O Viagra na gaveta: sobre o bom uso do Viagra na

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O Viagra na gaveta: sobre o bom uso do Viagra na
Pulsional Revista de Psicanálise
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Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 131, 38-41
O Viagra na gaveta: sobre o bom uso do
Viagra na crise do casal de meia-idade*
Marie-Christine Laznik
Escuta-se freqüentemente dizer que, na crise da meia-idade, os homens podem
atravessar um período em que seu desejo pela companheira parece amolecer
ou, em todo caso, não mais se levantar como antes. Em geral, eles se inquietam
e começam a duvidar da própria capacidade. Nos Estados Unidos, fala-se facilmente de ED com relação a estes casos: erectile dysfunction. Na Europa, alguns
bem que trocariam suas mulheres de cinqüenta por duas de vinte e cinco.
Palavras-chave: Viagra, crise, casal de meia-idade, desejo
One frequently listen people say that, during the middle age crisis, men can
go through a period in which their desire for their mates seems to go down or,
in any case, do not rise as before. They get anxious and begin to doubt about
their own capacity. One easily speaks about ED in relation to these cases, in the
United States: erectile dysfunction. In Europe, some males easily would exchange
their 50 years old females for two with 25 years of age.
Key words: Viagra, crisis, middle age couple, desire
PARA AS MULHERES
As mulheres atingidas por esta questão nos dizem, com freqüência, que a
perda de seus encantos físicos, as marcas do tempo que começam a se fazer
sentir sobre seu corpo são responsáveis
*
Tradução de Monica Seincman.
por aquilo que crêem ser o desamor de
seus maridos em relação a elas. Confiando na idéia de que é a usura do corpo
que desarma o desejo do marido, mais
de uma mulher joga a toalha e considera
que não há mais espaço para tentar con-
O Viagra na gaveta
tinuar a desempenhar o papel daquela
que tem o que é necessário para causar
o desejo do parceiro.
Algumas se resignam a ver o cônjuge voltar seu olhar, novamente desejante, para
outras mulheres. Diz-se sobre o marido
que ele é tomado pelo demônio de meiodia, pelo seu desejo de carne fresca e
conclui-se pela ingratidão do homem
para com a companheira de tantos anos.
Para outras, esse momento soa como
uma liberação; elas se sentem, enfim, livres desse lugar de mascarada em que
deviam iludir com seus encantos e experimentam, com isso, um sentimento
de alívio. Para estas, o Viagra do marido não apenas ficará sem efeito, mas a
própria idéia de que ele possa tomá-lo
será temida e denunciada como sendo a
prova de um narcisismo fálico masculino considerado com péssimos olhos. Há
uma outra categoria de mulheres que
teme o Viagra: aquelas para quem a penetração continua a ser mais um desgosto e que tiram proveito da impotência relativa do cônjuge.
Mas outras ainda, começam, nesse momento da vida de casada, a dirigir ao parceiro uma reivindicação maior: ele deve,
pelas provas da potência de seu desejo
erguido, assegurá-las de que a capacidade delas de serem desejáveis permanece intacta. Vê-se bem, neste contexto, como a falta da potência masculina
pode ser interpretada, pela esposa, como
a prova da perda de seus encantos. Por
pouco que ele vá, então, assegurar-se
quanto à sua virilidade junto a uma outra mulher, claro que por vezes mais jo-
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vem, e a hipótese inicial de sua mulher
se encontra demonstrada.
Mas o que efetivamente acontece? O
que a psicanálise pode dizer é que o desejo sexual no homem, no ser que fala,
comporta sempre algum traço perverso.
É intrínseco ao desejo.
TODO DESEJO COMPORTA
ALGO DE PERVERSO
A noção de perverso, aqui, de forma alguma remete a uma patologia, mas sim
ao fato de que é necessário, para que
este desejo funcione, que ele possa enganchar-se em uma figuração daquilo
que os psicanalistas chamam falo positivado. Na prática, isto quer dizer que
há dois elementos que permitem a este
desejo erguer-se.
Inicialmente, o desejo masculino em relação a uma mulher vem, em geral, enganchar-se em um traço dela: para uns,
as pernas ou a bunda, ou certo brilho no
olhar ou nos cabelos, o contorno de um
seio ou, ainda, certo modo de se trajar.
Para outros, será uma determinada forma de se sentar, de vestir-se, uma determinada modulação da voz. É este
“objeto”, que pode se recortar do corpo dela, que causa o desejo dele. Falo,
aqui, de desejo e não de amor, este referindo-se ao ser por inteiro.
Certamente há algumas feministas para
denunciar o que chamam redução da
mulher a objeto. Mas muitas, sem se enganarem, prestam-se e mesmo fingem
ser esse objeto que causa o desejo do
parceiro. Elas sabem o poder que aí detêm. Mas o poder feminino sobre a ca-
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pacidade do cônjuge de provar sua virilidade é, com efeito, ainda maior. Ele depende de um segundo elemento que deve
encontrar em sua companheira, e isto
nem todas sabem.
