nas trilhas de nome - Portal de Poéticas Orais

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nas trilhas de nome - Portal de Poéticas Orais
VINÍCIUS SILVA DE LIMA
NAS TRILHAS DE NOME:
A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES
Londrina
2008
VINÍCIUS SILVA DE LIMA
NAS TRILHAS DE NOME:
A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação, em Estudos Literários da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Estudos Literários.
Orientador: Prof. Dr.
Garcia Fernandes.
Londrina
2008
Frederico
Augusto
Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca
Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
L732n
Lima, Vinícius Silva de.
Nas trilhas de Nome : a poesia multimídia de Arnaldo Antunes /
Vinícius Silva de Lima. – Londrina, 2008.
117f. : il.
Orientador: Frederico Augusto Garcia Fernandes.
Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) − Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários, 2007.
Bibliografia: f. 111-117.
1. Antunes, Arnaldo, 1960- –Crítica e interpretação – Teses. 2. Poesia
brasileira – História e crítica – Teses. 3. Literatura e tecnologia – Teses.
I. Fernandes, Frederico Augusto Garcia. II .Universidade Estadual de
Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. III.Título.
VINÍCIUS SILVA DE LIMA
NAS TRILHAS DE NOME:
A POESIA MULTIMÍDIA DE ARNALDO ANTUNES
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Frederico Augusto Garcia Fernandes
(Universidade Estadual de Londrina)
______________________________________
Profa. Dra. Jerusa de Carvalho Pires Ferreira
(PUC-SP)
______________________________________
Profa. Dra. Regina Helena Machado Aquino
Corrêa
(Universidade Estadual de Londrina)
Londrina, 26 de Fevereiro de 2008.
Dedico este trabalho à
Carina, exemplo de espírito
crítico e ética, pela paciência,
atenção e parceira em todas
as horas.
AGRADECIMENTOS
Ao amigo Frederico Garcia Fernandes, pelo incentivo constante, orientação segura e
acompanhamento crítico desta pesquisa;
A minha família, pela confiança e apoio ao longo deste trabalho;
Aos professores e colegas do Mestrado em Estudos Literários da UEL, grandes
amigos e parceiros de discussão literária.
Ao poeta Arnaldo Antunes que a cada trabalho seu nos presenteia com uma poesia
vigorosa e bela.
A todos que colaboraram para a realização e finalização deste trabalho.
La escritura no puede ser únicamente
una acción caligráfica.
Dámaso Ogaz
LIMA, Vinícius Silva de. Nas trilhas de nome: A poesia multimídia de Arnaldo
Antunes. 2007. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo apresentar a obra do poeta brasileiro
Arnaldo Antunes, demonstrando a forma como ele realiza uma poesia contaminada
por diversas mídias e como o hibridismo de meios promove uma potencialização dos
efeitos estéticos e sinestésicos do poema no receptor. Para isto, será analisado o
projeto Nome, composto por um livro, um vídeo (VHS) e um CD, lançado pelo poeta
em 1993 e relançado em 2006, no formato CD-DVD, com o som remixado e
remasterizado e as imagens restauradas. Discutirá também a filiação de Arnaldo
Antunes a uma tradição de ruptura que tem início com as experiências de Mallarmé,
passando pelas vanguardas européias, Modernismo brasileiro e chegando até os
poetas concretos, grupo este que exerce profunda influência em sua obra.
Palavras-chave: Nome. Arnaldo Antunes. Poesia multimídia.
LIMA, Vinícius Silva de. The tracks of Nome: The multimedia poetry by Arnaldo
Antunes. 2007. 105p. Dissertation (Masters in Literary studies) – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT
The main objective of this study was to present the work of the Brazilian poet Arnaldo
Antunes, showing the way in which he wrote poetry contaminated by several media
and how the hybridism of the media enhances the aesthetic and synesthetic effects
of the poem on the audience. For this, the Nome (Name) project will be analyzed,
that consists of a book, a video (VHS) and a CD released by the poet in 1993 and
released again in 2006 in CD-DVD format, with remixed and remastered sound and
restored images. It will also discuss the affiliation of Arnaldo Antunes to a tradition of
rupture that started with the experiments of Mallarmé and continuing in the European
vanguards, Brazilian modernism and reaching the concrete poets, a group that
profoundly influenced his work.
Keywords: Nome. Arnaldo Antunes. Multimedia poetry.
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 –
(ANTUNES, 2006, p.92-93) .............................................................42
Figura 2 –
NB – Kurt Schwitters........................................................................47
Figura 3 –
Márcia Futurista ...............................................................................47
Figura 4 –
(ANTUNES, 2006, p.80) ..................................................................49
Figura 5 –
(ANTUNES, 2006, p.154) ................................................................50
Figura 6 –
(ANTUNES, 2006, p.32) ..................................................................56
Figura 7 –
(ANTUNES, 2006, p.196) ................................................................56
Figura 8 –
Poema .............................................................................................65
Figura 9 –
(ANTUNES, 2005, p.13) ..................................................................72
Figura 10 – (ANTUNES, 2005, p.14) ..................................................................72
Figura 11 – (CUMMINGS, 1986, p.32)................................................................73
Figura 12 – (ANTUNES, 2006a, p.113) ..............................................................74
Figura 13 – (ANTUNES, 1990) ...........................................................................74
Figura 14 – (ANTUNES, 2005, p.45) ..................................................................76
Figura 15 – Poema .............................................................................................84
Figura 16 – Poema .............................................................................................88
Figura 17 – Poema .............................................................................................89
Figura 18 – Poema .............................................................................................93
Figura 19 – Poema .............................................................................................94
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................11
CAPÍTULO I – POESIA EM MOVIMENTO – AS (PO) ÉTICAS HÍBRIDAS .........15
1.1 POESIA E NOVAS TECNOLOGIAS ..........................................................................15
1.1.1 Tecnologia, Arte e Sociedade ......................................................................15
1.1.2 Literatura e Tecnologia.................................................................................17
1.2 AS POÉTICAS MULTIMÍDIAS .................................................................................23
1.2.1 Conceitos .....................................................................................................23
1.2.2 Breve Histórico das Poéticas Multimídias.....................................................26
1.3 AS MODALIDADES DA POESIA MULTIMÍDIA ............................................................28
1.3.1 Vídeopoesia/ Clipoema ................................................................................28
1.3.2 Holopoesia ...................................................................................................30
1.3.3 Polipoesia.....................................................................................................32
1.3.4 Infopoesia.....................................................................................................35
1.3.5 Ciberpoesia ..................................................................................................36
CAPÍTULO II – ARNALDO ANTUNES: UM POETA DE SEU TEMPO................39
2.1 TRAJETÓRIA POÉTICA .........................................................................................39
2.2 INFLUÊNCIAS DAS VANGUARDAS NA OBRA DE ARNALDO ANTUNES .........................45
2.2.1 As Vanguardas Européias............................................................................46
2.2.2 Oswald de Andrade e o Modernismo Brasileiro ...........................................48
2.2.3 A Palavra Concreta ......................................................................................51
2.3 UM POETA TRANSGRESSOR ...............................................................................57
2.3.1 A Transgressão como Tradição ...................................................................57
2.3.2 A Ruptura de Gêneros em Arnaldo Antunes ................................................62
2.3.3 Uma Poesia sem Fronteiras .........................................................................66
CAPÍTULO III – NOME: UM PROJETO MULTIMÍDIA .........................................70
3.1 SENTIDOS EM TODOS OS SENTIDOS ....................................................................70
3.2 O NOME DISSO É NOME .....................................................................................77
3.2.1 Nome Não - A Nomenclatura do Mundo.......................................................82
3.2.2 Tudo ao Mesmo Tempo Agora.....................................................................87
3.2.3 Armazém – Repetir para não se Repetir ......................................................91
CONCLUSÃO .......................................................................................................96
REFERÊNCIAS.....................................................................................................99
11
INTRODUÇÃO
e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e
arremesso e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem
o que importa não é a viagem mas o começo da por isso meço por
isso começo escrever mil páginas escrever milumapáginas para
acabar com a escritura por isso recomeço por isso arremeço por isso
teço escrever sobre escrever é o futuro do escrever
Haroldo de Campos
(fragmento Galáxias)
Este é um trabalho sobre poesia. Mas não exclusivamente sobre a
poesia encerrada na bidimensionalidade das páginas de um livro. Nosso enfoque
volta-se para a investigação das poéticas multimídias que se caracterizam pela
hibridação dos meios e pela utilização de novas ferramentas de criação poética, hoje
possíveis pelo advento das tecnologias de ponta.
O olhar aqui lançado busca compreender alguns caracteres desta
produção literária que se constrói em um diálogo com as novas tecnologias. Não se
trata de conflitar essa nova literatura com a produzida para o suporte papel, mas
antes disso, mostrar as relações existentes entre elas, reconhecendo, portanto, a
dinâmica e mutabilidade inerentes à composição dos horizontes desta produção
literária do século XXI.
Esta
dissertação
surge
de
meu
interesse
pelas
poéticas
experimentais desenvolvidas com intensidade a partir do início do século XX com as
Vanguardas européias, sendo estas, no Brasil, digeridas e retrabalhadas pelos
poetas modernistas, concretos paulistas e os neoconcretos no Rio de Janeiro1.
O Concretismo foi responsável por uma aproximação da literatura às
artes plásticas (leiam-se pinturas, esculturas, colagens) e música contemporânea, o
que possibilitou, a partir destes diálogos, a introdução no Brasil da poesia visual,
1
Outras expressões como o poema processo de Dias-Pino e a poesia-práxis de Chamie são parte
importante das Vanguardas brasileiras. A ênfase sobre o Concretismo é por conta de sua forte
influencia em Arnaldo Antunes.
12
poesia sonora, videopoesia, entre outras vanguardas poéticas. Devido a sua
importância, a presença da arte concreta é influência forte até os dias atuais dentro
do sistema literário brasileiro. Dois exemplos de poetas atuais profundamente
marcados pelas experiências concretas são Frederico Barbosa e Arnaldo Antunes,
principalmente no que diz respeito ao rigor formal. Em Barbosa, a palavra é concisão
que emerge da tensão entre o significado e a recusa deste. A negação de sua
poesia nasce “da pulverização do(s) sentido(s) de uma linguagem que expressa o
existencial e o experimental num todo indissolúvel” (NETO, 2006, p.1). Os próprios
títulos dos seus livros acusam esse conflito entre afirmação e negação da
linguagem: Rarefato (1990), Nada feito Nada (1993), Contracorrente (2000), Louco
no Oco sem Beiras; Anatomia da Depressão (2001); Cantar de Amor entre os
Escombros (2003) e Brasibraseiro (2004).
Arnaldo Antunes é um poeta que se diz assumidamente fruto das
experimentações da poesia concreta. Todos seus livros trazem uma forte influência
dos irmãos Campos e Décio Pignatari e principalmente de Edgard Braga, autor de
poemas caligráficos que Antunes considera seu mestre. A arte da caligrafia sempre
se fez presente nas obras de Arnaldo Antunes, sendo possível em todos seus livros
encontrar pelo menos um trabalho neste formato, sendo seu primeiro livro Ou E, de
1983, todo caligráfico. A importância da caligrafia para o poeta vem da sua
particularidade em marcar uma ligação com o corpo. Para Antunes:
O traço é rastro de gesto, assim como a voz é rastro da presença
física, que vibra no ar. Essa relação orgânica com a expressão está
ligada a um impulso mais cego, inconsciente, que, na caligrafia,
ocorre junto com a construção formal mais elaborada. Essas duas
linhas meio que se encontram, daí vem esse fascínio pela caligrafia,
que desde sempre me interessou (ANTUNES, 2006a, p. 358-359).
Devemos
observar
também
que
o
poeta
Arnaldo
Antunes
desenvolve seus trabalhos dentro de um momento marcado pela ideologia
multiculturalista e com uma forte presença das mídias e da indústria cultural. Tal
panorama possibilitou ao poeta introduzir em seu trabalho o diálogo entre as mídias,
gerando obras com fortes acentos híbridos. Essa hibridação se mostra de forma
mais complexa e completa no projeto Nome, lançado pelo poeta em 1993, e que é
constituído por um livro, um CD e um Vídeo (VHS).
13
O objetivo geral deste trabalho é demonstrar, após as leituras
teóricas e análises dos vídeopoemas de Arnaldo Antunes, como a linguagem híbrida
da poesia multimídia, com seus constantes intercâmbios entre o verbal e o icônico,
continua sendo poesia, ao manter suas marcas em qualquer dos suportes.
Um dos objetivos específicos desta dissertação será mostrar como a
poesia de Arnaldo Antunes se potencializa quando ao texto são incorporadas outras
mídias, como o vídeo, a pintura, a música, o som, a fotografia, a performance, e
como este projeto poético híbrido promove uma recuperação dos sentidos no
poema. Outro objetivo específico será apresentar Antunes como pertencente a uma
tradição de ruptura dentro da historiografia literária, que tem início em Mallarmé,
passando pelas Vanguardas européias, o Modernismo brasileiro, desembocando
nas experiências do grupo Noigandres. Além disso, pretendemos mostrar como o
poeta Arnaldo Antunes foge das especializações e dos rótulos dos cânones literários
ao produzir tanto trabalhos com apelo mais comercial, quanto obras mais
elaboradas, todas com qualidade acima da média. O poeta trafega, portanto, por
todas as áreas com grande facilidade. Do território da canção, do grafite nas ruas ao
ambiente dos museus, onde expõe caligrafias, poema visuais e instalações. Essa
peculiaridade encontrada na trajetória artística de Arnaldo Antunes é fruto do que já
apontou Antônio Cícero, em seu livro de ensaios Finalidades sem Fim (2005), de
que os poetas atuais detêm a liberdade de usar quaisquer formas, conforme as suas
necessidades estéticas, sendo também responsáveis por tomarem conhecimento do
saldo histórico das vanguardas.
O presente trabalho está divido em três partes:
No primeiro capítulo, trataremos das relações entre as inovações
tecnológicas e a sociedade, e como essa tecnologia interfere na literatura, ou seja,
como a literatura, e especificamente o poema, modifica-se com a introdução de
novos equipamentos tecnológicos como o vídeo, o gravador de som, a holografia e o
microcomputador, gerando as chamadas poéticas multimídias. Neste capítulo,
destacamos também as modalidades de poesia multimídia e as principais
características de cada uma delas.
No segundo capítulo, apresentaremos, resumidamente, a trajetória
poética de Arnaldo Antunes e como este se insere dentro de uma tradição de ruptura
de gêneros. Mostraremos também como as experiências promovidas pelos
movimentos ligados às Vanguardas européias e a presença do Concretismo e dos
14
poetas modernistas, em especial Oswald de Andrade, vão contribuir para a formação
estética de Arnaldo Antunes. Este capítulo mostrará também como o ex-titã realiza
uma obra poética livre de rótulos, trafegando entre a cultura de massa, a “altaliteratura” e a cultura popular.
O terceiro e último capítulo versará sobre a simultaneidade na obra
de Arnaldo Antunes. Analisando os trabalhos em livro de Arnaldo Antunes, a partir
de algumas análises de poemas, mostramos como ocorre o fenômeno da
simultaneidade na obra do poeta, que se dá em dois níveis: no campo sintático e no
terreno gráfico do poema. Neste capítulo, apresentaremos o projeto Nome e todas
as suas particularidades que o tornam uma produção ímpar dentro da produção
literária brasileira.
Para finalizar, analisaremos três vídeopoemas inseridos em Nome.
As peças escolhidas foram “Nome Não”, “Agora” e “Armazém”. No primeiro trabalho,
um vídeopoema no formato videoclipe, analisaremos a presença da nomenclatura e
a coisificação na obra do poeta, mostrando como a poesia restitui “através de um
uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa – que o tempo e as
culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história”
(ANTUNES, 2006a, p. 323). No segundo vídeo, um dos muitos poemas de Antunes
que provocam a simultaneidade dos sentidos, trataremos da questão da
transitoriedade do tempo no mundo contemporâneo e a incapacidade do homem em
capturar o instante, o “agora”. No último trabalho a ser analisado, mostraremos a
profunda marca da herança concretista na obra de Arnaldo Antunes. Armazém é um
excelente exemplo de tradução intersemiótica bem feita; um trabalho onde som e
imagem se relacionam intensamente sendo uma das peças mais bem realizadas de
Nome. Em suma, tentaremos mostrar como cada vídeo trabalha a relação entre
suportes e qual efeito estético e sinestésico que provocam no leitor-ouvinteespectador.
Para realização das análises, optamos por utilizar a edição de 2006,
haja vista a qualidade de imagem e som do DVD, e também pelo fato de que no
DVD estão presentes os poemas que no formato anterior (livro-vídeo-CD) aparecem
impressos no suporte livro.
15
CAPÍTULO I – POESIA EM MOVIMENTO: AS (PO) ÉTICAS HÍBRIDAS
1.1 POESIA E NOVAS TECNOLOGIAS
Computadores fazem arte
Artistas fazem dinheiro.
Cientistas criam o novo
Artistas pegam carona.
Pesquisadores avançam
Artistas levam a fama.
Fred Zero Quatro
1.1.1 Tecnologia, Arte e Sociedade
Um assunto bastante significativo e presente nos meios acadêmicos
literários, em especial nas últimas décadas, tem sido o diálogo entre a poesia e as
novas tecnologias. Isto se deve principalmente ao acentuado crescimento das
complexidades presentes no campo comunicacional de 1980 até os dias atuais e a
forma como estas comunicações influenciam no dia-a-dia da sociedade tanto em
nível prático quanto estético. Esse desenvolvimento acelerado das novas
tecnologias de comunicação como o rádio, a televisão, o telefone fixo e móvel, os
computadores e a internet, entre outros, provoca profundas transformações nas
diferentes esferas da sociedade.
No campo econômico, é bastante visível a presença das tecnologias
midiáticas nos mercados financeiros, na migração dos bancos para o meio digital, no
surgimento do cartão de crédito, que torna a moeda um objeto virtual. É no âmbito
militar que geralmente as inovações tecnológicas se formam com o intuito de
desenvolver a capacidade de armazenamento e transmissão de informações
16
sigilosas, ou uma arma que seja mais eficaz contra os inimigos. Foi assim que
surgiram o computador e a Internet.
É cada vez mais acentuada a presença dos computadores e das
redes digitais no cotidiano das pessoas. A internet cresce em velocidade espantosa
e vem promovendo uma revolução na maneira de se conceber o tempo, o espaço e
os relacionamentos humanos. A facilidade com que as informações são transmitidas,
mesmo a longas distâncias, tem permitido às pessoas o acesso a diversas e
infindáveis fontes de conhecimentos, transformando o microcomputador em uma
verdadeira Biblioteca de Babel, como no famoso conto homônimo de Jorge Luís
Borges, inserido em seu livro Ficções, de 1944.
A informação e o conhecimento, nos dias atuais, transformaram-se
em bens econômicos e de consumo essenciais. Embora tidos como imateriais, são
na verdade desterritorializados, ou seja, não se prendem a apenas um suporte
específico, o que lhes dá um caráter de virtualidade. O conceito de virtual é sempre
ligado à idéia de algo desprovido de realidade, o que para o filósofo Pierre Lévy, não
passa de um grande engano. Para ele:
Desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual,
abstrato, independente de um suporte específico. Essa entidade
virtual atualiza-se em múltiplas versões, traduções, edições,
exemplares e cópias. Ao interpretar, ao dar sentido ao texto aqui e
agora, o leitor leva adiante essa cascata de atualizações (LÉVY,
1996, p.35).
Como as tecnologias atingem todas as áreas do conhecimento
humano, não demorou para que elas fossem inseridas no universo das artes.
Desde a Revolução Industrial, no século XIX, estamos presenciando
um evidente crescimento das mídias e dos signos. A Revolução Industrial nos trouxe
inúmeras máquinas capazes de facilitar o trabalho braçal, diminuindo a exigência da
força física do trabalhador e, desta forma, promovendo um aumento da produção de
bens materiais. O que não podemos esquecer é que paralelo ao aparecimento
destas máquinas de produção, temos também o surgimento de máquinas de
produção de bens simbólicos como a fotografia, a prensa mecânica e o cinema.
Com a prensa mecânica, tivemos uma aceleração na impressão e
reprodução de jornais e livros. A fotografia surge como uma revolução na
17
transmissão de informações e quando aliada ao jornalismo (fotojornalismo) torna-se
um eficaz suporte de comunicação de informações. O cinema dá movimento à
fotografia e, principalmente, a partir do cinema de narrativa ficcional, torna-se um
grande meio de transmissão de bens simbólicos.
Após este primeiro momento temos o surgimento de uma segunda
Revolução Industrial: a eletroeletrônica. Com ela vieram o rádio, a televisão, o
telefone, e a irrupção e consolidação da cultura de massas. De acordo com Lúcia
Santaella, “a cultura de massas provocou profundas mudanças nas antigas
polaridades entre a cultura erudita e a popular, produzindo novas apropriações e
intersecções, absorvendo-as para dentro de suas malhas” (SANTAELLA, 2005,
p.11). Com isso, a comunicação de massas acaba gerando algo inevitável: a
hibridação das diversas formas de comunicação e de cultura, ou seja, a aproximação
entre as comunicações e as artes.
Desde o surgimento do Modernismo, os artistas têm demonstrado
interesses pelas tecnologias. Gradativamente, essas tecnologias foram fazendo
cada vez mais parte do universo dos artistas que enxergaram e enxergam na
tecnologia uma possibilidade de expansão das possibilidades de expressão de suas
obras.
Com o surgimento da cultura digital, ou cibercultura, essas relações
entre tecnologias e arte vêm se tornando cada vez mais visíveis e intensas. A
literatura é uma destas manifestações artísticas que sofreram enormes modificações
com a incorporação das tecnologias e da cultura de massas.
1.1.2 Literatura e Tecnologia
Roland Barthes, em O Grão da Voz, profeticamente afirmava que o
termo literatura caminhava para o seu fim, visto as constantes transformações a que
estava sendo submetida:
18
Posso apenas dizer (e não sou o único a dizê-lo) que a literatura foi
um objeto definido historicamente por um certo tipo de sociedade.
Mudando a sociedade inevitavelmente, seja em um sentido
revolucionário, seja em um sentido capitalista (pois a morte dos
objetos de cultura não leva em conta o regime), a literatura (no
sentido institucional, ideológico e estético que dávamos outrora a
esta palavra) passa: ela poderá ou abolir-se completamente (uma
sociedade sem literatura é perfeitamente concebível) ou modificar de
tal maneira as suas condições de produção, de consumo e de
escritura, enfim, o seu valor, que teremos de mudar o seu nome. O
que é ainda sobra das formas antigas da literatura? (BARTHES,
1995, p. 215).
