Setor elétrico brasileiro: estado atual e

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Setor elétrico brasileiro: estado atual e
Visões do Setor Elétrico
Uma contribuição para o futuro energético do Brasil
www.visoesdosetoreletrico.com.br
Visões do Setor Elétrico
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Sumário
Sumário
Apresentação04
Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Ricardo Mendes
Edvaldo Alves de Santana
Energia, diferencial de competitividade nacional
06
Indústria, energia e desenvolvimento
Paulo Pedrosa
Ricardo Lima
Incômodos para consumidores,
Visões do Setor Elétrico
impactos para a economia
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Camila Schoti
Depoimento
54
60
Ashley Brown
Uma agenda para o desenvolvimento do setor
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elétrico brasileiro 64
Hermes Chipp
Joisa Dutra
Um sonho de liberdade: via preço,
O Setor Elétrico – uma visão de agosto de 2014
para informação e redenção
20
Julião Silveira Coelho
Setor elétrico brasileiro: estado atual e sugestões
72
Jerson Kelman
A Eterna Evolução do Setor Elétrico –
26
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Setor eletrico brasileiro – uma breve contribuição
46
Desafios e Soluções
80
João Carlos Mello
36
Pedro Batista
É grave a crise, mas há solução
40
Adriano Pires e Elena Landau
Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
PROJETO
VISÕES
DO SETOR
ELÉTRICO
Ricardo Mendes
Presidente do Conselho Diretor
da ABRACE
Apresentação
Os desafios do setor elétrico e as dificuldades de seus agentes devem pautar
parte importante do início do trabalho do próximo presidente da República.
Decisões importantes deverão ser tomadas rapidamente evitando que os efeitos
financeiros de 2014 se repitam em 2015. Ao mesmo tempo, o tema não poderá deixar de ser abordado nos esforços em favor da recuperação da produção
industrial nacional. Afinal, a perda de competitividade da indústria brasileira
grande consumidora de energia explica parte importante da desaceleração econômica, particularmente porque diversos concorrentes globais estão instalados
em países que consideram o insumo um fator de política industrial ou têm alternativas de mercado que garantem a competitividade de sua produção.
Mais do que soluções pontuais, o próximo governante terá de buscar a inteligência coletiva do setor para que as decisões não só sejam justas como viáveis.
Além disso, essas soluções têm de devolver à energia o potencial de contribuir
com o desenvolvimento econômico do País.
Nesse contexto, a ABRACE reafirma seu papel de instituição técnica e seu compromisso com o debate. Por meio do Projeto Visões do Setor Elétrico, convidou especialistas de diferentes vertentes e que estão entre os mais respeitados
do setor energético brasileiro para que apresentassem sua contribuição nesse
processo. As visões daqueles que aceitaram o convite são apresentadas neste
documento, junto à da própria Associação.
O material foi discutido com os principais presidenciáveis e também servirá
de subsídio para o debate com o governo que tomar posse em janeiro. Você
também pode colaborar nesse processo. Conheça as diferentes visões, pesquise,
discuta e apresente suas próprias percepções no site do Projeto. Participe você
também dessa discussão e ajude no encaminhamento de um dos maiores desafios que o novo governo terá de enfrentar.
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Energia, diferencial de
competitividade nacional
Paulo Pedrosa – presidente-executivo da ABRACE
A pergunta certa
Ninguém duvida de que o objetivo das políticas públicas deve ser a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas
é fundamental ter clareza sobre quais são as melhores maneiras de se atingir – e depois preservar – tal objetivo.
A pergunta que guia o trabalho de muitos governantes é “como aumentar a renda das famílias?”. No caso brasileiro,
aparentemente, essa pergunta tem sido respondida pelo aumento direto dos salários, pela manutenção do câmbio
favorecendo o consumo de importados e pela destinação dos recursos energéticos baratos, como o das concessões
que vencem, para os consumidores pequenos. Estes três movimentos têm na indústria nacional a parte perdedora e
explicam a gigantesca destruição de valor no PIB industrial brasileiro.
No artigo a seguir, focamos na energia elétrica e mostramos que o mais adequado seria perguntar qual pode ser
a melhor contribuição do setor de energia para melhorar a qualidade de vida das famílias. E antecipamos nossa
resposta: dar competitividade à produção nacional e promover o desenvolvimento do País. Sem essa clareza, o risco
é buscarmos respostas certas para perguntas erradas, à mercê de interesses pulverizados e de intervenções pontuais.
A história demonstra com clareza como a produção e o consumo de bens evoluem com o tempo, com base nas
condições econômicas, geográficas e tecnológicas das diversas regiões do mundo. Depois da transferência maciça da
produção fabril à China a partir dos anos 1990, hoje assistimos à retomada industrial da América do Norte e à busca,
da própria China – agora num papel de ainda mais destaque –, por minérios e alimentos na África. Iniciativas como
a revolução do gás de xisto do primeiro bloco e o acordo chinês com a Rússia para importação de gás denotam o
papel preponderante da energia em bases competitivas nesses processos de protagonismo global.
O Brasil, por sua vez, distancia-se a passos largos do centro do atual ciclo de produção justamente devido à energia
cara para a produção fabril. Muitos entendem que corremos o risco de nos tornarmos a mina e a fazenda do mundo,
certamente um destino medíocre para um País tão extraordinário – e um destino incapaz de acolher e incluir a todos
os brasileiros.
Esse é o preço da opção de destinar seu potencial energético ao benefício direto dos consumidores para os quais
os custos com energia são pouco significativos, como os residenciais e as empresas que estão na ponta das cadeias
de produção. Diversos exemplos recentes apontam nessa direção, com destaque para a destinação dos benefícios
das concessões do setor elétrico para as distribuidoras e o controle dos preços finais da gasolina (em detrimento da
energia e do gás para a produção).
Brasil, ameaçado de exclusão dos ciclos globais de produção
A dramática situação da indústria nacional tem na energia uma de suas causas. Nossos competidores são beneficiados
por políticas públicas e mercados eficientes na energia elétrica e no gás natural, enquanto aqui os custos minam a
competitividade e reduzem a produção, ampliando a ociosidade dos parques fabris. E a incerteza diante dos valores
futuros desaconselha investimentos, que propiciariam ganhos tecnológicos e de escala, e assegurariam a recuperação
do nosso espaço nos próximos ciclos globais de produção.
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Visões do Setor Elétrico
Enquanto isso, a indústria nacional perde cada vez mais espaço no mercado externo diante de seus competidores de
outros países. Os sintomas dessa crise vão desde a retração da produção, o aumento do déficit da balança comercial e
a perda recorde de confiança entre os industriais. Tais dificuldades, aliás, tornaram-se praticamente um instrumento
de gestão do abastecimento neste momento de seca histórica e despacho térmico na base do sistema elétrico
brasileiro, uma vez que, evidentemente, vieram acompanhadas de redução significativa do consumo industrial de
energia. Tanto é que, nas atuais circunstâncias, uma eventual recuperação da produção se transformaria em um
problema ainda maior.
Visões do Setor Elétrico
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Energia, diferencial de competitividade nacional
Paulo Pedrosa
Energia como ferramenta de política industrial
A relevância da energia como fator de competitividade industrial é comprovada não só pela experiência internacional:
diversos estudos acadêmicos e de consultorias mostram que energia em condições competitivas para a grande
indústria resulta em geração de empregos, crescimento econômico, aumento da arrecadação e redução da inflação,
entre outras melhorias. Tem, portanto, efeitos estruturais e sustentáveis muito mais significativos para a população
como um todo do que a redução de poucos reais nas contas residenciais de luz – o que até estimula o desperdício.
Diante desses fatos e da atual situação da produção nacional, é necessário voltar o foco para o desenvolvimento
de uma política industrial energética que destine os recursos à competitividade das cadeias produtivas a partir das
indústrias de base que as suportam, como tem feito diversos países, exemplificados a seguir. Evidentemente que os
resultados de tal política seriam alcançados ainda mais facilmente – com menos intensidade e a custos menores – se
ela fosse aplicada num setor elétrico eficiente, com boa governança e com um mercado verdadeiramente competitivo,
como, aliás, também é o caso da maioria dos países citados.
• A França destina 25% da energia produzida pelas usinas nucleares históricas da EDF (ou seja, com investimentos
já amortizados) a preços diferenciados para grandes indústrias.
• A Alemanha reduziu em 20% os preços da energia exclusivamente para a produção industrial. As indústrias
selecionadas são isentas de tarifas de transmissão e não pagam pelos custos de fontes renováveis, mais caras que
o restante do parque gerador alemão.
• O Estado de Nova York criou um programa de 900 MW de energia de baixo custo, proveniente de hidrelétricas,
para empresas cujo custo com energia é significativo.
• A Província de Ontário, no Canadá, reduziu em até 25% os custos da energia da indústria com consumo superior
a 50 mil MWh por ano.
• Políticas de redução do custo da energia para a indústria siderúrgica contribuíram para que a China passasse de
importador líquido de aço para exportador líquido.
Energia, diferencial de competitividade nacional
Paulo Pedrosa
pede previsibilidade, transparência e isonomia. Evita conflitos de interesse, assegurando a clareza de papéis entre
formuladores de política, reguladores, investidores, agentes de cada segmento e consumidores. Pede também a
valorização da lógica econômica, com a promoção de um ambiente eficiente com base na competição em torno de
preços que reflitam a realidade, assegurado a todos o acesso físico à energia e a instrumentos de gestão de riscos, e
garantindo a necessária liquidez do mercado. As medidas listadas a seguir são fundamentais para tanto:
• Adotar processos decisórios transparentes, participativos e públicos, sujeitos a avaliação permanente e sempre
precedidos de análises dos impactos nos ambientes físico e comercial nas decisões sobre política energética,
regulação, planejamento, operação e gestão do mercado de energia. Para isso, é preciso fortalecer a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e sua independência, prover assento aos agentes no Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico (CMSE) e retomar o diálogo com os consumidores e demais agentes.
