O Fetiche tecnológico e as relações entre o ciberespaço e a
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O Fetiche tecnológico e as relações entre o ciberespaço e a
O FETICHE TECNOLÓGICO E AS RELAÇÕES ENTRE O CIBERESPAÇO E A GLOBALIZAÇÃO George de Souza Alves Resumo Convivemos com avanço tecnológico e destruição da natureza, fome e miséria em diversas regiões do planeta; portanto, a simples universalização de determinada tecnologia não cria uma ordem social democrática ou harmoniosa. Ciência e Tecnologia (C&T) são uma construção histórica e social e não um avanço contínuo e inexorável que segue seu próprio caminho. Neste artigo, discutimos a importância dos conceitos de alienação e fetiche da mercadoria na obra de Karl Marx, através da metáfora possibilitada por Matrix, o filme, e refletimos sobre as relações entre C&T e sociedade e seus desdobramentos para a produção do fetiche tecnológico. Finalizamos entendendo que mesmo que a globalização nos mostre que as regras vigentes são as regras básicas de funcionamento do modo de produção capitalista e da acumulação flexível, a sociedade deve exigir alterações nas políticas da produção científico-tecnológica a fim de contemplar a reconstrução de tecnologias segundo os interesses contra-hegemônicos. PalavrasPalavras-chave: chave: Fetiche tecnológico, ciberespaço, globalização Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 83/125 1. Introdução Numa das talvez mais poéticas passagens da obra marxiana, é dito que o trabalho humano é a atividade criadora do homem. É, inclusive, a atividade que distingue o homem de todos os outros animais, produzindo os seus meios de vida e se criando a si mesmo. Para Karl Marx o trabalho é a essência do homem. Ainda que o animal também produza, ele produz apenas para suprir suas necessidades e a dos seus, enquanto o homem produz universalmente, mesmo quando se acha livre da necessidade física. Quando se encontra livre desta necessidade, ele não produz verdadeiramente como homem. Porém, ao comparar o trabalho das abelhas com o trabalho humano, dizendo que estas ultrapassam em habilidade muitos arquitetos ao construírem as estruturas das células de cera, Marx percebe que mesmo o mais bisonho dos arquitetos é capaz antecipar a construção de um projeto em sua cabeça. Segundo ele, “o resultado a que chega o trabalho preexiste idealmente na imaginação do trabalhador” (MARX, 1978, p. 181). Deste modo, podemos perceber que outro aspecto essencial que caracteriza o homem é sua capacidade de raciocinar. A capacidade humana para o raciocínio acaba por proporcionar a oportunidade de se construir historicamente um conjunto de conhecimentos, técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos colocados à disposição da sociedade a fim de se produzir bens e serviços. É assim que neste trabalho será compreendido o termo tecnologia. Em muitos momentos ele estará acompanhado de um outro muito próximo e com o qual faz uma verdadeira parceria, que é a ciência. Ambas estão nos medicamentos que tomamos, nos supermercados e locais que freqüentamos, em nosso trabalho, nos exames médicos que fazemos, quando nos comunicamos por telefone ou computador, ou mesmo em livros ou textos Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 84/125 que lemos. Enfim, onde quer que possamos olhar ou em tudo que desejarmos que tenha passado pela intervenção humana, lá estarão presentes a Ciência e a Tecnologia (C&T). Em resumo, somos uma sociedade tecnológica, cada vez mais rodeada de artefatos, objetos, bens e símbolos que remetem à tecnologia, especialmente a digital, nas duas últimas décadas. Estamos obrigados todos os dias a transpor os limites da C&T, buscar o espaço comum, onde as ciências exatas, biológicas, humanas e sociais possam estabelecer um diálogo e criar estruturas capazes de contribuir para soluções dos chamados problemas socialmente complexos. De acordo com Konder (2009) a compreensão do conceito de alienação parece bastante apropriada ao entendimento do mundo atual. A primeira edição da publicação de Konder é, na verdade, de 1964 e, mesmo passados 45 anos dessa afirmação, parece-nos ainda apropriada uma visão geral mais clara sobre este conceito, assim como o do seu aprofundamento posterior no campo econômico, o de fetiche da mercadoria. Estes conceitos seminais permitem-nos compreender o próprio fetiche tecnológico que tanto nos habilita a permanecer politicamente passivos diante das contradições que se apresentam na atualidade, especialmente no campo científico-tecnológico. É na crença de que a universalização de determinada tecnologia nos dará uma ordem social democrática ou harmoniosa e, consequentemente, na suposta neutralidade da Ciência e Tecnologia (C&T), é que reside o impasse em que o avanço tecnológico convive com destruição da natureza, fome e miséria em tantas regiões do planeta. Este artigo compreende que a tecnologia só continuará sendo útil, enquanto a sua aplicação trouxer significado produtivo para a vida do homem. Aqui Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 85/125 procuramos refletir