Para que ele possa manter erguido seu
desejo, o homem tem necessidade de
crer que, aos olhos de sua companheira, ele é provido de um valor fálico – um
valor de potência positiva – do qual ela
estaria privada – e que, por isso, visaria
nele. Esta potência suposta pode assumir diversas formas imaginárias: se ele
for mais rico que ela, se tiver prestígio
ou um status social que possa lhe permitir supor a admiração dela, ei-lo assegurado. Poder dar-lhe filhos pode, temporariamente, fornecer-lhe uma prova de
sua potência e, além do mais, lhe dá um
prazo de um ou dois anos para as demandas que pode temer que sua companheira lhe faça. Ele a cala, enchendo
seu buxo, diz-se popularmente.
um filho, ei-lo reduzido a ter de comprovar sua falicidade unicamente em termos de seu órgão erétil. Este órgão,
mesmo que imaginarize para muitos a
função fálica, não é senão um de seus
avatares e inclusive um dos mais frágeis.
Intimado a sozinho comprovar a existência dessa potência, pode enfraquecer-se
ainda mais. Por não conseguir conciliar
as coisas, o homem cinqüentão pode
conhecer panes que, sem serem andropausa propriamente dita, correspondem
a um aumento do tempo de carência entre duas ereções. É quando consulta o
andrologista para se queixar, com freqüência, de que sua mulher não apenas
espera dele provas corporais de seu desejo, mas que, além disso, ele deve se
mostrar capaz de fazê-la gozar vaginalmente. Ironia do destino! Ela, que antes
parecia preferir os jogos preliminares, só
pensa em ser penetrada!
PARA O HOMEM, QUANDO NÃO MAIS HÁ
ELEMENTO PERVERSO, O DESEJO FALTA
O PONTO DE VISTA DO PSICANALISTA
Acontece – e cada vez mais hoje em dia
– de uma mulher não mais conseguir significar, para seu cônjuge, que, a seus
olhos, ele tenha falo. A independência financeira que ela tem tira do dinheiro do
marido o valor de um falo imaginário do
qual estaria provido e ela seria faltante.
A carreira dela a leva a receber tantas
honrarias se não mais que ele. Não é
também, pois, o reconhecimento social
que pode encarnar imaginariamente a
presença do falo no campo dele. Sua
mulher não mais podendo receber dele
LADO FEMININO:
Não é somente para estarem seguras que
certas mulheres se tornam mais demandantes nesse momento de suas vidas. É
provável que, para algumas, o fim de seu
papel materno ou, em todo caso, o fim
da possibilidade de dar à luz permite-lhes
redescobrir ou mesmo descobrir o desejo sexual por seu parceiro. Sua recusa do feminino, ou seja, sua recusa do
gozo vaginal, parece atenuar-se no momento em que fazem o luto de serem
mães, concomitante a um determinado
luto de suas próprias mães. Ei-las, enfim, aptas a receberem o marido-aman-
O Viagra na gaveta
te que vai penetrá-las e levá-las aos céus
com um gozo que, finalmente, vem entreabrir-se para elas.
Mas quando o marido não tem mais,
diante delas, outra prova de sua potência
fálica para fornecer que aquela – bem
magra – das performances de seu órgão
erétil, ele pode ser tomado por temores.
Mesmo que elas nem sempre o levem à
impotência, ele tenderá a evitar as mulheres face a quem tem o sentimento de
que sua potência fálica vai se medir, essencialmente, em termos de suas performances eréteis. Uma piada americana,
reproduzida pelo seríssimo jornal Le
monde1, resume perfeitamente esta situação: “Um marido está aterrorizado por
não encontrar a mulher em casa uma
hora após ter ingerido Viagra. — Tente
com a empregada, aconselha-o o médico.— Mas com ela nunca tive problemas,
redargüe o paciente muito irritado...”
É assim que encontramo-nos, na França, com o mesmo número de homens
e mulheres sozinhos aos cinqüenta, com
as mulheres tendo em média o bac2
mais cinco e os homens sozinhos da
mesma idade, o bac menos cinco.
Estes números já corroboram o que acabamos de dizer sobre a necessidade,
para que o desejo possa funcionar, da
presença deste elemento positivado do
falo. A este elemento, como analistas,
chamamos perverso mesmo que indis-
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pensável. É preciso que exista. Se ela o
tem, isto dá medo, principalmente para
os homens de idade madura. Sabe-se que
homens mais jovens têm freqüentemente muito menos medo destas mulheres no
topo de suas carreiras. Eles não temem
ainda falhar em sua virilidade. As marcas de sucesso social desta mulher madura não têm, pois, razão de assustá-lo,
muito pelo contrário. Mas para o homem
cinqüentão, graças ao Viagra, talvez isto
possa vir a ser igual.
O VIAGRA NA GAVETA
É aí que o Viagra pode virar a situação.
Se estiver seguro, como um jovem, de
poder fazer prova de sua potência viril,
terá menos medo e ela poderá novamente
se sentir desejada – à condição de que
saiba que o Viagra sustenta o desejo, mas
não o cria de forma alguma. Ela poderá,
então, reencontrar o prazer no jogo de
sedução. Se ela gozar, melhor! Ele verá
no olhar de sua companheira as provas
de sua falicidade. É provável que bastante
rapidamente o Viagra possa – nos casos de
que falamos – ter os mesmos efeitos apenas ficando na gaveta, mas ao lado da cama.
Poder-se-ia, então, esperar que os encantos ardentes do verão indiano em uma
mulher cessem de inquietar seu parceiro e que ele possa segui-la em direção
ao outono saboreando seus frutos? Afinal, só há colheita no outono. „
1. Le monde de 14.10.98.
2. Baccalauréat é um exame que corresponde ao encerramento do 2o grau ou ao nosso vestibular. Bac mais cinco corresponde a mais cinco anos de escolaridade, assim como bac menos
cinco são menos cinco anos.