La ponencia analiza el rol que han tenido los presupuestos

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La ponencia analiza el rol que han tenido los presupuestos
IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
Os orçamentos participativos no Brasil:
desafios de inovação em um contexto de ortodoxia1
Félix Ruiz Sánchez2
É vasta a literatura que, hoje, tenta compreender alcances, limites e possibilidades das
experiências de orçamento participativo. Desde 1989, quando esse mecanismo democrático de gestão e
de participação cidadã começou a ser implantado em Porto Alegre (RS), se acumulam os elementos de
debate e de avaliação sobre o conteúdo e as formas efetivas de implementação dessa ferramenta.
Inicialmente, é importante resgatar de forma sucinta os traços principais do processo de criação
e de estabelecimento do OP nos governos locais do país. Na sua origem, esse mecanismo se confunde
com outras propostas de participação popular e de democratização do Estado, promovidas por setores
democráticos e avançados da esquerda brasileira desde os anos 1970.
Na verdade, o OP não é o único mecanismo de gestão democrática experimentado por
municípios brasileiros no período de redemocratização da sociedade brasileira. Há uma indiscutível
linha de continuidade unindo as experiências renomadas dos anos 1970, que foram implementadas por
administrações populares ligadas ao antigo MDB. Essa demanda por participação foi canalizada no
interior do sistema político e do próprio Estado pela teoria e prática de governos e partidos que; logo
que assumiram administrações, começaram no início dos anos 1980 a encaminhar mudanças no modelo
de gestão de políticas públicas dando ênfase à participação popular3.
A conjuntura aberta pela constituinte de 1987, que culminou com a edição da Constituição
Cidadã de 1988, representou, com exceção da luta por reforma agrária, um momento de conquistas no
palco do reconhecimento de direitos sociais e individuais.
As vitórias eleitorais nos pleitos municipais daquele ano anteciparam o esgotamento do
modelo político utilizado para realizar a transição democrática da ditadura militar para o regime civil.
A Aliança Democrática - frente política do PMDB e do PFL -, que havia sustentado primeiro Tancredo
Neves, e depois José Sarney, na presidência da República experimentavam um forte decréscimo de
popularidade e uma crescente dificuldade para conduzir uma sociedade que mergulhava,
simultaneamente, na demanda e nas pressões democratizantes e redistributivas e na hiper-inflação.
Os conselhos de gestão das políticas públicas, na conjuntura dos anos 1980 representaram uma
importante conquista de democratização e de consolidação de uma concepção de gestão baseada na
participação cidadã. Foi uma resposta avançada ao dilema privatismo x estatismo. Representou a
constituição e o reforço de uma noção de esfera pública democrática e participativa. Foi uma
importante inovação na forma de conceber a ação do Estado e de gerir a máquina pública. Fez da
representação cidadã parte da esfera estatal sem promover sua absorção ou sua cooptação.
No ambiente de 1988, havia, pois, os elementos favoráveis ao surgimento de uma proposta
como a do Orçamento Participativo. Havia a trajetória política no campo social, representada pelo PT e
os demais partidos da esquerda, e havia a experiência de ativismo social, de organização e de luta do
movimento comunitário de Porto Alegre. O nascimento do OP obedeceu à combinação desses dois
1
Los presupuestos participativos en el Brasil: desafios de innovación en un contexto de ortodoxia, presentado al panel:
Por que se ponen en marcha las experiências de participación local? Presentado por Joan Font (coordinador), Alicia
Ziccardi, Yves Sintomer e Félix Ruiz Sánchez.
2
Ver nota biográfica ao final do texto.
3
Simões, Júlio Assis. O dilema da participação. A etnografia de um caso, Porto Alegre, Anpocs/Marco Zero,
1992, e Doimo, Ana Maria. A vez a voz do popular. São Paulo, Paz e Terra, 1996. Sader, Eder. Quando
novos personagens entram em cena, São Paulo, Paz e Terra, 1987.
1
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elementos. A despeito da sua vinculação à trajetória da participação cidadã mencionada acima, a
invenção do OP se destaca pela afirmação radical de uma esfera pública cidadã baseada na adoção
sistemática de instrumentos de democracia direta e democracia participativa. Nesse ponto, ela foi além
do escopo institucional estabelecido pelos conselhos de gestão de políticas públicas4.
OP como resposta
Para entender o surgimento da proposta do Orçamento Participativo é importante resgatar a
diferença do debate sobre participação popular havido na passagem da década de 1980 para a de 1990.
Com efeito, o ambiente ideológico e político estimulava uma colocação mais radical do sgnificado e as
implicações da proposta de participação. Não é por outro motivo que as plataformas dos movimentos
sociais e dos partidos de esquerda dos anos 1980 tenha destacado com centralidade o tema da
participação popular vinculada a uma concepção revolucionária de democracia5. Sustentava-se na
época a idéia da construção dos conselhos populares como forma de estabelecer uma situação de duplo
poder e de hegemonia da classe trabalhadora na sociedade e no Estado.
Um exemplo disso foi vivido na cidade de São Paulo na disputa interna pela indicação da
candidatura do PT à prefeitura de São Paulo. O enfrentamento de Plínio de Arruda Sampaio, apoiado
pelas forças do núcleo dirigente petista, perdeu para a candidata de oposição interna, Luiza Erundina,
que era apoiada por um conjunto heteróclito de forças partidárias que tinha como ponto de unidade a
defesa de um governo baseado nos conselhos populares. “A perspectiva do conselho popular enquanto
um embrião de poder popular ou de duplo poder era, na inexistência de uma situação revolucionária ou
de uma crise aguda do sistema de dominação, também um artíficio discursivo para a demarcação de
territórios e de lealdades políticas, principalmente pelos movimentos sociais organizados e pelo próprio
partido”6.
A vitória de Luiza Erundina nas eleições municipais de 1988 não viabilizou a alternativa
preconizada na plataforma da pré-candidata petista. Os conselhos populares não saíram do papel.e na
primeira gestão petista à frente da prefeitura de São Paulo foram frustradas todas as iniciativas
tendentes ao estabelecimento de novas formas de democracia participativa e de gestão popular e
democrática. No caso de São Paulo houve, sem dúvida, a convergência de dois processos que se
combinaram, de um lado, o avanço da hegemonia neoliberal no país e, de outro, a incapacidade do
grupo dirigente da prefeitura em concretizar suas propostas de inovação na política. A gestão Luiza
Erundina foi capturada por uma lógica tecnicista avessa às inovações participativas. Foi um flagrante
caso de divórcio entre a intenção e o gesto. Da promessa de conselhos populares na campanha e nos
primeiros meses de governo só sobrou a manutenção da estrutura político-administrativa herdada.
Na conjuntura aberta pelo crescimento do neoliberalismo no país, que coincide com a
evolução da década de 1990, eram necessárias alternativas inovadoras de governo e de gestão com
potencial emblemático para fugir ao discurso do “pensamento único”. A proposta do Orçamento
Participativo pertence a esses tempos sombrios do neoliberalismo na política e na sociedade brasileiras.
