Pensar Acadêmico – Ano 4

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Pensar Acadêmico – Ano 4
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PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Publicação semestral da FACIG – Faculdade de Ciências Gerencias de
Manhuaçu/MG
Editor: Érica Dutra Albuquerque
Hellen Cristine Prata de Oliveira
Lívia Paula de Almeida Lamas
Conselho Editorial: Aloísio Teixeira Garcia
Rita de Cássia Martins de Oliveira Ventura
Thales Reis Hannas
Periodicidade: Semestral
Indexação: Lantidex e Sumários.org
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Pensar Acadêmico
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nem de forma solidária, pelas opiniões, idéias e conceitos emitidos nos artigos, por
serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es)”.
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Publicação Semestral da FACIG
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
Ano
4
Número
1
1º Semestre
2012
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PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Revista de Ciências Gerencias da FACIG
Ano 4
Número 1
1º Semestre 2012
Artigos
p. 08 - Considerações sobre direito, liberdade e Estado em Kant, Tocqueville e Stuart Mill
Germano Moreira Campos
p.13 - Apontamentos sobre a educação de imigrantes no Brasil
Amanda Dutra Hot
p. 20 - Avaliação dos impactos ambientais no aterro sanitário de Manhuaçu
Juliana Regina Coelho Cabral
Patrícia da Mata Huebra
Vitor Vargas
Lázaro Adão
Lívia Paula de Almeida Lamas
Érica Dutra Albuquerque
p. 39 - Serviço social inserido na política social sobre a ótica marxista
Ruteléia Cândida de Souza Silva
Daniele Alves Segal
Ivani de Andrade
Janaína de Oliveira Silva
Jéssica da Silva afonso
Leslie Morais
Lornídia de Souza Abreu
Sara de Assis Miranda
Verônica da Mata Huebra
p. 54 - Tradução de títulos de filmes do inglês para o português: questões de língua e
mercado
Lívia Paula de Almeida Lamas
p. 60 - Fusões e aquisições: efeitos que podem ser trazidos por essa metodologia
estratégica
Reginaldo Adriano de Souza
p. 69 - As alternativas penais em espaços sócio-culturais
Tânia Maria Silveira
p. 81 - Religião, gênero e poder
Noêmia de Fátima Silva Lopes
Maria de Fátima Lopes
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Campos (2012).
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CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITO, LIBERDADE E ESTADO EM KANT, TOCQUEVILLE
E STUART MILL
Área temática: Ciências Humanas/História
Germano Moreira Campos1
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Mestre em História pela UFOP e professor no curso de História na Faculdade de Ciências
Gerenciais de Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
O presente artigo se dedica a desenvolver uma síntese do pensamento político-filosófico de
Immanuel Kant, e, ainda, fazer uma certa aproximação com os ideais de Aléxis de Tocqueville e
John Stuart-Mill, de acordo com assuntos específicos. Kant, filósofo alemão do século XVIII,
desenvolveu seu pensamento baseado, fundamentalmente, na razão e na concepção de
liberdade que ela lega ao homem. A natureza tem importante função na elevação do indivíduo; e
o Estado, na visão kantiana, exerce e sofre ação dos homens entendidos enquanto sociedade.
As noções de liberdade, Estado, direito e mesmo a idéia de cidadão (indivíduo) têm semelhanças
e distanciamentos que se tornam evidentes quando comparados aos pensamentos desses três
legítimos “analistas” das situações e das instituições de seu tempo. Houve uma certa dificuldade
para chegar a tais considerações, pois a contradição é marca presente – internamente – nesses
pensadores, embora Tocqueville chegue a ser, dentre todos, o mais claro nas suas definições,
embora seja bastante pessimista quanto à sua análise.
Palavras-chaves: Direito; Estado; Indivíduo.
ABSTRACT
This article is dedicated to developing a synthesis of political and philosophical thought of
Immanuel Kant, and also to a certain approximation to the ideals of Alexis de Tocqueville and
John Stuart Mill, in accordance with specific issues. Kant, German philosopher of the eighteenth
century, developed his thinking based fundamentally on reason and conception of freedom that
she bequeaths to man. Nature plays an important role in the elevation of the individual, and the
state, in the Kantian view, exercises and action of men suffer understood as a society. The notions
of freedom, rule, law, and even the idea of citizen (individual) have similarities and differences that
become evident when compared to the thoughts of these three legitimate "analysts" of situations
and institutions of his time. There was some difficulty in arriving at such considerations as the
contradiction is this brand - internally - these thinkers, though Tocqueville comes to be, of all the
more clear in its definitions, although it is quite pessimistic about their analysis.
Keywords: Law, State, Guy.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012.
Campos (2012).
A FILOSOFIA RACIONAL E POLÍTICA DE
KANT
Immanuel Kant ganhou destaque,
principalmente, através do texto-panfleto
Resposta à Pergunta: Que é “Esclarecimento”?;
em que lançou explicações a respeito do que
viria a ser o termo esclarecimento ou
Iluminismo (Aufklarung) na sua visão. Kant
destaca muito o “uso público da razão” como
sendo o grande responsável para que o homem
abandone a situação de menoridade e atinja
grau de maioridade (KANT, 1974, p. 100).
O estado de menoridade é tido como
injusto, e a natureza – a oposição por ela
gerada – faz com que o desenvolvimento do
homem se torne uma necessidade; um
“imperativo categórico”. O indivíduo agiria
sempre visando a um fim – “teleologia” – para
atingir os objetivos por ele almejados. Para
Kant é possível que todos os cidadãos se
esclareçam usando a razão (através de
publicações que possam atingir as massas a
ponto de norteá-las), especialmente em
conjunto; mas ele também diz que esse
processo é difícil e lento, o que explica a pouca
quantidade de homens esclarecidos existentes
no mundo de sua época.
Voltando à razão, esta pode chegar a
atuar como uma espécie de “Deus” em Kant;
ela guia os indivíduos rumo a um futuro que
tende a ser bom, se este homem for esclarecido
– se ele não precisar de um tutor que o norteie,
como ocorre na menoridade. Acontece o que se
chama de “democratização do debate”, e a
ética tende a aumentar juntamente com a
aplicação da razão.
No tocante à política, Kant lança
previsões e fala da necessidade de uma
“Constituição
civil
que
administre
Universalmente o direito” (KANT, 1986);
deixando os países numa situação de igualdade
de condições. Isto seria quase que uma
determinação, e quando esta condição fosse
atingida, a natureza diminuiria seu ferrenho jogo
de oposições lançadas sobre os homens, as
guerras diminuiriam – pois, segundo Kant,
acabar por completo não seria bom, porque
deixaria o homem acomodado –,e o mundo se
aproximaria daquilo que Kant chamava de
“paz perpétua”, um empecilho ao pleno
desenvolvimento dos homens e dos
Estados.
O caráter absolutista de Kant é
mostrado quando prega a necessidade
imprescindível do Estado para controlar
as liberdades, e possibilitando-as a um
“número mais amplo de pessoas”. Os
conceitos de liberdade e segurança meio
que se misturam nesse filósofo, diferente
daquilo que observa em pensadores
como Hobbes – que defende a troca da
liberdade do estado de natureza pela
segurança do Estado civil – e Rousseau
– defensor do “bom selvagem”1.
A NOÇÃO DE LIBERDADE E SUAS
CONSIDERAÇÕES:
INDIVÍDUO
E
SOCIEDADE
A noção de liberdade é uma das
mais importantes e também das mais
contraditórias quando se analisa os três
pensadores que são alvo deste trabalho.
Para Kant, este é o bem mais importante
que o homem pode ter.
Através da liberdade kantiana,
cada cidadão deve atuar como um
legislador dentro da sociedade – Estado –
pensamento
compartilhado
com
Tocqueville. “Ninguém me obriga a ser da
maneira dos outros” (KANT, 1974, p. 56),
esta frase representa bem a visão de
Kant. Nele, a questão da liberdade vem a
ser tão forte que chega a afirmar que nem
mesmo o Estado pode evitar que o
homem atue livremente. Mas as
controvérsias em Kant se dão mais
fortemente também no tocante à
1
Para maiores informações, conferir as obras
de Hobbes e Rousseau, com destaque para O
Leviatã, do primeiro, e O Contrato Social,
deste.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012.
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liberdade. Até que ponto a determinação da
natureza nos dá liberdade? Dá para se ir além
do imperativo categórico e da eleologia? São
questões que se levantam.
Já Stuart-Mill chega a ser tão categórico
nessa questão da liberdade, que chega mesmo
a enumerar as condições para que ela exista:
“1) de quantas portas estão abertas ao público;
2) da facilidade ou dificuldade de se atingir os
objetivos; 3) de até que ponto elas são abertas
ou fechadas por atos humanos deliberados”
(BERLIM, 1979, p. 162). Enquanto Kant vê a
liberdade mais no plano individual, Mill e
Tocqueville pensam esta questão relacionada à
igualdade entre as pessoas.
A liberdade em Kant, em geral é vista
com bons olhos, ao passo que Mill fala da
existência de duas noções de liberdade: uma
positiva (quando o indivíduo se torna um gestor
de si mesmo) e outra negativa (excessiva, onde
um cidadão acaba limitando o outro). Para Mill
só era considerada humana aquela sociedade
onde a liberdade fosse totalmente respeitada.
Tocqueville, algumas vezes, chega a afirmar
que a liberdade individual excessiva é ruim para
uma nação; e ele toma como base a situação
da Europa, haja vista a falta de mobilização
popular como sendo trágica para os países.
Ainda em Tocqueville, a liberdade era
reconhecida como sendo a ausência de
arbitrariedade; onde esta seria o motor de
muitas revoluções, o que este autor se põe
contra, por considerar que elas só fazem
aumentar a opressão do Estado.
Kant fala que a razão – que vai gerar a
liberdade – é comum a todo ser humano; e
Stuart-Mill infere que é a liberdade o diferencial
entre homens e animais. Mas apenas em Kant
a situação de liberdade é tida como totalmente
positiva, pois Tocqueville e Mill consideram que
chega um ponto em que ela desagrega a
sociedade – através do individualismo
excessivo -, prejudicando a mobilização do
povo. Enquanto a liberdade kantiana é mais
individual, Tocqueville privilegia ao todo; o
grupo.
Como foi referido, o termo liberdade
individual em Kant, vale considerar a
concepção que ele tinha de cidadão, onde se
pode evidenciar uma face do conservadorismo
kantiano: só era considerado realmente
como cidadão aquele que tivesse
“liberdade, igualdade e independência”
(BOBBIO, 2000, p. 137).
Os dois primeiros são comuns à maioria
das pessoas, mas este último diz respeito
a bens, recursos, possessões – o que
excluía a maioria dos ditos “cidadãos”:
poucos, para Kant eram reconhecidos
como reais cidadãos. E isto representa
uma oposição com Tocqueville, que tem
na igualdade entre as pessoas a base de
sua análise; Ele fala da existência de
cidadãos ativos (que promovem ações no
meio) e passivos (que são influenciados
pelos outros).
Tocqueville
apresenta
também
os
diferentes tipos de ação social2:
1- Ação social racional com respeito
a fins: uma ação puramente
racional, “de mercado”;
2- Ação social racional com respeito
a valores: presença da moral;
3- Ação social tradicional
4- Ação social afetiva.
AS CONSIDERAÇÕES
ESTADO
SOBRE
Na filosofia kantiana, o que
também pode ser encontrado nos outros
dois pensadores, o Estado é tido como
essencial para manter, através de suas
instituições, a liberdade e os direitos de
um povo. O que vai os diferenciar serão
as formas de como este Estado é visto.
A visão de Kant – guardadas as
devidas proporções – assemelha-se à de
Hobbes, onde o Estado limita a liberdade
ampla que se tinha no estado de natureza
para manter a ordem; e alguma liberdade
ainda é garantida ao povo. Uma ordem
artificial é imposta, onde o governo atua,
2
Algo muito semelhante também poderáser
observado em Max Weber algum tempo
depois. Conferir em WEBER, Max. Economia e
sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
Brasília: Ed. da UnB, 1999 (vol. 2).
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O
Campos (2012).
por meio de leis, para se impor. É um dever
jurídico do Estado, possibilitar aos cidadãos a
felicidade. A forma de governo preferida de
Kant é o sistema republicano, onde o poder
legislativo é muito atuante.
O governador do povo – o rei – não é
perfeito, pois também é um homem e, logo,
pode cair no erro. Mill já definiria que “há
poderes que são muito pesados para a mão
humana” (BERLIM, 1979, p. 157). É
interessante notar que Tocqueville, Kant e nem
mesmo Mill têm a revolução como sendo a
melhor solução contra um poder que está se
mostrando maléfico para seu povo.
Um ponto onde as considerações dos
três seguem o mesmo caminho é no tocante à
visão que têm de um Estado paternalista; visto
como sendo um mal, pois limita, ou mesmo
impede, que seus cidadãos cresçam. Seria uma
situação de covardia a ser imposta à
população. Tocqueville discorre principalmente
sobre a situação dos países da Europa
(caótica) frente ao caso especial dos Estados
Unidos (TOCQUEVILLE, 1969, p. 135). Há um
temor quanto à situação da primeira e um
engrandecimento deste último – através da
forma pela qual o Estado foi montado a partir
dos seus cidadãos. Tocqueville tem a justiça
como sendo a melhor forma de se analisar a
situação de um país. A queda de muitos
governos, a seu ver, estaria no fato de que os
governantes se tornariam injustos de exercer o
poder que têm em mãos. A democracia é a
forma preferida de Tocqueville para um
governo; o que difere, como já vimos, de Kant,
que, embora queira uma república, não almeja
a democracia.
Kant é menos realista quanto à situação
em que as coisas se encontram do que Mill e
Tocqueville. Neste, “A igualdade constitui a lei
social” (ARON, 1985, p. 56). É muito importante
ao estudo da sociedade para se compreender
as questões políticas. É exaltada a necessidade
de todos os países implantarem uma
Constituição Federativa: “O maior mérito das
leis americanas” (TOCQUEVILLE, 1969, p.
122). É meio que uma aproximação à idéia de
“Constituição
Civil
que
Administre
Universalmente o Direito”, sugerida por Kant.
Mas enquanto este valoriza a existência e a
11
aplicação das leis, Tocqueville exalta o
perigo que um fortalecimento do
legislativo pode acarretar: a morte das
democracias. A importância que Kant
dava à razão é aplicada, por Tocqueville,
ao ideal religioso, para que os costumes
sejam definidos – coisa muito importante
em sua análise. O espírito de religião vem
unido ao espírito de liberdade.
A consolidação de um Estado
marca, fundamentalmente, a saída do
estado de natureza; mas Tocqueville se
mostra bastante preocupado com a
situação em que a Europa estaria se
encontrando – principalmente a França.
Ele chega a falar sobre certa regressão
desses países ao primitivo estado de
natureza que a individualidade excessiva
veio a causar – visão pessimista. Para
Tocqueville, a liberdade existente hoje –
progresso espiritual e principalmente
material – é menor que a de tempos
anteriores. A ambição e a necessidade
das pessoas de ter algo levou a essa
situação crítica de competição individual
na Europa, enquanto outras sociedades –
a norte-americana – estariam se
desenvolvendo através da cooperação
(mobilização).
A ÉTICA E SUAS APLICAÇÕES
Stuart-Mill compartilha com Kant a
idéia de que o indivíduo não evolui no
tempo; o que realmente se amplia é a
cultura, a erudição. É da razão a grande
responsabilidade de fazer com que o
homem evolua até o seu limite. É
interessante, ainda, que Kant chegou a
afirmar que se deve crer em algo, para
isso ele próprio considerou que teve de
limitar sua razão, para que fosse aberto
espaço para considerações religiosas.
Como tudo em Kant, sua ética é
totalmente impregnada pelo espírito da
razão. De acordo com ele, o “bem da
humanidade” norteia a escolha do que é
“bom”, em detrimento do que seria tido
como sendo “mau” para o futuro da
humanidade. Logo, se o indivíduo exerce
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Campos (2012).
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uma ação, é porque é legítimo que ele a faça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A ética aumentaria e iria se consolidar
de vez quando fosse atingida uma situação em
que
os
indivíduos
se
respeitassem
mutuamente. Para isso, seria necessário que o
estado de natureza (injusto) fosse abandonado
e a Constituição civil se instalasse. A base
desse sistema – que visa valores universais – é
que cada indivíduo respeite as liberdades do
outro; o que gera a idéia de que “é legítimo o
que é justo” (pensamento utilitarista). Mill (2001)
se relaciona a esta concepção quando afirma
que “justo é o que é útil”; onde a liberdade
“negativa” pode ser vista como antiética.
O Estado é visto como um corpo, além
de coletivo, moral. Segundo Mill, esta ação
moral do Estado se justificaria pela
autoproteção que ele deve fazer para evitar
qualquer agressão ou dano que algo fosse lhe
causar, e, conseqüentemente, à sua população.
Tocqueville exalta a importância da ética
religiosa na formação dos Estados Unidos.
Kant e Mill não consideram a existência
de uma verdade absoluta; e aquilo que for
descartado como sendo uma mentira, poderá
levar consigo uma parcela de verdade. A coisa
mais antiética que poderia existir seria um
governo autoritário, segundo Mill e Tocqueville.
ARON, Raimmond. Estudos políticos.
Brasília: Editora da Universidade de
Brasília 1985.
BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a
liberdade.
Brasília:
Editora
da
Universidade de Brasília, 1979.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no
pensamento de Emmanuel Kant. São
Paulo: Mandarim, 2000.
HOBBES, Thomas. Leviatã São Paulo.
Abril Cultural, 1988.
KANT, Emmanuel. Resposta à pergunta:
Que é “Esclarecimento”? In: Textos
Seletos. Petrópolis: Editora Vozes, 1974.
KANT, Emmanuel. Idéia de uma história
universal de um ponto de vista
cosmopolita.
São
Paulo:
Editora
Brasiliense, 1986.
ROUSSEAU, J. J. O Contrato social.
São Paulo: Martin Claret, 2001.
CONCLUSÃO
STUART-MILL, J. Sobre a liberdade.
Petrópolis: Vozes, 1991.
Através do que foi apresentado, pode-se
observar o posicionamento desses três grandes
homens, no campo dos conceitos políticos e no
tocante aos direitos – em termos gerais – do
povo. Como foi dito na introdução deste
trabalho, não é fácil descrever a filosofia dos
autores considerados; pois eles apresentam,
como no caso de Kant, contradições internas e,
principalmente, quando se toma um em relação
ao outro.
Ao mesmo tempo em que aparentam ser
facilmente compreensíveis, lançam na mente
de seus leitores as mais complicadas teorias
político-sociais.
Espero
ter
relacionado
corretamente o pensamento desses excelentes
autores, o que foi o objetivo maior deste
trabalho.
TOCQUEVILLE, Aléxis de. Democracia
na América. São Paulo: Editora Nacional,
1969.
WEBER, Max. Economia e sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva.
Brasília: Ed. daUnB, 1999 (vol. 2).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012.
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Hot (2012).
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APONTAMENTOS SOBRE A EDUCAÇÃO DE IMIGRANTES NO BRASIL
Área Temática: Ciências Humanas/História
Amanda Dutra Hot1
1
Mestre em História pela UFOP e professora da Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
A educação de imigrantes no Brasil, especificamente no final do século XIX e início do século XX,
passou por um processo de transformação ligado à política brasileira e à conjuntura da situação
internacional.
Se num primeiro momento, a chegada dos imigrantes fez surgirem escolas situadas em suas
vilas, onde a educação priorizava a manutenção de suas tradições européias; podemos observar,
posteriormente, uma reconfiguração dessa atividade frente às transformações que as épocas
exigiam.
Neste sentido, buscaremos apresentar como se iniciou o processo de educação de imigrantes no
Brasil, através das medidas governamentais e de ações oriundas a partir das próprias
comunidades estrangeiras. Torna-se interessante ressaltarmos as deficiências e as dificuldades
inerentes a essa ação historicamente construída a partir do Brasil monárquico.
Palavras-chaves: Educação; Imigrantes; Política
ABSTRACT
The education of immigrants in Brazil, specifically in the late nineteenth and early twentieth
century, has undergone a transformation process on the Brazilian political situation and the
international situation.
If at first, the arrival of immigrants gave rise to schools in their villages, where education prioritized
maintaining its European traditions, we can see later, a reconfiguration of this activity face the
transformations that the times demanded.
In this sense, try to present as began the process of educating immigrants in Brazil, through
government measures and actions arising from the foreign communities themselves. It is
interesting to emphasize the shortcomings and the difficulties inherent in this action historically
constructed from Brazil monarchy.
Keywords: Education; Immigrants; Policy
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
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Hot (2012).
CHEGADA DE IMIGRANTES NO BRASIL
NOS SÉCULOS XIX E XX
Com a proclamação da independência,
em 1822, surge uma preocupação no interior do
Estado brasileiro: se fazia urgente um
planejamento de Estado, uma construção do
sentimento de nação e da memória nacional.
O processo pelo qual haviam passado
os EUA, muitas vezes associado à grandes
levas de imigrantes que lá chegaram, começou
a ser visto como um exemplo a ser seguido por
outros países.
Esse processo talvez tenha sido o
marco para o início das políticas incentivadoras
à imigração no Brasil. Outros fatores também
contribuíram para essa demanda de imigrantes,
tais como a rápida expansão do povoamento
que se daria a partir dos mesmos; o incentivo à
pequena propriedade; a urbanização e
crescimento das cidades; o incremento das
atividades manufatureiras; a garantia de
ocupação do espaço geográfico e, portanto, a
diminuição de querelas de fronteiras no sul do
Brasil; e, por fim, o que muitos historiadores
denominaram de “branqueamento” do país
(LOPES, 2003, p. 349).
A política de imigração elaborada pelo
governo brasileiro teve início em meados do
século XIX, incentivando a vinda desses
imigrantes e “financiando” todo ou boa parte do
seu processo de chegada. Ao chegarem,
alemães, italianos, japoneses, poloneses, eram
instalados em propriedades privadas de
fazendeiros, cafeicultoras em sua maioria. A
partir de então o imigrante “teria” um pedaço de
terra, onde trabalharia para si, além de
trabalhar na fazenda do proprietário das terras.
Mas, por hora, não é esse aspecto econômico
que nos importa, mas o relativo às formas
desenvolvidas por esses europeus para
manterem grupos homogêneos e coesos,
favorecendo a manutenção de sua cultura.
A política brasileira priorizou, desde
sempre, a imigração européia (branca),
favorecendo, assim, a formação de colônias
etnicamente homogêneas. Essas colônias
foram fortemente marcadas por iniciativas
visando à manutenção de sua cultura, como o
idioma, a religião e a organização escolar.
14
Estas duas últimas, unidas, foram tão
aplicadas que persistem nos dias atuais,
como veremos em próximos tópicos.
AS ESCOLAS
EXEMPLOS
ÉTNICAS
E
SEUS
O que podemos identificar com o
processo educacional entre imigrantes no
Brasil era bastante diferenciado entre
seus diversos grupos. Um levantamento
da Secretaria da Agricultura de São
Paulo, feita entre 1908 e 1932, registrou o
índice de alfabetização dos imigrantes
que entraram pelo porto de Santos. Onde
o grau de alfabetização por grupo étnico
foi o seguinte:
.Imigrantes alemães: 91,1%
.Imigrantes Japoneses: 89,9%
.Imigrantes italianos: 71,3%
.Imigrantes portugueses: 51,7%
.Imigrantes espanhóis: 46,3%
Mas esses dados referem-se
somente aos imigrantes que entraram
pelo porto de Santos e não podem ser
tomados como representação completa
de cada grupo étnico. Estudos indicam
que mesmo entre os grupos, com maior
tradição
escolar
havia
variações
consideráveis dependendo da região de
proveniência. No período de maior
entrada dos mesmos, na década de 1890,
o Brasil tinha um sistema escolar
altamente deficitário, com uma população
de mais de 80% de analfabetos (GOMES,
2000). Esse quadro levou alguns grupos
de imigrantes a pressionarem o Estado
em favor de escolas púbicas. Outros,
especialmente os que haviam se
estabelecido
em
núcleos
mais
homogêneos, investiam em escolas
étnicas.
As escolas de imigrantes não tinha
uma forma padrão, dependiam de cada
região onde elas se encontravam, se
estavam em zona rural ou em centros
urbanos e também no Estado que se
encontravam. As escolas dos imigrantes
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
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Hot (2012).
podiam ser comunitárias, particulares e/ou
pertencentes a uma congregação religiosa.
A etnia com maior número de escolas de
imigração no Brasil até 1939 foi a dos
imigrantes alemães, com 1.579 escolas,
seguindo-se a dos imigrantes italianos, com 396
escolas em 1913 (e 167 escolas na década de
30). Os imigrantes poloneses tiveram 349
escolas e os imigrantes japoneses 178
(GOMES, 2000).
Entre outros grupos de imigrantes
também houve algumas iniciativas de escolas
étnicas, porém em pequeno número. Vejamos
agora como funcionavam duas das principais
escolas de imigrantes:
ESCOLAS DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ
Os imigrantes alemães vieram de
regiões com acentuada tradição escolar. Não
encontrando escolas públicas na região de
imigração, uniram-se para construção de
escolas étnicas, manutenção do professor e
produção de material didático. A estrutura física
dos núcleos rurais favorecia a união de 80 ou
mais famílias em torno de uma estrutura
comunitária básica, na qual a escola vinha em
primeira instância. Nos primeiros anos usavam
cartilhas manuscritas e em 1832, oito anos
após a chegada dos pioneiros, imprimiram o
primeiro abecedário para suas escolas.
Até 1875 o crescimento foi lento, havia
no Rio Grande do Sul 99 escolas da imigração
alemã, sendo 50 católicas e 49 evangélicas.
Porém, a partir de então, o processo escolar
começou a ser assumido mais diretamente
pelas igrejas, respectivamente católica e
evangélica, recebendo conotação confessional.
Na passagem do século eram 308 escolas da
imigração alemã no RS.
A partir de 1900, o processo escolar dos
imigrantes, predominantemente no Rio Grande
do Sul e Santa Catarina, teve um grande surto
de desenvolvimento. Além de ampla produção
de material didático, foi criada toda uma
estrutura de apoio para o processo escolar. Em
nível confessional, católicos e luteranos tiveram
sua associação de professores, seu jornal do
professor, sua escola normal, suas reuniões
locais e regionais de professores, cursos e
semanas de estudo e amplo incentivo à
produção de material didático. Em nível
interconfessional
e
interestadual,
professores teuto-brasileiros tiveram um
fundo de pensão e aposentadoria,
realizaram congressos e criaram a
Associação Brasileira de Professores da
Imigração Alemã.
Em 1937, segundo o levantamento
das Associações de professores (HACK,
1967), o número de escolas da imigração
alemã no Brasil era 1.579, distribuindo-se
da seguinte maneira pelos estados:
Rio Grande do Sul – 1.041.
Santa Catarina – 361.
São Paulo – 61.
Rio de Janeiro – 16.
Espírito Santo – 67.
Outros Estados – 33.
As escolas de imigração alemã na
região rural eram escolas comunitárias
porque foram criadas e mantidas pelas
comunidades teuto-brasileiras. Porém, na
maior
parte
dos
casos,
eram
consideradas
também
escolas
confessionais. As estruturas de apoio
eram animadas e supervisionadas pelas
respectivas confissões religiosas. As
igrejas, católica e evangélica, assumiam a
questão escolar como seu principal ponto
de apoio para a ação continuada e
estruturada nos núcleos rurais.
E, em contrapartida, para quem
não
se
comprometesse
com
a
escolarização dos filhos e a manutenção
da escola e do professor, as sanções
também eram religiosas. Esse projeto não
seria aceito, não valeria de forma idêntica,
no essencial, para mais de mil núcleos
rurais se não houvesse um forte
simbolismo, com ampla rede de
associações criadas e dinamizadas numa
perspectiva comum.
Isto permitiu que nas décadas de 20 e 30,
quando
o
índice
nacional
de
analfabetismo ainda estava em torno de
80%, os núcleos de imigrantes alemães
tivessem poucos analfabetos.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
,
Hot (2012).
ESCOLA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA
Também podemos falar genericamente
de escolas da imigração italiana. Há
diferenciações motivadas pela região de
proveniência dos imigrantes, pelo contexto
socioeconômico regional no qual se inseriam
(região urbana, trabalhador assalariado em
fazenda de café ou pequeno proprietário de
terra em localidades etnicamente homogêneas)
e também pelas diferenciadas iniciativas dos
estados em relação ao processo escolar, uma
vez que na Primeira República o ensino
primário era responsabilidade dos mesmos. O
Ministério de Relações Exteriores do governo
italiano, que dava subsídio a essas escolas,
especialmente por meio de material didático.
Dependendo da região de proveniência,
os imigrantes italianos tinham maior ou menor
vinculação com o processo escolar.
Senso no Porto de Santos registra que
71,36% dos imigrantes italianos que entraram
por este porto eram alfabetizados. Já o senso
do porto de Alfredo Chaves (RS) de 1906
mostra um alto grau de analfabetos (HACK,
1967). Dos 22.707 habitantes, 16.110 eram
analfabetos. A igreja era o centro para a
organização
cultural.