sobre o papel da C&T como construção histórica e social e não como um avanço contínuo e inexorável que segue seu próprio caminho. Iniciamos com a tentativa de compreender os conceitos de alienação e fetiche da mercadoria na obra marxiana através da metáfora possibilitada pela obra cinematográfica Matrix, dirigida e roteirizada pelos irmãos Andy e Lana Wachowski. Para, em seguida, discutirmos a questão da neutralidade e da nãoneutralidade da relação entre C&T e sociedade e refletir sobre o fetiche tecnológico em diferentes momentos da história moderna e contemporânea. Finalmente consideramos que mesmo que o atual contexto de globalização nos mostre que as regras vigentes são as regras básicas de funcionamento do modo de produção capitalista e sobretudo da acumulação flexível, a sociedade e seus cientistas devem exigir alterações nas políticas da produção científicotecnológica a fim de contemplar a reconstrução de tecnologias segundo os interesses dos outros atores sociais envolvidos que não os proprietários dos meios de produção. 2. Fetichismo e reificação da máquina levados ao paroxismo – uma metáfora metáfora Mergulhando no contexto do filme... Século XXII, o ano é 2199. O que se vê é um cenário de desolação, degradação e destruição provocado por uma catástrofe nuclear causada pela guerra entre os seres humanos e as máquinas. Aqueles tentam se livrarem do domínio destas, mas não conseguem, uma vez que as máquinas vencem a guerra e acabam subjugando os humanos. Após a catástrofe climática não é mais possível a obtenção de energia solar, as máquinas, então, utilizam a energia bioelétrica humana, através de tubos ligados Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 86/125 aos corpos dos homens aprisionados em casulos. Eles ficam adormecidos do nascimento até à morte e sempre que é preciso novos homens são gerados artificialmente; quando morrem, seus corpos são reprocessados para se tornarem alimento intravenal dos ainda vivos. Deste modo, os seres humanos vivem adormecidos, enquanto suas mentes sonham que vivem, nascem, morrem, convivem em família, comem, dançam, trabalham, estudam etc. Sensações e impressões de uma realidade simulada através de um programa de computador. O simulacro é a Matrix e o “sonho” se desenrola no final do século XX em alguma grande metrópole do planeta. O mundo virtual da Matrix em quase tudo se assemelha ao mundo em que vivemos na atualidade. A história ainda não acabou e como em qualquer totalidade, ela apresenta suas contradições e fissuras. Na ficção de Matrix, o filme, há um grupo de homens livres que conhecem e sabem lidar com a tecnologia da máquina, conhecem toda a verdade e se rebelam contra ela. Num dado momento do filme o líder dos rebeldes, Morpheus, fala ao hacker Neo: “A Matrix é um mundo de sonho cujo propósito é nos controlar (...) Cada visão e cada cheiro na Matrix são produto do trabalho humano”. Para Karl Marx a alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que seu trabalho se converte em objeto, assumindo também uma existência externa, e a ele estranho, e que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil. Os Manuscritos de 1844 destacam as seguintes rubricas em relação ao fenômeno da alienação, mencionadas tanto por Konder (2009) quanto por Mészáros (2006): (a) a alienação do trabalhador reduzido à condição de objeto pela força estranha Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 87/125 que se ergue diante dele no seu trabalho; (b) a alienação do trabalho, que sofre uma cisão interna e se subdivide; (c) a alienação do homem em relação à espécie humana, a redução do humano à satisfação das necessidades animais, com o sacrifício das necessidades especificamente humanas; (d) a alienação do homem em relação à natureza. Para Konder (2009), o conceito de alienação elaborado nos Manuscritos de 1844 persiste no desenvolvimento posterior de todo o pensamento de Marx e está subjacente em diversas das suas categorias. Ele não acredita ser difícil demonstrar que o “fetichismo da mercadoria” estudado em O Capital representa o aprofundamento do exame de um aspecto da alienação, isto é, da alienação econômica sob a sociedade capitalista. Em O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo (seção 4 do capítulo I e parte I de O Capital), Karl Marx compreende que o fetiche da mercadoria resultava do entendimento das leis econômicas com sendo naturais e independentes da história. O que na realidade é uma construção histórica socialmente determinada, no fetichismo da mercadoria, sua produção era natural não dependendo do capitalismo e sim de uma forma de produção eterna, perpassando toda a história da humanidade. Além disso, ele observa que a mercadoria adquire todos os aspectos que atribuímos aos homens e aos vivos, ganhando deliberação própria, vontade, capacidade de mando, capacidade de organizar o mundo, capacidade que normalmente atribuímos à razão, seja humana ou divina, conforme a crença de cada um. O objeto vira sujeito e vice-versa. Agora o homem é manipulado pela mercadoria. Como uma obra de arte nos permite a