avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares
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avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares
SOCESP VOLUME 18 — NO 3 — JULHO-AGOSTO-SETEMBRO DE 2008 / WWW.SOCESP.ORG.BR ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES EDITOR CONVIDADO: ANGELO AMATO V. DE PAOLA MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS: FUNDAMENTOS PARA O CARDIOLOGISTA CLÍNICO ABORDAGEM CLÍNICA DA FIBRILAÇÃO ATRIAL ESTADO ATUAL DA ABLAÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E TRATAMENTO DAS TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES Figura da página 230. NA SALA DE EMERGÊNCIA ARRITMIAS VENTRICULARES EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA ARRITMIAS VENTRICULARES GENETICAMENTE DETERMINADAS: ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO Figura da página 265. EXTRA-SÍSTOLES E TAQUICARDIAS VENTRICULARES IDIOPÁTICAS: SIGNIFICADO CLÍNICO E TRATAMENTO ARRITMIAS VENTRICULARES NO ATLETA: AVALIAÇÃO E ELEGIBILIDADE PARA O ESPORTE MANUSEIO ATUAL DAS ARRITMIAS VENTRICULARES NA FASE AGUDA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS Gráfico da página 297. Comparação entre terapia antiarrítmica e desfibrilador nos diferentes grandes estudos. As maiores reduções de mortalidade foram obtidas nos estudos MADIT-I e MUSTT, nos quais o desfibrilador foi indicado após rigorosa avaliação eletrofisiológica. Os estudos CASH e AVID estudaram portadores de taquicardias ventriculares sustentadas mal toleradas. DCAI = desfibriladorcardioversor-automático implantável. ARRITMIAS VENTRICULARES NA FASE CRÔNICA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES NAS CARDIOPATIAS NÃO-ISQUÊMICAS ISSN 0103-8559 REVISTA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO REVISTA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO DIRETORIA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO BIÊNIO 2008/2009 Presidente: Ari Timerman Vice-Presidente: 1o Secretário: 2a Secretária: 1o Tesoureiro: 2o Tesoureiro: Diretora de Publicações: Diretor de Regionais: Diretor Científico: Diretor de Relações Institucionais: Diretor de Informática: Diretor de Qualidade Assistencial: Luiz Antonio Machado César Antonio de Pádua Mansur Lilia Nigro Maia Jorge Eduardo Assef João Nelson Rodrigues Branco Beatriz Bojikian Matsubara José Francisco Kerr Saraiva Edson Stefanini José Henrique Andrade Vila Ibraim Masciarelli Pinto Max Grinberg CONSELHO EDITORIAL Arritmias e Eletrofisiologia Angelo Amato V. de Paola Mauricio Ibrahim Scanavacca Dalmo Antonio R. Moreira Doença Valvar Flavio Tarasoutchi Valdir Ambrosio Moises Auristela Isabel Ramos Cardiomiopatia Beatriz Bojikian Matsubara Dirceu Rodrigues Almeida Antonio Carlos Pereira Barretto Felix José Alvarez Ramires Ecocardiograma Benedito Carlos Maciel Henry Abensur José Lazaro de Andrade Jorge Eduardo Assef Marcelo Luiz C. Vieira Orlando Campos Filho Cardiopatias Congênitas Ieda Biscegli Jatene Ulisses Alexandre Croti Maria Virginia T. Santana Circulação Pulmonar Antonio Augusto B. Lopes Nelson Kasinsky Cirurgia Cardiovascular Luiz Felipe P. Moreira Paulo M. Pêgo Fernandes João Nelson R. Branco Fabio Jatene Doença Arterial Coronária Edson Stefanini Carlos V. Serrano Jr. Luiz Antonio Machado César Otavio Rizzi Coelho Leopoldo Soares Piegas José Carlos Nicolau Caio de Brito Vianna RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 Emergências Cardiovasculares Ari Timerman Miguel Antonio Moretti Lilia Nigro Maia Epidemiologia Paulo Andrade Lotufo Álvaro Avezum Antonio de Pádua Mansur Ergometria e Reabilitação Romeu Sérgio Meneghelo William Azem Chalela Luiz Eduardo Mastrocola Ciência Básica em Cardiologia Alexandre da Costa Kleber G. Franchini Francisco Rafael M. Laurindo Takashi Okoshi Intervencionista Amanda Guerra M. R. Sousa Expedito E. Ribeiro da Silva Valter Correia de Lima Fausto Feres Hipertensão Arterial Dante Marcelo A. Giorgi Fernando Nobre Rui Manuel dos Santos Póvoa Fernanda Consolin Colombo Celso Amodeo Insuficiência Cardíaca Congestiva Fernando Bacal João Manoel Rossi Neto Marcus Vinicius Simões José Francisco Kerr Saraiva José Henrique Andrade Vila Medicina Nuclear Paola Emanuela P. Smanio José Soares Jr. Carlos Alberto Buchpiguel Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Carlos Eduardo Rochitte Ibraim Masciarelli Pinto Qualidade Profissional e Bioética Max Grinberg Bráulio Luna Filho Renato Azevedo i Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo Publicação Trimestral / Published Quarterly Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP) Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 Inclui suplementos e números especiais. Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91. 1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A) 1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B), 5 (supl A), 6 (supl A) 1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 5 (supl B), 6 (supl A) 2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A) 2007, 17: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A) 2008, 18: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A) ISSN 0103-8559 RSCESP 72594 CDD16 616.105 NLM W1 WG100 CDU 616.1(05) Associação Paulista de Bibliotecários / Grupo de Bibliotecários Biomédicos Normas para catalogação de publicações nas bibliotecas especializadas. São Paulo, Ed. Polígono, 1972. Indexada no INDEX MEDICUS Latino Americano Impressa no Brasil Tiragem: 6.700 exemplares A Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (ISSN 0103-8559) é editada trimestralmente pela Diretoria de Publicações da SOCESP, Avenida Paulista, 2073 — Horsa I, 15º andar, cj. 1512 — CEP 01311-300 — Cerqueira César — São Paulo, SP / Tel.: (11) 3179-0044 E-mail: [email protected] / Website: www.socesp.org.br As mudanças de endereço, a solicitação de números atrasados e as cartas ao Editor deverão ser dirigidas à Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, na sede da SOCESP. É proibida a reprodução total ou parcial de quaisquer textos constantes desta edição sem autorização formal e expressa de seus editores. Para pedidos de reprints, por favor contate: SOCESP — Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo / Diretoria de Publicações Tel.: (11) 3179-0044 / E-mail: [email protected] Produção Gráfica: CEV - Casa Editorial Ventura / Impressão: AquaPrint Gráfica & Editora ii RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIRETORIA DAS REGIONAIS DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO BIÊNIO 2008/2009 Regional ABCDM Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2a Secretária: José Luiz Aziz Silvio Cembranelli Neto Rogério Krakauer Maria Cristina Ferrari Regional Marília Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Paulo Celso dos S. Moreira Ronaldo de Oliveira Júnior Karlo José Félix Capi José Eduardo Rabelo Regional Araçatuba Presidente: Celso Biagi Diretora Científica: Helena Cordeiro Barroso José Antonio de Queiroz 1o Secretário: 2o Secretário: Paulo Francisco de Mesquita Barros Regional Piracicaba Presidente: Celise A. Sobral Denardi Diretor Científico: Humberto Magno Passos Luis Fernando Barone 1o Secretário: 2o Secretário: Luiz Antonio Bereta Regional Araraquara Presidente: Edson Akira Kusumoto Diretor Científico: José Geraldo Bonfá 1o Secretário: José C. Monteiro da S. Machado 2o Secretário: José Antonio Caracciollo Regional Presidente Prudente Presidente: Nabil Farid Hassan Diretor Científico: Antonio Cláudio Bongiovani 1o Secretário: Aloísio Muniz de Andrade 2o Secretário: Fernando Pierin Peres Regional Araras Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Daniel Izzet Potério Roberto Reis Carlos de Camargo Celso Luiz Scaravelli Regional Ribeirão Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Regional Bauru Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Christiano Roberto Barros Julio César Vidotto Nilton César Apendino Fernando Rodrigues S. Cordaro Regional Santos Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Regional Botucatu Presidente: Diretora Científica: 1a Secretária: 2o Secretário: Katashi Okoshi Ana Lucia Cogni Elaine Farah Simões Ricardo Mattos Ferreira Regional São Carlos Presidente: José César Briganti Diretor Científico: Sérgio Luis Berti 1a Secretária: Fabiana Maria Ruas Darezzo 2a Secretário: Hélio Araújo Cardoso Preto Paulo José Freitas Ribeiro Fernando Nobre Oswaldo César de Almeida Filho Marcus Vinicius Papa Antonio Mendes Neto Carlos Alberto Cyrillo Sellera Nelson Roberto Zecchin Edison Ribeiro da Cruz Regional Campinas Presidente: Daniel Lages Dias Diretor Científico: Fernando Mello Porto 1o Secretário: Juliano de Lara Fernandes 2o Secretário: Fábio Rossi dos Santos Regional São José do Rio Preto Presidente: Paulo Roberto Pavarino Diretor Científico: José Carlos Aidar Ayoub 1o Secretário: Paulo Roberto Nogueira 2o Secretário: José Fernando Vilela Martin Regional Franca Presidente: Luiz Alfredo H. Patti Diretor Científico: Carlos Alves Pereira 1o Secretário: Ciro M. Camarota 2o Secretário: Nilson Ricardo Salomão Regional Sorocaba Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Regional Jundiaí Presidente: Diretor Científico: 1o Secretário: 2o Secretário: Regional Vale do Paraíba Presidente: Carlos Expedito Bento Leitão Diretor Científico: Pedro Augusto Pascoli 1o Secretário: Fábio Roberto da Silva Baptista 2o Secretário: José Eduardo B. de Araújo Wagner Tadeu Ligabó Alberando Gennari Filho Agostinho B. de Castro Mário José Luiz S. Devittis RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 José Augusto Rabello Jr. Fernando Sampaio Marcelo Demarchi Luiz Miguel Gaspar Henriques iii SUMÁRIO ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES EDITOR CONVIDADO: ANGELO AMATO V. DE PAOLA 193 Carta do Editor Convidado EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA 251 Carta do Editor Convidado ANGELO AMATO V. DE PAOLA MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA ARTIGOS ARTIGOS 194 Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico Basic mechanisms of arrhythmia: essentials for clinical cardiologists THAIS AGUIAR DO NASCIMENTO, ANGELO AMATO V. DE PAOLA, GUILHERME FENELON 205 Abordagem clínica da fibrilação atrial Clinical approach to atrial fibrillation DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, RICARDO GARBE HABIB, ROGERIO ANDALAFT, LUIZ ROBERTO DE MORAES, CLAUDIA FRAGATA, CARLOS ANIBAL SIERRA REYÉS, JULIO CESAR GIZZI 221 Estado atual da ablação da fibrilação atrial Current practice of catheter ablation for the treatment of atrial fibrillation CRISTIANO DE OLIVEIRA DIETRICH, CLAUDIO CIRENZA, ANGELO AMATO VINCENZO DE PAOLA 236 Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Differential diagnosis and treatment of supraventricular tachycardias in the emergency room JOÃO PIMENTA, JOSÉ MARCOS MOREIRA, JEFFERSON CURIMBABA iv ARRITMIAS VENTRICULARES 252 Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento Genetically determined ventricular arrhythmias: risk stratification and therapy MÁRCIO JANSEN DE OLIVEIRA FIGUEIREDO 260 Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Premature ventricular complexes and idiopathic ventricular tachycardias: clinical significance and treatment EDUARDO RODRIGUES BENTO COSTA, ÉRIKA OLIVIER VILELA BRAGANÇA, ANDREZA CHAGURI 272 Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte Ventricular arrhythmias in athletes: evaluation and eligibility for sports LUCIANA DINIZ NAGEM JANOT DE MATOS, DENISE TESSARIOL HACHUL 283 Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio Management of ventricular arrhythmias in the setting of acute myocardial infarction ARGEMIRO SCATOLINI NETO, ANA LÚCIA DE ALMEIDA, ROBERTO ALEXANDRE FRANKEN 289 Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio Risk stratification and treatment of ventricular arrhythmias in the chronic phase of myocardial infarction JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS, ENRIQUE INDALÉCIO PACHÓN MATEOS RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 ARRITMIAS VENTRICULARES Edição Anterior: Editor Convidado: Hipertensão Arterial Heno Lopes Editor Convidado: Lesão em Órgãos-Alvo na Hipertensão Arterial Fernando Nobre Próxima Edição: Editor Convidado: Valvopatias Mitrais Jorge Eduardo Assef Editor Convidado: Valvopatias Aórticas Orlando Campos Filho RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 EDITOR CONVIDADO: MAURICIO IBRAHIM SCANAVACCA 303 Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas Risk stratification and treatment of ventricular arrhythmias in non-ischemic cardiomyopathy FRANCISCO DARRIEUX, EDUARDO SOSA v NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS NA REVISTA ATENÇÃO: A) Somente serão aceitos os artigos enviados em arquivos de texto (preferencialmente Word). B) A Revista tem periodicidade trimestral, com no máximo 120 páginas. Cada edição da Revista conterá dois temas, a critério do Diretor de Publicações. Cada tema incluirá no máximo 6 artigos (cada artigo de autoria de um Autor Principal e até dois Co-Autores). Para todas as edições da Revista, serão convidados dois Editores, um para cada tema. Os Editores Convidados e todos os Autores devem ficar atentos às Normas de Publicação e segui-las para não prejudicar as fases de produção da Revista. I - DADOS GERAIS PARA PREPARO DO ARTIGO 1. O artigo deverá ter aproximadamente 20 páginas, digitadas em fonte Times New Roman, tamanho 10, espaçamento entre linhas de 1,5, incluindo-se as referências bibliográficas. Poderá incluir até 4 ilustrações (figuras, fotografias, gráficos e/ou tabelas) e conter entre 25 e 30 referências (exceções serão analisadas pelos editores). 2. Evitar ao máximo o uso de abreviaturas, mesmo as consagradas. 3. Evitar escrever palavras em letras maiúsculas, principalmente os nomes dos autores (no texto ou nas referências). 4. Não usar a tecla de espaços para abrir parágrafos. 5. Texto corrido, sem necessidade de formatação especial (paginação, recuos etc.). 6. Tabelas deverão ser digitadas de forma simples, com os dados de cada coluna separados apenas pela tecla “TAB”, e no mesmo processador/editor de texto utilizado para o restante do texto. II - SEQÜÊNCIA DA DISPOSIÇÃO DO TEXTO Os artigos deverão ser entregues na disposição a seguir e somente serão considerados completos se incluírem todos os itens: vi PÁGINA INICIAL 1. Título em português. 2. Autor(es). 3. Instituição(ões). 4. Endereço para correspondência, incluindo CEP, telefone, fax, e-mail etc. (telefone, fax, e-mail ou outros meios de contato não serão publicados na Revista). SEGUNDA PÁGINA 1. Resumo com aproximadamente 250 palavras. 2. Descritores: até cinco (obter os termos no “DeCS — Descritores em Ciências da Saúde”, disponível no website: http://decs.bvs.br). TERCEIRA PÁGINA 1. Título em inglês. 2. Abstract com aproximadamente 250 palavras. 3. Key words: até cinco (obter os termos no “Cumulated Index Medicus, Medical Subject Headings”). QUARTA PÁGINA EM DIANTE 1. Corpo do texto: Organizado em intertítulo, subtítulo etc. Procurar elaborar texto com abordagem ampla e atual do assunto, incluindo as referências bibliográficas mais relevantes. PÁGINA DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Referências numeradas de acordo com a ordem de entrada no texto, e nunca em ordem alfabética. Seguir as Normas de Vancouver (“Vancouver Style”), consultando o website: www.nlm.nih.gov/bsd/ uniform_requirements.html 2. Incluir 25 a 30 referências relevantes. Exemplos de referências bibliográficas: Artigo de Revista com até 6 Autores Halpern SD, Ubel PA, Caplan AL. Solid-organ transplantation in HIV-infected patients. N Engl J Med. 2002 Jul 25;347(4):284-7. Artigo de Revista com mais de 6 Autores Rose ME, Huerbin MB, Melick J, Marion DW, PalRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 mer AM, Schiding JK, et al. Regulation of interstitial excitatory amino acid concentrations after cortical contusion injury. Brain Res. 2002;935(1-2):406. Instituição como Autor Diabetes Prevention Program Research Group. Hypertension, insulin, and proinsulin in participants with impaired glucose tolerance. Hypertension. 2002;40(5):679-86. Sem indicação de autoria 21st century heart solution may have a sting in the tail. BMJ. 2002;325(7357):184. Volume com Suplemento Geraud G, Spierings EL, Keywood C. Tolerability and safety of frovatriptan with short- and long-term use for treatment of migraine and in comparison with sumatriptan. Headache. 2002;42 Suppl 2:S93-9. Livros Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, Pfaller MA. Medical microbiology. 4th ed. St. Louis: Mosby; 2002. Capítulo de livro Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p. 93-113. Monografias / Dissertações / Teses Borkowski MM. Infant sleep and feeding: a telephone survey of Hispanic Americans [dissertation]. Mount Pleasant (MI): Central Michigan University; 2002. Eventos Christensen S, Oppacher F. An analysis of Koza’s computational effort statistic for genetic programming. In: Foster JA, Lutton E, Miller J, Ryan C, Tettamanzi AG, editors. Genetic programming. EuroGP 2002: Proceedings of the 5th European Conference on Genetic Programming; 2002 Apr 3-5; Kinsdale, Ireland. Berlin: Springer; 2002. p. 182-91. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 TABELAS Devem ser apresentadas apenas quando necessário para a efetiva compreensão do trabalho, não contendo informações redundantes já mencionadas no corpo do texto, e numeradas por ordem de citação. Devem ser apresentadas em páginas separadas e configuradas em espaço duplo, utilizando a tecla “TAB” para sua formatação. Devem ser enumeradas em numeral arábico e conter título curto. Utilizar a mesma fonte do texto. Indicar os marcadores de rodapé na seguinte ordem: *, †, ‡, §, #, **. Não usar linhas verticais entre as colunas. Utilizar linhas horizontais apenas nas partes superior e inferior do cabeçalho e na parte inferior da tabela. As abreviações utilizadas devem ser definidas no rodapé da tabela. FIGURAS As figuras devem ser submetidas em alta resolução, e serão avaliadas pelos Editores. Devem ser enviadas em formato JPEG ou TIFF, preferencialmente, ou também em PDF. As legendas das figuras devem constar em páginas separadas e permitir sua perfeita compreensão, independentemente do texto. As abreviações usadas nas ilustrações devem ser explicitadas nas legendas. III - ENVIO DO MATERIAL Os artigos (textos, figuras, fotografias e gráficos) deverão ser enviados unicamente via Internet, para o e-mail abaixo: [email protected] IV – ATENÇÃO: Solicitamos aos Autores de cada artigo que elaborem um teste de múltipla escolha relativo ao assunto abordado no texto. Esse material será disponibilizado no website www.socesp.org.br, para educação médica continuada dos leitores da Revista. V - DIREITOS AUTORAIS Os autores deverão encaminhar, previamente à publicação, a seguinte declaração escrita e assinada, inclusive pelos Co-Autores: vii “O(s) Autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) todos os direitos autorais do artigo (título do artigo) à Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. O(s) signatário(s) garante(m) que o artigo não infringe os direitos autorais ou qualquer outro direito de propriedade de terceiros, e confirma(m) que sua versão final foi revisada e aprovada por ele(s).” Todos os artigos publicados tornam-se propriedade permanente da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e não podem ser publicados sem o consentimento por escrito de seus Editores. Lembrete aos Editores Convidados e aos autores de artigos: a partir de 2008 passamos a trabalhar com novas "Normas para Publicação de Artigos na Revista", divulgadas também no website da SOCESP: www.socesp.org.br viii RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 CARTA DO EDITOR CONVIDADO Arritmias Supraventriculares As arritmias supraventriculares estão freqüentemente associadas às queixas de palpitações de pacientes com ou sem doença cardiovascular. Seu diagnóstico e tratamento estão firmemente apoiados em muitos estudos clínicos e experimentais, que continuam desvendando os mecanismos e as melhores opções terapêuticas dessa importante situação clínica. Ao entender alguns mecanismos das arritmias, constatamos que muitas arritmias recorrentes no homem podem ser facilmente reprodutíveis em laboratório. Essa conquista da eletrofisiologia clínica e experimental simplificou e racionalizou o diagnóstico e os tratamentos farmacológico e não-farmacológico das arritmias supraventriculares, com a possibilidade de reconhecimento e cura dos circuitos das mesmas. O fantástico conhecimento científico adquirido nos últimos dez anos conseguiu penetrar na complexa fisiopatologia da fibrilação atrial, utilizando atualmente, para seu tratamento, os recursos mais sofisticados da Cardiologia. O conhecimento e a correta interpretação dos estudos clínicos controlados para a abordagem clínica da fibrilação atrial possibilitam ao cardiologista explorar, de forma inteligente e racional, um grande arsenal propedêutico e terapêutico da Medicina para o benefício de seu paciente. Esses avanços foram seguramente gerados pelo investimento da eletrofisiologia na ciência básica e nos mecanismos das arritmias, nos mesmos caminhos da “Medicina translacional”. A incorporação contínua desses conhecimentos é fundamental para o tratamento dos pacientes com arritmias, grandes beneficiados da inovação tecnológica fortemente inserida na prática da Cardiologia moderna. Angelo A. V. de Paola Editor Convidado RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 193 MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS: FUNDAMENTOS PARA O CARDIOLOGISTA CLÍNICO THAIS AGUIAR DO NASCIMENTO1, ANGELO AMATO V. DE PAOLA1, GUILHERME FENELON1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:194-204 RSCESP (72594)-1718 Atualmente, são muitas as possibilidades de tratamento para a população de pacientes acometidos por taquiarritmias supraventriculares e ventriculares, incluindo a ablação por cateter, as drogas antiarrítmicas e os dispositivos implantáveis. Além disso, o avanço no campo das terapias moleculares tem revelado a importância dos fatores genéticos no desenvolvimento e tratamento das arritmias. A utilização clínica desse amplo arsenal diagnóstico e terapêutico pode ser muito facilitada pelo entendimento dos mecanismos fundamentais das arritmias cardíacas. Este artigo descreve sucintamente os mecanismos básicos das arritmias cardíacas com ênfase em seus aspectos relevantes à prática clínica. Descritores: arritmias; mecanismos; eletrofisiologia; potencial de ação; reentrada. BASIC MECHANISMS OF ARRHYTHMIA: ESSENTIALS FOR CLINICAL CARDIOLOGISTS At the present time, there are many possibilities of treatment for patients affected by supraventricular and ventricular tachycardia, including catheter ablation, antiarrhythmic drugs and implantable devices. Besides that, progress in the field of molecular therapies reveals the importance of genetic factors on the development and treatment of arrhythmias. The clinical utilization of this vast diagnostic and therapeutic arsenal may be facilitated by the understanding of the fundamental mechanisms of cardiac arrhythmias. This article briefly describes the basic mechanisms of cardiac arrhythmias with particular emphasis on aspects that are relevant to clinical practice. Key words: arrhythmias; mechanisms; electrophysiology; action potential; reentry. 1 Laboratório de Eletrofisiologia Cardíaca Experimental – Disciplina de Cardiologia – Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo – São Paulo, SP Endereço para correspondência: Guilherme Fenelon – Rua Pedro de Toledo, 781 – 10o andar – São Paulo, SP – CEP 04079-032 194 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico INTRODUÇÃO Atualmente, as opções terapêuticas à disposição do cardiologista para controle dos distúrbios do ritmo cardíaco são bastante amplas, incluindo drogas antiarrítmicas1, ablação por cateter,2,3 e dispositivos implantáveis, tais como marcapassos, desfibriladores e ressincronizadores4. Se, por um lado, tais progressos trouxeram grande benefício aos pacientes acometidos por arritmias cardíacas, por outro lado aumentaram consideravelmente a complexidade do manuseio clínico desses pacientes. Nesse aspecto, o entendimento dos mecanismos fundamentais das arritmias cardíacas facilita bastante a utilização criteriosa desses novos métodos terapêuticos. Além disso, a exemplo de outras áreas da Cardiologia, cada vez mais se reconhece a contribuição de fatores genéticos no desenvolvimento de diversas arritmias cardíacas, possibilitando vislumbrar novas estratégias de prevenção e tratamento dessas doenças baseadas na biologia molecular. Este artigo procura descrever sucintamente os mecanismos das arritmias cardíacas, com ênfase em seus aspectos relevantes à prática clínica. Detalhamento maior pode ser encontrado em publicações prévias.5,6 tássio através da bomba de sódio/potássio. Já nas células dos nódulos sinusal e atrioventricular (resposta lenta), a fase 0 do potencial de ação é mediada por uma corrente lenta de cálcio, uma vez que as correntes rápidas de sódio estão inativas nessas células em decorrência de seu baixo potencial de membrana. Outro ponto relevante é que essas células apresentam, na fase 4 do potencial de ação, um fenômeno chamado despolarização diastólica, que é a base do automatismo, sendo promovida por corrente de entrada (corrente de marcapasso) mediada por sódio e potássio. FORMAÇÃO E CONDUÇÃO DO IMPULSO CARDÍACO A propagação do impulso cardíaco só é possível porque as células cardíacas são excitáveis. Fig. 1. Desenho esquemático com a representação temporal das diversas Em outras palavras, um potencial de ação é ge- correntes iônicas e canais implicados na geração dos potenciais de ação rado quando a célula é invadida por um estímu- das células atriais e ventriculares e do nódulo sinusal. A espessura das lo de amplitude suficiente para alcançar o limiar barras indica a magnitude aproximada das correntes. Os canais mostrade excitabilidade celular. dos entre chaves só são ativados sob condições patológicas e aqueles com O potencial de ação das células cardíacas (Fi- interrogação ainda carecem de confirmação. Observar a despolarização gura 1) possui cinco fases, que resultam de inte- diastólica na fase 4 do potencial do nódulo sinusal. rações complexas entre várias correntes iônicas.7 DDL = despolarização diastólica. Em qualquer ponto no ciclo cardíaco, o potencial de membrana resultará da diferença entre as correntes iônicas de entrada (despolarizantes) e saída (repoÉ importante salientar que as correntes iônicas que comlarizantes). Em síntese, nas células atriais e ventriculares de põem o potencial de ação não estão homogeneamente discontração e condução (resposta rápida), a fase 0 (despolari- tribuídas nas cavidades cardíacas (Figura 1). Além das dização rápida) decorre da entrada rápida de sódio na célula; a ferenças já apontadas entre as células de respostas rápida e fase 1 (repolarização precoce) resulta da inativação da en- lenta, algumas correntes predominam nos átrios, enquanto trada de sódio e da saída de potássio; a fase 2 (platô) é man- outras são mais prevalentes nos ventrículos1. Essas desigualtida pela entrada de cálcio e também de sódio; a fase 3 (repo- dades se refletem não apenas na morfologia do potencial de larização final) se dá pela saída de potássio; e na fase 4 (po- ação (platô menos acentuado nos átrios), mas também na tencial de repouso) se dá a saída de sódio e a entrada de po- ação de agentes antiarrítmicos. Diversas condições patolóRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 195 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico gicas, como insuficiência cardíaca, hipertrofia miocárdica e fibrilação atrial, também alteram a densidade das correntes iônicas atriais e ventriculares, o que tem sido chamado de remodelamento elétrico. Esse importante fenômeno tem sido implicado na gênese e na perpetuação de várias arritmias7,8. A rapidez com que o impulso se propaga através dos tecidos denomina-se velocidade de condução, sendo diretamente proporcional à ascensão e à amplitude da fase 0 do potencial de ação. Quanto mais lenta e menos ampla for essa ascensão, menor será a velocidade de condução tecidual. Outra propriedade importante das células cardíacas é a refratariedade. Uma vez despolarizadas, as células só poderão sofrer nova despolarização após tempo de recuperação que define os períodos refratários. A velocidade de condução e a refratariedade teciduais são bastante afetadas por doenças cardíacas, fármacos antiarrítmicos e pelo sistema nervoso autônomo, que exerce grande influência sobre o miocárdio atrial e nos nós sinusal e atrioventricular. MECANISMOS DAS ARRITMIAS Os mecanismos eletrofisiológicos das arritmias cardíacas são classicamente alinhados em três categorias9: 1) distúrbios da formação do impulso; 2) distúrbios da condução do impulso; e 3) distúrbios simultâneos da formação e da condução do impulso (Tabela 1). Distúrbios da formação do impulso Essas arritmias podem se originar em uma única célula ou pequeno grupo de células conectadas anatômica e eletricamente. A manutenção dessas arritmias requer um foco gerador de impulsos. A formação anormal do impulso pode ser causada por automatismo ou por atividade deflagrada. Automatismo 1) Automatismo normal9 Como vimos anteriormente (Figura 1), o automatismo ou atividade de marcapasso é uma propriedade de células que possuem despolarização diastólica (os nódulos sinusal e atrioventricular e o sistema His-Purkinje). Quando há liberação acentuada de catecolaminas, como, por exemplo, no feocromocitoma e na intoxicação por cocaína,10 o automatismo normal pode estar muito aumentado (automatismo normal exacerbado), podendo ocorrer ritmos automáticos originados no nódulo atrioventricular ou sistema His-Purkinje. 2) Automatismo anormal As células miocárdicas atriais e ventriculares normalmente não apresentam despolarização diastólica espontânea (Figura 1). Entretanto, quando o potencial de repouso dessas células é reduzido a um nível crítico, pode ocorrer despolarização diastólica, ocasionando a formação repetitiva de impulsos ao que se denomina automatismo anormal. Esse fenômeno pode ser idiopático ou desencadeado por diversas afecções, como isquemia miocárdica, hipóxia e acidose. As arritmias causadas por automatismo anormal podem apresentar caráter incessante, muitas vezes de difícil controle farmacológico. Esse mecanismo parece estar implicado na gênese de algumas taquicardias atriais incessantes que ocorrem no coração estruturalmente normal, principalmente crianças, e em algumas arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio.11 Tabela 1 - Mecanismos básicos das arritmias cardíacas Mecanismo Formação anormal do impulso – Automatismo: - Automatismo normal exacerbado - Automatismo anormal – Atividade deflagrada: - Pós-potenciais precoces - Pós-potenciais tardios – Reentrada: - Anatômica - Funcional - Anisotrópica Formação e condução anormal do impulso – Parassístole 196 Arritmia clínica (exemplo) Ritmos ectópicos pós-cocaína Taquicardia atrial incessante “Torsades de pointes” Arritmias na intoxicação digitálica Vias acessórias atrioventriculares Fibrilação atrial e ventricular Taquicardia ventricular no pós-infarto Extra-sístoles ventriculares RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico ticos. Os pós-potenciais precoces parecem estar relacionados à onda U do eletrocardiograma e a respectiva atividade deflagrada tem sido implicada na gênese de arritmias ventriculares polimórficas, especialmente a “torsades de pointes”.12 É interessante observar que essas arritmias freqüentemente são autolimitadas. Isso decorre do fato de os pós-potenciais precoces serem dependentes da bradicardia. Como a taquicardia encurta a repolarização, a geração de pós-potenciais precoces é inibida, cessando, portanto, a arritmia. Essas mesmas razões explicam a eficácia da aceleração da freqüência cardíaca através do marcapasso temporário no controle das arritmias ventriculares no QT longo adquirido.13 2) Pós-potenciais tardios Os pós-potenciais tardios estão relacionados a condições em que a concentração intracelular de cálcio aumenta substancialmente12. Esses potenciais parecem ser causados por uma corrente transitória de entrada carreada por sódio e modulada pelo cálcio. O cenário clássico para a formação de pós-potenciais tardios é a intoxicação digitálica9. Não obstante, os póspotenciais tardios têm sido descritos em várias outras circunstâncias clinicamente relevantes, como excesso de catecolaminas, hipertrofia do miocárdio, insuficiência cardíaca, fase aguda do infarto do miocárdio e na reperfusão pós-isquemia11. Fig. 2. Desenho esquemático ilustrando pós-potenciais precoces ocorrendo na Em contraste com os pós-potenciais prefase 3 da repolarização (potencial da esquerda). Observa-se que o pós-potencial coces, os pós-potenciais tardios são depenretarda a repolarização celular. Quando o pós-potencial atinge o limiar de exci- dentes da taquicardia. Isso porque freqüêntabilidade da célula (potencial da direita) um novo potencial de ação é gerado, cias cardíacas elevadas tendem a aumendenominado atividade deflagrada. tar o cálcio intracelular. A atividade deflagrada secundária aos pós-potenciais tardios tem sido relacionada às arritmias atriais e ventriculares da intoxicação digitálica. Contudo, os pós1) Pós-potenciais precoces Essas anormalidades estão associadas a situações em que potenciais tardios também parecem contribuir para o desenhá prolongamento da repolarização, caso típico das síndro- volvimento de taquicardias atriais e fibrilação atrial paroxísmes do QT longo congênito e adquirido (secundário a dro- ticas3, de arritmias ventriculares idiopáticas com origem no gas)13. Além disso, os pós-potenciais precoces, por si só, pro- trato de saída do ventrículo direito, e de arritmias ventriculalongam a duração do potencial de ação. Os pós-potenciais res induzidas pelo exercício14. precoces ocorrem com maior intensidade na vigência de bradicardia, hipocalemia ou hipomagnesemia. Digno de nota, Distúrbios da condução do impulso – reentrada A reentrada é o mais importante, freqüente e bem estudavárias drogas antiarrítmicas das classes IA e III podem causar pós-potenciais precoces, especialmente a quinidina, a pro- do mecanismo causador de arritmias ventriculares e supracainamida, o sotalol e o ibutilide.1 Esses fármacos e outros ventriculares9,14. Dizemos que existe reentrada quando o imque prolongam a repolarização devem ser usados com cui- pulso cardíaco, ao invés de se extinguir ao final da despoladado, principalmente nos cardiopatas que fazem uso de diuré- rização, encontra um caminho de tecido excitável (fora do Atividade deflagrada O termo atividade deflagrada se refere à formação do impulso causada por pós-potenciais (Figura 2), oscilações do potencial de membrana que ocorrem durante ou após o potencial de ação.9,12 Os pós-potenciais são dependentes do potencial de ação precedente. Quando os pós-potenciais têm intensidade suficiente para despolarizar a célula, o potencial de ação resultante é chamado de atividade deflagrada. Os pós-potenciais podem ser precoces, quando ocorrem durante as fases 2 e 3 da repolarização, ou tardios, quando acontecem após a mesma (fase 4). RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 197 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico período refratário), que permite que o estímulo inicial retorne e novamente despolarize o coração total ou parcialmente (Figura 3). gura 4A). Já nos circuitos funcionais, a área de bloqueio de condução ao redor da qual o impulso circula é determinada pelas condições eletrofisiológicas do miocárdio, sendo, por- Fig. 3. Formação da reentrada. No painel A, o impulso é bloqueado na via 1, sendo conduzido exclusivamente pela via 2 (bloqueio unidirecional). No painel B, o impulso trafega pela via 3, atingindo retrogradamente a via 1. Se a parte proximal da via 1 (onde ocorreu o bloqueio unidirecional) tiver recuperado sua excitabilidade, o impulso poderá retornar ao ponto de origem, sendo então novamente conduzido pela via 2, ou seja, reentrando no circuito (painel C). Para que um circuito reentrante se forme, é necessário que ocorra bloqueio unidirecional da condução, e que o tempo de recirculação do impulso até o local de origem seja mais longo que o período refratário do segmento proximal do circuito. Caso esse tempo seja mais curto, o impulso chegará ao local de origem durante a refratariedade do segmento proximal do circuito e a reentrada não se completará (Figura 3). Em outras palavras, o comprimento anatômico do circuito precisa ser igual ou mais longo que a distância percorrida pela onda de ativação durante o período refratário. Esse conceito define o chamado comprimento de onda (Figura 4A), que equivale ao produto do período refratário e da velocidade de condução15. A diferença de área entre o comprimento de onda e o comprimento anatômico do circuito define o intervalo de excitabilidade, ou seja, o segmento do circuito reentrante que é excitável (despolarizável) durante o percurso do impulso ao redor do circuito. Quando o comprimento de onda excede o comprimento anatômico do circuito, o intervalo de excitabilidade deixa de existir e a reentrada cessa. Portanto, quanto maior for o intervalo de excitabilidade mais estável será o circuito16. Como poderá ser observado mais adiante, o conceito do intervalo de excitabilidade é de grande importância terapêutica4. Tipos de reentrada Os circuitos reentrantes podem ser classificados em anatômicos ou funcionais9. No primeiro caso, o impulso circula ao redor de uma barreira anatômica fixa e bem definida (Fi- 198 tanto, variável (Figura 4B). Nesses casos, se as condições de condução e refratariedade tecidual forem propícias, um impulso poderá desencadear um circuito reentrante na ausência de um obstáculo anatômico. Todavia, circuitos reentrantes podem ser formados pela combinação de componentes anatômicos e funcionais. Reentrada anatômica O exemplo clássico de circuito reentrante anatomicamente determinado é a taquicardia atrioventricular relacionada às vias acessórias atrioventriculares (Wolff-Parkinson-White)2. Nesse circuito, o impulso passa pelos átrios, nódulo atrioventricular, ventrículos, via acessória e novamente átrios. Todo circuito reentrante possui ao menos um componente essencial a sua perpetuação. Nesse caso específico, deve-se observar que a manutenção da arritmia depende da condução do impulso através da via acessória e do nódulo atrioventricular, o que serviu de base para a cura dessa síndrome pela ablação por cateter do feixe anômalo. Reentradas anatômicas também são observadas nas taquicardias atriais incisionais, em que o impulso circula ao redor de cicatrizes oriundas de atriotomia em pacientes com cardiopatia congênita corrigida, assim como nas taquicardias ventriculares por reentrada ramo a ramo, nas quais o impulso geralmente é conduzido anterogradamente pelo ramo direito e retrogradamente por um dos fascículos esquerdos14. Reentrada funcional Para que haja formação de um circuito reentrante, nem sempre é necessário um obstáculo anatômico. Como já foi RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico da fibrilação tanto atrial como ventricular. Tal como um foco automático, especula-se que a ativação rápida dos rotores leve à condução fibrilatória atrial e ventricular17. Reentrada anisotrópica No coração normal, a velocidade de condução do impulso é maior no sentido longitudinal da fibra cardíaca que no transversal. Entretanto, o fator de segurança para a condução do impulso é maior no sentido transversal que no longitudinal, ou seja, um estímulo é bloqueado mais facilmente no sentido longitudinal. Essa propriedade do miocárdio de conduzir impulsos desigualFig. 4. Desenho esquemático ilustrando os circuitos reentrante anatômico (A) e funci- mente em razão da orientação espaonal do tipo círculo condutor (B). (Explicação no texto.) A seta sólida representa o cial da fibra cardíaca (longitudinal comprimento de onda e a parte pontilhada indica tecido parcialmente refratário (perí- ou transversal) é denominada aniodo refratário relativo). O intervalo de excitabilidade é a área compreendida entre a sotropia. A exacerbação dessa caractesta e a cauda do impulso, sendo constituída por tecido plenamente (área branca) ou terística tem o potencial de desenparcialmente (pontilhado) excitável. Observar que o impulso circulando ao redor de cadear circuitos reentrantes18. Imaobstáculo anatômico (A) é conduzido através de tecido plenamente excitável, ao pas- ginemos um estímulo prematuro so que no círculo condutor (B) o impulso trafega em tecido parcialmente refratário (extra-sístole) atingindo um grupo (mais propenso a bloqueio na condução). Essa característica confere estabilidade ao de fibras cardíacas anisotrópicas. Esse estímulo pode ser bloqueado circuito anatômico. nas fibras orientadas longitudinalmente em relação ao impulso, mas não nas fibras orientadas transversalmente. Se a propagação transversal for suficientemente observado, na taquicardia atrial incisional o impulso circula lenta, o impulso irá encontrar as fibras longitudinais já fora ao redor de uma cicatriz de atriotomia. Imaginemos que a de seu período refratário, possibilitando, então, a reentrada. cicatriz da atriotomia, ao invés de fibrose, seja constituída Circuitos reentrantes anisotrópicos constituem causa impor tecido em seu período refratário (eletricamente inexcitáportante de arritmias ventriculares relacionadas à fase crôvel). Nesse caso, dizemos que há uma reentrada funcional nica dos infartos do miocárdio16. O desarranjo da arquitetudo tipo círculo condutor (Figura 4B), pois a própria revolura tecidual na borda da cicatriz do infarto, caracterizado por ção do impulso ativa constantemente a área de bloqueio cenfibras cardíacas viáveis entremeadas a tecido conjuntivo e tral mantendo-a refratária9. Essa forma de reentrada se cafibrose, cria substrato propício à reentrada anisotrópica. Esse racteriza pela instabilidade, ou seja, o circuito muda de tamecanismo também tem sido associado a arritmias ventrimanho, forma e localização a cada ciclo e parece ser responculares nas miocardiopatias não-isquêmicas e a algumas tasável pelas múltiplas ondas reentrantes que trafegam aleatoquicardias supraventriculares18,19. Dentre as últimas, destariamente pelos átrios durante fibrilação atrial. cam-se a taquicardia por reentrada nodal e o “flutter” atrial. Recentemente, foi descrita uma forma complexa de reReentrada anatômica vs. funcional vs. anisotrópica entrada funcional baseada em rotores, cuja rotação origina Cada um desses tipos de circuito reentrante possui caimpulsos que se propagam em espiral.17 Diferentemente do racterísticas próprias, algumas delas com implicações clínicírculo condutor, os rotores giram em torno de uma pequena cas. Os circuitos anatômicos e anisotrópicos são comumenárea central de tecido em condições de ser despolarizado (exte estáveis, persistentes e possuem intervalo de excitabilidacitável), mas que não é excitado durante a reentrada. Os rode. Em contrapartida, os circuitos funcionais são intrinsecatores parecem ser estáveis e têm sido implicados na gênese RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 199 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico mente instáveis, em geral não possuem intervalo de excitabilidade (o impulso se propaga em tecido parcialmente excitável) e tendem a terminar espontaneamente9. Por isso os circuitos anatômicos e anisotrópicos em geral estão associados a arritmias monomórficas16, ao passo que os circuitos funcionais estão relacionados a ritmos fibrilatórios. A estabilidade e a presença do intervalo de excitabilidade dos circuitos anatômicos e anisotrópicos propiciam várias intervenções terapêuticas. A estabilidade é muito importante para o mapeamento (localização) e a ablação do circuito durante estudo eletrofisiológico16. Já o intervalo de excitabilidade é a janela que possibilita que estímulos elétricos programados interajam de maneira reprodutível com o circuito, seja para mapeamento da taquicardia (encarrilhamento) ou sua interrupção por meio de estimulação rápida. A instabilidade e a ausência de intervalo de excitabilidade das reentradas funcionais as tornam pouco suscetíveis à ablação por cateter e à estimulação elétrica programada. Esses circuitos, portanto, geralmente são tratados com fármacos1. fica explícito por que a investigação das bases moleculares das arritmias vem ganhando relevância. Os canais iônicos são proteínas transmembrana com várias subunidades capazes de transporte seletivo de milhões de íons por segundo através da membrana celular. Essas macromoléculas são as unidades funcionais da eletricidade biológica de todas as células excitáveis. Nas últimas décadas, foram clonados, seqüenciados e caracterizados funcionalmente os genes que são responsáveis pela codificação das unidades principais dos canais iônicos (formadoras dos poros), denominadas de subunidades alfa, e as subsidiárias, denominadas de subunidades beta (Figura 5). No entanto, para o funcionamento normal dos canais iônicos, além das subunidades alfa e beta, são necessários vários outros produtos dos genes para regular, por exemplo, transporte, fosforilação, montagem e ancoramento. Mutações desses produtos têm sido relacionadas a arritmias hereditárias. DISTÚRBIOS SIMULTÂNEOS DA FORMAÇÃO E CONDUÇÃO DO IMPULSO Nessa categoria alinham-se as parassístoles, que, em sua forma clássica, são focos ectópicos (extra-sístoles) que apresentam despolarização diastólica (automatismo) e bloqueio de entrada, que protege o foco parassistólico da supressão pelo ritmo dominante (geralmente sinusal). Contudo, na realidade, o ritmo dominante é efetivamente capaz de aumentar ou reduzir a freqüência de disparo do foco parassistólico, caracterizando a chamada parassístole modulada. BASES MOLECULARES DAS ARRITMIAS Fig. 5. Ilustra os canais de K+. (a) Demonstra quatro subunidades alfa Kv+, cada uma com seis domínios transmembrana. (b) Demonstra as subunidades beta, que podem se apresentar tanto na face citoplasmática como transmembrana e que interagem com as subunidades alfa com papel de modular a função do canal. (c) As subunidades alfa se agrupam de quatro em quatro para formar o canal seletivo de K+. Como foi visto anteriormente, o ritmo cardíaco normal requer uma atividade orquestrada de diversos canais iônicos e transportadores além da propagação ordenada dos impulsos elétricos através do miocárdio, de forma que a interrupção de qualquer parte desse processo pode ter conseqüências deletérias e resultar em arritmias potencialmente letais. Por essa razão, 200 É crescente o reconhecimento de que pequenas variações nas seqüências dos genes, denominadas de polimorfismos, que acometem parcela significativa da população, podem alterar dramaticamente, até de forma letal, a resposta das drogas antiarrítmicas que atuam nos canais iônicos. Como RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico exemplos são descritas variantes do gene SCN5A dos canais Em contraste com as raras arritmias primárias, a maioria de sódio, que podem aumentar o risco de pró-arritmias20,21. das alterações do ritmo cardíaco está associada à presença As doenças elétricas primárias se referem às raras arrit- de doença cardíaca estrutural. As arritmias adquiridas são mias cardíacas decorrentes de mutações nos genes dos ca- dependentes de interações complexas entre o substrato mionais iônicos e, tipicamente, ocorrem na ausência de anorma- cárdico e os gatilhos que definem o risco de suscetibilidade lidades cardíacas estruturais. Seus principais exemplos são a arrítmica, conforme demonstra a Figura 6. O risco é em parsíndrome do QT longo congênito (SQTL), a síndrome do QT te geneticamente determinado. Os polimorfismos dos genes curto (SQTC), a síndrome de Brugada e a taquicardia ventri- que alteram a estrutura ou excitabilidade do substrato arrítcular polimórfica catecolaminérgica (TVPC). Essas arritmi- mico miocárdico, assim como aqueles que geram gatilhos as constituem parcela significativa dos casos de morte cardí- (metabolismo, trombose e inflamação), irão influenciar o risaca súbita em jovens.22 co arrítmico22. Nesse contexto, um estudo recente correlaciInicialmente, a caracterização molecular de síndromes ar- onou alterações genéticas que aumentam o risco de um pacirítmicas envolvendo somente um gene forneceu dados im- ente apresentar fibrilação ventricular durante infarto agudo.23 portantes da patogênese das arritmias, como, por exemplo, a mutação dos genes que codificam as correntes retificadoras tardias de K [KCNH2 (hERG)] e a corrente de sódio [SCN5A (Nav1,5)] como base da síndrome do QT longo tipos 2 e 3, respectivamente. No entanto, a evolução do conhecimento demonstrou a existência da sobreposição de síndromes, posto que a mutação de um único gene pode produzir arritmias hereditárias distintas (como, por exemplo, mutação no SCN5A produz síndrome de Brugada e SQTL tipo 3). Isso pode ser resultado da influência do ambiente ou de “genes modificadores” que alteram a suscetibilidade individual à expressão de um fenótipo específico. As mutações dos canais iônicos também têm sido implicadas em doenças multissistêmicas associadas à repolarização ventricular anormal e ao risco aumentado de morte cardíaca súbita, como as síndromes de Timothy e Andersen22. Ademais, formas hereditárias de doença ventricular estru- Fig. 6. Elementos-chave que contribuem para o desenvolvimento das tural podem se associar a arritmias atriais e risco arritmias adquiridas. As arritmias fatais são resultado de vários fatores e aumentado de morte cardíaca súbita. Dentre elas, da complexa interação gene-ambiental. O indivíduo tem o risco baseado a miocardiopatia hipertrófica, a miocardiopatia na sua predisposição genética, que é afetado pelo estresse externo, pela dilatada e a displasia arritmogênica do ventrículo resposta do miocárdio a tal estresse, e por fatores iatrogênicos. direito, as quais estão relacionadas a mutações IAM = infarto agudo do miocárdio; ICC = insuficiência cardíaca conno sarcômero, citoesqueleto e proteínas da jun- gestiva. ção intercelular (desmossomas), respectivamente. Relacionar essas síndromes a suas bases geO fator isolado mais importante para o desenvolvimento néticas e moleculares oferece ferramentas práticas para o diagnóstico acurado e também determina novos marcadores de arritmias adquiridas é a presença de doença estrutural. A para acessar o risco de morte cardíaca súbita. Infelizmente, alteração estrutural e o remodelamento elétrico em resposta estratégias de maior alcance, esquemas de estratificação de ao dano miocárdico, a sobrecarga hemodinâmica e as murisco e terapêuticas moleculares são limitadas pelo amplo danças na sinalização neuro-humoral podem levar a alteraespectro de fenótipos clínicos associados com uma única al- ções na função dos canais iônicos, no cálcio intracelular, na comunicação intercelular e na composição da matriz interteração gênica. