Dissertação

Transcrição

Dissertação
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVEIRA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Maranhão
2015
2
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVEIRA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Maranhão
2014
3
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVERA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História do
Centro de Ciências Humanas da
Universidade Federal do Maranhão
como requisito parcial para a obtenção
do grau de grau de Mestre em História.
Área de Concentração: História Social.
Orientador: Prof. Dr. Marcus Baccega.
Maranhão
2015
4
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
5
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVEIRA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre na área de concentração em História Social.
Aprovado em ........ de .................... de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marcus Baccega
Universidade Federal do Maranhão
Orientador
Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos
Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dra. Silvia Alves Marcia Siqueira
Universidade Estadual do Ceará
6
Ao meu pai, Arno, e minha mãe, Sonilda
sem eles eu não seria nada
7
AGRADECIMENTOS
Ao terminar um trabalho acadêmico é impossível não agradecer a todo que ajudaram
e me apoiaram essa longa jornada, a lista seria longa se não tivesse que me abster que citar
alguns nomes e não escrever de alguns momentos. Contudo saibam que mesmo sem
especificar os nomes, sou grato a todos que contribuíram de uma forma ou outra para a
construção dessa dissertação.
Ao meu orientador Professor Doutor Marcus Baccega, sem o nosso encontro
inesperado eu não poderia chegar aonde cheguei, e pela sua paciência com minha
indisciplina. O conhecendo há pouco tempo e mesmo assim eu fico muito grato por todos os
nossos diálogos, que me ajudaram a crescer como pesquisador.
Ao Professor Doutor Johnni Langer, que me convidou para realizar mestrado no
Maranhão. Sem sua orientação inicial e co-orientação eu não teria a oportunidade de
conhecer e me aprofundar em uma área tão pouco estudada no Brasil. Seu papel foi
fundamental para eu me tornar o pesquisador que sou hoje.
Ao Professor Doutor Lyndon de Araújo Santos, pela sua paciência ao ler minha
escrita prematura que auxiliou na progressão da minha pesquisa com suas críticas e
comentários na matéria seminário de Pesquisa.
A Professora Doutora Silvia Alves Marcia Siqueira, por aceitar gentilmente o convite
de participar da minha defesa, e ter a paciência de criticar essa pesquisa para que possa
amadurecer.
Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Maranhão, que de uma forma ou outra, auxiliaram no meu crescimento intelectual dentro do
seu espaço, e me deram uma oportunidade para um estrangeiro na terra chamada de Atenas
brasileira.
Agradeço igualmente pelo auxílio financeiro provido pela CAPES, pela qual, sem ela
a minha estadia no Maranhão e custeio de livros seriam muito mais onerosos do que
realmente foi.
Por fim, mas não menos importante, eu agradeço aos meus pais, Arno e Sonilda, e
aos meus irmãos Larissa, Yatska e Arthur, pois família é a base de tudo. Aos meus amigos
ludovicenses que ajudaram a adaptação em São Luis, principalmente a Arnaldo, Raissa e
Sara. Aos meus amigos do Espírito Santo que estão presentes na minha vida acadêmica e
lúdica. Aos meus amigos “vikings” espalhados pelo Brasil principalmente: Pablo e Munir.
8
RESUMO
Nessa dissertação, analisamos como se deu o processo de construção da identidade cristã
islandesa por meio da alterização da religiosidade pré-cristã com o uso do imaginário. Para
tanto, tomamos como documentação três sagas de bispos, Byskupasögur: Guðmundar sögur,
Jóns Saga helga e a Þorláks saga helga. A documentação foi produzida após o período o
qual descreve e narra à vida de três bispos islandeses, Guðmunðr, Jón e Þorlákr, que viveram
no século XII e XIII, narrando o seu papel na pregação, assim como ocasionais conflitos
políticos. A Islândia medieval no período estudado já está convertida ao cristianismo,
contudo ainda existem alguns senhores locais, os godar, que se dificultam a aceitação total
do cristianismo na ilha, assim como a permanência de alguns focos da religiosidade précristã. Ao analisar a documentação foi comprovada a hipótese da alterização da religiosidade
pré-cristã para a construção de um clero islandês forte, assim como indícios de uma
religiosidade islandesa cristã com influências pré-cristãs. Esse cristianismo híbrido islandês
auxiliaria possivelmente na conversão dos últimos focos de resistência ao clero.
Palavras-chave: Islândia Medieval. Saga dos Bispos. Identidade. Representação.
9
ABTRACT
In this thesis, we analyze how was the process of construction of Icelandic Christian identity
by othering the pre-Christian religion with the use of imagery. To this end, we take as documentation three sagas of bishops, Byskupasögur: Guðmundar sögur, Jons Saga helga and
Þorláks saga helga. The documentation was produced after the period which it describes and
chronicles the lives of three Icelandic bishops, Guðmunðr, Jón and Þorlákr, who lived in the
twelfth and thirteenth centuries chronicling their role in preaching and occasional political
conflicts. The medieval Iceland during the studied period is already converted to Christianity, however there are still some local lords, the Goðar, which hinder the full acceptance of
Christianity on the island, as well as the permanence of some outbreak of pre-Christian religion. By analyzing, the documentation was proven the hypothesis of othering of preChristian religion to build a strong Icelandic clergy, as well as evidence of a Christian Icelandic religiosity with pre-Christian influences. This Icelandic hybrid Christianity possibly
help in the conversion of the last pockets of resistance to the clergy.
Keywords: Medieval Iceland. Bishops’s Saga. Identity. Representation.
10
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1
Rei Haraldr Hálfagri..............................................................................17
Imagem 2
Mapa da Islândia....................................................................................19
Imagem 3
Foto da Lögberg, a pedra das leis..........................................................20
Imagem 4
Mödðruvallabók.......................................................................................24
Imagem 5
Localizações dos bispados de Holar e Skalhólt.....................................27
Imagem 6
Bispo Guðmunðr....................................................................................33
Imagem 7
Bispo Jön Ögmundarson...........................................................................35
Imagem 8
Sleipnir...................................................................................................39
Imagem 9
Pedra rúnica com ilustração de dragão..................................................43
Imagem 10 Cruz achada na Islândia com elementos híbridos..................................46
Imagem 11 Óðinn, Deus pré-cristão escandinavo....................................................81
Imagem 12 Völva......................................................................................................82
Imagem 13 Bastão da Völva.....................................................................................83
Imagem 14 o Deus Loki...........................................................................................84
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-
Os bispos primeiros bispos Islandeses até a morte de Guðmunðr Arason.
12
LISTA DE SIGLAS
AM........................Instituto Árna Magnússonar
UFES
Universidade Federal do Espírito Santo
UFMA
Universidade Federal do Maranhão
UNESP.................Universidade Estadual de São Paulo
UNESCO.............United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
13
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14
2. AS VOZES E O IMAGINÁRIO NAS SAGAS ISLANDESAS ................................................. 23
2.1 As Sagas Islandesas .................................................................................................... 23
2.2 O Imaginário nas Sagas e Sociedade Escandinava. .................................................... 38
2.3.O Conceito de Identidade e sua Construção ............................................................... 43
3. A ALTERIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE PRÉ-CRISTÃ ........................................................ 48
3.1 O imaginário nas fontes.............................................................................................. 52
3.2 Os milagres e o imaginário ......................................................................................... 58
3.3 A construção da alteridade no contexto de conversão ................................................. 67
4. O NOVO CRISTIANISMO ISLANDÊS ................................................................................... 77
4.1 O seiðr e a influência dos milagres ............................................................................. 80
4.2 O hibridismo cultural nos milagres ............................................................................. 85
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 91
6. REFERENCIAS ........................................................................................................................ 94
14
1. INTRODUÇÃO
Iniciei a vida no ensino superior de uma forma pouco convencional para alguém que
almeja uma carreira acadêmica na História, pois primeiramente prestei o vestibular para o
curso de Física, em 2005, sendo aprovado na seleção da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). A paixão pela “logificação” do mundo me acompanhou no novo vestibular
que iria prestar, no ano de 2007, quando fui aprovado no curso de História daquela mesma
instituição de ensino superior. Dentro do curso de História encontrei aquilo que talvez não
tivesse a consciência do que queria, mas o fato é que desde o primeiro período a minha
verdadeira vocação, em especial porque ainda no primeiro ano teria contato com a área que
guardo verdadeira paixão – a história medieval.
Vale ressaltar que antes mesmo de terminar as últimas avaliações do semestre 1/2008
a paixão foi notada pelo professor Sérgio Alberto Feldman, pois ele me convidou a participar
da iniciação científica em medieval. Suspeito que o convite foi devido ao meu interesse
acima do normal no tema, enfaticamente demonstrado na minha participação em sala. Assim,
dei início aos meus estudos na história medieval, e ainda que fosse prematuro, naquela época
se por um lado me faltava conhecimento historiográfico por outro era abundante a minha
motivação para o estudo.
No primeiro ano de pesquisa a minha evolução acadêmica foi acelerada, em parte
pela minha motivação que fazia “devorar” livros, mas, principalmente, graças à tutoria do
Prof. Feldman, com sua paciência e auxilio de costume. Em pouco tempo eu pude
compreender o ofício de historiador quando se debruça sobre um período distante como é o
medieval. Naquela época eu me dediquei a estudar o Catarismo francês no século XIII.
Apesar do recorte temporal e temático se distanciar razoavelmente do projeto atual, essa
pesquisa me introduziu no estudo da alteridade e religião. A orientação em iniciação
científica teve duração de dois anos, nos quais pude esmerar a escrita que havia deteriorado
pelo laconismo matemático de números e equações do curso de Física.
Na monografia, a etapa final na graduação do curso, foi trabalhada os registros
inquisitoriais franceses na cidade de Toulouse entre os anos de 1273 a 1280. A pesquisa teve
por objetivo procurar os indícios da alterização progressiva da heresia por meio de
paradigmas de inquirição. Na monografia, novamente, como em toda a minha graduação, o
15
Outro e a religião são elementos fundacionais, e se tornariam mais tarde, na pesquisa de
Mestrado, os principais conceitos trabalhados.
O tema atual de pesquisa não é um interesse novo, havia visto que existia desde a
época de graduação. O exotismo que a Escandinávia despertava a minha curiosidade tanto
pela sua “diferença” quanto pelo fato de ser uma área pouco explorada pela historiografia no
Brasil, notadamente percebida pela pouquíssima bibliografia publicada no país como
também pelo pouco conteúdo sobre “nórdicos” na grade curricular dos cursos de História.
Com um pouco de curiosidade/ interesse e outro tanto de coragem e sorte eu me lancei sobre
essa área e, assim, a tomei em minhas mãos, trocando assim o tema que até então havia
estudado. Isso ocorreu em 2013, na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) em AssisSP, quando encontrei o professor Johnni Langer e a professora Luciana Campos. Lá, eu
apresentei o tema da minha monografia da UFES e pude ter meus primeiros contatos com o
estudo acadêmico da religiosidade escandinava.
Com a orientação inicial do professor Johnni Langer eu pude trocar radicalmente de
recorte espaço-temporal, sem prejuízos teórico-metodológicos ou mesmo historiográficos,
pois ele viria a suprir com uma indicação bibliográfica que orientaria para o novo passo que
me aventurava. Sob sua tutela pude ingressar com um pré-projeto tematicamente inovador na
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Troquei, portanto, a religiosidade herética pela
religiosidade pagã, porém apesar do objeto ser novo a temática se manteve inalterada, pois
permaneci fiel à temática da alteridade e religião. Nos últimos dois anos trabalhei
arduamente a fim de aplicar os conceitos em fontes, locais e épocas completamente
diferentes dos quais estava até então habituado.
Para a produção da presente dissertação sobre Idade Média a primeira coisa que se
deve marcar seria Idade Média. A historiografia atual se afasta da divisão linear cronológica
ainda em voga no senso comum, para se aproximar de uma percepção deste período como
contexto onde ocorre um processo pluridimensional que faz por vezes compreendê-la como
inexiste. A construção de um período milenar, que se delimita da desestruturação do Império
Romano até a descoberta da América, veio como medida pedagógica para produzir um
sentimento de unidade a um período profundamente misto (AMALVI, 2006). Dentro da
Idade Média existe a Era Viking1 é tradicionalmente aponta-se o início da Era Viking no
A “Era Viking” foi uma construção posterior, sendo que os escandinavos não sabiam que estavam na “Era
Viking”, sendo este um período construído pela historiografia. Sendo esse termo muito utilizado pelos
1
16
ano de 793, ano em que o mosteiro de Lindisfarne foi atacado, e seu fim no ano de 1066 com
uma batalha de Hastingsem que Haroldo III Sigurdsson foi derrotado pelo rei inglês
(BOYER, 2004).
Assim como a própria Idade Média, a “Era Viking” é igualmente complexa e cheia de
minúcias. Os “vikings” 2 são fundamentalmente os habitantes da Escandinávia, como os
habitantes das regiões atuais da Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Islândia e
Groelândia. Estes habilidosos navegadores cruzaram o Atlântico, com seus barcos longos e
finos, apropriados para atracar em qualquer praia arenosa (DURHAM, 2002). Esses barcos
únicos na sua época foram uma ferramenta de locomoção que fizeram os “homens do norte”
serem conhecidos pelas suas habilidades de saque, comércio e transporte. As relações
comerciais chegaram a terras mais distantes como Bizâncio e o Oriente Médio.
Para se compreender como ocorreu a conversão da Islândia é importante
compreender como ocorreu a conversão da Noruega. A Heimskringla explica que a dinastia
“viking” da Noruega começou com a centralização do poder por Haraldr hárfagri em 885.
Nessa mesma época alguns noruegueses saiam do continente para colonizar a ilha que
futuramente seria conhecida como Islândia 3. A autoridade do Haraldr era muito forte nas
regiões ao sul, contudo ao norte existia a região de Lade, que não se subjugaria facilmente.
Perto do fim de sua vida, Haraldr tinha vários filhos e mulheres, mas abdicou do trono em
favor do seu filho Eiríkr blóðöx.
documentários históricos atuais devido a popularidade do tema vem adquirindo nos últimos anos (LANGER,
2005).
2
A discussão historiográfica sobre a utilização dos termos Vikings ou escandinavos foi realizado por Régis
Boyer (2004). Islândia, Noruega, Suécia e Dinamarca são etnias distintas com ideias distintas, possuindo uma
uniformidade no seu idioma.
3
Estudos mais recentes como o de Lesley Abrams (2012) debate o conceito de diáspora para o período de
expansão da sociedade escandinava, no qual se apresenta as movimentações e colonizações feitas durante esses
séculos como um movimento de expansão em busca de novas rotas comerciais, assim como uma relação
problemática com a sociedade hospedeira anterior. Na sua análise Abrams afirma que o conceito de diáspora se
aplica as movimentações escandinavas na chamada “Era Viking”. (ABRAMS, 2012, p.38)
17
Imagem do primeiro rei da Noruega Haraldr hárfagri. Ilustração produzida no século XIV na
Flateyjarbók
Eiríkr era filho de Haraldr com a rainha dinamarquesa, e governou a Noruega de 933
até 935, quando foi deposto pelo seu meio irmão Håkon goði4. Håkon foi adotado e criado
pelo rei inglês Athelstan para ser um cristão, e com Håkon iniciou-se o apoio real ao
cristianismo, convidando missionários, como o bispo inglês Sigefridus, e construindo igrejas.
O seu apoio ao cristianismo acabaria levando a um conflito interno no qual os seguidores dos
costumes religiosos pré-cristãos queimaram igrejas e assassinaram padres missionários. Por
volta de 950 os filhos de Eiríkr se revoltaram com o apoio dinamarquês e tiraram seu Håkon
do trono. A morte de Håkon foi descrita por um poema escáldico, o Håkonarmál que é um
poema em sua memória, e curiosamente Hákón vai para o Valhöll, uma forma de paraíso
pré-cristão escandinavo, e não o paraíso cristão.
Haraldr gráfeldr era o filho mais velho de Eiríkr e após derrotar seu tio reinou por 10
anos. Contudo seu reino foi descrito nas konungasögur, saga dos reis, como de colheitas e
clima ruim e isso foi justificado na documentação como causa da sua política rígida com o
culto as divindades pré-cristãs. Finalmente ele foi morto por um complô entre o líder de
Lade e o rei dinamarquês, Haraldr blátand. Com sua eventual morte o poder Norueguês ficou
dividido entre o reino Dinamarquês e o Håkon Sigurðarson.
4
Håkon, o bom, foi o primeiro rei a tentar cristianizar a Noruega e marcou o exemplo, segundo a ótica de
Sverre Bagge (2004), do que ocorreria na Noruega e Islândia. Uma cristianização tardia, por influência da
Inglaterra, e a resistência dos seguidores da religiosidade pré-cristã a nova religião.
18
Com a morte de Håkon Sigurðarsonem 995, a Noruega não teria mais nenhum rei que
não fosse cristão. Iniciando pelo Oláfr em 995 até o ano 1000. Usou o seu poder e influência
para cristianizar a Islândia a se cristianizou assim como aumentou a centralização do seu
poder combatendo Lade. Antes de morrer ele conseguiu fazer com que a Islândia cristianizase.
Oláfr Tryggvason5, personagem desconhecido até o momento, retornou a Noruega
em 995, aclamando sangue real e enfrentou Hakón, sendo vitorioso em parte devido que
Håkon estava sofrendo revoltas em todo o seu reino. Após se tornar o rei, focou todos os
seus esforços em converter todo o reino ao cristianismo usando todos os meios a sua
disposição, destruindo templos, torturando e matando resistentes pagãos. Sendo que o
próprio Oláfr 6 é considerado um dos responsáveis pela conversão da Islândia.
A Islândia é uma ilha dentro do Oceano Atlântico Norte com uma área de 103 mil
quilômetros quadrados, que está 950 km de distância da Noruega. Ela possui um relevo
acidentado com muitas montanhas e nascentes de águas quentes formando gêiser. Apesar de
pequena a ilha possui uma grande quantidade de atividade vulcânica, totalizando 30 sistemas
vulcânicos. As temperaturas no inverno chegam aos -3º C e no verão 8º C, fazendo um
contraste entre o fogo dos vulcões e o frio constante uma das características marcantes.
5
Oláfr Tryggvason, nasceu em 995, filho de Astrid, que logo após o nascimento de seu filho fugiu para a
Estônia e Rússia onde passou maior parte de sua infância na corte de Vladimir I. Na juventude e na vida adulta
entrou na carreira de Viking e é o registrado seus ataques a Inglaterra em 991, posteriormente foi convertido
para o cristianismo em 994. Em 995 retorna a Noruega e toma o trono de Håkon o grande. Ao se tornar
soberano ele fundou a cidade de Trondheim como centro do poder real e depois ele forçosamente exerceu
pressão para converter toda a Noruega, Ilhas do Norte e Islândia (HOLMAN, 2003).
6
O primeiro rei missionário, chamado assim pela historiografia escandinavista. Recebeu essa alcunha em parte
pelo seu fervor ao tentar converter a população ao cristianismo, usando, segundo Snorri, cronista e nobre,
“meios drásticos”. O uso dessas práticas pouco singelas levou o avanço do cristianismo norueguês, que nessa
época se concentrava no sudeste da região, para as regiões mais ao norte, assim como a Islândia. (BAGGE,
2005, p.122)
19
Uma foto da Islândia tirada por satélite com os territórios mais próximos para comparação.
A ilha se organizava politicamente em torno de assembleias locais chamadas de Þing7.
Essas assembleias estavam sobre o domínio de chefes locais chamado de goðar 8 , que
também era responsável pelo culto aos deuses. Quando ocorriam disputas ou decisões
importantes elas eram levadas para a assembleia geral, a chamada Alþing9, como a decisão
sobre o cristianismo crescente vindo como uma pressão de Oláfr Tryggvason, rei da Noruega.
A Alþing de 999 realizada na planície de Þingvellir 10, com a presença do Falador-dasleis11, indivíduo eleito a cada três anos responsável pela manutenção das leis, foi decidido
pela conversão de toda a Islândia para o cristianismo. As narrativas sobre a conversão
7
É a palavra em Nórdico Antigo para assembleia em espaços abertos ou encontros onde se discutem a lei e
justiça. Elas eram realizadas com frequências regulares em escalas locais, regionais e nacionais (HOLMAN,
2003).
8
Os goðar, plural de goði, eram os líderes locais da Islândia. Sendo inicialmente 36, posteriormente 39 em 965
e finalmente 48 em 1005, seus números aumentaram em paralelo com o “desenvolvimento urbano” da ilha.
Originalmente o título não era vinculado diretamente a um território mas uma relação de patronato com seus
seguidores, þingmenn. Os goðar tinham a função de eleger na Alþing o lögsögumaðr além de que cooperavam
entre si em busca de interesses locais e nacionais (HOLMAN, 2003) Além da função política dos goðar tinham,
na Islândia pré-cristã, uma função no culto a deuses específicos no edifício de culto chamado de hof.
(SUNDQVIST, 2008, p.224).
9
Alþing é a assembleia nacional da Islândia que se iniciou em 930 (HOLMAN, 2003, p.26).
10
Hoje em dia a planície se tornou um parque nacional como Patrimônio Mundial pela UNESCO.
11
Lögsögumaðr, o falador-das-leis, era eleito a cada três anos na Alþing pelos goðar na qual tinha um
“mandato” de três anos. Cada ano ele teria que citar um terço das leis, de modo que ao encerrar sua vez ele
citaria todas as leis. O Lögsögumaðr possuía o papel de resolver problemas políticos e decisões nacionais como
o caso da conversão da Islândia (HOLMAN, 2003, p. 26).
20
islandesa são tipicamente descritas como um exemplo excepcional de uma conversão
pacífica. Historiadores como Kathleen Self discordam dessas narrativas ao afirmarem que
essa visão ignora a violência além da física como violências verbais e sociais. (SELF, 2010,
p. 182)
Foto atual de Lögberg, a pedra da lei. Local onde era realizado a Alþing. O centro político da Islândia
medieval. Atualmente parte do parque de Þingvellir.
A história diz que poucos dias depois do meio do verão um navio atraca em
Vestmannaeyjar na costa ao sul da Islândia. Dois goðar eram donos e navegavam o navio,
Gizurr Teitsson e Hjalti Skeggjasson, e com eles traziam um padre chamado Þormóðr. O rei
norueguês Oláfr Tryggvason, estava começando a se irritar com a teimosia dos islandeses em
não se converter ao cristianismo apesar de suas tentativas, e ele pensa em matar todos os
islandeses em seu reinado como retaliação. Os dois goðar assumiram um papel vital em
evitar esse derramamento de sangue ao tentar converter a ilha. Os dois vãos imediatamente
na direção da Alþing que irá acontecer no ano de 999, contudo Hjalti Skeggjasson não
poderá ir, pois ele foi banido por blasfemar aos deuses. (STRÖMBÄCK, 1975, p. 13)
Ao se aproximar do local da Alþing, Gizurr convoca seus aliados e amigos para
21
auxiliá-lo, pois ele ouviu boatos que os opositores ao cristianismo tentarão usar a força para
impedi-lo de chegar ao seu destino. Enquanto esperam os reforços chega uma companhia
inesperada, Hjati Skeggjasson, que apesar de estar banido de pisar no espaço sagrado da
Alþing resolveu participar da reunião. Chegando ao local da reunião ambos os lados se
preparam para a batalha, mas por pouco não entram em conflito e decidem resolver os
desentendimentos por meio da Alþing. Ambos goðar cristãos chegados da Noruega falam do
seu encontro com Oláfr Tryggvason sobre a pedra da lei, lögberg. Ocorre uma comoção em
ambos os lados e o assunto dividiu completamente a reunião entre seguidores da
religiosidade pré-cristã e os goði cristãos (STRÖMBÄCK, 1975, p. 14-15)
Os goðar cristãos assim como os seguidores da religiosidade pré-cristã se dizem
livres de todos os laços legais com os membros do outro grupo. Os líderes cristãos pedem ao
gole Ali Þorsteinsson que fale leis apropriadas para eles, mas ele recusa, mas usa de sua
influência com o falador das leis, lögsögumaðr para ele dizer novas leis para todos,
inicialmente ele não recusa, mas se retira para pensar sobre isso. Durante um dia e uma noite
ele fica isolado coberto por sua capa ponderando sobre a situação e na manhã seguinte envia
uma mensagem para reunir todos na lögberg. Ele inicia seu discurso dizendo que brigas e
hostilidades dividiriam a ilha e levariam ao fim de todos. Então apresenta a ideia de todos
terem uma só lei e uma só fé, pois se romper a lei romperá com a paz. Ambos os lados
concordam que sua decisão deverá ser aceita pelos dois lados. E assim ele declarou a nova
lei, todos deveriam ser cristãos, mas a exposição de crianças deverá permanecer assim como
o hábito de se alimentar de cavalos. Se as pessoas desejarem é permitido sacrificar aos
deuses em segredo e se for descoberto sofrerá um banimento de 3 anos. (STRÖMBÄCK,
1975, p. 16-17)
No primeiro capítulo abordaremos a documentação e os principais conceitos dessa
dissertação. Como essa pesquisa é um tema inovador e diferente para a grande maioria da
historiografia brasileira é fundamental apresentar qual a documentação analisada e o
problema de sua análise. Nesse capítulo também iremos expor a razão pelo à qual se utilizará
costumes religiosos pré-cristãos assim como não se utilizará a “Igreja”, como referência para
a forma motriz da conversão da Escandinávia. Por fim, faremos uma explanação sobre o
processo construtor de identidade e como compreendemos que se dá sua criação nesse caso
pontual.
