras entre a chamada “alta cultura” e cultura de massa. O fim das fronteiras entre o erudito e o mass-media é outra marca da poesia de Arnaldo Antunes. É o que podemos encontrar no poema em prosa sem título do livro Psia: porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet O’Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigite Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete Grecy, a minha Capitu, a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha Rosemary, a minha Merlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana, a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você ria, suspirava e ria (ANTUNES, 1986, p. 64). Neste poema, encontram-se lado a lado referências à cultura de massa (Brigite Bardot, Bambi, Scarlet O´Hara) e à cultura canônica dos livros (Ceci, Capitu, Pagu), além da dicotomia Brasil x EUA, que é uma marca do Modernismo brasileiro. Antunes utiliza neste texto um discurso impregnado por ares românticos, 67 modificando noções comuns do papel da poesia. Mais uma vez há a presença do tom parodístico, na forma como o sujeito lírico contextualiza suas referências e, através da imitação de uma linguagem sentimental, subverte o discurso. Neste caso, “o poema rompe expectativas ao combinar a cultura popular com a cultura erudita (cinema e literatura), personagens fictícios da literatura brasileira com personagens da história, uma escritora comunista com a cultura de massas” (SANTOS, 2005, p.01). Esse trânsito entre erudito e popular é uma conseqüência proveniente das conquistas das vanguardas, principalmente o fato de as linguagens terem se misturado com o desenvolvimento das tecnologias e da indústria cultural. Arnaldo Antunes nasce depois destes movimentos vanguardistas, o que o possibilita ser mais descontraído no ato de criação. Para o poeta: O fato das linguagens terem se misturado, muito em função da tecnologia também, de certa forma abriu territórios de conversa entre essas categorias de alta e baixa cultura, esse trânsito se tornou mais fluente. Mas eu cresci num meio em que isso já tinha sido conquistado. Para mim não é uma meta. Já é um a priori do qual eu parto com naturalidade, porque venho de uma geração posterior à da Tropicália, da Poesia Concreta, do Cinema Novo, do cinema underground, coisas que trabalharam nessa direção (ANTUNES, 2006 a, p. 341). No final dos anos 80, com o fim dos movimentos de vanguardas e a crise do pensamento utópico, decorrente da queda do socialismo real no Leste Europeu, alguns fatos começam a ser debatidos, como o fim dos projetos coletivos alternativos de renovação artística. Surgem então alguns conceitos novos, como o fim da história e o pós-moderno. Dentro deste contexto, Haroldo de Campos cria o conceito do poema pós-utópico. Um poema que nasce depois das grandes utopias socialistas e vanguardistas de transformação estética e cultural do mundo. Ao projeto totalizador das vanguardas podemos inserir a idéia de uma pluralização das poéticas possíveis sempre em uma dialética com a tradição. Desta forma, “o poema pós-utópico nasce pontualmente nessa conjuntura dialetizada, onde são muitas as possibilidades combinatórias do passado de cultura com a agoridade, a presentidade, a imaginação criativa, a invenção” (CAMPOS, 2003, p. 01). 68 O crítico André Gardel e o poeta Frederico Barbosa classificam poetas como Arnaldo Antunes dentro da categoria dos pós-concretos, pois partem de alguns preceitos já trabalhados na poesia concreta brasileira pelos irmãos Campos e Décio Pignatari, como a inserção da escrita ideogrâmica na escrita alfabética ocidental, a pesquisa gráfica e a revitalização do verbal, a contaminação dos meios, dos suportes e a poesia visual construtivista, renovando-os e seguindo outros caminhos particulares e revitalizantes para a poesia. Apesar das influências dos concretos, das Vanguardas européias, do Modernismo brasileiro e da Tropicália, mais uma vez devemos tomar cuidado para não cair nas armadilhas dos rótulos. Arnaldo Antunes é um grande exemplo deste novo poeta brasileiro. Um artista que trafega por todas as formas, sem preconceitos e amarras. É essa liberdade que permite ao artista Arnaldo Antunes escrever tanto um soneto quanto criar um clipoema. Em entrevista para a revista Cult, em decorrência do lançamento de seu livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, o próprio Arnaldo Antunes se denomina “inclassificável” e ataca toda e qualquer tentativa de se rotular um produto artístico. Para ele: É muito mais saudável esse estado de coisas com o qual a gente convive cotidianamente, um estado pluralista, diverso, no qual a novidade pode despontar para muitos lados e acaba-se criando um repertório mais solto. Meu livro, por exemplo, inclui poemas absolutamente verbais e outros visuais, outros caligráficos; além do CD, que é a sonorização disso (ANTUNES, 1997, p.09). A grande contribuição de Arnaldo Antunes para a literatura contemporânea é, portanto, produzir uma poesia que busque “trabalhar dentro da cultura de massas, da linguagem pop, mas sempre empurrando um pouco o padrão do gosto comum para o lado da estranheza” (ANTUNES, 1997, p.1). Para isso, o poeta não abre mão das tecnologias de vídeo e hipertexto, e não titubeia em misturar o erudito e o popular, as altas literaturas com a cultura pop e massiva. Por isso, Arnaldo Antunes é um poeta de seu tempo. Um poeta globalizado, cibernético e tribal, impresso e oral, urbano e ecológico. Em resumo, um verdadeiro “pedagogo da estranheza”. (GARDEL, 2006, p.1), criador de uma obra multifacetada e cuja convergência de diversos e diferentes suportes gera uma poesia multimídia antenada com seu tempo, sem perder o seu caráter universal. 69 Os vários adjetivos atribuídos a Arnaldo Antunes levam-nos a acreditar ainda mais que não se trata de um poeta rotulado. Explicamos. Antunes circula entre várias ideologias e emprega saberes e práticas de diversas áreas do conhecimento, não se especializando em um especificamente. Por isso essa dificuldade de enquadrar o poeta e suas expressões artísticas. É o que vamos observar no próximo capítulo, em que falaremos sobre a característica multimídia presente em toda obra de Arnaldo Antunes, em especial no projeto livro-vídeo-CD Nome, com a qual o ex-titãs leva as experiências multimídias às últimas conseqüências. 