Para o poeta e ensaísta português Ernesto Manuel de Melo e
Castro, mesmo com as transformações que a literatura vem sofrendo com a inserção
das novas ferramentas tecnológicas, devemos insistir na palavra poesia,
porque poesia ao fim e ao cabo é a grande projeção virtual da mente
humana e nas novas ciberpoéticas continuamos a ter essa projeção
virtual da mente humana, mas agora é o virtual do virtual, através de
alguns elementos gramáticos importantes, como por exemplo, o
movimento, a velocidade, o rigor, a variabilidade e simultaneidade
espaço-temporal e a transformação (CASTRO, 2001, p.03).
Este novo momento, regido pela intervenção dos suportes
tecnológicos, de fato provocou inúmeras alterações no formato do texto literário. No
caso da poesia, temos a partir de Mallarmé e das Vanguardas européias do início do
século XX um redimensionamento da escrita, seja através da espacialização das
palavras na página e na valorização dos silêncios representados pelos espaços em
branco, seja na incorporação de outras linguagens e suportes, nas vanguardas, que
visavam a busca por uma arte total, isto é, uma manifestação que incorporasse tanto
o texto quanto à performance, a música, as artes plásticas, entre outros. As relações
entre a obra de Mallarmé, as vanguardas e a poesia contemporânea serão melhor
trabalhadas no capítulo 02, quando discutiremos as influências destas poéticas
experimentais na obra de Arnaldo Antunes.
A tecnologia só começou realmente a se fazer presente no universo
das artes a partir da Revolução Industrial, como já mostrado anteriormente,
principalmente com a invenção da fotografia. As artes saem desta forma de um
momento em que predominava o artesanato, influência do Renascimento, e passa
19
para uma esfera em que as imagens ganham força e a tecnologia começa a ser
usada como ferramenta de produção estética.
É somente no século XX, em especial a partir dos anos 50, que as
artes tecnológicas atingem uma maturidade formal. É neste momento que o cinema
experimental começa a ganhar força, principalmente através das obras de artistas
ligados ao movimento Fluxus2. É nos anos 50 também que o poeta francês Henri
Chopin, em parceria com músicos das chamadas música concreta, música eletrônica
e música eletroacústica, entre eles Pierre Schaeffer, Karlheinz Stockhausen, Pierre
Henry, entre outros, iniciam um trabalho de captação e intervenção sonora no
poema e uma revalorização da voz como elemento acústico e poético. Surge então o
conceito de poesia eletroacústica, que, posteriormente passa a ser denominada de
poesia sonora a partir do lançamento do livro Poesie Sonore Internationale, em
1979, de Henri Chopin.
Devemos lembrar que o termo poesia sonora já havia aparecido
algumas vezes na história das vanguardas, principalmente entre os dadaístas como
Hugo Ball, que via na performance da voz um suporte muito intenso de comunicação
poética. Com a revolução eletrônica, começam a surgir inúmeras modificações nas
artes, que geralmente obedecem a um mesmo processo, como é muito bem
observado por Eduardo Kac:
Quando surge um novo meio de produção de linguagem e de
comunicação, observa-se uma interessante transição: primeiro o
novo meio provoca um impacto sobre as formas e meios mais
antigos. Num segundo momento, o meio e as linguagens que podem
nascer dentro dele são tomados pelos artistas como objeto de
experimentação (apud SANTAELLA, 2004, p. 156).
Assim aconteceu com o rádio que surge como um instrumento da
cultura de massa, logo passando a ser usado como um equipamento de produção
artística experimental, questionador da natureza do próprio veículo. É o que
podemos averiguar no caso da música concreta ou da rádio arte. Nestas novas
formas artísticas, temos pesquisadores e artistas dedicados às experimentações
sonoras e radiofônicas em que os conteúdos artísticos ou estéticos e as tecnologias
2
Fluxus: Movimento artístico de caráter internacional, surgido nos anos 60, caracterizado pela mescla
de diferentes artes como música, artes, literatura e performance. Seus integrantes se proclamavam
antiartistas.
20
empregadas na veiculação acabam exercendo a função de matéria-prima. Sendo
assim, “a arte não é transmitida num programa de rádio, pois o programa é a própria
arte” (FIGUEIREDO, 2003, p. 01).
O debate entre os intelectuais em torno das relações entre as artes e
as tecnologias é bastante acirrado. De um lado, estão aqueles que têm uma visão
negativa da tecnologia, como é o caso de Baudrillard e Virílio. Do outro lado, temos
os que pensam as novas tecnologias como um novo respiro criativo para as artes,
como Pierre Lévy e Arlindo Machado.
Sob uma ótica otimista, as tecnologias são vistas como um
instrumental enriquecedor na realização e execução de uma obra de arte. Por outra
perspectiva, as relações entre artes e tecnologias são enxergadas de forma
negativa, com os intelectuais assumindo muitas vezes posturas apocalípticas, o que
na
visão
de
Arlindo
Machado
não
passam
de
posições
comodistas
e
preconceituosas.
[...] as imagens tecnológicas podem parecer tão assustadoras que,
até mesmo um pensador da categoria de Baudrillard as ataca,
taxando-as de “diabólicas, imorais, perversas, pornográficas”.
Portanto, responsáveis por uma “desrealização fatal” do mundo
humano (apud GUIMARÃES, 2004, p. 148).
Esta é a posição de alguns intelectuais, que Umberto Eco já chamou
de apocalípticos, e que, hoje, são conhecidos pela denominação de neo-luddites.
Seus integrantes seguem os ideais do movimento antitecnológico Luddites dos
operários ingleses, liderado por Ned Ludd, entre os anos de 1811 e 1816. Os neoluddites acreditam ser necessário regular e controlar as novas tecnologias, alertando
a sociedade para o poder destrutivo que estas tecnologias trazem para o homem e a
natureza. O pensador Paul Virílio é considerado o principal expoente deste novo
grupo, que se coloca contra a euforia tecnológica. Para o filósofo e urbanista
francês, a era da informática é perigosa por conduzir o homem à perda da noção da
realidade, quebrando distâncias e territorialidades e ainda proporcionando uma
quantidade absurda de informações.
Outro intelectual, crítico fervoroso das novas tecnologias, é Jean
Baudrillard. Para ele:
21
As máquinas só produzem máquinas. Isso é cada vez mais
verdadeiro na medida do aperfeiçoamento das tecnologias virtuais.
Num certo nível maquinal, de imersão na maquinaria virtual, não há
mais distinções homem/ máquina (BAUDRILLARD, 1999, p. 147).
Neste caso, os artistas ou criadores não passam de “agentes
virtuais, cujo gesto se reduz ao da programação: o restante obedecendo a critérios
automáticos” (BAUDRILLARD, 1999, p.148). Este trabalho não coaduna com a
posição deste teórico. Enxergamos que os suportes tecnológicos são apenas um
instrumental, assim como a escrita, para uma elaboração estética do mundo,
portanto, não definem a qualidade da obra de arte. O que define se um artista é
relevante é o uso que este faz das tecnologias e como transmite sua experiência
estética do mundo para seus leitores, usando ou não a nova tecnologia a seu favor.
Para Pierre Lévy, um dos mais importantes pensadores das novas
mídias e da cibercultura, “a mediação digital remodela certas atividades cognitivas
fundamentais que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a
imaginação inventiva” (LÉVY, 1998, p.17). Com isso, temos uma mudança nas
culturas nacionais e nas formas de representações artísticas deste novo mundo.
Com o desenvolvimento do ciberespaço, surgem novas formas
literárias e artísticas, como as obras interativas e os ambientes virtuais. Assim como
a invenção da escrita promoveu uma mudança na arte, e possibilitou a evolução dos
gêneros literários, o surgimento da cultura digital, do computador e da internet impõe
uma nova forma de representação da realidade e da sociedade, sendo esta
representação norteada pelos novos recursos tecnológicos.
Com relação à interatividade na arte virtual ou na ciberliteratura,
Baudrillard é taxativo em afirmar que “quando todos se convertem em atores, não há
mais interação, fim da representação. Morte do espectador. Fim da ilusão estética”
(BAUDRILLARD, 1999, p.147). Na sua opinião, esta falsa idéia de interatividade
existe, pois:
A internet apenas simula um espaço de liberdade e de descoberta.
Não oferece, em verdade, mais do que um espaço fragmentado, mas
convencional, onde o operador interage com elementos conhecidos,
sites estabelecidos, códigos instituídos. Nada existe para além
desses parâmetros de busca (BAUDRILLARD, 1999, p.148).
22
Não enxergamos desta forma. A interatividade no meio virtual
potencializa as relações entre criador e receptor. Entendemos que a interatividade,
que já se fazia presente em Mallarmé, potencializa-se com o advento das novas
tecnologias pelas múltiplas possibilidades de criação e recepção que estas
proporcionam.
Outro ponto a ser considerado quando pensamos em tecnologias é
qual o impacto que exercem sobre a vocalidade. De modo geral, é claro que as
mídias eletrônicas fixam a voz através do processo de gravação, retirando dela sua
tactilidade, a sua presença enquanto performance. Mas, para Paul Zumthor, se por
um lado a tecnologia dos medias transforma a voz em algo abstrato, por outro,
promove uma “ressurgência das energias vocais da humanidade, energias que
foram reprimidas durante séculos no discurso social das sociedades ocidentais pelo
curso hegemônico da escrita” (ZUMTHOR, 2007, p.15). É esta presença da voz que
marca a diferença biológica entre o homem e a máquina.
É da aproximação entre o tecnológico e o analógico, da arte e da
ciência, que nascem as poéticas tecnológicas. Por ter perdido sua hegemonia para
as mídias eletrônicas da cultura de massa (TV, rádio, Internet), a arte
contemporânea se aproxima das tecnologias como estratégia de sobrevivência.
Desta maneira, “em interface com as máquinas, a arte busca nova energia no
universo cibernético, aquele universo híbrido e perturbador, no qual impera a
conexão entre natural e artificial” (GUIMARÃES, 2004, p.149).
No universo literário, mais especificamente no terreno da poesia, as
tecnologias começam a aparecer no final do século XX como suportes
indispensáveis para a poesia visual. Apesar de as poéticas visuais sempre terem
representado a parte mais radical da literatura, as experiências com a visualidade
não puderam ao longo da História se concretizar em sua totalidade, visto que grande
parte dos poemas visuais foram, e ainda hoje são em grande maioria, realizados
com palavras e imagens bidimensionais. Somente a partir do surgimento dos
equipamentos eletrônicos e digitais é que os poetas visuais conseguiram ampliar
seus horizontes, adicionando aos poemas uma tridimensionalidade e movimento que
muito enriqueceram suas obras. A partir disso temos um outro tratamento do
material poético, “tratamento esse que configura suas formas a partir de dentro e
não como meros aparatos externos e estranhos à criação” (GUIMARÃES, 2004,
p.155). Temos, então, nestas novas poéticas contemporâneas, uma atenção maior
23
por parte do poeta com a técnica, com o funcionamento da mídia em que está
trabalhando e as formas como estes suportes interferem no processo de significação
do poema.
É o surgimento destes novos instrumentais poéticos a partir de um
diálogo com as tecnologias e da cultura de massa que vão possibilitar um
aprimoramento da poesia visual e um redimensionamento das poéticas híbridas ou
multimídias, universo em que se enquadra o poeta Arnaldo Antunes e seu livrovídeo-CD Nome.
1.2 AS POÉTICAS MULTIMÍDIAS
“desde o fim o princípio da poesia é o meio”
João Bandeira
1.2.1 Conceitos
Partindo da constatação feita por Lúcia Santaella (2004, p.135) de
que existem muitas formas de artes que são híbridas por natureza como o teatro, a
ópera, a performance ou o cinema, vamos agora tentar entender o que são as
poéticas híbridas ou multimídias.
Como o próprio termo já explicita, as produções poéticas multimídias
são resultados de uma soma de várias mídias e proporcionam ao receptor da obra
uma experiência de natureza visual e auditiva. Destas associações de sentidos e
sensações “surge uma situação híbrida para a fruição do objeto artístico, inserindose num espectro mais vasto, onde sinais emitidos por signos de linguagem
tecnológica estão relacionados a poéticas verbais, num processo de intersemiose”
(GUIMARÃES, 2004, p.156). As diversas linguagens usadas na criação do poema
multimídia se organizam a partir de um processo de colagem e montagem de
diferentes formas de letras, palavras, fontes sonoras e uma grande diversidade de
imagens em uma tela de vídeo ou computador.
24
Um ponto muito importante quando pensamos as poéticas ou obras
de arte multimídias é a relação entre as artes e as comunicações, que foi e é a
grande responsável por uma atualização das artes com o momento em que está
sendo produzida, e desta forma deixando de lado a pureza estética das “belas artes”
do período Renascentista. As obras multimídias só foram possíveis devido ao
surgimento desta convergência entre os meios de massa e as artes, meios esses
intrinsecamente intersemióticos.
Um exemplo apropriado de discussão é o cinema, que, é constituído
por imagens, diálogos, sons, ruídos, cores, fotografia, textos e performance do ator,
e que em um processo de montagem ganham relações profundas. É dessa mistura
de meios e linguagens que nasce a obra multimídia, pela qual o receptor terá uma
rica experiência sensorial.
Outro ponto bem marcante nas culturas das mídias é a
intensificação das mistura entre as mídias por elas produzidas. Temos, então, filmes
(cinema) apresentados na televisão e disponibilizados em formato vídeo, bem como
a publicidade fazendo uso da fotografia. Desta forma, as misturas entre as artes
ficam cada vez mais intensas e as suas fronteiras se diluem.
É sempre bom lembrarmos que antes dos anos 1970, os meios de
massa, como a televisão e o rádio, faziam sombra sobre as artes. A partir dos anos
80, com a intensificação dos debates sobre as relações entre as comunicações e as
artes e sobre a pós-modernidade, houve uma mudança de paradigma e visão sobre
o objeto artístico. Ficou claro que se constituía um erro negar os suportes de
comunicação de massa. Era preciso se aproveitar deles para transmitir uma
mensagem estética ao receptor e, através dos laços com os veículos de massa,
atingir um maior número de pessoas.
Uma característica marcante das artes e poéticas multimídias é o
seu caráter interativo. Essa interatividade, segundo alguns teóricos, permite que as
novas linguagens transmitidas pelos multimeios provoquem alterações nas relações
entre as pessoas, a vida e a arte.
Para Denise Guimarães, quando pensamos na interatividade como
natureza marcante das poéticas multimídias, é preciso que as discussões não sejam
em um nível simplificado. A teoria aponta que nas recepções das obras multimídias,
“é importante ter em conta que, tal como acontecia em todas as manifestações da
arte da contemplação, a obra continua imutável, como um espaço fechado que
25
conserva as características dadas pelo artista” (GUIMARÃES, 2004, p.156). Desta
forma, a fruição da obra artística se dá por interpretações de natureza mental e o
espectador pode ser um agente em níveis como direções e ritmos de leitura.
O vídeo é uma tecnologia analógica que possibilita ao receptor
penetrar a obra e, em alguns casos com softwares apropriados, interagir com ela.
Com as tecnologias digitais este panorama se modifica, e é a partir destas
tecnologias que realmente o conceito de interatividade é posto em prática.
Se por um lado, a relação entre indústria cultural e arte gera uma
reflexão sobre a própria indústria cultural e sociedade, por outro lado, permite que os
objetos artísticos cheguem até onde não tinham alcance, promovendo uma espécie
de democratização da arte. É o que defende o pesquisador e ensaísta mexicano
Néstor Garcia Canclini (tradução nossa):
As indústrias culturais proporcionaram à arte-plástica, à literatura e à
música uma repercussão mais extensa que a lograda pelas mais
exitosas campanhas de divulgação popular provenientes da boa
vontade dos artistas. A multiplicação de concertos e atos políticos
alcança um público mínimo em comparação com o que oferecem os
mesmos músicos nos discos e na televisão. Os fascículos culturais e
revistas de moda e ou decoração vendidas em bancas e
supermercados levam as inovações literárias, plásticas e
arquitetônicas a quem nunca visitou livrarias nem museus
(CANCLINI, 1990, p.225).
À medida que a arte é transportada do espaço privado dos museus,
teatros e salas de concertos para o espaço público da televisão, da internet, do
rádio, e do ambiente urbano (grafite, teatro de rua), estimula novas possibilidades de
inserção social. Não devemos esquecer que isso é uma questão bastante complexa
e contraditória, haja vista que, a arte alçada à condição de evento de massa, surge o
novo desafio de lutar contra a dissolução das manifestações artísticas e sua
transformação em produtos de fácil consumo. Usar a tecnologia como um
instrumento de produção poética de qualidade, utilizando os veículos de
comunicação como um propagador desta arte, parece-nos ser uma opção eficaz, já
que possibilita ao artista um maior alcance de leitores, tirando a poesia dos guetos, e
a afastando da ideologia beletrista, tão difundida no período do Renascimento e
ainda presente nos dias atuais.
26
1.2.2 Breve Histórico das Poéticas Multimídias
Desde de sua origem, a escrita tem sido uma ferramenta
modeladora do pensamento do homem em uma espécie de logocentrismo que
Jacques Derrida assumiu como grande inimigo do pensamento ocidental. Para o
filósofo argelino, a visão logocêntrica da escrita prevaleceu por séculos, sendo
necessário desconstruí-la. Daí surge a vertente filosófica que é o desconstrutivismo.
Nos anos 1950, no Brasil, os poetas do grupo concretista são um
dos pioneiros em perceber as múltiplas possibilidades poéticas que os novos meios
vieram a acrescentar à literatura. Partindo da idéia de verbivocovisualidade do
poema, ou seja, a convergência dos elementos verbais, vocais, visuais dentro do
poema, os concretos abrem caminho para um número incontável de artistas e
escritores para a exploração de terrenos novos para as artes brasileira e mundial.
Em 1959, o americano William Burroughs, juntamente com o
matemático Ian Sommerville, cria com o computador o poema I AM THAT I AM, e
em 1961, o poema JUNK IS NO GOOD BABY.
Nos anos 60, na França, Raymond Queneau cria seu Cent Mille
Milliards de Poèmes, que consiste em 10 sonetos, com 14 versos cada um, e que a
partir de um programa de computador, o leitor pode combinar cada verso com um
dos outros nove que o correspondem. Assim, o leitor no final da experiência chega a
quantia de 100 trilhões de sonetos diferentes possíveis.
Em Portugal, o poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro realiza,
desde 1968, poemas com o suporte do vídeo, sendo um dos criadores da
videopoesia. O mesmo Ernesto Manuel de Melo e Castro, nos anos 1980, cria os
primeiros poemas animados e pensados exclusivamente para serem transmitidos na
televisão. Esses poemas são criados com os geradores de caracteres, ou GC, que
consistem em dispositivos concebidos para criar e inserir textos de diversos
tamanhos, cores e formatos, sobrepondo-os ou não, em imagens já existentes, e
permitindo inúmeras formas de manipulações do texto e das letras.
Apesar de todas as vantagens que essas tecnologias propiciam ao
texto e ao poema, são responsáveis por um sério problema, muito bem detectado
por Denise Guimarães, e que consiste
27
na velocidade com que as inovações são introduzidas no mercado,
trazendo para o consumidor uma infinidade de opções e formatos
(player´s) de exibição de imagens em movimento nas telas dos
computadores, havendo também sempre uma defasagem entre uma
produção e outra, entre determinados locais ou países
(GUIMARÃES, 2004, p.159).
Para José Romera Castillo, em seu ensaio Literatura y nuevas
tecnologias, é preciso sempre levar em conta a qualidade do produto artístico
desenvolvido, independente do suporte utilizado (tradução nossa):
Acima de tudo é necessário ter muito claro que as multimídias em
que os textos literários podem se expor são um meio, nunca um fim
em si mesmos. A literatura será literatura não pelo meio ou suporte
em que se apresenta, mas sim pelas naturezas e qualidades
intrínsecas a ela mesma (CASTILLO, 1997, p.32).
Sendo assim, a posição de Castillo alinha-se em sentido contrário ao
que Barthes prenunciou como o “fim da literatura”. Se para Barthes, as modificações
dos mecanismos de produção e circulação implicam a conseqüente criação de uma
outra obra artística, para Castillo trata-se de apenas uma modificação no suporte
que não vai comprometer a “essência” da arte literária. Dessa forma, a obra de
Arnaldo Antunes é passível de sofrer um questionamento a respeito de seu conceito
literário ou não. Da nossa parte, acreditamos que Antunes pode e deve ser
absorvido como uma expressão literária, tendo em vista que ele faz a arte da
palavra, condição sine qua nom da Literatura. Acreditamos que as mudanças de
suporte são inevitáveis, como foi a passagem da “literatura” medieval para a
literatura circulada pelo livro em grande proporção após o advento de Gutenberg.
Concordamos com Castillo, afinal, o bom poeta é aquele que
consegue criar uma obra rica independente do suporte e da tecnologia que possui
na mão. Assim, como existem poetas de livros pouco significativos, que despejam
diariamente uma poesia rasa e vêem nas letras um confessionário pessoal, o
mesmo ocorre com poetas multimídias quando se prendem à frieza da máquina e se
esquecem de que por tas da máquina está o homem.
28
1.3 AS MODALIDADES DA POESIA MULTIMÍDIA
Devemos, antes de tudo, esclarecer que o uso do termo multimídia,
neste trabalho, refere-se especificamente à presença de duas ou mais mídias
eletrônicas envolvidas no processo de criação e execução da obra poética.
São diversas as formas de veiculação do poema multimídia, e isto
depende do formato ou suporte em que é apresentado para o leitor. Partindo deste
ponto, resolvemos separar as chamadas poéticas visuais em movimento em cinco
grupos de acordo com suas especificidades e diferentes suportes tecnológicos
empregados na realização do poema. São eles: a videopoesia ou clipoema, a
infopoesia, a holopoesia, a polipoesia e a ciberpoesia.
1.3.1-Videopoesia / Clipoema
As experiências poéticas com o vídeo surgem praticamente com o
cinema e, desde o início, têm como mote principal a experimentação com a
linguagem visual. Com o aparecimento do vídeo, a poesia e o poema ganham outro
impulso. O que antes era uma experimentação artesanal, passa, a partir da
incorporação das tecnologias do audiovisual, a ser uma poesia de grande
complexidade que exige do receptor uma outra relação de fruição estética. Isto se
deve ao fato de que “a videopoesia, ainda mais que o videoclipe, potencializa o uso
consciente do vídeo porque a permanência da letra obriga a um fechamento
reticular, a uma focalização, a uma quebra do fluxo” (JUSTINO, 2003, p.05).
