avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares

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avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares
SOCESP
VOLUME 18 — NO 3 — JULHO-AGOSTO-SETEMBRO DE 2008 / WWW.SOCESP.ORG.BR
ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES
EDITOR CONVIDADO: ANGELO AMATO V. DE PAOLA
MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS:
FUNDAMENTOS PARA O CARDIOLOGISTA CLÍNICO
ABORDAGEM CLÍNICA DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
ESTADO ATUAL DA ABLAÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E TRATAMENTO DAS
TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES
Figura da página 230.
NA SALA DE EMERGÊNCIA
ARRITMIAS VENTRICULARES
EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA
ARRITMIAS VENTRICULARES GENETICAMENTE
DETERMINADAS: ESTRATIFICAÇÃO DE
RISCO E TRATAMENTO
Figura da página 265.
EXTRA-SÍSTOLES E TAQUICARDIAS VENTRICULARES
IDIOPÁTICAS: SIGNIFICADO CLÍNICO E TRATAMENTO
ARRITMIAS VENTRICULARES NO ATLETA: AVALIAÇÃO
E ELEGIBILIDADE PARA O ESPORTE
MANUSEIO ATUAL DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
NA FASE AGUDA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO
AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS
Gráfico da página 297.
Comparação entre terapia antiarrítmica e desfibrilador
nos diferentes grandes estudos. As maiores reduções
de mortalidade foram obtidas nos estudos MADIT-I e
MUSTT, nos quais o desfibrilador foi indicado após
rigorosa avaliação eletrofisiológica. Os estudos CASH
e AVID estudaram portadores de taquicardias ventriculares sustentadas mal toleradas. DCAI = desfibriladorcardioversor-automático implantável.
ARRITMIAS VENTRICULARES NA FASE CRÔNICA
DO INFARTO DO MIOCÁRDIO
AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS ARRITMIAS
VENTRICULARES NAS CARDIOPATIAS NÃO-ISQUÊMICAS
ISSN 0103-8559
REVISTA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
REVISTA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
DIRETORIA DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
BIÊNIO 2008/2009
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CONSELHO EDITORIAL
Arritmias e Eletrofisiologia
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Flavio Tarasoutchi
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Cardiomiopatia
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Dirceu Rodrigues Almeida
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Ecocardiograma
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Jorge Eduardo Assef
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Cardiopatias Congênitas
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Cirurgia Cardiovascular
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Doença Arterial Coronária
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Carlos V. Serrano Jr.
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Ari Timerman
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Epidemiologia
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Álvaro Avezum
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Ergometria e Reabilitação
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William Azem Chalela
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Ciência Básica em
Cardiologia
Alexandre da Costa
Kleber G. Franchini
Francisco Rafael M. Laurindo
Takashi Okoshi
Intervencionista
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Expedito E. Ribeiro da Silva
Valter Correia de Lima
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Hipertensão Arterial
Dante Marcelo A. Giorgi
Fernando Nobre
Rui Manuel dos Santos Póvoa
Fernanda Consolin Colombo
Celso Amodeo
Insuficiência Cardíaca Congestiva
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João Manoel Rossi Neto
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José Francisco Kerr Saraiva
José Henrique Andrade Vila
Medicina Nuclear
Paola Emanuela P. Smanio
José Soares Jr.
Carlos Alberto Buchpiguel
Ressonância Magnética
e Tomografia Computadorizada
Carlos Eduardo Rochitte
Ibraim Masciarelli Pinto
Qualidade Profissional e Bioética
Max Grinberg
Bráulio Luna Filho
Renato Azevedo
i
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia
do Estado de São Paulo
Publicação Trimestral / Published Quarterly
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)
Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 Inclui suplementos e números especiais.
Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91.
1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A)
1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B), 5 (supl A), 6 (supl A)
1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 5 (supl B), 6 (supl A)
2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2007, 17: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2008, 18: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A)
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é editada trimestralmente pela Diretoria de Publicações da SOCESP,
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ii
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DIRETORIA DAS REGIONAIS DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
BIÊNIO 2008/2009
Regional ABCDM
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Silvio Cembranelli Neto
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Ronaldo de Oliveira Júnior
Karlo José Félix Capi
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Regional Araçatuba
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Regional Araras
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Roberto Reis
Carlos de Camargo
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Julio César Vidotto
Nilton César Apendino
Fernando Rodrigues S. Cordaro
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Regional Botucatu
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Ana Lucia Cogni
Elaine Farah Simões
Ricardo Mattos Ferreira
Regional São Carlos
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José César Briganti
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Fabiana Maria Ruas Darezzo
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Preto
Paulo José Freitas Ribeiro
Fernando Nobre
Oswaldo César de Almeida Filho
Marcus Vinicius Papa
Antonio Mendes Neto
Carlos Alberto Cyrillo Sellera
Nelson Roberto Zecchin
Edison Ribeiro da Cruz
Regional Campinas
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Daniel Lages Dias
Diretor Científico: Fernando Mello Porto
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Fábio Rossi dos Santos
Regional São José do Rio Preto
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Paulo Roberto Pavarino
Diretor Científico: José Carlos Aidar Ayoub
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Paulo Roberto Nogueira
2o Secretário:
José Fernando Vilela Martin
Regional Franca
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Luiz Alfredo H. Patti
Diretor Científico: Carlos Alves Pereira
1o Secretário:
Ciro M. Camarota
2o Secretário:
Nilson Ricardo Salomão
Regional Sorocaba
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2o Secretário:
Regional Jundiaí
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2o Secretário:
Regional Vale do Paraíba
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Carlos Expedito Bento Leitão
Diretor Científico: Pedro Augusto Pascoli
1o Secretário:
Fábio Roberto da Silva Baptista
2o Secretário:
José Eduardo B. de Araújo
Wagner Tadeu Ligabó
Alberando Gennari Filho
Agostinho B. de Castro
Mário José Luiz S. Devittis
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
José Augusto Rabello Jr.
Fernando Sampaio
Marcelo Demarchi
Luiz Miguel Gaspar Henriques
iii
SUMÁRIO
ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES
EDITOR CONVIDADO: ANGELO AMATO V.
DE
PAOLA
193 Carta do Editor Convidado
EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA
251 Carta do Editor Convidado
ANGELO AMATO V. DE PAOLA
MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA
ARTIGOS
ARTIGOS
194 Mecanismos das arritmias cardíacas:
fundamentos para o cardiologista clínico
Basic mechanisms of arrhythmia: essentials
for clinical cardiologists
THAIS AGUIAR DO NASCIMENTO,
ANGELO AMATO V. DE PAOLA,
GUILHERME FENELON
205 Abordagem clínica da fibrilação atrial
Clinical approach to atrial fibrillation
DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA,
RICARDO GARBE HABIB,
ROGERIO ANDALAFT,
LUIZ ROBERTO DE MORAES,
CLAUDIA FRAGATA,
CARLOS ANIBAL SIERRA REYÉS,
JULIO CESAR GIZZI
221 Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Current practice of catheter ablation for the
treatment of atrial fibrillation
CRISTIANO DE OLIVEIRA DIETRICH,
CLAUDIO CIRENZA,
ANGELO AMATO VINCENZO DE PAOLA
236 Diagnóstico diferencial e tratamento das
taquicardias supraventriculares na sala
de emergência
Differential diagnosis and treatment
of supraventricular tachycardias in the
emergency room
JOÃO PIMENTA,
JOSÉ MARCOS MOREIRA,
JEFFERSON CURIMBABA
iv
ARRITMIAS VENTRICULARES
252 Arritmias ventriculares geneticamente
determinadas: estratificação de risco
e tratamento
Genetically determined ventricular arrhythmias:
risk stratification and therapy
MÁRCIO JANSEN DE OLIVEIRA FIGUEIREDO
260 Extra-sístoles e taquicardias ventriculares
idiopáticas: significado clínico e tratamento
Premature ventricular complexes and idiopathic
ventricular tachycardias: clinical significance
and treatment
EDUARDO RODRIGUES BENTO COSTA,
ÉRIKA OLIVIER VILELA BRAGANÇA,
ANDREZA CHAGURI
272 Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e
elegibilidade para o esporte
Ventricular arrhythmias in athletes: evaluation and
eligibility for sports
LUCIANA DINIZ NAGEM JANOT DE MATOS,
DENISE TESSARIOL HACHUL
283 Manuseio atual das arritmias ventriculares na
fase aguda do infarto do miocárdio
Management of ventricular arrhythmias in the
setting of acute myocardial infarction
ARGEMIRO SCATOLINI NETO,
ANA LÚCIA DE ALMEIDA,
ROBERTO ALEXANDRE FRANKEN
289 Avaliação de risco e tratamento das arritmias
ventriculares na fase crônica do infarto
do miocárdio
Risk stratification and treatment of ventricular
arrhythmias in the chronic phase of myocardial
infarction
JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS,
ENRIQUE INDALÉCIO PACHÓN MATEOS
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
ARRITMIAS VENTRICULARES
Edição Anterior:
Editor Convidado:
Hipertensão Arterial
Heno Lopes
Editor Convidado:
Lesão em Órgãos-Alvo
na Hipertensão Arterial
Fernando Nobre
Próxima Edição:
Editor Convidado:
Valvopatias Mitrais
Jorge Eduardo Assef
Editor Convidado:
Valvopatias Aórticas
Orlando Campos Filho
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA
303 Avaliação de risco e tratamento das arritmias
ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
Risk stratification and treatment of ventricular
arrhythmias in non-ischemic cardiomyopathy
FRANCISCO DARRIEUX,
EDUARDO SOSA
v
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
DE ARTIGOS NA REVISTA
ATENÇÃO:
A) Somente serão aceitos os artigos enviados em arquivos de texto (preferencialmente Word).
B) A Revista tem periodicidade trimestral, com no máximo 120 páginas. Cada edição da Revista conterá
dois temas, a critério do Diretor de Publicações. Cada
tema incluirá no máximo 6 artigos (cada artigo de
autoria de um Autor Principal e até dois Co-Autores).
Para todas as edições da Revista, serão convidados
dois Editores, um para cada tema. Os Editores Convidados e todos os Autores devem ficar atentos às
Normas de Publicação e segui-las para não prejudicar as fases de produção da Revista.
I - DADOS GERAIS PARA PREPARO
DO ARTIGO
1. O artigo deverá ter aproximadamente 20 páginas, digitadas em fonte Times New Roman, tamanho 10,
espaçamento entre linhas de 1,5, incluindo-se as referências bibliográficas. Poderá incluir até 4 ilustrações (figuras, fotografias, gráficos e/ou tabelas) e
conter entre 25 e 30 referências (exceções serão analisadas pelos editores).
2. Evitar ao máximo o uso de abreviaturas, mesmo as
consagradas.
3. Evitar escrever palavras em letras maiúsculas, principalmente os nomes dos autores (no texto ou nas
referências).
4. Não usar a tecla de espaços para abrir parágrafos.
5. Texto corrido, sem necessidade de formatação especial (paginação, recuos etc.).
6. Tabelas deverão ser digitadas de forma simples, com
os dados de cada coluna separados apenas pela tecla
“TAB”, e no mesmo processador/editor de texto utilizado para o restante do texto.
II - SEQÜÊNCIA DA DISPOSIÇÃO DO TEXTO
Os artigos deverão ser entregues na disposição a seguir e somente serão considerados completos se incluírem todos os itens:
vi
PÁGINA INICIAL
1. Título em português.
2. Autor(es).
3. Instituição(ões).
4. Endereço para correspondência, incluindo CEP, telefone, fax, e-mail etc. (telefone, fax, e-mail ou outros
meios de contato não serão publicados na Revista).
SEGUNDA PÁGINA
1. Resumo com aproximadamente 250 palavras.
2. Descritores: até cinco (obter os termos no “DeCS —
Descritores em Ciências da Saúde”, disponível no
website: http://decs.bvs.br).
TERCEIRA PÁGINA
1. Título em inglês.
2. Abstract com aproximadamente 250 palavras.
3. Key words: até cinco (obter os termos no “Cumulated Index Medicus, Medical Subject Headings”).
QUARTA PÁGINA EM DIANTE
1. Corpo do texto: Organizado em intertítulo, subtítulo
etc. Procurar elaborar texto com abordagem ampla e
atual do assunto, incluindo as referências bibliográficas mais relevantes.
PÁGINA DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Referências numeradas de acordo com a ordem de
entrada no texto, e nunca em ordem alfabética. Seguir as Normas de Vancouver (“Vancouver Style”),
consultando o website: www.nlm.nih.gov/bsd/
uniform_requirements.html
2. Incluir 25 a 30 referências relevantes.
Exemplos de referências bibliográficas:
Artigo de Revista com até 6 Autores
Halpern SD, Ubel PA, Caplan AL. Solid-organ transplantation in HIV-infected patients. N Engl J Med.
2002 Jul 25;347(4):284-7.
Artigo de Revista com mais de 6 Autores
Rose ME, Huerbin MB, Melick J, Marion DW, PalRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
mer AM, Schiding JK, et al. Regulation of interstitial excitatory amino acid concentrations after cortical contusion injury. Brain Res. 2002;935(1-2):406.
Instituição como Autor
Diabetes Prevention Program Research Group.
Hypertension, insulin, and proinsulin in participants
with impaired glucose tolerance. Hypertension.
2002;40(5):679-86.
Sem indicação de autoria
21st century heart solution may have a sting in the
tail. BMJ. 2002;325(7357):184.
Volume com Suplemento
Geraud G, Spierings EL, Keywood C. Tolerability
and safety of frovatriptan with short- and long-term
use for treatment of migraine and in comparison with
sumatriptan. Headache. 2002;42 Suppl 2:S93-9.
Livros
Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, Pfaller
MA. Medical microbiology. 4th ed. St. Louis: Mosby; 2002.
Capítulo de livro
Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of
human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p.
93-113.
Monografias / Dissertações / Teses
Borkowski MM. Infant sleep and feeding: a telephone survey of Hispanic Americans [dissertation].
Mount Pleasant (MI): Central Michigan University;
2002.
Eventos
Christensen S, Oppacher F. An analysis of Koza’s computational effort statistic for genetic programming. In:
Foster JA, Lutton E, Miller J, Ryan C, Tettamanzi AG,
editors. Genetic programming. EuroGP 2002: Proceedings of the 5th European Conference on Genetic Programming; 2002 Apr 3-5; Kinsdale, Ireland. Berlin: Springer; 2002. p. 182-91.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
TABELAS
Devem ser apresentadas apenas quando necessário para a efetiva compreensão do trabalho, não
contendo informações redundantes já mencionadas no corpo do texto, e numeradas por ordem de
citação. Devem ser apresentadas em páginas separadas e configuradas em espaço duplo, utilizando a tecla “TAB” para sua formatação. Devem ser
enumeradas em numeral arábico e conter título
curto. Utilizar a mesma fonte do texto. Indicar os
marcadores de rodapé na seguinte ordem: *, †, ‡,
§, #, **. Não usar linhas verticais entre as colunas. Utilizar linhas horizontais apenas nas partes
superior e inferior do cabeçalho e na parte inferior da tabela. As abreviações utilizadas devem ser
definidas no rodapé da tabela.
FIGURAS
As figuras devem ser submetidas em alta resolução,
e serão avaliadas pelos Editores. Devem ser enviadas em formato JPEG ou TIFF, preferencialmente,
ou também em PDF.
As legendas das figuras devem constar em páginas separadas e permitir sua perfeita compreensão, independentemente do texto. As abreviações
usadas nas ilustrações devem ser explicitadas nas
legendas.
III - ENVIO DO MATERIAL
Os artigos (textos, figuras, fotografias e gráficos) deverão ser enviados unicamente via Internet, para o e-mail
abaixo:
[email protected]
IV – ATENÇÃO: Solicitamos aos Autores de cada
artigo que elaborem um teste de múltipla escolha
relativo ao assunto abordado no texto. Esse material será disponibilizado no website www.socesp.org.br,
para educação médica continuada dos leitores da
Revista.
V - DIREITOS AUTORAIS
Os autores deverão encaminhar, previamente à publicação, a seguinte declaração escrita e assinada, inclusive pelos Co-Autores:
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“O(s) Autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) todos os direitos autorais do artigo (título do artigo) à
Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de
São Paulo. O(s) signatário(s) garante(m) que o artigo
não infringe os direitos autorais ou qualquer outro direito de propriedade de terceiros, e confirma(m) que
sua versão final foi revisada e aprovada por ele(s).”
Todos os artigos publicados tornam-se propriedade permanente da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e não podem ser publicados sem o consentimento por escrito de seus
Editores.
Lembrete aos Editores Convidados e aos autores de artigos:
a partir de 2008 passamos a trabalhar com novas "Normas para Publicação
de Artigos na Revista", divulgadas também no website da
SOCESP: www.socesp.org.br
viii
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
CARTA DO EDITOR CONVIDADO
Arritmias Supraventriculares
As arritmias supraventriculares estão freqüentemente associadas às queixas de palpitações de pacientes
com ou sem doença cardiovascular. Seu diagnóstico e tratamento estão firmemente apoiados em muitos
estudos clínicos e experimentais, que continuam desvendando os mecanismos e as melhores opções
terapêuticas dessa importante situação clínica. Ao entender alguns mecanismos das arritmias, constatamos
que muitas arritmias recorrentes no homem podem ser facilmente reprodutíveis em laboratório. Essa
conquista da eletrofisiologia clínica e experimental simplificou e racionalizou o diagnóstico e os
tratamentos farmacológico e não-farmacológico das arritmias supraventriculares, com a possibilidade de
reconhecimento e cura dos circuitos das mesmas. O fantástico conhecimento científico adquirido nos
últimos dez anos conseguiu penetrar na complexa fisiopatologia da fibrilação atrial, utilizando atualmente,
para seu tratamento, os recursos mais sofisticados da Cardiologia. O conhecimento e a correta interpretação
dos estudos clínicos controlados para a abordagem clínica da fibrilação atrial possibilitam ao cardiologista
explorar, de forma inteligente e racional, um grande arsenal propedêutico e terapêutico da Medicina para
o benefício de seu paciente.
Esses avanços foram seguramente gerados pelo investimento da eletrofisiologia na ciência básica e
nos mecanismos das arritmias, nos mesmos caminhos da “Medicina translacional”. A incorporação contínua
desses conhecimentos é fundamental para o tratamento dos pacientes com arritmias, grandes beneficiados
da inovação tecnológica fortemente inserida na prática da Cardiologia moderna.
Angelo A. V. de Paola
Editor Convidado
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
193
MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS:
FUNDAMENTOS PARA O CARDIOLOGISTA CLÍNICO
THAIS AGUIAR DO NASCIMENTO1, ANGELO AMATO V. DE PAOLA1, GUILHERME FENELON1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:194-204
RSCESP (72594)-1718
Atualmente, são muitas as possibilidades de tratamento para
a população de pacientes acometidos por taquiarritmias supraventriculares e ventriculares, incluindo a ablação por cateter, as drogas antiarrítmicas e os dispositivos implantáveis.
Além disso, o avanço no campo das terapias moleculares tem
revelado a importância dos fatores genéticos no desenvolvimento e tratamento das arritmias. A utilização clínica desse
amplo arsenal diagnóstico e terapêutico pode ser muito facilitada pelo entendimento dos mecanismos fundamentais das
arritmias cardíacas. Este artigo descreve sucintamente os
mecanismos básicos das arritmias cardíacas com ênfase em
seus aspectos relevantes à prática clínica.
Descritores: arritmias; mecanismos; eletrofisiologia;
potencial de ação; reentrada.
BASIC
MECHANISMS OF ARRHYTHMIA: ESSENTIALS FOR
CLINICAL CARDIOLOGISTS
At the present time, there are many possibilities of treatment
for patients affected by supraventricular and ventricular
tachycardia, including catheter ablation, antiarrhythmic drugs
and implantable devices. Besides that, progress in the field
of molecular therapies reveals the importance of genetic
factors on the development and treatment of arrhythmias.
The clinical utilization of this vast diagnostic and therapeutic
arsenal may be facilitated by the understanding of the
fundamental mechanisms of cardiac arrhythmias. This article
briefly describes the basic mechanisms of cardiac arrhythmias
with particular emphasis on aspects that are relevant to
clinical practice.
Key words: arrhythmias; mechanisms; electrophysiology;
action potential; reentry.
1
Laboratório de Eletrofisiologia Cardíaca Experimental – Disciplina de Cardiologia – Escola Paulista de Medicina –
Universidade Federal de São Paulo – São Paulo, SP
Endereço para correspondência:
Guilherme Fenelon – Rua Pedro de Toledo, 781 – 10o andar – São Paulo, SP – CEP 04079-032
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NASCIMENTO TA e cols.
Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
INTRODUÇÃO
Atualmente, as opções terapêuticas à disposição do cardiologista para controle dos distúrbios do ritmo cardíaco são
bastante amplas, incluindo drogas antiarrítmicas1, ablação
por cateter,2,3 e dispositivos implantáveis, tais como marcapassos, desfibriladores e ressincronizadores4. Se, por um lado,
tais progressos trouxeram grande benefício aos pacientes acometidos por arritmias cardíacas, por outro lado aumentaram
consideravelmente a complexidade do manuseio clínico desses pacientes. Nesse aspecto, o entendimento dos
mecanismos fundamentais das arritmias cardíacas facilita bastante a utilização criteriosa desses novos métodos terapêuticos. Além disso, a
exemplo de outras áreas da Cardiologia, cada vez
mais se reconhece a contribuição de fatores genéticos no desenvolvimento de diversas arritmias cardíacas, possibilitando vislumbrar novas
estratégias de prevenção e tratamento dessas
doenças baseadas na biologia molecular.
Este artigo procura descrever sucintamente
os mecanismos das arritmias cardíacas, com ênfase em seus aspectos relevantes à prática clínica. Detalhamento maior pode ser encontrado em
publicações prévias.5,6
tássio através da bomba de sódio/potássio. Já nas células dos
nódulos sinusal e atrioventricular (resposta lenta), a fase 0
do potencial de ação é mediada por uma corrente lenta de
cálcio, uma vez que as correntes rápidas de sódio estão inativas nessas células em decorrência de seu baixo potencial
de membrana. Outro ponto relevante é que essas células apresentam, na fase 4 do potencial de ação, um fenômeno chamado despolarização diastólica, que é a base do automatismo, sendo promovida por corrente de entrada (corrente de
marcapasso) mediada por sódio e potássio.
FORMAÇÃO E CONDUÇÃO DO
IMPULSO CARDÍACO
A propagação do impulso cardíaco só é possível porque as células cardíacas são excitáveis. Fig. 1. Desenho esquemático com a representação temporal das diversas
Em outras palavras, um potencial de ação é ge- correntes iônicas e canais implicados na geração dos potenciais de ação
rado quando a célula é invadida por um estímu- das células atriais e ventriculares e do nódulo sinusal. A espessura das
lo de amplitude suficiente para alcançar o limiar barras indica a magnitude aproximada das correntes. Os canais mostrade excitabilidade celular.
dos entre chaves só são ativados sob condições patológicas e aqueles com
O potencial de ação das células cardíacas (Fi- interrogação ainda carecem de confirmação. Observar a despolarização
gura 1) possui cinco fases, que resultam de inte- diastólica na fase 4 do potencial do nódulo sinusal.
rações complexas entre várias correntes iônicas.7 DDL = despolarização diastólica.
Em qualquer ponto no ciclo cardíaco, o potencial de membrana resultará da diferença entre as
correntes iônicas de entrada (despolarizantes) e saída (repoÉ importante salientar que as correntes iônicas que comlarizantes). Em síntese, nas células atriais e ventriculares de põem o potencial de ação não estão homogeneamente discontração e condução (resposta rápida), a fase 0 (despolari- tribuídas nas cavidades cardíacas (Figura 1). Além das dização rápida) decorre da entrada rápida de sódio na célula; a ferenças já apontadas entre as células de respostas rápida e
fase 1 (repolarização precoce) resulta da inativação da en- lenta, algumas correntes predominam nos átrios, enquanto
trada de sódio e da saída de potássio; a fase 2 (platô) é man- outras são mais prevalentes nos ventrículos1. Essas desigualtida pela entrada de cálcio e também de sódio; a fase 3 (repo- dades se refletem não apenas na morfologia do potencial de
larização final) se dá pela saída de potássio; e na fase 4 (po- ação (platô menos acentuado nos átrios), mas também na
tencial de repouso) se dá a saída de sódio e a entrada de po- ação de agentes antiarrítmicos. Diversas condições patolóRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
gicas, como insuficiência cardíaca, hipertrofia miocárdica e
fibrilação atrial, também alteram a densidade das correntes
iônicas atriais e ventriculares, o que tem sido chamado de
remodelamento elétrico. Esse importante fenômeno tem sido
implicado na gênese e na perpetuação de várias arritmias7,8.
A rapidez com que o impulso se propaga através dos tecidos denomina-se velocidade de condução, sendo diretamente proporcional à ascensão e à amplitude da fase 0 do potencial de ação. Quanto mais lenta e menos ampla for essa ascensão, menor será a velocidade de condução tecidual. Outra propriedade importante das células cardíacas é a refratariedade. Uma vez despolarizadas, as células só poderão sofrer nova despolarização após tempo de recuperação que
define os períodos refratários.
A velocidade de condução e a refratariedade teciduais
são bastante afetadas por doenças cardíacas, fármacos antiarrítmicos e pelo sistema nervoso autônomo, que exerce grande influência sobre o miocárdio atrial e nos nós sinusal e
atrioventricular.
MECANISMOS DAS ARRITMIAS
Os mecanismos eletrofisiológicos das arritmias cardíacas são classicamente alinhados em três categorias9: 1) distúrbios da formação do impulso; 2) distúrbios da condução
do impulso; e 3) distúrbios simultâneos da formação e da
condução do impulso (Tabela 1).
Distúrbios da formação do impulso
Essas arritmias podem se originar em uma única célula
ou pequeno grupo de células conectadas anatômica e eletricamente. A manutenção dessas arritmias requer um foco gerador de impulsos. A formação anormal do impulso pode ser
causada por automatismo ou por atividade deflagrada.
Automatismo
1) Automatismo normal9
Como vimos anteriormente (Figura 1), o automatismo ou
atividade de marcapasso é uma propriedade de células que
possuem despolarização diastólica (os nódulos sinusal e atrioventricular e o sistema His-Purkinje). Quando há liberação
acentuada de catecolaminas, como, por exemplo, no feocromocitoma e na intoxicação por cocaína,10 o automatismo
normal pode estar muito aumentado (automatismo normal
exacerbado), podendo ocorrer ritmos automáticos originados no nódulo atrioventricular ou sistema His-Purkinje.
2) Automatismo anormal
As células miocárdicas atriais e ventriculares normalmente
não apresentam despolarização diastólica espontânea (Figura
1). Entretanto, quando o potencial de repouso dessas células é
reduzido a um nível crítico, pode ocorrer despolarização diastólica, ocasionando a formação repetitiva de impulsos ao que se
denomina automatismo anormal. Esse fenômeno pode ser idiopático ou desencadeado por diversas afecções, como isquemia
miocárdica, hipóxia e acidose. As arritmias causadas por automatismo anormal podem apresentar caráter incessante, muitas
vezes de difícil controle farmacológico. Esse mecanismo parece estar implicado na gênese de algumas taquicardias atriais
incessantes que ocorrem no coração estruturalmente normal,
principalmente crianças, e em algumas arritmias ventriculares
na fase aguda do infarto do miocárdio.11
Tabela 1 - Mecanismos básicos das arritmias cardíacas
Mecanismo
Formação anormal do impulso
– Automatismo:
- Automatismo normal exacerbado
- Automatismo anormal
– Atividade deflagrada:
- Pós-potenciais precoces
- Pós-potenciais tardios
– Reentrada:
- Anatômica
- Funcional
- Anisotrópica
Formação e condução anormal do impulso
– Parassístole
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Arritmia clínica (exemplo)
Ritmos ectópicos pós-cocaína
Taquicardia atrial incessante
“Torsades de pointes”
Arritmias na intoxicação digitálica
Vias acessórias atrioventriculares
Fibrilação atrial e ventricular
Taquicardia ventricular no pós-infarto
Extra-sístoles ventriculares
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
ticos. Os pós-potenciais precoces parecem estar relacionados à onda U do eletrocardiograma e a respectiva atividade
deflagrada tem sido implicada na gênese de arritmias ventriculares polimórficas, especialmente a “torsades de pointes”.12
É interessante observar que essas arritmias freqüentemente
são autolimitadas. Isso decorre do fato de os pós-potenciais
precoces serem dependentes da bradicardia. Como a taquicardia encurta a repolarização, a geração de pós-potenciais
precoces é inibida, cessando, portanto, a arritmia. Essas mesmas razões explicam a eficácia da aceleração da freqüência
cardíaca através do marcapasso temporário no controle das
arritmias ventriculares no QT longo adquirido.13
2) Pós-potenciais tardios
Os pós-potenciais tardios estão relacionados a condições em que a concentração intracelular de cálcio aumenta substancialmente12. Esses potenciais parecem
ser causados por uma corrente transitória
de entrada carreada por sódio e modulada
pelo cálcio. O cenário clássico para a formação de pós-potenciais tardios é a intoxicação digitálica9. Não obstante, os póspotenciais tardios têm sido descritos em
várias outras circunstâncias clinicamente
relevantes, como excesso de catecolaminas, hipertrofia do miocárdio, insuficiência cardíaca, fase aguda do infarto do miocárdio e na reperfusão pós-isquemia11.
Fig. 2. Desenho esquemático ilustrando pós-potenciais precoces ocorrendo na Em contraste com os pós-potenciais prefase 3 da repolarização (potencial da esquerda). Observa-se que o pós-potencial coces, os pós-potenciais tardios são depenretarda a repolarização celular. Quando o pós-potencial atinge o limiar de exci- dentes da taquicardia. Isso porque freqüêntabilidade da célula (potencial da direita) um novo potencial de ação é gerado, cias cardíacas elevadas tendem a aumendenominado atividade deflagrada.
tar o cálcio intracelular. A atividade deflagrada secundária aos pós-potenciais tardios tem sido relacionada às arritmias atriais e ventriculares da intoxicação digitálica. Contudo, os pós1) Pós-potenciais precoces
Essas anormalidades estão associadas a situações em que potenciais tardios também parecem contribuir para o desenhá prolongamento da repolarização, caso típico das síndro- volvimento de taquicardias atriais e fibrilação atrial paroxísmes do QT longo congênito e adquirido (secundário a dro- ticas3, de arritmias ventriculares idiopáticas com origem no
gas)13. Além disso, os pós-potenciais precoces, por si só, pro- trato de saída do ventrículo direito, e de arritmias ventriculalongam a duração do potencial de ação. Os pós-potenciais res induzidas pelo exercício14.
precoces ocorrem com maior intensidade na vigência de bradicardia, hipocalemia ou hipomagnesemia. Digno de nota, Distúrbios da condução do impulso – reentrada
A reentrada é o mais importante, freqüente e bem estudavárias drogas antiarrítmicas das classes IA e III podem causar pós-potenciais precoces, especialmente a quinidina, a pro- do mecanismo causador de arritmias ventriculares e supracainamida, o sotalol e o ibutilide.1 Esses fármacos e outros ventriculares9,14. Dizemos que existe reentrada quando o imque prolongam a repolarização devem ser usados com cui- pulso cardíaco, ao invés de se extinguir ao final da despoladado, principalmente nos cardiopatas que fazem uso de diuré- rização, encontra um caminho de tecido excitável (fora do
Atividade deflagrada
O termo atividade deflagrada se refere à formação do impulso causada por pós-potenciais (Figura 2), oscilações do
potencial de membrana que ocorrem durante ou após o potencial de ação.9,12 Os pós-potenciais são dependentes do potencial de ação precedente. Quando os pós-potenciais têm
intensidade suficiente para despolarizar a célula, o potencial
de ação resultante é chamado de atividade deflagrada. Os
pós-potenciais podem ser precoces, quando ocorrem durante as fases 2 e 3 da repolarização, ou tardios, quando acontecem após a mesma (fase 4).
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
período refratário), que permite que o estímulo inicial retorne e novamente despolarize o coração total ou parcialmente
(Figura 3).
gura 4A). Já nos circuitos funcionais, a área de bloqueio de
condução ao redor da qual o impulso circula é determinada
pelas condições eletrofisiológicas do miocárdio, sendo, por-
Fig. 3. Formação da reentrada. No painel A, o impulso é bloqueado na via 1, sendo conduzido exclusivamente pela via 2
(bloqueio unidirecional). No painel B, o impulso trafega pela via 3, atingindo retrogradamente a via 1. Se a parte proximal
da via 1 (onde ocorreu o bloqueio unidirecional) tiver recuperado sua excitabilidade, o impulso poderá retornar ao ponto de
origem, sendo então novamente conduzido pela via 2, ou seja, reentrando no circuito (painel C).
Para que um circuito reentrante se forme, é necessário
que ocorra bloqueio unidirecional da condução, e que o tempo de recirculação do impulso até o local de origem seja mais
longo que o período refratário do segmento proximal do circuito. Caso esse tempo seja mais curto, o impulso chegará
ao local de origem durante a refratariedade do segmento proximal do circuito e a reentrada não se completará (Figura 3).
Em outras palavras, o comprimento anatômico do circuito
precisa ser igual ou mais longo que a distância percorrida
pela onda de ativação durante o período refratário. Esse conceito define o chamado comprimento de onda (Figura 4A),
que equivale ao produto do período refratário e da velocidade de condução15. A diferença de área entre o comprimento
de onda e o comprimento anatômico do circuito define o intervalo de excitabilidade, ou seja, o segmento do circuito
reentrante que é excitável (despolarizável) durante o percurso do impulso ao redor do circuito. Quando o comprimento
de onda excede o comprimento anatômico do circuito, o intervalo de excitabilidade deixa de existir e a reentrada cessa.
Portanto, quanto maior for o intervalo de excitabilidade mais
estável será o circuito16. Como poderá ser observado mais
adiante, o conceito do intervalo de excitabilidade é de grande importância terapêutica4.
Tipos de reentrada
Os circuitos reentrantes podem ser classificados em anatômicos ou funcionais9. No primeiro caso, o impulso circula
ao redor de uma barreira anatômica fixa e bem definida (Fi-
198
tanto, variável (Figura 4B). Nesses casos, se as condições de
condução e refratariedade tecidual forem propícias, um impulso poderá desencadear um circuito reentrante na ausência de um obstáculo anatômico. Todavia, circuitos reentrantes podem ser formados pela combinação de componentes
anatômicos e funcionais.
Reentrada anatômica
O exemplo clássico de circuito reentrante anatomicamente
determinado é a taquicardia atrioventricular relacionada às
vias acessórias atrioventriculares (Wolff-Parkinson-White)2.
Nesse circuito, o impulso passa pelos átrios, nódulo atrioventricular, ventrículos, via acessória e novamente átrios.
Todo circuito reentrante possui ao menos um componente
essencial a sua perpetuação. Nesse caso específico, deve-se
observar que a manutenção da arritmia depende da condução do impulso através da via acessória e do nódulo atrioventricular, o que serviu de base para a cura dessa síndrome
pela ablação por cateter do feixe anômalo. Reentradas anatômicas também são observadas nas taquicardias atriais incisionais, em que o impulso circula ao redor de cicatrizes
oriundas de atriotomia em pacientes com cardiopatia congênita corrigida, assim como nas taquicardias ventriculares por
reentrada ramo a ramo, nas quais o impulso geralmente é
conduzido anterogradamente pelo ramo direito e retrogradamente por um dos fascículos esquerdos14.
Reentrada funcional
Para que haja formação de um circuito reentrante, nem
sempre é necessário um obstáculo anatômico. Como já foi
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
da fibrilação tanto atrial como ventricular. Tal como um foco automático, especula-se que a ativação rápida dos rotores leve à condução fibrilatória atrial e ventricular17.
Reentrada anisotrópica
No coração normal, a velocidade de condução do impulso é maior
no sentido longitudinal da fibra cardíaca que no transversal. Entretanto, o fator de segurança para a condução do impulso é maior no sentido transversal que no longitudinal,
ou seja, um estímulo é bloqueado
mais facilmente no sentido longitudinal. Essa propriedade do miocárdio de conduzir impulsos desigualFig. 4. Desenho esquemático ilustrando os circuitos reentrante anatômico (A) e funci- mente em razão da orientação espaonal do tipo círculo condutor (B). (Explicação no texto.) A seta sólida representa o cial da fibra cardíaca (longitudinal
comprimento de onda e a parte pontilhada indica tecido parcialmente refratário (perí- ou transversal) é denominada aniodo refratário relativo). O intervalo de excitabilidade é a área compreendida entre a sotropia. A exacerbação dessa caractesta e a cauda do impulso, sendo constituída por tecido plenamente (área branca) ou terística tem o potencial de desenparcialmente (pontilhado) excitável. Observar que o impulso circulando ao redor de cadear circuitos reentrantes18. Imaobstáculo anatômico (A) é conduzido através de tecido plenamente excitável, ao pas- ginemos um estímulo prematuro
so que no círculo condutor (B) o impulso trafega em tecido parcialmente refratário (extra-sístole) atingindo um grupo
(mais propenso a bloqueio na condução). Essa característica confere estabilidade ao de fibras cardíacas anisotrópicas.
Esse estímulo pode ser bloqueado
circuito anatômico.
nas fibras orientadas longitudinalmente em relação ao impulso, mas
não nas fibras orientadas transversalmente. Se a propagação transversal for suficientemente
observado, na taquicardia atrial incisional o impulso circula
lenta, o impulso irá encontrar as fibras longitudinais já fora
ao redor de uma cicatriz de atriotomia. Imaginemos que a
de seu período refratário, possibilitando, então, a reentrada.
cicatriz da atriotomia, ao invés de fibrose, seja constituída
Circuitos reentrantes anisotrópicos constituem causa impor tecido em seu período refratário (eletricamente inexcitáportante de arritmias ventriculares relacionadas à fase crôvel). Nesse caso, dizemos que há uma reentrada funcional
nica dos infartos do miocárdio16. O desarranjo da arquitetudo tipo círculo condutor (Figura 4B), pois a própria revolura tecidual na borda da cicatriz do infarto, caracterizado por
ção do impulso ativa constantemente a área de bloqueio cenfibras cardíacas viáveis entremeadas a tecido conjuntivo e
tral mantendo-a refratária9. Essa forma de reentrada se cafibrose, cria substrato propício à reentrada anisotrópica. Esse
racteriza pela instabilidade, ou seja, o circuito muda de tamecanismo também tem sido associado a arritmias ventrimanho, forma e localização a cada ciclo e parece ser responculares nas miocardiopatias não-isquêmicas e a algumas tasável pelas múltiplas ondas reentrantes que trafegam aleatoquicardias supraventriculares18,19. Dentre as últimas, destariamente pelos átrios durante fibrilação atrial.
cam-se a taquicardia por reentrada nodal e o “flutter” atrial.
Recentemente, foi descrita uma forma complexa de reReentrada anatômica vs. funcional vs. anisotrópica
entrada funcional baseada em rotores, cuja rotação origina
Cada um desses tipos de circuito reentrante possui caimpulsos que se propagam em espiral.17 Diferentemente do
racterísticas próprias, algumas delas com implicações clínicírculo condutor, os rotores giram em torno de uma pequena
cas. Os circuitos anatômicos e anisotrópicos são comumenárea central de tecido em condições de ser despolarizado (exte estáveis, persistentes e possuem intervalo de excitabilidacitável), mas que não é excitado durante a reentrada. Os rode. Em contrapartida, os circuitos funcionais são intrinsecatores parecem ser estáveis e têm sido implicados na gênese
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
mente instáveis, em geral não possuem intervalo de excitabilidade (o impulso se propaga em tecido parcialmente excitável) e tendem a terminar espontaneamente9. Por isso os circuitos anatômicos e anisotrópicos em geral estão associados
a arritmias monomórficas16, ao passo que os circuitos funcionais estão relacionados a ritmos fibrilatórios. A estabilidade e a presença do intervalo de excitabilidade dos circuitos
anatômicos e anisotrópicos propiciam várias intervenções terapêuticas. A estabilidade é muito importante para o mapeamento (localização) e a ablação do circuito durante estudo
eletrofisiológico16. Já o intervalo de excitabilidade é a janela
que possibilita que estímulos elétricos programados interajam de maneira reprodutível com o circuito, seja para mapeamento da taquicardia (encarrilhamento) ou sua interrupção
por meio de estimulação rápida. A instabilidade e a ausência
de intervalo de excitabilidade das reentradas funcionais as
tornam pouco suscetíveis à ablação por cateter e à estimulação elétrica programada. Esses circuitos, portanto, geralmente são tratados
com fármacos1.
fica explícito por que a investigação das bases moleculares
das arritmias vem ganhando relevância.
Os canais iônicos são proteínas transmembrana com várias subunidades capazes de transporte seletivo de milhões
de íons por segundo através da membrana celular. Essas macromoléculas são as unidades funcionais da eletricidade biológica de todas as células excitáveis. Nas últimas décadas,
foram clonados, seqüenciados e caracterizados funcionalmente os genes que são responsáveis pela codificação das unidades principais dos canais iônicos (formadoras dos poros),
denominadas de subunidades alfa, e as subsidiárias, denominadas de subunidades beta (Figura 5). No entanto, para o
funcionamento normal dos canais iônicos, além das subunidades alfa e beta, são necessários vários outros produtos dos
genes para regular, por exemplo, transporte, fosforilação,
montagem e ancoramento. Mutações desses produtos têm sido
relacionadas a arritmias hereditárias.
DISTÚRBIOS SIMULTÂNEOS
DA FORMAÇÃO E CONDUÇÃO
DO IMPULSO
Nessa categoria alinham-se as parassístoles, que, em sua forma clássica, são focos ectópicos (extra-sístoles) que apresentam despolarização
diastólica (automatismo) e bloqueio
de entrada, que protege o foco parassistólico da supressão pelo ritmo dominante (geralmente sinusal). Contudo, na realidade, o ritmo dominante é
efetivamente capaz de aumentar ou
reduzir a freqüência de disparo do
foco parassistólico, caracterizando a
chamada parassístole modulada.
BASES MOLECULARES
DAS ARRITMIAS
Fig. 5. Ilustra os canais de K+. (a) Demonstra quatro subunidades alfa Kv+, cada uma
com seis domínios transmembrana. (b) Demonstra as subunidades beta, que podem
se apresentar tanto na face citoplasmática como transmembrana e que interagem
com as subunidades alfa com papel de modular a função do canal. (c) As subunidades alfa se agrupam de quatro em quatro para formar o canal seletivo de K+.
Como foi visto anteriormente, o
ritmo cardíaco normal requer uma atividade orquestrada de diversos canais iônicos e transportadores além da propagação ordenada dos impulsos elétricos
através do miocárdio, de forma que a interrupção de qualquer parte desse processo pode ter conseqüências deletérias
e resultar em arritmias potencialmente letais. Por essa razão,
200
É crescente o reconhecimento de que pequenas variações
nas seqüências dos genes, denominadas de polimorfismos,
que acometem parcela significativa da população, podem
alterar dramaticamente, até de forma letal, a resposta das
drogas antiarrítmicas que atuam nos canais iônicos. Como
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
exemplos são descritas variantes do gene SCN5A dos canais
Em contraste com as raras arritmias primárias, a maioria
de sódio, que podem aumentar o risco de pró-arritmias20,21.
das alterações do ritmo cardíaco está associada à presença
As doenças elétricas primárias se referem às raras arrit- de doença cardíaca estrutural. As arritmias adquiridas são
mias cardíacas decorrentes de mutações nos genes dos ca- dependentes de interações complexas entre o substrato mionais iônicos e, tipicamente, ocorrem na ausência de anorma- cárdico e os gatilhos que definem o risco de suscetibilidade
lidades cardíacas estruturais. Seus principais exemplos são a arrítmica, conforme demonstra a Figura 6. O risco é em parsíndrome do QT longo congênito (SQTL), a síndrome do QT te geneticamente determinado. Os polimorfismos dos genes
curto (SQTC), a síndrome de Brugada e a taquicardia ventri- que alteram a estrutura ou excitabilidade do substrato arrítcular polimórfica catecolaminérgica (TVPC). Essas arritmi- mico miocárdico, assim como aqueles que geram gatilhos
as constituem parcela significativa dos casos de morte cardí- (metabolismo, trombose e inflamação), irão influenciar o risaca súbita em jovens.22
co arrítmico22. Nesse contexto, um estudo recente correlaciInicialmente, a caracterização molecular de síndromes ar- onou alterações genéticas que aumentam o risco de um pacirítmicas envolvendo somente um gene forneceu dados im- ente apresentar fibrilação ventricular durante infarto agudo.23
portantes da patogênese das arritmias, como, por
exemplo, a mutação dos genes que codificam as
correntes retificadoras tardias de K [KCNH2
(hERG)] e a corrente de sódio [SCN5A (Nav1,5)]
como base da síndrome do QT longo tipos 2 e 3,
respectivamente. No entanto, a evolução do conhecimento demonstrou a existência da sobreposição de síndromes, posto que a mutação de um
único gene pode produzir arritmias hereditárias
distintas (como, por exemplo, mutação no SCN5A
produz síndrome de Brugada e SQTL tipo 3). Isso
pode ser resultado da influência do ambiente ou
de “genes modificadores” que alteram a suscetibilidade individual à expressão de um fenótipo
específico.
