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Doutrina Nacional As Diretrizes do International Bar Association sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem Internacional Maria Claudia de Assis Procopiak Conselheira Adjunta na Secretaria da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, Paris. SUMÁRIO: Introdução; Parte 1: A aparição das diretrizes do International Bar Association sobre conflitos de interesses na arbitragem internacional; I – A elaboração das diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; A) O processo de elaboração; B) As fontes de inspiração; II – O conteúdo das diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; A) Relações entre o árbitro e um outro participante do procedimento arbitral; B) Relações entre o árbitro e a matéria litigiosa; Parte 2: A aplicação das diretrizes do International Bar Association sobre conflitos de interesses na arbitragem internacional; I – Do ponto de vista da oportunidade; A) A utilidade das diretrizes do International Bar Association sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional; B) A utilização das diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; II – Do ponto de vista da eficácia; A) As regras gerais das diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; B) As listas de aplicação prática das diretrizes do International Bar Association sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional; Conclusão. INTRODUÇÃO 1. O que significa “conflito de interesses”? De uma forma bastante simplista, poderíamos afirmar que um conflito de interesse existe quando alguém possui sentimentos contraditórios em relação a uma decisão que deve tomar. 2. Um conflito de interesses pode existir nas mais diversas áreas. O direito societário nos fornece exemplos como o do caso Enron, mundialmente conhecido, no qual o escritório responsável pela auditoria da empresa era, ao mesmo tempo, o consultor jurídico. Esse tipo de caso, extremamente mediatizado, atrai o interesse do público e suscita o debate no meio jurídico. 3. No mundo da arbitragem internacional, a possibilidade de um conflito de interesses é bastante presente, fazendo com que a situação dos árbitros seja delicada. 8 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL Num procedimento arbitral, as situações que comportam um conflito de interesses são aquelas nas quais existem dúvidas sobre a capacidade do árbitro em exercer sua missão de forma imparcial e independente. Os árbitros podem ser advogados, professores universitários, ou pessoas que exerçam qualquer outra profissão. São juízes privados, escolhidos pelas partes e nomeados temporariamente. 4. As particularidades da arbitragem fornecem um terreno fértil para as suspeitas de dependência ou parcialidade. Os árbitros não se encontram em posição de juízes de forma permanente e exclusiva. Além disso, a forma de constituição de um Tribunal Arbitral, isto é, por meio da escolha pelas partes ou por seus advogados, dos árbitros que elas desejam para resolver suas diferenças, somado ao fato de que os árbitros são remunerados pelas partes, podem ainda ser adicionadas à desconfiança que surge instintivamente. 5. A realidade é que a arbitragem é um meio restrito, limitado. Ainda que a análise jurídica nos conduza à conclusão de que todo mundo pode ser árbitro, a análise sociológica nos leva a constatar que poucas pessoas são árbitros 1 . Poucos são os grandes árbitros internacionais, de tal maneira que a crítica feita por alguns é a de que eles são sempre os mesmos. Com todas essas especificidades, torna-se difícil abordar claramente a questão da independência e da imparcialidade dos árbitros. 6. Independência e imparcialidade são as garantias essenciais de um processo justo e equitável 2. Esses princípios encontram-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na Convenção Européia de Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de 1950. Essa dupla exigência concerne toda instância que dispõe de um poder de julgar, que exerce função jurisdicional 3. Ela é, portanto, inerente à função do julgador. 7. A independência de um juiz, por exemplo, deve ser analisada em relação ao exterior, em relação a outros poderes que não o Poder Judiciário, ou seja, os Poderes Executivo e Legislativo, mas também todo outro poder de fato (como o da mídia ou dos peritos, por exemplo) ou ainda, o poder das partes 4. 8. Já a imparcialidade é a ausência de pré-julgamento, de preferência, de idéia pré-desenvolvida, exigência consubstancial à função jurisdicional responsável pela resolução de diferenças com justiça e eqüidade. Essa exigência está ligada à organização e ao funcionamento interno das jurisdições e às qualidades pessoais do julgador; ela é um estado de espírito, uma virtude. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 9 9. Essas duas noções estão interligadas de tal maneira que é possível questionar-se se uma existe sem a outra. É verdade que não se pode ser imparcial sendo dependente. No entanto, o contrário é perfeitamente admissível. Um juiz que é completamente independente pode se tornar parcial pelas mais diversas razões. De toda forma, esses dois conceitos são tão interligados que suas análises são normalmente associadas. 10. Se as exigências de independência e imparcialidade são as garantias de um processo equitável, num processo arbitral não há de ser diferente. Assim, admite-se universalmente que o árbitro também está sujeito às exigências de independência e imparcialidade. 11. A imparcialidade de um árbitro “serait une disposition d’esprit, un état psychologique par nature subjectif” 5, a inexistência de conhecimentos anteriores ou de um pré-julgamento da parte do árbitro com relação à matéria litigiosa. 12. A independência, por sua vez, sendo uma situação “de droit ou de fait” 6, pode ser apreciada objetivamente. Assim como em todas as missões jurisdicionais, a do árbitro também implica que ele “ne soit pas lié à l’une des parties et n’ait aucun intérêt au sort de la cause” 7. Dessa forma, a independência do árbitro se analisa em relação aos participantes do procedimento, sejam as partes, os advogados, os demais árbitros, os peritos ou as testemunhas. 14. Mesmo sendo possível diferenciar as definições teóricas de independência e imparcialidade, para os fins do presente artigo uma distinção prática não se mostra necessária ou útil. Que um árbitro não seja independente ou que ele não seja imparcial não tem uma influência determinante na questão que pretendemos analisar. Conforme afirma Xavier de Mello, “plutôt que les définitions, ce qui nous importe, c’est de savoir pourquoi, quand ou comment ce risque peut naître et se réaliser” 8. 10 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 16. O melhor modo de garantir a independência e a imparcialidade dos árbitros é o de prevenir o mais cedo possível todo conflito de interesses, isto é, de revelar um conflito que exista ou possa vir a existir 9. Não se trata aqui de proibir as relações pessoais de um árbitro com outras pessoas. Se um jurista não conhece ninguém ele jamais será nomeado árbitro. O que se espera é a revelação de tais relações. No entanto, a questão do dever de revelação tampouco é fácil de ser resolvida. Existe unanimidade com relação à existência de tal dever, mas discordâncias existem quanto ao objeto da revelação, ou seja, quanto à extensão dessa obrigação. E é exatamente para afrontar essas dificuldades que o International Bar Association publicou, em 22 de maio de 2004, suas Diretrizes sobre conflito de interesses na arbitragem internacional. Um projeto que tem por objetivo criar verdadeiras linhas diretivas destinadas, segundo seus criadores, a harmonizar a prática atual relativa à obrigação de revelação a qual estão submetidos os árbitros internacionais. 17. A fim de analisar se essas diretrizes constituem ou não uma iniciativa útil, nossa análise dar-se-á primeiro sobre a aparição desse texto, para em seguida examinarmos sua possível aplicação. PARTE 1: A APARIÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE CONFLITOS DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL 18. As Diretrizes do IBA 10 são um instrumento recente que visa a precisar a questão do conflito de interesses na arbitragem internacional e que sobretudo pretende dar respostas ao problema da revelação pelo árbitro dos fatos que podem afetar sua independência e imparcialidade. Para compreender essas Diretrizes e poder analisar seu conteúdo (II), é útil examinar primeiramente o seu processo de redação (I). I – A ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE CONFLITO DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL 19. Um bom exame da fase de elaboração das Diretrizes requer uma análise do seu processo de elaboração (A), mas também das fontes de inspiração das idéias que elas pretendem refletir (B). RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 11 A) O processo de elaboração 20. Mesmo levando em consideração que as legislações nacionais e os regulamentos de arbitragem contêm disposições sobre a questão da independência e da imparcialidade dos árbitros, a ausência de uniformidade e as diferentes concepções, sobretudo no que diz respeito à obrigação de revelação, mostram que existe a procura por padrões que tragam transparência à questão. 21. A idéia da elaboração de diretrizes relativas ao conflito de interesses apareceu em 2001, pela iniciativa de Arthur Marriot 11, que teve a idéia de formar um grupo de trabalho constituído de advogados afiliados a grandes escritórios internacionais. 