Versão Digitalizada

Transcrição

Versão Digitalizada
REVISTA CIENTÍFICA
Intr@ciência
ISSN: 2177-3645
FAGU
FACULDADE DO GUARUJÁ
EDIÇÃO
MULTIDISCIPLINAR
Qualis
C
Dezembro/2013
revista.intr@[email protected]
VII
EXPEDIENTE
ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR
Presidente
José Fernando Pinto da Costa
Vice-Presidente
Cláudia Aparecida Pereira
Diretor Geral da Faculdade do Guarujá
Prof. Me. Benedito Luiz Franco
CONSELHO EDITORIAL
Editor Responsável
Prof. Me. Klim Wertz Schender
Coordenadora de Revisão
Profa. Ma. Roseli Arboleya Ratcov Franco
Conselho Editorial
Profa. Ma. Berta Lucia Tagliari Feba
Prof. Aldemir Vicente de Almeida
Kelly Castro Pieroni
Prof. Marat Guedes Barreiros
Profa. Yara Maria Antonietti Silveira
Prof. Henrique de Campos Gurgel Speranza
Os trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade dos seus autores.
Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, desde que devidamente citada a fonte.
CAPA(foto): Forte Itapema (localizado em Vicente de Carvalho – Guarujá – SP).
SUMÁRIO
ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A EFICÁCIA POSITIVA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA...................................
05
A CIDADE COMO BEM AMBIENTAL DE USO COMUM DE TODOS...........................................................
15
GESTÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE: UMA NOVA REALIDADE EMPRESARIA..............................
22
A CONTRIBUIÇÃO DA UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO..........................................................................................................
30
POLÍTICA PÚBLICA DE SEGREGAÇÃO DO HANSENIANO NO PASSADO VERSUS A DIGNIDADE
HUMANA: ISOLAMENTO COMPULSÓRIO PRATICADO ATÉ 1967 E SUA RELAÇÃO COM A ATUAL LEI DO
CRACK NO BRASIL.................................................................................................................................
33
GENOCÍDIO: UM CONTRASSENSO ENTRE TECNOLOGIA AVANÇADA E PROGRESSO DA CIVILIZAÇÃO.....
50
DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA NO ORDEMANTO JURÍDICO BRASILEIRO.................................
58
NAZISMO ALEMÃO E AS LEIS DE NUREMBERG: SENTIMENTO DE PODER OU ÓDIO?..............................
65
A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA
EDUCAÇÃO BÁSICA...............................................................................................................................
70
A BELEZA COMO INSTRUMENTO DE AUTOAFIRMAÇÃO NA SOCIEDADE DE CONSUMO LATINOAMERICANA.........................................................................................................................................
77
A VISÃO EMPREENDEDORA NO PROCESSO DE SUCESSÃO – O CASO DAS INDÚSTRIAS REUNIDAS
FÁBRICAS MATARAZZO........................................................................................................................
85
5
A
AN
NÁ
ÁLLIIS
SEE C
CR
RÍÍTTIIC
CA
A
S
SO
OB
BR
REE A
A
EEFFIIC
CÁ
ÁC
CIIA
A
P
PO
OS
SIITTIIV
VA
A
D
DA
A
C
CA
AP
PA
AC
CIID
DA
AD
DEE C
CO
ON
NTTR
RIIB
BU
UTTIIV
VA
A
BERÇOT, André Cardoso1
Resumo: O presente artigo pretende analisar o rigor científico das proposições teóricas que
pretendem atribuir eficácia positiva ao princípio da capacidade contributiva. Insculpido no art. 145,
§1º, da Constituição Federal de 1988, o referido princípio tem apenas viés negativo para a maior
parte da doutrina. É forçoso reconhecer, no entanto, que vem ganhando força na doutrina pátria e
na estrangeira a corrente segundo a qual o princípio da capacidade contributiva teria eficácia
positiva. Os reflexos práticos deste embate teórico são enormes, vez que reconhecer a eficácia
positiva do referido princípio significa autorizar, por via oblíqua, a desconsideração de atos e
negócios praticados pelos contribuintespara, em nome da solidariedade fiscal, tributá-los mesmo
sem que haja norma específica de tributação. Assim, o objetivo deste trabalho é investigar o
princípio da capacidade contributiva em sua completude, procurando descobrir se ele tem, ou não, a
aludida eficácia positiva.
Palavras-chave: Eficácia positiva da capacidade contributiva. Tributação por analogia.
Abstract: This paper aims to analyze the scientific rigour of the theoretical propositions that claim to
assign positive effectiveness to the ability-to-pay principle. Inserted in art. 145, § 1, of the
Constitution of 1988, that principle has only a negative bias for most of the doctrine. It must
recognize, however, that has been gaining strength, in brazilian and in foreign country doctrine, the
chain according to which ability-to-pay principle would have positive effectiveness. The practical
consequences of this theoretical clash are enormous, since recognizing the positive effectiveness of
the referred principle means authorize, by oblique, the disregard of acts or business carried out by
taxpayers to, in solidarity tax’s name, tax them even without a specific legal provision for taxation.
Thus, the goal of this work is to investigate the ability-to-pay principle in its entirety, trying to
discover whether it has or not the alluded positive effectiveness.
Keywords: Positive effectiveness of ability-to-pay principle.Taxation by analogy.
INTRODUÇÃO
Interpretar os textos do direito posto é sempre tarefa árdua e que exige do hermeneuta
enorme esforço de contextualização. De um simples enunciado, múltiplos conteúdos normativos
podem ser construídos e, a partir da conjugação das unidades normativas, cada intérprete é livre
para criar seu próprio sistema jurídico. Compreender a mensagem legislada em sua totalidade
demanda, pois, percorrer longo e tormentoso caminho, de modo que não é raro nos depararmos
1
Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito do
Guarujá (UNIESP). Graduado em Direito e Pós-graduado em Mercado Financeiro e Banking pela Universidade Católica de Santos UNISANTOS. Advogado. E-mail: [email protected]
6
com interpretações antagônicas sobre um mesmo dispositivo normativo.
No que concerne ao enunciado que hospeda o princípio da capacidade contributiva (art. 145,
§1º, da Constituição Federal de 1988) no sistema do direito positivo brasileiro, esta dificuldade
ganhou novos contornos com a teoria difundida no Brasil pelo eminente professor Marco Aurélio
Greco, segundo a qual o princípio da capacidade contributiva teria eficácia positiva.
A matéria tem suscitado intensos e profícuos debates científicos, na medida em que as
doutrinas brasileiras, tradicionalmente, atribuem ao princípio da capacidade contributiva tão
somente um viés negativo, associando-o com o princípio da igualdade, que no Direito Tributário se
manifesta especificamente por meio da cláusula proibitiva segundo a qual é vedado aos entes
tributantes instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente (art. 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988).
A despeito de, neste trabalho, tratarmos do tema sob um enfoque eminentemente teórico,
não se pode negar que ele tem profundas implicações práticas, especialmente em relação àqueles
procedimentos administrativos em que o Estado busca desconsiderar atos ou negócios praticados
pelo contribuinte para requalificá-los, sob a alegação de que por trás da conduta aparentemente
elisiva do contribuinte se esconde capacidade econômica que poderia (e deveria) ser captada, não
fosse o caráter subincludente da norma jurídica de tributação.
Como se nota, a intrincada questão que serviu de mote para este trabalho é saber se pode,
ou não, haver incidência tributária sobre fatos que, apesar de revelarem nítido conteúdo econômico,
não se subsumam com perfeição à norma de tributação. Ou, em outras palavras, pode a capacidade
contributiva assumir um viés positivo, no sentido de perseguir e alcançar situação não contemplada
expressamente na hipótese de incidência tributária, mas que revele claro conteúdo econômico?
O método que escolhemos para atingir nosso objetivo é o hermenêutico-analítico, por meio
do qual buscamos, à luz do Construtivismo Lógico-Semântico e da Semiótica, reduzir a complexidade
do enunciado prescritivo atinente ao tema mediante a depuração da linguagem técnico-legislativa
que o constitui. Assim, buscamos construir uma posição fundada em premissas sólidas e baseada em
um referencial filosófico consagrado.
Esclarecidas a relevância do tema, a problematização e a metodologia de trabalho,
informamos ao leitor que optamos por dividir o presente artigo em três grandes partes. Na
primeira,faremos uma análise dos três planos semióticos (sintático, semântico e pragmático) do
princípio da capacidade contributiva. Na segunda, explicaremos a tese da eficácia positiva da
capacidade contributiva, citando os principais argumentos utilizados para justificá-la. Por fim, na
terceira parte, teceremos análise crítica sobre a eficácia positiva da capacidade contributiva,
objetivando responder ao questionamento proposto.
1 Análise Semiótica do Princípio da Capacidade Contributiva
Para os adeptos do Construtivismo Lógico-Semântico2, corrente filosófica adotada como
premissa deste trabalho, o Direito é um fenômeno que se manifesta, invariavelmente, por meio de
linguagem. Assim, tomar o direito positivo como um conjunto de enunciados que carecem de
interpretação para serem compreendidos significa, antes de qualquer coisa, que não há Direito se
não houver linguagem.
Se assim é, podemos (e devemos) estudar o direito positivo por meio da Semiótica, que é a
Ciência que estuda os signos, unidades elementares representativas do discurso3. Destarte,
analisaremos, a seguir, o princípio da capacidade contributiva sob o enfoque dos três planos
2
Sobre o Construtivismo Lógico-Semântico, ver CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo
Lógico-Semântico. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Noeses, 2010.
3 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p.
164.
7
semióticos: (i) sintático; (ii) semântico; e (iii) pragmático.
1.1
O plano sintático do princípio da capacidade contributiva
No plano sintático, em que se estuda o relacionamento que os signos mantêm entre si e a
maneira como são estruturados em forma de discurso, percebe-se que o princípio da capacidade
contributiva, veiculado pelo art. 145, §1º da Constituição Federal de 1988, tem íntimas relações com
outros princípios constitucionais. Na verdade, o princípio da capacidade contributiva revela-se claro
desdobramento do princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF), cujos efeitos se irradiam por todo o
ordenamento jurídico.
Neste sentido é a lição do ilustre professor Luís Eduardo Schoueri, para quem “o Princípio da
Capacidade Contributiva é o corolário, em matéria dos impostos, empréstimos compulsórios e
contribuições sociais, do Princípio da Igualdade”4.
Paulo de Barros Carvalho, com seu sempre precioso magistério, vai além e assevera que
“mesmo se a atual Constituição nada previsse expressamente sobre o princípio da capacidade
contributiva, tal como o fez a Constituição de 1967, este persistiria no direito brasileiro como
formulação implícita nas dobras do primado da igualdade”5.
Não é diferente a conclusão do insigne professor Paulo Ayres Barreto que, com a clareza de
sempre, leciona que “além das prescrições veiculadas no art. 5º, caput, e 150, II, o princípio da
capacidade contributiva é efetivamente um desdobramento do primado da igualdade”6.
A culta professora MisabelDerzi, em nota de atualização do clássico “Limitações
Constitucionais ao Poder de Tributar”, de Aliomar Baleeiro, destaca que outros grandes nomes do
Direito Tributário, como Alberto Xavier, Geraldo Ataliba e o próprio Aliomar Baleeiro sempre
entenderam que, mesmo no silêncio do Texto Constitucional, o princípio da capacidade contributiva
deveria se impor por ser “exigência e decorrência lógica da isonomia”7.
É importante dizer, contudo, que as relações sintáticas (de coordenação e subordinação) do
princípio da capacidade contributiva vão muito além de sua mera imbricação com o princípio da
igualdade. A renomada professora Regina Helena Costa, em obra exclusivamente dedicada ao
princípio da capacidade contributiva, analisa as relações deste com outros princípios, como o da
legalidade e da tipicidade, o princípio republicano, o princípio da segurança jurídica, o princípio da
praticabilidade tributária e o princípio da função social da propriedade8. A todas estas relações
poderíamos acrescentar, ainda, a que se estabelece entre o princípio da capacidade contributiva e o
princípio da proibição do confisco.
Em termos sintáticos, importa observar que todos estes princípios têm sede na Constituição
Federal, de forma que ao construir o sistema jurídico,o hermeneuta, necessariamente, terá de
considerá-los globalmente, como um todo harmônico. Interpretações descompassadas com o
princípio da unidade do Texto Constitucional, em que se privilegiam alguns princípios à custa do
sacrifício de outros, não podem ter espaço nos trabalhos com pretensões científicas.
Neste sentido, irretocável o magistério de Canotilho, para quem o princípio da unidade da
Constituição “obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar
harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais”9. Dar efetividade ao
princípio da unidade da Constituição, segundo Canotilho, significa dizer que “o intérprete deve
sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como
preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”10.
4
SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 332.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 330.
6 BARRETO, Paulo Ayres. Elisão Tributária: Limites Normativos. São Paulo, USP, 2008, p. 113.
7 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 8. ed. rev. e atual. Rio
de Janeiro: Forense, 2010, p. 866.
8 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 45-49.
9 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 226
10 Idem, ibidem, p. 227.
5
8
1.2
O plano semântico do princípio da capacidade contributiva
Superada a análise sintática do princípio da capacidade contributiva, podemos perquirir o seu
aspecto semântico, campo da Semiótica que investiga a ligação dos signos com seus significados.
Neste aspecto, a capacidade contributiva tem duas possibilidades interpretativas. Ensina o insigne
professor Schoueri que “a capacidade contributiva pode ser: (i) um limite ou critério para a
graduação da tributação; ou (ii) um parâmetro para a distinção entre situações tributáveis e não
tributáveis. No primeiro caso, falar-se-á em capacidade contributiva relativa ou subjetiva; no último,
em capacidade contributiva absoluta ou objetiva”11.
A partir destas noções elementares, o renomado professor da USP traça coerente
argumentação jurídica demonstrando que, em sentido absoluto (ou objetivo), a capacidade
contributiva é um pressuposto da tributação. Isto quer dizer que por força deste primado
constitucional só poderá haver incidência tributária sob fatos que revelem conteúdo econômico. No
sentido objetivo, portanto, a capacidade contributiva é uma clara mensagem ao legislador ordinário
para que, ao elaborar a lei instituidora da regra-matriz de incidência, atenha-se a colocar na posição
de antecedente normativo apenas fatos economicamente mensuráveis. Outra não é a lição de Paulo
de Barros Carvalho, para quem “de uma ocorrência insuscetível de avaliação patrimonial, jamais se
conseguiria extrair dinheiro”12.
Já em sentido relativo (ou subjetivo), explica Luís Eduardo Schoueri que a capacidade
contributiva está relacionada com as condições pessoais do contribuinte, ou seja, busca verificar se a
pessoa (física ou jurídica) tem, ou não, condições de suportar a carga tributária13. Assim, para que
seja obrigado a entregar parte de sua riqueza ao fisco, não basta que o sujeito passivo tenha
capacidade econômica. É preciso que esta se revele em limite que transcenda a reserva do mínimo
existencial, vez que invadir este limite mínimo, constrangendo até quem não tem condições mínimas
de sobrevivência a contribuir com as despesas públicas, seria ferir de morte a dignidade da pessoa
humana, fundamento da República Federativa do Brasil segundo o art. 1º da Constituição Federal.
Analisar o aspecto semântico do princípio da capacidade contributiva implica, ainda,
empreender esforço cognitivo tendente a verificar seu sentido em conjunto com todas as normas
que podem ser construídas a partir dos enunciados que compõem o texto constitucional. E isto, é
claro, exige do intérprete verdadeiro esforço de contextualização.
Desta forma, fazendo uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 88, não é
difícil perceber que o legislador constituinte, ao elaborar o subsistema constitucional tributário, quis
proteger o contribuinte da sede arrecadatória do fisco. Para tanto, lançou mão de uma série de
limitações constitucionais ao poder de tributar. É importante ressaltar que estas limitações ao poder
de tributar consubstanciam verdadeiras garantias asseguradas aos contribuintes e que, justamente
por isso, são consideradas, pelo Supremo Tribunal Federal, como cláusulas pétreas de nossa
Constituição, o que implica dizer que não podem ser alteradas nem mesmo por emenda ao texto
constitucional (art. 60, §4º, IV, da CF/88).
Duas destas limitações ao poder de tributar chamam nossa atenção por terem nítidos pontos
de contato com o princípio da capacidade contributiva. A primeira é a limitação imposta a todos os
entes tributantes, proibindo-os de exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (princípio da
legalidade tributária – art. 150, inciso I, da CF). Trata-se de claro desdobramento do princípio da
legalidade, princípio geral do Direito, preconizado pelo art. 5º, inciso II, da Constituição Federal,
segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. A segunda limitação que nos interessa neste momento é a que proíbe os entes tributantes de
11
SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 332.
12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 331.
13 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 332-333.
9
utilizar tributo com efeito de confisco (art. 150, inciso IV, da CF).
A partir da interpretação conjunta destes três princípios tributários (capacidade contributiva,
legalidade tributária e proibição do confisco), conclui-se que o legislador constituinte só autorizou a
incidência tributária sob fatos que se subsumam perfeitamente à hipótese de incidência
abstratamente prevista na lei e, ainda assim, desde que o valor cobrado a título de imposto fique
dentro da zona ideal de tributação, sob pena de, desrespeitado o balizamento estabelecido pela
capacidade contributiva, configurar-se verdadeiro confisco.
Desta feita, gostemos ou não, temos de conviver com o fato de que com os preceitos
máximos da Constituição Federal não se compaginam as propostas exegéticas que buscam atribuir
supereficácia ao princípio da capacidade contributiva para que, à custa do sacrifício do princípio da
legalidade, imponha-se tributação não autorizada expressamente por lei.
É exatamente esta a lição do ilustre professor Luís Eduardo Schoueri, para quem “é próprio,
pois, do ordenamento que algumas manifestações de capacidade contributiva sejam tributadas e
outras tantas escapem de tal ônus. A mera presença de capacidade contributiva não constitui, daí,
razão suficiente para se pretender ver alcançada pela tributação situação não contemplada pelo
legislador”14.
1.3
O plano pragmático do princípio da capacidade contributiva
Por fim, sob o prisma pragmático, plano semiótico que estuda o modo como os utentes da
linguagem empregam os signos, não é difícil perceber que à capacidade contributiva têm sido
atribuídas exatamente as significações que expusemos acima. Nossa jurisprudência é sólida no
sentido de considerar o princípio da capacidade contributiva como sendo um desdobramento do
princípio da igualdade. Da mesma forma, não há registros de decisões judiciais que tenham aplicado
o princípio da capacidade contributiva desconsiderando seu íntimo relacionamento com outros
princípios, em especial com os princípios da legalidade, da tipicidade, da proibição do confisco e da
segurança jurídica.Todos estes princípios devem convergir para uma boa exegese do texto
constitucional.
Importa lembrar, ainda, que nossas doutrinas, com frequência, associam o princípio da
capacidade contributiva às garantias individuais do contribuinte, de forma que há quem a considere
como verdadeira limitação ao poder de tributar15.
2 Eficácia Positiva da Capacidade Contributiva
Superada a análise sintática, semântica e pragmática do princípio da capacidade contributiva,
compete-nos ingressar propriamente no campo da eficácia positiva do princípio da capacidade
contributiva.
O renomado professor Marco Aurélio Greco estabelece como premissa fundamental de seu
trabalho16 a eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva. Para ele, enquanto o princípio
da isonomia tributária teria viés negativo, proibindo os entes tributantes de instituir tratamento
desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, o princípio da capacidade
contributiva teria viés positivo, autorizando a Administração Pública a impor tributação aos
contribuintes que tenham manifestado eventual capacidade econômica, mas que em função do
caminho (forma) que optaram, não foram tributados em um primeiro momento.
14
SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 711.
Esta é a posição de Gilberto de Ulhôa Canto, como bem aponta o professor Paulo Ayres Barreto em BARRETO, Paulo Ayres. Elisão
Tributária: Limites Normativos. São Paulo, USP, 2008, p. 114.
16 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011.
15
10
Assim, Marco Aurélio Greco sustenta que, com o advento da Constituição Federal de 1988, a
capacidade contributiva passou a ter “importância e caráter muito mais relevante do que
anteriormente se lhe reconhecia”17. Daí, conclui que “primeiro o ordenamento tributário (da
perspectiva interna) deve estruturar-se com base no princípio da capacidade contributiva; depois, na
sua implementação concreta, os impostos devem ser criados em atendimento à igualdade. Isto altera
a relação entre os princípios; antes, eles se conjugavam de modo que, para haver igualdade
tributária, atender-se-ia a capacidade contributiva; hoje, a conformação é diversa, no sentido de que
primeiro deve ser perquirida a existência de capacidade contributiva para que a tributação (pelo
menos no caso dos impostos) se justifique e, depois, cabendo um imposto, este deverá ser instituído
sem violação à igualdade”18.
Neste contexto, o professor Marco Aurélio Greco, na contramão da maioria da doutrina, não
vê o princípio da capacidade contributiva como um desdobramento do princípio da isonomia.
Diferentemente, sustenta que “no sistema brasileiro, a capacidade contributiva é desdobramento, no
campo tributário, do princípio da solidariedade social e, portanto, é elemento necessário para
construir uma sociedade justa (CF/88, art. 3º, I), o que repercute na identificação da eficácia jurídica
que deve ser-lhe reconhecida [eficácia positiva]”19.
O culto professor da FGV explica sua posição sustentando que “tal como formulado o
dispositivo, o princípio (da capacidade contributiva) dirige-se também para o aplicador e no processo
de interpretação servirá de critério iluminador do alcance concreto que a lei posta apresenta. Desta
ótica, se existe capacidade contributiva captada pela lei tributária, ela tem de ser alcançada até onde
for detectada; ou seja, o princípio funciona como vetor do alcance da legislação. Em outras palavras,
a lei tributária alcança o que obviamente prevê, mas não apenas isto; alcança, também, aquilo que
resulta da sua conjugação positiva com o princípio da capacidade contributiva”20.
Com base nestes argumentos, Greco defende que manifestações de capacidade econômica
que, supostamente, o legislador queria tributar, mas que não foram expressamente mencionadas na
regra-matriz de incidência do imposto, podem ser alvo de tributação, vez que, implicitamente,
estariam previstas na norma de tributação. Esta possibilidade de tributação decorreria, segundo
alega, da eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva, que teria o condão de eliminar o
caráter subincludente da norma.
Vale lembrar que o professor Marco Aurélio Greco não está sozinho neste aspecto. O “estado
fiscal” a que se refere o grande mestre de Coimbra, José Casalta Nabais, esconde em suas dobras a
mesma solidariedade fiscal defendida por Greco para justificar a eficácia positiva da capacidade
contributiva. Para Nabais, “como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como
um mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o
contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal”21 [grifos do autor].
Devemos esclarecer, contudo, que nãopretendemos, neste artigo, analisar a tese de Nabais, já que
fundamentada em outra realidade jurídica, qual seja a da Constituição da República Portuguesa.
3 Críticas à Eficácia Positiva da Capacidade Contributiva
Não é necessária uma pesquisa doutrinária ou mesmo jurisprudencial muito profunda para
verificar que o princípio da capacidade contributiva não tem a eficácia positiva que pretende o ilustre
professor Marco Aurélio Greco. Desnudada, a eficácia positiva da capacidade contributiva mostra-se
como indisfarçável tributação por analogia.
O viés positivo da capacidade contributiva e a tributação por analogia partem da ideia de que
17 Idem, ibidem, p. 330.
18Idem, ibidem, p. 331.
19 Idem, ibidem, p. 328.
20 Idem, ibidem, p. 340-341.
21 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 679.
11
o legislador não teria como contemplar no texto legal todas as situações que a complexidade da vida
social pode oferecer, especialmente tendo em vista o caráter estático do processo legislativo, em
face da dinâmica do processo social. Daí que, em nome da solidariedade social, o princípio da
capacidade contributiva ganharia eficácia positiva, buscando impor tributação dentro do seguinte
raciocínio lógico: se uma situação recebe determinado tratamento, então situação análoga deve
receber tratamento igual. Neste contexto, a eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva
apareceria como solução para o que seria uma inaceitável situação em que duas pessoas com
capacidades contributivas equivalentes estivessem recebendo tratamento diverso exclusivamente
porque uma adotou um caminho não contemplado pelo legislador22.
Criticando o entendimento acima exposto, Schoueri, com a perspicácia de sempre, assevera
que “o raciocínio, conquanto atraente, não resiste ao argumento de que o princípio da capacidade
contributiva não tem um caráter positivo: o constituinte em nenhum momento exigiu que toda
manifestação de capacidade contributiva se sujeitasse a um imposto. Ao contrário: a própria
repartição de competências tributárias deixou uma série de situações de lado, naquilo que se
denominou competência residual”23.
À pertinente lição do professor Schoueri acrescentamos, ainda, que o legislador brasileiro
deixou de tributar, consciente e propositalmente, uma série de situações que revelam substancial
teor econômico, como por exemplo: a propriedade de embarcações e de aeronaves, bem como as
grandes fortunas (imposto até hoje não instituído pela União).
Indo além, tratando da absoluta impropriedade do uso, por parte da autoridade
administrativa, do viés positivo da capacidade contributiva para fundamentar ato administrativo de
lançamento tributário, explica o ilustre professor Paulo Ayres Barreto que “a argumentação de que o
fato ‘A’ revela a mesma capacidade contributiva do fato ‘B’ – em situação em que as regras de
incidência, legalmente estabelecidas, são distintas – não autoriza a invocação deste princípio
[capacidade contributiva] pela autoridade administrativa, no exercício de função desta natureza,
como fundamento de validade de lançamento tributário que pretenda submeter os dois fatos a uma
mesma incidência tributária”24.
Como se nota, é lugar comum na doutrina brasileira o entendimento de que a manifestação
de capacidade contributiva, por si só, não pode ensejar tributação. Pensar o contrário seria alçar a
mera manifestação de capacidade econômica à condição de causa do imposto, o que é amplamente
rechaçado pelos autores pátrios. A capacidade contributiva, em verdade, é pressuposto da tributação
por meio de impostos; nunca, sua causa.
Outra não é a lição da estimada professora Regina Helena Costa, para quem “a capacidade
contributiva não pode ser a causa da obrigação tributária, ou seja, aquilo que é necessário ao seu
surgimento. A capacidade contributiva poderia ser considerada causa da obrigação tributária, talvez,
no sentido econômico. Isto porque, se existir capacidade contributiva, mas não existir hipótese de
incidência que a apreenda, não haverá fato jurídico tributário e, consequentemente, obrigação.
Aproxima-se, muito mais, a capacidade contributiva de um pressuposto constitucional para que
determinado fato possa ser acolhido numa hipótese de incidência de imposto; ou, em outras
palavras, revela-se como pré-requisito para que a um determinado fato, estranho a qualquer atuação
estatal, possam atrelar-se efeitos jurídicos tributários”25.
No mesmo sentido é o magistério do célebree saudoso professor Rubens Gomes de Sousa,
para quem “a capacidade contributiva é simplesmente o pressuposto que a lei adota para definir
certos atos, fatos ou negócios como fatos geradores de tributos, e, nessas condições, a causa da
obrigação tributária é a própria lei”26.
É de extrema relevância lembrar ainda que princípios tributários (a capacidade contributiva,
inclusive) são garantias individuais, verdadeiros direitos fundamentais do contribuinte, isto é, devem
22 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 710.
23 Idem, ibidem, p. 710.
24 BARRETO, Paulo Ayres. Elisão Tributária: Limites Normativos. São Paulo, USP, 2008, p. 121-122.
25 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 20.
26 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo, Resenha Tributária, 1981, p. 98.
12
ser entendidos e utilizados sempre a favor deste; nunca, do Estado. Isto por um motivo simples: o
Estado não tem direitos fundamentais; tem poderes. Com isso chamamos a atenção para o fato de
que querer atribuir eficácia positiva ao princípio da capacidade contributiva é subverter esta lógica,
dando ao Estado o ‘direito fundamental’ de arrecadar, ou seja, atribuindo ao Estado o poder de usar
direitos dos contribuintes contra eles próprios.
Como já alertamos, trata-se de indisfarçável hipótese de tributação por analogia, o que, é
importante dizer, é expressamente vedado pelo art. 108, §1º, do Código Tributário Nacional27. Ora,
se a lei tributária tiver previsto em sua hipótese de incidência somente o fato “A”, e não o fato “B”,
será o contribuinte que aparentemente praticou o fato “A” que poderá invocar a igualdade
(materializada pela capacidade contributiva) para tentar provar que, na verdade, praticou o fato “B”;
não é o Estado que tem a prerrogativa de invocar o referido princípio para, sem lei, tributar também
o fato “B”.
Neste sentido, pensamos ser inconcebível com nosso ordenamento jurídico a proposta
exegética (eficácia positiva da capacidade contributiva) feita pelo eminente professor Marco Aurélio
Greco, vez que se funda em descompassada interpretação dos direitos fundamentais assegurados
aos contribuintes e que, em rigor, só serve para garantir ao Estado o direito de perseguir riqueza,
independentemente do custo que isto implica ao Estado de Direito.
Nestes termos, julgamos procedente a perspicaz observação de González García, para quem
“elsacrosanto principio de capacidad contributiva habríadejado de ser unlímite al poder tributario
normativo del Estado y garantía de trato justo para elcontribuyente para convertirseen una especie
de bula para seguir la riqueza allí donde la riqueza se encuentre”28.
Nunca podemos esquecer que “o princípio da capacidade contributiva não sobrepaira, de
forma isolada, em nosso ordenamento jurídico. Ao revés, haverá de ser interpretado em
conformidade com os demais princípios e regras constantes da Constituição Federal. Atribuir a
pretendida ‘eficácia positiva’ ao princípio implicaria retirar exatamente a garantia que lhe é
inerente”29.
Diante de todos estes argumentos, estamos convencidos de que, apesar do nobre intuito e
do respeitável esforço do culto professor Marco Aurélio Greco, atribuir eficácia positiva ao princípio
da capacidade contributiva não é o melhor caminho para impor tributação à eventual capacidade
econômica revelada pelo contribuinte, mas não contemplada expressamente pela lei. Há outras
maneiras mais eficientes e muito mais consentâneas com as boas práticas interpretativas de se fazer
isso. Uma delas, por exemplo, é o uso da competência residual da União, dentro dos próprios limites
estabelecidos pelo texto constitucional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Em termos sintáticos, o princípio da capacidade contributiva revela-se claro desdobramento do
princípio da igualdade, mantendo íntimo relacionamento com outros princípios constitucionais,
como os princípios da legalidade e da tipicidade, o princípio republicano, o princípio da segurança
jurídica, o princípio da praticabilidade tributária, o princípio da função social da propriedade, o
princípio da vedação ao confisco e o princípio da livre iniciativa.
2. Sob o prisma semântico, o enunciado que hospeda o princípio da capacidade contributiva exige
interpretação conjunta com vários outros enunciados do direito posto, do que decorre que o
legislador constituinte só autorizou a incidência tributária sob fatos que se subsumam
perfeitamente à hipótese de incidência abstratamente prevista em lei e, ainda assim, desde que o
valor cobrado a título de imposto fique dentro da zona ideal de tributação, sob pena de,
27
CTN – Art. 108, §1º - O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
GONZÁLEZ, Garcia. El fraude a laley tributaria ellajurisprudencia. Pamplona: Aranzadi, 2001, p. 35.
29 BARRETO, Paulo Ayres. Elisão Tributária: Limites Normativos. São Paulo, USP, 2008, p. 119.
28
13
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
desrespeitado o balizamento estabelecido pela capacidade contributiva, configurar-se verdadeiro
confisco.
Sob o prisma pragmático, constata-se que não há registros de decisões que tenham aplicado o
princípio da capacidade contributiva desconsiderando seu íntimo relacionamento com outros
princípios, em especial com os princípios da legalidade, da tipicidade, da proibição do confisco e
da segurança jurídica.Nossa jurisprudência é sólida no sentido de que todos estes princípios
devem convergir para uma boa exegese do texto constitucional.
A eficácia positiva da capacidade contributiva, tal como defendida por Marco Aurélio Greco, visa a
impor tributação (por meio de impostos) a manifestações de capacidade econômica que,
supostamente, o legislador queria tributar, mas que não foram expressamente mencionadas na
regra-matriz de incidência do imposto. A tributação, neste caso, visaria a atender ao princípio
constitucional da solidariedade, captando a manifestação de capacidade econômica que,
implicitamente, estaria prevista na norma de tributação. A eficácia positiva do princípio da
capacidade contributiva teria o condão de eliminar o caráter subincludente da norma.
Desnudada, a eficácia positiva da capacidade contributiva mostra-se como indisfarçável
tributação por analogia. O legislador constituinte não exigiu, hora nenhuma, que toda
manifestação de capacidade contributiva tivesse que se sujeitar a um imposto. Ao contrário, o
constituinte deixou de tributar, consciente e propositalmente, uma série de fatos com substancial
teor econômico.
A mera presença de capacidade contributiva, independentemente da graduação em que é
manifestada, não é razão suficiente para, sem lei, autorizar a imposição tributária. É que a
capacidade contributiva não é a causa da obrigação tributária, mas tão somente pressuposto da
hipótese de incidência. A causa da obrigação tributária é sempre a lei.
Os princípios tributários (a capacidade contributiva, inclusive) são garantias individuais,
verdadeiros direitos fundamentais do contribuinte, devendo ser entendidos e utilizados sempre a
favor deste; nunca, do Estado. Isto por um motivo simples: o Estado não tem direitos
fundamentais; tem poderes. Querer atribuir eficácia positiva ao princípio da capacidade
contributiva é subverter esta lógica, dando ao Estado o poder de usar direitos dos contribuintes
contra eles próprios.
A eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva é inconcebível com nosso
ordenamento jurídico. Trata-se de descompassada interpretação dos direitos fundamentais
assegurados aos contribuintes e que, em rigor, só serve para garantir ao Estado o direito de
perseguir a riqueza, independentemente do custo que isto implica ao Estado de Direito.
A despeito do nobre intuito de dar maior efetividade ao princípio constitucional da solidariedade,
atribuir eficácia positiva ao princípio da capacidade contributiva não é o melhor caminho para
impor tributação à eventual capacidade econômica revelada pelo contribuinte, mas não
contemplada expressamente pela lei. Há outras maneiras mais eficientes e muito mais
consentâneas com as boas práticas interpretativas de se fazer isso.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizada por Misabel Abreu
Machado Derzi. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
BARRETO, Paulo Ayres. Elisão Tributária: Limites Normativos. São Paulo, USP, 2008.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6 ed. Coimbra:
Almedina, 1993.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-
14
Semântico. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Noeses, 2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Noeses, 2011.
COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011.
GONZÁLEZ, Garcia. El fraude a laley tributaria ellajurisprudencia. Pamplona: Aranzadi, 2001.
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004.
SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo, Resenha
Tributária, 1981.
15
A
A C
CIID
DA
AD
DEE C
CO
OM
MO
O B
BEEM
M A
AM
MB
BIIEEN
NTTA
ALL D
DEE U
US
SO
O C
CO
OM
MU
UM
M D
DEE
TTO
OD
DO
OS
S
BARBOSA, Lucília Goulart Cerqueira Camargo30
Resumo: O processo de crescimento das cidades brasileiras ocorreu de forma veloz e sem
planejamento, introduzindo em nosso País um alarmante quadro de desigualdade social e
desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, dentre eles o direito à moradia. A oferta
de serviços básicos, equipamentos públicos e infraestrutura é insuficiente para atender as reais
necessidades da população. As soluções para os graves conflitos da atualidade exigem a superação
da antiga concepção jurídica “direito público X direito privado”, já que com a promulgação da
Constituição Federal de 1988 a cidade passou a ter natureza difusa, sendo compreendida como um
bem de uso comum de todos, que deve ser gerenciado de forma a garantir uma sadia qualidade de
vida a brasileiros e estrangeiros residentes no País.
Palavras-chave: meio ambiente, cidade e moradia.
Abstract: The process of growth of Brazilian cities occurred rapid and unplanned manner, introducing
in our country an alarming picture of social inequality and disrespect for the fundamental rights of
the human person, including the right to housing. The provision of basic services, public facilities and
infrastructure is insufficient to meet the real needs of the population. The solutions to the serious
conflicts of today require overcoming the old legal "public law private law X" design, since the
enactment of the Federal Constitution of 1988 the city began to have diffuse nature, being
understood as a common good of Use all which must be managed to ensure a healthy quality of life
for Brazilians and foreigners residing in the country.
Keywords: environment, city and housing.
INTRODUÇÃO
O crescimento das cidades brasileiras está diretamente relacionado com o processo de
urbanização/industrialização que se intensificou em nosso País no final do século XIX, já que até
então a vida urbana estava adstrita a funções administrativas voltadas à garantia da ordem e
produção agrícola. Desta forma, a industrialização acentuou e modificou a importância que se dava à
cidade, provocando mudanças substanciais em sua geografia social e impondo uma nova lógica à
organização da sociedade brasileira, pois influenciou diretamente no crescimento demográfico nas
cidades, no êxodo rural e no desenvolvimento dos transportes e da comunicação.
Desde o início do processo de industrialização, enormes contingentes populacionais
procuraram as cidades em busca de emprego e acesso aos serviços urbanos, reduzindo o
30 Lucília Goulart Cerqueira Camargo Barbosa, Advogada, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos e Membro da Comissão Permanente do
Meio Ambiente da OAB Seção São Paulo e da Comissão do Meio Ambiente da OAB Subseção de Santos. Autora da dissertação de
mestrado “A tutela do direito à moradia como forma de promover a dignidade da pessoa humana em face do direito ambiental brasileiro”,
publicada na Revista Brasileira de Direito Ambiental, Coordenação Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Editora Fiuza, volume 32, 2012.
16
quantitativo de habitantes rurais. Vale consignar que em tempos mais remotos o campo chegou a ter
imensa relevância no contexto das sociedades, sendo certo que no final do século XIX, 80% dos
trabalhadores brasileiros estavam no campo, 13% no setor de serviços e 7% na indústria, o que dá
uma dimensão de como o setor rural ainda era dominante. Contudo, as populações, movidas
inicialmente pelo desenvolvimento da industrialização e depois por inúmeras outras causas,
passaram a buscar os espaços habitáveis das cidades.
Como reflexo do crescimento urbano intenso no final do século XIX, em especial nas cidades
do Rio de Janeiro e São Paulo, surge a demanda por moradia, transporte e demais serviços urbanos.
Convém salientar que o crescimento das cidades impulsionado pelo desenvolvimento industrial não
foi acompanhado das políticas sociais necessárias à promoção do bem-estar da população de baixa
renda, trazendo por consequência à concentração da pobreza, a ausência de saneamento básico, o
desemprego, a fome, as epidemias, altos índices de criminalidade, a insalubridade e o
congestionamento habitacional nos cortiços.
Dentro deste contexto, a habitação passa a ser uma das principais demandas ligadas à
melhoria da condição de vida. Contudo, as reformas urbanas iniciadas no início do século XX visavam
apenas à realização de obras que conjugavam saneamento e embelezamento, sendo certo que esta
primeira ação tinha dentre seus objetivos afastar das áreas centrais a população pobre, ao passo que
a segunda consistia em dar a essas áreas um tratamento estético e paisagístico que pressupunha a
inexistência da pobreza. A solução para a falta de moradia não fazia parte dessas reformas,
acarretando a expulsão dos trabalhadores para os subúrbios, morros e outras áreas inapropriadas à
moradia humana, configurando verdadeiro estado de segregação.
Ao mesmo tempo uma complexa legislação que estabeleceu normas para a construção de
edifícios começa a ser instituída. Os códigos de posturas municipais, que regulamentam construção e
reforma de edifícios, com exigência de plantas, responsável pela obra, posse legal do terreno, etc.,
passam a ter um papel fundamental na estruturação do mercado imobiliário. As restritas áreas
urbanas providas por infraestrutura adquirem preços altíssimos, excluindo do mercado formal uma
grande parte da população.
Portanto, o cenário de carência no setor habitacional em nosso País está nitidamente
associado ao crescimento desordenado das cidades brasileiras, que por consequência, passaram a
retratar duas realidades bem distintas, os denominados estabelecimentos regulares e os
estabelecimentos irregulares, conforme expressões utilizadas por Leonardo Benevolo.31
Estes últimos referem-se às diversas formas de ocupações irregulares, que abrigam
predominantemente população de baixa renda em precárias condições de habitabilidade, com
acesso deficitário aos serviços e equipamentos públicos. Tal situação configura nítido desrespeito ao
princípio da dignidade da pessoa humana, já que dentro deste contexto identificamos o
comprometimento aos direitos fundamentais assegurados no âmbito da nossa Carta Magna.
Ocorre que, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 a cidade assumiu feição
ambiental por força do conteúdo estabelecido no art. 225, que estruturou o tratamento jurídico do
bem ambiental, sendo, portanto, um bem de uso comum do povo, cujo gerenciamento deve ser
conduzido de modo a garantir uma sadia qualidade de vida aos seus habitantes. Nesta concepção
verificamos que a aprovação da Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade reforçou a compreensão da
cidade enquanto bem difuso, reclamando sua interpretação em face dos direitos transindividuais.
Portanto, podemos afirmar que a antiga concepção jurídica “direito público x direito
privado”, onde buscava-se tão somente a aplicação dos mecanismos do Direito Administrativo ou de
Direito Civil para a solução das controvérsias, está superada pelo novo ordenamento jurídico, que a
partir da Carta Magna, fundamentada em sistema econômico do capitalismo com seus limites
impostos pelo princípio da dignidade da pessoa humana, passou a considerar a cidade como espaço
em que a pessoa humana vive, com natureza jurídica ambiental, revelando a necessidade de garantir
a todos o desfrute de uma vida saudável.
31 História da Cidade, p. 708
17
Percebemos que essa nova visão constitucional que garante uma sadia qualidade de vida a
todos, busca a promoção da justiça social como resultado positivado pelos constituintes que
acenaram com uma proposta progressista do Estado Democrático de Direito, trazendo novos
contornos a antigos institutos e conceitos jurídicos centenários. Disso também resulta uma nova
perspectiva em relação à própria Ciência do Direito em termos de superação do caráter individualista
das ações jurídicas (o julgamento de questões em essência individuais) pela valorização do social, do
coletivo, da cidadania participativa.
Essa orientação evidencia uma tendência democrática no campo da justiça, pois possibilita
um envolvimento mais efetivo da população na gestão dos problemas coletivos, bem como o Estado
já não pode mais se omitir diante dos problemas relativos à implementação dos direitos sociais,
diferentemente do que acontecia no sistema jurídico tradicional.
Dentro desta tônica, de uma cidade que funcione adequadamente para o conjunto de sua
população, distribuindo equitativamente a todos a possibilidade de bem-estar, está o poder-dever
atribuído ao Poder Público, que deverá buscar prioritariamente formas de inclusão social com vistas
à equiparação de oportunidades, tornando a cidade mais acessível para todos.
A solução dos graves problemas habitacionais existentes em nosso País requer
necessariamente a superação da visão tradicional da propriedade estabelecida principalmente pelo
Direito Civil, garantindo caráter ilimitado e absoluto a este direito. Somente através da compreensão
de que a cidade é um bem de todos, onde a propriedade deve cumprir sua função social (art. 182,§
2º da CF), é que será possível proporcionar um meio ambiente ecologicamente equilibrado a toda
população.
1 Objetivos da política de desenvolvimento urbano
A Carta Constitucional de 1988 inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer pela
primeira vez na história um capítulo específico sobre política urbana, com princípios,
responsabilidades e instrumentos a serem aplicados pelo Poder Público com o objetivo de reverter as
distorções ocorridas ao longo do processo de desenvolvimento das cidades brasileiras. Assim, a
cidade enquanto bem ambiental artificial de natureza difusa recebeu tutela mediata através do
aludido art. 225, ao mesmo tempo em que sua tutela imediata está disposta no art. 182, que dispõe:
“Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
Desse modo, conforme se depreende da leitura do referido artigo, podemos concluir que o
Poder Público Municipal deverá conduzir as políticas públicas de modo a garantir uma sadia
qualidade de vida aos seus habitantes, satisfazendo os valores de uma vida com dignidade. O pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade reclama a efetivação dos direitos individuais e sociais
previstos, respectivamente nos artigos 5º, caput (direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade) e 6º (direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, a segurança, à
previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados) da Carta
Constitucional.
Nesta perspectiva, Celso Antonio Pacheco Fiorillo32 identifica cinco funções principais da
cidade, quais sejam, habitação, circulação, lazer, trabalho e consumo. Para os fins aos quais nos
propomos, destacamos que o autor assevera que “uma cidade só cumpre sua função social quando
possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, cabendo ao Poder Público proporcionar
condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação”.33
32 Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 341.
33 Ibid
18
Com efeito, entendemos que a as ações públicas voltadas a garantir o acesso a uma
habitação adequada representa a primeira etapa do processo de construção de uma sociedade mais
justa, partindo do pressuposto de que a cidade é um bem de uso comum de todos, e deve ser
administrada de modo a garantir iguais oportunidades a toda população. Além de promover o acesso
ao exercício deste direito social fundamental ao desfrute de uma vida digna, o Poder Público também
deverá fiscalizar o seu território, controlando o uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano
(art. 30, VIII da CF).
Portanto, a política de desenvolvimento urbano tem por finalidade a satisfação dos direitos
já mencionados previstos no âmbito da Constituição Federal (arts. 5º e 6º da CF), assim como
garantir o bem-estar da população. Trata-se de termo jurídico indeterminado, mas que nos remete a
necessidade de promoção da sensação de bem-estar da população. Entendemos que para este
propósito a Administração Municipal deverá promover dentre outras medidas, ações voltadas ao
embelezamento da cidade e conservação de pontos históricos portadores de valores que constituem
a identidade da população local, bem como garantir a participação dos cidadãos na tomada de
decisões para formulação e implementação de políticas públicas.
2 Competências para consecução da política urbana em defesa do direito à moradia
Primeiramente, oportuno considerar que a importância do Município na organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil ocorre, sobretudo, em razão da autonomia
conferida pela Constituição Federal de 1988. De fato, é no âmbito da Administração Municipal que se
apresentam os problemas mais recorrentes no cotidiano das pessoas. Por ser o ente estatal mais
próximo dos destinatários de suas ações, o Município estabelece uma relação mais direta com a
sociedade. São diversas, pois, as virtudes da organização municipal, que justificam a ampliação de
seu âmbito de atuação.
Cabe ao Poder Público Municipal a execução da política urbana objetivando garantir a todos
uma sadia qualidade de vida, ressaltando-se que o legislador constituinte enumerou no art. 30 do
Texto Constitucional as competências municipais legislativas e materiais, dentre elas a elaboração de
leis de assuntos de interesse local (I), suplementando a legislação federal e estadual no que couber
(II) e a promoção do adequado ordenamento de seu território, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (VIII).
Este papel de destaque conferido ao Município no âmbito constitucional também implica em
maior possibilidade de atuação na formulação e implementação de políticas públicas habitacionais
para garantir a todos a oportunidade de adquirir uma moradia digna. Assim sendo, destacamos que o
Município deverá elaborar leis que tenham por finalidade assegurar o direito social à moradia para
sua população, bem como atuar na fiscalização do seu território para garantir a implantação
adequada de parcelamentos e empreendimentos aprovados perante a Municipalidade, bem como
atuar no congelamento de ocupações irregulares e coibir novas invasões.
Dentre as legislações mais importantes para viabilizar este propósito temos o Plano Diretor,
Lei de Uso e Ocupação do Solo, Código Ambiental Municipal, Código de Obras, Código de Posturas,
Lei de Criação do Conselho Municipal de Habitação e Fundo de Habitação, Lei de Instituição do Plano
Municipal de Habitação de Interesse Social e Lei de ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social. O
conteúdo do conjunto dessas legislações deve estar em sintonia com os imperativos constitucionais
quanto à matéria em tela, bem como com as novas diretrizes previstas em leis estaduais e federais,
viabilizando a utilização dos novos instrumentos trazidos para a efetivação do direito social à
moradia.
A promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais são de competência comum dos Municípios, Distrito Federal, Estados e União Federal,
consoante prevê o art. 23, IX do Texto Constitucional, bem como caberá a União Federal instituir
diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
19
públicos conforme preceitua o art. 21, XX. Essa competência federal, além de buscar uma maior
proteção, também impõe diretrizes e normas gerais a serem seguidas pelos Estados e Municípios.
Entretanto, em que pese à referida competência comum para a promoção de programas
habitacionais, importante ressaltar que as responsabilidades também devem levar em conta a
capacidade tributária dos entes envolvidos, já que em nosso País verificamos que há uma
concentração mais elevada de tributos na esfera federal, e isso significa dizer que os projetos
habitacionais devem ser financiados em sua maior parte pela União. Nesta mesma linha de
raciocínio, temos que os Estados também deverão contribuir para a implementação dos
empreendimentos de interesse social de maneira proporcional a sua arrecadação, ao passo que o
Município, não obstante a sua responsabilidade, deverá prioritariamente elaborar projetos
condizentes com as necessidades de sua população para obtenção de parceria com os entes
mencionados, face a sua situação menos privilegiada na esfera da arrecadação de tributos.
Em vista do exposto, é correto afirmar que o Município deverá contribuir na medida de suas
reais possibilidades, assumindo papel de gestor dos programas destinados a melhoria da qualidade
de vida da sua população, possuindo papel central para a consolidação do direito social à moradia
digna. Desta forma, convém observar que o primeiro passo para alcançar este objetivo é a
estruturação do setor habitacional no Município, ou seja, é fundamental a criação de uma Secretaria
de Habitação, com autonomia orçamentária para a contratação de equipe multidisciplinar e
aquisição de equipamentos necessários ao bom desempenho dos trabalhos, proporcionando uma
prestação de serviços adequada a toda coletividade.
3 O significado da função social da propriedade para efetivação do direito à moradia nas cidades
Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988 a cidade passou a ter feição ambiental
em função do disposto no art. 225, devendo ser gerenciada de modo a garantir uma vida com
dignidade aos seus habitantes. Dentro deste contexto, também verificamos que a propriedade
deverá atender a sua função social, consoante prevê o art. 5º, XXIII, sendo certo que o seu uso não
poderá apenas servir aos interesses do proprietário particular, já que ele deverá ser estabelecido em
prol dos interesses da coletividade. Desta forma, é correto afirmar que o direito de propriedade não
é um direito absoluto e ilimitado, visto que o proprietário está limitado legalmente a obedecer aos
interesses da sociedade na utilização de seu imóvel.
Segundo Pedro Escribano34 é em relação à propriedade urbana que a função social, como
preceito jurídico-constitucional plenamente eficaz, tem seu alcance mais intenso de atingir o regime
de atribuição do direito e o regime de seu exercício. Pelo primeiro cumpre um objetivo de
legitimação, enquanto determina uma causa justificadora da qualidade de proprietário. Pela segunda
realiza um objetivo de harmonização dos interesses sociais e dos privativos de seu titular, através da
ordenação do conteúdo do direito.
Prosseguindo na análise do Texto Constitucional, encontrar-se-á então outros dispositivos a
tratar desse direito, dando-lhe contornos diversos, como é o caso do artigo 170, II e III:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (..)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade
34Apud, José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, p. 78.
20
A partir daí, já se pode entender um pouco mais deste conceito, vislumbrando-se que a
função social da propriedade privada é um dos fundamentos da atividade econômica na exata
medida em que possa assegurar a todos uma existência digna e socialmente justa, baseada no
trabalho humano e na livre iniciativa
Vale consignar que o princípio da função social da propriedade já vinha sendo repetido por
todas as Constituições Brasileiras desde 1934, sem que tivesse sido claramente definido em termos
conceituais ou devidamente operacionalizado através da criação de mecanismos e instrumentos
constitucionais que permitissem e garantissem o seu cumprimento. Somente com a Constituição
Federal de 1988 o princípio em tela encontrou uma fórmula conceitual consistente, já que o art. 182,
§ 2º, estabeleceu que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.
Em vista do exposto, podemos concluir que o direito de propriedade urbana é assegurado
desde que cumpra sua função social, que por sua vez é aquela determinada pela legislação
municipal, no momento da aprovação do Plano Diretor. Portanto, cabe a Administração Municipal
promover o controle do processo de desenvolvimento urbano através da formulação de políticas de
ordenamento territorial, nas quais os interesses individuais dos proprietários necessariamente
coexistem com outros interesses sociais.
Para tanto, o Poder Público municipal dispõe de competência para legislar sobre assuntos de
interesse local (art. 30, I) e para promover o adequado ordenamento de seu território, mediante o
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), dispondo inclusive de
instrumentos legais para determinar a medida desse equilíbrio.
Cabe ainda destacar que o princípio da função social da propriedade é norteador da política
habitacional a ser implementada pelos Municípios, devendo ser aplicado para mediar os diferentes
interesses e conflitos nas cidades, bem como para proporcionar o planejamento adequado do
território municipal de acordo com as vocações identificadas ao longo de sua extensão, garantindo o
equilíbrio ambiental e o desfrute de uma vida com qualidade aos seus habitantes. Desse modo, o
princípio em tela será balizador das ações que tenham por finalidade a regularização fundiária de
áreas públicas e particulares, como também deverá ser premissa para definição das áreas destinadas
a construção de empreendimentos de interesse social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENÉVOLO, Leonardo. História da Cidade. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed., São Paulo: Saraiva,
2009.
______ Estatuto da Cidade Comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 2005.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado: Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 25. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2011.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2004.
21
RIZZATTO NUNES, O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 2. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2009.
SARLET, Ivo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SAULE Jr., Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.
SILVA, José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008.
______Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores,
2009.
______Direito Ambiental Constitucional. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo:
Juarez de Freitas, 2006.
22
G
GEES
STTÃ
ÃO
O A
AM
MB
BIIEEN
NTTA
ALL EE S
SU
US
STTEEN
NTTA
AB
BIILLIID
DA
AD
DEE:: U
UM
MA
A N
NO
OV
VA
A
R
REEA
ALLIID
DA
AD
DEE EEM
MP
PR
REES
SA
AR
RIIA
A..
BATALHA, Marco Aurélio R.35
Resumo: O ser humano, desde seu surgimento na face da terra vem provocando degradação do
meio em que vive, para obter recursos que possam satisfazer suas necessidades de consumo e bem
estar. Esse processo no inicio era tido apenas como uso dos recursos naturais, que pensava-se, que a
própria natureza se encarregaria de restaura-lo. Todavia, com o advento da revolução industrial, os
processos de degeneração ambiental se tornaram cada vez mais agressivos, e já em meados do
século XX percebe-se que a natureza, sozinha, não conseguiria restaurar o que o homem vinha
destruindo. Surge a ideia de gestão ambiental e sustentabilidade, que tem por objetivo principal é
garantir o crescimento econômico e a preservação ambiental. Grandes empresas percebem que a
população está atenta a essas mudanças e que qualquer valor gasto na questão ambiental não será
um custo e sim um investimento, pois consolida a marca junto a sociedade.
Palavras-chave: sustentabilidade, gestão ambiental, empresas, meio ambiente.
Abstract: The human being, from its appearance on earth has caused degradation of the
environment they live in, to obtain resources that can meet their consumption needs and welfare.
This process was taken at the beginning just like use of natural resources, which it was thought, that
nature itself would work to restore it. However, with the advent of the industrial revolution, the
process of environmental degeneration became increasingly aggressive, and already in the middle of
the twentieth century it is clear that nature alone could not restore what the man was destroying.
Arises the idea of environmental management and sustainability, whose main objective is to ensure
economic growth and environmental preservation. Large companies realize that the public is aware
of these changes and that any amount spent on environmental issue will not be a cost but an
investment because it consolidates the brand in society.
Keywords: sustainability, environmental management, business, environment.
INTRODUÇÃO
Empresas que buscam ter uma gestão ambiental e projetos sustentáveis estão procurando
não somente uma forma de serem vistas pela sociedade, mas também a de obter maior
competitividade, inovação e fortalecimento das relações com seus clientes, cujos quais estão
adequados a um novo contexto econômico, caracterizando-se por uma rígida postura, voltada à
expectativa de interagir com organizações que sejam éticas, que possuem boa imagem institucional
no mercado e que principalmente atuem de forma ecologicamente responsável.
35 Professor na Faculdade do Guarujá, UNIESP. Graduado em Administração de Empresas pela AELIS. Pós Graduado em Controladoria e
Finanças Corporativas e em Gestão Estratégica de Negócios pela UNIMONTE.
23
O significado ser uma empresa sustentável é priori a condição de que essa empresa seja
rentável, pois caso contrário estará sujeita a desaparecer, ela precisa buscar a sustentabilidade em
seus processos, produtos e relacionamentos para poder conquistar a fidelização de seus
consumidores.
Pesquisas realizadas mostram que consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais por
produtos ecologicamente corretos. Neste contexto se inserem as novas técnicas de gerenciamento e
processos que visam maior produtividade com menor impacto ambiental e também com uso de
novas tecnologias.
Grandes empresas perceberam que esse novo consumidor, mais informado e atento aos
acontecimentos ao seu redor, está cada vez mais interessado não apenas na qualidade do produto
ou serviço, mas também no processo de sua produção.
1 O Surgimento de uma Nova Realidade Ambiental
O ser humano provoca uma série de mudanças no ambiente onde vive. Na pré-história, essas
mudanças não tinham um impacto muito grande sobre o meio ambiente, pois a população da terra
era pequena e a capacidade de alteração do meio ambiente era limitada tecnologicamente. A
medida que o tempo passou, a população aumentou e a capacidade tecnológica do ser humano se
desenvolveu, permitindo assim, uma maior pressão sobre os recursos naturais.
A partir da revolução industrial, as mudanças se aceleraram especialmente no que diz
respeito ao consumo de recursos naturais, tanto como matéria-prima quanto como absorvente do
subproduto dos processos industriais (lixo, esgoto, etc). A partir do século XX, devido a urbanização
e melhoria nos padrões de vida e de consumo houve um estrondoso aumento na pressão sobre os
recursos naturais. Agora, já no século XXI, com a escassez dos recursos ambientais e a necessidade
de crescimento econômicos das organizações, são lançadas questões socioambientais, movimentos e
buscam por recursos menos nocivos ao meio-ambiente.
A nova consciência ambiental surgia no bojo das transformações culturais que ocorreram na
década de 60 e 70, ganhou dimensão e situou o meio ambiente como um dos princípios
fundamentais do homem moderno. Nos anos 80, os gastos com proteção ambiental começaram ser
vistos, pelas empresas líderes, não primordialmente como custos, mas como investimentos no futuro
e, paradoxalmente, como vantagem competitiva. (TACHIZAWA, 2010).
O conceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado inicialmente pelo relatório da
Brundtland Commission, em 1987, intitulado “Nosso futuro comum”. Esse relatório foi produto da
Comissão Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que abordou o
desenvolvimento sustentável como aquele que utiliza os recursos naturais sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de atenderem as suas necessidades. Em resumo, ele representa o
equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação ambiental. (SEIFFERT, 2010).
A partir dos anos 90 as ações, atitudes e postura dos gestores das organizações passaram de
defensiva e reativa para ativa e criativa.
A preservação do meio ambiente transformou-se em um dos fatores de maior influência da
década de 90 e início da década de 2000, com forte por de inserção no mercado, dessa forma as
empresas iniciaram o processo de apresentação de soluções para o desenvolvimento sustentável, e
concomitantemente aumentar a lucratividade de seus negócios. Neste contexto, gestão ambiental e
sustentabilidade não são apenas atividades filantrópicas ou tema para ecologistas e ambientalistas,
mas também uma atividade que pode proporcionar ganhos financeiros para as empresas.
Em meio a um cenário de crescente de preocupação sobre os efeitos da globallização, o exsecretário das Nações Unidas, Kofi Annam, propôs o Pacto Global no Fórum Econômico Mundial em
31 de janeiro de 1999. Convocou lideranças empresariais a se unirem a uma iniciativa internacional –
o Global Compact – que aproximava as empresas das agencias das Nações Unidas, organizações do
trabalho, organizações não-governamentais e outros atores da sociedade civil, para promoção de
24
ações e parcerias na busca de uma visão desafiadora: uma economia global mais sustentável e
inclusiva. (OLIVEIRA, 2008).
Figura 1: Perfil dos signatários no Pacto Global – Brasil /Fonte: www.pactoglobal.org.br/perfilsignatárias
A principal ideia é que com a importância das empresas na sociedade, elas também podem
ser uma forma fundamental para ajudar a combater os problemas globais e atingir os objetivos e as
metas de desenvolvimento do milênio, traçados durante a Cúpula do Milênio em Nova York em
2000. Foram especificados oito objetivos principais com suas respectivas metas, sendo que o sétimo
objetivo diz: Garantir a sustentabilidade ambiental, integrando políticas de desenvolvimento
sustentável a programas públicos, reverter a perda de recursos ambientais e diminuir a proporção da
população sem acesso permanente e sustentável à água potável, melhorando assim até 2020 a vida
de pelo menos 100 milhões de habitantes.
Neste contexto a proteção ao meio ambiente deixou de ser função exclusiva das políticas
públicas, para tornar-se um instrumento de estrutura organizacional, inferindo o planejamento
estratégico das empresas, gerando valor agregado as suas marcas, desta forma grandes empresas
passaram a ocupar parte de seu tempo com atividades voltadas à proteção do meio do meio
ambiente e da responsabilidade social, dentre elas: Xerox, Siemens, Fuji filmes, Toyota, etc.
2 Aspectos Econômicos da Gestão Ambiental
Um dos maiores desafios atuais é fazer com que as forças de mercado protejam e melhorem
a qualidade do meio ambiente, com a ajuda de padrões baseados no desempenho e uso criterioso de
instrumentos econômicos, num quadro harmonioso de regulamentação. O novo contexto econômico
caracteriza-se por uma rígida postura dos clientes, voltada à expectativa de interagir com
organizações que sejam éticas, com boa imagem institucional no mercado, e que atuem de forma
ecologicamente responsável. (TACHIZAWA, 2010).
Robles Jr. (2006), define Gestão Ambiental como “um conjunto de medidas e procedimentos
definidos e adequadamente aplicados que visam a reduzir e controlar os impactos introduzidos por
um empreendimento sobre o meio ambiente”.
Em pesquisa realizada pelo CNI-IBOPE, em dezembro de 2010, sobre o Retrato da sociedade
brasileira e o meio ambiente, percebe-se que 80% da população brasileira têm algum tipo de
25
preocupação com o meio ambiente, sendo o desmatamento e o aquecimento global são as questões
mais importantes para os pesquisados.
47% dos entrevistados acredita que é possível conciliar proteção ambiental e crescimento
econômico, como também 40% da população percebeu que nos últimos anos as ações realizadas
pelo governo, empresas e pessoas em prol da preservação do meio ambiente cresceram.
51% dos entrevistados aceitaria pagar mais por produtos ecologicamente corretos, mas
apenas 11% optam por esse tipo de produto na hora da compra.
Figura 2: Disposição a pagar mais caro por um produto ambientalmente correto (%)
Fonte: pesquisa CNI/IBOPE
Fica evidente que a preservação ambiental e ecológica por parte das organizações deve
manter-se de forma permanente e definitiva, pois a grande maioria dos consumidores estão
preocupados com o futuro do planeta.
A pesquisa demonstra que quanto maior o nível educacional ou nível de renda familiar do
entrevistado maior a probabilidade dele se preocupar com o meio ambiente, conforme evidencia o
gráfico abaixo:
Figura 3: percentual da população que tem preocupação especial com o meio ambiente (%) - por grau de instrução / Fonte:pesquisa
CNI/IBOPE.
26
As empresas que buscam ter uma gestão ambiental, projetos sustentáveis estão buscando
não só uma forma de serem vistas pela sociedade, que a cada dia está mais ativa e preocupada com
a degradação do meio ambiente mas também buscam maior competitividade, inovação e
fortalecimento das relações com seus clientes. Esse novo tipo de consumidor, o chamado cliente
verde e ecologicamente correto procura empresas que atendam às suas aspirações e comunguem
com o mesmo tipo de pensamento.
Esse novo tipo de organização deve buscar um entendimento, um consenso entre o
crescimento econômico e o meio ambiente em que está inserida.
Segundo (TACHIZAWA, 2010), empresas de grande porte estão ajudando seus fornecedores a
melhorar suas praticas de gestão e marketing ecológicos, como é o caso da Mercedes-Benz,
Gradiente e 3M, que consideram seus fornecedores como parte integrante de sua cadeia produtiva.
Esse novo pensamento de administração, em que o conceito mecanicista cede lugar ao
pensamento sistêmico, em que as empresas são vistas como seres vivos e para tanto necessitam da
natureza para sobreviverem, induz à gestão ambiental associada a ideia de resolver problemas
ecológicos e ambientais dentro da própria organização e a sua volta, existindo assim uma demanda
ética, onde a imagem da empresa está diretamente associada às ações que ela participa.
O ciclo da Gestão Ambiental, para que haja eficácia, deve cobrir desde a fase de concepção
do projeto até a eliminação efetiva e contínua dos resíduos gerados pelo empreendimento depois de
implementado, durante toda sua vida útil, devendo também assegurar a melhoria contínua das
condições de segurança, higiene e saúde ocupacional de todos os seus empregados e um
relacionamento sadio com os segmentos da sociedade que interagem com esse empreendimento e a
empresa. (ROBLES JR, 2006).
A inserção da problemática ambiental no panorama institucional vem levando a um contínuo
debate da questão, o qual vem desenvolvendo um senso comum, entre a maioria dos países, de que
as medidas de proteção ambiental não foram criadas para impedir o desenvolvimento econômico.
Estas medidas incorporam-se nas avaliações de custo/benefício ambiental associadas ao
desenvolvimento de projetos econômicos, o que por sua vez vem levando à criação de novas
regulamentações cada vez mais restritivas de um contexto de execução de políticas governamentais.
(SEIFFERT, 2010).
A pesquisa CNI/IBOPE revela ainda que quase metade dos entrevistados (47%) acredita que é
possível crescimento econômico com proteção ao meio ambiente, enquanto 30% defendem
fortemente o meio ambiente.
3 A Administração Clássica no Contexto da Gestão Ambiental
As organizações nos países ocidentais são decorrentes da revolução industrial. Nessa época
apareceram três grandes representantes da Escola Clássica, que adotaram uma abordagem
semelhante: como criar uma organização que, de forma eficiente, atingisse seus objetivos. Taylor
concentrou-se na análise do trabalho, Fayol estabeleceu reflexões sobre a administração e controle e
Weber analisou o contexto social e os princípios que fundamentam as organizações. (TACHIZAWA,
2010).
O desenvolvimento industrial que iniciou-se no final do século XIX, bem como sua
continuidade no início do século XX, resultou um surto industrial que vem até os dias atuais. É
exatamente após esse surto industrial que se esboçam os primeiros trabalhos sobre os efeitos da
poluição gerada nas minas e fábricas, tratados basicamente sobre o enfoque da saúde do
trabalhador.
É nesse novo ambiente que surge uma nova visão de organização, conhecida como Escola de
Relações Humanas, que defendia o pressuposto de que as empresas não poderiam ser as máquinas,
conforme defendidas pela escola clássica, contudo não existia a quebra total desses princípios. Esse
27
modelo tornou-se muito popular entre os anos 50 e 60, contudo era alvo de muitas críticas, que
rejeitavam a ideia de que o fator não material pudesse ser maior que o fator material, de caráter
pecuniário. É dessa época que surgem as primeiras preocupações da comunidade com a degradação
do meio ambiente, provocada pela ação humana. (TACHIZAWA, 2010).
Até a década de 60, prevalece a convicção de que seriam infinitas as fontes de recursos
naturais e de que o livre mercado maximizaria o bem-estar social. As organizações tendem a mudar,
tornando ultrapassados os dias da produção em massa e da padronização. As novas organizações
passam a sobreviver baseadas na informação em detrimento do acesso às materiais primas. O cliente
torna-se o centro da organização e passa a existir a integração entre empresa, produtores e
consumidores.
Foi nessa época, que a percepção sobre as mudanças climáticas ficou evidenciada e que o
meio ambiente sofria com a ação do homem, como a degradação da camada de ozônio, a redução da
biodiversidade, entre outros e tais ações contribuíam para a necessidade de definição de novos
padrões de industrialização e de consumo.
A partir de 1990 o conceito de desenvolvimento sustentável fica em evidência criando-se a
ideia de que os sistemas naturais são limitados para absorver os efeitos da produção e do consumo.