Não
estabeleciam
vinculação direta entre igreja e escola.
Interessavam-se relativamente pouco pela
construção de escolas, atribuíam esta tarefa ao
poder público e às congregações religiosas.
O GOVERNO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS
EM
RELAÇÃO
À
EDUCAÇÃO
DE
IMIGRANTES
Como já sabemos, o período em que
houve um grande contingente de imigrantes
para o Brasil, foi no final do século XIX e início
do século XX. Neste mesmo momento, o país
buscava delinear a construção de uma
identidade nacional. Este conceito de
identidade, como define Lúcia Lippi Oliveira
“(...) é um processo de construção, na qual a
identidade tem uma dimensão interna em que
se acentuam os traços de similaridade e, ao
mesmo tempo, uma dimensão externa, que
define uma diferença em relação ao outro”
(OLIVEIRA, 1990, p. 11). O conceito de nação
16
tem seu início no século XVIII, com a
emergência na luta política e social dos
povos europeus e que marcaram
igualmente a história do Novo Mundo. A
idéia de nação visa proporcionar
sentimentos de identidade a uma
população que vive ou que se originou em
um mesmo território. A consciência
nacional está intimamente interligada com
o processo de construção do Estadonacional (OLIVEIRA, 1990, p. 11).
Entretanto nem sempre a consciência
precede a nação, qual fator vem antes ou
depois depende de outros aspectos, como
a própria formação do Estado. No caso
dos Estados europeus o problema foi o de
construir um Estado Nação no interior da
nacionalidade, no caso da América
Portuguesa e Espanhola seria construir
uma nacionalidade dentro do Estado
Nação.
Neste sentido, verificamos que a
imigração ocorreu no momento histórico
internacional de ênfase na formação da
nacionalidade.
O
nacionalismo
desencadeava
um
movimento
de
afirmação de uma unidade simbólica,
necessária
pela
modernização
econômica. Desta forma, veremos como a
questão da educação se inseria neste
espaço dos objetivos que estavam sendo
alcançados pela nação brasileira.
De acordo com Lúcio Kreutz,
A educação brasileira apoiava-se
na expansão de um sistema
escolar igualitário, com a função
de difundir uma cultura uniforme.
Inventara culturas amplamente
desprovidas de toda base étinica,
com a finalidade de unificar o
imaginário das nações. KREUTZ,
2003, p. 351)
A escola foi chamada a ter um
papel central na configuração de uma
identidade nacional, sendo ao mesmo
tempo um elemento de incentivo à
exclusão de processos identitários
étnicos. Ou seja, a escola deveria se
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 4, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
Hot (2012).
ativada em perspectiva monocultural, tratando
as diferenciações culturais como algo a ser
superado.Desta forma, como as escolas étnicas
conseguiram se enquadrar no sistema que o
governo brasileiro delineava?
As iniciativas dos imigrantes em relação
ao processo escolar devem ser entendidas
nessa perspectiva, isto é, vinculadas ao
momento histórico da nacionalidade, cuja
afirmação, rearticulação se dá em relação ao
privilegiamento ou à negação de processos
identitários étinicos. Logo, houve uma história
de lutas pela determinação de suas metas e
valores para que cada grupo étnico
conseguisse criar um processo educacional
capaz de realizar a formação dos alunos.
Entretanto, a partir de 1930, numa
tendência política crescentemente nacionalista,
as escolas étnicas já começaram a sofre com
certas restrições governamentais. O governo,
em nível federal e estadual, após ter encorajado
e depois tolerado a iniciativa dos imigrantes em
relação ao processo escolar, realçando que
mantinham com esforço próprio o que na
verdade era dever do Estado, começou a
interferir nas escolas étnicas. No período de
1938-1939, muitas destas escolas foram
fechadas ou transformadas em escolas públicas
por meio de uma seqüência de decretos de
nacionalização. Apesar de alguns estados,
como o Rio Grande do Sul que foi mais
tolerante com as escolas de língua estrangeira,
o governo brasileiro coibiu o uso de idiomas
que não o português e fechou temporariamente
a imprensa de grupos étnicos. Exatamente no
final da década de 30 é que veríamos o final
das escolas dos imigrantes, já que havia
medidas que barravam o progresso deste tipo
de educação. Em 1938, teve um decreto que
ordenou que todo o material usado na escola
elementar fosse em português, que todos os
professores e diretores de escola fossem
brasileiros natos, que nenhum livro de texto,
revista ou jornal circulasse em língua
estrangeira nos distritos rurais e que o currículo
escolar tivesse instrução adequada em história
e geografia do Brasil.
Por fim, é interessante perceber que não
foram somente as medidas restritivas do
governo que levaram ao término das escolas
17
étnicas. Como corrobora Lúcio Krutz –
neste período já estavam em curso umas
séries de fatores que aos poucos
provocaram a transformação do projeto
escolar dos imigrantes. De acordo como o
autor: “a estrutura escolar e comunitária
começava a ceder a pressões internas e
externas” (KREUTZ, 2003, p. 367).
Internamente havia uma tendência
crescente de pais e alunos que sentindo a
necessidade de se habilitarem melhor no
aprendizado do português e de terem
melhores condições para os desafios da
atividade profissional aderiram ao apelo
da escola pública gratuita. O aspecto
externo está relacionado com a quebra do
isolamento anterior dos núcleos rurais que
abriram caminho para as transformações
socioeconômicas. Desta forma, as
medidas de nacionalização compulsória
do ensino apenas precipitaram em
processo de transformação já em curso.
ESCOLA AMERICANA: UMA NOVA
PERSPECTIVA
DO
ENSINO
ESTRANGEIRO NO BRASIL
De acordo com o que estamos
apresentando, o processo de educação
de imigrantes sempre se mostrava
dificultoso durante os primeiros tempos do
nosso império.
O monopólio religioso católico
definido para o Estado brasileiro a partir
da Constituição de 1824 fazia com que,
em nosso país, se passasse um processo
histórico diferente daquele que ocorria na
Europa ou nos Estados Unidos, já
movimentados pela Revolução Francesa
ou pelo ecos da Revolução norteamericana.
Dentre
os
diversos
constrangimentos pelos quais passavam
os
estrangeiros
protestantes
que
chegavam ao Brasil oficialmente católico,
podemos observar: “Todos os que podem
eleitores são hábeis para serem
nomeados deputados. Excetuam-se {...}
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
,
18
Hot (2012).
III- Os que não professarem a religião do
Estado.3
Diante das escolas do império, as
famílias de imigrantes protestantes viam
dificultados seu ingresso e permanência, além
do que a conhecida inadequação e a grande
defasagem desse ensino não condiziam com as
transformações em curso no campo das
ciências ao longo do século XIX. Frente a toda
esta situação, uma solução encontrada pelos
estrangeiros foi a busca da implantação das
suas escolas particulares que, além de
ensinarem os princípios religiosos protestantes,
cuidavam ainda de aulas de inglês e também
alemão; tudo sob a vigilância – ora presente,
ora distante – dos órgãos imperiais. E estes
temiam especialmente pelo espalhamento e
cultos e práticas que ferissem suas
determinações políticas ou as religiosas da
Igreja Católica.
Ao longo dos dois reinados no Brasil os
imigrantes vão conquistando cada vez maior
espaço e liberdade para exercer seu culto
juntamente com a educação de seus filhos,
uma vez que: “para eles era uma questão vital o
cuidado da família e a orientação religiosa e
vocacional” (HACK, 2003, p. 14). E ainda
consistia como principal interesse dos recémchegados ao Brasil:
depois de Ter providenciado alimento e
abrigo,
foram
trabalhar
para o
estabelecimento do culto religioso e de
escolas para seus filhos {...} à
necessidade de instituições religiosas
juntava-se ao de ter escolas apropriadas
para seus filhos. (JONES, 1967, p. 123)
Escolas protestantes começaram a
surgir no Brasil a partir de 1820, através das
chamadas escolas comunitárias. Estas tinham o
objetivo de atender prioritariamente às famílias
de imigrantes, com professores e pastores
vindos de seus países de origem para atender
às necessidades dessas comunidades. Através
dessas escolas – concentradas nas vilas e
3
Dizeres presentes na Constituição Brasileira de
1824. Art. 95. Inc.III.
povoações de imigrantes – o ensino
consistia basicamente em formas de se
preservar
seus
costumes,
língua,
tradições e princípios religiosos.
Vale destacar que uma nova
guinada no que diz respeito à educação
de imigrantes protestantes, é dada a partir
da Segunda metade do século XIX. Na
década de 1870, com o incremento das
missões presbiterianas norte-americanas,
teriam início as chamadas Mission
Schools, entidades que teriam a finalidade
de atender não apenas aos filhos de
imigrantes, protestantes ingleses e norteamericanos – que consistiam nos maiores
contingentes - mas também a um público
brasileiro que por razões quer politicoreligiosas, quer morais e intelectuais, não
conseguiam se adequar aos traços
romanizadores da educação brasileira.
No decorrer da Segunda metade
do oitocentos, seriam espalhadas Brasil
afora mais de quarenta instituições
particulares de ensino protestante; que se
desenvolviam a partir das grandes
lacunas deixadas pela educação imperial,
como podemos perceber em uma lei
estabelecida para o governo de São
Paulo em 1869:
seu artigo 8º autorizava a
supressão de escolas públicas
elementares que não atingissem a
freqüência mínima de 20 alunos.
Também suprimia uma delas na
mesma cidade quando a soma dos
alunos não atingia 50.
Podemos perceber que as lacunas
geradas
pela
ação
governamental
brasileira em relação à educação que se
dispunha para sua população, os colégios
de estrangeiro passaram a concorrer com
a educação governamental. Nesse
contexto, vale destacar a criação, em
1870, de um Colégio Americano em São
Paulo, levado adiante pelo missionário
George Chamberlain, que percebia a
educação – acompanhada da religião –
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
,
Hot (2012).
como
um
sociedade.
processo
transformador
da
19
maior autonomia nos assuntos ligados à
educação se fez presente, embora as
dificuldades
e
as
conquistas
caminhassem juntas ao longo do tempo.
A partir da década de 1930, o
governo brasileiro se torna mais rigoroso
e normatizador com as legislações
coibitivas ligadas à educação de
imigrantes. Como medidas do governo
nacionalista
proposto
por
Vargas,
veríamos o fim da distribuição de livros
didáticos em língua estrangeira, todos os
professores e diretores de escolas
públicas deveriam ser brasileiros natos e
proibiam o ensino de língua estrangeira a
menores de 14 anos. No âmbito privado,
as entidades estrangeiras – vide o
Colégio Mackenzie – vão conservar uma
maior liberdade de organização.
Esta instituição de ensino tornava o hoje
conhecido Mackenzie College a partir de 1898,
uma instituição educacional onde buscava-se
sempre associar a educação teórica com a
prática; sendo os alunos preparados para o
trabalho e para a vida. Este sistema
educacional
em
função
dos
colégios
protestantes ganhará cada vez mais destaque a
partir da proclamação da república brasileira,
que culmina com a eliminação da prioridade
política da Igreja Católica.
Portanto, podemos pensar que as
escolas
presbiterianas,
que
começaram
destinadas apenas aos filhos de imigrantes na
sua comunidade local, se reconfiguraria em um
centro de estudos também para brasileiros
republicanos, abolicionistas e liberais, todos
desgostosos dos rumos dados pelo império aos
destinos da nação e da educação que se
conferia à população.
Com a evolução do Mackenzie College
ganham destaque no Brasil os cursos ginasiais
– que não eram priorizados pelo Estado – e
também os cursos superiores – uma completa
raridade no Brasil da época – nas áreas de
Teologia, Filosofia e Normal Superior e também
Engenharia e Comércio. Estes dois últimos
ganham muito destaque nos inícios do século
XX, onde especialmente o curso comercial,
segundo Antônio M. Gomes (GOMES, 2000),
teria participação decisiva na formação do
empresariado paulista desse período; além de
grandes nomes da política nacional, como Rui
Barbosa e Prudente de Morais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Antônio Máspolí de Araújo.
Religião, educação e progresso. São
Paulo: Editora Mackenzie, 2000.
HACK, Osvaldo Henrique. Raízes cristãs
do Mackenzie e seu perfil confessional.
São Paulo: Editora Mackenzie, 2003.
JONES, Judith M. Soldado descansa:
uma epopéia norte-americana sob os
céus do Brasil. São Paulo: Jarde, 1967.
KREUTZ, Lúcio. A educação de
imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane
Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano
Mendes & VEIGA, Cynthia Greive. 500
anos de educação no Brasil. 3ª.ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.
CONCLUSÃO
Dado o exposto, percebemos que as
escolas étnicas foram uma forma que os
imigrantes, que aqui chegaram, encontraram
para manter grupos mais ou menos coesos,
bem como sua tradição cultural.
Verifica-se que no sul do Brasil, por
exemplo, essas escolas étnicas tiveram uma
maior liberdade de ação, devido à concentração
dos mesmos nessa região, especialmente
alemães e poloneses. Em resultado disso uma
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A Questão
Nacional na Primeira República. São
Paulo: Brasiliense, 1990.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012.
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Cabral et al. (2012).
20
AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NO ATERRO SANITÁRIO DE MANHUAÇU
Área Temática: Multidisciplinar/Interdisciplinar
Juliana Regina Coelho Cabral1,4; Patrícia da Mata Huebra1,4; Vitor Vargas1,4; Lázaro Adão1,4
Lívia Paula de Almeida Lamas2,4;Érica Dutra Albuquerque 3,4
1
Tecnólogos em Gestão Ambiental.
Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado,
Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito.
3
Doutora em Biotecnologia, Professora e Coordenadora do Curso de Gestão Ambiental.
4
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG).
2
Resumo
O município de Manhuaçu é localizado em uma região produtora de café, com intenso
comércio e possui um dos maiores índices do PIB do estado de Minas Gerais. No entanto, apesar
do notável crescimento econômico, o município não possui políticas sustentáveis para a
qualidade de vida de seus habitantes, como a disposição adequada dos seus resíduos sólidos.
Assim, esse trabalho objetivou avaliar os impactos ambientais provocados pelo aterro sanitário de
Manhuaçu e a disposição inadequada dos seus resíduos. Nos anos de 2011 e 2012 a pesquisa
analisou o aterro sanitário desta cidade com o intuito de encontrar irregularidades na disposição
final dos resíduos sólidos e verificar eventuais impactos no meio ambiente. Para a coleta de
dados foi utilizada a pesquisa documental, juntamente com técnicas de observação. Foram
encontradas várias irregularidades no aterro sanitário, causadas pelo descaso do gerenciamento
por parte da administração pública. Observou-se que o local de disposição final dos resíduos
sólidos de Manhuaçu possui características de aterro controlado e não de um aterro sanitário. O
principal motivo está ligado à simplicidade estrutural do aterro controlado, entretanto, ele pode
apresentar maior risco ao meio ambiente e à saúde humana e por isso deve ser monitorado.
Conclui-se que o aterro sanitário de Manhuaçu está irregular e que a situação da disposição final
dos resíduos sólidos causa degradações ao meio ambiente em que está inserido.
Palavras-chaves: aterro sanitário, Manhuaçu, resíduos sólidos, meio ambiente
Abstract
The Manhuaçu city is localized in a place of intense yield of coffee and sales. This city has a major
level of internal product inside of the Minas Gerais State. However, even with its notable economic
growing, Manhuaçu has not sustainable politics in order to get a life quality for the population, how
for example an adequate treatment of the solids residues created by city population. Thus, this
work aimed to evaluate the environment impact caused by Manhuaçu’s landfill and an inadequate
disposition of its residues. The analysis was performed using documental research together with
observation techniques. Many irregularities were observed in the landfills, mainly due to miss
management from the public administration of the city. The place where has been performed a
final treatment of these solids residues has not landfill characteristics, the main motive is due to
structural simplicity, which can be dangerous to the environment and to human health, therefore, it
shall be monitored. Concluded that Manhuaçu's landfill is irregular and it can damage the
environment, as well as the health of the population, due to the solids residues inadequately
destined and treated.
Key words: Landfill, Manhuaçu, solid residues, environment
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
,
Cabral et al. (2012).
INTRODUÇÃO
Este trabalho irá abordar um assunto
que é esquecido pela maioria da população: o
tratamento dos resíduos sólidos, tendo como
foco o aterro controlado da cidade de
Manhuaçu – Minas Gerais.
Manhuaçu corresponde a um dos
municípios de maiores índices de Produto
Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais, estando
localizado em uma região produtora de café e
com intenso comércio varejista. No entanto,
apesar de seu notável crescimento econômico,
o município é desprovido de políticas
sustentáveis que visem à qualidade de vida de
seus habitantes, dentre as quais se destaca a
falta de disposição adequada dos resíduos
sólidos que produz.
Dessa forma, esse trabalho irá avaliar os
impactos ambientais provocados pelo aterro
sanitário de Manhuaçu – Minas Gerais,
com o intuito de demonstrar que este, assim
como a usina de triagem e compostagem que
funcionam conjuntamente com ele, necessita de
adequações para o cumprimento da lei e
conseqüente preservação do meio ambiente.
2. DISPOSIÇÃO
SÓLIDOS
FINAL
DOS RESÍDUOS
O crescimento populacional, a intensa
urbanização e às mudanças de consumo
provocaram uma mudança no perfil do lixo do
brasileiro. Assim, os resíduos sólidos podem
ser caracterizados como os restos das
atividades humanas, “coisas” indesejáveis,
descartadas de forma inadequada pelo homem
(RIBEIRO; MORELLI, 2009).
Segundo
Pesquisa
Nacional
de
Saneamento Básico (PNSB), realizada em 1989
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística
(IBGE)
e
editada
em
1991(IPT/CEMPRE, 1995), grande parte dos
brasileiros convivem com o lixo que produz,
afinal são 241.614 toneladas de lixo produzidas
diariamente no país, sendo que 76% de todo
21
esse lixo fica exposto a ‘céu aberto’ e
apenas
24%
recebe
tratamento
adequado.
De acordo com Mano, Pacheco e
Bonelli (2005) atualmente os locais
existentes para o acondicionamento dos
resíduos sólidos são:
Vazadouro (lixão): consiste em
despejar o lixo em terrenos a céu
aberto, sem medidas de proteção
ao meio ambiente e à saúde
pública, o que pode provocar a
degradação indiscriminada da
natureza e causar a proliferação
de vetores de doenças (moscas,
mosquitos, baratas, ratos, etc.),
gerar
maus
odores
e
principalmente a poluição dos
solos e das águas superficiais e
subterrâneas pelo chorume.
Aterro controlado: geralmente tem
origem em um lixão, que vem se
adequando para minimizar os
seus
impactos,
utilizando
princípios de engenharia para o
acondicionamento dos resíduos,
porém não atende a todos os
requisitos
como
impermeabilização de base, o que
pode comprometer a qualidade
das águas subterrâneas, pois não
trata o chorume e os gases
gerados.
Aterro sanitário: atende todos os
requisitos para o confinamento
dos resíduos em camadas
cobertas de material inerte (solo),
segundo normas operacionais
específicas,
de
maneira
a
minimizar os danos ou riscos á
saúde pública e a segurança.
Tendo em vista que muitos desses
meios são nocivos à saúde humana e ao
meio ambiente, o Congresso Nacional
decretou, no dia 2 de agosto de 2010, a
lei de nº. 12.305,
que instituiu a Política Nacional de
Resíduos Sólidos.
Essa lei, que foi
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
aguardada por mais de duas décadas, traz
importantes
inovações,
tais
como
a
obrigatoriedade dos municípios elaborarem
planos que abrangerão todos os seus resíduos
sólidos, bem como estende a responsabilidade
aos consumidores e, em especial, para os
fabricantes e comerciantes (RIBEIRO, 2010).
2. MONITORAMENTO DA DISPOSIÇÃO
FINAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
A saúde pública de pequenas e grandes
cidades está diretamente ligada ao controle e
disposição adequados dos resíduos sólidos. No
Brasil e no mundo o método de aterrar os
resíduos é o mais utilizado e aceito, pois é
seguro e adequado, desde que obedeça às
boas técnicas de engenharia, dentre as quais o
monitoramento dos impactos ambientais
(GARIGLIO; MELO, 2003).
O
desenvolvimento
de
novas
tecnologias para a melhor disposição dos
resíduos sólidos é necessário para facilitar o
monitoramento desses locais, diminuindo
possíveis problemas ambientais. Nesse sentido,
pesquisas sobre o tamanho do aterro e
algumas características do local que podem
sofrer impactos (solo e condições hidrológicas
do local), devem servir de modelo de
monitoramento (GARIGLIO; MELO, 2003).
Um dos primeiros procedimentos de
monitoramento ambiental da disposição de
resíduos sólidos é a realização de medições e
observações do local relacionadas com
indicadores e parâmetros escolhidos. Na
seqüência, os resultados são analisados a fim
de encontrar impactos ambientais causados
pela disposição dos resíduos no ambiente
(BITAR; ORTEGA, 1998).
Além da análise dos resultados, o
monitoramento ambiental qualifica e quantifica
as condições dos recursos naturais disponíveis
e a sua durabilidade em longo prazo (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
Embrapa).
Para a escolha correta de qual plano de
monitoramento seguir, Gariglio e Melo (2003)
22
indicam que se deve classificar e
caracterizar o aterro, nas seguintes
condições:
1. Porte do Aterro, que pode ser
Distrital, Pequeno e Grande;
2. Balanço hídrico: positivo (gerador
de efluentes líquidos significativos)
ou negativo (não gerador de
efluentes líquidos significativos);
chamados de aterros saturados e
aterros
não
saturados,
respectivamente;
3. Impermeabilização: o grau de
contaminação
ambiental
está
relacionado
ao
tipo
de
revestimento escolhido para a
impermeabilização
do
solo.
Dependendo
do
tipo
de
impermeabilização deverão ser
elaborados
planos
de
monitoramento diferentes, quais
sejam: aterros com revestimento
simples
(feito
de
materiais
argilosos)
ou
aterros
com
revestimento composto (feito de
materiais argilosos juntamente
com camadas de geomembranas
sintéticas);
4. Características Hidrogeologias: é
necessário
um
estudo
hidrogeologico do subsolo do local
do aterro, para se evitar danos a
lençóis freáticos ou aqüíferos lá
existentes, como acontece na
maioria dos Aterros localizados em
grandes áreas.
Após a implantação do aterro
sanitário, o primeiro passo é a definição
de parâmetros para a coleta dos dados e
avaliações presentes e futuras. Se o
aterro já estiver em funcionamento e não
houver registros das avaliações iniciais do
local, deve-se como referência coletar
amostras
do
montante
para
o
monitoramento ambiental (GARIGLIO;
MELO, 2003).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
É de suma importância o registro dos
resultados para que o acompanhamento da
situação seja realizado
pela empresa
responsável e para o Poder Publico, a fim de
auxiliar auditorias públicas que venham ser
realizadas
(MACHADO,
1995).
Esses
resultados deverão ser comparados com os
realizados anteriormente, como forma de
potencializar a qualidade do monitoramento do
local (GARIGLIO; MELO, 2003).
No entanto, é imperioso ressaltar que,
de acordo com Gariglio e Melo (2003), a
maioria dos locais planejados para serem
aterros
sanitários
hoje
se
encontram
funcionando como aterro controlado. Estes,
devido a sua simplicidade estrutural, podem
apresentar maiores riscos ao meio ambiente e
por esse motivo devem ser monitorados
frequentemente.
2.3 IMPACTOS E POLUIÇÕES AMBIENTAIS
CAUSADOS
PELA
EXPOSIÇÃO
DE
RESÍDUOS SÓLIDOS NO MEIO AMBIENTE.
A falta de critérios ambientais para o
depósito de resíduos sólidos no meio
ambiente tem provocado, ao longo do tempo,
inúmeros problemas de contaminação de
solos e recursos hídricos (SISSINO, 1996).
Para Kohn et al, (2007, p. 07):
[...] “A disposição inadequada dos
resíduos
sólidos
promove
a
contaminação do solo, do ar e das
águas superficiais e subterrâneas,
além da proliferação de vetores de
doenças,
influenciando
negativamente a qualidade ambiental
e a saúde da população; portanto,
esta prática deve ser evitada.” [...]
Dentre os impactos ambientais
causados ao meio físico, decorrentes dessa
exposição, o mais significativo consiste no
líquido denominado chorume, produto
resultante da decomposição do lixo e que
pode causar interferência na qualidade da
água e do solo (KOHN et al., 2007).
23
A água é essencial à vida e
constitui elemento necessário para
quase todas as atividades humanas,
sendo ainda, componente da paisagem
e do meio ambiente como um todo. Ela
é um bem precioso e deve ser
protegido a qualquer custo (SANTOS,
2001).
Os mananciais de água que
recebem
chorume
apresentam
modificação de coloração, depreciação
do oxigênio dissolvido levando ao
impacto do meio aquático, como a
quebra do ciclo vital das espécies e a
possível contaminação de toda a
cadeia alimentar (LIMA, 2003).
Para Leite et al. (2003, p. 111),
a contaminação do solo, por sua vez,
“ocorre por intermédio da infiltração
dos líquidos percolados (chorume),
gerados pela passagem da água
através dos resíduos sólidos em
processo
de
decomposição.
O
chorume possui elevada carga de
poluentes orgânicos e inorgânicos e,
ao entrar em contato com o solo, pode
modificar, de forma intensa, suas
características físicas, químicas e
biológicas.”
Um dos fatores para saber
quando um solo está poluído é analisar
os teores de matéria orgânica em
áreas sujeitas à influência do chorume
a média profundidade. Caso sejam
encontrados
teores
de
matéria
orgânica superiores aos teores da
composição química natural dos solos,
há indícios de que a contaminação do
chorume já tenha migrado e afetado o
solo (KOHN; NÓBREGA; MILANI,
2007).
Quando os resíduos são
depositados a céu aberto e não
recebem
nenhuma
forma
de
tratamento, acontece ainda a liberação
de
gás metano (CH4), resultante da
decomposição de matérias orgânicas,
fato que é extremamente poluente e
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
tóxico para o ar que respiramos (LIMA, 2003).
De acordo com Sisinno e Moreira
(1996):
[...] As áreas utilizadas como depósito
final de lixo – normalmente representada
pelos “lixões” e aterros controlados –
configuram-se como focos potenciais de
poluição, influenciando negativamente a
qualidade da saúde humana e ambiental
nas regiões sob sua influência. [...]
24
Alegre, com o intuito de encontrar
irregularidades na disposição final dos
resíduos sólidos e verificar eventuais
impactos no meio ambiente.
2.4
ÁREAS
INADEQUADAS
PARA
IMPLANTAÇÃO DE ATERROS SANITÁRIOS
Antes de se implantar um aterro
sanitário em determinada área, deve-se,
preliminarmente, realizar um levantamento de
dados que analisarão a viabilidade do mesmo.
Primeiramente, deve-se fazer um diagnóstico
da situação atual do município, como base para
a elaboração do projeto do aterro, considerando
as informações ligadas à sua origem, bem
como aos aspectos econômicos, sociais,
ambientais e sanitários. As informações
relativas ao sistema de limpeza urbana do
município são de suma importância para o
projeto (TINÔCO NETO, 2007).
O segundo fator deve levar em conta o
local que se deseja implantar o aterro, posto
que a resolução 302 de 20 de março de 2002,
do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) define como área de preservação
permanente a área marginal ao redor de
reservatório artificial e suas ilhas, assim como a
área situada “no topo de morros e montanhas,
em áreas delimitadas a partir da curva de
nível correspondente a 2/3 (dois terços) da
altura mínima da elevação em relação à sua
base”.
3 O ATERRO SANITÁRIO DE MANHUAÇU –
MINAS GERAIS
Tendo em vista o teor mencionado, essa
pesquisa analisou, entre os anos 2011 e 2012,
o aterro sanitário de Manhuaçu, localizado na
zona da mata mineira, no bairro de Pouso
Figura 1 – Imagem do aterro (Google Earth)
O local está em funcionamento
desde 1992 e passou por uma reforma
em 2005, onde o antigo sistema de
disposição de resíduos (lixão) recebeu
adequações, passando a se denominar
aterro sanitário. A região está inserida na
Bacia Hidrográfica do Rio Doce, sub-bacia
Rio Manhuaçu, no bioma Mata Atlântica
(Figura 1).
3.1 COLETAS DE DADOS
Para a coleta de dados foi utilizada
a pesquisa documental, juntamente com
técnicas de observação (assistemática,
não participante, participante, individual e
em equipe).
A Secretaria de Agrimensura do
município de Manhuaçu cedeu os
seguintes documentos para a pesquisa:
Relatório de Vistoria da FEAM:
realizado no ano de 2008;
Relatório Técnico Anual de
Operação do Depósito de Lixo:
realizado no ano de 2010 por
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
responsável
técnico
habilitado
e
cadastrado na FEAM;
Relatório de Controle Ambiental (RCA):
realizado no ano de 2004, pela Água e
Terra Planejamento Ambiental Ltda.,
descreve e justifica o funcionamento do
aterro sanitário em conjunto com a usina
de triagem e compostagem;
Plano de Controle Ambiental (PCA):
realizado no ano de 2006, pela Veiplan
Empreendimentos
Ltda.,
apresenta
medidas de controle ambiental e
descrição básica do funcionamento do
local;
Imagens da reforma (lixão para aterro
sanitário) realizada no local em 2005.
