Silvia Regina Saraiva Orru

Transcrição

Silvia Regina Saraiva Orru
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
SÍLVIA REGINA SARAIVA ORRÙ
BEM-VINDO AO LABIRINTO DA CONVERGÊNCIA:
Machinema - um Cinema Digitalmente Expandido
SÃO PAULO
2012
SÍLVIA REGINA SARAIVA ORRÙ
BEM-VINDO AO LABIRINTO DA CONVERGÊNCIA:
Machinema - um Cinema Digitalmente Expandido
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação da Profa. Dra. Bernadette Lyra.
SÃO PAULO
2012
SÍLVIA REGINA SARAIVA ORRÙ
BEM-VINDO AO LABIRINTO DA CONVERGÊNCIA:
Machinema - um Cinema Digitalmente Expandido
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a
orientação da Profa. Dra. Bernadette Lyra.
Aprovado em _____/_____/_____
Profa. Dra. Bernadette Lyra
Prof. Dr. Rogério Ferraraz
Profa. Dra. Lúcia Santaella
À Caroline e João Pedro, cujo Amor e Amizade
incondicionais vivificam nossa caminhada e me
encorajam a superar todos os obstáculos!
&
Mais (mil e) uma vez (es) à Judith Elizabeth Pessoa
que, mesmo durante a difícil batalha que travou pela
vida, reservou tempo e energia para incentivar-me em
todos os meus passos…
AGRADECIMENTOS
A vida não é vivida isoladamente. O ser humano dificilmente realiza algo sozinho,
dificilmente concretiza seus sonhos sem uma companhia. Temos a necessidade de viver
com o outro e ser também necessário a ele. Esse espírito gera compromissos entre as
pessoas que, embora não formais, norteiam nossos afetos e relacionamento durante
períodos de tempo, às vezes por toda a vida compartilhando ideias e ideais. Assim este
estudo não é só meu. Muitas foram as pessoas que me acompanharam nessa caminhada,
que se envolveram na minha ideia e no meu desejo. Das mais diferentes maneiras e cada
uma a seu modo, cada pessoa que passou por minha vida está aqui incluída.
Como bem diz o poeta:
“Muitas pessoas por minha vida passaram
e comigo suas vidas compartilharam...
(...)assim como amei, fui amado
e assim como tenho um pouco de cada um,
um pouco de mim também foi levado.
À Profa. Dra. Bernadette Lyra, pelo privilégio de ser sua orientanda. Por sua
coerência, pela seriedade, pelo compromisso, pelos ensinamentos, incentivo e contribuição.
Condições essenciais que permitiram meu amadurecimento como pesquisadora.
À Profa. Dra. Lúcia Santaella que, gentilmente, aceitou participar da banca de
qualificação deste trabalho e ofereceu valiosas contribuições para o seu aprimoramento.
Todo o meu carinho e admiração.
Ao, amigo, Prof. Dr. Rogério Ferraraz pelas observações e sugestões criteriosas,
tanto em sala de aula, quanto durante o exame do trabalho de qualificação.
Ao Grande Outro Prof. Dr. Claudio Cesar Montoto, pelos ensinamentos que me
conduziram ao desejo voraz pela pesquisa acadêmica. Por suas orientações durante a
especialização, pela amizade, carinho, paciência e acima de tudo pelo apoio e por confiar
em mim.
Aos colegas e professores do PPGCOM/UAM, por compartilharem seus
conhecimentos, pelos debates, pela luta constante em busca da qualidade na pesquisa em
comunicação e por me ensinarem, durante estes dois anos, que ainda há espaço para
profissionais que acreditam no valor da docência e da pesquisa em comunicação.
Ao grande cineasta Filipe Gontijo (Pipo), que da forma mais simples e incrivelmente
criativa me apresentou o que, hoje, chamo de Machinema, além de contribuir com
informações preciosas para o desenvolvimento deste trabalho. Faltam-me palavras para
descrever meu afeto pelo seu brilhantismo como pessoa e como profissional.
À minha família pelo amor incondicional. À minha mãe, Candida, que pelo seu
exemplo de fortaleza e perseverança, sempre me inspirou. Espero que agora possa
compreender a minha ausência em tantos momentos.
À melhor de todas as professoras que já tive, Judith Elizabeth Pessoa, por sempre
compreender, aceitar e incentivar minhas escolhas, compartilhando sua sabedoria e
principalmente me motivando a sonhar e apoiando a realização de cada sonho. Também
pelas leituras atentas de cada versão deste trabalho.
À Taiana Grassi Lessa, cuja participação em minha vida foi fundamental e,
principalmente, pela paciência, amor, cumplicidade, apoio e incentivo em todos os
momentos.
Ao meu tesouro mais precioso, João Pedro e Caroline, pelo sorriso contagiante,
pelo abraço fortalecedor e pela presença calorosa em minha vida.
A todas as pessoas que estiveram comigo e as que permanecem ao meu lado, o
meu agradecimento do fundo do coração.
RESUMO
Esta pesquisa objetiva a análise e investigação de um tipo específico de
cinema digitalmente expandido: o Machinema. Trata-se de referenciar a produção de
filmes que se apropriam das plataformas de múltiplas escolhas, gerando uma fusão
dos ambientes da tarefa e da ação, em que não há mais uma separação entre o que
é próprio do mundo real e o que faz parte do mundo virtual. Um espaço que é
habitado por seu público que é agente e protagonista do desenvolvimento estético e
narrativo. Tendo como base estudos que analisam a experiência do agenciamento
contemporâneo entre artes visuais e novas mídias, este estudo focaliza dois
aspectos em suas investigações, sendo o primeiro no campo do dispositivo
cinematográfico indagando: a) qual a trajetória do experimentalismo no cinema; b)
quais as transformações que ocorrem a partir destes outros cinemas; c) quais as
possibilidades de conformação de um outro espaço cinematográfico e o segundo no
campo da lógica de sua maquinação: a) quais as implicações provocadas pela
hibridização de mídias; b) quais os fatores que influenciam o grau de imersividade e
de interatividade; c) quais as relações espaciais e temporais que se estabelecem
entre o ambiente virtual e real. Para responder estas questões, foram selecionados
como corpus de análise os filmes A Gruta e Last Call, além de outros objetos
analisados em segundo plano, afim de demonstrar a materialidade dos processos
constituídos e enfatizar as formas interpretativas da espacialização, através dos
conceitos de hibridismo, imersão e interatividade e da análise de suas dimensões e
categorias de interação.
Palavras-chave:
Machinema,
Cinema
digitalmente
convergência, Filme imersivo interativo, Análises fílmicas.
expandido,
Cultura
da
ABSTRACT
This research aims to investigate and analysis a specific type of film digitally
expanded: the Machinema. It is referencing the filmmaking witch appropriates from
platforms of multiple choices, creating a fusion between the ambient of task and
action, where there is no longer a separation between what is proper of a real world
and what is part of the virtual world. A space that is inhabited by its audience who is
agent and protagonist from the aesthetic and narrative development, where the
illusion of meaning becomes the real meaning. Based on studies that examine the
experience of contemporary agency between visual arts and new media, this study
focuses on two aspects for its research, the first in the field of cinematographic
apparatus wondering: a) what is the trajectory of experimentation in film; b) what kind
of transformation occurs based on these other cinemas; c) what are the chances of
forming another movie space, and the second in the field of logic and its machining:
a) what are the implications caused by the hybridization of media; b) what factors
influence the degree of immersiveness and interactivity; c) what are the spatial and
temporal relationships that are established between the real and virtual environment.
To answer these questions, it was selected for the corpus of analysis the films A
Gruta and Last Call, and other objects analyzed as a background in order to
demonstrate the materiality of the processes established and emphasize the
interpretative forms of spatialization, through the concepts of hybridity, interactivity
and immersion of the analysis and its dimensions and categories of interaction.
Key-words: Machinema, Digitally expanded cinema, Convergence culture, Film
immersive interactive, Analysis movies.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1
Kinoautomat..................................................................................
68
QUADRO 2
Mr. Sardonicus............................................................................
69
QUADRO 3
Clue............................................................................................... 72
QUADRO 4
Tender Loving Care......................................................................
74
QUADRO 5
Return to House on Haunted Hill..................................................
77
QUADRO 6
Maldita Escolha............................................................................. 80
QUADRO 7
Ressaca........................................................................................
84
QUADRO 8
Turbulência...................................................................................
87
QUADRO 9
O Labirinto..................................................................................... 89
QUADRO 10
Corre.............................................................................................
QUADRO 11
Categorias de Interação................................................................ 98
QUADRO 12
Categorias de Interação em A Gruta............................................ 1118
QUADRO 13
Categorias de Interação em Last Call........................................... 1128
93
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1
Quinetoscópio...............................................................................
28
FIGURA 2
Experiência Individual...................................................................
28
FIGURA 3
Cinematógrafo...............................................................................
30
FIGURA 4
Imagem Capturada.......................................................................
38
FIGURA 5
Imagem Exibida............................................................................
38
FIGURA 6
Tensão e Pânico...........................................................................
39
FIGURA 7
Sensorama....................................................................................
42
FIGURA 8
Ambiente Imersivo........................................................................
57
FIGURA 9
Sim ou Não...................................................................................
70
FIGURA 10
Quem é o assassino?...................................................................
71
FIGURA 11
Que emoção você tem por Allison................................................
75
FIGURA 12
Estrangulada.................................................................................
77
FIGURA 13
Esquartejada.................................................................................
78
FIGURA 14
Queimada......................................................................................
78
FIGURA 15
Patinho ou Banana?.....................................................................
81
FIGURA 16
Garrafa ou Tijolo?.........................................................................
81
FIGURA 17
Thaís ou Tião................................................................................
82
FIGURA 18
Engrenagem.................................................................................
83
FIGURA 19
Seguir em frente ou retomar o passado?.....................................
91
FIGURA 20
Festival de Brasília........................................................................
105
FIGURA 21
Cenário Sombrio...........................................................................
107
FIGURA 22
Assassinato Cruel.........................................................................
108
FIGURA 23
Olhar de Tomás............................................................................
108
FIGURA 24
Olhar de Luiza...............................................................................
108
FIGURA 25
O Casal na Cama..........................................................................
109
FIGURA 26
Luiza ou Tomás.............................................................................
109
FIGURA 27
Entrada da Gruta..........................................................................
110
FIGURA 28
Signo do Primitivo.........................................................................
111
FIGURA 29
Signo do Sagrado.........................................................................
111
FIGURA 30
Menu Seletivo...............................................................................
115
FIGURA 31
Menu Múltiplo................................................................................
115
FIGURA 32
Folheto com as Instruções............................................................
120
FIGURA 33
Celular sendo capturado...............................................................
120
FIGURA 34
O Diálogo......................................................................................
123
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE QUADROS
LISTA DE FIGURAS
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1. PLANO GERAL - MACHINEMA: UMA OUTRA CONCEPÇÃO
ARQUITETÔNICA DO CINEMA ............................................................................... 20
1.1 - Dispositivo Cinematográfico: Efeito-Cinema ............................................ 23
1.1.1 - Cinema no Momento Maquínico ............................................................. 26
1.1.2 - Cinema no Momento das Tecnologias Eletrônicas ................................. 36
1.1.3 - Cinema Expandido .................................................................................. 40
1.1.4 - Cinema Digitalmente Expandido ............................................................. 45
2. PLANO MÉDIO – A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NO MACHINEMA ............. 50
2.1 - Machinema: Um Espaço Híbrido ................................................................ 52
2.2 - Machinema: Um Espaço Imersivo ............................................................. 55
2.3 – Machinema: Um Espaço Interativo............................................................ 60
2.4 – Análise das Dimensões no Machinema .................................................... 64
2.4.1 - Kinoautomat .......................................................................................... 66
2.4.2 - A Máscara do Terror – Mr. Sardonicus .................................................. 68
2.4.3 - Os Sete Suspeitos – Clue...................................................................... 70
2.4.4 - Carinho e Cuidado – Tender Loving Care ............................................. 73
2.4.5 - De Volta à Casa da Colina – Return to House on Haunted Hill ............. 75
2.4.6 – Maldita Escolha..................................................................................... 78
2.4.7 - Ressaca................................................................................................. 82
2.4.8 - Turbulência – Turbulence ...................................................................... 85
2.4.9 - O Labirinto ............................................................................................. 88
2.4.10 – Corre ................................................................................................... 91
2.5 - Categorias de Interação no Machinema .................................................... 94
2.6 – Construção do Espaço Lúdico: Machinema x Game............................... 99
3. PRIMEIRO PLANO – MACHINEMA: ANÁLISE DOS OBJETOS A GRUTA e
LAST CALL ............................................................................................................ 103
3.1 - Machinema: A Gruta ................................................................................ 104
3.1.1 - Enredo da Obra e Análise Narrativa .................................................... 106
3.1.1.1 A Chegada na Fazenda ................................................................... 107
3.1.1.2 Um Passeio na Gruta ....................................................................... 110
3.1.2 - Tomás ou Luiza – Uma Narrativa Pluri-Singular .................................. 112
3.1.3 Tempo e Espaço .................................................................................... 113
3.1.4 - Descompasso Rítmico ......................................................................... 114
3.1.5 – Análise do Ambiente Imersivo .............................................................. 115
3.2 - Machinema: Last Call .............................................................................. 119
3.2.1 - Last Call: Uma Outra Experiência Espectatorial .................................. 121
3.2.2 - Efeitos Estéticos da Maquinação em Last Call ..................................... 125
3.2.3 - Análise do Ambiente Imersivo ............................................................... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 131
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 136
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS ............................................................................ 141
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS ........................................................................... 142
ANEXO A – FICHA TÉCNICA – A GRUTA ............................................................ 143
ANEXO B – FICHA TÉCNICA – LAST CALL ........................................................ 144
10
INTRODUÇÃO
Qualquer nova tecnologia tende inevitavelmente a
criar seu respectivo meio ambiente humano e social.
Ambientes tecnológicos não são recipientes
puramente passivos de pessoas, mas processos
ativos que remodelam não só as pessoas, mas
também outras tecnologias.
Marshall McLuhan
O cinema, desde seu alvorecer, espantou, encantou e até surpreendeu a
humanidade, com imagens em movimento e as histórias que elas contam.
Entretanto, para cada roteiro, inúmeras histórias alternativas foram desprezadas. Ao
comentar um filme, é comum, o público dizer: “O que teria acontecido se...” e após,
como em uma brincadeira, imaginariamente re-escreverem o roteiro, e a partir disso,
fornecerem finais diferentes e mudarem completamente o curso dos acontecimentos.
No cinema convencional a audiência é concebida como receptora de um fluxo fixo
de imagens, em uma relação unidirecional. Neste sentido, assistir um filme duas
vezes significaria estar, novamente, diante do mesmo fluxo de imagens. No entanto,
o que aconteceria se ao invés de estáticas repetições, o cinema integrasse seu
público no desenrolar da trama? Stanley Kubrick, importante cineasta norteamericano, certa vez disse: “Se pode ser escrito ou pensado, pode ser filmado”
(KUBRICK, 2001), assim surge uma indagação: por que não explorar essas histórias
que estão sendo deixadas por dizer, que habitam apenas o imaginário lúdico do
espectador e permitir que o público decida o que deve acontecer? Por que, mesmo
assistindo a um bom filme, o público parece não estar plenamente satisfeito com o
caminho percorrido pela história e sempre deseje mudar este ou aquele ponto da
trama?
Reflexões como estas sempre me acompanharam ao sair de uma sessão de
cinema. No entanto, foi durante o curso de Especialização em Semiótica
Psicanalítica, na PUC-SP, que encontrei respostas para parte destas questões. Ao
assistir um seminário proferido pela Profa. Dra. Lúcia Santaella1, foi possível
1
Seminário apresentado para a turma de 2008 do Programa de Pós Graduação de Comunicação e Semiótica da
PUC-SP
11
entender, a partir dos ensinamentos da psicanálise, que o homem por ter sido
atravessado pela linguagem é o único ser falante e por que fala, falta-em-ser: está
onde não é e é onde não está, abrindo assim uma brecha e, que para preenche-la,
foi preciso que ele inventasse as artes, a música, a poesia, a televisão, o cinema e
os jogos. Elemento comum a todas estas criações é o lúdico, é na brincadeira que o
homem parece buscar sua plena satisfação.
Deste modo, com o avanço tecnológico possibilitado pela era digital, tornase fácil entender as razões que levaram os games a conquistar tamanho espaço na
indústria do entretenimento. Sendo atualmente a indústria do game a primeira em
termos de movimentação financeira, superior até mesmo que a do cinema, perdendo
apenas para a indústria bélica e automobilística, torna-se difícil imaginar que durante
muito tempo os games receberam o menosprezo de teóricos e críticos culturais.
Hoje, por ser um produto já completamente estabelecido, os games cederam a
posição de vulgar e banal a outros produtos que ainda estão à procura de seu
espaço.
Da mesma forma, é possível compreender que o cinema, que desde os
primeiros experimentos, buscou incessantemente estabelecer um elo com seu
espectador, tenha se contagiado pelas possibilidades interativas abertas pelos
avanços tecnológicos e amplamente difundida pela indústria do entretenimento.
Diante deste contexto, foi inevitável meu interesse por narrativas interativas,
e logo nas primeiras pesquisas localizei inúmeros objetos interativos produzidos para
o cinema, dentre eles A Gruta, que havia sido premiado em 2008 no Cine Fantasy
em São Paulo e que seria reexibido em 2010, em uma sessão especial, no CCBB de
Brasília. Assim, após assistir a esta exibição e percebendo os afetos e efeitos que
produzira em sua audiência, por não conseguir nomear o fenômeno que ocorria na
sala de projeção, este e outros objetos semelhantes, tornaram-se o motor propulsor
de minhas investigações acadêmicas.
O advento da arte tecnológica, midiática e digital, na contemporaneidade,
exige a reformulação dos meios tradicionais, a inauguração de novas linguagens
artísticas, devido à mediação de dispositivos maquínicos e à novas formas de
maquinação. É neste contexto que a convergência das artes, comunicação, interface
homem-máquina e tecnologia da informação que se oferecem como instrumento
12
para a reinvenção de um cinema, que ao incorporar plataformas de múltiplas
escolhas (inicialmente utilizadas somente pelos games) permite a construção de
narrativas multíplices, em um espaço que explora cada vez mais a sensorialidade e
a sensibilidade de seus espectadores. Neste sentido, ao analisarmos a natureza
híbrida e a potencialidade na produção de novas sensibilidades, abertas pela
imersão interativa no cinema, somos direcionados a considerar seus aspectos
configuracionais e estéticos derivados da convergência deste com as novas
tecnologias e nos deparamos com um outro cinema que denominei Machinema – do
inglês machine (máquina) e cinema (cinema). Tal conceituação foi por mim
desdobrada, a partir de outro conceito denominado Machinima2 - que refere-se à
jogos com animação digital em 3D, criada em tempo real, utilizando mecanismos de
games.
O Machinema refere-se a essência híbrida da produção de filmes que se
apropriam das plataformas de múltiplas escolhas, gerando uma fusão do ambiente
da tarefa e da ação, onde não há mais uma separação entre o que é próprio do
mundo real e o que faz parte do mundo virtual. Trata-se de um espaço que é
habitado por seu público que é agente e protagonista do desenvolvimento estético e
narrativo, onde a ilusão de sentido se transforma em sentido real. Sendo este o
objeto de nosso estudo seu conceito será amplamente discutido e construído no
percurso desta investigação.
Estamos diante de um outro momento do cinema. Um momento que,
instigado pelas possibilidades tecnológicas, dá origem a novos instrumentos para a
reinvenção do cinema através de uma narrativa multimídia que permite criações em
que não há “felizes para sempre” e que o final de um filme é apenas uma faceta de
um diálogo contínuo com o espectador. Que ao acionar novamente o play ou entrar
em outra sessão do mesmo filme, o espectador, terá a possibilidade de vivenciar
uma nova experiência, com um outro percurso da trama.
Sendo o Machinema, objeto deste trabalho, um novo tipo de mídia digital
que ainda está se conformando, muito embora se tenha uma extensa produção
teórica acerca das narrativas interativas, estas não trazem elementos específicos
2
Machinima – o nome é uma junção da palavra máquina e animação. O movimento Machinima começou em
1993 quando o game Doom foi lançado com um programa que permitia a gravação e reprodução de ações ingame (HANCOCK & INGRAM, 2007).
13
para delinear a teoria do Machinema. Assim esta pesquisa se apoia em conceitos
definidos por Shaw (2005), Maciel (2009) e Parente (2009) entre outros, que tratam
especificamente de performances de instalações contemporâneas (arte interativa),
uma vez que foram identificadas algumas semelhanças entre estes objetos,
tornando possível a pertinência de suas aplicações conceituais e possibilitando
desenvolvimento de conceitos específicos.
Assim, a partir destes teóricos que analisam a experiência do agenciamento
contemporâneo entre artes visuais e novas mídias, esta dissertação parte das
seguintes indagações:
Sobre o dispositivo cinematográfico
a) Qual a trajetória do experimentalismo no cinema?
b) Quais as transformações que ocorrem a partir destes outros
cinemas?
c) Quais as possibilidades de conformação de um outro espaço
cinematográfico?
Sobre a lógica da maquinação
d) Quais as implicações provocadas pela hibridização de mídias no
Machinema?
e) Quais os fatores que influenciam o grau de imersividade e de
interatividade no Machinema?
f) Quais as relações espaciais e temporais que se estabelecem
entre o ambiente virtual e real no Machinema?
Estas formas híbridas entre a experiência das artes visuais e do cinema na
criação de um espaço para o envolvimento sensorial do espectador, conforme
Maciel (2009), representam o cinema como interface, como superfície em que
podemos ir através, onde o espectador experimenta sensorialmente as imagens
espacializadas de múltiplos pontos de vista, bem como pode interromper, alterar e
editar a narrativa em que se encontra imerso.
Já Parente (2009), ao empenhar uma reflexão sobre a nova experiência
espectatorial, cita autores como Bruce Nauman, Peter Campos, Steina e Woody
14
Vasulka e Dan Graham que utilizaram o circuito fechado para recriar instalações em
que o dispositivo e a própria experiência da obra são vividos como personagens
principais, para demonstrar de que forma a videoarte renovou de modo radical o
lugar do espectador e o conceito de obra de arte.
Para Shaw (2003), apesar de estarmos ainda no começo deste processo,
podemos identificar características focais do domínio emergente do cinema
digitalmente expandido, onde as tecnologias dos ambientes virtuais apontam para
um cinema que se transforma em um espaço de imersão narrativo, no qual o
espectador assume o papel de câmera e editor. Essas convergências tecnológicas
muitas vezes triviais, que aqui se anunciam, são apenas o prenuncio de algo muito
mais interessante – a convergência sinestésica de todas as possibilidades de
percepção em um espaço-tempo configurado a partir de formações reais,
substitutivas e virtuais, onde a obra artística não é mais simples representação, mas
que define a própria estrutura desses espaços e suas atividades.
Assim, propomos nesta dissertação, pensar o Machinema como um objeto
que gera um ambiente mediado, compartilhado e colaborativo, um espaço híbrido,
imersivo e interativo que a partir de suas características configuracionais estabelece
um dos possíveis formatos do cinema digitalmente expandido.
As reflexões aqui delineadas embasam o objetivo geral desta dissertação.
Trata-se de compreender a estrutura e funcionamento do Machinema, explorando
suas possibilidades maquínicas e interrogando sua natureza híbrida, imersiva e
interativa, sendo que este objetivo geral reúne os seguintes objetivos específicos:
a) Investigar a trajetória do experimentalismo cinematográfico afim
de compreender seus efeitos;
b) Verificar quais as transformações que ocorrem a partir destes
outros cinemas que podem ser exibidos em outras salas e com
espectadores móveis;
c) Investigar a especificidade arquitetural do Machinema, a partir
das relações estabelecidas no ambiente mediado;
d) Identificar quais as consequências na lógica da maquinação;
15
e) Identificar aspectos que devem ser considerados para permitir
uma classificação de seu grau de hibridismo, imersividade e
interatividade, a partir do sistema de trocas no ambiente
mediado;
f) Identificar quais as consequências na lógica de sua maquinação
e conceituar suas dimensões analíticas;
g) Demonstrar quais os deslocamentos, implicações estéticas e
desdobramentos narrativos presentes no Machinema;
h) Identificar e analisar filmes que permitem a conformação do
Machinema, para comprovar e demonstrar os pressupostos
teóricos desenvolvidos.
A abordagem utilizada nesta pesquisa possui natureza teórico-metodológica
aplicada, de função qualitativa e objetivo exploratório. Por se tratar de análises de
um fenômeno muito recente exigiu movimentos específicos.
Com a finalidade de atingir os objetivos deste estudo, a estrutura
metodológica foi elaborada em nove partes de igual importância:
1ª. Parte: levantamento, avaliação e síntese de fontes bibliográficas
para embasamento teórico da pesquisa, sendo que em alguns
pontos deste estudo, para compreensão do objeto, fez-se necessário
a elaboração de novos conceitos, por não haver a produção de um
repertório teórico acadêmico específico;
2ª. Parte: delineamento da concepção espacial do Machinema e
elaboração do gráfico demonstrativo do ambiente mediado, a partir
da participação observatória nas audiências da Mostra Internacional
de Filmes Interativos, que aconteceu em novembro de 2011 no
Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília;
3ª. Parte: pesquisa de procedimentos, técnicas e tecnologias
utilizadas na produção do Machinema, a partir de contato com os
16
diretores e produtores destes filmes, além dos organizadores,
patrocinadores e curador da Mostra Internacional de Filmes
Interativos;
4ª. Parte: elaboração de gráfico demonstrativo, com a finalidade de
simular o ponto de intersecção do ambiente da tarefa e da ação no
Machinema, afim de identificar e conceituar os três principais
aspectos da experiência imersiva: forma e estrutura narrativa,
interatividade imersiva e tecnologia de agenciamento;
5ª. Parte: análise do sistema de interação no Machinema e
conceituação de suas dimensões, tanto no processo maquínico
quanto na maquinação, considerando seu conteúdo, adaptabilidade,
comunicabilidade, navegabilidade e controlabilidade, no intuito de
identificar elementos que possam demonstrar um padrão para
formatação de uma categorização da interação;
6ª. Parte: seleção de dez objetos e suas análises, especificamente,
baseando-se
no
conceito
estabelecido
na
5a.
Parte
dessa
metodologia, com o objetivo de construir e compreender o conceito
estrutural do Machinema, além de demonstrar a relevância do
método. Esta análise foi feita a partir de um quadro explicativo de
cada uma das dimensões para cada um dos objetos.
No momento da seleção, foram escolhidos também outros dois
objetos, exibidos na mesma Mostra, para constituírem o corpus
desta pesquisa. Para seleção destes objetos – A Gruta e Last Call, o
critério considerado foi de representatividade e complexidade;
7ª.
Parte:
conceituação
das cinco
categorias de
interação
(Veredicto, Rayuela, Investigativa, Quiz e Rítmica), a partir das
análises desenvolvidas na 6a. Parte dessa metodologia, no intuito de
compreender a relação de trocas que se estabelece no Machinema
e a construção de sentido. Ainda nesta parte, foi desenvolvida a
17
análise dos mesmos dez objetos, com a função de ilustrar a
metodologia;
8ª. Parte: análise das divergências e convergências entre Game e o
Machinema, no intuito de compreender a construção do espaço
lúdico;
9ª. Parte: análise do corpus e sistematização dos resultados
analíticos.
A abordagem analítica da pesquisa será desenvolvida considerando as
seguintes etapas:
a) Desconstrução e reconstrução do espaço fílmico;
b) Análise do grau de imersividade;
c) Análise das dimensões nos processos de interação;
d) Análise das categorias de interação;
e) Análise do ambiente lúdico;
f) Análise interpretativa.
A reflexão e o debate sobre o cinema digitalmente expandido e suas
possibilidades de conformação são um grande desafio, por apresentarem mudanças
consideráveis não só nas formas de entretenimento, como também novos modelos
de consumo e principalmente pela precariedade dos suportes conceituais,
atualmente disponíveis para análise, avaliação e compreensão destes objetos que
surgem a partir das novas configurações culturais e sua fluidez. Assim, a relevância
desta abordagem no âmbito teórico se dá pela necessidade de produção de
conhecimento nesta área e que poderá promover avanços teóricos que analisam a
experiência do agenciamento contemporâneo entre cinema, artes visuais e novas
mídias, uma vez que toma como objeto de estudos um fenômeno muito recente – o
Machinema. Outro aspecto que se faz relevante é pela possibilidade de
compreensão das potencialidades imersivas interativas, que se estabelecem através
do diálogo homem-máquina focalizado neste objeto cultural, que proporciona um
estilo e forma específica de produção criativa, que se anunciam através das formas
18
de interação presentes no Machinema. E, por fim, é justamente a possibilidade de
investigar os possíveis caminhos que o cinema digitalmente expandido poderá trilhar
e quais as possibilidades de territorialização, interação e significação.
O pano de fundo que servirá de referência para fundamentar este estudo
parte de dois conceitos estabelecidos na década de 1970: Cinema Expandido,
proposto por Gene Youngblood e Dispositivo, concebido por Jean-Louis Baudry.
Para melhor detalhamento o estudo será dividido em três capítulos:
O primeiro capítulo – Plano Geral – Machinema: uma outra concepção
arquitetônica do cinema - trata do percurso histórico evolutivo do dispositivo
cinema e os avanços tecnológicos, sob o prisma das transformações e
experimentações e, por consequência, seus afetos com relação ao efeito-cinema,
além de contextualizar e apresentar quatro momentos insignes inscritos na história
cinematográfica: Cinema no Momento Maquínico, Cinema no Momento das
Tecnologias Eletrônicas, Cinema Expandido e Cinema Digitalmente Expandido.
Este capítulo pretende ainda, posicionar o leitor com relação às
experimentações tecnológicas, suas mediações e a estrutura de interação com sua
audiência, além de empenhar uma reflexão sobre o alargamento da concepção de
cinema e a destituição das fronteiras da janela mágica, promovendo a “fusão” do
que é da ordem do real com o que é do virtual, pontuando aspectos híbrido, imersivo
e interativo, baseando-se principalmente na abordagem de autores consagrados
nesta área, como: André Parente, Jeffrey Shaw, Katia Maciel e Lúcia Santaella.
No capítulo seguinte – Plano Médio – A Construção de Sentido no
Machinema – o conceito de Mashall McLuhan – o meio é a mensagem – e os
conceitos de interatividade de André Lemos, Jonathan Steuer e Sheizaf Rafaeli dão
o norte para as investigações acerca do Machinema. Este capítulo aborda com
maior profundidade elementos estruturais que configuram o processo e formatam do
ponto de intersecção do ambiente da ação e da máquina, apresenta conceitos e
metodologias de análises, por mim desenvolvidas, afim de compreender o grau da
experiência imersiva, o processo sistemático entre o maquínico e a maquinação, as
possibilidades analíticas, a construção do espaço lúdico, além dos processos de
identificação estabelecidos a partir das divergências e convergências entre o play e
o game e os possíveis modelos de interação que formalizam o Machinema. Tais
conceitos são desenvolvidos a partir da análise de dez objetos que foram exibidos
19
na Mostra Internacional de Filmes Interativos (2011), sendo estas análises parte
integrante deste segundo capítulo.
Tendo elaborado um conceito inicial acerca do Machinema o terceiro
capítulo – Primeiro Plano – Machinema: A Gruta e Last Call, é essencialmente
analítico e apresenta reflexões acerca dos elementos do discurso cinematográfico no
Machinema, tais como: linguagem, montagem, estética, autoria, repertório e interrelações espectador-espetáculo, com o objetivo de compreender sua reconfiguração
formal, a partir da análise dos objetos escolhidos para compor o corpus desta
pesquisa. Com maior realce quatro autores darão sustentação teórica: André Lemos,
Arlindo Machado, Erick Felinto e Lúcia Santaella. Neste capítulo, também se
pretende demonstrar a aplicação dos conceitos elaborados no segundo capítulo.
As Considerações finais apresentam uma reflexão, a partir das exposições
e argumentações realizadas nos capítulos precedentes, sobre o processo da
hibridização de mídias que surgem a partir das novas configurações culturais, sua
construção narrativa, estética e estilística, frente a uma sociedade pautada no
consumo e dirigida pela convergência da era digital.
20
1. PLANO GERAL - MACHINEMA: UMA OUTRA CONCEPÇÃO
ARQUITETÔNICA DO CINEMA
O cinema não tem fronteiras nem limites.
É um fluxo constante de sonho.
Orson Welles
Sabe-se que do pré ao pós cinema a arte de reproduzir imagens em
movimento nasce e se mantém até hoje sob os signos da transformação e do
experimentalismo tecnológico e dos mecanismos de produção, de relações de
distribuição e exibição com o mercado e da vivência espectador / espetáculo. O
desejo por criar e projetar imagens em movimento, as constantes experiências de
como trabalhar com cor, som, profundidade, espacialidade, entre a ampliação de
tantas outras técnicas, expandiram o campo de pesquisa do cinema, permitindo que
questões da arte, da literatura, do teatro, da pintura e da fotografia fossem
aprofundadas
e
combinadas
em
estruturas
inauguradas
pela
linguagem
cinematográfica. Dentro desse contexto o cinema manteve-se associado às
condições econômicas, políticas e ideológicas, mas, sobretudo sua trajetória
demonstra uma exploração criativa da capacidade expressiva do homem.