Fica claro que não será possível manter as políticas econômicas geradoras de danos ambientais
irreversíveis, bem como a necessidade de um sistema de produção que respeite a obrigação de
preservar o meio ambiente e o desenvolvimento econômico de um país.
4 Resultados das Novas Técnicas de Gerenciamento
O grande desafio empresarial com o qual os gestores defrontam-se nas organizações éa a
melhora da produtividade e do relacionamento com seus colaboradores, no sentido de terem um
melhor desempenho junto aos clientes, bem como da pressão exercida pelos concorrentes. Assim
esses ganhos de produtividade seriam consistentes, e de forma compatível com a preservação das
questões ambientais e de responsabilidade social.
A economia brasileira, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) (setembro de
2008), apresenta evolução favorável no índice de produtividade de 100 (em 1990) para 192,4 (em
2009) e um índice de custo de produtividade medido em dólares, reduzido de 98,7 para 59,9 (quando
comparado com o ano anterior), o que representa aumento da competitividade em relação à
indústria de outros países que concorrem com o Brasil no mercado mundial. (TACHIZAWA, 2010).
Os clientes têm cada vez mais exigido das organizações serviços de qualidade para seus
produtos, bem como das ações de sustentabilidade que a empresa pratica, de forma que uma
atitude errada ou considerada contra os anseios desses clientes, pode reduzir o consumo de
determinado produto.
4.1 Novas tecnologias e novos modelos de gestão
Segundo (TACHIZAWA, 2010), a tecnologia não é só uma força isolada, é também o motor
propulsor da competição global. Os dispêndios em pesquisa e desenvolvimento tornam-se
fundamentais..
Todo o processo de mudança em direção à sustentabilidade deve ter como ponto de partida
as pessoas, suas crenças e seus valores. É a partir dessa transformação cultural que emerge, dentro
da organização, um conjunto novo de atitudes e comportamentos essenciais à gestão responsável do
negócio.
Como reflexo da implantação dessas tecnologias a informação para a gestão ambiental e
responsabilidade social, obter-se-ão ganhos consideráveis na redução do consumo de papel,
28
eliminação do uso de mídias magnéticas para arquivamento das informações (disquetes, CDs,
pendrive, entre outros). Outro ganho considerável seria a maior eficácia em sistemas de
monitoramento da proteção ao meio ambiente, tais resultados impactariam de forma positiva, à
medida que contribuem para um menor impacto ambiental.
As novas tecnologias estão proporcionando o surgimento das chamadas organizações
virtuais, entendidas como as que têm uma grande parcela de seus funcionários trabalhando fora das
instalações físicas da organização, interligando-se por sistemas de informação (teletrabalho).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidenciou-se neste artigo que a evolução e o progresso da raça humana gerou uma
degradação do meio ambiente. Inicialmente o conceito de meio ambiente era tido como algo
substituível e que por mais que se usasse sempre seria reposto pela natureza.
A partir de meados do século passado a ideia de que o meio ambiente era auto-sustentável
passou a ser combatida, pois verificou-se que a destruição dos recursos naturais para produção do
bem estar humano estava sendo feita e tal proporção que a capacidade de recuperação ambiental
não permitia a regeneração dos recursos naturais.
Partindo da ideia de que os recursos naturais eram finitos, o conceito de sustentabilidade e
gestão ambiental passou a aflorar e a fazer parte das preocupações humanas e inclusive das
empresas. Estas, como produtoras de bens e serviços e que mais degradavam o meio ambiente,
passaram a pensar na preservação dos recursos naturais.
O crescimento sustentável das empresas gerou o incremento de atividades produtivas que
preocupavam-se com a maximização da produção e com a diminuição do gasto dos recursos
naturais. Neste sentido os executivos passaram a gastar mais tempo de suas atividades voltados para
conservação do meio ambiente.
As empresas perceberam que a preocupação com a sustentabilidade e com uma gestão
voltada a preservação do meio ambiente conseguiam reverter a imagem das empresas, e o custo
financeiro da preservação ou redução dos recursos, tinha um retorno na melhor avaliação da marca
da empresa pelos consumidores.
Considerando que todo o processo de mudança em direção à sustentabilidade deve ter as
pessoas, suas crenças e seus valores voltados à transformação cultural, cuja qual emerge dentro da
organização, um conjunto de novas atitudes e comportamentos essenciais à gestão responsável do
negócio e que para finalizar este estudo, demonstrou-se que as empresas se beneficiam com ações
sustentáveis e tendem a ser sempre lembradas pelo consumidor.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA José Antonio Puppim de. Empresas na Sociedade: Sustentabilidade e Responsabilidade
Social. Campus: Rio de Janeiro, 2008.
ROBLES JR Antonio e BONELLI, Valério Vitor. Gestão da Qualidade e do Meio Ambiente, Enfoque
Econômico, Financeiro e Patrimonial. Atlas: São Paulo, 2006.
SEIFFERT, Mari Elizabete Bernardini. ISO 14001 Sistema de Gestão Ambiental, Implantação Objetiva
e Econômica. 3. ed. Atlas: São Paulo, 2010.
TACHIZAWA Takeshy. Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2010.
29
Disponível em: <www.pactoglobal.org.br> acessado em: 03 de abr. de 2011.
Disponível em: <www.cni.org.br> Responsabilidade Social Empresarial/CNI: 2006, acessado em: 28
de set. de 2011.
Disponível em: <www.akatu.org.br> acessado em: 29 de set. de 2011.
Disponível em: <www.ethos.org.br> acessado em: 29 de set. de 2011.
Disponível em: < www.cni.org.br/portal> acessado em: 03 de out. de 2011.
30
AA CCO
ON
NTTRRIIBBU
UIIÇÇÃÃO
O DDAA U
UN
NIIVVEERRSSIIDDAADDEE PPAARRAA O
O DDEESSEEN
NVVO
OLLVVIIM
MEEN
NTTO
O DDAA
TTEECCN
NO
OLLO
OG
GIIAA DDEE IIN
NFFO
ORRM
MAAÇÇÃÃO
O EE CCO
OM
MU
UN
NIICCAAÇÇÃÃO
O
RIBEIRO, Fernando Antonio C.36
Resumo: As Tecnologias da Informação e Comunicação, ou TIC, correspondem a todas as tecnologias
que interferem e mediam os processos informatizados e comunicativos dos seres. Seu
desenvolvimento deveu-se, principalmente, aos projetos de pesquisas desenvolvidos por diversas
universidades ao redor do mundo, principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra. As TIC também
podem ser entendidas como um conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si, que
proporcionam a automação e comunicação dos processos de negócios, da pesquisa científica e de
ensino e aprendizagem, presencial ou à distância. A popularização da Internet é, sem dúvida, a
principal responsável pelo crescimento e potencialização da utilização das TIC em diversos campos
do conhecimento humano.
Palavras-chave: Universidade, Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC).
Abstract: The Information and Communication Technologies, or ICT, match all of the technologies
that influence and mediate the computerized processes and communicative beings. Its development
was due mainly to the research projects developed by various universities around the world,
especially in the United States and England. ICTs can also be understood as a set of technological
resources integrated with each other, providing automation and communication of business
processes, scientific research and teaching and learning, at the classroom or e-learning. The
popularization of the Internet is undoubtedly mainly responsible for the growth and strengthening
the use of ICT in various fields of human knowledge.
Keywords: University, Technology of Information and Comunication (ICT)
Desde a Academia, fundada em 387 a.C. pelo filósofo grego Platão, o homem se organizou
para estudar as ciências, a filosofia e as mais diversas áreas do conhecimento, visando ao
desenvolvimento humano
Mesmo nessa época, os computadores eram estudados – o ábaco, considerado o primeiro
computador analógico, datado aproximadamente de 2000 a.C,, já era tema de estudos na área da
matemática.
Porém, somente na década de 1940, o computador eletrônico foi concebido – e com fins
militares - alguns equipamentos codificavam e decodificavam mensagens que eram enviadas ao
front37.
Por volta de 1943 pesquisadores em grandes universidades inglesas e norte-americanas
realizavam testes com telefonia e componentes eletrônicos, buscando inovação e vantagens
estratégicas para seus países.
Durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1943, começou a ser
desenvolvido o primeiro computador completamente eletrônico, o Eniac38, projetado na
36
Professor Especialista do Curso de Sistemas de Informação da Uniesp – Faculdade do Guarujá
Estar localizado em frente a alguma outra coisa. Para os militares, é o local mais avançado onde acontecem as batalhas.
38 Sigla de Electronic Numerical Integrator and Computer ou Computador Integrador numérico Eletrônico.
37
31
universidade da Pensilvânia e construído pelo Exército dos EUA para o seu Laboratório de Pesquisas
Balísticas. Ele foi acionado em 1947, fazia 5.000 operações por segundo, possuía 17.468 válvulas de
160 Kw de potência e ficou em contínua operação até às 11h45m do dia 2 de outubro de 1955.
A partir de então a evolução começou lentamente, com a criação de novos computadores,
linguagens e sistemas e, quase sempre, as universidades participavam diretamente pesquisando e
desenvolvendo. Uma prova disso foi o desenvolvimento de equipamentos para a chamada corrida
espacial, em que tanto professores universitários e cientistas soviéticos e norte-americanos
realizavam experiências que, em 12 de abril de 1961 a URSS lançou o primeiro homem ao espaço,
Yuri Alexseyevich Gagarin, na nave Vostok 139.
A Guerra Fria produziu outros frutos de vital importância no mundo atual: em 1962, o
governo dos EUA iniciou o desenvolvimento de uma rede de comunicação para fins militares. O
Pentágono40 procurava instalar um sistema de comunicação indestrutível, que pudesse resistir a um
ataque atômico, e que permitisse aos responsáveis políticos e militares sobreviventes retomar o
contato entre eles, para lançar o contra-ataque.
O grupo denominado ARPA41 iniciou o desenvolvimento dessa rede de comunicação e, após
algum tempo, havia cerca de doze universidades e companhias trabalhando com a ARPA, incluindo
Stanford, UCLA42 e Berkeley. Assim, no final de 1969, quatro servidores estavam ligados e formavam
a ARPAnet inicial. A construção do que viria a ser a Internet43 tinha começado.
Em meados de 1970, as mudanças tecnológicas começaram a abrir novas opções para a
transformação de dados em informações e para o melhoramento e adequação dos sistemas de
acordo com as necessidades das empresas, porém ainda era um período de extrema centralização.
O investimento em pesquisas nas universidades em conjunto com empresas do ramo de
tecnologia aumentou, culminando no desenvolvimento dos primeiros SGBDs44, que organizam as
informações de uma maneira eficaz, evitando duplicidade e facilitando sua análise. Assim os velhos
CPDs45 começaram a se transformar em bibliotecas de informações.
Na década de 1980, o IBM-pc46 tornou-se o computador pessoal padrão, pois a empresa
disponibilizou suas especificações e apostou na arquitetura aberta. Dessa forma, várias empresas
fabricantes de hardware desenvolveram o equipamento muito além do que a IBM47 havia imaginado,
permitindo que a plataforma fosse difundida por todo o mundo.
Na década de 1990, sistemas abertos, integração e modelos se tornam itens essenciais nos
departamentos de sistemas, acabando com a incompatibilidade entre sistemas distintos. A própria
Internet teve papel fundamental nesse processo, integrando informações de maneira nunca antes
vista.
Apesar do uso comercial da Internet ter se iniciado apenas em 1995, já se percebia o grande
potencial desse meio de comunicação, que começou a ser utilizado em grande escala, inclusive pelas
universidades, para apoio à educação.
A transformação e utilização das ferramentas da TIC48 se tornam globais e as distinções entre
computador e comunicação desaparecem, mudando radicalmente o mundo dos negócios. O
computador se torna elemento de TIC indispensável em uma organização.
Com o tempo, os recursos como o e-mail, os fóruns, os chats foram sendo incorporados no
que conhecemos como EaD49, que já existia em outros formatos desde o século XVII, mas que agora
teria um alcance nunca antes imaginado.
39
Do russo:Восток-I - Leste I ou Oriente I, foi a primeira missão do programa espacial soviético Vostok e a primeira missão espacial
tripulada da História.
40 Sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. O nome provém do seu edifício sede, localizado no Condado Arlington, no estado
da Virgínia, abrigando o comando de todas as forças armadas (exército, marinha, aeronáutica, fuzileiros navais e guarda costeira).
41 Sigla de Advanced Research Projects Agency ou Agência de Projetos e Pesquisa Avançada.
42
Sigla de University of California, Los Angeles ou Universidade da Califórnia em Los Angeles – E.U.A.
43 Refere-se à rede global e pública, disponibilizada pelo Protocolo de Internet ou Internet Protocol (IP).
44Sigla de Sistemas Gerenciadores de Banco de Dados.
45 Sigla de Centro de Processamento de Dados.
46 É a versão original e precursora da plataforma de hardware dos “IBM PC compatíveis".
47 Sigla de International Business Machines, empresa norte-americana que atua na área de tecnologia.
48 Sigla de Tecnologias de Informação e Comunicação.
32
Atualmente, não só o computador, mas os tablets50 e smartphones51 possuem acesso à
Internet, viabilizando uma infinidade de mídias e recursos que possibilitam a comunicação e a
interação entre pessoas em todo o mundo, em tempo real.
Assim, o papel da Universidade no contexto é, não só o de precursora, criadora ou
desenvolvedora dessas tecnologias, mas principalmente de multiplicadora desse conhecimento.
Para isso, é necessário cada vez mais investimento na aquisição de equipamentos, de novas
tecnologias de hardware52 e software53, visando, inclusive, a capacitação dos docentes para que estes
tenham subsídios para estimular e orientar os estudantes na busca de novos horizontes, preparandoos para atuar de forma digna no mercado de trabalho.
Dessa forma, o que era ficção torna-se realidade, o que era passado, torna-se presente num
piscar de olhos e o futuro está cada vez menos distante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, J. L., Breve história do computador.
Disponível em: <http://www.jlcarneiro.com/2006/09/breve-historia-do-computador/>
Disponível em: <http://www.ufpa.br/dicas/net1/int-his.htm>.
FONSECA FILHO, Cléuzio. História da computação [recurso eletrônico]: O Caminho do Pensamento e
da Tecnologia – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
UFPA - História do Computador e da Internet
VALENTE, José Armando (Org.). O Computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas, SP:
UNICAMP/NIED, 1999.
49
Sigla de E-Learning ou Educação a Distância.
Também conhecido como tablet PC, é um dispositivo pessoal em formato de prancheta que pode ser usado para acesso à Internet,
organização pessoal, visualização de fotos, vídeos, leitura de livros, jornais e revistas e para entretenimento com jogos.
51 Telefone inteligente, numa tradução livre do inglês, é um telefone móvel com funcionalidades avançadas que podem ser estendidas por
meio de programas executados por seu sistema operacional.
52 É toda parte física de um sistema computadorizado.
53 É toda parte lógica de um sistema computadorizado.
50
33
PPO
OLLÍÍTTIICCAA PPÚ
ÚBBLLIICCAA DDEE SSEEG
GRREEG
GAAÇÇÃÃO
O DDO
OH
HAAN
NSSEEN
NIIAAN
NO
ON
NO
O PPAASSSSAADDO
O
VVEERRSSU
USS AA DDIIG
GN
NIIDDAADDEE H
HU
UM
MAAN
NAA:: IISSOOLLAAM
MEENNTTO
O CCO
OM
MPPUULLSSÓ
ÓRRIIO
O PPRRAATTIICCAADDO
O AATTÉÉ
11996677 EE SSUUAA RREELLAAÇÇÃÃO
O CCO
OM
M AA AATTUUAALL LLEEII DDO
O CCRRAACCKK NNO
O BBRRAASSIILL54
GALINDO, Cleusy Araújo.55
Resumo: O presente estudo tem por objetivo numa visão retrospectiva da política pública adotada
para os portadores da hanseníase no passado e a conduta adotada pelos governantes da época para
conter a proliferação da moléstia conhecida e não se tinha ideia de como seria feito esse controle.
Será dado o enfoque humanitário em favor dos segregados pelo medo do contágio, afastando-os da
convivência com os outros cidadãos em face de um isolamento compulsório. Estudo comparativo
será feito em relação a nova Lei do Crack, Lei no. 11.343/06, que permitiu novas diretrizes no
combate ao uso da droga dando mais atenção aos dependentes químicos. Contudo, o que se quer
saber é até que ponto certas medidas cujo interesse maior é a segurança pública não peca em
relação aos direitos humanos do cidadão? Com a medida profilática de combate à doença ou a droga
não estão indo de encontro ao que se preceitua a nível mundial na mantença da dignidade do ser
humano posto que ocorre a mitigação da liberdade em nome de uma busca pelo controle de
moléstias e dependência química?
Palavras - Chave: 1-Hanseníase ; 2- Lei do Crack ; 3- Dignidade Humana; 4 – Medidas profiláticas
Abstract: The present study aims at a retrospective view of public policy adopted for patients with
leprosy in the past and the approach adopted by the rulers of the time to contain the spread of the
disease is not known and had no idea how it would be done this control. Will be given the
humanitarian focus in favor of segregated for fear of contamination by separating them from the
coexistence with other citizens in the face of a compulsory isolation. Comparative study will be made
regarding the new Act Crack, Law. 11.343/06, which allowed new guidelines to combat drug use by
giving more attention to addicts. However, what we want to know is the extent to which certain
measures whose major interest is public safety does not sin against the human rights of the citizen?
With a prophylactic measure to combat the disease or the drug are not going against that prescribes
worldwide in maintenance of human dignity since it is the mitigation of freedom in the name of a
quest for control of disease and addiction?
Key - Words: Leprosy-1, 2 - Crack Law; 3 - Human Dignity; 4 - Prophylactic measures
54 Trabalho apresentado na Disciplina História do Direito ministrada pelo Professor Esteban Llamosas no Curso Intensivo Preparatório para
o Doutorado na Universidade de Buenos Aires/Argentina
55Graduada em Engenharia Civil – UFRN/RN, Graduada em Direito – UNICAP/PE, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do
Trabalho - ESMATRA6/PE, Especialista em Direito Previdenciário – ESMATRA6/PE e Aluna do Curso Intensivo Preparatório para o
Doutorado em Direito do Trabalho na Universidade de Buenos Aires/Argentina.
34
INTRODUÇÃO
Num primeiro momento abordados aspectos sociais numa visão retrospectiva históricapolítica da vida do doente de Hanseníase no Brasil em paralelo com uma política de saúde pública
adotada para controle da doença, como também, um espelho do comportamento da população para
com esses portadores da “lepra” e quais as ações efetivas do estado na busca pela cura e mantença
da dignidade humana desses doentes.
Já num segundo prisma, se terá novo viés voltado para o dependente de crack na cidade de
São Paulo, partindo, também, de um esboço histórico e seus desdobramentos no meio da sociedade
da época. Serão revista as nova políticas adotadas no Estado de São Paulo sobre o internamento
obrigatório dos dependentes de “crack. Já no momento seguinte tentaremos problematizar tais
procedimentos adotados sob o manto da profilaxia o problema chave da questão social e a trajetória
que se terá a partir das ações públicas desenvolvidas na tentativa de controle dessa “chaga social.”
Por último, uma abordagem feita pelos estudiosos sobre a repercussão tanto na esfera social, como
psíquica, familiar dos dependentes químicos dessa droga que assola não apenas o Brasil como
também nos grandes centros ao redor do mundo. E também o que espera a população com toda
essa campanha a nível estadual principalmente no que diz respeito a direitos garantidos
constitucionalmente a todos os cidadãos como o atingimento ou não da dignidade humana no
espera pessoal do dependente químico, em atenção aos preceitos dos Direitos Humanos.
Desde os tempos bíblicos já se conhece as características da enfermidade que naquela
época se denominava de letra, tendo seu nome mudado com a descoberta pelo médico norueguês
Gerhard Armauer Hansen, pesquisador do tema, que identificou o seu basilo causador em 1873.
Assim, depois dessa descoberta a doença passou a ser chamado de hanseníase, cujo agente causador
é o Mycobacterium leprae, que acomete as células subcutâneas e nervosas periféricas no homem,
diminuindo a sensibilidade térmica, dolorosa e têxtil. A hanseníase é considerada como sendo um
problema de saúde pública no Brasil, dada a sua origem socioeconômica com implicações no âmbito
da saúde psicológica do doente, em face das sequelas deixadas pela enfermidade.
Será feita uma análise comparativa entre o tratamento do portador da hanseníase e sua
luta para fazer parte da sociedade como pessoa humana com direitos constitucionais e merecedora
de respeito não apenas por seus familiares como por todo o corpo social ao qual ele esteja inserido
como o usuário do crack em especial no estado de São Paulo, já que a Lei do Crack teve sua atuação
inicial posta em execução com repercussão nacional. A legislação trata da internação compulsória, da
prevenção, do tratamento e acolhimento, da reinserção social, da repressão ao tráfico e do
financiamento para políticas públicas de combate às drogas.
As diversas visões acerca da aprovação do Projeto de Lei 7663/2010 cuja elaboração teve
como núcleo de estudo pontos de consumo em diversas áreas bem como o tratamento dispensado
aos dependentes químicos em todo o país e a aprovação da Lei do Crack de n. 11.343/06. Será feita
uma abordagem geral acerca das operações realizadas no estado de São Paulo não apenas com o
intuito de retirar das ruas os dependentes de drogas nos grandes centros, sem a preocupação de
tratamento adequado destes doentes como se observou no passado, segundo relatos noticiados em
mídia escrita no Brasil e denuncias de ONGs à Comissão da ONU:
criticando supostos abusos do poder público durante a operação policial realizada
no início do mês na área de São Paulo conhecida como Cracolândia. Entre as
acusações presentes no documento estão a de uso excessivo da força por parte da
Polícia Militar contra usuários de drogas, o tratamento desumano e a falta de
assistência em saúde.56
56 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120123_cracolandia_onu_mdb.shtml. Acesso em 31.03.2012 às 20:40 h.
35
As denuncias das ONGs se fundam em denúncias onde se entende que houve a violação
dos direitos humanos por uso excessivo de força durante as ações da polícia nos focos de uso da
droga. Existe todo um aparato administrativo tendo como fonte inicial da ação policial um termo de
cooperação entre o Governo do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e a
Ordem do dos Advogados do Brasil. Para que se ponha em prática essa prática inicial, faz-se
necessária a formação de equipe cuja composição deve ser de médicos, assistentes sociais e juízes
sediados no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas – CRATOD localizado no Parque
da Luz, próximo a região da Cracolândia. Essa ação conjunta tem por objetivo avaliar caso a caso do
ponto de vista médico a real necessidade de internação ou não. Em caso de ser detectada a
necessidade de internação e o dependente do crack se recusar, medidas judiciais poderão ser
tomadas para que a internação seja obrigatória e não fique a mercê de um ato volitivo do
dependente químico. O pedido partirá do Promotor ao Juiz de plantão que determinará a internação
compulsória do dependente de crack. A lei brasileira define como formas de tratamento a internação
por meio de três formas: voluntária, onde o dependente com o seu livre arbítrio se direciona para ser
tratado; involuntária, podendo ser encaminhado pelos familiares nos casos do paciente está sem
qualquer poder de discernimento acerca do mundo real ou por meio de decisão judicial como já
mencionado acima. Quando se verifica após a análise médica a necessidade de internação, com ou
sem ação judicial, o dependente terá que ser direcionado para um centro de tratamento
especializado em clínicas conveniadas ao governo.
2 Revisão Histórica da Hanseníase
Como afirma a estudiosa médica dermatologista Letícia Maria Eidt57, acerca da hanseníase,
fixar marcos temporais de quando surgiu esta doença tendo apenas relatos históricos nos textos
antigos, com descrições superficiais, fragmentárias e atentando para traduções feitas irraigadas de
sentimentos subjetivos sem um grau maior de veracidade acerca do tema produzido, tem por
consequência proporcionar certa incerteza nesses relatos.
A denominação “lepra” foi utilizada pela primeira vez por Hipócrates, considerado como “pai
da medicina”, apesar de ter desenvolvido tal ciência muito depois de Imhotep, polímata egípcio
(designação dada a quem detém o saber em várias áreas do conhecimento). A Bíblia hebraica já
mencionava a lepra não como doença, mas como sinônimo de desonra, vergonha, desgraça. Porém,
no Egito antigo, há mais de 3000 anos, já se tinha notícia da doença por meio de hieróglifos de 1350
a. C. Várias passagens na Bíblia fazem referência ao nome “lepra” para definirem enfermidades
dermatológicas com origem e gravidade variáveis. Mesmo com a obrigatoriedade dos sacerdotes de
identificarem a doença, a luz da antiga lei israelita, só se teve uma descrição mais precisa no ano 600
a.C., por meio do Tratado Médico Indiano de Sushrata Samhita.58
O sentimento existente na população acerca da lepra era de medo brutal dada às sequelas
deixadas e a falta de conhecimento mais específico não apenas da lepra, mas também de todas as
outras doenças graves, de modo que não se tinha ideia do controle e tratamento naquele momento
histórico. Essa dificuldade de diagnosticar a lepra pelos médicos medievais fazia com que ela fosse
confundida com outras enfermidades, principalmente com as doenças de pele, as doenças venéreas,
doenças contagiosas e hereditárias ou oriundas da relação sexual consumada durante a menstruação
como alega Pinto59.
57
EIDT, Letícia Maria. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil, e o Rio Grande do Sul e sua
trajetória na saúde pública brasileira. Revista: Saúde e Sociedade. V. 13, n. 2, p. 76-88. Maio-ago 2004.
58 http://pt.wikipedia.org/wiki/Lepra . Acesso em 01.04.2013, às 19:48 h.
59 PINTO, P.G.H.R. O estigma do pecado: a lepra durante a Idade Média. Revista de Saúde Coletiva- PHYSIS. Rio de Janeiro, v. 5, n.1, 1995,
p. 131-144.
36
Partindo desta premissa, a segregação dos leprosos pode ser vista, também, como uma
maneira adotada pelos homens da Idade Média para tirar do ciclo social um símbolo vivo da lascívia e
da promiscuidade, passando a se ver a lepra como símbolo do pecado, como um sinal externo e
visível de uma alma corroída pelo erro e, em especial, pela transgressão sexual.60 Era também uma
forma de afastar da sociedade um símbolo do pecado, como um sinal externo e visível de uma alma
corroída pelo erro e em especial pela transgressão sexual.61 Assim, a lepra foi por muito tempo tida
como incurável e mutiladora, chegando ao ponto de os portadores deste mal terem sido forçados ao
isolamento nas chamadas leprosarias. Essa postura segregadora observada principalmente na Europa
no período medieval aonde se chegava ao cúmulo de trararem os leprosos como se faz com os
animais bovinos, pois carregavam sinos para anunciarem sua presença, um desrespeito total ao
indivíduo. Sem falar que eram obrigados a vestir-se com indumentária identificadora.
Sabe-se que na região ocidental da França e norte da Espanha se encontravam os Agotes, um
grupo étnico e social de indivíduos perseguidos de origem desconhecida e que constituíam uma
minoria socialmente desprezada, cuja nomenclatura variava de acordo com os dialetos usados em
cada região podendo ser chamados de: Cagots, Gézitains, Gahets, e Gafets na Gasconha; Agotes,
Agotac, e Gafos no País Basco; Capots em Anjou e Languedoc; e Cacons, Cahets, Caqueux, e Caquins
na Bretanha. Há registos deste grupo por volta do ano 1000. Não é certa a sua origem, e pensa-se
que o nome possa ser uma corruptela de "godos", o que pode indicar a sua ascendência. Eram
artesãos de pedra, de madeira e, nos tempos mais recentes, também de ferro.62 Durante séculos os
Agotes foram alvo de discriminação e alguns autores entendem que a nomenclatura utilizadas para
identificar esse núcleo populacional eram de origem gótica, podendo ser constituídos de desertores
do exército ou refugiados nos vales basco-navarros, onde foram mal recebidos pela população
nativa. Por este motivo a origem ao preconceito e à discriminação alimentados com a lenda.
Contudo, outra teoria leva crer que eram formados por criminosos oriundos da França, e que
para escapar à justiça se esconderam de quarentena antes de decidir cruzar a fronteira, e daí viria à
ideia de que seriam portadores de hanseníase, uma das acusações mais comuns. Acusados durante
séculos de manter práticas religiosas ostensivamente pagãs, foram segregados e tratados como raça
inferior e herética e impedidos de casar com as gentes locais, o que até reforçou uma certa
endogamia. Acredita-se que a lepra havia sido introduzida na Europa Ocidental através das Cruzadas,
devido ao contato com o leste onde era endêmica. Porém, este pensamento tem sido contestado
pelos estudos mais recentes, na medida em que existem evidências da presença dos leprosos na
Europa Ocidental antes das Cruzadas. A identificação do leproso era feita, inicialmente, através da
denúncia. Qualquer pessoa que notasse uma doença de pele num vizinho, parente ou cônjuge,
deveria indicá-lo à autoridade secular ou religiosa para que um tribunal fosse convocado.63
A médica Letícia M. Eidt ensina que por volta do ano 150 d.C já se sabia da existência da
doença na Grécia, tendo sido mencionada por Aretaeus e Galeno. Aretaeus em seu trabalho
intitulado Terapeutica de Afecções crônicas faz menção a doença usando o termo “elephas” ou
“elefantíase”, cabe a ele também o pioneirismo no uso do termo “fácies leonina” que representava o
aspecto facial do doente quando do acometimento pela doença. Contudo não mencionada a perda
da sensibilidade ou qualquer outro distúrbio dessa ordem.64
A disseminação da doença na Europa se deu de forma lenta, tendo como seu maior agente
de contaminação o soldado infectado, comerciantes e colonizadores, com sua prevalência entre os
séculos X e XV. Já no final do século XV, a Lei de Strasbourg, exigia a presença de quatro profissional
quando da realização dos exames nos pacientes com suspeita de contaminação pela letra: um
médico, um cirurgião e dois barbeiros.
60
http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/leprosos.htm . Acesso em 02.04.2013 às 08:22 h.
http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/leprosos.htm . Acesso em 02/04/2013 às 16:38 h.
62 http://pt.wikipedia.org/wiki/Lepra . Acesso em 01.04.2013, às 21:00 h.
63 http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/leprosos.htm . Acesso em 02.04.2013 às 20:46 h.
64 OPROMOLLA, D.V.A. Noções de hanseníase. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliati, 1981. In Breve história da hanseníase: sua
expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira no site:
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v13n2/08 Acesso em 03.04.2013 às 06:52 h.
61
37
Houve em Lyon, no ano de 583 um Concílio onde fixou-se regras para a Igreja Católica com o
intuito de contenção da doença, tais medidas levaram ao isolamento do doente evitando-se o
contato com a população sadia. Na verdade essa identificação não tinha um caráter curativo,
profilático, mas era quase uma inspeção sanitária cujo objetivo era rotular o paciente como puro ou
impuro. É importante frisar que o doente leproso já lhe era dada uma sentença de morte, antes
mesmo de sua consumação, posto que socialmente ele já adquirisse esse status de um “morto
social”.65 Daí se verificava o momento inicial da exclusão do doente do convívio social sem qualquer
menção aos seus direitos sociais e até mesmo a sua liberdade primária. Havia a prática pública do
dano moral e material àqueles doentes ante a ausência dos direitos humanos em termos práticos,
mesmo que de forma incipiente, pois se fazia ausente em seu lastro maior. Assim, todos os
portadores da doença de Hansen eram subjulgados a uma vida sem sangue, a uma convivência sem
futuro, e pior, a um caminhar sem esperanças!
Revela Opromolla66 que nos anos 1100 houve uma mudança no comportamento da Igreja em
relação aos portadores dessa enfermidade daninha e o sentimento de piedade se instaurou nas
ordens religiosas que passaram a cuidar desses doentes, sendo responsáveis pela criação de asilos
para abrigar os acometidos pela lepra.
Diante do quadro de hostilidades constantes aos portadores da hanseníase, as instituições
específicas para o tratamento desses doentes foram criadas tendo seu apogeu no final do século XI e
início do século XII e o seu declínio no final do século XIII. Restou demonstrado nesse período que
o crescimento das fundações de caridade para atender aos leprosos se revestia de um aspecto do
desenvolvimento do individualismo religioso, quando a piedade era a expressão pessoal, e também
para defender a riqueza, já que a acumulação ficava justificada se, ao menos parte dela, fosse gasta
em atividades de caridade. Com esses olhos, a interferência da Igreja foi marcante haja vista o
programa de ação contínua e corrente desenvolvida especificamente para assegurar a segregação
efetiva dos leprosos. Havia ainda na Idade Média o pensamento de que os leprosos estavam pagando
na terra pelos seus pecados da mesma forma que Cristo sofreu quando da sua passagem pela terra.
A vida depois a morte como se pensava estava garantida para estes que já haviam pago pelos seus
pecados. Então, no ano de 1514 solicitaram e obtiveram do Papa Leão X uma bula que os libertava
das restrições infames que lhes eram impostas ao culto.67 Não teve, porém, quase efeitos práticos e
houve que chegar a 1819 para a promulgação na Espanha de leis que colocaram fim à
marginalização, pelas Cortes de Navarra. Dessa forma os Agotes deixaram de ser uma classe social
diferenciada e se incorporou por completa à população geral.
3 A Proliferação da Hanseníase nas Américas
No panorama mundial da época, observa-se que por volta de 1870, a hanseníase já havia sido
extinta de todo o continente europeu, mesmo na Noruega que se mostrava como uma região
endêmica sua incidência já tendia a zero. Os fatores que levaram a esta quase extinção foi
justamente a melhoria das condições socioeconômicas que o europeu apresentava no transcurso da
história nos períodos da Idade Moderna e Contemporânea.
65
ROSEN, Gerorge. Uma História da Saúde Pública. São Paulo. Uniesp-Hucitec/Abrascp, capítulo V, “A saúde em uma era de iluminismo e
...”. 1994, p. 60. In EIDT, Letícia Maria. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil, e o Rio Grande
do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira. Revista: Saúde e Sociedade. v. 13, n. 2, p. 76-88. Maio-ago/ 2004.
www.nlm.nih.gov/hmd/collections/digital/syllabi/hochman1.pdf.
66 OPROMOLLA, D.V.A. Noções de Hansenologia. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynoldo Quagliato, 2000. In EIDT, Letícia Maria. Breve
história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil, e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública
brasileira.
Revista:
Saúde
e
Sociedade.
v.
13,
n.
2,
p.
76-88.