O RCA e o PCA foram realizados para a
obtenção de licenças ambientais para o
funcionamento de um aterro sanitário no local.
A observação do local foi realizada em
três visitas no primeiro semestre de 2011, nos
meses de fevereiro, abril e junho e uma visita
no primeiro semestre de 2012.
Os dados
observados foram registrados por imagens,
vídeos, e relatórios manuscritos.
25
Sólidos Urbanos (RSU) que são:
uma usina de triagem, duas prensas,
sendo uma vertical e outra horizontal, um
caminhão caçamba, um rolo compactador
e uma retro escavadeira, obtendo assim
estrutura física para a execução da
reciclagem, procedimento previsto pela lei
12.305.
A análise in loco, contudo
constatou que apesar de haver a
separação dos materiais com valor
econômico, essa não chega a obter o seu
potencial máximo, pois a estrutura
descrita no item 6.10, que aponta a
utilização de uma usina de triagem não
acontece.
Na realidade, o lixo fica a céu
aberto, sem prazo determinado para seu
acondicionamento
final,
o
que
descaracteriza o local como um aterro
sanitário. Essa constatação pode ser
facilmente visualizada nas imagens
abaixo (Figura 2).
3.2 ANÁLISE DOS DADOS
3.2.1 GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS
SÓLIDOS
Para análise do gerenciamento do aterro
controlado de Manhuaçu, foram evidenciados
três aspectos previstos na lei 12.305, contidos
no artigo 9° que apontam como prioridade para
gestão.
Reciclagem;
Tratamento dos resíduos sólidos e;
Disposição
final
ambientalmente
adequada dos rejeitos.
O item 6.10 do relatório técnico anual de
operação do depósito de lixo, realizado em
2010, descreve os equipamentos e veículos em
utilização na área do depósito de Resíduos.
Figura 2 – Disposição de resíduos a céu aberto
A seguir, na imagem abaixo a linha
amarela em destaque na figura 3
demonstra que a esteira que não
funciona, assim como o fosso também
não - circulo em verde.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
,
Cabral et al. (2012).
26
O fosso é a estrutura destinada ao
acondicionamento dos resíduos para
evitar que estes sejam depositados a céu
aberto (Figura 4).
Todavia, é importante ressaltar
que se pode verificar que mesmo sem a
utilização da esteira e do fosso, parte dos
materiais recicláveis são separados, pois
existe o funcionamento de duas prensas
(Figuras 5 e 6).
Figura 3 – Usina de triagem com esteira e fosso que
não funcionam
O fosso é a estrutura destinada ao
acondicionamento dos resíduos para evitar que
estes sejam depositados a céu aberto (Figura
4).
Figura 5 - Prensa
Figura 4 - Fosso
Figura 6 - Prensa
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
,
Cabral et al. (2012).
No entanto, como a separação dos
resíduos não é feita no local projetado pela
usina de triagem e compostagem o
desempenho da usina é deficiente. Isso pode
acarretar aos trabalhadores do local riscos à
saúde (Figura 7).
27
se que esse procedimento não é adotado
no ‘aterro sanitário’ de Manhuaçu.
Figura 8 – Incinerador
Figura 7 – Proximidade dos catadores com os resíduos
A respeito do tratamento dos resíduos
sólidos, previsto também no artigo 9º, o aterro
controlado disponibiliza de um incinerador para
tratamento do lixo especial (Figura 8)
O relatório analisado evidencia no tópico
“Características do RSU” que existe a coleta de
resíduos de saúde (item 5.2). Já no item 5.1
encontra-se a quantidade de resíduos coletada
por dia, mas não enfatiza como é feito seu
tratamento, mesmo tendo a disposição um
incinerador. Através das análises fotográficas e
pesquisas realizadas durante o período da
avaliação, constatou-se que os resíduos da
saúde coletados são queimados a céu aberto,
sem nenhuma precaução (Figura 9 e Figura
10).
O último aspecto analisado neste
trabalho observou se a disposição final dos
rejeitos era realizada de forma ambientalmente
adequada. Segundo o relatório fornecido pela
Secretaria de Agrimensura do município de
Manhuaçu, a freqüência de compactação e
recobrimento dos resíduos sólidos urbanos
depositados na área é feita diariamente, ao fim
de cada jornada de trabalho. Porém, constatou-
Figura 9 – RSS sendo queimados de forma
inadequada
Figura 10 – RSS sendo queimados de forma
inadequada
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
Na realidade, a vala demonstrada nas
figuras 11 e 12 têm aproximadamente 10 m de
altura por 40 m de comprimento, e fica com os
resíduos
depositados
a
céu
aberto
descaracterizando assim o aterro sanitário.
Figura 11 - Valas
Figura 12 – Valas
28
3.2.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL E
CONTROLE DE POLUIÇÃO
Para análise do monitoramento
ambiental da área, utilizou-se o Relatório
de Controle Ambiental (2004) e o Plano
de Controle Ambiental (2006).
Foram escolhidos seis parâmetros
de comparação: área do entorno;
caracterização dos resíduos dispostos;
caracterização do aterro; caracterização
dos resíduos do serviço de saúde (RSS);
e plano de monitoramento.
Os dados estão dispostos na
tabela 1 abaixo de acordo com a ordem
cronológica.
A tabela 2 consta a coleta de
dados realizada através de observação,
em três visitas regulares, no primeiro
semestre de 2011, realizadas pela equipe
deste projeto.
Os mesmos documentos utilizados
para analisar o monitoramento ambiental
(RCA), foram utilizados para compreender
a prática de controle da poluição no aterro
sanitário de Manhuaçu.
Os dados estão discriminados na
tabela 3 que segue o mesmo método dos
dados dispostos anteriormente.
Os parâmetros escolhidos foram:
área
do
entorno;
aterro
controlado/sanitário; RSS; e efluentes
sanitários.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
29
Tabela 1 – Dados de relatórios de controle ambiental (RCA de 2004 – PCA de 2006) da área em
estudo.
ANO/Relatório
2004 (RCA)
- Não existem assentamentos populacionais.
- O centro urbano está a cerca de 4 km.
- O uso do solo é composto por plantação particular de café.
Área do entorno
- A área está localizada no topo de um morro, o qual divide duas microbacias (Córrego Pouso alegre e Córrego da Sinceridade).
- Não há documentos desta data que comprovem distúrbios causados pelo
lixão na área do entorno.
- 60% de matéria orgânica e 22% de papel/ papelão que possuem
viabilidade de reciclagem.
- Mais 2,9% de plástico.
Caracterização dos - 1,6% de vidro.
resíduos dispostos - 1,4% de materiais ferrosos.
- 0,6% de materiais não ferrosos.
- 1% somados trapos, borracha, couro e madeira; e 10,5% de outros.
- No total estima-se o recebimento diário de 30 t/dia de resíduos sólidos.
- A disposição dos resíduos acontece em vala projetada para acondicionar
Caracterização da
os resíduos diariamente, sem cobertura, sistema de drenagem de gases e
vala do aterro
chorume, e tratamento de efluentes líquidos.
- A quantidade recebida no local é de 800 kg/dia, proveniente do Hospital,
Caracterização dos da Policlínica, do Hemocentro, da Hemodiálise, das Clinicas Médicas e
RSS
Odontológicas, e das Farmácias. Os mesmos não possuem tratamento
adequado sendo depositados juntamente com os resíduos comuns.
Plano
de Não há documentos desta data que comprovem a existência de um plano
monitoramento
de monitoramento.
ANO/Plano
2006 (PCA)
- A área é remanescente de Mata Atlântica.
- Não existem assentamentos populacionais.
- O centro urbano está a cerca de 4 km.
- O solo do entrono da área, é utilizado para plantação particular de café.
Área do entorno
- No entorno foram plantados eucaliptos, como barreira de vento e visual.
- A área está localizada no topo de um morro, o qual divide duas microbacias (Córrego Pouso alegre e Córrego da Sinceridade).
- Os locais de acesso para o local, não possuem pavimentação e nenhum
tipo de proteção superficial para o transito de veículos.
- 96% dos domicílios possuem coleta de seus resíduos, e 4% manipulam o
destino de seus próprios resíduos
Caracterização dos
- Do total coletado 97% são encaminhados para triagem e aterramento.
resíduos dispostos
- Até o momento da elaboração deste plano, diariamente são coletados
38,84 t de resíduos.
Caracterização da - Não se utiliza nenhum sistema de aterramento, impermeabilização do solo
vala do aterro
ou cobertura para Cabral
a disposição
final dos resíduos sólidos; eles ficam
et al. (2012)
expostos céu aberto, sujeitos a intensa produção de chorume. Também não
recebem drenagem superficial, nem drenagem de gases e chorume. Os
resíduos são dispostos após uma triagem na usina ao lado.
- O sistema utilizado no momento, não possui monitoramento geotécnico e
ambiental.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
30
Cabral et al. (2012).
Resíduos
de
serviço de saúde
(RSS)
Plano
de
monitoramento
- Os RSS não foram caracterizados e analisados.
- São encaminhados para vala do lixão a céu aberto, e equivalem a 3% do
total coletado.
Não há documentos desta data que comprovem a existência de um plano
de monitoramento.
Tabela 2 – Coleta de dados realizada em três visitas ao aterro sanitário.
Dados
coletados
Meses do primeiro semestre de
Fevereiro
Abril
- No entorno da área - Idem ao mês anterior.
permanece lavoura
de café, barreira de
eucaliptos
e
remanescentes
de
Mata Atlântica.
- Idem ao mês anterior.
- Não há curso
Área
do d’água nem núcleo
entorno
populacional
nas
proximidades.
- Com a intensidade de
- O acesso ao aterro chuvas,
os
caminhões
não
está coletores
depositaram
pavimentado e não temporariamente
os
possui
placa
de resíduos na estrada de
identificação.
acesso para a sede do
local.
Os
resíduos Os
resíduos
se
dispostos
apresentam em constante
observados, em sua grau de decomposição por
maioria,
eram causa da umidade das
materiais recicláveis. chuvas
e
do
calor
No entanto, diante constante, característico da
Caracterização
das
condições estação
climática
em
dos
resíduos
inadequadas, e da questão. Continuam sendo
dispostos
quebra da esteira de expostos diretamente, sem
triagem da usina, eles cobertura.
se
acumulam
e - Da mesma forma, os
sobrecarregam a vala resíduos se acumulam e
disponível.
sobrecarregam a os locais
nos quais são depositados.
Caracterização - A vala projetada em - Como a única vala
do aterro
2005 para adequar o disponível
para
o
sistema de aterro aterramento se encontra
sanitário, se encontra interditada,
por
estar
sem
manejo
de alagada pela água das
cobertura diária e chuvas, a disposição dos
drenagem
(de resíduos acontece em um
qualquer tipo).
trecho da estrada de terra
2011
Junho
-Idem
ao
mês
fevereiro.
de
-Idem
ao
fevereiro
mês
de
-Idem
ao
fevereiro
mês
de
- Os resíduos já se
encontram parcialmente
aterrados, em maior
volume que na visita
anterior,
e
são
caracteristicamente
mistos (orgânicos com
recicláveis).
- A estação climática de
seca, facilita o manejo
dos
resíduos.
Atualmente a estrada se
encontra livre para o
transito dos veículos, e a
vala
anteriormente
alagada,
já
recebeu
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
31
Cabral et al. (2012)
de acesso ao local, na
encosta do talude que
margeia a estrada. São
colocados
sem
impermeabilização do solo,
sem cobertura, e drenagem
de
qualquer
tipo
caracterizando um “lixão “
temporário.
- O sistema de - Não há tratamento dos
tratamentos
dos efluentes sanitários
efluentes sanitários
gerados
nas
instalações do local e
Efluentes
pela percolação do
sanitários
chorume
dos
resíduos não está em
funcionamento, assim
não há tratamento
dos mesmos.
- O resíduos são - Idem ao mês anterior.
queimados em uma
fogueira, no chão, a
céu aberto, ao lado
da
estrutura
Resíduos
de
abandonada de um
serviço
de
incinerador.
saúde
- A queima acontece
sem
nenhum
tratamento
de
redução dos impactos
gerados.
Não há documentos - Idem ao mês anterior.
desta
data
que
Plano
de comprovem
a
monitoramento existência de um
plano
de
monitoramento.
camadas de resíduos e
uma nova cobertura.
- Não há tratamento dos
efluentes sanitários
- Idem ao mês anterior.
- Idem ao mês anterior.
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Cabral et al. (2012).
32
Tabela 3 – Análise dos RCA e PCA, respectivamente dos anos de 2004 e 2006, para
compreensão da prática de controle da poluição do aterro sanitário.
ANO/ Dado
2004 (RCA)
2006 (PCA)
analisado
- A captação das águas disponíveis nas - De acordo com o relatório, a
nascentes e nos cursos d’água, do implantação do aterro não
entorno deverão ser analisadas para o influenciará na qualidade do
funcionamento do aterro.
lençol freático.
- De acordo com o relatório, a Um
programa
de
implantação do aterro não influenciará na reflorestamento
será
qualidade do lençol freático, pois este se desenvolvido juntamente com
encontra a 20m de distância
a prefeitura.
- Medidas de controle de erosão e - A recuperação total da área
estabilização do solo deverão ser acontecerá pela remoção total
Área do entorno
utilizadas.
dos resíduos depositados,
- Implantação de sistemas de drenagem transportando-os para o aterro
de águas pluviais.
sanitário.
- Medidas de recuperação paisagística - A área deverá ter desvio das
com arborização de espécies nativas, águas
das
chuvas
e
reforço da vegetação existente.
revestimento
vegetal
- Implantar uma cortina vegetal.
adequado, para evitar erosões.
- Assegurar que o uso do local não
impeça atividades em áreas vizinhas.
Aterro
controlado/sanitário
RSS
- A disposição final dos resíduos não
aproveitados na usina de reciclagem nem
apropriados para a compostagem, será
encaminhada para o aterro sanitário após
compactação.
- Será construída em modelo de rampa,
para capacitar 40% dos resíduos
recebidos, em uma vala suportável para
até 5m de altura e prevista de uso por 10
anos. A vala terá sistema de
impermeabilização, cobertura diária dos
resíduos, drenagem pluvial, do chorume e
de gases (estes deverão ser queimados
na saída do seu duto).
- Uma vez encerrada a capacidade da
vala, esta receberá uma cobertura final
de solo de 60 cm, e cobertura vegetal.
Este
plano
visa
o
encerramento das atividades
do lixão e adequações para o
sistema de aterro sanitário.
- O aterro sanitário terá
drenagem
superficial,
drenagem
do
liquido
percolado, drenagem de gás, e
tratamento dos mesmos.
A
vala
terá
impermeabilização
com
Geomembrana (camada de
argila sobre a manta), e
cobertura do lixo depositado.
- A cobertura da vala, terá 30
cm de solo, com uma
superfície plana e uniforme.
- Para a captação do gás,
tubos
perfurados
serão
utilizados com queimadores
especiais na terminação dos
drenos dos gases. Essa
estrutura facilita a coleta de
amostras para o controle.
- A coleta será feita por funcionários Não há planejamento de
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Cabral et al. (2012).
Efluentes Sanitários
33
treinados, carro próprio e direcionados
diretamente para a vala séptica
exclusivamente preparada.
- O sistema realizará o tratamento do
chorume após sua medição e análise,
utilizando o método australiano (lagoas
anaeróbias e facultativas)
- Para a eficácia do tratamento, visitas
periódicas no local deverão ser realizadas
para manutenção do sistema e execução
do monitoramento ambiental.
As visitas realizadas pela equipe ao
aterro não constatou nenhuma prática de
controle ambiental. Conforme se demonstra a
seguir:
Área do entorno
controle para a disposição dos
RSS.
- Será adequado um sistema
de captação e tratamento dos
líquidos percolados por lagoa
anaeróbica seguida de lagoa
facultativa.
- Os efluentes serão captados
por geotubos perfurados.
Aterro Controlado/Sanitário
A figura 14 demonstra que há uma
espessa camada de resíduos depositados
na vala evidenciando a ausência de
cobertura diária com terra.
Na figura 13 a seta amarela demonstra a
proximidade da vegetação com a vala, sem
nenhuma proteção para conter a poluição. A
seta vermelha demonstra a via de acesso para
o local sem pavimentação. A seta azul
demonstra a antiga vala, esta já teve suas
atividades encerradas, porém está localizada
muito próxima a atual vala, que ainda está
aberta e possui, aproximadamente, 8m de
profundidade. Esta proximidade é uma situação
de risco para possíveis deslizamentos.
Figura 14 - Vale do aterro
Figura 13 – Área do entorno do aterro
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Cabral et al. (2012).
Resíduos de Serviço de Saúde
A figura 15 demonstra a atual disposição
dos resíduos de serviço de saúde, em
contradição com os planejamentos do RCA
(2004) e PCA (2006):
Figura 15 – Resíduos de serviço da saúde
Vale salientar que atualmente não há
tratamento de efluentes sanitários no aterro
sanitário de Manhuaçu.
As análises realizadas, caracterizando o
Aterro de Manhuaçu, seus resíduos e
atividades, demonstram as oscilações no seu
plano de manejo, e consequentemente falhas
na aplicação de um monitoramento ambiental e
controle de poluição.
3.3.3 REGULARIDADE DA ÁREA
De acordo com o Relatório de Controle
Ambiental (RCA) referente a dezembro de
2004, cedido pela secretaria municipal de
agrimensura de Manhuaçu, a área onde se
localiza o aterro é pública e tem o nome de
Clube do Sol, totalizando
62 ha, no entanto, a área usada para o aterro,
usina de triagem dos resóduos recicláveis e
suas instalações é de apenas 5 ha.
De acordo com o Relatório, Técnico
Anual de Operação de Depósito de Lixo,
também cedido pela mesma secretaria,
referente a agosto de 2010, o aterro sanitário
de Manhuaçu está localizado nas coordenadas
34
geográficas 20°15’09”S, 42°01’12”W e
aproximadamente a um quilômetro da
Rodovia BR-262.
Ele também descreve o entorno do
aterro, que é constituido de um pequeno
remanescente de mata atlântica, uma
lavoura de café, alguns resquícios de
pastagem formado por gramíneas e
algumas árvores de eucaliptos que
servem
de quebra-vento para o
empreendimento, não havendo no local
residências ocupadas.
Na figua 16, temos uma foto
ampliada de satélite, que possibilita
visualizar o local do aterro, bem como seu
entorno. Para facilitar seu entendimento,
foram desenhadas linhas de cores
diferentes,
que
representam:
a
delimitação do aterro, a BR-262, as
nascentes e cursos d’água mais próximos
e a linha de cumeada, que constitui um
divisor de águas.
Apesar da imagem ser de 2003, já
é possível observar resíduos depositados
a céu aberto, sem estarem devidamente
aterrados ou com qualquer tipo de
cobertura.
A linha verde representa a área
onde funciona o aterro. Esta área ainda
abriga a sede administrativa e as
instalações necessárias para a triagem de
parte dos resíduos coletados na cidade.
A linha amarela representa a
Rodovia BR-262, que liga Belo HorizonteMG a Vitória-ES. Esta estrada que cruza
a cidade de Manhuaçu, foi um dos fatores
que contribuiu para que o município
tivesse um crescimento exorbitante.
Tendo como uma das consequências
deste crescimento, a elevada produção de
resíduos urbanos, o que é um “problema”
para o orgão responsável pela limpesa
pública
e
principalmente
para
a
sociedade.
As linhas azuis representam os
recursos hídricos (nascentes, açude e
córregos) existentes próximo ao aterro,
esses com o passar do tempo podem ser
contaminados pelo chorume proveniente
da decomposição sem controle do lixo.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
35
A linha vermelha, representa a linha de
cumeada que constitui um divisor de águas,
separando as micro-bacias do Córrego Pouso
Alegre e
do Córrego Sinceridade, ambas
pertencentes à sub-bacia do Rio Manhuaçu,
que por sua vez pertence à Bacia hidrográfica
do Rio Doce.
Figura 17 – Imagens de carcaças de animais
Figura 16 – Imagem do Aterro (Google Earth)
3.3.4 DEGRADAÇÕES CAUSADAS PELA
DISPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Quanto à vegetação pode-se observar
que ela sofre impactos diretos, como qualquer
outro ser vivo. A proximidade dos resíduos à
vegetação do entorno é um foco de
contaminação como mostra a figura 18.
Especificamente na figura 17, são
encontradas
carcaças
de
animais;
considerando que este tipo de resíduo é um
material biológico que apresenta uma grande
instabilidade na sua decomposição.
A figura 18 demonstra um acúmulo de
resíduos temporariamente dispostos, estando
estes expostos às ações climáticas (sol, chuva
e vento). Como mostra em destaque a figura
18, o lixo se apóia na vegetação do entorno
devido ao seu peso, recebendo diretamente o
chorume que escoa do montante de resíduos.
Ao analisar outra área do aterro
encontramos uma plantação particular de café,
onde não há nenhuma proteção entre a
plantação e a área do aterro.
Figura 18 – Proximidade da vegetação
Figura 19 – Proximidade das Instalações com
plantações de café
Essa lavoura faz limitação entre a antiga
vala, já encerrada, e a sede administrativa
do aterro (Figura 19).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
Quanto aos impactos relativos ao solo,
pode ser observado que a forma indiscriminada
com que os resíduos são depositados
contribuiu muito para seu crescimento.
Analisando a figura 20, onde os resíduos são
dispostos provisoriamente, percebe-se que o
local não possui uma manta impermeável para
contenção do chorume, o que não é diferente
quando observamos a disposição dos resíduos
na vala (Figura 21).
Outro foco de contaminação é a
presença de resíduos periculosos em contato
direto com o solo (Figura 22).
36
Figura 22 – resíduos perigosos
“espinha de peixe” para captar os gases
através dos “suspiros” indicados pelas
setas.
Figura 20 – resíduos expostos
Figura 23 – Espinha de Peixe
Figura 21 – resíduos expostos
De acordo com o Relatório de Controle
Ambiental (2004) o aterro foi projetado para
possuir na vala drenagem e capitação dos
gases.
Como mostra a figura 23 e figura 24 registrada
no ano de 2005, inicialmente foi projetada uma
Figura 24 – Suspiro de saída de Gases
Esse sistema direcionaria a saída dos
gases para sua queima, no entanto, eles
se encontram sem manutenção e
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Cabral et al. (2012).
inoperantes como mostra a figura 24, registrada
em 2011.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
4.1 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Foram
encontradas
varias
irregularidades no aterro sanitário de Manhuaçu
ou, como melhor pode se constatar – aterro
controlado - causadas pelo descaso do
gerenciamanto por parte da administração
pública do Município.
O local de disposição final dos resíduos
sólidos de Manhuaçu passou por grandes
transformações desde 2004. No ano de 2005 o
local recebeu, inclusive, uma reforma deixando
de ser lixão para funcionar como aterro
sanitário, no entanto, o lixão adquiriu com o
tempo características de aterro controlado e
não a de aterro sanitário, como era previsto.
Essa situação não é rara no Brasil, pois a
legislação suporta a condição de aterro
controlado provisoriamente.
Porém, suas atividades como aterro
sanitário ainda não aconteceram, como mostra
as análises feitas durante o ano de 2011/2012.
O principal motivo está ligado à simplicidade
estrutural dos aterros controlados, entretanto,
eles podem apresentar maiores riscos ao meio
ambiente e por isso devem ser monitorados
(GARIGLIO; MELO, 2003).
Logo, o monitoramento ambiental é
duplamente necessário para o aterro controlado
de Manhuaçu. Primeiro por se tratar de uma
atividade de alto impacto no ambiente, segundo
por ser o aterro controlado uma das opções de
disposição de resíduos mais poluentes.
Apurou-se que a principal causa para a
ausência de um controle de poluição no aterro
controlado de Manhuaçu é a deficiência do
monitoramento
ambiental.
Sem
um
acompanhamento dos impactos dos resíduos
naquele local, vários focos de contaminações
podem acontecer, comprometendo o sistema e
a área como um todo.
As ausências de medidas que
diminuam os impactos ambientais não
cumprem com a legislação que visa o
desenvolvimento econômico de uma sociedade,
com sustentabilidade. A disposição final dos
37
resíduos sólidos em Manhuaçu poderia
ser um exemplo da aplicabilidade da
legislação ambiental, porém a situação
atual é desfavorável, como demonstra o
estudo realizado.
Dessa forma, conclui-se que o
aterro sanitário de Manhuaçu está
legalmente irregular e que a atual
situação da disposição final dos resíduos
sólidos na cidade causa degradações ao
meio ambiente em que está inserido.
Todavia, ainda é possível reverter
a
situação
através
de
alguns
procedimentos de engenharia. Os autores
Albert, Carneiro e Kan (2005), afirmam
que essas soluções envolvem um
conjunto de providências, através das
quais se espera minimizar os efeitos
impactantes gerados ao meio ambiente, e
acabam por intervir no aterro com o intuito
de
encerrar
a
sua
operação,
requalificando-o
ambientalmente,
reduzindo
os
impactos
ambientais
negativos sofridos pela área e dando-lhe
outra finalidade: aterro sanitário.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
39
SERVIÇO SOCIAL INSERIDO NA POLÍTICA SOCIAL SOBRE A ÓTICA MARXISTA
Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/Serviço Social
Ruteléia Cândida de Souza Silva1 Daniele Alves Segal2; Ivani de Andrade2; Janaína de
Oliveira Silva2; Jéssica da Silva Afonso; Leslie Morais2; Lornídia de Souza Abreu2; Sara de
Assis Miranda2; Verônica da Mata Huebra2
1
Doutoranda em Política Social; Mestre em Política Social e Graduada em Serviço
Social.
2
Alunos do Curso de Serviço Social.
INTRODUÇÃO
Em um contexto de profunda crise
capitalista, as contradições inerentes à lógica
de acumulação se intensificam, estabelecendo
uma nova dinâmica em que a correlação de
forças presentes na sociedade passa a exigir a
incorporação, na agenda política, do debate em
torno do enfrentamento às novas manifestações
da questão social.
Ao mesmo tempo surge uma nova
processualidade histórica que se apresenta
como estratégia de enfrentamento à crise do
capital financeiro e cria as bases para a
instauração de um novo projeto e processo de
restauração da ordem do capital que, nesse
momento, é legitimado e conduzido por novos
protagonistas que surgem no cenário mundial:
os governos latino-americanos de centro
esquerda, a exemplo, o governo do Presidente
Luis Inácio Lula da Silva, um de seus principais
expoentes.
Num circuito marcado pela crescente
financeirização da economia, aloja-se a
necessidade de intervir junto às classes
subalternas, promovendo uma verdadeira
reforma intelectual e moral em que se tem, sob
o signo do novo-desenvolvimentismo, o
fortalecimento do discurso do desenvolvimento
com sustentabilidade.
Desse modo, instaura-se um modelo de
desenvolvimento que ganha organicidade pela
via inclusão social – como estratégia de
combate
à
pobreza
e
redução
das
desigualdades –, tendo como horizonte a
melhoria das condições e da qualidade de vida
de uma parcela significativa da população que
se encontra em situação de extrema pobreza.
Tem-se a adoção de uma
ideologia coroada pela apologia a um
novo
desenvolvimentismo
fundado,
principalmente,
no
equilíbrio
entre
crescimento
econômico
e
social,
associado
à
autossustentabilidade
econômica, social e ambiental. Trata-se
de um modelo que está “[...] mais além do
neoliberalismo, porém, não mais além do
capitalismo, ainda que seja uma
estratégia de resistência ao imperialismo
norte-americano, sob o argumento da
autonomia dos povos [...]” (MOTA, 2010,
p. 47).
No caso específico do Brasil, todos
os esforços se operacionalizam no
sentido de aliar o cenário de crescimento
dos grandes investimentos no país à
oportunidade de maximizar a geração de
emprego e renda. O que, na perspectiva
defendida pelo governo federal, tem
propiciado uns ambientes institucionais
favorável às
iniciativas produtivas,
sobretudo, de uma parcela significativa da
população inscrita no Cadastro Único e
também de produtores independentes,
seja de unidades produtivas familiares,
seja de empreendimentos solidários.
A justificativa apresentada é de
que o Brasil, ao retomar as iniciativas
desenvolvimentistas – com investimento e
financiamento de bancos públicos e de
projetos privados
–,
abre novas
possibilidades para a construção de uma
nova
economia
inclusiva
autossustentável.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
Sob o signo dessa nova ideologia,
ganha força o discurso do autoemprego, do
empreendedorismo; dos negócios próprios; da
sustentabilidade. Ancorado no discurso das
oportunidades e liberdade de escolha individual,
a ideia de progresso passa a se vincular
diretamente aos processos de modernização,
mas é claro sem alterar os pilares das relações
sociais capitalistas.
Todos os esforços se conjugam, na
verdade, no sentido de consolidar uma
estratégia de desenvolvimento alternativo aos
modelos em vigência na América do Sul, ou
seja, ao “populismo burocrático” – ligado aos
setores arcaicos da esquerda e partidários do
socialismo –; ou à ortodoxia convencional,
representada por elites rentistas e defensores
do neoliberalismo (BRANCO, 2009).
