Volume 11. Relações sociais de género e raça

Transcrição

Volume 11. Relações sociais de género e raça
R E L A Ç ÕE S
S O C I AI S
D E G É ER O
E R A ÇA
RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias
VOLUME 1. ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMAOS E CIDADAIA
VOLUME 2. COSUMOS, LAZERES, MODOS E ESTILOS DE VIDA
VOLUME 3. DESEVOLVIMETOS E SUSTETABILIDADE
VOLUME 4. EDUCAÇÃO, SABERES E CULTURAS
VOLUME 5. GOVERAÇA DE TERRITÓRIOS E DE CIDADES ITERMEDIÁRIAS
VOLUME 6. ISEGURAÇA, VIOLÊCIA E CRIME
VOLUME 7. MERCADOS DE TRABALHO E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: MOBILIDADES E FLUXOS
VOLUME 8. MORFOLOGIA SOCIAL E DIÂMICAS DAS CIDADES ITERMEDIÁRIAS
VOLUME 9. MOVIMETOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO
VOLUME 10. POLÍTICAS PÚBLICAS E DESIGUALDADES
VOLUME 11. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉ%ERO E RAÇA
VOLUME 12. SAÚDE, SISTEMAS DE SAÚDE E CORPO
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
FICHA TÉCNICA
TÍTULO:
Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias
AUTORES:
Vários
COORDENADORES:
Balsa, Casimiro
Rodrigues, Luciene
Cardoso, Antônio Dimas
Soulet, Marc-Henry
COMISSÃO DE LEITURA:
Albuquerque, Cristina
Balsa, Casimiro
Boneti, Lindomar
Cardoso, Antônio Dimas
Diogo, Fernando
França, Iara Soares de
José, São José
Macedo, Luiz António
Maia, Rosemere
Martins, Luci Helena
Nofre, Jordi
Olímpio, Marcos
Paula, Andréa Rocha de
Pires, Iva
Rodrigues, Luciene
Vaz, Domingos
APOIO À EDIÇÃO:
Vital, Clara
Sampaio, Leonor
ISBN: 978-989-20-4086-8
Lisboa, 2013
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
ÍDICE
ÍDICE ........................................................................................................................................................ 4
AÇÕES EXTESIOISTAS JUTO A COMUIDADES PERIFÉRICAS: o programa de extensão
Comunidades FURG e a cidade de Rio Grande .......................................................................................... 5
Ricardo Henrique Ayres Alves
Jean Tiago Baptista
Treyce Ellen Silva Goulart
Tony Boita
POLÍTICAS PÚBLICAS O ATEDIMETO À MULHER O MUICÍPIO DE TOLEDO, BRASIL
(2005 A 2012) ............................................................................................................................................ 18
Kátia Silveira Barros
Crislaine Colla
Lucir Reinaldo Alves
IMPACTOS DA ISERÇÃO DE MULHERES EM OCUPAÇÕES COSIDERADAS MASCULIAS:
frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG ........................................................................... 41
Maria da Luz Alves Ferreira
VIOLÊCIA COTRA A MULHER: (des) encontros terminológicos e conceituais ................................. 65
Ângela Fernanda Santiago Pinheiro
Sarah Jane Durães
DESIGUALDADE SOCIAL E GÊERO O BRASIL: considerações sobre velhas e novas exclusões
sociais ........................................................................................................................................................ 79
Ângela Fernanda Santiago Pinheiro
Sarah Jane Durães
“TRASGRESSÃO” DE GÉERO E OS LIMITES DA TOLERÂCIA: prostituição, violências e
vulnerabilidade social ............................................................................................................................... 97
élson Ramalho
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
AÇÕES EXTESIOISTAS JUTO A COMUIDADES
PERIFÉRICAS:
o programa de extensão Comunidades FURG e a cidade de Rio Grande
Ricardo Henrique Ayres Alves
Universidade Federal do Rio Grande – FURG
[email protected]
Jean Tiago Baptista
Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Treyce Ellen Silva Goulart
Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Tony Boita
Universidade Federal de Pelotas - Ufpel
Resumo
O programa de extensão universitária Comunidades + FURG (COMUF) é uma iniciativa extensionista na
Universidade Federal do Rio Grande que visa atender as demandas de grupos periféricos da cidade de Rio
Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. A cidade caracteriza-se por uma situação de grandes diferenças
sociais. Este artigo trata dos seguintes programas: Quilombolas Somos nós, que prevê a pesquisa
documental e oral e o auxílio ao coletivo de estudantes negros da FURG – Macanudos, além da criação de
uma política de vagas para estudantes quilombolas na FURG. Os esforços dos extensionistas em conjunto
com o interesse comunitário resultaram no autorreconhecimento e na fundação da comunidade
quilombola dos Macanudos, na Quintinha; na realização da I Roda de Memórias Quilombolas;
levantamento de fontes áudio visuais que comporão o Dossiê Nosso Patrimônio Quilombola e na criação
de vagas específicas para membros das comunidades remanescentes de quilombos, de todo o Brasil. O
projeto Kaingang's no Cassino, que também faz pesquisa documental e oral, e apoio aos estudantes
indígenas na universidade, e tem realizado esforços a fim de garantir a venda de artesanato de indígenas
da região de Iraí. Memória e Resistência LGBT, que trabalha junto ao grupo de lésbicas, gays, bissexuais
e transgêneros bem como através da pesquisa documental e oral além de apoiar o Coletivo Camaleão.
Palavras-chave: Extensão universitária, Comunidades periféricas, Rio Grande
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Introdução
O Programa de Extensão em Defesa do Patrimônio Comunidades + FURG
(COMUF), a partir do segundo semestre de 2010, tem atuado junto aos grupos
comunitários da região sul do Estado do Rio Grande do Sul, tendo atuado
prioritariamente nas áreas periféricas e distritos de Rio Grande (Taim, Povo Novo,
Quinta, Ilha Lagunares de Rio Grande: Marinheiros, Torotama e Leonídio) além de
municípios relacionados, como São José do Norte, Iraí, São Miguel das Missões,
Mostardas, Olhos d’água e Povo Novo.
O Programa – coordenado pelo Professor Doutor Jean Baptista, que leciona nos
cursos de História da Universidade Federal do Rio Grande, a FURG – é elaborado a
partir das demandas levantadas junto aos mais diversificados grupos moradores da área
citada e é composto por acadêmicos provenientes ou que possuam noções de
pertencimento junto às regiões nas quais são estabelecidos espaços de ações-pesquisasações. Nos anos de 2012 e 2013, as atividades extensionistas propostas e efetuadas
foram e serão financiadas pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – por meio do
Programa de Apoio à Extensão Universitária, o PROEXT.
A cidade com quase 200 mil habitantes caracteriza-se por uma situação de
significativas desigualdades sociais entre suas populações e enfrenta hoje um processo
de crescimento rápido devido à construção de plataformas de petróleo em seu porto.
Conforme recente artigo elaborado pelo professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Flávio Tosi Feijó e a economista Danielle Trindade Madono,
Desde meados de 2006 a cidade do Rio vem atraindo inúmeros investimentos devido à
implantação do polo naval. Se, por um lado, esses investimentos estimulam a economia
do sul do Estado, por outro lado, também trazem mudanças significativas na sua rotina
causando alterações estruturais e sociais. A cidade do Rio Grande começa a apresentar
gargalos na sua infraestrutura, uma vez que em função do aumento populacional
ocasionado pela migração causada pelas oportunidades de emprego no polo naval, o
município começa a exibir déficits em alguns serviços. Já se pode observar uma pressão
de demanda por serviços habitacionais, o que acaba tornando a oferta de imóveis
insuficiente, inflacionando assim o mercado imobiliário de Rio Grande. Pode se notar
também uma precariedade no sistema de saúde e um tráfego urbano intenso, visto que,
o número de veículos em circulação tem aumentado consideravelmente. Soma-se a isso
a posição geográfica da cidade, que é delimitada lateralmente por águas, o que dificulta
o crescimento da mesma em termos físicos. Conforme Mazui (2010), em vinte anos Rio
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Grande estará mudada. Como a cidade nasceu comprimida numa península da Lagoa
dos Patos, só poderá crescer em direção a Pelotas e também no sentido sul. (Feijó &
Madono, 2012: 2)
Agregado aos pontos de análise citados pelos autores está o discurso sobre o
investimento de cerca de 14 bilhões de reais destinados ao município. Entretanto, faz se
necessário questionar em que sentido os investimentos trarão desenvolvimento e, se o
promoverem, a quem de fato favorecerá este processo. O que se verifica até o momento
é que o desenvolvimento econômico não resulta necessariamente em melhor
distribuição de renda ou qualidade de vida para a população em geral. No que tange às
populações distritais e periféricas, localizadas nas regiões em direção às quais,
conforme apontado pelos autores, a cidade crescerá, essas estão ameaçadas em seus
modos tradicionais de produzir saberes. Por essa razão, torna-se imperativo que as
Universidades, executando o seu compromisso social, atentem para tais populações
extremamente fragilizadas pelo crescimento econômico e demográfico sofridos pelo
município desde 2006.
O Programa COMUF, em defesa do Patrimônio Comunitário, tem manejado os
conceitos de educação não formal, pesquisa-ação e comunidade. No que se refere à
primeira categoria utilizada, podemos apontar os escritos da professora Maria Glória
Gohn, que elucida as diferenças existentes entre educação formal, não formal e informal
e suas especificidades. Podemos apreender que a prática da educação não formal da qual
nos apropriamos possibilita uma inversão da postura tradicionalmente utilizada pelos
pesquisadores. A extensão sob este viés aponta para a noção de que o educador é o
“outro”, as comunidades com que interagimos cotidianamente e que são as detentoras
de seus saberes. Gohn afirma que:
O método nasce a partir da problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a
partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou
ações empreendedoras a serem realizadas. [...] O método passa pela sistematização dos
modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto no
campo do simbólico, das orientações e das representações que conferem sentido e
significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que
participam. (Gohn, 2006: 31).
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Tal abordagem confere à atividade de pesquisa e extensão o caráter dinâmico de
troca, estabelecimento de elos e relações de reciprocidade e confiança. Para tanto, é
imprescindível que exista, também por parte dos membros comunitários atendidos,
motivação e participação efetiva nas atividades dos projetos que compõem o Programa.
A aplicação desta metodologia tem tornado possível o cumprimento e atualização das
demandas apresentadas pelas distintas comunidades da região assim como a produção
de conhecimento acadêmico baseado em uma metodologia não hierarquizada e
participativa. Dessa forma, partimos da criação de um conhecimento universitário para
o pluriversitário. (Santos, 2008: 67).
Boaventura Souza dos Santos descreve as crises enfrentadas pela Universidade
no final do século XX, as quais ocorreram inicialmente no âmbito dos questionamentos
sobre o papel atribuído à Universidade cujos saberes, restritos e tradicionais, já não
atendiam às necessidades estatais. Assim o Estado passa a recorrer a outras instituições
produtoras de conhecimento, ocasionando a primeira crise, de hegemonia. Ao mesmo
tempo, ocorria o processo de exigências sociais e políticas para que o espaço acadêmico
deixasse de ser restrito e fosse democratizado, levando à segunda crise, de legitimidade.
Por fim, durante a terceira crise, institucional, existiam as contradições entre a produção
autônoma de conhecimentos e objetivos da instituição universitária em contraposição
com a pressão crescente à submissão a critérios de produtividade empresarial ou de
responsabilidade social.
O momento descrito acima é caracterizado por Boaventura como o momento de
produção de um conhecimento universitário, consensual e homogêneo que a “sociedade
aplica ou não, uma alternativa que, por mais relevante socialmente, é irrelevante para o
conhecimento produzido” (Sousa, 2008: 29). A desestabilização causada pelas crises
citadas colaborou na emergência de um outro modelo de conhecimento pluriversitário,
cuja produção “pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou confronto
com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais
adequado a ser produzido em sistemas menos perenes e de organização menos rígida e
hierárquica” (Sousa, 2008: 29-30).
O atual panorama aponta para a execução de atividades de extensão que se
aproximem deste viés. Os pesquisadores extensionistas devem, portanto, estar atentos às
questões do entorno; dispostos a colaborar na resolução dos problemas causadores da
exclusão e discriminação, atendendo a grupos histórica e socialmente marginalizados. A
dinâmica estabelecida por este olhar atento às demandas sociais propicia a aplicação da
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metodologia de pesquisa-ação a qual consiste na definição e execução participativa nos
projetos. No que se relaciona ao Programa Comunidades FURG, temos apropriado tais
métodos, ampliando seu significado, ao promover nas regiões selecionadas espaços de
ação, que envolve levantamento das demandas comunitárias. O segundo passo é a
execução de pesquisas que apontem para a resolução dos problemas apontados pelas
comunidades como urgências ligadas à proteção de seus patrimônios materiais e
imateriais. A partir dos resultados obtidos – os quais são acompanhados e partilhados
entre todos os agentes envolvidos na ação, sejam pesquisadores extensionistas ou
comunidades – as demandas são atualizadas, ocasionando novas ações.
Salientamos desta forma a atuação protagonista das comunidades nas atividades
que lhes afetam e que esta postura está balizada em tratados nacionais e internacionais
dos quais o Brasil é signatário. A Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho e a Declaração oriunda da Conferência de Durban, em 2001, asseguram a
consulta prévia assim como a garantia de promoção dos direitos das populações
historicamente discriminadas. Os pressupostos expostos nos documentos elencados,
entre outros, foram considerados na confecção da Carta das Missões, elaborada pelo
Grupo de Trabalho formado a partir da Rede de Pontos de Memória e Iniciativas
Comunitárias em Museologia Social do Rio Grande do Sul – REPIM/RS. A partir das
discussões promovidas por representantes de comunidades, entre eles, intelectuais,
ativistas no campo da Museologia Social do Rio Grande do Sul, além de membros da
equipe técnica do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram/MinC, foi elaborado o
conceito de comunidade apropriado pelos membros do COMUF. Assim, o GT
constituído estabeleceu que:
A Rede de Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias do Rio Grande do Sul
(REPIM-RS) entende por comunidades grupo ou grupos de pessoas em situação de
vulnerabilidade social unidas por vínculos históricos relacionados a aspectos
territoriais, étnicos, culturais e/ou de gênero, em especial quando movidas ou
organizadas em prol da defesa e promoção do Direito à Memória e à História, assim
como a outros tópicos dos Direitos Humanos e Culturais [...].(Carta das Missões, 2012)
O conceito de comunidade construído a partir do II Encontro da REPIM/RS e
aqui transcrito denota a existência de um sentimento de pertença dentro dos grupos
formados o qual se desdobra na organização em prol da efetivação de políticas públicas
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estatais assim como na defesa dos Direitos Humanos por meio do empoderamento dos
membros comunitários engajados em uma luta comum.
Comunidades indígenas: apoio à logística de vinda das famílias Kaigang para a
venda de artesanato
Anualmente, famílias Kaigang se deslocam da região de Iraí para a venda de
artesanato no Cassino, 2º subdidstrito de Rio Grande. A partir do segundo semestre de
2010, o Programa COMUF estabeleceu contatos com as famílias provenientes de Iraí a
fim de acompanhar o trajeto realizado anualmente por essas. Além disso, por meio de
bolsistas remunerados e voluntários, foi realizada pesquisa junto à comunidade
moradora do Cassino para verificar quais as noções apresentadas por estes grupos frente
à presença dos indígenas em Rio Grande. Nas falas dos rio grandinos registradas é
possível verificar o sentimento de aversão à vinda das famílias e a ideia de que “eles não
são daqui”. Essa postura ocasiona o ambiente de tensão no qual os indígenas convivem
durante sua estadia no Cassino. A fim de salvaguardar o deslocamento Jê anual em
busca de subsistência no litoral, o Programa COMUF, em conjunto com os estudantes
indígenas Kaigang acadêmicos da FURG, passaram a atuar no aporte logístico do
deslocamento das famílias indígenas para a venda do artesanato durante o veraneio que
garante tanto a sobrevivência física quanto a preservação de uma prática histórica
fundamental para a manutenção de caros saberes indígenas. O mapeamento das
condições de venda de artesanato e habitação vivenciadas pelas famílias resultou na
intervenção junto à Prefeitura e ao Ministério Público, resultando na construção de
casas em um acampamento de veraneio, localizado no Horto, próximo ao local de venda
dos artigos artesanais.
A Universidade Federal do Rio Grande, desde o ano de 2010 criou o Programa
de Ações Inclusivas (PROAI) que, entre outros grupos, promoveu a entrada de
estudantes indígenas na Instituição. A princípio foram criadas 5 vagas, das quais 2
foram ocupadas
nos cursos de Medicina e Enfermagem, por estudantes indígenas
aldeados egressos do ensino médio. No ano de 2012, foi realizado na cidade de Rio
Grande, o Fórum Nacional de Educação Superior Indígena, 17 e 18 de maio de 2012,
que contou com David Copenawa, Mauricio Yekuana, Augusto Kaingang, estudantes
indígenas de distintas etnias e universidades do estado e a FURG para discutir o
aperfeiçoamento do PROAI. A partir do ano de 2013, as vagas foram ampliadas para 10
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
distribuídas entre os cursos de Ciências Biológicas - Licenciatura, Direito (Manhã),
Educação Física, Engenharia Civil, Enfermagem, Geografia – Licenciatura, História –
Licenciatura, Medicina, Pedagogia (Manhã) e Psicologia.
Comunidades distritais e periféricas: famílias tradicionais negras e comunidades
quilombolas
O Brasil foi o último país a abolir, em 1888, a escravidão das populações negras
transmigradas do continente africano. Desde a ocupação territorial, em 1532, até a
abolição no século XIX, nosso país teve práticas escravistas (Maestri, 2001). Durante o
período
escravocrata foram
transmigradas
quantidades
imensas
de famílias,
comunidades e tribos de origem africana para cá, o que, como apontam diversos autores
especializados no tema, influenciou diretamente na formação étnica e cultural da
população brasileira. O panorama existente no século XIX nos é apresentado por Walter
Fraga na seguinte passagem:
[...] o número de cativos foi sempre representativo no conjunto da população brasileira,
sobretudo nas regiões que exportavam gêneros tropicais. No início do século XIX, o
Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas.
Em algumas partes do país, o número de escravos chegou a superar o de pessoas livres.
(Fraga, 2009: 45)
Após a proibição do tráfico transcontinental, se intensifica o tráfico
interprovincial. No Rio Grande do Sul da segunda metade do século XIX, encontramos
municípios em que a população de trabalhadores negros escravizados superava ou quase
se equiparava ao número de homens e mulheres livres. Por exemplo, no primeiro
distrito de Piratini, em 1858, a população cativa era de 1317 enquanto que a de livres
era de 1938, da mesma forma no primeiro distrito de Pelotas, havia 3977 livres e 2213
mulheres e homens cativos (Maestri, 2001).
A abolição da escravatura, ocorrida em fins do século XIX foi motivada
principalmente pelas mudanças sócio-econômicas pelas quais passava o Brasil. O país
precisava modernizar-se e nesse momento o escravizado passa de produto a entrave para
o desenvolvimento do país. O processo foi iniciado décadas antes, a partir da
urbanização e consequente venda e envio de homens e mulheres negras para regiões
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rurais, assim como foi intensificado com a política de massiva imigração de europeus os
quais receberam porções de terra e passaram a cultivá-las enquanto colonos. Nesse
sentido, quando em 1888 foi abolida a escravidão de forma oficial1, o número de cativos
era pouco representativo.
Com tal composição populacional e desumanas práticas de exploração seculares
sobre as populações escravizadas, essas buscaram por diversos meios resistir ao sistema
imposto. Revoltas, homicídios, destruição de propriedades e ferramentas de trabalho,
suicídios e fugas eram formas de resistência. As fugas, individuais ou em massa, eram
recorrentes e ocasionavam a criação de regiões geralmente de difícil acesso e que
abrigavam os escravos fugidos. Esta é a definição clássica de quilombos, que remete ao
famoso caso de Palmares e à figura de Zumbi.
O conceito de quilombo referenciado acima se diversificou. Há historiadores
como João José Reis que apontam a proximidade de alguns quilombos a regiões
urbanizadas. O autor aponta para a existência de redes de comunicação e troca que
garantiam tanto o abastecimento do quilombo quanto o recebimento de informações que
possibilitavam a ciência de eminentes ataques promovidos pelas autoridades da época
(Reis, 2009). Atualmente, presenciamos, enquanto pesquisadores, a existência de
quilombos que remetem sua formação ao período escravocrata e que seguem
reproduzindo práticas ancestrais e meios de organização distintos. No Brasil, o decreto
4.887/03 oficializa o conceito de quilombola enquanto,
Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins
deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
1
As leis abolicionistas promulgadas a partir da segunda metade do século XIX, oficialmente libertavam
os escravizados pertencentes a determinadas categorias. Foi o caso da Lei do Ventre Livre, aprovada em
1871 que concedia indenização aos senhores de escravos no valor de até 600$000 ou de usufruir de seus
serviços até os 21 anos de idade. Outra lei abolicionista, de número 3270, conhecida como Lei dos
Sexagenários, libertava homens e mulheres escravizados que chegassem a idade de 60 anos, pelos quais
seus ex senhores eram indenizados. O caráter oficial de ambas as leis exemplificadas aponta para a
manutenção dos privilégios aos senhores de escravos, que, no caso da Lei do Ventre Livre, estarem
assegurados no direito de continuar explorando a mão de obra destes filhos de escravizadas até a
maioridade invalidando o conteúdo expresso na lei. Sobre os Sexagenários, o que se apreende é que
legisla a favor dos senhores, já que esses, além de ficarem isentos de quaisquer responsabilidades sobre a
sobrevivência dos anciões ainda recebia indenizações e abonos de dívidas. Além disso, é relevante
salientar que com a gradual libertação dos cativos, surge a figura dos criados, os quais eram em geral ex
escravos que eram submetidos a práticas muito semelhantes às da escravidão. Elucida-se dessa forma que
a oficialidade, de fato, camufla a realocação que o sistema escravocrata sofre a fim de preservas suas
práticas de subjugação das populações negras no Brasil.
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de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
(Decreto 4887/03, art. 2º)
Nesses termos, terras quilombolas são descritas como aquelas sobre as quais os
remanescentes de quilombos se estabelecem a fim de promoverem suas práticas
culturais e que são utilizadas para “reprodução física, social, econômica e cultural”
(Decreto, 2003). O Brasil possui 1800 quilombos reconhecidos pela Fundação Cultural
Palmares, dentre esses, 80 atestados emitidos foram destinados ao Rio Grande do Sul.
Na região em que está inserida a Universidade Federal do Rio Grande, a FURG,
existem mapeadas 23 terras de quilombo.
A partir de 2011, o programa COMUF passou a executar o projeto Quilombolas
Somos Nós criado a fim de atender à demanda apresentada pela senhora Maria da Graça
Amaral. A servidora aposentada da Universidade, durante muitos anos expôs que a sua
família apresentava características específicas de uma comunidade quilombola,
entretanto nenhum trabalho historiográfico extensionista havia sido realizado até então.
A partir de uma ação de visita à senhora Maria Amaral, a mais idosa dentre as
matriarcas da família, foram suscitadas diversas demandas de registro áudio visual,
pesquisa histórica e reconhecimento da comunidade enquanto remanescente de
quilombo. É importante salientar o caráter de reivindicação de direitos, presente nas
questões apontadas pelos quilombolas.
A partir desta visita ocorrida em abril de 2011, o grupo de extensão passou a
visitar rotineiramente a família Amaral, moradores da Quintinha, na Vila da Quinta, 5º
distrito de Rio Grande. Os relatos produzidos pelos familiares atentam para a vinda de
Recife, Estado de Pernambuco, de uma mulher escravizada chamada Maria B’gala que
aqui deu início à família dos Amaral, conhecida e reconhecida no município como
Macanudos. A família, durante extenso período, habitou a região da Quitéria, zona rural
da Vila da Quinta, que foi sendo ocupada gradativamente pela dita elite social da época.
