Relatório da SDE

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Relatório da SDE
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA ECONÔMICA
COORDENAÇÃO-GERAL DE ANÁLISE DE INFRAÇÕES EM
AGRICULTURA E DE INDÚSTRIA
Autos nº:
08012.004484/2005-51
Natureza:
Processo Administrativo
Representante:
SEVA Engenharia Eletrônica S.A.
Representada:
Siemens VDO Automotive Ltda.
VERSÃO PÚBLICA
SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Trata-se de representação em desfavor de Siemens VDO Automotive Ltda.
(“Siemens VDO”) por práticas tendentes à monopolização ilícita do mercado
nacional de tacógrafos, principalmente o exercício abusivo de direito de ação
(sham litigation) e o convite à formação de um cartel. A Representante alega que
a Siemens VDO estaria se utilizando de um suposto conflito normativo para
propor ações judiciais e, assim, levantar barreiras artificiais à entrada e
permanência da concorrente no mercado. Após a utilização de tal estratégia, a
Representada haveria apresentado convite à Representante para a formação de um
cartel, convite este recusado pela SEVA.
2. O cartel proposto pela Siemens VDO consistiria na divisão do mercado brasileiro
por linhas de produtos. A Representante abandonaria o mercado de tacógrafos,
ocupando-se do mercado de computadores de bordo, e a Representada passaria a
dominá-lo, financiando a nova linha de produtos da SEVA.
3. A prova do convite da Siemens VDO foi apresentada pela SEVA após o
protocolo da denúncia e após a negativa pela Siemens VDO. Trata-se de gravação
ambiental, sem o conhecimento da Siemens VDO, de reunião havida entre os
executivos das empresas. A gravação contém o referido convite à formação de
um cartel, bem como descreve a racionalidade da estratégia de abuso de posição
dominante adotada pela Siemens VDO.
4. Quanto ao exercício abusivo de direito de ação com efeito anticoncorrencial
(sham litigation), cumpre frisar que a Siemens VDO detém aproximadamente
85% do mercado nacional de tacógrafos e a SEVA detém aproximadamente 2%.
Apesar disso, a racionalidade de se impedir a entrada e permanência da SEVA
está vinculada ao objetivo da Representada de impedir a disseminação de nova
tecnologia no Brasil, bem como sinalizar a potenciais entrantes que sua entrada
não será tolerada.
5. Pelo exposto, esta Secretaria recomenda a condenação da empresa Siemens VDO
e a aplicação de multa, nos termos do art. 23, inciso I da Lei nº 8.884/94.
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Senhora Diretora,
I. OBJETO DA NOTA TÉCNICA
1.
Em cumprimento ao disposto no art. 39 da Lei nº 8.884/94, a CGAI
encaminha o presente relatório circunstanciado contendo as conclusões
sobre os fatos apurados no curso do Processo Administrativo
08012.004484/2005-51.
2.
A exposição que se segue apresentará as conclusões alcançadas após a
instrução e análise dos autos do presente processo.
3.
A CGAI esclarece que, para fins expositivos, foram transcritos apenas
alguns dos diversos documentos que formaram o convencimento da
Autoridade sobre a ocorrência da infração investigada. Outros documentos
formadores de convicção encontram-se nos autos do processo e puderam e
poderão ser amplamente acessados, tanto pelo Órgão Julgador quanto
pelas partes.
4.
Esta nota técnica contém todos os elementos a que se refere o § único do
artigo 54 da Portaria MJ nº 04/2006, quais sejam, (i) identificação dos
representados; (ii) resumo dos fatos imputados aos representados, com
indicação dos dispositivos legais infringidos; (iii) sumário das razões de
defesa; (iv) registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo; (v) apreciação da prova; e (vi) dispositivo, com a conclusão a
respeito da configuração da prática infrativa, com sugestão de multa, se for
o caso.
II. RELATÓRIO
II.1 Identificação das empresas representada e representante
5.
Figura neste Processo Administrativo como Representada a empresa
Siemens VDO Automotive Ltda, sediada na Avenida Senador Adof
Schindling, 155, cidade de Guarulhos, Estado de São Paulo, inscrita no
CNPJ/MF sob o n° 48.745.139/0001-57.
6.
Figura neste Processo Administrativo como Representante a empresa
SEVA Engenharia Eletrônica S/A, estabelecida na Rua General David
Sarnoff, 3814, Cidade de Contagem, Estado de Minas Gerais, inscrita no
CNPJ/MF sob o n° 71.336.218/0001-60.
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II.2 Resumo dos fatos imputados e indicação dos dispositivos legais
infringidos
7.
A representação que deu origem ao Processo Administrativo em tela,
acusou a Representada de praticar atos tendentes à monopolização ilícita
por meio do impedimento ao livre acesso de concorrentes no mercado de
tacógrafos.
8.
Em síntese, os argumentos apresentados pela Representante (fls. 02/15)
são os seguintes:
a. A Representada estaria abusando de posição dominante, com o
objetivo de impedir a comercialização do tacógrafo eletrônico da
Representante de três formas:
1. Utilização de influência política no Congresso
Nacional para obter a revogação das Portarias do
Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN,
que haviam homologado os tacógrafos modelo
SV2001 e SVT-3000, ambos produzidos pela
Representante;
2. Utilização do conflito normativo existente entre o
Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, e o
Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial – INMETRO, para propor
ações no Judiciário requerendo, com pedido liminar,
a suspensão das Portarias do DENATRAN que
haviam homologado os tacógrafos eletrônicos
produzidos pela Representante.
3. Utilização de sua posição dominante para propor
convite a cartelizar para que a Representante
retirasse do mercado e direcionasse a venda de seu
produto para outros mercados.
b. Segundo a Representante, o comportamento da Representada
importaria infrações à ordem econômica previstas nos incisos I, II,
III e IV do art. 20 da Lei 8.884/94, c/c o disposto no art. 21, inciso
V;
c. Em razão de tais fatos, a Representante requer a condenação da
Representada por infração ao art. 20 e seus incisos da Lei 8.884/94.
A Representante pleiteia, ainda, a adoção de Medida Preventiva
inaudita altera pars com base no art. 52 da Lei 8.884/94, para que
seja determinada à Representada a imediata desistência da Ação
Judicial da qual resultou a suspensão da Portaria do DENATRAN
que autorizou a comercialização do tacógrafo SVT-3000.
9.
Ante as informações colacionadas nos presentes autos, entendeu esta
Secretaria que as condutas imputadas à Representada seriam, se
comprovadas, passíveis de enquadramento nos incisos I, II e IV do art. 20
da Lei 8.884/94, c/c os seguintes incisos do art. 21 da Lei 8.884/94:
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I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer
forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de
serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou
concertada entre concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou
semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas
ou produtos intermediários;
IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao
desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor,
adquirente ou financiador de bens ou serviços;
X - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos
para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento
tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para
dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços
ou à sua distribuição.
II.3 Registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo
II.3.1 Denúncia Recebida
10.
Em 31.05.2005 a empresa SEVA Engenharia Eletrônica S.A. protocolou,
perante esta Secretaria de Direito Econômico, Representação em desfavor
de Siemens VDO Automotive Ltda. acusando-a de praticar atos tendentes
à monopolização ilícita por meio do impedimento ao livre acesso de
concorrentes ao mercado de tacógrafos.
11.
Em síntese, os argumentos apresentados pela Representante (fls. 02/15)
são os seguintes:
a. A Representada estaria abusando de posição dominante, com o
objetivo de impedir a comercialização do tacógrafo eletrônico da
Representante;
b. O mercado relevante do produto seria constituído dos
equipamentos registradores instantâneos inalteráveis de velocidade
e tempo, denominados de tacógrafos. Estes poderiam ser
comercializados em dois tipos: (i) tacógrafo mecânico ou eletromecânico, em que os dados são gravados em discos diagramas; e
(ii) tacógrafos eletrônicos, com registro dos dados em fita
diagrama. Ambos seriam perfeitamente aceitáveis para a função de
registro diário da movimentação dos veículos (velocidade e
distâncias). A Representante não incluiu os tacógrafos digitais por
não serem comercializados no Brasil;
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c. O mercado relevante geográfico seria o território nacional;
d. A Representante estima que a participação da Representada no
mercado de tacógrafos nacional seria de 85%, o que lhe atribuiria
posição dominante nesse mercado;
e. A Representada teria agido para impedir a Representante de
comercializar o seu tacógrafo eletrônico de três formas:
1. Utilização de influência política no Congresso
Nacional para obter a revogação das Portarias do
DENATRAN, que haviam homologado os
tacógrafos modelo SV2001 e SVT-3000, ambos
produzidos pela Representante;
2. Utilização do conflito normativo existente entre o
CONTRAN, e o INMETRO, para propor ações no
Judiciário requerendo, por meio de liminares, a
suspensão das Portarias do DENATRAN que
haviam homologado os tacógrafos eletrônicos
produzidos pela Representante.
3. Utilização de sua posição dominante para estender
convite a cartelizar para que a Representante retirese do mercado e direcione a venda de seu produto
para outros mercados.
f. A Representante afirma que estaria sofrendo prejuízos em razão
das ações da Representada, dado que se encontraria, á época da
denúncia, proibida de comercializar seu produto SVT-3000, por
força de determinação judicial que suspendeu a Portaria
DENATRAN que havia homologado o aludido produto.
g.
Adicionalmente, afirma que as ações da Representada estariam
afetando também a venda de outros produtos da empresa, tendo em
vista que a suspensão das Portarias do DENATRAN, e as ações
judiciais propostas, estariam abalando a credibilidade de seu
produto perante os consumidores;
h. Segundo a Representante, o comportamento da Representada
importaria infrações à ordem econômica previstas nos incisos I, II,
III e IV do art. 20 da Lei 8.884 de 1994, c/c o disposto no art. 21,
inciso V, requerendo assim, sua condenação;
i. A Representante pleiteia, ainda, a adoção de Medida Preventiva
inaudita altera pars com base no art. 52 da Lei 8.884 de 1994, para
que seja determinada à Representada a imediata desistência da ação
judicial da qual resultou a suspensão da Portaria do DENATRAN
que autorizou a comercialização do tacógrafo SVT-3000.
12.
No curso do Procedimento Administrativo, a Representante juntou ainda
aos autos dois documentos que, segundo ela, comprovariam a intenção
anticoncorrencial do comportamento da Representada.
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13.
O primeiro documento (fls. 334/336) seria uma carta-relatório em que,
supostamente, a Siemens da Espanha reconheceria a superioridade do
tacógrafo eletrônico de fita digital em comparação com o modelo eletromecânico, que funciona à base do disco-diagrama. O documento teria
servido como base para uma comunicação oficial da Siemens VDO à
mídia européia em face do lançamento do novo modelo de tacógrafo
digital DTCO 1381.
14.
O segundo documento juntado aos autos pela Representante (fls. 349/363)
contém a degravação1 parcial de uma suposta conversa entre o DiretorPresidente da Representante e o Assessor da Diretoria da Representada. A
gravação teria sido realizada pelo Diretor-Presidente da Representante em
09.03.2005, durante um encontro dos protagonistas no aeroporto de
Congonhas, São Paulo - SP.
15.
A Representante alega que a gravação constituiria prova dos intentos
anticoncorrenciais da Representada, uma vez que restaria claro, em
diversos trechos da conversa, o seu intuito de impedir que a Representante
comercializasse seu produto no mercado. Adicionalmente, em diversos
momentos a Representada teria proposto à Representante um acordo para
que retirasse o seu produto do mercado e direcionasse a venda de seu
produto para outros mercados.
16.
Em 17.06.2005, a Representante juntou também aos autos (fls. 279/323)
cópia da ação ordinária ajuizada pela Representada em face do
DENATRAN e da Representante perante a Justiça Federal do Distrito
Federal em 17.06.2004 (Ação Ordinária n.o 2004.34.003019865-9).
17.
Finalmente, em 13.10.2005, a Representante juntou aos autos cópia da
decisão exarada nos autos do Agravo de Instrumento interposto contra a
decisão que deferiu parcialmente os efeitos da tutela antecipada pleiteada
pela Representada na Ação Ordinária que tramita na Justiça Federal do
Distrito Federal. Tal ação determinou a suspensão da Portaria
DENATRAN que autorizava a comercialização do Tacógrafo SVT 3000
da SEVA. A decisão exarada nos autos do Agravo de Instrumento
concedeu o efeito suspensivo requerido pela Representante para suspender
a decisão agravada.
II.3.2 Averiguação Preliminar – Primeiros esclarecimentos da Representada
18.
Em 17.08.2005, às fls 150/153, a Representada foi instada a se manifestar,
por meio do Ofício 3885/2005/DPDE, sobre as acusações que lhe eram
atribuídas. Neste sentido, às fls. 154/178 declarou o quanto segue:
a. O assunto já teria sido objeto de análise pela SDE no Processo
Administrativo nº 08012.012083/99-01, em que o Secretário de
1
Importante ressaltar que a Representante também juntou aos autos cd de áudio com a mencionada
conversação.
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Direito Econômico, acolhendo sugestão da Diretora do DPDE,
arquivou o feito;
b. As Portarias DENATRAN que aprovaram os tacógrafos
eletrônicos da Representante seriam irregulares, uma vez que não
teria havido observância das especificações técnicas da Resolução
n.o 92/99 do CONTRAN;
c. Não haveria conflito normativo entre CONTRAN e INMETRO,
pois este teria sido resolvido pela Secretaria Executiva do
Ministério da Justiça, por meio do Parecer CJ n° 137/01;
d. Ainda que houvesse conflito normativo, este não poderia
configurar ilícito concorrencial em razão do princípio da
inafastabilidade do Poder Judiciário. Tal princípio, consagrado no
art. 5°, XXXV da Constituição Federal, impediria que o “acesso à
justiça” pudesse ser considerado uma conduta anticoncorrencial, à
luz da Lei 8.884/94;
e. Mesmo que, abstratamente, essa teoria pudesse ser cogitada, não
seria a hipótese do caso em tela, uma vez que a liminar deferida
pelo Juiz Federal que preside o Processo n° 2004.34.00.019865-9
demonstraria que não houve abuso do direito de demandar;
f. A Representada não teria a pretensão de impedir concorrentes de
entrar no mercado. Haveria outros fabricantes de tacógrafos no
mercado que não teriam sido questionados judicialmente, uma vez
que atendem aos requisitos da Resolução n.o 92/99 do CONTRAN.
A Representada afirma também que montadoras de veículos, por
vezes, importam equipamentos diretamente de seus países de
origem, o que fomenta a competitividade pela entrada de
equipamentos estrangeiros;
g. A posição dominante da Representada é fruto de uma presença de
50 anos no Brasil e 30 anos no mercado de tacógrafos. O fato de
ser a Representada economicamente forte não implica desrespeitar
normas de direito da concorrência;
h. Não caberia à SDE subsumir as atribuições do DENATRAN para
questionar a regularidade ou não dos produtos fabricados pela
Representada;
i. Alegações de tráfico de influência política seriam caluniosas. O
parlamentar objeto das acusações seria conhecido militante na área
de trânsito e transporte. É defensor da legislação que ajudou a
criar;
j. Mesmo que o parlamentar tivesse cometido algum crime, a
apuração de tais fatos caberia ao STF ou ao Procurador Geral da
República;
k. Não estariam presentes os pressupostos do art. 52 da Lei 8.884/94,
que autorizariam a concessão de Medida Preventiva.
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II.3.3 Instauração do Processo Administrativo
19.
Em 12.04.2006, por meio da Nota Técnica de fls. 369/383, esta CGAI
sugeriu a instauração de processo administrativo em face da Representada
a fim de investigar as condutas passíveis de enquadramento nos incisos I,
II e IV do artigo 20 da Lei 8.884/94, c/c incisos I, II, III, IV, V e X do
artigo 21 do mesmo diploma legal, no mercado relevante de tacógrafos no
território nacional.
20.
A Nota Técnica de fls. 369/383 foi acolhida pelo Sr. Secretário de Direito
Econômico, sendo adotada como motivação do despacho de fls. 384/385,
instaurou Processo Administrativo nos termos do inciso VI do art. 14 da
Lei nº 8.884/94, para fins de apuração e repressão de infrações da ordem
econômica, conferindo-se à Representada o exercício do contraditório e da
ampla defesa.
21.
Ato contínuo, em 17.04.2006, às fls. 387, esta SDE, nos termos do art. 38
da Lei 8.884/94, informou à Secretaria de Acompanhamento Econômico –
SEAE – sobre a instauração do presente Processo. Segundo o OF n°
06411/2006/DF de 26.05.2006, fls. 545, a SEAE reservou-se o direito de
não se manifestar sobre o presente Processo.
22.
Conforme consta às fls. 387/388, em 18.04.2006, a Representada foi
devidamente notificada da instauração do presente Processo
Administrativo, inclusive para fins de apresentação de defesa e
especificação dos meios de prova que pretendia produzir, de modo a
atender aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
II.3.4 Alegações da Defesa Apresentada pela Representada
23.
A Representada apresentou oportuna e tempestivamente sua defesa (fls.
410/544). Para efeito de compreensão do alcance e extensão da defesa da
Representada, serão relatados seus principais argumentos de defesa, seja
em sede de preliminares ou de mérito.
II.3.4.1 Matéria Preliminar
24.
A Representada alega, no tocante às matérias preliminares, que inexiste
lide concorrencial no presente processo. Argumenta que o processo em
tela, pela natureza privada que carrega, carece de interesse coletivo,
requisito fundamental para provocar a atuação do SBDC. Para corroborar
sua tese, inicialmente, argüiu que tanto a Representante como esta
Secretaria não lograram demonstrar que “as supostas condutas indicadas
na Representação fossem adotadas pela SIEMENS VDO de forma
sistemática ou, ao menos, que houvessem afetado algum outro
concorrente”.
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25.
Ainda nesse sentido, a Representada apresentou a justificativa de que o
feito em tela, “por se tratar de questão comercial entre duas empresas,
não afeta, nem poderia afetar, o mercado como um todo”.
26.
Outra justificativa por parte da Representada seria no tocante à
conversação entre os empresários das Partes, na qual se alega que o
empresário da SIEMENS VDO estaria propondo um convite ao
empresário da SEVA para que juntos cartelizassem o mercado de
tacógrafos. A Representada contra-arrazoa que a degravação da conversa
foi “parcial e descontextualizada” tendo também sido omitidos e
distorcidos vários fatos relevantes para a correta análise do caso.
27.
Assim, entendendo ser injustificável a atuação do SBDC in casu, a
Representada requereu “o arquivamento do presente Processo sem
julgamento do mérito”.
II.3.4.2 Matérias de Mérito
28. No mérito, a Representada apresentou uma série de questões que serão
sumariadas abaixo.
II.3.4.3. Do mercado relevante: dimensão produto e geográfica
29.
Em primeiro lugar, no que diz respeito ao mercado relevante, a
Representada expôs o conceito do produto por ela ofertado bem como suas
peculiaridades. Nesse sentido, esclareceu que dentre as principais
finalidades dos tacógrafos estão: (i) o controle operacional dos veículos –
aferição de tempo e velocidade; (ii) a reconstituição da viagem realizada
pelo veículo; e (iii) a realização de perícias e determinação de
responsabilidades.
30.
Mais adiante, informou que os tacógrafos podem ser mecânicos,
eletrônicos ou digitais, sendo certo que a diferença entre eles está na
tecnologia que permite a forma de comunicação entre o veículo e o
instrumento, bem como o processamento e registro da informação captada
pelo aparelho.
31.
