Dissertação Final de Wesley Corrêa

Transcrição

Dissertação Final de Wesley Corrêa
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
WESLEY CORRÊA
POYNTES, MISCHEVES AND CAUSES: PERCEPÇÕES DA
CRISE POLÍTICA NA INGLATERRA ENTRE A REVOLTA
DE JACK CADE E A GUERRA DAS ROSAS
c. 1449-1475.
GUARULHOS
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
POYNTES, MISCHEVES AND CAUSES: PERCEPÇÕES DA
CRISE POLÍTICA NA INGLATERRA ENTRE A
REVOLTA DE JACK CADE E A GUERRA DAS ROSAS
c. 1449-1475.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
História.
Orientador: Dr. Fabiano Fernandes.
GUARULHOS
2014
Corrêa, Wesley
Poyntes, Mischeves and Causes: Percepções da Crise Política na
Inglaterra entre a Revolta de Jack Cade e a Guerra das Rosas, c. 1449 - 1475 /
Wesley Corrêa – Guarulhos, 2014.
193 p.
Dissertação de Mestrado (História) – Universidade Federal de São Paulo,
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2014.
Orientador: Fabiano Fernandes.
Título em inglês: Poyntes, Mischeves and Causes: Perceptions of the
Political Crisis in England from the Jack Cade Rebellion to the Wars of the
Roses, c. 1449-1475.
1. Inglaterra Medieval 2. Percepções da Sociedade 3. Cultura Política I.
Título
WESLEY CORRÊA
POYNTES, MISCHEVES AND CAUSES: Percepções da Crise
Política na Inglaterra Entre a Revolta de Jack Cade e a
Guerra das Rosas
c. 1449-1475.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
História.
Orientador: Dr. Fabiano Fernandes.
Aprovado em 31 de Março de 2014.
_____________________________________________
Prof. Dr. Glaydson José da Silva – UNIFESP/EFLCH
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cândido da Silva – USP/FFLCH
À Tamy e seu jeito mágico de
compreender o passado, o presente e o futuro
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aqui a todos aqueles que de alguma maneira influenciaram neste
trabalho direta ou indiretamente. Iniciando pelos colegas da primeira turma de Mestrado
da UNIFESP, que desde as discussões iniciais sobre o processo seletivo contribuíram
para que esse processo fosse iniciado. Aos professores do Departamento de PósGraduação em História, sem os quais nem o programa nem esta pesquisa seriam
possíveis. Às contribuições indiretas de minha família, pelo respeito e contribuição para
com as escolhas que fiz até o momento. À Tamy, que de um jeito especial sempre me
subsidiou de várias maneiras para suportar as dificuldades encontradas no caminho
traçado. Ao professor e orientador Fabiano Fernandes, pelo companheirismo, paciência
e profissionalismo que sempre demonstrou desde o início de nossa parceria em 2010. E
por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à
Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) que concederam
bolsas em dois períodos diferentes desta pesquisa.
Regnum Anglorum regnum Dei est,
As the Aungelle to seynt Edward dede wyttenesse;
Now regnum Sathane, it semethe, reputat best,
For filii scelerati have brought it in dystresse.
[O reino da Inglaterra é um reino de Deus,
Como o Anjo ao Santo Eduardo declarou;
Agora reino de Satanás parece mais adequado,
Pois os filhos malfeitores o colocou em aflição]
Balada fixada nos portões de Canterbury, 1460.
RESUMO
A pesquisa que originou a dissertação aqui apresentada pretendeu, ao longo do
processo, discutir a crise política do reino da Inglaterra no século XV – da qual fez parte
a Guerra das Rosas. Essa discussão foi pensada a partir das reivindicações da Revolta de
Jack Cade (1450), dos relatórios do Parlamento entre os anos de 1449 e 1475, de três
crônicas e de cartas e manifestos coletados no período por John Vale. O objetivo central
foi identificar a percepção que os contemporâneos tiveram dessa crise política e
aprofundar nossa hipótese principal de que a revolta de Jack Cade colocou em pauta
assuntos particularmente delicados que contribuíram para o desenrolar dos processos
históricos que se seguiram. Para tanto, foram verificados termos chave na
documentação, bem como os assuntos sobre os quais tratam. Essas questões são
pensadas através de conceitos como estrutura política, cultura política e opinião pública.
Dessa forma, a diversidade das fontes e dos conceitos colabora para uma visão ampla
das percepções de época no intuito de identificar como diferentes grupos sociais
vivenciaram, perceberam e atuaram nessa crise.
Palavras-Chave: Guerra das Rosas. Jack Cade. Cultura Política. Opinião Pública.
ABSTRACT
The research that originated the dissertation here presented, intended, during the
process, to discuss the political crisis of the kingdom of England in the Fifteenth
Century – of which included the Wars of the Roses. This discussion was idealized from
the complaints of the Jack Cade’s Rebellion (1450), from the parliament records
between 1449 and 1475, from three coeval chronicles and from letters and manifestos
collected by John Vale during that period. The main objective was to identify the
perceptions that people had about this political crisis and to deepen our main hypothesis
that the rebellion of Jack Cade put on the agenda particularly delicate issues that
contributed to the development of the following historical processes. For this, we
verified key terms on the sources, as well as the topics about which they treat. These
questions are reasoned through concepts such as political structure, political culture and
public opinion. Thus, the diversity of sources and concepts cooperate to a wide vision of
those perceptions, in order to identify how different social groups lived, realized and
acted in that crisis.
Keywords: Wars of the Roses. Jack Cade. Political Culture. Public Opinion.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Lógica Argumentativa das Petições da Revolta
77
Quadro 01 – Recorrência de Assuntos MS 1
60
Quadro 02 – Recorrência de Assuntos MS 2
60
Quadro 03 – Recorrência de Assuntos MS 3
61
Quadro 04 – Recorrência de Assuntos Geral – Jack Cade
61
Quadro 05 – Recorrência de Termos MS 1
71
Quadro 06 – Recorrência de Termos MS 2
71
Quadro 07 – Recorrência de Termos MS 3
72
Quadro 08 – Recorrência de Termos Geral – Jack Cade
72
Quadro 09 – Recorrência dos Temos nas Crônicas
91
Quadro 10 – Assuntos gerais tratados no Parlamento (1449-1461)
107
Quadro 11 – Recorrência dos Termos no Parlamento (1449-1461)
108
Quadro 12 – Ato de Restituição de 1449-50
111
Quadro 13 – Ato de Restituição de 1450
112
Quadro 14 – Ato de Restituição de 1455
114
Quadro 15 – Assuntos gerais tratados no Parlamento (1461-1475)
144
Quadro 16 – Recorrência dos Termos no Parlamento (1461-1475)
145
Quadro 17 – Ato de Restituição 1463-4
147
Quadro 18 – Ato de Restituição 1467-8
148
Quadro 19 – Ato de Restituição 1473-4
149
LISTA DE ABREVIAÇÕES
A Short English Chronicle – Refere-se à crônica contida na seguinte edição:
GAIRDNER, J. (Ed.). Three Fifteenth-Century Chronicles. Londres: Camden Society,
1843.
An English Chronicle – Refere-se à seguinte edição: DAVIES, J. S. (Ed.). An English
Chronicle of the Reigns of Richard II, Henry IV, Henry V, and Henry VI. Oxford:
Camden Society, 1856.
John Vale – Refere-se à coleção de documentos de John Vale do século XV na seguinte
edição: KEKEWICH, M. (Ed.). The Politics of Fifteenth Century: John Vale’s Book.
Stroud: Sutton Publishing, 1995.
MS 1 – Manuscrito da British Library, Cotton Roll IV 50 transcrito em: HARVEY, I.
M. W. The Jack Cade’s Rebellion of 1450. Oxford: Clarendon Press, 1991.
MS 2 - Manuscrito da British Library, Cotton II 23 transcrito na mesma obra referida
acima.
MS 3 – Manuscrito do Magdalen College, MS Misc. 306 transcrito na mesma obra
referida acima.
PROME – Refere-se à coleção de registros medievais do Parlamento Inglês: GIVENWILSON, C.; HORROX, R.; ORMROD, M. et al. (Eds.). The Parliament Rolls of
Medieval England: 1275-1504. Londres: Scholarly Digital Editions, 2005. [CD-ROM]
The Brut – Refere-se à seguinte edição: BRIE, F. W. D (Ed.). The Brut or The
Chronicles of England. Londres: Early English Text Society, 1906.
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................................ 12
Capítulo 1 – Poyntes, mischeves and causes: a crise política na Inglaterra do século XV. Debates
e questões.............................................................................................................................................. 16
1.1 A crise política da sociedade inglesa do século XV................................................................. 17
1.2 A crise como percepção da realidade ...................................................................................... 23
1.3 A crise como debate historiográfico......................................................................................... 32
1.4 Resultados de Debates e Perspectivas Conceituais ................................................................. 40
Capítulo 2 – The compleyntys & causes of the assemble on blake hethe: a revolta de 1450 e seus
tópicos comuns ..................................................................................................................................... 50
2.1 A revolta e as percepções da crise política do sudeste............................................................ 51
2.2 As Petições e a Revolta de Jack Cade: Limites e Possibilidades interpretativas ................. 59
Capítulo 3 – God seende us a ffayre day! Awey, traytours, awey!: percepções e opinião pública
entre as crônicas, cartas e reuniões parlamentares .......................................................................... 86
3.1 Ricardo de York entre Gloucester e a Guerra das Rosas ...................................................... 92
3.2 As percepções da crise no Parlamento .................................................................................. 106
3.2.1 O Ato de Restituição ........................................................................................................ 108
3.2.2 O Conselho Régio e o Bom Governo............................................................................... 115
3.2.3 A França e a Defesa do Reino.......................................................................................... 118
3.3 As Expressões da Opinião Pública e Ricardo de York ........................................................ 123
Capítulo 4 – For the hasty and necessary defence of this youre reame: Ricardo de Warwick,
Eduardo IV e novas percepções da crise política ........................................................................... 135
4.1 Eduardo IV e a Guerra das Rosas ......................................................................................... 136
4.2 Os problemas do reino no Parlamento .................................................................................. 143
4.2.1 O Ato de Restituição ........................................................................................................ 146
4.2.2 O Bom Governo ................................................................................................................ 149
4.2.3 A França e a Defesa do Reino.......................................................................................... 152
4.3 O fim da segunda fase da Guerra das Rosas e a Opinião Pública ...................................... 158
Conclusões.......................................................................................................................................... 168
Fontes ................................................................................................................................................. 173
Referências Bibliográficas ................................................................................................................ 174
Apêndices ........................................................................................................................................... 180
1 – Cronologia Geral dos Principais Eventos e da Revolta de Jack Cade................................ 180
2 – Glossário de Nomes ............................................................................................................ 185
Anexos ................................................................................................................................................ 192
Mapas ............................................................................................................................................. 192
12
Introdução
A Dissertação de Mestrado que aqui segue é resultado de uma trajetória até o objeto
que remonta pelo menos a 2009. Naquele ano foi iniciado o contato com a historiografia
inglesa sobre o século XV quando começamos a construção de um projeto de Iniciação
Científica voltado para as representações de governo no reino da Inglaterra no texto de Sir
John Fortescue (c. 1471). Ao findar o presente trabalho é possível ainda ouvir ecos daquele
trabalho inicial, dada a densidade com a qual Fortescue concentrou os problemas de seu
tempo num tratado de governo – ao qual não deixamos de recorrer aqui em alguns
momentos.
Mas mais importante do que isso, ao longo de 2010 e 2011 passamos a notar uma
recorrente afirmação em nossas leituras de que a Revolta de Jack Cade poderia ser
considerada um marco histórico mais relevante que a deposição de Henrique VI em 1461 ou
a morte de Ricardo III e o fim da Guerra das Rosas em 1485.1 E por outro lado, a importância
de figuras centrais nesse período não poderia deixar de transparecer no texto, como Ricardo
de York e Ricardo de Warwick, sem os quais o conflito muito peculiar não teria ocorrido.
Dessa forma, a relação entre esses dois fatores – a revolta e membros da nobreza –
foi considerada na medida em que tópicos comuns foram identificados durante a leitura das
fontes. Não bastasse isso, passamos aos poucos a selecionar uma variedade de fontes na
tentativa de poder realizar afirmações mais palpáveis sobre esse possível discurso que
passamos a considerar parte da opinião pública.
Clanchy chamou o século XV de “início da era da memória artificial” na qual a
apropriação da memória coletiva passava a ser manipulada pelas camadas superiores de uma
maneira sem precedentes (WALKER in CARPENTER & CLARK, 2004, pp. 21-2). E para
nós a expressão “manipulada” não diminui o seu caráter de explicação das percepções da
sociedade e de sua realidade parcial – a crise política. Pelo contrário, uma memória coletiva
nesse período só poderia ser manipulada se acompanhasse tendências efetivas da opinião
pública e da cultura política – ambas fortemente interligadas. Além disso, a relativa limitação
das fontes não permite muitos filtros, mas sim muitos pontos de vista e perspectivas distintas
1
O termo Guerra das Rosas será utilizado nesse texto como tradução direta do uso recorrente que é feito
na historiografia inglesa como Wars of the Roses. Apesar de se tratar de um termo simplificador cunhado no
século XIX, ele aglomera a grande quantidade de eventos ocorridos entre 1450 e 1500 – embora o enfrentamento
armado se limite a 1455-1485. Acreditamos que sua utilização é menos anacrônica do que o termo “Guerra das
Duas Rosas”, mais utilizado pela historiografia francesa. Isso porque as “rosas” se referem aos distintivos das
famílias envolvidas, que não eram somente duas, não eram somente “rosas”, e os “dois lados” do conflito só
ficaram vagamente evidentes a partir de 1459.
13
que puderam nos revelar aqui as percepções da sociedade entre a revolta de Jack Cade e a
Guerra das Rosas.
Dessa forma, o discurso codificado em palavras-chave nos permitiu averiguar a
opinião pública de uma maneira transversal em todo o corpus documental. Os termos
utilizados
foram
inicialmente
divididos
em
três
grupos:
common/people,
traitor/treason/liege, e extortion/law/council/counsel/friend. Na medida em que a análise foi
se aprofundando, passamos a considerar expressões que se referem a uma possível opinião
pública, como common voice, openly known, openly published ou rumor.
Os termos common/people estão intimamente ligados ao que hoje chamamos de
público (WATTS in CARPENTER & CLARK, op. cit., p. 159). Fosse no parlamento, em
cartas ou em crônicas, a expressão que comumente se referia ao “público”, se expressava
como os “comuns” (palavra que também pode ser traduzida como os “habitantes de
determinado lugar”). Não é a toa que expressões como “bem público” ou “bem comum” –
que pouquíssimas vezes aparecem como good publique – são acompanhadas dessa palavra
(common weal ou common profit), bem como “voz comum” (common voice). No mesmo
sentido de “público” era utilizada a expressão openly, tal como openly known (“publicamente
conhecido”) ou openly published (“abertamente publicizado”).
O segundo grupo, traitor/treason/liege, forma uma das dicotomias mais comuns
dessa cultura política, ou seja, entre os “traidores do rei” (king’s traitors) e os “fiéis ao rei”
(king’s liegemen) (ALLMAND, 1970, p. 347). Mas no contexto específico essa dicotomia
assume outras palavras associadas, sendo os “traidores do rei” os próprios membros do
conselho (council/counsel) e os “fiéis ao rei” os próprios Comuns2 que utilizam a expressão
“amigos do rei” (king’s friends). Essas dicotomias são importantes na medida em que a
opinião pública julgava uma ou outra figura da nobreza ou da pequena-nobreza através deste
prisma. Não obstante, as palavras extortion/law vêm associadas ao “conselho” e aos “amigos
do rei”, pois dada a influência de um ou de outro as leis eram julgadas como cumpridas ou
não – o que resultava em maior ou menor número de extorsões e injustiças.
No geral essas palavras-chave representam uma crença no bom governo, no bem
comum, na paz, na ordem e nas leis que, para Christopher Dyer, atravessavam quase
qualquer estrato social do reino (DYER in CARPENTER & CLARK, op. cit., p. 155-7).
2
É preciso deixar claro aqui que em todo o texto haverá uma recorrência abundante da palavra “comum”
ora com letra maiúscula, ora com letra minúscula. Adotamos essa maneira de apresentação dado o hábito de
leitura da historiografia inglesa que, quando escrito em letra maiúscula se refere à Câmara dos Comuns do
parlamento, e quando escrito em letra minúscula a toda uma vasta gama da população que ia dos mesmos
Comuns do parlamento até os camponeses (sendo que os primeiros representariam idealmente os últimos).
14
Esses estratos sociais foram considerados a partir da diversidade documental selecionada: os
documentos do parlamento (1449-1475), as petições da Revolta de Jack Cade (1450), as três
crônicas que cobrem o período entre 1450 e 1461 e as cartas, manifestos e outros documentos
compilados por John Vale entre 1450 e 1475. Cada parte desse corpus se fará clara na
medida em que avançarmos no texto.
No Capítulo 1 foram consideradas as questões que devem ficar relativamente claras
antes da análise documental, isto é, o que envolve tudo que dissemos até aqui: a crise
política, as percepções da sociedade, a cultura política e a opinião pública. Neste capítulo
adentramos de que maneira afirmamos algo sobre esta crise política, de que maneira ela era
percebida no período e em que medida trata-se de um debate historiográfico. Em seguida nos
focamos em expor o caráter teórico que nos levou à utilização dos conceitos de percepção da
sociedade, opinião pública, cultura política e estrutura política.
O Capítulo 2, por sua vez, trata da abordagem do processo histórico considerado
com relevância aqui, a Revolta de Jack Cade de 1450. O objetivo é mostrar as suas causas, o
que ela representa para o contexto, a quem ela se remete e quais foram os seus reflexos
imediatos e em longo prazo. As questões tratadas através das petições da revolta servirão de
base para a compreensão do nosso fio narrativo nos próximos capítulos.
Assim, no Capítulo 3 passamos a considerar parte dos registros do parlamento entre
1449 e 1461, das crônicas e as cartas trocadas entre Ricardo de York e o rei logo após a
revolta. Tratou-se de constatar uma circulação das questões da revolta, de como Ricardo de
York passou a frente essas questões, e de como elas refletiram no parlamento e em outras
questões do reino. Neste capítulo, principalmente, iniciamos a demonstração mais clara de
nossa hipótese de apropriação entre as questões da revolta e as questões de Ricardo de York e
do parlamento; bem como de como aquele discurso de 1450, centrado no Ato de Restituição,
no Conselho Régio e nas questões da França, era considerado no parlamento. Devido à
importância central deste Capítulo 3, ele se tornou o maior dos quatro capítulos.
O quarto e último capítulo tentará fechar o nosso argumento continuando com a
mesma organização lógica do Capítulo 3, mas focado no reinado de Eduardo IV.
Considerando os documentos parlamentares do período que vai de 1461 a 1475 e os
manifestos lançados por Ricardo de Warwick e George de Clarence – bem como outras
questões que aparecem na documentação – gostaríamos de encerrá-lo demonstrando como a
15
segunda fase da Guerra das Rosas (1469-71)3 foi resolvida pelos caminhos apontados desde
1450.
Os quatro títulos dos capítulos possuem trechos da documentação em inglês
medieval que apontam nuanças das questões principais tratadas em cada um. No primeiro,
“Razões, queixas e causas” se refere tanto aos problemas do reino da Inglaterra naquele
momento quanto ao nosso ponto de vista em relação ao objeto. No segundo, “As reclamações
e causas dos reunidos em Blackheath” se refere aos próprios rebeldes de Jack Cade. No
terceiro, “Deus nos mande dias justos! Para longe traidores, para longe” trata-se também de
trecho das petições dos rebeldes, mas já indicando que as questões da revolta estavam
imbricadas com a do resto da documentação que será apontada no capítulo. E no último,
“Para a rápida e necessária defesa do seu reino” se refere à maneira como o parlamento sob
Eduardo IV voltou a reconsiderar uma invasão à França – como estratégia legitimadora de
sua posição e como argumento de que se não voltassem a atacar o inimigo, ele os atacariam.
Resta dizer que gostaríamos que o texto que segue deixasse claros dois objetivos
centrais. O primeiro deles seria o de demonstrar a influência que a revolta de 1450 teve na
Guerra das Rosas. Esses processos separados por apenas cinco anos revelam queixas comuns
que foram condensadas por Ricardo de York – que por sua vez só teve oportunidade de voltar
ao reino pela ocasião da revolta. O segundo é como essas mesmas questões foram evocadas
na segunda fase do conflito, em 1469-71 e só foram resolvidas quando foram de fato levadas
em conta por Eduardo IV.
Para subsidiar a leitura, no apêndice há uma cronologia geral relevante para a
compreensão do período analisado aqui, bem como um breve Glossário de nomes recorrentes
no texto. E em anexo encontram-se dois mapas que demonstram o alcance da revolta de Jack
Cade, no primeiro, e a região sudeste do reino, no segundo.
3
Sendo a primeira a crise acirrada de 1459-61 que depôs Henrique VI.
16
Capítulo 1 – Poyntes, mischeves and causes: a crise política na Inglaterra do século XV.
Debates e questões.
Gostaríamos aqui de realizar uma discussão sobre a suposta crise dos séculos XIV e
XV enfatizando principalmente o reino da Inglaterra, que sofreu um processo de crise política
por questões particulares. Estas questões só podem ser entendidas através dos processos
históricos que abordaremos no primeiro tópico deste capítulo. Assim, por entendermos a crise
política do contexto inglês desse período como restrita, nos distanciamos de qualquer
narrativa que se proponha a enfatizar uma crise “endêmica” de todos os reinos do “ocidente
medieval”. Para tanto, faz-se necessário uma consideração da percepção coeva do que
chamamos de crise – discutida no segundo tópico deste capítulo – bem como uma
consideração do debate historiográfico sobre essa questão – o terceiro tópico.
Toda consideração sobre o período desta pesquisa tem como plano de fundo dois
conceitos fundamentais que orientam boa parte da historiografia inglesa: o feudalismo
bastardo e a estrutura política. O primeiro conceito cunhado no final do século XIX (Cf.
PLUMMER, 1885) fez parte da interpretação da maioria dos historiadores sobre o reino da
Inglaterra na virada para o XX até o pós-Segunda Guerra. Já o segundo, mais próximo da
proposta francesa dos Annales, foi proposto na tentativa de reinterpretação do período de uma
maneira menos pejorativa (CARPENTER, 2004, pp. 2-10). Tanto um conceito quanto o outro
passaram por revisões contemporâneas e continuam sendo alvo de investigação e discussão
(Cf. HICKS, 1995 & WATTS, 2009).
Além dos dois conceitos explicitados, outros três nos acompanharão por todo esse
texto e se associam para uma melhor compreensão do período e das nossas fontes. Tratam-se
da cultura política, das percepções e atitudes e da opinião pública. Os dois primeiros são
compreendidos como os resultados do debate historiográfico que nos é mais caro – que
aparecerão com ênfase no último tópico. Já o termo “opinião pública” pode ser apontado de
antemão como possibilidade interpretativa do século XV mesmo que não houvesse a
utilização dessa expressão que só aparece no século XVIII. Isso porque, se levarmos em conta
a pesquisa de Bernard Guenée (2002) sobre um período ligeiramente anterior, as expressões
de “opinião” e de “propaganda política” o convencem de que podemos utilizar “opinião
pública” para o reino da França. No que tange à Inglaterra, John Watts apontou em 2004, o
quanto a linguagem que se refere aos “comuns” (àqueles do Parlamento, mas também aos
demais habitantes do reino abaixo da nobreza) se expressa de uma maneira que hoje
chamaríamos de opinião pública (WATTS in CARPENTER & CLARK, op. cit., p. 159).
17
Discutiremos assim, como os diferentes níveis da sociedade percebiam os conflitos e como no
decorrer do período que vai de 1449 a 1475 a participação crescente dos comuns representava
um certo amadurecimento da opinião pública.
1.1 A crise política da sociedade inglesa do século XV
As narrativas sobre a crise do tardo medievo tendem a se concentrar nas pestes, nas
guerras, na desordem ou na ascensão do Estado moderno. É claro que todas essas questões
tiveram seu papel em maior ou menor grau nesse período, mas a maneira de abordá-los e a
ênfase em cada um desses fatores é que deve ser objeto de cautela. Falar das guerras, como
faremos nos próximos parágrafos, não incute necessariamente em falar de crise generalizada.
Isso porque o estado de guerra no qual viviam os reinos da França e da Inglaterra
atravessavam sua cultura política,4 suas instituições e, de certo modo, sua maneira de
organizar a sociedade. E por esse motivo, a guerra em sim se apresenta como uma questão
relevante para a crise política que se desenvolveu em seguida.
Durante os séculos XIV e XV os monarcas ingleses viram-se sob grandes
responsabilidades dado o constante estado de guerra em que viviam, seja além-mar ou nas
terras britânicas. A partir do reinado de Eduardo I (1272-1307) até o fim do século XV não
houve uma década na qual os ingleses não estivessem em guerra: a conquista do País de
Gales, os constantes conflitos com a Escócia, a Guerra dos Cem Anos e a Guerra das Rosas.
Todas as gerações desse período souberam o que eram as demandas e consequências de uma
guerra – muito mais que seus antepassados (GILLINGHAM & GRIFFTHS, 1984, pp. 80-1).
O reconhecimento da soberania que os monarcas ingleses exigiam dos galeses,
escoceses e irlandeses fora negada ao rei da França na Gasconha do século XIV, onde os
monarcas ingleses – como Duques da Aquitânia – foram vassalos da Coroa da França desde
1204. Essa região produtora de vinho era a última possessão inglesa no território francês
quando Eduardo I assumiu o trono em 1272; não obstante, se torna o centro do conflito anglofrancês. Eduardo I e seus sucessores no século XIV estavam relutantes quanto aos direitos da
Coroa da França sobre a Gasconha, e o resultado foi uma série de incidentes, tratados de paz e
expedições, durante os quais os franceses penetraram a Gasconha e confiscaram parte do
ducado (Idem, Ibidem, p. 87).
4
Um conjunto de lugares de retórica, de padrões, de linguagens e de expectativas que resultam em ações
concretas em nome de determinadas instituições, status, posições e valores diversos – destacaremos a cultura
política com mais afinco no Item 1.4.
18
Esse atrito permaneceu em paralelo a outros durante os séculos XIV e XV. Um deles
era a aliança franco-escocesa e o refúgio que a França oferecera ao rei David II após a invasão
de Eduardo III5 na Escócia (1333-4). Além disso, havia a questão da transição da dinastia
capetíngia para os Valois na França – à qual Eduardo III poderia interferir. Assim, quando as
frotas francesas saíram da costa normanda com destino à Escócia em 1337 (assim acreditavam
os ingleses), tivemos simbolicamente o início da chamada “Guerra dos Cem Anos”.6
Mas além dos longos conflitos entre o reino da França e da Inglaterra que datam do
século XI com a Conquista Normanda da Coroa da Inglaterra (1066), o século XIV
presenciou questões que, para além do título de Eduardo III à Coroa da França, não puderam
ser resolvidas pacificamente. O confisco do ducado da Gasconha foi uma delas, a aliança
franco-escocesa foi outra, e para além disso, as constantes alianças e/ou desavenças entre os
dois monarcas e o Duque da Borgonha, bem como as interferências do Papa (ALLMAND,
1988, pp. 12-4). O fato é que, quando iniciado o conflito armado, o conflito político era de
longa data, com categorias formadas e uma cultura política que orientava as ações de um e do
outro lado do Canal, e suas consequências nas instituições e percepções eram notáveis.
A economia de um reino e sua organização social, por exemplo, poderiam ser
afetadas pela guerra de várias maneiras. Sua necessidade de homens pode estancar a produção
agrícola e outras indústrias. A necessidade de dinheiro pode impor fardos pesados não
habituais e ruinosos para a sociedade. Os perigos de sofrer ocupação ou devastação
temporária são latentes. E a possibilidade de ganhar e perder terras estão no mesmo nível de
possibilidade. A “Guerra dos Cem Anos” deixou marcas fixas na sociedade inglesa do nosso
período e é sobre ela que pretendemos falar tomando como eixo algumas ideias de McFarlane,
em particular no que se refere aos impactos demográficos e econômicos das guerras levadas a
diante pela monarquia inglesa daquele período (1981, pp. 139-40)
McFarlane relativizava essa afirmação sobre os impactos populacionais das guerras,
afirmando que foi reduzido devido à pequena dimensão dos efetivos envolvidos. A maior
tropa reunida pela coroa foi de 32 mil homens em 1346-7 no cerco de Calais. Esse número
somava algo como 1 % da população inglesa do período. A maioria das batalhas foi
combatida com metade ou ainda um terço desse 1%. Menos de 2 mil homens foram
5
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Mais do que um conflito unívoco, essa guerra constitui sucessões de diferentes episódios bélicos que
apenas retrospectivamente são vistos com um sentido único. Logo apontar o início ou o fim da Guerra dos Cem
Anos é alvo de debates infrutíferos, afinal os afrontamentos militares entre as duas coroas têm alguns dos seus
principais antecedentes pelo menos desde a virada do século XII para o XIII (ALLMAND, 1988, pp. 1-5).
6
19
necessários para que Henrique V7 assegurasse a Normandia em 1417. Enfim, para McFarlane,
mais de 10 mil homens em campo era uma raridade. Muitos deles, ou praticamente todos,
eram da pequena-nobreza (gentry).8 Esse número pequeno de pessoas envolvidas, e por se
tratar de membros da pequena-nobreza, não nos leva a crer que pudesse atrapalhar a vida dos
trabalhadores e mercadores do reino de maneira significativa. Além disso, havia longos
períodos de trégua (McFARLANE, op. cit., pp. 139-40).
Mas não é somente o número de homens ausentes no reino (alguns dos quais não
voltavam) que deixaram as marcas na sociedade. Foi sobretudo a crescente arrecadação de
impostos que marcou a vida da população do reino. Os impostos eram cobrados em nome da
“boa defesa dos mares e do reino”, sempre se referindo à ameaça francesa. Entre 1336 e 1453
foram arrecadadas cerca de mais de 2 milhões de libras por taxação direta do clero e dos
leigos. Se somarmos a taxação indireta – tonéis de vinho, peso dos alimentos e imposto sobre
a lã, todos dedicados à guerra, aos mares e à segurança de Calais – chegamos à casa dos 5
milhões. Para termos uma ideia da crise na exportação da lã no século XV, entre os reinados
de Eduardo III (1327-1377) e Ricardo II9 (1377-1399) arrecadou-se cerca de 3 milhões de
libras sobre a lã, enquanto Henrique VI10 entre 1422 e 1453 talvez menos do que 750 mil.
(Idem, Ibidem, pp. 142-3). O subsídio da lã, entretanto, passou a ser um imposto constante
após 1397 para manter Calais, enquanto os dízimos e quínzimos11 sobre a renda anual das
propriedades rurais e urbanas continuavam sendo votados esporadicamente no parlamento
(Idem, Ibidem, p. 146).
As possibilidades de renda que a própria guerra oferecia eram inúmeras e devem ser
destacadas: a pilhagem, os resgates de prisioneiros, as rendas provenientes de feudos
franceses dominados por ingleses, os frutos de cargos nos territórios ocupados, a taxação dos
habitantes dominados, indenizações para resistirem à invasão, o preço da rendição e os
subornos oferecidos para induzir ou manter o agressor distante. Os ingleses não sofreram
praticamente nada disso no período, mas tinham um medo constante. Apesar de uma invasão
7
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
A pequena ou baixa-nobreza (do inglês gentry) pode ser entendida no caso do reino da Inglaterra como
o grupo social dos proprietários de terra que possuíam uma extensa relevância e influência política em suas
cidades ou regiões, mas não possuíam nenhum título de nobreza e tinham sua ascendência e status social
baseados na renda anual de suas propriedades e nos cargos que conseguissem ocupar. Era esse grupo social –
dividido entre os cavaleiros, os escudeiros e os simples “senhores” (gentlemen) – que ocupava as cadeiras do
parlamento conhecidas como “Câmara dos Comuns” e formava a maior parte das tropas que eram recrutadas em
situações diversas sob a liderança de um nobre ou do rei (WAGNER, 2001, p. 100).
9
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
10
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
11
Chamamos de dízimo o imposto de um décimo (1/10) cobrado sobre os valores e rendas de
propriedades urbanas; o imposto de quínzimo (1/15) se referia às propriedades rurais (HARRISS, 2005, p. 60). A
palavra “quínzimo” será utilizada aqui dada a sua utilização dessa maneira na época (quinzime).
8
20
francesa ter sido planejada mais de uma vez, ela nunca ocorreu. Os ingleses tinham mais
prejuízos com levantes internos e/ou próximos, com os escoceses, galeses e irlandeses do que
com a ameaça francesa nas ilhas (McFARLANE, op. cit. pp. 146-7). Portanto, os ingleses
lucraram muito (e por muito tempo) com sua exploração no continente, embora tenham
perdido quase tudo brusca e rapidamente entre 1449 e 1453 – restando apenas o entreposto de
Calais.
Não é de se admirar que a perda das terras do continente após tantos sacrifícios,
causasse indignação na população em geral. A perda da Normandia poderia ser de fato nefasta
para a Inglaterra por terra e mar. A Normandia havia sido a base estratégica para o conflito,
para o controle do Canal da Mancha, para o domínio do vale do Sena e das estradas entre
Paris e o mar. Além disso, o medo de ataques vindos da França a partir da perda da
Normandia era evidente, sobretudo para habitantes de cidades que ficavam a meio caminho
entre a Normandia e Londres, como as do condado de Kent e Sussex (ALLMAND, 1970, p.
349).
Esse período do conflito com a coroa da França também pode ser interpretado como
agente propulsor do que chamamos de feudalismo bastardo,
[...] a própria constituição do exército se transformou radicalmente e assistimos ao
aumento incessante da proporção de combatentes profissionais, os mercenários, em
relação aos que lutavam para prestar o serviço militar por excelência do regime
feudal, o hoste. Desta última transformação decorrem consequências consideráveis:
os exércitos tenderam a se tornar permanentes, por oposição ao caráter transitório
das forças feudais e, por ocasião das tréguas, uma vez licenciados pelos seus
contratantes, resistiam à sua dissolução passando a dedicar-se, reunidos em bandos,
à pilhagem, enquanto, por outro lado, as campanhas se tornavam mais destruidoras,
pois já não se tratava mais do confronto entre cavaleiros mais preocupados em
aprisionar o adversário a fim de obter resgate [...] mas de exércitos pagos para causar
ao inimigo o maior dano possível (SILVA, 1976, p. 29).
No que se refere à Guerra dos Cem Anos, sabemos que o período de tréguas é
superior ao período de enfrentamentos diretos, mas as consequências desses últimos – apesar
das considerações de McFarlane – poderiam ser bastante impactantes – como a destruição de
grandes áreas cultivadas. Além disso, a situação de guerra, mesmo indiretamente, provocava
uma efervescência social contra os senhores de terras do reino ou contra o próprio Estado
monárquico, pela incapacidade deste último de oferecer proteção adequada aos mais pobres
(Idem, Ibidem, p. 30) que sofriam o impacto principal da cobrança de impostos. É nesse
sentido que os medos da invasão francesa em 1450, entre outros fatores, desencadearam a
Revolta de Jack Cade12 – objeto do Capítulo 2.
12
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
21
Ao crescente aumento de impostos entre os séculos XIV e XV somou-se o peso das
pestes que se tonaram endêmicas nesses dois séculos. Russel calcula, para a Inglaterra, um
desgaste demográfico de 20% na epidemia de 1348 e de 30% para as subsequentes somadas
até o fim do século XIV, julgando também que o ponto máximo do declínio demográfico deve
ter se verificado por volta de 1440, iniciando-se uma rápida recuperação a partir de 1470
(RUSSEL apud SILVA, op. cit., p. 55).
Em sua tese, Deodato da Silva também apontava que a epidemia contribuiu
fortemente para a formação de sentimentos de hostilidade para com o clero que teve
consequências duradouras na Inglaterra. A hostilidade para com o clero implicava também
com um setor senhorial:
[...] os grandes movimentos populares de revolta são posteriores à epidemia, sendo
digno frisar, [...], que não se trata apenas e tão somente de uma rebelião contra
abusos locais, mas contra a própria organização da sociedade, o que indica uma crise
de prestígio das classes senhoriais (SILVA, op. cit., p. 61).
Na Inglaterra a abertura de Eduardo III para os Comuns no Parlamento – a Câmara
dos Comuns – é um indício dessa crise de prestígio das classes senhoriais. A emergência de
uma nova gama de pessoas que somavam 254 cadeiras no Parlamento (contra 108 dos Lordes)
permitia que as práticas políticas tomassem novos rumos a partir daí. Além disso, é plausível
supor que esses mesmos Comuns, quando não fossem o alvo das críticas locais, contribuíam
para o controle das insurreições. As inúmeras intervenções dos Comuns na dinâmica
parlamentar – o que pode ser percebido por sua predominância na documentação – são
também reveladoras da sua relevância para o governo. A sua exigência de um Conselho Régio
adequado, o controle da taxação e as críticas à Câmara dos Lordes são também outros papéis
assumidos pelos comuns a partir do século XIV. No entanto, revoltas como a de 1381 e a de
1450, provavelmente eram compostas por alguns desses parlamentares entre os seus líderes.
Isobel Harvey demonstra de que maneira os camponeses da primeira metade do
século XV ainda viviam o reflexo da Peste Negra de 1348 que mudou drasticamente as
relações de tenência da terra em favor do arrendatário. A terra tornou-se mais abundante e o
custo da mão de obra aumentou de forma que “o século seguinte a 1348 se tornou um tempo
de expetativa de levantes e crescente autoconfiança nos arrendatários para os quais as
dificuldades dos laços feudais estavam se distanciando”, ou seja, as relações entre o senhor da
terra e o arrendatário se transformavam em favor deste último, mas através de uma
22
negociação política que se dava nas insurreições (HARVEY, 1991, p. 7).13 Assim, a Revolta
dos Camponeses de 1381 está diretamente ligada a essas transformações da segunda metade
do século XIV, mas outros fatores políticos estão presentes em 1450, como veremos na
sequência.
A comparação entre a revolta de 1381 e a de 1450 é uma possibilidade de análise
profícua, pois ambas ocorreram na mesma região do sudeste e com traços realmente
parecidos. Em ambas as ocasiões pessoas de uma distância considerável se dirigiram para
Londres para peticionar ao rei. Ambos foram movimentos contra o “mau-governo” e contra
falhas nos sistemas judiciais, e produziram mortes violentas de alguns dos oficiais do poder
central e local que eram vistos como fonte desses males (KAUFMAN, 2009, pp. 19-21).
Entretanto, foram muitíssimo diferentes em outros aspectos. Nos setenta anos que
dividem os dois momentos muitas coisas mudaram na organização agrária de modo que a
servidão e as pressões sobre o sistema senhorial cessaram de ser um problema central que era
em 1381 (RUBIN in HORROX, 1994, p. 175). Além disso, não há evidência em 1450 da
tentativa de reformar drasticamente a ordem social como havia em 1381 (Cf. McCULLOCH
& JONES, 1983), mas sim a de reafirmar a ordem, o papel do rei e da alta nobreza no
Conselho. E acima de tudo, apesar de camponeses terem participado em 1450, a revolta
contou com uma diversidade populacional sem precedentes (HARVEY, op. cit., pp. 8-9).
Enfim, a difusão das ideias políticas nas classes abaixo da nobreza é evidente pela
utilização destas dos mesmos conceitos dos notáveis. A tradição reivindicatória, para John
Watts, remonta ao início do XIV, passando pela deposição de Eduardo II (1327), pela Revolta
dos Camponeses de 1381, pela deposição de Ricardo II (1399), e pelos manifestos da Revolta
de Jack Cade (1450). Além disso, outras insurreições menores demonstram a consciência
política dos problemas, como em 1377, entre 1399 e 1405 (sucessão de Henrique IV),14 e
mesmo em 1471, 1489 e 1497. Pela primeira vez na história da Inglaterra, na virada do século
XIV para o XV esses levantes reconheciam a cena política e recorriam a ela para serem
ouvidos (WATTS in CARPENTER & CLARK, op. cit., pp. 168-73).
Na nossa perspectiva, o fato de a revolta de 1450 recorrer à cena política e ser
acolhida por membros da nobreza, como veremos, revela que havia grupos de opinião pública
que emergiam de classes intermediárias como a pequena-nobreza – afinal o grosso das
questões de 1450 são de interesse dessa importante parcela da população que ocupava as
cadeiras da Câmara dos Comuns.
13
14
Tradução livre, como as demais que haverão neste texto.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
23
De tudo até o momento, queremos enfatizar o quanto a segunda metade do século
XV concentrou questões precedentes, problemas econômicos, querelas individuais e esse
novo elemento que era a pequena-nobreza. O que levou à Guerra das Rosas, portanto, foi
propriamente esse conjunto de nuanças que tornou o conflito inevitável – conjunto que
chamamos de “crise política”. Como enfatizaria McFarlane, os homens da segunda metade do
século XV só pegaram em armas porque não havia mais nenhuma alternativa de solução que
não fosse violenta: o começo do verdadeiro estado de guerra foi agonizantemente devagar,
uma vez que não era desejado por ninguém (McFARLANE, op. cit., p. 237).
O que era desejado sem dúvida, era um dos elementos fundamentais sem o qual não
se compreende essa cultura política: manter a ordem e preservar a Coroa, que não significava
– a partir do século XIV – necessariamente sustentar politicamente determinado o rei. A
deposição de um monarca demonstrava o quanto a imagem da Coroa era forte, não o
contrário, pois a deposição de um rei qualquer ocorria para a preservação do bem comum sob
a Coroa. O carisma da unção e da sacralização funcionava como constrangimento até o ponto
em que o rei não incorresse em falso juramento e/ou prejudicasse o bem comum.
Depor um rei era, entretanto, um ato dramático que não tinha procedimento
específico e que demandava uma argumentação exaustiva de várias partes. Henrique VI foi
somente o terceiro monarca da história do reino a ser deposto. Mesmo assim, a argumentação
que levou à sua deposição – entre a Revolta de Jack Cade e as ações de Ricardo de York15 –
ainda foi restrita, dado que seus problemas de governo estavam na “passividade” e não na
“tirania”. De que maneira essa crise política era percebida, e como sua solução era vista como
possível destacaremos no próximo item.
1.2 A crise como percepção da realidade
Entendemos que o debate historiográfico que se opõe a uma interpretação dos
séculos XVI e XVII em relação ao século XV não pretendia negar que este último foi
diferente – é claro que foi. Quatro reis foram removidos do trono à força, resultando seis
mudanças de monarcas entre 1399 e 1485. Mas isso não diminuía o papel da Coroa na
sociedade, apenas mostrava que agora era possível legitimar a sua reivindicação contra o rei
que ocupava o trono através da argumentação do “bem comum”. Isso ficou evidente não só
pela deposição de Ricardo II em 1399, mas também pela permanência da reivindicação dos
15
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
24
descendentes da casa de York já contra Henrique IV entre 1399 e 1413 (HORROX in
RIGBY, 2003, p. 226).
Para depor o rei era crucial legitimar aquele que reivindicava a Coroa. Para Horrox,
um tópico comum no período medieval era o discurso contra os conselheiros do rei – não
diretamente contra o rei. Contudo, se o rei aceitasse as críticas e afastasse esses conselheiros a
questão era resolvida, caso contrário ele se colocava em situação arriscada (Idem, Ibidem, pp.
230-1). Ou seja, a dinastia realmente importava e nenhum rei era deposto baseando-se na
ideia de que ele não deveria ter sido rei, mas na ideia de que ele não governara de maneira
satisfatória (HICKS, 2002, pp. 47-50).
Tendo em vista as frequentes críticas ao governo no século XV podemos ter a
impressão que a realeza em si estava em descrédito. Mas as críticas eram sempre pessoais e
específicas: um rei individual que não governou segundo os princípios do conselho, do
parlamento, da opinião pública, etc., em suma, um rei que não correspondeu às expectativas
de sua cultura política. No caso de Henrique VI, o que precipitou suas críticas e sua queda
foram processos como a perda da Normandia, a Revolta de Jack Cade e o impeachment de
William de Suffolk,16 seu principal conselheiro no ano de 1450. Após isso seu governo se
recuperou consideravelmente, mas o impacto do levante de Cade acompanhado pela punição
de oficiais reais concentrou a elite política na necessidade de defender a Coroa (HORROX in
RIGBY, op. cit., p. 231).
Essa necessidade de “defender a coroa” pode ser notada pelas tentativas de
preservação da posição de Henrique VI no trono durante toda a década de 1450. Mesmo após
os problemas mentais que o afetaram em 1453 e a oposição de Ricardo de York ao Conselho
Régio desde 1450, é possível dizer que os eventos supunham um maior apoio à Coroa; apenas
quando a guerra civil era já uma realidade foi que os súditos em geral reconsideraram sua
posição de apoio. Até na batalha de Towton (1461), a casa de Lancaster pôde reunir maiores
forças e foi só a inesperada vitória do lado mais fraco que deu a Eduardo IV17 o trono
(WEBSTER, 2005, pp. 52-60).
A questão que fica é: porque as pessoas obedeciam ao rei? Essa questão tem uma
relevância bastante grande tendo em vista tantos conflitos. Além disso, assegurar a obediência
dos súditos era algo importantíssimo uma vez que não havia órgão estabelecido para tanto.
Havia representantes do governo central e local, mas as pessoas eram muito bem capazes de
distinguir um rei de seus agentes julgados frequentemente “injustos” ou “incapazes”. Para
16
17
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
25
Christine Carpenter, é preciso enfatizar a ideia de reciprocidade e consenso, onde o rei e o
súdito dependem um do outro. O rei era visto como o baluarte da ordem pública, tendo o
papel principal de árbitro que necessitava da nobreza para manter tal ordem. Os nobres eram
seus comandantes militares, seus principais assessores e seus mais fortes agentes nas
localidades. Isso significa não simplesmente que um precisava do outro, mas também que um
precisava do outro para ter poder perante a sociedade (CARPENTER, 1997, pp. 40-1).
Durante sua menoridade, Henrique VI mostrava certa ansiedade pelo poder, mas ao
assumir o trono em 1437, provou os tantos problemas que teria para solucionar, ou delegar.
Suas intervenções intermitentes, contudo, parecem ter demonstrado o quanto era difícil para
ele lidar com a nobreza. Historiadores como Wolffe defenderam a ideia de uma nobreza que
era impulsionada à guerra, pois a autoridade central – o rei – não defendia seus interesses (Cf.
WOLFFE, 1981). Mais recentemente Watts arguiu que, assim que o rei mostrou-se incapaz de
lidar com a Coroa, a nobreza fortaleceu-se em nome da aparência da autoridade real, até o
momento que isso se tornou insustentável (WATTS, op. cit, p. 324). Para além de incorrer na
narrativa do rei “incapaz”, é preciso reconhecer as dificuldades e as circunstâncias do
momento.
Fosse qual fosse a percepção coeva do papel do rei, ela estava pendendo para
representações negativas. Não respeitar um modelo de governo estabelecido ao menos desde o
século XIV, e um mínimo controle da nobreza e dos cofres da Coroa, levava a balança para o
lado insustentável. Os exemplos não são poucos, Ricardo II foi deposto em 1399 por suas
práticas entendidas como “tirânicas”; no sentido oposto, Henrique VI perdeu o trono por
aparentemente não deter controle mínimo de sua criadagem, conselho e de suas finanças – e,
sob alguns aspectos, principalmente por ter perdido a Coroa da França conquistada por seu
pai. Já Eduardo IV, apesar de perder o trono por alguns meses entre 1470 e 1471, sofria
críticas por não implementar as reformas tão declaradas pelo seu pai desde 1450. O mais
grave deles foi o próprio Henrique VI que desde a Revolta de Jack Cade não pôde sustentar
uma situação que não seria suportável por qualquer monarca coevo e acabou na Guerra das
Rosas. Por hora é preciso reconhecer a possibilidade de mudanças desse suposto modelo,
características da crise política que serão sugeridas nos próximos capítulos.
O parlamento percebia ao menos a situação financeira de Henrique VI com certa
acuidade. Na sessão de 1449-50 as dívidas do Tesouro foram proclamadas na assembleia para
que se refletisse e fosse decretado um Ato de Restituição;18 elas atingiam as £372.000 e a
18
O Ato de Restituição era um meio de revisar todas as concessões do rei em tenências de terras e
propriedades, cargos distribuídos, privilégios, anuidades, gratificações, etc. O objetivo era aumentar a
26
renda anual estava sendo de apenas £5.000 – quando só com as despesas da casa do rei já se
atingia £24.000 anuais (PROME, 1449-50, Item 53, f. 9). Portanto, a imperícia do governo no
que se refere às finanças era explícita para os membros do parlamento e, dessa forma,
consideravam que a diplomacia estava em frangalhos – afinal as trocas com os mercadores
italianos e hanseáticos eram também fonte de renda para o rei.
Nos cinco últimos anos de trégua, a França passara por uma reestruturação de suas
tropas – também reconhecida por Edmundo de Somerset19 no Parlamento de 1450-1 – o que
resultou no desastroso incidente da Normandia para os ingleses: sua perda em apenas três
meses (ALLMAND, 1970, p. 36). A percepção do desastre militar iminente começou a afetar
justamente instituições da monarquia como a Tesouraria. Em setembro de 1450, o Bispo de
Lumley abdicou o cargo para dar lugar a James Fiennes.20 Adam Moleyns,21 notando a
situação também tentou se afastar do cargo de Guardião do Selo Privado, mas não obteve
concessão do rei (HARVEY, op. cit., p. 61). A mesma sessão do parlamento foi aberta para
discutir como defender o reino de ataques externos e da situação no continente. Ficou
conhecido como um dos mais dramáticos e litigiosos do período medieval. Não à toa, iniciase a tentativa da deposição de William de Suffolk com a declaração aberta de alguns magnatas
em apoio à reivindicação dos Comuns (PROME, 1449-50, Item 18, f. 4).
Entre 1444 e 1457, foram contabilizados na pesquisa de Harvey vinte e seis discursos
no Tribunal de Primeira Instância do Banco Régio (King’s Bench)22 que criticavam o próprio
o rei e indicavam que isso era “a voz do povo”: que ele “não se encaixava no papel de rei”,
que era uma “ameaça às finanças domésticas e aos negócios estrangeiros”, que era um “tolo à
maneira das crianças”, que não era um “soldado valente”, que o seu poder estivera “nas mãos
do duque de Suffolk e do bispo de Salisbury”, que o rei “estaria melhor morto”, e assim por
diante (HARVEY, op. cit. pp. 31-2).
arrecadação para os cofres do Tesouro, ou ao menos, diminuir a defasagem entre os gastos e os rendimentos.
Esses Atos de Restituição se tornaram extremamente relevantes para o contexto e serão alvo de análise nos 3
Capítulos seguintes.
19
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
20
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
21
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
22
O Tribunal do Banco Régio era o tribunal de primeira instância mais importante do sistema judiciário
neste momento. Este era responsável por julgar as queixas relacionadas diretamente ao rei, sobretudo quando se
tratava de reconhecida traição. Outro tribunal de primeira instância era o das Queixas Comuns, que ao contrário
do primeiro, tratava de todos os demais processos que chegassem à primeira instância. Em geral, muitas queixas
eram resolvidas localmente ou com comissões de oyer et terminer - tribunais itinerantes enviados pelo rei para
uma situação específica (Cf. GILISEEN, 2011 & HARRISS, op. cit., pp. 47-58)
27
Podemos entender essas afirmações se recorrermos ao maior “analista” do governo
do reino da Inglaterra no século XV, Sir John Fortescue,23 para o qual o rei tinha a função
primordial de manter a paz dentro e fora do reino através da diplomacia. A paz fora do reino
era bastante marcante uma vez que nenhum rei medieval estava livre da guerra, ou da
possibilidade da guerra. E tendo em vista a derrota inglesa na França, era um tema recorrente.
Quanto ao segundo papel do rei – de manter a paz dentro do reino – significava que o rei tinha
de providenciar o contexto propício para a execução da lei: através das centenas de juristas,
advogados, administradores, etc. Por outro lado, o rei tinha que lidar com as situações que não
eram facilmente encaixadas nos mecanismos da lei, como problemas envolvendo grandes
conflitos nobiliárquicos ou os seus próprios oficiais (HORROX in RIGBY, op. cit., p. 235-7).
Assim, as frases referidas no tribunal refletem um descontentamento com o não
cumprimento de um determinado modelo de bom governo que – ao que tudo indica – era
bastante claro não só para Fortescue, mas para a maioria da população. O que John Fortescue
fez foi sistematizá-lo por escrito e colocá-lo às claras para o bom governo de Eduardo IV em
1471. De certa maneira esse modelo pode ser atribuído a Henrique V que fora o rei que
assegurara a coroa da França, que fizera arrecadamentos sem precedentes para os cofres da
Coroa, que era um “soldado valente” e mantinha todas as decisões em suas mãos. Sua morte
inesperada deixou as coroas da França e da Inglaterra para o seu filho de nove meses
Henrique VI, que agora (em 1449-50) estava prestes a perder tudo que fora conquistado, com
dívidas impressionantes para os padrões da época e com o governo relegado aos seus mais
próximos.
Estava implícito tanto para Fortescue quanto para seu contemporâneo William
Worcester24 – os dois maiores representantes das percepções da crise política que nos
deixaram testemunhos escritos – um “orgulho do reino” e um senso de identidade que
informava os aspectos cavalheirescos da percepção do tardo medievo sobre o passado do
reino e dos reis, e sua relevância para o presente. À turbulência que estava sendo a Guerra das
Rosas (ambos escrevem sobretudo após o início do conflito, mas tinham cargos desde antes),
eles prefeririam os perigos de um rei tirano. Os poderosos descontentes e suas propostas
sempre ameaçaram a estabilidade social do reino, e para isso precisavam de um rei para
balancear a distribuição de poder que eles não viam em Henrique VI (KEEN in CARPENTER
& CLARK, op. cit., pp. 34-44). Outras duas percepções essenciais apreende Fortescue e sua
tradição jurista, nas quais Henrique VI não poderia ser refletido: o rei está somente abaixo de
23
24
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
28
Deus e das leis (naturais, estatutos e costumes), e que ele deve se orientar sempre pelo
consenso do “povo” (no Parlamento) e pelo seu Conselho (CROMARTIE in CARPENTER &
CLARK, op. cit., pp. 56-7).
Dessa forma, a relevância do papel do rei como articulador do poder e como o maior
dos juízes do reino inculca as percepções críticas que estamos destacando. Outras
sustentações dessas críticas coevas destacadas são os favoritismos e, em consequência, o mau
governo que marcava o reinado de Henrique VI. No final dos anos 1440 o não
comparecimento em muitas decisões de assuntos públicos dera lugar à ascensão de William
de Suffolk, William Ayscough, Adam Moleyns e James Fiennes – membros do Conselho.25
Todos esses são vistos como implementadores do “Plano de Paz” de Henrique VI, como
culpados pelas desistências das terras francesas e a posterior perda da Coroa da França. O fato
de Henrique VI ter optado pela paz e negociado aos poucos as terras que seu pai havia
conquistado, e de ter sido o único monarca da chamada Guerra dos Cem Anos a ser coroado
no continente (1431), demonstra que as críticas eram oriundas de uma percepção considerável
dos fatos.
As críticas em torno do “Plano de Paz” atribuído aos maus conselheiros de Henrique
VI devem ser reconhecidas na figura mais contundente da corte antes da ascensão de Ricardo
de York, trata-se de Humphrey de Gloucester.26 Enquanto ele era visto pela população menos
abastada como o “Bom Duque de Gloucester” por manter a opinião de Henrique V de
sustentar a guerra, seu sobrinho (o próprio rei) o isolava do Conselho sob acusação de traição
até a sua morte suspeita em 1447 (HICKS, 2010, pp. 58-9).
O plano de paz de William de Suffolk se estendeu pela década de 1440, quando foi
libertado talvez o prisioneiro mais valioso das negociações da Guerra dos Cem Anos – o
Duque de Orleans.27 Adam Moleyns entregou aos franceses as terras de Maine, abrindo a
retaguarda da Normandia. Como parte do plano de paz, o Duque de York que já sofria
dificuldades financeiras por inadimplência dos pagamentos da Coroa aos seus serviços no
continente, é substituído por Edmund Beaufort, Duque de Somerset.28 A morte do Duque de
Gloucester ocorrera em plena seção do parlamento de 1447 em Bury St. Edmunds (o coração
das propriedades de Suffolk) – o que deu margem para a suspeita de que ele teria sido
envenenado pelo rei e por Suffolk. No mesmo ano também morrem os remanescentes
25
26
27
28
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
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Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
29
apoiadores da guerra: o Cardeal Beaufort (que financiava expedições no continente com suas
próprias rendas) e o Duque de Exeter.29
A polarização sobre o tema do continente, entretanto, permanecia na ordem do dia –
agora provavelmente mais pelo medo de invasões (após a queda da Normandia) do que pela
opinião crítica quanto às perdas das possessões no continente. O “Bom Duque de Gloucester”
ressaltado pelos rebeldes em 1450, foi duas vezes ovacionado no Parlamento sob o pedido de
que sua memória não fosse de um “traidor”, mas sim de um verdadeiro vassalo e fiel ao rei
(PROME, 1450-1, Ap. 9 e 10). Ele, o membro da “oposição” aos maus conselheiros, o
apoiador da continuação do conflito e um reconhecido “nobre popular” entre os demais
estratos, se tornava cada vez mais uma imagem à qual a Câmara dos Comuns, e depois
Ricardo de York recorriam para criticar o Conselho Régio.
Gerald Harriss considera que entre 1436 e 1443 – ou seja, o primeiro período de
governo da maioridade de Henrique VI – de fato houve uma mudança de uma “cultura de
guerra” para uma de paz (HARRISS, op. cit., p. 613). Mas dadas as evidências que temos,
sobretudo após a morte de Gloucester, podemos considerar que essa cultura de paz sugerida
por Harriss aos poucos produzia medo e incerteza quanto à segurança do reino – na medida
em que a coroa da França se aproximava do Canal na conquista da Normandia.
A situação do reino não proporcionava uma percepção contrária. Com a morte do
Duque de Gloucester, ninguém menos do que James Fiennes – figura conhecida pelas
extorsões em Kent – peticiona seus ofícios com concessão plena do rei – ocasião na qual
obteve o título de Lord Saye & Sele e um lugar no Conselho. No final da década Ricardo de
York é então, ainda mais isolado da cena política sendo enviado pelo rei para a tenência da
Irlanda (HARVEY, op. cit., pp. 49-51). Quando chegam os anos 1449-50 temos o ápice da
falência política, militar e financeira do reinado de Henrique VI. Esses anos viram, na França
e na Inglaterra, o resultado do acúmulo da má administração que foi tão desastrosa para
grandes regiões do reino que finalmente provocaram demonstrações abertas de protesto e
hostilidade (Idem, Ibidem, p. 30). Além disso, a Coroa devia muito além do que arrecadava, a
diplomacia estava intermitente desde 1447 e os domínios no reino da França estavam quase
completamente perdidos (HICKS, 2010, pp. 50-70).
As dificuldades financeiras de Henrique VI pairavam sobre um impasse entre a
restituição de todas as concessões e privilégios cedidos desde o início do seu reinado ou
manter os seus Lordes mais próximos satisfeitos em troca da miséria do Tesouro. Por se tratar
29
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
30
de uma questão quase insolúvel para os padrões do governo de Henrique VI, dado que as
terras estavam em sua maioria cedidas por concessão e arrecadação era mínima, a solução
mais fácil e cômoda era a de cessar a guerra (McCULLOCH & JONES, op. cit., pp. 99-100).
Durante os anos 1440 o parlamento reagira aliado ao rei, mas não em termos financeiros;
assim também agiam muitas cidades e paróquias que se declaravam em estado de pobreza tal
que não poderiam contribuir para qualquer arrecadação votada nas sessões parlamentares
(PROME, 1449, Item 8, f. 2). Além disso, com exceção do imposto recolhido sobre a lã que
saía do reino, os outros principais impostos sobre importação e exportação – o tonnage (sobre
os tonéis de vinho) e o poundage (sobre os pesos e volumes de alimentos) – tiveram um
pequeno aumento em 1440 para cair bruscamente a partir de 1442, justamente pela situação
que se vivia no continente (Cf. ARMSTRONG, ELBL & ELBL, 2007).
Entretanto, por mais que resistisse era a Câmara dos Comuns que oferecia os maiores
índices de subsídio ao rei. Tal característica era também abertamente reconhecida por
Fortescue. Sua proposta em 1471 também se pautava na ideia de que o rei deveria viver de
seus próprios rendimentos, pois a sobrecarga dos comuns era um dos piores malefícios que o
rei poderia causar para o reino.30
A crise fiscal veio à tona quando a Coroa gastava suas próprias rendas com as
fundações de novos colégios de Eton (Windsor) e Cambridge, além do dote da rainha
Margarete de Anjou.31 A combinação da queda da receita com o aumento dos gastos
preocupara os tesoureiros da Coroa na década de 1440 – como o Bispo de Carlisle –
sobretudo no que dizia respeito à França. Os Comuns do parlamento, se recusavam a ceder
taxações para o que consideravam como “uso impróprio”.32
30
A expressão “live of his own” que interpretamos como “viver de seus próprios rendimentos” era um
jargão comumente utilizado para se criticar a coleta de impostos. Eduardo IV foi o rei que abertamente
reconheceu essa necessidade, embora sem muito sucesso, em discurso no parlamento de 1467 (PROME, 1467,
Item 6, f. 1). A diferença é que em The Governance of England (c. 1471), Fortescue trata de todos os gastos da
Coroa e todos os problemas que ele visualizava na administração de Henrique VI, oriundos do próprio efeito
negativo da coleta de impostos sobre os Comuns do parlamento. O texto foi ofertado na mesma época a Eduardo
IV como símbolo de reconciliação com o rei que se estabelecera no trono (Cf. GROSS, 1996, pp. 91-125).
31
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
32
Os Comuns em novembro de 1449, propondo um Ato de Restituição para melhorar a renda da coroa,
justificam com seu empobrecimento recente devido à quantidade de impostos cobrados: “Also please it youre
highnesse to considre, that the communes of youre said reaume been aswell willed to theire pore power, to the
relevyng of youre highnesse, os ever were peple to ony kyng of youre progenitours that ever reigned in youre
said reaulme of Englond; but youre said communes been so empoverysshed, what by takyng of vitaile to youre
houshold, and other thinges in youre said reaume, and noght paied fore, and the quinszisme by youre said
communes afore this tyme so often graunted, and by the graunt of tonnage and poundage, and by the graunt of
the subsidie uppon the wolles, and other grauntes to youre highnesse, and for lakke of execution of justice, that
youre pore communes been full nygh distroied, and if it shulde continue lenger in such grete charge, it cowde
noght in ony wyse be hadde nor borne” (PROME, 1449-50, Item 53).
31
Além disso, o parlamento também tinha seus próprios problemas corriqueiros com os
quais se preocupar, como a exportação do maior produto dos ingleses: a roupa de lã e a lã
crua. Preocupavam-se com a liga de comércio que envolvia as regiões como Flandres e
Holanda às quais decidiram restrições quanto aos seus produtos. Também houve um colapso
nas exportações para as cidades Hanseáticas por questões diplomáticas entre Henrique VI e o
Duque da Borgonha que envolviam o domínio de Calais.33
Os problemas que os ingleses tinham com a liga Hanseática eram de longa data e
diziam respeito a mercadorias, mercadores e privilégios dos ingleses nas cidades hanseáticas,
e dos hanseáticos em Londres. Um ato parlamentar de 1442 estipulou uma quantia de navios
para a fiscalização da circulação nos mares arredores do reino com o direito de extrair
rendimentos através da atividade corsária – isso foi autorizado a homens poderosos como
Thomas Daniel e John Trevilian.34 O problema com a Liga Hanseática refletia também a
tentativa de cobrar impostos sobre os tonéis de vinho (tonnage) e sobre o peso dos alimentos
(poundage) dos quais eles eram há muito tempo isentos. Além disso, as cidades hanseáticas
diminuíram pela metade a compra de artefatos de lã vindos da Inglaterra entre 1446 e 1450,
ao passo que os ingleses enfrentavam diversas outras dificuldades no comércio da lã (POWER
& POSTAN, 1933, p. 401).