• Aprimorar o modelo de formação do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) para reduzir a volatilidade e
viabilizar maior oferta e preços mais competitivos no mercado. Aprimorar as tarifas dos consumidores regulados,
estimulando a redução do consumo quando a energia for escassa ou cara através da informação de preços reais.
• Promover maior liquidez no mercado, viabilizando a venda de montantes de energia não consumida entre
consumidores livres e entre os mercados livre e regulado, e garantir a sustentabilidade da oferta de energia para o
mercado livre a preços competitivos.
• Integrar os órgãos de planejamento, ambientais e de financiamento, assegurando a expansão competitiva da
oferta de energia, e a retomada da construção de usinas hidrelétricas com reservatórios. Melhorar a gestão
de planejamento e fiscalização das obras, de modo a evitar atrasos hoje comuns, cujos custos acabam sendo
repassados aos consumidores.
Todos esses aspectos seguramente contribuirão para uma evolução em direção à maior eficiência do setor energético
nacional. São aspectos de alguma tecnicidade que certamente não serão compreendidos pela dona de casa. Mas sem
dúvida ajudarão a indústria brasileira a voltar a ocupar espaço no cenário global, gerando empregos, desenvolvimento
e crescimento econômico para nosso País, e, finalmente, melhorias que não só as donas de casa, como todos os
brasileiros, perceberão em seu cotidiano. Ou seja, poderemos dar a resposta certa à pergunta certa.
O Brasil tem totais condições de usar seu extraordinário potencial energético como alavanca para a recuperação
industrial, com a criação de uma política energética voltada às grandes consumidoras de energia elétrica que lhes
garanta energia ao mesmo patamar dos principais concorrentes globais: US$ 40/MWh. Formas viáveis de colocar em
prática esse direcionamento incluem a possibilidade de a grande indústria participar voluntariamente dos leilões de
Abrace
expansão do parque gerador nacional, ter acesso às cotas de energia elétrica das usinas cujas concessões venceram,
A ABRACE – Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres –,
fundada em 22 de agosto de 1984, é uma sociedade sem fins lucrativos que congrega grandes grupos industriais, de
energointensivos a consumidores livres, que respondem por 20% de toda energia consumida no Brasil, ou seja, 45% do
consumo de energia elétrica, e 40% da energia térmica da indústria brasileira. Membro do Conselho Mundial de Energia
(WEC), da International Federation of Industrial Energy Consumers (IFIEC) e da Associação Latino-Americana dos
Grandes Consumidores Industriais de Energia (INTERAME), a ABRACE, reconhecida por ser a principal interlocutora
organizada do setor, busca estruturar suas ações focada no desenvolvimento energético sustentável no país, sempre em
sinergia constante com suas associadas, para as quais energia é tida como um insumo de primeira grandeza e fator
preponderante para a competitividade de seus produtos e, conseqüentemente, da economia brasileira como um todo.
ser isenta de encargos setoriais (Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, do Encargo de Energia de Reserva
– EER e do Encargo de Serviço do Sistema – ESS) e desonerada permanentemente do custo de políticas públicas
incluídos nas tarifas de energia.
Ao mesmo tempo, o setor de energia tem que ser mais bem organizado, com o fortalecimento da governança
setorial e a promoção de um ambiente de confiança para as decisões de investimento com os menores custos de
capital possíveis, seja na cadeia produtiva da energia, seja além dela, nas cadeias que a consomem. A boa governança
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Incômodos para
consumidores, impactos
para a economia
Camila Schoti – coordenadora de energia
Ainda que o setor elétrico não estivesse passando por um preocupante e oneroso momento de stress, ainda que
quase todos os agentes e consumidores do setor não estivessem sendo penalizados pela necessidade de se aprimorar
o modelo e por uma das piores conjunturas hidrológicas dos últimos oitenta anos, precisaríamos atentar para temas
que, embora não diretamente relacionados à situação atual, têm afetado de maneira significativa a competitividade
Se por um lado a Medida Provisória nº 579 (MP) reduziu os encargos para todos os consumidores brasileiros através
da suposta isenção de pagamento da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e da extinção da Reserva Global
da indústria para a qual a energia responde por importante parcela do custo de produção e precisam de solução.
de Reversão (RGR), por outro criou a “Super CDE”. Esse “novo” encargo agrega receitas e despesas de natureza
Assim, concordando e complementando a (não usual) convergência dos agentes em torno da necessidade de
nos próximos anos a promessa, feita quando do lançamento da MP, de que os custos de políticas públicas até então
se aprimorar o modelo atual, chamamos a atenção neste artigo para três questões que interferem nos planos de
investimentos das grandes indústrias no Brasil: i) a incerteza acerca do encargo da Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE), um problema que está afetando as decisões de produção da indústria a partir da capacidade hoje
ociosa, mas que também compromete a previsibilidade do custo futuro, e, portanto as decisões de investimento
na produção; ii) a qualidade do fornecimento de energia, que tem impactos indiretos, porém muito significativos,
sobre o custo de produção, e iii) a participação voluntária de grandes consumidores livres nos leilões de expansão,
viabilizando a contratação de longo prazo a preço competitivo, fundamental para as decisões de investimentos da
diversas e pode – ou não –, contar com o aporte de recursos do Tesouro Nacional para garantir que seja cumprida
desenvolvidas com recursos da conta de luz dos consumidores passariam a ser custeados pelo governo e que as
despesas com encargos seriam minoradas.
Explicamos. A partir da MP, todos os anos a Aneel faz uma previsão de despesas que envolvem o pagamento de
recursos para a CCC (que deveria ter sido extinta), para os subsídios ao carvão, para o Programa Luz para Todos,
para políticas públicas de subsídios à população de baixa renda, incentivos a fontes alternativas e outras despesas
(felizmente) menores. E avalia, também, quais são os recursos disponíveis, provenientes de pagamentos de multas
indústria.
no setor e do Uso do Bem Público (UBP).
Estes temas, de tão relevantes e incômodos, foram estabelecidos como prioritários no Projeto Energia Competitiva
Da diferença entre essas duas contas decorre a parcela a ser rateada entre todos os consumidores e que pode contar
(PEC), que congrega associações das indústrias química (Abiquim), vidreira (Abividro), alumínio (Abal), cloro e
soda (Abiclor) e ferro ligas (Abrafe) para discutir, sob a coordenação dos grandes consumidores (Abrace), alternativas
viáveis e sustentáveis para devolver competitividade à energia brasileira.
A importância do desafio aumenta pelo fato de que essas associações representam empresas do primeiro elo de
diversas cadeias produtivas. Ou seja, embora esses temas possam estar hoje em menor evidência no setor, afetam de
maneira muito significativa as bases da economia.
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CDE, uma guilhotina no pescoço da indústria?
Visões do Setor Elétrico
com recursos do Tesouro. Para se ter uma ideia, das despesas previstas para 2014 (R$ 18 bilhões), apenas R$ 800
milhões não foram rateados entre consumidores e União. Ocorre também, e aqui reside o maior problema, que a
União não tem qualquer obrigação legal de aportar recursos na CDE. Ou seja, caso não tenha disponibilidade de
recursos nos próximos anos, toda essa conta recairá sobre os consumidores.
Se as despesas da CDE em 2015 se mantiverem no mesmo patamar deste ano, o que pode até ser considerada
uma estimativa otimista, e se o Tesouro optar por não aportar recursos[1], a conta para os consumidores pode
passar dos R$ 14 bilhões, o que representaria um encargo de cerca de R$ 40/MWh pra os consumidores da região
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Incômodos para consumidores, impactos para a economia
Camila Schoti
Incômodos para consumidores, impactos para a economia
Camila Schoti
Sudeste, Sul e Centro-Oeste[2]. Esse valor equivale a 10 vezes o valor da quota paga em 2014. Neste caso, o custo
Vale ressaltar que o indicador considera como interrupção apenas aquelas superiores a três minutos, mas, para a
da CDE representaria 26% do custo da energia consumida quando considerado o atual mix médio de contratação
indústria, interrupções de alguns segundos podem ter impactos similares a interrupções de minutos: o prejuízo é o
das distribuidoras, da ordem de R$ 170/MWh, ou ainda, quase quatro vezes o valor da transmissão, cerca de R$11/
mesmo. Há casos registrados em que o tempo de retomada de produção para o patamar anterior a uma interrupção
MWh. Para a grande indústria, já combalida com tantas dificuldades, isso pode ser tão fatal quanto uma guilhotina.
com duração de uma hora e meia foi o mesmo daquele de duas interrupções de 30 segundos: de quatro horas e meia.
Para ela, o problema tem um perverso agravante: custos antes rateados com base no custo marginal de cada nível de
tensão e cobrados na forma de demanda,ao migrarem para a CDE, passaram a ser rateados igualmente entre todos
os níveis de tensão (na forma de selo) e cobrados pela energia consumida. Com isso, caso o Tesouro não honre o
compromisso assumido, mas não formalizado, estes custos serão redistribuídos de forma extremamente prejudicial
aos grandes consumidores, criando mais um subsídio cruzado em favor dos pequenos consumidores e contra a
competitividade da produção nacional.
