As estratégias de gestão do comportamento das crianças

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As estratégias de gestão do comportamento das crianças
Consultado el (poner fecha) en http://www.revistareid.net/revista/n1/REID1art2.pdf
AS ESTRATÉGIAS DE GESTÃO DO COMPORTAMENTO DAS
CRIANÇAS: PERCEPÇÕES DOS EDUCADORES DE INFÂNCIA
Vera do Vale
Universidade de Coimbra. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Linha de
investigação educação sócio-emocional. Coimbra, Portugal.
Resumo: Neste artigo descrevemos um estudo efectuado com 65 educadores de
infância com o objectivo de conhecer quais as estratégias que utilizam e qual a eficácia
que lhes atribuem na gestão do comportamento das crianças em jardim de infância. Foi
também nosso objectivo analisar a influência de algumas variáveis nessas escolhas
(escola de formação, número de anos de serviço, tipo de jardim de infância onde o
educador exerce a sua actividade profissional e as suas crenças teóricas sobre o
desenvolvimento e aprendizagem da criança). Os resultados permitiram-nos concluir
que a escola de formação inicial exerce influência nas estratégias positivas utilizadas
pelos educadores. Também o tipo de jardim de infância onde exercem a sua profissão
influencia o tipo de estratégias de utilizadas pelos educadores na gestão do
comportamento das crianças, nomeadamente no que diz respeito às estratégias de limite
e às estratégias de envolvimento dos pais.
Palavras-chave: Estratégias de gestão do comportamento. Competências sócioemocionais. Educação pré-escolar.
LAS ESTRATEGIAS DE REGULACIÓN DEL
COMPORTAMIENTO DE LOS NIÑOS Y NIÑAS: PERCEPCIONES
DE LOS EDUCADORES INFANTILES
Resumen: En este artículo describimos una investigación efectuada con 65 educadores
infantiles con el objectivo de saber cuál las estrategias que utilizan y la eficacia que
atribuyen a ellas en la regulación del comportamiento de los niños y niñas en centro
educativo. Era también nuestro objectivo analizar la influencia de ciertas variables en
estas opciones (escuela de la formación, número de años del servicio, tipo de centro
educativo en donde el educador ejerce su actividad profesional y su creencia teórica en
el desarrollo y aprender del niño). Los resultados permitiren concluir que la escuela de
la formación inicial ejerce influencia en las estrategias positivas utilizadas por los
educadores infantiles. También el tipo de centro educativo donde ejercen su profesión
REVISTA ELECTRÓNICA DE INVESTIGACIÓN Y DOCENCIA (REID), 1, SEPTIEMBRE 2008, PP. 27-46
ISSN: 1989-2446
do Vale, V.
influencia el tipo de estrategias utilizadas por los educadores en la regulación del
comportamiento de los niños y niñas, nominado en lo que dice respecto a las estrategias
del límite y a las estrategias del participación de los padres.
Palabras clave: Habilidades socio-emocionales; regulación emocional; educación
infantil
STRATEGIES TO MANAGE THE CHILDREN BEHAVIOUR:
WHISH ARE THE KINDERGARTEN TEACHERS PERCEPTIONS
Abstract: In this article we present a study made with a sample of 65 infant teachers.
Our main goal was to know witch behaviour strategies are used and their usefulness
acknowledged by infant teachers in children’s behaviour control in classroom. It also
investigates their possible relation with the number of years of service, teacher training,
institution where they are presently working and their theoretical beliefs about
children’s development and learning. The results obtained allowed us to conclude that
the teacher training has influence on positive strategies used by educators. We also
observed that the institution where they are presently working has influence in
children’s behaviour control, namely in what concerns to limit and parent involvement
strategies.
Key words: Behaviour control strategies. Socio-emotional competencies. And preschool education.
Introdução
A educação pré-escolar surge como uma importante estratégia de prevenção, ao
ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e
emocionais. Os educadores devem, assim, estar despertos para a importância da
competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para
uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro.
Essas competências incluem a autoconsciência, o controlo dos impulsos, a
empatia, a capacidade de escolha, a cooperação e a resolução de conflitos e tornam-se
ferramentas-chave quando a criança, na adolescência, tem que fazer face ao uso de
substâncias ou à violência.
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
As teorias acerca do desenvolvimento de problemas de comportamento na
criança referem como causas: as relações parentais inadequadas; conflitos conjugais;
depressão, abuso de drogas ou criminalidade dos pais; factores de risco biológico e de
desenvolvimento da criança como défices de atenção e atrasos na linguagem; factores
de risco escolar, como o uso pelos professores de estratégias pobres de gestão na sala e
baixo envolvimento dos professores com os pais; e ainda factores de risco na
comunidade, como a pobreza ou existência de bandos delinquentes (Webster-Stratton,
2002).
Alguns investigadores (Brophy, 1996, Rutter, Tizard, Yule, Graham &
Whitmore, 1976, todos citados por Webster-Stratton, 2002) verificaram que os
comportamentos dos professores e as características da escola, como a pouca ênfase
dada pelos mesmos à competência social e emocional, a baixa frequência de elogios, a
pouca atenção a objectivos individualizados face às necessidades sociais e académicas
específicas, bem como a elevada proporção estudantes-professor, estavam relacionados
com comportamentos agressivos em sala de aula, com delinquência e com fraco
desempenho escolar.
Objectivos do estudo
Neste contexto, o objectivo central da nossa investigação consistiu em analisar
os tipos de estratégias utilizadas pelos educadores de infância na gestão do
comportamento das crianças, a partir das percepções destes mesmos educadores, e
conhecer como algumas variáveis do educador se relacionam com essas percepções.
Pretendemos saber até que ponto variáveis como as escolas de formação inicial, os anos
de serviço, o jardim de infância em que o educador exerce a sua profissão e as crenças
teóricas sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança influenciam as estratégias
que os educadores utilizam na gestão do comportamento das crianças na sala de jardim
de infância. Assim, formulámos as seguintes hipóteses:
1- O tipo de escola de formação inicial dos educadores de infância influência
o tipo de estratégias que utilizam na gestão do comportamento das crianças.