Ele espelha o deslocamento do debate sobre a participação e a democracia. Não mais conselhos
populares e formas de duplo poder, mas participação como sinônimo de luta por democracia e
cidadania. Duas realidades que o neoliberalismo atacava incessantemente contrapondo a eles a lógica
mercantil, privatizadora e anti-estatista.
4
Gohn, Maria da Glória. Conselhos Gestores, São Paulo, Cortez, 2000.
Sánchez, Félix. O Desafio da Participação. Trajetória da política de participação na gestão petista da
prefeitura de São Paulo (1989/1992), São Paulo, Dissertação de Mestrado, Pós Graduação em Ciências
Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997.
6
Ibidem. p. 52.
5
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O OP foi importante para realizar o enfrentamento à avalanche neoliberal. A experiência de
Porto Alegre teve, por isso, um caráter emblemático. A adoção do orçamento participativo na II
Conferência do Habitat ocorrida em Istambul (Turquia) em 1996 como um mecanismo de gestão
recomendado pelas Nações Unidas como uma boa prática de governo, auxiliou a desfazer
desconfianças quanto à exeqüibilidade dessa política.
A proposta do Orçamento Participativo nasceu nas circunstâncias da vitória eleitoral do PT, no
pleito municipal de 1988. Embora a plataforma de campanha de Olívio Dutra, candidato vitorioso à
Prefeitura daquela cidade, defendesse a formação de um governo de trabalhadores organizados com
base em conselhos populares, o mecanismo que acabou se impondo foi o do orçamento participativo.
De uma forma atribulada e confusa no primeiro ano, e depois com mais determinação, a administração
popular - uma coalizão política composta pelo PT, PC do B e PSB - reformulou a proposta inicial de
governo, baseada em conselhos populares. Originou-se outra proposta, baseada na experiência que a
UAMPA (União de Associações de Moradores de Porto Alegre) havia desenvolvido durante os anos da
gestão Alceu Collares (PDT), antecessor de Olívio Dutra na Prefeitura de Porto Alegre.
“... a proposta de Orçamento Participativo foi gerada na intersecção entre sociedade civil e
administração estatal, o que possibilitou que a identificação de um tema contencioso – no caso o
orçamento – fosse transformada em uma proposta de participação dos atores comunitários na
elaboração do orçamento. É claro que sem a contribuição decisiva da administração do Partido dos
Trabalhadores na implementação da proposta ela não haveria se tornado realidade; mas é igualmente
correto afirmar que a ausência do tema orçamento na proposta de governo do PT para a Prefeitura de
Porto Alegre foi identificada pelo movimento comunitário. Quanto ao formato específico do OP parece
bastante claro que ele não possui uma autoria individual: ele não corresponde ao formato proposto
pelos movimentos comunitários e nem tampouco ao formato proposto pelo PT. Ele é resultado de
propostas feitas por cada um dos atores e das instituições disponíveis para implementá-las. É
interessante também observar que a existência de uma proposta de múltiplas autorias faz com que a
colaboração entre administração local e sociedade civil seja mais acentuada”7.
As características principais da proposta de Orçamento Participativo que passou a ser
implantado pela Administração Popular de Porto Alegre tomaram como base uma proposta única. A
plataforma democratizada da gestão defendida pelo PT e apoiada pela União de Associações de
Moradores de Porto Alegre (UAMPA), representou, de um lado, um aprendizado feito à luz da
experiência concreta da prática e, de outro, um resultado da articulação e organização do movimento
comunitário da cidade. Um feliz casamento, portanto, entre a cultura democrática e participacionista
bastante presente na plataforma política do PT e a experiência concreta de organização e aprendizado
da sociedade civil.
Arno Augustin, à época uma das figuras de destaque na equipe de governo do então prefeito
Olívio Dutra fez uma interessante descrição dos aspectos principais da política do orçamento
participativo:
“As características fundamentais que o PT propunha para os “conselhos populares” à época, e
que se encontram de uma forma ou de outra no Orçamento Participativo, desde seu início ou nos
desdobramentos posteriores, são as seguintes:
a)
ter por base uma divisão territorial da cidade (conselhos regionais), estabelecida em
conjunto com as entidades de moradores e levando em conta a geografia das lutas dos
movimentos populares;
b)
desde sua formação os conselhos regionais são deliberativos dentro da sua esfera de
competência, o que inclui as verbas a eles destinadas e outras questões, como o uso do solo,
7
Avritzer, Leonardo. “Sociedade Civil, espaço público e poder local: uma análise do orçamento participativo
em Belo Horizonte e Porto Alegre”. in Relatório final do projeto “Civil society and governance”, Unicamp,
2000.
3
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a saúde, a educação e o transporte coletivo;
permitir modificações na sua esfera de competência, a qual deve aumentar à medida em que
os conselhos se fortalecerem;
fazem parte da base de cada conselho todos os moradores da região de abrangência do
mesmo. Os moradores elegem o conselho regional, que deve periodicamente prestar contas
de seus atos ao conjunto de moradores, bem como submeter à base suas próprias decisões;
os conselhos respeitarão a autonomia operacional da administração municipal, a não ser que
a mesma afete as obras e as providências decididas pelos conselhos;
a consolidação dos conselhos regionais permitirá a formação do Conselho Geral da Cidade,
que tratará das questões de toda a cidade e deliberará sobre o orçamento municipal;
a presença de cada região no Conselho Geral é proporcional à sua capacidade de mobilizar
os moradores à participação;
as diversas entidades da sociedade civil (sindicatos, associações, etc.) atuarão no sentido de
reforçar a participação nas assembléias regionais;
as formas de comunicação entre os conselhos e a base devem ser tais que todos os assuntos
tratados sejam de amplo conhecimento de todos os moradores da região e a presença destes,
ainda que sem direito a voto, deve ser garantida em qualquer reunião;
deve ser resguardado o princípio de fidelidade do representante ao representado. Isto
significa que um conselheiro regional ou geral poderá ser destituído por sua base se não
cumprir as determinações de seus representados;
deve existir nos conselhos a representação proporcional das posições diferenciadas;
os petistas devem atuar no interior dos conselhos no sentido de levantar posições avançadas,
submetendo-se, no entanto, à maioria, mesmo quando as decisões contrariarem suas
posições; e
quando as decisões que estão na esfera de competência dos conselhos dependerem de
decisões da Câmara caberá aos conselhos exercer sua pressão organizada”8.
c)
d)
e)
f)
g)
h)
i)
j)
k)
l)
m)
Francisco de Oliveira chama a atenção para a original invenção política representada pela
criação do OP. Segundo ele, trata-se de um mecanismo democrático que se vincula a uma nobre
linhagem de experiências que “vem desde a Comuna de Paris, passando pelas tentativas de autonomia
local, da tradição liberal norte-americana, aos conselhos revolucionários caricaturada nos bangs-bangs,
aos das três primeiras décadas do século XX, os Conselhos revolucionários, de Turim à Viena
Vermelha, as banlieues rouges de Paris de até os anos sessenta, a Grenoble, a Bologna, e Modena –
quanto mais rica piú rossa - da Itália de Bobbio e Togliatti. Iniciou-se no Brasil na década de 70 do
século passado, com as experiências inovadoras de Lages e Joinville, em Santa Catarina, que logo
foram digeridas pela nova institucionalidade partidária surgida quase no fim da ditadura militar”9.
