Música no barroco

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Música no barroco
Música no Barroco (séc. XVII-XVIII)
Um pouca da História da Música Religiosa Barroca
No séc. XVII a Renascença vai gradualmente evoluindo para a arte Barroca. Praticamente, a composição de Música Religiosa já não difere da profana, com excepção das peças de dança, e a instrumentação está quase sempre presente, sobretudo no ritual protestante, mais aberto à criatividade musical. A Alemanha inicia um período áureo que se prolongará até ao séc. XX.
Neste período, alguns instrumentos sofrem um desenvolvimento tal, que permitem um desempenho mais virtuosístico (maior rapidez), assim como surgem novos instrumentos que participam a
solo ou integram os novos conjuntos orquestrais (já próximos da composição actual). Também na
escrita, a divisão do tempo é já uma prática corrente (anteriormente aparecia esporadicamente),
assim como os acidentes permitiram alargar a riqueza melódica e harmónica da música.
A Oratória, obra não litúrgica, foi uma das primeiras inovações deste período – nas Vespro della
Beata Vergine (1610), Monteverdi (que anteriormente se referiu) já evidencia esta forma de escrita.
Giacomo Carissimi (1605-1674), no entanto, é quem estabelece a forma final, como no Julgamento
de Salomão, Jephta ou no Grande Dilúvio. Alessandro Scarlatti e Antonio Vivaldi (1678-1741)
também compuseram neste estilo, que se expande à Áustria.
Na Alemanha, o acompanhamento de peças corais com o Órgão abre caminho ao Coral, que tanto
é para Coro (e cantadas pela assembleia) como apenas para Órgão. Heinrich Schütz (1585-1672) é um dos primeiros mestres a fazê-lo, seguindo-se os
virtuosos organistas Dietrich Buxtehude (1637-1707) e Johann Pachelbel
(1653-1706).
Johann Sebastian Bach (1685-1750), um dos maiores compositores de todos
os tempos, desenvolve o estilo da Cantata (compôs mais de 300 em 40
anos), ao serviço dos prelados de Mühlhausen, Weimar, Cöhten e Leipzig,
em língua alemã e plenas de devoção e fé. A sua criatividade permitiu-lhe,
em Leipzig, escrever a música para acompanhar o serviço religioso para os
Domingos e épocas e dias Festivos (Natal, Páscoa, Pentecostes, etc.) durante 3 anos e meio. Escreveu ainda 5 Paixões, a Missa em si menor (em Latim), o Magnificat, a Oratória de Natal, 6 Motetes, e diversas obras para
Órgão, Cravo, Violino e Violoncelo, entre outras (estão catalogadas, pelo
menos, 1121 obras com a designação BWV).
J.S.Bach, 1747
Georg Friedrich Händel (1685-1759) insere-se igualmente no grupo de grande
compositores, tendo desenvolvido mais o estilo da Oratória, em que se destaca The Messiah (1742), dividida em 3 partes que relatam a vida de Jesus
desde o nascimento à sua morte, e Israel in Egipt. A sua vida repartiu-se
entre a Alemanha e Inglaterra, tendo escrito nestas duas língua, além do
Latim. Ao contrário de Bach, não produziu muita obra religiosa, dedicandose mais à profana, onde proliferam as óperas e as Suites Water Music e
Royal Fireworks, entre outros.
Na Alemanha destaque-se ainda a obra, não menos importante, de Franz
Ignaz von Biber (com a Kremsier Kantate) e Georg Philip Telemann (com a
suite Musique de Table) que compuseram para os dois géneros musicais –
religioso e profano.
G.F.Haendel, 1727
Um pouca da História da Música Profana Barroca
Na continuação do que vinha a acontecer no Renascimento, a música profana começa a adquirir
preponderância sobre a religiosa.
A Ópera é o acontecimento musical mais marcante do séc. XVII-XVIII. Surgido em Itália, rapidamente adquire um grande público, ávido de assistir a espectáculos cheios de movimento e efeitos,
sobre histórias, sobretudo, da antiguidade clássica. Não tardam a surgir salas próprias (sendo as
primeiras em Veneza) para a sua audição, em substituição dos Salões nobres.
Claudio Monteverdi (1567-1643), recorde-se, foi quem desenvolveu e criou uma unidade de estilo –
os temas são geralmente ligados à, como em Orfeo (1607), a sua primeira ópera, Il Ritorno d’Ulisse
in Patria ou L’ Incoronazzione di Pompea.
