"Neuroacanthocytosis syndromes." Hans H Jung, Adrian Danek and
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"Neuroacanthocytosis syndromes." Hans H Jung, Adrian Danek and
"Neuroacanthocytosis syndromes." Hans H Jung, Adrian Danek and Ruth H Walker. Orphanet Journal of Rare Diseases 6:68, 2011 Neuroacantocitoses (NA) representam um grupo heterogêneo de síndromes nas quais as alterações do sistema nervoso coincidem com acantócitos, ou seja, hemácias com espículas no sangue periférico. As NA são representadas por dois grandes grupos. O primeiro grupo são as síndromes de NA “core”, caracterizada por degeneração dos núcleos da base, transtornos do movimento, comprometimento cognitivo e psiquiátrico, e um segundo grupo com alteração do metabolismo de lipoproteínas, tais como a abetalipoproteinemia e hipobetalipoproteinemia, que manifestam-se por neuropatia periférica e ataxia sensorial, devido a degeneração da coluna dorsal, sem distúrbios do movimento. As síndromes de NA foram inicialmente conhecidas com o epônimo de “Síndrome de Levine-Critchley". A descrição relatada por Critchley compatível com coréia acantocitose (ChAc), de herança autossômica recessiva. A Síndrome de McLeod (MLS) foi descrita pelo estudante de odontologia de Harvard, Hugh McLeod, que evidenciou um padrão anormal de antígenos eritrocitários com expressão ausente ou fraca de antígenos Kell, apresentando alterações caracterizadas por movimentos distônicos, coreicos, arreflexia, fraqueza muscular, CK elevada e miocardiopatia. As principais síndromes “core" de NA são a ChAc autossômica recessiva devido à mutação do gene VPS13A, a síndrome de McLeod ligada ao X com mutações do gene XK, a Neurodegeneração associada a Pantotenato-quinase (PKAN) e a Doença de Huntington-like 2 (HDL2). As síndromes de NA são muito raras, mas também frequentemente subdiagnosticadas. Há estimativas de prováveis mil casos de ChAc e algumas centenas de MLS, sendo a ChAc mais prevalente no Japão. A MLS tem sido descrita na Europa, Japão, América do Norte e Sul e a PKAN é um pouco mais comum com prevalência de 1 a 3/1000000. A HDL2 é mais rara ainda com menos de 50 famílias identificadas em todo o mundo, sendo a maioria de ascendência Africana, incluindo duas famílias brasileiras e um caso no Oriente Médio. As características clínicas da ChAc e MLS são semelhantes à Doença de Huntington, apresentando distúrbios do movimento hipercinético, manifestações psiquiátricas e alterações cognitivas. O início ocorre na idade adulta com progressão lenta. Em ambas as síndromes podem estar presentes miopatia, arreflexia e hepatoesplenomegalia. A HDL2 e PKAN tem início na infância ou adolescência. A ChAc é uma doença neurodegenerativa autossômica recessiva com início aos 20 anos e apresentação inicial com sintomas cognitivos leves ou psiquiátricos. Crises epilépticas podem preceder distúrbios do movimento em até uma década. Durante o curso da doença desenvolve-se coréia generalizada, distonia com protrusão da língua, discinesia orofacial, vocalizações involuntárias, disartria, mordedura de língua e lábio. A minoria dos pacientes desenvolvem parkinsonismo. A presença de distonia orofaciolingual e membros são comuns. Um terço desenvolve epilepsia generalizada como primeira manifestação da doença, e comprometimento da memória e das funções executivas são frequentes. As manifestações psiquiátricas como esquizofrenia, psicose ou transtorno obsessivo compulsivo (TOC) são comuns. O aumento da CK é frequente, com quadros leves de miopatia e neuropatia axonal. Neuropatia sensitivo-motora costuma ocorrer. A progressão da doença é lenta. Na síndrome de McLeod ocorre a ausência do antígeno Kx e expressão fraca do antígeno Kell. Muitos portadores do fenótipo sanguíneo de McLeod apresentam acantocitose e CK elevada, desenvolvendo MLS após várias décadas. O aparecimento dos sintomas neurológicos varia de 25-60 anos com duração maior que 30 anos, geralmente mais tempo que na ChAc. Cerca de um terço dos pacientes com MLS apresentam coreia indistinguível da Doença de Huntington. As manifestações psiquiátricas mais frequentes são a depressão, esquizofrenia, psicose e TOC, que podem aparecer anos antes dos distúrbios de movimento. Comprometimento cognitivo está presente em estágios posteriores, e em cerca de metade dos pacientes ocorrem crises epilépticas generalizadas. O aumento de CK costuma estar presente, e metade dos pacientes desenvolvem fraqueza e atrofia muscular. Nas alterações neuromusculares evidencia-se neuropatia axonal sensitivo-motora e miopatia. Aproximadamente cerca de 60% desenvolvem cardiomiopatia como fibrilação atrial, arritmias malignas e cardiomiopatia dilatada, e os portadores assintomáticos devem realizar avaliação cardiológica periódica. A Doença de Huntington like tipo 2 acomete adultos jovems com idade de início inversamente relacionada com o tamanho da expansão de trinucleotídeos CAG. Pacientes podem ter alterações psiquiátricas como manifestação inicial, com posterior aparecimento de coréia, parkinsonismo e distonia. Os