N - Arautos em Portugal

Transcrição

N - Arautos em Portugal
Número 87
Agosto 2010
Um tesouro desconhecido
A
Festa da Transfiguração convida-nos
a dirigir o olhar para “o alto”, para o Céu. Na narração evangélica da
Transfiguração no monte, é-nos dado um sinal
premonitório, que nos permite lançar um rápido
olhar para onde também nós, no final da nossa
existência terrena, poderemos participar na glória de Cristo, que será completa, total e definitiva.
Então todo o universo será transfigurado e realizar-se-á finalmente o desígnio divino da salvação.
(Bento XVI, Angelus, 5/8/2007)
Gustavo Kralj, per concessione del Ministero dei Beni Culturali della Repubblica Italiana
“Transfiguração do
Senhor”, por Fra Angelico Museu de San Marco,
Florença (Itália)
SumáriO
Flashes de
Fátima
Boletim da Campanha
“O Meu Imaculado Coração Triunfará!”
Ano XII  nº 87 - Agosto 2010
Director:
Manuel Silvio de Abreu Almeida
Conselho de redacção:
Guy Gabriel de Ridder, Juliane
Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto
Blanco Cortés, Mariana Morazzani
Arráiz, Severiano Antonio
de Oliveira
Editor:
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Escrevem os leitores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4
Inesgotáveis tesouros
a nosso alcance (Editorial) . . . . . . . . . . . . . . . .
5
A voz do Papa –
Memorial do Sacrifício de
Cristo e testemunho
. . . da
. . .caridade
..................
6
10
Os sacramentais Um tesouro desconhecido
......................
......................
32
São Pedro Julião Eymard –
Apóstolo da Eucaristia
Comentário ao Evangelho –
Antídoto para a vanglória?
......................
Atualidade do pensamento
de São Tomás de Aquino
18
......................
36
Aconteceu na Igreja e
no mundo
......................
40
História para crianças...
O poço do milagre
......................
46
Com a colaboração
da Associação
Privada Internacional de Fiéis
de Direito Pontifício
Arautos do Evangelho
Impressão e acabamento:
Pozzoni - Istituto Veneto
de Arti Grafiche S.p.A.
Arautos no mundo
......................
Os santos de
cada dia
24
......................
48
Via L. Einaudi, 12
36040 Brendola (VI)
Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos,
desde que se indique a fonte e se envie cópia à
Redacção. O conteúdo das matérias assinadas
é da responsabilidade dos respectivos autores.
Membro da
Associação de Imprensa de
Inspiração Cristã
Tiragem: 40.000 exemplares
A hora do xeque-mate
O Rio da Grandeza
......................
29
......................
50
E screvem
Exemplo de ação evangelizadora
Recebi o DVD Arautos do Evangelho, juntamente com a revista de
abril, correspondente ao exemplar
número 100 de minha assinatura.
Muito grato e parabéns pelo DVD!
Tenho grande admiração pelos Arautos e por sua magnífica revista. Esta
associação é um excelente exemplo
de ação evangelizadora. As características de sua disciplina e a beleza
de suas ações litúrgicas encantam pela perfeição. O bem que a existência
desta instituição faz à Igreja é uma
graça divina, não há dúvida.
Temístocles Xavier de Menezes
Recife – Brasil
Júbilo e ação de graças
Com muita honra e bastante
agradecido, acuso o recebimento da
Revista Arautos do Evangelho de número 100, veículo de comunicação
internacional que goza de grande
aceitação em várias partes do mundo, por suas agradáveis mensagens
de fé e esperança em cada edição,
através do valor de seus artigos.
Foi de uma felicidade ímpar a ideia
de colocar no número 100 o artigo intitulado Júbilo e ação de graças, uma
retrospectiva dos oito anos de vida
da revista, elaborada pela Ir. Carmela Werner Ferreira, onde aparece a
aprovação da instituição por parte de
tantas autoridades e personagens da
Igreja, ao longo deste tempo.
Como católico, vejo a Revista
Arautos do Evangelho, como uma
dádiva de Deus. A beleza da revista está fundamentada na riqueza de
suas mensagens, envolvendo grandes personagens que dedicaram sua
vida à Igreja. Assim como o Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, uma
cabeça pensante na revista, que não
4      Flashes de Fátima · Agosto 2010
os leitores
pode ser separado da mesma, pois,
além de ser seu criador, tem a importante tarefa de comentar o Evangelho. Seus artigos são tão esclarecedores, que têm se tornado matéria
especial para todo católico ler com
bastante carinho.
Antônio Carlos Catão
Osasco – Brasil
Ordem, disciplina e
respeito à Hierarquia
A revista é excelente, pois nos ajuda a aprender mais sobre nossa Igreja e faz crescer nossa Fé, sendo um
bálsamo para a vida conturbada dos
dias de hoje. A qualidade da revista
demonstra a ordem, a disciplina e o
respeito à Hierarquia, por parte dos
Arautos. Isso é um reflexo do que deve ser em conjunto nossa Igreja Católica, Apostólica e Romana.
Edgar Prieto
Guatemala – Guatemala
Artigos que nos enriquecem
Há algum tempo estava para mandar um e-mail para comentar a qualidade da revista mensal dos Arautos do Evangelho. No mês de junho,
li algumas matérias das quais gostei
bastante como: Os doze frutos do Espírito Santo, Entrevista com Dom Mário Marquez, O Deus que me chama é
Amor e Reconstruir com Deus no centro pela salvação das almas. Que maravilha podermos contar com artigos
tão brilhantes, que nos enriquecem o
conhecimento e a alma!
José Tarcísio Oliveira Rosa
Via e-mail – Brasil
Pregar a unidade com
os irmãos separados
Vossa revista é simplesmente maravilhosa. Por isso gostaria de sugerir
a publicação de artigos que mostrem
aos católicos de rito latino a beleza
e a riqueza espiritual e histórica das
Igrejas Orientais Católicas (Melquita,
Armênia, Copta, Caldeia), com ênfase na espetacular história dos cristãos
na Índia, seguidores fiéis da Fé cristã
pregada pelo Apóstolo Tomé. Acredito que divulgar esta realidade se alinhe com a vontade de Sua Santidade,
o Papa, de pregar a unidade da Igreja Católica, sobretudo com os irmãos
separados que se encontram na Igreja Ortodoxa. A unidade em Cristo virá em breve! Que Deus abençoe vosso serviço à Igreja de Deus e que Maria Santíssima vos guarde!
João Abud
São Paulo – Brasil
Temas interessantes e atuais
Esta revista me encanta. Leio-a
com fruição, por seus artigos sobre
temas tão interessantes e atuais, pela retransmissão de acontecimentos
muito caros a nós, que veneramos
a Virgem Maria, e pelas simpáticas
histórias para crianças e adultos. Tudo isso ilustrado com belíssimas gravuras.
María Luz Tejerina Canal
Reus – Espanha
Aumento do amor a
Nossa Senhora
Gostaríamos de parabenizá-los
pelo excelente trabalho de evangelização e propagação da devoção mariana por meio de veículos de comunicação impressos e sonoros. Após
a visita dos Arautos do Evangelho à
nossa paróquia, é perceptível o aumento do amor a Nossa Senhora.
Muitos passaram a receber o Oratório do Imaculado Coração de Maria em suas casas ou se fizeram assinantes desta revista. Gostaríamos de
veicular no site da paróquia o clipe
referente ao “Hino de Fátima” que
vocês fizeram, e está muito bonito.
Renata Maria Bourguignon Torres
Equipe do site da Paróquia
de São Francisco de Assis
Vila Velha – Brasil
Editorial
Inesgotáveis tesouros
a nosso alcance
D
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Número 0
201
Agosto
hecido
ro descon
Um tesou
Sacerdote arauto
abençoando jovens
da catequese
(Foto: Sérgio Miyazaki e
Otávio de Melo)
ispôs a Providência uma regra arquitetônica segundo a qual, na natureza, o
que é valioso tende a ser raro, ou, em outros termos, a qualidade costuma ser
inversamente proporcional à quantidade. Com efeito, no reino mineral, o
ouro é bem menos abundante do que o ferro. E, no vegetal, constituem as plantas floridas uma agradável exceção no meio do panorama das monótonas savanas, bosques
e selvas que cobrem boa parte da superfície da terra.
A ordem sobrenatural, entretanto, não é regida por essa lei, suplantada que foi
pela infinita misericórdia divina. Assim, os cristãos temos à nossa disposição um
tesouro a um tempo acessível, valioso e inesgotável.
Compõem-no, em primeiro lugar, os sete Sacramentos, instituídos pelo próprio
Cristo, indispensáveis para alcançar a vida eterna. Destaca-se entre eles a Eucaristia, cuja doutrina nos foi lembrada recentemente pelo Papa, ressaltando não ser ela
devidamente compreendida em todo o seu valor e relevância (ver p.6-9).
Contudo, além dos Sacramentos — as mais preciosas joias desse bendito tesouro —, existem “gemas” e “pérolas” de menor valor, mas nem por isso dignas de
menosprezo: são os sacramentais (ver p.18-23).
Não importa que se trate de um advogado ou de uma professora, de uma dona
de casa ou de um trabalhador manual, de um médico ou de uma cientista. Qualquer que seja nossa profissão ou situação, todos os católicos devemos viver cientes da nossa condição de batizados, membros da Santa Igreja, procurando, em
consequência, santificar todos os atos da vida diária: trabalho, estudos, conversas,
refeições, viagens e até os momentos de lazer.
Não em vão tem insistido o Magistério eclesiástico recente na necessidade de
sacralizar todos os aspectos da nossa existência terrena: Pio XII convidou os leigos para a árdua tarefa da consecratio mundi; Paulo VI fez sua essa expressão, utilizando-a em diversos documentos; e o Concílio, através da Lumen gentium, convoca todos a agirem santamente, como adoradores que consagram a Deus o próprio mundo (cf. Lumen gentium, n.34). Trata-se, em palavras de João XXIII, de
“impregnar de Cristianismo” a ordem temporal (cf. Mater et magistra, n.231).
Para a realização dessa tarefa, proporciona a Igreja, entre outros instrumentos, o inestimável auxílio dos sacramentais. Eles santificam desde os acontecimentos mais solenes da vida, como a profissão religiosa ou a consagração das
virgens, até os atos mais corriqueiros, como são as refeições. Figuram também,
entre eles, certos objetos como os sinos das igrejas, as palmas do Domingo de
Ramos ou a água benta.
Se é verdade que, estritamente, não são os sacramentais indispensáveis à nossa
salvação, contudo, se alguém os desprezar, não estará negligenciando sua santificação e se comportando como o estulto que, diante de uma arca cheia de peças de
ouro, diamantes, safiras, rubis e esmeraldas, lhe volta as costas? 
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      5
A voz do Papa
Memorial
do Sacrifício de Cristo e
testemunho da caridade
A doutrina sobre a Eucaristia, mistério central no qual está contido todo o bem
espiritual da Igreja, não é hoje compreendida de modo suficiente. É necessário
que se difunda o empenho de anunciá-la.
E
stou ao corrente do grande
trabalho que as paróquias,
as associações e os movimentos [da Diocese de Roma] realizaram, através de encontros de formação e de confronto, para
aprofundar e viver melhor estes dois
componentes fundamentais da vida e
da missão da Igreja e de cada crente
individualmente.
Isto favoreceu esta corresponsabilidade pastoral que, na diversidade dos ministérios e dos carismas,
deve difundir-se cada vez mais se
desejamos que o Evangelho alcance realmente o coração de cada habitante de Roma. Muito já foi feito,
e por isso damos graças ao Senhor;
mas ainda falta fazer muito, sempre
com a Sua ajuda.
Doutrina não suficientemente
compreendida
A Fé nunca pode ser pressuposta, porque cada geração precisa receber este dom mediante o anúncio
do Evangelho e conhecer a verdade que Cristo nos revelou. Por conseguinte, a Igreja está sempre comprometida a propor a todos o de6      Flashes de Fátima · Agosto 2010
pósito da Fé; nele está contida também a doutrina sobre a Eucaristia —
mistério central no qual “está contido todo o bem espiritual da Igreja,
ou seja, o próprio Cristo, nossa Páscoa” (Conc. Vat. II, Decr. Presbyterorum ordinis, n.5) — doutrina que
hoje, infelizmente, não é compreendida de modo suficiente no seu valor
profundo e na sua relevância para a
existência dos crentes.
Por isso é importante que um conhecimento mais aprofundado do
mistério do Corpo e do Sangue do
Senhor seja sentido como uma exigência pelas diversas comunidades
da nossa Diocese de Roma. Ao mesmo tempo, no espírito missionário
que queremos alimentar, é necessário
que se difunda o empenho de anunciar esta fé eucarística, para que cada homem encontre Jesus Cristo que
nos revelou o Deus “próximo”, amigo
da humanidade, e a testemunhe com
uma eloquente vida de caridade.
Memorial que reproduz a força
e eficácia salvífica do Sacrifício
Em toda a Sua vida pública Jesus,
mediante a pregação do Evangelho
e dos sinais milagrosos, anunciou a
bondade e a misericórdia do Pai em
relação ao homem. Esta missão alcançou o ápice no Gólgota, onde
Cristo crucificado revelou o rosto
de Deus, para que o homem, contemplando a Cruz, possa reconhecer a plenitude do amor (cf. BENTO XVI, Deus caritas est, n.12).
O Sacrifício do Calvário é misteriosamente antecipado na Última Ceia, quando Jesus, partilhando com os Doze o pão e o vinho, os
transforma no Seu Corpo e no Seu
Sangue, que pouco depois Ele ofereceria como Cordeiro imolado. A
Eucaristia é o memorial da morte
e Ressurreição de Jesus Cristo, do
Seu amor até ao fim por todos nós,
memorial que Ele quis confiar à
Igreja para que fosse celebrado nos
séculos.
Segundo o significado do verbo hebraico zakar, o “memorial”
não é simples recordação de algo
que aconteceu no passado, mas celebração que atualiza aquele acontecimento, de modo a reproduzir a
sua força e a eficácia salvífica. Assim
“torna-se presente e atual o sacrifí-
L'Osservatore Romano
uma adequada valorização
da riqueza dos sinais e dos
gestos, favorece e promove o crescimento da fé eucarística.
Na Celebração Eucarística nós não inventamos
algo, mas entramos numa
realidade que nos precede, aliás, que abraça céu e
terra e, portanto, também
passado, futuro e presente. Esta abertura universal,
este encontro com todos os
filhos e filhas de Deus é a
grandeza da Eucaristia: vamos ao encontro da realidade de Deus presente no
Cristo está verdadeira,
Corpo e Sangue do Ressusreal e substancialmente
citado entre nós.
presente
Por conseguinte, as
na Eucaristia
prescrições litúrgicas ditadas pela Igreja não são coiNa oferta que Jesus faz
sas exteriores, mas expride Si mesmo encontramos
mem concretamente esta
toda a novidade do culto
realidade da revelação do
cristão. Na Antiguidade os
Vista geral da Basílica de São João de Latrão,
Corpo e Sangue de Crishomens ofereciam em saCatedral de Roma, durante o discurso com que Bento
to, e assim a oração revecrifício às divindades os
XVI abriu o Congresso Eclesial Diocesano
la a fé, segundo o antigo
animais ou as primícias da
terra. Jesus, ao contrário, oferece- quela ocasião foram inseridas na princípio lex orando – lex credendi. E
Se a Si mesmo, o Seu Corpo e toda profissão de fé as seguintes expres- por isso podemos dizer que “a mea Sua existência: Ele mesmo em pes- sões: “o Seu Corpo e o Seu Sangue lhor catequese sobre a Eucaristia é
soa Se torna sacrifício que a Litur- estão verdadeiramente contidos no a própria Eucaristia bem celebrada”
gia oferece na Santa Missa. De fato, Sacramento do altar, sob as espé- (BENTO XVI, Exort. Ap. pós-sinocom a consagração, o pão e o vinho cies do pão e do vinho, porque o dal Sacramentum caritatis, n.64).
É necessário que na Liturgia sotornam-se o Seu verdadeiro Corpo e pão é transubstanciado no Corpo, e
o vinho no Sangue pelo poder divi- bressaia com clareza a dimensão
Sangue.
transcendente, a do Mistério, do enSanto Agostinho convidava os no” (DS, 802).
Portanto, é fundamental que nos contro com o Divino, que ilumina e
seus fiéis a não se deterem sobre o
que tinham diante dos olhos, mas a itinerários de educação das crianças, eleva também a “horizontal”, ou seolhar para mais longe: “Reconhe- dos adolescentes e dos jovens na Fé, ja, o vínculo de comunhão e de solicei no pão — dizia — aquele mesmo assim como nos “centros de escuta” dariedade que existe entre quantos
Corpo que foi pregado na Cruz, e da Palavra de Deus, se ressalte que pertencem à Igreja. De fato, quando
no cálice aquele mesmo Sangue que no Sacramento da Eucaristia Cristo prevalece esta última não se comestá verdadeira, real e substancial- preende plenamente a beleza, a prosaiu do Seu lado” (Disc. 228 b, 2).
fundidade e a importância do mistéPara explicar esta transforma- mente presente.
rio celebrado.
ção, a teologia cunhou a palavra
“A melhor catequese sobre
Queridos irmãos no sacerdócio, a
“transubstanciação”, palavra que
a Eucaristia é a própria
vós o Bispo confiou, no dia da Orressoou pela primeira vez nesta BaEucaristia bem celebrada”
denação sacerdotal, a tarefa de presílica durante o IV Concílio Lateranense, do qual daqui a cinco anos
A Santa Missa, celebrada no res- sidir à Eucaristia. Tende sempre a
se celebrará o VIII centenário. Na- peito das normas litúrgicas e com preocupação pela prática desta mis-
cio que Cristo ofereceu ao
Pai, de uma vez para sempre, na Cruz em benefício
da humanidade” (Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica, n.280).
Queridos irmãos e irmãs, no nosso tempo a palavra sacrifício não é apreciada, aliás parece pertencer a outras épocas e a outro modo de entender a vida. Mas ela, se for bem
compreendida, é e permanece fundamental, porque
nos revela com que amor
Deus, em Cristo, nos ama.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      7
E tenhamos presente também
que a Eucaristia, ligada à Cruz, à
Ressurreição do Senhor, ditou uma
nova estrutura ao nosso tempo. O
Ressuscitado manifestou-Se no dia
depois do sábado, o primeiro dia da
semana, dia do sol e da criação.
Desde o início os cristãos celebraram o seu encontro com o Ressuscitado, a Eucaristia, neste primeiro dia, neste novo dia do verdadeiro Sol da História, Cristo Ressuscitado. E assim o tempo começa sempre de novo com o encontro
com o Ressuscitado e este encontro
dá conteúdo e força à vida de cada dia. Por isso é muito importante,
para nós cristãos, seguir este ritmo
novo do tempo, encontrar-nos com
o Ressuscitado no domingo e assim
“levar” conosco esta Sua presença,
que nos transforme e transforme o
nosso tempo.
Além disso, convido todos a redescobrir a fecundidade da Adoração Eucarística: diante do Santíssimo Sacramento experimentamos
de modo muito particular aquele “permanecer” de Jesus, que Ele
mesmo, no Evangelho de João, põe
como condição necessária para dar
muito fruto (cf. Jo 15, 5) e evitar
que a nossa ação apostólica se reduza a um estéril ativismo, mas seja
ao contrário testemunho do amor
de Deus.
que partimos não é a comunhão do
Corpo de Cristo? Uma vez que há
um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque
todos participamos do mesmo pão”
(I Cor 10, 16-17).
De fato, é a Eucaristia que transforma um simples grupo de pessoas em comunidade eclesial: a Eucaristia faz a Igreja. Portanto, é fundamental que a celebração da Santa Missa seja efetivamente o ápice,
a “estrutura portante” da vida de
cada comunidade paroquial. Exorto todos a cuidar do melhor modo,
também através de grupos litúrgicos apropriados, a preparação e a
celebração da Eucaristia, para que
quantos nela participam possam encontrar o Senhor.