As mutações dos canais iônicos também têm
sido implicadas em doenças multissistêmicas associadas à repolarização ventricular anormal e ao
risco aumentado de morte cardíaca súbita, como
as síndromes de Timothy e Andersen22. Ademais,
formas hereditárias de doença ventricular estru- Fig. 6. Elementos-chave que contribuem para o desenvolvimento das
tural podem se associar a arritmias atriais e risco arritmias adquiridas. As arritmias fatais são resultado de vários fatores e
aumentado de morte cardíaca súbita. Dentre elas, da complexa interação gene-ambiental. O indivíduo tem o risco baseado
a miocardiopatia hipertrófica, a miocardiopatia na sua predisposição genética, que é afetado pelo estresse externo, pela
dilatada e a displasia arritmogênica do ventrículo resposta do miocárdio a tal estresse, e por fatores iatrogênicos.
direito, as quais estão relacionadas a mutações IAM = infarto agudo do miocárdio; ICC = insuficiência cardíaca conno sarcômero, citoesqueleto e proteínas da jun- gestiva.
ção intercelular (desmossomas), respectivamente. Relacionar essas síndromes a suas bases geO fator isolado mais importante para o desenvolvimento
néticas e moleculares oferece ferramentas práticas para o
diagnóstico acurado e também determina novos marcadores de arritmias adquiridas é a presença de doença estrutural. A
para acessar o risco de morte cardíaca súbita. Infelizmente, alteração estrutural e o remodelamento elétrico em resposta
estratégias de maior alcance, esquemas de estratificação de ao dano miocárdico, a sobrecarga hemodinâmica e as murisco e terapêuticas moleculares são limitadas pelo amplo danças na sinalização neuro-humoral podem levar a alteraespectro de fenótipos clínicos associados com uma única al- ções na função dos canais iônicos, no cálcio intracelular, na
comunicação intercelular e na composição da matriz interteração gênica.
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Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
celular, todas conspirando para criar um substrato para arritmias atriais e ventriculares. As alterações eletrolíticas, a ativação neuro-humoral, a terapia farmacológica e a isquemia,
dentre ouros, podem servir como gatilhos para desencadear
arritmias22.
MECANISMOS DE ARRITMIA:
RELEVÂNCIA CLÍNICA
A elucidação dos mecanismos fundamentais das arritmias cardíacas tem possibilitado o desenvolvimento de terapias eficazes e seguras para uma ampla gama de taquicardias
supraventriculares e ventriculares2.
para a evolução dessas terapêuticas. No tocante aos mecanismos eletrofisiológicos da fibrilação atrial, a teoria dos
focos automáticos e a hipótese das múltiplas ondas reentrantes, que não são excludentes, são as mais aceitas atualmente24. A partir delas foram desenvolvidas as técnicas atuais de
ablação da fibrilação atrial, como o isolamento elétrico das
veias pulmonares e a ablação circunferencial anatômica das
veias pulmonares24.
Taquicardias ventriculares
No cenário das arritmias ventriculares também se aplicam os conhecimentos citados anteriormente. A evolução do
entendimento dos mecanismos arritmogênicos reentrantes
possibilitou o desenvolvimento de novas técnicas de mapeamento percutâneo com cateteres, que acoplam o elétrico ao
anatômico e, com precisão, identificam a origem da arritmia
(Figura 7), assim como as características dos circuitos, pos-
Taquicardias supraventriculares
A cura percutânea da síndrome de Wolff-Parkinson-White2, assim como da taquicardia por reentrada nodal e do “flutter atrial”, foi propiciada pelo entendimento
do mecanismo reentrante, onde, uma vez identificada a região crítica para manutenção do
circuito, a mesma é cauterizada por aplicação
de radiofreqüência com altas taxas de sucesso.
A fibrilação atrial é a arritmia clínica sustentada mais prevalente; no entanto, o esclarecimento dos mecanismos desencadeadores e
mantenedores ainda é um desafio. A etiologia
da fibrilação atrial está relacionada à alteração estrutural atrial, sobretudo fibrose. Por seu
turno, a fibrose se correlaciona com diversos
mecanismos, como apoptose, defeitos genéticos, processos inflamatórios, atividade autoimune e envelhecimento, os quais alteram as
propriedades elétricas celulares24. O atraso de
condução interatrial, a dispersão do período
refratário atrial e a sobrecarga de cálcio intracelular são exemplos dessas alterações elétricas implicadas na gênese da fibrilação atrial24.
Nesse emaranhado de fatores, cada um isoladamente pode ser alvo de medidas para prevenção e tratamento da fibrilação atrial, como,
por exemplo, a inibição do sistema renina-an- Fig. 7. A figura colorida é a representação de um mapa de ativação do epigiotensina, que atua na atenuação do remode- cárdio do ventrículo esquerdo, em projeção lateral, confeccionado com o
lamento estrutural atrial25. O uso das estatinas sistema eletroanatômico CARTO durante taquicardia ventricular. A dispocom suas propriedades antioxidantes e antiin- sição das cores representa o circuito de reentrada da taquicardia, com o
flamatórias tem sido estudado em modelos sentido da ativação representado pelas setas brancas. A região de ativação
animais26, em que parece reduzir o grau de fi- mais precoce está em vermelho e a mais tardia, em púrpura. As esferas
brose. Dessa forma, entende-se que o estudo vermelhas representam os pontos de ablação do tecido viável responsável
dos mecanismos das arritmias é fundamental pela manutenção da taquicardia. (Figura retirada do arquivo da UNIFESP.)
202
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
NASCIMENTO TA e cols.
Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico
sibilitando a ablação do substrato arrítmico mesmo durante
ritmo sinusal27. Esse mapeamento consiste na identificação
das áreas de alteração anatômica, ou seja, cicatrizes, que
contêm em seu interior tecido viável capaz de propiciar taquicardias ventriculares por reentrada. Uma vez identificadas, essas regiões podem ser eliminadas pela ablação. Essa
mesma tecnologia também pode ser utilizada para identificação precisa de focos automáticos, a partir da precocidade
do sinal elétrico identificado na geometria anatômica construída. De forma que a ablação por cateter com energia de
radiofreqüência das taquicardias ventriculares é hoje uma alternativa terapêutica plausível28, cujo desenvolvimento se
baseou no entendimento dos mecanismos arritmogênicos.
Estimulação cardíaca
A estimulação cardíaca artificial apresentou grande avanço a partir dos conceitos da eletrofisiologia básica. A demonstração das respostas eletrofisiológicas dos circuitos reentrantes aos diferentes métodos de estimulação deu origem aos
algoritmos antitaquicardia, utilizados nos desfibriladores
implantáveis. Além disso, a ressincronização cardíaca, que
tem amplo papel no tratamento da insuficiência cardíaca, é
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
fundamentada no conhecimento da propagação do estímulo
elétrico (atraso de condução interventricular), promovendo
a dissincronia ventricular, e também no conceito de remodelamento elétrico com conseqüente alteração na dispersão da
repolarização29. Outro exemplo é a utilização do marcapasso
ventricular em pacientes selecionados com síndrome do QT
longo congênito, em que o alicerce fundamental foi a observação de que as arritmias relacionadas à atividade deflagrada por pós-potenciais precoces são dependentes de bradicardia.
Terapia farmacológica
A terapia medicamentosa das arritmias cardíacas tem sido
igualmente beneficiada pelos avanços na eletrofisiologia
básica1. A identificação dos mecanismos celulares das arritmias tem facilitado o desenvolvimento de drogas mais específicas, portanto mais eficientes e, principalmente, seguras.
Exemplo disso é o novo fármaco da classe III RSD1235, em
investigação para tratamento da fibrilação atrial, que bloqueia preferencialmente canais de potássio atriais, agindo
pouco sobre canais ventriculares, reduzindo, assim, o risco
de pró-arritmias ventriculares polimórficas30.
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
ABORDAGEM CLÍNICA DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA1, RICARDO GARBE HABIB1, ROGERIO ANDALAFT1, LUIZ ROBERTO DE
MORAES1, CLAUDIA FRAGATA1, CARLOS ANIBAL SIERRA REYÉS1, JULIO CESAR GIZZI2
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:205-20
RSCESP (72594)-1719
Com o envelhecimento da população, a fibrilação atrial tornou-se o distúrbio do ritmo mais comum nos pacientes de
idade avançada. Pacientes idosos com fibrilação atrial têm
prognóstico mais sombrio que aqueles de mesmo sexo e faixa etária sem fibrilação atrial. Essa arritmia pode ter causas
cardíacas, entre as quais incluem-se cardiopatias como, por
exemplo, as miocardiopatias hipertensiva, dilatada e hipertrófica, e a doença valvar mitral, e causas não-cardíacas, como
a síndrome metabólica. Com relação ao tratamento, estudos
recentes têm demonstrado maior tendência à utilização de
betabloqueadores, indicando clara tendência a se realizar
apenas a conduta conservadora de controlar a freqüência
ventricular. Em muitos casos, no entanto, existe sempre o
benefício do restabelecimento do ritmo sinusal, e a grande
ênfase dada à terapêutica não-farmacológica na atualidade
sustenta esse pensamento, numa visão de que o ritmo sinusal
sempre vale a pena. As diretrizes internacionais têm orientado o tratamento da fibrilação atrial, com o objetivo de tornálo mais seguro e, pela remoção das causas potencialmente
tratáveis, melhorar o sucesso do tratamento clínico e o prognóstico dos pacientes acometidos. A abordagem do paciente
com fibrilação atrial não é o da arritmia apenas, mas de todo
o conjunto de fatores envolvidos em seu desencadeamento.
Um conceito importante é que, na gênese da fibrilação atrial, as
taquiarritmias atriais favorecem o surgimento do substrato arritmogênico. Por essa razão, o restabelecimento precoce do ritmo sinusal deve ser sempre considerado para se reverter a tendência do surgimento de fibrilação atrial crônica, condição na
qual qualquer forma de tratamento é menos eficaz.
Descritores: fibrilação atrial; tratamento; ablação com radiofreqüência.
CLINICAL APPROACH TO ATRIAL FIBRILLATION
Atrial fibrillation is the most frequent cardiac arrhythmia in
old people. Man and women at the same age with atrial fibrillation have a poorer prognosis compared to their counterparts without atrial fibrillation. The main causes for this arrhythmia includes cardiomyopathies (hypertensive, dilated,
as well as hyperthrophic) and mitral valve disease and noncardiac causes, as metabolic syndrome. Recent studies have
demonstrated an increased utilization of beta-blockers to treat
patients with atrial fibrillation, as a clear demonstration that
the conservative approach to these patients, i.e, rate control
instead of rhythm control, have gained much more attention.
However it is very important to realize that sinus rhythm is
much better than atrial fibrillation no matter how or when,
as the non-pharmacologic approach brought by radiofrequency circumferential ablation of the pulmonary veins has demonstrated in the recent years. The international guidelines
have made the treatment of patients with atrial fibrillation
more safe than before, mainly considering removing the potential conditions that favor atrial fibrillation as well as choosing the most appropriate drugs for the right patient. A very
important concept to take into account is that atrial ectopy or
even frequent atrial tachyarrhythmias generates atrial fibrillation and for this reason treatment has to be started as early
as possible, with the main purpose to prevent the chronic
form of atrial fibrillation, a condition where the success of
treatment is harder to achieve.
Key words: atrial fibrillation; treatment; radiofrequency
ablation.
Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas –
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo – São Paulo, SP
2
Serviço Médico Complementar – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo – São Paulo, SP
1
Endereço para correspondência:
Dalmo Antonio Ribeiro Moreira – Rua Sampaio Viana, 75/301 – Paraíso – São Paulo, SP – CEP 04004-000
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
205
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
INTRODUÇÃO
Com o aumento da sobrevida da população mundial, graças ao melhor controle dos fatores de risco e também do tratamento das cardiopatias e outras doenças, vem se observando o aumento da incidência de doenças próprias da idade
avançada. A fibrilação atrial, uma taquiarritmia supraventricular que se caracteriza pela ausência de atividade elétrica e
contrátil, rítmica e sincronizada dos átrios, vem se destacando como o mais comum distúrbio do ritmo cardíaco em indivíduos idosos. Sua incidência aumenta com o avançar da idade, acometendo cerca de 10% dos indivíduos de ambos os
sexos na faixa etária de 80 anos ou mais1. Houve aumento da
incidência de fibrilação atrial ajustada para a idade entre 1960
e 1980 e, notadamente, entre 1980 e 20002, achado esse que
pode estar relacionado, dentre outras condições, com o aumento da obesidade e também com os distúrbios do sono
(apnéia do sono) na população geral3.
Na prática clínica, a fibrilação atrial pode ser classificada como sendo um primeiro episódio arrítmico detectado ou
episódios recorrentes (mais de dois episódios). Pode ser ainda subclassificada na forma paroxística (que termina espontaneamente em menos de 24 horas), na forma persistente (forma sustentada com duração superior a sete dias) ou ainda na
forma permanente, quando os métodos usuais de tratamento
(cardioversão química ou elétrica) se mostraram ineficazes (fibrilação atrial refratária)4. A importância dessa classificação pode
estar relacionada com a maior racionalidade das formas de tratar essa arritmia, conforme será comentado mais adiante.
CAUSAS DE FIBRILAÇÃO ATRIAL
Do ponto de vista etiológico, a fibrilação atrial pode ocorrer em corações normais, secundária a doenças cardíacas propriamente ou a causas extracardíacas (Tabela 1). As múltiplas causas que deflagram a fibrilacão atrial sugerem que o
coração é o órgão de “choque” de várias condições clínicas e
essa arritmia seria um sinal de alerta de algum comprometimento sistêmico ou cardíaco que deve ser investigado e tratado. Essa suspeita baseia-se, entre outras hipóteses, na observação de que a fibrilação atrial que ocorre no pós-operatório de doenças valvares5 ou até mesmo após a revascularização miocárdica6, por exemplo, está associada a maior risco de óbito em comparação com os pacientes em condições
similares mas que não apresentaram fibrilação atrial. Outro
dado que reforça essa observação é que a evolução clínica
daqueles pacientes operados não foi influenciada pelo restabelecimento do ritmo sinusal normal. Em outras palavras, a
fibrilação atrial pode ser um sinal de coração doente, o que
206
deve, portanto, ser investigado com os exames complementares disponíveis na atualidade.
MECANISMOS DE ORIGEM E MANUTENÇÃO
DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
Como toda arritmia cardíaca, para o surgimento e a manutenção da fibrilação atrial é necessária a presença de um
substrato arritmogênico, representado pelo átrio remodelado (dilatação atrial, alterações da refratariedade e da condução do impulso), de gatilhos deflagradores (extra-sístoles
atriais, taquicardias atriais), bem como de fatores moduladores representados por influências do sistema nervoso autônomo, hormonais e outras (Figura 1).
A fibrilação atrial é desencadeada, na maioria dos casos,
por ectopias (gatilhos) originadas em territórios de desembocadura de grandes veias no coração, sobretudo as veias
pulmonares, seio coronário e veias cavas (Figura 2). Tais
ectopias provocam alterações eletrofisiológicas e histológicas atriais, coletivamente conhecidas como remodelamento
atrial7,8. Esse achado se caracteriza, do ponto de vista eletrofisiológico, pela redução da duração do período refratário
efetivo atrial. Tal redução, em geral heterogênea, permite que
os átrios sejam despolarizados a freqüências muito rápidas, o
que causa a desorganização de sua atividade elétrica. Para melhor compreensão, essa fragmentação da ativação atrial seria o
correspondente a um tecido com várias células sendo despolarizadas em tempos diferentes, de maneira que uma extra-sístole
seja conduzida em uma direção e bloqueada em outra, fator
importante na geração da reentrada do impulso elétrico.
Além da interferência sobre o período refratário atrial, já
se demonstrou que outro fator arritmogênico pode estar presente: o prolongamento do tempo de condução atrial. Isso se
explica da seguinte maneira, em indivíduos sem cardiopatia:
por causa da atividade atrial rápida e intermitente que acontece nas taquicardias atriais, por exemplo, ocorrem diminuições de correntes iônicas na membrana, particularmente a
do íon sódio, relacionada com a fase zero do potencial de
ação8. A menor disponibilidade da corrente de sódio diminui
a velocidade de ascensão dessa fase e, por conseqüência, da
propagação da frente de onda. Esse fenômeno permite que
os átrios sejam despolarizados num período criticamente
importante para o estabelecimento do mecanismo de reentrada atrial. Assim, quando uma ectopia surge num tecido
atrial remodelado, a velocidade de propagação da onda de
ativação é lenta o suficiente para permitir que a mesma retorne ao ponto de origem e reative o miócito atrial, originando e mantendo uma despolarização reentrante. Em cardiopatas, a redução de velocidade de propagação do impulso pode
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MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
estar relacionada com a cardiopatia
subjacente ou, então, nos pacientes
com insuficiência cardíaca, com a
Causas cardíacas
Causas extracardíacas
fibrose atrial causada por alteração
no metabolismo protéico celular, que
Valvulopatia mitral
Consumo de álcool
culmina com apoptose atrial e subsHipertensão arterial*
Dispepsias
tituição do tecido normal por tecido
Disfunção sinusal
Envelhecimento (apoptose)
fibrótico. A redução da velocidade
Cardiopatias congênitas (comunicação interatrial)
Idiopática
de condução do impulso pode ser
Insuficiência cardíaca
Prática de esportes
influenciada não apenas pelas alteMiocardites
Raiva
rações dos canais de sódio anteriorPós-operatório de cirurgia cardíaca
Corticosteróides
mente descritas, mas, também, pelo
Síndrome de Wolff-Parkinson-White
Neoplasias (tratamento)
desacoplamento elétrico celular reIndivíduos com marcapasso VVI
Envenenamentos
lacionado à diminuição das conexiPericardites
Intoxicação por gasolina
nas, proteínas presentes nos discos
Apnéia do sono*
intercalares e que facilitam a con______________
dução elétrica entre os miócitos9.
* Síndrome metabólica.
O conceito de refratariedade atrial e velocidade de condução do impulso é fundamental no entendimento da manutenção da fibrilação atrial. Do ponto
de vista eletrofisiológico, se houver redução
crítica da duração do período refratário tecidual, fica mais ou menos intuitivo que esse
tecido pode ser ativado, alcançando elevadas
freqüências de despolarização. Além disso, se
houver redução da velocidade de condução,
parece também ficar claro que, quando a frente
de onda demora muito tempo para percorrer
Fig. 1. Variáveis envolvidas no surgimento da fibrilação. É necessária a pre- seu trajeto, permite a recuperação da capacisença de um substrato arritmogênico, de gatilhos e de fatores moduladores dade de ativação tecidual. Isso se deve ao fato
que influenciam tanto o substrato como os gatilhos. PRE = período refratáde que quando a despolarização atingir sua
rio efetivo.
porção final, aquela região que foi despolarizada no início já terá recuperado sua condição normal, podendo ser reativada. Sendo assim, esse tecido seria despolarizado quantas
vezes fossem possíveis se o equilíbrio entre a
velocidade de propagação do impulso e a refratariedade tecidual se mantivesse constante. A quebra dessa relação interromperia o circuito reentrante e a arritmia propriamente.
Fig. 2. Na metade esquerda da figura são apresentadas a derivação eletro- Quando há encurtamento do comprimento de
cardiográfica V1 e os eletrogramas atriais bipolares registrados no interior onda a arritmia tende a se manter. Ocorrerá
da veia pulmonar superior esquerda, no átrio direito e no seio coronário, interrupção da fibrilação atrial quando houdemonstrando o desencadeamento de fibrilação atrial após o surgimento de
ver prolongamento do comprimento de onda
bigeminismo atrial persistente. À direita, representação esquemática de um
10
foco ectópico dentro da veia pulmonar superior esquerda. A ativação rápida do impulso atrial .
Outros fatores importantes no surgimento
desse foco sobre o tecido atrial forma o substrato arritmogênico que origina
a fibrilação atrial. AD = átrio direito; SC = seio coronário; VPIE = veia do substrato arritmogênico atrial são o acúmulo intracelular de cálcio causado pela repulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
Tabela 1 – Principais causas relacionadas ao desencadeamento da fibrilação atrial
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207
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
dução da corrente ICal responsável pela movimentação trans- po de manifestação das ectopias influencia o surgimento da fibrilamembrana de cálcio durante a fase 2 do potencial de ação8,11. ção atrial crônica14. Além disso, a persistência dessas alterações
Esse efeito transitório significa que, com a interrupção dos modifica de maneira tal as características dos miócitos que a teraepisódios de taquicardia, restabelecem-se rapidamente as con- pêutica farmacológica se torna menos bem-sucedida, favorecendo,
dições normais do miócito. O encurtamento do potencial de assim, a terapêutica não-farmacológica, representada pela ablação
ação, que ocorre nessa condição especial, permite que a cé- circunferencial das veias pulmonares (Figura 3).
lula seja despolarizada um maior número de vezes em resposta a estímulos taquicardizantes, como a hiperatividade DIAGNÓSTICO CLÍNICO-ELETROCARDIOGRÁFICO
adrenérgica. A persistência das ectopias ou até mesmo das DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
taquicardias atriais favorece o surgimento de alterações genéticas que modificam definitivamente as características do
Pacientes com fibrilação atrial referem palpitações taquipotencial de ação, tornando-as mais duradouras. Tais modi- cárdicas e irregulares aos esforços ou em repouso, falta de
ficações incluem também os canais iônicos responsáveis pelas correntes de potássio presentes na fase 3 do potencial de ação, causando
seu prolongamento12. As contradições a respeito
dos efeitos distintos sobre o potencial de ação
transmembra, ou seja, encurtamento da fase de
platô e prolongamento da duração da fase 3,
fazem pensar que o primeiro efeito deva ser
mais importante que o segundo, pois definitivamente as células têm potencias de ação mais
curtos. Em átrios que fibrilam cronicamente,
há aumento das correntes de saída de potássio,
o que manteria o encurtamento da duração do
potencial de ação, favorecendo a manutenção
da arritmia12.
O aumento da população de receptores de
Fig. 3. Importância das ectopias e do substrato atrial na gênese de fibrilação
angiotensina é outro aspecto importante na foratrial paroxística, persistente e permanente. Observar que, na fase inicial, as
mação do substrato arritmogênico. Os mecaectopias são importantes na deflagração da fibrilação atrial paroxística. Se
nismos envolvidos na origem da fibrose ainda
persistirem, há formação do substrato que aumenta o risco da forma persisestão sendo investigados, mas a angiotensina
tente. Caso o paciente não seja tratado, há maior risco de progressão para a
tem papel fundamental nesse processo. Expeforma permanente. O tratamento no início pode ser feito com fármacos, que
rimentalmente já se demonstrou que curtos períreduzem o risco de ectopias e também da chance de formação do substrato.
odos de fibrilação atrial se associam ao aumento
Os agentes farmacológicos nessa fase podem ser os antiarrítmicos ou outros
dos receptores para a angiotensina II, causado pelo
utilizados no tratamento da cardiopatia subjacente (inibidores da conversão
estresse de parede que acontece na distensão dos
da angiotensina, bloqueadores dos canais de cálcio, espironolactona, etc.).
átrios. O aumento da produção de angiotensina
Nos casos mais avançados, já existem alterações estruturais irreversíveis,
II acelera a formação de enzimas relacionadas à
cujo tratamento pode ser tentado por meio de ablação do substrato propriamitose celular (MAPK), que leva à hipertrofia
mente (aplicação de radiofreqüência no tecido atrial com potenciais elétrimuscular13.
cos desorganizados) ou permitir ao paciente permanecer em fibrilação atrial
Com base nas descrições dos parágrafos antericrônica, realizando apenas o controle da freqüência ventricular e a anticoaores, é possível entender que o surgimento de circuigulação em casos selecionados10.
tos reentrantes atriais é facilitado por alterações eleFA = fibrilação atrial; FC = freqüência cardíaca; RF = radiofreqüência.
trofisiológicas e estruturais dos miócitos, causadas
por ectopias, taquicardias atriais ou episódios de fibrilação atrial intermitentes. Entretanto, a forma crônica da arritmia surge somente quando as alterações ocorrem e se ar, até quadros de insuficiência cardíaca. Ao exame físico,
mantêm a partir de um período crítico, indicando, assim, que o tem- caracteriza-se por irregularidades no pulso arterial, ora cheio
208
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
ora fraco aleatoriamente, indicando diferentes volumes sistólicos. À ausculta cardíaca notam-se variações na intensidade
das bulhas concomitantemente a diferentes durações dos ciclos cardíacos. Existe uma diferença entre freqüência dos ruídos cardíacos à ausculta e pulso periférico, sendo a primeira
maior que a segunda. O pulso jugular está praticamente ausente, não se observando as típicas ondulações próprias do
ciclo cardíaco.
O eletrocardiograma se caracteriza pela ausência de ondas P, substituídas por ondulações irregulares da linha de base,
conhecidas como ondas f, com freqüência maior que 400 pm
(Figura 4). As ondulações podem ser grosseiras ou finas. Ainda não se conhece verdadeiramente a importância da caracterização dessas ondas do ponto de vista prático. Os intervalos
RR são irregulares, com complexos QRS normais ou com padrão de bloqueio de ramo. Observam-se alterações da repolarização ventricular causadas pela freqüência ventricular irregular
e pela presença de ondas f sobre o segmento ST e ondas T.
Fig. 4. Eletrocardiograma de 12 derivações apresentando fibrilação atrial. Observam-se ondulação característica da linha de base, irregularidade do intervalo RR e alterações da
repolarização ventricular.
TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
O tratamento da fibrilação atrial inclui reversão ao ritmo
sinusal por meio da cardioversão química ou elétrica ou, em
casos de insucesso, controle da freqüência ventricular e, em
pacientes de risco, anticoagulação. Há muita controvérsia sobre qual a forma ideal de tratar pacientes com fibrilação atrial. Atualmente, com base nos conhecimentos da fisiopatologia, parece claro que a reversão precoce do ritmo cardíaco
deve ser buscada para se prevenir a formação do substrato
arritmogênico que mantém a arritmia. Existe hoje uma consRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
cientização de que os episódios agudos, mesmos os iniciais, podem ser os responsáveis pela geração da forma crônica e, nesses casos, essa tendência deve ser revertida15. É
possível até que os pacientes que desenvolvem fibrilação
atrial aguda tenham maior predisposição a desenvolver a
forma crônica no futuro, mas devem ser tomadas medidas
precoces para que se retarde esse processo o máximo possível. A grande dificuldade do tratamento está relacionada à
relativa ineficácia dos fármacos antiarrítmicos e o risco de
complicações arrítmicas decorrentes de sua utilização16,17.
Baseado na forma de apresentação clínica, o tratamento da
fibrilação atrial poderá ser realizado de maneira menos empírica e
com bom grau de sucesso, conforme descrito na Tabela 218.
Fibrilação atrial aguda com colapso hemodinâmico
Do ponto de vista prático, não há dúvidas de que em
pacientes que se apresentam com distúrbio hemodinâmico,
com baixo débito, o restabelecimento do ritmo normal por
meio da cardioversão elétrica está indicado. Choques iniciais de 200 J revertem a maioria dos casos. Depois desse
procedimento, devem ser tomadas as medidas para se tentar identificar a causa da arritmia e removê-la, procurando,
assim, reduzir o risco de recorrências. Essa etapa do tratamento é muito importante, visto que uma causa potencialmente tratável melhora substancialmente o prognóstico do
paciente.
Fibrilação atrial paroxística
A fibrilação atrial paroxística, aquela que tem duração
de alguns minutos até 48 horas, tem reversão espontânea e
a conduta terapêutica, nesses casos, em pacientes sintomáticos, é a utilização de fármacos antiarrítmicos para a prevenção de recorrências. Tal prevenção se faz necessária pelo
mesmo raciocínio de que recorrências freqüentes tendem a
perpetuar a fibrilação atrial. Entretanto, o tratamento deve
ser realizado da maneira mais segura possível. Ainda não
está firmemente estabelecido qual o melhor esquema terapêutico a ser indicado. De acordo com a presença ou não de
cardiopatias, as diretrizes internacionais4 orientam a utilização de fármacos para se reduzir o risco de efeito próarrítmico como complicação da terapêutica farmacológica.
A Figura 5 resume a prevenção de recorrências, seja em
pacientes com a forma paroxística sintomática seja naqueles portadores da forma crônica e que se submeteram a algum procedimento para a normalização do ritmo cardíaco.
Fibrilação atrial permanente
A fibrilação atrial permanente é forma crônica refratária a qualquer tipo de tratamento farmacológico, tanto para
209
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
Tabela 2 – Indicações da forma de tratar de acordo com a apresentação clínica da fibrilação atrial
Fibrilação atrial
paroxística
Fibrilação atrial
persistente
Fibrilação atrial
permanente
Controle da resposta ventricular
– Crises freqüentes em pacientes
assintomáticos
Reversão ao ritmo sinusal
– Crises em pacientes
sintomáticos
– Pacientes com risco de
tromboembolismo
Reversão ao ritmo sinusal
– Pacientes sintomáticos
– Fibrilação atrial com
duração inferior a um ano
(prevenção da forma crônica)
– Pacientes que se beneficiam
do ritmo sinusal (disfunção
diastólica)
Reversão ao ritmo sinusal
– Não indicada
Controle da resposta
ventricular
– Fármacos (digital,
betabloqueadores,
antagonistas dos canais
de cálcio)
– Ablação da junção
atrioventricular e implante
de marca
a reversão como para a prevenção de recorrências. Nesse
caso, o tratamento ideal baseia-se no controle da resposta
ventricular e anticoagulação em casos selecionados. O grau
de redução da freqüência ventricular deve ser estabelecido
caso a caso. Não existe freqüência ótima para todos os pacientes, mas uma faixa de freqüência adequada a cada paciente18. Salienta-se que o débito cardíaco causado pela freqüên-
cia cardíaca atual deve atender às demandas, tanto em repouso como em atividade. Por essa razão, os estudos que
avaliaram os pacientes submetidos apenas ao controle da freqüência utilizaram o Holter de 24 horas, e estabeleceram que
o ideal seria a freqüência cardíaca ao redor de 80 batimentos
por minuto com o paciente em repouso e de até 110 batimentos por minuto com o paciente em exercício. O teste da ca-
Fig. 5. Orientações para a prevenção de recorrências da fibrilação atrial. HAS = hipertensão arterial sistêmica; Ins. cardíaca =
insuficiência cardíaca.
210
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
minhada de seis minutos, em que se avaliou a distância percorrida, foi outro critério também empregado para se avaliar
o sucesso terapêutico. O teste ergométrico pode ser utilizado
para se estabelecer o esquema terapêutico adequado e o tempo de esforço realizado pelo paciente na vigência de um determinado fármaco. Assim, é fundamental o entendimento
de que não adianta apenas reduzir a freqüência ventricular a
um valor crítico se o desempenho do paciente ao esforço
estiver prejudicado. Todas essas variáveis devem ser contempladas para que o paciente fique bem clinicamente. A
digoxina apenas não é um bom agente para o controle da freqüência cardíaca, pois exerce seus efeitos somente durante o
período de repouso, havendo elevação quando o paciente se
exercita. Um estudo recente, que avaliou o efeito de cinco esquemas terapêuticos para controlar a freqüência cardíaca em
pacientes com fibrilação atrial crônica (digoxina 0,25 mg; diltiazem 240 mg/dia; atenolol 50 mg/dia; digoxina 0,25 mg associada a diltiazem 240 mg/dia; digoxina 0,25 mg associada a atenolol 50 mg/dia), destacou que a associação de digital e atenolol apresentou os melhores resultados, tanto para redução da
freqüência como para permitir maior tempo de esforço19.
Em pacientes previamente esclarecidos a respeito dos resultados, riscos e benefícios, pode ser indicada a ablação circunferencial das veias pulmonares como forma de tratamento da fibrilação atrial permanente. Deve-se destacar que o
sucesso desse procedimento é menor em pacientes com esse
tipo de fibrilação atrial.
Fibrilação atrial persistente
A conduta a ser tomada em pacientes com a forma persistente ainda é controversa. Há estudos recentes que demonstram que a estratégia de se realizar apenas o controle da freqüência ventricular associada à anticoagulação apresenta resultados similares com relação àquela de se restabelecer o
ritmo cardíaco e prevenir recorrências com fármacos antiarrítmicos3-25. Isso tem propiciado uma mudança significativa
no tratamento da fibrilação atrial nos últimos anos, quando
se observou maior tendência à utilização de betabloqueadores, indicando, desse modo, clara tendência à conduta mais
conservadora de se controlar apenas a freqüência cardíaca26.
Uma subanálise do estudo AFFIRM, entretanto, demonstrou
que a qualidade de vida e o desempenho funcional dos pacientes, quando em ritmo sinusal, são superiores aos dos indivíduos que permanecem em fibrilação atrial27. O fator limitante que muitas vezes dificulta a conduta de normalizar o
ritmo cardíaco é a ineficácia dos fármacos antiarrítmicos,
associada ao risco de seus efeitos colaterais e pró-arrítmicos, o que poderia transformar uma arritmia com baixo potencial para complicações em um quadro muito mais grave e
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
que pode comprometer a vida do paciente. Não há dúvidas de
que a conduta conservadora é de menor risco, porque o perfil
farmacológico de medicamentos como digital, betabloqueadores e antagonistas dos canais de cálcio é muito mais favorável à
menor incidência de efeitos pró-arrítmicos que o de agentes tais
como sotalol, quinidina, amiodarona ou propafenona.
Na prática, a orientação para pacientes com a forma persistente reside, inicialmente, no controle da freqüência ventricular, seguido de anticoagulação para estabilização do quadro clínico. A seguir, devem ser pesados os riscos e benefícios quanto à cardioversão, química ou elétrica. São menos
propensos a reversão ou menos sujeitos a recorrências precoces: pacientes com fibrilação atrial há pelo menos dois
anos; indivíduos que apresentam a fibrilação atrial com freqüência ventricular baixa, na ausência de fármacos que retardam a condução nodal (achado que sugere a presença de
doença difusa do sistema de condução, condição na qual há
grande probabilidade de recorrência precoce da arritmia); e
pacientes que não podem tomar medicamentos antiarrítmicos para a prevenção de recorrências. Vale ressaltar que a
fibrilação atrial tem alto potencial para recorrências, pela
presença do substrato que já se instalou. Por essa razão, a
necessidade da utilização de antiarrítmicos é inquestionável.
Pacientes que apresentam recorrências precoces, após realizadas cardioversões em condições ótimas, não devem mais
ser submetidos a tentativas de normalização do ritmo cardíaco. Não há qualquer estudo, entretanto, que tenha estabelecido de maneira inequívoca o número de reversões que deva
ser praticado em pacientes com fibrilação atrial persistente.
É possível que os casos com recorrência em períodos inferiores a seis meses após cardioversão (desde que um fator causal não seja identificado e removido) não devam se beneficiar com novas tentativas de reversão, e o controle da freqüência cardíaca apenas deve ser a conduta de escolha. Pacientes
que evoluem com átrio esquerdo aumentado parecem ter
menor chance de restabelecimento do ritmo sinusal, pelo
menos quando se utiliza a cardioversão química28. É importante saber, entretanto, que após a normalização do ritmo
cardíaco há grande chance de se reduzir o tamanho dessa
câmara. O tamanho do átrio esquerdo, portanto, não deve ser
motivo para não se pensar em reverter um paciente que está
evoluindo com fibrilação atrial crônica.
COMO NORMALIZAR O RITMO CARDÍACO
Antes da reversão, química ou elétrica, deve-se iniciar a
anticoagulação na fibrilação atrial com duração maior que
48 horas ou em qualquer paciente com valvulopatia mitral
ou insuficiência cardíaca, independentemente da duração da
211
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
arritmia. O valor do Coeficiente Internacional Normatizado (INR)
deve estar no intervalo entre 2 e 3 há pelo menos três semanas.
A cardioversão química pode ser conduzida, ambulatorialmente, com a administração de fármacos (Tabela 3). A vantagem dessa conduta é o retorno ao ritmo sinusal em cerca
de 50% dos pacientes. Na fibrilação atrial aguda, com duração de até sete dias, a administração oral de propafenona a
pacientes sem contra-indicação a esse agente restabelece o
ritmo sinusal em até 94% dos casos, sendo uma das condutas
preferidas na atualidade4,29. A quinidina deve ser evitada pelos riscos de efeitos pró-arrítmicos30. O sotalol está limitado
a indivíduos com coração normal, mas o índice de sucesso
desse agente é baixo em comparação aos demais. A amiodarona, fármaco eficaz e que pode restabelecer o ritmo sinusal
em cerca de 52% dos casos31, tem a vantagem de poder ser
administrada a pacientes com disfunção ventricular. Na sala
de emergência, a propafenona, na dose de 1 mg/kg a 2 mg/kg
com infusão em 10 minutos seguidos de 10 mg/kg nas próximas 24 horas, restabelece o ritmo cardíaco normal em 80%
dos casos, com tempo médio de uma hora. A amiodarona
pode ser administrada na dose de 300 mg por via venosa,
seguida de 20 mg/kg em 24 horas. Com essa abordagem,
consegue-se a normalização do ritmo cardíaco em 24 horas
em até 89% dos casos28.
Na falha da reversão química está indicada a cardioversão elétrica. O procedimento deve ser realizado com o paciente internado e conduzido preferencialmente com o paciente já em uso de antiarrítmico, pois este tem a propriedade de
estabilizar a atividade elétrica atrial após a aplicação dos choques. Sabe-se que o principal fator responsável pela recorrência precoce de fibrilação atrial é o aumento das ectopias
atriais. Um estudo recente demonstrou que a administração
de amiodarona na dose de 800 mg por dia duas semanas antes da cardioversão elétrica aumentou a chance de manutenção do ritmo sinusal no período pós-choque, em comparação
com o grupo de pacientes que recebeu placebo. Esse achado,
provavelmente, decorreu da maior estabilização elétrica atrial
conferida pelo fármaco32. Em pacientes que já se demonstraram refratários à cardioversão elétrica ou que não reverteram a fibrilação atrial ao ritmo sinusal apenas utilizando fármacos, a adição de amiodarona aumentou a chance de sucesso de uma nova tentativa de cardioversão elétrica33.
Para a cardioversão elétrica, a aplicação dos choques obedece à seqüência 100 J, 200 J, 300 J e 300 J de choque monofásico (ou a metade dessas cargas quando se aplicam choques bifásicos) com as pás aplicadas na região anterior do
tórax, sendo interrompida após a documentação do ritmo sinusal ou terminado o protocolo. Deve-se ressaltar que, para
pacientes em uso de amiodarona, há o risco de aumento do
limiar de desfibrilação elétrica, sendo necessária, geralmente, a aplicação de maior número de choques. Num estudo
prospectivo por nós realizado em pacientes que seriam submetidos a cardioversão elétrica, a população-alvo foi dividida em dois grupos: grupo A, que estava em uso de amiodarona precedendo a cardioversão; e grupo B, que não tomava
nenhum antiarrítmico, apenas fármacos para o controle da
freqüência cardíaca. No protocolo de reversão, estavam incluídas aplicações de até quatro choques com cargas progressivamente crescentes (100 J, 200 J, 300 J, 300 J). No
grupo A, a intensidade cumulativa de cargas foi significativamente maior que no grupo B (475 + 284 J vs. 303 + 219 J;
p = 0,02), o mesmo acontecendo com relação ao número de
choques aplicados (2,7 + 1,0 vs. 1,9 + 1,7; p = 0,017). Esse
fato demonstra que o limiar de desfibrilação elétrica se eleva
com a amiodarona, e alerta para que as tentativas de cardioversão não devam ser interrompidas antes que o protocolo
com pelo menos quatro choques se complete (Moreira DAR,
dados ainda não publicados). Após o restabelecimento do
ritmo sinusal, o antiarrítmico deve ser mantido, pelo risco
elevado de recorrências na sua ausência.
Tabela 3 – Fármacos empregados na reversão química da fibrilação atrial
Propafenona
Amiodarona
600 mg por via oral (dose única) para fibrilação atrial < 7 dias
300 mg a cada 8 horas
1 mg/kg a 2 mg/kg EV em 10 minutos, seguidos de 10 mg/kg em 24 horas
600 mg a 800 mg por dia na primeira semana
400 mg por dia na segunda semana
200 mg a 400 mg por dia após a terceira semana
300 mg EV, seguidos de 20 mg/kg EV em 24 horas
______________
EV = por via endovenosa.
212
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
PREVENÇÃO DE RECORRÊNCIAS
Esta parece ser a principal etapa no tratamento de pacientes com fibrilação atrial. A grande dificuldade na manutenção do ritmo sinusal está relacionada aos inúmeros fatores instabilizadores do substrato arritmogênico atrial, nem
sempre identificáveis na clínica. Sempre que possível, devese buscar entender o que está causando a arritmia e qual ou
quais poderiam ser os eventuais gatilhos para gerar novos
episódios. Conforme se discutiu nos mecanismos fisiopatológicos da fibrilação atrial, um dos fatores que aumentam o
risco de recorrências é o acúmulo de cálcio intracelular. Por
essa razão, particularmente em pacientes com fibrilação atrial
paroxística, a interrupção dos fenômenos que culminam com
o remodelamento deve incluir a utilização de antagonistas
dos canais de cálcio (diltiazem ou verapamil). Estudos experimentais e clínicos confirmam os efeitos benéficos desses
agentes34,35. Em pacientes com insuficiência cardíaca que
evoluem com fibrilação atrial, a utilização de inibidores de
enzima de conversão ou de bloqueadores de receptores de
angiotensina reduz o risco de formação de fibrose tecidual, e
conseqüentemente, do aparecimento de fibrilação atrial.
Embora os objetivos primários dos estudos que envolveram
inibidores de enzima conversora da angiotensina não tenham
incluído o tratamento da fibrilação atrial, avaliações retrospectivas demonstram que definitivamente essa classe de fármacos deve ser empregada no tratamento coadjuvante da fibrilação atrial, além do antiarrítmico36. O uso de diuréticos
deve ser considerado nesses pacientes, porque a distensão
atrial, por aumento de volume e pressão, é um fator desencadeante de fibrilação atrial.
Causas específicas que instabilizam o circuito arritmogênico atrial devem ser identificadas e eliminadas, tal como
ocorre no hipertireoidismo e na isquemia miocárdica. No
primeiro caso, é fundamental que os níveis plasmáticos de
hormônios tireoideanos estejam normais, do contrário o risco de recorrência da arritmia é elevado. Embora não seja um
fator comum, a isquemia deve ser tratada pelo risco, por
exemplo, de se desencadear um quadro de miocardiopatia
isquêmica que tenderá a manter a fibrilação atrial de forma
crônica.
Avaliações clínicas em estudos que empregaram estatinas demonstram o papel benéfico desses agentes, que atuariam como antiinflamatórios, reduzindo o comprometimento
do miócito e, por conseguinte, do risco de fibrilação atrial37.
Os fármacos antiarrítmicos mais seguros e eficazes para
a prevenção de recorrências de fibrilação atrial são a propafenona, o sotalol e a amiodarona. Estudos clínicos que utilizaram, de maneira escalonada, antiarrítmicos em pacientes
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
com história de fibrilação atrial indicam que a amiodarona é
superior à propafenona e ao sotalol na redução de episódios
de fibrilação atrial. No estudo AFFIRM, uma avaliação de
subgrupos de pacientes que fizeram uso de fármacos antiarrítmicos para manutenção do ritmo sinusal, o sucesso terapêutico de maior destaque foi para a amiodarona. Nessa população, o ritmo sinusal foi mantido em 60% dos pacientes
durante o seguimento clínico, seguido do sotalol e outros
agentes do grupo I27. Essa observação reforça a segurança e
a eficácia da amiodarona em pacientes com alto risco de recorrência de fibrilação atrial.
Um estudo publicado recentemente avaliou a utilização
de sotalol e amiodarona na prevenção de recorrências de fibrilação atrial. Comparativamente ao sotalol, a amiodarona
manteve os pacientes por mais tempo livres das recorrências
após ter sido restabelecido o ritmo sinusal. O primeiro episódio de fibrilação atrial ocorreu em média 487 dias após a
reversão em 267 pacientes em uso de amiodarona, comparativamente a apenas 27 dias nos 261 pacientes que fizeram
uso de sotalol. Os resultados foram significativos mesmo
quando se considerou a duração da fibrilação atrial (maior
ou menor que um ano). A qualidade de vida e o desempenho
na atividade física foram superiores nos pacientes nos quais
se conseguiu manter o ritmo sinusal38.
Pacientes jovens portadores da forma idiopática, que apresentam recorrências freqüentes e que já preencheram o critério de refratariedade ao tratamento, podem ser submetidos a
tentativa de ablação com cateteres e radiofreqüência para
isolamento do foco arritmogênico. Os pacientes valvulopatas ou coronarianos que serão submetidos a correção cirúrgica da cardiopatia também podem ser submetidos, no mesmo
ato sob visão direta, a ablação endocárdica e/ou epicárdica
atrial para o tratamento da fibrilação atrial.