A partir de então se estabelecem tensões e movimentações imprecisas que foram
intensificadas nos anos 1980 as quais levam à saída de suas terras. É nesse sentido que o
Programa tem atuado junto às mulheres da família, as quais tomaram a frente do
processo e tem acompanhado e promovido as ações de extensão junto ao restante dos
familiares. Podemos apontar dois momentos cruciais para o andamento das atividades e
envolvimento amplo de agentes, protagonistas comunitários: a Roda de Memórias
Quilombolas e a Assembleia Geral Quilombola.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
A primeira atividade contou com a presença de membros das famílias
tradicionais negras: os Amaral da Vila da Quinta e os Amaral do Arraial em Povo
Novo, 3º Distrito de Rio Grande, além do coordenador do Programa, acadêmicos dos
cursos de História e de Museologia Social, ativistas pesquisadoras do campo de
museologia social e museus comunitários. O momento propiciou a troca de histórias de
cada família assim como a rememoração de lembranças partilhadas durante a infância
comum. Apreendemos que, por meio deste encontro, a identidade quilombola foi
fortalecida e apontada como algo a ser valorizado pelos próprios quilombolas. A
segunda ação foi executada a fim de garantir o passo primordial que dá início aos
processos de titulações concedidas pela Fundação Palmares: o auto reconhecimento, em
Assembleia Geral que conte com a totalidade ou maioria dos membros comunitários.
Assim, em 22 de julho de 2012, fez-se o registro em ata da Assembleia na qual foi
fundada oficialmente a Comunidade Quilombola dos Macanudos - primeiro quilombo
auto declarado de Rio Grande/RS. Tais ações aliadas ao andamento da pesquisa
documental e realização de entrevistas não diretivas, tornaram possível o levantamento
de informações suficientes para justificar a solicitação de reconhecimento por parte da
Fundação Cultural Palmares da comunidade quilombola dos Macanudos. Atualmente,
estamos em processo de agendamento da visita da FCP à Rio Grande para que seja
emitido o título.
Dentre as demandas trazidas a tona pelo acompanhamento da comunidade
quilombola dos Macanudos, foi reafirmada a necessidade apontada pelas comunidades
quilombolas presentes no X Acampamento Regional de Cultura Afro que ocorre
anualmente na região de São Lourenço/RS da criação de um processo diferenciado de
entrada dos quilombolas no Ensino Superior. A partir de então o professor Jean Baptista
e acadêmicos bolsistas passaram a percorrer determinadas comunidades da metade sul
do Estado. As demandas levantadas nas visitas aliadas à pesquisa foram compiladas no
Relatório “Geração de vagas específicas para candidatos provenientes de comunidades
quilombolas” na FURG. A solicitação justifica-se uma vez que no ecossistema costeiro
no qual a FURG está localizada existem 23 comunidades quilombolas reconhecidas pela
FCP. Além disso, a iniciativa torna-se mais relevante na medida em que no Brasil
ocorreu o avanço por meio da aprovação da lei 12.711/2012 que institui o sistema de
cotas sociais com recorte racial nas Universidades Públicas. Entretanto, as comunidades
tradicionais não foram contempladas em suas especificidades. O Relatório aponta para
as lacunas de aprendizagem e falta de oportunidades de ensino condizentes com a
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
realidade rural e quilombola. Além disso, não podemos perder de vista as características
herdadas do período escravocrata que ainda se fazem presentes tanto para a comunidade
negra em geral, quanto para os remanescentes de quilombo. Sendo assim, faz-se
necessária a geração de um processo específico de entrada para estas populações.
Novamente, a Universidade atendendo aos tratados internacionais citados anteriormente
promoveu a consulta prévia às seis comunidades quilombolas que se fizeram representar
em encontro no Campus Universitário. Foi acordado entre as comunidades que as cinco
vagas criadas pela FURG, seriam alocadas nos cursos de História Licenciatura,
Medicina, Enfermagem, Direito e Psicologia. A avaliação, aprovação e defesa das vagas
específicas junto aos Conselhos Universitários garantiram a criação das vagas
específicas para estudantes egressos do ensino médio e provenientes de comunidades
quilombolas.
Comunidade LGBT
No que diz respeito à atuação do grupo junto as questões LGBT podemos pensar
na definição da sexualidade elaborada por Michel Foucault. O teórico pensa a mesma
como um dispositivo, onde diversas relações de poder se estabelecem de forma
complexa: as relações de poder se estabelecem em diferentes direções: o oprimido pode
exercer poder em relação ao opressor e vice-versa. Na verdade, o próprio uso de
palavras como opressor e oprimido já se situa em um campo de ambigüidades.
Para Foucault, o fato de existir a repressão da sexualidade atesta a sua
importância. “Para saber quem és, conheça teu sexo. O sexo sempre foi o núcleo onde
se aloja, juntamente com o devir de nossa espécie, nossa “verdade” de sujeito humano.”
(FOUCAULT, 2010: 229). Assim, em uma sociedade heteronormativa, os
homossexuais se encontram a deriva, pois configuram um desvio.
O trabalho do COMUF no eixo LGBT se desenvolveu a partir da vivência
universitária. A constatação da existência de episódios de discriminação no campus da
universidade pôde ser percebida através, por exemplo, de textos que pregam o
preconceito em virtude da orientação sexual, escritos nas portas dos banheiros, tanto
femininos quanto masculinos.
Através do grupo, surgiu o debate da criação de uma disciplina de história da
homofobia. Em maio de 2011 uma roda de conversa reuniu alunos, funcionários e
professores de diversos cursos e setores da universidade, bem como de membros
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
externos à mesma. Este foi um momento de articulação muito importante para o
movimento, onde pessoas que compartilhavam das mesmas lutas puderam colocar suas
ideias para o grande grupo.
No dia 28 de junho, Dia mundial do orgulho gay, foi realizada uma manifestação
em conjunto com a comunidade universitária no Centro de Convivência, local de grande
fluxo de pessoas no campus. O evento focou-se na confecção de uma bandeira com as
cores do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, que junto de cartazes de denúncia da
violência por discriminação sexual e de fotos de pessoas importantes para o meio LGBT
ocupou o espaço acadêmico. Também se procedeu a recolha de assinaturas em favor de
duas petições: o PLC 122, projeto de lei que criminaliza a homofobia, e a outra dirigida
a reitoria da universidade solicitando posicionamentos e atenção á causa LGBT. A ação
tomou grandes proporções, contando com o auxílio de diversos membros da
comunidade acadêmica que inclusive, participaram da construção da bandeira.
Obviamente, a ação não passou despercebida por aqueles que discriminam os
LGBT. Chama a atenção o tempo que a bandeira permaneceu no centro de convivência:
apenas um dia. Ela foi encontrada no lixo e mesmo tendo sido posta em seu lugar
novamente, mais uma vez foi retirada e desapareceu. Este episódio chama a atenção
para a existência do preconceito na universidade assim como as pichações
anteriormente citadas, de forma a organização de um movimento começou a ser
percebida. A partir daí, o COMUF pode contar com a parceria do Camaleão – Coletivo
universitário de diversidade sexual e igualdade de gênero. Um dos momentos dessa
parceria foi a participação do evento Geribanda, que ocorre anualmente na FURG. Foi
desenvolvida uma instalação artística que evocava a metáfora do armário, assim como
oficinas e espaços de debate e uma apresentação de teatro fórum. Neste evento
participaram também os outros eixos do Programa.
O COMUF apoiou o processo de adoção do nome social de travestis e
transexuais e participou das discussões sobre a sua implementação junto à universidade,
que já havia sido enviado pelo grupo de pesquisa sexualidade e Escola – GESE e a
implementação da disciplina Gênero e sexualidade nos Espaços educativos (optativa)
para todas as licenciaturas.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Considerações Finais
O Programa Comunidades FURG em Defesa do Patrimônio Comunitário tem,
por meio da promoção do protagonismo, estabelecido espaços em que as comunidades
se empoderam no processo de luta cotidiana em prol da efetivação dos direitos
conquistados historicamente. Os membros comunitários durante um extenso período
tiveram seus saberes explorados e considerados enquanto objetos de estudos na
elaboração de um conhecimento hierarquizado, restrito e que permitia a alienação de
noções de responsabilidade social. Hoje, por meio da conquista e retomada dos espaços
de direito, quilombolas, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são os
agentes principais na construção de um conhecimento multivocal, plural, heterogêneo,
democrático e que não se circunscreve apenas no intramuros das Universidades. Pelo
contrário, os saberes produzidos devem promover a formação de universitários
engajados, conscientes de que fazem parte de uma comunidade, seja essa formada por
laços de parentesco, vínculos históricos relacionados a aspectos territoriais, étnicos,
culturais e/ou de gênero.
Bibliografia
FOUCAULT, Michel(2004). Não ao sexo rei in Microfísica do Poder, Rio de Janeiro:
Graal.
FRAGA, Walter; ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de (2009). Uma história da cultura
afro-brasileira. São Paulo: Moderna.
GOHN, Maria da Glória (2006). Educação não-formal, participação da sociedade civil e
estruturas colegiadas nas escolas. In: Ensaio: aval. pol. públ. Educ., v.14, n.50, p.
27-38, jan./mar.
MAESTRI, Mário (2001). O sobrado e o cativo: a arquitetura urbana no Brasil: o caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2008). A universidade no século XXI. Para uma
universidade nova. Coimbra: Edições Almedina.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
POLÍTICAS PÚBLICAS O ATEDIMETO À MULHER O
MUICÍPIO DE TOLEDO, BRASIL (2005 A 2012)
Kátia Silveira Barros
UNIOESTE/Campus Toledo.
[email protected]
Crislaine Colla
UNIOESTE/Campus Toledo
Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (GEPEC)
Lucir Reinaldo Alves
UNIOESTE/Campus Toledo
Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (GEPEC)
Resumo
Devido à ascensão econômico-político-social que a figura feminina teve ao longo dos últimos anos no
Brasil, diversas políticas públicas voltadas para a questão de gênero foram criadas em todo o país, e, para
a organização dessas políticas, foram criados órgãos de apoio, tais como Secretarias e Delegacias da
Mulher. No município de Toledo, no Estado do Paraná, houve a criação da Secretaria de Atendimento à
Mulher (SAM), em 2005. O objetivo desse artigo é coletar e analisar os dados referentes à implantação
dessa Secretaria, bem como sua influência sobre a Delegacia da Mulher, criada em 2010. Os
procedimentos metodológicos se deram a partir de uma revisão de literatura, de coleta e análise de dados
secundários, e realização de entrevistas. A análise dos resultados mostraram que os atendimentos e
encaminhamentos da SAM tiveram um aumento ao longo dos anos analisados (2005 à 2012). Além disso,
foi realizada uma entrevista com 55 mulheres de 20 à 60 anos, que demonstrou que essas mulheres
consideram a violência um grande problema na sociedade, informam que conhecem a Lei Maria da
Penha, porém não confiam totalmente na sua eficácia. Apenas 58% das mulheres conhecem a SAM, e
15% já a ela recorreram, sendo que o Programa de Casamento Coletivo foi o objetivo da procura para o
maior número de usuárias entrevistadas. Foi possível perceber que há uma necessidade de maior
divulgação da SAM e de seus programas além de um atendimento jurídico, psicológico, uma casa-abrigo
quando de casos de violência e uma rede de encaminhamentos para tal política pública ser mais eficiente.
Palavras-chave: Política pública, Questão de gênero, Violência contra a mulher, Secretaria de
Atendimento à Mulher em Toledo-PR
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
1. Introdução
Esta pesquisa refere-se ao estudo das políticas públicas voltadas para a questão
de gênero no Município de Toledo-PR. O Município em questão apresenta-se como um
dos pioneiros nessa área, com a implantação da Secretaria de Atendimento à Mulher
(SAM) em 2005. Além disso, em 2007 houve a reestruturação do Conselho Municipal
dos Direitos da Mulher e em 2010 a criação da Delegacia da Mulher. Assim, um estudo
mais profundo acerca da SAM tornará possível a análise dos benefícios que essa
Secretaria trouxe ao Município, sua influência sobre os demais órgãos, bem como as
defasagens existentes. Dentre os serviços prestados pela SAM é possível destacar
atendimentos, aconselhamentos e encaminhamentos, orientações jurídicas e propositura
de ações judiciais, além de cursos de capacitação profissional, palestras e campanhas
educativas, orientação e prevenção à saúde física e mental, que tem como objetivo a
prevenção da violência e o auxílio à questão de gênero, garantindo assim que não haja
discriminação das mulheres nos diversos âmbitos.
Segundo Ammann (1997), a desigualdade de gêneros desde as épocas mais
remotas é caracterizada pela dominação e exploração. Assim, desde o século XIX,
Marx, em "O Capital", volume I, capítulo VIII, denunciava “[...] jornadas de trabalho
mais longas, salários inferiores, padrões de sanidade intoleráveis, escravidão aberrante”
(AMMANN, 1997, p. 85) para as mulheres e as crianças, mostrando a discriminação e a
exploração sofridas por elas. Além disso, não era apenas na família e no trabalho que
elas sofriam violência, pois nos sistemas educacionais, culturais, religiosos, jurídicos e
morais também havia discriminação.
Diferentemente desse tradicional modelo baseado na divisão entre a “mulher
cuidadora” e o “homem provedor”, a igualdade de gêneros vem avançando dentro da
agenda pública. De acordo com Abramo (2010), desde os anos 1970 as mulheres em
geral passaram a participar do mercado de trabalho, sendo remuneradas, levantando
assim a questão do equilíbrio entre trabalho, família e vida pessoal. Esse dilema
inexistia anteriormente devido ao fato de que às mulheres era atribuída a
responsabilidade do âmbito doméstico. E a situação é mais difícil quando se considera o
fato de essa expressiva entrada das mulheres no mercado não ser acompanhada por um
aumento da participação dos homens nas responsabilidades domésticas e familiares,
mostrando assim que houve um aumento de obrigações para elas (Abramo, 2010).
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Dados mostram que pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada,
sofreu violência sexual ou alguma outra forma de abuso durante a vida por algum
agressor, que geralmente é membro de sua própria família (Mozzambani et al., 2011).
Apesar disso, a violência contra a mulher só é considerada na década de 1980, com a
implantação de programas para suprir as necessidades advindas da violência doméstica
e sexual. Mesmo assim, porém, apenas na década de 1990 foram criados serviços de
atendimento a tais tipos de violência (Silva, 2003).
Segundo Cortês e Rodrigues (2006), a igualdade de direitos e deveres entre
homens e mulheres foi conquistada a partir da Constituição Federal de 1988 (artigo 5º,
capítulo I), já que essa questão inexistia no ordenamento jurídico brasileiro. Para que
esta legislação fosse implementada, seriam necessárias, porém, políticas públicas que
tivessem recursos financeiros para tal objetivo.
Dentre tais direitos adquiridos pelas mulheres ao longo do tempo, pode-se citar a
conquista do direito de frequentar escolas e universidades, o direito de trabalhar de
forma remunerada e em larga escala (fora do ambiente doméstico), direito a votar e a ser
votada, direito à liberdade sexual e reprodutiva, podendo fazer uso dos avanços da
ciência e da tecnologia, direito à separação conjugal e a se separar novamente, direito a
um tratamento digno pela família, direito à igualdade de direitos e oportunidades e
direito à sua diferença, sem desigualdade, sem hierarquia ou sem discriminação (Matos
e Cortês, 2010).
Apesar do crescimento da mulher no ambiente sócio-político e dos movimentos
em prol de direitos iguais para ambos os sexos, a violência e a discriminação contra a
mulher continuam como constantes nos dias atuais. Assim, cria-se a necessidade de um
novo olhar sobre tal problema, com políticas públicas que visem priorizar a questão de
gênero, através de delegacias e de secretarias de apoio à mulher.
Além disso, segundo dados do IBGE (2000/2010), a população total do
município de Toledo em 2000 era de 98.200 pessoas, com 49.651 mulheres, enquanto
que, no ano de 2010, as mulheres somavam um total de 60.976 perante as 119.313
pessoas no município. É possível perceber o crescimento da população de Toledo nesse
período, sendo que, em ambos os anos, as mulheres representam a maioria, com uma
representação de 50,56% para 51,10% em 2000 e 2010, respectivamente, mostrando
assim que houve um crescimento dessa representação, mesmo que mínimo quando se
analisa a participação percentual, mas que quando se analisam os valores absolutos,
percebe-se um aumento de aproximadamente 23% no total de mulheres.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
O fato de tal crescimento considerável da população feminina, associado à
necessidade de uma política pública que tenha como objetivo a proteção à mulher como
gênero, levou à criação de um órgão municipal voltado para as mulheres. Assim, em 3
de janeiro de 2005, pelo prefeito Sr. José Carlos Schiavinato, foi criada a Secretaria de
Atendimento à Mulher (SAM), com o desenvolvimento de ações tais como casamentos
coletivos, campanhas educativas e palestras. O objetivo inicial dessa Secretaria foi
implementar e promover a integração das políticas públicas, programas que atendam às
diferentes necessidades referentes à mulher, buscando eliminar as discriminações,
corrigindo as desigualdades históricas que têm prejudicado significativamente as
mulheres e promovendo a igualdade de oportunidades (Ferrari, 2011a).
Por isso, esse estudo tem a intenção de realizar uma avaliação acerca da SAM,
se como política pública ela trouxe benefícios a população feminina de Toledo-PR,
podendo isso ocorrer através de programas sociais que garantam serviços como o
casamento coletivo ou até pelo amparo em casos de violência, de forma a assegurar os
devidos encaminhamentos e orientações necessários. Para alcançar os objetivos, os
procedimentos metodológicos se deram a partir de uma revisão de literatura sobre o
tema, de coleta e análise de dados secundários, e realização de entrevistas.
2. Resultados e discussão
Inaugurada no dia 25 de novembro de 2010, no município de Toledo, a
Delegacia da Mulher tem como objetivo propiciar um espaço de atendimento exclusivo
à mulher. É importante destacar que a criação de delegacias especializadas no
atendimento à mulher é exigida na Lei Maria da Penha, como forma de facilitar e
incentivar as denúncias realizadas pelas mulheres que sofrem violência. O artigo IV do
capítulo I da Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340), de 7 de agosto de 2006, que
DÁ ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR, consta que a “[...] implementação de atendimento policial especializado
para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher [...]”, faz parte
das diretrizes de prevenção.
Segundo dados fornecidos pelo delegado adjunto, Dr. Edgar Dias Santana, da
20º Subdivisão Policial de Toledo, no período de outubro de 2006 a agosto de 2012,
foram realizados 1.006 procedimentos de violência doméstica, tanto nessa Subdivisão
como na Delegacia da Mulher (Delegacia de Polícia Civil – 1º Distrito Policial de
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Toledo DPC). É importante considerar que esse número não representa todas as
mulheres que procuraram a Delegacia com o intuito de denunciar, mas, sim, todas
aquelas que autorizaram a continuidade do processo necessário. Se somado o total de
mulheres que procuraram a Delegacia para denunciar, o número seria maior, segundo
Santana (2012), porém, muitas delas denunciam apenas com o intuito de assustar o
agressor e retiram a denúncia em seguida.
Devido à criação da Lei Maria da Penha no ano de 2006, as denúncias passaram
a ser feitas como violência doméstica. Antes dessa data, os boletins de ocorrência ou
termos circunstanciados eram enquadrados como violência, sem especificação. Além
disso, o fato de os dados passarem a ser informatizados a partir de 2009 possibilitou um
maior controle dos inquéritos instaurados de violência contra a mulher (Santana, 2012).
Assim, através da Tabela 1, é possível notar um aumento de procedimentos de violência
doméstica com o passar dos anos no Município de Toledo-PR.
Tabela 1 - Procedimentos de violência doméstica do Município de Toledo-PR de 2009 a 2012
AO
2009
2010
2011
2012¹
54
117
200
148
PROCEDIMETOS
Fonte: Delegacia de Polícia Civil de Toledo (2012)
Nota: 1 Os dados do ano de 2012 são até o dia 3 de agosto
É visível o aumento no número de procedimentos de violência contra a mulher.
De 2009 a 2010 houve um aumento de 116% nos casos, aproximadamente, enquanto
que, de 2010 a 2011, foi de 71%. Isso cria a hipótese de que, após a criação da
Secretaria de Atendimento à Mulher e através das palestras, orientações e
encaminhamentos realizados, ao longo dos anos, as mulheres passaram a denunciar em
maior número os casos de violência. Assim, nesta primeira parte da pesquisa, pode-se
perceber que, possivelmente, a SAM trouxe benefícios ao município de Toledo, através
de seus programas e projetos contra a violência doméstica.
Devido ao fato de a Lei Maria da Penha ter sido criada recentemente, houve uma
dificuldade quanto à obtenção dos dados de interesse em todos os anos analisados.
Assim, nos anos de 2006, 2007 e 2008 foram realizados 487 Procedimentos de
Violência Doméstica, porém, sem dados exclusivos de cada ano, dificultando, assim, a
análise desses anos em questão, principalmente no primeiro ano dessa Lei.
É importante lembrar que os dados iriam ser colhidos na Delegacia da Mulher,
porém o fato de ela ter sido criada apenas em 2010 dificultou o acesso aos dados
referentes aos anos anteriores. Assim, a pesquisa foi realizada na própria 20º Subdivisão
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Policial de Toledo, com o delegado, pois, além de ali constarem todos os dados
registrados na própria e na Delegacia da Mulher, também mantém arquivos de dados
desde a criação da Lei Maria da Penha, facilitando a análise.
Em relação ao atendimento realizado na Secretaria de Atendimento à Mulher,
através de relatórios realizados mensalmente e anualmente, foi possível a análise da
quantidade de mulheres atendidas desde a sua criação (2005). Esses relatórios são
encaminhados mensalmente à Secretaria de Planejamento Estratégico da Prefeitura do
Município de Toledo-PR, como forma de reconhecimento das atividades realizadas na
SAM. Através da Tabela 2, é possível dividir tais atendimentos em Assistência Social,
que, em geral, se resumem a atendimentos a mulheres que procuram a SAM por
violência ou para algum aconselhamento, além de palestras e de eventos de orientação e
em Atendimento Jurídico, realizado até o ano de 2010.
Tabela 2 – Atendimentos da secretaria de atendimento à mulher no Município de Toledo-PR de
2005 à 2012
Descrição/Ano
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012¹
Departamento Jurídico
2290 1161 1945 902
809 1382
²
²
Total de Atendimentos/
Encaminhamentos
Departamento Assistência Social
3754 3808 2391 2056 4195 7109 3666
926
Total de Atendimentos/
Encaminhamentos
Fonte: Secretaria de Atendimento à Mulher (2012)
NOTA: 1 O ano de 2012 apresenta dados até o mês de agosto; 2 O Atendimento Jurídico passou a ser
realizado na Assessoria Jurídica na Prefeitura do Município, sem atendimento às mulheres.
Diante desses dados, é possível perceber que o ano de 2005 apresentou o maior
número de atendimentos e de encaminhamentos do Departamento Jurídico. Isso se deve
ao fato de que esse serviço teve início nesse mesmo ano, juntamente com a criação da
Secretaria. Assim, foram abertos inúmeros processos jurídicos, dando-se sequência aos
mesmos com o passar dos anos. Dentre os processos Jurídicos realizados pela SAM,
têm-se processos de Divórcio, Separações, União Estável, Pensão Alimentícia,
Investigação de Paternidade, Guarda e Adoção. Os anos 2008 e 2009 foram os anos
com menor número de procedimentos jurídicos, sendo explicado pelo grande número de
casos de 2007. Isso se deve ao fato de que havia um limite de processos por ano, não
podendo aumentar esse número, considerando-se que o processo tinha continuidade ao
longo dos anos, já que a maioria não conseguia ser finalizada no mesmo ano em que
foram iniciados.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Além disso, é notória a percepção de que, em todos os anos analisados, o
Departamento de Assistência Social apresentou um maior número de mulheres que
procuraram pela SAM em relação ao Departamento Jurídico. Assim, nem todas essas
mulheres que procuraram pela SAM necessitavam de serviços jurídicos, podendo ter
sido encaminhadas para outros órgãos, tais como Delegacia da Mulher, CREAS, CRAS,
SAS, etc. O ano de 2010 apresentou o maior número de atendimentos do setor de
Assistência Social. Isso se deve ao fato de que muitos dos Programas iniciaram nesse
ano, com exceção dos casamentos coletivos, que já existiam. A comemoração do Dia
Internacional da Mulher e a Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência
contra a Mulher tiveram início no ano em questão.