Para Jeffrey Shaw3 (2005), embora o modelo hollywoodiano tenha definido
as formas dominantes de produção, exibição, distribuição, estética e narrativa do
cinema, com o advento das novas tecnologias das mídias digitais que surgiram a
partir do uso do computador e das redes telemáticas, o caráter fordiano do cinema,
já ultrapassado quando ele deixa de produzir apenas produtos, apesar do uso
frenético dos efeitos especiais, não se amolda a um outro modelo de caráter
expandido, mas sim e passa a ser visto sob esse outro caráter (expandido) quando
ele se insere no audiovisual da comunicação, em paridade com outras mídias, que
aponta para a ascensão das indústrias do entretenimento, em especial a Location
Based Entertainment (LBE)4 . “Esses novos contextos parecem estar estabelecendo
3
Jeffrey Shaw (1944) – Fundador e Diretor do Centro de Pesquisa de Cinema Interativo (iCinema) em Sidney, é
reconhecido como um dos principais atuantes em media arts.
4
Location Based Entertainment (LBE): indústria de entretenimento que desenvolve atrações de simulação de
realidade alterada para múltiplos participantes e, geralmente, instaladas em um local fixo. Os projetos de LBE
utilizam avanços tecnológicos, tais como interatividade, movimentos sincronizados, simulações de vídeo e
cinema, imagens 3D, ambientes imersivos, realidade virtual, entre outros.
21
uma plataforma apropriada para outros desenvolvimentos das tradições do cinema
experimental e expandido” (SHAW, 2005, p.355), que se caracteriza, sobretudo, por
um amplo leque de modalidades interativas. Enfatiza Shaw:
Apesar de estarmos ainda no começo do processo, podemos
identificar as características focais do domínio emergente do cinema
digitalmente expandido. As tecnologias dos ambientes virtuais
apontam para um cinema que é um espaço de imersão narrativo, no
qual o usuário interativo assume o papel de câmera e editor. E as
tecnologias dos videogames e da internet apontam para um cinema
de ambientes virtuais distribuídos que também são espaços sociais,
de modo que as pessoas presentes tornam-se protagonistas em um
conjunto de deslocamentos narrativos (SHAW, 2005, p.356).
Assim, a emergência da presença do homem pela participação na
construção das narrativas, expressando desejos e decisões trata-se de uma
característica nata do usuário digital, produto da pós-modernidade, que se pauta na
interatividade, na imersão e na interdisciplinaridade. Consequentemente, o
espectador é inserido em um contexto atuante, recebendo o estatuto de espectadormultimídia, cuja participação passa a ser decisiva para constituição do objeto
estético.
Afirma Lúcia Santaella:
Não é mais tampouco um leitor contemplativo que segue as
sequências de um texto, virando páginas, manuseando volumes,
percorrendo com passos lentos a biblioteca, mas um leitor em estado
de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro
multilinear, multidisciplinar, multisequencial e labiríntico que ele
próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras,
imagens, documentação, música, vídeo e etc. (SANTAELLA, 2004, p.
33).
Neste sentido, Shaw (2005) identifica duas correntes na artemídia. Uma que
configura a experiência audiovisual inserida em uma fronteira delimitadora, que
estabelece uma relação distanciada entre o usuário e a ficção que é construída
dentro do quadro, onde tanto a moldura de uma pintura em um quadro, ou o palco
onde se encena uma peça de teatro, ou envoltório de um aparelho de TV, ou ainda a
borda negra de uma tela de cinema, delineia e separa o espaço ficcional do espaço
real e estabelece a janela mágica, através da qual os espectadores contemplam
22
espaços esteticamente planejados. A outra corrente é a que produz um alargamento
das possibilidades através do desenvolvimento da experimentação, do incorporar de
novas referências e novas materialidades, que extrapolam o código de seu fazer
inaugural e, assim, rompem com a moldura para que não haja nenhuma janela
mágica ou para que esta se abra para um outro espaço que possibilite o
envolvimento sensorial do espectador, permitindo que ele “avance sobre o espaço
da tela e muitas vezes, atravesse-o não apenas mental ou visualmente, mas
também com todo o seu corpo”, como define Katia Maciel em sua obra –
Transcinema (MACIEL, 2009, p.18).
Pensar a interatividade e a imersão no cinema é tratar o filme como campo
em expansão não só no teor comunicacional, mas também na sua própria
materialidade. Ao analisar o hibridismo e sua potencialidade na produção de novos
objetos é possível perceber a convergência entre o cinema e as novas plataformas
tecnológicas, multimídias, multifacetadas, multíplices. A partir das possibilidades
computacionais a matéria fílmica passa de analógica à digital e o que é digital vira
variável, abrindo, assim, inúmeras opções de reestruturação desta matéria,
permitindo que ela possa ser alterada, mapeada, se torne interface de interação com
o espectador e até mesmo que se materialize e constitua um outro espaço estético.
São estas possibilidades que convocam ao renascimento de um experimentalismo
muito mais fluente que na fase inaugural do cinema, se autorizam à construção de
um efeito fluido sensorial que exala significações num contexto que extrapola a
virtualidade do real e dão origem a um outro espaço cinematográfico, gerando assim
um ambiente de imersão sinestésica, por mim denominado Machinema:
O Machinema em sua definição ampliada refere-se à essência
híbrida da produção de filmes de ficção com personagens live action,
onde um mesmo personagem possui diversas trajetórias e, portanto,
a produção de inúmeros roteiros desdobrados a partir de uma trama
central, que se utilizando de técnicas cinematográficas associadas a
plataformas de múltiplas escolhas, tem como característica
fundamental a montagem compartilhada com o espectador / interator,
partilhando com este, muitas vezes a posição de protagonista,
roteirista, diretor ou narrador do filme. Desta forma, este novo modelo
não deve ser reduzido simplesmente ao formato de “escolha sua
própria aventura”, mas sim, deve ser visto como a vinda para a vida
pós-moderna permeada de preocupações com a multiplicidade,
diversidade, incompletude, as concepções espaciais do self e um
quebra-cabeças de histórias explicitamente expressas através da
tecnologia interativa. (ORRÙ, 2011, p.37).
23
O Machinema é, conceitualmente, tanto um filme que se conforma
essencialmente por sua base tangencial interativa, quanto um processo de
maquinação real time, que se quer definir a territorialidade do espaço cinemático. É
importante salientar que o conceito de Machinema, por ora definido, expressa sua
condição investigativa, uma vez que trata-se de um campo que ainda se está
conformando.
Assim, no intuito de compreender o alargamento fundamentado no
experimentalismo e nas possibilidades tecnológicas que a concepção de cinema
vem sofrendo nas últimas décadas, afim de se permitir uma análise mais
aprofundada do corpus desta pesquisa, se faz necessário empenhar uma reflexão
sobre
o
dispositivo
cinematográfico
e
indagar:
a)
qual
a
trajetória
do
experimentalismo no cinema? b) quais as transformações que ocorrem a partir
destes outros cinemas? c) quais as possibilidades de conformação de um outro
espaço cinematográfico?
1.1 - Dispositivo Cinematográfico: Efeito-Cinema
O conceito de dispositivo5 surge nos anos 1970 entre os teóricos
desconstrutivistas franceses Jean-Louis Baudry, Christian Metz e Thierry Kuntzel, e
se divide em dois aspectos: o primeiro pela técnica e mecânica do fazer cinema e o
segundo pelas possibilidades de exibição. Ambos colaboram para a percepção,
apreensão e interpretação por parte do espectador como indivíduo e o constituem
como sujeito colocando-o imaginariamente em um lugar central.
Neste estudo o conceito de dispositivo utilizado é o de Jean-Louis Baudry
que, numa perspectiva inspirada na psicanálise freudiana6 e no sentido marxista de
5
O ponto de partida para a compreensão do conceito de dispositivo, buscamos em Michel Foucault, uma vez
que a noção de dispositivo foi por ele amplamente teorizada e disseminada. Para Foucault, o dispositivo consiste
numa rede que pode ser estabelecida entre diferentes elementos, tais como: o poder em relação a qualquer
formação social; a relação entre fenômeno social e o sujeito; e a relação entre discurso e a prática, as idéias e as
ações, atitudes e comportamentos.
6
Psicanálise freudiana – Teoria desenvolvida por Sigmund Freud no final do século XIX. Trata-se de um campo
investigativo da psique humana, que se propõe compreender e analisar o homem enquanto sujeito do
inconsciente.
24
ideologia7, introduziu o termo como título de um de seus artigos, que consagrou à
teoria do espectador de filme e que apontava a própria materialidade do cinema, o
seu aparato, especialmente o aparelho que fornece as condições de percepção,
independentemente do filme exibido, como fator determinante para a ilusão e a
impressão de realidade que o cinema transmite. Baudry centrava-se na relação que
se cria entre a sucessão de fotogramas inscritos pela câmera e a operação da
projeção que reestabelece sobre a tela, a partir de imagens fixas e sucessivas, a
continuidade do movimento e a construção do tempo, ocultando a descontinuidade
da filmagem, apagando seus procedimentos, tornando o significante cinematográfico
invisível para o espectador, sendo esta invisibilidade o que permitirá a produção
posterior do efeito de sentido de todo o filme, como se este pudesse dizer as
verdades do mundo sem intermediação, produzindo, assim, um efeito ideológico e
subjetivo. Define Baudry:
O efeito do sentido não depende apenas do conteúdo das imagens,
mas dos procedimentos materiais pelos quais uma continuidade
ilusória, graças à persistência das impressões na retina, é
reestabelecida a partir de elementos descontínuos – elementos
estes, as imagens, que trazem entre os precedentes e os seguintes,
diferenças. Diferenças indispensáveis para que seja criada a ilusão
de continuidade, de passagem contínua (movimento, tempo). Mas
com uma condição: que tais diferenças sejam apagadas.(...) a
aparelhagem mecânica escolhe a diferença mínima e na projeção a
reprime para constituir o sentido: ao mesmo tempo, direção,
continuidade, movimento. O mecanismo de projeção permite suprimir
os elementos diferenciais (a descontinuidade inscrita pela câmera),
deixando em cena apenas a relação entre eles. Portanto, as imagens
como tais se apagam para que o movimento e a continuidade
apareçam. Assim, pode-se presumir que aquilo que já estava na obra
como fundamento constitutivo da imagem perspectivista, isto é, o
olho, o “sujeito”, é relançado, liberado (como uma reação química
libera uma substância) por uma operação que transforma imagens
sucessivas, descontínuas (enquanto imagens isoladas, falando com
propriedade, elas não têm sentido, tampouco unidade de sentido),
em continuidade, movimento e sentido. A continuidade rerestabelecida é, ao mesmo tempo, sentido e consciência
reestabelecidos (BAUDRY, 1970 apud XAVIER, 1983, p. 389-391).
7
Para Baudry o dispositivo cuja origem está na vontade burguesa de dominação, criada pela imagem
perspectivada, onde esta produz uma cegueira ideológica, uma alienação fetichista que remete a esta vontade de
dominação.
25
De acordo com Jacques Aumont8 (1993), para Baudry não há uma
delimitação entre o corpo e a imagem; ambos parecem fundir-se no mundo diegético
e assim o dispositivo cinematográfico tem efeito subjetivo sobre o espectador. A
partir deste pensamento, Baudry se apropria da psicanálise e da filosofia para dar
conta do estudo desse efeito, “que se especifica em várias direções: regressão
narcisista, assimilação ao sonho, mas também retorno a um passado mítico, no
caso, o mito platônico”. Esclarece Aumont:
O aparelho de simulação consiste (...) em transformar uma
percepção em uma quase alucinação, dotada de um efeito de real
incomparável ao que é trazido pela própria percepção (...). No “Le
dispositif”, Baudry traça assim um longo paralelo entre a situação do
espectador de filme e a dos escravos acorrentados da parábola de
Platão, condenados a verem da realidade apenas as sombras
projetadas na parede diante deles (AUMONT, 1993, p. 196).
Assim, é possível que os efeitos produzidos sobre o espectador dependam
muito mais do “dispositivo do cinema considerado em seu conjunto (câmera,
moviola, projetor, etc.) e das condições de projeção (sala escura, projeção feita por
trás do espectador, imobilidade deste, etc.)” (PARENTE, 2009, p. 25) do que do filme
como um todo ou de sua organização discursiva, ou seja, o dispositivo é o que
regula a relação entre o espectador e suas imagens, obviamente em um
determinado contexto simbólico que revela-se, também, necessariamente social,
uma vez que as trocas simbólicas não existem no abstrato, mas são determinadas
pelos caracteres sociais que a engendram. Neste sentido, Aumont (1993) ressalta
que o estudo do dispositivo é obrigatoriamente um estudo histórico, uma vez que
não há dispositivo nem tampouco um fenômeno humano que esteja fora da história.
Ao longo da história do cinema, há inúmeras experiências técnica e
tecnológicas, entretanto é importante ressaltar quatro momentos insignes inscritos
na história cinematográfica9, marcados por transformações e experimentações
quanto ao dispositivo e, por consequência, seus afetos com relação ao efeitocinema10: cinema no momento maquínico, cinema no momento das tecnologias
8
Jacques Aumont (1942) – Diretor do Centro de História do Cinema da Cinemateca Francesa, renomado teórico
de cinema que atualizou o conceito de dispositivo cinematográfico.
9
Estes momentos serão motivo de tópicos específicos no decorrer deste capítulo.
10
A responsabilidade do dispositivo nos efeitos subjetivos e ideológicos produzidos pelo cinema sobre o
espectador. O cinema é visto por Baudry como um desejo, uma forma de satisfação perdida que o dispositivo
26
eletrônicas, cinema expandido e o cinema digitalmente expandido. É necessário
esclarecer que tais experimentações não estão sendo lançadas no tempo, e de
modo linear, visto que elas não foram exclusivas a um certo período, portanto não se
trata de uma evolução, uma vez que cada uma das propostas não tenha se
cumprido e esgotado, devendo dar lugar a versões mais modernas do
experimentalismo cinematográfico. É certo que houve a evolução da tecnologia
implicada, o que afeta, por conseguinte, o resultado da maquinação, mas cabe
lembrar que o cinema, desde sempre, foi uma linguagem maquínica que nasce e se
mantém através do experimentalismo tecnológico.
1.1.1 - Cinema no Momento Maquínico
Este primeiro momento se dá entre a invenção técnica propriamente dita e a
sua institucionalização. É interessante pontuar que enquanto a técnica se define
como um saber fazer, uma sequência de procedimentos que se criam, se aprendem
e se desenvolvem, que se caracteriza por habilidades de um indivíduo, a tecnologia
inclui a técnica e vai além. A tecnologia se encontra onde quer que haja um
dispositivo maquínico capaz de corporificar um conhecimento científico acerca da
habilidade técnica. Dito isso é possível compreender que grandes mudanças se
deram com a Revolução Industrial, uma vez que é neste momento que criam-se
máquinas capazes de reproduzir imagens, ou seja, é o fim da exclusividade do
artesanato nas artes e o início das artes mediadas pela tecnologia11.
Em torno de 1900, a reprodução técnica alcançou um padrão a partir
do qual começou não só a transformar a totalidade das obras de arte
tradicionais em seu objeto, e submeter o efeito destas a profundas
transformações, como também conquistou para si um lugar próprio
entre os procedimentos artísticos. Para o estudo desse padrão, nada
é mais elucidativo que o modo como suas duas diferentes
cinema terá como objetivo alcançar, e o leva a repensar a relação entre a impressão de realidade e o desejo desta
impressão através das considerações freudianas sobre o sonho.
11
Esta reflexão apoia-se na teoria de Walter Benjamin, expressa em A Obra de Arte na Época de sua
Reprodutibilidade Técnica (2012), que defendia a diferença radical entre o que o homem podia visualizar por
meio de seu olhar e o que a câmara podia captar artificialmente. Enquanto no teatro o intérprete está
inegavelmente vinculado a sua ‘aura’, a qual é, sem dúvida, captada pela plateia, não se pode dizer que no
cinema o mesmo se repita, pois neste meio o público está ausente, e em seu lugar está a câmera, ou seja, uma
máquina, a qual prevalece inclusive sobre os próprios atores, uma vez que os equipamentos técnicos são capazes
até mesmo de representar seu papel.
27
manifestações – reprodução da obra de arte e arte cinematográfica –
retroagem sobre a arte em sua forma tradicional (BENJAMIN, 2012,
p. 17).
Após a invenção da lanterna mágica12, da câmara escura13 e da fotografia,
na década de 1820 surgiram inúmeros aparelhos ópticos fotográficos –
taumatroscópio14, zootrópio15, praxinoscópio16, entre outros - que tinham por função
apresentar efeitos de ilusão relacionados à imagem em movimento.
Durante todo este período, houve uma experimentação efervescente
relacionada ao cinema. No entanto a grande maioria dessas tentativas ainda não
tinha a ver com o cinema de sala e obtiveram grande êxito comercial: em 1880, o
Quinetoscópio de Thomas Edison; em 1889, o Cineorama de Raul Grimoin-Sanson e
em 1903, o Hale’s Tour comercializado por George Hale, entre outros.
O quinetoscópio (Figura 1) era uma espécie de caixa com um visor na parte
superior, onde uma pessoa poderia introduzir uma moeda em uma pequena fenda e
mover a manivela disposta na lateral da caixa, para assim, em uma experiência
individual (Figura 2), assistir a exibição de uma pequena tira de filme em looping, na
qual apareciam cenas animadas. Estes filmetes eram de produção do próprio
Edison, através de uma câmera denominada quinetógrafo. Na época, Edison queria
apenas comercializar os quinetoscópios, pois seu maior interesse ultrapassava a
12
Lanterna mágica (aparato) – Surge em 1645, por um jesuíta chamado Athanasius Kircher, composta por uma
caixa cilíndrica iluminada à vela, fazendo passar a luz pela imagem que assim se projetava na parede. No século
XVIII, Pieter van Musschenbroek demonstrou que um disco giratório com imagens em sequência poderia dar a
ilusão de movimento (SOLOMON, 1994).
13
Câmara escura – Aparelho óptico que esteve na base da invenção da fotografia. Surgiu no século XVII e tratase de uma caixa, que através de um orifício em um de seus cantos passa uma luz externa e atinge uma superfície
interna, onde é reproduzida a imagem invertida. O conhecimento de seus princípios óticos se atribui a
Aristóteles, anos antes de Cristo, e seu uso para observação de eclipses e ajuda ao desenho, a Giovanni Baptista
Della Porta (www.kodak.com.br).
14
Taumatroscópio – Em 1825, o médico inglês John Paris criou um brinquedo, chamado taumatroscópio,
baseado em seu conhecimento de que o cérebro humano retém a imagem de um objeto por cerca de 1/30
segundos (o que se chama “persistência retiniana”). O artefato consiste simplesmente de um pequeno disco de
papelão com desenhos nos dois lados (MALLALIEU, 1999).
15
Zootrópio – Surge no século XIX, foi de W.G.Homer, de Bristol. Tratava-se de um tambor de zinco com
fendas cortadas a intervalos regulares ao seu redor. Dentro do tambor havia uma tira de papel larga na qual
estavam desenhados sucessivos estágios de um movimento executado por uma pessoa ou animal (MALLALIEU,
1999).
16
Praxinoscópio - Patenteado pelo francês Émile Reynaud em 1877, era simplesmente um aperfeiçoamento do
zootrópio. No centro do tambor havia outro tambor menor, fixo e com pequenos espelhos presos à sua volta. O
observador girava o tambor externo e olhava no espelho mais próximo, que apresentava o reflexo do movimento
(MALLALIEU, 1999).
28
simples projeção de fitas mudas, uma vez que pouco antes ele inventara o
fonógrafo17,
e
tinha
por
objetivo
maior
acrescentar ao
som
a
imagem
correspondente. Entendia que ao comercializar o aparato faria melhores negócios
que projetando filmes para um público, pois não acreditava no consumo simultâneo
e coletivo.
Figura 1 - Quinetoscópio
Figura 2 – Experiência Individual
Ao contrário da individuação do Quinetoscópio, o Cineorama possibilitava
uma experiência coletiva. Durou apenas três dias na exposição 1900 de Paris. Em
seguida foi fechado por questões de segurança. Patenteado por Raul GrimoinSanson em 1897, consistia em um dispositivo que para compor uma única imagem,
utilizava 10 projetores sincronizados dispostos em um círculo de cem metros em
torno de uma plataforma de observação. No centro da sala uma cesta de balão
(capaz de receber duzentos espectadores) munida de todos seus acessórios
habituais: âncora, cordas, contrapeso e escada, no intuito de ambientalizar a
experiência e tendo o teto coberto por uma cortina imitando um envelope. Sob a
cesta eram fixados os dez projetores que, após a sala ter sido escurecida,
projetavam imagens de decolagens de balões e suas aterrissagens através de
imagens obtidas pela inversão da exibição do filme.
17
Fonógrafo – inventado por Thomas Edison em 1877, surgiu quando ele trabalhava no desenvolvimento para a
invenção da lâmpada secreta (CARDOSO, 2005).
29
Já o Hale’s Tour, que fora explorado comercialmente por George Hale, nos
Estados Unidos, era composto de salas de cinema que imitavam vagões de trem. Na
entrada dos supostos vagões havia um espaço central que simulava a estação
principal, onde funcionários uniformizados orientavam os espectadores na entrada
das salas (que possuíam aproximadamente 70 lugares) para o que seria uma
“viagem”, que tinha duração de trinta minutos. Nas janelas laterais e frontais dos
vagões eram projetadas imagens cinematográficas de paisagens que haviam sido
filmadas originalmente a partir de trens em movimento. Para aludir uma maior
sensação de realidade na plateia, havia um reforço de simulação no dispositivo que
causava vibrações e outros movimentos nos vagões, além dos sons e de efeitos
como o ar sendo soprado no rosto dos espectadores, para permitir a sensação de
vento.
Os primeiros 20 anos do cinema inauguraram a era da predominância das
imagens e foram marcados por transformações constantes, uma vez que o cinema
não era detentor de um código e o que havia era uma tendência ao hibridismo deste
com outras formas culturais – os espetáculos da Lanterna Magika18, o teatro popular,
a fotografia e as ilustrações. Por esta razão os projetores de filmes apareceram
como mais uma curiosidade dentre tantas as invenções da época.
As experimentações no cinema não param neste momento de frenesi
causado pelas imagens em movimento e as incertezas quanto a seu futuro. O
cinema vai para as salas de projeção e muitas outras experiências interessantes são
elaboradas a partir de sua maquinação.
Enquanto o quinetoscópio, de Edison, ainda fazia sucesso em locais de
acesso público (feiras, circos, parques de diversão), mas se configuravam como uma
atração individual, os irmãos Lumière, em dezembro de 1895, iniciam as
demonstrações coletivas e pagas, de seu cinematógrafo19 (Figura 3) no Grand Café
de Paris. Embora não tenham sido os primeiros a comercializar uma exibição
coletiva, são os que ficaram mais famosos.
18
A Lanterna Magika eram espetáculos, que tiveram início no século XVII, onde um apresentador mostrava ao
público imagens coloridas projetadas numa tela, através do foco de luz gerado pela chama de querosene, com
acompanhamento de vozes, música e efeitos sonoros.
19
Cinematógrafo – O aparelho permitia registrar uma série de instantâneos fixos, em fotogramas, criando a
ilusão do movimento que durante um certo tempo ocorre diante de uma lente fotográfica e depois reproduzir esse
movimento, projetando as imagens animadas sobre um anteparo em tela (Rosenfeld, 2002, p.52).
30
Figura 3 - Cinematógrafo
O progresso técnico, ao possibilitar a reprodução do movimento, criou
também um novo público e um mercado para o novo produto. Nem seus inventores
se deram conta que nas grandes metrópoles havia a aglomeração de um público
potencial sem grandes aspirações individualistas, que representaria um mercado
ideal para o consumo em massa de um espetáculo produzido em massa. Assim, sob
o prisma econômico e social, é possível afirmar que o cinema, assim como toda a
Era Industrial, é filho do capitalismo, muito embora este tenha lhe oferecido as
condições necessárias para garantir o desenvolvimento cinematográfico no âmbito
artístico, também lhe exigiu métodos de produção, e ao fabricá-lo com o propósito de
gerir, ampliar e atender uma demanda lhe impôs o estatuto de mercadoria e
ameaçou esmagar uma arte por ele mesmo criada.
Logo o cinematógrafo dos Lumière chega aos EUA e como afirma Flávia
Cesarino Costa (2006) com um modelo pré-industrial de comercialização que atrai o
interesse dos vaudevilles – uma versão norte-americana dos cafés parisienses –
uma vez que estes ofereciam os projetores, os suprimentos dos filmes e os
operadores das máquinas. Além de serem bastante populares, os vaudevilles eram
os locais onde uma grande parcela da classe média frequentava em busca de
diversão. “O êxito comercial dos filmes projetados nestes recintos a um preço ínfimo
foi sensacional e superou de longe a renda dos quinetoscópios” (Rosenfeld, 2002, p
68). Sua programação incluía espetáculos circenses, sessões de lanterna mágica,
encenações dramáticas, além das apresentações dos pequenos filmes, que se
encaixavam com facilidade, por serem atrações independentes como afirma Costa:
31
...os Lumière tinham criado nos EUA um padrão de exibição que
sobreviveu até a década seguinte: o fornecimento, para os
vaudevilles, de um ato completo, incluindo projetor, filmes e operador
num esquema pré-industrial, que mantinha a autonomia dos
exibidores de filmes em relação à produção. Essa dependência do
vaudeville adiou temporariamente a necessidade de o cinema
americano desenvolver seus próprios caminhos de exibição e
impediu que o cinema adquirisse autonomia industrial. A estrutura do
vaudeville não requeria uma divisão da indústria entre as unidade de
produção, distribuição e exibição (COSTA, 2006, p.21).
Este primeiro momento denominado por Tom Gunning de “cinema das
atrações” tinha a intenção de fascinar, maravilhar, mas também de assustar o
espectador, onde narrar a história não tinha a menor importância e afirma Costa:
...Gunning propôs que o gesto essencial do primeiro cinema não era
a habilidade imperfeita de contar histórias, mas sim, chamar a
atenção do espectador de forma direta e agressiva, deixando clara
sua intenção exibicionista. Neste cinema de atrações, o objetivo é,
como nas feiras e parques de diversões, espantar e maravilhar o
espectador; contar histórias não é primordial. O objetivo de mostrar
fica claro tanto em cenas documentais, quando os passantes
saúdam a câmera, como nas encenações, em que os atores
cumprimentam o observador e o incluem na cena, quebrando a
possibilidade de construção de um mundo ficcional (COSTA, 2006,
p.24).
As práticas do cinema nesta época podem apontar para outra invenção que,
não por uma simples coincidência, surgira no mesmo momento: a psicanálise. De
acordo com Machado (1997) em 1900, ano em que Méliès lança Cendrillon, sua
primeira féerie em forma de narrativa fantástica, Freud20, o pai da psicanálise,
publica A Interpretação dos sonhos, obra em que investiga a simbologia onírica.
Tanto Freud quanto Méliès, demonstram ter como objetivo a fusão impossível da
ciência com o irracional. Enquanto a psicanálise se inseria nos grupos de elite, o
cinema se colocava como divã da classe operária.
Em A interpretação dos sonhos, Freud lança ideias inovadoras que não
apenas vão revolucionar a compreensão dos sonhos que se tinha até então, como
também proporcionar um esclarecimento inédito sobre o funcionamento do
pensamento e da linguagem e afirma que o sonho é a realização dissimulada de um
desejo reprimido recalcado, ainda que de forma mascarada por condensações e
20
Sigmund Freud (1856 – 1939) médico neurologista austríaco, fundador da psicanálise
32
deslocamentos. Logo Freud inicia a elaboração da teoria sobre as manifestações do
inconsciente: sonhos, atos falhos, chistes e em 1905 publica Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, onde inicia seus estudos sobre as pulsões além de afirmar
que os sintomas neuróticos não se criam unicamente em detrimento da pulsão
sexual normal, mas em parte também em detrimento de uma sexualidade anormal.
Assim, as fantasias do desejo e o trabalho das pulsões, que Freud trazia à Luz ao
mesmo tempo em que Méliès, sem trocadilho, jogava na sala escura, saltam ao
primeiro plano e vão, a partir daí, reivindicar o estatuto de plena cidadania
(MACHADO, 1997, p.37). Dito isso, é possível se fazer uma analogia com as
produções de Méliès, e perceber que o papel que o cinematógrafo operava em seus
espectadores, produzia o mesmo tipo de transferência que ocorria na elaboração do
sonho pelo sujeito, como comentado anteriormente acerca da teoria de Baudry.
O cinema de Méliès se traduziu em uma obra burlesca, perversa e divertida,
que produzia o fascínio das multidões e os atraia para as salas escuras, em função
do componente onírico de fundo psicanalítico, pois buscavam nas féeries e nas
mises en scène magiques aquilo que não poderia a princípio ser mostrado. Ilustra
Machado:
Pierre Jenn observou, a esse respeito, que a obra de Méliès,
tranquila na sua superfície, aparentemente desprovida de paixões ou
outros sentimentos fortes que não o riso descomprometido, está
atravessada todavia por uma angústia profunda e “arcaica”, tanto
mais inquietante quanto mais se dissimula e se insinua nas
pantomimas. Que pode haver de mais divertido que Elipse de soleil
em pleine lune (1907)? – pergunta ele. Um astrônomo de opereta (o
próprio Méliès) observa pelo telescópio um eclipse do sol. Ao passar
por detrás da lua, o sol, muito atrevido, resolve se aproveitar da
situação, para o prazer do astro noturno. As expressões de gozo
sexual por parte da lua são inequívocas (nos filmes de Méliès os
astros tem rostos), quando sente o sol precipitar-se sobre ela.
Excitado, o astrônomo se inclina para espiar a cena mais de perto
e...cai janela abaixo! Tudo aparentemente muito inocente. Mas quem
são esse sol e essa lua – explica Jenn – senão metamorfoses do pai
e da mãe? E o que fazem eles um encima do outro senão o coito? O
astrônomo Méliès, espiando pelo seu telescópio (versão
transformada do instrumento emblemático da escopofilia: o buraco
da fechadura), não está revivendo nesse pequeno filme o fantasma
da cena primitiva, essa cena que se passa em plene lune, como diz o
título (MACHADO, 1997, p.38).
33
Em 1915, D. W. Griffith21 no filme “Nascimento de uma nação” utiliza
técnicas de produção, que já vinham sendo exploradas por ele desde 1908, gerando
uma linguagem inovadora incluindo recursos de montagem e câmera que modificou
significativamente a forma, a estética e a narrativa do cinema. Esclarece Rosenfeld:
Em suma, o cinema ia conquistando um lugar sólido no mundo dos
divertimentos. Começa a aperfeiçoar lentamente sua técnica e sua
gramática. De início o cinema engatinha e balbucia. Agora começa a
andar e, embora mudo, aprende a falar com nexo e faz as primeiras
tentativas de expressar-se.(...)Já se experimentam os efeitos do
corte, os planos próximos, a movimentação da câmera. A guerra é
um golpe tremendo para o cinema europeu. De um salto, a América
conquista a supremacia industrial, ao mesmo tempo em que galgou
um lugar decisivo na evolução estética do filme, graças ao gênio do
primeiro cineasta completo e consciente: D. W. Griffith
(ROSENFELD, 2002, p.101/102).
Desde esta época, a ubiquidade marca a expansão cada vez maior do
cinema, tanto no âmbito econômico quanto no social, do ponto de vista do
espetáculo: pela possibilidade de multiplicação do aparato (projetor, filme, etc.) o
mesmo filme poderia estar presente em diferentes espaços ao mesmo tempo e do
ponto de vista do espectador: a sensação produzida pelo espetáculo (efeito-cinema)
de presença no espaço fílmico, ainda que esta fosse marcada pela ausência. Desta
forma o cinema mostrou-se uma opção mais atraente de entretenimento, produzindo
espetáculos plenos de maravilhosos poderes, para distrair as massas e lhes
organizar as horas de lazer.
A Década de 20 consolida a indústria cinematográfica americana e os
grandes gêneros – western, policial, musical e, principalmente, comédia – todos
ligados ao star system22, o sistema de “fabricação” de estrelas, que encantam as
plateias. E mais uma vez encontramos na psicanálise a possibilidade de justificativa
para a reação do espectador diante do efeito-cinema.
O cinema como agente produtor de personalidades, também funcionava como
simulacro. Exibiam personagens por ele criados que eram impregnados com estilos
21
David Llewelyn Griffith (1875 – 1948) – Diretor de cinema estadunidense. Introduziu no cinema o que alguns
teóricos chamam montagem paralela ou alternada, isto é, a alternância de duas ou mais linhas de ação, e o
salvamento no último minuto são duas formas de construir tensão, além de outras inovações.
22
Star system – O sistema de estrelas foi o método de criação, promoção e exploração de estrelas de cinema nos
clássicos de Hollywood. Os estúdios selecionavam jovens atores e atrizes glamourosas e criavam personalidades
para eles, muitas vezes investindo em novos nomes e até mesmo novos planos de fundo.
34
de vida encantadores, criado por toda a sua mises en scène. Despertava em seus
espectadores o desejo de ser e de ter, e ao se identificarem com este modelo de
felicidade plena influenciava a moda e o consumo.
Através do conceito de identificação descrito por Freud é possível
compreender, um pouco melhor, como o sistema de estrelas atraia as massas.