Os pacientes refratários ao tratamento e que evoluem com
fibrilação atrial crônica devem ter a freqüência cardíaca controlada com fármacos (Tabela 4). Em pacientes com freqüências cardíacas persistentemente elevadas associadas a deterioração da função ventricular, a ablação da junção atrioventricular para indução de bloqueio atrioventricular total seguida de implante de marcapasso definitivo é uma conduta a
ser considerada, visando à melhora da qualidade de vida.
O PAPEL DA TERAPIA NÃO-ANTIARRÍTMICA
NA PREVENÇÃO DE RECORRÊNCIAS
DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
Provavelmente a maior dificuldade no tratamento da fibrilação atrial não está relacionada ao restabelecimento do
ritmo sinusal, visto que o mesmo pode ser obtido em cerca
213
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
Tabela 4 – Fármacos empregados para o controle da freqüência ventricular na fibrilação atrial
Controle rápido da freqüência ventricular:
– Cedilanide
0,4 mg a 0,8 mg
– Verapamil
5,0 mg a 10 mg
– Diltiazem
0,25 mg a 0,35 mg
– Metoprolol
5,0 mg (total até 15 mg)
– Amiodarona
5 mg/kg a 10 mg/kg (150 mg a 300 mg)
Controle crônico da freqüência ventricular:
– Digoxina
0,25 mg
– Verapamil
160 mg a 240 mg por dia
– Diltiazem
120 mg a 180 mg por dia
– Propranolol
80 mg a 320 mg por dia
– Atenolol
100 mg por dia
de 85% dos casos por meio da cardioversão elétrica. A manutenção do ritmo cardíaco normal, posterior à cardioversão, é, sem dúvida, o principal desafio. Vários fatores colaboram para esse fato. Inicialmente, nem sempre os mecanismos que geram a fibrilação atrial são identificados. Se o fossem, com muita probabilidade sua remoção preveniria as
recorrências. Sabe-se, por exemplo, que 30% dos pacientes
com fibrilação atrial crônica associada a estenose valvar
mitral restabelecem o ritmo sinusal após a correção cirúrgica da lesão valvar. Em pacientes com história de hipertireoidismo, o retorno ao estado de eutireoidismo reduz o risco de
recorrências da arritmia.
Em segundo lugar, quando os pacientes são identificados
como portadores de fibrilação atrial, na maioria das vezes
sua duração é desconhecida. Esse aspecto se reveste da mais
alta importância, porque quanto mais longa é a história da
arritmia maiores deverão ser as alterações estruturais e eletrofisiológicas do tecido atrial que tendem a mantê-la e aumentar as chances de recorrência. Estudos experimentais
demonstram que a fibrilação atrial persistente perpetua a fibrilação atrial, e a interrupção das crises pode ser um fator
fundamental para impedir que aquelas modificações teciduais ocorram.
Em terceiro lugar é importante salientar que os mecanismos de origem da fibrilação atrial diferem de acordo com a
causa ou o tipo de cardiopatia subjacente; assim, seria pouco
provável que uma forma de tratamento para uma causa específica tenha o mesmo sucesso para outra. Esse fato pode ser
exemplificado pelos casos de fibrilação atrial idiopática que
ocorre em indivíduos com coração normal. A utilização de
214
betabloqueadores deve ser evitada nos indivíduos com fibrilação atrial mediada pelo vago (forma conhecida como parassimpaticotônica), sob o risco de causar maior desequilíbrio autonômico e intensificar a recorrência das crises. O
mesmo raciocínio é válido quando se utilizam fármacos parassimpaticolíticos em fibrilação atrial desencadeada pela
hiperatividade simpática.
A evolução do conhecimento relacionada à fibrilação atrial nos últimos anos permitiu que seu tratamento se tornasse
menos empírico, o que sem dúvida aumenta as probabilidades de sucesso terapêutico. Muitas informações já disponíveis no campo experimental passam a ser empregadas na clínica, enquanto outras, em fase inicial de investigação, aguardam confirmação e em breve poderão ser incorporadas ao
armamentário terapêutico. As ações de fármacos antiarrítmicos, apesar de bem conhecidas do ponto de vista eletrofisiológico, nem sempre se associam ao sucesso do tratamento; por essa razão, a terapia auxiliar desempenhará função
importante. A seguir será apresentado o papel relevante da
terapêutica não-antiarrímica na prevenção de recorrências da
fibrilação atrial.
Individualização do tratamento: a primeira etapa
Parece que a primeira etapa no sucesso terapêutico de
pacientes com fibrilação atrial deve ser a identificação do
tipo de cardiopatia ou da causa extracardíaca associada à arritmia. Não é correto admitir que a fibrilação atrial originada
em pacientes com insuficiência cardíaca deva ter o mesmo
mecanismo de origem e manutenção que aquela que ocorre,
por exemplo, em indivíduos com síndrome de Wolff-Parkinson-White. No primeiro caso, estudos experimentais demonstram que a fibrose atrial desempenha papel relevante na origem da arritmia. Além disso, a distensão atrial causada pela
hipervolemia pode deflagrar ectopias atriais que instabilizam os átrios. Na síndrome de pré-excitação, ectopias surgidas durante episódios de taquicardia por reentrada atrioventricular devem desencadear a fibrilação atrial e a fibrose não
deve estar presente.
Os mecanismos, portanto, diferem e, na medida do possível, devem ser identificados para individualizar o tratamento. Por meio desse conhecimento poder-se-á de maneira mais
racional escolher a terapia coadjuvante mais apropriada para
facilitar a ação dos antiarrítmicos.
O PAPEL DOS ÍONS CÁLCIO NA
FIBRILAÇÃO ATRIAL
Estudos experimentais demonstraram que animais de laboratório submetidos a períodos variáveis de estimulação atriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
al rápida contínua desenvolviam episódios cada vez mais
duradouros, à medida que se prolongava a estimulação atrial39. Do ponto de vista eletrofisiológico, demonstrou-se que
havia gradualmente redução da duração do período refratário efetivo atrial, prolongamento do tempo de condução atrial, além de reversão à adaptação do período refratário atrial
a diferentes freqüências de estimulação, caracterizando o que
se chamou de remodelamento elétrico atrial. Além de alterações elétricas, modificações estruturais importantes do miócito foram também observadas à microscopia tanto óptica
como eletrônica. Tais alterações eram responsáveis pela
manutenção da fibrilação atrial. Essas observações foram
confirmadas na clínica quando pacientes com fibrilação atrial paroxística eram avaliados durante estudo eletrofisiológico.
O acúmulo do cálcio ocorreria na célula em duas fases.
Numa fase inicial, o retardo na recaptura desse íon para o
retículo sarcoplasmático durante taquicardias rápidas causa
seu acúmulo no sarcomêro, reduzindo a duração do período
refratário atrial. Com a manutenção da taquicardia, haveria
modificações estruturais dos canais de cálcio (do tipo L) em
decorrência da deficiência de síntese protéica nesses canais.
Assim, inicialmente, haveria alterações transitórias funcionais do miócito atrial, reversíveis com o pronto restabelecimento do ritmo cardíaco normal. Em casos de fibrilação atrial
de mais longa duração, embora houvesse normalização da
função eletrofisiológica do miócito após o restabelecimento
do ritmo sinusal, o desarranjo histológico demoraria algum
tempo para desaparecer, sendo esse o principal responsável
pelas recorrências da arritmia após a cardioversão elétrica40.
Experimentalmente demonstrou-se que o remodelamento elétrico pode ser amenizado pela administração de antagonistas dos canais de cálcio, particularmente o verapamil41.
Estudos clínicos comprovam os achados de laboratório, nos
quais o risco de recorrências é significativamente reduzido
após a cardioversão elétrica de pacientes com fibrilação atrial crônica em uso de verapamil, em comparação aos pacientes sem esse fármaco35. Desse modo, é prudente que se associe um bloqueador de canal de cálcio a um antiarrítmico quando houver aumento das recorrências de arritmia após a cardioversão.
O PAPEL DA INFLAMAÇÃO E DO ESTRESSE
OXIDATIVO NA GÊNESE DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
O processo inflamatório, comprovado pela presença de
níveis séricos elevados de proteína C-reativa, está associado
a maior risco de surgimento de fibrilação atrial paroxística,
assim como a manutenção da forma crônica. Essa observaRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
ção foi comprovada por meio de estudos epidemiológicos,
em que ficou nitidamente demonstrada a associação entre
níveis séricos elevados de proteína C-reativa e risco maior
de fibrilação atrial.42
Estudo clínico recente demonstrou que a administração
prévia de vitamina C a pacientes submetidos a cardioversão
elétrica reduziu significativamente a incidência de recorrências, em comparação com o grupo de pacientes que não fez
uso desse agente. É interessante ressaltar que, concomitantemente ao decréscimo das recorrências, também foi constatada diminuição significativa dos índices de inflamação, tais
como níveis de proteína C-reativa, fibrinogênio plasmático
e ferritina37.
Ainda no que tange ao processo inflamatório, a utilização de estatinas está associada à diminuição de recorrências
de fibrilação atrial, graças a sua ação antiooxidante e antiinflamatória. Estudos experimentais, que utilizaram o modelo
de estimulação atrial rápida para o desenvolvimento de substrato arritmogênico atrial em cães, evidenciaram que a sinvastatina previne o surgimento de remodelamento elétrico
atrial, comparativamente aos cães que não utilizaram a estatina. As diferenças estiveram relacionadas, principalmente,
ao período refratário atrial e ao tempo de condução atrial nos
dois grupos. De maneira ainda não clara, a vitamina C não
apresentou qualquer influência nos resultados, indicando que
esse agente deve atuar em outro modelo experimental que
não o empregado nesse estudo43.
Em outro estudo experimental, a atorvastatina, empregada no modelo de pericardite química estéril em cães, reduziu
o risco de manutenção de fibrilação atrial através da inibição
do processo inflamatório próprio da pericardite artificialmente induzida. A melhora dos parâmetros eletrofisiológicos atriais em geral alterados no processo de reprodução de fibrilação atrial (diminuição do período refratário atrial, tempo de
condução atrial e indutibilidade da arritmia) ocorreu concomitantemente à redução dos níveis séricos de proteína C-reativa44. Esses achados sugerem que uma classe de pacientes portadores de fibrilação atrial pode se beneficiar da utilização de estatinas como terapia coadjuvante aos antiarrítmicos.
O PAPEL DA FIBROSE ATRIAL NA GÊNESE E
MANUTENÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
Em animais com insuficiência cardíaca, desencadeada
pela estimulação ventricular rápida por longos períodos, aumenta o risco de surgimento de fibrilação atrial espontânea
ou induzida artificialmente. A análise histológica atrial comprova a presença de áreas de fibrose que são responsáveis
pela condução intra-atrial prolongada. Esse achado difere do
215
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
modelo experimental que utiliza a estimulação atrial rápida
como forma de reprodução artificial de fibrilação atrial, cuja
alteração que mais se destaca é a redução da duração do período refratário efetivo atrial. Assim pode-se perceber que
modelos experimentais diferentes, que devem apresentar seu
correspondente clínico, originam fibrilações atriais de mecanismos distintos e, por conseguinte, devem ter formas de
tratamento também distintas.
Na clínica, a fibrose atrial pode estar presente em pacientes com miocardiopatia ou hipertensão arterial. Estudos
experimentais e clínicos demonstram os benefícios do emprego de inibidores da enzima de conversão, bem como dos
bloqueadores de receptores de angiotensina, na redução da
fibrose tecidual e também do processo inflamatório atrial.
Subanálises de grandes estudos clínicos de pacientes com
insuficiência cardíaca demonstraram inequivocamente a
melhor evolução dessa população no que se refere ao risco
de recorrências de fibrilação atrial. Essa observação foi confirmada por estudos específicos, que avaliaram os efeitos
dessa classe de fármacos45. Os estudos demonstraram que a
utilização de enalapril46, irbesartan47 e, mais recentemente,
valsartam48, quando empregados com antiarrítmicos, está
associada a melhora clínica dos pacientes, com redução significativa das crises de fibrilação atrial.
Esses achados confirmam que o tratamento da fibrilação
atrial não deve ficar restrito somente ao antiarrítmico, reforçando a idéia de que a fibrilação atrial é uma arritmia de
causa multifatorial. A medicação coadjuvante exerce papel
importante e é possível que as falhas do tratamento estejam
relacionadas à não-utilização racional desses agentes. Além
disso, as influências sistêmicas, não-cardíacas, que facilitam
o surgimento de fibrilação atrial podem ser abordadas com
essa terapia auxiliar, que, juntamente com os antiarrítmicos,
deverão conferir maior estabilidade elétrica ao tecido atrial
e redução das recorrências.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO PARA
TROMBOEMBOLISMO EM PACIENTES
COM FIBRILAÇÃO ATRIAL
Dentre as complicações da fibrilação, a mais devastadora, sem dúvida, é o tromboembolismo sistêmico, que compromete a circulação cerebral na maioria dos casos (> 70%),
sendo responsável pelos casos de invalidez, com prejuízo
acentuado da qualidade de vida e, na dependência da gravidade, pela morte de alguns pacientes. Essa complicação pode
surgir nos casos de fibrilação atrial crônica ou, então, após o
restabelecimento do ritmo sinusal por meio de cardioversão
tanto química como elétrica.
216
As causas diretamente relacionadas com a formação de
trombos na fibrilação atrial ainda são desconhecidas, mas,
seguramente, ausência de contração atrial, anormalidades do
endocárdio atrial e estase sanguínea intra-atrial são as mais
importantes. Além disso, outros fatores podem estar presentes e auxiliar na estratificação de risco (Tabela 5). Os resultados de estudos envolvendo grande número de pacientes
indicam que a história prévia de acidente vascular cerebral
embólico é o fator de risco independente mais importante
relacionado à recorrência dessa complicação. Além disso,
hipertensão arterial, diabetes melito, disfunção ventricular,
insuficiência cardíaca, além de idade avançada (acima de 75
anos) foram identificados como fatores adicionais49. Na dependência da presença ou não de tais fatores de risco cardiovascular, a incidência de tromboembolismo cerebral varia
entre 3% e 8% por ano, aumentando de 1,5% na sexta década de vida para até 23,5% na nona década. Por essa razão, a
identificação precoce dos pacientes com maior probabilidade
de serem acometidos é a etapa inicial fundamental para tornar o
tratamento preventivo menos empírico, reduzindo, assim, o risco de complicação tromboembólica nessa população.
Para facilitar a abordagem dos pacientes no que diz respeito ao tratamento preventivo, várias estratégias de avaliação de risco foram combinadas num escore de risco denominado CHADS2, que fornece, de maneira simples e confiável,
um esquema para se qualificar o paciente ao uso ou não de
anticoagulante. As letras que compõem essa sigla, além da
pontuação dada a cada uma delas para a composição do escore, estão descritas na Tabela 6.
No escore CHADS2, cada um dos fatores de risco recebe 1
ponto, exceto a história prévia de acidente vascular cerebral,
que recebe 2 pontos. Com base nesse escore, as recentes diretrizes americanas4 indicam a utilização de ácido acetilsalicílico ou
de anticoagulantes de acordo com a pontuação obtida em um
paciente. Quanto maior o número de pontos detectado num determinado paciente, maior a chance de complicação tromboembólica (Tabela 6). O valor mínimo encontrado seria o escore 0,
ou seja, baixo risco, e, portanto, não necessidade de medicação
preventiva ou administração de ácido acetilsalicílico; escore 12, risco moderado; e escore 3 ou maior, risco elevado, indicando a necessidade de uso de anticoagulantes.
Outros antitrombóticos indicados são clopidogrel, triflusal, ticlopidina ou dipiridamol, sendo o ácido acetilsalicílico
o mais empregado na prática clínica. O anticoagulante de
escolha é a warfarina, um antagonista da vitamina K. O controle da anticoagulação é feito com base na realização de
exames periódicos, e o INR é o mais utilizado para esse fim.
São considerados pacientes adequadamente anticoagulados
e, portanto, com menor risco de acidente vascular cereRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
Tabela 5 – Fatores de risco e graduação de sua importância para o desencadeamento de acidente vascular cerebral em
pacientes com fibrilação atrial49
Fator fraco
Fator moderado
Fator forte
Sexo feminino
Idade 64-75 anos
Insuficiência coronariana
Tireotoxicose
Insuficiência cardíaca
Fração de ejeção < 35%
Hipertensão arterial
Idade > 75 anos
Diabetes melito
AVC prévio
Estenose mitral
Válvula artificial
______________
AVC = acidente vascular cerebral.
bral embólico ou hemorrágico aqueles nos quais a faixa
de anticoagulação se encontra entre 2 e 3. Abaixo dessa
faixa há maior risco de fenômenos tromboembólicos (principal complicação em pacientes que fazem uso não controlado de anticoagulantes), enquanto o risco de hemorragia sistêmica se eleva progressivamente quando o INR
Tabela 6 – Importância de cada fator de risco na composição do escore CHADS2 em pacientes com fibrilação atrial
de origem não-valvar e risco de acidente vascular cerebral
em pacientes não-anticoagulados, de acordo com o valor
de cada score49
Fator de risco
Escore
Insuficiência Cardíaca
Hipertensão arterial
Idade > 75 anos (“Age”)
Diabetes melito
AVC (“Stroke”)
1
Pacientes
(n = 1.733)
1
1
2
Risco de AVC
(%/ano)
(IC 95%)
120
1,9 (1,2 a 3,0)
0
463
2,8 (2,0 a 3,8)
1
523
4,0 (3,1 a 5,1)
2
337
5,9 (4,6 a 7,3)
3
220
8,5 (6,3 a 11,1)
4
65
12,5 (8,2 a 17,5)
5
5
18,2 (0,5 a 27,4)
6
______________
AVC = acidente vascular cerebral; IC 95% = intervalo de
confiança de 95%; n = número de pacientes.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
supera o valor 3 (complicação menos freqüente). Com essa
conduta, a incidência anual de tromboembolismo periférico se reduz drasticamente (< 1%), melhorando o prognóstico dos pacientes com fibrilação atrial crônica. Conduta semelhante deve ser tomada quando se pretende restabelecer o ritmo sinusal, por meio da cardioversão química ou elétrica. Nessa condição, a anticoagulação deve
preceder a reversão, com INR na faixa terapêutica (entre
2 e 3) por no mínimo três semanas, sendo mantida por
pelo menos trinta dias após o procedimento. O estudo
AFFIRM sugere que a anticoagulação deva ser permanente
em pacientes com probabilidade elevada de recorrências
de fibrilação atrial e que tenham risco moderado a grave
para tromboembolismo.
COMPLICAÇÕES DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
A complicação mais temida associada à fibrilação atrial
é o tromboembolismo periférico. Várias são as causas dessa
complicação, devendo-se ressaltar o fato de que muitos dos
casos correspondem aos pacientes com predisposição genética cuja formação de trombos seria precipitada pela estase
sanguínea própria da arritmia. Outras causas seriam as lesões do endocárdio atrial ou alterações da coagulabilidade
causada pela arritmia. O tromboembolismo definitivamente
influencia o prognóstico de pacientes com fibrilação atrial e
esse fato é comprovado pela maior sobrevida dos pacientes
quando submetidos a anticoagulação crônica, particularmente
aqueles com maior risco (Tabela 6).
A insuficiência cardíaca é outra complicação não rara da
fibrilação atrial e está relacionada à ausência da contratilidade atrial, à irregularidade dos ciclos cardíacos e também à
freqüência persistentemente rápida, quadro conhecido como
taquicardiomiopatia. O tratamento da fibrilação atrial, seja
217
MOREIRA DAR e cols.
Abordagem clínica da fibrilação atrial
com o restabelecimento do ritmo sinusal seja com a redução
da freqüência ventricular, pode reduzir o risco dessa complicação ou então reverter o quadro.
PROGNÓSTICO DE PACIENTES COM
FIBRILAÇÃO ATRIAL
Pacientes com fibrilação atrial paroxística não tratados
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tendem a perpetuar a arritmia em um prazo médio de cinco
anos. O prognóstico de pacientes com fibrilação atrial depende da cardiopatia subjacente, mas é pior que o de pacientes de mesma idade sem a arritmia, para ambos os sexos50.
Pacientes que evoluem com fibrilação atrial associada a insuficiência cardíaca têm menor sobrevida que aqueles sem insuficiência cardíaca. As principais causas de morte são o tromboembolismo sistêmico e a insuficiência cardíaca refratária.
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
ESTADO ATUAL DA ABLAÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
CRISTIANO DE OLIVEIRA DIETRICH1, CLAUDIO CIRENZA1, ANGELO AMATO VINCENZO DE PAOLA1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:221-35
RSCESP (72594)-1720
A fibrilação atrial é a arritmia mais prevalente na prática clínica. A limitada eficácia da terapia antiarrítmica para controle da arritmia tem levado ao desenvolvimento de medidas
não-farmacológicas. Dentre essas, encontra-se a ablação por
cateter, em que o objetivo principal é eliminar o deflagrador
e/ou modificar o substrato para a fibrilação atrial. Os pacientes selecionados para o procedimento são aqueles com fibrilação atrial paroxística, persistente ou permanente, sintomáticos e sem controle com a terapia medicamentosa antiarrítmica. O procedimento pode ser individualizado para os
casos de fibrilação atrial paroxística ou de longo prazo, a
fim de evitar desnecessárias lesões atriais. A taxa de sucesso
para os casos de fibrilação atrial paroxística é semelhante
aos casos de fibrilação atrial persistente ou permanente. As
complicações relacionadas com o procedimento são inferiores a 6%. A ablação por cateter é uma medida efetiva e segura para controle da fibrilação atrial paroxística, persistente e
permanente.
CURRENT PRACTICE OF CATHETER ABLATION FOR
Descritores: fibrilação atrial; ablação por cateter.
Key words: atrial fibrillation; catheter ablation.
THE TREATMENT OF ATRIAL FIBRILLATION
Atrial fibrillation is a very common arrhythmia with high
mortality and morbidity. Anti-arrhythmic drugs have limited
efficacy and catheter ablation is the most important non-pharmacological approach for atrial fibrillation control. The primary endpoint is the elimination of pulmonary vein triggers
and/or the modification of atrial fibrillation substrate. Catheter ablation is indicated for patients with symptomatic
atrial fibrillation refractory to antiarrhythmic drugs. Success
rate in paroxysmal cases is similar to long-lasting persistent
atrial fibrillation. Step-by-step approach should be used for
paroxysmal or persistent/permanent atrial fibrillation to avoid
unnecessary atrial lesions. Major complications are reported
in up to 6% of the procedures. Catheter ablation is an effective approach for selected patients with paroxysmal and longstanding persistent atrial fibrillation.
Setor de Eletrofisiologia Clínica – Hospital São Paulo –
Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo – São Paulo, SP
1
Endereço para correspondência:
Angelo Amato V. de Paola – Setor de Hemodinâmica/Hospital São Paulo – Rua Napoleão de Barros, 715 –
Vila Clementino – São Paulo, SP – CEP 04037-000
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
221
DIETRICH CO e cols.
Estado atual da ablação da fibrilação atrial
INTRODUÇÃO
A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum, sendo
responsável pela maioria das internações decorrentes de distúrbio do ritmo.1 O maior risco de acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e mortalidade por todas as causas é um fator importante no manejo dessa arritmia.2,3 A terapia farmacológica antiarrítmica visa à prevenção da recorrência da arritmia, mas com taxa de sucesso limitada e paraefeitos consideráveis. Atualmente, o desenvolvimento das
alternativas não-farmacológicas tornou essas intervenções
parte importante do tratamento da fibrilação atrial.
A principal abordagem não-farmacológica para o controle da fibrilação atrial é a ablação percutânea por cateter, por
sua menor agressividade e pelos resultados favoráveis. Apesar de os resultados iniciais com a abordagem mimetizando
a técnica cirúrgica terem sido desapontadores, o reconhecimento dos deflagradores localizados nas veias pulmonares
permitiu o surgimento e o desenvolvimento de técnicas efetivas para o controle da fibrilação atrial.4-6 Com o avanço das
ferramentas terapêuticas dos últimos anos, a ablação por cateter tornou-se importante no manejo da fibrilação atrial,
podendo ser utilizada até mesmo como primeira linha de tratamento em casos selecionados.
MECANISMOS
As duas principais teorias para patogênese da fibrilação
atrial são a atividade ectópica focal e a reentrada. O desencadeamento e a manutenção da fibrilação atrial requerem um
evento deflagador (“trigger”) para iniciar a arritmia e a presença de um substrato para perpetuar a arritmia. Outros fatores adicionais, como o sistema nervoso autonômico, parecem contribuir para iniciar ou manter a fibrilação atrial. A
seguir estão apresentados, de forma resumida, os fatores associados com a fibrilação atrial e as técnicas disponíveis para
ablação por cateter.
Origem focal
Uma importante mudança na abordagem percutânea da
fibrilação atrial ocorreu após o reconhecimento dos iniciadores da arritmia localizados principalmente nas veias pulmonares.6 Estudos anátomo-histológicos têm demonstrado a
presença de feixes musculares que conectam as veias pulmonares ao átrio esquerdo.7 A presença desses feixes pode
ser reconhecida por meio do registro de sinais elétricos pela
colocação do cateter multipolar circular no óstio da veia pulmonar durante o estudo eletrofisiológico.8,9 Esses conhecimentos resultaram no desenvolvimento das técnicas inicial-
222
mente focais e posteriormente mais amplas para o isolamento e o controle desses deflagradores localizados nas veias
pulmonares.
Substrato
A presença de heterogeneidade da refratariedade atrial e
de diferentes propriedades de condução permite o surgimento de vários circuitos de reentrada no átrio esquerdo. Essa
teoria, concebida por Moe e colaboradores10 e avaliada experimentalmente por Alessie e colaboradores11, tem sido a
base para os procedimentos cirúrgicos, como a cirurgia do
labirinto. Atualmente, as técnicas de ablação por cateter têm
também abordado o substrato com o mapeamento atrial dos
eletrogramas atriais complexos e fragmentados e a realização de linhas no átrio esquerdo.
SELEÇÃO DOS PACIENTES
A indicação para ablação por cateter depende da presença de sintomas relacionados à fibrilação atrial e da ineficácia
das drogas antiarrítmicas no controle da arritmia. Atualmente, as evidências confirmam não só a utilização do procedimento para os casos paroxísticos, mas, também, para os de
longa data (persistente e permanente). Seguem as indicações
para o procedimento:
– fibrilação atrial paroxística e sintomática com falha da terapia com pelo menos uma droga antiarrítmica da classe
I ou III;
– fibrilação atrial persistente sintomática, apresentando falha da terapia com mais de uma droga antiarrítmica convencional e/ou cardioversão elétrica;
– fibrilação atrial persistente com evidência de reduzida fração de ejeção (ecocardiograma) e/ou sintomas de insuficiência cardíaca sem explicação alternativa para a disfunção cardíaca.
Em junho de 2007, foram publicadas as diretrizes das
Sociedades Européia e Americana de ablação por cateter e
cirúrgica para fibrilação atrial.12 As indicações presentes nessa
publicação podem ser resumidas da seguinte forma:
– fibrilação atrial paroxística ou persistente sintomática refratária ou intolerante a no mínimo uma droga antiarrítmica da classe I ou III;
– fibrilação atrial sintomática associada a insuficiência cardíaca e/ou reduzida fração de ejeção em pacientes selecionados;
– em raras situações, pode ser considerada terapia de primeira linha em pacientes com episódios freqüentes e sintomáticos de fibrilação atrial.
Em todas as situações, deve-se levar em consideração a
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
DIETRICH CO e cols.
Estado atual da ablação da fibrilação atrial
relação risco-benefício na tomada de decisão sobre a realização do procedimento.
TÉCNICAS DE ABLAÇÃO PARA
FIBRILAÇÃO ATRIAL
Diferentes técnicas de ablação foram desenvolvidas com
os conhecimentos e as tecnologias adquiridas, mas o isolamento elétrico das veias pulmonares, pelas técnicas anatômica ou segmentar, permanece o objetivo central para todos
os procedimentos.12,13 Descrevemos, então, cada técnica com
seus respectivos resultados.
vação atrial e sua relação com o início da onda P é definido o
foco de origem da ectopia ou taquiarritmia atrial. Nesse local, é efetuada a aplicação de radiofreqüência com o objetivo de terminar a arritmia.16 Haïssaguere e colaboradores realizaram o procedimento em 45 pacientes e verificaram que
62% permaneceram livres de arritmias no seguimento médio de oito meses.6
Isolamento elétrico das veias pulmonares
O isolamento das veias pulmonares pode ser realizado
por diferentes técnicas: segmentar, antral e circunferencial.
Em qualquer uma das técnicas, o objetivo final é a comprovação do isolamento elétrico das veias pulmonares pela preAblação focal da veia pulmonar
sença de bloqueio de saída e/ou de entrada verificado no caA ablação focal apresenta utilidade para terapia da fibri- teter multipolar circular (LASSO, Biosense Webster, Inc.,
lação atrial, principalmente em pacientes jovens (idade < 50 Estados Unidos).12,13 Para a realização dessas técnicas, a anaanos) nos quais uma das veias pulmonares é definida como tomia do átrio esquerdo e das veias pulmonares deve ser definiresponsável pelos paroxismos de taquicardia ou fibrilação da com o auxílio de fluoroscopia, de sistemas de mapeamento
atrial.14 A Figura 1 exemplifica a técnica para ablação focal. eletroanatômico ou pela ecocardiografia intracardíaca.
Em um primeiro momento, tenta-se definir a presença de arA técnica segmentar é realizada após a definição angioritmias focais (taquicardia, ectopias) que deflagram episódi- gráfica ou ecocardiográfica dos óstios das veias pulmonares
os de fibrilação atrial e, pela análise da morfologia da onda e posicionamento do cateter LASSO na região ostial da veia
P, identificar o possível local de origem da arritmia.15 Em pulmonar em avaliação.12,13,15 A presença de potenciais, deseguida, os cateteres são posicionados e pela análise da ati- nominados venosos, é verificada por sinais elétricos de rápida duração registrados após o eletrograma atrial local.17 O feixe muscular de conexão entre a veia pulmonar e o átrio esquerdo pode ser definido, eletrofisiologicamente, pela presença de um potencial
venoso reverso ou precoce (Figura 2).8,9
Outras técnicas têm sido desenvolvidas com a
intenção do isolamento elétrico das veias pulmonares pela confecção de linhas contínuas circundando
cada veia pulmonar (ablação antral)12,13,18 ou cada
par de veias ipsilaterais (ablação circunferencial).12,13,19,20 A Figura 3 demonstra a realização da última técnica, utilizando o mapeamento eletroanatôFig. 1. Representação da ablação focal da veia pulmonar superior es- mico para auxiliar na configuração das lesões linequerda. Em A, observa-se taquicardia atrial com origem na veia pul- ares (CARTO, Biosense Webster, Inc., Estados Unimonar superior esquerda. Existe uma precocidade de 48 ms do eletro- dos). Os sistemas eletroanatômicos revolucionaram
grama local em relação à onda P da arritmia. Em B, posição dos cate- o conceito de mapeamento eletrofisiológico, possiteres na radioscopia (oblíqua anterior esquerda, 30 graus). Em C, an- bilitando, de forma pioneira na Medicina, a navegiografia da veia pulmonar superior esquerda na mesma projeção, con- gação intracardíaca com alta precisão. Dessa forfirmando o posicionamento correto de um cateter circular no óstio da ma, as intervenções cardiológicas limitadas pelos
veia pulmonar superior esquerda. Em D, término da arritmia com a sistemas fluoroscópicos bidimensionais podem, atualmente, contar na eletrofisiologia com sistemas que
aplicação de radiofreqüência.
CA = cateter de ablação; CC = cateter circular; E = cateter no esôfago; definem o posicionamento tridimensional dos cateEIC = cateter para ecocardiografia intracardíaca; MAP = registro de teres com precisão milimétrica, possibilitando ineletrogramas do cateter de ablação; SC = seio coronário; VPIE = veia tervenções intravasculares que só poderiam ser repulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. alizadas com as técnicas cirúrgicas convencionais.
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DIETRICH CO e cols.
Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 2. Representação do isolamento elétrico segmentar da veia pulmonar superior esquerda pela
técnica da ablação ostial. O cateter multipolar circular (LA) está posicionado no óstio da veia pulmonar, como demonstrado no desenho C. Em A, nota-se a presença do potencial venoso (asterisco)
precedido pelo eletrograma atrial (seta). Após ablação nessa região (B), existe desaparecimento do
potencial após o eletrograma atrial (seta), e o potencial (asterisco) encontra-se dissociado da atividade atrial. Em C, está representado o feixe muscular que conecta a veia pulmonar ao átrio esquerdo,
reconhecido, eletrofisiologicamente, pela presença de inversão da polaridade do eletrograma bipolar
(asterisco). Velocidade dos traçados = 300 mm/s.
MAPd = registro dos eletrogramas pelo pólo distal do cateter de ablação; MAPp = registro dos
eletrogramas pelo pólo proximal do cateter de ablação; S = artefato de estimulação; SCD = cateter
posicionado no seio coronário distal; SCM = cateter posicionado no seio coronário médio; V = eletrograma ventricular.
Fig. 3. Ablação circunferencial do átrio esquerdo. Efetuadas duas linhas para isolamento das veias pulmonares esquerdas
(tronco único de veia pulmonar esquerda) e
direitas (veia pulmonar superior direita/veia
pulmonar inferior direita). Os pontos vermelhos representam as aplicações de radiofreqüência para realização das linhas.
AAE = auriculeta esquerda; VPE = veia
pulmonar esquerda; VPID = veia pulmonar
inferior direita; VPSD = veia pulmonar superior direita.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 4. Comprovação do isolamento elétrico da veia pulmonar superior esquerda com o cateter
multipolar circular (LA) posicionado no óstio da veia pulmonar, como demonstrado na Figura 1.
Em A, nota-se a presença de dissociação do potencial venoso (seta) do ritmo sinusal – bloqueio
de entrada na veia. Em B, a estimulação (S1) no interior da veia provoca captura do potencial
venoso (seta) sem conduzir para o átrio, comprovando o bloqueio de saída da veia pulmonar.
A = eletrograma atrial; MAPd = eletrogramas do cateter mapeador de ablação distal; MAPp =
eletrogramas do cateter mapeador de ablação proximal; S = estimulação; SCD = eletrogramas do
seio coronário distal; SCM = eletrogramas do seio coronário médio.
Fig. 5. Comprovação do isolamento elétrico
da veia pulmonar superior esquerda com o
cateter multipolar circular (LA) posicionado no óstio da veia pulmonar e o cateter de
ablação posicionado na auriculeta esquerda
(distal e proximal). Verifica-se a presença de
dissociação do potencial venoso (seta) do
ritmo atrial (fibrilação atrial). Também é verificada a presença do “far-field” do sinal
atrial da auriculeta no cateter LA (eletrograma atrial).
A = eletrograma atrial; AAE = auriculeta esquerda; ADA = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito alto; ADB = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito baixo; ADM = cateter posicionado na
parede lateral do átrio direito médio; SCD =
cateter posicionado no seio coronário distal;
SCM = cateter posicionado no seio coronário médio; SCP = cateter posicionado no seio
coronário proximal.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
O objetivo de todas as técnicas é a desconexão de cada
veia pulmonar.12,13 A verificação do isolamento eletrofisiológico é feita com a colocação do cateter multipolar circunferencial no óstio de cada veia pulmonar. Avalia-se no registro
desse cateter: ausência de potenciais venosos, presença de
dissociação do potencial venoso em relação ao ritmo atrial
(sinusal, estimulação atrial ou fibrilação atrial) e ausência
de captura atrial pela estimulação no interior da veia pulmonar (Figuras 2, 4 e 5).
O isolamento empírico das veias pulmonares para pacientes com fibrilação atrial paroxística resulta em manutenção do ritmo sinusal, que varia de 70% a 89%.21,22 A necessidade de modificação de substrato para esses pacientes é controversa. Na maioria das recorrências, observa-se a reconexão de alguma veia pulmonar previamente “isolada”.23 Por
causa de mecanismos complexos e multifatoriais, a realização isolada da desconexão das veias pulmonares apresenta
maior recorrência em pacientes com fibrilação atrial persistente. Mesmo com a ablação circunferencial das veias pulmonares usando o sistema eletroanatômico, a recorrência de
fibrilação atrial ocorreu em 15% dos casos paroxísticos e em
32% dos crônicos24, sendo, portanto, necessárias novas técnicas para a modificação de substrato nesses pacientes.22,25
Ablação guiada por eletrogramas atriais complexos
e fragmentados
A presença de eletrogramas atriais complexos e fragmentados tem sido sugerida como representação do substrato para
a fibrilação atrial. A explicação para o surgimento dos eletrogramas são a condução lenta local e a anisotropia.26 Os
eletrogramas atriais complexos e fragmentados são definidos como eletrogramas exibindo mais de duas deflexões fragmentadas ou ciclo de freqüência inferior a 120 ms, os quais
em sua forma máxima apresentam configuração de atividade elétrica contínua (Figuras 6 e 7).12,27 Os objetivos da ablação baseada em eletrogramas atriais complexos e fragmentados são a redução da voltagem do eletrograma bipolar
(> 80%), a abolição da fragmentação com organização do
eletrograma atrial local (Figura 7) ou a reversão da arritmia
para o ritmo sinusal (Figura 8).12
Durante o mapeamento atrial, têm sido encontradas algumas regiões com maior evidência desses eletrogramas:
junção da veia cava superior com átrio direito, parede septal
anterior direita (região anterior das veias pulmonares direitas), parede posterior das veias esquerdas, ponte entre a auriculeta e a veia pulmonar superior esquerda, região anterior e
medial à base da auriculeta esquerda e seio coronário (Figura 9).28
Nademanee e colaboradores29 foram os primeiros a de-
226
senvolver a técnica de ablação isolada desses eletrogramas
atriais complexos e fragmentados, tanto no átrio direito como
no átrio esquerdo. Os resultados do seguimento de 12 meses
demonstraram a manutenção do ritmo sinusal em 91% dos
pacientes (fibrilação atrial paroxística e persistente).29 Em
outro estudo, os mesmos autores mantiveram alta taxa de
sucesso (81% em dois anos). Para os pacientes com fibrilação atrial persistente, a ablação resultou na manutenção do
ritmo sinusal em 71% no mesmo seguimento médio de 24
meses.30 Esses resultados não foram reproduzidos por outros
autores com a ablação guiada por eletrogramas atriais complexos e fragmentados: em 14 meses de acompanhamento,
apenas 33% permaneciam em ritmo sinusal.31
A realização desse procedimento associado à desconexão das veias pulmonares tem apresentado melhores resultados, com manutenção do ritmo sinusal em 77% a 95% dos
pacientes.32,33
Ablação linear
A ablação linear altera o substrato para fibrilação atrial
por desfragmentação de eletrogramas e pela produção de uma
região de bloqueio completo, impedindo frente de ondas reentrantes que sustentam a arritmia. Basicamente, duas lesões lineares são realizadas com o isolamento elétrico das
veias pulmonares: linha no teto do átrio esquerdo, unindo as
duas veias superiores, e linha no istmo mitral, unindo o anel
mitral à veia pulmonar inferior esquerda. Em pacientes com
fibrilação atrial persistente, um estudo prospectivo demonstrou que o isolamento das veias pulmonares associado à essas duas linhas resultou na manutenção do ritmo sinusal em
69%, enquanto apenas 20% dos pacientes tratados sem a
ablação linear mantiveram o ritmo sinusal no seguimento de
15 meses.34 Outro estudo prospectivo demonstrou que a adição da ablação linear no istmo mitral aumentava a taxa livre
de recorrência de fibrilação atrial de 69% para 87% no seguimento de 12 meses em pacientes com fibrilação atrial
paroxística.35
SELEÇÃO DO PROCEDIMENTO
Atualmente, tem sido proposta a individualização do procedimento de ablação para o tratamento da fibrilação atrial
de acordo com a característica da arritmia: paroxística ou
persistente. Para os casos paroxísticos, o isolamento das veias pulmonares sem a necessidade de produzir lesões extensas no átrio esquerdo tem sido preferido, reservando-se o
acréscimo de outras técnicas para os casos com recorrência.
Procedimentos mais extensos são necessários no tratamento
de pacientes com fibrilação atrial persistente com realização
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 6. Ablação do átrio esquerdo em paciente com fibrilação atrial persistente, utilizando o isolamento elétrico (ablação antral) das
veias pulmonares e modificação de substrato, em que foi realizada ablação de eletrogramas atriais complexos e fragmentados localizados no antro das veias (parede posterior),
na parede anterior (base da auriculeta esquerda) e no septo anterior. No painel à direita,
exemplo de eletrograma atrial bipolar com
atividade elétrica contínua – alvo para ablação. A região com os pontos laranja (elipse,
painel à esquerda) representa o local em que
houve reversão da taquiarritmia atrial para o
ritmo sinusal (apresentado na Figura 8).
AAE = auriculeta esquerda; ABLd = cateter de mapeamento e terapêutico distal; ABLp = cateter de mapeamento e terapêutico proximal; VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar
superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
do isolamento antral ou circunferencial das veias pulmonares associado com técnicas para modificação do substrato. O
procedimento “step-by-step” tem sido proposto por alguns
autores para evitar a realização de lesões desnecessárias nos
pacientes.32,33,36 Esses procedimentos iniciam-se com a reali-
zação do isolamento das veias pulmonares seguido pela realização das lesões lineares (mitral e teto) e, por último, os
eletrogramas atriais complexos e fragmentados até a reversão para o ritmo sinusal ou organização da fibrilação atrial
para uma taquicardia atrial regular que deve então ser mapeada e submetida a ablação. Essa técnica tem
acarretado taxa de 87% de conversão para
ritmo sinusal37, assim como taxa elevada de
sucesso (ou seja, 95% de manutenção do
ritmo sinusal) durante o seguimento de 12
meses.33
Atualmente, em nossa instituição, procuramos individualizar a técnica de ablação
de acordo com a classificação da fibrilação
atrial:
Fig. 7. Presença de eletrograma atrial complexo e fragmentado na região endocárdica
do seio coronário médio em paciente com
fibrilação atrial persistente. Durante a ablação desse local, houve regularização da atividade atrial e redução significativa da voltagem do eletrograma do cateter mapeador
distal. A regularidade do eletrograma pode
ser mais evidenciada pela análise do eletrograma do cateter mapeador proximal.
MAPd = eletrogramas do cateter mapeador
de ablação distal; MAPp = eletrogramas do
cateter mapeador de ablação proximal.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 8. Em A, significativa desorganização e fragmentação do eletrograma atrial no cateter circular (LA posicionado no
antro da veia pulmonar inferior esquerda) e no seio coronário (proximal, médio e distal). Durante a ablação, ocorreu a
regularização da taquicardia. Em B, verifica-se a regularidade da ativação dos eletrogramas atriais com o término da arritmia (o local está representado na Figura 6).
ADA = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito alto; ADB = cateter posicionado na parede lateral do átrio
direito baixo; ADM = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito médio; MAPd = cateter mapeador de ablação
distal; MAPp = cateter mapeador de ablação proximal.
Fig. 9. Ablação do átrio esquerdo em paciente com fibrilação atrial persistente, utilizando isolamento circunferencial das
veias pulmonares e modificação de substrato (pontos vermelhos). Neste caso, verifica-se a presença de eletrogramas atriais
complexos e fragmentados no cateter posicionado no seio coronário (eletrogramas à direita), sendo realizada ablação endocárdica (pontos verdes) e no interior do seio coronário desses eletrogramas. Durante a ablação no seio coronário, houve
progressiva regularização da atividade atrial, com término da fibrilação atrial com aplicação de radiofreqüência no seio
coronário proximal (não demonstrado).
SC = cateter no seio coronário (SC90 = proximal; SC12 = distal); VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia
pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
– fibrilação atrial paroxística: isolamento da veia pulmonares por meio de ablação circunferencial;
– fibrilação atrial persistente ou permanente: isolamento de
veias pulmonares pela ablação circunferencial, associado a modificação do substrato pela ablação guiada dos
eletrogramas atriais complexos e fragmentados e/ou configuração de linhas no teto, no istmo mitral e no istmo
tricuspídeo.
FERRAMENTAS AUXILIARES
O desenvolvimento de novas técnicas tem permitido reduzir a exposição à radioscopia e tornar os procedimentos
mais seguros, pela maior monitorização de potenciais complicações. A seguir estão descritos, de forma resumida, os
dois métodos que auxiliam de forma significante a realização do procedimento e que são utilizados, rotineiramente,
em todos os casos de nosso Serviço.