22. Em 2002 este grupo foi formado pelo comitê de arbitragem e de modos alternativos de solução de conflitos do IBA (comitê D) sob a presidência de Otto de Witt Wijnen (Holanda). O grupo de trabalho foi constituído por 18 membros: Henri Alvarez (Canadá), John Beechey (Inglaterra), Jim Carter (Estados Unidos), Emmanuel Gaillard (França), Emilio Gonzales de Castilla (México), Bernard Hanotiau (Bélgica), Michael Hwang (Cingapura), Albert Jan Van Den Berg (Bélgica), Doug Jones (Austrália), Gabrielle Kaufmann-Kohler (Suíça), Arthur Marriot (Inglaterra), Tore Wiwen-Nilsson (Suécia), Hilmar Raeschke-Kessler (Alemanha), David W. Rivkin (Estados Unidos), Klaus Sachs (Alemanha), Nathalie Voser – relator (Suíça), David Williams (Nova Zelândia) e Des Williams (África do Sul) 12. 23. Cada membro do grupo de trabalho apresentou um relatório nacional. O objetivo de tal relatório era o de demonstrar como a independência e a imparcialidade, assim como o dever de revelação, são tratadas em cada país. Entre os pontos tratados encontram-se: a definição de imparcialidade e independência, a aplicabilidade do artigo 12 da lei-modelo da Uncitral, ou ainda os padrões utilizados para a revelação e se tal obrigação persiste durante todo o procedimento arbitral. Além disso, foi requerido aos membros do grupo de trabalho que apresentassem uma lista, enumerando situações de conflito de interesses que deveriam ser solucionadas com a aplicação das Diretrizes. Instituições de arbitragem, assim como outros advogados e juristas também apresentaram comentários 13. 24. Uma primeira versão foi apresentada na Conferência do IBA em Durban, na África do Sul, em outubro de 2002, que deu origem a intenso debate. Uma segunda versão foi apresentada na Conferência do IBA em São Francisco, nos Estados Unidos, em setembro de 2003. Neste encontro foi decidido que esta segunda versão deveria ser submetida à revisão perante um grupo de praticantes formado por Gerry Aksen (Estados Unidos), Wolfgang Kuhn (Alemanha), Toby Landau (Inglaterra), Fali Nariman (Índia) et Michael Schneider (Suíça). 12 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 25. Em 2004, a versão final das Diretrizes foi concluída. Originalmente concebido para a arbitragem comercial internacional, após debates e revisões, o grupo de trabalho chegou à conclusão de que esse texto poderia ser aplicado em outros tipos de arbitragens, como as arbitragens em matéria de investimentos. Decidiu-se então eliminar a palavra “comercial” do título original. 26. Em maio de 2004, as Diretrizes sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional foram finalmente publicadas. Sua estrutura é dividida em duas partes: as regras gerais e a aplicação prática dessas regras sob forma de listas não exaustivas. 27. O método de listas não é novidade. Poderíamos pensar, por exemplo, no questionário detalhado proposto por Eugenio Minoli que deveria ser endereçado aos árbitros antes da aceitação de suas missões 14. O que é realmente novo na abordagem da questão é a classificação em três categorias: vermelho, laranja e verde (referência direta aos faróis de sinalização). 28. A lista vermelha é uma enumeração dos casos que dão origem a fundadas dúvidas quanto à imparcialidade e à independência dos árbitros. Essa categoria é subdividida em duas, uma lista vermelha sujeita à renúncia e uma lista vermelha não sujeita à renúncia. As situações que se encaixam na lista vermelha não sujeita à renúncia não exigem revelação, já que o árbitro deve declinar sua designação, isto é, não deve aceitar a missão de árbitro. Já para as situações que se encaixam na lista vermelha sujeita à renúncia, a revelação é obrigatória e as partes devem declarar expressamente que aceitam o árbitro. 29. A lista laranja contém situações que podem, no entendimento das partes, dar origem a dúvidas justificáveis quanto à imparcialidade e à independência do árbitro. Nesses casos a revelação é necessária e as partes têm um prazo de 30 dias para se oporem à nomeação do árbitro. Se tal oposição não for levantada dentro desse prazo, presume-se que as partes aceitam a nomeação do árbitro. 30. A lista verde, por sua vez, é uma enumeração de casos em que nem sequer aparência de parcialidade ou dependência existe, assim, tampouco existe um conflito de interesses. Dessa forma, para as situações previstas nesta lista, a revelação não é necessária. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 13 31. Por meio das regras gerais e das listas, o grupo de trabalho estima refletir a “best international practice,” 15 já que ele foi buscar os elementos que serviram de base para as Diretrizes nas leis nacionais e na jurisprudência de diversos países. B) As fontes de inspiração 32. Para refletir a melhor prática internacional, as Diretrizes foram inspiradas na lei-modelo da Uncitral, nas leis nacionais, nos regulamentos de arbitragem e na jurisprudência de diferentes países. 33. O princípio segundo o qual o árbitro deve ser e permanecer imparcial e independente é internacionalmente aceito. Essas exigências aparecem nas legislações nacionais normalmente como um motivo de recusação do árbitro 16 . 34. A lei modelo da Uncitral prevê, em seu artigo 12(2), que “um árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam levantar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou independência” do árbitro. A lei-modelo serviu de base a diversas legislações nacionais que, mesmo quando não a adotaram literalmente, ao menos nela se inspiraram. É o caso, entre os países representados no grupo de trabalho, da Austrália, do Canadá, da Alemanha, do México, da Holanda, da Nova Zelândia, e de Cingapura. Já a lei brasileira além de ter sido inspirada na lei modelo da Uncitral, também sofreu influências da Lei Espanhol de 1988, da Convenção de Nova Iorque de 1958 e da Convenção do Panamá de 1975 sobre arbitragem comercial internacional 17. 35. A lei francesa não adotou a lei-modelo, mas não existem dúvidas quanto à necessidade do árbitro ser independente e imparcial. Essa conclusão decorre indiretamente dos arts. 1452 e 341 do novo Código de Processo Civil. O primeiro impõe o dever de revelação e o segundo prevê as causas que podem justificar a recusação do árbitro 18. De acordo com Thomas Clay: “Une des particularités du droit français est précisément que la réglementation de l’indépendance de l’arbitre ne se fasse qu’à travers l’obligation de révélation sans prévoir de disposition spécifique sur les obligations d’indépendance et d’impartialité, comme si celles-ci étaient entièrement dissoutes dans l’obligation de révélation.” 19 14 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL Na Inglaterra (Arbitration Act 1996) e na Suécia (Arbitration Act 1999) as leis nacionais se referem unicamente à imparcialidade, enquanto que na Suíça, a Lei Federal de Direito Internacional Privado (LDIP) menciona apenas a independência. No entanto, a exigência de imparcialidade subsiste, já que o Tribunal Federal suíço continua a se referir a sua jurisprudência anterior, a qual exigia, por razões constitucionais, a imparcialidade do tribunal arbitral. Enquanto que nos Estados Unidos o teste do “evident partiality” é o adotado 20. 36. Assim como a lei suíça, o regulamento de arbitragem da CCI, em seu artigo 7(1), prevê que todos os árbitros devem ser e permanecer independentes. Mesmo se a palavra imparcialidade não aparece no texto, seu objetivo principal é justamente a prevenção contra a parcialidade. De acordo com Yves Derrains e Eric Schwartz, “while the main purpose of Article 7(1) is to secure the appointement of impartial arbitrators, the drafters of the ICC Rules have preferred to express the relevant requirement in terms of independence because independence is a more objective notion” 21. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 15 37. De toda forma, mesmo se as diferentes legislações nacionais possuem nuances com relação à exigência de independência e imparcialidade do árbitro, “il ne faut pas conclure à l’existence d’une différence fondamentale du seul fait que les critères ne sont pas énoncés dans les mêmes termes” 22. 38. A Regra Geral nº 1 das Diretrizes demonstra que o grupo de trabalho adotou o posicionamento utilizado pelo artigo 12(2) da lei-modelo da Uncitral. Otto L. O. Witt Wijnen, Nathalie Voser e Neomi Rao afirmam que o sentido do artigo 12(2) da lei-modelo foi mantido nas Diretrizes porque uma nova definição de imparcialidade ou independência poderia gerar confusões 23. Assim, adotou-se uma apreciação objetiva em conformidade com a maioria dos sistemas utilizados como fonte de inspiração. 39. Sempre levando em consideração a uniformidade, o grupo de trabalho adotou, na Regra Geral nº 2(b), a mesma expressão “justifiable doubts” contida no artigo 12(2) da lei-modelo 24. A Regra Geral nº 2(c) explica que “justifiable doubts” significa que “um terceiro informado concluiria que é verossímil que o árbitro possa ser influenciado por fatores outros que o mérito do caso como apresentado pelas partes, quando da elaboração de sua decisão” 25 . A Regra Geral nº 2(d) afirma por sua vez que “fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou a independência do árbitro existem necessariamente se há identidade entre o árbitro e uma das partes, e/ou se o árbitro é o representante legal de uma entidade jurídica parte na arbitragem, ou se o árbitro tem um interesse econômico ou pessoal significativo no resultado do litígio” 26 . Desta forma, vê-se que para a apreciação da imparcialidade do árbitro, o teste do “tiers raisonnable” foi adotado. 40. O dever de revelação está consagrado em diversas leis e regulamentos de arbitragem, sendo considerado “principe incontesté du droit de l’arbitrage international” 27, a tal ponto que pode-se afirmar que ele “est devenu un usage international, au sens plein de ce terme” 28. 