Proliferação e mau uso de armas pequenas a partir da perspectiva

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Proliferação e mau uso de armas pequenas a partir da perspectiva
Pensando
Primeiro
Pessoas
nas
Proliferação e mau uso de armas pequenas
a partir da perspectiva da segurança humana
Um relatório do Centro para o Diálogo Humanitário
Agradecimentos
O Centro para o Diálogo Humanitário agradece imensamente o apoio dos governos do
Canadá, Mali e Suíça neste projeto.
As visões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Elas não representam
necessariamente as diretrizes dos membros da Rede de Segurança Humana. Qualquer
incorreção ou erro editorial é de responsabilidade do Centro para o Diálogo
Humanitário.
O Centro gostaria de agradecer os muitos ativistas comprometidos, representantes de
organizações não governamentais, funcionários governamentais e das Nações Unidas que
contribuíram com artigos ou informações para esta publicação. Seu tempo e esforço
foram valiosos.
Muito obrigado também para Paul Kowal, Mark Gardberg, Lora Lumpe, Flore-Anne
Bourgeois, Pete Abel, Nic Marsh, Folade Mutota, Robert Muggah e Mireille Widmer por
seus conselhos e auxílio.
Cate Buchanan
Gerente de Programa, Segurança Humana e Armas pequenas
Centro para o Diálogo Humanitário
Sumário
Prólogo Ministerial: Uma abordagem voltada para o interesse
da população sobre a disponibilidade e mau uso de armas pequenas
2
Prefácio por Sérgio Vieira de Mello
4
Introdução
5
Seção I: Avaliando o custo humano de armas pequenas
A tensão no serviço de assistência médica
7
7
Desenvolvimento interrompido
Na linha de fogo: agentes de ajuda humanitária e a disponibilidade de armas
10
13
Risco triplo: mulheres, armas e violência
15
Pessoas em trânsito
Tem sorte de estar vivo?
17
19
Box: Violência armada na República Democrática do Congo (RDC)
22
Seção II: Administrando e reduzindo a disponibilidade de armas pequenas
23
O regulamento de posse e uso civil de armas de fogo
Construindo uma proteção contra atrocidades
23
25
Fortalecendo os embargos de armas das Nações Unidas:
uma perspectiva na África Ocidental
28
A ‘Moratória ECOWAS’: desafios e oportunidades
30
Problema no paraíso: coleta de armas nas Ilhas Salomão
Um mundo justo para nós? Protegendo crianças da violência das armas pequenas
32
34
Box: Um ponto de vista da Eslovênia
37
Seção III: Acabando com o mau uso de armas pequenas
38
O uso da força pela polícia: chamando a atenção para o mau uso de armas pequenas 38
Policiamento comunitário em áreas violentas
41
Rumo a uma agenda de direitos humanos para armas pequenas
43
Seção IV: Conclusões e recomendações
47
Box: Prioridades de Mali na presidência da Rede
Box: Pesquisa de ação orientada
48
50
Anexo 1
52
Uma lista de compromissos garantidos pela Rede e um resumo de informações sobre
armas.
Anexo 2
Informações sobre o processo de diálogo e lista de organizações participantes
59
Prólogo ministerial:
Uma abordagem voltada para o interesse da população
sobre a disponibilidade e mau uso de armas pequenas
Desde o início em 1999, a Rede de Segurança Humana reconheceu que armas pequenas
são a principal ameaça para a segurança das pessoas e suas comunidades. A proliferação e
mau uso de armas pequenas enfraquecem os esforços que garantem a segurança em
todos os níveis; seja em regiões desestabilizadas pela proliferação de armas, em escolas,
em campos de refugiados ou cidades arruinadas pela violência criminal.
Países que fazem parte da Rede de Segurança Humana têm solicitado de forma
consistente à comunidade internacional para “intensificar e coordenar esforços contra
proliferação excessiva, desestabilizante e descontrolada de armas pequenas” (Resumo do
presidente, Encontro Ministerial do RSH, Bergen 1999). Estamos determinados, como o
Programa de Ações das Nações Unidas declara, “em reduzir o sofrimento humano”
causado pela proliferação e mau uso de uma arma que “sustenta conflitos, exacerba a
violência, contribui para o desalojamento de civis, acaba com o respeito às leis
humanitárias internacionais, impede a provisão de assistência humanitária para vítimas de
conflitos armados e abastece o crime e o terrorismo”.
Solicitamos a implementação total dos acordos e normas existentes – regionais e
global – para controlar a disponibilidade das armas e o limite do mau uso das mesmas.
Os principais são: o Protocolo de armas de fogo da Convenção das Nações Unidas
contra o crime organizado transnacional; o Programa de ação das Nações Unidas para
prevenir, combater e erradicar o comércio ilícito de armas pequenas e leves em todos os
seus aspectos; e os princípios básicos do uso da força e armas de fogo por agentes de
segurança pública.
Estas iniciativas internacionais são realizações marcantes no desafio de reduzir o custo
humano da violência causada por armas pequenas. Entretanto, para garantir a segurança
humana em face da violência de armas pequenas precisamos fazer mais. Com esta
finalidade, a Rede de Segurança Humana encarregou-se, com a ajuda do Centro para o
Diálogo Humanitário, de organizar conferências sobre a dimensão humana no desafio
das armas pequenas. Estamos felizes em apresentar o resultado destas conferências nesta
publicação – “Pensando primeiro nas pessoas: proliferação e mau uso de armas
pequenas a partir da perspectiva da segurança humana”.
Com base em pesquisa desenvolvida e relatos pessoais de médicos, especialistas em
desenvolvimento, funcionários humanitários e pessoas afetadas pelas conseqüências do
mau uso de armas pequenas, foram identificados os elementos para uma abordagem
voltada ao interesse coletivo sobre armas pequenas. Em conjunto, eles clamam por
recursos variados: desde rígidos embargos de armas da ONU à proteção a crianças da
violência de um revólver; de intervenções na saúde pública a desafios de violência
baseada em sexo; da restrição à transferência de armas à promoção de policiamento
comunitário.
As páginas seguintes dão uma idéia clara de que as conquistas até agora em relação ao
debate sobre armas pequenas são apenas um bom começo. É preciso fazer mais.
Esperamos que esta seja uma mensagem a ser ouvida onde aqueles que trabalham com
armas pequenas se reúnem – do Primeiro Encontro Bienal de Estados para a
Pensando Primeiro nas Pessoas 2
Implementação do Programa de Ação das Nações Unidas, em julho de 2003, às
prefeituras das comunidades que lutam em virtude da violência das armas.
Controlar a ampla disponibilidade e mau uso de armas pequenas permanece como
uma prioridade central para a Rede de Segurança Humana. Nos próximos meses, os
países da Rede continuarão a atrair a atenção para o surpreendente custo humano
associado à violência de armas pequenas em contextos multilaterais, incluindo a 28ª
Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em dezembro de
2003.
Os países da Rede continuarão a estabelecer diálogo com agências das Nações Unidas
e ONGs em uma abordagem voltada para o interesse coletivo sobre este assunto. Será
dada ênfase particular a elaboração futura de subcomponentes, tais como a relevância dos
direitos humanos e leis humanitárias e opções de aumentar a segurança da comunidade.
Também haverá esforços para estender o diálogo a fim de incluir outros parceiros que
tenham a mesma opinião.
No centro de todo este trabalho, a Rede defenderá a redução da morte e ferimentos
como uma referência para o progresso. Com um número estimado de 1300 pessoas
mortas todos os dias por causa da violência das armas, devemos continuar o trabalho em
direção a um mundo onde os direitos das pessoas, segurança e vidas não sejam
ameaçadas pelas armas pequenas. Sem o progresso substancial na redução da
disponibilidade e do mau uso de armas pequenas, a segurança humana continuará sendo
meta ilusória.
Rede de Segurança Humana
Julho de 2003
Pensando Primeiro nas Pessoas 3
Prefácio
Sociedades arruinadas pela violência armada são também contaminadas por exceções e
sérios abusos aos direitos humanos. Tenho visto isto diretamente em uma diversidade de
nações divididas pela violência armada, do Camboja ao Kosovo até os Grandes Lagos e,
inclusive, no Brasil, meu próprio país. Na minha experiência, está claro que a
disponibilidade desmedida de armas pequenas aumenta a letalidade, intensidade e
duração de conflitos violentos.
Os impactos devastadores do mau uso de armas pequenas ameaçam a segurança
humana. Comunidades e nações recém-saídas de conflitos armados, quase sempre se
tornam sociedades saturadas com armas, que permanecem voláteis e incapazes de
beneficiar-se totalmente dos esforços para promover um desenvolvimento sustentável.
Mesmo nas chamadas sociedades pacíficas, o mau uso de armas pequenas antecipam altas
taxas de homicídios e suicídios.
Eu recomendo esta publicação por sua abordagem inovadora e abrangente e por
projetar idéias que avançam neste tema tão complexo. Trata-se de uma rica contribuição
para os debates e o desenvolvimento de pensamentos sobre esta crise social evitável,
contendo grande quantidade de artigos que salientam os princípios centrais de libertação
do medo e da miséria.
Ações futuras para evitar a disponibilidade excessiva das armas pequenas e a
eliminação do abuso das mesmas precisarão de políticas e práticas decisivas para colocar
as pessoas em primeiro lugar. Esperamos trabalhar nos próximos anos com o Centro
para o Diálogo Humanitário, a Rede de Segurança Humana e outros estados
comprometidos, agências das Nações Unidas e ONGs, para encontrarmos soluções
práticas para este problema letal.
Sérgio Vieira de Mello,
Alto Comissário para Direitos Humanos das Nações Unidas
Julho de 2003
Pensando Primeiro nas Pessoas 4
“A crença no desarmamento não procede de idealismo ou ingenuidade. A
melhor estratégia para prevenção de conflitos armados é eliminar os
recursos da violência.”
–Alpha Oumar Konare, Presidente de Mali, 1992-2002
Introdução
Em julho de 2003, a comunidade internacional fará sua primeira avaliação do progresso
global na implementação do Programa de Ação das Nações Unidas para prevenir,
combater e erradicar o comércio ilícito de armas pequenas e armas leves em todos os
seus aspectos, negociado pelos estados em 2001.1 O Centro para o Diálogo Humanitário
fica feliz em poder contribuir com o Pensando primeiro nas pessoas neste processo de
reflexão.
Nosso interesse neste tema não é teórico. O principal objetivo do Centro é facilitar o
processo de paz em situações de conflito violento. Como parte deste esforço, temos
projetos que focam o papel de grupos armados não oficiais, promovendo o controle das
leis e investindo em metodologias de negociação humanitária. Nosso trabalho,
entretanto, é constantemente enfraquecido devido à disponibilidade e ao mau uso das
armas pequenas.2 A dificuldade em negociar a paz em comunidades cheias de armas
induziu o Centro a estabelecer um novo programa com o objetivo de gerar idéias e com
o desejo de agir na redução da disponibilidade e o mau uso das armas.
Aproximadamente 500 mil pessoas morrem anualmente por armas de fogo – tanto em
zonas de guerra, como em cidades “pacíficas” ou em suas próprias casas. Inúmeras
outras são feridas, física ou emocionalmente, por causa do uso destas armas. Embora
geralmente não seja a causa da discussão, a fácil disponibilidade destas armas intensifica a
severidade da violência e o número de vítimas. Sua proliferação também aumenta o
potencial para que as crianças sejam empurradas para o crime ou o combate armado. E o
predomínio do mau uso das armas enfraquece o desenvolvimento sustentável, a boa
governança e os direitos humanos. Mesmo após o término da guerra, armamentos
abundantes quase sempre deixam pessoas e comunidades reféns de uma espiral de
violência.
Esta situação trágica desafia de forma urgente a comunidade internacional para que
encontre soluções significativas. Entretanto, a complexidade do problema, assim como a
sensibilidade política e diplomática sobre as armas, fizeram com que muitos governos
evitassem este assunto por muito tempo.
Os governos da Rede de Segurança Humana (a Rede) – Áustria, Canadá, Chile,
Grécia, Irlanda, Jordânia, Mali, Holanda, Noruega, Eslovênia, África do Sul
(Observador), Suíça, Tailândia – são os paladinos ideais de uma resposta abrangente para
1 Daqui por diante referido como o Programa de Ação da ONU. Documento da ONU A/CONF.192/15. Disponível no site:
www.disarmament.un.org/cab/poa.html
2 Armas pequenas incluem: revólveres e pistolas semi-automáticas; rifles and carabinas; submetralhadoras; fuzis militares
de fogo e metralhadoras leves. Armas leves incluem: metralhadoras pesadas; submetralhadora portátil e lançadores de
granadas montados, canhões antiaéreos portáteis, antitanques portáteis e rifles sem coice; lançadores portáteis de
mísseis antitanques e sistemas de foguetes; lançadores portáteis de sistemas de mísseis antiaéreos e morteiros de
calibres inferiores a 100 mm. A munição inclui: cartuchos (cilindros) para armas pequenas; cartuchos e mísseis para
armas leves; recipientes móveis com mísseis ou cartuchos para uma única ação em sistemas antiaéreos e antitanques;
granadas de combate e antitanques; minas terrestres; e explosivos. Veja Small Arms Survey (2001), Small Arms Survey
2001: Retratando o Problema, Oxford University Press, Oxford. Os termos “armas” “armas de fogo” e “armas pequenas”
são usados de forma intercambiável nesta publicação.
Pensando Primeiro nas Pessoas 5
a crise evitável da violência global das armas. 3 A expressão ‘segurança humana’ refere-se
à ênfase nos direitos, segurança e vida de indivíduos e da comunidade, bem mais que um
simples foco exclusivo no estado. Em agosto de 2002, o Programa de Segurança Humana
e Armas Pequenas do Centro – em parceria com os governos do Canadá, Mali e Suíça –
iniciou um projeto para encorajar e apoiar a Rede na consolidação de seu compromisso
existente de controlar sofrimentos relacionados à armas pequenas.
O Centro facilitou dois encontros entre organizações não governamentais, agências
das Nações Unidas e representantes da Rede de Genebra, Nova York e várias capitais,
bem como muitas conferências informais.4 Este processo confirmou que para a Rede a
redução da violência armada é de interesse vital.
Pensando primeiro nas pessoas procura registrar as discussões valiosas vigoradas durante
este período. O Centro reuniu os destaques destas conferências com contribuições de
indivíduos que trabalharam de diversas formas para reduzir a insegurança humana sofrida
por meio do cano de uma arma: trabalhadores que desenvolvem ações humanitárias,
médicos trabalhando para recolocar vítimas da violência armada na sociedade, governos
da Rede e outros motivados pelo desejo de diminuir o sofrimento humano. A publicação
resultante serve para conceber o debate sobre armas pequenas e leves com um objetivo
simples e claro – dar segurança às pessoas.
“Reconhecer que a comunidade internacional tem o dever de lidar com
este assunto e admitir que o desafio proposto pelo comércio ilícito de
armas pequenas e leves em todos os seus aspectos é multifacetado e
envolve, entre outras coisas, segurança, prevenção e resolução de
conflitos, prevenção de crimes, dimensões humanitárias, de saúde e de
desenvolvimento.” - Preâmbulo do Programa de Ação da ONU
Pensando primeiro nas pessoas enfatiza o tributo humano pago por causa da violência
armada sob vários pontos de vista: saúde, direitos humanos, desenvolvimento e
desarmamento. Ninguém tem a capacidade de dominar o outro. De fato, a vontade de
encontrar um caminho para a segurança humana em relação a este problema pode incluir
várias perspectivas, enquanto prioriza claramente a proteção e a segurança das pessoas
como referência de qualquer esforço de controle.
Pensando primeiro nas pessoas está focado em três temas:
• O tributo das armas pequenas contraído pelas pessoas em todo o mundo;
• Estratégias para reduzir a disponibilidade das armas pequenas; e
• Desafios fundamentais para acabar com o mau uso destas armas
Esta antologia não é definitiva ou completa, mas uma contribuição para um debate
extensivo. As visões e idéias levantadas requerem uma maior investigação, discussão e
ação.
3
4
África do Sul é um país observador da Rede
Veja apêndice 2 para informações sobre este encontro.
Pensando Primeiro nas Pessoas 6
Seção I: O custo humano
A tensão no serviço de assistência médica: ‘Você nunca se acostuma com isso –
a morte estúpida’
Mark Gardberg y Cate Buchanan
Enquanto o custo exato é desconhecido e provavelmente incompreensível, a disponibilidade e o
mau uso das armas pequenas e leves têm claramente um espantoso custo humano em todo o
mundo. Esta seção destaca alguns dos impactos e dá voz a médicos que trabalham para
recompor corpos e vidas danificadas – ou destruídas – pela violência armada. Uma das ironias
da violência armada é que independentemente do nível econômico ou história de uma pessoa ou
país afetado, as conseqüências destrutivas são as mesmas, e elas são profundas. O que segue é
a história de dois médicos vivendo e trabalhando em ambientes dramaticamente diferentes – um
na carente Uganda e outro no afluente Estados Unidos. Eles encaram o mesmo dia a dia de
dificuldades em lidar com a devastação física causada por ferimentos de tiros.
A Dra. Olive Kobusingye é uma cirurgiã do setor de emergência do Hospital Mulago em
Kampala, uma cidade de 1,2 milhões de habitantes. Por não haver serviço médico de
urgência em Uganda, os pacientes de Olive são normalmente levados para o hospital pela
polícia. Apesar dos acidentes de carro serem a maior causa de ferimentos, pacientes
feridos a bala têm mais probabilidade de necessitar de cirurgias de emergência e de
morrer em conseqüência destes ferimentos.
A principal sala de tratamento é dividida em duas, com um total de quatro camas.
Raramente não há uma vítima de tiro nesta ala e Olive explicou que isto era muito bom
para os outros pacientes. Enquanto tratava de uma menina que havia sido atropelada por
um carro com uma tala temporária de cartolina, Olive explicou que a sala de emergência
normalmente contém seis camas em vez de quatro. Nestes alojamentos tão pequenos, os
médicos e enfermeiras devem ser particularmente vigilantes para evitar a transmissão de
infecções entre pacientes e equipe: uma vítima da violência armada perdendo uma grande
quantidade de sangue a dois passos de outro paciente ferido é um grande desafio.
Dr. Mark Engelstad, um cirurgião especializado em traumas faciais que trabalha em
Mineápolis, Minnesota, uma cidade com aproximadamente 3 milhões de habitantes no
norte dos Estados Unidos, explicou que as armas são extremamente eficientes em
destruir tecidos finos e causam enorme perda de sangue. Como uma bala deixa um rastro
de destruição que normalmente cruza todo o corpo, estes ferimentos necessitam de
procedimentos diversos e longos. A recuperação demanda muitos dias na unidade
intensiva de tratamento e grande quantidade de dinheiro que poderia ser canalizado para
outras coisas.
Dinheiro sobrando é exatamente o que o sistema de saúde de Uganda não tem. De
volta ao corredor com Olive, um parente de um dos pacientes à espera de um tratamento
reclama sobre a longa demora para um exame de Raio-X. Uma enfermeira contou que o
Raio-X seria impossível porque não havia filme disponível para a máquina há uma
semana. Olive menciona que um Raio-X básico ou um exame de ressonância magnética
antes da cirurgia fornece um guia útil durante a operação e ajuda no monitoramento pósoperatório do paciente, mas freqüentemente Olive se encarrega das cirurgias sem esta
ferramenta padrão. Ela afirma que em um hospital como o Mulago, a presença dos
parentes dos pacientes é decisivo para o tratamento dos mesmos. Como a ala de
emergência tem habitualmente uma pequena equipe de enfermeiras, os parentes exercem
um papel inestimável de monitores dos pacientes. Os parentes também são importantes
Pensando Primeiro nas Pessoas 7
na tentativa de levantar fundos, caso o paciente precise de um tratamento especial (como
um exame de ressonância magnética, disponível apenas para aqueles que podem pagar.
Muitas pessoas em Uganda vivem com menos de um dólar por dia, por isso o custo de
um exame de ressonância magnética aproximadamente US$ 80, pode facilmente devastar
uma família.
Para colocar isto em perspectiva, o gasto com cuidados médicos em Uganda é uma
das menores na região, aproximadamente US$ 8 por pessoa anualmente, com uma
proporção médico/paciente de um médico para cada 25 mil pessoas. Em torno da
metade da população vive num raio de cinco quilômetros de um recurso médico, mas
barreiras ao acesso à saúde vão muito além da distância física.
Olive enfatiza que o esforço financeiro empregado em Mulago pelas vítimas de tiros é
enorme. Quando um paciente chega no hospital necessitando urgentemente de sangue e
uma cirurgia de emergência, há uma séria preocupação que os itens essenciais podem se
esgotar: luvas, algodão, roupas limpas, sangue testado nos bancos de sangue,
desinfetante, bandagens e filmes de Raio-X são os primeiros a acabar. Em situações
agudas, Olive e seus colegas fazem decisões sobre vida e morte na sala de ressuscitação.
Com um respirador para toda a área de emergência, os pacientes que estão mais aptos a
sobreviver são tratados primeiro. Olive descreveu a freqüente dificuldade encontrada ao
perguntar: “Você vai tirar uma criança do respirador para colocar um paciente ferido
com uma bala?”.
Mark, o cirurgião americano, tem, de longe, muito mais recursos à sua disposição, mas
reporta as mesmas preocupações. Até mesmo numa cidade como Mineápolis, onde a
violência armada é relativamente baixa em comparação a outras cidades nos EUA, Mark
atende pessoas que falharam em tentativas de suicídio ou que sejam vítimas de acidentes
com armas de fogo ou violência interpessoal. Ele estima que a maioria dos pacientes,
talvez três em cada cinco, são homens jovens com ferimentos feitos por eles mesmos. A
maioria são tiros acidentais envolvendo crianças que estavam brincando com armas que
estão dentro de suas casas.
Um custo da proliferação de armas de fogo normalmente negligenciado é o da
reabilitação das vítimas de um tiro após a primeira cirurgia. Este custo pode ser enorme,
desviando recursos financeiros de outras áreas de assistência médica, tais como
prevenção de doenças. Como Mark menciona que a reabilitação das vítimas inclui
empenho para tratar com membros amputados, a perda da sensibilidade de vários
nervos, incapacidade física permanente, função interna de órgãos interrompida (tais
como a perda do baço, que necessita de antibióticos diários permanentemente) e
problemas digestivos surgidos devido à perda de partes do intestino, entre outras perdas.