No segundo capítulo entraremos na primeira parte da análise da conversão da
22
Islândia. Analisaremos as Byskupasögur, as sagas dos bispos, mas devido ao tempo dedicado
a pesquisa focou a análise em três documentos: Guðmundar sögur, Jóns Saga helga e a
Þorláks Saga Helga. No começo desse capítulo iniciaremos nossa análise pelo papel dos
bispos na conversão da ilha, em que o mesmo vai além da intenção de cristianizar, mas de
construir uma ilha cristã onde antes a Igreja tinha pouca, ou nem uma influência. Isso se dará
por meio de uma antagonização da religiosidade pré-cristã e do sincretismo de elementos
que não conseguiram expurgar.
No terceiro capítulo estudaremos como se deu a construção desse cristianismo
islandês. Na construção da Igreja e Identidade islandesa se exclui elementos que eram
claramente negativos para uma futura ilha cristã, mas se conservou elementos que puderam
ser reinterpretados. Por meio de elementos da crença pré-cristã os milagres, a apresentação
da emanação da força divina se dava de uma forma pelo o qual a população insular se
identificava a feitiçaria pré-cristã e elementos da crença dos seus antepassados.
Por fim, concluiremos a dissertação com as considerações finais. As considerações
finais apresentarão o resultado da pesquisa, no qual por meio da análise da documentação
conseguiu-se comprovar a hipótese e alcançaram-se todos os objetivos levantados no início
da pesquisa. Além disso, apontaremos possíveis continuações para o projeto atual, onde
perguntas foram feitas e o tempo não permitiu a sua resposta.
23
2. AS VOZES E O IMAGINÁRIO NAS SAGAS ISLANDESAS
“Enhannlauksvámálisínu, athvárirtveggjujáttuþví, atallirskyldieinlöghafa,
þau sem hannréðiuppatsegja. Þá var þatmælt í lögum,
atallirmennskyldikristnir vera ok skírntaka, þeireráðrváruóskírðir á landi
hér. Enofbarnaútburðskyldustanda in fornulög ok ofhrossakjötsát.
Skyldumennblóta á laun, efvilduenvarðafjörbaugsgarðr, erváttumofkæmivið.
Ensíðarfámvetrum var súheiðniafnumin sem önnur.” 12 (ANÔNIMO,
Íslendingabók.)
2.1 As Sagas Islandesas
Para se iniciar a apresentação dessa pesquisa é importante apresentar a sua base: a
documentação e teoria. O primeiro passo é a origem dessa história com a documentação, as
sagas. Um curioso ao procurar no Minidicionário Aurélio (1993) os significados da palavra
saga ficaria decepcionado, pois não encontraria nada. Já um dicionário mais vasto como o
Webster’s Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English Language (1989) foi possível
se satisfazer com uma breve descrição: “Narrativa nórdica ou islandesa medieval em prova
das proezas e eventos da história de um personagem, família, etc.”.13
As duas linhas acima transcritas não bastam para descrever uma documentação tão
vasta e complexa como são as sagas, por consequência, é necessário procurar uma descrição
ainda mais precisa e científica. Na obra de Katherine Holman, intitulada Historical
Dictionary of the Vikings (2003), foi possível constatar a sua complexidade, uma vez que não
se encontrou um único conceito para “saga”. Isto porque a explicação se dá em múltiplos
verbetes de para as várias sagas, sendo 18 no total. Deste total para surpresa nenhuma delas é
uma saga de bispo.14 Nota-se assim que as sagas são uma documentação vasta abrangendo
múltiplos momentos históricos, em diferentes locais e diferentes épocas, normalmente
envolvendo a população da Escandinávia.
12
Tradução: Então foi declarado lei que todas as pessoas teriam que ser cristãs e aceitar o batismo quem não
tinha sido batizado até o momento no país. Mas a exposição de crianças, assim como comer carne de cavalo,
deverá permanecer na lei antiga. Pessoas deveriam fazer seus sacrifícios em segredo, se eles desejassem evitar
três anos de ilegalidade, que aconteceria se fosse visto. Alguns anos depois, essas práticas pagãs foram retiradas,
assim como as outras.
13
Tradução própria.
14
São elas: Egils saga Skallagrímsonar, Eiríkr saga rauða, Eyrbyggja saga, Færeyinga saga, Göngu-Hrolfs
saga, Grænlendinga saga, Grettis saga, Hrólfs saga Kraka, Konungasögur, Knýtlinga saga, Laxdæla saga,
Brennu-Njáls saga, Orkneiynga saga, Fornaldarsögur, Íslendingasögur, Sagas ofst.Olaf, Völsunga saga,
Ynglinga saga.
24
Completamos com a consulta de Lars Lönnroth (2008), no seu artigo The Icelandic
Sagas, presente no livro-referência The Viking World, foi apresentado à origem etimológica e
histórica das sagas. Saga vem do idioma Nórdico Antigo 15, significa história, independente
do conteúdo dessa história. A palavra é relacionada à segja, que significa “falar” ou “dizer”.
Contudo é consenso que se tem para estudos que as sagas ou Sagas Islandesas, como
também são chamadas, é um tipo específico de prosa narrativa longa e épica escrita em
Nórdico Antigo na Islândia medieval algum tempo depois do ano 1150, baseando-se em
tradições orais.
Imagem do Mödðruvallabókou, AM 132, foi um dos compêndios de sagas mais completo achado até
a atualidade contendo 11 sagas manuscritas no século 14 em papel velino.
15
O Nórdico Antigo é o principal idioma falado na Escandinávia a partir de aproximadamente o ano 700 d.C.
Possui sua origem como uma variação do idioma Germânico, e posteriormente ramificado para o Germânico do
Noroeste e doravante a ramificação do Germânico do norte. Desta ramificação, o Germânico do Norte o
Nórdico Antigo tem sua origem. (BARNES, 2008)
25
Os três tipos mais antigos de sagas são: fornaldarsögur, as sagas mítico-heróicas;
konungasögur, as sagas dos reis, normalmente sobre os reis da Noruega; e Íslendingasögur,
as sagas de famílias ou sagas dos islandeses, que falam sobre preeminentes famílias
islandesas e indivíduos vivendo no período 850-1050. Outros tipos de gêneros são: samtiðar
sögur, as “sagas contemporâneas”, que são crônicas de eventos passados no século XII e
XIII na Islândia; heilagra manna sögur, sagas hagiográficas; biskupa sögur, sagas das
biografias de bispos; riddara sögur, saga dos romances de cavalaria. (LÖNNROTH, 2008,
p.304)
Os textos das sagas mais bem preservados são manuscritos da segunda metade do
século XII, sendo ocasionalmente em norueguês antigo, mas normalmente em islandês
antigo, sendo claramente maior parte escritas por membros do clero. Esse período de escrita
é referido como a “Era Sturlung”, chamado assim devido à família Sturlung, que tivera papel
dominante tanto na política como na escrita das sagas sobre sua liderança, incluindo líderes
como Snorri Sturluson e Sturla Thorðarson que também eram reconhecidos escritores de
sagas além de patrocinadores dos escritos alheios. (LÖNNROTH, 2008, p.304)
Lars Lönnroth (2008) defende que a escrita das sagas na Islândia se deve a uma
cooperação única entre o clero e os chefes seculares. Na Islândia a liderança política local
controlava a instituição clerical e as escolas clericais e por consequência a produção literária.
Os líderes, apesar de terem o papel de líderes do culto cristão, eles também se viam como
guardiões dos saberes tradicionais da Era pré-cristã, na forma de poesias escáldicas, contos
heroicos, genealogias e lendas sobre seus ancestrais, principalmente se eles tiveram um papel
importante na história da Noruega e Islândia.
Os escritos se iniciaram no século XII com o Landnámabók, escrito pelo padre Ari
Þorgilsson, o sábio, que fala sobre os primeiros colonizadores da Islândia e uma breve
síntese histórica da história da Islândia e Noruega. Contudo não foi até o século XIII que se
iniciou uma produção em larga escala dos textos. Estudos indicam que a fornaldasögur
foram as primeiras a serem escritas, enquanto as konungasögur vieram algumas décadas
depois, e pôr fim a Ìslendingasögur pelo fim do século. Contudo datar esses textos é algo
notoriamente incerto, e nos últimos anos tem se tornado um exercício continuamente
praticado. (LÖNNROTH, 2008, p.305)
Para falar da conversão da Islândia os primeiros documentos a serem lidos são a
26
Kristni saga e a Íslendingabók. A Kristni saga, a história da conversão, assim como a
Íslendingabók, a história dos Islandeses, foram influenciados pela Landnámanók, devido a
sua escrita ser posterior. Sendo uma das primeiras teorias é a qual se dividiu a história
contida na Landnámabók, no qual primeiro se escreveu a Íslendingabók e o material que
sobrou produziu-se a Kristni saga. A Kristni saga é preservada em um manuscrito medieval,
o Hauksbók, datado de aproximadamente 1306. (GRØNLIE, 2006, p.xxxii)
A Íslendingabók narra à história dos colonizadores da Islândia da sua chegada em
870 até aproximadamente o ano 1118. Escrita por Ari Thorgilsson, um clérigo, entre 1122 e
1132. Nesse documento possui a apresentação da constituição da assembleia nacional na
Alþing, a criação das leis e administração da ilha, assim como o processo de conversão da
ilha ocorrida no ano 999 por meio da influência norueguesa. (HOLMAN, 2003, p.50)
O processo de conversão da Islândia foi continuado na documentação das Byskuspa
Sögur que narra a história dos primeiros bispos da Islândia, que narra eventos ocorridos do
ano 1045 até 1331. Com histórias como a Páls saga, Árna saga biskups, Þorláks saga helga,
Laurentius saga, Hungrvaka, Oddaverja þáttr, Jóns saga helga e Guðmundar saga biskups
narra a vida de bispos e/ou santos islandeses no processo de cristianizar a ilha, incluindo
elementos que possuem uma influência dos costumes religiosos pré-cristãos como os
milagres16. (MCCREESH, 2006, p.1)
As Bykuspa sögur são um dos conjuntos menos populares das sagas islandesas, isso
se deve ao seu conteúdo não ter presente os grandes ataques ou saques “vikings” ou
descrições de batalhas época como as histórias sobre vikings como Egill Skallagrímsson ou
Hallfreðr Vandræðaskáld. Suas informações ocasionalmente parecem ser embasadas em uma
escrita anterior ou em alguns casos a história do bispo recém-morto passada oralmente. Essas
histórias se passam junto com a implementação dos primeiros bispados na Islândia, Hólar e
Skálholt, e o crescimento de sua influência com o passar dos anos.
16
Os milagres são compreendidos por nós como elementos do maravilhoso e imaginário. Esse imaginário
oriundo da conceituação de Le Goff (2011), no qual o imaginário remete à imaginação, não somente como a
história da imaginação mas a história da criação e do uso das imagens que trazem a sociedade agir e pensar.
(LE GOFF, 2011, p.13)
27
Localização dos bispados de Skálholt (A) e Hólar (B).
Alguns exemplos de Bykuspasögur são as histórias dos bispos Jón, Þorlákr e
Guðmunðr. Existem aproximadamente 8 sagas que variam de época e protagonista na sua
narrativa. A Jóns saga helga conta a história de Jón Ögmundarson, bispo de Hólar. Jón se
tornou o primeiro bispo da diocese recém criada de Hólar em 1106, a segunda diocese da
Islândia. Buscou veementemente perseguir a religiosidade pré-cristã17, incluindo mudando
os dias da semana que possuíam nomes em referência a deuses pré-cristãos, como Óðinsdagr,
para nomes prosaicos, como Miðvikudagr.
A Guðmundar saga biskups conta a história do bispo Guðmunðr Arason, quinto bispo
de Hólar. A saga narra a vida de Guðmunðr desde sua infância até a época no qual viveu
como bispo de Hólar. Segundo a saga, a sua vida é marcada por milagres constantes, e
igualmente marcada por conflitos com lideranças locais, levando até um conflito que foi
17
Nesse momento é importante ressaltar que a religiosidade pré-cristã não se limitava somente para uma esfera
de vivência mas fazia parte do cotidiano. A religiosidade não se iniciava e acabava com os locais de culto mas
se expandia para todas as esferas sociais. (ANDRÉN, 2005, p. 113)
28
chamado de Víðinesbarbagi, batalha de Víðines, no qual suas tropas enfrentaram tropas
inimigas em uma disputa de poder. Guðmunðr teve uma vida repleta de confrontos em nome
da fé, contudo isso não permitiu a sua canonização na época.
A Þorláks saga helga servirá como um terceiro exemplo. Nessa saga se conta a
história do bispo Þorlákr Þórhallsson, bispo de Skálholt de 1178 até 1211. Vindo de uma
família aristocrata, foi ordenado diácono antes de fazer 15 e consagrado padre com 18 anos.
Possivelmente estudou em Paris e Lincoln tendo influências do cristianismo Francês e Inglês
dessa época.
Com qualquer documentação é fundamental problematizá-la assim como se ter a
consciência da problemática de sua análise, para isso usaremos as reflexões de Bakhtin. A
análise bakhtiniana se apresenta na noção de gêneros do discurso, pela busca da
problematização no uso e estudo das sagas. Assentados na ideia de Bakhtin para análise das
sagas têm-se a concepção da não existência de um discurso 18 inicial, que resulta na
pluralidade de discursos. A aplicabilidade e as análises das fontes esboçam uma
complexidade no estudo e o no uso destes documentos.
Para Bakhtin, a relação entre a “língua19” e o círculo de interações sociais se dá por
meio de formas de enunciados de tipos relativamente estáveis para cada esfera da relação
humana, onde esses tipos relativamente estáveis são compostos de três elementos-chaves:
conteúdo temático, estilo e construção composicional. O conteúdo temático, somado ao
estilo, que são os recursos lexicais, fraseológicos, e gramaticais e a construção
composicional são inseparáveis do enunciado como um todo marcando uma especificidade
que Bakhtin denomina Gêneros do discurso 20 (BAKHTIN, 2003, p.280).
As influências do Gênero do discurso de Bakhtin se deram também nos estudos de
Carlo Ginzburg. No livro de Carlos Ginzburg (1987) o queijo e os vermes, Ginzburg intitula
Discurso é um conceito da linguística que segundo Bakhtin é “... um sentido definido e único, uma
significação unitária, é propriedade que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos chamar o sentido da
enunciação completa o seu tema. […] O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação,
individual e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu
origem à enunciação” (BAKHTIN, 2006, p. 131).
19
A língua para Bakhtin não é somente a comunicação verbal por meio da oralidade, mas inclui toda e qualquer
forma de enunciados, orais ou escritos, concretos e únicos, que provem de um indivíduo membro de uma esfera
da atividade humana (BAKHTIN, 2003, p.280).
20
Para Bakhtin os Gêneros do discurso são impossíveis de listar, pois são incontáveis. O fenômeno dos gêneros
discursivos ocorre na esfera dos interlocutores, na qual por meio do dialogismo, ocorre uma corrente
ininterrupta e constante de perguntas e respostas ad infinitum, além de ocorrer na esfera das atividades humanas
que são infinitas (LEITE, 2011, p.53).
18
29
de “filtro deformador”, explicando isso por meio de um processo hermenêutico que ocorria
com o moleiro Menocchio, ao não fazer parte do gênero discursivo produtor do discurso o
adaptou para sua compreensão (LEITE, 2011, p.54).
O método bakhtiniano consiste na compreensão de que o discurso se dá no convívio
social, sendo o mesmo inseparável do contexto espaço-temporal produtor. Este discurso se
dá em um processo de interação entre indivíduos no qual se correlacionam discursos
similares e/ou próximos. De forma que se constrói um discurso baseado no dialogismo, no
qual os indivíduos constroem um discurso com influências do seu meio e os indivíduos que
coabitam nele. Isso se deu pela compreensão do Círculo Bakhtiniano 21 da sua noção de
enunciado:
“... A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o
locutor...” (BAKHTIN, 2006, p. 106).
Nas pesquisas sobre Escandinávia medieval os estudos sobre as sagas certamente
ocupam um lugar diferencial, pois o estudo crescente das mesmas por toda Europa,
demonstra seu interesse crescente no mundo europeu ocidental nos dias de hoje 22. No cinema,
na literatura ou na música é possível que se perceba a influência e abrangência dos estudos
que rodeiam as sagas
As sagas se constituem de uma narrativa literária que foi passada oralmente pelas
linhagens familiares da sociedade escandinava medieval, que caracterizam a construção de
uma preservação identitária das tradições da região. A autoria das Sagas Islandesas é
desconhecida, contudo a sua escrita em prosa é considerada por muitos, um dos maiores
tesouros literária da humanidade (SMILEY, 2000, p.IX).
Segundo o estudo de Ross (2002) as sagas são um meio de memória cultural23, sendo
21
Os Círculos Bakhtinianos eram círculos de acadêmicos que debatiam variadas indagações surgidas pelas
reflexões de Bakhtin, como o dialogismo (LEITE, 2011, p.47).
22
Com obras de grande aceitação do público, a historiografia britânica tem tido sucesso ao produzir livros
sobre esse período problematizando uma grande quantidade de fontes e buscando esclarecer as massas sobre a
Escandinávia medieval. Isso se deve principalmente a influência de obras literárias como as Saxon Stories de
Bernard Cornwell.
23
O conceito de memória cultural é o utilizado por Ross para descrever a lembrança dos feitos importantes para
30
utilizadas para o desenvolvimento de uma autoimagem entre os islandeses medievais e
contemporâneos, auxiliando na formação de sua identidade nacional, incluindo-a na história
da Europa. Sendo que os estudos das sagas têm se voltado progressivamente para a natureza
ficcional da literatura das sagas islandesas.
Na análise das sagas por meio da ótica bakhtiniana se buscará a aplicação de seu
método, compreendendo que o discurso é produzido socialmente e é fundido junto com o
contexto que o produz. Sendo assim, como foi explicado anteriormente, um discurso
mantenedor da memória e recheado de conteúdos fantásticos e sobrenaturais 24. As reflexões
sobre as sagas que apresento são exemplificadas por meio de uma ausência da necessidade
de um discurso original, partindo da ideia de um discurso formado socialmente como uma
válvula de escape para a situação histórica a qual viviam. Contudo, o método bakhtiniano se
prevale da análise e da interpretação de uma crítica do documento, e a partir da crítica e
análise desses documentos encontraremos a compreensão dos contextos e dos enunciados
estudados.
Para se iniciarem as reflexões sobre a obra e pesquisa de Mikhail Mikhailovich
Bakhtin é necessário compreender a conjuntura de surgimento d reflexão desse pesquisador.
Desse modo se esclarecerá a sua ótica sobre o seu objeto de estudo e sua interpretação do
mesmo. Bakhtin nasceu em 1895 em uma cidade provincial chamada Oriol situada às
margens do rio Oka, no oeste da Rússia. Mikhail pertenceu a uma família nobre que
valorizava a educação, por isso ele e seu irmão receberam a melhor possível na época, sendo
introduzida a cultura europeia (LEITE, 2011, p.44).
Aos nove anos de idade Bakhtin e sua família se mudaram para Vilno na Lituânia
onde ficou até os dezesseis quando se mudou para Odessa, e essas duas cidades marcaram a
sua vida e se tornaram constantes na sua biografia e influenciaram seu modo de pensar. Vilno
possuía uma peculiaridade que é a multiplicidade de idiomas falados, tendo em um mesmo
local pessoas que eram polonesas, russas, judias sem contar os próprios lituanos. Cada um
desses povos falava seu próprio idioma e tinha seus próprios costumes, coisas que
um grupo social com identidade coletiva, o termo usado por Le Goff é memória social. A memória coletiva foi
apresenta pelo mesmo como uma ferramenta de poder, por meio do controle do esquecimento. Portanto a
memória, não é um objeto puro e intocado, mas se deforma com o tempo e interesses de quem a preserva e
reproduz. (LE GOFF, 2003, p. 422)
24
Nas sociedades orais, como a sociedade islandesa pré-cristã, o conhecimento uma vez adquirido devia ser
constantemente repetido ou se perdia, e o heroico e maravilhoso serviam a função específica de organizar o
conhecimento em um mundo oral. (ONG, 1996, p. 33-84)
31
posteriormente influencia Bakhtin na sua reflexão sobre as Vozes do discurso.
Vozes do discurso é um conceito bakhtiniano também chamado de plurivocidade,
heteroglossia e bivocalidade. A heteroglossia quer dizer de modo simplista:
“... um enunciado, ou discurso é permeado por discursos ou enunciados que
o antecedem, e como consequência em alguma instância os reproduz, e que
esses discursos ou enunciados antecedentes não pertenciam exatamente a
uma pessoa, mas sim ao meio social a que esse indivíduo pertencia, pois
quem se pronuncia, pronuncia a voz de uma sociedade, que às vezes
longínqua está no tempo e no espaço...” (LEITE, 2011, p. 55).
Isso significa que, segundo Bakhtin, a construção de sentido ao texto se dá tanto no
processo de produção com no processo de recepção, compreendendo assim que não existe
um discurso “original”, pois todo discurso possui as vozes que o antecederam assim como
construirá o discurso como uma voz posteriormente.
Em Odessa Bakhtin iniciou sua vida acadêmica em 1913, para abandoná-la um ano
após e reiniciá-lo em Petrogrado, onde se matriculou no curso de estudos clássicos da
Faculdade Filológico-Histórica. Na faculdade ele se envolveu com círculos intelectuais que
seriam determinantes para sua compreensão do dialogismo no qual nunca se fala em uma
voz unívoca, mas sempre plural e em resposta ao outro (LEITE, 2011, p.45).
Bakhtin se formou em 1918, período conturbado na política em que ocorreram muitas
guerras e calamidade em território russo, isso obrigou Bakhtin a se mudar várias vezes. Por
fim assentando-se em Nevel, onde ele participou de reuniões para debates de intelectuais de
áreas distintas. Como produto dessas reuniões ele constituiu o que se chama hoje de círculo
bakhtiniano, um grupo de intelectuais russos que se harmoniza com suas ideias (LEITE,
2011, p. 46).
Devido ao recorte temático da documentação vamos exemplificar os conceitos
bakhtinianos na análise das sagas estudadas por meio de exemplificações e exposições das
mesmas.
O primeiro caso que vamos analisar são as sagas do santo Guðmundr. Elas são
32
divididas em 4 grupos, categorizados por letras, A25, B26, C27 e D28. Devido ao seu pouco
interesse popular as sagas possuem poucas traduções para o inglês: A Guðmundar saga
biskups, saga do bispo Guðmunðr, A possui duas traduções a mais antiga de 1905 de
Gudbrand Vigfusson e F. York Powell, e a mais recente de 1942, feita por Turville-Petre e E.
