REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ VAIDADE FEMININA E A

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REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ VAIDADE FEMININA E A
REVISTA CONTEÚDO
ARTIGO/
VAIDADE FEMININA E A RELAÇÃO DE CONSUMO COM CIRURGIA
PLÁSTICA
Rosana de Oliveira Freitas Sacchet1
Bruna Thomé2
RESUMO
O presente artigo investiga razões que levaram mulheres residentes em Porto Alegre e na
Grande Porto Alegre, pertencentes às classes A e C, com idade entre 25 e 35 anos a
realizarem cirurgia de implantação de prótese de silicone nos seios por motivos estéticos.
Além da construção teórica, foram contempladas entrevistas em profundidade e o estudo
identificou que a vaidade é um aspecto importante na vida das entrevistadas e a realização da
cirurgia plástica se deu em função da insatisfação das mesmas com o seu próprio corpo.
Palavras-chave: vaidade; consumo; cirurgia plástica.
WOMEN'S VANITY AND THE CONSUMPTION RATIO WITH
PLASTIC SURGERY
ABSTRACT
This article investigates the reasons why women living in Porto Alegre an in the metropolitan
area, belonging to classes A and C, aged between 25 and 35 years to carry out surgical
implantation of silicone breast prostheses for aesthetic reasons. Besides the theoretical
construct, were also did in-depth interviews conducted with representatives of these two
classes. The study can identify that vanity is one very important aspect in the life of the
interviewees, that the plastic surgery occurred due to the dissatisfaction of the same with your
own body.
Keywords: vanity; consumption; plastic surgery.
1
Pós-Doutorado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é
professora no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da UFRGS. E-mail:
[email protected].
2
MBA em Ciências do Consumo Aplicada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
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INTRODUÇÃO
Na segunda metade do século XX, o culto ao corpo ganhou uma dimensão social
nunca vista até então. A industrialização e mercantilização juntamente, a difusão generalizada
das imagens e normas, a profissionalização do ideal estético com a abertura de novas
carreiras, bem como a inflação dos cuidados com o rosto e com o corpo, contribuíram para
esse novo momento da história da beleza feminina e, em menor grau, masculina. No Brasil
esse crescimento da preocupação com questões estéticas e a explosão da “indústria da
beleza” ocorreu no período da transição do país para a democracia e o neoliberalismo. Os
empregos na área de serviços de embelezamento quase dobraram entre 1985 e 1995 e,
consequentemente, as mulheres passaram a investir mais em beleza independentemente de sua
classe social (GOLDENBERG, 2002; EDMONDS, 2002).
Desde o surgimento do Plano Real, que estabilizou a moeda no Brasil no ano de 1994,
o número de cirurgias plásticas vem crescendo 30% ao ano, principalmente as de implante de
prótese de silicone nos seios. De acordo com Pinheiro (2001) o país superou os Estados
Unidos em número de cirurgias plásticas nessa especialidade.
Alguns cirurgiões plásticos
citaram outras
razões para o crescimento
da
especialidade, como as inovações técnicas da cirurgia e até mesmo os fatores climáticos.
Segundo eles, o calor que faz no Brasil leva as pessoas a exporem mais seus corpos, dando
origem, assim, ao desejo e/ou necessidade de melhorar as partes do seu corpo que ficam
expostas.
Além das razões já mencionadas, por intermédio da mídia, essas mulheres são
bombardeadas por imagens de corpos e rostos perfeitos. Sendo assim, para alcançar uma
forma física impecável, é necessário investir na beleza e, se necessário for, realizar uma
intervenção cirúrgica para corrigir suas imperfeições (GOLDENBERG, 2002).
Tendo em vista a problematização apresentada, esse estudo tem por objetivo principal
investigar os motivos levam as mulheres residentes em Porto Alegre e na Grande Porto
Alegre a realizar cirurgia de implante de prótese de silicone nos seios por questões estéticas.
Para tanto foram determinados os seguintes objetivos específicos:
a) Entender o significado da palavra vaidade para as entrevistadas e as influências
exercidas pela mídia e pela sociedade nesse sentido;
b) Realizar um levantamento sobre os principais motivos para o reconhecimento da
necessidade da realização de cirurgia para implantação de prótese de silicone nos seios;
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c) Caracterizar os atributos valorizados no momento da escolha da técnica de
implantação e do tamanho da prótese de silicone nos seios, bem como do cirurgião plástico;
d) Verificar o grau satisfação dessas mulheres e o que mudou em suas vidas após a
relização do procedimento cirúrgico.
Acredita-se na relevância desta pesquisa como informação útil para profissionais que
atuam nas áreas de medicina, psicologia, antropologia, comunicação e marketing, fomentando
uma reflexão sobre a vaidade como motivação ao consumo. No âmbito acadêmico, sua
contribuição está em examinar o crescente consumo da cirurgia plástica no Brasil através de
um estudo inédito, tratando especificamente sobre a implantação de prótese de silicone
mamária, por motivos estéticos, em mulheres gaúchas.