O referido autor também identifica o OP como um mecanismo de inovação democrática que
incorpora um forte princípio redistributivo, criado sob as condições de prevalência do modelo
econômico neoliberal e de forte restrição aos direitos e precariedade dos mesmos. Ele também comenta
o alcance da inovação democrática nascida com a criação do OP: “essa invenção política configura-se
como a criação de um novo direito político, na linha de um T. H. Marshall, enriquecendo o arsenal de
instâncias em que as classes e os grupos sociais intervêm ativamente no governo, não apenas na
renovação dos mandatos, mas cotidianamente, sem anular as outras instâncias. A intervenção se dá,
precisamente, na discussão do orçamento, que é, no Estado Moderno, a peça-chave da política e da
8
Augustin, Arno. “A experiência do Orçamento Participativo na Administração Popular da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre” in VV. AA. Porto Alegre: o desafio da mudança, Porto Alegre, Ortiz, 1994.
9
Oliveira, Francisco. Atas da Revolução, São Paulo, mimeo, 2001.
4
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administração”10.
Tem-se, pois, o surgimento do OP como um instrumento para a busca de maior eqüidade e
igualdade social, política e econômica. Mas a política do OP lida também com um aspecto importante:
a limitação da deliberação pública que se restringe à definição do orçamento público. Na tradição
político-institucional do país, o orçamento público não implica a efetiva aplicação de suas
determinações. A matéria orçamentária é promessa e autorização para que o Executivo realize. Sendo
assim, a efetivação dos planos de investimento, votados pela população nos processos de OP e, depois,
ratificados pelas câmaras municipais, deve passar, ainda, pelo teste de coerência e de compromisso do
próprio Executivo a fim de verificar sua capacidade para executar o mandato popular representado pelo
OP. Talvez seja esse elemento decisivo de credibilidade e legitimidade o principal fator dos orçamentos
participativos e os governos que os aplicam comprovam. Em Porto Alegre, por exemplo, 87% das
obras e dos serviços indicados pelo OP foram efetivamente executados11.
Além disso, estudos realizados apontam para o potencial redistributivo dos Orçamentos
Participativos. Um estudo pioneiro sobre o OP de Porto Alegre realizado por Adalmir Marquetti em
pesquisa nacional financiada pela Fundação Ford confirma a característica dessa política: “o OP teve
um efeito redistributivo. Existe uma associação negativa entre a renda da região e o volume de
investimento per capita. Há uma associação positiva entre a percentagem de mães com primeiro grau
incompleto, a porcentagem de domicílios e núcleos irregulares e a porcentagem de habitantes com
menos de quinze anos com o montante de investimento per capita em cada região. Análise similar
realizada com o número de obras realizadas ou em execução por habitante no período 1989-2000 e os
indicadores de pobreza mostraram os mesmos resultados. Pode-se concluir que o OP funcionou como
um poderoso instrumento de distribuição de renda, as regiões mais pobres receberam maior volume de
investimentos por habitante”(grifos meu)12.
Principais características do OP
Olhando para o conjunto das experiências de orçamento participativo realizadas, verifica-se
que desde sua criação, em 1989, o OP foi aprimorando seu projeto e sua forma de funcionamento. A
experiência dos vários Orçamentos Participativos e dos que foram sendo criados desde então mostra
que, no período 1997-2000, essa política ganhou mais força nos municípios com mais de 500 mil
habitantes, como mostra o quadro a seguir.
População dos Municípios que adotaram o OP no período 1997-2000.
Número de Habitantes
Até 20 mil habitantes
20 mil a 100 mil
100 mil a 500 mil
500 mil a 1 milhão
Acima de 1 milhão
Total
10
Municípios
31
33
30
5
4
103
Ibidem.
A implantação de orçamentos participativos testa profundamente a eficiência, a eficácia e o discurso das administrações
que os aplicam. Trata-se de um elemento central que intrinsecamente protege o OP de desvios eleitoreiros e demagógicos. O
exemplo da prefeitura de Recife (PE), nas gestões de Jarbas Vasconcelos e Roberto Magalhães, ilustra essa situação.
Naquele município foi inaugurado em 1986, na primeira gestão de Jarbas Vasconcelos, um processo de consulta popular
sobre o orçamento, que seguiu até a gestão de Roberto Magalhães. O processo não era efetivamente deliberativo, era
marcado por uma forte intermediação clientelista e conseguiu realizar muito menos da metade dos compromissos assumidos
durante as consultas.
12
Marquetti, Adalmir. “O Orçamento Participativo Como Uma Política Redistributiva em Porto Alegre”, Porto Alegre,
mimeo, 2002.
11
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Fonte: Pesquisa FNPP, 2001 e IBGE - Contagem Populacional, 199613.
De outro lado, levantamento realizado pelo Projeto Democracia Participativa da Universidade
Federal de Minas Gerais atesta que desde 2001 até agora o número de experiências de OP se ampliou
para cerca de 200 com alguns destaques como o da cidade de São Paulo, maior dos municípios
brasileiros.
A disseminação das experiências do orçamento participativo trouxe uma grande diversidade,
principalmente no que se refere à condição e às características dos municípios quando a proposta
começou a ser implementada. Existe, entretanto, uma característica que é comum a todos Orçamentos
Participativos, que define os contornos dessa inovação democrática como uma política pública
generalizável para administrações municipais:
“(...) Uma estrutura e um processo de participação baseados em três princípios e em um
conjunto de instituições que funcionam como mecanismos ou canais que asseguram a participação no
processo decisório do governo municipal. Esses princípios são (1) participação aberta a todos os
cidadãos sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização, inclusive as comunitárias; (2)
combinação da democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional concede aos próprios
participantes a definição das regras internas e (3) alocação dos recursos para investimentos baseada na
combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja, compatibilidade entre as decisões e regras
estabelecidas pelos participantes e as exigências técnicas e legais da ação governamental, respeitando
também os limites financeiros”14.
Pode ser útil resumir de forma sintética os principais momentos da montagem do processo do
OP, tal como ele é aplicado na maioria das cidades em que ele vem sendo implementado, atentando
para os elementos comuns às experiências e os aspectos organizativos e de definição do universo de
regras e critérios para a tomada de decisões.
Em primeiro lugar é importante analisar em que setor o OP é desenvolvido nos governos. Ele
é planejado e avaliado no Gabinete da Prefeita, na Secretaria de Governo, na Secretaria de
Planejamento, na Secretaria de Finanças ou constitui uma Secretaria voltada para essa função
específica (elaborar e acompanhar o OP).