A falta de recursos não é a principal preocupação de Olive em relação à violência
armada. Ela está mais preocupada com o impacto emocional a longo prazo dos
ferimentos a bala em indivíduos, famílias e comunidades. Olive explicou que as famílias
de vítimas de armas de fogo se arruínam muito mais do que outras que sofrem tragédias
distintas: “Com armas de fogo...há o medo. É muito pessoal... É como se a ameaça não
tivesse ido embora”. Mark repercute este sentimento, notando que o trauma psicológico
sofrido por vítimas de tiro e sua família é facilmente diagnosticado e requer longos
períodos de tratamento: “Acredito que isto acontece por causa da crueldade explícita
causada pelas intenções deliberadas de homicídio ou suicídio”. Diferente de outras
formas de trauma, os efeitos psicológicos de ser atingido por uma bala tende a
permanecer com a vítima e sua família por muitos anos.
Pensando Primeiro nas Pessoas 8
“É como se estivéssemos secando o chão com a torneira aberta. Leva-se
cinco minutos para descarregar as balas, mas três horas e enormes
recursos são necessários para recuperar cada pessoa. Precisamos
direcionar toda nossa energia para tentar evitar que esta crise cresça ainda
mais”. –Dra. Olive Kobusingye5
A disponibilidade e mau uso das armas são uma preocupação crescente em Uganda
por conta da impressão de que possuir uma arma aumenta a proteção pessoal. Olive é
também a diretora executiva do Centro de Controle de Ferimentos de Uganda, que
conduz uma pesquisa sobre prevenção de ferimentos e implementa os resultados dos
esforços de proteção e o desenvolvimento de um programa baseado em provas. “Seria
ótimo se pudéssemos cuidar dos pacientes utilizando todos os nossos conhecimentos
com os recursos que necessitamos. Ao dizer isto, penso que os recursos precisam ser
usados de forma estratégica, para descobrirmos como podemos tirar as armas da
sociedade das mãos de civis”.
Olive voltou para o centro de emergência cirúrgica e tratou uma menina com um
inchaço na cabeça decorrente de uma queda de um beliche e um homem bêbado
vomitando com o braço machucado. Imagine o caos se uma vítima de tiro entrasse nesta
pequena sala.
A violência armada prejudica sistemas de saúde pública. Ao mesmo tempo, em muitos
casos, a natureza intencional dessa violência aumenta as cicatrizes permanentes nos
sobreviventes, em suas famílias e comunidades. Estas cicatrizes são mais devastadoras
que qualquer proteção supostamente proporcionadas pelas armas – indiferentemente se a
pessoa ou a comunidade em questão está entre a mais pobre ou a mais rica do mundo.
Mark Gardberg, jornalista free-lance, e Cate Buchanan, gerente de Segurança Humana e do
Programa de Armas Pequenas do Centro para o Diálogo Humanitário, são co-autores deste
artigo.6
Para mais informações sobre este assunto:
Baker, Susan P., Brian O’Neill, Marvin J. Ginsburg, e Gvohua Li (1992), The Injury Fact Book, Oxford University
Press, Oxford.
Cukier, Wendy (2002), “Small Arms and Light Weapons: A Public Health Approach”, Journal of World Affairs,
Vol. IX, Issue I.
International Physicians for the Prevention of Nuclear War and SAFER-Net (2001), Global Trade in Small
Arms: Public Health Effects and Interventions. Disponível no: www.research.ryserson.ca/SAFER-Net
Organização Mundial de Saúde (2002), World Report on Violence and Health 2002, WHO, Genebra.
Disponível no: www.who.int/violence_injury_prevention
Oxfam-GB, Novib, e Intermon Oxfam (2003), The Impact of Small Arms on Health, Human Rights and
Development in Medellin: A Case Study, Oxfam-GB, Oxford.
Taipale, Ilkka et al. (2002), War or Health? A Reader, Zed Books, Londres.
‘‘Going to the source of the illness’, uma apresentação no Small arms and the humanitarian community: Developing a
strategy for action, Nairobi, Novembro 2001.
Relatório disponível no website: www.hdcentre.org/Programmes/smallarms/hcsa.htm
6 Kimberly Burns, jornalista freelance, entrevistou a Dra. Olive Kobusingye em fevereiro de 2003. Cate Buchanan
entrevistou o Dr. Mark Englestad em março de 2003.
5
Pensando Primeiro nas Pessoas 9
Desenvolvimento interrompido: ‘Por que eles nos vendem armas e ao mesmo
tempo nos enviam ajuda em alimentos?’7
Kilfemariam Gebre-Wold
Durante as conferências muitos indivíduos, particularmente os representantes do governo de
Mali, chamaram a atenção para o vínculo entre a disponibilidade de armas pequenas e o
retrocesso no desenvolvimento. Esta perspectiva do Kiflemariam Gebre-Wold realça o debate
principal que está em jogo.
O progresso em direção ao desenvolvimento é o progresso em direção à paz. Quando as
pessoas têm opções de ganhar a vida, preservando seus direitos e sendo beneficiadas pela
segurança pública, então os esforços de desenvolvimento podem efetivamente reduzir
mais o potencial da violência armada. Entretanto, os programas de desenvolvimento são
sempre implementados com um alto ônus econômico e humano e titubeiam devido à
interrupção causada pela violência armada – sejam nas favelas do Rio de Janeiro ou na
área rural do Sudão.
Como um etíope, foco meus esforços no Chifre da África, no nordeste.8 Os países
nesta região estão destruídos pelo conflito armado, apesar de variarem em natureza,
alcance e intensidade. Estes estados são frágeis; mesmo onde a paz já começou a ocorrer,
há perigo que os conflitos armados diretos voltem. Um processo de construção de paz
mais amplo ainda precisa ser definido e adquirir um genuíno apoio político.
“Se você tem que gastar (uma) grande parte do que você ganha em um
trabalho absolutamente pesado com uma pessoa que chega com uma
arma, afinal qual é o motivo para trabalhar tanto?” –Bibhuti Sarma de
Nalbari, Índia9
Armas não são usadas exclusivamente para promover a guerra. Em mãos não
treinadas elas são também instrumentos de violência criminal e insegurança comunitária.
O medo da violência armada afasta as crianças da escola, os nômades das pastagens, os
mascates dos mercados e assistentes sociais de campos de refugiados. Quando isto
acontece tanto a assistência social quanto atividades de desenvolvimento não são
possíveis.
Vejamos o exemplo da Garissa, no nordeste do Quênia: ali, a insegurança física
posiciona-se ao lado da seca como a primeira causa para a miséria humana. A conexão
entre as duas é pérfida, resultando em uma dupla desgraça – uma redução de posses de
propriedades e uma carência ao seu acesso. Garissa sofre de diversas maneiras com a
ampla disponibilidade de armas: banditismo e seqüestro relâmpago nas estradas, pirataria
e produtos roubados, furtos e saques, intimidação, ferimentos físicos e mutilação, estupro
e morte causada por conflitos entre tribos e bandidos. O impacto mais óbvio destas
armas são as pessoas mortas. Muitas nem são informadas.
Deslocamento interno é também outra conseqüência do mau uso das armas pequenas.
Pessoas – normalmente mulheres e crianças – são forçadas a sair de suas casas,
destruindo a real estrutura das sociedades e arruinando os mecanismos existentes para
enfrentar a pobreza. Neste caso, é claro que a violência e a instabilidade que
acompanham conflitos armados, além de impossibilitarem projetos de desenvolvimento,
Pergunta de um jovem engraxate em Addis Ababa ao autor em 2001.
Países do Chifre da África incluem Djibuti, Eritréia, Etiópia, Quênia, Uganda, Somália e Sudão.
9 Entrevistado em Banerjee, Dipankar e Robert Muggah (2002), Small Arms and Human Insecurity. Reviewing participatory
research in South Asia, Regional Centre for Security Studies and Small Arms Survey.
7
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Pensando Primeiro nas Pessoas 10
também enfraquecem sistemas de sobrevivência e mecanismos de defesa já existentes.
Instabilidade, pobreza e colapso do estado são as conseqüências.
Enquanto o desenvolvimento é reprimido pela disponibilidade incontrolável das
armas, em alguns casos os países prestam auxílio para o desenvolvimento enquanto ao
mesmo tempo proporcionam incentivos para novas vendas de armas. A oferta destas
armas freqüentemente precede o seu mau uso e fomenta mais medo e morte. O
desenvolvimento – no meio da violência armada – é geralmente pouco mais que um
paliativo para as vítimas de armas pequenas e, como já foi documentado, quando um
serviço de assistência social é trocado por armas, na verdade agrava a situação.
Com o objetivo de fomentar uma consciência crítica e um ponto de entrada para a
intervenção, é necessário um esforço maior para registrar as ligações e impactos da
disponibilidade de armas pequenas e seu mau uso no desenvolvimento de uma sociedade.
Esforços para manter em voga o controle das armas pequenas dentro de programas de
desenvolvimento estão encaminhados e precisam ser consolidados. Em particular, a
conscientização e o planejamento da redução da violência por armas pequenas deviam
ser decompostos na enorme gama de setores que trabalham para promover
desenvolvimento sustentável. Programas que focam carência alimentar, reforma do setor
de segurança, saúde pública, água e saneamento deviam, por exemplo, levar em
consideração a presença e os abusos associados às armas. Uma relevante técnica de
controle definitivo de armas que seja imediata e óbvia para uma comunidade em
desenvolvimento é a de coleta e destruição das armas. Tirar as armas de circulação pode
proporcionar uma oportunidade de abertura necessária para o desenvolvimento a longo
prazo e a manutenção de iniciativas de paz se estiverem ligadas a incentivos de
desenvolvimento ou contarem com a participação e o envolvimento crescente da
comunidade.
Kiflemariam Gebre-Wold foi Diretor de Projeto do Bonn International Centre for Convertion,
"Armas pequenas e armas leves em países do IGAD” (SALIGAD), 2000-2002. Atualmente está
afiliado ao AIDA Consultants
Para mais informações sobre este assunto:
Batchelor, Peter e Robert Muggah (2002), Development held hostage: Assessing the impacts of small arms
on human development, UN Development Programme. Disponível no:
www.undp.org/erd/smallarms/docs/development_held_hostage.pdf
Bendaña, Alejandro (2001), “Addressing the Demand Dimensions of Small Arms Abuse”, Ploughshares
Briefing, 01/6. Disponível no: www.ploughshares.ca
Dorn, A. Walter (2000), “Small Arms, Human Security and Development”, Development Express, No. 5.
Disponível no: www.acdi-cida.gc.ca/devexpress
Eshete, Tibebe e Siobhan O’Reilly-Calthrop (2000), Silent Revolution: The Role of Community Development in
Reducing the Demand for Small Arms. Ensaio N° 3, World Vision International. Disponível no website:
www.worldvision.ca/publications.cfm?ID=176
Hubert, Don (2001), “Small Arms Demand Reduction and Human Security”, Ploughshares Briefing, 01/5.
Disponível no website: www.ploughshares.ca
Kingma, Kees (2002), Demobilisation and Reintegration of Ex-combatants in Post-war and Transition
Countries: Trends and Challenges of External Support. BICC-GTZ Report, Bonn. Disponível no website:
ww.bicc.de/demobil/gtz_studien/demob_gtz.html
Quaker United Nations Office (QUNO) informa sobre a redução da demanda de armas. Disponível no website:
www.geneva.quno.info/main/publication
A edição de 2003 do livro anual de Small Arms Survey tem como tema central: ‘Desenvolvimento negado’.
Disponível no website: www.smallarmssurvey.org
Pensando Primeiro nas Pessoas 11
Abordando o problema das armas pequenas sob outras perspectivas
Uma abordagem de saúde pública oferece para o interesse coletivo uma metodologia de
compreensão e ação sobre a violência armada. Se a disponibilidade e mau uso das
armas são vistos como uma crise evitável de saúde, esta abordagem oferece um
complemento poderoso para os muitos esforços em andamento.
Esta disciplina de saúde pública enfatiza prevenção de doenças e promoção da saúde,
com um objetivo inequívoco de salvar vidas e reduzir os ferimentos – tanto de ameaças
de substâncias tóxicas, acidentes de carro ou violência armada. Para alcançar estes
objetivos, os médicos priorizam intervenções baseadas em acontecimentos reais que
correspondam a demandas de contextos particulares.
Em caso de violência armada, as metodologias de saúde pública reconhecem a natureza
multifacetada da violência e contam com abordagens multidisciplinares e colaborativas.
“Abordar o problema das armas pequenas desta maneira força o desgaste de algumas
barreiras que foram construídas artificialmente por normas e por políticos, garantindo
que as soluções apropriadas sejam habilitadas e avaliadas”. 10
Uma abordagem da saúde pública para lidar com ameaças ao bem-estar envolve os
seguintes passos:
1. Tendências monitoradas incluem morte e ferimentos, impactos em populações
específicas e avaliação de impactos mais amplos;
2. Análise da linha causal, incluindo social, econômico, cultural e ambiental, a vítima e o
assaltante, facilitadores (tais como a disponibilidade e mau uso das armas);
3. Intervenções de desenvolvimento que quebram a corrente em seu elo mais fraco,
incluindo:
-
Educar pessoas sobre os riscos e ações preventivas,
Mobilizar parcerias comunitárias para desenvolver estratégias colaborativas,
Desenvolver políticas e regulamentos que tratem este problema,
Desenvolver soluções para reduzir injustiças,
Reforçar leis e regulamentos,
Proporcionar tratamento adequado e efetivo;
4. Avaliando a efetividade das intervenções, estimulando o aperfeiçoamento das
abordagens.
Wendy Cukier, Small arms and light weapons: A public health approach, The Brown Journal of World Affairs, primavera
de 2002, Vol IX, Tema 1, p. 261
10
Pensando Primeiro nas Pessoas 12
Na linha de fogo: profissionais de ajuda humanitária e a disponibilidade das
armas
O Centro para Diálogo Humanitário e o Small Arms Survey combinaram forças em 2001
para avaliar o impacto da disponibilidade das armas em operações e em funcionários de
operações humanitárias e de desenvolvimento.11 O Estudo sobre Segurança e Risco na Ação
Humanitária e no Desenvolvimento foi motivado pela ausência de informação sobre o
impacto do uso e abuso de armas naqueles que procuram assistir e proteger populações
em risco. 12 O estudo já feito há anos distribuiu agentes de ajuda humanitária em zonas
de guerra, em nações em transição da guerra para a paz e nos chamados países pacíficos.
As 600 respostas recebidas de 39 países representam a maior amostra até hoje de
opiniões desta comunidade sobre armas pequenas.13
Descobertas feitas pela primeira rodada de implementação do levantamento indica
que a equipe da agência trabalha constantemente em ambientes inseguros e sentem
pessoalmente a ameaça das armas de fogo.14 Além das noções de risco pessoal, muitos
entrevistados já experimentaram uma variedade de incidentes de segurança, incluindo
intimidação armada, roubo à mão armada, ataque armado e detenção. E muitos
entrevistados indicaram que têm conhecidos mortos ou feridos por armas pequenas.
Independente do contexto de segurança, quase todos os funcionários relataram uma
posse disseminada de armas. Além das forças militares, policiais e de segurança privada,
entrevistados notaram taxas alarmantes de posse entre grupos rebeldes e sindicatos de
crime organizado. Muitos entrevistados estimaram o nível de posse de armas entre
populações civis de ‘moderado’ a ‘altíssimo’.
“Com a paz e a desmobilização (na Guatemala), as mesmas montanhas e
estradas na selva que viajávamos em relativa segurança tornaram-se
cenas de freqüentes ataques de homens armados que não tinham o menor
respeito pelo UNHCR. Nossa equipe estava tão vulnerável que quando a
população local espalhou o boato de que o objeto grande em frente ao
carro (a antena) era uma arma, nós não desmentimos a informação porque
pensávamos que isto poderia evitar alguns ataques.”15
De acordo com quase três quartos de entrevistados, a disponibilidade de armas
pequenas induz a um freqüente adiamento ou suspensão das operações. Ambientes
severamente inseguros – normalmente devido a uma grande prevalência de armas –
restringem o acesso a civis necessitados e podem conduzir despejos. Ao atingir civis, as
mortes e os ferimentos não intencionais e crimes violentos são mencionadas como as
atividades mais comuns. Muitas das mortes e ferimentos por armas entre civis são
atribuídas a armas de mão, ainda que em zonas de conflitos os ataques com rifles sejam
vistos com a maior ameaça.
Para mais informações visite www.hdcentre.org/Programmes/smallarms/sasurvey.htm
Em março de 2003, os parceiros incluíam Merlin, Médecins du Monde, Oxfam GB, World Vision, CARE, UNDP e Concern
Worldwide.
13 Ênfase particular foi dada a duas regiões: Sudoeste da Ásia (Camboja, Filipinas e Tailândia) e os Balcãs (Kosovo,
Macedônia, Albânia e Sérvia Montenegro).
14 O relatório final das descobertas está disponível em: www.hdcentre.org/Programmes/smallarms/sasurvey/lineoffire.htm
15 Robert Mignonne, um funcionário da Alta Comissão para Refugiados da ONU em UNHCR Refugee Magazine (2000),
Vol.4, Número 121, p. 26.
11
12
Pensando Primeiro nas Pessoas 13
Percent Reporting Operational Obstacle
Operational
and the
ObstáculosObstacles
operacionais
e predomínio
e mal uso das
armasofpequenas
Prevalence
& Misuse
Small Arms
100
90
80
Porcentagem
informando
obstáculos
operacionais
Predomínio e mal
uso das armas
(índice)
70
60
50
Muito baixo
Baixo
Moderado
Alto
Muito alto
40
30
20
10
0
Very Low
Low
Moderate
High
Very High
Small Arms Prevalence & Misuse (index)
A maioria dos entrevistados indicou que não recebeu treinamento de segurança da
organização em que trabalham no momento. Pior ainda, as respostas também sugeriram
que a equipe local provavelmente recebeu apenas metade do treinamento de segurança da
equipe estrangeira. Aqueles que receberam treinamento de segurança o viram como ‘útil’
para lidar com armas pequenas, e evidências sugerem que o treinamento está associado a
uma tendência crescente em indivíduos que tomam precauções de segurança.
Indicações iniciais do estudo pintam um quadro negro dos ambientes onde
profissionais de ajuda humanitária operam e de sua habilidade em trabalhar com
segurança. Portanto, um objetivo a longo prazo do estudo é o de destacar
recomendações práticas relativas à política para agências participantes e de toda a
comunidade humanitária e de desenvolvimento mais ampla. Na próxima fase, o projeto
continuará com a implementação global, com um foco na região dos Grandes Lagos da
África e Oriente Médio, assim como estudos em países como Afeganistão e Angola.
Para mais informações sobre este assunto:
Danieli, Yael, ed. (2002), Sharing the Front Line and the Back Hills—Peacekeepers, Humanitarian Aid
Workers and the Media in the Midst of Crisis, Baywood Publishing Co., Amityville, NY.
King, Dennis (2002), Paying the Ultimate Price: An Analysis of Aid-Worker Fatalities, Relatório ODI/HPN.
Disponível no: www.odihpn.org
Muggah, Robert e Martin Griffiths (2002), Considering the Tools of War: Small Arms and Humanitarian
Action, HPN Network Paper No. 38, Overseas Development Institute, Londres.
Safety and Security of Humanitarian Personnel and Protection of United Nations Personnel (2001), Relatório
do Secretário Geral do Conselho de Segurança da ONU A/52/871-5/1998/318, 18 de abril
Pensando Primeiro nas Pessoas 14
Risco triplo: mulheres, armas e violência
Vanessa A. Farr
Foi reconhecido através do processo de diálogo que é necessário fazer uma análise completa
dos impactos diretos e indiretos da violência armada nas mulheres. Neste artigo, Vanessa Farr
identifica alguns dos pontos que envolvem mulheres, armas e violência dando uma contribuição
para a dimensão pouco explorada do custo humano em relação às armas pequenas.
Em um discurso para a ONG Committee on Disarmament, Peace and Security, o SubSecretário Geral para Questões de Desarmamento observou que “medidas práticas de
desarmamento, tais como meios para projetos de desenvolvimento, quando reúnem
membros de uma comunidade e iniciam um diálogo para decidir prioridades de
desenvolvimento, são mais eficientes que recolher armas e construir novas estradas ou
iluminação de rua. Elas alimentam vínculos comunitários que são essenciais para a paz
permanente”. 16
Estimular vínculos comunitários é realmente essencial para que programas de
desarmamento sejam bem sucedidos. Mas tal trabalho não pode ser empreendido com
toda a comunidade a menos que medidas sejam colocadas no lugar certo para
desenvolver uma abordagem de segurança humana visando ambos os sexos. Precisamos
reconhecer que uma comunidade não pode ser segura em face da desenfreada violência
baseada em sexo. Tal violência acontece em contextos sociais diferentes e afetam
mulheres e crianças de todas as classes sociais, mas é freqüentemente escondida da
opinião pública. O desenvolvimento sustentável também exige um compromisso de
proteger os direitos humanos das mulheres. E deve também envolver o tratamento dos
efeitos das perspectivas de cada sexo quanto à segurança de todos os membros de uma
comunidade através de mecanismos que proporcionem oportunidades e acesso iguais.
Um compromisso de construção da consciência dos sexos é essencial se quisermos
entender totalmente os efeitos das armas pequenas, onde quer que elas sejam usadas.
Este compromisso irá assegurar que igual atenção é dada para as necessidades de
mulheres e homens que tenham sido vítimas de conflitos e que políticas e programas irão
chamar a atenção destas necessidades igualmente e de forma eficiente.
“Você me perguntou qual a experiência que tenho com armas
pequenas….[Meus filhos] estão lutando…entre si com balas e machetes,
deixando rios de sangue, matando-se mutuamente…E minhas filhas? [Elas
estão] desalojadas de suas terras e violentadas por seus irmãos. [Eles
todos] não são capazes de mostrar à sua prole nada mais do que uma
terra cheia de ódio e desesperança.”