Explicou também que, por força do atual Código de Trânsito Brasileiro,
tacógrafos são obrigatórios em determinadas circunstâncias, sendo que
existe, segundo ela, vasta gama de produtos não obrigatórios que podem
ser utilizados para controle logístico de frotas.
32.
Prosseguindo, a Siemens VDO identificou que existe grande preocupação
no que diz respeito à inviolabilidade dos equipamentos e fidelidade de
reprodução das informações registradas, haja vista as funções executadas
pelos tacógrafos. Por essa razão, afirma ser a legislação sobre as
especificações técnicas dos tacógrafos complexa e demandante de recursos
para o seu respectivo cumprimento.
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33.
Também informou que o mercado brasileiro de tacógrafos e,
principalmente, sua legislação têm acompanhado as tendências do
mercado europeu.
34.
Assim, quanto ao mais recente modelo de tacógrafo digital - também
designado unidade veículo (UV) – aclarou ter sido introduzido no mercado
europeu apenas em 2006 sendo resultado de intensos debates e estudos
conduzidos ao longo de mais de dez anos.
35.
Sobre a legislação pertinente, anotou que a européia2 conta com mais de
250 páginas sobre das especificações técnicas relativas ao novo modelo,
enquanto a brasileira3 possui apenas 7 (sete) páginas. Justificou o grande
volume de especificações do tacógrafo digital europeu como sendo
garantia da segurança da informação e da complexidade dos equipamentos
que são utilizados para montar esse produto.
36.
Nesse sentido, esclareceu que pela falta de estrutura, razões econômicas e
preparo dos profissionais, esta nova tecnologia “deve levar algum tempo
até chegar ao país”. Concluiu ser “inaceitável admitir que o equipamento
fabricado pela SEVA se assemelha ao atual padrão europeu!”.
37.
No que tange ao mercado nacional de tacógrafos, informou que cerca de
80% (oitenta por cento) dos tacógrafos ofertados no mercado nacional são
destinados ao Mercado de Equipamentos Originais (veículos novos),
sendo vendidos para as montadoras. Comentou nesse item que as
montadoras possuem um rigoroso processo de homologação de
fornecedores e requerem padrão internacional a seus produtos para que
haja identificação com a qualidade mundial de seus veículos.
38.
Acrescentou ser o restante comercializado no segmento de reposição,
notadamente, para empresas que necessitam repor o equipamento original,
em razão de furto, roubo ou avarias permanentes. Aduz a Representada
que outros potenciais compradores são usuários não obrigados por lei, mas
que decidem, espontaneamente, utilizar o tacógrafo como controle de
segurança e para fins de logística.
39.
Ressaltou, ademais, que a demanda presente neste mercado por uma rede
de distribuidores e postos de serviços em todo território nacional. Para
tanto comentou que para os clientes tanto do mercado de equipamentos
originais quanto de reposição, é muito importante contar com a assistência
do fabricante para auxiliá-los em eventuais necessidades.
II.3.4.4 Da atuação dos agentes econômicos no mercado em análise
40.
2
3
A respeito de seu desempenho neste mercado no Brasil, a SIEMENS VDO
informou que está presente desde 1959, e que inicialmente importava seus
produtos para ofertá-los no mercado doméstico e, a partir de 1975, passou
a fabricar tacógrafos no Brasil. Em 2001, a SIEMENS passou a controlar a
Anexo 1 B do regulamento CEE 3821/85 juntado aos autos.
Anexo II da Resolução n.o 92/99 do Contran.
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VDO. À fl. 418, informou que detém 85% de participação no mercado ora
em pauta.
41.
Sobre a atuação da Representante (SEVA) no país, informou que ela
surgiu para tentar aproveitar as oportunidades deste segmento. Estimou
sua participação no mercado nacional de tacógrafos em 2% e expôs que,
“em razão das rigorosas exigências do mercado consumidor original
(montadoras), a SEVA, atua, principalmente, no mercado de reposição
(não original)”. Além disso, refutou a afirmação formulada pela
Representante que se diz “pequena empresa constituída por técnicos”, vez
que dentre seus sócios está o Grupo Emicol4.
42.
No tocante aos demais agentes econômicos deste mercado, a
Representante apontou a francesa ACTIA, a britânica TVI e a alemã
BOSCH como grandes agentes no mercado. Informou, também, que tais
empresas teriam seus equipamentos devidamente aprovados pelas
autoridades competentes.
43.
Assim, concluiu tratar-se de mercado dinâmico, sem proteção de patentes
e que precisa “conviver com a dificuldade de negociar com parcela
substancial de seus clientes detendo elevado poder de barganha”.
II.3.4.5 Da falta de racionalidade econômica existente nas condutas alegadas
44.
Seguindo suas razões de defesa, a Representada faz considerações de
mérito sobre a “total falta de racionalidade econômica” na imputação de
que teria procurado a Representante para formar um cartel, ou de que
estaria a SIEMENS VDO disposta a investir recursos e arriscar sua
credibilidade utilizando-se de subterfúgios ilegais para dificultar a
instalação ou o crescimento de concorrente. Para tanto, apresentou os
seguintes argumentos:
•
A SIEMENS VDO: a) tem pleno domínio da melhor
tecnologia na produção de tacógrafos e atendimento de
usuários no Brasil e no mundo; b) conta com notório
reconhecimento de seus clientes da qualidade de seus
produtos; c) possui escala para atender às demandas de seus
clientes; d) tem rede de atendimento aos clientes; e e) é
fornecedor global de equipamentos para veículos,
notadamente para montadoras.
4 www.emicol.com.br “A Emicol Eletro Eletrônica atua em diversos segmentos de mercado,
tendo como principal atividade projeto,desenvolvimento, fabricação e venda de componentes
eletro eletrônicos para a indústria de eletrodomésticos, conhecida como "linha branca".
A EMICOL também está presente em diversos outros mercados como o automobilístico, indústria
eletro médica, informática e eletrônica.
Atualmente, em um parque industrial com cerca de 25.000 m2, são conduzidos mais de uma
centena de núcleos de produção, tornando a linha de produtos EMICOL em uma das mais extensas
do mundo no segmento de COMPONENTES ELETRO ELETRÔNICOS, produzidos em uma
única empresa.”
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•
45.
A SEVA: a) não conseguiu até o presente momento
desenvolver um equipamento que possa ser classificado,
dentro dos parâmetros regulatórios vigentes, como tacógrafo;
b) lançou sucessivos modelos de seus produtos tentando
melhorar sua qualidade e alcançar, sem sucesso, os
parâmetros legais; c) não possui escala para abastecer grande
parcela de mercado; d) não possui rede de atendimento aos
clientes com ampla presença no mercado local; e) não é
homologada como fornecedora de montadoras no Brasil.
Desta forma, a Representada concluiu não haver qualquer racionalidade
econômica para que a SIEMENS VDO quisesse cooptar a SEVA tendo em
vista o fato desta última não deter qualquer poder de mercado que pudesse
alterar sua atual posição.
II.3.4.6 Do poder de lobby que teria a Siemens junto ao governo
46.
À fl. 429, a Representada refutou a alegação da Representante de que
possui poder ou influência política junto a atores políticos, principalmente,
considerando o fato de a SEVA ter obtido de “todos os órgãos do governo
a concessão de homologação e aprovação de seus produtos”.
47.
Continuando, a SIEMENS VDO explica que “o simples bom senso pode
auxiliar na eliminação de qualquer sustento para esta alegação”. Para
tanto, esclarece que o Código de Trânsito Brasileiro contém todas as
regras gerais sobre equipamentos dos veículos e por ser lei ordinária, para
que seja alterado, é necessária a aprovação do projeto de lei pelo
Congresso Nacional.
48.
Por fim, a Representada concluiu não existir nos autos qualquer indício
deste poder ou influência que teria frente ao Legislativo ou Executivo.
II.3.4.7 Do comportamento ‘free-rider’ da SEVA e do direito de ação da Siemens
VDO
49.
A Representada alegou que o comportamento da SEVA seria oportunista.
Para tanto, informou que a Representante, sem realizar os devidos
investimentos para cumprir a legislação vigente, em 1991, lançou um
modelo de equipamento (SV 2001) que pretendeu enquadrar como
tacógrafo. Tal equipamento descumpre as especificações da legislação
vigente, apesar da homologação do INMETRO.
50.
Diante disso, segundo a Representada, coube-lhe exercer seu direito de
petição para que as autoridades competentes compelissem a SEVA a
adequar seu equipamento à legislação, vez que tal equipamento colocava
em risco a segurança da sociedade por “não assegurar a necessidade dos
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registros e prejudicar a verificação de responsabilidade dos sinistros” (fls.
420). Teria sido essa a razão, de acordo com a Representada que a fez, em
juízo, contestar a aprovação dada pelo DENATRAN ao equipamento da
SEVA.
51.
Nesse sentido, explicou que tal órgão concedeu sua aprovação ao
equipamento da SEVA “apenas por haver sido homologado pelo
INMETRO, quando, na verdade, deveria ter também verificado o
cumprimento dos demais requisitos elencados no Anexo II da Resolução
92/99 do CONTRAN, como determina a legislação vigente”.
52.
Do mesmo modo, acostou aos autos (fls. 449 e ss.) dois laudos elaborados
pelo INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – MCT o qual
atestam que o modelo SVT 3000 e o modelo SVT 3000/A, ambos da
SEVA, não atendem a inúmeras exigências da legislação vigente. Entre
elas, encontram-se: (i) segurança das informações: segundo o laudo, as
informações contidas no documento impresso podem não estar legíveis
pelo período que determina a legislação e não havia software para análise
de resultados; (ii) dispositivos exigidos: a localização de apenas um
indicador de velocidade padrão, a não localização do sensor de distância e
a não localização do lacre das ligações necessárias para o completo
funcionamento do sistema; (iii) não foi possível a medição da distância
percorrida pelo veículo vez resultante da falta de software específico; (iv)
não atende ao item 3.5 – medição de velocidade, pois atesta o laudo que a
velocidade do equipamento se encontra fora da faixa exigida; (v) não
atende ao item 3.6; (vi) não atende às exigências do indicador de distância
percorrida (odômetro); e (vii) não atende aos requisitos estabelecidos para
a fita diagrama, vez que o laudo atestou que a fita diagrama da SEVA
podia não durar o tempo estabelecido de 5 (cinco) anos e não possui marca
d’água para as escalas de velocidade e tempo.
53.
Por fim, esclareceu que não se pode admitir que a SIEMENS VDO e as
demais concorrentes tenham que arcar com “alguma espécie de ônus
competitivo” pelo fato de atuarem na legalidade enquanto a SEVA atua à
margem dela.
II.3.4.8 Do contato entre os empresários da SEVA e Siemens
54.
Quanto ao alegado convite a cartelizar, a SIEMENS VDO explicou que o
contato entre as empresas partiu do Sr. João Luiz Neves, administrador da
SEVA, o qual se aproximou, em grupo de trabalho da ABNT, do Sr.
Jefferson Oliveira, funcionário da SIEMENS VDO e coordenador do
grupo. Isto com a finalidade de persuadi-lo de que deveria desistir da ação
judicial em face da SEVA. Adicionou que, por diversas vezes, o Sr. Neves
telefonou ao Sr. Oliveira o pressionando para tentar buscar uma solução
“amigável” para o assunto.
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55.
Nesse momento, de acordo com a defesa, o Sr. Oliveira deixou claro que
as decisões da empresa não eram por ele tomadas e que o departamento
jurídico da SIEMENS VDO era responsável pelo assunto.
56.
A defesa também argüiu a inexistência de qualquer trecho na conversação5
entre os dois empresários que apontasse para estratégias de exclusão de
concorrentes ou impedimento por parte da SIEMENS da atuação da SEVA
e salientou, que “o que sempre se questionou foi a não adequação dos
modelos de alguns produtos ofertados pela SEVA e não a presença da
SEVA no mercado.”6
57.
Sobre o mesmo tema, alegou que, por ocasião da reunião do dia
09.03.2005 “jamais houve a tentativa de 'convencer' a SEVA a se retirar do
mercado”. De acordo com a SIEMENS VDO, o Sr. Oliveira haveria
mencionado apenas “possíveis nichos de atuação para a SEVA”.
58.
Ainda, segundo a SIEMENS VDO, ao final do encontro, o Sr. Neves,
mencionou o valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) como valor
de referência para a compra de sua empresa. Posteriormente, esta proposta,
segundo expõe a Representada, foi reiterada e modificada pelo Sr. Neves
quando negociou com o Sr. Luiz Eduardo Moreno Munhoz da SIEMENS
VDO os possíveis detalhes da venda da SEVA.
59.
Nesse sentido, a Representada afirmou que caso tal negociação viesse a se
concretizar, as partes notifica-la-iam às autoridades de defesa da
concorrência para aprovação. Relacionou, nesse talante, uma série de atos
de concentração apresentados pela SIEMENS ao Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência como forma de comprovar “seu
comprometimento com o cumprimento das leis brasileiras de defesa da
concorrência”7.
60.
Ainda, a Representada argüiu que a conversação registrada pela SEVA
versa sobre negociação de eventual parceria ou aquisição entre as partes,
sendo certo, segundo relata, que ambas as modalidades são plenamente
legítimas e já foram objeto de aprovação pelos órgãos do Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência em inúmeras oportunidades. Como
suporte fático de sua razão de defesa, alegou a Representada existir nos
trechos da conversação indícios contundentes de que estava negociando
exatamente uma eventual parceria ou aquisição.
61.
Argúi a SIEMENS VDO que a SEVA, percebendo frustradas suas
tentativas de solicitação de composição amigável frente ao órgão
judiciário, a ameaça com condutas classificadas pelo próprio Sr. Neves
como irreversíveis8. Foi então, que, segundo a defesa, dezessete dias após
a ameaça, a SEVA protocolou sua Representação na SDE como
instrumento de barganha.
5
Ocorrida ao longo do encontro entre os referidos empresários em 09.03.2005: almoço no
restaurante do aeroporto de Congonhas, São Paulo; trajeto até a sede do SINDIPEÇAS – Sindicato
Nacional da Indústria de Componentes para veículos Automotores; reunião em sala do Sindicato.
6
À fl. 424.
7
À fl. 738, nota de rodapé.
8
À fl. 354.
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62.
Para corroborar tal alegação, a Representada acostou aos autos mensagem
eletrônica (à fl. 542), datada de 04.05.2005, do Sr. João Luiz Neves ao Sr.
Oliveira intitulada “Posição VDO”. Depreende-se do referido documento o
seguinte trecho:
“Informamos também que caso a desistência do processo
(judicial movido em face da SEVA) não se dê até o dia
06.05.2005, será feita representação junto à Secretaria de
Defesa Econômica (sic) – SDE e ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE para a
abertura de um processo de investigação das práticas
mercadológicas da SIEMENS VDO, conforme a SEVA já
havia alertado ao Sr. Jefferson Oliveira”.
63.
A Representada menciona também o fato de a SEVA ter omitido em sua
Representação a ocorrência de outro encontro entre as empresas. Segundo
a SIEMENS VDO, em 29.11.2005, houve um encontro em Belo Horizonte
entre os Srs. Neves, Oliveira e Munhoz, em cuja oportunidade, discutiramse as possibilidades de a SIEMENS VDO realizar eventual aquisição da
SEVA. Contudo, segundo os termos da Representante, o encontro foi
encerrado sem que houvesse qualquer proposta concreta.
64.
Segundo a Representada, a partir deste momento, o Sr. Neves passa a
insistir em mais encontros com o Sr. Munhoz, que acontecem nas datas de
07.12.2005 e 23.01.2006, sendo que a Representante não
teria
comunicado tais fatos à esta Secretaria. Esclareceu, por fim, que quando a
SEVA constatou que não conseguiria o resultado pretendido com a
negociação, “buscou induzir esta DD SDE com a juntada de parte da
conversa que ocorreu em 09.03.2005 e omitindo todo o contexto em que
ela se inseria”.
II.3.4.9 Da limitação do acesso de novas empresas ao mercado, criação de
dificuldade para o desenvolvimento de empresas e fechamento de
mercado
65.
A Representada rechaçou a acusação de que estaria limitando ou
dificultando a concorrência no mercado em questão. Informou não haver
qualquer indicação nos autos de comportamento da SIEMENS VDO
contrário à livre concorrência. O mesmo afirmou para a imputação de que
estaria promovendo o fechamento do mercado do produto em questão.
Também suscitou o fato de não haver nos presentes autos manifestação
dos demais concorrentes dando suporte ou corroborando tais alegações
feitas “levianamente” pela Representante. Por tais razões, concluiu, não
poder exercer seu direito de defesa com relação aos itens acima e requereu
sua reavaliação por parte desta SDE.
66.
Alegou que as ações que adotou visavam a “única e exclusivamente exigir
o cumprimento da legislação por parte da SEVA, garantindo desta forma,
a concorrência equilibrada no mercado e a segurança para a
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coletividade, sendo certo que todas as ações adotadas contestaram apenas
os produtos da SEVA que não cumpriam a legislação vigente”.
67.
Ainda, nos termos da defesa, “todos os indícios explicitamente
mencionados por esta dd. SDE são ações judiciais”. Nesse sentido, argüiu
que não se pode questionar o reconhecido direito de acesso à Justiça,
garantido pela Constituição Federal de 1988.
II.3.4.10 Suposto atraso tecnológico do produto orquestrado pela Siemens VDO
no Brasil
68.
Quanto ao suposto atraso tecnológico de seu produto, a Representada
frisou o fato de ser a autoridade competente, neste caso o CONTRAN9,
quem estabelece o padrão tecnológico ou especificação técnica do
tacógrafo a ser utilizado no Brasil.
69.
Além disso, a Representada repudiou o fato de a SEVA “tentar convencer
esta SDE que o produto pela SIEMENS VDO ofertado no mercado
europeu seria equivalente ao produto que ela, SEVA, estaria tentando
ofertar no mercado brasileiro”. Com efeito, acrescentou que existe “uma
distância abismal entre o produto ofertado pela SEVA e o tacógrafo
digital que passou a ser utilizado no mercado europeu apenas este ano e
que foi objeto de intensa pesquisa e desenvolvimento por mais de dez
anos”.
70.
Mencionou a Representada, ainda, que o Brasil não conta com as
condições necessárias para receber o novo padrão tecnológico de tacógrafo
aplicado no mercado europeu (tacógrafo digital). Essas condições,
segundo relata, dizem respeito a uma infra-estrutura desenvolvida pelo
Estado que comportaria computadores portáteis e equipamentos
eletrônicos sofisticados disponíveis para todos os agentes fiscalizadores
bem como o treinamento da polícia rodoviária e usuários (motoristas) em
operar o novo sistema.
71.
Também, afirmou a Representada já possuir domínio pleno da tecnologia
européia. Explanou, em mesma direção, que o produto europeu possui
maior valor agregado e garantia de maior rentabilidade, maior
diferenciação de produto. Ainda, relatou que por todos esses motivos,
incluindo o fato de os clientes europeus estarem presentes no Brasil, não se
sustentaria “uma análise econômica minimamente séria sobre o suposto
comportamento imputado à SIEMENS VDO no sentido de barrar o
ingresso desta nova tecnologia no mercado brasileiro”.
72.
Refutou, ao final, a alegação de que estaria retardando o ingresso da
tecnologia digital do tacógrafo no mercado nacional.
9
Segundo o disposto no § 1° do art. 105 do Código de Trânsito Brasileiro.
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II.3.4.11 Da litigância de má-fé da representante
73.
O último ponto da defesa com relação ao mérito baseia-se na imputação à
Representante de que estaria ela valendo-se da Representação “para usar
esta dd. SDE como instrumento de pressão contra a SIEMENS VDO”.
74.