Em segundo lugar, é importante descrever a dinâmica do OP, o chamado ciclo do orçamento,
que se renova anualmente e que organiza todo o processo de participação. O processo começa em
março primeiramente com caráter informativo, em alguns casos com indicação de prioridades e escolha
de representantes populares. Entre abril e junho (ou julho), ocorrem as reuniões regionais e temáticas
(quando existem discussões desse teor) para seleção de prioridades e eleição de representantes. Podem
ocorrer reuniões intermediárias para confirmar as escolhas realizadas. Entre julho e setembro ocorre a
etapa mais importante. É o momento da negociação entre Executivo e representantes da população e
entre regiões da cidade sobre a montagem da proposta orçamentária. É o momento, também, do diálogo
mais intenso entre os técnicos e a população. Em geral, o processo se concentra no próprio conselho do
OP e considera a aplicação dos critérios distributivos de caráter geral e os critérios técnicos para
avaliação das prioridades levantadas pela população. Em Belo Horizonte, onde o OP começou a ser
implantado a partir de 1993, esse momento acrescenta a realização de uma “caravana de prioridades”
que significa a visita dos conselheiros às obras propostas pela região ou pela cidade. Essa experiência
da “caravana de prioridades” está sendo implantada em outros processos de orçamento participativo.
O encaminhamento da proposta orçamentária para a Câmara Municipal configura a última
etapa - de tramitação no Legislativo. Esse momento é fundamental por ser realizado um primeiro teste
do compromisso do Governo e da coalizão política que o sustenta em relação ao OP e ao Plano de
Investimento por eles votados. Isso se traduz na preservação dos Planos de Investimento quando da
13
14
Citado por Teixeira, Ana Claudia Chaves. Orçamento Participativo: condições de implementação, medidas
do êxito e formatos de experiência. Instituto Pólis. Versão preliminar. 2002.
Avritzer, Leonardo e Navarro, Zander. "Potencialidades e limites da inovação institucional: um estudo
comparativo sobre o Orçamento Participativo", in Relatório de Pesquisa, UFMG, 2001.
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negociação/barganha com o Poder Legislativo Municipal que é quem, legalmente, aprova o orçamento.
A capacidade de preservar a integralidade dos Planos de Investimento é um teste que permite avaliar a
profundidade da mudança que a administração municipal está disposta a realizar e a construir com o
OP como um espaço político de inovação nos mecanismos de gestão e deliberação das políticas
públicas.
Com a peça orçamentária aprovada, em geral, começa a preparação do novo ciclo do OP, que
começa em dezembro e janeiro com a elaboração do regimento interno do processo. Dado o princípio
de auto-regulamentação aplicado por boa parte dos orçamentos participativos existentes, essa etapa é
muito importante para a realização de ajustes no conteúdo da sua sistemática e dinâmica.
Nesse momento, tem-se o processo de divulgação pública dos Planos de Investimento e da
organização, em toda a cidade de processos de devolução das deliberações tomadas pelo Executivo e
pelo Legislativo, além do desenho do processo efetivo de sua implantação. Isso costuma materializar-se
na realização de reuniões públicas convocadas pela administração apenas ou em conjunto com o
Conselho do OP para uma prestação pública de contas. É uma das etapas importantes do OP, pois
efetiva um dos seus princípios constitutivos enquanto inovação democrática: o controle público sobre
os governantes e a transparência na tomada das decisões.
Com a execução dos planos de investimento surgidos do processo participativo há também a
constituição de comissões de fiscalização e acompanhamento das obras. Em Belo Horizonte, elas
chamam COMFORÇA, e são instâncias de participação no ciclo mais decisivo dos Orçamentos
Participativos: a etapa da efetivação das prioridades escolhidas pela população e incluídas na Lei
Orçamentária. Em Porto Alegre, é o próprio Conselho do Orçamento Participativo que realiza esse
trabalho. Em São Paulo, como será melhor analisado adiante, são os Fóruns Regionais de Delegados e
o CONOP. Outra característica importante nas diversas experiências de orçamento participativo diz
respeito à natureza do processo participativo realizado pelas administrações municipais.
Como foi dito anteriormente, o OP se baseia com intensidade na deliberação pública e na
conformação do que vários autores estudiosos têm refletido como a conformação de um espaço público
de “co-gestão”15 das políticas estatais. Outros autores têm chamado a atenção para o OP como um
“espaço público não estatal” entendendo esse espaço como um pacto entre sociedade e Estado em torno
do orçamento público16. É evidente que o OP representa muito mais uma experiência de resgate do
“espaço público” e de ressignficação da idéia de política que recupera concepções e processos que
estão na origem dos próprios conceitos de democracia e de política17.
O que caracterizaria esse perfil e essa natureza do OP seria a concretização dos princípios de:
1) decisão e soberania popular, materializada na noção de deliberação pública com o governo
assessorando e promovendo de forma ativa a execução da política participativa; 2) a decisão sobre o
conjunto do orçamento da prefeitura, ou dos recursos destinados para investimento (ou para projetos);
3) accountability ou de prestação de contas e transparência para a efetivação do controle social das
decisões; e 4) delimitação de um processo de decisão por parte da sociedade e do Estado de um corpo
15
Além dos trabalhos de Leonardo Avritzer, tem o trabalho de Gret, Marion e Sintomer, Yves, Porto Alegre: A
esperança de uma outra democracia, São Paulo, Loyola, 2002: “Mas a análise da estrutura do Orçamento
Participativo mostra que não se trata de um processo autogerenciado no sentido próprio do termo. De uma
forma geral, as decisões são tomadas em uma dinâmica de co-gestão entre o Executivo e a pirâmide
participativa”. (p. 114).
16
Principalmente, Genro, Tarso e Souza, Ubiratan, op. cit.
17
Wolff, Francis. “A invenção da política” in Novaes, Adauto (org). A crise do Estado-Nação, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2003. O autor realiza uma reflexão profundamente convergente com os temas e
problemas que as experiências de OP suscitam, principalmente no resgate de uma concepção “ampliada” de
cidadania em que o fundamento da sociedade e o Estado democráticos repousa na constituição de um espaço
comum (público) de exercício da palavra e do argumento. Além disso, o texto avança sobre outras dimensões
presentes nas experiências de OP. Principalmente as que se relacionam com as noções de soberania popular,
autoregulamentação e a prática deliberativa baseada em assembléias e em critério acordados coletivamente.
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de representantes especialmente eleitos para deliberar a alocação dos recursos públicos, que além
de tudo se auto-regulamenta.
Trata-se de uma feliz associação da ação técnica e política da burocracia estatal,
principalmente dos seus setores mais esclarecidos com os grupos da sociedade civil organizados ou em
processo de organização.
Nas experiências tidas como “clássicas”, como Porto Alegre, por exemplo, a formação do
conselho do orçamento participativo materializa esse modelo de inovação democrática. Os
conselheiros, que representam a população participante dos processos regionais e temáticos, são
dotados de mandato deliberativo, enquanto os conselheiros indicados pela administração para participar
têm assento e direito à voz, mas não a voto nas reuniões dos conselhos do OP.