Segundo Freud (1935), uma das formas de identificação é a histérica, cuja
modalidade de formação constitui-se da imitação não da pessoa (objeto de desejo),
mas de um sintoma da pessoa. É a imitação de um traço único. Outra forma é o
produto da vontade de colocar-se em situação idêntica à do outro ou dos outros. É
esta forma de identificação que liga entre si o indivíduo a um grupo. Ela é
comandada pelo vínculo estabelecido entre cada componente do grupo e o condutor
das massas, que no caso do star system eram as estrelas produzidas por
Hollywood. Este vínculo é constituído pela instalação deste condutor como ideal do
eu por cada um dos participantes do grupo. E mais uma vez, é possível verificar o
efeito subjetivo e ideológico produzido no espectador – efeito-cinema.
Com a crise pós-guerra, os custos de produção ficaram cada vez mais altos
e os grandes estúdios perdiam o controle dos seus negócios para bancos e
corporações industriais. A produção de filmes reduzia em termos quantitativos, mas
principalmente qualitativos. É este cenário desesperador que impõe aos magnatas
que desenhem uma nova estratégia mercadológica para que o produto “filme” se
torne mais interessante, com o objetivo de ampliar sua demanda e atrair o público.
Com este propósito, os filmes que até então eram silenciosos, em 1927, diante da
crise e na eminência de uma falência, a Warner Brothers23 introduz o sistema
Vitaphone24 e lança o filme “The Jazz Singer”25, um musical que possuía alguns
pequenos diálogos e cantorias.
Com efeito, em 1925-1926 o filme mudo já conquistara tal domínio
dos seus meios de expressão que os textos explicativos,
intercalados, quase se tornaram supérfluos; o filme falado,
sobrecarregado de diálogos, não foi, portanto, uma necessidade
íntima, mas uma imposição externa da técnica e do fetichismo dos
industriais, que não desejavam deixar escapar nenhum
23
Warner Brothers – Também conhecida como Warner Bros. Foi fundada em 1923 e é uma das maiores
indústrias americana de produção cinematográfica e televisiva.
24
Vitaphone – o mais bem sucedido processo de gravação de som sobre um disco.
25
The Jazz Singer – dirigido por Alan Crosland e estrelado por Al Jolson.
35
aperfeiçoamento técnico por medo da concorrência e na esperança
de conquistar um público mais amplo (ROSENFELD, 2002, p.129).
Ao dar vozes ao filme, ainda assim as experiências em relação ao som não
se estagnaram. Percebeu-se que não bastava apenas o som dos diálogos, mas que
se fazia necessário também os ruídos que ambientariam o contexto e a música de
fundo que se expressaria como justificativa do movimento, se tornando
indispensável para manter a tensão dramática e transições em tempo e espaço,
além de caracterizar personagens, dados, complexos emocionais, estados psíquicos
e determinados símbolos, desta forma ampliando sua sensorialidade e aguçando a
percepção do espectador.
Se a percepção pode ser considerada multissensorial, ao se fazer uso do
som, agente estimulante da audição, em composição com a imagem, agente
estimulante da visão, torna-se possível aumentar a precisão de reconhecimento ou
cognição no processo de produção de sentido simbólico, e ainda amplia o estado
imersivo do sujeito. Ainda que ele não veja, ouve e cria, a partir de seu repertório,
uma representação simbólica carregada de sensações.
Desde 1906, iniciaram-se os experimentos com filmes coloridos, no entanto
experiências como o Technicolor26 de duas cores foram decepcionantes por se
distanciarem da realidade cotidiana e não empolgaram o público. Somente em 1935,
com o sistema Technicolor de três cores, foi produzido o primeiro filme colorido “Vaidade e Beleza” de Rouben Mamoullian27.
As cores que sempre estiveram presentes na história do homem, no cinema,
assim como em outras expressões artísticas, produzem sensações cromáticas
deslumbrantes, traduzem cargas emotivas e psicológicas e exercem sobre o
espectador a construção de uma linguagem própria que comunica uma ideia, tendo
valor simbólico. Tamanha a expressividade das cores no cinema, que a produção de
filmes coloridos rapidamente se consolidou ao perceberem a poderosa ferramenta
de sentido estético e que permite ultrapassar as fronteiras espaciais e temporais e
apreender o espectador.
Assim, por uma imposição muito mais comercial que estética, devido à
comercialização a que a “indústria cultural” não pode escapar, com a inserção dos
26
27
Technicolor – processo de coloração de filmes, utilizado até a década de 1960.
Rouben Mamoullian (1897 – 1987) – Iniciou sua carreira na Broadway como diretor de cinema e teatro.
36
recursos sonoros e cromáticos outros sentidos humanos foram implicados pelo
efeito-cinema, que colocou o espectador em uma posição ainda mais suscetível à
identificação, realçando a dupla dimensão do filme como: artefato (o fazer, a arte, a
representação) e como experiência subjetiva de gratificação, vivida por uma plateia
fascinada em função da sintonia entre sua disposição e o objeto exibido na sala
escura.
1.1.2 - Cinema no Momento das Tecnologias Eletrônicas
Nos EUA, após a Depressão28 (1929 -1930), a indústria cinematográfica
recupera-se e Hollywood vive os anos de ouro, apostando nas superproduções que
empenhavam novos recursos técnicos possibilitando o desenvolvimento pleno de
todos os gêneros. A aceleração dos avanços tecnológicos, surgidos com as
necessidades da Segunda Guerra Mundial, gera o desenvolvimento dos meios de
comunicação de massa – telégrafo, jornal, rádio – que alimenta a cultura de
massas29 e dissemina, em grande escala, o uso da televisão.
Enquanto o mundo reproduzido pelo cinema não é ao vivo, as imagens
transmitidas pela televisão funcionam em tempo real. A imediatez, a ubiquidade e a
simultaneidade da televisão, puseram o homem em contato com um mundo sem
fronteiras, tal como a expressão de Marshall McLuhan, numa “aldeia global”:
... a aceleração da era eletrônica é tão destrutiva para o homem
ocidental letrado e linear quanto o foram as vias de papel romanas
para as aldeias tribais. A aceleração de hoje não é uma lenta
explosão centrífuga do centro para as margens, mas uma implosão
imediata e uma interfusão do espaço e das funções. Nossa
civilização especializada e fragmentada, baseada na estrutura
centro-margem, subitamente está experimentando uma reunificação
instantânea de todas as suas partes mecanizadas num todo
orgânico. Este é o mundo novo da aldeia global (MCLUHAN, 2007, p.
112).
Na década de 1950, o cinema se sente desafiado pela televisão que
rapidamente tornou-se a “mais completa” opção de entretenimento. Para enfrentar
28
Depressão, também chamada de Crise de 1929, foi considerado o pior e mais longo período de recessão
econômica do século XX.
29
Cultura de massas é toda manifestação cultural produzida para o conjunto das camadas mais numerosas da
população - o grande público – e veiculada pelos meios de comunicação de massa.
37
esta disputa, e trazer de volta o público às salas, o cinema oferece mais espetáculo,
aumentando o tamanho das telas – neste momento surgem o Cinerama30 e o
CinemaScope31. Esclarece Gilles Lipovetsky:
Quando a telinha se impôs nos lares domésticos, ela logo foi vista
como um perigo para a frequentação do cinema. Hollywood não
permaneceu inerte. Para trazer de volta o público às salas, os
grandes estúdios lhe propuseram o que a televisão não pôde
oferecer: telas cada vez maiores, filmes cada vez mais coloridos e
espetaculares. (...) De maneira mais fundamental, a televisão formou
novas gerações de cineastas, favoreceu o desenvolvimento de uma
nova estética e, mais recentemente, pôs em crise a identidade
genérica e simbólica da sétima arte (LIPOVETSKY, 2009, p. 213).
O Cinerama foi o primeiro de uma série de processos introduzidos na época
da reação do cinema ao avanço da televisão. Nos cinemas, os filmes em Cinerama,
eram projetados por três cabines de projeção em uma tela extremamente curva.
Além do encanto provocado pelo impacto visual das imagens, este também foi um
dos primeiros processos a usar múltiplos canais de som que eram reproduzidos
através de autofalantes colocados atrás da tela e também canais surround que
projetavam o som por toda a sala através de autofalantes instalados na plateia. Sua
denominação combina as palavras cinema e panorama, já que seu objetivo era fazer
com que o espectador se sentisse participante do processo, a partir de uma visão
panorâmica do que se passava na tela.
Já com o uso do cinemascope, havia uma compressão anamórfica das
imagens durante as filmagens (Figura 4) e a descompressão na mesma proporção
quando estas imagens eram exibidas (Figura 5), ou seja, recuperavam sua forma
original na tela do cinema, com o objetivo de aumentar o campo visual do filme.
30
Cinerama - Tecnologia inventada por Fred Waller e patenteada pela Cinerama Corporation denomina o
registro de um processo cinematográfico de widescreen que trabalha com imagens projetadas simultaneamente
por três projetores de 35 mm sincronizados para uma tela de proporções gigantescas e extremamente curva, com
um arco de 146°.
31
Cinemascope – Tecnologia criada pela Twentieth Century Fox em 1953, que utilizava lentes anamórficas para
a gravação de filmes widescreen, marcando o inicio do formato moderno tanto para filmagem quanto para
exibição dos filmes.
38
Figura 4 – Imagem Capturada
Figura 5 – Imagem Exibida
Neste momento, o dispositivo, componente da dimensão arquitetônica da
sala, tem seu processo discursivo e seus códigos de representação alterados em
função da forma e do tamanho da tela; onde o efeito-cinema passa a agregar,
também, a ampliação da perspectiva do espectador - leitor imaginativo, entretanto
dosado de certo enfraquecimento de algumas operações de narrativas que
transformam o espaço em lugar; como é o caso da sutura (cortes ou mudança de
plano), criando certa dificuldade para o cinema imersivo e uma nova reflexão acerca
da maquinação tradicional da época.
A exploração de novas tecnologias e efeitos especiais, permaneceram em
evidência durante toda a década de 1950. Foi nesse cenário que surgiu a técnica
Naturalvision, que consistia em uma imagem anáglifa que passa a ter um efeito
estereoscópico – tridimensional – quando o espectador a visualiza com um óculos
especial, que possuía uma lente azul e outra vermelha, seu cérebro unia a imagem
da cor vermelha sobreposta à cor azul e assim criava a ilusão do efeito em três
dimensões. Este efeito produzia uma sensação ao espectador que o filme se
lançava para fora da tela, aguçando ainda mais a impressão de realidade e com
isso, o sentimento de tensão e pânico (Figura 6). As reações dos espectadores
diante das exibições do filme 3D, muitas vezes, se assemelharam àquelas reações
dos espectadores na origem do cinema.
39
Figura 6 – Tensão e Pânico
Muitos filmes passaram a ser produzidos no formato 3D, entretanto a baixa
qualidade e o alto custo de produção acabaram sepultando o formato, que ressurgirá
após várias décadas como uma nova atração.
Se na década de 1950 com a tecnologia 3D houve a sensação de que os
filmes saltavam para fora das telas, com a evolução do dispositivo (do circuito
fechado à fita de vídeo, do monitor ao projetor, de imagens múltiplas ao processo de
espacialização da imagem), na década de 1960, o vídeo intensifica um processo que
fora iniciado pelo cinema experimental – o deslocamento da imagem-movimento
para os territórios da arte e o cinema se lança para fora das salas de projeção, e
intensifica seu efeito nas artes, como alerta André Parente:
Desde então, o cinema, na condição de imagem, de estética, mas
sobretudo de dispositivo (o movimento, a luz, a projeção, a
imaterialidade, o tempo etc.), faz parte da arte. Trata-se do que
podemos chamar, como Philippe Dubois e muitos outros, de “efeitocinema” na arte contemporânea (PARENTE, 2009, p. 40).
Experimentos como a multiplicação de telas, a coexistência entre imagem e
objeto, as instalações e a interação com a imagem são introduzidos e/ou
potencializados pelos dispositivos da videoarte, inaugurando o fenômeno do cinema
de museu. Ao articular o dispositivo especular ao dispositivo eletrônico arquitetônico,
muitos realizadores como: Bruce Nauman, Woody Vasulka, Dan Graham e Peter
Campos, produziram obras permeadas de discussões críticas e de variações
reflexivas, nas quais dispositivo e espectador eram elementos entre outros destes
outros espaços - o cinema de museu. Mais expressivamente nos anos 70, a partir da
40
pop art32, os artistas iniciam um novo processo artístico: misturas de meios e efeitos,
desde os mais artesanais até os meios tecnológicos para conceber seu objeto de
arte. Os temas eram abordados de forma crítica, criativa e irônica dando
continuidade à hibridização das artes já iniciadas no Dadá33.
1.1.3 - Cinema Expandido
Os meios mecânicos, que deram origem ao jornal, ao telégrafo, à fotografia
e ao cinema, e a revolução eletrônica, trazendo o rádio e a televisão, levaram a
cultura de massa ao clímax. Segundo Santaella (2003) houve um crescente dos
meios de comunicação de massa, no século XX, o que criou grande dificuldade para
se estabelecer fronteiras entre o popular, o erudito e o massivo. Esta dificuldade se
instaura com o surgimento de novas formas de consumo cultural propiciadas pelas
tecnologias do disponível e do descartável: as fotocopiadoras, videocassetes,
videoclipes, videojogos, o controle remoto, seguido pela indústria dos CDs e a TV a
cabo (SANTAELLA, 2003, p.52), e assim, inicia um processo cultural com uma forte
tendência ao hibridismo dos meios de comunicação, que Santaella denominou
Cultura das Mídias34.
Peter Weibel35, Robert Whitman36, Stan Vanderbeek37 e Jeffrey Shaw são
alguns dos artistas experimentais que nos anos 50 e 60 já previam que no futuro as
imagens técnicas teriam diversas formas e maneiras de expressão e iriam além
32
A pop art é um movimento artístico surgido na década de 1950 no Reino Unido e nos Estados Unidos. Na
década de 70 ocorre o ápice do movimento que propunha admitir-se a crise da arte que assolava o século XX e
pretendia demonstrar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Encontramos diversas
referências que a pop art seria o marco de passagem da modernidade para a pós modernidade na cultura
ocidental.
33
O movimento Dadá foi uma vanguarda moderna iniciada em Zurique, em 1916, tendo como sua principal
marca o non-sense ou falta de sentido.
34
Termo cunhado por Lúcia Santaella em 1992 para designar o aumento de modo evidente da tendência para
trânsitos e hibridismo dos meios de comunicação entre si, que criam redes de complementaridades
(SANTAELLA, 2003, p. 52).
35
Peter Weibel (1944) – é um artista soviético que desenvolve reflexões a partir da semiótica e da linguística.
Reconhecido por suas ações performativas que exploram não só a linguagem e o corpo, mas também o cinema
em ambientes interativos.
36
Robert Whitman (1935) – é um artista americano reconhecido por suas peças de teatro seminal na década de
1960, combinando imagens visuais e sonoras, atores, filmes, slides e adereços em ambientes evocativos de sua
própria criação.
37
Stan Vanderbeek (1927 – 1984) foi um cineasta experimental americano que se dedicou, na década de 1960, à
produção de filmes a partir de animação de computador e experiências holográficas.
41
daquela mais popular, até então: o cinema. Foram alguns dos precursores do
cinema expandido, que conforme a definição de Gene Youngblood (1970)
expressava um alargamento da concepção inaugural do fazer cinematográfico, que
priorizava a convergência das linguagens no meio audiovisual incorporando novas
referências e novas materialidades, esgarçando suas possibilidades através do
desenvolvimento da experimentação e lançando mão de recursos provenientes de
outros suportes. O cinema expandido também pode ser pensado como instalações
que reinventam as salas de cinema em outros espaços e também as instalações que
radicalizam o processo de hibridização entre diferentes mídias.
Com foco na imersão do espectador, artistas experimentam a expansão de
recursos técnicos e tecnológicos. Em 1962, de acordo com Howard Rheingold
(1992), Morton Heilig38, que via o cinema como uma atividade que poderia integrar
todos os sentidos de uma maneira eficiente, proporcionando ao espectador uma
fusão com o filme, constrói o Sensorama (Figura 7), uma máquina com tecnologia
multissensorial e imersiva. O Sensorama, simultaneamente, era capaz de: exibir
imagens 3D, som estéreo, inclinação do corpo do espectador e produzir sensações
de vento e aromas. O protótipo de Heilig não foi adiante, uma vez que não houve
interesse dos investidores, entretanto até hoje seu invento é lembrado como um dos
primeiros projetos de realidade virtual39, curiosamente concebido antes da
computação e ser um prenúncio da criação do cinema interativo como afirma André
Parente:
O Sensorama é um “protótipo” de realidade virtual desenvolvido com
imagens de cinema. Foi inventado pela utilização de loops de
película, visão panorâmica e estereoscópica, som estereofônico,
cheiros, vibrações e outros efeitos, com o intuito de produzir a ilusão
de um passeio de moto pelo bairro do Brooklin. Trata-se da primeira
tentativa de criar um cinema interativo, ainda sem o auxílio de
computadores. O dispositivo se apresenta como uma pequena
cabine em que o espectador se senta e “dirige” sua moto (PARENTE,
2009, p. 41).
38
Morton Heilig – (1926 -1997) foi um líder da idéia de realidade virtual e tinha como desejo criar o cinema do
futuro.
39
Realidade virtual é uma tecnologia de interface avançada entre um usuário e um sistema computacional. O
objetivo dessa tecnologia é recriar ao máximo a sensação de realidade para um indivíduo, levando-o a adotar
essa interação como uma de suas realidades temporais.
42
Figura 7 – Sensorama
No cinema, os experimentos sempre são atualizados e reutilizados; e um
bom exemplo deste modelo cíclico é o uso de perfumes nas salas de projeção que
remonta ao ano de 1906, ou seja, antes mesmo da introdução do som. O uso de
aromas no cinema não era tão simples, demandava um longo tempo entre uma
projeção e outra para que o cheiro desaparecesse, alguns odores perduravam por
vários dias e em outras situações a mistura de mais de um perfume poderia suscitar
uma outra sensação no espectador, causando confusão, o que não era o objetivo
planejado. Além disso, era necessária a liberação de uma grande quantidade de
perfume em cada audiência em função do tamanho dos teatros.
Todas as tentativas iniciais foram feitas pelos exibidores, detentores dos
espaços de projeção e não por parte dos produtores dos filmes, pois receavam que
os perfumes pudessem distrair a atenção do público, impedindo o espectador de se
concentrar na ação pretendida pelo diretor. Em 1940, Walt Disney40 foi o primeiro
cineasta a explorar a técnica de inserir cheiros durante uma sessão de seu filme
“Fantasia”, entretanto por razão de custos não foi possível dar continuidade a
experiência.
40
Walt Elias Disney (1901 – 1966) – foi um cineasta e produtor cinematográfico reconhecido por seus
personagens animados e por ser o criador do primeiro longa metragem de animação “Branca de Neve e os Sete
Anões” em 1937.
43
Somente na década de 1960, Hans Laube lança o Smell-O-Vision, fazendo
sua primeira aparição no filme Scent of Mystery41. Sua técnica consistia em liberar
odores canalizados nos assentos individuais nas salas de cinema, de forma fluida
acompanhando a trilha sonora do filme. Os aromas cuidadosamente planejados
eram controlados pelo projecionista através de uma placa de controle. Mesmo com
toda a evolução da técnica, nenhum estúdio teve interesse por sua invenção, uma
vez que demandava altos recursos para a implementação, inviabilizando assim, sua
continuidade.
Após 1965, ano em que a Sony lança a um preço razoável o Portapak aparelho portátil de vídeo - surge um novo protagonista na história do
experimentalismo. Com a presença do monitor como astro na arte tecnológica não
estava mais reservado à televisão, mas sim ao vídeo; o uso crítico do monitor de TV
foi levado a cabo pelos artistas que desenvolveram uma reação crítica e cética
contra a máquina, com o propósito de chocar e satirizar o estado de coisas da
sociedade. Assim o monitor de TV como uma quase-escultura marca sua presença
na videoarte, na performance multimídia e torna-se personagem principal das
videoinstalações e dos cinemas de museu, além de continuar seu percurso até hoje,
fazendo parte das ciberinstalações. O pioneiro na arte da escultura televisiva foi Wolf
Vostell42, que conforme Santaella (2003) sua obra era constituída por seis monitores
de televisão colocados em uma caixa de madeira por trás de uma tela. Vostell,
nessa época, declarou que o aparelho de televisão seria a escultura do século XX.
A partir de então, houve uma ampla penetração das videoesculturas e
videoinstalações, novas maneiras de extrair novas formas de linguagem do vídeo
começaram a ser exploradas pelos artistas e isso abriu as portas para a videoarte,
como afirma Santaella:
Ao colocar a luz artificial em movimento, os artistas cinéticos
prenunciavam as imagens feitas de luz que viriam dominar a cena da
videoarte, nos anos 70, e das imagens computacionais, nos anos 80.
Mas, antes disso, quando o computador não passava de um
monstrengo cheio de cabos e fios ocupando salas inteiras, nos anos
60, artistas e poetas já sonhavam com o uso de seus recursos para
renovar os princípios da arte (SANTAELLA, 2003, p. 160).
41
Scent of Mystery – Filme produzido em 1960 por Mike Todd Jr.
Wolf Vostell (1932 – 1998) – Um dos pioneiros da Instalação, Videoarte, Happening e do Fluxos. Criados da
obra 6 TV Dé-coll/age, em 1965.
42
44
Ao que parece todas estas experiências tinham um grande propósito: romper
a moldura e, por conseguinte eliminar as fronteiras entre o espectador e o filme,
apesar dessas formas expansivas e sensacionais, tal cinema continuava a ser o que
era, um espaço emoldurado e contido de experiências afastadas (SHAW, 2005, p.
357), a exploração de outros sentidos humanos foram se ampliando, o cinema das
origens que se mostrava apenas como imagens documentais, no entanto, quer seja
por um movimento social, econômico ou das artes, passou a se preocupar com o
sentimento, despertou espanto, risos, lágrimas, se permitiu ser visto por tantos
ângulos e enquadramentos diferentes, ganhou voz e saiu do silêncio, através da
melodia fez memória, trouxe a sensação de ambientação com os ruídos, criou
personalidades, estilos e modelos, inseriu o perfume para se mostrar mais orgânico,
saltou para fora da tela e movimentou seus assentos com a ilusão e a inocência de
quem quer ser tocado, mas nem todo este esforço foi suficiente, seria preciso mais,
para inserir seu espectador ao fim e a cabo, no estado imersivo.
As práticas artísticas, do final da década de 1960 e início da década de
1970, que eram rotuladas como cinema expandido, compartilhavam da mesma
crítica aos mecanismos padronizados dos equipamentos cinematográficos, e se
expressavam através da multiplicação dos níveis de projeção, abolição das
fronteiras entre diferentes formas de arte, retorno à corporalidade, desconstrução
das técnicas fílmicas e a criação de obras de arte feitas de pura luz (SANTAELLA,
2003, p. 162). Neste sentido, a partir da vídeoarte, como um prenuncio do domínio
das interatividades digitais, com o propósito de estabelecer a participação do público
de uma forma ou outra, Jeffrey Shaw foi um dos pioneiros no uso da interatividade e
virtualidade de muitas de suas instalações que tiveram como inspiração sua
interpretação original do cinema expandido. Shaw entendia que o conceito de
cinema expandido não dependia tanto do conteúdo das imagens projetadas, nem da
manipulação das projeções, mas que sua temática deveria ser voltada para a
estrutura efêmera da imagem, para projeção nela mesma. Um exemplo foi Movie
Movie, uma performance de cinema expandido apresentado no Festival de Cinema
Experimental na Bélgica em 1969, que possibilitou que o espaço de imersão da
ficção cinemática incluísse a imersão literal e interativa de seus espectadores, ou
45
seja, permitiu que a realidade do ambiente de visualização fosse interpolada com a
virtualidade do ambiente cinemático, como explica Jeffrey Shaw:
Os autores – Jeffrey Shaw, Theo Botschuyver e Sean Wellesley
Miller – vestidos com aventais brancos, primeiramente trouxeram
uma grande estrutura inflável e a desenrolaram no chão. Depois, ela
foi gradualmente inflada, enquanto filmes, slides e efeitos de luz
líquida eram projetados em sua superfície. A forma arquitetônica
dessa estrutura inflável era cônica, com uma membrana exterior
transparente e uma superfície interior branca. As imagens projetadas
primeiro colidiam com o envoltório exterior completamente inflado e
depois surgiam na superfície interior semi-inflada. No espaço
intermediário entre a membrana transparente e a membrana branca,
várias ações materiais eram executadas para materializar as
imagens projetadas. Isso incluía inflar balões e tubos brancos e
injetar fumaça. Esse trabalho procurava transformar a tela de
projeção plana convencional do cinema em um espaço de
visualização tridimensional, cinético e arquitetônico. As superfícies de
projeção múltiplas permitiram que as imagens se materializassem em
muitas camadas, e os corpos dos performers e, também do público
(muitos dos quais tiravam espontaneamente suas roupas) tornavamse parte do espetáculo cinemático (SHAW, 2005, p. 357-358).
A partir do final dos anos 70 e inicio dos anos 80 o computador, que era uma
máquina rígida, binária, restritiva e centralizadora, passou a incorporar a tecnologia
do hipertexto criando interfaces amigáveis. É possível entender que os informatas,
nesta época, insatisfeitos com o termo genérico “interação”, buscam no termo
“interatividade” a nova dimensão conversacional referindo-se a relação homemmáquina.
1.1.4 - Cinema Digitalmente Expandido
A era digital, como sintoma da pós-modernidade, propicia circulação mais
fluida e articulações mais complexas dos gêneros e formas de cultura, produzindo o
cruzamento de suas identidades. Novos objetos são produzidos, a partir da
convergência entre comunicação, interfaces homem-máquina e tecnologias da
informação, que tem como características fundamentais: a) hibridismo - fusão de
novas mídias e formas artísticas, b) imersão – outros formatos de mídias que
envolvem o espectador em múltiplas linguagens, c) interatividade – possibilidade de
novas relações entre realizadores e espectadores possibilitando outras constituições
narrativas.
46
...na era pós-moderna, todas as artes se confraternizam: desenho,
fotografia, vídeo, instalação e todos os seus híbridos. Cada fase da
história tem seus meios de produção da arte. Vem daí o outro desafio
do artista que é enfrentar a resistência ainda bruta dos materiais e
meios do seu próprio tempo, encontrando a linguagem que lhe é
própria, reinaugurando as linguagens da arte. Os meios do nosso
tempo (...) estão nas tecnologias digitais, nas memórias eletrônicas,
nas hibridizações dos eco-sistemas com os tecno-sistemas e nas
absorções inextricáveis das pesquisas científicas pela criação
artística, abrindo ao artista horizontes inéditos para a exploração de
territórios da sensorialidade e sensibilidade (SANTAELLA, 2002, p.
13).
É neste momento que a interatividade no cinema ganha espaço, sendo
considerado dois aspectos fundamentais: o primeiro é que a ação do sujeitoespectador é percebida através da metamorfose causada por suas ações no
ambiente virtual; e o segundo é a multidimensionalidade do dispositivo, que pode ser
compreendida através da análise dos estímulos que absorvem o espectador de
forma intensa e reafirma a sensação de presença e de fusão de seu corpo com o
ambiente. Trata-se agora de um espaço a ser vivido, experimentado, descoberto,
investigado, onde as ideias de simulação, cognição e experiência são inseridas em
um outro estatuto, em que tudo parece ser possibilitado por intermédio do dispositivo
que responde as exigências do interator.
Antes mesmo do cinema se inserir na era digital, protótipos interativos já
haviam sido experimentados. O primeiro exemplar dessa experiência surge em
1967, ou seja, é anterior a era digital, entretanto possui tamanha importância, pois
se ofereceu como modelo para outros projetos. Apresentado na Exposição
Internacional de Montreal, o Kinoautomat, produzido na Tchecoslováquia e criado
por Radúz Cincera, exibiu um filme de 55 minutos One Man and his world (Um
homem e sua casa), em um espaço para mais de 100 pessoas, que através de
botões eletrônicos acoplados aos assentos permitia que seus espectadores se
posicionassem como árbitros do destino do personagem principal do filme. O filme é
interrompido em nove pontos distintos, onde surge a presença de um moderador no
palco e incentiva o público a escolher uma, entre duas opções; em seguida a cena
escolhida pela maioria é apresentada. No entanto somente cinco destas escolhas
causavam de fato alguma mudança genuína na história, sendo as outras votos sem
relevância. O Kinoautomat foi o primeiro sistema funcional de projeção de cinema
47
interativo para grande audiência no mundo, apesar de sua tecnologia de base não
ter sido digital, mas foi um fenômeno ao se investigar sua relação com o
desenvolvimento subsequente do formato cinema interativo.
Há quem discorde que Kinoautomat foi o primeiro modelo interativo e afirme
que houveram outros protótipos que o antecederam por terem em sua lembrança os
inúmeros experimentos do cineasta hollywoodiano William Castel, como o filme Mr.
Sardonicus, de 1961. Antes de iniciar a sessão, cada espectador recebia um cartão
fosforescente com um desenho de uma mão fazendo um sinal positivo (dedão para
cima) que também poderia significar um sinal negativo (dedão para baixo),
dependendo da posição que o cartão era mostrado. Quando o filme chegava quase
ao final, seu protagonista e vilão – Sardonicus -, que havia sido capturado, poderia
ser libertado ou punido com requintes de crueldade, é neste momento que o próprio
Castle assumia o papel de explicador e moderador, indo ao palco e orientando os
espectadores a como utilizar o cartão e assim definir o futuro de Sardonicus. O
público levantava os cartões e os funcionários do cinema contavam os votos e após
a contagem o filme era retomado exibindo a horrível punição de Mr. Sardonicus. No
entanto, a votação era apenas protocolar, pois Castle, conhecido como “Rei dos
Truques”, já decidira que a audiência sempre escolheria pelo final mais repulsivo e a
grande realidade é que o filme sempre apresentava apenas este final. Apesar de se
apresentar com um conceito de interatividade e até uma interface real tendo sido
fornecida à audiência, o filme mantinha sua linearidade padrão do cinema, sendo
apenas um “truque” de Castle, mas ainda assim continua sendo lembrado com um
dos protótipos de uma narrativa cinematográfica interativa.
Após mais de uma década dos experimentos pioneiros de Cincera com o
próprio cinema, nos anos 1980 surge o desenvolvimento da tecnologia do
videodisco, que possibilitou que realizadores explorassem as possibilidades de uma
narrativa não-linear interativa, se tornando precursores de uma nova geração de
trabalhos. No entanto a penetração dos videodiscos no mercado foi relativamente
pequena em comparação com as tecnologias digitais domésticas que surgiram logo
depois, ou seja, teve seu total declínio no inicio de 1995, com seus produtores
lamentando o crescimento meteórico da internet e a tendência de uma experiência
de entretenimento pessoal confinada ao próprio lar.
48
Se no passado, o advento da TV afugentou o público das salas de cinema e
houve uma corrida frenética pelo experimentalismo com o objetivo de reconquistar
os espectadores, nos tempos atuais é a internet que faz o papel de vilã e toma o
público das telonas, e assim o cinema 3D é resgatado das cinzas com a promessa
de levar de volta os espectadores às salas de projeção para vivenciarem uma
incrível experiência cinematográfica, que não para por aí, já que a essencial
novidade da era digital está na força de suas potencialidades.
No entanto, já não é mais o 3D que está em questão, mas o 4D, o 5D, o
cinema multissensorial, o cinema interativo e os novos contornos que o cinema
ganhou a partir das tecnologias que possibilitam as múltiplas escolhas, e não é
possível uma previsão assertiva do potencial que será exigido ou do sensorial que
será afetado. O fato é que o espaço digital se equivale a um campo de possíveis,
onde o espectador / interator pode ser visto como como co-autor de uma obra digital,
já que contribui de forma efetiva para sua materialização. Assim, não é permitido um
sentido pré-existente à percepção do espectador, mas é a sua própria experiência
que construirá o sentido.
É neste contexto que surge o Machinema, que tem como seu maior desafio,
tanto em sua concepção como em seu planejamento, a incorporação de novas
técnicas narrativas que permitam que suas características interativas vá além da
trivialidade das opções ramificadas de enredo, que possua em sua estratégia o
desenvolvimento de estruturas modulares de conteúdo narrativo que possibilitem
permutas significativas; experiências coletivas sinestésicas capazes de envolver não
apenas os sentidos audiovisuais, mas todo o sensório do espectador.
Diante disso, parece certo afirmar que o espectador / interator é o sujeito da
experiência das imagens e não mais o sujeito que está diante de, como na época
renascentista, mas sim o sujeito que está no meio de, como nos espaços imersivos.
Já deixou de ser o simples espectador, ganhou estatuto de participador, de sujeito
interativo, que tem o poder de escolher e navegar por entre as teias que se formam
no filme, em sua composição hipertextual, em suas dimensões multiespaciais,
multitemporais, multissensoriais e que se conecta a um conjunto de frações de
imagens e sons, além de, ao mesmo tempo, multiplicar os sentidos narrativos.
É este cinema que se quer conformar fora da tela e que expressa a ruptura
da representação na diferenciação entre o tempo filmado e o tempo projetado e a
49
continuidade entre o que é projetado e o que é vivenciado, desconstruindo a ideia de
tela como o infinito cinematográfico ou o campo como limite do plano fílmico, que
constrói um outro cinema, que denomino Machinema.