MÉTODO
O presente trabalho é de vertente qualitativa, visto que foram trabalhados valores,
crenças, percepções e opiniões de mulheres que realizaram cirurgia de implante de prótese de
silicone nos seios por motivos estéticos. Foram abordadas questões a respeito dos motivos que
as levaram a realizar o procedimento cirúrgico, o que foi avaliado no momento da escolha da
técnica de incisão da prótese e do cirurgião plástico, bem como o que sentiram após a
realização da cirurgia. Para Malhotra (2001), a pesquisa qualitativa proporciona melhor visão
e compreensão do contexto do problema, já que utiliza um formato de pesquisa mais flexível.
O pesquisador é instrumento fundamental nesse tipo de estudo, já que esse deve interagir com
os entrevistados a fim de entender melhor seu ponto de vista a respeito de determinado tema.
Para atingir os objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa exploratória que, como
sugere seu nome, visa explorar um problema ou uma situação. De maneira geral, Malhotra
(2001) acredita que a pesquisa exploratória tem como principal objetivo fornecer ao
pesquisador o entendimento para que seja possível prosseguir com o projeto de pesquisa.
Mattar (2000) acrescenta que existem quatro diferentes fontes de dados utilizados para
a realização de pesquisas exploratórias. Na pesquisa em questão foram utilizadas fontes
bibliográficas e pesquisa documental, a fim de obter dados sobre o mercado de cirurgia
plástica; bem como entrevistas em profundidade, técnica de pesquisa qualitativa visando
entender motivações e significados que os entrevistados atribuem a situações ou questões em
análise (GIL, 1999; ROESCH, 1999; MALHOTRA, 2001).
Nos meses de maio e junho de 2013 foram realizadas 8 entrevistas em profundidade.
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O público-alvo da pesquisa foi composto por mulheres entre 25 e 35 anos que realizaram
cirurgia de implante de prótese de silicone nos seios por motivos estéticos. As entrevistadas
também deveriam fazer parte das classes A e C, definidas através da renda pelo Critério de
Classificação Econômica Brasil (2011), que tem como principal função estimar o poder de
compra das pessoas e famílias urbanas. Além disso, deveriam residir em Porto Alegre ou
cidades da Grande Porto Alegre e possuir Ensino Superior completo ou em curso. Esses filtros
foram utilizados na tentativa de criar dois grupos homogêneos, buscando priorizar poder de
consumo e nível intelectual.
As mulheres que participaram da pesquisa foram selecionadas por conveniência,
dentro do sistema conhecido como Snow Ball, onde as entrevistadas indicaram novas
entrevistadas a partir do critério: ter realizado cirurgia estética de implante de silicone nos
seios. Para a realização das entrevistas foi utilizado um gravador para que as respostas fossem
registradas na íntegra e pudessem ser posteriormente analisadas (MATTAR, 2000).
O perfil das entrevistadas está apresentado na figura 1:
Identificador
Entrevistada 1
(E1)
Entrevistada 2
(E2)
Entrevistada 3
(E3)
Entrevistada 4
(E4)
Entrevistada 5
(E5)
Entrevistada 6
(E6)
Entrevistada 7
(E7)
Entrevistada 8
(E8)
Idade
Estado
civil
Cidade que
reside
27 anos
Solteira
Porto Alegre
29 anos
Solteira
Porto Alegre
25 anos
Solteira
Porto Alegre
26 anos
Solteira
Porto Alegre
26 anos
Solteira
Porto Alegre
35 anos
Casada
Porto Alegre
25 anos
Solteira
Esteio
30 anos
Solteira
Canoas
Nível de
instrução
Ensino Superior
completo
Ensino Superior
incompleto
Ensino Superior
completo
Ensino Superior
completo
Ensino superior
completo
Ensino Superior
incompleto
Ensino Superior
incompleto
Ensino Superior
completo
Profissão
Designer de
Moda
Supervisora de
TI
Pesquisadora de
marketing
Classe
social
A
C
A
Bióloga
C
Advogada
A
Vendedora
C
Auxiliar de
Marketing
Relações
Públicas
C
A
Figura 1: Perfil das Entrevistadas
Fonte: Figura elaborada pelas autoras
A análise dos resultados obtidos através das entrevistas em profundidade foi utilizado
o método conhecido como análise de conteúdo. Segundo Roesch, (1999), esse consiste em
levantar inferências válidas a partir de um texto por meio da classificação de palavras, frases e
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parágrafos a fim de criar categorias de conteúdo. Neste caso as informações foram dividas em
duas categorias: noções de vaidade e beleza e pré-operatório; e percepções sobre o pósoperatório.
Após a apresentação da estratégia metodológica utilizada nesse estudo, seguem os
conceitos teóricos de imagem corporal e os padrões estéticos vigentes na sociedade ocidental
desde a década de 20 até os dias atuais.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Entende-se como imagem corporal a figuração do corpo que é formada na mente de
cada pessoa, ou seja, a maneira pela qual o corpo é percebido e se apresenta para o indivíduo.