Além disso, é importante destacar que foi no ano de 2010 que ocorreu a
implantação da Delegacia da Mulher no município de Toledo, com o intuito de criar um
ambiente melhor, incentivando as mulheres a denunciarem. Assim, quando foi
apresentada às mulheres a Delegacia da Mulher, por ainda ser nova e muitas
desconhecerem sua localização, elas procuravam pela SAM primeiramente em busca de
informação. Esse é um fator que explica o aumento de atendimentos no Departamento
de Assistência Social nesse ano.
2.1 Análise das entrevistas com as mulheres
Foram realizadas entrevistas com mulheres residentes no município de Toledo,
de 20 a 60 anos, entre o dia 4/8/2012 e o dia 5/9/2012. A intenção inicial era que essas
entrevistas fossem realizadas com usuárias da Secretaria de Atendimento à Mulher, de
tal forma a se obter uma avaliação desta com mulheres que realmente conhecem, porém,
isso não foi possível devido ao curto período. Assim, foram realizadas entrevistas com
algumas mulheres que frequentaram a SAM, aproximadamente 10 mulheres, sendo que
a maioria das entrevistadas foram mulheres aleatórias abordadas na rua. As entrevistas
ocorreram no centro da cidade, devido ao movimento local, garantindo assim que as
mulheres abordadas não pertencessem a um grupo específico.
O objetivo dessa entrevista foi conhecer a opinião da população feminina de
Toledo a respeito da violência doméstica, da Lei Maria da Penha e sua funcionalidade e
o conhecimento que elas têm da SAM, podendo ter utilizado algum serviço ou apenas
conhecendo alguém que tenha sido usuária, avaliando o atendimento recebido e os
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
devidos encaminhamentos, quando assim ocorreram. Por fim, a mulher pôde deixar sua
sugestão de algum serviço ainda não disponi
disponibilizado.
Gráfico 1 - Idade das entrevistadas
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Com relação ao perfil das entrevistadas, é possível notar que, do total de 55
mulheres entrevistadas, 22 mulheres tinham entre 20 e 29 an
anos,
os, 14 (25%) entre 30 e 39,
12 (22%) entre 40 e 49 anos e 7 (13%) entre 50 e 60 anos. Assim, a grande maioria,
40% das entrevistadas estão na primeira faixa etária, conforme Gráfico 1.
Quanto ao nível de escolaridade, o Gráfico 2 mostra que a maioria das mulheres
m
entrevistadas possuía ensino médio completo, com 18 mulheres (33%). Em seguida,
tem-se
se o ensino superior completo, com 13 mulheres (24%), o ensino superior
incompleto com 8 mulheres (14%), o ensino fundamental incompleto com 6 mulheres
(11%), o ensino
ino fundamental completo com 5 mulheres (9%), o ensino médio
incompleto com 4 mulheres (7%) %, e apenas 1 mulher (2%) sem escolaridade.
Gráfico 2 – ível de escolaridade das entrevistadas
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
É possível notar ainda, no Gráfico 2, que, quando somado o ensino completo e
incompleto de um mesmo nível, o menor número de entrevistadas se enquadra no
ensino fundamental, mostrando assim um alto grau de escolaridade das mulheres, sendo
que 21 delas chegaram ao ensino superior, já completado ou em curso. Segundo dados
do IPARDES (2012), houve um crescimento considerável principalmente na educação
superior em Toledo, que, em número de matrículas de mulheres, passou de 4.267 em
2000 para 6.363 em 2010, obtendo uma variação percentual de 49,12 %. Percebe-se
Percebe
assim que as mulheres têm buscado uma maior escolaridade.
Já o nível de renda que teve o maior número de entrevistadas foi o de 1 a 3
salários mínimos (de R$ 622,00 à R$ 1.866,00), com aproximadamente 71% das
entrevistadas (39 mulheres), seguido por 20% (11 mulheres) que recebem até 1 salário
mínimo. Além disso, 5 mulheres (9%) recebem de 4 a 10 salários mínimos. Nenhuma
entrevistada tem renda de 10 salários mínimos em diante, como é possível notar no
Gráfico 3. É importante destacar que, quando comparado o rendimento médio feminino
do ano de 2000 e o de 2010, houve um aumento percentual de aproximadamente 155%
ao longo desses 10 anos. Em 2010, o rendimento era de R$ 1.016,20, podendo explicar
assim o fato
ato de a maior parte das entrevistadas se enquadrarem na faixa salarial de 1 a 3
salários mínimos (IPARDES, 2012).
Gráfico 3 – ível de renda das entrevistadas
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Quando comparado ao rend
rendimento
imento médio masculino, que teve uma variação
percentual de aproximadamente 161% entre os anos 2000 e 2010 (IPARDES, 2012),
nota-se
se que, apesar de o aumento ter sido maior para a população masculina, foi
pequena a diferença percentual, mostrando assim a ev
evolução
olução do rendimento médio
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feminino, significando que elas estão adquirindo seu espaço ao longo dos anos,
considerando-se
se que ainda são recentes os direitos adquiridos pelas mulheres.
Gráfico 4 – Opinião das entrevistadas acerca da violência doméstica
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Mesmo assim, porém, apesar do aumento do rendimento médio feminino ao
longo destes 10 anos, ainda continua menor que o rendimento masculino, mostrando
assim a desigualdade existente entre ambos os sexos. Apesar do avanço das mulheres
dentro do mercado de trabalho, elas continuam com renda média inferior à masculina.
Assim, percebe-se
se que não está sendo posto em prática o que consta na Constituição
Federal de 1988 (art. 7º, XXX e CLT/1943, aart.
rt. 5º), na qual ficou proibida a diferença
de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo,
idade, cor ou estado civil (C
Cortês e Rodrigues, 2006).
Com relação à violência doméstica, é possível perceber, conforme Gráfico 4,
que a grande maioria das entrevistadas, 48 mulheres, ou seja 87% das entrevistadas,
considera a violência um problema de toda a sociedade. Em contrapartida, 7
entrevistadas (13% das entrevistadas) possuem a visão de que a violência é um
problema só de quem sofre. Isso remete ao fato de que existem algumas mulheres que
conservam a opinião de que, em caso de brigas familiares e conjugais, não se deve fazer
intromissão, mesmo que essa briga resulte em violência psicológica e até mesmo física.
Não houve nenhuma
huma mulher que considerou que a violência doméstica não seja um
problema, mostrando assim que, para elas, sendo da sociedade ou da mulher que sofre
violência, trata-se,
se, sim, de um problema a ser solucionado.
Em seguida foi questionado o conhecimento acerc
acercaa da Lei Maria da Penha.
Conforme o Gráfico 5, aproximadamente 76% das mulheres, ou seja, 42 entrevistadas
se disseram conhecedoras da Lei. Uma mulher disse não conhecer e 12 mulheres ou seja
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22% das entrevistas já ouviram falar da Lei. É importante consid
considerar
erar que muitas das
mulheres que se disseram conhecedoras da Lei sabiam apenas que ela protege a mulher,
porém não sabiam quais as punições, quais os tipos de violência considerados na Lei,
além de desconhecer quais os procedimentos corretos caso estejam eem
m tal situação ou
em que presenciem uma situação dessas.
Gráfico 5 – Conhecimento da Lei Maria da Penha pelas entrevistadas
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Quanto a Lei Maria da Penha, as entrevistadas desconheciam qquais
uais as ajudas que
podem ter quando em situação de violência. Não sabiam, por exemplo, que elas contam
com garantia policial quando necessário, nem que ela pode ser encaminhada para
hospitais, postos de saúde ou IML quando feridas. Além disso, a mulher tem direito a
transporte seu e de seus dependentes à um lugar seguro ou abrigo se houver risco de
vida, e acompanhamento quando necessitar retirar os pertences do local da ocorrência.
Esses itens eram desconhecidos pelas entrevistadas, que como já citado apenas
apen sabiam
quem existe uma Lei que protege a mulher.
A questão seguinte tinha como pré
pré-requisito
requisito conhecer a Lei ou pelo menos ter
ouvido falar dela. Das 55 entrevistadas, 54 se enquadravam nesse caso. Assim, quando
foi feita a questão "Você acha que a Lei M
Maria
aria da Penha pode evitar ou diminuir a
violência contra as mulheres?", exatamente a metade, ou seja, 27 entrevistadas
responderam que sim, um pouco. Essas mulheres afirmaram que, quando a Lei é
realmente aplicada, ela pode evitar ou diminuir a violência, mas não acreditam na
eficácia dessa Lei. Aproximadamente 40% das mulheres acreditam que sim, a Lei pode
evitar ou diminuir. Já 6 mulheres acreditam que não, questionando a importância da Lei,
como é possível perceber no Gráfico 6.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Gráfico 6 – Opinião das entrevistadas se a Lei Maria da Penha pode evitar ou diminuir a violência
doméstica
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
É necessário que se considere que a maioria da população, quando questionada
acerca da Lei, considera a lentidão do sistema judiciário brasileiro um grande problema,
de tal maneira que é criada a impressão de ineficiência da Lei. Assim, as mulheres
deixam de acreditar na Lei e na sua proteção, o que pode levar à não procura dos
direitos quando necessário.
Quanto ao conhecimento da SAM, conforme o Gráfico 7,
7 32 mulheres
afirmaram conhecer, porém não em absoluto, já que desconhecem muitos dos serviços
prestados, enquanto que 23 mulheres não conhecem, sendo um número preocupante, já
que as entrevistadas foram mulheres e a Secretaria é voltada para a mulher, mostrando
assim uma falha na divulgação da utilidade do órgão municipal.
Gráfico 7 – Conhecimento da SAM no Município de Toledo
Toledo-PR
PR pelas entrevistadas
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Com relação à idade das mulheres que conhecem a SAM, é perceptível, no
Gráfico 8,, que a maioria pertence à faixa etária de 20 a 29 anos, com um total de 15
entrevistadas, reforçando a ideia de que essa faixa etária se encontra mais informada
informad
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
acerca dos seus direitos. Da faixa etária de 30 a 39, 8 mulheres, de 40 a 49, 7 mulheres e
de 50 a 60, 2 mulheres afirmaram conhecer a SAM.
Quanto à renda das mulheres que conhecem a SAM, é perceptível, no Gráfico 9,
que as mulheres que têm o nível de rrenda
enda de 0 a 3 salários mínimos são a maioria
quando questionadas sobre o conhecimento da SAM, somando 18 mulheres.
mulheres
Gráfico 8 – Idade das mulheres que conhecem a SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Das 23 mulheres que conhecem a SAM, apenas 4 delas têm uma renda de 4 a 10
salários mínimos. Deve-se
se lembrar que apenas 5 mulheres das 55 entrevistadas possuem
essa renda, mostrando assim que apenas uma mulher desse grupo desconhece a SAM.
Devido ao fato de não haver entrevis
entrevistadas
tadas nas demais classes de renda, não foi possível
a análise correspondente.
A questão seguinte trata da utilização da SAM pela mulher entrevistada: Você já
procurou pela SAM em Toledo
Toledo-PR?
Gráfico 9 – ível de renda das mulhere
mulheres que conhecem a SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Apenas 8 mulheres entrevistadas responderam que sim, enquanto que 47, ou
seja, 85% das entrevistadas afirmaram que não procuraram, conforme o Gráfico 10.
1 É
importante considerar que muitas das mulheres escondem o fato de procurarem a SAM,
principalmente quando é relacionado à violência, por se tratar de um assunto delicado
para elas, podendo levá-las
las a ocultar o ocorrido.
Através dos Gráficos 111, 12 e 13,, é possível ter uma ideia acerca do perfil
p
da
mulher que utiliza algum serviço da SAM.
Gráfico 10 – Entrevistadas que procuraram pela SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
No Gráfico 11,, é possível ver que de 20 a 29 anos houve 3 mulheres que
procuraram pela
ela SAM, de 30 a 39 anos houve 4 mulheres, de 50 a 60 houve 1 mulher,
enquanto que, da faixa etária de 40 a 49 anos, nenhuma entrevistada informou que tenha
procurado pela SAM.
Gráfico 11 – Idade das mulheres que procuraram pela SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Quanto à escolaridade das mulheres que procuraram pela SAM, o Gráfico 12
mostra que não houve nenhuma entrevistada sem escolaridade, nem com as
escolaridades ensino fundamental completo e superior incomplet
incompleto,
o, enquanto que todas
as demais escolaridades sugeridas na entrevista tiveram duas entrevistadas que já
haviam procurado pela SAM.
Gráfico 12 - ível de escolaridade das entrevistadas que procuraram pela SAM
Fonte: Dados da Pe
Pesquisa (2012)
Em relação à renda das mulheres que procuraram pela SAM, 5 delas têm até 1
salário mínimo, enquanto que 3 delas ganham de 1 a 3 salários mínimos. Através do
Gráfico 13,, é possível perceber que nenhuma das entrevistadas com renda de 4 a 10
salários mínimos procuraram pela SAM. Como já comentado anteriormente, não houve
entrevistadas com as rendas superiores sugeridas. Assim, percebe
percebe-se
se que a procura pela
SAM foi maior nas classes mais inferiores.
Gráfico 13 – ível de renda das entrevistadas que procuraram pela SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Isso se deve ao fato de que muitos dos programas oferecidos pela SAM exigem
que a mulher tenha uma renda de até 2 salários mínimos, sendo um exemplo o
casamento coletivo. A maioria dos programas oferecidos pela SAM se destinam a
pessoas com rendas inferiores, proporcionando assim serviços a classe mais carente.
Através do Gráfico
ráfico 14
14,, é possível reconhecer as demandas das mulheres que
procuraram pela SAM.. Dentre as 8 mulheres que procuraram, 2 delas ou seja 25%
alegaram tê-lo
lo feito em busca de apoio por terem sofrido violência doméstica, 3 (37%)
procuraram pelo programa de Casamento Coletivo, 1 mulher (13%) procurou por algum
outro programa ou projeto da SAM, 1 (13%) mulher para aconselhamento ou
encaminhamento jurídico e 1 (13%) mulher devido a uma pesquisa em função de um
trabalho de monografia. Dessas 8 mulheres, apenas uma afirmou que não foi
solucionado o problema. Quanto à avaliação do atendimento ddaa SAM, 4 consideraram
ótimo e 4 o consideraram bom, mostrando assim que houve a resolução ou a tentativa
da solução do problema.
Gráfico 14 – Motivo da procura da entrevistada pela SAM
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
É importante lembrar que, na entrevista, na questão analisada era possível optar
por mais de uma resposta, sendo que houve uma mulher que procurou a SAM por mais
de um motivo, enquanto que as demais buscaram apenas um serviço. Assim, fica
justificado o fato
to de a questão ter tido 9 motivos de procura, enquanto que na questão
anterior, 8 das mulheres afirmaram ter procurado a SAM.
A entrevistada que afirmou não ter tido seu problema solucionado procurou a
SAM em função de casamento coletivo. A não solução ddo
o problema ocorreu devido ao
fato da mulher ter procurado esse serviço após ter ocorrido, sendo que ele acontece uma
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
vez por ano, no mês de maio, não havendo outra oportunidade de participar no ano
procurado.
Gráfico 15 – Encamin
Encaminhamento
hamento da entrevistada para algum outro órgão
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Em seguida foi questionado se, após a procura pela SAM, a mulher foi
encaminhada para algum outro órgão de apoio. Através do Gráfico 15
1 é possível
perceber que apenas
as 2 usuárias da SAM foram encaminhadas, mostrando, assim, que as
outras 5 tiveram seus problemas resolvidos na própria Secretaria, já que uma disse não
ter solucionado o problema. Essas duas usuárias foram encaminhadas à Delegacia da
Mulher, levando à conclusão
clusão de que se tratava de casos de violência doméstica, sendo o
encaminhamento à Delegacia o procedimento necessário à vitima de violência.
Gráfico 16 – Entrevistada que conhece outra mulher que tenha procurado pela SAM
Fonte:
e: Dados da Pesquisa (2012)
Na sequência, a entrevista passou a ser relacionada ao conhecimento da
entrevistada de alguma outra mulher que tenha procurado pela SAM. Assim, 19
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
entrevistadas, ou seja, 34% afirmaram que sim, enquanto que 35 (64%) negaram
n
conhecer, além de uma mulher que não soube responder, como mostra o Gráfico 16.
1 É
importante considerar que, como citado anteriormente, essa resposta também pode ter
sido camuflada pelo receio de afirmar que houve uma procura pela SAM.
Gráfico 17 – Motivo da procura pela SAM da mulher conhecida
Fonte: Dados da Pesquisa (2012)
Conforme o Gráfico 117,, 16 mulheres (conhecidas) procuraram a SAM devido a
alguma violência doméstica, 3 por casamento coletivo, 1 por ac
aconselhamento
onselhamento ou
encaminhamento psicossocial e 1 por pesquisas na SAM. Semelhante ao que foi dito no
Gráfico 14,, nessa questão também era possível escolher mais de um serviço, devido ao
fato de que a entrevistada poderia conhecer mais de uma mulher que tenha
tenh procurado
pela SAM, ou até a mesma conhecida, porém, por mais de um motivo.
Dessas 19 mulheres conhecidas, as entrevistadas afirmaram que 12 tiveram seus
problemas solucionados e 10 delas foram encaminhadas para outros órgãos, sendo que a
Delegacia da Mulher
lher foi novamente o órgão com maior número de encaminhamentos,
devido ao fato de a violência doméstica ter sido o motivo de maior procura pela SAM.
Por fim, a última pergunta do questionário solicitava uma sugestão de serviço
ainda não disponibilizado pel
pelaa SAM que a entrevistada achasse necessário ao
município. Dentre as entrevistadas, 16% não souberam responder, até porque alegaram
desconhecer os serviços já existentes e a própria Secretaria. Dentre as sugestões citadas
pelas entrevistadas está uma maior proteção e atenção à mulher, atendimento
psicológico, atendimento jurídico, grupos de apoio e a criação de uma casa-abrigo,
casa
que
chegou a ser criada no município no ano de 2009, mas foi destinada para outro
programa social. Além disso, a preocupação com a eentrada
ntrada no mercado de trabalho
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
pelas mulheres, a maior agilidade da Justiça em função de punir o agressor, uma maior
divulgação da SAM e maior incentivo em procurarem a Secretaria foram outras
sugestões obtidas, com menos ênfase que as citadas anteriormente, sendo que as
primeiras se apresentaram em várias entrevistas, mostrando, assim, a importância
daqueles serviços de acordo com a opinião das mulheres.
Enfim os resultados apontam que a SAM trouxe benefícios às mulheres como
política pública. Além do aumento de procedimentos da Delegacia, a demanda mostrada
pela própria SAM com relação aos seus atendimentos mostraram que as mulheres tem
se beneficiado dos serviços oferecidos. Quanto a valorização da mulher, é possível
perceber que os programas se voltam para trazer mais cidadania a população, em
especial as mulheres. Com relação a violência doméstica, problema este de grande
dimensão, ainda há muito a se fazer aquém da orientação e encaminhamentos
realizados, pois apesar de ser uma iniciativa da mulher que sofre violência, a SAM deve
oferecer maior segurança às vítimas de forma a garantir que elas sejam estimuladas a
procurar ajuda. Porém, apesar de haver muito a ser feito, é perceptível que a criação da
SAM foi muito benéfica a população de Toledo, com seus programas sociais e
preocupação para com a violência doméstica.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi fazer uma análise acerca dos benefícios da
implantação da SAM no município de Toledo, bem como sua efetividade como política
pública voltada para as mulheres nesse município.
É importante citar que, apesar de este trabalho ter destacado a SAM com relação
à violência doméstica, por esse ser um assunto debatido e pelo fato de a própria política
pública em questão ter essa preocupação, a Secretaria apresenta outras atividades e
programas voltados para a questão de gênero. Ocorre, porém, que a preocupação maior
da sociedade se volta para a violência, que atinge tantas mulheres, necessitando assim
de um apoio de órgãos específicos.
Além disso, as próprias sugestões das mulheres mostraram que a violência ainda
é um problema de maior dimensão, levando, assim, à necessidade de investimentos em
proteção e em conscientização voltadas a ela. Foi possível perceber que a questão
jurídica, psicológica, o apoio e a proteção às mulheres foram algumas das maiores
preocupações citadas pelas entrevistadas.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Outro fator a ser considerado, de caráter preocupante, foi o fato de muitas das
mulheres desconhecerem a SAM no município. Como citado anteriormente, algumas
das que sabiam da existência da SAM, elas, porém, desconheciam os programas
oferecidos. Apesar de ser uma Secretaria relativamente nova (foi criada em 2005), foi
possível perceber a necessidade de uma maior divulgação de seus serviços e até mesmo
de sua localização. É de extrema importância que as mulheres saibam que possuem um
lugar de apoio, mesmo com a defasagem de alguns serviços. Isso possivelmente as
estimulará a procurarem ajuda quando necessitarem.
Por outro lado, os dados referentes à Delegacia e a própria Secretaria mostraram
um aumento tanto de denúncias realizadas na primeira como de atendimentos pela
segunda. O crescimento de inquéritos instaurados na Delegacia possibilitou a ideia de
que a SAM, através de palestras e de orientações, conscientizou a população feminina,
estimulando as mulheres a denunciar quando em situação de violência. Além disso, os
dados da SAM mostram um aumento de mulheres atendidas, tanto na questão de
assistência social em programas de valorização da mulher, como o casamento coletivo,
encontros municipais de mulheres, dentre outros, como no departamento jurídico
quando existia. Isso mostra que, apesar de muitas desconhecerem a SAM e seus
serviços, esta vem ganhando espaço com o passar dos anos.
Com relação ao atendimento jurídico, além das sugestões realizadas pelas
próprias mulheres, é possível perceber, na própria SAM, a grande procura que existe por
esses serviços, principalmente relacionados a divórcios e a alimentos (pensão
alimentícia). Muitas das mulheres questionam a utilidade da SAM após a extinção
desses serviços, pois esse programa de atendimento jurídico facilitava muito a agilidade
dos processos quando necessário. Além disso, mesmo que não houvesse um
atendimento completo, apenas uma orientação jurídica seria de grande ajuda, já que
muitas das mulheres procuram a SAM para saber o que fazer após sofrerem violência,
principalmente na questão financeira, de modo a não perder o direito aos bens.
Assim, é perceptível que essa Secretaria tem uma importância social única para a
população do município, como política pública para as mulheres, com orientações,
encaminhamentos e programas voltados à questão de gênero. Como já citado
anteriormente, torna-se difícil a mensuração quantitativa quando se trata de uma vida,
pelo fato de que, se a SAM conseguiu “evitar” a morte ou a violência contra uma
mulher, já foi válida sua criação, mesmo apresentando defasagem em alguns âmbitos.
Assim, apesar de ainda haver falhas, é importante destacar os programas já oferecidos,
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
que veem ganhando espaço ao longo dos anos e que já garantiram melhorias na
qualidade de vida a muitas mulheres que residem em Toledo, mostrando, assim, que a
SAM trouxe benefícios de caráter diferenciado à sociedade e às mulheres
especificamente.
É, contudo, necessário que haja consciência, por parte do governo, da
importância de maiores investimentos nessa Secretaria, principalmente na questão
jurídica para realização de processos, até porque tal serviço mostrou sua funcionalidade
durante os anos em que existiu. A instalação de uma casa-abrigo de apoio às mulheres
que sofreram violência é um passo importante a ser dado, pois é notório que muitas
dessas mulheres correm riscos de vida ao retornarem às suas casas após denúncia,
garantindo assim segurança e incentivando-as a denunciar.
Por fim, uma sugestão interessante para maior eficiência quanto aos serviços
ofertados pela SAM seria uma rede em parceria com os demais órgãos relacionados.