2- O número de anos de serviço dos educadores exerce uma influência no tipo
de estratégias que utilizam na gestão do comportamento das crianças.
Educadores com mais anos de serviço utilizam estratégias diferentes dos que
exercem a profissão há menos tempo.
3- O tipo de jardim de infância onde o educador exerce a sua actividade
profissional influência o tipo de estratégias que utiliza na gestão do
comportamento das crianças.
4- O tipo de estratégias utilizadas pelo educador, na gestão do comportamento
das crianças, está relacionado com as suas crenças sobre o desenvolvimento e
aprendizagem da criança.
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Instrumentos utilizados
O Teacher Belief Inventory de Peters, Neisworth e Yawkey
O Teacher Belief Inventory de Peters, Neisworth e Yawkey (1985) é uma escala
tipo Likert constituída por três sub-escalas: a sub-escala cognitivodesenvolvimentalista; a sub-escala behaviorista e a sub-escala sócio-maturacionista.
Cada uma destas sub-escalas corresponde às três grandes concepções teóricas
psicológicas que são indicadas pelos autores como tendo implicações no processo de
desenvolvimento de currículos em educação pré-escolar.
Utilizamos uma versão traduzida e adaptada por Gaspar (1990).
Cada uma das sub-escalas é composta por 10 itens. Cada item é constituído por
uma afirmação que representa a descrição de uma prática do educador relacionada com
a concepção teórica de suporte a cada sub-escala, com 5 possibilidades de resposta:
concordo totalmente; concordo; sem opinião; discordo e discordo totalmente. Quanto
maior for o grau de concordância do sujeito em relação com a afirmação de cada item,
maior será a pontuação obtida nesse item. Como esta escala corresponde na realidade a
três escalas de Likert independentes, onde coexistem as três concepções psicológicas,
obtêm-se, assim, 3 resultados, um para cada sub-escala, sendo por isso possível
identificar as crenças e a teoria psicológica preferencial dos educadores.
A teoria preferencial do educador fica definida como aquela em cuja sub-escala
este obtém uma média de pontuação que seja simultaneamente: em primeiro lugar,
superior a 30 pontos; em segundo lugar, superior à média obtida em cada uma das
outras duas sub-escalas; e, por último, que seja significativamente superior à obtida em
cada uma das outras duas sub-escalas.
O Teacher Strategies Questionaire
O Teacher Strategies Questionaire é um instrumento que foi desenvolvido no
âmbito do projecto The Incredible Years Parenting Clinic, da Universidade de
Washington. O objectivo principal deste projecto é o treino de competências dos pais,
professores e crianças com base num modelo teórico de desenvolvimento de problemas
de comportamento.
Neste contexto, este instrumento foi construído para fazer um levantamento das
estratégias que os professores utilizam, na sua sala de aula, para gerir o comportamento
das crianças, visando, posteriormente, o treino desses mesmos professores ao nível das
estratégias eficazes de gestão na sala, promoção de relações positivas com alunos
difíceis, reforço de competências sociais na sala e ainda a comunicação positiva com
pais e a colaboração entre professores.
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
Para podermos utilizar o Teacher Strategies Questionaire procedemos à sua
tradução e adaptação. Introduzimos, fruto das conversas tidas com educadoras de
infância, um novo grupo de questões que tem a ver com o registo do comportamento
(regras da sala e tipos de registo de comportamento).
Deste modo, é possível obter os seguintes resultados com a versão adaptada
deste questionário:
1.Registo do comportamento: 4 itens, em que os resultados permitem
caracterizar o tipo de registo feito pelos educadores.
2. Gestão do comportamento:
2.1. Confiança na gestão e controlo de futuros problemas de comportamentos
em sala de jardim de infância: 2 itens com 7 opções de resposta de 1 (muito
inseguro) até a 7 (muito seguro).
2.2. Estratégias de gestão: nesta parte do questionário é cotada a frequência
com que utilizam determinadas estratégias e a eficácia que atribuem a essas
mesmas estratégias. Cada item tem 5 opções de resposta cotadas de
1(raramente/nunca) a 5 (muito frequentemente).
As estratégias estão agrupadas em três tipos:
Estratégias positivas, com um total de 18 itens. As estratégias positivas
encontram-se subdivididas em três tipos: estratégias de recompensas, com 6
itens; estratégias de limites, com 5 itens; e estratégias pro-activas, com 7
itens.
Estratégias inapropriadas, com um total de 6 itens.
Estratégias com pais, com um total de 15 itens. Separamos os 8 itens
pertencentes às estratégias com pais, denominando-as de “estratégias de
promoção de envolvimento dos pais”, uma vez que a pontuação se referia
apenas à frequência de utilização e era cotada de forma diferente (cada item
é cotado de 1 nunca a 6 diariamente).
Amostra e operacionalização das variáveis
A população da qual foi retirada a amostra era composta por todos os educadores
de infância a exercer funções docentes no distrito de Coimbra. Englobava os jardins de
infância oficiais do Ministério da Educação, os jardins sobre tutela do Ministério do
Trabalho e Solidariedade, os jardins particulares com fins lucrativos e também os
jardins escola João de Deus.
O critério utilizado na amostragem teve a ver com a facilidade de acesso à
população, e com a necessidade de incluirmos educadores provenientes de diferentes
escolas de formação inicial. Procedemos à selecção através de quatro formas diferentes.