S. Olszewska; A saga B é praticamente a mesma compilação do material da saga A, com o
adicional de um material extra, sua única tradução para o inglês está presente na mesma obra
de Turville-Petre e E. S. Olszewska de 1942; A saga C 29 , assim como a B é baseada
principalmente nas duas sagas anteriores com algum material adicional; A saga D,
finalmente, foi escrito depois de 1343 pelo monge Arngrímr onde a sua principal fonte foi a
versão C da saga. Não existe uma tradução específica dessa versão. (WOLF, 2013, p.129149)
25
Conhecida como a saga mais antiga do Bispo Guðmundr Arason, foi composta pelos manuscritos: AM 122b
fol. (Reykjarfjarðarbók) (ca. 1375–1400, defective), AM 204 fol.(ca. 1650), AM 220 fol. II (ca. 1520–40), AM
394 4to (ca. 1575–1600, defective), AM 399 4to (Codex Resenianus) (ca. 1330–50, defective), AM 401 4to (ca.
1686–8, defective), AM 111 8vo (ca. 1575–1600, defective), Kall256 fol. (1750–1800), and Stock. Papp. fol. no.
3 (1689).
26
Conhecida como a saga do meio do Bispo Guðmundr Arason, foi composta pelos manuscritos: AM 204
fol.(ca. 1650), AM 657c 4to (ca. 1340–90, defective), and Lbsfragm 5 (ca. 1330–70).
27
Composta pelos manuscritos: AM 395 4to (ca. 1600–1700), AM 400 4to (ca. 1700, excerpts only), Stock.
Papp. fol. no. 3 (1689, defective), and Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50, defective).
28
Composta pelos manuscritos: AM 219 fol.(ca. 1370–80, defective), AM 220 fol.III (ca. 1450), AM 220 fol. Iv
(ca. 1475–1525), AM 220 fol. v (ca. 1450–75), AM 394 4to (ca. 1575–1600, extracts), AM 396 4to (ca. 1350–
1400, defective), AM 397 4to (ca. 1700, defective), AM 398 4to (ca. 1600–1700, defective), AM dipl. isl. fasc.
LXX 7 (ca. 1400, defective), JS fragm 5 (ca. 1370–80), Lbsfragm.6 (ca. 1370–80), SÁM 2 (ca. 1370–80),
Stock. Papp. fol. no. 2 (1689), Stock. Perg. fol. no. 5 (ca. 1350–65), and Þjms 176 (ca. 1370–90).
29
Segundo Kirsten Wolf (2013) não existe tradução especificamente dessa versão da saga para o inglês, mas
compreendendo que ela possui semelhanças com a saga A e B, consideraremos a tradução de 1942 como
aceitável para compreensão geral do seu conteúdo.
33
Imagem do bispo Guðmunðr em um manuscrito medieval.
Devido acessibilidade das traduções e as similaridades entre as quatro versões
diferentes, iremos trabalhar com as versões traduzidas de 1905 e1942 paralelamente. Apesar
dessa tradução se basear na documentação das sagas A e B, e faltando material
complementar da saga C e D, consideramos a documentação está em quase sua totalidade, e
para a finalidade de análise será suficiente para apresentar o objeto dessa pesquisa. Para
facilitar a leitura do texto não iremos especificar qual versão da saga, mas iremos tratá-la
pelo seu nome utilizado na historiografia escandinava, Guðmundar sögur, as sagas de
Guðmunðr.
34
A chamada Jóns Saga helga, saga do santo Jón, apesar de ser sempre apresentada
pela literatura sempre no singular, diferente da Guðmundar sögur, ela não é considerada uma
saga somente, mas 3 versões diferentes: A Jóns saga helga S30possui somente uma tradução
para o inglês, no mesmo compêndio que as Guðmundar sögur produzido em 1905 por
Gudbrand Vigfusson e F. York Powell; A Jóns saga helga L31por ser uma revisão do texto
original está presente também na tradução de 1905, mas somente alguns trechos e não sua
totalidade. Outro local que se é possível encontrar trechos da documentação traduzida é em
uma tradução de 1965 feito por Jacqueline Simpson; Por fim, a Jóns saga helga H32 é uma
edição integral da primeira saga com mais milagres inclusos, e ela infelizmente ela só possui
uma tradução “recente” para o Dinamarquês impossibilitando a sua análise. (WOLF, 2013, p.
180-197)
30
É a versão mais antiga da saga sobre o Bispo Jón Ögmundarson, provavelmente foi escrita em associação
com a Vita latina de Gunnlaugr Leifsson comissionada pelo Guðmundr Arason. Sendo que está saga pode ser
considerada uma versão resumida da sua Vita. Essa saga é composta pelos manuscritos: AM 221 fol.(ca. 1275–
1300, defective), AM 222 fol.(ca. 1700), AM 234 fol.(ca. 1340), AM 235 fol. (ca. 1400, defective), AM 391 4to
(ca.1690), AM 393 4to (ca. 1700), BLAdd 4867 (ca. 1675–1700), BLAdd 5313 (ca. 1750–1800), Kall 616 4to
(ca. 1700–1800), Kall 618 4to (ca. 1725–50), Kall 619 4to (ca. 1750–1800), Lbs 839 4to (ca. 1750–75), Lbs
1442 4to (ca. 1725), Lbs 2243 4to (ca. 1840–50), NBO 367 4to (ca. 1700–1800), NKS 1201 fol. (ca. 1700–
1800), NrA 57 (ca. 1330), rask 30 (ca. 1800), TCD 1028 (ca. 1750), and Thott 1770 4to (ca. 1750–1800,
defective).(WOLF, 2013, p.180)
31
Uma versão revisada do início do século XIV, baseado na sua primeira versão mas lembra a terceira versão
da saga. Composta pelos manuscritos: AM 205 fol.(1644), AM 210 fol. (ca. 1600–1700), AM 219 fol.(ca.
1370–80, defective), AM 396 fol. (1676), AM 392 4to (ca. 1600–1700), Don. var. 1 vol. XII (ca. 1700), JS 21
fol. (1841), JS 629 4to (ca. 1825–50), Lbs 140 4to (ca. 1750–90), Lbs 671 4to (1846–8), Lbs 795 4to (ca.
1700–1800), Lbs 1402 4to (ca. 1852), Lbs 1573 4to (ca. 1820–30), NKS 1202 fol. (1768), NrA 57 (ca. 1330),
Stock. Papp. fol. no. 2 (1689), Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50), Stock. Perg. fol. no. 5 (ca.1350–65), and
Thott 1748 4to (ca. 1760–70).(WOLF, 2013, p.186)
32
Composta pelos manuscritos: AM 392 4to (ca. 1600–1700) and Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50). (WOLF,
2013, p.193)
35
Imagem do bispo Jön Ögmundarson em um manuscrito medieval.
Finalmente a Þorláks saga helga, a saga do santo Þorlákr, possui o maior número de
variações das três documentações, podendo ser dividido em A 33 , B 34 ,C 35 ,D 36 ,E 37 ,
Jarteinabók Þorláks biskupsönnur38 e a Jarteinabók Þorláks biskups in forna39: A Þorláks
33
A chamada saga mais antiga do bispo Þorlákr Þórhallsson, é composta pelos manuscritos: AM 205 fol.(1644),
AM 206 fol. (ca. 1650), AM 210 fol. (ca. 1600–1700,defective), AM 396 fol. (1676), Kall 261 fol. (ca. 1700–
1800), Stock.Papp. fol. no. 2 (1689), and Stock. Perg. fol. no. 5 (ca. 1350–65). (WOLF, 2013, p.372)
34
Chamada da saga jovem do Bispo Þorlákr Þórhallsson, possivelmente composta na tradução das relíquias do
santo. É composta pelos manuscritos AM 209 fol. (ca. 1600–1700, defective), AM 219 fol.(ca. 1370–80,
defective), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM 382 4to (ca. 1350, defective), AM 383 4to I
(ca. 1250), AM 383 4to III (ca. 1400), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90), AM 388 4to (ca. 1650–1700, defective),
and BLAdd 11.242 (ca. 1540–90).(WOLF, 2013, p.378)
35
Chamada da saga mais jovem do Bispo Þorlákr Þórhallsson. A vita corresponde a B. É de certa forma
resumida, mas contém material não presente na A ou B. É composta pelos manuscritos: AM 209 fol.(ca. 1600–
1700, defective), AM 219 fol.(ca. 1370–80, defective), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM
383 4to III (ca. 1400), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90), AM 385 4to II (ca. 1375–1400), and AM 388 4to (ca.
1650–1700, defective). (WOLF, 2013, p. 386)
36
É um fragmento de uma coleção de milagres do santo Þorlákr. é o manuscrito AM 383 4to I (ca. 1250).
(WOLF, 2013, p. 389)
37
Assim como a D é um fragmento de uma coleção de milagres, é o manuscrito AM 383 4to II (ca. 1300).
(WOLF, 2013, p. 390)
38
É uma coleção de milagres adicionados a Þorláks saga biskups C que ocorreram na época do bispo Páll
Jónsson’s time (1195–1211). É o manuscrito AM 379 4to (1654). (WOLF, 2013, p. 284)
36
saga biskups A possui duas traduções completas e uma parcial. A sua tradução mais recente
foi feita pela Kirsten Wolf em 2008, contudo só contém trechos. A tradução completa mais
recente está presente na obra de 1905 de Gudbrand Vigfusson e F. York Powell, e a mais
antiga é uma tradução de 1895 da Mary Charlotte Julia Leith; A versão B da Þorláks saga
biskups possui três traduções, uma integral e duas parciais. A tradução integral está presente
na mesma obra de York Powell e Vigfusson (1905) que a saga A, e suas traduções parciais
estão presentes na mesma obra de Leith de 1985 e em um artigo da Jacqueline Simpson de
1965; A saga C só possui uma tradução para o inglês de 2008 feito por Cormack Marganet;
A Jarteinabók Þorláks biskups in forna possui uma tradução presente na tese de Ph. D. de
Roughton de 2002. A saga D e E assim como a Jarteinabók Þorláks biskupsönnur não
possuem traduções para o inglês. (WOLF, 2013, p.368-391)
A documentação presente para o estudo da Þorláks saga biskups é bem numerosa
mas com pouca variação. Sendo assim, decidiu-se trabalhar com a versão mais completa, de
Gudbrand Vigfusson e F. York Powell pois além de ser mais recente que a versão de Leith
(1895) está em um formato mais completo, podendo auxiliar na pesquisa por apresentar mais
informações.
É importante ressaltar que os bispos estudados não estão somente presentes nas sagas
que possuem seus nomes, mas em outros manuscritos, como a Hungrvaka40e a Oddaverja Þáttr 41 . Devido às limitações de uma pesquisa de mestrado tivemos que excluir essa
documentação da análise, além do fato de que elas não fazem, diferentes das sagas
analisadas, uma exposição mais constante dos milagres dos santos bispos islandeses.
Essas sagas fazem parte de uma esfera social de reprodução da representação da
identidade cristã como a pilastra fundamentadora da moralidade e do “correto”. Diferente
das fornaldarsögur, konungasögur e Íslendingasögur, esse conjunto textual narra fatos que
ocorreram a somente 100 ou 200 anos, em alguns casos menos tempo. Por consequência
disso a alteração causada pela heteroglossia é inferior ao que seria em uma saga antes da
virada do milênio, levando a saga a um grau maior de confiabilidade. Contudo não podemos
39
A coleção mais antiga dos milagres adicionados a Þorláks saga biskups C. É composto pelos manuscritos:
AM 209 fol.(ca. 1600–1700), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90),
and AM 645 4to (ca. 1220, defective). (WOLF, 2013, p. 369)
40
A Hungravaka é, resumidamente, a história do primeiro bispado da Islândia, em Skálholt, e se dedica a falar
sobre os primeiros cinco bispos que lá residiram. (BASSET, 2013, p.1)
41
A Oddaverja – Þáttr também chamado de “Segunda vida de Þorlákr”, que fala sobre a família Oddaverjar,
uma família nobre islandesa que acabou se conflitando com o bispo Þorlákr em múltiplas ocasiões (WOLF, p.
246)
37
ignorar o meio social no qual a saga foi produzida. Esses relatos sobre a vida de bispos
foram produzidos por seus pares, possuindo a possibilidade de elaborações poéticas para
enaltecer a sua vida e feitos. Essa construção de uma representação ou imaginário em cima
dos bispos sedimentadores da cristandade na ilha é, em parte, o produto do processo da
formação de uma identidade 42 cristã que é um dos objetos dessa análise,buscar essa
construção em cima da documentação e analisá-la.
Pela interpretação da maioria dos estudiosos das sagas a Islândia medieval é o local
ideal para passar a história adiante. Em um local isolado, longe da sua origem é comum
venerar a cultura mãe 43 . Segundo o historiador dinamarquês Saxo Grammaticus 44 ,
escrevendo em torno de 1200 d.C., eles são confiáveis:
“...gastam seu tempo aprimorando seu conhecimento em outras áreas,
compensando pela sua pobreza intelectual. Eles têm grande prazer em
descobrir e comemorar proezas de todas as nações; segundo a sua visão é
esclarecedor discursar na proeza de outros para mostrar a sua própria...”
(BYOCK, 1998, p.VIII).
O ato de se contar história em prosa é um dos atos mais valorizados, sendo
considerado uma alta arte. Ao se escrever essas prosas foi permitido aos contadores de
histórias retrabalharem mais amplamente e preservar o conhecimento do passado 45. Como no
começo do século XIII em que foram reunidas em um único texto de forma coerente
múltiplas aventuras. A coerência foi tão marcante que quase não se alterou o texto para sua
recomposição em torno do ano 1400, sendo que em 1461 uma cópia da saga foi incluída em
os “livros na língua nórdica” na Biblioteca do monastério de Modruvellir no norte da
42
A identidade não se constrói somente por meio da alterização, é importante ressaltar. A construção da
identidade islandesa pode ser dar por múltiplas formas, como demonstrado por Ármann Jakobsson (2009) no
seu estudo sobre a alimentação da Islândia medieval e seu papel definidor de identidade.
43
É importante ressaltar nesse momento que não existe uma cultura mãe pura. Tzvetan Todorov, explica que:
“todas as culturas existentes são mistas, e os contatos entre grupos humanos recuam às origens da espécie
deixam sempre vestígios na maneiro como os membros de cada grupo se comunicam entre si”. (TODOROV,
2010, p. 69-70)
44
Saxo Grammaticus (1150-1220) foi um escritor dinamarquês do século XII, que o apelido Grammaticus vem
do seu grande trabalho histórico elaborado em prosa no Latim. Pouco se sabe sobre sua vida, exceto que ele
provavelmente veio da ilha de Sjaelland e que era proveniente de uma família de guerreiros. Saxo foi
mencionado pela primeira vez na Historia Regum Danicae Compendiosa de Sven Aggesen, no qual ele é
descrito como o escrito da história dos reis dinamarqueses do século XI (HOLMAN, 2003, p.236).
45
Segundo Robert Bartlett (2007), apesar dos islandeses não aparentarem ser menos cristãos que o resto da
Escandinávia, eles buscavam o conhecimento da sua cultura pré-cristã, quando as outras sociedades
Escandinavas cristianizadas realizavam de tudo para esquecer-se do seu passado. (p.53)
38
Islândia (BYOCK, 1998, p.VIII).
2.2 O Imaginário nas Sagas e Sociedade Escandinava.
O sobrenatural e o fantástico são dois conceitos muito comuns nos estudos das sagas,
então devido ao seu amplo uso, uma análise mais detalhada sobre os conceitos seria
relevante para o estudo das sagas. Para estudar os conceitos e seus usos pelos pesquisadores
é importante em primeiro lugar localizar o significado mais básico das palavras por meio de
um dicionário, como o dicionário Aurélio, por exemplo. Sobrenatural é um adjetivo no
português que significa algo não atribuído a natureza, mas relacionado com fenômenos
extraterrenos. (FERREIRA, 1993, p.509) E o adjetivo fantástico significa só existente na
fantasia ou imaginário, extraordinário, falso. (FERREIRA, 1993, P. 244)
Ambos, o sobrenatural e o fantástico, são encontrados em todos os gêneros de sagas,
em maior ou menor extensão. O motivo que levou Mundal (2006, p.1) a essa discussão foi
observar que os dois conceitos não eram claramente divididos, sendo importante
compreender essa divisão problemática entre o sobrenatural e o fantástico nas sagas
islandesas. O sobrenatural trata de seres e fenômenos que não são sujeitos as leis naturais. O
fantástico, por outro lado, lida com seres e fenômenos que não pertencem ao real, mas a
imaginação e fantasia. Essa divisão parece simples, mas com o decorrer dos estudos o que é
compreendido como verdade se torna dependente de muitos fatores variantes.
Como exemplos têm a definição dos dragões, eles são seres sobrenaturais ou
fantásticos? O fator determinante para essa definição é a crença que se tem neles. O estudo
de Langer demonstra que o dragão não nasceu com uma forma definida, mas se modificou
com o decorrer dos anos. O dragão presente nos mitos cristãos, como na heilagra manna
sögur, são seres sobrenaturais, pois é a representação do Demônio. O dragão na Bjarnar
saga que Björn enfrenta é, por outro lado, visto mais como um tipo de conto-de-fadas
presente em um mundo fantástico. E por fim na fornaldarsörgur torna-se difícil decidir em
qual das categorias os dragões se encaixam. Os objetos mágicos são encontrados em
diferentes sagas, e é complexo diferenciar se estes objetos são relacionados ao sobrenatural
ou fantástico. A variedade de objetos é surpreendente: bebidas do esquecimento, força ou
39
amor, pedras mágicas com poderes variados, objetos que tornam uma pessoa invisível, armas
e roupas mágicas. Sendo que os objetos são espalhados em múltiplas sagas diferentes.
(MUNDAL, 2006, p.3)
Pedra Rúnica sueca com ilustração do Sleipnir, cavalo de 8 patas do deus Óðinn, um dos
vários elementos do sobrenatural escandinavo.
Os casos mais prováveis para alguns leitores desavisados podem surpreender. Usando
a lógica explicada antes, ao se analisar a metamorfose na qual um humano se transforma em
um animal por meio de seiðr, feitiçaria nórdica, concluir-se-ia que seria algo fantástico,
entretanto o seiðr é visto como algo acreditável e presente para os nórdicos, não causando
estranheza. (MUNDAL, 2006, p.3)
40
O fantástico pode ser compreendido como um fator, principalmente, para o
entretenimento. As sagas com seu caráter de oralidade têm a necessidade de elementos
“exóticos”, mas não podemos confundir os elementos fantásticos com histórias sem
historicidade, pois ambos se misturavam para a construção da narrativa. (MUNDAL, 2006,
p.8)
Para uma compreensão melhor dos habitantes da Islândia medieval é necessário
expor dois pontos fundamentais: O primeiro é que eles eram mais inclinados a acreditar em
fenômenos não materiais do que reais e acreditaram em seres e forças de outro mundo, de
base empírica não provável; o segundo é que na sua própria sociedade, existiram opiniões
diferentes entre os islandeses medievais sobre a realidade. (ROSS, 2002, p. 449)
Para a nossa análise, faremos uma separação das sagas em dois grupos nos quais
compreendemos que o sobrenatural é usado com finalidades diferentes, o cristão e o seguidor
de costumes religiosos pré-cristãos. O sobrenatural surge nas sagas “cristãs” por meio
principalmente dos milagres, os quais muitos filósofos acreditam levarem a uma justificação
da crença religiosa e assim os pesquisadores que possuem uma ojeriza à religião utilizam
esse fator para discriminar essas sagas como menos precisas ou históricas. Entretanto
devemos lembrar que a presença ou ausência de milagres não é uma justificativa para a
autenticidade de um documento histórico. Os milagres faziam parte de um elemento comum
na sociedade, mas é necessário que se realize um processo crítico ao utilizá-los como fonte.
Quando os milagres podem ser rastreados até pessoas reais a sua autenticidade é comprovada.
(GRØNLIE, 2006, p.1)
Como ocorre nas Byskupa sögur onde o sobrenatural se apresenta nas histórias de três
bispos: Þorlákr, Jóns Ögmundarson e Guðmunðr Arason. Dos três bispos, o único que não
conseguiu ser canonizado é o Guðmunðr Arason, que foi bispo de 1203 a 1237. Þorlákr de
Skálholt foi bispo de 1176 até 1193 sendo canonizado em 1199 numa Alþing, e é o santo
padroeiro da Islândia. Jóns Ögmundarson foi o primeiro bispo de Hóllar, cidade que fica ao
norte da Islândia, de 1106 a 1121(MCCREESH, 2006, p.1), sendo o mesmo canonizado em
120046.
Os efeitos sobrenaturais acabam variando segundo as fontes, contudo seguem um
padrão presente nas hagiografias no qual podemos citar o exemplo da saga de Jóns. Durante
Unnar Árnason. “Hver var Jón Ögmundsson?“. Vísindavefurinn, 2003.
http://visindavefur.is/?id=3546. Acessado em 15/01/2013.
46
Disponível
em:
41
o enterro do santo seu corpo se tornou tão pesado que ele não pudesse ser carregado, mas
neste caso, segundo McCreesh, a imobilidade do cadáver se deve a uma razão diferente do
apresentado nas hagiografias. No caso de Jóns o corpo causou um tipo de paralisia nos
homens que tentaram se opor a vontade do santo. (MCCREESH, 2006, p. 2)
O mundo natural, às vezes prove os instrumentos para os “efeitos” sobrenaturais. O
que hoje em dia, seria considerado sorte por algumas pessoas é interpretado como um sinal
de poderes sobrenaturais tais como controlando o clima. Deslizamentos de terra, neblina, um
vento forte favorável, tempestades entre vários outros elementos climáticos podem ser
interpretados como um sinal de poderes extra-humanos. (MCCREESH, 2006, p.4) Um
exemplo disso é a neblina na Oddaverja þáttr que protege Þorlákr, padroeiro da Islândia, da
sua inimizade local, o Jón Loptsson47.
Essa teoria também é defendida por Egilsdóttir (2006, p.2) argumentando que a
fantasia é encontrada nos mitos mais básicos e eles determinam valores que não podem ser
validados cientificamente ou contam história que não seriam verificáveis. Incluindo a
suposição de que outro uso para a fantasia no contexto da cristandade é para a manutenção
da moralidade. Para ele, a fantasia é qualquer desvio da realidade consensual, um impulso
nativo para a literatura está manifestado em inúmeras variações de monstros a metáforas.
Com esse diálogo alguns pesquisadores podem se perguntar por que não se utilizarem
dos termos mais comuns para eles tais como o Maravilhoso ou o Imaginário Social. Para
responder essa pergunta precisamos explicar superficialmente esses conceitos e demonstrar
porque não se encaixam exatamente no contexto exemplificado.
O maravilhoso é a fronteira entre o natural e o sobrenatural. Segundo os cristãos, a
primeira maravilha de Deus foi a criação do mundo. A distinção entre milagre, de caráter
sobrenatural, e maravilha, de caráter natural, preocupou clérigos e laicos na Idade Média. A
maravilha assim como o milagre pode ser obra do Satã. Sendo difícil distinguir as
maravilhas de origem infernal, como feitiçarias e diabólicas, das maravilhas naturais e
milagres criados por Deus. As maravilhas de Deus são as reais e verdadeiras e as do Diabo
eram ilusórias e falsas. O maravilhoso, mirabilia em latim, é utilizado para definir um tipo
de realidade (LE GOFF, 2006, p.105). O maravilhoso na Idade Média é visto segundo Le
Goff como:
47
Anônimo. Oddaverjaþáttr. In: Byskupa Sögur I, ed. Guðni Jónsson Íslendingasagnaútgjáfan, 1953. p. 147
42
“...um conjunto, uma coleção de seres, fenômenos, objetos, possuindo todos a
característica de serem surpreendentes, no sentido forte da expressão, e que podem
estar associados quer ao domínio propriamente divino..., quer ao domínio natural...,
quer ao domínio mágico, diabólico...” (LE GOFF, 2006, p.106)
Ao analisar as fontes do maravilhoso Le Goff explica que o mesmo acolhe fontes
diversas, anteriores ou exteriores à Cristandade, para cristianizá-las em intensidades variadas.