Dra. Sofia Jaramillo, médica, Colômbia
Mesmo em países sem guerra, os homens possuem e usam armas pequenas e morrem
por sua causa, em número bem maior que mulheres. Estudos separados por sexo sobre
violência relacionada a armas de fogo mostraram, entretanto, que as armas também
representam uma parte significativa na perpetração da violência contra as mulheres, tanto
em suas casas ou em espaços públicos próximos.17 Além disso, ao terem múltiplos papéis
Dhanapala, Jayantha (2002), Making Peace Last: Disarmament as an Essential Element. Um ensaio distribuído durante
o Workshop “Paz e Segurança” da ONG Committee on Disarmament, Conferência DPI/NGO, Nações Unidas, Nova York.
17 Wintermute, Garen J., Mona A. Wright and Christiana M. Drake (2003), “Increased Risk of Intimate Partner Homicide
Among California Women Who Purchased Handguns.” Annals of Emergency Medicine 41.2: 281-283.
16
Pensando Primeiro nas Pessoas 15
na casa e na comunidade, as mulheres freqüentemente proporcionam a alimentação e o
sustento de homens que foram vítimas de violência relacionada à armas de fogo.
Estudos mostram que armas são particularmente perigosas se forem mantidas em
casa, sejam pertencentes a mulheres ou homens. Ainda assim, de acordo com um estudo
recente de mortalidade entre mulheres que adquiriram armas portáteis na Califórnia,
houve um aumento de chance destas mulheres serem mortas por seu parceiro íntimo em
uma inacreditável marca de 50%.18
Em sociedades violentas, com uma alta prevalência de armas pequenas, seu uso é de
natureza entrelaçada com expressões culturalmente aceitas de masculinidade. Isto é
particularmente verdadeiro para homens jovens que consideram armas como um
significado poderoso para estabelecê-los na hierarquia social. Nas sociedades,
caracterizadas pelo machismo, homens jovens podem chegar a acreditar que ‘armas
fazem o homem’ e pensam que é possível ‘tornar-se um homem’ através da violência
contra suas parceiras. Dado que mulheres e crianças são mais aptas a serem feridas por
armas de fogo em países onde armas são amplamente disponíveis, um controle efetivo de
armas deveria ser visto como parte vital e urgente de qualquer estratégia para reduzir
crimes violentos contra mulheres.
“Estudos no Camboja, na metade dos anos 90, indicaram que muitas
mulheres – chegando a 75% em um estudo – foram vítimas de violência
doméstica, geralmente pelas mãos de homens que mantiveram as armas
pequenas e armas leves que usaram durante a guerra.”19
Mas, e quanto às mulheres presas em zonas de combate de larga escala, onde não há
leis para proteger civis? A presença de um grande número de armas exercem um papel
principal no balanço das guerras contemporâneas, com níveis sem precedentes de
brutalidade sendo direcionadas contra mulheres e meninas. Freqüentemente, a intenção
dos novos fomentadores da guerra é controlar a região não para liberá-la, mas para
saqueá-la. Eles não são aceitos nem pela lei humanitária internacional nem pela ética
local, e como resultado, eles infligem prejuízos sem precedentes nos civis.
Com a intenção de desenvolver estratégias significativas de redução da violência em
lugares desgastados por conflitos, precisamos de uma melhor evidência de quais são os
impactos das armas pequenas na vida das mulheres. Por exemplo, qual é o impacto na
saúde da mulher? Quais são os custos econômicos das famílias? Como o senso de
insegurança afeta as decisões de uma mulher de trabalhar fora de casa? Estatísticas
corretas são essenciais se os esforços do controle de armas estejam de acordo com cada
sexo e correspondam às necessidades particulares das mulheres apanhadas no fogo
cruzado.
Em sua avaliação sobre o impacto de conflitos armados nas mulheres, Elisabeth Rehn
e Ellen Johnson Sirleaf observaram que as mulheres deram passos concretos para
mudarem “de uma cultura de reação para uma cultura de prevenção” através de sistemas
estabelecidos de prevenção e reação antecipada.20 Entre outras coisas há a documentação
e a publicação das suas preocupações sobre a disponibilidade das armas, o aumento de
Wintermute, Wright e Drake (2003); veja também Cukier, Wendy (2002), “Gendered Perspectives on Small Arms
Proliferation and Misuse: Effects and Policies.” BICC Brief 24: 25-41; Jewkes, Rachel e Naeema Abrahams (2000),
“Comments on the Firearms Control Bill Submitted to the Portfolio Committee on Safety and Security.” Disponível no:
www.gca.org.za/bill/submission/jewkes.htm.
19 Rehn, Elisabeth e Ellen Johnson Sirleaf (2002), Progress of the Worlds Women, Volume 1. Women, war, peace. The
Independents Expert’s Assessment on the Impact of armed Conflict on Women and Women’s Role in Peace Building, p.
16.
20 Rehn e Sirleaf (2002), p. 111.
18
Pensando Primeiro nas Pessoas 16
sua compreensão e consciência de como as mulheres podem ter um papel ativo na coleta
de armas e se capacitando para participarem do processo de tomada das decisões na
comunidade e na família, onde os temas de proteção e segurança são discutidos.
O papel dos pesquisadores e criadores de políticas em apoiar tais iniciativas é crucial.
Novas estruturas e metodologias conceituais para pesquisa do impacto na segurança
humana de armas pequenas estão sendo produzidas somente agora. Dado que as
experiências de mulheres em tempos de guerra foram historicamente negligenciadas,
silenciadas ou rapidamente esquecidas, é imperativo, desde o início, que o trabalho futuro
inclua um compromisso de revelar o sofrimento e a capacidade de resistência
particularmente de mulheres e meninas.
Dra. Vanessa A. Farr é co-editora de um livro a ser publicado que fala sobre os impactos nas
mulheres da disponibilidade e mau uso das armas, apoiada pela Universidade das Nações
Unidas e o Governo do Canadá.
Para mais informações sobre este assunto:
Anderlini, Sanam Naraghi (2000), Women at the Peace Table: Making a Difference, UNIFEM, Nova York.
Cock, Jacklyn (2001), Closing the Circle: Towards a Gendered Understanding of War and Peace, The African
Gender Institute. Disponível no: www.uct.ac.za/org/agi/newslet/vol8/lead.htm.
Enloe, Cynthia (2000), Maneuvres: The International Politics of Militarizing Women’s Lives, Universidades da
of California, Berkley e Los Angeles.
Fafo Institute for Applied Social Science and (NUPI ) Norwegian Institute of International Affairs (2001),
Gendering Human Security: From Marginalisation to the Integration of Women in Peace-building. Fafo report
352/NUPI relatório 261, Oslo.
Farr, Vanessa and Kiflemariam Gebre-Wold, eds. (2002), Gender Perspectives on Small Arms and Light
Weapons: Regional and International Concerns. BICC Brief 24. Bonn International Centre for Conversion.
Disponível no: www.bicc.de
IANSA Women’s Caucus (2001), The Devastating Impact of Small Arms and Light Weapons on the Lives of
Women: A Collection of Testimonies. Disponível no: www.iansa.org
Pessoas em trânsito
Aproximadamente uma em cada cem pessoas no mundo foram desalojadas – algumas dentro de
seus países de origem, outras no exterior. Muitas, nesta população diversa mas vulnerável, estão
fugindo da violência armada. Qual fator que a disponibilidade das armas exerce na decisão de
fugir de suas casas? Este artigo resume alguns destes temas para consideração.
De acordo com o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, “o desalojamento forçado de
populações civis é agora muito mais um objetivo direto da guerra do que seu derivado”.21
Estimativas atuais sugerem que há aproximadamente 12 milhões de refugiados e de 20 a
25 milhões pessoas internamente desalojadas de suas casas. Das 20 milhões de ‘pessoas
afligidas’ que o Alto Comissariado para Refugiados da ONU (UNHCR) assiste, 8.8
milhões estão na Ásia, 4.8 milhões na Europa e 4.2 milhões na África.22
Pessoas desalojadas sofrem por causa da ampla disponibilidade e mau uso das armas
antes, durante e depois de terem sido forçadas a fugir. Por exemplo, em 2001, pessoas
desalojadas na nova Iugoslávia eram constantemente ameaçadas por armas deixadas após
a guerra, incluindo armas de fogo e explosivos, ambos os quais foram usados em
21 Secretário Geral das NU, Kofi Annan (1998), Report to the Security Council on Protection for Humanitarian Assistance to
Refugees and others in Conflict Situations, S/1998/883.
22 Números a partir de 1° de janeiro de 2002. Disponível no: www.unhcr.ch
Pensando Primeiro nas Pessoas 17
incidentes de assédio. Mau uso rotineiro de armas freqüentemente ficam impunes.23 O
uso e abuso de armas é normalmente o ‘gatilho’ para pessoas que fogem de suas casas e
por causa disto é a ‘causa imediata’ de desalojamento. Além disso, enquanto tentam
escapar do assédio e da violência perpetrada com armas, pessoas são muitas vezes feridas
e psicologicamente marcadas.
“Encontrei por acaso um jovem colombiano cujo corpo estava marcado por
escoriações. Ele havia sido atingido nove vezes e deixado para a morte.
Seu crime? Ele nasceu numa vila conhecida por ser uma fortaleza
paramilitar e os guerrilheiros o consideraram um inimigo e tentaram matálo. Foi um milagre ele ter sobrevivido”. 24
Encontrar abrigo em um campo ou área de restabelecimento não é tão seguro como
parece. A crescente militarização de campos de refugiados – abrigos supostamente de
proteção humanitária – ameaça a segurança das pessoas em cada crise. Gangues armadas
dentro dos campos mantém reféns aqueles que fugiram de situações ruins de suas vidas.
E os agentes de ajuda humanitária que tentam proporcionar assistência também são
sujeitos à intimidação e à violência.
A militarização de campos de refugiados é caracterizada pela presença de antigos
soldados, milícias e negociadores de armas. Os campos geralmente viram alvos de forças
armadas locais e estrangeiras e são usados como bases de recrutamento para agentes não
oficiais.25 Os civis nos campos muitas vezes pegam em armas para se defenderem,
fortificando a cultura de violência e a demanda por armas.
Com os campos perdendo seu caráter civil, algumas organizações escolheram o
emprego de segurança particular para recuperar o controle. Esta prática é um recurso de
consternação considerável e debate entre a comunidade comunitária. Outras buscaram
soluções a longo prazo ao iniciarem policiamento efetivo dentro dos campos. Como um
exemplo, em 1999 a UNHCR estabeleceu programas entre os campos de refugiados de
Burundi dentro da Tanzânia para lidar com a violência perpetrada contra mulheres. A
agência empregou uma equipe especialmente sensibilizada com violência sexual para
chamar a atenção de todos os casos de violência contra as mulheres. Também empregou
um oficial em segurança internacional para treinar a polícia nos campos.26
Em Guiné uma situação similar foi relatada. Com uma nova ênfase para reagir a casos
baseados em violência sexual, houve um crescimento de informações sobre tais crimes e
a confiança daquelas que sobreviveram a tais ataques. “Estas mudanças não chegam de
um dia para outro. É difícil medir, mas posso ver um progresso”, afirma Margaret
Sankoh, oficial do programa do Comitê Internacional de Resgate (the International
Rescue Committee). 27
23 Por exemplo, o Global IDP Project nota o contínuo assédio e intimidação das minorias sérvias na Croácia. Veja Global
IDP Project (2001), Croatia: Serb minorities continue to be exposed to harassment and intimidation, Disponível no:
www.db.idpproject.org/Sites/IdpprojectDb/idpSurvey.nsf
24 Thompson, Larry (2002), Colombia and Displaced People, Refugees International. Disponível no:
www.refugeesinternational.org/cgi-bin/ri/other?occ=00500. O Global IDP Project afirma que “de acordo com o governo
[colombiano], em 2000, os paramilitares foram responsáveis por 71% de desalojamento forçado”. Disponível no:
www.db.idpproject.org.
25 Muggah, Robert (2002), Forced Migration Online Research Guide: Small Arms and Forced Displacement. Disponível
no:www.forcedmigration.org/guides/fmo002/
26 Crisp, Jeff (2001), Lessons Learned from the Implementation of the Tanzania Security Package, Alto Comissário para
Refugiados das Nações Unidas, Genebra: Unidade de Avaliação e Política.
27 Notas de campo: Refugee women and the challenge of reintegration (2002). Disponível
no:www.refugees.org/news/press_releases/2002/071902.cfm
Pensando Primeiro nas Pessoas 18
Com todas essas pessoas percebendo que vivem durante anos e muitas vezes uma
geração inteira em campos de refugiados, abordagens futuras para aumentar a segurança
nestas comunidades devem ser urgentemente exploradas.
Para mais informações sobre este assunto:
Cohen, Roberta e Francis M. Deng, eds (1998), The Forsaken People: Case Studies of the Internally
Displaced, Brookings Institution, Washington, DC.
Crisp, Jeff (2001), Lessons Learned from the Implementation of the Tanzania Security Package, Alto
Comissário para Refugiados das Nações Unidas, Unidade de Avaliação e Análise Política, Genebra. Disponível
no: www.unhcr.ch
Crisp, J. and K. Jacobsen (2000), ‘Security in Refugee Populated Areas’, Refugee Survey Quarterly, Volume
19, No.1, pp. 1-2. Disponível no:www3.oup.co.uk/refqtl/hdb/Volume_19/Issue_01/
Global IDP Project Visite: www.idpproject.org
Lawyers Committee for Human Rights (2002), Refugees, Rebels and the Quest for Justice, Nova York.
Disponível no: www.lchr.org
Muggah, Robert e Eric Berman (2001), Humanitarianism under Threat: The Humanitarian Impacts of Small
Arms and Light Weapons, Study for the Inter-Agency Standing Committee Reference Group on Small Arms,
Nova York.
Muggah, Robert (2002), Small Arms and Forced Displacement, Forced Migration Online Research Guide.
Disponível no:www.forcedmigration.org/guides/fmo002/fmo002.pdf
Relief Web
Visite: www.reliefweb.int
Tem sorte de estar vivo?
Ninguém sabe quantas pessoas ficam inválidas anualmente por causa da violência
armada, mas Coupland e Meddings estimam que o número de pessoas feridas em
conflitos é normalmente duas a três vezes maior que o de mortos.28 Este e muitos outros
estudos indicam uma necessidade alarmante de investigar a causa e os custos da
invalidez relacionada à armas e perceber o que é necessário para ajudar e reabilitar os
sobreviventes. Os parágrafos seguintes destacam o caso de um jovem palestino
permanentemente inválido por causa do mau uso intencional de armas com uma
munição controversa. A pesquisa feita pelo Institute of Community and Public Health da
Universidade de Birzeit indica que em torno de 13% dos ferimentos sofridos por
palestinos durante a recente Intifada provavelmente resultarão em uma invalidez
permanente.29
Desde a explosão da Intifada da al-Aqsa em 29 de setembro de 2000, em torno de 2300
palestinos – incluindo 355 menores de 18 anos - morreram.30 De acordo com a Sociedade
Crescente Vermelho da Palestina, mais de 23 mil pessoas foram feridas. A organização de
direitos humanos israelense B’Tselem coletou vários testemunhos que ilustram o uso
abusivo de armas pequenas por soldados e colonos israelenses. Este é um exemplo de
como um israelense relatou um incidente de tiroteio:
Coupland, Robin e David Meddings (1999), “Mortality associated with the use of weapons in armed conflict, wartime
atrocities and civilian mass shootings: Literature review”, British Medical Journal, Vol 319, p. 407. Em algumas instâncias
a proporção pode aumentar para 13.
29 Ferriman, Annabel (2002), “Palestinian territories face huge burden of disability”, British Medical Journal, Vol. 324, p.
320.
30 www.palestinercs.org/injuries_data_analysis.htm
28
Pensando Primeiro nas Pessoas 19
“Você ouve tiroteio, nada real . Você pula e começa a atirar... De certa
forma os soldados tomam a iniciativa e atiram em quaisquer coisas
suspeitas... Isto foi um incidente que mais tarde foi relatado pela rádio do
exército como ‘tiros foram dados nas estufas do assentamento Morag.
Nossas forças atiraram mirando a origem do tiros’. Não sei de onde vieram
os tiros e eu estava lá”. 31
Muito da violência vem de colonos e soldados israelenses, mas nem todos.
Aproximadamente 80 palestinos sob suspeita de colaboração foram mortos por seus
companheiros da Palestina desde o começo desta Intifada.32Ao mesmo tempo, mais de
700 israelenses foram mortos, incluindo 224 integrantes da força de segurança de Israel e
92 menores.33
A violência exerce um efeito direto na economia da região, que por sua vez criou uma
carência crítica de acesso a cuidados com a saúde e serviços de reabilitação. De acordo
com a USAID, a porcentagem de população vivendo abaixo da taxa de pobreza de U$ 2
por pessoa por dia nos territórios palestinos pulou para 46%, com o desemprego subindo
de 10 para 38%.34 Hospitais são geralmente inacessíveis para pacientes e funcionários e as
instituições têm dificuldade de obter suprimentos médicos. Organizações de direitos
humanos relataram muitos casos nos quais pessoas feridas e doentes morreram em
postos de controle de fronteira, sendo barrados por soldados ao tentar atravessá-la.35
“Mahmoud Al Medhoun, 15 anos, foi atingido três vezes – na perna, nas
costas e no abdômen – por soldados atirando de dentro de um tanque.
Uma bala alojou-se na espinha, esmagando três vértebras e comprimindo
um nervo. Sua perna direita está paralisada. Médicos removeram parte de
seu cólon e remendaram seu fígado, ele está impossibilitado de comer. ‘Se
Deus quiser vou andar novamente’, declara Mahmoud. Mas quando seu
pai menciona a opinião do médico na qual a paralisia será provavelmente
permanente, o garoto se enrola como uma bola, escondendo seu rosto na
curva de seu braço e chora”.36
O impacto em homens jovens, em particular, foi destacado em um relatório de
fevereiro de 2001 dirigido sob o patrocínio da Universidade da Califórnia.37 Mais de 100
entrevistas foram efetuadas com pacientes, doutores e pessoal médico em 14 hospitais e
clínicas na Jordânia e na Margem Ocidental para investigar a reclamação de que as forças
de segurança de Israel estavam usando ‘força excessiva’ para subjugar a rebelião palestina.
Os pesquisadores descobriram que muitas vezes os tiroteios eram dirigidos a palestinos
desarmados e que métodos de controle de desordem sem mortes eram raramente
empregados.
Munições como projéteis de borracha, geralmente consideradas como benignas,
podem ser devastadoras se atiradas em curta distância. Apesar de tudo, há apenas uma
Dito a B’Tselem por um soldado israelense, em Trigger Happy – Unjustified Gunfire and the IDF’s Open-Fire Regulations
during the al-Aqsa Intifada (Summary), Folheto Informativo, Março de 2002, www.btselem.org
32 Veja Grupo Palestino de Monitoramento dos Direitos Humanos, www.phrmg.org
33 Números de B’Tselem de 13 de abril de 2003, www.btselem.org
34 USAID (2003), Resumo de West Bank e Gaza, www.usaid.gov (Acessado em 23.04.03)
35 Veja por exemplo Médicos para Direitos Humanos-Israel (2002), A Legacy of Injustice: a critique of Israeli approaches to
the right to health of Palestinians in the Occupied Territories, PHR, Israel.
Veja também B’Tselem (2002), Wounded in the field: Impeding medical treatment and firing at ambulances by IDF soldiers
in the Occupied Territories, B’Tselem, Jerusalem.
36 Andoni, Lanis eTolan, Sandy. Shoot to maim. The Village Voice, 21 de fevereiro de 2001. Disponível no :
www.villagevoice.com/issues/0108/tolan.php
37 Andoni e Tolan (2001)
31
Pensando Primeiro nas Pessoas 20
fina camada de borracha revestindo um projétil de aço. “Elas são o pesadelo do
neurocirurgião. Todas as vezes que o paciente mexe sua cabeça, é como se fosse um
mármore se movendo em uma geleia. Não há nada que se possa fazer”.38 Particularmente
preocupante é o uso comum pelas forças israelenses de projéteis de fragmentação
atiradas por rifles de assalto M16.
“Atirar em pessoas com projéteis de alta velocidade para feri-las é uma
forma de pena sumária sendo imposta dentro do campo de batalha”.
Dr. Robert Kirschner, Médicos para Direitos Humanos39
Esta munição é precisamente o tipo adequado a levar a invalidez permanente.40 O
dinamarquês Dr. Peter Knudsen, patologista forense e especialista em direitos balísticos e
humanitários, argumenta que a munição M16 normalmente usada pelas forças militares
deveria ser banida porque ela pode se estilhaçar. Ele afirma:
“Meu país substituiu um rifle 7.62 com projétil de fragmentação por outra de
não fragmentação, por causa da preocupação sobre sua ‘legalidade’. A
tecnologia que pode mandar o homem à lua não foi ainda hábil em criar um
projétil de não fragmentação de 5.56mm [M16] comercialmente viável. Se
isto for feito algum dia, a ‘necessidade militar’ por projéteis de
fragmentação será colocada em teste”. 41
A produção anual somada de munição para armas pequenas para fins militares de
todos os tipos e calibres foi de aproximadamente 16 bilhões de unidades em 2001.42 Em
1995, o governo suíço teve a iniciativa de levar a munição M16 para submissão da
Convenção de Haia, que proibiu projéteis de fragmentação. Enquanto a proliferação de
armas pequenas é indubitavelmente o elemento principal de morte e ferimentos, é hora
de revisitar o assunto de controle de munição, dado ao dramático custo humano de
algumas munições de fragmentação e alta velocidade.
Para mais informações sobre este assunto:
Coupland, Robin, Beat Kneubuehl, David Rowley e Gavin Bowyer (2000), Wound ballistics, surgery and the
laws of war, Trauma, Vol. 2
Coupland, Robin e David Meddings (1999), “Mortality Associated with the Use of Weapons in Armed Conflict,
Wartime Atrocities and Civilian Mass Shootings: Literature Review”, British Medical Journal, Vol. 319.
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (2001), Care in the Field for Victims of Weapons of War: A Report
from the Workshop Organized by the ICRC on Pre-hospital Care for War and Mine Wounded, ICRC, Genebra.
Max, Wendy e Dorothy Rice (1993), “Shooting in the Dark: Estimating the Cost of Firearm Injuries”, Journal of
Health Affairs, Vol. 12, N°.4
Stohl, Rachel (1998), Deadly Rounds: Ammunition and Armed Conflict. Pesquisa e Relatório 98.4, British
American Security Information Council, Londres e Washington, DC.