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O primeiro grupo foi encontrado junto dos educadores que se encontravam a completar
a sua licenciatura (complementos de formação) na Escola Superior de Educação em
Coimbra (ESEC). O segundo grupo foi recrutado através dos educadores que eram
cooperantes da ESEC. O terceiro grupo da amostra foi seleccionado nas reuniões de
trabalho havidas entre o Centro de Área Educativa e os educadores do distrito
pertencentes ao Ministério da Educação. O quarto grupo foi escolhido de forma
intencional, pois diz respeito aos educadores a exercer funções nos Jardins Escola João
de Deus em Coimbra. Constituiu-se, assim, uma amostra inicial de 77 educadores.
Destes, 66 responderam e enviaram os questionários. Um questionário teve que ser
anulado.
A nossa amostra ficou assim constituída por 65 educadores de infância, cujas
idades se situavam entre os 24 e os 62 anos. A média das idades situa-se nos 36.02 anos
(DP=8.58). Todos os sujeitos eram de sexo feminino, o que nos permite utilizar a
designação de “educadoras de infância”. No que diz respeito ao ano em que as
educadoras terminaram o seu curso de Educadores de Infância, este variava entre 1968 e
2001, situando-se a média em 1989 (DP=8.10).
Dado o vasto leque de idades dos sujeitos da nossa amostra, encontrámos
educadoras que fizeram a sua formação inicial em Escolas Normais de Educação de
Infância (ENEIs), Escolas Superiores de Educação (ESEs) e Universidades.
A maioria das educadoras formou-se em escolas oficiais (75.3%), e uma
pequena percentagem formou-se em escolas particulares (3%). As restantes foram
formadas pela escola João de Deus (21.5%).
Em função do número de sujeitos formados nas diferentes escolas, e para efeitos
de análise de resultados, considerámos as seguintes categorias na variável “escola de
formação”: 1-Escolas Normais de Educadores de Infância, privadas e públicas; 2-Escola
Normal João de Deus; 3-Escolas Superiores de Educação e Universidades, 4-Escola
Superior de Educação João de Deus. As escolas de formação reflectem o modelo de
sociedade e a concepção de ser humano que se defendem em determinada época.
Diferentes escolas de formação têm diferentes concepções teóricas do perfil de
educador.
Em termos de tempo de serviço, na carreira, o valor mínimo é de 1 ano e o
máximo é de 32, sendo o valor médio de 12.32 (DP=7.98). Para efeitos da análise de
resultados considerámos as seguintes categorias:
1- de 1 a 2 anos de serviço profissional;
2- de 3 a 6 anos de serviço profissional;
3- de 7 a 32 anos de serviço profissional.
Na elaboração destas categorias baseámo-nos nos estádios de desenvolvimento
dos educadores de infância definidos por Katz em 1972 (Katz, 1993). Apesar de não ser
muito explícito o tempo de permanência em cada estádio, que pode também variar de
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
indivíduo para indivíduo, é considerado que o 1º estádio pode durar até ao fim do
segundo ano de experiência profissional. O 2º estádio corresponde sensivelmente ao
terceiro e quarto ano de serviço. O 3º estádio corresponde ao quinto ano de serviço e,
finalmente, o 4º estádio inicia-se por volta do sétimo ano de serviço. Assim, no nosso
estudo, a primeira categoria corresponde ao 1º estádio de desenvolvimento, a segunda
engloba o 2º e 3º estádios e a terceira corresponde ao 4º estádio.
O tipo de jardim de infância corresponde à instituição em que os educadores
desempenham a sua actividade profissional. Sabemos que na educação de infância os
contextos são variados e influenciam também o próprio trabalho aí realizado. Esta
variedade de contextos pode influenciar tanto a autonomia profissional do educador,
como o tipo de trabalho e estilo de interacção com as crianças.
A maioria das educadoras da nossa amostra, 36% (n=23), exercia a sua profissão
em instituições oficiais da rede pública do Ministério da Educação; 34% (n=22) exercia
em instituições privadas de solidariedade social, pertencentes ao Ministério do Trabalho
e da Solidariedade, tendo acordos de colaboração com o Ministério da Educação; 17%
(n=11) desenvolvia a sua profissão em jardins escola João de Deus; e 13% (n=8) das
educadoras exercia a sua profissão em instituições privadas com fins lucrativos.
Para efeitos de análise de resultados considerámos as seguintes categorias:
1-Jardins de infância oficiais da rede pública do Ministério da Educação;
2- Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) pertencentes ao
Ministério do Trabalho e da Solidariedade com acordos de colaboração com o
Ministério da Educação;
3- Instituições privadas com fins lucrativos; 4- Jardins escola João de Deus.
Discussão dos resultados
Elaboração de regras e registo do comportamento
Uma das primeiras questões que nos propusemos analisar prendia-se com a
elaboração de regras de comportamento na sala de jardim de infância. De acordo com os
dados obtidos e analisados, a maioria das educadoras (n=63) elabora regras de
comportamento para a sua sala de jardim de infância. Em nossa opinião este é um
resultado bastante positivo, pois a investigação tem demonstrado que é necessário haver
regras na sala, para as crianças saberem que comportamentos são esperados delas
(Spodek & Saracho, 1998).
Outro dado importante que observámos é que uma grande parte das educadoras
(n=44) envolve as crianças na elaboração dessas regras. As crianças precisam saber por
que é que as regras são usadas e nada melhor para isso do que elas participarem na sua
elaboração, o que vai atribuir-lhes responsabilidade e, por outro lado, desenvolver nelas
motivações autênticas para cumprir essas regras.
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Apenas 3 educadoras envolvem os pais na elaboração das regras. Estes dados apontam
para uma ausência de colaboração casa-escola, no que se refere à definição das regras a
utilizar no jardim de infância, o que vai contra o definido no artigo 10º alínea i, dos
Princípios Gerais da Educação Pré-escolar (1997), o qual se refere à participação da
família. Também os resultados de investigações apontam para a necessidade de redes de
suporte entre casa e jardim de infância.