É Cristo ressuscitado, que Se
torna presente no nosso hoje e nos
­reúne à Sua volta. Alimentando-nos
d’Ele, somos libertados dos vínculos
do individualismo e, através da comunhão com Ele, tornamo-nos nós
próprios, juntos, uma só coisa, o Seu
Corpo Místico. Deste modo são superadas as diferenças devidas à profissão, à classe, à nacionalidade, porque nos descobrimos membros de
uma única grande família, a dos filhos de Deus, na qual a cada um é
concedida uma graça particular para
utilidade comum.
O mundo e os homens não têm
necessidade de uma ulterior agregação social, mas precisam da Igreja, que é em Cristo como um Sacramento, “ou seja, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da
unidade de todo o gênero humano”
(Lumen gentium, n.1), chamada a fazer resplandecer sobre todas as nações a luz do Senhor ressuscitado.
É a Eucaristia que faz a
comunidade eclesial
O amor de Deus modifica
radicalmente o nosso coração
A comunhão com Cristo é sempre também comunhão com o Seu
corpo que é a Igreja, como recorda
o Apóstolo Paulo dizendo: “O pão
Jesus veio para nos revelar o
amor do Pai, porque “o homem
sem amor não pode viver” (João
Paulo II, Redemptor hominis,
são: celebrar os divinos mistérios
com intensa participação interior,
para que os homens e as mulheres
da nossa cidade possam ser santificados, postos em contato com Deus,
verdade absoluta e amor eterno.
Missa dominical e
Adoração Eucarística
8      Flashes de Fátima · Agosto 2010
n.10). De fato, o amor é a experiência fundamental de cada ser humano, isto é, que dá significado ao viver cotidiano.
Alimentados pela Eucaristia,
também nós, a exemplo de Cristo,
vivemos para Ele, para sermos testemunhas do amor. Recebendo o
Sacramento, nós entramos em comunhão de sangue com Jesus Cristo. Na concepção judaica, o sangue
indica a vida; assim podemos dizer
que alimentando-nos do Corpo de
Cristo acolhemos a vida de Deus e
aprendemos a ver a realidade com
os Seus olhos, abandonando a lógica do mundo para seguirmos a lógica divina da doação e gratuidade.
Santo Agostinho recorda que durante uma visão pareceu-lhe ouvir
a voz do Senhor, o qual dizia: “Eu
sou o alimento dos adultos. Cresce,
e alimentar-te-ás de Mim, sem por
isso Me transformares em ti, como o
alimento da tua carne; mas tu transformar-te-ás em Mim” (cf. Confissões VII, 10, 16). Quando recebemos Cristo, o amor de Deus expande-se no nosso íntimo, modifica radicalmente o nosso coração e torna-nos capazes de gestos que, pela força divulgadora do bem, podem
transformar a vida de quantos estão
ao nosso lado.
A caridade é capaz de gerar uma
mudança autêntica e permanente
da sociedade, agindo nos corações e
nas mentes dos homens, e quando é
vivida na verdade “é a principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da
humanidade inteira” (Caritas in veritate, n.1).
O testemunho da caridade para
o discípulo de Jesus não é um sentimento passageiro, mas ao contrário é o que plasma a vida em qualquer circunstância. Encorajo todos,
em particular a Caritas e os Diáconos, a comprometerem-se no delicado e fundamental campo da educação na caridade, como dimensão
L'Osservatore Romano
permanente da vida pessoal e comunitária.
Sejamos solidários com aqueles
que vivem na indigência
Esta nossa cidade pede aos discípulos de Cristo, com um renovado
anúncio do Evangelho, um testemunho mais claro e límpido da caridade. É com a linguagem do amor, desejosa do bem integral do homem,
que a Igreja fala aos habitantes de
Roma.
Nestes anos do meu ministério
como vosso Bispo, tive ocasião de visitar vários lugares onde a caridade
é vivida de modo intenso. Estou grato a quantos se comprometem nas
diversas estruturas caritativas, pela
dedicação e generosidade com que
servem os pobres e os marginalizados. As necessidades e a pobreza de
tantos homens e mulheres interpelam-nos profundamente: é o próprio
Cristo que todos os dias, nos pobres,
nos pede que Lhe seja saciada a fome e a sede, visitado nos hospitais e
nas prisões, acolhido e vestido.
A Eucaristia celebrada impõe-nos
e ao mesmo tempo torna-nos capazes de nos transformarmos, por nossa vez, em pão repartido para os irmãos, indo ao encontro das suas exigências e doando-nos a nós mesmos.
Por isso, uma Celebração Eucarística
que não faz encontrar os homens lá
onde eles vivem, trabalham e sofrem,
para lhes levar o amor de Deus, não
manifesta a verdade que contém. Para sermos fiéis ao mistério que se celebra nos altares devemos, como nos
exorta o Apóstolo Paulo, oferecer os
nossos corpos, a nós mesmos, em sacrifício espiritual agradável a Deus
(cf. Rm 12, 1) naquelas circunstâncias que exigem que se faça morrer o
nosso eu e constituem o nosso “altar”
cotidiano.
Bento XVI durante o discurso, tendo à sua direita o Vigário Geral
para a Diocese de Roma, Cardeal Agostino Vallini
Os gestos de partilha criam comunhão, renovam o tecido das relações interpessoais, orientando-as
para a gratuidade e para o dom, e
permitem a construção da civilização do amor. Num tempo como o
atual, de crise econômica e social,
sejamos solidários com aqueles que
vivem na indigência, para oferecer
a todos a esperança de um amanhã
melhor e digno do homem. Se vivermos realmente como discípulos do
Deus-Caridade, ajudaremos os habitantes de Roma a descobrirem-se
irmãos e filhos do único Pai.
Escolher o amor como
regra suprema de vida
A própria natureza do amor exige opções de vida definitivas e irrevogáveis. Dirijo-me em particular a
vós, caríssimos jovens: não tenhais
medo de escolher o amor como a regra suprema da vida. Não tenhais
medo de amar Cristo no sacerdócio
e, se sentirdes no coração a chamada do Senhor, segui-O nesta extra-
ordinária aventura de amor, abandonando-vos com confiança a Ele!
Não tenhais medo de formar famílias cristãs que vivem o amor fiel,
indissolúvel e aberto à vida! Testemunhai que o amor, tal como o viveu Cristo e o ensina o Magistério
da Igreja, de nada priva a nossa felicidade, mas ao contrário doa aquela
alegria profunda que Cristo prometeu aos Seus discípulos.
A Virgem Maria acompanhe com
a Sua materna intercessão o caminho da nossa Igreja de Roma. Maria, que de modo totalmente singular viveu a comunhão com Deus e o
sacrifício do próprio Filho no Calvário, nos obtenha que vivamos cada vez mais intensa, piedosa e conscientemente o mistério da Eucaristia, para anunciar com a palavra e
com a vida o amor que Deus sente
por todos os homens.
(Excerto do discurso
ao Congresso Eclesial da Diocese
de Roma, 15/6/2010)
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      9
Comentário ao Evangelho – XXII Domingo do Tempo Comum
Antídoto para a
vanglória?
Sobretudo
na hora
suprema de
sua Paixão
e Morte,
foi Jesus
predominantemente
o Divino
Cordeiro
Repetidas vezes nos alerta o Divino Mestre contra o
orgulho, de cujos efeitos todos padecemos, infelizmente.
Como combatê-lo com eficácia? No que consiste
a verdadeira humildade? Muitos, por equívoco, a
confundem com mediocridade.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Choque entre dois modos de ser
Nesta terra de exílio, um dos melhores modos de nos comunicarmos com Deus e termos,
assim, algum antegozo da visão beatífica é contemplar os símbolos do Criador postos no universo, pois “as perfeições invisíveis de Deus, o
Seu sempiterno poder e divindade, tornam-se
visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1,
20). Ou seja, desde que queiramos, é-nos dado
discernir o Invisível no visível, o Infinito no finito, o Criador nas criaturas.
“Eis o Cordeiro de Deus”
Por isso, a Divina Providência dispôs na natureza uma abundância de símbolos de grande
expressão, alguns dos quais foram aplicados ao
próprio Filho de Deus, a fim de melhor O conhecermos e mais O amarmos. Ele mesmo Se
apresenta como a videira cujos ramos produzem muito fruto (cf. Jo 15, 1-5), ou como o Bom
Pastor, que dá a vida por Suas ovelhas (cf. Jo 10,
11-16). Também é o Messias chamado de Leão
da tribo de Judá (Ap 5, 5), e como tal Se mani10      Flashes de Fátima · Agosto 2010
festa ao repreender com severidade os fariseus
(cf. Mt 23, 13-33), e ao “expulsar os que no templo vendiam e compravam” (Mc 11, 15).
Entretanto, ao longo de Sua vida e, sobretudo, na hora suprema de Sua Paixão e Morte, foi
Jesus predominantemente o Divino Cordeiro.
Não sem razão, durante a Celebração Eucarística, memorial do Sacrifício do Calvário, o sacerdote apresenta aos fiéis a Hóstia consagrada,
antes da Comunhão, dizendo: “Eis o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo”. Dentre
os inúmeros símbolos de Nosso Senhor Jesus
Cristo, escolheu a Santa Igreja esse como sendo
o mais significativo para tão sagrado momento.
Humildade e mansidão
A liturgia, ora comentada, põe em realce esse aspecto da Alma de Nosso Senhor, e a aclamação do Evangelho nos convida a imitá-Lo:
“Aprendei de Mim que sou manso e humilde de
coração” (cf. Mt 11, 29).
Na verdade, Ele é muito mais do que isso, pois
essas virtudes, que o homem luta por ­praticar, a
“Jesus com os Apóstolos e os fariseus”,
Catedral de Hamilton (Canadá)
“Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi
comer na casa de um dos chefes dos fariseus.
E eles O observavam. 7 Jesus notou como os
convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola: 8 ‘Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não
ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido
convidado alguém mais importante do que tu,
9
e o dono da casa, que convidou os dois, venha
te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. 10 Mas
quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E
1
isto vai ser uma honra para ti diante de todos os
convidados. 11 Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado’.
12
E disse também a quem O tinha convidado:
‘Quando tu deres um almoço ou um jantar, não
convides teus amigos, nem teus irmãos, nem
teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. 13 Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. 14 Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos’”
(Lc 14, 1.7-14).
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      11
Timothy Ring
a  Evangelho  A
Presunçosos
cumpridores
de incontáveis
preceitos
formais,
os fariseus
utilizavamse da Antiga
Lei para se
sobressair
e ocupar os
primeiros
lugares
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade as possui
em essência: Jesus é a humildade e a mansidão.
Quem é verdadeiramente humilde, é também
manso, tem flexibilidade de espírito, está disposto a servir ou a obedecer a seu irmão, preocupase mais com os outros do que consigo mesmo,
aceita qualquer humilhação ou ofensa com alegria, e quando nota um defeito na atitude de outro, reza por ele e procura não deixar transparecer o que percebeu. Pratica, assim, uma elevada
e nobre forma de caridade para com o próximo.
Em sentido contrário, o orgulhoso gosta de
assumir posição de superioridade, tende a desprezar os demais e deixa-se levar pela inveja, quando percebe uma qualidade nos outros.
Com seu temperamento difícil e implicante,
acaba tornando-se uma pessoa de convívio problemático, evitada por todos.
Tal era o caso dos fariseus do Evangelho que
comentamos. Presunçosos cumpridores de incontáveis preceitos formais, utilizavam-se da
Antiga Lei para se sobressair e ocupar os primeiros lugares na sociedade. Entre eles e o resto do povo havia um verdadeiro abismo, todo
feito de discriminação e desdém.
II – “Quem se humilha, será elevado”
Num sábado anterior ao episódio referido
neste trecho do Evangelho, ou talvez nesse mesmo dia, Nosso Senhor restituíra a saúde a uma
mulher que “andava curvada e não podia absolutamente erguer-se” (Lc 13, 11) havia dezoito
anos. Essa cura produzira entre os fariseus verdadeira celeuma, pois, na concepção deles, teria Jesus desprezado a Lei, violando o repouso sabático.
Mas o Divino Mestre deulhes uma resposta que os
encheu de confusão: “Hipócritas! Não desamarra cada um de
vós no sábado o seu
boi ou seu jumento da manjedoura,
para levá-los a beber?” (Lc 13, 15).
O povo, ao contrário, se entusiasmava
à vista dos milagres
por Ele realizados
(cf. Lc 13, 17).
12      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Crescia, em consequência, em toda a Palestina, o prestígio de Jesus de Nazaré, e muitos O
consideravam um grande profeta, surgido afinal
depois de quatrocentos anos de silêncio do Céu.
Convite mal-intencionado
“Aconteceu que, num dia de sábado,
Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles O observavam”.
1 Este Evangelho nos apresenta Nosso Senhor
indo almoçar na casa de um dos chefes dos fariseus, certamente a pedido deste. Honroso na
aparência, o convite fora feito, porém, com o
objetivo de poder analisá-Lo mais de perto para preparar-Lhe uma cilada. “Eles O espreitavam insidiosamente, na esperança de encontrar
algo de repreensível em Sua palavra ou em Seu
procedimento: convidam-No como quem quer
prestar honras, e O espionam como a um inimigo”, nota o Cardeal Gomá.1
Bem diversa era a atitude do Cordeiro de
Deus: aceitou o convite, movido pelo desejo
de fazer-lhes bem. Conhecia desde toda a eternidade a cena que lá ia se desenrolar e ansiava por chegar o momento em que pudesse indicar a essas almas, cegas pelo orgulho, o verdadeiro caminho para o Reino dos Céus.2 Como
assinala o padre Duquesne, “Jesus teve a terna complacência de comparecer, com intenção
de aproveitar a oportunidade para edificar, instruir, convencer e, se possível, conquistar para a
verdade aqueles com os quais iria comer”.3
Delírio farisaico pelos primeiros lugares
“Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares”.
7
Naqueles banquetes dispunham-se as mesas
em forma de “u”, para facilitar o serviço, acomodando-se os comensais ao longo da parte externa. O principal lugar, bem ao centro, estava
reservado para a autoridade ou a pessoa a quem
se desejava homenagear. À sua direita sentavase o anfitrião, à sua esquerda, o primeiro dos
convidados e assim iam se instalando os convivas, por ordem decrescente de importância, até
os extremos da mesa.
Naturalmente, nenhum escriba ou fariseu queria ocupar esses últimos lugares; pelo
­contrário, disputavam sem inibição e com avidez os postos de honra. Os problemas de prece-
Modo delicado de repreender
“Então contou-lhes uma parábola:
‘Quando tu fores convidado para uma
festa de casamento ...’”.
7b
8a
Talvez tenha de fato ocorrido, nesse banquete, uma cena semelhante à descrita pouco adiante na parábola, motivo pelo qual Jesus
preferiu falar em tese, fazendo referência a uma
hipotética festa de casamento; dessa forma, evi-
Victor Toniolo
dência eram tão vivos entre eles que Nosso Senhor chegara a recriminá-los publicamente por
esse defeito: “Ai de vós, fariseus, que gostais das
primeiras cadeiras nas sinagogas e das saudações nas praças públicas!” (Lc 11, 43).
Para ilustrar a exacerbada ânsia de prestígio
que os dominava, Fillion relata um curioso
episódio, extraído do próprio Talmud: “Certo dia, o rei asmoneu Alexandre Janeu dava um banquete a vários sátrapas persas, e
entre os convidados estava o rabino Simeão
ben Shetach. Logo que entrou no salão, foi
ele sentar-se no lugar de honra, entre o rei
e a rainha. Ao ser repreendido por essa arrogante intrusão, respondeu de pronto: ‘Não está escrito no livro de Sirac: Honra a sabedoria e
ela te honrará’? Chegava a este ponto o enfatuamento dos doutores israelitas naquela época!”.4
Ora, sendo os convidados desse banquete
membros da seita dos fariseus, chegando, começavam logo a manobrar para ficar o mais próximo possível do anfitrião, a fim de satisfazer seu
incontido orgulho. Tomados pelo delírio de aparecer, disputavam entre si a precedência, sem o
mínimo recato, alegando cada qual em seu favor
critérios como idade, relevância da sua linhagem
ou a própria sabedoria, como acima vimos. Pouco se preocupavam em ouvir algum ensinamento
ou admirar a quem quer que fosse; o único critério que lhes interessava era serem objeto dos elogios e da consideração dos presentes.
Assim ofuscados pelo egoísmo, passara-lhes
despercebida na sala do banquete a presença de
Alguém que, enquanto homem, era de estirpe
real, descendente de Davi; e, enquanto Deus,
era o Criador do Céu, da Terra, do alimento que
ia ser servido e até dos próprios comensais.
Cristo, entretanto, senta-Se despretensiosamente à mesa, sem exigir em nenhum momento uma manifestação do respeito devido à Sua
Pessoa.
Quem é humilde, é também manso, tem flexibilidade de
espírito, está disposto a servir ou a obedecer a seu irmão,
preocupa-se mais com os outros do que consigo mesmo
"Cordeiro de Deus", Abadia de Monte Oliveto Maggiore (Itália)
tava constrangimentos para os demais convidados. Assim opina o Cardeal Gomá, o qual qualifica de “delicada maneira de repreender os fariseus” o uso desse recurso literário.5
Segundo Santo Ambrósio, o Salvador os admoesta “com doçura, para que a força da persuasão conseguisse suavizar a aspereza da correção, e objetivando também que a razão ajudasse a persuasão, e a advertência corrigisse o
orgulho”.6 Analisando sob outro prisma o fato, observa Fillion: “Jesus imagina de propósito a cena numa festa de bodas porque em tais
circunstâncias, nas classes abastadas, observa-se mais rigorosamente a etiqueta”.7 E o padre Tuya acrescenta: “O banquete de casamento ao qual Jesus faz menção é o Reino Messiânico [...]. Ali, os primeiros lugares estão reservados para os que foram mais humildes”.8
“Quem se eleva será humilhado”
“ConvidaramNo como
quem quer
prestar
honras, e O
espionam
como a um
inimigo”
“...não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém
mais importante do que tu, 9 e o dono
da casa, que convidou os dois, venha te
8b
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      13
dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar”.
Não
vigoravam
ainda no
convívio
social os
princípios
de cortesia
introduzidos
pela benéfica
influência do
Cristianismo
Para realçar os inconvenientes do orgulho,
Nosso Senhor começa por mostrar aos fariseus
o quanto a ânsia de ocupar os primeiros postos era-lhes contraproducente, mesmo do ponto
de vista meramente natural. Porque, conforme
ensina São Cirilo de Alexandria, “o elevar-se
prontamente a honras que não merecemos, denota que somos temerários e torna nossas ações
dignas de vitupério”.9
Melhor entenderemos esta parábola se considerarmos que não vigoravam ainda no convívio social os princípios de cortesia introduzidos pela benéfica influência do Cristianismo.
Naquela época, a ausência de bondade fazia-se
sentir nas relações humanas, regidas pelos princípios da Lei de Talião: “Olho por olho, dente
por dente”. E o trato entre os homens era, portanto, marcado pelo egoísmo e a dureza, buscando cada um apenas seus próprios interesses.
Se o convidado da parábola tivesse, por precaução, escolhido o último lugar, teria sido honrado pelo anfitrião. Entretanto, a procura imprudente da vanglória, acarretou-lhe ser publicamente humilhado. Aliás, neste sentido, é interessante notar, com o Cardeal Gomá, “o contraste entre aquele que baixa, coberto de confusão, e o que sobe, cheio de honra; e entre as duras palavras ditas ao primeiro e as suaves com
as quais o segundo é convidado a ocupar um lugar melhor”.10
Muito além das normas de cortesia terrena
10
“Mas quando tu fores convidado, vai sentar-te no
último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem
mais para cima’. E isto vai
ser uma honra
para ti diante de
todos os convidados. 11 Porque
14      Flashes de Fátima · Agosto 2010
quem se eleva, será humilhado e quem
se humilha, será elevado”.