Dr. Jihad Mashal em Andoni e Tolan (2001)
Andoni e Tolan (2001)
40 Ferriman (2002)
41 Correspondência Pessoal entre o Centro e Dr. Knudsen, 28 de abril de 2003
42 Small Arms Survey (2002), p. 14
38
39
Pensando Primeiro nas Pessoas 21
Violência armada leva a milhões de mortes indiretas na República
Democrática do Congo (RDC)
Conflitos armados têm implicações dramáticas para a saúde pública, até mesmo além
das baixas diretas. Entre elas, as principais são as taxas brutas de nascimento e
mortalidade, causada por sarampo e mortes por HIV. Nenhum país, nos dias atuais, foi
mais sistematicamente atingido pela guerra do que a República Democrática do Congo
(RDC). Após três anos de avaliação da mortalidade causada por epidemias na RDC, Les
Roberts e seus companheiros declaram que “a taxa de mortalidade por causa da
guerra...superou o conflito de Biafra como a maior taxa de mortalidade até hoje atribuída
a qualquer guerra na África, ou ainda em qualquer lugar no mundo desde a Segunda
Guerra Mundial”.
Robert e seus colegas censuram a falta de atenção das organizações de ajuda
humanitária e diplomatas para o conflito. Eles relatam que entre 3 a 4.7 milhões de
mortes violentas aconteceram entre agosto de 1988 e dezembro de 2002 nas cinco
províncias orientais da RDC. Entre 1999 e 2001, eles observaram uma forte correlação
entre mortes violentas e mortes por causas indiretas tais como doenças contagiosas.
Uma avaliação mais recente relatou uma diminuição significativa de mortes causadas
por violência, devido a uma redução na escala da violência armada no leste da RDC – de
taxas de 540 por 100 mil pessoas por mês em 2001 para 350 por mês em 2002. Ainda
assim, taxas brutas de mortalidade mantêm-se surpreendentemente altas. Mesmo com
a diminuição perceptível, a violência armada persiste em áreas específicas. Por exemplo,
todas as mortes informadas relativas à violência em Kisangani Ville, um dos locais
avaliados, foram atribuídas a ferimentos por armas de fogo.
O que é mais extraordinário sobre a crise é a falta de interesse da comunidade
internacional. Embora o recente cessar-fogo assinado em Pretória assegure um
compromisso, a situação continua precária. Se esta guerra foi finalmente apaziguada em
seu quarto ano, Robert e os outros escrevem que “diplomatas fariam bem em examinar
o que a fez ser tão mortal e quais as circunstâncias que causaram seu fim”.
Este sumário foi escrito por Robert Muggah, Pesquisador Sênior de Small Arms Survey.43
Derivado de uma publicação original de Roberts, Les, Pascal Ngoy, Colleen Mone, Charles Lubula, Luc Mwezse, Mariana
Yantop e Michael Despines (2003), Mortality in the Democratic Republic of Congo: Results from a Nationwide Survey.
Comitê de Salvamento Internacional, Nova York.
43
Pensando Primeiro nas Pessoas 22
Seção II: Administrando e reduzindo a disponibilidade de
armas pequenas
Regulamentos vagos sobre armas de fogo e armamento leve permitem a todos o seu fácil acesso,
o que acaba levando ao seu mau uso. Muitos itens de consumo letal são temas de leis nacionais
e globais sobre produção, transferência e uso. Como então armas de fogo têm sido tão
pobremente regularizadas por tanto tempo?
Os artigos seguintes destacam o que pode ser feito em níveis nacionais, regionais e global
para promover sistemas melhores e leis conciliadoras. Exemplos pertinentes são apresentados
para uma maior regulamentação da posse civil de armas de fogo; estabelecendo mundialmente
uma estrutura legal para transferência de armas, fortalecendo instrumentos existentes para
controlar a disponibilidade de armas (por exemplo, embargos de armas e moratória na
importação); e tirar as armas de circulação.
Restringir a entrada de novas armas nas sociedade é um componente importante para reduzir
sua disponibilidade. Mas apresentar medidas paliativas pode não resolver os problemas por si só.
Basicamente, se um mercado de armas existe, sempre haverá a oferta. As condições sociais que
induzem a uma demanda de armas devem ser tratadas se for preciso controlar a disponibilidade
das armas. Estas condições incluem pobreza difundida, ausência de oportunidades para os
jovens, brutalidade policial, insegurança pública e disfunção dos sistemas de justiça criminal.
As medidas examinadas abaixo focam tanto oferta quanto demanda. Juntas, estas iniciativas
poderiam oferecer mais segurança para pessoas e comunidades.
Regulamento de posse e uso civil de armas de fogo
Wendy Cukier
Nos últimos anos houve um foco crescente em mortes causadas por armas pequenas no
contexto de conflitos violentos. Entretanto, um número igual de mortes resultou de
armas nas mãos de civis em países ‘pacíficos’. Uma criança morta é uma criança morta,
seja um soldado infantil em Uganda, um vítima de crime em Soweto ou um estudante em
Columbine, nos EUA. E a ameaça da violência armada para crianças em alguns países
considerados em paz é tão grande quanto em zonas de conflito. Além disso, mulheres em
todo o mundo correm tanto risco das armas empunhadas por seus parceiros íntimos
quanto daquelas usadas por combatentes ou criminosos. Um regulamento público de
armas foi identificado como uma medida importante nos esforços para conter a
violência contra mulheres.
Estimativas conservadoras colocam que há no mínimo 305 milhões de
armas possuídas por particulares em todo o mundo. Este número não inclui
armas privadas em países como China, Índia, Afeganistão, França, Suíça,
Iemen e a maioria das nações africanas, mas apesar disso, mostra
claramente que a maioria das armas de fogo no mundo – no mínimo 59% estão em mãos de particulares. A proporção real é provavelmente bem
maior.44
A maioria das armas ilegais começam como legais, e sem uma atenção adequada para
regulamentar a posse e uso destas armas por civis, os esforços internacionais para
combater o comércio ilegal de armas irão falhar. Ao adotar um objetivo geral de reduzir
mundialmente mortes, ferimentos e medo associados com a violência armada, devemos
44
Small Arms Survey (2002), p. 79.
Pensando Primeiro nas Pessoas 23
repelir dicotomias artificiais – por exemplo, entre ‘armas de fogo’ e ‘armas pequenas’,
entre armas ‘lícitas’ e ‘ilícitas’ e entre ‘conflito’ e ‘crime’.45 Uma combinação de estratégias
para tratar da ampla disponibilidade e o fim do mau uso destas armas é essencial.
Apesar da forte resistência política de alguns países para conter a posse de armas por
civis, acordos regionais e internacionais existentes proporcionam um alicerce para ser
construído. Uma resolução de 1997 da comissão de Prevenção de Crimes e Justiça
Criminal da ONU recomendou que os países deveriam assegurar que os regulamentos de
armas estejam adequados ao licenciamento, conservação segura e localizável e que eles
possam oferecer anistia periódica para eliminar armas indesejáveis de circulação.46 Um
regulamento nacional efetivo de armas pequenas foi confirmado pelas Nações Unidas,
incluindo a Resolução 1209 do Conselho de Segurança da ONU em 1988 e o Relatório
da Comissão de Desarmamento, cuja Assembléia Geral adotou em 1999.47 A Comissão
de Direitos Humanos da ONU também notou a conexão entre regulamentação
doméstica de armas de fogo e a proteção e promoção de direitos humanos.48
Em 1996, um Relator Especial sobre Violência contra Mulheres escreveu: “um Estado
pode ser considerado cúmplice por falhar sistematicamente em proporcionar proteção de
seus agentes particulares que privam quaisquer pessoas de seus direitos humanos”.49 Em
um ensaio para a Comissão de Direitos Humanos, Barbara Frey manteve a idéia que
“poderia ser debatido que tal atenção para prevenir o abuso de direitos humanos
fundamentais, incluindo o direito à vida, requer que o Estado decrete regulamentos
razoáveis para limitar a disponibilidade e o mau uso das armas pequenas por indivíduos
dentro de sua jurisdição”.50
Uma revisão da legislação nacional existente mostra um grande acordo coletivo em
princípios que governam a regulamentação da posse civil de armas de fogo. A maioria
dos países, de fato, têm regulamentações que obedecem aos padrões propostos em 1997
pela Comissão das Nações Unidas para Prevenção de Crimes e Justiça Criminal. Além
disso, a maioria dos países proibiram a posse de armas militares de assalto por civis, e
muitos têm controle restritivo de armas de mão.
Governos e organizações não governamentais precisam dar mais atenção aos fóruns
internacionais para a regulamentação da posse de armas por civis. Há mais provas
empíricas para apoiar a efetividade do controle nacional de armas de fogo do que para
muitas outras medidas, às quais se atribui maior prioridade pela comunidade
internacional.
“A Conferência poderia, entretanto, discordar da necessidade de
estabelecer e manter controles sobre propriedade privada de armas
pequenas , e a necessidade de impedir a venda de armas pequenas para
agentes não estatais. Estes temas requerem grande preocupação na África
do Sul e continuamos a acreditar que eles devem ser tratados a nível
nacional, regional e global”. Declaração da África do Sul, Primeiro Comitê
da ONU, 56ª sessão, 11 de outubro de 2002
Cukier, Wendy (1998), Firearms/Small arms; Finding Common Ground, Canadian Foreign Policy, 6(1)
Comissão das nações Unidas para Prevenção de Crimes e Justiça Criminal (1997). International Study on Firearm
Regulation, NU, Viena.
47 Cukier, Wendy e Antoine Chapdelaine (2001), Global Trade in Small Arms: Public Health Effects and Interventions,
International Physicians for the Prevention of Nuclear War (IPPNW) e SAFER-Net.
48 Frey, Barbara (2002), The question of the trade, carrying and use of small arms and light Weapons in the context of
human rights and humanitarian norms. Ensaio oferecido sob concordância das decisões da Sub-Comissão 2001/120
ECOSOC – Outro temas de Direitos Humanos. Nações Unidas, 30 de maio.
49 E/CN.4/1996/53, para. 32.
50 Frey (2002), p.14
45
46
Pensando Primeiro nas Pessoas 24
As medidas fundamentais de uma política nacional efetiva de controle de armas
seriam:
51
• Proibir a posse de armas militares de assalto por civis;
• Regularizar a venda de armas de fogo;
• Licenciar proprietários de armas de fogo e registrá-las;
• Estabelecer regulamentações que administrem depósito e uso de armas de fogo;
• Apoiar anistias que encorajem a entrega de armas de fogo ilegais, indesejáveis e
sem uso; e
• Marcar todas as armas de fogo na fabricação e na importação/exportação.
Muito se sabe sobre os riscos da posse civil difundida de pistolas e armas leves e sobre
as medidas que as autoridades federais devem implementar para minimizar estes riscos.
O que se precisa agora é que os estados mais comprometidos na regulamentação da
posse civil estimulem e construam uma vontade política global necessária para maior
segurança das pessoas em todos os países.
Wendy Cukier é professora da Universidade Ryerson em Toronto. Ela coordena a Rede de
Educação e Pesquisa em Armas de Fogo (SAFER-Net) e também é fundadora da Coalizão
para o Controle de Armas, uma aliança de 350 ONGs no Canadá.
Para mais informações sobre este assunto:
Centro para o Controle de Doenças, EUA. Visite: www.cdc.gov/ncipc/factsheets/fafacts.htm
Coalização para Acabar com a Violência Armada, EUA. Visite: www.gunfree.org/
Cook, Philip e Jens Ludwig (2000), Gun violence: The real costs, Oxford University Press
Rede de Educação e Pesquisa de Armas Pequenas/Armas de Fogo. Visite: www.ryerson.ca/SAFER-Net/
Robinson, K.D, J.S. Vernick e S.P. Teret (1997), Firearms Violence: An Annotated Bibliography, John Hopkins
Centre for Gun Policy and Research, Baltimore, MD.
Sugarmann, Josh (2001), Every Handgun Is Aimed At You. The Case For Banning Handguns. Violence Policy
Centre, The New Press, NovaYork.
Construindo uma proteção contra atrocidades
Michael Crowley y Greg Puley
Abril de 2004 marcará o décimo aniversário do genocídio em Ruanda – os 100 dias em
1994 quando centenas de milhares de mulheres, crianças e homens foram massacrados
nas ruas, casas e igrejas de Ruanda. Vários pesquisadores, jornalistas investigativos,
ONGs e as NaçõesUnidas detalharam como os matadores foram abastecidos com armas
pequenas e armas leves antes, depois e durante os massacres. Estas armas foram
fornecidas através de rotas ilícitas e por transferências autorizadas pelo governo.52 Um
dos mitos sobre o genocídio em Ruanda é o de que machetes, e não armas, foram os
principais instrumentos dos assassinatos. Entretanto, testemunhas e especialistas
apontaram de forma constante que a presença e uso de armas pequenas criaram a
51 Rifles militares de assalto, por exemplo, podem ser especificados de forma diferenciada: metralhadoras leves, submetralhadoras, totalmente automáticas, ou rifles de fogo seletivo com características, que podem incluir, mas não são
limitados, a depósitos de grande capacidade, estoque e suporte de baionetas, são planejados mais para objetivos de
combate do que de busca.
52 Para mais informações sobre o armamento da forças de Ruanda, veja entre outras Anistia Internacional (1995),
Rwanda: Arming the Perpetrators of the Genocide, Anistia Internacional, Londres; Human Rights Watch (1994), Arming
Rwanda: The Arms Trade and Human Rights Abuses in the Rwandan War, Human Rights Watch, Nova York; e Human
Rights Watch (1995), Rearming with Impunity: International Support for the Perpetrators of the Rwandan Genocide,
Human Rights Watch, Nova York.
Pensando Primeiro nas Pessoas 25
garantia de um ambiente onde os atos de assassinato em massa com machetes e outras
ferramentas de cultivo fossem possíveis.
Apesar da comunidade internacional ter dado alguns passos para remediar a situação –
tais como a imposição de um embargo de armas autorizado pelo Conselho de Segurança
-, na prática pouco foi feito para parar o fluxo de armas para aqueles que cometeram os
abusos. Até hoje, não existe um mecanismo internacional coordenado para impedir a
venda de armas para aqueles que as usariam em violações graves das normas mais
fundamentais de proteção humana.
O povo de Ruanda não é o único que sofreu por causa do comércio descontrolado de
armas. Pessoas no Timor Leste, Colômbia, Sudão, República Democrática do Congo,
Israel e Palestina – entre outros – convivem diariamente com a violência e o medo que
resulta deste fracasso. Em algumas comunidades, armas circulam diretamente para as
mãos de forças de estado abusivas, oposição armada ou forças de segurança privada. Em
outras, armas de conflitos passados continuam a circular entre a população civil,
contribuindo para um círculo vicioso de violência e insegurança, gerando também mais
demanda por armas e reivindicando ainda mais vidas.
Uma maneira de evitar que este modelo trágico ocorra no futuro é estabelecer um
conjunto mínimo de critérios e procedimentos para controlar o comércio de armas.53
Apesar de sistemas de controle nacionais e regionais serem de vital importância para
interromper a circulação de armas para aqueles que cometem abusos, o alcance global do
comércio de armas indica que estes sistemas não são suficientes. As transferências
irresponsáveis de armas rejeitadas por um fornecedor podem cair facilmente nas mãos de
outro. A Carta da ONU e leis humanitárias internacionais e de direitos humanos já
criaram obrigações em estados relacionadas à transferência de armas. Mas como a
aplicação destas restrições ao comércio de armas é de certa forma ambíguo, é necessário
codificá-las em um acordo explícito que deixe claro as responsabilidades internacionais
de exportadores de armas.
Por esta razão, um grupo de ONGs e advogados internacionais estão propondo o
estabelecimento de uma Convenção de Transferência Internacional de Armas (o Tratado
de Comércio de Armas).54 Este Tratado é um modelo de um acordo internacional
legalmente consistente que estabeleceria uma série de regras e procedimentos básicos
para regulamentar a transferência internacional de armas convencionais. Ele é baseado no
princípio simples que exportadores de armas têm a responsabilidade de assegurar que eles
não proporcionarão armas que serão usadas em sérias violações às leis internacionais. Até
o momento, este esforço foi endossado por 18 ganhadores do Prêmio Nobel da Paz.
O Tratado afirmaria a existência da responsabilidade dos estados com as leis
internacionais, esclarecendo-as e proporcionando mecanismos para sua aplicação
consistente e efetiva no comércio de armas. Especificamente, ele delimitaria normas de
critérios mínimos para transferência internacional de armas e um mecanismo operacional
aplicável para a aplicação destes critérios. De acordo com este instrumento, uma
transferência não seria autorizada se houvesse um risco de que a arma fosse usada em
As únicas normas internacionais legalmente ligadas à armas, fora dos embargos de armas da ONU são encontradas no
chamado ‘Protocolo de Viena’, Protocol on the Illicit Manufacturing of and Trafficking in Firearms, Their Parts and
Components and Ammunition. É um complemento da Convenção das Nações Unidas contra Crime Organizado
Transnacional, adotado em julho de 2001 pela Assembléia Geral na resolução 55/255. Ele tenta harmonizar sistemas de
marcação, licenciamento e registro para ajudar o reforço da lei e oficiais de alfândega a distinguir entre remessa legal ou
ilegal de armas. Isto não se aplica para transferências de estado para estado.
54 Anistia Internacional, American Friends Service Committee, Arias Foundation for Peace and Human Progress, British
American Security Information Council, Federation of American Scientists, Friends Committee on National Legislation,
Oxfam, Project Ploughshares e Saferworld.
53
Pensando Primeiro nas Pessoas 26
uma séria violação dos direitos humanos e leis humanitárias internacionais ou o
cometimento de crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou genocídio.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Armas Pequenas em julho de 2001, a
comunidade internacional reconheceu a necessidade dos estados membros de “avaliar os
mecanismos de autorizações de exportação de acordo com rigorosas regulamentações e procedimentos
nacionais que incluam todas as armas pequenas e armas leves e que sejam compatíveis com as
responsabilidades existentes dos Estados de acordo com uma lei internacional apropriada”. 55
Uma catástrofe humanitária como a ocorrida em Ruanda poderia acontecer
novamente amanhã, já que a comunidade internacional não se esforçou o suficiente para
controlar o comércio de armas pequenas. A maioria basicamente não assegurou que a
transferência de armas sancionada pelos governos estão de acordo com a lei
internacional. Até que este comércio seja controlado dentro das fronteiras de critérios
mínimos universalmente aplicáveis, transferências abusivas irão continuar.
A contribuição singular da Rede de Segurança Humana e dos estados que apoiam
princípios de segurança humana é a sua capacidade de focar o debate internacional no
que diz respeito a direitos, segurança e dignidade de pessoas e comunidades. Um papel
principal para a Rede deve ser o abastecimento de armas, de qualquer forma, para aqueles
que as usam em sérias violações destes princípios.
Michael Crowley trabalha para a Arias Foundation for Peace and Human Progress na Costa
Rica. Greg Puley trabalha para a Arias Foundation e Project Ploughshares e está baseado no
Canadá.
Para mais informações sobre este assunto:
Anistia Internacional (2001), Human Rights Abuses with Small Arms: Illustrative Cases from Amnesty
International Reports 2000-2001. AI Index PO: 34/007/2001, Disponível no: www.amnesty.org
Clegg, Elizabeth e Michael Crowley (2001), Combating the Illicit Trade in Small Arms and Light Weapons:
Enhancing Controls on Legal Transfers, Resumo 6, British American Security Information Council,
International Alert and Saferworld. Disponível no: www.basicint.org
Convenção Estrutural de Transferência Internacional de Armas. Disponível no: www.armslaw.org/library.html
Gillard, Emanuela. What is legal? What is illegal? Limitations on Transfers of Small Arms under International
Law, Lauterpacht Research Centre for International Law, Cambridge. Convenção Estrutural de Transferência
Internacional de Armas www.armslaw.org/documentos/armslaw/whatislegal.pdf
Lumpe, Lora, ed. (2000), Running Guns: the global black market in small arms. Zed Books, Londres e Nova
York.
Lumpe, Lora and Jeff Donarski (1998), The Arms Trade Revealed: A Guide for Investigators and Activists.
Federação de Cientistas Americanos, Washington, DC.
55
Seção II, Parágrafo 11, Programa de Ação da ONU.
Pensando Primeiro nas Pessoas 27
Fortalecendo os embargos de armas da ONU: uma perspectiva na África
Ocidental
Conmany B. Wesseh
Há um forte argumento a ser utilizado para a imposição e sanção rigorosa dos embargos
de armas da ONU em um número de países, particularmente na África Ocidental. Quase
todos os 16 países da sub-região experimentaram uma forma ou outra de conflito
violento incluindo golpes de estado, disputas étnicas, religiosas e políticas, rebeliões
separatistas e guerras civis. Isto corre paralelo a uma protuberância de criminalidade
violenta se estendendo de roubo armado até transgressões relativas a drogas.
Por ter nascido na África Ocidental e vivido as realidades desta sub-região, conheço a
resistência, perseverança e esperança das pessoas em face da violência contínua e
atrocidades que afetam inúmeras vidas. Isto significou milhões de desalojados internos e
refugiados, centenas de milhares de mortes, uma imensurável destruição da infraestrutura econômica e social e prejuízos na harmonia cultural.
Exemplos recentes desta violência podem ser encontrados na Libéria, onde uma
guerra civil começou em 1989 e continua devastando como um regime
internacionalmente condenado que levou à ruína um país antes promissor; em Serra Leoa
e Guiné-Bissau, que estão emergindo de guerras civis sangrentas marcadas pela criticada
violência contra civis; em Senegal, em uma rebelião separatista; em Gana, que
ocasionalmente experimenta revoltas violentas no norte do país; na Nigéria, um canteiro
aparentemente interminável de violência étnica, religiosa e política; em Togo, que ainda
sofre com uma ditadura militar que mantém um controle ferrenho em todo o país por
quase quatro décadas; e finalmente na Costa do Marfim, a novidade nesta saga, com a
erupção de rebelião armada em setembro de 2002.