Alessandro Scarlatti (1660-1725) desenvolve a ópera Napolitana, num estilo
com melodias mais sequenciais e harmonias mais suaves. Gli equivoci nel
sembiante (1679) foi a sua segunda opera (da primeira nada se sabe e nunca
foi executada).
Ainda em Nápoles, surge um estilo de ópera – a Ópera Buffa – que nada
tem de cómico (como mais tarde) mas porque tinha poucos cantores, normalmente dois. A mais famosa deste tempo é La Serva Padrona (1733) de
Giovanni Battista Pergolesi, e que ainda hoje é muito divulgada.
Em Inglaterra, na sequências das Masques, surgem óperas por Henry Purcell (1659-1695), cuja verdadeira ópera é Dido and Aeneas, e G.F.Haendel
com Almira, escrita em Hamburgo, Amadigi, Rinaldo, Giulio Cesare, Tamerlano, Serse, Acis and Galatea, entre as cerca de 50 que escreveu.
A.Scarlatti
Em França, a ópera é marcada pelos bailados, muito ao gosto francês. Destacam-se Jean Baptiste
Lully (1632-87), de origem italiana, com Le bourgeois gentilhomme (1670), com recitativos acompanhados por orquestra, e Jean-Philippe Rameau (1683-1764), com Hippolyte et Aricie (1733), a sua
primeira ópera, Les Indes galantes, Castor et Pollux, entre outras.
Na música instrumental, em grande ascendência, o Cravo
ganha lugar de destaque. Várias obras importantes surgem
sob a escrita de François Couperin (Pièces de Clavecin),
Alessandro e Domenico Scarlatti (Partitas e Sonatas) ou
J.S.Bach (O Cravo bem temperado). A Guitarra ganha ascendente sobre o Alaúde. O Violino e o Violoncelo barrocos
são, igualmente, instrumentos solistas (e de orquestra).
Surgem, também, as Orquestras. As formas musicais, então
desenvolvidas, foram a Suite (conjunto de peças essencialmente de dança), o Concerto (um ou mais instrumentos a
Lully com músicos tocando Alaúde e Guitarra
solo acompanhados por orquestra) e a Sinfonia (similar ao
Concerto mas apenas com orquestra). Os dois últimos apresentam um estrutura em 3 partes
(andamentos), sendo o primeiro num ritmo vivo (allegro), o segundo lento (adagio) e o terceiro de
novo vivo (alegro ou presto) – chama-se a esta estrutura forma de Sonata, que aparece nesta época
e viria a designar, mais tarde, obras para instrumentos a solo. Existia, então, a Sonata da Camera
e a Sonata da Chiesa (o termo significa igreja, mas apenas porque não possuía andamentos de
dança). Em Itália, muito prolífica neste género, destaca-se António Vivaldi nas Quattro Staggioni
e L’estro armonico, Ancangelo Corelli e Giuseppe Torelli nos Concerti Grossi, Tommaso Albinoni no Adagio, entre muitos outros.
As Formas Musicais
ORATÓRIA – obra religiosa não litúrgica com carácter dramático e teatral. Foi desenvolvida pelos Jesuítas em Itália para fins pedagógicos. Caracteriza-se pela alternância de partes Corais
(normalmente acompanhadas), partes Solistas (árias, duetos e outros conjuntos) e partes de Recitativo (canto quase recitado acompanhado a baixo contínuo – viola da gamba e/ou cravo).
CANTATA – desenvolvida essencialmente na Alemanha, é cantada em alemão e escrita ao estilo da Oratória mas com carácter litúrgico. Bach foi o seu expoente máximo, ao escrever para as
missas de domingo e dias festivos.
SUITE – peça instrumental composta de diversos andamentos, alternando rápidos com lentos, em
ritmo de dança, começando com uma Abertura em estilo francês. A Suite-abertura nº 1 de Bach tem
a seguinte estrutura: Abertura – Courante – Gavotte – Forlane – Menuet – Bourrée - Passepied.
CONCERTO GROSSO – eram peças para orquestra de cordas onde um grupo mais pequeno
alterna ou combina com um grupo maior. Os instrumentos de sopro de madeira (oboé, clarinete e
fagote) também surgem, com alguma frequência, nestes agrupamentos.
FUGA – peça escrita em cânon – existe um tema e algumas vozes repetem o tema entrando em
tempos diferentes, como se cada uma fosse atrás da outra. Foram escritas, sobretudo, fugas para
órgão, cravo e peças corais.