De acordo com Schilder (1999), a imagem corporal é elaborada por meio de experiências
obtidas através de atitudes e ações de terceiros. O autor defende a idéia de que a ação de
outros indivíduos pode despertar sensações, bem como influenciar a tomada de decisões
através de atitudes e palavras. Dessa forma, para que o sujeito saiba quem é, é necessário que
o mesmo tenha consciência de seus sentimentos, pois, o desenvolvimento da identidade
corporal está intimamente relacionado com a construção da própria identidade que, por sua
vez, está relacionada com o meio.
De modo geral, os indivíduos costumam seguir padrões culturais de comportamento. É
a cultura quem estabelece seu próprio sentido e é ela quem escolhe as características que
configuram o que os seres humanos devem ser, tanto no aspecto moral e intelectual, quanto no
aspecto físico. Porém, Rodrigues (1986) alerta que a cada uma dessas motivações a cultura
atribui um significado especial em função da qual as pessoas assumirão determinadas atitudes
e desprezarão outras.
Como consequência disso, percebe-se que não há nenhum comportamento que não
passe pela influência cultural, e é sobre o amparo dessa influência que os corpos também são
formados. Os seres humanos, principalmente as mulheres, modificam seus corpos a todo o
momento sem se darem conta da ligação e da importância entre essa necessidade e o restante
das suas relações sociais. Dessa forma, pode-se dizer que é a cultura quem dita às regras com
relação ao corpo. Regras essas que as pessoas, a custa de recompensas e castigos, tendem a se
adaptar até que tais padrões de comportamento passem a ser vistos como algo natural. Assim,
para aproximar-se do ideal estético corporal imposto pela sociedade, os indivíduos praticam
exercícios físicos – muitas vezes em demasia – submetem- se a dietas rigorosas e realizam
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intervenções cirúrgicas (RODRIGUES, 1986).
No mundo ocidental, desde os primórdios, as mulheres tiveram que se adaptar e se
submeter a sacrifícios para se encaixarem aos padrões impostos pela sociedade de cada época.
Diferentemente da Renascença, período em que as gordinhas eram tidas como sinônimo de
beleza por representarem as famílias mais abastadas, a década de 20 foi marcada pelo
minimalismo. O espartilho, peça do vestuário feminino utilizado para reduzir/marcar a
cintura, manter o tronco ereto e ressaltar os seios foi deixado de lado. Nesse período, eram
cultuados os corpos de mulheres magras, com menos curvas, ombros mais largos e seios
pequenos – conseguidos por meio de sutiãs que achatavam os seios. No rosto pálido,
predominavam as sombras de tons escuros nos olhos e a utilização de lápis para arquear as
sobrancelhas. Nas décadas de 40 e 50, esse padrão de beleza feminino foi deixado de lado e,
na época, passaram a ser venerados corpos de mulheres com curvas sinuosas, cinturas de
pilão, quadris largos e seios fartos – preconizados por estrelas de Hollywood, como as atrizes
Marilyn Monroe e Elisabeth Taylor (MOTTA, 2011).
Esse modelo de beleza emplacou sem contestações até a década de 60, quando a
magreza feminina voltou a ser cultuada através da figura da modelo Twiggy. Porém, foi na
década de 80 que a preocupação exagerada com o corpo se intensificou de fato e, nesse
período, a mídia se apropriou dessa nova tendência e passou a bombardear as mulheres com
imagens de corpos femininos esbeltos e perfeitos. Ao longo dos anos 90 tentou-se reproduzir
ao máximo esse modelo e, nessa década, o padrão de beleza da modelo gaúcha Gisele
Bündchen foi o que caiu nas graças não só das brasileiras, mas das mulheres de todo o mundo.
Com sua considerada espontaneidade, carisma, seus traços de princesa e, ao mesmo tempo de
garota comum, Gisele operou uma revolução no padrão estético vigente nas passarelas e fora
delas. Magra, com seios fartos e quadris estreitos, mas arredondados, a top model se
transformou na modelo que todos os estilistas queriam utilizar para apresentar suas coleções e
na mulher que todas as outras almejavam ser (MIRANDA, 2008).
Pode-se afirmar que o final do século XX e início do século XXI são tidos como o
período em que o culto ao corpo se intensificou, tornando-se uma verdadeira obsessão e
transformando-se em um estilo de vida. Nos dias de hoje as mulheres de maior sucesso são
atrizes e modelos. Para Goldenberg (2005), essas conquistaram fama a partir de sua aparência,
beleza e corpo ou, como diria a mesma autora, seu capital físico. Dessa forma, é fácil perceber
que a associação entre corpo e prestígio tornou-se um elemento fundamental dentro da cultura
brasileira.