Há, porém, alternativas que se complementam para lidar com esse problema. A primeira delas refere-se à
previsibilidade. O Tesouro poderia publicar um plano plurianual de aporte de recursos à conta. Em conjunto com
projeções da Aneel para as despesas no mesmo horizonte de tempo, haveria alguma informação sobre qual seria o
valor pago pelos consumidores nos próximos anos. Hoje, como demonstrado, o valor pode ser algo entre R$ 4 e R$
No que diz respeito à transmissão, a percepção de piora na qualidade do fornecimento para as indústrias é corroborada
pelo indicador de severidade[6] do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que acompanha a evolução da
razão entre a energia total interrompida devido a blecautes ao longo de cada ano e a demanda máxima anual. O
indicador tem piorado desde 2010 e encontra-se acima dos níveis considerados aceitáveis pelo próprio ONS[7].
Algumas medidas podem contribuir com a melhora desse problema. São elas: i) a criação de indicadores de
interrupção de curta duração (inferiores a 3 minutos) para as distribuidoras, o que permitiria ao regulador ter um
diagnóstico mais adequado sobre a qualidade do fornecimento para a indústria; ii) a criação de indicador similar
para os sistemas de transmissão, com a divulgação, inclusive, de ranking de qualidade das transmissoras e iii)
aprimoramento dos incentivos regulatórios baseados nos indicadores propostos, por meio de penalidades ou bônus
40/MWh.
para que concessionárias invistam na melhoria da qualidade do fornecimento.
A segunda refere-se ao aumento da eficiência das despesas pagas pela CDE. É preciso que se avalie onde há espaço
A transparência certamente permitirá aos consumidores apoiar a Aneel no processo de fiscalização e exigir, de seus
para economia nas principais despesas, como a CCC, a Tarifa Social e as despesas com a conta “subvenção descontos
concessionários, serviços coerentes com o nível tarifário vigente.
tarifários[3]”, que representam 26%, 23% e 11%, respectivamente, das despesas previstas para este ano.
A terceira passa por um programa de política industrial, a exemplo do que ocorre em grandes economias
concorrentes[4], em que a indústria fica isenta do pagamento do encargo como forma de desoneração de seus custos
de produção. Esta solução virá inclusive favorecendo os pequenos consumidores, que acabam pagando pela CDE
embutida nos preços dos produtos consumidos e ainda aumentada pelo peso de impostos adicionais ao longo das
cadeias produtivas.
Assegurar hoje a energia do futuro
A indústria grande consumidora do mercado livre acaba de sofrer um grave golpe quando não teve acesso à energia
das concessões renovadas. Mas se o acesso à energia competitiva do passado é importante, igualmente necessário
é o acesso à nova energia. E tão importante quanto assegurar a atratividade dos investimentos no setor elétrico, a
rentabilidade de seus acionistas e o estímulo à eficiência e ganhos de produtividade, é oferecer condições adequadas
para que a indústria possa olhar para o futuro e ter a segurança de que o preço de energia não será um entrave ao
Energia descontínua para a indústria
A indústria tem observado – e sido penalizada – com a deterioração da qualidade do fornecimento de energia tanto
no nível da distribuição, como no da transmissão.
retorno de seus investimentos. É nesse contexto que se faz necessária uma discussão sobre a participação da grande
indústria livre consumidora de energia nos leilões de expansão.
Os grandes leilões estruturantes, que oferecem energia a preços mais competitivos, alocam para o mercado regulado
(e sob a premissa de preço-teto) a maior parcela da energia proveniente das novas usinas. Nesse modelo, há um
No caso dos consumidores conectados aos sistemas de distribuição, além da percepção dos associados da Abrace
incentivo para que o investidor ofereça a energia para o mercado regulado ao menor preço possível e, para compensar,
– de que interrupções têm aumentado e que a qualidade tem caído nos últimos anos –, indicador da Aneel aponta
majore o preço para o mercado livre, de forma a ter um preço médio que lhe dê o retorno necessário. Com isso, a
para a necessidade de se aprimorar os incentivos à melhoria da qualidade. O indicador de Desempenho Global de
grande indústria não só não tem acesso à energia competitiva desses empreendimentos, como acaba pagando mais
Continuidade da agência apontou que em 2013[5], dentre as 34 maiores distribuidoras analisadas, cerca de metade
pela energia no mercado livre.
piorou seu desempenho em relação a 2012.
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Incômodos para consumidores, impactos para a economia
Camila Schoti
Incômodos para consumidores, impactos para a economia
Camila Schoti
Além de afetar a competitividade da indústria, o mecanismo provoca desequilíbrio entre os dois mercados e não
aproveita o potencial de consumo do mercado livre para apoiar na expansão da oferta.
É importante, assim, que se desenvolvam mecanismos que permitam aos grandes consumidores participarem
voluntariamente e em condições coerentes com a natureza de seus negócios no pool de compradores da energia
(hoje apenas as distribuidoras) proveniente dos projetos licitados. Soluções para entraves estão sendo estudadas
pelos consumidores, mas o problema também precisa ser enfrentado pelos formuladores de políticas públicas e
agentes do mercado livre.
[1] Outro cenário possível seria considerar que o Tesouro aportará, no mínimo, o equivalente aos créditos da União
provenientes de Itaipu, estimados em R$ 4 bilhões, porém, não há clareza sobre o futuro desses aportes.
[2] Consumidores das regiões Norte e Nordeste pagam cerca de 25% do valor da CDE pago pelos demais consumidores.
[3] Inclui despesas como subsídios para produtores rurais, irrigação, aquicultura e fontes incentivadas.
[4] Para maiores informações sobre essas políticas, referir-se a “Energia, diferencial de competitividade nacional”,
disponível no acervo do Visões do Setor Elétrico”.
[5] Indicador e ranking com base no Desempenho Global de Continuidade: http://www.aneel.gov.br/visualizar_texto.
cfm?idtxt=1971
[6] Índice de severidade do serviço conforme submódulo 23.3 dos procedimentos de rede do ONS.
[7] Energy Report – Setembro de 2013 – Edição 81.
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Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O PROJETO > Pec
O Projeto Energia Competitiva (PEC) tem como objetivo principal compartilhar conhecimentos da indústria
energointensiva com a sociedade para mostrar a importância da oferta de energia em condições competitivas para a
economia brasileira. Também propõe soluções que promovam a competitividade industrial, garantindo abundância de
energia a preços justos, com ganhos econômicos e sociais para o Brasil e os brasileiros.
Visões do Setor Elétrico
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Depoimento
Hermes Chipp
Face à crescente dificuldade para licenciamento ambiental de projetos de usinas
hidrelétricas com reservatórios, em sua maior parte localizados na bacia amazônica,
projetos de geração térmica convencional (carvão mineral e gás natural) e até
mesmo usinas nucleares se farão necessários no médio e longo prazo como alternativas
concretas de diversificação da matriz elétrica.
Naturalmente, esse expressivo crescimento físico do sistema trouxe uma maior complexidade para sua operação.
O ONS respondeu a esse desafio desenvolvendo e aprimorando seus produtos, processos e metodologias. São
exemplos disso:
• A mudança na política de operação hidrotérmica, com o desenvolvimento e aplicação, entre 2008 e 2012, dos
Procedimentos Operativos de Curto Prazo, que foram substituídos em setembro de 2013 pela introdução nos
modelos de otimização energética do mecanismo denominado CVaR (valor condicionado ao risco). Essas
Na virada do século, a capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional era de pouco mais de 65.000 MW,
medidas aumentaram o despacho das usinas térmicas, ampliando a segurança do abastecimento, mesmo em
dos quais 90,6% correspondiam a usinas hidrelétricas e 9,4% a usinas termelétricas, que utilizavam diferentes
condições hidrológicas adversas.
combustíveis.
• A integração de novos empreendimentos ao SIN, de modo a assegurar sua adequação à rede existente e garantir
No final de 2013, já vivíamos uma situação completamente diferente. Dos cerca de 123.000 MW instalados no
seu desempenho sistêmico, que se desenvolve em três etapas distintas:
sistema, 74,8% correspondiam a usinas hidrelétricas, 23,3% a usinas térmicas e 1,9% a parques geradores eólicos.
- A realização de estudos pré-operacionais, com a proposição das medidas operativas que garantam a segurança
Essa expansão teve como características principais:
• A concentração dos novos projetos hidrelétricos em usinas a fio d’água, reduzindo significativamente a capacidade
de regularização do sistema de reservatórios existente.
• A instalação de mais de 11.000 MW em usinas termelétricas a gás natural.
• A entrada em operação de cerca de 2.400 MW em parques eólicos, principalmente nas regiões Nordeste e Sul.
• A integração ao SIN de novas áreas, como o sistema Acre/Rondônia e, mais recentemente, de Manaus e de Macapá.
• O fortalecimento do sistema de transmissão, com o reforço das interligações inter-regionais e o acréscimo de
novas linhas aos sistemas regionais, ampliando as possibilidades de efetuar a otimização do uso dos recursos
energéticos das bacias e regiões, e melhorando as condições de atendimento aos principais centros de carga.
operativa da rede nas diferentes etapas do processo de integração.
- A análise de conformidade dos projetos básicos dos novos empreendimentos de transmissão e/ou geração
leiloados ou autorizados pela ANEEL com os Anexos Técnicos dos respectivos editais e com os Procedimentos
de Rede do ONS.
- A participação do ONS na elaboração dos Anexos Técnicos, que definem as características e requisitos técnicos
dos novos empreendimentos que serão objeto dos editais das licitações realizadas pela ANEEL.
Nos próximos cinco anos, com a expansão já contratada, o SIN deverá chegar a praticamente 160.000 MW instalados.
As características que marcaram a evolução entre 2000 e 2013 irão se acentuar ainda mais. A parcela correspondente
à capacidade instalada em hidrelétricas em relação à capacidade total cairá para 70,9%. Dos cerca de 21.000 MW
relativos aos novos projetos hidrelétricos acrescentados ao sistema, apenas 1% refere-se a usinas hidrelétricas com
reservatório, tornando ainda menor a capacidade de regularização do sistema de reservatórios. A capacidade de
geração eólica deverá superar 14.000 MW, passando a representar 8,9% do total instalado no país. As outras fontes
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Depoimento
Hermes Chipp
de geração também terão crescimento expressivo, com a entrada em operação de novas usinas a gás (13.000 MW em
2018, 8,2% de participação) e a biomassa (7.850 em 2018, correspondendo a 4,9% de participação na matriz elétrica).