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 201 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico celular, todas conspirando para criar um substrato para arritmias atriais e ventriculares. As alterações eletrolíticas, a ativação neuro-humoral, a terapia farmacológica e a isquemia, dentre ouros, podem servir como gatilhos para desencadear arritmias22. MECANISMOS DE ARRITMIA: RELEVÂNCIA CLÍNICA A elucidação dos mecanismos fundamentais das arritmias cardíacas tem possibilitado o desenvolvimento de terapias eficazes e seguras para uma ampla gama de taquicardias supraventriculares e ventriculares2. para a evolução dessas terapêuticas. No tocante aos mecanismos eletrofisiológicos da fibrilação atrial, a teoria dos focos automáticos e a hipótese das múltiplas ondas reentrantes, que não são excludentes, são as mais aceitas atualmente24. A partir delas foram desenvolvidas as técnicas atuais de ablação da fibrilação atrial, como o isolamento elétrico das veias pulmonares e a ablação circunferencial anatômica das veias pulmonares24. Taquicardias ventriculares No cenário das arritmias ventriculares também se aplicam os conhecimentos citados anteriormente. A evolução do entendimento dos mecanismos arritmogênicos reentrantes possibilitou o desenvolvimento de novas técnicas de mapeamento percutâneo com cateteres, que acoplam o elétrico ao anatômico e, com precisão, identificam a origem da arritmia (Figura 7), assim como as características dos circuitos, pos- Taquicardias supraventriculares A cura percutânea da síndrome de Wolff-Parkinson-White2, assim como da taquicardia por reentrada nodal e do “flutter atrial”, foi propiciada pelo entendimento do mecanismo reentrante, onde, uma vez identificada a região crítica para manutenção do circuito, a mesma é cauterizada por aplicação de radiofreqüência com altas taxas de sucesso. A fibrilação atrial é a arritmia clínica sustentada mais prevalente; no entanto, o esclarecimento dos mecanismos desencadeadores e mantenedores ainda é um desafio. A etiologia da fibrilação atrial está relacionada à alteração estrutural atrial, sobretudo fibrose. Por seu turno, a fibrose se correlaciona com diversos mecanismos, como apoptose, defeitos genéticos, processos inflamatórios, atividade autoimune e envelhecimento, os quais alteram as propriedades elétricas celulares24. O atraso de condução interatrial, a dispersão do período refratário atrial e a sobrecarga de cálcio intracelular são exemplos dessas alterações elétricas implicadas na gênese da fibrilação atrial24. Nesse emaranhado de fatores, cada um isoladamente pode ser alvo de medidas para prevenção e tratamento da fibrilação atrial, como, por exemplo, a inibição do sistema renina-an- Fig. 7. A figura colorida é a representação de um mapa de ativação do epigiotensina, que atua na atenuação do remode- cárdio do ventrículo esquerdo, em projeção lateral, confeccionado com o lamento estrutural atrial25. O uso das estatinas sistema eletroanatômico CARTO durante taquicardia ventricular. A dispocom suas propriedades antioxidantes e antiin- sição das cores representa o circuito de reentrada da taquicardia, com o flamatórias tem sido estudado em modelos sentido da ativação representado pelas setas brancas. A região de ativação animais26, em que parece reduzir o grau de fi- mais precoce está em vermelho e a mais tardia, em púrpura. As esferas brose. Dessa forma, entende-se que o estudo vermelhas representam os pontos de ablação do tecido viável responsável dos mecanismos das arritmias é fundamental pela manutenção da taquicardia. (Figura retirada do arquivo da UNIFESP.) 202 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico sibilitando a ablação do substrato arrítmico mesmo durante ritmo sinusal27. Esse mapeamento consiste na identificação das áreas de alteração anatômica, ou seja, cicatrizes, que contêm em seu interior tecido viável capaz de propiciar taquicardias ventriculares por reentrada. Uma vez identificadas, essas regiões podem ser eliminadas pela ablação. Essa mesma tecnologia também pode ser utilizada para identificação precisa de focos automáticos, a partir da precocidade do sinal elétrico identificado na geometria anatômica construída. De forma que a ablação por cateter com energia de radiofreqüência das taquicardias ventriculares é hoje uma alternativa terapêutica plausível28, cujo desenvolvimento se baseou no entendimento dos mecanismos arritmogênicos. Estimulação cardíaca A estimulação cardíaca artificial apresentou grande avanço a partir dos conceitos da eletrofisiologia básica. A demonstração das respostas eletrofisiológicas dos circuitos reentrantes aos diferentes métodos de estimulação deu origem aos algoritmos antitaquicardia, utilizados nos desfibriladores implantáveis. Além disso, a ressincronização cardíaca, que tem amplo papel no tratamento da insuficiência cardíaca, é REFERÊNCIAS 1. Task Force of the Working Group on Arrhythmias of the European Society of Cardiology: The Sicilian gambit. A new approach to the classification of antiarrhythmic drugs based on their actions on arrhythmogenic mechanisms. Circulation. 1991;84:1831-49. 2. Calkins H, Sousa J, El-Atassi R, et al. Diagnosis and cure of the Wolff-Parkinson-White syndrome or paroxysmal supraventricular tachycardias during a single electrophysiologic test. N Engl J Med. 1991;324:1612-6. 3. Haissaguerre M, Jais P, Shah D, et al. Spontaneous initiation of atrial fibrillation by ectopic beats originating in the pulmonary veins. N Engl J Med. 1998;339:659-66. 4. Cannom D. 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Outro exemplo é a utilização do marcapasso ventricular em pacientes selecionados com síndrome do QT longo congênito, em que o alicerce fundamental foi a observação de que as arritmias relacionadas à atividade deflagrada por pós-potenciais precoces são dependentes de bradicardia. Terapia farmacológica A terapia medicamentosa das arritmias cardíacas tem sido igualmente beneficiada pelos avanços na eletrofisiologia básica1. A identificação dos mecanismos celulares das arritmias tem facilitado o desenvolvimento de drogas mais específicas, portanto mais eficientes e, principalmente, seguras. Exemplo disso é o novo fármaco da classe III RSD1235, em investigação para tratamento da fibrilação atrial, que bloqueia preferencialmente canais de potássio atriais, agindo pouco sobre canais ventriculares, reduzindo, assim, o risco de pró-arritmias ventriculares polimórficas30. 8. Allessie M, Ausma J, Schotten U. Electrical, contractile and structural remodeling during atrial fibrillation. Cardiovasc Res. 2002;54:230-46. 9. Waldo AL, Wit A. Mechanisms of cardiac arrhythmias. Lancet. 1993;341:1189-93. 10. Fenelon G, Uchoa J, Otobone J, et al. Characterization of the in vivo cardiac electrophysiologic effects of high-dose cocaine in closed-chest, propofol anesthetized dogs with normal hearts. Arq Bras Cardiol. 2003;81:29-34. 11. Wit AL, Janse MJ. Experimental models of ventricular tachycardia and fibrillation caused by ischemia and infarction. Circulation. 1992;85:I32-42. 12. Volders PG, Vos MA, Szabo B, et al. Progress in the understanding of cardiac early afterdepolarizations and torsades de pointes: time to revise current concepts. Cardiovasc Res. 2000;46:376-92. 13. Camm AJ, Janse M, Roden DM, et al. Congenital and acquired long QT syndrome. Eur Heart J. 2000;21:1232-7. 14. Wellens HJ. Electrophysiology: ventricular tachycardia: diagnosis of broad QRS complex tachycardia. Heart. 2001;86:579-85. 15. Rensma P, Allessie M, Lammers W, et al. The length of the excitation wave as an index for the susceptibility to reentrant atrial arrhythmias. Circ Res. 1988;62:395-410. 203 NASCIMENTO TA e cols. Mecanismos das arritmias cardíacas: fundamentos para o cardiologista clínico 16. Richardson AW, Callans DJ, Josephson ME. Electrophysiology of postinfarction ventricular tachycardia: a paradigm of stable reentry. J Cardiovasc Electrophysiol. 1999;10:1288-92. 17. Jalife J, Berenfeld O, Mansour M. Mother rotors and fibrillatory conduction: a mechanism of atrial fibrillation. Cardiovasc Res. 2002;54:204-16. 18. Spach MS, Josephson ME. Initiating reentry: the role of nonuniform anisotropy in small circuits. J Cardiovasc Electrophysiol. 1994;5:182-209. 19. Fenelon G, Brugada P. Unipolar waveforms and monophasic action potentials in the characterization of slow conduction in human atrial flutter. PACE. 1997;21:25807. 20. Roden DM. Mechanisms and management of proarrhythmia. Am J Cardiol. 1998;82:49I-57I. 21. 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RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 ABORDAGEM CLÍNICA DA FIBRILAÇÃO ATRIAL DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA1, RICARDO GARBE HABIB1, ROGERIO ANDALAFT1, LUIZ ROBERTO DE MORAES1, CLAUDIA FRAGATA1, CARLOS ANIBAL SIERRA REYÉS1, JULIO CESAR GIZZI2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:205-20 RSCESP (72594)-1719 Com o envelhecimento da população, a fibrilação atrial tornou-se o distúrbio do ritmo mais comum nos pacientes de idade avançada. Pacientes idosos com fibrilação atrial têm prognóstico mais sombrio que aqueles de mesmo sexo e faixa etária sem fibrilação atrial. Essa arritmia pode ter causas cardíacas, entre as quais incluem-se cardiopatias como, por exemplo, as miocardiopatias hipertensiva, dilatada e hipertrófica, e a doença valvar mitral, e causas não-cardíacas, como a síndrome metabólica. Com relação ao tratamento, estudos recentes têm demonstrado maior tendência à utilização de betabloqueadores, indicando clara tendência a se realizar apenas a conduta conservadora de controlar a freqüência ventricular. Em muitos casos, no entanto, existe sempre o benefício do restabelecimento do ritmo sinusal, e a grande ênfase dada à terapêutica não-farmacológica na atualidade sustenta esse pensamento, numa visão de que o ritmo sinusal sempre vale a pena. As diretrizes internacionais têm orientado o tratamento da fibrilação atrial, com o objetivo de tornálo mais seguro e, pela remoção das causas potencialmente tratáveis, melhorar o sucesso do tratamento clínico e o prognóstico dos pacientes acometidos. A abordagem do paciente com fibrilação atrial não é o da arritmia apenas, mas de todo o conjunto de fatores envolvidos em seu desencadeamento. Um conceito importante é que, na gênese da fibrilação atrial, as taquiarritmias atriais favorecem o surgimento do substrato arritmogênico. Por essa razão, o restabelecimento precoce do ritmo sinusal deve ser sempre considerado para se reverter a tendência do surgimento de fibrilação atrial crônica, condição na qual qualquer forma de tratamento é menos eficaz. Descritores: fibrilação atrial; tratamento; ablação com radiofreqüência. CLINICAL APPROACH TO ATRIAL FIBRILLATION Atrial fibrillation is the most frequent cardiac arrhythmia in old people. Man and women at the same age with atrial fibrillation have a poorer prognosis compared to their counterparts without atrial fibrillation. The main causes for this arrhythmia includes cardiomyopathies (hypertensive, dilated, as well as hyperthrophic) and mitral valve disease and noncardiac causes, as metabolic syndrome. Recent studies have demonstrated an increased utilization of beta-blockers to treat patients with atrial fibrillation, as a clear demonstration that the conservative approach to these patients, i.e, rate control instead of rhythm control, have gained much more attention. However it is very important to realize that sinus rhythm is much better than atrial fibrillation no matter how or when, as the non-pharmacologic approach brought by radiofrequency circumferential ablation of the pulmonary veins has demonstrated in the recent years. The international guidelines have made the treatment of patients with atrial fibrillation more safe than before, mainly considering removing the potential conditions that favor atrial fibrillation as well as choosing the most appropriate drugs for the right patient. A very important concept to take into account is that atrial ectopy or even frequent atrial tachyarrhythmias generates atrial fibrillation and for this reason treatment has to be started as early as possible, with the main purpose to prevent the chronic form of atrial fibrillation, a condition where the success of treatment is harder to achieve. Key words: atrial fibrillation; treatment; radiofrequency ablation. Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo – São Paulo, SP 2 Serviço Médico Complementar – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo – São Paulo, SP 1 Endereço para correspondência: Dalmo Antonio Ribeiro Moreira – Rua Sampaio Viana, 75/301 – Paraíso – São Paulo, SP – CEP 04004-000 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 205 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial INTRODUÇÃO Com o aumento da sobrevida da população mundial, graças ao melhor controle dos fatores de risco e também do tratamento das cardiopatias e outras doenças, vem se observando o aumento da incidência de doenças próprias da idade avançada. A fibrilação atrial, uma taquiarritmia supraventricular que se caracteriza pela ausência de atividade elétrica e contrátil, rítmica e sincronizada dos átrios, vem se destacando como o mais comum distúrbio do ritmo cardíaco em indivíduos idosos. Sua incidência aumenta com o avançar da idade, acometendo cerca de 10% dos indivíduos de ambos os sexos na faixa etária de 80 anos ou mais1. Houve aumento da incidência de fibrilação atrial ajustada para a idade entre 1960 e 1980 e, notadamente, entre 1980 e 20002, achado esse que pode estar relacionado, dentre outras condições, com o aumento da obesidade e também com os distúrbios do sono (apnéia do sono) na população geral3. Na prática clínica, a fibrilação atrial pode ser classificada como sendo um primeiro episódio arrítmico detectado ou episódios recorrentes (mais de dois episódios). Pode ser ainda subclassificada na forma paroxística (que termina espontaneamente em menos de 24 horas), na forma persistente (forma sustentada com duração superior a sete dias) ou ainda na forma permanente, quando os métodos usuais de tratamento (cardioversão química ou elétrica) se mostraram ineficazes (fibrilação atrial refratária)4. A importância dessa classificação pode estar relacionada com a maior racionalidade das formas de tratar essa arritmia, conforme será comentado mais adiante. CAUSAS DE FIBRILAÇÃO ATRIAL Do ponto de vista etiológico, a fibrilação atrial pode ocorrer em corações normais, secundária a doenças cardíacas propriamente ou a causas extracardíacas (Tabela 1). As múltiplas causas que deflagram a fibrilacão atrial sugerem que o coração é o órgão de “choque” de várias condições clínicas e essa arritmia seria um sinal de alerta de algum comprometimento sistêmico ou cardíaco que deve ser investigado e tratado. Essa suspeita baseia-se, entre outras hipóteses, na observação de que a fibrilação atrial que ocorre no pós-operatório de doenças valvares5 ou até mesmo após a revascularização miocárdica6, por exemplo, está associada a maior risco de óbito em comparação com os pacientes em condições similares mas que não apresentaram fibrilação atrial. Outro dado que reforça essa observação é que a evolução clínica daqueles pacientes operados não foi influenciada pelo restabelecimento do ritmo sinusal normal. Em outras palavras, a fibrilação atrial pode ser um sinal de coração doente, o que 206 deve, portanto, ser investigado com os exames complementares disponíveis na atualidade. MECANISMOS DE ORIGEM E MANUTENÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL Como toda arritmia cardíaca, para o surgimento e a manutenção da fibrilação atrial é necessária a presença de um substrato arritmogênico, representado pelo átrio remodelado (dilatação atrial, alterações da refratariedade e da condução do impulso), de gatilhos deflagradores (extra-sístoles atriais, taquicardias atriais), bem como de fatores moduladores representados por influências do sistema nervoso autônomo, hormonais e outras (Figura 1). A fibrilação atrial é desencadeada, na maioria dos casos, por ectopias (gatilhos) originadas em territórios de desembocadura de grandes veias no coração, sobretudo as veias pulmonares, seio coronário e veias cavas (Figura 2). Tais ectopias provocam alterações eletrofisiológicas e histológicas atriais, coletivamente conhecidas como remodelamento atrial7,8. Esse achado se caracteriza, do ponto de vista eletrofisiológico, pela redução da duração do período refratário efetivo atrial. Tal redução, em geral heterogênea, permite que os átrios sejam despolarizados a freqüências muito rápidas, o que causa a desorganização de sua atividade elétrica. Para melhor compreensão, essa fragmentação da ativação atrial seria o correspondente a um tecido com várias células sendo despolarizadas em tempos diferentes, de maneira que uma extra-sístole seja conduzida em uma direção e bloqueada em outra, fator importante na geração da reentrada do impulso elétrico. Além da interferência sobre o período refratário atrial, já se demonstrou que outro fator arritmogênico pode estar presente: o prolongamento do tempo de condução atrial. Isso se explica da seguinte maneira, em indivíduos sem cardiopatia: por causa da atividade atrial rápida e intermitente que acontece nas taquicardias atriais, por exemplo, ocorrem diminuições de correntes iônicas na membrana, particularmente a do íon sódio, relacionada com a fase zero do potencial de ação8. A menor disponibilidade da corrente de sódio diminui a velocidade de ascensão dessa fase e, por conseqüência, da propagação da frente de onda. Esse fenômeno permite que os átrios sejam despolarizados num período criticamente importante para o estabelecimento do mecanismo de reentrada atrial. Assim, quando uma ectopia surge num tecido atrial remodelado, a velocidade de propagação da onda de ativação é lenta o suficiente para permitir que a mesma retorne ao ponto de origem e reative o miócito atrial, originando e mantendo uma despolarização reentrante. Em cardiopatas, a redução de velocidade de propagação do impulso pode RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial estar relacionada com a cardiopatia subjacente ou, então, nos pacientes com insuficiência cardíaca, com a Causas cardíacas Causas extracardíacas fibrose atrial causada por alteração no metabolismo protéico celular, que Valvulopatia mitral Consumo de álcool culmina com apoptose atrial e subsHipertensão arterial* Dispepsias tituição do tecido normal por tecido Disfunção sinusal Envelhecimento (apoptose) fibrótico. A redução da velocidade Cardiopatias congênitas (comunicação interatrial) Idiopática de condução do impulso pode ser Insuficiência cardíaca Prática de esportes influenciada não apenas pelas alteMiocardites Raiva rações dos canais de sódio anteriorPós-operatório de cirurgia cardíaca Corticosteróides mente descritas, mas, também, pelo Síndrome de Wolff-Parkinson-White Neoplasias (tratamento) desacoplamento elétrico celular reIndivíduos com marcapasso VVI Envenenamentos lacionado à diminuição das conexiPericardites Intoxicação por gasolina nas, proteínas presentes nos discos Apnéia do sono* intercalares e que facilitam a con______________ dução elétrica entre os miócitos9. * Síndrome metabólica. O conceito de refratariedade atrial e velocidade de condução do impulso é fundamental no entendimento da manutenção da fibrilação atrial. Do ponto de vista eletrofisiológico, se houver redução crítica da duração do período refratário tecidual, fica mais ou menos intuitivo que esse tecido pode ser ativado, alcançando elevadas freqüências de despolarização. Além disso, se houver redução da velocidade de condução, parece também ficar claro que, quando a frente de onda demora muito tempo para percorrer Fig. 1. Variáveis envolvidas no surgimento da fibrilação. É necessária a pre- seu trajeto, permite a recuperação da capacisença de um substrato arritmogênico, de gatilhos e de fatores moduladores dade de ativação tecidual. Isso se deve ao fato que influenciam tanto o substrato como os gatilhos. PRE = período refratáde que quando a despolarização atingir sua rio efetivo. porção final, aquela região que foi despolarizada no início já terá recuperado sua condição normal, podendo ser reativada. Sendo assim, esse tecido seria despolarizado quantas vezes fossem possíveis se o equilíbrio entre a velocidade de propagação do impulso e a refratariedade tecidual se mantivesse constante. A quebra dessa relação interromperia o circuito reentrante e a arritmia propriamente. Fig. 2. Na metade esquerda da figura são apresentadas a derivação eletro- Quando há encurtamento do comprimento de cardiográfica V1 e os eletrogramas atriais bipolares registrados no interior onda a arritmia tende a se manter. Ocorrerá da veia pulmonar superior esquerda, no átrio direito e no seio coronário, interrupção da fibrilação atrial quando houdemonstrando o desencadeamento de fibrilação atrial após o surgimento de ver prolongamento do comprimento de onda bigeminismo atrial persistente. À direita, representação esquemática de um 10 foco ectópico dentro da veia pulmonar superior esquerda. A ativação rápida do impulso atrial . Outros fatores importantes no surgimento desse foco sobre o tecido atrial forma o substrato arritmogênico que origina a fibrilação atrial. AD = átrio direito; SC = seio coronário; VPIE = veia do substrato arritmogênico atrial são o acúmulo intracelular de cálcio causado pela repulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. Tabela 1 – Principais causas relacionadas ao desencadeamento da fibrilação atrial RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 207 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial dução da corrente ICal responsável pela movimentação trans- po de manifestação das ectopias influencia o surgimento da fibrilamembrana de cálcio durante a fase 2 do potencial de ação8,11. ção atrial crônica14. Além disso, a persistência dessas alterações Esse efeito transitório significa que, com a interrupção dos modifica de maneira tal as características dos miócitos que a teraepisódios de taquicardia, restabelecem-se rapidamente as con- pêutica farmacológica se torna menos bem-sucedida, favorecendo, dições normais do miócito. O encurtamento do potencial de assim, a terapêutica não-farmacológica, representada pela ablação ação, que ocorre nessa condição especial, permite que a cé- circunferencial das veias pulmonares (Figura 3). lula seja despolarizada um maior número de vezes em resposta a estímulos taquicardizantes, como a hiperatividade DIAGNÓSTICO CLÍNICO-ELETROCARDIOGRÁFICO adrenérgica. A persistência das ectopias ou até mesmo das DA FIBRILAÇÃO ATRIAL taquicardias atriais favorece o surgimento de alterações genéticas que modificam definitivamente as características do Pacientes com fibrilação atrial referem palpitações taquipotencial de ação, tornando-as mais duradouras. Tais modi- cárdicas e irregulares aos esforços ou em repouso, falta de ficações incluem também os canais iônicos responsáveis pelas correntes de potássio presentes na fase 3 do potencial de ação, causando seu prolongamento12. As contradições a respeito dos efeitos distintos sobre o potencial de ação transmembra, ou seja, encurtamento da fase de platô e prolongamento da duração da fase 3, fazem pensar que o primeiro efeito deva ser mais importante que o segundo, pois definitivamente as células têm potencias de ação mais curtos. Em átrios que fibrilam cronicamente, há aumento das correntes de saída de potássio, o que manteria o encurtamento da duração do potencial de ação, favorecendo a manutenção da arritmia12. O aumento da população de receptores de Fig. 3. Importância das ectopias e do substrato atrial na gênese de fibrilação angiotensina é outro aspecto importante na foratrial paroxística, persistente e permanente. Observar que, na fase inicial, as mação do substrato arritmogênico. Os mecaectopias são importantes na deflagração da fibrilação atrial paroxística. Se nismos envolvidos na origem da fibrose ainda persistirem, há formação do substrato que aumenta o risco da forma persisestão sendo investigados, mas a angiotensina tente. Caso o paciente não seja tratado, há maior risco de progressão para a tem papel fundamental nesse processo. Expeforma permanente. O tratamento no início pode ser feito com fármacos, que rimentalmente já se demonstrou que curtos períreduzem o risco de ectopias e também da chance de formação do substrato. odos de fibrilação atrial se associam ao aumento Os agentes farmacológicos nessa fase podem ser os antiarrítmicos ou outros dos receptores para a angiotensina II, causado pelo utilizados no tratamento da cardiopatia subjacente (inibidores da conversão estresse de parede que acontece na distensão dos da angiotensina, bloqueadores dos canais de cálcio, espironolactona, etc.). átrios. O aumento da produção de angiotensina Nos casos mais avançados, já existem alterações estruturais irreversíveis, II acelera a formação de enzimas relacionadas à cujo tratamento pode ser tentado por meio de ablação do substrato propriamitose celular (MAPK), que leva à hipertrofia mente (aplicação de radiofreqüência no tecido atrial com potenciais elétrimuscular13. cos desorganizados) ou permitir ao paciente permanecer em fibrilação atrial Com base nas descrições dos parágrafos antericrônica, realizando apenas o controle da freqüência ventricular e a anticoaores, é possível entender que o surgimento de circuigulação em casos selecionados10. tos reentrantes atriais é facilitado por alterações eleFA = fibrilação atrial; FC = freqüência cardíaca; RF = radiofreqüência. trofisiológicas e estruturais dos miócitos, causadas por ectopias, taquicardias atriais ou episódios de fibrilação atrial intermitentes. Entretanto, a forma crônica da arritmia surge somente quando as alterações ocorrem e se ar, até quadros de insuficiência cardíaca. Ao exame físico, mantêm a partir de um período crítico, indicando, assim, que o tem- caracteriza-se por irregularidades no pulso arterial, ora cheio 208 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial ora fraco aleatoriamente, indicando diferentes volumes sistólicos. À ausculta cardíaca notam-se variações na intensidade das bulhas concomitantemente a diferentes durações dos ciclos cardíacos. Existe uma diferença entre freqüência dos ruídos cardíacos à ausculta e pulso periférico, sendo a primeira maior que a segunda. O pulso jugular está praticamente ausente, não se observando as típicas ondulações próprias do ciclo cardíaco. O eletrocardiograma se caracteriza pela ausência de ondas P, substituídas por ondulações irregulares da linha de base, conhecidas como ondas f, com freqüência maior que 400 pm (Figura 4). As ondulações podem ser grosseiras ou finas. Ainda não se conhece verdadeiramente a importância da caracterização dessas ondas do ponto de vista prático. Os intervalos RR são irregulares, com complexos QRS normais ou com padrão de bloqueio de ramo. Observam-se alterações da repolarização ventricular causadas pela freqüência ventricular irregular e pela presença de ondas f sobre o segmento ST e ondas T. Fig. 4. Eletrocardiograma de 12 derivações apresentando fibrilação atrial. Observam-se ondulação característica da linha de base, irregularidade do intervalo RR e alterações da repolarização ventricular. TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL O tratamento da fibrilação atrial inclui reversão ao ritmo sinusal por meio da cardioversão química ou elétrica ou, em casos de insucesso, controle da freqüência ventricular e, em pacientes de risco, anticoagulação. Há muita controvérsia sobre qual a forma ideal de tratar pacientes com fibrilação atrial. Atualmente, com base nos conhecimentos da fisiopatologia, parece claro que a reversão precoce do ritmo cardíaco deve ser buscada para se prevenir a formação do substrato arritmogênico que mantém a arritmia. Existe hoje uma consRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 cientização de que os episódios agudos, mesmos os iniciais, podem ser os responsáveis pela geração da forma crônica e, nesses casos, essa tendência deve ser revertida15. É possível até que os pacientes que desenvolvem fibrilação atrial aguda tenham maior predisposição a desenvolver a forma crônica no futuro, mas devem ser tomadas medidas precoces para que se retarde esse processo o máximo possível. A grande dificuldade do tratamento está relacionada à relativa ineficácia dos fármacos antiarrítmicos e o risco de complicações arrítmicas decorrentes de sua utilização16,17. Baseado na forma de apresentação clínica, o tratamento da fibrilação atrial poderá ser realizado de maneira menos empírica e com bom grau de sucesso, conforme descrito na Tabela 218. Fibrilação atrial aguda com colapso hemodinâmico Do ponto de vista prático, não há dúvidas de que em pacientes que se apresentam com distúrbio hemodinâmico, com baixo débito, o restabelecimento do ritmo normal por meio da cardioversão elétrica está indicado. Choques iniciais de 200 J revertem a maioria dos casos. Depois desse procedimento, devem ser tomadas as medidas para se tentar identificar a causa da arritmia e removê-la, procurando, assim, reduzir o risco de recorrências. Essa etapa do tratamento é muito importante, visto que uma causa potencialmente tratável melhora substancialmente o prognóstico do paciente. Fibrilação atrial paroxística A fibrilação atrial paroxística, aquela que tem duração de alguns minutos até 48 horas, tem reversão espontânea e a conduta terapêutica, nesses casos, em pacientes sintomáticos, é a utilização de fármacos antiarrítmicos para a prevenção de recorrências. Tal prevenção se faz necessária pelo mesmo raciocínio de que recorrências freqüentes tendem a perpetuar a fibrilação atrial. Entretanto, o tratamento deve ser realizado da maneira mais segura possível. Ainda não está firmemente estabelecido qual o melhor esquema terapêutico a ser indicado. De acordo com a presença ou não de cardiopatias, as diretrizes internacionais4 orientam a utilização de fármacos para se reduzir o risco de efeito próarrítmico como complicação da terapêutica farmacológica. A Figura 5 resume a prevenção de recorrências, seja em pacientes com a forma paroxística sintomática seja naqueles portadores da forma crônica e que se submeteram a algum procedimento para a normalização do ritmo cardíaco. Fibrilação atrial permanente A fibrilação atrial permanente é forma crônica refratária a qualquer tipo de tratamento farmacológico, tanto para 209 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial Tabela 2 – Indicações da forma de tratar de acordo com a apresentação clínica da fibrilação atrial Fibrilação atrial paroxística Fibrilação atrial persistente Fibrilação atrial permanente Controle da resposta ventricular – Crises freqüentes em pacientes assintomáticos Reversão ao ritmo sinusal – Crises em pacientes sintomáticos – Pacientes com risco de tromboembolismo Reversão ao ritmo sinusal – Pacientes sintomáticos – Fibrilação atrial com duração inferior a um ano (prevenção da forma crônica) – Pacientes que se beneficiam do ritmo sinusal (disfunção diastólica) Reversão ao ritmo sinusal – Não indicada Controle da resposta ventricular – Fármacos (digital, betabloqueadores, antagonistas dos canais de cálcio) – Ablação da junção atrioventricular e implante de marca a reversão como para a prevenção de recorrências. Nesse caso, o tratamento ideal baseia-se no controle da resposta ventricular e anticoagulação em casos selecionados. O grau de redução da freqüência ventricular deve ser estabelecido caso a caso. Não existe freqüência ótima para todos os pacientes, mas uma faixa de freqüência adequada a cada paciente18. Salienta-se que o débito cardíaco causado pela freqüên- cia cardíaca atual deve atender às demandas, tanto em repouso como em atividade. Por essa razão, os estudos que avaliaram os pacientes submetidos apenas ao controle da freqüência utilizaram o Holter de 24 horas, e estabeleceram que o ideal seria a freqüência cardíaca ao redor de 80 batimentos por minuto com o paciente em repouso e de até 110 batimentos por minuto com o paciente em exercício. O teste da ca- Fig. 5. Orientações para a prevenção de recorrências da fibrilação atrial. HAS = hipertensão arterial sistêmica; Ins. cardíaca = insuficiência cardíaca. 210 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial minhada de seis minutos, em que se avaliou a distância percorrida, foi outro critério também empregado para se avaliar o sucesso terapêutico. O teste ergométrico pode ser utilizado para se estabelecer o esquema terapêutico adequado e o tempo de esforço realizado pelo paciente na vigência de um determinado fármaco. Assim, é fundamental o entendimento de que não adianta apenas reduzir a freqüência ventricular a um valor crítico se o desempenho do paciente ao esforço estiver prejudicado. Todas essas variáveis devem ser contempladas para que o paciente fique bem clinicamente. A digoxina apenas não é um bom agente para o controle da freqüência cardíaca, pois exerce seus efeitos somente durante o período de repouso, havendo elevação quando o paciente se exercita. Um estudo recente, que avaliou o efeito de cinco esquemas terapêuticos para controlar a freqüência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial crônica (digoxina 0,25 mg; diltiazem 240 mg/dia; atenolol 50 mg/dia; digoxina 0,25 mg associada a diltiazem 240 mg/dia; digoxina 0,25 mg associada a atenolol 50 mg/dia), destacou que a associação de digital e atenolol apresentou os melhores resultados, tanto para redução da freqüência como para permitir maior tempo de esforço19. Em pacientes previamente esclarecidos a respeito dos resultados, riscos e benefícios, pode ser indicada a ablação circunferencial das veias pulmonares como forma de tratamento da fibrilação atrial permanente. Deve-se destacar que o sucesso desse procedimento é menor em pacientes com esse tipo de fibrilação atrial. Fibrilação atrial persistente A conduta a ser tomada em pacientes com a forma persistente ainda é controversa. Há estudos recentes que demonstram que a estratégia de se realizar apenas o controle da freqüência ventricular associada à anticoagulação apresenta resultados similares com relação àquela de se restabelecer o ritmo cardíaco e prevenir recorrências com fármacos antiarrítmicos3-25. Isso tem propiciado uma mudança significativa no tratamento da fibrilação atrial nos últimos anos, quando se observou maior tendência à utilização de betabloqueadores, indicando, desse modo, clara tendência à conduta mais conservadora de se controlar apenas a freqüência cardíaca26. Uma subanálise do estudo AFFIRM, entretanto, demonstrou que a qualidade de vida e o desempenho funcional dos pacientes, quando em ritmo sinusal, são superiores aos dos indivíduos que permanecem em fibrilação atrial27. O fator limitante que muitas vezes dificulta a conduta de normalizar o ritmo cardíaco é a ineficácia dos fármacos antiarrítmicos, associada ao risco de seus efeitos colaterais e pró-arrítmicos, o que poderia transformar uma arritmia com baixo potencial para complicações em um quadro muito mais grave e RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 que pode comprometer a vida do paciente. Não há dúvidas de que a conduta conservadora é de menor risco, porque o perfil farmacológico de medicamentos como digital, betabloqueadores e antagonistas dos canais de cálcio é muito mais favorável à menor incidência de efeitos pró-arrítmicos que o de agentes tais como sotalol, quinidina, amiodarona ou propafenona. Na prática, a orientação para pacientes com a forma persistente reside, inicialmente, no controle da freqüência ventricular, seguido de anticoagulação para estabilização do quadro clínico. A seguir, devem ser pesados os riscos e benefícios quanto à cardioversão, química ou elétrica. São menos propensos a reversão ou menos sujeitos a recorrências precoces: pacientes com fibrilação atrial há pelo menos dois anos; indivíduos que apresentam a fibrilação atrial com freqüência ventricular baixa, na ausência de fármacos que retardam a condução nodal (achado que sugere a presença de doença difusa do sistema de condução, condição na qual há grande probabilidade de recorrência precoce da arritmia); e pacientes que não podem tomar medicamentos antiarrítmicos para a prevenção de recorrências. Vale ressaltar que a fibrilação atrial tem alto potencial para recorrências, pela presença do substrato que já se instalou. Por essa razão, a necessidade da utilização de antiarrítmicos é inquestionável. Pacientes que apresentam recorrências precoces, após realizadas cardioversões em condições ótimas, não devem mais ser submetidos a tentativas de normalização do ritmo cardíaco. Não há qualquer estudo, entretanto, que tenha estabelecido de maneira inequívoca o número de reversões que deva ser praticado em pacientes com fibrilação atrial persistente. É possível que os casos com recorrência em períodos inferiores a seis meses após cardioversão (desde que um fator causal não seja identificado e removido) não devam se beneficiar com novas tentativas de reversão, e o controle da freqüência cardíaca apenas deve ser a conduta de escolha. Pacientes que evoluem com átrio esquerdo aumentado parecem ter menor chance de restabelecimento do ritmo sinusal, pelo menos quando se utiliza a cardioversão química28. É importante saber, entretanto, que após a normalização do ritmo cardíaco há grande chance de se reduzir o tamanho dessa câmara. O tamanho do átrio esquerdo, portanto, não deve ser motivo para não se pensar em reverter um paciente que está evoluindo com fibrilação atrial crônica. COMO NORMALIZAR O RITMO CARDÍACO Antes da reversão, química ou elétrica, deve-se iniciar a anticoagulação na fibrilação atrial com duração maior que 48 horas ou em qualquer paciente com valvulopatia mitral ou insuficiência cardíaca, independentemente da duração da 211 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial arritmia. O valor do Coeficiente Internacional Normatizado (INR) deve estar no intervalo entre 2 e 3 há pelo menos três semanas. A cardioversão química pode ser conduzida, ambulatorialmente, com a administração de fármacos (Tabela 3). A vantagem dessa conduta é o retorno ao ritmo sinusal em cerca de 50% dos pacientes. Na fibrilação atrial aguda, com duração de até sete dias, a administração oral de propafenona a pacientes sem contra-indicação a esse agente restabelece o ritmo sinusal em até 94% dos casos, sendo uma das condutas preferidas na atualidade4,29. A quinidina deve ser evitada pelos riscos de efeitos pró-arrítmicos30. O sotalol está limitado a indivíduos com coração normal, mas o índice de sucesso desse agente é baixo em comparação aos demais. A amiodarona, fármaco eficaz e que pode restabelecer o ritmo sinusal em cerca de 52% dos casos31, tem a vantagem de poder ser administrada a pacientes com disfunção ventricular. Na sala de emergência, a propafenona, na dose de 1 mg/kg a 2 mg/kg com infusão em 10 minutos seguidos de 10 mg/kg nas próximas 24 horas, restabelece o ritmo cardíaco normal em 80% dos casos, com tempo médio de uma hora. A amiodarona pode ser administrada na dose de 300 mg por via venosa, seguida de 20 mg/kg em 24 horas. Com essa abordagem, consegue-se a normalização do ritmo cardíaco em 24 horas em até 89% dos casos28. Na falha da reversão química está indicada a cardioversão elétrica. O procedimento deve ser realizado com o paciente internado e conduzido preferencialmente com o paciente já em uso de antiarrítmico, pois este tem a propriedade de estabilizar a atividade elétrica atrial após a aplicação dos choques. Sabe-se que o principal fator responsável pela recorrência precoce de fibrilação atrial é o aumento das ectopias atriais. Um estudo recente demonstrou que a administração de amiodarona na dose de 800 mg por dia duas semanas antes da cardioversão elétrica aumentou a chance de manutenção do ritmo sinusal no período pós-choque, em comparação com o grupo de pacientes que recebeu placebo. Esse achado, provavelmente, decorreu da maior estabilização elétrica atrial conferida pelo fármaco32. Em pacientes que já se demonstraram refratários à cardioversão elétrica ou que não reverteram a fibrilação atrial ao ritmo sinusal apenas utilizando fármacos, a adição de amiodarona aumentou a chance de sucesso de uma nova tentativa de cardioversão elétrica33. Para a cardioversão elétrica, a aplicação dos choques obedece à seqüência 100 J, 200 J, 300 J e 300 J de choque monofásico (ou a metade dessas cargas quando se aplicam choques bifásicos) com as pás aplicadas na região anterior do tórax, sendo interrompida após a documentação do ritmo sinusal ou terminado o protocolo. Deve-se ressaltar que, para pacientes em uso de amiodarona, há o risco de aumento do limiar de desfibrilação elétrica, sendo necessária, geralmente, a aplicação de maior número de choques. Num estudo prospectivo por nós realizado em pacientes que seriam submetidos a cardioversão elétrica, a população-alvo foi dividida em dois grupos: grupo A, que estava em uso de amiodarona precedendo a cardioversão; e grupo B, que não tomava nenhum antiarrítmico, apenas fármacos para o controle da freqüência cardíaca. No protocolo de reversão, estavam incluídas aplicações de até quatro choques com cargas progressivamente crescentes (100 J, 200 J, 300 J, 300 J). No grupo A, a intensidade cumulativa de cargas foi significativamente maior que no grupo B (475 + 284 J vs. 303 + 219 J; p = 0,02), o mesmo acontecendo com relação ao número de choques aplicados (2,7 + 1,0 vs. 1,9 + 1,7; p = 0,017). Esse fato demonstra que o limiar de desfibrilação elétrica se eleva com a amiodarona, e alerta para que as tentativas de cardioversão não devam ser interrompidas antes que o protocolo com pelo menos quatro choques se complete (Moreira DAR, dados ainda não publicados). Após o restabelecimento do ritmo sinusal, o antiarrítmico deve ser mantido, pelo risco elevado de recorrências na sua ausência. Tabela 3 – Fármacos empregados na reversão química da fibrilação atrial Propafenona Amiodarona 600 mg por via oral (dose única) para fibrilação atrial < 7 dias 300 mg a cada 8 horas 1 mg/kg a 2 mg/kg EV em 10 minutos, seguidos de 10 mg/kg em 24 horas 600 mg a 800 mg por dia na primeira semana 400 mg por dia na segunda semana 200 mg a 400 mg por dia após a terceira semana 300 mg EV, seguidos de 20 mg/kg EV em 24 horas ______________ EV = por via endovenosa. 