41. O artigo 12(1) da lei-modelo da Uncitral dispõe que a pessoa indicada como árbitro deve revelar toda circunstância de natureza a gerar fundadas dúvidas com relação a sua imparcialidade ou independência. Dessa forma, a obrigação de revelação mostra-se como um dever em separado, independente do dever de ser e permanecer imparcial e independente. 16 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 42. Na França, o artigo 1452 do novo Código de Processo Civil exige que o árbitro que supõe se enquadrar em uma das hipóteses de recusação previstas pelo artigo 341 do mesmo Código deve informar as partes. Não há dúvidas quanto ao fato de que tal disposição de direito interno aplica-se também à arbitragem internacional. De toda forma, a jurisprudência francesa 29 se mostra desligada da natureza legal desta obrigação, de tal forma que os juízes impõem o respeito do dever de revelação a todos os árbitros transformando-o assim em “une règle matérielle directement applicable dans toute instance arbitrale internationale” 30. 43. As Diretrizes, por sua vez, afirmam que “se fatos e circunstâncias existem que possam, na opinião das partes, dar origem a dúvidas quanto à imparcialidade e à independência do árbitro, este deverá revelar tais fatos ou circunstâncias […]” 31. O grupo de trabalho inspirou-se no artigo 7(2) do regulamento CCI que afirma que “antes da sua nomeação ou confirmação, a pessoa proposta como árbitro devera assinar uma declaração de independência e informar por escrito à Secretaria quaisquer fatos ou circunstâncias cuja natureza possa levar ao questionamento da sua independência pelas partes. […]” 32. Dessa forma, diferentemente do teste para apreciação da imparcialidade do árbitro, o teste para a obrigação de revelação é um teste subjetivo, a saber duplamente subjetivo, como salienta Thomas Clay, já que o árbitro deve revelar aquilo que ele acredita que as partes acreditarão ser um motivo de recusação 33. Cabe aqui salientar que as Diretrizes fazem uma distinção clara entre os fatos a serem revelados (teste subjetivo) e as causas de recusação (teste objetivo). Para as Diretrizes, um árbitro que revela certas circunstâncias é imparcial e independente, caso contrário ele teria declinado sua nomeação (Regra Geral nº 3(b)). Dessa forma, fica claro que a revelação é uma oportunidade para as partes avaliarem a posição do árbitro, mas não significa de forma alguma a admissão pelo árbitro da existência de um conflito de interesses. 44. Na procura pela “melhor prática internacional”, nota-se que o grupo de trabalho adotou ou inspirou-se de princípios e regras internacionalmente admitidas. Após termos encontrado as linhas diretrizes, resta-nos analisar o conteúdo destas Diretrizes propostas pelo IBA. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 17 II – O CONTEÚDO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE CONFLITO DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL 45. Para um melhor exame do conteúdo das Diretrizes analisaremos as diferentes situações que podem suscitar um conflito de interesses. Essas circunstâncias podem ser divididas entre relações pessoais do árbitro (A) e possíveis pré-julgamentos do árbitro com relação à matéria litigiosa (B). A) Relações entre o árbitro e um outro participante do procedimento arbitral 46. Ao pensarmos em conflito de interesses a primeira idéia que nos vem em mente são as relações que um árbitro pode ter com uma das partes. No entanto, ainda mais grave é o caso do árbitro que se confunde com a parte, seja por ser seu representante legal, seja por exercer um verdadeiro poder de controle sobre uma das partes, seja por ter interesses financeiros substanciais com relação a uma das partes ou ao resultado do litígio 34. A idéia central aqui é de que ninguém pode decidir um litígio de cujo resultado possa tirar benefícios, seja por ser uma das partes, seja por possuir interesses financeiros que estejam diretamente relacionados. Mesmo se discordamos da definição de “partes” adotada pelas Diretrizes, nestes casos as relações são tão estreitas que devem efetivamente aparecer na lista vermelha. Todas essas hipóteses estão previstas na lista vermelha não sujeita à renúncia. Nestes casos o árbitro não pode aceitar sua nomeação visto ser evidente a existência de um conflito de interesses e ninguém pode ser seu próprio juiz. Nessas hipóteses o grupo de trabalho considerou que a simples revelação não seria suficiente. 47. O interesse de um árbitro no resultado do litígio pode se manifestar de diversas maneiras, nem sempre previsíveis. Um célebre caso francês é um bom exemplo. No caso Raoul Duval, o presidente do Tribunal Arbitral, que foi contratado por uma das partes no dia seguinte ao proferimento da sentença, não tinha revelado a existência de nenhuma relação com esta parte durante todo o procedimento arbitral. Mesmo se a missão do árbitro, e com ela o seu dever de independência e imparcialidade, termina com o pronunciamento da sentença, a Cour d’appel de Paris anulou a sentença por entender que tal situação demonstra que “il existait entre cet arbitre et l’une des parties des liens d’intérêts tels que la connaissance de cette situation par l’autre partie n’aurait pu que susciter chez elle un doute raisonnable sur l’indépendance d’esprit de cet arbitre, et à tout le moins justifier une demande de récusation” 35. Pode-se concluir que, se o árbitro foi contratado no dia seguinte do pronunciamento da sentença, negociações e conversações anteriores existiram que permitiram sua contratação. Não foi por falta de revelação de tal circunstância que a sentença foi anulada, mas pela existência de relações concretas entre o árbitro e a parte, que suscitam dúvidas quanto a sua independência 36. O comportamento esperado de um árbitro em tal situação seria o de não aceitar sua nomeação. De qualquer maneira, a revelação de tais circunstâncias seria o mínimo esperado. 18 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 48. A lista vermelha sujeita à renúncia prevê situações nas quais o árbitro tem um interesse, direto ou indireto, no litígio. Esse interesse pode concretizar-se por um interesse financeiro do árbitro, de um membro de sua família, ou de um terceiro com o qual o próprio árbitro ou um membro de sua família mantém relações próximas. Na mesma lista, encontram-se as relações do árbitro com uma das partes ou com o advogado de uma das partes. Outras hipóteses são os casos em que o árbitro trabalha habitualmente para uma das partes ou para o advogado de uma das partes, faz parte do mesmo escritório que o advogado de uma das partes, ou tem uma relação íntima com uma das partes. Em todas essas situações, a revelação é necessária e o árbitro poderá ser nomeado unicamente com o consentimento expresso das partes. 49. No caso AT&T Corporation and Lucent Technologies Inc. c. Saudi Cable Company (SCC) 37, a Court of appeal inglesa negou a existência do risco de parcialidade de um dos árbitros que era membro do conselho de administração de uma sociedade concorrente de uma das partes. Essa sociedade teria sido eliminada de um procedimento licitatório relacionado ao mercado de telecomunicações na Arábia Saudita, obtido pela sociedade parte na arbitragem (AT&T). A arbitragem nasceu de um litígio entre esta sociedade e o dono da obra saudita. Um fator agravante é que o árbitro não tinha revelado suas ligações com a sociedade concorrente da empresa parte da arbitragem. A Court of appeal entendeu que no momento em que o árbitro foi indicado, em razão da confidencialidade e da impossibilidade de se comunicar com as partes, ele não tinha conhecimentos suficientes sobre o litígio a ponto de julgar necessária a revelação de tal fato. Essa decisão, mesmo se sujeita a críticas, serve para mostrar-nos que as soluções não são sempre previsíveis e que uma mesma situação, que em aplicação das Diretrizes, confirmaria a existência de um conflito de interesses, pode não ser considerada da mesma forma por uma jurisdição estatal. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 19 50. Outra hipótese que se encaixaria na lista vermelha é a do caso L’Oréal, no qual o árbitro único era o consultor financeiro de uma empresa do grupo L’Oréal no momento da assinatura do compromisso, mas que não informou a outra parte desse fato 38. Em convergência com as idéias que guiaram o grupo de trabalho na elaboração das Diretrizes, a Cour d’appel de Paris anulou a sentença arbitral. 51. A jurisprudência francesa nos fornece um outro exemplo de relações de parentesco entre o árbitro e o conselheiro de uma das partes. No caso Milan Presse, no qual o árbitro era o padrasto do consultor de uma das partes, a Cour d’appel de Paris decidiu que “l’absence de révelation par un arbitre de son mariage avec la mère du conseil de l’une des parties ne permettait plus à l’autre partie d’avoir la certitude de son indépendance et de son impartialité” 39. Em todas essas hipóteses, a revelação é necessária e o árbitro só pode ser nomeado com o consentimento das partes. 52. Com relação aos serviços prestados pelo árbitro a uma das partes nos três anos que precedem à arbitragem; pelos serviços prestados pelo escritório ao qual pertence o árbitro, sem sua participação; por certas relações entre o árbitro e um co-árbitro ou um advogado; ou ainda, entre o árbitro e uma das partes ou outros participantes na arbitragem, a revelação é necessária e as partes devem renunciar ao direito de contestar a nomeação do árbitro (lista laranja). Essa renúncia não precisa ser necessariamente expressa. Se nenhuma objeção for feita em 30 dias contados da revelação, presume-se que as partes renunciaram a este direito. 