liberdade de ver, proporcionando um vasto campo de interpretações e leituras, em Matrix podemos compreender que a Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 88/125 humanização da máquina leva à desumanização do homem, à sua coisificação e reificação levados ao paroxismo. No “mundo de sonho” dos humanos da Matrix, assim como no mundo real em que vivemos, muitas vezes acabamos obscurecendo o relacionamento que a força de trabalho global partilha como classe. Momentos antes de delatar seus companheiros de resistência, Cypher fala ao agente Smith: “Eu sei que este bife não existe. Eu sei que, quando coloco a boca, a Matrix diz ao meu cérebro que o bife é suculento e delicioso. Depois de nove anos, sabe o que percebi? A ignorância é a felicidade”. Muitos de nós ignoramos que as mercadorias que compramos são produzidas por pessoas como nós. Os sapatos que usamos, as roupas que vestimos ou a comida que nos alimenta foram comprados com o dinheiro que ganhamos e feitos para trabalhadores por trabalhadores. Ouvimos histórias sobre trabalhadores sofrendo nas linhas de produção asiáticas, mas mesmo assim compramos nossas marcas favoritas de tênis. Dirigimos automóveis, a caminho de nosso trabalho, que foram produzidos por trabalhadores, e não reconhecemos o sistema operante no qual estamos envolvidos. Quer ignoremos essas relações propositalmente quer não, muitos de nós praticam variados graus de “fetichismo da mercadoria” (DANAHAY & RIEDER, 2003). Mesmo que Matrix, o filme, nos sirva de metáfora, ele não pretende convencer os espectadores a despertar e lutar contra os poderes exploradores, uma vez que não nos mostra o que a raça humana está perdendo enquanto fica ligada na Matrix. Os humanos e máquinas vivem uma simbiose, e o mundo de sonho para onde Cypher quer voltar não parece tão ruim ao espectador. O mundo de sonhos mostrado no filme, a Matrix, é totalmente em cores. Para Danahay & Rieder (2003) se Matrix realmente tinha o objetivo de fazer uma declaração “marxista” Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 89/125 de algo do qual devemos despertar, o mundo de sonho da Matrix teria sido filmado em preto e branco, simbolizando a extensão a que as máquinas exploravam o valor da mão de obra no trabalho alienado. 3. O Fetiche Fetiche tecnológico Deixando a ficção de Matrix de lado e olhando um pouco para o passado, para a história da humanidade a partir da Revolução Industrial, encontramos Karl Marx escrevendo sobre a relação entre capital e tecnologia nos Manuscritos de 18611863. Marx compreende que as forças da natureza, enquanto tais, não custam nada, já que não são fruto do trabalho humano. Elas entram no processo de trabalho sem entrar no processo de aumento de valor, tornam produtivo o trabalho sem aumentar o custo do produto, sem acrescentar o valor da mercadoria. Contrariamente elas diminuem o seu valor individual, aumentando a massa das mercadorias produzidas no mesmo tempo de trabalho e, ao diminuir o valor de cada uma das partes, diminui também o valor da força de trabalho, pois o tempo de trabalho necessário para a produção do salário é reduzido, enquanto a maisvalia aumenta. O uso das forças da natureza em larga escala só é possível em lugares em que se podem empregar as máquinas em ampla escala também, assim como naqueles lugares onde é possível usar uma massa de operários correspondentes às mesmas e contar com a cooperação desses trabalhadores submetidos ao capital. A incorporação dos agentes naturais ao capital coincide com o desenvolvimento da ciência como fator autônomo do processo produtivo, cada descoberta se converte na base de novas invenções ou de um novo aperfeiçoamento dos modos Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 90/125 de produção. O capital não cria a ciência e sim a explora, apropriando-se dela no processo produtivo. Marx identifica nesses manuscritos uma nova divisão do trabalho, já que nos sistemas domésticos de manufatura, era comum o trabalhador conhecer todas as etapas da produção, desde o projeto até a execução. A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não é mais possível, devido à crescente complexidade. Ao trabalhador da fábrica é dado, quando muito, o direito ao conhecimento de procedimentos de operação de alguma máquina. Ele identifica um pequeno grupo de operários altamente qualificados sem, entretanto, considerar que o número destes guarde qualquer relação com as massas de operários “privados de conhecimento”. Dagnino (2002) afirma que a compreensão da Ciência e Tecnologia (C&T) desenvolvida por Marx é contraditória em relação a sua construção social, pois é possível encontrar momentos em que a tecnologia é apresentada como um elemento neutro, apenas instrumental, e que o decisivo ou importante é a sua apropriação pela classe operária. Em outros, o autor encontra afirmações em que ela é vista como trazendo em si, intrinsecamente, um elemento de subordinação e maior exploração do trabalhador (como nos Manuscritos de 1861-1863). Finalmente, ele cita um outro texto de Marx (A miséria da filosofia, 1989), em que C&T aparecem como determinantes das mudanças que, ao longo da história, seriam responsáveis pela sucessão dos modos de produção e pelo progresso social rumo ao comunismo. A crítica a essa visão determinista permite melhor compreender a extensão da noção do fetiche da mercadoria para o campo da C&T ou fetiche tecnológico. Para tanto, faz-se necessário compreender, resumidamente, alguns enfoques sobre a relação entre C&T e Sociedade com o auxílio de Dagnino (2002). Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 91/125 Para fins didáticos, o autor caracteriza esta relação em duas abordagens: uma abordagem “com foco na C&T” e a outra “com foco na sociedade”. A primeira forma de abordagem caracteriza-se pela suposição de que a C&T avança contínua e inexoravelmente, seguindo um caminho próprio, podendo ou não influenciar a sociedade de alguma maneira. Para a segunda, o caráter da C&T, e não apenas o uso que se faz dela, é socialmente determinado e, devido a essa funcionalidade entre a C&T e a sociedade na qual foi gerada, ela tende a reproduzir as relações sociais prevalecentes e, até mesmo a inibir a mudança social (o quadro I mostra um resumo esquemático desses enfoques). Quadro I: Enfoques sobre a relação entre C&T C&T e Sociedade Enfoques sobre a relação entre C&T e Sociedade Com foco na C&T Neutralidade Com foco na Sociedade Determinismo Tese Fraca da Não- Tese Forte da Não- Tecnológico neutralidade neutralidade Associadas à primeira abordagem (“com foco na C&T”) é possível identificar a visão de neutralidade da C&T e a do determinismo tecnológico: (a) a visão de neutralidade compreende que C&T seriam um assunto técnico e não político, uma barreira imaginária seria interposta entre o ambiente de produção científicotecnológica e o contexto social, político e econômico. Esta barreira impedindo que os interesses dos atores sociais envolvidos no desenvolvimento da C&T possam determinar a trajetória de inovação; (b) A segunda, do determinismo tecnológico, postula que aquela barreira é uma espécie de membrana impermeável no sentido da sociedade para a C&T, mas não no sentido contrário. O desenvolvimento da C&T é compreendido como uma variável independente e universal que determinaria o comportamento de todas as outras variáveis do Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 92/125 sistema produtivo e social, como se ela dependesse inteiramente das mudanças e da organização tecnológicas. Deste modo, o desenvolvimento econômico é determinado pelo avanço da C&T e a tecnologia é a força condutora da sociedade e um determinante da estrutura social. Já em relação à segunda abordagem (“com foco na Sociedade”), encontramos a tese fraca da não-neutralidade e a tese forte da não-neutralidade: (a) a tese fraca da não-neutralidade entende que o contexto das relações sociais, políticas e econômicas conforma o ambiente em que é gerado o conhecimento científico e tecnológico. Como conseqüência a C&T acaba internalizando as características fundamentais deste contexto e se constituindo em algo funcional para o seu desenvolvimento e permanência; (b) a tese forte da não-neutralidade incorpora a proposta da tese fraca e vai além, pois postula que como C&T são geradas sob a égide de determinada sociedade e, portanto, construídas de modo a ela funcional, estão de tal forma comprometidas com a manutenção desta sociedade que não são passíveis de serem utilizadas em outro contexto social, político, econômico e cultural que dela difere de modo significativo. Assim, a apropriação do conhecimento científico-tecnológico por uma outra sociedade orientada por objetivos socialmente distintos ou, mais importante, sua utilização para a construção de uma nova sociedade ou para alavancar o processo de mudança de um contexto pré-existente numa outra direção que não aquela que presidiu seu desenvolvimento não é adequada, tal como a história mostrou na passagem do capitalismo para a construção do socialismo real no leste europeu. A partir da diferenciação destas abordagens fica mais claro perceber o que Feenberg (1999) considera com sendo o fetiche tecnológico: “O que se mascara na percepção fetichista da tecnologia é (...) seu caráter relacional: ele aprece Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 93/125 como uma instância não-social de pura racionalidade técnica mais do que o nexo social que realmente é.” (FEENBERG, 1999, p.25). Novaes & Dagnino (2004), referindo-se a Andrew Feenberg, autor de filiação marxista, assinalam que da mesma forma que o fetiche da mercadoria encobre uma relação de classes de uma época histórica determinada, quando a tecnologia é entendida como um meio para se atingir fins, como “ciência aplicada” em equipamentos para aumentar a eficácia na produção de bens e serviços, podemos utilizar o conceito de fetiche tecnológico para mostrar que a tecnologia assim apresentada como politicamente neutra, eterna, a-histórica, sujeita a valores estritamente técnicos e, portanto, não permeada pela luta de classes, é uma construção histórico-social e uma força produtiva como qualquer outra. E, assim