Constatámos ainda que a comunidade também não é envolvida neste processo de
elaboração de regras. De acordo com a teoria ecológica do desenvolvimento, é
fundamental ter em conta as interacções que se estabelecem nos vários níveis estruturais
(micro, meso, exo e macro sistemas) pois, e em consonância com Bronfenbrenner
(1979), estes sistemas estão relacionados entre si e influenciam o desenvolvimento da
criança de formas diversas. Daí que se devam estabelecer relações interpessoais
dinâmicas entre todos os contextos que envolvem a criança.
Quanto ao registo do comportamento, os dados obtidos mostraram que
aproximadamente metade das educadoras da nossa amostra (48%), não efectua qualquer
registo do comportamento das crianças. Este dado não deixa de ser preocupante pois,
nas Orientações Curriculares (1997), mais precisamente nas orientações globais para o
educador, é feita referência ao processo de observação contínua de cada criança a fim
de recolher informações sobre as suas capacidades, interesses e dificuldades e
recomendando que os registos sejam feitos de diferentes formas.
Das educadoras que fazem registo (n=34), a maioria envolve as crianças neste
processo, o que se torna uma forma interessante de envolver as crianças na
interiorização das regras.
Quanto ao tipo de registo utilizado, ele é variado e revela até alguma criatividade. A
salientar os registos que são efectuados com a colaboração das crianças, utilizando
simbologias criadas pelas próprias crianças, e as assembleias onde são discutidos os
comportamentos e decididos os castigos, o que revela da parte do educador uma postura
flexível e dialogante, ajudando as crianças a exprimirem as suas emoções, dando
relevância às suas opiniões e contribuindo para a sua maturação e para a construção do
seu controlo interno. Como Zahavi e Asher (1978, citados por Katz & MacClellan,
1996) demonstraram, as crianças que debatem com o educador as consequências do
comportamento social positivo ou negativo têm um comportamento menos agressivo.
Assim, o educador, ao mesmo tempo que fomenta momentos de partilha e aquisição de
um espírito crítico com interiorização de valores, vai iniciando as crianças numa
educação para a cidadania.
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
Confiança na gestão actual e futura de comportamentos
Outra das questões do nosso estudo tinha a ver com a segurança dos educadores
para gerir o comportamento das crianças na sala e também para controlar futuros
problemas de comportamento.
Mínimo
Máximo
Média
Moda
Desvio
padrão
Gerir
3
7
5.71
6
.70
Controlar
3
7
5.60
6
.66
Quadro 1: Resultados obtidos pelas educadoras nas questões “gerir com segurança” e
“controlar futuros problemas de comportamentos das crianças em sala de jardim de
infância”
Verificámos, através dos resultados obtidos, que a maioria das educadoras sente-se
segura das suas capacidades actuais de gestão do comportamento, o mesmo se passando
quanto à capacidade para controlar com segurança futuros problemas de
comportamento, dentro da sala de jardim de infância. São as educadoras com mais anos
de serviço na profissão que obtêm uma média mais elevada, tanto no item gerir seguro
(M=5.87), como no item controlar futuros problemas de comportamento (M=5.71).
Porém, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
correspondentes às categorias consideradas para esta variável, o que nos leva a afirmar
que, no que diz respeito à questão de gerir e controlar problemas de comportamento, os
anos de serviço não exercem qualquer influência.
É nas escolas de formação ESEs e Universidades que se regista a média mais
elevada no item “gerir seguro problemas de comportamento”. A média mais baixa para
o mesmo item pertenceu à escola de formação ESE João de Deus. Porém, e de novo,
não se acharam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
correspondentes às categorias consideradas para esta variável.
Quanto à variável jardim de infância, é nos jardins de carácter oficial que se
registaram as médias mais elevadas nos itens “gerir seguro” e “controlar futuros
problemas de comportamento”. As médias mais baixas situaram-se nos jardins de
infância de carácter privado. Não encontramos, no entanto, diferenças estatisticamente
significativas entre os grupos correspondentes às categorias consideradas para estas
variáveis.
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Estratégias específicas de gestão do comportamento
Questionámos as educadoras quanto ao tipo de estratégias específicas que
utilizavam na gestão do comportamento das crianças.
Os dados obtidos mostraram que as educadoras dizem utilizar frequentemente
estratégias positivas e consideram que essas estratégias têm eficácia frequentemente.
Frequência
Mínimo
Máximo
Média
Moda
Desvio
padrão
34
77
57.63
57
8.48
34
86
60.23
62
9.86
Eficácia
Quadro 2: Total das estratégias positivas: frequência e eficácia
São, no entanto, as educadoras com 4 a 6 anos de serviço que dizem utilizar mais
frequentemente essas estratégias. Em contrapartida, são as educadoras com mais anos
de serviço que dizem utilizar menos as estratégias positivas. Porém, não encontrámos
diferenças estatisticamente significativas entre os grupos correspondentes a esta
variável.
Quanto à eficácia atribuída às estratégias positivas, a média mais elevada
encontra-se na categoria que diz respeito a 1 e 2 anos de serviço (M=61.67). Também
não encontrámos, para o parâmetro eficácia, uma diferença estatisticamente
significativa.
No que diz respeito à variável “escola de formação” são as educadoras formadas
pela ESE João de Deus que obtiveram a média mais elevada neste item respectivamente
61.12 para a frequência e 63.69 para a eficácia. A média mais baixa registou-se no
grupo das educadoras formadas pelas ESEs e Universidades (M=48.75 e M=49.75).
Encontrou-se uma diferença estatisticamente significativa [F(3, 61)=5.64, p=.002] para
a frequência e [F(3, 61)=4.82, p=.004] para a eficácia. Com a comparação à posteriori
(teste HSD de Tukey) foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa
(p=.001) entre o grupo das educadoras formadas pela ESE João de Deus e pelas ESEs e
Universidades. De acordo com este resultado podemos afirmar que as educadoras
formadas pela ESE João de Deus utilizam mais estratégias positivas e atribuem mais
eficácia a essas estratégias do que as educadoras formadas pelas ESEs e Universidades.