70 CAPÍTULO III – NOME: UM PROJETO MULTIMÍDIA “tá viva a letra...” Jardelina da Silva 3.1 SENTIDOS EM TODOS OS SENTIDOS Em 1929, Walter Benjamim, impressionado com a escritura dos anúncios luminosos que tomavam conta das ruas, profetizava que “o livro, na sua forma tradicional, encaminha-se para o seu fim” (BENJAMIM apud MACHADO, 1996, p.169). Atualmente, os novos suportes tecnológicos vêm redefinindo o conceito de escritura e promovendo grandes mudanças no modo de produção textual. É nesta direção que aponta a poesia de Arnaldo Antunes. Dentre os autores contemporâneos, Arnaldo Antunes é, ao lado de Augusto de Campos, um dos poetas que melhor representam uma modalidade de poesia que transita por diversos e diferentes suportes. Poesia esta que se faz multimídia e multiplica sua capacidade de comunicação com o leitor. Os autores que se utilizam das novas tecnologias para produção poética não representam, na visão de Antônio Risério, uma anomalia. Para o antropólogo e poeta, “antes que constituir um caso excêntrico ou patológico, ele está simplesmente mergulhando no mundo das técnicas escriturais que se acham, hoje, ao seu dispor” (RISÉRIO, 1998, p.49). Leon Trotski, em seu livro Literatura e Revolução (1969), polemizava com os formalistas russos, enfatizando que seria ingenuidade pensar que se pudesse traçar a história da poesia de Homero a Maiakovski, sem levar em conta a presença da luz elétrica, ou seja, da influência das novas e grandes transformações do mundo na poesia. O poeta Arnaldo Antunes se destaca na produção contemporânea justamente por assumir uma postura pacífica com as novas tecnologias, dando a sua poesia um caráter plural com “uma qualidade extrasensorial, no sentido que suas 71 criações poéticas não só abrangem tematicamente as percepções sensoriais, mas também exploram os efeitos dessas percepções no leitor” (SANTOS, 2005, p. 01). O crítico Charles A. Perrone define o trabalho de Antunes como: verso nominativo minimalista e arte verbal-gráfica, chegando até a poesia visual, a caligrafia lúcida e as palavras-imagens geradas no computador. Tal produção justamente pertence à categoria de criação intersemiótica” (PERRONE apud SANTOS, 2005, p.01). Esta intersemioticidade presente na obra de Arnaldo Antunes e que acontece na convergência de diversos signos, vem de uma tendência que há algumas décadas norteia o mundo das artes, o conceito de hibridação dos saberes. O termo híbrido provem da palavra grega hÿbris (“desmedido”, “excesso”) e significa mistura de espécies diferentes. Para o filósofo Charles Feitosa: O híbrido não é o resultado da fusão de dois diferentes em um terceiro ser, único e homogêneo, mas sim um ser caracterizado pela interferência das diferenças, nas suas tensões e ambigüidades. Na biologia, os híbridos costumam ser caracterizados pela esterilidade. É o caso da mula, resultado do cruzamento do asno e da égua. Na cultura, entretanto, as formas híbridas podem ser muito férteis. Conjugam-se arte com ciência; corpos com máquinas; público com privado; ocidental com oriental, gerando novas estruturas, objetos e práticas (FEITOSA, 2006, p.113). Com as poéticas híbridas aparece um novo dado para o universo das artes: a simultaneidade. Este caráter de simultaneidade percorre toda a trajetória de Arnaldo Antunes, não só na poesia, mas também nas artes-plásticas e na música. Das obras de poesia do autor, o processo simultâneo pode ser encontrado praticamente em todos seus livros, e em maior grau no livro-cd 2 ou + corpos no mesmo espaço e no livro-vídeo-CD Nome. Nestas duas obras, o conceito de simultaneidade atinge toda sua plenitude, haja vista a presença de outras mídias além do livro, em um casamento perfeito entre texto, imagem e som. A simultaneidade se dá dentro da poesia de Arnaldo Antunes de duas formas: dentro do espaço sintático e no terreno gráfico do poema. A simultaneidade no espaço sintático é um procedimento que foi se tornando recorrente na poesia de Antunes e consiste no corte de uma determinada palavra 72 fazendo aparecer uma outra parte dela que se constitui uma outra palavra, como podemos averiguar, por exemplo, no poema solto: Figura 9 – (ANTUNES, 2005, p.13). Este poema permite mais de uma leitura. Pode-se ler “solto do solo” ou ainda “sol todo solo”. Podemos observar o mesmo efeito no poema meu nome, também do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço: Figura 10 – (ANTUNES, 2005, p.14). 73 É visível a simultaneidade neste poema, principalmente nos últimos três versos, onde também podemos fazer duas leituras: “não me coa” e “não me ecoa”, além dos cortes nas palavras some e nome, transformando as letras e em conjunções aditivas. Este procedimento contém a idéia do ideograma, em que as partes formam uma terceira coisa, preservando-se também enquanto informações autônomas. A técnica de corte de palavras pode ser encontrada principalmente na obra do americano e.e. cummings, cujos poemas tipográficos influenciaram os concretistas paulistas, e também Arnaldo Antunes, como podemos observar naquele que é considerado o mais perfeito poema cummingsiano: Figura 11 – (CUMMINGS, 1986, p. 32). Este poema de e.e.cummings é feito de apenas uma palavra e uma frase: loneliness (solidão) e a leaf falls (uma folha cai). Em uma espécie de haicai tipográfico, o poeta soube como ninguém utilizar o recurso da simultaneidade para construir um poema ao mesmo tempo lírico e construtivista, desmontando mais uma vez a tese de que existem apenas dois tipos de poetas: os líricos, discursivos; e os formalistas, cerebrais, avessos ao lirismo. A simultaneidade no campo sintático aparece também em outros livros do autor, como no último poema de As coisas, de 1992, o que (se) se foi é (s)ido: 74 Figura 12 – (ANTUNES, 2006 a, p. 113). Este poema possui quatro diferentes possibilidades de leitura: “o que foi é ido”, “o que foi é sido”, “o que se foi é sido”, “o que se foi é ido”. Temos neste exemplo um jogo visual e sonoro com o vocábulo e a letra parentética, e com as conjugações do verbo “ir” e “ser”. Neste poema, Antunes nos mostra como em seus trabalhos as palavras também se tornam sinais visuais, existindo, em inúmeros casos, uma simultaneidade visual. Já no terreno gráfico, a simultaneidade ocorre de forma mais explícita em vários trabalhos de Arnaldo Antunes, como no poema Derme/Verme do livro Tudos, de 1990: Figura 13 – (ANTUNES, 1990). Além do aspecto verbal construído a partir da paronomásia “derme / verme”, muitos outros pontos podem ser salientados nesta obra. Primeiramente, podemos notar que a palavra “derme” é repetida inúmeras vezes em diferentes formas de grafia manual, ao passo que a palavra “verme” aparece uma única vez, 75 apresentada através de uma tipologia antiga, já com sinais de deterioração. É visível a referência que Antunes faz à decomposição do corpo humano após a morte e a relação com a mesma deterioração da linguagem em relação aos seus meios de produção e reprodução. Outro aspecto que podemos notar é que a letra “M”, da palavra “derme”, é o carimbo da palma da mão do poeta ampliado, e que a mesma não aparece na palavra “verme”, o que, além de apontar a ausência de algo, possibilita ainda a leitura do infinitivo “ver” e da conjunção “e”, unidos na expressão “ver e...”, que indica um gesto inconcluso. A partir da análise deste poema, percebemos na poesia de Arnaldo Antunes um constante desejo de “enlouquecer o subjétil”, usando a expressão cunhada por Jaques Derrida em seu livro homônimo, em que o filósofo argelino analisa os desenhos do poeta e dramaturgo Antonin Artaud, que se constróem a partir de intervenções da escrita. O leitmotif em ambos os poetas parece ser o mesmo: penetrar e subverter os suportes. É o que defende Derrida: O subjétil, tela ou suporte da representação, deve ser atravessado pelo projétil. Deve-se passar abaixo dele que já se encontra em baixo. Seu corpo inerte não deve