Assim, a mulher, ao procurar a SAM em caso de violência, seria encaminhada à
Delegacia da Mulher, ao Instituto Médico Legal (IML) se necessário, ao atendimento
psicológico e jurídico e, por fim, à casa-abrigo, evitando que, por alguma dificuldade,
ela desistisse de denunciar e garantindo assim que todo o processo necessário fosse
realizado e que ela ficasse em segurança. A SAM, porém, ainda engatinha em muitas
questões e apresenta inúmeras falhas com relação aos seus objetivos iniciais, mostrando
assim que ainda há muito que ser feito para melhorar o atendimento à mulher no
município de Toledo, sem desconsiderar o que já foi feito até agora, garantindo assim
que o ser feminino seja valorizado e tenha seus direitos respeitados.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
IMPACTOS DA ISERÇÃO DE MULHERES EM OCUPAÇÕES
COSIDERADAS MASCULIAS:
frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG
Maria da Luz Alves Ferreira
Universidade Estadual de Montes Claros
[email protected]
Resumo
Este texto foi construído a partir dos resultados da pesquisa “Ainda precisamos avançar? Os impactos da
inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: as frentistas e as polícias femininas de
Montes Claros – MG” e tem como objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões
que são representadas como ocupações masculinas. O intuito é de verificar como as policiais femininas e
as frentistas que trabalham nos postos de combustíveis da cidade representam e são representadas pelos
colegas do sexo masculino quanto as suas atividades profissionais, bem como se no imaginário dos
referidos trabalhadores – homens e mulheres – está havendo uma invasão do território masculino por
parte das policiais femininas e frentistas. No que tange a perspectiva metodológica adotada, a intenção foi
combinar as técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram conhecer
as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Na parte quantitativa foi feito
um levantamento do número trabalhadores que trabalham na Polícia Militar e nos postos de combustíveis.
Os principais resultados a que se chegou foram que a cidade segue a mesma tendência do mercado de
trabalho brasileiro, que conta hoje com uma maior participação das mulheres – mesmo com relação às
profissões tidas como masculinas –, e mesmo que o aumento tenha sido considerável, ainda é inferior
com relação aos homens. As mulheres, por sua vez, apresentam níveis de escolaridade superiores aos dos
homens e o paradoxo que se estabelece é que, ainda assim, persistem diferenças importantes de
remuneração: os homens recebem salários mais altos. Na mesma direção, a divisão de ocupações por
gênero permanece e exerce notável influência sobre a renda e outros indicadores de qualidade de emprego
de homens e mulheres. Embora com alguns avanços, ainda persiste no imaginário social de homens e
mulheres que os mesmos ocupam lugares sociais determinados que seja definido desde o início da
socialização de ambos e que isso interfere também no espaço de trabalho, já que tanto os homens, quanto
as mulheres entrevistadas mencionaram que existem diferenças de gênero no espaço do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho feminino, Relações sociais de gênero, Ocupações masculinas, Segregação
ocupacional por sexo
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Introdução
Este texto foi construído a partir dos resultados da pesquisa “Ainda precisamos
avançar? Os impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas
masculinas: as frentistas e as policiais femininas de Montes Claros – MG” e tem como
objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões que são
representadas como ocupações masculinas. O intuito é de verificar como as policiais
femininas e as frentistas que trabalham nos postos de combustíveis da cidade,
representam e são representadas pelos colegas do sexo oposto, quanto às suas atividades
profissionais, bem como se, no imaginário dos referidos trabalhadores – homens e
mulheres – está havendo uma invasão do território masculino (na Polícia Militar e nos
postos de combustíveis) por parte das policiais femininas e frentistas.
A perspectiva teórica utilizada
Os estudos de gênero
A partir do final dos anos 80, uma nova terminologia passou a ser utilizada nos
estudos sobre a mulher: estudo de gênero. Suárez (2000) situou a categoria gênero entre
os polos do essencialismo biológico e do construcionismo social, não optando pela
defesa de um ou do outro. Para ela, a literatura em temática optou pela desconstrução do
conceito de sexo (como diferença sexual), em favor da construção social do sexo.
Assim, o biológico é o primeiro dado e serve para classificar os seres humanos como
machos ou fêmeas. Já a construção social, a identidade do gênero masculino e do
feminino dependerá de cada cultura. Então, ser homem ou ser mulher não se reduz
apenas aos caracteres sexuais, mas, fundamentalmente, a uma série de atributos morais
e comportamentais que são socialmente produzidos e compartilhados.
As desigualdades de gênero no contexto do trabalho
Foi, sobretudo a partir da década de 70, marco do crescimento da força de
trabalho feminina, que a Sociologia do Trabalho incorporou em suas pesquisas a
temática da divisão sexual do trabalho e a discussão sobre a divisão social do trabalho.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
A partir de então, o trabalho deixa de ser um elemento sem sexo, para se transformar em
uma categoria sexuada, ou, como define Souza-Lobo (1991), de dois sexos distintos.
Até o presente momento, as discussões em torno da temática do trabalho
feminino, apesar de destacarem a importância da variável sexo como elemento na
divisão do trabalho, reforçavam o argumento da diferença biológica e naturalizante
como fator determinante das relações de trabalho entre homens e mulheres e,
consequentemente, afirmavam a inferioridade da mulher no mercado de trabalho
(Bruschini, 1997).
Nas últimas décadas, as análises em torno da divisão sexual do trabalho têm
incorporado a dimensão do gênero. Esta incorporação apresenta um efeito
desmistificador da divisão do trabalho, como uma questão meramente econômica,
dividida entre os sexos – masculino e feminino – assumindo que é, além de tudo, uma
dimensão simbólica e cultural que só poderá ser satisfatoriamente explicada a partir do
uso da categoria gênero.
Em relação ao mercado de trabalho, um aspecto importante é a mudança no
conceito do trabalho que, antes dos anos 70, era entendido apenas como trabalho
remunerado ou produtor de bens alocáveis ao mercado. Com a incorporação da
atividade doméstica, também como categoria analítica, ocorreu a ampliação do debate
sobre as várias interfaces do trabalho, ou seja, trabalho realizado para o mercado,
trabalho realizado no espaço doméstico, trabalho de homens e trabalho de mulheres.
As discussões na Sociologia do Trabalho passaram a ser feitas em torno de
questões como a construção de identidades pelo trabalho, que configurou o trabalho
feminino com menor valor real e simbólico em relação ao masculino e também a
oposição masculino-feminino. A partir de então, o mercado de trabalho passou a retratar
as discriminações sofridas pelas mulheres na esfera pública, incentivando, apesar de
algumas mudanças, a persistência da diferença entre o trabalho de homens e mulheres.
Com a inserção das trabalhadoras no mercado, a tendência verificada é a de segregar as
mulheres em determinados setores industriais e em algumas ocupações específicas. Por
exercerem, na maioria das vezes, funções definidas como menos qualificadas, as
mulheres percebem um rendimento menor, sendo sempre mantidas, hierarquicamente,
em posição inferior à dos homens e, geralmente, em condições precárias de trabalho. O
que se verifica é que, embora as mulheres tenham ocupado determinados espaços
importantes, em termos de rendimentos, isso não traduz em alteração. Pois, como
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
afirma Bruschini (1997), a tendência no Brasil é pela persistência das desigualdades
salariais entre os sexos.
Com relação à precariedade do trabalho feminino, um aspecto a ser destacado é
que, com as mudanças no mundo do trabalho decorrentes da especialização flexível, as
mulheres têm sido requisitadas (mais do que os homens) para executarem atividades
que exigem habilidades naturalizadas (ligadas aos saberes femininos), como destreza
manual, atenção a detalhes e paciência para realizar trabalhos repetitivos. Entretanto,
essas habilidades não são consideradas como qualificação, fazendo com que as
trabalhadoras continuem sendo submetidas a salários inferiores aos dos homens.
Pesquisas mais recentes, sobre trabalho de mulheres enfatizam o substancial
crescimento do ingresso da força de trabalho feminina nos postos de trabalho, mesmo
que não caracterize mais uma alternância, devido à interrupção da carreira profissional
da mulher, em função da maternidade e retorno após o crescimento dos filhos. Não tem
havido, entretanto, mudanças na forma como as mulheres se inserem no mercado, muito
menos transformações no sentido de promover a igualdade salarial entre as profissões
masculinas e femininas. Verifica-se a presença massiva de mulheres em condições de
trabalho precário, sem carteira assinada e com instabilidade no trabalho.
Na verdade, o que se verifica é um paradoxo: por um lado, uma tendência
inovadora, que é a conquista de melhores empregos pelas mulheres com maior
escolaridade; por outro lado, a predominância dos guetos femininos, ou seja,
“ocupações com elevada concentração de mulheres, bem como de desigualdades
salariais entre os trabalhadores de ambos os sexos, mesmo nos bons empregos”
(Bruschini e Lombarde, 2003: 323).
Hirata (1998) defende a tese de que a baixa valorização do trabalho da mulher
em relação ao trabalho do homem é relacionada a dois fatores interligados: a divisão
sexual do trabalho e as relações sociais entre os gêneros. Sobre a divisão sexual do
trabalho, a autora afirma que os homens, ao se representarem e serem representados
como os principais executores de outras atividades produtoras de rendimentos, são
dispensados do trabalho doméstico; já as mulheres, por desejarem e/ou necessitarem
ingressar no mercado de trabalho, têm que fazer a articulação com o trabalho doméstico.
Para Bruschini e Lombardi (2003), os fatores explicativos do aumento da contratação da
mão-de-obra feminina são as mudanças ocorridas no país, sobretudo, depois dos anos
70, e que podem ser compreendidas pelas transformações de ordem demográfica, social
e cultural, que afetaram não só as mulheres, mas o conjunto das famílias.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
As autoras enumeram alguns fatores explicativos em relação à participação das
mulheres no mercado de trabalho:
1. A queda da fecundidade, que reduziu o número de filhos por mulher, nas
cidades mais desenvolvidas, liberando as mulheres para os postos de
trabalho;
2. A expansão da escolaridade (especialmente de cursos superiores), que
viabilizou o acesso das mulheres ao mercado de trabalho em novas
ocupações;
3. As transformações culturais nos valores relativos ao papel social da mulher,
impactado pela atuação do movimento feminista;
4. A alteração da constituição da identidade feminina voltada para o trabalho
produtivo, resultante da atuação das mulheres nos espaços públicos.
Para as autoras, o trabalho feminino é marcado por mudanças e persistências.
Apontam como mudanças a alteração do perfil de trabalhadoras dos anos 1980, que era
composto geralmente por jovens, solteiras e sem filhos, passando a ser integrado por
mulheres mais velhas, casadas e com filhos.
Portanto, a responsabilidade de cuidar dos filhos, tradicionalmente reconhecida
como atividade feminina, não se constitui mais em empecilho para o ingresso das
mulheres nos postos de trabalho. A maior participação pode ser explicada tanto pela
necessidade de complementar a renda familiar como pela elevação da escolaridade, que
qualifica as mulheres para competirem no mercado, embora persistam ainda piores
condições para o trabalho feminino.
Metodologia
No que tange à perspectiva metodológica adotada, a intenção foi combinar as
técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram
conhecer as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Na
parte quantitativa foi feito um levantamento do número de trabalhadores (homens e
mulheres) que trabalham na Polícia Militar e nos postos de combustíveis de Montes
Claros – MG.
Na parte qualitativa, foram realizados quatro grupos focais com homens e
mulheres que trabalham como frentistas e como policiais na referida cidade. O roteiro
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
para a realização dos grupos foi previamente elaborado e as questões versavam sobre
aspectos relativos aos objetivos da pesquisa.
O mercado de trabalho em Montes Claros-MG a partir da análise de ocupações
“masculinas” preenchidas por mulheres
As categorias utilizadas para analisar as dimensões de gênero dentro do mercado
de trabalho e, sobretudo, as discrepâncias salariais e de condições de trabalho entre
homens e mulheres foram operacionalizadas neste trabalho pela análise da situação de
mulheres com ocupações consideradas masculinas.
O universo empírico da pesquisa foi constituído por policiais militares e
frentistas de postos de combustíveis da cidade de Montes Claros-MG. 2 No caso dos
policiais, foram selecionadas casualmente pessoas do quadro efetivo da AISP 99 e no
que respeita os frentistas, foi feito o levantamento de todos os postos e selecionados
aqueles em que constam homens e mulheres trabalhando no atendimento ao público. Os
dados ora apresentados e que recebem tratamento quantitativo, quando se trata de traçar
o perfil dos entrevistados, foram coletados in loco, através de aplicação de questionário,
em fase preliminar à realização da pesquisa qualitativa. Por não adotar, portanto,
nenhuma espécie de amostragem probabilística, já que não se intenciona generalizações
dos resultados obtidos, o critério de escolha dos sujeitos da pesquisa se deu de forma a
proporcionar uma efetiva comparação em relação ao objetivo do estudo, qual seja
averiguar as disparidades verificadas entre homens e mulheres no mercado de trabalho,
especificamente com relação às mulheres que têm ocupações consideradas
“masculinas”.
2
Não foram considerados os policiais nem os frentistas de todo o município de Montes Claros, mas
apenas o que trabalham no perímetro urbano do município.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
GRÁFICO 1 – Profissão dos entrevistados
Profissão do entrevistado
33%
67%
frentista
policial
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
No gráfico 1 é apresentado o universo de pesquisa, sendo 67% dos entrevistados
frentistas – homens e mulheres que atuam no atendimento dos postos de fornecimento
de combustíveis – e 33% policiais militares, de ambos os sexos, que integram a Área
Integrada de Segurança Publica (AISP) 98. É posto que houvesse um equilíbrio quanto
à participação de homens e mulheres na pesquisa, independente do grupo referenciado.
GRÁFICO 2 – Sexo dos entrevistados
Sexo do entrevistado
47%
homem
53%
mulher
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
A participação da mulher no mercado de trabalho sofreu alterações
consideráveis nos últimos tempos, sobretudo na década de 1970. Uma questão que
merece relevo é que essa inserção não faz com que a mulheres deixem de desempenhar
suas funções como mães, donas de casa e principais responsáveis pela administração do
lar. Isso pode explicar, ao menos em parte, a complexidade da participação da mulher
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
no mercado do trabalho em comparação com os homens. O pressuposto de que o
número de mulheres no mercado de trabalho tem aumentado é confirmado pelo efetivo
policial, como demonstrado pelo gráfico 3.
GRÁFICO 3 – Efetivo policial militar da região sudeste por gênero 2002
Efetivo policial militar da região sudeste por genêro (2002)
100.000
78.517
80.000
60.000
20.000
36.709
34271
40.000
6.802
2429
548
1.517
8.406
0
ES
MG
RJ
Homens
SP
Mulheres
Fonte: Adaptado de Musumeci e Soares, 2004.
Quando se trata da construção de parâmetros que retratem as nuanças da
desigualdade de gênero com relação ao mercado de trabalho, a variável educação é tida
como parâmetro central para se estabelecer as possíveis relações. Na faixa de nível de
escolaridade mais baixa não há nenhuma mulher. Todas, portanto, têm escolaridade
superior nessa faixa e entre os homens, 10,5% têm ensino fundamental. No nível médio,
é possível perceber que não existe grande discrepância entre homens e mulheres. Com
ensino
médio
incompleto,
homens
e mulheres
perfazem
10,5% e 11,8%
respectivamente. Com médio completo, há 47% das mulheres e 57.9% dos homens.
Quando se trata de ensino superior, 35% das mulheres encontram-se cursando algum
curso e apenas cerca de 5% dos homens estão matriculados nesse nível. Com o curso
superior completo, no entanto, não há nenhuma mulher avançando para pós-graduação,
há 10,5% e 5,9% dos homens e mulheres como consta no gráfico 3.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
GRÁFICO 4 – Escolaridade dos entrevistados
Escolaridade
Grau de instrução
Especialização ou mais
8,3
2,8
Superior completo
Superior incomp.
19,4
52,8
Médio completo
Médio incompleto
Série1
11,1
5,6
Fundamental
0
10
20
30
40
50
60
(%)
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
Os dados do estudo apresentam a mesma tendência dos dados referentes a todo o
país: a verificação de melhores condições das mulheres em relação aos homens em
todos os indicadores educacionais. (IPEA, 2008). A questão a ser ressaltada nesse
sentido é que a vantagem das mulheres na educação não se traduz em maior ocupação
no mercado de trabalho, postos mais qualificados e maiores salários. As intensas
disparidades, nesse sentido, evidenciam que o aumento do nível de escolaridade das
mulheres não se reverteu em aumento de salários. Mesmo com 15 anos ou mais de
escolaridade, os salários das mulheres representam apenas 61% dos salários dos homens
(idem).
Ao se comparar escolaridade sobre a ótica da divisão sexual, o que se percebe é
uma maioria masculina em quase todos os segmentos, exceto no nível superior onde o
percentual feminino chega a ser 6 vezes maior que o masculino.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
GRÁFICO 5 – Escolaridade dos entrevistados
Escolaridade
Médio incompleto
11,8
Especialização ou mais
5,9
Superior completo
5,3
Superior incomp.
5,3
10,5
35,3
47,1
Médio completo
Médio incompleto
10,5
Fundamental
10,5
0
10
20
30
Homen
40
50
57,9
60
70
Mulher
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
Quanto ao estado civil, nota-se uma maioria de solteiros, representando 55% do
universo de pesquisa. Apenas 3% declaram união estável e 42% são casados – o que
mostra uma equivalência relativa entre solteiros e casados.
GRÁFICO 6 – Estado civil dos entrevistados
Estado Civil
3%
42%
Solteiro(a)
Casado (a)
55%
União estável
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
Na comparação feita entre sexo e estado civil dos entrevistados o que se
apresenta é um número muito maior de mulheres solteiras, representando 70,6% das
mulheres da amostra. Quanto aos homens, os casados são maioria apresentando 52,6%
dos homens da amostra. Os homens que declararam ter união estável representam 5,3%
do total de homens.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Este gráfico representa uma variável dependente da apresentada acima, onde o
grupo que declara ser casado aponta se o(a) companheiro (a) tem a mesma profissão.
Destes, 44% não compartilham a mesma profissão com seus(uas) companheiros (as) e
14% tem a profissão em comum.
GRÁFICO 7 – Profissão dos companheiros dos entrevistados
Se casado, o companheiro tem a mesma
profissão
14%
42%
Sim
Não
Não se aplica
44%
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
Em relação ao tempo de trabalho na profissão pesquisada – frentistas e policiais,
a maioria declara ter entre 1 a 5 anos de atuação. É notado também que uma parcela
representativa tem entre 5 ou mais anos de atuação na profissão atual, sendo 36,1%.
GRÁFICO 9 – Tempo de Profissão dos entrevistados
Tempo de profissão
Mais de 10 anos
13,9
Mais de 5 a 10
anos
22,2
Mais de 1 a 5 anos
36,1
Menos de 1 ano
27,8
0
5
10
15
20
25
30
35
40
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
Quanto à ocupação anterior dos entrevistados, a categoria frentista apresenta
uma maior variedade de profissões, enquanto nos policiais militares, o que se evidencia
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
é que 50% da amostra não exerceram outra ocupação, enquanto apenas 33% dos
frentistas não declaram uma ocupação anterior.
Uma variável considerada para o estudo de disparidade entre homens e mulheres
é a ocupação de cargo de chefia. Nos casos analisados, nenhuma mulher, nem policial
nem frentista está nessa condição, ao passo que 15% dos homens entrevistas exercem
funções de chefia.
Um contraponto que pode ser considerado em relação à ocupação de cargo de
chefia é o trabalho doméstico remunerado. Essas ocupações geralmente possuem baixo
valor social e são predominantemente de mulheres. Entre a população masculina
ocupada, apenas 0,9% de homens exerciam trabalho doméstico remunerado em 2006 no
Brasil. Em contrapartida, 16,5% de mulheres exerciam esse tipo de trabalho. Desta
forma, é possível afirmar que o trabalho doméstico remunerado ainda se constitui como
um espaço de atuação predominantemente de mulheres no Brasil. (IPEA, 2008). As
mulheres, portanto, ainda são mais relacionadas ao trabalho doméstico e na produção
para próprio consumo e trabalho não remunerado, enquanto os homens ocupam mais
postos com carteira de trabalho assinada e de empregador.
Dos profissionais entrevistados, apenas 8% declaram ocupar cargo de chefia. A
grande maioria, 92% dos entrevistados, não exerce função de chefia.
GRÁFICO 11 – Ocupação de cargo de chefia
Ocupa cargo de chefia
8%
Sim
Não
92%
FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010
A mulher, ao longo da história, tem ocupado setores no mercado de trabalho que
são definidos com sendo majoritariamente femininos, como saúde, principalmente a
enfermagem e a educação, por exemplo. Essas ocupações estão relacionadas à dimensão
do cotidiano doméstico das mulheres que cuidam dos filhos e administram a casa em
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
geral. Nesses casos, ou seja, nas áreas em que as mulheres são mais presentes, elas
chegam a ter uma renda média 25% superior a dos homens. Por outro lado, em se
tratando de áreas em que são maioria, os homens chegam a ganhar até 70% a mais do
que as mulheres. (IBGE, 2006). Isso indica que a desigualdade de renda apresenta duas
faces: elas são verificadas entre as carreiras e dentro das carreiras. Em ambientes
profissionais com maioria de homens, as mulheres, via de regra, ocupam posições mais
baixas e subordinadas; e, consequentemente, recebem salários inferiores.
A média de renda dos homens é de R$ 1.463,15, enquanto que a das mulheres é
R$ 1.078,76. É importante ressaltar que as rendas foram consideradas em conjunto, o
que justifica um alto desvio padrão, já que a renda de policiais é, consideravelmente,
superior à dos frentistas.
Quadro 6 - Média de renda dos(as) policiais e frentistas por sexo
Homem
Mulher
Renda
Renda
Renda
Renda
familiar
pessoal
familiar
pessoal
1867,89
1463,15
2270,58
1078,76
1500
800
1600
700
1172,80
1335,93
1522,23
625,99
Mínimo
600
565
800
550
Máximo
5500
5500
6300
2100
Média
Mediana
Desvio Padrão
Fonte: pesquisa de campo – abril de 2010.
Considerando a amplitude da renda, nos extremos também temos a mesma
tendência: o maior salário de homens, por exemplo, é o dobro do maior salário das
mulheres. Assim, isso vem reforçar os argumentos de Bruschini e Lombarde (2007) que
as mulheres ainda ganham menos do que os homens, mesmo exercendo as mesmas
funções.
Impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas:
frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG
Nesta seção serão apresentadas as visões dos colaboradores dos grupos focais
sobre a inserção de mulheres em ocupações que, tradicionalmente, foram reconhecidas
como o lugar de homens. Assim, o objetivo é de mostrar como homens e mulheres que
trabalham nos postos de combustíveis e na Policia Militar na cidade de Montes Claros –
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
MG pensam e representam o fato de mulheres estarem se inserindo e exercendo
atividades que até a alguns anos atrás eram espaços exercidos apenas por homens.
As visões dos frentistas masculinos e femininos
Quando questionados como se sentem trabalhando com homens ou mulheres na
empresa, verifica-se; pelas respostas, que tanto os homens como as mulheres que
exercem a função de frentistas nos postos de combustíveis, declararam se sentirem bem
trabalhando ao lado de pessoas do sexo oposto ao seu. A maioria deles ou delas
considerou que o local de trabalho é um ambiente harmônico e que não existe distinção
entres homens e mulheres dentro do espaço do trabalho.
Em relação à capacidade de homens e mulheres nos postos de combustíveis, as
falas mostram que, em geral, os homens consideram que todos têm as mesmas
capacidades, entretanto, alguns homens ressaltam as qualidades femininas das mulheres
na medida em que consideram que as mulheres são mais frágeis, mais criativas, mas ao
mesmo tempo, consideram que algumas atividades são pesadas para elas. As falas
abaixo são bem elucidativas para se compreender esta questão.
Tem as mesmas capacidades, só que e um pouco diferente devido ser mulher, para mim o
trabalho é mais serio, a mulher é muito companheira (colaborador 12 – homem, frentista).
Bem, acho que tem as mesmas capacidades, mas tem um toque feminino na empresa,
sobre a limpeza o toque feminino é outra coisa. (colaborador 10 – homem, frentista).
Tem sim, tem as mesmas capacidades, porém a mulher é mais delicada e o homem mais
bruto, rústico. (colaborador 18 - homem frentista).
Acho que não. Às vezes tem algum serviço bruto que não serve para mulher. (colaborador
21 - homem frentista).
Não, acho que mulheres deveriam trabalhar menos. Isso não é serviço para mulheres.
(colaborador 9 - homem frentista).