(LE GOFF, 2006, p.108) Além disso o próprio paganismo bárbaro, segundo Le Goff, é outra
fonte do maravilhoso onde seres míticos aparecem e são explicados. (LE GOFF, 2006, p.110)
Compreendendo assim, é possível entender os seres das sagas como maravilhosos, mas o
conceito de maravilhoso tem uma base não presente nas sagas que é o espanto com o
extraordinário. Segundo as palavras do próprio autor:
“O maravilhoso medieval caracteriza-se pela raridade e pelo espanto que suscita,
em geral admirativo. Ele afeta primariamente o olhar e implica qualquer coisa de
visual, posto que deriva de raiz mir, a mesma que se encontra nos termos latinos de
miror, mirari (“surpreender-se”) e mirus (“surpreendente”).”
O imaginário social basicamente atua como uma ferramenta para despertar a
consciência social em um grupo de indivíduos nos qual o imaginário é sua função catártica.
Ao expressar de forma histórica e cultural instintos, emoções, sentimentos e pensamentos
mais enraizados do ser humano, os imaginários são válvulas de escape que impedem a
neurotização da sociedade. O imaginário é o guardião da vida coletiva. Toda ritualização
tende a construir uma identidade coletiva (JUNIOR ,2003, p.105).
O imaginário é o espelho da mentalidade, que revela e deforma. Toda imagem é uma
forma culturalmente elaborada com material pré-existente naquela cultura. (JÚNIOR, 2003,
p.97) Transportando isso para a realidade dos estudos das sagas, podemos observar no
estudo sobre o mito do dragão na Escandinávia da “Era Viking”, feito por Langer (2007),
que o referencial teórico para o imaginário social encaixa-se harmonicamente na sua análise
demonstrando a relevância do uso do imaginário social como um todo. Nesse estudo
dividido em três partes, Langer aborda a transformação do imaginário sobre o dragão com a
progressão temporal da “Era Viking” confrontando fontes de tradição oral com a literatura
43
germânica medieval.
Ilustração de uma pedra rúnica com o Dragão, um elemento do maravilhoso
escandinavo medieval.
2.3.O Conceito de Identidade e sua Construção
A identidade é um conceito complexo dentro do campo das humanidades, onde
44
muitos pesquisadores têm se dedicado a buscar sua construção e definição. (FORTES, 2013,
p.30) Como essa pesquisa se dedica realizar um exercício similar, é fundamental apresentar
qual o parâmetro utilizado para a construção dessa identidade cristã que será buscada e
analisada nessa dissertação.
A identidade não é algo nato. Um indivíduo ou grupo de indivíduos não nascem com
uma identidade, essa identidade é construída. Essa construção é tanto simbólica quanto
social. Essa identidade adquire sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos
pelos quais ela é apresentada. A identidade é relacional, dependendo de algo fora dela para
existir. A sua síntese se dá, segundo Kathryn Woodward (2000) por meio da exclusão, a
construção da diferença, em que a identidade se apresenta por aquilo que ela não é, e a
diferença é sustentada pela exclusão: ao se integrar em uma identidade não se pode ser o
oposto dessa identidade (WOODWARD, 2000, p.9-12).
Le Goff (2010), apesar de generalista ele apresenta a diferença, ou marginalizados, no
contexto medieval de modo sublime no qual aponta que:
“A cristandade medieval parece detestá-los e admirá-los ao mesmo tempo, tem
medo deles, num misto de atração e de terror. Mantém-nos à distância, mas fixa
essa distância a um nível bastante próximo, de modo a poder tê-los ao seu alcance.
Aquilo a que chama caridade em relação a eles assemelha-se muito ao
comportamento do gato que brinca com o rato. É o que sucede com as leprosarias,
que devem estar situadas a um ‘tiro de pedra da cidade’, de modo que a ‘caridade
fraterna’ possa exercer-se para postos à margem, porque perigosos, mas visíveis
para que, graças aos cuidados que lhes dispensa, ela possa ficar-se na sua boa
consciência; e, mais ainda, projeta e fixa neles, magicamente, todos os males que
afasta de si” (p. 162-163)
Classificamos o mundo social dividindo-o entre “nós” e “eles”, os “bons” e “maus”,
classificando os indivíduos em oposições binárias, em que fixar uma determinada identidade
como a norma é uma das formas de hierarquizar as identidades das diferenças. Onde a
identidade é normatizada e a alteridade desnaturalizada. Como em uma sociedade cristã o
não-cristão é alterizado, ou uma sociedade inicialmente não-cristã alteriza o novo credo
(SILVA, 2000, p. 82-83).
O conversio medieval possui um significado diferente para o advento do cristianismo.
Além disso o conceito medieval não pode ser traduzido como cristianização no sentido
moderno da palavra, “uma mudança interior da fé”. No caso medieval a mudança de atitude
e práticas sociais é mais importante que a fé, como ocorria nos casos de batismos, sem o
requerimento da crença cristã per si. (SANMARK, 2004, p. 32)
45
O conceito de conversão e cristianização é um termo que causa muita confusão,
sendo que uma das fontes de confusão é sua definição. James C. Russell (1994) compilou
uma análise das definições no qual inicialmente “conversão” é a modificação
comportamental e ideológica do indivíduo, resultando em uma nova visão de mundo 48 .
Arthur Darby Nock (1933) adiciona a essa reflexão que a conversão implica uma grande
mudança consciente, que o antigo é errado e o novo é certo. (SANMARK, 2004, p.13)
Por outro lado, a cristianização é vista como causadora de transformações na
sociedade49. Em alguns casos como as mudanças causadas em longo prazo pela conversão,
por consequência a cristianização não seria, para esses estudiosos, um fenômeno de
aceitação individual mas uma transformação na sociedade, em vista disso um processo
coletivo. Na sua tese de Ph. D. Alexandra Sanmark (2004) utilizou essas reflexões e
construiu algo mais apropriado para o seu objeto de análise, e utilizaremos essa conceituação.
A conversão são as ações tomadas pelo poder secular e clérigos para que seja alcançada a
cristianização da sociedade. Sanmark divide essa conversão em duas etapas: A primeira
envolvendo esforços missionários em territórios particulares, com pouco ou nem um apoio
secular; A segunda quando o poder secular toma o ímpeto de iniciar a cristianização do seu
território. Pelo recorte documental escolhido para esse estudo, focaremos na segunda parte,
onde o processo cristianizador se tornou mais notável. (SANMARK, 2004, p.14)
O uso do termo “pagão” para tratar essa o culto pré-cristão já foi muito utilizado pela
academia, assim como “religião pré-cristã”. Não usaremos o termo paganismo pelo contexto
pejorativo o qual possui, e o termo “religião pré-cristã” é entendido por Sanmark (2004,
p.15), assim como nós, como um conceito muito estreito para tratar todos os aspectos do
culto pré-cristão, sendo que este não engloba a feitiçaria. Para analisar adotaremos o
conceito de costumes religiosos pré-cristãos.
O uso do termo Igreja para definir o clero é muito comum, contudo nos alinharemos
novamente com o posicionamento da Sanmark (2014, p.15), no qual ela argumenta que:
This expression implies a coherent organization that could ensure the
48
Pesquisadores como A. J. Krailsheimer, Hugh T. Kerr, John M. Mulder, Charles Y. Glock e Rodney Stark.
Como um fenômeno social, Russell crê que em condições perfeitas seja possível analisar o grau de
transformação da sociedade. Mas no contexto dessa dissertação tal ambição se torna demasiadamente complexa
devido a documentação ao tempo.
49
46
uniformity of Christian teachings and practices. In the early Middle Ages
the papacy had not yet manifested itself as the central ecclesiastical power.
Regional versions of Christianity could therefore develop, which were
accepted by local clergy, of which the papacy would not necessarily have
approved. The divergent medieval Christian teachings are also evidenced
by the drawn out disputes between clergy at this time. By the time of the
conversion of Scandinavia, the more unified ecclesiastical organization of
the Later Middle Ages was emerging.50
Tratando da organização religiosa local usaremos o termo clero ou organização
clerical, por compreender que se encaixa melhor no contexto analisado, sem apresentar
nenhuma forma de empecilho ou alteração na exposição do recorte ou objeto.
Um dos símbolos mais conhecidos dos estudos arqueológicos da hibridização do cristianismo
com a religiosidade pré-cristã. Uma cruz cristã que também serve como o signo do martelo do deus
Þórr.
Tradução: “Está expressão implica uma organização coerente, que poderia garantir a uniformidade dos
ensinamentos e práticas cristãs. Na Alta Idade Média o papado não tinha ainda se manifestado como o poder
eclesiástico central. Versões regionais do cristianismo poderiam portanto se desenvolver, que foram aceitas pelo
clero local, dos quais o papado não teria necessariamente aprovado. Os ensinamentos cristãos medievais
divergentes também são evidenciados pelas disputas entre o clero nesse momento. No momento da conversão
da Escandinávia, a organização eclesiástica mais unificada do final da Idade Média estava surgindo.”
(SANMARK, 2014, p.15)
50
47
Como o abandono dos costumes religiosos pré-cristãos por uma prática cotidiana
cristã foi um processo curto, acabou levando a um contato entre ambos e assumido
consequentemente a um sincretismo religioso que será mais analisado posteriormente sob a
ótica do Hibridismo Cultural de Peter Burke (2013, p.23). Objetos, filosofias, línguas,
culinárias, religiões, arquitetura entre vários outros objetos podem ser resultado de uma
Hibridização Cultural no qual se “misturam” duas culturas resultando em algo que possui
parte de ambas. Dialogando com Peter Burke e Mikhail Bakhtin, é a construção de um novo
enunciado por meio das influências das vozes que o antecederam.
O cristianismo que buscaremos como resultado do processo cristianizador, não é o
mesmo cristianismo que chegou à Escandinávia, mas o resultado de um possível
sincretismo51. Um cristianismo modificado a sua nova realidade e meio social como produto
de um diálogo desigual com os costumes religiosos pré-cristãos. No qual esse cristianismo
resultado do hibridismo não é uma mistura harmônica, mas sim uma mistura com poderes e
influências desiguais resultando em uma apropriação do cristianismo dos hábitos religiosos
pré-cristãos (BURKE, 2013, p.41). Apesar de partilhar o local e diversos aspectos da cultura
em suas vidas cotidianas ocorre uma síntese de uma nova identidade cristã
52
.
(WOODWARD, 2000, p.8)
51
Esse novo cristianismo sincrético não é uma realidade somente na Islândia mas ocorreu em outros locais,
como por exemplo na Noruega. Ao realizar analises arqueológicas dos túmulos e dos martelos de Thor, a
professora Nordeide (2007) encontrou uma tendência no qual os martelos de Thor serviriam como um
indicador do avanço do cristianismo na Noruega, do sudeste ao norte, assim como os túmulos. Os túmulos com
o avançar do cristianismo apresentavam características cristãs e pré-cristãs. Como túmulos enterrado em Igrejas
com indícios de culto nórdico e túmulos cristãos enterrados a forma pré-cristã.
52
Essa nova identidade cristã, construída para os antigos seguidores da religiosidade pré-cristã é a osmose
gradual de elementos de ambas as religiosidades, pré e cristã, pois segundo a ótica de Garipzanov (2014)
auxiliaria no processo de transição de uma religiosidade mais tradicional para o cristianismo recém chegado.
(GARIPZANOV, 2014, p. 3)
48
3. A ALTERIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE PRÉ-CRISTÃ
Na documentação analisada a identidade cristã está presente em todos os momentos.
Por se tratar de uma documentação produzida pelo clero e sobre o clero o posicionamento
sobre a cristandade sempre está bem clara. O cristianismo e Deus são os motores de tudo, os
santos possuem força por interceder na vida cotidiana e o clero tem uma autoridade superior
à autoridade dos homens por defender a sua fé. Esse posicionamento imutável do clero
acabou ocasionalmente causando conflitos com os poderes seculares locais, como é falado
comumente nas sagas analisadas. Padres acabavam mortos por discordarem de uma decisão
de um poderoso nobre em uma Þing, a assembleia. O próprio bispo Guðmunðr é uma figura
polêmica, por continuamente confrontar os poderosos nobres islandeses, sendo que
aproximadamente metade da sua saga se dedica a narrar os conflitos políticos do mesmo.
Um exemplo da participação dos bispos na vida política da ilha se dá no início da
saga de Guðmunðr. Dois nobres locais buscaram o bispo Pal para resolver uma disputa na
assembleia, ao invés de consultar os outros nobres. O bispo decide por uma divisão que
acabou não agradando a ambos, contudo, evitou o derramamento de sangue por um
problema de desentendimento com heranças.
“After the death of Jon, the son of Lopt, a dispute arose between his son
Sæmund and Sigurd, the son of Orm; they quarrelled about the inheritance
of a man called Gelli, for Jon had held Gelli's estate in trust, but the heirs
lived in Sigurd's district in the east, and Sigurd took possession of the
property and put a man called Kari in charge of it. Finally the agreement
was made that Bishop Pal should give his judgment in the dispute at the
Assembly. Both parties then went to the Assembly, and, after consulting the
men of highest standing, Bishop Pal delivered his judgment. He assigned
the property to Sæmund, but adjusted the terms so that both parties might
be well satisfied. Sæmund gained both honour and respect from this case.
Kolbein, the son of Tumi, was much dissatisfied with the settlement, and
Sighvat, the son of Sturla, even more.” (Anônimo, p.37)
A participação dos bispos na vida política e religiosa foi muito prática para a
instauração do cristianismo na ilha. Os bispos, ao participarem constantemente das þing
construíram uma autoridade paralela a autoridade dos poderes seculares. Esse poder paralelo
regido pelos bispos islandeses acabou facilitando o papel cristianizador dos bispos, em uma
49
população que ainda possuam resquícios da religiosidade pré-cristã.
Um dos meios utilizados pelo clero para esse “combate” com a religiosidade précristã foram as pregações. As pregações ajudavam a confortar a população em momentos
difíceis, mas ao mesmo tempo em que se pregava a fraternidade com o próximo, ele recorda
os ouvintes dos perigos daqueles que se afastam ou não seguem o caminho apontado pela
Bíblia. Um dos exemplos claros disso está presente na saga de Þorlákr quando se diz que ele
pregava chamando o rebanho para o caminho correto, e perdoar os seus erros, contudo, isso
não o inibia de repreender ou excomungar as pessoas que não se agregavam na sua forma de
pensar:
“…But They that would not turn to the right way by his kindly upbraiding,
and not forsake their dangerous condition at his rebuke, then he would
interdict some, and excommunicate others, according as Christ bade His
disciples: ' Ye shall rebuke Your brother lovingly,' and ' if he neglect to hear
thee, let him be to thee as a heretic or a heathen ' [Matt, xviii.15,
17].”(Anônimo, p.485)
“The holy bishop Thor-lac so used the authority that was given to
him when he was consecrated, to bind and loose on God's behalf the
condition of men, that it seemed to wise and righteous men as if there
was equal care taken on the one side, that there should be no passion
or lack of moderation, yet on the other, that he was never so lack or
lenient, though it were a difficult matter to deal with, that it did not
savour rather of meekness and mercy, though he were to wait a long
time, if it were rightly considered.”(Anônimo, p. 486)
A saga de Þorlákr é uma das sagas que está mais claramente presente o elemento da
conversão e da construção de uma cristandade, apesar de não ser a saga que retrata o período
mais antigo das sagas analisadas. Isso se deve em parte a formação e personalidade do
mesmo. Sua saga narra que o bispo veio de uma família com dinheiro (ANÔNIMO, p.459), e
devido a sua predestinação divina se tornou diácono aos 15 anos de idade. (ANÔNIMO,
p.461) Diferente da maioria das pessoas Þorlákr era tímido e isolado apresentando
características de uma modéstia admirável. (ANÔNIMO, p. 464) Na vida adulta a população
insistiu para que ele se casa-se, apesar das recusas iniciais ele aceitou, contudo Deus lhe
surgiu em um sonho dizendo que aquela mulher não era digna para ele, e permaneceu casto
50
pelo resto da vida. (ANÔNIMO, p. 465). Sua personalidade era muitíssima religiosa,
focando muito dos seus ensinamentos e mandamentos em uma vida regrada e mais isolada:
“He forbade the brethren roaming abroad, and every journey for which
there was no necessity, and bade them to be steadfast in good works at their
duties, according to the teaching of the apostle Paul in his epistle…'Pray
without ceasing,' saith he, 'and give God thanks in all things.' Moreover the
Son of God himself saith, ' Holpen is he that is steadfast in good deeds even
unto the end of his life '… He bade them to keep strict silence, when it was
required, but to hold good conversation when speech was llowed them, for
according to the words of the apostle Paul, ' Evil communications,' saith he,
'corrupt good manners'…” (Anônimo, p. 470)
O posicionamento do bispo Þorlákr o ajudou a ser, dos documentos analisados, o
bispo mais fervoroso na perseguição e conversão da religiosidade pré-cristã. Exemplos de
sua perseguição e repressão são presentes em múltiplos momentos da sua saga, contudo o
conjunto como um todo apresenta um projeto cristianizador no qual o não-cristão sofre uma
violência muito grande. A compreensão da violência da conversão da Islândia é uma teoria
recente, sendo apresentado pelo artigo da Kathleen M. Self (2010). Nesse artigo a autora
analisa o conflito na conversão dos islandeses, descritos pelos mesmos nas narrativas
medievais. Através principalmente de discursos coercivos, que possuem uma violência
intrínseca. Usando uma documentação diferente da analisada nessa pesquisa a autora
apresentou um pilar para esse projeto. A conversão da Islândia não foi pacífica, apesar do
pouco derramamento de sangue, a violência dessa conversão está nos discursos clericais que
buscam continuamente a conversão dos ainda não cristãos. Como feito pelo bispo Þorlákr na
sua saga. Ao ouvir dois homens falando mal de Deus e dos “homens bons”, o bispo decidiu
conversar com os dois homens e após alguns dias eles se converteram.
“And they dealt so with them that were in their charge as to take off the
heavy burdens that had been laid upon them by offences and evil-speaking
against God and good men and by indulgence to the Fiend, and lay upon
them instead God's burdens light and lenient with gentle shrifts and easy
penances.”… “So that it spread abroad over the country-side how unlike
they were to most men in their behaviour. And now it began to be the
common speech of wise men that there would be no more likely quarter to
look towards than that where they were, if a man were ever needed”
(Anônimo, p. 467)
51
A eficácia do bispo não era somente com as pessoas mais simples, o contato
constante com os líderes locais nas assembleias permitiu com que Þorlákr tivesse maior
proximidade com os poderes locais, assim como os outros dois bispos estudados. Por meio
desse contato dos bispos com os líderes seculares locais foi possível: usar o poder bélico
local para se defender como feito por Guðmunðr; converter a nobreza local e como
consequência influenciar os estamentos sociais inferiores, como realizado por Þorlákr; ou
realizar banquetes, como feito do Jóns para aproximar a nobreza e população da Igreja.
O estranhamento inicial que a Igreja causava também foi um elemento discorrido na
documentação analisada. Na saga de Þorlákr narra como os homens iriam para a igreja ver
como era o culto e o repetia, provavelmente sem compreender seu real significado. A prática
leva ao hábito, e a repetição do culto levou a mais um elemento cristão, que inicialmente
causava estranhamento, assimilado no cotidiano da população.
“Men used to go to this house of Canons of abbot Thor-lac from other
minsters and houses of regulars, both men of this land and aliens, to see
and copy the good customs there, and every one that went there bore
witness that they had never been to any place where there was such a fair
life led as there according to the ordinances of Thor-lac.”(Anônimo, p.
471)
A sociedade que antes da chegada do cristianismo tinha uma crença diferente, ao se
converter apropria-se dos valores cristãos e da forma de pensar e viver dos cristãos. O
processo não foi imediato, mas um processo à longo prazo em que gradativamente a
população por meio de convivência iria se agregar aos fiéis da Igreja. Na tese de Ph.D. de
Alexandra Sandmark, que ela estuda a conversão na Escandinávia pelo método comparativo
contudo sem analisar a Islândia, compreende que a conversão da Escandinávia foi em parte
iniciada por influência da Inglaterra (2004, p.75). A tese apresenta como um dos elementos
sedimentadores do cristianismo na região a presença regular do clero em todos os momentos
da vida da população, do batismo ao enterro, passando pelo casamento e festas. (2004,
p.259).
52
3.1 O imaginário nas fontes
Como apresentado anteriormente, o imaginário é o espelho da mentalidade que revela
e deforma. Nessa conjuntura analisada a mentalidade se apresenta por meio da escrita nas
sagas narrando os feitos dos bispos e seus milagres. O intangível se torna uma ferramenta da
mentalidade. O poder de Deus, é na nossa documentação uma das formas de apresentação da
mentalidade analisada. A liberdade da expressão de compreensão do metafísico permite uma
análise conjuntural no qual sua apresentação poderá ser compreendida como um enunciado a
ser problematizado.
O imaginário se apresenta nas três sagas analisadas por meio inicialmente da vida dos
santos. Os autores apresentaram os bispos com uma escrita teleológica, no qual os santos
nasceram com uma missão divina e essa missão se apresenta desde sua infância até a vida
adulta, no qual tudo estava premeditado para a construção da vida do “santo”.
A primeira juventude que podemos problematizar aqui é o do Bispo Jóns. Seu avô
por parte de pai foi o primeiro dos chefes do quadrante leste da ilha, Austfirðingafiórðunge,
que se batizou e abandonou oficialmente a religiosidade pré-cristã em nome da nova fé:
“The mother of bishop John was named Thor-gerd. She was the daughter
of Egil the son of Hall o' Side, who was the man who had the fortune to be
the first of the chiefs of the East-frith-men's Quarter to take baptism and the
true faith“(Anônimo, p. 536)
O destino do bispo está presente antes mesmo dele nascer. Pelo fato de descender do
primeiro chefe na sua região que aceitou o cristianismo, e isso ser descrito na saga, aponta
sua importância. Não em um papel real ou palpável, mas é o imaginário construindo um
destino para o bispo, no qual até sua linhagem é abençoada. Recordo também que a
identidade como apresentado por Woodward (2000, p.13) é eterna, ela sempre foi assim e
sempre será assim. Por consequência, é impensável que um bispo como Jóns venha de uma
linhagem tradicionalmente não-cristã.
Como é de costume nas sagas analisadas é comum se apresentar fatos históricos
marcantes para a ilha ou para a política da região, no caso do Jóns sua saga discorre sobre a
fundação do primeiro bispo da Islândia quando o Jóns só tinha cinco anos de idade. O bispo
53
Ísleifr foi ordenado por Adalbert, arcebispo de Bremen na Saxônia. Um ano após sua
nomeação ele fundou o primeiro bispado da ilha nas terras da sua própria família em
Skálholt.
“The holy bishop John grew up at home with his father and mother at
Broad-bowster until he was five winters old, and then there came about
great tidings and ones which all the people of this land were Greatly
rejoiced at to wit, the consecration as bishop of Is-laf, the son of Gizor the
White, and daughter's son of Thor-odd gode, according to the prayer of the
whole people of this country. He was hallowed bishop by Adalbert,
archbishop of Bremen in Saxland [Saxony], in the days of Leo, the ninth
pope of that name. Is-lafwas taught in Saxland in the town that is called
Herfurd [Herford]. He was the first consecrated to be bishop of this
country that has had his see here. Many bishops had come into this country
aforetime which had not been consecrated to be bishops of this country;
some were here very many winters, and some a short while. Is-laf was in
Norway the next winter after he was consecrated bishop, and afterwards he
went to Iceland, and came out hither the next summer after the great famine
[1057], and set up his see and his home in his own paternal heritage at
Seal-holt.” (Anônimo, p. 536)
Outro sinal da premeditação do futuro do Jóns se deu em uma visita a corte na
Dinamarca do rei Swein. Era a hora da refeição e todos se sentavam a mesa e Jóns como
uma criança que era, esticou as mãos para pegar as coisas que estavam em cima da mesa,
sem se preocupar com formalidades. Sua mãe ao ver isso puxa suas mãos e as bate, para logo
em seguida ser reprimida pela rainha da Dinamarca. A rainha disse que não se deve bater nas
mãos deles pois são mãos de bispo. Novamente o futuro se apresenta para o jovem Jóns,
agora vindo de uma rainha cristã.