50
2. PLANO
MÉDIO
–
A
CONSTRUÇÃO
DE
SENTIDO
NO
MACHINEMA
O cinema, pela pura aceleração mecânica,
transportou-nos do mundo das sequências e
dos encadeamentos para o mundo das
estruturas e das configurações criativas. A
mensagem do cinema enquanto meio é a
mensagem da transição da sucessão linear
para a configuração.
Marshall McLuhan
Entendendo que o cinema, além de ter o poder de entreter, alertar e instigar,
face à realidade cotidiana contemporânea forjada pelas tecnologias, reafirma estilos
de identidade e de identificação dos indivíduos, espectadores, cidadãos imersos em
uma cultura da era digital e, sobretudo, é um possante vetor de inteligência e
sensorialidade que gera vigorosas modalidades de percepção, cognição e
contemplação do mundo, desafiando o sujeito a uma participação afetiva e efetiva,
quais os efeitos do hibridismo, da imersão e da interatividade no Machinema?
O rápido avanço das tecnologias tem propiciado que as narrativas
cinematográficas se tornem muito mais complexas. As experiências, advindas deste
avanço, têm foco principal na produção de filmes que explorem cada vez mais a
sensorialidade e a sensibilidade de seus espectadores. Assim a sala de projeção se
oferece como um espaço em que a ilusão do sentido se materializa no sentido real.
Quando as luzes se apagam e cessa todo e qualquer estímulo sensorial da
sala de projeção, o espectador fica suscetível ao estímulo luminoso que se impõe à
sua frente e ao estímulo sonoro que o invade, causando assim, uma atmosfera que
o coloca dentro do universo fictício da narrativa, “a ponto de se integrar no seu jogo
de conflitos como se fizesse parte deles” (MACHADO, 1997, p. 46). No aspecto
trivial o espectador não assiste a um filme, ele vive este filme de forma tão intensa
que suas emoções se manifestam explicitamente, através de gritos, choros,
gargalhadas e, muitas vezes, torcendo por este ou aquele personagem, ou até
transpirando de tanta tensão.
Diante desta vulnerabilidade, como já elucidado
anteriormente, é possível pensar que os filmes se apresentam ao espectador como
51
uma forma de alucinação assim como os sonhos ao sujeito desejante43, causando
uma “impressão de realidade” (MACHADO, 1997, p.47), uma confusão entre a
percepção e a representação.
Desde a origem do cinema, como aponta Ton Gunning em seu texto “O
cinema das origens e o espectador (in)crédulo”, houve um mecanismo de
participação afetiva, que podemos chamar de projeção de identificações 44. A
impressão da vida e da realidade, próprias das imagens cinematográficas, não se
separou de um primeiro impulso de participação. Como exemplo é possível resgatar
as primeiras recepções da imagem de um trem chegando, produzidas pelo
cinematógrafo Lumiére. Na medida em que os espectadores viram as cenas de um
realismo espantoso eles se sentiram, ao mesmo tempo atores e espectadores. A
histórica sessão de 28 de dezembro de 1895 representa bem este fenômeno de
inclinação à participação, ou seja, a uma reação diante de imagens projetadas. A
incerteza com relação à natureza das imagens projetadas, vivida durante as
primeiríssimas sessões cinematográficas, revela cenas interessantes para este
estudo: pessoas fugindo, gritando, senhoras desmaiando, a partir do estimulo das
imagens. Mas estas pessoas acabavam caindo em si, pois o cinematógrafo surgiu
em uma época em que a consciência da irrealidade da imagem estava de tal
maneira enraizada que a imagem projetada, por mais realista que fosse, nunca
poderia ser considerada como real. O que havia era uma impressão da realidade,
mas que era muito bem delineada pelos contornos da tela, que denunciava o limite
das representações da ordem do real e do virtual.
Diante da impressão de realidade causada pelo cinema (ainda que seja o
convencional) ou pelos sonhos, quem nunca sentiu o desejo de continuar dormindo
para que “pudesse” mudar o final de um sonho? Quem não torceu e até mesmo não
43
Em 1901, em seu texto “A Interpretação dos sonhos”, Sigmund Freud (1856-1939) faz investidas
completamente novas, definindo o conteúdo do sonho como “realização dos desejos”. No enredo onírico há o
sentido manifesto e o sentido latente, este último realmente importante. O conteúdo manifesto seria um despiste
do superego (o censor da psique, que escolhe o que se torna consciente ou não dos conteúdos inconscientes),
enquanto o sentido latente, por meio da interpretação das imagens simbólicas, revelaria o desejo do sonhador por
trás dos aparentes absurdos da narrativa, o que dá ao sonhante a impressão da realidade. Freud recorre à
“sabedoria da língua” e ilustra com o termo Tagtraum (devaneio), correlativo ao inglês daydream, literalmente
sonho diurno, essa íntima relação entre sonho e alucinação de realidade (FREUD, 1906/1908, Edição
Eletrônica).
44
Segundo Machado (2007, p.28) diante de um filme o espectador não se encontra mais imobilizado e é nesta
possibilidade de mudança de posição e por consequência produção de sentido em relação às imagens, que se
coloca “o poder do olho enunciador de penetrar nas coisas como um observador invisível e totalizador”.
52
se sentiu impotente pela falta de possibilidade de interceder a favor ou contra um
personagem?
Assim, para proporcionar a experiência como autêntica, fez-se necessário o
desenvolvimento da tecnologia que disponibiliza a representação e a forma de
visualização no cinema. É nesse contexto sociocultural contemporâneo tão
influenciado pelo passado e tão transmutado pelo presente que, o que é uma
inovação, algo moderno, logo deixa de ser e cria-se cada vez mais meios para
conquistar o fascínio de uma audiência que tem acesso a tantas opções de
entretenimento. Neste sentido, o cinema, ao longo de sua trajetória, incorporou
muitos recursos tecnológicos e artísticos, com o propósito de atrair um público, que
traz consigo a exigência de algo muito mais que moderno, que busca um moderno
avançado, que vá além da capacidade de captar tantas transposições ou rupturas de
linguagens, ou seja, o espectador que antes desejava apenas mudar uma história,
hoje se insere como um elemento transformador de um espaço, que é ao mesmo
tempo, híbrido, imersivo e interativo.
2.1 - Machinema: Um Espaço Híbrido
Expressões como hibridismo já trabalhadas por McLuhan desde a década de
1960, começaram a ser utilizadas no campo das imagens, a partir da exposição
Passages de I’Image, organizada em Paris, em 1990, por Raymond Bellour (1997) e
outros, para referir-se a mistura de suportes e linguagens, ou seja, a ruptura entre
as linguagens, a mescla de diferentes formas de representação (gravura, cinema,
fotografia, vídeo, etc) somadas a inovação das mídias que habitam os meios de
comunicação e que se intensificam a cada dia. Corrobora McLuhan:
O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de
verdade e revelação, do qual nasce a forma nova. Isto porque o
paralelo de dois meios nos mantém na fronteira entre formas que nos
despertam da narcose narcísica. O momento do encontro dos meios
é um momento de liberdade e liberação do entorpecimento e do
transe que impõem aos nossos sentidos (MCLUHAN, 2007, p. 75).
53
A potencialidade e as possibilidades abertas pela hibridização de mídias
através do desenvolvimento da tecnologia convocam a produção de novos objetos
culturais. A convergência das artes, comunicação, interface homem-máquina e
tecnologia da informação se oferecem como instrumento para reinvenção do cinema
através de uma narrativa multimídia que permite criações onde não há “felizes para
sempre” e o final de um filme é apenas uma faceta de um diálogo contínuo com o
espectador.
Neste sentido a proeminência da presença cultural das plataformas de
múltiplas escolhas torna-se alvo da apropriação de sua engenharia, uma vez que
sua concretude já fora estabelecida em outras mídias, além de ser foco dos grandes
investidores na área de entretenimento.
Assim, as possibilidades que surgem a
partir do agenciamento das mais variadas tecnologias propiciadas pela era digital,
geram circunstancias neste outro cinema que se conforma a partir da
experimentação de suas variações interativas e combinatórias. Do tecnológico ao
poético, a disposição, constituição e organização cinematográfica e informacional
combinam-se cada vez mais, cedendo lugar a experimentos que implicam em uma
metamorfose das narrativas, dos espaços de exibição e do acesso do espectador.
Aqui não se trata mais da serialização dos objetos como nos processos
industriais sempre discutidos pela arte, e sim de multiplicar os acessos e os
resultados das obras (MACIEL, 2009, p.16). A participação do espectador não
depende somente do acionamento de um controle remoto, mas prioritariamente de
seu envolvimento sensorial com o filme. Deste modo, é possível pensar que a partir
destes novos objetos, está ocorrendo uma reinvenção do cinema, que soma as
técnicas de projeção e narrativa às ideias de interatividade, conectividade e imersão
(MACIEL, 2009, p.17); e assim, o cinema como dispositivo, experimenta o fim da
moldura. Neste aspecto, a importância da concepção de dispositivo, já explicada no
capítulo anterior, cabe ser retomada, para salientar que este não apenas
corresponde a um sistema técnico, mas que também propõe estratégias, produz
efeitos, direciona e estrutura as experiências, além de apresentar diferentes
instâncias enunciativas e figurativas e formas de input e output, ou seja, sua
concepção se alterna entre a maquinação e o maquínico, com foco exclusivo na
experiência sensível do espectador.
54
Diante do percurso oscilatório do dispositivo e dos avanços tecnológicos que
permitiram mudanças na fabricação das imagens, é possível perceber que desde os
experimentos analógicos fundamentava-se o intuito em estabelecer uma fusão entre
o filme e o espectador. Entretanto não se pode negar que a partir das tecnologias
digitais mudanças significativas colaboram para a intensidade deste foco. A partir de
1990 assistimos a uma transformação nos meios comunicacionais, ao que muitos
autores chamaram de revolução digital. Operando em conjunto com a explosão das
telecomunicações, a revolução digital dá origem a fenômenos que possibilitam a
aparição da cibercultura e as comunidades virtuais, o que não é mais somente a
conversão de uma imagem analógica em digital, mas sim a possibilidade da
informação trafegar e transitar por todo o planeta, em um tempo tão curto que
esbarra no impossível de ser medido, tendo como principal agente a prevalência da
comunicação multimídia em redes que conectam terminais de computadores e
usuários localizados em qualquer parte do mundo. Neste sentido, é possível afirmar
que estas transformações impulsionaram o desenvolvimento de um outro cinema,
onde se instaurou um outro modelo de exibição, distribuição, produção e experiência
espectatorial, uma vez que a comunicação passou a ser mediada por computador
com espaços de interação permanente, compartilhado e colaborativo, permitidos
pela internet, além de conectado a espectadores móveis. Este outro cinema – o
Machinema -, já não está mais vinculado a uma sala escura, com uma tela de
projeção de formato único e cadeiras individuais, onde há um horário específico para
a exibição do filme, uma lotação máxima, uma única história sendo apresentada e
uma fronteira expressa do que faz parte do mundo real e do mundo virtual. No
Machinema as possibilidades se potencializam e transitam entre o visível e o
invisível, o material e o imaterial, o presente e o ausente.
Afirma Santaella:
Através da realidade virtual distribuída, do ciberespaço
compartilhado, da comunicação não local, dos ambientes
multiusuários dos sites colaborativos, da web TV, dos net games etc.,
os cenários da arte tecnológica parecem estar desenvolvendo
estratégias e produzindo visões antecipatórias daquilo que seja o
livro do futuro, de como ser o teatro do futuro e de como poderão se
apresentar o cinema e a televisão do futuro (SANTAELLA, 2010, p.
175).
55
Assim, muitos são os realizadores - artistas da ciberarte que, pressentindo o
futuro na hibridização dos ecossistemas e tecnossistemas abrem novos horizontes
para a exploração da sensorialidade e sensibilidade no cinema, tomam os meios que
nos são contemporâneos como balões de ensaio para extrair deles suas
propriedades sensíveis e renovar o repertório dos cinemas. É preciso dizer que no
Machinema nem sempre há sala, que a “sala” nem sempre é escura, que o projetor
nem sempre está escondido atrás do espectador, que o filme nem sempre é
projetado, que nem sempre conta uma única história e que é a partir destas e de
outras variantes que se produzem novas circunstâncias de visibilidade, que
permitem formas inéditas de acesso ao espectador e que, ao dar-lhe o suposto
controle da cena, transforma-o em participador.
2.2 - Machinema: Um Espaço Imersivo
A ideia de imersão com o uso das tecnologias digitais redimensiona e amplia
significativamente a percepção do usuário a partir de experimentações com a
Realidade Virtual, tornando-a uma experiência mais intensa para o espectador. A
Realidade Virtual no campo das experiências interativas, a partir do uso de
tecnologias digitais, explora a atuação do público no ambiente, envolvendo-o numa
realidade diferenciada e que possibilita percepções individualizadas. Através desta
atuação o espectador imerge em uma realidade simulada e a altera de acordo com
sua interação. Neste contexto, espaços imersivos são ambientes que utilizam
sistemas computacionais para desenvolver um estado de ilusão perceptiva e que
convocam o espectador à participação. A imersão é utilizada como um instrumento
que destrói inteiramente a diferença entre a realidade e a representação e como
meio para persuadir a mente no ambiente mediado servindo de ponte entre o real e
a fantasia.
Sem que o objetivo da investigação seja o estudo das condições da
recepção, ao pensar que o Machinema permite que o filme deixe “sua” velha sala
escura para se expor em outras salas, algumas questões podem ser suscitadas e
até impactarem de forma contundente, em sua forma narrativa e estética. Por
exemplo: o que acontece com o espectador de cinema que não se encontra mais na
sala escura e silenciosa, com todos os focos e atenções ao retângulo luminoso
56
imposto a sua frente e passa a uma experiência individualizada, mas que ao mesmo
tempo é compartilhada e colaborativa, com a possibilidade de interagir com
inúmeras janelas, pausar, continuar, expandir, restringir, acessar, perseguir, em um
ambiente que por vezes se torna luminoso? Prisioneiros do tempo de duração de um
filme no cinema convencional estarão livres dele no contexto interativo? O que
acontece quando esse espectador silencioso passa da posição imóvel e sentada na
sala de projeção para uma postura móvel e permeada por diálogos que se
estabelecem a partir do assistir a um filme que exige uma mobilidade física e virtual
entre acessos, telas e salas? Como é esta interatividade com o espaço fílmico,
quando estes espectadores têm em suas mãos um controle remoto e suas escolhas
são motivadas tanto pelo seu desejo consciente ou inconsciente, como pela
exigência do ambiente cinematográfico onde se encontram outros espectadores
fazendo suas escolhas e influenciando os caminhos que percorrerão o filme? Que
relações espaciais e temporais se estabelecem entre o virtual e o real para estes
outros espectadores? Este conjunto de modificações e reflexões que tornam
instáveis o que era considerado como categoria já estabelecida, faz com que a
própria ideia de cinema, enquanto dispositivo espectatorial, se encontre relativizada.
E assim, a imersão na imagem, proporcionada por estas outras categorias,
traz à tona a antiga questão: ser e não ser, pois no ambiente imersivo é possível ver,
ouvir, tocar, manipular objetos que não existem, percorrer espaços sem localização,
na companhia de pessoas que estão em outro mundo, ao mesmo tempo em que se
mantém a convicção da realidade e da presença. A imersão é responsável por esta
fuga de uma realidade à outra, da experimentação de diferentes espaços físicos e
virtuais. Complementa Parente:
O dispositivo do cinema tem a ver com o dispositivo psíquico porque,
neles, o sujeito é uma ilusão produzida a partir de um lugar. Por se
encontrar no centro da cena, “o espectador se identifica menos com
o que é representado no espetáculo do que com que produz o
espetáculo: com o que não é visível, mas torna visível” (PARENTE,
2009, p. 27).
Diante destas reflexões, parece certo afirmar que está intrínseco ao
Machinema a ideia de um espaço de alta resolução de ilusão – outras salas -, em
que somente com grande dificuldade o espectador consegue manter alguma
57
distância da obra artística. Trata-se de um mundo virtual de possibilidade de ações e
percepções diferenciadas potencializadas pelo dispositivo cinema, em que através
de um ambiente simulado perdem-se os referenciais do mundo real e abre-se a
possibilidade então de inserção em um outro ambiente, onde é possível modificar o
objeto ou deslocar-se de um ambiente à outro. No Machinema, o público não registra
em sua consciência a atuação do aparato imagético como intermediário da
experiência sensorial, dito de outra forma, é neste ambiente imersivo (Figura 8) que
ocorre um fenômeno que se dá quando a percepção consciente se transforma em
uma inconsciência ilusória e, a partir desta, há a criação de um outro espaço.
Figura 8 – Ambiente Imersivo
Para que se compreenda o grau da experiência imersiva que ocorre no
Machinema, é importante analisar alguns aspectos:
58
Forma e Estrutura Narrativa – onde cada um dos eventos tenha o
objetivo de criar um link entre os fragmentos da narrativa. Há
estruturas em que cada grupo de opções está ligado a um outro
grupo de opções, e o espectador tem a liberdade para navegar entre
eles, entretanto por estabelecer uma relação de muitos para muitos,
poderá acontecer um embaralhamento da história o que muitas
vezes
causa
uma
incoerência
narrativa.
Já
nas
estruturas
ramificadas, embora haja uma limitação de retorno para um ponto de
decisão, é muito mais fácil de controlar e conseguir um bom
resultado com múltiplas trajetórias e múltiplos finais, sendo assim, é
a estrutura narrativa interativa mais usual.
Interatividade Imersiva – é possível destacar quatro níveis da
interatividade imersiva: nível 1) poderá ser periférica, onde não é
afetada nem a história em si e nem a ordem de sua apresentação,
nível 2) poderá afetar o discurso narrativo e apresentação da
história, sendo que com este tipo de interatividade os espectadores
são capazes de mover-se livremente em torno da história e
personalizá-la para seus próprios interesses, nível 3) utiliza-se a
interatividade para criar variações de uma mesma história
parcialmente pré-definida, onde o espectador desempenha o papel
de um elemento do todo e a aplicação permite alguma liberdade de
ação, sendo seu principal objetivo o controle da trajetória narrativa,
nível 4) a produção da história ocorre em tempo real, onde as
histórias não são pré-determinadas. A audiência se envolve
totalmente no campo central da trama e tem total liberdade de
interação. O estado imersivo provocado neste nível, visa empurrar o
público para o núcleo da história e mudar a lógica de terceira pessoa
para a lógica de primeira pessoa, uma vez que o personagem passa
a ser o próprio espectador.
Tecnologia de Agenciamento – trata-se dos recursos disponíveis
para o agenciamento de trocas entre o ambiente real e o ambiente
virtual. As trocas podem se estabelecer de forma multi-dimensional,
59
em uma aplicação multi-plataforma, permitindo acessos a narrativas
armazenadas em bancos de dados, através de sistemas de
realidade expandida, aumentada e experiências de realidade virtual.
A comunicação é intercambiada através de interfaces, que poderão
ser desde um simples controle remoto analógico, até dispositivos
que permitam e até instiguem a mobilidade do espectador.
Diante da análise destes aspectos é possível afirmar que para se
compreender o processo de imersão no estudo da narrativa interativa deve-se
considerar três circunstâncias essenciais: a) espacial – considerando o ambiente e a
ambiência, b) temporal – ações acontecem em tempo real, c) emocional – o
envolvimento da audiência com o espaço e personagem virtual. Assim o Machinema
produz outros ambientes, e as telas, ao invés de se fixarem em uma estrutura que já
fora estabelecida, se apropriam do espaço ao redor, gerando situações imersivas, a
partir de projeções que, combinadas ao uso de outros dispositivos, como: celular,
tablets, ou GPSs, adquirem forma topológica e desta maneira, atribuem ao cinema
uma outra concepção arquitetônica. O espectador não está mais diante de telas,
mas sim imersos em projeções que se aperfeiçoaram na construção de múltiplos
espaços.
Por fim, é preciso esclarecer que, para compreender o Machinema se faz
necessário uma análise ao nível da concepção arquitetônica, da interface e da
narrativa. Estes parecem ser os três grandes polos que permitem o desenvolvimento
da interatividade nos Machinema. O que a primeira vista parecia paradoxal, ou seja,
a junção de um princípio de intercambio entre autor/espectador com um sistema de
projeção fechado e unidirecional, como no cinema tradicional, hoje já não parece
estranho dadas as experiências desenvolvidas sobre o tema interatividade,
imersividade e cinema por grupos de pesquisadores como o Interactive Cinema
Group do MIT – Media Lab de Massachussets (EUA), dirigido por Glorianna
Davenpor desde 1987, ou o iCinema da Universidade de South Walles, na Austrália,
onde se destacam Jeffrey Shaw e Denis Del Favero.
Cabe destacar também, experiências interativas de artistas como Masaki
Fujihata (Field-works), Christopher Hales (Grandad), Lev Manovich (Soft cinema),
Jeffrey Shaw (EVE), Jean Louis Boissier (Moments de Jean Jacques Rousseau) e
Zoe Beloff (Aparelho de influenciar da senhorita Natalija), além de exposições como:
60
Future Cinema realizada no ZKM – Centro de Arte e Mídia em Karlshue (2002-2003)
com a curadoria de Jeffrey Shaw e Peter Weibel, Cinema Sim realizada no espaço
Itaucultural em São Paulo (2008) com a curadoria de Roberto Cruz, Situação
Cinema realizada no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (2007) com a
curadoria de Katia Maciel e André Parente e Mostra Internacional de Filmes
Interativos realizada no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília (2011) com a
curadoria de Filipe Gontijo, que apontam para experimentações importantes destes
novos cinemas (Transcinema, iCinema, Softcinema, Machinema) e reflexões das
configurações cinematográficas após o advento das novas mídias.
Ao que se refere especificamente a experiência no Machinema - outros
cinemas e a construção de outros espaços e outras narrativas - é possível destacar
alguns objetos, como: Ressaca (Brasil, 2008, dirigido por Bruno Vianna), Clue
(Inglaterra, 1985, dirigido por Jonathan Lynn), Turbulence (Israel, 2010, dirigido por
Nitzan Ben-Shaul), Deliver Me To Hell (Nova Zelândia, 2010, dirigido por Logan
McMillan), Tender Loving Care (Inglaterra, 1997, dirigido por David Wheeler), Maldita
Escolha (Brasil, 2008, dirigido por Jomário Murta), Last Call (Alemanha, 2010,
dirigido por Matthias Stiller) e A Gruta (Brasil, 2008, dirigido por Filipe Gontijo), sendo
os dois últimos a composição do corpus desta pesquisa.
2.3 – Machinema: Um Espaço Interativo
Isolando-se outros aspectos da concepção do Machinema e, por ora,
mantendo o foco na investigação das interfaces, é possível, a partir de reflexões
sobre a interação homem-máquina, identificar modalidades ou categorias de
interatividade. No entanto, antes de descrever as categorias imersivas-interativas
presentes no Machinema, se faz necessária a compreensão de alguns conceitos
acerca da interatividade aplicados a ambientes mediados por computadores.
Para André Lemos (2002), importante pesquisador da cibercultura, os novos
objetos, criados a partir da era digital, possuem uma nova forma de interação
técnica, com características eletrônico-digitais, que distinguem-se das mídias
convencionais de interação analógica, mas que no entanto, não se trata da criação
da interatividade propriamente dita, mas sim de processos baseados em
manipulações de informações binárias. O autor delimita o estudo da interatividade
61
como uma ação dialógica entre homem e técnica, entendendo esta como uma
atividade tecno-social que sempre esteve presente na civilização humana e afirma:
A interatividade digital é um tipo de relação técnico-social e, nesse
sentido, um equipamento ou um programa é dito interativo quando
seu utilizador pode modificar o comportamento ou o desenrolar. A
Tecnologia digital possibilita ao usuário interagir, não mais apenas
com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação,
isto é, com o conteúdo. (…) A interatividade caminha para a
superação das barreiras físicas entre os agentes (homens e
máquinas) e para uma interação cada vez maior do usuário com as
informações, e não com objetos (…). Esta nova qualidade da
interatividade (eletrônico-digital), com os computadores e o
ciberespaço, vai afetar de forma radical a relação entre o sujeito e
objeto na contemporaneidade. Se os objetos (interatividade
mecânico-analógica) reagem de forma passiva, como por exemplo a
maçaneta de uma porta, o que para Manzine caracteriza uma
interação assimétrica, os novos objetos eletrônico-digitais interagem
de forma ativa (interação simétrica), num diálogo entre agentes. O
objeto físico transforma-se em um objeto-quase-sujeito, uma forma
de interlocutor virtual. Com a interatividade digital, desmaterializa-se
toda a relação do sujeito com o objeto, do objeto com a natureza e
da natureza com o objeto (LEMOS, 2002, p. 121-122).
Baseando-se na evolução tecnológica da televisão e analisando a
interatividade e os meios de comunicação, Lemos sugere a seguinte classificação
para os níveis de interação45:
Nível 0 – ligar / desligar e mudar de canal – neste estágio a televisão
apresentava imagens em preto e branco e possuía apenas um ou
dois canais. A ação do espectador se resumia em ligar e desligar o
aparelho, regular volume, brilho e contraste, além de mudar de um
canal para o outro.
Nível 1 – visualização de mais de um canal simultaneamente – a
televisão ganha cores, maior número de emissoras e um controle
remoto. Neste contexto surge o zapping.
Nível 2 – transmissão de informações opcionais, sem relação
obrigatória com o programa em andamento – alguns equipamentos
45
É interessante pontuar que nesta categorização o diálogo livre e criativo entre interagentes humanos não foi
considerado, sendo assim, nesta análise a interação resume-se basicamente à técnica, além de não ser aplicável a
outros meios.
62
periféricos como: videocassete, câmeras portáteis e consoles de
games
acoplam-se a televisão. Os espectadores podem se
apropriar da televisão por outras vias, podendo assistir vídeos, se
entreter com jogos, além de gravar programas e visualizá-los
quantas vezes desejarem.
Nível 3 – qualquer forma de armazenamento de conteúdo. Neste
nível, aparecem os primeiros sinais de interatividade digital, onde os
espectadores podem interferir no conteúdo através de telefones
(como na série Você Decide), fax e correios eletrônicos.
Nível 4 – pay-per-view, jogos, videofone, etc. – onde surge a
chamada televisão interativa, em que o espectador pode interferir a
partir da rede telemática em tempo real no conteúdo, como
escolhendo ângulos de câmeras, diferentes encaminhamentos de
conteúdos e etc.
A partir desta classificação Lemos observa que a mídia tradicional (jornal,
revista, rádio, televisão) impunha uma pré-escolha de informações que seriam
transmitidas, já as tecnologias digitais trazem novas formas de circulação da
informação, constituindo um modelo muito mais descentralizado e universal, ou seja,
o modelo transmissionista um-todos se transmuta em um modelo todos-todos. Neste
sentido, finalmente concluí que a interatividade digital se categoriza em dois níveis
de interação: a técnica tipo analógico mecânico, sendo aquela relacionada a
utilização dos dispositivos como objeto e a técnica tipo eletrônico digital, em que
através dela o usuário pode interagir não apenas com o objeto, mas com a
informação, interferindo no conteúdo das emissões em tempo real, e neste caso a
interface passa a ser tão somente o espaço de negociação, de articulação do
diálogo, seja entre homens, homem-sistema ou entre sistemas.
O
teórico
Jonathan Steuer
(1992),
para
analisar a interatividade,
desenvolveu uma matriz bidimensional baseada nos parâmetros de vividness46 onde
analisa a capacidade de uma tecnologia de produzir um ambiente mediado
sensorialmente rico e interativo, ou dito de outra forma, o grau pelo qual os
46
Verberte utilizado por Steuer para denominar a realidade virtual em termos de experiência humana.
63
utilizadores podem influenciar a forma e/ou o conteúdo de um ambiente mediado.
Para o autor, interatividade é uma variável direcionada pelo estimulo e determinada
pela estrutura tecnológica do meio; e a define como sendo a extensão em que os
usuários podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado
em tempo real (STEUER, 1992, p.1). Assim, Steuer aponta três fatores que
contribuem para a interatividade:
Velocidade – (largura da banda) a taxa com que um input pode ser
assimilado pelo ambiente mediado. A interação em tempo real
configura o mais alto valor dessa variável, uma vez que a
instantaneidade é fundamental para a construção de ambientes
mediados interativos.
Amplitude – (range) refere-se ao número de variáveis e de
possibilidades de ação em cada momento. O que pode ser mudado
depende da especificidade do meio, como: ordenamento temporal (a
ordem em que os eventos ocorrem), organização espacial (onde os
objetos aparecem), intensidade (altura do som, brilho das imagens,
etc.) e características de frequência (timbre, cor, etc.). Sendo assim,
é possível entender que a amplitude da interação é determinada
pela quantidade de modificações que podem ter efeito no ambiente.
Quanto maior o número de parâmetros a serem alterados, maior a
amplitude interativa do meio.
Mapeamento – (navegação) a habilidade do sistema de mapear
seus controles em face das modificações no ambiente mediado de
forma natural e previsível, além de considerar a forma como as
ações do receptor estão associadas e sua repercussão. Um bom
exemplo são controles por comando de voz, luvas sensitivas, shells
e joysticks com formato de um volante de automóvel, guitarra,
raquete de tênis, etc.
64
Para Steuer a experiência de Realidade Virtual eficaz, faz com que o
participante esqueça seu ambiente real e concentre-se na sua existência dentro do
ambiente virtual.
Outro importante pesquisador da comunicação mediada por computador, é o
israelense Sheizaf Rafaeli (1998), que defende o pressuposto de que a
interatividade não é uma característica da mídia, mas sim um constructo relacionado
a processos acerca da comunicação. Desta forma, o conceito de interatividade para
o autor, se define como a extensão da noção de interação e que esta, dependa do
contexto em que está sendo utilizada, em outras palavras, interatividade é uma
medida da capacidade do potencial de um ambiente mediado de deixar que seu
conteúdo e/ou forma se transmute a partir da interferência de um utilizador. Assim
definiu um modelo que utiliza três níveis progressivos em um continuum: 1) duas
vias de comunicação; 2) comunicação reativa; 3) comunicação interativa. Afirma
Rafaeli:
A interatividade é uma expressão da dimensão em que, numa dada
série de trocas de comunicação, qualquer terceira (ou posterior)
transmissão (ou mensagem) é relacionada com o grau pelo qual
trocas anteriores se referiram a transmissões ainda mais anteriores
(RAFAELI APUD JENSEN, 1998, p. 203).
Neste sentido, conclui-se que a interatividade é intrinsicamente sinônimo do
conjunto de características que se forma entre a funcionalidade do meio e vai além
da percepção do receptor, uma vez que a interatividade cria uma habilidade
perceptiva diferente, por acionar e interar a ação. A concepção do conceito, em
definições unidimensionais ou multidimensionais, não pode ser feita apenas do
ponto de vista de uma destas características da interatividade, sob o risco de
enviesar qualquer tentativa de isolar e construir uma noção clara e precisa. As
dimensões são critérios para a compreensão e construção do conceito de
interatividade, mas devem ter como foco principal a funcionalidade do sistema e a
percepção humana.
2.4 – Análise das Dimensões no Machinema
65
Tomando como quadro referencial os conceitos desenvolvidos por Lemos,
Steuer e Rafaeli, é possível compreender que o estudo desses teóricos propõe como
chave para a construção do conceito de interatividade, fatores como: feedback,
bidirecionalidade, tempo de resposta, quantidade e qualidade de atividades
possíveis para o interator, transparência, presença social, número de interatores
simultâneos, inteligência artificial e realidade virtual. Assim a interatividade como
processo de interação que ocorre no Machinema, possivelmente vincule sua
aplicação à cinco dimensões que se inserem na intersecção dos ambientes da ação
e da máquina (a maquinação e o maquínico), como defino a seguir, subdividindo em
três seções:
a) Hibridismo
Conteúdo – a estrutura, o desdobramento narrativo, o deslocamento
estético e apresentação do que está contido.
Adaptabilidade – relaciona-se diretamente com a capacidade
eficiente e eficaz de acomodar de forma conveniente a inter-relação
do espectador / interator com o filme interativo.
b) Imersão
Comunicabilidade – refere-se as ferramentas que permitem o
diálogo - a comunicação - entre espectador / interator e filme
interativo.
c) Interatividade
Navegabilidade – compreende as possibilidades do espectador /
interator de percorrer a aplicação (obra-interativa) através de suas
hiperligações.
Controlabilidade – abrange as possibilidades do espectador /
interator de controlar a sua navegação, quer seja no ritmo, na
sequência e/ou ao nível dos conteúdos.
A partir destas cinco dimensões e no intuito de identificar elementos que
pudessem demonstrar um padrão para formatação de uma categorização da
interação no Machinema, organizei um quadro para as análises que a princípio seria
66
aplicado somente ao corpus desta pesquisa. Entretanto ao compreender que os
dois objetos escolhidos inicialmente, mantinham em alguns aspectos uma grande
distância e não tendo por objetivo apresentar dicotomias, mas a conformação de um
conceito de real potencialidade, fez-se necessária a ampliação dos objetos desta
pontual investigação, uma vez que desta forma seria possível a identificação de
elementos que trouxessem relação por aproximação entre os objetos.
Entendendo que esta análise seria mais abrangente, se a investigação fosse
efetuada durante sessões públicas, a seleção ocorreu de forma conveniente47, ou
seja, os objetos selecionados foram aqueles exibidos durante a Mostra Internacional
de Filmes Interativos48 que aconteceu em 2011 no Centro Cultural do Banco do
Brasil em Brasília.