reflexos profundos são vivos sem alterações de nervo periférico ou muscular. A acantocitose é encontrada em 10% dos casos, e os níveis CK são normais. Estudo de imagem com RM mostra atrofia bilateral do núcleo caudado e cortical. PKAN é uma neurodegeneração com acúmulo de ferro cerebral de herança autossômica recessiva. Inicia-se na infância com rápida progressão ao longo de 10 anos. As manifestações clínicas iniciais são a distonia orofacial (lingual) e membros, coreoatetose, espasticidade, palilalia e disartria. Muitos pacientes desenvolvem retinopatia pigmentar e cerca de um terço comprometimento cognitivo. Aproximadamente 8 a 10% apresentam acantócitos no sangue periférico. O início da doença pode ser tardio e com mais rigidez nas formas atípicas. A RM apresentando o sinal do "olho do tigre“ sugere o diagnóstico. Na investigação etiológica da ChAc há mutação no exon 73 do cromossomo 9, que codifica a coreína. Na síndrome de McLeod ocorre mutação gene XK, que codifica a proteína XK, que carrega o Ag eritrocitário Kx, levando a ausência ou redução da proteína XK e falta da proteína Kell. A HLD2 é causada por repetições expandidas de trinucleotídeos do gene da junctofilina 3. Os indivíduos afetados tem expansões CTG/CAG 41-59 (normal 6-27). A PKAN ocorre devido a mutações do gene da pantotenatoquinase 2 (PANK2) do crom. 20p13, que atua na síntese da coenzima A a partir de vitamina B5 (pantotenato). A acantocitose nestas doenças ocorre devido a alteração na síntese de lipídios. Na investigação diagnóstica a presença de acantócitos no esfregaço de sangue periférico negativa não exclui as síndromes de NA. O método mais sensível e específico para detecção de acantócitos é a diluição 1:1 com solução salina e microscopia de contraste de fase. A CK elevada está presente na Chac e MLS. Pacientes com ChAc tem a expressão de coreína ausente em eritrócitos no Western blot. Na MLS a determinação do Ag Kx e Ag Kell está reduzida nos eritrócitos e a análise do gene XK é confirmatória. Na ChAc e MLS a eletroneuromiografia pode evidenciar neuropatia axonal sensitivo-motora, e a eletromiografia padrão neurogênico ou miopático. O eletroencefalograma apresenta achados inespecíficos e a RM evidencia atrofia estriatal (cabeça núcleo caudado) e metabolismo diminuído da glicose estriatal, sendo o núcleo caudado, putâmen e globo pálido os mais alterados. Na ChAc tálamo e substantia nigra também podem ser afetados. Em contraste com Doença de Huntington não há envolvimento significante cortical. Na Chac e HDL2 o início geralmente ocorre no adulto jovem, e na MLS o início é mais tardio. A PKAN inicia-se mais na infância ou adolescência. O fenótipo da Síndrome de McLeod muitas vezes pode ser identificado, durante doação de sangue nos bancos de sangue. As auto-amputações de lábios e mordedura de língua, ou outras auto-mutilações são fortemente sugestivas de ChAc, e também podem ser presenciadas na síndrome de Lesch-Nyhan. Na ChAc a chance de qualquer irmão evoluir com a doença é de 1:4, e os filhos dos pacientes afetados serão portadores de um alelo mutante e não serão afetados. Na MLS doença ligada ao X, homens afetados passarão o cromossomo X para suas filhas, cujos filhos terão uma chance de serem afetados de 1:2 e as filhas 1:2 de serem portadoras. A mulher portadora raramente desenvolve uma síndrome neurológica. Na PKAN os irmãos apresentam chance de apresentar a doença de 1:4. Na HDL2 os filhos de um dos pais afetados a chance será de 1:2, e os irmãos chance de 1:2, ocorrendo antecipação com a idade de início mais jovem em sucessivas gerações. O tratamento para as alterações psiquiátricas repercutem em grande impacto na qualidade de vida. Os antagonistas da dopamina clozapina e tetrabenazina podem ser utilizados para os distúrbios do movimento hipercinéticos. Nas convulsões podem ser prescritos fenitoína e valproato. A DBS apresenta resultados variáveis em ChAc e MLS. Apresenta benefícios na estimulação do núcleo ventral oral posterior talâmico e GPi. A estimulação de alta frequência do GPi piorou fala e coréia, e melhorou a distonia e mordedura de língua, e a de baixa freqüência melhorou a coréia, mas não a distonia. A aplicação de toxina botulínica no músculo genioglosso pode ser benéfica para a protusão da língua distônica. A abordagem multidisciplinar é sempre necessária. O prognóstico apresenta curso inexoravelmente progressivo e há muito para ser aprendido sobre os mecanismos moleculares que causam a neurodegeneração. Provavelmente a elucidação da fisiopatologia molecular conduzirá à prevenção da doença ao nível celular. Conclusão: A investigação de NA é obrigatória, em pacientes com quadro de coreia e declínio cognitivo sugestivo de doença de Huntington com o teste genético negativo para a esta doença. Os níveis elevados de CK podem ser cruciais para indicar fenotipagem do grupo sanguíneo Kell e Western blot para coreína. O tratamento das NA é sintomático, e a expectativa e qualidade de vida podem ser aumentados considerando medidas adequadas. Lorena Broseghini Barcelos