Não bastasse isso, manipulado por Edmundo de Somerset e William de Suffolk,
houve um ataque de um mercenário inglês em Fougères. O ataque foi uma espécie de cilada
para quebrar o tratado de paz formal que vigorava entre Charles VII35 e Henrique VI. Isso,
somado ao fato de que aparentemente Charles VII perdera a aliança do Duque da Bretanha
são tradicionalmente entendidos como o pretexto que Charles VII teve para atacar a
Normandia de uma vez por todas (HARVEY op. cit., pp. 55-6).
A Normandia por parte dos ingleses, por sua vez, não estava nada preparada
enfrentando os reflexos desses problemas financeiros da Coroa junto aos problemas militares.
Os ocupantes do ducado não consentiam em manter as tropas por falta de pagamento de seus
soldos. Ao mesmo tempo, aqueles que se instalaram ali desde a conquista de Henrique não
admitiriam a sua derrota, como escreveu Allmand “O ducado era sua ‘pátria’, a guerra e a
administração seu meio de vida...” (ALLMAND, 1970, p. 348). E Edmundo de Somerset –
33
A diplomacia com o Duque da Borgonha pairava sobre uma linha tênue que envolvia o apoio ou não na
guerra com a França. Uma vez que se posicionava contrário agora, e ameaçava Calais, uma das medidas tomadas
pelos ingleses foi o não fornecimento de produtos oriundos das ilhas britânicas para as cidades que os
comercializavam na região de domínio Borgonhês nos arredores do porto de Calais - Flandres, Holanda, Artois,
Hainault, Vermandois, Luxemburgo, Bolonha e Zelândia (ALLMAND, 1988, pp. 32-6).
34
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
35
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
32
que era o maior proprietário de terras continentais nesse momento – enviara um relato para ser
lido no parlamento reconhecendo abertamente que, “se a guerra fosse retomada naquele
momento a Normandia estaria perdida”.36 O que de fato ocorreu na virada de 1449 para 1450.
Enfim, é necessário reconhecer que todos os governos do século XV, com exceção
de Henrique V, foram condenados por mau conselho, favoritismo, endividamento, má
fiscalidade, negligência da justiça, desdenha e destruição do bem comum. Tratava-se de uma
percepção da realidade parcial e seu fundo de queixas, legítimas ou manipuladas, era para
onde os apelos dos nobres poderiam ser direcionados e assegurados – como sugerem os
exemplos de Ricardo de York e de Ricardo de Warwick entre 1450 e 1461 e George de
Clarence37 após 1471 (HICKS, 2000, pp. 401-2). Jack Cade e a Guerra das Rosas iniciada
com a figura de Ricardo de York em 1455 se encontram justamente num discurso que está
preocupado com o governo régio e o bem comum do reino. Assim a tentativa constante do
governo central de transmitir percepções de união e estabilidade onde havia divisão e
instabilidade é uma questão, para Simon Walker, muitas vezes proposital e estratégica
(WALKER in CARPENTER & CLARK, op. cit., pp. 30-1). Portanto, sendo nosso objetivo
central essas percepções da crise política devemos nos aprofundar também no que
entendemos por “crise” em si, para não cairmos em armadilhas e modelos historiográficos há
muito debatidos.
1.3 A crise como debate historiográfico
Na revista dos Annales em 1951, Rodney Hilton se questionava se a sociedade feudal
se desagregou acidentalmente, sendo substituída pouco a pouco por uma organização social,
econômica e política que viria a ser o capitalismo. Também havia o questionamento acerca do
fato de sua desagregação ter sido ou não acelerada por crises múltiplas sem ligação entre elas,
mas que influenciaram aspectos diferentes da sociedade que se transformou aos poucos. Ou
ainda se houve uma crise geral da sociedade feudal ligada às suas fraquezas inerentes, onde as
crises particulares que analisam os historiadores teriam sido suas expressões localizadas
(HILTON, 1951, p. 23).
36
“The secunde parte ys, to shewe that if the werre shuld falle, as God defende, the contrey of Normandie
is in no wyse of hit self sufficeant, to make resistence a yeinst the grete puyssance of the adversaries, for many
grete considerations”. (PROME, 1449-50, Item 17, f. 4).
37
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
33
Consideramos que essa interpretação de crise geral compondo crises particulares não
é mais uma questão relevante para se discutir o tardo medievo. Em narrativas tradicionais38 a
crise aparecia como tendo assolado a Europa repentinamente. Há um paradigma de descrever
o período como o ápice demográfico e de expansão do cultivo de terras por todas as direções,
entre outros fatores; e como repentinas as fomes, pestes, guerras e problemas sociais sem fim
que só mostrarão melhorias a partir de 1450. Para John Watts, essas narrativas se dividem em
três paradigmas: o da crise social e econômica, o da guerra e desordem, e o da ascensão do
Estado moderno (WATTS, op. cit., pp. 12-3).
No que diz respeito ao reino da Inglaterra, foi a interpretação de Charles Plummer
em 1885 que defendeu inicialmente essa visão de degradação progressiva da sociedade entre
os séculos XIV e XV da qual a Guerra das Rosas teria sido sua pior consequência. Para ele a
crise do tardo medievo inglês era devida à disseminação do feudalismo bastardo – termo
cunhado por ele.39 O que levou à interpretação de Plummer é o fato de que ainda que
houvesse um contrato pelo serviço, as afinidades do senhor não envolviam obrigação de
lealdade. A Coroa tentava manter um controle rígido de sua clientela desde Ricardo II, mas
não conseguia (PLUMMER, op. cit., p. 15).
Assim, através do tratado de governo de Sir John Fortescue (c. 1471) e das cartas da
família Paston,40 Plummer viu uma sociedade cada vez menos “feudal” justamente porque as
relações de poder passavam – na sua interpretação – somente pelas relações de recrutamento
de tropas e serviços mediadas por contratos e dinheiro. O referido historiador, portanto,
definia o feudalismo bastardo como “um pseudo-cavalheirismo permeado por um código de
honra fictício que um senhor tinha com seus arrendatários, rodeados por grandes homens com
uma horda de afiliados, que usavam seus uniformes e lutavam suas batalhas” (Idem, Ibidem,
p. 16).
38
Chamamos aqui de “narrativas tradicionais” aquelas que viam um processo lógico de “Outono da Idade
Média” nos séculos XIV e XV, que não relativizam as consequências da peste e da guerra, por exemplo, ou se
ligam a modelos explicativos demasiado cômodos como o materialismo histórico ou a teoria malthusiana.
39
Podemos dizer que o conceito de “feudalismo bastardo” refere-se a uma sociedade na qual nobres
intitulados, e alguns membros da pequena-nobreza, desenvolviam redes ou afinidades de laços que asseguravam
serviços políticos, legais, domésticos e militares em troca de dinheiro, cargos ou influência política. A definição
do conceito é objeto de profundo debate na historiografia inglesa até hoje, mas podemos dizer que a periodização
mais convincente que tivemos contato é a de Michael Hicks: de um lado, defende as primeiras manifestações
desse sistema no século XII; de outro, demonstra como apesar das sucessivas tentativas de Eduardo IV e
Henrique VII – entre outros – de limitar o recrutamento de tropas particulares não extinguiu essa relações pelo
menos até a primeira metade do século XVII com a Revolução Inglesa. Uma vez que esse sistema permitiria um
acúmulo de exércitos privados, permitiria ainda aos mais ricos nobres do reino “corromperem” a lei e a ordem
mantendo controle de feudos totalmente privados na sua região, ou ainda o controle do governo como um todo
(Cf. HICKS, 1995).
40
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
34
Charles Plummer e suas proposições acabaram por formar um grupo de historiadores
com perspectivas e interesses comuns como Gairdner, Stubbs, Tout e Denton na virada do
século XIX para o XX (CARPENTER, op. cit., pp. 6-10). Mas foi McFarlane, no período do
pós-guerra, que se tornou o paradigma na compreensão do que seria o feudalismo bastardo.
McFarlane é sem dúvida o historiador mais influente da historiografia sobre o reino da
Inglaterra na Idade Média Tardia. Ativo em Oxford entre as décadas de 1920 e 1960, sua
influência pode ser notada em prefácios e introduções de seus ex-alunos que hoje são os
professores referências nas universidades britânicas41 – nossos referenciais teóricos que
ficarão mais claros a seguir.
A contribuição mais importante de McFarlane para nosso trabalho e para a
compreensão dos séculos XIV e XV foi, do nosso ponto de vista, a própria revisão do que se
entende por “feudalismo bastardo”. Essa questão abrangeria os dois séculos seguintes à morte
de Eduardo I (1307). O feudalismo ainda continuava existindo, mas somente na questão dos
privilégios e deveres em relação à propriedade da terra, não em relação à organização social
como um todo. Ele foi suplantado pela nova ordem de patronagem, criadagem, afinidades e
serviços. Para McFarlane, o fenômeno do feudalismo bastardo foi “essencialmente diferente
enquanto superficialmente similar ao feudalismo” (McFARLANE, op. cit., p. 24).
Superficialmente similar porque o “senhorio” ainda permanecia como organizador
das relações de poder, mas estava agora divorciado da ideia de posse sobre a terra. Seu
instrumento não era mais o contrato hereditário de um feudo, mas uma simples carta patente
do rei (ou de outro senhor) com um tempo e valor determinados que se estendia para qualquer
serviço, não somente aos arrendamentos. No que diz respeito ao recrutamento de tropas por
esse sistema, esperava-se que ao estabelecer essas relações com uma determinada pessoa,
todas as demais abaixo dela estariam submetidas ao comando do “mais nobre” (Idem, Ibidem,
p. 25). A questão que fica para esclarecermos é qual a relação disso com a crise política do
século XV e a Guerra das Rosas?
41
O primeiro deles seria o seu orientando Gerald Harriss em suas obras, todas referenciadas nas
interpretações de McFarlane (1975, 1985, 1988 e 2005); além disso, ele próprio editou os artigos de McFarlane
que citamos neste texto (1981) após sua morte. Harriss, por sua vez, foi orientador de Christine Carpenter e esta
também se referencia em McFarlane sobretudo em seu artigo sobre a História Constitucional na obra de Britnell
e Pollard – The McFarlane Legacy: Studies in Late Medieval Politics and Society (1995). Carpenter também
dispende um capítulo de sua obra sobre a Guerra das Rosas para explicar a influência atual (no caso, na década
de 1990) de McFarlane para os estudos medievais (CARPENTER, 1997, pp. 4-26). O mesmo faz Rosemary
Horrox em sua obra sobre as Percepções e Atitudes do século XV (HORROX, op. cit., pp. 1-12). E o já citado
Watts, reconheceu o papel de McFarlane nessa “renovação dos estudos” que estamos nos referindo ainda no ano
de 2009, pautando-se em parte nele para definir suas “estruturas políticas” (WATTS, op. cit., pp. 35-40).
35
Onde queremos chegar aqui é que, o ponto fundamental no qual McFarlane discorda
de Charles Plummer, e sobretudo de William Stubbs,42 é que o feudalismo bastardo era
apenas uma característica da estrutura política da sociedade que estava em transformação, mas
que nada teve de uma degeneração progressiva que culminou na Guerra das Rosas em 1455.
A fundamental diferença entre a interpretação causal e progressiva de Charles Plummer (e
seus adeptos) e a interpretação circunstancial do momento específico da Guerra das Rosas de
McFarlane é, portanto, que este último considera o feudalismo bastardo como uma estrutura
política incapaz de causar um fenômeno tão complexo como a guerra civil e a crise política da
segunda metade do século XV (McFARLANE, op. cit., p. 41).
A Guerra das Rosas, assim, é vista como consequência de problemas localizados e
circunstanciais (não “estruturais”): a herança da Coroa por um bebê no momento em que
precisavam de um rei capaz de “continuar” com os sucessos e a conquista de Henrique V dos
territórios da França; para isso, uma boa administração dos rendimentos da coroa e nobres
interessados nessa “continuação”. Esses problemas localizados, portanto, não teriam relação
alguma com a estrutura de organização da sociedade que Plummer viu através do prisma do
“feudalismo bastardo”.
O governo, como monarquia, dependia de um bom funcionamento da realeza para
que o Estado Monárquico atendesse aos interesses gerais, o que não ocorrera sob um rei que
teve o seu reinado quase por completo relegado aos conselheiros e Lordes Protetores, que foi
criado sem a figura do seu pai e, portanto, cresceu sem interesse na guerra, bem como se
submetia à cobiça da alta nobreza na tentativa de evitar grandes conflitos: Henrique VI (14221461). Numa guerra como a que os ingleses nutriam no continente, facilmente os senhores de
terra empobreciam com os pagamentos e recompensas em excesso às suas tropas. Se a guerra
ia bem todos prosperavam, se não ia, os cofres esvaziavam rapidamente. Além dos cofres
esvaziarem, o fim da Guerra dos Cem Anos é marcado pelo estancamento da importação e
exportação de vários artigos entre a Inglaterra e o continente. A única coisa que une todos
esses fatores são as atitudes do rei e do Conselho – bem como daqueles que se opunham a elas
(McFARLANE, op. cit., pp. 41-2).
Portanto, a explicação dessa crise política somente através do feudalismo bastardo é
uma simplificação dos processos históricos que estão em jogo. O próprio fato de a “Nova
42
Stubbs foi um historiador, bispo e membro do partido Whig, que a partir de Charles Plummer
desenvolveu trabalhos com a obsessão pelo progresso e a continuidade – uma interpretação marcada pelo seu
período, o século XIX, é claro. Mas com uma ênfase excessiva no papel do Parlamento para a política medieval,
instituição que tinha sua importância, mas muito distinta daquela que virá a ter após a Revolução do século XVII
(CARPENTER, 1997, pp. 6-7).
36
Monarquia”43 ter resolvido a maioria dos problemas empregando velhos métodos para um
manejo efetivo da nobreza e das finanças enfatiza, para McFarlane, o quanto a convergência
de fatores muito distintos levou ao colapso da Guerra das Rosas (McFARLANE, op. cit., p.
43).
Assim, as interpretações de McFarlane entre os anos 1940 e 1960 foram essenciais
para os historiadores subsequentes. Seu principal ponto de vista que o levou à relativização
dos problemas é que a violência e a crise seriam apenas uma multiplicação das fontes que nos
dão mais detalhes da vida cotidiana (Idem, Ibidem). Dessa forma, problemas que antes
também existiam corriqueiramente, mas não eram documentados, não chegaram aos
historiadores de hoje, de forma que ao passarem a ser documentados em grande escala (nos
séculos XIV e XV para o reino da Inglaterra) podem passar a impressão de uma
“multiplicação de problemas” quando na verdade foi uma “multiplicação de registros”.
Guy Bois reconhece o papel importante de McFarlane em tais questionamentos,
junto com Kauper e Goldsmith. O autor demonstra que seus estudos provocaram uma
revolução na abordagem do período tardo medievo, desembocando nos seguintes paradigmas:
rejeição dos modelos explicativos, dando atenção às especificidades; rejeição às técnicas
quantitativas como maneira de explicar eventos mais profundos do que os números sozinhos
podem dizer; tendência a considerar os dados sempre instáveis e insatisfatórios; e abertura dos
estudos históricos ao pós-modernismo (BOIS, 1998, pp. 314-5).
É claro que as ideias de crise/mutação e de transformação socioeconômica não
podem ficar separadas, do mesmo jeito que o conceito de feudalismo tem de permanecer
amplo para não cairmos em armadilhas interpretativas. Assim, a crise política é entendida
aqui por esse viés amplo, aberto às diversas percepções da documentação, considerada a partir
de circunstâncias muito particulares que apontamos ao longo deste capítulo e que ficarão mais
claras nos demais. Mas é importante pautar o quanto McFarlane tem sido central para
qualquer obra que nos é referencial.
Após essas afirmações e até sua morte em 1966, McFarlane combaterá as
interpretações pejorativas do período com uma crítica documental e uma tentativa exacerbada
de explicar esse evento “excepcional” que foi a Guerra das Rosas e as fissuras da sociedade
que proporcionaram (CARPENTER, 1997, pp. 18-22). Com sua morte, restou aos seus alunos
43
Essa expressão remete ao modelo de governo de Eduardo IV após 1471, quando passou a praticar um
governo muito mais próximo das localidades e da pequena-nobreza do que da alta nobreza. Essa prática é
entendida pela historiografia inglesa como “nova” e que será perpetuada pelos séculos XVI e XVII. É importante
frisar que a expressão “Nova Monarquia” vem de Stubbs que a entendia como “início do absolutismo”, mas que
na perspectiva de Hicks se limita à relação com a nobreza e pequena-nobreza (HICKS, 2004, pp. 149-164).
37
a tarefa de continuar investigando esses pequenos detalhes para uma maior compreensão e
relativização do conflito que é um ponto nevrálgico das insistentes narrativas do nacionalismo
britânico.44
O resultado final da Guerra das Rosas simboliza para essas narrativas a ascensão da
dinastia dos Tudors e, consequentemente, da Reforma Protestante e das práticas “modernas”
de governo que culminarão na Revolução do século XVII. Os Tudors ascenderam através do
único herdeiro possível do trono da Inglaterra após Ricardo III45 em 1485, Henrique Tudor.
Dessa forma, o casamento de Henrique Tudor (Henrique VII)46 com a filha de Eduardo IV
(Elizabete de York) é entendido como a “unificação” do reino da Inglaterra rumo à
“modernidade”: a Reforma Protestante (sob Henrique VIII) e, mais tarde a Revolução.
Contra isso, McFarlane tinha uma ênfase no estudo das atividades, opiniões e
paixões do século XV em qualquer nível da sociedade, mas para entender como as práticas
políticas de governo se davam sob essa influência. Podemos dizer que essa ênfase é o próprio
objeto da “história das mentalidades”, ou ainda da cultura política por um outro aspecto.
Entretanto, como defende Carpenter, a geração de historiadores pós-McFarlane ajudou a tirar
a história britânica do impasse que havia até então entre a rígida interpretação francesa das
“mentalidades” – com ênfase nos sistemas de crenças – e a fraca interpretação britânica
empirista – que enfatizava mais os indivíduos do que os sistemas (CARPENTER, 2004, pp. 810). Daí, passando não só pelos trabalhos de Gerald Harriss (1975, 1985) – orientando de
McFarlane –, mas também pelos de Carpenter (1992, 1997), Horrox (1991, 1994) e Watts
(1995, 1996) chegamos aos frutos mais importantes dessa historiografia para nosso trabalho.
As questões conceituais que estão consideradas no próximo item devem ter como
plano de fundo as questões discutidas aqui. Ou seja, considerar a crise política que atravessa
essa dissertação como uma questão circunstancial e acima de tudo política. Não se trata de
recair sobre uma interpretação de crise marxista-econômica, malthusiana-demográfica ou
qualquer outra teoria generalista sobre os séculos XIV e XV, nem mesmo a do próprio
feudalismo bastardo. Trata-se, portanto, de considerar especificidades, circunstâncias e
peculiaridades que acreditamos ser possível compreender através da estrutura política, da
cultura política, de suas percepções e atitudes e da opinião pública.
44
Para citar apenas um exemplo contraditório, todos os textos da coleção The New Cambridge Medieval
History (1998-2005) que tivemos contato, apesar de contarem com historiadores atuantes nas universidades e
com perspectivas a princípio “atuais” – como ênfase à cultura política ou às estruturas políticas, por exemplo –
apresentam narrativas que parecem se associar para ainda narrar a história medieval como berço dos Estados
Nacionais atuais – entre eles a Grã-Bretanha.
45
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
46
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
38
Por ora, resta enfatizar o quanto as críticas de John Watts vieram no mesmo sentido
das de McFarlane com relação a uma ideia de crise generalizada do sistema. Sua última obra
que enfatiza o conceito de estrutura política está baseada justamente na crítica a três grandes
narrativas da historiografia sobre os séculos XIV e XV: a da crise social e econômica, a da
guerra e desordem, e a de ascensão do Estado moderno. Ele faz uma nova síntese da
historiografia do século XX também enfatizando o papel central de McFarlane. Sua tentativa
de identificar estruturas políticas semelhantes tanto nas ilhas britânicas quanto nos reinos do
continente nos dá um espectro maior para compreensão de uma crise localizada na Inglaterra
da Guerra das Rosas (WATTS, op. cit., pp. 34-5). Afinal, os conflitos que ocorreram ali foram
consequências de problemas que só eles enfrentavam, a despeito das estruturas semelhantes
ao continente. Além disso, a própria crise política da Inglaterra pode, por vezes, ser
interpretada pelas interferências dos outros reinos nos problemas ingleses.
O ponto de vista de Watts, assim, quer expandir o ângulo de visão, pois para ele
“crise” e “recuperação” não definem nada das práticas políticas desse período, nem narrativas
do “nascimento do Estado”. Tais perspectivas tendem a negligenciar o frequente e dramático
colapso da autoridade central nesse período, dando solidez indevida às pretensões dos
governantes e minimizando a complexidade do mundo no qual as instituições operam. O autor
compara eventos de reinos distintos, como Inglaterra e Castela, para mostrar como o mundo
era demasiado pequeno e como a política poderia ser em termos generalizada. A preocupação
com o “bem comum”, o “bien public” ou a “cosa publica”, era uma constante em quase todo o
Ocidente Medieval nos exemplos analisados por ele; bem como a “falta de justiça” que era
percebida em toda parte (Idem, Ibidem, pp. 2-3).
Com esse enfoque, Watts chama atenção para o paralelo histórico que sempre existe,
com o qual devemos lidar e que sempre minimiza a dimensão de aparentes problemas que
outrora eram relegados a uma crise generalizada. Assim, o diálogo constante com a cultura
política, também defendido por Watts, e com as percepções e atitudes e a opinião pública, na
nossa perspectiva, pode possivelmente contribuir para abordagens mais flexíveis e, portanto,
satisfatórias sobre o período.
O ponto de vista de onde falamos nesse debate é, portanto, tributário dessas leituras
da historiografia inglesa (em sua maioria) que ainda tenta resgatar o século XV do “outono da
Idade Média”. Ao se distanciar relativamente da interpretação francesa do tardo-medievo,
essa historiografia que se remete constantemente ao trabalho de McFarlane combate uma
interpretação de crise endêmica. Isso deve ficar essencialmente claro para que tanto o título
39
desse trabalho quanto todas as demais vezes em que aparece a palavra “crise” partindo de
nossa interpretação, não se referencia numa visão tradicional sobre o período.
Assim como a expressão “opinião pública”, a palavra “crise” não aparece na nossa
documentação. Também sabemos que sua expressão, ao menos no sentido econômico da
palavra, só passou a ser utilizada no contexto de fins do século XVIII e início do XIX (mesmo
caso de “opinião pública”), quando se tornava aos poucos evidente os efeitos de uma
economia capitalista que emergia da Revolução Industrial (Cf. HOBSBAWM, 1977/2010).
Mas é por isso que compreendemos “crise como percepção da realidade” a partir de indícios
das percepções coevas em relação aos processos históricos.
Na medida em que práticas políticas aos poucos se tornavam obsoletas, a crise é
colocada para nós como o “impasse” perante novas práticas que eram requisitadas pelas
situações inusitadas. Dessa forma, a crise política é considerada aqui como as tentativas
exacerbadas de tomadas de decisão sobre tais situações: os problemas financeiros da Coroa, a
administração dos privilégios e concessões por carta-régia, o fim da guerra no continente e
suas consequências (como a perda da Coroa da França), os problemas psicológicos do rei (que
até então não tinha herdeiro) e os problemas de injustiças locais em diversos condados.
Portanto, são esses problemas que chamamos de crise política. Se de um lado
Ricardo de York passou a fazer críticas veladas desde 1450 sobre as consequências da atitude
do monarca, jurava lealdade até o último segundo: a reivindicação da Coroa e o Decreto de
Acordo em 1460 (Ver Capítulo 3). Essas mesmas atitudes foram a dos rebeldes de 1450 e
outros tantos que se rebelaram (Ver Capítulo 2). São esses fatos que levaram McFarlane a
afirmar que o início do estado de guerra – das Rosas – foi extremamente devagar, pois não era
desejado por ninguém (McFARLANE, op. cit., p. 237). A questão, então, de “não ser
desejado por ninguém” é que está sendo considerada como “crise política” – dado o seu
número elevado de problemas a serem resolvidos.
Não só as contradições, mas também tais situações inusitadas que provocavam essa
crise política é que não devem ser deixadas de lado. E é essa abordagem que justifica a
distinção entre os trabalhos citados aqui como nossos referencias e, consequentemente, a
nossa maneira de analisar a documentação. Isso ficará mais claro com o aprofundamento
conceitual do próximo item.
40
1.4 Resultados de Debates e Perspectivas Conceituais
O núcleo da proposta de John Watts que nos interessa coloca que a história política
não tem que estar centrada unicamente nas organizações políticas que existiam fisicamente,
mas também em linguagens e ideias – e assim nas estruturas políticas. O autor acredita que
através dessas estruturas é possível explicar porque as políticas ocorreram de determinada
forma, e porque elas foram mudando tanto e tão rapidamente ao longo desse período. Ainda,
ele acredita que essa abordagem pode sanar vários pontos que foram seu objeto de crítica: a
má formulação de conceitos para compreensão do período e as explicações insuficientes. Os
homens e mulheres desse período eram confrontados com uma variedade grande de
instituições e práticas que geralmente ou potencialmente estavam em conflito, e somente a
compreensão de tais estruturas nos levaria a uma satisfatória interpretação (WATTS, op. cit.,
pp. 36-40). É portanto nesse ponto em que sua abordagem considera o conflito e as mudanças,
ao mesmo tempo que as estruturas políticas, que nos é mais caro.
Dado que o nome de sua obra – The Making of Polities – está baseado na edificação
das práticas de governo, essas estruturas que ele procura reconhecer entre 1300 e 1500 em
várias partes da Europa seriam a sua solução para uma compreensão satisfatória. Um detalhe
ainda pode ser acrescentado, a própria palavra making – aqui como substantivo – pode ser
entendida como “material” ou indo mais longe: “estrutura”. O próprio historiador coloca que
está usando essa palavra no sentido de “sistemas, formas e padrões nos quais as políticas
ocorreram” (Idem, Ibidem, p. 35). Portanto, a preocupação de Watts e suas demonstrações de
que essa ferramenta analítica é frutífera nos fizeram considerar possível que a documentação
de nossa pesquisa também possa ser inserida nesse universo interpretativo do “fazer política”
de John Watts.
Essas estruturas podem ser consideradas aqui como limites relativos das referidas
percepções e atitudes e tendo a cultura política como sua principal fonte. Como ferramenta
para a compreensão de linguagens e ideias e de lugares de retórica que se impunham para
além da “estrutura física” em um reino, a análise através dessa “estrutura política” nos permite
averiguar porque um conjunto de práticas se tornou corriqueiro e outro não. Isso porque as
estruturas políticas teriam um papel tanto na causa quanto na explicação de uma ação política.
Além de Watts, temos outras três perspectivas conceituais que devem ser
explicitadas: percepções e atitudes, cultura política e opinião pública. Os dois primeiros estão
baseados sobretudo nos historiadores britânicos, a saber, Rosemary Horrox (1994), Michael
41
Hicks (2002) e Christine Carpenter (2004). Nossa compreensão de opinião pública, oriunda
da obra de Bernard Guenée (2002) trataremos na sequência.
Esses quatro pilares conceituais baseiam nossa abordagem, leitura crítica e análise
documental. Essas noções podem ser consideradas como inseridas nessa historiografia
referida acima que procura resgatar compreensões menos pejorativas para o período e sobre a
crise. Saindo da compreensão de feudalismo bastardo – que, entretanto, não deixou de ser
objeto de análises (Cf. HICKS, 1995) – como causador do período de crise da sociedade e
guerra civil, para um maior relativismo e compreensão que vai além de um conceito
globalizante. Cada uma dessas noções nos ajuda a analisar o período e nossas fontes de um
ângulo mais complexo.
“Percepções e atitudes” é uma expressão que está calcada no projeto de Rosemary
Horrox de 1994, no qual diversos especialistas no século XV nos subsidiam com argumentos
plausíveis em relação às reações possíveis que estavam no horizonte dos habitantes do reino
da Inglaterra nesse momento. Em sua introdução está claro o objetivo de “iluminar” as
interpretações sobre o século XV através da análise dessas percepções da sociedade e atitudes.
Assim, a tentativa de Horrox está também na contramão de uma ideia de crise endêmica, uma
vez que inicia sua obra negando justamente a ideia de período de “transição” e lamentando a
perpetuação da imagem shakespeariana do século XV britânico: quatro gerações de
derramamento de sangue e anarquia entre a deposição de Ricardo II em 1399 e a ascensão de
Henrique Tudor (Henrique VII) como restaurador e redentor em 1485 (Idem, Ibidem, p. 1). É
claro que nenhum historiador hoje propaga o modelo de interpretação enviesado de
Shakespeare e dos Tudors, mas a proposta de Horrox através das percepções e atitudes é
justamente ir mais a fundo na compreensão do século XV. Trata-se de entender porque as
pessoas agiram como agiram através de suas percepções da sociedade.
O período entre 1450 e 1500 no reino da Inglaterra sofreu seis mudanças de reis das
quais apenas uma não presenciou violência, mas não podemos esperar que esse suposto
aumento da violência fosse gratuito. A tensão que pairou sobre os súditos durante a Guerra
das Rosas era entre a obediência a um rei ordenado por Deus e a moral sobre um rei que
governava contrário ao bem comum. Ou seja, a natureza da crise política a qual nos referimos
está nessa tensão que se perpetuou entre 1450 e 1471.47 O dilema comum da Idade Média,
portanto, estava novamente colocado no nosso período: o que fazer com um rei que
47
Consideramos que a Guerra das Rosas possui períodos de conflitos distintos um do outro e, por isso, o
período de 1450 a 1471 se diferencia drasticamente das questões que envolveram a usurpação de Ricardo III em
1483.
42
notavelmente falhou em exercer sua função? Nenhum procedimento foi estabelecido para isso
antes do século XVIII. O rei era, então, a personificação da ordem, o único que se sobrepunha
aos conflitos e poderia resolvê-los. Henrique VI não fora esse tipo de rei e logo Ricardo de
York sobrepôs sua reivindicação ao trono, que acabou nas mãos de seu filho Eduardo IV.
Assim, após a usurpação de Eduardo, entre 1461 e 1471 havia dois reis coroados na Inglaterra
e, por ser um fato inédito, a desordem estava colocada porque o próprio eixo – a prerrogativa
da realeza – estava fora do lugar (HORROX, 1994, pp. 5-6).
É preciso lembrar que da mesma forma que não havia instituições para garantir mais
facilmente o cumprimento da lei, da justiça e da manutenção da paz, não havia procedimento
fixo para depor um monarca. (HARRISS in HORROX, op. cit., p. 14). Assim devemos
reconhecer as circunstâncias excepcionais em torno da segunda metade do século XV em
paralelo aos seus efeitos imediatos.
A lógica da prestação de serviços nesse período – o referido “feudalismo bastardo” –
colocava que em muitos momentos a obediência a um determinado senhor (ou rei) significava
necessariamente a desobediência a outro – o que ficou estampado na Guerra das Rosas. A
guerra civil confrontou muitos homens arduamente decididos de que lado estavam, e isso está
evidente desde o conflito pelo trono até o mais baixo nível de relação social (HORROX,
1994, p. 72). Esses “serviços” eram parte substancial das estruturas que sustentavam a vida no
século XV. Sem isso, o governo e a manutenção das leis se tornariam impossíveis. E é aí que
o debate sobre o feudalismo bastardo não pode ser deixado de lado.
Dizer que as relações tornaram-se mais voláteis a partir da circulação de dinheiro, o
argumento de Charles Plummer sobre o feudalismo bastardo, é simplificar a complexidade
das situações políticas. Primeiro porque a terra nunca era o único meio de relação entre o
senhor e o vassalo. Segundo porque não era a terra ou o dinheiro que criava essas relações, e
sim a honra e o interesse. Terceiro porque a formalização do serviço através de terra ou
dinheiro não dizia respeito à estabilidade da relação; a terra era a recompensa mais desejável,
mas não tornava a relação estável. Quarto, a escassez de terras desde o século XI jamais
permitiria que a terra fosse sempre a primeira recompensa aos serviços prestados. E quinto, e
último, dizer que essas relações tornaram-se moralmente duvidosas por causa do dinheiro é
ignorar a força que os serviços tinham, política e socialmente, de prover homens numa rede de
iguais e superiores que se ajudavam mutuamente num mundo perigoso e competitivo
(HORROX, 1994, pp. 73-5). Parte da estrutura política do reino, portanto, o feudalismo
bastardo constitui uma rede de relacionamentos importantes e fundamentais para
compreensão da sociedade.
43
Outro elemento considerado na obra de Horrox é que a tão dificultosa manutenção da
ordem nesse período dependia mais das relações políticas e sociais do que das instituições
legislativas. Afinal, além dos juízes de paz e xerifes locais, o rei não tinha nada parecido com
um exército ou polícia que o ajudasse com tal atribuição, mas era papel do rei criar as
condições nas quais a paz e a ordem florescessem. Condição essa que seria garantida pela
aristocracia e pela pequena nobreza, é por isso que as relações entre estes e o rei eram
fundamentais também nesse sentido (POWELL in HORROX, op. cit., p. 36).
Acontece que a Guerra das Rosas perpetuava sua instabilidade pelo fato de que o
apoio ao rei legítimo não resultava em estabilidade política. Assim, uma vez que a
instabilidade acabou em guerra civil em 1455, a única maneira de resolvê-la parecia ser com a
própria violência, entrando na guerra. Geralmente a guerra no estrangeiro era uma maneira de
escapar aos rotineiros problemas políticos do reino – outrora os meios mais comuns foram as
Cruzadas, agora era a França. Portanto, os anos de meados do século XV, sobretudo após a
Revolta de Jack Cade em 1450, concentraram as questões da guerra civil e da guerra com a
França de uma maneira sem precedentes e sem sucessores até a Guerra Civil do século XVII.
Entretanto, os conflitos se originaram na reivindicação de um “bom governo”, afinal
essa era a questão central para os envolvidos, sobretudo Ricardo de York. No geral essa
cultura política se orienta pela crença no bom governo, no bem comum, na paz, na ordem e
nas leis que atravessavam quase qualquer estrato social do reino (DYER in HORROX, op.
cit., p. 155-7). Ricardo de York se tornou a voz daqueles que tinham uma proposta de reforma
e que estavam engajados com o “bem comum”. Nessa questão John Fortescue defendia o
mesmo ponto de vista sobre a questão, ele próprio aceitou as propostas reformistas de Ricardo
de York e admitiu abertamente que Henrique VI estava demasiado pobre para exercer um
bom governo (HICKS, 2010, pp. 15-8). Assim, como toda prática política, havia tais
orientações subjetivas dos sujeitos que empreenderam o conflito e são essas orientações
subjetivas que nos interessam e que analisaremos através não só dessas percepções e atitudes,
mas da cultura política.
Se iniciarmos as considerações da cultura política através da própria Ciência Política
– onde o conceito tem sua origem – o “conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão
ordem e significado a um processo político” vão no mesmo sentido (KUSHNIR &
CARNEIRO, 1999, p. 227). Mas as críticas que seus primeiros pesquisadores do pós-Guerra
sofreram no âmbito da ciência política estavam no fato de considerarem uma tipologia muito
rígida de sistemas políticos e de sua influência na cultura política (Idem, Ibidem, p. 233).
44
Esse modelo chamado “comportamentalista-funcionalista” é considerado por André
Tavares48 como etapista, etnocêntrico e teleológico para os propósitos atuais. Assim, o
segundo momento de desenvolvimento do conceito (décadas de 1970 e 1980) pode ser
atribuído aos antropólogos que, seguindo a pesquisa de Clifford Geertz, extrapolaram o limite
das sociedades ocidentais e estatais apostando na análise de símbolos, modelos e sistemas
com referência no que chamavam de “ideologia”. Esse modelo interpretativo-simbólico não
considerava o contexto e a temporalidade como elementos importantes, percebendo os
agentes como passivos mediante a cultura política.
Assim chegamos ao terceiro momento, no qual a historiografia francesa se fez
presente através, sobretudo, da figura de Roger Chartier – para o qual a cultura política só
pode ser encontrada nas experiências e práticas de um grupo social. Sua definição de cultura
política é aquela de um “sistema de representações” complexo e heterogêneo capaz de
permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo atribui a uma dada realidade
social num determinado momento do tempo (Cf. CHARTIER, 1991).
É portanto, a historiografia tributária dessa via de compreensão da cultura política
que nos permite analisar a documentação nessa pesquisa, considerando culturas políticas em
conflito apesar de haver uma possivelmente hegemônica que domina o imaginário dos agentes
sociais. Ao deixar a interpretação de Chartier das “representações” e adotar a ligeiramente
semelhante de Horrox das percepções e atitudes é que nos propomos a adentrar na opinião
pública.
Dessa forma não podemos deixar de destacar que a “... evocação da cultura política
inscreve-se na renovação da história política” e não é “uma chave universal que abre todas as
portas, mas um fenômeno de múltiplos parâmetros, que não leva a uma explicação unívoca,
mas permite adaptar-se à complexidade dos comportamentos humanos” (BERNSTEIN in
RIOUX & SIRINELLI, 1998, pp. 349-50). Ao mesmo tempo,
Ela é apenas um dos elementos da cultura de uma dada sociedade, o que diz respeito
aos fenômenos políticos. Mas, ao mesmo tempo, revela um dos interesses mais
importantes da história cultural, o de compreender as motivações dos actos dos
homens num momento de sua história, por referência ao sistema de valores, de
normas, de crenças que partilham, em função de sua leitura do passado, das suas
aspirações para o futuro, das representações da sociedade, do lugar que nela têm e da
imagem que têm da felicidade (Idem, Ibidem, p. 363).
48
André Luiz Cruz Tavares é doutor (2012) em História e Cultura Política Antiga pela Univesidade
Estadual Paulista (UNESP). As afirmações desses parágrafos quanto ao “desenvolvimento” do conceito de
cultura política em três momentos do debate são baseadas em curso ministrado por ele no Simpósio Nacional de
História de 2011 na cidade de Franca intitulado “Cultura Política, Representação e Identidade: considerações
metodológicas na História Política Renovada” no qual estávamos presente.
45
Destacamos essas afirmações para demonstrar por comparação que o projeto de
Rosemary Horrox não está muito distante ou além dessa renovação da história política do
âmbito francês – ainda que aparentemente não mencione leituras da historiografia francesa. A
bandeira de uma “renovação”, apesar de se mostrar circunscrita ao círculo de René Rémond e
da história política contemporânea, nos é muito cara e pode ser vislumbrada para o século XV
a partir de considerações de historiadores ingleses como Michael Hicks e Christine Carpenter.
Ambas as abordagens convergem entre si. Michael Hicks, em 2002 considerou que
somente através dos valores, padrões e princípios dessa sociedade (a cultura política
propriamente dita) é que podemos compreender a Guerra das Rosas para além de um conflito
nobiliárquico. Para ele, a guerra civil não foi o resultado da fraqueza de um sistema político,
mas justamente a combinação de circunstâncias excepcionais que, dados esses valores,
padrões e princípios, culminaram no conflito armado. Cultura política essa que ao enfatizar
estruturas e continuidades, procurava sempre restaurar uma ordem que estava sendo
aparentemente perdida (HICKS, 2002, pp. ix-xi).
O conjunto de afrontamentos denominado pelo termo Guerra das Rosas foi o maior
levante militar e político da história da Inglaterra entre os séculos XII e XVII. A recessão
econômica, o empobrecimento do Tesouro, as intervenções estrangeiras e a agitação popular
deram os subsídios para tanto – não uma simples fraqueza do governo ou da estrutura do
feudalismo bastardo. Para Hicks, quando toda a sociedade se viu “fora das regras” podemos
apreender que tais regras precisavam ser alteradas e seria essa a maior definição de crise
política do século XV na Inglaterra para nosso trabalho. Henrique VI (e antes dele Ricardo II)
vivia essas circunstâncias, mas se via em situações impossíveis de serem alteradas por suas
aptidões. Qualquer sistema político é uma faceta da sociedade: o governo do rei se baseia no
consenso entre os magnatas, a aristocracia rural e as oligarquias urbanas. Qualquer rei que
tentasse solapar isso – como Ricardo II – ou ignorar seus anseios – como Henrique VI – não
saía ileso (Idem, Ibidem, p. 1).
Para compreender isso, Michael Hicks nos auxilia com uma divisão muito clara de
elementos que ele classifica como influentes em uma determinada cultura política: elementos
não-políticos como superstições, medos e crenças; elementos não necessariamente políticos,
mas que têm uma implicação direta, como a religião; e os elementos propriamente políticos
(Idem, Ibidem, p. 9). No que tange à ordem que estava sendo transgredida, a religião é talvez
o elemento mais forte para sua compreensão. Os cristãos desse período tinham uma ideia
muito clara de sociedade harmônica e perfeita na qual tudo que a desvirtuava era oriundo de
forças do mal. A religião era o código moral que garantia essa harmonia, que garantia os
46
códigos cavalheirescos da aristocracia, da nobreza, etc. A representação que se fazia de um rei
também estava completamente vinculada à religião. Além disso, a própria bíblia servia como
uma das principais bases argumentativas de tratados de governo como de Sir John Fortescue
em 1471 (HICKS, 2002, pp. 12-3).
Essa representação do rei atravessada pelos argumentos bíblicos passa pela ideia de
um rei como representante de deus na terra que possui uma pequena parte do seu poder, e essa
parte ele divide com os súditos do reino – que estão representados no Parlamento. A teoria de
Fortescue demonstrava um “contrato” que havia entre os súditos e o rei para a divisão do seu
poder. É pela existência desse contrato que não haveria conflito entre o rei e a nobreza: o
conflito era exceção e não a norma (Idem, Ibidem, p. 26). Portanto, esse elemento não pode
ser deixado de lado na nossa tentativa de análise da Guerra das Rosas.
O que estamos colocando aqui com essas considerações é que tanto Hicks quanto
Carpenter tendem a concordar que a principal tarefa do historiador é entender em que termos
os homens passados pensavam, expressavam esse pensamento e de que ângulo enxergavam a
vida e a sociedade na qual estavam inseridos. Christine Carpenter, em 2004, compreendia a
sociedade inglesa desse período em termos semelhantes aos de Hicks, considerando códigos
de conduta formais e informais que orientam as ações. Assim, tanto uma como a outra
permeiam e fazem parte das percepções e atitudes referidas inicialmente.
Para Carpenter, assim como para Horrox, os medievalistas atuais se beneficiaram de
um longo debate historiográfico que têm sua manifestação mais importante no já considerado
McFarlane e em seu apelo calcado em atividades coletivas, opiniões e “paixões”. Mas isso
levou a outras noções que articuladas tiveram bons resultados: cultura política, estruturas
institucionais, estruturas de poder e crenças. Com isso, a autora defende que é possível
analisar motivações políticas de grupos e indivíduos que permitam traçar o curso da política
de determinado período como um todo (CARPENTER, 2004, pp. 8-10).
Consideramos também, que a análise de uma cultura política implica numa análise de
palavras (BERNSTEIN in RÉMOND, 2003, pp. 86-90). Isso porque uma cultura política só
pode ser identificada por alguns elementos mais ou menos homogêneos, como “um discurso
codificado em que o vocabulário utilizado, as palavras-chave, as fórmulas repetitivas são
portadoras de significação...” (BERNSTEIN in RIOUX & SIRINELLI, op. cit, p. 351). É por
isso que esse tipo de abordagem está presente já no próximo capítulo e passa por toda análise
documental feita aqui. Assim, no que tange ao critério de observação dessas palavras, a obra
de Bernard Guenée (2002) nos foi caríssima e nos levou a considerações sobre a nossa quarta
perspectiva conceitual: a opinião pública.
47
O historiador francês nos proporciona uma análise do vocabulário político que, entre
outras nuanças, compõe nossa abordagem documental. Através desse vocabulário político que
é possível dizer sobre “opinião pública” – mesmo que fosse uma expressão desconhecida na
documentação. Essa expressão só pode ser constatada no contexto do Iluminismo, mas
“opinião” no sentido correspondente já era recorrente desde o século XIV. Além disso,
Guenée está convencido de que no mesmo período – a exemplo do rei de Navarra – os
príncipes já se preocupavam com o que hoje chamamos de opinião pública, promovendo uma
espécie de “propaganda política” da realeza (GUENÉE, op. cit., pp. 9-10).
No século XV, ao menos no reino da Inglaterra durante a Guerra das Rosas, a
propaganda da realeza foi uma prática muito clara – dada a disputa entre duas casas da mesma
família. Mas nosso foco é a opinião pública, manifestada em grande parte na Revolta de Jack
Cade – objeto do Capítulo 2 – e depois em petições e outros aspectos que chegavam ao
parlamento. De certa maneira, enfatizaremos de que maneira essa opinião pública parecia
atingir uma rede ampla de pessoas do reino foi notada e rearticulada pela figura de Ricardo de
York – ele próprio alvo dessa opinião pública nos anos perturbados do reinado de Henrique
VI.
Jean-Jacques Becker salienta que a opinião pública tende a ser na maior parte dos
casos uma “fabricação”. Mas o fato de ela ser artefato de uma manipulação é pouco relevante,
pois ela implica em desdobramentos históricos de qualquer forma. Para ele, o que deve ser
analisado é o próprio “condicionamento” dessa opinião: a propaganda (BECKER in
RÉMOND, op. cit., p. 190). A despeito de Becker ser também de um núcleo de pesquisa
voltado para a história contemporânea, a afirmação tem certa aplicação para o século XV,
uma vez que as petições da Revolta de Jack Cade – fossem elas “fabricadas” ou não por
outrem – foram alvo de manipulação e apropriação com desdobramentos históricos que, no
limite, foi a própria Guerra das Rosas. E se “uma manipulação só tem chance de ser bemsucedida quando acompanha as tendências profundas da opinião pública” (BECKER in
RÉMOND, op. cit., p. 190), então o caminho de análise construído aqui tem bases sólidas –
que ficarão evidentes no Capítulo 4.
A opinião pública também é alvo importante nessa pesquisa por estar ligada
evidentemente às demais categorias de análise ressaltadas acima: a cultura política e as
percepções e atitudes de uma dada sociedade. Ambas nos proporcionam uma análise
circunstancial, dado que “É exatamente porque, a cada momento, os comportamentos da
opinião pública são o resultado de uma alquimia entre o estado das mentalidades e o contexto,
que é imprudente construir ‘tipos’ de atitude diante de um ‘tipo’ de acontecimento”
48
(BECKER in RÉMOND, op. cit., p. 188). As categorias de análise colocadas aqui, portanto,
nos auxiliam na compreensão desse “estado das mentalidades” de Becker; o contexto está
colocado na narrativa histórica proposta.
Para nós, a metodologia de Bernard Guenée está em diálogo com essas definições na
medida em que considera um repertório de palavras empregadas pela crônica na qual sua obra
está baseada – Crônica de Carlos VI. Esse repertório, pela repetição de um discurso
codificado e de certos termos, nos aproxima tanto da cultura política quanto das percepções e
atitudes da sociedade francesa da virada dos século XIV para o XV. É assim que a articulação
do “bem comum” (bonum commune) ou do “interesse geral” (publica utilitas) no discurso
revela uma opinião pública para Guenée (op. cit., p. 22); da mesma maneira que “amplamente
divulgado” (opynly published), a “voz comum” (commune voyse), o “bem público” (common
weal/profit) nos revela nuanças semelhantes na nossa documentação.49
Portanto, considerando tudo que foi dito desde as estruturas políticas até a opinião
pública, discordaremos aqui juntamente a Herrer e Challet de uma interpretação
“habermasiana” que coloca a possibilidade de um espaço público de discussão e crítica dos
fenômenos da esfera política somente a partir do século XVIII. Os autores argumentam
justamente baseados em expressões como opinião, opinião geral, opinião vulgar, rumor,
clamor e fama pública, que dizem respeito a um certo debate na esfera pública sobre
fenômenos políticos (HERRER & CHALLET, 2005-6, pp. 75-6).
Outro fenômeno considerado por eles através da historiografia é a sabida e crescente
preocupação dos monarcas com elementos de sua propaganda. As reações de opinião,
portanto, exercem sobre os reis um controle simbólico sobre o poder fazendo do reino (sejam
quais forem os atores sociais) um sujeito ativo na negociação política (Idem, Ibidem, p. 77).
Cabe na nossa dissertação, investigar como distintos grupos foram capazes de acomodar
acontecimentos políticos em suas próprias categorias políticas – a cultura política
propriamente dita – e instrumentalizá-los em defesa de interesses que consideravam legítimos
e que se resumiam no “bem comum”.
Dessa forma, a Revolta de Jack Cade será tratada por esse viés, considerando
elementos particulares da cultura política crítica que se orientava em torno do condado de
49
Como nos exemplos: “As herto my seide lordes bille declareth wele that suche noises as bene leide
unto the seid bisshopps charge were in my seide lordes absence open and publique here in England and at suche
tyme as the parliament was holden here at Westminster…” (John Vale, p. 181); “…and the juries enpanelled and
charged to the which iuriz certeyn personns laborred instantly for tahave endited me of threason to thentent for
tahave undone me and myn issue and corupte my blood as opinly publisshed” (Ibidem, p. 185); “Item hit is notyd
be the comyne voyse that the kyngis landys in Fraunce beyn alyenyd & put a wey from the croune…” (British
Library, MS1, Item 7); “Also atte the last graunt of the eyde in Normandie, hit was openly purposed …shuld not
oonly be to the irreparable hurt of the comyn profite…” (PROME, 1449, Item 17, f. 5).
49
Kent e de suas repercussões uma vez que demonstraram causas legítimas para uma parte da
população e da nobreza, como no caso de Ricardo de York e Ricardo de Warwick. Ainda que
as possíveis apropriações fossem por puro interesse pessoal da nobreza, o que interessará aqui
são as percepções e seus desdobramentos históricos. Afinal, não se pode exigir um
pressuposto refinado para que ocorra uma ação política, sobretudo em se tratando de uma
revolta.
50
Capítulo 2 – The compleyntys & causes of the assemble on blake hethe: a revolta de
1450 e seus tópicos comuns
Para alguns historiadores ingleses representativos atualmente é um ponto de relativo
consenso que a revolta de Jack Cade está entre os principais eventos políticos do reino da
Inglaterra no século XV.50 Rosemary Horrox defende que os Atos de Restituição no
parlamento, apesar de ter sido proposto sem grandes resultados em 1449, só ocorreram com
vigor e se tornaram habituais com o debate provocado pela revolta (1994, p. 25). Christine
Carpenter, ao propor uma reflexão sobre a constituição política do reino no século XV, nota
que somente após 1450 aqueles que assumiram o papel de governar em nome de Henrique VI
deveriam arcar com suas consequências (1997, p. 256), uma vez que foram condenados pelo
que chamamos de opinião pública.
Watts vê um aglomerado de questões em torno da revolta – como a queda da
Normandia, por exemplo – que desencadearam atitudes reformistas que não tinham mais
como serem ignoradas (op. cit., pp. 344-5). Essas atitudes, para Hicks, eram aquelas de
Humphrey de Gloucester entre 1422 e 1447 e posteriormente de Ricardo de York (2010, p.
84) – sem o qual a Guerra das Rosas não teria ocorrido. Por concordarmos em boa parte com
essas afirmações e por essa revolta ser parte de nossa hipótese fundamental nessa pesquisa,
apresentaremos aqui uma análise dos eventos dessa insurreição e principalmente das
percepções dos grupos sociais que estavam diretamente envolvidos nessa questão.
Utilizamos aqui dois historiadores sobre a Revolta de Jack Cade como ponto de
partida por sua rica pesquisa nos processos judiciais que a referida revolta e seus reflexos
geraram (HARVEY, 1991) e pela profunda análise de figuras de linguagem e comparação
entre todas as crônicas que citaram a revolta no século XV (KAUFMAN, 2009). No item 2.1
abordaremos as percepções da crise que possivelmente contribuíram para o estopim da
revolta. No item seguinte, 2.2, está condensada a análise documental pormenorizada. Os
eventos da revolta estão diluídos nos dois itens (para o todo, veja a Cronologia nos
Apêndices).
50
Vale destacar também que a revolta tem sido alvo de investigações historiográficas desde a virada do
século XIX para o XX, vale nota: G. Kriehn (1892), H. M. Lyle (1950), R. Virgoe (1964), R. A. Griffiths (1981),
B. P. Wolffe (1981), I. M. Harvey (1991) e A. Kaufman (2009).
51
2.1 A revolta e as percepções da crise política do sudeste
Revolta é por si só uma questão delicada para esse período. O que a constitui? Um
motim violento? No mesmo sentido que uma transgressão da ordem religiosa era encarada
como uma traição a Deus, uma revolta por questões político-econômicas era considerada
como traição contra a Coroa – não importando, portanto, a legitimidade de suas causas. Ao
contrário de um tópico comum de que as revoltas se davam por questões de subsistência,
como a fome, a grande maioria dos movimentos de massa medievais registrados entre os
séculos XIII e XV no ocidente – mesmo após a Peste Negra – ocorreram claramente por
questões políticas (COHN, 2006, p. 10). Entretanto, não há como definir “popular” para o
nosso caso, por se tratar de um movimento político polimorfo e multifacetado.
Mais importante do que apreender se foi um movimento popular ou não – o que não
consideramos possível dadas as limitações das fontes – nossos questionamentos vão no
sentido de qual teria sido o impacto da Guerra dos Cem Anos à altura de 1450? No que o
imaginário a respeito de um rei guerreiro como Henrique V e seu irmão Humphrey de
Gloucester contribuiu para ofuscar a imagem de um rei dado à filosofia e aos mosteiros como
Henrique VI? Qual o impacto da revolta na sociedade e no que contribui para o desenrolar da
Guerra das Rosas?
Esses questionamentos também vieram a partir de padrões relativos identificados nas
práticas insurrecionais apuradas pela pesquisa de Samuel Cohn entre 1200 e 1425 em
comparação com a revolta de 1450. As insurreições se iniciavam espontaneamente sem
liderança, mas aqueles que vinham a se tornar seus líderes – no nosso caso Jack Cade –
frequentemente vinham de outros estratos sociais e isso não era um problema em comparação
a muitos movimentos do período que tinham sua liderança oriunda da pequena nobreza ou da
própria nobreza indiretamente. Sua organização era em termos primitiva; sua ideologia quase
sempre se voltava para uma idade de ouro passada; eles se propunham a restaurar direitos
perdidos e para atingir seus objetivos eles apelavam aos seus “líderes naturais”: o rei, o
imperador ou o papa (COHN, op. cit., p. 23). Portanto, foi exatamente pensando uma idade de
ouro projetada no passado recente que surgiram à época parte das críticas dos revoltosos. Uma
idade de ouro calcada nas vitórias sobre a França, na relativa prosperidade econômica e na
paz idealizada que teria vigorado no plano local dos condados – os reinados de Eduardo III
(1327-77) e Henrique V (1413-22).
Portanto, a revolta que ocorreu em 1450 foi por um desejo exacerbado de
estabilidade e segurança – a era de ouro perdida – como em grande parte dos conflitos coevos
52
(COSS in HORROX & ORMROD, 2006, p. 16). As críticas eram direcionadas especialmente
ao mau governo, ao favoritismo e à corrupção do Conselho Régio. Foi esse desejo de
estabilidade que levou as pessoas às ruas de Londres e influenciou os demais estratos da
sociedade, ou melhor, tornou pública e ampla uma percepção de “ordem” e “desordem” que já
estava presente no Parlamento de 1449 no que se referia às ameaças do continente. A ordem
do bem comum também era percebida como invalidada pelos favores individuais em excesso
cedidos ou permitidos pelo rei, portanto o único que poderia resolver isso. De maneira
grosseira, a crise política é desencadeada pelo fato de, além de Henrique VI não compactuar
com as expectativas deixadas pelas conquistas de seu pai, ele não havia resolvido nenhum dos
grandes problemas apontados pelos súditos desde 1437 – e esse é o tom de toda a Guerra das
Rosas.
De forma análoga à Revolta dos Camponeses de 1381, em 1450 o grosso dos
participantes vinha do sudeste do reino e se dirigiam a Londres. A maioria da população que
habitava a região sudeste do reino estava fora da influência de grandes magnatas, contudo
essa particularidade não nos permite considerar o movimento de 1450 automaticamente como
“popular”. Estar fora dessas grandes zonas de influência como ocorria também no norte
permitia a proliferação e prosperidade da pequena-nobreza na região. O número de famílias
da pequena-nobreza que habitavam essa região entre 1422-1509 chegou a 256. Uma grande
proporção dessas pessoas, contudo, ainda era mais pobre do que os de mesmo status em
outras regiões, mas ainda assim eram os detentores de pequenas terras e seus meios de
produção (SWANSEA, 1985 apud HARVEY, op. cit, p. 7).
Alguns outros aspectos também precisam ser ressaltados de antemão. A região
sudeste apresentava uma coerência geográfica e política importante. A abrangência geográfica
da revolta compreende, sobretudo, essa região do reino que inclui os condados de Kent,
Middlesex, Surrey, Sussex e Essex, bem como a cidade de Londres. Mas também eclodiram
manifestações menores que se alastraram por muitos outros condados além da região
sudeste.51
Sendo assim, compreendemos a coerência geográfica dessa região devido ao fato de
produzir os mesmos produtos agrícolas, de abranger os chamados Cinco Portos52 e por estar
diretamente ligada a Londres e ao Continente. A capital do reino era também a capital da
região sudeste, o centro de circulação para quem se dirigia ao norte, à Irlanda ou a Gales, e o
51
Ver mapas 1 e 2 nos Anexos.
Os “Cinque Ports” era uma confederação de cinco portos entre Kent e Sussex que controlava a maior
gama de produtos enviados ao continente, eram eles: Hastings, New Romney, Hythe, Dover e Sandwich. O
representante do rei responsável por esse portos era chamado “Barão dos Cinco Portos”.
52
53
horizonte mais alto de comercialização da produção do sudeste. Além disso, as tropas que
eram reunidas em Londres para as campanhas militares na França marchavam pelo condado
de Kent para embarcarem em Dover – o mesmo se dava no retorno ao reino e na importação
de vinho ou na exportação da lã. Ou seja, uma área de passagem importante que sofria certas
consequências em situações de estado de guerra.
Por coerência política, pode-se depreender uma zona bastante promissora de
interesses múltiplos que chamava a atenção da alta nobreza, mas que ao mesmo tempo sofria
pouca influência dessas famílias – o que a distingue claramente da maior parte do reino até as
décadas de 1440 e 1450. A área supria o mercado londrino pelo rio Tamisa em vários artigos,
formando cinturões de produção de cereais e outras fazendas promissoras. No conjunto o
sudeste era considerado uma região de relativa riqueza que vai da parte leste de Kent à parte
marítima de Sussex. Relativamente, os cinco condados do sudeste tinham em geral uma
economia agropastoril mista que outras regiões não desfrutavam – pela produção massiva de
lã e seda, por exemplo (MILLER, 1965, pp. 333-7).
Por tudo isso, essa região sofreu influência direta dos acontecimentos políticos e
militares dos conflitos no continente desde o século XIV. Exceto pela Revolta dos
Camponeses de 1381, não ocorreram revoltas e levantes tão sustentados e organizados como
os que ocorreram nessa região (Cf. HILTON, 1973). A diferenciação das insurreições e outros
eventos que ocorreram no reinado de Henrique VI só pode ser entendida levando em
consideração essa coerência geográfica e política.
Outros aspectos daquele momento também devem ser colocados aqui. O
acontecimento político de maior relevância que teve papel central para o início da revolta de
Jack Cade ocorreu no mês de maio: o assassinato do conselheiro mais importante do reino,
William de Suffolk.53 Esse assassinato impactante ocorreu no início daquele ano de 1450 não
se sabe ao certo por quem – uma vez que seu corpo foi encontrado separado de sua cabeça na
praia de Dover. Sob acusação aberta do Parlamento de que era culpado pela perda dos
territórios da Normandia, entre outros atos de traição, sofrera impeachment do Conselho e do
Parlamento naquele ano – tendo o exílio de cinco anos como pena adequada segundo o rei
(PROME, 1449-50, Item 18, f. 4).
Nos apêndices da mesma seção do parlamento é reconhecido que manter os
territórios de Maine e Anjou, negociados também por Suffolk, era algo estratégico para a
53
Ver o Glossário nos Apêndices.
54
manutenção da Normandia.54 Outra informação referente ao Continente que já atingira a
mesma seção do Parlamento era de que a cidade de Calais – remanescente dos ingleses no
continente – poderia ser cercada em sete dias após a perda da Normandia.55 Dessa forma,
considerando que o Parlamento era um dos meios de circulação da informação, havia uma
apreensão sobre a Normandia e a costa da Inglaterra que permaneceu em voga até que fosse
explicitada também pelos comuns de Kent nas petições da revolta.
Assim, liderados por Jack Cade, um grupo de apoiadores das causas presentes nas
petições que redigiram solicitava que o rei atendesse suas reivindicações e reformas em nome
dos “comuns” de Kent e do reino Inglaterra. Geralmente referido como “capitão” ou “John
Mortimer” (nome que o associaria à família de Ricardo de York), Jack Cade e seus seguidores
elaboraram ao menos oito listas de reivindicações/petições (das quais sobreviveram três) que
consistiam em demandas econômicas e de governo, das quais os revoltosos – “os pobres
comuns de Kent” – culparam William de Suffolk pela perda de territórios na França e o
estrangulamento econômico. Tudo indica que nessa revolta participaram quase todos os
estratos sociais – incluindo a elite urbana, a pequena-nobreza, artesãos e camponeses (HICKS,
2010, pp. 68-71).
Sendo assim, a revolta não é considerada popular, mas possivelmente organizada
pela pequena nobreza que tinha uma percepção clara dos problemas do condado e do reino.
Mas mais importante do que esse aspecto, entendemos como revolta qualquer movimentação
de habitantes do reino que incomodasse em alguma medida as instituições monárquicas ou
condais. Trata-se de práticas políticas que em alguns casos nos deixaram claras suas
percepções – como a de Jack Cade – e em outros somente as representações sobre elas. De
qualquer forma, são processos históricos com desencadeamentos políticos que apontam os
problemas do seu momento, que se dirigem a alguma instância para procurar solução e que se
utilizam frequentemente da violência – dadas as limitações de expressão à qual eram
submetidos.
A revolta que nos interessa aqui estourou na região de Ashford, Appledor e Calehill
no condado de Kent em junho de 1450 – seguindo a procissão que ia para Canterbury com o
corpo de Suffolk. Durante esse mês os rebeldes se dirigiram a Londres para solicitar ao
Parlamento suas reivindicações e recrutarem apoio, todavia, o rei enviou duas tentativas de
54
Não tivemos acesso à carta em inglês medieval, segue a transcrição: “… and as for Maine and Anjou,
all the lords and commons in England know well that they were the key to the well-being of all the king's
obedience in France and Normandy, and when they were gone, the Englishman's obedience was greatly reduced,
and the French party's hold increased …” (PROME, 1449-50, Ap. 1).
55
“Also it is rumoured here that Calais will be besieged within seven days etc. God save the king and
send us peace etc.”. (Ibidem, Ap. 2).
55
repressão que falharam e o próprio rei recuou com suas tropas para Kenilworth por volta do
dia 23 não aceitando recebê-los. Ao final do mês os rebeldes voltam a acampar ao sul do rio
Tamisa, aguardando oportunidade para adentrar em Londres quando preparam cópias de suas
petições. Com ajuda do rei, o xerife de Londres buscava reforços constantes para impedir que
os rebeldes invadissem a cidade até que – após episódios de saques, roubos, assassinatos e
julgamentos forçados de quem os rebeldes consideravam “traidores do reino” – a situação
desemboca no episódio mais marcante da revolta, que foram cerca de dez horas de batalha na
ponte de Londres no dia 05 julho com centenas de mortos e feridos. Ambos os lados recuam e
em consequência o rei oferece recompensa pela cabeça do líder: o que ocorre no dia 12 de
julho (KAUFMAN, op. cit., pp. 199-202).
Quando inicia a revolta, o Parlamento estava reunido em Londres desde novembro de
1449 e suspendeu as atividades imediatamente devido às notícias que logo chegaram de que
os revoltosos se dirigiam à cidade. Contudo, enquanto o Parlamento estava em conflito sobre
que atitudes tomar quanto à situação, os rebeldes acusavam os supostos “responsáveis” pelas
falhas na França. No Parlamento discutiam-se questões de defesa do reino, dada a situação na
França, que culminou num ato de revisão de distribuição de impostos e privilégios propostos
pela Câmara dos Comuns, o Ato de Restituição (PROME, 1449-50, Item 53, ff. 9-17).