como a mercadoria, tende a obscurecer as relações de classe diluindo-as no conteúdo aparentemente não específico da técnica. De acordo com Dagnino (2002), na combinação entre as forças produtivas e as relações de produção, estas últimas possuem o papel dominante em última instância impondo às forças produtivas – e aí se inclui a C&T – as condições de sua reprodução. Contrariamente, o desenvolvimento das forças produtivas nunca determina diretamente a transformação das relações de produção, pois esta transformação passa sempre pela intervenção das classes, ou seja, pela luta de classes. A crise econômica européia do final do século XIX e início do XX foi seguida por uma nova onda de transformações e o surgimento de um novo paradigma tecnológico, ocorrendo inovações importantes na base técnica do processo produtivo e um novo padrão de desenvolvimento. Este momento, identificado como Segunda Revolução Industrial, assiste à invenção da administração científica do trabalho, que vem responder às dificuldades ainda existentes, Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 94/125 naquele momento, em relação à normalização das relações de trabalho, pois havia alto índice de rotatividade e absenteísmo da mão-de-obra, contestação coletiva da disciplina etc. (LOPES, 2009). Deste modo, a divisão do trabalho foi intensificada no início do século XX, com a introdução do fordismo e seu sistema de linha de montagem na indústria automobilística e o taylorismo como método científico de racionalização da produção visando, sobretudo, o aumento da produtividade com a economia de tempo, a criação de um novo tipo de trabalhador mais disciplinado e separando cada vez mais a concepção da execução no ato de trabalho. Este se tornou ainda mais alienado, já que o homem era obrigado a realizar gestos mecânicos através do parcelamento das tarefas. O operário foi submetido a um trabalho rotineiro, irreflexivo e repetitivo e não compreendia o sentido de sua ação. A arte cinematográfica mais uma vez cria, através de Charles Chaplin, uma clássica metáfora deste momento em Tempos modernos. Lopes (2009) assinala que o fordismo e taylorismo promeveram a desqualificação das atividades laborais e elevaram o trabalhador à condição de consumidor, fatores fundamentais para sobrepujar a crise econômica daquele momento e realizar o capitalismo ocidental, alavancando o crescimento e a difusão do Estado de Bem-Estar Social, numa sociedade de crescente produção e consumo em massa. O fordismo trouxe profundos problemas sociais, psicológicos e políticos, mas era difícil recusar as racionalizações que melhorassem a eficiência numa época de total esforço de guerra. O determinismo tecnológico acabou por consolidar a percepção da inovação como um processo incontrolável, irreversível, autônomo. Suas conseqüências, positivas ou negativas, estariam dadas. Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 95/125 Para o capital, com a compreensão de que o conhecimento científico-tecnológico era neutro, o avanço do fordismo/taylorismo era visto como uma finalidade, uma solução para a superação das contradições da sociedade. Sua consolidação após as guerras mundiais e o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social no primeiro mundo (oeste europeu e EUA, principalmente) teve repercussões nos países periféricos do ocidente, inclusive no Brasil que já apresentava um incipiente processo de industrialização desde o final do século XIX (LOPES, 2009). No mundo socialista, até mesmo Lênin louvou a tecnologia de produção fordista e taylorista enquanto vários sindicatos da Europa Ocidental a recusavam (HARVEY, 2009). Possivelmente esta visão de Lênin foi reforçada pela abordagem neutra/instrumental de que bastaria a tomada de poder para colocar a C&T a serviço dos trabalhadores. A perspectiva de que a tecnologia é uma construção social e que, sob o marco do capitalismo, está condicionada à reprodução da mais-valia, da subordinação, da alienação, do consumismo e da guerra, dada a supremacia do capital não foi explorada. Após a Revolução Russa de 1917, colocou-se grande ênfase na apropriação pura e simples da tecnologia. Embora as principais lideranças bolcheviques possuíssem uma percepção negativa em relação à utilização da organização científica do trabalho de Taylor, ela foi adotada como a "mais moderna" tecnologia de gestão, que deveria ser adaptada ao poder e às formas soviéticas. Mas a conjuntura pós-revolucionária, por exigir métodos que aumentassem a produtividade e a eficiência em um país com a indústria destruída, fome, carência de mão-de-obra especializada e ausência de um "proletariado" bem constituído, ou seja, segundo alguns, semi-feudal, fortaleceu uma postura marcada pelo pragmatismo, aproximando essas lideranças bolcheviques de uma compreensão instrumental da C&T (DAGNINO, 2002). Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 96/125 A abordagem de não-neutralidade das relações entre C&T e a sociedade perceberia que toda tentativa para revolucionar as relações de produção exigiria uma mudança radical e simultânea das forças produtivas (e não apenas da finalidade de sua utilização), uma vez que a conservação destas faria ressurgir aquelas através da divisão capitalista do trabalho. 