O termo videopoesia só começa realmente a existir a partir de 1980,
quando o poeta português Ernesto Manuel de Melo e Castro inicia suas primeiras
experiências com o gerador de caracteres e cria seus primeiros poemas animados
pensados para serem transmitidos na tela de televisão. Muito antes disso, o poeta já
havia realizado inúmeras outras experiências com os signos verbais e não-verbais,
em Lisboa, Portugal. Para E. M. de Melo e Castro (1996, p.138-149), a videopoesia,
distinta da videoarte, é uma experimentação a partir da poesia sonora, verbal e
visual, e tem referência direta com a poesia experimental dos anos 60.
29
A grande contribuição que a videopoesia trouxe para o universo
poético foi o movimento incorporado ao texto, que de alguma forma já existia de
forma latente na poesia visual impressa, e que pôde ser explorada de forma mais
completa com os recursos das tecnologias do audiovisual. Audiovisual esse que é
“lugar da simultaneidade e da instantaneidade: espaço do sem fronteira, do ao vivo,
da proximidade do distante; tempo da constelação, das diacronias sincronizadas,
dos passados presentificados” (JUSTINO, 2003, p.5).
As estruturas e composições do videopoema são muito bem
analisadas pelo poeta Álvaro Andrade Garcia. Para ele, na videopoesia:
As palavras são objetos compostos e adornados segundo novas
inspirações que se aglutinam ao sentido inicial do poema. Os textos
têm que ser sucintos em função da legibilidade no monitor, sua maior
espessura é horizontal, não mais vertical. Elementos gramaticais de
ligação podem ser dispensados e substituídos por movimentos e
posicionamento dos vocábulos na tela. Conceitos antigos na poesia
como justaposição, analogia, áreas de irradiação semântica, podem
ser utilizados/visualizados no espaço com facilidade. O uso de trilha
sonora nas animações permite interseções com a música e mesmo
com a poesia falada. Trilhas de suporte, interferências de ruídos,
declamação sampleada, são possibilidades que o videopoeta tem
para explorar (GARCIA, 2007, p.1).
Com relação ao impacto sobre o público, podemos dizer que a
videopoesia abre novas possibilidades para as pessoas sem um hábito de leitura. A
videopoesia consegue ter uma maior aceitação entre o público, já que este já possui
um certo repertório audiovisual em decorrência da cultura televisiva em que está
inserido. Para E. M. de Melo e Castro:
Ler um videopoema é uma experiência complexa como diferentes
momentos de percepção que irão coincidir com imagens se movendo
e se transformando. Então nos confrontamos com diferentes tempos
e ritmos: a) o tempo pertencente ao vídeopoema como uma de suas
variáveis; b) o movimento de nossos próprios olhos para encontrar
um caminho para ler os signos; c) o tempo de nossa decodificação e
entendimento do que estamos vendo no momento (CASTRO, 1996,
p.142-143).
30
Além disso, os videopoemas “abrem portas para a exploração de
novos espaços de linguagem que surgem como desdobramentos tecnológicos da
nova mídia: a criação de quadros cinéticos em paredes, a poesia multimídia em
livros eletrônicos e a realidade virtual estão aí” (GARCIA, 2007, p.1).
Já o termo clipoema refere-se aos trabalhos desenvolvidos por
videomakers e artistas, que no início dos anos 90, fazendo uso da computação
gráfica, transcriaram poemas concretos para os novos suportes do vídeo. Este
trabalho de transcriação de poemas concretos está muito bem apresentado e
esmiuçado por Ricardo Araújo no livro Poesia Visual- Vídeo Poesia, de 1999. Acerca
do uso do vídeo e da relação com a poesia concreta, Augusto de Campos dá a
seguinte declaração:
O que a gente observa é que há uma compatibilidade muito grande
entre este tipo de sintaxe espacial, mais reduzida, que foi o modelo,
digamos assim, das experiências da Poesia Concreta,e a linguagem
do vídeo. Ocorre o seguinte: o texto muito longo, muito discursivo,
fica muito cansativo e até difícil de ler no vídeo, no estágio em que
está a imagem hoje. E esta linguagem mais ágil, que não tem muitos
conectivos, de curso não linear, ela é apropriada para o vídeo, então
há uma certa facilidade de adequação (apud ARAÚJO, 1999, p.53).
A palavra clipoema passou a ser empregada em entrevistas e
artigos dos anos 90, por poetas como Augusto de Campos, Décio Pignatari e Julio
Plaza em associação com o videoclipe. O termo aparece pela primeira vez, no
Brasil, em 1994, na sexta edição do Perhappiness, evento criado em homenagem a
Paulo Leminski que se realiza anualmente na Cidade de Curitiba. Nesta edição
foram exibidos clipoemas criados a partir de poemas de Paulo Leminski.
1.3.2 Holopoesia
A holopoesia é uma modalidade da poesia multimídia que faz uso de
tecnologia de ponta e que proporciona uma tridimensionalidade ao texto poético. As
primeiras experiências com a poesia holográfica se dão com o descobrimento do
laser em 1960. O uso do laser de forma criativa possibilita que a imagem registrada
31
seja apresentada de modo natural em todos seus planos de perspectivas, dando a
ela um caráter de escultura.
O
holopoema
é
fruto
de
uma
sucessão
de
experiências
desenvolvidas dentro da literatura, que visam libertar as palavras do papel e do livro.
A poesia holográfica talvez seja a única manifestação das poéticas visuais que de
fato eliminam os suportes fixos (vídeo, microcomputador). O holopoema se projeta
no ar através da manipulação de luzes, modificando as noções de espaço e de
tempo. Isto se dá principalmente devido ao fato de que “a holografia instaura uma
dinâmica inovadora em termos de recepção da obra, por que o espectador circula ao
redor da obra e seu ponto de vista determina, a cada instante, o que ele vê”
(GUIMARÃES, 2004, p.183).
O brasileiro Eduardo Kac é o principal realizador de holopoesia no
Brasil e no mundo. Além da criação neste novo suporte, tem vasto material teórico
sobre o tema. Para Kac, a poesia holográfica dá continuidade à tradição das
poéticas experimentais, mas tenta inaugurar um outro caminho. Para ele, diferente
da poesia visual, a holopoesia “pretende corresponder à descontinuidade do
pensamento, ou seja, a percepção do holopoema não vai se dar linear nem
simultaneamente e sim através dos fragmentos vistos aleatoriamente pelo
observador conforme seu posicionamento em relação ao poema” (KAC, 1983, p.1).
Apesar da aproximação intensa com as tecnologias high tech, a
holopoesia é uma arte cuja matéria é a palavra. Não é uma manifestação de elogio à
máquina, como no Futurismo. Trata-se de uma poesia que se utiliza dessa máquina
para expandir os efeitos poéticos, conduzindo o receptor a uma experiência estética
completa, pois o coloca em uma posição de participação do poema. É o que relata
Eduardo Kac em seu artigo Holopoesia, Hipertexto, Hiperpoesia, de 1993:
Busco criar textos cujo processo de significação se dá apenas em
resposta ao ativo engajamento perceptual e cognitivo do leitor. Isto
implica dizer que cada leitor "escreve" seu próprio texto à medida
que explora visualmente a obra. Meus holopoemas não se
encontram imóveis e presos à superfície. Quando o observador
começa a procurar as palavras e seus elos, o texto se transforma, se
movimenta no espaço tridimensional, muda cores e sentidos, se
dissolve e desaparece (KAC, 1993, p.1).
32
Além de Eduardo Kac, por volta dos anos 80, Augusto de Campos e
Haroldo de Campos, em parceria com o artista plástico Júlio Plaza, iniciam algumas
experiências com a holopoesia. Em setembro de 1985, no MAC da USP, é projetado
o holopoema POEMÓBILE, de Augusto de Campos. Em 1986, Moysés Baumstein
realiza a exposição Triluz, em parceria com Décio Pignatari, na qual foram
projetados os seguintes holopoemas: Pintando o ar de Vermelho, de Moysés
Baumstein; Spacetime, de Décio Pignatari; O Arco-Íris no ar curvo, de Júlio Plaza e
Céu e Mente, de José Wagner Garcia. Em 1987, é realizada a Mostra Idehologia, no
MAC da USP, que reuniu trabalhos de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Júlio
Plaza e Wagner Garcia, adaptados para o meio holográfico por Moysés Baumstein.
As diversas experiências realizadas com a holografia na poesia são
mais um exemplo de como os poetas se adaptam às formas de tecnologias com o
intuito de expandir a relação com o leitor/ receptor e com isso aprimorar as formas
de transmissão de seus materiais poéticos e pictográficos.
1.3.3 Polipoesia
Em 1987, o poeta e ensaísta Enzo Minarelli propõe, por meio de seu
Manifesto da Polipoesia, uma poesia gerada pela fusão de diversos meios técnicos
diferentes. Esta nova poesia teria por objetivo proporcionar aos ouvintes uma
experiência única em níveis sensoriais, através dos sons vocais, música, ruídos,
mímica, performance, videopoesia, entre outros elementos. No caso da polipoesia,
temos, portanto uma mistura das tecnologias mecânicas e eletrônicas, unidas em um
único propósito de criação de uma “arte total”.
O Manifesto da Polipoesia aparece pela primeira vez no catálogo
Tramesa d`Art, em Valência, no ano de 1987, porém, as idéias básicas já se faziam
evidentes no ensaio Polipoesia, da leitura à performance da Poesia Sonora, redigido
por Minarelli e publicado na revista italiana Visoni, Violazioni, Vivisezioni, em 1983.
Tendo como influências as vanguardas históricas européias, o projeto da polipoesia
amplifica o que já havia sido trabalhado pela poesia concreta, Futurismo (italiano e
russo) e Dadaísmo, sem deixar de ser fiel às propostas destas poéticas
33
experimentais. Desta forma, ela abre novas possibilidades para a arte puramente
literária e escrita.
Muitos são os poetas, ao redor do mundo, que praticam a polipoesia
e cujo dispositivo teórico vem sendo discutido, ao longo dos anos, por críticos como
Paul Zumthor, Renato Barilli, Clemente Padin e pelo próprio Enzo Minarelli. Cada
polipoeta desenvolve seu estilo, ou marca pessoal, ao interpretar a poesia através
dos filtros vocais, teatrais, audiovisuais, musicais ou tecnológicos. Deste modo, as
possibilidades de difusão e encontro com o espectador de poesia são múltiplas.
Dentre os poetas praticantes da polipoesia, alguns se destacam no
contexto mundial. São eles: Américo Rodrigues, Fernando Aguiar, Serge Pey, Jaap
Blonk, Xavier Sabater, Xavier Canals, Tracy Splinter, Bartomeu Ferrando, Lydia
Lunch, Rafael Metlikovec, Clemente Padin, e Enzo Minarelli.
Como constatou Philadelpho Menezes, na introdução do livro Poesia
Sonora: Poéticas Experimentais da Voz no Século XX, a busca pela “poesia total”
surge como uma opção para o esgotamento da Poesia Sonora e do caráter
revolucionário das vanguardas.
A fusão tecnológica das formas expressivas, o produto estético
dirigido exclusivamente à sensorialidade redentora e apaziguadora, o
poema como efeito óptico ou acústico nas atuais poéticas visuais e
sonoras, que extravasa seus limites para uma arte do corpo e do
espaço, são respostas para essa nova situação em que
experimentar, nesse âmbito é a norma e a expectativa e não mais o
desvio e o estranhamento (MENEZES, 1992, p.15).
O Manifesto de Enzo Minarelli é dividido em seis itens (MINARELLI,
2005, p. 196-210):
1- Apenas o desenvolvimento das novas tecnologias marcará o
progresso da poesia sonora: as mídias eletrônicas e o computador
são e serão os verdadeiros protagonistas.
2- O objeto língua deve cada vez mais ser indagado em seus
mínimos e máximos segmentos: a palavra, elemento base da
comunicação sonora, assume os traços de multipalavra, penetrada
34
em seu interior e recosturada no seu exterior. A palavra deve poder
libertar suas sonoridades polivalentes.
3- A elaboração do som não admite limites, deve ser impelida além
do limiar do puro rumorismo, um rumorismo significante: a
ambigüidade sonora, seja lingüística seja vocal, tem sentido se
conseguir valer-se plenamente do aparato instrumental da boca.
4- A recuperação da sensibilidade do tempo (o minuto, o segundo)
fora dos cânones da harmonia e da desarmonia, porque apenas a
montagem é o justo parâmetro de síntese e equilíbrio.
5- A língua é ritmo, os valores tonais são reais vetores de
significado: antes vem o ato de racionalidade, depois o ato de
emotividade.
6- A polipoesia é concebida e realizada para o espetáculo ao vivo,
entrega-se à poesia sonora como prima dona ou ponto de partida
para relacionar-se com a musicalidade (acompanhamento, linha
rítmica), a mímica, o gesto, a dança (interpretação, ampliação,
integração do poema sonoro), a imagem (de TV, diapositiva,
enquanto associação, explicação, redundância, alternativa), a luz, o
espaço, os costumes, os objetos.
Como se pode observar, no sexto e último tópico do Manifesto da
Polipoesia, Minarelli elege como ponto de partida, ou “prima dona” desta interação
entre as diversas manifestações artísticas, a poesia sonora.
O conceito de poesia sonora, que aparece pela primeira vez com os
dadaístas e o Cabaret Voltaire, renasce na França, em 1950, com a modernização
dos estúdios sonoros e a invenção do gravador de som em fita magnética. O poeta
francês Henri Chopin em parceria com os então músicos concretos e eletroacústicos
Pierre Henry e Pierre Schaeffer são os primeiros a realizarem experiências no
campo desta nova forma de poesia, que na verdade, faz uma recuperação de uma
vocalidade que há muito fora abandonada pela literatura e pelas poéticas
experimentais que a substituíram pela visualidade.
De acordo com Paul Zumthor:
35
A Poesia Sonora está hereditariamente marcada por dois desejos
aparentemente contraditórios, mas de fato complementares, que lhe
deram origem: o desejo do retorno ao oral, no âmbito dos poetas; o
desejo de retorno ao falado, no âmbito dos músicos (ZUMTHOR,
1992, p.139).
Nos dias atuais, o termo poesia sonora é usado para designar toda
manifestação poética experimental baseada nas possibilidades expressivas da voz
humana. Desta forma, é dada primazia à voz e às características rítmicas, fônicas e
plásticas dos sons emitidos pela boca do poeta ou performer. A polipoesia surge
então com a proposta de ampliar o poder da voz, desenraizá-la dos suportes de
gravação, colocá-la em performance, ao vivo e em convergência com outras mídias
e com o público presente na apresentação da obra.
1.3.4 Infopoesia
Conceito de poesia desenvolvido pelo português Ernesto Manuel de
Melo e Castro que se define como uma poética estabelecida a partir das relações
entre a palavra e a imagem nos meios eletrônico-digitais. Trata-se de uma nova
linguagem poética que faz a "utilização simultânea de signos verbais e não verbais,
para, através de instrumentos informáticos, criar estruturas poemáticas de alta
complexidade visual, complexidade essa que também se manifesta simultaneamente
no nível semântico” (CASTRO, 1998, p.9).
Um dado importante que diferencia a infopoesia das demais poéticas
digitais e eletrônicas é que ela tem como origem e se faz com a presença da
palavra. Palavra esta direcionada para uma posição de transgressão e
metalinguagem. A diferença entre o infopoema e o clipoema é que enquanto o
primeiro só pode ser apresentado em um microcomputador, o segundo pode ser
transmitido tanto no micro quanto em um aparelho de vídeo.
Para Jorge Luiz Antônio (2000, p.2), a infopoesia não pode ser
considerada poesia visual, posição esta que discordamos, visto que segundo nossa
concepção, a poesia visual se caracteriza por ser toda poesia que utiliza elementos
gráficos, imagens e textos em sua composição. E no caso da infopoesia, além de
36
possuir uma estrutura que a aproxima da poesia visual, utiliza-se das novas
tecnologias, no caso o microcomputador, para a sua realização e apresentação, o
que a aproxima das poéticas tratadas aqui como multimídias, ou particularmente
para a infopoesia, poesia digital.
1.3.5 Ciberpoesia
Os primeiros textos criados em computador começam a ser
desenvolvidos em 1959, em Stuttgart, Alemanha, por Théo Lutz, e em 1964, em
Montreal, Canadá, por Jean Baudot. Ambos trabalharam com os geradores de textos
em projetos que visavam colocar o computador a serviço da literatura. É o que
constata Philippe Bootz em seu artigo Poetic machinations (1996, p.118-137). O
autor analisa também como o computador, em principio, é utilizado apenas como um
suporte que auxilia na redação, na escrita. Neste caso, os textos são objetos
gerados pelo computador e podem ser lidos no papel. Só recentemente as
tecnologias digitais estão sendo usadas de forma criativa, de modo a potencializar
as experiências do receptor da obra, através de uma interação com o poema.
Diante das novas perspectivas poéticas surgidas com a cibercultura,
o poeta Álvaro Andrade Garcia percebe que a terminologia videopoesia já não cabe
mais para definir algumas produções geradas no novo suporte que é o
microcomputador. Para ele, existem algumas características que aproximam os
poemas criados em vídeo e na tela do computador como o movimento, a textura e a
sincronia texto-áudio. Mas existem também diferenças entre a forma/conceito dos
trabalhos realizados em um ou outro suporte. Com base nestas diferenças entre os
suportes, Garcia propõem o termo multipoesia como nome provisório para as obras
produzidas no computador.
Multipoesia foi o nome mais entendível nesse momento para guardar
por algum tempo o significado dessa nova forma de expressão e
comunicação artística que abole as fronteiras que já eram tênues
entre diversas formas de arte, as fronteiras entre criador e leitor, as
fronteiras entre idiomas, estilos, etc. Multipoesia para representar a
poesia em suporte computacional multimídia, ou melhor, a criaçãoapropriação literária em suporte digital multisensorial e interativo. A
poiesis na comunicação digital (GARCIA, 2007, p.01).
37
Para Álvaro Garcia, sempre que uma linguagem é digitalizada, perde
sua materialidade e suportes, sendo retrabalhadas dentro do computador. A partir
deste processo, Denise Garcia observa que “são gerados hipersignos de caráter
mutante, que são essencialmente híbridos” (GUIMARÃES, 2004, p. 194).
A informática introduz no texto uma nova temporalidade, tanto no
modo de produção como no da leitura, ampliando a noção temporal da literatura
impressa, que se limita ao domínio da atividade de leitura, ou seja, o tempo
correspondente à leitura do poema. Na ciberpoesia, ou literatura digital, ela avança
também para o domínio do próprio texto. É essa nova temporalidade aliada a uma
mobilidade e multiplicidade
da
ciberpoesia
que
permite
o
fenômeno
da
interatividade.
A interação entre leitor e obra é um dado novo dentro das poéticas
multimídias, e só pôde ser realmente aplicada na literatura com o desenvolvimento
dos computadores pessoais e da internet a partir dos anos 90. A participação tem
sido o fio condutor que uniu cada proposta da poesia em todos os tempos. Com
certeza, os novos meios digitais não farão outra coisa senão estimular, incentivar,
motivar através da interatividade do leitor com a obra ou até mesmo com o autor do
texto. Para José Augusto Mourão:
Tornada interactiva, a poesia permite explorar as ligações verticais
entre as várias “falas”, tanto pelo(s) autor(es) como pelo(s) leitor(es),
desconstruindo assim a ordem hierárquica, hierática, que coloca o
poeta junto dos deuses e os leitores na posição da admiração ou do
fascínio. Os novos papéis de ciberautor e ciberleitores tornam
obsoletos os antigos papéis do autor e do leitor (MOURÃO, 2005,
p.03).
Essa interação está profundamente ligada à figura rizomática do
hipertexto. O hipertexto se caracteriza por ser uma escrita não seqüencial, ou seja,
blocos de textos ligados por trajetórias múltiplas (links), que têm como objetivo
permitir ao leitor a escolha de caminhos alternativos. O hipertexto é a mais
conhecida modalidade de cibertexto e muito interessa aos estudos literários e
culturais no sentido de que ele nos leva a identificar, no formato de escrita não-linear
e seqüencial, a própria idéia de literariedade bastante discutida no início do século
XX, principalmente pelos formalistas e estruturalistas, como fator constituinte do
38
sistema literário. É importante lembrarmos que, mesmo dentro de obras impressas
no formato livro, o conceito de hipertextualidade está presente. Basta darmos uma
olhada na metaficção de um Cortazar (Jogo de Amarelinha) ou Calvino, na
fragmentação do discurso de Clarice Lispector e António Lobo Antunes ou nos
labirintos textuais e também rizomáticos de Jorge Luis Borges.
Enfim, podemos observar que as poéticas multimídias e digitais,
frutos dos avanços tecnológicos que influenciaram esteticamente o material poético
produzido, contribuíram para a expansão dos horizontes literários, especialmente da
poesia, por meio da promoção de uma mudança de paradigmas sociais e culturais
do homem. Esse caráter híbrido das artes está presente em muitos poetas e obras
literárias contemporâneas, como é o caso de Arnaldo Antunes, poeta que sempre
transitou por todas as mídias com total naturalidade. Para Antunes, “a poesia só tem
a ganhar quando se contamina com outros códigos, pois alcança outros públicos e
descobre possibilidades de linguagem” (ANTUNES, 2006, p. 15).
Essa pincelada sobre algumas expressões poéticas experimentais
do século XX permite entrever um certo incômodo no que toca o conceito de
“literatura”. O “coup de dés” mallarmaico já prenunciava a significação do branco do
papel em ralação à grafia da letra. Com os pixels surgiu a possibilidade de
movimento, cor, fundo e forma misturados ao som. A poesia e, conseqüentemente, o
poema já requerem, em vez da figura do leitor isolado, uma nova presença, e cabe
ao poeta um experimentalismo sem-fim acompanhando as transformações
tecnológicas. Sendo assim, passamos a enfocar a poética antunesiana e apontar
como a ligação com os recursos tecnológicos permitiu a ele criar uma expressão
poética capaz de subverter a letra estática e criar significados a partir de suas
mutações e movimentos.
39
CAPÍTULO II – ARNALDO ANTUNES: UM POETA DE SEU TEMPO
É fácil ser Flor / ou / ser Capim /
É fácil /ser flor / ou ser Capim /
É fácil ser Flor ou ser Capim /
Difícil / é Ser Flor e Ser Capim.
Arnaldo Xavier
2.1 TRAJETÓRIA POÉTICA
Arnaldo Antunes é um poeta cuja marca registrada é a pluralidade.
Vem ao longo da carreira investindo sua criatividade em várias direções. Sua própria
biografia já mostra este aspecto nômade de sua trajetória. Seja através de livros de
poemas, letras de músicas, instalações, caligrafias, poesia sonora, entre outros, o
poeta cria obras ímpares, em um diálogo constante com o universo das palavras.
Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu no dia 02 de setembro
de 1960, na cidade de São Paulo, filho de Arnaldo Augusto Nora Antunes e Dora
Leme Ferreira Antunes. Em 1975, entra para o colégio Equipe, que desenvolve forte
trabalho de arte-educação. O Produtor Serginho Groissman está a frente da
programação musical do Centro Cultural do Equipe, que apresenta shows de artistas
como Nelson Cavaquinho, Cartola, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Gilberto
Gil, entre outros. Neste colégio, tem aula de cinema e realiza Temporal, um super 8
de ficção, com 40 minutos de duração. No mesmo colégio conhece Branco Mello,
Sérgio Britto, Paulo Miklos, Ciro Pessoa, Nando Reis e Marcelo Fromer, futuros
parceiros da banda Titãs. Começa a compor com Paulo, que é da mesma classe. Do
2º para o 3º ano publica a novela CAMALEÃO, impressa na gráfica da escola.
Inicia o curso de Letras na USP, em 1978, mas logo tem que mudar
para o Rio de Janeiro. Transfere seu curso para a PUC-RJ, onde realiza o filme
experimental em super 8 Jimi Gogh, com músicas de Jimi Hendrix e quadros de Van
Gogh.
40
Em 1980, muda-se para São Paulo para morar com Go, sua primeira
mulher. Moram por dois anos na casa do artista-plástico José Roberto Aguilar, com
quem realizam diversas performances, até a formação da Banda Performática, da
qual Arnaldo Antunes e Go fazem parte. Valia de tudo nas performances, e é desta
experiência com um toque dadaísta que o poeta vai tirar bagagem para seus
projetos multimídias futuros. No mesmo ano, escreve e produz artesanalmente, em
parceria com Go, pequenos livros impressos em xérox. A flecha só tem uma chance,
e deu na cabeça de alguém uma árvore, um piano e muitas galinhas, são alguns dos
títulos.
Edita com Beto Borges e Sergio Papi a revista Almanak 80. Com
Beto Borges, Sergio Papi e Nuno Ramos, publica a revista Kataloki (Almanak 81).
No mesmo ano, participa dos vídeos Kataloki, realizado por Walter Silveira
especialmente para o lançamento da revista, e Sonho e contra-sonho de uma
cidade, de Aguilar. Participa do show no evento A idade da pedra jovem, na
Biblioteca Mário de Andrade, que marca a estréia de Arnaldo, Sérgio Britto, Paulo
Miklos, Marcelo Fromer, Nando Reis, Ciro Pessoa e Tony Bellotto, entre outros, num
mesmo palco.
O ano de 1982 marca a estréia da banda Titãs do Ieiê, no Teatro
Lira Paulistana e no Sesc Pompéia, em São Paulo. Arnaldo e Go fazem a exposição
Caligrafias, na Galeria Cultura, em São Paulo, onde apresentam, na inauguração, a
ópera performática A espada sinfônica, com vários convidados. Realizam também
performances na Pinacoteca do Estado, Defeitos cônicos, na Livraria Belas Artes,
Noite de performance: epicaligráfica, no Sesc Pompéia.
O primeiro livro de Arnaldo Antunes, Ou E, é lançado no Sesc
Pompéia, em 1983. Em uma estréia ousada, o livro é composto por uma caixa com
dois buracos e um círculo giratório dentro. Dentro da caixa estão 29 poemas soltos:
charadas, releituras de textos de outros autores (Hoelderlin, Haroldo de Campos,
Flaubert, Mick Jagger, Blake, Pagu), caligrafias, entre outras experimentações. O
trabalho foi chamado pelo artista-plástico Nuno Ramos de cine-letra, visto que
quando o círculo é girado, “os alfabetos mais distantes vão passando pelos buracos”
(RAMOS, 1984, p.1).
No ano seguinte, Antunes participa da mostra de poesia visual
Poesia Evidência, na PUC-SP. O grupo Titãs grava seu primeiro disco e a música
Sonífera Ilha é sucesso nacional e o grupo participa de diversos programas de
41
auditório, como Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, entre outros. Em 1986, os Titãs lançam
o disco que vai definir o som do grupo, Cabeça de Dinossauro. No mesmo ano,
Arnaldo Antunes lança o livro de poemas Psia. Neste segundo livro, lançado em
1986 e reeditado pela Editora Iluminuras em 1991, o poeta continua com a proposta
do livro anterior, acrescentando desta vez uma poesia mais concisa, herança dos
poetas concretos brasileiros. Neste livro, há a predominância de poemas verbais,
além de algumas incursões na caligrafia e poemas visuais como, por exemplo,
H2Omem. A preocupação com um rigor e uma materialidade da palavra, além de um
gosto pelo lúdico, mais uma vez marca ponto na poesia de Arnaldo Antunes. No
próprio título do livro, o poeta propõe algo inovador e non sense. Psia pode tanto ser
o feminino da palavra Psiu, como a palavra poesia com “um hiato a menos”
(ANTUNES, 2006, p. 39).
Antunes participa, em 1987, da Palavra Mágica, exposição de arte
contemporânea, no MAC, e do vídeo Agráfica, realizado por Walter Silveira, em São
Paulo. Dois anos mais tarde, grava com os Titãs o LP Õ BLÉSQ BLOM, que recebe
disco de ouro. O poeta fica responsável também pelo projeto gráfico do disco. Em
1990, Arnaldo Antunes participa da projeção de alguns poemas seus, entre alguns
trabalhos de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Walter Silveira, com raio
laser na Avenida Paulista. É a primeira experiência em poesia holográfica no Brasil.
Neste mesmo ano, publica Tudos e participa da leitura de poemas no Perhappiness
I, evento realizado em homenagem a Paulo Leminski, na Fundação Cultural de
Curitiba. Participa também da mostra de poesia visual Transfutur — Visuelle Poesie,
na cidade de Kassel, Alemanha. No terceiro livro, Antunes começa novamente a
brincadeira a partir do título. Tudos é o plural da palavra tudo. Gramaticalmente um
erro imperdoável, mas quando transportado para um livro de poemas, o erro vira
ruído no processo comunicativo, ou seja, poesia. Para o crítico Mario Cesar
Carvalho, o livro “é uma espécie de artesanato high-tech de Arnaldo: foi totalmente
feito num microcomputador, com letras distorcidas, desenhadas a mão, voando pela
página etc” (CARVALHO, 1990, p.1).
Participa em 1991, no MASP, da mostra de Poesia Visual —
Nomuque Edições 1974/1991. Tem seu poema H2Omem, exposto em outdoor, em
projeto da Secretaria da Cultura, homenageando a Avenida Paulista. Os Titãs
lançam Tudo ao mesmo tempo agora, e recebem disco de ouro. No ano seguinte,
participa da exposição p0es1e — digitale dichtkunst, na Galerie Am Market
42
Annaberg-Burchholz, em Munique, Alemanha. Produz o CD Isto não é um livro de
Viagem, com gravações do poeta Haroldo de Campos de alguns fragmentos do livro
GALÁXIAS. Desenvolve trabalhos gráficos em parceria com Augusto de Campos
para o livro de traduções Rimbaud Livre, lançado pela Editora Perspectiva. Publica o
livro As coisas, pela Editora Iluminuras.
Em As Coisas, o poeta faz um passeio pela dicção da criança, ou
seja, busca uma linguagem pré-fala. Antunes dialoga, nesta obra, com Oswald de
Andrade e o seu Primeiro caderno de poesia do Aluno Oswald de Andrade, e com o
poeta Manoel de Barros, criando frases com uma simplicidade e coloquialidade
desconcertantes, como podemos notar no exemplo abaixo:
Figura 1 – (ANTUNES, 2006, p.92-93)
O livro é ilustrado por sua filha Rosa, então com três anos, sendo
que estes desenhos “nos coloca em um tempo mítico das inscrições rupestres” e nos
remetem a uma “zona de leitura virginal” (SACRAMENTO, 2002, p.10-11). Este livro
ganha o premio Jabuti de Poesia, em 1993, mesmo ano em que lança o projeto
multimídia Nome, unindo música, poesia e produção gráfica em um único projeto.
Trataremos especificamente deste livro no terceiro capítulo, quando analisaremos
alguns videopoemas de Arnaldo Antunes.
Ainda e 1993, realiza performances baseadas no projeto Nome, na
Alemanha. O vídeo Nome é exibido em festivais de vídeo e mostras nos Estados
Unidos, Áustria, Itália, França, Alemanha, Suíça, Suécia, Espanha, Holanda,
Mônaco, Austrália, Uruguai, Argentina, Colômbia e Chile. Recebe uma Menção
Honrosa do Juri de The First Annual New York Video Festival, Nova York, EUA e a
Recomendação do Juri do Festival Internacional de Vídeo da Cidade de Vigo, na
Espanha. O poeta participa, junto com Augusto de Campos, Haroldo de Campos,
43
Décio Pignatari, Livio Tragtemberg, Walter Silveira e outros da performance poética
na comemoração dos 30 Anos da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda,
Teatro Alterosa, no Centro Cultural da UFMG, em Belo Horizonte, MG, e no
Perhappiness 93.
No ano de 1996, há poemas seus incluídos na Antologia Poética:
Brasil-Colômbia (Para Conocernos Mejor), organizada por Aguinaldo José
Gonçalves e Juan M. Roca, Editora Unesp, São Paulo. Participa nos Estados Unidos
da exposição Manipulated Word/Text and Image, South Florida Arts Center/Ground
Level Gallery, integrando o New Vison Florida-Brazil/A Festival Exchange, em Miami,
na Flórida. Apresenta nos Estados Unidos a performance Nome, no Festival New
Vison Florida/Brazil/A Festival Exchange em Miami.
Arnaldo Antunes tem, em 97, poemas incluídos nas antologias Norte
y Sur de la Poesía Iberoamericana — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha,
México, Venezuela, organizada por Consuelo Triviño, Editorial Verbum, Colômbia e
Nothing The Sun Could Not Explain — Contemporary Brazilian Poets, antologia
bilíngüe de vinte poetas brasileiros contemporâneos, organizada por Michael Palmer,
Régis Bonvicino e Nelson Ascher, com colaboração de João Almino, Sun & Moon
Press, Los Angeles, EUA.
É lançado, também em 1997, o livro-cd 2 ou + corpos no mesmo
espaço. Nesta obra, adotada pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
Ministério da Educação (MEC) de São Paulo, Arnaldo Antunes tenta novamente sair
do formato livro, ao anexar ao material imprenso um CD com sonorizações de
alguns poemas contidos no livro. O poeta desenvolve neste trabalho uma poesia de
cunho fonético fazendo uma revisão da poesia sonora praticada pelos dadaístas do
início do século XX. Participa da antologia Esses Poetas — Uma Antologia dos Anos
90, organizada por Heloisa Buarque de Holanda. Tem obras suas incluídas na
exposição Handmade, Ideogramas, Caligrafias, etc., com Walter Silveira, no Ybakatu
Espaço de Arte, em Curitiba. Ainda neste ano, participa da XXIV Bienal Internacional
de São Paulo, com uma instalação gráfico-poética com camadas de cartazes
colados e rasgados.
Em 99, Antunes participa da II Bienal de Artes Visuais do Mercosul,
em Porto Alegre, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, onde expõe duas grandes
instalações construídas com letras de alumínio pintadas — Cresce e Infinitozinho.
44
O poeta entra no novo milênio fazendo diversos shows, como o
Festival Ritmos e Festas do Mundo, realizado na cidade do Porto, e no Festival
Transatlântico, em Lisboa. Na Espanha, participa do Festival La Mar de Músicas, em
Cartagena. Na mesma Espanha sai a antologia de poemas Doble Duplo, traduzida e
organizada por Iván Larraguibel, com prefácios de David Byrne e Arto Lindsay.
Compõe, neste mesmo ano, a trilha sonora para o grupo O corpo e lança o livro de
ensaios 40 escritos. Organizado por João Bandeira, este livro contém 40 textos
sobre assuntos diversos publicados em jornais e revistas desde 1980. Podem ser
encontrados neste volume poemas, resenhas de livros, ensaios sobre música,
poesia, artes-plásticas, entre outros.
Em 2001, lança o livro Outro, realizado em parceria com a poeta
Josely Vianna Baptista e a artista-plástica Maria Ângela Biscaia. A obra marca o
diálogo do poeta com as artes-plásticas, universo que sempre se fez presente na
vida de Antunes. O poeta realiza a performance Nome com Zaba Moreau, no
Festival Internacional ROMAPOESIA, em Roma, Itália.
No ano seguinte, lança o livro Palavra Desordem. A síntese e o
gosto pelo lúdico são as marcas deste trabalho. Antunes subverte as ditas palavras
de ordem: axiomas, slogans publicitários, ditos populares, provérbios. O projeto
gráfico do livro se aproxima dos cartazes futuristas, e as frases são carregadas de
um teor libertário, tanto em relação à linguagem como em relação à própria vida.
Realiza, em 2002, a exposição de caligrafias Cérebro Sexo, na galeria Portinari, da
Fundación Centro de Estudos Brasileiros, em Buenos Aires, Argentina. Tem obra
incluída na exposição Brazilian Visual Poetry, no Mexic-Art Museum, na cidade de
Austin, Texas, EUA, sob a curadoria da artista brasileira Regina Vater. Realiza
performances poéticas no KOSMOPOLIS 2 – Festa Internacional de la Literatura, no
Centro de Cultura Contemporània de Barcelona, Barcelona, no Ciclo Internacional
de Conferências FUTURISME, em Palma de Mallorca, na Espanha, e no Festival
Internacional ROMAPOESIA - Roma, a performance Poemix Brasil, com Lenora de
Barros, João Bandeira e Cid Campos.
O livro ET EU TU é lançado em 2003, com poemas seus e
fotografias de Márcia Xavier. O projeto nasceu do desejo de explorar as relações
entre imagem e palavra. Neste livro, o poeta dá prioridade aos poemas verbais.
Antunes não quis incluir neste trabalho poemas visuais, para que os poemas se
45
relacionassem estritamente com as fotos. Também neste ano realiza a exposição de
caligrafias Escrita à mão, em São Paulo e Rio de janeiro.
Antunes participa, em 2004, da Festa Literária Internacional de
Parati (FLIP-RJ), na mesa redonda A lírica exata: três vozes, ao lado de Francisco
Alvim e Antonio Cícero e realiza performance. O livro de poesia ET EU TU ganha o
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, pelo 1º lugar na categoria Projeto e
Produção Editorial.
Em 2006, ocorre o relançamento do projeto multimídia Nome, no
formato CD-DVD, remasterizado. Lança em Portugal o livro Antologia de Arnaldo
Antunes e participa da exposição Entre la palabra y la imagen, na Fundación Luis
Seoane, em La Coruña, Espanha, e realiza performance poética. Tem poemas
incluídos na Antologia comentada da poesia brasileira do século 21, de Manuel da
Costa Pinto, Publifolha, São Paulo, Brasil. No mesmo ano, o poeta lança o disco
Qualquer e a antologia Como É que Chama o Nome Disso, um apanhado de todos
os livros de poemas anteriormente publicados, incluindo artigos e uma coletânea de
poemas novos, Nada de Dna. O livro conta ainda com uma longa entrevista com
Arthur Nestrovski, Francisco Bosco e José Miguel Wisnik, além de um ensaio
introdutório de Antonio Medina Rodrigues. O poeta tem fôlego ainda para lançar o
livro Frases do Tomé aos Três Anos, pela editora Alegoria, em que Arnaldo Antunes
ilustra algumas frases do filho Tomé. O poeta retoma o projeto que já havia realizado
em 1992 com o livro As Coisas.
2.2 INFLUÊNCIAS DAS VANGUARDAS NA OBRA DE ARNALDO ANTUNES
O poeta Arnaldo Antunes desenvolve ao longo de toda sua trajetória
poética uma obra profundamente marcada pelas inovações literárias oriundas das
vanguardas européias do início do século XX e das experiências de Oswald Andrade
no Modernismo brasileiro da Geração de 22. Outra influência bastante visível na
obra do poeta são as experimentações promovidas pelos concretistas brasileiros,
principalmente através das figuras dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e do
semiólogo e poeta Décio Pignatari.
46
2.2.1 As Vanguardas Européias
No que se refere às Vanguardas européias, não somente Arnaldo
Antunes, mas uma grande parcela da literatura contemporânea recebe influências
das experiências de vanguarda poética do início do século XX. Os grandes
responsáveis por esta presença experimental na poesia brasileira são os
modernistas, em especial Oswald se Andrade, que foi o maior fomentador dos ideais
literários europeus do Futurismo em nosso País. Mais tarde, esta missão seria
reservada aos integrantes da chamada poesia concreta: Décio Pignatari e os irmãos
Campos. Os membros do Concretismo, além de recuperarem o próprio Oswald de
Andrade, principalmente no livro Poesia Antipoesia Antropofagia, de 1978, em que
Augusto de Campos revaloriza o trabalho de Oswald de Andrade, retomando a linha
de invenção da poesia minimalista do antropófago Oswald de Andrade, recapitulam
algumas técnicas já utilizadas pelas vanguardas, como a colagem, a poesia fonética,
a poesia visual e as performances.
Antes de entrarmos no assunto poesia concreta e suas influências
sobre Arnaldo Antunes, faremos um breve retorno no que foram as vanguardas
européias e quais as heranças que deixaram para a poesia concreta, considerada
por Philadelpho Menezes, “uma das últimas manifestações de vanguarda poética
importante em nível mundial” (MENEZES, 1998, p. 16).
Podemos iniciar nossa discussão a partir da análise da própria
palavra vanguarda. O termo vanguarda possui uma construção híbrida, isto é,
metade dela tem origem latina: avant; e a outra parte da palavra origem germânica:
garde. Em seu sentido literal, vanguarda faz referência ao batalhão militar que
precede as tropas em ataque durante uma batalha. A partir daí podemos deduzir
que vanguarda é aquilo que "está à frente". Desta necessidade de sempre estar à
frente, surge uma das características mais marcantes dos movimentos de
vanguarda: a agressividade. Agressividade esta, “manifestada no antilogismo, no
culto a valores estranhos (o negrismo dos cubistas), os poderes mágicos, a beleza
da anarquia, o instantaneísmo, o dinamismo, a imaginação sem fio,...” (TELES,
2005, p. 82).
De maneira geral, todos os movimentos vanguardistas estavam
interessados em promover uma desorganização no universo das artes, seja por meio
47
de uma ruptura completa com o passado e uma crítica acirrada aos modelos
artísticos do presente: Futurismo, Dadaísmo e Surrealismo; seja visualizando na
destruição uma possibilidade de construção de uma nova realidade: Cubismo e
Expressionismo. Em ambos os casos, o que devemos notar é que as ações dos
movimentos vanguardistas são realizadas sobre a linguagem. No Futurismo e
Dadaísmo temos a tentativa de uma destruição e pulverização da linguagem,
buscando uma provável eliminação da palavra, o que é possível verificar nos
diversos poemas sonoros ou fonéticos de Hugo Ball, ou ainda nas colagens de Kurt
Schwitters e Filippo Tommaso Marinetti, como podemos ver respectivamente nos
exemplos abaixo:
Figura 2 – NB – Kurt Schwitters
Figura 3 – Marcia Futurista - Marinetti
É também sobre a linguagem que atuam as forças mágicas do
expressionismo, a geometrização do cubismo, a busca pela língua universal, ou
48
transmental, da poesia zaum3 dos cubofuturistas russos, e as experiências com o
inconsciente e automatismo dos surrealistas.
2.2.2 Oswald de Andrade e o Modernismo Brasileiro
O Modernismo brasileiro, historicamente marcado pela Semana de
Arte Moderna de 1922, recebeu profundas influências das vanguardas européias do
início do século XX, e é a fonte para os poetas concretos, principalmente por meio
da figura mais radical do movimento: Oswald de Andrade.
As idéias de Oswald são uma mistura do Futurismo italiano e
Dadaísmo, e podem ser encontradas no momento nacionalista da 1a Geração
modernista, a da poesia Pau-Brasil, de 1924. A partir de 1928, o poeta inclui, em seu
Manifesto antropófago, elementos do Surrealismo e algumas idéias presentes nos
textos de Marinetti, publicados na revista Cannibale.
A poesia pau-brasil de Oswald, nome retirado da madeira vermelha
que foi arduamente extraída e exportada por nossos “irmãos” portugueses no
período em que o Brasil era colônia de Portugal, caracteriza-se pelo texto reduzido,
pelo uso da linguagem direta, do coloquial e do humor. Em uma tentativa de chegar
à concisão e à síntese, Oswald de Andrade cria verdadeiros poemas-comprimidos,
poemas estes definidos por Haroldo de Campos como:
[...] cápsulas de linguagem viva, colhidas no cotidiano, dotadas de
alta voltagem lírica e freqüentemente providas de agudo gume
crítico, como mais tarde- no fim da década de 30- faria Brecht com
seus poemas elípticos, cujos nexos cabem ao leitor restabelecer
(CAMPOS, 1977, p.28).
Esta particularidade da poesia pau-brasil de Oswald em buscar uma
linguagem direta e coloquial muito influenciou a obra dos concretistas e
posteriormente a poesia de Arnaldo Antunes.
3
Trata-se de uma expressão poética caracterizada pela busca de uma língua universal, ou melhor,
transmental, capaz de transpor os valores culturais locais.
49
Como muito bem destacou Philadelpho Menezes, os concretistas
criaram seus poemas em um nível de contenção máxima, onde “a palavra, por sinal,
retoma sua estrutura normal, não se esfacelando em pedaços como na caótica
poética do futurismo...” (MENEZES, 1998, p. 34).
Podemos observar este tipo de construção concisa em alguns
poemas de Arnaldo Antunes, como por exemplo, em Silêncio, do livro Tudos, de
1990:
Figura 4 – (ANTUNES, 2006, p.80)
Neste poema detectamos uma síntese muito próxima do haicai
japonês, e um suposto diálogo com as experiências de Un coup de dès, e sua
poética dos espaços em branco, dos silêncios na página. Este procedimento de
apontar os espaços vazios é uma constante na obra de Arnaldo Antunes. Para o
poeta:
Isso tem um pouco a ver com a coisa taoísta, de você chamar a
atenção para o vazio, e não apenas para a matéria. Se você pensar
no ato de andar, é necessário também o espaço entre o chão e o pé,
senão o andar não acontece. Então, estou sempre chamando a
atenção para esses vazios (ANTUNES, 1997, p.8).
Em um outro poema, the and, do livro 2 ou + corpos no mesmo
espaço, de 1997, a estratégia de escrita telegráfica, concisa, se repete, desta vez
aliada a uma visualidade que demonstra a filiação de Antunes com os poetas
concretos:
50
Figura 5 – (ANTUNES, 2006,
p.154).