Maio-ago/
2004.
www.nlm.nih.gov/hmd/collections/digital/syllabi/hochman1.pdf.
67
http://infokrisis.blogia.com/2009/021301-los-hijos-de-los-ultimos-cataros-agotes-en-navarra-cagots-en-francia.php
.Acesso
em
02.04.2013 às 9:41 h.
38
Contudo, os focos existentes na África e Ásia foram os responsáveis pela proliferação do mal
no Novo Mundo a partir das conquistas espanholas e portuguesas e do tráfico de escravos no
período de colonização e a América Latina, por sua vez, tornou-se um novo palco de atualização da
hanseníase como nova região endêmica mundial.
A chegada da hanseníase nas Américas ocorreu por volta dos séculos XVI e XVII com os
colonizadores, como acima citado, já que as tribos indígenas não apresentavam tal enfermidade, a
luz dos relatos e escritos que fazem menção ao dado período. Nesse momento histórico o mundo
indígena era livre de tal enfermidade. Dados do Serviço Nacional de Lepra e de Opromolla revelam
que o aparecimento da lepra na América teve início no estado da Lousiana trazida pelos franceses
como aponta a médica Letícia M. Eidt.68 Na América do Sul, os colonizadores foram os responsáveis
pela proliferação da hanseníase. No entanto, é atribuída a expansão da doença ao tráfico de
escravos, pois parece que eles introduziram na América do Norte, por meio da Flórida a hanseníase e
coube aos chineses difundirem na costa do Pacífico, segundo o Serviço Nacional de Lepra, 1960
mencionado por Letícia Eidt.69 Ela menciona que no Canadá o primeiro caso foi observado no ano de
1815, entre os imigrantes e trabalhadores chineses.
No panorama brasileiro temos que mencionar um fato a prima face preocupante, pois o
Brasil ocupa a primeira posição escala de países com maior alta de incidência e prevalência desta
doença em todo o continente sul-americano. Em continuidade é importante mencionar que a
disseminação da hanseníase no Brasil se deu por vários pontos do litoral, com a maior contribuição
dada pelos escravos africanos, como também os europeus que aqui vieram fazer moradia. O primeiro
caso no Brasil ocorreu em 1600, na cidade do Rio de Janeiro, lugar que foi sede do primeiro lazareto
no Brasil e depois novos focos foram identificados na Bahia, Pará.
Em que pese ao papel do escravo nesse processo de disseminação, é fato que vozes de peso
divergem quanto a difusão de a hanseníase ter partido dos escravos, mas sim terem sido apenas
contribuído para a sua proliferação, já que havia uma análise criteriosa no momento da aquisição
daqueles serviçais, tidos como mercadorias. As correntes migratórias foram intensas a partir de
meados do século XIX, mudando o espelho de ocorrências que passava a ter maiores números de
ocorrências e, por conseguinte maior disseminação.
Questionamento acerca do oriente ser ou não repositório da doença, faz pensar, já que no
final da Idade Média houve a extinção da doença no mundo ocidental, como resultado do fim do
intercâmbio com o oriente.70
4 Regras Sociais Impostas ao Portador da Hanseníase no Passado
As deformidades causadas pela hanseníase não significa nada diante do sofrimento moral
sofrido pelo doente que se mostra com vitalidade e consciente de tudo o que se passa ao seu redor.
Constatou-se que no Brasil já fez parte do ordenamento jurídico leis que permitiam a captura dos
doentes, obrigando-os a viver reclusos em locais específicos aos portadores da hanseníase, podem-se
citar como exemplos: o Sanatório Aimorés (em Bauru, SP), o Hospital do Pirapitingui (Hospital Dr.
Francisco Ribeiro Arantes) e o Hospital Curupaiti em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
A lei "compulsória" foi revogada em 1962, porém, o retorno dos pacientes ao seu convívio
social era extremamente dificultoso em razão da pobreza e isolamento social e familiar a que eles
estavam submetidos. De acordo com o decreto federal 6.168, de 24 de julho de 2007, os pacientes
internados compulsoriamente e isolados em hospitais colônias de todo o país, até o ano de 1986,
terão direito à pensão vitalícia mensal no valor de 750 reais. Para receber o benefício, os pacientes
68 EIDT, Letícia Maria. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil, e o Rio Grande do Sul e sua
trajetória na saúde pública brasileira. Revista: Saúde e Sociedade. v. 13, n. 2, p. 76-88. Maio-ago/ 2004.
69 EIDT, Letícia Maria. Op. cit.
70 http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00001804&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 03.04.2013 às 9:46 h.
39
precisam apresentar documentos que comprovem a internação compulsória e preencher um
requerimento de pensão especial.71
Considerados como mortos vivos, após a sua morte de fato, todos os seus pertences eram
queimados e seus filhos, se sadios, eram cuidados pela comunidade local. Em muitos países eles
eram considerados mortos civilmente e não podiam deixar herdeiros. Seus filhos não podiam ser
batizados como as outras crianças pelo risco de poluírem as águas da pia batismal, como alega o
autor Carvalho, citado no texto de Litícia M. Eidt. Essa conduta não foi observada no Brasil. Menciona
ainda que a piedade era o sentimento dedicado a eles pelos brasileiros. Alega, também, que em São
Paulo, existia o interesse em que eles fossem poupados do isolamento e da violência de serem
arrancados de seu ambiente familiar e das pessoas que a eles eram caras.72
5 Indicadores e Informações Relevantes sobre a Doença de Hansen
No ano de 1897 na cidade de Berlim realizou-se o 1º. Congresso Internacional da Lepra e
partindo de informações epidemiológicas restaram aprovadas resoluções que se baseavam no
tratamento da enfermidade tendo como forma de transmissão o contágio em detrimento da teoria
da hereditariedade da doença alegando categoricamente a necessidade de adoção de procedimentos
onde estavam presentes a notificação obrigatória vigilância e isolamento compulsório dos
portadores da Doença de Lázaro, como relata a Doutora Zilda M. M. Lima.73
Nesse mesmo ano o Dr. Guilherme Studart já afirmava categoricamente em artigo publicado
na Revista Academia Cearense que deveria se ter mais cautela com a lepra pois sua transmissão era
contagiosa com o mesmo grau de risco da tuberculose.74
Por essa época duas correntes antagônicas podem ser definidas: a primeira que seguia o
Modelo norueguês de caráter mais democrático cuja metodologia baseava-se no estudo da
população e do seu perfil epidemiológico enquanto que a outra corrente tinha por marco definidor a
proposta segregacionalista instituída no Hawaí, na qual seus seguidores alimentavam o repúdio e
forte preconceito contra os doentes, nativos ou não.
Importante relatar que o II Congresso Internacional da Lepra que se passou em Bergem em
1909, mesmo tendo aprovado a elucidação da questão acerca da transmissão da lepra pelo
mosquito, ficou mais crível as resoluções do I Congresso que alegava que o bacilo de Hansen era o
transmissor da doença.
A postura adotada pelo Brasil também fluía por vias oblíquas. A primeira com postura
vanguardista denominada Humanitária defendia medidas brandas de isolamento podendo ser até no
próprio domicílio do doente leproso. Além de defender a construção de leprosários apenas para
casos de extrema gravidade. Já a Segregacionista tinha uma postura radial acerca do isolamento, não
faziam qualquer distinção quanto a gravidade da ação do agente patológico em cada um dos doentes
mesmo que houvessem casos em estágios iniciais de contaminação. Esses defensores fortaleciam
seus discursos com argumentos baseados na defesa coletiva. Esse mesmo grupo defendiam tipos
distintos de isolamento. Os radicais acreditavam que o isomento deveria se dá em ilhas sob a
alegação de que a barreira natural, mar, evitariam fugas. Já a corrente moderada defendia o
isolamento em leprosários situados em locais distantes dos centros urbanos.
É relevante mencionar que diante dos cinco momentos, desde 1900 a 1967, que revelam a
prática de isolamento aplicada no Brasil, a que nos interessa uma vez que buscamos sempre o lado
mais humano e integrador das políticas sanitaristas, é o período de 1946 a 1967 quando os
71
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lepra . Acesso em 03.04.2013 às 14:28 h.
CARVALHO, A.S. HISTÓRIA DA LEPRA EM PORTUGAL. Porto. 1932. In LETÍCIA, Maria Eidt. Op. Cit., p-76-88.
73 LIMA, Zilda M.M. UMA ENFERMIDADE À FLOR DA PELE- A Lepra em Fortaleza( 1920-1937). Fortaleza: Museo do Ceará: Secult, 2009, p.
47..
74 STUDART, Guilherme. Notas para a História do Ceará. Lisboa: Recreio, 1903. In LIMA, Zilda M.M. UMA ENFERMIDADE À FLOR DA PELE- A
Lepra em Fortaleza( 1920-1937). Fortaleza: Museo do Ceará: Secult, 2009, p. 47-48.
72
40
Congressos Internacionais passaram a reprovar veementemente as medidas isolacionistas, mesmo
ainda sendo praticada tal conduta no território nacional brasileiro.
Apenas no ano de 1967 é que tal medida foi expurgada oficialmente e o tratamento
ambulatorial passou a ser realizado, havendo ainda colônias com pacientes idosos e gravemente
sequelados. Assim, chega-se ao formato delineado pela sociedade na sua estrutura conceitual sobre
enfermidades que passam do meio biológico para um repertório de construção social e jurídica,
legitimando o sentimento de uma população que em muitos casos não visualiza ações que podem ter
repercussões não apenas na esfera legal, dada a fervorosa busca coletiva pela paz, formando
consenso “cego” do ponto de vista humanitário, já que destinos de “seres humanos” talhados com
vida, sentimentos, necessidades, dores, sofrem exilados na sua própria solidão, e, portanto,
carecedores de olhos, mesmo que transformadores “irmãos”.
6 Referências Históricas do Combate às Drogas no Brasil
A forma de atuação das autoridades brasileiras para o combate às drogas se espelha no
modelo internacional, capitaneado pelos Estados Unidos, com ações que visam punir para reprimir o
tráfico de drogas. Essa conduta é verificada desde o período colonial nas Ordenanças Filipinas de
1603, na qual a ação estatal se revela como um aplicador de penas de confisco de e degredo para a
África para aqueles que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas.
Historicamente, observa-se outro termo que se equivale ao “degredo” é o “desterro”. No
período das Ordenações portuguesas os termos ainda se equivalem e só se diferenciam no Código
Penal de 1852, onde desterro corresponde à "obrigação de o condenado sair dum lugar" e degredo
implica no "envio do condenado para uma possessão ultramarina." Sabe-se, portanto que o degredo,
forma de penalidade, teve longa aplicação na história portuguesa. Há registros que atestam a prática
desde o século XIV e, ao longo de cerca de 7 séculos, tanto a prática, quanto a pena de degredo,
sofreram alterações significativas.
Em Portugal, desde o século XV, a aplicação da pena de degredo combinava duas
modalidades distintas, no que diz respeito aos seus destinos territoriais: o degredo colonial, que
enviava condenados para possessões na África, e mais tarde na América e na Ásia; e o degredo
interno, que determinava como locais de cumprimento da pena em regiões pouco habitadas do
território metropolitano. Em ambos os casos, trata-se de enviar para as regiões limítrofes, longínquas
ou inóspitas, os condenados da justiça para que nelas pudessem atuar como povoadores, garantindo
assim a defesa territorial.75
O país continuou nessa linha com a adesão à Conferência Internacional do Ópio, de 1912. A
visão de que as drogas seriam tanto um problema de saúde quanto de segurança pública,
desenvolvida pelos tratados internacionais da primeira metade do século passado, foi
paulatinamente traduzida para a legislação nacional. Até que, em 1940, o Código Penal nacional
confirmou a opção do Brasil de não criminalizar o consumo. A referida pena restou abolida em
definitivo do Código Criminal português em 1954, pelo decreto 39:668.76
Segundo Roberta Duboc Pedrinha77, especialista em Direito Penal e Sociologia Criminal,
estabeleceu-se uma “concepção sanitária do controle das drogas”, pela qual a dependência é
considerada doença e, ao contrário dos traficantes, os usuários não eram criminalizados, mas
estavam submetidos a rigoroso tratamento, com internação obrigatória. E ainda, analisa numa visão
bastante crítica, que o consumo de drogas pela juventude está aliado a uma conotação libertadora,
75 http://www.humanas.ufpr.br/portal/cedope/files/2011/12/A-pena-de-degredo-e-a-constru%C3%A7%C3%A3o-do-imp%C3%A9riocolonial-Maristela-Toma.pdf . Acesso em 08/04/2013 às 10:50 h.
76 http://www.humanas.ufpr.br/portal/cedope/files/2011/12/A-pena-de-degredo-e-a-constru%C3%A7%C3%A3o-do-imp%C3%A9riocolonial-Maristela-Toma.pdf . Acesso em 08/04/2013 às 10:55 h.
77http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/dependencia-quimica/iniciativas-do-governo-no-combate-asdrogas/historia-do-combate-as-drogas-no-brasil.aspx . Acesso em 08/04/2013 às 11:18 h.
41
associada às manifestações políticas democráticas a partir da década de 60, como ainda, aos
movimentos contestatórios, à contracultura, especialmente as drogas psicodélicas, como a maconha
e LSD. É por este motivo que a advogada, não por acaso, afirma que tanto o golpe militar de 1964
como a Lei de Segurança Nacional deslocaram o foco do modelo sanitário para o modelo bélico de
política criminal, que equiparava os traficantes aos inimigos internos do regime. Fato marcante foi a
passeata estudantil que ocorreu no Rio de janeiro em 1968 considerada como a contracultura da
época também associou consumo de drogas à luta pela liberdade.
O Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos de 1973 tinha o Brasil como
um dos integrantes e a partir daí baixou-se a Lei 6.368/1976, que deu tratamento diferenciado às
figuras do traficante e do usuário e fixou a necessidade do laudo toxicológico para comprovar o uso.
Por último, a Carta Magna brasileira de 1988 determinou que o tráfico de drogas é crime inafiançável
e sem anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade
provisória e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de aumentar a duração da prisão
provisória.
Já com a publicação da Lei de Drogas no Brasil (Lei 11.343/06) a pena de prisão para o
usuário e o dependente foi eliminada, ou seja, para os casos de posse da droga ou da planta para
consumo próprio. Houve a diferenciação do que seria o traficante profissional do eventual, este
último que trafica pela necessidade de obter a droga para consumo próprio e que passou a ter
direito a uma sensível redução de pena.
A criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro,
iniciadas em 2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes
entregues ao tráfico, não apenas atendendo às críticas internacionais, como também como
preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.78 As discussões em torno das
leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas no Congresso, envolvendo
ainda aspectos como o aumento de impostos e o controle do álcool e do cigarro.
7 Níveis de Consumo de Crack no Brasil
Como menciona Andréa Costa Dias79 foi a partir da década de 1980 e início de 1990 os
primeiros registros de utilização e apreensão de crack no Brasil tendo como pano de fundo o estado
de São Paulo. A sua proliferação inicialmente se deu na periferia do município em 1988, mais
especificamente nos bairros da região leste e depois se espalhou para outras localidades. Estudo
realizado por FERRI E GOSSOP80 objetivaram retratar as mudanças realizadas nas formas de
administração de cocaína ao longo de um extenso período, verificou-se que a porcentagem dos que
fumavam crack havia crescido de 5%no final da década de 1980 para 65% entre 1995 a 1997.
Alega Andréa Dias que outras pesquisas foram realizadas em capitais como São Paulo, Recife,
Curitiba e Vitória as quais obtiveram maiores índices de utilização da droga variando a porcentagem
entre 15% e 26% entre crianças e adolescentes de rua. Atualmente o Ministério da Saúde informa
que existem no país cerca de dois milhões de usuários de crack. Já a Polícia Federal informa que
cerca de 70% da cocaína apreendida no território brasileiro se destina à produção de crack.
Acrescenta, Andréa Dias que os indicadores oficiais são poucos, dificultando o dimensionamento do
alcance do crack, uma vez que não existe a tradição em planejamento e execução de levantamentos
regulares que identifique o uso de drogas.81
78http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/dependencia-quimica/iniciativas-do-governo-no-combate-asdrogas/historia-do-combate-as-drogas-no-brasil.aspx . Acesso em 08/04/2013 às 11:18 h.
79 DIAS, Andréa Costa. CRACK: Reflexões para Abordar e Enfrentar o Problema. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 45-46.
80 FERRI, C.P.; e GOSSOP, M. Route of cocaine Administration: patterns of use and problems among a brazilian sample. Addictive
Behaviors 24(6), 1999, p. 815-821. In DIAS, Andréa Costa. CRACK: Reflexões para Abordar e Enfrentar o Problema. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2012, p. 46.
81 DIAS, Andréa Costa. CRACK: Reflexões para Abordar e Enfrentar o Problema. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 45-46.
42
O fenômeno do crack merece uma atenção redobrada e um trato com maior seriedade. Sem,
contudo, utilizar meios de ameaça incitando o medo, fazendo com que se fomente preconceito ao
usuário, potencializando a marginalização e exclusão, enquanto que o propósito da questão reside
em sentido oposto, ou seja, em estratégias de aproximação, integração e circulação de experiências
e saberes, como embasa Silva, a seguir:
Não se pretende dizer comm isso que o seu uso (referindo-se ao crack) seja
inofensivo ou isento de riscos, mas a imagem devastadora veiculada reforça
a marginalização aumentada ainda mais a distância entre os usuários e os
mão usuários, sendo, os segundos, ele,importantíssimo em uma
perspectiva de inclusão sem a qual não se conseguirá minimizar os efeitos
danosos de sua utilização.82
Como já mencionado, o discurso jurídico adotado pelo Brasil segue as raízes americanas
desde o século XIX, com uma abordagem repressiva e proibicionista de guerra às drogas que se
espalha também a outras regiões no mundo. A mesma postura foi abraçada pela Organização das
Nações Unidas – ONU, criada em 1945, fomentando a unificação de programas com a finalidade de
controle e coerção às drogas. Assim, diante das ações intentadas de combate ao crack, observa-se
uma tendência à marginalização e ao desrespeito com o usuário como portador de direitos. De igual
maneira sentida nos portadores de hanseníase, onde sentiam na pele de forma palpável a
segregação e exclusão. Ambos são impedidos de ter e participar de uma vida social. E ainda, tanto o
indivíduo consumidor de droga como o doente portador da hanseníase, são de certa forma
associados a delinquentes e criminalizados, dentro das proporções que envolvem cada caso, são na
verdade estigmatizados. Logo, a visão tanto do governo como da própria sociedade é de que deve-se
priorizar a repressão na abordagem dessa questão, em detrimento de ações educativas e preventivas
abrangentes. Há mais uma vez uma política estatal cega aos direitos do cidadão.
8 Igualdade, Liberdade, Dignidade Humana e o Respeito ao Ser Humano se Contrapondo a
Internação Compulsória
É nesse momento de reflexão que vem a tona a ideia de liberdade e igualdade, como
menciona Dice Nowak: “La igualdad, junto com la liberdad, son los dos princípios básicos del sistema
de protección de los derechos fundamentales”.83 Sendo considerados como os dois pilares centrais
dos atuais sistemas jurídicos que protegem os direitos fundamentais, cabe afirmar que entre eles
pode-se considerar a existência de uma forte relação.84 Com este pensamento um estando
intimamente relacionado com o outro, poderia haver a invasão de atuação de um em relação ao
outro quando da solução de conflitos jurídicos e sociais que os tenham como parâmetro.
Contudo, partindo de premissas puras de definições em um sentido geral, temos que
qualquer modificação na igualdade, há por consequência uma afetação no campo da liberdade que
demonstra. Cabendo uma melhor elucidação acerca do que se entende por “livre” e por “ideal”. Na
82 SILVA, S.L. Mulheres na Luz: uma etnografia dos usos e preservação no uso do crack. Dissertação de mestrado. Universidade de São
Paulo, 2000, p. 30.
83 Novak, Dice. Along with libaerty, equalitu is the most important principle imbuing and inspirung the concepto f human rights. 1993, p.
458. In, Derecho a la igualdad; un análisis desde el método de casos/ adaptado por Andrés Rossetti: coordinado por Magdalena L. Alvarez.
Córdoba: Advocatus, 2010.
84 DWORKIN, Ronald. Virtud soberana. Teoría y práctica de la igualdad. Traducción de Fernando Aguiar y María Julia Bertomeu. Paidós
Estado y Sociedad. Barcelina. 2003.
43
ótica mais comum na Constituição argentina há de fato uma tensão entre estes dois valores85, como
não é o foco do nosso assunto nos reservamos a manter nosso foco central.
A dignidade humana é o que traz o homem como ser respeitado como pessoa de direito com
todos os direitos que lhe outorga essa categoria. É na verdade uma prerrogativa do ser humano,
pressuposto de sua condição de ser natural. Qualifica a pessoa em uma categoria sem que deixe
qualquer tipo de indagação. Assim, é importante salientar que mesmo nos casos de privação,
qualquer que seja, não de permite a exclusão desse direito individual, indisponível, sua dignidade.
Assim, o sistema posto, na ótica da dignidade, jamais poderia preterir alguém, pois o sectarismo é
incompatível com este preceito fundamental. Assim, tratamentos degradantes e desumanos que
venham a ser deferidos ao homem, desnudando a sua qualidade intrínseca e distintiva de ser
humano não lhe é permitido atribuir.
Assim, como poderíamos dizer que a legislação pátria, em casos de fatores e situações de
relevância que atinjam a própria vida do doente ou do dependente químico possa visualizar a
necessidade de internação compulsória partindo de uma premissa de interesse social, sem a devida
preocupação que ações estatais dessa ordem podem provocar no homem, indivíduo necessitado de
cuidados, um câncer ainda pior do que a própria condição lhe é apresenta? Temos que ver o
significado contrário ao arbítrio da unidade estatal que deixa a margem o respeito e a consideração
pelos dependentes químicos, no momento atual de discussão acerca das medidas repressoras que a
nova lei da droga vem fomentando no meio social.
Há de se falar que esse ato desrespeitoso não deve ser permito nem pelo ente estatal e
muito menos pela sociedade que visa em curto prazo à solução do problema enquanto que os meios
para a efetividade das medidas tenham necessidade de ações duradouras, logo desenvolvidas a
longo prazo. Assim, conclui-se que a dignidade humana precede ao próprio Estado e como parte do
núcleo dos Direitos da Personalidade tem características próprias: intransmissíveis, indisponíveis e
absolutos.
Com nova lei de drogas, Lei no. 11.343, de 23 de agosto de 2006, observou-se uma mudança
no olhar penalizante sobre o consumo, mesmo que de forma bastante incipiente, e de adequações
das ações de acordo com o estudo dos envolvidos no campo da oferta e da demanda. A atual lei
“prescreve as medidas para a prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social;
estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define
crimes e dá outras providências”.86
Portanto, essa lei com novo viés confere ao consumidor de substâncias ilícitas um
endereçamento orientado pela perspectiva da prevenção e atenção à saúde. Mesmo com a
mantença da criminalidade existe a possibilidade de pena alternativa, como a prestação de serviço
voluntário à comunidade, advertência sobre o uso, presença em cursos ou programas educativos,
dando lugar ao tratamento de reclusão outrora dispensado ao usuário de drogas.
Alerta-se que em casos de pequenos delitos associados ao uso das drogas, persiste o risco de
pena restritiva de liberdade. Podendo haver para estes casos em que a droga é fator intercorrente a
atuação da Justiça Terapêutica, que nem sempre está disponível, qualificando o usuário como
infrator e doente.
A dúvida paira sobre o fato de a internação compulsória atingir e aniquilar direitos
inalienáveis como a liberdade, a dignidade humana e o respeito devido a todos que participam da
sociedade. Mesmo tendo o conhecimento de que essa prática é desenvolvida em outros países, cabe
a nós, sociedade questionar as formas de aplicação da internação compulsória de dependentes de
crack e como fica a manutenção do sistema idealizado pelos nossos governantes. Segundo
especialistas da ONU e da Organização Mundial de Saúde – OMS, ouvidos pela BBC Brasil, esta não é
a maneira mais eficiente de se lidar com o problema do vício. O tema voltou a debate no Brasil em
janeiro/2013, quando o governo de São Paulo fez uma parceria com a Justiça para agilizar a
85
ROSSETTI, Andrés. Derecho a la igualdad; un análisis desde el método de casos. Coordinado por Magdalena L. Alvarez. Córdoba:
Advocatus, 2010.
86 BRASIL. Ministério da Saúde. Política da saúde para atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas. 2. ed. 2004.
44
internação forçada de casos extremos de dependentes da droga.87 Medida polêmica tem dividido
opiniões entre especialistas em saúde pública. Uma política de internação compulsória de
dependentes de crack tem chamado a atenção da mídia por recolher e internar pacientes contra sua
vontade.
A nova legislação dá aos médicos o aval para decidir se um paciente deve ou não ser
internado. No caso dos dependentes de crack, que ficam nas Cracolândias das grandes cidades, como
São Paulo e Rio de Janeiro, a internação é feita com base no risco de vida que o dependente está
correndo. Essa lei já foi aprovada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, os médicos desses estados
têm autonomia para decidir sobre a internação involuntária de qualquer dependente químico. A lei
estabelece que os dependentes químicos podem ser recolhidos e enviados para clínicas e hospitais
para tratamento por até 120 dias. De modo que toda a sociedade tem participado da luta travada
entre os que estão de acordo com a internação compulsória e o outro lado da moeda que são
contrários ao procedimento utilizado diante das novas regras ditadas pela nova lei do crack. Assim,
tivemos a oportunidade de assistir a um debate que foi publicado no dia 16/01/2013 onde foram
convidados o Sr. Maurício Fiore, antropólogo e pesquisador do CEBRAPE (Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento), com trabalhos sobre uso de drogas, práticas culturais e sociabilidade urbana, e Ana
Cecília Marques, médica psiquiatra e pesquisadora da Unidade de Álcool e Drogas da UNIFESP
(Universidade Federal do Estado de São Paulo). 88 Os dois profissionais foram bem explícitos quanto
aos seus posicionamentos, que são de antemão contrários. O Grupo do Maurício Fiore que é contra a
transformação da interação compulsória como centro de uma política pública para atender
dependentes. Aduz que a lei foi cuidadosa ao prevê escolha por ela quando menciona que a
internação compulsória para o indivíduo desde que tenham sido esgotados todos os recursos e a vida
do dependente está sendo posta em risco.
Contudo renega ações do governo quando parte para ser o centro da política pública, dando
a solução de tirá-los da rua, Cracolândia, para resolver o problema de forma emergencial, e colocálos em algum outro lugar. Não leva em conta as necessidades do dependente químico, ou seja, o
governo só quer sanar um problema social onde a solução do problema é a escolha por uma
internação compulsória com o intuito único de tirar o dependente de nossas vistas, os crackeiros,
levando-os para outro lugar, sem qualquer interesse de tratar esse indivíduo, uma vez que o doente
ele não tem apenas o problema do crack, mas outros que o levaram a essa condição de dependência
química. Logo, ele é terminantemente contrário ao centro da política. Quanto a efetividade da
medida de internação voluntária alegou ser baixa principalmente quando ocorre contra a vontade
do dependente. Afirma que se forem questionados aos que estão por ali na Cracolândia, a minoria
vem da classe media, poucos tem históricos de internação.
Um grande problema da internação é imaginar que a pessoa é tirada daquele contexto
naquele momento e esta protegida em abstinência. Ela esta protegida em um primeiro momento e
seu o retorno para a vida cotidiana? Como será? Ele estará apto pra voltar a seu mundo, ou terá que
quebrar outros ciclos da dependência que a levaram até aquele estágio?
Outros pontos foram tratados acerca da responsabilização do dependente químico e se a
dependência pode ser vista como que o portador tenha uma brain desease, mas não nos vem ao
caso entrar nesse mérito, pois foge do foco do nosso estudo.
Contudo a outra ponta da corda é no sentido de ser favorável ao processo de internação
involuntária, apesar de deixar claro, a Dra.Ana Cecília Marques, médica psiquiatra, que elucidou
pontos acerca da política não ser apenas a internação, a qual é uma etapa para alguns indivíduos. O
médico juntamente com a família do dependente de crack e o Ministério Público - MP se posicionam,
após estudo realizado com o doente e sendo verificada a necessidade de internação para os casos
que colocando em risco a sua ou de outrem em risco. Tal medida independe de qual pessoa esteja
sendo avaliada e independe de que cargo ocupe na sociedade. Acrescenta que apenas uma minoria
87http://noticias.terra.com.br/brasil/especialistas-criticam-internacao-forcada-de-viciados-emcrack,a76c01f5f5bac310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html . Acesso em 09/04/2013 às 9:50 h.
88 http://www.youtube.com/watch?v=5V_0vWSA2FQ . Acesso em 09/09/2013 às 12;13 h.
45
tem indicação para a internação voluntária, por meio da ação de equipe multidisciplinar que avalia
caso a caso. Falando da efetividade da medida afirma que não há histórico quando se fala do crack,
não há dados no Brasil, poucos no mundo. A sua experiência na Cracolândia como supervisionando
um CAPS para álcool e droga por dois anos em São Paulo verificou que apenas o percentual de 8%
dos casos analisados exigiram internação. Quando do seu retorno, por tratar-se de doença crônica
fica fazendo o tratamento ambulatorial de longo prazo. Sendo entendida como uma doença do
cérebro é a dependência é um tratamento crônico e longo, tem que ter manutenção quando estiver
estável pelo resto da vida. Devendo voltar para o ambulatório para curar dessa doença.
A dependência é a doença do cérebro. Tem fatores psicológicos, sociológicos, biológicos,
sociais e espirituais. Doença complexa. Há um quadro crônico provocado pela droga. Segundo a
ciência constrói o conceito da dependência sem ter ligação com a genética do indivíduo. Da mesma
forma nos reservamos a interromper o diálogo pelos motivos acima exposto, ou seja, por fuga total
ao foco do trabalho analisado.89
Para que se tenha êxito nessas novas ações definidas pelo governo faz-se necessária a
presença não apenas de profissionais médicos que identifiquem os casos graves com necessidade de
internação urgente, mas também um tratamento psiquiátrico eficaz, pessoas dispostas a trabalhar
com esses doentes viciados e acima de tudo dar meios para que o tratamento de desintoxicação se
efetive por meio de incentivos como moradia, alimentação, emprego e também um
acompanhamento constante. O Brasil deve, portanto ter investimentos disponibilizados para se ver
funcionar todos os esforços iniciais dando acompanhamento médico completo, proteção social e
trabalho para esses que sejam considerados aptos para exercer uma atividade remunerada. Internar
por pequeno período de tempo não leva o dependente do crack a garantir que não irá retornar à
vida no crack. Deve-se ter em mente que o tratamento não parte da premissa de coerção, punição,
mas do acompanhamento e cuidados médicos.
Há estudiosos na área como é o caso do médico australiano Nicolas Campion Clark, da
direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), que entende que a
internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança,
dificultando, portanto, o tratamento. Afirma o melhor seria “encorajar o sistema voluntário de
tratamento”.
Para o médico italiano Gilberto Guerra, chefe do departamento de prevenção às drogas e
saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês), é
necessário oferecer aos viciados "serviços atrativos e uma assistência social sólida".
É difícil forçar alguém a se tratar. Se você oferecer uma chance para as pessoas se
recuperarem e terem comida, alguns vão agradecer, outros vão querer voltar para onde estavam. 90
Programas de tratamento voluntário de dependentes em países como os Estados Unidos e a
Austrália que "ajudam as pessoas a reconstruir suas vidas e não são apenas soluções temporárias".
O especialista Clark cita também o programa brasileiro que permite às grávidas viciadas em
crack obter tijolos e materiais para construir casas em troca de tratamento. "Isso dá instrumentos
para que elas façam algo diferente em suas vidas". E afirma que OMS já criticou o sistema de
internação compulsória de dependentes realizado em países asiáticos. "Eles detém pessoas viciadas
e estão tratando casos de saúde com a prisão".91
Considerando-se o que está sendo implantado pelo Governo do Estado de São Paulo há pelo
menos uma preocupação em que o tratamento dos usuários de crack esteja de acordo com as
premissas da ONU e da OMS. Há uma parceria do governo paulista com a Justiça. Contudo, deve-se
ter em mente o que externou o especialista Guerra ao ser indagado acerca da problemática criada
pela edição da lei que obriga a prisão involuntária do dependente de crack: "O Brasil precisa investir
89 http://www.youtube.com/watch?v=5V_0vWSA2FQ . Acesso em 09/09/2013 às 12;13 h.
90 http://noticias.terra.com.br/brasil/especialistas-criticam-internacao-forcada-de-viciados-emcrack,a76c01f5f5bac310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html . Acesso em 09/04/2013 às 10:06 h.
91 http://noticias.terra.com.br/brasil/especialistas-criticam-internacao-forcada-de-viciados-emcrack,a76c01f5f5bac310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html . Acesso em 09/04/2013 às 10:06 h.
46
recursos para oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo,
proteção social, comida e trabalho para os dependentes". Asseverou a necessidade de que seja
aumento o número de profissionais especialistas, já que a rede médica se mostra não dispõe de
número suficiente de profissionais para atuação nessa área específica. E ainda aduz que a internação
compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de algumas semanas e só se justifica quando o
dependente apresenta comportamento perigoso para a sociedade ou para si próprio.
Resta-nos uma indagação a ser feita: Estaria ligada a eventos como a Copa das
Confederações, a Copa do Mundo de 2014 tais medidas emergenciais? Ou será que a intenção de
toda a máquina administrativa e jurídica para a aprovação da lei do crack vislumbrou de verdade o
tratamento e a cura dos dependentes químicos do crack?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa ação conjunta tem por objetivo avaliar caso a caso do ponto de vista médico a real
necessidade de internação ou não. Em caso de ser detectada a necessidade de internação e o
dependente do crack se recusar, medidas judiciais poderão ser tomadas para que a internação seja
obrigatória e não fique a mercê de um ato volitivo do dependente químico. O pedido partirá do
Promotor ao Juiz de plantão que determinará a internação compulsória do dependente de crack. A
lei brasileira define como formas de tratamento a internação por meio de três formas: voluntária,
onde o dependente com o seu livre arbítrio se direciona para ser tratado; involuntária, podendo ser
encaminhado pelos familiares nos casos do paciente está sem qualquer poder de discernimento
acerca do mundo real ou por meio de decisão judicial como já mencionado acima.