53. A existência de relações íntimas entre dois árbitros pode também colocar em dúvida suas independências e imparcialidades. No caso Jean Lion, a Cour d’appel de Rouen viu, de forma correta, no fato de um dos árbitros ter uma relação de subordinação com o presidente do Tribunal Arbitral, uma circunstância “objectivement susceptible de l’inciter à adopter une position conforme aux intérêts du dirigeant de la société mère de la filiale qui l’employait” 40. 20 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 54. A designação sistemática de um árbitro, pela mesma parte ou pelo mesmo advogado, pode também criar relações entre estes a ponto de criar dúvidas com relação à imparcialidade e independência do árbitro 41. Não existe dúvida quanto ao fato de que essas nomeações anteriores devem ser reveladas. No caso 14/2004 da Câmara de Comércio de Estocolmo, o árbitro foi nomeado pela mesma parte em oito arbitragens nos dois anos precedentes, sendo que destas, cinco ainda não tinham sido concluídas. O árbitro não tinha revelado tais fatos às partes, e a instituição, corretamente, entendeu que existiam fatos suficientes para questionar a independência do árbitro. Sua recusa, demandada pela parte adversa, foi aceita 42. 55. As Diretrizes prevêem um limite de 3 anos entre duas nomeações de um mesmo árbitro pelas mesmas partes. No entanto, fixar limites temporais parece-nos bastante difícil e ao mesmo tempo perigoso. Poderíamos pensar em um árbitro nomeado por uma mesma parte a cada três anos e, sentindo-se protegido pelo prazo escolhido pelo IBA, não revela tais nomeações 43. Ou, ainda, poderíamos imaginar uma situação em que duas ou três arbitragens sejam relacionadas e as partes resolvam nomear os mesmos árbitros para evitar decisões contraditórias. Neste caso, parece-nos mais realista contar tais nomeações como uma única nomeação do que como nomeações múltiplas. De qualquer maneira, a melhor solução seria informar todas as vezes que um árbitro fosse designado repetidamente pelo mesmo advogado ou pelas mesmas partes. Esse tipo de precaução serve para proteger o próprio árbitro de uma demanda de recusação ao mesmo tempo em que aumenta a eficácia do mecanismo arbitral, impedindo uma contestação posterior da sentença. 56. As relações entre o árbitro e o advogado de uma das partes deve ser analisada à parte. É notório que o mundo da arbitragem é um meio bastante restrito, e os árbitros são, na maioria das vezes, advogados 44. Desta forma, forçoso é reconhecer uma certa especificidade na posição dos árbitros que não deve ser comparada a dos juízes. De acordo com a Supreme Court norte-americana no caso Commonwealth Coatings, “it is often because they are men of affairs, not apart from but of the marketplace, that they are effective in their adjudicatory function” 45. Assim Jean-François Poudret e Sébastien Besson afirmam que mesmo se tudo o que se aplica nas relações entre árbitro e parte deva ser aplicado mutatis mutandis às relações entre árbitro e advogado, algumas reservas devem ser feitas. “Les rencontres étant fréquentes dans le ’cercle restreint’ de l’arbitrage international, des liens peuvent se créer sans pour autant remettre en cause l’indépendance et l’impartialité d’un confrère ou d’un collègue envers un autre” 46. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 21 57. De acordo com a lista verde das Diretrizes, se o escritório de advogados do árbitro trabalhou para uma das partes no passado; se o árbitro e o advogado de uma das partes ou um co-árbitro já fizeram parte de um mesmo Tribunal Arbitral; se o árbitro detém um número negligenciável de ações no capital de uma das partes ou uma de suas filiais, a revelação não é obrigatória. 58. Nota-se que as Diretrizes não fazem da nacionalidade comum ou do domicílio em um mesmo país uma razão suficiente para gerar um conflito de interesses. Um Tribunal Arbitral não deve ser composto de dois árbitros que têm a mesma nacionalidade de uma das partes, ou de um árbitro único dessa mesma nacionalidade, no entanto, não se deve supor que a simples existência de nacionalidade comum entre árbitro(s) e parte(s) constitua por si só um conflito de interesses 47. 22 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 59. Um conflito de interesses não se caracteriza simplesmente pelas relações entre os participantes no procedimento arbitral e o árbitro. Certos pré-julgamentos do árbitro em relação à causa a ser decidida podem igualmente criar dúvidas com relação a sua imparcialidade. Aqui não são as relações com outras pessoas que criam problemas, mas com a própria matéria litigiosa. B) Relações entre o árbitro e a matéria litigiosa 60. O fato de o árbitro ter emitido consultas ou ter intervindo anteriormente em um caso deveria, de acordo com as Diretrizes, impedi-lo de aceitar uma nomeação em um litígio relativo ao mesmo caso. Essa hipótese está prevista na lista vermelha sujeita à renúncia. 61. Outra hipótese, prevista na lista laranja, é a de um árbitro ter defendido publicamente uma posição específica que concerne o caso submetido à arbitragem. Por exemplo, pensemos nos árbitros designados de maneira sistemática em causas diferentes pela mesma parte relacionados à mesma questão jurídica. Não é difícil imaginar que o árbitro já tenha opiniões formadas e que não seja totalmente imparcial. É em casos como esses que a revelação é indispensável. Cabe à parte decidir aceitar ou não o árbitro. É o objetivo da revelação permitir às partes escolher os árbitros que julgarão seu litígio, com amplo conhecimento de todas as circunstâncias a ele relacionadas. 62. As opiniões jurídicas, anteriormente expressas pelo árbitro, que não são diretamente ligadas ao caso, estão previstas na lista verde das Diretrizes e, portanto, não precisam ser reveladas. Tenhamos como exemplo um professor de direito com vários anos de atividade acadêmica e uma vasta produção intelectual. Se considerarmos que ele está obrigado a informar todos os trabalhos que já publicou ou mesmo opiniões expressas em conferências, estaríamos agravando de forma exagerada a obrigação de informação do árbitro 48. 63. O fato de as partes ou seus advogados escolherem um árbitro em razão de seu posicionamento com relação à certa questão de direito não afeta sua independência. Sabe-se que, na prática, os advogados, antes de nomear um árbitro, vão sempre que possível consultar suas opiniões publicadas na matéria objeto do litígio. Independentemente disso, conforme afirma Charles Jarrosson, “l’arbitre en question garde toute sa liberté pour modifier éventuellement son opinion et s’il la maintient, ce n’est pas par manque d’indépendance, mais par fidélité à la pensée qui est la sienne” 49. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 23 64. Considerando-se que muitas vezes os árbitros são nomeados pelas partes, parece-nos lógico que o primeiro contato, no qual a parte pretende saber se o pretenso árbitro encontra-se em capacidade de aceitar sua missão e se ele terá a disponibilidade necessária, não cria uma situação de conflito. Mesmo se os primeiros contatos devem ser os mais restritos possíveis, ao menos a natureza do litígio, i.e., qual a matéria envolvida no caso, deve ser informada à pessoa desejada como árbitro, a fim de permitir-lhe avaliar suas capacidades para tratar a questão. Seria mesmo irresponsável da parte de um árbitro aceitar uma nomeação sem conhecer a natureza da causa. Todavia, “this type of preliminary discussion involves the potential arbitrator as a listener only; he should not give advice or express his views of the case” 50, ou seja, este primeiro contato com o árbitro “deve necessariamente limitar-se a indagações sobre disponibilidade de tempo, especialidade e eventuais impedimentos profissionais” 51. De toda maneira, este primeiro contato com a causa não constitui nenhum pré-julgamento do árbitro sobre o fundo do litígio, de maneira que esta hipótese está corretamente prevista na lista verde das Diretrizes. 65. Uma decisão que lida diretamente com a questão das relações entre o árbitro e a causa a julgar, que inclusive menciona as Diretrizes do IBA, é uma decisão da District Court of The Hague, em uma demanda de recusação feita contra um dos árbitros no caso República de Gana c/ Telekom Malaysia Berhad 52. Trata-se de uma arbitragem, em matéria de investimentos, entre uma empresa de telecomunicações da Malásia (TMB) e a República de Gana sob fundamento de um tratado bilateral de investimento. Durante as audiências, o demandante referiu-se e fundamentou suas alegações em um outro caso, RFCC c. Marrocos. Posteriormente às alegações do demandante, um dos árbitros (Emmanuel Gaillard) revelou ter sido contatado por RFCC para entrar com uma ação judicial visando à anulação da sentença no caso RFCC c. Marrocos. Em conseqüência dessa revelação, TMB pediu a recusação de referido árbitro mas sua demanda foi rejeitada pelo Secretário. Geral da Corte permanente de arbitragem, autoridade competente segundo o regulamento Uncitral adotado na arbitragem. O demandante, em seguida, deu entrada a uma demanda de recusação frente ao juiz de apoio da District Court de Haia. 24 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL O demandante alegou que o papel do árbitro, como advogado em um outro caso que diz respeito à matéria semelhante, era incompatível com sua missão no procedimento arbitral em que ele tinha o dever de ser independente e imparcial. O demandante invocou a Regra Geral n° 2 das Diretrizes do IBA e afirmou que, de acordo com o teste do “reasonable person”, ele entendia que o árbitro não tinha a imparcialidade necessária para julgar o caso. O demandado por sua vez afirmou que a revelação feita por Emmanuel Gaillard diz respeito a uma circunstância prevista no parágrafo 4.1.1 da lista verde das Diretrizes que dispõe que o árbitro não precisa informar as partes das opiniões jurídicas manifestadas anteriormente em questões não diretamente ligadas ao caso que lhe é submetido, e que desta forma o árbitro não estava obrigado a revelar. Emmanuel Gaillard pronunciou-se para dizer que “the fact that (he had) been asked to act as counsel for an unrelated party in an unrelated matter does not, in (his) view, affect such impartiality and independence in any way” 53. A Disctrict Court de Haia entendeu que existiam dúvidas fundadas quanto à imparcialidade do árbitro e impôs-lhe como condição para continuar como árbitro que ele renunciasse seu papel de advogado no caso RFCC c/ Marrocos 54. 