Da mesma forma, teceu explanações sobre o fato de a Representante ter
omitido, ao longo deste Processo, uma série de informações e fatos, entre
eles, que esteve negociando a venda de sua empresa com funcionários da
SIEMENS VDO. Outro exemplo seria a presença de representante da
SEVA em uma das unidades da SIEMENS VDO localizada em Barueri
em 23/01/2006. Para tanto, anexou aos autos, fl. 543, controle de acesso à
unidade SIEMENS VDO assinado pelo próprio Sr. Neves.
75.
Ao final da exposição de suas razões de defesa, a Representada requereu
desta SDE a juntada da gravação original do diálogo havido entre os Srs.
Neves e Oliveira ocorrido em 09/03/2005, bem como pleiteou o
arquivamento deste Processo Administrativo.
II.3.5 Demais ocorrências no Processo
76.
Em 09.06.2006, às fls. 550 e ss., a Representada apresentou informações
adicionais a esta SDE sendo requerida também a juntada das cópias das
decisões do mandado de segurança impetrado para contestar a aprovação
do modelo SV 2001 pelo DENATRAN.
77.
Em 12.07.2006, às fls. 573 e ss., a Representada juntou aos autos os
seguintes documentos:
78.
•
Amostra do disco diagrama ofertado pela VDO;
•
Amostra de protótipo de fita em fase de desenvolvimento
pela VDO para atender ao disposto na Resolução Contran n°
92/99;
•
Amostra de fita que acompanha o tacógrafo da SEVA; e
•
Apresentação em arquivo eletrônico e impressa sobre dados
do mercado relevante.
Em 21.09.2006, fls. 1682 e ss., a Representante veio aos autos com o
intuito de “apresentar subsídios demonstrando a total insubsistência de dita
defesa da Representada”. Para tanto, colocou sua exposição nos seguintes
termos:
•
Da intenção da Siemens VDO de “impedir a SEVA de
adentrar o mercado e assim, barrar os demais pretendentes!”
Corroborou tal assertiva transcrevendo trecho da degravação
da conversa entre os empresários João Luis Neves e Jefferson
Oliveira.
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•
Do produto e suas peculiaridades. Primeiramente, a SEVA
informa que a produção e a comercialização de tacógrafos
são atividades regulamentadas na maior parte do mundo,
inclusive no Brasil. Tanto assim o é, que tais produtos,
eletrônicos e digitais, passam pela aprovação do INMETRO e
posterior homologação do DENATRAN, ambos institutos
rigorosos ao atendimento das normas e portarias sobre
adequação e especificações técnicas do produto. No que diz
respeito à confiabilidade dos tacógrafos, a Representante diz
ser de conhecimento geral que os tacógrafos mecânicos a
disco são facilmente adulteráveis e, portanto, não vêm sido
aceitos como prova em casos de acidentes, fato que explica,
segundo a Representante, “o sucesso alcançado pelo
lançamento dos seus modelos digitais e a conseqüente reação
da Representada para tentar impedir-lhe a comercialização
dos mesmos”.
•
Outrossim, afasta o argumento sobre a falta de estrutura para
a implementação do tacógrafo digital no Brasil, pois afirma
que “a fabricação e comércio de dito produto já estão
regulamentados da mesma forma que estão os tacógrafos
mecânicos e eletrônicos”. Ressalta, por fim, que os
equipamentos digitais são, de longe, mais seguros, e seus
registros não podem ser violados como costumeiramente são
os registros dos equipamentos mecânicos e eletrônicos.
•
Do mercado brasileiro de tacógrafos. A representante
concorda que a maior parte dos tacógrafos comercializados
no mercado brasileiro é destinada para a instalação em
veículos novos e, portanto, às montadoras, que possuem
rigoroso controle de fornecedores e demandam elevado
padrão para os produtos que vierem a compor seus veículos.
O restante, em acordo com o explicado pela Representada, é
comercializado para a reposição dos equipamentos originais
em razão dos defeitos de fabricação, furtos e roubos.
•
A Representante contradiz a Representada e afirma que tem
condições de atender referido nicho já que, ao contrário do
que a Siemens VDO alega, as montadoras dão credibilidade
ao tacógrafo da SEVA. Inclusive, a SEVA diz ter sido
contatada por “praticamente todas as montadoras do mercado
para a realização de testes para a aplicação dos tacógrafos,
mas, por ser uma empresa pequena optou por focar
inicialmente em apenas uma montadora para então depois
adequar o produto para as demais montadoras”. Nesse
sentido, também alegou que o tal processo “foi, por diversas
vezes, interrompido pela insegurança gerada pelas sucessivas
atuações da Representada contrárias à livre atuação da
SEVA”.
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•
Como exemplo, a Representante informou que em 2002, a
FIAT lançou o DUCATO modelo 2003 equipado com o
tacógrafo SEVA SVT 3000 e que tem constantemente
efetuado vendas para montadoras como Scania e Fiat e
fornece tacógrafos para frota de grandes empresas de ônibus.
•
Repetiu os termos da sua Representação no sentido de que a
Representada estaria criando obstáculos ao seu
funcionamento/desenvolvimento e acostou aos autos, fl.
1708, ofício do Denatran o qual, segundo ela, acusa a
reiteração do comportamento anticoncorrencial da Siemens
VDO.
•
Da ausência de racionalidade econômica. Em síntese, rejeita
esse argumento da Representada afirmando que, a
permanência / desenvolvimento da SEVA e dos demais
concorrentes efetivos e potenciais no mercado em questão
apresenta uma ameaça aos rendimentos da líder e quase
monopolista Siemens VDO.
•
Do comportamento oportunista da SEVA e o direito de
petição da Siemens VDO. A Representante alega que o
Mandado de Segurança n° 2001.61.00.028573-5, impetrado
pela Representada com o intuito de suspender a Portaria de n°
01/2002, a qual estabeleceu a autorização da comercialização
do SV 2001, foi julgado extinto sem julgamento de mérito
por ausência de legitimidade de parte e interesse processual,
nos termos do art. 267, inc. VI do CPC. Também, afirma a
Representante que o próprio DENATRAN, nos
esclarecimentos prestados nos autos da Ação de rito ordinário
n° 2004.34.00.019865-9/DF ajuizada pela Siemens VDO,
atestou que o produto da SEVA não poderia causar prejuízo à
segurança do trânsito.
•
Do contato entre as empresas. Nesse sentido, a Representante
aduz ser “demasiada fantasiosa e capciosa a presunção
expressa pela Representada de que o Sr. João Luiz Neves”
teria passado a participar do grupo de trabalho da ABNT
apenas para se aproximar do Sr. Jefferson Oliveira. Com
relação à suposta oferta de venda da SEVA ao grupo alemão,
a SEVA esclareceu que “após as insinuações para a formação
de uma associação ilícita houve o desvio de foco e a tentativa
de uma aquisição da empresa, sendo que a proposta inicial foi
feita pela Representada e que, após os enormes prejuízos
sofridos, a Representante chegou até a cogitar a desistir de
lutar contra os artificiosos empecilhos e entregar tudo à
multinacional para que esta continuasse a fazer o que bem
entendesse no mercado nacional de tacógrafos”.
•
Quanto às infrações das quais acusa a Representada, a
Representante repete, novamente, os trechos da gravação
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havida entre os dois empresários a qual, segundo a SEVA,
aponta para o fato de que a “verdadeira intenção da VDO
seria a formação de uma parceria com a SEVA para a
mudança de foco do tacógrafo para computador de bordo e a
conseqüente saída da SEVA do referido mercado, o que
manteria inabalada a posição dominante que ostenta
artificialmente a VDO”.
•
Limitação de acesso de novas empresas ao mercado e criação
de dificuldades para o desenvolvimento de empresas. No
tocante a este item, a Representante contradiz a Representada
que em sua defesa afirmou não existir indicações de
comportamento sistemático na tentativa de limitar o acesso
ou dificultar o desenvolvimento de empresas concorrentes.
Para tanto, ilustra inclusive o que chama de “sistemática,
metódica e insistente adoção de medidas turbativas
respaldadas em Poder Econômico e contatos políticos junto
ao DENATRAN, ao INMETRO e na esfera judicial”. Mais
uma vez, a Representante afirma que, de acordo com o
próprio DENATRAN, os tacógrafos da SEVA estariam em
consonância técnica e funcional com a legislação vigente não
oferecendo risco algum para a segurança dos usuários e da
coletividade.
•
Fechamento de mercado. A Representante assevera que as
provas carreadas aos autos e as transcrições da gravação
destacadas demonstram exatamente o contrário do que a
Representada pretende se defender.
•
Já no tocante à defesa do suposto atraso tecnológico
orquestrado pela Representada, a Representante afirma que a
Resolução n.o 92/99 do CONTRAM claramente define os
tipos de tacógrafos permitidos no Brasil, entre eles o digital e,
como base nas normas vigentes e tipos de tacógrafos a
própria SEVA logrou homologar e obter a comercialização de
tacógrafos digitais sendo “que as únicas sérias dificuldades
encontradas foram as que a Siemens VDO criou
sistematicamente, atacando sem fundamento legal ou técnico
os produtos da Representante”.
•
Da alegada litigância de má-fé da Representante. Neste
tocante, a SEVA declarou os seguintes termos “trata-se de
um verdadeiro espasmo defensivo”. “Alega a Representada
que a SEVA omitiu estar presente em uma unidade da VDO
no dia 23/01/2006. Realmente dito fato deveria ter sido
noticiado à SDE comprovando que, infelizmente, a SEVA,
estava quase sendo convencida a 'mudar o foco, o conceito do
produto', abrindo mão do mercado de tacógrafos ou até
mesmo vendendo a empresa para a multinacional VDO,
sucumbindo às pressões e aos obstáculos seguidamente
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erguidos por esta, atingindo o ponto extremo de falência
potencial”.
79.
Em 21 de maio de 2007, a SEVA Engenharia Eletrônica S.A. protocolou
nova petição na qual apresenta e requer a juntada de 4 (quatro) tabelas: (i)
tabela contendo a percentagem de cada tipo de veículo da frota brasileira
em dezembro de 2006; (ii) tabela com especificações e definições dos
tipos de veículos; (iii) tabelas- resumo da frota brasileira com
considerações da Representante, apresentando o número de veículos que
deveriam ser providos de tacógrafos; e (iv) tabela descrevendo as
considerações gerais feitas pela Representante para se chegar a uma
estimativa do valor envolvido no mercado de tacógrafos brasileiro.
Trouxe também algumas matérias veiculadas na imprensa que atestariam,
no seu entender, a conduta anticoncorrencial mundial da Representada.
II.3.6 Do Saneamento do processo, especificação de provas e instrução
probatória
80.
Em 23.11.2006, esta SDE, pelo Despacho do Sr. Secretário de n° 709 e
pelos motivos de fato e de direito expostos na nota técnica de fls.
1727/1744, rejeitou as preliminares argüidas pela Representada em sua
integralidade por falta de amparo legal.
81.
Do mesmo modo, esta SDE determinou a produção das seguintes provas:
(i) oitivas dos Srs. Jefferson Oliveira, funcionário da SIEMENS VDO, e
João Luiz Neves, Presidente da SEVA; (ii) encaminhamento de ofícios,
juntada de documentos e pareceres econômicos; e (iii) quaisquer outras
provas previstas no art. 35 e 35-A da Lei nº 8.884/94.
82.
Determinou-se também que a Representada fosse intimada para que, no
prazo de 10 (dez) dias, especificasse as provas que pretendesse ver
produzidas, justificando sua necessidade e apresentando, na oportunidade,
o rol das testemunhas, em número não superior a 03 (três), caso esse meio
probatório fosse de seu interesse.
83.
Em atendimento ao despacho supramencionado, a Siemens VDO
especificou as provas que pretendia ver produzidas, quais sejam: (i) os
depoimentos pessoais dos Srs. Jefferson Oliveira e João Luiz Neves, e a
possível acareação entre as duas testemunhas; (ii) quebra do sigilo
telefônico de todas as linhas telefônicas (fixas e móveis) da SEVA e do
seu presidente, Sr. João Luiz Neves, sob pena de cerceamento ao seu
direito à ampla defesa, constitucionalmente consagrado; e (iii) a juntada de
documentos e pareceres.
II.3.6.1 Dos ofícios encaminhados
84.
Inicialmente em sede de Procedimento Administrativo a Representada foi
oficiada (OF nº 3885/2005/DPDE) para prestar esclarecimentos quanto aos
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fatos narrados pela representação formulada pela SEVA Engenharia
Eletrônica S.A. A resposta ao referido ofício consta às fls. 154/264.
85.
Em 01.08.2006, às fls. 784/789, o INMETRO respondeu aos quesitos
formulados no OF n° 3069/CGAI/DPDE. Tais quesitos, expressos às fls.
576/578, indagam, entre outros, sobre a sucessão dos diplomas legais que
dispõem sobre os requisitos necessários para a utilização de tacógrafos no
Brasil. Além disso, esta CGAI questionou o INMETRO sobre os pedidos
de protocolos da empresa Siemens VDO de certificação do tacógrafo
modelo MTCO 1390 e também da empresa SEVA dos tacógrafos
eletrônicos digitais modelo SV-2001 e SVT-3000. Por fim, esta CGAI
também requereu do mesmo órgão uma lista de tacógrafos e respectivos
fabricantes certificados pelo INMETRO atualmente.
86.
A Representante SEVA também foi oficiada (OF nº 3071/CGAI/DPDE)
para: (i) apresentar a versão completa, tanto do áudio como da transcrição,
da conversa entre o diretor Presidente da SEVA e o assessor da diretoria
da Siemens VDO; e (ii) esclarecer como se daria a dita divulgação de
informações depreciativas em relação aos produtos da SEVA por parte da
Siemens. Em atendimento ao mencionado ofício, a SEVA prestou as
informações requeridas às fls. 680/784.
87.
Foram requeridas também maiores informações à Siemens VDO, por meio
do OF nº 3072/CGAI/DPDE, no tocante ao tacógrafo modelo MTCO 1390
e à Ação Ordinária nº 2004.34.00.019865-9/DF. A resposta ao referido
ofício restou acostada às fls. 593/679 dos autos.
88.
O DENATRAN foi oficiado às fls. 588/590 (OF nº 3070/CGAI/DPDE)
nos mesmos termos do ofício encaminhado ao INMETRO, para prestar
informações sobre a legislação aplicável ao caso. A resposta ao
mencionado ofício consta às fls. 790/1635.
89.
Posteriormente, a Siemens VDO foi oficiada (OF nº 5380/CGAI/SDE)
para apresentar as seguintes informações: (i) preço unitário do disco
diagrama utilizado nos tacógrafos; (ii) andamento processual integral da
Ação Ordinária nº 20043400019865-9/DF e do Agravo de nº
20040100047359-7; (iii) estimativa de custo para novo modelo de
tacógrafo, conforme esclarecimento prestado na petição de fl. 522 dos
autos. A versão pública da resposta ao referido ofício restou acostada às
fls. 1755/1757.
90.
Às fls. 1913/1914, foi encaminhado ofício ao Procurador-Geral da
República (Ofício nº 2180/2007/SDE/GAB) informando do conhecimento
por parte desta SDE de suposta prática de crime de tráfico de influência
envolvendo um Deputado Federal.
II.3.6.2 Provas testemunhais
91.
Considerando os pedidos de prova testemunhal da Representada e o
disposto no Despacho do Secretário nº 709/06, que deferiu as testemunhas
arroladas pela SDE, foi proferido Despacho da Secretária nº 20/07, no qual
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foi determinado o dia (14.02.07), local (auditório Tancredo Neves no
Ministério da Justiça em Brasília) e horários (10h00min e 15h00min) das
oitivas solicitadas.
92.
Em 14.02.2007 foram realizadas as oitivas dos Srs. João Luiz Neves e
Jefferson de Oliveira. Os Termos de depoimentos e as degravações destes
estão acostadas aos autos, respectivamente, às fls. 1846/1847, 1857/1858 e
1864/1910.
II.3.6.3 Das demais provas requeridas
93.
A Representada também requereu a quebra de sigilo telefônico de todas as
linhas telefônicas (fixas e móveis) da SEVA e do seu Presidente e o envio
de ofício para a SEVA sobre insinuações de prática de tráfico de
influência.
94.
Face a estes pedidos, nova nota técnica foi exarada e aprovada pelo Diretor
indeferindo o pleiteado, às fls. 1915/1925. Cabe ressaltar que a referida
nota técnica foi acolhida pela Secretária por meio do Despacho nº
258/2007.
95.
A instrução processual deu-se por encerrada de acordo com o Despacho nº
359/2007, tendo em vista a análise e execução das provas requeridas pela
Representada.
II.3.7 Petições protocoladas após o encerramento da instrução processual
96.
Em 29.06.07 foi juntado aos autos petição protocolada pela Representante
apresentando comentários finais. A petição reiterou o posicionamento que
a Representante vem tomando ao longo do processo, imputando à
Representada as seguintes ações:
a. A Representada está litigando de má-fé, visando o impedimento da
venda dos tacógrafos da SEVA, e impedindo a livre atuação de um
concorrente;
b. A Representada convidou a Representante a cartelizar, exercendo
pressão como detentora de posição dominante;
c. A Representada utilizou sua influência política para obter a
revogação de Portarias do DENATRAN que homologavam os
tacógrafos da Representante.
97.
Em 20.07.07, a Representada apresentou petição esclarecendo seu
entendimento sobre a petição intempestiva da Representante. Entendeu
que a petição intempestiva da SEVA “não traz qualquer fato ou alegação
inédita e que já não tenha sido contestada, com boas provas, pela Siemens
VDO.” (fl. 2077).
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98.
Ademais, reiterou os argumentos e documentos já apresentados e teceu
críticas sobre a última petição da SEVA, alegando que “não há sequer uma
alegação objetiva”(fl. 2078).
II.3.8 Das alegações finais
99.
A Representada apresentou tempestivamente suas alegações finais em
atenção ao Despacho da Secretária no 359/2007 (fls. 2017/2057).
II.3.8.1 Das preliminares
100.
Em sede de alegações finais, a Representada alega que inexiste lide
concorrencial porque “não há ‘fato’ ou ‘situação concreta’ que justifique a
atuação do Estado nesse caso” (fl. 2010). Alega, também, que o processo
administrativo em tela trata apenas de instrumento de coerção por parte da
Representante para que a Representada abra mão de seus processos
judiciais e acusa-a de litigância de má-fé.
101.
Ademais, alega que a reunião entre o Sr. Jefferson de Oliveira e Sr. Neves
foi uma “reunião de negócios” em que não houve proposta, mas apenas
uma “pré-negociação”, o que corrobora sua alegação de que inexiste lide
concorrencial.
102.
Além disso, alegam que o Sr. Jefferson de Oliveira foi induzido a
participar da reunião, não partindo dele a iniciativa para convocá-la e que
em momento algum durante a reunião o Sr. Jefferson de Oliveira havia
pedido ao Sr. Neves para retirar o tacógrafo do mercado, mas apenas de
repensar o “conceito”.
103.
Aduz também a Representada que a gravação da reunião e sua degravação
devem ser desconsideradas por estarem maculadas de vício insanável,
quais seja, serem fruto de uma conversa em que uma das partes foi
induzida. A Representada alega que a gravação foi fruto de indução e máfé. Especificamente, alega que o Sr. Jefferson Oliveira foi induzido e que a
degravação apresentada omitia trechos cruciais da conversa realizada em
09.03.2005.
104.
Finalmente, a Representada questionou o indeferimento por esta Secretaria
de algumas provas requeridas durante a instrução processual, quais sejam:
(i) quebra do sigilo telefônico da SEVA e de seu diretor presidente e (ii)
envio de ofício para a SEVA sobre insinuações de prática de tráfico de
influência.