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Ainda que atualmente, mais do que em qualquer outra época, se busque a aceitação
das diferenças, visando uma maior liberdade e independência feminina, é também um
momento em que um alto grau de controle em relação à aparência e ao corpo se impõe,
principalmente à mulher brasileira (GOLDENBERG, 2007).
Nessa cultura que hierarquiza, classifica e julga pela forma física, não basta apenas
não ser gordo(a), é necessário construir um corpo musculoso, escultural. Isso exige um
autocontrole da aparência, seja por meio de dietas, da utilização de cosméticos ou, até mesmo,
da realização de cirurgias plásticas. Toda essa exigência contribuiu para o surgimento de um
consumidor eternamente intranqüilo e insatisfeito com a sua aparência. Para García-Canclini
(1993) e Campbell (2001), essa é uma das marcas da sociedade moderna, pois eles acreditam
que, assim que o consumidor satisfaz sua necessidade ou desejo, outro já se encontra à espera.
Ou seja, não se trata apenas de uma insatisfação, mas sim, de querer sempre mais. Tal
constatação feita pelos autores pode ser uma forma de tentar explicar o número cada vez mais
alto de intervenções cirúrgicas de caráter estético que são realizadas no país e no mundo
(GOLDENBERG, 2002).
Para o famoso cirurgião plástico brasileiro, Ivo Pitanguy, a função da cirurgia plástica
é a harmonização entre o corpo e o espírito. O objetivo é estabelecer um equilíbrio interno
possibilitando que o paciente se reencontre e se reestruture, para que se sinta em harmonia
com a sua própria imagem e com o universo que o cerca.
O vínculo com a psique ajuda a desviar a crítica implícita de que as pessoas que
realizam cirurgia plástica são hedonistas, conforme dito por Morin (1997). Ele acredita que
muitos se submetem a intervenções cirúrgicas na busca pelo prazer, pela satisfação. O
objetivo muda de “parecer bem” para “sentir-se bem”. Sendo assim, a autoestima, ou a falta
dela, não é um conceito vazio, utilizado de maneira consciente para justificar a realização da
cirurgia, mas um estado emocional sentido, embora difícil de ser definido (EDMONDS,
2002).
A noção de que a cirurgia é “para a cabeça” ou “para estar bem consigo mesma”
utilizada por várias pacientes, ajuda a dissociar a plástica da vaidade. Ao invés disso, sugere
que a plástica se conecta à sua relação com o seu próprio corpo, que está ligada,
fundamentalmente, a outros aspectos de suas vidas, como o trabalho e também aos seus
relacionamentos amorosos. Dessa forma, a cirurgia pode ser vista como um meio de
aperfeiçoamento pessoal para agradar a si mesmas. Para Edmonds (2002), independentemente
das justificativas dadas pelas mulheres para a realização da cirurgia plástica, essa faz com que
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a paciente conecte a imagem do que ela gostaria de parecer com o que ela de fato é. Permite a
inserção do seu “eu” em sua aparência. Ou seja, um processo pelo qual a identidade é cada
vez mais exibida e revelada através do corpo físico.
É em função disso que, a cada dia que passa, vem crescendo o espaço para
propagandas de beleza e novas dietas milagrosas, bem como tratamentos e procedimentos
cirúrgicos de caráter estéticos, são criados (VOLPI, 2009).
Atualmente, o Brasil encontra-se entre os maiores mercados de cirurgia plástica do
mundo, ocupando o segundo lugar no ranking de realização desse tipo de procedimento,
perdendo apenas para os Estados Unidos. Porém, é válido ressaltar que o país ocupa a
primeira posição em se tratando do aperfeiçoamento de novas técnicas e em relação à
qualificação dos cirurgiões plásticos que se formam nas instituições de ensino superior a cada
ano. Esses vêm alcançando cada vez mais sucesso e reconhecimento em âmbito nacional e
internacional (CORREIO DO BRASIL, 2010). Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica (SBCP), no ano de 2009, foram realizadas 645.464 cirurgias plásticas, sendo 443.145
cirurgias estéticas (69%) e 202.319 cirurgias reparadoras (31%). Se há alguns anos atrás a
lipoaspiração era a cirurgia mais procurada pelas mulheres, hoje em dia o implante de prótese
de silicone mamário figura entre as intervenções estéticas cirúrgicas mais realizadas no país
(D’AMATO, 2011).
Na sociedade ocidental moderna, os seios têm dupla função, podendo ser vistos como
símbolo maternal e erótico. Nessa cultura, o seio foi inscrito, durante muito tempo, em uma
percepção funcional alimentar, sendo muito recente a erotização dessa parte do corpo da
mulher. Sendo assim, a cirurgia para implantação de prótese de silicone é tida como um
importante recurso para melhorar a autoestima das mulheres, tornando-as mais confiantes,
atraentes e femininas (SANDRE- PEREIRA, 2003; D’AMATO, 2011).
RESULTADOS DAS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
Em continuidade ao estudo realizado, na próxima etapa constam os resultados obtidos
a partir das entrevistas em profundidade, os quais foram divididos em duas categorias: noções
de vaidade e beleza para as mulheres de classe A e C e pré-operatório e percepções sobre o
pós-operatório.