Assim, a lepra foi por muito tempo tida como incurável e mutiladora, chegando ao ponto de
os portadores deste mal terem sido forçados ao isolamento nas chamadas leprosarias. Essa postura
segregadora observada principalmente na Europa no período medieval aonde se chegava ao cúmulo
de trararem os leprosos como se faz com os animais bovinos, pois carregavam sinos para anunciarem
sua presença, um desrespeito total ao indivíduo. Sem falar que eram obrigados a vestir-se com
indumentária identificadora.
É importante frisar que o doente leproso já lhe era dada uma sentença de morte, antes
mesmo de sua consumação, posto que socialmente ele já adquiria esse status de um “morto
social”.92
De acordo com o decreto federal 6.168, de 24 de julho de 2007, os pacientes internados
compulsoriamente e isolados em hospitais colônias de todo o país, até o ano de 1986, terão direito à
pensão vitalícia mensal no valor de 750 reais. Para receber o benefício, os pacientes precisam
apresentar documentos que comprovem a internação compulsória e preencher um requerimento de
pensão especial.93
A postura adotada pelo Brasil também fluía por vias oblíquas. A primeira com
postura vanguardista denominada Humanitária defendia medidas brandas de isolamento podendo
ser até no próprio domicílio do doente leproso. Além de defender a construção de leprosários
apenas para casos de extrema gravidade. Já a Segregacionista tinha uma postura radial acerca do
isolamento, não faziam qualquer distinção quanto a gravidade da ação do agente patológico em cada
um dos doentes mesmo que houvessem casos em estágios iniciais de contaminação. Esses
defensores fortaleciam seus discursos com argumentos baseados na defesa coletiva.
Ademais, chega-se ao formato delineado pela sociedade na sua estrutura conceitual sobre
enfermidades que passam do meio biológico para um repertório de construção social e jurídica,
92
ROSEN, Gerorge. Uma História da Saúde Pública. São Paulo. Uniesp-Hucitec/Abrascp, capítulo V, “A saúde em uma era de iluminismo e
...”. 1994, p. 60. In EIDT, Letícia Maria. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil, e o Rio Grande do
Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira. Revista: Saúde e Sociedade. v. 13, n. 2, p. 76-88. Maio-ago/ 2004.
www.nlm.nih.gov/hmd/collections/digital/syllabi/hochman1.pdf.
93
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lepra . Acesso em 03.04.2013 às 14:28 h.
47
legitimando o sentimento de uma população que em muitos casos não visualiza ações que podem ter
repercussões não apenas na esfera legal, dada a fervorosa busca coletiva pela paz, formando
consenso “cego” do ponto de vista humanitário, já que destinos de “seres humanos” talhados com
vida, sentimentos, necessidades, dores, sofrem exilados na sua própria solidão, e, portanto,
carecedores de olhos, mesmo que transformadores “irmãos”.
A forma de atuação das autoridades brasileiras para o combate às drogas se espelha no
modelo internacional, capitaneado pelos Estados Unidos, com ações que visam punir para reprimir o
tráfico de drogas. Essa conduta é verificada desde o período colonial nas Ordenanças Filipinas de
1603, na qual a ação estatal se revela como um aplicador de penas de confisco de e degredo para a
África para aqueles que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas.
Já com a publicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/06) a pena de prisão para o usuário e o
dependente foi eliminada, ou seja, para os casos de posse da droga ou da planta para consumo
próprio. Houve a diferenciação do que seria o traficante profissional do eventual, este último que
trafica pela necessidade de obter a droga para consumo próprio e que passou a ter direito a uma
sensível redução de pena. Essa lei com novo viés confere ao consumidor de substâncias ilícitas um
endereçamento orientado pela perspectiva da prevenção e atenção à saúde. Mesmo com a
mantença da criminalidade existe a possibilidade de pena alternativa, como a prestação de serviço
voluntário à comunidade, advertência sobre o uso, presença em cursos ou programas educativos,
dando lugar ao tratamento de reclusão outrora dispensado ao usuário de drogas. Assim, o fenômeno
do crack merece uma atenção redobrada e um trato com maior seriedade. Sem, contudo, utilizar
meios de ameaça incitando o medo, fazendo com que se fomente preconceito ao usuário,
potencializando a marginalização e exclusão, enquanto que o propósito da questão reside em
sentido oposto, ou seja, em estratégias de aproximação, integração e circulação de experiências e
saberes.
Diante das ações intentadas de combate ao crack, observa-se uma tendência à
marginalização e ao desrespeito com o usuário como portador de direitos. De igual maneira sentida
nos portadores de hanseníase, onde sentiam na pele de forma palpável a segregação e exclusão.
Ambos são impedidos de ter e participar de uma vida social.
A dignidade humana é o que traz o homem como ser respeitado como pessoa de direito com
todos os direitos que lhe outorga essa categoria. É na verdade uma prerrogativa do ser humano,
pressuposto de sua condição de ser natural. Qualifica a pessoa em uma categoria sem que deixe
qualquer tipo de indagação. Logo, é importante salientar que mesmo nos casos de privação,
qualquer que seja não de permite a exclusão desse direito individual, indisponível, sua dignidade.
Assim, o sistema posto, na ótica da dignidade, jamais poderia preterir alguém, pois o sectarismo é
incompatível com este preceito fundamental.
A internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua
confiança, dificultando, portanto, o tratamento, donde o melhor caminho a ser tomado e encorajado
é o sistema voluntário de tratamento. Nesta linha de conduta, cabe ao Brasil investir recursos para
oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social,
comida e trabalho para os dependentes e não apenas fingir que o problema existe e desviar o rumo
das ação para locais mais ermos sem quedar-se em buscar solucionar de fato o mal, evitando a
segregação que já se verificou em nada beneficiou outros campos onde a conduta foi utilizada.
Precisamos respeitar e nos solidarizarmos com o indivíduo doente e não deixá-lo sofre seu delírio
sozinho e distante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERKMAN, Ricardo D. Rabinovich. UN VIAJE POR LA HISTORIA DEL DERECHO. Buenos Aires: Quorum,
2007.
48
BRASIL. Ministério da Saúde. Política da saúde para atenção integral aos usuários de álcool e outras
drogas. 2. ed. 2004.
CARVALHO, A.S. HISTÓRIA DA LEPRA EM PORTUGAL. Porto. 1932. In . In Breve história da
hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua
trajetória na saúde pública brasileira.
DIAS, Andréa Costa. CRACK: Reflexões para Abordar e Enfrentar o Problema. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.
Dice Nowak. Along with libaerty, equalitu is the most important principle imbuing and inspirung
the concepto f human rights. 1993, p. 458. In, Derecho a la igualdad; un análisis desde el método de
casos/ adaptado por Andrés Rossetti: coordinado por Magdalena L. Alvarez. Córdoba: Advocatus,
2010.
DWORKIN, Ronald. Virtud Soberana. Teoría y práctica de la igualdad. Traducción de Fernando
Aguiar y María Julia Bertomeu. Paidós Estado y Sociedad. Barcelina. 2003.
EIDT, Letícia Maria. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o
Brasil, e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira. Revista: Saúde e
Sociedade. v. 13, n. 2, p. 76-88. Maio-ago/ 2004.
LIMA, Zilda Maria Menezes. UMA ENFERMIDADE À FLOR DA PELE- A Lepra em Fortaleza (19201937). Fortaleza: Museo do Ceará: Secult, 2009.
MAURANO, F. Tratado de Leprologia. v. 1- História da Lepra no Brasil. Rio de Janeiro: Serviço
Nacional de Lepra, 1944.
OPROMOLLA, D.V.A. Noções de hanseníase. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliati, 1981.
In Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande
do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira.
PINTO, P.G.H.R. O estigma do pecado: a lepra durante a Idade Média. Revista de Saúde Coletiva:
PHYSIS. Rio de Janeiro, v. 5, n.1, p. 131-144. 1995.
ROSEN, Gerorge. Uma História da Saúde Pública. São Paulo. Uniesp-Hucitec/Abrascp, capítulo V, “A
saúde em uma era de iluminismo e ...”. 1994, p. 60. In Breve história da hanseníase: sua expansão
do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública
brasileira.
ROSSETTI, Andrés. Derecho a la igualdad; un análisis desde el método de casos. Coordinado por
Magdalena L. Alvarez. Córdoba: Advocatus, 2010.
RUPRECHET, Alfredo J. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: LTr, 1995.
SILVA, S.L. Mulheres na Luz: uma etnografia dos usos e preservação no uso do crack. Dissertação de
mestrado. Universidade de São Paulo, 2000.
STUDART, Guilherme. Notas para a História do Ceará. Lisboa: Recreio, 1903. In LIMA, Zilda M.M.
UMA ENFERMIDADE À FLOR DA PELE- A Lepra em Fortaleza (1920-1937). Fortaleza: Museo do
Ceará: Secult, 2009, p. 47-48.
Disponível em:
49
<http://www.uece.br/eventos/encontrointernacionalmahis/anais/trabalhos_completos/52-941203102012-152206.pdf>. Acesso em: 01 de abr. de 2013.
Disponível em:
<http://www.humanas.ufpr.br/portal/cedope/files/2011/12/A-pena-de-degredo-e-aconstru%C3%A7%C3%A3o-do-imp%C3%A9rio-colonial-Maristela-Toma.pdf>. Acesso em: 08 de abr.
de 2013.
Disponível em:
<http://infokrisis.blogia.com/2009/021301-los-hijos-de-los-ultimos-cataros-agotes-en-navarracagots-en-francia.php>. Acesso em: 02 de abr. 2013.
Disponível em:
<http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?s_livro_id=6&area_id=2&autor_id=&capitulo_id=13&
sub_capitulo_id=15&arquivo=ver_conteudo_2>. Acesso em: 01 de abr. de 2013.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v13n2/08>. Acesso em: 03 de abr. de 2013.
Disponível em:
<http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00001803&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 03 de abr. de 2013.
Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/dependencia-quimica/iniciativas-dogoverno-no-combate-as-drogas/historia-do-combate-as-drogas-no-brasil.aspx>. Acesso em: 08 de
abr. de 2013.
Disponível em:
<http://noticias.terra.com.br/brasil/especialistas-criticam-internacao-forcada-de-viciados-emcrack,a76c01f5f5bac310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html>. Acesso em: 09 de abr. de 2013.
50
G
GEEN
NO
OCCÍÍDDIIO
O:: U
UM
M CCO
ON
NTTRRAASSSSEEN
NSSO
O EEN
NTTRREE TTEECCN
NO
OLLO
OG
GIIAA AAVVAAN
NÇÇAADDAA EE
PPRRO
OG
GRREESSSSO
O DDAA CCIIVVIILLIIZZAAÇÇÃÃO
O
GALINDO, Cleusy Araújo94
MONTE, Kalyne Teixeira do95
Resumo: Este trabalho aborda o genocídio através de uma análise das razões que “buscam justificar”
a consumação do crime de genocídio mais significativo da história: o Holocausto. Constata-se que o
século XX foi tragicamente marcado, por duas guerras mundiais e pelo Holocausto que demonstrou a
todos a terrível capacidade humana de exterminar milhões de pessoas, através de métodos
modernos que distanciam claramente a técnica, a moral e o aperfeiçoamento da civilização, nos
fazendo refletir sobre os novos avanços tecnológicos, como é o caso do uso de energias nucleares
que constitui uma ameaça a todos e mais uma vez reforça o entendimento de que o genocídio é um
produto da modernidade.
Palavras-chave: 1-Genocídio; 2- Holocausto; 3- Civilização; 4- Modernidade.
Abstract: This paper addresses the genocide through an analysis of the reasons that "seek to justify"
the consummation of the crime of genocide most significant in history: the Holocaust. It appears that
the twentieth century was tragically marked by two world wars and the Holocaust demonstrated that
all the terrible human capacity to exterminate millions of people through modern methods that
separate clearly the technical, moral and improvement of civilization, in making reflect on new
technological advances, such as the use of nuclear energy is a threat to all and once again reinforces
the understanding that genocide is a product of modernity.
Keywords: Genocide-1, 2 - Holocaust; 3 - Civilization; 4 - Proceeds of modernity
Introdução
A redescoberta dos trabalhos de Mendel e os avanços científicos provocariam um interesse
nas implicações sociais da genética. Em 1859 seria publicada a obra de Darwin A Origem das
espécies, defendendo a teoria da seleção natural das espécies a qual defende que a variação genética
implica que alguns indivíduos gozam de vantagens por ele chamadas de “luta pela existência”. Seu
famoso exemplo dos tentilhões das ilhas Galápagos, indivíduos com vantagens genéticas – tais como
o tamanho certo de bico para comer as sementes mais abundantes – teriam mais chances de
sobreviver e se reproduzir, assim, explicaria, essa variante tenderia a ser transmitida para a geração
seguinte; e, como resultado, a seleção natural, enriquece a geração seguinte com a mutação
94
Graduada em Engenharia Civil pela UFRN/RN, Graduada em Direito pela UNICAP/PE, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do
Trabalho pela ESMATRA6/PE, Especialista em Direito Previdenciário pela ESMATRA6/PE e Aluna do Curso Intensivo para ingresso no
Doutorado em Direito do trabalho na Universidade de Buenos Aires- UBA/Argentina.
95 Especialista em Direito Processual Civil pela UFPE, Professora de Direito Civil, Responsabilidade Civil e D. Previdenciário da Universidade
Salgado de Oliveira-UNIVERSO em Recife/PE, aluna do CursoIntensivo para o Doutorado em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires
– UBA, Mediadora e Conciliadora da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Membro do
Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito da UNIVERSO-Recife, Membro da Comissão Própria de Avaliação da UNIVERSO–
Recife/PE, Advogada na área cível e previdenciária.
51
benéfica, até que, por fim, ao longo de um número suficiente de gerações, todos os membros da
espécie acabam possuindo essa característica.
Não obstante, Darwin houvesse omitido qualquer menção à evolução humana, os homens da
era vitoriana aplicaram a mesma lógica aos seres humanos. Observaram que a taxa de reprodução da
classe média – decente, moral, trabalhadora – estava muito aquém da reprodução desmedida da
classe baixa – suja, imoral, indolente. Os vitorianos supuseram que as virtudes da decência,
moralidade e labor eram transmitidas em família tanto quanto os vícios da imundície, licenciosidade
e preguiça.
Logo, tais características deveriam ser hereditárias. Para eles, portanto os genes da
moralidade e da imoralidade eram duas dentre as variantes gênicas de Darwin. Como a classe baixa
reproduzia mais que a classe média, concluíram que a proporção de genes ruins estaria aumentando
na espécie humana, condenando-a a se tornar mais depravada.
2 Influências do Movimento Eugênico na Alemanha Nazista
Em 1883, Francis Galton introduziria o termo eugenia (literalmente, de boa “origem”) para
descrever a aplicação a seres humanos do princípio básico da propagação agrícola, argumentando
que seria possível “aprimorar” a estirpe humana mediante a procriação preferencial dos indivíduos
dotados e impedindo os menos dotados de se reproduzir.
Com o tempo, eugenia passou a denotar “evolução humana autocontrolada”, os eugenistas
acreditavam que, tomando decisões conscientes sobre quem deve ou não ter filhos, eles seriam
capazes de impedir a erupção da crise eugênica, precipitada na imaginação vitoriana pela alta taxa de
reprodução da classe inferior associada às famílias caracteristicamente menores das classes médias
superiores.
Enquanto o movimento de Galton, que veio a ser conhecido como “eugenia positiva” posto
que incentivava pessoas com genes superiores a procriar, o movimento eugênico americano preferiu
voltar-se para a “eugenia negativa”, impedindo as pessoas geneticamente inferiores de terem filhos,
em decorrência de alguns estudos influentes de degeneração (degeneration) e mente fraca
(feeblemindedness).
O movimento eugênico positivo adquiriu ímpeto próprio: competições públicas com prêmios
oferecidos a famílias aparentemente livres da mácula de genes ruins; pioneiras no controle de
natalidade, liderado na Grã-Bretanha por Marie Stopes e, nos Estados Unidos por Margaret Sanger,
concebiam-no como uma forma de eugenia.
Contudo o desenvolvimento da eugenia negativa viria a ser muito mais sinistra. Em 1889,
Harry Sharp realizaria vasectomia em um jovem cujo problema fora diagnosticado pelos médicos da
época como masturbação compulsiva. Em 1907, o estado de Indiana promulgou a primeira lei de
esterilização compulsória, autorizando o procedimento em “criminosos, idiotas, estrupadores e
imbecis comprovados. Em 1941 mais de 60 mil pessoas haviam sido esterilizadas nos Estados Unidos.
Países escandinavos, Suíça e a Alemanha nazista adotaram a esterilização.
Hitler escreveu no livro Mein Kampf que o Estado “deve declarar impróprios para a
reprodução todos aqueles que, de alguma forma, estejam visivelmente doentes ou que tenham
herdado uma doença e, portanto, possam transmiti-la e manifestá-la”. E ainda: “Os que forem física
e mentalmente doentes e indignos não devem perpetuar seu sofrimento ao corpo dos filhos”.
Pouco depois de assumir em 1933, os nazistas aprovaram uma abrangente lei de
esterilização, a “lei para a prevenção de progênie com defeitos hereditários”. Em três anos, 225 mil
pessoas foram esterilizadas.
Na Alemanha nazista também prosperou a eugenia positiva, o incentivo para as pessoas
certas procriarem, com o entendimento de que certo significava ariano. Henrich Himmler, chefe da
ss, o corpo de elite nazista, concebia sua missão em termos eugênicos: os oficiais da SS deveriam
assegurar o futuro genético da Alemanha tendo o maior número de filhos possível. Os anúncios
52
feitos no comício de Nuremberg em 1935 incluiriam uma “lei para proteger o sangue alemão e a
honra alemã”, que proibia o casamento entre alemães e judeus, e, inclusive, relações sexuais
extraconjugais entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado.
Neste ínterim cabe um adendo sobre a lei de imigração Johnson-Reed dos Estados Unidos, a
qual restringiu severamente a imigração do sul da Europa e de outras regiões do mundo. Esta lei
proporcionaria a Hitler um modelo para seu programa hediondo e para todos os efeitos os Estados
Unidos abandonariam os judeus alemães à sua própria sorte, posto que este seria o primeiro destino
lógico para os judeus que fugiam da perseguição nazista.
Em 1939, já em plena guerra os nazistas introduziram a eutanásia e a tecnologia de
extermínio em massa – a câmara de gás -. Em seguida, os nazistas expandiram a definição de “vida
que não vale a pena ser vivida” para incluir grupos étnicos inteiros, entre eles os ciganos e, em
particular os judeus. O que viria a conhecido como Holocausto foi o ápice da eugenia nazista.
Cabe ressaltar que a eugenia perdera a credibilidade na comunidade científica muito antes
de os nazistas se apropriarem dela para seus fins repulsivos. Muitos cientistas tinham criticado o
movimento e se dissociado dele. Jonhns Hopkins escreveu em 1928 que “eugenistas ortodoxos estão
indo contra os fatos mais bem-estabelecidos da ciência genética.”
3 O Holocausto e suas Justificativas Racionais
Através da obra História de la Solución Final do respeitado jurista argentino, professor Daniel
Rafecas, compreendemos de maneira minunciosa o contexto histórico, político, social da perseguição
sistemática dos judeus na Alemanha, que começou com a chegada ao poder de Adolf Hitler, em
janeiro de 1933, no contexto do marco democrático instituído na Alemanha de pós guerra e
conhecido como a República de Weimar, afetada pelas condições econômicas e políticas impostas no
Tratado de Versalles, ao final da 1ª guerra mundial.
Hitler, líder do Partido Nacionalista Alemão dos Trabalhadores, tinha os comunistas e os
sociais democratas como principal fonte de perigo para a consolidação do regime autoritário que
tinha projetado construir na Alemanha. Assim, passou a adotar procedimentos legais em perseguição
aos seus conspiradores e inimigos.
Durante os primeiros anos, os condicionamentos políticos, econômicos e sociais do regime
de Hitler estrategicamente identificavam os judeus como comunistas, adotando medidas legais
tendentes a “erradicar a influência” destes nos diversos âmbitos da vida alemã. Os esforços nazistas
apontavam os interesses numa liberdade de ação na Europa e a recuperação da força militar alemã.
A política de segregação e perseguição sistemática que o novo regime alemão havia posto na
marcha contra os judeus tinha urgência em face da grande visibilidade e o crescente número destes
na Europa, que tinham o compromisso com a política liberal e de esquerda, totalmente contrária ao
regime de Hitler.
No início do século XX, a maioria dos bancos pertenciam aos judeus que se destacavam além
das áreas dos negócios e finanças, nas atividades culturais, na medicina e na lei, verificando-se então
a grande ameaça que os judeus representavam aos alemães, pois além de não pertencerem à raça
ariana, não tinham uma nação concreta, constituindo-se estrangeiros, perigosamente estranhos ao
Estado moderno.
Zymunt Bauman identifica na sua obra Holocausto e Modernidade a razão instrumental em
sua versão mais aterrorizante – justificando a morte de judeus como meio para se chegar a um
Estado moralmente correto, funcionalmente adequado à civilização alemã.
Bauman coloca em discussão o fato de que “o holocausto nasceu e foi executado na nossa
sociedade moderna e racional, em nosso alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento
cultural humano, e por essa razão é um problema dessa sociedade, dessa civilização e cultura”.
Assim, a razão instrumental é usada na sua versão mais aterrorizante – o genocídio moderno,
racionalmente justificado e aceito como um meio necessário ao progresso de um país, no caso a
53
Alemanha do III Reich, de Adolf Hitler, ou para dizer como Bauman, eliminar os judeus foi, naquele
momento histórico, uma saída prática, pois eram “um alvo primário de resistência antimodernista”.
Isso significa que o “mal” social residia num grupo real, que caracterizava-se pelo acúmulo de capital,
pela supranacionalidade e pelo não-Estado alemão.
Rafecas ao explorar as complexas causas que desencadearam a consumação do crime de
genocídio mais significativo da história moderna - la Shoá, esclarece que este acontecimento não
ocorreu apenas pelo voluntarismo de fanáticos antissemitas orientados por Adolf Hitler, mas
principalmente se deu pela utilização perversa de fatores materiais e discursivos da modernidade
como: a produção em série- fábrica, o cárcere, a burocracia estatal, discursos racistas de cientistas,
teorias neodarwinistas, bem como a força do imperialismo.
Analisando exaustivamente os fatos atinentes à burocracia estatal encarregada de
implementar as políticas antijudias Rafecas demonstra que o assassinato em massa dos judeus pelos
nazistas não foi apenas realização tecnológica de uma sociedade industrial, mas também em razão
do sucesso de organização de uma sociedade burocrática. A burocracia estatal, decorrente da
racionalização do serviço público que infundiu o planejamento seguro, fundado na objetividade,
disciplina, no cálculo de meios e fins, no equilíbrio orçamentário.
Do exército Alemão, a máquina de destruição adquiriu sua precisão militar, sua disciplina e
insensibilidade. A influência da indústria se fez sentir na grande ênfase dada à contabilidade, à
economia de tostões e à preservação de recursos, assim como à eficiência industrial dos centros de
extermínio.
Os efeitos do holocausto devem ser estudados não só como mais um dado inconsequente,
um simples conflito de povos ou como um típico caso de preconceito e agressão da humanidade, na
história humana,e sim como um sintoma patológico da modernidade e do processo civilizador.
Neste mesmo raciocínio o prof. Daniel Rafecas conclui: “Está claro que la consolidación de los
valores fundamentales de la Humanidad, el mandato de evitar que Auschwitz se repita, sólo podrá
lograr-se preservando la memoria de lo acontecido, extrayendo las enseñanzas necessárias em todos
los âmbitos del conocimiento humano y honrando a todas las víctimas de aquel horror. Todo ello, em
exacta oposición a quienes relativizan, tergiversan o diretamente niegan estos sucesos”
Diante de tantas atrocidades ocorridas no holocausto, questiona-se o colapso da democracia
no seio da moderna civilização. Inviável se pensar em participação popular, bem-estar comum,
reconhecimento das diferenças, dignidade humana, solidariedade no contexto do Holocausto aqui
considerado máquina de morte quando o Estado não foi nem um pouco democrático, antes,
propagou a ideia de que os iguais se merecem, os demais devem ser eliminados.
Na contramão da democracia o avanço tecnológico da civilização e sua extrema
racionalização, em busca de adequar meios e fins subestimou-se que esse poderio fosse capaz de se
voltar contra a própria civilização. E neste sentido Bauman afirma que o Holocausto é um “teste raro,
mas importante e confiável das possibilidades ocultas da sociedade moderna”.
Por detrás da racionalização, aparentemente inofensiva quando aplicada às indústrias
capitalistas modernas (do qual o taylorismo é um bom exemplo), subjaz uma razão que não mede ou
não dá conta de qualificar o que Hannah Arendt chama da “banalidade do mal”. Assim, Bauman
coloca a civilização moderna sub judicie: boa ou má, adequada à dignidade humana ou não,
democrática e participativa ou preconceituosa e racista?
Enzo Traverso96 em La violência nazi aduz que uma genealogia europeia, alerta que por mais
que Auschwitz tenha sido um produto da civilização ocidental, seria demasiado simplista ver na
violência nazista a causa do extermínio de judeus. Através de um estudo genealógico este autor
constata que a singularidade do judeocídio não de um sucesso sem precedentes, mas sim de uma
síntese de um vasto conjunto de modos de dominação e de extermínio que já tinham sido
experimentados no transcurso da história ocidental moderna.
96
TRAVERSO, Enzo. La violência nazi. Uma genealogia europea. Ed. Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires, 2002, pp. 167/172.
54
A singularidade do nazismo não reside em sua oposição ao ocidente senão na sua capacidade
para sintetizar suas diferentes formas de violência. A Segunda Guerra Mundial foi o momento de
coagulação de todos os elementos tratados na busca genealógica de Traverso, onde foi concebido
como um enfrentamento entre ideologias, civilizações, “raças”, em uma palavra como um
Wetanschauungskrieg. Obsessões eugenésicas, discriminações raciais, brancos geopolíticos e cruzada
ideológica convergiram em uma só obra destruidora.
Os judeus, considerados como a encarnação da Zivilisation, grupo dirigente da URSS,
inspiradores do comunismo, encontravam-se no coração de uma gigantesca guerra de conquista e
devastação, tornando-se assim o catalizador da violência nazista.
A guilhotina, o matadouro, a fábrica fordista, a administração racional e o racismo, o
eugenismo, os massacres coloniais e os da Primeira Guerra Mundial já haviam modelado o universo
social e a paisagem mental dos que conceberam e estabeleceram a “solução final”. Deram origem às
premissas técnicas, ideológicas e culturais, construindo ao mesmo tempo o contexto antropológico
em que Auschwitz foi possível. Todos esses elementos se achavam no senso da civilização ocidental e
se despregaram na Europa do capitalismo industrial no período do liberalismo clássico.
4 Genocídio: Civilização Moderna, Burocrática e Amoral?
A palavra genocídio começou a ser usada com frequência depois do massacre de judeus na II
Guerra Mundial. Mais de meio século depois, porém, sua definição continua a provocar discussões.
Leis e correntes de estudiosos levam em conta, por exemplo, perseguições religiosas. Mas, segundo a
própria origem da palavra, cometer genocídio significa tentar erradicar, por meio da violência, um
grupo que possui os mesmos genes. Desse modo, genocídio é o assassinato de pessoas baseado na
sua herança genética, ou seja, suas características étnicas - importa menos, portanto, religião, classe
social, nível educacional ou a crença política das vítimas. Além disso, uma característica dos
genocídios é que os opressores não se satisfazem em matar apenas seus oponentes ativos, eles
caçam e eliminam todos os homens, mulheres, crianças e bebês do grupo étnico transformado em
alvo.
O Estado alemão tinha a pretensiosa finalidade de alcançar a supremacia do poder
econômico e político na Europa e no mundo. O bem-estar social das pessoas, ou melhor, dos arianos,
seria uma consequência da supremacia econômica e política. E quanto aos judeus e ciganos ? Não se
pensava em bem estar de “pessoas inexistentes”.
A civilização moderna aparentemente sofre com a falta de moral, onde o genocídio é feito
com “naturalidade”, visto que as decisões e suas práticas destruidoras têm como finalidade aniquilar
um inimigo do Estado e não um ser humano de carne e osso. Para os antissemitas os fins
justificariam os meios e os judeus eram um mal que devia ser cortado pela raiz, sendo então
psicologicamente invisíveis aos olhos dos genocidas. De modo que o genocídio dos judeus aumentou
a distância física e/ou psíquica entre o ato e suas consequências, produzindo mais do que a
suspensão da inibição moral, anulando o significado moral do ato e todo o conflito entre o padrão
pessoal de decência moral e a imoralidade das consequências sociais do ato.
Bauman nos mostra que a burocracia consegue matar sem comprometer-se, pois os fins
justificam os meios: a morte de um galho doentio da árvore, pode salvá-la a tempo. E esse cortar o
mal pela raiz sem danos morais aparentes é o grande trunfo da moderna burocracia. Mata-se um
inimigo do Estado, não um ser humano de carne e osso: “o processo civilizador é, entre outras coisas,
um processo de despojar a avaliação moral do uso e exibição da violência e emancipar os anseios da
racionalidade da interferência de normas éticas e inibições morais”. A modernidade pode conhecer
assim seu pior lado, qual seja, aceitar fenômenos como o holocausto como “resultados legítimos da
tendência civilizadora e seu potencial constante”.
55
5 Os Desafios do Presente e do Futuro
Vivemos num mundo de ameaças novas e em mutação, que não se poderiam prever no
século passado como é o caso de atividades nucleares que em determinados casos são utilizadas
como armas e práticas de terrorismo, constituindo uma ameaça a todos e mais uma vez reforçando o
entendimento de que o genocídio é um produto da modernidade.
A preocupação no presente é que um ataque realizado com as referidas armas em qualquer
lugar do mundo ocasione consequências devastadoras para o bem-estar de milhões de habitantes do
mundo em desenvolvimento, os danos causados por esses ataques decorrentes de produtos da
modernidade como é o caso de atividades nucleares, serão irreparáveis para inúmeros seres
humanos, eis que são capazes de destruir cidades, poluir várias regiões, provocar sérios problemas a
longo prazo, atingindo gerações inteiras, pela influência lenta e paulatina das emanações radioativas.
Cumpre ressaltar que os males da humanidade são reflexos de governantes imperialistas que
exercem o poder absoluto através da concentração dos recursos econômicos, políticos e bélicos,
ignorando a democracia, os direitos humanos e aplicando a falsa ideia de progresso da civilização ao
investir cada vez mais em tecnologias avançadas para a larga produção de armamentos sofisticados,
utilizando discursos de utilização pacífica de armas nucleares.
Assim, a humanidade vivenciou o Holocausto, os ataques nucleares de Hiroshima e Nagasaki
ocorridos no final da Segunda Guerra Mundial contra o Império do Japão realizados pela Força Aérea
dos Estados Unidos em agosto de 1945, os acidentes nucleares da usina de Three Mile Island nos
Estados Unidos em 1979 e o da usina de Chernobyl, na Rússia, em 1986, dentre outros e
recentemente assistimos a ameaça de guerra nuclear da Coréia do Norte com a Coréia do Sul e os
Estados Unidos o que intensifica cada vez mais a triste convicção de que o progresso civilizatório se
contradiz com a busca de aperfeiçoamento através da modernidade, dos avanços tecnológicos.
Ressalta-se que ante o crescente desenvolvimento das atividades nucleares, oriundas da
fissão do átomo e da aplicação industrial de seus produtos, principalmente na obtenção de energia,
cada vez mais se reforçam as vantagens destas atividades na cura de certas doenças, no progresso
econômico, científico e tecnológico, mas não é possível fechar os olhos à periculosidade e aos riscos
em função das falhas humanas, das máquinas, dos materiais utilizados, dos eventos da própria
natureza, capazes de dizimar populações, como se pode constatar a ocorrência de diversos acidentes
nucleares, radiológicos, químicos. Voltada para "fins pacíficos", como fazem questão de alardear
todos os governos que detêm tecnologia nuclear, a energia atômica obtida das usinas nucleares está
longe de merecer qualquer comemoração. Os problemas com os rejeitos radioativos e os acidentes
nucleares registrados até agora demonstram que é totalmente falho o modo pelo qual esta energia é
gerada atualmente, ou, o que vem a dar no mesmo, demonstram que o ser humano não passa de um
aprendiz nesse assunto, apesar de evidentemente estar convencido de dominar integralmente todo
o processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de uma análise sobre o holocausto identificamos que o genocídio é um produto da
modernidade e de um conjunto de fatores históricos, econômicos, políticos transmitidos pela própria
civilização ocidental. Um crime contra a humanidade que exterminou judeus, ciganos, homossexuais,
de forma racional, pela utilização perversa de fatores materiais e discursivos da modernidade como:
a produção em série- fábrica, o cárcere, a burocracia estatal, discursos racistas de cientistas, teorias
neodarwinistas, bem como a força do imperialismo que demonstram um vasto conjunto de modos
de dominação e de extermínio que já tinham sido experimentados no transcurso da história
ocidental moderna, como sabemos dos massacres ocorridos no imperialismo e no colonialismo com
os indígenas.
56
Se para nós, o Holocausto é um fenômeno possível na modernidade, ele significa para a
modernidade seu desajuste, seu desencaixe, sua perversa noção de progresso infinito que não
conduziu a Humanidade à supressão de suas querelas mais profundas, antes, estabeleceu discórdia e
perseguição, antissemitismo e racismo.
Precisamos ter uma visão crítica e contundente da modernidade e refletirmos sobre o
contrassenso da noção de progresso, que apesar de suas vantagens carrega, como uma moeda, sua
outra face. O moderno não é continuar repetindo a história de domínio e poder, massacrando
pessoas em nome de um avanço da civilização.
Neste contexto, o assassínio em massa contemporâneo caracteriza-se, por um lado, pela
ausência quase absoluta de espontaneidade e, por outro, pelo predomínio de um projeto
cuidadosamente calculado, racional. É marcada pela quase completa eliminação da contingência e do
acaso, assim como pela independência face às emoções grupais e as motivações pessoais. Sobressaise pelo papel marginal ou de mero ludíbrio, dissimulado ou decorativo, da mobilização ideológica.
Mas, antes e acima de tudo, destaca-se pelo propósito.