resistir demais. Se o fizer, deve ser maltratado, atacado violentamente (DERRIDA, 1998, p. 45). Há, em vários poemas impressos em livro, uma preocupação de Arnaldo Antunes com a visualidade em movimento. Não podemos esquecer que esta atenção para o movimento já era uma marca da poesia concreta e principalmente do movimento capitaneado por Wlademir Dias-Pino, o poema processo. Em Arnaldo Antunes, as experiências com o poema processo e a visualidade em movimento atingem sua maturidade com dois projetos onde o fenômeno multimídia mais se faz presente: Nome e 2 ou + corpos no mesmo espaço. No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, Arnaldo Antunes dá movimento aos poemas através do som da voz. O poeta se propõe a fazer uma recuperação da performance da voz na poesia, buscando uma oralidade experimental semelhante às experiências desenvolvidas pelos dadaístas e futuristas russos. É o que podemos encontrar, por exemplo, no poema agá: 76 Figura 14 – (ANTUNES, 2005, p.45). A oralização feita por Antunes, e disponível no CD que acompanha o livro, expressa de forma muito verossímil a experiência visual, em que o vocábulo “quase” gradualmente desaparece, e o “agá” gagueja, quase silencia ou quase ecoa no poema. Mas é no projeto anterior, o livro-vídeo-CD Nome, que Arnaldo Antunes experimenta de forma mais ousada a poesia multimídia e a simultaneidade. Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, essas experiências com o movimento puderam ser levadas adiante através das poéticas multimídias, principalmente com a videopoesia, de que Arnaldo Antunes é um dos pioneiros no Brasil. Para Denise Guimarães: Indubitavelmente, a conquista mais importante é o movimento, que já existia de forma latente no poema visual e, agora, passa a ser incorporado à poesia multimídia, criando uma maneira diferente de fruição. Como conseqüência, as relações de leitura ampliam-se e redefinem-se, uma vez que, de certa maneira, observa-se uma retomada do caráter pictórico na escrita em suporte multimidiático e sua apresentação visual reveste-se de intencionalidades significativas (GUIMARÃES, 2004, p. 13). O poeta Arnaldo Antunes se propõe efetivamente a promover a partir da recepção do leitor, uma recuperação dos sentidos, que há algumas décadas vêm sendo engessados pelos veículos de massa, como a televisão e o rádio, “lembrando ao leitor sua presença física numa época de intensa tecnologia e consumo” (SANTOS, 2005, p.10). Podemos enxergar aí um paradoxo na obra do poeta: quanto 77 mais se aproxima da tecnologia, mais Antunes ressalta a questão dos sentidos. Um exemplo que ilustra bem esta proposta é o poema bocas de Antunes, inserido no livro Tudos, que consiste em uma fotomontagem do poeta com cinco bocas sobrepostas num rosto composto só de bocas. A referência ao Oswald se Andrade antropófago é evidente. O próprio poeta estranha o panorama contemporâneo, apontando o paradoxo gerado pela incorporação das tecnologias ao mundo das artes. Para Antunes: A mesma era das especializações, que radicalizou as divisões na produção, gerou, no campo das artes, a interação simultânea de códigos. Surgiram o cinema, a TV, a arte conceitual, os happenings e performances, ready mades, poemas-objetos, holografias. Na música pop, surgiram os clips. Nos estudos da linguagem, a semiótica. Simultaneidade dos sentidos. Assobiar chupando cana (ANTUNES, 2004, p. 47). É o que veremos a seguir quando abordaremos a criação do projeto multimídia Nome, um trabalho ímpar dentro da história da poesia e da literatura brasileira. 3.2 O NOME DISSO É NOME No ano de 1993, Arnaldo Antunes lança o vídeo-livro-CD Nome, considerado como seu trabalho mais representativo. É o primeiro lançamento no circuito nacional de uma produção poética multimídia, que incorpora ao texto o suporte do vídeo e da música. O projeto nasce logo após a saída de Antunes da banda Titãs e consiste em um livro de poemas acompanhado de um vídeo-home (VHS) e um CD, sendo que o poeta, para divulgar o trabalho (primeiro disco solo de sua carreira) sai em turnê realizando inúmeros shows por todo o Brasil. As apresentações foram acompanhadas da exibição, em telão, dos videopoemas. Temos neste momento uma das primeiras manifestações da chamada polipoesia, sendo praticada em nosso País. Como já vimos anteriormente, a polipoesia se 78 caracteriza por unir a poesia a outros suportes como a pintura, o vídeo, a música, a poesia sonora e a performance, entre outros. Quem presenciou as apresentações de Arnaldo Antunes em 1993, pôde ter contato com uma obra singular, onde as presenças do poeta e do público são de vital importância para a realização da mesma. O livro segue aquilo que já vinha sendo produzido por Antunes, uma poesia calcada na visualidade, com profundas influências das vanguardas literárias, em especial a poesia concreta e a antropofagia de Oswald de Andrade. O importante desta obra é que Antunes tenta levar a poesia para além do livro impresso, recuperando uma oralidade, em um nível experimental, que há tempos foi expulsa do território poético pela cultura letrada. Além da recuperação da voz matéria como elemento poético, e que será levada às últimas conseqüências no seu trabalho seguinte, o livro-CD 2 ou + corpos no mesmo espaço, Arnaldo Antunes é um dos primeiros, no Brasil, a realizar experiências com a visualidade em movimento. É o que o poeta faz de forma magistral neste trabalho. O vídeo Nome é composto de 30 videopoemas que combinam letras animadas com cores mutantes, imagens tomadas por câmeras de vídeo, oralização e música. As animações foram realizadas no Estúdio Kikcal, atual TV Pingüim, por Arnaldo Antunes, Célia Catunda, Kiko Mistrorigo e Zaba Moreau, na cidade de São Paulo, de janeiro de 1992 a agosto de 1993. As animações Carnaval, Direitinho e Imagem contaram com a participação do artista plástico e videomaker Walter Silveira. Os vídeos Nome Não, E só e Alta Noite foram realizados no Rio de Janeiro, de março a julho de 1993, e contaram com a colaboração de Arthur Fontes, da Conspiração Filmes. A parte sonora, registrada em CD, contou com as participações de Arto Lindsay: guitarra e voz em O macaco, Não tem que, Armazém e Dentro; Edgard Scandurra: guitarra em Nome e Se não se; João Donato: piano em Alta Noite; Marisa Monte: voz em Cultura, Carnaval, Direitinho e Alta Noite; Péricles Cavalcanti: voz e violão em Entre e Imagem. EM 2006, o projeto Nome foi relançado em uma versão no formato CD-DVD, sendo de uma vez por todas eliminado o suporte livro. As imagens foram restauradas, o som remixado e remasterizado. O DVD tem ainda como extras os poemas do formato livro, além das traduções dos 30 poemas para o espanhol, 79 realizadas pelos poetas Ivana Volaro, Reynaldo Jiménez e Ivan Larraguibel, e para o inglês, realizadas por Peter Price, com supervisão de Noemi Jaffe. O estranhamento gerado pelo formato multimídia de Nome fez com que a obra produzisse as mais diversas reações da crítica. Os primeiros registros críticos acerca da obra consideravam os elementos constitutivos do kit livro + CD+ vídeo como independentes entre si. Marcel Plasse, na