Outro aspecto que é essencial nos OPs diz respeito à formalização das regras de participação e
de distribuição de recursos. Esta parece ser uma das grandes e decisivas inovações instititucionais
promovidas pelos orçamentos participativos. Desde os critérios de participação que formalizam as
reuniões deliberativas levando em conta a presença efetiva sem admitir pretensos procuradores nem
representações qualificadas, até a definição dos critérios de escolha e dos critérios técnicos e regionais
de distribuição dos recursos.
A adoção de critérios objetivos, de inspiração técnica, para a distribuição e alocação dos
recursos públicos leva em conta, na maioria das experiências de OP, a combinação de uma série de
critérios: demográficos, de carência territorial dos bens públicos e dos serviços e de preferência
popular. Paralelamente, a definição mutuamente acordada de critérios técnicos que se relacionam com
a exeqüibilidade das demandas é importante para formalizar o processo decisório baseado na
deliberação pública.
A aplicação desses critérios parece ter ajudado a fixar a idéia do orçamento participativo como
um espaço de deliberação efetiva, com regras pré-establecidas que não se alteram ao sabor dos
interesses, nem da população e nem do governo, promovendo a idéia de gestão compartilhada das
políticas públicas18.
Lições da experiência paulistana de democracia participativa
Como já foi mencionada anteriormente, a experiência paulistana de aplicação de mecanismos
de gestão participativa das políticas públicas havia ganhado um grande impulso entre 1989 e 1992, na
primeira gestão do PT à frente da prefeitura paulistana.
Contudo, é significativo o fato de que naquela experiência de governo não desenvolveu com
intensidade e permanência a ferramenta da participação cidadã na gestão do orçamento público
municipal. Enquanto Porto Alegre (RS) já avançara decisivamente nesse caminho com o
estabelecimento da política do orçamento participativo, o processo de gestão em São Paulo tropeçou
com diversos entraves19.
Se for feita a comparação entre os dois processos chega-se à conclusão de que em São Paulo
houve um processo de orçamento participativo, pelo menos do tipo praticado em Porto Alegre apenas
18
É prudente lembrar que com a inclusão do OP entre os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e do
Estatuto da Cidade, fez multiplicar o interesse pela implantação desse mecanismo principalmente em
governos locais. Como conseqüência disso, é possível prever um período de “absorção” da proposta pela
tradição mais conservadora do municipalismo de viés clientelista.
19
A este respeito, é elucidativo o estudo que o autor realizou da política de participação na administração
Erundina. Sánchez, Félix. O Desafio da Participação. Trajetória da política de participação na gestão
petista da prefeitura de São Paulo (1989/1992), São Paulo, Dissertação de Mestrado, Pós Graduação em
Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997.
Prevalência de uma concepção de governo tecnicista e avessa ao protagonismo cidadão e à deliberação pública
foram traços marcantes da política de participação desse governo.
8
IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
com a implantação do OP na segunda gestão do PT, sob a direção de Marta Suplicy (2001/2004).
Sobre a primeira experiência, ocorrida entre 1989/1992, o depoimento de Paul Singer20 é
cristalino nesse sentido. Em São Paulo houve um processo de participação indireta em que os interesses
da população, principalmente os dos setores e movimentos organizados, eram representados à hora da
negociação com a Prefeitura (com os secretários) em consonância a acordos já pré-estabelecidos. Não
havia a constituição de um processo deliberativo com ampla participação da população
independentemente de sua vinculação a movimentos, partidos, associações ou sindicatos e tampouco o
fórum das deliberações era um espaço com as características do conselho do orçamento participativo.
Nesse sentido, a experiência paulistana de implantação do orçamento participativo tem um
aspecto de pioneirismo e inovação na formulação de uma política de participação cidadã. Por esse
motivo, não surpreende a perplexidade de alguns quanto ao desafio de implantação de um mecanismo
de participação universal da cidadania na gestão das políticas públicas. Principalmente por ser a cidade
de São Paulo um dos exemplos mais claros de desigualdade e complexidade, e ser, também, um lugar
onde os desafios e as dificuldades enfrentados em sua implantação evidenciam a viabilidade da
participação cidadã na sociedade contemporânea, caracterizada, justamente, por sua complexidade.
São Paulo é uma “cidade mundial”21 que abriga todas as características de uma aglomeração
urbana de terceiro mundo. Compartilha com a vanguarda do capitalismo seu caráter de pólo de uma
economia mundial baseada no desenvolvimento de uma economia de fluxos pós-industriais22. E
também conserva os traços da sua urbanização periférica e dependente23 com suas características de
favelização, desemprego estrutural, ilegalidade na ocupação do solo, desigualdades abissais de natureza
social, étnica e cultural24.
Ao mesmo tempo, São Paulo é um território fortemente polarizado pelas experiências
históricas clientelistas e fisiológicas do “ademarismo” e do “janismo”, de um lado, e pela prática e
concepções fortemente corporativas dos movimentos e redes movimentalistas.
Historicamente, faltou a São Paulo uma tradição de organização social e popular de cunho
territorial capaz de assentar com autonomia a idéia e a prática da constituição do território como base
para a construção das formas de democracia local. Talvez possa ser parcialmente creditado a isso, o
atraso histórico da construção de mecanismos descentralizados e democráticos de gestão das políticas
públicas locais25. A descoberta do território como base para a democratização da gestão apenas
20
Singer, Paulo. Um governo de esquerda para todos. Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1992),
São Paulo, Brasiliense, 1996. A solução das questões orçamentárias era resolvida da forma convencional, ou
seja, em torno da mesa do gabinete, entre os secretários, sem
qualquer interferência popular.
21
Citar Véras, Maura P. B. “Tempo e espaço na metrópole. Breves reflexões sobre assincronias urbanas” in
Revista São Paulo em Perspectiva nº 15 (1), 2000; Carvalho, Mônica. “Cidade Global: anotações críticas
sobre um conceito” in Revista São Paulo em Perspectiva nº 45, (4), 2000, Santos, Milton, Técnica, espaço,
tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1998.
22
Sassen, Saskia. The Global City: London, New York, Tokyo, Princentonm Princenton University Press, 1991 e
Sassen, Saskia. Perdiendo el control? La soberania em la era de la globalización, Barcelona, Bellaterra,
2001.
23
Maricato, Ermínia. Brasil, cidades. Alternativas para a crise urbana. São Paulo, Vozes, 2001, Santos,
Milton. Metrópole corporativa fragmentada. O caso de São Paulo, São Paulo, Nobel, 1990 e Santos, Milton,
Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1998 e
Maricato, Ermínia, “Urbanismo na periferia do mundo globalizado. Metrópoles brasileiras” in Revista São
Paulo em Perspectiva, nº 14, vol. 4, 2000
24
Véras, Maura, op.cit.
25
Véras, Maura P. B. et alii, “Desejada ou temida. A participação da sociedade civil no processo de
planejamento urbano” in Revista São Paulo em Perspectiva, 8 (3), São Paulo, Fundação Seade, 1994
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
começou a ser discutida nos final da década de 198026. A demanda por subprefeituras apenas começou
a ser esboçada ao final da gestão Luiza Erundina (1989/1992) e somente pode ser construída na década
seguinte.