No genocídio realmente moderno livrar-se do adversário não é um fim em si, é um meio para
atingir determinado fim, uma necessidade que decorre do objetivo último, um passo que se deve dar
caso se queira chegar um dia à meta final. O fim em si mesmo é a visão grandiosa de uma sociedade
melhor e radicalmente diferente. Ele se configura como elemento de engenharia social, que visa a
produzir uma ordem social conforme um projeto de sociedade perfeita.
A era atual é da luta pela paz e do desenvolvimento humano sustentável. Em face dos
graves problemas que tornam a população vulnerável a outros genocídios, deve-se sim ter
consciência dos reflexos e riscos trazidos pela modernidade, bem como aprender com os erros já
ocorridos como forma de evitar catástrofes futuras. Assim é que preservar a memória do Holocausto,
refletir sua importância histórica é peça fundamental para a construção de uma cidadania fundada
na vivência dos valores e na defesa dos direitos essenciais do ser humano, inclusive o direito ao
desenvolvimento, que compreende um direito do homem, do Estado e dos povos.
Direito ao Desenvolvimento está inserido no âmbito do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, a ele têm acesso natural todos os homens, independentemente da sua nacionalidade,
cidadania, de serem povos da floresta ou miseráveis, quer seja em sociedades desenvolvidas ou
subdesenvolvidas. Em princípio, cabem aos homens os mesmos direitos ao conhecimento, ao mesmo
tipo de valores sobre os elementos fundamentais da vida, portadores que são do referencial comum
que os caracteriza como integrantes da humanidade.
Sobre a manutenção da paz e da segurança mundial, ensinaria Paulo VI, em 1967, que o
desenvolvimento é o novo nome da paz, já que as diferenças econômicas, sociais e culturais
demasiadamente grande entre os povos do mundo, provocam tensões e discórdias, pondo a paz em
perigo.
Aprender com os próprios erros e com as milhares de vidas perdidas, é um duro encargo a
que estão obrigados os indivíduos, os Estados e os povos.
As atividades nucleares indicam mais uma vez o poder de destruição dos avanços
tecnológicos trazidos pelo processo civilizatório e a sua constante ameaça. Onde iremos chegar?
Esperamos que no bom senso da pacificação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah: Eichmann em Jerusalén. Un studio sobre la banalidad del mal. Ed. Lumen,
Barcelona, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Holocausto e modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
57
RAFECAS, Daniel. Historia de la Solución Final: Una indagación de las etapas que llevaron al
exterminio de los judíos europeos – 1ª ed., Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2012.
TRAVERSO, Enzo. La violência nazi. Uma genealogia europea. Ed. Fondo de Cultura Económica,
Buenos Aires, 2002.
OLIVEIRA, Ricardo Santos de. Acidentes Nucleares: estratégia de defesa. Monografia. Escola
Superior
de
Guerra.
Rio
de
Janeiro.
Disponível
em:
<http://www.esg.br/uploads2012/03/OLIVEIRARicardo.pdf>. Acesso em: 01 de maio de 2013.
PAUL, Diane B. Controlling human heredity, 1865 to present. Atlantic Highlands, Nova Jersey:
Humanites Press, 1995.
58
D
DA
A O
OR
RD
DEEM
M EEC
CO
ON
NÔ
ÔM
MIIC
CA
A EE FFIIN
NA
AN
NC
CEEIIR
RA
A N
NO
O O
OR
RD
DEEM
MA
AN
NTTO
O
JJU
UR
RÍÍD
DIIC
CO
OB
BR
RA
AS
SIILLEEIIR
RO
O
GALINDO, Cleusy Araújo97
Resumo: O tema central do trabalho de pesquisa é analisar a Ordem Econômica contemplada no
texto constitucional brasileiro no Título VII, em seus arts. 170 a 192. Passando por uma análise do
ponto de vista da valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, não esquecendo que o bem
social é o seu objetivo maior, asegurando uma vida digna em atenção aos ditames da justiça social.
Observando, que a Carta Magna de 1988 busca não apenas dizer para onde debe ser atribuído os fins
estatais, mas, diante de uma interpretação dinámica, como se materializará tais condutas
vislumbrando toda uma mudança de realialidade social.
Palavras – Chave: 1- Órdem Econômica; 2 – Prncípios Econômicos; 3 – Justiça social.
Abstract: The central theme of the research is to analyze the Economic Order contemplated in
Brazilian constitutional text in Title VII in its articles. 170-192. Going through an analysis from the
point of view of valuation of human work and free enterprise, not forgetting that the social good is
your ultimate objectivel, asserting a dignified life in mind the dictates of social justice.
Keywords: 1 - Economic Order; 2 - Economic Prncípios; 3 - Social Justice.
INTRODUÇÃO
O tema em estudo trata da ordem econômica que tem por base a valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa. Assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem
que seja necessária a autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em
lei. As bases constitucionais do sistema econômico encontram-se dispostas nos artigos 170 e 192,
subdivididos em quatro capítulos: dos princípios da atividade econômica; da política urbana; da
política agrícola e fundiária e da reforma agrária; e finalmente, do sistema financeiro nacional.
1 Dos Princípios Gerais Da Atividade Econômica
Ademais, a Constituição Federal brasileira consagra uma economia de mercado de natureza
capitalista, dando, inclusive, prioridade aos valores do trabalho realizado pelo homem sobre os
demais valores da economia de mercado. De modo que ocorre, basicamente, o intervencionismo
estatal na economia velando pelos valores sociais do trabalho que, juntamente com a iniciativa
97Engenheira Civil pela UFRN, Formada em Direito pela UNICAP/PE, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho e PósGraduada em Direito Previdenciário, ambas pela ESMATRA6/PE, Aluna do Curso Intensivo para o Doutorado em Direito do Trabalho pela
Universidade de Buenos Aires.
59
privada, constituem os pilares da ordem econômica da própria República Federativa do Brasil.
Portanto, a Ordem Econômica objetiva assegurar a todos uma existência digna de acordo com os
regramentos definidos para que se atinja uma justiça social com a observância dos princípios
elencados no art. 170 da Carta Magna nacional, consubstanciados numa base meramente capitalista,
senão vejamos a seguir transcrito o texto constitucional, que segue:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Afinal, os princípios acima dispostos se apoiam principalmente na forma econômica
capitalista, fixando seu ângulo de visada para a apropriação privada dos meios de produção e
iniciativa privada. Contudo, mesmo que se consagre como economia de mercado, o elemento
humano está intimamente relacionado nesse contexto econômico. Afinal, o bem estar social é o
escopo primeiro da justiça social que menciona o artigo em seu caput, onde realiza o Welfare State.
Agustín Godillo98 sublinha que no Estado de direito o poder não se manifesta juridicamente de modo
unilateral, sem dar oportunidade ao debate, entende que o estado de bem – estar dar nova forma ao
conceito de Estado de Direito, relativizando-o. Saliente-se que o princípio da soberania nacional se a
tradução literal fosse tida a ferro e fogo, se fugiria do razoável, pois implicaria numa ruptura do Brasil
com todos os outros centros capitalistas desenvolvidos.
Já com relação ao segundo fundamento da ordem econômica, da livre iniciativa, há que se
fazer uma interpretação na qual o direito individual puro não mais se aplica, pois deu lugar a função
social da empresa, como entende Eros Roberto Grau. Pois, enquanto José Afonso da Silva admite que
a livre iniciativa efetiva uma economia de mercado de natureza capitalista, considerando que a
iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista, concluindo que: “a liberdade de
iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de
contrato”.
Na contramão, Eros Roberto Grau, afirma que a liberdade de iniciativa vai além do que se diz
liberdade de empresa, e abraça tanto as formas de produção individuais ou como as coletivas,
propiciando a ocorrência de ações privadas, cooperativa, autogestionária e pública.99 No entanto, a
livre iniciativa está diretamente vinculada a liberdade de empresa que tem três vértices a serem
mencionados: “liberdade de investimento ou acesso; liberdade de organização; liberdade de
98 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. Tomo II, p. IX10.
99 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e critica). 9. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2004, pp. 186-187.
60
contratação”.100 Chegando ambos, a livre iniciativa como sendo a valorização do trabalho humano
como vetores de uma existência digna em atenção aos ditames da justiça social.
Acrescenta o autor que o respeito ao princípio da defesa individual ou coletivaantecedendo-se às decisões adotadas, foi consagrado pela jurisprudência argentina até mesmo em
se tratam de organismos públicos não estatais, que tenham a faculdade legal de impor algum tipo de
sanção de cunho administrativo.101
O princípio da função social da propriedade implica numa postura ativa no sentido de sempre
buscar o benefício de outrem e não apenas de não exercer o seu prejuízo, impondo um
comportamento positivo integrando o conceito jurídico positivo da propriedade como defende Eros
Grau.102
Quanto ao princípio da livre concorrência a maioria dos doutrinadores entendem como
sendo um desdobramento da livre iniciativa onde há uma disputa por clientes. Pois, os diversos
segmentos empresariais tem abertura jurídica para participarem de concorrências entre si com a
mantença das leis de mercado, o desenvolvimento nacional e a justiça social.
A defesa do consumidor não pode ser excluído desse rol de princípios, como também a
defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno
emprego. Todos qualificados como sendo princípios que levam a integração, na busca por soluções
de problemas para as classes sociais que são excluídas do conceito regional ou social.
O último princípio o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte a
princípio poderia parecer que seria uma regra que iria de encontro com a livre concorrência, no
entanto, ela visa proteger os organismos de pequeno porte possibilitando a competitividade, muito
embora a sobrevivência dessas instituições menores é extremamente difícil, merecendo um
tratamento diferenciado pois são o termômetro do equilíbrio.
Todos estes princípios são imputados ao Estado em meio ao equilíbrio da organização
política e econômica para o atingimento da promoção social e organizador da economia tendo como
parceiros os sindicatos, empresas privadas. Há na verdade uma interferência da política social com
sendo um instrumento de atingimento da eficiência econômica, na tentativa de se atender a
demandas da população.
2 Atividade de Fiscalização Exercida pelo Estado
Apesar do texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada, de
mercado, deu poderes ao Estado para intervir no domínio econômico como agente normativo e
regulador, com a premissa básica de fiscalizar, incentivar e planejar indicativos ao setor privado.
Assim, diante da possibilidade de regulamentação da ordem econômica o art. 149 da Carta Magna
brasileira dispõe sobre a competência exclusiva da União para instituir contribuições de intervenção
no domínio econômico cuja natureza jurídica tem caráter tributário.
Portanto, tem-se que as primeiras formas de intervenção manifestaram-se através de um
conjunto de medidas legislativas que intentavam restabelecer a livre concorrência. Nos dias atuais
podem-se enumerar muito mais objetivos para que se tenha uma regulamentação econômica,
podendo ser citada a incidência de contribuição de intervenção de domínio econômico sobre a
importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.
100 ARAUJO, Luiz Alberto Araújo; NUNES JUNÍOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 465.
101 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5. Ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. Tomo II, p.
IX-13.
102 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e critica). 9. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2004, pp. 222-223.
61
Porém a intervenção estatal se mostra forte quando se trata do setor público. Reprime abuso
do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento
arbitrário dos lucros.
Daí, a descentralização do modelo econômico que se caracteriza pela livre iniciativa e livre
concorrência, pode propiciar a criação de formação de cartéis e da concorrência desleal, de modo
que o combate a essas práticas devem ser constante e eficaz. Em face disto, o modelo econômico
misto se destacar e é tomado como referência de atuação. Além do que a atividade de fomento
praticada pelo estado cuja referência está disposta no art. 174 do texto constitucional, inclusive com
desdobramentos específicos constantes nos parágrafos 2º, 3º e 4º. do mesmo dispositivo, in verbis:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do
desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará
os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de
associativismo.
§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em
cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a
promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade
na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas
de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
Chega-se a um consenso no que se refere a uma estrutura de mercado e ao reconhecimento
de uma coexistência de valores fundamentais e princípios diversos do com compõe o texto legal
constitucional, levando a uma real repercussão no modelo econômico adotado que passa a se
caracterizar com nuances descentralizadoras. Por este motivo, pode-se dizer que ocorre a adoção do
modelo misto, supra citado, onde não resguarda apenas os princípios liberais da livre iniciativa e da
concorrência mas também a atuação normativa e reguladora do Estado brasileiro diante da atividade
econômica.
3 Competência Municipal
Com os olhos voltados para a política urbana, o art. 30 da Constituição Federal é claro ao
definir a competência municipal para legislar sobre princípios da predominância de interesse local,
estabelecimento de Plano Diretor, hipóteses relevantes com disciplinamento por meio de legislação
própria e suplementação da legislação federal ou estadual quando observadas omissões ou lacunas.
Enquanto que a competência genérica municipal se direciona para ações inerentes a suas
atividades e sérvios, como é o caso do transporte coletivo, política das edificações, fiscalização das
condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano,
dentre outros. Não podendo deixar de mencionar o Plano Diretor da cidade que traduz toda a
política de desenvolvimento urbano e de sua expansão, cuja aprovação é de competência da Câmara
Municipal e tem caráter obrigatório para cidades com uma população com mais de vinte mil
habitantes. Frise-se que o atendimento dos ditames expressos neste instrumento faz-se necessário
para que a propriedade urbana cumpra a sua função social.
62
Ressalte-se que a Carta Magna faculta ao poder público municipal mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado
ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento sob pena de: parcelamento ou
edificação compulsória; impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana progressiva no
tempo; e até mesmo a desapropriação.
Já a competência suplementar dos municípios consiste, basicamente, na autorização para
regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais para ajustar sua exceção e peculiaridades
locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o interesse local.
Existe a possibilidade de usucapião de área urbana. Para tanto, é necessário que o possuidor
de área urbana, de até 250 metros quadrados, esteja no imóvel por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, utilizado como moradia sua e de sua família. Contudo, não pode ser possuidor de outro
imóvel rural ou urbano, para poder ter direito à concessão de uso e título de domínio.
Sendo, portanto, vedado pelo texto constitucional a possibilidade de reconhecimento desse
direito ao mesmo possuidor por mais de uma vez, conforme dispõe o art. 183 do referido instituto.
A Constituição Federal dita preceitos, inclusive sobre a política agrária.
Aduz a participação efetiva do setor de produção, trazendo ao debate tanto os produtores e
trabalhadores como também os setores de comercialização, armazenamento e transporte.
Importante abrir um parêntesis para definir o que vem a ser terras devolutas. Na verdade são
as terras que pertencem ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham
utilizadas pelo pode público, nem destinadas a fins administrativos específicos. Na verdade são bens
públicos que ainda não foram utilizados pelos proprietários, segundo entendimento constante da lei
imperial 601, adotada até hoje pelos civilistas. Já o legislador de 1988 determinou que a utilização de
terras públicas e devolutas devem ser compatibilizadas com a política agrícola e com o plano
nacional de reforma agrária, bem como a alienação ou concessão.
Ademais, a reforma agrária tem por objetivo a desapropriação de terras pela União Federal
sob a bandeira de um interesse social, atingindo imóveis rurais conforme instituído no texto
constitucional.
Há mais uma vez a intervenção estatal com a finalidade de promover a repartição da
propriedade e renda fundiária, respeitando todo o devido processo legal, sendo necessária vistoria e
prévia notificação ao proprietário uma vez que se dará a privação de bens particulares.
É importante mencionar que a reforma agrária não atinge terras produtivas, aquelas que
cumprem sua função social, e também as de pequena ou média propriedade rural definidas na
forma da lei e nos casos em que seu proprietário não possua qualquer outra propriedade.
Diferentemente do que se oberva no usucapião constitucional que consiste em dar a
propriedade àquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por
cinco anos ininterruptos, sem qualquer tipo de oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinquenta hectares tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família e tendo nela fixado sua
moradia.
4 O Papel do Sistema Financeiro Nacional
Já esclarecidos os pontos acima tratados, nos remeteremos ao teor da Emenda
Constitucional n. 40 que deu ao Congresso Nacional maior liberdade para regulamentar o Sistema
Financeiro Nacional. Ocorreu, na verdade, uma verdadeira desconstitucionalização do conteúdo
básico de que trata sobre o sistema financeiro, prevendo sua regulamentação por meio de leis
complementares, evitando futuras contestações jurídicas.
Sua constituição se faz por órgãos e instituições de caráter financeiro ou não, cuja função
essencial é a promoção do desenvolvimento da nação de maneira ponderada, melhor dizendo,
equilibrada, estando sempre sujeito a fiscalização e execução de transações de crédito e circulação
de moeda, além do que está intimamente relacionado com a transferência de recursos econômicos
63
quando observado superávits para os agentes econômicos que inversamente se mostrem frágeis,
deficitários. Seus principais componentes são: o Conselho Monetário Nacional – CMN; o Banco
Central do Brasil – BACEN; e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM. No entanto, o seu órgão
máximo é o CMN com atribuições estritamente normativas que envolvem a política monetária,
creditícia e cambial brasileira. O nosso texto constitucional trata do tema em seu art.192, in verbis:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos
interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,
abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis
complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do
capital estrangeiro nas instituições que o integram.
Concluímos, portanto que o Sistema Financeiro Nacional prima por proporcionar ao país
meio para que ocorra o desenvolvimento equilibrado, servindo prioritariamente aos interesses da
coletividade, indo além, pois coloca freios para a participação do capital estrangeiro nas instituições
que o integram, por expressa determinação constitucional contida.
O seu órgão de cúpula - CMN – tem em seu conjunto de atribuições a de fixar diretrizes e
normas da política monetária e cambial, ale de fixar metas relacionadas a inflação, autorização para
que seja emitido o papel moeda, sem falar na regulamentação das operações de cambio, taxas de
juros, operação de crédito, constituição e funcionamento das instituições financeiras, inclusive com
imposições de linhas mestras para as práticas financeiras no mercado acionário. De modo que o
agente executor de todos esses regramentos é o BACEN, que tem também atua como agente
fiscalizador do Sistema Financeiro Nacional, pois disciplina tanto o mercado financeiro como executa
as políticas monetárias, creditícias e cambial. O CVM também tem o desempenha função
fiscalizadora, normativa e executiva, e age segundo as diretrizes do CMN no que pertine ao mercado
de valores mobiliários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria de John Rawls é considerada revolucionária dada o seu caráter inovador,
reorientando o pensamento filosófico americano da época focado num igualitarismo teórico
deixando de ser de oportunidades para ser de resultado. Foi na verdade uma resposta ao
utilitarismo reinante da época.
Fundada dentro de um marco de pluralidade, própria das democracias liberais modernas.
Rawls tinha seu sentido voltado para a universalidade da justiça, ou seja, uma teoria política da
justiça repercutindo em sociedades democráticas altamente industrializadas.
O conceito de justiça tem seu eixo numa discussão ético histórico e social, onde é defendia
os dois pressupostos básicos para o estabelecimento de uma sociedade com parâmetros de justiça
mais aceitáveis dando igualdade de oportunidade a todos em plena condição de equidade, com
distribuição dos benefícios aos mais necessitados, dando um significado a justiça e equidade cujo
primado era amparar e corrigir as desigualdades sociais.
É importante mencionar que a obra de Rawls mesmo sendo um divisor de águas continua
sofrendo críticas ferrenhas por várias correntes de filósofos, dentre eles Robert Nozick, liberal
libertário, até Susan Möller Okin, uma feminista moderada. Todos buscam um reconhecimento de
Rawls para uma necessária reformulação da sua Teoria da Justiça Original.
Isso sinaliza que a produção teórica se renova tornando o diálogo enriquecedor a cada dia,
para o atingimento de uma explicação mais clara do que se sucede com a justiça.
64
Por fim é salutar mencionar que o foco da Teoria de Rawls é a necessidade e premência de
uma justiça justa de fato, coadunada e alinhada com os clamores daqueles que mais precisam dela os
mais desfavorecidos, esquecidos pela letra da lei que desconsidera ou fecha os olhos às minorias.
Em suma, a Teoria de Rawls busca alcançar por meio da justiça uma sociedade justa e
igualitária, donde a noção de justa igualdade de oportunidade foi recepcionada pela maioria das
concepções liberais da justiça, a exceção dos que corroboram com o entendimento de Nozick e
entendem que os direitos provenientes do estado natural são absolutos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAUJO, Luiz Alberto Araújo; NUNES JUNÍOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 465.
BARBAROSCH, Eduardo. Teoria de La Justicia y La Metaética Contemporánea. Buenos Aires: La Ley,
2011.
GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5. Ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho
Administrativo, 2000. Tomo II, p. IX-13.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e critica). 9. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 186-187.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
65
N
NAAZZIISSM
MO
O AALLEEM
MÃÃO
O EE AASS LLEEIISS DDEE N
NU
URREEM
MBBEERRG
G:: SSEEN
NTTIIM
MEEN
NTTO
O DDEE
PPO
ODDEERR O
OU
UÓ
ÓDDIIO
O??
GALINDO, Cleusy Araújo103
Resumo: Tem como foco principal a reflexão acerca do sentimento que reinava no Regime nazista
sobre o povo judeu. Até que ponto toda atrocidade direcionada ao judeu era justificada? Quebrando
os laços da dignidade humana e do respeito ao ser vivente que independentemente de sua ideologia
política ou etnia cravavam seus passos em campos de concentração com o maior desrespeito já visto
na História da humanidade ao ser humano que via sua dignidade humana roubada por bárbaros,
capazes das mais terríveis torturas físicas e mentais. A pergunta como os líderes da Alemanha nazista
chegaram a tomar as decisões que levaram à chamada Solução Final?
Palavras-chaves: 1- Nazismo; 2- Dignidade Humana; 3-Atrocidades; 4- Solução Final.
Abstract: It has as the main focus of reflection on the feeling that reigned in the Nazi Regime on the
Jewish people. Until that point, all directed at Jewish atrocity was justified? Breaking the bonds of
human dignity and respect for the living thing regardless of political ideology or ethnicity dug his
steps in concentration camps with the greatest disrespect ever seen in the history of mankind the
human who saw their human dignity stolen by barbarians, capable the most terrible physical and
mental torture. The question how the leaders of Nazi Germany came to take the decisions that led
to the so-called Final Solution?
Keywords: 1 - Nazism; 2 - Human Dignity; Atrocities-3, 4 - Final Solution.
INTRODUÇÃO
A gigantesca empresa criminal empreendida pelo nazismo levaram ao extermínio de 6,5
milhões de vítimas judias em meados do século XX, sem falar que entre eles haviam 1,5 milhões de
crianças que foram exterminados em câmaras de gás ou mesmo fuziladas nos campos de
extermínios. Com a chegada de Hitler ao poder em 30 de janeiro de 1933, ficou claro para alguns
alemães judeus e não judeus que era chegada a hora de deixar a Alemanha dada à política de
segregação e perseguição sistemática imposta pelo novo regime alemão.
De fato, em 1º. de abril de 1933 houve o primeiro ato organizado pelo novo regime nazista
contra os comércios judeus. Este episodio teve grande repercussão nacional e internacional já que a
cobertura foi dada pela propaganda oficial que contou com a Tolerância das forças policiais, como
menciona Rafecas.104
Já a segunda medida tomada por Hitler, uma semana após o boicote comercial, foi a
perseguição de Hitler aos funcionários públicos para identificar e expulsar aos que tinham origem
103 Graduada em Engenharia Civil – UFRN/RN, Graduada em Direito – UNICAP/PE, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do
Trabalho - ESMATRA6/PE, Especialista em Direito Previdenciário – ESMATRA6/PE e Aluna do Curso Intensivo Preparatório para o
Doutorado em Direito do Trabalho na Universidade de Buenos Aires/Argentina.
104 RAFECAS, Daniel. Historia de la solución Final- Uma indagación de las etapas que llevaron al extermínio de los judíos europeus. Buenos
Aires: Siglo Veinteuno Editores, 2012, p. 41.
66
judia. Cita Rafecas105 que desde 1871 com a emancipação dos judeus, jamais se havia promulgado na
Alemanha uma lei que discriminasse o povo judeu oficialmente.
Não bastando à perseguição aos funcionários públicos, em 11 de abril de 1933 foi publicada
nova lei que excluía todos os advogados judeus dos tribunais. Dando continuidade a perseguição ao
povo judeu, em 25 de abril foi aprovada a nova lei contra a matrícula novos alunos judeus que não
poderia exceder a 1,5% do total dos solicitantes e estabelecia o percentual máximo de 5% para cada
estabelecimento de ensino. Houve redução significativa dos docentes nas universidades dentre eles
Hanz Kelsen como menciona Rafecas.106
Atos como a queimada de livros em 10 de maio de 1933 e proibição da posse de granjas
pelos judeus em setembro do mesmo ano revelam estratégias utilizadas na primeira etapa de Hitler
no poder. Não se esquecendo de mencionar que atos dessa ordem tinham o objetivo de erradicar a
literatura, obras científicas e os repertórios musicais do povo “não ariano”, os quais poderiam de
alguma forma influenciar todo o povo alemão. Tendo até a justificativa de “salvaguardar
indiscutivelmente a melhora da composição do povo alemão” pelo órgão oficial católico Klevsblatt.107
1 Ordenamento Jurídico Discriminatório
Assim, houve a criação do primeiro conjunto de legislação discriminatória na qual se
pretendia “engarzar un eslabón fundamental en la campanha antijudía a través de las leys de
Nuremberg, das normas aprobadas en 15 de setembro de 1935”, caracterizando os fundamentos do
nacional socialismo elaborado por um Parlamento completamente nazificado como assinala
Rafecas.108
Assim, antes da Segunda Guerra, havia uma divisão territorial e étnica, no ano de 1935,
mesmo ano da promulgação da lei de Nuremberg onde restou configurada a subcondição humana
imposta ao povo judeu, definitivamente estigmatizado e relegado a uma sub espécie pelos nazistas,
como se verifica no corpo da lei a seguir:
Desde 15 de setembro de 1935, quando foram decretadas a Lei de
Cidadania do Reich, a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemãs e
o Primeiro Regulamento para a Lei de Cidadania do Reich - este em
14 de novembro de 1935 (o conjunto dos três ficou conhecido como
as Leis de Nuremberg)-, a condição judaica foi transformada numa
sub-condição humana na Alemanha e os judeus foram desprovidos
de qualquer vestígio de direitos civis. A definição de "judeu" consta
do Primeiro Regulamento, Artigo V:
1. Um judeu é um indivíduo que descende de pelo menos três avós
que eram judeus racialmente puros. O Artigo II, parágrafo, alínea
linha 2 será aplicado. (Art. II, alínea 2: um indivíduo de sangue misto
judeu é aquele que descende de um ou dois avós que eram judeus
racialmente puros, mesmo que não seja um judeu de acordo com a
seção 2 do Artigo V. Avós com 100 por cento de sangue judeu são
aqueles que pertenciam a comunidade religiosa judaica).
2. Um judeu é também um indivíduo que descende de dois avós
puramente judeus:
(a) se era membro de uma comunidade religiosa judaica quando esta
lei foi editada, ou se integrou a uma, após a edição desta;
105
RAFECAS, Daniel. Op. cit., pp. 41-42.
RAFECAS, Daniel. Op. cit., 2012, pp. 42-43.
107 RAFECAS, Daniel. Op. cit., 2012, pp. 46-47.
108 RAFECAS, Daniel. Historia de la solución Final- Uma indagación de las etapas que llevaron al extermínio de los judíos europeus. Buenos
Aires: Siglo Veinteuno Editores, 2012, p. 45.
106
67
(b) quando a lei foi editada, era casado com uma pessoa judia ou foi
subseqüentemente casada com um indivíduo judeu;
(c) é descendente de um casamento no qual um dos cônjuges é
judeu, no sentido da seção 1, contraído após a entrada em vigor da
Lei para Proteção do Sangue e da Honra Alemã, de 15 de setembro
de 1935;
(d) é descendente de uma relação extraconjugal que envolveu um
judeu, de acordo com a Seção 1, e nasceu ou é filho ilegítimo nascido
depois de 31 de julho de 1936. (In MILMAN, Luis. Holocausto
Verdade e Preconceito, Revista Espaço Acadêmico. n.43, 2004).
Como se observa, as Leis de Nuremberg são deveras impositivas e segregacionistas, pois se
alguém fosse declarado legalmente judeu, todas as medidas jurídicas e administrativas, passadas e
futuras, poderiam alcança-lo sem qualquer ressalva.109 De modo que todo um povo passou a ser
submisso aos abusos legais, não lhes restando qualquer escolha ou domínio sobre o seu “eu”, pois
seus corpos eram usados como matéria prima para experimentos médicos sem qualquer respeito ao
corpo humano, a sua dignidade humana, sem qualquer respeito aos direitos fundamentais do
cidadão, desmerecendo a condição de pessoa de direito como se o corpo fosse mero instrumento
laboratorial, deixando a vida em segundo plano, pois aqueles corpos passariam apenas a existir e não
respirar o oxigênio da vida.
Assim, o povo judeu foi estigmatizado e rotulado como “segunda categoria”, não apenas
pela burocracia estatal alemã, mas também pela opinião pública, de forma majoritária,
materializando uma nova estratégia tomada pelo Parlamento.
Na ótica dos nazistas, a condição de judeu era incompatível com o homem alemão,
impelindo a tomada de medidas drásticas com o intuito de extinguir, dizimar, todo e qualquer
vestígio que esses seres “menores” pudessem influenciar, inclusive do ponto de vista cultural, mas
propiciar uma verdadeira saída dos judeus do estado alemão, equivalendo a dizer que “este período
comenzó a perfilarse una política de Estado cuyo objetivo básico era la emigración de la comunidad
alemana.” 110
A notoriedade acerca de uma perseguição ao chamado “povo ariano” passa a ser algo
maior que a etnia, mas engloba conceitos sexuais, religiosos e políticos, tendo repercussão
econômica diante da apropriação dos bens deixados, ou melhor, tirados dos judeus com o fim de dar
suporte financeiro à causa nazista. Na verdade era o custeio do movimento que nutria a ideia de
limpeza racial quando mencionavam os ciganos e os judeus. Fato que instigou o ódio na comunidade
alemã e o medo entre os oprimidos, espremidos nos ‘guetos’ sem qualquer poder de fuga já que
estavam marcados por sua herança familiar.
2 O Respeito ao Estado de Direito e Direitos Fundamentais do Homem?
O estado de direito restava desaparecido no outono de 1935 e o regime de Hitler muito
mais fortalecido. Logo, em meados de 1935 e começo de 1936, chegaram à conclusão que a
emigração deveria ser completa.
109
RAFECAS, Daniel. Historia de la solución Final- Uma indagación de las etapas que llevaron al extermínio de los judíos europeus. Buenos
Aires: Siglo Veinteuno Editores, 2012, p. 45-46. “ el alcance implacable sobre los derechos ciudadanos de los integrantes de la comunidad
judía alemana era compañado por un estridente coro de voces de juristas en el ámbito del derecho público, quienes avalaban las consignas
del estado racial y anticipaban, desde la doctrina, propuestas de medidas concretas para consagrar la más amplia discriminación,
empujando a los colectivos apuntados – em especial, el judio- a asumir el rol de meros súbditos despojados de atributos jurídicos, en
sintonia com la cresciente accepción del estereotipo del Jude como enemigo cortal de la comunidad del pueblo alemán.”
110 Texto modificado parcialmente do livaro: RAFECAS, Daniel. Historia de la solución Final- Uma indagación de las etapas que llevaron al
extermínio de los judíos europeus. Buenos Aires: Siglo Veinteuno Editores, 2012, p. 48.
68
A política antijudia se acelerou no final do ano de 1937 e durante todo o ano de 1938,
momento em que o antigo lema: “política de arianização” voltou a ser palco aos olhos dos Estado
que não mais permitia a presença de judeus em empresas e negócios diversos. Sem falar que no
início de 1938 a campanha econômica antijudia fez com que decretos e leis fossem editadas para
impedir toda a possibilidade econômica dos judeus na Alemanha, obrigando-os a deixar seus
negócios, liquidar suas empresas e entregar todos os seus bens as autoridades estatais, uma vez que
iriam sair definitivamente da Alemanha. Em sequência, houve a perseguição aos pais de família
enviando-os aos campos de concentração de Schutztaffein (SS), como revela o Professor Rafecas.111
A política de emigração tomou palco até 1939, e mesmo diante de toda uma situação de
máximo perigo para os judeus, o ocidente fechou as portas, movidos por interesses desprovidos de
qualquer grandeza de caráter, a mesquinhez, já que se trazia o argumento de tratar-se de motivos
raciais, nacionalistas ou mesmo religiosos. Os países europeus continuaram recebendo os judeus,
mais aos poucos as comportas foram se fechando. Foi no dia 10 de setembro de 1939 que Hitler
proibiu todos os judeus do Reich a saírem de casa durante a noite
Poderíamos alegar que se trata de poder ou de etnia, a forma de tratamento dirigida aos
judeus?
Entendemos que subjulgar seres humanos, o poder, seleção por herança genética,
discriminação por uma cultura, enfim, nada pode ser motivo que justifique dizimar tantas pessoas
passíveis de direitos, dignidade humana, inclusive relegando todo um estado de direito legal onde os
direitos humanos ficam a margem diante de tanta maldade e maus tratos, desmerecendo a pessoa
humana de todas as formas imaginárias, subjulgado cada um deles a reles algarismos na escala
numéricas, alargando dados componentes dos gráficos estatísticos de perdas de vidas matadas.
Pode-se dizer que a crueldade, com todo o aparato burocrático, foi o norte de ações
praticadas contra pessoas, sem levar em consideração toda dor de um povo, ainda mais quando nos
defrontamos com os motivos que levaram a tamanha crueldade: todos os motivos vis! A visível
transgressão aos direitos humanos configurando um verdadeiro crime contra a humanidade ante as
barbáries cometidas sem qualquer remorso ou dor, nada além de um cumprimento de ordem
administrativa que ao longo do domínio alemão se foi cumprindo sem deixar máculas em seus
executores.