Neste poema visual, Antunes faz uma leve brincadeira com o
enunciado the end (o fim), que sempre marca o término de algum evento. Desta vez
o poeta subverte o enunciado, substituindo o substantivo end (fim) pela conjunção
and (e). A construção do poema nos passa a idéia de suspensão de um fim, ou seja,
no processo de recepção, o leitor naturalmente ao ler o artigo the, forma a frase the
end, e ao constatar que esta resolução não se concretiza, tem o seu horizonte de
expectativa rompido. Ocorre um ruído no processo comunicativo e a sugestão do
binômio fim-continuidade. O poeta joga novamente tanto com a tipografia ao imprimir
as letras sobrepostas, quase que como um corpo único, como com os significados
que as duas palavras sugerem. Arnaldo Antunes realiza neste poema exatamente o
que Alfonso Berardinelli diz sobre a linguagem poética. Para ele, “a língua poética é
definida como esvaziamento e suspensão do significado” (BERARDINELLI apud
AMARAL, 2007, p. 01).
Este jogo lúdico, muitas vezes pontuado pelo elemento do humor
[“radicalmente sério só o cemitério” LEITE, 1988, p.131], é também uma marca da
poesia de Arnaldo Antunes e herança direta dos poemas-piadas de Oswald de
Andrade e de alguns poemas concretos como Beba Coca-Cola de Décio Pignatari.
É esta marca do humor que, na nossa visão, é uma das grandes
contribuições dos movimentos vanguardistas como o Dadaísmo, Modernismo
brasileiro e Concretismo. Trata-se do humor este que se manifesta por meio do riso
e que derruba a poesia e o poeta de seus pedestais. Para Philadelpho Menezes:
Não se trata do riso sarcástico, que exclui e aniquila o objeto do riso,
ou mesmo do riso da ironia crítica, que muitas vezes fazemos diante
de algo que não entendemos. É o riso que se dá quando
identificamos algo, quando sentimos que aquilo que aparentemente
nos desconforta é por nós reconhecível (MENEZES, 1998, p. 08).
51
A maior lição retirada por Arnaldo Antunes dos modernistas
brasileiros foi o ideário antropofágico Antunes representa para a literatura
contemporânea uma síntese entre o homem primitivo, natural e o homem urbano,
tecnizado. É um poeta que se locomove no mundo cibernético sem perder suas
raízes. É um poeta “informático ambientalista” (RISÉRIO, 1994, p.1) que digere tudo
ao seu redor: poesia, canção, escultura, pintura, e devolve ao mundo com a sua
marca, sua singular contribuição estética para o universo das artes.
2.2.3 A Palavra Concreta
No início dos anos de 1950, começa a ocorrer uma verdadeira
mudança no panorama histórico do mundo. Os países europeus iniciam um longo
percurso de recuperação decorrente dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Ocorre uma reestruturação geográfica, política e econômica que divide o mundo em
dois blocos: capitalista e socialista, a chamada Guerra Fria. E são dados os
primeiros passos para uma mudança do pensamento ocidental que culminará com o
maio de 68.
Esta agitação também afeta o Brasil. Vivia-se a época da
democratização política através do governo Juscelino Kubitschek (1956 – 1960). No
plano econômico, o País saía de uma estrutura agrária para uma estrutura industrial.
Como
conseqüência
da
industrialização
desenfreada,
surgem
grandes
aglomerações urbanas e bolsões de pobreza. É neste período também que chega
ao Brasil a televisão e a Indústria Cultural começa a desempenhar importante papel
na vida das pessoas. É neste contexto histórico que surge a poesia concreta no
Brasil.
Para Philadelpho Menezes:
52
A poesia concreta estava intimamente associada ao movimento de
boom desenvolvimentista que levanta o país nos anos 50,
simbolizado exemplarmente pelo plano de criação de Brasília, uma
nova cidade idealizada como centro do poder, matematicamente
situada no centro geográfico do país. Basta recordar que o principal
texto da poesia concreta, publicado em 1958, tem o título Plano
Piloto para Poesia Concreta, assinado por Augusto e Haroldo de
Campos e Décio Pignatari. É uma citação direta e assumida do Plano
Piloto para a Construção de Brasília, elaborado por Lúcio Costa e
Oscar Niemeyer, que sonhava construir do nada, em meio ao
inóspito cerrado do Planalto Central brasileiro, uma cidade dentro
dos moldes mais racionalistas idealizados pelo urbanismo
modernista europeu [...]. (MENEZES, 1998, p.22).
Muitos são os artistas que influenciaram os poetas concretos.
Quando dizemos artistas, pressupomos não apenas literatos participando da
formação do repertório destes autores, mas também pintores, músicos, escultores e
cineastas. Paradoxalmente, a música é a atividade que mais se aproxima da poesia
dos concretos, o que causa espanto para os críticos que os consideram frios,
geométricos e construtivistas.
Muitas das técnicas musicais empregadas na época pelos músicos
de vanguarda, e introduzidas no Brasil por intermédio de Hans-Joachim Koellreutter,
foram traduzidas para a linguagem literária e incorporadas a esta nova poética: a
fragmentação tonal (atonalismo) defendida pela Escola de Viena (principalmente
através da figura de Shoenberg), a prática da melodia de timbres desenvolvida e
utilizada pelo músico alemão Anton Webern e a música mecânica dos americanos
George Antheil e Conlon Nancarrow.
É em 1955, no Festival de Música de Vanguarda do Teatro Arena,
que o grupo formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari
usa pela primeira vez o termo poesia concreta.
O Concretismo somente se define efetivamente e se distingue de
outras vanguardas, quando os poetas paulistas Augusto de Campos, Haroldo de
Campos e Décio Pignatari, organizados em torno da revista Noigandres, entram em
contato com o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer. Desta troca de informações e
influências surge o desejo da criação de um movimento internacional desta nova
poética. Em 1956, numa exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo é
lançado a público o movimento concretista.
53
Sobre as particularidades do movimento concretista brasileiro,
Philadelpho Menezes salienta que:
Se no Brasil a ordem matemática e geométrica do poema concreto
se coaduna perfeitamente com o surto progressista da
industrialização dos anos 50, na esfera mundial o Concretismo
parece mais ligado a uma idéia de reconstrução de uma nova ordem
mundial no pós-guerra e à retomada da fé no progresso científico.
Contudo, é importante observar que, em que pese a grande difusão
também na Europa das idéias da poesia concreta, o movimento
parece não ter surtido o mesmo efeito e choque cultural que aqui
provocou (MENEZES, 1998, p.36).
Na França, o novo movimento de poesia experimental foi lançado
por Pierre Garnier, em 1962, através do Manifesto para uma Poesia Nova, Visual e
Fônica (TELES, 2005).
Neste
manifesto,
Garnier
denomina
o
seu
movimento
de
“espacialismo”, referindo-se, portanto, à ordenação espacial do poema na página em
branco, possivelmente influenciado por Mallarmé e seu Un Coup de Dés (Um Lance
de Dados). A poesia de Mallarmé pregava um rigoroso hermetismo e uma interação
do leitor na própria criação lingüística do poema. Esta interação se faz presente em
seu último trabalho através da participação do leitor na montagem textual. Como os
versos são dispostos em planos paralelos e interpenetrantes, a obra exige do leitor
uma participação na construção da mesma.
Como a sua estrutura não é fixa e se dá em vários planos, adquire
um sentido de obra aberta, conceito este elaborado e defendido também por
Umberto Eco (1997), que conciste na idéia de que toda obra de arte é aberta porque
não comporta apenas uma interpretação. O semiólogo italiano foi buscar nas teorias
da relatividade, física quântica, na fenomenologia e no desconstrutivismo as bases
para suas teorias sobre a “obra aberta”.
Como já mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, o Prefácio para
o poema Un Coup de Dés e a obra de Mallarmé foram importantes influências para a
poesia de vanguarda no mundo e no Brasil, principalmente a partir de 1956, quando
surge o grupo de poesia concreta, reunido em torno da revista Noigandres.
No “Plano-piloto para a Poesia Concreta”, de 1958, o poema de
Mallarmé vem apontado como um de seus precursores, notadamente
pela “divisão prismática da idéia”, pelos espaços em branco e pelos
recursos tipográficos como elementos da composição do poema
concreto, idéias básicas do texto de Mallarmé (TELES, 2005, p. 69).
54
Em Portugal, a partir de 1961, um grupo de poetas começa a se
reunir nas dependências do Café Gelo, em Lisboa, para ler e discutir a poesia
experimental portuguesa. Participaram destas reuniões os poetas: Ernesto Manuel
de Mello e Castro, Mário Cesariny, Herberto Helder, António Gancho, Luiza Neto
Jorge, Ana Hatherly, entre outros. Apesar destes poetas terem tido seus trabalhos
apresentados pela primeira vez por intermédio da revista Poesia Experimental, as
produções poéticas deste grupo oscilam entre as designações de poesia concreta e
poesia experimental, sendo que muitos dos poetas desta geração usam o termo
poesia concreta para se referirem a sua própria produção.
A “paternidade” da poesia concreta sempre suscitou dúvidas. A
História Literária registra a utilização do termo Concretismo por vários autores para
denominar certos poetas.
Como salienta Haroldo de Campos:
O dadaísta Hans Arp chega a falar também em poesia concreta
(Knkrete Dichtung), a propósito do livro de Kandinsky, Klage (Sons).
Embora os poemas de Kandinsky não coloquem problemas de
estrutura, antes, mantendo o verso linear tradicional (com ligeiras
variantes aqui e ali), marquem-se apenas por uma temática
abstratizante,
um
abstracionismo
conceitual...”
(CAMPOS;
PIGNATARI, 1975, p. 53)
Este caráter abstrato do livro Klange é de fato defendido pelos
concretistas que tinham a idéia de poema como obra aberta, que exige do leitor uma
intervenção criativa, uma participação no processo de construção do sentido poético.
Outro que utilizou a palavra Concretismo para designar determinada
manifestação poética foi o sueco Öyvind Fahlström, que em 1953 escreve o Hätila
Ragulpr Pä Fätskliaben (Manifesto para a Poesia Concreta) para classificar seus
experimentos poéticos do pós-guerra.
Assis Brasil, no livro A Literatura no Brasil, de Afrânio e Eduardo
Coutinho, defende a idéia de criação da poesia concreta pelos poetas brasileiros.
O grupo Noigandres, que basicamente fundou o movimento da
“poesia concreta” foi criado por três poetas paulistas, editores da
publicação de nome Noigandres: Augusto de Campos, Décio
Pignatari e Haroldo de Campos. Em 1952 aparecia o primeiro
número da revista, ano da Exposição e manifesto do Grupo Ruptura
em São Paulo (MAM), e formação do grupo Frente, no Rio de Janeiro
(BRASIL, 1986, p.231).
55
O fato é que os poetas concretos brasileiros, mais precisamente
Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, desconheciam ainda o
trabalho que, simultaneamente, vinha sendo desenvolvido por Gomringer, na
Alemanha, como também de outros poetas europeus que teorizaram e produziram
poemas concretos sem qualquer ponto de contato entre si.
Este surgimento simultâneo do projeto concretista no Brasil e em
diversos países da Europa deixa claro que existiam inquietudes vivenciais e
necessidades estéticas comuns entre estes poetas.
Sobre
esta
característica
transnacional
da
poesia
concreta,
Philadelpho Menezes afirma que “o movimento da Poesia Concreta representou na
Literatura a retomada de uma índole internacionalista e cosmopolita prenunciada em
alguns momentos pelo modernismo brasileiro dos anos 20”. (MENEZES, 1998,
p.21).
De fato, ao assumirem uma posição de descomprometimento com a
criação de uma literatura nacional, e conseqüentemente com um projeto de
construção de uma identidade, os poetas concretos viram-se livres para
desenvolverem seus trabalhos em um nível transnacional.
Ao buscarem uma forma de expressão global, internacional, os
concretistas negaram um projeto de caráter exclusivamente nacional, excedendo,
portanto, as fronteiras de seus países de origem, colocando-se num plano
supranacional. Este fenômeno se estende a quase todos países europeus, América
Latina e Ásia, com diversos nomes, tendências, semelhanças e diferenças locais.
Esta preocupação em uma linguagem universal da obra de arte já
havia sido desenvolvida pelos futuristas russos no início do século XX com a criação
da poesia zaum, que buscava uma forma de pudesse ser compreendida por todas
as culturas.
Como já comentamos anteriormente neste trabalho, as relações de
Arnaldo Antunes com o movimento da poesia concreta são muito intrínsecas, a
começar pela opção em desenvolver uma poesia de linguagem, marcada pelo rigor
formal. Embora muitas vezes pareça despretensiosa, a poesia de Antunes tem um
grande apuro formal. Sobre o rigor empregado na poesia, Ernesto de Mello e Castro
tem a seguinte opinião:
56
Numa perspectiva pragmática, o rigor é necessário principalmente
quando pretendemos alcançar algo mais com a nossa ação do que
uma mera agitação superficial fracamente eficaz. Logo que
desejarmos uma mais completa perspectiva ou um salto mais
arriscado, é o rigor da ação e do seu planejamento que se nos impõe
como indispensável para, por um lado, podermos coordenar e
compreender o material informativo de que dispomos, e por outro,
imaginar, planear e executar a ação (CASTRO, 1973, p.79).
Outro elemento que aproxima o trabalho de Arnaldo Antunes dos
poetas concretos é a cumplicidade entre o poema e o trabalho gráfico. Devemos
lembrar que é o próprio poeta quem é responsável pelos projetos gráficos de seus
livros. Existe na poesia de Arnaldo Antunes uma cumplicidade íntima com a
visualidade. Seja nas caligrafias do primeiro livro OU E, seja no uso de fotografias no
livro ET EU TU, feito em parceria com Márcia Xavier, a palavra está sempre se
relacionando semioticamente com a visualidade. É o que podemos notar nos
exemplos abaixo:
Figura 6 – (ANTUNES, 2006, p. 32).
Figura 7 – (ANTUNES, 2006,
p.196).
57
Mas Arnaldo Antunes não fica apenas no aspecto visual. Introduz
em sua poesia a voz enquanto performance, produzindo uma poesia sonora com
forte acentuação fonética. É o que podemos encontrar no livro-cd 2 ou + corpos no
mesmo espaço. Mais uma herança dos dadaístas do Cabaret Voltaire e das poesias
sonorizadas de Augusto de Campos, incluídas no CD Poesia é Risco, de 1995.
Sobre sua relação com as vanguardas Arnaldo Antunes afirma:
As coisas de vanguarda sempre me interessaram muito, não só os
concretistas. Também Apollinaire, Cummings, Pessoa. Essa
movimentação sempre me foi sedutora, tanto que nos primeiros
poemas que fiz já tinha desejo de subversão sintática ou de mexer
com a matéria da linguagem de uma forma criativa. Lembro-me que
num dos primeiros poemas que fiz a última sílaba de um verso era o
mesmo som da primeira sílaba do verso seguinte. Então aquilo ia se
emendando (ANTUNES apud PACHECO, 2006, p. 01).
De forma bastante resumida, a poesia de Arnaldo Antunes “nasce de
rabiscos na página em branco, de caligramas, diagramas, do uso visual dos
vocábulos e aos poucos vai assumindo a palavra como matéria tensional de
significado no jogo som-sentido” (NETO, 2006, p.1). Em outras palavras, trata-se de
uma poesia verbivocovisual.
2.3 UM POETA TRANSGRESSOR
2.3.1 A Transgressão como Tradição
Uma das grandes discussões quando estudamos a obra do poeta
Arnaldo Antunes, e outros poetas contemporâneos com alto teor experimental, é se
suas obras se enquadram dentro de uma tradição literária ou não. Para chegarmos a
uma resposta, vamos primeiramente verificar quais as posições de alguns críticos
acerca da historiografia literária brasileira e as formas como as poéticas
experimentais, e em especial o Concretismo brasileiro, se relacionam com o cânone
literário.
58
Já sabemos que o desenvolvimento das poéticas experimentais só
foi possível, no Brasil, devido ao grupo da poesia concreta. Foram eles que
introduziram em nosso País, de forma mais militante e profunda que os modernistas,
as vanguardas européias e autores do quilate de e.e. cummings e James Joyce.
Sabemos também que foram os concretistas os responsáveis por uma sintaxe
ideogrâmica e verbivocovisual do poema.
Temos ainda a informação de que após o primeiro momento do
Concretismo, com manifestos e posições deveras radicais, os próprios membros do
movimento foram buscando outros caminhos, como Haroldo de Campos e seu
diálogo com o neobarroco latino americano, Décio Pignatari e o desejo frustrado de
criar uma poesia livre das palavras por meio da poesia semiótica, e Augusto de
Campos partindo para outros suportes poéticos, como a holografia, a vídeo-poesia, o
livro poema e o ciberpoema.
Durante todo período histórico da modernidade, que para grande
parte dos críticos e historiadores se dá desde o surgimento do Romantismo alemão
até a decadência das vanguardas européias, os conceitos de poesia vêm sofrendo
constantes rompimentos em um permanente exercício crítico. Octavio Paz, em seu
artigo Tradição da ruptura, contido no livro Os filhos do barro, do Romantismo à
Vanguarda, de 1984, analisa a presença de um discurso da tradição na arte
moderna. No entanto, essa tradição, na concepção de Paz, é “feita de interrupções,
em que cada ruptura é um começo” (PAZ, 1984, p.17). Ou seja, a tradição moderna
é uma tradição de ruptura por se apresentar sempre diferente da anterior. A
diferença entre essa tradição moderna e a tradição antiga é que, na tradição antiga,
o tempo não é portador de mudanças, sendo desta forma inexorável. Com isso, traz
em si a idéia de queda, de fim, de morte.
As Vanguardas européias do início do século XX tinham como
missão promover a grande ruptura, e com isso colocar em crise o pensamento
moderno. Se na modernidade existe uma revalorização do presente, como nas obras
de Baudelaire e Rimbaud; com as vanguardas os artistas passaram a se preocupar
apenas com o futuro. Para eles não existia o passado e nem o presente. Desta
forma, “a vanguarda, consciente de sua inserção na tradição moderna, rebelou-se
contra todas as tradições que a precediam imediatamente e exacerbou o culto ao
novo de maneira nunca antes imaginada” (MUNIZ, 2003, p. 01).
59
A poesia concreta foi o movimento que melhor assimilou as
propostas das vanguardas européias, e por assumir muitas vezes posições radicais
e polêmicas frente a questões literárias e de tradição, acabou por atrair diversas
inimizades no meio literário.
As opiniões de críticos e historiadores de literatura dividem-se
quanto à questão da poesia concreta ser uma ruptura ou uma continuidade da
tradição literária. Para Alfredo Bosi:
No contexto da poesia brasileira, o Concretismo afirmou-se como
antítese à vertente intimista e estetizante dos anos 40 e repropôs
temas, formas e, não raro, atitudes peculiares ao Modernismo de 22
em sua fase mais polêmica e mais aderente às vanguardas
européias (BOSI, 1970, p. 259).
O fato dos poetas e teóricos concretos assumirem como influências
autores do cânone das Vanguardas européias, como Mallarmé e Apollinaire, reforça
a idéia de continuidade de uma tradição literária. É importante lembrar também que
no manifesto Plano Piloto para Poesia Concreta, publicado em 1958, os escritores
paulistas elencam, entre seus precursores e influenciadores, Oswald de Andrade,
principal agitador e figura chave da primeira fase Modernista, e João Cabral de Melo
Neto, que se filiava à Geração de 45, mas cujo trabalho de poesia e composição,
muito se aproximava dos princípios do Concretismo.
Gilberto Mendonça Teles, em seu livro Vanguarda Européia e
Modernismo Brasileiro, defende que:
Quanto ao experimentalismo, esclarecemos que consideramos os
movimentos da poesia concreta, neo-concreta e práxis como
manifestações do Modernismo, uma das suas últimas fases de
evolução. Todas essas tendências possuem os seus ancestrais
dentro do modernismo: a poesia concreta, que fez a poesia
retroceder à palavra-chave, busca em Oswald de Andrade,
Drummond e Cabral os seus precursores brasileiros; e a práxis foi
buscar em Mário de Andrade os seus pontos de referência histórica
(TELES, 2005, p.34).
Sua posição é bem clara quando considera a poesia concreta uma
evolução do Modernismo brasileiro. Trata-se de uma continuidade dentro da tradição
60
literária, tradição esta que se pauta pela ruptura com os cânones do momento, como
fizeram os futuristas, dadaístas, surrealistas, entre outros. Para Teles, o único
movimento que realmente escapa das influências modernistas é o poema-processo,
visto que é uma produção que se realiza fora do campo lingüístico, aproximando-se
da pintura e da escultura.
Portanto, mesmo se pautando por um projeto de inovação e ruptura,
a vanguarda concretista promove uma revisão dos valores de outrora, indicando os
precursores e listando quais os autores que irão compor o cânone desta nova
poética. Ao escrever sobre as obras de seus predecessores, os escritores buscam
esclarecimentos para suas próprias atividades e uma orientação para as produções
futuras. Desta forma:
Ao escolher falar de certos escritores do passado e não de outros, os
escritores-críticos efetuam um primeiro julgamento. Assim fazendo,
cada um deles estabelece sua própria tradição e, de certa maneira,
reescreve a história literária (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.11).
O
poeta
Ferreira
Gullar,
mesmo
discordando
do
modelo
desenvolvido pelos poetas paulistas da Noigandres, fato este que culminará com o
seu afastamento do movimento concretista e a criação do Neoconcretismo, no
ensaio A Vanguarda e seus Limites, reconhece a importância da estética concretista
e o seu vínculo com as vanguardas européias. Segundo Gullar, a arte neoconcreta
antecipou em quase uma década as inovações que iriam se manifestar na Europa e
isto só foi possível devido ao radicalismo dos paulistas.
Com relação à influência das Vanguardas européias nas artes
brasileiras, “deve-se reconhecer que tanto a arte concreta brasileira como a
neoconcreta, gerada aqui, são desdobramentos da vanguarda européia que, a partir
do último pós-guerra, ganhou amplitude mundial” (GULLAR, 1989, p. 01).
Apesar de todas as críticas que recebeu, das acusações de ser uma
manifestação artística sisuda e alienada, a poesia concreta influenciou uma geração
de novos poetas e sua presença ainda persiste dentro do cenário literário mundial
até os dias atuais. Basta observarmos os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos
por poetas contemporâneos como, por exemplo, Arnaldo Antunes, João Bandeira,
Frederico Barbosa, entre outros.
61
Este fato só foi possível devido ao, já mencionado neste trabalho,
caráter transnacional dado ao projeto concretista, a partir de um alargamento do
campo poético. Este alargamento relaciona-se com a utilização da linguagem de
forma reduzida, que permite a esta forma poética uma comunicação sem fronteiras e
que se aproxima da linguagem publicitária. Os componentes não verbais do poema
concreto e os elementos extralingüísticos contribuem para que a linguagem visual
não se identifique com qualquer idioma, possibilitando desta forma a realização de
uma poética internacional.