4. O fetiche digital num mundo globalizado A economia política que sustentava o Estado de Bem-Estar Social tinha três características principais: (a) fordismo na produção; (b) inclusão crescente dos indivíduos no mercado de trabalho, orientando-se pela ideia de pleno emprego; (c) monopólios e oligopólios que, embora transnacionais ou multinacionais, tinham como referência reguladora o Estado Nacional (CHAUÍ, 2005). Para que essa economia procurasse o bem-estar, o Estado precisou realizar intervenções como regulador e como parceiro, através da criação do fundo público, que se caracterizava pelo financiamento simultâneo da acumulação do capital e da reprodução da força de trabalho. O primeiro se fazia por meio de gastos públicos com a produção, através de subsídios para a agricultura, a indústria e o comércio, assim como para a C&T, desaguando no complexo militar-industrial e promovendo a valorização financeira do capital por meio da dívida pública; já em relação à força de trabalho, os gastos do fundo público foram com a educação gratuita, a medicina socializada, a previdência social, o seguro-desemprego, os subsídios para o transporte, alimentação, habitação, cultura e lazer, o salário-família, o salário-desemprego etc. Os custos da produção foram socializados pelo Estado, enquanto manteve-se a apropriação privada dos lucros e da renda, ou seja, a riqueza das corporações continuou não sendo socializada pelo capital (CHAUÍ, 2005). Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 97/125 A queda da taxa de lucro, as resistências das forças populares organizadas, os partidos de esquerda, a Guerra Fria e o trabalho, através do salário direto, limitando a expansão tecnológica do capital foram algumas das contradições e dos obstáculos que surgiram na economia do bem-estar social, dando início à reestruturação produtiva do capital datado de 1973 (ANTUNES, 2009; CHAUÍ, 2005). Segundo Chauí (2005), a crise deste sistema leva à diminuição da esfera pública e à ampliação da esfera privada. O novo Estado neoliberal possui, então, como principais características: (a) o desemprego estrutural (a mão de obra rapidamente se torna obsoleta e ainda convive com o drama da automação); (b) o monetarismo e o capital financeiro tornam-se o coração e o centro nervoso do capitalismo (fetiche crescente do dinheiro); (c) a terceirização deixa de ser um suplemento da produção e passa operar por fragmentação e dispersão de todas as esferas e etapas da produção através de compra de serviços espalhados pelo mundo todo; (d) A C&T passam a ser assumidas como forças produtivas, convertendo-se claramente como agentes de acumulação do capital, cunha-se, inclusive, a expressão “sociedade do conhecimento” para indicar que a economia contemporânea não se baseia mais no trabalho produtivo, mas sobre o trabalho intelectual. Além das transformações econômicas, os anos 1970 também ficaram marcados por fortes transformações culturais e pelo questionamento da sociedade da abundância através de forças populares organizadas que tentavam impor uma regulação ao capital e da chamada contra-cultura que levava a um repensar do papel da C&T e à busca por estilos alternativos de vida ligados às tecnologias alternativas. Houve um questionamento ético e cultural global da sociedade Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 98/125 existente e de sua relação com a natureza, buscando uma sociedade alternativa, mais justa, mais harmônica e sustentável no longo prazo. Porém, “desde a década de 1960, o avanço acelerado da globalização – ou seja, o mundo visto como um conjunto único de atividades interconectadas que não são estorvadas pelas fronteiras locais – provocou um profundo impacto político e cultural. Sobretudo na sua forma atualmente dominante de um mercado global livre e sem controles” (HOBSBAWN, 2007, p.10). Harvey (2009) defende que a fragmentação e a globalização da produção econômica engendram dois fenômenos contrários e simultâneos: a fragmentação e dispersão espacial e temporal de um lado, que pode ser exemplificada pela produção de um carro esporte Mazda que é desenhado na Califórnia, financiado por Tóquio, seu protótipo é criado em Worthing (Inglaterra) e a montagem é feita nos Estados Unidos ou no México, usando componentes eletrônicos inventados em Nova Jersey e fabricados no Japão. Por outro lado, sob os efeitos das tecnologias eletrônicas e de informação, tudo se passa como se fosse sem fronteiras, sem distâncias, sem passado e sem futuro, como se fosse sempre aqui e agora, resultando no que este autor denominou como sendo a compressão espaço-temporal. Este mercado global foi decisivamente impulsionado pela C&T, especialmente pelas tecnologias digitais e pelo ciberespaço. De acordo com Harvey (2004, p.90), “muitos nesse momento julgam que a inovação e a transferência tecnológica galopantes constituem a força mais singular, e ao que parece inexorável, de