Noções de Vaidade e Beleza para as Mulheres de Classe A e C:
De acordo com as respostas obtidas através das entrevistas em profundidade foi
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possível perceber que todas as entrevistadas acreditam que a vaidade é um aspecto muito
importante na vida das mulheres. As mesmas afirmam que ela está associada à autoestima, é
sinônimo de sentir-se bem consigo mesmas e gostar do que vêem no espelho, como atestam as
verbalizações feitas por E1, E2 e E3: “[Vaidade é] me cuidar, ter carinho por mim mesma, me
arrumar. É também me preocupar com a qualidade dos produtos que eu uso. Isso pra mim é
importante” (E1); “[Vaidade é] te olhar no espelho todos os dias e gostar do que tu vês” (E2);
“[Vaidade é] eu me sentir bem comigo... Me sentir bem, me achar bonita mesmo” (E3).
Em maior ou menor grau, as entrevistadas consideram-se vaidosas e buscam estar
sempre belas. As representantes da classe A costumam ir ao salão de beleza com freqüência.
Semanalmente agendam manicure para fazer as unhas das mãos. Quinzenalmente realizam
depilação e cuidam das unhas dos pés. Mensalmente elas investem no visual dos cabelos,
fazendo escova, hidratação ou retoque da raiz. Praticam exercícios físicos como musculação,
corrida ou ginástica com regularidade e vão ao seu médico dermatologista de duas a três vezes
por ano ou, caso julguem necessário, mais assiduamente.
As entrevistadas pertencentes à classe C também se dizem vaidosas, mas percebe-se
que, para elas, a vaidade se manifesta de forma diferente das representantes da classe A, em
função do poder aquisitivo e atribuições diárias. Essas mulheres procuram estar sempre bem
cuidadas o que, segundo elas, não necessariamente tem a ver com freqüentar salão de beleza
com freqüência, assim como academia de ginástica e consultório dermatológico. Por terem
uma rotina muito atribulada e em função de grande parte de seu salário estar comprometido
com despesas fixas, costumam fazer elas mesmas suas unhas, por exemplo. As visitas ao salão
de beleza são esporádicas e feitas conforme necessidade. Além disso, é importante ressaltar
que muitas disseram se preocupar mais em estar bem vestidas, com roupas de qualidade e,
geralmente de marcas famosas, do que com as unhas feitas, cabelo “ajeitado” e maquiadas.
Elas disseram também que as visitas ao consultório dermatológico são feitas somente em caso
de necessidade, não sendo frequentes: “Frequento pouquíssimo as estéticas e salões de beleza,
mas eu gosto”. “Hoje não faço atividade física por falta de tempo, mas me sinto bem quando
consigo incluir isso na minha rotina.” (E4); “Tenho uma vida muito corrida... Até gostaria de
me dedicar mais à beleza, mas me falta tempo” (E2); “Dermatologista é só quando eu preciso
mesmo, não fico indo sempre não” (E6).
Quando questionadas a respeito de sua opinião sobre os padrões estéticos impostos
pela sociedade e pela mídia, temos divergências de respostas entre as entrevistadas da classe
A e as entrevistadas da classe C. As representantes da classe A acreditam que a influência da
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mídia e da sociedade a respeito de como as pessoas devem se portar e da aparência que,
principalmente as mulheres, devem ou não ter é uma realidade nos dias atuais. As colocações
feitas pelas entrevistadas nesse sentido corroboram com as ideias de Rodrigues (1986) e
Goldenberg (2002). Para os autores, a influência dos grupos de referência, formados pela
família, amigos e colegas de trabalho, por exemplo, juntamente com a sociedade e a mídia,
em especial a televisão, estabelecem características a respeito de como os indivíduos devem
se portar e ser, tanto no aspecto intelectual e moral, quanto no aspecto físico.
Apesar disso, as entrevistadas acrescentam que, embora a sociedade e a mídia exerçam
papéis importantes sobre a imposição dos padrões de beleza femininos, isso não as afeta
diretamente. Essas afirmaram que costumam buscar referências somente em termos de
vestimenta e que fazem isso por meio de revistas de moda e através da internet, em blogs
especializados. Porém, algumas delas ressaltaram que filtram todas essas informações e
seguem somente as tendências que as favorecem, independentemente de serem ou não
modismos: “Acho que a gente tem de pegar da mídia e de tudo aquilo que a gente vê por aí,
aquilo que pode nos acrescentar e nos melhorar, não ficar escrava desses negócios” (E5); “As
pessoas vão muito pela televisão [...] Eu não sou muito a favor disso, acho que as pessoas vão
muito atrás de modinhas” (E8).