Outro ponto a ressaltar é que teremos grandes troncos de transmissão interligando as usinas hidrelétricas implantadas
nos afluentes da margem direita do rio Amazonas com os sistemas recebedores do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste.
Serão sistemas de grande extensão – 2.400 km no caso do Complexo do Madeira, 2.500 km no caso de Belo Monte e
1.000 km em Teles Pires – conjugando circuitos em corrente contínua e corrente alternada, e transmitindo potências
Depoimento
Hermes Chipp
• Captação de água no rio Grande, em Mascarenhas de Moraes;
• Captação de água no rio Paraíba do Sul.
A tomada de decisão sobre a flexibilização dessas restrições vem sendo realizada de forma compartilhada envolvendo
MME, MMA, MIR, ANEEL, ANA, Ibama, ONS e os agentes proprietários das instalações. O uso múltiplo da água pelos
diversos setores produtivos é um desafio que se coloca na ordem do dia da agenda para discussão com a sociedade.
que variam significativamente entre o período úmido e o seco, em uma relação quase de 10:1. Temos aí mais um fator
A longo prazo, o remédio efetivo só virá quando pudermos conjugar soluções que aumentem a energia garantida do
a aumentar a complexidade operativa do SIN.
sistema, seja com a construção de novos reservatórios, seja com a implementação de novos parques termelétricos ou
Creio que esta questão deve ser tratada com profundidade, ampliando a discussão na sociedade sobre como deve
ser o sistema que queremos – qual o nível de segurança de suprimento que ele deve ter, qual a dependência de fontes
renováveis não convencionais intermitentes desejada, qual a participação da geração termonuclear admissível, como
com a exploração de novas fontes renováveis. Tudo isso com base em um critério de decisão que valorize a garantia
de suprimento de eletricidade acima do seu mínimo custo para uma sociedade cada vez mais exigente, ao reconhecer
sua dependência desse insumo.
avaliar os benefícios e os impactos socioambientais da construção de novos reservatórios, como tudo isso irá se
Nesse sentido, o ONS entende que, face à crescente dificuldade para licenciamento ambiental de projetos de usinas
refletir nos custos da eletricidade. São todas questões complexas, cujas respostas não temos hoje. Mas, com certeza,
hidrelétricas com reservatórios, em sua maior parte localizados na bacia amazônica, projetos de geração térmica
apenas com a discussão ampliada por toda a sociedade seremos capazes de obtê-las.
convencional (carvão mineral e gás natural) e até mesmo usinas nucleares se farão necessários no médio e longo
A perda de capacidade de regularização do sistema de reservatórios brasileiro, decorrente da concentração da
expansão hidrelétrica em projetos a fio d’água em um cenário de demanda crescente, tornou as condições de
suprimento ao longo do período seco cada vez mais dependentes do estoque acumulado no final do período
úmido precedente.
Como a maior parte da capacidade de armazenamento do sistema encontra-se na região Sudeste/Centro-Oeste,
prazo como alternativas concretas de diversificação da matriz elétrica. Assim, leilões regionais por fonte devem
ser considerados quando necessários, para contribuir com o aumento da garantia do atendimento, reduzindo a
dependência da transferência de grandes blocos de energia entre regiões.
Projetos baseados em energia renovável não convencional, como eólica e solar, farão parte da solução como energias
complementares, mas no nosso entendimento não são a base para o crescimento sustentável do país.
alcançando 70% do total (a região Sul corresponde a 7%, o Nordeste a 18% e o Norte a 5%), o estado de armazenamento
Diversos são os desafios que estão por vir, dentre os quais citamos: a integração da usina de Belo Monte; o aumento de
alcançado pelo Sudeste/Centro-Oeste ao final de abril é determinante para a garantia do suprimento energético no
quase 500% de participação da capacidade de eólicas na matriz elétrica; a integração de Roraima ao SIN, prevista para
SIN no restante do ano.
2016, último estado da Federação a ser integrado; e a necessidade de integração elétrica regional na América do Sul.
Esse estado de armazenamento depende essencialmente das afluências durante o período úmido precedente, ou seja,
Com relação à evolução das interligações inter-regionais, destaco a necessidade contínua de ampliação dos grandes
das chuvas de verão. A intensidade das chuvas e sua localização geográfica são o que vai definir as reservas hídricas
troncos de transmissão, em especial entre regiões, considerando inclusive a viabilidade econômica de se adotar o
disponíveis para a produção de energia no restante do ano.
critério N-2 de confiabilidade para interligações inter-regionais como forma de mitigar a ocorrência de grandes
Cabe lembrar que, em uma situação de forte esvaziamento dos reservatórios, a produção de potência das usinas
hidrelétricas é afetada significativamente, pois é função do produto entre a vazão afluente e a altura de queda
perturbações. Estamos constantemente lidando com os desafios do presente, preparando o ONS para o futuro, com
a certeza de que assim estaremos cumprindo com a nossa missão, contribuindo com o desenvolvimento do Brasil.
disponível.
Para implementar essa política é necessário flexibilizar os requisitos de uso múltiplo da água e condicionantes
ambientais. Os mais relevantes são:
CONHEÇA O AUTOR > Hermes Chipp
• Captação de água no rio São Francisco, em Três Marias e Sobradinho/Xingó;
Graduou-se em engenharia elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1971. Entrou na Eletrobrás naquele
ano e atuou principalmente na área de planejamento da operação elétrica, tendo exercido diversas funções de gerência e
coordenação no GCOI. Foi assistente da Diretoria de Operação de Sistemas da Eletrobrás e Secretário Executivo do GCOI.
Foi Diretor de Planejamento e Programação da Operação do ONS de 1998 a novembro de 2005.
• Requisito ambiental no rio Tocantins, em Serra da Mesa;
• Restrições da Hidrovia Tietê-Paraná, afetando os volumes mínimos de Ilha Solteira, Três Irmãos, Barra Bonita e
Promissão;
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Um sonho de liberdade:
via preço, para informação
e redenção
Julião Silveira Coelho
“Na era do ‘tempo real’”[7], a reversão do quadro atual pressupõe, portanto, a utilização das
novas tecnologias para, via preço, conferir informação precisa e adequada aos consumidores
sobre o custo de produção de energia elétrica. Assim, assegura-se ao consumidor plena liberdade
de escolha sobre quando e quanto consumir e, por consequência, obtém-se a contribuição da
demanda em favor da operação do sistema.
II.
O caso norte-americano: “… abra mercados, adote esquemas para inovação, invista em pesquisa e
desenvolvimento e no sistema educacional.”[3]
1. No início da década de 60, vigorou nos Estados Unidos o tabelamento do preço do gás nas operações interestaduais.
Preços artificialmente baixos aqueceram a demanda para nível superior à capacidade de oferta, provocando
longas esperas dos pedidos de novos atendimentos, situação inaceitável em país marcado por rigorosos invernos.
No início da década de 70, em razão da guerra do Yom Kippur, experimentou-se a primeira crise do petróleo,
resultante em expressivo aumento no preço do barril do petróleo e no consequente agravamento do déficit da
Um sonho de liberdade: via preço, para informação e redenção (ou “As
bizarrices do Brasil são todas elas explicadas através do bom-senso e
da boa teoria econômica…”[1])
I.
Introdução: “as pessoas dependem de um número limitado de princípios heurísticos que reduzem a
complexidade das tarefas de avaliar probabilidades e predizer valores para as operações de julgamento
mais simples. Em geral, estas heurísticas são bastante úteis, mas às vezes conduzem a erros graves e
sistemáticos.” [2]
1. Reducionismo, imprecisão e algum grau de miopia marcam explicações para o atual momento tanto do setor
energético norte-americano quanto do setor elétrico brasileiro. O “descobrimento” de “energia barata” tem
sido apontado, em referência ao gás de xisto, como explicação para o bom momento do setor energético norteamericano. A condição hidrológica desfavorável, por vezes combinada com forte calor, é apontada como razão
determinante da crítica situação do setor elétrico brasileiro. A investigação das causas do momento norteamericano sob as perspectivas histórica, econômica, regulatória e jurídica, além de revelar o equívoco da tese da
“energia barata”, serve como estudo de caso a partir do qual é possível compreender as razões para o momento do
setor elétrico brasileiro e identificar alternativas para reversão do quadro.
20
Visões do Setor Elétrico
balança comercial norte-americana.
2. Reformas foram implementadas com o propósito de reverter o cenário. Em resposta ao desequilíbrio no setor
de gás, promoveu-se sua desregulação, cuja essência consistiu na aceitação da irrevogável lei da oferta e da
procura como vetor dos preços desse bem essencial. Em resposta à crise do petróleo e seus nefastos efeitos,
iniciou-se movimento de “eletrificação” do consumo de energia, o qual consistiu em reduzir o consumo interno,
mas não a produção, de combustíveis fósseis, aumentar o consumo baseado em fontes renováveis e conferir
incentivos à racionalização no consumo, à pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, à inovação e ao
empreendedorismo.
3. O incentivo à racionalização no consumo foi promovido mediante tarifas indutoras de eficiência (“Efficiency
Inducing Rates – EIRs”), caracterizadas por veicularem sinais de preço de acordo com o período do dia, estação
do ano e comportamento do consumidor. No início do século corrente, as novas tecnologias, com destaque para
os medidores inteligentes, permitiram a aplicação de preços em tempo real (“real time pricing”).