Há dois países e um grupo armado sob o embargo de armas na África Ocidental. Em
1992 o Conselho de Segurança astutamente impôs um embargo na Libéria.56 Serra Leoa
teve um embargo imposto em 1997, e em 1998 seu notório grupo rebelde, a Frente
Revolucionária Unida, sofreu embargo.57
“Embargos de arma foram as imposições mais freqüentes, mas também as
sanções visivelmente mais impotentes da ONU durante os anos 90”.58
Estes embargos coincidiram com os esforços feitos por Mali para reduzir a
disponibilidade de armas na região. Apesar desta iniciativa e o movimento em direção à
paz em Serra Leoa, até mesmo o observador mais otimista concluiria que eles têm
conseguido um pequeno efeito. Não apenas os embargos nas entidades da África
Ocidental são fracos; mais propriamente, os embargos da ONU nos estados em todo o
mundo falharam em diminuir a circulação de armas. De acordo com um observador, “O
Conselho de Segurança impôs embargos aproximadamente 15 vezes desde 1965.
Violações contra estes embargos são bem documentados e o Conselho de Segurança
recentemente começou a tentar aperfeiçoar métodos de supervisão”.59
De acordo com seus críticos, sanções internacionais em geral são ineficazes, difíceis
ou impossíveis de serem implantadas, e basicamente prejudicam pessoas que pretendiam
proteger. Outra perspectiva sugere que os embargos de armas – se implementados
UNSCR 788, Novembro de 1992.
UNSCR 1132, Outubro de 1997 e UNSCR 1171, Junho de 1998.
58 Lopez, George A., David Cortright e Julia Wagler. “Learning from the Sanctions Decade,” Fourth Freedom Forum,
Disponível no: www.fourthfreedom.org/php/t-si-index.php?hinc=isa.hinc
59 Frey, Barbara (2002), Para 21
56
57
Pensando Primeiro nas Pessoas 28
totalmente – podem ser uma ferramenta efetiva para intensificar e recuperar a segurança
das pessoas. Particularmente no caso da Libéria, a Human Rights Watch recorreu ao
Conselho de Segurança para manter o embargo de armas contra o governo e facções
rebeldes considerando os numerosos abusos aos direitos humanos cometidos por ambas
partes, e seus amplos efeitos regionais.60
Uma meta da comunidade internacional deve ser o fortalecimento do sistema de
embargo. Pesquisa preliminar mostra que 54 países estão ligados a remessas de armas
pequenas violando os embargos internacionais de armas em vigor em 2001.61 É preciso
que todos os estados desenvolvam mecanismos para monitorar a implementação e
reforços destes embargos.
“[Exige-se dos Estados] A tomar medidas apropriadas, incluindo todos
recursos legais ou administrativos , contra qualquer atividade que viole os
embargos de armas do Conselho de Segurança das Nações Unidas de
acordo com a Carta das Nações Unidas”. – Programa de Ação das Nações
Unidas, Seção II, parágrafo 15.
No caso de estados mentirosos e violadores dos direitos humanos, embargos
internacionais de armas e sanções representam um forma real de condenação pública.
Onde estados responsáveis declaram para si mesmos embargos ou moratória, eles devem
ser apoiados com a promessa e remessa de recursos que serão, por sua vez, aplicados
para assistência de desenvolvimento. Com o tempo e com a cooperação rigorosa dos
estados membros da ONU, apoiados por uma sociedade civil vigilante, os embargos
podem servir ao seu propósito pretendido de limitar o acesso de regimes mentirosos às
ferramentas de violência, enquanto promovem paz e desenvolvimento.
Conmany B. Wesseh é o Diretor Executivo do Centre for Democratic Empowerment que
trabalha na África Ocidental. Ele também é o Presidente do West African Action Network on
Small Arms.
Para mais informações sobre este assunto:
O Processo Bonn-Berlin Process para embargos de armas. Visite: www.smartsanctions.de
Clegg, Elizabeth e Michael Crowley (2001), Controlling Arms Brokering and Transport Agents: Time for
International Action, Resumo 8. British American Security Information Council, International Alert and
Saferworld. Disponível no: www.basicint.org
Cortright, David, George A. Lopez, e Linda Gerber (2002), Sanctions Sans Commitment: An Assessment of
Arms Embargoes, Ensaio 02-2, Project Ploughshares. Disponível no: www.ploughshares.ca
Epps, Ken (2002) International Arms Embargoes, Ensaio 02-4. Project Ploughshares. Disponível no:
www.ploughshares.ca
Fundo para a Paz (2001), Model Convention on the Registration of Arms Brokers and the Suppression of
Unlicensed Arms Brokering. Disponível no:
www.fundforpeace.org/publications/reports/model_convention.pdf
Peleman, Johan e Brian Wood (1999), The Arms Fixers: Controlling the Brokers and Shipping Agents,
International Peace Research Institute (PRIO), Oslo
60
61
Human Rights Watch (2003), Liberia: Maintain U.N. Embargo. Release de imprensa da Human Rights Watch.
Small Arms Survey (2002), p.134
Pensando Primeiro nas Pessoas 29
Atingindo o comércio de armas
Os governos da Holanda e Noruega uniram-se em uma iniciativa para controlar as
atividades de comerciantes de armas. O comércio de armas não é regulado basicamente
pelos estados, o que permite indivíduos e companhias sem escrúpulos de desviar armas
do comércio legal para o ilegal e enviar armas para zonas de conflito e locais com
embargo. Atualmente, apenas 15 países possuem regulamentos domésticos que cobrem
atividades de comerciantes e/ou comércio. Como a legislação varia de alcance e
compreensão, fica fácil para os comerciantes tirarem vantagens de buracos legais e
inconsistências existentes nos regulamentos.
No Programa de Ação da ONU, os estados estão comprometidos em agir para
assegurar que pequenas atividades de comércio de armas sejam controladas
adequadamente. Este documento invoca os estados, “a desenvolver legislação nacional
adequada ou procedimentos administrativos que regulem as atividades daqueles que se
dedicam ao comércio de armas pequenas e armas leves. Estas legislações ou
procedimentos devem incluir medidas tais como registro de comerciantes, licenciamento
ou autorização para transações comerciais assim como penalidades apropriadas para
todas as atividades comerciais ilícitas dentro da jurisdição e controle do Estado”. 62
Regulamentos e procedimentos administrativos para controlar comerciantes precisam
tratar de questões complexas. Para facilitar o desenvolvimento de ações internacionais
coordenadas sobre este tema, Holanda e Noruega estão trabalhando em conjunto para
identificar sistemas adequados e desenvolver elementos de um regulamento padrão
como um recurso para que os estados desenvolvam seus próprios
regulamentos/legislações. Há também a proposta para a Convenção sobre o Comércio,
sugerido pelo Fundo para a Paz, que pode ser adotado para fornecer uma base para um
instrumento legal obrigatório abrangente .
A moratória de armas da África Ocidental: desafios e oportunidades
Mohamed Coulibaly
Em outubro de 1998, Mali conduziu governos na África Ocidental para declararem uma
Moratória na importação, exportação e fabricação de armas leves nos Estados Membros
do ECOWAS.63 O objetivo fundamental foi a consolidação da paz, segurança e
estabilidade em uma região separada à força por conflitos violentos.
A declaração visa:
• congelar importações, exportações e a produção de armas pequenas;
• Intensificar a transparência em iniciativas de controles de armas;
• Aperfeiçoar a cooperação entre estados com organizações da sociedade civil;
• Transformar setores de segurança não confiáveis ; e
• Estabelecer administração efetiva e responsável de estoque, incluindo coleta de
armas e programas de destruição.
O Programa Regional de Desenvolvimento de Coordenação e Assistência para
Segurança e Desenvolvimento das Nações Unidas é responsável por facilitar a
62 Programa de Ação, Seção II parag 14. Veja também Seção II parag. 39, que invoca os estados “a desenvolver
entendimento comum nos temas básicos e no alcance dos problemas relacionados ao comércio ilícito de armas
pequenas e armas leves com uma visão de prevenir, combater e erradicar as atividades daqueles engajados em tal
comércio”.
63 Daqui por diante referida como a Moratória. Estados membros do Economic Community of West African States
(ECOWAS) são Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Niger,
Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.
Pensando Primeiro nas Pessoas 30
implementação da Moratória. A Moratória também inclui um Código de Conduta, que
defende uma série de obrigações designadas para encorajar um maior componente civil e
a consciência em setores de segurança (polícia, exército e agentes alfandegários). Ela
solicita aos estados que estabeleçam comissões nacionais para implementá-la.
Um dos maiores sucessos da Moratória tem sido a crescente conscientização por toda
a África Ocidental entre políticos e organizações da sociedade civil sobre a séria ameaça
que a disponibilidade e mau uso das armas apresenta para a segurança humana.
Entretanto, o comércio de armas continua e, na verdade, cresceu em muitas partes da
região, especialmente em países do Rio Mano (Serra Leoa, Libéria e Guiné), e atualmente
na Costa do Marfim. Vários estados usam a desculpa de imperativos internos de
segurança para não implementarem e respeitarem totalmente uma Moratória inédita.
Ironicamente, segurança é precisamente o que é negado a milhões de pessoas pelo
fracasso dos estados em implementar o acordo.
O maior desafio é incorporar os princípios da Moratória em sistemas e leis nacionais.
Isto é dificultado por uma carência geral de apoio político e capacidade limitada de
tecnologia e recursos. Apenas oito países na sub-região (Mali, Niger, Gâmbia, Guiné,
Senegal, Nigéria, Serra Leoa e Togo) estabeleceram comissões nacionais, embora poucas
sejam inteiramente operacionais. O crescimento da capacidade dentro e entre estados e o
apoio técnico para estados, em áreas de fronteiras e controles alfandegários, parecem ser
fundamentais. Monitoramento e sanção são desafios significativos em países carentes de
recursos. Além disso, a efetividade da Moratória seria intensificada pelo diálogo crescente
com os principais estados que fornecem armas.
Organizações da sociedade civil estão se mobilizando cada vez mais em temas sobre
armas pequenas e são fortes defensores da mudança. O West African Action Network on
Small Arms (WAANSA) proporciona uma inestimável avaliação da realidade para
governos que negligenciam suas responsabilidades.64 Além do crescimento desta rede,
ocorreram um bom número de outros desenvolvimentos positivos. O mais importante é
que apesar de seus muitos desafios, a Moratória foi renovada em julho de 2001,
proporcionando uma poderosa mensagem simbólica e política para as pessoas na região e
também para o resto do mundo. Em segundo lugar, o Secretariado do ECOWAS
estabeleceu a ‘Unidade de Armas Pequenas’ para focar mais efetivamente no
fortalecimento da Moratória. Como o atual presidente da Rede de Segurança Humana,
Mali pode conseguir maior atenção internacional para a Moratória. Uma oportunidade
estratégica é apresentada à Rede para reunir-se em torno da Moratória e olhar em suas
próprias regiões para ver se um critério similar poderia ser adotado.
Mohamed Coulibaly trabalha para o Regional Centre for Peace and Disarmament em Lomé,
Togo.
64 O Secretariado temporário da WAANSA está baseado em Gana a/c Afi Yakubu [email protected] ou
[email protected]
Pensando Primeiro nas Pessoas 31
Problema no paraíso: coleta de armas nas Ilhas Salomão
Richard Ponzio y Robert Scharf
É importante tirar armas de circulação permanentemente por meio de coleta e
destruição de armas. Caso contrário armas voltam a circular pelas mãos de policiais e
oficiais de exército corruptos e civis que agem fora da lei. A segurança humana está
exposta ao perigo se não houver normas internacionais de destruição de armas
excedentes e confiscadas. O armazenamento seguro em todas as fases do processo de
coleta a destruição é de suma importância.
Há dois tipos distintos de programas de coleta e destruição:
•
Em cenários de tempos de paz, eles visam reduzir o suprimento de armas
disponíveis para uso predominantemente criminal; e
•
Como conseqüência da guerra, quando o objetivo é reduzir os estoques de
guerra para facilitar a construção da paz e desmilitarizar as sociedades
embutidas em culturas de violência.
Este artigo conta a história dos desafios de coleta de uma quantidade relativamente
pequena de armas num ambiente de pós-guerra, onde a confiança é pequena e as
instituições de estado estão fracas.
De 1998 a 2000, o governo fraco e a pressão da população combinados com a
proliferação de armas alimentaram um violento conflito nas Ilhas Salomão, um país do
Pacífico, particularmente nas ilhas Malaita e Guadalcanal. A proliferação e mau uso de
armas caseiras e algumas armas de alta potência roubadas do arsenal da polícia levaram a
uma destruição material real em grande escala e a perda de centenas de vidas. Hoje, a
cultura de violência facilitada por esta disponibilidade de armas se mantém como o
principal obstáculo para a restauração da lei e da ordem no país.
“Dez anos atrás, eu nunca tinha ouvido um tiro em meu país. Agora, temos
muitas armas e uma violência enorme”.65
Em abril de 1998, grupos jovens armados de Guadalcanal, indignados com a falta de
ação do governo em tratar das queixas de seu povo, forçaram o desalojamento de
aproximadamente 20 mil pessoas da Malaita. A crise alcançou seu pico quando a Malaita
Eagle Force (MEF), uma milícia étnica que incluía grandes segmentos de forças de
segurança, invadiu os arsenais da polícia em junho de 2000. Esta ação transformou uma
situação já tensa em um conflito armado declarado com um lado, o MEF, possuindo a
maioria das armas pesadas.
O Isatabu Freedom Movement (IFM), armado com armas caseiras feitas com restos
de armas e munições da Segunda Guerra Mundial, se viu sem contingente e desarmado.
Armas adicionais também chegavam no país aos poucos, incluindo fornecimentos
relacionados com o conflito de Bougainville, em Papua Nova Guiné. O número total de
armas é estimado em aproximadamente três mil, a maioria de uso militar.
Após mais de dois de anos de violência gratuita e destruição material em grande escala, o
Acordo de Paz de Townsville (TPA) foi assinado em outubro de 2000. A implementação do
acordo de paz, apesar de limitado, contribuiu para uma marcante melhoria da lei e da ordem.
Com o término da TPA em outubro de 2002, uma paz frágil sobrevive já que muitos
65 Fr. Jack Aitorea, Melanesian Brothers, Ilhas Salomão, contribuição oral no workshop “Curbing the Demand for Small
Arms: Focus on Southeast Asia”, Phnom Penh, Camboja, 26-31 de Maio de 2002
Pensando Primeiro nas Pessoas 32
elementos chave do ambicioso acordo exigem atenção contínua, incluindo a coleta de armas,
devolução dos poderes às províncias e o apoio para pessoas desalojadas.
“[Estados são encorajados] A desenvolver e implementar, quando
possível, desarmamento efetivo, programas de desmobilização e
reintegração, incluindo uma efetiva coleta, controle, armazenamento e
destruição de armas pequenas e armas leves, particularmente em
situações de pós-guerra, a menos que outra forma de distribuição ou uso
seja devidamente autorizado, que tais armas sejam marcadas e que a
forma alternada de distribuição e uso seja registrada; e a incluir, quando
aplicável, provisões específicas para estes programas em acordos de paz”.
Programa de Ação da ONU, Seção II, parágrafo 21.
O conflito resultou em perda de vidas e propriedades, reduzindo completamente os
ganhos alcançados pelo programa de reformas. Em particular, o trabalho do serviço civil,
a situação de lei e ordem e o resgate da educação, saúde e outros serviços básicos foram
severamente interrompidos. Centenas foram mortos nas lutas, muitos mais foram
torturados e em torno de 30 mil pessoas foram desalojadas de suas casas.
Antes do conflito, as Ilhas Salomão tinham conseguido ganhos significativos na saúde,
educação e infra-estrutura pública. Em 1988, o Produto Interno Bruto estimado,
incluindo produção de subsistência, foi em torno de U$ 71 milhões.66 Com a atividade
econômica suspensa em muitos setores, a economia das Ilhas Salomão entrou
praticamente em colapso. Em 2000, o PIB estimado teve um declínio para US$ 57
milhões e ainda caiu mais durante os dois anos seguintes. A taxa de crescimento caiu de
um modesto 2% em 1998 para uma taxa projetada de -20% em 2002.
Violência indiscriminada, tensão étnica e atividades criminais ainda estão desenfreadas
nas províncias, dificultando os esforços para restauração da paz, para promover a
reconciliação e para empreender passos sérios em direção a recuperação econômica e
social. Um governo nacional fraco, desconfiança difundida e a percepção de grande
desigualdade entre pessoas na capital e nas províncias intensificaram os clamores para a
sucessão e, em algumas províncias, a secessão.
Durante o período de anistia de novembro de 2000 a maio de 2002, 1.857 armas
foram entregues para o Conselho de Monitoramento da Paz e para a Equipe
Internacional de Monitoramento da Paz. Depois disso, mais 208 armas foram entregues
somando um total de 2.065 armas entregues desde o início. Estes números não incluem
armas entregues à Polícia Real das Ilhas Salomão e ao Melanesian Brotherhood, cujos
números ainda são desconhecidos. Nem todas as armas de alto potência outrora da
polícia foram recuperadas, e muitas ainda estão nas mãos de facções militantes.
A reação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento à crise
concentrou-se basicamente nas áreas de reintegração e reabilitação, prevenção de
conflitos e a construção de instituições democráticas. O Projeto de Desmobilização e
Reintegração de Guardas Especiais do envolve a libertação, desarmamento voluntário e
o restabelecimento de alguns dos 900 antigos combatentes em suas comunidades de
origem. O PNUD também apoia ativamente a nova Campanha de Cidades Livres das
Armas, do Conselho Nacional de Paz. O projeto com dois anos de duração irá encorajar
1.200 vilas em 18 distritos a aumentar ao máximo a pressão pública para apoiar a retirada
total das armas em todas as comunidades.
66
Baseado em preços de 1985
Pensando Primeiro nas Pessoas 33
O fuzilamento recente de Sir Fred Soaki, um conhecido ex-comissário policial das
Ilhas Salomão, enquanto servia uma equipe de desmobilização do PNUD em Malaita,
lembrou o país do ainda frágil estado do processo de paz.67 Sem uma paz sustentável que
salvaguarde todos os aspectos de segurança humana, futuros retrocessos podem ser
esperados nos esforços das Ilhas Salomão para restaurar a normalidade e empreender a
longa e difícil estrada do desenvolvimento.
Richard Ponzio e Robert Scharf trabalham para o Programa de Desenvolvimento das
Nações Unidas, Divisão de Prevenção de Crises e Restauração.
Para mais informações sobre este assunto:
Clegg, Elizabeth, Sami Faltas, Glenn McDonald e Camilla Waszink (2001), Reducing the Stock of the Illicit
Trade: Promoting Best Practice in Weapons Collection Programmes. Resumo 8. British American Security
Information Council, International Alert and Saferworld Disponível no: www.basicint.org
Faltas, Sami, Glenn McDonald e Camilla Waszink (2001), Removing Small Arms from Society: a review of
weapons collection and destruction programmes. Ensaio ocasional N°. 2, Small Arms Survey, Genebra.
Disponível no: www.smallarmssurvey.org/OPapers/OPaper2.pdf
Hagman, Lotta e Zoe Nielsen (2002), A Framework for Lasting Disarmament, Demobilization, and
Reintegration of Former Combatants in Crisis Situations, International Peace Academy. Disponível no:
www.ipacademy.org
PNUD, Bureau for Crisis Prevention and Recovery, Small Arms & Demobilisation Visite:
www.undp.org/erd/smallarms/
Wulf, Herbert, ed. (2000), Disarmament and Conflict Prevention in Development Cooperation. Proceedings of
an International Conference, 30-31 August 1999. Relatório 14, Bonn International Centre for Conversion.
Disponível no: www.bicc.de
Um mundo justo para nós? Protegendo crianças da violência das armas
pequenas
Kathy Vandergrift
Funcionários de ajuda humanitária e de desenvolvimento tiveram experiências diretas das
múltiplas maneiras nas quais os direitos e destinos das crianças são corroídos através do
cano de um revólver. Escutar as crianças é a melhor maneira para aprender sobre os
impactos das armas pequenas. “Aprendi como atirar e como viver em fuga”, disse um
garoto da Somália sobre a vida com o grupo rebelde. “A arma foi um bom negócio”. “Eu
troquei uma galinha por ela”, diz outro. Quando o preço de uma arma é menor que livros
escolares, é mais fácil se juntar a um grupo armado para sobreviver do que ir para a
escola.
O Programa de Ação da ONU presta mínima atenção às crianças e jovens tanto como
vítimas quanto usuárias de armas pequenas e armas leves. Mais uma vez os impactos são
insidiosos, com acesso fácil a armas pequenas maculando a linha entre disputas normais,
crimes e guerras – em uma época em que jovens estão moldando seus valores de vida.
“[Estados são obrigados] A tratar das necessidades especiais das crianças
afetadas por conflitos armados, particularmente a reunificação de suas
famílias, sua reintegração na sociedade civil e sua reabilitação apropriada”.
Programa de Ação da ONU, Seção II, parágrafo 22.
67
Veja www.abc.net.au/ra/newstories/RANewsStories_781526.htm
Pensando Primeiro nas Pessoas 34
Muitos jovens querem ajudar a reduzir o custo humano do comércio de armas
pequenas. Na Primeira Conferência Internacional sobre Crianças afetadas pela guerra,
ocorrido no Canadá em 2000, a segunda prioridade dos jovens presentes era “parem de
vender armas para aqueles que atacam crianças, sejam eles do governo ou forças armadas
não oficiais”. E, em A World fit for Us, jovens na Sessão Especial para Crianças da ONU
em 2002 incluíram um clamor para a “eliminação do comércio de armas”.
Um foco em crianças e jovens vira os holofotes para a prevenção. Estratégias efetivas,
de uma perspectiva jovem, incluem um equilíbrio entre controlar o abastecimento e
reduzir fatores que levam os jovens a pegarem em armas. Sustento e educação para os
jovens são essenciais para proporcionar alternativas à adesão a grupos armados que
garantam sua sobrevivência. Zonas livres de armas podem futuramente promover a
segurança e proteção de crianças e ser uma convocação para ação comunitária. Jovens
podem ser fortes aliados na construção de ajuda comunitária para iniciativas que
controlem a disponibilidade de armas pequenas.