Algumas representantes da classe C, porém, revelaram que sentem a influência direta
da mídia em suas vidas, e que essa costuma impor padrões e estabelece o que é esteticamente
belo e aceito. Para elas é uma coisa normal e, muitas vezes, necessária, como colocaram E2 e
E4: “Tu tens que ter alguma coisa pra te basear. Tens que te adequar aos padrões de beleza”
(E2); “Eu reparo no que as atrizes da televisão e do cinema usam. Apesar de não seguir a risca
todas as tendências, isso é inevitável” (E4). Outras vão ainda mais longe, dizem que essa é a
era da vaidade e que, cada vez mais as mulheres buscam ser e se parecer com personalidades
da mídia: “Parece que é a era da vaidade! Todas as pessoas estão se cuidando muito e todo
mundo quer se parecer com algum artista que gosta” (E6).
Essas colocações vão ao encontro do que foi dito por Goldenberg (2005) na obra
Gênero e Corpo na Cultura Brasileira. Para a autora, o final do século XX, assim como o
início do século XXI, é a era do culto ao corpo, tornando-se uma obsessão e transformando-se
em um estilo de vida para muitas pessoas. Ela acrescenta ainda que, atualmente, em função
disso, as mulheres de maior sucesso, que ditam moda e tendências, são atrizes e modelos.
Outra distinção observada nos depoimentos das entrevistadas da classe A, que não
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souberam especificar nenhum ícone de beleza, as representantes da classe C identificaram as
celebridades que as inspiram. São tidas como referência para compor o seu visual as atrizes
Jennifer Aniston, Angelina Jolie e Maria Fernanda Cândido, a modelo Gisele Bündchen, além
da cantora latina Jennifer Lopez.
Pré-Operatório e Percepções sobre o Pós-Operatório:
Por meio das informações levantadas através das entrevistas em profundidade
percebeu-se que, tanto as entrevistadas pertencentes à classe A quanto às pertencentes à classe
C desejavam desde muito novas fazer a cirurgia para a implantação de prótese de silicone nos
seios. Para elas, independente de sua condição financeira, conseguir realizá-la significou a
concretização de um grande sonho. Algumas revelaram que, antes da intervenção cirúrgica, se
sentiam mal consigo mesmas e que esse foi o principal motivo que as levou a optar pela
realização do procedimento, conforme foi colocado por E3 e E5: “Era uma coisa que me
incomodava. Eu sempre fui magrinha, então era uma coisa que me incomodava muito” (E3);
“Eu não gostava de me ver no espelho daquele jeito [...]. Não me sentia satisfeita” (E5).
Outras alegaram que, além de se sentirem desconfortáveis, acreditavam que nenhuma roupa
lhes caía bem em função de terem os seios pequenos: “Eu não tinha nada... Eu ia na praia e
não tinha nada, colocava uma blusinha e não tinha nada... Colocava qualquer roupa e não
aparecia, foi por isso [...]” (E8); “Eu não me sentia bem... qualquer roupa e ficava horrível”
(E2). Há ainda entrevistadas que disseram que sentiam como se tivessem o corpo de uma
menina e não de uma mulher e, em função disso, pareciam menos atraentes e sensuais como
atesta a verbalização feita por E4: “Meu corpo se desenvolveu e os meus seios não. Não me
sentia mulher, sensual. Gostava do meu corpo, mas faltava algo, o peito”.
Apesar de algumas entrevistadas terem sido incentivadas por amigos e familiares a
realizarem a cirurgia, conforme Goldenberg (2002) a mídia exerce grande influência sobre
esse tipo de decisão, pois costuma “bombardear essas mulheres com imagens de rostos e
corpos perfeitos”, grande parte delas fez o procedimento por razões particulares. Sendo assim,
a cirurgia pode ser vista como um meio de aperfeiçoamento pessoal, utilizada para agradar a
si mesmas. Dessa forma, pode-se dizer que sua principal função é a harmonização entre o
corpo e o espírito, com o intuito de fazer com que essas mulheres sintam-se satisfeitas com
sua própria imagem e com o universo que as cerca (EDMONDS, 2002).
Mesmo tendo decidido por conta própria que realizariam o procedimento, o que
confere certa liberdade ao processo de tomada de decisão de compra do serviço de cirurgia
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plástica, é possível perceber que isso não passa de uma sensação ilusória (BAUMAN, 1997).
Slater (2002) justifica essa afirmação ao dizer que toda a forma de consumo é cultural, pois os
significados devem ser partilhados e estão relacionados a contextos culturais particulares.
Sendo assim, apesar de dizerem que a compra do serviço de cirurgia plástica foi feita
para satisfação pessoal, não é possível desconsiderar alguns fatores como a imposição de
padrões de beleza feita pela sociedade e pela mídia: seios grandes, corpo esbelto e nariz
perfeito, por exemplo.
É válido salientar ainda que, apesar de estarem muito seguras quanto à realização do
procedimento cirúrgico e terem tido a liberdade de decidir se o fariam ou não, as entrevistadas
deram muitas razões como forma de justificar a cirurgia, como se sentissem uma espécie de
culpa por tê-la feito: “Eu era o quadro da dor, precisava muito mesmo. Tu não tens noção
[...]” (E5). As colocações feitas pelas mesmas nesse sentido podem estar atreladas a uma
herança religiosa, que prega que o trabalho enobrece o homem, mas que o consumo não.