4. O incentivo à pesquisa e desenvolvimento, à inovação e ao empreendedorismo foi viabilizado tanto pelo regime
jurídico de patentes, estruturado, aplicado e revisitado sempre com o objetivo de proporcionar os incentivos
adequados para desencorajar atividades improdutivas e estimular o desenvolvimento de produtos efetivamente
Visões do Setor Elétrico
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Um sonho de liberdade: via preço, para informação e redenção
Julião Silveira Coelho
Julião Silveira Coelho
úteis à sociedade, quanto pela chamada lei da captura, a qual, ao conferir aos cidadãos, e não ao Estado, direitos
4. Com sinal de preço menos distorcido, o cidadão-consumidor poderia ter evitado consumo ocioso, poderia ter
sobre os recursos naturais encontrados em suas terras, faz com que a exploração desses recursos e a percepção dos
reduzido o consumo ao longo de 2013 e início de 2014 e, assim, contribuído para o armazenamento de água nos
benefícios não dependam de improvável gestão eficiente de alguma PetroSam.
reservatórios das usinas hidrelétricas, o que mitigaria o despacho de tantas usinas termelétricas e aliviaria os
5. A indução à eficiência energética desatou em produtividade, na medida em que, hoje, produz-se muito mais a
partir de uma unidade de energia. Pesquisa e desenvolvimento e inovação conduziram às técnicas de fraturamento
correspondentes custos, os quais, embora financiados em grande medida pelo cidadão-contribuinte, serão depois
repassados ao cidadão-consumidor.
para extração de gás. Não há “energia barata”. A energia é a mesma que sempre esteve nos subsolos rochosos.
5. As experiências do racionamento em 2001/2002 e da redução das tarifas promovida pela Medida Provisória
Seu preço não é intrinsicamente barato ou caro, mas observa a lei da oferta e procura em escala global. A nova
n. 579/2012 constituem comprovações empíricas da necessidade de o Brasil despertar para a importância de a
tecnologia de extração, sim, ostenta boa relação custo/benefício.
operação ser feita também pelo lado da demanda, e não apenas por intermédio da ampliação incessante e muitas
6. A conjunção desses fatores fez com que os Estados Unidos tomassem a posição da Rússia como maior exportador
vezes desnecessária da capacidade de geração do sistema.
de gás natural do planeta. Além de ter sido determinante para a redução do déficit da balança comercial e para a
6. Sinais adequados de preço, de preferência em tempo real, serviriam para: (i) conter o preço da energia elétrica
recuperação da economia norte-americana após a crise de 2008, o aumento na exportação de gás natural autoriza
no curto prazo, pois o consumidor, informado sobre o custo efetivo da geração de energia elétrica, reduziria seu
projeções de que os Estados Unidos, ainda na década corrente, assumirão a posição de maior exportador de
consumo ou alteraria os horários de consumo, dispensando o despacho das usinas mais caras; (ii) conter o preço
energia do mundo e reverterão, enfim, o persistente déficit de sua balança comercial.
da energia elétrica no longo prazo, pois, ao reduzir o consumo ou alterar os horários de consumo, o consumidor
III.
O caso brasileiro: “Pesquisas sugerem que os esforços para fazer os custos do uso da energia mais salientes
podem alterar decisões e reduzir significativamente esses custos.”[4]
1. Em 2012/2013, implementou-se, no setor elétrico brasileiro, medida semelhante à adotada no setor de gás norteamericano no início da década de 60. Em momento em que o custo de geração refletido nas tarifas era inferior ao
custo efetivo de geração de energia elétrica, fez-se a opção de reduzir essas tarifas em 20%. Assim, a diferença entre
o custo efetivo de geração e o custo refletido nas tarifas aumentou ainda mais. O resultado? Sucessivos recordes
históricos no consumo residencial e comercial de energia elétrica, recordes esses que, em aparente paradoxo,
estão dissociados de crescimento econômico, o que sugere haver consumo ocioso, desnecessário, ou, em bom e
claro português, desperdício, o extremo oposto da eficiência energética.
2. Já houve quem acreditasse que a demanda por energia elétrica seria inelástica, ou seja, não responderia a
alteração nos preços. No entanto, a experiência do racionamento já havia revelado o contrário. A essência do
“racionamento” vivenciado em 2001/2002 consistiu em aumentar o preço da energia elétrica para quem não
observasse as metas de redução de consumo e em bonificar quem reduzisse o consumo para patamar inferior à
dispensa a necessidade de haver excedente de capacidade destinado ao atendimento do consumo na ponta; e (iii)
proteger o meio-ambiente, porquanto haveria redução ou eliminação do despacho de usinas termelétricas, mais
poluentes do que as usinas hidrelétricas, as quais, no Brasil, operam na base do sistema.
7. Sinais adequados de preço também permitiriam a identificação do exato valor agregado pelas fontes renováveis.
Conforme enfatiza o Professor Severin Borenstein, da Universidade da Califórnia, Berkeley, “energia de fontes
intermitentes deve ser avaliada considerando o momento em que a energia é produzida.” Para ilustrar seu
raciocínio, o Professor Severin Borenstein exemplifica:
“Energia solar é produzida apenas durante o dia e tende a alcançar o pico de produção no meio do dia. Em muitas
áreas, isso é praticamente coincidente com o período de ponta do consumo, o qual normalmente se verifica nas tardes
de verão. Nesse sentido, o valor econômico médio da energia solar é maior do que seria caso a mesma quantidade
de energia fosse produzida na média em todas as horas do dia. Energia eólica frequentemente apresentam padrão
oposto nos Estados Unidos, produzindo, na maioria das regiões, mais energia elétrica à noite e em momentos de
baixa demanda e baixos preços.”[5]
meta. Mediante aplicação da noção básica de microeconomia de que a demanda reage à alteração de preços de
8. A falta de granularidade faz com que o preço da energia elétrica não reflita a efetiva contribuição e importância de
uma dada mercadoria, conseguiu-se, com o programa de racionamento, a mobilização da sociedade, cuja reação
cada fonte para o sistema. No exemplo mencionado pelo Professor Severin Borenstein, caso houvesse granularidade
acabou por evitar a necessidade de blecaute e por superar a situação adversa de abastecimento.
horária de preço, a fonte solar teria vantagem competitiva natural, decorrente não de subsídio, mas da sua aptidão
3. O contrário foi verificado com a recente redução das tarifas em 20%. Sem sinal adequado de preço e, por
consequência, inadvertido, o consumidor consumiu como se o custo de geração estivesse módico e, por
consequência, provocou o despacho de usinas termelétricas cada vez mais caras, as quais, usualmente movidas
a óleo combustível, impuseram e ainda impõem significativos custos econômicos e ambientais, em movimento
oposto ao bom exemplo da “eletrificação” colimada no caso norte-americano.
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Um sonho de liberdade: via preço, para informação e redenção
Visões do Setor Elétrico
para produzir energia elétrica no horário de ponta do consumo. No caso das usinas eólicas, a vocação para
produção de energia elétrica no período noturno, se conjugada com preços horários, conformaria cenário propício
à introdução do carro elétrico no País, reduzindo a emissão de poluentes e liberando à exportação a energia de
combustíveis fósseis, os quais, à diferença das fontes renováveis, podem ser acondicionados em barris e embarcados
em trens e navios.
Visões do Setor Elétrico
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Um sonho de liberdade: via preço, para informação e redenção
Julião Silveira Coelho
9. Maior granularidade nos preços permitiria a identificação do efetivo valor proporcionado por cada fonte, permitiria
a identificação da exata relação custo/benefício associada a cada fonte, informação essencial para orientar a
Um sonho de liberdade: via preço, para informação e redenção
Julião Silveira Coelho
errors.” (KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, New Series, Vol. 185,
n. 4157, Sep. 27, 1974, pp. 1124-1131)
expansão eficiente do sistema e para fixar critérios adequados de seleção das propostas de empreendimentos mais
[3] Fredrik Reinfeldt, Primeiro Ministro da Suécia, citado em “GIAMBIAGI, Fabio; SCHWARTSMAN, Alexandre. Complacência. –
vantajosas para o sistema e os consumidores.
1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 227”.
IV.
Conclusão: “Fatos, na vida, na política e na economia, têm consequência. Às vezes, elas demoram a
chegar – mas chegam.”[6]
1. A comparação com o caso norte-americano faz saltar aos olhos a necessidade de o setor energético ser encarado
como estratégico para a competividade nacional, em vez de utilizado com vistas à persecução de objetivos de
curto prazo, como controle da inflação, aumento episódico do poder de consumo da população e/ou eleição.
2. É tempo de o Brasil despertar para as novas tecnologias de equipamentos e também de regulação, sob pena de não
perceber a maior mudança verificada na indústria elétrica desde o seu nascimento com a invenção, patenteada, da
lâmpada incandescente. Ainda que se queira evitar o termo “racionalização”, o estímulo ao consumo desmedido
de energia elétrica deve ceder lugar à consciência de que a noção de produtividade se aplica também ao consumo
de energia. O consumidor bem informado via preço contribui com a operação do sistema e protege a si próprio,
[4] Tradução livre de: “Research suggests that efforts to make the costs of energy use more salient can alter decisions and significantly
reduce those costs.” (SUNSTEIN, Cass R. Simpler: the future of government. Simon & Schuster, New York, 2013, p. 135.)
[5] “Power from intermittent resources must be evaluated in terms of the time at which it is produced. Solar power is produced only
during daylight hours and tends to peak in the middle of the day. In many areas, this is close to coincident with the highest electricity
demand, which usually occurs on summer afternoons. Thus, the average economic value of generation from solar is greater than if it
produced the same quantity of power on average at all hours of the day. Wind power often has the opposite generation pattern in the
United States, in most locations producing more power at night and at times of lower demand and prices.” (BORENSTEIN, Severin.
