RELAÇÃO ENTRE OS ENCALHES DO BOTO
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RELAÇÃO ENTRE OS ENCALHES DO BOTO
ENCALHES DO BOTO-CINZA SOTALIA GUIANENSIS EM PRAIAS DA COSTA LESTE DA ILHA DE MARAJÓ-PA. Alexandra F. Costa1, Neusa Renata Emin-Lima1, Angélica L. F. Rodrigues1, Maura Elisabeth M. Sousa3, Salvatore Siciliano1,2. 1. Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (GEMAM), Projeto Piatam Mar & Piatam Oceano. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Zoologia. Campus de Pesquisa. Av. Perimetral, 1901 – Terra Firme, Belém, PA 66077-530 Brasil, [email protected]; [email protected]; [email protected] 2. Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (GEMM-Lagos), Depto. de Endemias, Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Rua Leopoldo Bulhões, 1480-térreo – Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ 21041210 Brasil, [email protected] 3. Graduação em Oceanografia, Universidade Federal do Pará-UFPA, [email protected] ABSTRACT A monitoring program for recovering cetaceans carcasses was established on the eastern coast of Pará State. The surveyed area covers the municipalities of Soure and Salvaterra, eastern coast of Marajó Island, Pará State, Brazil. A total of 28 days were spent on effort, resulting in 61 carcasses of Sotalia guianensis found on the beaches. Only one specimen of Inia geoffrensis was recovered during the surveys. Most of the Sotalia specimens showed clear marks of entanglement in fishing nets. The beach of Praia Grande de Salvaterra represented the largest collection site of carcasses during all surveys. Apparently there is no relation between beach morphology and strandings of S. guianensis. It seems clear that S. guianensis is the most affected species by gillnets operating in Marajó bay. A long term monitoring program is under consideration, for investigating the consequences of incidental captures in the genetic diversity of Sotalia populations in northern Brazil. INTRODUÇÃO A costa norte do Brasil representa uma lacuna de conhecimento em relação aos mamíferos aquáticos devido à ausência de dados pretéritos e à dificuldade na logística de monitoramento no litoral amazônico. Algumas espécies vêm sofrendo enorme pressão de caça desde o período colonial e na atualidade são vítimas de diversas ameaças oriundas de atividades humanas como alteração e perda de hábitat, poluição do ar e das águas, desmatamento, interações com atividades de pesca, entre outras. Embora diversas atividades de origem antrópica tenham sido identificadas como possíveis ameaças, o nível do impacto causado nas populações de mamíferos aquáticos é desconhecido. A ocorrência do boto-cinza (S. guianensis) em toda costa amazônica merece destaque, considerando-se a problemática de interação com a pesca artesanal e o comércio de suas peças anatômicas. As carcaças de S. guianensis são geralmente retalhadas e utilizadas como isca para a pesca de tubarões. Outros usos são conhecidos, geralmente relacionados à cultura amazônica e seus misticismos, destacando-se o amplo comércio de dentes, genitálias e olhos. O boto-cinza distribui-se de Honduras (Edwards & Schnell, 2001) até Santa Catarina, sul do Brasil (SimõesLopes, 1988). Apresenta hábitos preferencialmente estuarinos, freqüentando praias, baías e desembocaduras de rios ao longo do litoral brasileiro (Da Silva & Best, 1996; Siciliano et al., 2006). Trata-se de espécie estritamente costeira com preferência alimentar por peixes, cefalópodes pelágicos e demersais (Flores & Bazzalo, 2004, Barros et al., 1998, Di Beneditto & Siciliano, 2007). Apenas recentemente houve um esforço de monitoramento costeiro dedicado ao recolhimento de carcaças de cetáceos no Estado do Pará. Com o objetivo de cobrir essa lacuna de conhecimento, foram visitadas as principais localidades pesqueiras de Soure e Salvaterra, na Ilha de Marajó, entre novembro