Um problema se forma quando jovens de 16 anos podem facilmente adquirir e atirar
com uma arma, ao mesmo tempo que não existe nenhuma outra voz para formar suas
opiniões. Leis nacionais, compatíveis com normas globais rigorosas, precisam declarar
ilegal o abastecimento de armas a qualquer pessoa com uma idade mínima e legislar em
respeito aos direitos das crianças, como foi universalmente aceito na Convenção dos
Direitos das Crianças. Restringir o aceso e exposição de crianças à violência armada
deveria ser parte de qualquer Plano Nacional de Ação para Crianças.
“Onde está sua mamãe?... Ela está morta. E seu papai? Ele está morto
também. Todos mortos. Qual é a sua idade? Tenho idade suficiente para
matar um homem”. –‘Double Trouble’, nove anos, na Libéria em 1996 68
Em um nível internacional deveria haver tolerância zero para o abastecimento de
armas a grupos armados, oficiais ou não oficiais, que tenham crianças como alvos e/ou
queiram usá-las como soldados. Aproximadamente 300 mil crianças estão crescendo
como soldados e milhões foram afetadas pelo uso de armas pequenas em conflitos locais
e regionais. A Rede de Segurança Humana prioriza este assunto desde o começo e
assumiu a liderança em relação a condição das crianças afetadas pela guerra.
A resolução mais recente do Conselho de Segurança para Crianças em Conflitos
Armados 1460, urge que os estados membros “tomem atitudes efetivas para controlar o
comércio ilícito de armas pequenas para facções em conflitos armados que não respeitem
totalmente as disposições pertinentes da lei internacional aplicável relacionada aos
direitos e a proteção das crianças em conflitos armados”. O Conselho de Segurança está
se envolvendo neste manifesto; um pedido de um relatório de implementação para
outubro de 2003 solicita especificamente uma atenção detalhada para o “tráfico ilícito de
armas pequenas em zonas de conflito”.
Relatórios sobre crianças em conflitos armados constantemente exigem o aumento do
monitoramento e o acompanhamento de resultados. O Watchlist on Children and Armed
Conflict é dedicado a relatar a situação das crianças em conflitos específicos e fazer
recomendações sobre o assunto. A disponibilidade e mau uso das armas pequenas é um
dos indicadores incluídos na lista, mas é difícil obter informações corretas devido a uma
carência de dados, e piorou com a falta de transparência dos relatórios sobre exportações
e importações de armas.
68 Dufka, Corinne (1999), Children as killers, Crimes of war – what the public should know, Gutman, Roy e David Reiff eds.
W. Norton Company.
Pensando Primeiro nas Pessoas 35
Um foco nas crianças coloca como prioridade máxima o desarmamento e a
reintegração de jovens imediatamente após um conflito ou antes que ele acabe
oficialmente. Programas focados em crianças baseados nas comunidades precisam de
maior atenção e recursos de longo prazo do que aqueles feitos para adultos, para
estabelecer um envolvimento duradouro da comunidade, educação e apoio familiar.
Apenas quando começarmos a investir em um plano de ação abrangente para acabar com
o ato de vitimar crianças através do mau uso de armas pequenas, que poderemos dizer
com confiança que temos um mundo justo para todos nós.
Kathy Vandergrift é uma analista política sênior da World Vision Canada, Co-presidente do
Watchlist for Children and Armed Conflict, e membro do conselho do Coalition to Stop the Use
of Child Soldiers.
Para mais informações sobre este assunto:
Coalition to Stop the Use of Child Soldiers. Visite: www.child-soldiers.org
Dowdney, Luke (2003), Children of the drug trade: A case study of children in organised armed violence in
Rio de Janeiro, 7Letras, Rio de Janeiro
Machel, Graca (2001), The Impact of War on Children. Hurst and Company, Londres, publicação da UNICEF.
Oxfam-GB (2001), Conflict’s Children: The Human Cost of Small Arms in Kitgum and Kotido, Uganda. Oxfam.
Stohl, Rachel (2002), "Under the Gun: Children and Small Arms", African Security Review, Vol. 11, No. 3,
Disponível no: www.iss.co.za/PUBS/ASR/11No3/Stohl.html
Stohl, Rachel, et al. (2001), Putting Children First: Building a Framework for International Action to Address
the Impact of Small Arms on Children. Resumo 11, British American Security Information Council,
International Alert and Saferworld. Disponível no: www.basicint.org
UNIDIR (2002), “Children and Security”, Disarmament Forum, No. 3, UN Institute for Disarmament Research,
Genebra. Disponível no: www.unidir.org
Watchlist on Children and Armed Conflict
Visite: www.watchlist.org
Pensando Primeiro nas Pessoas 36
Um ponto de vista da Eslovênia
A Eslovênia também emitiu sua opinião para advertir a comunidade internacional que a
acessibilidade de armas pequenas constitui em uma séria ameaça à segurança. O país
aceitou os princípios relacionados à uma regulamentação aperfeiçoada do comércio de
armas pequenas tal qual a formulada pela União Européia (UE) e a Organização para
Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).69
Poucos encontros ou conferências sobre armas pequenas fazem uma conexão entre
segurança humana e armas pequenas. A Eslovênia tem constantemente tentado
aumentar esta importante dimensão. Em 2000, como parte do Pacto de Estabilidade
para o sudeste da Europa, a Eslovênia organizou um workshop que realçou a
necessidade de uma abordagem coordenada pelo Pacto de Estabilidade para tratar
deste problema e demandou novas iniciativas e idéias que incluiriam programas de
assistência efetiva.70 Em 2003, o país buscou consolidar esta liderança ao organizar com
a ONU e a OSCE um encontro anterior ao Primeiro Encontro Bienal.71
O governo da Eslovênia descobriu que os numerosos projetos existentes sobre armas
pequenas no sudeste da Europa são insuficientemente coordenados e que tais trabalhos
são normalmente cópias. Para tratar deste assunto o país lançou uma iniciativa
estabelecendo um Ponto de Contato Regional, responsável pela coordenação de projetos
existentes. Uma coordenação ampliada ou a fusão de projetos existentes podem trazer
resultados mais eficazes. Esta posição chama mais atenção às questões de segurança
humana – por exemplo, a necessidade de reabilitação das vítimas de ferimentos por
armas pequenas.
Outra iniciativa eslovena é o Together Regional Centre for the Psychosocial Well-Being
of Children. Ele foi estabelecido em 2002 e sua proposta principal é proteger e
aperfeiçoar o bem-estar psicossocial das crianças afetadas pela guerra e crises sociais
do sudeste da Europa. Dr. Anica Mikuš Kos, Diretor de Programa do Centro e um grande
especialista neste campo refletiu sobre a extensão do problema nesta região ao notar
que “o levantamento sobre a violência em escolas elementares e fundamentais feito em
1998, em um dos países que emergiu no território da antiga Iugoslávia, mostrou que 7%
de todos os estudantes de escolas secundárias carregavam armas para o colégio,
incluindo facas, soco inglês de metal, pistolas e outros tipos de armas pequenas. Os
estudantes mais velhos, mais freqüentemente carregam armas para a escola”.
Contribuição do governo da Eslovênia
O Código de Conduta da UE em Exportações de Armas (1998) e o Documento da OSCE para armas pequenas e armas
leves (2000)
70 Workshop em armas pequenas e armas leves - Possible Contribution to the Stability Pact for South Eastern Europe,
Ljubljana, 27 de janeiro de 2000.
71 Conferência das NU sobre o Comércio ilícito de armas pequenas e armas leves em todos os aspectos no sudeste da
Europa, Brdo pri Kranju, 11-12 de março de 2003.
69
Pensando Primeiro nas Pessoas 37
Seção III: Acabando com o mau uso de armas pequenas
A questão das armas pequenas tem sido dominada por esforços para reduzir novas ofertas de
armas e, mais recentemente, para chamar a atenção das condições sociais que resultam em
demanda por armas. Pouca atenção foi dada, até aqui, para acabar com o mau uso destas
armas.
O ponto de partida de qualquer discussão sobre mau uso deve ser que as armas de fogo não
serão banidas. Nas mãos certas, e em atenção às circunstâncias corretas, a posse e o uso das
armas pode ser legítimo. Como sugeriu a discussão prévia sobre posse civil de armas, a questão
sobre quem deve possuir armas é controversa. Mas não há dúvida que certos agentes do estado
– por exemplo, membros da força policial na maioria dos países – continuarão armados. Como a
discussão abaixo sobre o uso legítimo da força irá demonstrar, as circunstâncias nas quais forças
letais podem ser usadas são bem menos controversas – pelo menos na teoria.
A mudança de foco da disponibilidade de armas vincula a importância das armas para as
pessoas. A questão aqui não é reduzir o número de armas, mas antes disso, ter a certeza que as
pessoas que as carregam as usam apenas em complacência com normas nacionais e
internacionais apropriadas. Os artigos seguintes destacam elementos de pesquisa, políticas e
práticas sobre a necessidade de acabar com o mau uso de armas pequenas, se pudermos
perceber uma redução significativa no tributo humano pago por causa da violência armada.
O uso da força pela polícia: Chamando a atenção para o mau uso de armas
pequenas
Colin Roberts
Até hoje os debates sobre armas foram geralmente caracterizados por sua complexidade
e foco em tentativas de controle de armas. Pouco foi dito sobre o uso de centenas de
milhares de armas pequenas e armas leves que estão nas mãos de policiais em vários
países do mundo.
O policiamento é geralmente considerado um serviço de prevenção e investigação de
crimes e da manutenção da ordem pública. É diferente da proteção de fronteiras
nacionais geralmente mais associada a guardas de fronteira, oficiais de imigração e
exército. Enquanto isto é claro na teoria, na prática esta distinção não é nada clara.
Mesmo um olhar superficial na situação de policiamento sugere que ele pode e tem um
impacto negativo na segurança humana em inúmeros países independente do bem-estar,
tamanho da população ou taxas de crimes.
Há várias leis de sanção e agências de segurança que efetuam atividades de
policiamento e a maioria delas são armadas. Policiamento existe em múltiplas formas,
indo de unidades paramilitares fortemente armadas e serviços de segurança, forças
policiais civis, guardas de fronteira, e serviços de alfândega, até firmas de segurança
particulares e comunidades se auto policiando.
A polícia usa e muitas vezes abusa das armas. Ao admitir isto, reconheço o papel vital
que a polícia tem na proteção da vida, liberdade e manutenção da segurança pública, e
esta crítica tenta apoiar esta abordagem sobre o policiamento. Cento e sessenta anos após
a origem do policiamento moderno em Londres, fica claro para mim que a verdade
inflexível é que muitas vezes as sociedades precisam ser controladas, muitas vezes
precisamos nos proteger uns aos outros e muitas vezes a força deve ser usada. Pessoas
são parte essencial da equação relativa ao uso da força: pessoas como vítimas, como
agressoras, como espectadoras assustadas e como oficiais de polícia agindo como centro
da segurança humana ou trabalhando para enfraquecê-la. É triste o fato que abusos do
Pensando Primeiro nas Pessoas 38
uso da força por aqueles que nos policiam significam os mais freqüentes abusos aos
direitos humanos.
Nos Estados Unidos “houve milhares de denúncias sobre o abuso da
polícia durante 2002, incluindo tiroteios injustificados, surras,
estrangulamentos e tratamento brutal, porém barreiras opressivas quanto a
responsabilidade final continuaram, possibilitando que oficiais responsáveis
por violações aos direitos humanos escapassem da punição”. 72
Leis humanitárias internacionais e de direitos humanos procuram codificar sob quais
condições a força deve ser usada. Uma distinção é claramente delineada entre uso da
força ‘legítimo’ e ‘arbitrário’. A distinção entre os dois é claramente demonstrado em um
acordo marcante, mesmo que grandemente ignorado — Princípios Básicos sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo por agentes executores da lei (os Princípios Básicos).73
Os Princípios Básicos combinam aspectos das leis de guerra com uma abordagem nos
direitos humanos baseados em princípios jurídicos em quatro conceitos complementares
que definem o uso legítimo da força. Estes conceitos são bem resumidos na palavra
PLAN:
•
Proporcionate (proporcionada)—estar em justo equilíbrio em resposta a ameaça
proposta ou força usada;
•
Lawful (legítima)—o uso da força deve ter uma proposta legítima como de auto
defesa, capturar uma pessoa por uma ofensa criminal específica reconhecida
como punível pela lei existente, ou a necessidade de proteger a ordem pública;
•
Accountable (responsável) — estar sujeito à lei e ser responsável por ela. A
polícia não está acima da lei e deve ser responsabilizada se agir arbitrariamente, da
mesma forma que qualquer outro cidadão; e
•
Necessary (necessária)— considerar se algo menos poderia ser feito. Isto inclui
restrições de danos e infrações no dever de proteção. Este conceito particular
requer que a força seja diferenciada para que seu uso apropriado esteja disponível
para a polícia.
Este diagrama destaca os pontos chave onde violações aos direitos humanos são
freqüentes e mostra o potencial que a força pode ser usada arbitrariamente se o PLAN
não for aplicado.
Human Rights Watch World Report (2003), p.507. Mais de 12000 denúncias foram submetidas ao Departamento de
Justiça dos EUA no ano terminado em 30 de setembro de 2001. 56 oficiais foram condenados ou se confessaram
culpados pelos crimes.
73 Aceito pelo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e do Tratamento de Prisioneiros, Cuba em 1990.
Disponível no: http://193.194.138.190/html/menu3/b/h_comp43.htm
72
Pensando Primeiro nas Pessoas 39
P - proporcionada
Uso legítimo da força
L - legítima
A - responsável
Uso da força e de
armas de fogo
Incidente de ordem
público
Força excessiva
Ato de prender
Controle e
moderação
N - necessária
Transporte
Detenção
Execução arbitrária
Castigo e tortura
Uso arbitrário da força
Ato delitivo
Dada a freqüência das violações dos direitos humanos, alguém poderia concluir que a
violência chega fácil, enquanto o uso legítimo da força não. Isto requer treinamento, não
apenas em salas de aula, mas no mundo real após um treinamento extensivo em campos
de tiroteio. Para colocar a coisa mais asperamente: um membro de uma organização
policial paramilitar uma vez me disse, “Por que você nos leva a fazer isto? A vida era
mais simples antes. Apenas puxávamos o gatilho”.
Os Princípios Básicos são divididos entre princípios gerais e especiais no uso da força
e no uso da força letal. Força letal pode ser apenas usada em reação a uma ameaça direta
à vida. O desafio é assegurar que forças de segurança munidas de armas entendam,
detalhadamente, as condições específicas nas quais o uso da força letal pode ser
apropriado.
O treinamento que possibilita oficiais a avaliar ameaças e aprender a decidir em uma
fração de segundos é o componente mais necessário de treinamento com armas de fogo,
mas geralmente é o mais ignorado. Minha experiência recente com a missão da ONU no
Timor Leste salientou a falta de familiaridade com os Princípios Básicos.74 O novo
serviço de polícia do Timor Leste foi equipado com aproximadamente 3.000 armas de
mão Austrian Glock 9mm. Por causa da necessidade de ter oficiais em campo o mais
rápido possível, o treinamento consistiu em manipulação básica da arma e prática de tiro
ao alvo. O treinamento de direitos humanos foi limitado à sala de aula e não incluiu
simulações que ilustrassem a aplicação prática dos Princípios Básicos e do PLAN.
O resultado foi de aproximadamente 2.500 oficiais armados que sabiam como segurar
uma arma de forma (relativamente) segura, como puxar o gatilho e como atingir o que
eles apontassem. Mas eles não tinham certeza de quando era legítimo atirar. O que
poderia ser pior? Infelizmente não é difícil descobrir muitos outros exemplos bem piores
que este.
74 Anistia Internacional (2003), Briefing to Security Council Members on policing and security in Timor-Leste. AI Index: ASA
57/001/2003
Pensando Primeiro nas Pessoas 40
Após doze anos da criação dos Princípios Básicos, o quadro no nível de uma
implementação nacional é obscuro e precisa ser esclarecido urgentemente. Alguns
serviços policiais têm total consciência dos princípios e deram passos importantes para
implementá-los. Entretanto, muitos dos serviços de polícia no mundo ainda precisam
implementar os Princípios Básicos. Muitos deles, imagino, nunca sequer ouviram falar
deles. Os critérios foram desenvolvidos e examinados. Tristemente ainda temos um
longo caminho a percorrer para assegurar que os serviços policiais do mundo utilizem
força legitimamente.
Colin Roberts foi um oficial de polícia no Reino Unido durante 22 anos. Atualmente ele
trabalha meio período como chefe civil das questões comunitárias da Polícia de Surrey,
trabalha como consultor de assuntos para reforma do policiamento e está escrevendo uma
tese de PhD. Ele escreve em caráter pessoal.
Para mais informações sobre este assunto:
Anistia Internacional (1998), Ten Basic Human Rights Standards for Law Enforcement Officials, AI Index POL
30/04/98, Londres.
Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials.Disponível no:
http://193.194.138.190/html/menu3/b/h_comp43.htm
Code of Conduct for Law Enforcement Officials, adotado pela Resolução 34/169 da Assembléia Geral de 17
de dezembro de 1979. Disponível no: www.unhchr.ch/html/menu3/b/h_comp42.htm
De Rover, C (1998), To Serve and to Protect: Human Rights and Humanitarian Law for Police and Security
Forces, Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Genebra.
Human Rights Watch (2002), The bullets were raining: The January 2001 Attack on Peaceful Demonstrators
in Zanzibar, Human Rights Watch, Nova York. Disponível no: www.hrw.org/reports/2002/tanzania
Oakley, Robert B., Michael J. Dziedzic e Eliot M. Goldberg, eds (1998), Policing the New World Order: Peace
Operations and Public Security. National Defense University Press, Washington, DC
Policiamento comunitário em áreas violentas
Rubem César Fernandes
O Viva Rio foi pioneiro num sistema de segurança humana através de policiamento
comunitário. Esta experiência nasceu de uma necessidade urgente de transformar uma
área do Rio de Janeiro com altíssimos níveis de violência há quase 20 anos, em grande
medida devido ao policiamento brutal e lutas de gangues. Um novo tipo de grupo
armado no meio de traficantes de drogas organizou-se informalmente em facções que
começaram a lutar pelo controle territorial das favelas. Como conseqüência, a polícia do
Rio tornou-se uma das forças não-militares mais experientes do mundo em conflitos
armados urbanos e o número de mortes no Rio de Janeiro na última década, relacionadas
à armas, ultrapassa aos vistos em zonas de guerra.
Um projeto foi criado para proteger as pessoas surpreendidas na linha de fogo desta
guerra. A inspiração veio do programa Paz para a Cidade, coordenado pelo Conselho
Mundial de Igrejas, que envolve sete cidades, incluindo o Rio de Janeiro e Boston.75 A
iniciativa foi planejada pelo Viva Rio em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública
do Estado do Rio de Janeiro e foi lançada em julho de 2000. O local escolhido para
primeiro experimentá-lo foi o complexo de favelas localizado no coração da cidade. É
uma comunidade mediana (aproximadamente 15 mil habitantes), absolutamente isolados
dentro do ambiente da classe média. Um tumulto de moradores da favela enfurecidos em
Representantes do Viva Rio aprovaram a introdução do programa “Cessar Fogo” da Polícia de Boston, uma parceria com
a Bostonian Pentecostal Network, Ten Points Coalition.
75
Pensando Primeiro nas Pessoas 41
maio de 2000, após uma suposta execução de cinco adolescentes por membros da polícia
local, contribuiu como um dos principais fatores para a escolha deste local.
“Elas (as gangues de rua) nos atacam (polícia) porque querem
desmoralizar o estado, mostrar que são poderosas. Há alguns meses eles
mataram um policial que estava sozinho em seu carro – como se fizessem
aquilo apenas por diversão”. 76
Uma nova divisão foi criada dentro da Polícia Militar do Rio de Janeiro para este
projeto, que foi chamado de Grupo de Policiamento de Áreas Especiais (GPAE). Suas
atividades são limitadas a esta comunidade bem definida e absolutamente isolada. Cem
homens foram recrutados para esta primeira fase. Com isso, os policiais excederam o
número de ‘soldados’ do tráfico. A proporção de policiais para cada habitante da favela
era de aproximadamente 1:150, o que é três vezes maior que a taxa usual para o estado
do Rio. Os oficiais do GPAE foram recrutados dentre as categorias regulares e treinados
por três meses em aproximações amigáveis com a comunidade. Inúmeras conferências
foram conduzidas com os líderes comunitários para identificar as prioridades para o
aperfeiçoamento das condições sociais e econômicas locais, e vários programas paralelos
de desenvolvimento comunitário foram instalados para tratar de problemas de
abastecimento de água e urbanização, assim como programas para crianças e jovens.
Além disso, também foi formada uma unidade de combate de elite para complementar o
trabalho do GPAE usando a idéia do ‘policial bom/policial mau’.
Em setembro de 2000, a unidade de combate entrou na favela. Tudo foi feito de
forma bem aberta, após repetidas notificações, a luz do dia e com homens fortemente
armados, para pacificar a área de tal maneira que o GPAE pudesse entrar. A ‘polícia
comunitária’ então propôs e fez ampla propaganda de uma lista simples de regras para
sua ação: a proibição do uso de armas na comunidade; o fim do envolvimento de
crianças em tráfico de drogas; e mais nenhuma corrupção e violência policial.
A polícia então tornou-se associada a dois benefícios valiosos: um fim para a violência
e a criação de oportunidades sociais. Além disso, para apoiar estas noções e dar a eles um
sustento prático, um Conselho Comunitário foi criado com a participação voluntária de
vários grupos da comunidade.
O impacto deste projeto foi marcante. Nos dois primeiros anos, os homicídios foram
reduzidos a zero e as batalhas armadas cessaram. O GPAE honrou sua promessa no que
concerne a conduta policial. Setenta oficiais, dentre os 100 que iniciaram, foram punidos
por má conduta e removidos do programa. A punição firme devido a má conduta
policial, junto com um reconhecimento formal do Conselho Comunitário, realçou muito
a credibilidade do programa.
O projeto tem sido muito bem sucedido em reduzir os níveis de violência em seu
estágio inicial, agora se defronta com o desafio de manter seu sucesso. O GPAE
ainda é uma novidade dentro da cultura institucional de forças de segurança e as
mudanças na política pública no Rio poderiam afetar sua natureza particular. Ele também
foi manchado por rumores de corrupção. Para sobreviver, ele deve desenvolver ainda
mais seu esquema anti-corrupção, expandir-se para outras áreas, e se fixar além do curto
mandato dos políticos.