Bem observa Fillion que, por certo, não
quis Jesus dar com esta parábola simplesmente “uma regra de cortesia mundana e de boas
maneiras, baseada em motivos egoístas, ou seja, substituir uma vaidade grosseira por um orgulho requintado”.11
Para o Venerável Beda, sob o invólucro da
parábola revela-se uma clara admoestação: “Todo aquele que, convidado, venha às bodas de
Jesus Cristo e da Igreja, unido pela fé aos membros da Igreja, não se exalte como se fosse superior aos outros, nem se glorie por seus méritos; mas ceda seu lugar àquele que, convidado
depois, é mais digno e progrediu mais no fervor dos que seguem a Jesus Cristo, e ocupe com
modéstia o último lugar, reconhecendo que os
demais são melhores do que ele em tudo quanto
se julgava superior”.12
Envoltos, muitas vezes, em linguagem figurada, os ensinamentos do Divino Mestre ultrapassam de longe as meras normas de cortesia terrena,
como põe em evidência esse santo monge beneditino: “Porque nem todos os que se exaltam diante
dos homens são humilhados, e nem todos os que
se humilham em sua presença são por eles exaltados; quem, porém, se extasia por seus méritos, será humilhado pelo Senhor, e quem se humilha por
seus benefícios será exaltado por Ele”.13
Quem se humilha, será elevado. O melhor
exemplo disso ali estava diante dos fariseus,
tratando-os com a suavidade de um cordeiro:
Aquele que “sendo exteriormente reconhecido
como homem, humilhou-Se ainda mais, tornando-Se obediente até a morte, e morte de Cruz.
Por isso Deus O exaltou soberanamente e Lhe
outorgou o nome que está acima de todos os
nomes” (Fl 2, 8-9).
Quem se exalta, será humilhado. Entretanto, aqueles que, ensoberbecidos, disputavam os
primeiros lugares e procuravam estender armadilhas a Nosso Senhor, corriam o risco de serem humilhados já nesta vida, ou, pior ainda, na
eternidade, pelo justo Juízo de Deus.
III – Procurar a recompensa
no próprio Deus
“E disse também a quem O tinha convidado: ‘Quando tu deres um
12
Depois de corrigir o orgulho dos fariseus, Nosso Senhor volta-Se para o anfitrião a fim de lhe dar um conselho. Havia este, sem dúvida, convidado apenas
aqueles dos quais poderia tirar depois
algum proveito. Mesmo o convite a Nosso Senhor teria sido feito, na opinião de
Eutimio, com o desejo de apresentar-se
como “diferente daqueles fariseus que
pareciam querer-Lhe mal”.14 Além do
mais, segundo explica o padre Truyols, a
presença de Jesus de Nazaré naquela casa prestigiava o anfitrião diante do povo,
dado o alto conceito de que gozava então o Divino Mestre.15
Nosso Senhor, entretanto, ensina o
dono da casa a não proceder em relação aos
outros movido por cálculos pragmáticos e interesseiros. Porque qualquer ação que o homem faça, visando satisfazer apenas seu próprio egoísmo, recebe a recompensa neste
mundo, ao obter o aplauso ou a aprovação
dos demais, e perde qualquer mérito para a
vida eterna.16
Por isso, bem nos aconselha São João Crisóstomo: “Não nos perturbemos, pois, quando
não recebermos recompensa pelos nossos benefícios, mas sim quando a recebermos; porque se
a recebermos aqui, nada receberemos depois;
mas se os homens não nos pagarem, Deus nos
pagará”.17
“Pelo contrário, quando deres uma
festa, convida os pobres, os aleijados, os
coxos, os cegos. 14 Então tu serás feliz!
Porque eles não te podem retribuir. Tu
receberás a recompensa na ressurreição
dos justos”.
13
Ao incentivar esse chefe dos fariseus a convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”, Nosso Senhor o recrimina com toda suavidade por seu egoísmo. Mais do que isso, estabelece o princípio de que, para receber a recompensa no Reino dos Céus, é preciso ser genero-
Gustavo Kralj
a­ lmoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos,
nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam
também convidar-te e isto já seria
a tua recompensa’”.
Quando firzermos bem aos outros sem esperar pagamento,
o prêmio nos será dado pelo próprio Deus
"Jesus ensinando", Museu de Santo Isaac, São Petersburgo (Rússia)
so com o próximo nesta terra, sem esperar dele
a restituição do benefício feito.18
Praticar o bem visando retribuição, transforma o relacionamento humano em mero negócio regido pelos princípios dos antigos contratos romanos pagãos: “do ut des” (dou para que me dês), ou “do ut facias” (dou para
que faças). Com efeito, pergunta o padre Duquesne: “O que é a liberalidade exercida pelos mundanos? Uma liberalidade interesseira:
dá-se apenas para receber, dá-se só a quem
sabe pagar na mesma moeda. Uma liberalidade costumeira que com frequência leva a
murmurar quem a ela se vê obrigado, na qual
não entra motivo algum de caridade ou de religião; enfim, uma liberalidade de prazer e ostentação”.19
Pelo contrário, quando fizermos o bem a outro, sem esperar pagamento, o prêmio nos será
dado pelo próprio Deus. E Ele nunca Se deixa
vencer em generosidade.
Duríssima resultava esta doutrina para
aqueles homens materialistas, orgulhosos e
oportunistas. Mas tinham diante de si, como
exemplo vivo, Aquele que a praticaria até os
últimos extremos, ao aceitar como ­cordeiro os
sofrimentos da Paixão e deixar-Se crucificar,
sem um lamento, por aquele povo a quem tanto bem fizera e em favor do qual tantos milagres realizara.
Agosto 2010 · Flashes
Duríssima
resultava
a ­doutrina
de Jesus
para aqueles homens
materialistas,
orgulhosos e
oportunistas
de Fátima      15
IV – Humildade e admiração
Um modo
muito eficaz
e pouco
ensinado de
combater o
amor-próprio
consiste em
admirar
aquilo por
onde os outros
são superiores
a nós
Ao criar os homens com o instinto de sociabilidade, desejava Deus que eles se apoiassem
mutuamente na prática do bem, tornando o
convívio social uma contínua fonte de afervoramento espiritual. Assim, numa sociedade toda
voltada para a prática da virtude, os inferiores
admirariam e venerariam os seus superiores e
estes lhes retribuiriam com afeto e ternura. Reinaria entre todos a união, a harmonia e a paz.
Ora, o pecado original introduziu no homem
uma virulenta tendência à soberba, a qual está
na raiz de todos os pecados. Quando essa inclinação não é combatida, o relacionamento entre
os homens decai ao nível de uma feira de vaidades e de egoísmos, verdadeira cascata de desprezos, como a que vemos retratada no banquete descrito no Evangelho.
Sutil forma de orgulho
Para bem entendermos em que consiste a
prática da virtude da humildade, aqui recomendada por Nosso Senhor, são necessários alguns
esclarecimentos, pois não é raro encontrar pessoas que, em nome de uma despretensão mal
entendida, tornam-se medíocres, não fazendo
render os talentos recebidos de Deus.
A humildade consiste em “andar em verdade”,20 escreveu Santa Teresa de Jesus. Ora, “andamos em verdade” quando nos submetemos a
Deus com espírito de religião, somos-Lhe gra-
tos, reconhecendo a nossa total dependência do
Criador e compreendendo que tudo quanto temos de bom foi-nos dado por Ele. Pois se de um
lado, infelizmente, há em nós defeitos culposos
ou meras limitações da natureza, de outro lado,
por certo a Divina Providência a ninguém deixou desprovido de qualidades e dons, ora maiores, ora menores.
A propósito, ensina-nos São Tomás não haver oposição entre a humildade e a magnanimidade: “A humildade reprime o apetite, para que
ele não busque grandezas além da reta razão,
ao passo que a magnanimidade o estimula para
o que é grande, segundo a reta razão. Fica claro,
portanto, que a magnanimidade não se opõe à
humildade, mas, ao contrário, ambas coincidem
em que agem segundo a reta razão”.21 São virtudes complementares.
Não caiamos, portanto, numa sutil forma de
orgulho que se traduz em apresentar-se como
o último dos homens, um ser incapaz de realizar qualquer ação de valor... São Tomás afirma
que isso constitui falsa humildade, cognominada por Santo Agostinho de “grande soberba”,
porque, na verdade, com esse tipo de fingimento, a pessoa pretende ­obter uma glória superior.22 Além disso, é também ingratidão em
relação aos dons recebidos de Deus. Pelo contrário, aceitemos com mansidão e ânimo aquilo que realmente somos, analisemo-nos com
toda objetividade e não nos revoltemos peran-
1
GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El
Evangelio explicado. Barcelona:
Casulleras, 1930, v.III, p.272.
2
Por não estar incluídos nesta liturgia, não comentaremos aqui
os versículos 2 a 6, que narram
a cura do hidrópico. Mas convêm notar como Jesus, mesmo
enquanto dá essa magnífica prova de seu poder divino, mantém
a suavidade do Cordeiro no seu
trato com aqueles fariseus. Em
lugar de increpá-los, como fez
em anteriores ocasiões, fala-lhes
nessa ocasião com linguagem interrogativa, quase como quem
pede conselho.
DUQUESNE. L’Évangile médité. Lyon-Paris: Perisse Frères,
1849, v.III, p.92.
3
16      Flashes de Fátima · Agosto 2010
4
FILLION, Louis-Claude. Vida de
Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, s/d., v.II,
p.394.
5
GOMÁ Y TOMÁS, op. cit.,
p.273.
6
SAN AMBROSIO, Exposit. in Lucas 7, 195, apud ODEN, Thomas C. e JUST Jr., Arthur A. La
Biblia comentada por los Padres
de la Iglesia – Nuevo Testamento,
San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.325.
7
FILLION, op. cit., p.395.
8
TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada. Evangelios. Madrid:
BAC, 1964, v.II, p.864.
Gustavo Kralj, por concessão do Ministério dos
Bens Culturais da República Italiana
te eventuais adversidades ou mesmo injustiças,
mas saibamos utilizá-las como meio de reparar
nossas próprias faltas.
Um dos melhores meios de
praticar a humildade
Entretanto, um modo muito eficaz e pouco
ensinado de combater o amor-próprio consiste em admirar aquilo por onde os outros são
superiores a nós, reconhecendo nessas qualidades reflexos das perfeições divinas. Sendo
todo homem superior aos demais sob determinado ângulo, único e personalíssimo, procurar admirar essas qualidades dos outros é
um dos melhores e mais eficientes meios de
combater o amor desregrado a si mesmo e à
vanglória.
Quem assim agir, praticará de maneira excelente a virtude da humildade e, ao mesmo tempo, o Primeiro Mandamento da Lei de Deus,
pois o amor a todas as superioridades está no
cerne da prática da virtude da caridade.
Por isso, quem quiser ser manso de coração,
admire as qualidades dos outros; quem quiser ser
desapegado, admire a generosidade dos outros;
quem quiser ser santo, admire a virtude dos outros. Enfim, admiremos tudo quanto é admirável
e teremos já a recompensa da paz de alma nesta
terra, e a bem-aventurança eterna no Céu!
A admiração, eis a grande lição deste
Evangelho.
9
SAN CIRILO DE ALEJANDRÍA, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea.
10
11
12
GOMÁ Y TOMÁS, op. cit.,
p.274.
13
Idem, p.351.
14
EUTIMIO, apud MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios.
Evangelios de San Marcos y
de San Lucas. Madrid: BAC,
1951, v.II, p.637.
“Anunciação”, por Fra Angelico, Museu de São Marcos, Florença
15
Cf. FERNÁNDEZ
TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954,
p.447-448.
16
Sobre este assunto, ver comentários do mesmo autor
em Arautos do Evangelho,
n.98, fev. 2010, p.11-18.
FILLION, op. cit., p.395.
SAN BEDA, apud SANTO
TOMÁS DE AQUINO, op.
cit., p.350.
“Andamos em verdade” quando, como Maria no Magníficat,
reconhecemos a nossa total dependência do Criador
17
SAN JUAN CRISÓSTOMO,
apud SANTO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., p.352.
18
Note-se, entretanto, que “não
se proíbe, nessa parábola,
cumprir os deveres de família
ou de amizade” (GOMÁ Y
TOMÁS, op. cit., p.274). Por
outro lado, “cairia em singular erro quem procurasse in-
terpretar ao pé da letra todas
as circunstâncias. Não passou pela mente de Jesus alterar as relações sociais no
que estas têm de legítimo”
(FILLION, op. cit., p.395).
19
DUQUESNE, op. cit., p.96.
20
SANTA TERESA DE
JESÚS. Moradas sextas, c.10,
7. In: Obras Completas. 3.ed.
Burgos: El Monte Carmelo,
1939, p.617-618.
21
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
Suma Teológica, II-II, q.161,
a.1, ad.3.
22
Cf. Idem, II-II, q.161, a.1,
ad.2.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      17
Os sacramentais
Um tesouro desconhecido
Nosso dia a dia está pervadido por uma multidão de atos, muitas
vezes simples, que santificam as mais variadas circunstâncias
da vida. Eles atraem para nós, pela ação da Igreja, abundantes
benefícios espirituais e até materiais.
Q
uantas vezes o amigo
leitor não fez o sinal da
cruz, usou água benta
ou recebeu a bênção de
um ministro de Deus? Atos aparentemente simples, tão habituais no transcurso da vida diária do católico, sem
dúvida já foram praticados por nós
muitas vezes movidos pela piedade e
convicção de serem meios para uma
união mais íntima com Deus.
Ora, os gestos acima mencionados fazem parte de uma realidade
bem mais profunda e maravilhosa:
os sacramentais.
Em que consistem? Quais as suas
diferenças com os Sacramentos, ou
com os meros atos piedosos?
Santificação das mais variadas
circunstâncias da vida cristã
Os sacramentais são definidos
pelo Catecismo como “sinais sagrados pelos quais, à imitação dos Sacramentos, são significados efeitos
principalmente espirituais, obtidos
pela impetração da Igreja”.1 Eles
“compreendem sempre uma oração, acompanhada de determina18      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Ignacio Montojo Magro
do ­sinal, como a imposição da mão,
o sinal da cruz ou a aspersão com
água benta”.2
Adiante, nos deteremos em explicar melhor alguns elementos desta definição, como sua semelhança com os Sacramentos e a força de
impetração da Igreja para lhes obter
os efeitos. Mas, por enquanto, prestemos atenção no fato de terem sido “instituídos pela Igreja em vista
da santificação de certos ministérios
seus, de certos estados de vida, de
circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso das coisas úteis ao homem”.3
Os sacramentais
oferecem, aos fiéis
bem dispostos,
a possibilidade
de santificar
quase todas as
ações da vida
Com efeito, no termo sacramental, inclui-se uma grande quantidade
de ações e coisas, pois “existe uma
gama inteira de situações que afetam os indivíduos, as famílias, as sociedades e as nações, que necessitam da oração da Igreja e da bênção de Deus. Algumas delas não são
direta e necessariamente abarcadas
pelos Sacramentos. Uma profissão
religiosa, um funeral, a bênção de
uma nova casa, a dedicação de uma
igreja paroquial, são alguns dos significativos momentos de mudança
na vida do fiel. A Igreja os acompanha não somente com a Eucaristia e
os Sacramentos, mas também com a
celebração de sacramentais”.4
Oferecem eles, pois, aos fiéis bem
dispostos a possibilidade de santificar quase todas as ações da vida.
Hoje em dia, explica Vagaggini,
“tende-se a reservar a noção de sacramentais a certos ritos da Igreja
que, por si, não fazem parte da celebração do sacrifício e da administração dos sete Sacramentos, mas
são de estrutura similar àquela dos
Sacramentos e que a Igreja costuma
Victor Toniolo
Uma profissão religiosa, um funeral, a bênção de uma nova casa, a dedicação de uma igreja são alguns
dos momentos da vida do fiel que necessitam da oração da Igreja e da bênção de Deus
Aspectos da Dedicação da Igreja Nossa Senhora do Rosário do Seminário dos Arautos do Evangelho,
em Caieiras, Brasil, presidida pelo Cardeal Franc Rodé, em 24/2/2008
usar para obter com sua impetração
efeitos principalmente espirituais”.5
Mas, de fato, os sacramentais podem ser tantos quantas sejam as necessidades dos homens de todas as
épocas.6 “Para os fiéis bem dispostos”, ensina o Catecismo, “quase todo acontecimento da vida é santificado pela graça divina que flui do mistério pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, do qual todos os
Sacramentos e sacramentais adquirem sua eficácia. Quase não há uso
honesto de coisas materiais que não
possa ser dirigido à finalidade de santificar o homem e louvar a Deus”.7
Assim, como já vimos, entre os
sacramentais se incluem ações como
a profissão religiosa, a consagração
das virgens, os exorcismos, as exéquias e as bênçãos de pessoas ou de
lugares. Mas também certos objetos
(ou coisas) como a água benta, os sinos, ou as velas bentas.
Três categorias de sacramentais
Dessa distinção entre ações e objetos, emana uma primeira classificação dos sacramentais.
Há alguns que não permanecem, tais como ritos ou cerimônias,
que cessam com a própria ação que
os constituiu. Fazem parte dos chamados sacramentais ação e compreendem as diversas bênçãos invocativas — como as bênçãos nupciais, dos doentes, das casas, etc. —
feitas sobre coisas ou pessoas para
atrair um especial auxílio ou determinados benefícios celestes; bem
como certos ritos que acompanham a administração dos Sacramentos, tais como a imposição do
sal e o Éfeta do Batismo; e os exorcismos, pelos quais a Igreja invoca
Até o séc. XII,
usava-se o termo
Sacramento
para designar
o que hoje
chamamos de
sacramentais
a proteção divina para afastar a influência do demônio.
De outro lado, existem ações que,
sendo sacramentais, tornam também
sacramental aquilo sobre o qual se
aplicam. Tais são, por exemplo, a dedicação de uma igreja ou a consagração de uma virgem, pelas quais a Igreja entrega a Deus e a Seu culto, de
modo permanente, pessoas ou coisas;
ou as bênçãos constitutivas, cuja execução produz um efeito que perdura.
Dessas ações surgem os chamados sacramentais permanentes — ou
sacramentais coisa — sobre os quais
é impresso, pela consagração ou
bênção constitutiva, um quase-caráter que os faz aptos para que deles possam fazer uso os fiéis, especialmente em ordem a efeitos
­espirituais; e que continuam sendo
perpetuamente sacramentais após a
ação que os constitui.
Nesta categoria inclui-se a água
benta, que, após a realização do rito
pelo qual deixa de ser água comum,
permanece por si mesma como
um sacramental com diversos efeitos para o fiel que dela faz uso. O
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      19
Otávio de Melo
Eficácia da
água benta
C
onta Santa Teresa no seu Livro
da vida como, em certa ocasião, o
demônio por duas vezes lhe apareceu
e fugiu tão logo ela fez o sinal da cruz,
mas retornou pouco depois. Entretanto, quando ela acrescentou a água
benta ao sinal da cruz, ele desapareceu definitivamente. Por isso, muitas
vezes, a fim de fazer suas orações em
paz, a santa reformadora do Carmelo
pedia às suas freiras que a aspergissem
reiteradamente.
­ esmo acontece com certos escapum
lários e medalhas, com as velas bentas no dia da Apresentação, ou com
as palmas abençoadas no Domingo
de Ramos, entre muitos outros.8
Sacramentos e sacramentais
Vimos, na definição dada pelo
Catecismo, que os sacramentais produzem efeitos “à imitação dos Sacramentos” e que ambos estão compostos por sinais sagrados. Ora, a
semelhança entre eles é tal que nos
primeiros tempos da Igreja incluíam-se, sob o termo Sacramento, os
sete instituídos por Cristo e os que
hoje chamamos de sacramentais.
No século XII, essa imprecisão
terminológica ainda se mantinha.