The Private and Public Economics of Renewable Electricity Generation. Journal of Economic Perspectives, Volume 26, Number 1,
Winter 2012, p. 75).
[6] GIAMBIAGI, Fabio; SCHWARTSMAN, Alexandre. Complacência. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 239.
[7] FRANCO, Gustavo H. B. As leis secretas da economia: revisitando Roberto Campos e as leis do Kafka. Rio de Janeiro: Zahar,
2012, p. 23.
pois pode reduzir seu consumo ao essencial e, assim, mitigar ou evitar o aumento do custo de geração, que, cedo
ou tarde, a ele será repassado, na condição de consumidor ou de contribuinte.
3. O fracasso do modelo paternalista em que o Estado, em pretensão de onipotência, distorce a informação de preço
e induz o consumo independentemente do custo associado está revelado na forma de litígios em profusão e tarifas
em violenta ascensão após a forçada contração.
4. “Na era do ‘tempo real’”[7], a reversão do quadro atual pressupõe, portanto, a utilização das novas tecnologias
para, via preço, conferir informação precisa e adequada aos consumidores sobre o custo de produção de energia
elétrica. Assim, assegura-se ao consumidor plena liberdade de escolha sobre quando e quanto consumir e, por
consequência, obtém-se a contribuição da demanda em favor da operação do sistema.
5. O intervencionismo paternalista, sobretudo quando caracterizado também pelo desprezo por lições básicas de
economia, produz retrocesso e crise. A realidade sempre se impõe. Quanto mais se tenta postergá-la ou maquiála, mais caro é o preço que ela cobra.
[1] “… só é preciso compreender o contexto e os incentivos, sempre exóticos e incomuns, que provocam comportamentos surpreendentes
e idiossincráticos, mas paradoxais apenas na aparência.” (FRANCO, Gustavo H. B. As leis secretas da economia: revisitando Roberto
Campos e as leis do Kafka. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 17.)
[2] “… people rely on a limited number of heuristic principles which reduce the complex tasks of assessing probabilities and predicting
values to simpler judgmental operations. In general, these heuristics are quite useful, but sometimes they lead to severe and systematic
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Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR >Julião Silveira
“Advogado e Mestre em Direito de Energia e Tecnologia Limpa pela Universidade da Califórnia Foi Diretor da ANEEL
entre 2009 e 2013 e Procurador Federal junto à ANEEL entre 2002 e 2004”
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Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Na opinião dos autores, um distanciamento crescente e falta de diálogo entre governo e
agentes, não resultará em riscos de suprimento ou fuga de investidores. O que possivelmente
ocorrerá é não termos o alto nível de eficiência, qualidade e transparência que o setor poderia
atingir, e que a sociedade brasileira merece.
Apresentamos a seguir uma análise muito sucinta da situação atual do setor e sugestões para correções e
aperfeiçoamento de temas que consideramos essenciais para a sustentabilidade e funcionamento do setor elétrico.
Referimos o leitor interessado em análises quantitativas e detalhadas sobre estes temas às diversas edições de
nossa publicação mensal, o Energy Report (ER)[1].
Situação atual do setor elétrico
O setor elétrico brasileiro vive atualmente seu momento mais delicado desde a implementação do novo modelo
setorial em 2004, com perdas financeiras e problemas graves em todos os segmentos. O diagrama de influências
entre ações, correções e consequências abaixo ilustra a complexidade do ambiente e de suas inter-relações.
Como indicado no diagrama, os principais fatores que levaram o setor a esta situação “Pareto péssima” são: (i) a
descontratação das distribuidoras; (ii) os problemas estruturais de desempenho do sistema de geração e transmissão;
e (iii) o processo de implementação da MP 579.
A causa da descontratação das distribuidoras foi a não realização do leilão de renovação de contratos de energia que
expiraram no final de 2012. Como consequência, as distribuidoras tiveram que comprar uma quantidade recorde
de energia, resultante da diferença entre o consumo e os montantes contratados em 2013 e 2014 no mercado de
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
curto prazo, cujos preços foram também um recordes no período. Esta “hemorragia” financeira demandou aportes
Em resumo, a combinação de problemas: (i) de gestão, que resultaram na insuficiência de contratação das
bilionários do Tesouro e de bancos públicos e privados, cujo pagamento resultará em aumentos tarifários – além dos
distribuidoras; (ii) de planejamento, que não permitiram a correção dos problemas de desempenho do sistema
que ocorreriam normalmente – muito elevados neste e nos próximos anos.
geração-transmissão; e (iii) de implantação de medidas que afetaram profundamente o setor, como a MP nº 579
Por sua vez, os problemas estruturais de desempenho do sistema geração-transmissão se devem a uma combinação
de restrições operativas e fatores de eficiência reduzidos de alguns geradores. Estes problemas existem na vida real,
e Resolução CNPE nº 03/2013 em prazo muito curto, sem oportunidade para discussões entre governo e agentes,
levaram a uma espiral de dificuldades e a um ambiente de incertezas, desconfiança e perda de credibilidade.
porém não são capturados pelos estudos de planejamento, o que leva a uma discrepância significativa entre as
projeções do governo e a realidade da operação diária do ONS. Desde 2010, este problema estrutural de desempenho
tem provocado esvaziamentos acentuados dos reservatórios e, a partir do final de 2012, acionamento contínuo de
todo o parque termoelétrico mesmo em situações hidrológicas favoráveis. Em 2013, por exemplo, a hidrologia foi
muito próxima da média histórica (96% da MLT) e, mesmo com as térmicas sendo acionadas o ano inteiro, a um
custo de 25 bilhões de reais, os reservatórios esvaziaram significativamente. A seca de 2014 (que, apesar de severa,
está longe de ser a pior já vista – em termos da afluência de janeiro a junho, é a nona pior do histórico de 84
O que fazer daqui em diante?
Apresentamos a seguir algumas sugestões que consideramos importantes e urgentes para as áreas de operação e
planejamento, aspectos comerciais, regulação e resgate da credibilidade. Como mencionado, os relatórios mensais
da PSR apresentam detalhes e quantificações para estas e outras propostas.
anos) apenas agravou uma situação cuja causa, como visto, é estrutural. A combinação de esvaziamento acelerado
dos reservatórios e acionamento contínuo das térmicas resultou nos preços recorde do mercado de curto prazo,
pressionou financeiramente os geradores térmicos (devido à necessidade de comprar energia a preços elevados no
mercado spot durante manutenções muitas vezes postergada) e os geradores hidroelétricos (que, devido à produção
reduzida das usinas, têm despesas bilionárias no mercado de curto prazo para honrar seus compromissos contratuais).
Operação e planejamento
1. Analisar em profundidade a questão do desempenho estrutural do sistema de geração e transmissão, e implementar
com urgência medidas corretivas, incluindo reforço de geração. No caso da transmissão, por exemplo, as análises
A MP nº 579, que implementou um conjunto de ações visando reduzir em 20% as tarifas de energia elétrica, não
realizadas pela PSR mostram que, ao contrário do que talvez se imagine, os blecautes recentes foram causados
tem nenhuma relação direta com a hemorragia financeira atual. No entanto, esta MP teve impactos significativos
por falhas em subestações, e não por atrasos na construção de reforços de transmissão. (Isto não significa que
na parte institucional e na situação de judicialização do setor. Por exemplo, a pressão de tempo no período que
a eliminação desses atrasos não é importante; pelo contrário, ela é extremamente importante, pois os mesmos
antecedeu a edição da MP nº 579 contribuiu para a falha de gestão que resultou na não realização do leilão A-1
podem afetar significativamente o desempenho futuro do sistema.) Caso as medidas corretivas não sejam
em 2012. Adicionalmente, ela contribuiu para que não se avaliasse plenamente o efeito da alocação integral das
tomadas, o esvaziamento dos reservatórios mesmo em hidrologias moderadas voltará a ocorrer nos próximos
cotas de garantia física ao ACR, na forma de contratos por disponibilidade, que tornaram os consumidores cativos
anos, associado, como sempre, a custos térmicos muito elevados e possivelmente problemas de suprimento.
responsáveis pelo seu risco hidrológico, o qual por sua vez foi mitigado através da definição de um “hedge” fixo de
5% na contratação da energia. Tampouco foi devidamente avaliado o fato de que as cotas não possuem a flexibilidade
de redução de volume contratual que tinham os contratos de energia existente substituídos por elas, o que tornou
necessária a elevação do limite de sobrecontratação das distribuidoras de 103% para 105%, o que por sua vez
contribuiu para reduzir a liquidez contratual para o ACL.
Outros fatores relacionados com a implantação da MP e que contribuem para a complexidade do momento do
setor incluem: (i) questões sobre custos de reposição de equipamentos de geração e outros custos, no caso das tarifas
reguladas; (ii) da metodologia de cálculo do valor a indenizar dos equipamentos de geração e transmissão; (iii)
medidas da Resolução CNPE nº 03/2013 (transferência de encargos para geradores e comercializadores, e mudança
intempestiva na formação de preços).
2. Analise um esquema de gerência de recursos hídricos por bacia, no qual geração hidrelétrica, irrigação,
abastecimento de água, qualidade de água, piscicultura e hidrovias sejam gerenciadas de maneira integrada.
A região Nordeste poderia ser o primeiro exemplo desta abordagem integrada, com a CHESF deixando de ser
uma concessionária do grupo Eletrobrás e se transformando em um agente de desenvolvimento regional. Uma
segunda oportunidade se refere à região do Tapajós, onde pode valer a pena adiar por um ano a licitação de
usinas hidrelétricas para que o desenvolvimento da bacia seja feito de maneira integrada.