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II.3.8.2 Do Mérito
105.
Quanto ao mérito, a Representada alegou que não houve qualquer convite
ou proposta de sua parte para formação de cartel ou adoção de prática
comercial concertada, uma vez que a iniciativa dos contatos teria partido
da SEVA. Ademais, alegou que não haveria racionalidade econômica para
que ela quisesse cooptar a Representante.
106.
Também alegou que não houve, por parte da Representada, qualquer
tentativa ou abuso de direito de petição ou de acesso ao Judiciário. Além
disso, afirmou que não se caracterizou, nas ações judiciais propostas, a
prática de sham litigation.
107.
A Representada também afirma que a SEVA se comporta como
concorrente oportunista e que não houve qualquer prática ilegal da
Siemens VDO tendente à criação de dificuldades para o ingresso ou
desenvolvimento de seus concorrentes, inclusive porque a Siemens VDO
não teria o poder de barrar a SEVA como fornecedora de montadoras.
Também alega a Representada que seu comportamento junto a seus
clientes é leal e correto.
108.
Quanto à reunião ocorrida em 09.03.2005, a Representada alega que foi
realizada à sua revelia, uma vez que ela não convocou, não participou e
não instruiu a ninguém de seus quadros que participasse.
109.
Alega também que não há que se falar que a Siemens VDO orquestrou
atraso tecnológico no Brasil, seja pela falta de fatos e provas nesse sentido,
seja pela total falta de racionalidade em tal conduta.
110.
Finalmente, a Representada reiterou sua alegação de que a Representante
teria litigado de má-fé, demonstrando que houve omissões, irregularidades
e contradições nas informações apresentadas pela SEVA.
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III. ANÁLISE
III.1. Das Preliminares
III.1.1 Da petição apresentada após o encerramento da instrução processual
111.
A petição da Representante contendo seus comentários finais foi
protocolada intempestivamente após o encerramento da instrução
processual e sua apresentação carece de fundamentação legal expressa.
Entretanto, entendemos ser direito do administrado peticionar à
Administração conforme o Art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, razão
pela qual a referida peça permanecerá nos autos.
112.
A referida peça, apesar de deslocada, em nada prejudicou o direito de
defesa da Representante visto que não trouxe argumentos novos.
113.
Neste sentido, a Representada corroborou tal entendimento por meio de
petição, esclarecendo seu entendimento sobre a petição intempestiva da
Representante. Conforme relatado acima, entendeu que a petição
intempestiva da SEVA “não traz qualquer fato ou alegação inédita e que já
não tenha sido contestada, com boas provas, pela Siemens VDO.” (fl.
2077).
114.
Em vista do exposto, não se observa óbice à continuidade do presente
processo, inclusive sem a reabertura de prazo para alegações finais.
III.1.2 Das Preliminares argüidas pela Representada
115.
A presente seção será dedicada exclusivamente à análise das alegações de
caráter preliminar trazidas pela Representada. Entretanto, é importante
destacar que grande parte dos argumentos trazidos em sede de alegações
finais já foi combatida pela SDE e indeferida no momento processual
oportuno, qual seja, a nota de saneamento processual (fls. 1727/1744),
acolhida pelo Despacho do Secretário nº 709/2006.
III.1.2.1 Inexistência de lide concorrencial
116.
A questão relativa à inexistência de lide concorrencial foi devidamente
rebatida às fls. 1737/1738.
117.
No entanto, a Representante apresentou novos argumentos referentes a
esta preliminar que merecem atenção. A alegação de que o processo
administrativo em tela trata apenas de instrumento de coerção por parte da
Representante carece de fundamento, tendo em vista que o trabalho desta
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SDE consiste em investigar ilícitos antitrustes e, uma vez convencida da
coerência e robustez dos indícios obtidos, instaurar processo
administrativo.
118.
No caso em tela, a SDE promoveu instrução probatória e o convencimento
exposto na nota de instauração de processo administrativo não foi
fundamentado apenas nos dados apresentados pela Representante.
119.
Por esta razão, ausente o fundamento fático e jurídico da alegação que o
presente processo administrativo seria “instrumento de coerção”. Trata-se,
na verdade, da expressão do poder-dever da Administração de investigar
possíveis ilícitos trazidos ao seu conhecimento.
III.1.2.2 Vícios da gravação ambiental
120.
A alegação de que a gravação da reunião e sua degravação devem ser
desconsideradas por estarem maculadas de vício insanável é baseada na
afirmação de que se trata de conversa em que uma das partes foi induzida
e a apresentação da degravação da conversa foi feita parcialmente,
excluindo trechos essenciais para sua contextualização. Contudo, esta
alegação não se sustenta.
121.
Em primeiro lugar, o representante da Siemens VDO, Sr. Jefferson de
Oliveira, apresentou, voluntariamente, a proposta de formação de cartel
como pode ser visto às fls. 725/727:
“SEVA_ [...] eu só enxergo, Jéferson, hoje, dois
caminhos. São caminhos que eu não tenho como
deixar de fazer porque é o que eu coloquei alí, o que
eu fiz. Então eu enxergo um caminho: Ou eu saio
deste mercado, nós estamos preparando a empresa
para outros mercados, parar de brigar, parar de
muita coisa porque para ser sincero a gente só
perdeu...
VDO_Vai um pouco mais tarde hoje ...
[...]
VDO_A conversa está ficando interessante. Quando
você fala assim: “Eu só tenho dois caminhos ...” um
você já falou – “ou eu saio deste mercado...” – o
outro é?
[...]
SEVA_ [...] A segunda é a gente entrar firme nesse
mercado, ta, a gente entrar pra valer. [...] Aí entra
pra valer e e aí vamos nesse caminho, vamos
defender piamente, puramente, nossos pontos de
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vista, que a gente acredita e tal, e o caminho A é é
na saída, ta?
VDO_Hum, Hum [expressão para dar seguimento à
conversa]
SEVA_ É da SEVA desse mercado, saída porque
também, não vale a pena você ficar batendo, ou
você bate pra valer, entra pra valer ou não adianta
você ficar batendo né, em ponta de faca, né?
VDO_Bom então aí, aí, você me permita, só uma,
uma colocação, queria até me antecipar, eu estava
mais ou menos prevendo que você colocaria os dois
caminhos, né, um é sair, outro é ficar, não pode ter
outro né?
[...]
VDO_ [...] Agora eu vejo uma terceira opção, até
uma quarta opção tá é, é você tá no negócio, mas de
uma forma diferente, [...] entendeu? Você está no
negócio mas junto com a VDO e não contra a
VDO.” (fls. 725/727)
122.
Não se observa da conversa qualquer trecho que possa demonstrar um
estímulo, sugestão ou incentivo por parte do representante da SEVA para
que o representante da Siemens VDO apresente sua “terceira opção”. Ao
contrário, este trecho da conversa é a primeira vez em que se menciona a
possibilidade das concorrentes trabalharem juntas. Quando o representante
da SEVA deixa claro que só vê dois caminhos a serem trilhados, o
representante da Siemens VDO intervém voluntariamente e propõe a
mencionada “terceira opção”.
123.
Além disso, não se pode dizer que o representante da Siemens VDO foi
induzido a participar da reunião vez que ele (i) reservou a sala no
Sindipeças onde a reunião foi realizada (fls. 715) e (ii) pediu ao
representante da SEVA que retardasse seu vôo de volta de São Paulo
porque “[a] conversa está ficando interessante” (fls. 725).
124.
Também restou comprovado nos autos que, além da reunião ora analisada,
os representantes da SEVA e Siemens VDO acima citados se encontraram
novamente em novembro de 2005, desta vez com a presença do Sr. Luiz
Eduardo Moreno Munhoz, Diretor da Siemens. E, assim, não há como
concluir que as reuniões havidas entre as empresas haveriam ocorrido
exclusivamente por “insistência” da SEVA.
125.
Em segundo lugar, a apresentação da degravação parcial não gerou danos
ao direito de defesa da Representada, haja vista que a versão completa
encontra-se nos autos e foi devidamente oportunizada a sua contestação.
126.
Além disso, a despeito de que a Representada não formulou alegação de
vício da gravação ambiental por ter sido realizada sem a autorização da
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outra parte, esta SDE entendeu ser imprescindível levar em consideração
os julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça que versam sobre o tema. Assim vejamos.
127.
Os Tribunais Superiores têm se posicionado no sentido de que estas
gravações prescindem de autorização judicial e constituem prova
lícita quando (i) caracterizada uma investida criminosa contra o autor
da gravação ou (ii) usada para documentação e futura utilização em
caso de negativa (contestação/oposição).
128.
Sobre a primeira hipótese, é bastante elucidativo o voto do Ministro Felix
Fischer:
“[...] a princípio, todas as provas que porventura
venham a ser produzidas, no processo penal, com
violação a estas garantias - v.g.: sigilo de suas
comunicações telefônicas, da correspondência, a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada serão tidas por inadmissíveis. Contudo, não se pode
deixar de consignar a lição segundo a qual não
existem no ordenamento jurídico direitos absolutos.
Dessa forma, referida regra - que proíbe a utilização
de provas em princípio inadmissíveis no processo
penal - sofre abrandamento, de modo a permitir que,
em determinadas hipóteses, a regra geral ceda
espaço a exceções.
[...]
A hipótese aqui é de gravação ambiental realizada
por um dos interlocutores sem o conhecimento do
outro, e em sua residência.
[...]
O Pretório Excelso tem examinado a quaestio de
caso a caso. Em linhas gerais, quando a gravação se
refere a fato pretérito, consumado e sem
exaurimento ou desdobramento, danoso, futuro ou
concomitante, tem-se, em princípio, a hipótese de
violação à privacidade. Todavia, demonstrada a
investida criminosa contra o autor da gravação (com
a ocorrência concomitante ou futura de ofensa a
bem jurídico), a atuação deste - em razão, inclusive,
do teor daquilo que foi gravado - pode, às vezes,
indicar a ocorrência de excludente de ilicitude. A
investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita
a gravação.
[...]
Considerou-se, no precedente, que, em havendo
uma investida criminosa contra o interlocutor que
grava a conversa, esta prova, mediante interpretação
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apoiada no princípio da proporcionalidade, seria
válida, muito embora produzida sem o
conhecimento do outro. Em outras palavras, a
Suprema Corte firmou orientação no sentido de que,
uma vez verificada situação onde a gravação é
realizada com único intuito de demonstrar, registrar,
uma investida criminosa (com ameaça concomitante
ou iminente a bem jurídico) perpetrada pela outra
parte, tal como chantagem, solicitação indevida ou
extorsão, excepcionalmente, admitir-se-ia a
utilização desta gravação ambiental como prova no
processo penal.
Cumpre consignar que essa orientação vem sendo
observada em outros pronunciamentos emanados da
Augusta Corte, v.g.: Ag. Reg. no Agravo
503.617/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso,
DJ de 04/03/2005 e Ag. Reg. no Rescurso
Extraordinário 402.035/SP. 2ª Turma, Rel. Ministra
Ellen Gracie, DJ de 06/02/2004.”
(Apn. 479/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte
Especial, julgado em 29.06.2007, DJ 01.10.2007
p.198)10 (sublinhou-se)
129.
Em suma, os Tribunais Superiores entendem que, de acordo com o
princípio da proporcionalidade, a prova produzida de modo ilícito pode ser
admitida quando usada em exercício de legítima defesa por aquele que a
produziu. Os fatos narrados na gravação devem, portanto, confirmar uma
ameaça concomitante ou iminente a bem jurídico, e seu uso deve se dar
para demonstrar ou registrar a investida criminosa.
130.
O Supremo Tribunal Federal pronunciou-se no mesmo sentido quando do
julgamento do HC 75.338-8/RJ. Naquele caso, um servidor público
respondia a processo disciplinar junto à Corregedoria-Geral da Justiça do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e recebeu ligações de um Juiz de
Direito que solicitava um valor monetário a fim de influir junto ao
Corregedor-Geral da Justiça para solucionar seu problema. O servidor
10
Neste sentido: HC 57.961/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
21.06.2007, DJ 12.11.2007 p. 242; RHC 19.136/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, julgado em 20.03.2007, DJ 14.05.2007 p. 332; HC 52.989/AC, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23.05.2006, DJ 01.08.2006 p. 484; HC 41.615/MG,
Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 06.04.2006, DJ
02.05.2006 p. 343; HC 28.467/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA
TURMA, julgado em 14.02.2006, DJ 02.05.2006 p. 391; RHC 18.346/PB, Rel. Ministro GILSON
DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 13.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 573; REsp 707.307/RJ, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 11.10.2005, DJ 07.11.2005 p. 363; HC
36.545/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02.08.2005, DJ
29.08.2005 p. 374; RHC 14.672/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado
em 28.06.2005, DJ 29.08.2005 p. 367; HC 80949-9/RJ, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 14/12/2001;
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público, “sentindo-se vítima de extorsão, gravou os telefonemas e entregou
as fitas à autoridades competentes.”
131.
Os fatos narrados no HC 75.338-8/RJ são idênticos aos fatos do caso em
tela. Ambos tratam da gravação de conversa feita por um dos
interlocutores sem o conhecimento do outro quando há investida
criminosa. No HC 75.338-8/RJ, o autor da gravação sente-se vítima de
extorsão, crime tipificado. No caso em tela, o autor da gravação sente-se
vítima de abuso de posição dominante, exteriorizado por meio de um
convite a cartelizar, sendo a formação de cartel um crime tipificado
pela Lei nº 8.137/90 e infração tipificada pela Lei nº 8.884/94. Em
outras palavras, é evidente que neste caso, o autor da gravação é
vítima de investida criminosa e usou a gravação em legítima defesa de
um bem jurídico, qual seja, o direito à livre iniciativa e livre
concorrência.
132.
Nesse sentido, cumpre destacar o entendimento do Supremo Tribunal
Federal:
“A Constituição não trata a privacidade como
direito absoluto (art. 5, X, XI, e XII).
Há momentos em o direito a privacidade se conflita
com outros direitos, quer de terceiros, quer do
Estado.
[...]
Deve-se buscar o critério para a limitação.
[...]
O princípio da proporcionalidade é o instrumento de
controle.
[...]
É inconsistente e fere o senso comum – fonte última
da proporcionalidade – falar-se em violação do
direito à privacidade quando a própria vítima grava
diálogo com seqüestradores, estelionatários ou
qualquer tipo de chantagista.”
(HC 75.338-8/RJ, Rel. Ministro Nelson Jobim,
Plenário, julgado em 11.03.1998, DJ 25.09.1998)
133.
Quanto à segunda hipótese – documentação e utilização em caso de
negativa – admite-se também como prova “[a] gravação de conversa entre
dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a
finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa [...]” (AIAgR 503617/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de
04/03/2005).11
11
Ver também RHC 19.136/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado
em 20.03.2007, DJ 14.05.2007 p. 332; HC 52.989/AC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
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134.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reafirmou esta
jurisprudência em voto do Ministro Ricardo Lewandowski. “A gravação
de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem
conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente,
em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui
exercício de defesa.”12
135.
Ainda que admitíssemos – ad argumentadum – que não houve investida
criminosa por parte da Siemens VDO, a gravação ora analisada seria
considerada lícita pelo segundo critério da jurisprudência pátria. Isto
porque, o exame dos autos demonstra que a SEVA apenas trouxe a
gravação da reunião depois de sua denúncia inicial e apenas após a
Siemens VDO ter contraditado a narrativa da Representante. Tal fato
é de simples observação, uma vez que a representação encontra-se às fls.
02, a primeira petição da Siemens VDO contestando os fatos encontra-se
às fls. 154 e a petição da SEVA trazendo aos autos a referida gravação
encontra-se às fls. 324.
136.
Portanto, neste caso, esta Secretaria entende que a gravação pode e deve
ser admitida como prova.
137.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que além de admissível, esta prova vem
sendo admitida pela jurisprudência como suporte para o oferecimento da
denúncia, tanto no que tange à materialidade do delito como em relação
aos indícios de sua autoria (HC 36.545/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ
29/8/2005, p. 374)13
III.1.2.3 Demais alegações
138.
Quanto ao indeferimento por esta Secretaria de algumas provas requeridas,
este argumento já foi rebatido no momento oportuno, qual seja no
Despacho da Secretária no 258/2007 (fls. 1915/1926).
139.
A alegação de má-fé por parte da Representante não pode prosperar. Em
que pese a Representante ter apresentado inicialmente uma degravação
parcial da conversa havida em 09.03.2005, não se pode defender a
caracterização de litigância de má-fé, tendo em vista não ter imposto
TURMA, julgado em 23.05.2006, DJ 01.08.2006 p. 484; HC 41.615/MG, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 06.04.2006, DJ 02.05.2006 p. 343;
HC 28.467/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em
14.02.2006, DJ 02.05.2006 p. 391; RHC 18.346/PB, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA
TURMA, julgado em 13.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 573. AI-AgR 666459 / SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 06/11/2007, DJ de 30/11/2007 p. 69.
12
AI 66.645-9/SP, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 06.11.2007,
DJ 30.11.2007.
13
Nesse sentido: HC 29.174/RJ, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ 2/8/2004, p.440; HC
33.110/SP, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 24/5/2004, p. 318; HC 23.891/PA,
Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 28/10/2003, p. 308; RHC 12.266/SP, Rel. Min. HAMILTON
CARVALHIDO, DJ 20/10/2003, p. 298; dentre outros.
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qualquer óbice ao atingimento da verdade real, ou ter maculado o direito à
ampla defesa da Representada.
140.
O processo administrativo visa a proteger a ampla defesa da Representada
dentro dos limites da razoabilidade, sendo guiado pela verdade material.
Ensinam Cintra, Grinover e Dinamarco que o direito de defesa significa,
“o direito à adequada resistência às pretensões adversárias.”14 Ademais,
ensina Odete Medauar que o direito de defesa deve ser guiado pelo
princípio da verdade material, segundo o qual
“a Administração deve tomar decisões com base
nos fatos tais como se apresentam na realidade, não
se satisfazendo com a versão oferecida pelos
sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de
carrear para o expediente todos os dados,
informações documentos a respeito da matéria
tratada, sem estar jungida aos aspectos suscitados
pelos sujeitos.”15
141.
A instauração de um processo administrativo se presta à instrução do
processo para apurar os indícios de infração à ordem econômica e esta
apuração foi feita de maneira exaustiva. Nas palavras de José dos Santos
Carvalho Filho:
“A finalidade da instrução consiste em conferir à
autoridade administrativa competente elementos
suficientes para a formação de seu convencimento,
de modo a que possa ser proferida decisão correta,
justa e adequada.”16
142.
O autor continua no sentido de que:
“Instrução é a fase do processo administrativo em
que são coligidas as provas para o fim de ser
proferida a decisão. Instruir o processo [...] significa
provê-lo de provas e dotá-lo de elementos, tudo com
vistas à formação da convicção de quem vai decidir
o feito.”17
143.
Inclusive, nos processos administrativos que tramitam por esta Secretaria,
não é responsabilidade da Representante apresentar provas, mas é
poder/dever da Secretaria de Direito Econômico acolher os indícios
trazidos pelos Representantes e investigar e coletar as provas da melhor
maneira.
144.
No caso em tela, a ampla defesa da Representada não foi cerceada pela
demora da Representante em juntar a versão integral da degravação.
14
Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria Geral do Processo. 11ª ed, São Paulo: 1995. p. 84.
Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, 8ª ed, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004.
16
José dos Santos Carvalho Filho, Processo Administrativo Federal – Comentários à Lei 9.784 de
29/1/1999, 1ª ed, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 175.