ÓPERA – é uma representação musical com representação cénica. No início, era composta por
partes em que se alternam canções (árias) a solo ou em conjunto, coros, e partes instrumentais,
ocupadas com danças. A música e texto (poético) são compostos sobre um determinado tema, como
o Regresso de Ulisses à Pátria. É considerada como primeira ópera a obra de Peri, La Dafne (1597),
cuja partitura se perdeu, e a de Emilio de Cavalieri, Rappresentazione di Anima e di Corpo (1600),
como a primeira conhecida.
ÁRIA – peça para um cantor solista acompanhado por orquestra. Neste períodos as Árias são do
tipo A-B-A – um primeiro tema seguido de outro tema contrastante com o primeiro e repete o primeiro tema, normalmente com variações – a Cadência – onde o cantor mostra as suas virtuosas
agilidades vocais. É neste período que os cantores solistas adquirem um estatuto de destaque social, e os denominados Castrati deliciam os ouvidos do público. Já eram comuns em meados do séc.
XVI, dado que mesmo fora da igreja as mulheres eram proibidas de cantar – os jovens cantores dotados vocalmente eram castrados antes da mudança de voz, e continuaram a ser preferidos mesmo
quando aparecem as primeiras prime-donne, por serem altos e possuírem vozes mais potentes. Farinelli foi talvez um dos mais famosos Castrato.
Concerto de comemoração do Delfim, Panini
Os Instrumentos
Instrumentos de Sopro ou Aerofones
FLAUTA Barroca – passa a ser feita em três partes e é acrescentado um orifício controlado por
uma chave. No final do séc. XVIII já existem flautas com 6 chaves (peça de metal que tapa o orifício).
OBOÉ – desenvolvido a partir da Charamela, é feito em ébano, tubo cónico dividido em 3 partes,
uma chave e dupla palheta. O Oboé d’Amour aparece no séc. XVIII com uma sonoridade mais
doce.
CLARINETE – difere essencialmente do oboé no tubo cilíndrico, na palheta simples e 2 chaves.
FAGOTE – difere essencialmente do oboé pelo tubo dobrado, para
aumentar o seu comprimento.
TROMPA NATURAL – evoluída da Trompa da Caccia, o tubo é
mais longo e parte cilíndrico e parte cónico, o bocal é em forma de funil.
Permitiu duplicar a extensão musical para o 16º harmónico – o som é obtido pela pressão do ar. Em 1740 Hampel descobriu que com a mão enfiada no pavilhão (a parte mais larga) podia corrigir a afinação.
Trompa Natural
TROMBONE de VARAS – desenvolvido a partir da Sacabuxa, a vara é um tubo que se desloca para aumentar ou
diminuir o comprimento do instrumento.
ÓRGÃO – neste período, possuem dois teclados manuais e
uma pedaleira. Na Península Ibérica o órgão Ibérico particulariza-se no conjunto de tubos com palheta (jogos palhetados) e registos especiais (que imitam sons diversos) e ainda
do meio-registo (divisão do teclado em duas partes independentes).
Órgão da Igreja de S. Thomas, Leipzig
Instrumentos de Cordas ou Cordofones
GUITARRA – substitui o Alaúde em importância, evolui a partir da Vihuela e adquire a forma
actual, embora com a curvatura menos acentuada, possuindo 6 cordas em pares.
VIOLINO – substitui a Viola da Braccio e adquire a forma actual, embora um pouco mais alto. O
arco apresenta a curvatura para fora e as cerdas esticadas são seguras por um arame preso numa
cremalheira. A Viola é semelhante ao violino, mas maior.
VIOLONCELO BARROCO – substitui a Viola da Gamba
e adquire a forma actual, sendo, no entando, ainda seguro entre
as pernas. O Contrabaixo é maior que o violoncelo e assenta no
chão.
CRAVO – tem origem em Itália e é semelhante ao Virginal.
Possui um mecanismo, o sautereau, que, por acção da tecla, desliza verticalmente e faz beliscar a corda com um plectro. Por
vezes possuíam dois teclados para obter uma sonoridade mais
forte e outra mais suave.
Cravo com decoração tipicamente barroca
A Música e a Arte
A Pintura, a Escultura e a Arquitectura, assim como a Música, atingiu com o Barroco um momento em que a ornamentação era um elemento muito importante. Já nesta época existiam partes da
partitura deixadas em branco para que o executante solista improvisasse e fizesse variações sobre o
tema da peça (chamada Cadência), sendo a oportunidade de mostrar o seu virtuosismo.
Por outro lado, o dinamismo (sensação de movimento) é comum às Artes – a evolução dos instrumentos e as formas musicais exploram os diferentes timbres e intensidade, que se alternam constantemente.
