REVITALIZAÇÃO DAS ZONAS RURAIS MARGINALIZADAS

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REVITALIZAÇÃO DAS ZONAS RURAIS MARGINALIZADAS
Sumário
REVITALIZAÇÃO DAS ZONAS RURAIS MARGINALIZADAS : A CONSTRUÇÃO
SOCIAL DA MULTIFUNCIONALIDADE AGRÍCOLA NA FRANÇA
Ademir Antonio Cazella1
RESUMO – Nós analisamos neste artigo as principais contribuições que os agricultores néorurais oferecem à dinâmica de desenvolvimento de zonas rurais marginalisadas
(desfavorecidas). A partir de um estudo de caso realizado no departamento de Aude (França),
nós defendemos a idéia de que as famílias de origem urbana instaladas como agricultores
contribuem consideravelmente à construção de um modelo de desenvolvimento rural e
agrícola original. Paradoxalmente, a frequente falta de um enquadramento destas famílias nas
normas de instalação agrícola e nas atividades (filières) eleitas como prioritárias pelas
organizações profissionais agrícolas se revelou um importante fator de desenvolvimento
destas zonas.
Palavras-chaves : desenvolvimento local ; diversificação agrícola ; migração rural.
APRESENTAÇÃO
Na França, as previsões quase sempre alarmantes sobre o despovoamento contínuo e
crescente das zonas rurais de montanha, pouco favoráveis ao desenvolvimento de uma
agricultura intensiva, foram colocadas em cheque desde que a inversão desta tendência foi
revelada pelos últimos censos da população. Os trabalhos pioneiros de Kayser (1990; 1993)
demonstraram que a revitalização do meio rural era um fenômeno real e durável mesmo nas
zonas mais isoladas e marginalizadas do ponto de vista socioeconômico. Nesta mesma
direção, Hervieu et Viard (1996) remarcam que, na atualidade, uma verdadeira reconquista e
revalorização do rural é manifestada pelos franceses de diferentes camadas sociais, pouco
importando se eles são originários de meio rural ou do meio urbano. Cidade e campo operam
uma “mestiçagem” de estilo de vida graças à mobilidade cada vez maior da população. O
objetivo deste artigo é aprofundar a compreensão dos impactos das migrações rurais na
dinâmica de desenvolvimento local. Nós estudamos, em particular, as oportunidades que o
setor agrícola oferece a uma fração das famílias, na maioria de origem urbana, que se instalam
no campo. A partir de um estudo de caso realizado no departamento francês de Aude, nós
analisamos as principais contribuições dos agricultores ditos “neo-rurais” ao desenvolvimento
das zonas rurais marginalizadas2 .
DOS AGRICULTORES PROFISSIONAIS AOS AGRICULTORES “FORA DAS
NORMAS”
As transformações que o setor agrícola francês tem passado nos últimos vinte anos
vêm sendo estudadas por um grupo de pesquisadores que se inspiraram nas teorias da
regulação e das convenções3 . A crise socioeconômica das últimas décadas, que tem no
aumento do índice de desemprego sua principal expressão, mudou profundamente o
referencial de desenvolvimento agrícola preconizado como dominante pelas principais
1
2
Profissional Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected]
As idéias apresentadas neste artigo fazem parte da nossa tese de doutorado (CAZELLA, 2000).
3
A teoria “regulacionista” foi construída a partir de pesquisas que procuravam uma explicação para a crise
econômica marcada pelo primeiro choque do petróleo de 1974-75. O estudo das contra tendências e das crises
econômicas é o fundamento da “escola da regulação”, que se ocupa da análise macroeconômica ou setorial. A
economia das convenções é tributária da teoria da regulação e ela se aplica à microeconomia. Cf. LAURENT
(1992) e ALLAIRE e BOYER (éd.) (1995).
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Organizações Profissionais Agrícolas (OPA)4 . Os estabelecimentos agrícolas profissionais
com duas Unidades de Trabalho Homem anuais, sem nenhuma renda oriunda de atividades
externas, adotando as técnicas agrícolas intensivas e que se integram perfeitamente aos
mercados, não são mais a norma. A crise não significa simplesmente que tudo vai mal, mas
sobretudo que as coisas vão de forma diferente (Laurent, 1992).
“A diversidade não somente persiste mas se reproduz. O movimento de
modernização não se traduziu pela generalização de um modelo único ; ao
contrário, as unidades agrícolas familiares demonstraram sua capacidade de
resposta à competitividade recorrendo a vias diferentes” (Idem:92).