17
Idem.
15
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Inclusive, foi dada oportunidade ao representante da Siemens VDO, que
teve sua conversa gravada, de apresentar sua versão do que foi conversado
por meio de sua oitiva. Afinal, não houve prejuízo à Representada uma vez
que toda a apuração de dados necessária para formação do convencimento
desta Secretaria foi realizada durante a instrução processual e a opinião só
é formada após o encerramento da instrução.
145.
Pelo exposto, observa-se que não há óbices processuais ao andamento do
processo, razão pela qual deve-se prosseguir para a análise dos argumentos
de mérito.
III.2 Do Mérito
III.2.1 Do Mercado Relevante
146.
O presente Processo Administrativo lida com o universo dos registradores
instantâneos e inalteráveis de velocidade e tempo, aparelhos conhecidos
como tacógrafos. Os referidos aparelhos são produzidos a partir de
diversas tecnologias e vendidos por meio de canais variados (vendas a
distribuidores, montadoras de veículos e consumidores).
III.2.1.1 Do Mercado Relevante do Produto
147.
O tacógrafo é um aparelho que registra, por meio de um mecanismo de
precisão, a distância percorrida e a velocidade de um veículo automotor.
Na legislação brasileira ele é denominado como equipamento “registrador
instantâneo e inalterável de velocidade e tempo”18 e é utilizado
principalmente em caminhões.
148.
O tacógrafo começou a ser usado no Brasil em 1958. A sua
obrigatoriedade foi instituída em 1968 para os veículos destinados ao
transporte de escolares. Ao longo do tempo, a sua obrigatoriedade foi se
estendendo, culminando no art. 105 do Código Nacional de Trânsito (CNT
– Lei 9.503/97) que institui sua obrigatoriedade “para os veículos de
transporte e de condução escolar, os de transporte de passageiros com mais
de dez lugares e os de carga com peso bruto total superior a quatro mil,
quinhentos e trinta e seis quilogramas.”
18
Resolução CONTRAN nº 14 de 06.12.1998:
“Art. 1º - Para circular em vias públicas, os veículos deverão estar dotados dos equipamentos
obrigatórios relacionados abaixo, a serem constatados pela fiscalização e em condições de
funcionamento:
(...) 21) registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, nos veículos de transporte,
condução de escolares, nos de transporte de passageiros com mais de dez lugares e nos de carga
com capacidade máxima de tração superior a 19t.”
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149.
O aparelho é utilizado para gravar informações que indicam todo o
comportamento do profissional ao volante, como a velocidade
desenvolvida, o tempo, distância percorrida e paradas para descanso. Por
suas características funcionais, o tacógrafo permite, além do controle
operacional, a reconstituição da viagem realizada pelo veículo,
possibilitando, desta forma, a elaboração de estudos e laudos periciais.
Justamente por essas características, o equipamento é considerado uma
eficaz ferramenta de segurança de transporte e também uma maneira para
controlar o ritmo de trabalho de motoristas de veículos pesados.
150.
Dado seu objetivo principal de segurança, existe uma preocupação no que
diz respeito à inviolabilidade dos equipamentos e fidelidade de reprodução
das informações registradas. Por essa razão, existe legislação específica
sobre as peculiaridades técnicas dos tacógrafos e para que possam ser
comercializados devem ser, previamente, homologados pelas autoridades
competentes.
151.
Neste sentido e conforme aduzido pela Representada, “a produção e
comercialização de tacógrafos no Brasil, assim como na maior parte do
mundo, são atividades extremamente reguladas.” O CNT dispõe que o
tacógrafo não pode ser comercializado livremente uma vez que seu uso
será disciplinado pelo CONTRAN que determinará suas especificações
técnicas. Além do CNT e do CONTRAN, existem também normas do
INMETRO e DENATRAN que regulam a comercialização e produção do
tacógrafo. Por esta razão, é possível concluir que existem barreiras
normativas significativas para a entrada no mercado em questão.
152.
Em cumprimento à determinação do CNT, o CONTRAN editou a
Resolução no 92/99, por meio da qual definiu os “requisitos técnicos
mínimos do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo” e
determinou que:
“Art. 7º. O registrador instantâneo e inalterável de
velocidade e tempo e o disco ou fita diagrama para a
aprovação pelo órgão máximo executivo de trânsito
da União, deverá ser certificado pelo Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial – INMETRO, ou por entidades por ele
credenciadas.”
153.
Portanto, observa-se que o equipamento deve ser aprovado pelo
INMETRO e, em seguida, homologado pelo DENATRAN para que possa
adentrar o mercado nacional.
154.
Estas especificações regulatórias e a sua natureza obrigatória fazem com
que o tacógrafo não possa ser substituído por outro produto similar.
Assim, inexiste substituição pelo lado da demanda.
155.
Do ponto de vista da oferta, existem três tipos de tacógrafos – mecânicos,
eletrônicos e digitais – sendo que a diferença entre eles está na tecnologia
que permite a comunicação entre o veículo e o instrumento, bem como o
processamento e registro da informação captada pelo aparelho.
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156.
Atualmente, existem dois tipos de tacógrafos ofertados no Brasil: o
mecânico e o eletrônico. Nos mecânicos (ou eletro-mecânicos) os dados
são gravados em discos diagramas, de uso diário. Já nos eletrônicos, o
registro dos dados fica armazenado no computador do tacógrafo, que é
capaz de armazenar dados referentes a dez anos de uso (fls. 1704), e a
impressão é feita em fita diagrama, apenas no momento necessário.
157.
Ambos são perfeitamente aceitáveis para a função de registro diário da
movimentação dos veículos (fl. 04). No entanto, o eletrônico não exige a
compra de discos diagramas por parte do consumidor, o que representa
uma economia significativa, como será demonstrado abaixo.
158.
Quanto ao tacógrafo digital, cumpre mencionar que essa tecnologia está
disponível no mercado europeu e ainda não foi introduzida no Brasil, de
acordo com a Representada, em razão de (i) a legislação brasileira não
estar adaptada e (ii) as autoridades de fiscalização ainda não disporem de
tecnologia para utilização de tais aparelhos.
159.
Os tacógrafos podem ser vendidos no mercado de equipamentos originais
(veículos novos), sendo vendidos para as montadoras de veículos ou no
mercado de reposição de peças. O segmento de reposição é composto,
notadamente, por empresas que necessitam repor o equipamento original,
em razão de furto, roubo ou avarias permanentes. Outros potenciais
compradores são usuários não obrigados por lei, mas que decidem,
espontaneamente, utilizar o tacógrafo como controle de segurança e para
fins de logística.
160.
Aproximadamente 80% (oitenta por cento) dos tacógrafos ofertados no
mercado nacional são destinados ao mercado de equipamentos originais.
Praticamente todo o restante é comercializado no segmento de reposição.
161.
Apesar de as montadoras possuírem um processo de homologação interno
de fornecedores, não há nenhuma barreira significativa à entrada no
mercado de tacógrafos para montadoras. Portanto, o mesmo vendedor de
tacógrafos que fornece para montadoras é capaz de fornecer ao setor de
revendas e vice-versa.
162.
No caso em tela, a Representante, empresa com pequena parcela do
mercado, já vende para montadoras como pode ser verificado às fls.
1703/1706.
163.
Pelas razões expostas acima, definimos o mercado relevante do produto
neste caso como mercado de tacógrafos, não diferenciando entre vendas
à montadoras e vendas ao setor de reposição.
III.2.1.2 Do Mercado Relevante Geográfico
164.
O mercado relevante geográfico é restrito ao território nacional por força
das exigências normativas de homologação. Isto porque, se uma empresa
que fabrica tacógrafos fora do território nacional desejar adentrar o
mercado brasileiro deverá, necessariamente, cumprir com todos os
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requisitos particulares à legislação brasileira. Apesar de várias empresas
importarem o produto, todas precisam adequá-lo o que não torna simples a
importação. Portanto, o produto é direcionado ao consumidor brasileiro.
165.
Por essas razões, o mercado relevante geográfico é definido como o
território nacional.
III.2.1.3 Do Poder de Mercado da Representada
166.
Uma vez definido o mercado relevante como sendo o mercado nacional de
tacógrafos, passamos à análise do poder de mercado da Representada.
167.
No que tange ao poder de mercado, a Representante, baseada em
informações colhidas junto ao Sindicato Nacional da Indústria de
Componentes de Veículos Automotores – SINDIPEÇAS, estima que a
Representada deteria 85% do mercado nacional de tacógrafos – incluindo
o mercado de venda para montadoras e o de reposição -, e os outros
agentes deteriam os 15% restantes. A Representada concorda com a
estimativa de que detém 85% do mercado. Portanto, resta evidente de
que a Representada é a líder do mercado nacional de tacógrafos como
um todo (fl. 418). Ademais, ambos concordam que a Representante detém
apenas 2% deste mercado conforme apresentado por ela e não contestado
pela Representada.
168.
Os outros agentes do mercado são a Volvo do Brasil Veículos Ltda.,
Comércio e Industria Neva Ltda., Actia do Brasil Ind. e Com. Ltda. e
Fumaça Instrumentos de Medição Ltda. É importante ressaltar que todos
estes outros agentes em conjunto com a SEVA, detêm aproximadamente
15% do mercado.
169.
A barreira à entrada normativa, a inelasticidade da demanda e o alto grau
de poder de mercado são indicativos de que a Representada detém posição
dominante no mercado de tacógrafos.
III.2.2 Da Racionalidade Econômica
170.
Antes de proceder à análise dos fatos constantes dos autos, necessário se
faz verificar a existência de racionalidade econômica nas condutas
anticompetitivas imputadas à Siemens VDO no mercado nacional de
tacógrafos. Para tanto, esta SDE abordará (i) o comportamento tecnológico
do mercado; (ii) as considerações concorrenciais derivadas deste
comportamento; e (iii) os demais aspectos relativos à racionalidade
econômica dos comportamentos ora investigados.
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III.2.2.1 Sobre o comportamento tecnológico do mercado
171.
A Representada comercializa tacógrafos mecânicos no Brasil desde 1958,
com o lançamento do modelo KTCO 1308. Posteriormente, foram
lançados os modelos KTCO 1318, em 1994, e o MTCO 1390, em 1999.
Todos estes produtos foram lançados primeiramente na Europa e, depois
de alguns anos, no Brasil, sendo que continuam no mercado até hoje19.
172.
No mesmo período em que a Siemens VDO lançou seu tacógrafo
mecânico MTCO 1390, a Representante SEVA lançou seu primeiro
tacógrafo eletrônico, o SVT 2001 em 1999.
173.
Neste sentido, a Representada fez estudos sobre a viabilidade de introduzir
um tacógrafo eletrônico no mercado brasileiro. Após ter investido
aproximadamente [CONFIDENCIAL] em projeto e protótipos, estimou
que o custo de produção deste equipamento, se lançado, seria da ordem de
[CONFIDENCIAL] – não incluindo os gastos com investimentos
necessários em dispositivos de produção, novas ferramentas e treinamento
de pessoal.
174.
O resultado de seu estudo também demonstra que seria tecnicamente
viável produzir um tacógrafo eletrônico no Brasil, entretanto, a Siemens
VDO ainda estuda a possibilidade (viabilidade econômica) de introduzir
tal produto no ambiente comercial:
“O potencial mercadológico desse modelo foi
questionado, pois somente a legislação brasileira
prevê registrador com emissão de fita diagrama em
forma de gráfico (comparada com o disco
diagrama).” (fls. 552)
175.
Ainda sobre esse assunto, a Representada afirma não ter definido ainda se
investirá nesta tecnologia, haja vista que “há perspectiva de ingresso de
novas tecnologias mais avançadas (tacógrafo digital), no médio e longo
prazo” (fls. 552), como o modelo europeu.
176.
O que se observa, portanto, é que o desenvolvimento do mercado
brasileiro tem acompanhado a tendência do mercado europeu, qual
seja, a de digitalizar os aparelhos. É por esse prisma que se deve
analisar o produto da Representante, que é pioneira no
desenvolvimento do tacógrafo eletrônico para o mercado brasileiro (fl.
03).
177.
Sobre esse tema, é importante destacar que o tacógrafo digital foi
introduzido no mercado europeu apenas no ano de 2006 (inclusive pela
Siemens VDO) e somente após intensos debates e estudos ao longo de dez
anos. Tais estudos resultaram em uma complexa norma de mais de 250
páginas (a norma brasileira contém sete páginas), o que reflete a garantia
19
Vide
http://www.siemensvdo.com.br/products_solutions/fleetmanagement/tachographs/tachographs/. Acesso em 29.08.2007.
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da segurança da informação e da complexidade dos equipamentos que são
utilizados para montar esse produto.
178.
É possível vislumbrar, portanto, que apesar de o mercado brasileiro de
tacógrafos acompanhar as tendências européias, ainda há um longo
caminho a se percorrer até que o modelo digital europeu alcance o
mercado nacional. Isto é corroborado pela alegação da Representada de
que ainda não tem planos de ofertar o referido produto no Brasil, pois (i)
há previsão na legislação brasileira para que tacógrafos imprimam em fitas
diagrama (o tacógrafo digital europeu imprime em fita de espécie diferente
da diagrama); e (ii) a infra-estrutura tecnológica necessária para fiscalizar
os tacógrafos digitais ainda não existe no Brasil.
179.
Em síntese, (i) o mercado brasileiro de tacógrafos acompanha as
tendências tecnológicas européias, em especial a digitalização dos
aparelhos; (ii) a introdução do tacógrafo digital europeu no mercado
nacional tem horizonte de longo prazo; (iii) a Representada demonstrou
desinteresse em comercializar tacógrafos eletrônicos no Brasil; e (iv) a
Representante comercializa, desde 1999, tecnologia mais recente, qual seja
tacógrafos eletrônicos.
III.2.2.2 Considerações concorrenciais sobre o comportamento tecnológico do
mercado
180.
Desde o início da comercialização de tacógrafos no Brasil a Siemens VDO
não promoveu nenhum salto tecnológico significativo com impacto no
país. Na verdade, os tacógrafos comercializados até hoje pela
Representada funcionam com base no mecanismo de 1958 – o registro de
tempo e velocidade em discos diagramas – tendo mudado apenas a forma
de comunicação entre o veículo e o instrumento.
181.
Apesar do grupo econômico da Representada comercializar novas
tecnologias de tacógrafo em outros mercados, a Representada optou por
não introduzir avanços comparáveis no Brasil.
182.
A Representante, por outro lado, entrou no mercado com uma tecnologia
mais avançada e que, inclusive, diminui os custos do consumidor, uma vez
que os dados podem ser armazenados por até 10 anos no aparelho e, assim,
não é necessário adquirir inúmeros discos diagrama para utilização diária.
E não há que se falar em obrigatoriedade de impressão diária de fita
diagrama. A Resolução n.o 92/99 do CONTRAN afirma, em seu art. 5º,
apenas que: “Ao final de cada período de vinte quatro horas, as
informações previstas no artigo segundo ficarão à disposição da autoridade
policial ou da autoridade administrativa com jurisdição sobre a via, pelo
prazo de noventa dias.” Estar à disposição da autoridade policial não quer
dizer que deva, necessariamente, estar em forma impressa.
183.
Às fls. 1704 e ss., há uma reportagem do sítio de Internet
www.infocarro.com.br que corrobora as inovações benéficas do ponto de
vista do consumidor:
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“A Fiat também anunciou uma novidade tecnológica
para o início de 2003. A partir de então, o Ducato
Minibus ganha um equipamento inédito em seu
segmento, um tacógrafo totalmente eletrônico. O
aparelho é localizado no painel e dispensa o uso de
marcadores e tem uma impressão incorporada que
fornece diversos relatórios. Os dados coletados
podem ser armazenados por mais de dez anos. Além
disso, o tacógrafo digital possui um sensor que
alerta com sinais visuais e sonoros quando o veículo
alcança uma velocidade pré-determinada.”
184.
Conforme a seção anterior, a Representada fez investimentos no
desenvolvimento de um tacógrafo eletrônico, entretanto, concluiu que não
seria vantajoso produzi-lo por razões mercadológicas. O tacógrafo digital
europeu também não tem previsão de comercialização no Brasil.
185.
Diante disso, é possível extrair a conclusão de que a líder de mercado,
Siemens VDO, encontra-se diante de uma empresa que contesta sua
posição dominante por meio da introdução de tecnologia mais recente,
inclusive com a conquista de grandes clientes como a FIAT. Além
disso, a Siemens domina a tecnologia de tacógrafos mecânicos (1958) e a
de tacógrafos digitais (sem previsão de entrada no mercado nacional),
estando a SEVA, portanto, em estágio intermediário – imediatamente à
frente dos tacógrafos mecânicos e atrás dos digitais.
186.
A questão passa a ser: porque haveria o alegado interesse da Representada
em erigir barreiras artificiais à permanência da SEVA no mercado,
chegando a ponto de tentar cooptá-la?
187.
O Sr. Jefferson Oliveira (Siemens VDO), durante a reunião do dia
09.03.2005, explica:
“VDO_[...] o equipamento, da forma como está
concebido a própria portaria do INMETRO, você
vai ter uma dúzia de concorrentes no mínimo. Você
pega um engenheiro recém-formado, ele vai na rua
Santa Efigênia e começa a dizer que tem o produto.
Então você vai ter ... eu vou listar para você: Aero
[inaudível], a Micromaq que vai renascer, esses
caras da Bluetech, SGF, Autotec ... só aí já contei
cinco. Todos eles vão tomar a mesma posição para
entrar no mercado.” (fls. 721)
188.
Desponta a conclusão de que à Siemens VDO seria economicamente
racional erigir barreiras artificiais à permanência da SEVA no mercado
nacional de tacógrafos, inclusive diligenciando para cooptá-la. Isto porque
seria (i) o tacógrafo mecânico tecnologia mais antiga (1958); (ii) inviável,
ao menos até o presente momento, introduzir o tacógrafo digital; (iii)
custoso desenvolver o tacógrafo eletrônico; e (iv) a consolidação do
tacógrafo eletrônico no mercado nacional acarretaria o estímulo à
entrada de diversos outros concorrentes (“engenheiros recém-
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formados”), não apenas a SEVA, com perda de participação de
mercado por parte da Representada.
189.
O recado que a conduta imputada à Siemens VDO promove no
mercado é exatamente que a entrada de novas empresas com a
tecnologia mais recente de tacógrafos eletrônicos não será tolerada.
III.2.3 Exercício abusivo de direito de ação com efeito anticoncorrencial
(sham litigation)
190.
A seção anterior dedicou-se à racionalidade econômica das condutas
imputadas à Representada. Passemos, portanto, à análise os fatos
relacionados à acusação de exercício abusivo de direito de ação com efeito
anticoncorrencial.
191.
O “exercício abusivo de direito de ação com efeito anticoncorrencial”
(sham litigation) pode ser definido como o uso indevido de procedimentos
e regulamentações públicas, incluindo procedimentos administrativos e
judiciais, com o intuito de prejudicar concorrentes, constituindo-se, assim,
abuso de poder econômico apto a ser punido nos termos da Lei n.
8.884/94.
III.2.3.1. Da experiência internacional
192.
Em primeiro lugar, a União Européia, assim como alguns países membros,
com cultura jurídica próxima à nacional, tem reconhecido,
excepcionalmente, a teoria do sham litigation. O mais notório caso referese ao Grupo AstraZeneca.
193.
Em 2005, a Comissão Européia condenou o grupo AstraZeneca em 60
milhões de Euros por usar indevidamente o sistema de registro de patentes.