de 2005 e maio de 2007, a fim de recolher carcaças de cetáceos e outras evidências da presença de mamíferos aquáticos na região. MATERIAIS E MÉTODOS Os monitoramentos estão concentrados na costa do Marajó, nos municípios de Salvaterra e Soure, localizados na margem leste da ilha, compreendendo a região estuarina entre a Baía do Marajó e suas adjacências. Os rios de pequeno porte que deságuam nesta baía têm seus regimes influenciados pela pluviosidade e pelas marés (França, 2003). O rio com drenagem mais significativa é o Paracauari, que separa as cidades de Soure e Salvaterra (Fig. 1). Nesta região a temperatura média anual é de 27,3 oC, com pluviosidade anual superior a 3000 mm (Martorano et al. 1993 apud França, 2003). Existem dois períodos sazonais: o chuvoso de dezembro a maio, velocidade média do vento de 6,2 m/s, sendo este o período de maior influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), e o menos chuvoso de junho a novembro, velocidade média do vento de 7,0 m/s (Ferreira 2001; Lima 2002 apud França, 2003). As praias foram percorridas a pé por uma equipe de até seis pesquisadores, empregandose um total de 28 dias de campo nos levantamentos. A cada exemplar recolhido anotavam-se dados relativos ao encalhe, tais como: data, local, coletores, no de campo, sexo, comprimento total e marcas naturais. Após preparação da carcaça, o exemplar recebia um número de tombamento para sua posterior catalogação no acervo do Setor de Mastozoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi. Figura 1. Mapa da Área de Estudo, destaque para o Rio Paracauari que separa os municípios de Soure e Salvaterra. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram recolhidas 61 carcaças completas ou parciais do boto-cinza (S. guianensis) durante os monitoramentos de praias realizados na Ilha de Marajó entre novembro de 2005 e maio de 2007. Apenas um exemplar de boto-malhado (Inia geoffrensis) foi encontrado durantes os monitoramentos de praias no Marajó. A quase totalidade das carcaças reunidas neste estudo encontrava-se em decomposição avançada. Em sua maioria apresentavam-se cortados a faca, especialmente o pedúnculo caudal, parte da nadadeira caudal ou o rostro. Desse modo, sugere-se que a maioria dos exemplares de boto-cinza encontrados tenha sido capturada acidentalmente em redes de pesca que operam na Baía do Marajó e adjacências. Segundo Alves et al. (2005), as praias da área monitorada localizam-se no Setor 2 da zona costeira do estado, denominado Insular Estuarino. As praias desta região se dividem em planalto costeiro, aquelas situadas no município de Salvaterra, e planície costeira, àquelas do município de Soure. As praias do planalto costeiro são formadas por estreitas faixas de areia (60 m), com berma praial definida e declividade acentuada (5,5 a 7º), enquanto as praias da planície costeira são formadas por largas faixas de areia (250 m), declividade moderada a suave (1,5 a 3º). A maior freqüência de carcaças recolhidas correspondeu a Praia Grande de Salvaterra, totalizando 33% do total de exemplares encontrados. Em seguida, estão as praias do Pesqueiro e Vila do Pesqueiro, localizadas na planície costeira, alcançando 26%, (Fig. 2 e 4). Entretanto, observou-se que os menores índices de carcaças encontradas foram em praias tanto do planalto costeiro quanto da planície costeira. Estes resultados sugerem que as praias da costa leste da Ilha de Marajó, independente de sua feição, não determinam o encalhe de pequenos cetáceos.Os encalhes de botos-cinza apresentaram sazonalidade ao longo do ano, com um pico máximo no mês de novembro de 2006 e dois picos mínimos nos meses de março e maio de 2007 (Fig. 3). Em relação aos períodos sazonais, observamos que o maior número de encalhes (59%) ocorreu no período menos chuvoso (Fig. 5), enquanto 41% dos eventos foi observado no período chuvoso. Apesar da