Estes dados vieram confirmar a nossa hipótese de que as escolas de formação
inicial influenciam o tipo de estratégias utilizadas pelos educadores.
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
Verificou-se que é nos jardins de infância de carácter oficial onde se regista a
média mais elevada de utilização (60.22) e de eficácia (63.00) atribuída às estratégias
positivas. Os jardins João de Deus apresentam a média mais baixa, (49.25) para a
utilização e para a eficácia (52.92) destas estratégias. Estas diferenças são
estatisticamente significativas [F(3, 61)=6.15, p=.001], no parâmetro frequência, e
confirmam a nossa hipótese de que os contextos de trabalho influenciam as estratégias
de gestão utilizadas, neste caso as positivas. Poderíamos achar que este dado é
contraditório com o anterior, mas não podemos esquecer que na nossa amostra não há
uma correspondência entre jardins de infância e escola de formação inicial, havendo
educadoras em jardins oficiais que se formaram em escolas João de Deus.
Quando analisamos os subgrupos das estratégias positivas observamos que as
educadoras dizem utilizar mais frequentemente estratégias pro-activas, seguidas das de
recompensa e por último as menos frequentes são as estratégias de limites. Nas
estratégias pró-activas registou-se, mesmo, o máximo de pontuação no que diz respeito
à eficácia.
Mínimo
Máximo
Média
Moda
DP
Frequência
14
31
23.14
21
3.72
Eficácia
14
35
23.54
24
4.31
Frequência
10
28
18.91
16
3.92
Eficácia
10
28
20.22
21
4.37
Frequência
7
22
15.58
16
3.18
Eficácia
7
23
16.48
18
3.26
Proactivas
Recompensa
Limites
Quadro 3: Estratégias proactivas, de recompensa e de limites-frequência e
eficácia
No grupo das estratégias pro-activas encontramos estratégias como a resolução
de problemas, a gestão da raiva e a identificação de sentimentos das crianças. Estas
estratégias que fazem parte de uma educação emocional, pois ao estimular a criança a
identificar os seus sentimentos o educador, além de a ajudar a demonstrar as emoções,
ajuda-a a rotular as próprias emoções para que possa comunicar verbalmente aos outros
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os seus sentimentos. As crianças que desde cedo aprendem a desenvolver a capacidade
de controlo das suas emoções e acções, têm maior probabilidade de virem a assumir a
responsabilidade pelos seus próprios actos. Também as estratégias como os sinais de
aviso, um plano claro de disciplina e uma preparação para as transições, ajudam a
criança a conquistar a sua autonomia e independência
No subgrupo das estratégias pro-activas verificámos que as médias de utilização
destas estratégias são aproximadas entre as três categorias referentes à variável “anos de
serviço”. Embora se possa afirmar que são as educadoras mais novas que utilizam mais
estratégias pro-activas, não encontrámos diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos. Também quanto à variável “escola de formação”, não encontrámos
diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, embora sejam as educadoras
formadas pelas ESE João de Deus que apresentam a média mais elevada, quer para a
frequência (23.96), quer para a eficácia, (24.42), que atribuem às estratégias pro-activas.
No que se refere à variável “tipo de jardim de infância”, as médias para a frequência são
muito aproximadas entre os 4 grupos, embora a média mais elevada se tenha registado
na categoria dos jardins de infância oficiais, e a mais baixa nos jardins escola João de
Deus. Para a eficácia é também nos jardins de infância oficiais onde se regista a média
mais elevada. Mais uma vez, não se encontraram diferenças estatisticamente
significativas entre os grupos correspondentes a esta variável.
Outras das estratégias utilizadas muito frequentemente pelas educadoras de
infância são as estratégias de recompensa, sendo que é atribuída muito frequentemente
eficácia a essas estratégias. Destas estratégias fazem parte incentivos de grupo,
programas individuais de incentivo e comentários ao bom comportamento.
Encontrou-se, porém, uma diferença estatisticamente significativa, (p=.001) para
a frequência de utilização das estratégias de recompensa. Isto permite-nos afirmar que
as educadoras formadas pela ESE João de Deus utilizam mais estratégias de
recompensa que as educadoras formadas pelas ESEs e Universidades. Este resultado, na
realidade, está de acordo com a teoria psicológica subjacente ao modelo curricular João
de Deus, cujo princípio se centra na aquisição, manutenção e extinção de
comportamentos através dos reforços, quer positivos, quer negativos, pertencendo ao
educador a iniciativa de organizar um plano previamente estabelecido. É interessante
que a variável que determina as diferenças é a escola de formação e não os jardins de
infância.
Constatamos, que as estratégias de limites são as menos utilizadas pelas
educadoras. Um dos principais objectivos do estabelecimento de limites é ajudar a
criança a atingir um controlo interno dos seus impulsos. Estas estratégias comportam
acções como o “time out”, que, quando utilizado correctamente, pode ajudar a criança a
acalmar e a reflectir no seu comportamento. Uma utilização apropriada desta estratégia
pode ensinar à criança uma forma de se acalmar e gerir as emoções de uma forma mais
positiva.
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
Contudo, são as educadoras com menos anos de serviço que utilizam mais
estratégias de limite e são mesmo as que têm entre 1 a 2 anos de serviço que atribuem
mais eficácia a essas estratégias. No entanto, não encontrámos diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos correspondentes à variável “anos de
serviço”.