McCulloch e Jones se referem a essas questões, bem como à revolta, aludindo a um
amadurecimento político das camadas mais baixas do reino que teria se dado entre a Revolta
dos Camponeses de 1381 e a Revolta de Jack Cade de 1450 (McCULLOCH & JONES, op.
cit., p. 97). Todas essas considerações convergem para o lugar central que essas questões
ocupam no seu sentido coevo e entrarão para compor possibilidades de esclarecimento aos
nossos questionamentos: qual teria sido o impacto da Guerra dos Cem Anos à altura de 1450?
Qual o impacto da revolta na sociedade e no que contribuiu para o desenrolar da Guerra das
Rosas?
O que permeia tanto os revoltosos quanto o parlamento é, possivelmente, a noção de
bom governo. A essência de um bom governo que a percepção coeva esperava de seu rei era
que ele mantivesse um nível tolerável de ordem, de controle financeiro, de justiça, de
segurança das pessoas e suas propriedades e, portanto (e sobretudo), que os defendesse de
ameaças externas (HARRIS in HORROX, op. cit., p. 28). Todas essas características faltavam
a Henrique VI, agravando-se o fato de que os habitantes do reino da Inglaterra nunca foram
habituados a grandes ameaças territoriais como eram na França desde muito (CARPENTER,
1997, p. 255). Assim entendemos que os elementos dessa percepção da crise política eram
mais causados por questões internas do que externas. Esse é o ponto que gostaríamos de
56
enfatizar: a ameaça de uma invasão francesa não era real no momento, mas eram os
problemas internos do reino que suscitavam atitudes como as abordadas por nós neste texto.
Os rumores, contudo, ocupam um lugar central na dinâmica cotidiana de disseminação
das informações. Para Claude Gauvard, os rumores são quase que totalmente permeados de
crenças, obsessões e percepções da sociedade. O julgamento de “verdadeiro ou falso” sobre
um boato, portanto, não é válido uma vez que se trata de “fantasmas da sociedade”, ou seja,
espectros que baseiam os medos cotidianos e causam reações (GAUVARD, 1993, pp. 15760). Ainda para Gauvard, “tudo se situa sobre um fundo de crise, de uma crise que mantém o
medo e o nascimento de um sentimento de insegurança” (Idem, Ibidem, p. 158). Ou seja, os
rumores são, no limite, manifestações de percepções da sociedade e seus medos e apreensões
que têm implicação direta nas ações concretas.
No nosso caso, podemos dizer que o maior “fantasma da sociedade” inglesa nesse
momento de fins da Guerra dos Cem Anos e derrotas sucessivas eram os franceses – o medo
de perder o controle sobre a circulação no Canal da Mancha era entendido como perder o
controle de todas as ilhas britânicas. A posse da Normandia representava o controle de um
território rico e estratégico para a defesa do espaço marítimo entre as ilhas britânicas e o reino
da França.56 Segundo habitantes da Ilha de Sheppey (no estuário do Tâmisa) – que foi atacada
pelos franceses em abril de 1450 – o estopim do medo de invasão francesa foi dado pela
própria perda da Normandia (HARVEY, op. cit., p. 10).
Assim, consideramos o medo e a apreensão como primeiro motor de mobilização
daquele verão de 1450, por alguns motivos. Além do medo do que poderia vir pelo mar, o
rumor que espalhou pelo sudeste naquele momento está apontado no primeiro item de uma
das petições da revolta: “... está publicamente divulgado que Kent deveria ser destruído pelo
poder régio e transformado numa floresta selvagem, como punição pela morte do Duque de
Suffolk - que os comuns jamais seriam assassinos”.57 Esse primeiro item da documentação
coloca em evidência parte do que dissemos em relação à insegurança provocada por um
rumor; rumor esse que envolve a morte de William de Suffolk e a possível punição do rei
quanto ao fato.
56
O reino da Inglaterra vinha numa diminuição progressiva do domínio sobre terras no continente,
entregando sucessivamente a posse de Maine, Anjou, Guiana e Normandia. Nesse momento, restavam sob o
domínio da coroa da Inglaterra somente o porto de Calais e a Gasconha. Portanto, ao chegar no litoral da
Normandia, a ameaça de atacar as ilhas britânicas era vista como iminente (Cf. ALLMAND, 1988).
57
“Fyrst hit is opynly noysyd that Kent shuld be dystroyd with a ryall power & made a wylde fforest for
the dethe of the duke of Suffolk of wyche the commones there was nevyr dede doer” (British Library, MS 1,
Item 1).
57
Assim, a ambiguidade que existe entre as comemorações em torno daquela morte
simbólica (a própria origem da revolta) e a afirmação de que os habitantes de Kent não foram
assassinos do duque é a primeira expressão do próprio medo de uma punição régia. No caso
específico que tratamos, a punição poderia se traduzir em confisco de bens, perda de heranças,
títulos, punições diversas perante julgamento e, no limite, a morte – fosse ela como punição
do rei ou como consequência de uma invasão pelas tropas francesas. Como já argumentava
McFarlane, os ingleses não sofreram praticamente nada do que praticavam nas conquistas e
manutenção das terras continentais, mas o medo disso era uma constante; e apesar de a
invasão francesa ter sido planejada mais de uma vez, ela nunca ocorreu de fato
(McFARLANE, op. cit., p. 146).
Esse sentimento de insegurança que embasa os rumores e as sedições tende a se
materializar na escrita, segundo a pesquisa de Gauvard, transformando-o muitas vezes em
estereótipos. Estereótipos como das “tropas incendiárias, causadoras de pilhagens e estupros”
é um dos mais comuns durante a Guerra dos Cem Anos (GAUVARD, op. cit., p. 160). O
maior deles aqui, entretanto, pode ser apontado na caracterização dos “conselheiros
cobiçadores dos bens régios” – como o próprio William de Suffolk. Tentar compreender a
ambiguidade entre o rumor e o estereótipo é o cerne da proposta de Gauvard que nos
interessa.
Assim, a morte do “mau conselheiro” do rei naquele momento poderia ter
representado alvores de melhorias para todos os seus críticos, mas a derrota desastrosa na
Normandia ofuscou essas possíveis melhorias. Numa situação de insegurança plena, de um
ataque iminente que poderia ocorrer a qualquer momento em qualquer região do litoral de
Kent, não foi suportado sem reação quase que imediata – a revolta.
Além da possibilidade do ataque francês, a atribuição do rótulo de traidor para os que
tinham privilégios concedidos pelo rei em cartas patentes58 se tornava cada vez mais evidente.
Logo, ser um oficial escolhido pelo rei parecia apontar à população local que o nomeado era
um possível extorcioner, ou seja, aquele que realizava transgressões da lei através de seus
privilégios para se apropriar de bens de outrem. A lei não teria qualquer intervenção em suas
ações uma vez que a carta patente do rei estava acima da lei. Fossem membros do parlamento,
juízes de paz, guardas de castelo ou xerifes, a desconfiança era cada vez mais generalizada e
se resumia ao rótulo de “traidor-extorsor” para os que exerciam funções nomeadas pelo rei.
58
As Cartas-Patentes eram as cartas autorizadas pelo rei que sediam direitos, terras, privilégios,
concessões e afins.
58
Todas as acusações provenientes dos revoltosos tinham alguma base de
fundamentação. Ter consciência disso, ou ter contato próximo às elites locais – uma vez que a
revolta teve aderência de uma vasta gama de estratos sociais – é um dos indícios da
legitimidade das causas da revolta. Ou seja, apontar quem de fato cometia injustiças na região
sudeste, quem era “extorcioner”, e quem eram os maus conselheiros do rei – informações que
já haviam se tornado públicas – permitiu que a revolta conseguisse apoio considerável da
população local no levante. E a maneira como organizaram o discurso em forma de petição se
espalhou justamente por esse conhecimento de causa.
Nas evidências documentais oriundas dos tribunais locais analisadas por Harvey,
nenhum dos acusados era processado por quaisquer queixas prestadas. Isso se deve
provavelmente ao fato de que seus aliados também estavam entre os Juízes de Paz e as
comissões de oyer et terminer59 (HARVEY, op. cit., p. 42). Os tribunais, tanto fixos quanto
esporádicos como as expedições de oyer et terminer, eram vistos como veículos da
exploração não só em Kent, mas por boa parte da sociedade. Assim, quaisquer detentores de
cargos públicos eram imediatamente vistos com desconfiança no que quer que fizessem
(HARRISS, op. cit., pp. 55-6). Se levarmos em conta que a maioria das instâncias estava
permeada por interesses particulares, e que a maioria das pessoas sequer poderia pagar por
uma apelação formal, parece possível considerar que não dispunham de nenhuma solução
plausível que não fosse, no limite, violenta.
A representação pelo condado de Kent na Câmara dos Comuns, por exemplo,
também ficava nas mãos dessas pessoas indesejadas por toda a década de 1440. Sabemos que
essa representação no parlamento – a Câmara dos Comuns – compreendia membros da
pequena-nobreza. Sua eleição para a uma cadeira na Câmara – os chamados cavaleiros do
condado – também passava muitas vezes pelos interesses particulares de grandes proprietários
locais, de maneira que era frequentemente corrompida pelo pagamento destes para
manipulação dessa representação – além do fato de que eram escolhidos apenas dois por
condado (McFARLANE, op. cit., pp. 1-22 & HARRISS, op. cit., p. 68).
Consideramos que a prosperidade das famílias pequeno-nobres do sudeste do reino
se dava, entre outros fatores, ao seu relativo isolamento de influências de grandes famílias
como ocorria no norte. Também consideramos que uma parcela da própria pequena-nobreza –
que inclusive chega aos assentos do parlamento – formava o grupo dos que eram julgados
“grandes extorcioners” e, portanto mal vistos nos condados do sudeste. Sendo assim, é
59
As comissões de oyer et terminer eram tribunais de inquérito itinerantes e indicados pelo rei em
situações esporádicas, como motins e revoltas.
59
preciso apontar que nenhuma família poderosa havia estendido sua zona de influência pelo
condado de Kent até esse momento, mas na década de 1440 o fez William de Suffolk através
de seus mais próximos, como James Fiennes, Lorde Saye e Sele.
Suffolk, não só por essas questões, mas por ser automaticamente associado com a
derrota na Normandia entre 1449 e 1450, foi morto no mês de maio daquele ano de 1450
enquanto se dirigia ao exílio. James Fiennes, por ser considerado um extorcioner local foi
morto nos desdobramentos da revolta em Londres. Portanto, tão relevante quanto tudo que foi
explicitado até aqui, as questões ligadas aos domínios da França e à política de paz liderada
por Suffolk deram a este uma imagem bem negativa perante a maior parte do reino (HICKS,
2010, pp. 58-9).
No fundo, o que as derrotas no continente mais causaram foi um descrédito da Corte
sem precedentes, de modo que o apoio da pequena-nobreza – parte dos participantes da
revolta – que era fundamental para manutenção da ordem, se tornou cada vez mais escasso.
Por um lado, isso não significava necessariamente que a opinião pública defendia uma
retomada da guerra com vigor. Sendo eles os principais elementos das tropas e a principal
fonte dos impostos que subsidiavam a guerra, demonstravam um entusiasmo decrescente
quanto ao financiamento do conflito desde a década de 1420 (McCULLOCH & JONES, op.
cit., pp. 99-100). Por outro, as consequências que a perda da guerra suscitou eram indesejáveis
sobretudo pelos comuns, como as drásticas quedas de trocas de mercadorias entre o reino e o
continente. De qualquer forma, fosse qual fosse o principal objetivo das queixas sobre as
derrotas, enfatizamos que as causas da percepção que a revolta proporcionou dessa crise
política eram internas e por questões internas; as possibilidades de sua interpretação são
objeto do próximo item.
2.2 As Petições e a Revolta de Jack Cade: Limites e Possibilidades interpretativas
Nossa perspectiva de opinião pública está calcada no fato de que muito do
vocabulário político que no século XV se referia aos “comuns” está bastante ligado ao que
hoje chamaríamos de “público” (WATTS in CARPENTER & CLARK, op. cit., pp. 159-62).
Ou seja, as ideias políticas colocadas pela percepção oriunda das petições de Jack Cade se
referindo ao “povo comum” assumem aqui esse sentido de “opinião pública”. Não só Watts,
como Carpenter e Hicks defendem que havia elementos comuns de expectativas políticas e
linguagens compartilhadas pela maioria dos estratos sociais do século XV, uma cultura
política em maior ou menor grau de homogeneidade que vinha se desenvolvendo desde o
60
reinado de Eduardo III (Cf. CARPENTER & CLARK, 2004). E por isso, “comum” também
se refere a um espaço discursivo com resultados políticos que a pressão pública causou tanto
na conduta quanto na natureza da política nesse período. Iniciaremos aqui a análise de um
fragmento dessa cultura política através do espaço discursivo das petições da revolta, para
depois pensarmos as possibilidades de pressão pública que ela suscitou.
Dois manuscritos estão presentes na British Library em Londres. O primeiro tem sua
maior parte voltada para os eventos mais globais – como a guerra – somente na medida em
que afetariam o condado de Kent e Middlesex em grande escala. Isso pode ser apreendido
pela distribuição dos problemas no manuscrito através da leitura de sua edição (HARVEY,
op. cit.), onde os problemas locais serão aqui representados por Injustiça e Extorsão:
Quadro 01 – Recorrência de Assuntos MS 1
Primeiro Manuscrito da British Library (Cotton Roll IV, 50)
Assuntos
Quantidade de Itens
Injustiça e Extorsão
10
Conselho Régio e a França
2
Imposto e Taxação
3
Concessões e Privilégios (Restituição)
2
O segundo é provavelmente a versão que os rebeldes endereçaram ao rei no dia que
este esteve em Londres, primeiro porque foi a versão com mais formalidade nas palavras e
demonstra as causas mais urgentes e aparentemente escritas às pressas – uma vez que só
possui sete itens, contra dezessete da primeira e quatorze da terceira. O teor formal e mais
rebuscado pode ser verificado desde a frase de abertura, “São esses os desejos dos fiéis
comuns do poderoso senhor o rei”.60
Quadro 02 – Recorrência de Assuntos MS 2
Segundo Manuscrito da British Library (Cott. II, 23)
60
Item 1).
Assuntos
Quantidade de Itens
Injustiça e Extorsão
4
Conselho Régio e a França
3
Imposto e Taxação
1
Concessões e Privilégios (Restituição)
1
“These ben the desires of the trewe comyns of your soueraign lord the Kyng” (British Library, MS 2,
61
O manuscrito presente no Magdalen College em Oxford foi o documento rebelde
mais copiado entre todos; tem um tom apelativo que se volta para o sudeste e provavelmente
para a elite; e tenta demonstrar mais do que os outros, como a relação do rei com os comuns
foi afetada por esses traidores aos quais se referem. Além disso, o documento possui um
parágrafo que antecede os itens da petição que não está presente nos demais.
Quadro 03 – Recorrência de Assuntos MS 3
Manuscrito do Magdalen College (MS Misc. 306)
Assuntos
Quantidade de Itens
Injustiça e Extorsão
8
Conselho Régio e a França
10
Imposto e Taxação
2
Concessões e Privilégios (Restituição)
2
As quantificações acima foram baseadas em diversas leituras da edição dos
manuscritos para que apreendêssemos uma unidade argumentativa (os “assuntos” do quadro)
que pudesse ser verificada por igual nos três documentos. Assim, nossos objetivos estão
postos para pensarmos em quê medida estes mesmos “assuntos” priorizados pelos rebeldes
podem ou não serem atribuídos a uma possível opinião pública – que verificaremos nos
próximos capítulos com outras fontes. É com o intuito de apreender uma hierarquia de
preocupações que nos revele percepções sobre a crise política do reino que adotamos essa
linha de interpretação aqui. Retomando nosso problema central deste capítulo, qual seria o
impacto do final da guerra dos Cem Anos em 1450? E qual o impacto da revolta na sociedade
e no que contribui para o desenrolar da Guerra das Rosas? Abordaremos as petições pensando
na recorrência dos problemas na documentação conforme o quadro abaixo para avançarmos
na análise das possibilidades oferecidas por esses testemunhos escritos:
Quadro 04 – Recorrência de Assuntos Geral – Jack Cade
61
Assuntos
Quantidade de Itens61
Injustiça e Extorsão
22
Conselho Régio e a França
15
Imposto e Taxação
6
Concessões e Privilégios (Restituição)
5
Aqui não consideramos o item como um todo, mas o assunto tratado. Ou seja, o total de parágrafos dos
manuscritos é de 41, mas a recorrência dos tópicos é, por vezes, mais de um por parágrafo.
62
Enfatizamos que os itens estão relacionados entre si. As questões dos impostos e
taxação e das injustiças e extorsões estão diretamente ligadas ao Ato de Restituição a como
solução para diminuição da sobrecarga dos Comuns e dos privilégios – que permitem as
extorsões e injustiças. Iniciaremos a análise, então, pelo que articula a explicação da maioria
das queixas: o Ato de Restituição.
A primeira petição da British Library põe em cheque a sobrecarga dos impostos
sobre os Comuns (leia-se a pequena-nobreza que frequenta o parlamento) e as injustiças
causadas pelos privilégios cedidos pelo rei evidenciando a necessidade do Ato de Restituição.
As “gret somes of money” (grandes quantias de dinheiro),62 os “payd of dettys” (pagamento de
impostos),63 a “coveytyse of good” (cobiça de bens),64 e a “conveityse of the seyde graunte”
(cobiça sob a concessão)65 são alguns dos argumentos que os rebeldes tentam evocar para a
argumentação.
Os rebeldes, acreditando que sua causa era justa e que poderiam salvaguardar o rei da
cobiça de seus maus conselheiros apresentavam:
O rei está manipulado e movido a viver apenas sobre os seus comuns; e outros
homens obtêm os rendimentos da coroa que tem causado pobreza por seus altos
pagamentos... que recentemente foram oferecidos por concessões no parlamento.66
A lógica desse apelo está pautada na diminuição da sobrecarga dos Comuns, pois
subsidiar os gastos ordinários da Coroa – como a casa do rei, sua alimentação e vestimenta –
não era tolerado em nenhuma situação do parlamento. A taxação da Câmara dos Comuns era
esporádica e em geral voltada para a guerra e a defesa do reino. Se o rei tinha de onde tirar sua
renda e essa renda estava circulando nas mãos daqueles que ele concedia privilégios e
concessões em excesso, a contradição estava posta às claras.
62
“Item the collectours of the xv peny in kent beyng gretly vexid & hurt in paying gret somes of money
in the Exchekyr to sewe out a wryt callyd quorum nomina for the allowance of Barons of the [Cinque] portes
whiche nou is desyryd that here aftyr in re[lief] of the seid Collectours the barons aforeseyd may seve hit out for
here ease at here ovyn coste” (British Library, MS 1, Item 9).
63
“Item the peple of this realme be not payd of dettys owing for the stuff & purveyance takyn to the use
of the kyng to the undoing of the seyde peple” (Ibidem, Item 4).
64
“Item the peple so enpechid & attached thawgh hit be undrwe [i.e. untrue] may not be committyd to the
lawe for here delyveraunce but holde styll in person to here utteryst undoing for coveytyse of good” (Ibidem,
Item 6).
65
Item his menyall men of housold & other personys askyn dayly godys & londys of peple enpechyd or
endytyd of treson the wyche the kyng grauntyd a non or [before] thei so endangeryd be convycte the wyche
cousith the resseyvours thereof to enforge labours applied to the dethe of peple be sotell menes of conveityse of
the seyde graunte (Ibidem, Item 5).
66
“Item that the kyng is steryd & mevyd to lyve only on his comyms & other men to have the revenues of
the crown whyche harth causyd porete in his excellence & grete paiements of the peple nou late to the kyng
grauntyd in his parlements” (British Library, MS 1, Item 2).
63
O Ato de Restituição se tratava de uma prática do parlamento em momentos de
estrangulamento financeiro da Coroa; consistia numa revisão de todos os bens, cargos,
tenências, privilégios, etc., que eram da Coroa, mas estavam nas mãos de outrem sob
concessão (grant) através de cartas de legitimidade, ou cartas-patentes (letters patent)
emitidas pelo rei. Elas poderiam ser propostas pelo rei ou pelas Câmaras dos Lordes e
Comuns. O reinado de Henrique VI viveu quase todo de arrecadações conturbadas recheadas
de desconfianças, que a partir de 1450 vieram acompanhadas dessas tentativas de Restituição.
Foi a revolta de Jack Cade que causou o debate sobre os Atos de Restituição – que havia
aparecido timidamente no Parlamento de 1449 – uma questão recorrente para a corte, o
conselho e o parlamento (HARRISS in HORROX, op. cit., pp. 23-24).
A maior crítica do período, inclusive, dizia respeito ao “uso do que é seu” (os
rendimentos da coroa). A questão se tornou tão relevante que os reis Yorks e Tudors passaram
a implementar Atos de Restituição regularmente, aparentemente para manter o apoio da
opinião pública e rever o patronato da coroa, sempre realocando rendimentos das
propriedades da coroa para os gastos da casa real (Idem, Ibidem, p. 25). John Fortescue, que
toca em praticamente todos os pontos fracos da administração de Henrique VI em seu tratado
de conselho, também evidenciou os problemas em torno das concessões régias tardiamente
em 1471:
Entendemos por muitas razões, que era necessário que tais presentes que têm sido
distribuídos à custa dos meios de vida do rei sem muita consideração, não merecidos
ou que estão acima dos méritos daqueles que o recebem, deveriam ser reformados,
de maneira que aqueles que tenham realizado qualquer serviço, não fiquem sem
recompensa. Tal coisa, eu acredito, pode não ser perfeitamente feita sem uma
restituição geral, feita pela autoridade do parlamento [...].67
O reconhecimento da necessidade do Ato de Restituição está presente já na abertura
do primeiro manuscrito da British Library:
Primeiro o capitão dos Comuns deseja a prosperidade do nosso senhor soberano o
rei, e de todos os verdadeiros lordes espirituais e temporais, desejando que o nosso
soberano senhor e todo o seu leal conselho retomar todas as suas propriedades, e ele
então reinará como um rei de verdade uma vez que nasceu nosso fiel rei cristão e
ungido. E quem disser o contrário nós viveremos e morreremos em discórdia;68
67
“We ffounde be grete causes, that it was needfull, that all suche giftes as haue be made off the kinges
livelod inconsederatly, as not deseruet, or aboff the meretes of hym that hat haue getun hym, were refourmed; so
as thai wich haue done any seruice, be not vnrewarded. Wich thynge, as me thinkith, mey not perfitly be done,
withowt a generall resumpcion, made be auctorite off parlement …” (PLUMMER, 1885, pp. 142-3).
68
“First the Chapteyn of the same Comyns deserith the welfare of oure soueraign lord the Kyng, and of all
his trewe lords spirituall and temporall, desiring of our soueraigne lord and all his trewe counseill to take ageyn
all his demaygnes, and he shall then raign lyke a Kyng Riall as he is born our trewe cristen Kyng anointed. And
who saith the contrary we woll all lyue and dye in that quarrel” (British Library, MS 2, Item 1).
64
A expressão “retomar as suas propriedades” colocada no primeiro item da petição
ressalta novamente a alusão da consciência da má distribuição de privilégios e arrendamentos
da Coroa que era praticado por Henrique VI desde o advento de sua maioridade. No caso do
primeiro manuscrito (British Library, MS 1), podemos notar pela utilização da palavra grant –
além das expressões acima – o que geralmente se associa à todas as concessões que o rei cedia
em privilégios, arrendamentos, etc. Não obstante, reconhecer a necessidade de tal restituição
dos bens da Coroa está diretamente ligado a ter consciência da má utilização dos impostos e
das injustiças das quais se queixavam na região, como podemos verificar:
A lei serve o que é certo e nada mais, mas hoje em dia para servir a injustiça uma
vez que para quase nada é empregada além de falsos assuntos coloridos de direito
por suborno, medo ou favor, e nenhuma solução pode-se encontrar no Tribunal da
Consciência nem em outra parte;69
A ambição que aparentemente afetava a vida cotidiana e a harmonia da região era
enfrentada pelos revoltosos que se dirigiam a Londres na medida em que a percebiam nas
taxas cobradas, nas injustiças dos tribunais ou nas extorsões, uma lacuna que só era possível
devido às liberdades cedidas por cartas do rei ou devido à falta de soluções das questões
julgadas pelo Tribunal da Chancelaria – conhecido também como Tribunal da Consciência.
Alguns itens do mesmo manuscrito da British Library decorrem sobre problemas locais de
difícil caracterização, mas que estão na mesma chave de queixas contra pessoas como James
Fiennes. A alegação de “reivindicações falsas de títulos de terra”,70 “diariamente perderam
grandes quantidades de dinheiro”71 e “mais quantia de dinheiro do que se pode encontrar nos
registros do rei”72 é uma referência comum aos “traidores desse reino que nos colocou em
injúria e miséria”.73 Portanto, há uma clareza de objetivos aparente nesses testemunhos
escritos e que revelam atitudes importantes para nossa argumentação.
69
“Item, the law serveth of ryghte an noughte elles in this dayes for to do wronge whyche for no thynge
almest is spedde but ffalse matters by coloure of the lawe for mede, drede, or favoure, and no remedye is hadde
in the Court of Consyens nor otherwise” (Magdalen College, MS 3, Item 9).
70
“Item thou diverse of the peple have never so gret ryght to here lond yet be untrew clayms enfeffements
be made to diverse astats & gentils in maintenance so that the trewe ounere of hit dare [not] pursue his right”
(British Library, MS 1, Item 8).
71
“Item they retourne in names of enquestys be wrytyng in to diverse courtes of the kynges not Somenyd
ne warnyd where thorou the peple lese dayly gret sommes of money or the value to here undoing” (Ibidem, Item
12).
72
“Item they make leve [i. e. levy] of amerciements callyd the grene wexe in more sommes of money than
can be founde dewe of record in the kyngis bokys” (Ibidem, Item 13).
73
“Item, they aske gentille mennys landys and godis in Kent, and calle us risers and treyturs and the
kynges enymys, but we schalle be ffounde his trew lege mene and his best frendus with the helpe of Jesu, to
whome we crye dayly and nyztly, with mony thousand moe, that God of his ryztwysnesse schall take vengaunse
on the ffalse treytours of his ryalle realme that have brouzt vs in myschieff and myserie” (Magdalen College, MS
3, Item 11).
65
Condensados nessas citações estão os maiores exemplos da percepção dos rebeldes
quanto à extorsão local pelos poderosos, fosse pelas taxas cobradas indevidamente, pela
apropriação indevida de terras ou pela manipulação dos tribunais de justiça. A palavra
extorsão e suas derivadas (extorcions, extorcionysly, extorcioners) aparece seis vezes –
conforme Quadro 8 abaixo – em meio aos três manuscritos: acusando os xerifes74; a venda do
ofício de recolhedores de impostos75; duas vezes no item sobre a manipulação da cera verde
utilizada pelo governo nas cartas patentes76; e no item que resume que as extorsões locais
também afetavam as provisões de cereais e outros mantimentos para o rei.77 Considerando o
abuso das jurisdições no tribunal de Dover – o mais importante tribunal da região sudeste – e
o pedido de sua melhor organização, o texto segue:
Os ministros do tribunal de Dover em Kent molestam e prendem pessoas por todo o
condado, fora da custódia do castelo passando seus limites utilizados há muito
tempo e cobram grandes taxas das pessoas por sua luxúria, para grande prejuízo
extorsivo deles.78
As pessoas sendo sensivelmente aborrecidas nos tribunais e trabalhos chamados de
Sessões de Paz aparecendo das partes do oeste e vindo para o leste, o qual custam
cinco dias de jornada para algumas pessoas porque eles querem que a apresentação
seja dividida em duas partes das quais uma parte se apresente em um lugar e a outra
parte em outro local do condado, aumentando o enfado do povo.79
Essas queixas nos permitem supor que tais situações afetaria justamente uma camada
da população que já nos referimos em demasiado: a pequena-nobreza. Eram eles que
conseguiriam recorrer a um tribunal, que pagavam os impostos ao parlamento e que sofriam
extorsões como as alegadas (uma vez que detinham propriedades). A extorsão podia
significar, portanto, a manipulação de uma carta de legitimidade para proveito de situações
74
“Item the Sherevys & undirsherevys lete to ferme here offices & baylywykys takyng grete sevrete
therefore the wyche causith extorcons to be done to the peple” (British Library, MS 1, Item 10).
75
“Item thereas knyghtys of the Shyre shold chese the kyngis collectours indeferently with oute eny
brybys takyng nou late thei have notyd certayn persones in feynyng to be collectours where upon some have
made fyne with hem to be dyschargyd & so the collectours offices is bought & solde extorcionysly as hem lust”.
(Ibidem, Item 15).
76
“Also desirith the Capteyn with the commons of Kente, that all the extorcions may be leid down, that is
to sey, the grete extorcion of grene wex, that is falsly vsed to the perpetuall destruccion of the Kynges liege men
and the Comons of Kente with out provision. [Also the King’s bench, the which is greefefull to the shire of Kent
without prouision of] our Soueraigne lorde and his trewe Counsell”. (British Library, MS 2, Item 6).
77
“Also in takyng whete and other Grayne, Beef, Moton, and other vitaill, the whiche is vnportable to the
said Commons, with oute breff provision of our soueraigne lorde and his trewe counseill, they may no longer
bere hit: and also vnto the statute of laborers and grete extorcioners being in Kente, that they be punysshed, and
that is to say, the traytours, Slegge, Crowmere, Ysele, and Robert Est” (Ibidem, Item 7).
78
“Item the ministres of the Courte of dovyr in Kent vexe & areste the peple there thorou all the Shyre
oute of castelwarde passyng here boundys usede of olde tyme & take gret fees of the peple at here lust
extorcionysly to gret hurt of hem” (British Library, MS 1, Item 16).
79
“Item the peple be sore vexid in cortys & labours callyd to the cessions of pees [i. e. sessions of the
peace] apperyng from the ferthest parts of the West in to the East the wyche causyth v day jornay to some peple
wherefore they desyre that appearance to be devydyd in two partyes of wyche on part to apere in oon place &
another part in a nother place of the Shyre in relevyng of the vexacion of the peple” (Ibidem, Item 17).
66
locais como pilhagem direta de bens dos Comuns. Se consideramos que no total, os três
manuscritos possuem 41 itens (parágrafos), a recorrência de seis vezes na documentação não
é um número de todo desprezível, pensando que as injustiças e extorsões ocupam vinte e dois
itens, ainda que não utilizem esse termo.
Conforme o Quadro 4 apresentado acima, a recorrência do tópico referente ao
conselho régio e suas ligações com o desastre na França ocupam o segundo lugar em número
de menções. O mau conselho – os traidores do reino – além de ter causado o fim do domínio
inglês no continente (com exceção de Calais) também decorre – na visão dos rebeldes – na
degeneração das relações entre o rei e os comuns:
Primeiro, consideramos que o Rei nosso Soberano senhor é exposto dia e noite à
cobiça e grandiosa malícia sobre sua alteza, e que dia e noite é informado que o bom
é mal e que o mal é bom contra o que diz as Escrituras: Ve vobis qui facitis de bono
malum.80
Dizem [os conselheiros] que o nosso soberano senhor está acima da sua lei e que a
lei é feita para o seu prazer, e que ele pode infringi-la o quanto quiser sem nenhuma
discussão: o contrário é verdadeiro, senão ele não deveria ter feito juramento na sua
coroação para mantê-la, coisa que julgamos como o ponto mais alto de traição que
algum súdito possa cometer contra o seu príncipe, fazendo-o reinar em falso
juramento.81
Além disso, eles [os conselheiros] dizem que o rei deveria viver sobre os seus
comuns, e que seus corpos e bens o pertencem, o contrário é verdadeiro, senão não
seria necessário jamais ir ao parlamento pedirem seus bens;82
Eles [os traidores conselheiros] veem com grande repreensão que o rei retome os
seus meios de vida, para que eles nem degradem os seus próprios, nem mantenham
terras ou arrendamentos, nem qualquer outro bem além daqueles que eles o
solicitaram, senão eles usam dinheiro de outro que ganhe para ele;83
Assim, esses primeiros três itens do manuscrito do Magdalen College demonstram o
desafeto com o conselho que dia e noite informaria o rei da maneira exatamente oposta àquela
“verdadeira e justa”, segundo a percepção dos Comuns. Vale relembrar que essa alusão à
retomada de “meios de vida” está diretamente ligada ao Ato de Restituição – que depois terá
reflexo no Parlamento em 1451 e 1455. Proposto também na primeira petição, esse ato além
de implicar numa menor taxação dos Comuns, retiraria privilégios conhecidos dos “traidores
80
“Furst, we consyderynge that the Kynge oure Soveraygne lord by tha satiables covetises malicious
pompuses in false and noughte brought up dayly and nyghtely abowte his hyghnesse, the same dayly and nyzthly
is enformed that good is evulle and evulle is good azenst Scripture seyithe, Ve vobis qui facitis de bono malum”
(Magdalen College, MS 3, Item 1).
81
“Item, they sey that oure Soveraigne lorde is above his lawe and that the lawe is made to his plesure,
and that he may make breke hit as ofte as hym lyst withouten any distucsione: the contrarie is trew and elles he
schuld not have beene swerune in his Coronacione to kepe hit, the weche we conceyve for the higheste point of
tresone that anny subgecte may do azenst hit prynse for to make hym reygne in perjurie” (Ibidem, Item 2).
82
“Item, they seye the Kynge schuld lyve upon his Comyns, and that her bodyes and goodes ern his; the
contrarie is trew, ffor than nedid hym nevur to set parlement and to aske good of hem” (Ibidem, Item 3).
83
“Item, they seyne hit were a grete reprofe to the Kynge to resume that he hath zevune of his lyvelode,
so that they neythur wulle suffur hym to have his owne nor to kepe londes or tenements fforfetid nor non odur
goodes but that they aske hit from hym, or elles they take money of odre to gete hyt hem” (Ibidem, Item 5).
67
do reino”. Tal percepção se apresentava para eles como uma ideia muito consolidada de que o
mau conselho levava aos maus atos do rei. Ainda no primeiro manuscrito da British Library:
Os lords de seu sangue real estão sendo colocados distantes de sua presença e outras
muitas pessoas de natureza baixa sendo exaltadas e colocadas como chefe do
conselho privado, que eles parem com assuntos voltados para o mal do seu reino a
partir de seu excelente público, e pode não ser reformado como a lei desejaria, ao
menos no caso de subornos e ofertas serem enviados para as mãos de tal conselho.84
Também o reino da França, o Ducado da Normandia, a Gasconha, e também a
Guiana, Anjou e Maine foram perdidos pelos mesmos traidores, e os nossos fiéis
senhores e cavaleiros, escudeiros e bons soldados perdidos e vendidos antes de irem
para os mares, o que é uma pena e uma grande perda para o nosso soberano senhor e
a destruição de seu reino.85
Essa questão ressaltada pelos rebeldes gira em torno do fato de que para uma
maioria, o conselho régio sempre deveria compor apenas pessoas da mais alta nobreza,
incluindo aí membros da família real, e não simples cavaleiros que por laços construídos pelos
serviços prestados à Coroa, acabavam participando do conselho ou de outra instituição –
como o Tesouro. Assim, entendemos as petições da revolta como uma tentativa de
reestabelecer a ordem anterior que estava – na percepção coeva – degenerada. A Câmara dos
Comuns desde 1449 debatia questões similares de reestabelecimento de uma suposta ordem
perdida pelo reinado de Henrique VI (HARRISS, op. cit., p. 19). O próprio Sir John Fortescue
corroborava com essa perspectiva, afirmando que a Inglaterra deveria ser governada por um
rei aconselhado por um corpo dos mais altos nobres – assim como o faziam os romanos –
escolhidos publicamente, de maneira que conselheiros privados só tinham a prejudicar
(LOCKWOOD, op. cit., pp. 137-8).
Não é a toa que os rebeldes além de acusarem os maus conselheiros, indicam
“pessoas nobres” para o conselho adequado no primeiro manuscrito da British Library:
Também, desejam seus fiéis comuns que ele evite a falsa descendência e os
parentescos do Duque de Suffolk o qual foi abertamente reconhecido como traidor, e
que eles sejam punidos segundo os costumes e a lei desta terra. E que escolha para
sua companhia uma pessoa nobre, o verdadeiro sangue do reino, ou seja, o grande e
poderoso príncipe o Duque de York, recém-exilado da presença do nosso soberano
por causa do traidor Duque de Suffolk e suas relações, e também escolha os
poderosos príncipes o Duque de Exeter, o Duque de Buckingham, o Duque de
84
“Item that the lordys of his ryall blode being put from his dayly presence & other mene persones of
lower nature exaltyd & made cheyff of privy counsel the whiche stoppyth materys of wronge done in his realme
from his excellent audiens & may not be redressyd as lawe wull but yf brybys & gyftys be messager to the
handys of the seide counsel (British Library, MS 1, Item 3).
85
“Also the Realme of Fraunce, the Duchie of Normandy, Gasguyn, and Guyen, Angoy, and Mayn lost by
the same traytours, and our trewe lordes and knygtes, Squyers and good yemen lost and sold or [i. e. before] they
went ouer the See, which is gret pite and gret losse to our soueraigne lord and distruccion to his Realme” (British
Library, MS 2, Item 5).
68
Norfolk, condes e barões desta terra; e então ele será o rei cristão mais bemaventurado;86
Também o Duque de Exeter, e nosso sagrado sacerdote Cardeal de Winchester, [...]
e o Duque de Warwick, atirados e arruinados nos mesmos meios;87
Pessoas da alta nobreza, como os indicados nessa citação, seriam – tanto para os
rebeldes quanto para Fortescue – membros naturais do conselho. Exeter, Buckingham,
Norfolk, Warwick e York estavam distantes do conselho e da cena política central devido às
reuniões estarem restritas ao grupo mais próximo do rei que não era composto de “grandes
nobres”, mas de pessoas medianas: como John Say, James Fiennes e Thomas Daniel.88 Não é
a toa que após 1450, esses “grandes nobres” citados pelos rebeldes entrarão na cena política
junto com Ricardo de York, seja procurando um lugar político mais central, seja empunhando
armas (a partir de 1455 e a Guerra das Rosas).
O apelo dos rebeldes aos comuns do reino parecia constituir uma ideia compartilhada
de que os nobres, sobretudo aqueles membros do conselho, eram perversos e traidores. A
abertura do manuscrito do Magdalen College – comumente considerado o “manifesto da
revolta” – dá o tom do apelo: “Essas são as razões, injúrias e causas do ajuntamento e da
reunião dos fiéis vassalos de Kent, que confiam em Deus para solucionar com a ajuda tanto do
nosso rei e poderoso senhor quanto de todos os comuns da Inglaterra que morreriam para esse
motivo”.89 Ainda referente aos traidores, a petição segue:
É preciso lembrar que esses traidores deveriam experimentar não aparecer na
presença do rei por nenhuma causa, para não haver suborno, considerando que nesse
lugar não haja suborno, mas que todo homem possa ter sua vinda adequada, na hora
adequada para pedir justiça ou graça de acordo com a necessidade;90
A tentativa dos participantes da revolta, portanto, é ainda mais insistente no que se
refere a uma reforma do conselho régio, que para eles era o maior responsável pelas más
decisões do rei. No parlamento, chegara uma petição no mesmo ano com a mesma ideia de
86
“Also desiryng his trewe Comyns that he woll voyde all the false progeny and afynyte of the Duke of
Southefolke, the whiche ben opynly knowyn traitours, and they to be ponysshed after custome and lawe of the
lond. And to take abowte hym a nobill persone, the trewe blode of the Reame, that is to sey the hye and myghty
prince the Duke of Yorke, late exiled from oure soueraigne lordes presens of the false traitour Duke of
Southfolke and his affinite, and take to yow the myghty prince the Duke of Excetter, Duke of Bokyngham, Duke
of Northefolke, Erlys and barons of this londe: and then shall he be the Richest Kyng christen” (British Library,
MS 2, Item 2).
87
Also the Duke Exceter, and our holy fader the Cardenall of Wynchester, the nobill princes…, the Duke
of Warrewike, delyuered and distroyed by the same meanys (Ibidem, Item 4).
88
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
89
“These ben the poyntes, mischeves and causes of the gederynge and assemblyge of us zyoure trew
legemene of Kent, the weche we trist to God for to remedye with helpe of hym oure Kynge oure Soveraigne
lorde and alle the comyns of Inglond and to dye therefore” (Magdalen College, MS 3, Abertura).
90
“Item, yt is to remembre that thees false traytours wulle suffer no mane to coome to the Kynges
presence for noe cause withoutune brybe whereas ther owte no brybe to bee but that every mane myghte have his
dewe comynge in dewe tyme to hyme to aske justyse or grace as the cause requirethe” (Ibidem, Item 6).
69
que “traidores não devem aparecer na presença do rei num raio de 12 milhas” nomeando 30
pessoas que consideravam traidoras, entre elas: Edmundo Beaufort (Duque de Somerset),
Alice De La Pole (viúva de William de Suffolk) e os já acusados pelos rebeldes em Londres
Thomas Daniel, John Trevillian, John Say e Stephen Slegge (PROME, 1450-1, Item 16, f. 5).
Além dos itens acima, Humphrey de Gloucester – tio do rei e figura de destaque na
década de 1440 – que fora acusado de traição pelo parlamento e morto em 1447 teria sido
vítima do maior dos traidores William de Suffolk. Tanto o manuscrito do Magdalen College
quanto o primeiro da British Library tocam nessa questão:
É uma lástima que o Bom Duque de Gloucester tenha sido acusado de traição por
um traidor e logo foi assassinado, e nunca mais nos responderá. E o traidor Pole
acusado por toda a comunidade da Inglaterra, [...], pode não ter sofrido até a morte
como a lei desejaria, mas ainda o dito traidor Pole consentia com uma falsidade
como Fougères, desejaria que o rei nosso soberano senhor batalhasse no seu próprio
reino para a destruição de todo o seu povo e de si próprio;91
Também, os seus fiéis comuns desejam a punição dos traidores que planejaram a
morte do nosso bom príncipe o Duque de Gloucester – o que é demais para se repetir
– o qual foi abertamente proclamado traidor no parlamento de Bury St. Edmunds,
questão que julgaremos até a morte ser falsa;92
O “Bom Duque de Gloucester” era reconhecido por diversas instâncias de poder no
reino como um verdadeiro defensor do bem público e dos domínios na França, uma vez que
era irmão de Henrique V e não participara de nenhuma das negociações que dizimaram os
domínios no continente. “Uma falsidade como Fougères” refere-se novamente a Suffolk e à
França. O caso Gloucester era relegado a Suffolk por ele ter morrido no centro das
propriedades deste último, no condado de Suffolk, a caminho do parlamento de Bury St.
Edmunds (1447). Ele foi o fim da geração mais velha descendente de Henrique IV que
apoiava a guerra no continente (MOORE, 1982, pp. 63-4). O caso Fougères, cidade entre a
Bretanha e a Normandia, refere-se ao ataque manipulado por Suffolk e Somerset durante
período de trégua, que na percepção coeva abriu o precedente para o rei da França invadir a
Normandia. E aqui chegamos ao que consideramos o ponto mais alto de crítica ao conselho –
ao menos no que era passível da percepção cotidiana das pessoas envolvidas na revolta. Por se
91
“Item, hit is an evy thynge that the good Duke of Gloucestir enpechid of tresone by on ffalse traytour
alone was so sone merderud, and nevur myzt come to onswere. And the ffalse traytour Pole enpechid by all the
comynealte of Ynglond, …, myghte not be suffred to dye as lawe wolde, but rather these sayde traytours of
Poles assent that was alse ffalse as ffortegere, wolde that the Kynge oure Souveraygne lorde wolde batayle inn
his owne realme to the destructione of all his pepulle and of hymself therto” (Magdalen College, MS 3, Item 7).
92
“Also desirith his trewe Comyns punysshement of the fals traitours, the which contreuyd and ymagyned
the deeth of our excellent prince the Duke of Glowcetter, the whiche is to myche to reherse, the whiche Duke
was opynly proclaymyd at the Parlement of Bury a traytour, vpon the which quarell we purpose to lyue and dye
that it is false” (British Library, MS 2, Item 3).
70
tratar do sudeste e do contexto analisado até aqui a França era um ponto central de atenção,
pelo menos desde Henrique V:
Dizemos que o nosso senhor soberano bem pode compreender que tem tido falsos
conselhos, pois seus domínios adquiridos estão perdidos, seus negócios estão
perdidos, seus comuns destruídos, o mar está perdido, a França perdida, ele próprio
tão pobre que mal pode pagar sua comida e bebida; ele deve mais do que qualquer
rei na Inglaterra já deveu, e diariamente os traidores que estão ao seu redor
aguardam qualquer coisa que deveria vir-lhe por direito, e então eles o pedem;93
O desastre na França ao qual se referiam, evidentemente comprometia o mar,
situação que iria piorar até o suposto fim da guerra em 1453. Podemos dizer que a França era
tão importante para os súditos do rei da Inglaterra que desde o século XIV até o século XVI
todos se referiam nas ilhas britânicas ao governante como “rei da Inglaterra e França” –
quando na verdade houveram posses momentâneas em vários períodos, só a cidade de Calais
resistiu após 1453 e a Coroa só foi herdada efetivamente por Henrique VI (HICKS, 1998, pp.
138-9). As demais referências da petição como “os negócios perdidos, os comuns destruídos”
e as dívidas da coroa demonstram uma percepção bastante real do contexto, já que atestada
pela Câmara dos Comuns entre 1449 e 1450 (PROME, 1449-50, Item 53, f. 9). Devido a isso,
o rei constantemente solicitava a taxação sobre os Comuns, como o dízimo e o quínzimo
anuais às vezes mais de uma vez (o que não era comum), e revisões constantes do imposto
sobre a lã, o vinho e os cereais que entravam e saíam do reino.
Para compreendermos ainda melhor essas questões, nossa análise partiu também para
a quantificação de palavras-chave no texto. Para além da hierarquia de problemas que
tratamos até aqui, fez-se necessário quantificar e compreender palavras-chave que nos dão
acesso a um maior entendimento dos possíveis significados atribuídos a essas palavras no
contexto específico. Só assim é possível chegar a conclusões satisfatórias sobre as percepções
da crise que embasaram a revolta e que refletem de um lado a maneira como a fase final da
guerra dos Cem Anos impactou na sociedade inglesa do sudeste do reino, e de outro, de que
maneira essa revolta influiu nas questões da Guerra das Rosas através de uma possível
opinião pública compartilhada com outras regiões e estratos da sociedade.
Primeiramente, é importante notar que a tendência geral apresentada acima pelos
assuntos tratados na documentação (Quadro 4) é relativamente a mesma se levarmos em conta
as palavras priorizadas a partir daqui. O primeiro manuscrito da British Library para o qual as
93
“Item, we sey that our Soveraygne lorde may wele understand that he hath hadde ffalse counsayle, ffor
his lordez ern lost, his marchundize is lost, his comyns destroyed, the see is lost, ffraunse his lost, himself so
pore that he may not [pay] for his mete nor drynk; he oweth more than evur dyd kynge in Inglond, and zit dayly
his traytours that beene abowte hyme waytethe whereevur thynge schuldde coome to hyme by his law, and they
aske hit from hyme” (Magdalen College, MS 3, Item 10).
71
questões de injustiça e extorsão local eram mais predominantes – seguindo a tendência dos
três manuscritos – utiliza mais o apelo aos “comuns/cidadãos” (commones/comynes) e ao
povo (peple/pepulle):
Quadro 05 – Recorrência de Termos MS 1
Primeiro Manuscrito da British Library (Cott. Roll IV, 50)
Termo
Recorrência
Commons/People
18
Traitor/Treason
3
Law
3
Extortion
3
Counsel/Council
2
Friends/Liegemen
0
O segundo manuscrito, que presume-se ter sido entregue ao rei no acampamento de
Blackheath, também priorizava as injustiças e extorsões locais como justificativa da
movimentação geral. Contudo, nesse documento os responsáveis pelas extorsões do condado
ou pela situação do reino são nomeados como traidores e ou agentes da “traição”
(traytours/tresone), para depois remeterem às palavras “comuns” e “povo”. Vale notar que os
termos são colocados como antitéticos, quase que de uma maneira maniqueísta. Os traidores
são tratados como o espelho invertido dos bons súditos. E, por consequência, reis que
cooperavam com tais figuras consideradas execráveis – ou que, no caso de Henrique VI, a
deixavam livres –, não eram considerados, implicitamente, dignos de serem reis, eram
passíveis do destronamento por sua incapacidade no exercício de seu ofício. O discurso de
preservação da tradição da Coroa é um instrumento vivo e vivido de contestação de arranjos
na organização social, “uma revolução conservadora”, um discurso que ao fim e ao cabo
desestrutura sutilmente a legitimidade da dinastia Lancaster – uma opinião pública ainda que
limitada. Isso pode ser depreendido por meio da análise do vocabulário politico:
Quadro 06 – Recorrência de Termos MS 2
Segundo Manuscrito da British Library (Cott. II, 23)
Termo
Recorrência
Commons/People
5
Traitor/Treason
6
Law
1
Extortion
3
Counsel/Council
3
Friends/Liegemen
1
72
O manuscrito do Magdalen College mantém essa tendência de apresentação da
argumentação através das acusações de traição, seguido da necessidade dos inquéritos pela lei
e do apelo à população. Necessário dizer que se observarmos novamente o Quadro 3,
notaremos que o assunto mais referido nesse documento é, em primeiro lugar, as questões
relativas ao Conselho Régio e à França. Por essa distinção na argumentação, portanto, que
esse documento é considerado um manifesto.
Quadro 07 – Recorrência de Termos MS 3
Manuscrito do Magdalen College (MS Misc. 306)
É
Termo
Recorrência
Commons/People
7
Traitor/Treason
16
Law
8
Extortion
0
Counsel/Council
1
Friends/Liegemen
5
interessante
pensar
que
a
palavra
“conselho”
(conseill)
ou
“conselheiro”(counsellor) aparece apenas seis vezes na documentação, pois dá lugar ao título
de “traidor” ou “traição” (traytour, treytour, treson, tresone) que recorre vinte e cinco vezes
no total. O termo “traidor” poderia significar, nesse caso, aquele que deixa o seu príncipe para
servir outrem, aquele que ajuda os inimigos do rei ou de seu exército, que ajuda estrangeiros,
etc. Na percepção dos rebeldes, como vimos, a maior acusação seria servir aos franceses (o
caso William de Suffolk) e prestar falso conselho. Mas ainda uma definição possível do termo
é “aquele que se apropria dos bens da Coroa”, “um magistrado corrupto”, ou “insubordinado,
criminoso e fora da lei”. Já o termo “treason” pode ter conotação jurídica, que é a própria
acusação de ofensa à Coroa.94
Quadro 08 – Recorrência de Termos Geral – Jack Cade
94
Termo
Recorrência
Commons/People
30
Traitor/Treason
25
Law
12
Extortion
6
Counsel/Council
6
Friends/Liegemen
6
Todas as afirmações estão baseadas no termo “traytour” e “tresoun” de um dos mais completos
dicionários de inglês medieval, disponibilizado online pela universidade de Michigan:
http://quod.lib.umich.edu/m/med/ [Acesso: Dezembro de 2013].
73
Em oposição a essas pessoas, a argumentação das petições coloca o “povo” (pepulle,
peple) ou os “comuns” (commones, comyns, comons) como suas vítimas e verdadeiros
“amigos” (frendes) e “fiéis” (legemen, liegemen) ao rei. O termo “povo” e “comuns”
associados, recorrem não menos que trinta vezes na documentação, o maior número de todos
os contabilizados aqui. O termo “amigos do rei” associado ao termo “fiéis vassalos”
contabilizam 6 recorrências. Importante ressaltar duas questões: o juízo de valor empregado é
sempre dado pela palavra false (como false traytour ou false conseill) ou true (trew
commones, trew conseill, trew legemen, trewe lordes);95 os termos “povo” e “comum” jamais
podem ser associados aqui automaticamente à população camponesa ou qualquer estrato
inferior à pequena-nobreza dos condados.96
Uma vez que “traidor” também pode ser entendido como criminoso, o termo “lei”
(lawe, law) aparece como recurso que os rebeldes notavam como possível solução para
averiguação das extorsões locais e dos traidores do reino. O fato de usarem a expressão, por
exemplo, “a just and a trew enquire by the lawe” (Magdallen College, MS 3, Item 13)
reconhece uma possível solução justa para os problemas locais e globais do reino. Entendendo
que suas causas são justas e verdadeiras, tomando as evidências da pobreza do rei e das perdas
na França, a petição apresenta esclarecimento do movimento e justificativas que não
encontramos nos outros documentos. O que nos levou a considerar o manuscrito do Magdalen
College como a mais contundente das petições, entre outros fatores, foi o seguinte trecho:
Desejamos que todos saibam que não queremos pilhar nem roubar, mas com essas
queixas remediadas nós iremos para casa, por isso chamamos todos os fiéis vassalos
do rei para nos ajudar, pois todo aquele que não desejar essas queixas remediadas, é
mais falso que um judeu ou um sarraceno, e viveremos e morreremos com boa
vontade seja sobre um judeu seja sobre um sarraceno, quem quer que esteja contra,
nós o notaremos, pois não é um fiel vassalo do rei;97
95
A palavra “traitor” é sempre acompanhada do termo “false” ou “untrue” como no Item 7 do primeiro
manuscrito da British Library onde lê-se “untrewe menys of treson” (HARVEY, op. cit., p. 187); e nos Itens do
4, 6, 7 e 11 do manuscrito do Magdalen College: “ffalse traytours”, “ffalse traytour Pole”, “ffalse treytours”
(Idem, Ibidem, p. 189). Também, no mesmo manuscrito para acusar situações diversas como o ataque de
Fougères “alse ffalse as ffortegere”, o conselho de “ffalse menes” e “ffalse counsayle” (Idem, Ibidem). Já a
palavra “true” está associada – sobretudo no manuscrito do Magdalen College – à fidelidade ao rei ou à
valoração de certos membros da sociedade ou situações: “trew legemene of Kent”, “trew lege mene”, “trew loge
mene”, “trew enquere”, “trew juge”, “trewe comyns”, “trewe lords”, etc. (Idem, Ibidem, pp. 189-191).
96
Sobretudo a palavra “comum” recorre numa ambiguidade sem igual se não considerada no contexto, já
que poderia ser utilizada como retórica contra a nobreza, como referência aos habitantes do reino ou de uma
região/cidade (the commons of Kent, the commons of Surrey) ou com o sentido de “bem comum” (common good,
common weal, common profit). Uma vez que nossa interpretação da revolta não passa por uma consideração de
“revolta popular”, esse sentido da palavra “comum” deve ser evitado.
97
“Item, we wulle that alle men know that we wulle neythur robbe nor stele, but these fawtes amendid we
schall go hoom, wherfore we exorte all the Kynges trew loge mene to helpe vs, ffor so whatever he be that wulle
not thees fawtes were amendyd, he is ffalser then Jew or Sarsone, and we schall with a good wulle lyve and dye
vpone hyme as vpone eyther Jew or Sarsone; whoso is azenst this, we wulle merke hyme, ffor he is not the
Kynges trew lege mane” (Magdalen College, MS 3, Item 12).
74
Apesar da declaração de que não queriam roubar nem pilhar, tais situações ocorreram
em Londres. Pela sequência dos eventos percebe-se, entretanto, que na maior parte do tempo
os participantes concentraram-se em aguardar uma resposta do rei acampados em Southwark
– na extremidade sul da Ponte de Londres. Segundo análise das figuras de linguagem utilizada
por Kaufman, a violência com que reagiram após notarem que seriam ignorados até a
repressão total está muito além daquilo que se defende como “senso comum” para o período.
Os cronistas analisados pelo autor depreendem vários parágrafos para descrever a situação e
como a cidade de Londres foi abalada pelo evento. Talvez o exagero na violência final tenha
sido o gérmen do fim da revolta (KAUFMAN, op. cit., pp. 98-100). O penúltimo item do
manifesto toca novamente na injustiça:
Também gostaríamos de deixar claro que não acusamos todos os senhores nem
todos os homens ao redor do rei, nem todos os cavaleiros, nem todos os homens de
leis, nem todos os bispos, nem todos os padres, mas sim aqueles que possam ser
considerados culpados por um justo e verdadeiro inquérito, para o qual somos
capazes e desejamos que alguns fiéis juízes com alguns verdadeiros lordes e fidalgos
possam ser enviados a Kent para averiguar todos os tais traidores e corrompedores, e
que a justiça possa ser feita sobre eles quem quer que sejam; e que nosso soberano
senhor envie cartas públicas para todo o seu povo para serem lidas em voz alta que
sua graça deseja que todo o seu povo fiel investigue todo comportamento dos
homens e dos vícios que reinam, sem litígios por amor, por medo, nem por ódio, e
que a justiça seja feita sem demora; e que em consequência disso o rei mantenha as
terras e bens deles em suas mãos e não proteja nenhum homem para que conserve
sua própria riqueza, ou então ganhar do inimigo na França, ou ainda pagar com isso
as suas dívidas. Pelo que escrevemos o rei pode julgar se somos seus amigos ou
inimigos. Com as queixas acima citadas devidamente solucionadas, e que daqui por
diante nenhum homem sob pena de morte próximo ao rei pague algum dinheiro por
uma súplica ou opinião geral ou regulação de causa ou litígio, nosso soberano
senhor reinará com grande valor, com amor de Deus e seu povo, que ele será capaz
de conquistar com a ajuda de Deus onde quer que seja; e de nossa parte estaremos
prontos para defender nossa terra de todos os povos e prontos para ir com o nosso
soberano senhor aonde ele comandar.98
98
“Item, we wulle it be knowne that we blame not alle the lordes nor alle that biene aboute the Kynges
persone, nor alle gentilmene, nor alle men of lawe, nor alle byschoppes, nor alle preestes, but such as maye be
ffounde gilty by a just and a trew enquere by the lawe, whereto we mow and desire that somme trew juge with
serteyne trew lordez and knyztes may be sent into Kent for to enquere of alle suche traytours and brybours, and
that justyse may be done vpon hem who so evur they be; and that our Soveraigne lorde derecte his lettres
patentes to alle his pepulle there openly to be redde and cried that hit is our Soveraigne lorde his wille and he
desyrethe alle his pepulle trewly to enquere of every mannys governaunse and of the defantes that reigne, not
lettynge for love, for drede, no for hate, and that justyse be done forthe with; and ther vpone the Kynge to kepe
in his owne handis theyre landes and goodes and not zeve hem to any mane but for to kepe hem for his owne
richesse, or elles to make his enarmye into ffraunce , or elles to pay therwhit his dettes. By oure wryttinges ze
may conseyve we be the Kynges ffrends or his enemyes. Those forseyd myschieffes thus dewly remedyed, and
that from hens foorthe no mane vpone peyne of dethe beynge aboute the Kynges persone take enny brybe for any
bille of supplicacione or repetacione or cause spedynge or lettynge, oure Soveraigne lorde schall regne with great
worschip, love of God and his pepulle, that he schall be able with God his helpe to conquere where he wille; and
as for vs we schall be redy to defende oure contrey from all nacions and to go with oure Soveraigne lord where
he wulle comaunde vs” (Magdalen College, MS 3, Item 13).
75
Esse trecho é representativo das questões apresentadas pelos termos qualificados
acima. A recorrência do juízo de valor pelo “verdadeiro e falso” e a acusação dos traidores é
uma constante. Harriss coloca em relevo na sua obra o quanto o sistema jurídico no século
XV fora instrumento de opressão e a literatura da época – para nós as expressões da opinião
pública – estava plenamente consciente do favoritismo e da corrupção por detrás dos
processos, litígios, e as consequentes injustiças nos resultados finais. Pesquisas compiladas
por Harriss demonstram que 80% dos casos levados ao tribunal de primeira instância
recebiam apenas um “perdão régio”, que era uma afirmação da autoridade real, mas uma
solução insatisfatória para a parte que acusava – sobretudo se se tratasse de magnatas notáveis
e afins (HARRISS, op. cit., pp. 55-6). Assim, compreende-se o tom apelativo final do
manuscrito do Magdalen College, que encerra com uma espécie de epílogo, do qual as
palavras derradeiras são em forma de verso:
Aquele que é culpado se curvará contra nós, mas devem ser derrubados, e eles se
envergonharão de discursar contra a razão; eles porventura dirão ao rei que sendo
tirados de sua presença irão então depô-lo, os ladrões viveriam então, por mais
tempo; e nós estaríamos dispostos contra nosso soberano senhor, contra a vontade de
Deus, como podem seus traidores o ajudar?99
Que Deus seja nosso guia, e então nós triunfaríamos,
Quem quer que diga o contrário, governa enganado pelo dinheiro,
E propaga a verdade por fábulas.
Deus nos mande dias justos! Para longe, traidores, para longe!100
A escrita de versos satíricos e peças críticas era uma prática muito mais comum do
que uma revolta violenta como a de Jack Cade ou um membro comum da sociedade tentar
apresentar uma petição ao parlamento. Contudo, a prática corriqueira não deixou de
apresentar-se nas palavras finais da petição da revolta. E a ênfase neste verso parece
condensar todo o teor de denúncia do manuscrito: a mentira, a ganância e os traidores do rei.
Isso porque na sutileza dos versos condensa a cobiça sobre os bens da Coroa, a suposta
falsidade do conselho prestado e a consequência dessa ação: a traição.
Ao que tudo indica, Henrique VI não procurou atender nenhuma das reivindicações
que acredita-se terem sido entregues em suas mãos, pois a repressão foi sua única resposta no
dia 18 de Junho. Dos homens enviados pelo rei morreram mais de quarenta na batalha no
acampamento de Blackheath. A resposta dos rebeldes foram atrocidades, aparentemente com
99
“Item, he that is gylty wulle wrye azenst thus but schall brynge hem downe, and theye schulle be
aschamed to speke azenst resone; they wylle peraventure say to the Kynge that and they be takune from hyme
that theye wulle then put downe the Kynge, the theves wolde lyve lenger; and we were disposyd azenst oure
Soveraigne lorde, as Gode forbade, what myzt his traytours helpe hyme?” (Magdalen College, MS 3, Item 14).
100
“God be oure gyde, and then schull we spede,
Who so evur say nay, ffalse for ther money reulethe.
Trewth for his tales spellethe.
God seende vs a ffayre day! Awey, traytours, awey!” (Ibidem, Epílogo).
76
o objetivo de atacar símbolos da nobreza e chamar atenção do rei, como o saque de cerca de
trinta e quatro cavalos de lugares diferentes, a violência, o roubo de colheres de prata, tecidos
de linho, especiarias e dinheiro. Não satisfeito, o rei decide enviar comissões de repressão
novamente dias depois (HARVEY, op. cit., pp. 84-5).
As maiores complicações da revolta se iniciaram, portanto, com essa recusa do rei a
ouvir os itens da petição dos comuns durante o acampamento destes em Blackheath e
Sevenoaks – arredores de Londres. O clímax das ações dos rebeldes em Londres pode ser
reconhecido no julgamento e execução efetuados por Jack Cade e seus líderes ao ocupar a
prefeitura de Londres: James Fiennes e William Crowmer, que tiveram suas cabeças expostas
na Ponte de Londres. Após isso, o apoio inicial que a revolta teve dos londrinos se perdeu,
aparentemente pela violência, saques e outras situações que ocorreram na cidade, culminando
na Batalha da Ponte de Londres e suas centenas de mortos. Jack Cade, como suposto portavoz do condado de Kent e dos comuns do reino, não foi ouvido pelo rei, mas suas propostas
estavam lançadas através do reino para que outros utilizassem o mesmo discurso.101
A revolta para nós é o topo de uma cadeia de processos: com anos de problemas não
resolvidos pela Coroa e os resultados de um Conselho formado por prediletos do rei (e não
por seus nobres familiares mais próximos). Suas causas convergiram com problemas da
nobreza numa dialética que, como ficará claro nos próximos capítulos, culminou na Guerra
das Rosas. Tratava-se de uma opinião circunscrita que foi publicizada pelos rebeldes, que
acusaram os “males do reino” que estavam no plano de fundo da crise política que
desencadeia a Guerra das Rosas e se mantém até 1471. Os rebeldes miravam não só esses
eventos recentes, mas questões de como a ordem social e a desordem agiam, e de como a
ordem deveria ser buscada, atingida e mantida – revelando uma percepção clara de
“desordem”. É assim também, que Sir John Fortescue escreveu seu tratado The Governance of
England com perspectiva análoga, vinte anos de conflitos depois, evidenciando como os
gastos da Coroa influenciavam todas as demais relações, como prejudicava os comuns pela
necessidade de taxação, como o Conselho deveria ser formado e porque a necessidade do Ato
de Restituição existia (LOCKWOOD, op. cit., pp. 92-110).