“São Bernardo chama de sacramento
o lava-pés, e o Concílio Lateranense,
de 1179, inclui nesse nome a entronização dos Bispos e dos abades, as
exéquias e a bênção de bodas”, lembra o liturgicista beneditino Manuel
Garrido.9 O teólogo dominicano, padre Barbado, conceituado comentarista de São Tomás, acrescenta que,
até aquele século, “o conceito de Sa20      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Os sacramentais
não conferem a
graça como os
Sacramentos, mas,
pela oração da
Igreja, nos preparam
para recebê-la
cramento não se utilizava com o mesmo rigor de hoje. Os Sacramentos e
os sacramentais, ao mesmo tempo
que designavam coisas sagradas, misturavam-se indistintamente na terminologia”.10
Pedro Lombardo e o autor desconhecido da Summa Sententiarum serão os primeiros a unir o conceito escolástico de causa eficiente ao de signo sensível, deixado por Santo Agostinho, estabelecendo assim um primeiro critério válido para diferenciar
entre sacramentais e Sacramentos,
no sentido próprio do termo.11
É, entretanto, São Tomás de
Aquino quem, cem anos depois, delimita os campos com sua habitual
precisão e clareza ao ensinar: “Deve-se dizer que a água benta e outras
consagrações não se chamam sacramentos, porque não levam ao efeito
do Sacramento, que é a obtenção da
graça. Mas dispõem para os Sacramentos, ou porque removem o que
os impede, como a água benta que
se dirige contra as insídias do demônio e contra os pecados veniais; ou
tornam os objetos dignos da recepção do Sacramento: consagram-se
o altar e os vasos sagrados por reverência pela Eucaristia”.12
Sem chegar a definir o conceito de sacramental, traçava o Angélico Doutor uma linha divisória ao
explicitar que, enquanto os Sacramentos produzem diretamente a
graça, os sacramentais apenas dispõem-nos para ela.13 Esse critério
permanece válido até nossos dias,
e é recolhido pelo Catecismo nos
seguintes termos: “Os sacramentais não conferem a graça à maneira dos Sacramentos, mas, pela oração da Igreja, preparam para receber a graça e dispõem à cooperação
com ela”.14
Convém esclarecer, entretanto,
que, embora os teólogos tenham demorado séculos em diferenciar conceitualmente os sete Sacramentos
de outras realidades mais ou menos
semelhantes, a Igreja os conhecia e
ministrava desde o início como instituídos por Cristo.15
Pela ação da Igreja, em
união com Cristo
Embora acreditemos que a cerimônia de dedicação torna sagrada
uma igreja, que a medalha de São
Bento tem poderes especiais contra
as ciladas do maligno, que o uso da
Sagrada Correia nos auxilia e protege nas tentações contra a castidade,
ou que a água benta, além de perdoar os pecados veniais, ­também
sos, eles agem, principalmente pela
impetração da Igreja, independentemente das disposições do ministro
e, em muitos casos, também do próprio sujeito que os recebe.
Pio XII, colhendo o fruto de um
largo período de dissertações teológicas a este respeito, deu um desfecho genial a esta querela, na Encíclica Mediator Dei, expressando a eficácia da ação santificadora dos sacramentais enquanto operada pela
Igreja e incorporando ao Magistério
o conceito ex opere operantis Ecclesiæ. Assim, explica esse Papa, a eficácia santificadora dos sacramentais
e outros ritos instituídos pela hierarquia eclesiástica “deriva principalmente da ação da Igreja (ex opere operantis Ecclesiae), enquanto es-
“É Cristo que vive
na sua Igreja, por
ela ensina, governa
e santifica”
ta é santa e opera sempre em íntima
união com a sua Cabeça”.18
Com efeito, sendo Nosso Senhor
Jesus Cristo “a Cabeça do corpo que
é a Igreja” (Cl 1, 18), forma uma só
unidade com Ela. “Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só e
mesma pessoa mística”, afirma São
Tomás.19 Um famoso biblista jesuíta, padre Bover, acrescenta: “o Corpo Místico de Cristo é, à maneira do
corpo humano, um organismo espiritual que, unido a Cristo como sua
cabeça, vive a vida mesma de Cristo,
animado pelo Espírito de Cristo”.20
“É preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o próprio Cristo”, aconselha Pio XII. “Pois que é
Cristo que vive na sua Igreja, por ela
ensina, governa e santifica”.21 Assim, as obras da Igreja são atos do
próprio Cristo, e a prece da Igreja
não é senão a oração de Cristo, à direita do Pai, à qual ela se associa e
da qual participa, ou melhor, à qual
Cristo a associa e a faz participar.22
De fato, enquanto signos da Fé
intercessora e orante da Santa Igreja e dos efeitos que essa oração produz, os sacramentais estão dota-
Héctor Mattos / Otávio de Melo / Gustavo Kralj
a­ fugenta os anjos maus, convém
analisarmos de onde provém a eficácia para que realmente sejam obtidos tais efeitos.
Ensina-nos a Teologia que os Sacramentos produzem seu efeito ex
opere operato (“pela obra realizada”), quando devidamente ministrados e recebidos. Isto é, sua eficácia provém, antes de tudo, do valor
da ação em si mesma.16 Eles “têm
uma intrínseca virtude enquanto são
ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros do Corpo Místico”.17
Outras ações produzem os seus
efeitos ex opere operantis (“pela ação
daquele que a opera”), isto é, elas
não possuem virtude própria, mas
dependem das disposições da pessoa que as realiza. É o que acontece
com a comunhão espiritual ou com
a oração pessoal, e, assim por diante, com todos os atos sobrenaturais
dos justos.
Entretanto, nenhuma destas duas opções explica exatamente o que
acontece com os sacramentais. Não
se enquadrando em nenhum dos ca-
Após a bênção constitutiva, sinos, certas medalhas e escapulários, e as velas bentas
passam a ser sacramentais permanentes
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      21
N
o dia 3 de fevereiro, muitos fiéis procuram suas paróquias para receber a bênção de
São Brás, implorando a proteção
de Deus contra os males da garganta. Enquanto pronuncia a fórmula, o sacerdote ou diácono aplica-lhes junto ao pescoço duas velas
abençoadas no dia anterior — festa da Apresentação do Menino Jesus no Templo e de Nossa Senhora da Candelária — atadas em forma de cruz.
A origem deste belo rito é atribuída pela tradição a fato acontecido com o venerado Bispo de Sebaste (atual Armênia) que viveu no século IV. Certo dia, foi levado até ele
um menino em estado delicado, com
uma espinha de peixe atravessada
em sua garganta. Vendo isto, o santo tomou duas velas, oferecidas havia
pouco pela mãe da criança à Igreja, e
colocou-as cruzadas sobre o pescoço
do pequeno que, ao ser abençoado,
ficou subitamente aliviado do mal.
dos de uma eficácia superior à de
qualquer boa obra privada. A intercessão da Igreja outorga-lhes, em
maior ou menor medida, a dimensão comunitária da ação litúrgica de
que nos fala o Concílio Vaticano II.23
mente da fé, esperança e caridade —,
assim como para obter o perdão dos
pecados veniais, a melhor preparação
da recepção dos Sacramentos e a proteção contra os demônios.
As indulgências também são sacramentais e, como tais, é através
do poder impetratório da Igreja —
administradora, enquanto ministra
da Redenção, do tesouro dos méritos de Cristo e dos Santos — que
obtêm a remissão das penas temporais a serem satisfeitas no Purgatório. O mesmo acontece com as bênçãos duradouras, aquelas que consagram de maneira permanente uma
coisa ou uma pessoa para o serviço
de Deus.
Mas, quem diz efeitos “principalmente espirituais” está admitindo implicitamente a possibilidade
de obter graças materiais, desde que
estas cooperem para a obtenção de
um bem espiritual maior. Tais pedidos poderão ser, por exemplo, o alívio de nossos sofrimentos, o afastamento dos castigos divinos, a cura
de doenças, uma abundante colheita, uma viagem bem-sucedida, etc.,
sempre que sejam conformes à vontade do Pai Celeste e, insistimos, pa-
Riqueza espiritual e material
colocada à nossa disposição
Ao atribuir ao sacramental um determinado efeito e invocar seu poder
de impetração sobre esse sinal sagrado, a Santa Igreja espera obter através dele principalmente graças atuais e, secundariamente, graças temporais outorgadas com vistas a um bem
espiritual. Com efeito, lembra Santo Afonso Maria de Ligório, “quando
pedimos a Deus bens temporais, devemos pedi-los com resignação e sob
a condição de aproveitarem à alma.
Se vemos que o Senhor não os concede, tenhamos por certo que os nega
[...] porque prevê que vão prejudicar a
salvação de nossa alma”.24
Assim, seguindo as mesmas leis gerais que regulam a oração, os efeitos
dos sacramentais são “principalmente
de ordem espiritual”.25 Através deles,
a Igreja pede graças atuais para auxiliar o exercício da virtude — especial22      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Ivan Teffel
Bênção de São Brás
ra a maior santificação da alma. Estas condições fazem com que tais
pedidos materiais, seguindo as regras da oração expostas acima, embora não sejam infalíveis, venham a
ser atendidos, se feitos com reta intenção e justa causa.
Dentro desta perspectiva, não
existe uso das coisas materiais (conforme a reta moral) que não possa ser dirigido à santificação dos
homens e ao louvor de Deus, pois
os méritos redentores de ­Cristo
deitam, felizmente, sua benéfica
­influência sobre toda criatura e não
apenas sobre a humanidade.
Auxílio nos nossos
embates espirituais
Finalmente, é preciso considerar, que, embora os efeitos dos sacramentais não dependam principalmente da disposição com que
são administrados ou recebidos,
tal disposição pode concorrer para uma superior eficácia. De fato,
Deus outorga Seus dons em quantidade e qualidade maior em virtude de nosso mérito ao nos identificarmos, por nossa religiosidade
profunda e enlevada, com a Igreja
1
Catecismo da Igreja Católica, n.1667.
2
Idem, n.1668.
3
Idem, ibidem.
4
CHUPUNGCO, OSB, Anscar J.
(Editor). Sacraments and Sacramentals. In: Handbook for liturgical
studies. Collegeville (Minn.): The
liturgical Press, 1977, v.IV, p.xxivxxv.
5
6
VAGAGGINI, OSBCam, Cipriano.
O sentido teológico da liturgia. São
Paulo: Loyola, 2009, p.96.
A Sacrosantum concilium menciona
especificamente as bênçãos em geral (SC 79), ritos de profissão religiosa e consagração das virgens
(SC 80) e exéquias (SC 81). Mas
muitos outros sacramentais foram
acrescentados à lista pela publicação de rituais separados: a bênção dos abades e abadessas, a instituição de leitores e acólitos, a dedicação de uma igreja e de um altar, a bênção dos sagrados óleos,
a coroação de imagens da Santíssima Virgem, e muitas outras bên-
Otávio de Melo
santa e imaculada que opera através deles.
Porque somos filhos de Deus, somos também e necessariamente, por
condição dessa filiação divina, inimigos do primeiro e pior dentre os
inimigos de Deus, que é o demônio.
Portanto, do sincero e filial amor a
Deus, só pode brotar a disposição
para viver em estado de luta, neste
campo de batalha que é a Terra, e alcançar o Reino dos Céus, que só os
violentos arrebatam (Cf. Mt 11, 12).
Assim, lancemos mão dessas “armas” sobrenaturais que nos auxiliam a ser vitoriosos nas duras, incessantes e, sobretudo, santificantes
refregas que temos de travar inevitavelmente a cada dia e, como o Apóstolo, possamos dizer ao término desta vida: “Combati o bom combate, concluí a carreira, guardei a fé”
(II Tm 4, 7). Dai-me, Senhor, o prêmio de vossa glória! 
Embora os efeitos dos sacramentais não dependam principalmente da
disposição com que são administrados ou recebidos, tal disposição pode
concorrer para uma superior eficácia
çãos contidas no respectivo ritual (Cf. CHUPUNGCO, OSB, op.
cit., p.xxiv).
13
Cf. ROGUET, A.-M. Notas de rodapé. In: Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v.IX, p.90.
7
Catecismo da Igreja Católica, n.1670.
14
Catecismo da Igreja Católica, n.1670.
8
Cf. VAGAGGINI, OSBCam, op.
cit., p.96.
15
Cf. MARTIN, op. cit., p.1650.
16
Cf. Mediator Dei, n.24.
17
Idem, n.28.
18
Idem, ibidem.
19
SÃO TOMÁS DE AQUINO, op.
cit., III, q.48, a.2, ad.1.
20
BOVER, José María. Teología de
San Pablo. 4.ed. Madrid: BAC,
1961, p.484.
21
Mystici corporis, n.91.
22
Cf. VAGAGGINI, OSBCamp.,
op.cit., p.98.
23
Sacrosanctum concilium, n.26.
24
SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. A oração, o grande meio
da salvação. 4.ed. Aparecida: Santuário, 1992, p.62.
25
Catecismo da Igreja Católica, n.1667.
9
GARRIDO BONAÑO, OSB, Manuel. Curso de liturgia romana. Madrid: BAC, 1961, p.418. Ver outros exemplos em AIGRAIN, René
(Editor). Enciclopedia litúrgica. Alba: Paoline, 1957, p.702-703.
10
11
12
BARBADO VIEJO, Francisco et
al. Introducción a la cuestión 65.
In: Suma Teológica. BAC: Madrid,
1957, v.XIII, p.137.
Cf. MARTIN, María del Mar. De
sacramentalibus. In: MARZOA,
Ángel; MIRAS, Jorge; RODRÍGUEZ-OCAÑA, Rafael. Comentario exegético al Código de Derecho
Canónico. 3.ed. Pamplona: Eunsa,
2002, v.III-II, p.1650.
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma
Teológica, III, q.65, a.1, ad.6.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      23
Dom José Policarpo ordena
sacerdotes e diáconos
N
o último domingo de junho, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Dom José Policarpo, presidiu a
ordenação de seis sacerdotes e quatro diáconos permanentes na igreja do Mosteiro dos Jerónimos.
Durante a homilia, o cardeal encorajou os futuros presbíteros com estas palavras: “Vós, queridos
ordinandos, sereis sacerdotes de Jesus Cristo para
a Igreja, sereis a expressão do seu amor de esposo
pela Igreja sua esposa.” E, dirigindo-se aos fiéis ali
presentes, asseverou: “Queremos entregar toda a
nossa vida, tudo o que somos e temos, a este ministério de amor”.
“Não tenhais medo do despojamento total por
causa do vosso ministério”, continuou o Patriarca interpelando os padres e ordinandos. “Queremos ser
focos de comunhão, para que toda a Igreja seja comunhão: na família, na catequese, nas associações
de fiéis, mas sobretudo em cada Eucaristia celebrada
como Povo Sacerdotal”, sustentou.
“Queremos ser para vós, queridos irmãos e irmãs,
arautos incansáveis da verdade, não da nossa verdade mas do Evangelho de Jesus Cristo”.
Membros da orquestra dos Arautos do Evangelho
tiveram a alegria de participar na cerimônia litúrgica.
Guimarães – Para assinalar o início das férias escolares, os jovens Arautos e as suas famílias, reuniram-se para
uma Celebração Eucarística e um almoço de confraternização. Foi também projectado um vídeo, resumindo as
actividades desenvolvidas nos últimos 12 meses.
24      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Braga – As festividades de São João Baptista foram
encerradas com a solene procissão presidida por D. Manuel
Linda. A população deu mais uma demonstração de
fé e fervor enchendo as ruas do centro histórico.
Maia – A procissão em honra de Nossa Senhora Mãe
dos Homens percorreu todas as ruas de Moreira.
Além da imagem de Nossa Senhora, seguiu em cortejo,
sob pálio, a relíquia do Santo Lenho.
Núncios Apostólicos visitam
Arautos do Evangelho
P
or ocasião da abertura do Campo de Férias, os Arautos do Evangelho receberam na sua quinta, em Palmela, duas ilustres personalidades: Dom Rino Passigato, atual Núncio Apostólico em Portugal e Dom Alfio Rapisarda,
Núncio Apostólico emérito.
Cumprindo a promessa feita aos Arautos, aquando
da sua despedida de Portugal, Dom Alfio fez questão de
aproveitar a sua passagem pelo nosso país para visitar os
seus amigos, e trouxe consigo Dom Passigato.
Num ambiente de agradável convívio, foi servido aos
ilustres visitantes e às famílias convidadas, cerca de cem
pessoas, um suculento churrasco à brasileira, tão apreciado pelo antigo Núncio, que passou naquele país perto de dez anos.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      25
Moçambique – Os pescadores de Maputo
celebraram a solenidade de seu padroeiro, São
Pedro, com Missa e procissão marítima.
Espanha – Cooperadores participaram da tradicional
procissão de Corpus Christi, em Valência, que partiu da
Catedral e percorreu as principais ruas da cidade.
Brasil – Em São Paulo, na Paróquia N. Sra. Aparecida da Boa Viagem, cooperadores dos Arautos do Evangelho
realizaram um dia de intensa Missão Mariana, visitando residências e estabelecimentos comerciais, levando o
conforto da presença materna de Maria. Os fiéis encheram a igreja na Missa de encerramento.
Canadá – Em Toronto, os Arautos abriram o Encontro
“Lift Jesus Higher Rally 2010” com uma solene
coroação da Imagem Peregrina de Nossa Senhora.
26      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Itália – A adoração eucarística das 40 horas na Basílica
de Santa Maria Maggiore, em Roma, contou com ativa
participação dos Arautos do Evangelho.
Evangelização nas escolas
Colômbia – Mais de 700 alunos em formação no
pátio no Colégio Ateneu Integral Ana B. de Flórez, em
Fontibón, acolheram a Imagem Peregrina.
Peru – Para comemorar o mês de maio, os Arautos
promoveram a recitação do Santo Rosário
entre os alunos de 20 colégios de Lima.
Paraguai – Arautos realizaram atividades religiosoculturais no Colégio de São José, em Assunção.
Espanha – Por motivo da Missão Mariana realizada
na Paróquia do Bom Sucesso, em Madri, a Imagem
Peregrina visitou o Colégio das Irmãs Concepcionistas.
Nicarágua – Cooperadores dos Arautos levaram a
Imagem Peregrina a diversos centros educacionais
em Chinandega, entre eles o Mántica Berio (foto).
Brasil – Alunos participam ativamente do Projeto Futuro
e Vida na Escola Estadual Dr. George Keller.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      27
Itália – Nos dias 28 e 29 de maio, foram organizados Encontros Marianos, nas cidades de Gela e Messina, sob
o tema: “A mensagem de Fátima e o Apostolado do Oratório”. As conferências foram precedidas por Missa,
procissão, adoração eucarística e momentos de veneração da Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria.
Missão Mariana em Nova Friburgo
Procissão na Paróquia N. Sra. das Graças
E
m vinte dias de intensa ação evangelizadora, missionários dos Arautos do Evangelho percorreram 1.458
residências e estabelecimentos comerciais de três paróquias da diocese friburguense: São Roque, N. Sra. das
Graças e N. Sra. da Assunção.
A pedido dos respectivos párocos, Pe. Flávio Vieira Jacques, Pe. Gelcimar Petinati Celeste e Pe. Genival Nunes Fernandes, foi feito, durante as visitas, um levantamento dos fiéis que precisavam de sacramentos:
101 pessoas pediram o Batismo; 255, a Primeira Comunhão; 257, o Crisma; e 59, a Unção dos Enfermos. O Sacramento do Matrimônio foi solicitado por 93 casais, enquanto 74 paroquianos manifestaram o desejo de serem
dizimistas. Foram 17 os novos Oratórios do Imaculado
Coração de Maria implantados.
Os missionários arautos participaram também do encontro “Unidade Diocesana”, que reuniu cerca de 5 mil
fiéis provenientes de diversas cidades.
Paróquia São Roque
Paróquia N. Sra. da Assunção
28      Flashes de Fátima · Agosto 2010
O Rio da Grandeza
As gigantescas vastidões e riquezas postas por Deus no Amazonas
parecem simbolizar uma realidade espiritual e,
ao mesmo tempo, visível: a Santa Igreja Católica.
Marcos Eduardo Melo dos Santos
A
paisagem é serena, porém, estuante de vida,
luz e calor. Na floresta amazônica tudo é superlativo, exuberante e forte. Ocultas
sob o denso arvoredo abundam maravilhas do reino mineral, da flora e da
fauna. O luxuriante manto vegetal é
rasgado por intrincado labirinto fluvial que forma o maior rio do mundo.