66. Essa decisão da jurisdição holandesa nos parece bastante surpreendente. Um árbitro estaria assim impedido de ser, ao mesmo tempo, advogado em um caso que envolva questões jurídicas similares. No entanto, como já mencionado, muitos árbitros são, antes de tudo, advogados. Será que se deve impedi-los de exercerem suas profissões enquanto estiver pendente um procedimento arbitral no qual eles são árbitros? A questão é obviamente delicada; porém, a decisão da Corte de Haia parece-nos excessiva. Não acreditamos que um árbitro extremamente experiente deixar-se-á influenciar por outro dossiê para o qual ele trabalhe como advogado. Seria suficiente para colocar em dúvida a imparcialidade do árbitro o fato de os dois casos estarem relacionados a uma questão de expropriação e requererem a aplicação de um tratado bilateral de proteção e promoção de investimentos? Primeiro, temos que admitir que cada caso é um caso. Mesmo se uma questão de direito é similar, as circunstâncias de fato de cada caso devem ser levadas em consideração. Não podemos afirmar que, porque as dificuldades encontradas nos dois procedimentos são comparáveis, elas resultariam em soluções idênticas. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 25 Em seguida, se aceitarmos que o simples fato de um árbitro ter tratado da mesma questão litigiosa deva impedi-lo de ser árbitro, acabaríamos por destruir o mecanismo arbitral. Mesmo se a comparação entre árbitros e juízes é infeliz na maioria das vezes, nesse caso pegaremos os juízes como exemplo; se admitíssemos que um juiz, a partir do momento em que já julgou determinada questão de direito, não possa mais rever esta questão em outro processo, seria impossível termos um sistema judiciário eficaz. Quantos juízes seriam necessários? Além disso, nada impede ao juiz de mudar de opinião se os argumentos são convincentes. 67. O problema se coloca da mesma maneira na arbitragem, mas com um agravante. Uma das vantagens da arbitragem é a possibilidade de escolher especialistas na matéria para resolver o litígio. Se um litígio apenas é o suficiente para gerar a parcialidade do árbitro, isto significa também o fim dos especialistas. Acreditamos, acima de tudo, que os grandes árbitros, como no presente caso, têm a experiência e a maturidade necessárias para separar seus posicionamentos enquanto árbitros e enquanto advogados. Além disso, um advogado defende certo ponto de vista não porque ele acredita que seja a verdade absoluta, mas porque determinada posição corresponde ao interesse de seu cliente. 68. Assim, nosso exemplo de decisão judicial, em que as Diretrizes do IBA foram invocadas pelas partes, não nos parece uma decisão a ser seguida. Porém, deve-se acentuar que a decisão em si não faz qualquer alusão às Diretrizes, então não acreditamos que os juízes holandeses tenham feito aplicação deste texto 55. 69. Em uma arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (Caso 148/2003) uma situação análoga apresentou-se, mas neste caso o árbitro havia feito parte de um outro Tribunal Arbitral em outra arbitragem por uma questão semelhante, o que, de acordo com o demandante, significaria que o árbitro tinha pré-conhecimentos sobre a questão litigiosa tratada na arbitragem. A instituição de arbitragem, corretamente, não viu nesse fato uma razão suficiente para desqualificar o árbitro 56. 70. A partir dessa análise do conteúdo das Diretrizes, pode-se observar que de uma maneira geral elas inspiram-se na jurisprudência existente, com algumas exceções. Mas a principal contribuição dessas Diretrizes, a partir do que foi visto, é de trazer um pouco de objetividade à questão da revelação. A jurisprudência analisada mostra-se hesitante. Nem sempre sabemos se tal circunstância deve ou não ser revelada. Os mesmos fatos que por certas jurisdições devem ser revelados, para outras não exigem revelação. As Diretrizes servem, assim como um guia daquilo que deve ser revelado, de maneira a tentar combater a insegurança atualmente existente. É muito difícil escapar da casuística, mas as Diretrizes são a tentativa de imposição de critérios de conduta que devem ser seguidos por todos os árbitros. São a tentativa de criação de um padrão de conduta próprio ao árbitro internacional. 26 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL PARTE 2: A APLICAÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE CONFLITOS DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL 71. Para analisar se as Diretrizes serão aplicadas ou não na arbitragem internacional, devemos analisar se elas são úteis, isto é, se elas trazem algo realmente novo para a prática arbitral internacional (I), para em seguida analisar se elas são eficazes para resolver as questões de conflito de interesses (II). I – DO PONTO DE VISTA DA OPORTUNIDADE 72. Inicialmente, deve-se analisar se essas Diretrizes possuem uma razão de ser, isto é, se elas são realmente necessárias e úteis tendo em vista os demais textos já existentes (A). Em seguida, verificaremos de qual maneira uma aplicação prática destas Diretrizes poderia ser considerada (B). A) A utilidade das Diretrizes do International Bar Association sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional 73. Ao examinar a utilidade das Diretrizes, deve-se levar em consideração os demais textos existentes. Se tudo o que as Diretrizes fazem é compilar soluções e disposições existentes em outros instrumentos, não poderemos afirmar que elas são de grande utilidade. Desta forma, um exame dos demais instrumentos tais como leis nacionais, convenções internacionais, regulamentos de arbitragem e códigos de ética é indispensável. 74. Quando quisermos mostrar quais foram as fontes de inspiração das Diretrizes, poderemos observar de qual maneira as legislações nacionais tratam a questão da imparcialidade e independência dos árbitros, mas também de que maneira o dever de revelação está previsto em referidas leis. Assim, com relação às fontes formais, resta-nos examinar algumas Convenções internacionais. 75. As Convenções internacionais, de uma maneira geral, não abordam diretamente a questão, o que não quer dizer que elas não consideram que os árbitros devam ser imparciais e independentes. Nas Convenções, a questão é quase sempre tratada entre as causas de recusa de reconhecimento de sentença arbitral, sendo o caso da Convenção de Nova Iorque sobre reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira de 1958 57, da Convenção européia sobre arbitragem comercial internacional (Convenção de Genebra de 1961) 58 e da Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial internacional (Convenção do Panamá de 1975) 59. Isto significa que em todas essas Convenções está previsto que a ausência de independência ou de imparcialidade de um árbitro pode impedir o reconhecimento de uma sentença arbitral. Mas elas não vão mais longe do que isso. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 27 76. As instituições de arbitragem possuem cada uma seu próprio regulamento e esses regulamentos são também governados pelos princípios de independência e imparcialidade dos árbitros, para assegurar que o árbitro escolhido pelas partes (ou pela própria instituição) possa decidir a controvérsia de forma justa e imparcial. 77. O regulamento de arbitragem da CCI prevê em seu art. 7.1 que “todo árbitro deverá ser e permanecer independente das partes envolvidas na arbitragem”. Esse artigo, conforme mencionado anteriormente, serviu de inspiração para a Regra Geral nº 1 das Diretrizes. O art. 7.2, por sua vez, prevê a exigência da declaração de independência, em que o árbitro deve revelar todos os “fatos ou circunstâncias cuja natureza possa levar ao questionamento da sua independência pelas partes”. 78. No que diz respeito ao ICSID, o art. 14(1) da Convenção de Washington relativa à Solução de Controvérsias sobre Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados de 1965 dispõe que “as pessoas designadas para figurar nas listas devem gozar de alta consideração moral, ter competência reconhecida em matéria jurídica, comercial, industrial ou financeira, e oferecer todas as garantias de independência no exercício de suas funções”. Uma declaração de independência também é prevista no art. 6(2) do regulamento de arbitragem. Com as alterações sofridas por este regulamento recentemente, a obrigação de revelação não está mais limitada ao início da arbitragem, mas tornou-se uma obrigação contínua que subsiste durante todo o procedimento 60. 28 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL Conforme já salientado anteriormente, quando da análise do regulamento CCI, o fato de o regulamento ICSID abordar apenas a independência dos árbitros não significa que os árbitros não devem ser também imparciais. 