Transversal a esta discussão, torna-se
recorrente o discurso em torno da relevância
das políticas sociais enquanto importante
mediação para a reprodução da força de
trabalho. Isso porque a lógica capitalista, para
assegurar sua reprodução, expulsa um elevado
contingente de trabalhadores do processo
produtivo, criando, assim, uma superpopulação
supérflua para o capital, que acaba sendo
direcionada, ora aos programas ligados à
assistência social, ora às ações de qualificação
profissional e de inclusão produtiva.
Num contexto de integração social, se
coloca no centro do debate a capacidade
produtiva e de gestão de grupos em situação de
vulnerabilidade social, de modo especial
aqueles
vinculados
a
programas
governamentais, como é exemplo o Programa
Bolsa Família – PBF.
Trata-se de estratégias adotadas como
forma de atender às necessidades do grande
capital num dado momento histórico, quando
são criadas e/ou recriadas políticas sociais
compensatórias e novas modalidades de
inserção
precarizada
no
trabalho,
estabelecendo uma verdadeira articulação
“invisível” entre as demandas imediatas das
classes subalternas e as da burguesia.
Apropriando-se
de
esquemas
ideológicos,
dissemina-se
a
ideia
de
compatibilidade entre capital e trabalho e da
capacidade do Estado de condensar interesses
40
de acumulação ao mesmo tempo em que
atua mediando conflitos distributivos e
atendendo as necessidades básicas das
classes subalternas.
É justamente para dar conta de tal
complexidade
que
a
investigação
proposta tem como objetivo apresentar
algumas reflexões em torno das atuais
configurações da política social no cenário
brasileiro, tendo como referencial as
construções teóricas de viés marxista. O
que se pretende é apreender a realidade
apoiado num método capaz de reunir
substratos
suficientes
para
uma
compreensão
mais
detalhada,
proporcionando a oportunidade de
problematizá-lo
inscrito
numa
processualidade histórica, síntese de
múltiplas determinações (MARX, 1982).
Pretende-se ainda priorizar uma
leitura histórica da realidade brasileira,
marcada por sua fragilidade em termos de
política social, o que se vincula
diretamente à elevada concentração de
renda – uma das mais altas do mundo – e
a sua condição de um dos países com
maior índice de desigualdade social.
De igual forma, pretende inscrever
o Serviço Social nessa dinâmica, à
medida que pensar a profissão hoje
requer inscrevê-la no interior de uma
lógica que redimensiona as políticas
sociais
enquanto
espaços
sócioocupacionais de atuação dos
assistentes sociais. Parte ainda da
apreensão das relações estabelecidas
entre capital e trabalho, relações essas
perpassadas por contradições no seio da
totalidade concreta, mediadas pela
materialidade
das
múltiplas
determinações que se colocam em dado
momento.
Por isso, o presente estudo se
orienta no sentido de reconhecer seu
objeto como unidade em movimento,
buscando mais do que apenas conhecer a
realidade, mas analisar e desvelar o que
não é visto, o que muitas vezes está
oculto.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
1
UMA DISCUSSAO MARXISTA EM
TORNO DA INTERVENCAO SOCIAL DO
ESTADO
Desde a década de 1960, os ideólogos
marxistas passam por um despertar em torno
das questões relativas à intervenção social do
Estado e, mais precisamente, do chamado
Estado de Bem Estar Social. Esse é um período
marcado por mudanças na configuração estatal
que, inexistentes à época de Marx, nesse
contexto atribuem uma maior ênfase aos
aspectos políticos e sociais presentes no
funcionamento do Estado capitalista (PEREIRA,
2009).
Ao mesmo tempo a apropriação dos
estudos do marxista italiano Antonio Gramsci
também assume um papel decisivo para
adoção de uma postura analítica por parte dos
ideólogos marxistas, que passam a questionar
a validade de se pensar a esfera política como
uma dedução automática da infraestrutura
econômica (PEREIRA, 2009).
O Estado passa, então, a ser concebido
como uma esfera passiva que, nos momentos
de crise da hegemonia e, portanto, de
instabilidade, pode possuir certo grau de
autonomia, colocando-se acima e para além da
sociedade civil. E esta autonomia relativa
decorre
justamente
da
capacidade
organizacional que o Estado tem frente às
forças sociais conflitantes, capacidade essa
vinculada, principalmente, ao apoio que recebe
dos extratos sociais mais importantes inseridos
no pacto de dominação, o que revela uma
articulação indissolúvel entre autonomia e
sociedade.
Diante de tal análise,
o
intervencionismo estatal assume cada vez mais
um caráter complexo, incorporando categorias
analíticas próprias da teoria de Marx e Engels
(PEREIRA, 2009).
Pereira e Pereira (2010) afirmam que
Marx foi o maior de todos os teóricos, cujos
valores intelectuais e morais remetem ao bem
estar social como um processo associado ao
atendimento de necessidades humanas. De
acordo com as autoras, a relação entre bem
estar social e satisfação dessas necessidades,
hoje
teoricamente
exploradas,
somente
começam a fazer parte do debate intelectual a
41
partir das contribuições desse teórico que,
de modo genial, vêm subsidiar de forma
impar e consistente as reflexões
contemporâneas dedicadas ao estudo da
politica social.
Dentre
suas
inúmeras
contribuições, Marx vai afirmar que a
identificação das necessidades humanas
em sua plenitude e a definição de
políticas
que
satisfazem
tais
necessidades são incompatíveis com os
próprios valores e instituições presentes
no capitalismo, à medida que ao garantir
a reprodução da força de trabalho e,
consequentemente, “[...] sua exploração,
a intervenção do Estado tende a
responder [...] ao metabolismo social
produzido pelas lutas de classe com o fito
de preservar o conjunto de relações de
produção que subjazem na sociedade
burguesa” (PEREIRA; PEREIRA, 2010,
p.123).
Sob o norte da teoria marxista, é
possível inferir que o sistema capitalista,
independente qual seja o contexto
histórico, no momento em que a classe
trabalhadora, por meio de organização de
classes, põe em cheque a reprodução do
capital, imediatamente a classe capitalista
volta suas “armas” para “passivizar” as
expressões do movimento operário e
diminuir a combatividade operária e
manter sua hegemonia. Assim, as
políticas
sociais,
embora
atendam
algumas demandas do movimento
operário, ao mesmo tempo se colocam
enquanto estratégia à manutenção e a
dinamização do mundo do capital
(PEREIRA; PEREIRA, 2010).
Então,
fica
nítido
que
a
instauração das políticas sociais funda-se
no antagonismo de classes da sociedade
capitalista, como respostas do capital às
mobilizações da classe trabalhadora,
independente
ao
cenário
que
a
organização ocorra.
No contexto atual, por exemplo, o
capital ainda que não “[...] tenha
encontrado uma fórmula para acabar com
as crises provenientes das contradições
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
do [próprio sistema vigente, pelo menos,
consegue] reduzir sua amplitude e gravidade”
(PEREIRA;
PEREIRA,
2010,
p.127),
apropriando-se da intervenção estatal, via
políticas sociais, como forma de amenizar os
efeitos inelimináveis dessas crises.
Isso
porque
todas
as
ações
desenvolvidas no âmbito da intervenção estatal
“[...] na vida econômica e a planificação
indicativa não são neutros. Ao contrário, são
instrumentos de intervenção na economia nas
mãos da classe burguesa ou de suas castas
dominantes, que funcionam como árbitros entre
burguesia e proletariado” (PEREIRA; PEREIRA,
2010, p.128).
O objetivo dessa intervenção é, nesse
sentido, a manutenção do sistema capitalista
que se deixa ao sabor de suas próprias leis,
submetendo, assim, a classe subalterna a
políticas sociais financiadas pelo próprio
processo de exploração capitalista.
Pautando em Marx, que inspira essa
lide, somente a força de trabalho cria valor e
gera excedente econômico, portanto, existe
cabal interesse das classes dominantes em
manter o pleno funcionamento “galinha dos
ovos de ouro” do sistema capitalista. Para isso,
ocorreu o fortalecimento e expansão das
políticas sociais no decorrer dos últimos anos
via ação estatal que, segundo o teórico
supracitado, é o “comitê executivo da
burguesia”.
E se para os capitalistas a força de
trabalho se constitui num custo adicional, a
intervenção estatal, por sua vez, em termos de
educação, qualificação de mão de obra, dentre
outras políticas, vem justamente no sentido de
minimizar ao máximo esse custo para os donos
do capital. Sob essa perspectiva, a apropriação
capitalista da força de trabalho se dá pelo viés
da disciplina do trabalho e insegurança no
emprego, enquanto as políticas sociais são
apropriadas como estratégias de manutenção
da ordem e de desfragmentação dos
movimentos dos trabalhadores que financiam,
de forma indireta – através de impostos –,
essas políticas, entendidas sob a lógica do
favor (NETTO, 1991; IAMAMOTO; CARVALHO,
2011).
42
Assim, as políticas sociais se
apresentam como o mecanismo perfeito e
imprescindível para o atendimento dos
interesses do sistema vigente que
embora, tenham se expandido, continuam
com seu caráter pontual e fragmentado,
propiciando o fortalecimento do capital
que, por sua vez, agudiza as sequelas da
questão
social,
intensificando
as
desigualdades na sociedade.
É por meio da política social que o
Estado tenta resolver o problema da
transformação duradoura de trabalho não
assalariado em trabalho assalariado.
Torna-se responsável não apenas pela
qualificação permanentemente da mão de
obra para o mercado, como também,
através de políticas, programa e projetos
sociais, procura manter sob controle
parcelas da população não inseridas no
processo produtivo.
O Estado assume para sua órbita
a responsabilidade de resolver os
problemas sociais, ou em outros termos,
assegurar as condições materiais de
reprodução da força de trabalho,
inclusive, visando adequação quantitativa
entre força de trabalho e força de trabalho
passivo e aceitação desta condição
(PEREIRA; PEREIRA, 2010).
2
AS REFORMULAÇÕES DAS
POLÍTICAS SOCIAIS NO PERÍODO PÓS
DÉCADA DE 1990 NO BRASIL
A partir dos anos de 1980 ocorreu
uma forte transformação nos moldes da
produção capitalista, cujos benefícios
ficaram extremamente concentrados nas
economias centrais, enquanto os custos
foram pagos pelos países periféricos com
forte retrocesso no investimento das
políticas sociais. Já o desenvolvimento
industrial dos países periféricos identificou
dificuldades para desenvolver a estrutura
industrial existente e ganhar espaço
internacional nesse novo dinamismo da
economia, sobretudo, por causa da
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
heterogeneidade estrutural das economias e do
agravamento das relações internacionais
acarretada, principalmente, pelo endividamento
e, consequente, quebra financeira do Estado
(BEHRING, 2011).
Esse mesmo período também é
marcado pela retomada dos movimentos
reivindicatórios que favoreceram a conquista no
âmbito da política social, o que vai resultar nas
conquistas constitucionais de 1988. Mas apesar
de priorizar a área social, essas conquistas se
traduziram
em
iniciativas
pífias
no
enfrentamento das expressões da questão
social, mantendo o caráter compensatório,
seletivo, fragmentário e setorizado da política
social brasileira.
2.1
O NEOLIBERALISMO E OS NOVOS
MECANISMOS PARA O FORTALECIMENTO
DA IDEOLOGIA CAPITALISTA
As propostas de reestruturação das
políticas sociais formuladas no âmbito dos
grupos de trabalhado destinados a repensar as
políticas de previdência, saúde, educação e
assistência social, não foram implementadas.
Suas
contribuições,
com
tudo,
foram
incorporadas um processo constituinte e
ajudaram a definir o conceito de seguridade
social.
O “choque liberalizante” no final da
década de 1980 – traduzido na abertura
comercial,
nas
privatizações,
nas
desregulamentações
financeiras,
na
precarização do trabalho, na ortodoxia
monetarista – não superou as fragilidades da
economia brasileira, mas resultou uma perversa
combinação dos resultados da política
neoliberal:
desemprego,
recessão,
desnacionalização da economia e aumento da
vulnerabilidade externa.
As discussões passam a orientar o
desenvolvimento econômico e social a partir da
adoção de reformas estruturais na economia,
sobretudo, aquelas vinculadas à privatização
dos serviços públicos, reforma do Estado – ou
nos
dizeres
de
Behring
(2003)
de
contrarreforma do Estado –, e focalização de
43
programas sociais para os segmentos
mais vulneráveis da sociedade.
Embora todo esse receituário –
alicerçado na agenda proposta pelo
Consenso de Washington – tenha
assumido o discurso de superação do
atraso e da pobreza dos países
subdesenvolvidos, suas proposições não
conseguiram alterar o quadro de
recrudescimento da questão social, muito
menos superar o subdesenvolvimento e o
avanço da desigualdade. Diante desses
resultados tem-se um novo realinhamento
dos ajustes propostos pelos organismos
internacionais à dinâmica do mercado,
dando início a um período marcado por
uma “perspectiva revisionista”, nos
dizeres de Carcanholo (2010).
As medidas de ajuste estrutural
adotadas em quase todos os países da
América Latina implicaram em uma
reestruturação
do
Estado
e
desregulamentação
das
relações
econômicas e sociais em perspectiva
neoliberal, que submete ao Estado
nacional aos ditames do capital
internacional
e
dos
organismos
internacionais como ONU (Organização
das Nações Unidas), Banco Mundial, FMI
(Fundo Monetário Internacional) e OMC
(Organização Mundial do Comércio).
O modelo de contrarreforma do
Estado além de alterar significativamente
o rumo das políticas sociais atinge e
remodela a atuação estatal em três áreas
estratégicas: as funções típicas do
Estado, aquelas que envolvem a
segurança nacional, emissão da moeda,
corpo diplomático e fiscalização; as
políticas públicas, sobretudo, saúde,
assistência social, cultura, ciência e
tecnologia,
educação,
trabalho
e
previdência; o setor de serviços como, por
exemplo, as privatizações que ocorreram
nas empresas estatais estratégicas, como
energia, mineração, telecomunicações,
recursos hídricos, saneamento e outros
(ANDES, 2007 p.07).
Atualmente, o Estado pressionado
pela financeirização capitalista trabalha
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
para manter elevados índices de superávit
primário,
reduzindo
recursos
para
o
investimento de políticas publicas essenciais ao
desenvolvimento. Portanto, as escassas
políticas públicas tendem a ser seletivas na
garantia aos direitos sociais universais,
anteriormente garantidos na Constituição
Federal, o que vai refletir no desmonte
paulatino dos direitos arduamente conquistados
nas últimas décadas.
Por inúmeras vezes, as emendas
parlamentares reforçam a lógica do favor, a
responsabilidade e o uso dos recursos públicos
em favorecimento de interesses particulares
como, por exemplo, as verbas destinadas a
instituições dos políticos representativos. Essas
ações cotidianas criam barreiras para a
consolidação e expansão das políticas sociais
como direitos garantidos na carta constitucional.
Assim, a política social, em tempos
neoliberais, perde seu caráter universal e
redistributivo
anteriormente
proposto,
precarizando as relações de trabalho e
contraindo
os
encargos
sociais
e
previdenciários em detrimento das estratégias
de extração de superlucros. Nesses moldes,
tende-se a reduzir os direitos sob alegação de
uma crise, num contexto onde as forças de
resistência encontram-se fragmentadas e
desorientadas.
O que se tem é uma política econômica
que produz mortos e feridos e uma política
social que mais parece “[...] uma frágil
ambulância que vai recolhendo os mortos e os
feridos que a política econômica vai
continuamente
produzindo”
(KLIKSBERG,
1995: 35 apud LANDER, 1999: 466).
E
se
os
direitos
arduamente
reivindicados e promulgados no texto
constitucional passam por duros ajustes fiscais,
a dicotomia entre direito e realidade permanece
inalterada, num contexto marcado pela dura
concentração de renda, com pouca melhora
nos indicadores sociais. Tem-se a partir daí a
consolidação de um quadro de retrocesso
social com aumento da extrema e de uma
“nova” pobreza acompanhado de uma
pauperização das políticas sociais (SOARES,
2000).
44
Por sua vez, as privatizações
ocasionam uma dualidade discriminatória
entre os que podem e os que não podem
ter acesso devido à ausência de
disponibilidade financeira para acessar
aos serviços outrora privatizados, no
mesmo
ritmo
que
proporciona
lucratividade para o capital (BEHRING,
2008).
Em termos de Seguridade Social,
tem-se o reforço da universalização
excludente,
cujos
rebatimentos
proporcionam
uma
quebra
da
uniformização
dos
serviços
e
a
intensificação do processo de privatização
no âmbito da política social, o que vem
consolidar um verdadeiro movimento de
transferência
patrimonial,
além
de
expressar o processo mais profundo da
supercapitalização.
A Seguridade Social também foi
influenciada pelo movimento do avanço
da hegemonia do capital por meio do
fenômeno de uma suposta cultura da
crise, tendo em vista um consenso ativo
da população, quando o país passa a
aderir a tendência de privatização
programas de previdência e saúde e
ampliação dos programas assistenciais
em simultaneidade com as mudanças no
mundo do trabalho e com as propostas de
redirecionamento
das
intervenções
sociais do Estado.
Uma tendência do Estado após a
contrarreforma foi o retorno das famílias e
das organizações sem fins lucrativos na
condução
das
políticas
sociais,
transformando o suposto “terceiro setor”
na forma primeira de viabilizar o
atendimento das necessidades sociais.
Este apelo ao “terceiro setor” ou a
sociedade civil organizada configurou-se
como primeiro recurso para o atendimento
das necessidades, conduzindo a um
retrocesso
histórico
com
a
refilantropização da política social, ou
seja, tem-se um retorno ao passado sem
esgotar todas as possibilidades da política
pública na sua forma constitucional
(NEVES, 2008).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
Podemos entender, com base em
Gramsci, que a hegemonia se for compreendida
como cultura numa sociedade de classe, tem a
capacidade de controlar e produzir mudanças
sociais através da interiorização de um
complexo de experiências, relações e
atividades (OLIVEIRA, 2009).
Em Gramsci o conceito de hegemonia
perpassa por toda sua obra, como ponto inicial
desse conceito, o filosofo afirma que “o
proletariado pode se tornar classe dirigente e
dominante na medida em que consegue criar
um sistema de alianças que lhe permite
mobilizar contra o capitalismo e o Estado
burguês a maioria da população trabalhadora”
(GRAMSCI, 2001), ele também associa a essa
teoria a concepção de mundo, que segundo o
pensador filosofia e política não se separam,
pois são fatos políticos.
As políticas sociais postas como funções
econômicas do Estado para a reprodução da
força de trabalho, segundo referencial teórico
marxista, contribuiu massivamente para superar
a visão adversa da questão social. Ao separar
as questões pertinentes do trabalho das
questões relativas à garantia de direitos acaba
por desarticular a organização das classes
operarias, afastando a organização sindical da
organização popular, contribuindo dessa forma
limitando suas lutas frente aos contornos das
relações sociais capitalistas. Favorecendo o
processo de alienação do trabalhador deixandoo a mercê de uma transformação estrutural.
Observamos isso no texto de Gramsci
que relata a forma que as políticas sociais
contribuem para a manutenção da ordem
dominante
A dicotomia no trato das políticas sociais
contribui para manter a participação
política das classes dominadas no
patamar mais elevado do nível
econômico-corporativo,
aquele
que
chega a questionar a natureza de classe
do Estado capitalista, mas não contribui
a ultrapassar esse limite da consciência
crítica coletiva. Pelo contrário, ela
contribui para dificultar a superação do
nível econômico-corporativo para o nível
ético-político da participação popular,
aquele estágio da luta que põe em
45
questão a natureza mesma das
relações capitalistas de produção
(GRAMSCI, 2001, p.175).
Depois de atravessar sucessivas
crises, o capitalismo neoliberal nos anos
2000 redefiniu suas estratégias estatais
de reprodução ampliada do capital, entre
as quais as de reprodução da força de
trabalho que, neste âmbito, se da através
das políticas públicas.
Nesse trabalho, serão analisadas
as
políticas
sociais
no
mundo
contemporâneo como instrumento de
difusão
da
nova
“pedagogia
da
hegemonia” (NEVES, 2008) do capital
que tem como objetivo consolidar entre
nós um novo padrão de sociabilidade,
através da responsabilidade social.
A classe dominante utiliza de
ações políticas e ideológicas para
assegurar em nível mundial e no interior
da formação social e concreta, a partir da
redefinição do projeto de sociedade e
sociabilidade para o início do século XXI.
Num primeiro momento, a nova
hegemonia traz em seu bojo a
viabilização do retorno ou da permanência
de um conjunto significativo da população
ao nível mais primitivo da convivência
coletiva, organizando-se conforme a
posição na produção sem maior
consciência dos seus papeis econômicos
e político social.
Nesse sentido são incentivados
pela aparelhagem estatal formas de
participação política caracterizadas pela
busca de soluções individuais ou grupais
para problemas coletivos que contam com
organismos diversos da sociedade civil e
por empresas. A nova pedagogia então se
traduz
no
desmantelamento
ou
refuncionalização dos aparelhos privados
de hegemonia da classe trabalhadora que
vinha até então se organizando com o
intuito de ampliação de direitos através de
um projeto socialista de sociedade e
sociabilidade. Este é para esta autora o
segundo momento do movimento da nova
pedagogia.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva (2012).
A partir daí a pedagogia da hegemonia
passa a atuar no sentido de restringir o nível
consciência política coletiva dos organismos da
classe trabalhadora no âmbito ético político ao
nível econômico corporativo com vistas de
incentivar as classes trabalhadoras organizada
na concertação social.
A partir daí temos o estímulo entre os
trabalhadores organizados a efetivação de
práticas voltada para a disseminação da
pequena política que, contraditoriamente,
propicia a essa importante fração da classe de
dominados a disseminação da grande política
que é a dominação como pode ser notado no
trecho a seguir
Sem riscos para o capitalismo, a
organização desses grupos, sem
qualquer vinculação com lutas históricas
das classes dominadas, pode desviar a
atenção de importantes segmentos das
classes dominadas da reflexão sobre os
mecanismos
de
expropriação
e
exploração a que são submetidos ao
reunir indivíduos para tratar de seus
problemas específicos, desvinculados
das questões sociais gerais. Ausência
da consciência do interesse coletivo,
que levam esses movimentos a perder
seu foco objetivo que a garantia dos
direitos de cada individuo em âmbito
coletivo (NEVES 2008, p.03).
As
políticas
sociais
privatistas,
fragmentárias, focalistas e localistas do
neoliberalismo tornaram-se um dos elementos
viabilizadores das metamorfoses das práticas
políticas ideológicas conservadores do estado
capitalista na atualidade. Para Gramsci, a
terceira via vem se constituindo um instrumento
poderoso da disseminação da nova pedagogia
da hegemonia.
Drucker (2002) explicitou de forma ímpar
o conteúdo dessa nova ideologia da
conservação social. Em seu texto intitulado “A
cidadania através do setor social”, vaticinando:
As necessidades sociais irão crescer em
duas áreas: Em primeiro lugar, elas irão
crescer naquilo que tradicionalmente
tem sido considerado caridade: ajudar
46
os pobres, os incapacitados, os
desamparados, as vítimas. Elas
irão crescer ainda mais rápido,
com respeito a serviços que visam
mudar a comunidade e mudar as
pessoas (DRUCKER, 2002,p.79).
Tais observações, vindas desse
importante
intelectual
orgânico
da
burguesia
mundial,
permitem
a
constatação de que a ideologia da
responsabilidade social, mais do que
alicerçar a filantropização da questão
social, realiza de fato uma profunda
reforma intelectual e moral do homem
individual e coletivo contemporâneo, com
vistas a perpetuar, sob nova roupagem, a
dominação burguesa neste século.
Nessa perspectiva, a análise da
difusão da ideologia da responsabilidade
social no espaço brasileiro pressupõe a
adoção do conceito ampliado de Estado
gramsciano, no qual sociedade política e
sociedade civil constituem um bloco
histórico em permanente mutação e
interação. O que quer dizer que a
execução
de ações aparentemente
autônomas de responsabilidade social,
realizadas por distintos sujeitos políticos
coletivos na sociedade civil na atualidade,
fazem parte de um projeto estatal de
construção da nova sociabilidade do
capital.
2.2
AS
ASSUMIDAS
SOCIAIS
NEOLIBERAL
PARTICULARIDADES
PELAS
POLÍTICAS
NUM
CONTEXTO
As pressões dos organismos
internacionais
forçaram
as
contrarreformas, que atingiram duramente
a seguridade social brasileira que pedia
ajustes
como
política
econômica
regressiva para favorecer o capital
financeiro em detrimento do capital
produtivo, elevadas taxas de juros,
aumento da carga tributária. “Essas
medidas de ajuste fiscal tem implicações
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
negativas para as políticas sociais de um modo
geral e para seguridade social de modo mais
específico” (BEHRING; BOSCHETTI, 2009).
No Brasil foram implementadas reformas
“não estruturais” que podem ser compreendidas
como mudanças que não eliminaram o sistema
público e nem introduziram um sistema privado
como sistema geral, mas modificaram a
abrangência e estrutura dos benefícios.
Essas
“reformas”
favoreceram
a
abertura de um amplo mercado para os
seguimentos que compuseram a seguridade
social no Brasil, porém, não garantiu a milhões
de pessoas a proteção social
Em todos os debates sobre as
“reformas" da previdência, contudo, não
se verificam proposições concretas no
sentido de incorporar os milhões de
trabalhadores que vivem relações
precarizadas
de
trabalho
não
contribuem para a seguridade social e,
portanto, não tem acesso aos direitos
previdenciários, conforme apontada
anteriormente. Nesse sentido, as
propostas
“reformas”,
mais
que
apresentar alternativas para incluir os
trabalhadores que hoje estão fora do
sistema, se dirigem para restringir
benefícios daqueles que ainda possuem
trabalho estável e acesso à previdência
social (BOSCHETTI et. al, 2009, p.187).
O “desastre social” brasileiro (SOARES,
2003), devido à agudização das sequelas da
questão social em decorrência da ideologia
neoliberal tem se configurado com pressuposto
para programas sociais desvinculados do
aparato estatal, favorecendo a privatização da
política social e delegando aos organismos
privados a responsabilidade da formulação e
execução de tais políticas financiadas pelo
Estado. Essas mudanças na execução das
políticas sociais possuem forte caráter
ideológico e de desresponsabilização estatal já
que
Esse processo se expressa em uma
dupla via: de um lado na transferência
de responsabilidades governamentais
47
para
“organizações sociais” e
“organizações da sociedade civil
de interesse público”; e de outro
lado
uma
crescente
mercantilização do atendimento às
necessidades sociais, abrindo
espaços ao capital privado na
esfera da prestação de serviços
sociais. A perspectiva que se
anuncia “é promover a ampla
reformulação das normas que
regem
o
federalismo
fiscal
brasileiro e encarar a realidade
quanto à implosão do conceito de
seguridade social, tal como
contemplado na constituição de
1988” (BEHRING; BOSCHETTI,
2009, p.73).
Dentre as ideias disseminadas
com relação ao Estado, estão as que
opõem o Estado e a sociedade civil,
afirmando
o
Estado
como
pura
negatividade cerceadora e coercitiva
mediante a pura positividade a sociedade
civil como
espaço de liberdade.
Correlacionando com essas ideias, temos
o aumento da execução das políticas
sociais pela sociedade civil organizada e
desobrigação paulatina do Estado pelas
expressões da questão social posto que
Sendo o Estado produtor direto do
aumento da produtividade da força
de trabalho se transforma em
Estado gestor da reprodução
ampliada do capital e do trabalho,
no capitalismo neoliberal, ele se
desobriga da execução direta de
parcela significativa das políticas
sociais
e
amplia
consideravelmente o número de
parceiros na sua execução,
garantindo a sua presença, ainda
que indiretamente, pela direção e
gestão das parcerias, nesse
importante segmento de sua
política
econômica
(NEVES;
PRONKO, 2008, p.105).
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
Portanto, quando a sociedade civil
assume a responsabilidade pela elaboração e
execução das políticas sociais, não configura
em uma desobrigação do Estado pela questão
social, mais numa forma de reprodução
ampliada da força de trabalho num contexto
neoliberal.
O Estado neoliberal além de coordenar
a extensão da privatização das politicas sociais,
também assume o papel de gestor da
desigualdade social, quando limita o acesso
aos benefícios sociais utilizando-se de
parcerias, em especial a mídia, a igreja e os
empresários (NEVES, 2008).
A promoção de uma cidadania voluntaria
através de ações assistenciais focalizadas são
instrumento
formador
de
uma
nova
sociabilidade do capital que por sua vez
funcionam como estratégias de manutenção da
hegemonia burguesa.
Nesse cenário, o Estado neoliberal tem
suas ações econômicas reduzidas ao patamar
de apenas gerir a privatização, a fragmentação
e a focalização das políticas sócias, essa
desobrigação do Estado com as políticas
sociais o favorecem, pois possibilita melhor
reprodução ampliada do capital.