Sistemas de mapeamento eletroanatômico
Os métodos de mapeamento eletroanatômico permitem a
construção virtual da câmara cardíaca em interesse por meio
do sistema com campo eletromagnético (CARTO, Biosense
Webster, Inc., Estados Unidos) ou campo de impedância (EnSIte NavX, St. Jude Medical, Inc., Estados Unidos).38 A geometria adquirida apresenta alta acurácia em relação à anatomia real de determinado paciente, permitindo que o procedimento seja realizado com maior precisão e menor exposição
à fluoroscopia. Diferentes formas de mapas podem ser adquiridas, como voltagem, ativação e eletrogramas atriais complexos e fragmentados. O mapeamento de voltagem permite
definir áreas de baixa voltagem (< 0,1 mV), sendo utilizados
para avaliar o “abatimento” da voltagem na região submetida ao isolamento circunferencial das veias pulmonares, como
demonstrado nas Figuras 10 e 11.19 A Figura 11 também demonstra a capacidade de acoplar imagens anatômicas com
alta resolução a partir da angiografia do átrio esquerdo pela
ressonância nuclear magnética ou pela tomografia computadorizada.
Ecocardiografia intracardíaca
A ecocardiografia intracardíaca é ferramenta útil na ablação da fibrilação atrial, sendo rotineiramente utilizada em
nossa instituição.39,40 As principais utilidades são: visualização e auxílio da punção transeptal (Figura 12); definição da
anatomia do átrio esquerdo; relações anatômicas, como, por
exemplo, posição do esôfago (Figura 13), número de veias
pulmonares e relação da veia pulmonar superior esquerda e
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auriculeta; monitorização de complicações durante o procedimento, como, por exemplo, formação de microbolhas, trombo e derrame pericárdico; e verificação da correta posição
dos cateteres (Figura 14).
COMPLICAÇÕES
Complicações relacionadas com a ablação da fibrilação
atrial têm sido relatadas em até 6%.41,42 Além das correlacionadas com o procedimento convencional (como, por exemplo, hematoma local, pseudo-aneurisma e fístula arteriovenosa), podem surgir, do resultado de injúria direta a estruturas cardíacas, injúria térmica a estruturas vizinhas extracardíacas e tromboembolismo.
O tamponamento cardíaco tem sido relatado em até 6%
dos procedimentos (Figura 15).12 A utilização do ecocardiograma intracardíaco, assim como a redução da potência usada para a ablação por radiofreqüência, têm tornado o diagnóstico mais rápido e reduzido a incidência dessa complicação para menos de 1%.43 A lesão de nervo frênico é geralmente transitória, com recuperação global ou parcial. Sua
incidência é de 0,5%.12,13
A mais grave e temerosa complicação é a fístula atrioesofágica, que apresenta incidência de 0,05% a 0,25% e mortalidade associada que excede 50%.12 A formação da fístula
tem sido correlacionada com a injúria térmica provocada no
esôfago durante a ablação da parede posterior do átrio esquerdo. A monitorização da temperatura esofágica e a redução da potência nas regiões próximas ao esôfago são medidas preventivas essenciais.
A estenose de veia pulmonar ainda é uma complicação
importante, com incidência de 1% a 10%.44 A realização de
ablações mais antrais, a adequada definição angiográfica e
ecocardiográfica do óstio de cada veia pulmonar e a maior
experiência do operador são fatores associados à redução da
estenose de veia pulmonar.
Tem sido relatada incidência de tromboembolismo de até
7%.12 A formação de trombo pode ser detectada precocemente
pelo ecocardiograma intracardíaco (Figura 16). A realização
de anticoagulação agressiva durante o procedimento (tempo
de coagulação ativado superior a 300 segundos) e o uso de
cateter irrigado têm reduzido a incidência dessa complicação.
As taquiarritmias atriais regulares após ablação de fibrilação atrial apresentam incidência variável e dependente do
método utilizado. Os dois principais mecanismos são a taquicardia atrial focal, por reconexão das veias pulmonares,
ou a taquicardia atrial macrorreentrante, decorrente do blo-
229
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 10. Mapa de voltagem do átrio esquerdo antes e após a ablação. Em A, verifica-se a voltagem normal (> 0,1 mV) do
átrio antes da ablação. Em B, verifica-se a redução significativa da voltagem (< 0,1 mV) após a ablação circunferencial,
correspondendo à presença de isolamento de voltagem de cada veia.
VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita;
VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
queio incompleto em alguma das linhas delineadas durante a
ablação (Figura 17). A incidência dessas arritmias varia de
5% a 25%, podendo cessar espontaneamente ou ser controlada clinicamente nos primeiros seis meses em até 50% dos
pacientes.12,45 Para os casos em que a arritmia persista ou
recorra, indica-se um novo estudo eletrofisiológico e ablação por cateter.
IMPACTO CLÍNICO
A ablação por cateter é uma alternativa segura e efetiva no controle da fibrilação atrial sintomática. Inicialmente utilizada para o tratamento
da fibrilação atrial paroxística, também é, atualmente, indicada para tratar pacientes com fibrilação atrial persistente ou permanente. Nesses pacientes, a técnica de ablação é mais extensa, com
necessidade de realizar maior quantidade de lesões no átrio esquerdo sem haver prejuízo da função atrial após o procedimento.12
Fig. 11. Mapa de voltagem do átrio esquerdo
com acoplamento da imagem da ressonância
magnética do átrio esquerdo (CARTO-MERGE)
para auxiliar no procedimento. Nota-se a baixa
voltagem na região antral das veias pulmonares
após a ablação (coloração vermelha, voltagem
< 0,1 mV).
VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE =
veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia
pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 12. Punção transeptal
guiada pelo ecocardiograma intracardíaco. Verificase o sistema bainha-introdutor-agulha fazendo uma
imagem em tenda na membrana da fossa oval antes
da punção. Na imagem à
direita, observa-se a ponta
da agulha no átrio esquerdo (seta branca) após a realização da punção. AE =
átrio esquerdo; Ao = aorta; BIA = sistema bainha-introdutor-agulha; FO = membrana da fossa oval.
Alguns estudos têm demonstrado importante impacto clínico, não só no controle sintomático e na melhora da qualidade de vida como também na redução da mortalidade.30,46
Nademanee e colaboradores descreveram redução do risco
de morte em pacientes com fibrilação atrial paroxística/persistente e fatores de alto risco para evento tromboembólico
que mantiveram o ritmo sinusal após a ablação guiada por
eletrogramas atriais complexos e fragmentados em comparação com os que recorreram a fibrilação atrial.30,46 Durante
o seguimento médio de 2,3 anos, os pacientes em ritmo sinusal tiveram taxa de mortalidade em cinco anos de 8%, enquanto no grupo com recorrência da fibrilação atrial a taxa
foi de 36% (p < 0,001). Esse estudo também demonstrou que
os pacientes que mantiveram o ritmo sinusal também tiveram menor taxa de acidentes cerebrovasculares em comparação com os pacientes que apresentaram recorrência de fi-
!!
!!
!
Fig. 13. Imagem ecocardiográfica demonstrando a proximidade do esôfago (setas) com a parede posterior do
átrio esquerdo. AE = átrio esquerdo.
Fig. 14. Utilidade do ecocardiograma intracardíaco. Verifica-se o posicionamento do cateter circular no óstio
do tronco que origina as veias pulmonares esquerdas e do cateter terapêutico no antro da veia pulmonar
esquerda durante a realização da ablação circunferencial apresentada na Figura 3.
AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; Ao = aorta; CA = cateter terapêutico; CC = cateter circular; VPIE =
veia pulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda.
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
Fig. 15. À esquerda, imagem adquirida pela ecocardiografia intracardíaca, demonstrando a presença de volumoso
derrame pericárdico. À direita, a imagem demonstra o controle após drenagem por punção subxifóidea.
DP = derrame pericárdico; VD = ventrículo direito.
Fig. 16. Verificação da formação
de trombo (setas) no átrio esquerdo durante procedimento de ablação de fibrilação atrial.
AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; SIA = septo interatrial.
Fig. 17. Mapeamento eletroanatômico demonstrando dois mecanismos diferentes de taquiarritmia atrial, como causa de recorrência após
ablação de fibrilação atrial. À esquerda, um mecanismo focal decorrente de reconexão da veia pulmonar superior direita, sendo demonstrada a ativação mais precoce (inicial, representada pela cor vermelha) e tardia (final, representada
pelas cores azul e púrpura). À direita, taquicardia por reentrada no
átrio esquerdo, utilizando uma descontinuidade na parede anterior direita (incompleta linha na ablação circunferencial das veias pulmonares direitas). Nesse
caso, a região mais precoce da ativação é encontrada pela onda final da ativação, sendo esse ponto de encontro o local crítico
para manutenção da arritmia, ou seja, o istmo.
AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita;
VPSE = veia pulmonar superior esquerda
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Estado atual da ablação da fibrilação atrial
brilação atrial (3% vs. 23%; p < 0,004). Cabe ressaltar que
os pacientes que permaneciam em ritmo sinusal após três
meses da ablação tiveram o anticoagulante oral retirado do
esquema terapêutico, sendo somente reiniciado se houvesse
recorrência da arritmia. O “Catheter Ablation vs Antiarrhythmic Drug Therapy for Atrial Fibrillation” (CABANA) é um
estudo randomizado comparativo entre terapia antiarrítmica
para fibrilação atrial por drogas e ablação por cateter. Esse
estudo foi delineado para compreender grande número de
pacientes e demonstrar se existe benefício na mortalidade
pela ablação por cateter.
PERSPECTIVAS
REFERÊNCIAS
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No futuro, novas técnicas e o aperfeiçoamento das atualmente disponíveis, como navegação robótica e fontes de energia (crioterapia, ultra-som), permitirão um procedimento mais
seguro e mais efetivo, com menor duração. O desenvolvimento de estudos randomizados comparando as terapias farmacológicas com a ablação por cateter será necessário para
definir o impacto da ablação na mortalidade e na suspensão
da medicação antiarrítmica e da anticoagulação com a manutenção do ritmo sinusal.
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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E TRATAMENTO DAS
TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES NA SALA DE EMERGÊNCIA
JOÃO PIMENTA1, JOSÉ MARCOS MOREIRA1, JEFFERSON CURIMBABA1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:236-50
RSCESP (72594)-1721
A ocorrência de taquicardias supraventriculares nas salas de
emergência é freqüente e as decisões diagnósticas e terapêuticas, por vezes, têm que ser assumidas de forma rápida e
segura. Assim, a caracterização de taquicardia por reentrada
nodal atrioventricular, taquicardias usando vias anômalas,
fibrilação/”flutter” atrial e taquicardia atrial ectópica sempre deve ser cogitada pelos médicos plantonistas. Além do
mais, o diagnóstico diferencial entre taquicardias supraventriculares com complexos QRS alargados e taquicardia ventricular é fundamental no ambiente de emergência. Após a
caracterização da arritmia, a escolha da melhor terapêutica é
o passo seguinte. Neste artigo são abordados os principais
tópicos do diagnóstico diferencial entre as taquicardias supraventriculares, principalmente as que se manifestam com
complexos QRS alargados (aberrância por distúrbio da condução intraventricular, como o bloqueio de ramo e as taquicardias com pré-excitação) e a taquicardia ventricular. São
enfatizados os principais meios para caracterizar uma taquicardia supraventricular, como eletrocardiograma com derivação esofagiana e uso de massagem do seio carotídeo. Finalmente, o tratamento mais adequado nas emergências, sempre baseando-se nas evidências mais recentes, também está
revisado, listando os agentes antiarrítmicos mais conhecidos
e suas respectivas indicações e doses.
DIFFERENTIAL DIAGNOSIS AND TREATMENT OF
SUPRAVENTRICULAR TACHYCARDIAS IN THE EMERGENCY ROOM
Supraventricular tachycardia is a common occurrence in the
emergency room, and the diagnostic and therapeutic decisions should be rapidly established. In this way, the characterization of the atrioventricular nodal reentry tachycardia, circus movement tachycardia by using an anomalous atrioventricular pathway, atrial flutter/fibrillation, and ectopic atrial
tachyarrhythmias can always be considered by the on call
staff in the emergency room. Differential diagnosis between
widened QRS supraventricular tachycardias (supraventricular arrhythmias with intraventricular conduction abnormalities, and preexcited ventricular activation complexes), and
ventricular tachycardia is discussed, pointing out to the main
steps to the characterization of ventricular arrhythmias. After the diagnosis of the tachycardia, the better therapeutic
option is emphasized, attempting to the risks of some drugs
in the emergency situation. Finally, several antiarrhythmic
agents are listed with their classes of recommendation, and
their respective dosages.
Key words: arrhythmias; supraventricular tachycardia; emergency; electrocardiography.
Descritores: arritmias; taquicardias supraventriculares; emergências; eletrocardiografia.
1
Serviço de Cardiologia – Hospital do Servidor Público Estadual – São Paulo, SP
Endereço para correspondência:
João Pimenta – Rua das Camélias, 357 – Mirandópolis – São Paulo, SP – CEP 04048-060
236
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
INTRODUÇÃO
A identificação dos mecanismos das taquicardias na era
da eletrofisiologia ficou mais clara com o advento dos mapeamentos endocárdico, epicárdico e eletroanatômico, disponíveis no estudo eletrofisiológico. No entanto, o eletrocardiograma ainda permanece como uma ferramenta importante, senão a única, para orientação diagnóstica das taquicardias nas salas de emergência.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM
TAQUICARDIA COM QRS ESTREITO (< 120 ms)
É importante a análise de cada detalhe da taquicardia, e
as diretrizes da “American Heart Association/American College of Cardiology” sugerem um esquema norteador para
tal finalidade (Figura 1).
Primeiro passo: O ritmo é regular ou irregular?
Na presença de eletrocardiograma com taquicardia com
QRS estreito, o primeiro passo é avaliar a regularidade do
ritmo. Se o mesmo for irregular, as possibilidades diagnósticas são fibrilação atrial, “flutter” atrial, taquicardia atrial com
bloqueio atrioventricular variável ou taquicardia atrial multifocal.
Fibrilação atrial vs. “flutter” atrial vs. taquicardia atrial
com bloqueio atrioventricular variável
O eletrocardiograma de pacientes com fibrilação atrial
demonstra intervalos R-R variáveis e ausência ou discreta
atividade atrial, não havendo grandes dificuldades em seu
diagnóstico (Figura 2). O diagnóstico diferencial a ser feito
será entre “flutter” atrial e taquicardia atrial com bloqueio
atrioventricular variável. Na taquicardia atrial, na maioria
dos casos, a freqüência atrial pode variar de 130 bpm a 250
bpm (Figura 3). A atividade atrial é bem definida na maioria
dos casos, sendo necessário, às vezes, o uso de agentes lentificadores da condução atrioventricular a fim de se manifestar a atividade atrial e elucidar a arritmia1. Em salas de emergência, o emprego da massagem do seio carotídeo é uma
manobra importante, podendo até reverter a arritmia em algumas ocasiões, o mesmo acontecendo com a adenosina. A
taquicardia atrial multifocal exibe ondas P bem definidas e
com morfologias diferentes, enquanto o “flutter” atrial mostra freqüência atrial em torno de 250 bpm a 300 bpm, com
ondas de ativação lembrando um serrilhado (ondas F), sem
linha isoelétrica definida, diferentemente da taquicardia atrial2
(Figura 4).
Segundo passo: As ondas P são visíveis?
A ausência de ondas P bem delineadas no eletrocardiograma e com intervalos R-R regulares leva à suspeita de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, embora em casos de
taquicardia por reentrada atrioventricular usando via anômala
possa haver dificuldade de visualizá-las. Na presença de ondas P
visíveis faz-se necessária a verificação da relação das freqüências atrial e ventricular.
Terceiro passo: Freqüência
atrial maior que a ventricular?
A resposta positiva aponta para
“flutter” atrial ou taquicardia atrial. Se a freqüência atrial for semelhante à ventricular, nova pergunta
deve ser feita e avaliada.
Fig. 1. Seqüência para diagnóstico diferencial para taquicardia com QRS estreito.
AV = atrioventricular; TAM = taquicardia atrial multifocal; TRAV = taquicardia por
reentrada atrioventricular; TRNAV = taquicardia por reentrada nodal atrioventricular.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
Quarto passo: Relação entre os
intervalos RP’ e PR
Intervalo RP’ menor que PR?
A resposta positiva nos leva
237
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 2. Fibrilação atrial paroxística. Traçados contínuos na
derivação II de uma paciente com episódios de palpitação.
Observar variação dos intervalos R-R e ausência de onda P,
e comparar, quando em ritmo sinusal, no início e no final do
episódio.
aos possíveis diagnósticos de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular e taquicardia atrial. Se a onda P não é visível ou se existe
presença de atividade atrial aparente com intervalo R-R regular, o mecanismo mais comum é o de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. A onda P, algumas vezes, pode
se sobrepor ao QRS, demonstrando pseudo R em V1 e/ou
pseudo S nas derivações inferiores. Tal achado é característico de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular que,
em geral, apresenta intervalo RP’ < 70 ms3 (Figura 5 A e B).
Uma onda P que se interpõe no segmento ST com intervalo
RP’ > 70 ms geralmente denota taquicardia por reentrada
atrioventricular (Figura 6A). A possibilidade de taquicardia
atrial é remota, embora possa ocorrer taquicardia com intervalo PR muito prolongado, principalmente quando há ação
de agentes depressores da condutibilidade atrioventricular.
Intervalo RP’ maior que PR?
Essa situação sugere o diagnóstico provável de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular atípica, taquicardia
juncional reciprocante (taquicardia mediada por uma via acessória com condução retrógrada lenta) ou taquicardia atrial.
Taquicardia atrial vs. taquicardia por reentrada
nodal atrioventricular/taquicardia por reentrada
atrioventricular
Uma característica comum da taquicardia atrial é a presença de intervalo RP’ longo e PR normal ou ligeiramente
prolongado, diferentemente de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia por reentrada atrioventricular, que apresentam intervalo RP’ curto e PR longo. Algumas vezes, porém, a taquicardia atrial apresenta intervalo
RP’ curto, dependendo da freqüência cardíaca ou da velocidade de condução intranodal atrioventricular, já que a atividade atrial se inscreve sobre o segmento ST-T e, em alguns
casos, é impossível identificar a onda P, o que dificulta essa
238
Fig. 3. Taquicardia atrial ectópica. Manifestação eletrocardiográfica de taquicardia atrial ectópica com distúrbio da
condução tipo bloqueio do ramo direito. Notar ondas P nítidas na maioria das derivações. A reversão para ritmo sinusal
encerra o diagnóstico.
análise. Nesses casos, a observação da variação desse intervalo sugere a possibilidade de taquicardia atrial, uma vez
que essa relação é constante nas outras duas entidades e variável na taquicardia atrial. Contudo, no momento da indução de uma taquicardia por reentrada nodal atrioventricular
ou taquicardia por reentrada atrioventricular, o intervalo PR
tal como a morfologia dos complexos QRS pode exibir pequenas variações, com padrões de bloqueio de ramo4-6. A
análise do eixo da onda P é um dado extremamente útil, pois
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 4. “Flutter” atrial. Traçado eletrocardiográfico de “flutter” atrial comum.
Notar ondas “F” negativas em II, III,
aVF (“flutter” atrial anti-horário), com
ausência de linha isoelétrica entre essas ondas.
Fig. 5. Taquicardia por reentrada nodal
atrioventricular. A, B e C são traçados
de um mesmo paciente durante avaliação eletrofisiológica. Em A, durante ritmo sinusal. Em B, taquicardia regular
com QRS estreito, notando-se pseudo S
em II, III e aVF, bem como pseudo R em
V1, achados característicos de ativação
atrial retrógrada durante taquicardia por
reentrada nodal atrioventricular. Em C,
mesma taquicardia com aberrância de
condução intraventricular, tipo bloqueio
do ramo direito.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
239
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 6. Taquicardia supraventricular
por reentrada atrioventricular. Em A,
traçado eletrocardiográfico exibindo
taquicardia com QRS estreito, com
entalhe no segmento ST visível em II,
III e aVF, com intervalo RP > 70 ms,
característicos de taquicardia por reentrada atrioventricular. Em B, ritmo
sinusal após reversão para observar
presença de onda delta, padrões eletrocardiográficos típicos da síndrome
de pré-excitação.
a presença de orientação craniocaudal da ativação atrial (onda
P positiva em derivações inferiores) demonstra origem no
átrio direito alto, descartando a presença de taquicardia por
reentrada nodal atrioventricular. Já uma onda P com orientação caudocranial (negativa nas derivações inferiores) pode
indicar taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular ou taquicardia atrial
provenientes de região próxima ao seio coronariano ou de
estruturas próximas ao anel atrioventricular7. Há de se ressaltar que a taquicardia por reentrada nodal atrioventricular
atípica e a taquicardia juncional reciprocante, também denominada taquicardia de Coumel, podem apresentar intervalo
RP’ longo (Figura 7). Esta última apresenta onda P negativa
em derivações inferiores, é mais comum em jovens e se manifesta, na maioria das vezes, de forma incessante8.
Taquicardia atrial vs. taquicardia sinusal inapropriada
Muitas vezes é difícil a diferenciação entre essas
duas entidades, uma vez que focos ectópicos localizados na porção superior da “crista terminalis” podem
240
apresentar ondas P com morfologia, senão igual, semelhante à do ritmo sinusal. Um início e término súbitos bem como manifestação em “rajadas” favorece o
diagnóstico de taquicardia atrial, enquanto a taquicardia sinusal inapropriada aumenta ou decresce sua freqüência de forma progressiva, em um espaço de tempo
entre 30 segundos e vários minutos 9,10.
Uso de fármacos ou massagem do seio carotídeo
A resposta ao uso intravenoso de adenosina pode auxiliar
na elucidação do mecanismo de uma taquicardia. Por ser um
agente de ação específica sobre o nódulo atrioventricular,
uma interrupção rápida pode ser encontrada em taquicardia
por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular, reentrada sinusal e em alguns casos de
taquicardia atrial focal. Já o término gradual com reaceleração da taquicardia é visto em taquicardia juncional não paroxística, taquicardia atrial focal, e taquicardia sinusal. A
adenosina também pode “desmascarar” arritmias supraventriculares com condução 1:1, induzindo a bloqueio atriovenRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 7. Taquicardia supraventricular com QRS estreito com
RP’ longo. Eletrocardiograma
demonstrando taquicardia
regular com QRS estreito e
intervalo RP’ longo (RP’ > PR),
típico de taquicardia de Coumel
(taquicardia mediada por via
acessória com condução
retrógrada lenta). Notar a
morfologia das ondas P
negativas em II, III e F.
tricular de grau avançado, tornando evidente a ativação atrial, demonstrando taquicardia atrial ou “flutter” atrial. Finalmente, a ausência de resposta à adenosina pode significar
dose inadequada, taquicardia ventricular fascicular ou originando na região septal alta11,12.
Não se deve esquecer de que a interrupção espontânea ou
induzida de taquicardia supraventricular com registro de préexcitação ventricular (onda delta) no eletrocardiograma de repouso identifica a síndrome de pré-excitação (Wolff-ParkinsonWhite) (Figura 6B).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM TAQUICARDIA
COM QRS LARGO (> 120 ms)
A diferenciação entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular é extremamente importante no que se
refere ao tratamento dispensado a pacientes que apresentem
taquicardia com QRS alargado, pois taquicardia ventricular
erroneamente tratada como taquicardia supraventricular pode
levar a graves conseqüências, como o colapso cardíaco. Dessa
maneira, se o diagnóstico de uma taquicardia não pode ser
firmado como taquicardia supraventricular, a mesma deve
ser tratada como taquicardia ventricular. Daí a importância
de elementos eletrocardiográficos na diferenciação dessas
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
duas entidades13,14.
As taquicardias com QRS largo podem ser divididas em
três categorias:
1. taquicardia supraventricular com aberrância de condução
intraventricular (presença de bloqueio de ramo);
2. taquicardia supraventricular com condução atrioventricular por via acessória;
3. taquicardia ventricular.
Taquicardia supraventricular com aberrância de
condução intraventricular
O bloqueio de ramo pode ser preexistente à arritmia ou
ser decorrente da refratariedade de um ramo do feixe de His
à elevação da freqüência cardíaca, podendo ser tanto relacionado com a freqüência quanto com o ciclo longo-curto no
início da taquicardia (Figura 5C). Se o bloqueio for relacionado com taquicardia ortodrômica por via acessória, nota-se
um alentecimento da freqüência quando a via acessória é
ipsilateral15,16.
Taquicardia supraventricular com condução
atrioventricular por via acessória
Taquicardia supraventricular mediada por via acessória
pode ocorrer na vigência de várias arritmias, tais como fibri-
241
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
lação atrial, “flutter” atrial, taquicardia atrial, taquicardia por
reentrada nodal atrioventricular e condução anterógrada por
via acessória. Nesse caso, a condução se faz anterogradamente pela via acessória e retrogradamente pelo nódulo atrioventricular, ou por outra via acessória, dependendo da forma da taquicardia17. É bom lembrar que episódios taquicárdicos que apresentem bloqueio de ramo esquerdo podem representar condução por via acessória atriofascicular, nodofascicular ou nodoventricular, sendo, portanto, supraventricular com aberrância de condução usando via anômala18. Um
problema crítico para o médico plantonista é a ocorrência de
fibrilação atrial com condução anterógrada por via acessória, que pode mimetizar uma taquicardia ventricular. A diferenciação se dá pela observação da variação tanto dos intervalos R-R como da morfologia dos complexos QRS, diferentemente da taquicardia ventricular monomórfica, que se
apresenta de modo regular e sem variação na morfologia dos
complexos QRS (Figura 8).
para diferenciação de taquicardia ventricular e taquicardia
supraventricular, sendo mesmo assim difícil o diagnóstico
diferencial, na maioria das vezes, na sala de emergência.
– Dissociação atrioventricular: Embora seja discernida em
apenas 30% dos casos de taquicardia ventricular, quando
presente, é o critério mais importante. A presença de complexos de fusão denota impulso sinusal despolarizando os
ventrículos simultaneamente com a ativação ventricular ectópica durante a dissociação atrioventricular. Quando ocorrer um batimento caracteristicamente supraventricular durante o episódio, é sinal patognomônico de taquicardia ventricular. A busca de batimentos atriais deve ser intensa no
intuito de se reconhecer dissociação atrioventricular, mas nem
sempre é possível identificá-las. Nesses casos, mesmo na sala
de emergência, o eletrograma esofágico pode ser útil (Figura
9).
– Duração da ativação ventricular: Taquicardia com morfologia de bloqueio do ramo direito e QRS > 0,14 s, bem
como padrão de bloqueio do ramo esquerdo e QRS > 0,16 s,
Taquicardia ventricular
sugerem fortemente diagnóstico de taquicardia ventricular.
Vários critérios eletrocardiográficos têm sido descritos No entanto, tal critério não é útil em pacientes que apresentem bloqueio de ramo prévio, em pacientes
que apresentem condução por via acessória
ou em pacientes que usem antiarrítmicos do
grupo Ia ou Ic.
– Configuração do complexo QRS: As derivações V1 e V6 são importantes nessa avaliação. Intervalo RS > 0,10 s (do início de R ao
nadir do S) em qualquer derivação precordial
é altamente sugestivo de taquicardia ventricular (Figura 10). Padrão de QRS negativo
concordante nas derivações precordiais também é sugestivo de taquicardia ventricular, enquanto QRS positivo concordante não exclui
a presença de condução por via acessória póstero-septal esquerda. Complexos QR indicam
a presença de cicatriz miocárdica e estão presentes em 40% dos pacientes que sofreram
infarto agudo do miocárdio. Um histórico de
infarto agudo do miocárdio prévio e a primeira
manifestação da taquicardia com QRS largo
indicam fortemente o diagnóstico de taquicardia ventricular19-21.
Fig. 8. Fibrilação atrial com pré-excitação. Ritmo taquicárdico com comTRATAMENTO DAS TAQUIARRITMIAS
plexos QRS alargados e ritmo irregular de um paciente portador de préSUPRAVENTRICULARES
excitação. Observam-se diferentes morfologias dos complexos QRS, inclusive um batimento com propriedades de pré-excitação (V2 e V3, segundo
Inicialmente devem ser observados sinais
batimento da esquerda para a direita), características de ritmo de fibrilação
vitais, suplementação de oxigênio, monitoriatrial em portador de pré-excitação.
242
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 9. Taquicardia ventricular. Observar diferentes
morfologias de complexos QRS, alguns mais estreitos,
sugerindo batimentos de captura e fusão. O uso de derivação esofagiana para incrementar a visibilização das
ondas P indica a presença de complexos QRS supraventriculares puros (segundo complexo QRS, estreito,
da direita para a esquerda, no traçado longo) e batimentos mistos, indicando batimentos de captura e fusão, padrão somente registrado em taquicardia ventricular.
zação cardíaca com monitor acoplado ao cardioversor, obtenção de acesso venoso calibroso, e, por fim, se o paciente
estiver estável, obtenção de eletrocardiograma de 12 derivações com aparelho que registre três derivações simultâneas e
com derivação D2 longa. Artifícios para ampliar o potencial
da ativação atrial podem ser usados, como a derivação esofagiana, simples de ser obtida, ficando na dependência da
vontade do médico socorrista e do tempo que ele dispõe até
decidir pela intervenção terapêutica.
É importante lembrar que não se deve tratar o eletrocardiograma e sim o paciente como um todo, evitando-se, assim, erros primários e fatais.
O conceito de instabilidade hemodinâmica não se refere
apenas à pressão arterial. Dor torácica, sonolência, distúrbio
de comportamento, dispnéia, dor precordial, tontura, congestão pulmonar ou outros sinais de choque devem ser acrescentados ao diagnóstico de paciente instável. Nesses casos,
a freqüência cardíaca geralmente excede 150 bpm; se, porventura, for < 150 bpm mas com sinais de instabilidade, devese procurar outras causas ou presença de cardiopatia subjacente.
O paciente instável deve ser prontamente submetido a
cardioversão elétrica com liberação de energia de forma sincronizada ao complexo QRS, evitando a possibilidade de
choque durante período refratário relativo, chamado de “período vulnerável”, que pode produzir taquicardia ventricular. A quantidade de energia liberada na cardioversão elétrica sincronizada é menor que na não sincronizada. A utilização de cardioversão elétrica sincronizada está indicada em
pacientes com arritmias tais como taquicardia por reentrada
nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
Fig. 10. Taquicardia ventricular com avaliação de rS em V1
> 100 ms. Traçado de eletrocardiograma com derivações
periféricas I, II, F e V1 simultaneamente com intracavitárias
em átrio direito alto e ventrículo direito. Observar que a duração do início da onda “r” em V1 até o pico negativo da
onda S é de aproximadamente 160 ms, muito característico
de taquicardia ventricular.
AD = átrio direito; VD = ventrículo direito.
cular, fibrilação atrial, e “flutter” atrial. Na fibrilação atrial,
recomendam-se choques iniciais de 100 J a 200 J monofásicos ou de 100 J a 120 J bifásicos, já que no “flutter” atrial e
outras taquicardias supraventriculares pode-se iniciar com
energias menores (50 J a 100 J).
A cardioversão elétrica geralmente não é eficaz na taquicardia juncional e na taquicardia atrial multifocal, podendo
até acelerar tais arritmias, sendo por este motivo evitada. Choques com energias baixas também podem acelerar uma taquiarritmia.
No paciente estável, dispõe-se de tempo para se obter e
analisar o eletrocardiograma de 12 derivações, e determinar
243
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
o melhor tratamento após o diagnóstico. Não se deve administrar mais que dois antiarrítmicos, pela maior ocorrência
de efeitos pró-arrítmicos, muitas vezes fatais. Em caso de
não haver reversão, optar por cardioversão elétrica ou refazer diagnóstico. A adenosina, por sua exígua meia-vida, não
está entre os dois antiarrítmicos possíveis. Genericamente,
podem-se considerar taquicardias regulares aquelas com QRS
estreito ou largo e irregulares, aquelas com QRS estreito ou
largo.
Nas taquicardias com intervalos R-R regulares e com QRS
estreito inicia-se tratamento com manobra vagal seguido, se
necessário, de adenosina e medicamentos que diminuem a
condutibilidade pelo nódulo atrioventricular, quando se tratar de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia por reentrada atrioventricular. Nas regulares com
QRS largo, afastada a possibilidade de taquicardia ventricular, faz-se o diagnóstico de taquicardia supraventricular com
aberrância de condução anterógrada, com bloqueio de ramo
ou por uma via anômala (forma antidrômica). Nessas situações, opta-se por adenosina ou cardioversão elétrica sincronizada. Não sendo possível descartar taquicardia ventricular
é prudente conduzir o tratamento como de origem ventricular, utilizando amiodarona por via endovenosa ou cardioversão elétrica sincronizada.
Nas taquicardias com intervalos R-R irregulares e QRS
estreitos, por se tratar mais freqüentemente de fibrilação atrial,
“flutter” atrial ou taquicardia atrial multifocal, muitas vezes
a primeira abordagem será o controle da freqüência cardíaca
ou a remoção de causas subjacentes, sobretudo na taquicardia atrial multifocal, e posteriormente reversão se estiver
dentro de um tempo seguro em relação ao risco de fenômeno
tromboembólico. Nas irregulares com QRS largo, deve-se
dar atenção especial às taquicardias pré-excitadas, principalmente a fibrilação atrial com condução anterógrada usando
via acessória, à utilização de fármacos que bloqueiam o nódulo atrioventricular, que podem aumentar muito a resposta
ventricular com grave repercussão hemodinâmica, e até morte
por arritmia ventricular tem contra-indicação absoluta22. Em
tal situação preconiza-se utilização de cardioversão elétrica
sincronizada ou medicamentos que atuem na via acessória
(amiodarona, procainamida, sotalol).
O tratamento e o manejo das taquiarritmias são bem demonstrados pelo algoritmo de taquiarritmia do ACLS23 e pelas
diretrizes do “American College of Cardiology/American Heart Association/European Society of Cardiology” (ACC/
AHA/ESC) de tratamento da taquicardia supraventricular
(Figuras 1 e 11).
A seguir estão listadas as principais taquiarritmias com
seus respectivos tratamentos. As classes e doses dos medica-
244
mentos estão apresentados na Figura 12.
Extra-sístoles atriais
Raramente são causa de procura da sala de emergência. As
causas provocativas mais freqüentes incluem café, fumo, álcool, estresse, prolapso valvar mitral, doença pulmonar obstrutiva
crônica, insuficiência cardíaca congestiva de qualquer origem,
e infarto agudo do miocárdio, principalmente quando associado a comprometimento atrial. Em pacientes sintomáticos, após
serem excluídos os principais fatores desencadeantes não-cardíacos, podem ser utilizados fármacos como betabloqueadores
ou, mais raramente, amiodarona e propafenona.
Taquicardia sinusal
Usualmente ocorre em resposta a um estímulo fisiológico ou fator compensatório. Deve sempre pesquisar hábitos
como ingesta de álcool e café, uso de cigarros, cocaína ou
outras drogas, ansiedade, presença de febre, desidratação ou
doenças como doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertireoidismo e insuficiência cardíaca congestiva. Retirar o agente causador e tratar a doença de base responsável.
Taquicardia sinusal inapropriada
Trata-se de uma taquicardia patológica, ou seja, inapropriada para o nível de atividade realizada. O tratamento é
predominantemente dirigido pelos sintomas. Os betabloqueadores constituem medicamentos de primeira linha, seguidos dos bloqueadores dos canais de cálcio e outros antiarrítmicos. Raramente será uma arritmia vista na emergência, por
não ser paroxística.
Taquicardia juncional focal
Há poucos estudos sobre a terapêutica farmacológica
dessa entidade. Apresenta alguma resposta aos betabloqueadores, sendo a flecainida (não disponível no Brasil) intravenosa descrita como tratamento de escolha.
Taquicardia juncional não-paroxística
Procurar anormalidades adjacentes (intoxicação digitálica). Os betabloqueadores e os bloqueadores de canal cálcio
podem reverter a taquicardia11.
Fibrilação atrial
A classificação de fibrilação atrial pelo padrão temporal,
dentre os vários tipos existentes, é a mais adequada, por apresentar implicações terapêuticas muito claras. Assim, tem-se:
– fibrilação atrial inicial – primeira manifestação;
– fibrilação atrial crônica – recorrência de arritmia, podendo
se apresentar em três formas distintas:
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 11. Caracterização da taquicardia supraventricular na emergência para escolha do tratamento adequado. Orientações
seqüenciais para caracterizar uma taquicardia supraventricular e escolher a melhor forma de tratamento na sala de emergência.
CVE = cardioversão elétrica; ECG = eletrocardiograma; FA = fibrilação atrial; FLA = “flutter” atrial; TAM = taquicardia
atrial multifocal; TJ = taquicardia juncional; TRN = taquicardia por reentrada nodal; TRNAV = taquicardia por reentrada
nodal atrioventricular; TSV = taquicardia supraventricular; TV = taquicardia ventricular; WPW = Wolff-Parkinson-White.
1. fibrilação atrial paroxística – episódios recorrentes com
duração inferior a sete dias, geralmente com reversão espontânea;
2. fibrilação atrial persistente – episódio sustentado, porém
passível de reversão química ou elétrica;
3. fibrilação atrial permanente – arritmia sustentada, mesmo
com tentativa de reversão.
O manejo da fibrilação atrial deve ser focado no controle
da freqüência cardíaca ou no restabelecimento do ritmo. A
monitorização da freqüência cardíaca pode ser direcionada
no sentido de: abordar o paciente instável, que deve ser pronRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
tamente submetido a cardioversão elétrica; apenas controlar
os sintomas produzidos pela resposta ventricular elevada; e
monitorar a freqüência cardíaca enquanto se avalia a necessidade ou momento oportuno de reversão do ritmo. O restabelecimento do ritmo deve ser indicado dependendo da situação, tendo em vista a estratificação de risco para fenômeno
tromboembólico. Deve-se ter em mente que além da arritmia há como fator complicador a possibilidade de fenômeno
tromboembólico, que aumenta quando o evento ocorre em
intervalo superior a 48 horas e em pacientes com fatores de
risco (insuficiência cardíaca congestiva, fenômeno trombo-
245
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
Fig. 12. Orientação terapêutica da taquicardia supraventricular. Entre parênteses estão a classe e o grau de recomendação. A adenosina deve
ser usada com cautela quando o diagnóstico não é claro,
porque pode provocar fibrilação ventricular em pacientes
com taquicardia pré-excitada24,25.
CVE = cardioversão elétrica;
ICC = insuficiência cardíaca
congestiva; TSV = taquicardia supraventricular; TV = taquicardia ventricular.
Adaptado de Blonstrom-Lundqvist e colaboradores.1
embólico prévio, valvopatias, hipertensão arterial sistêmica,
diabetes melito, idade superior a 65 anos). Dessa forma, devese seguir os seguintes protocolos, visto que há redução substancial da ocorrência de fenômeno tromboembólico26,27:
Protocolo 1
Pacientes com fibrilação atrial com duração inferior a 48
horas e sem fatores de risco. Tem-se a opção de cardioversão
elétrica sincronizada com energia inicial de 100 J a 200 J,
aumentando, se necessário, de 100 J em 100 J até atingir 360
J ou cardioversão química, com preferência para o uso de
amiodarona e propafenona e posterior introdução de antiarrítmico para prevenção de recorrência.
Protocolo 2
Pacientes com fibrilação atrial com duração inferior a 48
horas com fatores de risco ou aqueles com duração superior
a 48 horas. Nesses casos, como há maior chance de haver
trombo intracavitário com possível ocorrência de fenômeno
tromboembólico após reversão do ritmo, necessita-se de profilaxia com uso de heparina e varfarina. Tal profilaxia deve
ser realizada da seguinte maneira:
1. Anticoagulação imediata com heparinização endovenosa:
5.000 UI em bolo e 1.000 UI/hora com bomba de infusão,
ajustando-se a dose para manter tempo de tromboplastina
parcial ativada em 1,5 vez a 2 vezes o valor basal ou com
246
enoxaparina em dose plena (1 mg/kg duas vezes por dia).
2. Introdução de anticoagulante oral: varfarina por via oral,
na dose de 5 mg/dia, podendo variar de acordo com condições clínicas, idade e doenças associadas, deixando a Razão
Normalizada Internacional (RNI) entre 2 e 3 por quatro semanas e posteriormente retornando para cardioversão elétrica sincronizada ou química. Tem-se como opção a realização de ecocardiograma transesofágico, a fim de se abreviar
o tempo de anticoagulação prévia à reversão. Dessa forma,
realiza-se ecocardiograma transesofágico com 24 a 48 horas
de heparinização, com tempo de tromboplastina parcial ativada terapêutico. Se não houver trombo intracavitário:
– cardioversão imediata (química ou elétrica);
– introdução de antiarrítmico para prevenção de recorrência;
– alta hospitalar com níveis terapêuticos de RNI (geralmente
ao redor do quarto ou quinto dia), mantendo-se o anticoagulante oral por mais quatro semanas ou indefinidamente, de acordo com a cardiopatia de base e/ou as condições clínicas;
– acompanhamento em ambulatório específico;
– suspensão da heparina ao se atingir RNI terapêutico.
Obs.: a presença de contraste espontâneo não impede a cardioversão, exceto se em quantidade tal que impeça a adequada visibilização intracavitária, especialmente do apêndiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
ce atrial esquerdo.
Na presença de trombo intracavitário:
– alta hospitalar;
– reinternação após uso de anticoagulante oral por quatro
semanas com RNI terapêutico;
– cardioversão e manutenção do anticoagulante oral por quatro semanas ou indefinidamente (ver item anterior).
Obs.: Novo ecocardiograma transesofágico não é obrigatório antes da cardioversão, com análise individual de cada
caso.
Tal esquema de profilaxia para fenômeno tromboembólico é demonstrado na Figura 13.
Reversão para ritmo sinusal
Na reversão para ritmo sinusal podem ser utilizados amiodarona, propafenona e sotalol, cujos níveis de recomendação e evidência estão apresentados na Figura 12.
Controle da freqüência cardíaca
No controle da freqüência cardíaca podem ser utilizados
diltiazem28, betabloqueadores24,
magnésio25 e digitálicos.
“Flutter” atrial
Pode-se optar por reversão da
taquiarritmia ou controle da freqüência cardíaca, dependendo do
tempo de instalação da arritmia e
da estabilidade do paciente. Deve
ser utilizado o mesmo protocolo
de anticoagulante oral utilizado
na fibrilação atrial.
Reversão
– Cardioversão elétrica: pode
ser o tratamento de escolha, com
cargas inferiores a 50 J, usando
choque bifásico ou com menores
energias com choque bifásico.
– Estimulação atrial (estimulação esofágica ou atrial invasiva): caso haja risco anestésico
para o paciente, pode-se optar
pela realização de estimulação
cardíaca endocárdica atrial ou indiretamente via esôfago, com freqüências de estimulação 10% a
20% acima da freqüência atrial do
“flutter”.
– Ibutilide (não disponível no
Brasil): eficácia satisfatória, mas
com risco de pró-arritmia.
– Sotalol: menos efetivo que ibutilide, com risco de aumento do intervalo QT e possibilidade de arritmias malignas.
Controle de resposta ventricular
Podem ser utilizadas as doses habituais de betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, digoxina e amiodarona, porém raramente é obtido controle satisfatório.
Taquicardia atrial ectópica
Terapêutica medicamentosa não muito eficaz.
Manobra vagal
Pode reverter arritmia em raras situações.
Adenosina
Pode reverter algumas taquicardias.
Betabloqueadores e verapamil
Podem reverter arritmias cujo mecanismo seja microrreentrada ou atividade deflagrada.
Digoxina
Lanatosídeo C ou digoxina após afastar intoxicação digi-
Fig. 13. Orientação para anticoagulação em pacientes com arritmias a serem revertidas
para ritmo sinusal.
ACo = anticoagulante oral; CV = cardioversão; DM = diabetes melito; ETE = ecocardiograma transesofágico; EV = via endovenosa; FA = fibrilação atrial; FR = fator de risco;
FTE = fenômeno tromboembólico; HAS = hipertensão arterial sistêmica; HBPM = heparina de baixo peso molecular; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; RNI = Razão
Normalizada Internacional; TTPA = tempo de tromboplastina parcial ativada.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
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PIMENTA J e cols.
Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência
tálica, 0,5 mg por via endovenosa, podendo a dose ser repetida após 15 minutos.
Amiodarona
Dose de 150 mg a 300 mg em 200 ml de solução glicosada,
gotejando durante uma hora. Pode provocar dor e causar flebite, com perda de permeabilidade da veia para uso futuro.
Cardioversão elétrica
Método de preferência nos casos de comprometimento
hemodinâmico ou insucesso com fármacos, utilizando-se cargas entre 100 J e 200 J.
Taquicardia por reentrada nodal atrioventricular
Estimulação vagal (manobra de Valsalva, compressão do seio
carotídeo, tosse, mergulhar face na água gelada)
Como a taquicardia, em geral, é bem tolerada, tentam-se
inicialmente essas manobras, cuja taxa de reversão é de 20%
a 25%.
Adenosina
Tratamento de escolha, se não houver resposta à manobra vagal. A dose inicial é de 6 mg por via endovenosa, em bolo, em infusão rápida, seguida de 20 ml em
“flush” salino e elevação do braço. Não havendo reversão em 1 a 2 minutos, devem ser administrados 12
mg por via endovenosa, em bolo. Esse medicamento é
seguro, com reversão mais rápida e com menos efeitos
colaterais que os bloqueadores dos canais de cálcio.