79. O regulamento de arbitragem Uncitral precisa, em seu art. 6(4), que a autoridade de nomeação, para escolher um árbitro, deve ter em mente “considerações necessárias a garantir a nomeação de um árbitro independente e imparcial […]” 61. O regulamento de arbitragem internacional da American Arbitration Association (AAA) em seu art. 7 62, o regulamento da London Court of International Arbitral (LCIA) em seu art. 5 63, assim como o regulamento da Câmara de Comércio de Estocolmo (CCE) em seu art. 17 64 prevêem também a necessidade de o árbitro ser imparcial e independente e exigem a revelação antes da aceitação de sua missão. 80. Assim, podemos observar que os regulamentos de arbitragem, como as leis nacionais, contentam-se em definir ou mencionar a independência, a imparcialidade e a obrigação de revelação. 81. A lei francesa, por exemplo, de acordo com Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard, et Berthold Goldman, “est d’ailleurs singulièrement elliptique sur les qualités personnelles de l’arbitre, puisqu’il se borne à faire allusion, à deux reprises 65 à des ‘causes de récusation’, qu’il ne définit pas davantage” 66. A lei é bastante lacunosa e genérica, mas não se trata de um caso isolado. Pelo contrário, de uma maneira geral as disposições que encontramos nas legislações internas e regulamentos não são satisfatórias. Todas afirmam que o árbitro deve ser independente e imparcial, mas é tudo. Elas não nos dão nenhuma outra precisão. 82. No entanto, temos ainda que analisar se os códigos de ética existentes não fazem já aquilo que as Diretrizes pretendem fazer. Inicialmente, temos que notar que os Códigos de Ética não são muitos, e de uma forma geral, abordam a questão de maneira similar. O Código de Ética elaborado pela American Arbitration Association e pela American Bar Association (AAA/ABA) 67, por exemplo, prevê, em seu Canon I, as exigências de independência e imparcialidade dos árbitros e, em seu Canon II, enumera as situações que devem ser reveladas pelo árbitro. O código de ética impõe como uma condição para a aceitação pelo árbitro de sua missão que não exista um conflito de interesse enquanto que as Diretrizes prevêem uma obrigação ao árbitro de declinar sua competência se um conflito de interesses existe. Mas, substancialmente, os dois instrumentos são convergentes. No entanto, esses códigos se aplicam apenas a arbitragens que a eles são submetidas, portanto, eles são de aplicação bastante parcial e insuficiente. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 29 83. Enfim, falta ainda analisar o Código de Ética do International Bar Association de 1987 68. Neste caso, além do conteúdo, temos que analisar de qual maneira o Código de Ética e as Diretrizes vão coexistir. 84. Do mesmo modo que o Código da AAA/ABA, o Código do IBA aplica-se apenas às arbitragens que se submetem a ele e seu conteúdo, no que diz respeito a conflitos de interesses, não difere muito dos outros instrumentos analisados. Em sua introdução, o Código afirma que “os árbitros internacionais devem ser imparciais, independentes, competentes, diligentes e discretos”. Da mesma forma, seu artigo primeiro dispões que “os árbitros devem ser e permanecer isento de qualquer tomada de posição” 69 . Como um todo, suas regras são bastante genéricas e no que diz respeito ao dever de revelação, previsto no art. 4, muito menos precisas que as Diretrizes. De toda maneira, o Código de Ética fica substituído pelas Diretrizes em tudo aquilo que elas tratam 70. Assim, a coexistência desses dois instrumentos está assegurada. 85. Podemos concluir, assim, que não existe uma uniformização sobre a questão e que o risco de insegurança jurídica é bastante presente. Mesmo se algumas disposições existem, elas são tão vagas que, ao final, é o juiz que decide o que representa ou não um conflito de interesses. A jurisprudência tem um papel bastante importante também. Conforme pudemos verificar, as decisões de diferentes países não estão em harmonia. Mesmo se o dever de independência e de imparcialidade está presente em todas as legislações e regulamentos e é um princípio da arbitragem internacional, a concepção deste dever muda de país para país, existindo divergências também dentro de um mesmo país. 86. Mas o mais difícil consiste em determinar a amplitude da obrigação de revelação 71. Não existe nenhuma dúvida quanto à sua existência; no entanto, podemos nos interrogar sobre seu objeto. Para algumas jurisdições, existem circunstâncias que devem, imperativamente, ser reveladas, enquanto que, para outras, a mesma circunstância não dá origem ao dever de revelar. Podemos certamente encontrar casos em que as mesmas circunstâncias estão reunidas e o árbitro que é independente em um país não é necessariamente em outro. Esta situação de insegurança jurídica é inaceitável para a arbitragem internacional. É o mecanismo como um todo que perde sua força. 30 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 87. Assim, diretrizes como estas do IBA mostram-se muito importantes para trazer um pouco de previsibilidade e uniformidade sobre esta questão tão delicada. As regras gerais, como pudemos verificar, reorganizam, de uma certa maneira, os princípios já existentes, sendo que o essencial de seu conteúdo se encontra nas legislações internas e nos regulamentos de arbitragem. O que é realmente novo, e mais interessante, são as listas, os casos concretos que elas descrevem e a maneira como elas nos dão os contornos da obrigação de revelação. É verdade que elas não estão isentas de toda crítica, como veremos mais adiante, mas, por enquanto, forçoso é reconhecer que elas podem ser úteis, já que os textos existentes não são suficientes. 88. Depois de ter constatado a utilidade das Diretrizes, principalmente face às deficiências dos textos existentes, nos resta apenas analisar se elas serão realmente utilizadas e de que forma. B) A utilização das Diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional 89. A questão da utilização prática das Diretrizes não é de fácil análise. Conforme afirma Legum, “published decisions on challenges to arbitrators are almost as rare as unicorns” 72. 90. Evidentemente, as Diretrizes não têm força de lei, assim, nem os árbitros nem os juízes são obrigados a aplicá-las 73. Assim, quando nos perguntamos de que forma as Diretrizes serão utilizadas, três hipóteses se apresentam. Primeiro, elas podem ser aplicadas pela vontade das partes. Em seguida, o próprio árbitro ou as instituições arbitrais poderão aplicá-las de ofício. Por último, os juízes estatais, seja em face de uma demanda de recusação de um árbitro, seja em face de uma demanda de reconhecimento, execução ou anulação de uma sentença arbitral, poderiam nelas se inspirar. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 31 91. Para que a aplicação das Diretrizes se imponha aos árbitros e aos juízes, poderíamos pensar na sua adoção pelos legisladores nas legislações internas, o que não é fácil de imaginar, muito menos desejável. 74. Assim, a única maneira de impor a aplicação dessas Diretrizes aos juízes e aos árbitros seria por acordo das partes, seja diretamente, determinando que elas querem a aplicação das Diretrizes, seja indiretamente, por intermédio da escolha de um regulamento de arbitragem que as tenha adotado 75. 92. Poderíamos pensar também em momentos distintos para essa escolha feita pelas partes. Elas podem designar as Diretrizes como aplicáveis na própria convenção de arbitragem 76, ou podem referir-se a elas no momento de uma demanda de recusação de um árbitro ou em uma demanda de homologação, execução ou anulação de sentença arbitral. 93. Além da possibilidade de as partes requererem a aplicação das Diretrizes, podemos nos questionar se os próprios árbitros não têm o poder de aplicá-las, mesmo sem o requerimento das partes. A aplicação pelos árbitros de fontes informais do Direito é mais fácil que pelos juízes, de tal maneira que Dominique Bureau afirma que “les sources informelles sont appliquées par les arbitres sans que le relais de la volonté des parties n’apparaisse en ce domaine indispensable” 77. 94. Conforme já ressaltamos, as leis nacionais e os regulamentos de arbitragem, mesmo que contenham disposições sobre o dever de independência e imparcialidade, são lacunosas, e os árbitros podem precisar recorrer a outros instrumentos. Assim, mesmo sem o acordo das partes, os árbitros poderiam referir-se às Diretrizes para atestar suas independências e imparcialidades, por exemplo. Mesmo um juiz confrontado a revisar a imparcialidade e a independência de um árbitro poderia dar certa autoridade às Diretrizes. 32 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL Ainda no que diz respeito à revelação, as Diretrizes contêm padrões gerais que ajudariam os árbitros na difícil tarefa de saber o que deve ou não ser revelado. É verdade que as hipóteses descritas nas listas não são exaustivas, mas já é um início. Diante da ausência de outras instruções, elas podem ser bastante úteis. 95. As Diretrizes poderiam também ser utilizadas pelas instituições de arbitragem. Sabemos que cada instituição tem suas próprias regras e práticas com relação à recusação de árbitros; no entanto, as Diretrizes poderiam ser utilizadas para cobrir possíveis lacunas. Porém, é notório que as decisões das instituições de arbitragem são normalmente confidenciais, principalmente no que diz respeito à recusação de árbitros. Mesmo que autores como Van Vechten Veeder defendam a publicação dessas decisões, o que segundo eles poderia ultrapassar dificuldades inerentes a instrumentos como as Diretrizes do IBA 78, acreditamos que tornar pública uma decisão de recusação de árbitro não é a melhor maneira de fomentar o debate ou solucionar a questão. Existe alguma jurisprudência estatal sobre a questão e não é o fato dela ser pública que soluciona os problemas existentes na falta de uniformização. 