Até hoje, a diversidade dos mecanismos graças aos quais a agricultura contribui ao
desenvolvimento rural, como por exemplo as novas modalidades de exercício da atividade
agrícola, permanece pouco conhecida. Os estudos de casos efetuados por Laurent et al.
(1996;1998) revelam que a a agricultura realiza um importante papel de coesão social
seguramente mais significativo e mais complexo que própria geração de empregos
agrícolas. A atividade agrícola é, na maioria das vezes, multifuncional no seio do grupo
familiar, mesmo que uma função seja a dominante.
Neste contexto, Bellon et al. (1995) analisam as razões que conduzem certas famílias
urbanas a se lançar na agricultura, freqüentemente fora do quadro de uma herança familiar.
Esses pesquisadores identificaram quatro funções principais que a agricultura pode
desempenhar no interior das famílias estudadas : uma função econômica, seja a título
complementar, seja a título principal ; uma função de integração num regime de proteção
social, onde o direito à aposentadoria representa um dos principais objetivos ; uma função
patrimonial, isto é de manutenção de uma propriedade familiar ; e finalmente uma função
hedonista (lazer) onde a renda agrícola não tem praticamente nenhuma importância.
As experiências daqueles que procuram se instalar na agricultura sem serem
originários de uma família de agricultores testemunham que a inserção nesta categoria sócioprofissional depende da capacidade de “provarem” sua competência técnica junto às
principais OPAs. Ou seja, eles devem vencer os obstáculos previstos pela política agrícola,
que restringe a entrada na atividade fora do quadro de uma família de agricultor tradicional.
Esses obstáculos foram criados ao longo dos anos 1960 pelos representantes das OPAs, com o
apoio do setor público, tendo por objetivo principal a manutenção do caráter familiar dos
estabelecimentos agrícolas. Esta co-gestão das políticas de desenvolvimento agrícola criou
várias normas para atribuir subsídios aos candidatos às instalações agrícolas. Para se ter
acesso, por exemplo, à Dotação Jovem Agricultor (DJA) e aos empréstimos subvencionados
precisa-se respeitar uma série de critérios, dentre os quais a idade e a formação escolar do
pretendente, assim como a dimensão e a orientação técnico-econômica do estabelecimento5 .
Em função dessas exigências, o número de instalações ditas “fora das normas” cresceu
consideravelmente nos últimos anos. Essa expressão designa as novas instalações agrícolas
que não respeitam a legislação da política agrícola. Segundo Rémy (1997), esse tipo de
instalação começou a ganhar espaço na imprensa agropecuária desde 1993. Os agricultores
“fora das normas” podem ou não apresentar uma origem agrícola, mas a característica
principal de um número significativo deles reside no fato que exerceram outras atividades
profissionais antes de se instalar de forma tardia no campo. Além disso, a maioria não possui
uma formação escolar que obedeça as normas exigidas oficialmente. Rémy chama a atenção
4
5
Para um estudo sócio-antropológico das principais OPAs francesas, ver MARESCA (1983).
Para mais informações sobre este sujeito ver, entre outros, MARESCA (1986).
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para o fato que a atividade agrícola acaba cumprindo um papel de “refúgio” e de inserção
social para um grande número dessas famílias diante do desemprego crescente.
Apesar das diversas dificuldades que os agricultores de origem neo-rural devem
contornar, suas atividades encontram-se entre as ações mais significativas em termos de
desenvolvimento rural dos últimos anos. O aumento do número de agricultores que não
respeitam as normas de instalação, assim como a importância das práticas mais ou menos
heterodoxas que eles vêm adotando para garantir uma renda mínima, lhes conferiram com o
passar do tempo um certo reconhecimento institucional. Os impactos políticos e
socioeconômicos dessas novas instalações agrícolas juntam-se às iniciativas de uma parte
importante de agricultores tradicionais que procuram diferenciar seus sistemas de produção do
modelo de agricultura produtivista. Para aprofundar a relação entre as migrações de retorno ao
meio rural e as instalações agrícolas “fora das normas”, nós apresentamos, a seguir, alguns
aspectos de um estudo de caso sobre o desenvolvimento local e sua articulação com a
agricultura familiar realizado no departamento de Aude.