Suas volumosas águas, inconteníveis,
obrigam o próprio oceano a recuar.
De fato, o Amazonas é o maior rio
do mundo, tanto em caudal quanto
em extensão. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sua bacia hidrográfica, formada por 25 mil quilômetros de rios
navegáveis, é a mais extensa do planeta, com cerca de 6,9 mil quilômetros quadrados. Em alguns trechos,
seu leito atinge 100 metros de profundidade e, em outros, sua largura
chega a 50 quilômetros. Mais de mil
afluentes concorrem para lançar em
seu leito um quinto das águas fluviais
do globo terrestre, dando-lhe um volume igual ao da soma de dez dos
maiores rios do mundo.
Sua nascente se encontra no Peru, nas encostas do Nevado Mismi,
a aproximadamente 5 mil metros
de altitude. Dali percorre quase 7
mil quilômetros até desembocar no
Oceano Atlântico, onde, junto com
o Tocantins e o Xingu, cria um estuário de 330 quilômetros de largura, no qual se encontram duas capitais de Estado, Belém e Macapá, e a
maior ilha marítimo-fluvial do mundo, a Ilha de Marajó, com mais de
40 mil quilômetros quadrados.
Por todos esses predicados, ele é
chamado the River Sea — o Rio Oceano. Por fatores outros que não o das
proporções físicas, bem poderia deno-
minar-se também Rio da Grandeza,
pois até mesmo o seu descobrimento
é cercado pela aura do heroísmo.
O reino onde o sol não se punha
O rei Felipe II da Espanha afirmava que em seus extensos domínios o sol não se punha. E era verdade. No Velho Continente, o monarca governava toda a Península Ibérica, além de numerosas regiões da
Península Itálica e da Europa central. Foi, durante quatro anos, soberano da Inglaterra. Possuía territórios na África, na Índia e no Extremo
Oriente, entre os quais o arquipélago
das Filipinas, assim denominado em
sua honra. Reinava também sobre a
maior parte da América.
A amplidão desse território deviase em larga medida a um destemido
corpo de exploradores que, principalmente na época de seu pai, o im-
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      29
Colômbia
Macapá
Quito
Manaus
EquadorNa
Am
po
azo
Santarém
na
s
Belém
Imperatriz
Brasil
Rio Branco
Lima
Peru
Porto
Velho
Partindo do rio Napo, nas proximidades de Quito,
Francisco de Orellana demorou sete meses em percorrer os 4,8 mil quilômetros
que o separavam do Oceano Atlântico
perador Carlos V, dedicaram-se a estender infatigavelmente os já vastos
territórios da coroa espanhola. Entre eles estava Vicente Yáñez Pinzón,
comandante da caravela “La Niña”
na primeira viagem de Cristóvão Colombo. No ano de 1500, retornou para a América, sendo o primeiro cristão a avistar o Amazonas e percorrer
sua desembocadura. Ao descomunal
curso de água — tão assombroso que
lhes permitiu fazer aguada em alto
mar, a muitas léguas da costa — deu
o nome de Río Santa María del Mar
Dulce, em homenagem Àquela que o
havia protegido de tantos perigos ao
longo da expedição.
Todavia, Pinzón não navegou pelo Amazonas adentro e não pôde avaliar sua extensão, os perigos e as riquezas da região como o fez, em 1541,
Francisco de Orellana. Após atravessar os Andes junto com o Governador
de Quito, Gonzalo Pizarro, foi obrigado pelas circunstâncias a embarcar
30      Flashes de Fátima · Agosto 2010
no Rio Napo com cinquenta homens
num bergantim por eles mesmos construído. Seu objetivo era transportar os
feridos a um lugar seguro e conseguir
mantimentos para a expedição, mas a
força da correnteza o impediu de retornar. Teve início, assim, uma incrível
viagem de sete meses através do emaranhado de rios e afluentes que percorrem a selva amazônica, até atingir,
em agosto de 1542, a desembocadura
do rio no Oceano Atlântico.
Em certo ponto dessa navegação,
Orellana travou acirrado combate
com um grupo de “mulheres guerreiras” que disparavam contra os espanhóis flechas e dardos de zarabatana.
De regresso à Europa, narrou o fato
a Carlos V e este — inspirado no nome das mitológicas guerreiras hititas
passou a chamar o rio de Amazonas.
Orellana descreveu-as como sendo
mulheres altas e adestradas ao combate. Habitavam casas de pedra e acumulavam metais preciosos. Na reali-
dade, eram homens da tribo dos Yaguas, indígenas que usavam uma longa cabeleira e ainda hoje habitam a
região da confluência dos rios Napo
e Negro. Diz-se também que o nome
Amazonas deriva da palavra indígena
amassunu, cujo significado é: “­ruído
de águas” ou “água retumbante”.
Vida em abundância
No ingente e sereno leito desse
rio existem extraordinárias riquezas.
Mais de 3 mil espécies de peixes foram encontradas no Amazonas, superando em variedade o Oceano
Atlântico. Dentre elas, algumas se
destacam pela beleza, sendo usadas
como peixes ornamentais em aquários de todo o mundo. Outras, pelo
contrário, devem sua fama a características nada simpáticas, como as
terríveis piranhas, peixes carnívoros,
e os poraquês, cujos músculos caudais geram descargas elétricas de até
1.500 volts. Temos também os botos-
Barcroft Media via Getty Images
MadMaven/T.S.Heisele
Mais de 3 mil espécies de peixes foram
encontradas no Amazonas, superando em
variedade o Oceano Atlântico. Entre elas o botovermelho (direita) e as terríveis piranhas (acima)
vermelhos, cetáceos semelhantes aos
golfinhos, que atingem 2,6 metros de
comprimento e revestem-se de uma
característica cor rosada. E o maior
peixe de água doce do mundo, o pirarucu, que pode atingir três metros
de comprimento e 250 quilos de peso. Sua carne, muito apreciada, faz
parte do cardápio popular da região.
Isto sem falar dos milhares de espécies de mamíferos, répteis, pássaros ou
anfíbios que povoam suas margens. Ou
das inumeráveis famílias de plantas,
entre as quais se destaca a vitória-régia,
um gigantesco nenúfar cujas folhas podem alcançar dois metros e meio de diâmetro. Ou ainda dos recursos minerais, pouco explorados.
Impressionante é também a Pororoca, nome com o qual se denomina, no maior rio do mundo, o
fenômeno do macaréu. Consiste
ele em uma elevação repentina de
grandes massas de água junto à foz,
provocadas pelo movimento das
marés. Existe em todas as grandes
desembocaduras fluviais do planeta, mas no Amazonas toma uma dimensão colossal. Ele empurra as
águas do oceano por cerca de 160
quilômetros, mas, por ocasião das
grandes marés, é vencido pelo oceano, formando ondas que podem
atingir seis metros de altura e velocidade de cinquenta quilômetros
por hora. O caudaloso rio recua ante a impetuosa vingança do mar,
para, em seguida, sereno e vitorioso, retomar seu curso normal.
“A sua bênção é como um
rio que trasborda”
As incomensuráveis riquezas naturais postas por Deus nas vastidões
da selva amazônica parecem simbolizar uma realidade espiritual e, ao
mesmo tempo, visível: a Santa Igreja Católica. Esta é como um imenso rio sobrenatural que percorre há
dois mil anos as tortuosas e infindá-
veis distâncias da História tornando
fértil tudo o que dela se aproxima.
Como o grande “oceano de água
doce”, a Esposa de Cristo avança serena e invencível, fecundando com
as ricas águas da graça divina todas
as personalidades, instituições e nações que se abrem à sua benfazeja influência. Graças a ela, solos áridos se transformam em terras fecundas e produzem para a humanidade
flores e frutos de incalculável valor,
tais como os hospitais, as universidades, as obras assistenciais e tantas
outras instituições completamente
desconhecidas no mundo antigo.
Tudo quanto de grandioso se contempla na civilização ocidental procede, em última análise, deste canal
de graças, desta fonte de bênçãos que
é a Igreja, o grande Amazonas espiritual da humanidade. A ela pode-se
aplicar, sem dúvida, esta frase da Escritura: “A sua bênção é como um rio
que transborda” (Eclo 39, 27). 
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      31
Entrevista com o vice-reitor da Università Pontificia Salesiana
Atualidade do pensamento
de São Tomás de Aquino
Como situar o tomismo no contexto atual? Se o Doutor Angélico
vivesse hoje, o que acrescentaria à sua obra? Para a filosofia dele,
existe uma “via da beleza”? O padre Mauro Mantovani, SDB, decano
da Faculdade de Filosofia do “Salesianum”, de Roma, responde a
estas e a outras questões.
Claudio José Imperatrice
Como se deu sua identificação
com o carisma salesiano,
levando-o a tornar-se um
filho de Dom Bosco?
Encontrei os salesianos e os conheci cada vez melhor na minha paróquia em Moncalieri, onde nasci,
porque os estudantes salesianos de
teologia do centro de estudos turinense da “Cruzinha” vinham ajudar
nosso pároco, aos sábados e domingos, nas atividades pastorais.
Eu tinha 17 anos e o contato com
eles suscitou em mim o crescente desejo de empenhar o melhor de
minhas energias e de minha juventude no serviço dos jovens, primeiro no oratório e depois também nas
atividades externas, descobrindo aos
poucos — graças inclusive ao acompanhamento espiritual, à oração e
à vida sacramental, e ao crescente
contato com a palavra de Deus — a
beleza da experiência de viver até o
fundo a própria Fé.
No decurso dos anos seguintes
e, depois, nos da formação salesiana, procurei aprofundar cada vez
32      Flashes de Fátima · Agosto 2010
mais o sentido do chamado a ser
— como afirma nossa Regra de vida — um sinal e um testemunho do
amor de Deus aos jovens, sobretudo os mais pobres. Concretamente,
isso se configurou sempre mais como serviço à formação espiritual e
cultural dos jovens, de modo especial os universitários, tanto religiosos quanto leigos.
Em que o estudo da obra
de São Tomás de Aquino
ajudou-o a crescer e se
aprofundar na via salesiana?
Entrei pouco a pouco nos estudos
sobre São Tomás de Aquino, levado,
sobretudo, pela importância a ele
atribuída em alguns dos cursos filosóficos fundamentais que segui na
Universidade onde agora leciono. O
que logo me impressionou foi o fato
de, à medida que aprofundava o conhecimento nesses estudos, dar-me
conta da grande significação e atualidade do seu pensamento; não porque se deva repetir hoje seu conteúdo de maneira acrítica e ininterrup-
ta, com o risco de fazer apenas “arqueologia” fora do contexto, mas,
ao contrário, especialmente pelo estímulo a fazer do próprio estudo sério um serviço cultural, pela utilização — por parte do Doutor Angélico — do método filosófico realista, pela abordagem positiva e dialogal com outras tradições religiosas e
culturais, pela profundidade de algumas argumentações fundamentais, quer de cunho metafísico quer
antropológico.
O ponto particular que assinalo,
inclusive porque pode ser resumitivo de vários outros elementos, está
propriamente naquela harmonia entre fé e razão, que a própria encíclica Fides et ratio lhe reconhece.
Como situar o pensamento de
São Tomás de Aquino num
mundo marcado pelo espírito
materialista, consumista e
voltado para o imediato?
Respondendo diretamente à pergunta, sem entrar no mérito das considerações sociológicas a respeito da
Sérgio Miyazaki
afastadas da sua, e fazendo
o esforço crítico de discernir
entre o que nelas se encontra
de complementar, integrativo e harmonizável com a sua,
e aquilo que, pelo contrário,
mostra-se simplesmente inconciliável.
Embora hoje tenha aumentado a justo título a
atenção aos comentários escriturísticos do Doutor Angélico, colhendo-se neles inclusive seu significado metafísico e antropológico, na
minha opinião o Aquinate nos apresentaria ainda
hoje o seu De ente et essentia como texto que, mesmo
brevemente, contém a chave fundamental para a comEm certos segmentos da
preensão do seu enfoque
sociedade encontra-se
metafísico e da sua originauma sede do metafísico
As questões atualmente mais vivas no debate
lidade, que — mesmo com
que produz grande
cultural remetem a temas metafísicos e
diferenças relevantes na sua
antropológicos
vivacidade intelectual. O
interpretação por parte dos
senhor é desta opinião?
Nas fotos, Pe. Mauro Mantovani, na Igreja do Seminário dos
comentadores, tanto clássiArautos, em Caieiras, São Paulo
cos como modernos — foi
Concordo quanto à existência desses “fermentos culturais” bate cultural (a bioética, o respeito justamente identificada com a douque demonstram grande vivacidade ao meio ambiente, as neurociências, trina da distinção real, nas criaturas,
intelectual: naquilo em que não são para mencionar apenas algumas) do ato de ser e da essência, e da repreconceituais ou autorreferenciais não fazem outra coisa senão reme- lativa indicação filosófica do Absoe mostram-se abertos à dimensão ter a temas metafísicos e antropoló- luto como o Ipsum Esse Subsitens.
Num estudo recente, procurei
mais autêntica da procura da verda- gicos fundamentais.
demonstrar, por exemplo, como se
de, dado existencial que acompanha
Se São Tomás vivesse hoje, o
poderia assinalar uma ligação direta
todo homem, abrem-se efetivamenque acrescentaria à sua obra?
entre a impostação metafísica prete novos espaços, até agora inexploCertamente o Doutor Angélico sente no De ente et essentia e as carados, para o encaminhamento na
não hesitaria em enfrentar hoje os racterísticas próprias das assim chadireção da Transcendência.
De resto, já superamos dentro do novos temas e não recuaria ante as madas “cinco vias” presentes na Supróprio debate epistemológico uma quæstiones disputatæ que lhe fossem ma Teológica (I, q.II, a.3).
Sob o ponto de vista da ética, pavisão reducionista de ciência — em- apresentadas pelos seus eventuais alubora, infelizmente, algumas formas nos. Procederia, com certeza, evitan- rece-me também significativo ressalde reducionismo continuem a do- do a superficialidade e a improvisa- tar como a reflexão moral do Doutor
minar os horizontes de certa cultura ção, provavelmente não se apresen- Angélico está hoje em condições de
que invoca a abertura, mas se mos- tando com frequência na mídia ou nos suscitar particular interesse, por ser
tra, ela mesma, ainda bastante fe- programas de entrevista para abordar capaz de aprofundar e de desenvolchada —, assim como fica evidente todo tipo de assunto, mas estudando, ver de modo muito adequado a relatambém que quem continua a sus- antes, a fundo cada autor e interlocu- ção entre os conceitos de felicidade,
tentar a existência da “crise da me- tor, e evidenciando todo aspecto apre- de vida reta e de virtude, fundamentafísica” não percebe que as ques- ciável — pelo seu conteúdo de verda- tando em última análise uma ética da
tões atualmente mais vivas no de- de — inclusive das perspectivas mais “primeira pessoa”, como demonssituação contemporânea,
parece-me poder dizer que
o tomismo — empregando
este termo numa acepção
ampla e geral — pode fornecer hoje um importante
contributo cultural também
a este respeito. Com efeito, ele defende e valoriza de
modo autêntico a dimensão
terrena e material das realidades criadas, acrescentando, porém, a necessidade de
lhes atribuir o justo valor,
de colocá-las no seu devido
lugar, segundo uma ordem
que está sempre à disposição do sujeito e de sua consciência, mas que, em si, não
é subjetiva, e sim objetiva.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      33
tram, entre outros, vários estudos do
Prof. Giuseppe Abbà, docente de filosofia moral na Faculdade de Filosofia Salesiana de Roma, que me alegro de ter como amigo e colega. Viver e trabalhar em Roma representa,
com efeito, uma ocasião única de enriquecimento também para aqueles
que se interessam pelos estudos tomistas, tendo a possibilidade de interagir frequentemente com colegas e
pesquisadores da Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (Angelicum) e de outras universidades,
sobretudo pontifícias e, além disso,
com vários membros da Pontifícia
Academia São Tomás e da Sociedade
Internacional Tomás de Aquino. Ainda nos últimos anos não faltaram atividades comuns, de grande interesse
científico e de ampla divulgação.
Como o pensamento tomista vê
a experiência estética enquanto
um caminho rumo ao Absoluto?
Existe uma “via da beleza”?
Sérgio Miyazaki
O tema da beleza é particularmente significativo e sugestivo hoje,
porque, dentro de uma situação cultural que parece mostrar-se menos
sensível e atenta à dimensão trans-
cendental (portanto, objetiva) da
verdade e da bondade, a ­experiência
estética e o encontro com tudo
quanto é caracterizado pela beleza
e sublimidade, sejam elas naturais
ou artísticas, representam em várias
ocasiões uma “via” privilegiada para elevar as próprias considerações,
abrir-se à dimensão transcendente
da existência e encaminhar-se rumo
Àquele que é o “sumamente Belo”.
Nesse sentido são muito interessantes os episódios biográficos daqueles
que alcançaram uma abertura para
o Absoluto a partir — ou por meio
— de uma forte experiência estética,
por exemplo, a musical. Basta pensar em intelectuais como Paul Claudel ou Gabriel García Morente.
Quanto à pergunta se existe uma
específica “via da beleza”, eu responderia que, na medida em que o
pulchrum é reconhecido como um
transcendental do ser — como fica
evidente na Suma Teológica (I, q.5,
a.4), onde Tomás de Aquino afirma
que “pulchrum et bonum in subiecto
sunt idem, sed ratione differunt” —,
a via pulchritudinis pode tornar-se
transitável. Não, entretanto, como
uma via ulterior e específica, mas se-
O Doutor Angélico não hesitaria em enfrentar hoje os novos temas e não
recuaria ante as “quæstiones disputatæ” que lhe fossem apresentadas
34      Flashes de Fátima · Agosto 2010
gundo aquela mesma perspectiva da
quarta via, ou seja, ex gradibus perfectionis. Por tal perspectiva, depois
de haver-se individuado e reconhecido ao menos algumas perfeições,
pode-se também afirmar que elas
não encontram a razão última de
sua “distribuição” nos graus diversos das realidades criadas senão remontando à afirmação da existência
daquela Realidade que possui essa
perfeição no seu sumo grau, ou melhor, é a própria perfeição subsistente, identificando-se com o Ipsum Esse Subsistens.
O filósofo tomista padre Battista Mondin escreveu acertadamente
que “permanecemos extasiados na
presença da beleza. A beleza olhase, fixa-se, contempla-se, escuta-se
silenciosamente. A beleza se apodera de todo o nosso ser. Um belo sol
no oceano, o panorama dos Alpes, a
Capela Sistina, o espetáculo de um
bom filme ou de uma obra musical...
nos arrebatam de tal forma que gostaríamos que nunca terminasse. Há
na beleza algo de prodigioso, extraordinário, sublime, sobrenatural que
não pode provir da matéria. Por isso
filósofos, teólogos e poetas viram na
beleza uma perfeição divina”.
O presidente do Pontifício
Conselho para a Cultura,
Dom Gianfranco Ravasi, criou
recentemente uma fundação
para promover o encontro da
Igreja com os não crentes e
agnósticos. Poderia nos indicar
outros projetos orientados ao
diálogo entre Religião e Ciência?
As atividades do Pontifício Conselho para a Cultura e as iniciativas tomadas por Dom Gianfranco, que o senhor menciona, representam uma experiência muito profícua de diálogo entre a Igreja e a cultura contemporânea, quer
na sua caracterização puramente
científica, quer na diretamente humanística, na qual a arte tem um
Sérgio Miyazaki
– Temas, experiências, persespaço muito importante e
pectivas (em conjunto com
privilegiado.