“Not so, not so, Thor-gerd mine; do not strike those hands, for they Are
bishop's hands.'”(Anônimo, p. 537)
Ao crescer o Jóns foi colocado para aprender com o bispo Ísleifr, e lá ele demonstrou
que tinha vocação para aprender os ensinamentos sagrados e os bons costumes. Ele é
descrito como um belo jovem, os melhores olhos que qualquer homem poderia ter, cabelos
claros, corpo forte. Essa descrição é praticamente de um guerreiro, mas adiciona-se no final
seu temperamento gentil e sua voz naturalmente baixa. Se tornando querido pelos homens e
Deus. (Anônimo, p.540)
54
Um dos seus primeiros sinais não naturais da benção do espírito santo, foi ainda em
sua juventude. Em uma visita a corte do rei da Dinamarca, o ainda vivo rei Swein, ocorreu
uma missa no qual o rei e sua corte estavam presentes. O padre estava com dificuldade para
ler a “Paixão” para os presentes, como se algo pesado o impedisse. Ao observar a cena e
escutar os risos que se iniciavam, Jóns avançou e cuidadosamente tomou o livro do padre e
realizou a leitura em um tom baixo e belo. E assim todos ficaram surpresos com a bela
leitura. O rei se emocionou de tal forma que o convidou a ficar por mais algum tempo, e o
Jóns aceitou. (Anônimo, p.541) Novamente a predestinação aparece na saga onde o Jóns
possui uma voz que surpreende a todos e lhe traz o favor de um rei cristão.
Nesse tempo que Jóns passou junto ao rei dinamarquês ele teve um sonho e contou o
mesmo para o rei. Ele viu Jesus sentado e aos seus pés estava o rei Davi tocando uma
belíssima música em uma harpa. Ao contar isso ele pediu uma harpa ao rei que prontamente
a conseguiu. Ele tocou uma música tão bela que fez o rei chorar de emoção. Isto, segundo a
saga, foi um evento importante que representou a iluminação de Deus e a manifestação da
glória de seus santos.
“Methought in the night that I was standing in a certain cathedral of
marvelous splendour, and in the choir of the church, as it were in the
bishop's seat, I saw our Lord Jesus Christ sitting, and on a foot-stool at His
feet 1 saw the holy king David sitting, and smiting his harp with most noble
skill and most fair music; and indeed I think, my lord, that there hath
remained in my mind somewhat of that fair music that he made. Now do
thou, my lord, let them bring me a harp, and I will try before thee if I can
remember somewhat of the music he made.' Then the king bade them bring
a harp and give it to John, and he took the harp and tuned it, and smote it
with so great skill that the king himself and all they that stood by cried out
how well he played.”(Anônimo, p. 542)
Pouco tempo depois Jóns quase perderia a cabeça por se envolver com problemas
políticos. Ao se envolver com problemas envolvendo alguns islandeses e o rei da Noruega,
Jóns foi ajudar a acabou em uma audiência real no qual ninguém poderia falar para proteger
o Jóns. A salvação de Jóns foi que o rei permitiu que ele fala-se. Sua fala foi tão bela e bem
feita que salvou sua vida, e ninguém morreu. Resolveu o conflito com sua oralidade e
capacidade de negociação. (Anônimo, p. 543) Graças a essa negociação frutífera salvou-se
Jóns e o Saemund Sigfusson, ambos, segundo a saga, pilares da Igreja na Islândia.
55
“They might also rightly be called Pillars of the Church, for they upheld
her fairly in their holy teaching, and many other goodly endowments which
went forth from them upon all them that were near them, or that would
hearken to or accept their wholesome admonitions.”(Anônimo, p. 544)
Logo em seguida desse feito Jóns foi nomeado bispo. Contudo sua vida como bispo
ainda não cabe a ser discutida agora. Isso será discussão posterior. Agora vamos apresentar a
juventude e desenvolvimento de um segundo bispo, para demonstrar a sua sacralidade e
como sua vida estava premeditada para grandes coisas. Falaremos do bispo Þorlákr.
Na saga de Þorlákr antes mesmo de se começar a falar sobre sua vida ou juventude
do bispo discorre-se sobre como o nome do bispo tem poder. Com uma simples benção
usando o nome do bispo Þorlákr consegue-se muitas coisas boas. Para se justificar isso citam
a bíblia, provérbios 22,1, “Vale mais ter um bom nome do que muitas riquezas” e o
Eclesiastes 7,1, “Melhor é a boa fama do que o melhor unguento...”.
“…now often proven by trial that sickness is of times speedily cured by
calling upon his name, that could never be healed before by any ointment
or any of the medicines that had been taken or tried before.”(Anônimo, p.
459)
Þorlákr veio de uma família com dinheiro, pois antes de seu pai virar um dono de
terras ele era um comerciante. Atividade muito lucrativa. Citando a bíblia novamente, salmos
112,2, “A sua semente será poderosa na terra” o escritor da saga aponta que a ascendência do
Þorlákr é nobre e vem de uma origem admirável. (Anônimo, p. 459) Retornamos novamente
a não mutabilidade da identidade, no qual para ser um ótimo cristão a ascendência deve ser
impecável como a descendência.
Na sua infância é dito como diferentes dos outros jovens. Era gentil e esperto em
todas as coisas, obediente, silencioso, controlado, aprendia rápido. Praticamente uma criança
perfeita necessita ressaltar. Seriam essas qualidades reais de uma criança ou parte de uma
construção do mito hagiográfico do bispo? Jamais saberemos com certeza, resta analisar e
problematizar essas informações assim como outras apresentadas como dúbias e com uma
intencionalidade. A promessa de um grande bispo.
56
Sua mãe somente com uma conversa pode observar o quanto à providência divina
estava naquele menino, entregando seu filho para ser cuidado por um homem de muito poder
e moral. Citando Paulo na passagem dos 1º coríntios 11,1 “Sedes meus imitadores, como
também eu de Cristo” o escritor da saga novamente apresenta o Þorlákr vindo do mais puro
ambiente onde a própria Bíblia apresenta a Verdade.
“Eyjolf, Sae-mund's son, who had both great chiefship and good learning,
goodness and wisdom in greater measure than most other men. And we
have heard the blessed Thor-lac bear this witness of him that he had hardly
ever found a man so good as he was, and he made it to be seen afterwards
that he would not let those wholesome admonitions with respect to his
master pass by him…”(Anônimo, p. 460)
Com a morte do bispo Magnus não se tinha bispos em Skálholt. Realizou-se uma
assembleia geral, Alþing, para se escolher um novo bispo. Þorlákr, que já havia se tornado
diácono, foi um dos nomes mais populares. Sua dedicação a receber ordens, solidão e
modéstia ajudaram na sua escolha para a o cargo, assim como sua capacidade de gerenciar
bem os bens do clero.
“WHEN bishop Magnus was dead for some time there was no bishop
at Seal-holt, and there came to be a lack of clerks. It was then men's
advice that bishop Beorn should be asked to hold consecrations at
the All-moot, and he listened to their prayer, and it was then that
Thor-lac was ordained Priest and many other clerks with him. But
when he was a priest and himself took up the rule and maintenance
of the offices [of The church]” (Anônimo, p. 462)
Com Þorlákr tornando-se bispo, encerramos temporariamente sua cronologia.
Notamos aqui que as escritas de ambas as sagas são diferentes, possivelmente de autorias
diferentes. A infância de Jóns era bem mais detalhada, focando-se nos detalhes da infância e
como eles apontavam para um futuro brilhante como um grande bispo e posteriormente
santo. Contudo não se utilizava de citações bíblicas tão veementemente como no caso de
Þorlákr. Continuamos agora para a infância do último bispo analisado na documentação,
Guðmunðr.
Guðmunðr ao nascer gritou tão forte que profetizaram o seu futuro, que ultrapassará
57
todos os outros homens. Notamos algo importante aqui, ultrapassará todos os outros homens,
na sua saga não se aponta para um futuro profético diretamente clerical, mas um futuro
glorioso. Essa informação será importante para compreender a peculiaridade dessa saga.
“Gunnar and Rannveig had a daughter called Ulfheid. Shewas married off
against her will, but afterwards Ari, the son of Thorgeir, made love to her.
Ulfheid bore him four children. One of their sons was Kloeng, who died
young. They had a second son who was called Gudmund. He was born on
the farm called Grjota in Horgardal. At that time Steinunn, the daughter of
Thorstein and Sigrid, daughter of Ulfhedin, had the farm. On her mother's
side Steinunn was a cousin of Ulfheid and great affection accompanied
their kinship. It was three nights after Michaelm as when this child was
born. A wise man, called, Gudmund Curly-head, was at Grjota then; he
was learned in many things and there is a story told concerning what words
he said—and they proved to be prophetic—when the new -born baby cried
out. He declared that he had never heard such a voice in a child and said
he was convinced that, if he lived, he would surpass all men; he had felt
aghast when he heard the cry.”(Anônimo, p. 3)
Apesar da saga se focar em falar sobre Guðmunðr só se falou do seu nascimento na
terceira página e só se voltou a falar dele na sétima. Diferente das outras sagas analisadas
onde foca-se constantemente nos bispos e suas atividades. Essa saga fala sobre
acontecimentos políticos e muitos outros elementos que ocorreram na ilha. Um exemplo
disso é a citação das estações com seus nomes populares como o “Inverno Maravilhoso”.
Nesse inverno foram vistos dois sois no céu ao mesmo tempo, houve relatos de se verem
elfos e uma mulher e uma criança foram mortas misteriosamente por porcos que
inexplicavelmente fugiram do chiqueiro. (Anônimo, p.8)
Um ano depois aos 10 anos de idade, Guðmunðr brincava com muitas crianças,
principalmente com seu melhor amigo Ögmund. E quando ele brincava, independente com
quem fosse ele sempre brincava de bispo com seu amigo. Essa brincadeira segundo o
escritor da saga parece profética pela carreira destinada a ambos, Guðmunðr bispo e seu
amigo guerreiro com machado e escudo. Esse inverno foi chamado de inverno do terror,
onde 80 pessoas morreram devido a avalanches.
“Thorvard's son Ogmund and Gudmund were playmates, and many other
children shared their games. But it always came to the same thing in their
games that, whatever game they began to play, in the end they gave
Gudmund a mitre, crozier, vestments, church and altar, and he always had
58
to play at being their bishop” (Anônimo, p. 8)
Quando Guðmunðr completou 12 anos ocorreu o chamado bom inverno, a partir
desse inverno e pelos próximos 4 anos ele foi ordenado e recebeu a tonsura, virando um
acólito, e posteriormente um subdiácono aos 13 e diácono aos 14. (Anônimo, p. 9)
Claramente pode-se observar um acelerar na narrativa da história nesse momento. Isso pode
significar que o principal foco da saga não seja o próprio bispo mas coisas posteriores que
envolvem a sua vida.
Guðmunðr se envolve em um conflito com poderes locais, ele tinha 22 anos.
Chamaram esse verão de o Verão Desastroso pois 500 homens morreram de naufrágios. Indo
ver uma corrida de cavalos em Vesterhop onde possivelmente encontraria Odd que
posteriormente transformou em fora da lei. Contudo sua vida foi salva sem ele precisar sujar
suas mãos. Uma confusão ocorre em um segundo encontro no qual o bispo está presente e
seu inimigo acaba se ferindo mortalmente, devido a uma graça divina. (Anônimo, p. 16)
Após essa descrição se volta a falar do Guðmunðr em sua ordenação, aos 24 anos, ao
cargo de bispo após o banquete de São Gregório. (Anônimo p. 17) Encerramos mais uma vez
a história do bispo, pois a intenção aqui não é apresentar a cronologia da vida dos bispos mas
demonstrar como a narrativa das sagas é apresentada de tal forma no qual o imaginário
apresenta um destino certo aos bispos estudados. Onde sua vocação final é servir a Deus e
serem grandes homens.
Das três sagas analisadas a que mais saiu desse paradigma foi a saga de Guðmunðr.
Essa saga possui características peculiares, no qual o bispo não é constantemente
apresentado como alguém santo até esse momento. Na sua infância ocorrem as brincadeiras
de bispo, contudo nota-se uns elementos peculiares na saga que faz ela se destacar em
comparação com as outras duas, que possuem um claro foco religioso.
3.2 Os milagres e o imaginário
Os milagres são parte do imaginário, como dito anteriormente. É a apresentação do
favor divino em prol dos bispos, como ocasionais ferramentas de discurso para defender sua
sacralidade em frente à miríade de possibilidade no qual se poderá encontrar. O milagre não
59
é “somente um milagre” mas um enunciado de uma intenção. A utilização de poderes
sagrados providos por Deus provém seu detentor de uma autoridade superior e no contexto
de conversão no qual os bispos se encontram, é uma ferramenta de reafirmação.
Apresentação do poder divino pode ser dar de forma discreta ou explícita. Vamos
voltar aos estudos pontuais da documentação. A água benta faz parte da ritualização dentro
da Igreja, contudo também é uma ferramenta para proporcionar milagres, como ocorrido
com Þorlákr. Ao abençoar um gato respingando água benta, ele curou o gado da doença, e os
deixou imunes ao clima e ataque de animais selvagens. Para coisas mais simples a água
benta também servia, como abençoar roupas e carne para que ratos jamais se aproximem
novamente.
“Many things also took place about him, which many men at once took to
be miracles. This thing came to pass when he was at ... to wit, that fire
broke out in the house, but as soon as Thor-lac came up and blessed it the
fire was quenched. If any live stock fell sick, they always began to mend as
soon as he had chanted over them, if there were any life in them. His
hallowing of water was mark-worthy insomuch that both men and cattle gat
amendment [of their ills] thereby. If water, that Thor-lac had hallowed, was
sprinkled over cattle, then well-nigh never did they take harm by sickness,
or weather, or wild beasts. If mice were doing any harm to meat or clothes,
there would arise a plague among them, or they would all disappear before
the water if it were sprinkled about, and if all were done as he gave
orders.”(Anônimo, p. 472)
Na saga de Guðmunðr a água benta possui poderes maravilhosos igualmente. Uma
senhora muito doente teve um sonho. Ela sonhou com Maria, mãe de Deus, que disse para
chamar Guðmunðr pois a água benta abençoada por ele tem o poder de cura. Logo após ser
respingada pela água benta a senhora ficou em ótimas condições novamente
“One night a woman who was watching over her dreamed that Our Lady,
Blessed Mary, came to her and said: "Why are you so little resourceful in
the remedies you try on the raving woman who lies here?" In her dream she
answered: " We think we are trying many ways, but who are you that you
seem know what ought to be done?" She replied: "Here is Mary, the Mother
of God, on whom you have called. Now I will show you a plan which will.
Send for some water blessed by my friend, Gudmund the Good, for I believe
his benediction to be the best, and this will cure her." After that she awoke
and told what she had seen. They went to fetch the water, and when it was
poured and sprinkled over her, she was cured straightway.”(Anônimo, p.
60
23)
A água abençoada de Guðmunðr era um objeto miraculoso. Além de curar os doentes
ele também tem poderes para proteger os bens da Igreja. Uma noite antes do banquete de
São Leonardo, um edifício pegou fogo e acordou todas as casas da proximidade com a
claridade. Quanto mais se jogava água, mais o fogo parecia aumentar. Fortificado pelas
relíquias sagradas e a fé em Deus, o bispo local, Brand, portando seu báculo e água benta
avança em direção ao fogo. A população se questiona se a água abençoada do bispo
Guðmundr poderia apagar o fogo. Ao se respingar gotas dessa poderosa água sobre o fogo
ele se extingue. Interpretou-se isso como sinal divino como Holar tinha decaído, apesar das
claras bênçãos de Deus sobre o Guðmunðr. (Anônimo, p. 29)
Na mesma saga a água benta surge novamente como um elemento de cura, similar ao
caso da mulher que sonhou com Maria, mas dessa vez a água benta curou um jovem e não
uma pessoa de mais idade. Existia um garoto deficiente que era atormentado pela dor que
mal podia suportar. Com o auxílio da prece de Guðmunðr e de sua água abençoada, que foi
esfregada no rapaz até ele ficar todo molhado, após isso as aflições que perturbavam o rapaz
cessaram.
“In the spring after Easter Gudmund went to Eyjafjord and as far as
Saurbce, where there was a crippled boy who was so tormented with pain
that he could hardly bear it. He spoke to Einar saying that Gudmund' the
priest would surely be ready to come to him and pray over him. Gudmund
went to see the boy and prayed over him for a long time and rubbed his
holy water on him until the boy's whole body was wet. And after that the
boy's limbs began to straighten out at once, and before long he had
completely recovered from his affliction.”(Anônimo, p. 37)
O clima também pode ser uma forma mais singela da emanação da força de Deus.
Um exemplo do poder de Deus sobre o clima na documentação estudada foi na saga do bispo
Þorlákr. Þorlákr realizou uma visita ao arcebispo da Noruega para confirmar com o arcebispo
a sua nomeação como bispo. Ao retornar para a Islândia ele tem um desentendimento com o
capitão do navio que o iria retornar. O capitão se recusava e reduzir sua carga, mesmo com o
bispo avisando que o navio estava muito cheio. Mesmo com a proibição do bispo o barco
zarpou cheio de carga. Ao se aproximar da Islândia o clima piorou e o mastro do navio
quebrou e boiou para longe. Todos os membros da tripulação se prontificaram a fazer
61
promessas para que Deus intercedesse por eles, contudo Þorlákr somente aceitou suas
promessas quando parte da carga foi jogada em alto mar. No dia seguinte o barco conseguiu
chegar à ilha sem problemas, e o bispo chegou a Skálholt antes missa de são Lourenço.
“Then the bishop went aboard again, and they put to sea with her as she
was. And when they were come hard by Iceland there came up a great gale,
and gat great damage, the halyard parted and the sail was carried away
overboard. Nearly all of them were minded to make vows [for safety], but
bishop Thor-lac said that they should not make vows till they had cast
overboard some of their lading. And when it was cast overboard as the
bishop wished, immediately the gale abated and they made land the next
day, and bishop Thor-lac came home to Seal-holt [Aug. 9, 1178], The day
before Lawrence-mass-day.” (Anônimo, p. 479)
O clima como elemento do sobrenatural era algo presente na sociedade Islandesa
antes mesmo da sua conversão. O clima sobrenatural, que surge inesperadamente ou nesse
caso apresenta a intencionalidade divina era um elemento da feitiçaria escandinava pré-cristã,
o seiðr. Se o relato do poder divino nesse caso veio por influências de um imaginário cristão
ou pré-cristão será debatido posteriormente no próximo capítulo no qual focaremos nas
possíveis influências da religiosidade pré-cristã no cristianismo islandês crescente.
Para se colonizar a ilha, assim como para se manter relações comerciais os islandeses
dependiam dos seus barcos e do mar. Esse mar, elemento tão presente na vida dos islandeses,
também surgiu na documentação analisada como uma forma de demonstrar o poder de Deus.
Isso parece ser uma afirmação lógica para uma ilha tão pequena e rodeada pelo mar. Contudo
o mar por si não é um elemento da emanação da força divina, pois o mar já foi naturalizado.
Mas os elementos que compõem o mar podem ser interpretados como sinais divinos, como
sua vida marinha.
Guðmunðr estava viajando para visitar um conhecido, contudo sua caravana continha
muitas pessoas e lhe foi indicado que enviasse alguém na frente para avisar da sua chegada e
não chegar sem avisar. O bispo rejeitou essa ideia, pois Deus enviaria uma baleia para eles
antes que sua viagem termine. Como uma previsão do futuro, ou influência sobre os animais
uma baleia passou nas costas de Vatnsfjörd avisando que em breve sua caravana iria chegar.
“From Sudavjk Gudmund went to Vatnsfjord, and from there to
62
Steingrimsfjord to visit Jon, the son of Brand. At that time he had a large
band of followers with him, and it was suggested that men should be sent
on ahead to tell Jon, so that they should not arrive unexpectedly. But
Gudmund said that there was no need for this: "for God will send them a
whale before our visitis ended." His words were fulfilled in this way, that
on the same day a finner-whale was washed up on that part of the shore
where Jon held sole rights of drift, and he was informed of it the
following morning. The people rejoiced at this happening, and Jon gave
Gudmund a very valuable book which Bishop Pal had given
him.”(Anônimo, p. 40)
Ainda na saga de Guðmunðr o vento forte auxilia seu barco a andar mais rápido
retornando do seu destino. Com o fim de uma þing o bispo desejou viajar e foi acertado que
o filho e serventes de um nobre local o auxiliasse na jornada de três milhas marinhas. Só foi
pedido pelo senhor nobre que seu filho e serventes voltem a salvo. A ida foi sem infortúnios
ou imprevistos. Ao chegar à ilha foi pedido ao bispo cumprir sua promessa e rezar pelo
retorno seguro. A sua oração criou uma brisa favorável que rapidamente retornou os jovens a
sua casa.
“Gudmund wished to leave Reykjanes and go out to Flatey in the
Breidafjord, a distance of three sea-miles, and it was arranged that
Thorgils's young boys and a serving-man should take him the whole way
across. Thorgil's said to Gudmund: " Give my boys a favourable breeze and
your blessing-, when they make their return, for they have little strength
and I commend them to your care." Gudmund replied: "1 shall pray that
God grant them a favourable breeze". Then they set out and came toHvallatr, for there are many islands on the way, and on the next evening
they reached Flatey. There had been no wind that day. Then the boys
prepared at once for their return, and told Gudmund that, he should fulfil
his promise and give them a breeze, but he said he would pray to God and
went off to the church. The boys went to their boat, made ready for sea and
hoisted their sail. Straightway the sail caught a breeze, and they sailed out
of the anchorage and did not take in sail until -they were home at the
landing-stage the following morning. The further they sailed, the more
favourable had grown the breeze.”(Anônimo, p.38)
O clima nas sagas nem sempre está auxiliando os bispos em suas viagens e pregações.
O clima também aflige os bispos nas suas movimentações pela ilha. Um desses casos foi o
encontro quase letal que o bispo Guðmunðr teve com uma nevasca. No banquete de São
Brettifa, depois do natal, o bispo se preparava para viajar para oeste junto com um grupo de
16 pessoas. Com o avançar da viagem o clima foi constantemente piorando. Os ventos
aumentaram e uma nevasca surgiu dificultando o progresso. A neve fez com que o grupo se
63
separe onde somente no dia seguinte realizaram-se os resgates para localizar os
sobreviventes e os corpos. A afilhada de Guðmunðr morreu nessa viagem, contudo seu corpo
foi protegido pela túnica do bispo, a única parte maculada é onde o manto não a protegeu.
“…And they came on the place where the girl Una had been laid
down, and she was entirely unharmed by frost-bite, except on one toe;
this was the only part left uncovered by Gudmund's tunic, and it was
the only part to be frost-bitten. After this the search was abandoned.”
(Anônimo, p. 27)
Além da capa de Guðmunðr, o manto do bispo Jóns também ajudou a lidar com um
problema envolvendo a neve, contudo em um caso menos extremo. A Islândia nessa época
estava sofrendo, segundo a saga, de um frio acima do normal, e fazia alguns anos que o frio
e gelo não permitiam o crescimento da grama em boa quantidade para alimentar o gado. Jóns
prometeu boas estações e pediu ajuda para ampliar o espaço físico da Igreja. O bispo Jóns
marcou o local da fundação com sua capa. Poucas semanas depois o gelo derreteu e cresceu
grama para alimentar o gado.
There pressed upon them a great famine, and much [polar] ice and cold
seasons, so that the earth was not green at the spring-moot [c. May 15],
And the holy bishop John went to the spring-moot that was at Thing-ore,
and when he came there then he made a vow for good seasons, with the
consent of all men, That they would raise a church and homestead and all
con- tribute till the stead was established. After this vow the holy John put
off his cloak and himself marked out the foundation wall for the church.