O assassinato massivo com gás como método definitivo para o extermínio de todos os
judeus europeus que estavam ao alcance das milícias de Hitler, decisão tomada quando da derrota
na batalha de Moscú e o ingresso simultâneo dos Estados Unidos na guerra. De início havia a
matança aos judeus improdutivos e depois uma onda maior tomou conta dos sentimentos nazistas
sob um novo objetivo que apontava para o extermínio de todos, posição abraçada também por
Sobibor e Treblinka. Em meados de 1942, ocorreu a ampliação do número de campos de extermínio
por meio de gás venenoso. Porém, a redução da artilharia militar de Eje, nos anos seguintes, o
processo de destruição massificada dos judeus europeus não teve redução até o colapso do império
nazista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo, esperamos que este cruel episódio que envergonha a humanidade, jamais se repita e
que os valores fundamentais desconsiderados nos campos de concentração e toda a dor deixada nas
paredes de Auschwitz, ecoe no sentido maior de não emudecer as ações que impeça tais desmandos
sociais e que o desvalor a vida, ao cidadão, ao ser vivente jamais possa se repetir. E este cruel
111
Aulas ministradas pelo Professor Daniel Rafecas na Universidade de Buenos Aires- UBA, no período de janeiro/2013 no
Curso Intensivo para o Doutorado.
69
episódio do século XX, traga ensinamentos as novas gerações, como reforça o Professor Daniel
Rafecas em seu livro.112
Há uma negativa no consenso popular, e o bem-estar comum, o respeito pelas diferenças, a
mantença da dignidade humana e o sentimento de solidariedade no contexto do Holocausto provoca
uma releitura da morte assumida pelo Estado, que fecha os olhos ao espírito democrático e dá novo
sentido ao princípio da igualdade, já que os iguais se completam e os desiguais devem ser
literalmente eliminados por ordem de Hitler.
Diante de tantas atrocidades materializadas no holocausto, faz-se a releitura do que viria a
ser um estado democrático de direito, pois o colapso da democracia se estampa na face da
civilização moderna.
Portanto, a humanidade deve estar ciente de toda atrocidade e malefícios causados nos
campos de concentração e cientificados de todo tratamento desumano e hostil praticado contra o
povo judeu para que tais condutas e valores assumidos de magnitude nunca antes vista na história
da humanidade, jamais retornem e passem a compor mais uma vez uma página em nossas vidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. A origem do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
FINKELSTEIN, Norman G. A indústria do holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento dos
judeus. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
MILMAN, Luis. Holocausto Verdade e Preconceito. Revista Espaço Acadêmico. n. 43, 2004.
RAFECAS, Daniel. Historia de la solución final: Uma Indagación de las etapas que llevaron al
exterminio de los judíos europeos. 1. ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2012.
Disponível em: <http://1940a1954.wordpress.com/contexto-historico>. Acesso em: 05 de abr. de
2013.
112 RAFECAS, Daniel. Op. cit., pp. 273-274.
70
AA IIM
MPPO
ORRTTÂÂN
NCCIIAA DDAA H
HIISSTTÓ
ÓRRIIAA DDAA M
MAATTEEM
MÁÁTTIICCAA N
NO
O PPRRO
OCCEESSSSO
O DDEE
EEN
NSSIIN
NO
O--AAPPRREEN
NDDIIZZAAG
GEEM
MN
NAA EEDDU
UCCAAÇÇÃÃO
O BBÁÁSSIICCAA
SCHENDER, Klim Wertz113
Resumo: O presente trabalho traz reflexões sobre a importância instrumental da História da
Matemática, como facilitador no processo de ensino-aprendizagem, para com os alunos sobre os
conceitos matemáticos.
Palavras-Chave: História da Matemática; Ensino-aprendizagem; Educação Básica.
Abstract: This paper reflects on the importance of instrumental History of Mathematics as a
facilitator in the process of teaching and learning, with the students about mathematical concepts.
Keywords: History of Mathematics, Teaching and learning; Basic Education.
INTRODUÇÃO
Diante dos avanços pedagógicos nos últimas décadas, tem se observado que as dificuldades
na área Matemática não diminuíram, isto é, o número de pessoas que olgerizam esta área
aumentaram. Com isso, observa-se no mercado de trabalho, as dificuldades em torno dessa ciência,
principalmente, nas operações fundamentais e a carência de profissionais na área das exatas.
Por muitos anos os autores dos livros didáticos, desconsideraram a importância da História
no processo ensino-aprendizagem. Iniciando os conceitos através de fórmulas e exemplos, não
fornecendo dados para significar os conceitos matemáticos e suas finalidades, desnorteando o
sentido da aprendizagem. Conduzindo assim, para algumas indagações, tais como: Onde vou usar
isso? Para que serve isso?
A história é um instrumento importantíssimo para explicar a origem dos vários axiomas,
conceitos, fórmulas, postulados, enfim, situando o aluno no tempo e no espaço e contextualizando o
assunto estudado. Assim ampliando as concepções sobre os conhecimentos da matemática e as
soluções encontradas pelos matemáticos diante dos problemas do passado e estimulando para o
campo da pesquisa, a fim de que outras soluções sejam encontradas para os problemas não
resolvidos da atualidade.
Para Groenwald et. al. (2005),
A História da Matemática é considerada um tema importante na formação do
aluno. Ela proporciona ao estudante a noção exata dessa ciência em construção,
com erros e acertos e sem verdades universais, contrariando a idéia positivista de
uma ciência universal e com verdades absolutas. A História da Matemática tem
este grande valor, de poder contextualizar o saber, mostrar que seus conceitos são
frutos de uma época histórica, dentro de um contexto social e político.
113
Mestre em Educação pela Unisantos.
71
Assim o aluno perceberá que as respostas encontradas na época não foram instantâneas,
mas que os pesquisadores tiveram que enfrentar muitas tentativas e erros, para descobrirem qual o
caminho que conduziria à solução. Conforme Berlinghoff e Gouvêa (2012, p.01) “A matemática é um
esforço humano continuado, como a literatura, a física, a arte, a economia ou a música”. Portanto, é
natural o esforço empregado em sala de aula no processo de “tentativa e erro”, até alcançar a
resposta e, conseguinte a apreensão e o domínio do conhecimento.
De acordo com Groenwald et. al. (2005), a perspectiva histórica faz com que o educando
adquira “um saber significativo, que foi e é construído pelo homem para responder suas dúvidas na
leitura do mundo, permitindo ao aluno apropriar-se desse saber, o que lhe propiciará uma melhor
leitura do contexto global”.
Existe uma barreira construída que separa a exata das demais áreas do conhecimento,
limitando a visão cognitiva do aluno. Portanto, cabe ao professor mostrar que não existem disciplinas
solitárias, independentes, mas que há imbricações, fundamentações, interdisciplinaridades,
transversalidade, que envolvem todas as ciências. Para Berlinghoff e Gouvêa (2012, p.01), “Aprender
sobre matemática é como começar a conhecer outra pessoa. Quanto mais você sabe de seu passado,
melhor poder entendê-la e interagir com ela, agora e no futuro”.
Fundamentando nessas premissas, justifica-se a utilização da história como instrumento
metodológico que auxiliará e contribuirá na construção dos conhecimentos da Matemática.
Amenizando as dificuldades, os medos, e outros fatores negativos que possam bloquear o ensino da
matemática.
Há carência dos fatos históricos nos conceitos matemáticos, isto é, a falta da compreensão
das questões fundamentais, para que o aluno encontre sentido nas respostas finais. Bem como
entender que muitas questões dependem dos saberes que envolvem a ideia, como por exemplo,
qual a importância? Origem? O objetivo da resposta e por que desejar encontrá-la? Quem foram tais
personagens e suas inquietações? Para Berlinghoff e Gouvêa (2012, p.01) “Cada etapa no
desenvolvimento da matemática é construída com base naquilo que veio antes. [...] Como e por que
pensaram no que faziam muitas vezes são um ingrediente crítico para se entender sua contribuição”.
A História da Matemática é um instrumento facilitador para resoluções de problemas. A
pesquisa histórica estimula o conhecimento das lógicas que envolveram os primeiros conceitos e
possibilita a apreensão através da união das ciências, bem como a construção, mais completa, do
cenário de um aspecto do conhecimento, evitando fragmentações do saber.
De aspecto inicial qualitativo, foram analisadas as respostas dos entrevistados através de um
questionário, isto é, os aspectos subjetivos e particulares de cada entrevistado. A coleta de dados se
deu através de um questionário que tinha como objetivo confirmar ou não, a carência da história na
formação matemática do aluno da Educação Básica e como um dos fatores geradores responsáveis
pelo o “não gostar” da matemática. O questionário contém perguntas, referentes a alguns
conhecimentos adquiridos com relação à História da Matemática na Educação Básica e, inicia com a
pergunta sobre a idade, com a finalidade de conhecer as diferentes visões sobre o período histórico
que o aluno estudou, pressupondo garantir respostas diferentes, marcada por períodos de ensino,
também diferentes. As perguntas foram:
1) Qual a sua idade?
2) Em que ano você iniciou o Ensino Fundamental (antigo 1º grau) e terminou o Ensino Médio (antigo
2º grau)?
3) Você gosta de Matemática? Justifique a resposta;
4) Você gosta de História? Justifique a resposta;
5) Os seus professores de Matemática contavam ou liam textos que continham histórias sobre o
desenvolvimento da matemática na história humana?
6) Você conhece a história da origem dos números? Justifique a resposta;
7) O que significa “Sistema de numeração Indo-arábicos”?
8) Qual a diferença entre Aritmética e Álgebra?
9) Você conhece o Teorema de Pitágoras?
72
10) Quem foi Pitágoras?
11) Você conhece a fórmula de Bháskara, isto é, já fez exercícios que envolviam a tal fórmula?
12) Quem foi Bháskara?
As questões foram aplicadas no primeiro ano do curso de Pedagogia, pois ao ingressarem
numa faculdade, ainda não tem a percepção madura sobre o meio acadêmico e, a conclusão da
Educação Básica para muitos é recente. Outro aspecto é a procura pela área por “não gostar” de
matemática, não desejando encontrar conteúdos de Exatas no curso.
Foram escolhidos, aleatoriamente, dez estudantes de diferentes faixas etárias. Após a
aplicação, e em posse das respostas, possibilitou analisar os aspectos mensuráveis e nãomensuráveis sobre certos conhecimentos históricos na Matemática e confirmar os pressupostos já
levantados.
Por fim os aspectos qualitativos foram transformados em quantitativos, contribuindo para
ampliar a visão através das tabelas e gráficos.
A pesquisa foi desenvolvida em três etapas: Na primeira etapa, se fez os levantamentos dos
aportes teóricos que apóiam à abordagem histórica; na segunda etapa a elaboração de um
questionário com perguntas sobre a origem dos números, sistemas e dos algarismos indo-arábicos, e
sobre as fórmulas matemáticas, as mais conhecidas na Educação básica, como: Teorema de
Pitágoras, Fórmula de Bháskara e a terceira etapa a aplicação do questionário e a análise das
respostas.
As idades dos entrevistados variam de 20 a 55 anos e, o término da Educação básica ocorreu,
em 70%, entre ano de 2003 a 2011. Então, a maioria concluiu o Ensino Médio, no período que vigora
a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96.
Ao analisar o Art. 32, inciso II, como um dos objetivos na formação básica do cidadão no
Ensino Fundamental, como: “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”; no Ensino Médio, no Art. 35,
inciso IV: “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”. N Art. 36, inciso I: “Destacará a
educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, [...]; o processo histórico de
transformação da sociedade e da cultura; [...]”; no § 1º, inciso I: “domínio dos princípios científicos e
tecnológicos que presidem a produção moderna”. Como haverá compreensão das diversas áreas do
conhecimento se não partir dos fundamentos, isto é, dos princípios? Como será possível formar os
aspectos da cidadania rejeitando a historicidade que proporcionou os fundamentos para a sociedade
atual? Tais indagações se não forem refletidas comprometerá o processo ensino-aprendizagem.
Sabendo que aplicar na prática algo, sem explicar o surgimento ideológico, filosófico, teórico e
prático dos conhecimentos, que foram construídos durante a história da humanidade, é deixar uma
grande lacuna, impedindo a concatenação, a apreensão dos fatos e das ideias.
Conforme Brandão (2010, p. 98), não haverá dúvidas se os dois incisos do § 1º do art.36 for
posto em prática, “estaremos formando, ao final do ensino médio, um aluno altamente qualificado,
seja para o trabalho, seja para o prosseguimento dos estudos em nível superior, e, sobretudo, um
cidadão crítico”.
73
Em relação à segunda questão, obteve os seguintes resultados
Você Gosta de Matemática?
sim
não
pouco
Quanto à terceira questão,
VocêGosta de História?
sim
sem resposta
pouco
A justificativa dada pelos entrevistados, em Matemática, por não gostar da disciplina foi: a
matéria é complicada; o professor não sabia ensinar; não ter habilidades com os cálculos; não houve
aprendizagem adequada; não alcançava boas notas. Diante dessas premissas, surgem indagações,
tais como: O que fazer para descomplicar uma matéria? Como o professor aprende a ensinar? Como
desenvolver habilidades com cálculos? Como alcançar a aprendizagem? Qual o efeito das notas
baixas no comportamento de um aluno?
Em relação à História, a justificativa, por gostar um pouco da disciplina foi: matéria cansativa;
difícil de assimilar; não ser bom na matéria; por falar muito. Perante tais posições, pergunta-se:
Como tornar a matéria de história menos cansativa? Como facilitar as informações para que o aluno
assimile o conteúdo? O que seria não ser bom na matéria? Quem é o autor do “falar muito”, o
professor ou o aluno?
Comparando as duas disciplinas, matemática e história, observa-se que os alunos em sua
maioria gostam de história, portanto, poderia utilizar a história como instrumento para auxiliar na
aprendizagem do aluno em matemática. Iniciando o processo pelo caminho que os agrada, no caso, a
história.
74
A quarta questão refere-se à utilização da história pelo professor de matemática, isto é, se a
história da matemática foi ensinada em sala de aula. Os dados obtidos foram:
sim
não
Observa-se que 80% dos professores não utilizaram a história da Matemática, como
fundamento, para inserir os conceitos matemáticos para os seus alunos. O que leva a deduzir, que
esse fenômeno contribui para dificultar a apreensão matemática pelo aluno. Segundo Aranha (1997,
p. 17) “[...] a sociedade exerce sobre o indivíduo um efeito plasmador, a partir do qual é construída
uma determinada visão de mundo; por outro, cada um elabora e interpreta a herança recebida na
sua perspectiva pessoa”. Que tipo de visão o professor tem contribuído junto à sociedade, na
construção do conhecimento matemático de seu aluno? Quais “heranças matemáticas” o aluno tem
recebido na escola? Que impacto isso tem causado em sua aprendizagem, isto é, como o aluno tem
elaborado, interpretado as aulas de matemática e as quais conclusões tem chegado?
Você Conhece?
Fórmula de Bháskara
Personagem: Bháskara
Personagem: Pitágoras
SEM RESPOSTA
NÃO
Teorema de Pitágoras
SIM
Diferença entre Aritmética e Álgebra
Indo-arábicos
Origem dos números
0
2
4
6
8
10
12
75
Observando os dados supracitados, verifica-se que o desconhecimento de conceitos,
biografias, aspectos históricos e outros são desconhecidos dos alunos, conduzindo a indagar: A não
apreensão sobre as estruturas básicas ou famosas da Matemática podem refletir as dificuldades e o
afastamento dos alunos para esta ciência? Quais competências e habilidades estão sendo
desenvolvidas, nos alunos, em Matemática? Pois, conforme Rooney (2012, p. 206), a matemática é
algo que deve ser encarada como natural, pois “[...] apoia-se na humanidade, criou-se sem nenhuma
apresentação e nos encorajou a construir nosso edifício cultural ao redor dela. Não houve nenhuma
situação em que fosse sensato perguntar o que ela era afinal”.
A matemática sempre existiu, mas precisava ser descoberta. De acordo com Rooney (2012, p.
206) “[...] elas são pré-existentes”, isto é, faz parte do mundo real, sendo fundamentada na cultura
do homem. Reconstruir o universo, para entendê-lo, sem a presença da matemática, torna-se
impossível tal compreensão. Mesmo que para alguns cientistas a ausência da matemática não
prejudicaria as ciências, todavia, as suas considerações não influenciaram o mundo atual, que
continua a utilizar da matemática para resolver os desafios do dia a dia.
Para o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Fundamental II, para que haja a
ampliação da compreensão da trajetória dos métodos e conceitos da matemática, a história dessa
ciência tem de incorporar ao rol dos conteúdos, não sendo apresentado somente alguns fatos e
biografias de famosos matemáticos. Em concordância, o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) do
Ensino Médio, enfatiza que o aluno deverá fazer relações entre a evolução da humanidade com as
etapas da história da matemática. Sendo assim, quais métodos têm sido utilizados para que ocorra,
realmente em sala de aula, essa relação?
O princípio tem por característica geral ser simples, portanto, acompanhando desde a sua
base, sua evolução, dados sobre durante todo o processo histórico, pode contribuir para que aluno
não se perca na construção do conhecimento, mesmo que o fenômeno, com o passar do tempo
torna-se mais complexo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo este trabalho, constatou-se a importância que a história da matemática pode
contribuir no processo ensino-aprendizagem atual e, a negligência no ensino quanto a essa prática. O
ensino matemático continua fragmentado, isolado, como um fenômeno “água e óleo” que não se
misturam, em relação às áreas das humanas, no caso em estudo, a história.
Acredito através dessa pesquisa e das reflexões realizadas que os processos históricos
matemáticos, desde a origem até os dias atuais, podem contribuir para atrair a atenção do educando
e, facilitar sua compreensão dos conceitos matemáticos, ampliando o seu saber e desenvolvendo
suas habilidades e competências.
Sabendo que em sua etimologia, a palavra “matemática”, vem do grego e significa
“aprendizagem, conhecimento ou ciência” e que “matemático” é aquele que aprecia o
conhecimento, possa o professor iniciar derrubando a primeira barreira, pois, muitos pelo senso
comum, fariam a relação do vocábulo “matemática” com os números. Todavia, hão de ficar
surpresos ao saberem que no princípio não era essa a ideia, e que todos aqueles que são
apreciadores da aprendizagem, da ciência ou do conhecimento, podem ser considerados,
etimologicamente, como os verdadeiros “matemáticos” na atualidade.
76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna,
1997.
Disponível em:
<http://www.scielo.org.ve/scielo.php?pid=S1011-22512005000200003&script=sci_arttext>
em: 09 Ago. 2013.
Acesso
BERLINGHOFF, William P., GOUVÊA, Fernando Q. A Matemática através dos tempos: um guia fácil e
prático para professores e entusiastas. Trad. Elza F. Gomide e Helena Castro. 2. ed. São Paulo:
Blucher, 2012.
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei
no 9.394/96 Comentada e Interpretada, Artigo por Artigo. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Avercamp,
2010.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.
GROENWALD, Claudia Lisete Oliveira, SAUER, Lisandra de Oliveira, FRANK Rosvita Fuelber. A história
da matemática como recurso didático para o ensino da teoria dos números e a aprendizagem da
matemática no ensino básico. Disponível em:
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental II. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf> Acesso em: 18 Ago. 2013.
ROONEY, Anne. A História da Matemática: desde a criação das pirâmides até a exploração do
infinito. São Paulo: M. Books, 2012.
77
AA BBEELLEEZZAA CCO
OM
MO
O IIN
NSSTTRRU
UM
MEEN
NTTO
O DDEE AAU
UTTO
OAAFFIIRRM
MAAÇÇÃÃO
O N
NAA
SSO
OCCIIEEDDAADDEE DDEE CCO
ON
NSSU
UM
MO
O LLAATTIIN
NO
O--AAM
MEERRIICCAAN
NAA
MARTINS, Viviane Lima114
Resumo: o presente artigo científico tem por objetivo discorrer, ainda que suscintamente, sobre a
indústria da beleza e sua valorização na sociedade latino-americana, bem como a influência midiática
para que este processo se estabeleça, cada vez mais, como instrumento de autoafirmação feminina.
Palavras-chave: beleza feminina, mídia, sociedade latino-americana.
Abstract: This research paper aims to discuss, albeit succinctly about the beauty industry and its
recovery in Latin American society and the media to influence this process is established,
increasingly, as an instrument for self-assertion.
Keywords: feminine beauty, media, Latin American society.
INTRODUÇÃO: as cores e formas do Brasil a partir da mistura de raças, culturas e crenças
Jurei mentiras e sigo sozinho, assumo os pecados
Os ventos do norte não movem moinhos
E o que me resta é só um gemido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minh'alma cativa
Rompi tratados, traí os ritos
Quebrei a lança, lancei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa é não estar vencido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minh'alma cativa
(Sangue Latino – Ney Matogrosso)
Brasil é reconhecido internacionalmente, desde meados do século XIX, como o país da
mistura de raças. Mistura de seres humanos de origem diversa – indígenas, europeus e africanos – a
miscigenação teve valorização que variou através dos tempos. E o problema que consumiu as
energias da elite intelectual, principalmente da década de 1870 até a década de 1930, foi a alegada
impossibilidade de construção de uma nação civilizada a partir de uma população fartamente
mestiça, com presença preponderante do negro em sua composição. Questão que fundamentava o
verdadeiro complexo de inferioridade daqueles pensadores para quem o Brasil não tinha ainda uma
composição racial adequada para alcançar níveis superiores de desenvolvimento.
114
Doutoranda em Comunicação e Semiótica / [email protected]
78
Com as inovações ocorridas nos meios de comunicação, a circulação das informações flui
mais rapidamente, dinamizando a intercomunicação entre as nações, corporações econômicas e
indivíduos de todo o planeta. Dessa forma, o processo de mistura cultural também é acelerado.
A reflexão de Serge Gruzinski sobre essa temática é esclarecedora. Na obra O Pensamento
Mestiço (2001), ele analisa a ligação da cultura europeia renascentista com dos índios hopis do Novo
México, no século XVI. Conforme o autor, vivemos em mundos mesclados, permeados por misturas.
Assim, frequentemente, se não sempre, o arcaico é um engodo. Vários traços característicos das
sociedades indígenas provêm da Península Ibérica, e não do distante passado pré-hispânico a que o
etnólogo nostálgico se apressa em ligá-los.
Serge Gruzinski (2001), ao analisar o momento da conquista, relembra que a chegada dos
europeus gerou turbulências e foi sinônimo de desordem e caos. Relembra ainda que, sem essa
noção em mente, não podemos compreender a evolução da colonização e as misturas provocadas
pela conquista. Dessa forma, surgiram as “zonas estranhas”, onde a improvisação venceu a norma e
o costume, ou seja, a relação entre o espanhol conquistador e as populações ameríndias foi marcada
por indeterminações, precariedades e improvisações.
Com o encontro ente a civilização espanhola e a indígena no século XVI, em decorrência da
expansão mercantil da Europa; por conseguinte, com o advento da globalização, deflagrou-se um
processo de misturas entre os “dois mundos”. De um lado, os colonizadores imbuídos do espírito do
cristianismo; de outro, os colonizados que tiveram sua cultura submetida à primeira. No entanto, por
mais assimétrica que seja a relação de mando colonial, há espaços para resistência e preservação de
alguns elementos da cultura subjugada.
O Brasil, metade do continente sul-americano, tem grandes variações demográficas
regionais: população mais branca no sul, mais negra na costa norte, com influência indígena ainda
visível apenas na grande, mas pouco povoada, Bacia Amazônica.
Portanto, pode-se mais uma vez perguntar: será que esta surpreendente variedade social,
possui realmente uma única história. Não, no sentido de que uma única história não consegue
englobar sua diversidade. Sim, no sentido de que esses países têm muito em comum. Eles
vivenciaram um processo semelhante de conquista e colonização europeia, Eles se tornaram
independentes mais ou menos na mesma época. Eles lutaram com problemas semelhantes, de uma
série de maneiras semelhantes. Desde a independência, outras tendências política claramente
definidas têm varrido a América Latina, dando à sua história altos e baixos unificados.
Em 1980, a maioria dos governos da região eram ditaduras de vários tipos. Em 2000,
governos eleitos passaram a predominar. E a globalização da década de 1990 ajudou a América
Latina a deixar para trás a “década perdida” de 1980 de dívida externa, inflação e estagnação. A
recuperação econômica deu prestígio às políticas “neoliberais” (basicamente de livre-mercado)
seguidas por praticamente todos os governos da região. Mas, como na maior parte do mundo, o
atual crescimento do livre mercado parece tornar os ricos mais ricos, a classe média mais classe
média e os pobres comparativamente mais pobres. Na América Latina, com sua maioria pobre, esse
tipo de crescimento pode produzir mais derrotados do que vendedores.
Lotman (2002) constrói seu conceito de tradução, que se resume no fato de que, a partir do
que surge de informação no outro, um sistema (cultura, língua etc.) reconforma sua estrutura
traduzindo em signos que existem à sua disposição dentro da sua realidade, da sua experiência,
aquilo que “recebeu”, que absorveu (informação), que leu, no outro, modificando-se, acrescentando
em si uma nova experiência, fruto de sua vivência com as informações novas, vindas de fora.
Hoje, vivemos numa sociedade de imagens, que corporificam pessoas magras, jovens e sem
rugas, modelo atrás do qual todas correm. Tal fato gera uma forma de cobrança indireta
especialmente nas mulheres. Mas é um tipo de beleza que não tem a ver com nossa cultura. A
mistura de raças que há no Brasil resulta numa mulher curvilínea, por exemplo. Aquilo que
chamamos de “morenidade” da brasileira desapareceu para dá espaços às figuras esguias, loiras e de
seios grandes, enquanto a brasileira é mais baixa, tem seios pequenos. Isso é grave, pois temos um
país com minorias negras muito grandes. Esse modelo perverso deixa a autoestima de muitas
meninas e mulheres fragilizada, o que acaba sacrificando identidade física brasileira.
79
2 O papel da mídia impulsionando a sociedade de consumo moderna
De acordo com o sociólogo Edgard Morin (2005), vivenciamos na primeira metade do século
XX uma promoção de valores femininos ligados a questões como moda, narrativas romanescas,
fenômeno das cover-girls e o aparecimento da imprensa sentimental. Incentivados principalmente
pelas revistas, TV e cinema, a mulher aos poucos assumiu um duplo papel frente ao público: o de
modelo identificador, do lado feminino e o de objeto de desejo do lado masculino. Essa grande
exposição da mulher aos meios de comunicação acabou por enaltecer não somente seu tipo físico
ideal (cabelo, altura, corpo) como também atributos específicos ao mesmo.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p.78),
Os consumidores são os trabalhadores e os empregados, os lavradores e os
pequenos burgueses. A produção capitalista os mantém tão bem presos em corpo
e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os
dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles
recebiam. Hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do
sucesso do que os bem - sucedidos. Elas têm os desejos deles.Obstinadamente,
insistem na ideologia que as escraviza.
O rico brasileiro é magro, enquanto o pobre é cada vez mais obeso. Na sociedade de
consumo, em que vivemos atualmente, a beleza se tornou um produto, enquanto no passado era
uma característica. Isso é péssimo. Hoje a mulher feia e pobre sofre muito por causa da aparência. O
Brasil, até nas classes desfavorecidas, apresenta um altíssimo consumo de cosméticos, pois todos
acham que a beleza pode ser comprada.
O jogo das aparências (moda, sucesso, estilo de vida, mídia) pode nos levar a crer que
estejamos vivendo um mundo homogêneo, sem distinções. Porém esta suposição não tem
pertinência. A era informacional, até o presente momento, não alterou o princípio da desigualdade
que norteia a história do capitalismo, muito pelo contrário - o monopólio internacional de capital
(produtivo e volátil), somado à forma seletiva como vêm sendo usadas as novas tecnologias, tem
acentuado as dessemelhanças entre os povos. A imagem emitida no jogo das aparências ganha
distinção e razão de ser diferenciada, segundo as singularidades locais. Assim, as fantasias,
projetadas pelo marketing e difundidas pelos media, relativas à aquisição de um bem, ao se
tornarem objeto de desejo são particularizadas relativamente ao indivíduo ou ao coletivo. Aí
inserem- se componentes tais como: estilo pessoal (educação, situação econômica, código do grupo,
moda), valor de uso, qualidade do produto, acesso financeiro, status social e, até mesmo, sentido de
pertencimento.
Lipovetsky (2004) escreve sobre os tempos hipermodernos, destacando que podemos pensar
numa cultura do excesso e, de forma ambígua, da moderação e do equilíbrio. A lógica do consumo
está presente em parcelas cada vez maiores da vida social. Uma destas parcelas seria o consumo
imaterial, subjetivo, emotivo. Segundo uma lógica de consumo, então, parceiros seriam escolhidos
predominantemente por sua aparência física em detrimento de seus valores, de aspectos da
personalidade não expressados via objetos de consumo, bem como seriam vistos como um corpo
que pode proporcionar prazer e não como uma subjetividade, isto é, não como um mundo a ser
conhecido e partilhado nem que seja por um curto período.
Hoje, o que se busca no consumo é, antes de tudo, uma sensação viva, um gozo emotivo. É
um consumir sem esperar, divertindo-se, não renunciando a nada, consumir e consumir-se. O que
caracteriza o “hiperconsumo é o fato de que até o não econômico – família, religião, sindicalismo,
80
escola, procriação, ética – é permeado por esta mentalidade”. Em contrapartida, cabe destacar que
esta relação não elimina os valores humanos, dos sentimentos, da amizade, do altruísmo. Quanto
mais se impõe a mercantilização da vida, mais comemoramos os direitos humanos. (LIPOVETSKY,
2004).
Para esta sociedade hiperconsumista, o consumo torna-se antes de tudo prazer e, diante do
mito do hiper os indivíduos passam a buscar uma identificação com os produtos de forma a
promover sua própria imagem. Segundo Lipovetsky e Charles (2004, p. 170)
A busca dos gozos privados suplantou a exigência de ostentação e de
reconhecimento social: a época contemporânea vê afirmar-se um luxo tipo
inédito, um luxo emocional, experimental, psicologizado, substituindo a primazia
da teatralidade social pela das sensações íntimas.
Para Martin-Barbero (2004), em certo sentido, se o dinheiro é padrão e medida de valor na
sociedade moderna, o consumo também funciona na linguagem como uma espécie de moeda que
mede as classes; trata-se de um dos mais importantes recursos através dos quais as pessoas de
classe média verbalizavam suas avaliações de classe em geral e as distinções intraclasse.
Neste contexto, o corpo foi transformado em um dos símbolos e objetos vendáveis e
cultuáveis do mundo capitalista. Segundo Baudrillard (1991, p. 213), o sistema de produção induz nos
sujeitos uma dupla prática: a do corpo como capital, isto é, como o finalizador do processo de
produção, e como fetiche, sendo ele o próprio objeto de consumo.
As mídias são grandes veiculadoras deste novo culto. Há uma enorme quantidade de
anúncios publicitários onde aparecem corpos considerados perfeitos, induzindo os leitores a
consumirem uma imensa parafernália para conseguirem a boa forma desejada. Isto seria um
investimento e considerado um bem de altíssimo valor. Convencidos disso, quem pode e deseja
recorre às operações plásticas, próteses e outros artifícios.
Acredita-se que seja importante, também, que os indivíduos se conservem indefinidamente e
aparentemente jovens. Os meios de comunicação, evidentemente, garantem os interesses
econômicos das empresas de grande e médio porte e dos pequenos negócios com este discurso. Não
é casual que o Brasil seja um dos maiores consumidores de artigos cosméticos do planeta, além de
realizar um elevado número de cirurgias plásticas “embelezadoras” por ano.
Assim, realça Santaella (2004, p. 60), os modelos para essa aparência são dados pela
exacerbação de imagens da mídia: imagens de top models, pop stars, atores e atrizes hollywoodianas
e da TV. Essas imagens funcionam como miragens de um ideal corporal a ser atingido. Isso
retroalimenta a busca que dá sustento às indústrias de beleza.
As mídias e suas publicidades por sua vez, provocam profundo efeito sobre a percepção dos
indivíduos no que diz respeito ao corpo. São elas, que nos levam a imaginar, fantasiar determinadas
existências corporais, formas de andar, vestir e se expressar, assim como delineamentos físicos e
padrões estéticos. Portanto, a mídia potencializa a difusão e capitalização do culto à beleza
padronizada, constituindo assim o que podemos denominar de “indústria da beleza”.
Diante disso, Santaella (2004, p. 129) evidencia que “o que se apresenta aí é o corpo
homogeneizado como lugar de produção de signos: o mesmo olhar sobre o mesmo tipo de
maquiagem, os mesmos lábios enxertados como manda o ideal de sensualidade do momento, o
mesmo tamanho do sorriso [...]”.
3 A busca pelo belo: novos anseios de consumo no Brasil e na América Latina
81
“A beleza é uma carta de recomendação
aberta que de antemão conquista os corações”
Schopenhauer
As inovações tecnológicas e o discurso sobre modernidade, junto com as ofensivas
conservadoras, foram a estratégia para se construir essa imposição de um padrão de beleza
associado à magreza e à eterna juventude.
A preocupação com a beleza se transformou em verdadeira obsessão na América Latina,
mobiliza uma indústria de milhões de dólares e interessa de forma igual a todas as classes sociais:
agora, o sonho de ser uma Barbie parece estar ao alcance da maioria das mulheres latinoamericanas, graças às cirurgias plásticas, às dietas e à ginástica.
Embora haja diferenças na concepção do corpo de um país para outro, o modelo de beleza
que prevalece na região é o europeu (pele branca, olhos claros e cabelos loiros), mas esses critérios
se chocam com a realidade multirracial latino-americana. Assim como a maioria das pessoas do
mundo, os latino-americanos depositam esperanças essenciais na mudança do corpo: aspiram à
eterna juventude, a se parecer com uma modelo ou atriz, melhorar sua apresentação para alcançar
sucesso profissional ou até mesmo fugir da discriminação. Homens e mulheres, ricos e pobres,
descendentes de europeus ou indígenas invadem os centros de beleza obcecados com a ideia de
desafiar a natureza para conseguir corpos na medida de seus sonhos.
O mercado elabora artifícios para atender aos anseios de todas as classes e grupos sociais.
Em relação às cirurgias plásticas, existem vários tipos de clínicas que realizam estas operações. O
sistema cria possibilidades para que muitos “tenham acesso”, acompanhando o desenho social.
Há cirurgiões plásticos para atender aos desejos de rejuvenescimento ou de “melhoria” de
características de aparência física dos ricos e dos membros mais abonados das classes médias.
Geralmente, os seus consultórios estão localizados em regiões nobres da cidade. Existem, também,
clínicas particulares e hospitais – inclusive públicos – que fazem operações desta natureza, cobrando
mais barato e facilitando o pagamento, atendendo aos mais pobres e às parcelas cada vez maiores
das classes médias empobrecidas.