Efeitos colaterais como rubor, dispnéia e dor torácica
são comuns e frustros. Deve ser utilizado com cautela
em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e coronariopatia grave.
Verapamil
Deve ser utilizado em caso de falha na reversão com adenosina, exceto em pacientes hipotensos, com insuficiência
cardíaca congestiva e taquicardia com QRS largo. A dose
deve ser de 2,5 mg a 5 mg por via endovenosa em 2 minutos
(3 minutos nos idosos), podendo ser administrada dose de 5
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mg a 10 mg após 15 a 30 minutos se não houver reversão.
Durante infusão do fármaco pode-se fazer manobra vagal, a
fim de se otimizar a terapêutica.
Diltiazem
A dose deve ser de 15 mg a 20 mg (0,25 mg/kg) por 2
minutos. Se necessário, administrar 20 mg a 25 mg (0,35
mg/kg) em 15 minutos. Infusão de manutenção: 5 mg/hora a
15 mg/hora.
Metoprolol
A dose deve ser de 5 mg a cada 5 minutos, até 15 mg.
Deve-se ter cautela em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e insuficiência cardíaca congestiva.
Amiodarona
A dose inicial deve ser de 150 mg por 10 minutos, seguida de infusão de 1 mg/min por 6 horas e manutenção de 0,5
mg/min por 18 horas. Em arritmias refratárias, deve ser administrada dose suplementar de 150 mg a cada 10 minutos.
A dose total deve ser de 2,2 g. Pode ocorrer hipotensão e
flebite, caso o fármaco seja administrado por vários dias.
Indicado em pacientes cardiopatas, sobretudo com insuficiência cardíaca congestiva.
Taquicardia por reentrada atrioventricular usando via
anômala acessória
Manobra vagal
Inicialmente sempre deve ser tentada.
Adenosina
Igual à reentrada nodal atrioventricular.
Propafenona
Deve ser administrada dose de 1 mg/kg a 2 mg/kg de
peso, por via endovenosa, em bolo.
Digitálicos e verapamil
Estão contra-indicados, pois, em caso de fibrilação atrial, dificultam a condução atrioventricular, acelerando a resposta ventricular, com possibilidade de indução de fibrilação ventricular.
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CARTA DO EDITOR CONVIDADO
Arritmias Ventriculares
As arritmias cardíacas de origem ventricular apresentam espectro clínico bastante amplo. Ocorrem
em indivíduos de todas as idades, com ou sem doenças cardíacas e com manifestações clínicas diversas.
A apresentação eletrocardiográfica mais comum é a extra-sístole ventricular monomórfica de ocorrência
esporádica. Já, as taquicardias ventriculares não-sustentadas ou sustentadas são raras, mas quando presentes
freqüentemente provocam sintomas que variam de palpitações taquicárdicas a síncopes. Sabe-se desde
há muito tempo que as arritmias ventriculares são a causa mais importante de morte de súbita de origem
cardíaca. Nos últimos anos, após a conclusão de importantes ensaios clínicos, houve avanço considerável
no reconhecimento dos mecanismos das arritmias ventriculares, das condições clínicas que predispõem
a sua ocorrência, assim como no esclarecimento do papel das medidas terapêuticas utilizadas para seu
controle. Assim, este é um momento oportuno para a revisão do diagnóstico e tratamento das principais
condições clínicas que predispõem à morte súbita por arritmias ventriculares, assim como do
reconhecimento de situações benignas que podem ser confundidas com essas condições. Para isso,
convocamos reconhecidos especialistas da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo para atualizar
nossos conceitos diante dessas novas informações.
O dr. Márcio Figueiredo aborda as principais síndromes clínicas geneticamente determinadas,
associadas a morte súbita arrítmica em indivíduos com coração aparentemente normal. O dr. Eduardo
Costa e colaboradores revisam o diagnóstico diferencial e as indicações terapêuticas atuais de pacientes
com extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas. As dras. Denise Hachul e Luciana Matos
discutem o tema das arritmias ventriculares em atletas, que sempre requerem especial cuidado para a
liberação esportiva competitiva. O dr. Argemiro Scatolini e colaboradores revisam os mecanismos e as
estratégias de prevenção e tratamento das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio.
Em contrapartida, os drs. José Carlos Pachón Mateos e Enrique Indalécio Pachón Mateos estratificam o
risco de ocorrência de arritmias ventriculares na fase crônica da cardiopatia isquêmica e as indicações
atuais para seu tratamento. Finalmente, os drs. Francisco Darrieux e Eduardo Sosa abordam esses aspectos
em um grupo heterogêneo de pacientes com cardiopatias distintas, incluindo a doença de Chagas,
importante fator etiológico de arritmias ventriculares em nosso meio.
Em nome da SOCESP, agradeço o esforço desses colegas para simplificar temas complexos em textos
de fácil compreensão e desejo a todos boa leitura!
Mauricio Ibrahim Scanavacca
Editor Convidado
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
251
ARRITMIAS
VENTRICULARES GENETICAMENTE DETERMINADAS:
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO
MÁRCIO JANSEN DE OLIVEIRA FIGUEIREDO1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:252-9
RSCESP (72594)-1722
A morte cardíaca súbita é um problema de saúde pública.
Embora seja mais comum em pacientes com doença cardíaca estrutural, que pode ser detectada e quantificada com a
medida da função ventricular, uma parte dos pacientes em
risco tem o coração estruturalmente normal. Tais afecções,
usualmente causadas por defeitos genéticos dos canais iônicos do coração, podem expor os afetados a arritmias malignas, que, hoje, têm como opção eficaz de tratamento o implante de desfibrilador. As diretrizes nacionais e internacionais para o manejo de pacientes com arritmias englobam os
recentes avanços na detecção e no tratamento desses pacientes. No presente artigo são comentadas algumas dessas situações (síndrome do QT longo congênito, síndrome de Brugada, síndrome do QT curto e taquicardia ventricular catecolaminérgica), com dados sobre o histórico, a ocorrência, a
etiologia, as manifestações clínicas e as estratégias atuais
para estratificação de risco e tratamento. O inimigo é cruel e
às vezes imune aos métodos usuais de identificação. O papel
do especialista é estar atento aos detalhes e perceber, na população, quem está marcado, detectar esse indivíduo e tratálo da melhor maneira possível.
Descritores: arritmia ventricular; morte cardíaca súbita; desfibriladores implantáveis; genética humana.
GENETICALLY
DETERMINED VENTRICULAR ARRHYTHMIAS:
RISK STRATIFICATION AND THERAPY
Sudden cardiac death is a major clinical and public health
problem. Although affecting mainly patients with some sort
of structural heart disease, that can be detected and measured by means of determining cardiac function, an important
percentage of patients at risk have structurally normal hearts. Those diseases, usually caused by genetic defects on
cardiac ionic channels, can expose affected persons to malignant arrhythmias that have, nowadays, as an effective therapy the implant of a defibrillator. Brazilian and other international guidelines for management of cardiac arrhythmias
summarize recent advances in detection and treatment of such
patients. In this article we discuss some of these situations
(congenital long QT syndrome, Brugada syndrome, short QT
syndrome, and catecholaminergic ventricular tachycardia),
with historical data, incidence, etiology, clinical manifestation and new strategies for risk stratification and therapy.
The enemy is evil, and sometimes immune to our usual means for identification. The role for the specialist is to be alert
for some details, and discover in the population those who
are marked, detect them, and treat them the best as possible.
Key words: ventricular arrhythmias; sudden cardiac death;
implantable defibrillator; human genetics.
1
Disciplina de Cardiologia – Departamento de Clínica Médica – Faculdade de Ciências Médicas –
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas, SP
Endereço para correspondência:
Márcio Jansen de Oliveira Figueiredo – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – Barão Geraldo –
Campinas, SP – CEP 13083-970
252
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
FIGUEIREDO MJO
Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento
INTRODUÇÃO
A morte cardíaca súbita pode ser considerada um problema de saúde pública em praticamente todo o mundo. Nos
Estados Unidos, por exemplo, estima-se que cerca de 350
mil pessoas sejam acometidas anualmente1. No Brasil não
há dados específicos, mas números do DATASUS de 2005
demonstram que naquele ano houve 283.927 óbitos no País
por causa cardiovascular2. Desses, estima-se que 35% a 50%
tenham ocorrido subitamente, o que leva o número de casos
para 99 mil a 140 mil, números impressionantes pela sua
grandiosidade. Embora persista um grande problema, a detecção dos fatores de risco1 e o advento do cardioversor-desfibrilador implantável permitiram notável avanço no tratamento.
O reconhecimento da importância da presença de doença
cardíaca estrutural e da fração de ejeção do ventrículo esquerdo como fatores de risco permitiu a elaboração de estratégias de estratificação de risco e de tratamento cada vez
melhores. Inicialmente focando a prevenção secundária da
morte cardíaca súbita, vários estudos importantes, como
CIDS3, CASH4 e AVID5, demonstraram que pacientes com
arritmias ventriculares malignas documentadas e com fração de ejeção deprimida são beneficiados com o implante de
cardioversor-desfibrilador implantável. A evolução dos conhecimentos levou à publicação de novos estudos visando à
prevenção primária, culminando com os estudos MADIT6 e
MADIT II7, este com sua simplificação extrema (pacientes
isquêmicos com má função ventricular se beneficiam do cardioversor-desfibrilador implantável, mesmo sem arritmias
comprovadas).
Todos os conhecimentos foram agrupados em diretrizes,
e as mais recentes diretrizes nacionais8 se anteciparam às
internacionais9; assim, o problema de uma parcela significativa da população está, de certa forma, equacionado.
No entanto, nesse ponto da evolução aparece um fator
complicador de difícil solução, um nó que impede que toda a
complexa teia seja desfiada: o reconhecimento de situações
nas quais esses pacientes, embora com função contrátil do
ventrículo esquerdo normal, estão, sim, sob risco de morte
cardíaca súbita. Algumas condições antigas, como a síndrome do QT longo congênito, já eram reconhecidas, mas outras, como a síndrome de Brugada, chamam a atenção para
outro paciente: aquele que, mesmo com o coração estruturalmente normal, está sob risco de morrer subitamente. Pior,
nessa população nossa principal arma, a determinação da
função contrátil do coração, é inútil. Os especialistas foram,
então, forçados a estudar alternativas.
Mesmo sendo pouco freqüentes, principalmente se for
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
levada em conta a grande ocorrência de cardiopatias como a
isquêmica, a perversidade adicional da morte cardíaca súbita nesses indivíduos é que o problema, em muitos casos, não
é progressivo. Assim, uma vez minimizado o risco de morte
cardíaca súbita a pessoa pode voltar a se inserir na sociedade, vivendo e trabalhando normalmente, tendo uma vida praticamente normal. Além disso, o caráter genético de muitas
torna a questão de busca de indivíduos assintomáticos e afetados crucial, para que a detecção permita tratamento precoce e eficaz.
Todos esses avanços permitiram o reconhecimento de algumas síndromes clínicas, mais chamativas, por sua malignidade ou por sua prevalência. Essas sídromes foram destacadas nas diretrizes, e a abordagem clínica para uma estratégia eficaz na estratificação de risco será o tema do presente
artigo.
SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO
A síndrome do QT longo congênito foi reconhecida clinicamente há muitos anos10-12. Em 1957, Anton Jervell e Fred
Lange-Nielsen publicaram o primeiro relato de uma doença
de caráter familiar, caracterizada pela presença de grande
prolongamento do intervalo QT, surdez congênita e alta ocorrência de morte súbita na infância12. Posteriormente, Romano e colaboradores10 e Ward11 relataram uma doença familiar
praticamente idêntica, com a diferença de não haver surdez
associada, e Fraser e colaboradores13 sugeriram que haveria
um caráter genético ligando as duas situações, sendo ambas
consideradas variações de uma afecção unificada pela denominação de síndrome do QT longo congênito14.
A manifestação eletrocardiográfica característica é o prolongamento do intervalo QT (Figura 1), que reflete o aumento
da duração do potencial de ação das células do miocárdio.
Esse aumento decorre de defeitos nos canais iônicos, sendo
hoje reconhecidos vários canais comprometidos, com defeitos demonstrados em genes que codificam partes de canais
de sódio e de potássio15. O resultado do prolongamento da
despolarização é a possibilidade, em alguns dos afetados, de
desenvolvimento de taquicardias ventriculares polimórficas
e, eventualmente, a ocorrência de morte cardíaca súbita16.
Embora essa entidade clínica tenha sido descrita há vários anos, existem poucos estudos com seguimento desses pacientes a longo prazo, e as estratégias de estratificação de
risco e conduta não são baseadas em grande estudos, mas
sim séries com número limitado de pacientes geralmente encaminhados para grande centros. Priori e colaboradores17 avaliaram 647 pacientes com a síndrome, caracterizados por meio
de análise genética, e demonstraram que a combinação de
253
FIGUEIREDO MJO
Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento
Fig. 1. Eletrocardiograma de 12 derivações de uma criança sem deficiência
auditiva com quadro de síncopes. Observa-se ritmo sinusal e grande prolongamento do intervalo QT. O paciente
foi tratado com betabloqueadores, necessitando de implante de marcapasso
artificial para suporte cronotrópico.
Atualmente, cerca de 10 anos após a
realização desse eletrocardiograma, o
paciente permanece assintomático e em
uso de medicação.
sexo e medida do intervalo QT pode indicar subgrupos de
pacientes com maior risco de eventos cardíacos (principalmente naqueles com o QT corrigido maior que 500 ms), e
algumas diferenças relacionadas a fatores genéticos e sexo
definindo grupos intermediários.
Um estudo publicado recentemente por Schwartz e colaboradores18 compilou dados de acompanhamento de 186 pacientes com a forma de QT longo congênito associada à surdez. Os autores verificaram que muitos desses pacientes
(86%) apresentaram eventos cardíacos no seguimento, a
maioria dos quais desencadeada por emoções ou exercício.
Os dados permitiram, ainda, estabelecer que QT corrigido
maior que 550 ms e história de síncope no primeiro ano de
vida estiveram correlacionados à ocorrência de arritmias cardíacas ou morte súbita.
A estratificação de risco e a conduta diante de paciente
com esse diagnóstico ainda são pouco claras. Sabe-se, por
exemplo, que portadores da anomalia que são recuperados
de morte súbita têm risco muito maior de apresentar novos
episódios. Assim, nesses pacientes a estratificação de risco
propriamente dita não é necessária (são os pacientes já considerados de alto risco), e o implante de desfibrilador é o
tratamento de escolha, como atestado nas diretrizes8,9. Muitos pacientes, contudo, não têm o quadro tão exuberante, e
apresentam-se com síncope. Para esses pacientes, o estudo
254
eletrofisiológico oferece pouco, e a conduta deve ser avaliada individualmente. Alguns trabalhos indicam que o tratamento com betabloqueadores, o implante de marcapasso ou a simpatectomia, isoladamente ou utilizados em
combinação, podem ser úteis nesses
casos19-21. As diretrizes nacionais8 indicam que o implante de desfibrilador pode ser considerado
se, mesmo com esses tratamentos citados, for constatada a
recorrência dos quadros sincopais. A determinação genética,
uma grande esperança na avaliação e na estratificação de risco, principalmente nos assintomáticos, ainda não é um padrão clinicamente disponível.
SÍNDROME DE BRUGADA
É uma síndrome clínico-eletrocardiográfica, descrita pelos professores Pedro e Josep Brugada em 199222, caracterizada por apresentar um padrão eletrocardiográfico típico, com
morfologia de bloqueio do ramo direito, supradesnivelamento
com concavidade característica do segmento ST nas precordiais direitas (Figura 2) e predisposição para a ocorrência de
arritmias ventriculares, que resultam em síncope ou parada
cardíaca e morte cardíaca súbita. Uma peculiaridade é que
as alterações eletrocardiográficas podem, em alguns casos,
ser intermitentes23. Tal fato, por um lado, prejudica a detecção, mas por outro permite que o uso de fármacos possa desmascarar tais alterações, permitindo o diagnóstico em alguns
casos.
A síndrome tem uma base genética, com a caracterização
de um defeito em um canal cardíaco de sódio24. As alterações iônicas resultantes levam à dispersão da ativação elétriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
FIGUEIREDO MJO
Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento
Fig. 2. Eletrocardiograma de
12 derivações, demonstrando
morfologia de bloqueio do
ramo direito, com supradesnivelamento com concavidade característica do segmento ST nas precordiais direitas, com padrão típico da síndrome de Brugada. O traçado foi obtido de um paciente
de 36 anos, assintomático,
com antecedentes familiares
de morte cardíaca súbita. Os
exames complementares, incluindo ecocardiograma e cinecoronariografia, não demonstraram alterações significativas.
ca do miocárdio, particularmente no ventrículo direito,
com alterações eletrofisiológicas que facilitam o aparecimento de arritmias25, que constituem o outro componente da síndrome. O quadro clínico é, então, muito variado, e inclui desde
sobreviventes de parada cardíaca, passando por pacientes com
episódios de síncope, até os totalmente assintomáticos, que têm
o diagnóstico feito por eletrocardiograma fortuito ou durante a
investigação de parentes de pessoas afetadas.
Os conhecimentos advindos de estudos sobre a síndrome
vêm crescendo bastante nos últimos anos. Em nosso meio,
inclusive, há alguns relatos de casos26,27 e um artigo de revisão28. No mundo todo, a vasta experiência sobre o tema permitiu a publicação de consensos específicos sobre o tema,
que podem ser aplicados como se fossem verdadeiras diretrizes29. A importância da estratificação de risco nos pacientes portadores da síndrome de Brugada é grande, já que o
implante do cardioversor-desfibrilador implantável é, hoje,
a única profilaxia clinicamente eficaz para a prevenção de
morte cardíaca súbita. O consenso internacional sobre a síndrome de Brugada recomenda estratificação de risco baseada
na presença de sintomas, na apresentação clínica, na presença
de histórico familiar e no resultado da estimulação ventricular
programada, e está sintetizada na Figura 3. A utilidade do estudo eletrofisiológico invasivo, no entanto, é questionada por alguns autores30. Nas diretrizes nacionais8 e internacionais9, a indicação de implante do cardioversor-desfibrilador implantável
depende do quadro clínico e do padrão do eletrocardiograma.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
SÍNDROME DO QT CURTO
Essa entidade clínica é ainda mais recente que a anterior,
com a descrição da correlação entre intervalo QT e ocorrência de morte súbita datando de 200031. Publicações posteriores já chamam a atenção para o caráter familiar da afecção32,
caracterizada por apresentar intervalo QT curto (QT corrigido menor que 300 ms.). Existem poucos dados sobre o assunto, derivados de publicações com séries relativamente
pequenas32,33. No entanto, os pacientes recuperados de parada cardíaca e que demonstram intervalo QT curto no eletrocardiograma podem ter indicação do implante de cardioversor-desfibrilador implantável, segundo as diretrizes internacionais9. Não existem dados disponíveis até o momento sobre o mecanismo que está envolvido na gênese das arritmias
nessa situação, assim como sobre a estratificação de risco.
Não há, assim, recomendações para avaliação de indivíduos
assintomáticos ou de familiares de pacientes acometidos. O
caráter familiar sugere uma base genética, mas que ainda
não foi estabelecida. Seguramente novos estudos sobre o tema
são esperados.
TAQUICARDIA VENTRICULAR
CATECOLAMINÉRGICA
A taquicardia ventricular catecolaminérgica é uma sín-
255
FIGUEIREDO MJO
Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento
drome clínica, com ocorrência
familiar, caracterizada pela ocorrência de taquicardia ventricular
polimórfica em situações em que
o tônus simpático está aumentado (exercício, emoções), na presença de eletrocardiograma de
repouso e intervalo QT normais
(Figura 4). Foram identificadas
mutações nos genes que codificam receptores cardíacos responsáveis pela liberação de cálcio do
interior do retículo sarcoplasmático de células cardíacas34. Os sintomas geralmente se apresentam
durante a infância35. A morte cardíaca súbita de pacientes acometidos por essa situação e não tratados não é rara. No entanto, não
existem dados disponíveis para
recomendar a estratificação de
risco em pacientes portadores
dessa afecção. Novamente, há
poucos dados disponíveis. A investigação desses pacientes pode
ser feita por meio de história clínica, Holter ou teste de esforço,
sendo o estudo eletrofisiológico
invasivo considerado de pouca
utilidade. As diretrizes nacionais8
recomendam o implante de cardioversor-desfibrilador implantável nos pacientes com diagnóstico de taquicardia ventricular catecolaminérgica recuperados de
parada cardíaca, assim como nos
pacientes que mantêm arritmia
ou síncope apesar do uso de doses altas de betabloqueadores.
Nessas situações, as diretrizes internacionais9 recomendam imFig. 3. Indicações para a estratificação de risco de pacientes com diagnóstico de síndro- plante do aparelho quando há recorrência da taquicardia ventrime de Brugada, segundo o II Consenso de 200529.
cular (ou quando a taquicardia é
# Existem evidências claras de que o procedimento ou tratamento é útil ou eficaz.
mal tolerada do ponto de vista he## Existem evidências conflitantes, com evidências a favor da utilidade ou eficácia.
### Existem evidências conflitantes, com evidências menos bem estabelecidas a favor modinâmico) ou na presença de
síncope sem outras causas deda utilidade ou eficácia.
CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; ECG = eletrocardiograma; EEF = estudo monstráveis durante tratamento
com betabloqueadores.
eletrofisiológico; MCS = morte cardíaca súbita.
256
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
FIGUEIREDO MJO
Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento
Fig. 4. Traçado de Holter (derivação V1, traçado contínuo)
obtido de uma paciente de 10
anos de idade, com quadro de
síncopes recorrentes relacionadas a estresse emocional ou
atividade física. Observa-se o
início espontâneo de taquicardia ventricular polimórfica
sustentada, precedido por extra-sístoles ventriculares isoladas e taquicardia ventricular
não-sustentada. (Traçado original 35, gentilmente cedido por
Angelo A. V. de Paola.)
CONCLUSÕES
A morte cardíaca súbita é um
problema de saúde pública, e a
detecção de pacientes sob risco
é um desafio diário para o clínico. O inimigo é cruel, e temos
que nos armar para combatê-lo.
Às vezes é também silencioso e
imune às armas até o momento
mais eficazes para identificá-lo
em uma população grande, como
a de isquêmicos e miocardiopatas.
Daí a importância de o especialista estar atento para os detalhes e perceber, na população, quem está marcado, detectar esse indivíduo e tratá-lo da melhor maneira possível. Qualquer leigo reconhece um famoso quadro de Picasso ou de
Botero quando está diante dele; mas o especialista tem a obrigação de conhecer além, e reconhecer obras menos conheci-
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EXTRA-SÍSTOLES E TAQUICARDIAS VENTRICULARES IDIOPÁTICAS:
SIGNIFICADO CLÍNICO E TRATAMENTO
EDUARDO RODRIGUES BENTO COSTA1, ÉRIKA OLIVIER VILELA BRAGANÇA1, ANDREZA CHAGURI1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:260-71
RSCESP (72594)-1723
As extra-sístoles e as taquicardias ventriculares idiopáticas
são arritmias com mecanismos e significado clínico que as
diferenciam das arritmias ventriculares associadas a cardiopatias estruturais. Diferentemente dessas últimas, que apresentam risco de morte súbita em populações específicas, as
arritmias idiopáticas geralmente são associadas a bom prognóstico, que mais as aproximam das arritmias supraventriculares. Apresentam padrão eletrocardiográfico bastante definido e o conhecimento dessas características eletrocardiográficas pelo cardiologista clínico é uma das premissas para
um correto manuseio clínico desses pacientes. A resposta às
drogas antiarrítmicas costuma ser adequada e ablação por
cateter pode ter papel decisivo na cura definitiva de pacientes selecionados. Este artigo procura revisar as características clínicas, eletrocardiográficas e terapêuticas das arritmias ventriculares idiopáticas.
Descritores: arritmias cardíacas; complexos ventriculares
prematuros; taquicardia ventricular; ablação por cateter;
morte súbita.
PREMATURE
VENTRICULAR COMPLEXES AND IDIOPATHIC
VENTRICULAR TACHYCARDIAS: CLINICAL SIGNIFICANCE AND
TREATMENT
The premature ventricular complexes and idiopathic ventricular tachycardia have specific mechanisms and clinical significance that differentiate them from those ventricular tachyarrhythmias associated to structural cardiopathy. Differently from those, that carry high sudden death risk, the idiopathic ventricular arrhythmias are usually associated with
benign prognostic, such as supraventricular tachycardias.
Idiopathic ventricular arrhythmias have a well defined electrocardiographic pattern and having this knowledge permits
the cardiologist to perform the correct clinical management.
The predicted response to antiarrhythmic drugs and the cure
enabled by radiofrequency catheter ablation are well known.
This article aims to review the clinical, electrocardiographic
and therapeutic characteristics of idiopathic ventricular arrhythmias.
Key words: cardiac arrhythmias; ventricular premature complexes; ventricular tachycardia; catheter ablation; sudden
death.
1
CardioRitmo – São José dos Campos, SP
Endereço para correspondência:
Eduardo Rodrigues Bento Costa – Rua Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 255 – salas 701-703 –
Jardim Aquárius – São José dos Campos, SP – CEP 12246-000
260
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
INTRODUÇÃO
As taquicardias ventriculares idiopáticas são consideradas entidades arrítmicas particulares. Seus mecanismos deflagradores, a apresentação eletrocardiográfica, o significado clínico e o tratamento apresentam particularidades que as
diferenciam das demais arritmias ventriculares.
Representam 10% dos casos de taquicardias ventriculares avaliados em laboratórios de eletrofisiologia nos Estados
Unidos1 e 20% das taquicardias ventriculares no Japão2. As
taquicardias ventriculares idiopáticas podem ser classificadas como monomórficas e polimórficas (Tabela 1). O objetivo deste artigo é descrever as características clínicas, fisiopatológicas, eletrocardiográficas e terapêuticas das taquicardias ventriculares idiopáticas monomórficas não relacionadas à presença de cardiopatia estrutural.
terizada por atividade ventricular ectópica quase permanente, apresentando episódios freqüentes e repetitivos de extrasístoles ventriculares monomórficas, isoladas, bigeminadas
e com salvas freqüentes de taquicardias ventriculares monomórficas repetitivas (Figura 1A). Nas formas mais intensas,
as salvas de taquicardias ventriculares tendem a ser progressivamente mais longas, às vezes interrompidas por curtos e
breves períodos de ritmo sinusal5,6.
Apresentação clínica
As taquicardias ventriculares idiopáticas-via de saída do
ventrículo direito ocorrem com maior freqüência entre as mulheres, predominantemente entre a terceira e a quinta décadas de vida. Já as taquicardias ventriculares idiopáticas-via
de saída do ventrículo esquerdo ocorrem com a mesma freqüência entre homens e mulheres7.
Tabela 1 - Taquicardias ventriculares idiopáticas
TVIs monomórficas
TVIs polimórficas
– TV da via de saída: VD, AP, VE,
cúspides aórticas
– TV fascicular do VE: fascículo
posterior, fascículo anterior, septal
– TV monomórfica adrenérgica
– TV anular mitral e tricúspide
Síndrome de QT longo
Síndrome de Brugada
“Torsades” de acoplamento curto
Síndrome de QT curto
TV polimórfica catecolaminérgica
______________
Adaptado de Badhwar e Scheinman.3
AP = artéria pulmonar; TV = taquicardia ventricular; TVIs = taquicardias ventriculares idiopáticas; VD = ventrículo
direito; VE = ventrículo esquerdo.
TAQUICARDIAS DA VIA DE SAÍDA
As taquicardias da via de saída podem se originar na via
de saída do ventrículo direito, da artéria pulmonar, do ventrículo esquerdo ou das cúspides aórticas coronarianas. Buxton e colaboradores descreveram a via de saída do ventrículo direito como a origem padrão desse tipo de arritmia4. Sabese hoje que a via de saída do ventrículo direito representa de
60% a 70% de todos os casos de taquicardias ventriculares
idiopáticas4.
História
Gallavardin5, em 1922, descreveu uma síndrome caracRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
Há duas apresentações clínicas predominantes: aquela
com formas repetitivas em repouso (que representam 62% a
90% das séries descritas) e outra com arritmias induzidas
por esforço/estresse8. Mais raramente as taquicardias ventriculares podem se apresentar de forma incessante ou ainda
com surtos paroxísticos de taquicardias ventriculares, interpolados por longos períodos de ritmo sinusal9. Há em geral
sobreposição entre a apresentação dessas duas formas10. Freqüentemente esses pacientes apresentam extra-sístoles ventriculares com a mesma morfologia das taquicardias ventriculares. Enquanto o teste ergométrico pode geralmente suprimir as arritmias apresentadas durante o repouso, em 30%
a 50% dos casos as taquicardias ventriculares são reproduzi-
261
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
Fig. 1. Em A, traçado contínuo com uma hora,
obtido de Holter de 24 horas de paciente com taquicardia ventricular monomórfica repetitiva de
Gallavardin. Em B, padrão eletrocardiográfico de
taquicardia idiopática da via de saída do ventrículo direito, com morfologia de bloqueio de ramo
esquerdo e eixo inferior. Em C, padrão eletrocardiográfico de extra-sístoles ventriculares idiopáticas da via de saída do ventrículo esquerdo, com
morfologia de bloqueio de ramo direito e eixo
inferior (ver discussão no texto).
das, tanto durante o exercício como durante a fase de recuperação, sugerindo que uma faixa de freqüência sinusal crítica é necessária para sua iniciação11. Raramente os focos
idiopáticos originados na via de saída podem ser responsáveis por taquicardias polimórficas ou fibrilação ventricular.
Os sintomas são extremamente variáveis, podendo haver
amplo espectro de apresentação, desde pacientes totalmente
assintomáticos, cuja descoberta da arritmia ocorre durante
exame de rotina, até pacientes com graves sintomas, como
síncopes. Sintomas de palpitação, dispnéia e dor precordial
Fig. 2. Traçado simultâneo de eletrocardiograma de superfície (sete primeiras linhas), eletrogramas intracavitários (His
e ventrículo direito, oitava e nona linhas), e curva de pressão
arterial invasiva (última linha). Observa-se curva do pulso
arterial sistólico normal nos três primeiros batimentos sinusais, com ausência ou redução do mesmo após a ocorrência
das extra-sístoles.
262
atípica são bastante comuns. Em nossa experiência, muitos
pacientes não apresentam os sintomas típicos de palpitações,
mas sensação de fraqueza, indisposição e astenia, mais comumente observadas nas síndromes bradicárdicas. Isso de
deve ao fato de que em alguns pacientes as extra-sístoles não
geram volume sistólico suficiente para gerar pulso sistólico;
assim, apesar da freqüência cardíaca normal sob o ponto de
vista elétrico, a freqüência de pulso pode se encontrar muito
lenta, especialmente em momentos de bigeminismo (Figura
2). Exame físico cuidadoso, tomando-se o pulso juntamente
com ausculta cardíaca ou monitorização eletrocardiográfica, pode ajudar nesse diagnóstico.
A maioria dos pacientes apresenta curso benigno, sugerindo que as arritmias não representam manifestação clínica
de miocardiopatia incipiente. No entanto, atenção especial
deve ser dada a pacientes com ectopia ventricular freqüente
e dilatação e/ou disfunção ventricular esquerda. Duffee e colaboradores12 descreveram melhora da disfunção ventricular
esquerda após a supressão de atividade ectópica freqüente,
sugerindo que, ao invés de miocardiopatia dilatada idiopática, a disfunção era resultado de remodelamento causado pela
arritmia, num quadro chamado de “cardiomiopatia ectopiainduzida”, com o mesmo significado clínico do quadro clássico de taquimiocardiopatia. A densidade das ectopias tem
importância no desenvolvimento da disfunção. Takemoto e
colaboradores13, em análise retrospectiva de 40 pacientes com
ectopias freqüentes da via de saída do ventrículo direito durante dez anos, sugeriu que pacientes que apresentavam 20%
de ectopias por 24 horas (aproximadamente 20 mil extrasístoles por dia) apresentaram correlação positiva com aumento e disfunção do ventrículo esquerdo, reversíveis após
ablação do foco arritmogênico. Relatos recentes confirmam
tal associação, demonstrando correlação crescente da densidade das ectopias com a incidência de disfunção ventricular
esquerda (Figura 3).
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
Extraído de Kanei e colaboradores.14
Fig. 3. Correlação entre o número diário de ectopias ventriculares e a prevalência de disfunção ventricular esquerda entre pacientes com arritmias da via
de saída do ventrículo direito.
LV = ventrículo esquerdo (“left ventricle”); LVF = função ventricular esquerda (“left ventricle function”); n = número de pacientes; PVCs = complexos
ventriculares prematuros (“premature ventricular complexes”).
No entanto, deve-se ter em mente a grande variabilidade
dia-a-dia das arritmias ao Holter de 24 horas, podendo haver
quadro de cardiomiopatia ectopia-induzida, também reversível após ablação por cateter, com número menor de arritmias registradas em gravação de Holter15.
Ainda não estão claros quais os mecanismos pelos quais
as ectopias provocam disfunção ventricular esquerda. Uma
das teorias sugere que as ectopias de via de saída invertem o
sentido de contração do ventrículo esquerdo. Outro mecanismo proposto é que um número significativo de ectopias
com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo poderia levar
a assincronismo interventricular, análogo ao observado à disfunção ventricular esquerda causada pela estimulação artificial da ponta do ventrículo direito por marcapassos15. Não
parece haver influência da freqüência cardíaca na ocorrência da disfunção do ventrículo esquerdo14.
A diferenciação do mecanismo idiopático das arritmias
da via de saída do ventrículo direito daquelas arritmias associadas a cardiomiopatias é extremamente importante, por
causa do significado clínico totalmente diferente entre tais
situações. Dentre as cardiopatias estruturais, a displasia arritmogênica do ventrículo direito é aquela na qual a diferenciação diagnóstica deve ter maior atenção. A displasia arritmogênica do ventrículo direito é uma cardiopatia genética,
com alto risco de morte súbita, estando geralmente associada a dilatação ou anormalidades da contratilidade do ventrículo direito, com infiltração fibrogordurosa16,17. Tanto nas
arritmias idiopáticas como nas arritmias da displasia arritmogênica do ventrículo direito, a origem das arritmias costuma ocorrer predominantemente na via de saída do ventrículo direito, o que faz com que a morfologia entre elas seja
semelhante, com padrão de bloqueio de ramo esquerdo e eixo
inferior, o que implica maior cuidado diagnóstico.
A Tabela 2 apresenta, resumidamente, as diferenças diagnósticas entre taquicardias ventriculares idiopáticas da via
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
de saída do ventrículo direito e displasia arritmogênica do
ventrículo direito.
Mecanismos
Lerman e colaboradores18 demonstraram que as taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito, em sua
maioria, são provavelmente causadas por atividade deflagrada, que é um mecanismo de geração de arritmias causado
por oscilações nos potenciais de membrana dependentes do
potencial de ação precedente. A atividade deflagrada desse
tipo de arritmia ocorre na fase 4 do potencial de ação, chamada de pós-despolarização tardia, sendo mais dependente
de freqüências cardíacas rápidas, mediada por catecolaminérgico19,20. Esse tipo de arritmia é mediado pela ativação do
AMP cíclico, que causa aumento do cálcio intracelular e liberação oscilatória do cálcio do retículo sarcoplasmático21,22.
Podem ser induzidas por infusão de isoproterenol, aminofilina, atropina e estimulação ventricular rápida, mas raramente
por estimulação ventricular programada. A Figura 4 apresenta os mecanismos envolvidos nas arritmias idiopáticas da
via de saída.
A maioria dessas taquicardias ventriculares idiopáticasvia de saída do ventrículo direito responde às medicações
que reduzem o cálcio intracelular, como betabloqueadores,
verapamil e adenosina, sendo chamadas de “adenosina-sensitivas” (Figura 5). No entanto, enquanto os betabloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio podem também
reverter algumas formas de taquicardias ventriculares causadas por reentrada ou automaticidade anormal, a reversão
de uma taquicardia ventricular com a administração de adenosina é evidência patognomônica de que a arritmia seja causada por pós-despolarização tardia mediada pelo AMP cíclico9. Mutação da proteína G, que diminui o AMP cíclico pela
inibição da adenil ciclase, pode ser uma das explicações para
a tendência ao desenvolvimento desse padrão de arritmia23.
263
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
Tabela 2 - Principais diferenças entre taquicardias ventriculares idiopáticas e displasia arritmogênica do ventrículo direito
Característica
TVI
DAVD
Não
Freqüentemente sim
Igual
– Morte súbita cardíaca
Alterações do ECG
– Morfologia onda T
– Distúrbio da condução
– Ondas épsilon V1-V3
– Fase ascendente lenta da onda S
– ECGAR
Exames de imagem
– Ecocardiograma
EVs, TVNS, TVS em
repouso ou exercício
Rara
1% ao ano
T positiva V2-V5
QRS < 110 ms V1-V3
Ausente
Raro
Normal
T invertida além de V1
QRS > 110 ms V1-V3
Presente em 30%
Presente em 95%
Geralmente anormal
Normal
– Ventriculografia VD
– RNM
Geralmente normal
Geralmente normal
Aumento e/ou alterações da
contratilidade do VD
Geralmente anormal
Aumento da intensidade do sinal
na parede livre do VD; alterações
na contratilidade
Apresentação clínica
– História familiar de
arritmia ou MS
– Arritmias
Tratamento
– Resposta à terapia
– Ablação por cateter
Aguda: manobras
vagais, adenosina,
BB, verapamil
Crônica: BB ou
verapamil,
com ou sem
drogas AA classe 1
Geralmente curativa
Sotalol; amiodarona com
ou sem BB
Raramente curativa; pode
modificar o substrato e aumentar
a eficiência das drogas AA;
ocorrência de arritmias com
morfologias diferentes
______________
Modificado de Calkins16.
AA = antiarrítmicas; BB = betabloqueadores; DAVD = displasia arritmogênica do ventrículo direito; ECG = eletrocardiograma; ECGAR = eletrocardiograma de alta resolução; EVs = extra-sístoles ventriculares; MS = morte súbita; RNM =
ressonância nuclear magnética; TVI = taquicardia ventricular idiopática; TVNS = taquicardia ventricular não-sustentada;
TVS = taquicardia ventricular sustentada; VD = ventrículo direito.
Apesar de a maioria dos estudos que analisaram os mecanismos das taquicardias ventriculares de via de saída ser
baseada nas arritmias originadas na via de saída do ventrículo direito, aceita-se atualmente que tanto as taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito como as taqui-
264
cardias ventriculares-via de saída do ventrículo esquerdo
apresentem mecanismo comum24,25. Os tratos de saída dos
ventrículos direito e esquerdo apresentam origem embriológica comum, e diferem do restante dos miócitos ventriculares e atriais, apresentando um fenótipo contrátil mais primiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
Adaptado de Arya e colaboradores9 e Riley e Marchkinski19.
Fig. 4. Representação esquemática das influências farmacológicas e endógenas que afetam
a concentração do AMP cíclico e do cálcio, capazes de modular taquicardia ventricular
dependente de atividade deflagrada. A estimulação beta-adrenérgica aumenta a concentração do AMP cíclico por meio da proteína G estimuladora e adenil ciclase. O aumento da
concentração plasmática do AMP cíclico promove a fosforilação da proteína quinase A,
aumentando o influxo através dos canais lentos de cálcio e liberação do cálcio do retículo
sarcoplasmático, levando a pós-potenciais tardios e ocorrência de arritmias por atividade
deflagrada.
Fig. 5. Resposta ao tratamento
antiarrítmico de arritmia ventricular monomórfica repetitiva da
via de saída do ventrículo direito. Em A, derivação D2, contínua, de paciente nas condições
basais. Em B, após tratamento
com betabloqueador.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
265
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
tivo, com retículo sarcoplasmático menos desenvolvido e
menor condução do estímulo, compatível com a função esfincteriana no desenvolvimento inicial. O trato de saída é
progressivamente dividido entre direito e esquerdo, pela fusão progressiva do coxim endocárdico, que se inicia distal e
se estende proximalmente, ocorrendo posterior à formação
dos seios valvares aórtico e pulmonar26.
A similaridade entre as características clínicas e terapêuticas
dessas arritmias tem levado à tendência de classificá-las como um
único grupo, chamado de “taquicardias da via de saída”27.
Diagnóstico eletrocardiográfico
A premissa básica que permite o correto diagnóstico eletrocardiográfico nesse padrão de arritmia é o conhecimento
de que a maioria das arritmias com morfologia de bloqueio
de ramo esquerdo se origina no ventrículo direito e, de forma inversa, que as arritmias com morfologia de bloqueio do
ramo direito se originam no ventrículo esquerdo. É importante frisar que a expressão “morfologia tipo bloqueio de
ramo esquerdo ou bloqueio de ramo direito” não apresenta o
significado clínico e eletrofisiológico dos distúrbios de condução fasciculares propriamente ditos, mas a manifestação
eletrocardiográfica das arritmias ventriculares. Dessa forma,
a derivação precordial V1 é fundamental para classificar uma
arritmia como tendo “morfologia tipo bloqueio de ramo esquerdo ou bloqueio de ramo direito”. Conceitua-se que uma
arritmia apresente padrão “tipo bloqueio de ramo esquerdo”
quando o QRS é predominantemente negativo em V1 e que
as arritmias do “tipo bloqueio de ramo direito” representam
aquelas com QRS predominantemente positivo nessas derivações.
Já no plano frontal, as arritmias do trato de saída apresentam eixo do QRS orientado inferiormente, no sentido crânio-caudal, sendo geralmente positivas nas derivações inferiores D2, D3 e aVF. Essas duas informações são geralmente
suficientes para que sejam identificadas arritmias da via de
saída do ventrículo direito (morfologia de bloqueio de ramo
esquerdo, eixo inferior, Figura 1B) e arritmias da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo
direito, eixo inferior, Figura 1C). As taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito apresentam morfologia
de bloqueio de ramo esquerdo e eixo inferior, representando
70% dos casos de taquicardias ventriculares idiopáticas.
As derivações precordiais intermediárias V3-V4 são úteis
para diferenciar o ponto de saída da arritmia entre a ponta e
a região basal. Os focos basais produzem onda R predominante em V3-V4, enquanto os focos apicais produzem onda
S predominante28. Os focos subepicárdicos levam a QRS mais
largos, com fase inicial mais lenta que os focos endocárdi-
266
cos. Os focos relacionados à parede septal da via de saída do
ventrículo direito geralmente produzem QRS com duração
inferior a 140 ms.
O eletrocardiograma em ritmo sinusal nesses pacientes
geralmente é normal, porém pode haver distúrbio da condução pelo ramo direito em 10% dos casos29.
Detalhes discretos do eletrocardiograma são úteis para
se diferenciar locais específicos de origem dos focos arritmogênicos da via de saída, diferenciando sua origem como
septal, parede livre, anterior e posterior ou mesmo com origem na artéria pulmonar. Essa fina diferenciação é útil quando se pretende a terapêutica por meio de ablação por cateter,
em que uma precisa localização é absolutamente necessária.
Deve-se ter em mente que a análise eletrocardiográfica para
avaliação da localização do foco arritmogênico da via de saída
do ventrículo direito deve ser interpretada cuidadosamente, pelas características físicas individuais, pela conformação torácica, etc. De forma geral, complexos QS na derivação I em geral
sugerem foco próximo à região ântero-septal30.
Taquicardias originadas na artéria pulmonar
Alguns relatos descrevem a origem do foco arritmogênico de trato de saída após a inserção da valva pulmonar, dentro da artéria pulmonar31,32. Da mesma forma que focos arritmogênicos localizados em veias torácicas, a origem da atividade ectópica se deve à presença de células cardíacas com
atividade elétrica no interior da artéria pulmonar, resultado
de células embrionárias musculares remanescentes no trato
de saída33. Apesar de a morfologia das arritmias ser semelhante à das originadas na via de saída do ventrículo direito
(morfologia de bloqueio de ramo esquerdo com eixo inferior), algumas características eletrocardiográficas fazem suspeitar de foco na artéria pulmonar34: 1) ondas R de grande
amplitude nas derivações inferiores; 2) a relação da amplitude da onda Q em aVL/aVR é maior no grupo com foco na
artéria pulmonar; 3) maior relação das amplitudes R/S em
V2 em pacientes com focos na artéria pulmonar que na via
de saída do ventrículo direito.
A ablação por cateter de focos no interior da artéria pulmonar pode levar à cura da arritmia32,35.