Porém o mais importante é que este processo abriu um novo capítulo nos sistemas
policiais do Brasil. O policiamento corrente é reativo, com oficiais simplesmente
Sargento Paixão foi entrevistado por Alex Bellos (2003), Where children rule with guns, The Observer, 19 de janeiro.
Disponível no:www.observer.co.uk/international/story/0,6903,877986,00.html
76
Pensando Primeiro nas Pessoas 42
reagindo a atos criminosos. Precisamos de uma aproximação pró-ativa, na qual os
policiais vão para as ruas com um programa de trabalho específico para ajudar a resolver
problemas que trazem desordem e violência. As favelas trabalhando com o GPAE
poderiam finalmente receber melhor policiamento do que as áreas de classe média do Rio
de Janeiro, e, pelo menos uma vez, as favelas poderiam tornar-se objeto de ciúme nesta
cidade tão bonita – um exemplo para todos.
Rubem César Fernandes é o diretor do Viva Rio no Brasil.
Para mais informações sobre este asunto:
Veja o filme Cidade de Deus, dirigido por Fernando Meirelles.
Alpert, Geoffrey P. e Alex R. Piquero (2000), Community Policing: Contemporary Readings, 2ª edição,
Waveland Press, Inc. Prospect Heights, Illinois.
Holm, Tor Tanke e Espen Barth Eide (2000), Peacebuilding and Police Reform, Norwegian Institute of
International Affairs, The Cass Series on Peacekeeping.
Human Rights Watch/Americas (1997), Haiti: The Human Rights Record of the Haitian National Police.
National Coalition for Haitian Rights, e Washington Office on Latin America.
Nield, Rachel e Melisa Ziegler (2002), From Peace to Governance: Police Reform and the International
Community. Relatório baseado em Conferência patrocinada pelo Washington Office on Latin America e por
Johns Hopkins Nitze School of Advanced International Studies em 2001.
Viva Rio Visite: www.vivario.org.br
Rumo a uma agenda de direitos humanos para armas pequenas
Iain Levine
A comunidade internacional começou a confrontar os sérios desafios apresentados pelas
armas pequenas, mas ela geralmente não perde tempo com a dimensão dos direitos
humanos. Um foco nos direitos humanos apresenta uma necessidade bem maior de
discernimento sobre os flagelos sofridos por causa das armas pequenas e como deve-se
lidar com estes problemas.
Em áreas de conflito violento, como o Sudão e a Colômbia, forças armadas abusivas –
sejam seus governos ou grupos rebeldes, paramilitares ou mercenários – rotineiramente
usam armas pequenas para pilhar os civis em violação às proteções fundamentais das leis
humanitárias internacionais e de direitos humanos. O custo é dezenas de milhares de
vidas todos os anos. Estas armas são geralmente obtidas via fornecedores internacionais
através de transferências legais, um mercado negro próspero ou simplesmente em
transações ilícitas. Em Burma e em outras partes, forças abusivas freqüentemente usam
crianças como combatentes, lhes dando armas e ordens para cometer atrocidades. Em
muitos assentamentos pós-conflitos, incluindo o Kosovo, a disponibilidade difundida de
armas pequenas tem ameaçado gravemente a segurança, corroendo a crença no respeito
às leis e minando esforços de construção da paz. Além disso, como testemunhado no
Afeganistão, se as medidas não estão adequadas para desarmar antigos combatentes,
proporcionar segurança e garantir a responsabilidade final pelos abusos do passado, as
forças militares bem armadas continuarão a impor um reino de terror nos civis.77
Em países não afetados pela guerra, mas onde as armas pequenas são facilmente
conseguidas, um colapso similar no respeito às leis pode levar ao aparecimento de grupos
77 Para mais informações, veja por exemplo, Human Rights Watch (2002), “My Gun was as Tall as Me:” Child Soldiers in
Burma, Human Rights Watch, Nova York; Human Rights Watch (2002), “All of our hopes are crushed: Violence and
repression in Western Afghanistan.” Human Rights Watch Report. Vol. 14, N°. 7 (C).
Pensando Primeiro nas Pessoas 43
que efetuam ataques armados com impunidade, como tem sido um padrão na Nigéria.
Lá, gangues de jovens usam armas pequenas de forma crescente, não apenas armas
tradicionais para disputar o poder, enquanto a polícia é uma mera espectadora ou toma
parte das mesmas. Em numerosos casos, as forças governamentais fazem mau uso de
suas armas – por exemplo, a polícia do Azerbaijão recentemente atirou em protestantes
desarmados em uma transgressão das regras existentes dos Princípios Básicos sobre Uso
da Força e Armas de Fogo por Agentes Executores da Lei. Outras vezes, os políticos
incitam a violência armada através de milícias étnicas ou recrutam assassinos armados
para executar ataques por motivos políticos, uma tática que foi adotada no Quênia.78
Os governos são legalmente obrigados a respeitar e assegurar o respeito às leis
humanitárias internacionais e de direitos humanos. Porém os governos freqüentemente
perpetram a proliferação e mau uso das armas pequenas ou falham sistematicamente em
seu dever de prevenir abusos por agentes de segurança particular e de mantê-los sob sua
responsabilidade. Muitos destes temas não estavam nem à mesa durante a Conferência da
ONU em 2001; outros foram excluídos do documento final por causa da oposição de
uma minoria de governos. O Programa de Ação apenas toca no comércio legal e não
trata de como as armas são mal utilizadas. O Programa de Ação, de fato, sequer
menciona ‘direitos humanos’ ou ‘mau uso’.
Houve alguns desenvolvimentos positivos para que os governos assumissem a
responsabilidade sobre o problema das armas pequenas, mas eles raramente fazem uma
implementação planejada. Por exemplo, muitos governos exportadores de armas,
particularmente na Europa, se comprometeram a não fornecer armas pequenas para
aqueles que abusam dos direitos humanos ou em áreas de conflito violento, e alguns
estão trabalhando para recrutar futuros partidários destes critérios básicos.79 Na África
Ocidental, onde as armas pequenas estimularam uma espiral de conflitos violentos, os
governos desistiram da importação de tais armas sob as ordens da Moratória ECOWAS
em 1998. Entretanto, estas promessas de restrição e responsabilidade foram quebradas
rotineiramente, e a circulação irresponsável de armas continua.
As Nações Unidas também divulgam agora os nomes de traficantes de armas que
quebram embargos obrigatórios de armas e os funcionários de governo com quem eles se
conluiam. No entanto isto é feito, como e quando necessário, monitorando e relatando
as sanções fracassadas apenas em países selecionados e por um tempo limitado. A única
tentativa de levar um comerciante de armas desmascarado pelas Nações Unidas a
julgamento por negociação ilegal de armas, falhou por falta de jurisdição.
O interesse popular em projetos sobre armas pequenas, bem como programas
abrangentes de desmilitarização, desmobilização e reintegração, iniciativas de política
fundamentadas pela comunidade e esforços para reduzir a demanda por armas em
regiões voláteis estão em andamento em muitos países. Mas o mau uso das armas e como
lidar com isto, tem sido geralmente negligenciado em muitas deliberações
governamentais. Uma especialista recentemente nomeada pela ONU foi incumbida de
Veja por exemplo, Human Rights Watch (2003), “Testing Democracy: Political violence in Nigeria.” Human Rights Watch
Report, Vol. 15, N°. 9 (A); Human Rights Watch (2002), Playing with Fire: Weapons proliferation, political violence, and
human rights in Kenya, Human Rights Watch, Nova York.
79 Veja por exemplo, Organisation on Security and Cooperation in Europe (OSCE) Criteria on Conventional Arms Transfers,
aprovado em novembro de 1993; Código de Conduta em Exportação de Armas, da União Européia, aprovado em Junho de
1998 (subseqüentemente endossado por países da U.E. e outros); OSCE Document on Small Arms and Light Weapons,
aprovado em novembro de 2000; Wassenaar Arrangement Best Practice Guidelines for Exports of Small Arms and Light
Weapons, aprovado em dezembro de 2002; Chairman’s Summary from the Lancaster House Conference on Implementing
the UN Programme of Action: Strengthening Export Controls, Janeiro de 2003, e; OSCE Revised Draft Best Practice Guide
on Export Control of Small Arms and Light Weapons, datado em janeiro de 2003, com lançamento do formato final
marcado para julho de 2003.
78
Pensando Primeiro nas Pessoas 44
remediar esta deficiência. Ela foi indicada especialmente para estudar como prevenir
abusos cometidos por armas pequenas.
Comissão de Direitos Humanos da ONU aprova um Relator Especial em
Armas Pequenas
Em seu encontro de 2003 em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas aprovou sem voto a decisão de nomear Ms. Barbara Frey como Relatora Especial
com o compromisso de preparar um estudo abrangente sobre prevenção da violação de
direitos humanos devido a armas pequenas e armas leves. Ms. Frey entregará três
relatórios anuais para a Sub-Comissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos; o
primeiro estará disponível na Sub-Comissão no encontro em agosto de 2003.
A nomeação dá prosseguimento ao ensaio de Frey que fazia um retrospecto do
assunto para a Sub-Comissão (E/CN.4?Sub.2/2002/39). Baseada no ensaio inicial, a
Sub-Comissão aprovou a Resolução 2002/25 que encorajava os Estados a adotar leis e
políticas de fabricação, transferência e uso de armas pequenas que estejam de acordo
com os princípios dos direitos humanos e leis humanitárias. A Sub-Comissão também
solicitou àqueles que documentam processos de direitos humanos que procurem
informações para relatar abusos aos direitos humanos por causa de armas pequenas e
armas leves.
Uma análise sobre o problema das armas pequenas nos direitos humanos segue um
longo caminho até a sugestão de uma solução. A política global de armas pequenas deve
reunir três critérios principais: ela deve lidar tanto com transferência quanto mau uso,
manter um foco maior na responsabilidade governamental do que jogar a culpa
unicamente nos agentes particulares e ser dirigida para proteger pessoas do mau uso das
armas.
Os passos principais para cessar o fluxo de armas para aqueles que fazem mau uso
delas incluem a ação governamental para:
•
Não autorizar fornecimentos ‘legais’ de armas para receptadores que fazem mau
uso delas. Adotar instrumentos obrigatórios para transferência de armas, que
incluam direitos humanos sólidos e critérios humanitários, tal como o Tratado de
Comércio de Armas foi proposto internacionalmente,
•
Fechar brechas legais e fortalecer controles frouxos que permitem a prosperidade
do mercado negro,
•
Intensificar muito a transparência na transferência de armas, incluindo a
publicação detalhada de relatórios anuais.
Da mesma forma, os governos devem tomar fortes medidas para impedir e prevenir o
mau uso de armas; incluindo medidas para:
•
Cumprir as responsabilidades governamentais existentes para ficarem de acordo
com as leis humanitárias internacionais e de direitos humanos,
•
Assegurar que a polícia governamental e forças armadas preservem rigorosamente
os modelos internacionais, por exemplo ao proporcionar treinamento e manter os
infratores em julgamento.
Em agosto de 2002 a Sub-Comissão de Direitos Humanos da ONU disse que “a
proteção dos direitos humanos deve ser fundamental para o desenvolvimento de futuros
Pensando Primeiro nas Pessoas 45
princípios e normas relativos à transferência e mau uso das armas pequenas, e que os
direitos humanos não estão recebendo a importância devida em outros contextos”.80 Já é
tempo que os governos levem a sério esta mensagem ao examinarem o problema das
armas pequenas através das lentes dos direitos humanos e procurem trabalhar para
resolvê-lo.
Iain Levine é Diretor de Programa da Human Rights Watch.
Para mais informações sobre este assunto:
Chesterman, Simon, ed. (2001), Civilians in War, Lynne Rienner, Boulder, CO.
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1999), Arms Availability and the Situation of Civilians in Armed
Conflict, ICRC, Genebra.
Frey, Barbara (2002), The Question of the Trade, Carrying and Use of Small Arms and Light Weapons in the
Context of Human Rights and Humanitarian Norms. Ensaio oferecido sob concordância das decisões da SubComissão 2001/120 ECOSOC - Other Human Rights Issues. Nações Unidas. Disponível no: www.unhchr.ch
Gutman, Roy e David Rieff, eds (1999), Crimes of War: What the Public Should Know, W.W. Norton &
Company, Nova York.
Human Rights Watch, Arms Division. Visite: www.hrw.org/arms/
McRae, Rob e Don Hubert, eds (2001), Human Security and the New Diplomacy: Protecting People and
Promoting Peace, McGill-Queen’s University Press, Montreal.
Sub-Comissão das nasções Unidas para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, “The prevention of human rights
violations caused by the availability and misuse of small arms and light weapons,” Resolução 2002/25,
E/CN.4/SUB.2/RES/2002/25, 14 de agosto de 2002.
80
Pensando Primeiro nas Pessoas 46
Seção IV: Conclusões e recomendações
O diálogo de um ano entre governos, ONGs e agências da ONU refletido nesta
publicação explorou algumas questões difíceis na preparação do primeiro levantamento
do Programa de Ação da ONU sobre armas pequenas em 2001. Entre elas, a mais básica:
Como saberemos se o Programa de Ação fez alguma diferença? Qual é a referência do
sucesso?
As conferências revelaram um compromisso real em implementar o Programa de
Ação da ONU – e outros acordos e processos relativos à limitação do comércio de armas
de fogo e seu mau uso – da forma mais integral possível, dado o alcance dos desafios
econômicos e sociais com que se defrontam os estados, a ONU e as ONGs. Dentro da
natureza crescente do desarmamento e dos esforços para a redução da violência, era
evidente que muitos agentes estivessem se preparando de forma construtiva para o deve
ser feito em seguida.
Esperamos que este processo de diálogo e publicação contribuam para o processo de
desenvolvimento de uma agenda de ação sobre armas pequenas voltada para o interesse
das pessoas. Um foco no custo humano por conta da violência armada não comporta
soluções fáceis ou de curto prazo. Entretanto, aplicar os termos de segurança humana
neste assunto não é apenas um lembrete importante do que está em jogo, mas também
deixa claro que a medida para intervenções bem sucedidas é: pessoas mais seguras,
comunidades mais seguras.
Até hoje, a agenda sobre armas pequenas foi entendida em termos da restrição do
fornecimento e/ou redução da demanda. Os governos se fixaram amplamente na
primeira, particularmente no comércio ilícito; e as organizações da sociedade civil
geralmente avançaram na segunda. Entretanto estas duas dimensões são de fato partes de
uma noção mais ampla sobre a disponibilidade de armas, algo que tem três componentes
cruciais.
Abastecimento
Medidas de abastecimento paralelo sempre corresponderam ao controle tradicional de
armas. Estas semelhanças foram, até hoje, focadas mais em armas e menos nas pessoas,
ainda que saibamos que menos armas nem sempre resultem em pessoas mais seguras.
Explorar como os embargos de armas da ONU, ou outros, podem promover a segurança
humana é um exemplo de como o controle de armas e um caminho de desarmamento
podem deixar as pessoas mais focadas. Esforços para desenvolver uma estrutura
normativa que controle a transferência de armas fornece outro exemplo. O Tratado de
Comércio de Armas coloca as pessoas dentro dos discursos de desarmamento, buscando
limitar a transferência quando armas podem ser usadas em atos de graves violações às leis
humanitárias e de direitos humanos.
Pensando Primeiro nas Pessoas 47
Aguardar: prioridades de Mali na presidência da Rede
Desde maio de 2003, o governo de Mali ocupa a presidência da Rede de Segurança
Humana, até maio de 2004. Durante este tempo, Mali focará em três pontos: armas
pequenas, educação sobre direitos humanos e operações relacionadas com homens e
mulheres e manutenção da paz..
Além do trabalho de representar a Rede em vários processos, Mali estenderá o
convite para todos os países da África Ocidental para fazerem parte das atividades da
Rede mantidas em Bamako. Este convite aberto será acrescido por um seminário
regional sobre a implementação do Protocolo Opcional nos Direitos da Criança no
Envolvimento das Crianças em Conflitos Armados.
Em dezembro de 2003, em colaboração com o Centro para o Diálogo Humanitário e
os governos do Canadá, Noruega, Eslovênia, África do Sul e Suíça, Mali irá co-patrocinar
um workshop na Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
sobre a disponibilidade de armas pequenas e dos impactos humanitários.
Demanda
Trabalhar para diminuir a demanda por armas se adapta aos desejos de muitos governos
– particularmente os que fazem parte da Rede de Segurança Humana – que trabalham
ativamente na interseção entre ‘libertar-se do medo’ e ‘libertar-se da necessidade’. Há
uma ampla aceitação que certas condições sócio-econômicas aumentam a probabilidade
da violência armada e, conseqüentemente, aumenta a demanda por armas. Reagir a estas
causas, entretanto, pode ser um desafio, como elementos essenciais desta agenda –
pobreza, abrandamento, emprego para jovens e alienação social, entre outros – são
objetivos de desenvolvimento ilusórios. Neste momento, portanto, o ponto de vista da
demanda da equação tende a abranger um amplo alcance de objetivos estimáveis mas
difusos. A falta de especificidade permitiu que uma lista de demandas fosse endossada
aos níveis mais amplos por governos, sem resultar em feitos concretos.
O desafio do ponto de vista da demanda é estreitar a agenda em uma série de
objetivos políticos claros e diferentes, mesmo enquanto se reconhece a interdependência
entre eles. Este desafio é talvez mais alcançável ao se enfatizar o nexo entre segurança e
desenvolvimento. Proteção particular pode ser dada para a provisão da segurança
comunitária – isto é, criar condições de lei e ordem e acesso à justiça que reduzam os
sentimentos de insegurança, e por conseqüência, a demanda por armas.
Mau uso
Os dois elementos anteriores não podem ser bem sucedidos sem que se assegure que
armas sejam usadas apropriadamente, de acordo com as leis humanitárias e de direitos
humanos existentes. Embora esta conclusão pareça evidente, continua o fato de que
pouca atenção foi dada em discussões entre governos sobre as leis humanitárias e de
direitos humanos. A expressão ‘direitos humanos’ sequer aparece no Programa de Ação
da ONU. Além disso, os Princípios Básicos no Uso da Força e Armas de Fogo são
raramente, ou nunca, citados como parte da agenda que trata dos desafios propostos
pelas armas pequenas.
Enquanto a maioria das armas pequenas do mundo são mantidas mais por indivíduos
do que forças de segurança governamentais, é o segundo que precisa estar no foco
Pensando Primeiro nas Pessoas 48
principal dos esforços para tratar do mau uso. A crescente noção aceita de reforma do
setor de segurança é diretamente pertinente ao problema da mau uso de armas por forças
governamentais. De uma perspectiva de violência e redução da demanda, a reforma do
setor de segurança pode incluir uma série de ações: de implementar os Princípios Básicos
no Uso da Força e Armas de Fogo até iniciar programas de policiamento comunitário,
como exemplificado pelo trabalho do Viva Rio entre os mais pobres entre os pobres no
Brasil.
Esforços feitos até hoje de reforço do setor de segurança tenderam a focar nos
militares, incluindo garantir a supervisão civil do exército e educação sobre direitos
humanos para eles. Entretanto, é mais provável que um foco no fortalecimento da regra
legal e proporcionar acesso à justiça seja relevante por limitar a proliferação e mau uso
das armas de fogo. Atenção particular deve ser dada a um apoio cuidadosamente objetivo
para reformar a polícia, o judiciário e as prisões.
Como parte desta agenda, os estados devem também reduzir e regular
cuidadosamente o acesso civil às armas. Vontade Política para tanto realmente existe na
maioria dos estados, como evidenciado durante a Conferência da ONU em 2001;
entretanto, alguns estados poderosos são resistentes a estas noções. A diversidade
regional da Rede de Segurança Humana proporciona oportunidade para que a Rede
conduza um diálogo através de arranjos políticos com o objetivo de ajudar a consolidar
esta política nos próximos anos.
Parceria e liderança
Há diferenças claras entre o processo diplomático e político em torno de minas terrestres
e armas pequenas. Entretanto, a parceria estreita e efetiva de governos e ONGs que se
desenvolveu em resposta à crise das minas terrestres deve ser copiada para armas
pequenas, se a comunidade internacional quiser progredir para dar mais segurança às
pessoas afligidas pela violência armada.
Tal parceria também se aplica igualmente entre governos. O número de funcionários
do governo engajados internacionalmente com armas pequenas deve ser estendido;
diplomatas com documentos sobre armas pequenas devem representar não apenas uma
perspectiva de desarmamento, mas também aquelas de direitos humanos, humanitarismo,
desenvolvimento e saúde pública. Igualmente, para se ter um efeito real na criação e
implementação das mudanças políticas necessárias, representantes de ministérios do
interior, que geralmente têm a responsabilidade de policiar, devem estar envolvidos com
o processo entre governos.
“…segurança e proteção não acontecem simplesmente: elas são o
resultado de um consenso coletivo e investimento público”.
Nelson Mandela81
Um grupo de governos com a mesma opinião foi decisivo ao transformar boas idéias
sobre minas terrestres em normas e ações internacionais. Um processo similar é preciso
para armas pequenas. A Rede de Segurança Humana pode ter um papel chave de
liderança ao exibir uma agenda corajosa e voltada para o interesse da população sobre
armas pequenas e encorajar outros países para se tornarem defensores.
Mandela, Nelson (2003), Foreword, World report on violence and health: summary, Organização Mundial de Saúde.
Disponível no: www5.who.int/violence_injury_prevention
81
Pensando Primeiro nas Pessoas 49
Pesquisa de ação orientada
O Programa de Ação encoraja estados, sociedade civil e organizações internacionais ‘a
desenvolver e apoiar pesquisa de ação orientada visando facilitar uma maior
consciência e melhor compreensão da natureza e do âmbito dos problemas...’
Recomendações para pesquisas futuras que apoiariam medidas de controle voltadas
para o interesse da população incluem:82
•
•
•
•
Acentuada compreensão de todos os aspectos do mau uso das armas,
Sondagem da opinião pública e posturas relativas a armas pequenas e violência,
Avaliação dos impactos dos programas de coleta de armas,
Investigação da ligação entre desenvolvimento e disponibilidade e mau uso de armas
pequenas,
• Compreensão profunda de como homens e mulheres são atingidos distintamente pelo
uso e abuso de armas pequenas, e
• Investigação sobre as perspectivas de terminar com a transferência de armas para
agentes não oficiais , tais como grupos armados.