2.4.1 - Kinoautomat
Kinoautomat, que teve sua primeira exibição na América Latina durante a
Mostra de Filmes Interativos, inicia mostrando imagens de um prédio sendo
consumido pelas chamas de um grande incêndio. Em seguida há uma pausa na
exibição e sobe ao palco um ator que interpreta Novak, o personagem principal da
trama. O ator inicia um diálogo com o público, informando que acredita ser o culpado
pelo incêndio do prédio onde ele mora. Nesta primeira interrupção Novak conta aos
espectadores que gostaria de reviver o dia do incêndio para, assim ter a
possibilidade de impedi-lo. Na sequência, indaga a plateia se gostaria de que o
tempo retrocedesse ao dia do incêndio para que com a ajuda deles pudesse impedir
a tragédia. Uma vez que não restavam dúvidas à Cincera, o diretor do filme, de que
47
A Mostra Internacional de Filmes Interativos ocorreu no período de 22 de novembro a 4 de dezembro de 2011,
das 10 às 22h. As salas do Centro Cultural do Banco do Brasil possuem mais de setenta assentos e foram
devidamente adaptadas para permitir a apresentação do Machinema. Cada um dos filmes interativos teve
inúmeras sessões durante o período da Mostra, as quais foram assistidas e analisadas pela autora desta pesquisa,
além de terem sido fotografadas e filmadas e fazerem parte de seu acervo pessoal da pesquisa. Para este
momento de análise foram descartados os filmes interativos publicitários e também os que fazem parte do corpus
da pesquisa, pois serão analisados com maior profundidade no terceiro capítulo deste estudo.
48
É importante salientar que, muito embora os objetos selecionados para análise tenham sido os exibidos na
Mostra Internacional de Filmes Interativos, as reflexões empenhadas neste estudo foram desdobradas em três
categorias: hibridismo, imersão e interatividade, sem que nenhuma delas tivesse maior destaque, uma vez que
somente através da junção das três, é que se torna possível atingir o objetivo traçado para análise do Machinema.
Assim, até mesmo pelo título da Mostra, justifica-se que o termo interatividade, apareça de forma mais intensa
na pesquisa.
67
a maioria dos votos do público levariam a trama a retroceder ao passado, neste
ponto não havia de fato uma bifurcação na narrativa, portanto não houve a produção
de dois percursos. Apenas um percurso foi inserido em sua montagem, onde a
história é contada a partir da manhã que antecedeu o incêndio. Desta forma, é
possível compreender que, embora tenha havido uma interrupção, o destino da
trama não se altera, portanto, neste primeiro momento, a potencialidade de interação
se oferece como uma trucagem. Em outros pontos, houve pequenas alternâncias na
montagem, mas que não representaram qualquer mudança significativa no
conteúdo.
Em apenas cinco pontos de interrupção há uma mudança
significante para a narrativa, já nos outros quatro pontos não há
Conteúdo
a menor relevância e o conteúdo não se altera em termos
HIBRIDISMO
narrativos,
sendo
que
a
interrupção
apenas
causa
um
desequilíbrio estético
O controle é simples e intuitivo, tendo um botão de cor verde
Adaptabilidade
que pode ser acionado quando a resposta for positiva e um outro
de cor vermelha, que deve ser acionado quando a resposta for
negativa.
A única forma de comunicação entre o espectador e o filme
é através do controle nos assentos, onde ele poderá escolher
IMERSÃO
uma entre duas opções de percursos. As opções de escolhas
Comunicabilidade
não possuem grande impacto na trama, além de não alterarem
os destinos dos personagens ou o final da história. Nos nove
intervalos há a presença do ator no palco, interagindo com o
INTERATIVIDADE
público.
Possui 9 pontos de interrupção e em cada um deles a
apresentação de um menu interativo. Os espectadores são
Navegabilidade
orientados por um ator de que forma poderão fazer suas
escolhas, a partir da interface que lhes foi entregue antes do
início da sessão.
68
Em alguns pontos de interrupção, embora tenha um suposto
menu interativo, não há uma hiperligação a nenhum outro ponto
do filme, pois independente da opção mais votada a trama
continuará de forma linear.
O controle é analógico e limitado, com apenas dois botões
Controlabilidade
fixos nos apoios de braços dos assentos. O tempo de espera
entre a escolha e a continuidade do filme é relativamente
grande, uma vez que pode levar até quatro minutos.
Quadro 1 - Um Homem e sua Casa – Kinoautomat
República Tcheca – 1967 – Raduz Cincera
Kinoautomat apresenta um nível de interação estreito e instável, onde as
opções e feedback são dirigidos pelo sistema, não havendo controle do usuário
sobre a estrutura do conteúdo; seu fluxo, embora nove vezes interrompido, é linear;
a relação de trocas entre os elementos do ambiente mediado é simplória, não
permitindo ao espectador / interator que crie novas sequencias. No entanto, a
sensação de controle amplia o efeito-cinema e busca inserir o espectador no
contexto da trama. Assim, é possível reafirmar que Kinoautomat tem sua relevância
guardada no fato de ser um importante precursor deste modelo de filmes, mas se
enquadra de maneira atenuada na definição de um exemplar Machinema.
2.4.2 - A Máscara do Terror – Mr. Sardonicus
Em A Máscara do Terror o rico barão Sardonicus esconde seu rosto
horripilante por trás de uma máscara, enquanto desenvolve experimentos bizarros
para reconstruir sua aparência, mas que não obtém grande sucesso. Decepcionado
com os resultados das experiências, Sardonicus pretende obrigar um jovem médico,
amante de sua esposa, a reconstituir sua face. Inicialmente havia apenas um final
para esta história e o mesmo era assombroso, com requintes de crueldade e muita
maldade. O diretor William Castle havia definido este trágico final, contudo após
muitas exibições a Columbia Pictures exigiu uma mudança na conclusão do filme.
Um vez que Castle entendia que o final mais repulsivo despertaria maior interesse,
como solução deu ao público o poder da escolha entre o final do diretor e o final
69
exigido pelo estúdio. O que a princípio era apenas um efeito de trucagem, como
tantos outros fornecidos por Castle, uma vez que nas primeira exibições não haviam
dois finais, tornou-se de fato interativo.
HIBRIDISMO
Conteúdo
Tem apenas uma interrupção, mas que gera alteração radical
no conteúdo narrativo.
O controle é manual, simples e intuitivo, além de ter o suporte
Adaptabilidade
de um moderador que explica como utilizar as plaquetas e como
IMERSÃO
funcionará a votação.
Não há uma comunicação direta entre o público e o sistema,
Comunicabilidade
que interagem com o público e com o sistema.
Navegabilidade
INTERATIVIDADE
mas sim uma interação mediada pelos funcionários do cinema,
Há apenas um ponto de interrupção, onde a audiência fará a
opção por um, entre dois finais distintos.
O público antes de entrar na sessão recebe uma plaqueta
com o símbolo de positivo ou negativo e ao serem solicitados
levantarão as plaquetas para definir o final da trama. O tempo de
Controlabilidade
espera entre a escolha e a continuidade do filme é longa, pois
requer que um funcionário do cinema contabilize o resultado das
escolhas e verifique o que foi a maioria, para assim, dar
sequência a exibição, que será gerada como um feedback.
Quadro 2 – A Máscara do Horror – Mr. Sardonicus
EUA – 1961 – William Castle
A interação manual (Figura 9) onde os espectadores informam suas
escolhas através de objetos (símbolos que se expressam através placas, cartas,
gestos, etc.) que não acionam automaticamente um evento, constitui o mais baixo
70
valor da variável velocidade, ao que se refere à taxa com que um input pode ser
assimilado pelo ambiente da ação.
Figura 9 – Sim ou Não?
Assim, é possível compreender que em A Máscara do Terror o tempo entre
a ação do público e o desenrolar da história é longo, a interface de interação é
passível de erros ou manipulações no resultado da contagem das plaquetas. Desta
forma o espaço imersivo fica comprometido, pois permite a dispersão do público e
falta de confiança, não elaborando de forma convincente um ambiente de realidade.
Embora tendo uma interação modesta, ainda assim representa a possibilidade real
do espectador ter “algum” controle sobre o final da história. Neste contexto, A
Máscara do Terror poderá ser classificado como um prenuncio do Machinema.
2.4.3 - Os Sete Suspeitos – Clue
Baseado no jogo de tabuleiro O Detetive, Clue, trata de um misterioso
assassinato que ocorre em uma mansão, onde seis estrangeiros são convidados
para uma festa. Os seis convidados e mais o mordomo da mansão não se
conhecem, mas possuem algo em comum: todos estão sendo chantageados por Mr.
Boddy. Ao anoitecer, durante o jantar, todas as luzes da mansão se apagam e
quando são acesas novamente, o chantagista está morto. Neste ponto, inicia-se a
grande questão: quem matou Mr. Boddy? Todos os convidados tinham reais motivos
para tal ação, assim tornam-se todos suspeitos do crime. O filme se desenrola com
os próprios suspeitos fazendo a investigação e alguns assassinatos misteriosos ao
longo do percurso. A poucos minutos do final, surge um menu interativo: três cartas
71
semelhantes ao jogo de tabuleiro (Figura 10), convocam os espectadores a votarem
nos possíveis desfechos para a história.
Figura 10 – Quem é o assassino?
Nas primeiras sessões de Clue, ainda na época dos rolos de filmes, os
anúncios da programação das salas de cinemas, informavam qual final estava sendo
exibido, pois em cada sala apresentava apenas um dos três desfechos. Assim, seu
público poderia fazer sua escolha antes de entrar na sessão. Com a evolução
tecnológica e a chegada das novas mídias, Clue, em 2000, é lançado em DVD e
ganha a possibilidade de juntar todos os finais em uma única apresentação,
permitindo que o espectador, após assistir grande parte do filme, possa interagir
escolhendo quem será o assassino e desta forma definir o final. Já em 2011, surge a
versão para as telonas e a Universal Studios anuncia a produção de um remake,
também interativo, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2013.
HIBRIDISMO
Conteúdo
Tem apenas uma interrupção mas que gera alteração radical
na sequência narrativa.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
Adaptabilidade
sobre como funcionará a votação e a forma de utilização do
controle remoto, que é simples e intuitivo.
IMERSÃO
72
Comunicabilidade
INTERATIVIDADE
Navegabilidade
Possui uma interface simples e permite uma comunicação
direta entre o público e o sistema.
Há apenas um ponto de interrupção, onde a audiência fará a
opção por um, entre três finais distintos.
O público antes de entrar na sessão recebe um controle
remoto digital com botões de 0 a 9, uma tecla cancela e outra
confirma. Para a escolha das opções, abre-se um menu de
votação por 10 segundos. A contabilização dos votos é exibida
Controlabilidade
em uma tela auxiliar nas laterais do telão. Cada espectador tem
direito a apenas um voto , mas que durante o tempo em que o
menu está aberto, mesmo já tendo votado, poderá cancelar seu
voto e escolher uma outra opção. Ao encerrar o tempo, a opção
mais votada gera o feedback da ação.
Quadro 3 – Os Sete Suspeitos - Clue
Inglaterra – 1985 – Jonathan Lynn
Mesmo havendo apenas um ponto de interação entre o espectador e o filme,
seu desfecho, em cada uma das opções, é radicalmente alterado, criando histórias
distintas, pois permite que a audiência ao atribuir a culpa à um dos personagens,
automaticamente esteja fazendo a escolha de quem continuará vivo, além de
permitir a escolha de quando, onde e como os assassinatos serão executados.
Ainda que a interface fosse o controle remoto e que esta estabeleça a interação
entre o público e o filme, nas sessões de Clue foi possível perceber que havia
também uma certa interatividade entre o público presente na sala, pois no momento
de interrupção durante a apresentação do menu interativo, os espectadores
expressavam em voz alta sua opinião, como forma de estimular outros participantes
da sessão. Desta forma, esta interface incorpora não só o controle remoto que está
nas mãos dos espectadores-interatores, como também a apresentação visual do
menu interativo, a contagem dos votos exibida nas telas auxiliares e a articulação do
diálogo entre o público, ampliando assim, a troca no ambiente mediado e por
consequência o espaço imersivo.
73
2.4.4 - Carinho e Cuidado – Tender Loving Care
Em Tender Loving Care os espectadores desde o inicio são surpreendidos
com a presença, já na primeira cena, de um personagem narrador que fala
diretamente com o público. Se apresenta como Dr. Turner, o psiquiatra do casal que
será o foco da trama, e inicia seu diálogo explicando de forma clara e simples como
funcionarão as formas interativas. Insinua aos espectadores que terão o poder de
controlá-lo, uma vez que ele fará um papel de uma espécie de observador silencioso
de um casal que passa por sérias dificuldades emocionais, cuja filha morreu em um
acidente de carro e a mãe age como se a criança ainda estivesse viva, mantendo
seu quarto, roupas, brinquedos, etc. Para trazer ainda mais desequilíbrio à família,
uma linda, sensual e sedutora enfermeira é contratada para ajudar na recuperação
do casal. No entanto, os métodos, que a suposta enfermeira se utiliza, são pouco
convencionais e bastantes questionáveis, o que pode causar estragos ainda maiores
a vida destas pessoas.
O conteúdo se altera a cada escolha ou a cada grupo de
Conteúdo
respostas, desde alterações comportamentais dos personagens,
HIBRIDISMO
a mudança temporais, espaciais e narrativas.
O público antes de entrar na sessão recebe um tablet
previamente configurado e as orientações de como interagir com
Adaptabilidade
o filme através do equipamento. A interface torna-se simples,
pois se assemelha a um celular. Os comandos são efetuados a
IMERSÃO
partir dos botões de 0 a 9 ou na tela touchscreen do tablet.
Comunicabilidade
A comunicação direta e full time entre o público e o sistema.
74
A navegabilidade é bastante complexa e nem sempre o
momento da interação é um ponto de interrupção. Possui
Navegabilidade
inúmeros pontos de hiperligação: desde objetos exibidos em
INTERATIVIDADE
destaque nas cenas, até os menus interativos compostos por até
10 questões, onde todas as respostas são obrigatórias.
Considerando as escolhas dos menus compostos por
perguntas o controle é subjetivo, uma vez que não deixa claro o
Controlabilidade
que cada resposta poderá impactar na cena. Já os objetos em
destaque, dentro do contexto da história, tornam-se ações
dedutíveis. As escolhas são feitas em tempo real e a resposta é
imediata.
Quadro 4 – Carinho e Cuidado – Tender Loving Care
Inglaterra – 1997 – Davi Wheeler
Na grande maioria das cenas há sempre objetos que se destacam por
possuírem um contorno verde fluorescente. Estes objetos são reproduzidos na tela
dos tablets entregues aos espectadores ao adentrarem na sala de exibição. Sendo
as telas touchscreen, quando mais de 50% dos espectadores tocam nos objetos, as
cenas seguintes são organizadas de modo a exibirem aposentos da mansão do
casal ou permitirem acesso a seus pertences, incluindo a leitura de diários, audição
da secretaria eletrônica, ligar ou desligar aparelhos que possam trazer alguma
relevância, enfim objetos pessoais que poderão esclarecer acontecimentos
anteriores.
Outra possibilidade de interação do público, é que a qualquer momento
podem decidir encerrar o dia de convivência com o casal e sua intrigante enfermeira,
sendo que ao escolher esta opção os espectadores serão convocados a responder
um questionário psicológico, com perguntas que podem ter relação com as cenas
que o precederam ou estarem relacionadas a assuntos de grande tabu com foco em
sua psicologia pessoal (Figura 11). Neste ponto de interrupção, os inputs enviados
pelos espectadores, possibilitam uma interação de maneira significativa, com
narrativa da história e acima de tudo um envolvimento
psicológico elevado,
causando assim uma intensa sensação de presença e imersão. As respostas dão
75
sequência ao filme, que pode seguir os mais variados percursos e terminar com
inúmeros finais diferentes49.
Figura 11 – Que emoção você tem por Allison?
Tender Loving Care é uma espécie de dispositivo de biofeedback,50 que
oferece todas as possibilidades de entretenimento de um filme interativo, mas que
considera para o desenrolar da trama que sejam satisfeitos os interesses voyeristas
e auto-analíticos de sua audiência.
2.4.5 - De Volta à Casa da Colina – Return to House on Haunted Hill
De Volta à Casa da Colina conta a história de Richard, um professor
obcecado por relíquias perdidas. Sua atual obsessão é a estátua de um ídolo –
Baphomet -, considerado por muitos a causa de terríveis desastres e por mudar
totalmente a personalidade da pessoa que o possuir. Richard conhece Sarah Wolfe
a única sobrevivente de um massacre que ocorreu em um sanatório sediado na
Mansão Vanacutt. Tida como desequilibrada pela família, mantinha consigo o diário
do Dr. Vanacutt que continha a importante informação: o local exato onde estaria
escondida a estátua de Baphomet dentro da mansão.
Sarah, pressentindo sua morte, envia o diário à sua irmã, Ariel, que o recebe
pouco depois de atender um telefonema informando sobre o suposto suicídio de
49
Em entrevista concedida a pesquisadora durante a Mostra de Filmes Interativos, o diretor David Wheeler não
revela o número preciso de finais, mas garante que até o momento nem todos foram explorados.
50
O termo biofeedback foi utilizado pelo diretor em entrevista concedida a autora desta pesquisa durante a
Mostra de Filmes Interativos, onde o mesmo justifica a utilização do termo pela formação da palavra: bio (vida),
feed (alimentar) e back (retorno), que pode ser traduzido como uma retroalimentação biológica.
76
Sarah. Inconformada com a perda de sua irmã, Ariel questiona as reais razões que
levaram Sarah à loucura conduzindo-a a morte.
O Prof. Richard, sua namorada e um de seus melhores amigos resolvem
montar uma expedição na casa, com o objetivo de encontrar a estátua e devolve-la a
um museu. Enquanto isso, a irmã de Sarah é levada à Mansão Vanacutt por um
grupo de sequestradores que estão a procura da estátua para vendê-la a um
colecionador, por cinco mil dólares. É neste contexto que estes dois grupos de
pessoas vão à Mansão Vanacutt, onde iniciam uma busca mortal pela estátua,
despertando o mal eternamente aprisionado na casa da colina.
Tendo sete pontos de interrupção e com no mínimo três
HIBRIDISMO
Conteúdo
possibilidades de alteração do percurso da trama, permite que o
conteúdo tenha alterações importantes que se afunilarão em
apenas dois finais diferentes.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
Adaptabilidade
sobre como funcionará a votação e a forma de utilização do
IMERSÃO
controle remoto, que é simples e intuitivo.
Comunicabilidade
Possui uma interface simples que permite uma comunicação
direta entre o público e o sistema.
Há sete pontos de interrupção, proporcionando em cada uma
Navegabilidade
delas duas opções, mas que se hiperligam a no mínimo três
INTERATIVIDADE
sequências diferentes de forma randômica.
O público antes de entrar na sessão recebe um controle
remoto digital com botões de 0 a 9, uma tecla cancela e outra
confirma. Para a escolha das opções, abre-se um menu de
Controlabilidade
votação por 10 segundos. A contabilização dos votos é exibida
em uma tela auxiliar nas laterais do telão. Cada espectador tem
direito a apenas um voto e durante o tempo em que o menu
estiver aberto, poderá cancelar seu voto e escolher outra opção.
77
Ao encerrar o tempo, a opção mais votada gera o feedback da
ação.
Quadro 5 – De Volta à Casa da Colina – Return to House on Haunted Hill
EUA – 2007 – Victor Garcia
A grande virtude deste objeto está na possibilidade da construção narrativa
ser partilhada entre a audiência e o sistema simultaneamente, em cada um dos
pontos de interação. O público, ao escolher uma entre duas alternativas, define o
curso da trama, entretanto após esta escolha o sistema, de forma randômica,
oferecerá como feedback uma entre três possíveis sequências. Assim, ampliam-se
as possibilidades de deslocamentos narrativos, que através desta operação de
trocas entre os elementos do ambiente mediado, geram uma construção que é ao
mesmo tempo negociada e casual.
Como exemplo, é possível citar um dos pontos de interação, onde é
indagado à audiência se a personagem Harue deve ou não ser morta pelos
fantasmas. Independente da escolha do público para cada uma das opções haverá
três sequencia cênicas distintas, mas é fato que a decisão de que a personagem
continuará ou não fazendo parte da trama caberá ao espectador. Entretanto a forma
como se dará a sua morte ou como permanecerá na trama será uma decisão casual
promovida pelo processo de inter-relação entre o maquínico e a maquinação. Assim,
caso a maioria escolha pela morte da personagem, haverá três possibilidades de
feedback: a) morrer estrangulada por um dos fantasmas da mansão (Figura 12), b)
ter sua face esquartejada pelo Dr. Vanacutt (Figura 13), ou ainda, c) ser queimada
viva ao tentar fugir através de um dos fornos do crematório (Figura 14).
Figura 12 - Estrangulada
78
Figura 13 - Esquartejada
Figura 14 - Queimada
De Volta à Casa da Colina apresenta um tipo de interação hierárquica, uma
vez que sua configuração oferece a audiência um menu com um número definido de
opções, mas que também é reativa, já que as escolhas de feedback são dirigidas
pelo sistema.
Tendo em vista que o filme possui apenas dois finais diferentes, somente no
último menu é permitido ao público que tenha a exclusividade sobre o controle do
desfecho da trama, fato que possibilitará a punição, ou não, do antagonista da
história.
2.4.6 – Maldita Escolha
Maldita Escolha conta a história de um casal, Tião e Thais, que em um final
de semana decidem conhecer a cidadezinha de Caetanópolis. Tião, um jovem
desastrado, bate o carro no caminho, justamente em uma estrada infestada por
zumbis e seres bizarros.
Produzido por um grupo de alunos do curso de Produção e Multimídia da
Universidade de Belo Horizonte, Maldita Escolha, trata-se de um filme trash
interativo, desenvolvido para multiplataformas (cinema51, DVD52, internet53 e
51
O projeto desenvolvido para cinema trata-se de uma simulação em plataforma PC com hardware dedicado. O
filme incorpora uma aplicação desenvolvida no software Flash que reconhece as opções escolhidas pela plateia e
dá sequência a trama. A interface desta aplicação são pads independentes para cada espectador.
52
Vídeo com menus programados no software Flash que reconhece as opções escolhidas pelo espectador e dá
sequência ao filme. Para essa interação é utilizado o controle remoto do aparelho de DVD.
79
móbile54). Apesar de a narrativa ser a mesma, cada uma das plataformas possui
particularidades ao enviar a mensagem ao espectador, mas preservam o nível de
interatividade do objeto. Durante a exibição há diversas escolhas que o espectador
deverá fazer e elas influenciarão diretamente no andamento e no encerramento do
filme.
Dentre os dezesseis pontos de interação nove alteram de
forma significativa o percurso da trama, uma vez que nestes
momentos o espectador tem a possibilidade de escolher a partir
de qual personagem deseja seguir o percurso da história. Em
quatro pontos distintos a escolha é focada nos objetos em cena,
o que permite também uma alteração importante no conteúdo e
HIBRIDISMO
Conteúdo
por fim nos últimos três pontos de interrupção a alteração da
trama é mais branda, pois trata-se de escolhas que não
interferem diretamente no caminho que seguirá a história, mas
sim como se desenrolará a cena em questão, não possibilitando
que, independente da escolha, esta contamine a cena seguinte.
Com um número considerável de pontos de interação, este
objeto permite que seu conteúdo tenha alterações importantes
que se afunilarão em quatro finais diferentes.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
Adaptabilidade
sobre como funcionará a votação e a forma de utilização do
controle remoto, que é simples e intuitivo.
Possui uma interface simples. Antes da exibição do menu
IMERSÃO
surge um ponto de exclamação luminoso a direita do telão. Em
seguida os elementos visuais para a escolha ganham um
Comunicabilidade
contorno verde luminoso (personagens, objetos, caminhos, etc.),
além de exibir as opções de forma escrita, para que não haja
dúvidas com relação ao que está sendo questionado, permitindo
assim uma comunicação direta entre o público e o sistema.
53
Disponibilizado em site na WEB, utiliza a tecnologia Vídeo Stream, incorporado em aplicação desenvolvida
no software Flash, que reconhece as opções escolhidas pelo espectador e dá sequência ao filme. Para essa
interação é utilizado o mouse do computador. O filme está disponível no site www.youtube.com.
54
O produto desenvolvido para móbile incorpora uma aplicação desenvolvida no software Flash Lite que
reconhece as opções escolhidas pelo espectador e dá sequência ao filme. Para essa interação são utilizadas as
teclas do aparelho celular.
80
Há dezesseis pontos de interrupção que oferecem ao
Navegabilidade
espectador a possibilidade de duas opções de sequências
INTERATIVIDADE
diferentes.
O público, antes de entrar na sessão, recebe um controle
remoto digital com botões de 0 a 9, uma tecla cancela e outra
confirma. Para a escolha das opções, abre-se um menu de
votação por 10 segundos. A contabilização dos votos é exibida
Controlabilidade
em uma tela auxiliar nas laterais do telão. Cada espectador tem
direito a apenas um voto e durante o tempo em que o menu
estiver aberto, poderá cancelar seu voto e escolher outra opção.
Ao encerrar o tempo, a opção mais votada gera o feedback da
ação.
Quadro 6 – Maldita Escolha
Brasil – 2008 – Jomário Murta
Em Maldita Escolha percebe-se que na participação, o espectador tem a
possibilidade de emitir e receber informações, além de ser um potencial emissor.
Desta forma sua interação é bidirecional, uma vez que emissor e receptor tem a
mesma possibilidade de comunicação contínua, fazendo com que a informação
circule o tempo todo, assim, o receptor se torna potencialmente um emissor e viceversa. Sua potencialidade-permutabilidade permitem que a audiência faça diversas
conexões de forma não-linear, sendo que esta característica de Maldita Escolha,
possibilita que o público saia de um ponto a outro sem passar por pontos
intermediários e com isso os eventos gerados fluem de acordo com as trocas
estabelecidas no ambiente mediado.
O filme apresenta três intensidades distintas em seus pontos de interação, a
saber:
a) Intensidade Branda: quando a escolha não altera a narrativa. Este
nível ocorre em três pontos de interrupção e independente da
opção mais votada pela audiência as cenas seguintes não
influenciarão na narrativa. Como exemplo é possível citar o menu
onde os espectadores devem escolher entre os objetos: patinho ou
81
banana (Figura 15) e que independente da escolha a trama segue
sem qualquer alteração narrativa.
Figura 15 – Patinho ou Banana?
b) Intensidade Média: quando a escolha muda parcialmente a
narrativa. Este nível ocorre em quatro pontos de interrupção,
contudo a escolha terá algum significado narrativo, mas não haverá
tamanha importância para o desenrolar da cena em questão.
Menus que apresentam escolhas entre seguir ou voltar, garrafa ou
tijolo (Figura 16), em um primeiro momento não apresentam
mudanças significativas do ponto de vista da história, contudo ao
assistir
a
obra
é
possível
perceber
caminhos
diferentes,
alternativas e possibilidades que não acontecem em uma escolha
em relação à outra, ou seja, dependendo da escolha a audiência se
privilegiará dos possíveis narrativos.
Figura 16 – Garrafa ou Tijolo?
82
c) Intensidade Rigorosa: quando a escolha da audiência muda
completamente a narrativa. Este nível de intensidade ocorre em
nove pontos distintos e permite construir uma nova narrativa a
partir da decisão da audiência por cada personagem ou quando em
dupla, ou seja, as ramificações narrativas significativas ocorrem
quando o menu interativo oferece a opção de escolher seguir a
trama por um dos personagens centrais (Figura 17) ou ainda nos
momentos em que se tem a possibilidade de realizar o encontro
entre os personagens.
Figura 17 – Thaís ou Tião?
Através
das
escolhas
feitas
pelo
público,
independente
de
suas
intensidades, Maldita Escolha se encaminhará para um dos quatro possíveis finais,
sendo: a) com Thaís eliminando os zumbis, b) com Tião conseguindo fugir, c) com
Thaís e Tião em um final trágico, ou ainda d) com Thaís e Tião em um final
romântico.
2.4.7 - Ressaca
Dirigido por Bruno Vianna e premiado em 2009 no Festival de Cinema de
Porto Alegre, Ressaca conta a história de um rapaz que vive sua puberdade no
Brasil dos anos 80, um período em que o País também passava por um
amadurecimento político e econômico. Sua família sofre com as consequências da
crise econômica que assola o País naquele momento. Quando o pai do protagonista
83
perde o emprego, o rapaz se vê obrigado a estudar em uma escola pública e ter
que se adaptar a este novo ambiente.
Com uma hora e meia de duração, o público irá acompanhar o processo de
edição e montagem das imagens, que é feito ao vivo pelo diretor simultaneamente à
projeção do filme na tela. Este processo somente é possível graças a tecnologia
denominada Engrenagem (Figura 18) que fora desenvolvida pela Universidade
Pompeu Fabra, em Barcelona, especialmente para Ressaca.
Figura 18 - Engrenagem
Engrenagem consiste em uma tela tátil, que permite movimentar os
elementos do filme com os dedos. Como a tela tem um metro de diâmetro e fica
posicionada ao lado da tela principal do cinema, a plateia pode acompanhar todo
este processo. A interface criada permite a visualização de todo o material do filme e
sua organização, através de links que definem a ordem das sequências, além de
permitir a manipulação de cada plano de cada sequência, mudando sua posição no
filme, além de escolher o tipo de corte e fusão, resultando em uma obra inédita a
cada exibição.
84
Não há pontos de interrupção, nem tampouco um menu
Conteúdo
interativo de escolhas. Entretanto através da interação no
HIBRIDISMO
ambiente mediado o conteúdo sempre será afetado.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
sobre como funcionará o modo de interação, que poderá ser por
Adaptabilidade
duas vias: através de opções de sequências, para aqueles que
foram escolhidos ou voluntários para interagir diretamente com a
tela tátil, ou através da livre expressão de suas emoções, para
IMERSÃO
aqueles que colaborarão de forma subjetiva.
Possui uma interface complexa e sua comunicação é
Comunicabilidade
multidimensional, uma vez que há mediação entre o público e a
interface e entre a interface e o sistema.
Navegabilidade
O filme possui 130 sequências pré-gravadas que podem ser
recortadas, subdivididas, fundidas e montadas aleatoriamente.
O público ao entrar na sessão, recebe as instruções de como
INTERATIVIDADE
interagir com a tela tátil e de que forma se comportará o sistema
Engrenagem, além de serem alertados a explicitarem suas
emoções, pois a partir destas é que a montagem será
concretizada. O feedback sempre será comprometido pela troca
Controlabilidade
estabelecida entre a audiência e aqueles que estarão no
comando da tecnologia.
Por ser um produto que permite uma circularidade das
sequências cênicas, não há um começo ou um final previamente
determinados, pois o que ditará o tempo de duração será o
número de sequências máximo previsto para cada exibição (em
torno de setenta sequências).
Quadro 7 - Ressaca
Brasil – 2008 – Bruno Vianna
A edição de Ressaca é feita conforme a reação da plateia. Inicialmente
Bruno Vianna – o diretor – escolhe aleatoriamente as primeiras cenas que darão o
contexto da história e orienta a plateia que deixe expor suas emoções da forma
como desejarem. Com base nas evidentes reações da audiência, Vianna explora
85
sua sensibilidade no sentido de materializar o filme. A trilha musical do filme também
é desenvolvida ao vivo. O ritmo das cenas é complementado com uma performance
musical eletrônica o que permite, ainda mais, dramaticidade ao projeto.
A tela tátil permite a manipulação das 130 sequências pré-gravadas por mais
de uma pessoa, uma vez que pode ser tocada em qualquer ponto simultaneamente
que obedecerá ao comando. Assim, em muitas sessões Vianna convida alguns
espectadores para colaborarem na organização da trama, enquanto outros
participam da montagem de forma indireta, expressando suas emoções.
Neste objeto há sempre um ou mais mediadores (aqueles que manipulam a
tela tátil) entre a interface e a audiência, que podem fazer uma leitura das emoções
do público de forma contaminada com suas próprias emoções, assim é possível que
a materialização de Ressaca se dê a partir desta possibilidade catártica coletiva.
Em entrevista concedida à autora desta pesquisa, Vianna afirma que
observa as emoções explicitadas pela plateia e se esta suspira, ele segue uma linha
mais tranquila, se dá risadas, o conteúdo do filme é direcionado para algo mais
humorístico, mas não nega que, também se permite liberar algumas de suas pulsões
sádicas, inserindo cenas mais dramáticas e em um ritmo acelerado, quando nota
pânico na plateia.
2.4.8 - Turbulência – Turbulence
Premiado por inovação tecnológica no Festival de Cinema Berkeley em 2011
e dirigido por Nitzan Ben-Shaul professor do Departamento de Cinema e TV da
Universidade de Tel Aviv, Turbulência é um filme que conta a história de três amigos
israelenses: Edi, Sol e Rona, que se encontraram por acaso em Manhattan.
Os três amigos se conheceram em 1982, quando Sol chega a Israel para
servir ao exército. Sol e Rona se apaixonam, mas logo em seguida, durante um
protesto contra a Guerra do Líbano e o massacre de civis, são presos e é
encontrado drogas no carro de Edi. A polícia joga uns contra os outros e após vários
meses detidos, acreditando terem sido traídos pelos amigos, são soltos e seus
caminhos seguem por rumos diferentes. Agora, encontram-se, por acaso, em um bar
na atual Nova York. Percebem que a polícia os levou a romper os laços de amizade,
assim decidem esquecer o passado e reviver o sentimento que os unia.