And men's estate turned to the better straightway, so that that same week
all the ice was gone from which the famine had in great part come, so that
none could be seen, and the earth began to grow green at once, and that
same week there was sheep-pasture well-nigh sufficient. (Anônimo, p. 560)
A natureza e seus animais também sentem a presença do poder divino. Isso pode ser
demonstrado observando dois casos envolvendo o bispo Guðmunðr. No primeiro caso o
bispo encontrou cachorros raivosos brigando entre si, durante o enterro de sua afilhada,
morta na nevasca. Mesmo batendo nos cachorros e tentando separá-los eles não conseguiam
aplacar sua ira, mas com o sinal da cruz feito pelo bispo os animais se acalmaram com
ordenação em nome do Pai, Filho e Espírito Santo que eles se separem. Após isso os animais
seguiram em silêncio, com a ira aplacada.
64
“Water was thrown over them, they were pulled away from each
other and they were beaten, but still they would not let go. Then
Gudmund went up to them and made the sign of the cross over them,
bidding them let go and be silent, in the name of the Father and of
the Son and of the Holy Ghost. At once the dogs let go and were
silent, and each of them went his way.” (Anônimo, p.28)
Outro momento no qual a natureza apresentou a sacralidade do bispo Guðmunðr foi
durante uma missa realizada pelo próprio. Não se tinha sacrarium além do altar, então padre
realizou o lavabo no chão. Quatro ramos de palmas estavam atados no chão que tinham sido
usadas no ano anterior. Após a comunhão do bispo e lavar suas mãos sobre os mesmos eles
voltaram à vida se florindo e abrindo as folhas.
“…there was no sacrarium set beside the altar, so that the
priest had to perform the lavabo over the floor. Four palms
tied together were lying here, which had been used the year
before and put down beside the altar, and after the Communion
Gudmund was hed his fingers over them. But then they were
picked up, for Gudmund said they should be kept safe
elsewhere, and now both flowers and’ leaves had sprouted on
the palms.”(Anônimo, p. 25)
A missa é um dos rituais mais importantes da Igreja. É um momento de reunião da
população com o clero, e assim auxiliando no projeto de conversão organizado pelos bispos.
Assim como essas folhas se abriram e floriram durante a missa, existem relatos de outros
momentos no qual o bispo possuía um poder sobrenatural. Nada poderia impedi-lo de
realizar o culto da forma o qual deveria ser realizado. Para iniciar esse exemplo falaremos de
um momento na saga do bispo Guðmunðr no qual ele foi abrir a porta de uma Igreja que
estava fechada. Ninguém compreendeu como o bispo conseguiu abrir a porta da Igreja pois
ninguém da casa se recordava te ter aberto a mesma.
“…He went to the door of the church and there was no need to look
for the key, for the church was standing open, and no one could say
who had unlocked the dopr for no member of the household had done
so.” (Anônimo, p. 24)
Em outra missa quando Guðmunðr tinha 32 anos e estava pregando em uma missa
65
em Vellir ocorreu, segundo a documentação, outro milagre similar a esse anterior. O bispo se
preparava para realizar o oblatio, contudo o baú que continha o pão sagrado estava trancado
e não conseguiam achar a chave. Foi sugerido ao bispo que o baú poderia ser quebrado para
abrir, contudo o bispo proibiu. Guðmunðr realizou o culto normalmente como se a caixa
estivesse aberta, quando ele foi abrir o baú fez um sinal da cruz sobre o mesmo. A tranca
voou para longe do baú sem ninguém ter tocado nela e o culto continuou sem nada para
atrapalhá-lo.
“…he was singing Mass and the clerks should have been preparing
the oblation, but the wafers were locked up in a chest and the key,
could not be found. Then it was suggested that the chest should be
broken open, but Gudmund forbade this. He sang 'Mass at his leisure
and as if he were not aware that the wafers were locked up. But
when the Gospel was over and the Canon begun, he made the -sign
of the cross over the chest containi'ng the wafers, and the lock
sprang away from the chest, though no one touched it, and fell onto
the floor, and thus the wafers were procured.”(Anônimo, p. 24)
O poder do sagrado emanado por meio de Guðmunðr não se limita a somente
apresentar-se permitindo a continuidade do culto, mas também como uma peculiaridade
própria em forma de uma visão. A saga do bispo Guðmunðr narra um evento quando o bispo
tinha 29 anos. O bispo estava hospedado fora do seu bispado e auxiliava no culto local. Ao
se encerrar o culto local os padres enunciaram Dominus vobiscum, e uma fiel local viu uma
chama sair da boca do bispo ascendendo no ar, muito mais brilhante do que qualquer chama
que ela já viu antes. Ela estava certa que esse fogo que saiu da boca do bispo era o espírito
santo.
“While Gudmund was staying at Miklabce, he used also to perform
divine service at a farm called Marbceli, and it was here" he was
saying Mass on a certain feast day. A wise a'hdintelligent woman
called Hallfrid, the daughter of Ofeig, who lived there, Was present
at Gudmund's Mass, and was following it attentively, as she always
did. When the Gospel was over and the priest turned round and said
Dominus vobiscum, she saw name coming from his mouth up into the
air, much brighter than any flame she had seen before. She
felt .convinced, as did 'whom she told of it, that it was the fire of the
Holy Spirit which she alone had seen.”(Anônimo, p. 22)
Pouco após esse feito o bispo saiu da cidade e viajou para Vidvik, onde ele ficou
66
hospedado com um conhecido. Um dia durante um inverno no qual ele se hospedou com seu
colega ele orou na Igreja das proximidades, até o momento que foi interrompido pelo seu
conhecido. Seu conhecido, Ma, entrou na Igreja a tempo de ver um pequeno pássaro voar
pelo ar, a partir dos ombros de Guðmunðr e sumir no ar como se nunca estivesse lá. Ele não
pode dizer qual pássaro era pois ele estava pouco acostumado a ver o espírito santo. Isso foi
interpretado por Ma como um sinal de que o bispo era acima dos outros homens.
“And when Ma went inside he saw ;a little -bird fly up into the air
from Gudmund's shoulder, and then it vanished from his .sight. He
could not tell what kind of bird this was, for he was little
accustomed to seeing the-Holy Spirit.” (Anônimo, p. 22)
A cura é outra forma de milagre que é descrita ocasionalmente nas sagas analisadas. Desde
coisas mais simples como curar uma cabeça gelada como fez Guðmunðr. (Anônimo, p. 29) até curar
mais complexas, como descrito anteriormente na recuperação de um jovem que sofria com dores. A
cabeça gelada a qual Guðmunðr curou foi a sua própria. Ele caiu doente e ficou aos cuidados de seus
pupilos, contudo em um momento que todos os pupilos sumiram um grande cão surgiu e ameaçou o
bispo. Após rosnar e o quase morder sumiu de um momento para outro, deixando a certeza no bispo
que o cão foi enviado pelo antagonista de Deus.
“While Gudmund was lying ill, his pupils had gone down to the
beach to play games, and a huge dog seemed to them to be making
for them with gaping jaws, ready to bite them. They were overcome
with fear and panic, and in their terror invoked the saints for help.
The dog vanished straightway, and the boys went home and related
what had befallen them; their; guardian felt'assured, as others may
realise also, that they had been tempted by the evil one.” (Anônimo, p.
29)
Na mesma saga outra narrativa sobre uma cura se passa mais uns anos a frente do
confronto de Guðmunðr com o cão infernal. Aos 38 anos de idade um novilho quer pertence
a um conhecido do bispo ficou doente sem explicações. Suspeitava-se que o animal estava
quase morto, e pediu-se ajuda ao bispo para uma possível melhora do novilho. Portando suas
relíquias sagradas o bispo rodeou o animal doente sete vezes, rezando pela sua melhora. Ao
terminar o sétimo ciclo o animal se cura instantaneamente. (Anônimo, p.36)
Outro caso de cura animal ocorreu uns anos depois com o bispo possuindo 39 anos.
67
O nobre local chamado Kolbein, tinha um carneiro que ele prezava muito por ele, contudo o
animal caiu doente e o seu proprietário perdeu quase todas as esperanças. Guðmunðr
intercedeu em seu caso rezando sobre o animal doente pela sua melhora, colocou entre seus
chifres uma imagem de São João Batista e por fim o animal acabou curado do mal que lhe
afligia.
“Kolbein had a ram of great value, which he .prized very highly.
This ram became- ill with the disease known as the staggers, and
seemed past all hope, but then Gudmund sang prayers over him and
placed an image of S. John the Baptist between his horns and he was
cured.”(Anônimo, p. 42)
Suspeito que essa preocupação com os animais não é sem intuitos secundários.
Ambos os animais eram de posse de pessoas com alguma influência na sociedade, e por
consequência produtora de opinião. Ao se adquirir simpatia entre os membros desse
estamento social o bispo poderia acabar produzindo uma imagem positiva da sua atividade e
vida. Em um contexto de conversão é importante a população apoiar o bispo para sua
atividade ficar menos trabalhosa. Notamos isso também logo após a narrativa sobre a cura ao
carneiro quando o bispo Guðmunðr é convidado durante uma Alþing tanto por sulistas como
homens do leste para que o bispo visite a casa deles.
“Gudmund spent this second winter at, Vidimyr in high regard. In the
spring he and his followers went on visits in the northern districts,
out to Flatey and then up into Eyjafjord. . From there they went
south to the General Assembly, which Gudmund attended that summer.
At the Assembly both southerners and easterners invited him to their
homes, and from it he rode south to Skalaholt.”(Anônimo, p. 42)
3.3 A construção da alteridade no contexto de conversão
Os milagres auxiliavam no processo de conversão e construção de uma identidade
cristã positiva, contudo notou-se por meio da documentação que o papel de conversão ia
muito além de uma prática passiva de conversão como se imaginava inicialmente ao se
escolher a temática do projeto. As hipóteses levantadas inicialmente não englobavam o papel
68
ativo que os bispos tomaram na perseguição da religiosidade e práticas pré-cristãs.
Tentaremos expor isso por meio da documentação analisada, assim como foi feito até agora.
Na tese de Ph.D. da Alexandra Sanmark, ela aponta a influência da fundamental da
realeza para a cristianização e conversão na Escandinávia. (SANMARK, 2002, p. 75). A
pesquisadora faz um estudo comparado onde pode meio de uma ótica no qual o poder
político foi fundamental para a conversão dos reinados Escandinavos. Ao analisar muito
brevemente a Islândia a pesquisadora compreende que é claro que os líderes locais da
Islândia, os goðar, eram líderes religiosos e políticos. Partindo desse ponto de vista a
pesquisadora teoriza que os goðar poderiam usar sua influência de duas formas: a primeira
usando sua autoridade política para influenciar na aceitação do cristianismo; a segunda, com
um papel mais passivo servindo como inspiração para a população mais ampla se sentir
obrigada a aceitar a nova religião. (SANMARK, 2002, p. 84).
Na nossa análise encontramos nas sagas estudadas algo similar ao teorizado por
Sanmark com uma documentação diferente. Os goðar possuem um papel ativo e passivo na
conversão da Islândia onde por meio de suas conversões voluntárias e compulsórias
estimularam outras pessoas a se convertem também. Isso ocorre no início da saga de Þorlákr
no qual um proprietário da segunda melhor terras da região busca o bispo para se converter.
Essa conversão não somente trouxe para a cristandade um novo goði, singular de goðar, mas
também trouxe sua propriedade a qual ele desejava deixar para a Igreja. Depois de se
dialogar um pouco com o bispo o goði aceita a vida monástica e se torna um monge.
“THE owner of the second best homestead in that country, which was
named Thick-by, was a man named Thor-kell the son of Geire, a wealthy
man of possessions and wise of understanding. And when he began to be
stricken somewhat in years, and had no very near kinsman to take the
heritage after him, then he gave a comfortable portion to his kinsfolk, and
kept free for himself at his own disposal what was left, a great and fair
estate. And then he declared that he wished to choose Christ and his saints
as heirs of all that was left, and that he wished to raise up a seat for canons
in Thick-by. Howbeit this matter was hard to put into effect at first,
wherefore he sought at first to get hold of that which was the hardest to get
a man that might 'establish the rule which they, that wished to turn to a
pure life there, were to keep. And now he went to Kirk-by and called on
Thor-lac to undertake it. And he was not very hard to persuade, because he
had already had it in his heart to put of the world and come under rule [i. e.
be canon or monk], according to the words of Almighty God when he
declareth that ' no man can be wholly his disciple save he forsake all that
he hath for God's sake, and serveth him afterward with a purê heart' [Matt.
69
xix.21].”(Anônimo, p. 468)
A análise da Sanmark em comparação a documentação analisada nessa dissertação
apresentou resultados iguais, contudo seus estudos sobre a Islândia foram superficiais,
faltando um elemento que descobrimos fundamental para a conversão da ilha, o papel dos
bispos. Na sua ampla análise política comparativa sua tese não incluiu uma análise nas sagas
dos bispos, e assim ignorando uma documentação mais contemporânea a época da conversão.
Nessa documentação os bispos assim como os goði possuíam poder de influência política
para converter, apesar de que a documentação analisada pela Sanmark, as leis e algumas
sagas, não apontem isso.
Da documentação analisada, a saga do bispo Þorlákr é a que apresenta um papel mais
presente e contínuo do bispo na função de construtor de uma cristandade na Islândia. Com a
mudança dos costumes e os feriados obrigatórios a sociedade iria continuamente se agregar
aos costumes e hábitos cristãos e assim progressivamente tornar a sociedade islandesa
possivelmente em cristã. Entre essas mudanças está guardar os dias de santo Ambrósio, santa
Cecília e santa Agnes. A obrigação de jejuar nas vigílias das missas apostólicas e de Nicolau,
entre várias outras coisas.
“In the days of bishop Thor-lac it was made law to keep holy
Ambrose-day, and Cecil's-day, and Agnes-day; and to fast the vigils
of the Apostles' masses, and Nicholas-mass. He strictly ordered the
Friday fast to be kept in such wise that there should be two meals
eaten on no ordinary Friday, save the one that is in Easter-week. He
kept Friday so strictly himself that he ate nothing solid if he were
well; but he was so lenient and easy in this when he was sick that he
would eat white meat on Ember-days and Fridays if he were asked to
do so, and these ensamples he gave to men who now would act just
so as they hope may seem best in God's eyes. Bishop Thor-lac was
sick while he was bishop on a time when Yule-day fell on Friday [u8i,
1187 or 1192], and he was in weak health, and he used flesh that day,
and showed an example therein that it were better so to
do.”(Anônimo, p. 487)
Uma das mudanças feita por bispos mais clara da demonstração do seu poder foi a
alteração do nome dos dias da semana feito pelo santo Jóns, no qual se abandonou o hábito
de chamar os dias da semana com o nome dos antigos deuses pré-cristão. Os dias como dia
70
de Odin, Tyr e Thor, se tornaram dias da semana usando a sua posição como referência.
Além da perseguição dos dias da semana o bispo também proibiu todos os costumes
religiosos e práticas pré-cristãs.
“…he forbade altogether all evil customs and heathendom and sacrifices,
magic and charms, and stood up against them with all his might, for it was
not altogether done away with while Christendom was young. He also
forbade all omens, which the men of old [heathens] had been wont to take
from the coming of the moon and [observance of] days, and dedicating
days to heathen men or gods as it is when they are called Tew's-day,
Woden's-day, or Thor's, and so of all the week- days ; but he bade men to
keep the reckoning which the holy fathers have set in the scriptures, and
call them the Second Day of the week, and the Third Day, and so on and all
other things beside, which he thought sprung from ill roots…”(Anônimo, p.
554)
Jóns possuía uma visão do que era correto diferente do que era apresentado pela
sociedade islandesa. A sociedade islandesa como já comentado anteriormente tem a prática
da manutenção da memória seja por poesias ou histórias orais. Contudo, o Jóns acreditava
que os poemas amorosos feitos por homens e mulheres como uma forma de brincadeira
amorosa é algo negativo e deve ser proibido.
There was a play men used much, which was unseemly, wherein a man must
recite to a woman, and a woman to a man, verses foul and light and not fit
to listen to, and this he had abolished and altogether forbade itto be done.
Love-poems and songs he would not hear recited or have recited, but he
could not get rid of them altogether. This play was dear tc men before the
holy John was bishop, wherein a man would recite to a woman in the dance
effeminate and satirical poems, and a woman to a man love-verses. This
play he had abolished and strongly for bad e it. (Anônimo, p.555)
Essa separação do que é certo e errado começa a se destacar aqui. O bispo tem um
projeto para o que ele vê como uma sociedade correta, e almejável. A questão é, o que ocorre
com quem não se encaixa nessa sociedade? Essa pessoa é excluída, transformada na
alteridade. Realiza-se a construção do outro. Isso se dá por exemplo em vários momentos nas
sagas estudadas, mas iremos apresentar agora os momentos nos quais isso ocorre de forma
mais explícita.
Iniciaremos essa análise com um trecho da saga de Þorlákr. O bispo depois de se
71
estabilizar no cenário político e religioso resolver filtrar as suas amizades e contatos,
delimitando os quais são bons e quais são maus. Projetando assim um paradigma de
classificação no qual se você não está na identidade correta, ou no modo de agir correto você
é automaticamente errado e por consequência evitável.
“…Bishop Thor-lac broke all those connections which he knew to have
been unlawfully made, whether those that had part therein were great or
small. He was not able to live in all communion with some [great] men
and chiefs, because he would only consent to the doings of those that
were right and good. He thought it were a far greater destruction to
God's Christendom if gentle-folks were to be excused in great matters,
and he would not show them any more indulgence, when they did not
keep themselves from unlawful dealings in this kind, because they had
received from God a greater portion of wealth and honour.”(Anônimo, p.
488)
Para a manutenção da identidade assim como da alteridade é necessário manter a
coesão do grupo. No caso da cristandade isso se dá em parte pelo casamento que constrói
unidades. O bispo Þorlákr está preocupado com a unidade dos casamentos cristãos na
Islândia. Devido à presença ainda existente da religiosidade pré-cristã o casamento ou
relacionamento de um homem cristão com uma mulher não-cristã pode acabar não gerando
um lar cristão. Contudo, se um lar tem pai e mãe cristãos é quase certo que os filhos
permaneceram na crença dos pais.
“He took great pains to keep those folks together that were bound in
holy wedlock, and laid heavy penalties in fines and shrifts upon them
that had made grievous breaches therein. For he thought that it was
the greatest offence to God if that indulgence which is the greatest
worldly thing Hehath given to man, and which He hath made, for His
loving-kindness' sake and out of mercy and by reason of the lusts of
men, lawful And blessed, which indeed otherwise were a capital sin if
this indulgence were monstrously disgraced and wrongly
abused.”(Anônimo, p. 487)
O posicionamento do bispo Þorlákr não se alterou durante sua vida. Seu
posicionamento brando no começo da sua vida e posteriormente rígido na vida adulta o
acompanhou até seu leito de morte. No qual o próprio bispo mantém sua posição sobre as
pessoas que ele excomungou, e somente elas podem se livrar do mal da excomunhão que as
72
aflige, voltando para a Igreja. Mesmo as pessoas que o bispo condenou em sua vida com
outras penalidades na lei, ele perdoou, mas a excomunhão é algo mais radical.
' When I lay abed before,' said he, ' with little strength and received
unction in that sickness also, and when the chaunt [of the service for the
dying] was to be performed as it is now, then I declared beforehand that all
those men that were under grave charges before me should be free of his
sentence if I were to be taken away. And this I meant as an act of mercy, but
not as a condemnation of what I myself had done. But the reward I got
therefore was that those, who would not treat my intent fairly, said that they
could see that I had felt in my mind that I had gone farther in my sentences
than 1 should, and that I was to mitigate them altogether after my life was
gone. But now I will give a proof [and show] whether these things have
been true. Ye shall now hearken to and declare my sentence that I will that
all my sentences stand and the declarations of excommunication, unless
they[that are under them]be reconciled to those men whom I have
appointed to loose my laws, and I hold forth no absolution other than that
which I have laid down be fore, and if not they must wait for the bishop that
is to come after me.'(Anônimo, p, 495)
Essa radicalidade no posicionamento do bispo não deve ser compreendida como uma
característica perversa, mas como um projeto identitário no qual o cristianismo é o
paradigma verdadeiro para todas as sociedades, segundo a visão do bispo. Sua rigidez não
era somente com os membros da sociedade mas também com os membros do clero, no qual
ele insistiu para que todo o clero de sua diocese se confessasse ao menos uma vez por ano, e
se cometesse pecado capital deveria confessar antes de participar da missa.
“He made a form of confession for the use of all the clergy in his
diocese [Dipl. Isl. i. p. 240], so that all might order it one way. And
he bade all men go to shrift once every twelve-month at least ; and
all they that served at the altar, if they fell into any capital sin, he
bade confess themselves every time before they touched God's
service or sung mass.”(Anônimo, p. 480)
O bispo Þorlákr possuía um posicionamento rígido tanto com o clero como com os
membros da sociedade não religiosa. Mas não se pode julgar o bispo como um homem sem
paixões. A saga descreve também sobre sua paixão a música na vida adulta. Talvez o trecho
tenha sido inserido para que a narrativa da vida do bispo não seja marcada pela sua rigidez e
falta de empatia, causando uma figura pouco relacionável. Independente da razão pelo o qual
a documentação apresenta o gosto musical do bispo ela descreve como uma forma de
73
afastamento do mundo.
He took pleasure in stories, and poems, and all songs and lays, and
wise men's conversation and dreams, and all that good men took
pleasure in, save plays, because he thought that such things kept men
away from the unprofitable ways of wicked men [wherefore he was
beloved by all that were about him].(Anônimo, p. 492)
Trocando o foco da análise de Þórlákr para Jóns, observamos o bispo Jóns almejando
uma ascensão social por meio de contatos políticos. Como em uma Alþing no qual ele diz
que se necessita agradecer que pela primeira vez na história da Islândia se tem dois bispados.
Possivelmente uma tentativa para agregar mais simpatizantes devido ao crescente poder dos
bispos ou uma ferramenta para possíveis desentendimentos futuros.
“…in the summer he rode to the All-moot, and there he and bishop
Gizor met with much joy, and then bishop Gizor apprized the people
how much good men had to thank God for in the joyful tidings that
had now come about that there were two bishops in the country,
which thing had never been before since Christendom came into the
land. The bishops talked over many things together that were
profitable, and put together with other clerks [help] the rules which
they should set over them that were under their care. “(Anônimo, p.
550)
O bispo Guðmunðr também aproveita-se do poder e influência e poder crescente dos
bispos sobre a sociedade islandesa. Contudo em sua narrativa sua tentativa de exercer
influência acabou levando-o a ser perseguido continuamente pelos Goði. Podemos ressaltar
ainda que mais de metade de sua saga, principalmente metade final contém conflitos
políticos com os nobres locais, sem apresentação do tradicional discurso clerical enaltecendo
e ressaltando o espírito santo. Antes de chegar na segunda metade da saga de Guðmunðr a
narrativa de sua saga faz uma profecia nem um pouco modesta, no qual o bispo será o maior
de sua terra e tomará um lugar não menos que o do arcebispo Thomar da Inglaterra.
Novamente podemos observar o enunciado das sagas defendendo por meio da seleção ou
construção dos fatos uma narrativa que sugere o crescimento dos bispos para um papel
superior ao poder secular dos goðar. (Anônimo, p. 35)
74
Um fato curioso sobre essa profecia é que ela é verbalizada por um membro do clero
a uma mulher que caiu em um transe e teve visões do inferno. Nesse transe a mulher viu os
principais santos da sua época assim como sentiu o fogo do inferno em si. A parte mais
peculiar desse transe que ela apresenta elementos similares ao xamanismo pré-cristão no
qual o xamã entra em um transe para entrar em contato com o mundo metafísico. Um
possível elemento pré-cristão em uma saga sobre bispos, e tendo visões do inferno. Uma
mistura peculiar.