UM TERRITÓRIO MARCADO POR ZONAS RURAIS MARGINALIZADAS
O departamento de Aude, situado no sul da França, faz parte da região do LanguedocRoussillon. Com uma superfície de 6 344 km², Aude caracteriza-se por possuir uma paisagem
de contrastes bem marcados : a costa mediterrânea a leste e duas zonas de montanhas de
relevos acentuados (ao norte a Montanha Negra e ao sul os Pireneus), separadas por uma faixa
plana. Esta última atravessa o departamento no sentido leste-oeste e concentra as principais
vias de comunicação rodoviárias e fluviais (Canal do Midi). As principais cidades do
departamento encontram-se nessa zona plana : Narbonne, Carcassonne et Castelnaudary. O
mapa I, a seguir, apresenta a localização do departamento de Aude e dos seus principais
municípios6 .
Segundo a metodologia de classificação das zonas rurais adotada pela Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE7 para medir os níveis de ruralidade e de
urbanização dos seus países membros, o departamento de Aude faz parte da categoria das
zonas “essencialmente rurais”, já que 65,5% da sua população habitam em cantões
considerados como rurais por esta metodologia. A maior parte da superfície de Aude é pouco
povoada e praticamente dois terços dos trinta e cinco cantões apresentam uma densidade
demográfica inferior aos 50 hab./km² verificados na escala departamental. Entre seus 436
municípios (communes), um terço tem menos de cem habitantes, o que representa uma
incidência desse tipo de município três vezes superior à média nacional.
6
Por problemas de incompatibilidades de versão do programa de informática utilizado para elaborar os mapas,
nós fomos obrigados a manter os títulos e as legendas dos mesmos em francês.
7
Três diferentes tipos de zonas territoriais foram adotadas por esta Organização tendo como critério básico a
proporção da população que vive em “localidades rurais”, definidas pela densidade demográfica inferior a
150 hab./km². Para as condições territoriais francesas, um departamento é considerado “essencialmente rural”
quando 50% de seus habitantes residem em cantões com densidade demográfica abaixo do limite de 150
hab./km². Num departamento “relativamente rural”, 15% à 50% da população vivem nesse tipo de cantão.
Finalmente, um departamento “essencialmente urbano” apresenta uma taxa de população rural inferior a 15%.
Cf. OCDE (1994).
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Uma característica marcante de Aude consiste no fato que este departamento tem
recebido nos últimos 25 anos uma população migrante importante. Mesmo as zonas isoladas e
montanhosas acolhem uma população diversificada, sendo que uma parte é financeiramente
carente. Entre outras razões, essas famílias procuram se instalar nessas zonas devido ao menor
custo de vida. As áreas de montanha pouco habitadas e desfavoráveis ao desenvolvimento de
uma agricultura intensiva despertaram o interesse de uma população constituída, inicialmente,
de “hippies” ou “marginais”.
Assim, diversos pequenos municípios da região em declínio populacional receberam
inicialmente novos habitantes sem nenhuma política de inserção social. Esse movimento
migratório foi suficiente para compensar, ao mesmo tempo, o déficit natural da população
rural (diferença entre nascimentos e mortes) e o êxodo rural. Esse processo migratório
representa um dos principais mecanismos informal de desenvolvimento das zonas rurais
marginalizadas de Aude. No tópico seguinte, nós procuramos estudar os impactos principais
dessa migração na dinâmica de desenvolvimento dessas zonas.
MIGRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO DAS ZONAS RURAIS DE MONTANHA
A decadência da indústria local e as transformações que o setor agrícola passou ao
longo do século XX estão na origem de uma redução importante da população das zonas
rurais do departamento. A população atual de 309 770 habitantes continua abaixo do seu
máximo de 332 080 habitantes registrados em 1886. No entanto, o ritmo de diminuição da
população começou a perder intensidade a partir dos anos 1970. Deveau (1995: 149-150)
resumiu bem, mesmo que de forma caricatural, os dois movimentos migratórios que mudaram
completamente a estrutura da população de Aude :
“Toda uma geração deixou em massa a região para ir trabalhar na cidade, para
fazer parte dos serviços públicos e administrativos… Os jovens de Aude viraram
funcionários do correio, da polícia e do ensino… Durante esse tempo, a
austeridade da paisagem, mas principalmente o abandono das comunidades rurais,
a ruína das propriedades agrícolas, e sobretudo seus baixos preços, chamaram a
atenção de pessoas carentes, que se instalaram e tentaram viver nessas zonas
abandonadas”.