média de encalhes no período menos chuvoso (média=11,67, SD=11,93) ter sido menor que no período chuvoso (média=6,25, SD=7,23), não houve diferença significativa entre as médias (p<0,05). Figura 2. Número de encalhes de S. guianensis, em relação às praias da costa leste da Ilha de Marajó. Figura 4. Distribuição de freqüência de encalhes de S. guianensis nas praias da costa leste da Ilha de Marajó. Figura 3. Número de encalhes de S. guianensis em relação aos meses do ano, na costa leste do Marajó. Figura 5. Freqüência de ocorrência de encalhes de S. guianensis em relação aos períodos sazonais nas praias da costa leste da Ilha de Marajó. CONCLUSÃO Os resultados obtidos indicam que a intensa atividade pesqueira na Baía do Marajó parece exercer considerável impacto na população de S. guianensis. A avaliação da magnitude das capturas acidentais, aliada a outros métodos de investigação tais como monitoramento de parâmetros físico-químicos; acompanhamento das épocas de defeso da pesca e avaliação dos eventos de captura junto aos pescadores visando a coleta de material biológico, poderão futuramente fornecer importantes informações sobre a ecologia de S. guianensis na costa leste da Ilha de Marajó. BIBLIOGRAFIA ALVES, M.A.M.S; SOUZA FILHO, P.W.M. & SILVA, F.P.L. 2005. Índice de Sensibilidade Ambiental das Praias Arenosas de Meso-Macromarés da Zona Costeira do Estado do Pará: Dados preliminares. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DO PIATAM, 1., 2005, Manaus-AM. Anais do Congresso Internacional do Piatam. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas-EDUA, v. 1, p. 243. BARROS, N.B.; ZANELATTO, R.C.; OLIVEIRA, M.R.; ROSAS, F.C.W. & SIMÕES-LOPES, P.C. 1998. Hábitos alimentares do boto cinza, Sotalia fluviatilis, no extremo sul de sua distribuição. In: REUNIÃO DE TRABALHO DE ESPECIALISTAS EM MAMÍFEROS AQUÁTICOS DA AMÉRICA DO SUL, 8., 1998, Olinda. Anais... Olinda: Outubro p. 25-29. DA SILVA, V.M. & BEST, R.C., 1996. Sotalia fluviatilis. Mammalian Species, n. 527: p. 1-7. DI BENEDITTO, A.P.M. & SICILIANO, S., 2007. Stomach contents of the marine tucuxi dolphin (Sotalia guianensis) from Rio de Janeiro, south-eastern Brazil. J. Mar. Biol. Ass. n. 87: p. 253254. EDWARDS, H.H. & SCHNELL, G.D., 2001. Status and ecology of Sotalia fluviatilis in the Cayos Miskito Reserve, Nicaragua. Marine Mammal Science, n. 17, v. 3, p. 445-472. FLORES, P.A.C. & BAZZALO, M., 2004. Home ranges and movement patterns of the marine tucuxi dolphin, Sotalia fluviatilis, in Baía Norte, southern Brazil. LAJAM n. 3, v. 1, p. 37-52. FRANÇA, C.F. 2003. Morfologia e mudanças costeiras da margem leste da Ilha de Marajó (PA). 144p. Tese de Doutorado (Geologia) – Curso de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, Centro de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém. JEFFERSON, T.A, LEATHERWOOD, S. & WEBBER, M.A., 1993. FAO Species identification quide Marine Mammals of the world. Rome: FAO/UNEP, 320p. SICILIANO, S., MORENO, I.B., SILVA, E.D. & ALVES, V.C., 2006. Baleia, botos e golfinhos na Bacia de Campos. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ. 100p. SIMÕES-LOPES, P.C., 1988. Ocorrência de uma população de Sotalia fluviatilis Gervais, 1853 (Cetacea: Delphinidae) no litoral sul da sua distribuição, Santa Catarina, Brasil. Biotemas, n. 1, p. 57-62. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Heloisa Vargas Borges (AMA/CENPES) e Ronaldo Bezerra pela viabilização da logística de trabalho de campo do Grupo de Mamíferos Aquáticos - Piatam Mar & Piatam Oceano. Salvatore Siciliano e Alexandra Costa recebem apoio do projeto Piatam Oceano e Renata Emin-Lima do projeto Piatam Mar. A Tomás Peixoto pela confecção do mapa da área de estudo. Esta é a contribuição No 4 do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da AmazôniaGEMAM – PIATAM.
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