A empresa foi condenada por repetidamente bloquear e retardar a entrada
de concorrentes fabricantes de medicamentos genéricos de seu remédio
Losec por meio do uso indevido do sistema de registro de patentes e do
sistema de comercialização de medicamentos entre 1993 e 2000.
194.
Explicitamente, o grupo AstraZeneca atuou de maneira a fornecer
informações enganosas aos escritórios de registro de patentes e agências
de marketing de medicamentos dos Estados Membros da União Européia o
que resultou na extensão de sua proteção patentária durante algum tempo e
a conseqüente exclusão de concorrentes.
195.
A conduta condenada pela Comissão Européia, que muito se assemelha à
conduta em tela, foi resumida como sendo:
“(773) [...] O abuso consiste no comportamento
reiterado da AZ de dar entrada em representações
enganosas como parte de sua Estratégia do SPC para
omeprazole durante dois estágios, visando à
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prevenção ou ao menos o retardamento da entrada
dos genéricos no mercado [...].”20
196.
A Comissão afirmou que o ilícito antitruste não fica restrito à atuação da
empresa no mercado, mas inclui também abusos de procedimentos
públicos. Esta conduta, em linha com o sham litigation dos Estados
Unidos, foi condenada pela Comissão Européia que entendeu que:
“(328) O uso de procedimentos e regulamentações
públicas, incluindo procedimentos administrativos e
judiciais, pode também, em circunstâncias
específicas, constituir um abuso, já que o conceito
de abuso não é limitado à conduta no mercado [...] e
o uso indevido de procedimentos e regulamentações
públicas podem resultar em sérios efeitos
anticompetitivos no mercado. O fato de que nesses
casos os efeitos no mercado podem depender de uma
ação das autoridades públicas não é decisivo no
sentido de excluir a existência de um abuso. Mesmo
quando a conduta é implementada no mercado, o
efeito das práticas exclusionárias é muitas vezes
dependente da reação subseqüente dos outros
operadores no mercado (como os compradores).”21
197.
Em suma, a conduta condenada pela Comissão Européia é o uso indevido
de um instrumento legal (neste caso na esfera administrativa),
desvirtuando sua finalidade de proteção à propriedade intelectual, para a
elevação artificial de barreiras à entrada.
198.
Por sua vez, nos Estados Unidos, a constituição norte-americana contém
um dispositivo que resguarda o direito de peticionar do cidadão norteamericano. No entanto, quando o direito de peticionar interfere com o
diploma antitruste (Sherman Act) – no que tange a pedidos que podem ser
vistos como anticoncorrenciais – o primeiro tem precedência. Isto se
chama a doutrina Noerr-Pennington.
199.
No entanto, as cortes vêm entendendo que o sham litigation constitui
exceção à doutrina Noerr-Pennington. Isto porque, a doutrina cauciona que
esta imunidade poderia ser afastada quando a atividade peticionada é
“ostensivamente direcionada à influência de ação governamental, é uma
20
“(773) […] The abuse consists of AZ.s pattern of misleading representations as part of its SPC
Strategy for omeprazole during two stages with a view to preventing, or at least delaying, generic
market entry […].” Idem.
21
“(328) The use of public procedures and regulation, including administrative and judicial
processes, may also, in specific circumstances, constitute an abuse, as the concept of abuse is not
limited to behaviour in the market only […] and misuse of public procedures and regulations may
result in serious anticompetitive effects on the market. The fact that in such cases the effects in the
market may be dependent on further action by public authorities is not decisive to exclude the
existence of an abuse. Even when the behaviour is implemented in the market, the effect of
exclusionary practices is often dependent on the subsequent reaction of other operators in the
market (such as purchasers).” Comission Decision Case COMP/A. 37.507/F3 . AstraZeneca).
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mera farsa para acobertar [...] uma tentativa de interferir diretamente”22
nos negócios do rival.
200.
A Suprema Corte dos EUA descreveu com maior clareza os requisitos para
invocar a exceção do sham litigation. No caso Omni Outdoor a Suprema
Corte afirmou que a conduta de sham litigation é aquela que envolve
“atividades [que] ‘não são genuinamente direcionadas à produção de uma
ação governamental favorável.’”23 Portanto, a corte limitou sham litigation
ao contexto em que “a participação dos conspiradores no procedimento
governamental era por si só uma farsa, empregada como meio de impor
custos e demora.”24
201.
O último caso em que a Suprema Corte se pronunciou sobre o tema foi em
1993 no caso Professional Real Estate Investors, Inc. v. Columbia
Pictures Industries, Inc. (508 U.S. 49, 113 S.Ct. 1920). Neste caso, a
Suprema Corte deixou clara sua opinião sobre o sham litigation e forneceu
uma definição de duas partes à conduta:
“Agora delineamos uma definição de duas partes
para ‘sham’ litigation. Primeiro a ação deve ser
objetivamente sem fundamento no sentido de que
nenhum litigante razoável poderia de maneira
realista esperar uma vitória com relação ao mérito.
[...] Na segunda parte da nossa definição de sham, a
corte deve se concentrar sobre o fato de a ação sem
fundamento esconder ‘uma tentativa de interferir
diretamente com as relações empresariais do
concorrente,’ por meio do uso [do] procedimento
governamental – ao invés de resultado daquele
processo – como uma arma anticompetititiva.”25
202.
É importante salientar, por derradeiro, que a Suprema Corte norteamericana adverte que “mesmo quando a demanda principal é
malsucedida, a autoridade judicante deve conter a compreensível tentação
de envolver-se em um raciocínio post hoc a qual conclua que a demanda,
por ter sido malograda, não seja razoável ou embasada.”26 Não obstante,
22
“ostensibly directed toward influencing governmental action, is a mere sham to cover [...] an
attempt to interfere directly” Eastern R.R. Presidents Conference v. Noerr Motor Freight, Inc., 365
U.S. 127 at 144.
23
“activities [that] are ‘not genuinely aimed at procuring favorable govenrment action.’” Gavil,
Kovacic & Baker, Antitrust Law in Perspective: Cases, Concepts and Problems in Competition
Policy. P. 994
24
“the conspirators’ participation in the governmental process was itself claimed to be a ‘sham,’
employed as a means of imposing cost and delay.” Id.
25
“We now outline a two-part definition of “sham” litigation. First the lawsuit must be objectively
baseless in the sense that no reasonable litigant could realistically expect success on the merits.
[…] Under this second part of our definition of sham, the court should focus on whether the
baseless lawsuit conceals “an attempt to interfere directly with the business relationships of a
competitor,” through the use [of] governmental process – as opposed to the outcome of that
process – as an anticompetitive weapon.” Professional Real Estate Investors, Inc. v. Columbia
Pictures Industries, Inc. (508 U.S. 49, 113 S.Ct. 1920).
26
A propósito considerações contidas em Boulware, 960 F.2d, 788-89.
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uma demanda preliminarmente vitoriosa quanto ao mérito não,
necessariamente, exclui a autoridade de concluir que seja sem fundamento.
III.2.3.2. Da relação com as leis pátrias
203.
Sobre o exercício abusivo do direito de ação com efeito anticoncorrencial,
esta Secretaria entende que a chamada teoria do sham litigation tem, em
caráter excepcional, aplicação e guarida no ordenamento jurídico pátrio.
Vale dizer, esta SDE, ao apreciar a hipótese do presente caso, não está, em
absoluto, questionando os consagrados direitos constitucionais de petição
ou acesso ao Judiciário, mas sim seu abuso ou sua respectiva utilização
indevida para atingir um propósito manifestamente anticoncorrencial.
204.
A aplicação da teoria do sham litigation no ordenamento jurídico nacional
consiste no reconhecimento de que, dentre as diversas motivações que
alguém pode ter para abusar do seu direito de petição, seja à
Administração, seja ao Poder Judiciário, inclui-se também o de prejudicar
empresas concorrentes. Feita esta introdução, importante analisar
detalhadamente os fundamentos jurídicos da questão.
205.
Os direitos constitucionais de petição e de acesso ao Judiciário (direito de
petição esculpido no art. 5°, inc. XXXIV e de inafastabilidade do Poder
Judiciário - mesmo art., inc. XXXV - ambos da Magna Carta) devem ser
interpretados não de maneira isolada, mas em conjunto com o restante do
ordenamento jurídico brasileiro. Os limites estabelecidos por leis
ordinárias com relação ao direito de petição consagrado na Constituição
Federal são de grande valia para nossa análise, como será observado mais
adiante.
206.
Tais direitos não são absolutos, sendo-nos exigido constante esforço
hermenêutico e a indispensável leitura complementar das demais leis
ordinárias para a identificação precisa do objeto protegido por esses
direitos fundamentais.
207.
Afinal, temos aqui um choque de princípios constitucionais. A
concorrência e, explicitamente, a repressão ao abuso do poder econômico
também são princípios constitucionais, esculpidos nos Artigos 170 e 173,
§3º da Constituição Federal. Até porque “é grave e delicada a questão
agora repreposta no requerimento de liminar, porque, com o envolver
modalidade de colisão de princípios constitucionais, implicará o
reconhecimento da limitação do âmbito de um deles, ponderada no exame
das circunstâncias do caso concreto, qualquer que seja o teor da resposta,
que há de ser pronta.” (MS 24.832-7/DF, Rel. Ministro Cezar Peluso,
Plenário, julgado em 18.03.2004, DJ de 18.08.2006)
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208.
Quanto a ocorrência de possíveis limitações no âmbito da proteção de
direitos fundamentais, valiosa a lição do Ministro do STF, Gilmar Ferreira
Mendes27:
“O âmbito de proteção de um direito fundamental
abrange os diferentes pressupostos fáticos
(Tatbeständen) contemplados na norma jurídica
(v.g. reunir-se em determinadas condições) e a
conseqüência comum, a proteção fundamental. [...]
Alguns direitos individuais, como o direito de
propriedade, da inviolabilidade do sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, e
o direito à proteção judiciária, são dotados de
âmbito de proteção estritamente normativo.
[...]
Em relação ao âmbito de proteção de determinado
direito individual, faz-se mister que se identifique
não só o objeto da proteção (o que é efetivamente
protegido?: Was ist (eventuell) geschützt?), mas
também contra que tipo de agressão ou restrição se
outorga essa proteção (Wagegen ist (eventuell)
geschützt?).
[...]
Da mesma forma, a falta de regras processuais
adequadas poderia transformar o direito de
proteção judiciária em simples esforço retórico.
Nessa hipótese, o texto constitucional é explícito, ao
estabelecer que ‘a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito’ (Art. 5º
XXXV). Fica evidente, pois que a intervenção
legislativa não apenas se figura inevitável, como
também necessária. [...] Destarte, a simples
supressão de normas integrantes da legislação
ordinária sobre esses institutos pode lesar não
apenas a garantia institucional objetiva, mas
também direito subjetivo constitucionalmente
tutelado.” (grifo nosso)
209.
Tem-se, dessa feita, o próprio instituto processual denominado litigância
de má fé28 - art. 16, caput, art. 17, incisos, e art. 18, todos do Código de
27
Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco, Hermenêutica Constitucional e Direitos
Fundamentais. Brasília: Bsb Jurídica – IDP. 1ª. Edição. Pg. 211.
28
Art. 16 “Responde por perdas e danos, aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou
interveniente”. Art. 17 “Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (...) III – usar do processo para
conseguir objeto ilegal; (...)VI – provocar incidentes manifestamente infundados (...)”. Art. 18 “O
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Processo Civil – o qual possui a finalidade precípua de identificar o bem
jurídico protegido (o direito de petição e de inafastabilidade do Poder
Judiciário), bem como a de balizar a amplitude dessa norma (âmbito de
proteção da norma).
210.
A doutrina do sham litigation é, portanto, aplicável no direito
concorrencial brasileiro, inclusive pela existência de instituto análogo no
art. 17, III do Código de Processo Civil: “usar do processo para conseguir
objetivo ilegal”, in casu, objetivo oposto à lei concorrencial brasileira.
Neste sentido, o comentário de Valter Ferreira Maia merece destaque:
“Com efeito, o objetivo ilegal de que trata o referido
inciso está na intenção presumida pela lei de que
uma parte quer prejudicar a outra sem que para isto
preste o respectivo processo judicial, em situação
como a diminuição do prestígio econômico do
devedor, o abalo de seu crédito, sua desonra pública
etc. Na verdade, a parte busca a obtenção de
vantagens ilegais que, certamente, não são
esclarecidas nos autos.”29
211.
Com efeito, a repressão ao improbus litigante, vale dizer, àquele que abusa
do direito de demandar ou o usa de maneira temerária e ilegal, está
presente no sistema jurídico processual brasileiro para que se interprete
ambos direitos constitucionais de um modo especial, qual seja, dentro de
certas condições às quais devem ser submetidos os litigantes. Isto
demonstra que o direito de peticionar não é absoluto e que, quando
abusado, aquele que o faz é passível de sofrer sanções.
212.
Em segundo lugar, com igual intuito existe a Lei n° 9.784/99 a qual, por
meio da regulamentação do processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, impõe os deveres do administrado ao
tratar com a Administração (por exemplo, ao exercer seu direito de
petição).
213.
A referida Lei estabelece em seu art. 4° que, entre os deveres dos
administrados perante a Administração, encontram-se o de proceder com
lealdade, urbanidade e boa-fé; e de não agir de modo temerário. Nesse
passo, fica clara a obrigação imposta pelo Legislador às partes litigantes
para que observem os deveres de veracidade, lealdade e probidade quando
buscam determinada tutela da Administração.
214.
No mesmo sentido de se garantir os direitos da pessoa por meio da
conduta proba dos litigantes, merece destaque a afirmação de Hector Fiz
Zamudio30:
juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não
excedente a 1% sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu,
mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou (...)”.
29
Valter Ferreira Maia. Litigância de má-fé no Código de Processo Civil. RJ: Forense, 2002. Pg.
118.
30
“La protección procesal de los derechos humanos” - Madrid, Ed Civitas, p. 51”
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“(...) a nosso ver somente há a garantia desses direitos
fundamentais [de petição e de acesso ao Judiciário] se
o sistema processual for aplicado com severidade na
exigência da boa-fé, freqüentemente violada pela
parte (...) formulando pretensão diversa da devida em
desprezo à dignidade da justiça e do dever de
veracidade.”
215.
Observa-se, portanto, que os direitos de petição e de acesso ao Poder
Judiciário e à Administração Pública não são ilimitados, sendo certo que
não estão imunes à apreciação pelo Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência aqueles atos (abusivos e carentes de embasamento, como
dito acima) que ofendam os ditames concorrenciais.
216.
É importante repisar, entretanto, que esta Secretaria de Direito Econômico
reconhece que não será objeto de escrutínio pela Lei de Defesa da
Concorrência os genuínos esforços de denunciar uma lesão concreta em
defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder que careçam de
caráter anticompetitivo.
217.
Da mesma maneira, o direito de buscar alívio judicial para compensar
eventuais supressões de direitos, ilegalidade ou abuso de poder como
importante prerrogativa de caráter democrático, ou seja, a litigância
legítima, do litigante de boa fé, não deve ser objeto de qualquer tipo de
limitação.
218.
Diante da experiência internacional, do ordenamento jurídico pátrio e
conforme já indicado na Nota Técnica de Saneamento (fls. 1727/1744), é
possível concluir que para se caracterizar o ilícito de “exercício abusivo de
direito de ação com efeito anticoncorrencial” (sham litigation) é necessário
demonstrar: (i) que a ação proposta é, por completo, carecedora de
embasamento, sendo certo que nenhum litigante razoável poderia, de
forma realista, esperar que sua pretensão fosse deferida; e (ii) que a ação
proposta mascara um instrumento anticompetitivo, ou seja, constitui uma
tentativa de interferência direta na relação comercial com um concorrente
por meio do uso do aparelho judiciário/administrativo.
III.2.3.3. Dos atos praticados pela Representada
219.
Tendo apresentado a racionalidade econômica que justificaria a prática de
sham litigation por parte da Representada – a fim de aumentar os custos de
sua rival e conseqüentemente dificultar sua permanência e a entrada de
novos rivais no mercado –, bem como a aplicação desta doutrina ao direito
brasileiro, passemos aos atos praticados pela Siemens VDO.
220.
A primeira conduta relevante à análise deste processo foi o Mandado de
Segurança nº 2002.34.00.009410-3 impetrado em 2002 pela Representada
perante o Juízo da 21º Vara Federal do Distrito Federal, contra ato do
Diretor do Departamento de Trânsito Brasileiro que editou a Portaria no
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50/2001. Tal ato normativo homologou o tacógrafo eletrônico da SEVA
modelo SVT 2001.
221.
A Representada alegou, no bojo do referido mandamus, que o ato de
homologar a Portaria no 50/2001 seria ilegal por estar o tacógrafo da
SEVA em suposto desacordo com a Resolução no 92/99 do CONTRAN. O
mandado foi denegado por falta de interesse de agir da Impetrante e
ausência de direito líquido e certo. Vejamos trecho da decisão:
“Tenho, contudo, que a Impetrante não tem
legitimidade para a propositura desta ação
mandamental, na medida em que o ato hostilizado,
a portaria 50/2001, do DENATRAN, não atinge
qualquer direito líquido e certo do qual seja
titular. Versa, na verdade, sobre a homologação de
um equipamento fabricado por uma empresa
concorrente. Portanto, não existindo pertinência
subjetiva entre conteúdo do ato impugnado e a
impetrante, não há como se lhe reconhecer
legitimação ativa.” (grifo nosso)
222.
O mandado de segurança supramencionado é emblemático, haja vista que
nenhum litigante razoável entenderia que há direito líquido e certo da
Siemens VDO afetado pela edição da portaria nº 50/2001.
223.
Note-se, ainda, que a decisão da 21º Vara Federal do Distrito Federal
denegou o mandado de segurança impetrado pela Siemens VDO, ou seja,
houve uma decisão de mérito sobre a inexistência de lesão a qualquer
direito líquido e certo da Representada por meio da edição da Portaria que
homologou o tacógrafo eletrônico da SEVA.
224.
O segundo ato praticado pela Representada relevante à análise deste
processo foi ter ajuizado a Ação Ordinária nº 2004.34.00.019865-9,
perante a 3º Vara Federal do Distrito Federal, em face do DENATRAN e
da Representante com fundamento idêntico ao do mandado de segurança
que já havia sido denegado. Entretanto, esta ação ordinária não apenas
combatia novamente o produto SVT 2001, como também o produto mais
recente da SEVA, o SVT 3000. Assim vejamos:
“Cuida-se de ação de conhecimento, que se
desenvolve pelo procedimento comum ordinário
ajuizada por SIEMENS VDO AUTOMOTIVE
LTDA. contra a UNIÂO e a SEVA ENGENHARIA
ELECTRÔNICA LTDA., objetivando, em sede de
antecipação de tutela, a imediata suspensão dos
efeitos da Portaria DENATRAN no 06, de
31/03/2004, que homologou à segunda ré o direito
de comercializar o cronotacógrafo modelo SVT
3000, bem como que aquele órgão abstenha-se de
homologar equipamentos que não atendam às
exigências da Resolução no 92/99 do CONTRAN.
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Aduz a ilegalidade da Portarias (sic) no 06/2004 e
01/2002 do DENATRAN por ofensa aos princípios
da moralidade, isonomia, impessoalidade, entre
outros, porquanto não obedeceram às exigências
contidas na Resolução CONTRAN no 92/99, que
disciplinam o uso de equipamento registrador
instantâneo e inalterável de velocidade de tempo,
determinado pelo art. 105 do Código Nacional de
Trânsito.” (fls. 120)
225.