Nisso consiste a unidade lógica do léxico político das três petições analisadas, que
está, portanto, em retomar os domínios perdidos na França e reestabelecer o poder e a
dignidade do reino; abolir os abusos nas leis que afetavam a população menos abastada; tomar
101
Toda descrição da sequência de eventos é baseada nos cronistas do período reunidos na obra de
Kaufman (op. cit., p. 172). Para maiores detalhes da sequência dos eventos, ver a cronologia completa nos
Apêndices.
77
providência contra os extorsores do governo local; banir todos os descendentes de William de
Suffolk da corte; e punir os que fizeram parte da morte do Duque de Gloucester em 1447. A
revolta demonstra um comprometimento moral de seus adeptos tanto nas suas ações quanto na
escrita de suas queixas. Bem como tinha uma clara distinção entre “nós” (os Comuns da
Inglaterra) e “eles” (os maus conselheiros do rei e os extorsores locais). Em termos de causa e
consequência, podemos organizar a argumentação das petições da seguinte maneira:
Ilustração 1 - Lógica Argumentativa das Petições da Revolta
Para além de compreendermos o esquema acima como um discurso ou a
argumentação apreendida através da documentação, consideramos que essa pode ser a
representação mais simplificada do que chamamos aqui de percepções da crise política no
reino para o caso da Revolta. E aí deve ser considerado o fato de que Henrique VI não foi
criticado abertamente antes de 1450, os rebeldes afirmavam lealdade plena ao rei e apontavam
os problemas para que ele próprio resolvesse. Entretanto, um dos elementos centrais dessa
crise é o próprio fato de o rei não resolver problemas que, nas expectativas de seus súditos,
somente ele poderia resolver (CARPENTER, 1997, pp. 114-5).
Assim, de tudo que foi dito e apresentado e dos dados coletados, as percepções da
crise consistem principalmente no Conselho, na ameaça francesa e nas finanças. Porque isso
deve ser levado em consideração como uma percepção central da crise política – com
consequências efetivas – é o cerne de todo esse texto. A linguagem clara e concisa, e seu
formato quase como de uma declaração do governo – como são dispostas as causas dos
rebeldes – provavelmente lhes deu um poder considerável perante a sociedade. Mesmo que
não entrassem na cidade de Londres por força física, questões escritas tendiam a chamar a
atenção dos reis imediatamente, uma vez que podiam ser multiplicadas e propagadas através
do reino (KAUFMAN, op. cit., p. 28).
78
Henrique VI parece ter resistido até às últimas consequências, ou até o fim, pois a
Batalha da Ponte de Londres ocorreu por organização de membros da elite governante da
cidade, não por mandato de repressão do rei. O fato de terem deixado algumas testemunhas
traumatizadas e outras convencidas de suas causas pode ser verificado nos registros dos
cronistas narrando a revolta com diversos parágrafos e detalhes que demonstram a
importância simbólica que a revolta teve no período (Idem, Ibidem, pp. 72-87).
Como vimos, a maneira formal como eles se referem no texto fica mais evidente
quando deixam claro que não acusam todos os lordes, os fidalgos, juristas e clérigos, mas
acusam aqueles sabidamente traidores que estavam possivelmente em voga na opinião
pública. A chamada “opinião pública” pode ser apreendida na documentação pelo termo “voz
comum” (commune voyse) ou “todos sabem” (opynly noysyd) – entre outras expressões que
abordaremos no capítulo seguinte. Além disso, a legitimidade de sua ação se manifesta por
duas questões mais relevantes: adesão de pessoas em massa desde o início da revolta até a
chegada em Londres;102 e as propostas que não diferiam da Câmara dos Comuns no
Parlamento, como atos de reforma e restituição efetivos e plausíveis.103
Um fator importante a ser considerado diz respeito àqueles que compuseram as
cartas de petição, pois não eram nem iletrados nem mal informados. Pelo contrário, tinham
muito claro quais eram suas queixas e objetivos. A consciência de tantas informações distintas
sugere que os rebeldes que compuseram as petições faziam parte da pequena-nobreza, da
administração da vida no condado, e possivelmente de seus cargos imediatamente inferiores.
Para Harvey tratava-se dos pequenos proprietários de renda mínima de quarenta xelins ao
ano.104 Desde 1429-30 eles podiam participar da votação sobre os cavaleiros do condado e
quarenta xelins era uma renda baixa que sugere uma larga parte da população: mercadores,
artesãos prósperos e soldados – uma parcela muito característica da sociedade de Kent e
Sussex no século XV (HARRISS, op. cit., p. 68).
102
Apesar de as crônicas serem um registro muito imperfeito quanto à quantidade de pessoas em batalhas
e tropas, por exemplo, trata-se do único registro através do qual pode-se chegar a alguma conclusão, juntamente
com o Perdão Geral enviado pelo rei em 7 de Julho de 1450. No caso da revolta, acredita-se ter aglomerado
cerca de 4 mil homens quando acampada em Southwark, Londres. A título de comparação as tropas do rei
raramente passavam de 10 mil homens em campo, de modo que Henrique V assegurou o domínio da Normandia
com apenas 2 mil em 1417 (McFARLANE, op. cit., p. 140). Portanto, 4 mil homens em revolta é um número
bastante relevante.
103
A Câmara dos Comuns no parlamento propusera atos de restituição dos bens da coroa e títulos de
privilégios insistentemente em 1450, 1451 e 1455-6. Entretanto, a resistência do rei demonstrada pelo grande
número de exceções e isenções que sempre eram impostos a esses atos redundava em sua ineficiência e na
insatisfação da assembleia.
104
A título de comparação, a renda anual de um cavaleiro estava entre as 10 e 20 libras, de um escudeiro
entre 20 e 40 libras (lembrando que uma libra equivalia a 20 xelins ou 240 pence).
79
Assim, considera-se que eles não eram parte da elite mais alta, mas tinham uma
consciência política assídua que tocava os seus interesses – ou os da pequena-nobreza que os
afetavam diretamente. Sabiam dos procedimentos do parlamento e dos tribunais de justiça,
levavam a memória do Duque de Gloucester como um verdadeiro vassalo do rei e estavam
conscientes da situação da França e dos “traidores do reino” – reconhecidos não só por eles.
Além disso, o interesse de consolidar sua família como proprietária de terras locais exigia um
alto nível de honestidade na administração maior do condado.
Enfim, como possíveis jurados e oficiais de justiça locais, esses rebeldes teriam
acompanhado de perto a condenação dos “exploradores” do condado – nomeados nas petições
como Isle, Est, Crowmer e Slegge.105 Mas eles eram acompanhados de alguns membros da
mesma pequena-nobreza que não devem ser ignorados: Robert Poynings, filho do Lord
Poynings,106 tinha um conflito com o seu meio irmão William Crowmer – que o levou a
atacar suas propriedades em Londres; John Sinclair, Thomas Burgess (escudeiros), William
Frere e William Lecche (cavaleiros) tiveram seus nomes presentes na lista de perdão de 8 de
julho; John Gibbes (cavaleiro), agiu como recrutador de homens para a revolta e participou do
levante de Surrey e Kent em 1471 (HARVEY, op. cit., pp. 107-10). Presume-se aqui a imensa
rede de relações que girou em torno dos rebeldes e que diz muito sobre a percepção que eles
tinham localmente e que tocavam os problemas centrais do momento. O ponto de onde eles
falavam os incumbiu de uma percepção crítica que ia sim além de seus problemas privados e
atingia Londres, o Parlamento e a opinião pública.
Após a eclosão e prosseguimento dos atos de violência – que aparentemente
ocorreram por não terem nenhuma resposta do rei – o monarca tentou negociar uma retirada
geral da cidade sem muitos resultados. O rei optou então pelo “perdão geral dos atos
ocorridos até 8 de julho” – um documento expedido pelo selo régio contendo 2.283 pessoas
que supostamente estavam envolvidas na revolta e foram presas, processadas e indiciadas (Cf.
ORRIDGE, 1869). Pouco depois Jack Cade foi capturado, teve sua cabeça exposta na ponte
de Londres e os restos do seu corpo distribuídos por Blackheath, Norwich, Salisbury e
Gloucester, uma prática comum de exemplum para outros possíveis revoltosos. Outros
envolvidos na revolta mortos na ocasião também foram espalhados por outras oito cidades do
sudeste (Idem, Ibidem p. 34). Ao menos na percepção do governo central, tanto o perdão geral
quanto os lugares para onde foram enviados os restos dos rebeldes são possíveis indícios de
largas regiões por onde essas ideias circularam e a diversidade de pessoas envolvidas. Essas
105
106
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
80
largas regiões e diversidade de pessoas também subsidiam nossa perspectiva de opinião
pública.
Isso porque a legitimidade das causas expostas na petição foi manifestada em outras
partes. Além de Kent, Sussex e Essex tivemos levantes simultâneos em outras regiões que
ainda não foram citadas aqui, como em Suffolk, Gloucester, Wiltshire, Dorset e Somerset (An
English Chronicle, p. 68). Em Suffolk, por exemplo, pessoas sob julgamento afirmavam um
levante organizado na região para depor o rei e aclamar Ricardo de York – o que dá mais
subsídio para compreendermos porque os rebeldes de Jack Cade justificavam que não
queriam depor o rei (Magdalen College, MS3, Item 4). Essa ideia também circulava pelo
reino com baladas e versos que indicavam os quatro “demônios” do conselho – todos
posteriormente assassinados William de Suffolk, William Ayscough, Adam Moleyns e James
Fiennes – que fizeram o rei “perder a França”, e que logo perderia a Inglaterra e a Coroa para
o rei francês, segundo certos boatos do sudeste. Portanto, o plano de depor Henrique VI
parecia uma possibilidade para a pequena-nobreza. Em maio daquele ano, sabe-se de cartas
anônimas oriundas de Bury (no norte) enviadas a Ricardo de York na Irlanda para que ele
destronasse o rei, removesse o Conselho e usurpasse a coroa (HARVEY, op. cit., pp. 115-7).
Próximo do fim do ano de 1450, o jargão “capitão” permanecia sendo utilizado em
movimentação pelo menos em Sussex. Em Essex, a opinião pública continuava contundente
desde que findara a revolta de Cade em julho. Além disso, novas comissões de oyer et
terminer – os inquéritos esporádicos indicados pelo rei – foram enviadas a Norfolk e Suffolk,
onde se ocuparam com os aderentes de Suffolk. Essas comissões atingiram Norwich, Londres
e Middlesex na mesma ocasião (Idem, Ibidem, pp. 141-5).
Segundo o historiador John Watts, Jack Cade era um líder que agia como uma
espécie de “vice-rei” ou mesmo como um simples conde que sabia exatamente onde deveria
chegar se recebesse maiores adesões no Parlamento. No mesmo sentido o historiador
reconhece os atos de Ricardo de York já no Parlamento de 1450, que a partir de 1452 receberá
um tratamento análogo ao que foi direcionado a Jack Cade, ou seja, o desdém e por vezes a
repressão (WATTS in KEKEWICH, 1995, p. 11). Ricardo de York provavelmente só não
perdeu a vida antes de dezembro de 1460 porque era primo do rei e sobreviveu às batalhas de
1455-60 – caso contrário, teria possivelmente o mesmo fim que Jack Cade.
Enfim, a relação estabelecida entre a cultura política, a opinião pública e as causas da
revolta ficará clara no próximo capítulo por diversos vieses. Assim como o grande número de
crônicas que citam a revolta (quinze) é indício de sua importância simbólica coeva, as
construções de memória que ela proporcionou iniciaram em termos práticos nos levantes
81
subsequentes que se referiram a ela: Parmynter (setembro de 1450), Hasilden (abril de 1451),
Wilkyns (maio de 1452) e Percy (abril de 1456) (HARVEY, op. cit., pp. 154-70).107
Além disso, Jack Cade apareceu nas questões do Parlamento até 1459 por
formalização de seus atos de traição, por acusação de ligação com Robert Poynings e depois
com Ricardo de York (PROME, 1450-1, Item 19, f. 10; 1453-4, Item 45, f. 15; 1459, Item 8,
f. 8). John Vale,108 servo de Sir Thomas Cook – que por sua vez era ligado a Ricardo de York
por serviços – colocou no seu arquivo pessoal de documentos em 1460 uma das versões da
petição da revolta e uma cópia do manuscrito do Magdalen College datada de 1460 que se
intitulava “Manifesto dos Comuns de Kent”. Juntamente com tais documentos estão as cartas
de protesto de Ricardo de York e Ricardo de Warwick entre 1459 e 1460 (John Vale, pp. 20812). John Stow, no século XVI, também colocou em sua coleção de documentos outra cópia
da petição de 1450 (Ed. 1853). Em 1465 John Payn – ex-servo de Sir John Fastolf ligado às
tropas da França – relembrou os eventos nos quais se envolveu em 1450 em carta à família
Paston. Ao se associar à família Paston ele automaticamente fazia parte do círculo “antiSuffolk” (KAUFMAN, op. cit., 135).
Por fim resta destacar os reflexos literários da figura de Jack Cade. Segundo
Kaufman, as peças sobre Robin Hood passaram a mesclar características de Jack Cade e
Robin Hood em Robin Hood and the Monk (c. 1465) e Robin Hood and the Potter (c. 1468)
(KAUFMAN, op. cit., pp. 177-80). O autor também destaca que o sul e sudeste da Inglaterra
eram as únicas regiões onde essas peças eram encenadas antes do século XVI, juntamente
com o Piers Plowman (do século XIV). Eram comumente recitadas e circuladas em eventos
como os jogos de maio e as festas do solstício de verão, momento em que a maioria das
insurreições que conhecemos começavam, incluindo aí a de 1381 e de 1450. Não é à toa que
tanto as celebrações do solstício, quanto as peças teatrais foram proibidas no reinado de
Henrique VIII (Idem, Ibidem, pp. 180-1).
E por último, William Shakespeare deu a voz ao personagem Jack Cade na peça
Henrique VI (Parte 2). Na peça, Jack Cade foi abertamente convocado por Ricardo de York
para provocar uma insurreição enquanto ele, York, prestava serviço ao rei na Irlanda. A ideia
de York, enquanto personagem de Shakespeare, era que Jack Cade verificasse o apoio da
opinião pública para que ele depois reivindicasse o trono. Em uma das falas, Jack Cade se
refere a James Fiennes (Lorde Say) da seguinte maneira: “Eu digo a vocês que aquele Lorde
Say esterilizou o reino e fez dele um eunuco: e mais do que isso, ele sabe falar francês; e
107
108
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
82
portanto é um traidor” (IV, 2, 2468). Assim, a apropriação astuta de Shakespeare deu voz a
um dos movimentos de massa mais importantes do século XV.
É claro que a apropriação de Shakespeare passa por um século e meio de
interpretações sobre o século XV que, por sua vez, passam por uma “reinterpretação” do
passado recente pela dinastia Tudor. Entretanto, as apropriações iniciaram, do nosso ponto de
vista, desde o momento que Ricardo de York despontou no reino sem autorização no mês
seguinte à morte de Jack Cade. Notando que suas causas eram relativamente apoiadas pela
opinião pública, suas apropriações dos mesmos argumentos até 1460 foram decisivas para a
Guerra das Rosas.
No que tange à opinião pública, podemos afirmar que em 1450 eles simpatizavam
com muito do que estava sendo veiculado pelo porta-voz dos Comuns contra o governo
Lancaster no Parlamento. As demandas foram requisitadas numa linguagem política
convencional e o programa dos rebeldes tinha muito em comum com o discurso reformista
usado por parte da aristocracia e da pequena-nobreza. O que tentamos esclarecer nesse
capítulo é que em 1450, diferentemente de outras insurreições, eles aceitavam as instituições
vigentes e só queriam influenciá-las. Os importantes desdobramentos que a revolta
proporcionou entre a nobreza através de Ricardo de York serão analisados no próximo
capítulo.
***
Antes de adentrarmos nas argumentações do próximo capítulo – de Ricardo de York,
do Parlamento e dos cronistas selecionados – gostaria apenas de enfatizar as inquietações que
permaneceram contundentes até 1456. Entre agosto de 1450 (o levante de Parmynter em Kent
e Sussex) e abril de 1456 (o levante de John Percy) tivemos um processo quase contínuo de
demonstrações de insatisfação, uma reivindicação comum para a implementação de reformas
na qual Jack Cade foi o norteador dos motins em quatro ocasiões (Parmynter, Hasilden,
Wilkyns e Percy). As queixas que a revolta colocou em prática dentro das linguagens e ideias
daquele léxico político já estavam presentes timidamente no parlamento de 1449-50 em que a
“commune voyse” – a opinião pública de uma certa parcela da população – reconhecia
Suffolk como o grande traidor; a perda da França como sua culpa e dos demais conselheiros;
os crimes e extorsões causados pelos excessos de liberdades e privilégios concedidos pelo rei;
e o excesso de concessões de tenências de propriedades da Coroa causando a sobrecarga de
taxação sobre a Câmara dos Comuns (PROME, 1449-50, Itens 14-52, ff. 4-8).
83
Assim, essas questões do parlamento, somadas à Revolta de Jack Cade, foram
perpetuadas tanto por Parmynter em agosto/setembro de 1450, quanto por Henry Hasilden em
abril de 1451, Wilkyns em maio de 1452 e Percy em abril de 1456. Os revoltosos em geral
defendiam as mesmas causas de Cade e nas quatro ocasiões citaram o seu nome, de tal forma
que queriam as cabeças de certos pequeno-nobres de Sussex que foram contra a revolta
inicial. Uma única e fundamental diferença era que aos poucos a ideia de depor o rei e os
lordes do Parlamento se tornava comum; bem como estavam preocupados com a depressão
que afetava o comércio na ocasião (HARVEY, op. cit., p. 155). Assim, as causas iniciais de
1450 não só continuavam vivas e como mote de mobilização, mas também sofriam mudanças
nos objetivos finais.
O que nos permite supor que as causas permaneciam, não obstante os depoimentos
em tribunais analisados por Harvey, é o fato de que dos homens que se levantaram com Henry
Hasilden, por exemplo, quarenta e oito que foram indiciados constam no Perdão Geral da
revolta de Cade (Idem, Ibidem, pp. 156-7). E uma vez que o rei não conseguira a presença de
Ricardo de York na comissão de julgamento e punição dos rebeldes, enviava comissões com a
presença de Edmundo de Somerset – o mais odiado membro do conselho. A essa altura de
1451, An English Chronicle já fazia oposição de Somerset e York: “... que os comuns dessa
terra odiavam esse duque Edmundo e amavam o duque de York, porque ele amava os comuns
e preservava o bem comum desta terra”.109
Em julho de 1451, uma missão do rei identificou um revoltoso que participara dos
motins de Hasilden que afirmava que seus companheiros desejavam o mesmo que “John
Cade” outrora e que fizeram uma lista de traidores locais e nacionais que gostariam de ver
mortos. Entre estes, incluíram Thomas Hoo, Lord Hastings e ex-chanceler do ducado da
Normandia (Idem, Ibidem, p. 158). Ou seja, isso reflete uma apropriação quase direta da
maneira inicial como os homens de Jack Cade lidavam com o caso das terras do continente, a
punição dos oficiais do rei que estavam envolvidos ali.
Já em maio de 1452, a intenção dos envolvidos com John Wilkyns e a maneira como
se organizaram foi extremamente semelhante àquela de junho e julho de 1450. A defesa
daquela percepção da crise e de como deveriam agir sobre ela, bem como a utilização do
codinome de Cade, permanecem na ordem do dia. Por outro lado, numa cultura política em
que pegar em armas por algum objetivo perante o rei já é uma traição com pena de morte, não
podemos esperar que levantes como tais fossem organizados com facilidade, nem por
109
“... that the comones of this lande hated this duk Edmond and loued the duk of York, because he loued
the communes and preserued the commune profyte of the londe” (An English Chronicle, p. 71).
84
questões que não fossem vistas como urgentes. Mas o importante é ressaltar a maneira
explícita com a qual fizeram suas ligações com a revolta de 1450. O próprio Wilkyns, ao ser
capturado e processado, dizia-se amigo do rei e não traidor; e que só desejavam reformas
políticas (HARVEY, op. cit., pp. 162-3). Também aqui há um ponto de inflexão no qual as
causas de Jack Cade convergiram com as causas de Ricardo de York pela alusão direta ao seu
filho (futuro Eduardo IV) e no qual os rebeldes agiram julgando o rei como injusto e o
deporiam se assim fosse preciso.
Esse é mais um elemento que podemos inferir sobre a continuidade das questões
colocadas por Jack Cade para a percepção da crise política do reino e da posição da opinião
pública. Essa cultura política que tinha o condado de Kent como seu epicentro, portanto, não
só tinha muito claro suas questões quanto não desistira das tentativas. Em suma, em agosto de
1452, o condado de Kent contava com seu terceiro levante direcionado a reformas políticas e
só havia resultado em repressão. Ricardo de York permanecia na defensiva, apesar do apoio
declarado ao levante de John Wilkyns (Idem, Ibidem, pp. 165-6).
A questão que nos é mais cara que estamos tentando evidenciar aqui é a tensão que
pairou sobre as pessoas que viveram a Guerra das Rosas, mas na verdade iniciada com vigor
em 1450: as contestações sobre o monarca e seus conselheiros. A ideia de depor o rei agora
(após tantas revoltas, ou seja, 1456) parecia ser recorrente. Mas assim como não havia
procedimentos claros de reforma política, não havia maneira estabelecida de depor o monarca.
No século XIV eles foram induzidos a resignar a coroa, no XV encontrava-se um meio de
invalidar o título (HARRISS, op. cit., p. 14).
O desafeto ao rei era demonstrado publicamente, clamando que Henrique VI não
passava de uma “ovelha que perdeu tudo o que o seu pai conquistara, que deveria ter morrido
antes de nascer, e que o reino estaria melhor sem ele e governado por Jack Cade” (HARVEY,
op. cit., p. 169). Nessa fala fica claro, não só a referência direta a 1450, mas o quanto a
imagem de Henrique V fora um exemplo de monarca aceito pela percepção coeva em sua
maior parte: um guerreiro que conquistava as terras que lhe eram de direito na França, que
mantinha boas relações com a nobreza, que não deixava o Tesouro Régio nas mãos dos
súditos ambiciosos, etc. No que diz respeito ao rei guerreiro, essa ideia de monarca
perfeitamente aceita pela cultura política coeva não sofrerá alterações consideráveis até depois
da ascensão conturbada de Maria I e Elizabete I no século XVI (CARPENTER, 1997, p. 39).
Por fim, é plausível afirmar que as percepções da crise que a revolta evidencia em
1450 não foram deixadas de lado entre as camadas da população que participavam das
revoltas pelo menos até 1456. Essas percepções, provavelmente não existiriam sem os
85
problemas que ocorreram nos territórios ingleses na França entre a década de 1440 e 1450.
Isso porque todas as pessoas que eram apontadas como os “problemas do reino” estavam
ligadas à França e às ações que tomaram a respeito do Continente; a visão que os comuns
tinham do seu próprio rei também passava pela posição que esse rei tomava quanto à França;
e os medos que, em parte, levaram os rebeldes às ruas de Londres e às charnecas da
redondeza110 não existiriam se a ameaça francesa não fosse percebida como possível.
110
Aqui fazemos alusão à palavra “heath” que se encontra no título deste capítulo (hethe) e podemos
traduzir por “charneca”. O que está no título, blake hethe, ainda dá nome à região londrina de Blackheath.
86
Capítulo 3 – God seende us a ffayre day! Awey, traytours, awey!: percepções e opinião
pública entre as crônicas, cartas e reuniões parlamentares
Porque a Revolta de Jack Cade está profundamente ligada às questões da Guerra das
Rosas talvez ainda seja alvo de questionamentos, uma vez que não tratamos da Guerra das
Rosas como objeto até aqui. Mas a ligação que Ricardo de York fez entre a causa dos Comuns
(do parlamento e da Revolta) e as suas, pode ser entendida como um processo único. A
Guerra das Rosas só começou em 1455 porque ele, Ricardo de York se opôs aos membros do
Conselho e seu líder Edmundo de Somerset em 1452 da mesma maneira que o parlamento e a
revolta se opuseram ao Conselho e seu líder anterior William de Suffolk. Não fosse o conflito
de memórias levado a cabo por ele no jogo político que se seguiu, as causas da Revolta de
Jack Cade teriam morrido em 1450. É dessa maneira que entendemos o conflito e daremos
subsídios para tal argumento.
A ligação entre Jack Cade e Ricardo de York (e a Guerra das Rosas) pode ser
sustentada por uma série de nuanças que a documentação que trataremos neste capítulo nos
dá. Tal ligação foi reconhecida, por exemplo, em continuações da crônica The Brut no século
XV. Em um trecho o narrador faz a ligação direta entre o casamento “errado” que William de
Suffolk preparou para Henrique VI111, as derrotas das tropas na Normandia, as revoltas que
ocorreram no reino desde Jack Cade e a deposição de Henrique VI dez anos depois.112 Em
outro fragmento o cronista faz a ligação entre as causas da Revolta de Jack Cade e as causas
da Batalha de St. Albans (1455) – o início do conflito armado da Guerra das Rosas.113 Se tais
manuscritos podem ser relativamente atribuídos a testemunhas dos eventos, então as ligações
que entendemos entre um processo e outro têm alguma base.
Entretanto, antes de adentrarmos essas questões, gostaríamos de apontar outros
aspectos sobre os documentos utilizados para tal discussão. Em primeiro lugar, vale lembrar
que destacamos três crônicas coevas escritas em inglês medieval para tal abordagem, sendo
111
Existe a possibilidade de Henrique VI ter cogitado um outro casamento com a herdeira da casa de
Armanhaque na França. O cronista se refere ao casamento com Margarete da Casa de Anjou (com quem ele
realmente casou) como um casamento “errado” pelo fato de que em troca foi cedido o Condado de Anjou e,
consequentemente (assim era entendido) a Normandia foi invadida – pois Anjou era geograficamente o território
que protegia o domínio da Normandia (WOLFFE, 1981, pp. 169-183).
112
“…for, bicause of breking of (th)is promisse, & for mariage of Quene Margaret, what losse hath (th)e
reame of Englond had, bi losyng Normandy and Guyan, bi diuision of (th)e reame, (th)e rebelling of commines
Ageynst (th)er princes & lordes…” (The Brut, p. 512).
113
“They dyd moche harme, & many a man was slayne; & they woolde neuer sese, tyl (th)e drawbrigge
was set on fyre between hem. And aftyrward (th)ere captain was take in a gardyn in Kent, & (th)ere he was
slayne, & aftyr (th)at, his body was quarteryd; & his hede smytyn of, & set on Londen Brygge. And in (th)e
xxiiij. yer of his regne was (th)e first batel of Seint Albonys…” (Ibidem, p. 601).
87
elas: A Short English Chronicle (Ed. 1843), An English Chronicle (Ed. 1856) e trechos da The
Brut (Ed. 1906). Todas elas têm uma narrativa semelhante que pode ser considerada por duas
questões: os eventos, de fato, de mais impacto social para os cronistas; ou o fato de serem
baseadas em manuscritos comuns.
É importante afirmar de antemão que as três crônicas – como a maioria das crônicas
do reino da Inglaterra nesse período – fazem parte dos chamados Commonplace Books. Sendo
assim, não possuem autoria ou qualquer indício de dedicação ou encomenda de sua escrita.
São tomadas aqui como fragmentos de um observador possivelmente londrino (no caso de A
Short English Chronicle e The Brut) e um possivelmente de Kent (An English Chronicle). É
por esse motivo de um registro com o propósito de destacar eventos mais relevantes para o
“conhecimento universal” – o objetivo de tais livros/compilações – que o que aparece ali
registrado tem importância fundamental. Também é preciso dizer que são apenas um
fragmento do que restou de determinado momento, e assim seus registros não são tomados
aqui como simples informação destacada, mas como uma percepção da realidade parcial e
limitada.
Essa percepção da realidade parcial e limitada é, nos três casos, aquela que passou a
defender Ricardo de York no jogo político que se instalava. Por esse motivo, é preciso
enfatizar que quando nos referimos aqui à “opinião pública” através dessas crônicas, estamos
nos referindo a expressões empregadas por elas que podem se referir a um coletivo maior.
Portanto, elas não são consideradas como a “opinião pública” em si, mas como um viés de um
todo que não pode ser reconstruído satisfatoriamente pela escassez de indícios.114
A Short English Chronicle é considerada uma crônica provavelmente escrita na
década de 1460, já que se propõe a descrever de início o mito de Brutus como “fundador do
reino”, mas dá um salto para o período entre o reinado de Ricardo I (1189-1199) e o ano de
1465. O manuscrito é atribuído à própria década de 1460 pelas questões narrativas que nos
dão indícios (os detalhes cada vez maiores a partir de 1450) e pela caligrafia segundo prefácio
do editor (A Short English Chronicle, pp. iii-iv).
The Brut é um caso particular de uma tradição de escrita também em Commonplace
Books, mas dispersos e cheios de fragmentos de autoria distinta que recebiam o título “The
Brut”. A primeira crônica The Brut é do século XIV que se inicia com o mito de Brutus e
finaliza no ano de 1333, a partir deste ano todos os manuscritos que se recebem esse título são
114
É sabido que os apoiadores de Ricardo de York foram, por todo o tempo, um número menor de
pessoas. Entretanto, esse grupo menor expediu e circulou uma propaganda de sua causa de maneira incisiva e
contundente que Sir John Fortescue só o fez em prol de Henrique VI tardiamente e praticamente sozinho e
exilado (HICKS, 2000, p. 182).
88
parciais e fragmentados, chamados de “continuações”, se estendendo até a segunda metade do
século XV. Todas essas “continuações”, entretanto, são atribuídas a testemunhas coevas aos
processos narrados (The Brut, Vol I, p. ix). Qualquer referência a esta crônica neste capítulo
está pautada nos manuscritos das “continuações”.
An English Chronicle é a crônica mais rica em informações para o nosso período, já
que reproduz documentos como manifestos de Ricardo de York, Salisbury e Warwick115
(1459-60), juramentos, declarações, e uma balada que foi pregada nos portões de Canterbury
em 1460. É por esses documentos reproduzidos e alguns outros eventos narrados, que se
acredita ser uma crônica produzida no condado de Kent (An English Chronicle, pp. v-vi).
As cartas, manifestos e outros documentos utilizados aqui da obra editada por
Margaret Kekewich, John Vale’s Book, também é um exemplo de Commonplace Book que
agrega diversos documentos aleatórios e importantíssimos para qualquer estudo da história
política desse período. A maioria de suas reproduções de cartas e manifestos são únicas, mas
aqueles documentos que não são únicos nos dão indício da precisa acuidade de suas cópias.
Há controvérsias sobre os critérios de Vale em reunir tais documentos em sua coleção, mas
está claro que o seu livro é uma espécie de “crônica dos principais eventos” através de cópias
de documentos.
Os textos do Parlamento são fundamentais na medida em que sintetizam por meio da
escrita certas práticas de negociação e conselho entre uma assembleia de representantes
oriundos das mais diversas partes do reino e o poder monárquico. Ali estão presentes
questões, decisões e debates que em certa medida afetavam o reino como um todo. Os
assuntos tratados giram em torno da alta política, da defesa do reino, dos impostos e das
petições dos Comuns.
Já nos parlamentos de 1449-50 temos a opinião pública da pequena-nobreza na
Câmara dos Comuns seguindo um discurso análogo ao de Jack Cade. William de Suffolk é
visto como o grande traidor (falsely and traiterously) e a França já é declarada numa situação
delicada e quase insustentável pelas ações do próprio Suffolk.116 As petições já giravam em
torno de crimes, opressões e extorsões (perjuries...extortions) entendidas como resultado do
excesso de liberdades e privilégios concedidos (open lettyng of execucion of your lawes) pelo
115
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Como na petição que o acusa: “…that William de la Pole duke of Suff', late of Ewelme in the countee
of Oxonford, falsely and traiterously hath ymagined, compassed, purposed, forethought, doon and committed
dyvers high, grete, heynous and horrible treasons, ayenst your moost roiall persone, youre corones of youre
reames of Englond and Fraunce, youre duchies of Guyan and Normandie, and youre olde enheritaunce of your
countees of Anjoye and Mayne…” (PROME, 1449-50, Item 18, f. 4).
116
89
rei através do mau conselho (counseill yeven).117 Tais privilégios que envolviam também
isenções de impostos eram proclamados como causa da pobreza da Coroa e da sobrecarga dos
Comuns.118
Não obstante, no parlamento seguinte (1450-1), portanto após a Revolta, havia
chegado uma petição com a ideia análoga de que “traidores não devem aparecer na presença
do rei num raio de doze milhas” nomeando trinta pessoas que consideravam traidoras
(PROME, 1450-1, Item 16, f. 5). Para Michael Hicks essa seção do parlamento que inicia no
final de 1450 parece se concentrar já na querela entre York e Somerset que durará até a
batalha de St. Albans – 1455. Lembrando que York volta da Irlanda após a Revolta sem
autorização do rei e, aparentemente, já havia comandado ataque às propriedades de Edmundo
de Somerset (HICKS, 1998, p. 73).
É preciso salientar, entretanto, que concordamos com o argumento de John Watts,
para o qual o debate público sobre as queixas centrais já estava estabelecido desde a seção do
parlamento de 1449 (WATTS in KEKEWHICH, op. cit., p. 10). Ou seja, ali já estavam
concentrados quase todos os elementos que a revolta de Jack Cade sistematizou em suas
petições e que Ricardo de York levou a frente até sua morte – como veremos em breve. Havia
chamadas por Restituição, pelo retorno de um Conselho régio constituído pela alta nobreza e
pela remoção do poder da falsa progênie e afinidade de William de Suffolk; demandas de
punição dos traidores que planejaram a morte de Gloucester e a condenação daqueles que
tinham causado a perda de outros grandes senhores e das possessões no continente.
Outros elementos da documentação também corroboram a afirmação de que o debate
público já estava estabelecido mesmo antes da seção parlamentar de 1449 ou da revolta. Em
An English Chronicle a entrada que se concentra no ano de 1447 acusa William de Suffolk e
James Fiennes de terem conspirado a morte de Gloucester de longa data, considerando que o
duque morre na prisão e que sua morte não foi publicizada aos Comuns por um período (An
English Chronicle, pp. 62-3). Ora, mesmo que o manuscrito possa ser datado do final da
década de 1450, narrar tais processos dessa maneira indica uma percepção (que não é a única)
117
Em uma petição sobre a postura dos xerifes nota-se: “…perjuries thereby encreaced, many of your true
lieges by his myght, and helpe of his adherentes disherited, ...and doon grete outragious extortions and
murdres;…mansleers, riottours and comon openly noysed mysdoers… and to open lettyng of execution of your
lawes, to the full hevy discomfort of the true subgettes of this youre reame” (PROME, 1449-50, Item 45, f. 7). Já
uma das acusações para o impeachment de William de Suffolk destaca o mau conselho: “by his full sinistre,
untrue suytes, and counseill yeven to your highnesse, for grete yeftes, and promyses of good to hym made”
(Ibidem, Item 36, f. 6).
118
“And we yowre saide communes, in als humble wyse as we canne or may, pray and beseche yowre
highnes, of yowre most habundant grace tenderly to consider the universale poverte and penurie of yowre liege
people of this yowre royalme, so that we canne, may, ne darr not, in eny wyse charge yowre seid people, with
such usuell charges as afore this tyme to yowe have be graunted in yowre parlementes…” (Ibidem, Item 12, f. 2).
90
de que havia possibilidade de as acusações dos Comuns entre 1449 e 1450 sobre a
“lamentável” morte de Gloucester – como vimos no Capítulo 2 – serem verídicas. Caso
contrário não haveria motivo para tal morte ter sido secreta até que a verdade viesse à tona.
Mesmo em 1450, a mesma crônica trata as mortes de Adam Moleyns (bispo de
Chichester) e de William Ayscough (bispo de Salisbury) como sendo uma consequência
natural, pois “esses dois bispos eram homens ambiciosos e detestados pelas pessoas comuns,
eram suspeitos de muitos crimes e consentiram e desejaram a morte do Duque de Gloucester,
como se dizia”.119 Ambos podem ser considerados como membros do Conselho que apoiavam
a política de Paz com a França, junto a William de Suffolk e James Fiennes (HARVEY, op.
cit., pp. 37-8) e a expressão “como se dizia” (as it was said) nos aponta para elementos
comuns de uma possível opinião pública em vários trechos da documentação.
Sobre a Revolta de Jack Cade, a narrativa da crônica parece legitimá-la na medida
em que reconhece que “havia muito que o reino da Inglaterra estava sendo governado por
falso conselho [untrw counselle], de modo que o bem comum [comune profit] estava
demasiado prejudicado e depreciado”.120 Essa legitimação provavelmente se dá pelo próprio
fato de que a crônica claramente defende os princípios de reforma defendidos entre 1449 e
1461. Assim, o objetivo da revolta segundo o cronista seria de “reformar os erros que estavam
sendo cometidos no reino, e não obstante a malícia daqueles que eram destruidores do bem
comum [destroires of the comune profit]...” e as causas descritas nas petições não eram nada
além de “certas e razoáveis”.121 Além desses males, há um reconhecimento de que a
Normandia “foi perdida pela desonestidade e falsa cobiça de Edmundo Duque de Somerset...
e a voz comum e a fama [comune vois and fame] era naquele tempo, de que o duque de
Suffolk William de la Pole e o Duque de Somerset alienaram e venderam o ducado da
Normandia..”.122
119
“Thise ij, bisshoppis were wonder couetous men, and evil beloued among the comune peple, and holde
suspect of meny defautes, and were assentyng and willyng to the deth of the duke of Gloucestre, as it was said”
(An English Chronicle, p. 64).
120
“...for forasmuche as thanne and longe before the reme of Englond hadde be rewlid be untrew
counselle, wherfore the comune profit was sore hurt and decresid…” (Ibidem).
121
“...forto redresse and refourme the wrongis that were don in the reme, and to wihstonde the malice of
thayme that were destroires of the comune profit; and forto correcte and amende the defautis of thaym that were
the kyngis chief counselours; and shewde vnto thaym the articles of his peticions concernyng and touching the
myschiefs and mysgournaunce(s) of the reme, wherynne was nothing conteyned but that was rightful and
resonable…” (Ibidem, p. 65).
122
“Also the comune vois and fame was that tyme, that the duke of Suffolk William de la Pole, and the
said duke of Somerset, with othir of thair assent, hadde maad delyueraunce of Aunge and Mayn withoute assent
of this lond…and hadde also aliened and sold the duchie of Normandie to the king of Fraunce; wherfore alle the
peple of this lond and specialli the commune(s) cride ayens the said duke of Suffolk, and said he was a traitour;
and ate instaunce and peticioun of the said commune(s)…” (Ibidem, p. 68).
91
Tal crônica nos oferece uma percepção bastante próxima daquela da Revolta
indicando-nos, portanto, tópicos comuns da opinião pública através da ligação que faz entre
processos históricos – de maneira semelhante à do resto do nosso corpus documental. A
opinião pública aparece não só na maneira como a documentação aborda os tópicos e os liga
às queixas comuns (commones, comunes), mas também por expressões como “era dito” (it
was saide), “voz comum” (commune voise) e “fama/renome” sempre no sentido negativo
(fame). Dessa forma que podemos falar de opinião pública e que Ricardo de York, após a
revolta, foi o principal porta-voz ainda que construísse uma memória a seu favor. Quase todas
as citações deste capítulo possuem expressões como estas acima ou expressões que as ligam
ao léxico político da revolta – sempre indicadas entre parentes. De forma semelhante elas
foram quantificadas nas crônicas, conforme o quadro abaixo, e no parlamento – que será
tratado à frente.
Quadro 09 – Recorrência dos Temos nas Crônicas
Termo
Quantidade
Common/People
161
Council/Counsel
32
Traitors/Treason
25
Rumour (great noise, as man said, it was said, common voice,
22
fame)
Law
12
Friend/Liege(men)
12
Openly (known)
8
Extortion
3
Opinion
2
No que tange ao Parlamento, a opinião pública nessa análise será limitada aos
problemas que ali aparecem pelo fato de que a linguagem utilizada nos registros
parlamentares sempre passa uma polidez e formalidade própria daquele ambiente e que,
portanto, quase sempre parece harmoniosa quando na realidade era bastante conflituosa fora
das câmaras ou sofria influências externas sem reconhecê-las abertamente. Para tomarmos de
exemplo, o motivo da convocação do final de 1450 está pautado em três tópicos: a situação da
defesa do reino e dos mares, como sustentar os súditos da Aquitânia contra os inimigos da
França, e também para a pacificação e punição daqueles que se revoltaram recentemente em
várias partes do reino “para grande perturbação do reino e subversão do mesmo”.123
Entretanto, podemos afirmar que nesse parlamento tivemos influência indireta da revolta,
dado o Ato de Restituição votado e aprovado na seção (PROME, 1450-1, Itens 17-8, ff. 6-9), e
123
“…necnon pro pacificatione, punitione et resistentia populi riotose dispositi, qui in diversis regni
partibus congregationes, commotiones et insurrectiones, in regni ipsius perturbationem gravissimam, et ejusdem
subversionem verisimilem, fecerunt et suscitarunt…” (PROME, 1450-1, Item 1, f. 1).
92
de Ricardo de York com alguns de seus apoiadores na Câmara dos Comuns, bem como o
porta-voz da Câmara e camareiro de York, William Oldhall.124
York, ao voltar da Irlanda antes dessa seção do parlamento, demonstrava um tom de
conselho em suas cartas iniciais em relação aos problemas do reino. Entretanto, esses
aparentes conselhos aos poucos se transformaram – dada a resistência do rei em ouvi-los – em
tentativa de remover Edmundo de Somerset da corte a partir de 1452. Sem muito sucesso e
após jurar lealdade ao rei e prometer não mais se rebelar, permanece recluso até ser
requisitado como Lorde Protetor do reino pelos Comuns no parlamento (dados os devaneios
psicológicos do rei entre 1454 e 1456) – o que é muito significativo (PROME, 1453-4, Itens
33-40, ff. 18-7). O tom de ameaça das cartas enviadas em 20 e 21 de maio de 1455 já era
muito maior do que em 1450. Entretanto, agora o documento já era assinado não só por York,
mas por seus aliados Ricardo de Salisbury e Ricardo de Warwick, que lutarão juntos até a
ascensão de Eduardo IV ao trono (PROME, 1455-6, Itens 18-20, ff. 24-3).
Entre o Parlamento de Fevereiro 1449 e a deposição de Henrique VI em 1461,
portanto, temos inúmeras questões interligadas as quais nós tentaremos expor e analisar neste
capítulo, partindo das questões do Parlamento, para as cartas de York e as narrativas das
Crônicas. O primeiro trecho estará concentrado nas questões do Capítulo 2 – ou seja, da
Revolta de Jack Cade – que continuam aparecendo no debate político. O segundo trecho, está
focado nessas questões de maneira sistematizada para pensarmos o Ato de Restituição, o
Conselho e as percepções sobre a França no parlamento. O terceiro trata dos elementos de
uma opinião pública e como se articulam para que possamos afirma-la através dos dados
sistematizados.
3.1 Ricardo de York entre Gloucester e a Guerra das Rosas
Ricardo de York foi o primeiro agente desse processo após Jack Cade a utilizar as
queixas entre a nobreza. O debate que Jack Cade colocou em prática – no que tange às
questões gerais do reino – estava posto no parlamento entre 1449 e 1450-1 através da
pequena-nobreza (os Comuns). Entretanto, nem a Câmara dos Comuns, nem a revolta tiveram
força suficiente para conseguir alguma mudança além do impeachment e morte de William de
Suffolk em maio de 1450. Esse debate girava novamente em torno dos privilégios cedidos
pela coroa – exigindo Atos de Restituição –, dos conselheiros do rei que agiam em seu nome
124
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
93
por consentimento do próprio monarca, e, com consequências mais efetivas, as dívidas da
Coroa. O grupo social que estava numa posição de conseguir possíveis resultados era, claro, a
nobreza, mas concentrada na figura de Ricardo de York, pois ele obteve o protetorado do
reino (e assim, a liderança do Parlamento) quando o rei se julgava em colapso físico e mental
a partir de 1453.
Após a revolta de Jack Cade, em agosto de 1450, Sir William Oldhall camareiro de
Ricardo de York partira para a Irlanda não se sabe ao certo o porquê. Mas é provável que
tenha informado Ricardo, então tenente da Irlanda, do que ocorria no reino e de que o seu
nome fora mencionado em diversas situações, sendo as mais importantes: a petição da revolta
e do parlamento de 1449 (HARVEY, op. cit., p. 134).
Numa carta datada de setembro de 1450, York se precavia sobre o seu retorno
informando ao rei que “... naquele momento enquanto eu estava intencionado a chegar
próximo ao seu castelo de Beaumaris para então vir a sua nobre presença para me declarar seu
verdadeiro homem e súdito [trewe man and subgiet] que é o meu dever...”.125 Essa carta
decorre exatamente sobre o fato de ele ter sido impedido de entrar no reino, pois era uma
figura suspeita e não tinha autorização do rei. Sua passagem foi impedida em Beaumaris na
Ilha de Anglesey e no norte de Gales por um oficial da Coroa que dizia não ter autorização
alguma de deixa-lo entrar na região. Na ocasião York aponta que o funcionário de Gales “...
dizia e afirmava que eu vim contra sua designação e como seu traidor [traitor]...”.126
É curioso notar que em uma carta registrada nos apêndices da seção parlamentar de
1450-1, escrita em Londres por Hans Winter, correspondente do Grão-mestre da Ordem
Teutônica, se remete a vários aspectos que nos dão a entender porque York vinha sob suspeita
da corte (PROME, 1450-1, Ap. 10). Ele retrata o fato de que os Comuns escreveram para o
Duque de York voltar para o reino e que alguns lordes que foram assassinos do Duque de
Gloucester “de memória abençoada” não o deixaram entrar no reino. Mas a carta continua
com o fato de que York conseguiu chegar com cerca de quinze mil homens em Londres,
cavalgando diretamente para Westminster, onde o rei o recebeu amigavelmente. Mas em
consequência, Londres permanecia preocupada com alguma manifestação:
E dizem que o Duque de York aparecerá na cidade com quarenta mil homens e o
Duque de Norfolk ajudará com mais vinte mil e o conde de Devon com outros
vinte,... e também virá o velho conde de Salisbury com grande companhia, e
também o conde de Arundel, e o filho do conde de Salisbury...o conde de Warwick,
125
“... at suche tyme as I was purposed for tarived in your haven of Beaumareis tahave comen unto
yournoble presence for to declare me your trewe man and subgiet as my dute ys…” (John Vale, p. 185).
126
“... seying and affermyng that I came ageins your entente and as your traitor…” (Ibidem).
94
e também virá o conde de Northumberland, todos em favor do príncipe de York, e
todos os comuns juntos deles [all the commons with them]. Do outro lado estão o
127
duque de Buckingham, Somerset, e outros com o rei.
É claro que os números apontados, sejam em documentos do parlamento como este
sejam nas crônicas, eram bastante imprecisos. Mas mais importante que isso, a carta datada de
8 de novembro de 1450 é bastante intrigante por reconhecer dois lados de um conflito que na
maior parte da documentação só é reconhecido nos alvores da baralha de St. Albans em 1455,
ou seja Ricardo de York e seus aliados contra Edmundo de Somerset apoiado pelo rei. E ele
reconhece York também como uma possível solução dos problemas, já que Gloucester havia
morrido:
Nós, súditos do nosso abençoado Lorde de Gloucester, poderemos parar de nos
esconder agora que o Lorde de York retornou para a Inglaterra. Eu espero que agora
nesse Parlamento pelo fiel príncipe de York o joio possa ser separado do trigo... Por
consequência, amável senhor, sua graça não precisa se preocupar que seus
companheiros e súditos, e outros que viajam, venham a se prejudicar aqui na
Inglaterra, se até piedosos senhores e de sangue real morrem através de tais falsos
conselheiros [such false counsellors]. E o rei não pode ser culpado, por ser jovem e
128
inexperiente [...].
Os tópicos comuns aí estão também através do reconhecimento do falso conselho e
da morte injusta de Gloucester, por exemplo. Em outra carta datada de 15 de novembro de
1450, o mesmo correspondente germânico reconhece que Ricardo de York estava presente no
parlamento, e que buscava justiça àqueles que mataram Gloucester.129 York em si não se
pronunciou sobre Gloucester no parlamento, mas há uma petição que também se encontra nos
Apêndices dos registros de 1450-1, reconhecendo que ele seria um nobre de alta linhagem por
ser filho de Henrique IV, irmão de Henrique V e, portanto, tio do rei; e por seus atos notáveis
127
Original em alemão, tradução do editor: “And they say here that the lord of York will come to London
with more than 40,000 men and the duke of Norfolk will join him with more than 20,000 men, and the earl of
Devon will join them with more than 20,000 men …; and also the old earl of Salisbury will come with great
retinue, and the earl of Arundel with great retinue, and the earl of Salisbury's son… earl of Warwick, and also
the earl of Northumberland will come with great retinue and they all favour the prince of York, and all the
commons with them. On the other side are dukes of Buckingham and Somerset and others with the king”
(PROME, 1450-1, Ap. 10).
128
“We, my blessed lord Gloucester's servants, may now come out of hiding again, now that my lord of
York has returned to England, I hope that now in this Parliament by the faithful prince of York the thistles may
be pulled up from the good corn,… Therefore gracious lord your grace need not wonder that your fellow subjects
and other travelling people come to harm here in England, if even such pious lords and even such as are of the
King's blood die through such false counsellors. And the King cannot be blamed, for he is a young and
inexperienced lord, and he is kept sheltered like a Carthusian, I hope that in the negotiations everything shall be
set right again, as it is I shall write to your grace” (Ibidem).
129
“a schedule by the Commons of England and the servants of the noble prince of York and also by
servants and faithful of the noble prince of Gloucester desiring justice for the traitors who killed him so
shamefully and were of counsel thereto. This has now been delayed until the noble prince of York comes”
(Ibidem, Ap. 11).
95
na França e na Inglaterra. Devido a tudo isso, a petição desejava que ele fosse reputado um
bom homem e fiel ao rei, e não um traidor como foi sentenciado.130
O manuscrito de continuação da crônica The Brut que se presume ter sido escrito por
volta de 1461 enfatiza sua valorização de Gloucester ressaltando a inveja daqueles que
estavam contra ele, ou seja, aqueles que cederam Anjou e Maine na França. A crônica deixa
claro o quanto os comuns ficaram insatisfeitos com a morte de Gloucester e logo em seguida,
sobre os eventos de 1449-50 narra o quanto essa insatisfação gerou um rumor generalizado
entre os comuns sobretudo em relação a William de Suffolk. Para o cronista, essa insatisfação
que fez “surgir os capitães” que lideraram revoltas pelo reino. Na lógica da crônica, a morte
de Suffolk é vista quase como uma vingança dos Comuns pela morte de Gloucester, a partir
desse momento o reino viveria “tristeza por tristeza, morte por morte”.131 Tal representação
sobre Humphrey de Gloucester não cessou de ser rememorada, pois no parlamento de 1455-6
novamente temos duas petições claramente preocupadas com a “memória” de Gloucester, a
primeira sobre sua reputação de traidor132 e a segunda pelo respeito ao seu testamento.133
Enfim, o “Bom Duque de Gloucester” – como ficou conhecido posteriormente – foi
uma figura que defendia campanhas ostensivas e drásticas na França, e que se opunha
constantemente ao Conselho da Menoridade de Henrique VI. Ele foi extremamente popular
entre os mercadores Londrinos – parcela importante da pequena-nobreza de Londres – e
morreu de maneira “lamentável” para os padrões da época: como um traidor do rei, quando a
maioria julgava não ser (CARPENTER, 1997, pp. 100-3). O que sua figura tem de relação
com Ricardo de York, afinal, é que o próprio York parece ter colaborado para a propagação
do mito do “Bom Duque de Gloucester”, assumindo assim a sua posição de oposição ao
Conselho e de porta-voz de certa opinião pública. É esse o tom de uma memória conveniente
que assume York e que gostaríamos de nos deter por alguns parágrafos com a documentação
que ele propagou na década de 1450.
Se levarmos em consideração a unidade lógica das petições de Jack Cade que
apontamos no capítulo anterior (Ilustração 1) – o mau conselho, a subversão da lei, o excesso
130
“… being protector and defender of the said realm in executing of justice, punishment of traitors, those
who rose up, felons, rebels, heretics and other offenders… was faithful, dread-full and obedient liegeman…”
(PROME, 1450-1, Ap. 9).
131
“... how he as rewarded for (th)e deth of (th)e Duke of Gloucestre. This began sorrow vpon sorrow, &
deth for deth” (The Brut, pp. 512-6).
132
“The commons petition for the rehabilitation of Humphrey, duke of Gloucester, and for proclamation to
be made that he was the king’s true liegeman until his death” (PROME, 1455-6, Ap. 12).
133
“Petition to the commons to consider the impoverishment of various creditors of Humphrey late duke
of Gloucester because no one dares to administer his will…” (Ibidem, Ap. 18).
96
de concessões e a miséria da Coroa – a primeira carta de York ao rei ao voltar da Irlanda toca
em todos os pontos,
Deve ser lembrado e advertido para sua alta e nobre prudência, e aos lordes do
conselho régio, que grandes injúrias, traições e opressões [treasons and oppressions]
mantêm-se por grandes propriedades, inestimáveis extorsões [extorcions] e uma
sofisticada subversão das leis do rei [subverting of the kinges lawe], o que causou a
perda da herança do nosso senhor, o reino da França, Anjou e o condado de Maine,
134
o maior prejuízo que causou as insurreições e rebeliões neste nobre reino [...].
E Ricardo de York vai além disso pedindo a punição de todas as pessoas envolvidas
na perda da França, que agiam de maneira cobiçosa (covetous) e causaram esse “grande mal”.
Para isso ele considera uma comissão de nobres cavaleiros e juízes para agirem
“imparcialmente”135 no julgamento dessas questões. O que parece verossímil, portanto, é que
certas questões enfatizadas no âmbito do léxico político adotado na revolta tenham sido
apropriadas por Ricardo de York, como no seguinte trecho da mesma carta:
E deve ser advertido em retificações de sua alta e nobre prudência que um rei ou um
senhor sem leis [lawlesse] é como um peixe fora d’água, pois foi a lei que o tornou
herdeiro da Coroa. A lei faz com que todos os estados e níveis mantenham um
governo adequado, e o rei é jurado a manter suas leis e defender o seu povo, e então
quando sua alta correção é conservada, aquele que subverte ou tem subvertido a lei
causa a maior traição [moste threason] da terra que podemos imaginar, porque eles
136
empobrecem o seu príncipe pedindo de maneira ilegal suas heranças e posses.
As petições da revolta tinham como prioridade o apelo aos comuns do reino com as
palavras commons/people, traitor/treason e law sendo que as questões sobre injustiça e
extorsão local eram predominantes seguidas pelas referências ao conselho régio e a França.
Nos trechos acima, Ricardo de York apela para a lei como instância acima do rei para sua
argumentação ser validada perante aqueles que “empobrecem o seu príncipe”, não deixando
de reconhecer extorsões. A expressão “empobrecem o seu príncipe” é também uma referência
aos Atos de Restituição que, na proposta da revolta, salvariam os cofres da Coroa da miséria.
134
“Hit is to be remembred and advertised to your highe and noble discrecion, and the trewe lordes of the
Kinges counsele that where the grete injuries, coloured threasons and oppressions maignetened by highe astates,
the enstimiable extorcions and the sophisticall subverting of the kinges lawe, the whiche have bene cause of
lesing of oure souveraigne lordes enheritaunce of his reaume of France, Anjeye and his coutie of Maine, the
herde herting of rising and rebellions withinne this noble reaume…” (John Vale, p. 187).
135
“The remedie of whiche hit is thoughe under the honorable discrecion of your highenesse that in all
haste possible the king mighte by his lettres pattentes gife his power to honorable knightes and juges undefouled,
to here and determine withoute parcialite all culpable persones enfected with eny of the causes abovesaid and
rehersed” (Ibidem).
136
“And it is to be advertised in the correccions of the highe and noble discrecion that a king or alorde
lawlesse ys as afisshe watirlesse, for lawe causith the king inheritable to the croune. Lawe causith every astate
and degree to kepe ordinate reule, and the king is sworne to this lawe and to defende his people, and so under
your highe correccion hit is conserved, who that subvertith or hath subverted the lawe, it is the moste threason on
erthe that can be thoughte, for they inpovereth here prince in unlawfull askinges of his inheritaunce and
demaynes” (Ibidem, p. 188).
97
Quanto à França ele toca novamente na questão enfatizando que foi uma “destruição sem
razão de defesa”:
Assim, eles por essas sinistras maneiras, embaixadores ilícitos e outros jeitos,
causaram a perda do seu glorioso reino da França, e seu amplo ducado da
Normandia, as chaves do seu justificável ducado de Anjou e seu condado de Maine
e causaram aos seus vassalos [liege men] uma completa destruição sem razão de
137
defesa.
Portanto, a percepção é semelhante a da revolta, ou seja, favoritos do rei indicados
para a França são as mesmas pessoas que o empobrecem solicitando seus bens por concessão
e, assim, subvertem a lei causando os males apontados. A única solução tanto para Ricardo de
York quando para a petição da revolta, era a punição desses traidores, a reforma do conselho e
o Ato de Restituição. Para não viver em perjura e dívidas que era preciso “verdadeiros
conselheiros... de sangue real” (trewe counseile... of the noble roiall blood) – a mesma
proposta de reforma do conselho pela Alta Nobreza.
A segunda carta escrita por York em Londres, provavelmente ainda antes do
parlamento que iniciou em novembro de 1450, nos revela uma aparente percepção do que
afetava sobretudo a capital do reino. Isso porque ele se concentra nos boatos espalhados pela
cidade – possivelmente mais entre a corte e os oficiais da Coroa – à qual ele acabara de
chegar com os seguintes termos que sugerem os murmúrios: grete gruggeing, universal
rumour, openly noised e persons so noised (John Vale, p. 189). Esses boatos aos quais ele
apela são novamente sobre a “... justiça ainda não ministrada para as pessoas que
transgrediram as leis e a ofenderam, especialmente aqueles que foram culpados de
traição...”.138 E ele tanto se coloca como guardião da justiça que se oferece ao rei para punir os
traidores do reino:
Portanto, eu seu humilde súdito e verdadeiro vassalo [trewe liegeman], Ricardo
Duque de York, desejando tão eficazmente o quanto posso, e desejando a seguridade
e prosperidade de sua mais real pessoa e bem estar do seu nobre reino, aconselho e
advirto sua excelência para a conservação da boa tranquilidade e um governo
adequado para os seus verdadeiros súditos, que ordene e ministre a justiça contra tais
pessoas culpadas e amplamente conhecidas [openly noised]. Para tanto eu ofereço e
me coloco em dever de executar os seus comandos nas premissas ditas acima para a
punição de tais transgressores e reparação de tal mau governo dentro da minha
139
capacidade e poder.
137
“Thus they bi these sinistre meanes unlawfully embassiators and by other weyes, ther have caused the
losses of his glorious reaume of France, his commodious duchie of Normandie, his keyes of his diffensable
duchie of Aungoye and his counte of Mayne and that caused his liege men to here utterest destruccion withouten
reason of defence” (John Vale, p. 188).
138
“... justice not yet duly mynistred to suche as trespasse and offendes ageins your lawes, and especialle
of theim that bene endited of threason... (Ibidem, p. 189).
139
“Wherefore I your humble subgiet and trewe liegeman, Richard duc of Yorke, willing as effectuelly as
I can, and desiring surete and prosperite of your roiall personne and welfare of this youre noble reaume, conseile
98
Em suma, York se coloca na posição de conselheiro do rei (que oficialmente não era)
e porta-voz da opinião pública nos dois documentos. O conselho principal é que o rei deve ser
justo e punir os traidores: os maus conselheiros e os responsáveis pelo desastre na França.
Além disso, está implícito no discurso de Ricardo de York que um rei que não ouve bons
conselhos não cumpre corretamente o seu ofício; assim através de sua escrita ele coloca
códigos implícitos a seu favor e constrói uma memória conveniente à sua argumentação. A
única resposta do rei, entretanto, foi um convite para que ele participasse do Conselho Régio
nas próximas sessões (John Vale, p. 190). Os problemas indicados desde a revolta e agora por
York, entretanto, não foram resolvidos ou considerados pela Coroa. O rei continuava na
mesma situação política e financeira, e o desejo de mudança era latente, pois insurreições
menores não pararam de ocorrer até 1455 enquanto o Parlamento solucionava problemas
pontuais.
Após essas cartas, Ricardo se apresenta no parlamento já em novembro de 1450. O
que presenciou na seção parlamentar era o que ele estava criticando nas cartas citadas: figuras
da nobreza novamente em destaque (como Edmundo de Somerset), a introdução de uma carta
de processo contra o considerado traidor Jack Cade, e um processo judicial através de Kent
contra aqueles que endereçaram petições de reforma. Além disso, Edmundo de Somerset, tão
odiado pela sua ligação com a perda da Normandia, foi indicado como capitão de Calais
(PROME, 1450-1, Item 19, f. 5). Nessa mesma seção os Comuns do parlamento elegeram
como seu porta-voz o próprio Sir William Oldhall camareiro de Ricardo de York – algo
simbólico do desejo de mudança. Não por acaso, foi nessa seção que apresentaram a petição
já citada de afastamento de membros da corte (Ibidem, Item 16).
Esse apontamento pode ter sido apresentado pelo próprio York ao seu camareiro e
porta-voz da Câmara dos Comuns, embora não tenhamos documentos que corroborem essa
afirmação, mas é significativo que a Duquesa de Suffolk e Stephen Slegge já haviam sido
citados nas petições da Revolta; bem como Thomas Daniel e James Fiennes eram ligados às
críticas dos rebeldes pelo cronista de A Short English Chronicle.140
and advertisse youre excellence for the conservacion of good tranquilite, able reule amonges all your trewe
subgiettes for tordeigne and provide that due justice be had ageinste all suche that bene so endited or openly
noised. Whereinne I offer and will put me in devoire for texecute your commandements in the premises
aforesaid for the punisshion of suche offendors and redresse of the seide mysreules to my myghte and power”
(John Vale, p. 189).
140
“And than the lordis men saide that the Lorde Saye [James Fiennes] was one, the Bysshuppe of
Salisbury [William Ayscough], the Baron of Dudley [John Sutton], the Abbott of Glowcester [William
Crowmer], and [Thomas] Danyell, and many moo…” (A Short English Chronicle, p. 67).
99
Para além dos desafetos fora do parlamento, e da câmara dos Comuns dentro dele,
Ricardo estava sendo progressivamente isolado do centro das decisões. Foi então que em
1452 ele desiste de tentar pelos meios convencionais – o parlamento e o conselho – e tenta
pela força física um enfrentamento com o rei para mudar as circunstâncias.
Ricardo de York deixava claro sua lealdade ao rei, mas tornava público o seu
reconhecimento do estado deplorável não só do comércio, mas também da honra e da
segurança do reino da Inglaterra – este último ligado à recente perda da Normandia e outras
terras por culpa, segundo sua percepção e a de muitos, de Edmundo de Somerset. Essa carta –
que não tivemos acesso a não ser pela citação de Harvey – foi espalhada pelo Sul da Inglaterra
como um apelo para revolta civil na cidade de Dartford (no condado de Kent) em março de
1452. Existe indício de que alguém alertou ao rei sobre o que estava acontecendo, o que o
levou a uma réplica endereçada a algumas cidades como Oxford, Sudbury, Colchester,
Winchelsea e, mais significantes as de Kent: Maidstone, Canterbury e Sandwich (HARVEY,
op. cit., p. 160).
A partir de uma resposta do rei, muitas cidades obtiveram ordem de punir qualquer
indício de conspiração. A cidade de Londres – por decisão do rei, dos vereadores, do prefeito
e do Conselho Comum – teve seu acesso bloqueado para Ricardo de York. Provavelmente
pela repressão recorrente, o que ficou conhecido como “Incidente de Dartford” não contou
com muito apoio popular.141 Até aqui as tentativas de demonstração de insatisfação
continuavam contundentes, mas as linhas de força que pendiam para os homens da corte eram
certamente mais fortes do que as de Ricardo de York, de maneira que sua tentativa não obteve
sucesso. Além disso, para ele, como primo do rei, era possível não incorrer numa acusação
simples de traição seguida de pena de morte, mas para aqueles aos quais ele solicitava apoio,
esse risco deveria falar mais alto do que a insatisfação. A despeito disso, ele jurava lealdade
antes de dirigir as críticas (John Vale, pp. 193-5) o que é considerado um prefácio de ação
direta necessário para se precaver contra uma possível acusação de traição (WATTS in
KEKEWICH, op. cit., p. 19).