Talvez resida aí uma das chaves para a compreensão da inovação institucional do OP. Ela tem
uma origem diretamente política e se vincula fortemente ao desenvolvimento de projetos de
territorialização e de descentralização da gestão. A formulação do projeto do OP, por causa disso, é
muito mais o resultado do amadurecimento de uma concepção de gestão democrática e participativa do
território que só conseguiu vingar na esteira da implantação das subprefeituras e da reelaboração do
conceito de democracia territorial em uma vertente afirmativa da descentralização política da gestão e
do próprio governo local.
A adoção dessas ferramentas de gestão da política pública e de exercício de cidadania ativa
quando analisadas da perspectiva da sua implantação na maior cidade do país, assumem a dimensão de
desafios de administração pública e de coerência programática. Para ajudar a balizar esse esforço de
análise e de interpretação, Avritzer e Navarro apontam os fatores de inovação democrática e
institucional que podem ser encontrados na tradição de implantação de formas de orçamento
participativo:
“O OP é uma forma de rebalancear a articulação entre a democracia
representativa e a democracia participativa baseada em quatro elementos: a primeira
característica do OP é a cessão da soberania por aqueles que a detêm como resultado de
um processo representativo local. A soberania é cedida e um conjunto de assembléias
regionais e temáticas que operam a partir de critérios de universalidade
participativa. Todos os cidadãos são tornados, automaticamente, membros das
assembléias regionais e temáticas com igual poder de deliberação; em segundo lugar, o
OP implica a reintrodução de elementos de participação local, tais como as assembléias
regionais, e de elementos de delegação, tais como os conselhos a nível municipal,
representando, portanto uma combinação dos métodos da tradição de democracia
participativa; em terceiro lugar, o OP baseia-se no princípio da auto-regulação
soberana, ou seja, a participação envolve um conjunto de regras que são definidas pelos
próprios participantes, vinculando o OP a uma tradição de reconstituição de uma
gramática social participativa na qual as regras de deliberação são determinadas pelos
próprios participantes (Santos e Avritzer, 2002); em quarto lugar, o OP se caracteriza
por uma tentativa de reversão das prioridades de distribuição de recursos públicos a
nível local através de uma fórmula técnica (que varia de cidade para cidade) de
determinação de prioridades orçamentárias que privilegia os setores mais carentes
da população. As principais experiências de OP associam o princípio da carência prévia
no acesso a bens públicos a um maior acesso a esse mesmos bens”27. (grifos do autor)
Mais do que em qualquer outra cidade do país, e provavelmente do mundo, a implantação de
mecanismos de democracia participativa de caráter deliberativo como os do OP representam a
26
Houve dois períodos anteriores ao governo Erundina em que os temas da descentralização da gestão e, da
democratização do território se colocaram: na década de 1950, com os trabalhos do chamado “Esquema
Anhaia” e os do Padre Lebret e da Sagmacs; e no início da década de 1980, com os trabalhos produzidos na
gestão Covas e seu “Plano Diretor 85”. Os projetos dos dois períodos mencionados não foram
implementados. A esse respeito, ver Véras, Maura P. B. et alii, “Desejada ou temida. A participação da
sociedade civil no processo de planejamento urbano” in Revista São Paulo em Perspectiva, 8 (3), São Paulo,
Fundação Seade, 1994, p. 121 a 123.
27
Avritzer, Leonardo e Navarro, Zander. A inovação democrática no Brasil, São Paulo, Cortez.
10
IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
possibilidade real de concretizar um “inédito viável”28, uma dimensão material e historicamente
construída para o desenvolvimento de formas inovadoras de democracia, cidade, justiça e sociedade.
Nisso há, sem dúvida, muito de “invenção”29 que tem sido posta em prática em experiências de OP
como a de São Paulo, Porto Alegre e outras. Trata-se da aposta na constituição de formas inovadoras
para o exercício dos direitos e da cidadania que descortinam potencialidades de transformação e de
ressignificação da política, do poder e da sociedade. Justamente, é para essa “dupla perspectiva” que se
pretende apontar por meio da análise da implantação do OP.
Resolutividade do OP de São Paulo
Não apenas para os resultados materiais, visíveis, concretos e empiricamente mensuráveis,
mas também para suas potencialidades, muitas delas ainda não realizadas plenamente, mas de uma
inegável realidade e materialidade30. Escrever sobre uma experiência nova como a do OP de São Paulo,
por exemplo, representa um desafio intelectual, político e moral. “A categoria temporal do
conhecimento não é a de um porvir detentor da palavra final, mas a do presente que propicia as chaves
de inteligibilidade do passado”31. A análise de uma experiência tão recente em uma cidade tão
complexa é, de certo modo, o aspecto “capcioso” da pesquisa se pretende científica. Expõe os limites
da realidade empírica e, ao mesmo tempo, oportuniza a reflexão sobre suas potencialidades.
A força e a atratividade de mecanismos como o OP, respondem, sem dúvida, às condições
muito específicas da sociedade e do Estado pós-neoliberalismo.
A esse respeito, e refletindo sobre os desafios da gestão local na cidade de São Paulo, Chico de
Oliveira nos lembra que:
“A complexa trama entre a dimensão global, a velocidade das transformações, a despolitização
da economia e a desnacionalização da política vêm tornando a territorialidade como base da
política uma forma completamente inadequada para a prevalência da vontade dos cidadãos. O
sistema parece ter se convertido numa não-forma, que, portanto torna-se inacessível à cidadania,
que continua se utilizando das formas burguesas clássicas, quando não das pré-modernas,
patrimonialistas e patriarcalistas, quando o movimento do real já não se dá por elas”.
“Não fossem os esforços cidadãos no sentido de, por sua vez, ultrapassar as velhas e
consagradas formas, para acessar a complexidade da vida, e o ‘mundo da vida’ da teorização
habermasiana já haveria sucumbido ao ‘mundo do sistema’. Todas as novas organizações são
novas formas de lidar com a complexidade sufocada pela institucionalidade em vigor – na
verdade, em vigor apenas para os dominados – numa espécie de criação e recriação incessantes
da democracia, num formidável complexo que vai da proteção às baleias ao Fórum Social
Mundial de Porto Alegre, para economizar na descrição” 32.
Na verdade, o OP se constituiu em mecanismo de grande valia para enfrentar os efeitos da
política neoliberal com sua pressão pela “responsabilidade fiscal” em detrimento da “responsabilidade
social” demandada pelo eleitorado que elegeu coalizões de esquerda como as lideradas pelo PT em São
28
Agradeço a César Muñoz o resgate desse conceito tão importante do Paulo Freire. Muñoz, César. Pedagogia
da vida cotidiana e participação cidadã, São Paulo, Cortez, 2004.
29
Gorman, Edmund. A invenção de América, São Paulo, Unesp, 1998; e Dussel, Enrique. 1492: O
encobrimento do Outro, Petrópolis, Vozes, 1992.
30
Bensaïd, Daniel. Marx, o intempestivo. Grandezas e misérias de uma aventura crítica, Rio de Janeiro, 1999.