86
Sol e Rona são casados, respectivamente com Grace e Moshe, mas
mantêm o romance secreto desde que se encontraram novamente no bar. Edi, o fiel
amigo, tem esposa e dois filhos. Os três amigos vivenciam conflitos conjugais
comuns a qualquer casal e assim, tornam-se confidentes e cumplices uns dos
outros.
Certa noite, Sol chega em casa após horas de romance com Rona em um
hotel. Ao despir-se para tomar banho, coloca seu casaco sobre uma poltrona e uma
foto dele com Rona, cai em meio as roupas deixando a mostra parte da imagem.
Grace, sua esposa, que está no quarto se preparando para deitar-se, poderá ou não
ver a foto, o espectador é quem decidirá.
Não há pontos de interrupção, nem tampouco um menu
Conteúdo
interativo de escolhas. Entretanto a interação pode ocorrer a
qualquer momento e esta altera significativamente o conteúdo da
HIBRIDISMO
trama.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
sobre como funcionará o modo de interação, que poderá ser por
Adaptabilidade
duas vias, através da escolha de objetos que aparecem na tela
dos tablets com contornos luminosos ou através do envio de
IMERSÃO
mensagens (torpedos) aos personagens.
Comunicabilidade
Possui uma interface complexa e sua comunicação é
bidirecional e toda interação gera um feedback em tempo real.
INTERATIVIDADE
O filme possui 25 pontos de interatividade, que disparam
Navegabilidade
sequências pré-gravadas, além de a qualquer momento que um
personagem receber uma mensagem, o sistema dispara uma
resposta.
O público ao entrar na sessão recebe as instruções de como
Controlabilidade
interagir com as imagens que serão exibidas na tela dos tablets,
além de serem alertados de como interagirem através das
mensagens com os personagens. O feedback sempre será
87
comprometido pela troca estabelecida entre a audiência e
aqueles que estarão no comando das mensagens, tendo em
vista que a opção de envio de mensagem não se abre a todos os
integrantes da audiência simultaneamente.
O filme poderá ter duração de oitenta e três minutos para os
casos em que o público interaja somente com os objetos
luminosos. Entretanto, seu tempo de duração poderá chegar a
duas horas, quando houverem as trocas de mensagens.
Quadro 8 – Turbulência - Turbulence
Israel – 2010 – Nitzan Ben-Shaul
Tendo sido financiado pela Universidade de Tel Aviv, com o objetivo de criar
um sistema que possibilitasse o desenvolvimento do pensamento opcional, Guy
Avneyon construiu um editor de cinema sofisticado, patenteado com o nome de
Turbulence (mesmo nome do filme).
Utilizando
procedimentos
de
codificação
de
sistemas
complexos,
Turbulência, desenvolvido a partir do aplicativo Turbulence, oferece interatividade
contínua e a transição entre as cenas depende da interação do público. Na tela
touchscreen dos tablets, oferecidos aos espectadores, objetos são realçados com
um contorno luminoso e quando são tocados pela maioria dos espectadores a cena
atual não mantém sua linearidade e se hiperliga a uma outra sequência, ou ainda é
possível tocar em um objeto e deslizá-lo, movendo-o para outro ponto. A qualquer
momento em alguns dos tablets abre a possibilidade de ativar o celular de um dos
personagens e quando isso acontece, tanto é possível enviar uma mensagem ao
personagem, em evidência, e esta afetará seu comportamento, ou ainda é possível
que tendo o seu celular ativado, o personagem envie uma mensagem aos
espectadores que estejam ligados a este sistema. Assim, cada integrante da
audiência, vivencia uma experiência parcialmente individual.
Os pontos de interação ocorrem sempre em situações cruciais de decisão,
como forma de envolver e responsabilizar seu interator. Em uma das cenas, por
exemplo, Sol escreve uma mensagem para sua amante, Rona, em seu celular. O
espectador pode clicar em “enviar” ou “cancelar”. Se o espectador hesita muito
tempo, a ação continua de acordo com um caminho narrativo pré-determinado, mas
que sua demora na decisão certamente trará consequências. A intenção é de
88
pressionar o espectador a uma tomada de decisão no menor tempo possível. No
entanto as consequência não são punitivas, ao contrário apenas afetam o ritmo das
sequências.
Neste contexto, é possível perceber que Turbulência a) permite que o
espectador / interator se relacione e participe diretamente com o ambiente virtual, b)
possibilita que parte de sua interação seja personalizada, uma vez que o interator
poderá enviar e receber conteúdos individuais, c) demonstra sua capacidade técnica
para convergir e combinar elementos estáticos e dinâmicos, d) sua interação se dá
de forma instantânea, permitindo acesso imediato à informação por parte do
interator, combinada com atualização contínua e a possibilidade de comunicação
síncrona e/ou assíncrona entre os interatores e o meio e entre os próprios
receptores, d) permite desconstruir e ultrapassar as tradicionais barreiras do espaço
e do tempo, assim Turbulência demonstra sua capacidade de gerar um poderoso
espaço imersivo.
2.4.9 - O Labirinto
Produzido pela Neurônio Produções em 2010, com uma equipe formada por
ex-alunos do curso de Rádio e TV da UNESP e dirigido por Bruno Jareta, O
Labirinto, é uma das primeiras experiências de cinema interativo de terror no Brasil.
Traz referências da série produzida para TV: Lost, da franquia de cinema: Jogos
Mortais e da trilogia: Cubo, quanto ao enredo da obra, a composição dos
personagens e a forma estética.
Com a proposta de produzir um filme que permitisse uma nova experiência a
seu espectador, Bruno Jareta, Laís Gurjão e Natália Torres, motivados pela
possibilidade de desenvolver um projeto criativo e inovador, além de contemplar os
estilos e temas preferidos de cada um, encontraram na interatividade a solução para
o roteiro. Influenciados por outros filmes como: A Gruta, Maldita Escolha e Ressaca
o grande desafio era a utilização do recurso de múltiplas escolhas de forma genuína.
Assim, o diferencial de O Labirinto é que a partir de tramas que se cruzam, o
espectador não escolhe o que vai acontecer, mas sim de que forma quer
acompanhar os acontecimentos e qual personagem será o protagonista da sua
história, tornando cada exibição uma experiência única.
89
Em todos os pontos de interrupção há uma mudança
significativa na narrativa, que permite tanto levar a história
HIBRIDISMO
Conteúdo
adiante como exibir flashbacks.
Dependendo da escolha, também poderá haver uma repetição
de algumas opções, sendo que neste caso, elas se justificam
para a compreensão da trama.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
Adaptabilidade
sobre como funcionará a votação e a forma de utilização do
controle remoto, que é simples e intuitivo.
Possui uma interface simples e intuitiva. Em cada ponto de
IMERSÃO
interrupção a tela se subdivide para apresentar um pequeno
Comunicabilidade
trecho da cena seguinte. Com base na indagação e nas imagens
exibidas em cada parte da tela o espectador fará sua escolha e o
sistema
apresentará
o
feedback,
permitindo
assim
uma
comunicação direta entre o público e o sistema.
Após a escolha do personagem que o público deseja seguir,
Navegabilidade
há mais seis pontos de interrupção, que oferecem ao espectador
INTERATIVIDADE
de duas a quatro possibilidades.
O público, antes de entrar na sessão, recebe um controle
remoto digital com botões de 0 a 9, uma tecla cancela e outra
confirma. Para a escolha das opções, abre-se um menu de
votação por 10 segundos. A contabilização dos votos é exibida
Controlabilidade
em uma tela auxiliar nas laterais do telão. Cada espectador tem
direito a apenas um voto e durante o tempo em que o menu
estiver aberto, poderá cancelar seu voto e escolher outra opção.
Ao encerrar o tempo, a opção mais votada gera o feedback da
ação.
Quadro 9 – O Labirinto
Brasil – 2010 – Bruno Jareta
90
Após sua primeira exibição para os acadêmicos da Universidade Estadual
Paulista, o filme O Labirinto foi exibido em festivais, oficinas e mostras internacionais
de cinema. “Foi uma grande surpresa perceber que muitas pessoas assistem
diversas sessões do mesmo filme interativo, só para ter a possibilidade de ver o que
acontece com outras escolhas. O mais incrível no caso de O Labirinto, é notar que
os espectadores torcem para que um personagem específico seja escolhido e que
em todos os menus que possibilitam um flashback, esta opção, na maioria das
vezes, é a preferida pelo público” afirma Jareta, em entrevista concedida para a
autora desta pesquisa durante a Mostra de Filmes Interativos.
O Labirinto expressa a possibilidade do espectador / interator decidir quem
ele seguirá dentro do grande labirinto de conflitos existenciais de cada personagem.
Cada um dos seis personagens centrais possui um perfil psicológico atípico e um
mistério passado que envolve temas tabu e preconceituosos. Entretanto para que o
espectador receba esta informação é preciso percorrer diversos caminhos e muitas
vezes se perder entrando em loops de cenas, até se reencontrar.
Desde o inicio da exibição, é possível perceber um fio mestre na história, um
único eixo temático, que é o desejo de todos os personagens em encontrar a saída
do labirinto. Neste sentido as ramificações narrativas de O Labirinto podem se
assemelhar a enredos estruturados em episódios, como um produto seriado. Antes
do final de cada uma das exibições há sempre um gancho de tensão que convoca o
espectador / interator ao desejo de voltar para a história.
Em alguns pontos de interrupção, o diferencial é a possibilidade dos
flashbacks que trazem importantes conteúdos para a trajetória narrativa, além de
permitirem impulsionar o tempo para frente ou um retorno, causando um
deslocamento estético e narrativo. Já no primeiro menu que se apresenta ao
espectador / interator dentre as quatro opções, duas permitem um flashback (Figura
19) e posterior retorno ao momento da trama: a) continuar com Amanda e Mauricio,
b) Continuar com Hélio e a garota, c) Por onde a garota passou, d) Por onde Hélio
passou.
91
Figura 19 – Seguir em frente ou retomar o passado?
A cada menu de decisão, fragmentos narrativos são projetados sobre a tela
e os espectadores podem navegar através do controle remoto. O sistema recebe o
input, ou seja, a escolha da maioria pelo caminho a seguir, que também é informado
na tela auxiliar (que fica ao lado do telão) e as respostas são exibidas em tempo
real. A partir desta experiência um outro ambiente cinematográfico espacial constrói
o laço de interação entre o público e os personagens virtuais, potencializando a
imersão no ambiente mediado.
2.4.10 – Corre
Corre é um projeto de Cátia Cardoso desenvolvido com o apoio da Escola
Superior de Comunicação Social de Lisboa (Portugal) que apresenta a história de
Tiago, um jovem publicitário muito bem sucedido em sua área de negócios, que
compartilha com Sofia, sua ex-namorada, a guarda do pequeno Diogo, filho em
comum do casal.
Durante toda a primeira parte do filme onde são apresentados os
personagens da história e também o contexto da trama, o espectador é informado
que Sofia não mantém com Diogo uma relação muito amistosa, mas que para não
prejudicarem a formação da criança, optaram por partilharem sua criação e assim,
Diogo passa alguns dias com o pai e outros com a mãe.
Tendo uma reunião de extrema importância para sua empresa, Tiago pede a
Sofia que busque Diogo na escola, pois teme por se atrasar e não chegar a tempo
de pegar o menino. Sofia entendendo que naquele dia a obrigação era de Tiago
buscar seu filho, após uma grande discussão ao telefone, desliga sem que fique
92
clara qual foi sua decisão. No final da tarde, Sofia decide buscar o filho, contudo ao
chegar na escola é informada que alguém levou o menino. Vislumbrando a
possibilidade do pai tê-lo pego, liga insistentemente para Tiago, mas o mesmo não
atende a chamada por estar em meio a reunião. Entre uma tentativa e outra de
contato com o pai, Sofia recebe uma chamada e ao atender o telefone descobre que
Diogo fora sequestrado e que tem vinte minutos para que Tiago pague um resgate
astronômico, se quiserem ver o filho com vida. Desesperada liga novamente para
Tiago, que já tendo concluído a reunião encontra-se no carro a caminho da escola, e
conta o que está acontecendo com o filho. Ao informar o número do telefone dos
sequestradores, Tiago não tendo como anotar decide assimilar a sequência de
números para retornar a chamada, mas ao discar o número o celular de um dos
espectadores do filme toca e é neste instante que a audiência será inserida no filme
e poderá escolher o papel que irá desenvolver.
Após completar a chamada, Tiago indaga a quem atende o telefone:
-
Quem está falando? Você é o sequestrador do meu filho, é um amigo ou foi engano?
Assim, aquele que atende o telefone pode escolher qual será o rumo que dará a
trama.
Não há pontos de interrupção, nem tampouco um menu
Conteúdo
interativo de escolhas. Entretanto através da interação por meio
HIBRIDISMO
do telefone celular o conteúdo sempre será afetado.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
sobre como funcionará o modo de interação e são convidados a
Adaptabilidade
cadastrarem seus telefones celulares em um banco de dados.
Por se tratar de uma interação através de um dispositivo
conhecido e muito utilizado não há qualquer dificuldade de
IMERSÃO
adaptação.
Possui uma interface simples, uma vez que o diálogo é
Comunicabilidade
mediado por um telefone. A comunicação entre público e filme é
direta, além de bidirecional e imediata.
93
INTERATIVIDADE
Navegabilidade
Não possui nenhum ponto de interrupção, o interator navega
por entre nós e redes full time.
O público ao entrar na sessão recebe as instruções de como
interagir com o personagem. O feedback é imediato e
Controlabilidade
surpreendente. Assim, uma vez que utiliza recursos de
inteligência artificial a construção do objeto não é casual, mas
sim negociada, tendo em vista a ampliação de possibilidades de
ação em cada momento.
Quadro 10 - Corre
Portugal – 2011 – Cátia Cardoso
O espectador após atender ao telefonema, torna-se o protagonista da
história e poderá escolher seu papel. Se desejar terá a possibilidade de ajudar Tiago
e se inserir na trama como um amigo do casal, ou ainda ser um perverso
sequestrador, ou se preferir, poderá retornar a sua posição coadjuvante e apenas
afirmar que a ligação foi um engano, obrigando Tiago e escolher um novo número
para se conectar. Independente da escolha sua presença é marcada no ambiente e
na história, pois a partir do telefonema recebido por Sofia, um cronometro é inserido
no canto inferior da tela e o tempo do filme é contado pelo tempo real. Assim, cada
minuto que se passa na história, Tiago tem um minuto a menos para resgatar seu
filho. Neste contexto, até mesmo o compasso da fala ou o tempo em que o telefone
toca até ser atendido atribui tamanha importância a cada espectador que recebe
uma ligação, além de ser o princípio orientador do ritmo da história.
Não há divulgação do número de finais possíveis, mas é fato que a realidade
virtual, mesmo não sendo uma realidade de fato, mas uma simulação, faz com que o
espectador se afete pelo efeito da essência de realidade que o envolve no ambiente
mediado altamente interativo, de forma que o mesmo sinta a sensação de presença
na história, quando de fato esteja apenas em uma sala de cinema.
Em Corre a forma de comunicação estabelecida pela interface, a
interatividade conduzida pelo processo de inteligência artificial e o engajamento
despertado pelo contexto da história apontam para uma consequência: o
envolvimento imersivo do espectador. Estas variáveis de grande peso determinam a
construção do ambiente mediado, uma vez que são direcionadas pelo estímulo e
94
determinadas pela disposição do meio. Neste sentido, é possível afirmar que se
estabelece uma interação proativa, onde o espectador possui o controle tanto da
estrutura quanto do conteúdo, o que neste caso, percebe-se que a interação se
define durante o processo, portanto se distancia do objetivismo e se calca no
relativismo. Este nível de imersividade estabelecido, permite a exploração do
ambiente virtual e propicia sua interação com um mundo virtual dinâmico.
2.5 - Categorias de Interação no Machinema
A partir das análises dos objetos selecionados, é possível perceber que a
investigação deve centrar-se na funcionalidade do sistema e na percepção humana,
e concluir que as dimensões investigadas são critérios necessários para a
construção e compreensão do conceito estrutural do Machinema.
Para um entendimento mais ampliado da relação de trocas que se
estabelece no Machinema e sua construção de sentido, defino a seguir cinco
categorias de interação, que se defendem a partir da conceituação de hibridismo,
imersão e interatividade, considerando-as como recursos que medeiam a
comunicação e o grau de dependência do uso, levando em conta fundamentos
psicológicos da experiência, navegabilidade e arquitetura da comunicação,
importantes elementos presentes no ambiente da ação.
1. Veredicto – a palavra tem origem no latim e seu significado no
dicionário Aurélio é: resposta dada pelo júri aos quesitos
propostos pelo tribunal. Neste sentido, a categoria Veredicto se
traduz como um ponto de interação, onde os espectadores
escolhem uma, entre duas ou mais opções para o desfecho da
história. Esta modalidade oferece ao espectador a possibilidade
catártica55 de punir algum personagem da trama.
55
Catarse é um termo grego que significa purificação. Foi utilizado por Aristóteles para designar o efeito
produzido (descarga emocional) no espectador pela tragédia, sendo a tragédia a imitação de uma ação virtuosa
que aconteceu e que, por meio do temor e da piedade, suscita a purificação de certas paixões. (LAPLANCHE e
PONTALIS, 2001, p. 60/61).
95
2. Rayuela – nome inspirado no livro Jogo da Amarelinha (Rayuela)
do escritor argentino Júlio Cortázar. Trata-se de um formato que
rompe os moldes clássicos mediante as narrações que escapam
da linearidade temporal. O público toma decisões diversas vezes
pelos personagens ou pelo percurso labiríntico da trama e as
cenas se encadeiam de acordo com as escolhas.
3. Investigativa – permite ao espectador pesquisar, examinar e
interrogar os detalhes obscuros da trama ou dos personagens,
através de sua interação com objetos em cena, indicações
gráficas ou até mesmo mensagens por meio dos dispositivos
móveis. Se houver a interação do espectador um feedback será
acionado, sendo que este poderá alterar radicalmente a
sequência seguinte ou apenas trazer informações importantes
para compreensão da história.
4. Quiz – nome inspirado nos jogos mentais, em que os jogadores
tentam responder à perguntas corretamente. Esta categoria se
caracteriza por solicitar a audiência que responda questões
relacionadas ou não à trama. A psique, o caráter e as opiniões
pessoais são determinantes para influenciar os rumos da história.
A maioria destes questionários são inseridos após cenas
polêmicas e trazem perguntas “proibidas”- tabu.
5. Rítmica – As cenas são embaralhadas desde o início e são
exibidas, a partir da interatividade, de forma aleatória. Esta
categoria segue o principio conhecido por efeito-kulechov56, que
permite ao espectador criar significados para as imagens de
acordo com a ordem em que elas são exibidas. Relacionada ao
ritmo da exibição, nesta categoria a intensidade da trilha sonora e
as sequências das cenas são ordenadas a partir das expressões
emocionais ou físicas da audiência. A cada sessão, o espectador
56
O efeito-kulechov que trata da alternância na montagem das imagens e sua produção de significado foram evidenciados
experimentalmente pelo cineasta russo Lev Kulechov, na época que ele dirigia um ateliê na escola de cinema de Moscou
(início da década de 1920). O princípio de “interação” tem em sua base o que concerne à faixa-imagem (o som, em geral,
vem impor uma significação ainda mais forte). (AUMONT e MARIE, 2003, p.93).
96
pode experimentar diferentes ritmos da narrativa. Algumas
dessas apresentações se assemelham a interpolação do trabalho
de um VJ e um DJ, exibindo movimento lento, acelerado, variado,
retroativo
e
congelado,
imagens
sobrepostas,
divididas,
multiplicadas, refletidas, dissolventes, animadas, muitas vezes
ilegíveis pelo enquadramento, pela velocidade, pelos efeitos e
fusões, planos que são contrastados ou cortados abruptamente,
ruídos e música meticulosamente sobrepostos, originando uma
colagem imagética e sonora sintética.
Descritas as categorias, torna-se importante salientar que dentre os objetos
analisados é possível perceber a presença de características de mais de uma
categoria, mas o que faz com que um determinado objeto esteja inscrito nesta ou
naquela categoria será a sua produção de sentido, além da intensidade ou a
importância de maior dimensão de sua estrutura de interação. Neste contexto, o
quadro a seguir, apresentará a categorização dos objetos analisados, com a função
de ilustrar a metodologia.
VEREDICTO
Mr. Sardonicus
Por possuir apenas um ponto de interação, não há neste
objeto categorias periféricas.
Toda a ação interativa dos espectadores são direcionadas
Clue
para punir ou salvar um determinado personagem. Sendo assim,
RAYUELA
neste objeto não há a presença de categorias periféricas.
Possui pontos de interação que não trazem a menor
Kinoautomat
relevância para a história e outros que alteram somente o
percurso. Assim, Kinoautomat não possui categorias periféricas.
97
O espectador percorre os caminhos da história durante os seis
primeiros pontos de interação, contudo no último ele terá a
Return to House on
possibilidade de punir ou não o antagonista da trama. Assim, é
Haunted Hill
possível afirmar que este objeto se inscreve na categoria
Veredicto de forma periférica, mas potencialmente se categoriza
como Rayuela.
Possui em alguns pontos de interação objetos luminosos que
poderão ou não trazer informações relevantes para a história.
Maldita Escolha
Sendo assim, se inscreve de forma atenuada na categoria
Investigativa, contudo potencialmente se categoriza como
Rayuela.
Em diversos pontos de interação oferece a possibilidade ao
espectador de flashback e são estas opções que trazem
O Labirinto
informações relevantes para a compreensão da história. Assim
sendo, se inscreve de forma periférica na categoria Investigativa,
mas potencialmente se categoriza como Rayuela.
É um objeto bastante completo e complexo, permite que o
espectador escolha qual será seu papel na história, desta forma,
todo o diálogo estabelecido entre o espectador e o personagem
é
permeado
de
pontos
que
se
inserem
na
categoria
Investigativa, sendo que no final, também é dado ao espectador
Corre
a possibilidade de punir ou não os sequestradores, se
inscrevendo, assim, também na categoria Veredicto. Entretanto,
em Corre, é possível perceber que a categoria de maior impacto
é a Rayuela, pois os personagens e espectadores correm contra
o tempo em uma trama labiríntica. Desta forma, embora Corre
esteja inscrito na categoria Rayuela, possui também como
categorias periféricas Investigativa e Veredicto.
98
Em Turbulência, muito embora a maior parte de sua interação
esteja inscrita na categoria Investigativa, é possível notar que em
INVESTIGATIVA
alguns momentos o espectador tem a possibilidade de punir um
determinado personagem, se inscrevendo de forma periférica na
Turbulência
categoria
Veredicto,
espectador
trilhando
em
outros
caminhos
momentos
percebe-se o
labirínticos
e
assim
se
inscrevendo também na categoria Rayuela. Tanto na categoria
Veredicto quanto Rayuela, Turbulência se inscreve de forma
amena,
entretanto
sua
potencial
interação
possui
as
características da categoria Investigativa.
Cenas repletas de objetos luminosos permitem ao espectador
interagir com cada um deles e receber informações importantes
sobre os personagens ou sobre algum tema que esteja se
QUIZ
desenvolvendo naquele momento específico da trama, assim
Tender Loving Care
Tender Loving Care, embora se inscreva potencialmente na
categoria Quiz, uma vez que serão as respostas dadas a uma
série de perguntas que impactará de forma contundente no
desenrolar da história, também possui de forma mais atenuada
RÍTMICA
características da categoria Investigativa.
Este objeto se inscreve de forma potencial na categoria
Ressaca
Rítmica, contudo dependendo da montagem poderá trazer
outras categorias de forma periférica.
Quadro 11 – Categorias de Interação
Finalmente, também é possível compreender que a elaboração das
dimensões e das categorias, tem por princípio a função de apontar suas
potencialidades imersivas interativas, além de apoiar e permitir um aprofundamento
da análise do corpus desta pesquisa, não significando que estas sejam as únicas
formas de interação presentes no Machinema, mas que até o momento, são as mais
relevantes para o entendimento dos diferentes estilos que compõem estas obras.
Lembrando que, por se tratar de categorias que se vinculam diretamente com sua
base tecnológica e produção artística e que estas estão em constante transmutação,
estudar o Machinema é um tatear o futuro, portanto não há, neste estudo, uma
exigência pontual na busca de uma teoria exata, contudo o que torna intrigante e
99
atraente nesta pesquisa, é justamente a possibilidade de investigar os possíveis
caminhos que o cinema digitalmente expandido poderá trilhar e quais as
possibilidades de territorialização, interação e significação.
2.6 – Construção do Espaço Lúdico: Machinema x Game
É fato que tanto no Machinema quanto no Game o ambiente imersivo
constrói um espaço lúdico, de maior ou menor intensidade, dependendo do objeto
em questão. Entretanto dentre tantos elementos que se convergem, há sete
diferenças fundamentais nestes dois formatos, conforme seguem:
1. Ritmo – no Game o ritmo varia de acordo com a destreza do
jogador e o tempo que ele pretende investir no jogo. O jogo pode
ser interrompido diversas vezes e durar de horas a semanas.
Enquanto isso o Machinema busca o tempo do cinema,
concentra a ação no que é essencial à trama e possui um tempo
máximo determinado para cada sessão.
2. Jogabilidade – Através de uma pesquisa57 elaborada e aplicada
pelos organizadores da Mostra de Filmes interativos, foi possível
observar que a expectativa da audiência no Machinema é que o
mesmo seja capaz de construir tensão e suspense por si só e a
interatividade seja pontual, tendo como foco central a narrativa e
não a interatividade. Expectativa inversa à do jogador de Game,
acostumado a controlar o personagem full time.
3. Eliminação – em muitos games há a eliminação de um jogador
ou de um grupo de jogadores, ou seja, o jogo poderá chegar ao
fim para apenas parte de seus jogadores, continuando para
outros. Já o Machinema não possui elementos de eliminação
para a audiência, seu final é vivenciado por todos no mesmo
momento.
57
A tabulação desta pesquisa foi divulgada durante a palestra de encerramento da Mostra de Filmes Interativos,
proferida por seu curador Filipe Gontijo, em novembro de 2011, e faz parte do acervo do Centro Cultural do
Banco do Brasil.
100
4. Rejogabilidade – enquanto nos Games o interator que desejar
participar do mesmo jogo em uma experiência que já não é mais
a primeira, poderá retornar, contudo mantendo os
mesmos
objetivos impostos pelo jogo, ou seja, trilhando a busca por um
final já conhecido58, uma vez que os objetivos de um mesmo jogo
não são mutáveis. No Machinema, o espectador retorna para
uma outra sessão do mesmo filme, com um objetivo diferente de
sua primeira experiência, ele deseja conhecer outros caminhos e
outros possíveis finais.
5. Competitividade – o Game incita a competitividade59, há um
desafio: vencer etapas, romper fases ou até mesmo manter-se
vivo para atingir um objetivo maior, ou seja, a busca por um final
vitorioso. No Game o jogador tem sua habilidade avaliada pelo
aplicativo e em muitas situações recebe pontos, bônus ou é
premiado por uma ação de maior dificuldade. Já no Machinema
os objetivos são construídos aos poucos pela subjetividade e o
engajamento da audiência, que na mais primitiva instância é de
simplesmente
expandir e
conhecer
mais da
história.
O
espectador tem a permissão de liberar seus instintos e pulsões
sem que haja qualquer censura, eliminando qualquer tipo de
avaliação, quer seja pelo aplicativo ou por outrem. Neste
contexto, no Machinema, nem sempre há o desejo coletivo de
manter-se vivo, uma vez que o ambiente oferece espaço para o
suicídio ou homicídio anônimo, entre tantas outra opções em que
o espectador pode corromper-se sem que seja exposto.
6. Sorte – enquanto em muitos Games há a inserção do elemento
sorte como contraponto a habilidade do jogador, com o propósito
de torná-los mais atraentes, dinâmicos e equilibrados à novos
58
Cabe esclarecer que, nem todos os jogos mantêm o mesmo percurso para atingir seu objetivo maior,
contudo o objetivo não se altera de uma experiência a outra, ainda que os personagens, elementos e até
mesmo o percurso se altere.
59
Ainda que seja um Game educativo, a competitividade está atrelada ao desafio de se possuir um
determinado nível de conhecimento do tema envolvido.
101
jogadores que não possuem grande habilidade, no Machinema
este elemento inexiste, uma vez que não se põem em questão a
destreza dos espectadores. As ações são pré-determinadas e
controladas pelo aplicativo ou pela interação do espectador,
muito embora este, em muitos pontos tenha a impressão de ter
tido sorte em suas escolhas.
7. Perfil Psicológico – na grande maioria dos Games há um
delineamento do perfil psicológico de seus personagens. Já no
Machinema,
por
trazer
consigo
a
tradição
do
cinema
convencional, há uma aprofundamento neste perfil. Desta forma,
enquanto no Game a regra sempre será atingir um objetivo, no
Machinema o espectador é contaminado com os afetos
desenvolvidos pelos personagens, e assim, seus objetivos vão
sendo delineados a partir de suas emoções e sentimentos.
A partir desta reflexão, é possível afirmar que os games buscam elementos
cinematográficos para seduzirem seu público, assim como o caminho oposto
também é trilhado. As intersecções entre games e cinema tornam-se comuns.
Apesar do estilo dos jogos ser cada vez mais cinematográfico, as narrativas
interativas dos Games não substituem as narrativas clássicas do cinema, nem
tampouco as narrativas interativas presentes no Machinema. O que é possível
encontrar aqui, é uma aproximação e hibridização de mídias, mas que cada meio
possui
sua
linguagem
própria,
características
específicas,
vantagens
e
desvantagens, sem que tenham a pretensão de substituírem ou serem sucessores
aprimorados um do outro. De certo, só uma afirmação: nos espaços lúdicos que se
conformam a partir destas linguagens é que o homem parece buscar sua plena
satisfação, permitindo assim sua expansão e concretização.
Por fim, compreender o espaço lúdico que se conforma no Machinema é
entender o espaço cinema como dimensão espacial cognitiva, um espaço híbrido,
que combina o físico e o digital, através do maquínico e da maquinação. O
Machinema cria um ambiente imersivo ampliado. A sala de exibição faz parte do
filme, criando um outro espaço. Literalmente, no Machinema, o que está em foco
102
não é mais o conforto visual, físico ou sonoro, mas o rearranjo e uso do lugar como
espaço fílmico, que insere novos elementos para sua composição e construção de
sentido.
103
3. PRIMEIRO PLANO – MACHINEMA: ANÁLISE DOS OBJETOS A
GRUTA e LAST CALL
O cinema é o modo mais direto
de entrar em competição com Deus.
Frederico Fellini
São evidentes as diferenças que separam um objeto narrativo mediado por
media tradicional, como no cinema convencional e um outro suportado pelo medium
que impõe a realidade aumentada no cinema digitalmente expandido. Desde o
aparente
processo
de
autoria
compartilhada
ao fenômeno
perceptivo
da
imersividade, passando pelas dimensões de interação, que, a partir deste estudo,
julgo estar no cerne da distinção e inovação deste outro cinema que denominei
Machinema, várias são as estruturas que estabelecem a fronteira.
Neste sentido, parece certo afirmar que as novas formas de mediação
permitem o aparecimento de novos objetos culturais e novos modelos de
comunicação. Com o advento dos sistemas digitais através das tecnologias de
realidade virtual, expandida ou aumentada, abre-se o espaço para a criação dos
chamados ambientes virtuais. Ambientes que permitiram o desenvolvimento de
novos níveis de representação, capazes de proporcionar a criação de novos objetos
de ordem narrativa. E afirma McLuhan:
Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e
estilhaçar todas as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às
vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e
operacionais, o meio é a mensagem.(...) Pois a mensagem de
qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou
padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas. A
estrada de ferro não introduziu movimento, transporte, roda ou
caminhos na sociedade humana, mas acelerou e ampliou a escala
de funções humanas anteriores, criando tipos de cidades, de trabalho
e de lazer totalmente novos (MCLUHAN, 2007, p.21/22).
Desta forma, se faz necessária uma investigação mais apurada destes
objetos, que proporcionam a seu espectador a capacidade de interação com o
104
ambiente
virtual,
permitindo
a
ele
a
experiência
sensorial das
imagens
espacializadas de múltiplos pontos de vistas, além de acessar, pausar, continuar,
expandir, restringir, perseguir, bem como interromper, alterar e editar a narrativa em
que se encontra imerso. De certo, são estes os elementos que fornecem a base para
uma maior imersão experiencial e imaginativa do espectador.
Para compreender o fenômeno do surgimento de uma produção típica das
tecnologias digitais - o Machinema - focalizamos o seu funcionamento cultural, a sua
configuração formal e estética e os elementos principais da sua estrutura narrativa.
Assim, selecionamos dois objetos: “A Gruta” e “Last Call”, ambos criados a partir de
sistemas de realidade aumentada e que se apropriam das plataformas de múltiplas
escolhas.
Por se tratar de produtos constituídos por uma rede de opções, que não
forma a narrativa em si, mas os “possíveis narrativos”, selecionamos somente
algumas cenas para análise.