William Oldhall, por exemplo, teve seus bens confiscados por ser reconhecido no
parlamento como um apoiador de York em Dartford. A petição parte da Câmara dos Comuns
solicitando não só o seu confisco, mas seu reconhecimento como traidor do reino, por ter se
141
O Incidente de Dartford foi o momento em que Ricardo de York recrutou seus homens numa tentativa
de forçar o rei a retirar Somerset do Conselho Régio. A cidade de Dartford ficava no condado de Kent, onde
York tinha o maior apoio, mas pela repressão recorrente e pelas cartas enviadas pelo rei é possível entender
porque não conseguiu aglomerar tantos homens. Após isso ele se viu ainda mais isolado do centro do poder,
permanecendo em seu castelo de Ludlow até 1454 quando é apontado como Lorde Protetor pelo parlamento
(HICKS, 2010, pp. 93-4).
100
envolvido com insurreições diversas além de Dartford, como a de Jack Cade, John Wilkins e
John Halton (PROME, 1453-4, Item 64, f. 4). É claro que as petições que chegavam ao
parlamento passavam por um filtro dos membros indicados no início de cada seção para
receberem (receiver of petitions) e julgarem (trier of petitions) cada petição; e das que foram
registradas, poucas obtiveram uma resposta negativa. Entretanto, no parlamento seguinte,
Oldhall conseguiu revogar sua condenação (PROME, 1455-6, Ap. 26).
A despeito de o Incidente de Dartford resultar no isolamento político de Ricardo de
York, ele simboliza não só um contínuo de reivindicações que começaram com Jack Cade,
mas que agora compunha parte da nobreza: Ricardo de York e seus apoiadores mais
significativos Ricardo de Salisbury e Ricardo de Warwick. Além disso, o conflito central que
deu origem ao primeiro conflito armado da Guerra das Rosas também estava evidente aqui:
York e a família Neville (Warwick e seu pai Salisbury) contra a posição de Edmundo de
Somerset.
O protetorado que se inicia em março de 1454 sofreu protestos de magnatas notáveis
já em maio, mas nenhum protesto oriundo da população menos abastada. Isso demonstra que
a tão dificultosa manutenção da ordem nesse período dependia mais das relações políticas e
sociais do que das instituições legislativas que julgavam as ações dos rebeldes, por exemplo
(POWELL in HORROX, op. cit., p. 36). Portanto, a imagem de Ricardo de York poderia
corresponder aos anseios dos Comuns, mas não aos dos Lordes; dada a cultura política e os
padrões de organização da sociedade, somente um rei podia criar tais condições em que a
ordem e a paz florescessem.
Mesmo assim, as desavenças entre os magnatas notáveis como das famílias Neville e
Percy foi um dos maiores problemas enfrentados por Ricardo de York até o início da Guerra
das Rosas em março de 1455. Tomando partido da família Neville pelo seu cunhado Ricardo
Neville conde de Salisbury, Ricardo de York conseguira pela primeira vez apoio de uma parte
da nobreza para sua causa. Esse apoio aos Nevilles veio acompanhado do agravamento do seu
conflito com Edmundo de Somerset, que defendia a parte do conflito da família Percy
(HICKS, 2010, pp. 93-120). A concretização dessas questões redundou na primeira batalha de
St. Albans em março de 1455, o início da Guerra das Rosas, onde foram mortos o duque de
Somerset e o conde de Northumberland (Percy).
Dos documentos que pudemos incluir nessa análise da coleção de John Vale há um
relato sobre a batalha de St. Albans sem autoria. O relato é praticamente o único documento
utilizado pelos historiadores para compreender a batalha, além das pequenas descrições
contidas nas crônicas. No relato há novamente o juramento de fidelidade de York ao rei e o
101
pronunciamento do rei sobre possíveis traidores na batalha. Mas é importante ressaltar que o
documento parece ser já uma propaganda por parte de York, Salisbury e Warwick, pois os
coloca como defensores do bem comum do reino e fieis vassalos do rei – não havendo
contradição entre um estado e outro (John Vale, pp. 190-3). Após a batalha o rei novamente se
vê na situação de ceder outro protetorado a Ricardo de York em novembro de 1455.
A Batalha de St. Albans não resolveu as desavenças entre Ricardo de York e
Edmundo de Somerset, mas antes resultou na morte deste último e na herança do conflito por
seus filhos. O parlamento que se iniciou em Novembro de 1455 foi convocado com objetivos
diversos entre os quais estava a harmonia do reino e a defesa do mesmo. São considerados o
pagamento dos serviços de Calais, sua proteção e a segurança dos mares, a invasão do reino
pelos Escoceses no norte, a exportação de ouro e prata e outros motins que ocorreram em
Gales (PROME, 1455-6, Itens 7-16, f. 26-5).
York, Warwick e Salisbury ocupam alguns trechos da documentação registrada.
Contudo, é importante apontar o fato de que o rei reconhece Somerset, Thomas Thorpe e
William Joseph142 como mal intencionados na batalha – deslegitimando assim quaisquer atos
de “tentativas de justiça” contra York.143 Além disso, York e seus apoiadores enviam uma
carta para ser lida à assembleia pelo Chanceler na qual há um enfoque para um grande “rumor
e apreensão” (greet rumour and wondre) sobre eles, que sabem ser de origem duvidosa. Eles
vêm por meio desta carta, portanto, reafirmar o desejo que têm de “honra prosperidade e bem
estar do nosso senhor soberano senhor, de sua terra e de seu povo”. A ênfase de todo o
documento está no “bem público [good publique] e governo pacífico e político desta terra e
deste povo” justificando o aparato militar da batalha de St. Albans como defesa própria.144
É importante notar que a prática de reafirmar constantemente a lealdade ao rei ante
um ataque a um membro da corte (que podia ser entendido como um ataque ao próprio rei)
significava um ato corriqueiro no qual se assegurava que a crítica feita – seja ou rei ou à corte
– não incorria, em tese, num ato de traição. O mesmo ocorreu na Revolta de Jack Cade e em
todos os demais atos políticos que tinham consciência da posição vulnerável na qual uma
crítica se encontrava. York continuava se precavendo da seguinte forma:
142
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
“affermyng theym not oure true liege men, and therefore provoked and stired us to have proceeded
with grete might of people under colour of oure matiers, where noon we hadde, to the avaunsyng of theire owne
matiers and quarelles” (PROME, 1455-6, Item 18, f. 24).
144
“And for somuche as we here that a greet rumour and wondre is hadde of oure commyng,… Alwey
kepyng oure trouthe to his said highnesse unspotted and unbrused, entendyng to drawe directly to gidres with
you, and all other lordes of this lande, that be of such tendre zele and affeccion to the honour, prosperite and
wele of oure said soveraine lord, his said reaume and people… to the said honour and wele, and the good
publique, restfull and politique rule and governaunce of his said lande and people…” (Ibidem, Item 19, f. 24)
143
102
Queira, por favor, entender que por ouvirmos e entendermos para nossa grande
tristeza, que nossos inimigos provados, que residem e se sustentam sob as asas de
sua real majestade, plantaram em sua cabeça de maneira sediciosa e fraudulenta,
muitas incertezas e dúvidas quanto à fé, lealdade e respeito, que Deus sabe que nós
temos em relação a sua alteza, e fizeram o seu melhor para nos afastar de sua nobre
presença e do favor de sua graça, que é boa graça para nós, e deve ser, nossa mais
145
especial e desejada alegria e consolação [...].
Dessa maneira, Ricardo de York se coloca novamente como o “verdadeiro
conselheiro” do rei contra os “maus conselheiros”. A retórica é extremamente semelhante
àquela adotada por Jack Cade em 1450, seja pelo reconhecimento dos “inimigos provados,
que residem e se sustentam sob as asas de sua real majestade” seja pelas reconhecidas dúvidas
e incertezas que “plantaram em sua cabeça”. A retórica é, portanto, de “vitimados pelo
conselho” e de defensores do bem público do reino e da paz, que colocam em formato de
juramento ao rei (PROME, 1455-6, Item 25, f. 23).
Para o agravamento da insatisfação dos herdeiros daqueles que morreram em St.
Albans (Somerset e Northumberland) Ricardo de York se encontrava novamente como
“Protetor do Reino” nesse parlamento. Seu apoiador, Ricardo de Warwick, se torna capitão de
Calais – anteriormente ocupado por Somerset e um dos cargos de maior prestígio do reino.
Em 1456 – portanto, após a batalha de St. Albans – Henrique VI provavelmente já
não estaria em relações amistosas com Ricardo de York. Escrevendo para o rei da Escócia ele
reconhecia que desde o advento da revolta de Cade tudo estava “numa efervescência
descontrolada” que ele atribuiu a Ricardo de York (RYMER, 1704-35, p. 383 apud
HARVEY, op. cit., p. 147). A possibilidade de seu envolvimento com as questões de 1450,
portanto, fosse real ou não, existe na percepção do rei e da nobreza pelo menos a partir de
1456 – perspectiva que ficará clara no parlamento de 1459.
Antes de a situação da crise política tomar sua forma definitiva no Parlamento de
1459, Henrique VI tentou a paz entre as partes litigantes numa cerimônia tradicional de
reconciliação na Catedral de São Paulo (Londres) praticada desde o século XI. Entretanto, se
a tentativa de reconciliação poderia ter surtido algum efeito ela foi suplantada pelas ações da
rainha Margarete. York defendia o norte de invasões escocesas e ainda era responsável pela
Irlanda. A caminho de York, Ricardo de Salisbury foi surpreendido pelo exército real em
145
“Where unto please it to wite, that for somoch as we here and understond to oure grettest sorowe erthly
that oure enemies of approved experience, such as abide and kepe theim self undre the wynge of your mageste
roiall, have thrawen unto the same right cediciously and right fraudelently, many ambiguitees and doubtes of the
feith, liegeaunce and duetee, that God knoweth we bere unto youre highnesse, and have put thaim in as greet
devoir as they coude to estraunge us from youre moost noble presence, and from the faveur of youre good grace;
the which good grace to us is, and awe to be, oure singuler and moost desired joye and consolacion…”
(PROME, 1455-6, Item 20, f. 24-3).
103
Blore Heath, e em outubro alguns apoiadores de Warwick defenderam o rei e os Yorks foram
derrotados em Ludford: York volta pra Irlanda; Warwick, Salisbury e o futuro Eduardo IV
(filho de York) fogem para Calais (WEBSTER, op. cit., p. 19).
E nessa altura temos dois documentos que se ligam intimamente às petições da
revolta de Jack Cade analisadas no capítulo anterior: o manifesto de Warwick escrito em 1459
e o manifesto dos comuns de Kent pela volta de York, Salisbury e Warwick ao reino em 1460
(John Vale, pp. 208-12). O primeiro está ligado àquelas questões de 1450 por suas palavras, o
segundo porque é uma clara cópia de todos os parágrafos do manifesto mais copiado de Jack
Cade: Magdalen College, MS 3.146
Logo, as questões de 1450 permaneceram tanto na apropriação dos apoiadores de
Ricardo de York quanto vivas no condado de Kent e arredores (e, mais importante, de
maneira escrita). Os artigos de Warwick enviados de Calais ao reino novamente apontam para
os problemas do bem comum e da manutenção da lei – os argumentos mais recorrentes do
jogo de poder que se instalava. Há um aparente apelo aos mercadores de Londres, quando se
refere aos impostos e uma crítica direta ao Conselho Régio. Para Ricardo de Warwick,
nenhum rei pode prosperar se é extorquido (grete extorcion) o tempo todo por seus súditos
(leia-se, do Conselho), e assim ele se coloca como conselheiro do rei – como York já fizera
durante toda a década de 1450.147 Importante ressaltar que não há aqui intenções de coroar
Ricardo de York, mas sim de manter o Decreto do Acordo que a rainha Margarete aparentava
não estar disposta a cumprir.
O cronista de An English Chronicle em sua narrativa para os eventos de 1459-60
também sistematiza as questões de maneira idêntica àquela de Jack Cade em 1450: o governo
do rei se encontrava sob mau conselho (couetous counseylle); o rei devia mais do que
arrecadava e suas dívidas só cresciam; como uma das causas dessa situação financeira, as
posses da Coroa estavam todas cedidas por cartas-patentes; além disso, o cronista acusa o mau
uso dos impostos e o mau governo.148
146
Do qual o título deste Capítulo 3 é o encerramento.
“Forasmuche as the commone wele and the good politik lawes hereaforne notably and vertuously used,
ordeigned for the keping and maynetenyng of the seide commone wele and the reste and peax of the reume, the
cours and recours of merchandise, the due and evunly ministering of justice and rightwisnesse with inne the
lande beene piteouslye ovurtuned and as whoo seethe forgoten” (John Vale, pp. 208).
148
“In this same tyme, the reame of Englonde was oute of alle good gouernaunce, as it had be meny dayes
before, for the kyng was simple and lad by couetous counseylle, and owed more then he was worthe. His dettes
encreased dayly, but payment was there none; alle the possessyons and lordeshyppes that perteyned to the croune
the kyng had yeue awey, some to lordes and some to other simple persones, so that he had almoste noughte to
lefe onne. And suche ymposiciones as were put to the peple, as taxes, tallages, and quyn(z)ymes, alle that came
from theym was spended on vayne, for he helde no householde ne meyntened no warres. For these
147
104
Não à toa, essa crônica coloca na sequência um documento de York, Salisbury e
Warwick se dirigindo aos comuns do sudeste, o mais significativo documento que podemos
relacionar à propaganda de Ricardo de York contra o Conselho via sua utilização dos tópicos
de 1450. Datado de 1460, esse documento foi enviado para o Arcebispo de Canterbury,
iniciando com a declaração de lealdade ao rei para em seguida ressaltar a lógica que os
comuns tanto utilizaram naquela década: a pobreza da Coroa e suas consequências para os
Comuns, o desejo de que o rei vivesse dos rendimentos de suas próprias terras, e as injustiças
espalhadas.149
Também se mostra idêntico às petições de Jack Cade por reconhecer a suposta
pobreza dos comuns dado o excesso de impostos cobrados (gretely...charged), acusa os
inimigos do bem comum e cita as regiões perdidas da França. York, Warwick e Salisbury
(que assinam o documento) consideram que Calais estava desamparada e que os inimigos do
reino logo entregariam a Inglaterra aos franceses (as it was opynly appere). Afirmam também
que desde a morte de Gloucester, os “inimigos do bem comum” planejam a morte de York,
reconhecendo nos condes de Shrewsbury, Wiltshire e Beaumont150 os “guias” do rei após a
morte de Somerset. Esses inimigos, na sua percepção, usurpam as posses do rei e conspiraram
no Parlamento de Coventry para conseguir as posses de York, Warwick e Salisbury.151
Nessa altura o cronista reconhece que o condado de Kent continuava apoiando
Ricardo de York de maneira que seus habitantes mandaram uma carta para Calais com o
objetivo de que ele, Salisbury e Warwick invadissem o reino e os salvassem do mau governo
(An English Chronicle, pp. 90-1). Não se tem notícia dessa carta, mas o cronista
mysgouernaunces, and for many other, the hertes of the peple were turned away from thayme that had the londe
in gouernance, and theyre blyssyng was turnyd in to cursing” (An English Chronicle, p. 79).
149
“Thanne sente the forseyde lordes the articles vnder wryten to the archebysshop of Caunterbury, and at
large to the Communes of Engelond… and to the prosperyte and welfare of his noble estate, and to the comon
wele of alle his londe, as trew lyegemen, the matiers folowyng... For the furst, The grete oppressyone, extorsion,
robry...ayens Goddys and mannes law… The pouerte and mysery that oure grete heuynesse oure sayde
souerayne lorde standeth inne... whyche causethe the spyllyng of his sayde lyegemenne… and of the seyde
commone wele. Item, Howe hys lawes...the sayde oppressyon and extorsyone...to offende ayenst the sayde
lawes… Item, That it wolle please his sayde good grace to lyve upponne his owne lyuelode...and fynde hys
sayde householde oppone his pore communes…whyche nouther accordethe wyth Goddes nor mannes lawe.”
(Ibidem, pp. 86-7).
150
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
151
“Item, Howe ofte the seyde commones haue bem gretely and merueylously charged with taxes and
tallages to theyre grete enporysshyng...enemyes to the sayde commune wele…suffryng alle the olde possessyons
that the kyng had in Fraunce and Normandy, Angew and Meyne, Gascoyne and Guyene…shamefully loste or
solde… but nowe begynne a new charge of imposiccione and tallages vpponne the sayde peple whyche neuer
afore was seen... thyng of refresshyng or defens shulde come oute of Englond to the socoure or relyef of the
sayde toune, to thentent that they wolde haue hyt lost, as yt was opynly appere… Item...noble, worthy, and
Crystyn prince, Humfrey duk of Gloucestre the kynges trew vncle...to the commone wele of the same reame, and
defens therof… Item, The erles of Wylshyre and Shrouesbury, and the lorde Beaumount, nat satysfyed nor
contente with the kynges possessyouns and hys good...haue openly robbed and dyspoyled alle oure places and
oure tenementes...” (Ibidem, pp. 87-9).
105
provavelmente se refere à própria cópia do manifesto de Jack Cade desse ano de 1460, como
apontamos acima (John Vale, pp. 210-2). Sendo ele o documento mais copiado da revolta e
tendo sobrevivido até 1460, não é de se desprezar que tenha sido novamente lançado com
objetivos de reforma política. Mas agora é preciso reconhecer que o manifesto de Kent não se
voltava mais para o rei, mas para Warwick, York e Salisbury.
O condado de Kent, e com ele os demais condados do sudeste e a cidade de Londres,
aparentemente apresentam posicionamento político tão estável nessa década que além de
todos os documentos apontados ainda temos uma balada supostamente fixada nos portões da
cidade de Canterbury (capital do condado de Kent) que a partir de um trecho de Isaías faz
alusão à situação deplorável do reino (1:5-6: “Toda cabeça está enferma e todo coração
fraco”). Através de um jogo de palavras e repetição do trecho de Isaías – bem como de
mistura de trechos latinos e ingleses – a balada enfatiza que o reino da Inglaterra está imerso
em dívidas, que está cometendo traição à Deus por não vigiar suas leis, e que está no caminho
de ser conquistado. Por fazer menção positiva a York e seus filhos, bem como a Warwick e
Salisbury,152 trata-se de uma propaganda reformista que assume o mesmo tom, como na
sentença: “Nos reforme para a bondade e puro estado” porque “Toda cabeça está enferma e
todo coração fraco”.153
Outros dois documentos de 1459 estão supostamente copiados na crônica: uma carta
de Warwick ao rei, assinada por ele junto a York e Salisbury; e um manifesto também deles
endereçados aos Comuns do reino. O primeiro documento apela para a opinião pública de
“todos os lordes” e de “de toda essa terra” (to alle the sayd worthy lordes and to alle his
lande) para fazer suas reclamações que são justas e legítimas, dados os males do reino. Mais
uma vez solicitando que o rei remediasse os males do reino e fosse justo com os verdadeiros
súditos a carta é breve e se encerra como defensora do bem comum (An English Chronicle,
pp. 81-3). Já o manifesto, por se direcionar aos comuns, aponta as extorsões, abusos da lei,
miséria da Coroa, o empobrecimento dos comuns causado pelos impostos, os inimigos do
bem comum, as questões da França, etc. Esse documento, escrito após o Parlamento de 1459
que condenou York e seus afiliados, reconhece que os “traidores do reino” planejavam a
152
“Edwarde Erle of Marche, whos fame the erthe shalle sprede, / Richard Erle of Salisbury named
prudence, / … Richard erle of Warrewyk sheelde of oure defence,…” (An English Chornicle, p. 93).
153
“Jhesu, for thy mercy and thy noble reuerens / Reforme us to goodnesse and condicione pure, / For,
‘omne caput languidum, et omne cor merens!’” (Ibidem, p. 92).
106
morte de York desde a morte de Gloucester e que conspiraram no referido parlamento para
conseguir as propriedades de York, Warwick e Salisbury.154
Por tudo que apresentamos até aqui, podemos afirmar que os tópicos que apareceram
timidamente no Parlamento de 1449 e que tomaram as ruas de Londres com Jack Cade em
1450 aos poucos foram se tornando um fundo comum de queixas que tinham seu epicentro no
condado de Kent, mas que foi levado à frente convenientemente por Ricardo de York. À
despeito da repressão régia às tantas revoltas que ocorreram entre 1450 e 1456, Ricardo de
York conseguia lidar com a situação e perpetuar as queixas não incorrendo em traição (até
1459) e conseguindo algum resultado. Contudo, o resultado mais palpável de seus atos foi a
batalha de St. Albans e, a partir dela, a Guerra das Rosas. Esse argumento central dessa
dissertação pode ser compreendido não só pelos documentos abordados até aqui, mas também
pela quantidade expressiva das mesmas causas que recorrem no parlamento, como veremos
no próximo tópico.
3.2 As percepções da crise no Parlamento
Até aqui foi enfatizado o papel significativo de Ricardo de York, de Warwick e de
Salisbury na legitimação das queixas contra o Conselho Régio e as injustiças que eram
alegadas em vários documentos abordados. Cartas da Ordem Teutônica já faziam oposição
entre o rei e York antes da Batalha de St. Albans, e as crônicas notavam claramente as figuras
que “guiavam o rei” através do Conselho e, por isso, pareciam legitimar as mesmas queixas
de 1450 e de Ricardo de York. Esse viés da opinião pública se faz significativo, portanto, por
apresentar elementos comuns nos diversos documentos e a maneira como os expressa (good
publique, common voice, openly noised, etc.).
O parlamento, pelo contrário, apesar de muitas vezes apresentar-se “harmonioso”
pelos registros que temos, era uma instituição onde a opinião pública provavelmente se fazia
representada de uma maneira ou de outra (fosse pela manipulação da eleição dos cavaleiros
do condado ou pela expressão de opinião pura e simples). Richardson e Sayles defenderam
por toda sua carreira o quanto é significativo que a palavra “parlamento”, ligada
etimologicamente a “conversação” e “discussão”, dava sentido a uma instituição onde o
debate era o que a definia (Cf. RICHARDSON & SAYLES, 1981). Sendo assim, é de
154
“Item, How continually, syth the pytyous, shamefulle, and sorowfulle murther to alle Englond, of that
noble, worthy, and Crystyn prince, Humfrey duk of Gloucestre…hit hathe be labored, studyed, and conspired, to
haue dystroyed and murthryd the seyde duke of York…” (An English Chronicle, p. 88).
107
importância essencial que as questões tratadas ali sejam reconhecidas e comparadas de
maneira mais contundente aqui do que nos demais trechos anteriores.
O movimento de abordagem da documentação parlamentar foi semelhante àquele
utilizado para as petições da revolta de Jack Cade no capítulo anterior. Ou seja, primeiro
quantificamos os itens tratados nas seções de acordo com o seu objetivo claro ou aproximado,
conforme o quadro a seguir:
Quadro 10 – Assuntos gerais tratados no Parlamento (1449-1461)
Tipo
Quantidade
Justiça/Governo
123
Imposto/Economia
67
Concessões/Privilégios/Cartas-patentes
37
Problemas na França e nos mares
33
Pagamento de Salários/Dívidas
26
Assuntos Cotidianos
23
Mercadores/Mercadorias e Trocas
21
Propriedades/Terras/Heranças
20
Cargos e Ofícios
15
Assuntos Clericais
14
Atos de Restituição
3
Vale apontar desde já que a ordem de prioridade de assuntos recorrentes nessas
seções corrobora aquelas das petições de 1450 no que é possível – como a Justiça/Governo, o
Imposto/Economia, as Concessões e os Problemas na França e nos mares. Em seguida
trataremos os itens mais significativos que se relacionam com as queixas da revolta. Estas
queixas foram quantificadas nas petições (Quadros 1 ao 4) como Injustiça/Extorsão, Conselho
Régio e a França, Imposto e Taxação, e Concessões e Privilégios (Restituição). Assim, as
prioridades que o quadro acima nos aponta se ligam intimamente a essas mesmas categorias.
Quando essa ligação não foi possível, os artigos parlamentares não foram abordados (como os
Assuntos Clericais, Cotidianos e as Heranças).
Logo, como o Ato de Restituição articulava as queixas de 1450 e de Ricardo de York
como solução dos problemas do reino, ele será abordado primeiro que os demais. Isso porque
apesar de terem sido votados três Atos (o que é muito), eles reúnem uma série de problemas
como
Imposto/Economia,
Concessões/Privilégios/Cartas-patentes,
Pagamentos
de
Salários/Dívidas e Cargos e Ofícios.
Na sequência daremos ênfase ao próprio Conselho Régio que não aparece como
grupo quantificado por ser a própria instituição do Parlamento, no seu limite, um grande
conselho. Mas ao mesmo tempo, expressões e petições apontam para a consciência
parlamentar quanto aos problemas do Conselho (como instituição separada) e o Bom Governo
do reino. Por fim consideraremos as questões da França e da defesa do reino, que apareceram
108
em queixas diversas durante toda a década de 1450 como um problema pendente para onde se
apontava como resultado do mau governo e da situação na qual o reino se encontrava.
De antemão é preciso ressaltar que a quantificação das expressões-chave (as mesmas
do capítulo 2 com alguns acréscimos) também foi realizada como nas petições de 1450, com a
diferença que a documentação do Parlamento tem um volume considerável. Assim, alguns
números de sua recorrência são altos, mas a relevância em cada contexto para nossa
abordagem é limitada – dada a utilização repetitiva de formulações típicas de registros que se
dirigem ao rei pelos termos common e people, por exemplo.
Quadro 11 – Recorrência dos Termos no Parlamento (1449-1461)
Termo
Quantidade
Common/People
679
Law
310
Council/Counsel
210
Friend/Liege(men)
153
Traitors/Treason
99
Public
33
Extortion
14
Openly
10
Opinion
8
Rumour (great noise, as man said, it was said, common voice,
8
fame)
A discussão dos termos acompanhará a sequência da discussão dos tópicos
quantificados de maneira que fique claro o quanto a recorrência ao mesmo léxico político nos
diversos documentos (com prioridade semelhante) pode tanto ser atribuído a elementos
amplos de uma cultura política quanto à influência e apropriação de um e outro. O período
apontado no quadro acima compreende a fase final do reinado de Henrique VI, quando
ocorreram sete seções parlamentares: 1449, 1449-50, 1450-1, 1453-4, 1455-6, 1459 e 1460.
Cada caso se fará claro no avançar do texto.
3.2.1 O Ato de Restituição
Como tratamos no Capítulo 2, o Ato de Restituição era uma prática parlamentar que
visava uma análise crítica de todas as cartas-patentes cedidas pelo rei com o objetivo de
diminuir terras cedidas, cargos considerados abusivos, dívidas, privilégios, anuidades, entre
outras questões que afetavam direta ou indiretamente os cofres da Coroa. A Câmara dos
Comuns tocou nessa necessidade já em 1449, a Revolta de Jack Cade também visava uma
Restituição geral, sobretudo aquelas que afetavam Kent. Ricardo de York, por sua vez, visava
justiça através da diminuição dos privilégios e aumento da arrecadação pelo “uso do que é
seu” – ou seja, subsidiar os gastos da Coroa com os rendimentos de suas terras, e não de
109
impostos. Assim, após a análise exaustiva da documentação dessa pesquisa, assumimos que o
Ato de Restituição era visto como a principal tarefa das reformas por distintos grupos,
formando um dos eixos principais da cultura política da época como solução para a falta de
justiça, extorsões e sobrecarga de impostos.
Entretanto, isso só pode ser afirmado para o período de crise política que desencadeia
a Guerra das Rosas, ou seja, não houve nenhum outro Ato de Restituição no reinado de
Henrique VI antes de 1449. Após este primeiro tivemos outros dois, sob Henrique VI (1450) e
o protetorado de Ricardo de York (1455), e outros três sob Eduardo IV (1463, 1467 e 1473).
Logo, tornou-se um hábito revisar as concessões aparentemente pela ausência da prática de
guerra, ou seja, na medida em a guerra podia trazer outros rendimentos que não somente
aqueles das terras da Coroa, sua ausência impunha uma maior administração das tenências de
terras, dos oficiais do rei, e assim por diante (HARRISS in HORROX, op. cit., pp. 23-4).
Assim, nos concentraremos aqui nos problemas que envolveram os Atos de Restituição de
1449, 1450 e 1455.
Em novembro de 1449 um Ato foi proposto pelos Comuns e aprovado pelo
Parlamento, mas foi enfraquecido pelo número de isenções colocadas pelo rei que atingiu 194,
das quais uma maioria (99) foram para seus oficiais mais próximos e seus pagamentos
(PROME, 1449-50, Item 53, ff. 9-17). O cenário havia mudado na percepção dos Comuns do
Parlamento, apesar de terem concedido ao rei o recolhimento de metade do imposto do
quínzimo e do dízimo no início daquele ano, as queixas aumentavam.
Assim, na virada de 1449 para 1450 havia uma distinção aparentemente clara entre
um “ontem glorioso” (de Eduardo III e Henrique V) e um “hoje catastrófico” (de Henrique
VI). Isso é demonstrado por uma petição que reivindica melhorias na administração de Calais.
A petição inicia pela afirmação de que foi Eduardo III que concentrou a cobrança de impostos
de toda importação e exportação em Calais, num tempo em que se registrava uma renda anual
recolhida ali de £68.000; há uma clareza quanto à posição estratégica que aquela cidade
representava para a riqueza do reino. Quanto ao que entendem sobre o momento vivido,
entretanto, há uma percepção de que pelas licenças de comércio de lã espalhados por outras
cidades, pelo comércio ter se dissipado para longe de Calais, pelo não recolhimento adequado
das taxas (com a colaboração dos ministros régios que “enganam sua majestade”), entre
outros fatores, “todos que seguem o costume e procuram o bem comum estão prejudicados”
de modo que a arrecadação contabilizada ali chega no máximo a £12.000.155
155
“How be it now, that by diverse and many licences given by lettres patentes, and by mysusyng of the
saide licence… and also by grete steling oute of woll and wolfell not custumed, in diverses parties of Englond,
110
Sendo assim, o objetivo central dessa petição tem duas vias. A primeira é que o rei
mande reforço para Calais, que correria o mesmo perigo da Normandia. A preocupação gira
em torno do comércio da lã e dos tonéis de vinho – que são centrais. A segunda é que
reconhecem a necessidade da revisão de privilégios e liberdades concedidas que se remetem a
essa situação – o que aponta para o Ato de Restituição.
O rei também tentou, já em novembro de 1449, minimizar a lacuna dos seus cofres.
Considerando o “excesso de taxação sobre os comuns” ele decide taxar as propriedades dos
membros da corte pela cobrança de imposto direto de suas terras e pela revisão dos
arrendamentos das terras da Coroa (PROME, 1449-50, Item 13, ff. 2-3). Entretanto, essa
atitude pareceu não enfraquecer a iniciativa da Câmara dos Comuns quanto ao Ato de
Restituição.
Estando o rei com altas dívidas reconhecidas pelos Comuns e com uma baixa renda
anual de suas terras, e considerando que esse valor não era considerado suficiente nem pra
“manter sua dignidade”, impõe-se o Ato. Pensando que tal escassez deveria durar ainda algum
tempo, o ato proposto idealiza a revisão dos privilégios e concessões desde 1422. Além disso,
a pobreza que acomete os Comuns, a falta de justiça no reino pelo excesso de privilégios, a
situação da guerra no continente são mais que motivos para a aprovação deste Ato.156
O tamanho do texto deste Ato de Restituição de 1449-50, oito fólios, devido às suas
isenções demonstra a resistência do rei ou a sua impossibilidade de se opor à petição de
restituição – dada à situação insustentável de críticas a funcionários da Coroa ligadas à
situação da Normandia. As isenções refletem essa resistência e exprimem o favoritismo pelo
qual era criticado. As liberdades e privilégios – ocupando um segundo lugar em número –
também podem ser interpretadas dessa mesma forma, dado que uma petição na mesma seção
acusava os ministros do Tesouro de arrecadarem dinheiro para si próprios em nome do rei.157
Irland and Wales, oftymes by consent and meane of untrue officers, as sercheours and surveiours, which take no
fee, but prive rewardes for doyng the kyng wrange, and by diverse restreintes of merchandise in Calais,… the
custumes and subsidies of the merchandise repairyng to the foreseid staple of Calais, passe not yerely .xij. .m.li.,
which is but litell in comparison to that they have be before tyme, the communialte of this lande not enriched by
thaire wolles, wolfell and other merchandise, as they were wonte to be…” (PROME, 1449, Item 19, f. 6).
156
“… and for lakke of execution of justice, that youre pore communes been full nygh distroied, and if it
shulde continue lenger in such grete charge, it cowde noght in ony wyse be hadde nor borne. And that noon of
youre liege peple hafuyng interest, right or title, of or in ony of the premisses, afore youre said grauntes or lettres
patentes made, other than the said graunties or thei that hafe their state...” (Ibidem, Item 53, f. 9).
157
“Item, prayen the communes: for asmoch as it is expedient and byhofull to purvey for gode necessarie
for the defence of this londe, and that the commune of this lande hath bene gretely charged and bene gretly
empoverisshed, and may not well bere… were charged, and the pore people easud. That it please youre noble
grace to consider, howe that in yowre dayes, diverse yowre officers of yowre eschequier and resceit, undre
tresorers, deputez, and clerkes of the tresorers, have take and resceyved of diversez of yowre creditours, for ther
dutes due to theym, sumtyme the half, sumtyme more, sumtyme lesse, therof to gete hem assignement, or to
111
Quadro 12 – Ato de Restituição de 1449-50
Tipo
Quantidade
Oficiais e Salários
99
Liberdades, Privilégios e Concessões
33
Serviços Militares e Salários
20
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
17
universidades)
Clérigos
14
Terras
6
Heranças
3
Outros
2
NÚMERO TOTAL DE ISENÇÕES
194
Enfim, a reforma política, financeira e administrativa que se reivindicava entre 1449
e 1450 no Parlamento e nas petições de Jack Cade aos poucos passava a ser retomada pelas
ações de Ricardo de York através dos mesmos tópicos, como argumentamos aqui. Segundo
McFarlane, as cartas da família Paston nos dão indício de que no ano de 1450 Ricardo de
York tentava influenciar as eleições para cavaleiro do condado (cadeira parlamentar na
Câmara dos Comuns) pelo condado da Anglia do Leste, procurando assim assegurar sua
influência na sessão (McFARLANE, op. cit., p. 233).
Ao fim e ao cabo, a tensão no parlamento que se prolongou até o ano seguinte
conseguiu ao menos impor um tão almejado Ato de Restituição com decisões efetivas
(PROME, 1450-1, Itens 17-18, f. 6-9). Esse segundo Ato de Restituição tem uma importância
simbólica para os Comuns do parlamento e uma importância econômica para os cofres do
Tesouro um pouco maior do que aquela de 1449. Após um ano conturbado com as mortes de
Adam Moleyns, William de Suffolk, William Crowmer e James Fiennes, entre outros, além
da perda da Normandia e a Revolta de Jack Cade, agora o Ato de Restituição teve algum
sucesso, se pensarmos que o número de isenções propostas pelo rei foi apenas cinquenta e
seis.
O desejo de mudança da Câmara dos Comuns, leia-se da pequena-nobreza, que
estava colocado aqui, na nossa interpretação, está representado também pela eleição do portavoz dos Comuns ligado a Ricardo de York (William Oldhall) e pelo fato de Edmundo de
Somerset ter se tornado o alvo central de ataques que antes era ocupado por William de
Suffolk. Além disso, McFarlane constatou dezessete membros do Parlamento nessa seção –
além do próprio Oldhall – que eram ligados por serviços e patronato ao próprio York
(McFARLANE, op. cit., p. 234). Ou seja, um conselheiro (Somerset) novamente liderar as
políticas do reino em nome do rei não era desejável em hipótese alguma, e o Ato de
make hem paiement of the remanant, to the full grete hurte of yowre seid creditours, and to you non ease nor
releff, the more harme is, that God amende,…” (PROME, 1449-50, Item 61, f. 19).
112
Restituição conseguido naquela seção do Parlamento esperava que o monarca revisasse os
cargos e terras distribuídas, os salários de seus oficiais e as demais concessões.
Quadro 13 – Ato de Restituição de 1450
Tipo
Quantidade
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
23
universidades)
Liberdades Privilégios, Concessões e Tenências
13
Clérigos
12
Dívidas
3
Outros
3
Oficiais e Salários
2
Terras
1
NÚMERO TOTAL DE ISENÇÕES
56
Ao iniciarem essa petição, novamente são relembradas as 372 mil libras de dívidas
da Coroa, a renda anual de apenas cinco mil e os gastos anuais corriqueiros com a corte e a
família real que atingiam £24.000. Os Comuns, se dizendo novamente empobrecidos pelos
impostos (comyns...distroied) como os do vinho, do peso dos alimentos, do dízimo/quínzimo,
da lã, e pelas frequentes extorsões no condado, entendem que o Ato de Restituição pode sanar
boa parte desses problemas.158 Continua, assim, a argumentação da sobrecarga dos comuns e
das injustiças. Não obstante, os representantes da cidade de York apresentavam um cenário
caótico de insurreição e injustiças diversas, solicitando que o rei não concedesse nenhum
privilégio ou concessão àquela cidade, para evitar o prolongamento dessa situação.159
Ao passo que a Câmara dos Comuns propunha e articulava os Atos de Restituição, a
resistência a ele se fizeram evidentes de maneira sutil. Pelo número de boatos que surgem nos
anexos dessa seção do parlamento, pode-se notar que todos aqueles detentores de concessões
do rei se viam temerosos. O cardeal arcebispo de York apontou na ocasião que se não
estivesse nas isenções, sofreria consequências irremediáveis. Outras cinco cartas são
endereçadas aos Comuns lamentando as possíveis consequências que incorreriam sobre as
universidades (PROME, 1450-1, Ap. 1). Tanto a repetição do Ato de Restituição no ano
158
“Also please it youre highnes to considre, that the comyns of youre said roialme, ben aswell willed to
theire pouere power, to the relevyng of youre highnesse, as ever were people to any kyng of youre progenitours,
that ever reigned in youre said roialme of Englond; but youre seide commyns been so empoverysshid, what by
takyng of vitaile to youre houshold, and other thynges in youre said roialme, and not paied fore, and the
quinzisme by youre seide comyns afore this tyme to ofte graunted, and by the graunte of tonnage and poundage,
and by the graunte of the subsidie uppon the wolles, and other grauntes to youre highnesse, and for lak of
execution of justice, that youre pore comyns been full nygh distroied, and if it shulde contynue lenger in such
grete charge, it cowde not in any wyse be hadde nor born” (PROME, 1450-1, Item 17, f. 6).
159
“That it please you to pray oure soverayn lord the kyng, to establish and enacte by this present
parlement, by thassent of his lordes spirituelx and temporelx in this present parlement assembled, and by
thauctorite of the same, that all such lettres patentes, to any persone or persones nowe citezeins of the seide citee,
or that in tyme commyng shall bee made, graunted, or to be made or graunted, be voide and of noon effecte”
(Ibidem, Item 21, f. 10).
113
seguinte quanto essa resistência a ele pode ser entendida pelo aparente “ineditismo” desse
decreto perante o reino que se dividia entre os que recebiam os favores do rei e uma massa de
desprivilegiados que sofriam as consequências.
Apesar de esse Ato de Restituição de 1450 ter sido o que menos sofreu isenções do
rei, ele foi reputado no parlamento de 1455-6 como não efetivo. Ou seja, podemos entender
que a repetição do Ato em 1449, 1450 e agora em 1455 era mais uma negociação do resultado
desse decreto do que três Atos separados – dado o número variante de isenções propostas pelo
rei. Novamente são os comuns que solicitam o Ato de Restituição para o rei, evocando a falta
de diversos pagamentos, de doações em excesso e de dívidas. Além disso, colocam em pauta
como suas rendas tem sido insuficientes para os gastos ordinários, sendo impossível
considerar qualquer gasto extraordinário. O clamor dos Comuns assume o seguinte tom:
[...] seu povo lamenta e se aflige piedosa e arduamente pelo declínio no valor e na
prosperidade que ele anteriormente desfrutava e era reconhecido por tal, agora é
reputado como a escória de todas as outras terras; também se queixam amargamente
sobre as cobranças que têm diariamente recaído sobre eles para provisões e outras
coisas de sua casa, e gastos ordinários, que não têm sido pagos, para o seu grande
prejuízo e sofrimento, que eles não podem suportar sensatamente por mais tempo
160
[...].
Depois do “clamor” inicial o porta-voz dos Comuns ainda aponta que os inimigos do
rei sabem muito bem do seu estado de pobreza – o que é bastante perigoso. Eles pedem que
todas as concessões, ofícios, propriedade cedidas desde 1422 sejam retomadas agora. No
documento que inicia pelas palavras do chanceler ou do rei, é reconhecido que os rendimentos
do rei não tem sido suficientes pelas concessões excessivas.161 O resultado, aparentemente
efetivo, pode ser averiguado pelo número equilibrado de isenções:
160
“… wherof youre people lament \and sorowe/ petously and hevyly, the amenusyng of the worship and
prosperite wheryn it hath joied and ben reputed in the daies here tofore, nowe the refuse of all othir landes
reputed, \agrugyng also right/ hevyly the charge that hath been born, and daily is borne among theym, of vitaill and othir
chargez for your said houshold, and ordinarie charges, wherof they be not paied, to theire grete losse and hurt,
which they mowe not of eny reason eny lenger susteigne…” (PROME, 1455-6, Item 47, f. 14-4).
161
“And notwithstondyng the grete and large grauntes of godes, that by your true people of this lond hath
ben often tymes yeven, of true love and feith, tendre zele and affeccion unto youre said highnesse, ye be indetted
in such outragious sommez, as be not easy to be paied, which by Goddes lawe and eschewyng of his displeasure
owe to be paied and contentid; and that furthermore the revenuez of the said lond to your highnes nowe
belongyng, mowe not suffice to kepe and susteyne your honorable houshold,...” (Ibidem, Item 47, f. 14).
114
Quadro 14 – Ato de Restituição de 1455
Tipo
Quantidade
Oficiais e Salários
54
Liberdades, Privilégios, Concessões
31
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
18
universidades)
Clérigos
23
Tenências de Terras e propriedades
14
Outros
4
NÚMERO TOTAL DE ISENÇÕES
142
Esse Ato veio acompanhado de duas outras reclamações dos Comuns sobre a não
efetivação do último Ato votado (PROME, 1455-6, Ap. 2 e 3) e uma exigência em petição de
que o Ato tivesse efeito sobre as liberdades e privilégios do ofício de xerife, pois isso afeta
diretamente o real cumprimento dos seus deveres, muitas vezes incorrendo em injustiças e
extorsões.162
A importância dos Atos de Restituição não pode ser subestimada, uma vez que
atravessa toda a dinâmica de funcionamento da sociedade política do século XV. Essa
dinâmica, que podemos ou não chama-la de feudalismo bastardo, está pautada no privilégio,
nas concessões do rei, na negociação caso a caso e na importância das relações pessoais. Por
resultar em pagamentos (no caso dos oficiais do rei) ou na diminuição das rendas arrecadadas
sobre a terra (no caso da concessão de tenências), as cartas-patentes tinham uma importância
econômica decisiva que aos poucos passava a ser notada por uma consciência política
emergente: a dos Comuns dentro e fora do Parlamento.
Essa consciência política deve ter vindo à tona por questões individuais que afetavam
cada membro obrigado a contribuir com os impostos. Mas na medida em que havia uma
clareza, muito evidente na documentação, sobre o destino dos impostos (ou seja, a
manutenção dos mares e a defesa do reino) a sua utilização indevida – como para os gastos da
Corte – não era mais tolerada. Aos poucos um discurso de defesa do bem comum pautado nos
Atos de Restituição, na acusação do Conselho Régio e nos problemas da França tomava uma
forma que se espalhou pelo reino, primeiro com Jack Cade e agora com Ricardo de York e os
Comuns do parlamento. Essa clareza das questões que se tornaram o centro da crise política
que abordamos era colocada no fardo do Conselho, pois o rei quase nunca era criticado
abertamente – o que era considerado traição. Nesse sentido que o próximo trecho esclarecerá
as questões do Conselho associado ao bom governo através da documentação.
162
“Petition from the commons rehearsing that the charge on sheriffs is now so burdensome (because the
county revenues have been diminished by the franchises and liberties granted by the king) that men of good will
are not prepared to take on the office, to the detriment of keeping the law and the peace…” (PROME, 1455-6,
Ap. 1).
115
3.2.2 O Conselho Régio e o Bom Governo
Sabemos que o Conselho tinha um papel central no governo monárquico, mas o
papel que ele assumiu sob Henrique VI tinha bases frágeis que nem o Conselho sozinho, nem
o rei jovem e inexperiente conseguiriam resolver. O reinado de Henrique VI, vale lembrar, foi
governado por um Conselho de Menoridade entre 1422 e 1437 – período que pode ser
entendido como o gestor de interesses particulares que levaram à morte de Humphrey de
Gloucester e à ascensão de William de Suffolk após o advento da maioridade do rei (HICKS,
2010, pp. 12-21). É nesses termos que devemos compreender o conselho (e suas críticas), pois
o reinado de Henrique VI é um reinado de sucessivos Conselhos com líderes muito claros: da
Menoridade com Gloucester e Bedford (1422-37); do Cardeal Beaufort (1437-47); de William
de Suffolk (1447-1450); de Edmundo de Somerset (1450-55) com intervalos conflituosos com
os Protetorados de Ricardo de York (1454-6); e por fim, com os condes de Shrewsbury,
Wiltshire e o papel da Rainha Margarete já em guerra (1455-61).
Portanto, não se trata aqui de culpar o rei que não controlou seus conselheiros, o que
fazem muitos historiadores ingleses que pautam a escrita da história medieval entre reis “que
deram certo” e reis “que deram errado” (Cf. BARRON, 2008 ou GILLINGHAM &
GRIFFTHS, op. cit.). Henrique VI herdou o trono com nove meses e cresceu com a referência
política de seus tios que se digladiavam pelo controle do reino e da França – Gloucester e
Bedford. É razoável afirmar também que não foi substituído por outro herdeiro da Coroa
(como foi Eduardo II por seu filho em 1327), pois o Tratado de Troyes (1420) estipulava que
o herdeiro de Henrique V seria coroado na França. Assim, como defende Christine Carpenter,
a nobreza tentava se unir para suprir o poder central de um rei que não teve formação para
assumir o poder, mas que tinha uma importância simbólica fundamental para o disputado
trono da França (Cf. CARPENTER, 1997).
Dessa forma, os Comuns que ascendiam ativamente em relação aos problemas do
reino, também não ignoravam a situação do Conselho – não desde a Revolta de Jack Cade.
Em 1453, quando o rei se viu desprovido de suas capacidades mentais, os Comuns
solicitavam um “sábio conselho” (wyse counsaill) para o controle do reino. A situação dos
mares da Inglaterra precisavam, segundo eles, de um subsídio de £40.000 para manutenção de
navios e pagamento de salários. O “sábio conselho” exigido por eles no parlamento era para
tratar desse assunto pessoalmente com o rei no castelo de Windsor (já que ele não viria ao
parlamento).163 A exigência de um “sábio conselho” parece ir na contramão do conselho que
163
“Requesta facta per communes pro consilii profundi stabilitione… And also where in the begynnyng of
this present parlement at Redyng, it was opened and shewed by the mouth of the seid chaunceler of Englond, that
116
estava então estabelecido sob liderança de Edmundo de Somerset. O próprio cronista de An
English Chronicle interpretava para o ano de 1455 que o rei era “guiado” por ele da mesma
forma que fora por William de Suffolk anteriormente.164
De qualquer forma, os problemas alegados para discutir com o rei eram: a justiça e o
governo no estado de guerra; como assegurar o bem público; como escolher o novo bispo de
Canterbury; e como dar prosseguimento às reuniões do Conselho Régio. A comissão que foi
até o rei voltou espantada, pois o estado do rei era tal que ele não pôde responder a nada. Os
Lordes voltam decididos a acatar pelos decretos do parlamento, sejam quais forem. É então,
que Ricardo de York é apontado como Lorde Protetor do reino por sugestão dos Comuns. Sua
autoridade alegada não era de um regente, mas literalmente de um “protetor”, isto é, contra
inimigos internos e externos (PROME, 1453-4, Itens 30-2, ff. 19-8). O rei envia uma carta ao
parlamento consentindo com a decisão, adicionando o fato de que se ele não voltar ao seu
estado normal, que o seu filho Eduardo assuma a posição de York quando atingir a
maioridade. O rei também concede o poder para apontarem quaisquer oficiais do governo
régio (Ibidem, Itens 38-40, f. 17).
O fato de Ricardo de York tomar a frente da assembleia (e do reino) não deve aqui
ser menosprezado. Como figura em destaque para a Revolta de Jack Cade e para a Câmara
dos Comuns, bem como vale lembrar sua tentativa de remover Edmund Beaufort da corte em
1452, é bastante expressivo o fato de ele ter sido apontado pela Câmara dos Comuns, acatado
pelo rei e pelos Lordes. Se ele já poderia ser considerado como o porta-voz de seguimentos
hegemônicos da opinião pública, agora ele estava no seu auge de poder representativo.
Não por acaso, sua preponderância na cena política e oposição ao Conselho liderado
por Edmundo de Somerset levou à batalha de St. Albans e à morte deste último em campo.
Apesar de o rei lamentar essa morte, pelo que está registrado no Parlamento, é preciso
enfatizar um clamor geral contra Somerset, Thorpe e Joseph como falsos traidores que
isolavam York e seus apoiadores do Conselho Régio.165 A mesma retórica que era utilizada
contra Suffolk agora era reproduzida contra Somerset.166
ther shuld be ordeigned and establisshed, a sadde and a wyse counsaill of the right discrete and wise lordes and
othir of this land, to whom all people myght have recours for mynistryng of justice, equite and rightwesnesse,
wherof they have noo knoweleche as yit, and desired the lordes that therof they mowe have notice and
knowelege, for the grete joy and comfort of all theym that they be come fore” (PROME, 1453-4, Item 30, f. 19).
164
“Thenne was there a mortalle debate and a variaunce bitwene Richard duke of Yorke, Richard erle of
Salesbury, Richard erle of Warrewyke, and Edmund duke of Somerset, be whom at that tyme the kyng was
principally gided and gouerned, as he had be before by the duk of Suthfolk” (An English Chronicle, p. 71).
165
“Petition from the commons that because Edmund duke of Somerset, Thomas Thorp and William
Joseph estranged the king from the duke of York and the earls of Warwick and Salisbury, the king should
resume all royal grants made to Thorp and Joseph and they should hold no office within the royal households,
117
Assim, Ricardo de York ao assumir o Protetorado na seção de 1453-4 e na de 14556, reafirma suas exigências apresentadas nas cartas ao rei desde 1450. Uma das principais
condições que ele apresenta para assumir o protetorado é o ideal apresentado desde 1450:
[...] um adequado e apropriado número de lordes espirituais e temporais para
comporem o conselho, não por favorecimento ou afecção, mas por escolha daqueles
que são conhecidos como virtuosos e de disposição verdadeira, homens de razão,
sabedoria e imparcialidade, e que se empenharão simpaticamente e com entusiasmo
para honra e proveito do nosso soberano senhor, e do bem público [good publique]
dessa terra e desse povo; banindo de seus pensamentos e memórias favores e
afecções sobre todas as coisas, e temor e dedicação para qualquer pessoa dessa
167
terra.
Por essas afirmações podemos apreender que de uma posição de conselheiro nãooficial, que York assumia entre 1450-2, para uma posição de praticamente líder do Conselho
Régio e do parlamento, ele tinha uma clareza das funções dessas reuniões e de sua função
para o bem público – sobretudo na ausência do rei. O próprio rei fez questão de endereçar
uma carta ao parlamento reconhecendo que todo regente deve ter conselheiros que se possa
confiar, passando assim para esse conselho e para York todas as decisões, ordens, promoções
e conclusões necessárias sobre assuntos que afetassem direta ou indiretamente o bom governo
do reino.168
Uma petição em anexo a essa seção do parlamento também atesta que o próprio
Ricardo em seu primeiro protetorado já isolara pessoas do Tesouro e do Conselho que ele
and be imprisoned for twelve years and fined £1,000 to be paid to the treasurer of Calais. No pardon granted or
to be granted to them is to be effective in this respect” (PROME, 1455-6, Ap. 9).
166
“And the said Edmunde, Thomas Thorp and William Joseph, with grete multitude of people to thaim
assembled, defensably arraied, to the entent to let oure said cousins to come to oure \presence, and/ thaim to destroie
and slee, opennely saiyng and callyng thaime fals traitours to us, and that they shuld dye as traitours,… as ever
did any liegemen to thaire soveraine lord, approvyng and shewyng theim of worshipfull and honorable devoir
therin oure true and feithfull liegemen, whoos feith and trouthe therefore at that tyme was and is to us undoubted,
and to alle men it awe so to bee” (Ibidem, Item 22, f. 23).
167
“… it like you to ordeigne, appointe, name and establisshe in the said parlement, and by auctorite
therof, a suffisaunt and convenient nombre of lordes spirituelx and temporelx to be of the said consaill, not of
favour ner affection, but suche as be approved of vertuouse and rightwesse disposicion, of raison, wisdame and
indifferencie, and as wull applie theym to the tendirnesse and good zele of the honour and proufit of our said
soverain lord, and the good publique of his said lande and people; thrawyng therfore out of theire myndes and
remembraunces the favour and affection of all othir thynges, and the drede and nyghnesse of eny othir persone
erthely” (Ibidem, Item 36, f. 22-1).
168
“Also, that every prince must of verray necessitee have counsaillers to helpe hym in his charges, to
whome he muste trust and leene; for thees causes and other such as moeve his high wisedome, consideryng that
God hath endued such as been of his counsaill with grete wisedome, cunnyng and experience, and knowe the
direccion to be had moost expedient for the sadde and politique reule of this his land, whoos trouthes, love and
good zele that they bere to his welfare, suertee of his high astate and roiall persone been to hym approved and
knowen, openyng his gracious disposicion, ordeyned and graunted, that his counsaill shuld provyde, commyne,
ordeyne, spede and conclude all such matiers as touche and concerne the good and politique rule and
governaunce of this his land, and lawes therof, and directe thayme as it shalbe thought to theire wisdomes and
discrecions behovefull and expendient…” (Ibidem, Item 41, f. 20).
118
julgava prejudiciais aos assuntos.169 Outra petição também aponta a necessidade de extinguir
todos os cargos, soldos, anuidades e privilégios concedidos aos falsos conselheiros como
Thomas Thorpe e William Joseph.170 Logo, havia uma aparente percepção dos Comuns que
endereçavam petições, de que Ricardo de York possivelmente concentraria essas ações de
extinção de cargos, reforma do conselho e reforma financeira que eram medidas esperadas
para um bom governo.
Uma vez que York não permaneceu nessa posição devido à recuperação do rei, o
cronista da continuação de The Brut enfatiza em 1459 uma luta de York, Warwick e Salisbury
pelo bem comum (for the comon wele of the reame), reconhecendo que a rainha e o seu
“Conselho Privado” (Quene & hir Counsell) controlavam o reino já que o rei era “bom,
simples e inocente”. Seguindo a sequência dos “maus conselhos” identificados na
documentação, após Edmundo de Somerset, a Rainha junto ao seu conselho privado agora
ocupava essa mesma posição.171
Portanto, podemos afirmar que tanto o início da Guerra das Rosas quanto o seu
desenrolar têm uma característica comum que remonta novamente aos anos de 1449-50 e que,
para nós, é a única unidade do conflito diverso que se prolonga desde 1450 até 1487. Essa
característica é a reivindicação do “bom governo” (somada a um pretendente da Coroa) que
agora era exigido não só em retórica, mas em atos práticos de demonstração de insatisfação e
de pontos de reforma iniciados aqui por Ricardo de York, Salisbury e Warwick. Dessa forma,
o Conselho Régio era visto como o principal meio de consegui-lo, uma vez que o rei
aparentemente não levava em consideração as críticas da opinião pública e, depois, estava
psicologicamente incapaz de fazê-lo.
3.2.3 A França e a Defesa do Reino
Existem atualmente várias visões sobre o impacto da perda dos territórios da França
no reino da Inglaterra. Desde a mais tradicional visão de que os soldados ociosos no reino
169
“Petition that, as was the case in the past, the king’s sworn officers in the exchequer should not be
removed unless proved to have offended against the king or his people, and that all persons removed since Easter
1454 should be reinstated. Provided that the act shall not extend to Thomas Thorp” (PROME, 1455-6, Ap. 17).
170
“Petition that all offices, fees and annuities granted by the king to Thomas Thorp and William Joseph
be resumed” (Ibidem, Ap. 22).
171
“The Duke of York, (th)erles of Warwik & of Salesbury, saw (th)at (th)e gouernance of (th)e Reame
stode moste by (th)e Quene & hir Counsell, & how (th)e gret princes of (th)e lond wer nat called to Counceil bot
sett A-parte; & nat onely so, but (th)at it was seid thrugh (th)e reame (th)at the said lordes shold be destroyed
vtterly, as it openly was showed att Bloreheth bi (th)ame (th)at wold haue slayn (th)erl of Salesbury, (th)an
(th)ei, for saluacion of (th)er lyves, & also for (th)e comon wele of (th)e reame, thought forto remedie thise
thinges, Assembled (th)ame to-gedre with moche peple, & toke a feld in (th)e West contre;…” (The Brut, pp.
526-7).
119
promoveram a Guerra das Rosas (Cf. MOORE, 1982) até aquela que defende que os ingleses
estavam fartos da guerra mesmo antes da década de 1440 (Cf. HARRISS, 2005). Entre uma e
outra, concordamos com o fato de que estivessem suportando ou não a guerra – que ainda
determinava a percepção coeva de um rei “verdadeiro” (aquele que batalha) e outro não – as
reações à uma possível ameaça de ataques continentais tendia a deixar o ingleses temorosos
(McFARLANE, op. cit., p. 146) e “histéricos”, para usar o sarcasmo de Carpenter (1997, p.
255).
Tanto McFarlane quanto Carpenter enfatizam essas atitudes perante uma ameaça
externa, pois apesar de tantos anos de Guerra no Continente e outros conflitos mais, os
ingleses sabiam o que era ocupar um território, mas não sabiam o que era ter o seu território
ocupado. Isso provocava reações diversas, motins, revoltas como as de 1450-6, relatos
intensos no parlamento e a cobrança de uma melhor utilização dos impostos – que eram
destinados quase que exclusivamente para a defesa dos mares. Assim, gostaríamos de nos
focar nesse trecho acerca dessas diversas reações e percepções sobre o reino de França que
pululavam na documentação analisada.
Edmundo de Somerset como capitão da França e da Normandia, apesar de tantas
críticas após 1450, demonstrava uma preocupação exasperada em fevereiro de 1449 ao enviar
um relato sobre a situação perigosa no continente. Ao que parece, sua intenção era de que o
relato provocasse uma mobilização em prol da defesa da Normandia, endereçando o
documento para leitura do Chanceler para o parlamento (PROME, 1449, Item 17, f. 5).
Sua explanação do problema divide a explicação em três pontos principais. O
primeiro deles era preocupar-se com o ótimo e bem equipado exército dos franceses, que
usaram o período de tréguas para se fortalecerem e se prepararem para retomar a guerra. Além
disso, eles promoveram inúmeros ataques às guarnições inglesas durante essa trégua “...
portanto pode-se supor, pelos feitos perversos e de disposição contrária, que suas intenções
não são de proceder para nenhuma boa conclusão de paz”.172
Esse trecho parece indicar que Somerset tinha clara a intenção do Conselho Régio e
do rei em buscar uma conclusão de paz o quanto antes. O que preocupa Somerset, entretanto,
é o fato de os franceses não demonstrarem nenhuma intenção de paz sem que retomassem
suas terras – ao menos aquelas da Normandia. Nesse caso, ele não via solução alguma, pois
como demonstra no segundo tópico de seu relato, se a guerra fosse retomada a Normandia
estaria certamente perdida. Segundo ele,
172
“… wherfore hit may be presupposed, by theire froward dedes and contrarious disposicion, that theire
intencion is not to procede effectuelly to eny good conclusion of pees” (PROME, 1449, Item 17, f. 5).
120
Quase todos os lugares já estão decaídos em tal ruína que, mesmo que estejam
cheios de homens e materiais, estão tão arruinados que não se poderia defender ou
manter a ocupação. Fornecer suprimentos adequados para tais reparos e equipagem
seria um gasto inestimável [...] Além disso, na última concessão de ajuda cobrada na
Normandia, foi publicamente afirmado [openly purposed] pelos três estados que a
pobreza geral da região era tanta que era impossível para eles suportarem alguma
173
outra cobrança futura.
A afirmação acima corrobora o discurso dos Comuns do Parlamento ao solicitarem
os Atos de Restituição e uma possível manifestação “pública” – de que a pobreza dos comuns
era tanta que mal se pode contribuir com futuras taxações –, pois em geral os gastos no
Continente eram em sua maioria subsidiados por taxação local. Então, Somerset chega ao seu
terceiro tópico, que é o fato de que o fim da trégua concordada com os franceses expiraria em
quatorze meses,
[...] está na hora de começar a fornecer apoio necessário para a salvaguarda daquela
nobre terra [...] a perda vergonhosa dessas terras, que Deus nos proteja, não seria
apenas um dano irreparável ao bem comum [comyn profite], mas também um
estigma eterno, uma permanente difamação [denigration in the fame] do nosso
174
renomado reino.
Aqui ele chega ao seu ponto essencial que é a difamação do reino (e do rei) por
perder as terras anteriormente conquistadas pelo seu pai. O dano ao bem comum reconhecido
pelos rebeldes de Jack Cade, portanto, é reconhecido por Edmundo de Somerset no mesmo
tom de argumentação (e antes da perda final) que indica um tópico comum entre camadas da
sociedade. E aqui voltamos ao nosso argumento inicial deste trecho, ainda que estivessem
fartos da guerra, os ingleses jamais poderiam suportar a ideia de uma invasão do reino (após a
perda da Normandia, abrindo caminho para o litoral do Canal da Mancha). O dano ao bem
comum pode ser interpretado justamente pela percepção coletiva da vulnerabilidade e
insegurança em suas próprias casas, e não somente a perda de terras.
É razoável supor que apesar da ordem de registro desse relato na documentação
(Item 17) ele deve ter sido lido como justificativa de início do parlamento, pois os itens
iniciais (do 8 ao 16) passaram a propor meios de arrecadação para a defesa do reino. O
173
“…but well nygh all places ben in such ruyne, that though they were stuffed with men and ordenaunce,
the be so ruynous, that they be unable to be diffended and kept; the which reparations and ordenaunce to be
purveied sufficiantly, wold drawe to inestimable costes… Also atte the last graunt of the eyde in Normandie, hit
was openly purposed by .iij. astates there, that the generall povert of contree was so grete, that it was impossible
for hem to bere eny more here after suche charges, as they have bore herebyfore;…” (PROME, 1449, Item 17, f.
5).
174
“… and therfore it is thought right high tyme, to bygynne your purveance for the safgard of that noble
land… wherof the shamefull losse, the whiche God ever defende, shuld not oonly be to the irreparable hurt of the
comyn profite, but also a everlastyng spite, and perpetuell denigration in the fame and \renoune of this noble reme.”
(Ibidem).
121
objetivo de todas as concessões aqui é claramente de sustentar a defesa do reino: concessão de
meio quínzimo e meio dízimo (Item 8); imposto sobre o peso dos alimentos e sobre tonéis de
vinho (Item 9); empréstimo feito sobre as joias da Coroa (Item 11); nova concessão de meio
quínzimo e meio dízimo a ser recolhida em data diferente (Item 12); imposto sobre
estrangeiros que moram no reino (Item 14); imposto da lã e das peles de lã (Item 15);
providência para o pagamento dos soldos das tropas de Calais (Item 16).
É válido enfatizar essa sequência de subsídios e taxações que não se repetem na
documentação analisada entre 1449-75, dada a iminente invasão do reino que era esperada por
várias instâncias. Também destacamos essas questões para que não se tenha uma visão
simplista de que o governo central deixou que o Continente fosse perdido sem nenhuma
providência – o que às vezes transparece em alguns textos como os de Moore (1982). E são
exatamente essas atitudes sob uma situação inusitada e urgente que chamamos de crise
política, onde muitas práticas corriqueiras não eram mais capazes de resolver os problemas
que enfrentavam.