Tem as mesmas capacidades, porém entra uma questão física e a mulher sente certa
dificuldade para estar executando alguma atividade que exige certo esforço físico, no caso
dos postos de combustível e mais complicado para mulher pelo fato de elas serem muito
assediadas (colaborador 20 – homem, frentista).
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Já as mulheres consideram que não tem diferença entre os homens e mulheres
em relação às capacidades. Para elas, homens e mulheres têm as mesmas capacidades,
mas algumas também consideram que existem algumas atividades que as mulheres não
fazem tão bem quanto os homens devido à própria constituição física da mulher que é
diferente do homem.
Sim, acho que capacidade a mulher tem como o homem também tem, mas a mulher não
pega peso. Então tem que ter agilidade e atenção. (colaboradora 22 – mulher, frentista).
Acho que tem coisas que a mulher não consegue fazer tão bem quanto os homens, por
exemplo, a mulher não consegue trocar o óleo como o homem troca (colaboradora 8 mulher frentista).
Quando questionados se o fato de ser homem ou mulher ajuda ou atrapalha no
desempenho das funções nos postos de combustíveis, as falas mostram que os homens
se dividem, há uns que acham que ajuda porque as mulheres são mais cuidadosas, têm
mais jeito do que os homens para o exercício de determinadas atividades.
Ajuda, mulher é mais jeitosa em certas coisas do que o homem. (colaborador 19 –
homem, frentista).
Esse depoimento mostra que ainda persiste no imaginário dos homens que as
mulheres são mais preparadas do que os homens para o exercício de atividades que
exigem cuidar de determinada coisa ou de alguém. Isso nos remete à teoria de Suarez
(2000) quando ela considera que, desde a infância, mulheres e homens são socializados
para determinados papéis sociais. Assim como considera também Aguiar (1996), a
mulher é socializada para cumprir a função afetiva, de cuidar da casa, dos filhos e
familiares. Já os homens são socializados para cumprir a função instrumental, ou seja, de
prover a família de alimentos, vestuários enfim, de todas as necessidades familiares.
É interessante destacar que mesmo com todas as mudanças no mundo do trabalho
e consequentemente o ingresso de mulheres em postos de trabalho que antes eram
preenchidos exclusivamente por homens, ainda persiste no imaginário dos homens lugar
social diferenciado para homens e mulheres. As falas abaixo mostram como os homens
pensam em relação ao exercício da função de frentista, ou seja, eles consideram que o
fato de ser homem ajuda no exercício de suas atividades nos postos de combustíveis.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Não, tanto como no físico como no mental, às vezes homem tem mais vantagem.
(colaborador 17 – homem, frentista).
Eu acho que ajuda, porque, por exemplo, sair daqui para abastecer, trocar óleo exige
força. (colaborador 22 – homem, frentista).
Ajuda, homem é melhor de serviço do que as mulheres. (colaborador 15 – homem,
frentista).
Já as mulheres pensam de forma totalmente contrária aos homens, elas avaliaram
que não existe diferença se for homem ou mulher. Argumentam que se a pessoa tiver
alguns atributos como ser esforçada e/ou persistente ela dá conta de exercer as mesmas
atividades que as dos seus colegas.
Igual, não vejo diferença entre homem e mulher, acho que os dois trabalham bem, é só
ser esforçado ou esforçada. (colaboradora 3 - mulher, frentista).
Igual, no serviço aqui na empresa é tranqüilo tanto para homem quanto para mulher
(colaboradora 7 - mulher, frentista).
Um dos objetivos da pesquisa ainda era saber se a pessoa (homem ou mulher)
era tratada de forma diferente por causa do sexo. Pelas falas dos colaboradores nem os
homens e nem as mulheres são tratados de forma diferente por causa do sexo. Tanto eles
quanto elas consideram que, embora o atendimento da mulher seja diferente, inclusive
pela “delicadeza” da mulher, a questão do sexo da pessoa não culmina num tratamento
diferenciado por parte dos clientes.
Não, com relação a clientes, há brincadeiras, mas não há problema algum. (colaborador
17 – homem, frentista).
Não, cada um tem seu valor, é lógico que o atendimento de mulher é diferente, mas
ambos são importantes. (colaboradora 23 - mulher, frentista).
Apenas um colaborador do sexo masculino considerou que no exercício da
profissão de frentista o homem trabalha melhor do que a mulher. Isso sugere que ele
levou em conta a força física que tem que ser usada para o exercício deste tipo de
atividade. Embora a literatura sobre trabalho e gênero considere que as mulheres têm
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
ingressado em atividades que antes eram apenas masculinas, o que se percebe é que, na
prática, ainda existe uma segregação do trabalho feminino em relação ao trabalho
masculino, ou seja, as mulheres ainda são a maioria em ocupações tidas como
eminentemente femininas como recepcionistas, secretárias, enfermeiras etc. (Bruschini e
Lombarde, 2003).
Não, eu acho que nesta profissão o homem ainda faz um serviço melhor que a mulher.
Tem coisas que e a mulher ainda não dá conta de fazer. Não são todas, mas eu vejo ainda
uma grande diferença. (colaborador 14 – homem, frentista).
Os policiais masculinos e femininos
Os policiais masculinos relataram que se sentem bem trabalhando com as
policiais femininas, eles argumentam que não existe uma grande diferença entre o
trabalho de homens e de mulheres na polícia porque todas as pessoas quando vão
ingressar passam por testes físicos que são determinantes para o ingresso na corporação.
No momento da realização do grupo focal com os policiais masculinos pôde-se observar
que estes nutrem um grande carinho por suas colegas mulheres, por isso todos os
componentes do grupo relataram que sentem se bem exercendo atividades com as suas
colegas. Apenas um policial considerou a força física como um aspecto que limita o
desempenho da atividade feminina na Policia Militar, mas, no geral, as falas que
predominam são aquelas em que os homens se sentem confortáveis trabalhando com
mulheres como pode ser observado pelos depoimentos a seguir:
Bom, a experiência de trabalhar com policiais femininas é a mesma coisa de estar com
masculino, não vejo diferença nisso até mesmo porque o mesmo treinamento que eu
recebo ela também recebe. (colaborador 25 - homem, policial).
Na minha opinião antes existia um grande preconceito com a mulher na policia, hoje
não existe este preconceito, o que existe são limitações ao trabalho feminino aqui, mas
pelo fato da força física delas, é visto que as mulheres são imprescindíveis neste
serviço. (colaborador 26 - homem, policial).
Sinto-me como se estivesse trabalhando com parceiro do sexo masculino, até mesmo
porque o treinamento é o mesmo. (colaborador 28 – homem, policial).
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
As policiais também relataram que se sentem bem trabalhando com colegas do
sexo oposto uma vez que, para elas, existe uma relação de respeito e harmonia dentro da
corporação. Também pela observação durante a realização dos grupos focais, pôde-se
perceber que existe uma relação respeitosa entre homens e mulheres no ambiente da
polícia.
Sinto-me satisfeita uma vez que, meu ambiente de trabalho é harmônico não havendo
distinção entre homens e mulheres. (colaboradora 32 - mulher, policial).
Sinto-me bem já que sou respeitada e valorizada no meio policial. (colaboradora 31 mulher, policial).
Embora as policiais relatassem que se sentiam bem dentro do ambiente policial e
que existia uma relação harmoniosa com os seus colegas homens, uma policial relatou
que existem ainda alguns momentos de machismo dentro da corporação como pode ser
observado pelo depoimento abaixo:
Me sinto bem, apesar de alguns momentos ainda machistas (colaboradora 31 mulher policial).
Quando foram questionadas sobre as capacidades de homens e mulheres no
ambiente policial, as policiais, em geral, consideraram que tanto homens como mulheres
têm capacidade intelectual para o desempenho da função dentro da polícia. Mais uma
vez os policiais argumentaram que a mulher é mais atenciosa para passar as
informações para os colegas homens. De novo dá para identificar a representação da
mulher como um ser carinhoso e atencioso retornando assim a concepção de lugar
social diferenciado de homens e mulheres na sociedade como atesta Suarez (2000).
Tem mulheres que desempenham trabalho melhor que homem, um exemplo disso é pelo
fato da mulher quando está na rua e precisamos de informação de certo individuo, ela
me passa todas as informações e as características necessárias que facilitam o nosso
trabalho. (colaborador 26 - homem, policial).
A mulher tem que estar preparada para entrar na polícia, para usar os equipamentos
necessários, isso é válido não só para elas, mas também para os homens. (colaborador
30 - homem, policial).
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
As policiais femininas, mesmo considerando que todos têm a capacidade
intelectual para exercerem as atividades dentro do cotidiano da polícia, ressaltam que
dependendo do tipo de atividade a ser executada, às vezes, os homens têm mais
capacidades para uma determinada tarefa do que as mulheres e o contrário também pode
acontecer.
Capacidade intelectual entre homens e mulheres é igual, mas considero a força física
diferenciada, por isso para trabalhar da mesma forma irá depender do tipo de trabalho a
ser realizado. (colaboradora 31 - mulher, policial).
A tendência é todos trabalharem da mesma forma. E sim temos capacidades diferentes
porque somos diferentes. (colaboradora 34 - mulher, policial).
O serviço é o mesmo. Entretanto as capacidades são distintas. (colaboradora 33 mulher, policial).
Direcionando a análise para a questão se o fato de ser homem ou mulher ajuda
ou atrapalha no desempenho das funções dentro da corporação, os colaboradores do
sexo masculino consideraram que não necessariamente atrapalha pelo fato da pessoa ser
de um ou do outro sexo, mas por serem pessoas diferentes, isso influencia o exercício
das atividades profissionais. Contudo, eles não consideram isso como um fator
negativo, embora existam limitações físicas para as mulheres exercerem determinado
tipo de atividades, eles viam isso como um elemento complementar, ou seja, pelo fato
de homens e mulheres serem pessoas diferentes, eles se completam, inclusive no
cotidiano da atividade profissional.
Totalmente diferente no geral, e mesmo socialmente elas são diferentes. São diferentes
homens e mulheres, porém um completa o outro. (colaborador 26 - homem, policial).
Tem que existir mesmo essa diferença. Não é porque ela entrou neste serviço que ela
vai mudar, seu estilo tem que existir. Mas mesmo a mulher sendo diferente o
tratamento é igual. (colaborador 29 - homem, policial).
Força física entre homens e mulheres é diferente, porém tecnicamente é a mesma coisa.
(colaborador 30 - homem, policial).
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
As mulheres consideraram que o fato de ser mulher ajudava no exercício de suas
atividades já que tem atividade que só a mulher pode realizar, como uma busca numa
mulher, por exemplo.
Só ajuda, tendo em vista que tem serviço que só uma policial feminina pode realizar
como uma busca pessoal em mulheres. (colaboradora 27 - mulher, policial).
Algumas argumentaram também que o fato de ser mulher, às vezes,dificulta o
exercício de suas funções já que muitas vezes são vítimas de preconceito pelo fato da
sua condição feminina. Uma possível explicação para esta situação pode ser encontrada
na literatura corrente sobre a temática das relações sociais de gênero – discutido no
referencial teórico deste relatório – que afirma que homens e mulheres são vistos a
partir do lugar social definido previamente para ambos pela sociedade. Assim, embora
as mulheres estejam ingressando em áreas que antes eram exclusivamente masculinas
tais como: engenharia, medicina, policiais, frentistas, elas ainda são reconhecidas e
vistas como pessoas cujo lugar social preferencial é o espaço da reprodução e quando
estão inseridas no mercado de trabalho, em ocupações masculinas, como é o caso das
policiais que colaboraram com os grupos focais, elas vivem esta tensão entre o lugar
que estão e o lugar que a sociedade acha que elas deveriam estar.
O fato de ser mulher dificulta às vezes na forma como o problema é resolvido. Em
primeira instância somos vistas com preconceito. (colaborador 31 - mulher, policial).
Sim, às vezes somos privadas ou inferiorizadas em determinadas situações.
(colaboradora 33 - mulher, policial).
Por fim, em relação à questão se a pessoa é tratada de forma diferente por causa
do sexo, as falas demonstram que tanto os homens como as mulheres não veem
problemas em conviver e trabalhar com pessoas de outro sexo. Os policiais masculinos
consideraram que, no cotidiano do trabalho na Policia Militar, a relação com as colegas
é pautada por respeito e cordialidade por parte dos colegas homens. Eles destacaram
que pela especificidade das atividades desenvolvidas, na maioria das vezes, existem
muitos casamentos entre policiais, o que de certa forma facilita a relação conjugal entre
os policiais que são casados com colegas.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
A relação e tão harmoniosa que a maioria das policiais femininas é casada com
militares, algumas outras entram casadas e devido o marido não aceitar seu horário de
trabalho se separa e acaba se envolvendo com um militar, devido ser da mesma área
facilita o entendimento entre eles. (colaborador 26 - homem, policial).
Outro aspecto destacado pelas mulheres no momento da realização dos grupos
focais foi a situação de contradição que elas vivem, pois ao mesmo tempo em que são
tratadas como mulheres,( inclusive uma colaboradora relatou que sempre foi respeitada
e teve a preferência em relação aos homens, em ônibus com cadeiras para se sentar, por
exemplo) são vistas como soldados como atesta o depoimento abaixo:
Depende da ocasião. Em relação a preferências ex: cadeiras, passagem sempre me
concedem a preferência. Mas como profissional sou vista como um soldado e pela
minha capacidade de produção. (colaboradora 32 - mulher, policial).
Um aspecto interessante, a partir dos depoimentos, é que embora as mulheres
afirmassem que se sentiam bem trabalhando na Polícia Militar de Montes Claros, que
são tratadas de forma respeitosa pelos colegas homens, elas também deixaram
transparecer a partir das suas falas nos grupos focais que ainda existem no cotidiano da
corporação alguns policiais de sexo masculino que ainda têm preconceito contra
mulheres que exercem este tipo de ocupação, em relação ao ingresso e permanência de
mulheres na Polícia Militar.
Existem policiais que ainda pensam que não existe lugar para a mulher na instituição da
policia militar. Eu particularmente, não me deparei com nenhum deles, diferente de
alguns colegas. Mas este já é um comportamento em extinção. Os colegas mais novos
e/ou mais abertos, esclarecidos reconhecem a importância do trabalho da mulher dentro
da corporação. As empresas devem tratar seus empregados como pessoas diferentes que
têm qualidades, capacidades diferentes, e isso deve ser explorado para o bem de todos.
(colaboradora 36 - mulher, policial).
O que se percebe no depoimento da colaboradora acima é bastante elucidativo
para explicitar este contraste, que, mesmo que elas tentem o tempo todo passar a ideia
de que o ambiente de trabalho é harmônico, que são respeitadas devido à capacidade
que possuem para o exercício da profissão, em alguns depoimentos elas revelam que
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
ainda existe preconceito contra as mulheres que estão inseridas neste tipo de ocupação
tradicionalmente reconhecida como atividade masculina.
Em suma, pela realização dos grupos focais pode-se afirmar que os depoimentos
corroboram as análises correntes dentro da literatura nacional e internacional, já que se
observa um paradoxo. Por um lado, as mulheres estão conseguindo maior acesso no
mercado de trabalho em consequência de uma maior escolaridade em relação aos
homens, estão tendo acesso a ocupações tradicionalmente reconhecidas como
masculinas (engenharia, arquitetura, medicina, polícia – civil ou militar –, construção
civil, frentistas em postos de combustíveis, etc.). Por outro lado, embora estes avanços
sejam importantes e tenham que ser considerados, a atividade feminina ainda é marcada
por preconceito, salários mais baixos do que os dos homens que exercem as mesmas
funções, e, sobretudo, pela segregação das mulheres por causa do imaginário social que
reserva lugares diferenciados para homens e mulheres dentro da sociedade. (Bruschini e
Lombardi, 2007).
Considerações Finais
Diante do exposto, cabe indagar: é possível falar em simetria de gênero no
mercado de trabalho? Pelas argumentações apresentadas e pelos resultados da pesquisa,
é notável que ainda há muito a ser conquistado. Mesmo que as desigualdades entre
homens e mulheres já estejam minimizadas em muitas dimensões, em outras a diferença
ainda é manifesta. No que concerne ao mercado de trabalho, mesmo que as mulheres
possuam maior nível de escolaridade e qualificação, seus rendimentos ainda são, via de
regra, inferiores aos dos homens nas mesmas condições de ocupação.
Os dados da RAIS – Relação anual de informações sociais do ministério do
Trabalho e Emprego (2008) – confirmam o panorama de desigualdade discutida
teoricamente: em 2007 no Brasil, a proporção dos salários médios das mulheres, se
comparados aos dos homens, ficou em 82,8%. Se tratarmos de profissionais que
possuem nível superior, a diferença é mais significativa: os salários das mulheres
correspondem a 56% dos salários dos homens. Em Montes Claros, no universo
pesquisado, essa tendência também se verifica.
Por fim, temos colocadas as seguintes questões: O mercado de trabalho
brasileiro conta hoje com uma maior participação das mulheres – mesmo com relação às
profissões tidas como masculinas -, e mesmo que o aumento tenha sido considerável,
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
ainda é inferior com relação aos homens. As mulheres, por sua vez, apresentam
visivelmente níveis de escolaridade superiores aos dos homens e o paradoxo que se
estabelece é que, ainda assim, persistem diferenças importantes de remuneração: os
homens recebem salários mais altos do que as mulheres. Na mesma direção, a divisão
de ocupações por gênero permanece e exerce notável influência sobre a renda e outros
indicadores de qualidade de emprego de homens e mulheres.
Assim sendo, qual deve ser a base de explicação para as desigualdades entre
homens e mulheres no mercado de trabalho? O pressuposto sustentado é que a divisão
de ocupações, a participação e, principalmente a diferença de rendimento podem ser
explicados mais pelas construções sociais e culturais, que impõem valores e lugares
distintos ao trabalho de mulheres e homens do que por características técnicas ou de
escolarização.
Como discutido na contextualização teórica do presente texto, embora com
alguns avanços, ainda persiste no imaginário social de homens e mulheres que os
mesmos ocupam lugares sociais determinados que são definidos desde o início da
socialização de ambos. Portanto, já no momento da socialização, as pessoas do sexo
feminino são socializadas prioritariamente para o exercício de atividades reprodutivas e
as pessoas do sexo masculino para atividades produtivas. Isso nos leva a concluir que,
apesar dos avanços no mercado de trabalho, das mulheres estarem tendo acesso a
atividades tradicionalmente tidas como masculinas – no caso desse texto as frentistas e
policiais femininas – em relação às representações sociais, ainda há uma diferenciação
entre homens e mulheres, fato que impacta a inserção das mulheres em ocupações tidas
como masculinas. Seria, verdadeiramente, invasão de território se não fosse uma atitude
feminina em sua essência, totalmente desprovida de cunho competitivo, consequência
da incansável busca por conquistas interpretadas como materiais “aos olhos do
machismo”.
Bibliografia
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
VIOLÊCIA COTRA A MULHER:
(des) encontros terminológicos e conceituais
Ângela Fernanda Santiago Pinheiro
Mestranda pelo PPGDS
Universidade Estadual de Montes Claros / MG
[email protected]
Sarah Jane Durães
Universidade Estadual de Montes Claros / MG
[email protected]
Resumo
O fenômeno da violência contra a mulher é combatido através de ações de proporção mundial e a
promulgação de legislações específicas que se pontuam como mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar, tal como a Lei Maria da Penha no Brasil. Mesmo diante da complexidade da
violência contra mulheres, a literatura referente a esta temática não apresenta uma distinção clara e
precisa que contemple tipos de violências desta natureza. Acredita-se que a compreensão das
especificidades da violência contra mulheres e a categorização de alguns tipos de violência favorece
discussões teóricas e pode direcionar políticas públicas de combate à violência contra a mulher. O
presente trabalho é de natureza bibliográfica, tendo em vista que serão utilizados materiais como livros,
artigos, ensaios, resenhas etc., buscando realizar um levantamento teórico sobre a temática em pauta.
Tem-se como objetivo identificar, categorizar e descrever alguns tipos de violências que se consolidam na
perspectiva de gênero. Inicialmente abordaremos alguns (des)encontros terminológicos e conceituais
entre sexo e gênero, a partir das relações de poder estabelecidas tendo como ponto de partida o contrato
sexual e as origens do casamento monogâmico e do patriarcalismo.
Palavras-chave: Violência, Mulheres, Terminologias
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Introdução
As ações como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a promulgação de legislações
específicas que se pontuam como mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar, como a Lei Maria da Penha, representa um marco na desconstrução da
violência contra a mulher.
Este tipo de violência não escolhe raça, cor, idade, nacionalidade ou classe
social. Além disto, ainda são alarmantes os índices de mulheres vítimas de violência em
decorrência do seu sexo.
Diante desta problemática, acreditamos que a compreensão das especificidades
da violência contra a mulher e das categorias de tipos de violências semelhantes
contribuem para clarear algumas discussões teóricas e direcionar políticas públicas de
combate à violência contra a mulher.
Neste direcionamento, pretendemos identificar, categorizar e descrever alguns
tipos de violências que se consolidam na perspectiva de gênero, portanto buscaremos
discorrer sobre alguns tipos de violências.
Inicialmente abordaremos algumas divergências e convergências de conceitos de
sexo e gênero, das relações de poder estabelecidas tendo como ponto de partida o
contrato sexual e as origens do casamento monogâmico e do patriarcalismo.
1.
Sexo ou gênero: equívocos de um conceito
Partimos do preâmbulo de que sexo e gênero são termos distintos que
especificam contextos e realidades conceituais antagônicos. O primeiro representa uma
variável de distinção entre masculino e feminino, já o outro é uma categoria analítica,
como veremos.
Com respeito ao sexo, Beauvoir (1991) contrasta sobre os aspectos biológicos
como atributos distintivos da mulher. A partir deste preâmbulo, entende que “a mulher
não poderia ser considerada apenas um organismo sexuado (...) a consciência que a
mulher adquire de si mesma não é definida unicamente pela sexualidade. Ela reflete
uma situação que depende da estrutura econômica da sociedade” (Beavoir, 1991: 72).
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Neste sentido, para se compreender o papel da mulher na sociedade é relevante
de antemão delimitar sobre os aspectos econômicos que determinam em que conjuntura
se constituiu histórica e socialmente, ademais dos aspectos biológicos.
A este respeito, considera-se que perspectivas que destacam o papel das
mulheres apenas no que diz respeito ao processo reprodutivo, as tornam prisioneiras da
biologia, e consequentemente reforça a dependência com relação aos homens. Desta
forma, “o feminismo radical considera que para liberar as mulheres é necessário
derrotar o patriarcado. Isso só seria possível se as mulheres adquirissem controle sobre a
reprodução” (Piscitelli, 2002: 11).
Diante deste contexto, busca-se compreender como se construíram os papéis
sociais atribuídos ao homem e a mulher no discurso que envolve as relações
heterossexuais, especificamente, no contexto do patriarcalismo3.
No que concerne, especificamente, à construção social e histórica das diferenças
sexuais, Hartmann (1991: 7) pontua que “um sistema de sexo/gênero consiste num
conjunto de elementos de tal modo articulados que permitem à sociedade transformar o
sexo biológico em produto da atividade humana”.
No direcionamento da perspectiva feminista, no discurso de Joan Scott (1995) a
opção pelo gênero surge em contrapartida às distinções de sexo, com objetivo de rejeitar
o determinismo biológico que este termo incitava. Desta forma esclarece que: A palavra
indicava uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos como
‘sexo’ ou ‘diferença sexual’. (Scott, 1995: 72).
Assim, Scott (1995, p.75) apresenta a discussão de gênero como uma categoria
de análise, de forma que o estudo sobre as mulheres não se dissocia da construção do
sujeito masculino.
Partindo deste pressuposto, Louro (1997: 9) apresenta que: “[...] enquanto sexo
se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção
social como sujeito masculino ou feminino”. Desta forma, a autora esclarece os
processos de formação da feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos femininos e
masculinos centralizam as discussões, ou seja, o conceito direciona para a ideia de
relação.
3
“Pode-se definir o patriarcado como um conjunto de relações sociais entre homens, com uma base
material e que, embora hierárquico, cria ou estabelece laços de interdependência e solidariedade que
permitem a estes estabelecer sua dominação sobre as mulheres. O princípio hierárquico funciona porque
os melhor situados permitem àqueles situados abaixo exercer poder sobre quem está ainda mais embaixo,
na escala. No patriarcado, o homem mais desfavoravelmente situado tem, não obstante, a possibilidade de
exercer poder sobre uma ou mais mulheres” (Hartmann, 1991: 6).