Existe
uma
forte
tendência
do
capitalismo de terceira via concentrar suas
ações sociais nas mãos do empresariado. Por
meio de ações de responsabilidade social, ou
seja, de prestação de serviços sociais com
vistas à formação de um novo homem e de uma
nova cultura cívica, o empresariado em rede, as
associações sem fins lucrativos e os governos
têm ampliado consideravelmente sua ação na
sociedade civil (NEVES; PRONKO, 2010).
No Brasil, a política social ao ser
analisada
deve
considerar
os
traços
conservadores e autoritários da formação
social, cultural e econômica, que historicamente
se reproduziram na execução das políticas
sociais, mas também não se pode perder de
vista a possibilidade de forjar uma cultura de
direitos a partir das lutas por políticas sociais
universais, vistas como direito do cidadão e
dever do Estado (OLIVEIRA, 2009).
Com o objetivo de favorecer a
transformação do Estado do Bem-Estar em
sociedade do Bem-Estar, no sentido de delegar
48
a responsabilidade sobre as expressões
da questão social para a sociedade a
carga do Estado, este fenômeno vem se
efetivando nos últimos 20 anos, através
da implementação da aparelhagem
estatal. Estabelece-se uma nova relação
entre as duas esferas do ser social para
propiciar, pela obtenção do consenso
assumir o conjunto da sociedade ao
ideário e práticas burguesas nos anos de
consolidação de um novo imperialismo.
O Estado necessário ao mesmo
tempo em reduz a sua ação direta a
prestação de serviços compensatórios as
profundas
desigualdades
sociais
protagoniza
um
novo
papel
de
gerenciador de iniciativas privadas de
parceiros, históricos e novos, com intuito
de efetivar ações que contribuam para
enfraquecimento dos movimentos sociais
populares e, portanto,
Essa nova sociedade civil ativa,
sem antagonismos de classe,
constitui-se em lócus fundamental
da construção de um capital social
necessário à sedimentação de
uma nova cultura cívica e de uma
nova cidadania política conformes
aos
interesses
mais
contemporâneos da burguesia
mundial baseada na valorização
da
participação
popular
colaboracionista. Repolitização da
sociedade civil no sentido de
transformá-la de instância política
de disputa de projetos societais
em instância prestadora de
serviços sociais de interesse
público (NEVES; 2008, p.05).
Portanto, o novo homem coletivo
do inicio do século XXI esta sendo
educado em todo o mundo e
principalmente
no
Brasil
para
a
responsabilidade
social
que
se
fundamenta na construção da sociedade
do bem estar e na difusão da nova
cidadania política e uma nova cultura
cívica do neoliberalismo de face
humanitária (NEVES, 2008).
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
As ações de responsabilidade social,
realizadas pelo Estado se juntam as ações dos
“parceiros” na sociedade civil fomentando uma
nova estrutura das políticas sociais e de um
novo modelo de Estado. O consentimento ativo
da população brasileira a esse novo
associativismo burguês foi obtido por meio de
ações culturais e políticas de diferentes tipos,
implementadas
concomitantemente
por
diferentes sujeitos políticos coletivos adeptos da
ideologia da responsabilidade social (NEVES,
2008).
Nesse novo cenário, a disseminação da
ideia de responsabilidade social se apresenta
como frentes de ação, mantendo um dos
principais objetivos da burguesia que é o
controle da organização social. A ideologia da
responsabilidade social se distingue como
frentes de ação e, apesar de suas
características distintas, possuem o mesmo
objetivo que o controle da classe dominante no
controle da organização social. Podemos
compreender como a primeira frente da
responsabilidade social a difusão de valores
que respaldam essa nova ideologia e tem papel
de destaque a mídia, as escolas e as igrejas
(NEVES, 2008).
A segunda frente tem como objetivo
diminuir o nível de consciência política
conquistada a partir dos anos 1980,
repolitizando a classe trabalhadora, atuam
nessa frente os partidos políticos e os
sindicatos subjulgados as classes dominantes.
De um modo geral, pode-se afirmar com Fontes
(2005) que a organização social dos anos de
neoliberalismo não caminhou majoritariamente
para a construção de uma contra-hegemonia
(NEVES, 2008).
A terceira frente de responsabilidade
social está destinada a formação de novos
sujeitos políticos que irão se dedicar a
interesses extra-econômicos e suas ações no
campo social têm o intuito de amenizar conflitos
e
redirecionam
possíveis
movimentos
contestação da população. Estão envolvidos
diretamente nessa frente os profissionais das
áreas sociais. O empresariado nacional e
grupos com interesses diversos assumem papel
de destaque na formulação e difusão da
ideologia da responsabilidade social, que tem
49
seus interesses atendidos paulatinamente
através de ONGs (Organização NãoGovernamental) e OCIPs (Organização
Civil Pública) (NEVES, 2008).
Nesse contexto, implantada ainda,
entre
as
práticas
burguesas
da
atualidade, a criação de organismos que
formulam a ideologia da responsabilidade
empresarial. Esses organismos vêm
atuando com objetivo de sistematizar
ideias e projetos dentro do novo modelo
de
sociabilidade.
Convencendo
e
mobilizando os próprios empresários dos
mais diferentes setores produtivos em
torno
dessa
nova
ideologia
e
disseminando na sociedade a idéia do
compromisso do capital pela causa social.
Tem se tornado cada vez mais orgânica a
atuação empresarial em torno de ações
de responsabilidade social (NEVES,
2008).
Por fim, é essencial ter em pauta
que crise que ora se propaga coloca para
a burguesia brasileira a necessidade
reformular suas ações para que consiga
manter a reprodução ampliada da força
de trabalho.
Acreditamos que as reflexões
sobre a natureza do Estado capitalista
neoliberal e das políticas sociais podem
certamente se configurar em ferramentas
eficazes para o entendimento do
desenrolar desses novos acontecimentos.
E apesar das políticas sociais no
Brasil
assumirem
um
papel
confessadamente reforçador da ideologia
dominante, elas podem, e devem
necessariamente e contraditoriamente,
constituir-se, também, em instrumento de
organização popular com vistas à
construção de outra hegemonia.
3 PARA DISCUSSAO DO SERVICO
SOCIAL
Pretendemos
através
da
realização dessa pesquisa, estabelecer
uma dialogo com os demais autores que
compartilhar
do
referencial
teórico
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
Marxista. E entre eles temos Behring e
Boschetti (2011) que parafraseando Netto
(1991) visa romper com aquela perspectiva
modernizadora [...] é realizada por assistentes
sociais sintonizados com o processo de
redemocratização do país, com a perspectiva
de superar a desigualdade social, que trava
uma interlocução com a tradição marxista. Se
essa interlocução situou o Serviço Social em
relação à política social e ao processo históricosocial concreto numa perspectiva radicalmente
democrática e teoricamente mais qualificada,
esse processo não esteve isento de
contradições que merecem uma analise critica.
O entendimento da totalidade como um
processo dinâmico e multifacético (Netto) é uma
condição fundamental para apreender o real
significado e o motivo da política social e das
relações e ações dos assistentes sociais com
seu objeto de trabalho nesse novo contexto de
mundialização da economia sob a hegemonia
das finanças.
Luta pela realização dos direitos deve
ser entendida numa perspectiva sócio-histórica
e submetida às tensões sócio-político-culturais
na disputa entre projetos societários distintos.
Trata-se e apanhar as determinações que
permitam entender e “desconstruir as
alienações que mobilizam a condição humana e
liberar
suas
energias
emancipatórias”
(TERTULIAN, 2004, p. 4).
O
pensamento
marxista
fornece
justamente os substratos teóricos necessários
para inscrever o movimento do real no interior
de uma processualidade histórica em que
nenhuma dimensão da sociedade está livre das
determinações
estruturais
da
sociedade
vigente. A apreensão do pensamento marxista
permite reunir um conjunto de mediações capaz
de superar os reducionismos, tanto de tipo
economicista
quanto
politicista,
as
unilateralidades, o fragmentário, assim como as
análises desconectas da realidade, ahistóricas,
acríticas, que negam os fenômenos em suas
múltiplas determinações.
E para a formação de uma nova cultura
livre dessas visões reducionistas e que moldam
o indivíduo ao sistema dominante é
fundamental o entendimento da realidade em
sua totalidade, como única forma de assegurar
50
aos sujeitos coletivos seus direitos já que
o capital tem se utilizado das demandas
sociais para gerir a sociedade em favor de
interesses burgueses. Então é
Necessário
analisar
as
determinações econômico-políticosócio-culturais que possibilitaram a
emergência da pluralidade desses
sujeitos coletivos, reivindicando os
mais variados tipos de direitos e
de como as questões no campo da
diversidade, ao se tornarem
demandas ético-políticas para o
reconhecimento de direitos, foram
absorvidas pelo sistema do capital
e respondidas de acordo com seus
interesses particulares, mediados
pela intencionalidade objetiva de
confundir orientações teóricopolíticas, para que todos pensem
que estão defendendo a mesma
proposta, não porque estejam
unificados, mas por estarem
convencidos ideologicamente de
que há só uma única alternativa
que é adequar-se à ordem vigente
e desenvolver ações na intenção
do aperfeiçoamento do sistema do
capital (BOSCHETTI et. al,
2009,p.82).
Importante refletir e fazer a crítica
aos sujeitos coletivos quando a luta pela
realização dos direitos deixa de ser a
principal finalidade e passa ser um campo
privilegiado para a manutenção e
fortalecimento da ideologia capitalista.
Consequentemente,
perde
a
referência necessária para transformação
social,
aumentando
as
práticas
voluntaristas que velam a realidade de
exploração e da opressão e inibem a
construção de uma sociedade igualitária e
libertária.
Essa concepção de vida superior,
que supõe a compreensão crítica de si
mesmo e do mundo “é obtida através de
uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de
direções contrastantes, primeiro no
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
campo da ética, depois no da política, atingindo,
finalmente, uma elaboração superior da própria
da concepção real” (GRAMSCI, 2001, p.103).
Nesse sentido, além de representar o
progresso político-prático, o desenvolvimento
político do conceito de hegemonia se apresenta
como um grande progresso político. Isso
porque implica e pressupõe a coexistência de
uma unidade intelectual aliada a uma ética
adequada a uma concepção do real que
transcende ao senso comum, tomando um viés
crítico, ainda que sob bases restritas
(GRAMSCI, 2001, p. 104).
Analisando as argumentações de
Gramsci (2001), concluímos que o marxismo é
singular no que se refere concepção de mundo
e que pode nortear a classe trabalhadora rumo
à função hegemônica. E desta forma seria
possível construir não só novas relações
políticas e estatais, mas também uma nova
cultura no sentido de uma reforma intelectual e
moral.
Nítido na teoria gramsciana, reside não
só em entender os problemas da totalidade em
um determinado contexto histórico, mas,
especialmente, erguer a hegemonia da classe
trabalhadora. A ideia de hegemonia em
Gramsci (2001) consente analisar não só a
hegemonia das classes subalternas, mas
também a hegemonia das classes dominantes
e os instrumentos utilizados por estas no
sentido de reproduzir a subalternidade e a
dominação da classe trabalhadora hoje.
No caso específico do Brasil, os
elementos conservadores que emprestam
materialidade à formação social do país têm
sido apropriados pelas classes dominantes
como mecanismos de reprodução das formas
de dominação e de mando das classes
subalternas. Mas se, por um lado, a trajetória
brasileira tem sido marcada pela reiterada
negação de direitos, do outro, a luta por esses
direitos tem sido marcada pela apreensão da
hegemonia burguesa em seu sentido amplo, de
conhecimento dos instrumentos que são
apropriados para reprodução da classe
dominante e da construção de movimentos de
contra-hegemonia engendrados ao longo da
história (BOSCHETTI et. al, 2009).
51
Outra característica da sociedade
brasileira é a polarização entre carência e
privilegio, e tem sua gênese não apenas
na concentração de, mas igualmente nos
moldes do capitalismo neoliberal da
política social. Desta forma se tem a
diminuição do espaço público e o
aumento do espaço privado.
Assim, à medida que essas
práticas reproduzem favorecem para
delongar a consolidação de direitos e a
construção de uma nova cultura política,
baseada no direito, na ética, na cidadania,
nas relações democráticas horizontais e
na participação popular. Importante ter
sempre no horizonte da profissão, que
esse é um campo de disputa e que a
sucesso das forças dominantes não está
dada.
O empresariamento dos serviços
sociais criou uma nova burguesia de
serviços tem ocupado uma posição ímpar
no bloco atualmente no poder e, embora,
não
disponha
do
mesmo
poder
econômico do capital financeiro ou
industrial, a nova burguesia de serviços
tem função de grande valor na estratégia
na política neoliberal.
Favorece
diretamente todas as frações da
burguesia, que defende a redução dos
gastos sociais governamentais, bem
como da campanha neoliberal de
estigmatização/desqualificação do serviço
público (BOITO JUNIOR, 1999).
Esses “serviços sociais burgueses”
se beneficiam, ainda, das políticas de
precarização das relações de trabalho,
patrocinada
pelas
medidas
de
desregulamentação
do
trabalho
implementadas no decorrer dos anos de
capitalismo neoliberal, o que cooperou
massivamente para a ampliação da taxa
de mais valia e de exploração.
O empresariamento dos serviços
sociais
atende
a
importantes
determinações
da
ideologia
em
hegemonia contribuindo para consolidar a
ideologia neoliberal, sedimentando a
hierarquização e a desigualdade na
prestação de serviços, reforçando a
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Silva et al. (2012).
52
ideologia do individualismo como valor moral
radical,
preparando
novos
intelectuais
orgânicos da nova sociabilidade do capital,
auxiliando fatalmente para dirigir a ação do
Estado nas políticas sociais fragmentadas e
focalistas.
Esses novos intelectuais orgânicos,
dentre os quais os assistentes sociais,
deveriam ter como ocupação principal a
promoção da valorização da igualdade e da
dignidade humana enquanto valor primordial da
convivência coletiva e, ao invés, solidificar o
individualismo como valor moral radical, a partir
de práticas localistas de prestação de serviços
sociais na sociedade civil.
Nesse sentido do trabalho desses
“prestadores de serviços sociais” deve ser
motivo de apreensão e de estudo entre os que
se dedicam à fomentação, em nosso país, de
uma pedagogia da contra-hegemonia.
BOITO JUNIOR., Armando. Política
neoliberal e sindicalismo no Brasil. São
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Capitalismo:
tendências
contemporâneas. 2ª ed. São Paulo:
Cortez, 2009.
De fato, nesse estágio mais recente do
capitalismo, as políticas sociais continuam a se
constituir em ação estatal estratégica na
reprodução ampliada da força de trabalho, com
vistas a reverter a queda tendencial da taxa de
lucro capitalista. A diferença entre os anos de
Estado neoliberal e os anos de Estado de bemestar social, no que tange às políticas de
reprodução ampliada da força de trabalho,
consiste na redefinição da natureza de sua
intervenção e não na sua desobrigação.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
54
TRADUÇÃO DE TÍTULOS DE FILMES DO INGLÊS PARA O PORTUGUÊS: QUESTÕES DE
LÍNGUA E MERCADO
Área Temática: Linguística, Letras e Artes
Lívia Paula de Almeida Lamas 1
1
Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado,
Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito da
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar os principais meios de tradução de
títulos de filmes em Inglês para o Português, examinando, a partir da perspectiva de estudiosos
da técnica de tradução, como Jakobson, Derrida, Sobral e Gentzler, o papel do tradutor na
construção do texto traduzido; a questão da originalidade na transposição, e os efeitos
resultantes do conjunto desse trabalho.
Palavras-chave: tradução, mercado, títulos de filme.
1 INTRODUÇÃO
Um dos fatores determinantes para a
entrada de um filme no mercado de consumo é
o seu título. Ele é o primeiro contato que o
público tem com a obra, sendo muitas vezes,
responsável pelo seu sucesso (ou fracasso) nas
bilheterias e vendas.
Anualmente, milhares de filmes falados na
língua inglesa estréiam nos cinemas ao redor
do mundo, bem como chegam às prateleiras de
lojas e locadoras. Todavia, apesar de o título
dos filmes poder permanecer na língua original,
este fato raramente ocorre, pois para que ele
seja aceito ou compreensível nos países para
onde é exportado ele quase sempre acaba
sendo traduzido para o idioma daquela região.
As principais formas de tradução
utilizadas pelo mercado cinematográfico são a
tradução literal, a tradução com alteração, isto
é, sem mudança de sentido, a utilização do
título original seguido de aposto na língua do
país a que se destina e, por fim, a tradução com
significado completamente distinto do original.
Essa pesquisa tomará como base o
processo de tradução de filmes do inglês para o
português do Brasil, de forma a propor uma
reflexão sobre o ato de traduzir, levantar e
analisar questões curiosas a respeito da
tradução de títulos de filmes e abranger os
problemas que residem por trás dessa
transposição.
2 DEFININDO TRADUÇÃO
Segundo o dicionário Houaiss, a
palavra “tradução” tem como significado
“a ação de levar em triunfo, ação de
transferir de uma ordem a outra, curso,
andar (do tempo); espécie de repetição”.
A palavra “traduzir”, por sua vez, refere-se
a “conduzir além, conduzir de um lugar
para outro, transferir; dar a saber,
publicar, divulgar; passar (o tempo);
traduzir, verter, derivar (palavras)”.
Etimologicamente
a idéia
da
tradução abarca, portanto, a idéia de
transportar algo de um lugar para outro.
Isso significa que o ato de traduzir
abrange um sentido muito maior do que a
modificação de palavras de um idioma
para o outro, mas envolve todo um
conjunto de signos e culturas locais.
Segundo Sobral (2008, p. 114),
“traduzir é ‘tirar’ de um contexto e
‘integrar’ a outro, e por isso não é nem
reproduzir um texto nem criar outro texto
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
totalmente diferente”. Ele argumenta que a
tradução literal de uma obra, às vezes não
passa ao leitor informações de caráter utilitário,
podendo, inclusive, resultar no ridículo.
Para Derrida (1996, p.88) “nada é
intraduzível num sentido, mas em outro, tudo é
intraduzível, a tradução é um outro nome para o
impossível”. Dessa forma, o grande problema
que reside por trás do transporte de uma língua
para outra é como fazê-lo sem que se
produzam perdas ou alterações significativas de
sentidos.
Em “Teorias Contemporâneas da
Tradução”, Gentzler (2009, p.197) faz uso do
conceito de “différance”4, onde ele associa a
tradução a algo como a voz do meio, uma
operação nem passiva nem ativa, nem temporal
nem espacial. Para ele, as traduções, em vez
de fixarem o significado, estendem para novas
fronteiras, abrindo novos caminhos para a
diferença5. Esse jogo, porém, não tem
significado, sua função é, ao mesmo tempo,
esconder e revelar, a tradução seria o ponto de
partida, cujo destino seria o resultado das
interpretações dos leitores.
É consenso, portanto, entre os autores
citados, que a mera passagem de um idioma
para outro já produz novos significados e
provoca o desaparecimento de elementos
presentes no texto original, de maneira que
exigir uma tradução fidedigna seria um exagero,
todavia, os mesmos autores concordam que o
tradutor deve sempre buscar recompor a
harmonia da outra língua de forma a não perder
a essência do que se pretende traduzir.
3 DIVERGÊNCIAS ENTRE TRADUÇÕES DE
TÍTULOS DE FILMES DO INGLÊS PARA O
PORTUGUÊS:
ORIGINAIS
VERSUS
ADAPTAÇÕES
4
“Différance” ao invez de escrever como Derrida,
“differánce”, que para ele soa parecido, mas
graficamente força o leitor a pensar em termos do
inaudito.
5
Derrida considera essa interpretação de tradução
um jogo de rastros.
55
Traduzir o título de um filme para
outro idioma é um assunto delicado, uma
vez que ele implica a representação
minimizada do sentido geral produzido
pelo enredo e é o primeiro chamariz para
o público. Logo, uma tradução equivocada
pode ser fatal para a sua aceitação no
mercado.
Assim, a tarefa de traduzir o título de
um filme do Inglês para o Português não é
fácil e para realizá-la com perfeição o
tradutor deve não apenas dominar as
duas línguas, mas também ser capaz de
distinguir as suas sutilezas.
De tal modo, devido ao caráter
informativo e social da língua, alguns
tradutores preferem manter o título na
língua original e acrescentar um aposto
em português, como é o caso, por
exemplo, do filme “K-9” (1989), que foi
traduzido para o português como “K.9 –
Um policial bom para cachorro”.
“K–9”, em Inglês, possui um
interessante jogo analógico entre a
pronuncia de “K–9” (= /keinain/) com a
pronuncia de “canine” (= /keinain/), que
significa canino em português. Dessa
forma, o falante nativo da língua inglesa
ao inferir a relação entre o titulo do filme
“K–9” com o seu conteúdo, poderia sentir
atraído a assistir o filme. Todavia, o título
“K-9”, isolado, não representa nada para
um falante nativo de um país de língua
portuguesa e, consequentemente, a
probabilidade de atrair sua atenção é
pequena.
O aposto em português – “um
policial bom para cachorro” - teve,
portanto, a finalidade de correlacionar o
protagonista, que atua como detetive, ao
seu “parceiro” na história, que é um
cachorro.
O mesmo artifício foi utilizado na
tradução do filme “Steal”, cuja tradução
literal é furtar, roubar e que no Brasil,
devido ao conteúdo do filme, em que
ladrões utilizam apetrechos esportivos
para realizarem fugas espetaculares,
ganhou o aposto explicativo “Steal – Fuga
alucinante”.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
Segundo Fiorin (2006, p. 14), essa
técnica já era compreendida por Saussure que,
em meados dos anos 60, dizia ser a língua ”um
produto social da faculdade da linguagem e um
conjunto de convenções necessárias adotadas
pelo corpo social para permitir o exercício
dessa faculdade nos indivíduos.” Note-se que a
adição de uma sentença explicativa ao título
original pode ser bastante pertinente, pois atrai
a atenção do espectador, fazendo com que ele
leia a sinopse do filme e, finalmente, o assista.
Outros exemplos clássicos de tradução
de títulos de filme que optaram por manter o
título na língua original e acrescentar um aposto
na língua portuguesa podem ser vislumbrados
no quadro abaixo:
Original
Tradução
literal
Erin
Brockovich
Erin
Brockovich
Babe
Babe
Closer
Mais perto
Ghost
fantasma
Tradução
seguida de
aposto
(utilizada
no Brasil)
Erin
Brockovich Uma mulher
de talento
Babe - o
porquinho
atrapalhado
Closer –
Perto
demais
Ghost – do
outro lado
da vida
Há tradutores, porém que, não obstante
as dificuldades, conseguem ser fiéis aos títulos
originais. A tradução ipsis literis pode ser
constatada por exemplo em: “Ice Age” (2002),
em português, “A Era do Gelo”, “Cast Away”
(2000), em português “Náufrago”; “The Lord of
the rings”, traduzido como “o Senhor dos anéis”
e “MIB – Men in Black” (1998), “Homens de
Preto”.
No entanto, esse tipo de tradução literal é
rara, além de muitas vezes resultar na
transmissão de informações diversas das
pretendidas, sendo mais adequado se optar
56
pela tradução com alteração, isto é, sem
mudança de sentido.
O filme ganhador do Oscar,
“Menina de Ouro” (2004), por exemplo,
tem como título original, “Million Dollar
Baby” (2004). Traduzindo-o literalmente
teríamos “Bebê de um milhão de dólares”.
Ao ler este enunciado, o público brasileiro
imaginaria se tratar de um típico filme
hollywoodiano sobre bebês, cuja fortuna é
estimada em um milhão de dólares ou
cujo valor afetivo é inestimável –
semelhante a filmes como “Home alone”,
traduzido aqui, como “Esqueceram de
mim”.
No entanto, o filme “Million Dollar
Baby” (2004) se baseia na história de uma
jovem lutadora de boxe que se esforça
para conseguir ser treinada para
competições oficiais e para quebrar os
preconceitos
masculinos
do
meio
esportivo. Logo, a idéia passada pelo
título
original
seria
incoerente
à
pretendida
pela
produção
cinematográfica. Dessa forma, optou-se
pela tradução com alteração, para que o
filme se tornasse atraente para o público
a que ele se destinava.
O mesmo ocorreu com a tradução
do filme “50 First Dates” (2004), cuja
tradução literal em português “Os 50
primeiros encontros” foi intitulada “Como
se fosse a primeira vez”, de forma a
exemplificar de maneira clara o que
Derrida argumentou sobre o jogo de
rastros ou différance.
A tradução em português do título
oferece o ponto de partida para o decorrer
da trama, pois a personagem principal,
representada por Drew Barrymore, tem
lapsos de memória graves e a cada novo
amanhecer acorda sem lembrar de nada
sobre sua vida recente. Adam Sandler,
que se apaixona pela personagem de
Drew, a cada alvorecer tem de
reconquistá-la. Analisando o titulo original
do filme – “50 First Dates” é possível
observar que o que se tenta retomar é a
idéia
de
que
os
personagens
representados por Sandler e Barrymore
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
se encontram e se apaixonam a cada novo dia.
Assim, comparando o titulo original com a
tradução com alteração, nota-se que esta
esboçou a idéia de maneira tão eficiente quanto
o original.
A respeito dessa forma de tradução, o
estudioso Lawrence Venuti (2002), defende que
todo ato de tradução é necessariamente
transformativo, criativo e invariavelmente
interpretativo, podendo o texto traduzido
apresentar múltiplas conotações intertextuais.
Jakobson (1970), por sua vez, defende que
qualquer tradução para uma segunda língua
envolve uma violação do original, sendo
praticamente impossível criar equivalentes
“puros”.
Na mesma linha Sobral (2008, p.119)
assevera que o” problema da crítica que insiste
na “fidelidade” continua a ser a idéia de que o
dito original implica uma essencialidade de
sentido, ou que ele impede que o feixe de
possibilidades de sentido que todo texto cria
intervenha em sua interpretação na sua própria
língua e no ato de tradução. Ora, nem o autor
poderia dizer o que é ser fiel ao texto dele, ao
menos não sob todos os aspectos.”
Sem sofrer nenhum tipo de adaptação,
filmes de sucesso como “Onze homens e um
segredo” (2001) poderiam amargar um fracasso
nas bilheterias, pois o seu título original
“Ocean’s Eleven”, literalmente significa “Os
onze de Ocean”, algo que oferece múltiplas
interpretações em nosso idioma. O resultado
positivo da tradução com adaptação para o
português realizada resulta da percepção de
que o roteiro gira em torno da figura do
protagonista (Ocean) que reúne outros onze
homens para planejar um grande golpe em um
Cassino.
Esse tipo de tradução de título que para
se adequar ao mercado brasileiro precisa
passar por adaptações reforça o pensamento
de Derrida (1996), que questiona o modelo de
tradução como representação do significado
original, posto que a tradução seria
compreendida mais corretamente como um
caso em que a língua está sempre no processo
de modificar o texto original.
No mesmo sentido apreende Sobral (2008
p. 120), para quem “a equivalência palavra a
57
palavra até existe, mas é rara porque a
concepção geral é distinta. Para esse
autor ao se traduzir algo deve-se
descobrir o “justo meio”, ou seja, o
tradutor tem o papel fundamental de
analisar os aspectos semelhantes entre a
língua original e língua a ser traduzida,
assim
como
as
particularidades
socioculturais que as caracterizam.
Por fim, em se tratando de
traduções, há ainda quem defenda o uso
do desconstrutivismo de Derrida (2005)
na versão de títulos de filmes do Inglês
para o Português. Assim, alguns
tradutores, ao invés de adicionar o aposto
explicativo ou realizar uma adaptação,
optam por um título completamente
diferente do original e da idéia pretendida
por esse. Essa forma de tradução, no
entanto, é arriscada, pois pode resultar
em um saldo positivo ou em um
verdadeiro fiasco.
Como exemplos de filmes cujos
títulos em português são completamente
diferentes dos títulos originais, mas que
foram bem acolhidos pelo público, têm-se:
“It’s
a
wonderful
life”(1946)
que
literalmente significa “é uma vida
maravilhosa” e em português ganhou a
tradução: “A felicidade não se compra”,
cuja repercussão foi tão positiva que
chegou a receber elogios de seu diretor,
Frank Capra.
“The Sound of Music” (1965), é
outro clássico que ao invés de usar a
tradução literal (“O som da música”) teve
o seu título completamente modificado
para “A Novica Rebelde”. O quadro
abaixo exemplifica outros títulos que
fizeram sucesso, muitos em razão da
criatividade de seus tradutores.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
Original
Tradução
literal
Tradução com
significado
completamente
distinto do
original
(utilizada no
Brasil)
Shallow
Hal
Hal
Superficial
O Amor é Cego
Breakfast
at
Tiffany's
Café da
Manhã na
Tiffany's
Bonequinha de
Luxo
Jaws
Mandíbulas
Tubarão
Mystic
River
Head in
the
Clouds
Shane
Rio místico
Sobre Meninos
e Lobos
Três Vidas e um
Destino
The Big
Country
Cabeça
nas
Nuvens
Shane
(character’s
name)
O Grande
País
Os Brutos
Também Amam
Da Terra
Nascem os
Homens
Em sentido oposto, na lista de filmes cujos
títulos em português sofreram uma adaptação
completamente incompatível com o título
original, e o tradutor extrapolou na imaginação,
resultando em um desrespeito ao intelecto dos
expectadores, pode-se constatar: “Tremors”
(1990), cuja tradução literal seria tremores, mas
que foi adaptado para ”O Ataque dos Vermes
Malditos”, “Epic Movie”(2007), tradução literal
“Filme épico”, traduzido para “Deu a Louca em
Hollywood”; “Sweetest Thing” (2002), tradução
literal A Coisa mais Doce, traduzido como
“Tudo para Ficar com Ele” e “Airplane” (1980),
tradução literal avião, mas que no Brasil
recebeu o título “Apertem os cintos... o piloto
sumiu”.