Taquicardias de via de saída do ventrículo esquerdo
As arritmias da via de saída do ventrículo esquerdo representam 10% das taquicardias ventriculares adenosina-sensitivas e apresentam características comuns com aquelas da
via de saída do ventrículo direito, tanto pela sua origem embriogênica comum como pela relação anatômica. Deve-se
lembrar que a parede posterior da via de saída do ventrículo
direito é diretamente adjacente à parede anterior da via de
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COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
saída do ventrículo esquerdo. O padrão eletrocardiográfico
típico apresenta eixo inferior, com morfologia de bloqueio
de ramo direito ou de bloqueio de ramo esquerdo com onda
R pequena em V1 e transição R/S > 1 precoce em V2-V34
(Figura 6). A preocupação com o tratamento ablativo de focos nessa região é o risco de lesão coronariana, da valva aórtica ou bloqueio atrioventricular28.
gráfico típico apresenta ondas R altas nas derivações inferiores, transição precoce em V1-V2 e ondas R largas em V1V2, sem ondas S em V5-V63.
Taquicardias epicárdicas da via de saída
Por se tratar de focos arritmogênicos distantes do sistema His-Purkinje, a fase inicial do QRS dessas arritmias geralmente é mais lenta, com aparência de
“pseudo ondas delta”28. Numa série de 138
pacientes, dos quais 12 tinham origem epicárdica, Daniels e colaboradores descreveram um índice eletrocardiográfico que ajuda
na identificação dos focos epicárdicos 38.
Quando a relação entre a medida do início
do QRS até a máxima deflexão nas derivações precordiais/duração total do QRS é
maior que 0,55, há 100% de especificidade e
87% de especificidade na diferenciação entre focos epicárdicos das demais localizações
da via de saída. Sua ablação em geral requer
aplicações dentro do sistema venoso por meio
da cateterização do seio coronariano39 ou de
punção do saco pericárdico3.
Tratamento das arritmias da via de
saída por meio de ablação por cateter
Em decorrência de seu caráter focal e idiopático, sem cardiopatia evolutiva associada, esse tipo de taquiarritmia costuma alcançar taxas de sucesso em torno de 85% a 97%
no tratamento por meio de ablação por cateter de radiofreqüência. É indicada quando o
tratamento com drogas antiarrítmicas é insatisfatório, podendo ainda ser indicada como
primeira opção, em casos selecionados (Figura 7).
Modificado de Josephson36.
Fig. 6. Padrão eletrocardiográfico mais comumente encontrado nas arritmias
ventriculares idiopáticas.
AP = artéria pulmonar; BRD = morfologia de bloqueio de ramo direito; BRE
= morfologia de bloqueio de ramo esquerdo; CAo = cúspide aórtica coronariana; Epic = epicárdica; TV = taquicardia ventricular; VSVD = via de saída
do ventrículo direito; VSVE = via de saída do ventrículo esquerdo.
Taquicardias das cúspides coronarianas
A extensão de feixes musculares cardíacos acima do plano valvar aórtico pode promover a ocorrência de focos arritmogênicos nos seios de Valsalva37. O padrão eletrocardioRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
TAQUICARDIA FASCICULAR
IDIOPÁTICA DO VENTRÍCULO
ESQUERDO
Esse tipo particular de taquiarritmia é decorrente de reentrada nos fascículos e fibras
de Purkinje do ventrículo esquerdo, predominantemente o fascículo posterior do ramo
esquerdo, anatomicamente relacionado à região ínfero-septal do ventrículo esquerdo, que representa 80% dos casos.
Os demais casos de taquicardias fasciculares do ventrículo
esquerdo envolvem ou o fascículo anterior do ramo esquer-
267
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
Fig. 7. Ablação por cateter de arritmia ventricular da via de saída do ventrículo direito. Em A, registro
simultâneo das derivações eletrocardiográficas de superfície (seis primeiras linhas) e dos sinais intracavitários. Observa-se precocidade de 29 ms na ponta do cateter de ablação (Abld), sugerindo origem da
arritmia. Em B, estimulando-se o mesmo local na via de saída do ventrículo direito (“pace-mapping”),
reproduz a mesma morfologia da ectopia simultânea. A aplicação nesse ponto eliminou a arritmia. Em C,
outro paciente com arritmia idiopática do ventrículo direito com origem septal, no qual foi utilizado mapeamento eletroanatômico, técnica que pode aumentar as chances de identificação do sítio de origem da
arritmia.
do ou a região superior e septal do
ventrículo esquerdo.
A forma clássica de taquicardia
fascicular do ventrículo esquerdo, originada no fascículo posterior do ramo
esquerdo, foi descrita por Zipes e colaboradores, em 197940. Suas principais características são: 1) morfologia de bloqueio de ramo direito e desvio superior do eixo do QRS, no sentido caudocranial, com ondas S predominantes nas derivações V5-V6
(Figura 8); 2) ocorrência em coração
estruturalmente normal; 3) possibilidade de indução por meio de estimulação atrial; 4) possibilidade de reversão com verapamil, sendo, portanto,
classificadas como taquicardias ventriculares verapamil-sensitivas.
Características clínicas
A taquicardia fascicular idiopática do ventrículo esquerdo ocorre predominantemente em jovens entre 15
e 40 anos, mais comum no sexo masculino, sem cardiopatia associada. As
268
Fig. 8. Padrão eletrocardiográfico típico da taquicardia fascicular idiopática do ventrículo esquerdo: morfologia de bloqueio de ramo direito, eixo caudocranial e onda
S proeminentes em V5-V6.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
crises costumam ser paroxísticas, geralmente em repouso,
porém podem estar relacionadas a estresse ou esforço físico,
com sintomas de palpitações taquicárdicas, dor precordial,
dispnéia, fraqueza ou pré-síncope. Quadros de síncopes são
pouco freqüentes30 e a morte súbita é muito rara41. A ocorrência de taquicardia incessante, manifestação rara dessa arritmia,
pode levar a taquimiocardiopatia e falência cardíaca42.
Respostas farmacológicas
A infusão endovenosa de verapamil é capaz de reverter a
taquicardia fascicular e o uso crônico oral pode prevenir a
recorrência das crises. Essa resposta ao verapamil, em pacientes jovens e sem cardiopatia estrutural, associada ao fato
de que o QRS da crise é relativamente estreito, pode levar ao
raciocínio equivocado de se tratar de “taquicardia supraventricular com aberrância”. Outras drogas, como betabloqueadores, diltiazem, amiodarona, propafenona e outras, apresentam respostas variáveis.
Ablação por cateter
O tratamento ablativo dessa arritmia consiste no mapeamento da região do fascículo envolvido, geralmente na região ínfero-apical do septo interventricular. A detecção de
potenciais fasciculares rápidos precedendo a ativação ventricular e a possibilidade de se
reproduzir a morfologia da taquicardia no eletrocardiograma
de 12 derivações estimulandose o local em geral predizem
chance de sucesso43 (Figura 9).
inferior, nos focos ântero-lateral e posterior. A ablação endocárdica é geralmente bem-sucedida, ocasionalmente sendo
necessária ablação dentro do seio coronariano23.
CONCLUSÕES
As extra-sístoles e as taquicardias ventriculares apresentam características clínicas e eletrocardiográficas peculiares,
que as diferenciam das demais arritmias ventriculares associadas à presença de cardiopatia estrutural. A necessidade de
diferenciação entre esses grupos tão distintos é que enquanto nas arritmias idiopáticas o prognóstico é geralmente benigno, taquicardias ventriculares associadas a cardiopatias
podem levar à morte súbita, sendo, portanto, candidatos a
implante de cardiodesfibriladores, na dependência do tipo
de gravidade da cardiopatia. A ablação por cateter tem potencial de cura nas arritmias idiopáticas, enquanto seu uso
nas cardiopatias geralmente representa uma forma de tratamento coadjuvante. A forma idiopática das arritmias deve
ser considerada como diagnóstico de exclusão, após afastarse a presença de cardiopatia estrutural por meio dos diversos
métodos diagnósticos disponíveis.
O padrão eletrocardiográfico típico das arritmias ventriculares idiopáticas (Figura 6) é extremamente útil na avalia-
TAQUICARDIAS DO
ANEL MITRAL
Representam 5% de 352
casos de taquicardias ventriculares idiopáticas44. Anatomicamente os focos podem estar
localizados ao redor do anel
mitral, especialmente nas regiões ântero-lateral, posterior
e póstero-septal. Eletrocardiograficamente apresentam-se
com morfologia de bloqueio de
ramo direito, padrão RS em V1
e R predominante (R ou RS)
nas derivações V2-V6. Em geral observam-se entalhes no
QRS das derivações do plano
Fig. 9. Em A, eletrocardiograma de 12 derivações de taquicardia fascicular sustentada.
Em B, estimulação da região ínfero-septo-apical do ventrículo esquerdo, origem da arritmia, durante ritmo sinusal (“pacing-mapping”), demonstrando similaridade do padrão eletrocardiográfico com a arritmia espontânea, que sugere que o ponto de saída da arritmia é
o mesmo do local estimulado. Em C, mapeamento endocárdico dessa região durante taquicardia fascicular: observar a presença de potencial rápido e precoce registrado no cateter de ablação (Expl), representando a atividade fascicular precoce. A aplicação de pulso
de radiofreqüência nessa região levou à cura da taquiarritmia.
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COSTA ERB e cols.
Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento
ção clínica dos pacientes, devendo ser observado não somente por eletrofisiologistas, mas principalmente por car-
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desses pacientes.
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ARRITMIAS VENTRICULARES NO ATLETA:
AVALIAÇÃO E ELEGIBILIDADE PARA O ESPORTE
LUCIANA DINIZ NAGEM JANOT DE MATOS1, 2, DENISE TESSARIOL HACHUL1, 2
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:272-82
RSCESP (72594)-1724
As arritmias ventriculares em atletas representam um grande
desafio para a liberação esportiva. Isso se deve à ausência de
estudos longitudinais e prospectivos com grandes populações
de atletas e o fato de essa população apresentar características
especiais, sendo submetida a condições ambientais adversas,
como esforço extremo, possibilidade de alterações eletrolíticas
e grande estresse.
Definir se estamos diante de uma situação de adaptação fisiológica ao treinamento físico ou de uma alteração patológica com
risco de morte súbita é o principal passo. O conhecimento das
principais doenças com alto potencial arritmogênico, responsáveis por morte súbita nessa população, é fundamental.
O descondicionamento físico é aceito como uma das medidas
para que se estabeleça o papel do exercício na gênese das arritmias, tendo sido demonstrada evolução benigna nos atletas nos
quais houve redução das arritmias com esaa medida, na ausência de doença cardíaca estrutural. Entretanto, pouco se sabe sobre os mecanismos responsáveis por essa resposta ao descondicionamento. Por outro lado, a presença de arritmias na vigência
de doença cardíaca estrutural exclui definitivamente o atleta de
atividades esportivas competitivas.
VENTRICULAR ARRHYTHMIAS
IN ATHLETES: EVALUATION
Descritores: arritmia ventricular; morte súbita; atleta; cardiopatia.
Key words: ventricular arrhythmias; sudden death; athletes; cardiomyopathy.
AND ELIGIBILITY FOR SPORTS
Ventricular arrhythmias in athletes always represent a great
challenge for sport eligibility. The paucity of longitudinal
and prospective studies involving a large number of individuals, and the fact that they are exposed to many adverse
conditions, like extreme effort, emotional stress and electrolytic impairment make them a special population.
To define if it is a physiologic adaptation or a situation with
high risk of sudden death is the first step of the evaluation
and consequently, the knowledge of the main diseases with
high arrhythmogenic potential is mandatory. Physical deconditioning has been accept to define the role of the exercise in
the genesis of arrhythmias and a good outcome has been demonstrated in individuals without evident structural disease
in whom a reduction in the complexity of ventricular arrhythmias occurred in consequence of deconditioning. Otherwise, the mechanisms related to this response are poorly understood. When a structural heart disease is diagnosed, the
athlete is definitely excluded from competitive activities.
Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício – Instituto do Coração – Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP) – São Paulo, SP
2
Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo, SP
1
Endereço para correspondência:
Luciana Diniz Nagem Janot de Matos – Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II – Cerqueira César –
São Paulo, SP – CEP 05403-000
272
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
INTRODUÇÃO
O treinamento físico de alta intensidade e
volume, realizado de forma sistemática e regular por atletas de alto rendimento, é capaz
de desencadear adaptações estruturais cardíacas e autonômicas de grande magnitude nessa população. O termo “coração de atleta” é
bastante aceito e utilizado como sinônimo da
hipertrofia cardíaca conseqüente ao treinamento físico e é representado por aumento
tanto das dimensões ventriculares como da
espessura de parede e da massa ventricular1.
Entretanto, é importante esclarecer que a extensão no aumento da cavidade ventricular,
usualmente discreta na maioria dos atletas e
em geral com valores dentro da normalidade,
pode, em uma minoria (14%)2, chegar a níveis extremos, similares aos de cardiomiopa- Fig. 1. Fluxograma para diferenciação diagnóstica em atletas com arritmias
tias. Em associação a essas adaptações estru- ventriculares.
turais, recentemente tem sido sugerido que CMH = cardiomiopatia hipertrófica; DAVD = displasia arritmogênica do
arritmias ventriculares podem fazer parte da ventrículo direito; DDVE = diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; TV
“síndrome do coração de atleta”3, o que torna = taquicardia ventricular; WPW = síndrome de Wolff-Parkinson-White.
muito mais desafiadora a diferenciação clínica
entre adaptação fisiológica desencadeada pelo
treinamento físico e condições patológicas com risco de morte CARDIOPATIAS ESTRUTURAIS E RISCO DE
súbita. Sua prevalência em atletas varia amplamente (de 6% a ARRITMIAS VENTRICULARES
70%) na maioria dos estudos com monitorização eletrocardioEmbora a incidência de morte súbita em jovens atletas
gráfica ambulatorial de 24 horas (Holter), com incidência de
seja pequena, quando ocorre é motivo de grande impacto. A
até 25% de formas complexas em populações selecionadas4-6.
Por esse motivo, diante da avaliação de um atleta é fun- atividade esportiva deflagra, por condições metabólicas e
damental que se tenha em mente se as adaptações estruturais autonômicas, as arritmias que provocam a morte súbita em coraencontradas são compatíveis com o nível de treinamento fí- ções com alterações estruturais, ainda que subclínicas. Estima-se
sico realizado, com a área de superfície corpórea do atleta e que a prevalência dessas cardiopatias de potencial risco seja de aprocom a modalidade esportiva realizada.2 Em relação à pre- ximadamente 0,3% na população de atletas em geral.7,8
A morte súbita arrítmica é na maioria das vezes causada
sença de arritmias ventriculares, à semelhança da população
geral, três perguntas devem ser respondidas: 1) se há doença por fibrilação ventricular, desencadeada a partir de taquicarou adaptação estrutural associada, 2) se existem sintomas, e dia ventricular. Um substrato eletrofisiológico (representa3) se os sintomas pioram com o exercício. A grande diferen- do por isquemia, cicatrizes, canalopatias, inflamação ou vias
ça nesses casos é justamente a possibilidade de a alteração acessórias) associado a um componente disparador (repreestrutural associada a arritmias ventriculares representar ape- sentado por extra-sístoles) sob uma determinada modulação
nas uma adaptação fisiológica. Por isso, o passo inicial é tentar autonômica (aumento da atividade simpática sobre o sistedistinguir essas duas situações, lembrando ainda da chama- ma cardiovascular) são os três principais fatores desencadeda “zona cinzenta”, definida como a zona de intersecção en- adores de arritmias. Um estudo9 avaliando dados de necroptre a condição benigna e a patológica, tornando o desafio sia de jovens aparentemente normais que morreram subitaainda maior (Figura 1). As principais causas de morte súbita mente observou que em 94% dos indivíduos foram identifirelacionadas às arritmias ventriculares em atletas, como pro- cadas cardiopatias estruturais subclínicas, em alguns casos
ceder nessas situações e quando liberar ou não o atleta para somente detectáveis microscopicamente, reforçando a importância da detecção precoce do substrato estrutural preesuas atividades são os tópicos abordados neste trabalho.
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
273
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
xistente na prevenção das arritmias letais. A história de morte súbita na família e sintomas como palpitações, desconforto ou dor precordial, pré-síncope ou síncope durante a atividade física são os sinais de alerta para que se identifiquem
indivíduos em risco10. As principais doenças estruturais relacionadas à morte súbita em jovens atletas aparentemente
normais são a cardiomiopatia hipertrófica, a origem anômala das artérias coronárias, a displasia arritmogênica do ventrículo direito e, menos freqüentemente, as miocardites focais, a síndrome de Wolff-Parkinson-White, a síndrome de
Marfan e as canalopatias.
Nos últimos anos, vários esforços têm sido feitos para
que atletas em risco de arritmias ventriculares malignas sejam identificados. Desde a introdução de um “screening”
cardiovascular mais profundo na Itália, que consiste em anamnese, exame físico e eletrocardiograma na rotina da avaliação pré-participação em esportes competitivos, foi observado decréscimo significativo da incidência de morte súbita
acompanhado de aumento também significativo do número
de desqualificações. Esse decréscimo deve-se especialmente à redução de mortes por cardiomiopatias, embora sua relação custo-efetividade ainda seja muito questionada. 11
Cardiomiopatia hipertrófica
A prática regular de exercícios intensos está associada a
aumento fisiológico da espessura e da cavidade ventricular,
conforme mencionado anteriormente, e algumas vezes esse
aumento é comparável a formas leves de expressão da cardiomiopatia hipertrófica. Um estudo recente demonstrou que
a magnitude da hipertrofia cardíaca fisiológica do atleta de
elite não está relacionada ao aumento do número ou à complexidade das arritmias ventriculares observadas ao Holter
de 24 horas, sugerindo que essas arritmias são benignas e
correspondem a uma expressão da síndrome do coração de
atleta.12 A distinção entre o normal e o patológico nem sempre é fácil, mas é fundamental, já que a cardiomiopatia hipertrófica é responsável por um terço das mortes cardíacas
súbitas em atletas com menos de 35 anos de idade. A maioria
das mortes súbitas relacionadas à cardiomiopatia hipertrófica em atletas ocorre entre os 14 e 18 anos de idade. Entretanto, as definições do grau de hipertrofia ventricular do coração de atleta são baseadas em limites fisiológicos estabelecidos em adultos. Sharma e colaboradores13 avaliaram a espessura miocárdica ao ecocardiograma de 720 atletas adolescentes de elite comparativamente à de 250 adolescentes
sedentários sadios. Os resultados obtidos demonstraram que
os valores absolutos de espessura miocárdica foram superiores nos atletas em relação aos sedentários (9,5 + 1,7 mm vs.
8,4 + 1,4 mm). Embora a espessura ventricular chegasse a
274
atingir 14 mm em alguns atletas de elite, nenhuma atleta do
sexo feminino apresentou valor superior a 11 mm, assim como
somente 0,4% dos atletas do sexo masculino excederam o
limite de 12 mm. A maioria dos que excederam o limite apresentava também dilatação da cavidade ventricular esquerda.
Com esses dados conclui-se que o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica deve ser considerado sempre que um adolescente atleta apresentar espessura ventricular maior que 12
mm (11 mm no sexo feminino) sem dilatação da cavidade
ventricular concomitante.
Embora vários sejam os critérios propostos para o diagnóstico diferencial entre o normal e o patológico (como distribuição simétrica do espessamento muscular com aumento concomitante da cavidade ventricular, e normalidade na morfologia e
no padrão de enchimento ventricular), o critério clínico de normalidade mais definitivo é a redução do espessamento de 2 mm
a 5 mm após o descondicionamento físico. Especialmente nos
casos classificados como dentro da “zona cinzenta”, nos quais a
medida da cavidade ventricular se encontra entre 56 mm e 70
mm e a espessura é de 13 mm a 15 mm, por enquanto apenas a
interrupção do exercício permite o diagnóstico diferencial entre
o normal e o patológico14. A genotipagem familiar ofereceria
maior segurança no diagnóstico, mas ainda não está disponível
para uso clínico de rotina15,16.
Displasia arritmogênica do ventrículo direito
A displasia arritmogênica do ventrículo direito é uma
doença hereditária, na maioria das vezes de transmissão autossômica dominante, relacionada à taquicardia ventricular
e à morte súbita em jovens atletas.8,17
O diagnóstico é baseado na associação de anormalidades
eletrocardiográficas (ondas épsilon, ondas T negativas em precordiais direitas, extra-sístoles ventriculares e/ou taquicardia
ventricular com padrão de bloqueio de ramo esquerdo, potenciais tardios presentes), ventriculográficas (dilatação, disfunção
sistólica e/ou diastólica, aneurismas localizados ou afilamento
da parede e discinesias do ventrículo direito) e histológicas (infiltração fibroadiposa do ventrículo direito).18 Várias mutações
foram identificadas na displasia arritmogênica do ventrículo
direito. A penetrância do gene é variável e, portanto, as expressões fenotípicas são diferentes.19,20
Diversas teorias têm sido propostas para explicar a associação entre mutações genéticas e alterações estruturais que acompanham a displasia arritmogênica do ventrículo direito, como a
dilatação, a substituição adiposa dos miócitos, os microaneurismas e as cicatrizes. Recentemente, postula-se que o comprometimento da adesividade entre as células, provocado por mutações genéticas nos componentes dos desmossomos cardíacos,
promoveria essas alterações. Essa teoria sugere que agressões
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
ao tecido miocárdico, como inflamações focais (miocardites) e
o próprio exercício, podem exacerbar essa alteração de adesividade celular em indivíduos geneticamente predispostos, acelerando o processo de morte celular, e que o ventrículo direito
estaria mais propenso a essas modificações pela sua espessura
mais delgada e por sofrer normalmente mais dilatação em resposta ao exercício.21-23
Os sintomas mais freqüentes em pacientes portadores de
displasia arritmogênica do ventrículo direito são palpitações
e síncope. A inversão da onda T em V2 e V3 foi observada
em 60% dos casos. Recomenda-se atenção especial para as
alterações da repolarização próprias da síndrome do coração
de atleta, que muitas vezes geram dificuldade na diferenciação entre o eletrocardiograma normal e o patológico. Estudos recentes demonstraram que alterações mais profundas
da repolarização (> 2 mm em pelo menos três derivações)
em atletas com coração aparentemente normal podem representar expressão inicial de futura doença cardíaca incipiente, que se manifestará somente anos depois.24
Inserção anômala da artéria coronária
Um registro das principais causas de morte súbita em jovens atletas demonstra que as anomalias de artéria coronária
corresponderam a 17% dos casos, atrás apenas da cardiomiopatia hipertrófica, responsável por 36%.8
As anomalias das artérias coronárias podem fazer parte
de malformações congênitas complexas ou representar anormalidades isoladas (aproximadamente 2% dos casos). Dados de necropsia de indivíduos com diagnóstico após-morte
de coronária anômala revelaram que 59% apresentaram morte
súbita, em todos os casos relacionada à anomalia de origem
da coronária esquerda. A morte súbita foi precipitada por esforço físico em 50% dos casos e foi a primeira manifestação da
doença também em 50%. Os sintomas prévios, quando ocorreram, foram síncopes recorrentes, palpitações e dor precordial e
aproximadamente 40% dos indivíduos que morreram durante
esforço físico eram atletas competitivos.25 O reconhecimento
dos sintomas e a busca do diagnóstico por exames de imagem
são fundamentais para o estabelecimento do diagnóstico e a
prevenção da morte súbita nesses indivíduos.
Canalopatias
Síndrome do QT longo
A síndrome caracteriza-se por intervalo QT corrigido
maior que 460 ms, associado a síncopes recorrentes ou morte súbita, secundárias a episódios de “torsades de pointes”.26
São classificadas em genéticas e adquiridas. A síndrome do
QT longo adquirido pode ser secundária a distúrbios metabólicos (especialmente hipocalemia) ou ao efeito pró-arrítRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
mico de drogas. A síndrome do QT longo congênito é uma
desordem hereditária e habitualmente manifesta-se na infância e adolescência. É causa de morte súbita em grande parte
dos acometidos quando não identificados e não tratados adequadamente. Existe certa correlação entre o genótipo, o fenótipo e as diferentes formas de manifestação clínica da síndrome. O LQT1, por exemplo, pode ser identificado no eletrocardiograma pela presença de ondas T de base larga e início precoce; o LQT2, por ondas T de baixa amplitude; e o
LQT3, por intervalo QT longo e retificado, com ondas T de
início tardio27 (Figura 2). O gatilho para desencadeamento
dos eventos arrítmicos pode variar segundo o tipo de mutação. No LQT1, os exercícios físicos são os responsáveis pela
maioria dos eventos arrítmicos; no LQT2, esses eventos são
desencadeados principalmente por emoções ou estímulos
auditivos; e no LQT3, os eventos são desencadeados durante
o sono.28 Os principais fatores de risco para morte súbita na
síndrome do QT longo são a ocorrência de síncopes recorrentes e a duração do intervalo QT (> 530 ms).29
Síndrome de Brugada
A síndrome de Brugada é uma doença rara, de transmissão autonômica dominante, caracterizada por história familiar de morte súbita. Acomete predominantemente homens
(8:1) e geralmente a morte súbita ocorre entre 35 e 40 anos
de idade. As mutações genéticas causam alterações da função dos canais de sódio e geralmente a fibrilação ventricular
manifesta-se durante o sono. Pode ser classificada, de acordo com o padrão eletrocardiográfico, em: tipo 1, supradesnivelamento do ponto J e do segmento ST > 2 mm com concavidade superior seguido de onda T negativa (o segmento ST
em nenhum momento torna-se isoelétrico); tipo 2, supradesnivelamento do ponto J > 2 mm, logo seguido de segmento
ST gradualmente descendente, mas que se mantém pelo menos 1 mm acima da linha de base (a onda T que se segue é
positiva ou difásica, dando a esse conjunto o formato de “sela”);
e tipo 3, morfologia do segmento ST semelhante à do tipo 2,
mas com supradesnivelamento < 1 mm30 (Figura 3).
Taquicardia ventricular catecolaminérgica
A taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica
é uma doença de transmissão predominantemente autossômica dominante, raramente recessiva e ligada a alterações
dos receptores da rianodina cardíaca.31 Esses receptores, localizados próximos ao retículo sarcoplasmático, são responsáveis pelo efluxo de cálcio, íon-chave no processo de excitação e contração do músculo cardíaco. Durante estimulação
adrenérgica, as arritmias ventriculares ocorrem por atividade deflagrada, em decorrência da sobrecarga de cálcio.32 A doença manifesta-se clinicamente por síncopes recorrentes ou
morte súbita em crianças e jovens, em vários membros da famí-
275
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
Fig. 2. Correlação entre genótipo e fenótipo na síndrome do QT longo congênito. (Reproduzido de Moss e cols.27)
lia, relacionadas ao esforço físico e ao estresse emocional.33
Durante esforço físico ou estresse emocional, observam-se taquicardia ventricular polimórfica bidirecional, taquicardia ven-
tricular polimórfica ou fibrilação ventricular e no eletrocardiograma de repouso há tendência à bradicardia sinusal34,35 (Figura
4).
Fig. 3. Classificação eletrocardiográfica da síndrome de Brugada. (Reproduzido de Antzelevitch e cols.30)
Tipo 1 – Supradesnivelamento do ponto J e do segmento ST > 2 mm com
concavidade superior seguido de onda
T negativa (o segmento ST em nenhum momento torna-se isoelétrico.
Tipo 2 – Supradesnivelamento do ponto J > 2 mm, logo seguido de segmento ST gradualmente descendente, mas
que se mantém pelo menos 1 mm acima da linha de base (a onda T que se
segue é positiva ou difásica, dando a
esse conjunto o formato de “sela”).
Tipo 3 – Morfologia do segmento ST
semelhante à do tipo 2, mas supradesnivelamento < 1 mm.
276
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
Nam e colaboradores32 sugeriram que
a doença deve ser investigada em casos
de eventos arrítmicos deflagrados durante
a prática de natação, por ter sido diagnosticada mutação da rianodina em 9 de
43 pacientes com essa apresentação clínica em recente análise de casos.
Outras causas de arritmias ventriculares
Em nosso meio é de extrema importância o diagnóstico da doença de Chagas, altamente prevalente na população.
Embora o diagnóstico de cardiopatia
manifesta defina a não elegibilidade para
esporte competitivo, praticamente nada
Fig. 4. Taquicardia polimórfica catecolaminérgica induzida por esforço em atleta
se conhece sobre o efeito do exercício injovem com história de síncope e morte súbita familiar.
tenso nas formas indeterminadas, o que
torna difícil a decisão envolvendo indivíduos portadores de sorologia positiva sem manifestação clí- fibrilação ventricular secundária a trauma fechado de tórax.
Apenas 10% dos indivíduos sobrevivem, apesar das manonica da doença.
Apesar de menos freqüente, o diagnóstico de miocardite é bras de ressuscitação cardiopulmonar. Os fatores que defide particular importância em atletas, podendo passar desperce- nem maior vulnerabilidade ao seu desencadeamento são o
bido pelas alterações eletrocardiográficas freqüentes próprias tempo do impacto em relação à elevação da onda T, objetos
dessa população. Sua real incidência é desconhecida e, apesar mais sólidos de impacto, a velocidade e a localização do
de geralmente ter bom prognóstico, o exercício intenso pode impacto.41,42 A presença de desfibriladores externos durante
causar seqüelas a longo prazo. Miocardites focais provocam competições e o desenvolvimento de coletes de proteção mais
arritmias ventriculares e seu reconhecimento precoce pode evi- efetivos são fundamentais para a proteção desses atletas.43
tar a desqualificação do atleta, já que o processo pode ser reversível com repouso e tratamento específico (Figura 5). No entan- COMO PROCEDER DIANTE DE ARRITMIAS
to, o não reconhecimento pode ter como conseqüência o desen- VENTRICULARES EM ATLETAS
volvimento de seqüela miocárdica definitiva.36
Apesar da possibilidade de ocorrerem em conseqüência
Na vigência de infecções respiratórias, não é recomendável
ao atleta a prática de atividade esportiva.37 As miocardites são da síndrome do coração de atleta, as arritmias ventriculares
de difícil identificação e ainda requerem biópsia miocárdica para são um grande desafio na área da cardiologia do esporte.
sua confirmação. A análise do Doppler tissular é um método de Arritmias ventriculares freqüentes e/ou complexas podem ser
investigação promissor, não somente nas miocardites, mas tam- observadas em pessoas saudáveis, sem evidência de doenças
bém em outras formas de cardiomiopatias, embora não haja ainda estruturais, que, neste caso, têm comportamento benigno e
padronização de seus valores de referência para sua interpreta- de bom prognóstico.44-47 Quando se trata da liberação de um
atleta para atividade esportiva competitiva, a situação se torção na população de atletas.38,39
A presença de pré-excitação ventricular em atletas (síndro- na mais difícil. Os principais motivos são a escassez de estume de Wolff-Parkinson-White), mesmo que assintomática, é dos longitudinais, prospectivos e com grandes populações
motivo de preocupação, já que as condições adversas a que são de atletas, a possibilidade de estarmos diante de uma arritsubmetidos podem levar a modificações das características ele- mia de origem genética, como as canalopatias, e o fato de
trofisiológicas das vias anômalas e ao desencadeamento de ar- poderem ser o primeiro indício de uma doença estrutural inritmias potencialmente letais.40 A ablação por radiofreqüência é cipiente potencialmente letal.
Em atletas, os poucos trabalhos existentes parecem dium procedimento curativo que pode evitar a desqualificação do
vergir em relação ao significado das arritmias ventriculares.
atleta.
O “commotio cordis” é definido como a morte súbita por Biffi e colaboradores3, em estudo longitudinal e prospectiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
277
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
Fig. 5. Arritmia ventricular complexa (taquicardia ventricular não-sustentada) no pico do esforço em atleta de voleibol assintomática encaminhada para exame de rotina em prétemporada. A atleta foi liberada após
seis meses de acompanhamento e
avaliação com diagnóstico de miocardite resolvida.
vo, envolvendo 355 atletas avaliados por Holter, observaram baixa incidência de doença estrutural cardíaca associada às arritmias ventriculares (7%) e ausência de sintomas ou
eventos cardiovasculares em um período de oito anos. Ao
contrário, Heidbüchel e colaboradores48 observaram, em um
grupo de 46 atletas de alto rendimento, que as arritmias
ventriculares complexas não necessariamente representaram
uma condição benigna e foram associadas a alta prevalência
de comprometimento do ventrículo direito. Particularidades
de cada população podem ser responsáveis por essas diferenças, principalmente a presença de sintomas. Enquanto no
trabalho de Biffi a maioria dos atletas era assintomática e
apenas 5% apresentavam palpitações, no estudo de Heidbüchel 78% apresentavam sintomas como tontura, fadiga,
pré-síncope ou síncope, reforçando a tese de que a presença
de sintomas muda a interpretação dessas arritmias.
Outro ponto muito importante a ser lembrado é o papel
do treinamento físico na gênese das arritmias ventriculares e
o quanto o exercício pode aumentar o risco de morte súbita
de causa arritmogênica em atletas. Corrado e colaboradores7
demonstraram que o risco de morte súbita em jovens atletas
foi 2,5 vezes maior que em não atletas e que essa diferença
foi decorrente de doenças cardiovasculares não diagnosticadas previamente, sugerindo que, nesses casos, o exercício
atua como um gatilho para o desencadeamento de arritmias
ventriculares responsáveis pela morte súbita em indivíduos
suscetíveis. Esse achado vai de encontro ao estudo de Biffi e
colaboradores49, ao demonstrar o papel do descondiciona-
278
mento físico em atletas com arritmias ventriculares freqüentes e/ou
complexas, na presença ou não de
doença cardíaca estrutural. Nesse estudo, a interrupção dos exercícios
por três a seis meses foi responsável
por grande redução ou mesmo desaparecimento das extra-sístoles ventriculares isoladas (80%), pareadas (80%) e taquicardias ventriculares não-sustentadas (90%). Os possíveis mecanismos fisiológicos dessa redução, como alterações do sistema
nervoso autonômico, causas genéticas e adaptações da eletrofisiologia celular, precisam ser mais explorados, pois ainda não
se conhece, até o momento, o real papel de cada um na origem
das arritmias ventriculares desencadeadas pelo exercício.
Recomendações para participação esportiva
As recomendações para liberação esportiva em atletas com arritmias ventriculares têm recebido especial atenção ultimamente e
se baseiam muito no conhecimento adquirido a partir da população
em geral, de não atletas, e, mais recentemente, nos poucos trabalhos
publicados que se referem à população de atletas.
Atletas com doença cardiovascular associada
Em atletas com doenças estruturais diagnosticadas, como
cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito e cardiomiopatia dilatada, entre outras, a conduta é
mais fácil. Diante de qualquer uma dessas situações o atleta
está desqualificado para atividades esportivas competitivas de
alto e moderado componente estático e dinâmico, mesmo que
as arritmias estejam sob controle clínico farmacológico, por
ablação com radiofreqüência ou mesmo após implante de um
cardiodesfibrilador.50,51 Nesses casos, o que determina a liberação para atividade esportiva é a doença estrutural de base. A miocardite aguda focal é uma das poucas situações na qual o atleta poRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
derá ser liberado após seis meses, desde que haja resolução
completa da doença.
Atletas sem doença
cardiovascular aparente
Essa é a condição mais
desafiadora. A presença de
arritmias ventriculares freqüentes e/ou complexas, na
ausência de doença estrutural aparente, requer especial atenção antes da liberação
para o esporte. Dados positivos de anamnese, como
palpitações, dor ou desconforto precordial, dispnéia,
síncope ou pré-síncope, fadiga desproporcional ao
grau de exercício e história
de morte súbita em jovens
da família, devem ser considerados sinais de alerta
para a procura mais detalhada de doença, especialmente quando associados a alterações no exame físico,
como sopros patológicos, irregularidade no ritmo cardíaco e hipertensão. O eletrocardiograma deve ser avaliado detalhadamente na bus- Fig. 6. Fluxograma para avaliação e liberação de atletas com arritmias ventriculares.
ca de alterações subclínicas ECG = eletrocardiograma; ECG-AR = eletrocardiograma de alta resolução; RNM = ressonânque identifiquem situações de cia nuclear magnética.
risco.25 Nesse caso recomenda-se a interrupção das atividades esportivas e a realização de exames subsidiários específi- será submetido a descondicionamento físico por três a seis
cos até a confirmação diagnóstica de doença ou de normalida- meses e terá seus exames repetidos para se conhecer o papel
de.10
do exercício na gênese das arritmias. Caso não haja qualquer
No Ambulatório de Cardiologia do Esporte e Exercício redução na densidade ou complexidade da arritmia, esse atleta
do Instituto do Coração, em parceria com a Unidade Clínica será orientado a não participar de atividades esportivas compede Arritmia, diante desses atletas, a investigação não-invasi- titivas. Havendo redução total ou parcial (< 500 EV/24 horas)
va é composta de eletrocardiograma de 12 derivações e de da arritmia, será liberado para suas atividades e continuará seu
alta resolução, Holter de 24 horas (sempre que possível ori- acompanhamento regular (Figura 6). É importante lembrar que,
enta-se o atleta a executar um treinamento habitual), teste nos casos de taquicardias ventriculares idiopáticas e fasciculaergoespirométrico, ecocardiograma com Doppler, ressonân- res, o estudo eletrofisiológico e a ablação por radiofreqüência
cia nuclear magnética, angiotomografia de coronárias e mes- permitem o retorno à atividade esportiva um mês depois do promo estudo eletrofisiológico intracardíaco, dependendo da cedimento, desde que comprovado o sucesso.50,51
suspeita clínica. Não sendo constatada cardiopatia, esse atleta
Em nosso banco de dados, de 766 atletas avaliados, 2,3%
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
279
MATOS LDNJ e col.
Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte
apresentavam arritmia ventricular freqüente e/ou complexa. Destes, 53% foram liberados, enquanto 26% foram desqualificados para
o esporte competitivo. Na maioria dos atletas desqualificados (60%),
algum tipo de cardiomiopatia foi diagnosticado.
CONCLUSÕES
Arritmias ventriculares em atletas sempre requerem especial cuidado para a liberação esportiva competitiva. Tal
assertiva se deve a sua grande relação com morte súbita, prin-
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280
cipalmente sob condições extremas de estresse, distúrbios
eletrolíticos e ambientais a que estão expostos os atletas.
Deve-se, durante a avaliação, ter em mente que arritmias
ventriculares nem sempre são secundárias a doenças estruturais, mas também a causas de origem genética, como as
canalopatias. Diante de um atleta com arritmia ventricular,
todos os esforços e medidas disponíveis devem ser utilizados para que esse atleta não seja liberado, expondo-o a risco,
mas também para que sua carreira não seja encerrada desnecessariamente.
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MANUSEIO ATUAL DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
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ARGEMIRO SCATOLINI NETO1, ANA LÚCIA DE ALMEIDA1, ROBERTO ALEXANDRE FRANKEN1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:283-8
RSCESP (72594)-1725
As arritmias ventriculares sustentadas são o principal mecanismo de morte súbita. Freqüentemente são a primeira manifestação da doença arterial coronariana, e mesmo quando
eficazmente revertidas estão associadas a maior mortalidade
intra-hospitalar. Várias anormalidades eletrofisiológicas resultam da isquemia miocárdica. Mecanismos como reentrada, automatismo aumentado e atividade deflagrada estão
envolvidos na gênese das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto. O conhecimento dos mecanismos e das estratégias de prevenção e tratamento dessas arritmias é essencial no manejo bem-sucedido dos pacientes na fase aguda do
infarto do miocárdio.
Descritores: infarto do miocárdio; arritmias cardíacas; parada cardíaca; morte súbita.
MANAGEMENT OF VENTRICULAR ARRHYTHMIAS IN THE
SETTING OF ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION
Sustained ventricular arrhythmias are the main mechanism
of sudden death. Often are the first manifestation of coronary artery disease and even when effectively treated, are associated with higher in-hospital mortality. Several electrophysiological abnormalities are due to myocardial ischemia.
Reentry, automaticity, and triggered activity are involved in
the genesis of ventricular arrhythmias in the acute phase of
the infarction. The knowledge of the mechanisms and strategies for prevention and treatment of these arrhythmias is essential in successful management of patients in acute myocardial infarction.
Key words: myocardial infarction; arrhythmias, cardiac;
heart arrest; death, sudden.
1
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo, SP
Endereço para correspondência:
Argemiro Scatolini Neto – Rua Martinico Prado, 26 – cj. 11 – São Paulo, SP – CEP 01224-010
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
283
SCATOLINI NETO A e cols.
Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio
INTRODUÇÃO
O infarto agudo do miocárdio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Freqüentemente é a primeira
manifestação da doença coronariana ateroesclerótica. Aproximadamente 50% das mortes causadas por doença arterial
coronariana são súbitas e ocorrem nas primeiras horas após
mudança na situação clínica do paciente.1 O ritmo mais freqüentemente registrado quando do atendimento de pacientes
em parada cardíaca é a fibrilação ventricular (75% a 80%) e
bradiarritmias no restante dos casos.2
A fibrilação ventricular é mais incidente nas primeiras 4
horas após o início do infarto, reduzindo sua freqüência a
partir de então.3 É dita primária quando independe da gravidade do dano miocárdico, ou seja, manifesta-se como evento elétrico primário. A fibrilação ventricular secundária ocorre
em infartos complicados por disfunção ventricular.4
MUDANÇAS ELETROFISIOLÓGICAS DA
CÉLULA MIOCÁRDICA
Estudos experimentais demonstram que 75% das arritmias que ocorrem nas primeiras horas do infarto agudo do
miocárdio se iniciam por meio de fenômeno reentrante intramural na borda do infarto, degenerando rapidamente em
fibrilação ventricular.
Dois a três minutos após a interrupção do fluxo sanguíneo miocárdico ocorre despolarização dos cardiomiócitos de
normais -85 mV para -60 mV. Inicialmente, esse fenômeno é
acompanhado por aumento da excitabilidade. O limiar diastólico de despolarização permanece inalterado e intensidades de corrente de menor magnitude são necessárias para
atingi-lo. No entanto, à medida que a célula ou o grupo celular se tornam mais despolarizados, ocorre redução da excitabilidade. A velocidade da fase 0 progressivamente diminui,
e após dois minutos de isquemia a condução se torna gradativamente deprimida. Essa redução da condutividade decorre principalmente da inativação progressiva de canais rápidos de sódio, provocada pela despolarização progressiva.
Normalmente a ativação ventricular leva de 80 ms a 100 ms
para completar sua ativação. Sob as condições descritas acima, passa a requerer de 200 ms a 300 ms. Esse fenômeno é
particularmente mais evidente na região subepicárdica, ao
passo que a região subendocárdica é relativamente poupada.
Sob isquemia, a duração do potencial de ação é inicialmente aumentada. Rapidamente ocorre o inverso, com redução de sua duração. O período refratário efetivo mostra-se
alongado e, com o passar do tempo, as células tornam-se
irresponsivas. Após 15 a 20 minutos de isquemia, células na
284
região central do infarto recuperam sua excitabilidade, apresentando, no entanto, amplitude reduzida do potencial de
ação. A recuperação de excitabilidade exibida por algumas
células pode ser explicada pela ocorrência de hiperpolarização secundária à remoção do potássio extracelular pela circulação colateral e/ou estimulação da bomba Na-K provocada pela liberação maciça de catecolaminas. Contribui também para esse fato o incremento do cálcio intracelular resultante do aumento de sua condutância mediada pelas catecolaminas.
Cerca de 30 minutos após o início do infarto as células
não são despolarizáveis e a condução é bloqueada. Isso se dá
pela perda celular de potássio e pela queda dramática dos
níveis de ATP.
Essas alterações não ocorrem uniformemente em todas
as regiões e esse comprometimento heterogêneo é particularmente presente na borda da região infartada. A dissociação entre duração do potencial de ação e período refratário
efetivo é menos marcada nessa região, e ambos os lados (normal e isquêmico) podem exibir hiperexcitabilidade.
Se a reperfusão ocorre antes de 30 minutos de isquemia,
as células hiperpolarizam-se rapidamente e o potencial de
ação torna-se temporariamente muito curto. Essa recuperação, que ocorre de forma heterogênea, apresenta, de forma
geral, redução da excitabilidade mas com atividade automática presente, provavelmente às custas de pós-potenciais tardios (de fase 4). À medida que a duração do potencial de
ação tende à normalidade (alongando-se), observam-se póspotenciais precoces (de fases 2 e 3).5
MECANISMOS DE ARRITMIAS CARDÍACAS
Automatismo
Atividade automática pode ocorrer nos átrios ou ventrículos por meio da ativação da corrente de marcapasso (mediada pelo canal iônico If), da liberação lenta de cálcio pelo
retículo sarcoplasmático, da ativação da bomba Na/Ca e da
ativação de canais sensíveis a estiramento.
A corrente de marcapasso existente na musculatura tanto
atrial como ventricular pode ser ativada em estados de hiperpolarização, com potencial de membrana em nível bastante
negativo. Em presença de catecolaminas, essa ativação passa a ocorrer em valores menos negativos, tornando-se possível em níveis normais de potencial de repouso.
Nas células com sobrecarga de cálcio, a lenta liberação
de cálcio pelo retículo sarcoplasmático durante a diástole estimula vários canais de influxo, carreadores de cargas positivas, contribuindo, assim, para despolarização progressiva.
Quando atinge magnitude suficiente, a despolarização alRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
SCATOLINI NETO A e cols.
Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio
cança o limiar diastólico de ativação, sendo, então, gerada
uma extra-sístole.5
Atividade deflagrada
Existem dois tipos de pós-potenciais: o precoce, que ocorre nas fases 2 e 3 do potencial de ação, e o tardio, que ocorre
na fase 4. Pós-potenciais são flutuações despolarizantes do
potencial de membrana, que, quando apresentam magnitude
suficiente, podem desencadear um novo potencial de ação
(uma extra-sístole). Se o fenômeno ocorrer repetidamente,
leva a uma taquicardia.
O pós-potencial precoce é produzido por aumento da condutância de canais de cálcio e/ou liberação de cálcio pelo
retículo sarcoplasmático. O pós-potencial tardio é produzido por uma corrente complexa, resultante da sobrecarga de
cálcio intracelular decorrente de bloqueio do efluxo de cálcio, aumento do influxo passivo de cálcio e sódio, e liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático.
Reentrada
As vias do circuito podem ser compostas por substrato
anatômico ou funcional. Devem ser obedecidos dois requisitos fundamentais: bloqueio unidirecional do estímulo em uma
das vias de propagação e condução lenta e período refratário
efetivo curto na via remanescente.
Cada potencial de ação apresenta um momento e voltagem críticos, durante o qual um extra-estímulo (extra-sístole) induz bloqueio unidirecional. A estimulação nesse período crítico resulta em bloqueio da transmissão no sentido anterógrado, pois as células ainda estão em período refratário
absoluto. Enquanto a frente de onda que foi conduzida pela
via de condução lenta e período refratário curto, portanto
não refratária, ativa a musculatura adjacente, a normalização da condutância ao sódio se processa com rapidez suficiente na via rápida para permitir transmissão do estímulo em
seu sentido retrógrado, atingindo, assim, o início do circuito. A associação entre condução lenta e período refratário
curto se faz necessária para que a frente de ativação não atinja
grupos celulares ainda em estado refratário.5
IMPORTÂNCIA PROGNÓSTICA DA
FIBRILAÇÃO VENTRICULAR
A fibrilação ventricular primária está associada a maior
mortalidade hospitalar. No entanto, aqueles que sobreviveram ao episódio apresentaram prognóstico a longo prazo semelhante ao dos que não cursaram com fibrilação ventricular.6,7
A fibrilação ventricular secundária é mais comum em
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
idosos (idade superior a 65 anos) e se associa a maior mortalidade hospitalar se comparada à fibrilação ventricular primária. Provavelmente a magnitude do dano miocárdico é responsável por tal prognóstico.8
PREDITORES DE ARRITMIAS CARDÍACAS E
PARADA CARDÍACA NO INFARTO AGUDO
DO MIOCÁRDIO
Vários investigadores propuseram classificar as arritmias cardíacas de acordo com sua freqüência e complexidade,
relacionando-as ao risco de fibrilação ventricular.9-11 No entanto, nenhum deles alcançou boa sensibilidade e especificidade.
A análise dos registros hospitalares de pacientes atendidos com parada cardíaca que ocorreu nas primeiras 48 horas
após infarto agudo do miocárdio demonstrou que lesão proximal na artéria culpada e qualquer ritmo que não o ritmo
sinusal foram fortes preditores para parada cardíaca. Ao contrário de outros estudos, a localização da artéria culpada (esquerda ou direita) não produziu tendência diversa na ocorrência de parada cardíaca. Interessante foi a observação de
que história familiar negativa para doença coronariana associou-se a maior tendência à parada cardíaca. Os autores aventam a possibilidade de que aqueles com história familiar de
doença coronariana são mais informados a respeito da doença e provavelmente procurem mais precoce e freqüentemente cuidados médicos quando da ocorrência de sintomas. Além
disso, esses indivíduos possivelmente são alvo de estratégias preventivas mais agressivas. A presença de diabetes melito, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, dislipidemia e tabagismo não incidiu de forma significativamente diferente entre aqueles que apresentaram ou não parada cardíaca.12
INFARTO DO MIOCÁRDIO COM E SEM
ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST
A ocorrência de arritmias ventriculares na fase aguda do
infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST
estratifica um grupo com maior mortalidade a curto e longo
prazos.13
Da mesma forma, a fibrilação e a taquicardia ventricular
em pacientes com infarto sem elevação do segmento ST foram associadas a maior mortalidade aos 30 dias e aos seis
meses.14
O registro OPERA incluiu aproximadamente 56 centros
franceses e 2.176 pacientes. Foram incluídos pacientes com
idade igual ou superior a 18 anos, hospitalizados por infarto
285
SCATOLINI NETO A e cols.
Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio
agudo do miocárdio confirmado no momento da alta hospitalar. Do número inicial de 2.176 pacientes, 2.151 tiveram o
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio confirmado durante a internação. Destes, 2.090 foram incluídos no estudo
após serem informados apropriadamente sobre o protocolo.
Três quartos dos pacientes (76%) eram do sexo masculino e
em mais da metade (61,3%) o infarto foi a primeira manifestação da doença. Dos 2.151 pacientes com infarto agudo do
miocárdio confirmado durante internação, 97 (4,5%) morreram (31 deles não receberam as informações acerca do protocolo antes da morte, e, portanto, não foram incluídos no
registro). Na população incluída no registro, foram registradas 66 mortes (3,2%). A mortalidade entre aqueles com e
sem supradesnivelamento do segmento ST não diferiu estatisticamente. Também não foi diferente estatisticamente o
número de ressuscitados de parada cardíaca (arritmia não
especificada), ocorrendo em 1,9% e 0,7%, respectivamente.
A longo prazo, as populações estudadas não mostraram prognóstico diferente.15
MANEJO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
Considerações sobre os antiarrítmicos utilizados no
manejo das arritmias ventriculares
A recomendação da amiodarona no tratamento da taquicardia ventricular sem pulso e da fibrilação ventricular baseia-se em dois estudos: “Amiodarone for Resuscitation after Out-of-Hospital Cardiac Arrest Due to Ventricular Fibrillation” (ARREST) 16 e “Amiodarone versus Lidocaine in Prehospital Ventricular Fibrillation Evaluation” (ALIVE) 17.
No ARREST, a eficácia da infusão endovenosa de 300
mg de amiodarona foi comparada com placebo em pacientes
com fibrilação ventricular. No ALIVE, a eficácia da amiodarona na dose de 5 mg/kg (repetindo 2,5 mg/kg, se necessário) foi comparada com xilocaína 1,5 mg/kg (repetindo a
mesma dose, se necessário) no tratamento da fibrilação ventricular resistente aos choques. Nos dois estudos o uso da
amiodarona propiciou taxas maiores de sobrevivência até
internação hospitalar. É importante notar que ambos os estudos foram realizados no cenário do atendimento pré-hospitalar da fibrilação ventricular, e que o tempo médio de administração dos fármacos foi superior a 20 minutos após a instalação do evento.
Tanto no ARREST como no ALIVE, a amiodarona foi
diluída em 20 ml a 30 ml de volume e infundida lentamente,
minimizando o risco de bradicardia, hipotensão e flebite. No
entanto, o retardo decorrente da lenta infusão não é desejável nesse contexto. Assim, foi estudada a administração de
286
300 mg de amiodarona pura em bolo durante fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso. Os resultados
demonstraram que esse tipo de infusão não produziu níveis
diferentes de pressão arterial ou maior necessidade de fármacos vasoativos quando comparado ao grupo que não recebeu amiodarona pura.18
Considerações sobre choque monofásico e bifásico
Existiam evidências a partir de um estudo randomizado
de que o choque bifásico seria superior ao choque monofásico.19 No entanto, o estudo “Out-of-Hospital Rectilinear Biphasic Investigational Trial” (ORBIT), desenhado para comparar a segurança e a eficácia de desfibriladores de onda bifásica e monofásica, não demonstrou superioridade do choque bifásico sobro o monofásico.20
Taquicardia ventricular sustentada monomórfica
A taquicardia ventricular se sustenta por mais de 30 segundos. Se, antes disso, produzir instabilidade hemodinâmica, angina ou edema pulmonar, deve ser revertida com choque sincronizado de 100 J (indicação classe I, nível de evidência B).21,22
Nas taquicardias ventriculares que não cursam com instabilidade hemodinâmica, angina ou edema pulmonar e com
pressão arterial sistólica igual ou superior a 90 mmHg, podese lançar mão de antiarrítmicos. O fármaco de escolha é a
amiodarona por via endovenosa em bolo de 150 mg em 10
minutos. Essa dose pode ser repetida até a dose máxima nas
24 horas de 2,2 g. O uso da procainamida é uma alternativa
(indicação classe IIb, nível de evidência C), e pode ser infundida na dose de ataque de 1 g (dose máxima de ataque de
17 mg/kg) a 20-50 mg/min de velocidade de infusão. A dose
de manutenção é de 1 mg/min a 4 mg/min.21,22
Taquicardia ventricular sustentada polimórfica
A taquicardia ventricular polimórfica sustentada deve ser
imediatamente revertida com choque não sincronizado bifásico de 200 J ou monofásico de 360 J (indicação classe I,
nível de evidência B).21,22 Caso não reverta, deve ser iniciada
a seqüência preconizada pelo ACLS (“Advanced Cardiac Life
Support”) para parada cardíaca.22 Se ainda não tiverem sido
iniciadas, devem ser imediatamente instauradas todas as
medidas no sentido de redução da isquemia e da estimulação
adrenérgica (uso de betabloqueador) (indicação classe IIa,
nível de evidência B).21 Da mesma forma, a normalização
dos níveis séricos de potássio e magnésio deve ser feita agressivamente, com o objetivo de manter o nível sérico de potássio acima de 4,0 mEq/L e de magnésio, acima de 2,0 mg/dL
(indicação classe IIa, nível de evidência C).21 Em raros casos
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SCATOLINI NETO A e cols.
Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio
nos quais há refratariedade às medidas adotadas, podem ser
necessárias medidas ainda mais agressivas, como angioplastia transluminal coronariana de urgência, contrapulsação
aórtica e revascularização cirúrgica de urgência (indicação
classe IIa, nível de evidência B). 21
Quando a taquicardia ventricular polimórfica ocorre associada a bradicardia e intervalo QTc aumentado (“torsades
de pointes”), pode ser necessária estimulação cardíaca com
freqüência elevada por meio de eletrodo transvenoso temporário (indicação classe IIa, nível de evidência C).21
O uso rotineiro de antiarrítmicos com finalidade profilática não é indicado, inclusive durante e após administração
de fibrinolíticos (indicação classe III, nível de evidência B).21
Fibrilação ventricular
A fibrilação ventricular, assim como a taquicardia ventricular sem pulso, deve ser tratada com choque não sincronizado com 200 J bifásico ou 360 J monofásico (indicação
classe I, nível de evidência B).21,22 Se não houver reversão
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
imediata, devem ser seguidas as manobras de reanimação
segundo algoritmo do ACLS.22 Mais uma vez, a correção de
distúrbios eletrolíticos deve feita agressivamente, no sentido de manter o nível sérico de potássio maior que 4,0 mEq/L
e de magnésio, maior que 2,0 mg/dL (indicação classe IIa,
nível de evidência C).21
Ritmo idioventricular acelerado
De forma geral, não está indicado o uso de antiarrítmicos
para o tratamento do ritmo idioventricular acelerado (indicação classe III, nível de evidência C).21
Extra-sístoles ventriculares, pareamentos e taquicardia
ventricular não-sustentada
Atualmente, sabe-se que essas arritmias não são preditoras de taquicardia ventricular monomórfica ou de fibrilação
ventricular. Não é recomendado tratamento com antiarrítmicos, desde que não haja comprometimento hemodinâmico
(indicação classe III, nível de evidência A).21
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
NA FASE CRÔNICA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO
JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS1, ENRIQUE INDALÉCIO PACHÓN MATEOS2
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:289-302
RSCESP (72594)-1726
As arritmias ventriculares são a principal causa de morte
súbita na fase crônica do infarto. A despeito de grandes avanços, ainda não existe um marcador ideal para avaliação do
risco dessas arritmias. Apesar das limitações, a fração de ejeção tem sido o marcador mais importante, sendo largamente
utilizado pelas diretrizes para identificar os casos de alto risco. O tratamento se inicia com o diagnóstico e a eliminação
de todas as causas possíveis de isquemia, e, na seqüência,
pode ser realizado com drogas antiarrítmicas, desfibriladores, ablação por radiofreqüência e cirurgia. Quando existe
disfunção ventricular, com exceção dos betabloqueadores e
da amiodarona, as drogas antiarrítmicas aumentam a mortalidade. O implante de desfibrilador é o tratamento de eleição
nos casos de alto risco, chegando a reduzir a mortalidade em
20% a 70%, dependendo da série estudada. A ablação por
radiofreqüência pode ser aplicada nas taquicardias monomórficas e para reduzir o número de terapias nos portadores de
desfibriladores. A cirurgia pode ser fundamental para corrigir a isquemia e quando existe indicação de aneurismectomia (arritmia, trombose ou insuficiência cardíaca). Nos casos
de insuficiência cardíaca de difícil controle com QRS largo deve
ser considerado o implante de um ressincronizador.
Descritores: morte súbita; infarto do miocárdio; arritmia;
desfibriladores.
1
RISK STRATIFICATION AND TREATMENT OF VENTRICULAR
ARRHYTHMIAS IN THE CHRONIC PHASE OF MYOCARDIAL INFARCTION
Ventricular arrhythmias are de main cause of sudden death after
myocardial infarction. Up today there is no definitive marker
for risk stratification of these arrhythmias. Despite limitation
the ejection fraction has been the most important. Usually it is
the most frequent included in the main trials to feature the high
risk patients. The management begins by diagnosing and removing any ischemia. The treatment may be accomplished with
drugs, defibrillators, radiofrequency catheter ablation, and surgery. All the antiarrhythmic drugs but betablockers and amiodarone may increase mortality mainly in cases of myocardial
dysfunction and must be avoided. The best treatment in high risk
patients is the defibrillator implantation that may reduce the mortality from 20% to 70% depending on the study. The radiofrequency
catheter ablation may be very useful in cases of stable monomorphic ventricular tachycardia and for reducing therapies in cases having frequent defibrillator interventions. Surgery may be the best
treatment to correct some cases of ischemia and for removing ventricular aneurisms related to arrhythmia, thrombosis or cardiac failure. If the QRS is wide and there is important myocardial dysfunction, resynchronization therapy must be considered.
Key words: ventricular arrhythmia; sudden death; defibrillators; myocardial infarction.
Serviço de Marcapasso – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo, SP
2
Serviço de Arritmias – Hospital Edmundo Vasconcelos – São Paulo, SP
1, 2
Serviço de Arritmias – Hospital do Coração (HCor) – São Paulo, SP
Endereço para correspondência:
José Carlos Pachón Mateos – Av. Açocê, 515/31 – Indianópolis – São Paulo, SP – CEP 04075-023
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289
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
INTRODUÇÃO
A história de infarto do miocárdio é uma das condições
mais prevalentes nos casos de morte súbita por arritmias.
Aproximadamente metade desses óbitos ocorre no primeiro
ano, sendo um quarto nos primeiros três meses pós-infarto
do miocárdio. Dessa forma, a presença de arritmias na fase
crônica do infarto representa um duplo desafio para o clínico, que deverá avaliar sua importância e decidir seu tratamento. Diferente das arritmias da fase precoce (< 48 horas), as
arritmias da fase crônica geralmente se devem a um substrato
definido e permanente, que representa um fator de risco constante. Essa é a principal razão pela qual o “Defibrillator in Acute Myocardial Infarction Trial” (DINAMIT), estudo que avaliou a eficácia do desfibrilador cardíaco implantável profilático nos primeiros 40 dias pós-infarto, não mostrou benefício na redução da mortalidade. Neste artigo serão abordados
a avaliação de risco e o tratamento das arritmias além de 40
dias após infarto agudo do miocárdio.
ou potenciais de isquemia devem ser tratadas e prevenidas.
Os exames envolvidos, além da avaliação clínica, são o eletrocardiograma, o teste ergométrico, a cintilografia, a tomografia coronária e a cinecoronariografia. O tratamento passa
por medicação, angioplastia e cirurgia de revascularização.
O estudo CABG-Path mostrou que mesmo nos casos de “alto
risco” de arritmias o desfibrilador implantável não obteve
benefício na sobrevida quando os pacientes apresentavam
indicação de revascularização miocárdica. Concluída essa
etapa, caso ainda existam arritmias ventriculares, procedese à avaliação de risco.
Apesar de muitos estudos e de grandes “trials” até o momento, não existem marcadores de risco decisivos que possam identificar claramente pacientes com alto risco de morte
súbita na fase crônica do infarto do miocárdio. Isso, provavelmente, decorre do fato de o evento fatal geralmente ser
uma arritmia maligna, como taquicardia ventricular muito
rápida e mal tolerada ou “flutter” e/ou fibrilação ventricular,
que geralmente se instala pela sobreposição de fatores permanentes e de fatores intercorrentes.
TIPOS DE ARRITMIAS PÓS-INFARTO
Os tipos de arritmias pós-infarto do miocárdio e suas principais características estão apresentados na Tabela 1.
AVALIAÇÃO DE RISCO DAS ARRITMIAS
VENTRICULARES PÓS-INFARTO DO MIOCÁRDIO
A primeira conduta é identificar e tratar a isquemia real e
potencial. Esses pacientes devem ser submetidos a detalhada avaliação da circulação coronária, e as causas definidas
FATORES PERMANENTES E FATORES
INTERCORRENTES
Cicatriz bem definida no miocárdio, área de retardo ou
bloqueio unidirecional no miocárdio, bloqueio de ramo, hipertrofia ou dilatação miocárdica, aneurisma ventricular, áreas de fibrose e perda de conexinas são exemplos de fatores
permanentes. Por outro lado, alteração eletrolítica (hipo ou
hiperpotassemia ou calcemia), estimulação adrenérgica, aumento do estresse ou distensão miocárdica, aumento do cál-
Tabela 1 – Tipos de arritmias pós-infarto do miocárdio e suas principais características
Tipo
Morfologia
Principais características
Extra-sístoles
TV não-sustentada
MeP
MeP
TV sustentada
“Torsade de pointes”
MeP
P
“Flutter” ventricular
M
Fibrilação ventricular
P
Isoladas, bi ou trigeminadas, acoplamentos
Três ou mais batimentos, terminando espontaneamente
< 30 s
> 30 s ou quando necessita cardioversão
TV com transição progressiva da polaridade do QRS,
geralmente autolimitada e repetitiva
TV rápida (300 bpm) e regular sem linha isoelétrica entre
os complexos
↑ rápida (ciclos < 180 ms), totalmente desorganizada,
QRS e linha de base mal definidos
______________
M = monomórfica; P = polimórfica; TV = taquicardia ventricular.
290
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
cio citoplasmático, alteração do pH, presença de substâncias
estimulantes (simpaticomiméticos, cafeína, álcool, etc.), efeitos pró-arrítmicos de medicamentos, hipotensão e isquemia
adicional são claramente fatores intercorrentes. Dessa forma, quando avaliamos o paciente no consultório geralmente
temos acesso, com maior ou menor alcance, aos fatores permanentes os quais podem ser avaliados objetivamente. Por outro lado, os fatores intercorrentes devem
ser considerados num contexto de probabilidades,
de acordo com condições clínicas, hábitos de vida e
disciplina de cada paciente. Adicionalmente, fatores permanentes podem instalar uma arritmia bem
tolerada a qual, por sua vez, gera o aparecimento de
fatores intercorrentes (hipotensão, isquemia, acidose, ansiedade, aumento de catecolaminas, etc.), resultando numa superposição de alto risco ou mesmo fatal.
pode-se comentar o MADIT II, no qual os pacientes com
mais de um mês de infarto do miocárdio foram randomizados para desfibrilador ou para tratamento clínico, desde que
tivessem fração de ejeção < 30%. Houve redução da mortalidade de 31% com o desfibrilador, demonstrando que a baixa fração de ejeção foi forte preditor de alto risco.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO
Apesar da grande quantidade de marcadores de
Fig. 1. Correlação da fração de ejeção (avaliada 14 dias após infarto
risco que vem sendo estudada, nenhum desses mardo miocárdio) com a mortalidade anual em 3.197 pacientes pós-incadores tem se mostrado decisivo na avaliação do
farto do miocárdio tratados com trombolíticos no estudo TIMI II.2
risco de morte súbita ou de arritmias ventriculares
malignas pós-infarto do miocárdio. Do ponto de vista
clínico, os principais marcadores são:
– fração de ejeção;
– indução de taquicardia ventricular no estudo eletrofisioló- Indução de taquicardia ventricular no estudo
gico;
eletrofisiológico
– extra-sístoles ventriculares no Holter de 24 horas;
A indução de taquicardia ventricular monomórfica sus– taquicardia ventricular não-sustentada no Holter de 24 ho- tentada no estudo eletrofisiológico sugere a presença de subsras;
trato permanente no miocárdio e está relacionada a pior prog– taquiarritmia ventricular sustentada;
nóstico. Entretanto, conforme o estudo MUSTT3, esse mar– aumento da duração do QRS;
cador tem maior valor nos casos com fração de ejeção > 30%,
– eletrocardiograma de alta resolução com potenciais tardi- tendo em vista que fração de ejeção < 30% indica alto risco,
os;
independentemente do resultado do estudo eletrofisiológi– variabilidade RR reduzida;
co. A mortalidade por arritmia em cinco anos não foi signifi– alternância de onda T.
cativamente maior se a taquicardia ventricular foi induzida
em paciente com fração de ejeção < 30% (40% vs. 31%),
Fração de ejeção
porém foi significativamente maior se a fração de ejeção era
É um dos marcadores de risco mais importantes, inde- > 30% mas < 40 (30% vs. 17%).
pendentemente da presença de insuficiência cardíaca, apesar de sua baixa especificidade1 (Figura 1). Recomenda-se Extra-sístoles ventriculares no Holter de 24 horas
que esse marcador seja obtido após 40 dias do infarto do
Esse marcador de risco foi avaliado no estudo GISSI-2
miocárdio. Foi critério de inclusão dos grandes estudos ran- (8.676 pacientes pós-infarto do miocárdio tratados com tromdomizados que avaliaram a indicação primária de desfibrila- bolíticos) por meio de Holter de 24 horas antes da alta. Fodor, tais como MUSTT, MADIT, MADIT II e SCD HeFT ram considerados dois grupos: o de baixo risco, com extra(neste último, aproximadamente metade dos pacientes tinha sístoles monomórficas < 10/hora e o de maior risco, com
cardiomiopatia dilatada não-isquêmica). Como exemplo, extra-sístoles > 10/hora e/ou complexas (acopladas ou poliRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
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PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
mórficas). A mortalidade em seis meses foi maior nos grupos de extra-sístoles freqüentes e complexas em relação aos
pacientes com extra-sístoles isoladas pouco freqüentes (5,4%
e 4,8% vs. 2%)4. Todavia, apesar de as extra-sístoles freqüentes ou complexas aumentarem a mortalidade, sua supressão
com antiarrítmicos não melhora a sobrevida.
Taquicardia ventricular não-sustentada no
Holter de 24 horas
Está associada a aumento significativo de mortalidade
quando ocorre > 13 horas após o infarto e o risco relativo
aumenta ainda mais se está presente após 24 horas do evento
agudo5. Entretanto, estudos mais recentes, como MADIT II
e SCD-HeFT, demonstraram redução significativa de mortalidade em pacientes de alto risco com implante de desfibriladores, independentemente de taquicardia ventricular nãosustentada.
Assim, por causa do baixo poder preditivo da taquicardia
ventricular não-sustentada, da baixa reprodutibilidade e da
expansão das indicações de desfibriladores baseadas na fração de ejeção e na presença de insuficiência cardíaca, o papel da taquicardia ventricular não-sustentada está restrito aos
pacientes com fração de ejeção entre 30% e 40%, nos quais
a presença dessa arritmia recomenda estratificação maior com
estudo eletrofisiológico invasivo3.
Taquiarritmia ventricular sustentada
Neste item incluem-se a taquicardia ventricular monomórfica, a taquicardia ventricular polimórfica e a fibrilação
ventricular, as quais normalmente não necessitam de maior
estratificação de risco, pois devem ser rigorosamente tratadas quase sempre com implante de desfibrilador, em especial se ocorrerem 48 horas após o infarto do miocárdio. A taquicardia ventricular polimórfica e a fibrilação ventricular
geralmente não aumentam o risco quando ocorrem nas primeiras 48 horas do infarto do miocárdio (substrato temporário). Todavia, ao contrário da fibrilação ventricular, a taquicardia ventricular monomórfica mesmo precoce parece estar
relacionada a substrato permanente e aumento da mortalidade6, de forma que esses pacientes devem ser estratificados
com estudo eletrofisiológico antes da alta, mesmo se essa
arritmia ocorrer na fase aguda.
Aumento da duração do QRS
Pode ser facilmente detectado no eletrocardiograma, sendo ocasionado por bloqueio de ramo, por bloqueio peri-infarto ou por remodelação elétrica da disfunção miocárdica.
Nos casos com disfunção miocárdica, o QRS > 120 ms7 ou >
130 ms8 está relacionado ao dobro de mortalidade em rela-
292
ção aos pacientes com QRS normal. Em decorrência dessas
observações, os ressincronizadores têm sido indicados mesmo com QRS pouco aumentado (> 120 ms).
Eletrocardiograma de alta resolução com potenciais
tardios
Esses potenciais refletem áreas de condução lenta no miocárdio, facilmente criadas pelo infarto, que denotam substrato fixo para o mecanismo de reentrada e risco de taquiarritmias ventriculares. Com o advento da trombólise, houve
redução significativa da prevalência dos potenciais tardios
pós-infarto do miocárdio. Seu valor preditivo positivo tem
se mostrado baixo, de forma que, atualmente, é muito pouco
utilizado para estratificação de risco pós-infarto do miocárdio9.
Variabilidade RR reduzida
Trata-se de uma medida que compara a duração dos intervalos RR. Normalmente, quanto maior a variabilidade RR
maior a participação vagal no tônus autonômico. Dessa forma, variabilidade RR reduzida é caracteristicamente encontrada na disfunção miocárdica pós-infarto, tendo em vista
que o mecanismo natural de compensação se caracteriza por
aumento do tônus simpático e redução do parassimpático.
Diversos estudos, como EMIAT, GUSTO-1, ATRAMI e DINAMIT, têm demonstrado a relação de baixa variabilidade
RR com aumento da mortalidade pós-infarto do miocárdio.
A presença de baixa variabilidade RR pós-infarto do miocárdio sugere pior prognóstico, entretanto esse marcador de
risco tem sido mais uma ferramenta de pesquisa10 e não tem
sido incluído por nenhuma diretriz nas indicações de desfibrilador cardíaco implantável pela sua baixa especificidade.
Alternância de onda T
Pequenas oscilações de amplitude e morfologia da onda
T em batimentos alternados, mesmo invisíveis no eletrocardiograma (alternância microscópica), podem ser medidas com
técnicas especiais de registro e têm se mostrado úteis como
marcador de risco de mortalidade pela heterogeneidade da
repolarização11. A maioria dos grandes estudos randomizados sobre mortalidade pós-infarto do miocárdio tem demonstrado grande benefício do implante de desfibrilador. Entretanto, quando se fala de prevenção de morte súbita – indicação primária de desfibrilador – ainda é bastante elevado o
número de pacientes que necessitam ser tratados para salvar
uma vida (NNT). Isso demonstra que os marcadores de risco
ainda são pouco específicos. Em estudo recente, foi observado que, em pacientes com infarto do miocárdio pregresso
e sem história de arritmias, o número necessário a tratar para
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
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Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
salvar uma vida com desfibrilador, num período de dois anos,
foi de 9 entre os portadores de alternância e de 76 entre aqueles sem alternância de onda T12. Diversos trabalhos têm demonstrado grande especificidade e sensibilidade na alternância de onda T para identificar pacientes de alto risco; contudo, esse marcador ainda não está em uso corrente na prática
diária, pois está sendo investigado e sua metodologia ainda
está sendo desenvolvida, normatizada e submetida ao crivo
de grandes estudos. Somente após essa fase será conhecida
sua verdadeira utilidade na identificação não-invasiva dos
pacientes de alto risco.
TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
NA FASE CRÔNICA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO
As arritmias que ocorrem nas primeiras 48 horas do infarto do miocárdio pouco interferem no prognóstico a longo
prazo, pois geralmente se originam em substrato temporário. Isso vale para as taquiarritmias não-sustentadas e para a
fibrilação ventricular. Todavia, a taquicardia ventricular monomórfica que ocorre 24 horas após o infarto do miocárdio
representa um fator de risco mesmo para a fase crônica e
deve ser avaliada com estudo eletrofisiológico antes da alta.
As arritmias ventriculares que ocorrem após as 48 horas
iniciais e na fase crônica pós-infarto do miocárdio são consideradas fatores de risco adicional pós-infarto do miocárdio,
pois geralmente se devem à presença de um substrato permanente formado a partir da cicatrização da área previamente isquêmica. Como a cicatrização é muito irregular, nas bordas há tecido muscular viável entrelaçado com fibrose, permitindo a formação de circuitos complexos de arritmia. Há
também a possibilidade de miócitos ficarem isolados pela
cicatriz (com bloqueio de entrada), formando focos automáticos de arritmias.
As arritmias ventriculares da fase crônica do infarto do
miocárdio são: extra-sístoles ventriculares, taquicardia ventricular não-sustentada, taquicardia ventricular sustentada (essas três arritmias poderão se apresentar como monomórficas
ou polimórficas) ou fibrilação ventricular.
Na fase crônica do infarto do miocárdio, muitas vezes
ocorrem crises de taquicardia que necessitam tratamento imediato nas unidades de emergência. Nesse caso, podem ser
utilizados antiarrítmicos, marcapasso provisório, cardioversão torácica externa e ablação por radiofreqüência (Tabela
2). É nessa situação que as drogas antiarrítmicas têm maior
utilidade, já que podem ser utilizadas por via endovenosa e
por curtos períodos, até que haja estabilização clínica do caso.
Fora dos episódios de crise, o tratamento dessas arritmias
pode ser realizado com drogas antiarrítmicas, cardioversorRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
desfibrilador implantável, ablação por cateter utilizando radiofreqüência, e cirurgia.
Drogas antiarrítmicas
Em decorrência da associação das arritmias com a morte
súbita, um grande número de estudos clínicos tem avaliado a
utilidade das drogas antiarrítmicas na sua prevenção em pacientes com infarto do miocárdio prévio. Há razões teóricas
para justificar os motivos pelos quais as drogas antiarrítmicas seriam potencialmente benéficas:
1. se as extra-sístoles ventriculares são relacionadas ao desencadeamento de taquiarritmias malignas sustentadas, então a supressão desses batimentos poderia prevenir a morte
súbita;
2. se arritmias ventriculares não-sustentadas não são a causa, mas refletem a presença de substrato potencialmente patológico com elevado risco de produzir morte súbita, então
elas podem identificar um subgrupo de pacientes de risco
elevado que poderia se beneficiar da terapia antiarrítmica;
3. pacientes com história de taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular são sabidamente de risco maior para recorrência, a qual poderia ser prevenida pelo uso de
drogas antiarrítmicas.
Apesar desses possíveis benefícios teóricos, estudos randomizados e metanálises que incluem praticamente todos os
antiarrítmicos têm demonstrado, de forma reprodutível, que
esses medicamentos têm pouco efeito e inclusive aumentam
o risco de morte súbita pós-infarto do miocárdio, principalmente quando existe disfunção ventricular associada. No
estudo MUSTT, foi comparado o tratamento farmacológico
empírico sem antiarrítmicos com o tratamento com antiarrítmicos guiado por estudo eletrofisiológico, que não demonstrou benefício na sobrevida, seja por mortalidade súbita ou
por mortalidade total. Já o cardioversor-desfibrilador implantável mostrou redução de 73% na mortalidade súbita e de
55% na mortalidade total.
Tratamento farmacológico preventivo das arritmias
pós-infarto do miocárdio
Em decorrência dos problemas das drogas antiarrítmicas
(ineficácia, efeito pró-arrítmico, efeitos colaterais, intolerância, depressão miocárdica e aumento de mortalidade), somente os betabloqueadores têm sido considerados no tratamento farmacológico a longo prazo das arritmias pós-infarto do miocárdio e na profilaxia da morte súbita. Todos os
outros antiarrítmicos têm efeitos deletérios e devem ser evitados nesse contexto. A amiodarona poderá ser utilizada em
situações especiais, pois tem sido observado possível benefício na sobrevida quando associada a betabloqueadores13.
293
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
Tabela 2 - Alternativas para o tratamento imediato da crise de taquicardia ventricular monomórfica após infarto do miocárdio
Taquicardia ventricular mal tolerada
– Cardioversão torácica externa imediata, sincronizada (100 J a 200 J bifásicos)
– “Overdrive” com MP provisório ou definitivo sob programação temporária
Taquicardia ventricular bem tolerada
Droga
Dose EV
Procainamida
10 mg/kg a 15 mg/kg
Amiodarona
Lidocaína (mais eficaz
com isquemia)
Sotalol
Propafenona,
flecainamida,
disopiramida
Ablação por RF
MP provisório
Cuidados e complicações
Hipotensão, QT longo, BAVT, DM = 17 mg/kg
Melhor opção na ausência de isquemia
150 mg/10 minutos
Repetir a cada 15 minutos, DM = 2,2 g/24 horas
Hipotensão, bradicardia
0,5 mg/kg a 0,75 mg/kg
Repetir a cada 5-10 minutos até DM =
3 mg/kg/hora
Iniciar infusão contínua de 1 mg/minuto a
4 mg/minuto
Cuidado com depressão respiratória e convulsões
1 mg/kg a 1,5 mg/kg
Hipotensão, QT longo, bradicardia, “torsade de
pointes”
Apesar de serem eficazes na reversão da TV polimórfica,
essas drogas devem ser evitadas, por provocarem
hipotensão grave, depressão miocárdica significativa e
aumento da mortalidade nos pacientes com reduzida
fração de ejeção
Casos de TV monomórfica bem tolerada, incessantes ou
rebeldes às manobras farmacológicas, podem ser
imediatamente tratados com ablação do foco arritmogênico
A presença de TV facilita o mapeamento
Além de útil na reversão por “overdrive” de casos
refratários, pode prevenir novas crises por meio de
técnicas de sobreestimulação do ritmo sinusal
______________
BAVT = bloqueio atrioventricular total; DM = dose máxima; EV = via endovenosa; MP = marcapasso; RF = radiofreqüência; TV = taquicardia ventricular.
Tanto a azimilida (ainda não disponível no Brasil) como a
amiodarona e o sotalol demonstraram redução de terapias
em portadores de desfibriladores.
Arritmias não-sustentadas
Extra-sístoles ventriculares
As extra-sístoles ventriculares, particularmente se freqüentes (> 10/hora) ou complexas, estão relacionadas com
prognóstico desfavorável nos pacientes com infarto do miocárdio prévio.
Nos estudos CAST e CAST II, pacientes com extra-sís-
294
tole ventricular pós-infarto do miocárdio foram incluídos randomicamente para tratamento com flecainida, encainida (drogas do grupo IC) ou moricizina. Ambos os trabalhos foram
interrompidos prematuramente por causa do aumento da
mortalidade dos pacientes em uso dessas drogas.
O estudo CAMIAT avaliou 1.202 pacientes pós-infarto
do miocárdio portadores de extra-sístole ventricular freqüente
(> 10/hora) ou repetitiva. Os pacientes foram aleatoriamente
incluídos para tratamento com amiodarona ou placebo e aproximadamente 60% também foram tratados com betabloqueador14 (Figura 2). A redução da arritmia foi mais comum com
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PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
a amiodarona (84% vs 35% com placebo) e a taxa anual de
morte arrítmica ou fibrilação ventricular recuperada foi significativamente menor nos pacientes tratados com amiodarona. O efeito antiarrítmico foi superior nos pacientes com
insuficiência cardíaca.
CAST tinham essa arritmia. Houve aumento da mortalidade
nos pacientes tratados com drogas da classe IC e não houve
redução significativa da mortalidade total com a amiodarona.
Recomendações – Não se recomenda o uso crônico de anti-
Fig. 2. Em A, análise de pacientes do EMIAT e do CAMIAT, demonstrando que a melhor combinação foi amiodarona
associada a betabloqueador. Em B, o mesmo grupo, separado de acordo com o tipo de morte, demonstrando melhor resultado
com a combinação de amiodarona e betabloqueador15.
Am = amiodarona; PL = placebo.
Recomendações – Não há uma regra para a terapia antiarrítmica a longo prazo para suprimir as extra-sístoles ventriculares assintomáticas. Nos pacientes pós-infarto do miocárdio com extra-sístoles que causam sintomas significativos
ou incapacitantes (palpitações, tonturas), os betabloqueadores são recomendados. Nas raras ocasiões em que antiarrítmicos mais potentes sejam necessários para controle de sintomas
refratários ao tratamento, recomenda-se a amiodarona.
Taquicardia ventricular não-sustentada
O desenvolvimento de taquicardia ventricular não-sustentada uma semana ou mais tarde pós-infarto agudo do miocárdio aumenta duas vezes o risco de morte súbita. O problema é maior nos pacientes pós-infarto do miocárdio com
função ventricular esquerda reduzida (fração de ejeção <
40%). Nessa condição, o risco de morte súbita aumenta cerca de cinco vezes16. Grandes estudos randomizados de drogas antiarrítmicas em pacientes pós-infarto do miocárdio com
taquicardia ventricular não-sustentada ainda não foram realizados; entretanto, muitos pacientes dos estudos CAMIAT e
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arrítmicos para supressão de taquicardia ventricular não-sustentada assintomática em casos de baixo risco. Nos pacientes pós-infarto do miocárdio com taquicardia ventricular nãosustentada sintomática ou incapacitante (palpitações, tonturas), os betabloqueadores são recomendados. Nas raras ocasiões em que antiarrítmicos mais potentes sejam necessários
para controle de sintomas refratários ao tratamento, recomenda-se a amiodarona. Se a fração de ejeção estiver entre 30%
e 40%, recomenda-se estudo eletrofisiológico e cardioversor-desfibrilador implantável caso seja induzida taquicardia
ventricular sustentada. Se a fração de ejeção for < 30%, o
cardioversor-desfibrilador implantável está indicado e, nesses casos, os betabloqueadores ou, eventualmente, a amiodarona e o sotalol podem ser associados para reduzir terapias e/ou sintomas (Tabela 3).
Arritmias sustentadas ou mal toleradas
Ritmo idioventricular acelerado
O ritmo idioventricular acelerado, também chamado de
295
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
Tabela 3 - Recomendações da Sociedade Européia de Cardiologia para a prevenção primária da morte súbita cardíaca em
pacientes pós-infarto do miocárdio com ou sem insuficiência cardíaca17
Classe I
Pós-IM
IM + disfunção do VE
Betabloqueadores
IECA
Aspirina
Hipolipemiantes
Betabloqueadores
IECA
Bloqueadores da
aldosterona
TV sustentada
tolerada
Classe IIa
Classe IIb
PUFA
Amiodarona
Amiodarona
CDI se FE < 30%
Amiodarona
Betabloqueadores
CDI
Ablação por RF
Cirurgia
FE < 40% + TVNS +
CDI
TV sustentada no EEF
______________
CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; EEF = estudo eletrofisiológico; FE = fração de ejeção; IECA = inibidores
da enzima conversora da angiotensina; IM = infarto do miocárdio; PUFA = ácidos graxos poliinsaturados; TV = taquicardia ventricular; TVNS = taquicardia ventricular não-sustentada; VE = ventrículo esquerdo.
“taquicardia ventricular lenta”, surge abaixo do nodo atrioventricular e, por definição, tem freqüência entre 50 bpm e
100 bpm. Pode resultar de uma falência do marcapasso natural e representar um ritmo de escape ou ser um foco ectópico
anormal no ventrículo estimulado pelo sistema simpático e
catecolaminas circulantes. Muitos episódios são transitórios, benignos e não requerem tratamento. Além disso, a terapia farmacológica é contra-indiciada quando se trata de ritmo de escape, pois a inibição desse foco pode resultar em
grave bradicardia e assistolia. O ritmo idioventricular acelerado fora do período peri-infarto é incomum; quando ocorre,
devem ser afastadas as causas reversíveis, como intoxicação
digitálica, hipocalemia ou hipomagnesemia. Não há dados
convincentes correlacionando ritmo idioventricular acelerado a taquicardia ventricular, fibrilação ventricular ou arritmias graves; portanto, não é requerida terapia quando a arritmia é assintomática. Quando sintomático, o ritmo idioventricular acelerado pode ser tratado com antiarrítmicos e/
ou ablação focal.
Taquicardia ventricular monomórfica
A taquicardia ventricular monomórfica que ocorre precocemente é preditora de mortalidade a curto prazo e, ao
contrário da fibrilação ventricular precoce, também indica
risco de arritmias a longo prazo. Entretanto, mesmo quando
296
a droga antiarrítmica é definida por meio de estudo eletrofisiológico, o tratamento baseado somente em antiarrítmicos
tem eficácia muito limitada para prevenir essa taquicardia.
Por essa razão, atualmente a regra é o uso de drogas antiarrítmicas como coadjuvantes ao implante de cardioversor-desfibrilador implantável, para suprimir a arritmia recorrente.
Dados disponíveis sugerem que as drogas do grupo III (sotalol e amiodarona) são mais efetivas que as de classe I para
esse tipo de arritmia, e são as indicadas quando é definido o
tratamento clínico. Sotalol e amiodarona parecem ser igualmente eficazes, mas quando há redução da função ventricular a amiodarona é preferida, em decorrência dos efeitos inotrópicos negativos do sotalol. A Tabela 2 apresenta um resumo das alternativas de tratamento para o paciente em crise
de taquicardia ventricular sustentada. Nos pacientes com boa
função ventricular, boa estabilidade elétrica e taquicardia bem
tolerada a ablação por radiofreqüência pode ser uma boa alternativa, desde que os critérios de cura sejam rigorosamente obtidos.
Taquicardia ventricular polimórfica
A taquicardia ventricular polimórfica associada ao intervalo QT normal é uma arritmia incomum após infarto do
miocárdio e, quando ocorre, é freqüentemente associada a
sinais e sintomas de isquemia miocárdica recorrente. Esse
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PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
tipo de arritmia geralmente responde mal a magnésio ou
“overdrive”, mas pode responder à amiodarona intravenosa.
A revascularização deve ser considerada, entretanto dados
recentes sugerem o implante de cardioversor-desfibrilador
implantável além da revascularização como sendo a terapia
ótima18. A taquicardia ventricular polimórfica mais freqüente é a “torsade de pointes”, associada ao QT longo adquirido
induzido pelo uso de drogas antiarrítmicas classe III ou outros agentes.
Fibrilação ventricular
A ocorrência de fibrilação ventricular primária prematura (< 48 horas após infarto do miocárdio) está associada a
aumento da mortalidade intra-hospitalar, mas não aumenta a
mortalidade em um a dois anos entre os sobreviventes do
primeiro mês. A fibrilação ventricular mais tardia (duas a
três semanas) aparece como resultado da disfunção ventricular. Fatores de risco adicionais incluem infarto do miocárdio anterior com bloqueio de ramo direito e fração de ejeção
< 35%. Múltiplos estudos clínicos demonstraram que o cardioversor-desfibrilador implantável aumenta a sobrevida
quando comparado à terapia antiarrítmica, geralmente a amiodarona, em sobreviventes de morte súbita, incluindo pacientes com doença arterial coronária subclínica (Figura 3). A
terapêutica com amiodarona pode ser utilizada nesses pacientes para reduzir as arritmias recorrentes que induzem descargas apropriadas do cardioversor-desfibrilador implantável e/ou para suprimir recorrência de fibrilação atrial. Além
disso, a amiodarona associada a betabloqueadores deve ser
considerada terapia primária em pacientes que não são candidatos ou que não querem ter um cardioversor-desfibrilador implantável.
Morte súbita
A complicação mais temida da fase crônica do infarto do
miocárdio é a morte súbita, geralmente provocada por taquicardia ventricular muito rápida ou por fibrilação ventricular.
O tratamento dessa condição pode ser primário, quando existe
risco porém ainda não ocorreu nenhum evento espontâneo,
ou secundário, quando já ocorreu algum episódio recuperado. Obviamente o tratamento primário é o ideal, com identificação dos pacientes de alto risco e tratamento antes da ocorrência do primeiro episódio.
Como descrito anteriormente, os antiarrítmicos não são
indicados para reduzir a morte súbita em pacientes com arritmia ventricular pós-infarto do miocárdio. Essas drogas têm
sido também avaliadas na profilaxia da morte súbita em pacientes que não apresentam arritmias detectadas, porém com
outros fatores de risco, como insuficiência cardíaca.
Betabloqueadores
Os betabloqueadores melhoram a sobrevida em pacientes que sofreram infarto do miocárdio, em parte pela redução da incidência de morte súbita. A mortalidade total em 31
estudos clínicos a longo prazo (cerca de 25 mil pacientes)
Fig. 3. Comparação entre terapia antiarrítmica e desfibrilador
nos diferentes grandes estudos.