31
Bensaïd, op.cit. p.48. Ou da mesma obra e autor: “Do cavoucar e mergulhar nas profundezas do presente,
onde se acham enterradas as cbaves que abrem as arcas do passado como as portas do futuro. Não para
oferecer o dominio sobre eles. Mas para deixar entrever, na fugacidade de uma fresta, à luz bruxuleante de
uma vela, as paisagens ainda indecisas do anelo. Uma prefiguração do porvir não tem a certeza de um fim
previsível. Ela não é mais que o “nascimento de um movimento” (p. 50).
32
Oliveira, Francisco. Atas da Revolução: O Orçamento Participativo em São Paulo, manuscrito, 2001.
11
IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
Paulo. No mesmo artigo, Oliveira lembra que (no caso do OP) “sua concepção e sua prática devem
muito a uma dupla determinação: a primeira, a de administrar cidades com as restrições impostas pelo
‘modelo econômico’ e pelas políticas econômicas, agora nitidamente neoliberais, tentando responder à
pergunta: como redistribuir renda nessas condições supradeterminadas; a segunda, de como arraigar-se
nas populações, ao modo e semelhança da ‘ostra na pedra’, tal como o lendário PCI realizou na Itália
do pós-guerra, obtendo, com isso, uma militância ativa como forma de garantia do poder, em condições
em que, geralmente, as chamadas ‘forças econômicas’ quase sempre são adversas”33.
No terreno redistributivo, o Orçamento Participativo de São Paulo conseguiu, desde o primeiro
ano, o direcionamento claro do gasto público para os setores mais vulneráveis da cidade. Os Planos de
Obras e Serviços, aprovados pelo Conselho do Orçamento Participativo, acatados integralmente pela
administração e votados, depois, pela Câmara Municipal de São Paulo traduzem essa orientação
redistributiva.
No terreno da construção de um novo modelo de gestão das políticas públicas com participação
e “empoderamento”34 da população, a manutenção das características do OP de São Paulo como espaço
público de co-gestão formado por meio da participação direta e universal de cidadãos e cidadãs, que
deliberam sobre o orçamento municipal (no primeiro ano, em saúde e educação) e definem suas regras
de funcionamento, parece conferir à curta experiência realizada um potencial importante de renovação
dos modelos de gestão das políticas públicas e do próprio conceito e prática da democracia35.
33
Ibidem.
Chamo a atenção para o debate sobre a “democracia deliberativa” e sobre as experiências inovadoras de gestão pública
discutidas em 2000 por ocasião da quinta reunião do projeto “Real Utopias” sob a coordenação dos sociólogos americanos
Erik Olin Wright e Archon Fung que contou com a participação do cientista político brasileiro, Leonardo Avritzer. Para
maiores informações, consultar a página do referido projeto com todos os textos de debate:
http://www.ssc.wisc.edu/~wright/RealUtopias.htm.
35
Uma alteração significativa no funcionamento do OP em 2004 e que se articula intensamente com o debate sobre a
implantação de mecanismos de participação cidadã e de controle social tem a ver diretamente com a proposta aprovada para
o OP de 2005. É o estabelecimento de um processo de “descentralização do CONOP”. Embora o OP já apresente um
funcionamento fortemente regionalizado e territorializado. A proposta formulada no regimento do OP para 2004/2005 pode
contribuir muito para o fortalecimento do processo de descentralização da gestão das políticas públicas no município.
Segundo o referido regimento, o CONOP passará no processo que se abre com as assembléias de 2005 por um processo de
descentralização. Para isso, serão constituídos CONOPs por subprefeitura com a função de: 1) acompanhar a execução do
orçamento 2004 no âmbito de abrangência da subprefeitura; 2) fiscalizar as obras e os serviços acordados na proposta
orçamentária aprovada pela CMSP; 3) Colaborar com o CONOP e a COP no encaminhamento do processo de organização
das assembléias do ciclo do OP e para o acompanhamento de todas as atividades do OP/SP no âmbito da subprefeitura.
O CONOP-SP será integrado da seguinte forma:
População: 2 conselheiras(os) titulares e 2 suplentes que compõem o CONOP representando a SP; 1 titular e suplente
representando as temáticas de Política urbana e política social; 1 titular e 1 suplente representando cada um dos segmentos
sociais vulneráveis reconhecidos pelo regimento do CONOP e autorizado pelo Fórum Regional de Delegados na abertura do
processo de 2004; 2 titulares e 2 suplentes representando cada um dos distritos administrativos que compõem a área
territorial da subprefeitura; 1 titular e 1 suplente dos seguintes conselhos: tutelar; crece (1 por cada); saúde (conselho
distrital). Todos eles com direito a voz e voto e indicados pela população durante o processo das assembléias com exceção
dos representantes dos conselhos que serão indicados por meio de reuniões dos referidos conselhos especialmente
convocadas para tal fim.
Governo: 2 titulares e 2 suplentes representando a subprefeitura e 1 titular e 1 suplente representando cada coordenadoria
da subprefeitura. Todos eles indicados pela Administração Municipal.
Mandato
O mandato abrangerá o período de um ano. Sendo a posse marcada para a primeira quinzena de julho de cada ano. O
Regimento do CONOP-SP será o mesmo do CONOP.
É interessante verificar que esse processo de regionalização das instituições constitutivas do OP pode contribuir a fortalecer
a dinâmica das formas de democracia participativa e fazer com que passos efetivos sejam dados no reforço de uma
cidadania ativa.
34
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
A implantação do processo temático, a criação da rodada intermediária e a política afirmativa
para a participação dos segmentos sociais vulneráveis, constituíram momentos importantes de
institucionalização de mecanismos participativos de corte territorial abrangente. Fortaleceram o
enraizamento do OP no meio popular e abriram uma dimensão não corporativa, mas coletiva,
democrática e cidadã para o desenvolvimento de mecanismos de participação na Prefeitura de São
Paulo.
O fato de ter conseguido deslanchar esse processo em uma cidade da complexidade e das
dimensões da urbe paulistana, comprova a pertinência de buscar a construção de mecanismos de
participação popular no controle, elaboração e formulação de políticas públicas em todas as esferas de
poder, municipal, estadual e federal. Indicam também que há uma trilha que pode ser explorada para a
generalização de experiências de OP em megalópoles e também em cidades menores. Não surpreende o
interesse despertado pelo desenvolvimento da ferramenta do OP em diversos contextos, países e
continentes. Esse interesse responde, tudo parece indicar, à necessidade de oferecer uma alternativa ao
desgaste dos modelos tradicionais da democracia representativa.
Maria Vitória Benevides, ao refletir sobre a concepção e as experiências do Orçamento
Participativo, cunhou para a democracia uma definição muito singela que ajuda a entender uma de suas
dimensões fundadoras: democracia é o regime político da soberania popular com respeito integral aos
direitos humanos36. Democracia que encontra na experiência e na prática dos orçamentos participativos
uma força impulsionadora muito grande no que tange ao controle público sobre o Estado fortalecendo
referenciais que ajudam a superar as mazelas do intervencionismo autoritário do Estado e o
minimalismo das propostas de gestão neoliberais. Democracia do Orçamento Participativo que permite
construir novas referências de direito, de cidadania, de poder e de sociedade renovadas.