A woman called Rannveig fell into a trance;…When she recovered
consciousness in the evening, she sat up and crossed herself and
invoked God's help for them all. She said had seen a vision of many
wondrous events which she must describe to the highest dignitaries of
the Church, and as these she chose Gudmund, the son of Ari, as soon
as she could get into touch with him, and Broddi the priest, who was
then in the Fljotsdal district. She said she would relate to everyone
those things which concerned them in her vision, unpleasant though
the task might be. Then she was more terrified than can be described
and she called on the Saints to intercede for God's mercy for her;
she named first of all Mary the Queen of Heaven and Peter the
Apostle, and then S. Olaf the King, S. Magnus the Earl and Hallvard,
for many people in Iceland used to invoke them in those days. And
at that moment a great radiance shone down on her and she saw
figures within it, of noble countenance yet awe- inspiring. This vision
rejoiced her heart, arid straightway she was so encouraged that she
dared to ask who they were, and they told her-they were King Olaf
and Earl Magnus and Hallvard the Saint. They took hold of her and
rescued her from the clutches of the demons and led her away. The
demons lashed at her with a whip, striking her on the shoulders,
back and loins, saying to the Saints : "Although we have to yield to
you now, as is often the case in our dealing's against you, yet
something shall she get for her .depravity." The whip was red-hot and
burnt wherever it touched her. (Anônimo, p. 33)
Outra interpretação possível para esse trecho no qual a mulher entra em transe seria
uma alegoria da população local não cristianizada, somente convertida, no qual seus hábitos
não condiziam com o que almejava a Igreja e seus bispos. Pois mesmo que o batismo seja
tomado e se assume como cristão, o caminho para o céu não é uma trilha simples. É
necessário abdicar de muitos costumes os quais faziam parte da história e tradição islandesa.
Como é apresentada na Íslendingabók, a documentação não problematizada aqui mas que
trata da conversão oficial da ilha. Nessa documentação aceitou-se a conversão contudo os
costumes praticamente não eram alterados.
75
Dos três estudados o bispo Guðmunðr parece compreender o impacto que algumas
relíquias têm na vida e visão do povo. Duas vezes durante a sua saga ele é acusado de portar
ossos falsos alegando que são ossos de santos e ambos os casos ele confirma que tais ossos
são verídicos. No primeiro caso não se fala do uso da relíquia sagrada somente da acusação.
Quando Guðmunðr tinha 35 anos, o goði Thorstein, filho de Thrasláug, acusou o bispo que
guardar para si presentes dados pela população aos santos e Deus, e para agravar o caso o
bispo deixava a população beijar a sua relíquia sagrada, contudo Thorstein não saberia dizer
se são ossos de cavalos ou homens santos.
“In the following winter discord arose between Thorstein, the son of
Thraslaug, and Gudmund, and the cause of it was that the people of
Svarfadardal used to hand over to Gudmund the gifts they had
promised as offerings to God and the Saints, and Thor- stein said
that Gudmund kept these offerings for himself. Also, on holidays and
festivals it was Gudmund's custom to let people kiss the holy relics,
but Thorstein asserted that he did not know whether these were the
bones of holy men or of horses. For these 'reasons there was a bitter quarrel between them, and Thorstein demanded of Bishop Brand
that he have Gudmund removed from the district.” (Anônimo, p. 31)
A sacralidade de tais relíquias não cabe ser discutido aqui, o que convém a nós dessa
informação que o bispo sabia utilizar as relíquias ao seu favor construindo um modelo no
qual Guðmunðr persistiu, levando a sua segunda acusação sobre a origem dos ossos alguns
anos depois. O bispo Guðmunðr entregou supostos ossos do Santo Jóns a Sigurd que lhe
pediu relíquias sagradas e o bispo lhe deu. Quando ele recebeu um pedaço dos ossos do
bispo Jóns um padre chamado Stein disse que os ossos estavam com uma cor ruim e não
aparentavam ser muito sagrada. O debate foi resolvido quando todos rezaram um Pai Nosso
com Guðmunðr e o santo Jóns fez com que todos os presentes sentissem o cheiro de incenso.
A única pessoa que não sentiu tal cheiro foi o padre Stein, em punição por duvidar da
sacralidade dos ossos. Somente após aceitar os ossos e prometer honrar Guðmunðr ele foi
capaz de sentir o aroma.
It happened at Svinafell that Sigurd asked Gudmund to give him
some holy relics, and Gudmund did so. But when he handed him a
piece of Bishop Jon's bone, a priest called Stein said that Bishop
Jon's bone seemed a bad colour to him, and he did not think it
looked very holy. Gudmund replied to him gently, and asked him
76
whether he thought Bishop Martin less holy than other men because
his bones were black, and whether he thought Bishop Thorlak was a
saint or not. Stein answered that he did not consider Bishop Jon the
equal of Bishop Thorlak. Then Gudmund said to those who were
standing by : " Now let us all pray to God and to blessed Mary the
Queen of Heaven, and to S. Jon the Bishop that he show some token
of his sanctity to soften Stein's unbelief."
They all fell on their knees and sang the Pater Noster with
Gudmund, ,after which he made each of them kiss the bones. Then all
of them smelt the sweetest smell of incense except for Stein alone; he
smelt nothing. Thereupon he grew ashamed of his unbelief and of the
words he had spoken, for the wrath of God and S. Jon the Bishop
was now visible upon him, when he was thus deprived of this joy.
Stein prayed to Bishop Jon for forgiveness with tears of repentance,
and then Gudmund offered to give him a piece of the Bishop's bone
if he would promise to honour him with his whole heart. He said he
would gladly do this, but he was afraid lest Bishop Jon should be
unwilling to accept his devotion. Then Gudmund went on to say that
all should pray that the blessed Bishop Jon would give some sign
that he forgave Stein for his words. And when Stein received the
bones, he then smelt the same fragrance as the others.(Anônimo, p. 44
77
4. O NOVO CRISTIANISMO ISLANDÊS
Os bispos ao mesmo tempo em que buscavam a consolidação do poder clerical na
ilha, reafirmavam a identidade islandesa com continuas pregações e ocasionais citações da
Bíblia sagrada. Os elementos definidores da identidade cristã variam com o tempo e espaço,
e não seria diferente para o caso islandês, onde o cristianismo necessitaria se adaptar ao ambiente “hostil” o qual havia recém chegado.
A progressiva mudança do cristianismo, chamado por Garipzanov (2014) de osmose
e por Burke (2003) de hibridização, auxiliou no processo de conversão e aceitação do que
antes era um culto estranho, como já apontado na Þorláks saga helga (p.471). O culto cristão
que apesar de estranho para muitas pessoas a repetição faria com que o culto e a vida cristã
tornam-se parte da vida das pessoas como apresentado na Jóns Saga helga:
“…And the holy bishop John strongly enjoined that which hath been kept
since, that men should come to hours on holidays and other set days, and
he bade the priests to repeat oftentimes those things which they needed to
know.” (ANÔNIMO, p.553)
Além de estimular a manutenção da comunidade cristã por meio do constante convívio da população em um local de culto o bispo Jóns também estimulou a população a manter
uma prática caseira cristã, como rezar todas as manhãs assim que acordar, fazer o sinal da
cruz.
He bade men keep a daily custom, as beseems Christian men, that is to go
every day, late or early, to a cross or church, and there mindfully to put up
one's prayers. He bade them to have each in his lodging the mark of the holy cross as a safeguard to himself, and as soon as a man woke he was to
sign himself and sing first Credo in Deum [the creed], and thus speak his
belief in Almighty God, and walk All day after armed with the mark of the
holy cross, with which he marked himself as soon as he woke, and never to
take sleep or meat or drink without signing himself beforehand. (Anônimo,
p.553)
78
Uma das bases do cristianismo, a oração, deveria ser aprendida, a repetido múltiplos
momentos ao decorrer do dia. Com a manutenção continua dessas práticas o cristianismo e
as suas práticas se expandiram por grande parte norte da ilha.
He bade every man to learn Pater Nosttr and Credo in Deum, and Mary's
Verse [Ave Maria], and remember his hours seven times a day, according
as David the prophet saith, Septtes in die laudem tibi dixi, Domine Deus
meus [Ps. cxix. 164], that is to be interpreted in Northern [speech] ' Seven
times a day I have spoken praise to thee, O Lord my God,' and dutifully
sing every evening ere he slept Credo in Deum and Pater Noster, And that
we may end this discourse in few words, he got the ways of the people under him so ordered within a short space by God's help, that holy Christendom hath never stood in such blossom in the North-landers Quarter, neither
before nor since as it stood then, when the people were so blessed in having
such a bishop's government over them. (Anônimo, p. 554
Como já apresentado anteriormente, acompanhado da construção do sentimento de
identidade e unidade cristã a religiosidade pré-cristã, e todos os seus resquícios foram classificados com uma estereotiparão estigmatizante, alterizando-a. O zelo no qual os bispos buscavam elementos cristãos no dia-dia é apresentado na mudança até do dia da semana, assim
como a preocupação com a poesia romântica, algo que poderia desvirtuar um bom cristão
como ocorreria ao ler Ovídio.
It is told that he came to hear that Clong Thor-stan's son (he that was afterwards bishop In Seal-holt), when he was a priestling and young in years,
was reading a book that is called Ovidius, De Arte [Amatoriâ]. In this book
there is much love -poetry, and he forbade him to read this kind of book,
saying that it was heavy work enough for every man to keep himself from
fleshly lust and unlawful love, even if he did not irritate his mind with any
poetry [Latin] or poems [vernacular] of this kind. (Anônimo, p. 555)
Jóns, segundo indica a documentação, foi mais zeloso dos bispos estudados. Criou a
prática cristã por meio da oração e mudanças no dia-dia. A atividade do bispo não se encerrava nas suas proximidades, ele andou por sua diocese “perseguindo” os homens maus,
compreendido no contexto da saga e do estudo como os não cristãos, ou aqueles que não iam
de acordo com o que o bispo acreditava ser o que deveria ser feito.
That summer bishop John began his visitation of his diocese, and set
himself to govern God's Christendom with mighty governing; he chastised
evil men with the power that was given him on God's behalf, and
strengthened good men and them of right conversation in many good ways.
79
(Anônimo, p.550)
O zelo e radicalidade de Jóns o auxiliou na sua devoção a atividade de expandir o
cristianismo. Ele se dedicou durante sua vida a construir um clero bem instruído e pronto
para auxiliar a população, para isso ele além de instruir os que estavam ao seu redor, contratou um homem de fora da ilha para ensinar o clero. Possivelmente isso seria uma forma de
introduzir a população ainda desacostumada aos hábitos cristãos ao livro sagrado e ensinamentos da Bíblia.
WHEN John had been a short while bishop, he had a school set up at home
there at the bishopstead, west of the church door, and had it well and
beautifully Built [and the mark of the houses -is still to be seen]. And to this
end, to govern the school and teach them that should be set there, he chose
him a man out of Gotland that was the best and quickest clerk: he was
called Gisle, and was the son of Finne. He paid him a great wage, both to
teach the priestlings and to give such support to holy Christendom along
with the bishop himself as he could manage in his teachings and addresses.
And ever when he was preaching before the people, he had a book lying
before him, and took therefrom what he spoke to the people, and he did this
most out of prudence and humility, because as he was young in Years those
that listened might lay more store by it, when they saw that he took what he
taught out of holy books and not out of his own natural know- ledge or
breast-wit. And yet so much advantage followed his teachings that the men
that listened thereto were much moved, and made great and good changes
[in their lives] by his advice. And that which he taught in his words he
showed forth also in his works. His teachings were lenient and light to
bear to all good, and the wise thought them seemly and interesting, and to
the evil they became a great terror and a true chastisement. (Anônimo, p.
552)
Quando tomou posse da sua função o bispo Jóns buscou alguém para acompanhá-los
em sua jornada de pregar a palavra e sedimentar o cristianismo na região um senhor local se
ofereceu para acompanhá-lo, contudo o bispo somente aceitou se o homem abandona-se a
herança de sua família assim como as suas terras e se dedica de corpo e alma a pregação,
assim como o bispo.
“He was the only one of the men of worship of the North-landers
Quarter to rise up from the heritage of his fathers for God's sake and
the needs of Holy Church, because there had before been long
shufflings between the chiefs as to which of them should forsake his
father's heritage and his home, and there was none of them ready so
to do save this man only.”
80
4.1 O seiðr e a influência dos milagres
Como foram apresentados até esse momento os milagres se apresentaram de
múltiplas formas, em vários contextos e intencionalidade. Cabe a nós, nesse momento,
refletir o quanto desses milagres fora influenciado pela religiosidade pré-cristã. Pois se a
pregação e a forma o qual se o cristianismo se apresentou na Islândia foi alterada devido as
condições pré-existentes, é possível que os milagres, como produto do imaginário coletivo,
sejam influenciados igualmente.
A análise dos elementos do imaginário pré-cristãos nos milagres realizada nessa
pesquisa não foi um exercício solitário mas encontramos um paper que realizou uma
atividade similar a essa. Bernadine McCreesh da Universidade do Quebec (2006), participou
do 13º Conferência Saga Internacional em Durham na Inglaterra, no qual ela comunicou e
publicou um paper que trata do mesmo assunto. Por consequência, nossas analises vão se
coincidir, podendo ocasionalmente discordar. Além disso, tentaremos expandir a curta
análise feita pela mesma.
O clima, um elemento constante nas sagas e já apresentado até aqui, é um elemento
natural, mas o seu controle cai sobre o domínio do seiðr, a feitiçaria nórdica. Segundo Brink
(2008) é difícil achar uma palavra adequada no idioma moderno para seiðr, onde o português
contemporâneo poderia chamar de bruxaria, magia ou feitiçaria, porém usaremos o termo
feitiçaria por ser o utilizado pela historiografia. (BRINK, 2008, p.2)
Outros nomes possíveis se dar a essa habilidade sobrenatural é gandr, galdr e útiseta
entre outros. O uso do seiðr varia em um amplo prisma de propósitos, variando de soluções
domésticas até problemas maiores envolvendo a política. Entre os deuses da religiosidade
pré-cristã escandinava, Óðinn usou o seiðr primariamente em busca de conhecimento sobre
o futuro, especialmente perguntando questões aos mortos53. Ele é descrito caindo em transe,
deixando seu corpo para trás viajando para longas distâncias em forma de espírito animal. A
deusa Freyja usa do poder sobrenatural para se disfarçar, mudando a sua forma e usando
seus charmes físicos para atrapalhar a vida de seus inimigos. (PRICE, 2008) p. 246)
53
Isso pode ser visto no poema Voluspá dentro da Edda Poética, no qual Óðinn, consulta uma vidente, para
falar sobre o destino dos deuses.
81
Imagem do Deus Óðinn em uma cópia da Edda Poética produzida no século XVII.
Tradicionalmente apresentado como o Deus caolho e acompanhado de dois corvos, o pensamento e a
memória.
Na esfera das relações humanas, o seiðr é usado para trazer boa sorte ou azar para
comunidades ou indivíduos, além de modificar o clima, dar abundância de peixes ou
colheitas, ou curando os doentes. Outro uso comum do seiðr é prever o futuro,
principalmente quando uma völur ou outro tipo de conjurador de feitiços são especialmente
convidados a ir a um local e predizer o que ocorrerá nos anos seguintes. Não é de
surpreender que esse convite ocorra, principalmente, em anos de crise, seca ou preocupações
econômicas. (PRICE, 2008, p.247)
82
Representação da völva, praticante do Volur, em um selo comemorativo das Ilhas
Faroe no ano de 2003.
Outra peculiaridade do seiðr é sua conexão com sexualidade, onde esse vínculo do
controle sobre o sobrenatural está presente no aspecto das deidades assim como o universo
físico dos humanos. Além de se encontrar uma variedade de encantamentos amorosos, para
chamar atenção do amado, curar impotência, encontra-se igualmente para causar tais efeitos.
A historiografia contemporânea aceita em sua maioria que os rituais envolviam elementos
sexuais em sua performance, e é sugerido que a ritualização envolvia sexo ou sua simulação.
(PRICE, 2008, p.248)
O seiðr é uma prática que durante a era pré-cristã escandinava, que em sua maioria,
estava associada a mulher, limitando o espaço de participação do homem dentro da feitiçaria.
Para a pesquisadora Jochens (1993, p. 376), ela apresenta características do papel feminino
na feitiçaria e comparações do desempenho feminino e masculino na prática do seiðr. De
modo que a participação masculina é considerada uma fraqueza, desarte, o mesmo passa a
83
ser denominado de efeminado, sendo assim referenciado pelo termo ergi. A presença do
seiðr na Byskupa sögur apresenta uma mudança no referencial de prática do seiðr, em que a
influência cristã permite uma mudança no referencial negativo do homem para com o seiðr.
Bastão ritualístico da seiðkona. Medindo aproximadamente 82 cm esse bastão de bronze foi
encontrado em um navio-túmulo.
O bastão ritualístico presente em achados tumulares da praticante de seiðr, as
seiðkona, apresenta a sugestão de uma dupla utilidade para a ferramenta no qual ela poderia
ser utilizada simbolicamente ou realmente em uma relação sexual. Até a prática da utilização
de espelhos mágicos envolvia, na sua descrição, uma sugestão do ritmo de relações sexuais.
Se para o ritual ser realizado como um todo envolvia o ato sexual ou sua simulação, limitava
a possibilidade do papel masculino na prática desse ato, sendo os praticamente masculinos
tomados de uma conotação feminina 54. (PRICE, 2008, p.248)
54
Um exemplo desse caso está presente no poema na Edda Poética a Lokasenna. O deus Óðinn é caçoado pelo
deus Loki, o chamando de afeminado.
84
Imagem do Loki debatendo com os deuses, como é apresentado na Lokasenna.
Desenho de 1895 feito por Lorenz Frolich.
A sexualidade não influencia na nossa análise, pois o que procuramos foram indícios
de relações do seiðr com os milagres apresentados na documentação analisada. Sendo assim,
não esperamos que os bispos sem envolvam em qualquer forma de relação sexual, real ou
figurativamente, para realizar feitos sobrenaturais. Encontraram-se similaridades da
apresentação e compreensão do imaginário pré-cristão com os milagres presentes nas
Byskupa sögur estudadas.
O primeiro exemplo de milagre que leva características de elementos da feitiçaria
pré-cristã que apresentaremos é a tempestade criada por Deus para demonstrar que o bispo
Þorlákr tinha razão. Um capitão experiente com um navio que fez múltiplas viagens no
trecho Noruega e Islândia é de se esperar que conheça sobre o que seu navio suportaria ou
não suportaria. Levando assim a nós duvidarmos que o capitão seria tão imprudente ao
navegar com excesso de peso. (Anônimo, p. 479)
Contudo a opinião do Þorlákr é demonstrada a correta por meio da intervenção divina.
85
Uma tempestade inesperada quebra o mastro do barco e o leva para longe. O clima surge
como um interventor, um apresentador de argumentos, possivelmente um elemento de
coerção. O capitão se viu obrigado a levar sua carga, ou seja seu lucro e sustento, em alto
mar para fazer a vontade do bispo e somente assim no dia seguinte chegaram em terra firme.
(Anônimo, p. 479)
O bispo Guðmundr assim como Þorlákr consegue utilizar dos ventos ao seu favor. Na
Guðmundar sögur a oração do bispo cria ventos. Após ser escoltado pelo filho de um senhor
local ele cumpre sua parte do trato e reza por uma brisa favorável que rapidamente retornou
seus guias a suas casas. Analisando esse fato encontramos os mesmos elementos envolvendo
a prática do seiðr¸ se faz um pedido a seiðkona, nesse caso o bispo. O indivíduo que tem
controle sobre o sobrenatural recebe o pagamento prometido, nesse caso o bispo foi pago
com uma ida rápida de barco ao seu destino. Por fim, ocorre ritualização para a produção do
efeito sobrenatural, no caso da seiðkona, o seiðr, no caso do bispo a oração. Produzindo
efeitos alterando o clima e se criando ventos.
Outra forma de controle do clima é apresentada na saga de Jóns. Em uma época de
muita fome, o gelo e o frio impediam que a população se alimentasse. Similar a seiðkona, o
bispo Jóns intercede pela comunidade. Contudo essa boa ação não ocorreria sem um
pagamento à comunidade se compromete, como uma forma de retribuir a intervenção à
construção de uma Igreja, o qual poderemos chamar de a forma de pagamento. Então o Jóns
coloca no chão seu manto e onde ele tocou a neve começou a derreter e o clima voltou a
esquentar. A população fez como foi pedido e o gado teve grama verde novamente para se
alimentar.
4.2 O hibridismo cultural nos milagres
McCreesh (2006) apresentou o enterro do bispo Jóns como uma referência clara ao
seiðr. Durante o seu enterro seu corpo não pode ser transportado até o túmulo até que o seu
anel episcopal fosse retornado ao seu dedo. Essa imobilidade do cadáver de um santo não é
um tópico exótico na hagiografia como dito por Loomis 55 apud Mccreesh:
55
Loomis, Grant. White Magic: An Introduction to the Folklore of Christian Legend. Cambridge, Mass.:
Medieval. Academy of America, 1948. p.56.
86
“O santo, particularmente depois de sua morte, impõe sua vontade nas
pessoas se recusando a deixar seu corpo ser levantada ou seu caixão
movido a menos que os seus carregadores irem a certas direções” 56
(MCCREESH, 2006, p.1)
Koppenberg57 apud Mccreesh deriva essa cena na documentação de um incidente na
Martinus saga, no qual São Martim para um grupo de pessoas de se moverem fazendo o
sinal da cruz em sua direção pois ele suspeitava que estavam portando um ídolo Pré-cristão.
Quando a inspeção provou sua suspeita falsa, ele fez outro sinal da cruz e as pessoas
puderam continuar com a sua caminhada. Mccreesh argumenta que as diferenças nesses dois
claros são claras: O que carregavam não era um corpo importante; O santo congelou-os no
local, e não tornou o objeto mais pesado; e por último, o santo e não o corpo carregado que
causou a paralisia. (MCCREESH, 2006, p.1)
A paralisia segundo Loomis apud Mccreesh, é diferente de aumento de peso. O
segundo caso é uma paralisia que afeta as pessoas e não o aumento do peso do cadáver como
ocorre com o Jóns. Então Mccreesh apresenta a teoria que a peculiaridade desse milagre vem
da Escandinávia pré-cristã. A pesquisadora apresenta o caso das draugar, seres mortos-vivos
da crença escandinava pré-cristã. No caso específico ao que é apresentado na Eyrbyggja
saga, onde o corpo de alguém se tornou mais passado com o passar do tempo.
Outro exemplo similar encontrado nas sagas não-cristãs é na Grettis saga, no qual o
Glámr após ser morto por um monstro, tem seu corpo tão pesado que não consegue ser
levado de volta a Igreja. Corpos imóveis também são presentes nas histórias lendárias dos
deuses escandinavos como narrado na Edda o enterro de Baldr, no qual seu corpo se torna
imóvel por alguma razão desconhecida. (MCCREESH, 2006, p.1)
A documentação analisada do McCreesh indica que a o peso do corpo do santo não se
deve a uma influência cristã, mas em uma influência da religiosidade pré-cristã escandinava.
Não temos como afirmar com certeza absoluta a procedência do peso do corpo do santo, mas
a possibilidade da influência da escrita escandinava é uma teoria de muito peso.
56
57
Tradução própria.
Koppenberg, Peter. Hagiographische Studien zu den Biskupa Sögur. Bochum: Scandia Verlag, 1980. p.133
87
Apresentando assim o enterro do santo como mais um exemplo de uma hibridização, uma
influência da religiosidade pré-cristã na escrita e milagres dos santos.
Nas Guðmundar sögur surge outro elemento claramente não cristão que até esse não
momento não foi apresentado, uma mulher troll. Um homem dos fiordes do oeste era
constantemente atormentado por uma mulher-troll, e nesse dia específico narrado ele se
deslocava para a Igreja, quando o mesmo foi atacado pela mulher-troll. A mulher-troll o
perseguiu montanha acima enquanto ele fugia. Ao pedir ajuda de Guðmundr, uma luz surge
em cima do homem e respingando água na mulher-troll fez com que ela desaparece-se como
se tivesse sido sugada pela terra. Essa mesma luz que o salvou o acompanhou até a fazendo.