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A partir desta premissa do estudo analítico permite-se compreender a conjuntura
histórica e social do que é ser homem e ser mulher. Entende-se, portanto, que, no prisma
da discussão de gênero, os papéis sociais atribuídos são construídos no contexto social.
Por conseguinte, Louro (1997: 10) apresenta que gênero é “fundamentalmente
como uma construção social, portanto, histórica, supõe-se que esse conceito é plural,
haveria conceitos de feminino e de masculino, social e historicamente diversos”.
A compreensão das relações heterossexuais, a partir da polaridade, contribui
para “fortalecer a posição conservadora, aceitando que, já que as mulheres não podem
ser idênticas aos homens em todos os aspectos, elas não podem ser iguais a eles”
(Louro, 1997: 14).
Além disto, as concepções que destacam as diferenças dos papéis atribuídos a
homens e mulheres numa perspectiva que não contempla a congruência presente na
relação entre estes sujeitos, contribui para perpetuação da disparidade destes.
Silveira Filho (2010: 8) compartilha desta ideia quando afirma que: “afasta-se,
assim, através do uso de conceitos estanques, qualquer possibilidade de se encarar a
questão com a complexidade que ela nos exige, percebendo que homens e mulheres
influenciam continuamente na construção de suas identidades”.
2.
Relações de poder e gênero
Como vimos, não há como abordar as relações heterossexuais a não ser a partir
da perspectiva do gênero como categoria analítica. Diante disto, partimos da
compreensão das relações de poder estabelecidas na perspectiva de gênero.
Bourdieu (2010: 50) expõe que a dominação masculina e a submissão feminina
devem ser observadas pela lógica dos efeitos duradouros impostos socialmente, que “a
ordem social exerce sobre as mulheres (e os homens), ou seja, às disposições
espontaneamente harmonizadas com esta ordem que as impõe”.
Além de que a concepção do “ser mulher”, como apresenta Bourdieu (2010: 82),
é constituída no discurso da diferença, ou seja, na figura do masculino. Em
consequência, “a dependência em relação aos outros (e não só os homens) tende a se
tornar constitutiva de seu ser”.
Também a masculinidade se constitui no processo de interação com a figura do
feminino. A este respeito Beauvoir (1991: 78) discorre que a mulher é “para o homem
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
uma parceira sexual, uma reprodutora, um objeto erótico, um Outro através do qual ele
se busca a si próprio”.
Através de um diálogo com as teorias clássicas do contrato social, como Locke,
Rosseau e Hobbes, Carole Pateman (1993) estabelece uma conexão do estudo do
patriarcado e da teoria política para compreender as relações heterossexuais e como
estas se organizam em torno dos papeis sexuais desempenhados.
Ao abordar o termo “contrato sexual” a autora levanta questionamentos sobre a
dominação dos homens sobre as mulheres, temática não contemplada pelos teóricos
clássicos.
Sobre a relação entre o contrato sexual e o patriarcado, Paterman (1993: 35)
esclarece que, “no patriarcado moderno, a diferença entre os sexos, é apresentada como
uma diferença essencialmente natural. O direito patriarcal dos homens e sobre as
mulheres é apresentado como um reflexo da própria ordem da natureza”.
Diante desta vertente, “o patriarcado é entendido, então, como um problema
privado e familiar que pode ser resolvido se as leis e políticas públicas tratarem as
mulheres como sendo exatamente iguais aos homens” (Pateman, 1993: 35).
Por outro lado, quando teorias feministas comparam as mulheres a
trabalhadores, por sua posição de subordinação, Pateman (1993: 192) entende que: “o
contrato de casamento e a subordinação da esposa como um (tipo de) trabalhador não
podem ser compreendidos na ausência do contrato sexual e da construção patriarcal dos
‘homens’ e das ‘mulheres’ e de esferas ‘privada’ e ‘pública”.
O papel social da mulher, desempenhando a função de esposa, equipara-se a
subordinação do trabalhador. Por conseguinte, o contrato de casamento deve ser
analisado na perspectiva do contrato sexual e contextualizado à construção patriarcal.
Já, nos anos 70 e meados dos anos 80, a crítica feminista buscou, a partir de
grandes teorias, encontrar saídas para o estudo das desigualdades sexuais. A
interlocução entre marxismo e feminismo, do ponto de vista teórico e político, destaca
pontos de identificação quanto à transformação profunda das relações sociais, seja dos
aspectos relacionados às desigualdades entre os sexos, quer entre classes (Scavone,
1991).
Sobre o reconhecimento da questão feminina como questão feminista, Scavone
(1996) aborda que Engels, em especial, e outros pioneiros marxistas, somente
reconheciam a questão feminina, sendo já o suficiente para se tornarem interlocutores
do feminismo.
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No entanto, as duas teorias, tanto a feminista quanto a marxista, apresentam
perspectivas de transformação profunda das relações sociais entre homens e mulheres.
Sendo assim, pontua-se que o principal impasse do diálogo entre feminismo e marxismo
está “na superação de um determinismo único e no reconhecimento da complexidade de
uma realidade social multifacetada, cuja transformação passa pela reformulação das
relações de poder em todos os níveis” (Scavone, 1991: 111).
Deste modo, apesar de alguns impasses, o diálogo do marxismo e feminismo
favorece a compreensão a respeito dos papéis sociais e desigualdades dos sexos. Nesta
perspectiva, quanto às contribuições de Engels as teorias do movimento feminista,
Scavone (1991: 111) afirma que as análises a partir origem da família “foram
importantes instrumentos de denúncia política para o feminismo, ao mesmo tempo que
contribuíram na busca de explicações das raízes das desigualdades entre os sexos”.
Neste âmbito, Engels (s/d) apresenta as transformações e constituição do que
entendemos hoje como família. Portanto, ressalta o casamento monogâmico como fator
que exerce influência na formação do papel social desempenhado enquanto esposa
submissa ao poder masculino.
Para Engels (s/d: 64), a perda do direito materno representou a derrota do sexo
feminino, tem em vista que “O homem tomou posse também da direção da casa, ao
passo que a mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do
homem e em mero instrumento de reprodução”.
A este respeito, Scavone (1991: 108) afirma que, mediante o Direito Materno
“as mães gozavam de apreço e respeito que chegava até o domínio absoluto, [...] sugere
que a existência de um período de poder das mulheres que elas perderam com a
passagem para a monogamia”.
Com a transição do casamento pré-monogâmico para o monogâmico, observa-se
que em prol dos interesses capitalista e da propriedade privada vê se o usufruto do
homem sobre sua esposa, tendo no seu direito de posse a garantia de tê-la como
propriedade, não lhe sendo contestado nem mesmo o exercício da violência.
Diante disto, Engels (s/d: 65) cita que: “Para assegurar a fidelidade da mulher e,
a paternidade dos filhos, a mulher é entregue incondicionalmente ao poder do homem.
Mesmo que ele a mate, não faz mais do que exercer um direito seu”.
Sobre o ato de violência do esposo, também Saffioti (2001: 115) esclarece que
“No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta
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das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da
sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio”.
Esta compreensão entende o ato de violência exercido pelo marido como o
direito de posse, a partir da relação estabelecida de dominação e submissão. Até mesmo
o homicídio da esposa seria entendido então exercício de direito de propriedade
particular.
3.
De quais violências estamos falando?
As relações de poder, em específico, são pontos cruciais para se compreender a
problemática da violência contra mulheres. Nesta perspectiva, distinguem-se tipos de
violência que descreveremos.
Conforme definição do Diccionario Crítico del Feminismo (2002):
São multiformas as violências exercidas sobre as mulheres por razão de seu sexo.
Englobam todos os atores que, por médio da ameaça, a coação ou a força, as infligem na
vida privada ou pública, sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos, com o fim de
intimidar, castigar, humilhar ou afetar sua integridade física e sua subjetividade (Hirata;
Laborie; Le Doaré; Senotier, 2002: 291).
Desta forma, discorreremos sobre alguns tipos de violências, com o intento de
descrever e identificar similitudes e diferenças entre estas. São elas: 1) violência contra
mulheres ou violência de gênero 2) violência intrafamiliar ou violência doméstica; 2)
violência física; 3) violência machista ou violência moral; 4) violência simbólica ou
violência psicológica; 5) violência patrimonial, institucional e outras.
3.1
Violência contra mulheres ou violência de gênero
Iniciamos as discussões a respeito das distinções entre os tipos de violência a
partir da perspectiva de Debert e Gregori (2008) que situam sobre a noção do uso de
deslocamentos semânticos de violência contra mulheres.
Apesar de não ser a intenção principal destes autores, estes citam quatro
expressões usadas para distinguir os tipos de violência, são elas: violência contra a
mulher, violência conjugal, violência doméstica e violência familiar.
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Especificamente, sobre a terminologia violência de gênero, Debert e Gregori
(2008: 167) julgam relevante distinguir o conceito de gênero no âmbito jurídico. Assim
apresentam que: “O conceito de gênero, principalmente nos estudos que têm como
referência o sistema de justiça, foi incisivo na crítica à vitimização, que compreendia as
mulheres como vítimas passivas da dominação”.
Já Saffioti (2001: 115) entende que a “violência de gênero é o conceito mais
amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos”.
Neste sentido, Saffioti (2001) justifica a permanência em separado dos termos
violência de gênero, violência contra mulheres, violência doméstica e violência
intrafamiliar, principalmente, pela necessidade em definir os agentes da agressão e quais
são as vítimas. Assim, a violência contra mulheres não só configura os homens adultos
como agressores, mas “inclui mulheres em todas as idades, mas exclui homens em
qualquer etapa” (Saffioti, 2001: 134).
Para Falcke & Wagner (2011: 150) retomam sobre as distinções terminológicas
a partir do entendimento de que esta discussão traz a tona:
[...] o caráter unidirecional ou relacional da violência entre os cônjuges, pois as
terminologias ‘violência de gênero’ ou ‘violência contra a mulher’, ao mesmo tempo
que tem o mérito de destacar a preponderância dos casos de violência do homem
direcionada à mulher, concomitantemente, acabam refletindo uma perspectiva
unidirecional e dualista do fenômeno”.
3.2
Violência Intrafamiliar ou violência doméstica
Os termos “familiar” e “doméstica” são consagrados pela Lei Maria da Penha e
empregados atualmente em âmbito judicial. Apesar de alguns teórico apresentarem que
a nomenclatura violência doméstica "não especifica o vetor da agressão, embora seja
muito mais raro que mulheres agridam física e sexualmente homens do que o oposto"
(Saffioti, 2001: 134).
A este respeito, Debert e Gregori (2008: 170) alertam que o uso do termo
doméstica reduz os problemas e compromete a compreensão no sentido de que: “à
dimensão familiar (...) aparece como uma expressão englobadora das mazelas da
sociedade brasileira e passa a ser confundida e usada como sinônimo da violência contra
a mulher, da violência contra a criança ou ainda da violência contra o idoso”.
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Cada uma destas especificidades, mulher, criança ou idoso como vítima
apresentam aspectos diferenciados no que se refere aos aspectos teóricos e práticos na
compreensão da violência.
Quanto à violência intrafamiliar, para Saffioti (2001: 135) este termo “apresenta
grande sobreposição com a doméstica, restringe-se a pessoas ligadas por parentesco
consanguíneo ou por afinidade”.
3.3
Violência física
Em Mulheres invisíveis: violência conjugal e novas políticas de segurança,
Soares (1999) traça um panorama sobre a problematização da violência contra
mulheres. A autora contextualiza o movimento feminista americano que definiu a
violência doméstica como um problema social e transformou-a em bandeira de luta, nos
anos 70. Em contraponto, apresenta o modelo da violência doméstica que não reconhece
a especificidade da violência de gênero.
Conforme Soares (1999: 82), as discussões sobre violência contra mulheres,
pouco a pouco, alteram os rumos do próprio movimento com a incorporação de
profissionais como psicólogos (as), assistentes sociais, advogados (as), sociólogos (as),
conselheiros (as) e voluntários (as). Ao longo da década de 80, passaram a incorporar
novos e múltiplos agentes e vítimas. Além disto, com a relação entre vitimização
infantil e futuro comportamento agressivo, as imagens de vítima e agressor acabam se
misturando. Sendo assim, “ao contrário, na visão feminista, segundo a qual a violência é
um exercício de poder e controle masculinos, a ideia de estresse tem pouco ou nenhum
valor explicativo” (Soares, 1999: 92).
Azevedo (1985) esclarece que, apesar de reconhecer as formas de violência
familiar, concentra-se sobre a violência de natureza física, por entender que esta é a
ponto do iceberg. Neste sentido, define violência física como:
[...] no uso intencional da força física praticado por um homem contra sua esposa ou
companheira com o propósito de 1) causar dor ou ofensa como um fim em si (violência
expressiva); 2) empregar a dor, ofensa ou cerceamento físico como punição destinada a
induzir a vítima a realizar determinado ato (violência instrumental); 3) combinar ambos
os objetivos anteriores (Azevedo, 1985: 21).
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Especificamente a respeito da violência física, Biasoto (2003: 244) aborda que:
“a agressão física surge para pôr fim aos sentimentos incômodos gerados por uma
diferença de opiniões, de pontos de vistas, é uma maneira de encarar a angústia do
conflito, apaziguar um tormento no relacionamento com o outro”.
Para Bisoto (2003: 244), “a violência física usualmente ocorre em uma
sequência de outras interações, não necessariamente apenas a ameaça física, mas trocas
verbais violentas que afetam a todos”.
3.4
Violência machista ou violência moral
Definida na Lei Maria da Penha nº 11304 / 2006, art. 7º, inciso V, como:
“qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”, a violência moral parte
do pressuposto de concepção da mulher como objeto, coisificado e de propriedade do
esposo.
Diante da observação sobre os fatores que desencadeiam os atos de violência
contra mulheres, e em comparação ao sistema capitalista, quando a mercadoria é tida
como moeda de troca, e ao mesmo tempo garante o estatus social que representa poder
para o possuidor, Lia Zanotta Machado em Feminismo em Movimento esclarece a
respeito da representação das mulheres que estas podem ser alvo de violências já que
são coisificadas. Assim cita que:
Se a economia da mercadoria possibilita a objetivicação e reitificação de pessoas e
objetos de tal forma que as mulheres também podem aparecer como objetos, objetos
mercantis e objetos de violência; nas sociedades melanésias, a dominação masculina
estabelecida em atos de bater nas mulheres se circunscreve a formas de agencialidade
masculina que buscam a replicação do prestígio dos homens entre os homens pelo bater
nas mulheres, sem que as relações de dominação sejam capazes de englobar todas as
relações entre homens e mulheres (Machado, 2010: 89).
Saffioti (1987: 78) refere-se às relações de dominação-exploração de gênero,
desigualdade de gênero entendendo que “Se todos os membros da sociedade tivessem as
mesmas oportunidades, partissem das mesmas condições no processo de luta pela vida,
as leis deveriam ser iguais para todos”.
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Portanto, como são desiguais perante as discriminações patriarcais, “parece clara
a necessidade de um Direito desigual no tratamento dos seres humanos socialmente
desiguais” (Saffioti, 1987: 79).
3.5
Violência simbólica ou violência psicológica
Discutir sobre violência simbólica no contexto da violência contra mulheres
contribui para compreender a realidade obscura a qual mulheres agredidas por seus
parceiros fazem jus.
Bourdieu (2010: 7-8) resume o que apresenta como dominação masculina, como
resultante de:
[...] violência simbólica, violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas,
que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em
última instância, do sentimento.
Desta forma, a teoria apresenta por Bourdieu (2010: 52) não desconsidera que “o
poder simbólico não é exercido sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que
se subordinam a ele porque o constroem como poder”.
Pelo contrário, reconhece que há fatores das estruturas cognitivas construídos
socialmente e, portanto, representam “inscritos duradouramente no corpo dos
dominados sob forma de esquemas de percepção e de disposições (a de admirar,
respeitar, amar etc) que o tornam sensível a certas manifestações simbólicas do poder”
(Bourdieu, 2010: 53).
Já a violência psicológica é definida na Lei Maria da Penha como:
[...] a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento,
vigilância
constante,
perseguição
contumaz,
insulto,
chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Artigo 7º, inciso II).
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
3.6
Violência patrimonial, institucional e outras
A violência patrimonial aparece pela primeira vez no âmbito legislativo
nomeado na Lei Maria da Penha nº 11304 / 2006, em seu artigo 7º, inciso IV, entendida
como: [...] qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou
total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e
direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Sinalizamos que a apresentação da violência patrimonial tipificada e definida
em uma legislação representa um marco quanto à compreensão da violência contra
mulheres, no sentido de agregar um componente até então desprezado.
Relações conjugais pautadas em prejuízos patrimoniais para as mulheres podem
ser, a partir desta legislação, configuradas como formas de violência passível de punição
assim como outras formas de violências descritas na legislação brasileira.
Assim como a violência patrimonial, outras terminologias aparecem no contexto
da violência contra mulheres, tais como a violência institucional, a violência conjugal,
dentre outros. No entanto, opta-se por restringir, nesta pesquisa, às tipologias descritas.
4.
Considerações Finais
A clareza e entendimento das distinções terminológicas em torno das violências
que tem a mulher como vítima e o homem / esposo (parceiro) como agressor justificase, sobretudo, por facilitar o posicionamento consciente diante das diversas abordagens
teóricas que circundam esta problemática.
Além disto, concordamos que os encontros e desencontros terminológicos e
conceituais sobre a violência contra a mulher envolvem aspectos econômicos, históricos
e sociais que também devem ser contemplados e abordados.
Concluímos ressaltando que além dos tipos de violência outros podem ser
apresentados e discutidos, o que abre possibilidades de outras pesquisas sequenciais.
Portanto, as conceituações e levantamentos teóricos abordados não encerram o
aprofundamento em torno desta temática.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
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DESIGUALDADE SOCIAL E GÊERO O BRASIL:
considerações sobre velhas e novas exclusões sociais
Ângela Fernanda Santiago Pinheiro
Mestranda pelo PPGDS
Universidade Estadual de Montes Claros / MG
[email protected]
Sarah Jane Durães
Universidade Estadual de Montes Claros / MG
[email protected]
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar algumas desigualdades sociais vivenciadas pelas mulheres a partir da
década de 1990, a partir de teorias em torno das desigualdades sociais e relacionadas às de gênero.
Apresenta alguns dados estatísticos relacionados às desigualdades de gênero, inclusive a partir de índices
sociais gerais e específicos - como, o Índice de Desenvolvimento Ajustado ao Gênero e a Medida de
Participação segundo o Gênero -, para demonstrar diferentes condições vivenciadas entre os sexos
masculino e feminino. Busca-se evidenciar que, em decorrência das desigualdades de gênero, diferentes
políticas públicas têm sido propostas como estratégias que articulam o desenvolvimento à melhoria das
condições sociais femininas. Estratégias essas que se caracterizam pela consolidação de políticas que
buscam, por exemplo, uma maior representação política nas diferentes esferas de governo, em programas
de capacitação para o trabalho, em cargos de chefia em diferentes setores produtivos ou em cursos
universitários. Conclui-se que a condição de agente da mulher tem contribuído para a redução das
disparidades de gênero em beneficio da liberdade e justiça social, ainda que se constate um incipiente
avanço brasileiro em relação aos índices internacionais.
Palavras-chave: Desigualdade, Gênero, Exclusão social
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Introdução
Ainda que a análise que será apresentada neste artigo vá ao encontro de algumas
teorias sobre o desenvolvimento, desigualdade e exclusão social, a centralidade da
mesma dar-se-à em torno dessas perspectivas relacionadas às questões de gênero 4 ,
privilegiando mais especificamente algumas análises teóricas e empíricas acerca de
condições sociais de mulheres.
Tem-se por objetivos considerar o papel da mulher como agente ativa no
processo de problematização de desigualdades sociais e algumas formas de mensurar
mudanças sociais que corroboram para a redução ou extinção de desigualdades e da
violência de gênero. Nesse sentido, será destacada a discussão sobre desenvolvimento
como um processo que pode favorecer ou restringir escolhas e oportunidades da
população e, no caso específico, de mulheres.
Desenvolvimento, Desigualdade e Exclusão Social
Não é nosso propósito apresentar aqui as principais correntes sociológicas,
políticas e econômicas sobre o desenvolvimento5, no entanto, constatamos que, para o
objetivo que propusemos, é impossível escapar de algumas polêmicas em torno delas.
Desse modo, passamos a apresentar ao(a) leitor(a) algumas considerações que julgamos
necessárias.
A primeira refere-se ao fato de se identificar na literatura acadêmica a
tendência a considerar que o desenvolvimento, como teoria política, sociológica e
econômica, se originou nos Estados Unidos, especialmente a partir da política adotada
por Harry Truman6, então presidente do país, no ano de 1949. Assim sendo, tem sido
muito mais recorrente vincular o desenvolvimento como um processo resultante da
Segunda Guerra Mundial e da política de Guerra Fria, liderada pelos EUA. Todavia, ao
4
O gênero ou relações sociais de gênero foi uma categoria adotada a partir de 1970 para garantir o status
científico de análises realizadas sobre diferentes condições sociais vivenciadas pelas mulheres. Passados
40 anos, os estudos em torno da categoria gênero, ademais de ser considerada por alguns e algumas como
sinônimo de mulher, tem abarcado análises acerca da construção de feminilidades e masculinidades,
inclusive no que diz respeito às identidades homossexuais.
5
O(A) leitor(a) pode obter uma caracterização das principais teorias sobre desenvolvimento a partir do
estado da arte realizado por Payne e Phillips (2012).
6
Em seu discurso de posse o então presidente propõe uma política de desenvolvimento que deveria
chegar às regiões mais pobres do planeta e, ademais, menciona o compromisso norte-americano de
concretizar tal processo (Payne; Phillips, 2012).
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encontro do que evidenciam Payne e Phillips (2012), as bases para a análise
contemporânea sobre o desenvolvimento podem ser identificadas em teorias clássicas
como a de Adam Smith, Karl Marx e Max Weber.7 Ou seja, alguns fundamentos da
economia e da política que subsidiaram, a partir de 1950, as propostas de
desenvolvimento podem ser identificadas em momentos anteriores a este período.
Assim sendo, ressaltamos a nossa segunda consideração que diz respeito à
historicidade do conceito. Ou seja, tanto teórica como política e economicamente o
desenvolvimento tem sido proposto e designado de diferentes maneiras. Como palavra
tem sido usada em discursos políticos e econômicos, tem sido título de muitas
organizações internacionais – como, por exemplo, o Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento-PNUD e o Banco Internacional para a Reconstrução do
Desenvolvimento-BIRD –, e tem agregado adjetivações como econômico, social,
sustentável... Tais evidências demonstram a fluidez do conceito e, ao mesmo tempo, a
necessidade de reportar às diferentes teorias do desenvolvimento. O que há de consenso
entre os teóricos é que, quando se trata de desenvolvimento, não se encontra uma
definição universal (Turner, 2002; Rodrigues, 2009; Payne; Phillips, 2012).
Também é necessário considerar que no período de 1960-1980 o pensamento
hegemônico por parte de alguns governos e economistas, por exemplo, era o de
considerar como sinônimos os termos desenvolvimento econômico e desenvolvimento
social. Geralmente consideravam que através do crescimento econômico acelerado por
consequência seriam obtidas melhores condições sociais para a população mais pobre.
Todavia, a realidade apresentada desde a década de 1990 tem demonstrado que essa
concepção do derrame foi um equívoco. Ou seja, o caminho para o desenvolvimento é
complexo e as evidências demonstram que “sem desenvolvimento social paralelo, não
haverá desenvolvimento econômico satisfatório” (Kliksberg, 2002: 34). Mediante
constatação, análises recentes têm evitado essa relação, exceto quando aliada a outros
fatores, ou seja, desenvolvimento econômico juntamente com melhoria de renda, saúde
e educação, com influência na redução das diferentes condições sociais existentes entre
ricos e pobres, mulheres e homens, negros e não-negros, e outros tantos segmentos
sociais.