212 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial PREVENÇÃO DE RECORRÊNCIAS Esta parece ser a principal etapa no tratamento de pacientes com fibrilação atrial. A grande dificuldade na manutenção do ritmo sinusal está relacionada aos inúmeros fatores instabilizadores do substrato arritmogênico atrial, nem sempre identificáveis na clínica. Sempre que possível, devese buscar entender o que está causando a arritmia e qual ou quais poderiam ser os eventuais gatilhos para gerar novos episódios. Conforme se discutiu nos mecanismos fisiopatológicos da fibrilação atrial, um dos fatores que aumentam o risco de recorrências é o acúmulo de cálcio intracelular. Por essa razão, particularmente em pacientes com fibrilação atrial paroxística, a interrupção dos fenômenos que culminam com o remodelamento deve incluir a utilização de antagonistas dos canais de cálcio (diltiazem ou verapamil). Estudos experimentais e clínicos confirmam os efeitos benéficos desses agentes34,35. Em pacientes com insuficiência cardíaca que evoluem com fibrilação atrial, a utilização de inibidores de enzima de conversão ou de bloqueadores de receptores de angiotensina reduz o risco de formação de fibrose tecidual, e conseqüentemente, do aparecimento de fibrilação atrial. Embora os objetivos primários dos estudos que envolveram inibidores de enzima conversora da angiotensina não tenham incluído o tratamento da fibrilação atrial, avaliações retrospectivas demonstram que definitivamente essa classe de fármacos deve ser empregada no tratamento coadjuvante da fibrilação atrial, além do antiarrítmico36. O uso de diuréticos deve ser considerado nesses pacientes, porque a distensão atrial, por aumento de volume e pressão, é um fator desencadeante de fibrilação atrial. Causas específicas que instabilizam o circuito arritmogênico atrial devem ser identificadas e eliminadas, tal como ocorre no hipertireoidismo e na isquemia miocárdica. No primeiro caso, é fundamental que os níveis plasmáticos de hormônios tireoideanos estejam normais, do contrário o risco de recorrência da arritmia é elevado. Embora não seja um fator comum, a isquemia deve ser tratada pelo risco, por exemplo, de se desencadear um quadro de miocardiopatia isquêmica que tenderá a manter a fibrilação atrial de forma crônica. Avaliações clínicas em estudos que empregaram estatinas demonstram o papel benéfico desses agentes, que atuariam como antiinflamatórios, reduzindo o comprometimento do miócito e, por conseguinte, do risco de fibrilação atrial37. Os fármacos antiarrítmicos mais seguros e eficazes para a prevenção de recorrências de fibrilação atrial são a propafenona, o sotalol e a amiodarona. Estudos clínicos que utilizaram, de maneira escalonada, antiarrítmicos em pacientes RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 com história de fibrilação atrial indicam que a amiodarona é superior à propafenona e ao sotalol na redução de episódios de fibrilação atrial. No estudo AFFIRM, uma avaliação de subgrupos de pacientes que fizeram uso de fármacos antiarrítmicos para manutenção do ritmo sinusal, o sucesso terapêutico de maior destaque foi para a amiodarona. Nessa população, o ritmo sinusal foi mantido em 60% dos pacientes durante o seguimento clínico, seguido do sotalol e outros agentes do grupo I27. Essa observação reforça a segurança e a eficácia da amiodarona em pacientes com alto risco de recorrência de fibrilação atrial. Um estudo publicado recentemente avaliou a utilização de sotalol e amiodarona na prevenção de recorrências de fibrilação atrial. Comparativamente ao sotalol, a amiodarona manteve os pacientes por mais tempo livres das recorrências após ter sido restabelecido o ritmo sinusal. O primeiro episódio de fibrilação atrial ocorreu em média 487 dias após a reversão em 267 pacientes em uso de amiodarona, comparativamente a apenas 27 dias nos 261 pacientes que fizeram uso de sotalol. Os resultados foram significativos mesmo quando se considerou a duração da fibrilação atrial (maior ou menor que um ano). A qualidade de vida e o desempenho na atividade física foram superiores nos pacientes nos quais se conseguiu manter o ritmo sinusal38. Pacientes jovens portadores da forma idiopática, que apresentam recorrências freqüentes e que já preencheram o critério de refratariedade ao tratamento, podem ser submetidos a tentativa de ablação com cateteres e radiofreqüência para isolamento do foco arritmogênico. Os pacientes valvulopatas ou coronarianos que serão submetidos a correção cirúrgica da cardiopatia também podem ser submetidos, no mesmo ato sob visão direta, a ablação endocárdica e/ou epicárdica atrial para o tratamento da fibrilação atrial. Os pacientes refratários ao tratamento e que evoluem com fibrilação atrial crônica devem ter a freqüência cardíaca controlada com fármacos (Tabela 4). Em pacientes com freqüências cardíacas persistentemente elevadas associadas a deterioração da função ventricular, a ablação da junção atrioventricular para indução de bloqueio atrioventricular total seguida de implante de marcapasso definitivo é uma conduta a ser considerada, visando à melhora da qualidade de vida. O PAPEL DA TERAPIA NÃO-ANTIARRÍTMICA NA PREVENÇÃO DE RECORRÊNCIAS DA FIBRILAÇÃO ATRIAL Provavelmente a maior dificuldade no tratamento da fibrilação atrial não está relacionada ao restabelecimento do ritmo sinusal, visto que o mesmo pode ser obtido em cerca 213 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial Tabela 4 – Fármacos empregados para o controle da freqüência ventricular na fibrilação atrial Controle rápido da freqüência ventricular: – Cedilanide 0,4 mg a 0,8 mg – Verapamil 5,0 mg a 10 mg – Diltiazem 0,25 mg a 0,35 mg – Metoprolol 5,0 mg (total até 15 mg) – Amiodarona 5 mg/kg a 10 mg/kg (150 mg a 300 mg) Controle crônico da freqüência ventricular: – Digoxina 0,25 mg – Verapamil 160 mg a 240 mg por dia – Diltiazem 120 mg a 180 mg por dia – Propranolol 80 mg a 320 mg por dia – Atenolol 100 mg por dia de 85% dos casos por meio da cardioversão elétrica. A manutenção do ritmo cardíaco normal, posterior à cardioversão, é, sem dúvida, o principal desafio. Vários fatores colaboram para esse fato. Inicialmente, nem sempre os mecanismos que geram a fibrilação atrial são identificados. Se o fossem, com muita probabilidade sua remoção preveniria as recorrências. Sabe-se, por exemplo, que 30% dos pacientes com fibrilação atrial crônica associada a estenose valvar mitral restabelecem o ritmo sinusal após a correção cirúrgica da lesão valvar. Em pacientes com história de hipertireoidismo, o retorno ao estado de eutireoidismo reduz o risco de recorrências da arritmia. Em segundo lugar, quando os pacientes são identificados como portadores de fibrilação atrial, na maioria das vezes sua duração é desconhecida. Esse aspecto se reveste da mais alta importância, porque quanto mais longa é a história da arritmia maiores deverão ser as alterações estruturais e eletrofisiológicas do tecido atrial que tendem a mantê-la e aumentar as chances de recorrência. Estudos experimentais demonstram que a fibrilação atrial persistente perpetua a fibrilação atrial, e a interrupção das crises pode ser um fator fundamental para impedir que aquelas modificações teciduais ocorram. Em terceiro lugar é importante salientar que os mecanismos de origem da fibrilação atrial diferem de acordo com a causa ou o tipo de cardiopatia subjacente; assim, seria pouco provável que uma forma de tratamento para uma causa específica tenha o mesmo sucesso para outra. Esse fato pode ser exemplificado pelos casos de fibrilação atrial idiopática que ocorre em indivíduos com coração normal. A utilização de 214 betabloqueadores deve ser evitada nos indivíduos com fibrilação atrial mediada pelo vago (forma conhecida como parassimpaticotônica), sob o risco de causar maior desequilíbrio autonômico e intensificar a recorrência das crises. O mesmo raciocínio é válido quando se utilizam fármacos parassimpaticolíticos em fibrilação atrial desencadeada pela hiperatividade simpática. A evolução do conhecimento relacionada à fibrilação atrial nos últimos anos permitiu que seu tratamento se tornasse menos empírico, o que sem dúvida aumenta as probabilidades de sucesso terapêutico. Muitas informações já disponíveis no campo experimental passam a ser empregadas na clínica, enquanto outras, em fase inicial de investigação, aguardam confirmação e em breve poderão ser incorporadas ao armamentário terapêutico. As ações de fármacos antiarrítmicos, apesar de bem conhecidas do ponto de vista eletrofisiológico, nem sempre se associam ao sucesso do tratamento; por essa razão, a terapia auxiliar desempenhará função importante. A seguir será apresentado o papel relevante da terapêutica não-antiarrímica na prevenção de recorrências da fibrilação atrial. Individualização do tratamento: a primeira etapa Parece que a primeira etapa no sucesso terapêutico de pacientes com fibrilação atrial deve ser a identificação do tipo de cardiopatia ou da causa extracardíaca associada à arritmia. Não é correto admitir que a fibrilação atrial originada em pacientes com insuficiência cardíaca deva ter o mesmo mecanismo de origem e manutenção que aquela que ocorre, por exemplo, em indivíduos com síndrome de Wolff-Parkinson-White. No primeiro caso, estudos experimentais demonstram que a fibrose atrial desempenha papel relevante na origem da arritmia. Além disso, a distensão atrial causada pela hipervolemia pode deflagrar ectopias atriais que instabilizam os átrios. Na síndrome de pré-excitação, ectopias surgidas durante episódios de taquicardia por reentrada atrioventricular devem desencadear a fibrilação atrial e a fibrose não deve estar presente. Os mecanismos, portanto, diferem e, na medida do possível, devem ser identificados para individualizar o tratamento. Por meio desse conhecimento poder-se-á de maneira mais racional escolher a terapia coadjuvante mais apropriada para facilitar a ação dos antiarrítmicos. O PAPEL DOS ÍONS CÁLCIO NA FIBRILAÇÃO ATRIAL Estudos experimentais demonstraram que animais de laboratório submetidos a períodos variáveis de estimulação atriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial al rápida contínua desenvolviam episódios cada vez mais duradouros, à medida que se prolongava a estimulação atrial39. Do ponto de vista eletrofisiológico, demonstrou-se que havia gradualmente redução da duração do período refratário efetivo atrial, prolongamento do tempo de condução atrial, além de reversão à adaptação do período refratário atrial a diferentes freqüências de estimulação, caracterizando o que se chamou de remodelamento elétrico atrial. Além de alterações elétricas, modificações estruturais importantes do miócito foram também observadas à microscopia tanto óptica como eletrônica. Tais alterações eram responsáveis pela manutenção da fibrilação atrial. Essas observações foram confirmadas na clínica quando pacientes com fibrilação atrial paroxística eram avaliados durante estudo eletrofisiológico. O acúmulo do cálcio ocorreria na célula em duas fases. Numa fase inicial, o retardo na recaptura desse íon para o retículo sarcoplasmático durante taquicardias rápidas causa seu acúmulo no sarcomêro, reduzindo a duração do período refratário atrial. Com a manutenção da taquicardia, haveria modificações estruturais dos canais de cálcio (do tipo L) em decorrência da deficiência de síntese protéica nesses canais. Assim, inicialmente, haveria alterações transitórias funcionais do miócito atrial, reversíveis com o pronto restabelecimento do ritmo cardíaco normal. Em casos de fibrilação atrial de mais longa duração, embora houvesse normalização da função eletrofisiológica do miócito após o restabelecimento do ritmo sinusal, o desarranjo histológico demoraria algum tempo para desaparecer, sendo esse o principal responsável pelas recorrências da arritmia após a cardioversão elétrica40. Experimentalmente demonstrou-se que o remodelamento elétrico pode ser amenizado pela administração de antagonistas dos canais de cálcio, particularmente o verapamil41. Estudos clínicos comprovam os achados de laboratório, nos quais o risco de recorrências é significativamente reduzido após a cardioversão elétrica de pacientes com fibrilação atrial crônica em uso de verapamil, em comparação aos pacientes sem esse fármaco35. Desse modo, é prudente que se associe um bloqueador de canal de cálcio a um antiarrítmico quando houver aumento das recorrências de arritmia após a cardioversão. O PAPEL DA INFLAMAÇÃO E DO ESTRESSE OXIDATIVO NA GÊNESE DA FIBRILAÇÃO ATRIAL O processo inflamatório, comprovado pela presença de níveis séricos elevados de proteína C-reativa, está associado a maior risco de surgimento de fibrilação atrial paroxística, assim como a manutenção da forma crônica. Essa observaRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 ção foi comprovada por meio de estudos epidemiológicos, em que ficou nitidamente demonstrada a associação entre níveis séricos elevados de proteína C-reativa e risco maior de fibrilação atrial.42 Estudo clínico recente demonstrou que a administração prévia de vitamina C a pacientes submetidos a cardioversão elétrica reduziu significativamente a incidência de recorrências, em comparação com o grupo de pacientes que não fez uso desse agente. É interessante ressaltar que, concomitantemente ao decréscimo das recorrências, também foi constatada diminuição significativa dos índices de inflamação, tais como níveis de proteína C-reativa, fibrinogênio plasmático e ferritina37. Ainda no que tange ao processo inflamatório, a utilização de estatinas está associada à diminuição de recorrências de fibrilação atrial, graças a sua ação antiooxidante e antiinflamatória. Estudos experimentais, que utilizaram o modelo de estimulação atrial rápida para o desenvolvimento de substrato arritmogênico atrial em cães, evidenciaram que a sinvastatina previne o surgimento de remodelamento elétrico atrial, comparativamente aos cães que não utilizaram a estatina. As diferenças estiveram relacionadas, principalmente, ao período refratário atrial e ao tempo de condução atrial nos dois grupos. De maneira ainda não clara, a vitamina C não apresentou qualquer influência nos resultados, indicando que esse agente deve atuar em outro modelo experimental que não o empregado nesse estudo43. Em outro estudo experimental, a atorvastatina, empregada no modelo de pericardite química estéril em cães, reduziu o risco de manutenção de fibrilação atrial através da inibição do processo inflamatório próprio da pericardite artificialmente induzida. A melhora dos parâmetros eletrofisiológicos atriais em geral alterados no processo de reprodução de fibrilação atrial (diminuição do período refratário atrial, tempo de condução atrial e indutibilidade da arritmia) ocorreu concomitantemente à redução dos níveis séricos de proteína C-reativa44. Esses achados sugerem que uma classe de pacientes portadores de fibrilação atrial pode se beneficiar da utilização de estatinas como terapia coadjuvante aos antiarrítmicos. O PAPEL DA FIBROSE ATRIAL NA GÊNESE E MANUTENÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL Em animais com insuficiência cardíaca, desencadeada pela estimulação ventricular rápida por longos períodos, aumenta o risco de surgimento de fibrilação atrial espontânea ou induzida artificialmente. A análise histológica atrial comprova a presença de áreas de fibrose que são responsáveis pela condução intra-atrial prolongada. Esse achado difere do 215 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial modelo experimental que utiliza a estimulação atrial rápida como forma de reprodução artificial de fibrilação atrial, cuja alteração que mais se destaca é a redução da duração do período refratário efetivo atrial. Assim pode-se perceber que modelos experimentais diferentes, que devem apresentar seu correspondente clínico, originam fibrilações atriais de mecanismos distintos e, por conseguinte, devem ter formas de tratamento também distintas. Na clínica, a fibrose atrial pode estar presente em pacientes com miocardiopatia ou hipertensão arterial. Estudos experimentais e clínicos demonstram os benefícios do emprego de inibidores da enzima de conversão, bem como dos bloqueadores de receptores de angiotensina, na redução da fibrose tecidual e também do processo inflamatório atrial. Subanálises de grandes estudos clínicos de pacientes com insuficiência cardíaca demonstraram inequivocamente a melhor evolução dessa população no que se refere ao risco de recorrências de fibrilação atrial. Essa observação foi confirmada por estudos específicos, que avaliaram os efeitos dessa classe de fármacos45. Os estudos demonstraram que a utilização de enalapril46, irbesartan47 e, mais recentemente, valsartam48, quando empregados com antiarrítmicos, está associada a melhora clínica dos pacientes, com redução significativa das crises de fibrilação atrial. Esses achados confirmam que o tratamento da fibrilação atrial não deve ficar restrito somente ao antiarrítmico, reforçando a idéia de que a fibrilação atrial é uma arritmia de causa multifatorial. A medicação coadjuvante exerce papel importante e é possível que as falhas do tratamento estejam relacionadas à não-utilização racional desses agentes. Além disso, as influências sistêmicas, não-cardíacas, que facilitam o surgimento de fibrilação atrial podem ser abordadas com essa terapia auxiliar, que, juntamente com os antiarrítmicos, deverão conferir maior estabilidade elétrica ao tecido atrial e redução das recorrências. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO PARA TROMBOEMBOLISMO EM PACIENTES COM FIBRILAÇÃO ATRIAL Dentre as complicações da fibrilação, a mais devastadora, sem dúvida, é o tromboembolismo sistêmico, que compromete a circulação cerebral na maioria dos casos (> 70%), sendo responsável pelos casos de invalidez, com prejuízo acentuado da qualidade de vida e, na dependência da gravidade, pela morte de alguns pacientes. Essa complicação pode surgir nos casos de fibrilação atrial crônica ou, então, após o restabelecimento do ritmo sinusal por meio de cardioversão tanto química como elétrica. 216 As causas diretamente relacionadas com a formação de trombos na fibrilação atrial ainda são desconhecidas, mas, seguramente, ausência de contração atrial, anormalidades do endocárdio atrial e estase sanguínea intra-atrial são as mais importantes. Além disso, outros fatores podem estar presentes e auxiliar na estratificação de risco (Tabela 5). Os resultados de estudos envolvendo grande número de pacientes indicam que a história prévia de acidente vascular cerebral embólico é o fator de risco independente mais importante relacionado à recorrência dessa complicação. Além disso, hipertensão arterial, diabetes melito, disfunção ventricular, insuficiência cardíaca, além de idade avançada (acima de 75 anos) foram identificados como fatores adicionais49. Na dependência da presença ou não de tais fatores de risco cardiovascular, a incidência de tromboembolismo cerebral varia entre 3% e 8% por ano, aumentando de 1,5% na sexta década de vida para até 23,5% na nona década. Por essa razão, a identificação precoce dos pacientes com maior probabilidade de serem acometidos é a etapa inicial fundamental para tornar o tratamento preventivo menos empírico, reduzindo, assim, o risco de complicação tromboembólica nessa população. Para facilitar a abordagem dos pacientes no que diz respeito ao tratamento preventivo, várias estratégias de avaliação de risco foram combinadas num escore de risco denominado CHADS2, que fornece, de maneira simples e confiável, um esquema para se qualificar o paciente ao uso ou não de anticoagulante. As letras que compõem essa sigla, além da pontuação dada a cada uma delas para a composição do escore, estão descritas na Tabela 6. No escore CHADS2, cada um dos fatores de risco recebe 1 ponto, exceto a história prévia de acidente vascular cerebral, que recebe 2 pontos. Com base nesse escore, as recentes diretrizes americanas4 indicam a utilização de ácido acetilsalicílico ou de anticoagulantes de acordo com a pontuação obtida em um paciente. Quanto maior o número de pontos detectado num determinado paciente, maior a chance de complicação tromboembólica (Tabela 6). O valor mínimo encontrado seria o escore 0, ou seja, baixo risco, e, portanto, não necessidade de medicação preventiva ou administração de ácido acetilsalicílico; escore 12, risco moderado; e escore 3 ou maior, risco elevado, indicando a necessidade de uso de anticoagulantes. Outros antitrombóticos indicados são clopidogrel, triflusal, ticlopidina ou dipiridamol, sendo o ácido acetilsalicílico o mais empregado na prática clínica. O anticoagulante de escolha é a warfarina, um antagonista da vitamina K. O controle da anticoagulação é feito com base na realização de exames periódicos, e o INR é o mais utilizado para esse fim. São considerados pacientes adequadamente anticoagulados e, portanto, com menor risco de acidente vascular cereRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial Tabela 5 – Fatores de risco e graduação de sua importância para o desencadeamento de acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial49 Fator fraco Fator moderado Fator forte Sexo feminino Idade 64-75 anos Insuficiência coronariana Tireotoxicose Insuficiência cardíaca Fração de ejeção < 35% Hipertensão arterial Idade > 75 anos Diabetes melito AVC prévio Estenose mitral Válvula artificial ______________ AVC = acidente vascular cerebral. bral embólico ou hemorrágico aqueles nos quais a faixa de anticoagulação se encontra entre 2 e 3. Abaixo dessa faixa há maior risco de fenômenos tromboembólicos (principal complicação em pacientes que fazem uso não controlado de anticoagulantes), enquanto o risco de hemorragia sistêmica se eleva progressivamente quando o INR Tabela 6 – Importância de cada fator de risco na composição do escore CHADS2 em pacientes com fibrilação atrial de origem não-valvar e risco de acidente vascular cerebral em pacientes não-anticoagulados, de acordo com o valor de cada score49 Fator de risco Escore Insuficiência Cardíaca Hipertensão arterial Idade > 75 anos (“Age”) Diabetes melito AVC (“Stroke”) 1 Pacientes (n = 1.733) 1 1 2 Risco de AVC (%/ano) (IC 95%) 120 1,9 (1,2 a 3,0) 0 463 2,8 (2,0 a 3,8) 1 523 4,0 (3,1 a 5,1) 2 337 5,9 (4,6 a 7,3) 3 220 8,5 (6,3 a 11,1) 4 65 12,5 (8,2 a 17,5) 5 5 18,2 (0,5 a 27,4) 6 ______________ AVC = acidente vascular cerebral; IC 95% = intervalo de confiança de 95%; n = número de pacientes. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 supera o valor 3 (complicação menos freqüente). Com essa conduta, a incidência anual de tromboembolismo periférico se reduz drasticamente (< 1%), melhorando o prognóstico dos pacientes com fibrilação atrial crônica. Conduta semelhante deve ser tomada quando se pretende restabelecer o ritmo sinusal, por meio da cardioversão química ou elétrica. Nessa condição, a anticoagulação deve preceder a reversão, com INR na faixa terapêutica (entre 2 e 3) por no mínimo três semanas, sendo mantida por pelo menos trinta dias após o procedimento. O estudo AFFIRM sugere que a anticoagulação deva ser permanente em pacientes com probabilidade elevada de recorrências de fibrilação atrial e que tenham risco moderado a grave para tromboembolismo. COMPLICAÇÕES DA FIBRILAÇÃO ATRIAL A complicação mais temida associada à fibrilação atrial é o tromboembolismo periférico. Várias são as causas dessa complicação, devendo-se ressaltar o fato de que muitos dos casos correspondem aos pacientes com predisposição genética cuja formação de trombos seria precipitada pela estase sanguínea própria da arritmia. Outras causas seriam as lesões do endocárdio atrial ou alterações da coagulabilidade causada pela arritmia. O tromboembolismo definitivamente influencia o prognóstico de pacientes com fibrilação atrial e esse fato é comprovado pela maior sobrevida dos pacientes quando submetidos a anticoagulação crônica, particularmente aqueles com maior risco (Tabela 6). A insuficiência cardíaca é outra complicação não rara da fibrilação atrial e está relacionada à ausência da contratilidade atrial, à irregularidade dos ciclos cardíacos e também à freqüência persistentemente rápida, quadro conhecido como taquicardiomiopatia. O tratamento da fibrilação atrial, seja 217 MOREIRA DAR e cols. Abordagem clínica da fibrilação atrial com o restabelecimento do ritmo sinusal seja com a redução da freqüência ventricular, pode reduzir o risco dessa complicação ou então reverter o quadro. PROGNÓSTICO DE PACIENTES COM FIBRILAÇÃO ATRIAL Pacientes com fibrilação atrial paroxística não tratados REFERÊNCIAS 1. Furberg CD, Psaty BM, Manolio TA, et al. Prevalence of atrial fibrillation in elderly subjects (the Cardiovascular Health Study). Am J Cardiol. 1994;74:236-41. 2. Miyasaka Y, Barnes ME, Gersh BJ, et al. Secular trends in incidence of atrial fibrillation in Olmstead County, Minnesota, 1980 to 2000, and implications on the projections for future prevalence. Circulation. 2006;114:119-25. 3. Mehra R, Benjamin EJ, Shahar E, et al. Association of nocturnal arrhythmias with sleep-disordered breathing. The Sleep Heart Health Study. Am J Resp Crit Care Med. 2006;173:910-6. 4. Fuster V, Rydén LE, Cannon DS, et al. 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Altered pattern of connexin40 distribution in persistent atrial fibrillation in the goat. J Cardiovasc Electrophysiol. 1998;9:596-607. 10. Moreira DAR. Mecanismos de ação dos antiarrítmicos 218 tendem a perpetuar a arritmia em um prazo médio de cinco anos. O prognóstico de pacientes com fibrilação atrial depende da cardiopatia subjacente, mas é pior que o de pacientes de mesma idade sem a arritmia, para ambos os sexos50. Pacientes que evoluem com fibrilação atrial associada a insuficiência cardíaca têm menor sobrevida que aqueles sem insuficiência cardíaca. As principais causas de morte são o tromboembolismo sistêmico e a insuficiência cardíaca refratária. na reversão ao ritmo sinusal e prevenção de recorrências. In: Moreira DAR, Figueiredo MJOF, Borges JL, editors. Fibrilação Atrial: O que os grandes estudos nos ensinaram. São Paulo: AC Farmacêutica; 2008. p. 45-105. 11. Yue L, Feng J, Gaspo R, Li GR, Wang Z, Nattel S. 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O procedimento pode ser individualizado para os casos de fibrilação atrial paroxística ou de longo prazo, a fim de evitar desnecessárias lesões atriais. A taxa de sucesso para os casos de fibrilação atrial paroxística é semelhante aos casos de fibrilação atrial persistente ou permanente. As complicações relacionadas com o procedimento são inferiores a 6%. A ablação por cateter é uma medida efetiva e segura para controle da fibrilação atrial paroxística, persistente e permanente. CURRENT PRACTICE OF CATHETER ABLATION FOR Descritores: fibrilação atrial; ablação por cateter. Key words: atrial fibrillation; catheter ablation. THE TREATMENT OF ATRIAL FIBRILLATION Atrial fibrillation is a very common arrhythmia with high mortality and morbidity. Anti-arrhythmic drugs have limited efficacy and catheter ablation is the most important non-pharmacological approach for atrial fibrillation control. The primary endpoint is the elimination of pulmonary vein triggers and/or the modification of atrial fibrillation substrate. Catheter ablation is indicated for patients with symptomatic atrial fibrillation refractory to antiarrhythmic drugs. Success rate in paroxysmal cases is similar to long-lasting persistent atrial fibrillation. Step-by-step approach should be used for paroxysmal or persistent/permanent atrial fibrillation to avoid unnecessary atrial lesions. Major complications are reported in up to 6% of the procedures. Catheter ablation is an effective approach for selected patients with paroxysmal and longstanding persistent atrial fibrillation. Setor de Eletrofisiologia Clínica – Hospital São Paulo – Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo – São Paulo, SP 1 Endereço para correspondência: Angelo Amato V. de Paola – Setor de Hemodinâmica/Hospital São Paulo – Rua Napoleão de Barros, 715 – Vila Clementino – São Paulo, SP – CEP 04037-000 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 221 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial INTRODUÇÃO A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum, sendo responsável pela maioria das internações decorrentes de distúrbio do ritmo.1 O maior risco de acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e mortalidade por todas as causas é um fator importante no manejo dessa arritmia.2,3 A terapia farmacológica antiarrítmica visa à prevenção da recorrência da arritmia, mas com taxa de sucesso limitada e paraefeitos consideráveis. Atualmente, o desenvolvimento das alternativas não-farmacológicas tornou essas intervenções parte importante do tratamento da fibrilação atrial. A principal abordagem não-farmacológica para o controle da fibrilação atrial é a ablação percutânea por cateter, por sua menor agressividade e pelos resultados favoráveis. Apesar de os resultados iniciais com a abordagem mimetizando a técnica cirúrgica terem sido desapontadores, o reconhecimento dos deflagradores localizados nas veias pulmonares permitiu o surgimento e o desenvolvimento de técnicas efetivas para o controle da fibrilação atrial.4-6 Com o avanço das ferramentas terapêuticas dos últimos anos, a ablação por cateter tornou-se importante no manejo da fibrilação atrial, podendo ser utilizada até mesmo como primeira linha de tratamento em casos selecionados. MECANISMOS As duas principais teorias para patogênese da fibrilação atrial são a atividade ectópica focal e a reentrada. O desencadeamento e a manutenção da fibrilação atrial requerem um evento deflagador (“trigger”) para iniciar a arritmia e a presença de um substrato para perpetuar a arritmia. Outros fatores adicionais, como o sistema nervoso autonômico, parecem contribuir para iniciar ou manter a fibrilação atrial. A seguir estão apresentados, de forma resumida, os fatores associados com a fibrilação atrial e as técnicas disponíveis para ablação por cateter. Origem focal Uma importante mudança na abordagem percutânea da fibrilação atrial ocorreu após o reconhecimento dos iniciadores da arritmia localizados principalmente nas veias pulmonares.6 Estudos anátomo-histológicos têm demonstrado a presença de feixes musculares que conectam as veias pulmonares ao átrio esquerdo.7 A presença desses feixes pode ser reconhecida por meio do registro de sinais elétricos pela colocação do cateter multipolar circular no óstio da veia pulmonar durante o estudo eletrofisiológico.8,9 Esses conhecimentos resultaram no desenvolvimento das técnicas inicial- 222 mente focais e posteriormente mais amplas para o isolamento e o controle desses deflagradores localizados nas veias pulmonares. Substrato A presença de heterogeneidade da refratariedade atrial e de diferentes propriedades de condução permite o surgimento de vários circuitos de reentrada no átrio esquerdo. Essa teoria, concebida por Moe e colaboradores10 e avaliada experimentalmente por Alessie e colaboradores11, tem sido a base para os procedimentos cirúrgicos, como a cirurgia do labirinto. Atualmente, as técnicas de ablação por cateter têm também abordado o substrato com o mapeamento atrial dos eletrogramas atriais complexos e fragmentados e a realização de linhas no átrio esquerdo. SELEÇÃO DOS PACIENTES A indicação para ablação por cateter depende da presença de sintomas relacionados à fibrilação atrial e da ineficácia das drogas antiarrítmicas no controle da arritmia. Atualmente, as evidências confirmam não só a utilização do procedimento para os casos paroxísticos, mas, também, para os de longa data (persistente e permanente). Seguem as indicações para o procedimento: – fibrilação atrial paroxística e sintomática com falha da terapia com pelo menos uma droga antiarrítmica da classe I ou III; – fibrilação atrial persistente sintomática, apresentando falha da terapia com mais de uma droga antiarrítmica convencional e/ou cardioversão elétrica; – fibrilação atrial persistente com evidência de reduzida fração de ejeção (ecocardiograma) e/ou sintomas de insuficiência cardíaca sem explicação alternativa para a disfunção cardíaca. Em junho de 2007, foram publicadas as diretrizes das Sociedades Européia e Americana de ablação por cateter e cirúrgica para fibrilação atrial.12 As indicações presentes nessa publicação podem ser resumidas da seguinte forma: – fibrilação atrial paroxística ou persistente sintomática refratária ou intolerante a no mínimo uma droga antiarrítmica da classe I ou III; – fibrilação atrial sintomática associada a insuficiência cardíaca e/ou reduzida fração de ejeção em pacientes selecionados; – em raras situações, pode ser considerada terapia de primeira linha em pacientes com episódios freqüentes e sintomáticos de fibrilação atrial. Em todas as situações, deve-se levar em consideração a RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial relação risco-benefício na tomada de decisão sobre a realização do procedimento. TÉCNICAS DE ABLAÇÃO PARA FIBRILAÇÃO ATRIAL Diferentes técnicas de ablação foram desenvolvidas com os conhecimentos e as tecnologias adquiridas, mas o isolamento elétrico das veias pulmonares, pelas técnicas anatômica ou segmentar, permanece o objetivo central para todos os procedimentos.12,13 Descrevemos, então, cada técnica com seus respectivos resultados. vação atrial e sua relação com o início da onda P é definido o foco de origem da ectopia ou taquiarritmia atrial. Nesse local, é efetuada a aplicação de radiofreqüência com o objetivo de terminar a arritmia.16 Haïssaguere e colaboradores realizaram o procedimento em 45 pacientes e verificaram que 62% permaneceram livres de arritmias no seguimento médio de oito meses.6 Isolamento elétrico das veias pulmonares O isolamento das veias pulmonares pode ser realizado por diferentes técnicas: segmentar, antral e circunferencial. Em qualquer uma das técnicas, o objetivo final é a comprovação do isolamento elétrico das veias pulmonares pela preAblação focal da veia pulmonar sença de bloqueio de saída e/ou de entrada verificado no caA ablação focal apresenta utilidade para terapia da fibri- teter multipolar circular (LASSO, Biosense Webster, Inc., lação atrial, principalmente em pacientes jovens (idade < 50 Estados Unidos).12,13 Para a realização dessas técnicas, a anaanos) nos quais uma das veias pulmonares é definida como tomia do átrio esquerdo e das veias pulmonares deve ser definiresponsável pelos paroxismos de taquicardia ou fibrilação da com o auxílio de fluoroscopia, de sistemas de mapeamento atrial.14 A Figura 1 exemplifica a técnica para ablação focal. eletroanatômico ou pela ecocardiografia intracardíaca. Em um primeiro momento, tenta-se definir a presença de arA técnica segmentar é realizada após a definição angioritmias focais (taquicardia, ectopias) que deflagram episódi- gráfica ou ecocardiográfica dos óstios das veias pulmonares os de fibrilação atrial e, pela análise da morfologia da onda e posicionamento do cateter LASSO na região ostial da veia P, identificar o possível local de origem da arritmia.15 Em pulmonar em avaliação.12,13,15 A presença de potenciais, deseguida, os cateteres são posicionados e pela análise da ati- nominados venosos, é verificada por sinais elétricos de rápida duração registrados após o eletrograma atrial local.17 O feixe muscular de conexão entre a veia pulmonar e o átrio esquerdo pode ser definido, eletrofisiologicamente, pela presença de um potencial venoso reverso ou precoce (Figura 2).8,9 Outras técnicas têm sido desenvolvidas com a intenção do isolamento elétrico das veias pulmonares pela confecção de linhas contínuas circundando cada veia pulmonar (ablação antral)12,13,18 ou cada par de veias ipsilaterais (ablação circunferencial).12,13,19,20 A Figura 3 demonstra a realização da última técnica, utilizando o mapeamento eletroanatôFig. 1. Representação da ablação focal da veia pulmonar superior es- mico para auxiliar na configuração das lesões linequerda. Em A, observa-se taquicardia atrial com origem na veia pul- ares (CARTO, Biosense Webster, Inc., Estados Unimonar superior esquerda. Existe uma precocidade de 48 ms do eletro- dos). Os sistemas eletroanatômicos revolucionaram grama local em relação à onda P da arritmia. Em B, posição dos cate- o conceito de mapeamento eletrofisiológico, possiteres na radioscopia (oblíqua anterior esquerda, 30 graus). Em C, an- bilitando, de forma pioneira na Medicina, a navegiografia da veia pulmonar superior esquerda na mesma projeção, con- gação intracardíaca com alta precisão. Dessa forfirmando o posicionamento correto de um cateter circular no óstio da ma, as intervenções cardiológicas limitadas pelos veia pulmonar superior esquerda. Em D, término da arritmia com a sistemas fluoroscópicos bidimensionais podem, atualmente, contar na eletrofisiologia com sistemas que aplicação de radiofreqüência. CA = cateter de ablação; CC = cateter circular; E = cateter no esôfago; definem o posicionamento tridimensional dos cateEIC = cateter para ecocardiografia intracardíaca; MAP = registro de teres com precisão milimétrica, possibilitando ineletrogramas do cateter de ablação; SC = seio coronário; VPIE = veia tervenções intravasculares que só poderiam ser repulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. alizadas com as técnicas cirúrgicas convencionais. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 223 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 2. Representação do isolamento elétrico segmentar da veia pulmonar superior esquerda pela técnica da ablação ostial. O cateter multipolar circular (LA) está posicionado no óstio da veia pulmonar, como demonstrado no desenho C. Em A, nota-se a presença do potencial venoso (asterisco) precedido pelo eletrograma atrial (seta). Após ablação nessa região (B), existe desaparecimento do potencial após o eletrograma atrial (seta), e o potencial (asterisco) encontra-se dissociado da atividade atrial. Em C, está representado o feixe muscular que conecta a veia pulmonar ao átrio esquerdo, reconhecido, eletrofisiologicamente, pela presença de inversão da polaridade do eletrograma bipolar (asterisco). Velocidade dos traçados = 300 mm/s. MAPd = registro dos eletrogramas pelo pólo distal do cateter de ablação; MAPp = registro dos eletrogramas pelo pólo proximal do cateter de ablação; S = artefato de estimulação; SCD = cateter posicionado no seio coronário distal; SCM = cateter posicionado no seio coronário médio; V = eletrograma ventricular. Fig. 3. Ablação circunferencial do átrio esquerdo. Efetuadas duas linhas para isolamento das veias pulmonares esquerdas (tronco único de veia pulmonar esquerda) e direitas (veia pulmonar superior direita/veia pulmonar inferior direita). Os pontos vermelhos representam as aplicações de radiofreqüência para realização das linhas. AAE = auriculeta esquerda; VPE = veia pulmonar esquerda; VPID = veia pulmonar inferior direita; VPSD = veia pulmonar superior direita. 224 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 4. Comprovação do isolamento elétrico da veia pulmonar superior esquerda com o cateter multipolar circular (LA) posicionado no óstio da veia pulmonar, como demonstrado na Figura 1. Em A, nota-se a presença de dissociação do potencial venoso (seta) do ritmo sinusal – bloqueio de entrada na veia. Em B, a estimulação (S1) no interior da veia provoca captura do potencial venoso (seta) sem conduzir para o átrio, comprovando o bloqueio de saída da veia pulmonar. A = eletrograma atrial; MAPd = eletrogramas do cateter mapeador de ablação distal; MAPp = eletrogramas do cateter mapeador de ablação proximal; S = estimulação; SCD = eletrogramas do seio coronário distal; SCM = eletrogramas do seio coronário médio. Fig. 5. Comprovação do isolamento elétrico da veia pulmonar superior esquerda com o cateter multipolar circular (LA) posicionado no óstio da veia pulmonar e o cateter de ablação posicionado na auriculeta esquerda (distal e proximal). Verifica-se a presença de dissociação do potencial venoso (seta) do ritmo atrial (fibrilação atrial). Também é verificada a presença do “far-field” do sinal atrial da auriculeta no cateter LA (eletrograma atrial). A = eletrograma atrial; AAE = auriculeta esquerda; ADA = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito alto; ADB = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito baixo; ADM = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito médio; SCD = cateter posicionado no seio coronário distal; SCM = cateter posicionado no seio coronário médio; SCP = cateter posicionado no seio coronário proximal. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 225 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial O objetivo de todas as técnicas é a desconexão de cada veia pulmonar.12,13 A verificação do isolamento eletrofisiológico é feita com a colocação do cateter multipolar circunferencial no óstio de cada veia pulmonar. Avalia-se no registro desse cateter: ausência de potenciais venosos, presença de dissociação do potencial venoso em relação ao ritmo atrial (sinusal, estimulação atrial ou fibrilação atrial) e ausência de captura atrial pela estimulação no interior da veia pulmonar (Figuras 2, 4 e 5). O isolamento empírico das veias pulmonares para pacientes com fibrilação atrial paroxística resulta em manutenção do ritmo sinusal, que varia de 70% a 89%.21,22 A necessidade de modificação de substrato para esses pacientes é controversa. Na maioria das recorrências, observa-se a reconexão de alguma veia pulmonar previamente “isolada”.23 Por causa de mecanismos complexos e multifatoriais, a realização isolada da desconexão das veias pulmonares apresenta maior recorrência em pacientes com fibrilação atrial persistente. Mesmo com a ablação circunferencial das veias pulmonares usando o sistema eletroanatômico, a recorrência de fibrilação atrial ocorreu em 15% dos casos paroxísticos e em 32% dos crônicos24, sendo, portanto, necessárias novas técnicas para a modificação de substrato nesses pacientes.22,25 Ablação guiada por eletrogramas atriais complexos e fragmentados A presença de eletrogramas atriais complexos e fragmentados tem sido sugerida como representação do substrato para a fibrilação atrial. A explicação para o surgimento dos eletrogramas são a condução lenta local e a anisotropia.26 Os eletrogramas atriais complexos e fragmentados são definidos como eletrogramas exibindo mais de duas deflexões fragmentadas ou ciclo de freqüência inferior a 120 ms, os quais em sua forma máxima apresentam configuração de atividade elétrica contínua (Figuras 6 e 7).12,27 Os objetivos da ablação baseada em eletrogramas atriais complexos e fragmentados são a redução da voltagem do eletrograma bipolar (> 80%), a abolição da fragmentação com organização do eletrograma atrial local (Figura 7) ou a reversão da arritmia para o ritmo sinusal (Figura 8).12 Durante o mapeamento atrial, têm sido encontradas algumas regiões com maior evidência desses eletrogramas: junção da veia cava superior com átrio direito, parede septal anterior direita (região anterior das veias pulmonares direitas), parede posterior das veias esquerdas, ponte entre a auriculeta e a veia pulmonar superior esquerda, região anterior e medial à base da auriculeta esquerda e seio coronário (Figura 9).28 Nademanee e colaboradores29 foram os primeiros a de- 226 senvolver a técnica de ablação isolada desses eletrogramas atriais complexos e fragmentados, tanto no átrio direito como no átrio esquerdo. Os resultados do seguimento de 12 meses demonstraram a manutenção do ritmo sinusal em 91% dos pacientes (fibrilação atrial paroxística e persistente).29 Em outro estudo, os mesmos autores mantiveram alta taxa de sucesso (81% em dois anos). Para os pacientes com fibrilação atrial persistente, a ablação resultou na manutenção do ritmo sinusal em 71% no mesmo seguimento médio de 24 meses.30 Esses resultados não foram reproduzidos por outros autores com a ablação guiada por eletrogramas atriais complexos e fragmentados: em 14 meses de acompanhamento, apenas 33% permaneciam em ritmo sinusal.31 A realização desse procedimento associado à desconexão das veias pulmonares tem apresentado melhores resultados, com manutenção do ritmo sinusal em 77% a 95% dos pacientes.32,33 Ablação linear A ablação linear altera o substrato para fibrilação atrial por desfragmentação de eletrogramas e pela produção de uma região de bloqueio completo, impedindo frente de ondas reentrantes que sustentam a arritmia. Basicamente, duas lesões lineares são realizadas com o isolamento elétrico das veias pulmonares: linha no teto do átrio esquerdo, unindo as duas veias superiores, e linha no istmo mitral, unindo o anel mitral à veia pulmonar inferior esquerda. Em pacientes com fibrilação atrial persistente, um estudo prospectivo demonstrou que o isolamento das veias pulmonares associado à essas duas linhas resultou na manutenção do ritmo sinusal em 69%, enquanto apenas 20% dos pacientes tratados sem a ablação linear mantiveram o ritmo sinusal no seguimento de 15 meses.34 Outro estudo prospectivo demonstrou que a adição da ablação linear no istmo mitral aumentava a taxa livre de recorrência de fibrilação atrial de 69% para 87% no seguimento de 12 meses em pacientes com fibrilação atrial paroxística.35 SELEÇÃO DO PROCEDIMENTO Atualmente, tem sido proposta a individualização do procedimento de ablação para o tratamento da fibrilação atrial de acordo com a característica da arritmia: paroxística ou persistente. Para os casos paroxísticos, o isolamento das veias pulmonares sem a necessidade de produzir lesões extensas no átrio esquerdo tem sido preferido, reservando-se o acréscimo de outras técnicas para os casos com recorrência. Procedimentos mais extensos são necessários no tratamento de pacientes com fibrilação atrial persistente com realização RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 6. Ablação do átrio esquerdo em paciente com fibrilação atrial persistente, utilizando o isolamento elétrico (ablação antral) das veias pulmonares e modificação de substrato, em que foi realizada ablação de eletrogramas atriais complexos e fragmentados localizados no antro das veias (parede posterior), na parede anterior (base da auriculeta esquerda) e no septo anterior. No painel à direita, exemplo de eletrograma atrial bipolar com atividade elétrica contínua – alvo para ablação. A região com os pontos laranja (elipse, painel à esquerda) representa o local em que houve reversão da taquiarritmia atrial para o ritmo sinusal (apresentado na Figura 8). AAE = auriculeta esquerda; ABLd = cateter de mapeamento e terapêutico distal; ABLp = cateter de mapeamento e terapêutico proximal; VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. do isolamento antral ou circunferencial das veias pulmonares associado com técnicas para modificação do substrato. O procedimento “step-by-step” tem sido proposto por alguns autores para evitar a realização de lesões desnecessárias nos pacientes.32,33,36 Esses procedimentos iniciam-se com a reali- zação do isolamento das veias pulmonares seguido pela realização das lesões lineares (mitral e teto) e, por último, os eletrogramas atriais complexos e fragmentados até a reversão para o ritmo sinusal ou organização da fibrilação atrial para uma taquicardia atrial regular que deve então ser mapeada e submetida a ablação. Essa técnica tem acarretado taxa de 87% de conversão para ritmo sinusal37, assim como taxa elevada de sucesso (ou seja, 95% de manutenção do ritmo sinusal) durante o seguimento de 12 meses.33 Atualmente, em nossa instituição, procuramos individualizar a técnica de ablação de acordo com a classificação da fibrilação atrial: Fig. 7. Presença de eletrograma atrial complexo e fragmentado na região endocárdica do seio coronário médio em paciente com fibrilação atrial persistente. Durante a ablação desse local, houve regularização da atividade atrial e redução significativa da voltagem do eletrograma do cateter mapeador distal. A regularidade do eletrograma pode ser mais evidenciada pela análise do eletrograma do cateter mapeador proximal. MAPd = eletrogramas do cateter mapeador de ablação distal; MAPp = eletrogramas do cateter mapeador de ablação proximal. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 227 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 8. Em A, significativa desorganização e fragmentação do eletrograma atrial no cateter circular (LA posicionado no antro da veia pulmonar inferior esquerda) e no seio coronário (proximal, médio e distal). Durante a ablação, ocorreu a regularização da taquicardia. Em B, verifica-se a regularidade da ativação dos eletrogramas atriais com o término da arritmia (o local está representado na Figura 6). ADA = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito alto; ADB = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito baixo; ADM = cateter posicionado na parede lateral do átrio direito médio; MAPd = cateter mapeador de ablação distal; MAPp = cateter mapeador de ablação proximal. Fig. 9. Ablação do átrio esquerdo em paciente com fibrilação atrial persistente, utilizando isolamento circunferencial das veias pulmonares e modificação de substrato (pontos vermelhos). Neste caso, verifica-se a presença de eletrogramas atriais complexos e fragmentados no cateter posicionado no seio coronário (eletrogramas à direita), sendo realizada ablação endocárdica (pontos verdes) e no interior do seio coronário desses eletrogramas. Durante a ablação no seio coronário, houve progressiva regularização da atividade atrial, com término da fibrilação atrial com aplicação de radiofreqüência no seio coronário proximal (não demonstrado). SC = cateter no seio coronário (SC90 = proximal; SC12 = distal); VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. 