No Brasil, estes poetas promoveram uma verdadeira discussão dos
valores tradicionais herdados da literatura regionalista e do preciosismo vocabular e
intimista
da
Geração
de
45.
Como
conseqüência,
temos
uma
poética
descompromissada com os valores estritamente nacionais e uma abertura para
novas formas de artes, como a música, o cinema e a pintura.
O tom cosmopolita empregado no projeto concretista reverbera até
os dias de hoje e mantém intenso diálogo com o poeta Arnaldo Antunes, que se
enxerga sem qualquer identificação com um sentimento regional, nacionalista ou
patriótico. É o que tenta mostrar em muitos de seus poemas e letras de canções,
como por exemplo na letra da música Lugar Nenhum, composta para a banda Titãs,
em que diz:
Não sou brasileiro, não sou estrangeiro / Não sou de nenhum lugar,
sou de lugar nenhum, sou de lugar nenhum / Não sou de São Paulo,
não sou japonês / Não sou carioca, não sou português / Não sou de
Brasília, não sou do Brasil / Nenhuma pátria me pariu [...]
(ANTUNES, 2006 a, p.237).
Para a crítica e poeta Beatriz Amaral (2007, p.1), a poesia
contemporânea é marcada por duas correntes distintas e bem definidas. De um lado
temos uma poesia mais experimental, em que se destaca a visualidade e a
crescente utilização da tecnologia em suas realizações; de outro lado estão os
poetas que optam por uma vertente tradicional de poesia, desenvolvendo trabalhos
estritamente verbais e restabelecendo um diálogo com as poéticas discursivas que
as vanguardas tanto combateram.
62
O poeta e crítico Rodrigo Garcia Lopes se opõe a este modelo de
contraposição entre lirismo e formalismo na literatura brasileira contemporânea. Para
ele,
A oposição binária construída no processo descrito resgata a divisão
cartesiana entre mente/ corpo. Lirismo= poesia “escrita com o corpo”
(subjetiva, centrada no eu, “dionisíaca”). Formalismo= poesia “escrita
com o cérebro” (objetiva, centrada no objeto, “apolínea”). Mas não
existem poetas puramente cerebrais e outros puramente intuitivos
(LOPES, 2005, p.48).
Na concepção de Rodrigo Garcia Lopes, é no mínimo ingênuo
considerar que se possa existir poesia sem subjetividade ou poesia sem um trabalho
com a linguagem. Portanto, esta cisão da poesia em duas correntes “limita a gama
de possibilidades poéticas e discursivas, camufla uma arena de conflitos, uma práxis
muito mais rica e complexa” (LOPES, 2005, p.49). É nesse sentido que buscamos
compreender a poética de Arnaldo Antunes.
2.3.2 A Ruptura de Gêneros em Arnaldo Antunes
Quando partimos para um estudo de autores, poetas e prosadores,
contemporâneos, sempre nos deparamos com inúmeras dúvidas. Os textos
produzidos no fim do século XX e início do século XXI se encaixam em qual rótulo?
A qual período da historiografia literária pertencem? Existe uma literatura pósmoderna? Arnaldo Antunes, autor que analisamos neste trabalho, se encaixa dentro
de um momento pós-moderno, ou supera estas discussões propondo a abolição dos
rótulos, através de uma obra transgressora e inclassificável?
Tentaremos neste trabalho não vincular a poesia de Arnaldo
Antunes ao conceito de pós-modernidade, apesar de possuir em sua estrutura
muitos elementos que a encaixe dentro de um período pós-moderno, como
defendem alguns estudiosos. Neste ponto, seguiremos a posição do próprio
Antunes, quando se diz um artista inclassificável, avesso a rótulos.
63
O próprio termo pós-moderno já está sendo colocado em xeque.
Para a crítica Linda Hutcheon (1991, p.20), o termo pós-modernismo não deve ser
utilizado como sinônimo para qualquer manifestação contemporânea. A autora
salienta também que a arte pós-moderna se caracteriza principalmente por ser um
conceito passageiro, ou seja, não se estabelece como uma dominante cultural, e
que tem como principais marcas a recuperação de um passado (não nostálgico) e a
contestação da realidade social e artística do momento. Por isso, uma das maiores
marcas deste momento pós-moderno é a paródia.
Com o uso da paródia, os artistas pós-modernos conseguem atuar
dentro do sistema, subvertendo-o e lutando para a criação de algo novo. Mas esta
paródia não se faz apenas na literatura contemporânea. Podemos detectar o uso da
mesma em grande parte das obras dos modernistas Oswald de Andrade e Mário de
Andrade, ou então em Guimarães Rosa, que se utiliza da técnica da paródia na
construção de sua grande obra: Grande Sertão Veredas. Este artifício além de dar
um toque de humor na obra, “usa e abusa, instala e depois subverte os próprios
conceitos que desafia” (HUTCHEON, 1991, p.19).
Outra marca das artes pós-modernas é, na concepção de Linda
Hutcheon, a ruptura dos gêneros. Para Hutcheon, a literatura pós-moderna se
caracteriza por eliminar as fronteiras entre os gêneros literários. Mais uma vez essa
não é uma particularidade da arte pós-moderna, como veremos mais adiante.
A denominação dos gêneros literários surge com as manifestações
poéticas mais remotas. Por isso, é possível contarmos a história da teoria dos
gêneros literários no Ocidente, a partir da Antiguidade greco-romana. O termo
gênero vem do latim (genus-eris) e tem diversos significados, como por exemplo:
tempo de nascimento, origem, classe, espécie, geração. Quando se insere uma obra
dentro de um gênero, o que fazemos é filiá-la a uma classe ou espécie. Ao longo do
tempo, a classificação de obras literárias em gêneros vem sendo tratada de
diferentes formas. Enquanto alguns teóricos consideram o gênero como categoria
imutável e idolatram as obras que têm certa obediência a leis fixas, outros defendem
a flexibilidade das fronteiras entre os gêneros.
O primeiro momento em que ocorre uma tentativa de ruptura dos
gêneros literários é na segunda metade do século XVIII com o Romantismo. Este
desejo de se ter uma maior variabilidade dos gêneros ganha força com os autores
românticos, que propunham “suas teorias sempre apoiadas no princípio de
64
derrubada das regras clássicas e do conceito de mímesis reduzido à imitação de
modelos, no qual elas se baseavam” (SOARES, 1989, p.14).
Se com os autores e pensadores românticos há uma preocupação
em romper com os paradigmas clássicos dos gêneros literários, com os movimentos
de vanguarda do final do século XIX, essa ruptura é levada as últimas
conseqüências. Propondo uma desestruturação completa da obra literária, os
vanguardistas criaram obras onde é quase impossível delimitar prosa e poesia,
narrativa e poema.
O poeta e crítico Haroldo de Campos coloca como um dos
motivadores da crise dos gêneros o surgimento e solidificação da mass-media. Para
Campos:
O “hibridismo dos gêneros“, no contexto da revolução industrial que
se inicia na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, mas que
atinge o seu auge, com o nascimento da grande indústria, na
segunda metade do século XIX, passa a se confundir também com o
hibridismo dos media, e a se alimentar dele (CAMPOS, 1977, p.1516).
Para Haroldo de Campos, o surgimento da grande imprensa teve
papel importantíssimo nos caminhos que a literatura iria tomar. A linguagem
descontínua e fragmentada do jornal, que o aproxima da conversação, proporciona
uma simultaneidade até então inédita nos meios de comunicação.
Os autores modernos, principalmente os futuristas, encontram nesta
simbiose entre os gêneros e na aproximação das mídias matéria-prima para suas
produções literárias. O poeta francês Mallarmé via na imprensa o “moderno poema
popular” e inspirou-se na diagramação e nas técnicas de espacialização do jornal
para compor seu poema Um Coup de Dés, obra inovadora e que influenciou toda a
literatura moderna e porque não dizer pós-moderna. Para o canadense Marshall
McLuhan,
O hibridismo ou o encontro de dois media é um momento de verdade
e revelação, do qual nasce a forma nova [...] O momento do encontro
dos media é um momento de libertação e de resgate do
entorpecimento e do transe que eles costumam impor aos sentidos
(apud CAMPOS, 1977, p.17).
65
O que podemos afirmar é que esta influência chegou até os
modernistas brasileiros e conseqüentemente a Arnaldo Antunes, que parece ver no
hibridismo literário uma grande saída para a sua produção poética. O que diferencia
Antunes dos modernos futuristas é que, para o escritor brasileiro, o uso do massmedia tem também a função de crítica contra o próprio sistema de informações e o
avanço tecnológico que domina o modo de vida contemporâneo. Para Hutcheon,
esta visão crítica vai ser a grande contribuição da obra pós-moderna. De acordo com
a autora, a arte pós-moderna existe para desafiar a crescente uniformização da
cultura de massa. E salienta: “desafiar, mas não negar” (HUTCHEON, 1991, p. 22).
Arnaldo Antunes utiliza este recurso, mas essa visão crítica do poeta
está mais relacionada com a herança de Oswald de Andrade e do movimento
Tropicalista, do que com o momento pós-moderno. A apropriação das linguagens da
TV e da publicidade é usada com o objetivo de questionar os próprios meios e
criticar a invasão da cultura de massa que acaba interferindo também na situação
política e social no País. Um bom exemplo é o livro Palavra Desordem, de 2002, em
que o poeta subverte vários slogans, como podemos notar nos seguinte poemas:
Figura 8 – Poema
66
Podemos notar no primeiro poema a subversão da expressão “dois
em um” que o poeta verte para “eu em um”. No segundo exemplo temos uma clara
alusão ao sistema “Peg-Pague”, rede de mercados dos anos 70 e 80. O poeta faz
uma crítica explícita ao consumismo.
A partir do uso de frases curtas, normalmente empregadas na
publicidade, na política e nos aforismos, o próprio autor diagramou em letras
vazadas brancas sobre o branco do papel, presenciamos um verdadeiro anticlímax
semiótico, que gera o estranhamento e a crítica à própria publicidade e à ditadura
das frases feitas. Mais uma vez a paródia se faz presente, mostrando que é um
ótimo instrumento de contestação a crescente uniformização da cultura de massa.
2.3.3 Uma Poesia sem Fronteiras
A relação entre literatura e mídia é outra marca da arte
contemporânea, e este fenômeno permite que ocorra um rompimento das fronteiras
entre a chamada “alta cultura” e cultura de massa.
O fim das fronteiras entre o erudito e o mass-media é outra marca da
poesia de Arnaldo Antunes. É o que podemos encontrar no poema em prosa sem
título do livro Psia:
porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet
O’Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia
Filípovna, a minha Brigite Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a
minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete Grecy, a minha Capitu,
a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey
Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha
Rosemary, a minha Merlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a
minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana,
a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você
ria, suspirava e ria (ANTUNES, 1986, p. 64).
Neste poema, encontram-se lado a lado referências à cultura de
massa (Brigite Bardot, Bambi, Scarlet O´Hara) e à cultura canônica dos livros (Ceci,
Capitu, Pagu), além da dicotomia Brasil x EUA, que é uma marca do Modernismo
brasileiro. Antunes utiliza neste texto um discurso impregnado por ares românticos,
67
modificando noções comuns do papel da poesia. Mais uma vez há a presença do
tom parodístico, na forma como o sujeito lírico contextualiza suas referências e,
através da imitação de uma linguagem sentimental, subverte o discurso. Neste caso,
“o poema rompe expectativas ao combinar a cultura popular com a cultura erudita
(cinema e literatura), personagens fictícios da literatura brasileira com personagens
da história, uma escritora comunista com a cultura de massas” (SANTOS, 2005,
p.01).
Esse trânsito entre erudito e popular é uma conseqüência
proveniente das conquistas das vanguardas, principalmente o fato de as linguagens
terem se misturado com o desenvolvimento das tecnologias e da indústria cultural.
Arnaldo Antunes nasce depois destes movimentos vanguardistas, o que o possibilita
ser mais descontraído no ato de criação. Para o poeta:
O fato das linguagens terem se misturado, muito em função da
tecnologia também, de certa forma abriu territórios de conversa entre
essas categorias de alta e baixa cultura, esse trânsito se tornou mais
fluente. Mas eu cresci num meio em que isso já tinha sido
conquistado. Para mim não é uma meta. Já é um a priori do qual eu
parto com naturalidade, porque venho de uma geração posterior à da
Tropicália, da Poesia Concreta, do Cinema Novo, do cinema
underground, coisas que trabalharam nessa direção (ANTUNES,
2006 a, p. 341).
No final dos anos 80, com o fim dos movimentos de vanguardas e a
crise do pensamento utópico, decorrente da queda do socialismo real no Leste
Europeu, alguns fatos começam a ser debatidos, como o fim dos projetos coletivos
alternativos de renovação artística. Surgem então alguns conceitos novos, como o
fim da história e o pós-moderno. Dentro deste contexto, Haroldo de Campos cria o
conceito do poema pós-utópico. Um poema que nasce depois das grandes utopias
socialistas e vanguardistas de transformação estética e cultural do mundo. Ao
projeto totalizador das vanguardas podemos inserir a idéia de uma pluralização das
poéticas possíveis sempre em uma dialética com a tradição. Desta forma, “o poema
pós-utópico nasce pontualmente nessa conjuntura dialetizada, onde são muitas as
possibilidades combinatórias do passado de cultura com a agoridade, a
presentidade, a imaginação criativa, a invenção” (CAMPOS, 2003, p. 01).
68
O crítico André Gardel e o poeta Frederico Barbosa classificam
poetas como Arnaldo Antunes dentro da categoria dos pós-concretos, pois partem
de alguns preceitos já trabalhados na poesia concreta brasileira pelos irmãos
Campos e Décio Pignatari, como a inserção da escrita ideogrâmica na escrita
alfabética ocidental, a pesquisa gráfica e a revitalização do verbal, a contaminação
dos meios, dos suportes e a poesia visual construtivista, renovando-os e seguindo
outros caminhos particulares e revitalizantes para a poesia. Apesar das influências
dos concretos, das Vanguardas européias, do Modernismo brasileiro e da Tropicália,
mais uma vez devemos tomar cuidado para não cair nas armadilhas dos rótulos.
Arnaldo Antunes é um grande exemplo deste novo poeta brasileiro.
Um artista que trafega por todas as formas, sem preconceitos e amarras. É essa
liberdade que permite ao artista Arnaldo Antunes escrever tanto um soneto quanto
criar um clipoema. Em entrevista para a revista Cult, em decorrência do lançamento
de seu livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, o próprio Arnaldo Antunes se
denomina “inclassificável” e ataca toda e qualquer tentativa de se rotular um produto
artístico. Para ele:
É muito mais saudável esse estado de coisas com o qual a gente
convive cotidianamente, um estado pluralista, diverso, no qual a
novidade pode despontar para muitos lados e acaba-se criando um
repertório mais solto. Meu livro, por exemplo, inclui poemas
absolutamente verbais e outros visuais, outros caligráficos; além do
CD, que é a sonorização disso (ANTUNES, 1997, p.09).
A grande contribuição de Arnaldo Antunes para a literatura
contemporânea é, portanto, produzir uma poesia que busque “trabalhar dentro da
cultura de massas, da linguagem pop, mas sempre empurrando um pouco o padrão
do gosto comum para o lado da estranheza” (ANTUNES, 1997, p.1). Para isso, o
poeta não abre mão das tecnologias de vídeo e hipertexto, e não titubeia em
misturar o erudito e o popular, as altas literaturas com a cultura pop e massiva. Por
isso, Arnaldo Antunes é um poeta de seu tempo. Um poeta globalizado, cibernético
e tribal, impresso e oral, urbano e ecológico. Em resumo, um verdadeiro “pedagogo
da estranheza”. (GARDEL, 2006, p.1), criador de uma obra multifacetada e cuja
convergência de diversos e diferentes suportes gera uma poesia multimídia
antenada com seu tempo, sem perder o seu caráter universal.
69
Os vários adjetivos atribuídos a Arnaldo Antunes levam-nos a
acreditar ainda mais que não se trata de um poeta rotulado. Explicamos. Antunes
circula entre várias ideologias e emprega saberes e práticas de diversas áreas do
conhecimento, não se especializando em um especificamente. Por isso essa
dificuldade de enquadrar o poeta e suas expressões artísticas.
É o que vamos observar no próximo capítulo, em que falaremos
sobre a característica multimídia presente em toda obra de Arnaldo Antunes, em
especial no projeto livro-vídeo-CD Nome, com a qual o ex-titãs leva as experiências
multimídias às últimas conseqüências.
70
CAPÍTULO III – NOME: UM PROJETO MULTIMÍDIA
“tá viva a letra...”
Jardelina da Silva
3.1 SENTIDOS EM TODOS OS SENTIDOS
Em 1929, Walter Benjamim, impressionado com a escritura dos
anúncios luminosos que tomavam conta das ruas, profetizava que “o livro, na sua
forma tradicional, encaminha-se para o seu fim” (BENJAMIM apud MACHADO,
1996, p.169). Atualmente, os novos suportes tecnológicos vêm redefinindo o
conceito de escritura e promovendo grandes mudanças no modo de produção
textual. É nesta direção que aponta a poesia de Arnaldo Antunes.
Dentre os autores contemporâneos, Arnaldo Antunes é, ao lado de
Augusto de Campos, um dos poetas que melhor representam uma modalidade de
poesia que transita por diversos e diferentes suportes. Poesia esta que se faz
multimídia e multiplica sua capacidade de comunicação com o leitor.
Os autores que se utilizam das novas tecnologias para produção
poética não representam, na visão de Antônio Risério, uma anomalia. Para o
antropólogo e poeta, “antes que constituir um caso excêntrico ou patológico, ele está
simplesmente mergulhando no mundo das técnicas escriturais que se acham, hoje,
ao seu dispor” (RISÉRIO, 1998, p.49).
Leon Trotski, em seu livro Literatura e Revolução (1969), polemizava
com os formalistas russos, enfatizando que seria ingenuidade pensar que se
pudesse traçar a história da poesia de Homero a Maiakovski, sem levar em conta a
presença da luz elétrica, ou seja, da influência das novas e grandes transformações
do mundo na poesia.
O poeta Arnaldo Antunes se destaca na produção contemporânea
justamente por assumir uma postura pacífica com as novas tecnologias, dando a sua
poesia um caráter plural com “uma qualidade extrasensorial, no sentido que suas
71
criações poéticas não só abrangem tematicamente as percepções sensoriais, mas
também exploram os efeitos dessas percepções no leitor” (SANTOS, 2005, p. 01).
O crítico Charles A. Perrone define o trabalho de Antunes como:
verso nominativo minimalista e arte verbal-gráfica, chegando até a
poesia visual, a caligrafia lúcida e as palavras-imagens geradas no
computador. Tal produção justamente pertence à categoria de
criação intersemiótica” (PERRONE apud SANTOS, 2005, p.01).
Esta intersemioticidade presente na obra de Arnaldo Antunes e que
acontece na convergência de diversos signos, vem de uma tendência que há
algumas décadas norteia o mundo das artes, o conceito de hibridação dos saberes.
O termo híbrido provem da palavra grega hÿbris (“desmedido”, “excesso”) e significa
mistura de espécies diferentes. Para o filósofo Charles Feitosa:
O híbrido não é o resultado da fusão de dois diferentes em um
terceiro ser, único e homogêneo, mas sim um ser caracterizado pela
interferência das diferenças, nas suas tensões e ambigüidades. Na
biologia, os híbridos costumam ser caracterizados pela esterilidade.
É o caso da mula, resultado do cruzamento do asno e da égua. Na
cultura, entretanto, as formas híbridas podem ser muito férteis.
Conjugam-se arte com ciência; corpos com máquinas; público com
privado; ocidental com oriental, gerando novas estruturas, objetos e
práticas (FEITOSA, 2006, p.113).
Com as poéticas híbridas aparece um novo dado para o universo
das artes: a simultaneidade. Este caráter de simultaneidade percorre toda a trajetória
de Arnaldo Antunes, não só na poesia, mas também nas artes-plásticas e na
música. Das obras de poesia do autor, o processo simultâneo pode ser encontrado
praticamente em todos seus livros, e em maior grau no livro-cd 2 ou + corpos no
mesmo espaço e no livro-vídeo-CD Nome. Nestas duas obras, o conceito de
simultaneidade atinge toda sua plenitude, haja vista a presença de outras mídias
além do livro, em um casamento perfeito entre texto, imagem e som.
A simultaneidade se dá dentro da poesia de Arnaldo Antunes de
duas formas: dentro do espaço sintático e no terreno gráfico do poema. A
simultaneidade no espaço sintático é um procedimento que foi se tornando
recorrente na poesia de Antunes e consiste no corte de uma determinada palavra
72
fazendo aparecer uma outra parte dela que se constitui uma outra palavra, como
podemos averiguar, por exemplo, no poema solto:
Figura 9 – (ANTUNES, 2005, p.13).
Este poema permite mais de uma leitura. Pode-se ler “solto do solo”
ou ainda “sol todo solo”. Podemos observar o mesmo efeito no poema meu nome,
também do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço:
Figura 10 – (ANTUNES, 2005, p.14).
73
É visível a simultaneidade neste poema, principalmente nos últimos
três versos, onde também podemos fazer duas leituras: “não me coa” e “não me
ecoa”, além dos cortes nas palavras some e nome, transformando as letras e em
conjunções aditivas.
Este procedimento contém a idéia do ideograma, em que as partes
formam uma terceira coisa, preservando-se também enquanto informações
autônomas. A técnica de corte de palavras pode ser encontrada principalmente na
obra do americano e.e. cummings, cujos poemas tipográficos influenciaram os
concretistas paulistas, e também Arnaldo Antunes, como podemos observar naquele
que é considerado o mais perfeito poema cummingsiano:
Figura 11 – (CUMMINGS, 1986, p. 32).
Este poema de e.e.cummings é feito de apenas uma palavra e uma
frase: loneliness (solidão) e a leaf falls (uma folha cai). Em uma espécie de haicai
tipográfico, o poeta soube como ninguém utilizar o recurso da simultaneidade para
construir um poema ao mesmo tempo lírico e construtivista, desmontando mais uma
vez a tese de que existem apenas dois tipos de poetas: os líricos, discursivos; e os
formalistas, cerebrais, avessos ao lirismo.
A simultaneidade no campo sintático aparece também em outros
livros do autor, como no último poema de As coisas, de 1992, o que (se) se foi é
(s)ido:
74
Figura 12 – (ANTUNES, 2006 a, p. 113).
Este poema possui quatro diferentes possibilidades de leitura: “o que
foi é ido”, “o que foi é sido”, “o que se foi é sido”, “o que se foi é ido”. Temos neste
exemplo um jogo visual e sonoro com o vocábulo e a letra parentética, e com as
conjugações do verbo “ir” e “ser”. Neste poema, Antunes nos mostra como em seus
trabalhos as palavras também se tornam sinais visuais, existindo, em inúmeros
casos, uma simultaneidade visual.