matéria Arnaldo Antunes mostra seu primeiro solo, publicada no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, em 1994, apresenta Nome apenas como disco, considerando o vídeo um simples apêndice, enquanto o livro nem é citado. Alguns críticos, como Luís Antônio Giron, fazendo uma revisão histórica da obra do poeta, em decorrência do lançamento de Ninguém, segundo disco solo de Antunes, enxergam em seu trabalho um esgotamento poético: Que bonito é o ex-titã Arnaldo sambando o miudinho no seu segundo CD. O primeiro, feito com restos dos Titãs, eu sou capaz de apostar minha reputação como não vendeu 2 mil cópias, tão chato era. [...] O disco evidencia, porém, que expirou a validade da poética antunesina. Epígono dos concretos, suas letras empacaram na paronomásia e na enumeração caótica. Em vez de criar uma palavravalise como Khliébnikov, o bardo dos Jardins forja a palvra-mala (GIRON, 1994, p. 05-09). O crítico além de cometer a falha de analisar o trabalho Nome apenas como um CD de rock, dispensando o diálogo multimídia entre os suportes usados, mostra todo o seu preconceito e provincianismo ao considerar um trabalho experimental como uma produção menor. Se uma parcela da crítica abomina este trabalho, outro grupo considera o poeta uma das grandes revelações nas letras nacionais. Um poeta que “pensa inteiro. É uno e múltiplo” (GONÇALVES, 1994, p.16). Miriam Chnaiderman relaciona o poeta com uma “arte [que] irrompe no mundo causando estranheza, quebrando os espelhos que cada um tem em si” (CHNAIDERMAN, 1994, p.7). Esta estranheza gerada por Nome continua a produzir um mal-estar na crítica, que não consegue encaixar a obra em nenhum gênero literário ou musical, e por isso bate sempre na mesma tecla de que essa poesia pertence a um grupo que atesta a “decadência” da arte, típica da produção estética da modernidade. O poeta e antropólogo Antônio Risério (1994, p.1) mostra-se revoltado 80 com a vertente negativista da recepção do projeto Nome. Para ele, o “poeta-músico” Arnaldo Antunes realiza “uma farra de letras envolvendo vídeo, livro e CD”. Na concepção do antropólogo, Nome é “um trabalho forte, brilhante e sedutor. Uma celebração da visualidade da escrita”. Ao introduzir o computador em sua poesia, Arnaldo Antunes conseguiu colocar em prática a proposta de Oswald de Andrade de unir o tecnológico ao tribal. Uma obra onde “o óbvio, o cotidiano, a cidade ou o campo se transfiguram: a água se geometriza, botões rebrilham estranhamente, o túnel é fantasmático, tudo numa viagem de renovação da experiência das formas do mundo” (RISÉRIO, 1994, p.1). Ainda sobre a relação de Antunes com a tecnologia, Denise Guimarães afirma: Vejo no trabalho desenvolvido por Arnaldo Antunes um exemplo relevante de uma conduta artística que, além de incorporar as transformações oriundas das novas tecnologias, verificadas mundialmente no decorrer do século XX, possibilita também sua popularização. De modo inédito, o artista estabelece uma relação simbiótica e intersemiótica com os recursos tecnológicos, para dar forma a sua expressão interferindo em processos anteriormente distantes da dimensão criativa (GUIMARÃES, 2004, p. 171). Observando estas impressões sobre o projeto Nome, podemos perguntar se existe uma hierarquização dos suportes ou se podemos enxergá-los como produtos independentes. À primeira vista, podemos considerar a autonomia dos três suportes, haja vista que cada um representa uma forma diferente de inserção social. O livro coloca em cena a tradição da cultura baseada no verbo, já que “escrever é inscrever-se na História da Literatura” (ALBERTINO, 1999, p.67). O disco por sua vez, representa um dos maiores símbolos da mercantilização da cultura e a idéia da industrialização norteia toda a história da música popular no século XX. Com a invenção do gramofone e o surgimento da indústria do disco e das rádios comerciais, a música e seu respectivo suporte disco perderam muito das suas credibilidades como objetos artísticos. Por fim, o vídeo representa o lugar da experimentação. Isto se deve à própria história do vídeo como um suporte artístico que desde seu início, com os videomakers, surge como um campo de experiências no terreno da linguagem. 81 No caso de Nome, os três suportes aparecem emaranhados em um único projeto e é a hibridação destes meios, em um processo de intercâmbio de propriedades que faz do trabalho de Arnaldo Antunes algo tão ímpar dentro da produção poética brasileira. Após esta rápida apresentação do projeto Nome, iremos analisar alguns videopoemas contidos no DVD-CD Nome, tentando mostrar alguns aspectos já discutidos neste trabalho, como a presença da tecnologia nas artes, em especial na literatura; as implicações das hibridações e da fragmentação dos gêneros na recepção dos poemas de Arnaldo Antunes; o resgate dos sentidos que a todo momento são promovidos pela obra do poeta; a presença constante da palavra em todos os trabalhos presentes no projeto, entre outras particularidades e discussões que a obra multimidiática de Antunes apresenta e propõe. Visando uma melhor organização das idéias nas análises dos vídeopoemas, dividimos as 30 peças em três grupos: 1- Videopoemas em formato videoclipe/ videoarte: poemas em que a música ou o som da voz é a protagonista. Os vídeos ou animações acrescentam elementos novos às letras das canções. Neste grupo estão os poemas: E só, Alta-Noite, Cultura, Nome não, Diferente e O macaco, Direitinho, Carnaval e Mesmo. 2- Videopoemas recuperação dos sentidos: neste grupo estão os poemas que promovem uma discussão sobre os sentidos humanos e uma revalorização do corpo: Imagem, Não tem que, Agora, Sol ouço, Pessoa, Campo, Tato e Luz 3- Videopoemas com palavras animadas: são os poemas que dialogam com as experiências concretistas. Nestes poemas se destacam o caráter verbivocovisual e a constante presença da palavra. Uma marca da poesia concreta dos anos 50. Estão neste grupo os poemas: Pênis Fênis, Dentro, Ar, Água, Arma Zen, ABC, Wherever Entre, Se não se, Acordo, Soneto, Nome, Campo e Pouco. Devemos salientar que esta divisão foi feita para facilitar o trabalho de análise, não sendo, portanto, um modelo fixo. Muitos dos poemas poderiam estar em mais de um grupo, visto o diálogo que ocorre entre eles. Depois de feita esta 82 divisão, escolhemos três videopoemas, um de cada grupo, para serem analisados. Os poemas a serem analisados são: Nome Não, Agora e Armazém.4 3.2.1 Nome Não – A Nomenclatura do Mundo O que nós vemos das coisas são as coisas. Alberto Caeiro Nesta primeira peça a ser analisada, temos um excelente exemplo de como o formato videoclipe musical se sedimentou dentro da cultura contemporânea, assumindo um grau de complexidade e qualidade que se distancia muito das primeiras experiências com o formato. Se no seu início, por volta dos anos 80, as imagens eram inseridas como meros suportes narrativos para a canção pop, com o desenvolvimento das tecnologias de vídeo e a aproximação dos videoartistas da linguagem televisiva, as relações entre os elementos sonoros (tempo, ritmo, arranjo, espaço acústico e letra) e visuais (movimentos