3.1 - Machinema: A Gruta
Produzido em 2007 e lançado em 2008, pela Caza Filmes, dirigido por Filipe
Gontijo60, o Machinema A Gruta, é uma das primeiras experiências de cinema
interativo de terror no Brasil. Traz referências do clássico O Massacre da Serra
Elétrica61 quanto à escolha do elenco62, do figurino e do cenário, entretanto não foi
baseado, como este, no caso verídico que chocou os norte-americanos nos anos 70,
e sim no caso real que estarreceu o Distrito Federal em 2004, quando um caseiro
assassinou os patrões em Vargem Bonita alegando que o casal de velhinhos para
quem trabalhava estava “possuído”.
60
Filipe Gontijo teve sua estreia no Festival de Cinema de Brasília em 2006, quando conquistou o prêmio de
melhor diretor pelo curta-metragem “A Volta do Candango”. É um dos fundadores da TV Universitária de
Brasília (UnBTV) e atualmente trabalha com roteiro e direção de videoclipes e comerciais.
61
The Texas Chain Saw Massacre (O Massacre da Serra Elétrica, no Brasil), filme de terror independente, de
baixo orçamento, produzido em 1973 pelo diretor Tobe Hooper.
62
Em entrevista concedida para autora desta pesquisa, durante a Mostra Internacional de Filmes Interativos, que
ocorreu no Centro Cultural do Banco do Brasil em 2011, Filipe Gontijo, esclarece que a seleção de casting se
inspirou com relação a aparência física, no elenco da obra O Massacre da Serra Elétrica.
105
Por ser um apaixonado pela desconstrução narrativa 63, Filipe Gontijo
influenciado por obras literárias interativas e inspirado pelos menus interativos dos
DVDs, desenvolveu o roteiro para o Machinema - A Gruta - e através do patrocínio
do Fundo de Apoio à Cultura – DF, iniciou a produção, com foco exclusivo para
exibição no cinema, o grande diferencial da experiência com A Gruta em um
ambiente coletivo certamente vem muito menos de algo que está na película e muito
mais da partilha coletiva das escolhas, do lado lúdico de seu funcionamento que cria
a interação entre espectador e tela.
Após sua primeira exibição no CineFantasy - Festival Internacional de Cinema
Fantástico, que ocorreu no Centro Cultural de São Paulo em 2008, o filme A Gruta
foi exibido e premiado em outros festivais de cinema no Rio de Janeiro, Brasília e
Belo Horizonte, onde as salas de projeção foram adaptadas para receber a nova
tecnologia. A sessão interativa surpreendeu a todos, as pessoas gritavam na sala de
cinema como se estivessem em um jogo de futebol, algumas assistiram o filme
seguidas vezes para experimentar outras opções afirma Gontijo, em entrevista
publicada no site oficial do filme64.
Antes do inicio do filme os espectadores recebem um controle remoto e as
instruções de como interagir com as ações dos personagens. A cada sequência é
exibido um menu interativo e através do controle remoto os espectadores fazem
suas escolhas (Figura 20). A escolha da maioria define o percurso da trama.
Figura 20 – Festival de Brasília
63
Informação concedida a autora desta pesquisa durante entrevista.
64
Entrevista completa no site A Gruta - www.filmejogo.com.br .
106
A partir do sucesso na sala de exibição, em 2010 o filme foi postado na
internet, onde recebeu mais de 100.000 views no site Youtube, posteriormente
lançado em DVD e em aplicativo para iPhone e no final de 2011 foi lançado também
em mídia impressa, no formato de gibi interativo.
Esse tipo de experiência se funda em um certo desejo de anular ou
esfumaçar as fronteiras entre a vivência do mundo “exterior” e a
vivência propriamente “fílmica”.(...)muitas experiências cinemáticas
contemporâneas explodem o espaço da tela para desdobrar-se em
múltiplas mídias, em um desejo de totalidade e de tornar nebulosos
os limites entre arte e vida ou ficção e realidade (FELINTO, 2006,
p.419/420).
3.1.1 - Enredo da Obra e Análise Narrativa
Antes de iniciar este tópico, é preciso que saibamos que a obra de Gontijo
dificilmente tem um enredo, um começo, meio e fim, como os cânones narrativos
tradicionais. O próprio diretor explica65 que desde a infância se interessava por
narrativas não lineares, devorava livros interativos e que sua obra sofreu grande
influência da literatura de Júlio Cortázar66, principalmente no que diz respeito ao
rompimento com os moldes clássicos mediante narrações que driblam a linearidade
temporal, onde os personagens adquirem autonomia e profundidade psicológica
através deste íntimo contato com o espectador / interator.
A Gruta abre a possibilidade de pensar o narrador como sendo o próprio
espectador / interator, uma vez que ele seleciona a forma com que materializará a
história, entre certo número de opções (elementos que compõem a trama) dos quais
ele não é o fundador, mas se utiliza deles em seu constante diálogo com o texto
fílmico. Neste sentido, é possível afirmar que o narrador é parcialmente onipotente,
visto que constrói um destino a partir das possibilidades criadas pelo diretor.
Afirmar que o foco narrativo de A Gruta é primeira ou terceira pessoa não é
tão simples, já que este é um dos pontos mais inovadores e estilisticamente
surpreendente do filme. O diretor cria uma obra aberta, permissiva, que coloca o
espectador na posição de narrador e ao mesmo tempo, já nos primeiros minutos do
65
66
Em entrevista concedida à autora desta pesquisa.
Júlio Cortázar (1914 – 1984) escritor argentino considerado um dos autores mais inovadores e originais de seu
tempo, com obras como “Rayuela” de 1963, que permite várias leituras orientadas pelo próprio autor.
107
filme, exige que ele se movimente na trama através da escolha de um dos
personagens. Assim, apesar de decidir os percursos do personagem, por ele
escolhido, o narrador-espectador, não conta uma trama que acontecerá com ele e
sim com seu personagem.
O foco central do filme apresenta a história de Luiza (Poliana Pieratti) e
Tomás (Carlos Henrique), um jovem casal que decide passar uns dias na fazenda da
família da moça, onde mora o caseiro Tião (André Deca). A harmonia acaba quando
eles encontram um filhote de porco na gruta da fazenda. Eles não sabem que o
passado da família de Luiza tem ligação com coisas estranhas que acontecem
durante a estada na fazenda. O filme poderá apresentar inúmeras histórias a partir
das escolhas do espectador, no entanto, apenas dois momentos estão presentes
independente do percurso da narrativa: a primeira sequencia de cenas, por ser
introdutória e ter a função de posicionar o espectador na trama e a cena em que
Tomás e Luiza encontram o porco na gruta, por ser o ápice do conflito, além de
ponto chave para compreensão de todas as histórias contidas no objeto.
3.1.1.1 A Chegada na Fazenda
O filme, em seu prólogo, exibe os créditos em rápidas tomadas de uma
paisagem árida, de aspecto sombrio, como pode ser observado na Figura 21; ao
fundo a trilha sonora instrumental típica de filmes de terror complementa a cena e
envolve o espectador em uma atmosfera de suspense.
Figura 21 – Cenário sombrio
Em plano médio são exibidos três homens que estão de costas para a
câmera, sendo mostrado apenas parte de suas pernas. Um quarto homem está no
108
chão, sendo agredido e tendo sua garganta cortada (Figura 22), sem que os motivos
sejam explicitados. Para que o clima de horror torne-se ainda mais intenso uma voz
assombrosa indaga: “Você está querendo ser mais que Deus?”.
Figura 22 – Assassinato cruel
Após este prólogo uma legenda remete o espectador para o momento atual
da trama, indicando que a tragédia inicial ocorreu há 12 anos.
Em seguida um jovem casal de namorados (Luiza e Tomás) está em uma
estrada, a caminho da fazenda da família da moça para passar férias. Durante todo
o percurso as cenas são apresentadas a partir do ponto de vista ora de Tomás, ora
de Luiza, através de uma filmadora que está sendo manuseada pelo casal.
Desde as primeiras cenas (Figuras 23 e 24), a partir do olhar individual dos
personagens, é possível perceber que quando a câmera está em poder de Tomás
as imagens exploram o corpo de Luiza, tendo diversos closes rápidos de seus seios
e pernas, entretanto quando o ponto de vista é de Luiza, trata-se de planos mais
longos e que apresentam um cenário mais completo.
Figura 23 – O olhar de Tomás
Figura 24 – O olhar de Luiza
A utilização do recurso de câmera subjetiva já é um prenuncio do convite
que será, posteriormente, feito ao espectador para interagir com aquilo que acontece
na tela, a partir de sua identificação com um dos dois personagens.
109
Em plano conjunto, e não mais com uma câmera subjetiva, o casal chega à
fazenda, entra em um quarto e começa a se abraçar e beijar, deitado na cama. A
cena permeada por sensualidade, desejo e prazer é subitamente paralisada e aos
4,44’ do filme eis que surge o primeiro menu interativo. Neste momento o espectador
deverá decidir se quer continuar o percurso da história a partir da posição de Luiza
ou de Tomás, conforme podemos observar nas Figuras 25 e 26.
Figura 25 – O casal na cama
Figura 26 – Luiza ou Tomás?
Para além da decisão do espectador em assumir o controle deste ou
daquele personagem, aqui está posta sua identificação, com a posição de cada
personagem no contexto da cena. Segundo a teoria lacaniana 67 o sujeito é
construído através da linguagem e das representações. As diferentes posições da
câmera e o aparato da imagem fílmica criam sucessivos significados. Enquanto o
cinema sugere significados, os espectadores elaboram essas posições em
diferentes estágios de consciência.
Nesse sistema pictórico, o espectador se encontra implicado no
espaço e essa inscrição se dá através da duplicação do dispositivo
cênico: os elementos jogados dentro do quadro funcionam aí como
os signos dessa inscrição, os signos do “assujeitamento” do
espectador. A todo campo simbólico corresponde, portanto, um
campo ausente, lugar de uma personagem que podemos chamar –
no sentido lacaniano – de o Ausente, que o imaginário do espectador
preenche no ato da “leitura” (MACHADO, 2007, p.73).
Submetido a identificação, o sujeito – leitor imaginativo – ocupa também a
posição de espectador ativo que irá nortear a ação a partir de suas escolhas.
67
Teoria desenvolvida por Jacques Lacan, a partir da releitura dos conceitos da psicanálise estabelecidos por
Freud, que distingue o sujeito do inconsciente como uma instância simbólica, que se estabelece no campo da
linguagem e do significante (LACAN, 1960).
110
Ao longo da trama o espectador vai sendo interrogado afim de decidir cada
ação do personagem inicialmente escolhido; mediante sua decisão a narrativa vai se
materializando.
3.1.1.2 Um Passeio na Gruta
Ainda que o espectador faça as mais variadas escolhas em algum momento
da história obrigatoriamente passará por esta cena, que se inicia, em plano geral,
com Tião servindo de guia à Luiza e Tomás para um passeio até a gruta.
Em meio a uma trilha bastante acidentada formada por rochas, os três
sobem em uma montanha em direção a gruta. A música instrumental em conjunto
com as imagens da paisagem seca e alguns poucos comentários de Tomás sobre o
local dá o tom de suspense à cena. Em plano geral, os personagens chegam à
entrada da gruta (Figura 27). Tião senta-se sobre uma pedra e começa a afiar uma
faca, cantarolando a música “Segura na mão de Deus”68, enquanto Tomás o
questiona sobre a gruta e, de forma aflita, ele lhe responde que na gruta não se
deve entrar, pois lá dentro tem bichos (urubus e morcegos). Luiza o questiona se há
água dentro da gruta e ele diz que tem, mas que o tio da moça não quer que
ninguém entre lá.
Figura 27 – Entrada da gruta
68
A música Segura na Mão de Deus é de Domínio Público (autor desconhecido) já que na época em que foi
cantada nas Igrejas os autores, muitos , não registravam a letra da música . Ela foi cantada pela primeira vez em
1964 em uma Igreja Evangélica " O Brasil para Cristo " em uma cidadezinha do interior de São Paulo pelo pastor
evangélico Diamantino Rodrigues Alves, já falecido. Atualmente várias pessoas reivindicam para si a autoria
dessa música, entre eles o Padre Marcelo Rocha e o e compositor Nelson Monteiro Mota.
111
A partir deste ponto, em ritmo acelerado, as imagens se intercalam em
planos conjuntos com Luiza e Tomás observando o local e planos fechados que
mostram inscrições rupestres e símbolos religiosos ao redor da gruta, como
demonstra as Figuras 28 e 29.
Figura 28 – Signo do primitivo
Figura 29 – Signo do sagrado
Mesmo diante do alerta de Tião, a curiosidade de Tomás fala mais alto e o
conduz para dentro da gruta e neste instante, a cena deixa de ser exibida em plano
geral e há um zoom da câmera no corpo de Luiza, que com expressão de medo, do
lado de fora, grita pelo nome de Tomás. Ao perceber a “invasão” da gruta, Tião
perfura seu dedo com a faca e ao ver o sangue exclama: “Oh diabo dos infernos!”. A
trilha sonora se intensifica e Tião avista Tomás saindo da gruta carregando um
porco. Luiza e Tomás riem satisfeitos pela descoberta, enquanto Tião transtornado e
caminhando na direção do casal, lhes aponta uma faca gritando que devem ir
embora e que aquele porco é um refugo.
Do modo pelo qual as cenas se apresentam neste trecho da narrativa é
possível fazer uma leitura e por analogia aplicá-la a inter-relação sígnica de seus
elementos. As inscrições rupestres enfatizadas pelos planos fechados aludem ao
primitivo, no sentido em que Freud em seu texto “Totem e Tabu” de 1913 faz
referência ao sistema totêmico dos aborígenes australianos. Ainda caminhando
neste sentido e considerando a conceituação freudiana de que o totem refere-se ao
instinto de proteção que evita a quebra do tabu, é possível pensar que os símbolos
religiosos, como a cruz na entrada da gruta ou a canção entoada por Tião, nesta
cena se ofereçam como um alerta para o que deve ser respeitado – “o nome do
112
pai”69, ou seja, não se deve entrar na gruta para que não haja a quebra do tabu, sob
a pena de morte.
A gruta, metáfora privilegiada para os genitais femininos que carregam
consigo o tabu da virgindade, abriga um porco. É Tomás – significante fálico - tomar
para si o porco que desestabiliza completamente a trama e até podemos afirmar o
processo narrativo, uma vez que independente do percurso, até este momento há
uma cronologia das cenas, e após há um intercalamento entre cenas presente e
outras como: um homem sendo espancado, uma pequena menina dirigindo um
carro, um homem violentando uma menina, entre outras, que não permitem ao
espectador precisar ao certo se são lembranças do passado ou cenas futuras e nem
tampouco a partir do pensamento de qual personagem estas cenas aparecem.
Após a sequencia da cena da gruta, há um rápido corte, a câmera em
plongée remete a sensação de que os personagens estão sendo observados por
uma instância superior, como se a gruta os olhasse enquanto caminham em direção
a casa da fazenda. O porco, considerado pelos ocidentais como impuro, sujo,
impróprio, que havia sido deixado na entrada da gruta, segue os personagens, como
se eles não pudessem mais se libertar da “sujeira” que se instaurou a partir da
quebra do tabu.
Depois da quebra do tabu o comportamento de Tomás e Luiza é afetado,
muitas cenas de sexo e sangue tomarão conta da trama, o porco acompanhará de
perto o desenvolvimento das possíveis histórias e será alvo de constantes investidas
da crueldade de Tião.
Após esta sequência da trama, é exibido um menu de decisão em que
dependendo da escolha, os personagens continuam até chegar a casa ou são
interceptados no caminho por inúmeros eventos distintos.
3.1.2 - Tomás ou Luiza – Uma Narrativa Pluri-Singular
Por ser um objeto fragmentado,
que tem sua construção a partir das
escolhas do espectador, não há uma trajetória única para cada um dos
personagens, mas sim possíveis trajetórias baseadas nos caminhos percorridos.
69
Termo cunhado por Lacan, a partir do texto Totem e Tabu de Freud – “o nome do pai” é a expressão de uma
falta (o pai simbólico morto) que instaura a cultura, a religião e a moralidade.
113
Tarefa difícil é determinar o perfil psicológico de Tomás e de Luiza, uma vez que o
comportamento e a expressão emocional de cada personagem são alterados com
base nas experiências vividas no universo narrativo construído pelo espectador. No
entanto, no caso do personagem Tião, embora não seja possível estabelecer sua
trajetória, uma vez que esta é alterada em função dos outros dois protagonistas, é
perfeitamente possível compreender seu perfil psicológico e afirmar que houve uma
preocupação do autor em mantê-lo como uma espécie de fio mestre da trama.
O filme, composto por três personagens principais, é calcado no mítico e no
místico, evidenciado a partir do comportamento misterioso, solitário e frio do
personagem Tião, antagonista que percorre todas as linhas narrativas da trama.
Figura de poucas palavras, está sempre segurando alguma “arma branca” ou objeto
que alude simbologia sagrada. Em inúmeros momentos traz expressões religiosas,
muitas vezes indagando os outros personagens com relação a sua fé e crença ou
cantando a música “Segura na mão de Deus”. A agressividade desmedida de Tião
surge em cada percurso como sinal vivo de sua confusão e desorganização de
ideias, o que torna seu discurso desconexo e de difícil compreensão, apontando
para um sintoma de desordem mental.
Os personagens Luiza e Tomás são apresentados logo após o prólogo.
Tomás é um jovem apaixonado, descontraído, de estilo despojado, sorridente e
brincalhão; carrega no pescoço um colar de contas e manipula uma filmadora, que
através de sua lente maliciosa conheceremos – Luiza – namorada de Tomás. Ela é
jovem, extrovertida e teimosa, está aprendendo a dirigir o carro do namorado, mas
ainda tem medo. Ambos são carinhosos e demonstram desejo e romantismo. Este
perfil apresentado no primeiro fragmento do filme sofre mudança parcial ou até
mesmo radical, através das sucessivas indagações feitas ao espectador / interator.
Há também alguns personagens secundários, que embora possuam alguma
importância dedutível, não são dotados de voz e podem aparecer em cenas de
flashback e flashforward.
3.1.3 Tempo e Espaço
O tempo da narrativa na maior parte dos percursos se mostra cronológico,
entretanto há caminhos onde sequencias são inseridas e que dependendo da
114
continuidade da história não é possível determinar se eram referências a flashbacks
ou flashforwards, embaraçando o espectador em sua rede de opções que se
materializa em uma narrativa não linear.
A locação escolhida para produção do filme foi perfeita tanto no sentido
estético como na redução de alocação de recursos, a Gruta da Lapa, que fica a 70
quilômetros de Brasília, é um sítio arqueológico constantemente visitado por
estudiosos que pesquisam a origem de suas inscrições rupestres. Durante os anos
70 e 80, o local virou uma espécie de igreja ao ar livre, com altar e até
confessionário. Todos os elementos foram mantidos e utilizados na composição da
mise-en-scène. A narrativa se passa em um ambiente rural, dentro de um espaço
limitado que é a fazenda dos tios de Luiza. As cenas se dividem entre a estrada que
leva à fazenda, o interior da casa e o quintal da fazenda, a gruta, o interior do carro
de Tomás e o caminho entre a casa e a gruta.
3.1.4 - Descompasso Rítmico
Em A Gruta é possível perceber ao longo dos percursos narrativos, inúmeras
rupturas e até muitos contrastes rítmicos que se constroem a partir da montagem do
diretor e do espectador / interator.
A utilização de planos curtos e até inserts ocorrem principalmente em
sequencias de deslocamento dos personagens no espaço. Os planos longos, em
sua maioria, ocorrem dentro da casa ou do carro de Tomás. Possivelmente a
escolha destes elementos narrativos se deu em função da escassez de recursos
financeiros para a produção. Entretanto, também foi possível perceber que ao
interagir a partir do personagem Luiza, ainda que mantendo esta desordem rítmica,
a maioria das cenas se apresenta em plano geral ou conjunto e a partir de Tomás há
um grande abuso dos planos mais fechados, o que dá a impressão de maior
aceleração às cenas.
É possível observar que em cada fragmento do filme, ainda que dentro de
uma intercalação rítmica haja uma crescente redução no ritmo das cenas que
antecedem ou precedem o menu interativo, o que se dá possivelmente pela
limitação imposta pelo recurso tecnológico escolhido para a realização.
115
A trilha musical que se apresenta em alguns momentos com melodias
isoladas e em outros com a fusão de duas melodias distintas, que ora tem a
predominância de instrumentos de sopro, ora de corda, não está a serviço das ações
dos personagens, mas sim da forma estilística do objeto, uma vez que esta fusão de
melodias sempre ocorre para marcar o momento em que surgirá um menu interativo.
Ainda quando não há diálogo entre os personagens a trilha musical está
sempre em segundo plano, pois em primeiro plano há uma intercalação entre a fala
dos personagens e os ruídos de grilos e pequenos animais da fazenda. Recurso
provavelmente utilizado com a finalidade de ambientalizar o espectador.
3.1.5 – Análise do Ambiente Imersivo
A Gruta possui uma narrativa interativa baseada em banco de dados, onde o
público pode selecionar sequências e escolher a partir de qual personagem irá
percorrer a trama. Possui mais de quarenta questionamentos diferentes para cada
personagem escolhido, o que possibilita que a história se finde em onze finais
distintos. Desta forma o filme poderá ter a duração de 5 até 62 minutos, dependendo
do percurso que for sendo traçado pelo espectador.
Em sua estrutura foram escolhidos pontos estratégicos em que o ritmo da
trilha sonora é reduzido e compassado e as imagens cedem espaço para um menu
de decisão, que poderá ser seletivo ou múltiplo (Figura 30 e 31). No caso do menu
seletivo são exibidas duas ou três opções para escolha. No entanto, no menu
múltiplo as opções não são informadas ao espectador e a sequência segue uma
relação randômica de exibição.
Figura 30 – Menu Seletivo
Figura 31 – Menu Múltiplo
116
Muito embora, em função do aplicativo escolhido para a construção
estrutural de A Gruta sua interatividade se estabeleça por pontos de interrupção, a
partir da escolha geram feedback em tempo real. Quanto a sua forma, utiliza-se da
estrutura narrativa ramificada, ou seja, a que oferece um número específico de
opções e a mais votada pela audiência é exibida na tela. Aqui, cabe salientar, que
não há uma preocupação em atender o desejo individual de cada espectador, mas
que este sempre terá a possibilidade de participar de uma outra sessão e ter seu
desejo alcançado, como afirma Machado:
Toda navegação, toda imersão em ambientes digitais, envolve certa
dose de frustração e fascínio, uma vez que o universo ficcional nunca
pode ser conhecido em sua inteireza, a não ser por seu criador (mas
nem sempre), restando, portanto, a sensação de que se pode voltar
a ele outras vezes e conhece-lo de forma diferente, como se fosse
uma nova história (MACHADO, 2009, p.75).
A estrutura ramificada é a mais usual e de fácil montagem, além de
possibilitar um controle simples, intuitivo e com múltiplas opções de finais.
Entretanto, possui certa limitação quanto ao uso de flashbacks em pontos de
decisão, para que não insira o ambiente em um loop infinito.
A interação em A Gruta é bidirecional, uma vez que emissor e receptor tem a
mesma possibilidade de comunicação contínua, fazendo com que a informação
circule o tempo todo, assim, o receptor se torna potencialmente um emissor e viceversa. Sua potencialidade-permutabilidade permitem que a audiência faça diversas
conexões de forma não-linear, esta característica, possibilita que o público saia de
um ponto a outro sem passar por pontos intermediários e com isso os eventos
gerados fluem de acordo com as trocas estabelecidas no ambiente mediado, o que
permite envolvimento emocional da audiência e a interação torna-se fluida entre
espectador x sistema (através da interface e das escolhas), espectador x espectador
(através do diálogo que se estabelece entre os membros da audiência) e sistema x
sistema (uma vez que as opções de escolhas não são claramente declaradas e a
sequência é exibida de forma randômica). Este pode ser o chamado ponto de
intersecção entre o ambiente da tarefa e da ação, um espaço híbrido conformado
pelo meio real e o meio virtual. E corrobora McLuhan:
117
O que estou querendo dizer é que os meios, como extensões de
nossos sentidos, estabelecem novos índices relacionais, não apenas
entre os nossos sentidos particulares, como também entre si, na
medida em que se inter-relacionam. (...) O híbrido, ou encontro de
dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do qual
nasce a forma nova. (MCLUHAN, 2007, p.72/75).
Assim, com a finalidade de melhor compreender os procedimentos
maquínicos e da maquinação em A Gruta, abaixo segue o quadro de análise de
suas dimensões de interação:
Dentre os quarenta e sete pontos de interação, o primeiro
ponto é de fundamental importância, pois é o momento em que o
público escolhe a partir de qual personagem seguirá a história e
isso além de afetar a trama, a estrutura narrativa, afeta também
a estética do objeto (que dependendo da escolha, esta afetará
diretamente as tomadas de câmera), além de alterar a
divulgação
de
seus
patrocinadores,
uma
vez
que
há
patrocinadores específicos para a história vista pelo olhar de
Luiza e outros pelo olhar de Tomás. Outros vinte e oito pontos
de interrupção alteram de forma significativa o percurso da
HIBRIDISMO
Conteúdo
trama, através de menus que apresentam duas ou três opções
de percurso. Em oito pontos são exibidos os menus múltiplos,
mas que a escolha do espectador é apenas pelo número da
carta de baralho, entretanto não sabe que destino que será
traçado e o sistema estabelece uma sequência randômica de
exibição. Por esta razão, este menu foi chamado de Teste sua
Sorte. Por fim, em dez pontos de interação a audiência tem a
possibilidade de retornar ao primeiro menu e fazer novas
escolhas. Com um número considerável de pontos de interação,
este objeto permite que seu conteúdo tenha alterações
importantes que se afunilarão em onze finais diferentes.
Antes do inicio da sessão os espectadores são orientados
Adaptabilidade
sobre como funcionará a votação e a forma de utilização do
controle remoto, que é simples e intuitivo.
118
Possui uma interface simples. Ao final de cada sequência
IMERSÃO
que precede o menu de interação, a trilha sonora entra em um
Comunicabilidade
compasso mais lento e são exibidas as opções de forma escrita,
para que não hajam dúvidas com relação ao que está sendo
questionado, permitindo assim uma comunicação direta entre o
público e o sistema.
Há quarenta e sete pontos de interrupção que oferecem ao
espectador a possibilidade de duas a cinco opções de
sequências diferentes, permitindo em alguns pontos o retorno ao
Navegabilidade
primeiro ponto de interação, o que possibilita um desdobramento
da navegabilidade ainda maior. Em outros, por possuir uma
sistema randômico de encadeamento dos links, cede o controle
INTERATIVIDADE
da navegabilidade ao sistema.
O público antes de entrar na sessão recebe um controle
remoto digital com botões de 0 a 9, uma tecla cancela e outra
confirma. Para a escolha das opções, abre-se um menu de
votação por 10 segundos. A contabilização dos votos é exibida
Controlabilidade
em uma tela auxiliar nas laterais do telão. Cada espectador tem
direito a apenas um voto e durante o tempo em que o menu
estiver aberto, poderá cancelar seu voto e escolher outra opção.
Ao encerrar o tempo, a opção mais votada gera o feedback da
ação.
Quadro 12 – A Gruta – Dimensões da Interação
Ao analisar as categorias de interação presentes em A Gruta, é possível
perceber que no primeiro menu, quando o espectador deve escolher entre Luiza ou
Tomás, ao fazer esta escolha de certa forma está punindo um dos personagens,
assim, torna-se possível afirmar que neste ponto de interação, este objeto se
inscreva na categoria Veredicto. No entanto, será preciso que o espectador escolha
trilhar o percurso da história a partir do olhar de Tomás, percorra no mínimo, mais
dezesseis menus interativos, e que ainda dependa de cada uma de suas escolhas,
para que tenha a possibilidade de passar pelo menu em que lhe seja oferecida a
possibilidade de castigar Tião. Sendo somente estes dois pontos de interrupção uma
119
real possibilidade de punir um personagem, percebe-se que A Gruta não está
inserida de forma potencial na categoria Veredicto.
A exceção destes dois pontos de interação, todos os outros se oferecem ao
espectador para que faça escolhas com relação a desejos dos personagens ou
percursos a serem trilhados por estes. Desta forma, a trama vai se construindo de
forma labiríntica e as cenas se encadeiam de acordo com estas escolhas. Assim, é
possível afirmar que A Gruta se inscreva de forma atenuada na categoria Veredicto,
mas que potencialmente esteja inscrita na categoria Rayuela.
Tendo este espaço imersivo construído um espaço lúdico em que o
espectador é apenas mais um elemento, que a sala de projeção se ofereça tão
somente como um dos ambientes da construção deste “mundo” mediado onde o real
e o virtual se fundem, parece certo afirmar, que A Gruta torna-se um importante
objeto para a constituição daquilo que nomeio como Machinema.
3.2 - Machinema: Last Call
Produzido em 2010 por Jung Von Matt70 e Cinema Deluxe em Berlim, na
Alemanha, para o canal de tramas, horror e crime 13th Street71, Last Call é o
primeiro filme de terror, que faz uso de interações, em que o espectador comunicase com a protagonista da história através de seu celular. Dirigido por Matthias Stiller
e Wolfgang Schneider o filme utiliza tecnologia Silverlight 72 em conjunto com o
sistema IVR73 da Telenet Inc. e Aixvox74.
Ao contrário das sessões de cinema convencionais, em que uma das
primeiras mensagens exibidas na tela é a que incentiva os espectadores a se manter
em silêncio e inclusive lembrando-os de desligarem seus celulares, com a plena
finalidade de impedirem a interrupção ou o desvio da experiência espectatorial, em
70
Jung Von Matt – Presente em 14 países e com sede em Hamburgo, é a agência de publicidade mais premiada
no quesito produção híbrida. Em 2010 recebeu Leão de Ouro como Independent Agency of the Year em Cannes.
71
13th Street – é um canal de televisão de propriedade da NBC Universal, que iniciou suas produções para o
cinema em 2005 na Alemanha. A NBC Universal atua na produção e comercialização de entretenimento com
foco em cinema e TV.
72
Silverlight – software de tecnologia para navegadores e plug-ins. Desenvolvido especificamente para a
incorporação de vídeos e interfaces interativas para geração de soluções de transmissão com alta definição.
73
IRV (Instant runoff voting) é um sistema inteligente de votação. Sistema totalmente baseado na tecnologia de
Realidade Virtual e Inteligência Artificial.
74
Aixvox é um sistema de comando de voz via telefonia móvel.
120
Last Call, antes do início de cada sessão os espectadores recebem um folheto
explicativo, que os convida a manterem ligados, por toda a sessão, seus telefones
móveis, além de solicitar que ativem o dispositivo bluetooth75 de seu celular (Figuras
32 e 33). A ativação do bluetooth proverá o meio de conexão e troca de informações
entre os dispositivos disponíveis no espaço cinema, formando assim, uma rede
informacional.
Figura 32 – Folheto com as instruções
Figura 33 – Celular sendo capturado
Neste contexto, parece certo afirmar que, com o uso das mídias móveis e da
computação pervasiva, o espaço cinema é transformado em uma área de controle
do fluxo informacional digital em uma zona de intersecção entre o ciberespaço e o
espaço físico. O acesso e o controle informacional realizam-se a partir de
dispositivos móveis e redes sem fio. Para Lemos (2004) este processo configura um
território informacional, que não é o ciberespaço, mas o espaço híbrido, formado
pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico.
Já no primeiro instante de conexão os dispositivos do espaço cinema enviam
informações aos espectadores, alertando sobre a experiência que será vivida neste
novo ambiente em formação. Em seguida, o público, ainda que não esteja
fisicamente dentro da sala de exibição, mas estando dentro do espaço cinema,
recebe um breve prólogo do filme que será construído durante a sessão. Desta
forma, o filme inicia, antes mesmo de seus espectadores estarem confortavelmente
sentados em suas poltronas, em um ambiente escuro e silencioso. A tela não é
única, tendo inclusive dimensões e características próprias, uma vez que cada
espectador receberá o filme em seu dispositivo móvel. Neste caso, há a
desterritorialização da sala de exibição, sendo possível que o espectador assista o
75
O Bluetooth é um protocolo padrão de comunicação baseado em microchips transmissores, para formação de
rede.
121
prólogo estando em qualquer parte do que estamos chamando de espaço cinema,
permitindo assim uma outra territorialização para a exibição deste trecho do filme.
De acordo com André Lemos:
(...) estamos assistindo à expansão de experiências de localização e
de tratamento inteligente da informação a partir de dispositivo sem fio
que aliam mobilidade, personalização e localização, criando novas
práticas de espaço. (LEMOS, 2004, p.72).
Conforme Santaella (2007) vários autores chamam de espaços híbridos
estas mesclas de físico e virtual. Entretanto, sendo o adjetivo híbrido utilizado em
tantos contextos diferentes que, na busca de uma maior precisão terminológica, com
ênfase não apenas nos fluxos de informação, mas também nas novas formas de
socialização, a autora prefere utilizar o termo espaços intersticiais, como uma
metáfora capaz de caracterizar as múltiplas faces de mudanças mais recentes no
mundo da comunicação e da cultura.
Assim, ao investigar o espaço intersticial presente em Last Call, é possível
perceber que a imersão da audiência neste ambiente virtual resulta em alterações na
percepção espacial, uma vez estando dentro desse universo que possui fluxos e
fixos específicos e exclusivos, onde permite o encontro de duas matrizes espaciais
dialogando e se alterando reciprocamente.