Já no terreno gráfico, a simultaneidade ocorre de forma mais
explícita em vários trabalhos de Arnaldo Antunes, como no poema Derme/Verme do
livro Tudos, de 1990:
Figura 13 – (ANTUNES, 1990).
Além do aspecto verbal construído a partir da paronomásia “derme /
verme”, muitos outros pontos podem ser salientados nesta obra. Primeiramente,
podemos notar que a palavra “derme” é repetida inúmeras vezes em diferentes
formas de grafia manual, ao passo que a palavra “verme” aparece uma única vez,
75
apresentada através de uma tipologia antiga, já com sinais de deterioração. É visível
a referência que Antunes faz à decomposição do corpo humano após a morte e a
relação com a mesma deterioração da linguagem em relação aos seus meios de
produção e reprodução. Outro aspecto que podemos notar é que a letra “M”, da
palavra “derme”, é o carimbo da palma da mão do poeta ampliado, e que a mesma
não aparece na palavra “verme”, o que, além de apontar a ausência de algo,
possibilita ainda a leitura do infinitivo “ver” e da conjunção “e”, unidos na expressão
“ver e...”, que indica um gesto inconcluso.
A partir da análise deste poema, percebemos na poesia de Arnaldo
Antunes um constante desejo de “enlouquecer o subjétil”, usando a expressão
cunhada por Jaques Derrida em seu livro homônimo, em que o filósofo argelino
analisa os desenhos do poeta e dramaturgo Antonin Artaud, que se constróem a
partir de intervenções da escrita. O leitmotif em ambos os poetas parece ser o
mesmo: penetrar e subverter os suportes. É o que defende Derrida:
O subjétil, tela ou suporte da representação, deve ser atravessado
pelo projétil. Deve-se passar abaixo dele que já se encontra em
baixo. Seu corpo inerte não deve resistir demais. Se o fizer, deve ser
maltratado, atacado violentamente (DERRIDA, 1998, p. 45).
Há, em vários poemas impressos em livro, uma preocupação de
Arnaldo Antunes com a visualidade em movimento. Não podemos esquecer que esta
atenção para o movimento já era uma marca da poesia concreta e principalmente do
movimento capitaneado por Wlademir Dias-Pino, o poema processo. Em Arnaldo
Antunes, as experiências com o poema processo e a visualidade em movimento
atingem sua maturidade com dois projetos onde o fenômeno multimídia mais se faz
presente: Nome e 2 ou + corpos no mesmo espaço.
No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, Arnaldo Antunes dá
movimento aos poemas através do som da voz. O poeta se propõe a fazer uma
recuperação da performance da voz na poesia, buscando uma oralidade
experimental semelhante às experiências desenvolvidas pelos dadaístas e futuristas
russos.
É o que podemos encontrar, por exemplo, no poema agá:
76
Figura 14 – (ANTUNES, 2005, p.45).
A oralização feita por Antunes, e disponível no CD que acompanha o
livro, expressa de forma muito verossímil a experiência visual, em que o vocábulo
“quase” gradualmente desaparece, e o “agá” gagueja, quase silencia ou quase ecoa
no poema.
Mas é no projeto anterior, o livro-vídeo-CD Nome, que Arnaldo
Antunes experimenta de forma mais ousada a poesia multimídia e a simultaneidade.
Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, essas experiências com o
movimento puderam ser levadas adiante através das poéticas multimídias,
principalmente com a videopoesia, de que Arnaldo Antunes é um dos pioneiros no
Brasil. Para Denise Guimarães:
Indubitavelmente, a conquista mais importante é o movimento, que já
existia de forma latente no poema visual e, agora, passa a ser
incorporado à poesia multimídia, criando uma maneira diferente de
fruição. Como conseqüência, as relações de leitura ampliam-se e
redefinem-se, uma vez que, de certa maneira, observa-se uma
retomada do caráter pictórico na escrita em suporte multimidiático e
sua apresentação visual reveste-se de intencionalidades
significativas (GUIMARÃES, 2004, p. 13).
O poeta Arnaldo Antunes se propõe efetivamente a promover a partir
da recepção do leitor, uma recuperação dos sentidos, que há algumas décadas vêm
sendo engessados pelos veículos de massa, como a televisão e o rádio, “lembrando
ao leitor sua presença física numa época de intensa tecnologia e consumo”
(SANTOS, 2005, p.10). Podemos enxergar aí um paradoxo na obra do poeta: quanto
77
mais se aproxima da tecnologia, mais Antunes ressalta a questão dos sentidos. Um
exemplo que ilustra bem esta proposta é o poema bocas de Antunes, inserido no
livro Tudos, que consiste em uma fotomontagem do poeta com cinco bocas
sobrepostas num rosto composto só de bocas. A referência ao Oswald se Andrade
antropófago é evidente.
O próprio poeta estranha o panorama contemporâneo, apontando o
paradoxo gerado pela incorporação das tecnologias ao mundo das artes. Para
Antunes:
A mesma era das especializações, que radicalizou as divisões na
produção, gerou, no campo das artes, a interação simultânea de
códigos. Surgiram o cinema, a TV, a arte conceitual, os happenings e
performances, ready mades, poemas-objetos, holografias. Na música
pop, surgiram os clips. Nos estudos da linguagem, a semiótica.
Simultaneidade dos sentidos. Assobiar chupando cana (ANTUNES,
2004, p. 47).
É o que veremos a seguir quando abordaremos a criação do projeto
multimídia Nome, um trabalho ímpar dentro da história da poesia e da literatura
brasileira.
3.2 O NOME DISSO É NOME
No ano de 1993, Arnaldo Antunes lança o vídeo-livro-CD Nome,
considerado como seu trabalho mais representativo. É o primeiro lançamento no
circuito nacional de uma produção poética multimídia, que incorpora ao texto o
suporte do vídeo e da música. O projeto nasce logo após a saída de Antunes da
banda Titãs e consiste em um livro de poemas acompanhado de um vídeo-home
(VHS) e um CD, sendo que o poeta, para divulgar o trabalho (primeiro disco solo de
sua carreira) sai em turnê realizando inúmeros shows por todo o Brasil. As
apresentações foram acompanhadas da exibição, em telão, dos videopoemas.
Temos neste momento uma das primeiras manifestações da chamada polipoesia,
sendo praticada em nosso País. Como já vimos anteriormente, a polipoesia se
78
caracteriza por unir a poesia a outros suportes como a pintura, o vídeo, a música, a
poesia sonora e a performance, entre outros. Quem presenciou as apresentações de
Arnaldo Antunes em 1993, pôde ter contato com uma obra singular, onde as
presenças do poeta e do público são de vital importância para a realização da
mesma.
O livro segue aquilo que já vinha sendo produzido por Antunes, uma
poesia calcada na visualidade, com profundas influências das vanguardas literárias,
em especial a poesia concreta e a antropofagia de Oswald de Andrade. O
importante desta obra é que Antunes tenta levar a poesia para além do livro
impresso, recuperando uma oralidade, em um nível experimental, que há tempos foi
expulsa do território poético pela cultura letrada. Além da recuperação da voz matéria como elemento poético, e que será levada às últimas conseqüências no seu
trabalho seguinte, o livro-CD 2 ou + corpos no mesmo espaço, Arnaldo Antunes é
um dos primeiros, no Brasil, a realizar experiências com a visualidade em
movimento. É o que o poeta faz de forma magistral neste trabalho.
O vídeo Nome é composto de 30 videopoemas que combinam letras
animadas com cores mutantes, imagens tomadas por câmeras de vídeo, oralização
e música. As animações foram realizadas no Estúdio Kikcal, atual TV Pingüim, por
Arnaldo Antunes, Célia Catunda, Kiko Mistrorigo e Zaba Moreau, na cidade de São
Paulo, de janeiro de 1992 a agosto de 1993. As animações Carnaval, Direitinho e
Imagem contaram com a participação do artista plástico e videomaker Walter
Silveira. Os vídeos Nome Não, E só e Alta Noite foram realizados no Rio de Janeiro,
de março a julho de 1993, e contaram com a colaboração de Arthur Fontes, da
Conspiração Filmes.
A parte sonora, registrada em CD, contou com as participações de
Arto Lindsay: guitarra e voz em O macaco, Não tem que, Armazém e Dentro; Edgard
Scandurra: guitarra em Nome e Se não se; João Donato: piano em Alta Noite;
Marisa Monte: voz em Cultura, Carnaval, Direitinho e Alta Noite; Péricles Cavalcanti:
voz e violão em Entre e Imagem.
EM 2006, o projeto Nome foi relançado em uma versão no formato
CD-DVD, sendo de uma vez por todas eliminado o suporte livro. As imagens foram
restauradas, o som remixado e remasterizado. O DVD tem ainda como extras os
poemas do formato livro, além das traduções dos 30 poemas para o espanhol,
79
realizadas pelos poetas Ivana Volaro, Reynaldo Jiménez e Ivan Larraguibel, e para o
inglês, realizadas por Peter Price, com supervisão de Noemi Jaffe.
O estranhamento gerado pelo formato multimídia de Nome fez com
que a obra produzisse as mais diversas reações da crítica. Os primeiros registros
críticos acerca da obra consideravam os elementos constitutivos do kit livro + CD+
vídeo como independentes entre si. Marcel Plasse, na matéria Arnaldo Antunes
mostra seu primeiro solo, publicada no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S.
Paulo, em 1994, apresenta Nome apenas como disco, considerando o vídeo um
simples apêndice, enquanto o livro nem é citado. Alguns críticos, como Luís Antônio
Giron, fazendo uma revisão histórica da obra do poeta, em decorrência do
lançamento de Ninguém, segundo disco solo de Antunes, enxergam em seu trabalho
um esgotamento poético:
Que bonito é o ex-titã Arnaldo sambando o miudinho no seu segundo
CD. O primeiro, feito com restos dos Titãs, eu sou capaz de apostar
minha reputação como não vendeu 2 mil cópias, tão chato era. [...] O
disco evidencia, porém, que expirou a validade da poética
antunesina. Epígono dos concretos, suas letras empacaram na
paronomásia e na enumeração caótica. Em vez de criar uma palavravalise como Khliébnikov, o bardo dos Jardins forja a palvra-mala
(GIRON, 1994, p. 05-09).
O crítico além de cometer a falha de analisar o trabalho Nome
apenas como um CD de rock, dispensando o diálogo multimídia entre os suportes
usados, mostra todo o seu preconceito e provincianismo ao considerar um trabalho
experimental como uma produção menor.
Se uma parcela da crítica abomina este trabalho, outro grupo
considera o poeta uma das grandes revelações nas letras nacionais. Um poeta que
“pensa inteiro. É uno e múltiplo” (GONÇALVES, 1994, p.16). Miriam Chnaiderman
relaciona o poeta com uma “arte [que] irrompe no mundo causando estranheza,
quebrando os espelhos que cada um tem em si” (CHNAIDERMAN, 1994, p.7).
Esta estranheza gerada por Nome continua a produzir um mal-estar
na crítica, que não consegue encaixar a obra em nenhum gênero literário ou
musical, e por isso bate sempre na mesma tecla de que essa poesia pertence a um
grupo que atesta a “decadência” da arte, típica da produção estética da
modernidade. O poeta e antropólogo Antônio Risério (1994, p.1) mostra-se revoltado
80
com a vertente negativista da recepção do projeto Nome. Para ele, o “poeta-músico”
Arnaldo Antunes realiza “uma farra de letras envolvendo vídeo, livro e CD”. Na
concepção do antropólogo, Nome é “um trabalho forte, brilhante e sedutor. Uma
celebração da visualidade da escrita”.
Ao introduzir o computador em sua poesia, Arnaldo Antunes
conseguiu colocar em prática a proposta de Oswald de Andrade de unir o
tecnológico ao tribal. Uma obra onde “o óbvio, o cotidiano, a cidade ou o campo se
transfiguram: a água se geometriza, botões rebrilham estranhamente, o túnel é
fantasmático, tudo numa viagem de renovação da experiência das formas do
mundo” (RISÉRIO, 1994, p.1). Ainda sobre a relação de Antunes com a tecnologia,
Denise Guimarães afirma:
Vejo no trabalho desenvolvido por Arnaldo Antunes um exemplo
relevante de uma conduta artística que, além de incorporar as
transformações oriundas das novas tecnologias, verificadas
mundialmente no decorrer do século XX, possibilita também sua
popularização. De modo inédito, o artista estabelece uma relação
simbiótica e intersemiótica com os recursos tecnológicos, para dar
forma a sua expressão interferindo em processos anteriormente
distantes da dimensão criativa (GUIMARÃES, 2004, p. 171).
Observando estas impressões sobre o projeto Nome, podemos
perguntar se existe uma hierarquização dos suportes ou se podemos enxergá-los
como produtos independentes. À primeira vista, podemos considerar a autonomia
dos três suportes, haja vista que cada um representa uma forma diferente de
inserção social. O livro coloca em cena a tradição da cultura baseada no verbo, já
que “escrever é inscrever-se na História da Literatura” (ALBERTINO, 1999, p.67). O
disco por sua vez, representa um dos maiores símbolos da mercantilização da
cultura e a idéia da industrialização norteia toda a história da música popular no
século XX. Com a invenção do gramofone e o surgimento da indústria do disco e das
rádios comerciais, a música e seu respectivo suporte disco perderam muito das suas
credibilidades como objetos artísticos. Por fim, o vídeo representa o lugar da
experimentação. Isto se deve à própria história do vídeo como um suporte artístico
que desde seu início, com os videomakers, surge como um campo de experiências
no terreno da linguagem.
81
No caso de Nome, os três suportes aparecem emaranhados em um
único projeto e é a hibridação destes meios, em um processo de intercâmbio de
propriedades que faz do trabalho de Arnaldo Antunes algo tão ímpar dentro da
produção poética brasileira.
Após esta rápida apresentação do projeto Nome, iremos analisar
alguns videopoemas contidos no DVD-CD Nome, tentando mostrar alguns aspectos
já discutidos neste trabalho, como a presença da tecnologia nas artes, em especial
na literatura; as implicações das hibridações e da fragmentação dos gêneros na
recepção dos poemas de Arnaldo Antunes; o resgate dos sentidos que a todo
momento são promovidos pela obra do poeta; a presença constante da palavra em
todos os trabalhos presentes no projeto, entre outras particularidades e discussões
que a obra multimidiática de Antunes apresenta e propõe.
Visando uma melhor organização das idéias nas análises dos
vídeopoemas, dividimos as 30 peças em três grupos:
1- Videopoemas em formato videoclipe/ videoarte: poemas em que
a música ou o som da voz é a protagonista. Os vídeos ou animações
acrescentam elementos novos às letras das canções. Neste grupo
estão os poemas: E só, Alta-Noite, Cultura, Nome não, Diferente e O
macaco, Direitinho, Carnaval e Mesmo.
2- Videopoemas recuperação dos sentidos: neste grupo estão os
poemas que promovem uma discussão sobre os sentidos humanos
e uma revalorização do corpo: Imagem, Não tem que, Agora, Sol
ouço, Pessoa, Campo, Tato e Luz
3- Videopoemas com palavras animadas: são os poemas que
dialogam com as experiências concretistas. Nestes poemas se
destacam o caráter verbivocovisual e a constante presença da
palavra. Uma marca da poesia concreta dos anos 50. Estão neste
grupo os poemas: Pênis Fênis, Dentro, Ar, Água, Arma Zen, ABC,
Wherever Entre, Se não se, Acordo, Soneto, Nome, Campo e
Pouco.
Devemos salientar que esta divisão foi feita para facilitar o trabalho
de análise, não sendo, portanto, um modelo fixo. Muitos dos poemas poderiam estar
em mais de um grupo, visto o diálogo que ocorre entre eles. Depois de feita esta
82
divisão, escolhemos três videopoemas, um de cada grupo, para serem analisados.
Os poemas a serem analisados são: Nome Não, Agora e Armazém.4
3.2.1 Nome Não – A Nomenclatura do Mundo
O que nós vemos das coisas são as coisas.
Alberto Caeiro
Nesta primeira peça a ser analisada, temos um excelente exemplo
de como o formato videoclipe musical se sedimentou dentro da cultura
contemporânea, assumindo um grau de complexidade e qualidade que se distancia
muito das primeiras experiências com o formato. Se no seu início, por volta dos anos
80, as imagens eram inseridas como meros suportes narrativos para a canção pop,
com o desenvolvimento das tecnologias de vídeo e a aproximação dos videoartistas
da linguagem televisiva, as relações entre os elementos sonoros (tempo, ritmo,
arranjo, espaço acústico e letra) e visuais (movimentos de câmera, performance do
artista, edição de imagens e efeitos de pós-produção) ganham uma outra dimensão,
resultando em videoclipes com status de videoarte.
Na verdade, a origem do videoclipe está diretamente ligada ao
cinema. O videoclipe tem antecedentes diretos no cinema de vanguarda dos anos
20. Já nesta época, os cineastas vanguardistas tentavam criar uma linguagem que
fosse própria do meio audiovisual, distanciando-se da literatura e do teatro. Com o
surgimento do videotape, nos anos 70, e do videocassete doméstico, nos anos 80,
os produtores começaram a aproximar a linguagem do cinema à da televisão. É
exatamente nos anos 80 que surge a MTV (Music Televison), canal exclusivo de
veiculação de videoclipes musicais e cultura jovem, que vai contribuir muito para a
solidificação do formato.
O poeta Arnaldo Antunes cresceu neste meio. Primeiramente como
integrante de uma banda típica de rock pop, os Titãs, e depois como um artista solo,
4
Em anexo encontra-se uma cópia do DVD Nome.
83
também ligado ao universo pop. Antunes, por ser também poeta e artista plástico,
adiciona novos elementos ao universo dos videoclipes musicais, sendo a experiência
com a palavra uma delas, e talvez a maior contribuição deste artista.
Nome Não é um videoclipe e um videopoema. Videoclipe, pois a
matriz é a canção, a música, e é ela quem vai direcionar as imagens do vídeo.
Videopoema porque o poeta insere a palavra enquanto ícone em movimento e suas
relações com as imagens. A onipresença da música é uma constante em grande
parte das peças de Nome, que são construídas a partir de uma imbricação dos
ritmos visuais e musicais. A palavra também é outra protagonista em toda obra de
Arnaldo Antunes. O próprio Antunes declara: “é por meio da palavra que eu transito
entre as linguagens. Ela é uma espécie de intersecção” (In: FEIX, 2004, p.9).
O videopoema Nome Não é fruto de uma tradução intersemiótica, ou
seja, foi criado a partir de uma adaptação do poema no formato impresso publicado
primeiramente em 1990 no livro Tudos, para a linguagem do vídeo. Nesta primeira
versão, Nome Não (2006a, p. 59-61) tem as estruturas de um poema verbal:
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
preto azul amarelo verde vermelho marrom.
Os nomes dos sons não são os sons.
Os sons são:
Só os bichos são bichos.
Só as cores são cores.
Só os sons são
som são
nome não
84
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
plástico pedra pelúcia ferro madeira cristal porcelana papel.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê
Os nome dos sons.
Em 93, Antunes revisita o poema, que ganha o seguinte formato
impresso em livro:
Figura 15 – Poema
Por fim, o mesmo poema, no vídeo, assume uma estrutura apoiada
na narratividade do videoclipe, com um intenso diálogo entre música – construção
melódica, harmônica e interpretação – e imagem em movimento.
85
As mudanças ocorridas entre uma versão e outra são visivelmente
radicais e mostram como o uso da tecnologia contribui para a expansão dos efeitos
sinestésicos do poema.
Esta característica de Antunes em recriar poemas antigos,
acrescentando novos significados, é uma prática constante na trajetória do poeta.
Este mesmo procedimento pode ser encontrado em pelo menos duas outras peças
do projeto Nome: nos poemas Luz e Campo.
Em Luz, publicado a princípio no livro Psia, de 86, Arnaldo Antunes
converte os versos originais, falados pelo próprio poeta em um tom monocórdico e
mântrico, “Luz na luz não é nada, só sombra é nada na luz”, no piscar nervoso de
um ponto luminoso, que trabalhado eletronicamente, transforma a luz em uma
textura ótica, em que fica impossível fazer a distinção entre superfície e fundo,
gerando um borrão, uma sombra composta apenas de luz.
No caso de Campo, retirado do livro As Coisas, de 92, podemos
enxergar uma câmera que passa de forma acelerada, rente a um chão de terra.
Sobre esta paisagem de fundo são escritas, em primeiro plano, as frases que
constituem o poema e que se espicham e se estreitam, fazendo o texto expandir até
ocupar todo o espaço da tela, ou comprimir-se até desaparecer. A tecnologia do
vídeo corporifica a palavra, introduz o tátil. Temos então um olhar que apalpa os
objetos, em decorrência da espessura criada entre aquele que vê e a coisa vista.
Arnaldo Antunes mais uma vez acrescenta novas nuances a um poema em prosa,
nitidamente verbal, tornando-o muito mais rico e complexo, exigindo que o leitor
penetre no poema e retire dele novas sensações.
Em Nome Não, logo no início da peça, aparece um grupo de
homens forjando letras que mais a frente descobriremos se tratar da palavra Nome.
Aí reside o centro temático do vídeo e uma das presenças mais fortes na obra de
Arnaldo Antunes: a nomenclatura. Neste poema especificamente, temos um diálogo
de Arnaldo com as teorias do lingüísta Ferdinand Saussure. Para Saussure (1999), é
a perspectiva que cria o objeto, e as convenções institucionalizadas que compõem a
linguagem. Ambas as teorias foram desenvolvidas pelo suíço no Curso de
Lingüística Geral, de 1916, obra que revolucionou os estudos de lingüística e
comunicação no mundo.
Como um bom antropófago e herdeiro da poesia concreta, Arnaldo
Antunes dialoga constantemente com essas teorias, sendo que muitas delas podem
86
ser encontradas em seus poemas. Um dos pontos mais marcantes neste diálogo
oriunda da idéia de Saussure (1999) de que conceber a língua meramente como
uma nomeação é superficial. Daí o porquê de o título do videopoema de Antunes ser
Nome Não. O poeta apenas confirma a idéia de que um signo lingüístico não é uma
ligação entre uma coisa e um nome, mas entre um conceito e um padrão de som.