3. Um tema crucial, relacionado com a gerência integrada dos recursos hídricos é a questão dos reservatórios. A
capacidade de regularizar as vazões dos rios, e com isto aumentar a segurança operativa e reduzir os gastos com
geração termelétrica, tem sido historicamente um componente essencial de nosso parque gerador. Os benefícios
dos reservatórios vão muito além do setor elétrico, pois eles permitem também a construção de sistemas de
irrigação capazes de funcionar mesmo durante secas prolongadas, asseguram a navegação fluvial em vários
trechos de rios ao longo de todo o ano, contribuem para o controle de cheias evitando inundações desastrosas
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Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
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estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
e viabilizam atividades econômicas específicas como piscicultura e turismo. Apesar de todos estes benefícios,
que existe a preocupação de que a representação dos atributos nos leilões poderia afetar a transparência dos
o que se constata atualmente é uma proibição “a priori” à construção de novos reservatórios de regularização.
mesmos, pois o planejador poderia ser acusado de “mexer” nos pesos. No entanto, na visão dos próprios autores,
Embora equívocos do passado, como os da usina de Balbina, tenham suscitado preocupações legítimas com
a situação atual, onde o planejador faz “alguns ajustes” no mecanismo de leilão, é possivelmente ainda menos
impactos socioambientais em áreas inundadas, é preciso buscar um aproveitamento racional dos recursos
transparente. A PSR acredita que a representação explícita dos atributos dos concorrentes nos leilões permitirá
naturais do país, onde os aspectos ambientais não resultem em restrições absolutas, e em vez disso incorporados
que os mesmos sejam mais transparentes e eficientes.
como objetivos. Os autores acreditam que é possível aperfeiçoar o planejamento nesta direção, incorporando a
componente ambiental desde a etapa de inventário. Adicionalmente, é necessário melhorar a comunicação. A
falta de informação básica tem levado a opinião pública a conclusões no mínimo precipitadas. É fato que, hoje,
se todas as hidroelétricas construídas e a construir na Amazônia fossem dotadas de reservatórios de grande
capacidade, elas juntas alagariam área total de 10.500 km2. Parece muito, porém corresponde a apenas 0,16% do
território amazônico. Mais do que isso, ela é menor do que a média de desmatamento anual da Amazônia, que,
a partir do ano 2000, atinge 14.225 km2 na Amazônia. Ou seja: em um ano médio o desmatamento foi maior do
que toda área que seria alagada por todas as usinas que podem ser construídas na Amazônia.
3. Aperfeiçoamentos para garantir a expansão da oferta para o ACL: o mercado livre precisará se expandir para
ser sustentável. A expansão do ACL será possivelmente suportada por fontes renováveis, com intermitência em
sua produção. Acreditamos que é importante estudar um mecanismo geral de realocação de energia entre fontes
onde cada fonte tenha reconhecida a sua real contribuição para este mecanismo, em termos de produção média,
correlação e variabilidade. No entanto, mesmo que o problema da gestão de risco associada à variabilidade da
produção seja equacionado, existe ainda a exigência por parte do financiador de contratos de venda de energia
de longo prazo. Em nossa opinião, a estrutura de financiabilidade para o ACL precisa ser alterada e adaptada
às características deste mercado, incluindo um componente de confiança no seu desenvolvimento baseado em
4. Por fim, os autores sugerem a realização imediata de estudos visando identificar impactos da forte inserção
expectativas racionais. O fato de, no momento da solicitação do financiamento, o projeto não possuir contratos
de renováveis com produção intermitente e dos fenômenos macro-climáticos no planejamento da expansão e
de longo prazo não significa que o gerador ficará de “braços cruzados” durante todo o período de amortização
operação. É importante que o balanço de garantia física seja positivo, mas é igualmente importante levar em
sem firmar contratos. O gerador terá como estratégia racional buscar o melhor mercado para comercializar
conta a qualidade desta garantia física.
sua energia. O ACL possui um líquido mercado de contrato de curto e médio prazo e um ilíquido mercado de
contrato de longo prazo e, em nossa opinião, é necessária a entrada de novos agentes financiadores, acesso ao
mercado de capitais e estruturas de financiabilidade compatíveis com as melhores práticas internacionais, onde
Aspectos comerciais
bancos trabalham com projeções de receitas mediante desenho de esquemas de garantias e outras exigências
Os autores sugerem analisar os seguintes temas:
estabilidade de regras do setor, que precisa ser “crível” para que “expectativas racionais” possam ser montadas.
1. Alocação isonômica dos benefícios das cotas de geradores com concessão vincenda: uma das medidas
prazo, com transferência de todos os riscos ao consumidor, seja o único instrumento de segurança comercial
governamentais, relacionada com os benefícios da antecipação da renovação das concessões de geração, tratou
de maneira assimétrica os segmentos de consumo regulado (ACR) e livre (ACL), pois transferiu os benefícios
somente para o ACR. Este tratamento diferenciado não se justifica, pois os consumidores industriais que estão
no ACL contribuíram, ao longo de muitas décadas, para a construção e remuneração das usinas hidrelétricas
exatamente da mesma maneira que os demais. Por esta razão, propõe-se que os benefícios da geração cuja
concessão expira a partir de julho de 2015 sejam repartidos de maneira equitativa entre ambos os segmentos.
2. Aperfeiçoamento dos leilões para o ACR: o processo de contratação deve ser aperfeiçoado levando em conta de
forma transparente os diversos atributos de cada projeto, não somente seu custo unitário. Esses atributos podem
ser representados de duas maneiras: (i) fatores de ponderação na composição do índice benefício custo final; ou
(ii) leilões segmentados. Em um trabalho de P&D sobre leilões sendo realizado pela PSR e LACTEC, organizado
pela Apine e patrocinado por vários de seus associados, está sendo desenvolvido um modelo matemático geral que
comerciais (ICSD, garantia financeira não vinculante etc.). No entanto, a premissa essencial desta proposta é a
Instabilidade e interferências regulatórias reduzem credibilidade e fazem com que o contrato de longuíssimo
aceito por financiadores (pois ele “blinda” o projeto de interferências regulatórias em preços), o que compromete
a eficiência global do setor elétrico.
4. Consolidação e amadurecimento do ambiente de mercado livre, visando criar as bases para a sua expansão.
Apoiamos a criação de “clearing houses”; separação entre mercado atacadista e varejista; consolidação do
esquema de garantias (permitindo a participação de bancos internacionais) e organização do monitoramento
de mercado.
5. Atualmente o contrato de fornecimento de energia comercializa dois produtos: o certificado de garantia física
do gerador e o contrato financeiro, que é uma proteção contra preços altos. Acreditamos que deve ser estudada
a separação na comercialização destes produtos, de forma a criar um “vaso comunicante” de lastro entre o
ACR e o ACL.
permite representar estas diferentes maneiras, e mostram a relação analítica entre as mesmas. Somos conscientes
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Regulação
Os autores sugerem analisar os seguintes temas:
1. Geração distribuída – em nossa opinião, o crescimento da geração distribuída será exponencial logo que a
“paridade com a rede” (i.e. competitividade da geração distribuída com o custo total de geração + transmissão
+ distribuição + tributos + encargos) for alcançada. É necessário pensar na alocação correta dos custos fixos da
rede de distribuição com antecedência, pois depois que “estourar a boiada” vários investimentos realizados pelos
agentes setoriais tradicionais se tornarão ociosos antes do término de sua vida útil, e vai ser muito difícil resolver
a questão de sua remuneração. Em particular, nos preocupa a questão do “net metering”, que em nossa visão pode
levar a problemas no futuro caso permaneçam as atuais distorções nos sinais tarifários para consumidores em
baixa tensão (tarifa monômia, em R$/MWh).
2. Suprimento de gás – em nossa opinião, é urgente ter uma visão realista da disponibilidade e preço do gás no
médio e longo prazo. Adicionalmente, é necessário compatibilizar os marcos regulatórios do gás e da eletricidade,
para desenvolver, por exemplo a cogeração a gás, dentre outros temas.
3. Por fim, na visão da PSR, uma medida importante é a valorização e utilização sistemática da Análise de
Impacto Regulatório (AIR). Como sugere o nome, o objetivo da AIR é identificar possíveis impactos de uma
regulamentação e de possíveis alternativas antes que a mesma seja implementada, visando produzir regras
setoriais que sejam claras, transparentes, razoáveis e estáveis. É muito mais eficiente corrigir uma regulamentação
antes de a mesma entrar em vigor do que consertá-la posteriormente. A razão é que sempre haverá perdedores e
ganhadores com mudanças, o que leva a problemas de insegurança regulatória. Dado que as medidas do MME,
CNPE e CMSE podem ter um impacto igual ou até maior do que as da ANEEL para o setor elétrico, a PSR
acredita que seria muito positivo para a transparência e eficiência do setor que todas as medidas governamentais
incorporassem uma análise quantitativa de seus impactos nos diversos segmentos do setor. O modelo setorial
é uma “peça de relojoaria”, está tudo “encaixado” e coerente. Se mexermos em uma “engrenagem” sem pensar
muito nas consequências, há uma grande probabilidade de que uma mola “pule” do outro lado.
Resgate da credibilidade na travessia para a restauração do equilíbrio setorial
Quando o novo modelo setorial foi implantado, em 2004, seus principais objetivos eram (e ainda são): (i) assegurar
a construção de nova capacidade de geração que atenda com segurança o crescimento da demanda através de
um mercado organizado de compra de energia para o ambiente regulado e de um ambiente de “mercado” para o
ambiente livre; (ii) universalizar o suprimento de energia elétrica; e (iii) garantir a modicidade tarifária, isto é, que os
investimentos e a operação sejam os mais eficientes possíveis.