96. Enfim, poderíamos nos questionar se as Diretrizes poderiam ser aplicadas por juízes. Diante do lacunismo das legislações nacionais, os juízes, confrontados a uma situação em que devam analisar a independência ou a imparcialidade de um árbitro, tomam decisões que nem sempre são as mais adequadas. Uma solução que faz maioria nos diferentes sistemas jurídicos é o paralelo com as causas de recusação dos juízes. No entanto, esta analogia entre os juízes e os árbitros nem sempre traduz a realidade. Além do mais, paralelos entre juízes e árbitros devem ser evitados não apenas no que diz respeito às causas de recusação. O simples fato de uma decisão judicial estar submetida ao duplo grau de jurisdição faz com que um controle maior exista sobre os juízes. Desta forma, ousamos dizer que a hipótese de um árbitro dependente ou parcial é mais grave do que a de um juiz, tendo em vista que sua sentença não é submetida a nenhum controle externo. Como forma de auxílio aos juízes podemos dizer que as Diretrizes ocupariam um espaço que hoje está vago. Além de elaborar um padrão próprio aos árbitros e abandonar a infeliz aproximação com os juízes, elas podem servir como um guia aos juízes, como aos árbitros, na determinação da extensão da obrigação de revelação. É verdade que a aplicação pelos juízes de fontes informais pode, sem o acordo expresso das partes, se mostrar bastante delicada 79. De toda forma, aqui estamos falando mais de uma espécie de prise en considération pelos juízes dessas Diretrizes. Ou seja, não se trata de tornar as Diretrizes aplicáveis pelos juízes sem o acordo das partes, mas pode-se pensar que os juízes inspirem-se no espírito e na letra desse texto para prolatar, com a vestimenta jurídica tradicional, uma decisão na qual as Diretrizes sejam uma fonte de inspiração. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 33 97. Poderíamos assim transpôr às Diretrizes a observação feita por Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman sobre o Código de Ética da IBA e afirmar que “le simple fait que ce règlement existe amènera les parties, les arbitres et les juges à en tenir compte, et l’appréciation des comportements et des responsabilités ne pourra plus se faire comme auparavant, comme s’il n’existait pas” 80. 98. Resta agora analisar se a utilização dessas Diretrizes produzirá resultados na prática internacional, i.e., se as Diretrizes serão efetivas e lograrão alcançar as finalidades às quais elas se propõem. II – DO PONTO DE VISTA DA EFICÁCIA 99. Para saber se as Diretrizes serão eficazes e atingirão o objetivo fixado, devemos inicialmente analisar as regras gerais (A) e, em seguida, as listas que dão os exemplos de aplicação prática dessas regras (B). A) As regras gerais das Diretrizes do International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional 100. O conteúdo dessas regras gerais não é novo. Conforme mencionado anteriormente, o grupo de trabalho inspirou-se nas leis nacionais, nos regulamentos de arbitragem e na jurisprudência para formular tais regras. Elas contêm princípios já conhecidos no direito arbitral e que podemos encontrar em outros instrumentos. 101. No entanto, a maioria das leis e regulamentos não é muito clara, então, a maior contribuição das Diretrizes, e mais especificamente das regras gerais, foi a de esclarecer certas questões. Por exemplo, o fato de afirmar, sem sombra de dúvidas, que a revelação é diferente das causas de recusação, isto é, que ela não é uma confissão de parcialidade ou dependência da parte do árbitro. Pelo contrário, se o árbitro não se estimasse em condições de total imparcialidade ele teria declinado sua competência e não simplesmente revelado certas circunstâncias (regra geral 3 (b)). 34 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL Dessa forma, de uma maneira geral, essas normas demonstram a prática arbitral atual e não nos trazem grandes dificuldades, com uma exceção: a manutenção do árbitro não neutro. 102. A regra geral n° 5, que define o campo de apli cação das Diretrizes, afirma que “as presentes normas não se aplicam aos árbitros não neutros, os quais não estão submetidos à obrigação de imparcialidade e independência, de acordo com alguns regulamentos de arbitragem ou leis nacionais”. Por que o grupo de trabalho não aproveitou a oportunidade para suprimir, de uma vez por todas, o árbitro não neutro da prática internacional? Esta questão é bastante inquietante, principalmente porque parece difícil encontrar resposta satisfatória. 103. O árbitro não neutro é uma prática de common law, especialmente norte-americana, aplicada em arbitragens domésticas nas quais a independência do árbitro não é exigida 81. Assim, de acordo com esta teoria, presume-se que os árbitros nomeados pelas partes têm uma predileção pela posição defendida pela parte que os nomeou. Dentro desse mecanismo, a função dos advogados das partes não está bem clara, já que os árbitros se transformam em representantes das partes e defendem suas causas perante o terceiro árbitro, o único neutro, que profere sua decisão. Esse tipo de arbitragem nos parece mais uma arbitragem com árbitro único do que um Tribunal Arbitral constituído de três árbitros, a tal ponto que podemos nos perguntar qual a razão de ser de um tribunal tripartite dentro desta tradição norte-americana. 104. No entanto, esta é uma prática quase isolada, de tal forma que podemos afirmar que de acordo com a concepção romano-germânica da arbitragem, “and what is now accepted as the international one”, o árbitro nomeado pelas partes não deve agir como representante da parte que o nomeou 82. 105. Desta forma, fica difícil compreender por que o grupo de trabalho, que sempre teve em seu espírito a vontade de refletir a “melhor prática internacional”, exclui os árbitros não neutros de seu campo de aplicação. Otto de Witt Wijnen, Nathalie Voser e Neomi Rao afirmam que o “working group has determined that the guidelines should reflect the best international practice without reference to particular national practices” 83. No entanto, fazendo referência a árbitros não neutros, o grupo de trabalho fez exatamente o contrário. Esta prática não é nem majoritária – poderíamos mesmo dizer que ela nem é aceita na arbitragem internacional – e muito menos a melhor, e o grupo de trabalho fez referências a uma prática nacional bastante particular do sistema americano, que não tem razão de ser na arbitragem internacional. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 35 106. Nossa dúvida se mostra ainda mais inquietante quando observamos que o mesmo International Bar Association, quando da revisão do seu Código de Ética de 2004, já tinha abandonado a tradição americana de presumir que os árbitros nomeados pelas partes são árbitros não neutros. Por que ressuscitou-se esta idéia em um instrumento que visa a fixar padrões de independência e imparcialidade para os árbitros internacionais? 107. A existência do árbitro-parte representa um grande inconveniente para o mecanismo da arbitragem internacional e em nenhuma hipótese tal prática deveria ser aceita. Todos os árbitros, mesmo aqueles nomeados pelas partes, estão sujeitos às exigências de independência e imparcialidade. Todavia, podemos aproveitar o debate para refletir sobre as reais dificuldades que existem ou podem existir na nomeação de árbitros pelas partes 84. 108. As Diretrizes, em suas regras gerais, afirmam que “todo árbitro deve ser imparcial e independente das partes”. Porém, é notório que a realidade nem sempre é simples assim. 109. Em um mundo perfeito, poderíamos dizer que todos os árbitros adotam uma postura de independência diante das partes que os nomeiam, já que eles sabem que não foram nomeados para representar esta parte, mas para achar a melhor solução ao litígio. Todavia, sabemos que o mundo não é perfeito e que os seres humanos nem sempre se comportam como deveriam. Se é verdade que existem árbitros que conhecem bem o seu papel em uma arbitragem e não fazem nenhuma diferenciação pelo fato de terem sido nomeados pela parte, existem outros que não têm uma conduta exemplar. Diante deste tipo de comportamento, tudo o que podemos esperar é que as Diretrizes sejam um instrumento útil para combatê-lo. 36 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 110. Conforme já mencionado, o conteúdo das normas gerais das Diretrizes não é novidade, mas o que é realmente novo e interessante é o método de listas. B) As listas de aplicação prática das Diretrizes do International Bar Association sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional 111. Se as normas gerais fixam a existência da obrigação de revelação, podemos dizer que as listas nos mostram os contornos desta obrigação. 112. A crítica tradicional feita a este método é a de que toda lista é obrigatoriamente lacunosa, isto é, é impossível prever tudo 85. O grupo de trabalho, que não ignorou essa crítica, afirma que as listas são não exaustivas. 113. De uma forma geral, já reverenciamos a iniciativa da IBA de tentar esclarecer a questão, bastante complicada, da aplicação prática do dever de revelação, mas ainda existem nessas listas algumas hipóteses mal adaptadas e alguns esquecimentos. 114. A primeira questão que se apresenta é a presença, na lista vermelha, de uma primeira parte que enuncia casos que não podem ser derrogados pelas partes. Conforme afirma Thomas Clay, “il est permis de se demander si, dans l’arbitrage où les parties sont souveraines, on peut leur interdire de déroger à certaines règles” 86. Um dos atrativos da arbitragem é justamente o papel importante da autonomia da vontade, a liberdade que é dada às partes na determinação das regras que governarão a disputa, inclusive a seleção dos árbitros. A arbitragem é feita pelas partes e para as partes. Elas devem ser livres para escolher seus árbitros e a função da revelação é justamente a de deixar as partes cientes de certas situações para que elas decidam se aceitam ou não o árbitro. 