Quanto à escola de formação são as educadoras formadas pela ESE João de
Deus que dizem utilizar mais estratégias de limite e lhes atribuem também mais
eficácia, respectivamente M=16.62 e M=17.38. A média mais baixa, quer para a
frequência (M=12.88), quer para a eficácia (M=13.63), registou-se na categoria das
educadoras formadas pelas ESEs e Universidades. Também, aqui, não encontrámos
diferenças estatisticamente significativas entre estes grupos correspondentes à variável
“escola de formação”. No que diz respeito aos contextos de jardim de infância, é nos
jardins de infância oficiais que encontramos a média mais elevada quer para a
frequência (M=16.48), quer para a eficácia (M=17.26), de utilização das estratégias de
limites. São os jardins escola João de Deus que apresentam a média mais baixa
(M=13.08, frequência e M=14.33, eficácia). Porém, encontrámos diferenças
estatisticamente significativas (p=.012) no que respeita à frequência, entre os jardins
oficiais e os jardins escola João de Deus e entre os jardins de carácter IPSS e os jardins
escola João de Deus (p=.027). Estes dados permitem-nos afirmar que os educadores de
jardins de infância oficiais utilizam mais estratégias de limites do que os de jardins
escola João de Deus, e, por sua vez, que os de jardins IPSS utilizam também mais
estratégias de limites que os João de Deus. Estas diferenças confirmam a nossa hipótese
de que os contextos de trabalho influenciam as estratégias de gestão, neste caso
estratégias de limites, utilizadas pelas educadoras.
Passando à categoria das estratégias inapropriadas, verificámos que as
educadoras de infância dizem utilizar às vezes estratégias inapropriadas, e, também às
vezes, atribuem eficácia a essas estratégias, reconhecendo-lhe mais eficácia do que
utilização.
Mínimo
Máximo
Média
Moda
Desvio
padrão
Frequência
6
25
11.08
9
3.85
Eficácia
6
29
14.12
10
4.91
Quadro 4: Estratégias Inapropriadas
No subgrupo destas estratégias, encontramos acções como comentar em voz alta
o mau comportamento, apontar uma criança por mau comportamento, recorrer à força
física.
REID, 1, pp. 27-46
39
do Vale, V.
Constatámos que são as educadoras com menos anos de serviço que registam
uma média mais elevada (13.44) de frequência de utilização das estratégias
inapropriadas. São também as educadoras com menos anos de serviço que atribuem
mais eficácia (M=15.78) a essas estratégias. As educadoras com mais anos de serviço
dizem utilizar menos este tipo de estratégias (M=10.60).
As características do educador podem propiciar, ou não, uma atmosfera social
positiva na sala do jardim de infância, contribuindo para um auto-conceito e uma autoestima positivos. Se o educador fomenta a crítica e as acusações, quer mediante insultos
e humilhações frente ao grupo de crianças, quer através, de forma dissimulada,
sinalizando individualmente uma criança, está a promover sentimentos negativos nas
crianças.
Quando analisamos as estratégias inapropriadas face à variável ”anos de
serviço” não encontrámos diferenças estatisticamente significativas quer para a
frequência, quer para a eficácia, entre as categorias para esta variável.
As educadoras formadas pela ESE João de Deus apresentam uma média mais
elevada em termos de frequência para as estratégias inapropriadas (M=12.96). A média
mais baixa encontra-se no grupo das educadoras formadas pelas ENEIs públicas e
privadas (M=9.56). Em termos de eficácia, são também as educadoras formadas pela
ENEI João de Deus que registaram a média mais elevada (M=16.83). Não encontrámos,
no entanto, diferenças estatisticamente significativas quer para a frequência, quer para a
eficácia, entre estes grupos correspondentes à variável “escola de formação”. Contudo,
poderemos colocar a hipótese destes resultados diferenciais se ficarem a dever às
perspectivas teóricas que estão subjacentes à formação dos educadores, uma vez que os
educadores formados nas escolas João de Deus estão mais imbuídos numa linha
behaviorista, em que o currículo é caracterizado pela formulação de objectivos
comportamentais mais centrados na sociedade. Por seu lado, os educadores formados
pelas ENEIs públicas e privadas têm subjacente na formação uma teoria maturacionista,
em que o centro do currículo é a própria criança, os seus interesses e modos específicos
de pensar e agir.
É nos jardins de infância de características IPSS que encontrámos as médias
mais elevadas nos dois parâmetros (frequência 12.55 e eficácia 14.68) para as
estratégias inapropriadas. A média mais baixa em termos de frequência (10.26)
registou-se nos jardins de infância de características oficiais. Os jardins de infância
privados apresentam a média mais baixa, em termos de eficácia (13.13). Porém,
também não encontrámos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
correspondentes à variável “tipo de jardim de infância”.
Possivelmente, estes dados ficar-se-ão a dever às diferenças que caracterizam os
contextos de jardins de infância. Os jardins de infância de características IPSS têm um
número elevado de crianças por sala, além de que as crianças permanecem um maior
número de horas nestas instituições, comparativamente aos jardins oficiais. Têm
40
REID, 1, pp. 27-46
As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
também englobadas rotinas, como o almoço e a sesta, que levantam, por vezes,
situações problemáticas, o que levará os educadores, que trabalham também mais horas
que os de contextos oficiais, a terem que resolver os problemas de uma forma mais
rápida e incisiva, embora menos eficaz, como já referimos.
No que diz respeito ao terceiro grupo de estratégias, estratégias com pais,
podemos concluir que as educadoras de infância dizem utilizar, às vezes, estratégias
com pais, e consideram que as estratégias com pais, às vezes, têm eficácia. Interessante
é a eficácia (M=18.50) ser superior à utilização (M=16.50), como indicando que lhe
reconhecem mais eficácia do que utilizam. Estes dados apontam em sentido inverso ao
que tem sido descrito em estudos efectuados sobre a participação dos pais nos contextos
escolares, pois estes últimos apontam para o benefício que traz para a criança a ligação
casa-jardim de infância. Além disso, estes dados estão também em dissonância com o
que se encontra legislado nos princípios gerais da Lei-Quadro nº 5/97 para a educação
de infância, que refere que um dos papéis do educador é incentivar as famílias a
participar no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração. No
entanto, não poderemos deixar de referir que nos currículos de formação inicial também
não encontramos nenhuma disciplina específica de técnicas de envolvimento ou
estabelecimento de parcerias com pais. O desempenho do futuro educador depende,
pelo menos em parte, do modelo que encontrou nos jardins de infância onde
desenvolveu os seus estágios pedagógicos, e da experiência prática que for acumulando
ao longo da sua vida profissional, e até pessoal.