58
filmes do Inglês para o Português,
utilizando como respaldo os conceitos de
grandes estudiosos da técnica de
tradução.
Pode-se constatar, primeiramente,
que a tradução de títulos de filme no
Brasil não está condicionada apenas a
fatores lingüísticos, ela, busca, sobretudo,
atender a propósitos comerciais, pois o
que determina a capacidade de aceitação
de um filme no mercado é seu título.
Neste sentido, os debates entre os
estudiosos da tradução baseiam-se,
principalmente, entre o literal e o liberal,
ou seja, entre o dever do tradutor se
manter fiel ao título original e a sua
liberdade para adaptá-lo quando assim o
convier.
Quando plausível, as distribuidoras
não descartam a possibilidade de traduzir
o nome de um filme literalmente. Todavia,
muitas vezes a tradução ipsis literis é
incompatível com o conteúdo do filme,
sendo necessário adaptar o título, de
forma a vislumbrar uma concepção
realista para o impasse ou mesmo criar
algo
completamente
novo.
Essa
liberdade, no entanto, deve encontrar
limites, de forma a evitar títulos
despropositados.
É consenso entre os autores citados
que a mera passagem para outro idioma
já produz novos significados e provoca o
desaparecimento de outros, presentes no
texto original, de forma que seria um
exagero exigir a fidelidade na tradução.
Assim sendo, conclui-se que, devido
à dificuldade em traduzir literalmente a
maioria dos títulos de filmes do Inglês
para o Português, as outras formas de
tradução apontadas são uma boa opção
para que um filme seja bem acolhido no
Brasil, entretanto, resta claro que o
tradutor deve buscar recompor a
harmonia e a essência da outra língua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo
enfocar o processo de tradução de títulos de
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
Lamas (2012).
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15/10/2009 10:50h
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–
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012.
59
Souza (2012).
60
FUSÕES E AQUISIÇÕES: EFEITOS QUE PODEM SER TRAZIDOS POR ESSA
METODOLOGIA ESTRATÉGICA
Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/ Administração
Reginaldo Adriano de Souza 1
1
Mestrando em Adminstração, Especialista em Gestão do Agronegócio e em Formação de
Professor para o Ensino Superior. Graduado em Administração. Professor da Faculdade de
Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
Uma das poucas certezas que existe nos dias atuais é que as mudanças têm se apresentado de
modo constate e cada vez mais acirrado no meio organizacional. A nova economia mundial
globalizada gera efeitos sobre as empresas e, portanto, sobre o planejamento das mesmas.
Essas empresas têm buscado novas metodologias para se manterem vivas e atuantes, alguma
têm passado por processos de fusão ou aquisição nessa busca pela sobrevivência. Alguns
questionamentos são levantados sobre a influência dos ambientes organizacionais, tanto interno
quanto externos, na administração estratégica mercadológica. A globalização, de certa forma,
tem contribuído para o processo de fusões e aquisições (F&A) dentro do Brasil e ainda trabalhado
o marketing internacional como estratégia de crescimento e sobrevivência das empresas. Desta
forma pretende-se verificar as características dessa nova realidade apontando os aspectos
motivadores e os entraves deste processo de F&A.
Palavras-chave: Globalização; fusões; aquisições; marketing.
INTRODUÇÃO
Em
tempos
de
mudança
e
competitividade no mundo corporativo vários
são os estudos na busca pela eficácia
organizacional e pela sobrevivência da mesma,
tornando se fundamental para as organizações
o entendimento do mercado bem como sua
evolução.
A
globalização
tem
influenciado
diretamente a relação das organizações, sejam
elas fornecedoras, parceiras ou concorrentes, o
que demanda os gestores organizacionais uma
visão holística da cadeia produtiva e de todos
os atores interessados no processo produtivo,
bem como no mercado.
Gracioso (2007) enfatiza a necessidade
de uma estratégia mercadológica para as
organizações
obterem
um
melhor
posicionamento no mercado, isso propiciará
uma manutenção e até mesmo um crescimento
no marketing share da empresa. Kotler
(1998) ressalta também a necessidade de
conhecimento do ambiente externo de
marketing como forma de se obter uma
vantagem competitiva e assim perenizar a
ação organizacional no mercado em que
ela atua.
Na busca da sobrevivência neste
mercado competitivo surgiu nos últimos
anos, com mais freqüência, o número de
empresas que passaram pelo processo
de fusões ou foram adquiridas por
empresas multinacionais, ou até mesmo
nacionais de maior porte (AVELAR;
ARAÚJO, 2009; CAIXETA, 2010). Essas
mudanças, provavelmente, tem interferido
no mercado e conseqüentemente o
consumidor tem sofrido com o reflexo
dessas estratégias de F&A.
O que se espera com este artigo
não é esgotar o assunto de Fusões e
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
Souza (2012).
Aquisições, pois o mesmo é amplo e cheio de
aspectos específicos em cada processo, pois
envolve fatores culturais que são únicos e
interferem de forma diferente de conformidade
com as empresas adquirentes, adquiridas e
ainda pelo processo gerencial. O que se
pretendeu foi levar a uma maior discussão
sobre esse assunto que tem sido veiculado
freqüentemente nas mídias de comunicação
como um método cada vez mais utilizado e
ainda pouco debatido no meio acadêmico.
O assunto é tão complexo que os
autores não chegam a um consenso se fusão e
aquisição pode ser considerado a mesma coisa,
legalmente percebe-se que existe diferença, no
entanto segundo alguns autores estudados
como Caixeta (2010) e Harrisson (2005) na
prática mercadológica os termos acabam sendo
tratados como um só (F&A). Sendo assim
procurar-se-á apresentar a seguir o conceito de
Fusões e Aquisições evidenciando os efeitos
que podem ser trazidos por essa metodologia
estratégica.
1
CONCEITUANDO
GLOBALIZAÇÃO:
MERCADO
E
Para um maior aprofundamento dos
termos F&A se faz necessário entender o
contexto onde surge a necessidade de
organizações se unirem ou adquirir novas
empresas, e para isso deve haver uma
compreensão do que é mercado e a definição
de globalização.
Ferrel e Hartline (2005) conceituam o
mercado como um conjunto de atores que
compram produtos dos vendedores, de um lado
os vendedores ávidos por satisfazer as
necessidades dos consumidores através de um
produto ou serviço e por outro lado os
compradores que estão dispostos a efetuarem
um pagamento pela satisfação de suas
necessidades.
Kolter e Armstrong (2008) corroboram
com o conceito anterior ressaltando ainda que
as organizações devem administrar os esforços
de marketing com eficácia, mensurando a
demanda para que sua oferta possa ser
efetuada nos melhores índices possíveis
atingindo o mercado consumidor.
61
Michael Porter apresenta cinco
forças que em sua concepção interfere
diretamente na competitividade de um
setor: poder de negociação dos
fornecedores, poder de negociação dos
consumidores, novas entrantes no
mercado, bens ou produtos substitutivos e
ainda a rivalidade presente no setor
(BETHLEN, 1998). O autor afirma que o
bom posicionamento das organizações
frente ao seu mercado pode ser
determinado pela análise dessas forças e
que estes fatores influirão na estratégia
competitiva da empresa. Michael Porter
apresenta ênfase especial ao caráter de
concorrência uma vez que duas forças
são intimamente ligadas a essa
especificidade:
novos
entrantes
e
rivalidade existente. Sendo
assim
a
concorrência
pela
manutenção
da
existência organizacional tem sido
acirrada atualmente e os gestores
necessitam estar atentos ao ambiente em
que está inserida a empresa.
No entanto, o mundo tem passado
por mudanças significativas nas décadas
iniciais deste novo milênio e, portanto há
de se considerar a nova realidade dar
organizações no mundo tido como
globalizado. Lacombe (2009, p. 291)
conceitua
globalização
como
uma
"integração crescente de todos os
mercados [...] bem como dos meios de
comunicação e transportes de todos os
países no planeta. A globalização tende a
exigir maior preparo cultural e profissional
de todos os que participam do mercado
de trabalho". O autor salienta ainda que a
sociedade sofre cada vez mais influência
de todos os países, principalmente nas
esferas política e econômica.
Essa
globalização
foi
impulsionada, segundo Héau (2001) pela
facilidade de comunicação, mercado
financeiro global, maior semelhança das
necessidades dos clientes, abertura
econômica dos países. O autor sugere
ainda que as empresas que desejam se
expandir nesse mercado globalizado
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
Souza (2012).
poderá realizá-la por meio das aquisições e
fusões.
Segundo Lacombe (2009) existem
quatro tipos de globalização: da demanda, da
oferta, da competição e da estratégia. A
competição e a estratégia buscam a
maximização dos lucros pensando em termos
globais e não mais de países de forma
individual, proporcionando maior vantagem
competitiva
para
gerar
maior
ganho
organizacional. Ainda segundo o autor "a
globalização da oferta é facilitada pela
concentração dos negócios, por meio de
fusões, aquisições e alianças estratégicas."
(LACOMBE, 2009, p. 292). Na realidade as
empresas é que concorrem e não os países,
desta forma a globalização trás para perto os
concorrentes doravante distantes e acirra a
competição na indústria e comércio. O autor
cita ainda algumas vantagens e riscos da
globalização apresentadas aqui em forma de
Quadro I:
Quadro 1: Vantagens e riscos da
globalização
Vantagens
Riscos
Livre
comércio Especulações
em
de mercadorias.
escala devido ao fluxo
de
recursos
financeiros.
Livre fluxo
recursos
financeiros.
de Diminuição
da
soberania dos países.
Aumento
no Geração
de
uma
fluxo
de padronização
e
informações.
conseqüentemente
empobrecimento
cultural.
Fonte: Adaptado Lacombe (2009)
A globalização interferiu na economia
global levando o Brasil a uma abertura
econômica no final da década de 80 obtendo
um novo posicionamento frente ao mercado
internacional e já na década de 90 se intensifica
o movimento de fusão no país. Entre 1990 e
1999 foram 2.783 transações (entre fusões e
62
aquisições no Brasil (ROSSETTI, 2001).
Assim, independentemente dos riscos e
vantagens, a globalização é uma
realidade no mercado atual e as
organizações precisam se adaptar a essa
realidade. Como exposto acima as fusões
e aquisições têm sido utilizadas pelas
empresas no intuito de se manterem no
mercado e aumentar sua participação no
mesmo.
2
CONCEITOS
AQUISIÇÕES:
DE
FUSÕES
E
O aumento das estratégias de
crescimento através de fusões e
aquisições por parte das organizações,
como citado anteriormente, aumentou no
mundo corporativo, contudo existe
diferença entre os termos: fusão e
aquisição, faz-se, portanto, necessária a
diferenciação entre eles.
Rossetti (2001, p.72), de forma
clara e objetiva classifica fusão como
"união de duas ou mais companhias que
formam uma única empresa, geralmente
sob controle administrativo da maior ou
mais próspera", enquanto que a aquisição
é "a compra de controle acionário de uma
empresa por outra".
Dodd6 (1980) apud Caixeta (2010)
elucida que na fusão as partes envolta no
processo
apresentam
um
porte
semelhante e existe uma permuta simples
de ações, dando origem a uma nova
organização. Caixeta (2010) afirma ainda
que na aquisição ocorra a compra de uma
firma por outra e apenas uma delas
manterá a identidade
Tanure
e
Cançado
(2005)
acreditam que após a concretização do
processo de fusões, na prática o que se
revela como uma aquisição.
6
DODD, P. Merger proporsal, management
discrition and stockholder wealth. Journal of
Financial Economics, Amsterdam: North
Holland, v. 8, n. 2, p. 105-137, Jun. 1980.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
Souza (2012).
Com a fusão, as entidades que eram
anteriormente
independentes
desaparecem legalmente; assim esse
processo
envolve
a
combinação
completa de, no mínimo, duas empresas
para formar uma terceira com identidade
própria. Dado que, na prática, a
ocorrência de fusões, no sentido estrito
da teoria, é baixa, a expressão F&A
acaba por significar basicamente
aquisições. (TANURE e CANÇADO,
2005, p. 12).
Caixeta (2010) acredita que a fusão
acaba se tornando uma forma de aquisição
embora que juridicamente sejam tratadas de
forma diferente. O autor faz ainda menção às
palavras de Harrison7 (2005) que defende a
aquisição é uma das formas mais comuns de
aquisição.
que obter lucros além de se
sustentar pagando impostos e
salários é cada vez mais difícil,
alguns grupos optam por juntar
forças. (BUSNELLO e STORTI,
2010, p. 51).
Avelar e Araujo (2009) também
apresentam alguns motivos que podem
levar as organizações a se unirem ou
adquirirem umas as outras:
(i) a possibilidade das empresas
construírem uma rápida presença
local, diminuindo as barreiras de
entrada, os custos e tempo de
implantação de uma nova unidade
de negócio;
(ii) ganhar poder de mercado;
(iii) alavancar novos ativos;
(iv)
explorar
conhecimentos
mercadológicos e tecnológicos e
sobretudo, embora possam ser
diversas as razões estratégicas
que levam ao processo de decisão
de uma aquisição, a lógica
determinante é a criação de valor
(HASPESLAGH; JEMISON8 APUD
AVELAR; ARAUJO, p.1)
2.1.1
FATORES
QUE
LEVAM
AS
ORGANIZAÇÕES AO PROCESSO DE F&A:
A globalização contribuíu para o
processo de F&A, mas não é o único fator que
corrobora com esta realidade, existem outras
razões que têm levado as organizações a se
fundirem. Entre essas razões, segundo
Patrocínio; Kayo; Kimura (2007), ressalta-se: a
instabilidade de vendas e portanto da
lucratividade organizacional, alteração na
competitividade, o crescimento das incertezas.
Busnello e Storti (2010) asseveram que
F&A apresentam objetivos de aumento de
participação no mercado, segundo eles:
I
ndependente do setor de atuação, o
pensamento é sempre superar o
concorrente para, então, conquistar uma
maior “fatia” do mercado e mais
consumidores ou clientes. Obter a
liderança, superar as vendas e ser
lembrada pelos clientes em primeiro
lugar, são os principais objetivos da
fusão; em uma economia capitalista, em
63
A competitividade aumentou em
níveis consideráveis nos últimos anos
com o advento da globalização, isso
obriga as organizações a buscarem novas
tecnologias, encontrar novas frentes de
comercialização,
elevar
a
escala
produtiva. Esse novo posicionamento é
um desafio extremamente grande para
uma única organização, para LACOMBE
(2009) a solução encontrada pelas
empresas é a compra de competidores ou
ainda o processo de fusão.
Caixeta (2010) busca a origem das
aquisições e afirma o seguinte:
8
7
HARRISON, Jeffrey S. Administração estratégica de
recursos e relacionamentos. Porto Alegre: Bookman,
2005.
HASPESLAGH, P. C.; JEMISON, D. B.
Managing acquisitions: creating value through
corporate revewal. New York: The Free Press,
1991.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
64
Souza (2012).
[...] diversos fatores envolvidos como a
globalização, o modelo de produção e
finanças, fenômeno esse estimulado
pela extraordinária e crescente liquidez
internacional associada à criação e à
rápida
disseminação
de
novos
instrumentos financeiros, destacando-se
a expansão do progresso técnico em
atividades industriais e de serviços e as
novas tecnologias de transmissão de
informações. (BOELLI9 apud CAIXETA,
2010, p.2)
Desta forma Caixeta (2010) sintetiza
bem os motivos que levam as organizações a
ingressarem no processo de Fusões e
Aquisições ao afirmar que no cenário
competitivo ao extremo as empresas buscam
por vantagens competitivas no mercado que
lhes tragam uma maior lucratividade.
Rossetti (2001, p. 81), apresenta três
propósitos predominantes nas fusões e
aquisições: "ganhos de market share; maior
amplitude geográfica de atuação; crescimento,
buscando-se
ampliação
de
escalas
operacionais". Segundo o autor esses três
fatores são intimamente ligados ao crescimento
e além deles o mercado de fusão e aquisição
também se alimentou por objetivos de
competitividade para fortalecer as empresas
que competem na concorrência interna e até
mesmo global.
Rossetti (2001, p. 83), distribui os
objetivos predominantes das F&A em
porcentagens da seguinte forma:
9
BONELLI, Regis. Fusões e Aquisições no Mercosul.
Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisas IPEA: 2000.
Figura 1: Objetivos das fusões e aquisições.
Fonte: Adaptado Rossetti (2001).
Acredita-se, portando que as
organizações estão mais preocupadas
com os aspectos ligados ás questões
financeiras no processo de F&A. Tanure e
Cançado (2005) em seus estudos
apresentam algumas organizações que
passaram pelo processo de aquisição,
evidenciando o motivo que motivou tanto
adquirentes
quanto
adquiridas
a
ingressarem neste processo (Quadro 2):
Caso
Motivo da
adquirente
Motivo da
adquirida
ABN
AMRO/Banco
Real
Penetração
no varejo,
mercado
brasileiro
Questão
sucessória,
incerteza
quanto ao
posicionamento
no mercado
globalizado,
ameaça de
mudança na
legislação.
Banco
Itaú/Banco
Francês e
Brasileiro
Aquisição de
know-how,
competência
diferenciada
Problemas
financeiros –
venda de
instituições na
AL
Banco
Itaú/Banco do
Estado de
Minas Gerais,
Expansão e
consolidação
geográfica
Privatização
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
65
Souza (2012).
Bemge
Grupo BelgoMineira/Mendes
Júnior
Siderurgia S.A.
Consolidação
de posição de
mercado no
setor
Situação
financeira
precária
dívidas
Carlson
Wagonlit Travel
Crescimento,
expansão
geográfica
Situação
financeira
precária
Expansão de
mercado na
América
Latina (AL)
Sobrevivência
no mercado
globalizado,
desvalorização
da empresa.
Expansão no
Brasil e na AL
Sobrevivência
no mercado
globalizado
(CWT)/Agetur
Rhodia Silica
Systems Brasil/
Venesil
Thyssen/Sûr
–
As empresas envolvidas no
processo não serem corretamente
analisadas;
Falta de figuras externas do
processo para conduzi-lo;
Escolha
da
melhor
alternativa;
Não ser definida uma
estratégia de forma antecipada;
As
identidades
das
organizações serem incompatíveis;
Resistências do mercado;
Estratégias incompatíveis
Preços super-avaliados.
Fonte: Adaptado Tanure e Cançado (2005)
É evidente que o processo de F&A tem
vários objetivos para os atores envoltos no
processo, quando se lê sobre fusões e
aquisições pode-se ter a idéia de que só tem
benefícios e o processo é sempre vitorioso, no
entanto não é tão fácil assim essa metodologia.
Existem dificuldades a serem transpassadas
que serão discutidas a seguir.
2.1.2 ENTRAVES DO PROCESSO DE FUSÃO
E AQUISIÇÃO:
Dificuldades podem surgir no processo
de F&A, o que pode comprometer a estratégia
ou trazer maiores desafios para os gestores
envolvidos no momento da unificação das
organizações. Lacombe (2009) ressalta as
diferenças culturais como sendo uma das
etapas mais complexas a serem trabalhadas,
pois uma inevitável dispensa de funcionário
poderá ocorrer inclusive com colaboradores da
alta gerência. Pode-se, portanto, trazer algumas
barreiras no processo de junção por parte dos
colaboradores.
Rossetti (2001) assinala algumas
dificuldades
que
essas
organizações
possivelmente irão enfrentar no processo em
questão:
Barreiras institucionais-legais;
As
informações
sobre
as
empresas serem confiávies;
Segundo
os
estudos
de
Rossetti(2001, p. 83) as dificuldades mais
citadas são:
as barreiras institucionais-legais,
entre elas, restrições impostas por
órgãos de defesa da concorrência,
como o Cade, ou lutas na justiça
patrocinadas por partidos políticos
e por sindicatos de trabalhadores,
com
visão
estratégicas
ou
interesses contrariados, e a falta
de informação, de orientações ou
de condutores confiáveis [...].
(ROSSETTI, 2001, p. 83).
As barreiras legais podem surgir
na intervenção do governo na busca do
equilíbrio nas forças que regem o
mercado, buscando assim evitar a criação
de um monopólio (onde apenas uma
empresa dominaria o mercado em
questões de preços e qualidade, obtendo
todo o poder em suas mãos) ou de um
oligopólio (onde um pequeno grupo de
empresas têm o domínio do mercado e
podem compor um cartel) prejudicando
assim a negociação de forma igualitária
entre empresa fornecedora e cliente
(KOTLER, 1998).
Barros
e
Rodrigues
(2001)
pontuam três problemas como sendo os
mais
comuns
no
processo
pós-
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
Souza (2012).
fusão/aquisição: avaliação incorreta do negócio,
expectativa de mercado não atendida e
questões de cunho cultural.
Grande
parte
das
organizações
brasileiras são de cunho familiar e os
proprietários apresentam dificuldades em aderir
ao processo por questões emocionais e podem
impedir que a F&A ocorra no melhor momento,
ou seja, no momento que a empresa apresenta
um maior valor em seus ativos. (TANURE e
CANÇADO, 2005). Os autores citam o case dos
Elevadores
Sûr,
onde
as
avaliações
extrapolaram as questões financeiras, o
proprietário considerou também aspectos
culturais e o fato da possível adquirente ter sido
sua concorrente durante vários anos. Com isso
resolveu não aceitar a oferta mais atrativa
financeiramente e postergou o processo de
F&A.
Sayão; Tanure e Duarte (2006)
defendem a ideia de que a tarefa mais
complexa seja a de integração das empresas
diante da resistência das pessoas que são
avessas às mudanças pelo medo e insegurança
do novo. Eles defendem que deve ser feito um
trabalho de preparação e acompanhamento
rigoroso e permanente.
Barros et al10 apud Caixeta (2010, p. 8)
também consideram que as principais razões
para o insucesso das F&A estão intimamente
relacionadas "à gestão de pessoas, à
complexidade presente no encontro de duas
culturas, à transferência de habilidades e
competências, à retenção de talentos e ao
clima tenso na empresa adquirida".
Caixeta
(2010)
apresenta
alguns
problemas ocorridos no processo de fusão que
podem gerar o fracasso da operação, são eles:
falta
de
planejamento,
dificuldade
de
integração, endividamento, falta de sinergia,
diversidade
excessiva,
administradores
concentrados apenas nas aquisições e
perdendo o foco estratégico, e o fato do
crescimento
empresarial
dificultar
a
administração.
10
BARROS et all. Gestão nos processos de fusões e
aquisições. In: BARROS, Betania Tanure. Fusões e
aquisições no Brasil: entendendo as razões dos sucessos e
fracassos. São Paulo: Atlas, 2003.
66
Tanure e Cançado (2005) simplificam o
processo de F&A em quatro momentos
básicos: a motivação da compra;
avaliação da viabilidade da aquisição
(Due Diligence), negociação e a
integração. Cada uma das etapas, se não
bem executadas, podem levar ao fracasso
no processo, é válido ressaltar que um
planejamento estratégico bem formulado
e executado facilitará o processo,
infelizmente os autores apresentam que
no Brasil existe falhas nesse processo,
uma vez que as organizações não têm
efetuado de forma metodológica cada
etapa do processo:
[...] é possível afirmar que no
Brasil
quase
metade
das
operações não inclui a due
diligence, a etapa de negociação é
de 3 a 12 meses, a etapa de
integração é de cerca de dois
anos, e quase metade da amostra
não realiza o planejamento. Assim,
pode-se considerar que, em
termos
teóricos,
atribui-se
importância à due diligence, à
negociação e ao planejamento da
integração cultural, mas na prática
essas fases não são muito
sistematizadas.
(TANURE;
CANÇADO, 2005, p. 19)
A integração cultural dos atores
envolvidos possivelmente é a grande
barreira a ser superada, mesclar a cultura
da adquirente com a da adquirida. Ainda
segundo Tanure e Cançado (2005, p. 21),
"[...]principalmente a negociação e a
integração, são permeadas pelos traços
de
afetividade
e
personalização,
característicos da cultura do país, em
contraposição
à
racionalidade
preconizada." Por este fato atenção
especial deve ser reiterada aos aspectos
culturais das empresas envoltas no
processo de F&A.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
Souza (2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca pela sobrevivência e até
mesmo a expansão dos negócios são alguns
fatores
predominantes
que
levam
as
organizações a efetuarem o processo de F&A.
A globalização surge como um dos principais
impulsionadores e gerado um aumento deste
tipo de negócio no início de século XXI. Sendo
assim as estratégias mercadológicas têm sido
utilizadas para a busca dos objetivos
organizacionais, dentre os quais se destaca a
manutenção da instituição no mercado.
Desta forma a internacionalização do
mercado, bem como o aspecto global têm sido
debatido por autores como Bethlen (1998);
Kotler (1998) e Gracisoso (2007) que sugerem
o desenvolvimento do marketing internacional
através do processo de fusões. Com a abertura
econômica o número de fusões e aquisições
cresceram, portanto faz-se necessário discutir
cada vez mais os conceitos e métodos
utilizados para uma maior agregação de valor
no conhecimento do assunto em questão.
As motivações para esse negócio são
diversas, se destacam, no entanto, os fatores
de crescimento e aumento de poder competitivo
no mercado como os principais objetivos de se
unir a outra organização. É a busca pela
manutenção da sobrevivência e por uma maior
força de competição com os rivais presentes na
estrutura de mercado.
Contudo,
conforme
destacado
anteriormente, existe uma grande dificuldade na
prática do processo de F&A, pois envolve mais
de uma organização. Sendo assim, cada uma
apresenta um fator cultural diferenciado e há de
se estabelecer um plano estratégico para
minimizar essas dificuldades de unificação das
organizações.
Face às dificuldades citadas o que se
sugestiona é analisar se realmente existe um
objetivo alcançável com esse método, avaliar
corretamente a viabilidade deste processo pela
Due Diligence, trabalhar essa integração de
forma que os atores envolvidos no processo
não apresentem tantas barreiras na integração.
Cada caso de F&A é único, por envolverem
organizações que apresentam características
próprias, desta forma cabe aos gestores
67
analisarem os aspectos que permeiam
essas empresas em possível processo de
F&A, verificando as vantagens bem como
as dificuldades e tomarem a melhor
decisão para as instituições.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012.
68
Silveira (2012).
69
AS ALTERNATIVAS PENAIS EM ESPAÇOS SÓCIO-CULTURAIS
Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas
Tânia Maria Silveira 1
1
Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em
desenvolvimento local pela Universidade Católica de Lyon (França), graduada em
Serviço Social pela Faculdade Salesiana de Vitória e professora do curso de Serviço
Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
Analisa a aplicação das alternativas penais em espaços sócio-culturais. A referência da análise é
o “Projeto Sócio-cultural do Serviço Social e Psicológico da Vara de Execução de Penas e
Medidas Alternativas da Grande Vitória – SSP/VEPEMA”, com destaque para a oficina de
fotografia, enfatizando a importância da revisão da finalidade da pena e da ressocialização do
condenado, à luz das bases conceituais e legais da "Política Criminal Alternativa".
Palavras-chaves: Direito penal; Penas alternativas; Reabilitação criminal; Ressocialização.
ABSTRACT
Analyze the experience from the penal alternatives in social-cultural spaces. The analysis
reference is the " The Social-Cultural Project from the Social and Psychological Service from the
Penal Execution and Alternative Measures Judgeship from Grande Vitória-SSP/VEPEMA",
highlighting the photography workshop, emphasizing the importance of the penal purpose revision
and the convicted social rehabilitation, based on legal and conceitual basis of the " Alternative
Criminal Politics".
Key-words: Criminal law; Penal alternatives; Criminal rehabiliation; Prisoner resocialisation
INTRODUÇÃO
Há mais de dez anos as penas
alternativas foram instituídas no Brasil por meio
da Lei n.º 9.714/98 que alterou o Código Penal
Brasileiro e demarcou novas bases conceituais
para a política criminal, instalando no país a
construção de uma nova política penitenciária.
Na ocasião, o então Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, justificou a medida
na Mensagem n.º 1.447, de 25 de novembro de
1998, afirmando que:
[...] as penas privativas de liberdade,
instituídas
com
a
finalidade
preponderante de promover a
ressocialização da pessoa do
delinqüente,
estudada
a
sua
aplicação prática ao lume de
métodos científicos de política
criminal, revelaram-se inadequadas
e inábeis a propiciar a reintegração
do detento ao convívio social,
sobretudo porque, no ambiente
prisional em que são ministrados,
perdem
eficácia
os
diversos
programas de orientação e de
desenvolvimento social do preso
(CARDOSO, 1998).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
Por esta razão, o propósito da Lei n.º
9.714/98 foi ampliar as possibilidades de
substituir as penas privativas de liberdade pela
aplicação das penas restritivas de direitos, tais
como, a interdição temporária de direitos, a
limitação do final de semana, a prestação
pecuniária, a perda de bens e valores e a
prestação de serviços à comunidade.