de câmera, performance do artista, edição de imagens e efeitos de pós-produção) ganham uma outra dimensão, resultando em videoclipes com status de videoarte. Na verdade, a origem do videoclipe está diretamente ligada ao cinema. O videoclipe tem antecedentes diretos no cinema de vanguarda dos anos 20. Já nesta época, os cineastas vanguardistas tentavam criar uma linguagem que fosse própria do meio audiovisual, distanciando-se da literatura e do teatro. Com o surgimento do videotape, nos anos 70, e do videocassete doméstico, nos anos 80, os produtores começaram a aproximar a linguagem do cinema à da televisão. É exatamente nos anos 80 que surge a MTV (Music Televison), canal exclusivo de veiculação de videoclipes musicais e cultura jovem, que vai contribuir muito para a solidificação do formato. O poeta Arnaldo Antunes cresceu neste meio. Primeiramente como integrante de uma banda típica de rock pop, os Titãs, e depois como um artista solo, 4 Em anexo encontra-se uma cópia do DVD Nome. 83 também ligado ao universo pop. Antunes, por ser também poeta e artista plástico, adiciona novos elementos ao universo dos videoclipes musicais, sendo a experiência com a palavra uma delas, e talvez a maior contribuição deste artista. Nome Não é um videoclipe e um videopoema. Videoclipe, pois a matriz é a canção, a música, e é ela quem vai direcionar as imagens do vídeo. Videopoema porque o poeta insere a palavra enquanto ícone em movimento e suas relações com as imagens. A onipresença da música é uma constante em grande parte das peças de Nome, que são construídas a partir de uma imbricação dos ritmos visuais e musicais. A palavra também é outra protagonista em toda obra de Arnaldo Antunes. O próprio Antunes declara: “é por meio da palavra que eu transito entre as linguagens. Ela é uma espécie de intersecção” (In: FEIX, 2004, p.9). O videopoema Nome Não é fruto de uma tradução intersemiótica, ou seja, foi criado a partir de uma adaptação do poema no formato impresso publicado primeiramente em 1990 no livro Tudos, para a linguagem do vídeo. Nesta primeira versão, Nome Não (2006a, p. 59-61) tem as estruturas de um poema verbal: Os nomes dos bichos não são os bichos. Os bichos são: macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha. Os nomes das cores não são as cores. As cores são: preto azul amarelo verde vermelho marrom. Os nomes dos sons não são os sons. Os sons são: Só os bichos são bichos. Só as cores são cores. Só os sons são som são nome não 84 Os nomes dos bichos não são os bichos. Os bichos são: plástico pedra pelúcia ferro madeira cristal porcelana papel. Os nomes das cores não são as cores. As cores são: tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê Os nome dos sons. Em 93, Antunes revisita o poema, que ganha o seguinte formato impresso em livro: Figura 15 – Poema Por fim, o mesmo poema, no vídeo, assume uma estrutura apoiada na narratividade do videoclipe, com um intenso diálogo entre música – construção melódica, harmônica e interpretação – e imagem em movimento. 85 As mudanças ocorridas entre uma versão e outra são visivelmente radicais e mostram como o uso da tecnologia contribui para a expansão dos efeitos sinestésicos do poema. Esta característica de Antunes em recriar poemas antigos, acrescentando novos significados, é uma prática constante na trajetória do poeta. Este mesmo procedimento pode ser encontrado em pelo menos duas outras peças do projeto Nome: nos poemas Luz e Campo. Em Luz, publicado a princípio no livro Psia, de 86, Arnaldo Antunes converte os versos originais, falados pelo próprio poeta em um tom monocórdico e mântrico, “Luz na luz não é nada, só sombra é nada na luz”, no piscar nervoso de um ponto luminoso, que trabalhado eletronicamente, transforma a luz em uma textura ótica, em que fica impossível fazer a distinção entre superfície e fundo, gerando um borrão, uma sombra composta apenas de luz. No caso de Campo, retirado do livro As Coisas, de 92, podemos enxergar uma câmera que passa de forma acelerada, rente a um chão de terra. Sobre esta paisagem de fundo são escritas, em primeiro plano, as frases que constituem o poema e que se espicham e se estreitam, fazendo o texto expandir até ocupar todo o espaço da tela, ou comprimir-se até desaparecer. A tecnologia do vídeo corporifica a palavra, introduz o tátil. Temos então um olhar que apalpa os objetos, em decorrência da espessura criada entre aquele que vê e a coisa vista. Arnaldo Antunes mais uma vez acrescenta novas nuances a um poema em prosa, nitidamente verbal, tornando-o muito mais rico e complexo, exigindo que o leitor penetre no poema e retire dele novas sensações. Em Nome Não, logo no início da peça, aparece um grupo de homens forjando letras que mais a frente descobriremos se tratar da palavra Nome. Aí reside o centro temático do vídeo e uma das presenças mais fortes na obra de Arnaldo Antunes: a nomenclatura. Neste poema especificamente, temos um diálogo de Arnaldo com as teorias do lingüísta Ferdinand Saussure. Para Saussure (1999), é a perspectiva que cria o objeto, e as convenções institucionalizadas que compõem a linguagem. Ambas as teorias foram desenvolvidas pelo suíço no Curso de Lingüística Geral, de 1916, obra que revolucionou os estudos de lingüística e comunicação no mundo. Como um bom antropófago e herdeiro da poesia concreta, Arnaldo Antunes dialoga constantemente com essas teorias, sendo que muitas delas podem 86 ser encontradas em seus poemas. Um dos pontos mais marcantes neste diálogo oriunda da idéia de Saussure (1999) de que conceber a língua meramente como uma nomeação é superficial. Daí o porquê de o título do videopoema de Antunes ser Nome Não. O poeta apenas confirma a idéia de que um signo lingüístico não é uma ligação entre uma coisa e um nome, mas entre um conceito e um padrão de som. Na verdade, Antunes põe em prática as teorias do lingüísta suíço, ao realizar um dinâmico jogo que parte da idéia de que os nomes dados às coisas ou aos seres, por meio das palavras, são códigos que ultrapassam os limites do sentido referencial e atingem um contexto subjetivo. Isto é, “o nome dos bichos não são os bichos”, os nomes apenas representam os bichos. No vídeo essa idéia é exemplificada pela imagem de um cavalo sendo pintado com a palavra cavalo, para que se confirme sua condição. De fato, as palavras são representações, ou seja, símbolos que nos surpreendem quando as percebemos em seus mais inesperados sentidos. Mas essa percepção só é possível quando praticamos uma leitura que subverte a sua ordem. Subversão essa que aparece no vídeo no momento em que a palavra azul aparece dentro de uma piscina pintada de vermelho. Ao realizar este procedimento, Antunes provoca uma inversão das expectativas, afastando o leitor do sentido original, conduzindo-o a uma reflexão do processo visual que ocorre ao olhar a imagem do vídeo. Sobre essa inversão de sentido que sua obra provoca, Antunes afirma: No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação, pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo (ANTUNES, 2006 a, p. 324). Deparamo-nos a todo momento com um movimento de estranhamento em que o poeta descreve os objetos como se estivessem sendo vistos pela primeira vez. Como se, ao entrar neste universo lúdico, fosse possível “manter contato com as imagens e as palavras sendo criadas, se desenvolvendo e buscando também uma experiência fecundante de sentidos” (SACRAMENTO, 2002, p.9). Em cada uma das seqüências de Nome Não, o poeta brinca com as palavras e seus significados, mostrando como ambos são transitórios que nenhum suporte é estático. Isto se dá mais explicitamente no final do vídeo, quando os animais são 87 lavados e percebemos ser a tinta também lavável. Essa condição é um alívio tanto para o animal, quanto para quem assiste, pois ao vermos as palavras se desfazendo com o jato de água, entendemos que as mesmas não podem e não devem ser eternizadas. 