O saldo natural da população do departamento continua negativo, entretanto a
população total aumenta constantemente e a um ritmo ligeiramente superior à taxa de variação
da população nacional (3,4%), graças ao saldo migratório positivo (diferença entre entradas e
saídas). Entre 1982 e 1999, o déficit natural foi de quase nove mil pessoas, mas o saldo
migratório registrou um aumento de trinta e oito mil novos habitante vindos de outros
departamentos.
Evidentemente que a distribuição desta população migrante sobre o território é
desigual. A tendência à concentração dos novos habitantes nas proximidades do cantão de
Narbonne, já verificada entre 1982 et 1990, se repetiu no período seguinte. Mais da metade
dos 15 377 novos habitantes do saldo migratório registrados no censo da população de 1999
se estabeleceram seja nesse cantão, seja nos cantões vizinhos, o que reforça o fenômeno
chamado localmente de “narbotropismo”. O gráfico I, abaixo, compara os saldos naturais e
migratórios dos cantões do departamento verificados nos anos 90.
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Gráfico I: Saldos migratórios e naturais dos cantões (1990-1999)
Axat
Couiza
Mas-Cabardès
Lagrasse
Mouthoumet
Saldo migratório=15 377
Saldo natural= - 4 319
Belpech
Tuchan
Chalabre
Quillan
Conques sur Orbiel
Belcaire
Salles-sur-l'Hers
Durban-Corbières
Alaigne
St-Hilaire
Saissac
Carcassonne
Limoux
Capendu
Montréal
Peyriac-Minervois
Alzonne
Fanjeaux
Narbonne
Castelnaudary
Ginestas
Lezignan-Corbières
Sigean
Coursan
-1000
-500
0
500
1000
1500
2000
2500
Solde naturel
Solde migratoire
Fonte : INSEE, 2000. Chiffres-clés de la France métropolitaine. RGP 1999. Paris (www.insee.fr).
A maior parte dos cantões que registraram uma diminuição absoluta da população se
situa nas zonas de montanha. Contudo, mesmo estas zonas apresentam uma variação positiva
da população migrante desde 1975. No último censo, somente um cantão (Axat), situado na
zona de alta montanha dos Pireneus, teve um saldo migratório negativo (-3 habitants). Senão,
nos demais, a diferença entre as entradas e as saídas de habitantes foi positiva. Em vários
cantões, esse movimento migratório compensou o déficit natural da população, que se deve à
sua elevada taxa de envelhecimento. Vinte e quatro dos vinte e nove cantões considerados
neste trabalho apresentam um saldo natural negativo, mas na metade desses casos a chegada
de novos habitantes foi superior ao déficit natural da população8 . Os mapas II e III, abaixo,
ilustram as diferentes zonas territoriais e a localização do conjunto dos cantões de Aude.
8
Cada uma das subdivisões dos cantões de Carcassonne, Narbonne et Castelnaudary foi reunida numa única
unidade.
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Se a população rural do departamento deu sinal de revitalização ao longo do último
quarto do século XX, o mesmo não ocorreu com o número de agricultores. Esta categoria
sócio-profissional continuou a diminuir seu contingente nesse período. Eles eram 32 698 no
Pós-Guerra e não passavam de 9 594 em 1997. Ou seja, uma variação negativa de
aproximadamente 70%, que corresponde à taxa nacional de diminuição dos estabelecimentos
agrícolas.
No entanto, a análise exclusivamente quantitativa, centrada sobre a evolução do
número de agricultores, não revela os inúmeros projetos de instalação agrícola, entre os quais
aqueles que permanecem no nível das intenções, para não dizer dos sonhos não realizados ou
fracassados. Como e por quê esses pretendentes ao estatuto social de agricultores procuram
justamente uma região onde o exercício da atividade agrícola é difícil e se encontra em
declínio? É o que nós procuramos discutir a seguir.
UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO RURAL : A CONTRIBUIÇÃO DOS
AGRICULTORES NEO-RURAIS
Os estudos de Casteran et al. (1992) e Ravignan (1996) sobre a ocupação profissional
dos novos moradores das zonas rurais de Aude, realizados em oito cantões da zona sul do
departamento (pireneus), revelam que a maioria deles fazem parte da população ativa. Os
aposentados que procuram a montanha para viver representam menos 20%. Os 80% restantes
são assalariados, comerciantes, artesãos, domésticas, desempregados e agricultores. As
atividades agrícolas ocupam a tempo completo, ou a tempo parcial quase um quinto dos novos
moradores. O aspecto mais interessante é que mais de dois terços desses novos agricultores
nunca exerceram essa atividade anteriormente.