São, assim, no nosso estudo, as educadoras com mais anos de serviço que dizem
utilizar mais estratégias com pais e lhe atribuem mais eficácia. As educadoras com
menos anos de serviço dizem utilizar menos estratégias deste tipo. Contudo, não
encontramos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos correspondentes
à variável “anos de serviço”, o que nos leva a afirmar que o número de anos de serviço
não exerce uma influência no tipo de estratégias utilizadas pelos educadores com pais
nem na eficácia que lhe atribuem.
Por outro lado, é na categoria das educadoras formadas pela ESE João de Deus
que encontramos a média mais elevada para os dois parâmetros (frequência,17.61 e
eficácia, 20.00) na utilização das estratégias com pais. No entanto, não encontrámos
diferenças estatisticamente significativas entre os grupos correspondentes à variável
“escola de formação”, o que nos leva a concluir que as escolas de formação também não
exercem influência no tipo de estratégias utilizadas pelos educadores de infância e na
eficácia que lhe atribuem.
As educadoras que trabalham em instituições do tipo IPSS e oficial registaram a
média mais elevada, no parâmetro frequência de utilização das estratégias com pais
respectivamente 17.21 e 17.22. Em termos de eficácia foram as educadoras dos jardins
de infância de carácter privado que atribuíram mais eficácia a essas estratégias
(M=24.00). A média mais baixa, quer em termos de frequência, quer em termos de
eficácia, registou-se nas educadoras que desenvolvem a sua actividade profissional nos
REID, 1, pp. 27-46
41
do Vale, V.
jardins escola João de Deus (M=13.91 para a frequência e M=15.58 para a eficácia).
Contudo, os dados mostram que não há diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos, permitindo-nos concluir que o tipo de jardim de infância onde o educador
exerce a sua actividade profissional não influência as estratégias utilizadas nem a
eficácia que lhe atribuem.
Ainda nas estratégias com pais, e quando analisámos os dados referentes à
promoção do envolvimento, verificámos que as educadoras dizem promover às vezes o
envolvimento dos pais. São as educadoras com mais anos de serviço que dizem
promover mais frequentemente este envolvimento, enquanto que as educadoras com
menos anos de serviço promovem menos este envolvimento. Porém, não encontrámos
diferenças estatisticamente significativas entre os grupos correspondentes à variável
“anos de serviço”. Por seu lado, são as educadoras formadas pelas ENEIs públicas e
privadas que dizem promover mais o envolvimento dos pais, enquanto que as
educadoras formadas pelas ESEs e Universidades promovem menos este tipo de
envolvimento. Contudo, não encontrámos diferenças estatisticamente significativas
entre os grupos correspondentes à variável “escola de formação”. É na categoria das
educadoras que trabalham em contextos oficiais que encontrámos a média mais elevada,
28.60, para a promoção do envolvimento dos pais, tendo-se registado a média mais
baixa na categoria das educadoras que trabalham em contextos João de Deus
(M=22.25). Encontrámos uma diferença estatisticamente significativa (p=.016) entre o
grupo das educadoras que trabalham nos contextos oficiais e as educadoras que
trabalham nos contextos João de Deus, confirmando, assim, a nossa hipótese de que os
contextos de trabalho influenciam as estratégias utilizadas pelas educadoras, neste caso
as estratégias de promoção do envolvimento dos pais. Umas das possíveis explicações
que podemos avançar para estes dados é o facto de nos jardins oficiais as educadoras
terem contactos diários com os pais, quer devido ao horário praticado, quer à não
existência de carrinhas de transporte das crianças. Outro facto, será a metodologia aí
praticada, pois a não existência de um modelo curricular único leva as educadoras a
trabalhar mais por projectos, podendo, assim, envolver mais os pais.
Crenças teóricas das educadoras de infância
A nossa última hipótese formulada tinha a ver com as crenças dos educadores
sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança.
Pretendíamos saber se as estratégias que os educadores utilizam na gestão de
comportamento das crianças estão relacionadas com as suas crenças teóricas.
42
REID, 1, pp. 27-46
As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
Mínimo
Máximo
Média
Moda
Desvio
padrão
Coeficiente
de
variação
Cogni-desenv.
25
48
38.29
39
4.87
23.74
Behaviorista
21
44
30.92
30
4.69
22.04
Maturacionista
33
49
42.55
43
3.77
14.25
Quadro 5: resultados nas sub-escalas cognitivo-desenvolvimentista, behaviorista,
maturacionista
Os resultados obtidos permitiram-nos formular duas constatações: as educadoras
da nossa amostra demonstraram uma preferência pela teoria maturacionista. Pela
aplicação do paired t-test verifica-se que existem diferenças significativas (p=.000)
entre as médias obtidas entre a sub-escala maturacionista e cada uma das outras subescalas; as educadoras têm estratégias que são independentes das suas crenças teóricas
pois não encontramos correlações, nem positivas, nem negativas, entre as crenças
teóricas nas três sub-escalas e as de estratégias de gestão do comportamento, nem para o
parâmetro frequência, nem para o parâmetro eficácia.
Na realidade, os dados por nós obtidos não se afastam de outras investigações já
desenvolvidas em Portugal. Gaspar (1990), num estudo levado a cabo com uma amostra
de educadores de infância, chegou à conclusão que independentemente dos anos de
serviço, da escola de formação e do tipo de instituição, os educadores manifestavam
uma opinião positiva em relação às implicações na prática das teorias psicológicas
sóciomaturacionistas. Conclusão esta que vai na linha de um estudo efectuado, anos
antes, por Bairrão, Marques e Abreu (1986) sobre as atitudes de uma amostra de
educadores quanto aos objectivos do jardim de infância. Os resultados mostraram que
os educadores valorizam essencialmente os objectivos associados ao desenvolvimento
da criatividade e à socialização, considerando menos importantes os que impõem uma
submissão do jardim de infância a objectivos sociais.