3.2.2 Tudo ao Mesmo Tempo Agora “o olhouvido ouvê” Décio Pignatari Das inúmeras discussões que podem ser levantadas a respeito do vídeo Agora, elencamos três características que são facilmente perceptíveis ao contato com a peça, e que para nós resumem bem o que é o projeto poético de Arnaldo Antunes. São elas: a questão da simultaneidade dos sentidos; a presença da tecnologia na literatura e a discussão sobre a temporalidade no mundo contemporâneo. A simultaneidade dos sentidos, como pudemos ver há algumas páginas atrás, no tópico Sentidos em todos os sentidos, está presente praticamente em toda a trajetória poética de Arnaldo Antunes e isso se acentuou ainda mais quando o poeta começou a usar a tecnologia para criar ou transcriar seus poemas. Em Agora, essa idéia é explorada à exaustão. O poema que foi primeiramente publicado no livro e que aparece no encarte e no bônus do DVD de 2006 recebe o seguinte tratamento visual: 88 Figura 16 – Poema O primeiro elemento que podemos destacar neste poema visual é a questão da crise do verso institucionalizada por Mallarmé que propõe uma não linearidade de leitura textual a partir da disposição das palavras, como já vimos anteriormente. Em Agora, Antunes problematiza a recepção do leitor, ao inserir o “já passou” na vertical e a palavra “agora” sobrepondo o primeiro enunciado, produzindo um efeito de tridimensionalidade no poema. Esta corporificação da palavra, transformando-a em ícone, dá ao poema uma idéia de movimento tanto do aspecto visual quanto sonoro. Notamos aí um diálogo de Antunes com a tradição concretista, mais especificamente com o poema Velocidade, de Ronaldo Azeredo: 89 Figura 17 – Poema Os dois poemas se assemelham quanto às estruturas, sendo que a sugestão de movimento é dada pela composição tipológica de ambos. Nos dois casos, o conceito de velocidade está sendo discutido: a velocidade enquanto marca de uma sociedade moderna e industrializada. Quando transportado para o suporte de vídeo, o poema Agora assume uma nova forma. Fazendo uso de um editor de imagens, o poeta, assessorado por sua equipe técnica e artística, despeja um turbilhão de imagens em altíssima velocidade, ficando impossível para o espectador conseguir fixar o olhar em algo. O enunciado “já passou” se transforma em voz; a voz do próprio poeta, que editada eletronicamente, não finaliza a frase, mostrando que a voz também sofre o efeito da velocidade, dentro do caos sonoro que é a cidade. Nesta peça, Arnaldo Antunes consegue com precisão unir o verbal e o icônico e isso só é possível pelo uso da tecnologia, que abre para o poema novas vias de significações ainda mais elaboradas, potencializando os efeitos sinestésicos e estéticos do trabalho impresso. Podemos considerar Arnaldo Antunes, seguindo a concepção de Giuliano Tosin, como um poeta-técnico, ou seja, poeta que buscou aprimorar seus conhecimentos nas novas tecnologias para que não dependesse apenas dos técnicos operadores e pudesse realizar suas obras com próprio punho. No fundo, todo poeta é um técnico e a história mostra como sempre se adaptaram às tecnologias de suas épocas. No período medieval, os trovadores conheciam e dominavam a técnica oral da poesia; com a invenção da prensa, o poeta teve que se 90 transformar em conhecedor da técnica da escrita para conseguir se comunicar; com as tecnologias audiovisuais não poderia ser diferente. No entanto, não basta apenas conhecer a técnica para ser um grande poeta. Segundo Tosin: A tecnologia sugere, mas não impõe, o intelecto e a sensibilidade do poeta devem encontrar estruturas que sejam realmente inovadoras, maneiras novas de organizar os signos, que se desliguem ao máximo das experiências do passado, para que então possa se falar de uma nova linguagem, ao invés de adequações de velhas idéias aos novos suportes (TOSIN, 2003, p.205). O que notamos neste trabalho de Arnaldo Antunes é que o poeta não faz apenas uma adequação do poema para o novo suporte. As relações que cria entre o discurso visual, representado pelo mosaico de imagens que despeja na tela e as palavras, e o discurso sonoro são deveras intensos e marcam uma poesia de extrema precisão técnica e de caráter intersemiótico. O tema central de Agora é a discussão sobre a temporalidade na modernidade e a forma como o homem se relaciona com esse tempo. Antes de tudo, devemos fazer uma breve reflexão sobre alguns conceitos de modernidade. O termo “moderno”, grosso modo, pode ser considerado como algo atual, oposto a idéia de antigo, ultrapassado. Para Gilvan Luiz Hansen (2000, p.52), o conceito de modernidade surge para representar um novo modo de compreensão do mundo que se estende de meados do século XV até os dias atuais e é marcado pela valorização do elemento da subjetividade e da razão como instância por excelência de definição dos parâmetros sociais, políticos, culturais e cognitivos. As desestabilizações sociais e culturais provocadas no século XVIII pela Revolução Industrial provocam uma espécie de desencantamento do homem e uma sensação de que o mundo movimenta-se em direções e velocidades impossíveis de serem acompanhadas, mudando a relação deste homem com o espaço e o tempo. Este novo panorama retira do sujeito o conforto de um tempo linear-cronológico e o lança em meio a um “perturbado e perturbador tempo pluriforme, continuamente rearranjado segundo sua componente espacial” (FRANCISCO, 2007, p.86). A prova de que ainda estamos em uma modernidade, contrariando alguns teóricos que insistem no conceito pós-modernidade, é que ainda sofremos os 91 efeitos deste período turbulento do século XVIII, e isto se faz notar no videopoema aqui analisado. Ainda sofremos as mesmas perturbações de um tempo excessivamente veloz, em constante estado de transitoriedade e eterna busca pelo instante. Trata-se de um sistema de aceleração permanente e sem sentido. É o que Paul Virílio (apud KURZ, 1999, p.1) definiu como “inércia a toda velocidade”, em que "arrebatados pela força monstruosa da velocidade, não vamos a lugar algum, contentamo-nos com a tarefa de viver em benefício do vazio da velocidade". Em Agora, a velocidade das cenas e a perseguição deste instante nela expressa deixam o espectador atordoado. A dúvida paira a respeito do que é a informação atual, o “instante”, o “agora” e o que é mensagem por vir, o “outro agora”, que também pode ser entendida como o que “já passou”, uma vez que o “já” é a fala do instante, enquanto o “passou” é a fala do passado. Antonio Cícero (1995, p.14) define o instante como o momento em que o sujeito se encontra. O filósofo fala, portanto, do agora; reconhece no agora a essência do mundo, e conseqüentemente do homem. No videopoema de Antunes fica claro que este sujeito não consegue capturar o instante, isto é, seu espaço de existência, portanto este homem não se encontra. É um indivíduo incompleto, fragmentado, moderno. Outro ponto importante a ser mencionado é a crítica que Arnaldo Antunes faz tanto à sociedade industrializada de consumo, quanto ao formado audiovisual. Neste caso, o poeta se utiliza do próprio meio para denunciá-lo, mostrando quão pernicioso é o bombardeio massificador de mensagens e imagens superficiais que as mídias promovem diariamente. 