Políticas voltadas para o interesse da população
Em suma, o caminho para a segurança humana sugere que o impacto sobre as pessoas é
a razão do nosso trabalho e a norma para nosso sucesso. Os princípios de um programa
de trabalho que primeiro pensa nas pessoas que batalham contra a disponibilidade e mau
uso das armas pequenas estão surgindo:
•
•
•
•
•
•
•
•
82
Reforma dos setores institucionais de segurança que não proporcionam a
segurança das pessoas – por exemplo, tradições de brutalidade policial ou
sistemas legais ineficientes e injustos;
Implemento de normas existentes, tais como os Princípios Básicos no Uso da
Força e Armas de Fogo e o Código de Conduta das Nações Unidas para Agentes
Executores da Lei; para alcançar uma maior adesão mundial ao único tratado
global de restrição ao tráfico de armas, o Protocolo de Armas de Fogo da
Convenção Transnacional do Crime;
Demonstrar um respeito absoluto pelas leis internacionais, incluindo leis
humanitárias e de direitos humanos;
Focar no sexo em todos os aspectos relacionados a proliferação e mau uso das
armas pequenas;
Incluir uma perspectiva de desenvolvimento que corresponda aos desafios
que as armas pequenas apresentam tanto para as vidas como para a sobrevivência
e incorporar um critério de segurança comunitária dentro da assistência de
desenvolvimento, com ênfase no crescimento da capacidade
Desenvolver caminhos para a saúde pública que proporcionem
discernimentos e metodologias valiosos para intervenções de redução da
violência;
Reduzir a posse civil de armas de fogo;
Reprimir o fornecimento de armas transferidas a usuários finais abusivos e
inaptos— sejam forças de estados identificados, paramilitares ou grupos rebeldes
armados;
Seção III Para 18 Programa de Ação das NU.
Pensando Primeiro nas Pessoas 50
•
•
Estabelecer um objetivo global anual para redução de armas– trabalhar com
o objetivo de um entendimento que conduza a um acordo para um programa
executável de coleta e destruição de armas na Conferência de Revisão em 2006; e
Proporcionar assistência às vítimas e sobreviventes da violência armada que
ficaram incapacitadas ou traumatizadas.
Pensando Primeiro nas Pessoas 51
Anexo 1
Um quadro dos instrumentos e acordos dos quais os estados da Rede de
Segurança Humana fazem parte, e informações relacionadas a armas
É importante notar que muitas das iniciativas sobre armas pequenas ocorrem a nível
regional e a Rede de Segurança Humana é simplesmente uma reunião de estados de
diferentes regiões. Entretanto, estas tabelas devem ser lidas de forma proveitosa como
uma visão geral da situação de um estado em particular, e não necessariamente como
comparação entre os estados da Rede.
Todas as informações foram reunidas de fontes disponíveis ao público e não devem
ser unicamente um reflexo das mudanças legislativas em processo, ou de regulamentos
em negociação dentro de um estado.
Grupo
Instrumento
Objetivos
Nações Unidas
Código de Condutas da ONU para Leis
Oficiais de Sanção
Dezembro de 1979
Estabelecer critérios que
devem guiar o
funcionamento de agentes
executores da lei
Princípios Básicos da ONU no Uso da Força
e Armas de fogo e por agentes executores
da lei
Setembro de 1990
Visa proporcionar modelos
para o uso da força por
agentes executores da lei.
Para informações veja:
www.unhchr.ch/html/menu3/b/h_comp43.
htm
Protocolo da ONU contra a fabricação ilícita
e tráfico de armas de fogo, suas partes,
componentes e munição
Tenta intensificar a
transparência e a
cooperação no comércio
legal de armas de fogo.
Delimita procedimentos de
importação, exportação e
transferência de armas de
fogo incluindo sistemas de
autorização governamental e
de rastreio e marcação .
Assinado por Áustria
(Nov. 2001), Canadá
(Março 2002), Grécia
(Out. 2002), Mali
(Julho 2001),
Noruega (Maio 2002),
Eslovênia (Nov.
2001), África do Sul
(Out. 2002),
Comunidade Européia
(Jan. 2002)
Programa da UE para Prevenção e combate
ao tráfico ilícito de armas convencionais
Junho de 1997
- Programa de Ação para a
UE para lidar com o comércio
ilícito de armas
convencionais, incluindo
armas pequenas
Áustria, Irlanda,
Grécia, Holanda
(Nota: Suíça e
Noruega não fazem
parte da U.E)
Comunidade de Desenvolvimento da África
do Sul (SADC) e a EU endossaram o
Programa de Ação Regional da África do Sul
sobre armas leves e tráfico ilícito de armas
Novembro de 1998
- Iniciativa que faz parte do
esforço para implementar o
Programa da UE. O texto dá
uma lista de medidas que os
países do SADC poderiam
tomar para lidar com o
problema das armas
pequenas e identifica áreas
onde a assistência da U.E
poderia ser útil
De acordo com a Convenção da ONU contra
Crime organizado transnacional, Março de
2001
União Européia
(UE)
Estados Membros
e/ou signatários
Adotado pela
resolução 34/169 da
Assembléia Geral de
17 de dezembro de
1979
Decisão unânime
aprovada em 1990
pelo 8° Congresso
das Nações Unidas
sobre Prevenção de
Crimes e o
Tratamento de
Criminosos
Pensando Primeiro nas Pessoas 52
Código de Conduta sobre Exportação de
Armas
Junho de 1998, instrumento legal não
obrigatório
UE e Canadá
Organização dos
Estados
Americanos (OEA)
MERCOSUL
(Mercado Comum
da América do Sul)
Estabelece critérios e
condições operacionais que
poderiam controlar a
subvenção de licenças de
exportação de armas
convencionais
Para mais informações veja
em http://www.basicint.org/
WT/armsexp/codes.htm
Ação Conjunta sobre armas pequenas
Identifica medidas que
Dezembro de 1998
visam lidar com o acúmulo
de armas pequenas
(especialmente a assistência
em países afetados)
Declarações Conjuntas
Em 1998, a UE e o Canadá
Dezembro de 1998 e setembro de 1999
declararam que
sobre o problema de armas pequenas
compartilharam uma
abordagem comum para
combater a expansão e o
acúmulo desestabilizador de
armas pequenas. O Canadá
“firmou os princípios e
critérios desenvolvidos neste
Código de Conduta”
Na declaração de 1999 a UE
e o Canadá estabeleceram
um Grupo de Trabalho
conjunto sobre armas
pequenas.
Convenção Inter-Americana contra a
Medidas delineadas para
fabricação e tráfico ilícito de armas de fogo, aumentar o controle e
munição, explosivos e outros materiais
monitoramento legal de
relacionados
fabricação e transferência
Novembro de 1997, instrumento legal
de armas de fogo (por
obrigatório
exemplo marcação,
manutenção de registro,
sistemas rigorosos de
licença) e para aumentar a
troca de informações entre
estados membros,
referentes ao comércio ilícito
de armas de fogo.
Regulamentos padrões de controle do
Conjunto de medidas
Movimento Internacional de Armas de Fogo, práticas e procedimentos
seus elementos, componentes e munição
harmonizados visando
Junho de 1998, instrumento legal não
controlar os “movimentos de
obrigatório adotado em 1998 pela Comissão exportação, importação e
Inter-Americana de Abuso de Drogas da OEA trânsito interno”. Medidas
projetadas para se
Para informações veja Www.cfcassociarem à
ccaf.gc.ca/en/international/drug_control.as implementação da
p
convenção da OEA.
Mecanismos Conjuntos
Mecanismo de
Julho de 1998
compartilhamento de
informações sobre pessoas
(indivíduos ou organizações)
envolvidas com o comércio
de armas de fogo e material
relacionados.
Assinado pelo
Canadá e um
processo legislativo
está em andamento
para incluir uma lei
doméstica.
Assinado pelo Chile e
um processo está em
andamento para ser
ratificado.
Expandido para os
países associados ao
MERCOSUL que inclui
o Chile
Pensando Primeiro nas Pessoas 53
Comunidade
Econômica de
Estados da África
Ocidental
(ECOWAS)
Moratória na Importação, Exportação
Fabricação de Armas Leves
É composto de 3
Mali
instrumentos:
- Moratória Declaração:
acordo formal para restringir
importação, exportação e
fabricação de armas
(Outubro de 1998)
- Plano de Ação para a
Implementação do Programa
de Coordenação e
Assistência para o
Desenvolvimento da
Segurança (PCASED) é
operado pelo Programa de
Desenvolvimento da ONU e
busca facilitar a
implementação da Moratória
(Março de 1999)
- Código de Conduta para a
Implementação da Moratória
na Importação, Exportação e
Fabricação de Armas Leves
(Dezembro de 1999) que
mais adiante aperfeiçoará os
detalhes relacionados a
implementação da
Moratória.
União Africana (AU)
que antes era a
Organização da
União Africana
(OAU)
Declaração de Bamako sobre uma Posição
Comum da África sobre a proliferação,
circulação e tráfico ilícito de armas
pequenas e armas leves
Dezembro de 2000
Posição Comum da África
sobre armas pequenas
preparada para a
Conferência da ONU em
2001 que invoca uma ação
concreta em níveis nacionais
e regionais.
Estabelece uma estrutura
para cooperação regional
sobre o problema de crime
transnacional (incluindo
armas pequenas).
Resume uma “estratégia
coesiva regional para
prevenir, controlar e
neutralizar o crime
transnacional”.
Mecanismo de troca de
informações e controle de
exportação para promover a
“transparência e maior
responsabilidade na
transferência de armas
convencionais e mercadorias
e tecnologia de uso duplo”.
Esboça critérios de
exportação de armas
pequenas.
Associação das
Declaração de Crime Transnacional da
Nações do Sudeste ASEAN
da Ásia (ASEAN)
Dezembro de 1997
Plano de Ação da ASEAN para Combater
Crime Transnacional Junho de 1999
Para informações veja www.aseansec.org
Acordo Wassenaar
Acordo Wassenaar
Julho de 1996
Para informações veja www.wassenaar.org
Diretrizes para Melhores Métodos de
Exportação de armas pequenas e armas
leves
Dezembro de 2002
Para informações veja
www.wassenaar.org/docs/best_practice_sal
w.htm
Mali e África do Sul
Tailândia
Áustria, Canadá,
Grécia, Irlanda,
Holanda, Noruega,
Suíça
Os outros membros
são Argentina,
Austrália, Bélgica,
Bulgária, República
Checa, Dinamarca,
Finlândia, França,
Alemanha Hungria,
Itália Japão,
Luxemburgo, Nova
Zelândia, Polônia e
Portugal, República
Pensando Primeiro nas Pessoas 54
Declaração de Cooperação sobre Comércio
de Armas
Dezembro de 2002
Declara-se “de acordo com a da Coréia, Romênia,
elaboração contínua e
Federação Russa
refinamento do critério para Eslováquia, Espanha,
uma legislação efetiva sobre Suécia, Turquia,
o comércio de armas, e para Ucrânia, Reino Unido
continuar a discussão de
e Estados Unidos.
medidas de sanções, para a
proposta de desenvolvimento
de uma política Wassenaar
sobre comércio de armas”.
Organização para
Documento sobre armas pequenas e armas Um compromisso político
Áustria, Canadá,
Segurança e
leves
que esboça provisões para
Noruega, Irlanda,
Cooperação na
Novembro de 2000
combater o comércio ilícito
Holanda, Grécia,
Europa
de armas pequenas e inclui Eslovênia, Suíça
(OSCE)
Para informações veja www.osce.org
medidas para controlar a
exportação, importação e
trânsito; identifica critério
para controlar exportações; e
exige regulamentos no
comércio. Também inclui
provisões no gerenciamento
da coleta e destruição de
armas pequenas
excedentes.
Organização
Sistemas de registro de armas e explosivos Um banco de dados do
Todos os países da
Internacional de
da Interpol (IWETS)
tráfico ilegal de armas, bem Rede são membros
Polícia Criminal
como fabricação e armas
da Interpol
(Interpol)
roubadas e recuperadas.
Para informações
“A Fabricação, Uso e Controle das Armas de Esboça recomendações para
veja
fogo”
que estados atuem contra
www.interpol.int
Assembléia Geral da Interpol, Resolução N°. “atividades criminais
AGN/66/RES/6, 21 de outubro de 1997
internacionais que envolvam
o uso de armas de fogo
Para informações veja
adquiridas ilegalmente”
www.interpol.int/public/ICPO/GeneralAssem (adoção de registro efetivo,
bly/Agn66/Resolutions/AGN66RES6.asp
marcação e sistemas de
rastreio, intensificação de
troca de informações e
cooperação). Também
“encoraja países membros a
adotar legislações e
regulamentos relacionados
ao uso de armas de fogo por
civis”.
Nota: A definição entre armas pequenas e armas leves varia entre documentos. Nem sempre munição é considerada
Pensando Primeiro nas Pessoas 55
Esforços transparentes
PAÍS
Produz um relatório
anual sobre suas
exportações de armas
Áustria
Canadá
Chile
Grécia
Irlanda
Jordânia
Holanda
Noruega
Eslovênia
África do Sul
Suíça
Tailândia
Mali
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Não
Relatórios SALW dados
alfandegários do banco
de dados da UN
COMTRADE
Parcial
Sim
Sim
Parcial
Parcial
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Parcial
Não
Apresen-tou um relatório
para o Encontro Bienal da
ONU em 2003*
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Não
* A partir da metade de junho de 2003. Fonte: Haug, Langvandslien, Lumpe e Marsh (2002), p.p 30-31,
COMTRADE (PC TAS)
Países da Rede e Produção de armas pequenas
País
Áustria
Canadá
Chile
Grécia
Irlanda
Jordânia
Holanda
Noruega
Eslovênia
África do Sul
Suíça
Tailândia
Mali
Produtor de armas pequenas e munição
Médio
Pequeno
Pequeno
Pequeno
Não
Não (algumas produções artesanais relatadas)
Pequeno
Pequeno
Pequeno
Médio
Médio
Pequeno
Não
Nota: As categorias ‘pequeno’ e ‘médio’ correspondem àquelas identificadas pelo Small Arms Survey 2001 em
seu ranking de produtores mundiais de armas pequenas e munição. Fonte: Small Arms Survey (2001), p. 16;
Small Arms Survey (2002), pp. 20-40 e banco de dados da NISAT. Disponível no: www.nisat.org
Exportação de Armas e munição
País
Áustria
Canadá
Chile
Grécia
Irlanda
Jordânia
Holanda
Noruega
Eslovênia
África do Sul
Suíça
Tailândia
Mali
Valor identificado de exportação SALW em 2000
(Milhões de dólares)
71.423
46.152
1.518
4.370
0.018
Não identificado
2.525
8.483
Não identificado
15.696
43.970
0.083
Não identificado
Fonte: COMTRADE (PC-TAS) Nota: Nem todas as nações forneceram informações para a COMTRADE, por esta
razão há lacunas na informação disponível
Pensando Primeiro nas Pessoas 56
Legislação regulando comércio de armas
País
Áustria
Legislação regulando
comércio de armas
Sim
Canadá
Sim
Chile
Grécia
Não
Sim
Irlanda
Em processo
Jordânia
Sim
Holanda
Sim
Noruega
Sim
Eslovênia
Sim
África do Sul
Sim
Suíça
Sim
Tailândia
Mali
Não
Não
Comentários
A legislação nacional de importação, exportação e
trânsito de material de guerra foi retificada para incluir
comércio de materiais de guerra.
Legislação que indiretamente trata a atividades de
comércio
• Proibição de comércio de armas para países sob
embargo da ONU (por qualquer pessoa no Canadá
ou qualquer canadense)
• Na lei de Autorização de Exportação e Importação,
proibição de comércio de armas automáticas e
outros modelos proibidos (apenas para atividades
no Canadá).
Legislação que indiretamente trata a atividades de
comércio.
Nenhuma legislação específica ainda, mas um processo
de revisão está em andamento para examinar controles
no comércio de armas pequenas.
Legislação que indiretamente trata das atividades de
comércio
• Lei de Armas de Fogo e Munição N°. 34 (1959)
• Regimento interno no Comércio e Armas de Fogo e
Munição N°. 58 (1975) (regulando importação e
exportação na Jordânia mas sem operações na
bolsa de valores)
• Além disso, comércio de armas de fogo automáticas
com intenções malignas é severamente penalizado.
O Decreto Real Holandês de 1994 trata de temas
relacionados a algumas atividades de comércio. Uma
licença é necessária para pessoas financeiramente
envolvidas com mercadorias militares, e apenas se
aplica a comerciantes baseados na Holanda.
Legislação que indiretamente trata das atividades de
comércio.
Legislação que indiretamente trata das atividades de
comércio
• Decreto de permissão e liberação de transferência e
produção de equipamentos e armas militares
• A Lei de Armas
• O Código Penal da República da Eslovênia.
Regulamento da Lei de Auxílio Militar Estrangeiro (1998)
requer autorização do governo para qualquer operação
de auxílio militar, incluindo a aquisição de equipamento.
Esta lei também serve para atividades comerciais
contratadas no exterior por cidadãos sul africanos.
Lei federal sobre materiais de guerra (1996) trata
diretamente de atividades de intermediários, que
precisam autorização para procurar no exterior
receptadores de materiais de guerra. Serve apenas para
intermediários operando dentro do território suíço.
Em processo de desenvolvimento.
Fonte: Wood e Peleman (1999), pp 106-115, banco de dados NISAT, comunicação com representantes dos
governos (abril-maio 2003).
Pensando Primeiro nas Pessoas 57
Países da Rede e mortes por armas de fogo informadas
País
Áustria
Canadá
Chile
Grécia
Irlanda
Jordânia
Holanda
Noruega
Eslovênia
África do Sul
Suíça
Tailândia
Mali
Morte causados por
armas de fogo para
cada 100.000
>0.53
4.6
>1.9
1.47
0.7
3.0
3.07
>49.8
>6.28
-
Número de mortes por
armas de fogo
Ano
43
1402
>194
55
129
>21,706
>448
-
1995
1998
1995
1997
1994
1998
1994
2000
1999
-
Fonte: SAFER-net <http://www.research.ryerson.ca/SAFER-Net/>
Estados da Rede e Programa de Ação Central da ONU
País
Áustria
Canadá
Chile
Grécia
Irlanda
Jordânia
Holanda
Noruega
Eslovênia
África do Sul
Suíça
Tailândia
Mali
Centro & Departamento
Mr. Andrea Ikic-Boehm, Ministry of Foreign Affairs
Department of Disarmament, Arms Control, Non-proliferation
National Point of Contact, Small Arms Coordinator
Peace-building and Human Security Division (AGP)
Department of Foreign Affairs and International Trade
D. Julio Fiol, First Secretary,
Jefe del Departamento de Desarme y de Seguridad internacional
Mr. Nikolaos Kanellos, Counsellor of Embassy
Ministry of Foreign Affairs, Department of International Organisations
Mr. Eddie Branningan, Department of Foreign Affairs, Disarmament and
Non-Proliferation Section
Military Intelligence Department, General Headquarters of Armed Forces
Ms. Mary-Honor Kloeg, Ministry of Foreign Affairs
Security Policy Department, Arms Control and Arms Export Policy Division
Ministry of Foreign Affairs, Section for Disarmament
Arms Control and Global Security
Mr. Igor Jukic, Second Secretary
Ministry of Foreign Affairs, Department for Multilateral Affairs
Mr. Rob Wensley, Directorate for Disarmament and Non-Proliferation
Department of Foreign Affairs
Ms. Heidi Grau, Federal Department of Foreign Affairs
Political Division for Human Security, Peace Policy and Human Security
Peace, Security and Disarmament Division
Department of International Organisations, Ministry of Foreign Affairs
M. Mahamadou Nimaga
Ministère des Affaires Etrangères et des Maliens de l’Extérieur
Disponível no: http://disarmament.un.org/cab/docs/trcngexperts/list.pdf
Fontes para esta seção:
Abel, Pete (2000), “Manufacturing Trends: Globalising the Source”, in Lumpe, ed. Running Guns: The Global
Black Market in Small Arms, Zed, Londres, pp 81-105
Wood, Brian and Johan Peleman (1999), The Arms Fixers, PRIO report 3/99, PRIO, Oslo.
Small Arms Survey (2001)
Small Arms Survey (2002),
Haug, Maria, Martin Langvandslien, Lora Lumpe and Nicholas Marsh (2002), Shining a Light on Small Arms
Exports: The Record of State Transparency, Occasional Paper 4, Small Arms Survey.
Pensando Primeiro nas Pessoas 58
Anexo 2
Informações sobre o processo de conferência
Dois encontros formais foram realizados como parte do processo de diálogo, ‘Segurança
Humana e armas pequenas: consolidando uma agenda para ação”. Estes encontros
aconteceram em Genebra em 08 de novembro de 2002 e em Nova York em 27 de março
de 2003.
Organizações que participaram dos encontros são:
Arias Foundation, Costa Rica
Bonn International Centre for Conversion, Alemanha
Centre for Democratic Empowerment, Libéria/Cote d’Ivoire
Harvard Program on Humanitarian Policy and Conflict Research, EUA
Human Rights Watch, EUA
International Action Network on Small Arms
International Development Research Centre, Canadá
International Committee of the Red Cross, Genebra
Oxfam GB, Reino Unido
Oxfam International, Nova York
Project Ploughshares, Canadá
Quaker United Nations Office, Genebra
United Nations Development Programme
United Nations Development Fund for Women
United Nations Regional Centre for Peace and Disarmament, Togo
Regional Human Security Centre, Jordânia
Safer-NET, Canadá
Small Arms Survey, Genebra
Viva Rio, Brasil
World Council of Churches, Genebra
World Health Organisation
World Vision International, Nova York
Os governos da Áustria, Canadá, Chile, Grécia, Irlanda, Jordânia, Mali, Holanda,
Noruega, Eslovênia, África do Sul (observador), Suíça, Tailândia.
Resumos sobre o encontro estão disponíveis no:
www.hdcentre.org/Programmes/smallarms/hsn.htm
Pensando Primeiro nas Pessoas 59

Documentos relacionados