Neste momento, fica clara a tentativa da Representada de avocar para si o
papel de reguladora e impedir a permanência da SEVA no mercado e a
entrada de um novo produto, o SVT 3000.
226.
A lesão que poderia ocorrer a partir da edição das portarias que
homologaram os produtos da SEVA – admitindo-se, ad argumentandum,
que tais produtos não estariam de acordo com a regulamentação do setor –
seria direcionada aos consumidores de tacógrafos, tratando-se, portanto, de
lesão a direito difuso, cujo titular não é a Siemens VDO [!], mas a
sociedade. A legitimidade para combater uma lesão como esta pertenceria
aos entes elencados na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), dentre
os quais não se encontra a Siemens VDO.
227.
Neste caso, caberia à Siemens VDO denunciar as supostas irregularidades,
por exemplo, ao Ministério Público ou ainda a qualquer dos outros
legitimados na Lei da Ação Civil Pública, postulando as providências
cabíveis. Ao ajuizar ação alegando interesse particular, percebe-se
claramente que sua única intenção foi prejudicar uma empresa
concorrente.
228.
A insistência em ter seu pleito ouvido, apesar de pedido idêntico já ter sido
julgado improcedente, e a falta de menção do mandado de segurança
fracassado na petição inicial da Ação Ordinária demonstram também
a má-fé da Representada ao agir perante o Poder Judiciário.
229.
A ação proposta mascara um instrumento potencialmente anticompetitivo.
Constitui uma tentativa de interferência direta na relação comercial com
um concorrente por meio do uso do aparelho judiciário, já que se torna
claro que a empresa gostaria de ver impedida a Representante de
comercializar seus produtos a qualquer custo.
230.
Isto se torna ainda mais claro quando observamos que em sua segunda
tentativa a Siemens VDO (i) inclui no pólo passivo da ação ordinária a
SEVA, gerando, assim, custos extras à empresa para, por exemplo,
contratação de representação judicial; (ii) ataca um novo produto
desenvolvido pela SEVA e homologado pelas autoridades competentes e
(iii), ao mesmo tempo, deixa de combater quaisquer outras portarias
eventualmente emitidas pelas autoridades, que não tenham atendido às
exigências da Resolução 92/9931.
31
Às fls. 291, na petição inicial da Siemens VDO na referida Ação Ordinária, encontra-se menção
ao Parecer nº 01/2002 do Coordenador-Geral Interino do Denatran, no qual afirmaria que os
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231.
Ademais, em resposta a ofício enviado por esta Secretaria, a Representada
afirmou que “A Siemens VDO não atacou a falta de aprovação pelo
DENATRAN, mas, sim o não cumprimento das especificações técnicas
dos produtos da SEVA.” (fls. 553) É importante enfatizar que não cabe à
Siemens VDO verificar se o produto da SEVA Engenharia cumpriu
com as especificações técnicas necessárias! Isto cabe ao órgão regulador
e, caso este não cumpra com seus deveres, ao Ministério Público e outros
entes também públicos a fiscalização.
232.
Inclusive, a própria Siemens VDO afirma que cabe ao órgão competente
discutir o padrão tecnológico a ser aplicado no mercado e que não caberia
à indústria esta discussão. Em sua defesa, a Representada alega que:
“Antes de mais nada, é importante frisar que quem
estabelece o padrão tecnológico ou especificação
técnica do tacógrafo a ser utilizado no Brasil não é a
indústria, mas, sim, as autoridades competentes.
Especificamente, neste caso, a autoridade
competente para estabelecer os requisitos técnicos é
o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito).
Segundo o disposto no parágrafo 1º, do artigo 105
do Código de Trânsito Brasileiro, “o Contran
disciplinará o uso dos equipamentos obrigatórios dos
veículos e determinará suas especificações
técnicas” (grifo nosso).
Portanto, os agentes econômicos presentes neste
mercado não têm outra saída que cumprir fielmente
com os padrões e especificações determinadas pelo
CONTRAN.” (fls. 435-436)
233.
Ou seja, a Siemens VDO assume dois posicionamentos distintos ao longo
do processo. Com relação ao padrão tecnológico, afirma que cabe ao órgão
competente definí-lo. No entanto, acredita que cabe a ela questionar no
judiciário e não perante o órgão competente se o produto fabricado por
uma concorrente se encaixa nos moldes do padrão tecnológico que o órgão
competente traçou.
234.
Este raciocínio é falacioso e não pode ser acatado pelas autoridades de
defesa da concorrência. Se ao órgão competente cabe definir o padrão
tecnológico, então a lógica ditaria que a ele também caberia a análise
concreta da adequação de um produto ao padrão estabelecido por ele.
Como dito, no caso de suposta ineficiência de tais órgãos cabe ao Parquet
e aos demais entes públicos legitimados para a defesa do interesse público
promover a devida fiscalização.
supostos problemas técnicos constantes do tacógrafo eletrônico da SEVA seriam comuns a outros
tacógrafos no mercado. Isto significa dizer que a Siemens VDO tinha conhecimento da
possibilidade de que outros tacógrafos não estariam em consonância com a Resolução nº 92/99,
entretanto, não há nos autos informação sobre a Siemens VDO atacando tais homologações.
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235.
A terceira e mais contundente prática da Siemens VDO foi o não
cumprimento, em sua petição inicial, de seu dever de esclarecer os fatos de
maneira verídica e clara perante o Poder Judiciário.
236.
A Representada alegou fabricar apenas dois modelos de tacógrafos (fl.
180) e deixou de mencionar que um desses modelos, o MTCO 1390,
estava sendo comercializado desde 18 de abril de 2000 (fl. 593) sem a
homologação necessária! A Representada somente deu entrada no
pedido de homologação junto ao DENATRAN quase cinco anos depois
[!] de iniciada a comercialização, em 17 de março de 2005.
237.
Ou seja, no momento do protocolo da petição inicial, em que se atacava a
homologação de tacógrafos da Representante – alegando a segurança do
consumidor e da população em geral – a própria Representada
comercializava produto que não havia sido sequer apresentado para
aprovação pelos órgãos competentes.
238.
Como poderia, então, o consumidor estar protegido da compra de produtos
em desacordo com a regulação do setor, se os órgãos reguladores não
haviam fiscalizado os próprios produtos da Siemens VDO, empresa que
detém participação superior a 80% deste mercado! Isto torna evidente que
a proposição das ações judiciais mencionadas acima tinha como único
objetivo erguer barreiras artificiais à entrada e permanência da SEVA no
mercado brasileiro de tacógrafos e não proteger os consumidores
brasileiros.
239.
Considerando o exposto acima, resta claro que as ações judiciais propostas
pela Representada mascaram um instrumento anticompetitivo, ou seja,
constituem uma tentativa de interferência direta na relação comercial com
um concorrente por meio do uso do aparelho judiciário.
III.2.4 Do Convite a Cartelizar
III.2.4.1. Da conduta de convite a cartelizar
240.
Como é cediço, o cartel é um acordo entre concorrentes com o objetivo de
controlar o mercado por meio de preço, divisão de mercado ou outras
práticas. A intenção final é controlar o mercado de tal forma que as
empresas que compõem o cartel possam agir como um único agente.
241.
O convite a cartelizar, uma das condutas sob investigação, é uma prática
extremamente deletéria e injustificável do ponto de vista da condução
legítima de negócios.
242.
A análise de tal conduta, apesar de recente no Brasil, tem precedentes no
direito antitruste internacional, principalmente nos EUA. Neste caso, o
Sherman Act, tanto na Seção 1 quanto na Seção 2, classifica a prática
como tentativa de conspiração de monopólio (conspiracy in restraint of
trade) e tentativa de monopolizar o mercado (attempt to monopolize),
respectivamente.
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243.
Considerando a dificuldade de obtenção de provas da existência de cartéis,
a doutrina e a jurisprudência norte-americana consideram importante o
emprego de outros meios, que não apenas a investigação tradicional, para
coibir e punir a formação de cartéis. Neste sentido, Gavil, Kovacic e Baker
consideram que:
“A atenção renovada aos problemas da colusão em
razão dos casos de cartel expressos de grande
notoriedade como Andreas [...], salienta as
limitações da abordagem legal de inferir um acordo
de preço de provas circunstanciais. [...]
Conseqüentemente, a política antitruste depende de
técnicas para combater a coordenação inter-firmas
que serve para restringir a produção e aumentar os
preços.”32
244.
Dentre as formas de coibir a formação de cartéis está a punição desde
o seu nascedouro. Isto porque, trata-se de conduta que pode, no
mínimo, facilitar uma colusão tácita, uma vez que as empresas
saberão que seus concorrentes estão abertos à possibilidade de
formação de cartel e pelo fato de que por meio do convite uma das
empresas expõe a estratégia do possível cartel. Assim, mesmo que não
ocorra o aceite, ambas as partes poderão passar a utilizar tacitamente
a estratégia do cartel.
“Historicamente, o perigo da colusão tácita, e a
necessidade de prevenir estruturas de mercado que
tendiam à conduta concertada, era uma justificativa
para uma política antifusão que era cética de todos
os aumentos significativos de concentração de
mercado. [...] O tratado do Professor Areeda
descreve esta abordagem dos perigos do preço
supracompetitivo dos oligopólios como uma política
de “contenção”.”33
245.
Neste sentido, a atuação preventiva das autoridades antitruste,
especialmente no caso de cartéis, é imprescindível, pois trata-se,
sabidamente, de conduta com grande potencial ofensivo.
246.
Ainda de acordo com Gavil, Kovacic e Baker, “Uma abordagem para
prevenir a colusão tácita é de tomar medidas que aumentam o perigo
de até convidar um concorrente para fazer parte de esquemas
32
“The renewed attention to the problems of collusion in the wake of high profile express cartel
cases like Andreas […], highlights limitations in the legal approach to inferring an agreement on
price from circumstantial evidence. […] Accordingly, antitrust policy relies upon additional
techniques to defeat inter-firm coordination that serves to restrict output and raise prices.” Gavil,
Kovacic & Baker, Antitrust Law in Perspective: Cases, Concepts and Problems in Competition
Policy. P. 315
33
Historically, the danger of tacit collusion, and the need to prevent market structures likely to
lead to coordinated conduct, was one justification for a tough anti-merger policy that was skeptical
of all significant increases in market concentration. […] Professor Areeda’s treatise describes this
approach to addressing the danger of supracompetitive oligopoly pricing as pursuing a
“containment” policy.” Idem. p. 315.
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colusivos.”34 Um posicionamento mais rígido por parte das autoridades de
defesa da concorrência pode, portanto, evitar uma futura ação coordenada
de concorrentes.
247.
Nos Estados Unidos, o caso paradigmático sobre a conduta de convite a
cartelizar é United States v. American Airlines (doravante “American
Airlines”).35
248.
Em American Airlines, o Departamento de Justiça norte-americano
procurou empregar a proibição de tentativa de monopolizar o mercado da
Seção 2 do Sherman Act para proibir os convites à ação concertada,
mesmo quando não aceitos pelo concorrente. O Judiciário norte-americano
descreve a conduta sob investigação:
“O governo inequivocamente alega que Crandall
pretendia reunir seu maior concorrente para formar
um cartel para que a American e a Braniff, atuando
conjuntamente, pudessem controlar os preços e
excluir a concorrência no DFW
[...]
Tanto o Crandall quanto o Putnam eram os diretores
executivos [CEOs] de suas linhas aéreas; cada uma
detendo, discutivelmente, o poder de implementar o
plano de Crandall. As linhas aéreas detinham
conjuntamente uma alta participação de mercado em
um mercado com altas barreiras à entrada. A
American e a Braniff, no momento do aceite de
Putnam, teriam monopolizado o mercado.
[...]
Finalmente, notamos uma última conseqüência do
nosso raciocínio. Se um réu tinha a intenção e a
capacidade, e seu plano, caso executado, teria o
efeito proibido no mercado, não existe a defesa de
que o plano foi impossível de executar. Como
aplicado aqui, se o Putnam nunca tivesse a intenção
de concordar, esse fato não seria útil para o Crandall
ou para a American.
A corte distrital [...] concluiu que um acordo era um
elemento necessário para caracterizar a tentativa de
monopolizar. Nós discordamos com a interpretação
destes casos feita pela corte distrital.
[…]
34
“One approach to preventing tacit collusion is to take measures that increase the hazards of even
inviting a competitor to engage in a collusive scheme.” Idem. P. 316
35
United States v. American Airlines, Inc. United States Court of Appeals for the Fifth Circuit,
1984. 743 F.2d 114.
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As cortes federais têm rejeitado de maneira geral
uma abordagem rígida ou formalista do crime de
tentativa. Em vez disso, geralmente reconhecem que
“a determinação de se uma conduta constitui ... [uma
tentativa] é tão dependente dos fatos particulares de
cada caso que, por necessidade, não existe um teste
de litmus para guiar as cortes revisionais.” United
States v. Ivic, 700 F.2d 51, 66 (2d Cir. 1983).
Seguindo esta análise, que consideramos ser uma
abordagem mais razoável, várias cortes federais têm
concluído que um convite acompanhado de a
intenção necessária pode constituir uma tentativa.
[...]
Concluindo, rejeitamos as alegações da apelante de
que a lei em 1890 claramente necessitava de mais
que um convite para caracterizar a tentativa.
Também concluímos que autoridades com uma linha
de raciocínio melhor apóiam a visão de que um
crime altamente verbal como o de tentativa de
monopólio pode ser caracterizado por prova de um
convite com a intenção necessária.” 36 (grifo nosso)
36
“The government unequivocally alleged that Crandall proposed to enlist his chief competitor in
a cartel so that American and Braniff, acting together, could control prices and exclude
competition at DFW; as Crandall explained to Putnam, “we both live here and there ain’t no room
for Delta.” As a result of the monopolization, Braniff would “make more money and I will too.”
Both Crandall and Putnam were the chief executive officers of their airlines; each arguably had the
power to implement Crandall’s plan. The airlines jointly had a high market share in a market with
high barriers to entry. American and Braniff, at the moment of Putnam’s acceptance, would have
monopolized the market. Under the facts alleged, it follows that Crandall’s proposal was an act
that was the most proximate to the commission of the completed offense that Crandall was capable
of committing. Considering the alleged market share of American and Braniff, the barriers to entry
by other airlines, and the authority of Crandall and Putnam, the complaint sufficiently alleged that
Crandall’s proposal had a dangerous probability of success.
The requirement that an accused's conduct have a dangerous probability of success expresses a
significant antitrust principle that the antitrust laws protect competition, not competitors, and its
related principle that the Sherman Act does not reach practices only unfair, impolite, or unethical.
Dimmitt Agri Industries, Inc. v. CPC International, Inc., 679 F.2d 516 (5th Cir. 1982), cert.
denied, 460 U.S. 1082, 103 S. Ct. 1770, 76 L. Ed. 2d 344 (1983); Kearney & Trecker Corp. v.
Giddings & Lewis, Inc., 452 F.2d 579 (7th Cir. 1971) (Stevens, J.).
[…]
We see Crandall's alleged conduct as uniquely unequivocal and its potential, given the alleged
market conditions, as being uniquely consequential. […]
Finally, we note one final consequence of our reasoning. If a defendant had the requisite intent and
capacity, and his plan if executed would have had the prohibited market result, it is no defense that
the plan proved to be impossible to execute. As applied here, if Putnam from the beginning never
intended to agree such fact would be of no aid to Crandall and American.
The district court […] concluded that an agreement was a necessary element of an attempt to
monopolize. We disagree with the district court's interpretation of these cases.
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249.
A justificativa da Corte de Apelações para a aplicação de sua interpretação
é dada nos seguintes termos:
“A aplicação dos princípios da seção 2 [do Sherman
Act] à conduta dos réus irá dissuadir a formação de
monopólios desde sua formação quando os
esquemas ilegais são propostos, e portanto, irá
fortalecer a Lei.”
[...]
Ver United States Gypsum Co., 438 U.S. at 474 n.
14, 98 S. Ct. at 2874 n. 14, 57 L. Ed. 2d at 870 n. 14;
Appalachian Coals, 288 U.S. at 360, 53 S. Ct. at
474, 77 L. Ed. at 829, Berkey Photo, Inc. v. Eastman
Kodak Co., 603 F.2d 263, 272 (2d Cir. 1979), 2 P.
Areeda & D. Turner, Antitrust Law para. 1310
(1978).”37
250.
Importante notar que a Corte Americana considerou que a ausência de
punição para o agente que convida seu concorrente para a formação
de um cartel – mesmo sem o aceite – criaria um forte incentivo para
negociações desta natureza e, assim, facilitaria a formação de acordos
colusivos. Este também é o caso analisado por esta SDE.
[…]
The federal courts have generally rejected a rigid or formalistic approach to the attempt offense.
Instead they commonly recognize that "the determination whether particular conduct constitutes . .
. [an attempt] is so dependent on the particular facts of each case that, of necessity, there can be no
litmus test to guide the reviewing courts." United States v. Ivic, 700 F.2d 51, 66 (2d Cir. 1983).
Following this analysis, which we consider the better reasoned approach, several federal courts
have concluded that a solicitation accompanied by the requisite intent may constitute an attempt.
[…]
In sum, we reject appellee's contention that the law in 1890 clearly required more than a
solicitation to constitute an attempt. We also conclude that the better reasoned authorities support
the view that a highly verbal crime such as attempted monopolization may be established by proof
of a solicitation along with the requisite intent.” Idem.
37
“Our decision that the government's complaint states a claim of attempted monopolization is
consistent with the Act's language and purpose.14 The application of section 2 principles to
defendants' conduct will deter the formation of monopolies at their outset when the unlawful
schemes are proposed, and thus, will strengthen the Act.
Under appellees' construction of the Act, an individual is given a strong incentive to propose the
formation of cartels. If the proposal is accepted, monopoly power is achieved; if the proposal is
declined, no antitrust liability attaches. If section 2 liability attaches to conduct such as that alleged
against Crandall, naked proposals for the formation of cartels are discouraged and competition is
promoted.
[Footnote 14] We reject appellees' argument that because the courts previously have not been
faced with a factual situation similar to the case at bar, that the conduct cannot violate the antitrust
laws. By deliberately choosing not to delineate the myriad activities which would be forbidden by
the Act, Congress left to the courts the task of determining whether given conduct constitutes an
offense under the Sherman Act. See United States Gypsum Co., 438 U.S. at 474 n. 14, 98 S. Ct. at
2874 n. 14, 57 L. Ed. 2d at 870 n. 14; Appalachian Coals, 288 U.S. at 360, 53 S. Ct. at 474, 77 L.
Ed. at 829, Berkey Photo, Inc. v. Eastman Kodak Co., 603 F.2d 263, 272 (2d Cir. 1979), 2 P.
Areeda & D. Turner, Antitrust Law para. 1310 (1978).” Idem.
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251.
O caso American Airlines deixa claro que a jurisprudência norte-americana
fundamentou seu repúdio ao convite a cartelizar com base no
fortalecimento da lei antitruste, na dissuasão da formação de monopólios
ilegais desde seu nascedouro, e na dissuasão de conduta que
eventualmente poderia levar à colusão tácita.
252.
Por sua vez, a Lei brasileira exige que para que uma conduta configure
ilícito antitruste, ela deve ter a capacidade para gerar os efeitos líquidos
negativos ao bem-estar da sociedade – apesar de não necessitar comprovar
tais efeitos.
253.
A necessidade de se avaliar a potencialidade lesiva do ato decorre da
determinação legal constante do art. 20 da Lei nº 8.884/94, in verbis:
“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica,
independentemente de culpa, os atos sob qualquer
forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não
sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar
a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.”
254.