3.2.3 Armazém – Repetir para não se Repetir O poema Armazém insere no projeto Nome o diálogo que Arnaldo Antunes vem mantendo com a cultura oriental ao longo de toda sua trajetória poética. Inúmeras outras obras de Antunes fazem referencia à cultura do Oriente, seja por meio da valorização do silêncio, seja do uso conciso e mágico da linguagem. No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, Antunes cria um bem sucedido exemplo de poesia concisa com toques orientais: o poema TAOVEZ. Neste poema, aparentemente simples, o poeta propõe uma discussão sobre os valores orientais 92 importados para o Ocidente, chamando a atenção para o modismo que se criou em torno da cultural oriental, metonimicamente através da palavra TAOVEZ, que nos últimos anos vem sendo descontextualizada e consumida a exaustão pelos homens do Ocidente. A atração pela arte oriental, tida como transcendente, marca grande parte dos artistas modernos. Influências do Oriente na arte podem ser encontradas em diversas pinturas de Paul Klee ou Gustav Klimt, na música de Debussy, John Cage e Giacinto Scelsi, entre outros. Na literatura, inúmeros poemas já se lançaram à tentativa de fazer essa ligação entre as duas culturas. Nos estudos teóricos, temos intelectuais como Octavio Paz, Haroldo de Campos, Roland Barthes, Umberto Eco e Gilles Deleuze pensando este trânsito intercultural. A filosofia zen, na concepção de Daisetz Suzuki5 (1971) quer, em seu ponto ideal, suprimir, ou fundir, sujeito e objeto, crendo numa essencialidade alcançável pelo satori (estado de iluminação intuitiva), e em seu ponto zênite pelo nirvana, quando desejo e consciência individual se extinguem. À primeira vista, nada mais oposto a essa filosofia que o rigor estrutural empregado pelos poetas concretos brasileiros, cujas obras buscavam incessantemente uma geometrização do espaço. Apesar dos concretos aparentemente contraporem-se ao modus operandi zen, existem muitas conexões entre seus poemas e o zen-budismo. Um dos primeiros brasileiros a enxergarem essas conexões foi o poeta Paulo Leminski, que em seu ensaio Diógenes e o Zen afirma que o Oriente e Ocidente se unem no “desabrochar de uma consciência icônica” (LEMINSKI, 2001, p.114). Não podemos esquecer aqui do ideograma que tanto influenciou a poesia concreta e a teoria da montagem fílmica de Einsenstein. Antes da experiência de Arnaldo Antunes com o vídeopoema Armazém, Pedro Xisto já havia mostrado a possibilidade de unir a poesia visual experimental ao discurso zen-budista, em seu poema intitulado Zen, publicado no livro Logogramas, de 1964: 5 Saisetz Teitaro Suzuki lecionou Filosofia Budista na Universidade Otani de Quioto, no Japão. acabando, provavelmente, por se tornar a maior autoridade em Zen-budismo no mundo todo. 93 Figura 18 – Poema O poema Zen funciona como uma espécie de mini-tratado do zenbudismo. Para o crítico e poeta Philadelpho Menezes: O casamento perfeito entre o design do signo verbal, sua sintaxe e sua semântica, se dá no poema “Zen”, [...] onde a leitura linear da palavra “zen” é substituída pela visão de conjunto geométrico da forma plástica, nos remetendo à imagem de um templo oriental visto de frente [...] e à própria escrita chinesa, ainda hoje parcialmente pictográfica (MENEZES, 1991, p. 80). Além do aspecto visual, podemos notar no poema alguns preceitos da filosofia zen, como a harmonia entre opostos, a dialética oriental apresentada na forma da unidade (Yin e Yang), além do aspecto palindrômico da figura, que pode ser lida nas duas direções. Se no poema de Pedro Xisto é a estrutura geométrica representada pelo quadrado, triângulo e retângulo, que vai deflagrar a experiência do leitor com o zen, no poema Armazém, de Arnaldo Antunes, é a figura do círculo em eterno movimento que vai prevalecer. Dentro do projeto Nome, o poema aparece representado em três versões: a versão gráfica (encarte e bônus), a versão sonora (CD) e a versão vídeo (DVD). Tanto no formato impresso como no vídeo, o poema aparece representado da seguinte forma: 94 Figura 19 – Poema O poema é composto por dois versos em formato de círculos que se movem incessantemente na tela durante 52 segundos, enquanto a voz de Arnaldo Antunes repete 45 vezes o vocábulo-título armazém, acompanhado pela guitarra de Arto Lindsay e sonoplastia de Peter Price composta por barulhos de bambus, pratos e copos. É justamente o elemento repetição que mais aproxima este trabalho da filosofia zen. Dentre os métodos zen-budistas para o alcance da iluminação está a repetição de hábitos, que “tem por base a simplicidade de princípios, em que a reflexão raciocinante dá lugar à percepção instantânea e em que a construção simétrica cede vez à irregularidade descontínua” (SALGUEIRO, 2006, p.166). O diálogo desta obra com a filosofia oriental se desenvolve a partir destes princípios, sem abandonar a sua posição de uma manifestação artística ocidental e contemporânea, especialmente filiada ao projeto concretista. Daí nasce também o diálogo do trabalho de Antunes com o poema de Pedro Xisto. Ambos habitam o terreno da verbivocovisualidade e negam qualquer vínculo com uma subjetividade tradicional, ou seja, aquela expressa pela presença do eu-lírico. O que notamos em ambos os poemas é a tentativa de uma lúdica suspensão do sujeito, favorecendo a imanente plenitude do objeto. Em Armazém, os versos que transitam pela tela do vídeo – “o tempo todo o tempo passa / os lugares estão no lugar” mostram que o poema quer-se 95 mesmo redundante, haja vista a circularidade dos textos que se duplicam neles mesmos (“o tempo passa o tempo todo / estão no lugar os lugares”), formando figuras urobóricas. Ainda no vídeo, enquanto o tempo em sua dimensão vai passando, a palavra “tempo” também vai passando pela tela, o mesmo acontecendo com a palavra “lugar” que durante o tempo do vídeo ocupa diferentes lugares. Em alguns momentos os dois enunciados se tocam, interpenetram-se, assim como no estado nirvânico em que tempo e espaço se elidem, suspendendo-se também a diferença entre sujeito e objeto. Com relação ao elemento sonoro do videopoema, a repetição da palavra “armazém” também conduz a obra para um diálogo com o zen, haja vista a processo de iteração na repetição da palavra “armazém” que sofre algumas pequenas alterações durante a execução da peça, desdobrando-se em “arma zen”, “arma sem” e “arma cem”. Com base nestas variações que se “armazenam” no espaço sonoro do vídeo, podemos montar a seguinte equação: arma zen=arma sem=arma cem. A referida “arma zen” funcionaria, portanto como uma via pacífica para os conflitos internos do sujeito, ou então sociais e religiosos que se propagam pelo mundo. Representaria um desarmar o homem da intolerância e do preconceito. Por fim, representaria a arma mais poderosa, o equivalente a “arma cem”, ou cem armas. Este jogo lúdico produz no poema uma mobilização paradoxal característica do zen-budismo. Um zen que dialoga com o passado e aponta para o futuro, como toda a obra realizada por Arnaldo Antunes ao longo de sua trajetória artística. 