7
Ainda que os autores clássicos em pauta apresentem divergências substanciais entre si sobre as teorias
econômicas e políticas, vale destacar a importância dos seus argumentos sobre a importância do trabalho
(humano), o mecanismo do mercado capitalista e a relação deste com os interesses do Estado.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
Autores como Polanyi (2000), Rist (2002) e Bajoit (2006) têm oferecido um
largo debate em torno do desenvolvimento e, sobretudo, da sua relação com as
desigualdades sociais. Polanyi (2000), por exemplo, aborda que não é nato do ser
humano ter o ganho como objetivo. Já Rist (2002) traça e demonstra que o processo
pelo qual o desenvolvimento veio a tornar-se o paradigma dominante de medir as
relações sociais resulta em expressão de interesses de certos segmentos. Bajoit (2006),
por outro lado, considera desenvolvimento como uma integração e gestão das
contradições.
Como esses autores, Castel (1998) também tem contribuído de forma muito
significativa com as teorias do desenvolvimento. Ele tem suscitado diferentes
questionamentos no âmbito de desenvolvimento quando discute sobre a questão social
como produto e expressão da contradição entre capital e trabalho. Segundo o autor em
pauta, a partir da tomada de consciência das condições de existência das populações,
desde a Revolução industrial, as pessoas são, ao mesmo tempo, os agentes e as vítimas
do processo.
Ainda que esses autores apresentem teorias diferenciadas - mediante argumentos
oriundos da economia, da política e/ou sociologia, por exemplo -, pode-se ressaltar que
existente uma convergência no sentido de considerar a desigualdade social como o
ponto nevrálgico das políticas de desenvolvimento. Com base nesse argumento, não tem
sido poucas as perguntas em torno do que corresponde à desigualdade social.
Esclarecemos ao(a) leitor(a) que é possível identificar que algumas perguntas em torno
da desigualdade social buscam esclarecer o seu conceito, os critérios de sua
identificação e mensuração e, sobretudo, estratégias para a sua eliminação.
Silva (2010: 113) define que “desigualdade social pressupõe a apropriação ou
usurpação privada de bens, recursos e recompensas, implicando competição e luta”. A
partir de tal conceito cabe-nos perguntar: quem usurpa, qual sujeito sofre esta ação e
qual é o objeto usurpado. Essas perspectivas são amplamente discutidas por esse autor
quando ele apresenta diferentes sujeitos que usurpam e são usurpados e, ao mesmo
tempo, diferentes objetos.
Ademais, o autor em pauta menciona que algumas pessoas têm evitado usar
desigualdade e que passaram a usar o termo exclusão social. Aspecto que também pode
ser confirmado em Castel (2000: 31), quando ele diz que no final do século XX houve
uma substituição da luta contra a desigualdade por uma luta contra a exclusão.
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Ainda que consciente das controvérsias em torno de exclusão social8, os seus
conceitos podem ser, pelo menos, agregados a partir de três perspectivas diferentes. A
primeira, ao encontro dos argumentos durkheimianos, considerando a exclusão social
“como perda do laço socio-moral”; a segunda, conforme Marx Weber, como
“fechamento social ou usurpação de recursos por parte de determinado grupo estatutário
frente aos demais”; e, por último, uma terceira perspectiva, a marxista, que considera a
exclusão como a “desapropriação dos meios de produção e de demais recursos políticos
e simbólicos, incluindo a participação em processos de decisão política” (Silva, 2010:
128).
Desigualdade e exclusão social são aspectos amplamente reconhecidos tanto no
cotidiano das pessoas como nas teorias e, concordamos com Silva (2010), que diante
desta constatação é necessário articular desigualdade e exclusão social. Desse modo, a
primeira consideração entre os dois termos é a de que a desigualdade tem prioridade de
análise em relação à exclusão social. O segundo aspecto, diz respeito ao fato de que,
“ainda que a exclusão social recrie e inclusive reforce certas formas de desigualdade, ela
própria é, antes de nada, um produto, um corolário do próprio sistema de desigualdades
sociais” (Silva, 2010: 128). Por último, “enquanto desigualdade seja um fenômeno
socioeconômico, a exclusão seria mais sociocultural” (ibidem).
Um dos aspectos que mais nos inquietam com relação às análises da
desigualdade diz respeito ao fato de ela ser considerada, algumas vezes, como sinônimo
de diferença. Ou, no mesmo escopo dessa análise, de a diferença ser considerada como
antinomia da igualdade. Sobre isso argumentamos que existe um equívoco analítico já
que a antinomia de desigualdade é a igualdade e de diferença é semelhança (Cury, 2002;
Colling, 2004). Tal debate, inclusive, tem sido muito suscitado dentro do campo
jurídico quando se trata de estratégias por parte do estado e/ou de instituições sociais
que visam garantir direitos a grupos que historicamente têm sido tratados
desigualmente, quer seja por motivos econômicos e/ou culturais. Como exemplo podese recorrer às polêmicas que giram em torno das cotas universitárias para estudantes
negros e/ou oriundos de escola pública. Em síntese, a pergunta que tem sido muito
8
Silva (2010) apresenta uma revisão do conceito desde teorias clássicas a algumas mais contemporâneas
e demonstra que, apesar de teorias sociológicas possuírem diferentes perspectivas paradigmáticas, elas
buscam evidenciar empírica e teoricamente os sujeitos que tem sido incluídos e excluídos de uma
determinada prática social. Vale conferir tais aspectos quando o autor reporta, especialmente, às teorias de
Emile Durkheim e de Karl Marx.
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recorrente consiste no fato de identificar se uma determinada estratégia de
reconhecimento da diferença contraria ou não o direito de igualdade.
Outro aspecto a considerar se refere ao fato de que, dependendo da prática social
em
análise,
desigualdade,
igualdade,
exclusão
e inclusão
podem
não
ser
necessariamente excludentes. Ou seja, ainda que uma pessoa não seja tratada como
desigual economicamente, ela pode ser tratada por outro motivo – de sexo, raça/etnia ou
geração, por exemplo – de forma desigual ou pode depara-se com uma prática social
específica onde ele/ela pode estar propenso mais ou menos à determinada relação de
exclusão social.
Sobre isso, pode-se considera que uma pessoa, embora detentora de uma renda
considerada alta em certo contexto, possa se sentir igualmente desprovida de laço social
com aqueles que possuem a mesma condição. Se se considera essa pessoa não somente
pela sua condição econômica, mas, também, pela sua condição de ser mulher, outras
tantas relações de desigualdade e de exclusão podem ser identificadas e podem estar
entre elas combinadas. Nesse contexto, como iremos evidenciar mais adiante, também é
possível dizer que algumas mulheres possam viver uma relação de inserção excluída.
Tais aspectos têm servido para orientar a busca de construção de índices que
melhor retratem a realidade da população mundial. Ao encontro desse argumento, a
Organização das Nações Unidas-ONU instituiu em 2010 o índice para avaliação da
pobreza por meio do coeficiente GINI9. Segundo esse indicador, o Brasil registra o maior
índice de desigualdade entre os países da América Latina. Além das dificuldades de
acesso a uma renda maior, no caso da população pobre, dados constatam maior
disparidade “quando avaliado o critério de gênero e etnia, em que as mulheres e a
população afrodescendente e indígena estão em condições ainda mais desfavoráveis”
(Comin, 2010).
Quanto às exclusões sociais do Brasil, é possível comprovar nos dados
censitários deste país que, desde 1990, ademais dos tradicionais tipos padecidos pelos
analfabetos, imigrantes, mulheres, famílias numerosas e população negra, somam-se
novas formas como a exclusão de jovens e de pessoas maiores de 40 anos no mercado
de trabalho, ademais de formas de exclusão de preconceito e apartação social
(Pochmann; Amorim, 2003). As novas exclusões sociais têm sido consideradas como
9
O GINI foi criado pelo economista italiano Corrado Gini e tem sido uma dos indicadores mais usados
pela economia para identificar a dispersão da distribuição de renda, consumo, saúde ou qualquer outra
espécie, mediante medida estatística de desigualdade entre as pessoas (cf. Gonzalez Abril et alli, 2010).
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resultado de uma concepção de desenvolvimento que se encontra inserido no marco da
globalização de mercados, modernização do Estado e descentralização. Nesse contexto,
diante das novas organizações políticas e econômicas, as velhas e novas exclusões
sociais têm gerado controvérsias sobre os conceitos e práticas de desenvolvimento
adotados pelos governos.
Comparando-se os dados de concentração de exclusão social brasileira entre os
anos 2000 e 2002, Pochmann e Amorim (2003) evidenciaram que ela ficou maior de
modo geral e mais especificamente nas regiões sudeste e nordeste. Entre os diferentes
motivos atribuídos ao crescimento, consideramos que os mais significativos foram: o
grau de segmentação regional do mercado de trabalho, o papel do mercado de trabalho
no processo de geração e transformação da exclusão, a experiência dos trabalhadores no
mercado de trabalho e de sua escolaridade, por exemplo.
Desenvolvimento e Desigualdades de Gênero
Ester Boserup 10 afirmou que na década de setenta a maioria dos projetos de
desenvolvimento
não
somente
desconsiderava
as
mulheres
como
também
frequentemente as prejudicavam. Ela evidenciou que as mulheres não eram
privilegiadas nas políticas de desenvolvimento e tampouco nas relativas à economia
produtiva. Seus argumentos influenciaram sobremaneira as discussões que passaram a
ocorrer desde então sobre a relação entre desenvolvimento e gênero.
Sumariamente, Parpart (1995) evidenciou que as políticas de bem-estar,
referentes ao período de 1950-70, os governos tentavam satisfazer a necessidades
femininas a partir do pressuposto geral das condições de esposa e mãe. Quando nos
anos 1970-85, as mulheres passaram a ser reconhecidas como geradoras (secundárias)
de entrada no lar. A perspectiva do desenvolvimento, implantada na década de 1980,
resultou de uma valorização econômica do trabalho de mulheres como fator produtivo,
inclusive com ênfase nas atividades produtivas e comunitárias de mulheres.
Praticamente somente a partir de 1990, inclusive na América do Sul, os governos
começaram a fazer um planejamento específico com a perspectiva de mulher e/ou
gênero. Entretanto, ainda que aparentemente neutros, os processos de desenvolvimento
tendem a traduzir a supremacia masculina.
10
Em 1974, a autora em questão, publicou um estudo pioneiro que se propôs a analisar o papel das
mulheres no desenvolvimento econômico.
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Em razão da mobilização e reivindicação das mulheres foram surgindo
gradualmente programas específicos destinados a elas nas agências de desenvolvimento.
Entre
eles
mencionamos
que
o
programa
denominado
Mulheres
para
o
Desenvolvimento (Women for Development) tem obtido sua legitimidade nos ciclos que
fazem discussões sobre desenvolvimento, onde, segundo os especialistas, constatam que
as mulheres têm estabelecido uma linha para as agências de desenvolvimento (Parpart,
1995: 227). Todavia, existe uma corrente que considera que existe uma necessidade de
mudar o termo mulheres por gênero, assim como mulheres em desenvolvimento por
gênero e Desenvolvimento. A substituição poderia medir, entre outros aspectos, a
mudança de normas e ideologias de políticas, independente das identidades masculinas
e femininas.
Diante do exposto, nota-se que mensurar as desigualdades na perspectiva de
gênero é algo que requer pluralidade de indicadores, já que as diferenças entre homens e
mulheres aparecem, muitas vezes, de maneiras sutis e observadas tanto em países ricos
como pobres, em diversas partes do mundo (Sen, 1993: 6).
Como reconhecimento de que as desigualdades no nível de gênero caracterizam
como um obstáculo para o desenvolvimento humano foi instituído em 1995 o Índice de
Desenvolvimento Ajustado ao Gênero-IAG e a Medida de Participação segundo o
Gênero-MPG. A partir destes, em 2010, criou-se o Índice de Desenvolvimento de
Gênero-IDG que pretende possibilitar uma análise quantitativa das desigualdades ao
nível do gênero. O IDG engloba três dimensões: do trabalho, da capacitação e da saúde
reprodutiva11.
O Informe Regional sobre Desarrollo Humano para América Latina y Caribe –
2010, elaborado pelo PNUD, atribui a perda do desenvolvimento humano às
desigualdades existentes entre homens e mulheres nesses países. Quando se considerou
para analisar as desigualdades entre eles, ademais dos aspectos e saúde, educação e
salário, percebeu-se que as desigualdades se tornavam mais evidentes. Se se toma, por
exemplo, a participação das mulheres nas decisões políticas, o acesso a oportunidades
profissionais, a participação em decisões econômicas e o poder de decisão que tem
11
O IDG baseia-se em 5 indicadores relacionados com 3 dimensões e cujos valores variam entre 0 e 1. A
dimensão do trabalho inclui o indicador da participação da força de trabalho; a dimensão da capacitação
avalia os indicadores da realização educativa e da representação parlamentar e, finalmente, a dimensão da
saúde reprodutiva, que remete para os indicadores da fertilidade adolescente e da mortalidade materna.
Disponível
em:
http://pascal.iseg.utl.pt/~cesa/index.php/dicionario-da-cooperacao/Glossary1/I/%C3%8Dndice-de-Desigualdade-de-G%C3%A9nero-(IDG)-262/
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
sobre os recursos econômicos, nestes casos a desigualdade entre homens e mulheres é ainda
maior (PNUD, 2010: 27).
Acreditamos que tal fato possa ser um dos motivos que induziu Sen (1993) a
sugerir que o enfoque do bem-estar e da melhoria seria a estratégia melhor adotada na
avaliação das desigualdades entre homens e mulheres. A abordagem das capacidades
tem sido um aporte teórico recorrente para se mensurar as desigualdades agregando
outras variáveis além da renda para compor o bem-estar e as possibilidades de acessar
recursos, bens e serviços. Em outro momento, este autor acrescenta que: “na economia
tradicional, o bem-estar de uma pessoa é avaliado pelo seu domínio sobre bens e
serviços. Este pressuposto leva à focalização da variável renda, já que a renda
determina o quanto cada pessoa pode consumir” (Sen, 2008: 14).
Desenvolvimento Social, na perspectiva de análise das capacidades, contempla
as liberdades de acesso aos bens e serviços, bem como entende que igualdade de renda
não é suficiente para garantir igualdade de oportunidades, dada a diversidade existente
entre os indivíduos. Entende ainda, que a limitação de recursos cerceia não só a
liberdade de escolha para realização de funcionamentos, mas as perspectivas de futuro,
os objetivos tidos como realizáveis e, inclusive, as preferências que os indivíduos
alimentam. Neste sentido, desenvolvimento e liberdade estariam atrelados em um
mesmo direcionamento, ou seja, há uma correlação entre a redução das desigualdades
de gênero como um ponto significativo para o desenvolvimento social e liberdade de
acesso a bens e serviços.
Nesta conjuntura, quando remete à desigualdade de gênero, Barsted (2005: 2)
apresenta que:
O Programa de População das Nações Unidas – PNUD revelou a preocupação com a
invisibilidade das mulheres e com a ausência de políticas voltadas para superar as
históricas discriminações, e elaborou uma metodologia para medir tanto o
desenvolvimento social dos países – Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, como
para medir os progressos obtidos pelas mulheres – Índice de Desenvolvimento da
Mulher – IDM, fundamental para a classificação dos países no cômputo do
Desenvolvimento Humano.
A autora destaca alguns aspectos relacionados às desigualdades das mulheres em
relação aos homens quando são abordados os temas sobre a exclusão, violência e
feminização da pobreza. Defende, portanto, que, além do PNUD, outros inúmeros
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
diagnósticos elaborados por organismos internacionais “apontam para a exclusão
generalizada das mulheres, na grande maioria dos países, nas esferas de poder, para a
banalização da violência contra as mulheres e para a feminilização da pobreza, entre
outros fenômenos sociais” (Barsted, 2005: 2).
Apesar de significativos avanços alcançados pelo Movimento Feminista,
inclusive no Brasil, a realidade cotidiana das mulheres ainda é marcada:
[...] por desigualdades salariais, uma divisão tradicional e desigual do trabalho
doméstico, duplas e triplas jornadas de trabalho, violência doméstica, assédio sexual,
estruturas rígidas e patriarcais que dificultam sua inserção nas instituições políticas e
instâncias de poder, entre outras (Ogando,
2008: 99).
(Des)igualdade e Gênero no Brasil
Ainda que o último Censo demográfico realizado em 2010 demonstre que houve
uma melhoria na distribuição de renda, as desigualdades sociais acometem tanto
homens como mulheres e é mais significativa para o sexo feminino. Os dados
estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2010) demonstram
que o rendimento médio mensal dos homens com carteira assinada foi de R$1.392,00
enquanto a mulher recebe 30% menos, ou seja, com uma média de R$983,00. Esses
valores fazem com que o Brasil se situe no 80ª lugar em um universo de 149 países,
segundo os dados apresentados pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD. O IDG coloca o Brasil atrás de países da América do Sul
como Chile, Peru, Argentina, México e Venezuela. Ademais de esses dados, deve-se
agregar a essa compreensão aspectos que corroboram para a desigualdade entre homens
e mulheres, tais como a dupla ou tripla jornada de trabalho, responsabilização pelas
tarefas domésticas e cuidados com os filhos, e outros.
No contexto brasileiro, em 2011, na população com 10 anos ou mais de idade as
mulheres representavam 53,7%, no entanto, a população feminina ocupada era somente
de 45% deste valor. Entre as ocupadas, a maioria (63,9%) tinha a idade entre 25 e 49
anos (IBGE, 2012). No mercado de trabalho formal a sua participação sempre foi
restrita e desde 1985 permanece em torno de 1/3. Segundo análise da Fundação Carlos
Chagas, ainda que de maneira lenta, vem crescendo os postos de trabalho femininos
desde a década de 1990. Todavia, as análises da participação da mulher evidencia a
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
existência da inserção excluída (Posthuma, 1998). Este pode ser dito como
consequência do fato de que o trabalho feminino sofrer vários tipos de exclusões:
segregação horizontal, segregação vertical, trabalho em condições precárias,
remuneração menor por hora trabalhada, pequena condição de crédito e baixa
mobilidade ocupacional (Posthuma, 1998: 26-7).
Em 2009, segundo o IBGE, na distribuição da população ocupada, por
grupamentos de atividades, os homens representavam a maioria nos postos de trabalho,
por exemplo, da construção (94,9%), comércio (58,8 e indústria (63,6%), ainda que
tenha concentração das mulheres nas indústrias têxteis e de bebidas. Por sua vez, o
contingente feminino era a maioria na administração pública (63,2%) e serviços
domésticos (94,5%). É no setor de serviços que o sexo feminino está mais presente,
principalmente nos postos de trabalho relacionados com a educação e saúde. Dito de
outra maneira, existem áreas de trabalho ou setores que possuem características de
feminização em oposição aqueles de masculinização.
Sobre a presença de homens e mulheres na área de saúde pode-se tomar, como
exemplo, o levantamento que realizamos no Hospital Universitário Clemente de Faria,
localizado na cidade de Montes Claros/MG. A partir da análise da alocação por sexo
nos postos de trabalho constatou-se que os setores que correspondiam à Odontologia,
PABX, Pedagogia Hospitalar, Serviços Gerais e Pediatria eram majoritariamente
ocupados por mulheres. Pode-se considerar, entre outros argumentos, que a formação de
guetos sexuais profissionais se fundamenta tanto nos critérios de escolha da área por
parte do(a) trabalhador(a) assim como na seleção/admissão e trajetória da carreira
dentro de uma determinada instituição. Ou seja, a partir de dados estatísticos foi
constatada a existência de uma divisão sexual do trabalho que (re)produzia
desigualdades sociais vivenciadas por mulheres dentro e fora da instituição hospitalar
(Durães; Jones; Silva, 2010).
Quanto à diferenciação de docentes, por sexo, na escola brasileira, em 2011, na
Educação Básica havia o total de 2.045.351 professores dos quais 1.650.123 eram
mulheres, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP (2012). Vale ressaltar, todavia, que as mulheres tendem a estar
concentradas nas quatro primeiras séries da Educação Básica. Já no caso do ensino
superior, segundo o censo do ano de 2011, o número total de docentes, por sexo, em
exercício em todas as instituições brasileiras, era de 357.418, sendo que deste total
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
196.383 eram do sexo masculino (INEP, 2011). Ou seja, o perfil docente do ensino
superior, ao contrario da Educação Básica, é do sexo masculino.
Segundo os dados do recenseamento de 2010 o número de mulheres na condição
de chefe de família dobrou em relação ao ano de 2000. Segundo IBGE em 2000 eram
9,048 milhões de mulheres para então em 2010 o número se equivaler a 18,617 milhões.
No ano de 2000, a maioria das mulheres era composta por pretas e pardas e 53% das
chefes de família cobravam uma renda mensal de até três salários mínimos (em torno de
300 euros) enquanto os homens com esta mesma renda chegavam a 45%. Em outras
palavras, as mulheres cobravam mensalmente menos que os homens. Os dados desse
censo além de demonstrar que a concepção família vem mudando demonstram, ao
mesmo tempo, uma perspectiva de autonomia econômica e psicológica das mulheres
frente aos padrões sociais masculinos e hegemônicos.
Quanto à escolaridade das mulheres, segundo o INEP, entre os períodos de 2001
e 2010 as matrículas no Ensino Superior público e privado foram majoritariamente
femininas. No entanto, em 2001 eram 56,3% de mulheres matriculadas para então em
2010 a quantidade sofrer um ligeiro acréscimo se equivalendo à 57,0%. Ou seja, houve
uma diminuição no número de matrículas femininas no período mencionado. Ademais,
segundo o Censo de Ensino Superior desse instituto, “em 2010, [...] entre os
concluintes, a participação é de 60,9%” (INEP, 2012). Todavia, segundo o mesmo
relatório, as mulheres tendem a estar concentradas nas áreas de educação, humanidade e
artes, e saúde e bem estar social, por exemplo. Entre os diferentes motivos para a
ocorrência desse fato, consideramos que existe uma tendência ao reforço de vinculação
entre os conhecimentos e habilidades que têm sido apropriados diferentemente por
homens e mulheres com aqueles que são exigidos nas profissões.
Com relação à representação política feminina nas instancia de governo, desde
1996, no Brasil se instaurou cotas femininas na gestão de participação das prefeituras
municipais. Nesse ano as vagas para candidaturas de mulheres nos partidos deveriam
ter, no mínimo, 20%, passando, em 1997 a um mínimo de mínimo de 30 %. Ainda que
exista uma polêmica sobre a sua definição, esta porcentagem tem sido reconhecida
como minimamente aceitável.
Nas eleições celebradas em 2012 ocorreu um recorde de mulheres eleitas no
Brasil. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral-TSE, nas eleições que ocorreram em 2008
das 1.670 que se candidataram 504 mulheres foram eleitas como prefeitas no primeiro
turno. Nas eleições seguintes, no ano de 2012, das 2017 que se candidataram 655
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
mulheres foram eleitas para o mesmo cargo no primeiro turno. Quanto aos homens, em
2008 foram candidatos 13.472 homens e eleitos 5.022 e, posteriormente, em 2012,
13.054 foram candidatos e 4.844 foram eleitos.
Comparando-se os dados mencionados, observamos que o número de homens
candidatos foi superior em torno de seis vezes mais o número de mulheres candidatas e
os eleitos em torno de oito vezes mais. No entanto, deve-se ressaltar que embora o
número de candidatas tenha praticamente se igualado nas duas eleições o número
mulheres eleitas sofreu um ligeiro aumento. Todavia, consideramos que o aumento
segue, ainda, muito reduzido entre as eleitas dado ao fato que a entre população
brasileira de quase 191 milhões as mulheres equivalem a 97 milhões (IBGE, 2010). Para
entender as diferenças de representação política temos que considerar a existência de
domínio masculino nos partidos, de o processo brasileiro de eleição ser elitista e
excludente, das condições desfavoráveis de competição para as mulheres e, sobretudo,
da mentalidade patriarcal dos e das votantes.
Superação das Desigualdades de Gênero
De acordo com o que foi apresentado por Barsted (2005: 3) “de fato, apesar dos
significativos avanços legislativos a partir de 1988, no que diz respeito às mulheres,
ainda vigoram, com muita força, padrões, valores e atitudes discriminatórias”.