“Then the story came from the Western Fjords that a man called
Snorri, of Skalavik in the west, had been tormented by a troll-woman,
who used to attack him so ferociously that he felt unable to
withstand her. Before daybreak on that very night we have just
mentioned, as it was a Saturday night, Snorri betook himself to'
divine service; he was alone and had a long way to go. Then the
troll-woman came upon him and assailed him unceasingly, driving
him up to a mountain. He called on Gudmund to come to his aid
and deliver him from this monster, if he were so dear to God as he
thought him to be. And at that moment a great’ light seemed to shine
down on him, and in its radiance was a man wearing a cope, who
held an aspergillum with which he sprinkled water on the troll-woman,
and she vanished straightway as if she had sunk down into the earth.
The light accompanied Snorri all the way to the farm, and he
thought he knew for sure that it was Gudmund the priest who had
appeared with it.”(ANÔNIMO, p. 41)
Uma narrativa realmente maravilhosa, com elementos do sobrenatural por toda sua
extensão. Agora resta a nós analisar a saga e procurar a procedência de tais elementos
sobrenaturais nessa narrativa. Claramente a mulher-troll exerce um papel demoníaco
impedindo o homem de fazer seu papel sagrado de ir para a Igreja. Com a exceção da Grettis
saga, a mulher-troll não aparece em nem uma Íslendingasögur, entretanto elas se fazem
presentes no imaginário coletivo, pois aparecem nas fornaldarsögur, possivelmente devido
ao seu caráter mais fantasioso. E assim o imaginário pré-cristão povoa as Byskupa sögur.
(MCCREESH, 2006, p.6)
Outro ser não natural que também marcou presença nas Guðmundr sögur é um elfo.
Elfos não são descritos em nem uma das Íslendingasögur, curiosamente a descrição do
88
aparecimento de um é relatado na escrita. O autor da saga possivelmente mais influenciado
pela cultura popular, transbordou os elementos do imaginário pré-cristão dentro da vita do
bispo.
That winter was called the Wonder Winter, because there were many
strange happenings. Two suns58 were seen at the same lime. In
Skagafjord elves or other strange beings" were seen riding together in
a great host—An, the son of Bjorn, saw them. It happened on
Hegranes that a sow escaped from her sty and, breaking open the
door, rushed at the bed where a woman lay with her child. The sow
fastened on to the child, bit it to death, and then ran out. The child
was left there dead, while the sow ran back into her sty.
(ANÔNIMO, p.8)
Para finalizar a análise das Guðmundr sögur discorreremos sobre uma prática
presente na religiosidade pré-cristã que são as viagens extracorpóreas. Nas Guðmundr sögur
ocorre casos no qual uma mulher além do próprio bispo tem experiências fora do corpo. O
primeiro caso já foi apresentado anteriormente no qual uma mulher pecadora é punida por
ser mulher de dois padres, se vestia com luxo demasiado para atrair homens e por costurar
aos domingos. A visão apresenta godar que abusaram de seu poder no inferno, bispos
islandeses já mortos no céu e uma vaga no céu pronta para o bispo Guðmundr, que ainda
estava vivo.
Apesar da visão do inferno não ser uma peculiaridade pré-cristã a forma no qual ela
faz essa viagem se assemelha as reações ocorridas em bruxas que mudavam de corpo, com o
corpo sem parar de se mover como um transe xamânico. Os ferimentos sofridos na jornada
ao outro mundo ficaram com ela com seu retorno. Similar ao caso da moça ocorreu na
Kormáks saga, quando uma seiðkona se fere quando na sua forma de Morsa, a sua forma
humanoide também é ferida. (MCCREESH, p.7, 2006)
“…when they -found her, they carried her back into her room, and
people sat by her throughout the day and saw that she was not dead,
for she would jerk her limbs violently from time to time, as if she
were in great agony.” (ANÔNIMO, p. 32)
58
Apesar de ser apontado o aparecimento de dois sois, isso pode ser compreendido possivelmente como um
efeito meteorológico normal chamado de Parélio.
89
“And all of her that was bare was burned when she recovered
consciousness.” (ANÔNIMO, p. 33)
Contudo ocorrem diferenças entre a jornada da mulher e a metamorfa seiðkona:
Primeiro, ela não viaja em forma animal; Segundo, sua jornada é para outro mundo não um
destino terrestre; terceiro, diferente da prática pré-cristã ela não está dormindo durante a
viagem, mas está inconsciente; quarto, ela não viaja por vontade própria mas é arrastada por
seres infernais. (MCCREESH, p. 7, 2006)
A experiência fora-do-corpo do bispo é descrito diferente. Ele descansa ao lado de
um homem doente, e para quem observava aparentava que ele adormeceu rezando. Apesar
de aparentar estar dormindo o diácono não sentiu ele deitado sobre ele, apesar dele e os
outros verem ele deitado.
“He lay on a bench beside the sick man, and he fell asleep at his
prayers, or so it seemed to those who were there. His deacon was
lying on the bench beside him, and he sank down on him as he fell
asleep. But when he had slept for a short time, the deacon did not
feel that he was lying on him, though he and others too saw that he
was lying there. “(ANÔNIMO, p. 41)
Em seguida o bispo tornou-se consciente, que apesar de que o bispo estava deitado do
seu lado, ele não poderia senti-lo, contudo não ousou tocá-lo. E então milagres ocorriam em
outros distritos onde ele não estava presente mas chamavam por seu nome.
“…this deacon was aware that he could not feel Gudmund in the
bed—for he used to sleep beside him—though he never dared to put
out his hand towards him. At these times miracles always occurred in
other parts of the country, when men had invoked Gudmund in his
absence.” (ANÔNIMO, p. 41).
Essa experiência sofrida pelo bispo remete ao exemplo de ‘almas’ abandonando um
corpo na literatura nativa. Um exemplo disse é na Heimskringla, que é descrito que Óðinn é
um metamorfo que deixa corpo adormecido para trás enquanto ele se transforma em um
pássaro ou outro animal, peixe ou cobra, e viaja para terras distantes. (MCCREESH, p. 8,
2006)
90
Outro exemplo está presente na Landnámanók e na Vatnsdaela saga, com os Saami59.
Os Saami realizavam viagens fora-do-corpo da Noruega até a Islândia para localizar um
talismã perdido. Nas Íslendingasögur tem dois exemplos de seiðkona que podem enviar suas
almas enquanto dormem. Na Landnámabók, um homem com o dom da segunda-visão, a
habilidade de ver o que outros não podem ver, pode ver dois homens que estava discutindo
em sua forma animal. Todas essas impressões criam a teoria, segundo McCreesh, de que o
corpo é deixado para trás e o espírito corpóreo ou alma, normalmente em forma animal,
apesar de não ser obrigatório, viagem em tempo real por onde desejam. Mais uma vez
surgem diferenciações entre a experiência fora-do-corpo do bispo e das comparações.
Inicialmente, o bispo não assume uma forma animal; segundo, seu sono não é agitado,
terceiro, seu corpo se torna sem peso, quarto, ele não aparece no chão ou água, mas no ar
rodeado de luz. (MCCREESH, 2006, p. 9)
O que justifica das sagas analisadas as Guðmundr sögur apresentarem mais
elementos sobrenaturais? Isso se justifica, segundo McCreesh, devido o respeito pela
tradição crítica de Saemundr e Ari. As sagas de Þorlákr e dos outros bispos de Skálholt são
mais conscientes na sua escrita em comparação as de Holar. Isso causa a discrepância entre
os elementos sobrenaturais nas sagas estudadas. A época no qual as Guðmundr sögur estão
sendo escritas a crença no sobrenatural cristão já fazia parte de sua cultura, diferente das
outras duas sagas estudadas que estavam em um contexto de construção inicial do
imaginário cristão. Os seguidos do bispo Guðmundr em sua grande maioria eram pessoas
simples e sem uma educação clerical, levando assim a ser mais provável acreditar em
mulheres-troll, elfos, viagens fora-do-corpo além de milagres controladores de clima.
Além da ótima conclusão da McCreesh, eu agregaria o local de produção das sagas
assim como o contexto influenciou no resultado final. Em um momento de continuo embate
entre o clero local e a religiosidade pré-cristã ou os poderes locais, discursos com elementos
chamativos são mais apelativos que uma vita descritiva e sem o Maravilhoso que fazia parte
do imaginário islandês medieval. Agregando valores e elementos pré-cristãos além de
agradar ao público, o clero criou uma forma de ser apelativo a uma população que ele
almejava cativar.
59
No português contemporâneo são chamados de Lapões, e vivem na região norte da Escandinávia, e nessa
época eram independentes de qualquer poder real Norueguês.
91
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A exclusão ocorreu como esperado dentro da documentação analisada. Entretanto,
não era esperado encontrar no cristianismo com elementos pré-cristãos, que auxiliariam na
aceitação dessa nova forma de se relacionar com metafísico. Assim, o novo cristianismo
islandês gradativamente tornou-se mais aceitável para uma população acostumada a ouvir
história dos seus antigos deuses com feitos maravilhosos, espíritos povoando o mundo
selvagem e magia agindo no dia-dia para influenciar as pessoas.
A documentação apresentou três bispos com uma atitude similar a quanto á
religiosidade pré-cristã, a alterização. Contudo, essa alterização ocorreu em graus diferentes
de formas diferentes para cada bispo. Não podemos afirmar se foi a personalidade ou o
contexto de pregação que influenciou a forma o qual os bispos agiram perante o conflito
entre a necessidade de salvar o rebanho com o fato desse rebanho acreditar em coisas nãocristãs, cada bispo se posicionou na sua forma singular.
Jóns Ögmundsson, provavelmente por ser o primeiro bispo de Holar, encontrou uma
sociedade muito longe do esperado. Seu contato com o papa no começo de sua carreira e
vindo de uma família cristianizada o seu posicionamento radical contra a religiosidade précristã foi se acentuando com o decorrer de sua vida até que mesmo em sua morte sua
vontade foi apresentada por meio do seu corpo no enterro. Na sua saga aponta que dividiu
claramente a sociedade nos membros do cristianismo, Nós, com os não membros o qual não
desejava nem se quer se associar, Eles. Um claro exemplo do que buscávamos ao iniciar a
pesquisa.
Þorlákr Þórhallsson, hoje é o santo padroeiro da Islândia. Não teve um
posicionamento tão radical como o Jóns, apesar disso notamos sutilezas que levam a
construção da identidade cristã. A busca de uma unidade cristã dentro da família por meio do
casamento, assim como a ameaça de excomunhão levava ele não apresentar na
documentação uma postura tão rígida como a do bispo Jóns. No seu leito de morte, diferente
do Jóns, o bispo apresentou uma postura mais branda. Apesar de não mudar sua opinião e
posicionamento sobre as pessoas que excomungou, ele deixa a possibilidade delas se
reconciliarem com a Igreja, deixando assim margens para um maior diálogo com a Igreja.
Por fim, o Guðmundr Arason foi dos três bispos o que mais se relacionou com a
92
política local. Não podemos afirmar que sua saga possuía elementos da religiosidade précristã intencionalmente ou os elementos pré-cristãos faziam parte do imaginário social de tal
forma que sua presença em milagres não era nem notada. Podemos afirmar, entretanto, que
esses elementos possivelmente influenciaram a aceitação do bispo no imaginário islandês. O
bispo Guðmundr construiu um posicionamento político forte, entrando em conflitos
continuamente com os goðar islandeses. O conflito contínuo em busca de demonstração de
poder levou a ser perseguido no final de sua vida, contudo, demonstra a busca pelo
crescimento do poder político da Igreja na Islândia.
Os três bispos, nas três sagas estudadas, atuaram de formas diferentes para a
construção de uma identidade cristã na Islândia. Uma ilha que ainda possuía no seu
imaginário coletivo reminiscências do seu
passado pré-cristão. Restando assim
possivelmente a difícil tarefa de gerir uma comunidade cristã com inúmeros resquícios nãocristãos. A melhor solução para essa árdua tarefa ocorreu, sem podermos afirmar que
voluntariamente, na assimilação de elementos da religiosidade dos antepassados para o
cristianismo.
A pesquisa não se encerra com o fim do mestrado e a mesma deixou algumas
indagações em aberto para possivelmente no futuro continuar-se a estudar. A documentação
analisada nessa dissertação é limitada devido ao tempo de um mestrado, existe a
possibilidade de futuramente se expandir essa mesma análise com uma documentação mais
vasta agregando análises de outras Byskupa sögur, para além das três analisadas aqui.
Outra possível continuação dessa pesquisa seria um estudo comparativo entre a
conversão Norueguesa e a Islandesa, como se desejava inicialmente ao adentrar-se no
programa da pós-graduação. Com mais tempo e parte da documentação já analisada, um
estudo comparativo da conversão Norueguesa e Islandesa enriqueceria o debate sobre o
processo de conversão nas regiões mais periféricas da Europa, como nesse caso a
Escandinávia.
Por fim, uma terceira possibilidade de continuação dessa pesquisa está na
possibilidade de análise das influências do cristianismo inglês no cristianismo Norueguês
e/ou Islandês. É bem provável que elementos marcantes da religiosidade Inglesa tenham
transpassado o mar e chegado as terras geladas da Escandinávia por meio dos discursos
clericais ou reais. Isso permite polir algumas teorias levantadas durante essa pesquisa, mas o
93
recorte documental não deixou abertura para fazer tal estudo.
94
6. REFERENCIAS
6.1. Documentos:
ANÔNIMO. Guðmundar saga A. Traduzido por TURVILLE-PETRE, G. e OLSZEWSKA,
E.S. The Life of Gudmund the Good, Bishop of Hólar. Coventry: Viking Society for
Northern research, 1942.
ANÔNIMO. Guðmundar saga B. Traduzido por TURVILLE-PETRE, G. e OLSZEWSKA,
E.S. The Life of Gudmund the Good, Bishop of Hólar. Coventry: Viking Society for
Northern research, 1942.
ANÔNIMO. Hungrvaka. Traduzido por BASSET, Camilla. Tese. Medieval Icelandic
Studies. University of Iceland, 2013.
ANÔNIMO, Hungrvaka. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. In:
VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of the
More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Jóns saga helga L. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL,
F. In: VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of
the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO. Jóns Saga helga L. Traduzido por SIMPSON, Jacqueline. In: The Northmen
Talk: A choice of Tales from Iceland. University of Wisconsin Press, 1965.
ANÔNIMO, Jóns saga helga S. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL,
F. In: VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of
the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Jarteinabók Þorláks biskups in forna. Traduzido por ROUGHTON, Philip G.
“AM 645 4to and AM 652 / 630 4to: Study and Translation of Two Thirteenth-Century
Icelandic Collections of Apostles’ and Saints’ Lives.” Tese, University of Colorado, 2002.
95
ANÔNIMO. Þorláks saga biskups A. Traduzido por LEITH, Mary Charlotte Julia In: Stories
of the Bishops of Iceland London: Masters, 1895.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups A. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK
POWELL, F. In: VIGFUSSON, Gudbrand; YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A
Collection of the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the
Settlement and Early History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups B. Traduzido por LEITH, Mary Charlotte Julia. In:
Stories of the Bishops of Iceland London: Masters, 1895.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups C. Traduzido por CORMACK, Margaret. Better Off Dead:
Approaches to Medieval Miracles. In: DUBOIS, Thomas (ORG.) Sanctity in the North:
Saints Lives, and Cults in Medieval Scandinavia. Toronto: University of Toronto Press
Incorporated, 2008.
ANÔNIMO, Oddaverjaþáttr. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F.
In: VIGFUSSON, Gudbrand; YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of the
More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO.
Oddaverjaþáttr.
In:
Byskupa
Sögur
I,
ed.
Guðni
Jónsson,
Íslendingasagnaútgjáfan, 1953.
ANÔNIMO. Íslendingabók — Kristni Saga, The Book Of The Icelanders — The Story Of
The Conversion. In: Viking Society for Northern Research, Vol. XVIII, 2006. (tradução e
notas de GRØNLIE. Siân)
6.2. Literatura:
AMALVI, Christian. Idade Média. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (ORG.).
Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru: EDUSC, 2006.
ABRAMS, Lesley. Diaspora and Identity in the Viking Age. In: Early Medieval Europe.
No. 20 (I). Blackwell Publishing Ltd., 2012.
96
ANDRÉN, Anders. Behind Heathendom: Archaeological Studies of Old Norse Religion. In:
Scottish Archaeological Journal. Vol 27(2). 2005. p. 105-138
ÁRNASON, Unnar. “Hvervar Jón Ögmundsson?”Vísindavefurinn, 2003. Disponível em:
http://www.visindavefur.is/svar.php?id=3546. Acessado em: 15/01/2013.
BARNES, Michael P. The Scandinavian Languages in the Viking Age. In: BRINK, Stefan;
PRICE, Neil. The Viking World. New York. Routledge, 2008.
BAGGE, Sverre. A Hero between Paganism and Christianity. Håkon the Good in Memory
and History. In: HOFF, Karin et al (org.). Poetik und Gedächtnis. Festschrift für Heiko
Ueckerzum 65. Frankfurt: Lang, 2004. p. 185 – 210.
______________. Christianization and State Formation in Early Medieval Norway. In:
Scandinavian Journal of History. No. 30. 2005. p. 107 – 134.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_____________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.
BARLETT, Robert. From paganism to Christianity in medieval Europe. In: BEREND, Nora.
Christianization and the rise of Christian Monarchy: Scandinavia, Central Europe and
Rus’ c. 900 – 1200. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 47 – 72.
BYOCK, Jesse L. Introduction. In: ANÔNIMO. The Saga of King Hrolf Kraki. London:
Penguin Books, 1998.
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Editora unisinos, 2013
BOYER, Régis. Les Vikings: Histoire et civilisation. Paris: Perrin, 2004.
BRINK, Stehan. Introduction. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The Viking World. New
York. Routledge, 2008. p. 1-4
DURHAM, Keith. Viking Longship. Oxford: Osprey Publishing, 2002.
EGILSDÓTTIR, Ástir. The fantastic reality: Hagiography, miracles and fantasy. : In: 13th
International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
97
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FORTES, Carolina Coelho. O conceito de Identidade: considerações sobre sua definição e
aplicação ao estudo da História Medieval. In: Revista Mundo Antigo. Ano II, V. 2, N° 04,
Dezembro, 2013.
GARIPZANOV. Ildar. Introduction: Networks and Conversion, cultural Osmosis, and
Identities in the Viking Age. In: GARIPZANOV, Ildar (org.). Conversion and Identity in
the Viking Age. Brepols Publishers, 2014.
GRØNLIE. Siân. Miracles, Magic and Missionaries: The Supernatural in the Conversion
þættir. In: 13th International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.]
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido
pela Inquisição. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.
HOLMAN, Katherine. Historical Dictionaries of the Vikings. Oxford: The Scarecrow
Press Inc., 2003.
JACKOBSSON, Ármann. Royal Biography. In: MCTURK, Rory. A companion to Old
Norse-Icelandic Literature. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.
_____________________. Food and the North-Icelandic Identity in 13th Century Iceland
and Norway. In: JAKOBSSON, Sverrir (org.). Images of the North: Histories – Identities –
Ideas. 2009. p. 69-79.
JUNIOR, Hilário Franco. O fogo de Prometeu e o Escudo de Perseu. Reflexões sobre
mentalidade e imaginário. In: Signum – Revista da ABREM. São Paulo: ABREM, nº 5,
2003.
JOCHENS, Jenny M. Magie et répartition entre hommes et femmes dans les mythes et la
soeiete germanico-nordiques a travers les sagas et les lois Scandinaves. In: Cahiers de
civilisation médiévale. n°144, 1993. p. 375-389.
LANGER, Johnni. Revelando a religiosidade Viking. Saeculum (UFPB), v. 12, p. 167-171,
2005.
_____________. O mito do dragão na Escandinávia (parte dois: as Eddas e o sistema
98
ragnarokiano). Brathair. 7(1), 2007.
LE GOFF, Jacques. Maravilhoso In: LE GOFF, Jacques, SCHMITT, Jean-Claude (Org.),
Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP:Edusc, 2006.
_________________. Heróis e maravilhas da Idade Média. Petrópolis: Editora Vozes.
2011.
_________________. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003
_________________. O Maravilhoso e o quotidiano no ocidente medieval. Portugal:
Lugar da História, 2010.
LÖNNROTH, Lars. The Icelandic Sagas. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The Viking
World. New York. Routledge, 2008.
MUNDAL, Else. The treatment of the supernatural and the Fantastic in Different Saga
Genres. 13th International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.
MCCREESH Bernadine. Elements of the Pagan Supernatural in the Bishops' Sagas. In: 13th
International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006
NOCK, Arthur Darby. Conversion. The Old and the New in Religion from Alexander the
Great to Augustine of Hippo. Oxford, 1933.
NORDEIDE, Sæbjørg Walaker. The Christianization of Norway. In: Medieval Europe Paris:
4th International Congress of Medieval and Modern Archaeology, 2007
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas: Papirus
Editora, 1998.
ÓSKARSDÓTTIR, Svanhildur. Introduction. In: ANÔNIMO. Egil's Saga. London: Penguin
Books, 2004.
PÁLSSON, Hermann; EDWARDS, Paul. Introduction In: ANÔNIMO. Eyrbyggja Saga
London: Penguin Books, 1989.
PRICE, Neil. Sorcery and circumpolar traditions, in Old Norse belief. In: In: BRINK, Stefan;
PRICE, Neil. The Viking World. New York. Routledge, 2008. p. 244-249
99
RUSSELL, James C. The Germanization of Early Medieval Christianity. A sociohistorical approach to religious transformation. Oxford, 1994.
ROSS, Margaret Clunies. The realism and the Fantastic in the Old Icelandic Sagas. In:
Scandinavian
Studies.
Vol.
74,
No
4,
2002.
p.
443.
Disponível
em:
http://www.jstor.org/stable/40920399. Acessado: 25/11/2012.
SANMARK, Alexandra. Power and conversion – A comparative study of christianization
In Scandinavia. 2004. 320 f. Tese (Ph. D. Pelo Departamento de Arqueologia e História
Antiga) – Uppsala University, 2004.
SELF, Kathleen M. – Remembering our violent conversion. In: ELSEVIER. Vol. 40, 2010.
Disponível em: www.elsevier.com/locate/religion.
SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz
Tadeu (org.). Identidade e diferença, A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis:
Editoras Vozes, 2000.
SMILEY, Jane. Introduction. In: ÖRNÓLFUR, Thorrson (org.).The Sagas of Icelanders.
London: Penguin Books, 2000.
SUDQVIST, Olof. Cult leaders, rulers and religion. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The
Viking World. New York. Routledge, 2008. p. 223-226
TODOROV, Tzevetan. O medo dos Bárbaros: Para além do choque das civilizações.
Petrópolis: Editora Vozes, 2010.
WESBSTER, Merriam. Webster’s Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English
Language. New York: Gramercy Books, 1989.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença, A perspectiva dos Estudos Culturais.
Petrópolis: Editoras Vozes, 2000.
WOLF, Kirsten. The Legends of the Saints in Old Norse-Icelandic Prose. Toronto:
University of Toronto Press, 2013.
_____________. Pride and Politics in Iceland: Þorlákr þórhallsson. In: DUBOIS, Thormas
100
Andrew (org.). Sanctity in the North: Saints, Lives and Cults in Medieval Scandinavia.
2008.
101
ANEXOS
1.Lista Dos Primeiros Bispos Islandeses
1056
1080
1082
1106
1118
1121
1122
1133
1134
1145
1147
1148
1152
1162
1163
1176
1178
1193
1201
1203
1211
1216
1237
Skálholt
Ísleifur Gissurarson
Hólar
Gissur Ísleifsson
St. Jón Ögmundsson
Þorlákr Runólfsson
Ketill Þorsteinsson
Magnús Einarsson
Björn Gilsson
Klængur Þorsteinsson
Brandur Sæmundsson
St. Þorlákr Þórhallsson
Guðmundur góði Arason
Magnús Gissurarson