96 CONCLUSÃO fecho encerro reverbero aqui me tino me zero não canto não conto não quero anoiteço desprimavero me libro enfim neste libro neste vôo Haroldo de Campos (fragmento final Galáxias) Chegamos à etapa final de nossa pesquisa. Preferimos pautar nosso raciocínio pelos caminhos sem pender para a euforia de alguns defensores ferrenhos das tecnologias ou para a visão cética dos detratores das poéticas em novos suportes. Nossa decisão se baseou na idéia de que independente do suporte, a boa poesia sempre prevalecerá. Nossa maior preocupação esteve em entender quais os efeitos destas tecnologias na poesia. Quais as mudanças na recepção de um poema multimídia, em que imagens e sons estão em constante movimento e como o verbal e o icônico se relacionam e produzem novos efeitos sinestésicos na obra. Nosso estudo partiu do pressuposto de que os poetas sempre acompanharam as inovações tecnológicas que foram surgindo com o desenvolvimento da história do homem. Nos tempos pré-escrita, os poemas eram criados para o suporte voz e por muito tempo foi o que prevaleceu. Poesia e música eram irmãs inseparáveis, portanto, a poesia nasce multimídia. Com a introdução da escrita, buscou-se uma tecnologia que permitisse a organização e perpetuação do saber para a eternidade. Com a descoberta da imprensa, a poesia sofreu significativas mudanças, quando foi inaugurada uma consciência plástica das letras e palavras, que foram levadas às últimas conseqüências por Mallarmé em Un coup de dès, poema que vai mudar a direção da arte poética e instaurar a crise do verso. Com o advento das vanguardas no final do século XIX, as experiências com a voz foram retomadas pelos dadaístas e cubofuturistas russos e começou a delinear-se uma espécie de percurso da visualidade, em que a poesia passa a adaptar-se a uma nova dimensão: a espacial. A partir de então, o trabalho com os signos verbais na 97 poesia foi se transformando até ganhar movimento nas telas de computadores e TVs, fazendo com que o poema visual se tornasse uma elaboração estética de alta complexidade. Arnaldo Antunes surge como poeta em um meio em que a poesia visual, introduzida no Brasil através dos poetas concretos, já estava praticamente consolidada e o debate entre estética marginal e concreta já havia se encerrado. Daí a sua naturalidade para criar tanto um poema visual quanto um soneto, sem grandes amarras ideológicas. Apesar desta suposta liberdade, verificamos ao longo deste trabalho que Antunes pertence a uma tradição de ruptura e segue uma linha de poesia que se aproxima de um formalismo devido ao processo de transformação, deslocamento e inversão das percepções na sua forma literária poética. Para Alessandra Squina Santos, trata-se de um formalismo renovado, já que o processo de estranhamento gerado pelos deslocamentos lingüísticos aproxima-se mais de um distanciamento brechtiano, baseado no efeito de alienação onde o público (ou leitor) não é passivo, mas é consciente do processo criativo e do movimento e das mudanças deste processo, efetuando assim um nível político da estética (SANTOS, 2005, p.03). Desta forma, o formalismo da obra de Arnaldo Antunes não só tem o seu efeito estético como também aborda as conseqüências sociais desta recepção do leitor. A herança concretista na obra de Antunes é facilmente identificável em vários de seus poemas visuais ou verbais inseridos em seus livros. Do projeto Nome escolhemos para análise o poema Armazém que marca bem a influência deste formalismo concreto. Neste videopoema identificamos a presença de uma verbivocovisualidade inerente ao poema, a começar pela palavra “armazém” que como visto se desdobra em “arma zen”, “arma sem” e “arma cem“. Quando os versos são postos em movimento e o som interfere na visualidade e cria novos efeitos sinestésicos de simultaneidade, temos a certeza de que é uma obra que nasceu para ser multimídia, e que esta sonoridade e movimento já estavam latentes no poema visual inicial. Os outros dois videopoemas separados para análise exemplificam bem a interferência da tecnologia na literatura e como este novo instrumental 98 amplifica os efeitos de recepção do espectador. Em Nome Não, temos a consagração do formato videoclipe dentro da cultura pop e seu diálogo com a vídeoarte. Em um casamento perfeito do discurso verbal com o vídeo, o poeta subverte o suporte, inserindo ruído e redundância nas informações que vão a tela. Já em Agora, temos uma reflexão sobre o tempo e sua interferência no mundo atual. Antunes, através da tecnologia do vídeo, despeja na tela uma seqüência de imagens em uma velocidade que torna impossível qualquer fixação pelo olho humano. O enunciado “agora outro agora” transita de um lado para outro repetidas vezes enquanto a voz do poeta tenta em vão indicar a passagem do tempo das imagens, tendo que assim aumentar a sua velocidade, produzindo um outro ruído, desta vez sonoro. Encerrando as discussões, podemos dizer que a série de videopoemas de Nome mostra toda a versatilidade de Arnaldo Antunes como poeta e artista multimídia livre de rótulos e dono de uma obra inclassificável e atual. É em Nome que o poeta vai radicalizar nas relações entre poesia e som e poesia e visualidade, atingindo em vários momentos uma beleza inigualável dentro do cenário literário brasileiro. Antunes desinstala certezas e conclusões do espectador em um ritmo frenético de sons e imagens montando uma poética do novo através do impacto da violência, mas também através da serenidade embalada pelas imagens infantis de Cultura. Em suma, Arnaldo Antunes é um poeta que trabalha a palavra com a seriedade e a habilidade de um artesão, sem deixar de dialogar com os novos meios, acrescentando a sua poesia movimento, sons e cores. Um legítimo trovador do século XXI. 99 REFERÊNCIAS ALBERTINO, Orlando Lopes. Navegar (É) Impreciso: Reconhecendo a Arte do Século XX a partir de Nome, de Arnaldo Antunes. 1999. 100 p. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Espírito Santo. AMARAL, Beatriz. Em margens descontínuas, a invenção como refúgio da poesia contemporânea. Zunai Revista de poesia e debates, 2003-2005. Disponível em: <http://www.revistazunai.com.br/ensaios/beatriz_amaral_poesia_contemporanea.htm >. 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