C. Desbouts, Libreria EdiEntre os mais frutuosos
trice Vaticana, 2010). No toexemplos de diálogo ental, foram editados até agotre ciência e religião, prora nove volumes da STOQ
priamente na perspectiProject Research Series.
va de promover um renoGostaria de concluir
vado encontro e colaboracom uma citação do nosção entre a “cultura cienso pranteado Dom Cartífica” e a “humanística”,
lo Chenis, secretário da
encontra-se sem dúvida o
Pontifícia Comissão para
Projeto STOQ (Science,
os Bens Culturais da IgreTheology and the Ontologija, Bispo de Civitavecchiacal Quest), do qual tenho a
Tarquinia e docente de Eshonra e a alegria de partitética durante mais de 25
cipar como Coordenador e
anos na Pontifícia Univerrepresentante da Pontifísidade Salesiana, que nos
cia Universidade Salesiadeixou prematuramente
na.
em 19 de março de 2010:
Este projeto, lançado
“Diz-se Deus com a palanos primeiros anos do tervra, com a imagem, com o
ceiro milênio graças à cosilêncio. Envolve-se Deus
ordenação e ao apoio do
nas palavras humanas,
Pontifício Conselho para a
que se tornam mágicas,
Cultura, abarca, junto com
Há na beleza algo de prodigioso, extraordinário,
ou anuncia-se Sua inefável
a nossa, sete outras unisublime, sobrenatural que não pode
provir da matéria
presença mediante oráversidades pontifícias roculos e profecias. ‘Dizer
manas, como a Lateranense, a Gregoriana, o Ateneo Regina nhecendo um espaço importante, Deus’ é o mais significativo emApostolorum, a Santa Cruz e a São no âmbito epistemológico e inter- penho do existir humano, pois é
Tomás de Aquino, com a funda- disciplinar, ao papel e à mediação também ‘dizer o próprio eu’ chegando ao fim da vida. Em compamental sustentação da John Tem- da filosofia.
pleton Foundation.
Além de pesquisas e congressos, ração com Ele, discursos e imaO contributo específico da Pon- convites a docentes de fama inter- gens são totalmente inadequados
tifícia Universidade Salesiana ao nacional para aulas ou conferências e ao mesmo tempo são símbolos
Projeto STOQ está voltado — em e colaboração com outras univer- d’Ele. A aventura de ‘dizer Deus’
relação à identidade cultural, ecle- sidades no campo da relação entre repropõe o diário de toda a humasial e carismática da nossa institui- ­teologia, filosofia e disciplinas cien- nidade, cujas páginas são manusção acadêmica — para a considera- tíficas, já realizamos duas publica- critas com incerteza ou com segução do âmbito educativo como lu- ções: Fé, Cultura e Ciência – Disci- rança, com tumulto ou com seregar particularmente significativo plinas em diálogo (em conjunto com nidade, com exultação ou com ande encontro entre religião, ciências M. Amerise, Libreria Editrice Vati- gústia, com desespero ou com fehumanas e ciências naturais, reco- cana, 2008) e Didática das ciências licidade”. 
N
ascido em Moncalieri (Turim), no ano de 1966,
Pe. Mauro Mantovani é Vice-reitor da Pontifícia Universidade Salesiana, de Roma, e Decano da
sua Faculdade de Filosofia. Desde 1986 pertence à
Congregação Salesiana. Foi ordenado sacerdote em
1994 e obteve o Doutorado em Filosofia (eclesiástico e civil) na Pontifícia Universidade de Salamanca,
Espanha. É membro da Pontifícia Academia São Tomás de Aquino e conselheiro da Sociedade Internacional Tomás de Aquino.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      35
© Santiebeati.it
São Pedro Julião Eymard, SSS
Apóstolo
da Eucaristia
“É preciso fazer Jesus Eucarístico sair de Seu retiro para pôr-Se de novo à testa
da sociedade cristã que há de dirigir e salvar. É preciso construir-Lhe
um palácio, um trono, rodeá-Lo de uma corte de fiéis servidores,
de uma família de amigos, de um povo de adoradores”.
Eis a grande missão de São Pedro Julião Eymard.
Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP
N
a igreja da pequena cidade francesa de La
Mure d’Isère, próxima
de Grenoble, estava um
menino de cinco anos, sentado numa
pequena escada atrás do altar, com o
corpo inclinado e a fronte quase encostada no sacrário. Foi ali que o encontrou sua irmã, depois de tê-lo procurado aflita por todo o povoado.
— O que faz você aqui? — perguntou ao vê-lo.
— Ora — respondeu ele com
candura —, apenas converso com
Jesus.
— Mas, por que desse modo tão
singular?!
— Porque assim O escuto melhor!
Ainda não sabia este prematuro
devoto do Santíssimo Sacramento a
grande missão que a Providência lhe
tinha reservado e quão cheia de lutas,
mas também de glórias, seria a vida
que o aguardava. Sua precoce atração
36      Flashes de Fátima · Agosto 2010
por Cristo Hóstia não era senão uma
incipiente preparação para ela.1
“Peço-Vos a graça de
ser sacerdote”
Filho de Julião Eymard e Maria
Madalena Pelorse, Pedro veio ao
mundo em 4 de fevereiro de 1811.
Sua família estava reduzida aos pais
e a uma meia-irmã, Mariana, doze
anos mais velha; os outros filhos do
casal haviam falecido em tenra idade e um pereceu nos exércitos de
Napoleão.
Na igreja paroquial da cidade havia o piedoso costume da bênção
com o Santíssimo Sacramento, depois da Missa diária. Sua mãe não
faltava a esta um dia sequer e oferecia devotamente o filho a Jesus nessa hora. Assim, a presença de Cristo no ostensório e no sacrário lhe foi
familiar desde muito cedo.
Seu pai se estabelecera em La Mure d’Isère com uma pequena indús-
tria de azeite de nozes. O jovem Pedro o ajudava, entregando aos clientes o produto. Mas sentia-se tão atraído por Jesus no tabernáculo que, passando pela igreja, sempre ia fazer-Lhe
uma visita. E quando a irmã voltava
do Sagrado Banquete, procurava ficar
bem junto dela, para sentir a presença
eucarística em sua alma.
Aos doze anos de idade, finalmente deu-se o momento tão esperado de sua Primeira Comunhão.
Quantas graças recebeu naquele
dia! Uma delas foi a de sentir na alma o chamado ao sacerdócio. Mas
quando falou ao pai do seu firme
desejo de seguir essa vocação, recebeu como resposta uma categórica
negativa. A mãe, do seu lado, calava
e rezava, sem perder as esperanças
de ver o filho junto ao altar.
Inteligente e de caráter resoluto, o jovem Pedro continuou a ajudar o pai nas lides da indústria caseira, mas pôs-se a estudar latim, às es-
Pároco e religioso
Entretanto, quando tudo parecia conduzi-lo à realização da grande aspiração de sua vida, uma grave
enfermidade o obrigou a voltar para
casa, deixando-o à beira da morte.
Ao ser-lhe levado o Viático, pediu a
Jesus Sacramentado que lhe concedesse a graça de recuperar a saúde
para poder ser sacerdote e celebrar
pelo menos uma Missa.
Sua prece foi atendida. Curouse e ingressou no Seminário Maior
de Grenoble, sendo apresentado ao
reitor pelo próprio fundador dos
Oblatos de Maria, Santo Eugênio de
Mazenod, na época Bispo de Marselha. Em 20 de julho de 1834, festa de
Santo Elias, recebia a ordenação sacerdotal, aos 23 anos de idade.
Durante os primeiros cinco anos
de ministério, foi coadjutor em Chatte e depois pároco em Monteynard.
Como autêntico pastor, tinha por meta santificar-se e santificar “suas ove-
Sergio Hollmann
condidas. Aos dezesseis anos, obteve dele licença para prosseguir esses
estudos, primeiramente em La Mure e depois em Grenoble. Foi nessa cidade que recebeu a notícia do
repentino falecimento da mãe. Entre lágrimas, pôs-se aos pés de uma
imagem de Nossa Senhora, rogando-Lhe: “Por favor, a partir de agora sede minha única Mãe! Mas antes
de tudo, peço-Vos a graça de chegar
um dia a ser sacerdote”.2 Esse amor
à Santíssima Virgem não fez senão
aumentar até o fim de sua vida.
Foi apenas depois de completar
dezoito anos, não sem muitas dificuldades, mesmo contando com ajuda do
padre Jose Guibert — nessa época jovem sacerdote dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada e mais tarde
Cardeal e Arcebispo de Paris —, que
conseguiu convencer o pai de permitir
seu ingresso no noviciado dessa Congregação, em Marselha. Pela primeira
vez, dava passos firmes rumo ao cumprimento de sua vocação.
A devoção à Sagrada Eucaristia era o meio de solucionar os intricados
problemas nos quais imergia o mundo e renovar a vida cristã
Adoração Eucarística na Basílica do Santíssimo Sacramento, Buenos Aires
lhas”, seguindo os métodos de outro
santo pároco, o Cura d’Ars, do qual
era grande amigo: diariamente rezava
o Ofício Divino na igreja e depois saía
para o átrio a fim de conversar com os
fiéis. Dotado de um forte carisma para atrair, instruía e animava a todos,
obtendo notáveis conversões.
Contudo, a vida de pároco não o
satisfazia inteiramente: desejava ser
religioso. Apesar dos protestos de
sua grei e das lágrimas de sua ­irmã
Mariana, obteve autorização do ordinário para deixar o cargo e entrou
em 1839 no noviciado dos Padres
Maristas, em Lyon.3
Os membros desse Instituto, fundado três anos antes pelo padre ­Jean
Claude Colin, receberam por missão evangelizar os povos do Pacífico e, em consequência, padre Pedro
Julião preparava-se para ser enviado
como apóstolo à longínqua Oceania.
Outros, porém, eram os desígnios para ele reservados: foi nomeado diretor espiritual do Colégio Marista de
Belley, superior provincial, visitador
apostólico e, mais tarde, diretor da
Ordem Terceira de Maria, em Lyon.
Nessa cidade, exerceu um intenso
apostolado, sobretudo com encar-
cerados, enfermos e operários. Enfrentou com destemor os ventos do
século XIX, impregnado de utilitarismo, bafejado por um anticlericalismo obstinado que procurava relegar ao segundo plano, ou mesmo ao
desprezo, a Religião e os valores sobrenaturais. Aquele jovem sacerdote cheio de zelo pela causa de Deus
notava o quanto a sociedade de sua
época se afastava de Cristo e de Sua
Igreja, e ardia em desejo de fazer algo para reverter essa situação.
A grande missão de sua vida
Com tudo isso, a Providência ia
aos poucos preparando-o para a
­realização da grande missão de sua
vida. Duas insignes graças o levaram
definitivamente a entregar-se a ela.
Portando a custódia com o Santíssimo Sacramento durante uma
procissão em 1845, sentiu-se pervadido por uma grande força e pediu a
Deus que lhe desse o zelo apostólico de São Paulo, para difundir como
ele o nome de Jesus Cristo.
Mais decisiva, porém, foi a graça recebida em 1851, quando rezava
diante da imagem da Virgem Santíssima, no santuário mariano de FourvièAgosto 2010 · Flashes
de Fátima      37
Vitor Toniolo
re. Em certo momento, ouviu com
clareza no fundo da alma a voz de
Nossa Senhora, que lhe expunha a
necessidade de haver uma congregação religiosa destinada a honrar
de modo especial a Sagrada Eucaristia, e apontava esta devoção como meio de solucionar os intricados
problemas nos quais imergia o mundo, renovar a vida cristã e promover
a autêntica formação de sacerdotes
e leigos.
Assim, quem o impeliu nas sendas de sua missão eucarística foi
Aquela que, mais tarde, ele passou
a venerar sob o título de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento,
modelo dos adoradores.
Padre Pedro Julião deixou registradas algumas das cogitações
que nessa época enchiam sua alma de apóstolo: “Tenho refletido ­amiúde sobre os remédios para esta indiferença universal, que
se apodera de tantos católicos de
maneira assombrosa, e só encontro um: a Eucaristia, o amor a Jesus Eucarístico. A perda da fé provém da perda do amor”.4
Algum tempo depois, acrescentou: “É preciso pôr-se imediatamente à obra, salvar as almas com a Eucaristia, despertar a França e a Europa, submersas no sono da indiferença, porque não conhecem o dom
de Deus, Jesus, o Emanuel da Eucaristia. É preciso espalhar esta centelha do amor nas almas tíbias que se
julgam piedosas e não o são, porque
não fixaram o centro de suas vidas
em Jesus no tabernáculo”.5
“Nós não pregamos senão a Jesus
Cristo, e Jesus Cristo Sacramentado”,
dizia ele, parafraseando a célebre afirmação de São Paulo (cf. I Cor 1, 23).
Nasce a Congregação
dos Sacramentinos
Disposto a “pôr-se imediatamente à obra”, expôs ao Superior Geral
dos Padres Maristas seu desejo de
fundar uma nova congregação. Es38      Flashes de Fátima · Agosto 2010
essa a obra que faltava na Arquidiocese de Paris. Nasceu assim a Congregação do Santíssimo Sacramento,
em 13 de maio de 1856.
Em seu primeiro encontro com o
Beato Pio IX, a 20 de dezembro de
1858, este foi ainda mais caloroso e
categórico que o Arcebispo de Paris:
“Estou convencido de que sua obra
vem de Deus e a Igreja dela necessita” 6 — afirmou. Cinco anos mais tarde, em 1863, o mesmo Pontífice enviou-lhe um Breve Laudatório, aprovando oficialmente o novo Instituto.
Os sofrimentos
consolidam a obra
Por meio de uma clara voz
interior, Nossa Senhora lhe expôs
a necessidade de haver uma
congregação religiosa destinada a
honrar de modo especial a
Sagrada Eucaristia
"Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento",
Igreja de Santi Andrea e Claudio dei
Borgognoni, Roma
te examinou com vagar o projeto e o
dispensou dos seus votos de religioso, dando-lhe assim plena liberdade
para agir. Logo depois, porém, julgou melhor submeter o caso ao Arcebispo de Paris, Dom Marie-Dominique-Auguste Sibour.
Apresentou-se, pois, no Palácio Arquiepiscopal o padre Pedro Julião,
acompanhado de seu primeiro discípulo, o Conde Raimundo de Cuers, excapitão de fragata, que receberia mais
tarde a ordenação sacerdotal na nova Congregação. Explicou a Dom Sibour seu plano de fundar uma instituição religiosa contemplativa de adoradores do Santíssimo Sacramento e ao
mesmo tempo de vida ativa, com uma
frente de apostolado voltada, sobretudo, para a classe operária, ocupando-se em incrementar a devoção à Sagrada Eucaristia, preparar adultos para a Primeira Comunhão e outras atividades correlatas. O Arcebispo se entusiasmou com a ideia, declarando ser
A comunidade inicial — formada por apenas três membros: padre
Pedro Julião, padre Cuers e padre
Champion — instalou-se numa casa posta à sua disposição pelo próprio Dom Sibour. Na festa dos Reis
Magos de 1857, expôs-se pela primeira vez o Santíssimo Sacramento
na Capela. Um ano depois, foi conseguida a segunda casa no subúrbio
de Saint-Jacques, a qual ficou conhecida pelo nome de Capela dos Milagres, por causa de todas as graças ali
derramadas ao longo de nove anos.
A obra desenvolvia-se com lentidão, enfrentando dificuldades de
toda ordem. O Santíssimo Sacramento devia permanecer exposto
­perpetuamente, mas os adoradores
inscritos logo davam sinais de cansaço, sobretudo diante da dificuldade da
vigília noturna, e houve algumas deserções. O próprio padre Cuers pediu
a Roma a supressão dos votos para
fundar outro instituto. Também não
lhe faltaram as provações decorrentes
das calúnias e incompreensões.
Diante de tudo isso, dizia ele com
grande espírito sobrenatural: “Tenho medo de que cessem as provações”.7 Assim, não foi apenas a dor
física — das penitências voluntárias
e das enfermidades — que purificou
sua alma e a sua fundação, mas também o sofrimento moral.
Fecundidade da Adoração
Apesar disso, as vocações continuavam chegando, graças, sobretudo, aos sermões cheios de entusiasmo eucarístico do fundador, que os
preparava diante do tabernáculo.
Não em vão, afirmava o padre Eymard, uma hora aos pés de Jesus Sacramentado vale mais do que uma
manhã inteira de estudos em livros.
Como São Paulo, era o amor de
Cristo que o impelia a pregar. Ardia em seu coração o enorme desejo de incendiar o mundo com o fogo
d’Aquele que está presente em cada sacrário. Era preciso tirá-Lo dali, expô-Lo, prestar-Lhe adoração,
reconhecendo ser Ele o único capaz
de sanar todos os problemas, tanto
dos indivíduos quanto da sociedade.
Em seu desejo de levar as almas à
Sagrada Eucaristia, fundou também
a Congregação das Servas do Santíssimo Sacramento, contemplativas dedicadas à Adoração Perpétua,
e uma espécie de Ordem Terceira, à
qual deu o nome de Agregação do
Santíssimo Sacramento.
Inspirador dos Congressos
Eucarísticos
“É preciso fazer Jesus Eucarístico sair de seu retiro para pôr-Se de
novo à testa da sociedade cristã que
há de dirigir e salvar. É preciso construir-Lhe um palácio, um trono, ro-
1
Recordando este fato, mais tarde,
João XXIII diria as seguintes palavras: “Aquele menino de cinco anos, que encontraram no altar com a fronte apoiada no sacrário, é o mesmo que, tempos depois,
chegaria a fundar a Sociedade dos
Sacerdotes do Santíssimo Sacramento, assim como a das Servas do
Santíssimo Sacramento, irradiando
em inumeráveis legiões de sacerdotes-adoradores seu amor e sua ternura para com Cristo vivo na Eucaristia” (Homilia de Canonização
dos santos: Pedro Julião Eymard,
deá-Lo de uma corte de fiéis servidores, de uma família de amigos,
de um povo de adoradores”.8 Eis a
grande missão de São Pedro Julião.
Os Congressos Eucarísticos surgiram como fruto deste poderoso anelo. Foram eles uma iniciativa pioneira da Srta. Emilia Tamisier,
uma jovem que ingressara na Congregação das Servas do Santíssimo
Sacramento e lá permanecera quatro anos, sob o nome de Irmã Emiliana. Depois, com a bênção do santo fundador, saiu do convento para
ser no mundo uma missionária itinerante da Eucaristia.
Assim, em 1881, inspirada por
seu mestre e vencendo numerosos
obstáculos, organizava ela o primeiro Congresso Eucarístico da História, que se realizou em Lille, sob o
tema A Eucaristia salva o mundo e
contou com especial bênção do Papa Leão XIII. Para sua efetivação,
recebeu ajuda dos Padres Sacramentinos, de diversos Bispos e numerosas personalidades leigas. A
partir daí, multiplicaram-se congressos semelhantes, não só regionais,
mas também nacionais e internacionais. Uma instituição que tomou
vulto e perdura até nossos dias.
Extenuado por suas intensas atividades, emagrecido e com dificul-
dades de se alimentar, o padre Eymard recebeu estritas ordens médicas de repouso. Na segunda quinzena de julho de 1868, dirigiu-se a
La Mure, onde podia contar com os
cuidados da irmã. Em caminho, celebrou sua última Missa em Grenoble, na capela consagrada à Adoração Perpétua.
Poucos dias depois, os médicos
diagnosticaram uma hemorragia cerebral. Sua última confissão foi feita por sinais, pois já não conseguia
falar. No dia 1º de agosto, recebeu
a Unção dos Enfermos, e o padre
Chanuet, sacramentino, celebrou
a Missa no seu próprio quarto, ministrando-lhe a Sagrada Comunhão.
Era a derradeira!
— Morreu um santo! — exclamavam os habitantes da pequena
cidade.
Antes de completar-se um ano de
seu falecimento, beneficiou com vários milagres os fiéis que rezavam
ante sua sepultura.
Quase cem anos depois, no dia
seguinte do término da primeira sessão do Concílio Vaticano II, 9 de dezembro de 1962, João XXIII o elevou à honra dos altares em presença de 1.500 padres conciliares. Passados mais trinta e três anos, era inscrito no Calendário Romano e apresentado à Igreja Universal com o título de “Apóstolo da Eucaristia”. 
Antonio Maria Pucci, Francisco Maria da Camporrosso, 9/12/1962).
los Religiosos Sacramentinos: http://
es.ssseu.net.
Ocaso de uma vida santa
2
BEAUCHEF, OSB, Antoine Marie.
Carta espiritual - sobre São Pedro
Julião Eymard. In: Abbaye Saint Joseph de Clairval à Flavigny: http://
www.clairval.com/index.