Nesta perspectiva, Ogando (2008) propõe um projeto de transformação e
emancipação no reconhecimento do fenômeno histórico de injustiças, e no papel tanto
de homens quanto de mulheres, na perpetuação das desigualdades de gênero, seja na
esfera privada ou pública/política. Cita que:
Apesar de reconhecer os avanços dos movimentos de mulheres e feministas,
inclusive no Brasil, a realidade cotidiana das mulheres pode, em grande
medida, ser caracterizada como injusta: marcada por desigualdades salariais,
divisão desigual e tradicional do trabalho doméstico, duplas e triplas jornadas
de trabalho, violência doméstica, assédio sexual, estruturas rígidas e
patriarcais que dificultam sua inserção nas instituições políticas e instâncias
de poder, entre outras (Ogando, 2008: 99).
Desta forma, reconhece-se o percurso histórico e social das desigualdades
instauradas entre homens e mulheres nos cenários econômicos, sociais e políticos, tanto
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
no âmbito público quanto privado. Além disto, “a igualdade entre as pessoas pode ser
definida em termos de aproveitamentos ou em termos de insuficiências com relação aos
valores máximos que cada uma pode respectivamente realizar” (Sen, 2008: 149).
Diante deste e de outros contextos de desigualdades, Sen (2000, 2008) questiona
sobre o que seria desenvolvimento e correlaciona com o processo que denomina como
liberdade.
Para Sen (2000: 10), “desenvolvimento consiste na eliminação de privações de
liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer
ponderadamente sua condição de agente”. Assim, “ter mais liberdade melhora o
potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões
centrais para o processo de desenvolvimento” (Sen, 2000: 33). Introduz então a noção
de sujeito agente no processo de conquista de liberdade de acesso a bens e serviços com
o intuito de reduzir as desigualdades contestadas.
Por conseguinte, Sen (2000: 33) esclarece que utiliza o termo agente em seu
sentido mais antigo e aliado à liberdade e justiça social, como “alguém que age e
ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios
valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo
algum critério externo”.
Apesar do reconhecimento das necessárias mudanças quanto ao bem-estar
da mulher, aos poucos os objetivos evoluíram e se ampliaram para incorporar e enfatizar
o papel ativo da condição de agente das mulheres. Neste sentido:
Já não mais receptoras passivas de auxílio para melhorar seu bem-estar, as mulheres são
vistas cada vez mais, tanto pelos homens como por elas próprias, como agentes ativos
de mudança: promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida
das mulheres e dos homens (Sen, 2000: 220-221).
Não obstante, é relevante pontuar que a:
[...] condição de agente das mulheres é um dos principais mediadores da mudança
econômica e social, e sua determinação e suas consequências relacionam-se
estreitamente a muitas das características centrais do processo de desenvolvimento (Sen,
2000: 235).
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
Por fim, diante das desigualdades sociais e das variações intergrupais, entre
homens e mulheres, classes sociais, e outros grupos, “ampliar as vidas limitadas das
quais, queiram ou não, a maioria dos seres humanos são prisioneiros por força das
circunstâncias, é o maior desafio do desenvolvimento humano no mundo
contemporâneo” (Sen, 1993: 8).
Finalizando...
Diante das discussões aqui levantadas conclui-se que o Brasil é marcado por
desigualdades sociais, políticas e econômicas. Os dados apresentados demonstram que o
papel da mulher como agente de mudança tem sido importante para a redução destas
desigualdades, não como sentido de igualdade exclusivamente entre homens e mulheres,
mas pela redução de disparidades que favorecem a liberdade política e a justiça social.
Seja resultado do incentivo do Governo e/ou de mobilização das mulheres, têm
surgido alternativas para diminuição das desigualdades e da exclusão ao encontro de
uma concepção de desenvolvimento que favoreça estilos de vida, práticas produtivas
alternativas e a conservação de recursos naturais. No entanto, como também
apresentado, faz-se necessário desmistificar a relação entre mulher e natureza e ampliar
as políticas de gênero. Os problemas sociais que afetam as mulheres direta ou
indiretamente afetam também os homens.
As discussões em torno de políticas de desenvolvimento para as mulheres estão
apenas iniciando e são ainda insuficientes dadas as suas necessidades. No caso do
Brasil, as políticas de representação feminina se encontram em fase muito incipiente
apesar das políticas governamentais estarem, sobretudo a partir da década de 1990,
parcialmente planificadas com uma perspectiva de gênero – com cotas femininas e
produção de estatística segregadas por sexo, por exemplo. Ainda que alguns (e
algumas!) as considerem um grande avanço, não existem condições igualitárias para as
mulheres, como apresentam os dados estatísticos. Ademais, tampouco é suficiente
integrar as mulheres em políticas convencionais, se requere uma mudança cultural, o
que significa um longo período, para que se introduzam políticas que realmente as
favoreçam.
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
“TRASGRESSÃO” DE GÉERO E OS LIMITES DA
TOLERÂCIA:
prostituição, violências e vulnerabilidade social 12
Nélson Ramalho
CIES | Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa
[email protected]
Resumo
Pretende-se com esta comunicação abordar o género como um processo de construção social baseado em
estratégias de poder e dominação, resultando em práticas opressivas e desigualdades sociais. A
compreensão do género pelo prisma do binarismo ‘masculino’ vs ‘feminino’ cria processos de
normalização que dificultam e mascaram a compreensão das pessoas que “transgridem” as normas sociais
de género. Desta forma, as pessoas transgénero são sistematicamente marginalizadas por via dos
discursos, instituições e políticas que favorecem a sua vivência num contexto de vulnerabilidade social. O
trabalho sexual surge-lhes como uma forma de sobrevivência, mas, também, como um recurso essencial
para a construção da sua identidade. Em Portugal, a relação entre pessoas transgénero e o exercício do
trabalho sexual parece persistir numa invisibilidade científica dentro da área das ciências sociais pelo que
se torna necessário aprofundar este conhecimento com vista a repensar a ação público-institucional e
reclamar, acima de tudo, a defesa dos seus direitos humanos.
Palavras-Chave: (Trans)Género, Vulnerabilidade social, Trabalho sexual
12
Este artigo resulta da comunicação apresentada em 25 de janeiro de 2013, pelo autor, no IV Colóquio
Internacional Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias, organizado pela Secção
Temática «Relações Sociais de Género e Raça».
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RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA
O Género e a sua Transgressão
Toda a sociedade parece estar estruturada em função do sexo e do género. Por
isso, a categorização das pessoas em “masculinas” ou “femininas” trespassa a
linguagem, as relações sociais, as instituições e os próprios debates académicos (Monro,
2005). Todavia, o conceito de género é profundamente distinto do de sexo porque põe
em evidência expectativas de atribuição de papéis e atividades sociais, características
psicológicas e posições sociais determinados pela genitália (Amâncio, 1993, 1994). Isto
significa que é pelo género que os indivíduos constroem as posições que ocupam nas
instituições da sociedade onde se inserem. Muito para além de ser, unicamente, um
atributo dos indivíduos, ele é organizador de todo o campo social onde se movimentam
(Amâncio, 2003).
Internacionalmente, o conceito de género surgiu no seio do ativismo dos
movimentos feministas das décadas de 60/70, cumprindo o objetivo político e
conceptual de problematizar as desigualdades entre homens e mulheres, em várias
dimensões da vida social, fora da esfera da biologia. O sexo biológico que, até então,
era equiparado ao género social, começou a ser questionado e, consequentemente,
impulsionada a distinção entre sexo e género para desenvolver explicações sobre a
opressão das mulheres.
Esta relação social de género é construída socialmente através de várias
estratégias de poder e dominação, sejam elas, legais, familiares, educacionais,
religiosas, psiquiátricas, legais ou outras (Bourdieu, 1999, Foucault, [1976] 1994). É a
repetição reiterada dos seus atos e discursos, de forma permanente, ao longo da
realidade histórico-social, que permite que o género seja “normalizado”, transformando
os sujeitos sexuados numa construção binária, em masculinos ou femininos, produzindo
uma ilusão “naturalizante”. Butler (1999) ao tentar “desnaturalizar” o género coloca a
ênfase numa sociedade estruturada a partir de uma sexualidade heteronormativa. Para
ela, uma sexualidade normativa consolida o género normativo, trazendo implicações na
compreensão da fluidez do género.
Para Butler, o género não pode ser entendido como uma entidade fixa e estável.
Deve antes ser compreendido como instável, constituindo-se no tempo e no espaço,
resultando num género performativo (Butler, 1999)13. Almeida (1995) acrescenta ainda
13
Visão esta também partilhada por Connell (1993, 1995), Giddens (2001) e Kimmel (2000).
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
que os conceitos de masculinidade e da feminilidade dependem do contexto cultural,
existindo, por isso, uma pluralidade de formas na sua construção. O género mostra-se
plástico e maleável. Ele é performativo, não é estático. Todavia, Connell (1993, 1995) e
Almeida (1995) reforçam a existência, na sociedade, de uma masculinidade
hegemónica, tradutora do que é suposto ser, ou não, homem, condicionador das suas
atitudes, comportamentos e demarcações sociais. Esta masculinidade heteronormativa
estabelece fronteiras entre identidades reconhecíveis e as que constituem o território dos
“anormais” (Foulcault, [1974-1975] 2007). Dentro deste último território incluem-se as
pessoas transgénero, cuja identidade ou a forma de exprimirem o género não está de
acordo com as normas sociais tradicionais de homens e mulheres (Whittle, 2000).
Destes “transgressores de género” fazem parte uma multiplicidade de pessoas:
transexuais, intersexo, andróginas, cross-dressers/travestis, drag-queens/drag-kings,
she-males ou outras (Figura 1). Assim, é apropriado dizer que a “comunidade
transgénero” é ampla, diversa e significativa. Ao construírem e reconstruírem géneros,
revelam que esta categoria não possui uma estrutura binária rígida, mas antes uma
multiplicidade de possibilidades ou expressões. Por isso, acredita-se na inexistência de
uma “comunidade” trans homogénea, mas em várias comunidades diversas, distintas e
com especificidades próprias.
Figura 1  Chapéu de Chuva Transgénero
Retirado de http://www.scottishtrans.org/Transgender_Umbrella.aspx
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Uma vez que o desenvolvimento do conceito de género nas ciências sociais
esteve, na sua origem, sob influência da teoria feminista e dos women’s studies, a
mulher tornou-se o centro das suas teorias e, por isso, das próprias políticas públicas.
Desta forma, a análise e problematização das relações de poder e género sobre as
pessoas transgénero não têm sido realizadas da mesma forma, e com a mesma
intensidade, que na análise das mulheres. Embora algumas vertentes feministas tenham
tentado problematizar as identidades transgénero (Raymond, 1979/1994), esta análise
conduziu ao mesmo entendimento que a opressão de género das mulheres: resultado de
um imposição de sociedade patriarcal. Estes feminismos hetero-androcêntricos, com
uma valorização monolítica da mulher (em detrimento dos homens e dos transgéneros) e
a localização da dominação unicamente nos homens, tem impossibilitado a
conceptualização do poder e da dominação para além do binarismo de género,
mascarando outros fenómenos de dominação. Por isso, a complexidade do conceito de
género exige um conjunto de discursos pluridisciplinares com vista a resistir a visões
essencialistas dos estudos sobre as mulheres, a partir de novos feminismos ou também
considerado pós-feminismo queer (Butler, 1993, 1999; Haraway, 1991). Estas
perspectivas contestam e desafiam os estudos de género, por considerarem que a
concepção binária é considerada inadequada e insuficiente na explicação dos sistemas
opressivos de determinados géneros e identidades (Nagoshi & Brzuzy, 2010: 433).
A Vulnerabilidade Social das Pessoas Transgénero
As pessoas cujas identidades não se enquadram nas concepções tradicionais de
género e sexualidade são sistematicamente marginalizadas por via dos discursos,
instituições e políticas que privilegiam identidades não-transgénero (Monro, 2005;
Namaste, 2000). No fundo, trata-se de estratégias de funcionamento que subvertem a
identidade e promovem a exclusão e a abjecção de corpos, sexualidades e
comportamentos considerados como “desviantes”. Esta é uma forma invisível de
violência normativa que pressupõe e reproduz as morfologias ideais do sexo, orientação
sexual e identidade de género e suposições dominantes do que é ser “natural”. Butler
(1993) atribui o conceito de corpos abjetos para se referir a «todo o tipo de corpos cujas
vidas não são consideradas ‘vidas’ e cuja materialidade é entendida como ‘não
importante’» (Prins & Meijer, 2002: 281). Para a autora, o não reconhecimento da
existência legítima destes corpos torna-se eticamente inconcebível. Tal como refere “a
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abjeção de certos tipos de corpos, sua inaceitabilidade por códigos de inteligibilidade,
manifesta-se em políticas e na política, e viver com um tal corpo no mundo é viver nas
regiões sombrias da ontologia” (2002: 277).
As pessoas transgénero são, segundo Burgess (2009), o grupo mais
negligenciado e incompreendido da sociedade, com dificuldade de acesso aos diferentes
sistemas sociais. Esta opressão ocorre, desde logo, nos primeiros agentes socializadores.
A incompreensão por parte da família e da escola, por considerar a expressão de género
socialmente inapropriada e desviante, tende a forçar, e muitas vezes a punir fortemente,
os géneros que não se encontram conforme as normas sociais, de forma a se adaptarem
aos seus estereótipos. Perante atitudes reiteradas de não aceitação social, o sentimento
de incompreensão da “diferença” que é vivido, desde cedo, pelas próprias pessoas
transgénero, coloca-as em risco de vivenciarem sintomas de medo, ansiedade, depressão
e, até mesmo, ideação suicida (Mallon, 2009). Em consequência da rejeição da família e
amigos, da diminuição de oportunidades educacionais (resultantes do precoce abandono
escolar), a idade adulta é experienciada por fortes limitações no acesso ao mercado de
emprego, também por factores associados à intolerância e altos níveis de estigmatização
por parte das entidades empregadoras (Loehr, 2007).
Algumas pessoas transgénero confrontam-se, ainda, com insuficientes serviços
médicos e sociais, que criam barreiras ao tratamento hormonal e cirúrgico. A
alternativa, por vezes, é recorrer a tratamentos sem supervisão médica, através de autoingestão de hormonas e injeção de silicone, correndo graves riscos para a saúde física e
mental (David, 2009). A ausência de programas e ações públicas com uma atenção
diferenciada para estas pessoas, frequentemente é justificada pela irrelevância estatística
deste segmento.
No domínio cultural são raros os modelos positivos de identidades transgénero.
E quando a visibilidade existe, normalmente, é conotada com atribuições pejorativas,
relacionadas com a promiscuidade, a doença mental ou o crime (Mallon, 2009).
Todos estes constrangimentos e fragilidades que, cumulativamente vão surgindo,
favorecem e impulsionam a uma vivência em situações de exclusão económica (Monro,
2005), com processos de vulnerabilidade e isolamento, remetendo-as para uma situação
de clandestinidade e marginalização social. Os seus espaços e territórios são, por isso,
considerados frágeis, temporais, migratórios e hostis. Alguns incluem clubes, bares,
espaços performativos ou contextos de trabalho sexual. Outros incluem espaços de
tecnologia de informação como websites ou chat rooms (Mallon, 2009). A existência e
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aceitabilidade social do seu género é reduzida a específicos espaços públicos e, por
vezes, somente a períodos do dia (Namaste, 2006).
Esta intolerância e discriminação verificada para com as pessoas transgénero em
todos os sistemas (familiar, educacional, económico, institucional e cultural) são
apontadas como razões do processo perpetuador da sua vivência na pobreza, com altos
graus de violência e dificuldades de integração profissional (ONU, 2011; Stotzer, 2009).
É neste entendimento que o comissário para os direitos humanos do conselho da Europa
refere que
têm sido ignoradas e negligenciadas as situações das pessoas transgénero, pois os
problemas que enfrentam são graves e, muitas vezes específicos deste grupo particular.
As pessoas transgénero experimentam um alto grau de discriminação, intolerância e até
violência. São violados os direitos humanos básicos, incluindo o direito à vida, o direito
à integridade física e ao direito à saúde (Hammarberg, 2009: 4).
Pessoas Transgénero e o Trabalho Sexual: A Invisibilidade Científica no Contexto
Português
Neste contexto de vulnerabilidade económica e social, o trabalho sexual e áreas
conexas (como o entretenimento) têm sido as poucas oportunidades de emprego
permitidas, especialmente a mulheres transexuais, cross-dressers/travestis e she-males
(Fernandéz, 2004; Kulick, 1998; Mallon, 2009). O trabalho sexual, além de ser uma
forma de sobrevivência, acaba por ser o elemento gerador de recursos financeiros para a
concretização do desejo de transformação corporal (Leichtentritt & Davidson-Arad,
2004). O trabalho sexual torna-se um elemento, pelo qual, constroem e conquistam o
reconhecimento social da sua identidade (Kulick, 1998).
Em Portugal, persiste um vazio na investigação das ciências sociais sobre as
identidades transgénero (Saleiro, 2009; Pinto & Moleiro, 2012) assumindo, também, a
condição de invisibilidade dentro do próprio movimento Lésbico, Gay, Bissexual e
Transgénero (Nogueira & Oliveira, 2010). Embora se reconheça o desenvolvimento
actual de alguns estudos 14 , a realidade da prostituição transgénero continua a ser
praticamente desconhecida.
14
Sandra Saleiro, investigadora do CIES – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ISCTEIUL), encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento em Sociologia intitulada Transexualidade e
Transgénero: Identidades e Expressão de Género. uno Pinto, investigador do CIS – Centro de
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Umas das poucas abordagens realizadas (Bernardo; Campos; Machado; Diniz;
Tavares; Vandolly; Júnior, 1998), numa amostra de 50 pessoas transgénero, retrata que
parte desta população tinha como atividade laboral o trabalho sexual, com problemas
associados à saúde, nomeadamente, ao nível do VIH/SIDA.
Em 2011, o estudo preliminar do projecto PreVIH15, no qual participaram 1040
trabalhadores do sexo (853 do género feminino, 106 do género masculino e 80
transgéneros) revelou que, da totalidade das pessoas transgénero, 30 realizavam trabalho
sexual de rua, 38 trabalho sexual indoor e 12 em ambos. Comprovou-se que 15,4%
desta população tinha o seu estatuto serológico reportado como positivo. Muito embora
este valor contraste com os valores mais baixos dos trabalhadores do sexo masculinos
(4,8%) e femininos (6,6%), qualquer destes números é muito grave comparativamente
aos dados dos restantes países da comunidade europeia, por apresentarem uma epidemia
concentrada16 na população trabalhadora do sexo (Dias, Mendão, Cohen, Rego, Gama,
Fernandes... Esteves, 2011), pelo que é proposto a elaboração de políticas de
intervenção específica ao nível da prevenção da infeção do VIH/SIDA, apropriadas às
diferenças encontradas entre géneros.
Também o estudo etnográfico de Oliveira (2011) ao tentar conhecer o fenómeno
social da prostituição de rua contemplou somente 4 pessoas transgénero, limitando um
conhecimento mais aprofundado sobre estas pessoas. Contudo, a mesma afirma que o
número de pessoas transgénero é expressivo entre os trabalhadores do sexo de rua e que
estas são frequentemente marginalizadas, maltratadas e rejeitadas pela sociedade (2011:
193).
O relatório de Monteiro, Policarpo e Silva (2009)17 que avalia a situação social
no que diz respeito à discriminação em função da orientação sexual e identidade de
género em Portugal, caracteriza a população trabalhadora do sexo trans como uma
Investigação e Intervenção Social (ISCTE-IUL) e doutorando em Psicologia Social e das Organizações
está a desenvolver o seu estudo intitulado Identidades Transgénero e Transexuais: Desenvolvimento de
Processos Identitários e Expressão de Género Minoritárias. Jander ogueira, investigador do CRIA –
Centro em Rede de Investigação em Antropologia (ISCTE-IUL), encontra-se a realizar um estudo
comparativo entre Lisboa e Fortaleza subordinado ao tema (Des)Encontros (Trans)Geracionais: um
estudo sobre a velhice travesti em Fortaleza e em Lisboa.
15
Estudo preliminar sobre os conhecimentos, atitudes e práticas relacionadas com VIH/SIDA nas
populações de homens que têm sexo com homens e trabalhadores sexuais denominado Projeto PREVIH:
Infeção VIH/SIDA nos grupos de Homens que têm Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais:
Prevalência, Determinantes, Intervenções de Prevenção e Acesso aos Serviços de Saúde, desenvolvido
pelo GAT – Grupo Português de Activistas sobre Tratamento VIH/Sida.
16
Este termo é utilizado quando há mais de 5% de pessoas a viverem com VIH/Sida dentro de uma
população.
17
Relatório nacional que foi integrado na elaboração do Relatório Europeu (European Union Agency
Fundamental Rights, 2009).
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comunidade que sofre múltiplas discriminações, confrontando-se com diversas formas
de violência, incluindo crimes de ódio (p. 10). Em Portugal, a evidência empírica (e
gritante) e o caso mais mediático desta realidade, foi o de Gisberta Salce Júnior, uma
prostituta transgénero, de 46 anos de idade, toxicodependente, sem-abrigo, seropositiva
e imigrante brasileira. Em fevereiro de 2006, na região do Porto, o seu corpo foi
encontrado já sem vida após três dias de tortura, espancamento, maus tratos e sevícias
sexuais perpetrados por um grupo de 13 jovens. No último dia foi atirada a um poço,
com mais de 15 metros de profundidade, pertencente a um prédio em obras (no qual
costumava pernoitar) acabando por morrer afogada. Até hoje este crime de ódio ficou na
memória coletiva de Portugal por ter “chocado o país” (Jornal Diário de otícias, 19
fevereiro de 2010) pela perda de uma vida e a situação de exclusão social extrema em
que se encontrava. Mas dois anos depois ocorreu, desta vez em Lisboa, o assassinato de
Luna, e seu posterior abandono num contentor do lixo18.
Sabe-se que a violência sobre os trabalhadores sexuais é fortemente co-existente
na prostituição de rua (Oliveira, 2011; Weitzer, 2009). Contudo, as pessoas transgéneros
confrontam-se com situações de violência e discriminação ao combinarem uma
identidade e actividade socialmente estigmatizada, com repercussões ao nível do forte
isolamento e exclusão social.
Muito embora a prostituição transgénero seja uma realidade presente em muitos
territórios (maioritariamente urbanos) e nos media (e.g. classificados dos jornais diários
e sites de internet) parece, no entanto, ser uma realidade que não é analisada de forma
aprofundada nas ciências sociais. Desta população não sabemos quase nada.
Desconhecemos quem são, as suas trajetórias de vida, sociabilidades, representações e
vivência sobre a prática da prostituição, processos de exclusão a que estão sujeitas e
necessidades apresentadas. Por isso, acredita-se que a produção de conhecimento sobre
esta realidade torna-se indispensável não só como ferramenta para a compreensão das
suas características, do seu modus vivendi, das actividades que realizam e das condições
de vulnerabilidade social em que se encontram tantas outras “Gisbertas” e “Lunas”,
18
Dados recolhidos pelo projeto internacional Trans Respect Verus Transphobia Worldwild (TvT),
mostram que, entre janeiro de 2008 e novembro de 2012, foram assassinadas, mundialmente, 1083
pessoas transgénero. Este é um projeto de investigação comparativa, conduzido pela Transgender Europe,
que fornece uma visão geral dos direitos das pessoas transgénero em diferentes partes do mundo. Inserido
nele encontra-se o projeto Trans Murder Monitoring (TMM) que visa monitorizar e coletar dados
relativos aos homicídios contra as pessoas transgénero. Estes dados são, principalmente, de casos
relatados e conhecidos. Na maioria dos países, os dados sobre assassinatos de pessoas transgénero não são
sistematicamente produzidos e é impossível estimar o número de casos não notificados, pelo que se supõe
que os números apresentados fiquem aquém da realidade.
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS
talvez menos mediáticas, mas que correm riscos de, também elas, sofrerem
consequências de uma sociedade transfóbica, como também para a necessidade de
repensar a ação público-institucional, de se desenvolverem e/ou adequarem praxis
verdadeiramente inclusivas e de se fomentarem processos de empowerment, cidadania e
defesa dos direitos humanos de todas as pessoas transgénero.
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