promoção da globalização”. Com o que parece concordar Alves (2002) que afirma que o ciberespaço não representa apenas a virtualização informacional, que surge com as máquinas computadorizadas, mas sim a virtualização informacional em rede. Com o Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 99/125 ciberespaço, os computadores passam a se “relacionar” uns com os outros. Através da rede, homens e mulheres mediados por computadores, passam a criar efetivas conexões simbólico-linguísticos capazes de constituir novos espaços de sociabilidade virtual, não-presencial. Entretanto, por ocorrer sob o sistema do capital, as redes digitais e o ciberespaço tendem a explicitar a virtualização em rede não como um novo espaço de invenção e de heterogênese humana, mas sim, como um novo lócus de fetichismo como ciberhominização. “É devido ao surgimento e desenvolvimento do ciberespaço que podemos salientar que vivemos numa sociedade em rede, que apesar disso, continua sendo, mais que nunca, a sociedade do capital”. (ALVES, 2002, p. 91). Com a revolução digital, a reificação do trabalhador deixa de ser expressa pela intenção de convertê-lo em “homem-máquina” tal como ocorria no período fordista-taylorista para se configurar como uma tentativa de se humanizar a máquina através de projetos de inteligência artificial, homem-ciborgue e outros signos da ciberhominização que proliferam no imaginário ocidental (WOLFF, 2009; ALVES, 2002). Basta lembrarmo-nos da metáfora ficcional da Matrix no início deste texto. As sementes da ciberhominização já estavam espalhadas no processo que subsumia cada vez mais a produção material à produção do conhecimento, ou o trabalho material ao trabalho intelectual/imaterial. No toyotismo, com sua base na mecanização flexível e na produção para mercados mais segmentados e mãode-obra não-especializada em funções únicas e restritas como era a fordista, o operário já podia ser visto como um prenúncio do ciborgue, já que ele precisava colocar à disposição da produção sua inteligência total e não apenas seu corpo físico. Uma vez mais as esferas da produção e consumo eram permeadas sob o sistema sócio-metabólico do capital. Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 100/125 Além disso, mais recentemente, a revolução da informação e o sistema de mídia e comunicações também produziram algumas transformações na organização do consumo e da produção. O comércio eletrônico é exemplar do caso do consumo, já que possibilita às empresas trabalharem diretamente com seus fornecedores e reduzirem seus estoques. Enquanto isso, a produção fica fortemente impactada e afetada pelo crescimento de transações importantes de cunho financeiro exclusivamente especulativo, impulsionado pelo ciberespaço desmaterializado. Atualmente muitas instituições financeiras operam 24 horas por dia, abrindo seu expediente na Ásia, passando a operar logo em seguida na Europa quando os asiáticos vão jantar e depois no mercado americano quando os europeus estão encerrando seu expediente. Os trilhões de dólares que giram pelo mundo ficam em busca de países onde possam ter altos lucros; parte considerável deste capital tem caráter especulativo e não se destina à produção, visando apenas sua aplicação nas bolsas, através da compra de ações de empresas valorizadas e de títulos de governos de países que pagam juros elevados. Caso um número de investidores resolva tirar os seus dólares de um país são geradas crises de características globais. Voltando ao mundo do trabalho, de acordo com Wolff (2009), a chamada automação flexível admite que as informações sobre o processo produtivo sejam modificadas sem que se altere sua base material, enquanto na chamada automação rígida a introdução da máquina no processo produtivo transforma o trabalhador em mero instrumento deste processo. A primeira é mais apropriada para o contexto de mercado mundializado e diversificado que marca o capitalismo contemporâneo. Friedman (2009), entusiasta do neoliberalismo e da globalização, afirma que a plataforma do mundo que ele chama de plano é produto de uma convergência Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 101/125 entre o computador pessoal, o cabo de fibra ótica (que barateou e permitiu o acesso dos indivíduos ao conteúdo digital) e o aumento da quantidade dos softwares de fluxo de trabalho (que permitiu colaboração dos indivíduos com aquele mesmo conteúdo digital). Este autor relata em seu livro “O Mundo é Plano” diversas experiências da terceirização de serviços que atravessa as fronteiras de países com o auxílio da tecnologia digital e do ciberespaço. Cita os casos da declaração de imposto de renda de americanos feitas em Bangalore na Índia, a preparação de laudos de exames radiológicos de alguns hospitais americanos de médio ou de pequeno porte na Índia ou na Austrália (com a vantagem de aproveitar as diferenças de fuso horário, já que enquanto os laudos são preparados nestes países pela manhã, os EUA vivem a sua noite e quando os médicos americanos chegam a seu escritório, já encontram os laudos prontos que foram