Conclua-se que, ao aumento da sonoridade, ornamentações e dinâmica, as Igrejas Barrocas, em
planta de nave única e repletas de talhas (de madeira), respondem acusticamente à absorção do
som, evitando as reverberações das catedrais românicas e góticas.
Batalha das Amazonas (1618), Rubens
O Encontro de Moisés (1651), Poussin
Curiosidades
Porque razão escreveu Johann Sebastian Bach um conjunto de peças a
que chamou O Cravo Bem Temperado (Wohltemperiert Clavier), cujo
nome mais parece um livro de receitas de culinária.
Só nesta altura se definiram os doze sons que a música ocidental distingue, estando eles à distância de 1/2 tom entre si. No entanto, considerase que 1 tom divide-se em 9 partes – o Coma – o que quer dizer que o meio
aritmético não existe, por isso, o sustenido de uma nota é mais alto que o
bemol da nota seguinte (exemplo dó# é 1 coma mais alto que réb).
Nos instrumentos onde é necessário “fazer” a nota – como os instrumentos de sopro naturais ou de cordas sem trasto – os músicos distinguiam a
pequena diferença no intervalo entre notas. Bach pretendeu, assim, demonstrar que podia compor peças musicais para instrumento de tecla com
uma afinação “temperada”, em que os meios tons estão exactamente a
meio (entre o sustenido e o bemol), tão bela como se o não fosse – compôs
então obras para todas as tonalidades: dó, dó#, ré, réb, ré#, mi, fá, etc.
nos modos maior e menor, resultando 48 prelúdios e fugas que são normalmente tocados em Cravo. Escreveu ainda a Fantasia Cromática que
se baseia na Escala Harmónica que contém os 12 sons.
Audição
A música barroca caiu em esquecimento durante 100 anos, sendo redescoberta por Félix Mendelsshon que organizou a exibição pública (1829) da Paixão segundo S. Mateus, de Bach. No entanto,
desde então, a interpretação a interpretação de música barroca carregou uma expressão romântica
desproporcionada, que foi posta em causa a partir dos anos 60 (do séc. XX).
É o exemplo do trabalho desenvolvido por Nikolaus Harnoncourt (assistido por Gustav Leonhardt, cravista) na procura da sonoridade barroca – criou uma orquestra (Concentus Musicus Wien) com instrumentos originais, até então guardados nos museus e colecções particulares, e utilizou
Coros com vozes apenas masculinas, onde os naipes de soprano e alto são jovens que ainda não
tiveram a mudança (natural) de voz – ou de John Eliot Gardiner, a partir dos anos 70, com o Monteverdi Choir (que fundou com 21 anos) e o EnglishBaroque Soloists.
Música Sacra do séc. XVII ao séc. XVIII
Oratória – Vespro della Beata Vergine – Deus in adiutorium, Claudio Monteverdi
ƒ
Concentus Musicus Wien / Arnold Schoenberg Chor, dir. Nikolaus Harnoncourt
Coral – Johannes-Passion – Wer hat dich so geschlagen, Johann Sebastian Bach
Recitativo e Choral – Johannes-Passion – Und Hannas sandte ihn gebunde..., Johann Sebastian Bach
ƒ
The English Baroque Soloists / Monteverdi Choir, dir. John Eliot Gardiner
Oratória: Coro – The Messiah – And the Glory of the Lord, Georg Friedrich
Händel
Oratória: Ária – The Messiah – Rejoice Greatly, Georg Friedrich Händel
ƒ
The English Baroque Soloists / Monteverdi Choir, dir. John Eliot Gardiner
Música Profana do séc. XVII ao séc. XVIII
Concerto Grosso – Concerto nº 1 – Largo, Arcangelo Corelli
ƒ
Capella Istropolitana, dir. Jaroslav Krchek
Concerto – Deuxième Concert – L’Agaçante – Rondement, Jean-Philipe Rameau
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Kuijken Ensemble
Suite – Ouverture nº 2 – Badinerie, Johann Sebastian Bach
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The English Concert, dir. Trevor Pinnock
Trio – Trio in sol minore Rv.85 – Allegro, Antonio Vivaldi
ƒ
E.Onofri (violino), L.Pianca (Arquialaúde), E.Russo (Violoncelo), M.Leonardi
(Teorba)
Ópera – Rinaldo – Lascia ch’io pianga (ária de Almirena), G. Friedrich Händel
Ópera – Giulio Cesare – Da Tempesta (ária de Cleopatra), G. Friedrich Händel
ƒ
Maria Bayo (soprano), Capriccio Stravagante, dir. Skip Sempé
Textos e compilação musical de José Manuel Russo
para a Exposição do Departamento de Artes Visuais e Técnicas, 2004