Nos apêndices da mesma seção de 1449 há ainda uma distribuição mais explícita da
verba arrecadada pelo parlamento. Entretanto, essa distribuição se volta para Calais, para a
Escócia e para a Baía de Le Crotoy (PROME, 1449, Ap. 1). No que se refere à Normandia e à
Guiana há uma resistência em se retirar dinheiro “da defesa dos mares”, tentando impor a
taxação da população local, mas os Comuns cedem para a primeira opção (Ibidem, Ap. 2).
Devemos notar que a distribuição decidida e a resistência dos Comuns em retirar dinheiro
destinado para os navios que defendem o reino, para subsidiar uma situação incerta na
Normandia, revela que não havia uma preocupação exagerada – mesmo após o relato de
Edmundo de Somerset.
Sendo assim, os argumentos posteriores da Revolta de Jack Cade e de Ricardo de
York quanto à relevância das posses continentais para o reino são superficiais e de base quase
que exclusivamente retórica, mas que teve apoio declarado. Por tais evidências é possível
afirmar que importava mais uma defesa efetiva do reino do que retornar ao continente. A
“retórica” de Cade e York, portanto, se concentrou na lamentação de territórios perdidos (e
seus culpados) e na má reputação e falência financeira do reino, mas não na possibilidade de
voltar a conquistar a Normandia ou (depois) a Gasconha.
A próxima seção do Parlamento, entre 1449 e 1450, corrobora essa afirmação pelo
fato de que se preocuparam apenas com a punição de William de Suffolk, com o Ato de
Restituição e com um subsídio que não revelou muitos frutos (PROME, 1449-50, Item 12, ff.
1-2). Recuperar a Normandia parecia fora de questão, inseguro ou desnecessário. Era
122
necessário assegurar a defesa do reino e das Ilhas do Canal, como a Ilha de Wight (PROME,
1449-50, Ap. 7 e 8) e punir os culpados.
Essas percepções sobre o continente e a defesa do reino continuam demonstrando o
foco em Calais, sobretudo através dos mercadores (PROME, 1453-4, Item 47, f. 14). Mas foi
mais uma vez Ricardo de York que demonstrou uma preocupação expressiva sobre esse
principal entreposto comercial na mesma seção. Ele apresenta treze artigos que propõem
“retomar a ordem” da cidade, do castelo e de suas guarnições (Ibidem, Item 54, ff. 10-9). Uma
vez que ele era agora Capitão de Calais, esses artigos estão focados no pagamento de dívidas,
no pagamento dos soldados e na proteção da cidade após a perda de todas as demais terras
continentais.
Não obstante, Ricardo aproveita a ocasião para expor toda a situação pela qual,
segundo ele, passou injustamente desde a década de 1440. Tendo prestado serviços na França,
na Normandia e na Irlanda, sofreu diversas faltas de pagamento da Coroa para manutenção de
seus serviços. Mas para manter a situação ele realizou empréstimos, penhorou joias e realizou
outras ações que o ajudassem a não prejudicar o bem comum.175 É curioso o fato de que o
parlamento aberto para solicitar um “governo sábio e são” para a defesa do reino acabe com o
apontamento de Ricardo de York como Lorde Protetor do reino.
Dessa forma, é preciso considerar que o que a França representava para os habitantes
do reino da Inglaterra (e para os próprios súditos em campanha na França) era de longa data e
tinha tópicos de opinião formados e consolidados quando a situação derrocou. Esse tópicos
que aparecem frequentemente na documentação se associam aos tópicos do bem comum para
propor soluções que evitassem – no limite – a invasão do reino, e não a continuação da guerra
ou a retomada de territórios perdidos. Além disso, é significativo o fato de que Henrique VI se
julgou incapaz de comparecer ao Parlamento imediatamente após à derrota final na França em
1453. Este último fato que possibilitou a Ricardo de York assumir o protetorado do reino (por
solicitação dos Comuns) e perpetuar o seu conflito com Edmundo de Somerset, iniciando o
que chamamos hoje de Guerra das Rosas.
175
“…and overe that, to endaungere me to all my frendes, by chevisance of good of thaire love, for their
accomplishement of the service and charge, whiche at the seid desire I toke upon me in the saide realm of
France,…” (PROME, 1453-4, Item 54, Artigo X).
123
3.3 As Expressões da Opinião Pública e Ricardo de York
Gostaríamos aqui de aprofundar as expressões da opinião pública que aparecem na
maioria das citações desse capítulo (como openly noised, common voice, common weal,
common profit, etc) a título de síntese e conclusão deste trecho. Lembramos que os tópicos
que estamos considerando “comuns” (logo, entendidos como públicos) são os tópicos
colocados no Parlamento de 1449 e na Revolta de Jack Cade, tratados acima como Ato de
Restituição, Conselho Régio e a França – que por sua vez estão representados nos Quadros 911. Aos poucos se tornava claro para a opinião pública dos cronistas e do parlamento,
proporcionada agora pela figura de Ricardo de York, que a autoridade do rei havia sido
minada (WATTS in KEKEWICH, op. cit., p. 12) tanto pelas críticas já colocadas desde a
morte do Duque de Gloucester quanto pelo seu estado de saúde a partir de 1453-4. É no
sentido de nos aproximar desse determinado segmento da opinião pública que abordaremos
aqui trechos da documentação e expressões-chave entre 1449 e 1461.
Em carta, já referida aqui, endereçada ao rei ao voltar da Irlanda após a Revolta de
Jack Cade em 1450, Ricardo de York demonstrava que havia um boato de que ele vinha ao
reino ao encontro das causas dos rebeldes e para usurpar a Coroa. A expressão utilizada por
ele, opinly publisshed176, pode se apresentar tanto quanto um desejo da opinião pública quanto
um simples boato. É possível compreender porque uma ideia como tal foi originada sobre a
figura de York, pois se trata de uma possibilidade verossímil. Ele era praticamente a única
figura entre a nobreza que não estava ligada ao rei por favoritismo, era um membro da família
real herdeiro direto da Coroa e fora enviado à Irlanda de maneira considerada “injusta” para
dar lugar a Edmundo de Somerset na Corte (HICKS, 2010, 71-4). Portanto, é razoável supor
que o próprio Somerset e seus adeptos podem ter sido os responsáveis por tal boato de que
Ricardo vinha de maneira persuasiva para Londres.
A formalidade com a qual York demonstrava sua lealdade ao rei, entretanto, será
uma constante até a sessão do Parlamento de 1460 – quando apresenta a reivindicação da
Coroa. É claro que fosse ou não sua intenção depor o rei, ela não seria declarada numa carta
ao próprio rei arriscando sua vida e corroborando com o boato de intenções de traição. As
origens do boato também podem ser compreendidas por ele estar em evidência para os
comuns insatisfeitos: por estar na Irlanda, ele não estava envolvido com os desastres no
continente; não tinha nenhuma ligação com a família De La Pole (Suffolk); e a declaração
176
“… and the juries enpanelled and charged to thenent for tahave undone me and myn issue and corrupte
my blood as opinly published” (John Vale, p. 185).
124
aberta dos rebeldes de Jack Cade que desejavam Ricardo no conselho e não no exílio deve ter
dado mais ênfase ao seu nome perante a opinião pública – que também foi o caso dos duques
de Exeter, Buckingham e Norfolk (HARVEY, op. cit., pp. 146-7).
O rei, em resposta a essa carta apresentada por York em retorno da Irlanda, explica o
boato da seguinte maneira:
Então a questão é que há muito tempo as pessoas têm falado sobre vós de maneira
muito estranha, em especial depois do desordeiro e ilícito assassinato do Bispo de
Chichester [Janeiro de 1450], muitos dos falsos marinheiros e outros da mesma
maneira dizem palavras contra nosso patrimônio dizendo que vós deveríeis se mover
para cá com milhares de homens, e que fique claro a vós que não venha assim e nem
177
acreditamos que deseje tentar tal coisa.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que o Bispo de Chichester – Adam Moleyns – era
membro do Conselho e associado de William de Suffolk, tendo sido assassinado em janeiro
de 1450 por salários não pagos aos soldados do continente. E devido aos acontecimentos
recentes como a revolta – a carta continua – o rei afirma que tomou medidas de segurança por
precaução, explicando porque Ricardo foi impedido de entrar no reino. Mas o importante aqui
é notar novamente o reconhecimento aberto pelo próprio rei, como na citação acima, de que
“as pessoas têm falado” (peopull hathe bene upon you) sobre Ricardo de York e que ele
estava sendo cogitado “em diversas cidades desta terra” (divers of our townes of our lande)
como um representante da justiça e salvação do reino.178
O rei ignora essas questões, entretanto, e admite Ricardo para o reino como um
“verdadeiro e fiel súdito e amado primo”.179 Portanto, a figura de York já era um destaque
para uma possível opinião pública nessas “diversas cidades” afirmadas pelo rei – e não
bastasse isso, associada à morte de Adam Moleyns, membro indesejável do Conselho.
Portanto, é possível dizer que estava em evidência tanto entre aqueles que queriam mudanças
quanto aqueles que não queriam – como Edmundo de Somerset.
De uma maneira ou de outra, Ricardo de York conseguiu chegar em Londres após
essa carta do rei, provavelmente em setembro do mesmo ano de 1450, quando apresentou
outras duas cartas de queixas: uma de protesto e clamor sobre a justiça no reino, endereçada
177
“Sothe it is that of longe tyme amonge the peopull hathe bene upon you moche strange langage, and
inespeciall anoon after the disordinat and unlawfull sleyng of the bisshop of Chichester, divers and many of
thontrewe shipmen and other in ther manoire seide wordes ageinste oure astate making manasse to our astate by
youres seying that ye shulde be fetched home with many thowsandes, and ye shulde take upon you that ye nother
oughte nor as we doughte notthte ye will not attempte”. (John Vale, p. 186).
178
“And also, there was divers of suche fals people that wenten and had soche like langage in divers of our
townes of oure lande…”. (Ibidem).
179
“We declare, repute and admitte you as oure trewe and faithfull subgiet and as oure welbeloved cousin”
(Ibidem, p. 187).
125
ao rei e ao Conselho; e a outra com uma lista de queixas que ele gostaria que fossem
atendidas pelo parlamento.180
Ele se coloca como o defensor da justiça, reclamando das falhas e injustiças
ocorridas por parte do rei àquelas pessoas processadas nas recentes comissões de oyer e
terminer – ou seja, uma alusão direta à comissão de julho e de agosto enviadas pelo rei para
julgar os rebeldes em Canterbury, Kent. York se coloca a disposição do rei para punir os
“traidores” (entende-se: da Corte e administração dos condados) e fazer a justiça como ele
entende que deve ser feita sobre os acusados pela opinião pública (openly noised).181 Para
Hicks, Ricardo afirmava já aqui a sua oposição às práticas de Henrique VI (1998, p. 71). O rei
aparentemente não se manifestou sobre essa carta, pois não temos outros registros. Por fim,
vale apontar que York assume aqui um discurso que estava na Câmara dos Comuns em 1449
e nas petições de Jack Cade em 1450: pedindo justiça sobre os traidores do reino (i.e.
commons, people, false traitors, law, extortion, true liegemen, council).
Esse discurso que estamos atribuindo aqui à opinião pública está baseado não só
nessas cartas e, como vimos no Capítulo 2, nas petições da revolta de Jack Cade, mas na
legitimidade que ele parecia aos poucos conquistar em outros âmbitos. Mesmo na condenação
de William de Suffolk registrada no Parlamento de 1449-50 existe um reconhecimento do
próprio William dessas percepções disseminadas: “... Eu imagino que as palavras odiosas e
horríveis que atravessam suas terras na boca de quase todos os comuns, deve ter chegado aos
seus ouvidos, para meu pesar e tristeza...”.182 Nessa seção, nas opiniões colocadas pela
Câmara dos Comuns para sua condenação também há um apelo para uma opinião que se
mostrava disseminada pelo reino. No Item 16 sobre a mesma questão há um reconhecimento
de “uma conversação comum de calúnias e difamação contra ele”.183 No item seguinte, a
primeira acusação apela para a opinião pública no mesmo tom da Revolta, apontando que
180
“Tharticles of the duc of York to the King and lordis of his counsele in stering theim to reforme the
threasons extorcions and opressions used amonge the grete astatis…By the duc of Yorke to the king to setting up
of justice for punisshion of traitors” (John Vale, pp. 187-90).
181
“Wherefore I your humble subgiet and trewe liegeman, Richard duc of Yorke, willing as effectually as
I can, and desiring surete and prosperite of your most roiall personne and welfare of this youre noble reaume,
counseile and advertise youre excellence for the conservacion of good tranquilite, able reule amonges all your
trewe subgiettes for tordeigne and provide that due justice be had ageinst all suche that bene so endited or openly
noised” (Ibidem, p. 189).
182
“I suppose welle that it be commen to youre eeres, to my grete hevynes and sorowe, God knoweth, the
odious and horrible langage that renneth thorough your lande, almoost in every commons mouth,…”. (PROME,
1449-50, Item 15, f. 4)
183
“that there was an hevy rumour and noyse of sclaundre and infamie uppon hym, wheruppon they
desired that he wold lette the kyng have knowlech of this mater on her behalf” (Ibidem, Item 16, f. 4).
126
Suffolk era um “amigo dos franceses” e estava preparando a venda do reino da Inglaterra para
o inimigo.184
As cartas no Apêndice dessa seção de 1449-50 são ainda mais contundentes se
pensarmos nas semelhanças com o léxico utilizado pela revolta. Ali está presente também a
expressão de uma percepção compartilhada (know you well that...), apontando que manter os
territórios de Maine e Anjou era estratégico para proteger a Normandia e todos os demais
territórios da França sob julgo dos ingleses. Essa carta apresenta novamente o boato de que
ele venderia a Normandia e que “quando se pergunta sobre aquelas terras” qualquer um
responderá que foi perdida “por avareza, por pilhagem, extorsão e roubo” (false greed, rapine,
extortion and pillage) que causou revolta dos súditos pela falta de justiça por um lado e pela
libertação do Duque de Orleans e dos territórios remanescentes por outro – também citados
pela Revolta.185 Na segunda carta “Há rumores de que Calais será cercada dentro de sete dias,
Deus salve o rei e nos mande paz”.186 Os rumores e boatos que circulavam, assim, parecem
corroborar aqueles do sudeste do reino quando os rebeldes de 1450 se dirigiram a Londres,
esperando uma invasão do reino.
Podemos supor que membros da Câmara dos Comuns estavam envolvidos na
Revolta e que os tópicos estavam de fato espalhados por uma gama significativa da população
– ao menos parte do Parlamento e os rebeldes do sudeste. Logo, como consequência da
revolta, essas percepções da crise que eram ignoradas nas reuniões do Parlamento se
tornavam cada vez mais importantes para aqueles que viam justiça nessa argumentação.
E dentre estes, como já demos indícios, estava Ricardo de York. Entretanto, é preciso
reconhecer, pela escrita do cronista de The Brut, que a questão girava em torno de um
conselheiro que guiava o rei. Quando entre 1452 e 1455 Edmundo de Somerset fora indicado
como Capitão de Calais o cronista aponta que nem os Lordes nem os Comuns estavam
184
“And for asmuch as daily sith, from every partie of Englond there is come amonge hem a grete rumour
and fame, howe that this roialme of Englond shuld be sold to the kynges adversarie of Fraunce, and his uncle and
he, as it is seid, maketh hym redy to come and entre this lande with all the power he may make, to putte the
kynges persone in jupardie and distresse, and to doo with hym and his reame as hem liketh, that God defende…”
(PROME, 1449-50, Item 17, f. 4).
185
“Also where the said duke declares that it is falsely rumoured that he should sell Normandy and the
lords and captains there, it is to be advised by the lords and captains, but as for Normandy, know you well that
the French party know with every day that passes our poverty, our weakness, improvidence, non-resistance, lack
of power and every mishap which follows for us….But when it is asked why it is lost, it may be answered 'by
false greed, rapine, extortion and pillage, which caused the rebellion of subjects because of the lack of justice on
the one hand, by surrender of the duke of Orleans, and of the counties of Maine and Mayenne into the hands of
the French, with an improvident, indiscrete, stupidly and falsely undertaken truce on the other hand.' And of both
of these there has arisen many a disaster which we shall pass over, and the rest of the duke's book shall be
answered” (Ibidem, Ap. 1).
186
“Also it is rumoured here that Calais will be besieged within seven days etc. God save the king and
send us peace etc.” (Ibidem, Ap. 2).
127
satisfeitos com sua posição. Desse modo, a “vitória” dos que lutaram com Ricardo de York na
Batalha de St. Albans é vista como a própria morte de Somerset – para lordes e Comuns.187
Além disso, é intrigante o fato de em março de 1453, uma petição no parlamento
ainda solicitar o reconhecimento de Jack Cade como traidor do reino (PROME, 1453-4, Item
63, f. 4). Ora, se quase três anos após sua morte essa petição se fez necessária e chegou de
fato a ser lida na assembleia podemos supor que ele de fato não havia sido esquecido – muito
menos suas causas. Além disso, os levantes menores que se referiram à figura de Jack Cade
após sua morte não foram poucos e corroboram nossa afirmação, vale lembrar: Parmynter
(Agosto de 1450), Hasilden (Abril de 1451), Wilkyns (Maio de 1452) e Percy (Abril de 1456)
(HARVEY, op. cit., pp. 135-72).
Em todos os movimentos acredita-se que membros da pequena-nobreza tiveram
algum envolvimento e o que une novamente esses levantes é a argumentação contra Edmundo
de Somerset e outros responsabilizados pela situação no continente e em favor de Ricardo de
York. Este, não obstante o seu primeiro protetorado solicitado pelos Comuns (Março de 1454
a Fevereiro de 1455), foi novamente requisitado para um segundo protetorado (Novembro de
1455 a Fevereiro de 1456) quando o rei novamente se apresentava indisposto (PROME, 14556, Itens 31-4, f. 22).
A opinião pública apontava na mesma direção. Após a morte de Edmundo de
Somerset o seu filho João Beaufort, assumindo sua posição, prolongou o conflito inicial que
desencadeara a Guerra das Rosas e a condenação de Ricardo de York, Ricardo de Salisbury e
Ricardo de Warwick como traidores do reino no Parlamento de 1459. Ricardo de Warwick,
por exemplo, não entregou o seu posto de Capitão de Calais – fazendo da cidade um ponto
estratégico de ação para ele e Ricardo de York até a ascensão de Eduardo IV. Em An English
Chronicle temos o indício de que nesse momento, “dizia-se que todo condado de Kent
favorecia e os apoiava [Warwick e York]... e assim era”.188 Esse trecho nos parece indicar,
portanto, que ainda que o norte do reino tivesse uma posição diversa que aos poucos tendeu a
apoiar a Rainha Margarete, mesmo após 1461, o sudeste continuava as críticas e apoiava
aqueles que as defendiam, como York e Warwick.
A crônica The Brut continua nos fornecendo indícios desse apoio, em sua narrativa,
quando Ricardo de Warwick, Salisbury e Eduardo de March chegaram em Kent, Thomas
187
“Wherfor (th)e gret lordes of the Reame, also (th)e communes, wer nat pleased, for which cause (th)e
Duke of York, (th)erles of Warrewick & of Salesbury, with many knyghtes & squyers & moche peple, come for
to remeve (th)e said Duke of Somersett… but in conclusion (th)e Duke of York apteyned & had (th)e victorie of
(th)at Iorney; In which was slayn (th)e Duke of Somersett…” (The Brut, pp. 521-2).
188
“...for it was seyde that alle Kent fauored and supported thaym; and sothe it was...” (An English
Chronicle, p. 84).
128
Bourchier (o arcebispo de Canterbury) os recebeu com uma multidão e os acompanhou até
Londres (The Brut, pp. 95-6). Na batalha que se seguiu em Blore Heath, foram também,
supostamente, os homens de Kent que assassinaram os apoiadores do rei e de João de
Somerset (Ibidem, p. 97). Sendo assim, o que julgamos como parte da opinião pública é
reconhecidamente aquela do sudeste a partir de Kent que, não obstante, é deveras próximo de
Londres e do continente – estando assim consideravelmente perto dos problemas centrais do
reino.
Na mesma crônica The Brut, sobre o mesmo ano de 1461, uma narrativa também
aponta esse apoio. Após a batalha de Ludford, quando os apoiadores de York se dividiram
entre Calais e a Irlanda, Ricardo de Warwick circulava os mares do reino em comunicação
constante com Ricardo de York. Na crônica, em uma dessas viagens Warwick se deparou com
o conde de Exeter (apoiador do rei) no mar, mas para o cronista só não houve uma batalha ali,
pois os marinheiros de Exeter eram favoráveis a Warwick – e não ao próprio conde que
serviam.189
Entretanto, nenhum historiador pode afirmar que Ricardo de York teve em algum
momento uma vantagem em relação ao rei, ou melhor, às famílias Beaufort, Percy e seus
apoiadores. Em primeiro lugar, ele não se opôs ao rei em nenhuma carta, nem afirmou o
contrário quando apresentou seu título de reivindicação ao trono em 1460 – pois o acordo se
pautou na espera da morte do monarca atual, sendo fiel a ele enquanto isso. Em segundo
lugar, essas observações da documentação que analisamos somente apontam na direção de um
descontentamento que aos poucos aumentava e tomava uma forma que se mostrou
insustentável. De qualquer forma, dois grupos de opinião se formavam aos poucos: aqueles
que continuavam com o rei e os Beauforts/Percies (o norte do reino), e aqueles que apoiavam
a causa de York como os Nevilles de Salisbury e Warwick (o sul).
O Parlamento reunido em 1459 somente com aqueles que se opunham
veementemente às críticas de reforma de York, Warwick e Salisbury promoveu o decreto de
confisco de seus bens, dadas as suas trajetórias de “rebeldia” desde 1450 (PROME, 1459,
Itens 7-25, ff. 2-4). São apresentados nove motivos para que esse decreto fosse aprovado, dos
quais vale a pena apresentarmos alguns. O primeiro motivo para condenar York é porque,
segundo a petição, Jack Cade já planejava a desgraça do rei e a elevação de York ao trono em
189
“Tho was commyng in (th)e west contre, vpon (th)e See, (th)e Duke of Excestre, Admiral of Englond,
being in (th)e Grace of Dieu, Accompanied with many shippes of were; which met with (th)e flete of (th)erl of
Warwik; but (th)ei fought nat, for (th)e substance of (th)e peple being with (th)e Duke of Excestre ought better
witt & more fauor to (th)erle (th)an to him…” (The Brut, pp. 528-9).
129
1450; “logo em seguida” o Duque veio da Irlanda, sabendo do caso, e em vários parlamentos
se esforçava para diminuir a autoridade do rei. Assim em 1452,
[...] escreveu para várias cidades, burgos e vilas desse nobre reino, e para muitos
indivíduos de um estado ou outro, para se aglomerarem numa insurreição geral com
o pretexto do bem público, planejando batalha contra o rei, soberano senhor, em
190
Dartford no condado de Kent, para então destruir sua mais nobre pessoa [...].
Está claro aqui que tanto Jack Cade quanto York, não importasse seu juramento de
fidelidade, eram reconhecidos como traidores e rebeldes. Já o segundo motivo para o confisco
dos seus bens está na sua aliança aos condes de Warwick e Salisbury (Ibidem, Item 10).
Também os acusam de terem planejado guerra contra o rei em St. Albans, embora o rei tenha
preferido “a misericórdia antes da justiça” e os tenha perdoado (Item 11). “Persistindo no
erro”, não compareceu às convocações do Conselho (Item 13), se separaram pelas terras do
reino e continuavam planejando guerra ao rei (Item 14) nas batalhas de Blore Heath (Item 15)
e Ludford (Item 16 e 18). Por tudo que foi dito, a assembleia solicita que eles sejam
“reputados... e condenados por alta traição, como falsos traidores e inimigos de sua mais
nobre pessoa, alta majestade, coroa e dignidade”.191
As acusações desse parlamento são afirmadas deliberadamente para que York fosse
condenado pelos juízes. É preciso notar esse propósito de parte dos membros do parlamento
que se mostram na documentação para que não façamos afirmações insustentáveis. A
oposição entre o rei e Ricardo de York – ou entre a casa de Lancaster e a casa de York: o
mote da Guerra das Rosas – é mais uma fabricação por percepções diferenciadas de um e
outro súdito do rei (como Somerset, Northumberland, Wiltshire, Shrewsbury e a própria
Rainha) do que um conflito claro para ele, o rei, e para Ricardo de York. No fundo, de uma
maneira ou de outra essa fabricação foi fruto das revoltas e da posição da opinião pública
sendo apropriada por uma parte e rejeitada por outra. Esse é o núcleo da nossa argumentação
em todo este texto.
As características da cultura política inglesa do período não possuem um espaço
abstrato em que fosse possível, na percepção dos sujeitos históricos, um conflito como esse
(não até que Eduardo de York usurpasse o trono). Tanto é assim que, invariavelmente os
190
“And over that, he, contynuyng in his malicious entent, by subtill meanes thought to acheve his purpos
by myght, wrote letters to many citees, boroughes and tounes of this youre noble realme, and to many pryvat
persones of oon estate and other, colored under a pretense of a wele to have made a common insurreccion, to
thentent to have made a feld beside Dertford in the shire of Kent, ayenst you, soveraigne lord, to have distroied
youre moost noble persone;…” (PROME, 1459, Item 8, f. 2)
191
“… in forme afore reherced, be reputed, taken, declared, adjugged, demed and atteynted of high treson,
as fals traitours and enemyes ayenst youre moost noble persoon, high mageste, croune and dignitee.” (Ibidem,
Item 20).
130
apoiadores do rei eram em número expressivamente maior do que o de seus opositores, de
modo que a vitória destes últimos se dava pela combinação de fatores improváveis do lado
mais fraco do conflito e da opinião pública (HICKS, 2002, pp. 85-6).
E a opinião pública acompanhava um e outro lado do conflito por determinados
ideais de justiça e ordem que estavam perturbadas por essa crise política. Se o sudeste e
Londres muitas vezes demonstraram esse apoio a Ricardo de York, o cronista de An English
Chronicle aponta que em 1460 o norte do reino apoiava os Beauforts de Somerset em
oposição clara ao sul.192 Não por acaso, a rainha e o príncipe Eduardo buscam apoio no norte
quando Henrique VI é capturado na batalha de Northampton. Assim é preciso enfatizar o
caráter multifacetado do que estamos chamando de opinião pública, ou ainda apontar que na
maior parte as evidências que temos são direcionadas para o segmento do sudeste do reino.
De todo modo, somente por essa captura do rei forçada por York em junho de 1460
que se pode supor uma oposição. Entretanto a argumentação de que o rei estava sendo
manipulado por certos nobres continua no tom de 1450, ainda que registrada no Parlamento,
da seguinte forma:
[...] intenção de destruir alguns dos grandes, nobres e fiéis lordes e propriedades do
seu sangue, entre outros dos verdadeiros vassalos do povo deste reino, por causa de
um grande rancor, ódio e malícia que tais pessoas sediciosas sentiam há tempos em
relação a eles, e porque sua avareza é insaciável por terras, heranças, posses, cargos
193
e bens de tais lordes e fiéis vassalos [...].
Esse trecho só pode ser entendido pelo fato de que após a captura do rei, Ricardo de
York estava liderando o Parlamento novamente. O trecho está registrado na petição de
“Anulação do Parlamento de Coventry”, ou seja, o parlamento de 1459 que confiscou os bens
de York, Warwick e Salisbury e os condenou por traição. Com essa condenação Ricardo
propõe então a sua reivindicação ao trono (PROME, 1460-1, Itens 10-8, ff. 2-3). York
apresenta tal reivindicação através de documento escrito e entregue para o Chanceler – que
deveria lê-lo em voz alta, apresentar ao rei e ser alvo de discussão e resposta na mesma seção.
A reivindicação é baseada na narrativa dos descendentes de Eduardo III, ressaltando a
linhagem à qual descende Ricardo de York e lhe dá direito ao trono (Item 11).
192
“Wyth a fewe personnes went in to the Northe also, for to represse the malyce of the Northermenne the
whyche loued nat the sayd duk of York ne the erle of Salesbury...” (An English Chronicle, pp. 106-7).
193
“…oonly to thentent to distroy certayne of the grete, noble and faithfull true lordes and estates of youre
blode, and other of youre true liege people of this youre realme, for the grete rancour, hate and malice, that the
seid sedicious persones of long tyme had ayenst theym, and of their insaciable covetyse to have the landes,
enheritaunces, possessions, offices and goodes of the seid lordis, and true lieges;…” (PROME, 1460-1, Item 8, f.
1).
131
No Item 12 Ricardo de York afirma o desejo de uma resposta imediata do governo,
mas a discussão não iniciaria sem o aval do rei. Os Lordes logo se posicionaram contra a
reivindicação, mas não conseguem uma opinião ao seu favor pelas abstenções dos juízes e
sargentos da lei presentes. Eles então decidem expressar sua opinião livremente apresentando
tópicos contra o título. No Item 14, o próprio York responde aos argumentos dos lordes da
mesma forma que se posicionara durante toda a década de 1450. Para ele, a verdade e a justiça
devem estar acima de todas as coisas, ou seja, se um juramento é feito em falsidade ou sobre
injustiça, não há motivos para ser mantido – se é submetido a inconveniências e injustiças, o
juramento de nada vale (Item 14).
Com tais respostas os Lordes reconhecem que os argumentos não podem ser
combatidos, propondo o “Decreto do Acordo” (Ibidem, Itens 19-27, ff. 3-4). Esse decreto é
inspirado no Tratado de Troyes (1420), quando Henrique VI foi reconhecido como herdeiro
do trono da França após a morte do então rei Carlos VI. Dessa forma Ricardo de York é
reconhecido como herdeiro do trono após a morte de Henrique VI (Ibidem, Item 20).
Contudo, o Decreto do Acordo gerou um levante significativo de magnatas que
agora se uniam sob o comando da própria rainha e seu filho, o príncipe Eduardo. Ricardo de
York como Protetor do Reino, com Warwick e Salisbury, tentava apaziguar a situação de
insurreição contra sua nova posição – sobretudo do norte do reino – que resultou na Batalha
de Wakefield. Essa batalha, por sua vez, redundou nas mortes de Ricardo de York, de seu
filho mais novo conde de Rutland e de Ricardo de Salisbury (HICKS, 2010, p. 160). A causa
de York agora estava nas mãos de seus outros filhos Eduardo conde de March (futuro
Eduardo IV), George (futuro Duque de Clarence), Ricardo (futuro Duque de Gloucester e
Ricardo III) sob a articulação do agora mais poderoso nobre do reino: Ricardo de Warwick
(Cf. HICKS, 1998).
Vale notar que a batalha de Wakefield é vista, sobretudo para o autor de A Short
English Chronicle, como uma quebra de juramento pelo rei do Decreto do Acordo – embora
fosse articulado pela rainha.194 Essa quebra do Acordo supostamente legitimava a usurpação
do trono pelo herdeiro direto de Ricardo de York, Eduardo de March – o que ocorreu meses
depois. Mesmo em An English Chronicle há um trecho em que o rei e a rainha – reunidos
após a Segunda Batalha de St. Albans (1461) – tentam colocar seu filho no trono e são
194
“And there Kynge Henry brake his othe and grement made be twene hym and his trewe lordis, and so
wyckedly for sworne went to the contrary parte of the northe, and disseyved his trewe lordis that stode in grete
jopardy for his sake…” (A Short English Chronicle, p. 76).
132
impedidos de entrar em Londres.195 Essas percepções que apontam a posição da cidade de
Londres quanto ao conflito também são corroboradas pelo cronista de The Brut reconhecendo
que quando Eduardo chegou na cidade (para usurpar a Coroa) “a cidade estava feliz com sua
vinda, esperando serem aliviados por ele”.196
Sendo assim, é importante frisar que ainda que tenhamos indícios de grupos de
opiniões distintos, como os “homens do norte”, uma parte considerável da documentação
corrobora a percepção da crise política que aponta positivamente para Ricardo de York e,
após a sua morte, seu filho Eduardo IV. A possível apropriação das queixas de 1449-50 por
eles, portanto, se faz mais plausível ainda se pensarmos que foi legitimada pelos comuns do
sudeste que notaram serem ouvidos por este lado da crise: Ricardo de York, seu filho
Eduardo, Ricardo de Salisbury e Ricardo de Warwick.
***
A revolta de 1450 provocou um ponto de inflexão na opinião pública que ia dos
comuns que estavam presentes na revolta, aos boatos alegados por Ricardo de York “por
todas as cidades dessa terra” (John Vale, p. 189) e algumas petições do Parlamento (PROME,
1449-50, Itens 14-28, ff. 4-6 & PROME, 1455-6, Item 19, f. 24). Ricardo de York soube
utilizá-las para o “bem comum” do reino e do rei inicialmente, mas acabou necessariamente
na oposição a Edmundo de Somerset (1452-5) e ao rei no final da década (1459-60). Não
importa o quanto Henrique VI fosse mau visto pelos comuns – e há sérios indicativos de que
ele já não era popular desde antes de 1450, sobretudo após a morte suspeita do Duque de
Gloucester em 1447 – os rebeldes não o colocavam no mesmo patamar dos “traidores do
reino”. Não satisfeitos, afirmavam várias vezes que eram seus “fiéis comuns” e que apenas
desejavam um conselho adequado. Contudo, pelas evidências dos processos judiciais que o
levante de Henry Hasilden (1451) nos deixou, Harvey destaca que ele já era claramente visto
como “inadequado para ser rei” (not fit to be kyng) (HARVEY, op. cit., p. 159).
Sendo assim, em pouco diferiria a condenação de Jack Cade como traidor em 1450, e
a de Ricardo de York em 1459, pois o clamor por reforma política permaneceu no mesmo tom
de crítica que tentamos argumentar. Em linhas gerais, para nós foi esse tom de crítica que
permaneceu como elemento perpetuador dos conflitos da nobreza, pois ainda que mudassem
as pessoas em seus ofícios, as atitudes continuavam semelhantes.
195
“... for some of the worthy and of the Aldremen, dredyng and wevyng the inconueniens and myscheues
that myghte folow contrary to the comone wele of the cyte…And anone after, the comones sauacione of the cyte,
toke the keyes of the yates…” (An English Chronicle, pp. 108-9).
196
“Anone (th)e Cite was glad of (th)er commyng, hoping to be releued bi thame” (The Brut, p. 532).
133
Ricardo de York ascendeu a sua posição de destaque quando em 1450 viu justiça na
causa dos rebeldes e depois obteve três protetorados no reino. Tudo o que ele fez ao seu favor
e contra seus oponentes durante esses protetorados foi bastante claro: assegurou a confiança
do Tesouro, recrutou afiliados com os gastos públicos, presidiu sessões judiciais em nome da
lei (que na verdade foi em grande parte contra seus inimigos), e reabilitou todos os seus
companheiros que haviam sido condenados após St. Albans (HICKS, 2000, p. 398).
De tudo que foi dito, não podemos considerar a Guerra das Rosas como um “conflito
de senhores feudais bastardos” (Idem, Ibidem, p. 399). Isso porque a cultura política nos
permite compreender que o apoio ao rei supostamente legítimo, implicava na oposição àquele
que reivindicava a coroa, e vice-versa. Isso perpetuava o conflito para dimensões que não
poderiam ter controle no momento, pois a busca de uma ordem supostamente perdida era o
objetivo de uma grande maioria, mas qual “ordem perdida” era uma diversidade de
possibilidades (HICKS, 2002, pp. ix-xi). A busca por essa ordem perdida foi colocada em
evidência pelas movimentações destacadas, que tiveram sua referência sem dúvida em Jack
Cade no verão de 1450. Aos poucos aquelas causas se legitimaram entre membros da nobreza
que, ou viram nelas de fato a justiça ou se utilizaram delas como manipulação da opinião
pública. Em uma ou outra possibilidade estava Ricardo de York.
Ricardo de York se dizia excluído da corte e queria uma audiência com o rei sem
sucesso por toda a década de 1450. Para uma sociedade na qual as relações de serviços podem
se resumir à lógica do feudalismo bastardo197 - somente no que diz respeito aos “serviços” –
ter subsídio da coroa e intervenção externa não bastava para ter poder: era preciso apoio
popular. Ricardo de York em 1450 se apresentou como o porta-voz de um movimento parcial
da opinião pública, mas que atravessava o parlamento às inquietações populares. Para chegar
à posição que ele (com Warwick e Salisbury) chegou, portanto, ele teve que apelar ao “povo”,
Como eles fizeram isso está em sua maior parte escondido de nós: temos cartas de
propaganda e manifestos que eles circularam e as vezes relatos de segunda mão, mas
raramente o que eles mesmos disseram. A audiência crucial de York com o rei
Henrique e os eventos tumultuosos do parlamento subsequente certamente
testemunharam muitos discursos, mas nada disso está registrado [...]. (HICKS, 2000,
p. 401)
As dificuldades apresentadas acima por Michael Hicks foram partilhadas aqui,
tentando resolver parte do problema e suposições através de outros documentos. Como
apontamos no Capítulo 1, todos os governos durante a Guerra das Rosas foram criticados por
mau conselho, favoritismo, endividamento, má fiscalidade, negligência da justiça, desdenha e
197
Esse conceito é abordado no Capítulo 1.
134
degeneração do bem comum. Mas o que tentamos expor é que foram esses pontos
condensados num discurso presente nas petições da revolta de Jack Cade. Esse fundo comum
de queixas, fossem legítimas ou manipuladas, era onde um apelo público articulado pela
nobreza poderia ter seu apoio assegurado. Nobres populares como Ricardo de York e Ricardo
de Warwick sabiam como estimular isso e como canalizar suas causas através do mesmo
léxico político. Os reis apenas o temiam.
Entretanto, só um rei que tinha o que temer preocupava-se. Como Henrique VI tinha
uma consciência crescente de sua falta de popularidade no reino, súditos que se destacavam
em nome de um tópico do “bem comum” que parecia claro para todos, deveriam preocupar o
monarca. Assim como as constantes referências à opinião pública, aos boatos e rumores que
se espalhavam pelo reino na medida em que os territórios da França eram rendidos (1449-53),
as questões internas pululavam. Mas a situação do continente aparece aqui apenas como um
elemento comum na opinião pública, pois a facilidade com a qual Eduardo IV organizou o
mapa político do reino após 1471 demonstra o quanto as questões eram superficiais e diziam
respeito sobre a ordem e a segurança do reino na percepção dos súditos – quando essa “ordem
e segurança” foi novamente estabelecida, as queixas cessaram.
Esses elementos são o substrato de uma cultura política que tentamos colocar em
evidência com essa análise documental proposta. As reações que vieram em decorrência das
ações do Conselho e dos regentes das terras continentais foram apontamentos dentro de um
horizonte de percepções e atitudes que eram, consideravelmente, comuns nessa sociedade.
Portanto, a Guerra das Rosas é entendida aqui como consequência de práticas corriqueiras
sobre problemas superficiais, mas que na percepção coeva dos Comuns e dos rebeldes
pareciam ameaçar a estrutura social e a ordem política do reino e, assim, demandava novas
atitudes. A instabilidade em decidir quais atitudes poderiam ser essas é que propagava a crise
política da qual a Guerra das Rosas foi parte.
135
Capítulo 4 – For the hasty and necessary defence of this youre reame: Ricardo de
Warwick, Eduardo IV e novas percepções da crise política
A possível apropriação de Ricardo de York e do Conde de Warwick do discurso da
revolta de Jack Cade que tomamos como objeto é uma questão aparentemente sem resolução
para a historiografia inglesa por limitações documentais. Entretanto, pelo grau de legitimidade
de suas questões apontadas nos Capítulos 2 e 3, a apropriação é uma possibilidade bastante
plausível. Neste capítulo serão analisados outros dados que corroboram, na nossa perspectiva,
essa argumentação. Esses documentos serão novamente os registros do Parlamento (1461-75),
além de cartas e manifestos desse segundo período de análise contra as ações do Conselho
Régio, do rei e novamente solicitando reformas e medidas de justiça.
O grau de legitimidade aludido aqui é considerado seriamente em nossa perspectiva
por uma questão que nenhum historiador contesta: as questões colocadas em pauta em 1450
permaneceram as mesmas durante todo o período da Guerra das Rosas. Ou seja, após a
ascensão do filho de Ricardo de York, Eduardo IV, as questões são recolocadas: crítica ao
conselho, o rei sobrepondo grandes impostos sobre os Comuns no parlamento e a França
continua na mesma situação desde 1453, livre do domínio inglês. Nenhuma das reformas
exigidas pelos Comuns na década de 1450 foi resolvida sob Eduardo IV na década de 1460, e
isso levou Ricardo de Warwick – o mais poderoso nobre do período e o pilar das críticas à
Coroa desde a morte de Ricardo de York em 1460 – a tentar novamente o retorno de Henrique
VI ao trono.
A última menção do nome de Jack Cade fora em uma carta da família Paston em
1465, mas não é preciso evocar sua figura quase mítica para que suas questões aparecessem.
Foi o próprio Ricardo de Warwick que as retomou no final da década de 1460 e início de
1470 através da organização de um levante no norte do reino contra Eduardo IV. Essa
apropriação direta tem sido nossa principal hipótese. Procuraremos fornecer argumentos
suficientes para que a apropriação dos tópicos de 1450 possa ser afirmada dentro dos moldes
dessa cultura política polissêmica e de seus reflexos na opinião pública.
Sendo assim, este capítulo também estará voltado para a análise de como Eduardo IV
conseguiu uma resolução provisória da crise política na década de 1460 acatando o discurso
construído desde 1450, mas que depois recaiu sobre a mesma situação de Henrique VI no
final de seu reinado (crítica e usurpação do trono), apesar de se recuperar rapidamente perante
o parlamento sob o pretexto de retomada da França após 1471. Isso se dará através da análise
136
da memória das cartas, manifestos e dos documentos do parlamento para esse período final da
pesquisa (1461-1475).
O primeiro tópico deste capítulo estará voltado para os problemas que Eduardo IV
enfrentou no período de análise do seu reinado (1461-1475). O segundo tópico tentará deixar
claro o quanto as questões que ele resolveu perante o parlamento, bem como aquelas que não
foram resolvidas, eram praticamente as mesmas de 1450 – como os Atos de Restituição e, no
final da década de 1460, as questões do Conselho. O terceiro tópico, por sua vez, estará
focado no estabelecimento de Eduardo IV no trono, ou seja, na resolução dos problemas
remanescentes através das questões apontadas em 1450 e agora tomadas como pontos críticos
que legitimariam seu estabelecimento no trono.
4.1 Eduardo IV e a Guerra das Rosas
Certo trecho da crônica The Brut ao destacar o nosso período de análise, propõe uma
narrativa que vai da Revolta de Jack Cade à usurpação do trono por Eduardo IV. O trecho é
interessante na medida em que parece compreender um processo único entre a revolta e a
queda de Henrique VI e ainda legitimar a posse da coroa por Eduardo IV entre “lordes e
comuns”.198 Não obstante, vale lembrar que An English Chronicle também aponta uma
legitimação de Eduardo IV, ao menos entre os habitantes de Londres – que impediram a
rainha Margarete de coroar o príncipe de Gales em favor de Eduardo IV e o acompanharam
para o norte para vingar a morte de seu pai Ricardo de York.199
Ora, esse segundo fragmento aponta um detalhe importante na opinião pública, o
norte do reino permanecia apoiando Henrique VI, e continuará nessa posição por um tempo
considerável. Essa divisão entre a posição do norte e do sul (estando no sul, Kent e Londres) é
fundamental para compreendermos a primeira fase do reinado de Eduardo IV (1461-71). Isto
é, a maneira como Eduardo IV lidou com a opinião pública – seja aquela a favor (que se
perderá no fim desse período) seja aquela contra (que será constantemente reprimida e
manipulada) – moldou o processo histórico com o qual estamos lidando.
198
“They dyd moche harme, & many a man was slayne; & they woolde neuer sese, tyl (th)e drawbrygge
was set on fyre betwene hem. And aftyrward (th)ere captayn was take in a gardyn in Kent, & (th)ere he was
slayne… And on (th)e iiij. day of Marche he toke vpon hym (th)e Regimen, with (th)e wylle of (th)e lordys &
(th)e comouns bothe” (The Brut, pp. 601-2).
199
“...for some of the worthy and of the Aldremen, dredyng and wevyng the inconueniens and myscheues
that myghte folow contrary to the comone wele of the cyte…And anone after, the comones sauacione of the cyte,
toke the keyes of the yates… ...and anone fylle vnto hym peple innumerable, redy to go with hym in to the
northe, to venge the dethe of the noble duke Richard hys fadre.” (An English Chronicle, pp. 109-10).
137
Armstrong argumentaria que Eduardo IV “criou um passado” na tentativa de lidar
com essa opinião pública. Ou seja, Henrique VI tinha um passado glorioso imediato que lhe
foi legado pelo seu pai Henrique V, mas Eduardo IV tinha o passado de um lorde que se
rebelava contra o monarca, Ricardo de York (ARMSTRONG, 1948, p. 69). Dessa forma, ele
tentou também criar um novo círculo de nobres que lhe apoiavam, baseado inicialmente no
círculo aristocrático de seu pai (Salisbury e Warwick) e após 1464 na família de sua esposa
Elizabete Woodville200 – que lhe causou certa hostilidade. Mas, além disso, Eduardo IV criou
uma série de ritos, hábitos e cerimônias na tentativa de solapar sua aparente falta de
legitimidade, como usar o cetro e a coroa publica e frequentemente, comemorar o natal no
Hall do palácio, manter uma série de artistas na corte e promover uma iconografia da
realeza.201
Sua “propaganda”, portanto, esteve limitada a essas práticas, de modo que Jack
Lander (em prefácio à obra de Anthony Gross) reconhecia o quanto a propaganda
empreendida por John Fortescue em prol de Henrique VI foi inigualável e imbatível por ter
sido de forma escrita e absolutamente argumentada em tópicos da cultura política do seu
momento. Alguns dos escritos de Fortescue assumiram um peso tão significativo que Eduardo
IV achou importante que ele refutasse todos os seus argumentos após a morte de Henrique VI
– texto intitulado Declaration upon Certain Writings sent out of Scotland (GROSS, op. cit., p.
xvii).
É possível compreender a importância dessas práticas pela posição frágil na qual ele
(e qualquer monarca que usurpasse o trono) se encontrava. Henrique VI, a família real, alguns
lordes e pessoas próximas como o próprio John Fortescue, fugiram em 1461 para a Escócia.
Henrique VI fora capturado por Eduardo IV numa tentativa de incursão no norte do reino em
1465; os demais foram em seguida para a França (GILLINGHAM & GRIFFITHS, op. cit.,
pp. 127-8). O que resulta desse processo é que Henrique passou a ter apoio dos escoceses e
dos franceses para que retornasse ao trono, o que ocorreu em 1471. Mas o rei da França, Luís
XI, não parecia disposto a renovar a guerra; nem, por ora, Eduardo IV que se preparava para
atacar a Escócia com apoio da Borgonha (BITTMAN, 1948, pp. 1059-81).
Podemos dizer que o maior problema inicial do reinado de Eduardo IV foi essa
situação entre os nobres do norte, que apoiavam Henrique VI e a rainha Margaret, como a
família dos Beaufort de Somerset. Segundo Carpenter, se o conde de Somerset passasse a
200
Ver Glossário de Nomes nos Apêndices.
Ao que tudo indica esses hábitos não eram praticados antes e nem foram deixados de ser praticados
após o reinado de Eduardo IV (ARMSTRONG, op. cit., p. 51).
201
138
apoiar Eduardo IV os demais viriam certamente a apoia-lo. Conflitos pululavam e incursões
aconteciam até que Margarete fugiu para a França com o príncipe Eduardo. A paz entre a
Escócia e a Inglaterra era, contudo, iminente e os Lancasters tinham de tomar uma atitude o
quanto antes. Progressos foram feitos no sentido da pacificação entre a Escócia e o reino da
Inglaterra e Henrique VI perdeu boa parte do apoio no norte (CARPENTER, 1997, pp. 1612).
Eduardo IV, portanto, assumiu o trono em circunstâncias difíceis, primeiro porque a
guerra civil deixara o reino dividido e desordenado; segundo porque as próprias
circunstâncias de um rei usurpador não são favoráveis por elas mesmas. O apoio a Eduardo
IV não era melhor do que o que Henrique IV tivera em 1400 e da mesma forma, teve de
construir laços com os magnatas notáveis, incluindo aqueles que lutaram pelo rei deposto.
Mas o que torna a situação mais complexa do que aquela de 1400 foi que a família real e
alguns de seus apoiadores estavam vivos e agindo, e não mortos ou politicamente
neutralizados – o que é inédito. Fora o fato de que Eduardo tinha apenas dezenove anos e
Ricardo de Warwick tentou controlá-lo a qualquer custo (Idem, Ibidem, pp. 156-7).
Evidentemente que seu estabelecimento foi gradual e iniciado pela recompensa das
famílias que apoiaram sua causa entre 1459-61 e o perdão daquelas que não apoiaram se
redimiram perante o parlamento para tanto. Além disso, ele distribuiu uma série de títulos de
nobreza criando sua própria rede de magnatas – dos quais o mais notável pode ser destacado,
Lord Hastings, que se tornou seu melhor amigo e aliado. Foi essa combinação entre antigos e
novos nobres que permitiu que Eduardo governasse apesar dos problemas apontados (Idem,
Ibidem, p. 160).
O reinado de Henrique VI foi uma demonstração do quanto a fé na realeza era
importante para a manutenção da ordem – e nesse caso a falta dela e a desordem. Nesse
sentido, Eduardo IV assumira o trono alegando a atenção que daria à lei e sua execução. E de
maneira semelhante ele tentava reorganizar as finanças. A ausência da guerra e a relativa
estabilidade política momentânea foram responsáveis por sua recuperação econômica.
Também a experiência empreendida por ele através dos rendimentos provenientes de suas
terras agora se tornava o carro-chefe das finanças (Idem, Ibidem, pp. 165-7).
A virada do seu governo foi o seu casamento com Elisabete Woodville. Nesse
casamento ele provou sua independência perante seus companheiros e dessa forma ofendeu
alguns como Ricardo de Warwick – que preparava um casamento para ele na França. Além
disso, os casamentos que o rei proporcionou para elevar a família de sua esposa à nobreza
enfureceram Warwick ainda mais. Reconhecer a hierarquia que existia entre as pessoas dava
139
“segurança” aos nobres. A hierarquia no apelo ao senhor era muito séria, pois apelar a outrem
levava a grandes conflitos uma vez que era entendido como desrespeito ao seu senhor – que
por sua vez era esperado como o “Bom Senhor” que arbitraria em conflitos abaixo de seu
escalão. O caso de Eduardo IV com a família Woodville, portanto foi um absurdo para a
época devido a esse mesmo fator; ele elevou a família da pequena-nobreza de sua esposa ao
“bom senhorio” do rei – supostamente reservado para a alta nobreza (MERTES in HORROX,
1994, pp. 48-9).
É possível que o rei não tenha querido formar outra base de governo, pois ele já
possuía uma consolidada, mas foi dessa forma que seus atos foram vistos. Para agravar este
cenário, entra em voga o conflito franco-borgonhês no qual Warwick tomará partido da
França e Eduardo IV da Borgonha, exatamente no contexto da Guerra do Bem Público
(1465), no qual o Duque da Borgonha reuniu alguns membros da nobreza contra Luís XI
(CARPENTER, 1997, pp. 168-71).
Assim, Eduardo selou aliança através do casamento de sua irmã com o Duque da
Borgonha ao passo que Warwick demonstrava seu ressentimento no casamento de sua filha
com o Duque de Clarence, irmão de Eduardo IV. A partir do casamento de Eduardo IV e
desses desdobramentos, o reino foi assolado por uma instabilidade que teve seu ápice entre
1468-9. Por um lado, a taxação angariada para uma guerra não existente com a França
subsidiava a ira dos revoltosos. Por outro, novas incursões lancastrianas alarmavam a
população e as revoltas do norte acabaram por dar a oportunidade da breve volta de Henrique
VI (Idem, Ibidem, pp. 172-3).
Junto a Warwick e Clarence também estava o conde de Oxford, que editaram um
manifesto contra Eduardo IV a partir de Calais – mesma estratégia adotada em 1460-1 por
York e o próprio Warwick. Então uma revolta pró-Henrique VI foi iniciada no norte, liderada
por um membro da família Neville – que outrora apoiara Eduardo IV – entre outras revoltas
como em Lincolnshire, Wensleydale, Salisbury, Cornwall, etc. Todas essas revoltas
amplificaram esses distúrbios que se tornaram comuns durante essa crise de governo (Idem,
Ibidem, 174-7).
Sendo assim, a crise política que assolara o reinado de Henrique VI novamente se
estabelecera com bases semelhantes de crítica, mas com apenas uma pessoa em comum:
Ricardo de Warwick. Foi somente a essa altura que Warwick selou aliança com a rainha
Margaret em prol da restauração de Henrique VI e assegurar a herança do trono para o
príncipe Eduardo. Isso foi conseguido em outubro de 1470, enquanto Eduardo IV fugiu para a
Borgonha (apesar de o Duque de Borgonha estar ansioso por se aliar ao novo regime na
140
Inglaterra). Eduardo retornou para o reino em Março de 1471 conseguindo aprisionar
Henrique VI e na batalha de Barnet, em abril, vencer o exército de Warwick, mata-lo, junto a
Montagu e Exeter. Em maio são mortos o príncipe Eduardo e o duque de Somerset, e após a
retomada do trono, Henrique VI. A Guerra das Rosas parecia estar finalizada, ao menos essa
“segunda fase”, Eduardo IV vencera e a causa Lancaster estava perdida (CARPENTER, 1997,
pp. 176-180).
Dessa forma, Carpenter argumenta que Eduardo IV não perdera o trono entre 1470-1
porque governou mal, mas sim pelas circunstâncias na qual se encontrava, por ainda haver um
rei ungido à concorrente, um nobre que não podia ser ignorado como Warwick e uma série de
revoltas que ele não poderia dar conta sozinho (Idem, Ibidem, p. 181). Assim, novamente
devemos afirmar que eram problemas superficiais que tomavam dimensões espetaculares para
a época, mas que logo foram resolvidos após algumas mortes, novas alianças e diversas
cartas-patentes de perdão concedidas no parlamento entre 1472-5. Mais importante do que
isso, veremos neste capítulo como o discurso de Jack Cade ainda possuía ressonância neste
período final de análise.
Ou seja, o rei ainda era representado como em 1450 de maneira que em 1475
William Worcester apontava que ele deveria ser um rei que amasse o seu povo, que fosse
cavalheiresco, anti-francês, repressor dos escoceses, cristão e que deveria manter domínios
além-mar (KEEN in CARPENTER & CLARK, op. cit., pp. 34-8). Na mesma ocasião John
Fortescue apontaria que era essencial manter um conselho amplo, sábio, informado e
desinteressado; e o rei deveria manter recursos independentes suficientes para não cair na
tentação de empobrecer os seus súditos com impostos excessivos; também deveria manter
recursos para recompensar quaisquer serviços que precisasse para manter sua situação e sua
autoridade (Idem, Ibidem, pp. 38-9).
Portanto, ao arrecadar dinheiro para uma invasão à França, Eduardo IV foi
prontamente atendido – como veremos nos registros do parlamento no próximo tópico. Mas
na medida em que ele não efetuou essa invasão antes de 1475 (logo aceitando um tratado de
paz) usando o dinheiro para qualquer outra prioridade, recaía na acusação semelhante à
construída entre 1449-50. É preciso lembrar que todos os monarcas depostos entre Eduardo II
(1327) e Ricardo III (1485) o foram sob o discurso do mau conselho e do desvio das leis e
costumes do reino (DUNHAM & WOOD, 1976, pp. 738-9). Mas agora os elementos
acrescentados entre 1449-55 eram o de culpar o próprio rei, o de vigiar suas finanças e de
requerer sua posição perante a França.
141
Mas o que desejamos enfatizar é o papel da França nas percepções coevas. Se ao
mesmo tempo aquelas terras foram motivo de levantes e críticas entre 1449-56, agora elas
eram utilizadas pelo próprio monarca como meio de arrecadação de dinheiro para uma
suposta invasão. Assim, a tentativa de Eduardo IV de se utilizar da França como pretexto para
novos impostos era provavelmente fundamentada nas percepções da década anterior.
Gillingham e Griffiths apontaram que não só Eduardo, mas Henrique VII também fez uso da
mesma estratégia (GILLINGHAM & GRIFFITHS, op. cit., pp. 119).
Assim, a relativa segurança e estabilidade que Eduardo veio a desfrutar nos anos
1470 permitiram que ele tentasse um período de governo mais construtivo. Tentando reparar a
posição da Inglaterra perante os seus vizinhos reativando alianças com a Bretanha, a
Borgonha e a Escócia, e também retomando os passos em direção à França. Sua expedição em
1475 teria sido uma catástrofe não fosse a ajuda dos seus aliados bretões e borgonheses, mas
no Tratado de Picquigny Luís XI ofereceu grande incentivo financeiro para que ele voltasse
para a Inglaterra – o que ele fez e não mais retornou ao continente. Suas tentativas de
reorganizar as finanças do governo, por outro lado, foram geralmente sugeridas no período
Lancastriano, ou seja, que as demandas do Parlamento fossem acatadas. Sua declaração de
que estava pronto a governar sem muitos impostos poderia acabar numa prática de governo
equilibrada que não aumentaria as despesas. A estabilidade desses anos 1470, por sua vez,
deveu-se muito ao contínuo esforço dos habilidosos e competentes oficiais do rei (Idem,
Ibidem, pp. 129).
Mas é possível argumentar, como o fez Gross, que Eduardo IV – bem como
Henrique VII – seguiram práticas de governo provavelmente orientadas pelo tratado de
“conselho” apresentado por Fortescue por volta de 1471 como um símbolo de reconciliação.
Apesar de algumas propostas serem impraticáveis e baseadas na Bíblia ou no Império
Romano, a fundamental característica de seu governo atribuída por Gross a Fortescue é aquela
de que o rei deveria manter-se livre da influência dos lordes – referindo-se a Suffolk nos anos
1440, a Somerset e York nos anos 1450 e a Warwick e Clarence nos anos 1460 (GROSS, op.
cit., p. 7-11). Michael Hicks chamaria tais lordes de “súditos super-poderosos” (overmighty
subjects), embora tais figuras, para ele, necessitassem do apoio popular para serem assim
considerados – o que se aplica somente a York, Warwick e Clarence (HICKS, 2000, p. 387).
Alguns historiadores centrais da nossa interpretação como McFarlane, John Watts e
Michael Hicks colocam elementos da origem da Guerra das Rosas nas ações de Henrique VI,
o próprio Hicks reconhece uma solução provisória nas ações de Eduardo IV (HICKS, 2004,
pp. 6-8). Essas ações são justamente as referidas acima, fosse via Fortescue ou não. O que
142
eles querem dizer é que, não fosse a usurpação de Ricardo III da coroa de seu sobrinho, o
conflito estava acabado em 1471 (Idem, Ibidem, pp. 1-5). Essa interpretação nos é cara dado o
fato de que nossa pesquisa foi justamente delimitada a 1449-75 pelo fato de considerarmos
essa resolução da crise política por Eduardo IV a partir de 1471.
A Guerra das Rosas, portanto, pode ser entendida como uma combinação de
elementos internos, a intervenção de poderes externos (a França, a Borgonha e a Escócia), o
engajamento de uma vasta gama da população nos conflitos e protestos (revoltas entre 145071) e uma fraqueza financeira provisória que tornava o exercício do governo impraticável
para os moldes coevos. As afirmações dos historiadores acima são baseadas no fato de
Eduardo IV ter solucionado todos esses problemas, e só ter perdido o trono por poucos meses
para Henrique VI porque Warwick havia interferido junto ao rei da França (HICKS, 2004, pp.
93-99).
A percepção do século XV, entretanto, relacionava essa perda do trono em 1470-1
com o seu casamento. O casamento de Eduardo com Elizabete Woodville foi um total
fracasso perante praticamente todos os seus súditos que nos deixaram registros. Todo e
qualquer vestígio deixado indica que seus súditos esperavam que ele casasse com uma
princesa estrangeira – o que estava de fato sendo arranjado por Warwick. Em controvérsia, ele
casou em segredo com uma viúva de família que antes apoiava Henrique VI, para a
“decepção” de todos. Dessa forma, os registros atribuem os acontecimentos de 1469-71 a esse
casamento, pois, não fosse isto, Warwick não teria se rebelado contra o rei (Idem, Ibidem, pp.
107-13).
Além disso, Eduardo tinha um legado reformista do seu pai a cumprir que ele parecia
ter esquecido. Sua impopularidade inicial vinha também daí – reforma, paz, melhor governo e
justiça – que ele só conseguiu após 1471. Isso também parecia enfurecer Warwick, que fora
braço direito de Ricardo de York nas críticas ao regime de Henrique VI. Aos poucos,
Clarence e Warwick que supostamente seriam os mais beneficiados, foram deixados de lado e
acabaram se unindo contra o rei. Dessa forma, em 1469-70 era Warwick que levantava a
bandeira das reformas, não Eduardo IV (Idem, Ibidem, pp. 114-7).
Da mesma forma que Henrique VI subestimava as ações de Ricardo de York por
quase toda a década de 1450, perdoando-o inúmeras vezes, o mesmo fez Eduardo IV com
Warwick. O excesso de benevolência de ambos os reis mostrava um ponto de sua
vulnerabilidade; Eduardo IV repreendia veementemente aqueles que ainda apoiavam
Lancaster, ao passo que era generoso em excesso com os Nevilles (a família de Warwick)
(Idem, Ibidem, pp. 119-22). No próximo tópico, entretanto, analisaremos as questões tratadas
143
no parlamento e as percepções que podem ali serem identificadas para pensarmos o período
como um todo.
4.2 Os problemas do reino no Parlamento
Eduardo IV convocou seis sessões do parlamento durante o seu reinado. Três delas
se concentram na década de 1460 e três após o seu breve exílio de cinco meses (entre 1470-1).
Essas sessões, entretanto não estão igualmente distribuídas no período, como pode ser
relativamente afirmado para o reinado de Henrique VI. Uma delas se estendeu por quase três
anos completos (1472-5) sem ser encerrada – uma excepcionalidade para o período dos
registros que tivemos contato entre os séculos XIII-XV. Por outro lado, Eduardo IV parecia
resistente em convocar mais sessões após 1475, convocando apenas duas (1478 e 1483) que
não serão consideradas aqui.
Quando o parlamento de 1461 foi iniciado, o chanceler seguindo o hábito de
pronunciamento de abertura proclamava “Melhorai os vossos caminhos e vossas obras...”
(Jeremias 7, 3).202 Os Comuns agradecem a Deus e ao reino pela vitória de Eduardo IV, e logo
legitimam sua posição perante o reino. No juramento de posse do trono, seu pronunciamento
retomou as queixas de seu pai e os manifestos utilizados outrora por ele. Ele reitera muitas das
antigas queixas contra o reinado Henrique VI: a perda da França, o declínio do comércio e da
justiça, o interesse próprio dos governantes locais, e a quebra de juramento do próprio
Henrique (HICKS, 1998, p. 218).
Contudo, é preciso afirmar que boa parte da argumentação de Ricardo de York, de
seus seguidores e dos rebeldes em geral contra o governo era uma retórica reproduzida muito
mais através de vertentes da opinião pública do que dos eventos atestados por outros
documentos que podemos constatar no reinado de Henrique VI. Uma das maiores heranças da
dinastia Lancaster para a York foi uma massiva máquina governamental central e uma rede
extensiva de agentes locais do governo (KLEINEKE, 2009, pp. 1-27). Além disso, as terras
que agora pertenciam à Coroa só o eram devido às heranças acumuladas pela dinastia
Lancaster (e agora, o Condado de York). É por isso que afirmamos nos demais capítulos que a
Guerra das Rosas foi resultante de atitudes corriqueiras sobre problemas superficiais que
Eduardo IV – em grande parte – conseguiu reorganizar em pouco tempo.
Para os historiadores da virada do século XIX para o XX – como William Stubbs e
Richard Green – Eduardo “destruiu” os privilégios da nobreza, foi despótico e não atendia
202
“...themate: Bonas facite vias vestras et studia vestra” (PROME, 1461-2, Item 1, f. 1).
144
satisfatoriamente ao parlamento. No fundo ocorreram poucas reuniões de fato, mas parecem
ter sido duradouras e satisfatórias; além disso, o Michael Hicks defende que Eduardo não
enfrentou o parlamento de maneira contundente por ter consciência de sua fragilidade. Apesar
disso, pode-se dizer que ele agiu como qualquer outro rei desse período, com cautela (HICKS,
2004, pp. 149-50).