3
Instituto afim e inspirador dos Irmãos Maristas, fundados por São
Marcelino Champagnat.
4
Carta de 22 de outubro de 1851,
apud PEDRETTI, SSS, Antonio.
El fundador. In: Página Europea de
5
Carta de 11 de fevereiro de 1852,
apud PEDRETTI, op. cit.
6
BEAUCHEF, op. cit.
7
BAIGORRI, SSS, Luis. San Pedro
Julián Eymard. In: ECHEVERRÍA, L., LLORCA, B., BETES,
J. (Org.). Año Cristiano. Madrid:
BAC, 2005, v.VII, p.55.
8
EYMARD, SSS, São Pedro Julião.
Obras Eucarísticas. Madrid: Ediciones Eucaristia, 1963, p.XX.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      39
Sacerdote apunhalado
durante Missa, no Chile
O Pe. José Francisco Núñez Calisto (42 anos), pároco da Igreja São
Miguel Arcanjo, na cidade chilena de
Calbuco, foi vítima de uma sacrílega
tentativa de assassinato no dia 18 de
junho, quando distribuía aos fiéis a
Comunhão. Na Missa vespertina, um
homem de 30 anos, que estava na fila
aparentemente para receber o Santíssimo, desferiu-lhe um golpe de faca no pescoço. Os ­fiéis dominaram o
agressor e o entregaram à polícia.
Levado sem demora para o Hospital Base de Puerto Montt, o sacerdote foi submetido a uma delicada
intervenção cirúrgica e ali permaneceu em estado grave, se bem que fora de perigo vital.
Reinaugurado Monumento
ao Cristo Redentor
Completamente renovado, após
quatro meses de meticulosas obras
de restauração, o Monumento ao
Cristo Redentor, no Morro do Corcovado, Rio de Janeiro, foi reinaugurado em 30 de junho.
De manhã, o Secretário Geral
da CNBB e Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio, Dom Dimas Lara Barbosa, celebrou a Missa de reabertura. Ao meio-dia, o Arcebispo,
Dom Orani Tempesta, OCist, presidiu a oração do Angelus, ressaltando, nessa ocasião, que “a restauração do Monumento recorda a necessidade da restauração da pessoa: assim como a imagem do Cristo, a so40      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Cardeal Marc Ouellet
Congregação para os Bispos
tem novo Prefeito
O Cardeal Marc Ouellet, Arcebispo de Quebec, Canadá, foi nomeado pelo Papa Bento XVI, em
30 de junho, Prefeito da Congregação para os Bispos e Presidente da
Comissão Pontifícia para a América Latina. Sucede, em ambos os
cargos, ao Cardeal Giovanni Battista Re, cuja renúncia foi aceita por
limite de idade.
Nascido em 1944, o ­Cardeal
Marc Ouellet recebeu a ordenação sacerdotal em 1968. Doutorouse em ­Teologia Dogmática, foi professor de vários institutos superiores
de ensino e exerceu funções de alta
responsabilidade na Companhia dos
Padres de São Sulpício, até ser elevado à dignidade arquiepiscopal e
nomeado Presidente do Pontifício
Conselho para Promoção da Unidade dos Cristãos, em 2001.
O Papa João Paulo II o nomeou
Arcebispo de Quebec, em novembro de 2002, e conferiu-lhe a púrpu-
ra cardinalícia no Consistório de 21
de outubro de 2003.
“Significativo passo adiante” nas
relações entre Santa Sé e Vietnã
Como resultado do encontro entre a delegação do Vietnã e a do Vaticano, nos dias 23 e 24 de junho, foi
dado um “significativo passo adiante” nas relações entre a Santa Sé e
esse país asiático — informa a agência Fides.
Ao término das conversações, a
Secretaria de Estado do Vaticano divulgou um comunicado no qual afirma que, como “primeiro passo” para aprofundar as relações entre Santa Sé e Vietnã, foi acordada “a nomeação, por parte do Papa, de um
representante não residente da Santa Sé nesse país asiático”, que conta com cerca de seis milhões de católicos.
Por ocasião desse encontro, os
membros da delegação vietnamita fizeram visitas de cortesia a Dom Dominique Mamberti, Secretário das
Relações com os Estados, ao Cardeal
Ivan Dias, Prefeito da Congregação
para a Evangelização dos Povos, e ao
Vicariato da Diocese de Roma.
HogardelaMadre.org
Gustavo Kralj
ciedade precisa estar cada vez mais
bela e restaurada”.
Além das autoridades eclesiásticas, participaram do evento autoridades civis e diversas outras personalidades.
Pe. Félix López, Servo Geral
Lar da Mãe recebe
aprovação pontifícia
O Lar da Mãe, instituição eclesial surgida na Espanha em 1982,
foi reconhecida, em 21 de junho, como Associação Internacional Pública de Fiéis de Direito Pontifício.
Bento XVI cria o Pontifício Conselho
para a Nova Evangelização
E
m sua homilia na celebração das Primeiras Vésperas da Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, no dia 28 de junho, o Papa Bento XVI
anunciou sua decisão de criar o Pontifício Conselho
para Promoção da Nova Evangelização, cuja principal tarefa será “promover uma renovada evangelização nos países onde já ressoou o primeiro anúncio da
Fé e estão presentes Igrejas de antiga fundação, mas
que estão passando por uma progressiva secularização da sociedade e vivendo uma espécie de eclipse do
sentido de Deus”.
Dois dias depois, a Sala de Imprensa da Santa
Sé noticiou a nomeação de seu primeiro Presidente: o Arcebispo Dom Salvatore Fisichella, até então Presidente da Pontifícia Academia para a Vida
e Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense.
Dom Fisichella nasceu em 1951, foi ordenado sacerdote em 1976 e Bispo em 1998. É professor de Teologia Fundamental, foi Bispo Auxiliar de Roma e cape-
te cessou ao ser ele imobilizado por
um policial.
Felizmente, apesar da violência
do ataque, os danos ocasionados
são “reparáveis”, segundo afirma o
Irmão Maior da Confraria do Gran
Poder, Enrique Esquivias.
A imagem danificada é uma das
mais veneradas na Semana Santa sevilhana. De tamanho natural, foi entalhada em madeira, em 1620, pelo
célebre escultor Juan de Mesa.
Carlos Aguirre
Em cerimônia na sede do Pontifício
Conselho para os Leigos, o ­Cardeal
Stanisław Ryłko fez a entrega do
Decreto ao seu fundador, Pe. Rafael
Alonso Reymundo.
Além deste, encontravam-se em
Roma, nessa ocasião, numerosos
membros do Lar da Mãe, entre os
quais o Pe. Félix López, Servo Geral dos Servos dessa instituição, e
Madre Ana María Campo, Serva
Geral das Servas. Num breve encontro no final da Audiência Geral
de quarta feira, dia 23, o Santo Padre dirigiu-lhes paternais palavras
de saudação.
Espalhado atualmente em vários
países da Europa e das Américas,
o Lar da Mãe tem por missão propagar o culto e a devoção à Sagrada Eucaristia; defender os títulos da
Santíssima Virgem Maria, de modo
especial o privilégio de Sua Virgindade; e a conquista dos jovens para
Jesus Cristo.
lão da Câmara dos Deputados da Itália, além de ocupar vários cargos na Conferência Episcopal Italiana.
Para substituí-lo no cargo de Presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Sua Santidade designou
o Mons. Ignacio Carrasco de Paula, 73 anos, sacerdote do Opus Dei, ordenado em 1966. Doutor em
Filosofia e Medicina, foi diretor do Instituto de Bioética na Faculdade de Medicina e Cirurgia “Agostino Gemelli” (2002-2009) e diretor da Universidade
Santa Cruz, do Opus Dei (1984-1994).
Como novo Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, a escolha do Sumo Pontífice recaiu sobre o Pe. Enrico dal Covolo, religioso salesiano nascido em 1950 e ordenado sacerdote em
1979. Laureado em Letras Clássicas e doutor em
Teologia e Ciências Patrísticas, é professor de Literatura Cristã Grega Antiga, membro da Pontifícia
Academia de Teologia e da Pontifícia Comissão de
­Ciências Históricas.
Atentado sacrílego contra o
Cristo do “Gran Poder”
Novas provas da autenticidade
do Santo Sudário
A imagem de Jesús del Gran Poder, exposta à veneração dos fiéis na
basílica do mesmo nome em Sevilha,
Espanha, foi vítima de um sacrílego atentado no dia 20 de junho. Terminada a Missa das 20h30, um homem, de cerca de 40 anos, golpeou a
imagem repetidas vezes, rasgou-lhe
as vestes e acabou por arrancar-lhe
um dos braços. A agressão somen-
A recente exposição do Santo Sudário, em Turim — 10 de abril a 23
de maio —, levantou no mundo inteiro nova onda de interesse pela
história dessa valiosa relíquia. Numerosos estudiosos e cientistas publicaram trabalhos a respeito da autenticidade da mortalha que envolveu o Corpo Sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      41
Entre estes, destaca-se o livro
Botânica do Sudário – História das
imagens florais no Sudário de Turim
(Danin Publishing, 2010, 104p.),
do Dr. Avinoam Danin, professor
emérito do Departamento de Evolução Sistemática e Ecologia da
Universidade Hebraica de Jerusalém.
Em cem páginas ilustradas, a
obra do Prof. Danin acrescenta alguns dados interessantes para comprovar a autenticidade do Santo Sudário, entre os quais o seguinte: cen-
tenas de imagens de plantas, que ficaram impressas no precioso tecido de linho, contribuem para determinar onde e quando as flores originais foram postas em contato com
ele; essas imagens são irretorquivelmente verdadeiras, não foram criadas mediante artifício; a região onde se podia colher as três espécies
de flores, selecionadas por ele para
análise, situa-se entre as cidades de
Jerusalém e Hebron.
O leitor poderá encontrar estes e vários outros dados no ar-
tigo Se la botanica studia la Sindone – La primavera di Gerusalemme, de Tania Mann, publicado em L’Osservatore Romano de 12 de maio (http://www.vatican.va/news_services/or/or_quo/
cultura/2010/108q05b1.html).
Beato José de Anchieta:
“Herói da Pátria”
O Apóstolo do Brasil, Beato José de Anchieta, foi inscrito no Livro de Heróis da Pátria, em virtude
de lei sancionada em 7 de julho pe-
4º Centenário da Ordem da Visitação
E
divino beneplácito. Desejamos de todo coração chegar a ser FILHAS DE ORAÇÃO, profundamente
contemplativas do mistério de Deus, participando,
desta maneira, na evangelização do mundo”.
Dentre as celebrações realizadas em todo o mundo, cabe destacar a Missa presidida por Dom Benoît
Rivière, Bispo de Autun, na Capela das Aparições
da Basílica de Paray-le-Monial, França, onde Santa Margarida Maria Alacoque recebeu as revelações
místicas do Sagrado Coração de Jesus.
Em Portugal, no Mosteiro da Visitação situado
em Batalha, as comemorações foram presididas por
Dom António Augusto dos Santos Marto, Bispo de
Leiria-Fátima, que destacou em sua homilia o amor
apaixonado de São Francisco de Sales e de Santa Joana de Chantal pelo Sagrado Coração de Jesus e o
misericordioso amor do Coração de
Jesus por todos os seus filhos e filhas.
Em Bogotá, a Missa comemorativa foi celebrada pelo Núncio Apostólico na Colômbia, Dom Aldo Cavalli.
No Mosteiro de Rio Cuarto, Argentina, presidiu a Eucaristia de ação de
graças o Diretor Nacional das Pontifícias Obras Missionárias, Pe. Osvaldo Leone. Os mosteiros de vida contemplativa “são como os ‘pulmões
verdes’ de uma cidade: fazem bem a
todos, inclusive a quem não os frequenta e talvez até ignore sua exis
tência” — ressaltou ele, em declaraMissa comemorativa no Mosteiro da Visitação da Batalha
ções à agência AICA.
Nuno Moura
m 6 de junho de 1610, São Francisco de Sales,
Bispo de Genebra-Annecy, entregou a Santa
Joana de Chantal o esboço das Regras de uma nova ordem religiosa, dizendo-lhe: “Segue este caminho, minha filha muito querida, e conduze nele todas aquelas que Ele elegeu para seguir suas pegadas”. Nascia assim a Ordem da Visitação de Santa
Maria, que comemora seu 400º aniversário de fundação nos 154 mosteiros, espalhados por 30 países, com
que conta hoje em dia.
Nesses quatro séculos, as freiras visitandinas beneficiaram o mundo inteiro com sua vida de recolhimento, contemplação e oração. Agora, na Oração para o Quarto Centenário da Fundação, assumem um
compromisso e manifestam um desejo: “Comprometemo-nos a viver só para Deus e buscar sempre Seu
42      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Cardeal Tarcisio Bertone
comemora jubileu de ouro sacerdotal
ara festejar o jubileu de ouro sacerdotal do
Cardeal Tarcisio Bertone, SDB, o Papa Bento
XVI o recebeu no dia 5 de julho em sua biblioteca
privada, em audiência especial, junto com outros cinco salesianos que receberam na mesma data a ordenação presbiteral.
O Cardeal Secretário de Estado foi homenageado no dia seguinte com uma Missa celebrada no Altar Papal da Basílica de São Pedro. “A única coisa
que dura para sempre é a caridade, querer-se bem, ajudar, perdoar e servir uns aos
outros” — afirmou diante de
30 Cardeais, cerca de 40 Arcebispos, centenas de sacerdotes e grande número de fiéis presentes na grande Basílica.
O Papa, na carta de felicitação enviada, rememora os
bons serviços prestados pelo
lo Presidente em exercício, José de
Alencar.
Este livro existe desde 1986,
quando foi construído em Brasília
o Panteão da Pátria e da Liberdade.
Nele estão inscritos os nomes de 19
personalidades de destaque na História do Brasil.
Cardeal Bertone no cargo de Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, e posteriormente como Arcebispo de Gênova, e acrescenta: “Mais
recentemente, desejei ter-vos como um mais próximo colaborador, para compartilhar, como Secretário de Estado, minhas tarefas e decisões”.
O Cardeal Tarcisio Bertone ingressou na Congregação Salesiana aos 16 anos, em 1950, sendo ordenado sacerdote em 1960. João Paulo II o nomeou Arcebispo de Vercelli, em 1991,
Secretário da Congregação
para a Doutrina da Fé, em
1995, e Arcebispo de Gênova,
em 2002. Ali exerceu seu múnus episcopal até ser convocado por Bento XVI para Secretário de Estado, em 2006,
e Camerlengo da Santa Igreja, em 2007. Pertence ao Colégio Cardenalício desde 21
de outubro de 2003.
verteu-se em fervorosa devota de
Nossa Senhora, e hoje é uma ativista incansável da comunidade religiosa Laços de Amor Mariano. Reza o
Rosário, vai à Missa diariamente e
confessa-se com frequência.
Ex-modelo colombiana luta
agora pela santidade
Em 2005, Amada Rosa Pérez
era uma das modelos mais cotadas da Colômbia, desfilando em
passarelas de Miami, Milão e Veneza. Naquele ano, desapareceu
do ­noticiário, para só retornar um
quinquênio depois, totalmente mudada. Agora, declara ela em entrevista concedida ao jornal colombiano El Tiempo, “só procuro e só luto
pela santidade”.
Tocada pela graça de Deus, por
ocasião de uma enfermidade, con-
Pe. Marcus Vinícius e
Cardeal Martino
Sacerdote brasileiro
lança livro em Madri
Foi apresentado recentemente
em Madri o livro A Diplomacia pontifícia como serviço petrino e sua participação na Organização das Na-
L’Osservatore Romano
P
ções Unidas, de autoria do Pe. Marcus Vinícius Brito de Macedo, sacerdote da Diocese de Nova Friburgo,
Rio de Janeiro.
Editado pela Libreria Editrice
Vaticana, a obra reproduz a tese de
doutorado em Ciências Políticas defendida pelo autor na Universidade de Navarra (Espanha). “A autoridade moral da Santa Sé, com o status de observador permanente na
ONU, não é um ato de covardia ou
omissão”, pois ela prefere manterse nessa posição para “ser a voz da
consciência para todos os governos”
— assinalou o jovem doutor.
A apresentação contou com intervenções do Cardeal Renato
­Raffaele Martino, Presidente Emérito do Pontifício Conselho Justiça e
Paz; do Dr. Giuseppe Costa, diretor
da Editrice Vaticana; e do Prof. Pedro Lozano Bartolozzi, da Universidade de Navarra.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      43
Participaram do evento o Embaixador do Brasil na Espanha, Paulo
César de Oliveira Campos e diversos membros do Corpo Diplomático, além de numeroso público.
CNBB prepara documento
sobre Igreja e Comunicação
A série Estudos da CNBB deverá
ser enriquecida em breve com mais
um documento. Seu Conselho Permanente aprovou, em 23 de junho,
a publicação de um texto que servirá
de base para a elaboração de um diretório de comunicação para a Igreja no Brasil.
Trata-se de “um trabalho que tem
a participação de muitas pessoas e
deve ser uma referência no campo
das comunicações sociais”, decla-
rou Dom Orani Tempesta, OCist,
Arcebispo do Rio de Janeiro e Presidente da Comissão Episcopal para
a Educação, Cultura e Comunicação
da CNBB.
O texto definitivo deverá ser submetido à Assembleia Geral da entidade, à qual compete aprovar sua
última versão, para tornar-se um documento oficial da Igreja no Brasil.
50º aniversário de ordenação
do Cardeal Franc Rodé
Fotos: L’Osservatore Romano
ra a Doutrina da Fé; Cláudio Hummes, Prefeito da
Congregação para o Clero; Giovanni Lajolo, Presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano; Raffaele Farina, Arquivista e Bibliotecário da Santa Igreja Romana; ­Eduardo Martínez Somalo, Prefeito Emérito da Congregação para
os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica; Paul Poupard, Presidente Emérito
do Pontifício Conselho para
a Cultura; e Renato Raffaele Martino, Presidente Emérito do Pontifício Conselho Justiça e Paz. Destacou-se também a presença
de grande número de Bispos e sacerdotes, entre os
quais Mons. Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, além de uma nutrida representação de fiéis da Eslovênia, terra natal
de Sua Eminência. A homilia foi pronunciada pelo
Ministro Geral dos Franciscanos Menores, Fr. José
Rodríguez Carballo.
O Cardeal Franc Rodé foi ordenado em 1960, como sacerdote da Congregação da Missão (Padres Lazaristas). Em 1997, foi nomeado Arcebispo de Liubliana, Eslovênia, e, em 2005, o Papa João Paulo II o
designou Prefeito da Congregação para os Institutos
de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Foi criado Cardeal em 24 de março de 2006.
C
om uma Missa no Altar da Cátedra, na Basílica de
São Pedro, foi comemorado em Roma o 50º aniversário de ordenação presbiteral do Cardeal Franc Rodé, CM, Prefeito da Congregação para os Institutos de
Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
No fim da celebração, foi lida uma carta de felicitações do Papa, na qual, após realçar a dedicação e a
fidelidade do Cardeal Rodé à Igreja e ao Magistério
Pontifício, conclui: “Desejamos nesta oportunidade
comemorar os méritos de vosso sacerdócio e episcopado, e a dignidade cardinalícia, pois a justo título mereceis estar entre os fiéis colaboradores de nosso Ministério”.
Participaram do solene ato litúrgico os ­Cardeais
Angelo Sodano, Decano do Colégio Cardinalício; William Levada, Prefeito da Congregação pa-
44      Flashes de Fátima · Agosto 2010
U
Fundo Misericórdia coleta
ajuda para dispensário no Ceará
ros da cidade. Entre as reparações mais urgentes está
a troca do telhado e a reforma das instalações sanitárias. É preciso, também, financiar a compra de material escolar para os cursos profissionalizantes.
O Fundo Misericórdia, dos Arautos do Evangelho, foi criado com o objetivo de arrecadar e redistribuir recursos financeiros para obras sociais e de caridade da Igreja Católica em todo o Brasil.