Na verdade, Antunes põe em prática as teorias do lingüísta suíço, ao
realizar um dinâmico jogo que parte da idéia de que os nomes dados às coisas ou
aos seres, por meio das palavras, são códigos que ultrapassam os limites do sentido
referencial e atingem um contexto subjetivo. Isto é, “o nome dos bichos não são os
bichos”, os nomes apenas representam os bichos. No vídeo essa idéia é
exemplificada pela imagem de um cavalo sendo pintado com a palavra cavalo, para
que se confirme sua condição. De fato, as palavras são representações, ou seja,
símbolos que nos surpreendem quando as percebemos em seus mais inesperados
sentidos. Mas essa percepção só é possível quando praticamos uma leitura que
subverte a sua ordem. Subversão essa que aparece no vídeo no momento em que a
palavra azul aparece dentro de uma piscina pintada de vermelho. Ao realizar este
procedimento, Antunes provoca uma inversão das expectativas, afastando o leitor do
sentido original, conduzindo-o a uma reflexão do processo visual que ocorre ao olhar
a imagem do vídeo. Sobre essa inversão de sentido que sua obra provoca, Antunes
afirma:
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam
nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com
elas. A linguagem poética inverte essa relação, pois vindo a se
tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais
direto entre nós e o mundo (ANTUNES, 2006 a, p. 324).
Deparamo-nos
a
todo
momento
com
um
movimento
de
estranhamento em que o poeta descreve os objetos como se estivessem sendo
vistos pela primeira vez. Como se, ao entrar neste universo lúdico, fosse possível
“manter contato com as imagens e as palavras sendo criadas, se desenvolvendo e
buscando também uma experiência fecundante de sentidos” (SACRAMENTO, 2002,
p.9). Em cada uma das seqüências de Nome Não, o poeta brinca com as palavras e
seus significados, mostrando como ambos são transitórios que nenhum suporte é
estático. Isto se dá mais explicitamente no final do vídeo, quando os animais são
87
lavados e percebemos ser a tinta também lavável. Essa condição é um alívio tanto
para o animal, quanto para quem assiste, pois ao vermos as palavras se desfazendo
com o jato de água, entendemos que as mesmas não podem e não devem ser
eternizadas.
3.2.2 Tudo ao Mesmo Tempo Agora
“o olhouvido ouvê”
Décio Pignatari
Das inúmeras discussões que podem ser levantadas a respeito do
vídeo Agora, elencamos três características que são facilmente perceptíveis ao
contato com a peça, e que para nós resumem bem o que é o projeto poético de
Arnaldo Antunes. São elas: a questão da simultaneidade dos sentidos; a presença
da tecnologia na literatura e a discussão sobre a temporalidade no mundo
contemporâneo.
A simultaneidade dos sentidos, como pudemos ver há algumas
páginas atrás, no tópico Sentidos em todos os sentidos, está presente praticamente
em toda a trajetória poética de Arnaldo Antunes e isso se acentuou ainda mais
quando o poeta começou a usar a tecnologia para criar ou transcriar seus poemas.
Em Agora, essa idéia é explorada à exaustão. O poema que foi primeiramente
publicado no livro e que aparece no encarte e no bônus do DVD de 2006 recebe o
seguinte tratamento visual:
88
Figura 16 – Poema
O primeiro elemento que podemos destacar neste poema visual é a
questão da crise do verso institucionalizada por Mallarmé que propõe uma não
linearidade de leitura textual a partir da disposição das palavras, como já vimos
anteriormente. Em Agora, Antunes problematiza a recepção do leitor, ao inserir o “já
passou” na vertical e a palavra “agora” sobrepondo o primeiro enunciado,
produzindo um efeito de tridimensionalidade no poema. Esta corporificação da
palavra, transformando-a em ícone, dá ao poema uma idéia de movimento tanto do
aspecto visual quanto sonoro. Notamos aí um diálogo de Antunes com a tradição
concretista, mais especificamente com o poema Velocidade, de Ronaldo Azeredo:
89
Figura 17 – Poema
Os dois poemas se assemelham quanto às estruturas, sendo que a
sugestão de movimento é dada pela composição tipológica de ambos. Nos dois
casos, o conceito de velocidade está sendo discutido: a velocidade enquanto marca
de uma sociedade moderna e industrializada.
Quando transportado para o suporte de vídeo, o poema Agora
assume uma nova forma. Fazendo uso de um editor de imagens, o poeta,
assessorado por sua equipe técnica e artística, despeja um turbilhão de imagens em
altíssima velocidade, ficando impossível para o espectador conseguir fixar o olhar
em algo. O enunciado “já passou” se transforma em voz; a voz do próprio poeta, que
editada eletronicamente, não finaliza a frase, mostrando que a voz também sofre o
efeito da velocidade, dentro do caos sonoro que é a cidade. Nesta peça, Arnaldo
Antunes consegue com precisão unir o verbal e o icônico e isso só é possível pelo
uso da tecnologia, que abre para o poema novas vias de significações ainda mais
elaboradas, potencializando os efeitos sinestésicos e estéticos do trabalho impresso.
Podemos considerar Arnaldo Antunes, seguindo a concepção de
Giuliano Tosin, como um poeta-técnico, ou seja, poeta que buscou aprimorar seus
conhecimentos nas novas tecnologias para que não dependesse apenas dos
técnicos operadores e pudesse realizar suas obras com próprio punho. No fundo,
todo poeta é um técnico e a história mostra como sempre se adaptaram às
tecnologias de suas épocas. No período medieval, os trovadores conheciam e
dominavam a técnica oral da poesia; com a invenção da prensa, o poeta teve que se
90
transformar em conhecedor da técnica da escrita para conseguir se comunicar; com
as tecnologias audiovisuais não poderia ser diferente. No entanto, não basta apenas
conhecer a técnica para ser um grande poeta. Segundo Tosin:
A tecnologia sugere, mas não impõe, o intelecto e a sensibilidade do
poeta devem encontrar estruturas que sejam realmente inovadoras,
maneiras novas de organizar os signos, que se desliguem ao
máximo das experiências do passado, para que então possa se falar
de uma nova linguagem, ao invés de adequações de velhas idéias
aos novos suportes (TOSIN, 2003, p.205).
O que notamos neste trabalho de Arnaldo Antunes é que o poeta
não faz apenas uma adequação do poema para o novo suporte. As relações que
cria entre o discurso visual, representado pelo mosaico de imagens que despeja na
tela e as palavras, e o discurso sonoro são deveras intensos e marcam uma poesia
de extrema precisão técnica e de caráter intersemiótico.
O tema central de Agora é a discussão sobre a temporalidade na
modernidade e a forma como o homem se relaciona com esse tempo. Antes de tudo,
devemos fazer uma breve reflexão sobre alguns conceitos de modernidade. O termo
“moderno”, grosso modo, pode ser considerado como algo atual, oposto a idéia de
antigo, ultrapassado. Para Gilvan Luiz Hansen (2000, p.52), o conceito de
modernidade surge para representar um novo modo de compreensão do mundo que
se estende de meados do século XV até os dias atuais e é marcado pela valorização
do elemento da subjetividade e da razão como instância por excelência de definição
dos parâmetros sociais, políticos, culturais e cognitivos.
As desestabilizações sociais e culturais provocadas no século XVIII
pela Revolução Industrial provocam uma espécie de desencantamento do homem e
uma sensação de que o mundo movimenta-se em direções e velocidades
impossíveis de serem acompanhadas, mudando a relação deste homem com o
espaço e o tempo. Este novo panorama retira do sujeito o conforto de um tempo
linear-cronológico e o lança em meio a um “perturbado e perturbador tempo
pluriforme,
continuamente
rearranjado
segundo
sua
componente
espacial”
(FRANCISCO, 2007, p.86).
A prova de que ainda estamos em uma modernidade, contrariando
alguns teóricos que insistem no conceito pós-modernidade, é que ainda sofremos os
91
efeitos deste período turbulento do século XVIII, e isto se faz notar no videopoema
aqui analisado. Ainda sofremos as mesmas perturbações de um tempo
excessivamente veloz, em constante estado de transitoriedade e eterna busca pelo
instante. Trata-se de um sistema de aceleração permanente e sem sentido. É o que
Paul Virílio (apud KURZ, 1999, p.1) definiu como “inércia a toda velocidade”, em que
"arrebatados pela força monstruosa da velocidade, não vamos a lugar algum,
contentamo-nos com a tarefa de viver em benefício do vazio da velocidade".
Em Agora, a velocidade das cenas e a perseguição deste instante
nela expressa deixam o espectador atordoado. A dúvida paira a respeito do que é a
informação atual, o “instante”, o “agora” e o que é mensagem por vir, o “outro agora”,
que também pode ser entendida como o que “já passou”, uma vez que o “já” é a fala
do instante, enquanto o “passou” é a fala do passado. Antonio Cícero (1995, p.14)
define o instante como o momento em que o sujeito se encontra. O filósofo fala,
portanto, do agora; reconhece no agora a essência do mundo, e conseqüentemente
do homem. No videopoema de Antunes fica claro que este sujeito não consegue
capturar o instante, isto é, seu espaço de existência, portanto este homem não se
encontra. É um indivíduo incompleto, fragmentado, moderno.
Outro ponto importante a ser mencionado é a crítica que Arnaldo
Antunes faz tanto à sociedade industrializada de consumo, quanto ao formado
audiovisual.
Neste caso, o poeta se utiliza do próprio meio para denunciá-lo,
mostrando quão pernicioso é o bombardeio massificador de mensagens e imagens
superficiais que as mídias promovem diariamente.
3.2.3 Armazém – Repetir para não se Repetir
O poema Armazém insere no projeto Nome o diálogo que Arnaldo
Antunes vem mantendo com a cultura oriental ao longo de toda sua trajetória
poética. Inúmeras outras obras de Antunes fazem referencia à cultura do Oriente,
seja por meio da valorização do silêncio, seja do uso conciso e mágico da
linguagem. No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, Antunes cria um bem sucedido
exemplo de poesia concisa com toques orientais: o poema TAOVEZ. Neste poema,
aparentemente simples, o poeta propõe uma discussão sobre os valores orientais
92
importados para o Ocidente, chamando a atenção para o modismo que se criou em
torno da cultural oriental, metonimicamente através da palavra TAOVEZ, que nos
últimos anos vem sendo descontextualizada e consumida a exaustão pelos homens
do Ocidente.
A atração pela arte oriental, tida como transcendente, marca grande
parte dos artistas modernos. Influências do Oriente na arte podem ser encontradas
em diversas pinturas de Paul Klee ou Gustav Klimt, na música de Debussy, John
Cage e Giacinto Scelsi, entre outros. Na literatura, inúmeros poemas já se lançaram
à tentativa de fazer essa ligação entre as duas culturas. Nos estudos teóricos, temos
intelectuais como Octavio Paz, Haroldo de Campos, Roland Barthes, Umberto Eco e
Gilles Deleuze pensando este trânsito intercultural.
A filosofia zen, na concepção de Daisetz Suzuki5 (1971) quer, em
seu ponto ideal, suprimir, ou fundir, sujeito e objeto, crendo numa essencialidade
alcançável pelo satori (estado de iluminação intuitiva), e em seu ponto zênite pelo
nirvana, quando desejo e consciência individual se extinguem. À primeira vista, nada
mais oposto a essa filosofia que o rigor estrutural empregado pelos poetas concretos
brasileiros, cujas obras buscavam incessantemente uma geometrização do espaço.
Apesar dos concretos aparentemente contraporem-se ao modus operandi zen,
existem muitas conexões entre seus poemas e o zen-budismo. Um dos primeiros
brasileiros a enxergarem essas conexões foi o poeta Paulo Leminski, que em seu
ensaio Diógenes e o Zen afirma que o Oriente e Ocidente se unem no “desabrochar
de uma consciência icônica” (LEMINSKI, 2001, p.114). Não podemos esquecer aqui
do ideograma que tanto influenciou a poesia concreta e a teoria da montagem
fílmica de Einsenstein.
Antes da experiência de Arnaldo Antunes com o vídeopoema
Armazém, Pedro Xisto já havia mostrado a possibilidade de unir a poesia visual
experimental ao discurso zen-budista, em seu poema intitulado Zen, publicado no
livro Logogramas, de 1964:
5
Saisetz Teitaro Suzuki lecionou Filosofia Budista na Universidade Otani de Quioto, no Japão.
acabando, provavelmente, por se tornar a maior autoridade em Zen-budismo no mundo todo.
93
Figura 18 – Poema
O poema Zen funciona como uma espécie de mini-tratado do zenbudismo. Para o crítico e poeta Philadelpho Menezes:
O casamento perfeito entre o design do signo verbal, sua sintaxe e
sua semântica, se dá no poema “Zen”, [...] onde a leitura linear da
palavra “zen” é substituída pela visão de conjunto geométrico da
forma plástica, nos remetendo à imagem de um templo oriental visto
de frente [...] e à própria escrita chinesa, ainda hoje parcialmente
pictográfica (MENEZES, 1991, p. 80).
Além do aspecto visual, podemos notar no poema alguns preceitos
da filosofia zen, como a harmonia entre opostos, a dialética oriental apresentada na
forma da unidade (Yin e Yang), além do aspecto palindrômico da figura, que pode
ser lida nas duas direções.
Se no poema de Pedro Xisto é a estrutura geométrica representada
pelo quadrado, triângulo e retângulo, que vai deflagrar a experiência do leitor com o
zen, no poema Armazém, de Arnaldo Antunes, é a figura do círculo em eterno
movimento que vai prevalecer. Dentro do projeto Nome, o poema aparece
representado em três versões: a versão gráfica (encarte e bônus), a versão sonora
(CD) e a versão vídeo (DVD). Tanto no formato impresso como no vídeo, o poema
aparece representado da seguinte forma:
94
Figura 19 – Poema
O poema é composto por dois versos em formato de círculos que se
movem incessantemente na tela durante 52 segundos, enquanto a voz de Arnaldo
Antunes repete 45 vezes o vocábulo-título armazém, acompanhado pela guitarra de
Arto Lindsay e sonoplastia de Peter Price composta por barulhos de bambus, pratos
e copos. É justamente o elemento repetição que mais aproxima este trabalho da
filosofia zen.
Dentre os métodos zen-budistas para o alcance da iluminação está a
repetição de hábitos, que “tem por base a simplicidade de princípios, em que a
reflexão raciocinante dá lugar à percepção instantânea e em que a construção
simétrica cede vez à irregularidade descontínua” (SALGUEIRO, 2006, p.166). O
diálogo desta obra com a filosofia oriental se desenvolve a partir destes princípios,
sem abandonar a sua posição de uma manifestação artística ocidental e
contemporânea, especialmente filiada ao projeto concretista. Daí nasce também o
diálogo do trabalho de Antunes com o poema de Pedro Xisto. Ambos habitam o
terreno da verbivocovisualidade e negam qualquer vínculo com uma subjetividade
tradicional, ou seja, aquela expressa pela presença do eu-lírico. O que notamos em
ambos os poemas é a tentativa de uma lúdica suspensão do sujeito, favorecendo a
imanente plenitude do objeto.
Em Armazém, os versos que transitam pela tela do vídeo – “o tempo
todo o tempo passa / os lugares estão no lugar” mostram que o poema quer-se
95
mesmo redundante, haja vista a circularidade dos textos que se duplicam neles
mesmos (“o tempo passa o tempo todo / estão no lugar os lugares”), formando
figuras urobóricas. Ainda no vídeo, enquanto o tempo em sua dimensão vai
passando, a palavra “tempo” também vai passando pela tela, o mesmo acontecendo
com a palavra “lugar” que durante o tempo do vídeo ocupa diferentes lugares. Em
alguns momentos os dois enunciados se tocam, interpenetram-se, assim como no
estado nirvânico em que tempo e espaço se elidem, suspendendo-se também a
diferença entre sujeito e objeto.
Com relação ao elemento sonoro do videopoema, a repetição da
palavra “armazém” também conduz a obra para um diálogo com o zen, haja vista a
processo de iteração na repetição da palavra “armazém” que sofre algumas
pequenas alterações durante a execução da peça, desdobrando-se em “arma zen”,
“arma sem” e “arma cem”. Com base nestas variações que se “armazenam” no
espaço sonoro do vídeo, podemos montar a seguinte equação: arma zen=arma
sem=arma cem. A referida “arma zen” funcionaria, portanto como uma via pacífica
para os conflitos internos do sujeito, ou então sociais e religiosos que se propagam
pelo mundo. Representaria um desarmar o homem da intolerância e do preconceito.
Por fim, representaria a arma mais poderosa, o equivalente a “arma cem”, ou cem
armas. Este jogo lúdico produz no poema uma mobilização paradoxal característica
do zen-budismo. Um zen que dialoga com o passado e aponta para o futuro, como
toda a obra realizada por Arnaldo Antunes ao longo de sua trajetória artística.
96
CONCLUSÃO
fecho encerro reverbero aqui me tino me zero
não canto não conto não
quero anoiteço desprimavero me libro enfim neste libro neste
vôo
Haroldo de Campos
(fragmento final Galáxias)
Chegamos à etapa final de nossa pesquisa. Preferimos pautar nosso
raciocínio pelos caminhos sem pender para a euforia de alguns defensores
ferrenhos das tecnologias ou para a visão cética dos detratores das poéticas em
novos suportes. Nossa decisão se baseou na idéia de que independente do suporte,
a boa poesia sempre prevalecerá. Nossa maior preocupação esteve em entender
quais os efeitos destas tecnologias na poesia. Quais as mudanças na recepção de
um poema multimídia, em que imagens e sons estão em constante movimento e
como o verbal e o icônico se relacionam e produzem novos efeitos sinestésicos na
obra.
Nosso estudo partiu do pressuposto de que os poetas sempre
acompanharam
as
inovações
tecnológicas
que
foram
surgindo
com
o
desenvolvimento da história do homem. Nos tempos pré-escrita, os poemas eram
criados para o suporte voz e por muito tempo foi o que prevaleceu. Poesia e música
eram irmãs inseparáveis, portanto, a poesia nasce multimídia. Com a introdução da
escrita, buscou-se uma tecnologia que permitisse a organização e perpetuação do
saber para a eternidade. Com a descoberta da imprensa, a poesia sofreu
significativas mudanças, quando foi inaugurada uma consciência plástica das letras
e palavras, que foram levadas às últimas conseqüências por Mallarmé em Un coup
de dès, poema que vai mudar a direção da arte poética e instaurar a crise do verso.
Com o advento das vanguardas no final do século XIX, as experiências com a voz
foram retomadas pelos dadaístas e cubofuturistas russos e começou a delinear-se
uma espécie de percurso da visualidade, em que a poesia passa a adaptar-se a uma
nova dimensão: a espacial. A partir de então, o trabalho com os signos verbais na
97
poesia foi se transformando até ganhar movimento nas telas de computadores e
TVs, fazendo com que o poema visual se tornasse uma elaboração estética de alta
complexidade.
Arnaldo Antunes surge como poeta em um meio em que a poesia
visual, introduzida no Brasil através dos poetas concretos, já estava praticamente
consolidada e o debate entre estética marginal e concreta já havia se encerrado. Daí
a sua naturalidade para criar tanto um poema visual quanto um soneto, sem grandes
amarras ideológicas. Apesar desta suposta liberdade, verificamos ao longo deste
trabalho que Antunes pertence a uma tradição de ruptura e segue uma linha de
poesia que se aproxima de um formalismo devido ao processo de transformação,
deslocamento e inversão das percepções na sua forma literária poética. Para
Alessandra Squina Santos, trata-se de um formalismo renovado, já que o processo
de estranhamento gerado pelos deslocamentos lingüísticos
aproxima-se mais de um distanciamento brechtiano, baseado no
efeito de alienação onde o público (ou leitor) não é passivo, mas é
consciente do processo criativo e do movimento e das mudanças
deste processo, efetuando assim um nível político da estética
(SANTOS, 2005, p.03).
Desta forma, o formalismo da obra de Arnaldo Antunes não só tem o
seu efeito estético como também aborda as conseqüências sociais desta recepção
do leitor.
A herança concretista na obra de Antunes é facilmente identificável
em vários de seus poemas visuais ou verbais inseridos em seus livros. Do projeto
Nome escolhemos para análise o poema Armazém que marca bem a influência
deste formalismo concreto. Neste videopoema identificamos a presença de uma
verbivocovisualidade inerente ao poema, a começar pela palavra “armazém” que
como visto se desdobra em “arma zen”, “arma sem” e “arma cem“. Quando os
versos são postos em movimento e o som interfere na visualidade e cria novos
efeitos sinestésicos de simultaneidade, temos a certeza de que é uma obra que
nasceu para ser multimídia, e que esta sonoridade e movimento já estavam latentes
no poema visual inicial.
Os outros dois videopoemas separados para análise exemplificam
bem a interferência da tecnologia na literatura e como este novo instrumental
98
amplifica os efeitos de recepção do espectador. Em Nome Não, temos a
consagração do formato videoclipe dentro da cultura pop e seu diálogo com a vídeoarte. Em um casamento perfeito do discurso verbal com o vídeo, o poeta subverte o
suporte, inserindo ruído e redundância nas informações que vão a tela. Já em
Agora, temos uma reflexão sobre o tempo e sua interferência no mundo atual.
Antunes, através da tecnologia do vídeo, despeja na tela uma seqüência de imagens
em uma velocidade que torna impossível qualquer fixação pelo olho humano. O
enunciado “agora outro agora” transita de um lado para outro repetidas vezes
enquanto a voz do poeta tenta em vão indicar a passagem do tempo das imagens,
tendo que assim aumentar a sua velocidade, produzindo um outro ruído, desta vez
sonoro.
Encerrando as discussões, podemos dizer que a série de
videopoemas de Nome mostra toda a versatilidade de Arnaldo Antunes como poeta
e artista multimídia livre de rótulos e dono de uma obra inclassificável e atual. É em
Nome que o poeta vai radicalizar nas relações entre poesia e som e poesia e
visualidade, atingindo em vários momentos uma beleza inigualável dentro do cenário
literário brasileiro. Antunes desinstala certezas e conclusões do espectador em um
ritmo frenético de sons e imagens montando uma poética do novo através do
impacto da violência, mas também através da serenidade embalada pelas imagens
infantis de Cultura.
Em suma, Arnaldo Antunes é um poeta que trabalha a palavra com a
seriedade e a habilidade de um artesão, sem deixar de dialogar com os novos
meios, acrescentando a sua poesia movimento, sons e cores. Um legítimo trovador
do século XXI.
99
REFERÊNCIAS
ALBERTINO, Orlando Lopes. Navegar (É) Impreciso: Reconhecendo a Arte do
Século XX a partir de Nome, de Arnaldo Antunes. 1999. 100 p. Dissertação
(Mestrado em Estudos Literários) - Programa de Pós-Graduação em Letras,
Universidade Federal do Espírito Santo.
AMARAL, Beatriz. Em margens descontínuas, a invenção como refúgio da poesia
contemporânea. Zunai Revista de poesia e debates, 2003-2005. Disponível em:
<http://www.revistazunai.com.br/ensaios/beatriz_amaral_poesia_contemporanea.htm
>. Acesso em 10 de agosto de 2007.
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