No geral, ele manteve relações tranquilas com o parlamento e conseguia a maioria do
que precisava com exceção de muitos impostos que foi o seu mote argumentativo, como
veremos. Solicitava, entretanto, constantemente, uma vez que era a única saída para a
vulnerabilidade financeira que ele herdara, mas ao fim e ao cabo ele teve que por em prática o
que prometeu em 1467: “viver por si próprio” (PROME, 1467-8, Item 6, f. 1). Dessa forma
ele obteve relativo sucesso: pagou as dívidas da Coroa, obteve grandes rendimentos e morreu
como um monarca “guerreiro, rico e justo” – o que seus súditos esperavam (HICKS, 2004,
pp. 151-4).
Assim, o principal erro administrativo que Henrique VI cometera, Eduardo IV não:
mal gerenciamento das finanças. Mas estava claro em 1461 que o rei precisava urgentemente
restaurar a credibilidade financeira. E o que Eduardo mais fez nesse sentido foi cortar gastos e
suscetibilidades, não criar novas rendas ou um novo sistema de gerenciamento. De qualquer
forma, tudo que ele fez não era o que os reformadores e seguidores de seu pai vislumbravam,
e esse foi seu maior desafio (Idem, Ibidem, pp. 158-64).
Na mesma tentativa dos capítulos anteriores de iniciar a abordagem com uma noção
da percepção coeva de seus problemas e soluções, também foram quantificados os assuntos
tratados no parlamento para este período:
Quadro 15 – Assuntos gerais tratados no Parlamento (1461-1475)
Tipo
Quantidade
Propriedades/Terras/Heranças
148
Justiça/Governo
108
Concessões/Privilégios/Cartas-patentes
74
Mercadores/Mercadorias e Trocas
27
Assuntos Cotidianos
25
Problemas na França e nos mares
19
Imposto/Economia
18
Pagamento de Salários/Dívidas
6
Assuntos Clericais
5
Cargos e Ofícios
2
Corroborando a afirmação anterior sobre os impostos no reinado de Eduardo IV,
nota-se o número reduzido deste assunto na documentação do parlamento enquanto no
reinado de Henrique VI ele era o segundo item do Quadro 10. O número elevado de
Propriedades/Terras/Heranças só é explicado pela mudança dinástica e pelo contexto
145
específico, ou seja, um remanejamento de propriedades entre famílias que apoiaram a causa
dos Yorks e um grande número de confisco de terras por esse mesmo motivo. A mesma
explicação da mudança dinástica explica a elevação dos assuntos mercantis – dada as questões
diplomáticas Inglaterra-França-Borgonha que sempre afetavam as trocas.
O governo e as questões judiciais mantiveram a tendência do período anterior, bem
como as Concessões/Privilégios/Cartas-Patentes. O tratamento da França e dos mares, apesar
de ter diminuído em número, está camuflado no número de taxação voltada para a guerra – ou
seja, o assunto também mantém essa tendência. Dessa forma, essa comparação nos permite
afirmar mais uma que aqueles problemas apontados em 1449-50 permaneceram os mesmos,
não só pelas questões apontadas pelos eventos propriamente ditos, mas pelas prioridades
coevas na resolução de problemas.
Da mesma forma, a utilização do léxico político reiterado em toda essa dissertação
para compreensão das percepções, da cultura política e da opinião pública mostrou-se da
seguinte maneira:
Quadro 16 – Recorrência dos Termos no Parlamento (1461-1475)
Termo
Quantidade
Common/People
1065
Law
598
Friend/Liege(men)
386
Traitors/Treason
166
Council/Counsel
48
Public
70
Extortion
25
Openly
11
Opinion
5
Rumour (great noise, as man said, it was said, common voice,
4
fame)
Se olharmos novamente o Quadro 11 veremos que a única inversão é o fato de as
palavras Council/Counsel terem sido expressivamente menos recorrentes do que aquela do
período 1449-1461 (que era de 210). Ou seja, o discurso do “mau-conselho” que também virá
a ocorrer por outras questões no reinado de Eduardo IV, não se compara à recorrência daquele
formulado em 1449-50. Não obstante, o aumento significativo da recorrência de
Friends/Liege(men) se dá também pela mudança dinástica e de pessoas se julgando fiéis ao
rei, mesmo que tenham servido Henrique VI outrora. A mesma explicação se aplica ao
aumento da referência aos traidores do rei (Traitors/Treason), pois fossem pedindo perdão do
rei ou fossem condenados, a dicotomia entre traidores e fiéis permanece ditando a percepção
no parlamento.
146
Essa percepção baseada em dois polos, entretanto, difere daquela de 1449-50 quando
a dicotomia podia ser notada na documentação muito mais entre comuns/fiéis ao rei em
oposição aos conselheiros/traidores. Tanto em um quanto em outro caso, são às leis – sejam
quais foram – que se recorre para que o rei execute sua justiça. As expressões de opinião
pública que mantém a mesma caraterística do período anterior ficarão claras no decorrer do
capítulo. A abordagem dos próximos trechos deste texto permanecerá, portanto, nesta linha de
raciocínio reconhecendo a evidência dos termos de acordo com seus contextos.
4.2.1
O Ato de Restituição
A importância simbólica dos Atos de Restituição está no fato de se relacionarem
diretamente com a taxação – ou melhor, com a esperada diminuição da mesma. A taxação era
um dos mais complicados e contenciosos procedimentos do parlamento. O rei a conseguia sob
algum argumento, tal como Eduardo IV que a propunha em nome da campanha de invasão da
França – ou seja, concentrava os esforços constantes de guerra para conseguir aprovação da
taxação. Os efeitos do seu discurso inicial no parlamento foram sentidos imediatamente nos
cofres do tesouro, conseguindo arrecadar uma quantia de £118.625 da nobreza e £48 mil do
clero. Se houvesse desconfiança de que a arrecadação era para gastos ordinários ou para a
casa do rei, a crítica era uma certeza (HARRISS in HORROX, op. cit., pp. 23-4).
Não obstante, como vimos no Capítulo 2, foi Jack Cade que lançou o debate sobre os
Atos de Restituição. Desde então até 1475 eles ocorreram cinco vezes no parlamento e
preocupavam quaisquer zonas de conforto asseguradas pelas cartas-patentes do rei. Tais Atos
sob Eduardo IV ocorreram no segundo parlamento de 1463-4, na sessão de 1467-8 e na de
1473-5.
É importante destacar de antemão que os Atos de Restituição tratados no capítulo
anterior – 1449, 1450 e 1455-6 – aparecem nos registros como petição dos Comuns, e
colocados como a primeira delas na ordem documentada, tendo o rei que consentir e propor
suas isenções. Por outro lado, Eduardo IV aparentava ter consciência da importância do bom
gerenciamento de suas finanças e da fragilidade que ele herdou nos cofres do Tesouro uma
vez que os três Atos de Restituição que comentaremos aqui foram propostos pelo próprio
monarca – dada sua posição na documentação e ordem argumentativa que difere do período
anterior. Assim, sob Henrique VI os Atos de Restituição eram iniciados pela frase corriqueira
de início de petições dos Comuns “Suplicam os Comuns...” (Prayen the comens... 1449-50,
Item 53, f. 9; Prayen the commyns... 1450-1, Item 17, f. 6; Prayen the commons... 1455-6,
Item 47, f. 14). Quando no período de Eduardo IV os atos apenas continham o prefácio latino
147
de decretos propostos pelo rei, seguindo todas as propostas, isenções e um “consenso dos
comuns” ao final – no primeiro e segundo casos (1463-4 e 1467-8).203
No primeiro caso não há qualquer argumentação em favor da aprovação do Ato, o
que sugere uma imposição ou um acordo prévio que não foi registrado claramente. De
qualquer forma, o resultado pode ser verificado no quadro abaixo:
Quadro 17 – Ato de Restituição 1463-4
Tipo
Liberdades, Privilégios, Concessões
Oficiais e Salários
Tenências de Terras e propriedades
Clérigos
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
universidades)
Dívidas
Outros (dote)
NÚMERO TOTAL DE ISENÇÕES
Quantidade
132
105
65
29
3
1
1
324
O número de isenções é surpreendente se considerarmos aqueles de Henrique VI
(194 em 1449-50, 56 em 1450-1 e 142 em 1455-6). Entretanto é possível compreender o fato
de que o seu reinado acabara de começar e que muitas decisões já haviam sido tomadas para
melhoria da arrecadação, de forma que as isenções propostas neste Ato referem-se a tais
novas concessões de cargos, ofícios, privilégios, terras, etc. Por se referir a apenas quatro anos
de administração, as isenções devem refletir uma satisfação do rei e do parlamento com a
situação.
O segundo caso, de 1467-8, é simbólico na medida em que o Ato de Restituição veio
em seguida ao discurso do rei mais significativo do período, através do qual ele será cobrado
pelos Comuns por suas palavras:
John Say, e vocês, senhores, que vieram para essa minha corte do parlamento pelos
comuns dessa minha terra. A razão pela qual eu convoquei o presente parlamento é
que eu pretendo viver sobre os meus próprios recursos, e não taxar os meus súditos
exceto por questões importantes e urgentes que mais preocupam o seu próprio bem
estar, e também a defesa desse meu reino, o meu prazer, como foi anteriormente
feito pelos comuns desse reino em favor dos meus progenitores em tempo de
necessidade; nessa questão eu confio em vocês, senhores, e todos os comuns dessa
minha terra serão tão simpáticos e gentis em tais assuntos como quaisquer comuns
foram para os monarcas do passado.204
203
O primeiro: “Memorandum etiam quod quedam cedula in pergameno exhibita fuit coram domino rege,
in presenti parliamento, formam cujusdam actus in presenti parliamento fiendi in se continens, sub hac serie
verborum” e os comuns consentem “A cest acte lez commens sount assentuz” (PROME, 1463-4, Itens 39-40, ff.
13-4). O segundo: “Memorandum quod quedam cedula, formam cujusdam actus resumptionis in se continens,
exhibita fuit in presenti parliamento in hec verba” e os comuns consentem “A toutz lez actez et provisions desuis
escriptez, les communes sont assentuz.” (PROME, 1467-8, Item 8, ff. 2-4).
204
“John Say, and ye sirs, comyn to this my court of parlement for the comon of this my lond. The cause
why Y have called and sommoned this my present parlement is, that Y purpose to lyve uppon my nowne, and
not to charge my subgettes but in grete and urgent causes, concernyng more the wele of theym self, and also the
148
Nesse discurso Eduardo IV utiliza os códigos de conduta simpáticos ao parlamento
ao seu favor após afirmar ao Porta-Voz dos Comuns (John Say) que não irá taxa-los a não ser
por necessidade. Aqui há uma clara alusão às críticas da década de 1450, já que a percepção
coeva era de que os impostos de fato eram para a defesa do reino. O Ato de Restituição que
acompanha este discurso no item seguinte também parece fazer parte da estratégia de afirmar
esses códigos ao seu favor, tomando uma atitude que corrobore a afirmação de evitar
impostos. Contudo, novamente o número de isenções é mais alto do que aqueles de Henrique
VI:
Quadro 18 – Ato de Restituição 1467-8
Tipo
Liberdades, Privilégios, Concessões
Cargos e Ofícios (e Salários)
Custódia de Propriedades e Terras arrendadas
Clérigos
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
universidades)
Dívidas
Outros particulares
NÚMERO TOTAL DE EXCEÇÕES
Quantidade
107
90
71
22
16
2
1
309
Portanto, tomamos tanto o discurso quanto este Ato de Restituição – e de certa forma
o anterior – como uma tentativa de manter a opinião pública amena a partir da Câmara dos
Comuns. Sua figura já não estava na melhor posição perante o reino após o casamento com
Elizabete Woodville (1464) e as incursões lideradas pela ex-rainha Margarete e a propaganda
empreendida por Fortescue em prol de Henrique VI teve uma circulação considerável
(GROSS, op. cit., pp. 46-69).
Entretanto, o próximo Ato de Restituição precisa ser entendido com maior cautela.
Após 1471 não havia mais Henrique VI, nem seu filho Eduardo, nem Ricardo de Warwick
que desequilibrassem a opinião pública. Ou seja, as percepções da crise política a partir de
agora arrefecem de maneira significativa – o que marca o período final de nossa análise. O
último Ato de Restituição considerado aqui está nesse período (1473-4) e, portanto, não
parece apontar uma estratégia de propaganda do rei, mas sim um decreto com resultados
efetivos e com o menor número de isenções do seu reinado.
defence of theym and of this my reame, rather than my nowne pleasir, as here to fore by commons of this londe
hath been doon and born unto my progenitours in tyme of nede; wheryn Y trust that ye sirs, and all the common
of this my lond, woll be as tender and kynde unto me in suche cases, as heretofore eny commons have been to
eny of my seid progenitours” (PROME, 1467-8, Item 7, f. 1).
149
Quadro 19 – Ato de Restituição 1473-4
Tipo
Quantidade
Liberdades, Privilégios, Concessões
116
Cargos e Ofícios (e Salários)
61
Custódia de Propriedades e Terras arrendadas
23
Comunidades (colégios, cidades, hospitais e
21
universidades)
Clérigos
13
Dívidas
2
Outros particulares
3
NÚMERO TOTAL DE EXCEÇÕES
239
Preocupados com a “honra, estado e prosperidade do rei e também do bem comum,
da defesa, da segurança e do bem estar do seu reino e dos seus súditos”205 esse Ato de
Restituição não apresenta claramente indícios que nos permitam afirmar ter sido proposto
unicamente pelo rei ou pelos Comuns. Há apenas uma preocupação com uma nova
“reorganização” da situação do reino após o fim da segunda fase da Guerra das Rosas – o que
pode ser notado pelo tamanho da sessão e pelas questões ali tratadas.
Dessa forma, o que queremos ressaltar por ora é que diferentemente dos Atos de
Restituição de Henrique VI, esses Atos demonstram uma percepção da opinião pública nos
dois primeiros casos, e uma atitude aparentemente efetiva (no terceiro) que mostra a
consciência dos membros do parlamento em relação aos problemas das duas décadas
anteriores e suas consequências. Portanto, aqueles problemas apontados em 1449-50 que
tinham no Ato de Restituição a sua esperança de resolução de problemas, demoraram mais de
duas décadas para amadurecerem tal ideia sobre esse decreto parlamentar que se tornou
corriqueiro neste período. A clareza dessas questões tópicas da crise política desde então,
permitiu a Eduardo IV um governo mais satisfatório – para a maior parte da opinião pública –
somente após 1471, como veremos abaixo.
4.2.2
O Bom Governo
Em An English Chronicle temos registrado que quando Warwick, Salisbury e
Eduardo chegaram em Sandwich em 1460 eles tinham com clareza que seus objetivos
estavam em prol do bem comum e eram a solução para os males do reino, prontos a destruir a
falsidade, erradicar os “venenosos” e cortar pela raiz as “roseiras-bravas” (An English
Chronicle, pp. 86-90). O bom governo que era esperado de Eduardo IV, por outro lado, se
205
“For dyvers causes and considerations concernyng the honour, astate and prosperite of the kyng, and
also the commen wele, defense, suertie and welfare of this reame, and the subgiettes of the same” (PROME,
1473-4, Item 6, f. 20).
150
pautava logicamente no passado recente do qual o conselho fora o alvo de críticas, mas que o
rei era a figura central em tal cultura política.
Para todos os efeitos, Michael Hicks argumenta que Eduardo IV tinha todas as
características que sua sociedade esperava de um rei medieval: ambicioso, justo, guerreiro, e
uma figura que assumia um papel reconhecidamente “público” (em oposição a Henrique VI).
Ao mesmo tempo uma vasta propaganda era distribuída para assegurar seu título devido às
circunstâncias de sua usurpação. Mas as percepções do seu governo passaram pelo prisma de
um governo “reformado” que era proposto pelo seu pai. Nesse sentido, ele praticou os Atos de
Restituição (mesmo que de maneira preventiva) e o “bom governo” através desse viés da
cultura política na qual estava inserido e à qual respondia: a manutenção da justiça, das leis e
da ordem (HICKS, 2010, pp. 171-2).
Entretanto, isso praticamente só pode ser afirmado para o segundo período do seu
reinado. Ricardo de Warwick estava convencido de que a política externa levada a cabo por
Eduardo IV na década de 1460 estava errada – começando pelo casamento que não foi com
nenhuma princesa dos seus vizinhos. Mas Warwick, como veremos no item 4.3, se via como
um “advogado do bem público”, se dizia agir em nome do interesse público legitimamente e
acreditava num governo e num conselho liderado por aqueles mais velhos anciãos, a mais alta
nobreza que se pode ter num reino e os conselheiros naturais do rei, uma narrativa que
demonstrava relações de continuidade desde 1449.206 Nem Henrique VI nem Eduardo IV
fizeram isso de imediato e assim Warwick conseguia apoio popular a sua pessoa e não perdera
até sua morte de 1471. Eduardo, por sua vez, perdera esse apoio e por isso a usurpação de
Henrique VI em 1470 foi possível (HICKS, 1998, p. 275).
Mas esse apoio foi perdido aos poucos. No que diz respeito ao parlamento, podemos
notar que os Comuns promoveram um “Elogio dos Comuns ao rei” na primeira sessão de seu
reinado em 1461. Aqui temos uma narrativa da situação de Eduardo IV e um “louvor” à sua
usurpação, uma espécie de declaração da submissão dos Comuns ao rei – o que era
relativamente comum. Eles lamentam a morte de Ricardo de York e condenam a dinastia de
Lancaster – que daqui pra frente será tratada nos registros como “injusta, usurpadora e falsa”
desde 1399. Eles louvam os atos militares empreendidos por Ricardo de York, Eduardo e o
Warwick, reconhecendo a constante busca pelo “bem comum e governo do reino e da igreja
de Deus” (PROME, 1461-2, Item 7, f. 1).
206
Ou ainda desde antes de 1447 com Humphrey de Gloucester, membro do conselho da menoridade de
Henrique VI que era crítico à posição de William de Suffolk e de toda a política de paz com a França. Ricardo de
York veio simbolicamente a ocupar sua posição perante a opinião pública após a morte de Humphrey em 1447 –
Ver Capítulos 2 e 3.
151
Eles reconhecem claramente que no reinado de Henrique VI os atos criminosos não
eram punidos “E que nesse tempo de reino usurpado do seu adversário Henrique, que era
chamado rei Henrique VI, extorsão, assassinato, violações, efusão de sangue inocente,
distúrbios e injustiças ocorriam normalmente nesse reino sem punição”.207 E assim eles
esperavam que o reinado de Eduardo IV fosse diferente e, portanto, justo. Dessa forma, boa
parte dessa seção de 1461-2 está concentrada na condenação dos herdeiros de Lancaster e na
transferência de propriedades e rendas.
Não obstante, as demais sessões de seu reinado em análise aqui (1463-4, 1467-8 e
1472-5) não se preocupam com o Conselho ou o Bom Governo como aquelas de Henrique VI
o fazia. Isso também foi demonstrado pelo número reduzido de recorrência do termo
Council/Counsel e o número elevado do termo Law que em geral estava evocando as “leis”
para a punição dos apoiadores de Henrique VI (Quadro 16). O “assunto” atribuído pelo
Chanceler à sessão de 1463-5 é, entretanto, a questão da justiça e “aqueles que devem vigiar
pela justiça”, mas uma justiça também em relação aos Lancasters.
O que queremos enfatizar é que as críticas que seu primeiro período de reinado
sofreu por parte de Warwick pareciam de cunho muito particular e circunscrito, já que a
relação com o parlamento parecia amistosa inclusive pelos Atos de Restituição evocados
acima. Em 1467-8, quando o discurso do rei de que viveria por seus próprios rendimentos foi
proclamado, os comuns novamente se mostrariam satisfeitos tanto com o discurso, quanto
com o Ato – elogiando a situação de manutenção de Calais em seguida (PROME, 1467-8,
Itens 15-8, f. 30).
No que diz respeito à última sessão de nossas análises, 1472-5, o parlamento se
encontrava numa situação mais estável (dado o fim da causa Lancaster) de maneira que o
parlamento não apresenta indícios de conflito, crítica ou quaisquer alusões à falta de execução
da lei (com exceção das referências aos eventos de 1470-1). A sessão, pelo contrário, se
mostra aberta a reconciliação com um número elevado de cartas de perdão expedida aos que
apoiaram Henrique VI outrora, bem como um novo Ato de Restituição, concessão de novos
impostos e uma reorganização geral da distribuição de terras, ofícios, cartas-patentes,
concessões, etc.
É preciso lembrar que além da situação dinástica, a crise política vivida na década de
1450 proporcionava uma herança de governo a Eduardo IV que só após estas muitas
207
“And that as in the tyme of the usurped reigne of youre seid adversarie Henry, late called Kyng Henry
the sixt, extorcion, murdre, rape, effusion of innocent blode, riot and unrightwisnes were commynly used in your
seid reame withoute punicion…” (PROME, 1461-2, Item 7, f. 1).
152
resoluções entre 1461-75 – como as questões financeiras, as trocas de mercadorias com o
continente, a formação do conselho e a posição perante a França – ele poderia se sentir
seguro. Isso só foi possível justamente após a morte de Henrique VI, de seu filho e de Ricardo
de Warwick em 1471, quando Eduardo pôde demonstrar um governo mais livre e
independente perante as percepções coevas satisfatoriamente. Praticamente o único aspecto no
qual não ele não obteve sucesso e sofreu novas ameaças políticas foi novamente devido às
suas relações divergentes e instáveis entre a França e a Borgonha. Mas sua autoridade agora
era extremada, bastavam rumores de levantes, de possível deposição ou críticas a sua pessoa
que já ocorriam prisões e mortes, como a do Arcebispo Neville (irmão de Ricardo de
Warwick) e do seu próprio irmão George de Clarence (HICKS 1998, pp. 209-11).
Para Hicks, uma das demonstrações dessa autoridade, mas ao mesmo tempo
“sanidade” no poder na maior parte do tempo era que o Parlamento e o próprio Conselho
foram relativamente pouco consultados. Ele estava definitiva e completamente no poder até
1483; poderia ser persuadido, mas nunca enganado ou ignorado. Conseguiu pagar todas as
dívidas que ele herdara de Henrique VI, conseguiu “viver dos próprios rendimentos” e ainda
financiar uma guerra com a Escócia sozinho. Todos os problemas passados nas guerras
anteriores estavam praticamente dizimados até a intervenção de Ricardo de Gloucester
(Ricardo III), tio do príncipe herdeiro Eduardo V (Idem, Ibidem, pp. 212-5).
Ora, para compreendermos ainda melhor de que maneira ainda foi possível afirmar
até aqui que questões de 1450 ainda existiam, colocaremos abaixo como a França ainda
aparecia nas questões do Parlamento e como ele foi alvo de legitimação de arrecadação de
novos impostos. Ou seja, o argumento de uma possível invasão à França vinha como uma
espécie de tentativa de recuperar o que foi perdido em 1449-53. Assim, fosse ou não a
verdadeira intenção do rei, o que importa são as percepções que ela suscitou.
4.2.3
A França e a Defesa do Reino
A derrota na Guerra dos Cem Anos não virá a ser admitida até o século XVI, mas
para Eduardo IV, os maiores prejuízos das perdas de Henrique VI na França foram as ruínas
nas quais ficaram as trocas comerciais com o continente. Se, como já afirmamos, ele foi um
monarca que zelou por suas finanças, as trocas constituíam um importante aspecto de um
153
todo. Ele foi capaz, contudo, de recuperar a situação de Calais208 e de estabelecer boas
relações diplomáticas com os mercadores italianos e hanseáticos (KLEINEKE, op. cit., p. 67).
Mas mais importante do que isso, por duas vezes em seu reinado ele arrecadou
grandes quantias de dinheiro no parlamento para invadir a França e não o fez – o que na
percepção coeva pareceu um desperdício e provocou oposição (Idem, Ibidem, pp. 133-4).
Quando ele finalmente voltou de sua expedição ao continente em 1475, as críticas da opinião
pública voltaram a recair sobre a posição do monarca em relação à França – que aceitara um
tratado com Luís XI em Picquigny sem muita resistência. Esse talvez possa ser considerado o
motivo de ele se abster em conclamar sessões mais frequentes após 1475: o parlamento de
1478 foi convocado para proclamar a sentença de traição de seu irmão George de Clarence e o
de 1483 para requerer dinheiro para subsidiar sua outra guerra com a Escócia. Ou seja, a
opinião pública – ao menos aquela que atingia o parlamento – se fazia sentir dessa maneira,
na cautela do monarca em conclamar o parlamento.
Ele não subestimava seus adversários, mas tinha consciência de que não poderia
enfrentar a França sozinho. Foi nisso que trabalhara na década de 1460, na aliança
Borgonhesa e na coleta de impostos para renovar a guerra (PROME, 1467-8, Itens 24-9, ff.
32-3). Em curto prazo, Eduardo queria demonstrar ao continente e à Escócia que havia
chegado ao trono definitivamente. Em longo prazo, era a conquista da França que ele visava:
neutralizando a Escócia e evitando entrar em conflito direto com a França, pois sabia que
perderia sem o apoio borgonhês. Em 1468 o parlamento foi avisado sobre as intenções do rei,
mas o que Eduardo conseguiu foi apenas a hostilidade de Luís XI, que acabou na sua
deposição em 1471 em favor de Henrique VI (HICKS, 2010, pp. 127-31).
Não resta dúvidas de que Eduardo, ao recuperar seu trono em 1471, queria revidar o
apoio que Luís XI oferecera a Henrique VI, de maneira que a França foi de fato invadida com
o intuito de recuperar a Normandia ou a Gasconha, embora somente em 1475. Em 1472,
portanto, Eduardo tentava reunir todas as suas forças para retomar a guerra com a França, mas
suas promessas já haviam falhado numa possível guerra contra os escoceses que não deu certo
em 1463. Todavia, ele conseguiu arrecadar um montante comparável ao de Henrique V entre
1413 e 1417 (GROSS, op. cit., p. 91), o que é demonstrado pelos subsídios de taxas de renda
tanto para os Lordes quanto para os Comuns já na sessão do Parlamento de 1463 (PROME,
1463-4, Item 8, f. 2).
208
As medidas para a situação de Calais (recuperação e manutenção do entreposto) ocorreram nada menos
que nove vezes em três das seis seções de Eduardo IV: 1461-2, Item 41, f. 18; 1463-4, Item 18, f. 5 / Itens 26-7,
f. 10 / Item 44, f. 33 / Item 50, f. 40 / Item 58, f. 43-4 e Ap. 1; 1471-5, Itens 9-12, ff. 27-8 / Item 34, f. 36.
154
Ao invés de usar a força simbólica de sua aparente influência, o rei usou a
justificação pelo “bom senso” para conseguir as taxas. Em se tratando de reaver a Normandia,
a Gasconha e o pleno controle do Canal da Mancha para sanar os problemas financeiros, suas
justificativas soavam óbvias para que os subsídios fossem concedidos – além do álibi
construído por ele próprio através dos Atos de Restituição. Uma vez que a retórica de
Eduardo ainda era repleta do quadro de legitimidade e reforma herdado de seu pai seria
propícia a manipulação ao menos dos Comuns, situação que fugiu do seu controle ao menos
até 1471 (GROSS, op. cit., p. 94).
Em primeiro lugar, a defesa do reino no que se refere à Escócia era argumentada
desde o parlamento de 1461 através da justificativa de que os escoceses ajudaram Henrique
VI e sua rainha Margarete. Henrique e Margarete foram para a Escócia pedir “ajuda ao
inimigo”, fizeram incursão no norte (Berwick) e ainda conspiravam contra o rei atacando
Carlisle e planejando um levante em Gales (PROME, 1461-2, Itens 17-25, f. 11). Em 1463-4,
um subsídio de £37.000 foi aprovado pelos Comuns para a “defesa do reino”, mas com o
claro propósito de atacar a Escócia (PROME, 1463-5, Item 8, f. 2). Os subsídios que tinham o
mesmo objetivo de “defesa do reino” também foram retomados nessa seção, sobre os
alimentos e bebidas (Ibidem, Item 24, ff. 8-9) e sobre a lã (Ibidem, Item 25, ff. 9-10).
Assim, e em segundo lugar, o subsídio da lã também era meio de arrecadação para a
manutenção e defesa do entreposto de Calais. Em 1467-8 Calais continua sendo alvo de
discussão, demonstrando que a cidade estava abandonada, em ruínas e que precisava de
medidas para sua preservação. É colocado em questão que os pagamentos dos soldados, dos
funcionários e capitães ainda não haviam sido efetuados desde 1461 e que toda a renda dos
impostos da lã deveria ser novamente direcionada para lá, etc. São substituídas pessoas
relacionadas à administração da cidade, como o Tesoureiro, o “guardião” e o administrador
das dispensas e suprimentos (PROME, 1467-8, Itens 9-12, ff. 27-8).
Assim, havia uma percepção de que a situação demandava atitudes imediatas e que o
reino ainda estava sob ameaça – apesar de Henrique VI estar presto na Torre. É então que um
discurso é propagado pelo chanceler do reino ao retomar a sessão parlamentar em 12 de Maio
de 1468. Esse discurso sem motivo aparente apresenta fundamentos de justiça, que deve
assegurar a paz e a felicidade das pessoas de maneira que:
Justiça é para todas as pessoas, realizar o ofício no qual foi colocado de acordo com
seu estado e seu nível; e para essa terra, é entendido que está baseado nos três
estados, e acima deles um principal; ou seja, os lordes espirituais, os lordes
temporais, e os comuns, e acima deles o estado real, que é nosso soberano senhor o
rei, que comandou a ele [o chanceler] a dizer-lhes que sua mais importante intenção
155
é administrar as leis e a justiça, e implantar, reparar e estabelecer a paz por todo o
seu reino pelos conselhos dos seus lordes espirituais e temporais, e ele também
pretende prover paz fora do reino para a defesa e segurança desse reino.209
Dessa forma Eduardo, através do Chanceler, coloca um discurso construído de
maneira lógica para que consiga apoio da opinião pública (após a propagação desse discurso
ao encerrar a sessão) e das Câmaras dos Comuns e Lordes. Dessa forma é colocada uma
representação de como estava o reino antes de Eduardo IV assumir o poder para que a
assembleia se convença ainda mais:
[...] esta terra estava desprovida e estéril de justiça, a paz não era mantida, nem as
leis propriamente administradas dentro dela, e também foi despojada da Coroa da
França, dos ducados da Normandia, Gasconha e Guiana, e também rodeada e
obstruída por hostilidades de todos os lados, pela Dinamarca, Espanha, Escócia,
Bretanha e outras regiões, e também por nosso antigo inimigo da França [...].210
E então o motivo do discurso vem às claras. A partir daqui a proclamação expõe
todos os problemas que foram resolvidos pelo rei, de maneira que fique claro que de tudo que
foi dito, somente a França restou. Segundo o chanceler, portanto, foi conquistada: paz e liga
de comércio com a Espanha; paz e liga de comércio com a Dinamarca; paz e liga de comércio
com os antigos amigos da Alemanha; paz com a Escócia por 50 anos; amizade e liga de
comércio com o rei de Nápoles; bons prospectos para uma liga de amizade e de comércio com
o rei de Aragão; amizade e confederação com o duque da Borgonha; amizade e confederação
com o Duque da Bretanha (PROME, 1467-8, Item 27, ff. 32-3). Logo, a representação
evidente proposta pelo chanceler é que todas essas alianças foram realizadas para enfraquecer
a posição da França:
[...] Sua Alteza está determinada, com o poder e ajuda de Deus, e com o conselho e
assistência dos lordes espirituais e temporais, e também dos comuns dessa terra, para
proceder e realizar o seu principal objetivo, para a defesa desta terra, isto é,
atravessar o mar até a França, e subjugar seu grande rebelde e adversário Luís [...] e
209
“Justice is, every persone to doo his office that he is put yn accordyng to his astate or degre; and as for
this lond, it is understoud that it stondeth by .iij. estates, and above that oon principall; that is to witte, lordes
spirituell, lordes temporell, and commons, and over that, state riall above, as oure soverayn lorde the kyng,
which had yeven unto hym in commaundement to sey unto theym, that \his/ entent fynall was to ministre lawe and
justice, and to plante, fixe and sette peas thorough all this his reame, by thadvis of his lordes spirituell and
temporell, and also entended to provyde an [ ] outward pease for the defence and suerte of this reame”
(PROME, 1467-8, Item 25, f. 32).
210
“… for atte that tyme this londe was full naked and bareyn of justice, the peas not kepte, nor lawes
duely mynystred within the same, and was also spoilled of the crowne of Fraunce, the duchies of Normandy,
Gascoyn and Gyen, and also with enmyte en\v/yrounded and leyde aboute on every syde, as with Denmark,
Spayn, Scotlond, Bretayn, and other parties, and also with oure old and auncient ennemyes of Fraunce...”
(Ibidem, Item 26, f. 32).
156
recuperar e desfrutar do título e posse do dito reino da França, e os seus ducados e
senhorios da Normandia, Gasconha, Guiana e outros.211
O argumento aqui é construído de certa forma que se não invadirem a França, a
Inglaterra será invadida. E o resultado de concessão de imposto é imediato. Nos registros que
seguem esse discurso são concedidos dois dízimos e quínzimos “inteiros” a serem
arrecadados até novembro e 1468, março de 1469 e março de 1470 (PROME, 1467-8, Item
30, ff. 33-4). Contudo, essa possível intenção de Eduardo IV invadir a França conseguiu apoio
naquele momento, mas foi suplantada pelas ações de Ricardo de Warwick entre 1469-70.
Tendo sido deposto em Outubro de 1470 e retornado somente o ano seguinte, os objetivos de
invasão da França são retomados somente no seu próximo parlamento de 1472-5.
Treze mil arqueiros são recrutados para ficarem a serviço do rei (PROME, 1472-3,
Item 8, ff. 36-5). Em seguida uma concessão dos próprios Lordes – o que é inédito no período
de estudo – é colocada, baseada em 10% da renda anual de suas terras para “assistência e
equipagem do exército do rei” (Ibidem, Item 9, ff. 35-6). Os Comuns logo se pronunciam com
os corriqueiros dízimos e quínzimos, com o objetivo de subsidiar os arqueiros recrutados
(Ibidem, Item 41, ff. 15-2). E o rei reconhece a dívida ainda existente para a manutenção da
cidade de Calais, que chegava então a £21.000 (Ibidem, Item 59, ff. 5-1).
É preciso dizer que a importância simbólica dessa seção do parlamento que se
estendeu por três anos de reuniões deve ter sido sentida pelos membros da assembleia.
Primeiro porque essa foi a maior sessão parlamentar desde o início dos registros
parlamentares do século XIII. Segundo porque Henrique VI havia morrido e Eduardo IV
tentava resolver os problemas existentes, dos quais a França (e Calais) tinham um papel
central. Não obstante, o resto das sessões de 1474-5 continuou em negociação sobre a
arrecadação do que foi votado em 1472-3 (PROME, 1474-5, Item 7, ff. 34-30).
A situação de preparação para guerra é tal que Eduardo realiza um “Ato de
Investidura”, no qual aponta 17 Lordes que são colocados como “tenentes” de terras e
propriedades do Ducado de Lancaster – as mais importantes terras da Coroa (Ibidem, Itens
11-4, ff. 28-7). Também são somados, agora em 1474-5, mais ¾ de quínzimo e dízimo aos
subsídios anteriores (Ibidem, Item 43, ff. 10-8) incluindo proteção àqueles que vão
acompanhar o rei no continente (Ibidem, Item 57, f. 2).
211
“Wherfore his seid highnes was fully sete and purposed, with the myght and helpe of Allmyghty God,
and with advis and assistens of his lordes spirituell and temporell, and also of the common of this londe, to
procede and perfourme his seid principal entent for the defence of this londe, that is to sey, to goo over the see
into Fraunce, and to subdue his grete rebell and adversary Lowes, usurpant kyng of the same, and to recovere
and enjoy the title and possession of the seid reame of Fraunce, forthwith his duchies and lorships of Normandie,
Gascoyn, Guysen, and other;…” (PROME, 1467-8, Item 28, f. 33).
157
É interessante enfatizar que historiadoras como Carpenter defendem o fato de
Eduardo IV tentar corresponder à imagem de Henrique V – teoricamente da dinastia que o
opunha, mas que agora estava dizimada (CARPENTER, 1997, p. 31). Na mesma seção do
parlamento que estamos tratando aqui, é copiado um processo legal que Henrique V oferecia
aos seus soldados e tenentes do exército. Trata-se de proteção de herança e segurança às suas
famílias em caso de morte no continente (PROME, 1474-5 Item 58, ff. 2-1). Trata-se
novamente de uma aparente estratégia de legitimação de suas ações através do passado
recente.
E por fim, faz-se necessário abordar o discurso do Porta-Voz dos Comuns dessa
seção. William Alyngton reafirma o tópico comum de sua cultura política de que o papel do
rei era manter a paz e a justiça no reino através das leis. Mas ele parte para a ideia de que a
guerra fazia parte do equilíbrio do reino e que manter a paz internamente significava ao
mesmo tempo manter a guerra com a França. A ocasião para ele, propagada para os Comuns,
oferecia uma oportunidade de recuperar não só a Normandia e a Guiana, mas também a Coroa
da França – através da aliança com a Borgonha e a Bretanha. Nesse discurso, portanto, a
justiça, a paz e a prosperidade do reino só podem ser atingidas quando existe a manutenção da
guerra (Ibidem, Ap. 1).
Ele cita os reinados desde a Conquista Normanda (1066) que mantiveram uma guerra
e obtiveram prosperidade: Henrique I, Henrique II, Ricardo I, Henrique III, Eduardo I,
Eduardo III, Henrique V e Henrique VI. Com ressalva evidente para o último que tinha glória
enquanto durou a guerra, e depois “tudo caiu em declínio” – fazendo paralelo com o que
aconteceu com Roma que, quando não tinha mais inimigos pra lutar, também caiu em declínio
(Ibidem). Em documento não identificado também nos Apêndices da seção, mas se referindo
aos impostos concordados, deixa claro o reconhecimento da ligação direta entre a coleta de
imposto do dízimo e do quínzimo com a invasão próxima da França. Essa petição enfatiza
uma percepção de que a ociosidade do povo causa um crescimento da subversão da lei e que a
guerra é o seu melhor remédio (Ibidem, Ap. 4).
Entretanto, para nós há uma ambiguidade na percepção coeva que explica tanto o
estabelecimento de Eduardo IV no trono quanto suas críticas: a França. É bastante clara a
questão de que Eduardo IV resolveu grande parte de sua crise política sob o discurso contra a
França e a Escócia desde 1463, conseguindo solapar a dinastia Lancaster em meio a isso. Mas
ao mesmo tempo as insatisfações que viriam a aparecer mesmo após nosso período de estudo,
1475, se deram pela sua desistência rápida de objetivos discutidos por mais de dez anos só do
seu reinado. Para encerrar esse trecho, um fragmento da crônica The Brut é um dos registros
158
de desapontamento com o aparente fim das esperanças sobre a França. Para o cronista
decepcionado, Eduardo IV desistiu da invasão à França por um simples acordo de dez mil
libras – e sua narrativa em seguida sobre as doenças que assolaram o reino, como a “varíola
francesa”, parece ser colocada como resultado dessa posição do rei (The Brut, pp. 602-4).
4.3 O fim da segunda fase da Guerra das Rosas e a Opinião Pública
De todas as evidências comentadas neste capítulo, as percepções e atitudes quanto a
Eduardo IV se mostraram, quando não positivas, um tanto ambíguas. E a posição do rei, por
sua vez, consciente de sua fragilidade e posição delicada perante o parlamento e,
consequentemente, a opinião pública. Interessante notar um documento analisado por Jones
em 1997, onde o papa reconhecia que Ricardo de York estaria no trono antes de morrer se
houvesse ainda alguma preocupação com a justiça naquele reino. Rumores se espalharam de
que York havia sido absolvido pelo papa de sua sujeição a Henrique VI – podendo assim,
prosseguir sua conquista do trono. Outros rumores também se pautavam numa aliança entre o
rei da Escócia, James II, e York para a usurpação da Coroa (JONES, 1997, p. 349).
O que queremos colocar é que os rumores também corroboravam tais ambiguidades
e, como elementos da opinião pública já apoiavam a causa York antes de 1461. Mas o
documento principal no qual o artigo de Jones está baseado – uma carta de Eduardo IV a
Warwick em 1463 – está envolto em uma série de evidências nas quais o autor chega ao ponto
de afirmar que existe uma possibilidade verosímil de interpretarmos a usurpação de 1461, que
aquela de que havia uma intenção muito clara para Ricardo de York e seus filhos muito antes
de 1459 (Idem, Ibidem, p. 351).
E isso nos leva novamente ao ponto onde começamos estes argumentos, a Revolta de
Jack Cade. Se houve um momento antes de 1459 em que York vislumbrou a usurpação da
Coroa, ele só poderia estar na revolta de 1450. E é por isso que é tão importante para nós que
ele tenha se apropriado das percepções da revolta para fazer sua causa ganhar legitimidade
entre outras camadas da população. A invasão de seu filho em Kent em 1461 foi um ato
deliberadamente consciente de que a opinião pública naquela região os acolheria no sudeste.
A base de maior apoio desde sempre aos Yorks sempre foram os comuns (sobretudo fora do
parlamento). E Michael Hicks nos auxilia com o argumento de que aquelas queixas de 1450
foram reprimidas, mas não esquecidas e que a campanha York de 1460 foi um levante popular
focado e dirigido pela alta nobreza (HICKS, 1998, p. 191).
159
Dessa mesma forma, Ricardo de Warwick – tendo sido companheiro de Ricardo de
York e corresponsável pela coroação de Eduardo IV – agiu em 1469-71. Ou seja, a mesma
manipulação de levantes populares pela alta nobreza para o destronamento do rei que ele
ajudara a coroar, mas que agora o desagradava em particular. Sabemos que eles, no primeiro e
no segundo momento, endereçaram propagandas para tanto, só não sabemos como. As
crônicas do período reproduzem boatos fortes que às vezes não encontramos em nenhum
outro documento, como vimos, e Warwick era um dos propagandistas e figuras destacadas
que estava consciente da popularidade de causas reformistas desde 1450. Ele próprio era uma
figura de “popularidade” sem igual e para Michael Hicks é provável que seus simpatizantes
do condado de Kent o forneceram uma cópia do manifesto de Jack Cade no fim da década de
1460 (1998, pp. 193-4).
Os documentos que os York lançaram nos alvores de 1460 pedindo apoio são
bastante significativos para compreendermos de que maneira a opinião pública era entendida
por eles e articulada a seu favor, alguns deles considerados no capítulo anterior. A “ideologia
da reforma” estava presente em todos esses documentos onde o manifesto de Jack Cade
soava: o rei deveria viver pela sua própria renda, a França foi perdida e era possível que os
conselheiros do rei traidores vendessem a Inglaterra toda para os franceses; Warwick, York e
Salisbury eram representados como imagens renovadas do “Bom Duque de Gloucester”, e
assim, do “bom governo” e zeladores do “bem comum”.
A lealdade ao rei Henrique VI, ao menos em palavras, foi mantida até 1459, mas
ninguém que o opunha realmente poderia acreditar que conseguiria seus objetivos sem
alguma violência. Estar de acordo com o bem público justificava, em certa medida, a
violência sem que fosse considerada traição, e essa era a essência das declarações de Jack
Cade e Ricardo de York sendo “leal ao rei” (liegemen) – o que possibilitou as batalhas de St.
Albans (1455), Blore Heath (1459) e Ludford (1459). Além disso, ainda para Hicks as
acusações de mal governo sempre recaíram sobre os conselheiros porque não poderiam recair
sobre um rei que era conspicuamente bondoso e religioso como fora Henrique VI. Mas, sem
dúvidas alguma os Yorks ressentiam o tratamento que lhes foi dado como traidores em 1459
(HICKS, 1998, p. 209).
Tudo isso para dizer que, a “ideologia da reforma” que Eduardo IV herdou de Jack
Cade e Ricardo de York, o teria incumbido de realiza-las e, em não realizando, recaiu em uma
situação semelhante à de Henrique VI em 1461: deposição e exílio em 1470-1. Ou seja, em
linhas gerais o primeiro reinado de Eduardo IV foi uma verdadeira combustão do reino nas
tentativas de solapar aqueles que apoiavam Henrique VI – que durou até sua prisão em 1465 –
160
e na tentativa de conter o desapontamento dos súditos que se expressavam, sobre o seu
casamento de 1464 e sobre a má utilização dos impostos, por exemplo (KLEINEKE, op. cit.,
pp. 55-7). Muitas manifestações nos apontam nessa direção, tais como a Revolta de Robin de
Holderness (York, 1469), a Revolta de Robin de Redesdale (várias cidades do norte, 1469), e
o fácil apoio popular que teve a retomada do trono por Henrique VI em 1470. Na verdade,
nenhuma das críticas do governo de Henrique VI foram resolvidas por Eduardo IV: os
impostos mal geridos (velados sob a retórica de Guerra com a Escócia, e depois com a
França), o círculo de favoritos (criados agora com base na família de sua esposa), e os
consequentes índices baixos dos cofres da coroa que não foram resolvidos pelos Atos de
Restituição considerados acima.
Portanto, gostaria de finalizar as considerações sobre a segunda fase da Guerra das
Rosas voltando aos documentos que aludem aos problemas de 1450 e fechando o nosso
argumento de apropriação e de que a Revolta de Jack Cade ajudou a moldar percepções –
agora por Warwick e Clarence e as questões de 1469-71. As petições dos rebeldes de 1469
foram compiladas também por John Vale e implicavam nessas ideias: a pobreza do rei e o
excesso de impostos, a falta de execução da justiça, o conselho mal intencionado sobre os
gastos públicos e régios, etc.212 Os rebeldes colocam em xeque inclusive a promessa que
Eduardo fez no parlamento de 1467 e não cumpriu sobre a solicitação de novos impostos: “...
Ao menos que houvesse grandes e urgentes razões que se referissem tanto à nossa
prosperidade quanto à do nosso soberano senhor; de acordo com a promessa que fez para nós
no seu último parlamento, publicamente e com a sua própria boca”. 213
Assim, as queixas são de aplicação geral e foram amplamente divulgadas. Não havia
queixas locais da cidade de York, apesar de aludir a situações de Kent e Londres. Como Jack
Cade e outros movimentos, os rebeldes enfatizam a sua fidelidade ao rei214 e propõem a
solução para “tudo”: punição dos maus conselheiros, adequação dos gastos do rei,215 punição
212
“First, that the seid seducious persones abovenamed, wheche by theire subtile and malicious meanes
have causyd oure said sovereyn lord to estrainge his good grace from the Councelle of the nobile and trewe
lordis of his blood, moved hym to breke hys lawes and statutis, mynysshed his lyvelode and housold,
chaunchyng his most richest coyne, and charging this lond with such egret and inordinate imposicions…” (John
Vale, p. 214).
213
“… Unlesse that it were for the gret and urgent causes concernynge as well the wellthe of us, as of oure
seid sovereyne lord; Accordyn to the promyse that he made in his last parliament, openly wyth his owen mouthe
unto us” (Ibidem, p. 215).
214
“These undrewwretyn are the peticions o fus treue and feythefulle subjettes and commons of this lond
for the gret wele and surete of the Kyng oure sovereigne lord and his heires, and the commonwele of this lond,
evir to be contynued” (Ibidem, p. 214).
215
“…and stablish for evyr to be hadde suche a sufficiente of lyvelode and possescions…” (Ibidem).
161
de qualquer um que pedir isenção dos Atos de Restituição,216 coleta de impostos somente para
a Custódia dos Mares,217 e atenção e respeito às leis gloriosas de Eduardo III.218 As petições
foram recebidas por ninguém menos do que Ricardo de Warwick, George de Clarence e o
Arcebispo Neville (irmão de Warwick) que logo escreveram cartas ao rei em apoio aos
rebeldes. Se Warwick não planejou a própria revolta, ele ao menos explorou a oportunidade
com as cartas e com a sua invasão no ano seguinte.
A referida carta assinada por Warwick, seu irmão e George Clarence – registrada
pelo cronista Warkworth219 – justifica as ações dos rebeldes interpretando da seguinte
maneira:
[…] os verdadeiros súditos de diversas partes desse reino da Inglaterra nos
entregaram certas cartas de artigos [...], lembrando nas mesmas o governo e
orientação cobiçosa e ilusória de certais pessoas sediciosas [...] através de suas
opiniões e consensos danosos ao governo, que fizeram com que nosso Senhor
soberano e o seu reino caíssem em grande pobreza e miséria, perturbando a
administração das leis, apenas atendendo às suas próprias ambições e
enriquecimento. Os ditos verdadeiros súditos com tristes lamentações nos chamam e
outros lordes como caminhos para que o nosso Senhor soberano solucione e reforme
[...].220
Portanto, através dessa argumentação que já coloca os rebeldes de Holderness e
Redesdale como “verdadeiros súditos” eles não só legitimam as revoltas de 1469, como
reproduzem o mesmo discurso utilizado na década anterior e se colocam na mesma posição
dos rebeldes, qual seja, defendendo a “ideologia da reforma”. Lembrando que esta carta de
Warwick a Eduardo IV é uma espécie de “introdução” à cópia das petições dos rebeldes de
York entregues a ele em Julho daquele ano de 1469. E não é preciso dizer que Ricardo de
York, em 1450-6, se absteve de entrar em contato direto com as revoltas que ocorreram no
216
“Also to be enstablisshid be the seid auctorite, that yf any persone... presume or take upon them to aske
or take possessions of any lyvelod so appoyntyd…to be punysshed” (John Vale, p. 215).
217
“Also that the revenues of Tounage and Poundage may be employed in the kepynf of the see as it was
granted…” (Ibidem)
218
“Also that the lawes and the statutis made in the days of your noble progenitours kyng Edward the
iijde. sethen for the concernyng and kepyng of this lond in good hele and peas…” (Ibidem).
219
Warkworth é a crônica mais consultada entre as fontes do período para a compreensão do reinado de
Eduardo IV entre 1461 e 1475. Da mesma maneira que muitas crônicas do período, esta também reproduz
documentos que supostamente circularam no reino. O autor da crônica foi John Warkworth, Mestre do Colégio
de São Pedro em Cambridge.
220
“... true subgettes of diverse partyes of this realme of Engelond have delivered to us certeyn billis of
Articles, …, rememberynge in the same the disceyvabiile covetous rule and gydynge of certeyne ceducious
persones… of theyre myschevous rule opinion and assent, wheche have caused oure seid sovereyn Lord and his
seid realme to falle in grete poverte of myserie, disturbynge the mynystracion of the lawes, only entendyng to
thaire owen promocion and enriching. The seid trewe subgettis with pitevous lamentacion callyn upon us and
other lords to be meanes to oure seid sovereyne Lord for a remedy and reformacion…” (Ed. HALLIWELL,
1839, p. 46).
162
reino e nunca se referiu a elas diretamente. Agora, Warwick e Clarence já o faziam
abertamente.
É preciso colocar que John Vale, ao copiar estes escritos para seu arquivo pessoal
sempre colocava um título que explicitava o que viria a seguir. No caso das petições dos
rebeldes de 1469 há um claro reconhecimento por parte desse “título” de John Vale, de que o
próprio Warwick e Clarence “idealizaram, escreveram e desejavam” as causas dos rebeldes na
ocasião.221
Não obstante, há uma comparação aparentemente feita pelos rebeldes, mas
possivelmente feita pelo próprio Warwick, entre os males do reinado de Eduardo II, Ricardo
II e Henrique VI (os reis depostos da história até então) – servindo de espelho para o próprio
Eduardo IV. A comparação é baseada justamente na má administração dos impostos, na má
escolha dos conselheiros (pelo favor e amizade, e não pelo sangue da nobreza) e na
consequente degeneração do bem comum.222 A falta de administração da justiça e das leis
também são evocadas como espécie de conselho a Eduardo IV.223 Assim como os rebeldes de
1450 tinham um passado glorioso em Henrique V, agora havia uma percepção clara dos
períodos de crise passados, dos seus supostos motivos, e dos períodos de “glória”: o reinado
de Eduardo III (citado sobre suas “leis gloriosas”) e o de Henrique V.224
Está claro que este aparente conselho está colocado como um alerta. Ou seja, toda a
situação que é colocada nesses parágrafos serviu supostamente de argumento para deposição
do monarca em questão – embora possamos afirma-lo somente para o caso de Henrique VI, e
não de Eduardo II ou Ricardo II. Dessa forma, esse documento se mostra não só como um
prólogo do que viria a acontecer com Eduardo IV no ano seguinte, mas como uma clara
221
“Tharticles and causis of thassembling of Robyn of Ridisdale and the commones of Yorkeshire...
divised made and desired by the duc of Clarence, therle of Warrewik, the lorde Willowby and lorde lorde
Wellis…” (John Vale, p. 212).
222
“... where the seid Kynges estraingid the gret lordes of thayre blod from thaire secrete Councelle, And
not avised by them; And takyng abowte them other noto f thaire blood, and enclynyng only to theire counselle,
rule and advise, the whece persones take not respect ne consideracion to the wele of the seid princes, ne to the
comonwele of this lond, but only to theire singuler lucour and enrichyng of themself and theire bloode, as welle
in theire greet possessions as in goodis; by the wheche the seid princes were so enpoverysshed that they hadde
not sufficient of lyvelod ne of goodis, wherby they myght kepe and mayntene theire honorable estate and
ordinarie charges withynne this realme” (Ibidem, p. 213).
223
“... by the wheche there were no lawes atte that tyme deuly ministred, ne putt in execution, wheche
caused murdres, roberyes, rapes, oppressions, and extorcions...” (Ibidem).
224
Importante colocar que Eduardo III foi, com razão, reconhecido como um rei “glorioso” devido à sua
organização de muitas questões do reino entre 1327 e 1377. Para além do fato de ele ter assumido o trono no
lugar de seu pai deposto, Eduardo II, foi ele que iniciou a Guerra dos Cem Anos, que convocou os Comuns como
membros fixos do Parlamento, que concentrou os impostos na cidade de Calais, etc. Junto com Henrique V,
eram considerados exemplos de monarcas que trouxeram glórias para o reino – se referindo sobretudo à França –
e que se mostram como figuras excepcionais em meio à deposição de Eduardo II (1327), Ricardo II (1399) e
Henrique VI (1461) (Cf. HARRISS, 2005).
163
percepção do século XV de como um monarca deslegitimava a sua posse da coroa através de
suas ações. Agora, em 1469, parecia natural o fato de que a Coroa era um espaço no qual não
apenas a herança do trono assegurava a posição do rei.
Não é casual que Warwick e Clarence, insatisfeitos com o reinado de Eduardo IV
desde o seu casamento com Elizabeth Woodville (1464) e sem grandes resultados com as
revoltas e manipulações aludidas acima, se aliaram novamente a Henrique VI – que ainda se
encontrava vivo e preso na torre de Londres – através da rainha Margarete. A aliança foi
idealizada por Sir John Fortescue, que serviu de diplomata entre a rainha Margarete, Ricardo
de Warwick e o rei da França Luís XI, que apoiou o retorno de Henrique. A reconciliação se
deu no ano de 1470, quando o conde de Warwick adquiriu perdão da rainha Margarete e do
seu filho, selando a aliança através do casamento do príncipe de Gales com a filha de
Warwick (John Vale, pp. 215-8).
Mas antes de fugirem do reino, Warwick e Clarence parecem ainda ter participado,
ou arquitetado outra revolta, dessa vez no condado de Lincoln. Se não foram eles que a
planejaram – o que não se pode afirmar nem negar – é interessante que a crônica sobre essa
revolta de 1470, ao defender a posição de Eduardo IV supõe o envolvimento dos dois “lordes
rebeldes” em sua abertura:
Memória de atos e feitos que o nosso soberano senhor o rei realizou em sua jornada
iniciada em Londres no sexto dia de Março do décimo ano do seu... reino, para
repressão e resolução da rebelião e insurreição dos seus súditos do condado de
Lincoln, planejado pela astúcia e falsa conspiração do seus grandes George Duque
de Clarence, Ricardo conde de Warwick e outros...225
Sendo isso ou não, é significativo que logo após esta revolta ambos tenham fugido
para Calais. E quando dizemos que Warwick e Clarence recorreram às mesmas estratégias de
1459-61 queremos dizer que elas foram exatamente as mesmas inclusive nesse deslocamento
físico. Naquela ocasião, Ricardo de York fugira para a Irlanda e ele, Warwick, para Calais, e
agora ele adotaria exatamente a mesma estratégia. E foi dali – assim como em 1459 – que ele
endereçou um documento dirigido aos “comuns da Inglaterra”. Não sabemos ao certo até que
ponto este documento circulou, mas é possível presumir sua importância pelo registro no livro
de John Vale. E ao mesmo tempo, podemos supor que tenha circulado no condado de Kent –
o caminho natural para quem se deslocava de Calais.
225
“A remembrance of suche actez and dedez as oure souveraigne lorde the king hadde doon in his
journey begonne at London the vi. day of Marche in the x. yere of his most… reigne, for the repression and
seting down of the rebellyon and insurreccion of his subgettes in the shire of Linccolne, commeaved by the
subtile and fals conspiracie of his grete rebellez George duc of Clarence, Richarde erle of Warrewike, and
othere, &c.” (Ed. NICHOLS, 1847, p. 5).
164
A carta dirigida aos comuns se utiliza de uma expressão importantíssima que
recorreu algumas vezes neste texto – ora nas crônicas, ora no parlamento e demais
documentos – que é “publicamente conhecido” (openly known):
Para os valorosos, distintos e verdadeiros comuns da Inglaterra, saudações. Nós não
duvidamos que esteja clara e publicamente conhecida entre vocês a maneira
descortês com a qual temos sido tratados nos últimos dias, tendo aceitado pelo
coração verdadeiro, o zelo afetuoso, o amor e afecção que Deus sabe que sempre
tivemos sobre todas as coisas desta terra para o bem da Coroa e a prosperidade do
bem comum da Inglaterra, e para a reprovação da falsidade e opressão do pobre
povo.226
Claro que a estratégia de se colocar na mesma posição dos comuns – se comparando
a eles como “pobres isolados dos amigos e meios de vida” (from oure frendis and livelod...),
no trecho que segue – deve ter angariado apoio daqueles que tiveram acesso à leitura pública
desta carta em 1470. Não é igualmente casual que a carta reproduza uma maneira de
exposição da situação do rei associando a percepção de Jack Cade (sobre a pobreza do reino e
uma possível “venda da Inglaterra” aos franceses devido ao mau Conselho) e a percepção de
An English Chronicle para o período 1455-61 (pp. 87-9), isto é, que o rei era “guiado” por
pessoas cobiçosas e sediciosas. Ao apelar para esses dois âmbitos que provavelmente
remeteriam ao passado recente (ou ao próprio presente no qual viviam, já que a guerra com a
França não era considerada de toda perdida), Warwick e Clarence se colocam como
defensores da “coisa pública” e do “bem comum” – o que deve ter tido impacto
considerável.227
A carta, após expor a caricatura dos favoritos do rei e a imagem de Warwick e
Clarence como defensores do povo, apela para uma reunião geral de “todos os ingleses que
temem a Deus e amam este reino e o bem de seus vizinhos”.228 Não à toa ela se encerra com o
aviso de que foram feitas diversas cópias distribuídas por lugares da cidade de Londres, como
a ponte e as portas das igrejas, bem como outros lugares do reino. O objetivo claro de angariar
apoio para resgatar Henrique VI da torre e coroá-lo novamente é exposto, ainda que o prefeito
226
“To the worshipfull, discrete and trewe commones of Englond gretyng. Hit is as we doubte not notarily
and opunly knowen unto you alle, how uncurtesly that in late daies we have bene entreated, takyn and accepted
for the trewe hertis, tendir zelis, lovis and affeccions that God knoweth we have evur borne and entende tafore
all thinges erthely to the wele of the crowne and thavauncyng of the commen weele of Englonde, and for
reproving of falshod and oppression of the poor peopull” (John Vale, p. 218).
227
“... by the fals meanys and subtil dissimulacions of suche certeyne coveitous and sedicious personnes
as have guidade and bene aboute thastate roiall of the reaume, whiche have evur had amore particuler respecte to
their owne singuler and insaciaable covitise and to the magnifying of theire frendes and aderentes, thanne thei
have had to the mageste roiall or to the thing publique of the true comonialte of the seide reaume as dayle and
hourele ys now bi their deedis provyd amongis you… enpoverisshing and the utter destruccion of you. And the
reaume like to be aliened and gouerned by strangers and outewarde nacions…” (Ibidem, pp. 218-9).
228
“...every trewe Englisshe man, dreding God, loving his reaume and the wele of his neighebores”
(Ibidem, p. 219).
165
de Londres não desejasse que isso ficasse publicamente conhecido (openly known) dos
comuns e tentasse suspender a circulação das cópias.229
Aparentemente o prefeito de Londres – bem como Warwick – tinham consciência de
que o conhecimento dos comuns desses argumentos poderia resultar novas movimentações na
cidade de Londres e em todo o reino. O próprio rei enviou uma carta para que Clarence e
Warwick retornassem ao reino e seriam reconhecidos como fiéis vassalos e amigos do rei sem
problemas (John Vale, p. 220). Contudo, o que parece pelos registros de John Vale é que eles
adentraram o reino em seguida, sem resposta ao rei, mas com uma “proclamação ao
desembarcar na Inglaterra em 1470” (Ibidem, pp. 220-1).
Essa “proclamação” apenas repete todos os argumentos apelativos que se voltam
para os comuns. Declarando o propósito novamente de resgatar Henrique VI da prisão e
coloca-lo no trono, Warwick e Clarence aparecem como novamente como os salvadores dos
comuns e do “bem comum” (common weal). A ideologia da reforma aparece novamente, mas
contra Eduardo IV e em favor de Henrique VI:
E pela graça de Deus o restaure ao seu estado régio e à coroa do seu reino da
Inglaterra, para reformar, corrigir e melhorar todas as grandes queixas, opressões e
todos os demais abusos excessivos que agora reinam nesse reino, para a paz
perpétua e a prosperidade e bem como de todo esse reino.230
Não é preciso lembrar que Henrique VI – ou seus conselheiros – fora destronado
com os mesmos argumentos de falta de justiça, conselheiros cobiçosos e pobreza da Coroa. E
agora Warwick demonstrava uma retórica para melhoraria da situação do reino da mesma
maneira. Essas percepções discutidas aqui revelam uma profunda crise política que para nós
está justamente nessas contradições que por vezes aparecem como claras percepções dos
problemas que viviam, e por vezes como claros frutos de uma cultura política que reafirmava
padrões estabelecidos, mas que não conseguia lidar com problemas inéditos – como não ter
terras na França ou ter dois reis coroados e vivos, por exemplo.
E então gostaria de encerrar essa reflexão final com um último documento escrito
pelo já comentado John Fortescue. Como meses depois da morte de Henrique VI (maio de
229
“The whiche letre above wretyn divers copies were made and sete upon the standarde in Chepe, upon
the stulpes on London brigge and uppon divers chirche doris in London and in other places in Englonde, before
the comyng inne and landing of the seid duc and erle oute of Fraunce, to thenlarging of King Henry oute of the
Towre of London and to the upsetting of hym ageyne unto his astate and dignite roiall. In the tyme of Richard
Lee, grocer, thane being mair, the whiche toke downe the seide letres and wolde not suffer theime to be openly
knowen ner seen to the commones” (John Vale, p. 219).
230
“And by the grace of God restore hym to his roiall estate and crowne of this his saide reaume of
Englonde, and to reforme redresse and amende alle the grete mischevus, oppressions and alle other inordinate
abusiones now reigning in the seid reaume, to the perpetuell peax and prosperite and commone weele of all this
his reaume” (Ibidem, p. 221).
166
1471) ele viria a oferecer sua obra mais detalhada sobre os problemas do reino a Eduardo IV,
ele já tinha esmiuçado tais problemas antes. Ele escrevera artigos em nome do príncipe de
Gales para considerações de Henrique VI ao assumir o trono em outubro de 1470. Essas
considerações, na nossa interpretação, sintetizam o teor da crise política que consideramos
nesta dissertação.