Fotos: Sérgio Miyazaki
ma campanha destinada a resolver as mais prementes necessidades do Dispensário Nossa Senhora das Dores, de Juazeiro do Norte, Ceará, foi iniciada neste mês pelo Fundo Misericórdia, dos Arautos
do Evangelho.
Regido pelas Irmãs Missionárias de Cristo Crucificado, esse dispensário provê assistência social, educativa e religiosa a crianças carentes de vários bair-
Papa impõe o Pálio a 38 novos Arcebispos
N
Fotos: L’Osservatore Romano
a Missa da Solenidade dos
Santos Apóstolos Pedro e
Paulo, 29 de junho, o Papa Bento XVI fez a imposição do Pálio a
38 novos Arcebispos metropolita-
Dom Antônio Fernando Saburido
nos: 14 da Europa, 12 da América, 8 da África e 4 da Ásia. Entre
eles, encontram-se dois brasileiros: Dom Antônio Fernando Saburido, OSB, de Olinda e Recife,
e Dom Alberto Taveira Corrêa, de Belém do Pará.
Ante os milhares de fiéis
reunidos na Basílica de São
Pedro, o Santo Padre abordou em sua homilia o tema
da liberdade da Igreja ao longo dos séculos e ressaltou que
“a comunhão com Pedro e
com os seus sucessores, de fato, é garantia de liberdade para os Pastores da Igreja e para
as próprias Comunidades que
lhes estão confiadas”.
O pálio, uma espécie de estola de lã branca com seis cruzes
bordadas, simboliza o poder do
Arcebispo e sua comunhão com
o Papa.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      45
História para crianças... ou adultos cheios de fé?
O poço do milagre
Consuelo puxou distraidamente a corda para
retirar água. Mas o balde escorregou para o
fundo, fazendo-a perder o equilíbrio...
Irmã Ana Ximena del Rosario Fernández Granados, EP
P
erto de uma pitoresca aldeia, situada em região
montanhosa e um tanto
árida, um poço abastecia
com fartura os seus habitantes. De suas águas serviam-se para beber, cozinhar e lavar as roupas, como costumavam fazer as mulheres na esplanada
onde ele fora cavado.
Nesse tranquilo lugarejo, todos
se conheciam, eram muito amigos
e participavam animadamente das
grandes festas preparadas pelo Sr.
Antônio, o corpulento dono da confeitaria; ninguém faltava às incontáveis comemorações religiosas promovidas pelo pároco, às quais aquela boa gente assistia com espírito de
oração e recolhimento.
Tudo era ocasião de encontro e
convívio, inclusive ao redor do poço, onde os moradores entabulavam
animadas conversas ou sussurravam
confidências, aproveitando o tempo
gasto em tirar a água necessária. Assim, eles formavam quase que uma
grande família.
46      Flashes de Fátima · Agosto 2010
Consuelo era uma camponesa
que lá ia com frequência. Sua casinha sempre estava bem arranjada, e
ela fazia questão de cultivar viçosas
flores para agradar seu marido, Norberto, um pequeno agricultor que
passava o dia no duro trabalho do
campo. Ambos tinham muita devoção à Virgem das Mercês, padroeira
da aldeia, e nunca deixavam de honrá-La no dia de sua festa.
Quase todas as manhãs, Consuelo ia ao poço, para aproveitar
bem o sol e poder levar de volta para casa, já secas, as roupinhas de
seus pimpolhos: Estevão, de onze
anos, que cuidava de seus irmãos
menores com muita responsabilidade; Catarina, de nove, de inteligência viva, mas discreta; e Benjamin, com apenas cinco, aliás, muito travesso. Enquanto trabalhava, a
diligente mãe cantava hinos a Maria Santíssima ou rezava o Rosário
com suas amigas. Por fim, com um
zelo todo maternal, recolhia e dobrava cuidadosamente a roupa se-
ca, enchia uma grande tina de água
para o abastecimento da casa e regressava ao lar, não sem antes despedir-se alegremente das companheiras.
O tempo foi passando, e o parapeito do poço deteriorava-se aos
poucos, até que um dia as intempéries acabaram por destruí-lo completamente. A partir daí, não era
possível tirar água sem correr certo
risco: era preciso puxar com habilidade a corda do balde, sem se deixar
levar por ela.
Uma manhã, Consuelo acordou muito cedo e chegou ao poço
bem antes de suas amigas. Enquanto contemplava no céu as belas cores do amanhecer, puxou distraidamente a corda, o balde voltou para
o fundo, fazendo-a perder o equilíbrio. Ela procurou instintivamente apoiar-se no parapeito que já não
estava mais ali... E caiu a vinte metros de profundidade!
— Virgem das Mercês, ajudaime!
Nossa Senhora das Mercês. Não sem
antes providenciar a construção de
um novo e resistente parapeito, para
evitar novos acidentes...
Na inauguração da ermida, o padre organizou uma bela procissão
— que percorreu um bom caminho,
desde a matriz até a esplanada do
poço —, e ali foi entronizada a encantadora imagem de Maria Santíssima, que passou a ser venerada pelos moradores do povoado como a
“Virgem do Milagre”.
E para marcar ainda mais o grande feito, colocaram uma placa alusi-
va ao prodígio, dando àquele lugar o
nome de “Poço do Milagre”.
A notícia propagou-se pelos arredores da aldeia. Assim, a fé e a confiança na Rainha dos Céus cresceram ainda mais nos habitantes da região, pois novamente ficou comprovada a verdade das inspiradas palavras de São Bernardo, dirigidas à
Mãe de Deus: “Nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenha
recorrido à Vossa proteção, implorado Vossa assistência e reclamado
Vosso socorro, fosse por Vós desamparado”. 
Edith Petticlerc
Nem havia terminado a invocação a Nossa Senhora, quando sentiu
debaixo de seus pés um apoio suave. Fixando os olhos, percebeu que
se tratava de algo semelhante a uma
pequena nuvem luminosa, que foi
descendo lentamente e parou antes
de tocar na água.
— Socorrei-me! Valei-me, Virgem Maria! — suplicou de novo.
Enquanto continuava sustentada
pela graciosa nuvenzinha, uma voz
cheia de ternura e compaixão lhe
respondeu:
— Minha filha, não tenha medo!
Eu nunca abandonei nenhum daqueles que invocaram o Meu ­auxílio.
Ao ouvir essa voz tranquilizadora, a boa camponesa percebeu de
Quem se tratava, e ficou de tal modo encantada que nem se lembrava mais do apuro no qual se encontrava...
Passada meia hora, chegaram suas amigas. Estas, vendo o sabão e
a roupa na tina, mas não a companheira, logo desconfiaram do que tinha acontecido, correram para a boca do poço e lançaram-lhe uma corda. Como se estivesse auxiliada por
uma força misteriosa, Consuelo
agarrou-se a ela e, apoiando-se nas
paredes de pedra, empreendeu a escalada até a superfície. Estava sã e
salva!
As amigas a abraçaram e, passado o susto, perguntaram o que tinha
acontecido. Ela narrou-lhes o fato
com detalhes, deixando patente que
havia sido um grande milagre da
Virgem das Mercês, sem cujo socorro teria certamente morrido afogada. Juntas, se ajoelharam ali mesmo,
para rezar uma oração em ação de
graças a Nossa Senhora, que jamais,
em nenhuma circunstância, desampara os filhos que a Ela recorrem.
Em seguida, foram contar o fato
ao pároco e visitar a Santa Padroeira, na igreja matriz. O bom sacerdote
ficou comovido e mandou erigir naquele lugar uma ermida dedicada a
Consuelo procurou instintivamente apoiar-se no parapeito que já não
estava mais ali... E caiu a vinte metros de profundidade!
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      47
________
Os Santos de cada dia 1. XVIII Domingo do Tempo Comum.
Santo Afonso Maria de Ligório,
Bispo e doutor da Igreja (†1787).
Beata Maria Estela do Santíssimo Sacramento, virgem e mártir
(†1943). Superiora do convento das
Irmãs da Congregação da Sagrada
Família de Nazaré em Nowogródek,
Bielorrússia, foi fuzilada junto com
outras dez freiras da comunidade.
2. Santo Eusébio de Vercelli, Bispo (†371).
São Pedro Julião Eymard, presbítero (†1868).
Santo Estêvão I, Papa (†257).
Proibiu rebatizar os hereges que
procuravam a plena comunhão com
a Igreja, afirmando que a união dos
cristãos com Cristo deve ser realizada uma única vez.
Gustavo Kralj
3. São Pedro de Anagni, Bispo (†1105). Descendente de família principesca, foi monge beneditino e depois Bispo de Anagni, Itália.
Empenhou-se na reforma de vida do
clero e dos leigos.
“São Francisco de
Sales e Santa Joana
Francisca de Chantal” Mosteiro da Visitação,
Gênova (Itália)
4. São João Maria Vianney, presbítero (†1859).
São Raniero, Bispo e mártir
(†1180). Foi monge e depois Bispo de
Cagli, Itália, onde muito sofreu por
defender os direitos da Igreja. Morreu
apedrejado em Split, Croácia.
5. Dedicação da Basílica de Santa
Maria Maior.
Beato
Francisco
Zanfredini
(†1350). Terciário Franciscano que
distribuiu seus bens aos pobres e viveu cerca de cinquenta anos no êremo de Montegranaro, Itália, por ele
construído.
6. Transfiguração do Senhor.
Beato Jocelino (ou Gezerino), eremita (†1138). Nasceu em Luxemburgo e viveu como eremita num bosque, confiando somente em Deus.
7. São Sisto II, Papa, e companheiros, mártires (†258).
São Caetano de Thiene, presbítero (†1547).
Santo Alberto de Trapani, presbítero (†cerca de 1306). Sacerdote carmelita italiano que, por suas ardorosas pregações, obteve a conversão de
muitos judeus ao Cristianismo.
8. XIX Domingo do Tempo Comum.
São Domingos de Gusmão,
presbítero (†1221).
Santo Eusébio de Milão,
Bispo (†cerca de 462).
Trabalhou pela verdadeira Fé e reconstruiu
a Catedral de Milão,
destruída pelos hunos.
9. Santa Teresa Benedita da Cruz, virgem e mártir (†1942).
Beata Cândida Maria de Jesus Cipitria,
48      Flashes de Fátima · Agosto 2010
virgem (†1912). Fundou em Salamanca, Espanha, a Congregação das Filhas de Jesus, dedicada à instrução cultural e espiritual de crianças e jovens.
10. São Lourenço, diácono e mártir (†258).
Beato José Toledo Pellicer, presbítero e mártir (†1936). Sacerdote
de Valência, Espanha, morto durante a perseguição religiosa nesse país.
11. Santa Clara de Assis, virgem
(†1253).
Santa Susana, mártir (†séc. IV).
Jovem cristã decapitada em Roma
por ordem do imperador Diocleciano.
12. Santa Joana Francisca de
Chantal, religiosa (†1641).
Beato Carlos Leisner, presbítero e mártir (†1945). Preso no campo
de concentração de Dachau, morreu
poucos meses após sua libertação, em
consequência dos sofrimentos que teve de suportar durante o cativeiro.
13. Santos Ponciano, Papa, e Hipólito, presbítero, mártires (†cerca de 236).
São Cassiano, mártir (†cerca de
300). Professor de taquigrafia, foi
morto a golpes de estilete pelos seus
alunos na atual Ímola, Itália, durante a perseguição de Maximiano.
14. São Maximiliano Maria Kolbe, presbítero e mártir (†1941).
São Facanano, Bispo (†séc. VI).
Fundou em Ross, na Irlanda, um
mosteiro célebre por sua escola, onde se ensinavam ciências divinas e
humanas.
15. XX Domingo do Tempo Comum. Assunção de Nossa Senhora.
Santo Alípio de Tagaste, Bispo
(†cerca de 430). Discípulo de Santo Agostinho, do qual foi também
companheiro na conversão, no mi-
____________________ Agosto
16. Santo Estêvão da Hungria, rei
(†1038).
Beata Petra de São José, virgem
(†1906). Freira espanhola que cuidou
com solicitude dos anciãos solitários e
fundou em Málaga, Espanha, a Congregação das Irmãs Mães dos Desamparados de São José da Montanha.
por ele fundado na cidade de Agde, França.
“Santo Estevão
da Hungria”,
Praça dos Heróis,
Budapeste
Victor Domingues
nistério pastoral e na luta contra os
hereges. Governou a diocese de Tagaste, em Numídia (atual Argélia).
17. São Mamede de Cesareia,
mártir (†275). Humilde pastor da
Capadócia (atual Turquia), morto
durante a perseguição de Aureliano.
18. São Macário, abade (†850).
Hegúmeno do mosteiro de Pelecete,
na Bitínia (atual Turquia), defensor
das sagradas imagens.
19. São João Eudes, presbítero
(†1680).
Santo Ezequiel Moreno Díaz, Bispo (†1906). Religioso agostiniano
espanhol, missionário nas Ilhas Filipinas e mais tarde Bispo de Pasto, Colômbia. Foi apresentado como
modelo de evangelizador pelo Papa
João Paulo II.
20. São Bernardo de Claraval,
abade e doutor da Igreja (†1153).
São Máximo, monge (†séc. V).
Discípulo de São Martinho de Tours,
foi monge na Abadia de Île-Barbe, em Lyon, França. De lá saiu para fundar um mosteiro perto de Chinon, onde passou o resto de sua vida.
21. São Pio X, Papa (†1914).
São Quadrado, Bispo e mártir
(†séc. III ou IV). Martirizado em
Útica, na atual Tunísia.
22. XXI Domingo do Tempo Comum.
Nossa Senhora Rainha.
Beato Tomás Percy, mártir
(†1572). Conde de Northumberland, na Inglaterra, decapitado durante o reinado de Isabel I.
23. Santa Rosa de Lima, virgem
(†1617).
São Zaqueu, Bispo (†séc. II).
Quarto sucessor de Santiago no governo da Igreja de Jerusalém.
24. São Bartolomeu, Apóstolo.
Santa Maria Micaela do Santíssimo Sacramento, virgem (†1865).
Freira espanhola, de família nobre
e abastada. Fundou as Adoradoras
Escravas do Santíssimo Sacramento
e da Caridade, para adoração perpétua a Jesus Sacramentado e recuperação de jovens transviadas.
25. São Luís, Rei de França
(†1270).
São José de Calasanz, presbítero
(†1648).
São Severo, abade (†séc. V). Governou com sabedoria o mosteiro
26. Santa Teresa de Jesus Jornet
Ibars, virgem (†1897). Freira espanhola, fundou em Valência, Espanha, o Instituto das Irmãzinhas dos
Anciãos Desamparados.
27. Santa Mônica (†387).
São Cesário, Bispo (†542). Depois de ter levado vida monástica
na Ilha de Lérins, foi nomeado Bispo de Arles, França. Escreveu um livro de sermões para ajudar os sacerdotes na catequese e compôs regras
para disciplinar a vida monástica.
28. Santo Agostinho, Bispo e doutor da Igreja (†430).
Santo Alexandre, Bispo (†cerca
de 336). Como Bispo de Constantinopla, lutou denodadamente em
defesa da Fé, atacada pela heresia
ariana.
29. XXII Domingo do Tempo Comum.
Martírio de São João Batista.
Beata
Bronislava,
virgem
(†1259). Religiosa do mosteiro premonstratense de Cracóvia, Polônia.
Destruído este pelos tártaros, retirou-se para uma cabana numa colina próxima.
30. Beato João Juvenal Ancina,
Bispo (†1604). Jovem médico que
ingressou na Congregação do Oratório e destacou-se como ardoroso
pregador em Nápoles, Itália, antes
de ser nomeado Bispo de Saluzzo.
31. São Paulino de Trier, Bispo e
mártir (†358). Apoiou corajosamente Santo Atanásio na luta contra a
heresia ariana no Sínodo de Arles,
e por isso foi exilado para a Frígia
(atual Turquia), onde morreu.
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      49
A hora do xeque-mate
Uma partida de xadrez proporciona ao homem atraente
repouso e o ajuda a desenvolver o raciocínio. Mas pode
também nos levar a considerar a grande batalha da vida.
Marcelo Rezende Costa
N
as longínquas paragens do Oriente, envoltas em mistérios e
grandezas, com palácios que parecem aflorar do mundo
dos sonhos, nasceu um dos mais interessantes passatempos: o jogo de
xadrez. Surgido na Índia, segundo
consta, antes da Era Cristã, atravessou as vastidões da distância e
do tempo: de lá passou para a China, o Japão, a Coreia, e também para a Pérsia e a Arábia, chegando por
fim à Europa, de onde acabou se espalhado por todos os países da Terra.
Os lances desse duelo travado
por dois “exércitos” de 16 peças, sobre um tabuleiro de 64 quadrados
pretos e brancos, bem podem simbolizar os combates que todo cristão
precisa vencer ao longo da sua vida. A bem dizer, cada uma das peças
deste jogo parece querer transmitir
algum ensinamento para o nosso espírito.
Postados na primeira linha de batalha, os peões avançam decididos
diante das dificuldades da luta, dispostos a qualquer sacrifício, sem se
deixar intimidar pelas ameaças dos
50      Flashes de Fátima · Agosto 2010
adversários. São, assim, exemplo de
como deve agir todo cristão perante
as provações, neste vale de lágrimas.
O movimento profundo e retilíneo
das torres simboliza a integridade de
alma do homem honesto, o qual trilha
o caminho do dever sem em nada se
desviar. Estas peças dão-nos também
o exemplo do holocausto: no lance denominado roque, trocam de posição
com o rei para protegê-lo das ameaças do adversário, oferecendo para isto, se necessário, a própria “vida”.
A presença dos bispos nos traz
à mente a importância da oração,
meio seguro para o homem atravessar as mais duras provas sem se deixar manchar pelo pecado. Esgueirando-se em sentido diagonal, estas
pedras transpassam agilmente as fileiras do adversário, atingindo eficazmente o seu objetivo.
Capazes de saltar em forma de
“L”, os cavalos evocam o modo de
agir dos missionários enviados pela Santa Igreja a todas as partes do
mundo. Quantos obstáculos devem
eles superar em sua pugna por conquistar almas para Cristo!
A mais versátil, elegante e forte
das peças do xadrez é a rainha. Ela
avança em qualquer direção para
todas as posições do tabuleiro, sem
que nenhuma outra possa superála em agilidade ou poder. Ela se assemelha assim à Auxiliadora dos
Cristãos, sempre pronta a socorrer
quem A invoca nos momentos de perigo ou necessidade.
Entretanto, todos os lances de
defesa ou de ataque se dão em função do rei. Ele é a peça central deste jogo, e a luta por defendê-lo conduz-nos a uma bela comparação: no
grande “xadrez” da vida, o “rei” a
ser resguardado é a nossa própria
alma.
Cabe a nós conservar íntegra essa valiosíssima peça, utilizando para isto a perseverança dos peões, a
retidão de espírito das torres, a impostação sobrenatural dos bispos,
a agilidade missionária dos cavalos
e, sobretudo, a força e prontidão da
rainha, sempre disposta a proteger
como extremosa Mãe cada um dos
seus queridíssimos filhos.
Então, não percamos tempo! A
partida já começou. Para alguns,
até, talvez esteja próxima a hora
de dar, ou de receber, o “xequemate”... 
Fotos: Gustavo Kralj
Peças de xadrez em marfim, de origem alemã, italiana e flamenga (secs. XIII a XVI), Metropolitan
Museum of Art, Nova York
Agosto 2010 · Flashes
de Fátima      51
N
umerosos
motivos
forçam-nos a amar
nossa amabilíssima
Rainha.
Em toda parte
louvassem-Na, d’Ela
somente falassem em
todos os sermões, a
vida dessem por Ela
todos os homens —
tudo isso ainda pouco
seria em comparação
da gratidão e amor
que Lhe devemos. Pois
é terníssimo o amor
que Ela consagra a
todos os homens,
mesmo aos mais
infelizes pecadores.
(Santo Afonso Maria de Ligório,
As Glórias de Maria)
Gustavo Kralj
“Nossa Senhora da Bondade”,
Igreja do Corpo de Cristo,
Cracóvia (Polônia)

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