As maiores reduções de mortalidade foram obtidas nos estudos MADIT-I e MUSTT, nos
quais o desfibrilador foi indicado após rigorosa avaliação eletrofisiológica. Os estudos
CASH e AVID estudaram portadores de taquicardias ventriculares sustentadas mal toleradas.
DCAI = desfibrilador-cardioversor-automático implantável.
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Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
foi de 9,7%, tendo os betabloqueadores reduzido a chance
de morte em 23%19. Esses benefícios foram demonstrados
em pacientes que tiveram tanto infarto Q como não-Q. A eficácia dos betabloqueadores persiste nos pacientes tratados
também com outros antiarrítmicos, incluindo a amiodarona
e as drogas do grupo I (Figura 2 A e B).
Amiodarona
A eficácia da amiodarona no tratamento da arritmia ventricular pós-infarto do miocárdio foi avaliada nos estudos
CAMIAT, MUSTT, EMIAT e SCD-HeFT. No EMIAT, cerca
de 1.500 pacientes com infarto do miocárdio recente e fração de ejeção < 40% foram randomizados para tratamento
com amiodarona ou placebo20. Ao final de dois anos, observou-se que a amiodarona foi associada a significativa redução de mortes por arritmia e arritmias que necessitaram de
reversão, embora a amiodarona não reduzisse a mortalidade
total. Num subgrupo com fração de ejeção < 30%, com extra-sístoles ventriculares no Holter ou baixa variabilidade RR,
a amiodarona reduziu a mortalidade total quando associada
a betabloqueadores. No SCD-HeFT, 2.521 pacientes com fração de ejeção < 35% e classe funcional II ou III foram randomicamente tratados com amiodarona, placebo ou cardioversor-desfibrilador implantável21. A amiodarona sozinha não
reduziu a mortalidade, com exceção de um grupo selecionado de pacientes pós-infarto. Esse estudo, porém, demonstrou maior benefício no grupo que utilizou cardioversor-desfibrilador implantável.
Amiodarona combinada com betabloqueadores
A eficácia da amiodarona combinada a betabloqueadores
foi avaliada numa fusão de análises do CAMIAT e EMIAT.
A amiodarona sozinha não reduziu a mortalidade total nesses estudos, mas na análise conjunta a amiodarona em combinação com betabloqueadores reduziu significativamente
tanto a mortalidade não-arrítmica como a arrítmica (Figura
2).
Sotalol
Esse medicamento não é indicado na prevenção de morte
súbita e no tratamento das arritmias da fase crônica do infarto do miocárdio quando existe baixa fração de ejeção ou na
ausência de cardioversor-desfibrilador implantável. A eficácia do D-sotalol, o qual é desprovido do efeito betabloqueador, foi avaliada no estudo SWORD22, que reuniu randomicamente pacientes com fração de ejeção < 40% e infarto do
miocárdio recente ou insuficiência cardíaca congestiva sintomática pós-infarto do miocárdio antigo, tratados com Dsotalol ou placebo. O estudo foi interrompido precocemen-
298
te, em conseqüência de morte arrítmica. O maior aumento
da mortalidade ocorreu nos pacientes com infarto antigo e
fração de ejeção de 31% a 40%, os quais apresentaram “torsade de pointes” ou outro efeito pró-arrítmico à medicação.
Terapia para insuficiência cardíaca
A presença de insuficiência cardíaca representa um importante fator de risco clínico nos portadores de infarto do
miocárdio prévio. O tratamento clínico ótimo é fundamental
para prevenir a morte súbita. Embora não sejam consideradas drogas antiarrítmicas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina, os antagonistas da aldosterona e os bloqueadores dos receptores da angiotensina II reduzem a incidência de morte súbita em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Adicionalmente, devem ser considerados
os ressincronizadores quando o QRS está alargado. Os estudos CARE-HF e COMPANION demonstraram redução de
mortalidade pela ressincronização mesmo sem o uso concomitante de cardioversor-desfibrilador implantável.
Recomendações — Até o presente momento, somente os betabloqueadores são recomendados para prevenção primária
de morte súbita em pacientes pós-infarto do miocárdio (Tabela 3). Embora reduza a morte arrítmica, a amiodarona não
reduziu a mortalidade total nos estudos EMIAT ou CAMIAT.
Outra preocupação é a falta de benefício evidente e a alta
incidência de efeitos colaterais com o uso da amiodarona a
longo prazo.
Atualmente, há apenas três indicações comuns para a terapêutica com drogas antiarrítmicas para os pacientes com
arritmias ventriculares pós-infarto do miocárdio:
1. Raros pacientes com sintomas intoleráveis de arritmias
não-sustentadas que não respondem aos betabloqueadores.
Em decorrência da não redução da mortalidade e de potenciais efeitos maléficos (efeitos pró-arrítmicos e outros efeitos
colaterais), essa solução deve ser reservada a pacientes com
sintomas intensos e persistentes. Na ausência de desfibrilador implantado, somente a amiodarona poderia ser utilizada.
2. Amiodarona, betabloqueadores ou, menos freqüentemente, sotalol como terapia secundária ao controle das arritmias
e para reduzir o número de choques do cardioversor-desfibrilador implantável.
3. Amiodarona, em combinação com betabloqueador, em
pacientes com arritmias ventriculares de alto risco que não
aceitam ou não são candidatos a implante de cardioversordesfibrilador implantável.
Ablação por radiofreqüência
A ablação por radiofreqüência é reservada para os casos
de taquicardias ventriculares monomórficas que não responRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
dem ao tratamento clínico ou que geram repetidas terapias
pelo desfibrilador implantado. Também pode ser utilizada
para controle das extra-sístoles ventriculares sintomáticas e
refratárias; porém, se forem polifocais, pode não haver acesso a todos os focos. Normalmente se obtém acesso aos focos
através da via endocárdica, porém nas taquicardias resistentes ao procedimento convencional pode ser necessária a via
epicárdica, cujo acesso pode ser realizado sem toracotomia23.
A taquicardia ventricular monomórfica pós-infarto do miocárdio é tipicamente originada por um foco arritmogênico
bem definido, constituído pela cicatriz do infarto, que pode
ser mapeado e eliminado ou modificado por meio de ablação
por radiofreqüência. As principais limitações são:
– foco extenso ou profundo, necessitando eletrodos de grande superfície ou irrigados com aplicação de grandes quantidades de energia;
– focos arritmogênicos extensos freqüentemente apresentam
vias alternativas de reentrada, que poderão manter ou originar taquicardias ventricularess similares à inicialmente tratada;
– taquicardia não-tolerada (freqüência cardíaca elevada e/ou
disfunção ventricular) impossibilitando seu mapeamento, já que deverá ser rapidamente revertida;
– impossibilidade de reproduzir a taquicardia no laboratório
de eletrofisiologia, sendo a ablação realizada indiretamente por “pace-mapping” (baseado na morfologia registrada em eletrocardiograma prévio) ou pelo mapeamento
da “cicatriz do infarto” (por meio do registro de potenciais de baixa amplitude24, < 1,5 mV, com mapeamento eletroanatômico);
– presença de múltiplos focos de taquicardia (nesse caso,
pode-se fazer o tratamento isolado de cada foco, porém
com menor taxa de sucesso).
Com as modernas técnicas de mapeamento e ablação é
possível eliminar entre 60% e 80% das taquicardias ventriculares da fase crônica do infarto do miocárdio, com baixo
índice (8%) de complicações e de mortalidade (Figura 4).
Apesar das dificuldades, pelo fato de não precisar de toracotomia e de ter baixo risco, a ablação por radiofreqüência é,
quase sempre, uma boa alternativa, porém, mesmo com sucesso, não elimina a necessidade do cardioversor-desfibrilador implantável nos casos com instabilidade elétrica residual ou com disfunção miocárdica.
Cardioversor-desfibrilador automático implantável
O cardioversor-desfibrilador implantável é extremamente útil no tratamento das taquicardias ventriculares com ou
sem alto risco de morte súbita. Trata-se da alternativa terapêutica mais segura e eficaz (Figura 5) nas condições de alto
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
risco pós-infarto do miocárdio. Entretanto, tem como inconvenientes necessitar de implante de uma prótese, alto custo e
o fato de não prevenir a arritmia. Diversos estudos (CASH,
AVID, MADIT-I, MUSTT) têm demonstrado a alta eficácia
dessa forma de tratamento no controle das taquicardias ventriculares da cardiopatia isquêmica, com redução de 39% a
60% na mortalidade, comparativamente ao tratamento farmacológico isolado.
Além de grande benefício na sobrevida dos portadores
de taquicardias ventriculares graves, os cardioversores-desfibriladores implantáveis proporcionam grande variedade de
recursos altamente favoráveis no tratamento a longo prazo
da cardiopatia isquêmica crônica, tais como:
– suporte para bradiarritmias com a função marcapasso;
– resposta cronotrópica pela presença de sensores;
– “overdrive” ou sobreestimulação para reversão das arritmias com baixa energia;
– cardioversão sincronizada;
– desfibrilação;
– sistema Holter, avaliação da variabilidade da freqüência
cardíaca;
– monitor para avaliação precoce de edema pulmonar;
– ressincronização ventricular (disponível nos desfibriladores ressincronizadores).
Os resultados iniciais desse tipo de terapia foram demonstrados pelo estudo MADIT-II, que revelou redução de até
40% no índice combinado internação hospitalar-mortalidade quando comparados aos do tratamento farmacológico otimizado.
Além de indicado nos pacientes que apresentam alto risco de morte súbita por taquiarritmias, o cardioversor-desfibrilador implantável pode ser utilizado em toda taquicardia
ventricular de difícil controle, independentemente da presença de insuficiência cardíaca ou de bradiarritmia. A alta
probabilidade de reversão automática da taquicardia por meio
de “overdrive” torna sua aplicação bastante confortável e
segura.
Atualmente as indicações básicas de cardioversor-desfibrilador implantável na fase crônica do infarto do miocárdio
são25:
– pacientes com fração de ejeção < 30% (indicação preventiva);
– pacientes com fração de ejeção entre 30% e 40% com taquicardia ventricular não-sustentada e taquicardia ventricular sustentada induzida no estudo eletrofisiológico
(indicação preventiva);
– pacientes com morte súbita recuperada por fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular mal tolerada na ausência de infarto do miocárdio agudo;
299
PACHÓN MATEOS JC e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio
Fig. 4. Traçado eletrocardiográfico obtido durante ablação por radiofreqüência de taquicardia ventricular incessante em
paciente portador de cardioversor-desfibrilador implantável e infarto do miocárdio prévio. Em A, observa-se a taquicardia
ventricular sustentada (a seta indica o início da aplicação de radiofreqüência e em seguida ocorre a reversão da taquicardia).
Em B, o paciente apresentava terapias repetitivas do cardioversor-desfibrilador implantável, porém após a ablação não
apresentou mais nenhum episódio da taquicardia em seguimento de sete meses.
Fig. 5. Traçado contínuo de paciente com infarto antigo e portador de cardioversor-desfibrilador automático. Observa-se
taquicardia ventricular monomórfica sustentada (A) seguida de tentativa de “overdrive” (B) pelo desfibrilador. Além de não
reverter a arritmia, houve aceleração da taquicardia (C e D). Automaticamente o aparelho detecta a complicação (próarritmia) e aplica cardioversão, uma terapia de alta energia (E) que reverte a arritmia. Na seqüência, o desfibrilador comanda
o ritmo com sua função de marcapasso atrioventricular seqüencial (F).
– pacientes com taquicardia ventricular monomórfica sustentada com miocárdio preservado, porém sem resposta
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
NAS CARDIOPATIAS NÃO-ISQUÊMICAS
FRANCISCO DARRIEUX1, EDUARDO SOSA1
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:302-12
RSCESP (72594)-1727
As miocardiopatias dilatadas não-isquêmicas incluem um
grupo heterogêneo de doenças do miocárdio, em que as causas isquêmicas foram afastadas. Entretanto, no senso estrito,
têm como via final o acometimento do miocárdio, com conseqüente dilatação das quatro câmaras do coração, primariamente do ventrículo esquerdo, associado à disfunção sistólica. A estratificação de risco ainda é controversa, principalmente por causa do baixo valor preditivo positivo de todas
as ferramentas não-invasivas e invasivas. Quando se somam
vários desses testes, aumenta-se a possibilidade de predizer
o evento arrítmico ventricular fatal. O tratamento baseia-se
no controle dos sintomas e na prevenção da morte súbita: na
primeira situação, por meio de fármacos antiarrítmicos, tratamento clínico otimizado e ablação com cateter; e na segunda, com os dispositivos implantáveis (desfibriladores e/
ou ressincronizadores). O real benefício destas últimas modalidades de tratamento esbarra na dificuldade de se indicar
no mundo real esses dispositivos eletrônicos para a prevenção primária, ficando mais prioritária a indicação por prevenção secundária. Novos métodos de estratificação não-invasiva podem auxiliar a ampliar as indicações dessas onerosas terapias nesses pacientes que teriam o melhor benefício
dessas abordagens.
Descritores: miocardiopatias; arritmia ventricular; estratificação de risco; tratamento.
RISK STRATIFICATION AND TREATMENT OF VENTRICULAR
ARRHYTHMIAS IN NON-ISCHEMIC CARDIOMYOPATHY
Non-ischemic cardiomyopathy includes a heterogeneous
group of myocardial diseases where ischemic causes had been
excluded. However, in the strict sense, they have as a final
common pathway the involvement of the myocardium, with
consequent dilatation of the four chambers of the heart, primarily of the left ventricle, associated to systolic dysfunction. The risk stratification is still controversial, mainly due to
the low positive predictive value of all non-invasive and invasive tests. When several of these tests are added, the possibility of prediction of an event of life-threatening ventricular arrhythmias is optimized. The treatment is based on the
control of the symptoms and the prevention of sudden cardiac death. In the first situation, by means of antiarrhythmic
drugs, optimized medical therapy and catheter ablation techniques. In the second situation, by implantable devices
(defibrillators and/or resynchronization therapy). The real
benefit of these modalities of treatment faces the difficulty
of indicating, in the real world, these electronic devices for
primary prevention, being with priority just secondary prevention cases. New non-invasive stratification tests may help
to extend the indications of these onerous therapies in these
patients who would have optimum benefit of these approaches.
Key words: cardiomyopathy; ventricular arrhythmia; risk
stratification; treatment.
1
Unidade Clínica de Arritmia e Marcapasso – Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP) – São Paulo, SP
Endereço para correspondência:
Francisco Darrieux – Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – São Paulo, SP – CEP 05403-000
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
303
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
INTRODUÇÃO
As cardiopatias não-isquêmicas compreendem um grupo
muito heterogêneo de doenças. Assim, qualquer tentativa
inicial de estratificá-las em um único “bloco” chamado “cardiopatias não-isquêmicas” já é desafiadora e imprópria para
definir estratégias em perfis de afecções tão diversas. A maior parte dos estudos de tratamento e estratificação de risco
quase sempre acaba por ser dirigida às chamadas miocardiopatias dilatadas não-isquêmicas. Neste artigo será comentado principalmente este último grupo de doenças, caracterizadas pela via final de acometimento do miocárdio, com conseqüente dilatação das quatro câmaras do coração, primariamente do ventrículo esquerdo, associada à disfunção sistólica. A incidência de miocardiopatia dilatada na população é
de 5 a 8 casos por 100 mil habitantes/ano1,2; no entanto, se
considerarmos a doença de Chagas em nosso meio, então a
estatística tende a ser maior3. Um estudo internacional de
insuficiência cardíaca4 demonstrou que 18% dos pacientes
sintomáticos com fração de ejeção do ventrículo esquerdo
menor que 30% têm o diagnóstico de miocardiopatia dilatada não-isquêmica.
Inicialmente, a mortalidade estimada era maior que a atual, o que dificultou os resultados dos ensaios clínicos com
desfibriladores, provavelmente por conta dos melhores recursos de otimização da terapêutica medicamentosa, especialmente os betabloqueadores e a espironolactona. Hoje, estima-se que a mortalidade na miocardiopatia dilatada não-isquêmica seja de 12% a 13% em três anos5. Os fatores independentes de risco para mortalidade incluem tabagismo, diabetes melito e pressão diastólica elevada2. Nos pacientes
com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, as causas de
morte por insuficiência cardíaca ou morte súbita tendem a
ser equiparadas6. A morte súbita cardíaca pode a ser a primeira manifestação clínica da doença e a miocardiopatia idiopática é responsável por 10% de todas as mortes súbitas
cardíacas em adultos7. Os sobreviventes de parada cardiorrespiratória com miocardiopatia dilatada não-isquêmica freqüentemente possuem a fibrilação ventricular como arritmia
clínica8.
Com o advento dos desfibriladores implantáveis (cardioversor-desfibrilador implantável), com sua capacidade de
prevenir quase perfeitamente as arritmias ventriculares causadoras de morte súbita cardíaca, torna-se necessário definir
quais os pacientes que teriam maior benefício com a utilização dessa valiosa terapêutica. Entretanto, é também importante avaliar os potenciais riscos do implante do cardioversor-desfibrilador implantável e seus altos custos para os sistemas de Saúde públicos e privados. Assim, muitos investi-
304
gadores tentam estabelecer fatores de risco para selecionar
os pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que
teriam maior benefício com o implante do cardioversor-desfibrilador implantável. Infelizmente ainda estamos longe
dessa “perfeição”, mas muitos avanços já foram alcançados.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO
Quando analisamos principalmente os estudos de prevenção primária, ainda há muita controvérsia sobre a melhora
de sobrevida com a terapia por cardioversor-desfibrilador
implantável nos pacientes com miocardiopatia dilatada nãoisquêmica. Diferentemente dos resultados mais contundentes a favor do implante de cardioversor-desfibrilador implantável nos pacientes com miocardiopatia isquêmica e fração
de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida, o mesmo não pôde
ser entusiasticamente demonstrado nos portadores de miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Um dos principais tópicos de discussão baseia-se na premissa de que o real benefício do cardioversor-desfibrilador implantável poderia ser mais
exitoso se um maior subgrupo de risco pudesse ser identificado, em vez de simplesmente aceitar um tratamento muito
caro para uma ampla população de pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que pode não se beneficiar
dessa estratégia, ou seja, a um custo-efetividade elevado.
Assim, seria muito útil se os métodos de estratificação nãoinvasiva pudessem “agregar” esses dados para definir os
melhores candidatos para estratégias de tratamento mais onerosas. Vários estudos têm sido conduzidos com essa finalidade, porém ainda estão longe de serem também contundentes, o que tem favorecido a indicação de cardioversor-desfibrilador implantável com maior nível de evidência. Além da
própria fração de ejeção do ventrículo esquerdo, os principais estratificadores de risco estudados são: história de síncope, monitorização eletrocardiográfica (Holter), estudo eletrofisiológico (estimulação elétrica programada), eletrocardiograma de alta resolução, dispersão do QT, variabilidade
da freqüência cardíaca, teste de sensibilidade do barorreceptor, turbulência da freqüência cardíaca e, mais recentemente, microalternância da onda T.
Síncope
A presença de síncope na história clínica de um paciente
com miocardiopatia dilatada não-isquêmica já pode ser uma
“denúncia” a favor de uma causa arrítmica, porém nem sempre no mundo real é tão simples confirmar essa forte hipótese. Por vezes a história clínica é muito sugestiva de hipotensão ortostática, especialmente nesse subgrupo de pacientes
que faz uso de diversas drogas hipotensoras (diuréticos,
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
vasodilatadores e betabloqueadores). Se a história é muito
sugestiva desta última hipótese, bem como sem síncopes dramáticas, e o simples reajuste das doses previne as recorrências, costuma-se admitir que possa ser uma síncope de baixo
risco. No entanto, quase sempre é necessário complementação, por exemplo com exames de Holter. A literatura médica
apenas se exime dessa condição e prefere focar nas chamadas síncopes inexplicadas. De novo, não há uma clara definição de como se contentar em chamar a síncope de “explicada”, ou seja, até onde consideraríamos como segura a informação dos exames complementares. Quando, no entanto,
são estudadas as síncopes “inexplicadas”, os resultados não
são nada confortáveis. Knight e colaboradores9 avaliaram
prospectivamente 14 pacientes com miocardiopatia dilatada
não-isquêmica que se apresentavam com síncope inexplicada e estudo eletrofisiológico negativo, que foram comparados aos 19 controles que tinham sido recuperados de parada
cardiorrespiratória. Todos os pacientes de ambos os grupos
receberam cardioversor-desfibrilador implantável e, no seguimento médio de dois anos, 50% dos pacientes do grupo
síncope receberam choques apropriados pelo cardioversordesfibrilador implantável em comparação com 42% do grupo parada cardiorrespiratória (p = 0,1). Curiosamente, o tempo para a ocorrência do primeiro choque apropriado foi mais
precoce nos pacientes do grupo síncope (32 + 7 meses vs. 72
+ 12 meses; p = 0,01). O pequeno número de pacientes foi a
limitação do estudo; porém, os resultados sugeriram que a
síncope inexplicada, mesmo com estudo eletrofisiológico
negativo, é um marcador de morte por arritmia ventricular
em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica.
Fonarow e colaboradores10 estudaram 147 pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica, síncope e disfunção
ventricular esquerda grave, sendo implantado cardioversordesfibrilador implantável em 25 pacientes, que foram comparados com os demais 122 pacientes em tratamento clínico.
A sobrevida em dois anos foi de 84,9% no grupo cardioversor-desfibrilador implantável e de 66,9% no grupo controle
(p = 0,04).
A presença de síncope inexplicada em pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica, portanto, é forte indicador de mau prognóstico, com significativo benefício do
cardioversor-desfibrilador implantável nesses pacientes.
Entretanto, a ausência de síncope nesses pacientes não confere necessariamente proteção contra morte súbita.
Monitorização eletrocardiográfica (Holter)
Quando se solicita um exame de Holter em paciente com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica costuma-se com freqüência ter o achado de taquicardia ventricular não-sustenRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
tada, que varia de 33% a 79% dos casos11,12. Embora a taquicardia ventricular não-sustentada possa representar um marcador de doença miocárdica, o valor prognóstico dessa arritmia não está definido. A sobrevida desses pacientes em um
ano é de 92%, e de 88% em dois anos5. Huang e colaboradores13, avaliando o Holter de 35 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, encontraram extra-sístoles ventriculares freqüentes em 83% dos casos, dos quais 93% tinham extra-sístoles ventriculares complexas e 60%, taquicardia ventricular não-sustentada. Durante o seguimento
médio de 34 meses, houve quatro óbitos, sendo duas mortes
súbitas. Dessas mortes súbitas, um caso não apresentava nenhuma arritmia ventricular ao Holter. Nesse estudo, embora
houvesse alta incidência de taquicardia ventricular não-sustentada na população com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, a presença dessa arritmia não teve poder estatístico para se correlacionar com a ocorrência de morte súbita.
Outros estudos14,15, entretanto, demonstraram que a taquicardia ventricular não-sustentada pode ser um marcador de pior
prognóstico para morte cardíaca e/ou súbita. Mais recentemente, Grimm e colaboradores16 estudaram uma coorte de
343 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica
por meio de múltiplos testes diagnósticos para acessar o risco de morte súbita. Após seguimento médio de 52 meses,
13% dos pacientes tiveram eventos arrítmicos maiores (taquicardia ventricular sustentada, fibrilação ventricular ou
morte súbita). O único preditor de risco encontrado foi a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, com redução relativa
de risco de 2,3 para cada 10% de ganho na fração de ejeção
do ventrículo esquerdo (intervalo de confiança de 95% [IC
95%], 1,5 a 3,3; p = 0,0001). O achado de taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter esteve associado a tendência
de aumento de risco de eventos arrítmicos (RR 1,7; IC 95%;
0,9 a 3,3; p = 0,11).
Assim, o significado prognóstico do achado de taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter em pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica ainda permanece controverso. Isoladamente esse marcador possui pouca especificidade, mas em associação com outros marcadores passa a
ter peso maior na decisão terapêutica de prevenção de morte
súbita.
Estudo eletrofisiológico
A indução de taquicardia ventricular sustentada (monomórfica, polimórfica ou fibrilação ventricular) pode ocorrer
em até 38% dos pacientes com miocardiopatia dilatada nãoisquêmica, porém possui limitado valor clínico17. A maioria
dos estudos tem limitações por serem não-randomizados, em
pequenas séries de pacientes e também pelas diferenças nos
305
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
protocolos de estimulação ventricular programada. A reprodutibilidade da estimulação ventricular programada é maior
nos pacientes que se apresentam clinicamente com taquicardia ventricular monomórfica, podendo chegar a até 92% dos
casos18. Esse comportamento parece predizer futuras ocorrências de taquicardias ventriculares sustentadas espontâneas com freqüência e configuração similares.
O uso da estimulação ventricular programada na estratificação de risco na miocardiopatia dilatada não-isquêmica
não tem sido adequado para conferir melhores resultados na
intervenção com cardioversor-desfibrilador implantável.
Quase sempre são induzidas arritmias inespecíficas e sem
valor prognóstico definido. E para ficar mais complicado, o
valor preditivo negativo de um estudo normal é insuficiente.
Entretanto, o estudo eletrofisiológico pode ser útil para melhorar a qualidade de vida ao se conseguir a ablação da taquicardia ventricular responsável pelos sintomas e pelos choques apropriados.
Eletrocardiograma de alta resolução
O eletrocardiograma de alta resolução pode demonstrar
a presença de potenciais tardios, que, por sua vez, são um
indício de que existam áreas de condução lenta no miocárdio
ventricular e, portanto, substrato eletrofisiológico para a ocorrência de arritmias ventriculares sustentadas com risco potencial de morte súbita. A presença de potenciais tardios na
população com miocardiopatia dilatada não-isquêmica situase em torno de 34%, semelhante à encontrada na população
com miocardiopatia isquêmica19. No estudo de Fauchier e
colaboradores20, em população de 131 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, foi encontrada prevalência de potenciais tardios ao eletrocardiograma de alta resolução em cerca de 27% dos pacientes. Durante o seguimento
clínico, foi observada taxa de 15% de eventos arrítmicos,
sendo mais freqüentes no grupo com eletrocardiograma de
alta resolução positivo (RR 7,2; IC 95%, 2,6 a 19,4; p =
0,0001), porém sem correlação com morte súbita. No entanto, apesar de toda a possibilidade teórica de ser importante
ferramenta no método complementar da estratificação de risco, na prática não tem se demonstrado de grande utilidade
quando analisado isoladamente. A presença de bloqueios de
ramo, como acontece com freqüência na cardiopatia chagásica, também pode ser um fator de limitação na análise dos
potenciais tardios.
Na prática clínica, costumamos utilizar o eletrocardiograma de alta resolução quando há dúvidas quanto à indicação do estudo eletrofisiológico, na tentativa de aumentar as
chances de indução de taquicardia ventricular, especialmente as passíveis de tratamento ablativo por cateter, porém tam-
306
bém não é um exame de grande especificidade, mas sim um
instrumento auxiliar na programação terapêutica.
O eletrocardiograma de alta resolução anormal, portanto, pode ser um marcador de risco aumentado de taquicardia
ventricular ou morte20,21. Em geral, o valor preditivo negativo do eletrocardiograma de alta resolução é mais importante
que o positivo, e a presença de bloqueios de ramos pode reduzir a especificidade desse exame22. Em decorrência de seu
pobre valor preditivo positivo, o eletrocardiograma de alta
resolução é um exame que isoladamente ainda possui muitas
limitações.
Dispersão do QT
A dispersão do QT, que, teoricamente, mede a capacidade de uma área de heterogeneidade de repolarização ser um
ponto crítico para a ocorrência de arritmias ventriculares fatais, como observado na síndrome do QT longo, tem sido
estudada em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica e, infelizmente, com resultados desoladores23. Essa
forma de análise de estratificação de risco é limitada, em
decorrência dos resultados conflitantes entre os grupos com
exames positivos e negativos. O Estudo de Cardiomiopatia
de Marburg16 confirmou que a dispersão do QT não confere
risco significativo para a ocorrência de morte súbita.
Variabilidade do RR
As medidas de função autonômica têm sido sugeridas para
acessar o risco de morte súbita cardíaca. A variabilidade da
freqüência cardíaca seria uma medida indireta do tônus autonômico; portanto, baixa variabilidade de RR significaria
predomínio simpático. No caso das cardiopatias isquêmicas,
houve demonstração de aumento de eventos arrítmicos24.
Entretanto, o peso das evidências atuais sugere as mesmas
considerações sobre o eletrocardiograma de alta resolução,
ou seja, pelo baixo valor preditivo positivo esse teste ainda
não tem papel na estratificação de risco dos pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica16,25.
Teste de sensibilidade do barorreceptor
Os estudos de sensibilidade do barorreceptor (ou estudo
do barorreflexo) na miocardiopatia dilatada não-isquêmica
ainda estão em fase inicial. Menz e colaboradores26 compararam o teste de sensibilidade do barorreceptor com a variabilidade da freqüência cardíaca em uma série de 179 pacientes, sendo 73% deles com miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Esse estudo não foi delineado para valor prognóstico, mas apenas para analisar se havia diferenças entre esses
exames em pacientes com disfunção ventricular esquerda.
Foi demonstrado que esses dois exames eram equiparáveis
RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
nessa população.
Grimm e colaboradores16 realizaram exaustivo trabalho
de estratificação de risco em pacientes com miocardiopatia
dilatada não-isquêmica, incluindo o teste de sensibilidade
do barorreceptor em 343 pacientes. Houve exclusão de 26
pacientes (10%) por resposta insuficiente à fenilefrina durante o teste. Não foi demonstrada nenhuma correlação entre os resultados do teste do barorreceptor e a ocorrência de
morte súbita.
As evidências atuais não têm sido favoráveis à acurácia
desse teste em predizer morte súbita nos pacientes com miocardiopatia não-isquêmica.
Turbulência da frequência cardíaca
A análise da turbulência da freqüência cardíaca é um novo
método auxiliar na predição de risco de eventos arrítmicos.
O método se baseia na análise das propriedades elétricas do
coração após extra-sístole ventricular, a partir de eletrocardiograma de 12 derivações ou por “software” de Holter. Como
durante a extra-sístole ventricular ocorre redução transitória
do débito cardíaco, isso promove uma resposta barorreflexa
de defesa, em geral aceleração seguida de desaceleração dos
batimentos ventriculares subseqüentes, até a normalização.
Esse método ainda precisa ser validado em futuros estudos
prospectivos, porém as observações iniciais sugerem que a
medida dessas variáveis em conjunto com outros fatores de
risco pode ter papel na predição de risco de morte súbita27,28.
Microalternância da onda T
A microalternância da onda T (em inglês, “T-wave alternans”) é um fenômeno observado na repolarização ventricular, decorrente de alterações batimento a batimento no potencial de ação e de piora com o incremento da freqüência
cardíaca, podendo ser obtida por meio de equipamentos e
“softwares” específicos, em geral por teste ergométrico ou
Holter. É um método promissor, com resultados expressivos
na estratificação de risco. Kitamura e colaboradores29 relataram aumento do risco de morte súbita cardíaca ou de taquicardia ventricular/fibrilação ventricular em pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica quando apresentavam
microvoltagem de onda T com freqüências cardíacas menos
elevadas que a média. O aparecimento da microalternância
da onda T a partir de freqüências cardíacas abaixo de 100
bpm confere risco elevado de morte súbita cardíaca ou de
taquicardia ventricular/fibrilação ventricular, com acurácia
preditiva de 78%29. A microalternância da onda T parece ser
um fator de risco independente dos demais fatores de risco
padrão, como fração de ejeção do ventrículo esquerdo, sexo
masculino e classe funcional de insuficiência cardíaca. InfeRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
lizmente, como limitação, em cerca de 20% dos pacientes
com miocardiopatia dilatada não-isquêmica não se consegue determinar a presença de microalternância de T29. A combinação com eletrocardiograma de alta resolução positivo
aumenta a sensibilidade da microalternância de onda T30.
Estudo recente de Hohnloser e colaboradores31, com 137
pacientes portadores de miocardiopatia dilatada não-isquêmica encaminhados ao hospital para tratamento de insuficiência cardíaca ou avaliação de arritmias sintomáticas, avaliou, num seguimento médio de 14 meses, a ocorrência de
morte súbita e taquicardia ventricular instável ou fibrilação
ventricular. Em 37 pacientes já se havia implantado o cardioversor-desfibrilador implantável. A presença de microalternância da onda T com freqüências cardíacas < 110 bpm teve
valor preditivo positivo de 22% + 5% e, de modo mais contundente, valor preditivo negativo altíssimo (94% + 4%).
Assim, a ausência de microvoltagem da onda T confere alto
valor preditivo negativo para auxiliar na estratificação de risco
em pacientes com miocardiopatia não-isquêmica, podendose considerar uma importante redução de custos para implante
de desfibriladores, bem como selecionar os candidatos que
menos se beneficiariam dessa terapia. Obviamente, mais estudos serão necessários para se testar a reprodutibilidade
desses animadores achados iniciais.
TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES
O tratamento das arritmias ventriculares nos pacientes
com miocardiopatia dilatada não-isquêmica segue basicamente duas premissas: tratamento decorrente de sintomas e/ou
então para prevenção de morte súbita. A questão seguinte se
refere a como deve ser feito esse tratamento. Os fármacos
antiarrítmicos, em especial a amiodarona, e o tratamento por
ablação com cateter do foco arritmogênico são opções que
auxiliam principalmente proporcionando melhora da qualidade de vida e reduzindo sintomas (por exemplo, recorrências de taquicardia ventricular sustentada e/ou terapias pelo
cardioversor-desfibrilador implantável). Entretanto, essas
modalidades de tratamento ainda não são suficientes para
prevenir a morte súbita. Nunca se deve deixar de lembrar
que o melhor tratamento para a insuficiência cardíaca nesses
pacientes com arritmia ventricular ainda é o máximo tratamento clínico otimizado, ou seja, a maior dose possível de
betabloqueadores (como carvedilol/metoprolol/bisoprolol) e
o uso de espironolactona, bloqueadores dos receptores da
angiotensina e/ou inibidores da enzima conversora da angiotensina.
Por outro lado, os pacientes com miocardiopatia dilatada
não-isquêmica que apresentam arritmia ventricular comple-
307
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
xa e fração de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida são os
pacientes com maior risco de morte súbita, e os estudos de
prevenção secundária e de prevenção primária tentaram demonstrar a importância do implante dos desfibriladores na
prevenção dessas mortes súbitas cardíacas. É também importante ressaltar que os desfibriladores foram concebidos
para prevenir o evento arrítmico fatal, ou seja, a morte súbita
por taquicardia ventricular e/ou fibrilação ventricular, e não
a morte súbita por outras causas. Também devem ser consideradas terapias para melhorar a qualidade de vida. Nesta
última situação, devem ser considerados, além da terapia
medicamentosa padrão, o uso de amiodarona para redução
de choques por cardioversor-desfibrilador implantável ou de
outras arritmias sintomáticas, como a fibrilação atrial, bem
como a ablação com radiofreqüência e os ressincronizadores cardíacos.
ESTUDOS DE PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
Os pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica e sintomáticos por taquicardia ventricular documentada
ou fibrilação ventricular (recuperados de parada cardiorrespiratória) apresentam mortalidade subseqüente esperada de
até 22% nos primeiros dois anos, comparável à encontrada
nos pacientes com miocardiopatia isquêmica, como demonstrado no estudo “Antiarrhythmic versus Implantable Defibrillators” (AVID)32. Outros estudos, especialmente o “Cardiac Arrest Study Hamburg” (CASH) e o “Canadian Implantable Defibrillator Study” (CIDS), também demonstraram
claramente que a taxa de mortalidade em pacientes sobreviventes de parada cardiorrespiratória e/ou taquicardia ventricular sincopal é similar, independentemente da etiologia da
cardiopatia estrutural33. No estudo AVID32, o maior de todos,
com 1.016 pacientes, 27% dos pacientes tinham miocardiopatia não-isquêmica, dos quais 54% receberam o desfibrilador e a sobrevida foi de 78,2% em anos, similar à dos pacientes isquêmicos.
ESTUDOS DE PREVENÇÃO PRIMÁRIA
Os primeiros estudos de impacto direcionados para prevenção primária utilizaram a amiodarona na população com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica. No estudo do “Grupo de Estudio de la Sobrevida en la Insuficiencia Cardiaca
en Argentina” (GESICA)11, foram randomizados 516 pacientes, predominantemente com miocardiopatia não-isquêmica, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo abaixo de
35%. Cerca de 10% desses pacientes eram portadores de
miocardiopatia chagásica. Foi demonstrada substancial re-
308
dução de mortalidade por todas as causas nos pacientes tratados com amiodarona (33,5% vs. 41,4%; RRR, 28%; IC
95%, 4 a 45; “log rank test” p = 0,024), independentemente
da presença de arritmias ventriculares. De maneira semelhante, o estudo CHF-STAT12 também avaliou o uso de amiodarona, porém numa população predominantemente isquêmica e com extra-sístoles ventriculares > 10/hora. Embora não
tenha ocorrido redução de mortalidade com a amiodarona, a
análise de subgrupo dos 193 pacientes não-isquêmicos demonstrou tendência favorável à redução de mortalidade (p =
0,07). Um dos achados intrigantes desse estudo foi que a
supressão da arritmia com amiodarona não esteve relacionada à sobrevida.
O estudo “Amiodarone Versus Implantable CardioverterDefibrillator” (AMIOVIRT)34 envolveu 103 pacientes com
miocardiopatia dilatada não-isquêmica e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 35% e taquicardia ventricular
não-sustentada assintomática. Foram comparados os tratamentos com amiodarona e desfibrilador. Ao final de três anos
de seguimento, não houve diferença na mortalidade em ambos os grupos e ainda houve tendência à redução de eventos
arrítmicos no grupo amiodarona.
O “Cardiomyopathy Trial” (CAT)35, com 104 pacientes,
teve delineamento semelhante ao do AMIOVIRT, a não ser
pelo fato de o grupo comparado ao desfibrilador ter sido o de
tratamento clínico otimizado sem amiodarona. Novamente,
ao final de cinco anos, não houve diferença de mortalidade
entre os grupos.
O estudo “Defibrillators in Non-Ischemic Cardiomyopathy Treatment Evaluation” (DEFINITE)36 também comparou, em 458 pacientes, o tratamento clínico otimizado e o
tratamento com desfibrilador na população com miocardiopatia não-isquêmica, fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor ou igual a 35% e arritmia ventricular complexa ao
Holter. Ao final do estudo, 33% dos pacientes tiveram morte
arrítmica. O benefício dos desfibriladores foi significativo
na redução por morte arrítmica, embora a mortalidade total
não tenha apresentado diferença estatística. A análise de
subgrupos demonstrou que o melhor benefício do cardioversor-desfibrilador implantável ocorreu nos pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 20%, com
duração do QRS maior que 120 ms e em classe funcional III
(“New York Heart Association” – NYHA).
Finalmente, o estudo SCD-HeFT37, o maior até o momento, envolvendo 2.521 pacientes, dos quais cerca de metade
era portadora de miocardiopatia não-isquêmica, comparou
três estratégias de tratamento: grupo tratamento clínico otimizado, grupo com acréscimo de amiodarona e grupo com
acréscimo do desfibrilador (cardioversor-desfibrilador imRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
plantável). O critério principal de
inclusão foi a fração de ejeção do
ventrículo esquerdo menor que 36%
e a classe funcional II ou III
(NYHA). O desfecho primário foi
mortalidade por todas as causas. Ao
final de cinco anos, a mortalidade
total foi de 28,9% no grupo cardioversor-desfibrilador implantável,
comparada com 34,1% no grupo
amiodarona e 35,8% no grupo placebo (apenas tratamento clínico sem
amiodarona). A redução de risco relativo com o cardioversor-desfibrilador implantável foi de 23% em
relação ao grupo controle (p <
0,001). Entretanto, o maior benefício foi observado na classe funcional II e em pacientes isquêmicos. Os
pacientes em classe funcional III não
obtiveram os mesmos benefícios
com o cardioversor-desfibrilador
implantável e ainda tiveram aumento de mortalidade com a amiodarona.
Assim, os principais estudos de
prevenção primária em miocardiopatia não-isquêmica apontam para o
benefício dos desfibriladores, ainda
que a um custo alto para os padrões
de nossa Saúde pública. Outros
subgrupos, como os pacientes com
fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre 36% e 40% ou em classe funcional I, ainda necessitam de
maiores estudos de estratificação de
risco e de intervenção. Na Figura 1
estão definidas as atuais Diretrizes
da Sociedade Brasileira de Cardiologia38 para indicação de desfibriladores na miocardiopatia não-isquêmica.
ASPECTOS ESPECÍFICOS
NA MIOCARDIOPATIA POR
DOENÇA DE CHAGAS
Fig. 1. Resumo das indicações de desfibriladores na miocardiopatia dilatada não-isquêmica de acordo com as últimas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia38.
Por causa de sua importância epidemiológica, a miocardiopatia chagásica é uma importante causa de morte cardíaRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008
ca e súbita em nosso meio. Entretanto, ainda é controverso o
papel dos desfibriladores na prevenção tanto secundária como
309
DARRIEUX F e col.
Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas
primária, principalmente pela falta de grandes estudos com
essa finalidade. Dados do estudo GESICA, que tinha pequena parte dos pacientes com miocardiopatia chagásica, já apontavam para o benefício da amiodarona na redução da mortalidade e das internações hospitalares. Entretanto, na ocasião
desse estudo poucos pacientes utilizavam terapia betabloqueadora.
Quanto aos fatores de predição de risco de mortalidade
por miocardiopatia chagásica, Rassi e colaboradores39 demonstraram que, por meio de um escore de validação de risco, era possível prever os grupos de risco (alto, médio e baixo) a partir de características clínicas em 424 pacientes de
uma coorte. Após extensa análise multi e univariada, concluiu-se que seis variáveis clínicas tinham maior influência
na sobrevida, às quais foram atribuídos pontos. Assim: cardiomegalia, 5 pontos; classe funcional III ou IV, 5 pontos;
taquicardia ventricular não-sustentada, 3 pontos; anormalidades da contração segmentar do ventrículo esquerdo, 3 pontos; baixa voltagem do QRS no plano frontal, 2 pontos; e
sexo masculino, 2 pontos. A mortalidade em dez anos foi de
84% nos pacientes de alto risco (12 ou mais pontos), 44%
nos de risco médio (7 a 11 pontos) e de 10% nos de baixo
risco (até 6 pontos).
Quanto à intervenção, Sosa e colaboradores40 demonstraram que o tratamento empírico com amiodarona para taquicardia ventricular na miocardiopatia chagásica é seguro e
eficaz a longo prazo. Também constataram que a recorrência
da taquicardia ventricular sustentada era maior nas classes
funcionais III e IV (todos os pacientes) que nas classes I e II
(apenas 30% dos pacientes) no seguimento de 36 meses. Leite
e colaboradores41 também analisaram o papel do estudo eletrofisiológico na estratificação de risco em pacientes com
miocardiopatia chagásica medicados com amiodarona ou
sotalol. No seguimento médio de 52 meses, os pacientes com
indução de taquicardia ventricular sustentada estável ou sem
indução de taquicardia ventricular sustentada tiveram me-
lhor sobrevida que os que tiveram indução de taquicardia
ventricular mal tolerada, sugerindo o uso mais precoce dos
desfibriladores nessa população. Finalmente, Cardinalli-Neto
e colaboradores42 demonstraram, em 90 pacientes com miocardiopatia chagásica com taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular e fração de ejeção do ventrículo
esquerdo média de 47%, que os desfibriladores associados à
amiodarona podem reduzir a mortalidade. Esse estudo, porém, não foi randomizado e 34% dos pacientes morreram
durante o seguimento, sendo a maioria (93%) por falência
de bomba. É interessante o fato de que o único fator de predição de risco de mortalidade por choque cardiogênico foi o
número de choques por paciente nos primeiros 30 dias do
implante do cardioversor-desfibrilador implantável. Assim,
com base nos dados atuais, embora alguns marcadores de
risco já tenham sido validados, ainda é controverso o papel
dos desfibriladores na prevenção tanto primária como secundária na miocardiopatia chagásica.
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310
CONCLUSÕES
Uma vez que o tratamento da insuficiência cardíaca em
pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica tem
se tornado cada vez mais refinado e de alto custo, é esperado
que a morte por falência de bomba possa ser postergada e
que a estratificação de risco desses pacientes para morte arrítmica se torne cada vez mais importante. Ainda estamos
longe de definir com exatidão os melhores métodos de estratificação de risco que indiquem maior grupo de pacientes
sob risco de morrer subitamente, com melhor relação custobenefício para os dispositivos implantáveis. No momento
atual, uma simples estratificação clínica de risco baseada nos
sinais e sintomas, associada ao uso racional dos métodos nãoinvasivos e invasivos, é importante para determinar qual
subgrupo de pacientes se beneficiaria mais com o tratamento com dispositivos eletrônicos implantáveis.
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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008

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