A propósito disso, Henri Lefevre em “O direito à cidade” levantava algumas interrogações que
parecem ser adequadas à hora de refletir sobre o potencial de mudança que a implantação do OP e de
outros mecanismos de democracia participativa trazem: “Poderá a vida urbana recuperar e intensificar
as capacidades de integração e de participação da cidade, quase inteiramente desaparecidas, e que não
podem ser estimuladas nem pela via autoritária, nem por intervenção de especialistas?”37. Ele apontava
a necessidade de avançar “na direção de um novo humanismo, (...) uma nova práxis e de um outro
homem, o homem da sociedade urbana”38. Ele reivindicava a retomada da busca pelo “direito à vida
urbana, transformada, renovada. Pouco importa que o tecido urbano encerre em si o campo e aquilo
que sobrevive da vida camponesa conquanto que o “urbano”, lugar de encontro, prioridade do valor de
uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à posição de supremo bem entre os bens, encontre
sua base morfológica, sua realização prático-sensível. (...) Os moradores do Olimpo e a nova
aristocracia burguesa (quem o ignora?) não habitam mais. Andam de palácio em palácio, ou de castelo
em castelo; comandam uma armada ou um país de dentro de um iate; estão em toda parte e em parte
alguma. Daí provêm a causa da fascinação que exercem sobre as pessoas mergulhadas no quotidiano;
“Os CONOPs, contudo, apresentam um risco político. Os conselhos setoriais da cidade procuraram, no último ano, construir
estruturas descentralizadas. O CONOP e os CONOPs regionais, na medida em que sua vocação e aspiração passa a ser a
construção de uma rede municipal apoiada nos territórios, e sistematização das demandas a partir de uma leitura global e
estratégica dos territórios e da cidade, parecem sobrepor-se aos objetivos e intenções dos conselhos setoriais. A mera
inclusão de representação por segmento social ou participação de conselhos setoriais no CONOP sugere a incorporação de
uma estrutura de gestão participativa por outra. Essa tensão ou relação política não resolvida parece reproduzir-se no país,
onde existe fomento à gestão participativa. No caso do município de São Paulo, parece reproduzir, preservadas as
proporções e toda a trajetória histórica da cidade que configura conjunturas distintas, alguns dos dilemas percebidos na
primeira gestão municipal petista, no final dos anos 80 e início dos 90”. (CULTIVA, 2004)
36
Dutra, Olívio e Benevides, Maria Vitória. Orçamento Participativo e Socialismo, São Paulo, Fundação Perseu Abramo,
2001.
37
Lefevre, Henri. O direito à cidade, São Paulo, Centauro, 2001 p.101.
38
Ibidem, p.107.
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
eles transcendem a quotidianeidade; possuem a natureza e deixam os esbirros fabricar a cultura”39.
A constituição de uma esfera pública, baseada em mecanismos de democracia participativa
pode ser um caminho para superar a forçosa segregação da vida em sociedade nos tempos de hoje. O
resgate dos valores submersos e afogados no reino da acumulação mercantil que hoje predomina,
permite visualizar o desenvolvimento de mecanismos de democracia participativa com potencial para
uma vida social mais plena.
Orçamento Participativo como solução
O debate sobre as possibilidades e desafios da implantação de um mecanismo como o do OP em
um contexto nacional ganhou relevo e profundidade depois da vitória de Lula e do PT na eleição
nacional de 2002. Intelectuais e especialistas de renome como Emir Sader, Fabio Konder Comparato,
Ubiratan de Souza, Leonardo Avritzer e Leda Paulani tem insistido na importância e na urgência de se
adotarem mecanismos de democracia participativa e de controle social envolvendo a elaboração e o
controle da execução do orçamento federal.
Leda Paulani, por exemplo, em artigo40 de avaliação dos rumos da política econômica do
referido governo Lula tem o mérito indubitável de chamar a atenção para um aspecto essencial do
encaminhamento da política econômica do país: a urgência de implantar o orçamento participativo na
gestão da economia do Brasil. Na percepção arguta da autora, trata-se de buscar por meio da gestão
participativa de aspectos essenciais do modelo econômico do país, o enfrentamento dos impasses que
impedem aos seus habitantes procurar condições de maior justiça e igualdade para diminuir o
desemprego e redistribuir renda.
A identificação do OP como um instrumento importante para alcançar patamares mais elevados
de justiça distributiva é inteiramente correta. Estudiosos de renome e fama nacional e internacional
como Emir Sader, Maria Vitória Benevides, Fabio Konder Comparato e Boaventura de Souza Santos
têm chamado a atenção para o potencial redistributivo que está embutido nos mecanismos de
participação popular dos OP. Esse potencial exprime a sinergia dos seus processos de estruturação e
implantação para redefinir, de modo concomitante, os sentidos da construção da democracia e da
cidadania em nossa sociedade.
Contrariamente a outras experiências de participação, os OP têm na combinação: protagonismo
social, deliberação pública e redistribuição de renda sua maior originalidade e força. Embora eles se
restrinjam, no seu alcance, ao plano municipal, eles fornecem uma chave metodológica e estratégica
que aponta para o restabelecimento de uma nova soberania popular: a da cidadania ativa.
Essa marca renovadora e inovadora, de resgate dos valores democráticos e igualitários, é
fundamental para que a gestão da economia possa ocorrer recuperando prioridades de desenvolvimento
nacional e os interesses da maioria ativa da população brasileira.
O orçamento participativo é, justamente, uma ferramenta que a esquerda e os setores
democráticos deste país construíram como contraponto à hegemonia neoliberal e seu receituário. Os OP
contribuíram muito na recuperação da confiança no potencial redistributivo do Estado porque
enfrentaram a lógica do minimalismo mercantil anti-estatal e anti-democrático. Eles ajudaram a
recompor o ideal de uma democracia nova e ativa porque suas experiências práticas mais consolidadas
se ancoraram intensamente na construção de direitos, de transparência e na deliberação pública de suas
maiorias ativas.
Hoje, dezoito meses depois da posse de um governo federal eleito para romper com o modelo
econômico neoliberal anterior, a experiência dos OP aparece mais potente do que nunca como uma das
39
40
Ibidem, p. 117.
Paulani, Leda. A transparência intransparente, São Paulo, mimeo, 2004.
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004
ferramentas essenciais para construir um Brasil democrático, popular e cidadão.
Nota Biográfica: Félix Ruiz Sánchez é doutor em sociologia pela PUC/SP e, também, professor do departamento de
sociologia dessa mesma universidade. Na admistração pública, é sociólogo da secretaria municipal de planejamento urbano
da Prefeitura de São Paulo. Publicou o livro: Orçamento Participativo: Teoria e Prática, São Paulo, Cortez, 2002 e também
é autor de capítulos de livros sobre participação cidadã que foram publicados em inglês e em espanhol. Foi o idealizador e o
primeiro coordenador do Orçamento Participativo da cidade, cargo que ocupa atualmente.
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