Esse novo marco legal inovou a política
criminal brasileira, e está em consonância com
a Constituição Federal, com a legislação
pertinente, com o programa Nacional de
Direitos Humanos, e cumpre as recomendações
das Nações Unidas, Resolução n.º 45/110, de
19 de dezembro de 1990, que propõe a
construção de nova política criminal baseada no
princípio da intervenção mínima para privação
de liberdade visando à descriminalização,
descarcerização e despenalização (UNITED
NATIONS, 1990).
Ainda que polêmica, a revisão da
finalidade da pena e a ênfase na importância da
ressocialização do condenado vêm ganhando
força. Essa visão manifesta o interesse social
de reintegração do indivíduo à sociedade e
dialoga com os objetivos do III Encontro
Nacional de Políticas Sociais.
As mudanças na concepção de política
criminal e o estabelecimento do novo marco
legal têm possibilitado experiências inovadoras
na aplicação de penas alternativas. Essas
iniciativas estão quebrando paradigmas e
propondo novos parâmetros para o controle
social e a reeducação dos condenados. Em
sintonia com esse momento, o Serviço Social e
Psicológico da Vara de Execução de Penas e
Medidas Alternativas de Vitória/ES tem
experimentado a aplicação das alternativas
penais em diferentes espaços, inclusive
artísticos e culturais.
Esse artigo apresenta os primeiros
resultados do “Projeto Sócio-cultural do Serviço
Social e Psicológico da Vara de Execução de
Penas e Medidas Alternativas da Grande Vitória
– SSP/VEPEMA”, um projeto de intervenção
elaborado e executado durante o Estágio
Acadêmico II e III do curso de Serviço Social,
efetuado em 2007, que teve por supervisora
acadêmica a professora Rosângela D´Avila, da
Faculdade Salesiana de Vitória, e por
70
supervisora de campo a assistente social
e
coordenadora
da
equipe
do
SSP/VEPEMA Sônia Rodrigues da
Penha.
O citado projeto desdobrou-se
noutro intitulado “Um novo olhar: oficina
de fotografia para os reeducandos da
Vara de Execução de Penas e Medidas
Alternativas” que é o foco principal desse
artigo. Esse subprojeto foi elaborado
pelos estudantes do curso de fotografia
do Centro Universitário de Vila Velha
(UVV) sob a orientação da autora. A
coordenação executiva foi da autora e de
Lino Clero Feletti, aluno do Curso de
Fotografia da UVV, com supervisão
acadêmica do professor de Antropologia
Visual Paulo de Barros.
A análise do Projeto sócio-cultural
se inicia com uma reflexão sobre a
política criminal enquanto política social
cidadã apresentando a motivação e os
propósitos da nova política criminal, bem
como o interesse de ter a cultura e a arte
como possibilidade para a ressocialização
do infrator. Em seguida, ocorre a
descrição do desenvolvimento e avaliação
da experiência da oficina fotográfica como
materialização da proposta.
A POLÍTICA CRIMINAL ENQUANTO
POLÍTICA SOCIAL CIDADÃ
A MOTIVAÇÃO E OS PROPÓSITOS DA
NOVA POLÍTICA CRIMINAL
Segundo Delmas-Marty (1983, p.
3), a política criminal é “[...] o conjunto
dos procedimentos através dos quais o
corpo social organiza as respostas ao
fenômeno criminal”. A relação intrínseca
entre política social e criminal é defendida
enfaticamente no relatório sobre política
criminal para o Brasil apresentado ao
Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária do Ministério da Justiça pelo
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
71
Silveira (2012).
criminalista D´Urso (2007, p. 2), no qual ele
afirma: “Convém, desde já, advertir que não
existe projeto de política criminal brasileira
dissociado de um projeto de política social,
porquanto aquela é efeito desta.” Reforçando
esta afirmativa D´Urso (2007, p. 5) recorre ao
ex-Presidente do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária do Ministério da
Justiça, Oliveira, que defende o seguinte
entendimento:
O mundo moderno coloca o Direito
diante da necessidade de restabelecer a
segurança e a paz, sem arranhar a
justiça,
sem
violar
os
direitos
fundamentais
da
humanidade.
Poderíamos viver bem melhor, se
soubéssemos realizar a conciliação dos
valores do indivíduo e da sociedade, no
sentido de evitar que a pobreza e a
miséria tornem ilusória a igualdade
perante a lei.
Essas são as bases da recomendação
das Nações Unidas expressadas na Resolução
n.º 45/110 - 1990, também conhecida como
Regras de Tóquio, que propugna a criação do
novo modelo de política criminal. A citada
normativa visa estimular a participação da
sociedade na administração da Justiça Penal;
promover o senso de responsabilidade entre os
reeducandos na relação com sociedade,
conferindo-lhes tratamento como forma de
reabilitação social; e, proporcionar a proteção,
prevenção e segurança social, a reparação do
dano e o pedido de desculpas à vítima.
No Brasil, a Lei n.º 9.714/98 demarca a
nova política criminal. Em seguida foram
instituídas Centrais ou Varas de Execução de
Penas e Medidas Alternativas para serem
instrumentos de formulação e execução dessa
política criminal. Cumprindo com a nova
legislação, o Desembargador Geraldo Correia
Lima criou a Central de Penas e Medidas
Alternativas do Espírito Santo (CEPAES),
adjunta à Vara de Execuções Penais de Vitória
(VEP). A criação da CEPAES ilustra os
propósitos acima assinalados, conforme
registra o Manual CEPAES (VITÓRIA, 2006, p.
1):
Na tentativa de minimizar os
graves problemas apresentados
pelo sistema penitenciário do País,
surgiu a recomendação da criação
de unidades judiciárias de Penas e
Medidas Alternativas, para assim
garantir o cumprimento da sanção
pelo
condenado,
em
nível,
sobretudo,
inteligente,
pois
assegura
um
mínimo
de
oportunidade de reabilitação do
homem à sociedade. Desta forma,
buscará, no trabalho a sua autoestima, seu futuro social e, em
conseqüência, o de sua família.
Encontramos
esse
mesmo
propósito no Serviço Social e Psicológico
desde a sua criação através da Lei
Estadual n.º 5.124, promulgada em 6 de
dezembro de 1995, que criou instituiu este
serviço
para
“[...]
promover
a
ressocialização do apenado junto à
comunidade e familiares, bem como seu
ajustamento individual” (DIÁRIO OFICIAL
DO ESPIRITO SANTO, 1995).
O referido Setor era responsável
pelos
beneficiários
do
Livramento
Condicional e, após a criação da CEPAES
ele atende, também, os condenados às
penas alternativas. Em 2006, o Tribunal
de Justiça do Estado do Espírito Santo
propôs a reorganização da Execução
Penal através do Projeto de Lei
Complementar nº 8/2006 encaminhado à
Assembléia Legislativa, o qual foi
aprovado por unanimidade e, em seguida,
sancionado pelo Governador Paulo
Hartung.
Desde então, a Vara de
Execuções Criminais do Juízo de Vitória
tornou-se a Vara de Execução de Penas e
Medidas Alternativas da Grande Vitória
(VEPEMA), onde ficou o Serviço Social e
Psicológico (VEPEMA, 2007).
A professora Colmán (2001), ao
analisar a importância da prestação de
serviço à comunidade, afirma que “[...] o
objetivo final é extrair das pessoas aquilo
que elas possuem de positivo, sua
capacidade produtiva, entendendo o
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
trabalho como agente socializador e de
aumento de sua auto-estima, e despertar a
vocação pelos serviços comunitários”. A autora
destaca também que a participação da
sociedade na Justiça Penal permite o
envolvimento da comunidade nos problemas
relativos ao aumento da criminalidade
buscando alternativas ao sistema penitenciário.
Ela enaltece o trabalho de identificação das
instituições
interessadas
em
receber
prestadores de serviços à comunidade e de
preparação das pessoas para conviver com
prestadores de serviços, o que possibilita um
novo olhar sobre esta problemática. Por fim, a
Colmán (2001, p. 4) sentencia:
O
caráter
preventivo
dessas
modalidades
de
programas,
o
envolvimento comunitário necessário
para sua viabilização e o grande
potencial de retorno à sociedade
convertem a atuação nesses programas
de acompanhamento um espaço
privilegiado de atuação do Serviço
Social.
A
CULTURA
E
A
ARTE
POSSIBILIDADE
PARA
RESSOCIALIZAÇÃO DO INFRATOR
COMO
A
Conforme já dito anteriormente, as
alternativas penais e a ressocialização do
sentenciado da Justiça trazem em si o interesse
social de reintegração do indivíduo à sociedade.
Por conseguinte, é importante refletir sobre a
integração social almejada, preconizada,
necessária, ou possível. Primeiramente, vale
apresentar algumas observações relativas ao
perfil dos reeducandos atendidos pelo
SSP/VEPEMA.
Os condenados da justiça sob o
acompanhamento do serviço social e
psicológico são majoritariamente pessoas
excluídas do mercado de trabalho e da
sociedade. Mais da metade são jovens, com
idade entre 23 e 40 anos, que acumulam vários
fatores de exclusão, tais como, o econômico –
72
baixa renda –, o intelectual – baixa
escolaridade
–,
o
racial
–
afrodescendente. Após a condenação
judicial,
eles
sofrem
instabilidade
individual e familiar devido ao estigma
imposto pela sociedade ao sentenciado.
Essa marca indelével pesa sobre os
infratores
independentemente
da
gravidade do delito. Além disso, eles
tornam-se vítimas de mais um fator de
exclusão: o legal – sem atestado de bons
antecedentes.
A necessária inserção profissional
dos condenados da Justiça é o grande
desafio cotidiano do Serviço Social
porque a maioria dos reeducandos é
vítima da exclusão socioeconômica
agravada pela sentença condenatória que
resulta na perda do documento exigido
pelas empresas para o contrato de
trabalho,
o
atestado
de
bons
antecedentes. Somando-se a isso, a
exclusão
sócio-cultural
é
também
acentuada após o estigma da condenação
judicial devido à restrição da rede de
relações de convivência que lhes abririam
possibilidades para uma segunda chance.
Esses
obstáculos
colocam
SSP/VEPEMA
diante
do
dilema
relacionado
à
possibilidade
de
reincidência do infrator, que pode ocorrer,
seja por causa das necessidades
materiais de sobrevivência do reeducando
e de sua família, seja por causa das
necessidades concernentes à esfera dos
valores e do comportamento face à
adaptação ou readaptação familiar, social
e profissional.
Diante desta problemática, o
SSP/VEPEMA decidiu ampliar os setores
envolvidos com as penas alternativas e
oferecer, aos reeducandos, maior leque
de possibilidades para a reinserção social.
A asserção desta iniciativa pode ser
explicada por Simionatto (1998, p. 14),
que ao escrever sobre o Serviço Social e
o Processo de Trabalho recorreu a Marx
lembrando: “Os homens que produzem as
relações sociais no que diz respeito à sua
produção material criam também as
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
idéias, as categorias; isto é, as expressões
ideais, abstratas dessas mesmas relações”.
Convicta da pertinência da intenção, a
equipe buscou interagir com espaços artísticos
e culturais. Sem qualquer referência teórica ou
prática, iniciou organizando uma Tarde Cultural
com os reeducandos. A atividade aconteceu no
início de dezembro, durante a Semana dos
Direitos Humanos de 2005, no Teatro Carlos
Gomes, teatro mais antigo e luxuoso de Vitória,
que é um local público. A escolha proposital do
lugar serviu para indicar a não inclusão dos
setores populares nos espaços culturais
públicos freqüentados pela elite. O evento foi
um sucesso e se repetiu no ano seguinte.
Dois anos mais tarde foi realizado o
projeto sócio-cultural, o qual se ancorou na
vivência das tardes culturais e, teoricamente, na
referência do Welfare State quanto à utilização
das artes como meio de reeducação social.
Conforme afirma Abreu (2002, p. 21), para o
Welfare State criar uma nova concepção de
mundo (implícita na Arte, no Direito, na
Economia...) e transformá-la em normas de
conduta, ele utilizou-se do Estado (via,
sobretudo, instituições tradicionais – escola e
tribunais –, institutos legais e aparatos
coercitivos), religião, arte, literatura, folclore,
etc.
Além
da
formação
profissional,
promoveu-se vivências em espaços artísticos e
culturais, pelos reeducandos, através de
atividades orientadas, individuais e em grupos.
Nessas vivências foram criadas as condições
para eles desenvolverem sua percepção da
vida em sociedade, da necessária interação
entre indivíduos e desses com o mundo que os
rodeia. Especificamente, através de atividades
artísticas,
buscava-se
desenvolver
a
sensibilização dos reeducandos para com o
outro, para a conveniência e o necessário
comprometimento dos indivíduos nas relações
sociais efetuadas. Ou seja, esperava-se que as
vivências, que a interação com diferentes
grupos sociais de maneira lúdica, sob a
mediação da arte, conseguisse sensibilizar os
participantes a refletir sobre sua conduta e a
buscar, no convívio social, a sua realização
enquanto
pessoa
afirmando
suas
responsabilidades enquanto cidadão.
73
Para concretizar tais intentos,
buscou-se a parceria com artistas e
promotores culturais. Foram levantadas
as demandas junto aos reeducandos
atendidos
pelo
SSP/VEPEMA.
E
elaborou-se um plano de monitoramento
das atividades realizadas pelo projeto
durante o ano de 2007 visando produzir
avaliação dos resultados alcançados.
O Projeto Sócio-Cultural previu
quatro ações, a saber, o levantamento
das demandas dos reeducandos, a
realização do curso básico de fotografia e
a organização da confraternização de final
de ano, a III Tarde Cultural, quando foram
certificados os cursistas de fotografia. Foi
também
realizada
uma
Exposição
Fotográfica de 40 fotos selecionadas
dentre as que foram feitas pelos cursistas
e pelos monitores durante as aulas. A
exposição circulou a cidade entre os
meses de dezembro/2007 ao início de
maio/2008.
Essas ações foram monitoradas e
avaliadas a partir das seguintes
categorias e indicadores:
a) O
inventário de demandas dos
reeducandos acompanhados pelo
SSP-VEPEMA,
que foi realizado
através do Cadastro para Atividades
Culturais aplicado em 10% do público.
b) A participação, ou seja, o número de
inscritos e a freqüência no curso.
c) A avaliação dos cursistas, ou seja, a
opinião deles sobre o curso, a
qualidade das fotos feitas por eles e
as imagens produzidas por eles
através das fotografias.
d) A
colaboração
de
10%
dos
reeducandos que participarem das
atividades culturais na organização da
III Tarde Cultural.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
74
Silveira (2012).
“UM NOVO OLHAR”: A INTENCIONALIDADE
SE MATERIALIZA NUMA OFICINA DE
FOTOGRAFIA
O projeto “Um novo olhar: oficina de
fotografia para os reeducandos da Vara de
Execução de Penas e Medidas Alternativas” foi
a ação mais inovadora dentre as atividades
sócio-culturais realizadas em 2007. Os
estudantes de fotografia justificaram o projeto
com o seguinte embasamento:
A imagem está presente na vida de toda
a sociedade. A vida é fundamentalmente
imagética. A natureza é a primeira a nos
oferecer estas imagens. Ao nascer, a
vida nos é apresentada em imagens.
Não somente, mas, desde o início a
imagem nos é apresentada. A mãe ‘deu
à luz‘. Imagem é luz. À medida que
vamos
desenvolvendo-nos
como
pessoas, a imagem vai se tornando
mais e mais fundamental. Nós
começamos a criar nossas imagens nos
desenhos de jardim de infância, na préescola, no ensino fundamental, nos
livros, revistas, televisão, cinema,
fotografia,
etc.
[...].
O
grande
questionamento que fazemos através
desta oficina visa discutirmos a
construção,
criação,
interpretação,
elaboração, etc, da fotografia e da
imagem em geral. Esperamos que os
participantes dela possam, ao final, ter
melhor condição de responder, no seu
dia a dia, de maneira mais bem
elaborada, os questionamentos que a
imagem, de maneira especial a
fotografia, lhe traz. Os reeducandos da
Vara de Execuções de Penas e Medidas
Alternativas poderão, ainda, rever
criticamente as imagens apreendidas
por eles ao longo de suas vidas, bem
como, os atos por eles praticados e as
imagens que os delitos projetam.
As intenções do SSP/VEPEMA somadas
aos propósitos dos estudantes de
fotografia materializaram-se nos objetivos
do projeto acima citado :
1- Possibilitar aos reeducandos condições
básicas para eles construírem suas
próprias fotografias, bem como analisar
as imagens construídas por outros:
cinema, tv, jornais, revistas, outdoor, etc.
2- Proporcionar aos reeducandos a
oportunidade de, ao cumprirem sua pena
alternativa, fazerem uma releitura das
imagens construídas ou apreendidas por
eles, inclusive, se possível, a releitura dos
atos por eles praticados e das imagens
que estes delitos projetam.
Foram 10 estudantes voluntários
que
implementaram
duas
oficinas
seqüenciais para uma turma prevista para
20 alunos, na qual se inscreveram 28,
compareceram
13
e
somente
8
concluíram. Freqüentaram 10 aulas, de 3h
cada, realizadas aos sábados, pela
manhã, no período de 22-9-2007 a 1-122007. Os conteúdos foram assim
distribuídos:
I - OFICINA:
reeducandos
Sensibilização
dos
1ª aula: Apresentação dos participantes e
monitores
Objetivo: Conhecimento pessoal,
social, olhar, cultural, imagem em geral.
Apresentação do laboratório
Solicitar, aos aprendizes, material
para câmera escura.
2ª aula: Câmera escura - Projeção
Confecção da câmera
Discussão e teoria da imagem na
câmera escura
Solicitar material para pinrolli.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
3ª aula: Câmera Pinrolli – Câmera Artesanal
Fotografar e revelar em pinrolli
Solicitar material para fotograma.
4ª aula: Fazer Fotograma
II - OFICINA: Realização
1ª aula: Teoria da composição fotográfica
2ª aula: Funcionamento da Câmera: Diafragma
e Obturador
3ª à 6ª aulas: 2 saídas para fotografar na rua
com
acompanhamento
dos
monitores
alternando com aulas no laboratório para
revelar e analisar as fotos.
IMPLEMENTAÇÃO
DAS
RESULTADOS OBTIDOS
AÇÕES
E
O inventário de demandas foi realizado
pelo Cadastro para Atividades Culturais
conforme o previsto. Apesar de ter sido uma
amostragem muito pequena, o levantamento de
demandas é um procedimento de fácil
viabilização é recomendável para definição de
ações, especialmente quando se trata de
atividades inovadoras junto a um público de
perfil tão diferenciado. A coleta dos dados foi
feita pelos prestadores de serviço à
comunidade
que
cumprem
pena
no
SSP/VEPEMA trabalhando como recepcionistas
do público. O cadastro foi preenchido somente
pelas pessoas que já haviam passado pelo
primeiro atendimento, e também somente
aquelas que voluntariamente se depuseram a
preenchê-lo.
Dentre
50
pessoas
que
responderam, 35 pessoas escolheram a
fotografia, a pintura veio em segundo lugar com
13 opções e o canto foi o terceiro, com 11
opções. A opção de 70% pela fotografia torna
indiscutível a preferência das pessoas que se
interessaram pela proposta sócio-cultural.
O curso básico de fotografia foi proposto
para ser dado em 30h e realizou 35h de
formação. Foram previstas duas turmas com 20
participantes, no entanto, somente 28 pessoas
se inscreveram e, destas, apenas 13
75
compareceram. Concluíram o curso
somente oito pessoas. Dentre os
finalistas, a motivação era, sobretudo,
profissional.
Somente
um
cursista
participou dessa atividade para cumprir
com seu dever legal. O resultado final da
aprendizagem foi surpreendente. A
qualidade das fotos tiradas por eles é
muito
superior
ao
esperado,
especialmente se considerar o fato de
serem pessoas que nunca haviam
utilizado equipamento profissional. A
oficina foi considerada ótima por 80% dos
cursistas e ninguém a considerou ruim.
O monitoramento da oficina
fotográfica previa, dentre outros, a
avaliação dos cursistas através da opinião
de cada um sobre o curso, bem como, a
análise da qualidade das fotos e das
imagens produzidas por eles. Foram
selecionadas três fotos de cada cursista
para a exposição. São as melhores fotos
deles segundo a avaliação técnica dos
fotógrafos responsáveis. E também foi
proposto aos cursistas escolherem uma
de suas fotos que melhor expressasse a
experiência
vivida
nesta
oficina
fotográfica, bem como, a situação em que
eles se encontram neste momento de
suas vidas. Em seguida, o Coordenador
Lino Felleti avaliou a qualidade técnica de
cada foto selecionada por eles. O
resultado encontra-se abaixo. O crédito
de cada foto é apresentado apenas pelas
iniciais do apenado.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
76
Silveira (2012).
Figura 3. Fotografia do Cursista J.M.
Figura 1. Fotografia do Cursista A.S.S.
Figura 2. Fotografia do Cursista F.C.O.
Figura 4. Fotografia do Cursista J.B.S.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
Figura 5. Fotografia do Cursista H.S.S
Figura 6. Fotografia do Cursista J.P.N.
77
Figura 7. Fotografia do Cursista A.G.
Finalmente, a organização da
confraternização de fim de ano da
VEPEMA,
a
III
Tarde
Cultural.
Compareceram cerca de 300 pessoas.
Foi um evento muito agradável e contou
com a colaboração de todos os
reeducandos que participaram da oficina
de fotografia. Eles também foram os
fotógrafos do evento e, vale informar, que
um dos cursistas já estava com sua
máquina fotográfica, ou seja, ele decidiu
investir na profissão e já se equipou para
tal. Nessa tarde, eles receberam o
certificado de conclusão do curso, um
momento emocionante para todos. Além
disso, eles colaboraram na organização
da exposição fotográfica. Esta exposição
intitulada “Um novo olhar: oficina de
fotografia para os reeducandos da Vara
de Execução de Penas e Medidas
Alternativas”, contém 40 fotos tamanho
30x45cm, sendo três de cada cursista,
perfazendo 21 fotos dos reeducandos,
acrescida de fotos dos monitores sobre a
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
oficina. Além do Teatro Carlos Gomes, ela
circulou na Assembléia Legislativa, no Edifício
Fábio Ruschi, sede da Secretaria de Estado da
Justiça, encerrando no Espaço Cultural do
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Os participantes da Tarde Cultural
ficaram surpresos com o resultado final do
trabalho, seja a qualidade técnica das fotos,
seja a desenvoltura e o alto astral dos cursistas.
Assim, foi demonstrado que a arte e a cultura
são um importante campo para as alternativas
penais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiramente, vale considerar que o
projeto foi executado e, apesar das dificuldades
e de algumas falhas em relação ao previsto, ele
cumpriu sua função de ser uma experiência
piloto com vistas a formular referência para a
aplicação das alternativas penais no campo das
artes e da cultura.
Segundo a opinião dos cursistas, a
importância do projeto está confirmada, seja
pela postura dos cursistas durante as atividades
(responsabilidade, pontualidade, empenho,
presteza, bom astral e otimismo crescente
durante a formação, entrosamento entre
cursistas e monitores), seja pelas declarações
avaliativas dos cursistas, tais como: “Eu e os
demais precisamos de mais oportunidades,
como esta oficina, para que possamos acreditar
em nós e enxergar um mundo melhor” (J.M.).
A vivência, mediada pelas artes, com
diferentes grupos sociais demonstrou sua
utilidade para sensibilizar os participantes a
refletir sobre sua conduta e a buscar, no
convívio social, sua realização enquanto
pessoa, o que pode ser verificado nas palavras
do cursista F.C.O.: “Nós, seres humanos, se
deparando um para o outro, todos iguais, porém
separados, mas quando se juntamos, se
formamos um só”.
Além disso, a utilidade profissional da
formação em fotografia foi apresentada por
Barros (2007) durante pronunciamento feito na
abertura do curso oferecido quando ele disse:
78
“Um fotógrafo não fica sem trabalho e
uma foto custa R$10,00. Qualquer um
consegue fazer 20 fotos por semana”
(informação verbal), e ainda, é um
trabalho autônomo, ou seja, não requer a
ficha de antecedentes, o que é um
problema grande para os reeducandos
conseguirem trabalho.Foi surpreendente a
qualidade da formação realizada, o que
observa o cursista J.P.N.:
Aprendi muito e, principalmente,
aprendi a ter noção de domínio da
máquina fotográfica. Avaliando
minhas fotos, eu mesmo tive a
conclusão de que realmente foi
muito útil tudo que aprendi [...].
Minhas fotos revelam a qualidade
do meu desenvolvimento, revelam
a qualidade do ensino que eu tive,
e, muito mais importante, revelam
o que realmente aprendi.
Assim sendo, podemos afirmar o
campo sociocultural pode ser sim, um
espaço para as alternativas penais.
Obviamente a repetição das atividades já
testadas servirá também para aprimorálas, como também a formulação de outros
subprojetos enriquecerá a experiência
com vivências em outras áreas da arte e
da cultura.
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organização
da
cultura:
perfis
pedagógicos da prática profissional. São
Paulo: Cortez, 2002.
CARDOSO, F. H. Mensagem n.º 1.447,
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Federal.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Silveira (2012).
79
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
80
RELIGIÃO, GÊNERO E PODER
Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/Serviço Social
Noêmia de Fátima Silva Lopes1
Maria de Fátima Lopes2
1
Mestre em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa, Especialista em
Organização do Trabalho e Serviços no Âmbito das Políticas Públicas Municipais,
Graduada em Serviço Social. Professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social da
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG.)
2
Doutora em Antropologia Social, Mestre em Economia Doméstica, Graduada em
Economia Doméstica. Professora Associada da Universidade Federal de Viçosa e
Coordenadora-Geral do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas, Gênero
e Raça.
RESUMO: Este estudo objetivou analisar como são vivenciadas e construídas as relações de
gênero e poder na Igreja Católica de Soledade, verificando as implicações nas relações e na vida
dos sujeitos em estudo. Soledade pertence a uma das paróquias da Diocese de Manhuaçu, da
Zona da Mata Mineira, local do estudo. Utilizamos o método qualitativo, da observação direta
participante. A partir da análise concluímos que o lugar ocupado pela religião através da
participação pastoral na vida da liderança de Soledade, tem sido significativo na construção de
novas relações. No entanto, possui influência na reprodução da desigualdade de gênero e no
fortalecimento do poder masculino na família e na religião.
PALAVRAS-CHAVE: Religião, Gênero e Poder.
ABSTRACT: This study aimed to analyze how gender relations and power in the Catholic Church
of Solitude are experienced and constructed, by checking the implications in relations and in the
lives of the subjects under study. Soledad belongs to a parish in the Diocese of Manhuaçu, the
Zona da Mata Mineira, which was the study site. We used the qualitative method, of direct
observation participant. From the analysis we concluded that the place occupied by religion
through participation in the life of pastoral leadership of Soledad has been significant in building
new relationships. However, it has influence on the reproduction of gender inequality and
strengthening the male power in family and religion.
KEYWORDS: Religion, Gender e power.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa objetivou analisar
como são vivenciadas e construídas as
relações de gênero e poder na Igreja
Católica de Soledade, verificando as
implicações nas relações de gênero e na
vida dos sujeitos em estudo.
Trata-se de uma das comunidades
rurais, pertencente à Manhuaçu/ MG. Em
Soledade, homens e mulheres desenvolvem
várias atividades, algumas em conjunto,
outras bem delineadas e construídas
culturalmente, como espaço de homens e
espaço de mulheres, seja na família, no
trabalho rural ou nos grupos e pastorais da
Igreja Católica, onde participam ou atuam
como líderes.
Neste trabalho, é de fundamental
importância entender que a religião e os
sistemas de crença se constroem exercendo
influência significativa na vida e na ação do
ser humano, que está inserido no meio
social, com suas orientações, regras e
dogmas. As religiões, para os crentes,
tornam-se
capazes
de
realizar
transformações
intensas,
físicas
e
psicológicas na vida dos indivíduos que a
praticam. Em estudos e pesquisas sobre a
religião (WEBER, 1997; OLIVEIRA, 2009),
observou-se que é possível o entendimento
da realidade em que vivemos e das relações
que são construídas entre homens e
mulheres que ocupam esse espaço.
Weber (1997) afirmou que as
religiões não somente oferecem sentidos e
significados para a existência humana, mas
se torna parte da cultura estabelecida e das
estruturas institucionais de uma sociedade,
como também influem – de maneira mais
íntima – nas atitudes práticas dos homens
com relação às várias atividades da vida
diária, independente e para além da
salvação. Esse espaço religioso, ocupado
por homens e mulheres, é também um dos
espaços onde são construídas as relações
de gênero.