Trata-se, portanto, de um “conselho” de seu filho Eduardo para que zele belo bem
público do reino, evitando os rumores e a sublevação da opinião pública. Para tanto, o
primeiro conselho está pautado na “recompensa” de pessoas indevidas – que para ele é central
na insatisfação do povo (e do parlamento) (John Vale, p. 222). Por trás dessas recompensas
podemos enfatizar novamente que estão os Atos de Restituição que atravessaram essa
dissertação devido ao seu papel central entre 1449 e 1475. Para o príncipe Eduardo, as
recompensas devem sempre ser discutidas por um conselho adequado – o que levaria o rei a
não ter de requisitar impostos frequentemente, evitando assim sua má fama (infame) e o mau
estar da opinião pública através dos rumores (grudge) (Ibidem, p. 223).
Dessa forma, o segundo conselho deste documento está na composição do próprio
Conselho régio que “é uma grande coisa no tocante ao governo do seu reino, não distribuir
terras, anuidades, cargos ou benefícios sem primeiro colocar comunicar e discutir com o
conselho...” (Ibidem). A composição do conselho, portanto, não pode ser como aquela
praticada por Henrique VI e Eduardo IV, de amigos, criados e pessoas da corte, mas sim dos
seus mais altos nobres, o chanceler, o tesoureiro, o guardião do selo, os principais juízes, etc.
O príncipe (ou melhor, Fortescue) inclusive chama o tipo de conselho ideal de “velho
conselho da Inglaterra” – a nobreza (Ibidem).
O bem comum, ou bem público, recorre em quatro dos sete parágrafos deste
documento, e o Conselho recorre repetidas vezes em todos eles. A insistência é, portanto, de
que nada nem ninguém devem escapar às considerações do Conselho, pois dizem respeito ao
que é “comum”. E conhecendo a obra de Fortescue, The Governance of England, o Conselho
pode ser muitas vezes considerado como o próprio Parlamento – uma vez que membros do
primeiro invariavelmente deveriam estar no segundo.
Dessa forma, seguindo em parte essa lógica, Eduardo IV pôde – como vimos nas
considerações sobre o parlamento – se recuperar após 1471 adicionando a retórica de que
retomaria a França. Os comuns do Parlamento de 1449 e os rebeldes de 1450, portanto,
proporcionaram uma percepção assídua que as duas décadas seguintes não puderam
prosseguir sem enfrenta-la. Houve divergências e lados de conflito – como entre o norte e o
167
sul – mas somente no que se referia a como proceder perante a crise, não quais eram suas
questões.
***
Apesar de tudo que foi dito sobre Henrique VI ou Eduardo IV é importante lembrar
que não houve aqui uma valoração sobre um e outro, mas que todas as afirmações foram
pautadas nas percepções da crise política. Mesmo assim, é preciso lembrar que Henrique VI
sempre teve um maior apoio da nobreza por ser o monarca legítimo, coroado, ungido e filho
de Henrique V. Eduardo IV, portanto, só pôde definitivamente suceder como monarca
legítimo quando Henrique não estava mais vivo após 1471 e as questões da crise política
estavam se resolvendo.
Sobretudo, ele restaurou os três pontos principais que o parlamento requisitava, que
os rebeldes clamavam e que Fortescue sintetizava: a autoridade, as finanças e a ordem. Assim,
tirando as falhas e deslizes iniciais de um rei jovem, Eduardo pavimentou a estrada para um
governo mais consistente no futuro – que só foi perturbado pelo seu irmão Ricardo III
temporariamente.
Eduardo IV tentou com algum êxito responder às expectativas de certa cultura
política: foi o maior guerreiro com sucesso da Guerra das Rosas, o monarca que reconstruiu o
vigor da Coroa e que, por vezes, mostrou ser um administrador efetivo. Há quem afirme, por
exemplo, que os parâmetros de governo estabelecidos na década de 1470 foram aqueles que
perduraram até a Guerra Civil do século XVII e a Revolução Inglesa (HARRISS, op. cit., p.
viii).
Mas mais importante do que isso foi notar, não só neste capítulo como nos demais, o
quanto a cultura política que atravessa os documentos analisados provocava ambiguidades e
percepções ora unívocas e ora multifacetadas. Essas percepções que lidavam com um passado
glorioso tinham nessa “glória” a posse de territórios no reino da França, que os reis da
Inglaterra continuarão tentando invadir ainda por muito tempo.
É possível afirmar, ainda, que não fossem os momentos conflituosos do parlamento,
das revoltas, das posições de Ricardo de York e Ricardo de Warwick, Fortescue não poderia
ter escrito tal documento tão claro e sucinto sobre os problemas do seu tempo – que em outro
texto já defendemos apropriação direta de Eduardo IV (CORRÊA, 2011). Sendo assim, há
uma circulação de percepções e um compartilhamento das mesmas que forma a própria
cultura política e que, ao mesmo tempo, é responsável por suas rupturas repentinas. Esse foi o
tom que tentamos defender aqui.
168
Conclusões
Gostaríamos de iniciar estas conclusões finais apontando um dos tópicos mais
recorrentes neste texto, o dos maus conselheiros do rei – apontados nos capítulos 2, 3 e 4.
Considerando que este era um ponto recorrente de críticas que, para não se dirigirem
inicialmente ao próprio rei, se dirigiam contra os conselheiros, é preciso compreender por
quais caminhos essas percepções direcionavam a prática política. Por um lado também é
preciso reconhecer o quanto isso fazia parte da cultura política, mas por outro é necessário
que seja apontado o lugar específico que essa prática ocupou no período analisado. Ou seja,
fazia parte de uma prática corriqueira, mas a insistência diferenciada por mais de duas
décadas nesse mesmo ponto é que foi uma das peculiaridades analisadas nessa dissertação.
Essa linha tênue entre a cultura política – que consideramos, entre outras coisas,
como as práticas corriqueiras – e a crise política – a das práticas que se tornam aos poucos
obsoletas – atravessou todo o nosso trabalho até aqui. Contudo, o critério de diferenciação
entre uma e outra foi justamente o argumento da circulação de ideias comuns que, para além
de fazerem parte da cultura e estrutura política, faziam parte de uma tentativa de resolver
problemas profundos que afetavam uma larga parte da documentação analisada – e, portanto,
o que chamamos de percepções da crise política. Ao fim desse trabalho, esperamos que essa
circulação de percepções sobre a crise, considerada aqui como opinião pública, tenha ficado
evidente.
O Conselho Régio, portanto, fazia parte dessa circulação. A justiça, ou a falta de
justiça na documentação analisada, são julgadas o tempo todo como resultado de maus
conselhos que por sua vez redundaram em exceções e privilégios concedidos aos “maus
súditos” do rei. É claro que é preciso reconhecer que os conselheiros do rei tentavam suprir
um vácuo no governo entre 1437 e 1455 sem precedentes. Mas além de terem virado alvo eles
estavam ligados aos problemas da Guerra dos Cem Anos e em alguns casos às injustiças nos
condados.
Dessa forma, as questões que caracterizaram a crise política que abordamos nesta
dissertação estão colocadas primordialmente nesse quesito dos conselheiros. Lembrando que
fossem os conselheiros ligados às injustiças locais ou às derrotas na França, essa foi
praticamente a principal percepção da situação que permitiu a Revolta de Jack Cade de 1450,
a oposição de Ricardo de York entre 1450 e 1460 e, portanto, a Guerra das Rosas. No segundo
momento, apesar de uma mudança considerável de contexto, Ricardo de Warwick agiu
169
utilizando termos semelhantes aos das críticas da revolta de Cade, aos da casa York contra os
Lancaster, e termos que, por fim, foram apropriados contra o próprio Eduardo IV. As questões
dinásticas entre a casa de Lancaster e York – tão enfatizadas por tanto tempo na historiografia
– nos aparecem como tendo sido um resultado tardio e construído com base nos argumentos
iniciais de 1450 em torno do conselho e da França – deslegitimando tal ou tal monarca através
desse filtro.
A dicotomia entre “bons conselheiros” e “maus conselheiros” esteve presente em
1450, nas cartas de York, em alguns momentos do Parlamento e nas crônicas utilizadas nesse
trabalho. O “bom conselheiro” era visto à imagem de Humphrey de Gloucester e, depois, de
Ricardo de York, Ricardo de Salisbury e Ricardo de Warwick. O “Mau Conselheiro” era visto
à imagem de William de Suffolk, e depois dele Edmundo de Somerset, os condes de
Shrewsbury e Wiltshire e as próprias Rainhas Margarete de Anjou (1445-61) e Elizabete
Woodville (1461-83). E esse padrão pode ser considerado também como um reflexo da
situação da França, já que o julgamento de um e outro estava quase sempre permeado de
atitudes e representações sobre atos e opiniões presentes ou passadas sobre a França.
Dessa forma, ao nos perguntarmos no Capítulo 2 qual seria o impacto da fase final
do longo conflito entre o reino da Inglaterra e da França em 1450 e no desencadear de seus
embates políticos até a Guerra das Rosas procuramos acima de tudo transitar pelas percepções
e atitudes possíveis dentro de uma opinião pública estruturada pela cultura política em
questão.
Buscamos também esclarecer o nosso ponto de vista, de que o desastre das tropas
inglesas no continente provocou uma insegurança generalizada no sudeste do reino e a
importância maior da revolta de Jack Cade para essa pesquisa esteve no fato de ela ter
colocado em voga todas as questões que, para nós, foram apropriadas na própria Guerra das
Rosas. O conflito nobiliárquico foi, nesse sentido, fortemente influenciado pelo discurso das
petições de Jack Cade. Um discurso reapropriado no conflito dinástico que veio à tona
somente tardiamente em 1459 como possível solução para o impasse entre os grupos em
disputa pelo controle do Estado Monárquico.
Nossa hipótese principal aqui foi, no limite, de que parte da nobreza não teria
abalado seus laços com o rei se em 1450 não ocorresse na revolta e no parlamento uma
condensação de problemas do reino em uma lógica argumentativa convincente e muito
próxima da realidade e das práticas políticas estabelecidas. Isto é, somente pela legitimidade
daquelas causas demonstrada por uma parte da população é que se pode entender, através da
170
repetição dos argumentos, que ela afetava uma parcela maior do reino. Essa lógica
argumentativa foi reproduzida contra todos os “maus governos” praticamente até o fim do
século XV. Portanto, o Capítulo 2 norteou as discussões apresentadas nos Capítulos 3 e 4 com
a articulação de outras fontes.
Não obstante, todas as fontes analisadas aqui o foram no intuito de investigar como
os diferentes grupos sociais notavam essa crise política, como julgavam e a forma como
interferiram nos seus desdobramentos. Isso nos permitiu averiguar diversas facetas dessa
cultura política, de suas intrínsecas percepções e atitudes, dos seus limites colocados pelas
estruturas políticas e de suas expressões na opinião pública. Por isso, a opinião pública foi
tratada como expressão máxima de todos os outros três conceitos apontados no Capítulo 1,
condensando em si elementos fundamentais para a compreensão do nosso objeto.
Nesse sentido acreditamos ter ficado claro nosso argumento sobre a hipótese de
apropriação das questões de 1450 e da consequência mais palpável que foi a Guerra das
Rosas. Do ponto de vista do discurso, as causas dos rebeldes (da nobreza e dos demais
estratos) dos anos 1450 e 1460 foram bem semelhantes até 1471, o que prolongou o conflito
da Guerra das Rosas. O exercício do governo dos monarcas desse período, portanto, se
tornava impraticável a partir do momento no qual esses argumentos eram recorridos. Primeiro
porque tais argumentos tinham frequentemente uma base sólida; e segundo, e mais
importante, porque eles já haviam se estabelecido como ferramenta comum de crítica que
tinha seu apoio assegurado.
Como tentamos também esclarecer nos Capítulos 3 e 4, a guerra no continente
deixou marcas profundas na sociedade inglesa desse período. Ainda que por alguns momentos
a documentação nos mostre tendências mais ou menos pacíficas, a própria paz parecia gerar
medo e incerteza que consideramos ter iniciado em 1447 com a morte de Humphrey de
Gloucester. O medo e incerteza que provocava várias reações no reino não puderam ser
interpretados aqui de outra maneira que não pelo reconhecimento dessas próprias marcas
deixadas pelos conflitos de longa data no continente. Sobretudo no Capítulo 4, vimos como
essas apreensões sobre a paz formava um dos elementos que compuseram a revolta de 1450,
que era apontado por Ricardo de York, pelos cronistas e, depois, pelo próprio parlamento sob
Eduardo IV, argumentando que “se não invadissem a França eles seriam invadidos”.
Por outro lado, a documentação sugeriu através das críticas dos Comuns do
Parlamento, bem como dos comuns das revoltas ocorridas entre 1450 e 1471, que eles não
desejavam necessariamente que o rei invadisse a Normandia e a reconquistasse – isso só foi
171
cogitado pelo próprio Eduardo IV entre 1467 e 1475. O que eles queriam era segurança do
reino pela defesa dos mares – e para isso, uma boa administração dos impostos que eram
arrecadados especificamente para defender o reino.
Todos esses apontamentos também foram julgados aqui frequentemente como
opinião pública. É claro que ela não deveria ir muito além dos círculos da pequena e alta
nobreza, mas eles apontam alguns indícios de opinião compartilhada através das próprias
expressões que usam. A título de exemplificação característica, o próprio William de Suffolk,
que morreu em 1450, reconheceu no parlamento que ele era uma figura “que estava na boca
de quase todos os comuns”.
Dessa forma, acreditamos que das quatro expressões apontadas e justificadas no
Capítulo 1 – percepções e atitudes, cultura política, opinião pública e estrutura política – uma
delas não foi diretamente pouco citada ao longo do texto, a saber, a estrutura política.
Entretanto, é preciso dizer que ela, como guia norteador de todas as outras, foi apontada no
primeiro capítulo para enfatizar que fazia parte de nossa abordagem, não que era parte de
nosso objeto, como a opinião pública e as percepções. Assim, ela se mostrou o fio condutor
entre uma percepção e outra, entre uma apropriação e outra, e assim por diante, devido ao fato
de considerarmos a estrutura política como o horizonte máximo das pessoas que a viviam e a
reconstruíam com base na realidade vivida. Isto é, a estrutura política compunha não só a
cultura política, mas os limites dentro dos quais as pessoas poderiam cogitar uma mudança
circunstancial.
Relembrando as afirmações de McFarlane da década de 1960, a Inglaterra como
Monarquia dependia do seu rei para funcionar. Se ele se eximia em muitos casos (como
Henrique VI) o colapso era fatal. A “Nova Monarquia” de Eduardo IV renovou hábitos
antigos que durante certo tempo foi bem sucedida, levando o historiador a afirmar o quanto o
colapso político foi “acidental”. Essa dissertação tentou evidenciar a quantidade de fissuras
que provocaram esse “acidente político” importantíssimo para a história da Inglaterra tardomedieval e moderna, pois teve consequências duradouras que só foram resolvidas na
Revolução dois séculos depois.
Por outro lado, ao compararmos uma percepção da sociedade colocada pelos
rebeldes com aquelas do parlamento, das crônicas, de alguns trechos de Fortescue e das cartas
e manifestos compilados por John Vale, podemos notar de fato uma opinião que circulava em
vários estratos do reino. Ao serem canalizados por alguém com o poder para tal – Ricardo de
172
York – esses problemas se transformaram num conflito nobiliárquico e dinástico que foi a
Guerra das Rosas.
Mas talvez um dos fatos mais marcantes do conflito tenha sido a falta de providência
por parte da Coroa com queixas repetitivas, conflitos não arbitrados entre famílias da nobreza,
revoltas diversas e Atos de Restituição pouco profícuos mesmo após 1461. A preocupação
com o bom governo, não especificamente com o apoio a Ricardo de York, fez com que a
revolta de Jack Cade construísse um determinado discurso coerente sobre os problemas da
sociedade que criticavam: seu rei endividado, seus cortesãos corruptos e gananciosos, seus
desonestos representantes locais, e suas tropas falidas. O fato de ter culminado numa revolta
desse tamanho revelou que para uma grande parte dessas pessoas a situação tinha atingido um
nível insustentável. E quando Eduardo IV assumiu o trono e não resolveu muitos desses
problemas antes de 1471, também foi deposto com bases semelhantes às de 1450 (ainda que
por alguns meses).
O que encerra o nosso período de estudo, por fim, é o fato de que a estabilidade
política alcançada por Eduardo IV só foi possível através de duas questões evidentes. A
primeira delas está ligada novamente ao início da nossa argumentação e justifica o nosso
período: as questões originadas em 1449-50. A recuperação financeira do reino e sua política
de recuperação de alianças com os poderosos do continente (Borgonha, Castela e a Bretanha)
melhoraram substancialmente, inclusive perante as percepções coevas – de maneira que os
dois aspectos eram entendidos como meio de isolar a França e ataca-la novamente. Por outro
lado, a segunda questão, a morte dos herdeiros da família de Lancaster (Henrique VI e seu
único filho) em 1471 permitiu uma zona muito maior de estabilidade e de ação para Eduardo
IV.
A Guerra das Rosas, entretanto, é considerada como um conflito que só acaba com a
ascensão de Henrique Tudor. Mas o que renovou o conflito dinástico e o prolongou até 1485
foram ações inesperadas e contraditórias do irmão mais próximo e “fiel” de Eduardo IV:
Ricardo III com a usurpação do trono e o provável assassinato dos herdeiros de seu irmão.
Portanto, trata-se de um conflito completamente diferente que não tem em sua base aquelas
questões de 1459-61 e 1469-71, ou seja, a argumentação originada entre 1449 e 1455. Foi por
essa unidade interpretativa que toda nossa análise proposta nesta dissertação esteve
concentrada entre 1449 e 1475.
173
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180
Apêndices
1 – Cronologia Geral dos Principais Eventos e da Revolta de Jack Cade
1327-77 – Reinado de Eduardo III que declarou guerra à França em 1337.
1377-99 – Reinado de Ricardo II.
1399 – Deposição de Ricardo II e ascensão de Henrique IV da Casa de Lancaster – filho de
João de Gante, neto de Eduardo III e primo de Ricardo II – sob usurpação do trono.
1413 – Sucessão de Henrique V da Casa de Lancaster.
1415 – Execução de Ricardo, Conde de Cambridge e pai de Ricardo, Duque de York.
1420 – Tratado de Troyes, onde o rei da França Charles VI reconhece Henrique V como
herdeiro legítimo do trono. Henrique V se casa com Catarina da França.
1422
Agosto – Morte de Henrique V e ascensão de Henrique VI (então com nove meses de
idade).
Outubro – Morte de Charles VI, Henrique VI com 11 meses de idade detém os tronos
da França e da Inglaterra. Seus tios Humphrey, Duque de Gloucester e João, Duque de
Bedford são escolhidos como protetores do reino (o primeiro na Inglaterra e o segundo
na França).
1429 – Coroação de Henrique VI em Westminster – fim do protetorado.
1431 – Coroação de Henrique VI em Paris.
1444 – Tratado de Tours – acordo de cinco anos de Trégua entre Henrique VI e Charles VII.
1445 – Henrique VI se casa com Margarete de Anjou.
1447 – Morte do tio do rei, Humprhey de Gloucester e do Chanceler Cardeal Beaufort.
1448 – Entrega dos territórios de Maine e Anjou aos franceses por William De La Pole –
Duque de Suffolk.
1449 – Ataque inglês em Fougères quebra a trégua com Charles VII que invade a Normandia.
•
•
Fevereiro-Julho de 1449 – Parlamento em Westminster e Winchester.
Novembro de 1449 a Junho de 1450 – Parlamento em Westminster, Londres e Leicester.
1450
Janeiro – Tentativa de revolta falha na costa de Kent com 200 homens liderados por
Thomas Cheyne. Câmara dos Comuns solicita o julgamento e prisão de William De La
Pole, duque de Suffolk, no parlamento.
Abril – Batalha de Formigny: perda dos territórios da Normandia.
181
Maio – William de Suffolk é assassinado em pleno mar a caminho do exílio; é
encontrado no litoral de Dover, em Kent. Edmundo de Somerset, comandante das
tropas da França volta para o reino e ocupa a posição de Suffolk como favorito do rei.
Outubro – Ricardo de York volta da Irlanda sem autorização do rei.
Revolta de Jack Cade
Fim de Maio/Junho – A procissão que acompanhava o corpo de Suffolk se
transforma num aglomerado de pessoas em Ashford, Appledor e Calehill - onde Jack
Cade é elevado a “capitão”. O Parlamento estava reunido em Leicester; já no dia 6 o
rei enviou o Duque de Buckingham com os condes de Devon, Oxford e Arundel para
reprimi-los.
10 de Junho – Nova comissão do rei é enviada para repressão sem sucesso.
11 e 12 de Junho – Os rebeldes chegam a Blackheath em Londres (sul do rio Tamisa).
13 de Junho – O rei fica no priorado de São João em Clerkenwell (norte do rio
Tamisa).
15 de Junho – Mensageiros enviam o perdão e negociam trégua com os rebeldes, sem
resposta efetiva o rei decide enfrentá-los.
18 de Junho – As tropas do rei dirigem-se em cerca de 40 mil homens para
Blackheath, mas os rebeldes haviam recuado; 400 homens do rei se dirigem para Kent
e são encurralados na região da floresta de Sevenoaks pelos rebeldes; 2000 homens
atacam os rebeldes – entre os quais estava Thomas Daniel.
19 de Junho – Soldados do rei ameaçam se juntar aos rebeldes ao menos que haja
prisão de reconhecidos “traidores do reino”, roubos em Londres são reportados ao rei
no parlamento e este decide pela prisão do Lorde Saye – James Fiennes – por
segurança.
20 de Junho – O rei volta para Londres;
22 e 23 de Junho – Alguns súditos do rei juntam-se a Cade; no dia 23, o rei recua
novamente, agora para o castelo de Kenilworth (Warwick).
24 de Junho – Festa de São João Batista em Londres.
29 de Junho – Festa de São Pedro e Paulo e do Solstício de Verão em Londres. Os
rebeldes voltam para Blackheath, onde Jack Cade executa um de seus homens por
desobediência. Sir John Fastolf envia John Payne para averiguar a situação dos
rebeldes. Payne é capturado e roubado, e se junta aos rebeldes para poupar sua vida. A
essa altura as petições já haviam circulado, apesar de não terem chegado às mãos do
rei.
1 e 2 de Julho – Os rebeldes se concentram em Southwark (próximo à Ponte de
Londres – única ponte da cidade à época) e o prefeito recusa abrir as portas da cidade.
3 de Julho – Entram em Londres com o apoio de forças oriundas do condado de
Essex; Cade toma o comando da cidade. Instala-se um tribunal de julgamento na
prefeitura de Londres sob o comando de Jack Cade para inquerir homens do rei
considerados traidores. Ele entra em Londres novamente no fim do dia e corta cordas
de sustentação da ponte; proclama que qualquer um que cometer roubos será
decapitado. Ocorre a pilhagem da casa de Philip Malpas – comerciante importante e
membro do Concílio da Cidade.
4 de Julho – Lord Scales e Charlton presidem os julgamentos na prefeitura, onde são
considerados culpados da situação do reino: Thomas Kent (escrivão do Conselho e
vice Lorde Condestável da Inglaterra), Edward Grimson (Tesoureiro da Câmara e
Guarda das Joias do Rei), Sir John Say, John Trevilian, Thomas Daniel (homens de
confiança de William de Suffolk), James Fiennes (Tesoureiro e membro do
parlamento pelo condado de Kent), William Crowmer (xerife de Kent) e William
182
Bailly (não se tem informação). James Fiennes e Crowmer são retirados da prisão e
decapitados pelos homens de Cade. Em seguida Jack Cade desfila em Londres à
cavalo e com objetos e vestuário roubados, arrastando o corpo de Fiennes. Cade janta
na casa de John Geerts (cavaleiro de Londres) e depois saca sua casa. Alguns outros
pagam para não serem roubados, como Robert Horne e John Judde.
5 de Julho – Assassinato de Thomas Mayn, servo de John Hampton (ministro do rei).
Os londrinos ameaçam atacar o acampamento dos rebeldes em Southwark e Cade
liberta prisioneiros e tenta entrar em Londres novamente. Segue-se a “Batalha da
Ponte de Londres” que dura cerca de 10 horas com centenas de mortos e feridos.
6 de Julho – ambos os lados da batalha decidem trégua e Cade recebe mais apoio de
habitantes de Blackmore, Essex e Suffolk.
7 de Julho – O perdão geral para os atos de Cade é emitido numa tentativa de
apaziguar a situação. No perdão ele foi identificado por John Mortimer – um nome
falso – portanto, o perdão foi invalidado.
10 de Julho – Cade é considerado um traidor e o Tesouro Régio oferece 1000 marcos
pela sua cabeça, 500 por um de seus líderes e 10 por qualquer de seus seguidores;
12 de Julho – O atual Xerife de Kent, Alexander Iden, captura Cade e sua cabeça é
exposta no topo da Ponte de Londres.
17 de Julho – Batalha de Castillon: perda da Guiana.
Agosto/Setembro – Levante de Parmynter em Kent e Sussex – alusão à continuação
da Revolta de Jack Cade.
•
Novembro de 1450 a Maio de 1451 – Parlamento em Westminster.
1451 – Queda de Bordeaux e da Gasconha. Em abril ocorre o levante de Hasilden em Kent e
Sussex – segunda alusão à Revolta de Jack Cade.
1452 – Tentativa de golpe de Ricardo de York contra o Duque de Somerset falha em Dartford,
Kent. Em maio, levante de Wilkyns em Kent e Sussex – terceira alusão à continuação da
Revolta de Jack Cade.
1453 – Derrota final dos ingleses na França em julho. Nascimento do príncipe Eduardo. Em
agosto o rei entra em colapso físico e mental, não comparece ao parlamento ou a nenhuma
reunião do conselho.
•
Março de 1453 a Abril de 1454 – Parlamento em Reading e Westminster.
1454/Março – 1455/Fevereiro – Primeiro Protetorado de Ricardo, Duque de York. Ao final,
o rei recupera a sanidade.
1455/Março – Primeira Batalha de St. Albans, vitória dos apoiadores de York – considera-se
o início da Guerra das Rosas. Morte dos condes de Somerset e Northumberland. Ricardo de
York e seus mais próximos tomam controle do governo.
•
Julho de 1455 a Março de 1456 – Parlamento em Westminster.
1455/Novembro – 1456/Fevereiro – Segundo Protetorado de Ricardo de York. Ao final,
Henrique VI retoma o controle do governo. Ricardo, Conde de Warwick, se torna Capitão de
Calais – um dos cargos de mais prestígio do reino.
183
1456/Abril – Levante de Percy em Kent e Sussex – quarta alusão à Revolta de Jack Cade.
1458 – Henrique VI chama os dois lados litigantes para o Loveday na catedral de São Paulo
em Londres – cerimônia tradicional de reconciliação das partes que remonta ao século XI.
1459
Setembro – Batalha de Blore Heath – vitória dos apoiadores de York novamente.
Outubro – Batalha de Ludford. Ricardo de York foge para a Irlanda e os condes de
Salisbury e Warwick para Calais. O parlamento ataca os apoiadores de Ricardo de
York deserdando-os e retirando seus títulos.
•
Novembro-Dezembro de 1459 – Parlamento em Coventry.
1460
Junho – Conde de Warwick invade Kent e entra em Londres.
Julho – Batalha de Northampton, Henrique VI é capturado, rainha Margaret e o
príncipe fogem para o norte.
Outubro – Ricardo de York reivindica o trono no parlamento.
Novembro – Ato de Acordo: Henrique VI reconhece Ricardo de York como seu
herdeiro, ao modelo do Tratado de Troyes de 1420.
Dezembro – Batalha de Wakefield, Ricardo de York, Conde de Salisbury e de
Rutland morrem.
•
Outubro de 1460 a Fevereiro de 1461 – Parlamento em Westminster e Londres.
1461
Fevereiro – Batalha de Mortimer’s Cross e Segunda Batalha de St. Albans: Rainha
Margarete resgata Henrique VI – os Lancasters vencem.
Março – Eduardo IV (filho de Ricardo de York) é aclamado rei. Batalha de Towton:
vitória decisiva dos Yorks; Henrique VI e a família real, junto com servos, fogem para
Edimburgo.
Junho – Coroação de Eduardo IV.
•
Novembro de 1461 a Maio de 1462 – Parlamento em Westminster.
1463 – a Rainha Margarete de Anjou e o seu filho Eduardo vão para a França para solicitar
apoio.
•
Abril de 1463 a Março de 1465 – Parlamento em Westminster e York.
1464 – Pacificação das regiões ao norte que ainda não reconheciam Eduardo IV. Casamento
do rei e reconhecimento de Elizabete Woodeville como rainha consorte.
1465 – Henrique VI é capturado e enviado para a prisão da Torre de Londres.
1467 – Destituição do Arcebispo Neville (família do conde de Warwick) de seu cargo de
Chanceler.
•
Junho de 1467 a Junho de 1468 – Parlamento em Westminster.
184
1469 – Rebelião de Robin de Redesdale e Robin de Holderness. Batalha de Edgecote:
execução do Lord Rivers e dos condes de Pembroke e Devon. Eduardo IV é emprisionado
pelo Conde de Warwick – liberado em outubro e reconciliados em dezembro.
1470
Março – Rebelião de Lincolnshire e Batalha de Empingham.
Abril - Conde de Warwick e Duque de Clarence fogem para Calais.
Julho – Tratado de Angers: acordo entre Margarete de Anjou e o Conde de Warwick
para invasão do reino.
Setembro – Warwick invade o reino com apoio francês e resgata Henrique VI da
prisão, coroando-o novamente. Eduardo IV foge para a Holanda.
Outubro – Henrique VI retoma o trono até março de 1471.
•
Novembro de 1470 a Abril de 1471 – Parlamento sob Henrique VI em Westminster.
1471
Março – Eduardo desembarca em Ravenspur.
Abril – Batalha de Barnet, conde de Warwick é morto e Henrique VI é aprisionado na
Torre de Londres novamente.
Maio – Batalha de Tewkesbury: Príncipe Eduardo de Lancaster é morto. Henrique VI
é assassinado na Torre de Londres e a rainha Margarete é capturada. Revolta do
Bastardo de Fauconberg em Kent dirige-se a Londres e ataca a ponte, como em 1450.
1471-83 – Segundo reinado de Eduardo IV.
1472/Setembro – Tratado de Chateaugiron: aliança com a Bretanha.
•
Outubro de 1472 a Março de 1475 – Parlamento em Westminster.
1474
Fevereiro – Tratado de Paz de Utrecht: com a Liga Hanseática.
Julho – Tratado de Londres: aliança com a Borgonha.
1475 – Eduardo IV invade a França, mas acaba cedendo à paz no tratado assinado com Luís
XI em Picquigny.
1483 – Eduardo morre repentinamente em Londres, dando lugar para o seu filho de 12 anos,
Eduardo V. Ricardo de Gloucester, tio de Eduardo V, usurpa a Coroa e prende os filhos de
Eduardo na Torre de Londres após dois meses.
1483-5 – Reinado de Ricardo III.
1485 – Batalha de Bosworth, morte de Ricardo III e ascensão de Henrique VII (Tudor) – o
único herdeiro possível da Coroa da Inglaterra. Tradicionalmente esse momento é
reconhecido como o fim da Guerra das Rosas, já que Henrique VII era descendente da Casa
de Lancaster e se casou com a filha de Eduardo IV, Elizabete de York.
185
2
– Glossário de Nomes
Adam Moleyns, Bispo de Chichester (? – 1450) – foi jurista, Guardião do Selo Privado e escrivão do Conselho da
Menoridade. Foi responsável pela entrega dos territórios de Maine durante as negociações de paz em 1445,
deixando o sul da Normandia vulnerável. Em 1449, notando a situação insustentável e sua má reputação pública,
tentou abdicar o cargo de Guardião do Selo Privado sem sucesso. Estando associado a William de Suffolk e tendo
participado das negociações de paz e entrega de terras francesas, foi assassinado por soldados não pagos na
cidade de Portsmouth em 1450.
Charles VII, rei da França (1403 – 1461, rei de 1422 a 1461) – o rei da França que tomou cargo dos conflitos
ocorridos entre tal reino e a Inglaterra durante o reinado de Henrique VI. Havia sido deserdado por seu pai
Charles VI no Tratado de Troyes – negociado com Henrique V, reconhecendo o herdeiro da Inglaterra como
herdeiro da França em 1420. Mesmo assim foi coroado e recuperou seu título e seu reino com a derrota “final”
dos ingleses em 1453. Assim como Henrique VI, ele enfrentou uma guerra civil entre armanhaques e
borgonheses que durou até 1435.
Charles, Duque de Orleans (1394 – 1465) – era sobrinho do rei da França Charles VI (1368-1422). Fora
emprisionado na batalha de Azincourt por Henrique V em 1415, não podendo pagar por seu resgate e sendo
objeto de negociação inconstante entre os dois reinos, ficou cativo dos ingleses até 1440. William de Suffolk,
tomando partido na negociação em 1440 sem muito consenso, libertou o duque, para grande crítica dos que eram
contrários à paz.
Edmundo Beaufort, Duque de Somerset (1406 – 1455) – era, na década de 1450, o herdeiro mais velho da
família Beaufort – a segunda via da família descendente de João de Gante. Assim, após a morte de William de
Suffolk, tornou-se automaticamente – pelos laços familiares – o nobre mais próximo de Henrique VI, ocupando o
lugar privilegiado que outrora havia sido de Suffolk.
Eduardo III, rei da Inglaterra (1312 – 1377, rei de 1327 a 1377) – sétimo rei da casa dos Plantagenetas e neto do
rei Felipe IV o Belo, da casa dos Capetos – o que na década de 1320 o fez o herdeiro masculino mais próximo da
Coroa da França. Sua reivindicação à Coroa francesa em 1340 é tradicionalmente reconhecida como o início da
Guerra dos Cem Anos. Foi considerado um rei “enérgico e oportunista” que conseguiu um grande apoio popular
para suas ambições sobre a França. Ele reorganizou a dinâmica do parlamento através da introdução da Câmara
dos Comuns e otimizou a coleta de impostos através da concentração no entreposto de Calais. Além disso,
diversos títulos de nobreza não existiam antes do seu reinado, bem como o costume de atribuir ao príncipe
herdeiro o domínio sobre as terras de Gales, sendo a partir daí chamado de “príncipe de Gales”.
Eduardo IV, rei da Inglaterra (1442 – 1483, rei de 1461 a 1483) – foi conde de March e herdeiro mais velho de
Ricardo, Duque de York. Dado o Ato de Acordo de 1460, no qual Henrique VI reconheceu York como herdeiro
da Coroa, Eduardo e seus irmãos Edmundo de Rutland, Ricardo (Duque de Gloucester após 1461 e Ricardo III
após 1483) e George (Duque de Clarence após 1461) foram também colocados na linha de sucessão. Ricardo de
York morre na batalha de Wakefield, em 1460, deixando Eduardo como sucessor ao trono da Inglaterra após a
morte de Henrique VI. Contudo, os eventos da Guerra das Rosas e a posição da rainha Margarete foram
interpretados por ele e seus apoiadores como “quebra de acordo”, permitindo a usurpação da Coroa em 1461.
Seu reinado foi inicialmente conturbado pelos apoiadores de Henrique VI e, após o seu casamento com Elizabete
Woodville, por aqueles que eram contra ao casamento do rei uma viúva inglesa, como Ricardo de Warwick.
Somente após 1471 foi possível uma reorganização da nobreza e uma recuperação financeira e política.
Elizabete Woodville, rainha da Inglaterra (c. 1437 – 1492, rainha de 1465 a 1483) – rainha consorte do rei
Eduardo IV. Era viúva de Sir Richard Grey que morreu lutando por Henrique VI em 1461, e sua mãe (duquesa
de Bedford) fora camareira da rainha Margarete de Anjou. Além dos pais, Elizabete trouxe para o patronato do
novo rei Eduardo IV, seus cinco irmãos, sete irmãs e dois filhos do primeiro marido. Na tentativa de o rei
encontrar títulos de nobreza para essa família que era da pequena-nobreza, bem como casamentos que fizessem
jus ao novo status, Eduardo entrou em conflito com uma larga parte da nobreza mais antiga como Ricardo de
Warwick e seu irmão George de Clarence. A família da rainha é reconhecida como responsável pelo
prolongamento do conflito da Guerra das Rosas, redundando na morte de Ricardo de Warwick em 1471 e de
George de Clarence em 1478. Elizabete deu ao rei dois filhos, dos quais um seria coroado como Eduardo V
antes da usurpação de seu tio Ricardo III. Das filhas, Elizabete de York se casará posteriormente com Henrique
Tudor (Henrique VII), o que é tradicionalmente entendido como o fim da Guerra das Rosas.
186
Família Paston – família da pequena-nobreza que levava o nome do vilarejo onde habitava em Norfolk. A
maior coleção de cartas familiares do período medieval e a primeira em língua inglesa são oriundas desta
família, datam de 1444-1509.
George Plantageneta, Duque de Clarence (1449 – 1478) – filho de Ricardo de York e, portanto, irmão dos reis
Eduardo IV e Ricardo III. Ao associar-se a Ricardo de Warwick, contribuiu para o prolongamento do conflito da
nobreza na Guerra das Rosas e ajudou a restaurar Henrique VI em 1470. Assinando manifestos junto a Warwick
entre 1469-71, foi parte das críticas contundentes que foram associadas às revoltas de Robin de Holderness e
Robin de Redesdale – às quais acredita-se que tanto Clarence quanto Warwick estiveram diretamente
envolvidos. Foi casado com a filha mais velha de Ricardo de Warwick, Isabel Neville, o que o levou a conflitos
pela herança de Warwick (após 1471) com seu irmão futuro Ricardo III – dado que este era casado com a filha
mais nova de Warwick, Ana Neville. Foi executado a mando do seu irmão, o rei, em 1478 pelas constantes
demonstrações de oposição.
Henrique Hasilden (? – 1451) – considerado responsável e líder de um levante ocorrido em abril de 1451 nos
condados de Kent e Sussex. Foi o segundo levante que se referiu aos princípios e ao nome de Jack Cade.
Planejavam abertamente a deposição de Henrique VI e dos lordes do parlamento.
Henrique IV, rei da Inglaterra (1367 – 1413, rei de 1399 a 1413) – filho de João de Gante; enfrentou um início
de reinado conturbado pelos apoiadores de seu antecessor Ricardo II, já que havia usurpado o trono. As
reivindicações dos herdeiros do terceiro filho, Edmundo Duque de York, já se faziam presentes no início da
dinastia Lancaster, já que tinham o direito que precedia o desta casa. Esses conflitos foram sanados
relativamente pelo próprio Henrique IV, mas sobretudo por Henrique V e seus sucessos na guerra. Contudo, eles
voltam à tona como mote central da Guerra das Rosas com o herdeiro do conflito.
Henrique V, rei da Inglaterra (1387 – 1422, rei de 1413 a 1422) – filho mais velho de Henrique IV e rei da
Inglaterra. Explorou uma guerra civil na França para retomar a Guerra dos Cem Anos até então paralisada.
Conquistou a Normandia e conseguiu o reconhecimento dos franceses como herdeiro dos Valois. No Tratado de
Troyes (1420) assegurou a sucessão ao trono da França a seu futuro filho Henrique VI. Participou ativamente do
estabelecimento do governo de seu pai Henrique IV e tomou a frente do governo em alguns momentos de saúde
crítica do rei. Henrique V foi um dos reis que mais conseguiu subsídio do Parlamento para a guerra na França
(ao lado de Eduardo III) e ficou reconhecido como um “exemplo” de rei para os séculos XV e XVI. Morreu
inesperadamente de disenteria em 1422, deixando o trono para o seu filho de nove meses de idade, Henrique VI.
Henrique VI, rei da Inglaterra (1421 – 1471, rei de 1422 a 1461 e 1470-1) – único filho de Henrique V com sua
esposa Catarina de Valois, herdou o trono com nove meses de idade. Durante sua menoridade que foi estendida
até 1437, seu governo ficou relegado ao Conselho da Menoridade liderado pelos seus dois tios Duque de
Bedford e o Duque de Gloucester – que se dividiam entre a Inglaterra e a França. Único monarca que participou
da Guerra dos Cem Anos e foi coroado na França (1431), embora não fosse reconhecido como herdeiro pelo seu
tio Charles, o Delfim. Fundou o Eton College e o King’s College (Cambridge), que demandaram gastos
extraordinários da Coroa que eram requisitados na guerra com a França. Portanto, não tinha interesses militares
como seu pai e consentia com a política de paz liderada pelo Duque de Somerset e William de Suffolk. Como
resultado das iniciativas de paz tivemos a Trégua de Tours e o seu casamento com uma parenta do rei da França,
Charles VII, Margarete de Anjou (1445). A partir do seu casamento as terras da França foram progressivamente
cedidas por acordo ou derrotas em batalhas até a derrota final de 1453. A derrota da Normandia foi o estopim de
uma série de eventos, como a morte do Bispo de Chichester, Adam Moleyns, de William de Suffolk, da revolta de
Jack Cade e do retorno de Ricardo de York ao reino – o que no limite desenvolveu outros conflitos que
redundaram na Guerra das Rosas. Sendo assim, Henrique VI é reconhecido como tendo sido – de uma maneira
ou de outra – um dos responsáveis pela guerra civil. Após a usurpação de Eduardo IV (1461), viveu entre a
Escócia e o norte da Inglaterra até ser capturado por Eduardo IV (1465). Permaneceu, então, preso na Torre de
Londres até ser resgatado para o breve período de retomada do trono entre 1470 e 1471. Ao retornar ao trono em
1471, Eduardo IV novamente o prendeu na Torre de Londres, onde foi morto provavelmente a mando do rei
novamente estabelecido.
Henrique VII, rei da Inglaterra (1457 – 1509, rei de 1485 a 1509) – filho de Edmundo Tudor (meio irmão de
Henrique VI por parte de mãe) e Margarete Beaufort (prima de Henrique VI). Chamado Henrique Tudor,
primeiro rei da dinastia Tudor, mas originalmente o único descendente que sobreviveu da dinastia Lancaster.
Conquistou o trono após a batalha de Bosworth, em agosto de 1485 quando morreu Ricardo III. O seu casamento
com a filha de Eduardo IV e Elizabete Woodville, Elizabete de York, é tradicionalmente compreendido com o
“fim” da Guerra das Rosas, pela união das duas casas (Lancaster e York).
187
Henrique Beaufort, Cardeal e Bispo de Winchester (1375 – 1447) – filho de João de Gante, foi chanceler dos
reinados de Henrique IV e Henrique V, bem como membro do Conselho durante a menoridade de Henrique VI.
Fazia parte daqueles que vangloriavam as conquistas de Henrique V e a defenderiam a qualquer custo, mas ao
mesmo tempo fez parte das negociações de paz com a França.
Humphrey Plantageneta, Duque de Gloucester (1390 – 1447) – o filho mais novo de Henrique IV e irmão de
Henrique V. Teve papel fundamental nas conquistas de Henrique V no continente e foi membro do Conselho da
Menoridade de seu sobrinho Henrique VI – tendo sido indicado como tutor do bebê herdeiro do trono pelo
próprio Henrique V. Na França, esteve envolvido com o cerco de Harfleur em 1415, na batalha de Azincourt, de
onde saiu ferido, e na consolidação da conquista da Normandia. Pelas iniciativas de paz dos anos 1440 e por sua
oposição veemente, ficou postumamente conhecido como “o Bom Duque de Gloucester”. Morreu em 1447
aparentemente de derrame cerebral. Contudo, os rumores que circularam no reino sobre sua morte são devidos
ao fato de que morreu sob custódia do governo, pois estava preso sob acusação de traição contra Henrique VI.
Seu nome foi evocado por toda a década de 1450, iniciando pela Revolta de Jack Cade e pelas petições que
chegavam ao parlamento se referindo à sua reputação de “Bom Duque”.
Jack Cade (? – 1450) – reconhecido líder da revolta que assolou o sudeste do reino da Inglaterra no verão de
1450. Inicialmente reconhecido pelo governo e pelos cronistas como John Mortimer (sobrenome da família de
Ricardo de York) e John Amend-alle (“resolve tudo”), foi ao fim renomado como Jack Cade. Sua origem e sua
verdadeira identidade são desconhecidas, embora é possível dizer que tenha estado próximo da elite governante
do condado de Kent, já que as informações que transpareceram nas petições são informações não de todo
públicas. Foi morto em 12 de Julho de 1450 nas mãos do xerife de Kent, Alexander Iden, após o documento
expedido pelo rei em busca de sua cabeça em troca de recompensa. Seu nome continuou sendo evocado por
revoltas até 1456 e no parlamento provocou petições até 1459.
James Butler, Conde de Wiltshire (c. 1422 – 1461) – junto com o Conde de Shrewsbury e o Lorde Beaumont, foi
considerado em parte da documentação como “sucessor” dos maus conselheiros como William de Suffolk e
Edmundo de Somerset. Isto é devido ao fato de estarem intimamente associados à rainha Margarete de Anjou,
quando o rei se via em estado crítico. Também ocupou cargos no Tesouro Régio. Foi executado após a Batalha
de Towton, quando Eduardo IV já estava no trono.
James Fiennes, Lorde Saye & Sele (? – 1450) – Lorde Saye & Sele, conselheiro de Henrique VI, associado de
William de Suffolk e membro da elite do condado de Kent que tinha influência política também em Surrey e
Sussex. Havia sido xerife destes dois condados em 1439. Além de conselheiro do rei, em 1447 desfrutava dos
cargos de camareiro da Casa do Rei, guarda do castelo de Dover e Lorde Protetor dos Cinco Portos. Junto ao
xerife de Kent ele exercia a cobrança de impostos indevida sob ameaças diversas e expropriação local. Após a
morte de Humphrey de Gloucester ele obteve várias concessões que antes pertenciam ao duque. Em 1449-50
também ocupava o cargo de Tesoureiro do reino. Foi um dos acusados pelos rebeldes e soldados do rei em 1450;
foi colocado na Torre de Londres pelo rei como medida de proteção, mas acabou morto nas mãos dos rebeldes
no mesmo ano em Londres.
João de Gante, Duque de Lancaster (1340 – 1399) – quarto filho de Eduardo III, pai de Henrique IV e tio de
Ricardo II. Ativo líder de tropas durante as conquistas na França no reinado de seu pai Eduardo III e membro do
Conselho da Menoridade de Ricardo II. Foi o mais rico e poderoso nobre de seu tempo, dados os seus
casamentos com a Branca de Lancaster, com Constança de Castela e suas demais ligações familiares tanto na
Inglaterra como em Portugal (através de sua filha Philippa).
John Beaumont, Visconde Beaumont (c. 1409 – 1460) – junto com os Condes de Shrewsbury e Wiltshire, foi
considerado em parte da documentação como “sucessor” dos maus conselheiros como William de Suffolk e
Edmundo de Somerset. Isto é devido ao fato de estarem intimamente associados à rainha Margarete de Anjou,
quando o rei se via em estado crítico. Morreu na Batalha de Northampton lutando por Henrique VI em Julho de
1460.
John Fortescue, Sir (c. 1397 – c. 1479) – jurista e braço direito de Henrique VI até a morte deste em 1471. Teve
vários papéis administrativos e jurídicos no reino desde os Inns of Court (onde os juristas aprendiam a Common
Law) até o Tribunal do Banco Régio (tribunal de primeira instância mais importante do período medieval);
empreendeu propaganda em nome da casa de Lancaster durante a Guerra das Rosas e escreveu diversos tratados
entre 1461 e 1475.
188
John Holland, Duque de Exeter (1395 – 1447) – assim como Emundo e Henrique Beaufort, era também
descendente de João de Gante por sua mãe; detinha o cargo de Lorde Almirante Superior, que comandava as
tropas marítimas que foram entregues ao comando de William de Suffolk na década de 1440.
John Percy (? – 1456) – alfaiate considerado responsável e líder de levante ocorrido em Kent, em abril de 1456.
Assim como Jack Cade, ele foi reconhecido como John Mortimer (sobrenome da família de Ricardo de York).
Seus objetivos pareciam ser mais voltados para os problemas locais de Kent, referindo-se ao clero e à nobreza
local.
John Say, Sir (? – c. 1478) – membro do Conselho de Henrique VI, associado a Thomas Daniel e John Trevilian,
que constava na petição dos Comuns do parlamento que solicitavam afastamento de membros indesejáveis da
corte em 1450-1. Foi um dos acusados pelos rebeldes de Jack Cade em tribunal estabelecido por eles na
prefeitura de Londres durante a revolta. Não sofreu praticamente nenhum prejuízo das restituições da Coroa em
1450 e assumiu a chancelaria do Ducado de Lancaster até 1471. Além disso, obteve inúmeros cargos em nome
do rei na Anglia do Leste, em Hertford, em Cambridge e em Huntingdon. Tendo sobrevivido à revolta e às
críticas da década de 1450, também foi membro do Conselho de Eduardo IV e eleito Porta-Voz da Câmara dos
Comuns mais de uma vez entre 1463 e 78.
John Talbot, Conde de Shrewsbury (c. 1417 – 1460) - junto com o Conde de Wiltshire e o Lorde Beaumont, foi
considerado em parte da documentação como “sucessor” dos maus conselheiros como William de Suffolk e
Edmundo de Somerset. Isto é devido ao fato de estarem intimamente associados à rainha Margarete de Anjou,
quando o rei se via em estado crítico. Foi Lorde Chanceler da Irlanda e Lorde Tesoureiro. Morreu na Batalha de
Northampton lutando por Henrique VI em julho de 1460.
John Trevilian, Sir (? – c. 1470) – conselheiro de Henrique VI acusado em várias instâncias como “mauconselheiro” juntamente a James Fiennes, Thomas Daniel e John Say. Obteve inúmeras concessões do rei na
década de 1450, representava o baronato de Huntington no Parlamento e foi guarda da Torre de Londres e do
Castelo de Hadleigh em Essex. Foi ac.usado em Londres por soldados do rei em 1450, na mesma ocasião em que
o foi Thomas Daniel. Foi indiciado pelo parlamento de 1451, mas obteve perdão do rei em 1462 e 1468.
John Vale, Sir (? – ?) – foi criado de Sir Thomas Cook, pai e filho, e sobreviveu até a década de 1480. Cook foi
comerciante de Londres e guarda da Ponte de Londres; já seu filho foi membro do Conselho da Cidade e prefeito
de Londres (1462-3). Sendo assim, John Vale estava envolvido com parte do centro administrativo da principal
cidade do reino. Foi autor das cópias de diversos documentos que datam originalmente do período que vai da
década de 1440 à de 1470 em ordem aparentemente aleatória de compilação. Os critérios de suas cópias também
são desconhecidos, mas pode-se dizer que seus manuscritos reúnem vestígios importantes da política do reino
inglês do século XV.
John Wilkyns (? – 1452) – mascate de Straford-upon-Avon considerado responsável e líder de levante ocorrido
na Anglia do Leste em Maio de 1452. Adotou um codinome também atribuído a Jack Cade: John Amend-Alle.
Ao contrário de Henrique Hasilden e William Parmynter, Wilkyns se dizia “amigo do rei e não traidor” da
mesma maneira que Jack Cade. Acreditava que Jack Cade ainda estava vivo e que York e seu filho Eduardo
ouviriam suas queixas.
Margarete de Anjou, rainha da Inglaterra (1430 – 1482, rainha de 1445 a 1461 e 1470-1) – esposa de Henrique
VI que tomou parte da frente do conflito da Guerra das Rosas entre 1455 e 1471 em nome do seu filho, o
príncipe Eduardo. Filha de René, Duque de Anjou, casou-se com Henrique VI em abril de 1445 simbolizando a
trégua negociada por William de Suffolk com o rei da França, Charles VII. Por ter sido fruto desse casamento
negociado em nome da paz, ela logo se associou ao próprio William de Suffolk na corte, promovendo, portanto, a
paz entre os dois reinos. Foi avidamente contra os Protetorados de Ricardo de York na década de 1450 e se opôs
ao Ato do Acordo votado no parlamento de 1460 (que reconheceu Ricardo de York como herdeiro). Essa
oposição redundou no recrutamento de tropas, pela própria rainha, que acabou na Batalha de Wakefield – onde
morrem o próprio Ricardo de York e Ricardo de Salisbury. Mesmo após o exílio na Escócia e na França, a rainha
continuava agindo para retornar ao reino e coroar novamente o seu marido Henrique VI, ou o seu filho Eduardo.
Através de John Fortescue, foi ela que negociou o apoio de Ricardo de Warwick e do rei da França, Luís XI,
para que a família Lancaster retornasse ao reino e retomasse a Coroa em outubro de 1470.
Ricardo II, rei da Inglaterra (1367 – c. 1400, rei de 1377 a 1399) – foi o neto sucessor de Eduardo III ao trono.
Tendo herdado a Coroa com 10 anos de idade, seu tio João de Gante, dominou o Conselho da Menoridade. Foi
durante o seu reinado que ocorreu a mais séria insurreição do período medieval na Inglaterra, a de 1381, contra
189
as taxações impostas. Assim, o conflito mal resolvido com a nobreza, liderada por João de Gante, acabou na sua
prisão e Ricardo II foi levado a abdicar o trono em 1399. Segundo as percepções da nobreza ele demonstrava
tendências de um monarca tirano somado ao fato de que buscava a paz com a França. Ricardo II morre no
Castelo de Pontefract em 1400, provavelmente de fome.
Ricardo III, rei da Inglaterra (1452 – 1485, rei de 1483 a 1485) – filho mais novo de Ricardo de York e,
portanto, irmão de George de Clarenre e Eduardo IV. Ao ter deposto e provavelmente assassinado o seu
sobrinho, Eduardo V, reviveu as questões da Guerra das Rosas em 1483, o que derrocou a sua queda e morte em
1485 na batalha de Bosworth – quando Henrique VII usurpou o trono. Foi Duque de Gloucester durante o
reinado de Eduardo IV e peça fundamental no apaziguamento da região norte do reino na década de 1460. Em
1469, quando Ricardo de Warwick convenceu George de Clarence a restaurarem Henrique VI, Ricardo
permaneceu fiel ao seu irmão Eduardo. A relação entre essa lealdade e a usurpação do trono em 1483 é uma das
questões mais controversas para a historiografia inglesa atual.
Ricardo Plantageneta, Duque de York (1411 – 1460) – figura central no desenvolvimento do conflito da Guerra
das Rosas, visto que aos poucos transformou uma contenda pelo controle do governo de Henrique VI numa
guerra civil que passou a envolver a dinastia de sua casa de York. Filho do conde de Cambridge (executado por
traição a Henrique V em 1415) e Ana Mortimer, Ricardo era descendente de Eduardo III por ambos os pais.
Contudo, sua descendência paterna (a que mais importava) provinha do quarto filho de Eduardo III (Edmundo
de York) e sua descendência materna provinha do segundo filho de Eduardo III (Leonel de Clarence). Essa
ordem de descendência foi fundamental na argumentação da casa de Lancaster contra York no conflito do século
XV. Ele foi o nobre mais rico e poderoso entre as décadas de 1420 e 1450 e era considerado o herdeiro provável
de Henrique VI antes do nascimento do filho do rei, o príncipe Eduardo. Fora lugar-tenente do rei na França
entre as décadas de 1430 e 1440, sendo depois de 1447 isolado da cena política ao ser apontado como lugartenente da Irlanda. Retornou ao reino sem autorização do rei após a revolta de Jack Cade em 1450 para daí até
sua morte tentar reformas políticas que acabaram gerando a guerra civil. Obteve dois protetorados do reino
durante a instabilidade de saúde de Henrique VI e morreu em batalha em 1460, junto com seu filho conde de
Rutland e Ricardo de Salisbury.
Ricardo Neville, Conde de Salisbury (1400 – 1460) – pai de Ricardo de Warwick e cunhado de Ricardo de York.
Fez parte daqueles que possibilitaram que a posição de Ricardo de York na década de 1450 se tornasse uma
ameaça para a corte e para Henrique VI. Junto com seu filho, esteve envolvido em todos os levantes e ameaças
de York a Edmundo de Somerset desde 1452, participou das batalhas que ocorreram no reino a partir de 1455 e
morreu em campo, em 1460.
Ricardo Neville, Conde de Warwick (1428 – 1471) – conhecido como o kingmaker, devido ao fato de ter sido a
peça chave na deposição de Henrique VI em 1461 e na deposição de Eduardo IV e restauração de Henrique em
1470. Foi um dos membros da nobreza mais poderosos e ricos do seu tempo devido à concentração de diversas
heranças em suas mãos, sobretudo após a morte de seu pai, Ricardo de Salisbury, e de seu primo Ricardo de
York. Também assinava os manifestos e cartas de York e Salisbury na década de 1450 e propagou os seus
próprios panfletos na década de 1460, estando provavelmente envolvido com as revoltas de Robin de Holderness
e Robin de Redesdale. Assim como seu pai, esteve envolvido no apoio a Ricardo de York desde 1452. Morreu
em batalha após a restauração de Henrique VI em 1471. Como figura próxima da família de York, foi tutor do
futuro Ricardo III e de George de Clarence após a morte de Ricardo de York, promovendo o casamento de suas
únicas filhas com os dois.
Robert Est, Sir (? – ?) – figura nomeada pelos rebeldes de Jack Cade como um dos quatro principais traidores do
reino. Foi ligado a Stephen Slegge e, portanto, a James Fiennes, com os quais praticou extorsões no condado de
Kent que logo se tornaram de conhecimento público e fizeram parte do estopim da revolta de Jack Cade. Por
isso, foi uma das pessoas que mais sofreu acusações registradas em tribunais locais. Não sofreu punição alguma
da Coroa e não foi vítima dos rebeldes de 1450, continuando a ocupar cargos públicos e relações amistosas com
o arcebispo de Canterbury.
Robert Poynings, Sir (c. 1419 – c. 1461) – gentleman de Sussex, filho do Lorde Poynings e meio-irmão de
William Crowmer, contra o qual apoiou a represália dos rebeldes de Jack Cade à sua casa em Londres, em 1450.
Apoiou abertamente a revolta de Jack Cade e forneceu armamento aos envolvidos. Em 1453 e 1454 ele
continuava demonstrando insatisfação pública com as questões apontadas pela revolta em 1450. Foi
eventualmente processado pelo comportamento “rebelde”, mas obteve perdão e foi eleito Membro do
Parlamento mais de uma vez na década de 1450. Morreu na Segunda Batalha de St. Albans, em 1461, quando
lutava por York junto a Ricardo de Warwick.
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Stephen Slegge, Sir (? – 1460) – associado de James Fiennes e considerado pelos rebeldes de Jack Cade como
um dos quatro principais extorsores do condado de Kent; nomeado no parlamento de 1450-1 como um dos
membros indesejáveis que deveriam se afastar da corte. Permaneceu imune a todas as acusações até sua morte
em 1460.
Thomas Daniel, Sir (? – ?) – era xerife de Norfolk, juiz de paz, guarda do Castelo de Rising, membro do
Parlamento pela Cornualha e Buckingham, associado de William de Suffolk e conselheiro de Henrique VI. Lutou
na Batalha de Towton (1461) e foi talvez o mais criticado conselheiro de Henrique VI – tendo conseguido perdão
régio por suas acusações em 1451 e 1472. Fora nomeado pelos soldados do rei como “traidor do reino” que, na
tentativa de reprimirem a revolta de Jack Cade, ameaçaram se juntar aos rebeldes caso o rei não tomasse
providência – o que redundou na prisão de James Fiennes. Daniel também foi nomeado pelos rebeldes de Jack
Cade na sessão de inquérito instalada por eles na prefeitura de Londres durante a revolta e pelos Comuns do
parlamento quando apresentaram petição sobre o afastamento de membros indesejáveis da corte.
Thomas Thorpe, Sir (? – 1461) – foi um dos alvos apontados por Ricardo de York a partir de suas críticas ao
Conselho Régio e aos oficiais do rei. Thomas Thorpe foi Barão do Tesouro, cavaleiro do condado de
Northampton no Parlamento, e porta-voz da Câmara dos Comuns entre 1453 e 1454. Na ocasião desta seção do
parlamento, foi preso por confiscar indevidamente propriedades de Ricardo de York. Após ser liberado e
restaurar sua posição no Tesouro, continuou sendo acusado por York, mas continuou em posição privilegiada
assumindo o cargo de Guarda das Roupas Privadas da Torre de Londres. Foi preso novamente pelas forças de
York após a batalha de Northampton, e mesmo tendo escapado da prisão foi executado nas ruas de Londres em
1461.
William Ayscough, Bispo de Salisbury (? – 1450) – associado a William de Suffolk e alvo de protestos desde
1445 por ter sido um dos responsáveis pelo casamento impopular de Henrique VI com Margarete de Anjou. Foi
listado em Janeiro de 1450, num levante do sudeste, como um dos traidores do reino que deveria perder a
cabeça. Ele morre em junho de 1450 nas mãos dos rebeldes de Jack Cade.
William Crowmer, Sir (? – 1450) – filho de vereador de Londres, xerife de Kent em 1444-5 e 1449-50, meioirmão de Robert Poynings e enteado de James Fiennes, sendo, portanto, considerado como um dos extorsores do
condado de Kent. Por esse motivo foi nomeado como traidor do reino na petição dos rebeldes de Jack Cade em
1450. Também morreu em Londres durante a revolta.
William De La Pole, Duque de Suffolk (1396 – 1450) – ascendeu a Duque após a morte de seu irmão na batalha
de Azincourt em 1415, continuando a servir na França por toda a década de 1420. Esteve no comando do cerco
de Orleans em 1429 e entrou para o Conselho Régio em 1431 sendo associado daí por diante ao Cardeal
Henrique Beaufort. Ao associar-se a Beaufort, colocava-se na oposição ao tio do rei, Duque de Gloucester que
defendia a manutenção da guerra com vigor. Tanto Beaufort quanto Gloucester morrem em 1447, deixando a
cena política central livre para Suffolk e o rei que continuaram com o fim da guerra no continente.
William Isle, Sir (? – 1463) – uma das quatro pessoas indicadas pelos rebeldes como extorsores do condado de
Kent e traidores do reino. Associado a James Fiennes, representou o condado de Kent nas seções do parlamento
de 1441-2 e 1449-50. Não sofreu ação dos rebeldes diretamente em 1450 e, portanto, sobreviveu à revolta.
Contudo, após aparente recuperação perante a opinião pública, não saiu imune às comissões indicadas por
Eduardo IV para indiciamento dos extorsores locais em 1461 e 1463. Assim, morreu nas mãos de revoltosos na
ocasião dessas comissões indicadas pelo rei em 1463.
William Joseph, Sir (? – ?) – associado de Thomas Thorpe e Edmundo de Somerset. Portanto, fez parte daqueles
contra os quais Ricardo de York passou a se opor a partir de 1450 dizendo que o isolavam da presença do rei.
Thorpe e Joseph aparecerão constantemente ao lado de Edmundo de Somerset nas críticas que chegam ao
parlamento. Os três são reconhecidos como os “traidores” do reino e responsáveis pela batalha de St. Albans
(1455). Sabe-se que sobreviveu até pelo menos o parlamento de 1472-5, quando obteve perdão do rei por ter
apoiado Henrique VI anteriormente.
William Oldhall, Sir (1390 – 1460) – esteve ativo com várias responsabilidades nos territórios da França entre
1418 e 1440, quando passa a ser camareiro de Ricardo de York. A partir de então, acompanha York até 1460,
sendo figura elementar na causa York, porta-voz dos Comuns no parlamento de 1450-1 e acusado por
cumplicidade da Revolta de Jack Cade e do levante de Ricardo de York em Dartford, 1452. As tentativas de
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mantê-lo na prisão foram constantes desde 1452, mas ele obteve liberdade duas vezes e foi considerado
postumamente como inocente por Eduardo IV, já que morreu em Londres em 1460.
William Parmynter (? – 1450) – considerado responsável e líder de levante ocorrido em 18 cidades de Kent e
Sussex em Agosto e Setembro de 1450. Foi a primeira alusão aos princípios e ao nome de Jack Cade, embora os
envolvidos planejassem depor Henrique VI.
William Worcester (c. 1415 – c. 1482) – cronista e antiquário educado em Oxford. Até 1459 foi secretário de Sir
John Fastolf (importante líder de tropas na França). Após a morte de Fastolf, realizou inúmeras viagens através
do reino e produziu um escrito sobre essas viagens, o Itinerarium. Também escreveu uma crônica sobre o
reinado de Henrique VI, Annales rerum Anglicarum, e, entre outros escritos, o Boke of Noblesse (c. 1475). Este
último é constantemente comparado ao tratado de John Fortescue, The Governance of England, já que é um
perfeito fruto da cultura política da pequena e alta nobreza inglesa desse período.
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Anexos
Mapas
Mapa 1 – Condados onde houveram insurreições em 1450 (HARVEY, 1991, p. 2)
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Mapa 2 – Região Sudeste da Inglaterra (HARVEY, 1991, p. 16)

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