Como é possível observar, somente considerar-se-á conduta ilícita, sob a
óptica da concorrência, aqueles atos, sob qualquer forma manifestados,
que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos descritos nos incisos
I, II, III e IV. Neste sentido, é importante destacar de antemão que a
presente análise ficará adstrita aos casos relativos à conduta colusiva de
agentes econômicos, ou seja, às infrações denominadas cartéis e às
condutas que têm como efeito sua formação.
255.
O primeiro elemento do tipo que merece exame é aquele relativo à locução
“atos sob qualquer forma manifestados”. O legislador, por meio da
referida locução, trouxe de forma irrefutável a dispensa de requisito formal
para a caracterização de uma conduta como anticoncorrencial. Não é
necessário, portanto, atenção à forma jurídica do ato, basta apenas a
existência no mundo dos fatos (não é exigível validade ou eficácia).38
256.
O elemento do tipo que é fundamental à presente análise encontra-se no
trecho “atos [...] que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes
efeitos”. Uma primeira leitura – meramente gramatical – poderia indicar
que estamos diante de critérios alternativos para a configuração do ilícito
antitruste, ou seja, para que se configure o ilícito bastaria que o agente (ou
grupo de agentes) atuasse com a finalidade de produzir os efeitos dos
incisos I, II, III e IV ou que seu ato tivesse a potencialidade de produzir
38
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Cartel: teoria unificada da colusão. Lex Editora. São Paulo: 2006.
p. 128.
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tais efeitos. Diante desse critério, bastaria à Autoridade instrutória
comprovar a existência, por exemplo, de um acordo de concorrentes para
uniformização de preços que a infração estaria configurada. Não nos
parece razoável tal interpretação, vejamos a razão.
257.
A discussão a esse respeito não é nova e já foi objeto de análise perante o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.39 Os defensores
da posição de que apenas a comprovação de um acordo entre concorrentes
com a finalidade de burlar a livre concorrência seria suficiente para a
caracterização do ilícito, fundamentam tal posição na idéia de que se os
agentes econômicos são racionais e se decidem participar de um acordo
para fixação de preços, presume-se necessariamente que detêm o poder de
mercado necessário à produção da perda de bem-estar agregado. Assim, a
conclusão alcançada seria a de que a prova do acordo seria
necessariamente suficiente para a conclusão no sentido da produção da
perda de bem-estar agregado.
258.
Apesar de lógica, a posição acima descrita não se encontra em
consonância com uma interpretação holística do art. 20 da Lei nº 8.884/94,
ou seja, não se pode interpretar a locução “atos [...] que tenham por objeto
ou possam produzir os seguintes efeitos” sem se levar em conta suas
relações com um corpo de linguagem mais vasto, como os demais termos
constantes do referido ditame legal e até mesmo com a finalidade da Lei
em comento.
259.
No que tange aos demais termos constantes do art. 20, é fundamental notar
que o legislador incluiu a expressão “independentemente de culpa” para
qualificar os atos que configuram ilícitos antitruste. Isto significa dizer que
a responsabilidade do agente que infringe a norma é objetiva, em outras
palavras, não há que se avaliar o dolo, a imprudência, a imperícia ou a
negligência do autor (culpa em sentido lato) para que se encontre
configurada a conduta delitiva. Importa apenas o nexo de causalidade entre
a possibilidade de resultado lesivo e o fato causador.
260.
Neste sentido, o que se observa é que o elemento essencial do tipo descrito
no art. 20 é a possibilidade de produção dos efeitos descritos nos incisos
seguintes. Assim, mesmo diante de um caso no qual encontra-se
configurada a intenção delitiva do agente (ou grupo de agentes), há que se
buscar também a demonstração da possibilidade objetiva dos efeitos
prescritos. Mais uma vez é importante reforçar que não se trata de
comprovação dos efeitos, mas meramente a demonstração de que estes
seriam possíveis, que o agente teria tal capacidade.
261.
Reforça a presente interpretação, o fato de que a finalidade da Lei
Antitruste é conhecidamente o combate ao abuso de poder econômico, a
defesa da livre concorrência e do consumidor (conforme determina o art.
1º da Lei nº 8.884/94). Não se trata, portanto, de avaliar apenas as
intenções dos agentes econômicos, mas de proteger os bens jurídicos
acima descritos. É por esta razão que se entende que colocar o aparato
39
Sobre o assunto ver votos do Conselheiro Relator e o Voto de vista da Presidente do CADE no
Processo Administrativo nº 08012.002127/2002-14.
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repressivo do Estado contra condutas que não tem a mínima
possibilidade/capacidade de ferir, entre outros, a livre concorrência seria
contrário à finalidade da Lei.
262.
Pelo exposto, para se configurar uma conduta infrativa à concorrência
é necessária (i) a presença de uma conduta; (ii) a potencialidade de
efeitos deletérios à concorrência; e (iii) a existência de nexo de
causalidade entre a conduta e os referidos efeitos.40
263.
A seguir analisaremos a situação fática do caso em tela que gerou a
discussão do convite a cartelizar e, em seguida, passaremos à análise da
adequação da situação fática aos três elementos necessários à configuração
da conduta de convite à cartelizar.
III.2.4.2. Da proposta feita pela Siemens VDO à SEVA Engenharia
264.
Conforme relatado anteriormente, a entrada e permanência da SEVA no
mercado de tacógrafos – por meio da introdução da tecnologia eletrônica
dos aparelhos – foi combatida de forma ilícita pela Siemens VDO. A
estratégia da empresa foi a de erigir barreiras artificiais que tinham por
finalidade impedir a consolidação de uma nova tecnologia no mercado e,
assim, dificultar a permanência da SEVA, bem como impedir a entrada de
novos concorrentes.
265.
Em decorrência da estratégia acima mencionada, houve reunião por
solicitação da SEVA, em 9 de março de 2005, entre os Srs. João Luiz
Neves, Presidente da SEVA, e Jefferson Oliveira, Assessor da Diretoria da
Siemens VDO. Tal reunião foi realizada durante o almoço no restaurante
do aeroporto de Congonhas, o trajeto até a sede do SINDIPEÇAS
(Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos
Automotores) e a continuação da reunião em sala do próprio sindicato. A
reunião ocorreu sem agenda pré-estabelecida, sem testemunhas, sem ata e
sem a troca de documentos ou prospectos de empresa. A SDE tomou
conhecimento do encontro por meio da gravação de áudio trazida aos autos
pela Representante.
266.
É importante salientar, preambularmente, que ambos os participantes da
reunião detinham cargos altos e que, portanto, é válido presumir que
falavam em nome de suas empresas. Isto desautoriza a alegação da
Representada de que o Sr. Jefferson de Oliveira “estava reagindo às
colocações feitas pelo Sr. Neves, expondo, sem qualquer conhecimento da
empresa, suas opiniões pessoais sobre possíveis caminhos alternativos aos
mencionados pelo Sr. Neves no início da conversa.” (fl. 2024). Uma vez
que, além de seu alto cargo, o Sr. Jefferson de Oliveira ainda visitou – em
momento posterior à reunião gravada – o representante da SEVA em Belo
Horizonte na companhia de um dos diretores da Siemens VDO.
40
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Cartel: teoria unificada da colusão. São Paulo: Lex Editora, 2006.
p. 146/147.
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267.
Destaque-se, também, que a alegação da Representada de que o Sr
Jefferson de Oliveira foi procurado pela SEVA, apenas sentou na reunião,
ouviu a empresa e encerrou sua “pré-negociação” (fls. 1891) não merecer
prosperar. De fato, há nos autos comprovação de que a SEVA haveria
entrado em contato com a Siemens VDO em momentos anteriores ao da
reunião do dia 09.03.2005 (fl. 422), entretanto, isto não quer dizer que o
Sr. Jefferson não teria diligenciado para a realização da reunião gravada.
Ele foi o responsável pela reserva da sala de reunião no Sindipeças (fl.
715) e foi quem, por livre e espontânea vontade, propôs o “terceiro
caminho” que veremos abaixo.
268.
Uma vez contextualizada, analisemos o conteúdo da gravação. Logo no
início da conversa temos o representante da Siemens VDO afirmando que:
“VDO: [...] A empresa está disposta a conversar.
Vamos sentar, estabelecer uma agenda, ver aquilo
que a gente pode estar acordando nesta prénegociação e se agente sentir de comum acordo que
tem chance de desenvolver, pode trabalhar, em
hardware, em software, nós podemos ter aí vários
negócios em conjunto. Depende da gente agora
estabelecer essa agenda.” (fl. 718)
269.
Esta frase demonstra o tom da conversa. Trata-se de uma pré-negociação
entre representantes de empresas concorrentes para analisar a viabilidade
de terem negócios em conjunto no futuro. Em seguida, o representante da
Siemens VDO continua:
“Eu sei que você veio para cá numa correria danada,
a semana que vem dependendo da nossa conversa
eu posso tentar passar por Belo Horizonte para
retribuir esta visita, aí marcaríamos uma reunião
grande, aonde pode ser... ou se você preferir lá, ou
aqui, ou na fábrica ou em um lugar neutro para ficar
até mais à vontade ... olha, João, depende aí da
gente caminhar nesse negócio ...” (fl. 718)
270.
Entende-se que esta reunião é realmente para que os dois tenham um
contato inicial para determinar se podem ou não levar adiante a idéia de
“trabalharem juntos” em “vários negócios”.
271.
A reunião posterior de Belo Horizonte foi confirmada pelo representante
da SEVA em oitiva de testemunha perante a SDE (fl. 425). Durante a
oitiva, o Sr. João Luiz Neves afirmou que teve contato com o Sr. Luiz
Eduardo Moreno Munhoz, Diretor da Siemens VDO em novembro de
2005, alguns meses após a conversa que foi gravada. Durante sua oitiva,
ele afirmou qual era seu entendimento sobre a proposta que lhe havia sido
feita em março e que foi reiterada em novembro:
“O assunto foi o seguinte, seu Munhoz e o seu
Jefferson foram me propor uma parceria, uma parceria
que a Siemens é uma empresa muito grande, tem 180
mil funcionários, tem centro de desenvolvimento na
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África do Sul, é uma empresa muito grande e tem
uma rede muito grande que nós podemos fazer uma
parceria, eu poderia fornecer software para eles,
desenvolvimento, produto, dariam todo apoio, todo
apoio logístico, distribuição, fabricação, o que a gente
precisasse eles nos apoiariam, até comprariam o
produto, fariam um contrato de compra, fariam
várias propostas desde que a gente abrisse mão do
conceito do nosso produto como tacógrafo, porque
nosso produto pode ser também comercializado como
computador de bordo, ele tem as funções, ele agrega
as funções, então se eu desistisse do produto como
tacógrafo, com a função tacógrafo eles abririam
todas essas portas para a gente.
[...]
Vou falar um pouquinho diferente, eu continuaria
com o mesmo produto vendendo como
computador de bordo aí eles me apoiariam.” (fl.
1869) (grifo nosso)
272.
Uma das justificativas apresentadas pela Siemens VDO para o tom de
“pré-negociação” da conversa seria a suposta intenção da SEVA em
alienar seu negócio. Entretanto, não há, em momento algum da gravação,
referência explícita a tal interesse, tanto por parte da Representante quanto
da Representada. As frases recorrentes durante a conversa são
“caminharmos juntos”, “trabalharmos juntos” etc.
273.
O próprio Sr. Jefferson de Oliveira quando perguntado pela SDE, em sede
oitiva de testemunha, se houve em algum momento interesse da Siemens
VDO em adquirir a SEVA, afirma que não (fl. 1888). Afirma que seu
entendimento do propósito da reunião do dia 9 de março era de
“estabelecer um início de entendimento para uma futura negociação, então
até quando eu me relacionei com ele foi nesse sentido” (fl. 1889).
274.
Mais adiante, o representante da SEVA diz que, à luz da situação do
mercado hoje, ele vê dois caminhos para o futuro de sua empresa:
“SEVA_ [...] eu só enxergo, Jéferson, hoje, dois
caminhos. São caminhos que eu não tenho como
deixar de fazer porque é o que eu coloquei ali, o que
eu fiz. Então eu enxergo um caminho: Ou eu saio
deste mercado, nós estamos preparando a empresa
para outros mercados, parar de brigar, parar de
muita coisa porque para ser sincero a gente só
perdeu...
VDO_Vai um pouco mais tarde hoje ...
[...]
VDO_A conversa está ficando interessante.
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[...]
SEVA_ [...] A segunda é a gente entrar firme nesse
mercado, ta, a gente entrar pra valer. [...]Aí entra pra
valer e e aí vamos nesse caminho, vamos defender
piamente, puramente,nossos pontos de vista, que a
gente acredita e tal, e o caminho A é é na saída, ta?
VDO_Hum, Hum” (fls. 725/726) [expressão para
seguir a conversa]
275.
Ao dizer que as duas opções que restam à SEVA são sair do mercado ou
continuar brigando para que seu produto possa ser comercializado, o
representante da Siemens VDO intervém:
“VDO_Bom então aí, aí, você me permita, só uma,
uma colocação, queria até me antecipar, eu estava
mais ou menos prevendo que você colocaria os dois
caminhos, né, um é sair, outro é ficar, não pode ter
outro né?
[...]
VDO_ [...] Agora eu vejo uma terceira opção, até
uma quarta opção tá é, é você tá no negócio, mas de
uma forma diferente, [...] entendeu? Você está no
negócio mas junto com a VDO e não contra a
VDO.” (fls. 726/727) (grifo nosso)
276.
É nesta afirmação que se observa inequivocamente um convite de
colusão! É inegável que desta conversa não é possível entender outra coisa
que não uma oferta para concorrentes trabalharem juntos, agindo de
maneira concertada. No entanto, não ficou claro como se daria esta
cooperação entre concorrentes. O representante da Siemens VDO
continua:
“A terceira é você ter um equipamento, é continuar
teu é o seu equipamento o SEVA ... SVT3000, ta,
com uma configuração um pouquinho diferente, né.
Que você vai estar no mercado junto com a VDO. E
a VDO te ajuda nisso. A inserir você no mercado
com outro conceito.” (fl. 727) (grifo nosso)
277.
Neste momento o representante da Siemens VDO começa a deixar
claro que se trata de um acordo entre concorrentes para dividir o
mercado por linha de produto. Quando o representante da SEVA
pergunta sobre a “cooperação” proposta e pede maiores esclarecimentos, a
Siemens VDO responde:
“SEVA_Ah mas neste terceiro caminho ser um
parceiro como?
VDO_Como?
SEVA_...fala uma forma objetiva.
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VDO_Vou falar objetivamente, Jefferson vamos
partir para uma parceria com a VDO. Então fazemos
um acordo em alto nível. O nível de presidência,
aonde, você desis..., tira o foco de Tacógrafo que
nós te damos todo o apoio técnico, todo o apoio
logístico, até fabril, numa empresa que tem hoje,
tem um são quatro pra SMD. Tem que ir lá
conhecer. Pra fazer o teu produto. E tem uma rede
hoje que pode comercializar qualquer tipo de
produto nesta área. Com duzentos e oitenta pontos.
E penetra na montadora com grande facilidade. Não
só no Brasil, como em toda América do Sul. Pra
você imaginar, nós somos responsáveis hoje do
México para baixo. Brasil.
[...]
VDO_Então. Você vê que, o que você ta
enxergando do mercado pra disputar Tacógrafo com
a VDO tem um mercado já, é meio restrito, se vai
ser [...] que a hora que você entrar né, Liberado
com esse produto, vai entrar um monte de gente.
Então nós vamos dividir o mercado em duas
partes, que quer disco e quem não quer disco. E
aí vai virar um salseiro. Não é? [...] Então vamos
focar o produto. Manter o status da legislação
hora como está. E a VDO lhe dá todo esse apoio.
[...]
VDO_Veja bem João, eu to falando é, é, é de fazer o
negócio, oh eu vou te da isso em troca disso aqui
não é, é, é. Não to te pagando, Num é? Alguma coisa
pra ser remunerado. Num é isso não. Ta? Fica bem
claro isso. È uma parceria pra gente parar com
essa disputa de conceito até SEVA ter o espaço
dela é aqui, A VDO vai seguir o espaço dela é
aqui.” (fl. 735-736)
278.
Este trecho demonstra que se trata efetivamente de uma proposta de
acordo horizontal entre concorrentes para divisão de mercado por linhas de
produtos, para que cada uma preserve seu “espaço” e parem de concorrer.
“Essa é a visão, então por isso que eu falo, ganhar
dinheiro neste mercado o João, tem que ter uma
estratégia para evitar que esse monte de gente faça
parte do bolo.” (fl. 729)
279.
A Representante, em vez de aceitar a oferta e iniciar um cartel com a
Siemens VDO, preferiu encaminhar sua Representação à esta Secretaria, o
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que deu início a este processo. No entanto, não é por ter sido rejeitado o
convite que a Representada não cometeu um ilícito.
280.
Conforme explicado, para se configurar uma conduta infrativa à
concorrência é necessária (i) a presença de uma conduta; (ii) a
potencialidade de efeitos deletérios à concorrência; e (iii) a existência de
nexo de causalidade entre a conduta e os referidos efeitos.41
281.
Neste caso, a presença da conduta é clara, consistindo em uma proposta de
acordo horizontal entre concorrentes para divisão de mercado por linhas de
produtos, para que cada uma preserve seu “espaço” e deixem de concorrer.
282.
A potencialidade de efeitos deletérios à concorrência também se encontra
presente, a despeito da recusa por parte da Representante. É verdade que a
aceitação por parte da Representante teria produzido o efeito de dominar
mercado relevante devido à estrutura do mercado e dos efeitos
reputacionais que isto geraria para os potenciais entrantes. No entanto, a
potencialidade de efeitos também está presente na proposta. Isto
porque, trata-se de conduta que pode, no mínimo, facilitar uma
colusão tácita, uma vez que as empresas saberão que seus
concorrentes estão abertos à possibilidade de formação de cartel e
pelo fato de que por meio do convite uma das empresas expõe a
estratégia do possível cartel. Assim, mesmo que não ocorra o aceite,
ambas as partes poderão passar a utilizar tacitamente a estratégia do
cartel.
283.
Pelo exposto, restou demonstrado que (i) a Siemens VDO teve a intenção
específica de monopolizar o mercado por meio de associação ilegal com
concorrente, (ii) formulou o convite a cartelizar e (iii) tal convite tem
possibilidade de gerar prejuízos à concorrência.
41
GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Cartel: teoria unificada da colusão. São Paulo: Lex Editora, 2006.
p. 146/147.
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IV. CONCLUSÃO.
284.
Por todo o exposto, entende-se que a atuação da Representada, Siemens
VDO Automotive Ltda. configura as infrações à ordem econômica
descritas no art. 20, incisos I, II e IV c/c art. 21 incisos I, II, III, IV, V e X,
ambos da Lei nº 8.884/94.
285.
Desta forma, sugere-se a remessa dos presentes autos ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE para julgamento, conforme
preceituam o art. 39 da Lei nº 8.884/94 e o art. 54 da Portaria nº 04/2006
do Ministério da Justiça, com recomendação ao egrégio CADE de
aplicação de multa por infração à ordem econômica para a Representada,
nos termos do art. 23 inciso I, sem prejuízo da aplicação das penalidades
previstas no art. 24, todos da Lei nº 8.884/94.
À consideração da Sra. Diretora do DPDE.
Brasília,
de
de 2008.
Paula Farani de Azevedo
Coordenadora
Eric Hadmann Jasper
Coordenador-Geral da CGAI
De acordo. À consideração da Sra. Secretária de Direito Econômico.
Brasília,
de
de 2008.
Ana Paula Martinez
Diretora do DPDE
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