enviados na noite de seus países de origem, fora do horário comercial e num período de melhor transmissão de dados); a confecção e preparação de plantas e projeto de casas japonesas na cidade de Dalian, distante uma hora de voo de Pequim na China e no jornalismo a confecção de notas rápidas e de tabelas do desempenho do mercado financeiro das agências de notícias tais como a Reuters, Dow Jones ou Bloomberg que são muitas vezes preparadas em call centers de Bangalore. Todas as experiências são relatadas com grande entusiasmo pelo autor, apesar dos baixos salários recebidos pelos funcionários destes call centers e de muitos deles exercerem apenas atividades alienadoras e repetitivas diante do computador: “são empregos mal remunerados e de baixo prestígio nos EUA, mas na Índia são associados a uma boa remuneração e um status elevado” (p.37), “se uma ligeira modificação no seu sotaque é o preço que têm de pagar para subirem um degrau da escada, tudo bem, dizem” (p.41), “o que impera nesse ambiente de Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 102/125 trabalho não é a tensão da alienação, mas a tensão do sucesso” (p.41), “os chineses podem até jamais perdoar seus vizinhos japoneses pelo que fizeram ao seu país no último século, mas estão tão determinados a liderar o mundo nos próximos cem anos que estão dispostos a desenferrujar seu japonês e apoderarse de todo o trabalho que o Japão puder terceirizar” (p.47). São enunciados que estão no imaginário de muita gente e que influenciam e são influenciados por outros bastante parecidos que encontramos na grande imprensa globalizada, ecos de uma visão neutra e determinista sobre a compreensão das relações entre C&T, no caso aqui o mundo digital e o ciberespaço, e sociedade. Fazendo uma analogia com o fetiche da mercadoria formulado na obra marxiana e levando em consideração que a tecnologia digital está dentro de um conjunto maior compreendido pela C&T, podemos recorrer à concepção de Feenberg sobre o fetiche tecnológico para então utilizarmos a expressão fetiche digital no sentido da percepção de que consequências, positivas ou negativas já estariam dadas pela inovação digital como um processo incontrolável, irreversível e autônomo. 5. Considerações Considerações Finais As sociedades tecnologicamente avançadas, através da globalização e da acumulação flexível do capital, parecem ter relegado uma vez mais a um segundo plano a crítica marxiana à industrialização e à alienação imposta pela sociedade industrial capitalista, como um processo onde o indivíduo perde a capacidade de expressar-se a si mesmo no trabalho. Para além do lado econômico da propriedade dos meios de produção e da exploração, há o lado humanístico do trabalho e da alienação que precisa ser considerado. Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 103/125 Segundo Bauman (2008), o paradoxo do fetiche tecnológico é que a tecnologia que age em nosso favor realmente nos habilita a permanecer politicamente passivos. Não temos de assumir a responsabilidade política porque a tecnologia faz isso por nós. Desse modo, uma vez mais, tudo que precisamos é universalizar determinada tecnologia e assim teremos uma ordem social democrática ou harmoniosa. Novamente a visão da neutralidade científica e do determinismo tecnológico nos coloca num impasse. A Ciência e a Tecnologia (também em seu estágio de tecnologias de informação e comunicação) são construções sociais historicamente determinadas através de processos onde intervêm múltiplos atores com distintos interesses. A sua trajetória de desenvolvimento pode ser redirecionada, dependendo da capacidade dos atores sociais em interferir no processo decisório da política da C&T com a introdução na agenda de interesses relativos a outros segmentos da sociedade. A partir da formulação de conhecimentos com outros fins, atendendo àqueles interesses inicialmente não contemplados, seria possível chegar a alterar significativamente a dinâmica de exploração da fronteira do conhecimento científico e tecnológico (DAGNINO, 2002). Feenberg (2001) afirma que temos um caminho difícil entre a utopia e a resignação. Este autor compreende que a ambivalência parte do pressuposto de que as trajetórias tecnológicas, sobretudo num contexto em que todas as regras básicas de funcionamento do modo de produção capitalista estejam vigentes, dificilmente podem ser alteradas. Mas apenas as pressões de natureza política, econômica e sócio-cultural poderão alterar a correlação de forças no contexto daquelas regras e colocar na agenda de decisão, a exemplo do que já ocorre com as questões ambientais, a reconstrução de tecnologias segundo os interesses dos outros atores sociais envolvidos que não os proprietários dos meios de produção. Ano 2 – Edição III janeiro-junho/2013 – www.plurimus.com.br 104/125 Afinal, a tecnologia só deveria fazer sentido enquanto a sua aplicação traz um significado produtivo para a vida do homem, e esse é um desafio a que não podemos nos furtar... Referências Bibliográficas ALVES, Giovanni. 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