O Ministério da Agricultura e da Pesca revelou que no âmbito nacional 29% dos novos
agricultores se instalaram sem recorrer aos subsídios previstos para tanto entre 1989 e 1992.
Em Aude, as instalações que não se enquadram na categoria apta a receber a DJA sobem a
44% (356 dos 814 novos chefes de estabelecimentos agrícolas). Entre esses, 50% não têm a
formação escolar exigida para receber a DJA ; somente 36% trabalharam na atividade antes
de se instalarem como agricultores ; 21% ficaram desempregados por um período de mais de
dois anos e ; 39% das famílias têm uma fonte de renda não agrícola (AUDASEA, 1994).
A contribuição dos agricultores neo-rurais na dinâmica de desenvolvimento local de
Aude está longe de ser insignificante9 . De uma parte, a criação por esses agricultores, em
1979, de um novo sindicato agrícola (atualmente ligado à Confederação Camponesa)
influenciou o poder público local a elaborar e a operacionalizar um programa de
desenvolvimento local das zonas de montanha. De outra parte, a difusão da agricultura
orgânica pelos agricultores neo-rurais, o exercício de outras atividades profissionais
associadas à agricultura e a revalorização da venda direta dos produtos agrícolas nas
localidades marcadas pelo êxodo rural dos agricultores tradicionais representam algumas das
ações fundamentais desse público no processo de desenvolvimento local, seja pela iniciativa
direta, seja pelo efeito de reação ou de imitação suscitado.
Apesar da fraca integração desses agricultores atípicos às políticas oficiais de
desenvolvimento contrasta com a sua importância socioeconômica e política nas zonas de
montanhas. Seus sistemas de produção tidos como “não significativos estatisticamente”
contribuem de maneira muito clara a dinamizar o quadro de vida local. Ao lado da dinâmica
formal de desenvolvimento local, diversos agricultores familiares neo-rurais e tradicionais,
adotam espontaneamente novas lógicas de exercício da atividade agrícola. Um verdadeiro
desenvolvimento local cotidiano ou informal, que articula as estratégias individuais e
coletivas das famílias de agricultores é operacionalizado. Neste domínio, fica muito difícil
9
Para aprofundar esta análise, ver CAZELLA (2000).
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não reconhecer o papel pioneiro e inovador dos neo-rurais, que escolheram a agricultura como
um dos meios, mas não o único, de integração local.
CONCLUSÃO
As zonas rurais marginalizadas do departamento de Aude foram duramente
penalizadas pelo êxodo rural ao longo do século XX. Foi somente a partir dos anos 1970 que
o movimento migratório de reocupação desses territórios começou a inverter o saldo
migratório. Mesmo que a maioria dos novos habitantes se instalem nas proximidades das duas
principais cidades do departamento, Carcassonne e Narbonne, uma parte escolhe o meio rural,
por vezes as zonas mais isoladas, para viver e trabalhar. Assim, uma verdadeira recomposição
do tecido social destas zonas e das suas comunidades rurais até então moribundas está em
curso a pelo menos um quarto de século. Entre as atividades profissionais exercidas por esta
população migrante, a agricultura ocupa um espaço não irrisório. Paradoxalmente, a falta de
um enquadramento, seja nas normas de instalação dos jovens agricultores, seja nas cadeias
agrícolas eleitas como prioritárias pelas principais OPAs, se revelou um importante
instrumento de desenvolvimento local. Na realidade, este descaso institucional forçou a
procura de soluções mais ou menos inéditas para lidar com as peripécias que a nova
experiência profissional reserva aos agricultores neo-rurais. No que diz respeito à noção de
desenvolvimento, as práticas desses agricultores abrem novos campos de análise. De uma
parte, elas reforçam a idéia que um modelo de desenvolvimento agrícola original está
começando a concorrer com aquele centrado exclusivamente no produtivismo. E de outra
parte, as instalações agrícolas “fora das normas” colocam em cheque a idéia ainda dominante,
que concebe a redução do número de estabelecimentos agrícolas como uma tendência
inevitável. Uma prova de que o desenvolvimento agrícola está mudando de paradigma foi a
incorporação em 1999 do caráter multifuncional da agricultura na lei de orientação agrícola
francesa.
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