81
As relações de gênero não podem
ser entendidas como fato isolado na
sociedade, pelo contrário, elas são
constitutivas de toda realidade, pois o
modelo paradigmático de ser homem e ser
mulher tende a regular todas as atividades
sociais. Segundo Bourdieu (2004), podemos
assumir que os agentes e as instituições – o
homem, a mulher, a Escola, a Igreja, o
Estado e a família – são estruturados e
estruturantes
nesse
processo
de
naturalização da dominação. Ou seja, ao
mesmo tempo em que têm poder para
moldar a sociedade, eles (agentes e
instituições) são por ela moldados, vão se
modificando com o tempo e no confronto das
ideias, numa relação entre instituições e
pessoas que possuem culturas e valores
diferentes.
Historicamente, a Igreja Católica é
um dos pilares sobre o qual se assenta a
relação hierarquizada entre os sexos no
ocidente. As religiões são detentoras do
capital simbólico e, portanto, manipulam a
produção simbólica e a circulação dos bens
simbólicos através de representações,
linguagens e palavra autorizada, reforçando
e sacralizando, inclusive a relação desigual
entre homens e mulheres.
Bourdieu
(2004)
apresenta
a
estrutura do campo religioso como um
espaço caracterizado por lutas e tensões
entre os agentes e as instituições:
[...] a concorrência pelo poder
religioso deve sua especificidade ao
fato de que seu alvo reside no
monopólio do exercício legítimo do
poder de modificar em bases
duradouras e em profundidade a
prática e a visão do mundo dos
leigos, impondo-lhes e inculcandolhes um habitus religioso particular,
isto é, uma disposição duradoura,
generalizada e transferível de agir e
de pensar conforme os princípios de
uma visão quase sistemática do
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
mundo e da existência (BOURDIEU,
2004, p.88).
À medida que a Igreja proporciona uma
ordem
simbólica,
contribui
para
a
manutenção e legitimação da ordem política.
A estrutura das relações entre o campo
religioso e o campo do poder comanda, em
cada conjuntura, a configuração da estrutura
das relações de poder de uma sociedade.
Estudar o familiar é um desafio,
principalmente quando se fala do lugar de
origem natal. Assumimos o risco de
naturalizar informações importantes, devido
ao envolvimento pessoal. Existem vantagens
em termos de acesso ao universo
pesquisado, para tanto, nos resultados da
pesquisa, existe a possibilidade de o
pesquisador/a rever e enriquecer sua
investigação
quando
supostamente
acreditava possuir domínio dos códigos e
pressupunha saber sobre o quê está falando.
Isso ocorre uma vez que o familiar
quase sempre se apresenta como realidade
complexa, principalmente quando o/a
pesquisador/a elege objetos próximos a sua
vivência familiar, mas nem sempre
conhecido, como ensina Velho (1978). No
entanto, constitui objeto relevante de
investigação
para
uma
antropologia,
preocupada em perceber que a mudança
social se encontra no resultado acumulado e
progressivo de decisões e interações
cotidianas. Esse cotidiano faz parte de uma
cultura, construída a partir de símbolos e
códigos.
Partindo
desse
pressuposto,
acredita-se, assim como Geertz (1978, p.15),
que o ser humano está “amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu”,
assumindo a cultura como essas “teias” e
não como uma ciência experimental em
busca de leis, mas de estudo da cultura de
uma ciência interpretativa sempre à procura
de significados.
É nesse contexto que a pesquisa
está sempre em busca de resposta a várias
questões. Essa busca desvenda significados
do cotidiano das pessoas, a partir da análise
das relações e da forma como as pessoas
82
vivem e sobre o que elas acreditam ou
valoram no espaço ou lugar que ocupam.
Uma sociedade sem desigualdades,
onde as diferenças exigem aprendizado
cotidiano
e
intermitente
no
seu
enfrentamento, apresentava-se associada a
responsabilidades éticas e políticas que
despertaram o interesse em problematizar,
ou melhor, transformar em problema
sociológico
questões
que
pudessem
esclarecer e, porque não, apontar para o
desejo e o sonho de pertencer a uma
sociedade menos desigual.
1.
ENCAMINHAMENTOS
METODOLÓGICOS
TEÓRICOS
Como
instrumento
e
técnica
metodológica, esta pesquisa adotou o
modelo interpretativo (MORIM, 2004),
indicado no caso da análise qualitativa
participativa, uma vez que ela envolve
alternância de ações e reflexões.
De acordo com Minayo (1999), a
pesquisa qualitativa envolve a obtenção de
dados descritivos, obtidos no contato direto
do/a pesquisador/a com a situação estudada
e com os atores dessa situação. Esse
contato direto fundamenta-se no princípio de
que as circunstâncias particulares, nas quais
os objetos ou atores estão inseridos, são
essenciais para que se possa entendê-los.
A tarefa mais desafiante da
observação direta participante é exatamente
esse contato próximo entre pesquisador e
pesquisado, é “transformar o familiar em
exótico”, uma vez que as pastorais inseridas
no campo da religiosidade e os sujeitos que
fazem parte dessa história fazem parte
também da trajetória de vida da
pesquisadora. Em contrapartida, acredita-se
que, o que parece um problema, constituiuse em um exercício de grande riqueza, pois
é nesse processo que se apresentam os
antropological blues, aqueles elementos que
se insinuam na prática etnográfica quando
menos se espera (DA MATA, 1978, p.7).
Este estudo foi desenvolvido com
os/as líderes de Soledade, no município de
Manhuaçu, localizado na microrregião de
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
Manhuaçu, Zona da Mata de Minas Gerais.
Esta região está situada ao sudoeste do
Estado de Minas Gerais, estabelecendo
proximidade com os Estados do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo. É formada por
142 municípios agrupados em sete
microrregiões.
O município de Manhuaçu está
localizado geograficamente na Zona da Mata
Mineira, Estado de Minas Gerais, Brasil. De
acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2009), é um
município com população estimada em
78.605 habitantes e possui 9 distritos.
O local escolhido para este estudo
pertence a um dos 9 distritos de Manhuaçu,
com uma população estimada em 6.000
habitantes. Assim como toda a região de
Manhuaçu,
é
município
produtor
e
exportador de café, acompanhado pela
produção de cereais, leguminosas e
oleaginosas – porém, em menor escala
(PORTAL MANHUAÇU, 2011).
O distrito de São Sebastião do
Sacramento é formado por 5 comunidades e
uma delas é a comunidade de Nossa
Senhora da Soledade – local escolhido para
realização da pesquisa.
Soledade está situada às margens da
BR-116, e é uma comunidade formada por
pequenos proprietários. A monocultura é
uma característica regional, e Soledade
também se insere nesse perfil. O cultivo de
lavouras de café é o seu principal meio de
sobrevivência, seguido pelo cultivo de
hortaliças e de grãos apenas para consumo
familiar. As características econômicas são
similares às da região como um todo. Os
moradores/as de Soledade são pequenos/as
produtores/as
rurais11,
meeiros/as,
parceiros/as
e
diaristas,
assim
denominados/as pelos sindicatos rurais,
prefeituras e bancos comerciais de
Manhuaçu.
83
Com
uma
população
de
aproximadamente 200 famílias e 1100
habitantes12, a maioria católica. Em
Soledade, a religiosidade mantém uma
influência importante na vida das famílias
que
residem
nessa
localidade.
Aproximadamente 80% da população é de
orientação religiosa católica e 20% dos
demais se dividem entre as religiões
Assembléia
de
Deus,
Maranata
e
Testemunhas de Jeová, ou não declaram ou
demonstram participar de alguma religião.
Essa população não católica precisa sair de
Soledade para frequentar cultos religiosos,
pois na comunidade não existe prédio para
esse fim. Explicita-se a seguir métodos e
técnicas utilizados na construção e análise
dos dados desse estudo.
Este estudo se constrói desde uma
frente de dados que fez uso dos métodos
etnográficos,
pesquisa
documental,
observação direta participante, narrativas e
entrevistas semiestruturadas.
Segundo
Becker
(1999),
na
observação direta participante, o observador
coleta dados através de sua participação na
vida cotidiana do grupo ou organização que
estuda, observando as pessoas e situações.
O referido autor distinguiu três estágios
distintos de análise conduzidos nesta
metodologia e, também, um quarto estágio
conduzido no final da pesquisa. Esses
estágios são bem diferenciados, alcançando
conclusões de tipos diferentes em cada fase,
que são destinadas a usos diferentes no
processo da pesquisa. Os estágios
compreendem: a) a seleção e definição de
problemas, conceitos e índices, quando o
observador procura por problemas e
conceitos que ofereçam perspectivas para
uma maior compreensão da organização
pesquisada; b) a observância sobre a
frequência e a distribuição de fenômenos,
em que o observador, de posse do
problema, conceitos e indicadores, procura
refletir sobre quais deles vale a pena
11
São propriedades ou minifúndios, com menos de 1
hectare de terra, outras de 2 a 5 hectares, a maioria das
propriedades de Soledade estão dentro desse padrão de
medidas.
12
Dados fornecidos pelo Programa de Saúde da
Família - PSF - Municipal, Secretaria Municipal de
Saúde de Manhuaçu.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
perseguir como focos principais de seu
estudo; c) em seu terceiro estágio, concebe
modelos descritivos que melhor expliquem
os dados reunidos e consolidados; e d) o
quarto estágio de análise final envolve
problemas de apresentação de evidências e
provas, isto é, a análise sistemática final,
realizada após o trabalho de campo.
A
aplicação
do
método
de
observação direta participante contribuiu
para o uso de narrativas, tendo em vista a
abordagem da presente pesquisa. A
narrativa enriquece os resultados e
possibilita o acesso a informações mais
detalhadas e aprofundadas. Para Labov
(1977), a narrativa é uma técnica de
recapitular a experiência passada através da
combinação da sequência verbal de
sentenças com a sequência de eventos que
de fato ocorrem. Durante a narrativa, o
passado, o presente e o futuro são
articulados e as pessoas narram suas
experiências e os eventos, sob um olhar do
presente. Contar histórias implica estados
intencionais que aliviam, ou ao menos
tornam
familiares,
acontecimentos
e
sentimentos que confrontam a vida cotidiana
normal (GOMES et al., 2002, p.32).
Com o objetivo de compreender
essas relações que se dão no cotidiano da
comunidade, elegemos as pastorais como
unidade empírica de pesquisa e linha de
análise e, como foco, 21 líderes que
compõem o conselho pastoral comunitário
(CPC). O grupo é composto por
representantes
de
cada
pastoral
e
movimentos da comunidade com direito à
voz e voto nas reuniões mensais, uma
comissão com caráter deliberativo13. Dessa
forma, compreende-se que o grupo de
líderes
escolhido
representou
13
São decisões quanto a questões encaminhadas pelas
pastorais como: agenda de encontros e eventos,
viagens, cursos de aperfeiçoamento de liderança,
projetos que necessitam de orçamento financeiro para
execução, reformas no prédio local, despesas de
manutenção entre outras questões e propostas
paroquiais ou diocesanas que necessitam de aprovação
do CPC.
84
significativamente o objeto de estudo,
contribuindo para a compreensão das
relações de gênero e poder nas pastorais.
A escolha do grupo estudado foi
pensada e discutida após análise das
características desses líderes: católicos,
moradores de Soledade, coordenadores/as
de pastorais ou que possuam cargos (de
coordenação) nas pastorais, líderes há mais
de 5 anos e que participam de forma efetiva
na comunidade. Essas características foram
determinantes na escolha do grupo de 21
líderes pesquisado/as, tendo em vista os
objetivos da pesquisa. Dos 21 líderes, 14
são do sexo masculino e 7 do sexo feminino.
Denominamos de forma fictícia os líderes
entrevistados/as
da
seguinte
forma:
Sebastião, Edson, Carlos, Ricardo, João,
Marcos, Victor, Luís, Pedro, Rodrigo,
Cristiano, Fábio, Valter, Marcelo, Clara,
Mariana, Lúcia, Vitória, Marta, Célia e Júlia.
Esse grupo de líderes são homens e
mulheres que viveram e vivem histórias
semelhantes, com algumas peculiaridades,
inseridas num contexto socioeconômico e
religioso com características análogas. Esse
grupo influencia e também é influenciado, de
forma direta e indireta, pela família, religião e
comunidade. É um grupo formador de
opiniões, são representantes homens e
mulheres da comunidade, numa relação
dinâmica de sociabilidade, trabalho pastoral,
fé e relações de poder.
O estudo delimitou a população a ser
pesquisada com o processo de inclusão da
seguinte forma: ser membro do CPC e fazer
parte da coordenação das pastorais na
comunidade. Todos os líderes – do sexo
masculino e feminino – que se dispuseram a
participar foram entrevistados. Do grupo do
CPC, 21 líderes se dispuseram a participar.
As atividades desenvolvidas e o período
destinado à pesquisa foram distribuídos em
12 meses, subdivididos e organizados em
seis etapas.
Na primeira etapa realizou-se revisão
bibliográfica e mapeamento do trabalho de
campo;
na
segunda,
investigação
documental existente sobre a comunidade
de Soledade e a aplicação das 21
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
entrevistas; na terceira e quarta, análises
das entrevistas, comparação dos dados e
avaliação das etapas cumpridas; na quinta e
última etapa, a redação dos artigos
científicos.
Esta
pesquisa
se
encontra
principalmente na possibilidade de que, a
partir da experiência de Soledade, possamos
compreender melhor como são construídas
as relações de gênero e poder entre homens
e mulheres. As ideias e as experiências
vividas nas pastorais da comunidade e no
conjunto social, político e religioso podem
ser caminho para a visualização de uma
construção coletiva, que busca formas de
organização e alternativas de sobrevivência,
de reprodução social do lugar onde se vive.
2. A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO
NA
COMUNIDADE
DE
SOLEDADE
Assumimos Soledade como uma
localidade rural, geograficamente cortada
pela BR-116, formada por minifúndios,
pequenos proprietários e meeiros, ou seja,
características de uma comunidade de
pequenos
produtores
agrícolas.
A
monocultura é uma característica regional de
Manhuaçu, e Soledade também se insere
nesse perfil. O cultivo de lavouras de café é
o seu principal meio de reprodução, também
o cultivo de hortaliças e de grãos
essencialmente para consumo familiar é uma
das fontes de produção. Como faz parte de
uma região produtora de café, juntamente
com
todo
o
município,
contribui
significativamente com a renda da economia
local e regional, uma commodity agrícola
importante no mercado brasileiro. Não
contando com a produção mecanizada e de
alta tecnologia, como é característica da
agricultura atualmente, Soledade está
localizada
numa
região
montanhosa,
responsável pela produção do café
conhecido como café da montanha – produto
que vem melhorando a qualidade e
competindo no mercado destinado à
exportação.
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Sua
população
é
de
aproximadamente 200 famílias e 1100
habitantes (dados fornecidos pelo Programa
de Saúde da Família – PSF – Municipal,
Secretaria
Municipal
de
Saúde
de
Manhuaçu). A solenidade é marcada por
uma religiosidade onde as pessoas
participam, vão à Igreja celebrar, ingressam
nos trabalhos pastorais, nos movimentos.
Tudo isso mantém uma influência importante
na vida das famílias que residem nessa
localidade. Aproximadamente 70% da
população é formada de católicos e 30% dos
demais se dividem entre as religiões:
Assembleia
de
Deus,
Maranata
e
Testemunhas de Jeová, ou não participam
de nenhuma religião. Essa população não
católica precisa sair de Soledade para
frequentar cultos religiosos, pois na
comunidade não existem prédios para o
culto evangélico ou de crenças diferentes da
religião católica.
A religião é tida para as pessoas
como uma outra família: “família sem religião
não existe, uma faz parte da outra”. Assim,
falar de religião consequentemente nos
induz a abordar discussões sobre famílias.
Eu não vejo minha família sem religião
sabe? Pra mim a Igreja e a
comunidade é também minha família, é
tudo misturado, uma tá dentro da outra,
não sei separar, porque Deus não
disse: vós sois todos irmãos, então”,
somos uma família (Mariana, 31 anos,
casada, entrevistada em 30/07/2010).
Para
todos
os/as
líderes
entrevistados (as), a “família é um bem
extremamente valioso”, ela possui valor
moral na opinião das pessoas “família e
religião devem caminhar sempre juntas”.
Para os moradores de Soledade,
família e religião se apresentam em conexão
com gênero. Religião, família e gênero, em
se tratando de Soledade, configuram mais
que uma particularidade, uma dimensão da
vida coletiva, distingue e garante redes de
relações na reprodução biológica e social. A
família ganha destaque em relação ao
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012)
indivíduo. Aliás, sujeitos são definidos em
função de suas conexões de família. Não é
tarefa fácil analisar algo tão “natural” como
família, que é a esfera da vida social mais
naturalizada pelo senso comum, porque
regula atividades de base biológica, como o
sexo e a reprodução humana.
Lévi-Strauss (1980), ao demonstrar as
estruturas elementares do parentesco, deu
um passo decisivo para a desnaturalização
da família ao retirar da família biológica o
foco principal. A família passou a ser vista
como atualização de um sistema mais amplo
quando separa o fundamento biológico da
consanguinidade
e
dos
fundamentos
sociológicos da aliança.
De acordo com Velho (1978), o
significado de família está vinculado a uma
rede de outros significados e supõe um todo
mais ou menos sistemático e não
necessariamente harmonioso. A unidade
existente na família ou em unidades
particulares, conforme mencionada, não
significa necessariamente harmonia.
No espaço religioso, em especial na
Igreja Católica, é conferido à família lugar de
destaque, “religião e família devem caminhar
juntas, pois uma depende da outra”. Para os
líderes entrevistados em Soledade, a família
aparece como a “base de tudo”. Na opinião
dos entrevistados, “família e comunidade é
uma união necessária” e “quando a família
não vai bem a comunidade também não vai
bem”. Comunidade, para os líderes em
Soledade, é comunidade religiosa. Em
alguns
momentos,
citam
o
termo
comunidade com o mesmo significado de
Igreja Católica ou até mesmo de religião.
“Um grupo que se ajuda de forma mútua,
que disputa o mesmo espaço, uma
comunidade”.
Eu acho que a religião e família, a
religião trás uma estrutura pra família,
porque a família que participa dos
momentos comunitários, família que
sempre tá à missa, no culto igual nós
sempre temos aqui, eu acho que tem
uma grande força, a religião trás um
grande apoio, na família, no emocional,
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pra fortalecer a união dentro de casa.
Cê tem facilidade pra tá decidindo as
coisas e discutindo alguma coisa, cê
pensa que eu sou católico, religioso.
Pra mim eu mudei muita coisa na
família através da religião. Minha
família hoje é mais unida, todos
participam, parece que a gente fica
mais confiante (Marcos, 42 anos,
casado, entrevistado em 02/07/2011).
Percebe-se que a família é tida como
valor moral, de responsabilidade ética, uma
instituição que deve ser muito bem cuidada.
A descrição de família é usada pelas
pessoas como metáfora. A importância da
conexão entre família e movimento pastoral
na religião é expressa na opinião de
Mariana, em entrevista dia 30 de julho de
2010:
Eu acho que, é uma coisa engraçada,
porque aqui na comunidade, tem
família que trabalha junta: é o pai, a
mãe, o filho, a filha. É mais uma união
entre a família e os trabalhos, porque
tem gente, é quase todo mundo que
trabalha na comunidade, tem sempre
dois ou três da família, então eu acho
que é uma união que tem dado certo: a
família, com a comunidade e os
trabalhos
pastorais.
E
nossa
comunidade nisso é uma comunidade
muito bem servida de pessoas pra tá
trabalhando. Uma comunidade muito
boa pra tá trabalhando, e é por causa
disso que tem bastante união entre a
família, a família em geral, tanto de um
lado e de outro, um de um lugar outro
de outro, mas sempre duma família tem
duas ou três que tá participando da
comunidade, um ou dois participam de
uma pastoral, de outra pastoral, acho
que é uma união perfeita: família e
comunidade (Mariana, 31 anos,
casada, entrevistada em 30/07/2010).
Em
diferentes
momentos
das
entrevistas os líderes afirmam que “a Igreja e
a pastoral são uma segunda família”. Muitos
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012)
buscam na religião e nos trabalhos pastorais,
características que gostariam de encontrar
na família, como sociabilidade, segurança,
diálogo e respeito. Buscam na religião
soluções e alternativas para os problemas
que não são resolvidos ou extrapolam os
limites da família: rezam pedindo saúde,
união para a família, a cura de uma doença,
a volta do companheiro, mais recursos
econômicos, a recuperação de alguém, o
abandono de algum vício etc.
Foi, foi muito importante! Foi importante
o fato de eu ser perseverante, né?
Porque eu podia ter desanimado tanto
o fato de eu ser perseverante, e junto
com meus filhos, eu tive apoio dos
meus filhos, eles falavam: ‘não vão não
mamãe, eu falava: vão sim meu filho’ e
a gente indo e o marido sentiu aquilo
com certeza, né? Nossa, minha família
lá vai e deve que ele sentiu vergonha
da gente ir e ele não vinha! Mas aí tudo
bem, foram sete anos assim, depois,
quando ele veio eu senti mais força
ainda, aí eu senti que a força tá na
caminhada de fé! (Vitória, 47 anos,
casada, entrevistada em 07/08/2010).
Vitória não desistiu e conseguiu levar o
marido para a Igreja. Ela relata sua história
de vida com lágrimas nos olhos, se
emociona e diz que tem orgulho do que fez,
considera-se “poderosa” por ter levado o
marido para a Igreja. Este fato possui para
ela grande significado. “Me sinto orgulhosa
por ter conseguido tamanha façanha”, ela
diz.
Compreendemos que, para este grupo,
a religião possui o poder de apontar
soluções para problemas existenciais de vida
e de morte do ser humano. Se essas
necessidades não são satisfeitas na família,
o espaço religioso composto pelos grupos e
pastorais apresenta-se como alternativa de
suprir essa satisfação.
Uma satisfação que principalmente a
mulher busca nesse lugar. Ela vem
ocupando
um
espaço
historicamente
masculino e está presente em todas as
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pastorais na comunidade, mesmo que ainda
não tenha ocupado posições de maior
status, como a coordenação geral, mas se
envolveu de forma significativa nas
atividades e trabalhos comunitários.
Eu era mais tímida, agora não, agora
se for pra eu dirigir uma reunião lá na
frente ou qualquer coisa eu tenho
coragem! Se a pessoa chegar pra mim
pedir pra eu ler uma leitura, um
evangelho, fazer uma reflexão é na
hora, não chego nem a tremer, eu
consigo fazer, então mudou muito pra
mim, eu acho que a autoestima
melhorou. Em mim, a autoestima
melhorou bastante. Eu acho que
mudou muito nessa parte, eu acho que
o apoio, o jeito né, que a gente chega a
ter uma confiança maior na gente, às
vezes a gente fica meio tímido por ser
mulher! Agora num tempo pra frente,
cê vai modificando, eu acho que ta
tendo mais firmeza no que cê faz
(Lúcia
B.,
45
anos,
casada,
entrevistada em 07/08/2010).
Em Soledade, essa realidade possui
um significado de rompimento com algumas
tradições masculinas. Para essas mulheres,
o reflexo é sentido diretamente na família,
que vem transformando-se em função desse
novo posicionamento da mulher no meio
social.
São vários os modelos e configurações
que as famílias assumem incorporados a
mudanças em seu modo de vida e,
consequentemente, na divisão do trabalho
doméstico entre seus membros. Temos,
hoje,
várias
famílias
chefiadas
exclusivamente por mulheres que assumem
para si o cuidado da casa, dos filhos e sua
sobrevivência financeira. Essas novas
realidades familiares nos levam a refletir um
pouco mais sobre a participação da mulher
em atividades antes vistas somente como
masculinas e suas implicações nas
estruturas familiares.
Nas relações de gênero no espaço da
família e da religião, definir submissão
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012).
imposta às mulheres como uma violência
simbólica ajuda a compreender como a
relação de dominação, que é uma relação
histórica
social
e
linguisticamente
constituída, é sempre afirmada como uma
diferença de ordem, natural, radical,
irredutível e universal. O essencial é
identificar para cada configuração histórica
os
mecanismos
que
enunciam
e
representam como “natural” e biológica a
divisão social dos papéis e das funções
(SOIHET, 1989).
As fissuras que a dominação
masculina por ventura deixa entreaberta, ou
que as mulheres constroem como espaço de
resistência, não assumem a forma de
rupturas espetaculares, nem se expressam
sempre num discurso de recusa ou rejeição.
Elas nascem no interior do consentimento
quando a incorporação da linguagem da
dominação é reempregada para marcar uma
resistência. Assim, definir os poderes
femininos permitidos por uma situação de
sujeição e inferioridade significa entendê-los
como uma reapropriação e um desvio dos
instrumentos simbólicos que instituem a
dominação masculina, contra seu próprio
dominado (SOIHET, 1989, p.107).
No discurso da maioria dos líderes de
Soledade não existe discriminação entre
homens e mulheres, porém a prática é
reveladora de uma desigualdade acirrada e
marcada pela diferença.
É igual eu te falei. A relação entre
mulheres e homens, sei lá, se for
olhar pro lado, Deus fez homens e
mulheres pra viver junto um do outro
então a relação entre família e
comunidade é bom assim não tem
divisão, né? (Carlos, 43 anos,
casado, entrevistado em 25/07/2010).
Quando
explicitam
sobre
a
importância da mulher no movimento
pastoral e na religião, é reforçada onde
começa a diferença. A família aparece e o
homem pode e deve participar, mas na visão
de Carlos é melhor que a mulher fique em
casa, no lar, cuidando dos filhos, de um
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familiar doente ou limitado, ao invés de
participar de alguma atividade religiosa.
Minha mulher mesmo, quase não
vem na igreja porque ela tem as
obrigações em casa, então eu vejo
assim, não tem muita diferença não,
se ela tiver tomando conta de alguém
em casa, talvez é melhor ela ficar em
casa do que ir à igreja e deixar
alguém que tá precisando em casa,
então eu acredito que para Deus não
existe diferença (Carlos, 43 anos,
casado, entrevistado em 25/07/2010).
Ao ser interrogado como essa
realidade era vista pela esposa e se ela
manifestava vontade de participar na
comunidade, ele diz:
É, ela sempre comenta comigo: é eu
poderia ir com você na missa, no
culto, mas como que eu vou e vou
deixar minhas meninas! Eu falo pra
ela, cê estando tomando conta dos
meninos é mesma coisa de cê tá indo
ao culto. Eu acho que se ela deixasse
a sua irmã os meninos e viesse pro
culto eu não ia sentir bem, sei lá, mas
às vezes eu fico mais feliz dela ficar
com a família em casa do que tá
vindo pra igreja e deixando quem tá
precisa dela lá! (Carlos, 43 anos,
casado, entrevistado em 25/07/2010).
Inseridas
em
uma
cultura
conservadora e machista, as próprias
mulheres parecem não ter consciência da
condição de submissão e de desigualdade,
da diferença em relação ao homem. Para a
maioria é uma condição natural da mulher,
além de ser um “problema” da mulher, e não
do homem, o cuidado com a casa, o lar, a
família, naturalizando e essencializando
atitudes, comportamentos e o prescrito pelo
grupo como sujeitos feminino e masculino.
Constata-se que o poder é distribuído
de modo desigual entre homens e mulheres,
corroborando
com
Gebara
(2000).
Primeiramente, elas ocupam, em geral,
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012.
Lopes; Lopes (2012)
posições subalternas na organização mais
ampla da vida social e também na
organização das religiões em todo o mundo,
aludindo à Igreja Católica.
Acredita-se que é preciso rever
conceitos, valores, preconceitos, para só
assim reescrever uma “nova história”, como
nos disse Scott (1990), que tenha como foco
o ser humano e sejam respeitadas as suas
diversidades. Pensar em gênero é se
aventurar em outro olhar, a partir de outro
entendimento, na tentativa de romper e
desconstruir paradigmas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões aqui apresentadas
mostram que os/as líderes das pastorais
retratam e sinalizam como se configuram as
relações de gênero e poder na Igreja
Católica e como essas relações refletem
diretamente nas famílias e vida das pessoas
que atuam nas pastorais dessa Igreja.
Notamos, assim, que a partir da análise da
realidade local houve implicações nas
transformações do discurso dos agentes de
pastoral, porém, na prática das ações, ainda
vivenciamos a desigualdade de gênero e a
dominação masculina.
Essas mudanças apontam para um
futuro menos desigual, mas que ainda não
se configurou na prática. Os estudos
mostraram uma mulher mais participativa,
assumindo de forma mais atuante seu
espaço nas pastorais, porém, não conseguiu
se desprender das tradições culturais
construídas pela sociedade masculina, que
ocupa as posições de comando e de maior
status.
Contudo, os resultados pressupõem
mudanças na configuração familiar e na
construção de gênero em sintonia com esse
espaço religioso que se transforma em
espaço de sociabilidade para a liderança de
Soledade. Porém, esse espaço pastoral e
familiar apresenta-se como uma via de mão
dupla que possui influência significativa na
reprodução da desigualdade de gênero e no
fortalecimento do poder masculino na família
e na Igreja Católica de Soledade.
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