Segundo o Conselho Regional de Medicina, até por volta da metade da década passada, no
Brasil e em outros países, as cirurgias estéticas, especialmente as para eliminar rugas e diminuir os
seios eram tratadas com grande reserva pelos/pelas pacientes. Sendo que no caso da redução dos
seios, realizadas de fato para atender à moda da época, a justificativa formal apresentada a um
público mais externo, para se preservar de prováveis críticas, era a de recomendação médica, para
evitar danos à coluna.
Em contraste com tais fatos, no Brasil, de uns tempos para cá, quase que diariamente se vê
nos meios de comunicação, como casos exemplares, personalidades do mundo dos espetáculos e/ou
frequentadoras das colunas sociais, admitindo abertamente a realização de uma ou mais de tais
intervenções bem como a disposição de continuarem realizando-as, sempre que julgarem
necessárias.
Em reportagem especial intitula Brasil, Império do Bisturi a revista Veja (2001a), apresenta
vários de tais casos e dados estatísticos que mostram a grande relevância das cirurgias estéticas nos
dias atuais no país. Diz que em 2000 no mínimo 350.000 pessoas recorreram a elas, com um
aumento de 580% em dez anos. O percentual de homens que recorreram a tais cirurgias em cinco
anos saltou de 5% para 30%. No computo geral dá 207 cirurgias por grupo de 100.000 habitantes,
contra 185, nos Estados Unidos, que tradicionalmente lideravam esta classificação e 40 na Alemanha
e Inglaterra, para o mesmo grupo de habitantes.
Assim se vê que, como se deu anteriormente com a maquiagem e pintura de cabelos, as
cirurgias estéticas também entraram no rol das práticas usuais e legitimadas a favor da beleza.
Graças às cirurgias e tratamentos apropriados, qualquer um tem a chance de "corrigir" o que
considera uma "injustiça da natureza" ou criar uma imagem física que lhe permita se sentir mais
confortável ou em melhores condições de enfrentar as exigências da sociedade. A aparência física é,
82
para 61% das pessoas, o fator mais importante para o sucesso social, segundo recente pesquisa feita
pelo instituto Gallup, no Brasil. Com pequenas variações, possivelmente este resultado pode ser
válido em todo a região.
Por US$ 8 mil, em média, as mulheres e mais recentemente também os homens podem
mudar a aparência recorrendo à cirurgia plástica, prática que aumentou mais de 200% na região nos
últimos dez anos. No mundo, só os Estados Unidos estão à frente do Brasil em número de cirurgias
estéticas. Na Argentina, estima-se que uma em cada trinta pessoas se submeta a cirurgias para
mudar o rosto ou o corpo, segundo a revista americana Newsweek (Veja, 2001b).
Nos países da América Central e do Caribe, as mulheres gostam de exibir glúteos generosos.
"Para conseguir esse resultado, elas podem ficar de cinco a 10 quilos acima dos padrões de beleza
perseguidos pelas mulheres no Uruguai e na Argentina", explicou o médico argentino Raúl Pinto,
representante na América Latina da União de Medicina Estética Internacional, em entrevista para
revista Veja: "A mulher colombiana valoriza muito os lábios muito grossos, assim como no Brasil”.
A indústria da beleza cresce cada vez mais em toda América Latina, conforme podemos
observar nos dados que seguem, extraídos da revista Veja (44, 2001c)
 Em Santiago de Chile, a proliferação de salões não é um fenômeno isolado: os chilenos
consomem 600 milhões de dólares ao ano em produtos de beleza, segundo fontes da indústria
cosmética.
 No Brasil, 3,5 milhões de pessoas frequentam as sete mil academias do país, pagando de US$ 10
a US$ 20 ao mês, segundo dados da rede Fitness Brasil. Os números mostram que o negócio da busca
do corpo perfeito movimenta no Brasil pelo menos US$ 420 milhões. À proliferação das academias
nos bairros se soma o aparecimento de novos fenômenos, como o dos personal trainers e dos spas.
 Misión del Sol, em Cuernavaca (90 km ao sul da Cidade do México), é um dos muitos spas que
causam furor na América Latina. O centro oferece um fim-de-semana que, por US$ 500, inclui
hospedagem, alimentação, massagens, cuidados faciais, salão de beleza e tratamentos sofisticados
(banho de espuma, reflexologia, talassoterapia e procedimentos esfoliantes).
 Na Colômbia, a tradicional festa ou viagem sonhada nos quinze anos foi deixada de lado. As
adolescentes agora pedem uma cirurgia para aumentar os seios ou uma depilação definitiva com
laser. "Sem entender como deveria ser seu corpo, as crianças repetem os sinais de uma cultura
doentia", critica a médica Mabel Bello, responsável pela clínica Aluba, onde são tratadas as pessoas
que sofrem de distúrbios alimentares.
Além de cuidar do corpo com exercícios físicos e apelar para terapias alternativas e para o
uso de vários cosméticos, os latino-americanos também recorrem a cirurgiões para esticar a pele do
rosto, engrossar os lábios, firmar os glúteos, tornear as pernas ou até mesmo afinar os joelhos. As
razões que levam alguém a recorrer a uma operação para mudar a aparência variam conforme a
idade, a origem social e os recursos de que dispõe.
Em questão de propaganda de produtos para manter a forma, todos os recursos parecem
válidos, de TV a outdoors. Algumas personalidades que recorreram à cirurgia ou métodos intensivos
de beleza são mostradas - com admiração ou assombro - como modelos de comportamento social.
Celebridades como Zulema Yoma - ex-mulher do presidente argentino, Carlos Menem -, Silvio Santos
ou a atriz mexicana Verónica Castro ocupam as primeiras páginas de publicações de seus países
exibindo corpos e rostos modelados cirurgicamente.
Contra o domínio do modelo europeu de beleza na América Latina, há algum tempo
começou a ser observada um tipo de revanche do tipo latino, graças à influência de estrelas, como a
mexicana Salma Hayek e a americana Jennifer López.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No século XIX, por exemplo, eram consideradas belas mulheres com uma massa muito
superior ao padrão atual. Porém, naquela época, a beleza era tratada muito mais como uma questão
83
subjetiva, não se constituindo como algo tão fundamental o fato de alguém se enquadrar em
modelos.
Contudo, com o crescimento da burguesia e do capitalismo, a beleza foi padronizada, sendo
transformado em algo fundamental o encaixe das pessoas nos modelos estabelecidos. É verdade que
existe mais de um padrão de beleza, mas quem não se enquadra em algum acaba duramente
discriminado. Com essa discriminação, os considerados feios vão consumir o maior número de
produtos possíveis, para, com isso, serem considerados bonitos ou ao menos compensarem a sua
“feiúra”. Partindo deste princípio, a mídia acaba incentivando cada vez mais a discriminação,
mostrando, de forma caricata, as pessoas vistas como “fora do padrão de beleza”. Estas são
mostradas como pessoas chatas, desinteressantes, que só se tornariam atraentes quando atingissem
os padrões de beleza vigentes.
A conclusão a que podemos chegar acerca desse assunto é que, a sociedade, ingenuamente,
se deixa influenciar por uma mídia claramente ligada à burguesia. E a burguesia, para quem ainda
teima em não perceber, age de acordo apenas com seus interesses. Grande parte da sociedade
porta-se como agente fiel, cruel e hipócrita da burguesia. Uma evidência dessa hipocrisia é o fato de
que, quando alguém se julga um feio irremediável, a mesma sociedade que discrimina os que se
mantém fora dos padrões diz que essa pessoa deve melhorar a sua autoestima. Mas é exatamente
essa parcela da sociedade que baixa a autoestimas dos que estão fora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. e HORKHEIMER, M.“Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das Massas”.
In Dialética do Esclarecimento. Rio: Jorge Zahar,1985.
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991.
_____. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991.
CHASTEEN, J. C. América Latina - uma história de Sangue fogo. Rio de Janeiro: Campus, 2001
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Cia das Letras, 2001
KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975
LIPOVETSKY, Gilles: CHARLES, Sébastien. Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.
LOTMAN, Iuri. La Semiosfera I, II e III. Madrid: Cátedra, 2002.
MARTÍN BARBERO, Jesús. O ofício de cartógrafo/Travesías latinoamericanas de la comunicación en
la cultura, Santiago do Chile: Fondo de Cultura Económica, 2002.
MORIN, Edgard. Cultura de Massas do Século XX, volume 1: Neurose. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 2005.
SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004. VEJA. São
Paulo, n. 34, 2000.
_____. São Paulo, n. 2, 2001a.
84
_____. São Paulo, n. 30, 2001b.
_____. São Paulo, n. 44, 2001c.
_____. São Paulo, n. 48, 2001d.
85
AA VVIISSÃÃO
O EEM
MPPRREEEEN
NDDEEDDO
ORRAA N
NO
O PPRRO
OCCEESSSSO
O DDEE SSU
UCCEESSSSÃÃO
O –– O
O CCAASSO
O
DDAASS IIN
NDDÚ
ÚSSTTRRIIAASS RREEU
UN
NIIDDAASS FFÁÁBBRRIICCAASS M
MAATTAARRAAZZZZO
O
Nogueira, Cleber Suckow115
Trindade, Dorival Paula116
Resumo: O empreendedorismo passou nas últimas décadas a ser alvo de estudos por conta de uma
série de implicações na geração de emprego e renda, e evidente aspecto de desenvolvimento de um
país. Várias são as questões abordadas nos estudos, desde os aspectos comportamentais do
empreendedor até questões relacionadas aos motivos de sucesso dos grandes empreendimentos
produzidos por empresários que começaram praticamente do zero. Aborda a questão da visão
empreendedora do fundador que nem sempre é transferida para os sucessores e o quanto isso pode
comprometer substancialmente a trajetória de crescimento nos desafiadores cenários dinâmicos dos
mercados. Para a análise dessas questões foi feito uma pesquisa na história do um dos mais
reconhecidos empreendedores no Brasil, Conde Franceso Matarazzo.
Palavras chaves: Empreendedorismo, Sucessão, Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo.
Abstract: Entrepreneurship has in recent decades to be the focus of studies on behalf of a number of
implications in generating employment and income, and obvious aspect of a country's development.
Several questions are addressed in the studies from the behavioral aspects of the entrepreneur to
issues related to the reasons for success of large developments produced by entrepreneurs who have
started virtually from scratch. Addresses the entrepreneurial vision of the founder is not always
transferred to the heirs and how it could substantially impair the growth trajectory of challenging
scenarios in dynamic markets. For the analysis of these issues was made a research on the history of
one of the most recognized entrepreneurs in Brazil.
Keywords: Entrepreneurship, succession, Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo.
INTRODUÇÃO
Este artigo analisa um dos principais empreendedores da história do Brasil. Um imigrante
italiano que criou um império de 365 empresas em 55 anos de atividade e acumulou uma fortuna
avaliada nos dias de hoje em 20 bilhões de dólares. Francesco Matarazzo foi um símbolo da elite
paulistana, criador da CIESP e FIESP. Após sua morte em 1937 aos 82 anos, os herdeiros em visíveis
crises de podersobre modelos de administração dos negócios começaram a dissolução do
patrimônio. Em 1980 a organização das IRFM – Indústrias Reunidas FábricasMatarazzo reduzida a
meia dúzia de empresas e uma dívida de 300 milhões de dólares tem decretada sua falência. Nas
pesquisas de Couto (2004a), os Matarazzos aparecem relacionados com as lições de
empreendedorismo, colocando uma reflexão onde se estuda se era possível a continuidade do
sucesso do patriarca Francesco Matarazzo, reconhecidamente um empreendedor, ensinando,
transmitindo práticas bem sucedidas aos seus herdeiros, para odesenvolvimento dos negócios.No
115
Prof. Ms. Universidade Católica de Santos.
116
Prof. Ms. Faculdade de São Vicente - UNIBR
86
entanto, o empreendedorismo e o sucesso de Francesco Matarazzo pode passar por questões
comportamentais e pela conjuntura econômica e social da época.
Portanto, este artigo apresenta a trajetória empreendedora de Francesco Matarazzo. Resulta
de uma pesquisa bibliográfica sobre a história do Conde Francesco Matarazzo, concentrando a
artigos de periódicos e livros. Sua capacidade de inovação e o processo sucessório que marcou a
história do criador do maior complexo industrial da América Latina do início do século XX e seus
reflexos na economia nacional são retratadas.
1 Francesco Matarazzo
Nascido em 1854, na região de Nápoles, na Itália, Francesco Matarazzo chegou ao Brasil em
1881. Inicialmente se estabeleceu em Sorocaba, onde deu início à política comercial que conservaria
para sempre: “O bom negócio se faz na compra e não na venda”, era o lema que seguia, cuidando
mais de comprar barato do que vender caro. Em 1890, trocou Sorocaba por São Paulo. Na capital,
abriu um comércio de secos e molhados na Rua 25 de Março, fez negócios com banha e começou a
dedicar-se à importação. Bem sucedido, investiu num empreendimento industrial de grandes
proporções: comprou um moinho de farinha – o primeiro de São Paulo. Foi o início do que mais tarde
seria chamado de um “império industrial” (COUTO, 2004b). Para produzir os sacos que embalavam
sua farinha, Matarazzo adquiriu máquinas de tecelagem. Com elas, em pouco tempo produzia
tecidos para o mercado. As sementes do algodão que comprava para a tecelagem, por sua vez, eram
beneficiadas e delas o empresário extraía óleo. Um subproduto da refinação do óleo de semente de
algodão, chamado “pé” e usado na produção de sabão, levou Matarazzo a comprar uma fábrica e
comercializar o produto. A necessidade de caixotes e embalagens fez surgir serrarias e uma
metalúrgica. Com a madeira e o metal disponíveis, o empresário começou a fabricar móveis e
utensílios de alumínio. Na década de 60, o “império” do Conde Matarazzo – título de nobreza
concedido pelo governo italiano a imigrantes bem-sucedidos – reunia mais de cem empresas, que
empregavam cerca de 30 mil pessoas.
“A longa e inspiradora vida de Francisco Matarazzo – falecido em 1937 é um dos grandes
exemplos de empreendedorismo no Brasil” (COUTO, 2004a).
“Quase nada restou do império construído por Francesco Matarazzo. Após sua morte, a
condução dos negócios foi entregue ao décimo segundo de seus treze filhos, Francisco Matarazzo
Júnior. Mais conhecido como o Conde Chiquinho, ele ficou famoso pela festa nababesca que
promoveu para celebrar o casamento da filha Filomena, em 1945. Seus problemas começaram na
década de 50, com o avanço da industrialização e o aumento da concorrência ao redor dos negócios
da família. Endividadas, as empresas foram vendidas uma a uma, em meio a várias brigas na família,
até a concordata no início dos anos 80. Maria Pia, a filha predileta de Chiquinho, apagou a luz.”
(COUTO, 2004b)
2 Senso de oportunidade e inovação
Fica evidente a visão e a intuição de Francesco Matarazzo, um senso de oportunidade que
nada passava despercebido e aproveitado quando conveniente. Muito embora haja relatos de que o
Conde Matarazzo fosse mais um comerciante ávidoe astuto. Era acima de tudo um articulador de
longo prazo. Matarazzo não apresentava sinais de estrategista,mas dava sinais que tudo estava
perfeitamente estrategiado em sua mente. Nada ficava amarrado a uma estratégia, porque as
sequências de oportunidades eram imensas, então não era oportuno ficar engessado.
Uma das características marcantes era a verticalização da produção, uma característica
marcante também de Henry Ford nos EUA. O cenário na época, começo do século XX, deixava claro a
87
falta de insumos para tudo que os empreendedores se predispusessem a fazer. Qualquer indústria
que se arriscasse montar, para garantir a continuidade de produção, era importante desenvolver sua
própria cadeia de suprimentos. E isso gerava oportunidades de negócios que Francesco Matarazzo
não desperdiçava (COUTO, 2004a).
Matarazzo era um verdadeiro Proteus – Deus grego para determinar os sem limites. Esse sem
limites pode-se dizer literalmente, já que seus negócios ramificaram pela América do Sul e Europa e
incomodaram os países fortes e desenvolvidos para a época, como os EUA (COUTO, 2004b).
Outra qualidade de Francesco Matarazzo era a inovação. Mesmo sem admitir, já que dizia
que seu segredo de sucesso era possuir alguma inteligência, certa capacidade gerencial, muito
trabalho e sorte. Pouco percebia que seu tino para inovação era sua maior qualidade, e que trabalho
era sua maior personalidade, e a sorte fazia parte de sua capacidade de relacionamento.
Sua arte e inspiração de inovação vinham exclusivamente da necessidade de desenvolver
produtos e serviços frutos de sua própria demanda em fazer melhorias em seus negócios e processos
produtivos para alcançar ganhos de escala, das necessidades de criar subprodutos para aproveitar o
que seria rejeitos industriais para outros e, mecanismos de financiamentos e proteção de seus
negócios, que até então não eram explorados no Brasil. Em dias de hoje pode-se comparar tudo isso
a programas de crescimentos sustentáveis e programas de responsabilidade social.
3 Liderança e Relacionamento
O emergente Matarazzo não possuía capacidade de investimentos para tantos
empreendimentos de grande porte – indústrias comparadas às multinacionais de ponta no exterior.
Os financiamentos vinham graças a sua credibilidade e honra. Assim, conseguia empréstimos em
bancos nacionais e estrangeiros (COLLAZIOL, 2009).
Matarazzo em vez de gozar sua fortuna continuava investindo seus lucros, em prol de seu
objetivo que chamava de “emancipação industrial do Brasil. Isso deixa claro que esse italiano, que
jamais conseguiu falar claramente o nosso português, era um fanático pelo nosso país, nacionalismo
que ficava acima de qualquer pretensão de conforto de um bilionário. Isso trazia a ele um carisma
especial que em seu enterro reuniu cerca de 100 mil pessoas (MARTINS, 1974).
Dean (1971) escreveu em artigo que Francesco defendeu além do Brasil também a Itália
durante a guerra mundial, e lá fez amizades e alianças que lhe rendeu o título de conde (na condição
de título hereditário). De volta ao Brasil, fundou e presidiu o Centro das Indústrias de São Paulo –
Ciesp.
Martins (1974) publicou artigo que dizia que Francesco era muito discreto na política, e
preferia não se envolver muito para não atrapalhar os negócios. A faceta controversa foi a ligação
com o fascismo, e não escondia seu relacionamento com Mussolini. Dizia, “...se estivesse na Itália,
seria um fascista. Aqui no Brasil não sou nada”.
Em visitas as suas fábricas, uma por dia pelo menos, até morrer passeava pelos pátios e
conversava com funcionários. Mantinha um clima saudável, em uma acolhida cultura organizacional
de gratidão. Seu lema, traduzido em seu brasão era “Fé,honra e trabalho”(MARTINS, 1974).
4 Processo Sucessório em Empresas Familiares
Decisões surpreendentes de jovens herdeiros, que preferem tomar caminhos profissionais ou
pessoais alternativos a seguir os passos de pais e avôs, estão obrigando as grandes empresas a se
municiarem melhor para períodos sucessórios turbulentos. Pai rico, filho nobre e neto pobre. A frase
lapidar que já consta informalmente dos manuais de Administração que circulam pelas universidades
do País, nunca foi tão atual neste momento em que desponta nas grandes corporações familiares a
88
discussão de como evitar que as novas gerações de herdeiros, ao procurarem se desvincular da
empresa, por motivos pessoais ou profissionais, acabem pondo em risco o próprio negócio, às vezes,
centenário.
Em geral, fundadores desavisados parecem não perceber o crescimento progressivo da
empresa e mantêm liberado o uso do patrimônio da mesma pelos membros da família. Isto cria entre
os outros membros de sua família e funcionários da empresa percepções de injustiça, abuso de
poder e distorções de valores e padrões. Este comportamento inadequado para a cultura da
organização pode levar facilmente à perda de idoneidade da empresa (LODI, 1987). Pode, também,
provocar problemas de desestruturação do negócio, com impactos sérios sobre o processo
sucessório. Há, por isso, recrudescimento de posições, intransigibilidade em negociações e
inaceitabilidade de propostas e/ou pessoas.
Em segundo lugar, começam a aparecer problemas de profissionalismo, porque
simplesmente o fundador não quer delegar poder. Não delegando não há possibilidade de
profissionalização da empresa. Isto normalmente leva a um desempenho medíocre da organização,
com o consequente decréscimo de sua rentabilidade e possível transferência de mãos ou falência
(COHN, 1991).
Finalmente, a terceira questão é a falta de planejamento sucessório. Existe uma grande
diferença entre aquele que herda por disposição legal, daquele que o faz por vontade de quemestá
dispondo de seus bens. Ou seja, que decididamente cabe ao sucedido definir as regras dasua
sucessão, planejando-a antes que esta se faça obrigatória por força de lei (em caso de morte ou
impedimento permanente, por exemplo). A questão, contudo, é que parece ser muito elevado o
número de empreendedores que não atentam para a sucessão, tornando-a muito mais um problema
do que um processo de continuidade.
Ventura (1993) aponta os processos de sucessão mal (ou não) planejados e malsucedidos
como as principais causas da vida curta de empresas familiares. Ele indica, ainda, um estudo
realizado nos Estados Unidos, que mostrou que “apesar do número de empresas familiares ser muito
grande elas têm vida curta, ou seja, uma expectativa média de vida de apenas 24 anos”(p.117), em
contraposição com uma vida média de 45 anos de empresas não familiares. Este mesmo estudo
mostrou que, para cada duas empresas familiares que continuam com a segunda geração, quatro
não o fazem; e que, dessas duas que são bem sucedidas, só uma delas passa para a terceira geração.
5 O começo do fim das IRFM – Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo
Durante a primeira guerra mundial, o filho Ermelino Matarazzo assumiu o lugar do pai, mas
em 1920 um acidente de carro numa estrada próximo de Turim tira-lhe a vida, e Francesco o
substitui por Chiquinho (seu penúltimo filho). Esse nunca foi bem aceito pelos herdeiros, em 1935
aos 80 anos já com sua saúde muito debilitada, ainda por mais dois anos tentou em vão fazer o resto
da família a aceitar o Chiquinho no comando dos negócios.
Aos 82 anos, em 1937, morre o patriarca, deixando 365 indústrias e um patrimônio,
avaliado, em valores de hoje, de 20 bilhões de dólares, sem contar já algumas ramificações da
família.
Durante 40 anos o Chiquinho Matarazzo manteve-se à frente dos negócios do grupo, e se
tornou o maior empresário da América Latina. Em 1969 teve seu primeiro balanço negativo. No início
de 1977, as fábricas passaram ao comando da filha de Chiquinho – Maria Pia, a neta mais jovem do
falecido Francesco. Diante de milhões de dólares de dividas não há muito que fazer, e a maior parte
das empresas entram em concordata. Um desmanche total das empresas, reduzidas a não mais que
meia dúzia delas ao final dos anos 80.
Chiquinho jamais se intimidou as situações de conflitos dos irmãos e herdeiros do grupo. As
crises de poder fizeram os irmãos mais próximos vender suas cotas ainda em 1932 sendo o primeiro
89
golpe no caixa das IRFM, já que tudo foi pago em dinheiro, descapitalizando a organização (TORRES,
2010).
Sem a mesma visão de negócios do pai, Chiquinho deixa de associar-se a Volkswagen em
1950, e assim prossegue sem observar tendências e modernizações. Não observa as futuras invasões
do mercado aos seus produtos e serviços. A família toda dividida, também dividem a riqueza
acumulada durantes anos pelo patriarca, lutam por interesses próprios. Envolvidas em desperdícios
de luxos, os herdeiros sem nenhum compromisso ou objetivos lapidam todos os ativos.
6 Queda do Império
Drucker (1995)alertava sobre os problemas que empresas familiares poderiam passar
durante as sucessões de comando. Dizia que a primeira regra seria que os membros da família não
deveriam trabalhar na organização a não ser que fossem, no mínimo, tão competentes quanto
qualquer outro empregado que não fosse da família e trabalhem, pelo menos, com o mesmo afinco.
A segunda regra de Drucker era a de que não importava quantos membros da família fossem da
administração da empresa nem seu grau de competência, mas um dos cargos mais altos deveria ser
ocupado por alguém que não fosse da família. E a terceira regra era aquela em que a empresa
administrada por uma família, exceto talvez as muito pequenas, precisassem ocupar um número
cada vez maior de cargos-chave com profissionais não-parentes. O conhecimento e a competência
necessários seja na área de produção, marketing, financeira, de pesquisas seja de administração de
pessoal tornaram-se muito vastos para que possam ser satisfeitos qualquer um dos mais
competentes dos membros da família, independentemente de suas boas intenções.
Francesco Matarazzo foi considerado o maior empresário de nosso país para a época, com
uma fortuna que ainda hoje foi pouco alcançada no mundo, amealhada em seus 55 anos de
trajetória empresarial (COUTO, 2004a). Isso, não pode ser apenas sorte, ou apenas trabalho. Há de
traduzir em empreendedorismo. Em um dos seus livros, Dornelas(2005, p.17) diz que “o
empreendedor é aquele que faz as coisas acontecerem, se antecipa aos fatos e tem uma visão de
futuro”. Dornelas, ainda indica que “é considerado empreendedor aquele que herda os negócios dos
pais ou parentes e que dão continuidade às empresas criadas há décadas”.
Mano (2010) relata que os herdeiros não herdaram as mesmas qualidades do Francesco, já
que essas qualidades talvez não possam ser transferidas geneticamente, e o resultado foi a perda da
competência essencial das IRFM. Perderam o senso de oportunidades, visão de negócios,
relacionamentos e alianças estratégicas, e inovação. As empresas do grupo, nas mãos dos herdeiros,
tornaram-se ao longo do tempo ultrapassadas, e seus produtos obsoletos. Sem capacidade de
realizar caixa e honrar os compromissos, então até mesmo a frase do brasão não mais fazia sentido:
Fé, honra e trabalho.
7 Administrador versus Empreendedor
Para Dornelas (2005), o administrador ou a arte de administrar concentra-se nos atos de
planejar, organizar, dirigir e controlar. Por melhor que tenham sidos os administradores das IRFM,
admite-se que há uma distância entre administradores e empreendedores. No tempo, o ato de
administrar sofreu evoluções e já é possível perceber atenções especiais aos gerentes
contemporâneos que além de eficientes possuem a capacidade de realizar. O empreendedor de
sucesso possui características extras, além dos atributos do administrador também desenvolve
características pessoais, que somadas a outras questões ambientais e sociológicas permitem ao
desenvolvimento de novas empresas - realizam. O autor destaca ainda 15 características dos
empreendedores de sucesso: são visionários, sabem tomar decisões, são indivíduos que fazem a
90
diferença, sabem explorar ao máximo as oportunidades, são determinados, são dedicados, são
otimistas e apaixonados pelo que fazem, são independentes e constroem o próprio destino, ficam
ricos, são líderesformadores de equipes, são bem relacionados, planejam muito, possuem
conhecimento, assumem riscos calculados, e criam valores para a sociedade.
Conhecendo um pouco da história de Francesco Matarazzo, facilmente pode-se identificar
pelo menos 13 destas citadas acima. Na verdade, o que diferencia o empreendedor de sucesso dos
demais que tentam e não atingem grandes patamares de desempenho é que os primeiros se cercam
de pessoas especiais, também empreendedoras, e que formam uma equipe que faz acontecer.
A grande questão é: será que Francesco se esqueceu de transmitir esses ensinamentos ou
isso não é possível ensinar?
O presente artigo provoca uma reflexão se o tempo – anos de 1920 a 1977 - em que ocorre a
dissolução das empresas do Grupo Matarazzo não foi palco de um cenário que contribuiu para a falta
de percepção de capacitação em empreendedorismo, já que as instituições da época apenas
abordavam as funções da administração, ou, as questões familiares onde os interesses pessoais
sobrepunham a vontade de perpetuar as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo.
Francesco legou o título de conde e o comando de grupo ao décimo segundo de seus 13
filhos, Francisco. Os outros filhos não se conformaram com isso e Chiquinho, como era conhecido,
gastou muito tempo e dinheiro comprando ações dos irmãos até se tornar majoritário. Chiquinho
não teve o brilho do pai e o grupo entrou em decadência.
Quando ele morreu, em 1977, deixou o controle para a filha Maria Pia, desprezando os filhos
homens que trabalhavam com ele há muitos anos. Dois dos irmãos entraram na justiça tentando,
sem sucesso, anular o testamento. A escolha do pai foi certamente por razões afetivas – quando fez
o primeiro testamento deixando o controle para a filha caçula esta tinha apenas doze anos. Não se
pode dizer que tivesse demonstrado competência empresarial.
“Em 1984 Maria Pia pediu concordata, e hoje nada resta do grande grupo a não ser dívidas e
alguns imóveis. Em 1996 um forte temporal derrubou um velho casarão na Avenida Paulista, em São
Paulo. Era a antiga residência dos Matarazzo, já abandonada fazia tempo.” LIMA (1982).
Uma sucessão de erros durante o tempo podem ter sido as causas do desaparecimento
desse enorme conglomerado de empresas. O patrimônio bilionário fez com que levasse décadas até
desaparecer por completo.Alguns erros foram implacáveis e foram tornando o processo de falência
uma questão de tempo.
Collaziol(2009)descreveu de forma sucinta e precisa os quatro maiores motivos para a queda
do grupo e desaparecimento do império econômico que durou um século:
A) Enquanto Ermelino comandava o grupo, a família era unida e apoiava sua gestão. Seu
desaparecimento prematuro, no entanto, impeliu o patriarca à escolha de um novo comandante.
B) Com Chiquinho no controle, alguns membros da família optaram por vender suas partes na
sociedade. As ações foram pagas com verbas suprimidas do capital das próprias empresas,
comprometendo sua solidez. Assim, ocorreu uma interrupção nas modernizações e ampliações,
limitando seu crescimento. As empresas tornaram-se obsoletas.
C) Após a segunda guerra mundial, a economia nacional estimulava a industrialização de bens de
capital e bens semiduráveis. O então presidente Juscelino Kubitschek convidou Chiquinho a
participar de uma sociedade, para instalação de uma montadora de automóveis no Brasil, a
Volkswagem. O Conde desdenhou, ou talvez, não tenha levantado informações suficientes para uma
melhor avaliação da tendência da época, e não aceitou associar-se no projeto.
D) O mercado crescente exigia agilidade e especialização. O conglomerado, não atentando às
mudanças, produzia uma infinidade de produtos, mas já não era líder de vendas de nenhum deles.
Aos poucos foi perdendo qualidade e espaço para a concorrência.
A família negligenciava e perdia muito capital em concertar erros administrativos.Havia
dispêndios exorbitantes em separações conjugais. Julgava-se que a fortuna era infinita, mas acabou.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é possível entender porque uma organização do porte das IRFM não se profissionalizou.
Houve tempo suficiente para isso, mas, no entanto sucumbiram ao sucesso. Na década de 70 o
mercado exigia agilidade e mudanças nos produtos, na gestão, nos recursos, nos sistemas e
tecnologia. Outras empresas, como a Volkswagen sofreram com as mesmas questões e estão firmes
e fortes. A IRFM parecia inerte a essa dinâmica.
A demora na transferência de comando com longos períodos na administração também não
justifica a queda. Empresas como Bradesco, Rede Globo, Construtora Camargo Correa, tiveram o
mesmo perfil na história e continuam saudáveis mesmo com a morte dos seus fundadores que
permaneceram nas organizações até os últimos dias. Uma coisa é observada: seus fundadores eram
empreendedores, e antes de sua saída profissionalizaram a gestão cedendo lugar a executivos
profissionais atualizados com o mercado.
Não existem registros, nas fontes pesquisadas, se os herdeiros tinham ou não as
características empreendedoras do fundador Francesco. Se positiva essa resposta fica evidente que
com o passar dos anos foram perdendo-a e não se profissionalizaram.
A profissionalização, na alta administração do grupo Matarazzo, com pessoas preparadas
para a nova realidade empreendedora mundial, em ambiente de constante inovação tecnológica,
abertura de novos mercados, e estruturas atualizadas e dinâmicas, foi a grande causa para o
desaparecimento do império. Ao fim e ao cabo, o apego da família aos negócios pelo simples poder
de “status”, não fez perceber a hora exata de transferir o comando para executivos profissionais
intraempreendedores preparados pelas grandes escolas e experiências do mundo corporativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNHOEFT, Renato. Empresa familiar. São Paulo: Nobel, 1989.
COHN, Mike. Passando a tocha. São Paulo: Makron Books, 1991.
COLLAZIOL, Geraldo – Erros dos Matarazzos. Disponível em:
<http://faculdadedoerro.wordpress.com/2009/01/08/os-erros-dos-matarazzo/>. Acesso em: 30 de
maio de 2010.
COUTO, Ronaldo Costa. Matarazzo: Colosso Brasileiro, São Paulo: Planeta, 2004.
________. Travessia, A , São Paulo: Planeta, 2004.
DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
DORNELAS, José Carlos Assis – Empreendedorismo: Transformando idéias em negócios. 2. ed. Rio de
Janeiro: Campus, 2005.
DRUCKER, Peter. Administrando em tempos de grandes mudanças. São Paulo: Pioneira, 1995.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado – (Trabalho relacionado
com as investigações de L. H. Morgan). 4. ed. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1964.
92
GRANATO, Alice; DE MARI, Juliana. Os meus, os seus, os nossos. Revista VEJA, ano 32, No. 11, edição
1.598. São Paulo: Abril, 17/03/99.
LODI, João Bosco. Sucessão e conflito na empresa familiar. São Paulo: Pioneira, 1987.
LIMA, Jorge da Cunha. Matarazzo: 100 anos. São Paulo: CL-A Comunicações, 1982.
MANO, Lucyane. É decretada a concordata do Grupo Matarazzo – Disponível em
<http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=37900>. Acesso em: 30 de maio de 2010.
MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa: estudo de sociologia do
desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 1974.
TORRES, Ana Paula – Artigo: A longa parábola dos Matarazzos – Disponível em:
<http://www.musibrasilnet.it/archivio/Diciassette/matarazzo.htm> Acesso em: 30 de maio de 2010.
VENTURA, Luciano Carvalho. A empresa e a sucessão. In: Patrimônio e sucessão: como garantiros
herdeiros e os negócios. Antônio Carlos Cortese et al (Organização de Luiz Kignel). São Paulo:
Maltese, 1993.

Documentos relacionados