3.2.1 - Last Call: Uma Outra Experiência Espectatorial
Após assistirem ao prólogo, os espectadores recebem uma mensagem que
os convocam a entrarem na sala de projeção. O intrigante da mensagem, é que esta
se refere a sala de projeção como sendo o espaço labiríntico do sanatório.
O filme, por utilizar mecanismos de realidade virtual associados a
inteligência artificial, poderá se desdobrar em infinitas histórias a partir da interação
no ambiente mediado. Possui apenas um momento comum a todas as sessões: a
primeira sequência de cenas (o prólogo), que por ser introdutória tem a função de
posicionar o espectador com relação ao contexto da trama, além de convocá-lo à
entrar e participar da construção da história. Deste modo, não se tem a pretensão de
contemplar de forma aprofundada análises de sequências cênicas, mas sim de
122
destacar o momento de interação personagem - audiência, afim de utilizá-lo para
investigar efeitos específicos produzidos neste Machinema.
É possível que todo este procedimento inicial, já configure um prenúncio da
íntima relação que se quer atingir entre objeto e sujeito, afim de estabelecer a
identificação essencial para conduzir à interatividade e imersão necessárias à
construção desta outra experiência espectatorial.
Agora, com o público dentro da sala de exibição, Last Call nos apresenta, no
telão, a história de uma jovem que encontra-se em um sanatório abandonado
fugindo de um assassino. Ao sentir-se desesperada e completamente perdida utiliza
seu celular para pedir socorro, e neste momento, inicia-se o diálogo entre
protagonista e espectador.
Durante aproximadamente os primeiros quatro minutos de exibição do filme,
com uma trilha musical que marca o clima de tensão e suspense, a protagonista
explicita seu desespero para encontrar uma saída do sanatório. Aterrorizada pela
possibilidade de ser surpreendida por um assassino que assombra o local, percorre
em rápidos movimentos corredores, salas e escadas, em busca de ajuda. Até este
instante as cenas vão sendo montadas (encadeadas) partindo dos princípios
clássicos da manipulação estética do cinema. Variados recursos técnicos são
utilizados
no
sentido
de
privilegiar
o
entendimento
narrativo.
Flashbacks
monocromáticos, alertam o espectador para a presença de um homem que fora
psiquiatra no sanatório, e que se transformara em um cruel assassino após ter
atingido um estágio de loucura.
Planos longos, intercalados com planos rápidos movimentam e impulsionam
a história. Somente no instante em que a protagonista decide usar o celular para
solicitar ajuda é que surge o primeiro plano detalhe, onde é exibido o visor do
aparelho e o número do telefone que está sendo digitado. É neste momento do filme
que o software (IRV) seleciona um dos celulares que foi inicialmente capturado e
inserido no banco de dados e inicia a chamada; então, via reconhecimento de voz,
se estabelece o diálogo entre o espectador selecionado e a jovem desesperada. Ao
confirmar a conexão a tela se subdivide para que os espectadores possam
acompanhar não só através do som, mas também através das imagens o diálogo
entre a protagonista e o espectador, conforme é possível ser observado na figura 34.
123
Figura 34 – O diálogo
Uma vez que o espectador atende a chamada ele ouve a voz da atriz e
todos os sons diegéticos do filme em seu celular, assim como as respostas do
espectador passam a fazer parte da diegese fílmica. Este recurso torna ainda mais
realista o diálogo, fazendo com que este espectador de fato faça parte da trama. As
respostas do espectador são convertidas em comando e o software constrói e
reproduz a cena correspondente. Assim, cada chamada que é atendida por um
espectador representa uma nova narrativa para o filme.
Ao longo de toda a trama o espectador vai sendo interrogado afim de decidir
as ações da personagem; mediante sua decisão a narrativa vai se materializando.
Neste contexto, tarefa difícil torna-se precisar quem de fato é o protagonista da
história. Ao empenhar uma análise sobre este ambiente que emana da fusão entre o
real e o virtual parece certo afirmar que ora o protagonista é a personagem em fuga,
ora é o espectador / interator que a está conduzindo.
Tendo por objetivo ampliar a tensão, tornar mais realística a cena e
promover o diálogo entre a jovem e outros espectadores, em diversos pontos da
trama a conexão entre os celulares (virtual e real) começa a receber interferência na
transmissão, até que abruptamente esta é interrompida. A queda de comunicação
entre os celulares ocorre, na maioria das vezes, em pontos de profundo desespero
da personagem, que novamente inicia outra chamada.
Somente nos primeiros segundos de cada um dos pontos de novas
chamadas é que a tela se subdivide exibindo de um lado a protagonista virtual e do
outro o protagonista real (espectador / interator), a seguir no telão somente são
exibidas imagens no ambiente do sanatório, mas o diálogo sonoro continua na
124
diesege fílmica. Neste ponto, torna-se importante ressaltar que mesmo o interator
tendo saído da sala de projeção, porém, estando no espaço geográfico permitido
para a comunicação através da rede, a tela não será subdividida (uma vez que a
captura da imagem do interator ocorre apenas dentro da sala de projeção) e
manterá unicamente a imagem da personagem, mas ainda assim o diálogo sonoro
será estabelecido na diegese do filme. Fato que confirma a expansão do espaço
cinema.
Acrescenta Lemos:
(...) o lugar é um sujeito da ação: a informação emana e reage de/a
partir dele. Com a atual popularização dos telefones celulares e dos
serviços baseados em localização, estamos em meio a uma virada
espacial nos estudos das mídias. Passamos do no sense of place
(MEYROWITZ, 1985), em que o lugar é superado pela comunicação
massiva e pelo ciberespaço em sua fase de upload para um new
sense of place, em que as relações comunicacionais dão-se
diretamente com lugares e objetos do espaço urbano,
potencializando apropriação e ressignificação. (LEMOS, 2010, p.12)
Ao que parece, este recurso da subdivisão de tela e do som que invade a
diegese do filme se propõe a posicionar os outros elementos da audiência com
relação a quem está no comando, além de apresentar o espectador / interator que
também receberá a função de protagonista e autor da trama. Neste sentido, ampliase as possibilidades para novas reflexões acerca da experiência estética, uma vez
que uma parte do diálogo entre espectador e protagonista tem suas imagens
mediadas pela câmera e outra pelo olho humano em tempo real, o que configura a
fusão máxima entre o virtual e o real, a janela que se desdobra e abarca o espaço
físico e o digital, invadindo toda a sala de cinema, transformando-a, também, na
mise-en-scène fílmica. É este hibridismo que permite afirmar que seu imperativo é o
desaparecimento da moldura, que possibilita ao espectador interativo se tornar
imerso e animado pela experiência representada, onde tudo vira tela, onde tudo vira
ambiente.
Outro ponto que merece destaque na experiência espectatorial em Last Call
é a questão do posicionamento de câmera. Como enfatizado por Machado (2009)
nos sistemas de imersão interativa, a câmera subjetiva exclusiva e exaustiva resulta
estruturalmente menos problemática que no cinema. No entanto, em Last Call, o
125
recurso de câmera subjetiva é descartado por todo o filme, independente dos
percursos trilhados na trama. Mas este cede espaço a um outro recurso, não comum
ao cinema clássico, às tomadas em que a personagem impõe seu olhar direto para a
câmera. Usual na fotografia e na televisão, este recurso é praticamente extinto no
cinema convencional, uma vez que tem um efeito francamente transgressivo, como
alerta Machado:
(...) tão raro no cinema que, quando usados sistematicamente,
produz um efeito teatral ou, como se costuma dizer,
anticinematográfico. No cinema, predomina o enquadramento obliquo
ao eixo da objetiva, que faz com os olhares (todos os olhares, sem
exceção) que se trocam na cena não se dirijam jamais à câmera,
mas a um ponto situado à esquerda ou à direita do quadro, no
espaço off. (MACHADO, 2007, p.71).
Nos momentos de diálogo entre a personagem e o interator, em que há o
olhar dirigido à câmera e a mistura do som natural com a diegese fílmica, parece
certo afirmar que neste instante o interator tenha a sensação do diálogo face-a-face
o que estabelece uma expansão de seu nível de imersão, já para os outros
elementos
humanos
do
ambiente
mediado,
é
possível
a
percepção
do
preenchimento suturante da estrutura campo/contracampo, onde a mediação ora é
oferecida pelo dispositivo do cinema e ora pelos olhos de quem assiste o diálogo. Já
que a audiência não fica restrita ao olhar dirigido única e exclusivamente a tela, mas
se permite observar e até mesmo interagir verbalmente (através de sugestões,
críticas, apoio) com o interator que está supostamente no comando da trama.
Last Call estabelece o diálogo constante, entre os atores humanos e não
humanos, afim de que juntos possam percorrer os caminhos labirínticos da história.
Portanto, trata-se de uma experiência compartilhada e colaborativa, em que a todo
momento e a todo espaço a interação se desloca entre o campo virtual e real e em
meio a estes campos, onde todos os elementos do ambiente mediado estabelecem
um fluxo contínuo de trocas.
3.2.2 - Efeitos Estéticos da Maquinação em Last Call
A interatividade presente em Last Call, pode ser entendida como uma nova
condição de recepção e pensada segundo as especificidades do aparato, assim
126
trata-se de uma obra aberta76, resultado de interpretações da ordem do inteligível, a
partir da contemplação; e ao mesmo tempo de uma obra em movimento77 onde se
designam possibilidades de transformação material e ação concreta sobre a obra,
que possui uma parte indefinida, na qual se torna necessária a intervenção humana.
Neste sentido, seus espectadores estão inseridos em uma revolução tecnológica,
com possibilidades de navegação em tempo real e imersividade, em escalas
crescentes de realidade aumentada.
Assim, com a dilatação do espaço fílmico, invadindo e sendo invadido pelo
espaço da sala de exibição, é possível constatar que as novas tecnologias
midiáticas demonstram o poder da mídia híbrida de reformular o tempo e espaço
como uma experiência substituta.
O efeito da maquinação insere a possibilidade do artista ser pensado como
provedor, isto é, criador de um sistema interativo e, neste caso, o espectador /
interator, recebe o estatuto de autor da obra, uma vez que seleciona e combina
elementos contidos no sistema que configura, de forma pré-definida pelas possíveis
variáveis.
Diante destas novas sensibilidades contemporâneas Kathrin Rosenfield
(2009) aponta para a “dificuldade em conciliar as perspectivas sistemáticas com a
crescente multiplicação dos fenômenos estéticos” (ROSENFIELD, 2009, p. 52) a
partir das múltiplas acomodações da arte com as mídias, em que novos mundos
audiovisuais se conformam e requerem uma análise dos seus modos de interação e
compreensão nas artes.
Nessa perspectiva, a noção de imagem interativa recorre a uma
particularidade da imagem computacional, ou seja, uma imagem-matriz que permite
o acesso direto à sua estrutura, a tal ponto que possibilite agir sobre ela. A partir das
reflexões de Jean Louis Boissier (2005), apresentadas no texto Imagem-Relação,
onde descreve a imagem dos trabalhos contemporâneos como operacional e aberta
ao jogo interativo, em que há a exigência de uma intervenção direta do seu
76
Obra que possibilita as mais variadas interpretações, uma vez que o autor apresenta várias formas e que cada
uma delas se submete ao julgamento público, deixando que o executante escolha uma das possíveis sequências.
Apesar de seu caráter indeterminado, que pode culminar em um sem-número de configurações formais, ainda
assim, é possível pensar em “obra”, única e individual, na medida em que as várias possibilidades combinatórias
estão de antemão previstas pela estrutura da obra que se propõe aberta (ECO, 2005).
77
Obra que tanto movimenta quanto se move, possui a capacidade de deslocar-se e transferir-se, além de
promover afeto e efeito (ECO, 2005).
127
destinatário como forma constitutiva da articulação de elementos que definirão o
processo da obra, é possível afirmar que a imagem-interativa aproxima-se ao
conceito de imagem-relação. Boissier se apropria do uso terminológico da palavra
relação como relato e como ligação, e é esse duplo sentido que potencializa os
aspectos de modelização de uma estrutura interativa. Assim, o autor estende o
conceito de Gilles Deleuze (1983) de imagem-relação como constitutiva da imagemtempo78, como maneira de pensar a relação enquanto forma, duração e processo,
ou seja uma imagem-relação, que descreve uma figura de pensamento pela qual o
mental é introduzido na imagem, formalizando uma imagem-movimento79 e uma
imagem-tempo, em que os elementos variantes agem e reagem uns sobre os outros.
3.2.3 - Análise do Ambiente Imersivo
A estrutura labiríntica presente em Last Call, permite a produção de histórias
em tempo real, que conduz a audiência a um amplo envolvimento no campo central
da trama, que se estabelece pela total liberdade de interação.
Last Call pode ter a duração de 50 a 90 minutos, dependendo do caminho
escolhido para a história. Não houve divulgação da quantidade de intervenções
possíveis em cada exibição. Entretanto o diretor80 afirma que não é possível assistir
todas as possibilidades de percursos, em função da produção ter como base a
tecnologia de inteligência artificial associada a realidade aumentada, além dos
interatores, que conduziram trama, serem escolhidos aleatoriamente.
Neste sentido, com o objetivo de compreender os procedimentos maquínicos
e da maquinação em Last Call, ou seja, no ambiente da tarefa e da ação, torna-se
necessária a análise de suas dimensões de interação, como segue:
78
Imagem-tempo trata do tempo do objeto e da captação, além do registro de sua duração (Deleuze, 1983, p.
241).
79
Conforme Deleuze (1983) a imagem-movimento é conjunto acentrado de elementos variáveis que agem e
reagem uns sobre os outros.
80
Em entrevista concedida a autora desta pesquisa, o cineasta Matthias Stiller informa que Last Call tem
infinitas possibilidades de percursos e de desfechos. No entanto, para esta autora, trata-se de um assunto
discutível.
128
Não há pontos de interrupção, nem tampouco um menu
interativo de escolhas. Entretanto através da interação por meio
Conteúdo
do telefone celular o conteúdo sempre será afetado gerando
feedback em tempo real.
Antes do inicio da sessão os espectadores recebem um
HIBRIDISMO
folheto explicativo onde constam as orientações básicas sobre
como funcionará o modo de interação e são convidados a
ligarem o bluetooth de seus telefones celulares para que os
mesmos sejam capturados em um banco de dados.
Adaptabilidade
Recebem em suas pequenas telas um breve prólogo do filme
que se materializará durante a sessão, além de uma mensagem
em formato de texto convidando-os para entrarem na sala de
exibição. Assim toda a interação será estabelecida através dos
telefones móveis.
Por se tratar de uma interface conhecida e muito utilizada, não
há qualquer dificuldade de adaptação.
Possui uma interface simples, uma vez que o diálogo é
IMERSÃO
mediado por um telefone móvel. A comunicação entre público e
filme é direta, além de bidirecional e imediata.
Comunicabilidade
Além da comunicação que se estabelece entre personagem
do filme e interator, outra forma de comunicação se constrói a
partir da interação entre os elementos da audiência e reforçam
os laços sociais.
Não possui nenhum ponto de interrupção, o interator navega
INTERATIVIDADE
Navegabilidade
por entre nós e redes full time. Assim, a liberdade de navegação
é irrestrita.
Tendo o público recebido as instruções de como interagir com
o personagem, o feedback é imediato e surpreendente. Assim,
Controlabilidade
uma vez que utiliza um complexo sistema de realidade virtual e
recursos de inteligência artificial a construção do objeto não é
casual, mas sim negociada, tendo em vista a ampliação de
possibilidades de ação em cada momento.
Quadro 13 – Last Call – Dimensões da Interação
129
Este Machinema, pelas intensas trocas estabelecidas no espaço intersticial,
direciona seu público ao núcleo central da trama e muda a lógica de terceira pessoa
para a lógica de primeira pessoa. Uma vez que possibilita à sua audiência a
sensação de estar lá, o público passa de espectador / interator à elenco neste
espaço mediado que proporciona uma interação multidirecional com o nível da
história, onde não há pontos de interrupção, e se utiliza de complexos sistemas que
possibilitam mais ação, maior sensação de realidade e uma ressignificação do
espaço cinema.
Deste modo, os suportes tecnológicos utilizados em Last Call fornecem
grande flexibilidade em relação aos processos de conexões, interações e suas
mediações. Esta flexibilidade permite que a comunicação se estabeleça de formas
diferentes e algumas vezes independentes de um agente humano como emissor ou
receptor, ou seja, a informação pode ser transmitida de um agente humano para
outro, através de um canal de comunicação, caracterizando uma conversação; ou de
um agente humano para um não humano que possua capacidade para tratar essa
informação (este caso pode acontecer também na direção inversa: de um agente
não humano para humano); por último, uma transmissão entre agentes não
humanos, representando uma conexão. Mas é fato que através do conjunto destas
transmissões mediadas surge a possibilidade de conformação de um outro espaço
cinema. Neste sentido, ao refletir sobre as mídias móveis, Lemos propõe retirar a
visão centrada apenas no receptor ou no emissor e explica que deve-se:
(...) considerar tanto humanos como não humanos engajados em um
processo comunicacional baseado em contexto local. O lugar é,
portanto um actante material não humano. (...) a espacialização dáse pelos modos de mediação, pelas formas de ação entre agentes
(humanos, artefatos, lugares) afim de oferecer serviços (navegação,
localização, etiquetagem, mapeamento, redes sociais, jogo, acesso
etc.). (...) o uso das mídias locativas pode trazer o reforço da
dimensão local e novas apropriações e ressignificação. Para além de
suas características sociais, culturais e econômicas, devemos ver os
lugares em suas características informacionais, dotados de
territorialização informacional.(LEMOS, 2010, p.12).
Ao que parece, em Last Call a tentativa mais premente de interatividade e
imersão se dá pela sensação de encurtamento da distância proporcionada pelos
dispositivos móveis – como uma interação supostamente face-a-face - e que, neste
130
caso, uma importante característica que pode ser observada, e de grande destaque,
é a oralidade (as trocas se estabelecem, de forma privilegiada, pela comunicação
oral). Quanto mais estes outros cinemas conseguem se aproximar da oralidade e da
bidirecionalidade da conversação, mais intenso será o processo de identificação e
por consequência de imersão.
Ao analisar as categorias de interação presentes em Last Call, é possível
perceber que somente no primeiro contato entre o espaço virtual e o espaço real há
uma manifestação que se insere, de forma atenuada, na categoria de interação
Investigativa, uma vez que é fornecida à audiência um prólogo do filme que se
materializará durante a sessão, onde detalhes obscuros da trama são informados. É
preciso dizer que esta informação não se oferece ao contexto como um feedback,
uma vez que não houve uma solicitação prévia, mas que também não deixa de
comunicar algo que, de certa forma, influenciará no percurso da trama, tendo em
vista que ao conhecer o contexto as escolhas passam a ser mediadas, também,
pelas sensações que o histórico desperta no elemento humano.
A exceção do momento acima citado, todos os pontos de interação se
oferecem ao espectador para que faça escolhas com relação a desejos da
personagem ou percursos a serem trilhados por ela. Desta forma, a trama vai se
construindo de forma labiríntica e as cenas se encadeiam de acordo com estas
escolhas. Assim, é possível afirmar que Last Call se inscreva potencialmente na
categoria Rayuela.
Desta forma, neste ambiente mediado, que estabelece uma profunda
conexão entre real e virtual através de um dispositivo móvel, percebe-se que o
espaço em que se materializa a história ganha uma outra territorialização e por
consequência uma ressignificação. Ao que parece, as ampliações tecnológicas de
nossos sentidos, interferem no modo como apreendemos os espaços virtuais, e as
sensações que eles nos trazem apontam para uma mudança radical no que
entendemos por espaço no mundo moderno.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há toda uma dimensão estética ou artística na
concepção das máquinas ou dos programas, aquela
que suscita o envolvimento emocional, estimula o
desejo de explorar novos territórios existenciais e
cognitivos, conecta o computar a movimentos
culturais, revoltas, sonhos.
Pierre Lévy
O cinema, desde a época das vanguardas e mais expressivamente nos anos
1960, apresenta experimentações no sentido de provocar a sensibilidade e a
interatividade
com
seus espectadores.
A
partir
da
década
de
1980,
o
desenvolvimento dessas experimentações se radicalizaram com as tecnologias
oferecidas pelos computadores. Com a expansão do cinema para os meios digitais,
e o desenvolvimento de interfaces que possibilitaram outras relações entre o homem
e a máquina, surge o chamado cinema digitalmente expandido, onde as tecnologias
de ambientes virtuais produzem espaços de imersão narrativa e, como proposto por
André Parente (2009), o usuário assume os papéis de câmera e editor,
transformando a tradicional relação entre o filme, o autor, o diretor e sua audiência.
Nos filmes convencionais o público é afetado pelas imagens tão realísticas à
sua frente, entretanto, mesmo movido por este afeto encontra-se na posição de
espectador imaginativo e o lugar do qual está assistindo obviamente não faz parte
do filme, que tem como espaço definido a tela de projeção. No Machinema o
espectador é “transportado” para o mundo virtual, e passa a fazer parte do contexto
fílmico, deslocando-se através de sua interação para outra ambiência estética. Em
razão de toda a hibridização presente no Machinema, é permitido a este afeto
demandar uma nova experiência espectatorial, em que o local onde se encontra o
espectador, ou seja, o espaço do cinema tenha um papel privilegiado, passando da
posição residual para central, criando um novo sentido de lugar, que amplia não só a
dimensão espacial, mas também a sensorial e cognitiva.
Nos lembra Felinto:
132
A hibridização de suportes e linguagens, bem como o convite a forma
de participação cada vez mais intensas, atendem às demandas de
uma cultura sequiosa por novas formas de experiência espectatorial
(e sensorial). Isso aponta para uma situação na qual todo o corpo é
suficiente; na experiência total de um “cinema expandido”, ela se faz
acompanhar por várias outras formas de sensorialidade (FELINTO,
2006, p.418/419).
O fato de que estes filmes se formalizem em um ambiente informacional,
torna possível que seu público se desloque da posição de espectador tradicional de
imagens, para se transformar em operador de um sistema aberto, cujos resultados
dependem da maneira pela qual o acesso se presentifica na obra. Portanto, se não
houver um espectador para interagir, não haverá o input ou output necessário e a
obra não se realiza. Desta forma o Machinema ocorre então no tempo em que o
corpo do espectador está presente no sistema. Esta presença é que modeliza os
elementos que integram a obra. Como afirma Boissier (2005) ao conceituar a
imagem relação, esta seria a presentificação direta de uma interação.
Neste contexto, parece certo afirmar que o tempo de contemplação da
imagem foi substituído por um espaço em que a percepção da imagem ocorre em
simultaneidade com sua produção, sendo um momento de interação mediado pelos
dispositivos imersivos interativos. A imagem passa a ser vista e produzida ao mesmo
tempo, o que indica novos desafios estéticos, que devem considerar a produção
(criação) e a percepção (interpretação) e novas reflexões acerca do fenômeno que
ocorre a partir de uma imagem resultante da relação de interdependência de
participação, ou seja, sem interação e interatividade não há imagem.
Quanto à narratividade no Machinema e sua capacidade de construção de
um espaço lúdico, considera-se como elementos fundamentais da narrativa
tradicional: personagens, ação, espaço e tempo. No Machinema, estes foram
mobilizados para acentuar as relações que se estabelecem entre produção
cinematográfica, interfaces e plataformas de múltiplas escolhas, ou seja, uma
análise criteriosa acerca do conteúdo produzido, a adaptabilidade de suas
interfaces, a comunicabilidade entre elementos humanos e não humanos, a
navegabilidade em sua estrutura narrativa e os recursos de controlabilidade, afim de
empenhar uma investigação a partir de elementos constitutivos de sua base de
produção e que apontam para efeitos de imersão, interatividade e hibridismo. Deste
133
modo, foi possível perceber que há convergência entre as características do
Machinema e do Game, que se estabelecem em uma relação de trocas bilateral,
mas que cada um dos meios produz mensagens próprias, por possuírem aspectos
que lhes são específicos. Tanto o Game como o Machinema quebram os limites
entre os territórios físico e virtual, num círculo mágico produzido pela relação
intrínseca e híbrida como o espaço físico - o ambiente da tarefa -, produzindo formas
específicas de relação com o lugar através do lúdico, que tem por estrutura os novos
territórios informacionais que apontam para formas de espacialização, integrando
temporariamente o espaço físico e eletrônico. No entanto, entre Machinema e Game
foi possível identificar outros aspectos que entram em confronto, como elucidado no
segundo capítulo deste estudo.
Todavia, estes aspectos fundamentais, se
inscrevem potencialmente através da narratividade, que altera substancialmente os
elementos de construção e de significação deste espaço em conformação.
Comenta Machado:
Determinados lugares serão visitados apenas por alguns interatores,
ou seja, não há um percurso único, definido, que possa considerar o
caminho correto de chegar ao “fim”. Todos os caminhos são
legítimos, mesmo que eles não levem a lugar algum, até porque
nesse tipo de dramaturgia o prazer reside menos em resolver uma
intriga e chegar à catarse final do que em experimentar suas
inúmeras possibilidades de desenvolvimento. (MACHADO, 2009,
p.73).
Diante de tais considerações, é importante lembrar que o estudo do
Machinema (e não seria diferente nessa pesquisa) se vincula diretamente com sua
base tecnológica e produção artística e que estas estão em constantes
transformações, o que suscita a emergência de uma produção teórica, mas que ao
mesmo tempo liberta-nos da exigência da busca por uma teoria exata, o que remetenos às indagações de Manovich (2005) em seu texto Cinema como interface cultural,
onde o autor, com efeito, questiona se faz sentido teorizar o presente, quando este
parece mudar tão rápido, onde tudo torna-se apenas uma aposta, mas ele ressalta
que tal importância deve-se ao fato de que ainda sendo somente um registro das
possibilidades, este já oferecerá reais contribuições. Deste modo, a colaboração
para a construção de conhecimento sobre o Machinema se realiza, neste estudo,
também no plano analítico. Ao elegermos como corpus de análise A Gruta e Last
134
Call, além dos objetos que foram analisados em segundo plano no capítulo dois,
partimos do princípio de estarmos diante de uma linguagem das interfaces culturais
em sua fase inicial, como foi com a linguagem do cinema em sua origem, e
intentamos investigar os possíveis caminhos que o Machinema está trilhando e quais
as possibilidades de territorialização, interação e significação, a partir do
desdobramento e construção de conceitos que permitissem abarcar a lógica de sua
maquinação. Como sugere Machado:
Talvez nós estejamos, de todo modo, tentando enquadrar um
fenômeno novo (os meios digitais) em modelos de análise
convencionais, inadequados para dar conta dos novos problemas e
desafios que ele lança. O sujeito implicado nos dispositivos de
realidade virtual é um sujeito agenciador, um sujeito que dialoga, que
interage com as imagens (e com os sons e os estímulos táteis) do
programa. (...) Se perde ambiguidade como instância imaginária no
universo virtual das imagens e dos sons, ganha paradoxalmente, um
universo de acontecimentos muito mais complexo, que passa a
demandar dele respostas problematizadoras, não inteiramente
previstas pelo enredo e que podem resultar em soluções
dramatúrgicas inéditas em toda a história da cultura. (MACHADO,
2009, p.82).
Assim, um dos aspectos de maior motivação desta dissertação, foi a
constatação de que se trata de um campo de estudo que ainda está sendo
experimentado, ou seja, as pesquisas sobre as interrelações que se estabelecem
neste cinema digitalmente expandido, considerando todo seu potencial maquínico e
seus efeitos de maquinação, ainda não apresentam um conjunto canônico de
teorias. É fato, que o interesse cresce a cada dia pela consolidação dessa área de
estudo, sendo possível afirmar que há ferramentas conceituais que se mostraram,
até certo ponto, produtivas para os resultados apresentados neste trabalho, mas
que, no entanto, houve a necessidade da criação de uma metodologia que
contemplasse a especificidade do objeto e que intentou analisar e compreender os
aspectos funcionais e configuracionais deste outro cinema que está em formação,
uma vez que as teorias publicadas até o momento não dariam o suporte necessário
para esta investigação.
Ao refletir acerca do Machinema inserindo-o nas articulações sociais
contemporâneas, focalizando especificamente a imersão interativa no cinema,
percebe-se que não há consensualidade; há teóricos que adotam uma posição
135
radicalmente negativa e outros positiva frente a esse fenômeno que traduz
profundas transformações econômicas, culturais e políticas na sociabilidade
contemporânea. No entanto, preferimos dirigir nossa crítica a favor de observarmos
as possibilidades dessas modificações que vêm se instaurando a partir da década
de 1960 e adotar a ideia de convergência, afim de acentuar que, como ressaltado
por Jenkins (2008), a contemporaneidade é múltipla, complexa e que é necessário
compreender os movimentos que alcançam todas as esferas de nossa vida na
atualidade.
Assim, ao compreender que estes novos objetos, frutos do hibridismo
possibilitado pelas novas tecnologias de informação e comunicação, mudam não
somente a forma de entretenimento e lazer, mas potencialmente todas as esferas
das sociedades capitalistas avançadas, uma vez que nestas estão inseridas os
novos modelos – robótica, bancos de dados, realidades virtuais, internet, enfim é
possível perceber que vida social será transformada em todos seus aspectos. Diante
destas mudanças, há que se criar novos conceitos para dar conta da compreensão
de objetos que surgem a partir das novas configurações culturais e sua fluidez.
Enfim, ao tomar como objeto de análise o Machinema, não houve a
pretensão de esgotar as possibilidades de manejo do objeto, mas sim de chamar
atenção para a materialidade dos processos que nele se constitui e enfatizar as
formas interpretativas da espacialização, através dos conceitos de hibridismo,
imersão e interatividade e da análise de suas dimensões e categorias de interação.
As investigações acerca do Machinema nos direcionam à uma reflexão fora de um
fluxo fixo, progressivo e linear do tempo que aponta para o futuro já estabelecido;
trata-se de saber que seus aspectos não poderão ser vistos como totalizantes ou
universais e que deveremos ir além dos referenciais que já foram constituídos.
136
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REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS
A GRUTA. Direção Filipe Gontijo. Brasil: Caza Filmes, 2008 (aprox. 62min).
CLUE. Os sete suspeitos. Direção Jonathan Lynn. Inglaterra: Paramount Pictures,
1985 (aprox. 94min).
CORRE. Direção Cátia Cardoso. Portugal: Escola Superior de Comunicação Social,
2011 (aprox. 45min).
KINOAUTOMAT. Um homem e sua casa. Direção Raduz Cincera. República
Tcheca, 1967 (aprox. 63min).
LAST CALL. Última chamada. Direção Matthias Stiller e Wolfgang Schneider.
Alemanha: 13th Street - BBC, 2010 (aprox. 90min).
MALDITA ESCOLHA. Direção Jomário Murta. Brasil: Universidade de Belo
Horizonte, 2008 (aprox. 45min).
MR. SARDONICUS. A máscara do horror. Direção William Castle. EUA: Columbia
Pictures ,1961 (aprox. 89min).
O LABIRINTO. Direção Bruno Jareta. Brasil: UNESP, 2010 (aprox. 46min).
RESSACA. Direção Bruno Vianna. Brasil: Universidade Pompeu Fabra, 2008 (aprox.
100min).
RETURN TO HOUSE ON HAUNTED HILL. De Volta a casa da colina. Direção Victor
Garcia. EUA: Dark Castle Entertainment, 2007 (aprox. 90min).
TENDER LOVING CARE. Carinho e Cuidado. Direção David Wheeler. Inglaterra:
Mídia Aftermath, 1997 (aprox.. 117min).
142
TURBULENCE. Turbulência. Direção Nitzan Ben-Shaul. Israel: Turbulence, 2010
(aprox. 83min).
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS
13th Street. http://www.13thstreetuniversal.nl. Acesso em 08 de maio de 2012.
A Gruta. http://www.filmejogo.com.br. Acesso em 20 de julho de 2011.
Kodak. http://www.kodak.com.br. Acesso em 08 de janeiro de 2012.
NBC Universal. http://www.universalchannel.tv/la/ . Acesso em 22 de maio de 2011
Youtube – páginas de views e destaques. http://www.youtube.com. Acesso setembro
de 2010 a julho de 2011.
143
ANEXO A – FICHA TÉCNICA – A GRUTA
Título:
A Gruta
Título original:
A Gruta
Ano de produção:
2007
Ano de lançamento:
2008
País de origem:
Brasil
Direção:
Filipe Gontijo
Roteiro:
Filipe Gontijo
Produção:
Tamara Habka
Direção de Fotografia:
Érico Cazarré
Direção de Arte:
Nadine Souza
Composição Trilha:
Patrick de Jongh
Estúdio:
Caza Filmes
Gênero dominante:
Terror
Duração:
de 5 a 62 minutos
144
ANEXO B – FICHA TÉCNICA – LAST CALL
Título:
Última Chamada
Título original:
Last Call
Ano de produção:
2009
Ano de lançamento:
2010
País de origem:
Alemanha
Direção Executiva de Criação:
Matthias Stiller e Wolfgang Schneider
Direção de Criação:
Andreas Henke, Christian Kroll e Pedro
Gocht
Direção de Arte:
Leverenz e Marius Bell
Produção:
Julia Cramer e Film GMBH Deluxe
Produção executiva:
Bernstein Glenn Krause Jurgen
Fotografia e Cenografia:
Katharina Strauss, Stepha Pauly, Marion
Dopfer
Edição e Montagem:
Daniel Kundrat
Composição Trilha:
Daniel Kundrat
Artista 2D:
Daniel Kundrat
Gênero dominante:
Terror
Duração:
de 50 a 90 minutos

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