228 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial – fibrilação atrial paroxística: isolamento da veia pulmonares por meio de ablação circunferencial; – fibrilação atrial persistente ou permanente: isolamento de veias pulmonares pela ablação circunferencial, associado a modificação do substrato pela ablação guiada dos eletrogramas atriais complexos e fragmentados e/ou configuração de linhas no teto, no istmo mitral e no istmo tricuspídeo. FERRAMENTAS AUXILIARES O desenvolvimento de novas técnicas tem permitido reduzir a exposição à radioscopia e tornar os procedimentos mais seguros, pela maior monitorização de potenciais complicações. A seguir estão descritos, de forma resumida, os dois métodos que auxiliam de forma significante a realização do procedimento e que são utilizados, rotineiramente, em todos os casos de nosso Serviço. Sistemas de mapeamento eletroanatômico Os métodos de mapeamento eletroanatômico permitem a construção virtual da câmara cardíaca em interesse por meio do sistema com campo eletromagnético (CARTO, Biosense Webster, Inc., Estados Unidos) ou campo de impedância (EnSIte NavX, St. Jude Medical, Inc., Estados Unidos).38 A geometria adquirida apresenta alta acurácia em relação à anatomia real de determinado paciente, permitindo que o procedimento seja realizado com maior precisão e menor exposição à fluoroscopia. Diferentes formas de mapas podem ser adquiridas, como voltagem, ativação e eletrogramas atriais complexos e fragmentados. O mapeamento de voltagem permite definir áreas de baixa voltagem (< 0,1 mV), sendo utilizados para avaliar o “abatimento” da voltagem na região submetida ao isolamento circunferencial das veias pulmonares, como demonstrado nas Figuras 10 e 11.19 A Figura 11 também demonstra a capacidade de acoplar imagens anatômicas com alta resolução a partir da angiografia do átrio esquerdo pela ressonância nuclear magnética ou pela tomografia computadorizada. Ecocardiografia intracardíaca A ecocardiografia intracardíaca é ferramenta útil na ablação da fibrilação atrial, sendo rotineiramente utilizada em nossa instituição.39,40 As principais utilidades são: visualização e auxílio da punção transeptal (Figura 12); definição da anatomia do átrio esquerdo; relações anatômicas, como, por exemplo, posição do esôfago (Figura 13), número de veias pulmonares e relação da veia pulmonar superior esquerda e RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 auriculeta; monitorização de complicações durante o procedimento, como, por exemplo, formação de microbolhas, trombo e derrame pericárdico; e verificação da correta posição dos cateteres (Figura 14). COMPLICAÇÕES Complicações relacionadas com a ablação da fibrilação atrial têm sido relatadas em até 6%.41,42 Além das correlacionadas com o procedimento convencional (como, por exemplo, hematoma local, pseudo-aneurisma e fístula arteriovenosa), podem surgir, do resultado de injúria direta a estruturas cardíacas, injúria térmica a estruturas vizinhas extracardíacas e tromboembolismo. O tamponamento cardíaco tem sido relatado em até 6% dos procedimentos (Figura 15).12 A utilização do ecocardiograma intracardíaco, assim como a redução da potência usada para a ablação por radiofreqüência, têm tornado o diagnóstico mais rápido e reduzido a incidência dessa complicação para menos de 1%.43 A lesão de nervo frênico é geralmente transitória, com recuperação global ou parcial. Sua incidência é de 0,5%.12,13 A mais grave e temerosa complicação é a fístula atrioesofágica, que apresenta incidência de 0,05% a 0,25% e mortalidade associada que excede 50%.12 A formação da fístula tem sido correlacionada com a injúria térmica provocada no esôfago durante a ablação da parede posterior do átrio esquerdo. A monitorização da temperatura esofágica e a redução da potência nas regiões próximas ao esôfago são medidas preventivas essenciais. A estenose de veia pulmonar ainda é uma complicação importante, com incidência de 1% a 10%.44 A realização de ablações mais antrais, a adequada definição angiográfica e ecocardiográfica do óstio de cada veia pulmonar e a maior experiência do operador são fatores associados à redução da estenose de veia pulmonar. Tem sido relatada incidência de tromboembolismo de até 7%.12 A formação de trombo pode ser detectada precocemente pelo ecocardiograma intracardíaco (Figura 16). A realização de anticoagulação agressiva durante o procedimento (tempo de coagulação ativado superior a 300 segundos) e o uso de cateter irrigado têm reduzido a incidência dessa complicação. As taquiarritmias atriais regulares após ablação de fibrilação atrial apresentam incidência variável e dependente do método utilizado. Os dois principais mecanismos são a taquicardia atrial focal, por reconexão das veias pulmonares, ou a taquicardia atrial macrorreentrante, decorrente do blo- 229 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 10. Mapa de voltagem do átrio esquerdo antes e após a ablação. Em A, verifica-se a voltagem normal (> 0,1 mV) do átrio antes da ablação. Em B, verifica-se a redução significativa da voltagem (< 0,1 mV) após a ablação circunferencial, correspondendo à presença de isolamento de voltagem de cada veia. VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. queio incompleto em alguma das linhas delineadas durante a ablação (Figura 17). A incidência dessas arritmias varia de 5% a 25%, podendo cessar espontaneamente ou ser controlada clinicamente nos primeiros seis meses em até 50% dos pacientes.12,45 Para os casos em que a arritmia persista ou recorra, indica-se um novo estudo eletrofisiológico e ablação por cateter. IMPACTO CLÍNICO A ablação por cateter é uma alternativa segura e efetiva no controle da fibrilação atrial sintomática. Inicialmente utilizada para o tratamento da fibrilação atrial paroxística, também é, atualmente, indicada para tratar pacientes com fibrilação atrial persistente ou permanente. Nesses pacientes, a técnica de ablação é mais extensa, com necessidade de realizar maior quantidade de lesões no átrio esquerdo sem haver prejuízo da função atrial após o procedimento.12 Fig. 11. Mapa de voltagem do átrio esquerdo com acoplamento da imagem da ressonância magnética do átrio esquerdo (CARTO-MERGE) para auxiliar no procedimento. Nota-se a baixa voltagem na região antral das veias pulmonares após a ablação (coloração vermelha, voltagem < 0,1 mV). VPID = veia pulmonar inferior direita; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. 230 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 12. Punção transeptal guiada pelo ecocardiograma intracardíaco. Verificase o sistema bainha-introdutor-agulha fazendo uma imagem em tenda na membrana da fossa oval antes da punção. Na imagem à direita, observa-se a ponta da agulha no átrio esquerdo (seta branca) após a realização da punção. AE = átrio esquerdo; Ao = aorta; BIA = sistema bainha-introdutor-agulha; FO = membrana da fossa oval. Alguns estudos têm demonstrado importante impacto clínico, não só no controle sintomático e na melhora da qualidade de vida como também na redução da mortalidade.30,46 Nademanee e colaboradores descreveram redução do risco de morte em pacientes com fibrilação atrial paroxística/persistente e fatores de alto risco para evento tromboembólico que mantiveram o ritmo sinusal após a ablação guiada por eletrogramas atriais complexos e fragmentados em comparação com os que recorreram a fibrilação atrial.30,46 Durante o seguimento médio de 2,3 anos, os pacientes em ritmo sinusal tiveram taxa de mortalidade em cinco anos de 8%, enquanto no grupo com recorrência da fibrilação atrial a taxa foi de 36% (p < 0,001). Esse estudo também demonstrou que os pacientes que mantiveram o ritmo sinusal também tiveram menor taxa de acidentes cerebrovasculares em comparação com os pacientes que apresentaram recorrência de fi- !! !! ! Fig. 13. Imagem ecocardiográfica demonstrando a proximidade do esôfago (setas) com a parede posterior do átrio esquerdo. AE = átrio esquerdo. Fig. 14. Utilidade do ecocardiograma intracardíaco. Verifica-se o posicionamento do cateter circular no óstio do tronco que origina as veias pulmonares esquerdas e do cateter terapêutico no antro da veia pulmonar esquerda durante a realização da ablação circunferencial apresentada na Figura 3. AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; Ao = aorta; CA = cateter terapêutico; CC = cateter circular; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSE = veia pulmonar superior esquerda. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 231 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial Fig. 15. À esquerda, imagem adquirida pela ecocardiografia intracardíaca, demonstrando a presença de volumoso derrame pericárdico. À direita, a imagem demonstra o controle após drenagem por punção subxifóidea. DP = derrame pericárdico; VD = ventrículo direito. Fig. 16. Verificação da formação de trombo (setas) no átrio esquerdo durante procedimento de ablação de fibrilação atrial. AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; SIA = septo interatrial. Fig. 17. Mapeamento eletroanatômico demonstrando dois mecanismos diferentes de taquiarritmia atrial, como causa de recorrência após ablação de fibrilação atrial. À esquerda, um mecanismo focal decorrente de reconexão da veia pulmonar superior direita, sendo demonstrada a ativação mais precoce (inicial, representada pela cor vermelha) e tardia (final, representada pelas cores azul e púrpura). À direita, taquicardia por reentrada no átrio esquerdo, utilizando uma descontinuidade na parede anterior direita (incompleta linha na ablação circunferencial das veias pulmonares direitas). Nesse caso, a região mais precoce da ativação é encontrada pela onda final da ativação, sendo esse ponto de encontro o local crítico para manutenção da arritmia, ou seja, o istmo. AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; VPIE = veia pulmonar inferior esquerda; VPSD = veia pulmonar superior direita; VPSE = veia pulmonar superior esquerda 232 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial brilação atrial (3% vs. 23%; p < 0,004). Cabe ressaltar que os pacientes que permaneciam em ritmo sinusal após três meses da ablação tiveram o anticoagulante oral retirado do esquema terapêutico, sendo somente reiniciado se houvesse recorrência da arritmia. O “Catheter Ablation vs Antiarrhythmic Drug Therapy for Atrial Fibrillation” (CABANA) é um estudo randomizado comparativo entre terapia antiarrítmica para fibrilação atrial por drogas e ablação por cateter. Esse estudo foi delineado para compreender grande número de pacientes e demonstrar se existe benefício na mortalidade pela ablação por cateter. PERSPECTIVAS REFERÊNCIAS reversal as an additional indicator of breakthroughs from the left atrium to the pulmonary veins. J Am Coll Cardiol. 2002;39:1337-44. 9. Haïssaguere M, Shah DC, Jaïs P, et al. Electrophysiologic breakthroughs from the left atrium to the pulmonary veins. Circulation. 2000;102:2463-5. 10. Moe GK, Abiklskov JA. Atrial fibrillation as a self-sustaining arrhythmia independent of focal discharge. Am Heart J. 1959;58:59-70. 11. Alessie MA, Lammers WJEP, Bonke FIM, et al. Experimental evaluation of Moe’s multiple wavelet hypothesis of atrial fibrillation. In: Zipes DP, Jalife J, eds. 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O desenvolvimento de estudos randomizados comparando as terapias farmacológicas com a ablação por cateter será necessário para definir o impacto da ablação na mortalidade e na suspensão da medicação antiarrítmica e da anticoagulação com a manutenção do ritmo sinusal. 233 DIETRICH CO e cols. Estado atual da ablação da fibrilação atrial eds. Catheter Ablation of Cardiac Arrhythmias. Philadelphia: Elsevier; 2006. p.269-87. 17. Takahashi Y, O’Neill MD, Jönsson A, et al. How to interpret and identify pulmonary vein recordings with the lasso catheter. Heart Rhythm. 2007;3:748-50. 18. Fisher JD, Spinelli MA, Mookherjee D, et al. Atrial fibrillation ablation: reaching the mainstream. PACE. 2006;9:523-37. 19. Pappone C, Santinelli V. Circumferential atrial ablation. In: Calkins H, Jais P, Steinberg JS, eds. A practical approach to catheter ablation of atrial fibrillation. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p.167-83. 20. Ouyang F, Satomi K, Kuck KH. 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Heart Rhythm. 2008;5 Suppl:s370. 235 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E TRATAMENTO DAS TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES NA SALA DE EMERGÊNCIA JOÃO PIMENTA1, JOSÉ MARCOS MOREIRA1, JEFFERSON CURIMBABA1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:236-50 RSCESP (72594)-1721 A ocorrência de taquicardias supraventriculares nas salas de emergência é freqüente e as decisões diagnósticas e terapêuticas, por vezes, têm que ser assumidas de forma rápida e segura. Assim, a caracterização de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardias usando vias anômalas, fibrilação/”flutter” atrial e taquicardia atrial ectópica sempre deve ser cogitada pelos médicos plantonistas. Além do mais, o diagnóstico diferencial entre taquicardias supraventriculares com complexos QRS alargados e taquicardia ventricular é fundamental no ambiente de emergência. Após a caracterização da arritmia, a escolha da melhor terapêutica é o passo seguinte. Neste artigo são abordados os principais tópicos do diagnóstico diferencial entre as taquicardias supraventriculares, principalmente as que se manifestam com complexos QRS alargados (aberrância por distúrbio da condução intraventricular, como o bloqueio de ramo e as taquicardias com pré-excitação) e a taquicardia ventricular. São enfatizados os principais meios para caracterizar uma taquicardia supraventricular, como eletrocardiograma com derivação esofagiana e uso de massagem do seio carotídeo. Finalmente, o tratamento mais adequado nas emergências, sempre baseando-se nas evidências mais recentes, também está revisado, listando os agentes antiarrítmicos mais conhecidos e suas respectivas indicações e doses. DIFFERENTIAL DIAGNOSIS AND TREATMENT OF SUPRAVENTRICULAR TACHYCARDIAS IN THE EMERGENCY ROOM Supraventricular tachycardia is a common occurrence in the emergency room, and the diagnostic and therapeutic decisions should be rapidly established. In this way, the characterization of the atrioventricular nodal reentry tachycardia, circus movement tachycardia by using an anomalous atrioventricular pathway, atrial flutter/fibrillation, and ectopic atrial tachyarrhythmias can always be considered by the on call staff in the emergency room. Differential diagnosis between widened QRS supraventricular tachycardias (supraventricular arrhythmias with intraventricular conduction abnormalities, and preexcited ventricular activation complexes), and ventricular tachycardia is discussed, pointing out to the main steps to the characterization of ventricular arrhythmias. After the diagnosis of the tachycardia, the better therapeutic option is emphasized, attempting to the risks of some drugs in the emergency situation. Finally, several antiarrhythmic agents are listed with their classes of recommendation, and their respective dosages. Key words: arrhythmias; supraventricular tachycardia; emergency; electrocardiography. Descritores: arritmias; taquicardias supraventriculares; emergências; eletrocardiografia. 1 Serviço de Cardiologia – Hospital do Servidor Público Estadual – São Paulo, SP Endereço para correspondência: João Pimenta – Rua das Camélias, 357 – Mirandópolis – São Paulo, SP – CEP 04048-060 236 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência INTRODUÇÃO A identificação dos mecanismos das taquicardias na era da eletrofisiologia ficou mais clara com o advento dos mapeamentos endocárdico, epicárdico e eletroanatômico, disponíveis no estudo eletrofisiológico. No entanto, o eletrocardiograma ainda permanece como uma ferramenta importante, senão a única, para orientação diagnóstica das taquicardias nas salas de emergência. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM TAQUICARDIA COM QRS ESTREITO (< 120 ms) É importante a análise de cada detalhe da taquicardia, e as diretrizes da “American Heart Association/American College of Cardiology” sugerem um esquema norteador para tal finalidade (Figura 1). Primeiro passo: O ritmo é regular ou irregular? Na presença de eletrocardiograma com taquicardia com QRS estreito, o primeiro passo é avaliar a regularidade do ritmo. Se o mesmo for irregular, as possibilidades diagnósticas são fibrilação atrial, “flutter” atrial, taquicardia atrial com bloqueio atrioventricular variável ou taquicardia atrial multifocal. Fibrilação atrial vs. “flutter” atrial vs. taquicardia atrial com bloqueio atrioventricular variável O eletrocardiograma de pacientes com fibrilação atrial demonstra intervalos R-R variáveis e ausência ou discreta atividade atrial, não havendo grandes dificuldades em seu diagnóstico (Figura 2). O diagnóstico diferencial a ser feito será entre “flutter” atrial e taquicardia atrial com bloqueio atrioventricular variável. Na taquicardia atrial, na maioria dos casos, a freqüência atrial pode variar de 130 bpm a 250 bpm (Figura 3). A atividade atrial é bem definida na maioria dos casos, sendo necessário, às vezes, o uso de agentes lentificadores da condução atrioventricular a fim de se manifestar a atividade atrial e elucidar a arritmia1. Em salas de emergência, o emprego da massagem do seio carotídeo é uma manobra importante, podendo até reverter a arritmia em algumas ocasiões, o mesmo acontecendo com a adenosina. A taquicardia atrial multifocal exibe ondas P bem definidas e com morfologias diferentes, enquanto o “flutter” atrial mostra freqüência atrial em torno de 250 bpm a 300 bpm, com ondas de ativação lembrando um serrilhado (ondas F), sem linha isoelétrica definida, diferentemente da taquicardia atrial2 (Figura 4). Segundo passo: As ondas P são visíveis? A ausência de ondas P bem delineadas no eletrocardiograma e com intervalos R-R regulares leva à suspeita de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, embora em casos de taquicardia por reentrada atrioventricular usando via anômala possa haver dificuldade de visualizá-las. Na presença de ondas P visíveis faz-se necessária a verificação da relação das freqüências atrial e ventricular. Terceiro passo: Freqüência atrial maior que a ventricular? A resposta positiva aponta para “flutter” atrial ou taquicardia atrial. Se a freqüência atrial for semelhante à ventricular, nova pergunta deve ser feita e avaliada. Fig. 1. Seqüência para diagnóstico diferencial para taquicardia com QRS estreito. AV = atrioventricular; TAM = taquicardia atrial multifocal; TRAV = taquicardia por reentrada atrioventricular; TRNAV = taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 Quarto passo: Relação entre os intervalos RP’ e PR Intervalo RP’ menor que PR? A resposta positiva nos leva 237 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 2. Fibrilação atrial paroxística. Traçados contínuos na derivação II de uma paciente com episódios de palpitação. Observar variação dos intervalos R-R e ausência de onda P, e comparar, quando em ritmo sinusal, no início e no final do episódio. aos possíveis diagnósticos de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular e taquicardia atrial. Se a onda P não é visível ou se existe presença de atividade atrial aparente com intervalo R-R regular, o mecanismo mais comum é o de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. A onda P, algumas vezes, pode se sobrepor ao QRS, demonstrando pseudo R em V1 e/ou pseudo S nas derivações inferiores. Tal achado é característico de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular que, em geral, apresenta intervalo RP’ < 70 ms3 (Figura 5 A e B). Uma onda P que se interpõe no segmento ST com intervalo RP’ > 70 ms geralmente denota taquicardia por reentrada atrioventricular (Figura 6A). A possibilidade de taquicardia atrial é remota, embora possa ocorrer taquicardia com intervalo PR muito prolongado, principalmente quando há ação de agentes depressores da condutibilidade atrioventricular. Intervalo RP’ maior que PR? Essa situação sugere o diagnóstico provável de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular atípica, taquicardia juncional reciprocante (taquicardia mediada por uma via acessória com condução retrógrada lenta) ou taquicardia atrial. Taquicardia atrial vs. taquicardia por reentrada nodal atrioventricular/taquicardia por reentrada atrioventricular Uma característica comum da taquicardia atrial é a presença de intervalo RP’ longo e PR normal ou ligeiramente prolongado, diferentemente de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia por reentrada atrioventricular, que apresentam intervalo RP’ curto e PR longo. Algumas vezes, porém, a taquicardia atrial apresenta intervalo RP’ curto, dependendo da freqüência cardíaca ou da velocidade de condução intranodal atrioventricular, já que a atividade atrial se inscreve sobre o segmento ST-T e, em alguns casos, é impossível identificar a onda P, o que dificulta essa 238 Fig. 3. Taquicardia atrial ectópica. Manifestação eletrocardiográfica de taquicardia atrial ectópica com distúrbio da condução tipo bloqueio do ramo direito. Notar ondas P nítidas na maioria das derivações. A reversão para ritmo sinusal encerra o diagnóstico. análise. Nesses casos, a observação da variação desse intervalo sugere a possibilidade de taquicardia atrial, uma vez que essa relação é constante nas outras duas entidades e variável na taquicardia atrial. Contudo, no momento da indução de uma taquicardia por reentrada nodal atrioventricular ou taquicardia por reentrada atrioventricular, o intervalo PR tal como a morfologia dos complexos QRS pode exibir pequenas variações, com padrões de bloqueio de ramo4-6. A análise do eixo da onda P é um dado extremamente útil, pois RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 4. “Flutter” atrial. Traçado eletrocardiográfico de “flutter” atrial comum. Notar ondas “F” negativas em II, III, aVF (“flutter” atrial anti-horário), com ausência de linha isoelétrica entre essas ondas. Fig. 5. Taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. A, B e C são traçados de um mesmo paciente durante avaliação eletrofisiológica. Em A, durante ritmo sinusal. Em B, taquicardia regular com QRS estreito, notando-se pseudo S em II, III e aVF, bem como pseudo R em V1, achados característicos de ativação atrial retrógrada durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. Em C, mesma taquicardia com aberrância de condução intraventricular, tipo bloqueio do ramo direito. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 239 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 6. Taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular. Em A, traçado eletrocardiográfico exibindo taquicardia com QRS estreito, com entalhe no segmento ST visível em II, III e aVF, com intervalo RP > 70 ms, característicos de taquicardia por reentrada atrioventricular. Em B, ritmo sinusal após reversão para observar presença de onda delta, padrões eletrocardiográficos típicos da síndrome de pré-excitação. a presença de orientação craniocaudal da ativação atrial (onda P positiva em derivações inferiores) demonstra origem no átrio direito alto, descartando a presença de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular. Já uma onda P com orientação caudocranial (negativa nas derivações inferiores) pode indicar taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular ou taquicardia atrial provenientes de região próxima ao seio coronariano ou de estruturas próximas ao anel atrioventricular7. Há de se ressaltar que a taquicardia por reentrada nodal atrioventricular atípica e a taquicardia juncional reciprocante, também denominada taquicardia de Coumel, podem apresentar intervalo RP’ longo (Figura 7). Esta última apresenta onda P negativa em derivações inferiores, é mais comum em jovens e se manifesta, na maioria das vezes, de forma incessante8. Taquicardia atrial vs. taquicardia sinusal inapropriada Muitas vezes é difícil a diferenciação entre essas duas entidades, uma vez que focos ectópicos localizados na porção superior da “crista terminalis” podem 240 apresentar ondas P com morfologia, senão igual, semelhante à do ritmo sinusal. Um início e término súbitos bem como manifestação em “rajadas” favorece o diagnóstico de taquicardia atrial, enquanto a taquicardia sinusal inapropriada aumenta ou decresce sua freqüência de forma progressiva, em um espaço de tempo entre 30 segundos e vários minutos 9,10. Uso de fármacos ou massagem do seio carotídeo A resposta ao uso intravenoso de adenosina pode auxiliar na elucidação do mecanismo de uma taquicardia. Por ser um agente de ação específica sobre o nódulo atrioventricular, uma interrupção rápida pode ser encontrada em taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventricular, reentrada sinusal e em alguns casos de taquicardia atrial focal. Já o término gradual com reaceleração da taquicardia é visto em taquicardia juncional não paroxística, taquicardia atrial focal, e taquicardia sinusal. A adenosina também pode “desmascarar” arritmias supraventriculares com condução 1:1, induzindo a bloqueio atriovenRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 7. Taquicardia supraventricular com QRS estreito com RP’ longo. Eletrocardiograma demonstrando taquicardia regular com QRS estreito e intervalo RP’ longo (RP’ > PR), típico de taquicardia de Coumel (taquicardia mediada por via acessória com condução retrógrada lenta). Notar a morfologia das ondas P negativas em II, III e F. tricular de grau avançado, tornando evidente a ativação atrial, demonstrando taquicardia atrial ou “flutter” atrial. Finalmente, a ausência de resposta à adenosina pode significar dose inadequada, taquicardia ventricular fascicular ou originando na região septal alta11,12. Não se deve esquecer de que a interrupção espontânea ou induzida de taquicardia supraventricular com registro de préexcitação ventricular (onda delta) no eletrocardiograma de repouso identifica a síndrome de pré-excitação (Wolff-ParkinsonWhite) (Figura 6B). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM TAQUICARDIA COM QRS LARGO (> 120 ms) A diferenciação entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular é extremamente importante no que se refere ao tratamento dispensado a pacientes que apresentem taquicardia com QRS alargado, pois taquicardia ventricular erroneamente tratada como taquicardia supraventricular pode levar a graves conseqüências, como o colapso cardíaco. Dessa maneira, se o diagnóstico de uma taquicardia não pode ser firmado como taquicardia supraventricular, a mesma deve ser tratada como taquicardia ventricular. Daí a importância de elementos eletrocardiográficos na diferenciação dessas RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 duas entidades13,14. As taquicardias com QRS largo podem ser divididas em três categorias: 1. taquicardia supraventricular com aberrância de condução intraventricular (presença de bloqueio de ramo); 2. taquicardia supraventricular com condução atrioventricular por via acessória; 3. taquicardia ventricular. Taquicardia supraventricular com aberrância de condução intraventricular O bloqueio de ramo pode ser preexistente à arritmia ou ser decorrente da refratariedade de um ramo do feixe de His à elevação da freqüência cardíaca, podendo ser tanto relacionado com a freqüência quanto com o ciclo longo-curto no início da taquicardia (Figura 5C). Se o bloqueio for relacionado com taquicardia ortodrômica por via acessória, nota-se um alentecimento da freqüência quando a via acessória é ipsilateral15,16. Taquicardia supraventricular com condução atrioventricular por via acessória Taquicardia supraventricular mediada por via acessória pode ocorrer na vigência de várias arritmias, tais como fibri- 241 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência lação atrial, “flutter” atrial, taquicardia atrial, taquicardia por reentrada nodal atrioventricular e condução anterógrada por via acessória. Nesse caso, a condução se faz anterogradamente pela via acessória e retrogradamente pelo nódulo atrioventricular, ou por outra via acessória, dependendo da forma da taquicardia17. É bom lembrar que episódios taquicárdicos que apresentem bloqueio de ramo esquerdo podem representar condução por via acessória atriofascicular, nodofascicular ou nodoventricular, sendo, portanto, supraventricular com aberrância de condução usando via anômala18. Um problema crítico para o médico plantonista é a ocorrência de fibrilação atrial com condução anterógrada por via acessória, que pode mimetizar uma taquicardia ventricular. A diferenciação se dá pela observação da variação tanto dos intervalos R-R como da morfologia dos complexos QRS, diferentemente da taquicardia ventricular monomórfica, que se apresenta de modo regular e sem variação na morfologia dos complexos QRS (Figura 8). para diferenciação de taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular, sendo mesmo assim difícil o diagnóstico diferencial, na maioria das vezes, na sala de emergência. – Dissociação atrioventricular: Embora seja discernida em apenas 30% dos casos de taquicardia ventricular, quando presente, é o critério mais importante. A presença de complexos de fusão denota impulso sinusal despolarizando os ventrículos simultaneamente com a ativação ventricular ectópica durante a dissociação atrioventricular. Quando ocorrer um batimento caracteristicamente supraventricular durante o episódio, é sinal patognomônico de taquicardia ventricular. A busca de batimentos atriais deve ser intensa no intuito de se reconhecer dissociação atrioventricular, mas nem sempre é possível identificá-las. Nesses casos, mesmo na sala de emergência, o eletrograma esofágico pode ser útil (Figura 9). – Duração da ativação ventricular: Taquicardia com morfologia de bloqueio do ramo direito e QRS > 0,14 s, bem como padrão de bloqueio do ramo esquerdo e QRS > 0,16 s, Taquicardia ventricular sugerem fortemente diagnóstico de taquicardia ventricular. Vários critérios eletrocardiográficos têm sido descritos No entanto, tal critério não é útil em pacientes que apresentem bloqueio de ramo prévio, em pacientes que apresentem condução por via acessória ou em pacientes que usem antiarrítmicos do grupo Ia ou Ic. – Configuração do complexo QRS: As derivações V1 e V6 são importantes nessa avaliação. Intervalo RS > 0,10 s (do início de R ao nadir do S) em qualquer derivação precordial é altamente sugestivo de taquicardia ventricular (Figura 10). Padrão de QRS negativo concordante nas derivações precordiais também é sugestivo de taquicardia ventricular, enquanto QRS positivo concordante não exclui a presença de condução por via acessória póstero-septal esquerda. Complexos QR indicam a presença de cicatriz miocárdica e estão presentes em 40% dos pacientes que sofreram infarto agudo do miocárdio. Um histórico de infarto agudo do miocárdio prévio e a primeira manifestação da taquicardia com QRS largo indicam fortemente o diagnóstico de taquicardia ventricular19-21. Fig. 8. Fibrilação atrial com pré-excitação. Ritmo taquicárdico com comTRATAMENTO DAS TAQUIARRITMIAS plexos QRS alargados e ritmo irregular de um paciente portador de préSUPRAVENTRICULARES excitação. Observam-se diferentes morfologias dos complexos QRS, inclusive um batimento com propriedades de pré-excitação (V2 e V3, segundo Inicialmente devem ser observados sinais batimento da esquerda para a direita), características de ritmo de fibrilação vitais, suplementação de oxigênio, monitoriatrial em portador de pré-excitação. 242 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 9. Taquicardia ventricular. Observar diferentes morfologias de complexos QRS, alguns mais estreitos, sugerindo batimentos de captura e fusão. O uso de derivação esofagiana para incrementar a visibilização das ondas P indica a presença de complexos QRS supraventriculares puros (segundo complexo QRS, estreito, da direita para a esquerda, no traçado longo) e batimentos mistos, indicando batimentos de captura e fusão, padrão somente registrado em taquicardia ventricular. zação cardíaca com monitor acoplado ao cardioversor, obtenção de acesso venoso calibroso, e, por fim, se o paciente estiver estável, obtenção de eletrocardiograma de 12 derivações com aparelho que registre três derivações simultâneas e com derivação D2 longa. Artifícios para ampliar o potencial da ativação atrial podem ser usados, como a derivação esofagiana, simples de ser obtida, ficando na dependência da vontade do médico socorrista e do tempo que ele dispõe até decidir pela intervenção terapêutica. É importante lembrar que não se deve tratar o eletrocardiograma e sim o paciente como um todo, evitando-se, assim, erros primários e fatais. O conceito de instabilidade hemodinâmica não se refere apenas à pressão arterial. Dor torácica, sonolência, distúrbio de comportamento, dispnéia, dor precordial, tontura, congestão pulmonar ou outros sinais de choque devem ser acrescentados ao diagnóstico de paciente instável. Nesses casos, a freqüência cardíaca geralmente excede 150 bpm; se, porventura, for < 150 bpm mas com sinais de instabilidade, devese procurar outras causas ou presença de cardiopatia subjacente. O paciente instável deve ser prontamente submetido a cardioversão elétrica com liberação de energia de forma sincronizada ao complexo QRS, evitando a possibilidade de choque durante período refratário relativo, chamado de “período vulnerável”, que pode produzir taquicardia ventricular. A quantidade de energia liberada na cardioversão elétrica sincronizada é menor que na não sincronizada. A utilização de cardioversão elétrica sincronizada está indicada em pacientes com arritmias tais como taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, taquicardia por reentrada atrioventriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 Fig. 10. Taquicardia ventricular com avaliação de rS em V1 > 100 ms. Traçado de eletrocardiograma com derivações periféricas I, II, F e V1 simultaneamente com intracavitárias em átrio direito alto e ventrículo direito. Observar que a duração do início da onda “r” em V1 até o pico negativo da onda S é de aproximadamente 160 ms, muito característico de taquicardia ventricular. AD = átrio direito; VD = ventrículo direito. cular, fibrilação atrial, e “flutter” atrial. Na fibrilação atrial, recomendam-se choques iniciais de 100 J a 200 J monofásicos ou de 100 J a 120 J bifásicos, já que no “flutter” atrial e outras taquicardias supraventriculares pode-se iniciar com energias menores (50 J a 100 J). A cardioversão elétrica geralmente não é eficaz na taquicardia juncional e na taquicardia atrial multifocal, podendo até acelerar tais arritmias, sendo por este motivo evitada. Choques com energias baixas também podem acelerar uma taquiarritmia. No paciente estável, dispõe-se de tempo para se obter e analisar o eletrocardiograma de 12 derivações, e determinar 243 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência o melhor tratamento após o diagnóstico. Não se deve administrar mais que dois antiarrítmicos, pela maior ocorrência de efeitos pró-arrítmicos, muitas vezes fatais. Em caso de não haver reversão, optar por cardioversão elétrica ou refazer diagnóstico. A adenosina, por sua exígua meia-vida, não está entre os dois antiarrítmicos possíveis. Genericamente, podem-se considerar taquicardias regulares aquelas com QRS estreito ou largo e irregulares, aquelas com QRS estreito ou largo. Nas taquicardias com intervalos R-R regulares e com QRS estreito inicia-se tratamento com manobra vagal seguido, se necessário, de adenosina e medicamentos que diminuem a condutibilidade pelo nódulo atrioventricular, quando se tratar de taquicardia por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia por reentrada atrioventricular. Nas regulares com QRS largo, afastada a possibilidade de taquicardia ventricular, faz-se o diagnóstico de taquicardia supraventricular com aberrância de condução anterógrada, com bloqueio de ramo ou por uma via anômala (forma antidrômica). Nessas situações, opta-se por adenosina ou cardioversão elétrica sincronizada. Não sendo possível descartar taquicardia ventricular é prudente conduzir o tratamento como de origem ventricular, utilizando amiodarona por via endovenosa ou cardioversão elétrica sincronizada. Nas taquicardias com intervalos R-R irregulares e QRS estreitos, por se tratar mais freqüentemente de fibrilação atrial, “flutter” atrial ou taquicardia atrial multifocal, muitas vezes a primeira abordagem será o controle da freqüência cardíaca ou a remoção de causas subjacentes, sobretudo na taquicardia atrial multifocal, e posteriormente reversão se estiver dentro de um tempo seguro em relação ao risco de fenômeno tromboembólico. Nas irregulares com QRS largo, deve-se dar atenção especial às taquicardias pré-excitadas, principalmente a fibrilação atrial com condução anterógrada usando via acessória, à utilização de fármacos que bloqueiam o nódulo atrioventricular, que podem aumentar muito a resposta ventricular com grave repercussão hemodinâmica, e até morte por arritmia ventricular tem contra-indicação absoluta22. Em tal situação preconiza-se utilização de cardioversão elétrica sincronizada ou medicamentos que atuem na via acessória (amiodarona, procainamida, sotalol). O tratamento e o manejo das taquiarritmias são bem demonstrados pelo algoritmo de taquiarritmia do ACLS23 e pelas diretrizes do “American College of Cardiology/American Heart Association/European Society of Cardiology” (ACC/ AHA/ESC) de tratamento da taquicardia supraventricular (Figuras 1 e 11). A seguir estão listadas as principais taquiarritmias com seus respectivos tratamentos. As classes e doses dos medica- 244 mentos estão apresentados na Figura 12. Extra-sístoles atriais Raramente são causa de procura da sala de emergência. As causas provocativas mais freqüentes incluem café, fumo, álcool, estresse, prolapso valvar mitral, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva de qualquer origem, e infarto agudo do miocárdio, principalmente quando associado a comprometimento atrial. Em pacientes sintomáticos, após serem excluídos os principais fatores desencadeantes não-cardíacos, podem ser utilizados fármacos como betabloqueadores ou, mais raramente, amiodarona e propafenona. Taquicardia sinusal Usualmente ocorre em resposta a um estímulo fisiológico ou fator compensatório. Deve sempre pesquisar hábitos como ingesta de álcool e café, uso de cigarros, cocaína ou outras drogas, ansiedade, presença de febre, desidratação ou doenças como doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertireoidismo e insuficiência cardíaca congestiva. Retirar o agente causador e tratar a doença de base responsável. Taquicardia sinusal inapropriada Trata-se de uma taquicardia patológica, ou seja, inapropriada para o nível de atividade realizada. O tratamento é predominantemente dirigido pelos sintomas. Os betabloqueadores constituem medicamentos de primeira linha, seguidos dos bloqueadores dos canais de cálcio e outros antiarrítmicos. Raramente será uma arritmia vista na emergência, por não ser paroxística. Taquicardia juncional focal Há poucos estudos sobre a terapêutica farmacológica dessa entidade. Apresenta alguma resposta aos betabloqueadores, sendo a flecainida (não disponível no Brasil) intravenosa descrita como tratamento de escolha. Taquicardia juncional não-paroxística Procurar anormalidades adjacentes (intoxicação digitálica). Os betabloqueadores e os bloqueadores de canal cálcio podem reverter a taquicardia11. Fibrilação atrial A classificação de fibrilação atrial pelo padrão temporal, dentre os vários tipos existentes, é a mais adequada, por apresentar implicações terapêuticas muito claras. Assim, tem-se: – fibrilação atrial inicial – primeira manifestação; – fibrilação atrial crônica – recorrência de arritmia, podendo se apresentar em três formas distintas: RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 11. Caracterização da taquicardia supraventricular na emergência para escolha do tratamento adequado. Orientações seqüenciais para caracterizar uma taquicardia supraventricular e escolher a melhor forma de tratamento na sala de emergência. CVE = cardioversão elétrica; ECG = eletrocardiograma; FA = fibrilação atrial; FLA = “flutter” atrial; TAM = taquicardia atrial multifocal; TJ = taquicardia juncional; TRN = taquicardia por reentrada nodal; TRNAV = taquicardia por reentrada nodal atrioventricular; TSV = taquicardia supraventricular; TV = taquicardia ventricular; WPW = Wolff-Parkinson-White. 1. fibrilação atrial paroxística – episódios recorrentes com duração inferior a sete dias, geralmente com reversão espontânea; 2. fibrilação atrial persistente – episódio sustentado, porém passível de reversão química ou elétrica; 3. fibrilação atrial permanente – arritmia sustentada, mesmo com tentativa de reversão. O manejo da fibrilação atrial deve ser focado no controle da freqüência cardíaca ou no restabelecimento do ritmo. A monitorização da freqüência cardíaca pode ser direcionada no sentido de: abordar o paciente instável, que deve ser pronRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 tamente submetido a cardioversão elétrica; apenas controlar os sintomas produzidos pela resposta ventricular elevada; e monitorar a freqüência cardíaca enquanto se avalia a necessidade ou momento oportuno de reversão do ritmo. O restabelecimento do ritmo deve ser indicado dependendo da situação, tendo em vista a estratificação de risco para fenômeno tromboembólico. Deve-se ter em mente que além da arritmia há como fator complicador a possibilidade de fenômeno tromboembólico, que aumenta quando o evento ocorre em intervalo superior a 48 horas e em pacientes com fatores de risco (insuficiência cardíaca congestiva, fenômeno trombo- 245 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência Fig. 12. Orientação terapêutica da taquicardia supraventricular. Entre parênteses estão a classe e o grau de recomendação. A adenosina deve ser usada com cautela quando o diagnóstico não é claro, porque pode provocar fibrilação ventricular em pacientes com taquicardia pré-excitada24,25. CVE = cardioversão elétrica; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; TSV = taquicardia supraventricular; TV = taquicardia ventricular. Adaptado de Blonstrom-Lundqvist e colaboradores.1 embólico prévio, valvopatias, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, idade superior a 65 anos). Dessa forma, devese seguir os seguintes protocolos, visto que há redução substancial da ocorrência de fenômeno tromboembólico26,27: Protocolo 1 Pacientes com fibrilação atrial com duração inferior a 48 horas e sem fatores de risco. Tem-se a opção de cardioversão elétrica sincronizada com energia inicial de 100 J a 200 J, aumentando, se necessário, de 100 J em 100 J até atingir 360 J ou cardioversão química, com preferência para o uso de amiodarona e propafenona e posterior introdução de antiarrítmico para prevenção de recorrência. Protocolo 2 Pacientes com fibrilação atrial com duração inferior a 48 horas com fatores de risco ou aqueles com duração superior a 48 horas. Nesses casos, como há maior chance de haver trombo intracavitário com possível ocorrência de fenômeno tromboembólico após reversão do ritmo, necessita-se de profilaxia com uso de heparina e varfarina. Tal profilaxia deve ser realizada da seguinte maneira: 1. Anticoagulação imediata com heparinização endovenosa: 5.000 UI em bolo e 1.000 UI/hora com bomba de infusão, ajustando-se a dose para manter tempo de tromboplastina parcial ativada em 1,5 vez a 2 vezes o valor basal ou com 246 enoxaparina em dose plena (1 mg/kg duas vezes por dia). 2. Introdução de anticoagulante oral: varfarina por via oral, na dose de 5 mg/dia, podendo variar de acordo com condições clínicas, idade e doenças associadas, deixando a Razão Normalizada Internacional (RNI) entre 2 e 3 por quatro semanas e posteriormente retornando para cardioversão elétrica sincronizada ou química. Tem-se como opção a realização de ecocardiograma transesofágico, a fim de se abreviar o tempo de anticoagulação prévia à reversão. Dessa forma, realiza-se ecocardiograma transesofágico com 24 a 48 horas de heparinização, com tempo de tromboplastina parcial ativada terapêutico. Se não houver trombo intracavitário: – cardioversão imediata (química ou elétrica); – introdução de antiarrítmico para prevenção de recorrência; – alta hospitalar com níveis terapêuticos de RNI (geralmente ao redor do quarto ou quinto dia), mantendo-se o anticoagulante oral por mais quatro semanas ou indefinidamente, de acordo com a cardiopatia de base e/ou as condições clínicas; – acompanhamento em ambulatório específico; – suspensão da heparina ao se atingir RNI terapêutico. Obs.: a presença de contraste espontâneo não impede a cardioversão, exceto se em quantidade tal que impeça a adequada visibilização intracavitária, especialmente do apêndiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência ce atrial esquerdo. Na presença de trombo intracavitário: – alta hospitalar; – reinternação após uso de anticoagulante oral por quatro semanas com RNI terapêutico; – cardioversão e manutenção do anticoagulante oral por quatro semanas ou indefinidamente (ver item anterior). Obs.: Novo ecocardiograma transesofágico não é obrigatório antes da cardioversão, com análise individual de cada caso. Tal esquema de profilaxia para fenômeno tromboembólico é demonstrado na Figura 13. Reversão para ritmo sinusal Na reversão para ritmo sinusal podem ser utilizados amiodarona, propafenona e sotalol, cujos níveis de recomendação e evidência estão apresentados na Figura 12. Controle da freqüência cardíaca No controle da freqüência cardíaca podem ser utilizados diltiazem28, betabloqueadores24, magnésio25 e digitálicos. “Flutter” atrial Pode-se optar por reversão da taquiarritmia ou controle da freqüência cardíaca, dependendo do tempo de instalação da arritmia e da estabilidade do paciente. Deve ser utilizado o mesmo protocolo de anticoagulante oral utilizado na fibrilação atrial. Reversão – Cardioversão elétrica: pode ser o tratamento de escolha, com cargas inferiores a 50 J, usando choque bifásico ou com menores energias com choque bifásico. – Estimulação atrial (estimulação esofágica ou atrial invasiva): caso haja risco anestésico para o paciente, pode-se optar pela realização de estimulação cardíaca endocárdica atrial ou indiretamente via esôfago, com freqüências de estimulação 10% a 20% acima da freqüência atrial do “flutter”. – Ibutilide (não disponível no Brasil): eficácia satisfatória, mas com risco de pró-arritmia. – Sotalol: menos efetivo que ibutilide, com risco de aumento do intervalo QT e possibilidade de arritmias malignas. Controle de resposta ventricular Podem ser utilizadas as doses habituais de betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, digoxina e amiodarona, porém raramente é obtido controle satisfatório. Taquicardia atrial ectópica Terapêutica medicamentosa não muito eficaz. Manobra vagal Pode reverter arritmia em raras situações. Adenosina Pode reverter algumas taquicardias. Betabloqueadores e verapamil Podem reverter arritmias cujo mecanismo seja microrreentrada ou atividade deflagrada. Digoxina Lanatosídeo C ou digoxina após afastar intoxicação digi- Fig. 13. Orientação para anticoagulação em pacientes com arritmias a serem revertidas para ritmo sinusal. ACo = anticoagulante oral; CV = cardioversão; DM = diabetes melito; ETE = ecocardiograma transesofágico; EV = via endovenosa; FA = fibrilação atrial; FR = fator de risco; FTE = fenômeno tromboembólico; HAS = hipertensão arterial sistêmica; HBPM = heparina de baixo peso molecular; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; RNI = Razão Normalizada Internacional; TTPA = tempo de tromboplastina parcial ativada. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 247 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência tálica, 0,5 mg por via endovenosa, podendo a dose ser repetida após 15 minutos. Amiodarona Dose de 150 mg a 300 mg em 200 ml de solução glicosada, gotejando durante uma hora. Pode provocar dor e causar flebite, com perda de permeabilidade da veia para uso futuro. Cardioversão elétrica Método de preferência nos casos de comprometimento hemodinâmico ou insucesso com fármacos, utilizando-se cargas entre 100 J e 200 J. Taquicardia por reentrada nodal atrioventricular Estimulação vagal (manobra de Valsalva, compressão do seio carotídeo, tosse, mergulhar face na água gelada) Como a taquicardia, em geral, é bem tolerada, tentam-se inicialmente essas manobras, cuja taxa de reversão é de 20% a 25%. Adenosina Tratamento de escolha, se não houver resposta à manobra vagal. A dose inicial é de 6 mg por via endovenosa, em bolo, em infusão rápida, seguida de 20 ml em “flush” salino e elevação do braço. Não havendo reversão em 1 a 2 minutos, devem ser administrados 12 mg por via endovenosa, em bolo. Esse medicamento é seguro, com reversão mais rápida e com menos efeitos colaterais que os bloqueadores dos canais de cálcio. Efeitos colaterais como rubor, dispnéia e dor torácica são comuns e frustros. Deve ser utilizado com cautela em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e coronariopatia grave. Verapamil Deve ser utilizado em caso de falha na reversão com adenosina, exceto em pacientes hipotensos, com insuficiência cardíaca congestiva e taquicardia com QRS largo. A dose deve ser de 2,5 mg a 5 mg por via endovenosa em 2 minutos (3 minutos nos idosos), podendo ser administrada dose de 5 REFERÊNCIAS 1. Blonstrom-Lundqvist C, Scheimman MM, Aliot EM, et al. ACC/AHA/ESC Guidelines for the management of patients with supraventricular arrhythmias – Executive Summary. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association. Task Force on practice guidelines and the European Society of Cardiology Committee for practice guidelines (writing committee to de- 248 mg a 10 mg após 15 a 30 minutos se não houver reversão. Durante infusão do fármaco pode-se fazer manobra vagal, a fim de se otimizar a terapêutica. Diltiazem A dose deve ser de 15 mg a 20 mg (0,25 mg/kg) por 2 minutos. Se necessário, administrar 20 mg a 25 mg (0,35 mg/kg) em 15 minutos. Infusão de manutenção: 5 mg/hora a 15 mg/hora. Metoprolol A dose deve ser de 5 mg a cada 5 minutos, até 15 mg. Deve-se ter cautela em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e insuficiência cardíaca congestiva. Amiodarona A dose inicial deve ser de 150 mg por 10 minutos, seguida de infusão de 1 mg/min por 6 horas e manutenção de 0,5 mg/min por 18 horas. Em arritmias refratárias, deve ser administrada dose suplementar de 150 mg a cada 10 minutos. A dose total deve ser de 2,2 g. Pode ocorrer hipotensão e flebite, caso o fármaco seja administrado por vários dias. Indicado em pacientes cardiopatas, sobretudo com insuficiência cardíaca congestiva. Taquicardia por reentrada atrioventricular usando via anômala acessória Manobra vagal Inicialmente sempre deve ser tentada. Adenosina Igual à reentrada nodal atrioventricular. Propafenona Deve ser administrada dose de 1 mg/kg a 2 mg/kg de peso, por via endovenosa, em bolo. Digitálicos e verapamil Estão contra-indicados, pois, em caso de fibrilação atrial, dificultam a condução atrioventricular, acelerando a resposta ventricular, com possibilidade de indução de fibrilação ventricular. velop guidelines for the management of patients with supraventricular arrhythmias). Circulation. 2003;108: 1871-909. 2. Mehta AV, Ewing LL. Atrial tachycardia in infants and children: electrocardiographic classification and its significance. Pediatr Cardiol. 1993;14:199-203. 3. Saoudi N, Cosio F, Waldo A, et al. 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ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the management of Patients with Atrial Fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Gui- 249 PIMENTA J e cols. Diagnóstico diferencial e tratamento das taquicardias supraventriculares na sala de emergência delines and Policy Conferences (Writing Committee to Revise the 2001 Guidelines for the Management of Patients With Atrial Fibrillation) J Am Coll Cardiol. 2006;48:854-906. 250 28. Wattanasuwan N, Khan IA, Mehta NJ, Arora P, Singh N, Vasavada BC, et al. Acute ventricular control in atrial fibrillation: IV combination of diltiazem and digoxin vs. IV diltiazem alone. Chest. 2001;119:502-6. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 CARTA DO EDITOR CONVIDADO Arritmias Ventriculares As arritmias cardíacas de origem ventricular apresentam espectro clínico bastante amplo. Ocorrem em indivíduos de todas as idades, com ou sem doenças cardíacas e com manifestações clínicas diversas. A apresentação eletrocardiográfica mais comum é a extra-sístole ventricular monomórfica de ocorrência esporádica. Já, as taquicardias ventriculares não-sustentadas ou sustentadas são raras, mas quando presentes freqüentemente provocam sintomas que variam de palpitações taquicárdicas a síncopes. Sabe-se desde há muito tempo que as arritmias ventriculares são a causa mais importante de morte de súbita de origem cardíaca. Nos últimos anos, após a conclusão de importantes ensaios clínicos, houve avanço considerável no reconhecimento dos mecanismos das arritmias ventriculares, das condições clínicas que predispõem a sua ocorrência, assim como no esclarecimento do papel das medidas terapêuticas utilizadas para seu controle. Assim, este é um momento oportuno para a revisão do diagnóstico e tratamento das principais condições clínicas que predispõem à morte súbita por arritmias ventriculares, assim como do reconhecimento de situações benignas que podem ser confundidas com essas condições. Para isso, convocamos reconhecidos especialistas da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo para atualizar nossos conceitos diante dessas novas informações. O dr. Márcio Figueiredo aborda as principais síndromes clínicas geneticamente determinadas, associadas a morte súbita arrítmica em indivíduos com coração aparentemente normal. O dr. Eduardo Costa e colaboradores revisam o diagnóstico diferencial e as indicações terapêuticas atuais de pacientes com extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas. As dras. Denise Hachul e Luciana Matos discutem o tema das arritmias ventriculares em atletas, que sempre requerem especial cuidado para a liberação esportiva competitiva. O dr. Argemiro Scatolini e colaboradores revisam os mecanismos e as estratégias de prevenção e tratamento das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio. Em contrapartida, os drs. José Carlos Pachón Mateos e Enrique Indalécio Pachón Mateos estratificam o risco de ocorrência de arritmias ventriculares na fase crônica da cardiopatia isquêmica e as indicações atuais para seu tratamento. Finalmente, os drs. Francisco Darrieux e Eduardo Sosa abordam esses aspectos em um grupo heterogêneo de pacientes com cardiopatias distintas, incluindo a doença de Chagas, importante fator etiológico de arritmias ventriculares em nosso meio. Em nome da SOCESP, agradeço o esforço desses colegas para simplificar temas complexos em textos de fácil compreensão e desejo a todos boa leitura! Mauricio Ibrahim Scanavacca Editor Convidado RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 251 ARRITMIAS VENTRICULARES GENETICAMENTE DETERMINADAS: ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO MÁRCIO JANSEN DE OLIVEIRA FIGUEIREDO1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:252-9 RSCESP (72594)-1722 A morte cardíaca súbita é um problema de saúde pública. Embora seja mais comum em pacientes com doença cardíaca estrutural, que pode ser detectada e quantificada com a medida da função ventricular, uma parte dos pacientes em risco tem o coração estruturalmente normal. Tais afecções, usualmente causadas por defeitos genéticos dos canais iônicos do coração, podem expor os afetados a arritmias malignas, que, hoje, têm como opção eficaz de tratamento o implante de desfibrilador. As diretrizes nacionais e internacionais para o manejo de pacientes com arritmias englobam os recentes avanços na detecção e no tratamento desses pacientes. No presente artigo são comentadas algumas dessas situações (síndrome do QT longo congênito, síndrome de Brugada, síndrome do QT curto e taquicardia ventricular catecolaminérgica), com dados sobre o histórico, a ocorrência, a etiologia, as manifestações clínicas e as estratégias atuais para estratificação de risco e tratamento. O inimigo é cruel e às vezes imune aos métodos usuais de identificação. O papel do especialista é estar atento aos detalhes e perceber, na população, quem está marcado, detectar esse indivíduo e tratálo da melhor maneira possível. Descritores: arritmia ventricular; morte cardíaca súbita; desfibriladores implantáveis; genética humana. GENETICALLY DETERMINED VENTRICULAR ARRHYTHMIAS: RISK STRATIFICATION AND THERAPY Sudden cardiac death is a major clinical and public health problem. Although affecting mainly patients with some sort of structural heart disease, that can be detected and measured by means of determining cardiac function, an important percentage of patients at risk have structurally normal hearts. Those diseases, usually caused by genetic defects on cardiac ionic channels, can expose affected persons to malignant arrhythmias that have, nowadays, as an effective therapy the implant of a defibrillator. Brazilian and other international guidelines for management of cardiac arrhythmias summarize recent advances in detection and treatment of such patients. In this article we discuss some of these situations (congenital long QT syndrome, Brugada syndrome, short QT syndrome, and catecholaminergic ventricular tachycardia), with historical data, incidence, etiology, clinical manifestation and new strategies for risk stratification and therapy. The enemy is evil, and sometimes immune to our usual means for identification. The role for the specialist is to be alert for some details, and discover in the population those who are marked, detect them, and treat them the best as possible. Key words: ventricular arrhythmias; sudden cardiac death; implantable defibrillator; human genetics. 1 Disciplina de Cardiologia – Departamento de Clínica Médica – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas, SP Endereço para correspondência: Márcio Jansen de Oliveira Figueiredo – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – Barão Geraldo – Campinas, SP – CEP 13083-970 252 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento INTRODUÇÃO A morte cardíaca súbita pode ser considerada um problema de saúde pública em praticamente todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que cerca de 350 mil pessoas sejam acometidas anualmente1. No Brasil não há dados específicos, mas números do DATASUS de 2005 demonstram que naquele ano houve 283.927 óbitos no País por causa cardiovascular2. Desses, estima-se que 35% a 50% tenham ocorrido subitamente, o que leva o número de casos para 99 mil a 140 mil, números impressionantes pela sua grandiosidade. Embora persista um grande problema, a detecção dos fatores de risco1 e o advento do cardioversor-desfibrilador implantável permitiram notável avanço no tratamento. O reconhecimento da importância da presença de doença cardíaca estrutural e da fração de ejeção do ventrículo esquerdo como fatores de risco permitiu a elaboração de estratégias de estratificação de risco e de tratamento cada vez melhores. Inicialmente focando a prevenção secundária da morte cardíaca súbita, vários estudos importantes, como CIDS3, CASH4 e AVID5, demonstraram que pacientes com arritmias ventriculares malignas documentadas e com fração de ejeção deprimida são beneficiados com o implante de cardioversor-desfibrilador implantável. A evolução dos conhecimentos levou à publicação de novos estudos visando à prevenção primária, culminando com os estudos MADIT6 e MADIT II7, este com sua simplificação extrema (pacientes isquêmicos com má função ventricular se beneficiam do cardioversor-desfibrilador implantável, mesmo sem arritmias comprovadas). Todos os conhecimentos foram agrupados em diretrizes, e as mais recentes diretrizes nacionais8 se anteciparam às internacionais9; assim, o problema de uma parcela significativa da população está, de certa forma, equacionado. No entanto, nesse ponto da evolução aparece um fator complicador de difícil solução, um nó que impede que toda a complexa teia seja desfiada: o reconhecimento de situações nas quais esses pacientes, embora com função contrátil do ventrículo esquerdo normal, estão, sim, sob risco de morte cardíaca súbita. Algumas condições antigas, como a síndrome do QT longo congênito, já eram reconhecidas, mas outras, como a síndrome de Brugada, chamam a atenção para outro paciente: aquele que, mesmo com o coração estruturalmente normal, está sob risco de morrer subitamente. Pior, nessa população nossa principal arma, a determinação da função contrátil do coração, é inútil. Os especialistas foram, então, forçados a estudar alternativas. Mesmo sendo pouco freqüentes, principalmente se for RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 levada em conta a grande ocorrência de cardiopatias como a isquêmica, a perversidade adicional da morte cardíaca súbita nesses indivíduos é que o problema, em muitos casos, não é progressivo. Assim, uma vez minimizado o risco de morte cardíaca súbita a pessoa pode voltar a se inserir na sociedade, vivendo e trabalhando normalmente, tendo uma vida praticamente normal. Além disso, o caráter genético de muitas torna a questão de busca de indivíduos assintomáticos e afetados crucial, para que a detecção permita tratamento precoce e eficaz. Todos esses avanços permitiram o reconhecimento de algumas síndromes clínicas, mais chamativas, por sua malignidade ou por sua prevalência. Essas sídromes foram destacadas nas diretrizes, e a abordagem clínica para uma estratégia eficaz na estratificação de risco será o tema do presente artigo. SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO A síndrome do QT longo congênito foi reconhecida clinicamente há muitos anos10-12. Em 1957, Anton Jervell e Fred Lange-Nielsen publicaram o primeiro relato de uma doença de caráter familiar, caracterizada pela presença de grande prolongamento do intervalo QT, surdez congênita e alta ocorrência de morte súbita na infância12. Posteriormente, Romano e colaboradores10 e Ward11 relataram uma doença familiar praticamente idêntica, com a diferença de não haver surdez associada, e Fraser e colaboradores13 sugeriram que haveria um caráter genético ligando as duas situações, sendo ambas consideradas variações de uma afecção unificada pela denominação de síndrome do QT longo congênito14. A manifestação eletrocardiográfica característica é o prolongamento do intervalo QT (Figura 1), que reflete o aumento da duração do potencial de ação das células do miocárdio. Esse aumento decorre de defeitos nos canais iônicos, sendo hoje reconhecidos vários canais comprometidos, com defeitos demonstrados em genes que codificam partes de canais de sódio e de potássio15. O resultado do prolongamento da despolarização é a possibilidade, em alguns dos afetados, de desenvolvimento de taquicardias ventriculares polimórficas e, eventualmente, a ocorrência de morte cardíaca súbita16. Embora essa entidade clínica tenha sido descrita há vários anos, existem poucos estudos com seguimento desses pacientes a longo prazo, e as estratégias de estratificação de risco e conduta não são baseadas em grande estudos, mas sim séries com número limitado de pacientes geralmente encaminhados para grande centros. Priori e colaboradores17 avaliaram 647 pacientes com a síndrome, caracterizados por meio de análise genética, e demonstraram que a combinação de 253 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento Fig. 1. Eletrocardiograma de 12 derivações de uma criança sem deficiência auditiva com quadro de síncopes. Observa-se ritmo sinusal e grande prolongamento do intervalo QT. O paciente foi tratado com betabloqueadores, necessitando de implante de marcapasso artificial para suporte cronotrópico. Atualmente, cerca de 10 anos após a realização desse eletrocardiograma, o paciente permanece assintomático e em uso de medicação. sexo e medida do intervalo QT pode indicar subgrupos de pacientes com maior risco de eventos cardíacos (principalmente naqueles com o QT corrigido maior que 500 ms), e algumas diferenças relacionadas a fatores genéticos e sexo definindo grupos intermediários. Um estudo publicado recentemente por Schwartz e colaboradores18 compilou dados de acompanhamento de 186 pacientes com a forma de QT longo congênito associada à surdez. Os autores verificaram que muitos desses pacientes (86%) apresentaram eventos cardíacos no seguimento, a maioria dos quais desencadeada por emoções ou exercício. Os dados permitiram, ainda, estabelecer que QT corrigido maior que 550 ms e história de síncope no primeiro ano de vida estiveram correlacionados à ocorrência de arritmias cardíacas ou morte súbita. A estratificação de risco e a conduta diante de paciente com esse diagnóstico ainda são pouco claras. Sabe-se, por exemplo, que portadores da anomalia que são recuperados de morte súbita têm risco muito maior de apresentar novos episódios. Assim, nesses pacientes a estratificação de risco propriamente dita não é necessária (são os pacientes já considerados de alto risco), e o implante de desfibrilador é o tratamento de escolha, como atestado nas diretrizes8,9. Muitos pacientes, contudo, não têm o quadro tão exuberante, e apresentam-se com síncope. Para esses pacientes, o estudo 254 eletrofisiológico oferece pouco, e a conduta deve ser avaliada individualmente. Alguns trabalhos indicam que o tratamento com betabloqueadores, o implante de marcapasso ou a simpatectomia, isoladamente ou utilizados em combinação, podem ser úteis nesses casos19-21. As diretrizes nacionais8 indicam que o implante de desfibrilador pode ser considerado se, mesmo com esses tratamentos citados, for constatada a recorrência dos quadros sincopais. A determinação genética, uma grande esperança na avaliação e na estratificação de risco, principalmente nos assintomáticos, ainda não é um padrão clinicamente disponível. SÍNDROME DE BRUGADA É uma síndrome clínico-eletrocardiográfica, descrita pelos professores Pedro e Josep Brugada em 199222, caracterizada por apresentar um padrão eletrocardiográfico típico, com morfologia de bloqueio do ramo direito, supradesnivelamento com concavidade característica do segmento ST nas precordiais direitas (Figura 2) e predisposição para a ocorrência de arritmias ventriculares, que resultam em síncope ou parada cardíaca e morte cardíaca súbita. Uma peculiaridade é que as alterações eletrocardiográficas podem, em alguns casos, ser intermitentes23. Tal fato, por um lado, prejudica a detecção, mas por outro permite que o uso de fármacos possa desmascarar tais alterações, permitindo o diagnóstico em alguns casos. A síndrome tem uma base genética, com a caracterização de um defeito em um canal cardíaco de sódio24. As alterações iônicas resultantes levam à dispersão da ativação elétriRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento Fig. 2. Eletrocardiograma de 12 derivações, demonstrando morfologia de bloqueio do ramo direito, com supradesnivelamento com concavidade característica do segmento ST nas precordiais direitas, com padrão típico da síndrome de Brugada. O traçado foi obtido de um paciente de 36 anos, assintomático, com antecedentes familiares de morte cardíaca súbita. Os exames complementares, incluindo ecocardiograma e cinecoronariografia, não demonstraram alterações significativas. ca do miocárdio, particularmente no ventrículo direito, com alterações eletrofisiológicas que facilitam o aparecimento de arritmias25, que constituem o outro componente da síndrome. O quadro clínico é, então, muito variado, e inclui desde sobreviventes de parada cardíaca, passando por pacientes com episódios de síncope, até os totalmente assintomáticos, que têm o diagnóstico feito por eletrocardiograma fortuito ou durante a investigação de parentes de pessoas afetadas. Os conhecimentos advindos de estudos sobre a síndrome vêm crescendo bastante nos últimos anos. Em nosso meio, inclusive, há alguns relatos de casos26,27 e um artigo de revisão28. No mundo todo, a vasta experiência sobre o tema permitiu a publicação de consensos específicos sobre o tema, que podem ser aplicados como se fossem verdadeiras diretrizes29. A importância da estratificação de risco nos pacientes portadores da síndrome de Brugada é grande, já que o implante do cardioversor-desfibrilador implantável é, hoje, a única profilaxia clinicamente eficaz para a prevenção de morte cardíaca súbita. O consenso internacional sobre a síndrome de Brugada recomenda estratificação de risco baseada na presença de sintomas, na apresentação clínica, na presença de histórico familiar e no resultado da estimulação ventricular programada, e está sintetizada na Figura 3. A utilidade do estudo eletrofisiológico invasivo, no entanto, é questionada por alguns autores30. Nas diretrizes nacionais8 e internacionais9, a indicação de implante do cardioversor-desfibrilador implantável depende do quadro clínico e do padrão do eletrocardiograma. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 SÍNDROME DO QT CURTO Essa entidade clínica é ainda mais recente que a anterior, com a descrição da correlação entre intervalo QT e ocorrência de morte súbita datando de 200031. Publicações posteriores já chamam a atenção para o caráter familiar da afecção32, caracterizada por apresentar intervalo QT curto (QT corrigido menor que 300 ms.). Existem poucos dados sobre o assunto, derivados de publicações com séries relativamente pequenas32,33. No entanto, os pacientes recuperados de parada cardíaca e que demonstram intervalo QT curto no eletrocardiograma podem ter indicação do implante de cardioversor-desfibrilador implantável, segundo as diretrizes internacionais9. Não existem dados disponíveis até o momento sobre o mecanismo que está envolvido na gênese das arritmias nessa situação, assim como sobre a estratificação de risco. Não há, assim, recomendações para avaliação de indivíduos assintomáticos ou de familiares de pacientes acometidos. O caráter familiar sugere uma base genética, mas que ainda não foi estabelecida. Seguramente novos estudos sobre o tema são esperados. TAQUICARDIA VENTRICULAR CATECOLAMINÉRGICA A taquicardia ventricular catecolaminérgica é uma sín- 255 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento drome clínica, com ocorrência familiar, caracterizada pela ocorrência de taquicardia ventricular polimórfica em situações em que o tônus simpático está aumentado (exercício, emoções), na presença de eletrocardiograma de repouso e intervalo QT normais (Figura 4). Foram identificadas mutações nos genes que codificam receptores cardíacos responsáveis pela liberação de cálcio do interior do retículo sarcoplasmático de células cardíacas34. Os sintomas geralmente se apresentam durante a infância35. A morte cardíaca súbita de pacientes acometidos por essa situação e não tratados não é rara. No entanto, não existem dados disponíveis para recomendar a estratificação de risco em pacientes portadores dessa afecção. Novamente, há poucos dados disponíveis. A investigação desses pacientes pode ser feita por meio de história clínica, Holter ou teste de esforço, sendo o estudo eletrofisiológico invasivo considerado de pouca utilidade. As diretrizes nacionais8 recomendam o implante de cardioversor-desfibrilador implantável nos pacientes com diagnóstico de taquicardia ventricular catecolaminérgica recuperados de parada cardíaca, assim como nos pacientes que mantêm arritmia ou síncope apesar do uso de doses altas de betabloqueadores. Nessas situações, as diretrizes internacionais9 recomendam imFig. 3. Indicações para a estratificação de risco de pacientes com diagnóstico de síndro- plante do aparelho quando há recorrência da taquicardia ventrime de Brugada, segundo o II Consenso de 200529. cular (ou quando a taquicardia é # Existem evidências claras de que o procedimento ou tratamento é útil ou eficaz. mal tolerada do ponto de vista he## Existem evidências conflitantes, com evidências a favor da utilidade ou eficácia. ### Existem evidências conflitantes, com evidências menos bem estabelecidas a favor modinâmico) ou na presença de síncope sem outras causas deda utilidade ou eficácia. CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; ECG = eletrocardiograma; EEF = estudo monstráveis durante tratamento com betabloqueadores. eletrofisiológico; MCS = morte cardíaca súbita. 256 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento Fig. 4. Traçado de Holter (derivação V1, traçado contínuo) obtido de uma paciente de 10 anos de idade, com quadro de síncopes recorrentes relacionadas a estresse emocional ou atividade física. Observa-se o início espontâneo de taquicardia ventricular polimórfica sustentada, precedido por extra-sístoles ventriculares isoladas e taquicardia ventricular não-sustentada. (Traçado original 35, gentilmente cedido por Angelo A. V. de Paola.) CONCLUSÕES A morte cardíaca súbita é um problema de saúde pública, e a detecção de pacientes sob risco é um desafio diário para o clínico. O inimigo é cruel, e temos que nos armar para combatê-lo. Às vezes é também silencioso e imune às armas até o momento mais eficazes para identificá-lo em uma população grande, como a de isquêmicos e miocardiopatas. Daí a importância de o especialista estar atento para os detalhes e perceber, na população, quem está marcado, detectar esse indivíduo e tratá-lo da melhor maneira possível. Qualquer leigo reconhece um famoso quadro de Picasso ou de Botero quando está diante dele; mas o especialista tem a obrigação de conhecer além, e reconhecer obras menos conheci- REFERÊNCIAS 1. Myerburg RJ, Kessler KM, Castellanos A. Sudden cardiac death: epidemiology, transient risk, and intervention assessment. Ann Intern Med. 1993;119:1187-97. 2. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ obtuf.def 3. Connolly SJ, Gent M, Roberts RS, et al. Canadian ImRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 das desses mestres. Devem, também, divulgar esses conhecimentos, para que detalhes antes despercebidos sejam agora desvendados, podendo, assim, evitar o desfecho catastrófico que algumas pessoas com coração estruturalmente normal poderiam apresentar sem o tratamento adequado. plantable Defibrillator Study (CIDS): a randomized trial of the implantable cardioverter defibrillator against amiodarone. Circulation. 2000;101:1297-302. 4. Kuck KH, Cappato R, Siebels J, et al. Randomized comparison of antiarrhythmic drug therapy with implantable defibrillators in patients resuscitated from cardiac arrest: the Cardiac Arrest Study Hamburg (CASH). Circulation. 2000;102:748-54. 257 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento 5. The Antiarrhythmics Versus Implantable Defibrillators (AVID) Investigators. A comparison of antiarrhythmicdrug therapy with implantable defibrillators in patients resuscitated from near-fatal ventricular arrhythmias. N Engl J Med. 1997;337:1576-83. 6. Moss AJ, Hall WJ, Cannom DS, et al. Improved survival with an implanted defibrillator in patients with coronary disease at high risk for ventricular arrhythmia. Multicenter Automatic Defibrillator Implantation Trial Investigators. N Engl J Med. 1996;335:1933-40. 7. Moss AJ, Zareba W, Hall WJ, et al. Prophylactic implantation of a defibrillator in patients with myocardial infarction and reduced ejection fraction. 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Idiopathic short QT interval: a new clinical syndrome? Cardiology. 2000;94:99-102. 32. Gaita F, Giustetto C, Bianchi F, et al. Short QT syndroRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 FIGUEIREDO MJO Arritmias ventriculares geneticamente determinadas: estratificação de risco e tratamento me. A familial cause of sudden death. Circulation. 2003;108:965-70. 33. Giustetto C, Di Monte F, Wolpert C, et al. Short QT syndrome: clinical findings and diagnostic-therapeutic implications. Eur Heart J. 2006;27:2440-7. 34. Laitinen PJ, Brown KM, Piippo K, et al. Mutations of the cardiac ryanodine receptor (RyR2) gene in familial RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 polymorphic ventricular tachycardia. Circulation. 2001;103:485-90. 35. Leite LR, Pereira KRP, Alessi SRB, de Paola AAV. Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica. Um importante diagnóstico em crianças com síncope e coração estruturalmente normal. Arq Bras Cardiol. 2001;76:63-8. 259 EXTRA-SÍSTOLES E TAQUICARDIAS VENTRICULARES IDIOPÁTICAS: SIGNIFICADO CLÍNICO E TRATAMENTO EDUARDO RODRIGUES BENTO COSTA1, ÉRIKA OLIVIER VILELA BRAGANÇA1, ANDREZA CHAGURI1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:260-71 RSCESP (72594)-1723 As extra-sístoles e as taquicardias ventriculares idiopáticas são arritmias com mecanismos e significado clínico que as diferenciam das arritmias ventriculares associadas a cardiopatias estruturais. Diferentemente dessas últimas, que apresentam risco de morte súbita em populações específicas, as arritmias idiopáticas geralmente são associadas a bom prognóstico, que mais as aproximam das arritmias supraventriculares. Apresentam padrão eletrocardiográfico bastante definido e o conhecimento dessas características eletrocardiográficas pelo cardiologista clínico é uma das premissas para um correto manuseio clínico desses pacientes. A resposta às drogas antiarrítmicas costuma ser adequada e ablação por cateter pode ter papel decisivo na cura definitiva de pacientes selecionados. Este artigo procura revisar as características clínicas, eletrocardiográficas e terapêuticas das arritmias ventriculares idiopáticas. Descritores: arritmias cardíacas; complexos ventriculares prematuros; taquicardia ventricular; ablação por cateter; morte súbita. PREMATURE VENTRICULAR COMPLEXES AND IDIOPATHIC VENTRICULAR TACHYCARDIAS: CLINICAL SIGNIFICANCE AND TREATMENT The premature ventricular complexes and idiopathic ventricular tachycardia have specific mechanisms and clinical significance that differentiate them from those ventricular tachyarrhythmias associated to structural cardiopathy. Differently from those, that carry high sudden death risk, the idiopathic ventricular arrhythmias are usually associated with benign prognostic, such as supraventricular tachycardias. Idiopathic ventricular arrhythmias have a well defined electrocardiographic pattern and having this knowledge permits the cardiologist to perform the correct clinical management. The predicted response to antiarrhythmic drugs and the cure enabled by radiofrequency catheter ablation are well known. This article aims to review the clinical, electrocardiographic and therapeutic characteristics of idiopathic ventricular arrhythmias. Key words: cardiac arrhythmias; ventricular premature complexes; ventricular tachycardia; catheter ablation; sudden death. 1 CardioRitmo – São José dos Campos, SP Endereço para correspondência: Eduardo Rodrigues Bento Costa – Rua Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 255 – salas 701-703 – Jardim Aquárius – São José dos Campos, SP – CEP 12246-000 260 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento INTRODUÇÃO As taquicardias ventriculares idiopáticas são consideradas entidades arrítmicas particulares. Seus mecanismos deflagradores, a apresentação eletrocardiográfica, o significado clínico e o tratamento apresentam particularidades que as diferenciam das demais arritmias ventriculares. Representam 10% dos casos de taquicardias ventriculares avaliados em laboratórios de eletrofisiologia nos Estados Unidos1 e 20% das taquicardias ventriculares no Japão2. As taquicardias ventriculares idiopáticas podem ser classificadas como monomórficas e polimórficas (Tabela 1). O objetivo deste artigo é descrever as características clínicas, fisiopatológicas, eletrocardiográficas e terapêuticas das taquicardias ventriculares idiopáticas monomórficas não relacionadas à presença de cardiopatia estrutural. terizada por atividade ventricular ectópica quase permanente, apresentando episódios freqüentes e repetitivos de extrasístoles ventriculares monomórficas, isoladas, bigeminadas e com salvas freqüentes de taquicardias ventriculares monomórficas repetitivas (Figura 1A). Nas formas mais intensas, as salvas de taquicardias ventriculares tendem a ser progressivamente mais longas, às vezes interrompidas por curtos e breves períodos de ritmo sinusal5,6. Apresentação clínica As taquicardias ventriculares idiopáticas-via de saída do ventrículo direito ocorrem com maior freqüência entre as mulheres, predominantemente entre a terceira e a quinta décadas de vida. Já as taquicardias ventriculares idiopáticas-via de saída do ventrículo esquerdo ocorrem com a mesma freqüência entre homens e mulheres7. Tabela 1 - Taquicardias ventriculares idiopáticas TVIs monomórficas TVIs polimórficas – TV da via de saída: VD, AP, VE, cúspides aórticas – TV fascicular do VE: fascículo posterior, fascículo anterior, septal – TV monomórfica adrenérgica – TV anular mitral e tricúspide Síndrome de QT longo Síndrome de Brugada “Torsades” de acoplamento curto Síndrome de QT curto TV polimórfica catecolaminérgica ______________ Adaptado de Badhwar e Scheinman.3 AP = artéria pulmonar; TV = taquicardia ventricular; TVIs = taquicardias ventriculares idiopáticas; VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo. TAQUICARDIAS DA VIA DE SAÍDA As taquicardias da via de saída podem se originar na via de saída do ventrículo direito, da artéria pulmonar, do ventrículo esquerdo ou das cúspides aórticas coronarianas. Buxton e colaboradores descreveram a via de saída do ventrículo direito como a origem padrão desse tipo de arritmia4. Sabese hoje que a via de saída do ventrículo direito representa de 60% a 70% de todos os casos de taquicardias ventriculares idiopáticas4. História Gallavardin5, em 1922, descreveu uma síndrome caracRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 Há duas apresentações clínicas predominantes: aquela com formas repetitivas em repouso (que representam 62% a 90% das séries descritas) e outra com arritmias induzidas por esforço/estresse8. Mais raramente as taquicardias ventriculares podem se apresentar de forma incessante ou ainda com surtos paroxísticos de taquicardias ventriculares, interpolados por longos períodos de ritmo sinusal9. Há em geral sobreposição entre a apresentação dessas duas formas10. Freqüentemente esses pacientes apresentam extra-sístoles ventriculares com a mesma morfologia das taquicardias ventriculares. Enquanto o teste ergométrico pode geralmente suprimir as arritmias apresentadas durante o repouso, em 30% a 50% dos casos as taquicardias ventriculares são reproduzi- 261 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Fig. 1. Em A, traçado contínuo com uma hora, obtido de Holter de 24 horas de paciente com taquicardia ventricular monomórfica repetitiva de Gallavardin. Em B, padrão eletrocardiográfico de taquicardia idiopática da via de saída do ventrículo direito, com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo e eixo inferior. Em C, padrão eletrocardiográfico de extra-sístoles ventriculares idiopáticas da via de saída do ventrículo esquerdo, com morfologia de bloqueio de ramo direito e eixo inferior (ver discussão no texto). das, tanto durante o exercício como durante a fase de recuperação, sugerindo que uma faixa de freqüência sinusal crítica é necessária para sua iniciação11. Raramente os focos idiopáticos originados na via de saída podem ser responsáveis por taquicardias polimórficas ou fibrilação ventricular. Os sintomas são extremamente variáveis, podendo haver amplo espectro de apresentação, desde pacientes totalmente assintomáticos, cuja descoberta da arritmia ocorre durante exame de rotina, até pacientes com graves sintomas, como síncopes. Sintomas de palpitação, dispnéia e dor precordial Fig. 2. Traçado simultâneo de eletrocardiograma de superfície (sete primeiras linhas), eletrogramas intracavitários (His e ventrículo direito, oitava e nona linhas), e curva de pressão arterial invasiva (última linha). Observa-se curva do pulso arterial sistólico normal nos três primeiros batimentos sinusais, com ausência ou redução do mesmo após a ocorrência das extra-sístoles. 262 atípica são bastante comuns. Em nossa experiência, muitos pacientes não apresentam os sintomas típicos de palpitações, mas sensação de fraqueza, indisposição e astenia, mais comumente observadas nas síndromes bradicárdicas. Isso de deve ao fato de que em alguns pacientes as extra-sístoles não geram volume sistólico suficiente para gerar pulso sistólico; assim, apesar da freqüência cardíaca normal sob o ponto de vista elétrico, a freqüência de pulso pode se encontrar muito lenta, especialmente em momentos de bigeminismo (Figura 2). Exame físico cuidadoso, tomando-se o pulso juntamente com ausculta cardíaca ou monitorização eletrocardiográfica, pode ajudar nesse diagnóstico. A maioria dos pacientes apresenta curso benigno, sugerindo que as arritmias não representam manifestação clínica de miocardiopatia incipiente. No entanto, atenção especial deve ser dada a pacientes com ectopia ventricular freqüente e dilatação e/ou disfunção ventricular esquerda. Duffee e colaboradores12 descreveram melhora da disfunção ventricular esquerda após a supressão de atividade ectópica freqüente, sugerindo que, ao invés de miocardiopatia dilatada idiopática, a disfunção era resultado de remodelamento causado pela arritmia, num quadro chamado de “cardiomiopatia ectopiainduzida”, com o mesmo significado clínico do quadro clássico de taquimiocardiopatia. A densidade das ectopias tem importância no desenvolvimento da disfunção. Takemoto e colaboradores13, em análise retrospectiva de 40 pacientes com ectopias freqüentes da via de saída do ventrículo direito durante dez anos, sugeriu que pacientes que apresentavam 20% de ectopias por 24 horas (aproximadamente 20 mil extrasístoles por dia) apresentaram correlação positiva com aumento e disfunção do ventrículo esquerdo, reversíveis após ablação do foco arritmogênico. Relatos recentes confirmam tal associação, demonstrando correlação crescente da densidade das ectopias com a incidência de disfunção ventricular esquerda (Figura 3). RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Extraído de Kanei e colaboradores.14 Fig. 3. Correlação entre o número diário de ectopias ventriculares e a prevalência de disfunção ventricular esquerda entre pacientes com arritmias da via de saída do ventrículo direito. LV = ventrículo esquerdo (“left ventricle”); LVF = função ventricular esquerda (“left ventricle function”); n = número de pacientes; PVCs = complexos ventriculares prematuros (“premature ventricular complexes”). No entanto, deve-se ter em mente a grande variabilidade dia-a-dia das arritmias ao Holter de 24 horas, podendo haver quadro de cardiomiopatia ectopia-induzida, também reversível após ablação por cateter, com número menor de arritmias registradas em gravação de Holter15. Ainda não estão claros quais os mecanismos pelos quais as ectopias provocam disfunção ventricular esquerda. Uma das teorias sugere que as ectopias de via de saída invertem o sentido de contração do ventrículo esquerdo. Outro mecanismo proposto é que um número significativo de ectopias com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo poderia levar a assincronismo interventricular, análogo ao observado à disfunção ventricular esquerda causada pela estimulação artificial da ponta do ventrículo direito por marcapassos15. Não parece haver influência da freqüência cardíaca na ocorrência da disfunção do ventrículo esquerdo14. A diferenciação do mecanismo idiopático das arritmias da via de saída do ventrículo direito daquelas arritmias associadas a cardiomiopatias é extremamente importante, por causa do significado clínico totalmente diferente entre tais situações. Dentre as cardiopatias estruturais, a displasia arritmogênica do ventrículo direito é aquela na qual a diferenciação diagnóstica deve ter maior atenção. A displasia arritmogênica do ventrículo direito é uma cardiopatia genética, com alto risco de morte súbita, estando geralmente associada a dilatação ou anormalidades da contratilidade do ventrículo direito, com infiltração fibrogordurosa16,17. Tanto nas arritmias idiopáticas como nas arritmias da displasia arritmogênica do ventrículo direito, a origem das arritmias costuma ocorrer predominantemente na via de saída do ventrículo direito, o que faz com que a morfologia entre elas seja semelhante, com padrão de bloqueio de ramo esquerdo e eixo inferior, o que implica maior cuidado diagnóstico. A Tabela 2 apresenta, resumidamente, as diferenças diagnósticas entre taquicardias ventriculares idiopáticas da via RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 de saída do ventrículo direito e displasia arritmogênica do ventrículo direito. Mecanismos Lerman e colaboradores18 demonstraram que as taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito, em sua maioria, são provavelmente causadas por atividade deflagrada, que é um mecanismo de geração de arritmias causado por oscilações nos potenciais de membrana dependentes do potencial de ação precedente. A atividade deflagrada desse tipo de arritmia ocorre na fase 4 do potencial de ação, chamada de pós-despolarização tardia, sendo mais dependente de freqüências cardíacas rápidas, mediada por catecolaminérgico19,20. Esse tipo de arritmia é mediado pela ativação do AMP cíclico, que causa aumento do cálcio intracelular e liberação oscilatória do cálcio do retículo sarcoplasmático21,22. Podem ser induzidas por infusão de isoproterenol, aminofilina, atropina e estimulação ventricular rápida, mas raramente por estimulação ventricular programada. A Figura 4 apresenta os mecanismos envolvidos nas arritmias idiopáticas da via de saída. A maioria dessas taquicardias ventriculares idiopáticasvia de saída do ventrículo direito responde às medicações que reduzem o cálcio intracelular, como betabloqueadores, verapamil e adenosina, sendo chamadas de “adenosina-sensitivas” (Figura 5). No entanto, enquanto os betabloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio podem também reverter algumas formas de taquicardias ventriculares causadas por reentrada ou automaticidade anormal, a reversão de uma taquicardia ventricular com a administração de adenosina é evidência patognomônica de que a arritmia seja causada por pós-despolarização tardia mediada pelo AMP cíclico9. Mutação da proteína G, que diminui o AMP cíclico pela inibição da adenil ciclase, pode ser uma das explicações para a tendência ao desenvolvimento desse padrão de arritmia23. 263 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Tabela 2 - Principais diferenças entre taquicardias ventriculares idiopáticas e displasia arritmogênica do ventrículo direito Característica TVI DAVD Não Freqüentemente sim Igual – Morte súbita cardíaca Alterações do ECG – Morfologia onda T – Distúrbio da condução – Ondas épsilon V1-V3 – Fase ascendente lenta da onda S – ECGAR Exames de imagem – Ecocardiograma EVs, TVNS, TVS em repouso ou exercício Rara 1% ao ano T positiva V2-V5 QRS < 110 ms V1-V3 Ausente Raro Normal T invertida além de V1 QRS > 110 ms V1-V3 Presente em 30% Presente em 95% Geralmente anormal Normal – Ventriculografia VD – RNM Geralmente normal Geralmente normal Aumento e/ou alterações da contratilidade do VD Geralmente anormal Aumento da intensidade do sinal na parede livre do VD; alterações na contratilidade Apresentação clínica – História familiar de arritmia ou MS – Arritmias Tratamento – Resposta à terapia – Ablação por cateter Aguda: manobras vagais, adenosina, BB, verapamil Crônica: BB ou verapamil, com ou sem drogas AA classe 1 Geralmente curativa Sotalol; amiodarona com ou sem BB Raramente curativa; pode modificar o substrato e aumentar a eficiência das drogas AA; ocorrência de arritmias com morfologias diferentes ______________ Modificado de Calkins16. AA = antiarrítmicas; BB = betabloqueadores; DAVD = displasia arritmogênica do ventrículo direito; ECG = eletrocardiograma; ECGAR = eletrocardiograma de alta resolução; EVs = extra-sístoles ventriculares; MS = morte súbita; RNM = ressonância nuclear magnética; TVI = taquicardia ventricular idiopática; TVNS = taquicardia ventricular não-sustentada; TVS = taquicardia ventricular sustentada; VD = ventrículo direito. Apesar de a maioria dos estudos que analisaram os mecanismos das taquicardias ventriculares de via de saída ser baseada nas arritmias originadas na via de saída do ventrículo direito, aceita-se atualmente que tanto as taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito como as taqui- 264 cardias ventriculares-via de saída do ventrículo esquerdo apresentem mecanismo comum24,25. Os tratos de saída dos ventrículos direito e esquerdo apresentam origem embriológica comum, e diferem do restante dos miócitos ventriculares e atriais, apresentando um fenótipo contrátil mais primiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Adaptado de Arya e colaboradores9 e Riley e Marchkinski19. Fig. 4. Representação esquemática das influências farmacológicas e endógenas que afetam a concentração do AMP cíclico e do cálcio, capazes de modular taquicardia ventricular dependente de atividade deflagrada. A estimulação beta-adrenérgica aumenta a concentração do AMP cíclico por meio da proteína G estimuladora e adenil ciclase. O aumento da concentração plasmática do AMP cíclico promove a fosforilação da proteína quinase A, aumentando o influxo através dos canais lentos de cálcio e liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático, levando a pós-potenciais tardios e ocorrência de arritmias por atividade deflagrada. Fig. 5. Resposta ao tratamento antiarrítmico de arritmia ventricular monomórfica repetitiva da via de saída do ventrículo direito. Em A, derivação D2, contínua, de paciente nas condições basais. Em B, após tratamento com betabloqueador. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 265 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento tivo, com retículo sarcoplasmático menos desenvolvido e menor condução do estímulo, compatível com a função esfincteriana no desenvolvimento inicial. O trato de saída é progressivamente dividido entre direito e esquerdo, pela fusão progressiva do coxim endocárdico, que se inicia distal e se estende proximalmente, ocorrendo posterior à formação dos seios valvares aórtico e pulmonar26. A similaridade entre as características clínicas e terapêuticas dessas arritmias tem levado à tendência de classificá-las como um único grupo, chamado de “taquicardias da via de saída”27. Diagnóstico eletrocardiográfico A premissa básica que permite o correto diagnóstico eletrocardiográfico nesse padrão de arritmia é o conhecimento de que a maioria das arritmias com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo se origina no ventrículo direito e, de forma inversa, que as arritmias com morfologia de bloqueio do ramo direito se originam no ventrículo esquerdo. É importante frisar que a expressão “morfologia tipo bloqueio de ramo esquerdo ou bloqueio de ramo direito” não apresenta o significado clínico e eletrofisiológico dos distúrbios de condução fasciculares propriamente ditos, mas a manifestação eletrocardiográfica das arritmias ventriculares. Dessa forma, a derivação precordial V1 é fundamental para classificar uma arritmia como tendo “morfologia tipo bloqueio de ramo esquerdo ou bloqueio de ramo direito”. Conceitua-se que uma arritmia apresente padrão “tipo bloqueio de ramo esquerdo” quando o QRS é predominantemente negativo em V1 e que as arritmias do “tipo bloqueio de ramo direito” representam aquelas com QRS predominantemente positivo nessas derivações. Já no plano frontal, as arritmias do trato de saída apresentam eixo do QRS orientado inferiormente, no sentido crânio-caudal, sendo geralmente positivas nas derivações inferiores D2, D3 e aVF. Essas duas informações são geralmente suficientes para que sejam identificadas arritmias da via de saída do ventrículo direito (morfologia de bloqueio de ramo esquerdo, eixo inferior, Figura 1B) e arritmias da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo direito, eixo inferior, Figura 1C). As taquicardias ventriculares-via de saída do ventrículo direito apresentam morfologia de bloqueio de ramo esquerdo e eixo inferior, representando 70% dos casos de taquicardias ventriculares idiopáticas. As derivações precordiais intermediárias V3-V4 são úteis para diferenciar o ponto de saída da arritmia entre a ponta e a região basal. Os focos basais produzem onda R predominante em V3-V4, enquanto os focos apicais produzem onda S predominante28. Os focos subepicárdicos levam a QRS mais largos, com fase inicial mais lenta que os focos endocárdi- 266 cos. Os focos relacionados à parede septal da via de saída do ventrículo direito geralmente produzem QRS com duração inferior a 140 ms. O eletrocardiograma em ritmo sinusal nesses pacientes geralmente é normal, porém pode haver distúrbio da condução pelo ramo direito em 10% dos casos29. Detalhes discretos do eletrocardiograma são úteis para se diferenciar locais específicos de origem dos focos arritmogênicos da via de saída, diferenciando sua origem como septal, parede livre, anterior e posterior ou mesmo com origem na artéria pulmonar. Essa fina diferenciação é útil quando se pretende a terapêutica por meio de ablação por cateter, em que uma precisa localização é absolutamente necessária. Deve-se ter em mente que a análise eletrocardiográfica para avaliação da localização do foco arritmogênico da via de saída do ventrículo direito deve ser interpretada cuidadosamente, pelas características físicas individuais, pela conformação torácica, etc. De forma geral, complexos QS na derivação I em geral sugerem foco próximo à região ântero-septal30. Taquicardias originadas na artéria pulmonar Alguns relatos descrevem a origem do foco arritmogênico de trato de saída após a inserção da valva pulmonar, dentro da artéria pulmonar31,32. Da mesma forma que focos arritmogênicos localizados em veias torácicas, a origem da atividade ectópica se deve à presença de células cardíacas com atividade elétrica no interior da artéria pulmonar, resultado de células embrionárias musculares remanescentes no trato de saída33. Apesar de a morfologia das arritmias ser semelhante à das originadas na via de saída do ventrículo direito (morfologia de bloqueio de ramo esquerdo com eixo inferior), algumas características eletrocardiográficas fazem suspeitar de foco na artéria pulmonar34: 1) ondas R de grande amplitude nas derivações inferiores; 2) a relação da amplitude da onda Q em aVL/aVR é maior no grupo com foco na artéria pulmonar; 3) maior relação das amplitudes R/S em V2 em pacientes com focos na artéria pulmonar que na via de saída do ventrículo direito. A ablação por cateter de focos no interior da artéria pulmonar pode levar à cura da arritmia32,35. Taquicardias de via de saída do ventrículo esquerdo As arritmias da via de saída do ventrículo esquerdo representam 10% das taquicardias ventriculares adenosina-sensitivas e apresentam características comuns com aquelas da via de saída do ventrículo direito, tanto pela sua origem embriogênica comum como pela relação anatômica. Deve-se lembrar que a parede posterior da via de saída do ventrículo direito é diretamente adjacente à parede anterior da via de RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento saída do ventrículo esquerdo. O padrão eletrocardiográfico típico apresenta eixo inferior, com morfologia de bloqueio de ramo direito ou de bloqueio de ramo esquerdo com onda R pequena em V1 e transição R/S > 1 precoce em V2-V34 (Figura 6). A preocupação com o tratamento ablativo de focos nessa região é o risco de lesão coronariana, da valva aórtica ou bloqueio atrioventricular28. gráfico típico apresenta ondas R altas nas derivações inferiores, transição precoce em V1-V2 e ondas R largas em V1V2, sem ondas S em V5-V63. Taquicardias epicárdicas da via de saída Por se tratar de focos arritmogênicos distantes do sistema His-Purkinje, a fase inicial do QRS dessas arritmias geralmente é mais lenta, com aparência de “pseudo ondas delta”28. Numa série de 138 pacientes, dos quais 12 tinham origem epicárdica, Daniels e colaboradores descreveram um índice eletrocardiográfico que ajuda na identificação dos focos epicárdicos 38. Quando a relação entre a medida do início do QRS até a máxima deflexão nas derivações precordiais/duração total do QRS é maior que 0,55, há 100% de especificidade e 87% de especificidade na diferenciação entre focos epicárdicos das demais localizações da via de saída. Sua ablação em geral requer aplicações dentro do sistema venoso por meio da cateterização do seio coronariano39 ou de punção do saco pericárdico3. Tratamento das arritmias da via de saída por meio de ablação por cateter Em decorrência de seu caráter focal e idiopático, sem cardiopatia evolutiva associada, esse tipo de taquiarritmia costuma alcançar taxas de sucesso em torno de 85% a 97% no tratamento por meio de ablação por cateter de radiofreqüência. É indicada quando o tratamento com drogas antiarrítmicas é insatisfatório, podendo ainda ser indicada como primeira opção, em casos selecionados (Figura 7). Modificado de Josephson36. Fig. 6. Padrão eletrocardiográfico mais comumente encontrado nas arritmias ventriculares idiopáticas. AP = artéria pulmonar; BRD = morfologia de bloqueio de ramo direito; BRE = morfologia de bloqueio de ramo esquerdo; CAo = cúspide aórtica coronariana; Epic = epicárdica; TV = taquicardia ventricular; VSVD = via de saída do ventrículo direito; VSVE = via de saída do ventrículo esquerdo. Taquicardias das cúspides coronarianas A extensão de feixes musculares cardíacos acima do plano valvar aórtico pode promover a ocorrência de focos arritmogênicos nos seios de Valsalva37. O padrão eletrocardioRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 TAQUICARDIA FASCICULAR IDIOPÁTICA DO VENTRÍCULO ESQUERDO Esse tipo particular de taquiarritmia é decorrente de reentrada nos fascículos e fibras de Purkinje do ventrículo esquerdo, predominantemente o fascículo posterior do ramo esquerdo, anatomicamente relacionado à região ínfero-septal do ventrículo esquerdo, que representa 80% dos casos. Os demais casos de taquicardias fasciculares do ventrículo esquerdo envolvem ou o fascículo anterior do ramo esquer- 267 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento Fig. 7. Ablação por cateter de arritmia ventricular da via de saída do ventrículo direito. Em A, registro simultâneo das derivações eletrocardiográficas de superfície (seis primeiras linhas) e dos sinais intracavitários. Observa-se precocidade de 29 ms na ponta do cateter de ablação (Abld), sugerindo origem da arritmia. Em B, estimulando-se o mesmo local na via de saída do ventrículo direito (“pace-mapping”), reproduz a mesma morfologia da ectopia simultânea. A aplicação nesse ponto eliminou a arritmia. Em C, outro paciente com arritmia idiopática do ventrículo direito com origem septal, no qual foi utilizado mapeamento eletroanatômico, técnica que pode aumentar as chances de identificação do sítio de origem da arritmia. do ou a região superior e septal do ventrículo esquerdo. A forma clássica de taquicardia fascicular do ventrículo esquerdo, originada no fascículo posterior do ramo esquerdo, foi descrita por Zipes e colaboradores, em 197940. Suas principais características são: 1) morfologia de bloqueio de ramo direito e desvio superior do eixo do QRS, no sentido caudocranial, com ondas S predominantes nas derivações V5-V6 (Figura 8); 2) ocorrência em coração estruturalmente normal; 3) possibilidade de indução por meio de estimulação atrial; 4) possibilidade de reversão com verapamil, sendo, portanto, classificadas como taquicardias ventriculares verapamil-sensitivas. Características clínicas A taquicardia fascicular idiopática do ventrículo esquerdo ocorre predominantemente em jovens entre 15 e 40 anos, mais comum no sexo masculino, sem cardiopatia associada. As 268 Fig. 8. Padrão eletrocardiográfico típico da taquicardia fascicular idiopática do ventrículo esquerdo: morfologia de bloqueio de ramo direito, eixo caudocranial e onda S proeminentes em V5-V6. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento crises costumam ser paroxísticas, geralmente em repouso, porém podem estar relacionadas a estresse ou esforço físico, com sintomas de palpitações taquicárdicas, dor precordial, dispnéia, fraqueza ou pré-síncope. Quadros de síncopes são pouco freqüentes30 e a morte súbita é muito rara41. A ocorrência de taquicardia incessante, manifestação rara dessa arritmia, pode levar a taquimiocardiopatia e falência cardíaca42. Respostas farmacológicas A infusão endovenosa de verapamil é capaz de reverter a taquicardia fascicular e o uso crônico oral pode prevenir a recorrência das crises. Essa resposta ao verapamil, em pacientes jovens e sem cardiopatia estrutural, associada ao fato de que o QRS da crise é relativamente estreito, pode levar ao raciocínio equivocado de se tratar de “taquicardia supraventricular com aberrância”. Outras drogas, como betabloqueadores, diltiazem, amiodarona, propafenona e outras, apresentam respostas variáveis. Ablação por cateter O tratamento ablativo dessa arritmia consiste no mapeamento da região do fascículo envolvido, geralmente na região ínfero-apical do septo interventricular. A detecção de potenciais fasciculares rápidos precedendo a ativação ventricular e a possibilidade de se reproduzir a morfologia da taquicardia no eletrocardiograma de 12 derivações estimulandose o local em geral predizem chance de sucesso43 (Figura 9). inferior, nos focos ântero-lateral e posterior. A ablação endocárdica é geralmente bem-sucedida, ocasionalmente sendo necessária ablação dentro do seio coronariano23. CONCLUSÕES As extra-sístoles e as taquicardias ventriculares apresentam características clínicas e eletrocardiográficas peculiares, que as diferenciam das demais arritmias ventriculares associadas à presença de cardiopatia estrutural. A necessidade de diferenciação entre esses grupos tão distintos é que enquanto nas arritmias idiopáticas o prognóstico é geralmente benigno, taquicardias ventriculares associadas a cardiopatias podem levar à morte súbita, sendo, portanto, candidatos a implante de cardiodesfibriladores, na dependência do tipo de gravidade da cardiopatia. A ablação por cateter tem potencial de cura nas arritmias idiopáticas, enquanto seu uso nas cardiopatias geralmente representa uma forma de tratamento coadjuvante. A forma idiopática das arritmias deve ser considerada como diagnóstico de exclusão, após afastarse a presença de cardiopatia estrutural por meio dos diversos métodos diagnósticos disponíveis. O padrão eletrocardiográfico típico das arritmias ventriculares idiopáticas (Figura 6) é extremamente útil na avalia- TAQUICARDIAS DO ANEL MITRAL Representam 5% de 352 casos de taquicardias ventriculares idiopáticas44. Anatomicamente os focos podem estar localizados ao redor do anel mitral, especialmente nas regiões ântero-lateral, posterior e póstero-septal. Eletrocardiograficamente apresentam-se com morfologia de bloqueio de ramo direito, padrão RS em V1 e R predominante (R ou RS) nas derivações V2-V6. Em geral observam-se entalhes no QRS das derivações do plano Fig. 9. Em A, eletrocardiograma de 12 derivações de taquicardia fascicular sustentada. Em B, estimulação da região ínfero-septo-apical do ventrículo esquerdo, origem da arritmia, durante ritmo sinusal (“pacing-mapping”), demonstrando similaridade do padrão eletrocardiográfico com a arritmia espontânea, que sugere que o ponto de saída da arritmia é o mesmo do local estimulado. Em C, mapeamento endocárdico dessa região durante taquicardia fascicular: observar a presença de potencial rápido e precoce registrado no cateter de ablação (Expl), representando a atividade fascicular precoce. A aplicação de pulso de radiofreqüência nessa região levou à cura da taquiarritmia. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 269 COSTA ERB e cols. Extra-sístoles e taquicardias ventriculares idiopáticas: significado clínico e tratamento ção clínica dos pacientes, devendo ser observado não somente por eletrofisiologistas, mas principalmente por car- diologistas clínicos, responsáveis pela abordagem inicial desses pacientes. REFERÊNCIAS tural heart disease. J Am Coll Cardiol. 2005;45:1259-65. 14. Kanei Y, Friedman M, Ogawa N, Hanon S, Lam P, Schweitzer P. Frequent premature ventricular complexes originating from the right ventricular outflow tract are associated with left ventricular dysfunction. A.N.E. 2008;13(1):81-5. 15. Shanmugam N, Chua TP, Ward D. “Frequent” ventricular bigeminy – A reversible cause of dilated cardiomyopathy. How frequent is “frequent”? Eur J Heart Fail. 2006;8:869-73. 16. Calkins H. Arrhythmogenic right-ventricular dysplasia/ cardiomyopathy. 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Isso se deve à ausência de estudos longitudinais e prospectivos com grandes populações de atletas e o fato de essa população apresentar características especiais, sendo submetida a condições ambientais adversas, como esforço extremo, possibilidade de alterações eletrolíticas e grande estresse. Definir se estamos diante de uma situação de adaptação fisiológica ao treinamento físico ou de uma alteração patológica com risco de morte súbita é o principal passo. O conhecimento das principais doenças com alto potencial arritmogênico, responsáveis por morte súbita nessa população, é fundamental. O descondicionamento físico é aceito como uma das medidas para que se estabeleça o papel do exercício na gênese das arritmias, tendo sido demonstrada evolução benigna nos atletas nos quais houve redução das arritmias com esaa medida, na ausência de doença cardíaca estrutural. Entretanto, pouco se sabe sobre os mecanismos responsáveis por essa resposta ao descondicionamento. Por outro lado, a presença de arritmias na vigência de doença cardíaca estrutural exclui definitivamente o atleta de atividades esportivas competitivas. VENTRICULAR ARRHYTHMIAS IN ATHLETES: EVALUATION Descritores: arritmia ventricular; morte súbita; atleta; cardiopatia. Key words: ventricular arrhythmias; sudden death; athletes; cardiomyopathy. AND ELIGIBILITY FOR SPORTS Ventricular arrhythmias in athletes always represent a great challenge for sport eligibility. The paucity of longitudinal and prospective studies involving a large number of individuals, and the fact that they are exposed to many adverse conditions, like extreme effort, emotional stress and electrolytic impairment make them a special population. To define if it is a physiologic adaptation or a situation with high risk of sudden death is the first step of the evaluation and consequently, the knowledge of the main diseases with high arrhythmogenic potential is mandatory. Physical deconditioning has been accept to define the role of the exercise in the genesis of arrhythmias and a good outcome has been demonstrated in individuals without evident structural disease in whom a reduction in the complexity of ventricular arrhythmias occurred in consequence of deconditioning. Otherwise, the mechanisms related to this response are poorly understood. When a structural heart disease is diagnosed, the athlete is definitely excluded from competitive activities. Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício – Instituto do Coração – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP) – São Paulo, SP 2 Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo, SP 1 Endereço para correspondência: Luciana Diniz Nagem Janot de Matos – Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II – Cerqueira César – São Paulo, SP – CEP 05403-000 272 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte INTRODUÇÃO O treinamento físico de alta intensidade e volume, realizado de forma sistemática e regular por atletas de alto rendimento, é capaz de desencadear adaptações estruturais cardíacas e autonômicas de grande magnitude nessa população. O termo “coração de atleta” é bastante aceito e utilizado como sinônimo da hipertrofia cardíaca conseqüente ao treinamento físico e é representado por aumento tanto das dimensões ventriculares como da espessura de parede e da massa ventricular1. Entretanto, é importante esclarecer que a extensão no aumento da cavidade ventricular, usualmente discreta na maioria dos atletas e em geral com valores dentro da normalidade, pode, em uma minoria (14%)2, chegar a níveis extremos, similares aos de cardiomiopa- Fig. 1. Fluxograma para diferenciação diagnóstica em atletas com arritmias tias. Em associação a essas adaptações estru- ventriculares. turais, recentemente tem sido sugerido que CMH = cardiomiopatia hipertrófica; DAVD = displasia arritmogênica do arritmias ventriculares podem fazer parte da ventrículo direito; DDVE = diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; TV “síndrome do coração de atleta”3, o que torna = taquicardia ventricular; WPW = síndrome de Wolff-Parkinson-White. muito mais desafiadora a diferenciação clínica entre adaptação fisiológica desencadeada pelo treinamento físico e condições patológicas com risco de morte CARDIOPATIAS ESTRUTURAIS E RISCO DE súbita. Sua prevalência em atletas varia amplamente (de 6% a ARRITMIAS VENTRICULARES 70%) na maioria dos estudos com monitorização eletrocardioEmbora a incidência de morte súbita em jovens atletas gráfica ambulatorial de 24 horas (Holter), com incidência de seja pequena, quando ocorre é motivo de grande impacto. A até 25% de formas complexas em populações selecionadas4-6. Por esse motivo, diante da avaliação de um atleta é fun- atividade esportiva deflagra, por condições metabólicas e damental que se tenha em mente se as adaptações estruturais autonômicas, as arritmias que provocam a morte súbita em coraencontradas são compatíveis com o nível de treinamento fí- ções com alterações estruturais, ainda que subclínicas. Estima-se sico realizado, com a área de superfície corpórea do atleta e que a prevalência dessas cardiopatias de potencial risco seja de aprocom a modalidade esportiva realizada.2 Em relação à pre- ximadamente 0,3% na população de atletas em geral.7,8 A morte súbita arrítmica é na maioria das vezes causada sença de arritmias ventriculares, à semelhança da população geral, três perguntas devem ser respondidas: 1) se há doença por fibrilação ventricular, desencadeada a partir de taquicarou adaptação estrutural associada, 2) se existem sintomas, e dia ventricular. Um substrato eletrofisiológico (representa3) se os sintomas pioram com o exercício. A grande diferen- do por isquemia, cicatrizes, canalopatias, inflamação ou vias ça nesses casos é justamente a possibilidade de a alteração acessórias) associado a um componente disparador (repreestrutural associada a arritmias ventriculares representar ape- sentado por extra-sístoles) sob uma determinada modulação nas uma adaptação fisiológica. Por isso, o passo inicial é tentar autonômica (aumento da atividade simpática sobre o sistedistinguir essas duas situações, lembrando ainda da chama- ma cardiovascular) são os três principais fatores desencadeda “zona cinzenta”, definida como a zona de intersecção en- adores de arritmias. Um estudo9 avaliando dados de necroptre a condição benigna e a patológica, tornando o desafio sia de jovens aparentemente normais que morreram subitaainda maior (Figura 1). As principais causas de morte súbita mente observou que em 94% dos indivíduos foram identifirelacionadas às arritmias ventriculares em atletas, como pro- cadas cardiopatias estruturais subclínicas, em alguns casos ceder nessas situações e quando liberar ou não o atleta para somente detectáveis microscopicamente, reforçando a importância da detecção precoce do substrato estrutural preesuas atividades são os tópicos abordados neste trabalho. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 273 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte xistente na prevenção das arritmias letais. A história de morte súbita na família e sintomas como palpitações, desconforto ou dor precordial, pré-síncope ou síncope durante a atividade física são os sinais de alerta para que se identifiquem indivíduos em risco10. As principais doenças estruturais relacionadas à morte súbita em jovens atletas aparentemente normais são a cardiomiopatia hipertrófica, a origem anômala das artérias coronárias, a displasia arritmogênica do ventrículo direito e, menos freqüentemente, as miocardites focais, a síndrome de Wolff-Parkinson-White, a síndrome de Marfan e as canalopatias. Nos últimos anos, vários esforços têm sido feitos para que atletas em risco de arritmias ventriculares malignas sejam identificados. Desde a introdução de um “screening” cardiovascular mais profundo na Itália, que consiste em anamnese, exame físico e eletrocardiograma na rotina da avaliação pré-participação em esportes competitivos, foi observado decréscimo significativo da incidência de morte súbita acompanhado de aumento também significativo do número de desqualificações. Esse decréscimo deve-se especialmente à redução de mortes por cardiomiopatias, embora sua relação custo-efetividade ainda seja muito questionada. 11 Cardiomiopatia hipertrófica A prática regular de exercícios intensos está associada a aumento fisiológico da espessura e da cavidade ventricular, conforme mencionado anteriormente, e algumas vezes esse aumento é comparável a formas leves de expressão da cardiomiopatia hipertrófica. Um estudo recente demonstrou que a magnitude da hipertrofia cardíaca fisiológica do atleta de elite não está relacionada ao aumento do número ou à complexidade das arritmias ventriculares observadas ao Holter de 24 horas, sugerindo que essas arritmias são benignas e correspondem a uma expressão da síndrome do coração de atleta.12 A distinção entre o normal e o patológico nem sempre é fácil, mas é fundamental, já que a cardiomiopatia hipertrófica é responsável por um terço das mortes cardíacas súbitas em atletas com menos de 35 anos de idade. A maioria das mortes súbitas relacionadas à cardiomiopatia hipertrófica em atletas ocorre entre os 14 e 18 anos de idade. Entretanto, as definições do grau de hipertrofia ventricular do coração de atleta são baseadas em limites fisiológicos estabelecidos em adultos. Sharma e colaboradores13 avaliaram a espessura miocárdica ao ecocardiograma de 720 atletas adolescentes de elite comparativamente à de 250 adolescentes sedentários sadios. Os resultados obtidos demonstraram que os valores absolutos de espessura miocárdica foram superiores nos atletas em relação aos sedentários (9,5 + 1,7 mm vs. 8,4 + 1,4 mm). Embora a espessura ventricular chegasse a 274 atingir 14 mm em alguns atletas de elite, nenhuma atleta do sexo feminino apresentou valor superior a 11 mm, assim como somente 0,4% dos atletas do sexo masculino excederam o limite de 12 mm. A maioria dos que excederam o limite apresentava também dilatação da cavidade ventricular esquerda. Com esses dados conclui-se que o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica deve ser considerado sempre que um adolescente atleta apresentar espessura ventricular maior que 12 mm (11 mm no sexo feminino) sem dilatação da cavidade ventricular concomitante. Embora vários sejam os critérios propostos para o diagnóstico diferencial entre o normal e o patológico (como distribuição simétrica do espessamento muscular com aumento concomitante da cavidade ventricular, e normalidade na morfologia e no padrão de enchimento ventricular), o critério clínico de normalidade mais definitivo é a redução do espessamento de 2 mm a 5 mm após o descondicionamento físico. Especialmente nos casos classificados como dentro da “zona cinzenta”, nos quais a medida da cavidade ventricular se encontra entre 56 mm e 70 mm e a espessura é de 13 mm a 15 mm, por enquanto apenas a interrupção do exercício permite o diagnóstico diferencial entre o normal e o patológico14. A genotipagem familiar ofereceria maior segurança no diagnóstico, mas ainda não está disponível para uso clínico de rotina15,16. Displasia arritmogênica do ventrículo direito A displasia arritmogênica do ventrículo direito é uma doença hereditária, na maioria das vezes de transmissão autossômica dominante, relacionada à taquicardia ventricular e à morte súbita em jovens atletas.8,17 O diagnóstico é baseado na associação de anormalidades eletrocardiográficas (ondas épsilon, ondas T negativas em precordiais direitas, extra-sístoles ventriculares e/ou taquicardia ventricular com padrão de bloqueio de ramo esquerdo, potenciais tardios presentes), ventriculográficas (dilatação, disfunção sistólica e/ou diastólica, aneurismas localizados ou afilamento da parede e discinesias do ventrículo direito) e histológicas (infiltração fibroadiposa do ventrículo direito).18 Várias mutações foram identificadas na displasia arritmogênica do ventrículo direito. A penetrância do gene é variável e, portanto, as expressões fenotípicas são diferentes.19,20 Diversas teorias têm sido propostas para explicar a associação entre mutações genéticas e alterações estruturais que acompanham a displasia arritmogênica do ventrículo direito, como a dilatação, a substituição adiposa dos miócitos, os microaneurismas e as cicatrizes. Recentemente, postula-se que o comprometimento da adesividade entre as células, provocado por mutações genéticas nos componentes dos desmossomos cardíacos, promoveria essas alterações. Essa teoria sugere que agressões RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte ao tecido miocárdico, como inflamações focais (miocardites) e o próprio exercício, podem exacerbar essa alteração de adesividade celular em indivíduos geneticamente predispostos, acelerando o processo de morte celular, e que o ventrículo direito estaria mais propenso a essas modificações pela sua espessura mais delgada e por sofrer normalmente mais dilatação em resposta ao exercício.21-23 Os sintomas mais freqüentes em pacientes portadores de displasia arritmogênica do ventrículo direito são palpitações e síncope. A inversão da onda T em V2 e V3 foi observada em 60% dos casos. Recomenda-se atenção especial para as alterações da repolarização próprias da síndrome do coração de atleta, que muitas vezes geram dificuldade na diferenciação entre o eletrocardiograma normal e o patológico. Estudos recentes demonstraram que alterações mais profundas da repolarização (> 2 mm em pelo menos três derivações) em atletas com coração aparentemente normal podem representar expressão inicial de futura doença cardíaca incipiente, que se manifestará somente anos depois.24 Inserção anômala da artéria coronária Um registro das principais causas de morte súbita em jovens atletas demonstra que as anomalias de artéria coronária corresponderam a 17% dos casos, atrás apenas da cardiomiopatia hipertrófica, responsável por 36%.8 As anomalias das artérias coronárias podem fazer parte de malformações congênitas complexas ou representar anormalidades isoladas (aproximadamente 2% dos casos). Dados de necropsia de indivíduos com diagnóstico após-morte de coronária anômala revelaram que 59% apresentaram morte súbita, em todos os casos relacionada à anomalia de origem da coronária esquerda. A morte súbita foi precipitada por esforço físico em 50% dos casos e foi a primeira manifestação da doença também em 50%. Os sintomas prévios, quando ocorreram, foram síncopes recorrentes, palpitações e dor precordial e aproximadamente 40% dos indivíduos que morreram durante esforço físico eram atletas competitivos.25 O reconhecimento dos sintomas e a busca do diagnóstico por exames de imagem são fundamentais para o estabelecimento do diagnóstico e a prevenção da morte súbita nesses indivíduos. Canalopatias Síndrome do QT longo A síndrome caracteriza-se por intervalo QT corrigido maior que 460 ms, associado a síncopes recorrentes ou morte súbita, secundárias a episódios de “torsades de pointes”.26 São classificadas em genéticas e adquiridas. A síndrome do QT longo adquirido pode ser secundária a distúrbios metabólicos (especialmente hipocalemia) ou ao efeito pró-arrítRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 mico de drogas. A síndrome do QT longo congênito é uma desordem hereditária e habitualmente manifesta-se na infância e adolescência. É causa de morte súbita em grande parte dos acometidos quando não identificados e não tratados adequadamente. Existe certa correlação entre o genótipo, o fenótipo e as diferentes formas de manifestação clínica da síndrome. O LQT1, por exemplo, pode ser identificado no eletrocardiograma pela presença de ondas T de base larga e início precoce; o LQT2, por ondas T de baixa amplitude; e o LQT3, por intervalo QT longo e retificado, com ondas T de início tardio27 (Figura 2). O gatilho para desencadeamento dos eventos arrítmicos pode variar segundo o tipo de mutação. No LQT1, os exercícios físicos são os responsáveis pela maioria dos eventos arrítmicos; no LQT2, esses eventos são desencadeados principalmente por emoções ou estímulos auditivos; e no LQT3, os eventos são desencadeados durante o sono.28 Os principais fatores de risco para morte súbita na síndrome do QT longo são a ocorrência de síncopes recorrentes e a duração do intervalo QT (> 530 ms).29 Síndrome de Brugada A síndrome de Brugada é uma doença rara, de transmissão autonômica dominante, caracterizada por história familiar de morte súbita. Acomete predominantemente homens (8:1) e geralmente a morte súbita ocorre entre 35 e 40 anos de idade. As mutações genéticas causam alterações da função dos canais de sódio e geralmente a fibrilação ventricular manifesta-se durante o sono. Pode ser classificada, de acordo com o padrão eletrocardiográfico, em: tipo 1, supradesnivelamento do ponto J e do segmento ST > 2 mm com concavidade superior seguido de onda T negativa (o segmento ST em nenhum momento torna-se isoelétrico); tipo 2, supradesnivelamento do ponto J > 2 mm, logo seguido de segmento ST gradualmente descendente, mas que se mantém pelo menos 1 mm acima da linha de base (a onda T que se segue é positiva ou difásica, dando a esse conjunto o formato de “sela”); e tipo 3, morfologia do segmento ST semelhante à do tipo 2, mas com supradesnivelamento < 1 mm30 (Figura 3). Taquicardia ventricular catecolaminérgica A taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica é uma doença de transmissão predominantemente autossômica dominante, raramente recessiva e ligada a alterações dos receptores da rianodina cardíaca.31 Esses receptores, localizados próximos ao retículo sarcoplasmático, são responsáveis pelo efluxo de cálcio, íon-chave no processo de excitação e contração do músculo cardíaco. Durante estimulação adrenérgica, as arritmias ventriculares ocorrem por atividade deflagrada, em decorrência da sobrecarga de cálcio.32 A doença manifesta-se clinicamente por síncopes recorrentes ou morte súbita em crianças e jovens, em vários membros da famí- 275 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte Fig. 2. Correlação entre genótipo e fenótipo na síndrome do QT longo congênito. (Reproduzido de Moss e cols.27) lia, relacionadas ao esforço físico e ao estresse emocional.33 Durante esforço físico ou estresse emocional, observam-se taquicardia ventricular polimórfica bidirecional, taquicardia ven- tricular polimórfica ou fibrilação ventricular e no eletrocardiograma de repouso há tendência à bradicardia sinusal34,35 (Figura 4). Fig. 3. Classificação eletrocardiográfica da síndrome de Brugada. (Reproduzido de Antzelevitch e cols.30) Tipo 1 – Supradesnivelamento do ponto J e do segmento ST > 2 mm com concavidade superior seguido de onda T negativa (o segmento ST em nenhum momento torna-se isoelétrico. Tipo 2 – Supradesnivelamento do ponto J > 2 mm, logo seguido de segmento ST gradualmente descendente, mas que se mantém pelo menos 1 mm acima da linha de base (a onda T que se segue é positiva ou difásica, dando a esse conjunto o formato de “sela”). Tipo 3 – Morfologia do segmento ST semelhante à do tipo 2, mas supradesnivelamento < 1 mm. 276 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte Nam e colaboradores32 sugeriram que a doença deve ser investigada em casos de eventos arrítmicos deflagrados durante a prática de natação, por ter sido diagnosticada mutação da rianodina em 9 de 43 pacientes com essa apresentação clínica em recente análise de casos. Outras causas de arritmias ventriculares Em nosso meio é de extrema importância o diagnóstico da doença de Chagas, altamente prevalente na população. Embora o diagnóstico de cardiopatia manifesta defina a não elegibilidade para esporte competitivo, praticamente nada Fig. 4. Taquicardia polimórfica catecolaminérgica induzida por esforço em atleta se conhece sobre o efeito do exercício injovem com história de síncope e morte súbita familiar. tenso nas formas indeterminadas, o que torna difícil a decisão envolvendo indivíduos portadores de sorologia positiva sem manifestação clí- fibrilação ventricular secundária a trauma fechado de tórax. Apenas 10% dos indivíduos sobrevivem, apesar das manonica da doença. Apesar de menos freqüente, o diagnóstico de miocardite é bras de ressuscitação cardiopulmonar. Os fatores que defide particular importância em atletas, podendo passar desperce- nem maior vulnerabilidade ao seu desencadeamento são o bido pelas alterações eletrocardiográficas freqüentes próprias tempo do impacto em relação à elevação da onda T, objetos dessa população. Sua real incidência é desconhecida e, apesar mais sólidos de impacto, a velocidade e a localização do de geralmente ter bom prognóstico, o exercício intenso pode impacto.41,42 A presença de desfibriladores externos durante causar seqüelas a longo prazo. Miocardites focais provocam competições e o desenvolvimento de coletes de proteção mais arritmias ventriculares e seu reconhecimento precoce pode evi- efetivos são fundamentais para a proteção desses atletas.43 tar a desqualificação do atleta, já que o processo pode ser reversível com repouso e tratamento específico (Figura 5). No entan- COMO PROCEDER DIANTE DE ARRITMIAS to, o não reconhecimento pode ter como conseqüência o desen- VENTRICULARES EM ATLETAS volvimento de seqüela miocárdica definitiva.36 Apesar da possibilidade de ocorrerem em conseqüência Na vigência de infecções respiratórias, não é recomendável ao atleta a prática de atividade esportiva.37 As miocardites são da síndrome do coração de atleta, as arritmias ventriculares de difícil identificação e ainda requerem biópsia miocárdica para são um grande desafio na área da cardiologia do esporte. sua confirmação. A análise do Doppler tissular é um método de Arritmias ventriculares freqüentes e/ou complexas podem ser investigação promissor, não somente nas miocardites, mas tam- observadas em pessoas saudáveis, sem evidência de doenças bém em outras formas de cardiomiopatias, embora não haja ainda estruturais, que, neste caso, têm comportamento benigno e padronização de seus valores de referência para sua interpreta- de bom prognóstico.44-47 Quando se trata da liberação de um atleta para atividade esportiva competitiva, a situação se torção na população de atletas.38,39 A presença de pré-excitação ventricular em atletas (síndro- na mais difícil. Os principais motivos são a escassez de estume de Wolff-Parkinson-White), mesmo que assintomática, é dos longitudinais, prospectivos e com grandes populações motivo de preocupação, já que as condições adversas a que são de atletas, a possibilidade de estarmos diante de uma arritsubmetidos podem levar a modificações das características ele- mia de origem genética, como as canalopatias, e o fato de trofisiológicas das vias anômalas e ao desencadeamento de ar- poderem ser o primeiro indício de uma doença estrutural inritmias potencialmente letais.40 A ablação por radiofreqüência é cipiente potencialmente letal. Em atletas, os poucos trabalhos existentes parecem dium procedimento curativo que pode evitar a desqualificação do vergir em relação ao significado das arritmias ventriculares. atleta. O “commotio cordis” é definido como a morte súbita por Biffi e colaboradores3, em estudo longitudinal e prospectiRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 277 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte Fig. 5. Arritmia ventricular complexa (taquicardia ventricular não-sustentada) no pico do esforço em atleta de voleibol assintomática encaminhada para exame de rotina em prétemporada. A atleta foi liberada após seis meses de acompanhamento e avaliação com diagnóstico de miocardite resolvida. vo, envolvendo 355 atletas avaliados por Holter, observaram baixa incidência de doença estrutural cardíaca associada às arritmias ventriculares (7%) e ausência de sintomas ou eventos cardiovasculares em um período de oito anos. Ao contrário, Heidbüchel e colaboradores48 observaram, em um grupo de 46 atletas de alto rendimento, que as arritmias ventriculares complexas não necessariamente representaram uma condição benigna e foram associadas a alta prevalência de comprometimento do ventrículo direito. Particularidades de cada população podem ser responsáveis por essas diferenças, principalmente a presença de sintomas. Enquanto no trabalho de Biffi a maioria dos atletas era assintomática e apenas 5% apresentavam palpitações, no estudo de Heidbüchel 78% apresentavam sintomas como tontura, fadiga, pré-síncope ou síncope, reforçando a tese de que a presença de sintomas muda a interpretação dessas arritmias. Outro ponto muito importante a ser lembrado é o papel do treinamento físico na gênese das arritmias ventriculares e o quanto o exercício pode aumentar o risco de morte súbita de causa arritmogênica em atletas. Corrado e colaboradores7 demonstraram que o risco de morte súbita em jovens atletas foi 2,5 vezes maior que em não atletas e que essa diferença foi decorrente de doenças cardiovasculares não diagnosticadas previamente, sugerindo que, nesses casos, o exercício atua como um gatilho para o desencadeamento de arritmias ventriculares responsáveis pela morte súbita em indivíduos suscetíveis. Esse achado vai de encontro ao estudo de Biffi e colaboradores49, ao demonstrar o papel do descondiciona- 278 mento físico em atletas com arritmias ventriculares freqüentes e/ou complexas, na presença ou não de doença cardíaca estrutural. Nesse estudo, a interrupção dos exercícios por três a seis meses foi responsável por grande redução ou mesmo desaparecimento das extra-sístoles ventriculares isoladas (80%), pareadas (80%) e taquicardias ventriculares não-sustentadas (90%). Os possíveis mecanismos fisiológicos dessa redução, como alterações do sistema nervoso autonômico, causas genéticas e adaptações da eletrofisiologia celular, precisam ser mais explorados, pois ainda não se conhece, até o momento, o real papel de cada um na origem das arritmias ventriculares desencadeadas pelo exercício. Recomendações para participação esportiva As recomendações para liberação esportiva em atletas com arritmias ventriculares têm recebido especial atenção ultimamente e se baseiam muito no conhecimento adquirido a partir da população em geral, de não atletas, e, mais recentemente, nos poucos trabalhos publicados que se referem à população de atletas. Atletas com doença cardiovascular associada Em atletas com doenças estruturais diagnosticadas, como cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito e cardiomiopatia dilatada, entre outras, a conduta é mais fácil. Diante de qualquer uma dessas situações o atleta está desqualificado para atividades esportivas competitivas de alto e moderado componente estático e dinâmico, mesmo que as arritmias estejam sob controle clínico farmacológico, por ablação com radiofreqüência ou mesmo após implante de um cardiodesfibrilador.50,51 Nesses casos, o que determina a liberação para atividade esportiva é a doença estrutural de base. A miocardite aguda focal é uma das poucas situações na qual o atleta poRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte derá ser liberado após seis meses, desde que haja resolução completa da doença. Atletas sem doença cardiovascular aparente Essa é a condição mais desafiadora. A presença de arritmias ventriculares freqüentes e/ou complexas, na ausência de doença estrutural aparente, requer especial atenção antes da liberação para o esporte. Dados positivos de anamnese, como palpitações, dor ou desconforto precordial, dispnéia, síncope ou pré-síncope, fadiga desproporcional ao grau de exercício e história de morte súbita em jovens da família, devem ser considerados sinais de alerta para a procura mais detalhada de doença, especialmente quando associados a alterações no exame físico, como sopros patológicos, irregularidade no ritmo cardíaco e hipertensão. O eletrocardiograma deve ser avaliado detalhadamente na bus- Fig. 6. Fluxograma para avaliação e liberação de atletas com arritmias ventriculares. ca de alterações subclínicas ECG = eletrocardiograma; ECG-AR = eletrocardiograma de alta resolução; RNM = ressonânque identifiquem situações de cia nuclear magnética. risco.25 Nesse caso recomenda-se a interrupção das atividades esportivas e a realização de exames subsidiários específi- será submetido a descondicionamento físico por três a seis cos até a confirmação diagnóstica de doença ou de normalida- meses e terá seus exames repetidos para se conhecer o papel de.10 do exercício na gênese das arritmias. Caso não haja qualquer No Ambulatório de Cardiologia do Esporte e Exercício redução na densidade ou complexidade da arritmia, esse atleta do Instituto do Coração, em parceria com a Unidade Clínica será orientado a não participar de atividades esportivas compede Arritmia, diante desses atletas, a investigação não-invasi- titivas. Havendo redução total ou parcial (< 500 EV/24 horas) va é composta de eletrocardiograma de 12 derivações e de da arritmia, será liberado para suas atividades e continuará seu alta resolução, Holter de 24 horas (sempre que possível ori- acompanhamento regular (Figura 6). É importante lembrar que, enta-se o atleta a executar um treinamento habitual), teste nos casos de taquicardias ventriculares idiopáticas e fasciculaergoespirométrico, ecocardiograma com Doppler, ressonân- res, o estudo eletrofisiológico e a ablação por radiofreqüência cia nuclear magnética, angiotomografia de coronárias e mes- permitem o retorno à atividade esportiva um mês depois do promo estudo eletrofisiológico intracardíaco, dependendo da cedimento, desde que comprovado o sucesso.50,51 suspeita clínica. Não sendo constatada cardiopatia, esse atleta Em nosso banco de dados, de 766 atletas avaliados, 2,3% RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 279 MATOS LDNJ e col. Arritmias ventriculares no atleta: avaliação e elegibilidade para o esporte apresentavam arritmia ventricular freqüente e/ou complexa. Destes, 53% foram liberados, enquanto 26% foram desqualificados para o esporte competitivo. Na maioria dos atletas desqualificados (60%), algum tipo de cardiomiopatia foi diagnosticado. CONCLUSÕES Arritmias ventriculares em atletas sempre requerem especial cuidado para a liberação esportiva competitiva. Tal assertiva se deve a sua grande relação com morte súbita, prin- REFERÊNCIAS 1. Pluim BM, Zwinderman AH, Laarse van der A, van der Wall EE. The Athlete’s Heart. A meta-analysis of cardiac structure and function. Circulation. 1999;100:336-44. 2. Pelliccia A, Culasso F, Di Paolo FM, Maron BJ. Physiologic left ventricular cavity dilatation in elite athletes. Ann Intern Med. 1999 Jan 5;130(1):23-31. 3. Biffi A, Pelliccia A, Verdile L, Fernando F, Spataro A, Caselli S, et al. 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Eur Heart J. 2005;27:1-29. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 MANUSEIO ATUAL DAS ARRITMIAS VENTRICULARES NA FASE AGUDA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO ARGEMIRO SCATOLINI NETO1, ANA LÚCIA DE ALMEIDA1, ROBERTO ALEXANDRE FRANKEN1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:283-8 RSCESP (72594)-1725 As arritmias ventriculares sustentadas são o principal mecanismo de morte súbita. Freqüentemente são a primeira manifestação da doença arterial coronariana, e mesmo quando eficazmente revertidas estão associadas a maior mortalidade intra-hospitalar. Várias anormalidades eletrofisiológicas resultam da isquemia miocárdica. Mecanismos como reentrada, automatismo aumentado e atividade deflagrada estão envolvidos na gênese das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto. O conhecimento dos mecanismos e das estratégias de prevenção e tratamento dessas arritmias é essencial no manejo bem-sucedido dos pacientes na fase aguda do infarto do miocárdio. Descritores: infarto do miocárdio; arritmias cardíacas; parada cardíaca; morte súbita. MANAGEMENT OF VENTRICULAR ARRHYTHMIAS IN THE SETTING OF ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION Sustained ventricular arrhythmias are the main mechanism of sudden death. Often are the first manifestation of coronary artery disease and even when effectively treated, are associated with higher in-hospital mortality. Several electrophysiological abnormalities are due to myocardial ischemia. Reentry, automaticity, and triggered activity are involved in the genesis of ventricular arrhythmias in the acute phase of the infarction. The knowledge of the mechanisms and strategies for prevention and treatment of these arrhythmias is essential in successful management of patients in acute myocardial infarction. Key words: myocardial infarction; arrhythmias, cardiac; heart arrest; death, sudden. 1 Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo, SP Endereço para correspondência: Argemiro Scatolini Neto – Rua Martinico Prado, 26 – cj. 11 – São Paulo, SP – CEP 01224-010 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 283 SCATOLINI NETO A e cols. Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio INTRODUÇÃO O infarto agudo do miocárdio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Freqüentemente é a primeira manifestação da doença coronariana ateroesclerótica. Aproximadamente 50% das mortes causadas por doença arterial coronariana são súbitas e ocorrem nas primeiras horas após mudança na situação clínica do paciente.1 O ritmo mais freqüentemente registrado quando do atendimento de pacientes em parada cardíaca é a fibrilação ventricular (75% a 80%) e bradiarritmias no restante dos casos.2 A fibrilação ventricular é mais incidente nas primeiras 4 horas após o início do infarto, reduzindo sua freqüência a partir de então.3 É dita primária quando independe da gravidade do dano miocárdico, ou seja, manifesta-se como evento elétrico primário. A fibrilação ventricular secundária ocorre em infartos complicados por disfunção ventricular.4 MUDANÇAS ELETROFISIOLÓGICAS DA CÉLULA MIOCÁRDICA Estudos experimentais demonstram que 75% das arritmias que ocorrem nas primeiras horas do infarto agudo do miocárdio se iniciam por meio de fenômeno reentrante intramural na borda do infarto, degenerando rapidamente em fibrilação ventricular. Dois a três minutos após a interrupção do fluxo sanguíneo miocárdico ocorre despolarização dos cardiomiócitos de normais -85 mV para -60 mV. Inicialmente, esse fenômeno é acompanhado por aumento da excitabilidade. O limiar diastólico de despolarização permanece inalterado e intensidades de corrente de menor magnitude são necessárias para atingi-lo. No entanto, à medida que a célula ou o grupo celular se tornam mais despolarizados, ocorre redução da excitabilidade. A velocidade da fase 0 progressivamente diminui, e após dois minutos de isquemia a condução se torna gradativamente deprimida. Essa redução da condutividade decorre principalmente da inativação progressiva de canais rápidos de sódio, provocada pela despolarização progressiva. Normalmente a ativação ventricular leva de 80 ms a 100 ms para completar sua ativação. Sob as condições descritas acima, passa a requerer de 200 ms a 300 ms. Esse fenômeno é particularmente mais evidente na região subepicárdica, ao passo que a região subendocárdica é relativamente poupada. Sob isquemia, a duração do potencial de ação é inicialmente aumentada. Rapidamente ocorre o inverso, com redução de sua duração. O período refratário efetivo mostra-se alongado e, com o passar do tempo, as células tornam-se irresponsivas. Após 15 a 20 minutos de isquemia, células na 284 região central do infarto recuperam sua excitabilidade, apresentando, no entanto, amplitude reduzida do potencial de ação. A recuperação de excitabilidade exibida por algumas células pode ser explicada pela ocorrência de hiperpolarização secundária à remoção do potássio extracelular pela circulação colateral e/ou estimulação da bomba Na-K provocada pela liberação maciça de catecolaminas. Contribui também para esse fato o incremento do cálcio intracelular resultante do aumento de sua condutância mediada pelas catecolaminas. Cerca de 30 minutos após o início do infarto as células não são despolarizáveis e a condução é bloqueada. Isso se dá pela perda celular de potássio e pela queda dramática dos níveis de ATP. Essas alterações não ocorrem uniformemente em todas as regiões e esse comprometimento heterogêneo é particularmente presente na borda da região infartada. A dissociação entre duração do potencial de ação e período refratário efetivo é menos marcada nessa região, e ambos os lados (normal e isquêmico) podem exibir hiperexcitabilidade. Se a reperfusão ocorre antes de 30 minutos de isquemia, as células hiperpolarizam-se rapidamente e o potencial de ação torna-se temporariamente muito curto. Essa recuperação, que ocorre de forma heterogênea, apresenta, de forma geral, redução da excitabilidade mas com atividade automática presente, provavelmente às custas de pós-potenciais tardios (de fase 4). À medida que a duração do potencial de ação tende à normalidade (alongando-se), observam-se póspotenciais precoces (de fases 2 e 3).5 MECANISMOS DE ARRITMIAS CARDÍACAS Automatismo Atividade automática pode ocorrer nos átrios ou ventrículos por meio da ativação da corrente de marcapasso (mediada pelo canal iônico If), da liberação lenta de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, da ativação da bomba Na/Ca e da ativação de canais sensíveis a estiramento. A corrente de marcapasso existente na musculatura tanto atrial como ventricular pode ser ativada em estados de hiperpolarização, com potencial de membrana em nível bastante negativo. Em presença de catecolaminas, essa ativação passa a ocorrer em valores menos negativos, tornando-se possível em níveis normais de potencial de repouso. Nas células com sobrecarga de cálcio, a lenta liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático durante a diástole estimula vários canais de influxo, carreadores de cargas positivas, contribuindo, assim, para despolarização progressiva. Quando atinge magnitude suficiente, a despolarização alRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 SCATOLINI NETO A e cols. Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio cança o limiar diastólico de ativação, sendo, então, gerada uma extra-sístole.5 Atividade deflagrada Existem dois tipos de pós-potenciais: o precoce, que ocorre nas fases 2 e 3 do potencial de ação, e o tardio, que ocorre na fase 4. Pós-potenciais são flutuações despolarizantes do potencial de membrana, que, quando apresentam magnitude suficiente, podem desencadear um novo potencial de ação (uma extra-sístole). Se o fenômeno ocorrer repetidamente, leva a uma taquicardia. O pós-potencial precoce é produzido por aumento da condutância de canais de cálcio e/ou liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático. O pós-potencial tardio é produzido por uma corrente complexa, resultante da sobrecarga de cálcio intracelular decorrente de bloqueio do efluxo de cálcio, aumento do influxo passivo de cálcio e sódio, e liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático. Reentrada As vias do circuito podem ser compostas por substrato anatômico ou funcional. Devem ser obedecidos dois requisitos fundamentais: bloqueio unidirecional do estímulo em uma das vias de propagação e condução lenta e período refratário efetivo curto na via remanescente. Cada potencial de ação apresenta um momento e voltagem críticos, durante o qual um extra-estímulo (extra-sístole) induz bloqueio unidirecional. A estimulação nesse período crítico resulta em bloqueio da transmissão no sentido anterógrado, pois as células ainda estão em período refratário absoluto. Enquanto a frente de onda que foi conduzida pela via de condução lenta e período refratário curto, portanto não refratária, ativa a musculatura adjacente, a normalização da condutância ao sódio se processa com rapidez suficiente na via rápida para permitir transmissão do estímulo em seu sentido retrógrado, atingindo, assim, o início do circuito. A associação entre condução lenta e período refratário curto se faz necessária para que a frente de ativação não atinja grupos celulares ainda em estado refratário.5 IMPORTÂNCIA PROGNÓSTICA DA FIBRILAÇÃO VENTRICULAR A fibrilação ventricular primária está associada a maior mortalidade hospitalar. No entanto, aqueles que sobreviveram ao episódio apresentaram prognóstico a longo prazo semelhante ao dos que não cursaram com fibrilação ventricular.6,7 A fibrilação ventricular secundária é mais comum em RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 idosos (idade superior a 65 anos) e se associa a maior mortalidade hospitalar se comparada à fibrilação ventricular primária. Provavelmente a magnitude do dano miocárdico é responsável por tal prognóstico.8 PREDITORES DE ARRITMIAS CARDÍACAS E PARADA CARDÍACA NO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO Vários investigadores propuseram classificar as arritmias cardíacas de acordo com sua freqüência e complexidade, relacionando-as ao risco de fibrilação ventricular.9-11 No entanto, nenhum deles alcançou boa sensibilidade e especificidade. A análise dos registros hospitalares de pacientes atendidos com parada cardíaca que ocorreu nas primeiras 48 horas após infarto agudo do miocárdio demonstrou que lesão proximal na artéria culpada e qualquer ritmo que não o ritmo sinusal foram fortes preditores para parada cardíaca. Ao contrário de outros estudos, a localização da artéria culpada (esquerda ou direita) não produziu tendência diversa na ocorrência de parada cardíaca. Interessante foi a observação de que história familiar negativa para doença coronariana associou-se a maior tendência à parada cardíaca. Os autores aventam a possibilidade de que aqueles com história familiar de doença coronariana são mais informados a respeito da doença e provavelmente procurem mais precoce e freqüentemente cuidados médicos quando da ocorrência de sintomas. Além disso, esses indivíduos possivelmente são alvo de estratégias preventivas mais agressivas. A presença de diabetes melito, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, dislipidemia e tabagismo não incidiu de forma significativamente diferente entre aqueles que apresentaram ou não parada cardíaca.12 INFARTO DO MIOCÁRDIO COM E SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST A ocorrência de arritmias ventriculares na fase aguda do infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST estratifica um grupo com maior mortalidade a curto e longo prazos.13 Da mesma forma, a fibrilação e a taquicardia ventricular em pacientes com infarto sem elevação do segmento ST foram associadas a maior mortalidade aos 30 dias e aos seis meses.14 O registro OPERA incluiu aproximadamente 56 centros franceses e 2.176 pacientes. Foram incluídos pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, hospitalizados por infarto 285 SCATOLINI NETO A e cols. Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio agudo do miocárdio confirmado no momento da alta hospitalar. Do número inicial de 2.176 pacientes, 2.151 tiveram o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio confirmado durante a internação. Destes, 2.090 foram incluídos no estudo após serem informados apropriadamente sobre o protocolo. Três quartos dos pacientes (76%) eram do sexo masculino e em mais da metade (61,3%) o infarto foi a primeira manifestação da doença. Dos 2.151 pacientes com infarto agudo do miocárdio confirmado durante internação, 97 (4,5%) morreram (31 deles não receberam as informações acerca do protocolo antes da morte, e, portanto, não foram incluídos no registro). Na população incluída no registro, foram registradas 66 mortes (3,2%). A mortalidade entre aqueles com e sem supradesnivelamento do segmento ST não diferiu estatisticamente. Também não foi diferente estatisticamente o número de ressuscitados de parada cardíaca (arritmia não especificada), ocorrendo em 1,9% e 0,7%, respectivamente. A longo prazo, as populações estudadas não mostraram prognóstico diferente.15 MANEJO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES Considerações sobre os antiarrítmicos utilizados no manejo das arritmias ventriculares A recomendação da amiodarona no tratamento da taquicardia ventricular sem pulso e da fibrilação ventricular baseia-se em dois estudos: “Amiodarone for Resuscitation after Out-of-Hospital Cardiac Arrest Due to Ventricular Fibrillation” (ARREST) 16 e “Amiodarone versus Lidocaine in Prehospital Ventricular Fibrillation Evaluation” (ALIVE) 17. No ARREST, a eficácia da infusão endovenosa de 300 mg de amiodarona foi comparada com placebo em pacientes com fibrilação ventricular. No ALIVE, a eficácia da amiodarona na dose de 5 mg/kg (repetindo 2,5 mg/kg, se necessário) foi comparada com xilocaína 1,5 mg/kg (repetindo a mesma dose, se necessário) no tratamento da fibrilação ventricular resistente aos choques. Nos dois estudos o uso da amiodarona propiciou taxas maiores de sobrevivência até internação hospitalar. É importante notar que ambos os estudos foram realizados no cenário do atendimento pré-hospitalar da fibrilação ventricular, e que o tempo médio de administração dos fármacos foi superior a 20 minutos após a instalação do evento. Tanto no ARREST como no ALIVE, a amiodarona foi diluída em 20 ml a 30 ml de volume e infundida lentamente, minimizando o risco de bradicardia, hipotensão e flebite. No entanto, o retardo decorrente da lenta infusão não é desejável nesse contexto. Assim, foi estudada a administração de 286 300 mg de amiodarona pura em bolo durante fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso. Os resultados demonstraram que esse tipo de infusão não produziu níveis diferentes de pressão arterial ou maior necessidade de fármacos vasoativos quando comparado ao grupo que não recebeu amiodarona pura.18 Considerações sobre choque monofásico e bifásico Existiam evidências a partir de um estudo randomizado de que o choque bifásico seria superior ao choque monofásico.19 No entanto, o estudo “Out-of-Hospital Rectilinear Biphasic Investigational Trial” (ORBIT), desenhado para comparar a segurança e a eficácia de desfibriladores de onda bifásica e monofásica, não demonstrou superioridade do choque bifásico sobro o monofásico.20 Taquicardia ventricular sustentada monomórfica A taquicardia ventricular se sustenta por mais de 30 segundos. Se, antes disso, produzir instabilidade hemodinâmica, angina ou edema pulmonar, deve ser revertida com choque sincronizado de 100 J (indicação classe I, nível de evidência B).21,22 Nas taquicardias ventriculares que não cursam com instabilidade hemodinâmica, angina ou edema pulmonar e com pressão arterial sistólica igual ou superior a 90 mmHg, podese lançar mão de antiarrítmicos. O fármaco de escolha é a amiodarona por via endovenosa em bolo de 150 mg em 10 minutos. Essa dose pode ser repetida até a dose máxima nas 24 horas de 2,2 g. O uso da procainamida é uma alternativa (indicação classe IIb, nível de evidência C), e pode ser infundida na dose de ataque de 1 g (dose máxima de ataque de 17 mg/kg) a 20-50 mg/min de velocidade de infusão. A dose de manutenção é de 1 mg/min a 4 mg/min.21,22 Taquicardia ventricular sustentada polimórfica A taquicardia ventricular polimórfica sustentada deve ser imediatamente revertida com choque não sincronizado bifásico de 200 J ou monofásico de 360 J (indicação classe I, nível de evidência B).21,22 Caso não reverta, deve ser iniciada a seqüência preconizada pelo ACLS (“Advanced Cardiac Life Support”) para parada cardíaca.22 Se ainda não tiverem sido iniciadas, devem ser imediatamente instauradas todas as medidas no sentido de redução da isquemia e da estimulação adrenérgica (uso de betabloqueador) (indicação classe IIa, nível de evidência B).21 Da mesma forma, a normalização dos níveis séricos de potássio e magnésio deve ser feita agressivamente, com o objetivo de manter o nível sérico de potássio acima de 4,0 mEq/L e de magnésio, acima de 2,0 mg/dL (indicação classe IIa, nível de evidência C).21 Em raros casos RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 SCATOLINI NETO A e cols. Manuseio atual das arritmias ventriculares na fase aguda do infarto do miocárdio nos quais há refratariedade às medidas adotadas, podem ser necessárias medidas ainda mais agressivas, como angioplastia transluminal coronariana de urgência, contrapulsação aórtica e revascularização cirúrgica de urgência (indicação classe IIa, nível de evidência B). 21 Quando a taquicardia ventricular polimórfica ocorre associada a bradicardia e intervalo QTc aumentado (“torsades de pointes”), pode ser necessária estimulação cardíaca com freqüência elevada por meio de eletrodo transvenoso temporário (indicação classe IIa, nível de evidência C).21 O uso rotineiro de antiarrítmicos com finalidade profilática não é indicado, inclusive durante e após administração de fibrinolíticos (indicação classe III, nível de evidência B).21 Fibrilação ventricular A fibrilação ventricular, assim como a taquicardia ventricular sem pulso, deve ser tratada com choque não sincronizado com 200 J bifásico ou 360 J monofásico (indicação classe I, nível de evidência B).21,22 Se não houver reversão REFERÊNCIAS 1. 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Multicenter Investigation of the Limitation of RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 imediata, devem ser seguidas as manobras de reanimação segundo algoritmo do ACLS.22 Mais uma vez, a correção de distúrbios eletrolíticos deve feita agressivamente, no sentido de manter o nível sérico de potássio maior que 4,0 mEq/L e de magnésio, maior que 2,0 mg/dL (indicação classe IIa, nível de evidência C).21 Ritmo idioventricular acelerado De forma geral, não está indicado o uso de antiarrítmicos para o tratamento do ritmo idioventricular acelerado (indicação classe III, nível de evidência C).21 Extra-sístoles ventriculares, pareamentos e taquicardia ventricular não-sustentada Atualmente, sabe-se que essas arritmias não são preditoras de taquicardia ventricular monomórfica ou de fibrilação ventricular. Não é recomendado tratamento com antiarrítmicos, desde que não haja comprometimento hemodinâmico (indicação classe III, nível de evidência A).21 Infarct Size. 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A despeito de grandes avanços, ainda não existe um marcador ideal para avaliação do risco dessas arritmias. Apesar das limitações, a fração de ejeção tem sido o marcador mais importante, sendo largamente utilizado pelas diretrizes para identificar os casos de alto risco. O tratamento se inicia com o diagnóstico e a eliminação de todas as causas possíveis de isquemia, e, na seqüência, pode ser realizado com drogas antiarrítmicas, desfibriladores, ablação por radiofreqüência e cirurgia. Quando existe disfunção ventricular, com exceção dos betabloqueadores e da amiodarona, as drogas antiarrítmicas aumentam a mortalidade. O implante de desfibrilador é o tratamento de eleição nos casos de alto risco, chegando a reduzir a mortalidade em 20% a 70%, dependendo da série estudada. A ablação por radiofreqüência pode ser aplicada nas taquicardias monomórficas e para reduzir o número de terapias nos portadores de desfibriladores. A cirurgia pode ser fundamental para corrigir a isquemia e quando existe indicação de aneurismectomia (arritmia, trombose ou insuficiência cardíaca). Nos casos de insuficiência cardíaca de difícil controle com QRS largo deve ser considerado o implante de um ressincronizador. Descritores: morte súbita; infarto do miocárdio; arritmia; desfibriladores. 1 RISK STRATIFICATION AND TREATMENT OF VENTRICULAR ARRHYTHMIAS IN THE CHRONIC PHASE OF MYOCARDIAL INFARCTION Ventricular arrhythmias are de main cause of sudden death after myocardial infarction. Up today there is no definitive marker for risk stratification of these arrhythmias. Despite limitation the ejection fraction has been the most important. Usually it is the most frequent included in the main trials to feature the high risk patients. The management begins by diagnosing and removing any ischemia. The treatment may be accomplished with drugs, defibrillators, radiofrequency catheter ablation, and surgery. All the antiarrhythmic drugs but betablockers and amiodarone may increase mortality mainly in cases of myocardial dysfunction and must be avoided. The best treatment in high risk patients is the defibrillator implantation that may reduce the mortality from 20% to 70% depending on the study. The radiofrequency catheter ablation may be very useful in cases of stable monomorphic ventricular tachycardia and for reducing therapies in cases having frequent defibrillator interventions. Surgery may be the best treatment to correct some cases of ischemia and for removing ventricular aneurisms related to arrhythmia, thrombosis or cardiac failure. If the QRS is wide and there is important myocardial dysfunction, resynchronization therapy must be considered. Key words: ventricular arrhythmia; sudden death; defibrillators; myocardial infarction. Serviço de Marcapasso – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo, SP 2 Serviço de Arritmias – Hospital Edmundo Vasconcelos – São Paulo, SP 1, 2 Serviço de Arritmias – Hospital do Coração (HCor) – São Paulo, SP Endereço para correspondência: José Carlos Pachón Mateos – Av. Açocê, 515/31 – Indianópolis – São Paulo, SP – CEP 04075-023 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 289 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio INTRODUÇÃO A história de infarto do miocárdio é uma das condições mais prevalentes nos casos de morte súbita por arritmias. Aproximadamente metade desses óbitos ocorre no primeiro ano, sendo um quarto nos primeiros três meses pós-infarto do miocárdio. Dessa forma, a presença de arritmias na fase crônica do infarto representa um duplo desafio para o clínico, que deverá avaliar sua importância e decidir seu tratamento. Diferente das arritmias da fase precoce (< 48 horas), as arritmias da fase crônica geralmente se devem a um substrato definido e permanente, que representa um fator de risco constante. Essa é a principal razão pela qual o “Defibrillator in Acute Myocardial Infarction Trial” (DINAMIT), estudo que avaliou a eficácia do desfibrilador cardíaco implantável profilático nos primeiros 40 dias pós-infarto, não mostrou benefício na redução da mortalidade. Neste artigo serão abordados a avaliação de risco e o tratamento das arritmias além de 40 dias após infarto agudo do miocárdio. ou potenciais de isquemia devem ser tratadas e prevenidas. Os exames envolvidos, além da avaliação clínica, são o eletrocardiograma, o teste ergométrico, a cintilografia, a tomografia coronária e a cinecoronariografia. O tratamento passa por medicação, angioplastia e cirurgia de revascularização. O estudo CABG-Path mostrou que mesmo nos casos de “alto risco” de arritmias o desfibrilador implantável não obteve benefício na sobrevida quando os pacientes apresentavam indicação de revascularização miocárdica. Concluída essa etapa, caso ainda existam arritmias ventriculares, procedese à avaliação de risco. Apesar de muitos estudos e de grandes “trials” até o momento, não existem marcadores de risco decisivos que possam identificar claramente pacientes com alto risco de morte súbita na fase crônica do infarto do miocárdio. Isso, provavelmente, decorre do fato de o evento fatal geralmente ser uma arritmia maligna, como taquicardia ventricular muito rápida e mal tolerada ou “flutter” e/ou fibrilação ventricular, que geralmente se instala pela sobreposição de fatores permanentes e de fatores intercorrentes. TIPOS DE ARRITMIAS PÓS-INFARTO Os tipos de arritmias pós-infarto do miocárdio e suas principais características estão apresentados na Tabela 1. AVALIAÇÃO DE RISCO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES PÓS-INFARTO DO MIOCÁRDIO A primeira conduta é identificar e tratar a isquemia real e potencial. Esses pacientes devem ser submetidos a detalhada avaliação da circulação coronária, e as causas definidas FATORES PERMANENTES E FATORES INTERCORRENTES Cicatriz bem definida no miocárdio, área de retardo ou bloqueio unidirecional no miocárdio, bloqueio de ramo, hipertrofia ou dilatação miocárdica, aneurisma ventricular, áreas de fibrose e perda de conexinas são exemplos de fatores permanentes. Por outro lado, alteração eletrolítica (hipo ou hiperpotassemia ou calcemia), estimulação adrenérgica, aumento do estresse ou distensão miocárdica, aumento do cál- Tabela 1 – Tipos de arritmias pós-infarto do miocárdio e suas principais características Tipo Morfologia Principais características Extra-sístoles TV não-sustentada MeP MeP TV sustentada “Torsade de pointes” MeP P “Flutter” ventricular M Fibrilação ventricular P Isoladas, bi ou trigeminadas, acoplamentos Três ou mais batimentos, terminando espontaneamente < 30 s > 30 s ou quando necessita cardioversão TV com transição progressiva da polaridade do QRS, geralmente autolimitada e repetitiva TV rápida (300 bpm) e regular sem linha isoelétrica entre os complexos ↑ rápida (ciclos < 180 ms), totalmente desorganizada, QRS e linha de base mal definidos ______________ M = monomórfica; P = polimórfica; TV = taquicardia ventricular. 290 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio cio citoplasmático, alteração do pH, presença de substâncias estimulantes (simpaticomiméticos, cafeína, álcool, etc.), efeitos pró-arrítmicos de medicamentos, hipotensão e isquemia adicional são claramente fatores intercorrentes. Dessa forma, quando avaliamos o paciente no consultório geralmente temos acesso, com maior ou menor alcance, aos fatores permanentes os quais podem ser avaliados objetivamente. Por outro lado, os fatores intercorrentes devem ser considerados num contexto de probabilidades, de acordo com condições clínicas, hábitos de vida e disciplina de cada paciente. Adicionalmente, fatores permanentes podem instalar uma arritmia bem tolerada a qual, por sua vez, gera o aparecimento de fatores intercorrentes (hipotensão, isquemia, acidose, ansiedade, aumento de catecolaminas, etc.), resultando numa superposição de alto risco ou mesmo fatal. pode-se comentar o MADIT II, no qual os pacientes com mais de um mês de infarto do miocárdio foram randomizados para desfibrilador ou para tratamento clínico, desde que tivessem fração de ejeção < 30%. Houve redução da mortalidade de 31% com o desfibrilador, demonstrando que a baixa fração de ejeção foi forte preditor de alto risco. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO Apesar da grande quantidade de marcadores de Fig. 1. Correlação da fração de ejeção (avaliada 14 dias após infarto risco que vem sendo estudada, nenhum desses mardo miocárdio) com a mortalidade anual em 3.197 pacientes pós-incadores tem se mostrado decisivo na avaliação do farto do miocárdio tratados com trombolíticos no estudo TIMI II.2 risco de morte súbita ou de arritmias ventriculares malignas pós-infarto do miocárdio. Do ponto de vista clínico, os principais marcadores são: – fração de ejeção; – indução de taquicardia ventricular no estudo eletrofisioló- Indução de taquicardia ventricular no estudo gico; eletrofisiológico – extra-sístoles ventriculares no Holter de 24 horas; A indução de taquicardia ventricular monomórfica sus– taquicardia ventricular não-sustentada no Holter de 24 ho- tentada no estudo eletrofisiológico sugere a presença de subsras; trato permanente no miocárdio e está relacionada a pior prog– taquiarritmia ventricular sustentada; nóstico. Entretanto, conforme o estudo MUSTT3, esse mar– aumento da duração do QRS; cador tem maior valor nos casos com fração de ejeção > 30%, – eletrocardiograma de alta resolução com potenciais tardi- tendo em vista que fração de ejeção < 30% indica alto risco, os; independentemente do resultado do estudo eletrofisiológi– variabilidade RR reduzida; co. A mortalidade por arritmia em cinco anos não foi signifi– alternância de onda T. cativamente maior se a taquicardia ventricular foi induzida em paciente com fração de ejeção < 30% (40% vs. 31%), Fração de ejeção porém foi significativamente maior se a fração de ejeção era É um dos marcadores de risco mais importantes, inde- > 30% mas < 40 (30% vs. 17%). pendentemente da presença de insuficiência cardíaca, apesar de sua baixa especificidade1 (Figura 1). Recomenda-se Extra-sístoles ventriculares no Holter de 24 horas que esse marcador seja obtido após 40 dias do infarto do Esse marcador de risco foi avaliado no estudo GISSI-2 miocárdio. Foi critério de inclusão dos grandes estudos ran- (8.676 pacientes pós-infarto do miocárdio tratados com tromdomizados que avaliaram a indicação primária de desfibrila- bolíticos) por meio de Holter de 24 horas antes da alta. Fodor, tais como MUSTT, MADIT, MADIT II e SCD HeFT ram considerados dois grupos: o de baixo risco, com extra(neste último, aproximadamente metade dos pacientes tinha sístoles monomórficas < 10/hora e o de maior risco, com cardiomiopatia dilatada não-isquêmica). Como exemplo, extra-sístoles > 10/hora e/ou complexas (acopladas ou poliRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 291 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio mórficas). A mortalidade em seis meses foi maior nos grupos de extra-sístoles freqüentes e complexas em relação aos pacientes com extra-sístoles isoladas pouco freqüentes (5,4% e 4,8% vs. 2%)4. Todavia, apesar de as extra-sístoles freqüentes ou complexas aumentarem a mortalidade, sua supressão com antiarrítmicos não melhora a sobrevida. Taquicardia ventricular não-sustentada no Holter de 24 horas Está associada a aumento significativo de mortalidade quando ocorre > 13 horas após o infarto e o risco relativo aumenta ainda mais se está presente após 24 horas do evento agudo5. Entretanto, estudos mais recentes, como MADIT II e SCD-HeFT, demonstraram redução significativa de mortalidade em pacientes de alto risco com implante de desfibriladores, independentemente de taquicardia ventricular nãosustentada. Assim, por causa do baixo poder preditivo da taquicardia ventricular não-sustentada, da baixa reprodutibilidade e da expansão das indicações de desfibriladores baseadas na fração de ejeção e na presença de insuficiência cardíaca, o papel da taquicardia ventricular não-sustentada está restrito aos pacientes com fração de ejeção entre 30% e 40%, nos quais a presença dessa arritmia recomenda estratificação maior com estudo eletrofisiológico invasivo3. Taquiarritmia ventricular sustentada Neste item incluem-se a taquicardia ventricular monomórfica, a taquicardia ventricular polimórfica e a fibrilação ventricular, as quais normalmente não necessitam de maior estratificação de risco, pois devem ser rigorosamente tratadas quase sempre com implante de desfibrilador, em especial se ocorrerem 48 horas após o infarto do miocárdio. A taquicardia ventricular polimórfica e a fibrilação ventricular geralmente não aumentam o risco quando ocorrem nas primeiras 48 horas do infarto do miocárdio (substrato temporário). Todavia, ao contrário da fibrilação ventricular, a taquicardia ventricular monomórfica mesmo precoce parece estar relacionada a substrato permanente e aumento da mortalidade6, de forma que esses pacientes devem ser estratificados com estudo eletrofisiológico antes da alta, mesmo se essa arritmia ocorrer na fase aguda. Aumento da duração do QRS Pode ser facilmente detectado no eletrocardiograma, sendo ocasionado por bloqueio de ramo, por bloqueio peri-infarto ou por remodelação elétrica da disfunção miocárdica. Nos casos com disfunção miocárdica, o QRS > 120 ms7 ou > 130 ms8 está relacionado ao dobro de mortalidade em rela- 292 ção aos pacientes com QRS normal. Em decorrência dessas observações, os ressincronizadores têm sido indicados mesmo com QRS pouco aumentado (> 120 ms). Eletrocardiograma de alta resolução com potenciais tardios Esses potenciais refletem áreas de condução lenta no miocárdio, facilmente criadas pelo infarto, que denotam substrato fixo para o mecanismo de reentrada e risco de taquiarritmias ventriculares. Com o advento da trombólise, houve redução significativa da prevalência dos potenciais tardios pós-infarto do miocárdio. Seu valor preditivo positivo tem se mostrado baixo, de forma que, atualmente, é muito pouco utilizado para estratificação de risco pós-infarto do miocárdio9. Variabilidade RR reduzida Trata-se de uma medida que compara a duração dos intervalos RR. Normalmente, quanto maior a variabilidade RR maior a participação vagal no tônus autonômico. Dessa forma, variabilidade RR reduzida é caracteristicamente encontrada na disfunção miocárdica pós-infarto, tendo em vista que o mecanismo natural de compensação se caracteriza por aumento do tônus simpático e redução do parassimpático. Diversos estudos, como EMIAT, GUSTO-1, ATRAMI e DINAMIT, têm demonstrado a relação de baixa variabilidade RR com aumento da mortalidade pós-infarto do miocárdio. A presença de baixa variabilidade RR pós-infarto do miocárdio sugere pior prognóstico, entretanto esse marcador de risco tem sido mais uma ferramenta de pesquisa10 e não tem sido incluído por nenhuma diretriz nas indicações de desfibrilador cardíaco implantável pela sua baixa especificidade. Alternância de onda T Pequenas oscilações de amplitude e morfologia da onda T em batimentos alternados, mesmo invisíveis no eletrocardiograma (alternância microscópica), podem ser medidas com técnicas especiais de registro e têm se mostrado úteis como marcador de risco de mortalidade pela heterogeneidade da repolarização11. A maioria dos grandes estudos randomizados sobre mortalidade pós-infarto do miocárdio tem demonstrado grande benefício do implante de desfibrilador. Entretanto, quando se fala de prevenção de morte súbita – indicação primária de desfibrilador – ainda é bastante elevado o número de pacientes que necessitam ser tratados para salvar uma vida (NNT). Isso demonstra que os marcadores de risco ainda são pouco específicos. Em estudo recente, foi observado que, em pacientes com infarto do miocárdio pregresso e sem história de arritmias, o número necessário a tratar para RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio salvar uma vida com desfibrilador, num período de dois anos, foi de 9 entre os portadores de alternância e de 76 entre aqueles sem alternância de onda T12. Diversos trabalhos têm demonstrado grande especificidade e sensibilidade na alternância de onda T para identificar pacientes de alto risco; contudo, esse marcador ainda não está em uso corrente na prática diária, pois está sendo investigado e sua metodologia ainda está sendo desenvolvida, normatizada e submetida ao crivo de grandes estudos. Somente após essa fase será conhecida sua verdadeira utilidade na identificação não-invasiva dos pacientes de alto risco. TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES NA FASE CRÔNICA DO INFARTO DO MIOCÁRDIO As arritmias que ocorrem nas primeiras 48 horas do infarto do miocárdio pouco interferem no prognóstico a longo prazo, pois geralmente se originam em substrato temporário. Isso vale para as taquiarritmias não-sustentadas e para a fibrilação ventricular. Todavia, a taquicardia ventricular monomórfica que ocorre 24 horas após o infarto do miocárdio representa um fator de risco mesmo para a fase crônica e deve ser avaliada com estudo eletrofisiológico antes da alta. As arritmias ventriculares que ocorrem após as 48 horas iniciais e na fase crônica pós-infarto do miocárdio são consideradas fatores de risco adicional pós-infarto do miocárdio, pois geralmente se devem à presença de um substrato permanente formado a partir da cicatrização da área previamente isquêmica. Como a cicatrização é muito irregular, nas bordas há tecido muscular viável entrelaçado com fibrose, permitindo a formação de circuitos complexos de arritmia. Há também a possibilidade de miócitos ficarem isolados pela cicatriz (com bloqueio de entrada), formando focos automáticos de arritmias. As arritmias ventriculares da fase crônica do infarto do miocárdio são: extra-sístoles ventriculares, taquicardia ventricular não-sustentada, taquicardia ventricular sustentada (essas três arritmias poderão se apresentar como monomórficas ou polimórficas) ou fibrilação ventricular. Na fase crônica do infarto do miocárdio, muitas vezes ocorrem crises de taquicardia que necessitam tratamento imediato nas unidades de emergência. Nesse caso, podem ser utilizados antiarrítmicos, marcapasso provisório, cardioversão torácica externa e ablação por radiofreqüência (Tabela 2). É nessa situação que as drogas antiarrítmicas têm maior utilidade, já que podem ser utilizadas por via endovenosa e por curtos períodos, até que haja estabilização clínica do caso. Fora dos episódios de crise, o tratamento dessas arritmias pode ser realizado com drogas antiarrítmicas, cardioversorRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 desfibrilador implantável, ablação por cateter utilizando radiofreqüência, e cirurgia. Drogas antiarrítmicas Em decorrência da associação das arritmias com a morte súbita, um grande número de estudos clínicos tem avaliado a utilidade das drogas antiarrítmicas na sua prevenção em pacientes com infarto do miocárdio prévio. Há razões teóricas para justificar os motivos pelos quais as drogas antiarrítmicas seriam potencialmente benéficas: 1. se as extra-sístoles ventriculares são relacionadas ao desencadeamento de taquiarritmias malignas sustentadas, então a supressão desses batimentos poderia prevenir a morte súbita; 2. se arritmias ventriculares não-sustentadas não são a causa, mas refletem a presença de substrato potencialmente patológico com elevado risco de produzir morte súbita, então elas podem identificar um subgrupo de pacientes de risco elevado que poderia se beneficiar da terapia antiarrítmica; 3. pacientes com história de taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular são sabidamente de risco maior para recorrência, a qual poderia ser prevenida pelo uso de drogas antiarrítmicas. Apesar desses possíveis benefícios teóricos, estudos randomizados e metanálises que incluem praticamente todos os antiarrítmicos têm demonstrado, de forma reprodutível, que esses medicamentos têm pouco efeito e inclusive aumentam o risco de morte súbita pós-infarto do miocárdio, principalmente quando existe disfunção ventricular associada. No estudo MUSTT, foi comparado o tratamento farmacológico empírico sem antiarrítmicos com o tratamento com antiarrítmicos guiado por estudo eletrofisiológico, que não demonstrou benefício na sobrevida, seja por mortalidade súbita ou por mortalidade total. Já o cardioversor-desfibrilador implantável mostrou redução de 73% na mortalidade súbita e de 55% na mortalidade total. Tratamento farmacológico preventivo das arritmias pós-infarto do miocárdio Em decorrência dos problemas das drogas antiarrítmicas (ineficácia, efeito pró-arrítmico, efeitos colaterais, intolerância, depressão miocárdica e aumento de mortalidade), somente os betabloqueadores têm sido considerados no tratamento farmacológico a longo prazo das arritmias pós-infarto do miocárdio e na profilaxia da morte súbita. Todos os outros antiarrítmicos têm efeitos deletérios e devem ser evitados nesse contexto. A amiodarona poderá ser utilizada em situações especiais, pois tem sido observado possível benefício na sobrevida quando associada a betabloqueadores13. 293 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio Tabela 2 - Alternativas para o tratamento imediato da crise de taquicardia ventricular monomórfica após infarto do miocárdio Taquicardia ventricular mal tolerada – Cardioversão torácica externa imediata, sincronizada (100 J a 200 J bifásicos) – “Overdrive” com MP provisório ou definitivo sob programação temporária Taquicardia ventricular bem tolerada Droga Dose EV Procainamida 10 mg/kg a 15 mg/kg Amiodarona Lidocaína (mais eficaz com isquemia) Sotalol Propafenona, flecainamida, disopiramida Ablação por RF MP provisório Cuidados e complicações Hipotensão, QT longo, BAVT, DM = 17 mg/kg Melhor opção na ausência de isquemia 150 mg/10 minutos Repetir a cada 15 minutos, DM = 2,2 g/24 horas Hipotensão, bradicardia 0,5 mg/kg a 0,75 mg/kg Repetir a cada 5-10 minutos até DM = 3 mg/kg/hora Iniciar infusão contínua de 1 mg/minuto a 4 mg/minuto Cuidado com depressão respiratória e convulsões 1 mg/kg a 1,5 mg/kg Hipotensão, QT longo, bradicardia, “torsade de pointes” Apesar de serem eficazes na reversão da TV polimórfica, essas drogas devem ser evitadas, por provocarem hipotensão grave, depressão miocárdica significativa e aumento da mortalidade nos pacientes com reduzida fração de ejeção Casos de TV monomórfica bem tolerada, incessantes ou rebeldes às manobras farmacológicas, podem ser imediatamente tratados com ablação do foco arritmogênico A presença de TV facilita o mapeamento Além de útil na reversão por “overdrive” de casos refratários, pode prevenir novas crises por meio de técnicas de sobreestimulação do ritmo sinusal ______________ BAVT = bloqueio atrioventricular total; DM = dose máxima; EV = via endovenosa; MP = marcapasso; RF = radiofreqüência; TV = taquicardia ventricular. Tanto a azimilida (ainda não disponível no Brasil) como a amiodarona e o sotalol demonstraram redução de terapias em portadores de desfibriladores. Arritmias não-sustentadas Extra-sístoles ventriculares As extra-sístoles ventriculares, particularmente se freqüentes (> 10/hora) ou complexas, estão relacionadas com prognóstico desfavorável nos pacientes com infarto do miocárdio prévio. Nos estudos CAST e CAST II, pacientes com extra-sís- 294 tole ventricular pós-infarto do miocárdio foram incluídos randomicamente para tratamento com flecainida, encainida (drogas do grupo IC) ou moricizina. Ambos os trabalhos foram interrompidos prematuramente por causa do aumento da mortalidade dos pacientes em uso dessas drogas. O estudo CAMIAT avaliou 1.202 pacientes pós-infarto do miocárdio portadores de extra-sístole ventricular freqüente (> 10/hora) ou repetitiva. Os pacientes foram aleatoriamente incluídos para tratamento com amiodarona ou placebo e aproximadamente 60% também foram tratados com betabloqueador14 (Figura 2). A redução da arritmia foi mais comum com RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio a amiodarona (84% vs 35% com placebo) e a taxa anual de morte arrítmica ou fibrilação ventricular recuperada foi significativamente menor nos pacientes tratados com amiodarona. O efeito antiarrítmico foi superior nos pacientes com insuficiência cardíaca. CAST tinham essa arritmia. Houve aumento da mortalidade nos pacientes tratados com drogas da classe IC e não houve redução significativa da mortalidade total com a amiodarona. Recomendações – Não se recomenda o uso crônico de anti- Fig. 2. Em A, análise de pacientes do EMIAT e do CAMIAT, demonstrando que a melhor combinação foi amiodarona associada a betabloqueador. Em B, o mesmo grupo, separado de acordo com o tipo de morte, demonstrando melhor resultado com a combinação de amiodarona e betabloqueador15. Am = amiodarona; PL = placebo. Recomendações – Não há uma regra para a terapia antiarrítmica a longo prazo para suprimir as extra-sístoles ventriculares assintomáticas. Nos pacientes pós-infarto do miocárdio com extra-sístoles que causam sintomas significativos ou incapacitantes (palpitações, tonturas), os betabloqueadores são recomendados. Nas raras ocasiões em que antiarrítmicos mais potentes sejam necessários para controle de sintomas refratários ao tratamento, recomenda-se a amiodarona. Taquicardia ventricular não-sustentada O desenvolvimento de taquicardia ventricular não-sustentada uma semana ou mais tarde pós-infarto agudo do miocárdio aumenta duas vezes o risco de morte súbita. O problema é maior nos pacientes pós-infarto do miocárdio com função ventricular esquerda reduzida (fração de ejeção < 40%). Nessa condição, o risco de morte súbita aumenta cerca de cinco vezes16. Grandes estudos randomizados de drogas antiarrítmicas em pacientes pós-infarto do miocárdio com taquicardia ventricular não-sustentada ainda não foram realizados; entretanto, muitos pacientes dos estudos CAMIAT e RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 arrítmicos para supressão de taquicardia ventricular não-sustentada assintomática em casos de baixo risco. Nos pacientes pós-infarto do miocárdio com taquicardia ventricular nãosustentada sintomática ou incapacitante (palpitações, tonturas), os betabloqueadores são recomendados. Nas raras ocasiões em que antiarrítmicos mais potentes sejam necessários para controle de sintomas refratários ao tratamento, recomenda-se a amiodarona. Se a fração de ejeção estiver entre 30% e 40%, recomenda-se estudo eletrofisiológico e cardioversor-desfibrilador implantável caso seja induzida taquicardia ventricular sustentada. Se a fração de ejeção for < 30%, o cardioversor-desfibrilador implantável está indicado e, nesses casos, os betabloqueadores ou, eventualmente, a amiodarona e o sotalol podem ser associados para reduzir terapias e/ou sintomas (Tabela 3). Arritmias sustentadas ou mal toleradas Ritmo idioventricular acelerado O ritmo idioventricular acelerado, também chamado de 295 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio Tabela 3 - Recomendações da Sociedade Européia de Cardiologia para a prevenção primária da morte súbita cardíaca em pacientes pós-infarto do miocárdio com ou sem insuficiência cardíaca17 Classe I Pós-IM IM + disfunção do VE Betabloqueadores IECA Aspirina Hipolipemiantes Betabloqueadores IECA Bloqueadores da aldosterona TV sustentada tolerada Classe IIa Classe IIb PUFA Amiodarona Amiodarona CDI se FE < 30% Amiodarona Betabloqueadores CDI Ablação por RF Cirurgia FE < 40% + TVNS + CDI TV sustentada no EEF ______________ CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; EEF = estudo eletrofisiológico; FE = fração de ejeção; IECA = inibidores da enzima conversora da angiotensina; IM = infarto do miocárdio; PUFA = ácidos graxos poliinsaturados; TV = taquicardia ventricular; TVNS = taquicardia ventricular não-sustentada; VE = ventrículo esquerdo. “taquicardia ventricular lenta”, surge abaixo do nodo atrioventricular e, por definição, tem freqüência entre 50 bpm e 100 bpm. Pode resultar de uma falência do marcapasso natural e representar um ritmo de escape ou ser um foco ectópico anormal no ventrículo estimulado pelo sistema simpático e catecolaminas circulantes. Muitos episódios são transitórios, benignos e não requerem tratamento. Além disso, a terapia farmacológica é contra-indiciada quando se trata de ritmo de escape, pois a inibição desse foco pode resultar em grave bradicardia e assistolia. O ritmo idioventricular acelerado fora do período peri-infarto é incomum; quando ocorre, devem ser afastadas as causas reversíveis, como intoxicação digitálica, hipocalemia ou hipomagnesemia. Não há dados convincentes correlacionando ritmo idioventricular acelerado a taquicardia ventricular, fibrilação ventricular ou arritmias graves; portanto, não é requerida terapia quando a arritmia é assintomática. Quando sintomático, o ritmo idioventricular acelerado pode ser tratado com antiarrítmicos e/ ou ablação focal. Taquicardia ventricular monomórfica A taquicardia ventricular monomórfica que ocorre precocemente é preditora de mortalidade a curto prazo e, ao contrário da fibrilação ventricular precoce, também indica risco de arritmias a longo prazo. Entretanto, mesmo quando 296 a droga antiarrítmica é definida por meio de estudo eletrofisiológico, o tratamento baseado somente em antiarrítmicos tem eficácia muito limitada para prevenir essa taquicardia. Por essa razão, atualmente a regra é o uso de drogas antiarrítmicas como coadjuvantes ao implante de cardioversor-desfibrilador implantável, para suprimir a arritmia recorrente. Dados disponíveis sugerem que as drogas do grupo III (sotalol e amiodarona) são mais efetivas que as de classe I para esse tipo de arritmia, e são as indicadas quando é definido o tratamento clínico. Sotalol e amiodarona parecem ser igualmente eficazes, mas quando há redução da função ventricular a amiodarona é preferida, em decorrência dos efeitos inotrópicos negativos do sotalol. A Tabela 2 apresenta um resumo das alternativas de tratamento para o paciente em crise de taquicardia ventricular sustentada. Nos pacientes com boa função ventricular, boa estabilidade elétrica e taquicardia bem tolerada a ablação por radiofreqüência pode ser uma boa alternativa, desde que os critérios de cura sejam rigorosamente obtidos. Taquicardia ventricular polimórfica A taquicardia ventricular polimórfica associada ao intervalo QT normal é uma arritmia incomum após infarto do miocárdio e, quando ocorre, é freqüentemente associada a sinais e sintomas de isquemia miocárdica recorrente. Esse RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio tipo de arritmia geralmente responde mal a magnésio ou “overdrive”, mas pode responder à amiodarona intravenosa. A revascularização deve ser considerada, entretanto dados recentes sugerem o implante de cardioversor-desfibrilador implantável além da revascularização como sendo a terapia ótima18. A taquicardia ventricular polimórfica mais freqüente é a “torsade de pointes”, associada ao QT longo adquirido induzido pelo uso de drogas antiarrítmicas classe III ou outros agentes. Fibrilação ventricular A ocorrência de fibrilação ventricular primária prematura (< 48 horas após infarto do miocárdio) está associada a aumento da mortalidade intra-hospitalar, mas não aumenta a mortalidade em um a dois anos entre os sobreviventes do primeiro mês. A fibrilação ventricular mais tardia (duas a três semanas) aparece como resultado da disfunção ventricular. Fatores de risco adicionais incluem infarto do miocárdio anterior com bloqueio de ramo direito e fração de ejeção < 35%. Múltiplos estudos clínicos demonstraram que o cardioversor-desfibrilador implantável aumenta a sobrevida quando comparado à terapia antiarrítmica, geralmente a amiodarona, em sobreviventes de morte súbita, incluindo pacientes com doença arterial coronária subclínica (Figura 3). A terapêutica com amiodarona pode ser utilizada nesses pacientes para reduzir as arritmias recorrentes que induzem descargas apropriadas do cardioversor-desfibrilador implantável e/ou para suprimir recorrência de fibrilação atrial. Além disso, a amiodarona associada a betabloqueadores deve ser considerada terapia primária em pacientes que não são candidatos ou que não querem ter um cardioversor-desfibrilador implantável. Morte súbita A complicação mais temida da fase crônica do infarto do miocárdio é a morte súbita, geralmente provocada por taquicardia ventricular muito rápida ou por fibrilação ventricular. O tratamento dessa condição pode ser primário, quando existe risco porém ainda não ocorreu nenhum evento espontâneo, ou secundário, quando já ocorreu algum episódio recuperado. Obviamente o tratamento primário é o ideal, com identificação dos pacientes de alto risco e tratamento antes da ocorrência do primeiro episódio. Como descrito anteriormente, os antiarrítmicos não são indicados para reduzir a morte súbita em pacientes com arritmia ventricular pós-infarto do miocárdio. Essas drogas têm sido também avaliadas na profilaxia da morte súbita em pacientes que não apresentam arritmias detectadas, porém com outros fatores de risco, como insuficiência cardíaca. Betabloqueadores Os betabloqueadores melhoram a sobrevida em pacientes que sofreram infarto do miocárdio, em parte pela redução da incidência de morte súbita. A mortalidade total em 31 estudos clínicos a longo prazo (cerca de 25 mil pacientes) Fig. 3. Comparação entre terapia antiarrítmica e desfibrilador nos diferentes grandes estudos. As maiores reduções de mortalidade foram obtidas nos estudos MADIT-I e MUSTT, nos quais o desfibrilador foi indicado após rigorosa avaliação eletrofisiológica. Os estudos CASH e AVID estudaram portadores de taquicardias ventriculares sustentadas mal toleradas. DCAI = desfibrilador-cardioversor-automático implantável. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 297 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio foi de 9,7%, tendo os betabloqueadores reduzido a chance de morte em 23%19. Esses benefícios foram demonstrados em pacientes que tiveram tanto infarto Q como não-Q. A eficácia dos betabloqueadores persiste nos pacientes tratados também com outros antiarrítmicos, incluindo a amiodarona e as drogas do grupo I (Figura 2 A e B). Amiodarona A eficácia da amiodarona no tratamento da arritmia ventricular pós-infarto do miocárdio foi avaliada nos estudos CAMIAT, MUSTT, EMIAT e SCD-HeFT. No EMIAT, cerca de 1.500 pacientes com infarto do miocárdio recente e fração de ejeção < 40% foram randomizados para tratamento com amiodarona ou placebo20. Ao final de dois anos, observou-se que a amiodarona foi associada a significativa redução de mortes por arritmia e arritmias que necessitaram de reversão, embora a amiodarona não reduzisse a mortalidade total. Num subgrupo com fração de ejeção < 30%, com extra-sístoles ventriculares no Holter ou baixa variabilidade RR, a amiodarona reduziu a mortalidade total quando associada a betabloqueadores. No SCD-HeFT, 2.521 pacientes com fração de ejeção < 35% e classe funcional II ou III foram randomicamente tratados com amiodarona, placebo ou cardioversor-desfibrilador implantável21. A amiodarona sozinha não reduziu a mortalidade, com exceção de um grupo selecionado de pacientes pós-infarto. Esse estudo, porém, demonstrou maior benefício no grupo que utilizou cardioversor-desfibrilador implantável. Amiodarona combinada com betabloqueadores A eficácia da amiodarona combinada a betabloqueadores foi avaliada numa fusão de análises do CAMIAT e EMIAT. A amiodarona sozinha não reduziu a mortalidade total nesses estudos, mas na análise conjunta a amiodarona em combinação com betabloqueadores reduziu significativamente tanto a mortalidade não-arrítmica como a arrítmica (Figura 2). Sotalol Esse medicamento não é indicado na prevenção de morte súbita e no tratamento das arritmias da fase crônica do infarto do miocárdio quando existe baixa fração de ejeção ou na ausência de cardioversor-desfibrilador implantável. A eficácia do D-sotalol, o qual é desprovido do efeito betabloqueador, foi avaliada no estudo SWORD22, que reuniu randomicamente pacientes com fração de ejeção < 40% e infarto do miocárdio recente ou insuficiência cardíaca congestiva sintomática pós-infarto do miocárdio antigo, tratados com Dsotalol ou placebo. O estudo foi interrompido precocemen- 298 te, em conseqüência de morte arrítmica. O maior aumento da mortalidade ocorreu nos pacientes com infarto antigo e fração de ejeção de 31% a 40%, os quais apresentaram “torsade de pointes” ou outro efeito pró-arrítmico à medicação. Terapia para insuficiência cardíaca A presença de insuficiência cardíaca representa um importante fator de risco clínico nos portadores de infarto do miocárdio prévio. O tratamento clínico ótimo é fundamental para prevenir a morte súbita. Embora não sejam consideradas drogas antiarrítmicas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina, os antagonistas da aldosterona e os bloqueadores dos receptores da angiotensina II reduzem a incidência de morte súbita em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Adicionalmente, devem ser considerados os ressincronizadores quando o QRS está alargado. Os estudos CARE-HF e COMPANION demonstraram redução de mortalidade pela ressincronização mesmo sem o uso concomitante de cardioversor-desfibrilador implantável. Recomendações — Até o presente momento, somente os betabloqueadores são recomendados para prevenção primária de morte súbita em pacientes pós-infarto do miocárdio (Tabela 3). Embora reduza a morte arrítmica, a amiodarona não reduziu a mortalidade total nos estudos EMIAT ou CAMIAT. Outra preocupação é a falta de benefício evidente e a alta incidência de efeitos colaterais com o uso da amiodarona a longo prazo. Atualmente, há apenas três indicações comuns para a terapêutica com drogas antiarrítmicas para os pacientes com arritmias ventriculares pós-infarto do miocárdio: 1. Raros pacientes com sintomas intoleráveis de arritmias não-sustentadas que não respondem aos betabloqueadores. Em decorrência da não redução da mortalidade e de potenciais efeitos maléficos (efeitos pró-arrítmicos e outros efeitos colaterais), essa solução deve ser reservada a pacientes com sintomas intensos e persistentes. Na ausência de desfibrilador implantado, somente a amiodarona poderia ser utilizada. 2. Amiodarona, betabloqueadores ou, menos freqüentemente, sotalol como terapia secundária ao controle das arritmias e para reduzir o número de choques do cardioversor-desfibrilador implantável. 3. Amiodarona, em combinação com betabloqueador, em pacientes com arritmias ventriculares de alto risco que não aceitam ou não são candidatos a implante de cardioversordesfibrilador implantável. Ablação por radiofreqüência A ablação por radiofreqüência é reservada para os casos de taquicardias ventriculares monomórficas que não responRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio dem ao tratamento clínico ou que geram repetidas terapias pelo desfibrilador implantado. Também pode ser utilizada para controle das extra-sístoles ventriculares sintomáticas e refratárias; porém, se forem polifocais, pode não haver acesso a todos os focos. Normalmente se obtém acesso aos focos através da via endocárdica, porém nas taquicardias resistentes ao procedimento convencional pode ser necessária a via epicárdica, cujo acesso pode ser realizado sem toracotomia23. A taquicardia ventricular monomórfica pós-infarto do miocárdio é tipicamente originada por um foco arritmogênico bem definido, constituído pela cicatriz do infarto, que pode ser mapeado e eliminado ou modificado por meio de ablação por radiofreqüência. As principais limitações são: – foco extenso ou profundo, necessitando eletrodos de grande superfície ou irrigados com aplicação de grandes quantidades de energia; – focos arritmogênicos extensos freqüentemente apresentam vias alternativas de reentrada, que poderão manter ou originar taquicardias ventricularess similares à inicialmente tratada; – taquicardia não-tolerada (freqüência cardíaca elevada e/ou disfunção ventricular) impossibilitando seu mapeamento, já que deverá ser rapidamente revertida; – impossibilidade de reproduzir a taquicardia no laboratório de eletrofisiologia, sendo a ablação realizada indiretamente por “pace-mapping” (baseado na morfologia registrada em eletrocardiograma prévio) ou pelo mapeamento da “cicatriz do infarto” (por meio do registro de potenciais de baixa amplitude24, < 1,5 mV, com mapeamento eletroanatômico); – presença de múltiplos focos de taquicardia (nesse caso, pode-se fazer o tratamento isolado de cada foco, porém com menor taxa de sucesso). Com as modernas técnicas de mapeamento e ablação é possível eliminar entre 60% e 80% das taquicardias ventriculares da fase crônica do infarto do miocárdio, com baixo índice (8%) de complicações e de mortalidade (Figura 4). Apesar das dificuldades, pelo fato de não precisar de toracotomia e de ter baixo risco, a ablação por radiofreqüência é, quase sempre, uma boa alternativa, porém, mesmo com sucesso, não elimina a necessidade do cardioversor-desfibrilador implantável nos casos com instabilidade elétrica residual ou com disfunção miocárdica. Cardioversor-desfibrilador automático implantável O cardioversor-desfibrilador implantável é extremamente útil no tratamento das taquicardias ventriculares com ou sem alto risco de morte súbita. Trata-se da alternativa terapêutica mais segura e eficaz (Figura 5) nas condições de alto RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 risco pós-infarto do miocárdio. Entretanto, tem como inconvenientes necessitar de implante de uma prótese, alto custo e o fato de não prevenir a arritmia. Diversos estudos (CASH, AVID, MADIT-I, MUSTT) têm demonstrado a alta eficácia dessa forma de tratamento no controle das taquicardias ventriculares da cardiopatia isquêmica, com redução de 39% a 60% na mortalidade, comparativamente ao tratamento farmacológico isolado. Além de grande benefício na sobrevida dos portadores de taquicardias ventriculares graves, os cardioversores-desfibriladores implantáveis proporcionam grande variedade de recursos altamente favoráveis no tratamento a longo prazo da cardiopatia isquêmica crônica, tais como: – suporte para bradiarritmias com a função marcapasso; – resposta cronotrópica pela presença de sensores; – “overdrive” ou sobreestimulação para reversão das arritmias com baixa energia; – cardioversão sincronizada; – desfibrilação; – sistema Holter, avaliação da variabilidade da freqüência cardíaca; – monitor para avaliação precoce de edema pulmonar; – ressincronização ventricular (disponível nos desfibriladores ressincronizadores). Os resultados iniciais desse tipo de terapia foram demonstrados pelo estudo MADIT-II, que revelou redução de até 40% no índice combinado internação hospitalar-mortalidade quando comparados aos do tratamento farmacológico otimizado. Além de indicado nos pacientes que apresentam alto risco de morte súbita por taquiarritmias, o cardioversor-desfibrilador implantável pode ser utilizado em toda taquicardia ventricular de difícil controle, independentemente da presença de insuficiência cardíaca ou de bradiarritmia. A alta probabilidade de reversão automática da taquicardia por meio de “overdrive” torna sua aplicação bastante confortável e segura. Atualmente as indicações básicas de cardioversor-desfibrilador implantável na fase crônica do infarto do miocárdio são25: – pacientes com fração de ejeção < 30% (indicação preventiva); – pacientes com fração de ejeção entre 30% e 40% com taquicardia ventricular não-sustentada e taquicardia ventricular sustentada induzida no estudo eletrofisiológico (indicação preventiva); – pacientes com morte súbita recuperada por fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular mal tolerada na ausência de infarto do miocárdio agudo; 299 PACHÓN MATEOS JC e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares na fase crônica do infarto do miocárdio Fig. 4. Traçado eletrocardiográfico obtido durante ablação por radiofreqüência de taquicardia ventricular incessante em paciente portador de cardioversor-desfibrilador implantável e infarto do miocárdio prévio. Em A, observa-se a taquicardia ventricular sustentada (a seta indica o início da aplicação de radiofreqüência e em seguida ocorre a reversão da taquicardia). Em B, o paciente apresentava terapias repetitivas do cardioversor-desfibrilador implantável, porém após a ablação não apresentou mais nenhum episódio da taquicardia em seguimento de sete meses. Fig. 5. Traçado contínuo de paciente com infarto antigo e portador de cardioversor-desfibrilador automático. Observa-se taquicardia ventricular monomórfica sustentada (A) seguida de tentativa de “overdrive” (B) pelo desfibrilador. Além de não reverter a arritmia, houve aceleração da taquicardia (C e D). Automaticamente o aparelho detecta a complicação (próarritmia) e aplica cardioversão, uma terapia de alta energia (E) que reverte a arritmia. Na seqüência, o desfibrilador comanda o ritmo com sua função de marcapasso atrioventricular seqüencial (F). – pacientes com taquicardia ventricular monomórfica sustentada com miocárdio preservado, porém sem resposta REFERÊNCIAS 1. Buxton AE. Risk stratification for sudden death: do we need anything more than ejection fraction? Card Electrophysiol Rev. 2003;7:434-7. 2. Zaret BL, Wackers FJ, Terrin ML, Forman SA, Williams DO, Knatterud GL, et al. Value of radionuclide rest and 300 a antiarrítmicos ou quando a ablação e/ou a cirurgia não podem ser aplicadas ou não obtiveram sucesso. exercise left ventricular ejection fraction in assessing survival of patients after thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: results of Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) phase II study. The TIMI Study Group. J Am Coll Cardiol. 1995;26:73-9. 3. 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American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the ACC/AHA/NASPE 2002 Guideline Update for Implantation of Cardiac Pacemakers and Antiarrhythmia Devices); American Association for Thoracic Surgery; Socie- 302 ty of Thoracic Surgeons. ACC/AHA/HRS 2008 Guidelines for Device-Based Therapy of Cardiac Rhythm Abnormalities: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the ACC/AHA/ NASPE 2002 Guideline Update for Implantation of Cardiac Pacemakers and Antiarrhythmia Devices): developed in collaboration with the American Association for Thoracic Surgery and Society of Thoracic Surgeons. Circulation. 2008 May 27;117(21):e350-408. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 AVALIAÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES NAS CARDIOPATIAS NÃO-ISQUÊMICAS FRANCISCO DARRIEUX1, EDUARDO SOSA1 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2008;3:302-12 RSCESP (72594)-1727 As miocardiopatias dilatadas não-isquêmicas incluem um grupo heterogêneo de doenças do miocárdio, em que as causas isquêmicas foram afastadas. Entretanto, no senso estrito, têm como via final o acometimento do miocárdio, com conseqüente dilatação das quatro câmaras do coração, primariamente do ventrículo esquerdo, associado à disfunção sistólica. A estratificação de risco ainda é controversa, principalmente por causa do baixo valor preditivo positivo de todas as ferramentas não-invasivas e invasivas. Quando se somam vários desses testes, aumenta-se a possibilidade de predizer o evento arrítmico ventricular fatal. O tratamento baseia-se no controle dos sintomas e na prevenção da morte súbita: na primeira situação, por meio de fármacos antiarrítmicos, tratamento clínico otimizado e ablação com cateter; e na segunda, com os dispositivos implantáveis (desfibriladores e/ ou ressincronizadores). O real benefício destas últimas modalidades de tratamento esbarra na dificuldade de se indicar no mundo real esses dispositivos eletrônicos para a prevenção primária, ficando mais prioritária a indicação por prevenção secundária. Novos métodos de estratificação não-invasiva podem auxiliar a ampliar as indicações dessas onerosas terapias nesses pacientes que teriam o melhor benefício dessas abordagens. Descritores: miocardiopatias; arritmia ventricular; estratificação de risco; tratamento. RISK STRATIFICATION AND TREATMENT OF VENTRICULAR ARRHYTHMIAS IN NON-ISCHEMIC CARDIOMYOPATHY Non-ischemic cardiomyopathy includes a heterogeneous group of myocardial diseases where ischemic causes had been excluded. However, in the strict sense, they have as a final common pathway the involvement of the myocardium, with consequent dilatation of the four chambers of the heart, primarily of the left ventricle, associated to systolic dysfunction. The risk stratification is still controversial, mainly due to the low positive predictive value of all non-invasive and invasive tests. When several of these tests are added, the possibility of prediction of an event of life-threatening ventricular arrhythmias is optimized. The treatment is based on the control of the symptoms and the prevention of sudden cardiac death. In the first situation, by means of antiarrhythmic drugs, optimized medical therapy and catheter ablation techniques. In the second situation, by implantable devices (defibrillators and/or resynchronization therapy). The real benefit of these modalities of treatment faces the difficulty of indicating, in the real world, these electronic devices for primary prevention, being with priority just secondary prevention cases. New non-invasive stratification tests may help to extend the indications of these onerous therapies in these patients who would have optimum benefit of these approaches. Key words: cardiomyopathy; ventricular arrhythmia; risk stratification; treatment. 1 Unidade Clínica de Arritmia e Marcapasso – Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP) – São Paulo, SP Endereço para correspondência: Francisco Darrieux – Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – São Paulo, SP – CEP 05403-000 RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 303 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas INTRODUÇÃO As cardiopatias não-isquêmicas compreendem um grupo muito heterogêneo de doenças. Assim, qualquer tentativa inicial de estratificá-las em um único “bloco” chamado “cardiopatias não-isquêmicas” já é desafiadora e imprópria para definir estratégias em perfis de afecções tão diversas. A maior parte dos estudos de tratamento e estratificação de risco quase sempre acaba por ser dirigida às chamadas miocardiopatias dilatadas não-isquêmicas. Neste artigo será comentado principalmente este último grupo de doenças, caracterizadas pela via final de acometimento do miocárdio, com conseqüente dilatação das quatro câmaras do coração, primariamente do ventrículo esquerdo, associada à disfunção sistólica. A incidência de miocardiopatia dilatada na população é de 5 a 8 casos por 100 mil habitantes/ano1,2; no entanto, se considerarmos a doença de Chagas em nosso meio, então a estatística tende a ser maior3. Um estudo internacional de insuficiência cardíaca4 demonstrou que 18% dos pacientes sintomáticos com fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 30% têm o diagnóstico de miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Inicialmente, a mortalidade estimada era maior que a atual, o que dificultou os resultados dos ensaios clínicos com desfibriladores, provavelmente por conta dos melhores recursos de otimização da terapêutica medicamentosa, especialmente os betabloqueadores e a espironolactona. Hoje, estima-se que a mortalidade na miocardiopatia dilatada não-isquêmica seja de 12% a 13% em três anos5. Os fatores independentes de risco para mortalidade incluem tabagismo, diabetes melito e pressão diastólica elevada2. Nos pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, as causas de morte por insuficiência cardíaca ou morte súbita tendem a ser equiparadas6. A morte súbita cardíaca pode a ser a primeira manifestação clínica da doença e a miocardiopatia idiopática é responsável por 10% de todas as mortes súbitas cardíacas em adultos7. Os sobreviventes de parada cardiorrespiratória com miocardiopatia dilatada não-isquêmica freqüentemente possuem a fibrilação ventricular como arritmia clínica8. Com o advento dos desfibriladores implantáveis (cardioversor-desfibrilador implantável), com sua capacidade de prevenir quase perfeitamente as arritmias ventriculares causadoras de morte súbita cardíaca, torna-se necessário definir quais os pacientes que teriam maior benefício com a utilização dessa valiosa terapêutica. Entretanto, é também importante avaliar os potenciais riscos do implante do cardioversor-desfibrilador implantável e seus altos custos para os sistemas de Saúde públicos e privados. Assim, muitos investi- 304 gadores tentam estabelecer fatores de risco para selecionar os pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que teriam maior benefício com o implante do cardioversor-desfibrilador implantável. Infelizmente ainda estamos longe dessa “perfeição”, mas muitos avanços já foram alcançados. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO Quando analisamos principalmente os estudos de prevenção primária, ainda há muita controvérsia sobre a melhora de sobrevida com a terapia por cardioversor-desfibrilador implantável nos pacientes com miocardiopatia dilatada nãoisquêmica. Diferentemente dos resultados mais contundentes a favor do implante de cardioversor-desfibrilador implantável nos pacientes com miocardiopatia isquêmica e fração de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida, o mesmo não pôde ser entusiasticamente demonstrado nos portadores de miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Um dos principais tópicos de discussão baseia-se na premissa de que o real benefício do cardioversor-desfibrilador implantável poderia ser mais exitoso se um maior subgrupo de risco pudesse ser identificado, em vez de simplesmente aceitar um tratamento muito caro para uma ampla população de pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que pode não se beneficiar dessa estratégia, ou seja, a um custo-efetividade elevado. Assim, seria muito útil se os métodos de estratificação nãoinvasiva pudessem “agregar” esses dados para definir os melhores candidatos para estratégias de tratamento mais onerosas. Vários estudos têm sido conduzidos com essa finalidade, porém ainda estão longe de serem também contundentes, o que tem favorecido a indicação de cardioversor-desfibrilador implantável com maior nível de evidência. Além da própria fração de ejeção do ventrículo esquerdo, os principais estratificadores de risco estudados são: história de síncope, monitorização eletrocardiográfica (Holter), estudo eletrofisiológico (estimulação elétrica programada), eletrocardiograma de alta resolução, dispersão do QT, variabilidade da freqüência cardíaca, teste de sensibilidade do barorreceptor, turbulência da freqüência cardíaca e, mais recentemente, microalternância da onda T. Síncope A presença de síncope na história clínica de um paciente com miocardiopatia dilatada não-isquêmica já pode ser uma “denúncia” a favor de uma causa arrítmica, porém nem sempre no mundo real é tão simples confirmar essa forte hipótese. Por vezes a história clínica é muito sugestiva de hipotensão ortostática, especialmente nesse subgrupo de pacientes que faz uso de diversas drogas hipotensoras (diuréticos, RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas vasodilatadores e betabloqueadores). Se a história é muito sugestiva desta última hipótese, bem como sem síncopes dramáticas, e o simples reajuste das doses previne as recorrências, costuma-se admitir que possa ser uma síncope de baixo risco. No entanto, quase sempre é necessário complementação, por exemplo com exames de Holter. A literatura médica apenas se exime dessa condição e prefere focar nas chamadas síncopes inexplicadas. De novo, não há uma clara definição de como se contentar em chamar a síncope de “explicada”, ou seja, até onde consideraríamos como segura a informação dos exames complementares. Quando, no entanto, são estudadas as síncopes “inexplicadas”, os resultados não são nada confortáveis. Knight e colaboradores9 avaliaram prospectivamente 14 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que se apresentavam com síncope inexplicada e estudo eletrofisiológico negativo, que foram comparados aos 19 controles que tinham sido recuperados de parada cardiorrespiratória. Todos os pacientes de ambos os grupos receberam cardioversor-desfibrilador implantável e, no seguimento médio de dois anos, 50% dos pacientes do grupo síncope receberam choques apropriados pelo cardioversordesfibrilador implantável em comparação com 42% do grupo parada cardiorrespiratória (p = 0,1). Curiosamente, o tempo para a ocorrência do primeiro choque apropriado foi mais precoce nos pacientes do grupo síncope (32 + 7 meses vs. 72 + 12 meses; p = 0,01). O pequeno número de pacientes foi a limitação do estudo; porém, os resultados sugeriram que a síncope inexplicada, mesmo com estudo eletrofisiológico negativo, é um marcador de morte por arritmia ventricular em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Fonarow e colaboradores10 estudaram 147 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, síncope e disfunção ventricular esquerda grave, sendo implantado cardioversordesfibrilador implantável em 25 pacientes, que foram comparados com os demais 122 pacientes em tratamento clínico. A sobrevida em dois anos foi de 84,9% no grupo cardioversor-desfibrilador implantável e de 66,9% no grupo controle (p = 0,04). A presença de síncope inexplicada em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, portanto, é forte indicador de mau prognóstico, com significativo benefício do cardioversor-desfibrilador implantável nesses pacientes. Entretanto, a ausência de síncope nesses pacientes não confere necessariamente proteção contra morte súbita. Monitorização eletrocardiográfica (Holter) Quando se solicita um exame de Holter em paciente com miocardiopatia dilatada não-isquêmica costuma-se com freqüência ter o achado de taquicardia ventricular não-sustenRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 tada, que varia de 33% a 79% dos casos11,12. Embora a taquicardia ventricular não-sustentada possa representar um marcador de doença miocárdica, o valor prognóstico dessa arritmia não está definido. A sobrevida desses pacientes em um ano é de 92%, e de 88% em dois anos5. Huang e colaboradores13, avaliando o Holter de 35 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, encontraram extra-sístoles ventriculares freqüentes em 83% dos casos, dos quais 93% tinham extra-sístoles ventriculares complexas e 60%, taquicardia ventricular não-sustentada. Durante o seguimento médio de 34 meses, houve quatro óbitos, sendo duas mortes súbitas. Dessas mortes súbitas, um caso não apresentava nenhuma arritmia ventricular ao Holter. Nesse estudo, embora houvesse alta incidência de taquicardia ventricular não-sustentada na população com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, a presença dessa arritmia não teve poder estatístico para se correlacionar com a ocorrência de morte súbita. Outros estudos14,15, entretanto, demonstraram que a taquicardia ventricular não-sustentada pode ser um marcador de pior prognóstico para morte cardíaca e/ou súbita. Mais recentemente, Grimm e colaboradores16 estudaram uma coorte de 343 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica por meio de múltiplos testes diagnósticos para acessar o risco de morte súbita. Após seguimento médio de 52 meses, 13% dos pacientes tiveram eventos arrítmicos maiores (taquicardia ventricular sustentada, fibrilação ventricular ou morte súbita). O único preditor de risco encontrado foi a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, com redução relativa de risco de 2,3 para cada 10% de ganho na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 1,5 a 3,3; p = 0,0001). O achado de taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter esteve associado a tendência de aumento de risco de eventos arrítmicos (RR 1,7; IC 95%; 0,9 a 3,3; p = 0,11). Assim, o significado prognóstico do achado de taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica ainda permanece controverso. Isoladamente esse marcador possui pouca especificidade, mas em associação com outros marcadores passa a ter peso maior na decisão terapêutica de prevenção de morte súbita. Estudo eletrofisiológico A indução de taquicardia ventricular sustentada (monomórfica, polimórfica ou fibrilação ventricular) pode ocorrer em até 38% dos pacientes com miocardiopatia dilatada nãoisquêmica, porém possui limitado valor clínico17. A maioria dos estudos tem limitações por serem não-randomizados, em pequenas séries de pacientes e também pelas diferenças nos 305 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas protocolos de estimulação ventricular programada. A reprodutibilidade da estimulação ventricular programada é maior nos pacientes que se apresentam clinicamente com taquicardia ventricular monomórfica, podendo chegar a até 92% dos casos18. Esse comportamento parece predizer futuras ocorrências de taquicardias ventriculares sustentadas espontâneas com freqüência e configuração similares. O uso da estimulação ventricular programada na estratificação de risco na miocardiopatia dilatada não-isquêmica não tem sido adequado para conferir melhores resultados na intervenção com cardioversor-desfibrilador implantável. Quase sempre são induzidas arritmias inespecíficas e sem valor prognóstico definido. E para ficar mais complicado, o valor preditivo negativo de um estudo normal é insuficiente. Entretanto, o estudo eletrofisiológico pode ser útil para melhorar a qualidade de vida ao se conseguir a ablação da taquicardia ventricular responsável pelos sintomas e pelos choques apropriados. Eletrocardiograma de alta resolução O eletrocardiograma de alta resolução pode demonstrar a presença de potenciais tardios, que, por sua vez, são um indício de que existam áreas de condução lenta no miocárdio ventricular e, portanto, substrato eletrofisiológico para a ocorrência de arritmias ventriculares sustentadas com risco potencial de morte súbita. A presença de potenciais tardios na população com miocardiopatia dilatada não-isquêmica situase em torno de 34%, semelhante à encontrada na população com miocardiopatia isquêmica19. No estudo de Fauchier e colaboradores20, em população de 131 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, foi encontrada prevalência de potenciais tardios ao eletrocardiograma de alta resolução em cerca de 27% dos pacientes. Durante o seguimento clínico, foi observada taxa de 15% de eventos arrítmicos, sendo mais freqüentes no grupo com eletrocardiograma de alta resolução positivo (RR 7,2; IC 95%, 2,6 a 19,4; p = 0,0001), porém sem correlação com morte súbita. No entanto, apesar de toda a possibilidade teórica de ser importante ferramenta no método complementar da estratificação de risco, na prática não tem se demonstrado de grande utilidade quando analisado isoladamente. A presença de bloqueios de ramo, como acontece com freqüência na cardiopatia chagásica, também pode ser um fator de limitação na análise dos potenciais tardios. Na prática clínica, costumamos utilizar o eletrocardiograma de alta resolução quando há dúvidas quanto à indicação do estudo eletrofisiológico, na tentativa de aumentar as chances de indução de taquicardia ventricular, especialmente as passíveis de tratamento ablativo por cateter, porém tam- 306 bém não é um exame de grande especificidade, mas sim um instrumento auxiliar na programação terapêutica. O eletrocardiograma de alta resolução anormal, portanto, pode ser um marcador de risco aumentado de taquicardia ventricular ou morte20,21. Em geral, o valor preditivo negativo do eletrocardiograma de alta resolução é mais importante que o positivo, e a presença de bloqueios de ramos pode reduzir a especificidade desse exame22. Em decorrência de seu pobre valor preditivo positivo, o eletrocardiograma de alta resolução é um exame que isoladamente ainda possui muitas limitações. Dispersão do QT A dispersão do QT, que, teoricamente, mede a capacidade de uma área de heterogeneidade de repolarização ser um ponto crítico para a ocorrência de arritmias ventriculares fatais, como observado na síndrome do QT longo, tem sido estudada em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica e, infelizmente, com resultados desoladores23. Essa forma de análise de estratificação de risco é limitada, em decorrência dos resultados conflitantes entre os grupos com exames positivos e negativos. O Estudo de Cardiomiopatia de Marburg16 confirmou que a dispersão do QT não confere risco significativo para a ocorrência de morte súbita. Variabilidade do RR As medidas de função autonômica têm sido sugeridas para acessar o risco de morte súbita cardíaca. A variabilidade da freqüência cardíaca seria uma medida indireta do tônus autonômico; portanto, baixa variabilidade de RR significaria predomínio simpático. No caso das cardiopatias isquêmicas, houve demonstração de aumento de eventos arrítmicos24. Entretanto, o peso das evidências atuais sugere as mesmas considerações sobre o eletrocardiograma de alta resolução, ou seja, pelo baixo valor preditivo positivo esse teste ainda não tem papel na estratificação de risco dos pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica16,25. Teste de sensibilidade do barorreceptor Os estudos de sensibilidade do barorreceptor (ou estudo do barorreflexo) na miocardiopatia dilatada não-isquêmica ainda estão em fase inicial. Menz e colaboradores26 compararam o teste de sensibilidade do barorreceptor com a variabilidade da freqüência cardíaca em uma série de 179 pacientes, sendo 73% deles com miocardiopatia dilatada não-isquêmica. Esse estudo não foi delineado para valor prognóstico, mas apenas para analisar se havia diferenças entre esses exames em pacientes com disfunção ventricular esquerda. Foi demonstrado que esses dois exames eram equiparáveis RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas nessa população. Grimm e colaboradores16 realizaram exaustivo trabalho de estratificação de risco em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica, incluindo o teste de sensibilidade do barorreceptor em 343 pacientes. Houve exclusão de 26 pacientes (10%) por resposta insuficiente à fenilefrina durante o teste. Não foi demonstrada nenhuma correlação entre os resultados do teste do barorreceptor e a ocorrência de morte súbita. As evidências atuais não têm sido favoráveis à acurácia desse teste em predizer morte súbita nos pacientes com miocardiopatia não-isquêmica. Turbulência da frequência cardíaca A análise da turbulência da freqüência cardíaca é um novo método auxiliar na predição de risco de eventos arrítmicos. O método se baseia na análise das propriedades elétricas do coração após extra-sístole ventricular, a partir de eletrocardiograma de 12 derivações ou por “software” de Holter. Como durante a extra-sístole ventricular ocorre redução transitória do débito cardíaco, isso promove uma resposta barorreflexa de defesa, em geral aceleração seguida de desaceleração dos batimentos ventriculares subseqüentes, até a normalização. Esse método ainda precisa ser validado em futuros estudos prospectivos, porém as observações iniciais sugerem que a medida dessas variáveis em conjunto com outros fatores de risco pode ter papel na predição de risco de morte súbita27,28. Microalternância da onda T A microalternância da onda T (em inglês, “T-wave alternans”) é um fenômeno observado na repolarização ventricular, decorrente de alterações batimento a batimento no potencial de ação e de piora com o incremento da freqüência cardíaca, podendo ser obtida por meio de equipamentos e “softwares” específicos, em geral por teste ergométrico ou Holter. É um método promissor, com resultados expressivos na estratificação de risco. Kitamura e colaboradores29 relataram aumento do risco de morte súbita cardíaca ou de taquicardia ventricular/fibrilação ventricular em pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica quando apresentavam microvoltagem de onda T com freqüências cardíacas menos elevadas que a média. O aparecimento da microalternância da onda T a partir de freqüências cardíacas abaixo de 100 bpm confere risco elevado de morte súbita cardíaca ou de taquicardia ventricular/fibrilação ventricular, com acurácia preditiva de 78%29. A microalternância da onda T parece ser um fator de risco independente dos demais fatores de risco padrão, como fração de ejeção do ventrículo esquerdo, sexo masculino e classe funcional de insuficiência cardíaca. InfeRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 lizmente, como limitação, em cerca de 20% dos pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica não se consegue determinar a presença de microalternância de T29. A combinação com eletrocardiograma de alta resolução positivo aumenta a sensibilidade da microalternância de onda T30. Estudo recente de Hohnloser e colaboradores31, com 137 pacientes portadores de miocardiopatia dilatada não-isquêmica encaminhados ao hospital para tratamento de insuficiência cardíaca ou avaliação de arritmias sintomáticas, avaliou, num seguimento médio de 14 meses, a ocorrência de morte súbita e taquicardia ventricular instável ou fibrilação ventricular. Em 37 pacientes já se havia implantado o cardioversor-desfibrilador implantável. A presença de microalternância da onda T com freqüências cardíacas < 110 bpm teve valor preditivo positivo de 22% + 5% e, de modo mais contundente, valor preditivo negativo altíssimo (94% + 4%). Assim, a ausência de microvoltagem da onda T confere alto valor preditivo negativo para auxiliar na estratificação de risco em pacientes com miocardiopatia não-isquêmica, podendose considerar uma importante redução de custos para implante de desfibriladores, bem como selecionar os candidatos que menos se beneficiariam dessa terapia. Obviamente, mais estudos serão necessários para se testar a reprodutibilidade desses animadores achados iniciais. TRATAMENTO DAS ARRITMIAS VENTRICULARES O tratamento das arritmias ventriculares nos pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica segue basicamente duas premissas: tratamento decorrente de sintomas e/ou então para prevenção de morte súbita. A questão seguinte se refere a como deve ser feito esse tratamento. Os fármacos antiarrítmicos, em especial a amiodarona, e o tratamento por ablação com cateter do foco arritmogênico são opções que auxiliam principalmente proporcionando melhora da qualidade de vida e reduzindo sintomas (por exemplo, recorrências de taquicardia ventricular sustentada e/ou terapias pelo cardioversor-desfibrilador implantável). Entretanto, essas modalidades de tratamento ainda não são suficientes para prevenir a morte súbita. Nunca se deve deixar de lembrar que o melhor tratamento para a insuficiência cardíaca nesses pacientes com arritmia ventricular ainda é o máximo tratamento clínico otimizado, ou seja, a maior dose possível de betabloqueadores (como carvedilol/metoprolol/bisoprolol) e o uso de espironolactona, bloqueadores dos receptores da angiotensina e/ou inibidores da enzima conversora da angiotensina. Por outro lado, os pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica que apresentam arritmia ventricular comple- 307 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas xa e fração de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida são os pacientes com maior risco de morte súbita, e os estudos de prevenção secundária e de prevenção primária tentaram demonstrar a importância do implante dos desfibriladores na prevenção dessas mortes súbitas cardíacas. É também importante ressaltar que os desfibriladores foram concebidos para prevenir o evento arrítmico fatal, ou seja, a morte súbita por taquicardia ventricular e/ou fibrilação ventricular, e não a morte súbita por outras causas. Também devem ser consideradas terapias para melhorar a qualidade de vida. Nesta última situação, devem ser considerados, além da terapia medicamentosa padrão, o uso de amiodarona para redução de choques por cardioversor-desfibrilador implantável ou de outras arritmias sintomáticas, como a fibrilação atrial, bem como a ablação com radiofreqüência e os ressincronizadores cardíacos. ESTUDOS DE PREVENÇÃO SECUNDÁRIA Os pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica e sintomáticos por taquicardia ventricular documentada ou fibrilação ventricular (recuperados de parada cardiorrespiratória) apresentam mortalidade subseqüente esperada de até 22% nos primeiros dois anos, comparável à encontrada nos pacientes com miocardiopatia isquêmica, como demonstrado no estudo “Antiarrhythmic versus Implantable Defibrillators” (AVID)32. Outros estudos, especialmente o “Cardiac Arrest Study Hamburg” (CASH) e o “Canadian Implantable Defibrillator Study” (CIDS), também demonstraram claramente que a taxa de mortalidade em pacientes sobreviventes de parada cardiorrespiratória e/ou taquicardia ventricular sincopal é similar, independentemente da etiologia da cardiopatia estrutural33. No estudo AVID32, o maior de todos, com 1.016 pacientes, 27% dos pacientes tinham miocardiopatia não-isquêmica, dos quais 54% receberam o desfibrilador e a sobrevida foi de 78,2% em anos, similar à dos pacientes isquêmicos. ESTUDOS DE PREVENÇÃO PRIMÁRIA Os primeiros estudos de impacto direcionados para prevenção primária utilizaram a amiodarona na população com miocardiopatia dilatada não-isquêmica. No estudo do “Grupo de Estudio de la Sobrevida en la Insuficiencia Cardiaca en Argentina” (GESICA)11, foram randomizados 516 pacientes, predominantemente com miocardiopatia não-isquêmica, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo abaixo de 35%. Cerca de 10% desses pacientes eram portadores de miocardiopatia chagásica. Foi demonstrada substancial re- 308 dução de mortalidade por todas as causas nos pacientes tratados com amiodarona (33,5% vs. 41,4%; RRR, 28%; IC 95%, 4 a 45; “log rank test” p = 0,024), independentemente da presença de arritmias ventriculares. De maneira semelhante, o estudo CHF-STAT12 também avaliou o uso de amiodarona, porém numa população predominantemente isquêmica e com extra-sístoles ventriculares > 10/hora. Embora não tenha ocorrido redução de mortalidade com a amiodarona, a análise de subgrupo dos 193 pacientes não-isquêmicos demonstrou tendência favorável à redução de mortalidade (p = 0,07). Um dos achados intrigantes desse estudo foi que a supressão da arritmia com amiodarona não esteve relacionada à sobrevida. O estudo “Amiodarone Versus Implantable CardioverterDefibrillator” (AMIOVIRT)34 envolveu 103 pacientes com miocardiopatia dilatada não-isquêmica e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 35% e taquicardia ventricular não-sustentada assintomática. Foram comparados os tratamentos com amiodarona e desfibrilador. Ao final de três anos de seguimento, não houve diferença na mortalidade em ambos os grupos e ainda houve tendência à redução de eventos arrítmicos no grupo amiodarona. O “Cardiomyopathy Trial” (CAT)35, com 104 pacientes, teve delineamento semelhante ao do AMIOVIRT, a não ser pelo fato de o grupo comparado ao desfibrilador ter sido o de tratamento clínico otimizado sem amiodarona. Novamente, ao final de cinco anos, não houve diferença de mortalidade entre os grupos. O estudo “Defibrillators in Non-Ischemic Cardiomyopathy Treatment Evaluation” (DEFINITE)36 também comparou, em 458 pacientes, o tratamento clínico otimizado e o tratamento com desfibrilador na população com miocardiopatia não-isquêmica, fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor ou igual a 35% e arritmia ventricular complexa ao Holter. Ao final do estudo, 33% dos pacientes tiveram morte arrítmica. O benefício dos desfibriladores foi significativo na redução por morte arrítmica, embora a mortalidade total não tenha apresentado diferença estatística. A análise de subgrupos demonstrou que o melhor benefício do cardioversor-desfibrilador implantável ocorreu nos pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 20%, com duração do QRS maior que 120 ms e em classe funcional III (“New York Heart Association” – NYHA). Finalmente, o estudo SCD-HeFT37, o maior até o momento, envolvendo 2.521 pacientes, dos quais cerca de metade era portadora de miocardiopatia não-isquêmica, comparou três estratégias de tratamento: grupo tratamento clínico otimizado, grupo com acréscimo de amiodarona e grupo com acréscimo do desfibrilador (cardioversor-desfibrilador imRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas plantável). O critério principal de inclusão foi a fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 36% e a classe funcional II ou III (NYHA). O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas. Ao final de cinco anos, a mortalidade total foi de 28,9% no grupo cardioversor-desfibrilador implantável, comparada com 34,1% no grupo amiodarona e 35,8% no grupo placebo (apenas tratamento clínico sem amiodarona). A redução de risco relativo com o cardioversor-desfibrilador implantável foi de 23% em relação ao grupo controle (p < 0,001). Entretanto, o maior benefício foi observado na classe funcional II e em pacientes isquêmicos. Os pacientes em classe funcional III não obtiveram os mesmos benefícios com o cardioversor-desfibrilador implantável e ainda tiveram aumento de mortalidade com a amiodarona. Assim, os principais estudos de prevenção primária em miocardiopatia não-isquêmica apontam para o benefício dos desfibriladores, ainda que a um custo alto para os padrões de nossa Saúde pública. Outros subgrupos, como os pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre 36% e 40% ou em classe funcional I, ainda necessitam de maiores estudos de estratificação de risco e de intervenção. Na Figura 1 estão definidas as atuais Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia38 para indicação de desfibriladores na miocardiopatia não-isquêmica. ASPECTOS ESPECÍFICOS NA MIOCARDIOPATIA POR DOENÇA DE CHAGAS Fig. 1. Resumo das indicações de desfibriladores na miocardiopatia dilatada não-isquêmica de acordo com as últimas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia38. Por causa de sua importância epidemiológica, a miocardiopatia chagásica é uma importante causa de morte cardíaRSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 ca e súbita em nosso meio. Entretanto, ainda é controverso o papel dos desfibriladores na prevenção tanto secundária como 309 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas primária, principalmente pela falta de grandes estudos com essa finalidade. Dados do estudo GESICA, que tinha pequena parte dos pacientes com miocardiopatia chagásica, já apontavam para o benefício da amiodarona na redução da mortalidade e das internações hospitalares. Entretanto, na ocasião desse estudo poucos pacientes utilizavam terapia betabloqueadora. Quanto aos fatores de predição de risco de mortalidade por miocardiopatia chagásica, Rassi e colaboradores39 demonstraram que, por meio de um escore de validação de risco, era possível prever os grupos de risco (alto, médio e baixo) a partir de características clínicas em 424 pacientes de uma coorte. Após extensa análise multi e univariada, concluiu-se que seis variáveis clínicas tinham maior influência na sobrevida, às quais foram atribuídos pontos. Assim: cardiomegalia, 5 pontos; classe funcional III ou IV, 5 pontos; taquicardia ventricular não-sustentada, 3 pontos; anormalidades da contração segmentar do ventrículo esquerdo, 3 pontos; baixa voltagem do QRS no plano frontal, 2 pontos; e sexo masculino, 2 pontos. A mortalidade em dez anos foi de 84% nos pacientes de alto risco (12 ou mais pontos), 44% nos de risco médio (7 a 11 pontos) e de 10% nos de baixo risco (até 6 pontos). Quanto à intervenção, Sosa e colaboradores40 demonstraram que o tratamento empírico com amiodarona para taquicardia ventricular na miocardiopatia chagásica é seguro e eficaz a longo prazo. Também constataram que a recorrência da taquicardia ventricular sustentada era maior nas classes funcionais III e IV (todos os pacientes) que nas classes I e II (apenas 30% dos pacientes) no seguimento de 36 meses. Leite e colaboradores41 também analisaram o papel do estudo eletrofisiológico na estratificação de risco em pacientes com miocardiopatia chagásica medicados com amiodarona ou sotalol. No seguimento médio de 52 meses, os pacientes com indução de taquicardia ventricular sustentada estável ou sem indução de taquicardia ventricular sustentada tiveram me- lhor sobrevida que os que tiveram indução de taquicardia ventricular mal tolerada, sugerindo o uso mais precoce dos desfibriladores nessa população. Finalmente, Cardinalli-Neto e colaboradores42 demonstraram, em 90 pacientes com miocardiopatia chagásica com taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular e fração de ejeção do ventrículo esquerdo média de 47%, que os desfibriladores associados à amiodarona podem reduzir a mortalidade. Esse estudo, porém, não foi randomizado e 34% dos pacientes morreram durante o seguimento, sendo a maioria (93%) por falência de bomba. É interessante o fato de que o único fator de predição de risco de mortalidade por choque cardiogênico foi o número de choques por paciente nos primeiros 30 dias do implante do cardioversor-desfibrilador implantável. Assim, com base nos dados atuais, embora alguns marcadores de risco já tenham sido validados, ainda é controverso o papel dos desfibriladores na prevenção tanto primária como secundária na miocardiopatia chagásica. REFERÊNCIAS 3. Control of Chagas’s disease: second report of the WHO Expert Committee. Technical report series 905. Geneva: World Health Organization; 2002. 4. Packer M, Poole-Wilson PA, Armstrong PW, et al. Comparative effects of low and high doses of the angiotensinconverting enzyme inhibitor, lisinopril, on morbidity and mortality in chronic heart failure. ATLAS Study Group. Circulation. 1999;100(23):2312-8. 5. Strickberger SA, Hummel JD, Bartlett TG, et al. (AMIO- 1. Manolio TA, Baughman KL, Rodeheffer R, et al. 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No momento atual, uma simples estratificação clínica de risco baseada nos sinais e sintomas, associada ao uso racional dos métodos nãoinvasivos e invasivos, é importante para determinar qual subgrupo de pacientes se beneficiaria mais com o tratamento com dispositivos eletrônicos implantáveis. RSCESP — Jul-Ago-Set — Vol. 18 — No 3 — 2008 DARRIEUX F e col. Avaliação de risco e tratamento das arritmias ventriculares nas cardiopatias não-isquêmicas VIRT Investigators). Amiodarone versus implantable cardioverter-defibrillator: randomized trial in patients with non-ischemic dilated cardiomyopathy and asymptomatic non-sustained ventricular tachycardia – AMIOVIRT. J Am Coll Cardiol. 2003;41(10):1707-12. 6. Johnson RA, Palacious I. Dilated cardiomyopathy of the adult (first of two parts). N Engl J Med. 1996;334:493-9. 7. Leclercq JF, Rosengarten MD, Attuel P, et al. Idiopathic ventricular extrasystole: right ventricular parasystole not protected from the sinus rhythm [French]. 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