Principalmente quando um bem ou um serviço não é adquirido com o esforço de seu trabalho,
como foi o caso de algumas representantes da classe A, que tiveram o valor da cirurgia, ou
pelo menos parte dele, pago por seus pais.
Com relação à escolha do cirurgião plástico, pode-se dizer sim que os amigos e/ou
familiares foram grandes influenciadores no momento da tomada de decisão. Todas as
entrevistadas, sem exceção, realizaram o procedimento com médicos indicados por pessoas
que já haviam feito a cirurgia de implante de prótese de silicone nos seios ou outra
intervenção cirúrgica de caráter estético. Porém, distintamente das mulheres da classe A que
disseram valorizar fortemente a reputação do médico escolhido, caracterizando-o como “um
dos melhores” (E5) ou “o melhor do Brasil” (E1), as representantes da classe C ressaltaram
que, para elas, a questão do valor da cirurgia foi um fator muito importante para a sua decisão.
Mesmo optando por médicos que tivessem preços mais em conta e oferecessem melhores
condições de pagamento, essas tiveram que se esforçar para conseguir arcar com as despesas
do procedimento. Algumas pediram dinheiro emprestado para parentes e, outras, juntaram
dinheiro por muitos anos. Sentem-se orgulhas em dizer: “Fiz muito sacrifício para poder
pagar. Na época eu era estagiária e juntava todo o meu dinheiro, não fazia mais nada” (E2) –
como se fosse uma recompensa pelo seu esforço e trabalho árduo.
Através das colocações feitas pelas entrevistadas pode-se inferir que, como grande
parte da população passou a ter acesso à cirurgia plástica, a realização da operação com
médico conhecido e bem conceituado provavelmente torna o valor do procedimento mais caro
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e pode ser visto como um processo de distinção social. A opção de realizar a cirurgia com um
cirurgião renomado torna-se um instrumento de poder de um grupo mais favorecido
economicamente sobre outro menos abastado que teve de optar não pelos melhores médicos,
mas sim, pelos que ofereciam preços mais acessíveis (GARCÍA-CANCLINI, 1993).
Ao serem questionadas sobre a escolha da técnica de implantação e sobre o tamanho
da prótese, as representantes da classe A e da classe C afirmaram que, apesar de terem lido
sobre o assunto e de terem conversado com pessoas que tinham realizado a cirurgia, seguiram
as recomendações do cirurgião plástico. Todavia é possível perceber através dos relatos das
entrevistadas que, enquanto as mulheres de classe A optaram por próteses menores, variando
entre 200 ml e 250 ml, por querem um “resultado mais natural” (E8) e “discreto” (E5), as
entrevistadas da classe C escolheram próteses maiores, entre 300 ml e 355 ml, para “chamar a
atenção” (E2), “fazer valer o investimento” (E6).
As entrevistadas, tanto da classe A quanto da classe C, revelaram que se sentiram
felizes e satisfeitas com os resultados da cirurgia de implante de prótese de silicone nos seios.
Essas disseram que passaram a se ver de forma diferente e que, hoje em dia, após o
procedimento, se sentem mais bonitas, mais confiantes e com a autoestima mais elevada: “Me
sinto muito mais bonita” (E1); “Foi como se eu tivesse ganhado uma injeção de autoestima.
Não há nenhum dia em que eu não me lembre do quanto eu sou feliz por esse resultado. Hoje
me considero mais sensual e mais confiante” (E4). Porém, é possível perceber através de suas
respostas que as representantes da classe A, apesar de terem gostado muito do resultado final
da cirurgia, se mostraram menos empolgadas do que as representantes da classe C, conforme
foi comentado por E5: “Hoje parece que eu nasci assim, já me acostumei porque o meu peito
ficou muito natural”. Talvez isso tenha se dado em função das mulheres da classe C terem se
esforçado e se empenhado mais na busca da realização desse sonho, como foi o caso da
entrevistada E6, que afirmou que seu marido teve que vender sua moto para poder pagar pelo
procedimento. Para ela a cirurgia teve um significado especial e realmente mudou sua vida:
“Me sinto outra pessoa, é como se eu tivesse nascido de novo. Só de deitar na cama, fechar os
olhos e acordar do jeito que tu querias ter nascido não tem preço! Isso é a realização de um
sonho, é como uma varinha mágica!”.
Apesar dessas colocações, ficou perceptível que a aquisição da cirurgia plástica
representou uma mudança drástica na vida de todas as entrevistadas, funcionando como uma
espécie de ritual de passagem, conforme colocado por García-Canclini (1993). Para elas, o
fato de ter seios – símbolo de feminilidade em todas as culturas – de um tamanho considerado
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“normal”, representou a passagem de uma etapa em suas vidas, pois passaram a se ver como
mulheres e não mais como meninas: “Hoje eu me sinto mulher... Antes não... Sabe quando te
falta alguma coisa?” (E2).