Os resultados dos dois estudos demonstraram, assim, que os educadores
valorizam o desenvolvimento da criança, nomeadamente ao nível criativo, afectivo e
socioemocional, numa concepção humanista e sociomaturacionista. Na verdade, estes
dados não nos surpreenderam uma vez que a concepção maturacionista do
desenvolvimento infantil marcou as décadas de 70 e 80 ao nível da formação de
educadores de infância, situação que ainda tem reflexos na nossa amostra, pois metade
das educadoras fez a sua formação inicial até 1990. Adicionalmente, e porque o resto da
amostra de educadoras do nosso estudo fez a sua formação mais recentemente, podemos
REID, 1, pp. 27-46
43
do Vale, V.
inferir não ter havido grande evolução ao nível dos modelos de formação dos
educadores de infância. Apesar de constatarmos o aparecimento de uma variedade de
programas direccionados para a educação de infância com objectivos amplos, como
sejam os programas centrados no desenvolvimento da cidadania, saúde, ambiente, e os
recentes programas de educação sócio-emocional, o facto é que os educadores mantêm
as mesmas crenças teóricas.
O que se torna curioso é que as educadoras não têm consciência das referências
teóricas que implicitamente influenciam as suas práticas pedagógicas. Quando
questionadas sobre qual o modelo curricular sobre que recaíam as suas preferências,
apenas 32% das educadoras responderam a esta questão. Adicionalmente, as respostas
demonstraram um desconhecimento sobre os modelos curriculares para a educação de
infância, com algumas educadoras a referiram as próprias Orientações Curriculares
como sendo um currículo. Nos currículos mais citados aparece o High/Scope e a
Pedagogia de Projecto, o que demonstra que existe uma clara intenção de promover o
desenvolvimento da criança, assumindo o educador um papel de coordenador. É ainda
curioso mencionar que apesar de a nossa amostra ser composta por 21.5% de
educadores formados pelas escolas João de Deus, apenas uma educadora referiu esse
modelo curricular como preferencial. Esta constatação pode ser devida ao facto de as
educadoras, na realidade, não terem consciência e desconheceram que as suas práticas
se encontram contextualizadas por teorias, ou também à forma eclética como actuam
nas suas práticas pedagógicas, recorrendo a vários modelos teóricos, embora sem muita
consciência disso. O facto de não se terem encontrado correlações, nem positivas, nem
negativas, entre as crenças teóricas e as estratégias de gestão do comportamento, nem
para o parâmetro frequência e nem para o parâmetro eficácia, leva-nos a concluir que
crenças teóricas sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança tal como as
avaliámos, não estão relacionadas com as estratégias de gestão utilizadas. Uma hipótese
explicativa deste resultado é a grande homogeneidade das educadoras no que se refere
às suas preferências teóricas.
Conclusão
Foi objectivo geral do nosso estudo, analisar os tipos de estratégias utilizadas
pelos educadores na gestão do comportamento das crianças, partindo das suas
percepções. Os resultados obtidos, analisados e discutidos levaram-nos a algumas
conclusões. Concluímos que a escola de formação inicial dos educadores de infância
exerce influência no tipo de estratégias utilizadas pelo educador, nomeadamente, no que
se refere à frequência e eficácia de utilização das estratégias positivas, e aos subgrupos
de estratégias de recompensa e de limites, confirmando, assim, a nossa hipótese inicial.
Quanto à variável anos de serviço dos educadores, verificámos que ela não
exerce qualquer influência no tipo de estratégias que são utilizadas na gestão do
comportamento. Como a “construção” de um educador não pode ficar pela formação
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As estratégias de gestão do comportamento das crianças: percepções dos educadores de infância
inicial, as escolas devem diversificar a sua oferta ao nível da formação continuada,
pondo em prática os conhecimentos que se vão produzindo.
No tocante à variável tipo de jardim de infância, os resultados obtidos pelo nosso
estudo levaram-nos a concluir que esta variável influencia o tipo de estratégias
utilizadas pelo educador, nomeadamente, ao nível da frequência e eficácia de utilização
de estratégias positivas, do subgrupo da estratégias de limites e das estratégias de
promoção do envolvimento dos pais, confirmando assim, a nossa hipótese inicial. Os
contextos de trabalho do educador sendo variados, vão influenciar as condições de
trabalho, sobretudo a autonomia profissional, o tipo de papéis e o estilo de interacção
com as crianças, pais e comunidade.
A última variável tinha a ver com as crenças dos educadores sobre o
desenvolvimento e aprendizagem da criança. Verificámos que as crenças não estão
relacionadas com as estratégias de gestão utilizadas. Na verdade, estes dados não nos
surpreenderam uma vez que a concepção maturacionista do desenvolvimento infantil
marcou as décadas de 70 e 80 ao nível da formação de educadores de infância, situação
que teve reflexos na nossa amostra, pois metade das educadoras fez a sua formação
inicial até 1990. No entanto, e porque o resto da amostra de educadoras fez a sua
formação mais recentemente, levou-nos a inferir não ter havido grande evolução ao
nível dos modelos de formação dos educadores de infância.
Estamos conscientes que está na mão dos educadores, interiorizar novas
práticas e modelos. Esta interiorização tem como fim o criar uma ressonância entre
todos os agentes educativos ligados à infância que permitam à criança gerir emoções,
negociar conflitos, enfrentar adversidades, conciliar interesses com apelos fáceis e,
sobretudo, consolidar sentimentos e conhecimentos, ajudando-as a prepararem-se para a
fase adulta.
Referência
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Comportamento anti-social e família. Uma abordagem científica (pp.419-468).
Coimbra: Almedina
.
46
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