115. A Lei de Arbitragem brasileira prevê que o requerimento de recusa de um árbitro deve ser feito na primeira oportunidade que a parte tiver para se manifestar nos autos, sob pena de renúncia ao direito de fazê-lo posteriormente (LBA, art. 20). RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 37 Em direito processual francês, o princípio da imparcialidade e da independência do juiz é também suscetível de renúncia, a partir do momento que a parte tinha conhecimento da situação e não argüiu a exceção em tempo útil 87. Dessa forma, a Corte de cassação francesa, em uma importante decisão proferida pela Assembléia Plenária, declarou a inadmissibilidade de um recurso sobre a base da violação do art. 6, § 1º, da Convenção Européia de Direitos Humanos e especialmente da violação ao direito a um tribunal independente e imparcial, pelo fato de o requerente/recorrente não ter requerido a recusação do juiz com fundamento no art. 341 do novo Código de Processo Civil 88. 116. Num procedimento arbitral, a situação se apresenta da mesma forma. Jean-François Poudret e Sébastien Besson afirmam que “la partie qui tarde à saisir le juge perd non seulement le droit de demander la récusation au juge d’appui, mais également celui de recourir contre la sentence en invoquant les motifs de récusation qu’elle s’est abstenue de faire valoir immédiatement” 89. 117. Essa regra encontra-se inclusive reproduzida em regulamentos de arbitragens e leis nacionais. O artigo 4 da lei-modelo da Uncitral, por exemplo, contém uma regra denominada “renúncia ao direito de oposição”. Com relação a esta regra Fouchard afirma que, “a party with knowledge of procedural irregularities in the arbitral procedure who does not immediately react thereto is presumed to waive the right subsequently to rely thereon in order to challenge the award with which it is dissatisfied” 90. Levando em consideração a grande influência da lei-modelo em diversas legislações nacionais e regulamentos de arbitragem, ousamos dizer que esta regra é de reconhecimento mundial. 118. Assim, a regra que dita que as situações previstas na lista vermelha não estão sujeitas à renúncia não encontra ressonância na maioria das legislações internas. Ball salienta que os relatórios nacionais mostram que “in all jurisdictions, parties that fail to object to conflicts in a timely fashion may not raise objections at a later stage” 91. Neste aspecto, as Diretrizes parecem ir bastante além de qualquer prática internacionalmente admitida. 38 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 119. Podemos inclusive questionarmos se, determinando que as Diretrizes não se aplicam aos árbitros-parte, o grupo de trabalho não aceitou a possibilidade de as partes renunciarem às exigências de independência e imparcialidade. 120. São dois princípios fundamentais da arbitragem que se encontram confrontados: o da independência do árbitro e o da autonomia da vontade. acreditamos que seja papel das Diretrizes decidir qual dentre eles deve prevalecer. autonomia da vontade deve ser limitada, somente a lei pode nos dizer quais são limites. aqui Não Se a seus 121. Desta forma, fica difícil imaginar de que maneira esta lista vermelha poderá ser aplicada. Principalmente pelo fato de ela não estar em harmonia com as legislações nacionais. 122. Outra hipótese que merece atenção é a presente na lista laranja, que prevê a existência de relações entre árbitros e advogados. Estranho nos parece que a nomeação de um árbitro que faz parte de um escritório de advogados que representa uma das partes, mesmo sem sua participação, prevista no item 3.2.1, não está condicionada à aceitação expressa das partes 92. 123. Uma outra questão é aquela das redes internacionais de escritórios de advogados. Em uma decisão da Cour d’appel de Paris decidiu-se que a ausência de revelação de fazer parte de uma mesma rede internacional não constitui um motivo de anulação da sentença 93. De toda forma, exigir o acordo, mesmo se tácito, das partes nestes caso não nos parece excessivo, de forma que tal hipótese deveria estar prevista na lista laranja. 124. Ainda enquanto às relações entre árbitros e advogados, uma crítica constantemente feita às Diretrizes é que eles são “fait par les avocats et pour des avocats” 94, mas não devemos esquecer que a arbitragem é, antes de mais nada, feita para as partes e que os árbitros não são, obrigatoriamente, advogados. No entanto, a esta crítica respondeu-se que o texto das Diretrizes, propositalmente, não se adereça a árbitros que não são advogados. Os membros do grupo de trabalho “ont été sélectionnés spécialément pour aborder les problèmes des arbitres-avocats d’affaires, exerçant dans des cabinets internationaux” 95. Assim, o texto do IBA não é, nem se propõe a ser, adaptado a todos os tipos de árbitros. De toda forma, é possível fazer uma triagem nas disposições das Diretrizes para saber o que se aplica a todos os árbitros – as disposições relativas às relações pessoais entre árbitros e partes, por exemplo – e o que se aplica somente aos árbitros/advogados. RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 39 125. Podemos ainda ressaltar alguns esquecimentos das Diretrizes, como o caso da relação de subordinação, decorrente normalmente de um contrato de trabalho, conforme salientado por Thomas Clay 96. Referido autor se pergunta se esta hipótese não deveria estar expressamente prevista em uma das listas, já que nos parece difícil imaginar hipótese mais clara de dependência. Se tal hipótese deve aparecer em alguma lista, não poderia ser em outra que não a lista vermelha. 126. Podemos notar ainda a ausência de uma outra hipótese, aquela em que um árbitro e o advogado de uma das partes estão trabalhando juntos em outro caso. O item 4.4.2 das Diretrizes prevê a hipótese em que o árbitro e o advogado de uma das partes trabalharam previamente juntos em outro caso e que tal hipótese não precisa ser revelada. Mas se um árbitro e o advogado de uma das partes estão trabalhando simultaneamente em outro caso, a revelação é indispensável. CONCLUSÃO 127. A cláusula compromissória, assim como a própria sentença arbitral, sendo hoje praticamente inatacável, a desqualificação de um árbitro é atualmente o meio utilizado pelas partes para se oporem à arbitragem e tentar, através de todos os meios, retardar o seu andamento. Assim, as partes não contestam mais a cláusula arbitral, já que tal manobra está condenada ao fracasso, mas o árbitro. A posição do árbitro encontra-se assim ameaçada e um recurso contra um árbitro – ou muitas vezes contra a sentença invocando alguma irregularidade na designação do Tribunal Arbitral ou na imparcialidade ou independência de seus membros – parece a melhor solução para uma parte descontente com o resultado da arbitragem. Esta é, conforme observado por diversos praticantes da arbitragem, uma das tendências que encontramos, infelizmente, em matéria arbitral atualmente. 128. Assim, a jurisprudência tem-se confrontado cada vez mais com esse problema, mas as soluções adotadas nem sempre são as mais adequadas. Como as leis internas não fornecem as respostas, os juízes enfrentam a difícil tarefa de definir o conteúdo e o regime das obrigações de independência e imparcialidade dos árbitros. 40 RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL 129. As decisões mostram-se incertas, muitas vezes divergentes, não existe nenhuma uniformidade, de maneira que torne difícil falar sobre um dever do árbitro de ser imparcial e independente visto que, mesmo se as definições de tais termos são bastante conhecidas, os meios de preservar a independência e a imparcialidade dos árbitros não o são. 130. A forma mais eficaz de garantir a regularidade da constituição de um Tribunal Arbitral é, sem dúvida nenhuma, a obrigação de revelação. No entanto, se a existência de tal obrigação é largamente aceita, seu conteúdo ainda é um tanto misterioso. Ninguém ousa afirmar com exatidão quais são as circunstâncias que devem ser reveladas e aquelas que não devem. Nem mesmo a jurisprudência. 131. Dessa forma, as Diretrizes do IBA vêm trazer um pouco de objetividade a este “auberge espagnole” 97. Tais Diretrizes chamam a atenção de juristas e praticantes sobre esta questão bastante delicada que deve ser tratada com muita precaução. 132. “Tant vaut l’arbitre, tant vaut l’arbitrage” 98. Se a desconfiança contra os árbitros ganha esta batalha, é o mecanismo da arbitragem que perde o seu valor. 133. As Diretrizes são, obviamente, apenas um ponto de partida e não resolvem todas as dificuldades. Não se trata aqui de defender, cegamente, a aplicação desse texto, até porque compreende-se a reticência encontrada atualmente no seio da doutrina, que teme que sua utilização gere mais problemas ao invés de trazer soluções. Mas o fato é que a iniciativa do IBA alimenta o debate sobre a questão da independência e da imparcialidade dos árbitros internacionais, assim como a questão do conteúdo da obrigação de revelação. Incentivar o debate sobre uma questão tão crucial só pode ser positivo. As controvérsias doutrinárias sempre tiveram o papel de melhorar a regra de direito e, de forma mais ampla, o estado do direito positivo. Só podemos esperar, para o futuro da arbitragem internacional, que o mesmo aconteça através do debate surgido em razão da iniciativa do International Bar Association.