Quando perguntadas se, após a realização da cirurgia, passaram a chamar mais atenção
das pessoas nos locais que frequentam ou frequentavam, algumas entrevistadas disseram não
terem percebido isso de forma direta, mas acreditam que sim. Não em função de seus seios
estarem maiores, mas porque passaram a gostar mais de si mesmas e isso ficou aparente: “Tu
acabas chamando mais a atenção, não pelo peito, mas é que tu te sentes diferente, usa roupas
diferentes, aí acaba chamando mais atenção mesmo” (E1). Outras entrevistadas acrescentaram
que, além de se sentirem melhor consigo mesmas, após terem colocado silicone nos seios,
perceberam que se tornaram mais competitivas no ambiente de trabalho e também nas suas
relações sociais. O que reforça a ideia de Goldenberg (2005), o qual afirma a existência atual
de uma ligação direta entre o corpo e prestígio. Dessa forma, pode-se dizer que as mulheres,
mesmo que de forma inconsciente, modificam seus corpos para se sentirem mais aceitas e
para fortalecerem suas relações sociais. Por fim, é válido ressaltar que, apesar de se sentirem
plenamente satisfeitas após a realização do procedimento, as entrevistadas não descartam uma
nova cirurgia futuramente, caso julguem necessário. Tal fato faz menção à busca pela
perfeição e à valorização da imagem e à insaciabilidade, tratada por García-Canclini (1993) e
Campbell (2001) como sendo uma das marcas da sociedade moderna. Para eles, assim que o
consumidor satisfaz sua necessidade ou desejo, outro já se encontra à espera. Ou seja, não se
trata de uma insatisfação, mas sim, de querer sempre mais.
A partir dos resultados obtidos através das entrevistas em profundidade apresentados
nessa seção, serão traçadas, a seguir, as considerações finais deste estudo a fim de responder
aos objetivos que foram propostos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o exame dos dados gerados pela pesquisa, feito através da metodologia de
análise de conteúdo, foi possível identificar várias semelhanças entre os depoimentos das
entrevistadas da classe A e da classe C. Todas elas acreditam que a vaidade é um aspecto
muito importante na vida das mulheres e está atrelada ao fato de se sentirem bem consigo
mesmas e gostarem da imagem que veem refletidas no espelho. No entanto a busca pela
beleza se dá de forma diferente entre as representantes da classe A e da classe C. Apesar de
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todas afirmarem que se preocupam em estar sempre belas, sua vaidade é expressa de maneira
diferente, em função da condição financeira e atribuições diárias. Enquanto as mulheres da
classe A afirmaram ir ao salão de beleza, academia e consultório dermatológico com
frequência, as mulheres da classe C disseram que fazem suas unhas em casa e que vão ao
dermatologista, por exemplo, somente em caso de necessidade.
Com relação à influência exercida pela mídia e pela sociedade sobre a construção de
padrões estéticos, percebeu-se que as entrevistadas de classe A creem que não se deixam
influenciar por esses padrões, pois filtram todas as informações, principalmente as fornecidas
pela mídia, seguindo apenas as tendências que as favorecem. Já as entrevistadas de classe C
são fortemente influenciadas pelo que assistem na televisão e em filmes, por exemplo. Essas
buscam estar sempre na moda e, para isso, usam como referência atrizes, modelos e cantoras
que estão em voga atualmente.
De maneira geral, percebeu-se que as representes das duas classes sociais estudadas
realizaram a cirurgia de implante de prótese de silicone nos seios pelo fato de se sentirem
desconfortáveis com o seu corpo. Apesar de em alguns casos terem sido incentivadas a
realizar o procedimento por seus amigos e/ou familiares, a decisão de fazer a intervenção
cirúrgica partiu delas mesmas.
Em todos os casos a escolha pelo cirurgião plástico se deu por meio de indicação,
porém, alguns diferentes atributos foram considerados na opção do médico que faria a
implantação da prótese de silicone. Enquanto as mulheres de classe A valorizam somente a
reputação do médico, as mulheres de classe C também levam em consideração o valor
cobrado por ele para a cirurgia e o fato de o mesmo oferecer condições de pagamento
facilitadas. Apesar de terem buscado informações em diversos meios e terem consultado
pessoas próximas que tinham silicone nos seios, a técnica de implantação, bem como o
tamanho da prótese, ficaram a critério do cirurgião plástico.
Após a realização da cirurgia, todas as entrevistadas sentiram-se satisfeitas com os
resultados obtidos, pois disseram que se tornaram pessoas mais felizes, com sua auto-estima
mais elevada: mais confiantes. Por último, mas não menos importante, deve-se destacar o fato
de as mesmas terem afirmado que passaram a se sentir mais mulheres, afinal, o seio é visto
como sinônimo de feminilidade na sociedade moderna.
REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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