Nos seus primeiros nove anos, houve muito que comemorar. No que se refere ao primeiro objetivo, a contratação de
nova capacidade através de leilões resultou na construção de quase 500 usinas, totalizando praticamente 70 mil MW
de capacidade de todo tipo de tecnologia e mais de 800 bilhões de reais em contratos. O segundo objetivo do modelo,
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Visões do Setor Elétrico
Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
universalização do suprimento, também foi um sucesso. Através do Programa Luz para Todos, 98% da população já
tem acesso à energia elétrica, e a expectativa é que, em 2014, a cobertura plena seja atingida. Finalmente, o terceiro
objetivo, modicidade tarifária, logrou êxitos igualmente significativos. As três parcelas estruturais do custo de
energia (geração, transmissão e distribuição) tiveram reduções significativas, em termos reais, nesta década. Como
já documentado pela PSR em diversas ocasiões, o aumento das tarifas finais para os consumidores nos últimos anos
se deve, basicamente, a três fatores: (i) o aumento dos encargos setoriais, que compõem a parcela das tarifas que mais
cresceu neste período; (ii) a “exuberância” dos tributos e encargos; e (iii) fatores conjunturais, tais como os gastos
adicionais com o acionamento das termelétricas por razões de segurança energética.
É importante registrar que estes êxitos não foram alcançados sem dificuldades, problemas e sustos. A título de
exemplo, a decisão de segregar as energias “existente” e “nova” nos leilões foi muito criticada na ocasião. Também
fomos atingidos, de 2005 a 2007, pelas restrições na disponibilidade de gás natural da Argentina, da Bolívia e do
Brasil, o que levou a uma redução de 16% em nossa capacidade firme de geração e contribuiu para o susto com
a segurança de suprimento do início de 2008. Outro problema notório é a obtenção de licenças ambientais para
as hidrelétricas, um misto de tarefa hercúlea e filme de terror, como ilustrado pela necessidade de usar a Força
Nacional para fazer um simples levantamento ambiental na região do Tapajós e pelos sequestros de técnicos por
grupos indígenas. Finalmente, houve um conjunto de “apagões” a partir de 2009, que evidenciaram algumas
vulnerabilidades no sistema de transmissão.
Em todas essas situações complexas houve uma intensa troca de opiniões e de experiências entre as equipes do
governo e os agentes setoriais. Este uso da “inteligência coletiva” do setor permitiu um melhor entendimento dos
problemas e levou a um aprimoramento na tomada de decisões. Tão importante quanto isto, o próprio tempo que o
governo dedicou ao diálogo, debate e reflexões permitiu que as decisões, quando tomadas, fossem melhor entendidas
e absorvidas pelos agentes.
Em nossa opinião, as bases do modelo setorial são solidas e permitem atingir os objetivos que queremos, que
são os da segurança de suprimento e modicidade tarifária. No entanto, o modelo é uma peca de relojoaria, com
muitas engrenagens que precisam operar “encaixadas”. O que está ocorrendo hoje é que suas engrenagens estão
desencaixadas. Precisamos assegurar a existência e sustentabilidade do ACL, buscar a isonomia concorrencial
entre o ACL e ACR, qualidade na informação contida nos preços de curto e longo prazo e trabalhar arduamente
para a estabilidade regulatória . Estes são os ingredientes que permitem eficiência econômica e o funcionamento
eficiente do setor.
Como visto nas seções anteriores, há um grande conjunto de temas que merecem a atenção do setor. No entanto,
se tivéssemos que escolher apenas um tema, ele seria a recuperação da transparência do governo junto aos agentes
e população, pois ela facilitará a recuperação da credibilidade do setor e a construção dos acordos necessários na
travessia para a restauração do seu equilíbrio e sustentabilidade e recuperação de sua estabilidade. A inteligência
coletiva dos agentes deve ser melhor aproveitada, pois os problemas são complexos e inter-relacionados e há
inovações metodológicas relevantes desenvolvidas pelo setor que devem ser consideradas.
Visões do Setor Elétrico
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Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Setor elétrico brasileiro:
estado atual e sugestões
Luiz Augusto Barroso, José Rosenblatt e Mario Veiga
Na opinião dos autores, um distanciamento crescente e falta de diálogo entre governo e agentes, não resultará em
riscos de suprimento ou fuga de investidores. O que possivelmente ocorrerá é não termos o alto nível de eficiência,
qualidade e transparência que o setor poderia atingir, e que a sociedade brasileira merece.
CONHEÇA O AUTOR > Luiz Barroso
É graduado em Matemática e possui mestrado e doutorado em Pesquisa Operacional (otimização). É Diretor Técnico de
PSR e Pesquisador Associado do Instituto de Investigación Tecnológica (IIT) da Universidad Pontificia Comillas (Madrid,
Espanha). Desde o inicio de sua carreira profissional tem coordenado uma infinidade de estudos em mais de 20 países
nas Américas, Europa e Ásia. Recebeu em 2010 o premio IEEE PES Outstanding Young Engineer Award, que reconhece
profissionais de até 35 anos por suas contribuições destacadas na liderança de atividades técnicas na IEEE PES e outras
sociedades técnicas.
> José Rosenblatt
É engenheiro eletricista formado pela PUC-Rio, com mestrado em pesquisa operacional pela Universidade de Stanford
e MBA Executivo no Instituto de Economia da UFRJ. Tem mais de vinte e cinco anos de experiência no setor elétrico e é
responsável pelos estudos regulatórios e de mercado realizados pela PSR. A partir de 2003, tem atuado como consultor
do MME para temas regulatórios, via BID e Banco Mundial. Antes de integrar-se à PSR trabalhou na Eletrobrás, nas
áreas de regulação, comercialização de energia, avaliação de projetos, planejamento da expansão e desenvolvimento de
software de simulação do sistema. O eng. Rosenblatt é autor e co-autor de vinte artigos técnicos publicados em periódicos
e apresentados em seminários e conferências internacionais
> Mario Veiga
É presidente da PSR. Ele é engenheiro eletricista, com mestrado e doutorado em pesquisa operacional. Nos últimos
anos, ele vem atuando em três áreas principais: (i) regulação setorial; (ii) avaliação de ativos; e (iii) desenvolvimento de
ferramentas de apoio à decisão. Desde Janeiro de 2003, tem atuado como consultor especial do MME, através de contratos
com o BID e Banco Mundial. Ele também assessorou o Operador Nacional do Sistema (ONS), o Mercado Atacadista de
Energia (MAE) e a agência reguladora (ANEEL) em vários tópicos regulatórios, desenho de mercados e comercialização
de energia. Na área internacional, trabalhou como consultor na China, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Venezuela
e nos nove países da região dos Bálcãs, na Europa. Ele é autor ou co-autor de quatro livros e cerca de 200 artigos em
periódicos e congressos.
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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SETOR ELETRICO
BRASILEIRO – Uma
breve contribuição
Pedro Batista
Há grande necessidade de introdução de novas medidas para se restabelecer o equilíbrio setorial,
confiança dos investidores e, consequentemente, reduzir o custo de capital. No longo prazo a
redução de custo de capital junto com medidas de redução de carga tributária irão viabilizar a
combinação da modicidade tarifária com segurança no suprimento.
O Setor Elétrico brasileiro passou por muitos avanços nos últimos 10 anos, principalmente na regulamentação e
estabilidade do segmento de distribuição de energia, na reintrodução do planejamento energético, na viabilização
de contratos de longo prazo, e inserção de novas fontes de energia na matriz. Entretanto, houve nos últimos 2 anos
grande retrocesso em várias frentes e há forte carência de medidas importantes para viabilização de investimentos
sustentáveis de longo prazo e com custo de capital adequado.
Quando da apresentação do setor elétrico em 2004, o modelo era baseado no tripé: “segurança no suprimento,
modicidade tarifária e estabilidade de regras”. Apesar das boas intenções, as medidas do governo para atingir esses
objetivos falharam em boa parte. Hoje não temos segurança no suprimento, o preço da energia vem prejudicando
a competitividade da produção industrial no Brasil, e as regras estão longe de serem estáveis. Para completar, a
principal empresa estatal do setor elétrico reportou enorme prejuízo ao ser forçada a aceitar renovação antecipada
de suas concessões de transmissão e geração em condições muito desfavoráveis.
O processo de renovação de concessões de geração e de transmissão feito através da MP 579 representou o maior
erro em anos no setor. O intuito de redução de tarifas de energia em 20% de maneira arbitrária causou um enorme
desequilíbrio, aumento na percepção de risco e, consequentemente, do custo de capital. No final do processo as
tarifas de energia estarão mais altas do que as do período pré-MP 579, e com complicações regulatórias e judiciais.
economia brasileira, um déficit tarifário de aproximadamente R$50 bilhões, as principais empresas setoriais com
reduzida capacidade de investimento, crescente judicialização setorial, e a principal empresa do setor – Eletrobras –
com capacidade de investimento e balanço deteriorados.
O acionamento das térmicas e a não redução da demanda de forma organizada custarão ao setor elétrico, aos
consumidores e ao governo algo próximo a R$90 bilhões de 2013 a 2015 (entre custo do despacho térmico e subsídios
do tesouro federal). Para se ter uma idéia do grande impacto desse número podemos compará-lo ao patrimônio
líquido do BNDES de R$74 bilhões, que financia aproximadamente R$300 bilhões em diversos setores (infraestrutura
corresponde a R$196 bilhões). Ou seja, considerando que os investimentos anuais do setor são de aproximadamente
R$25 bilhões, podemos dizer que jogamos fora a capacidade de financiamento de aproximadamente 12 anos de
investimentos do setor elétrico – confirmando que a introdução da famosa MP 579 representou um relevante
retrocesso setorial.
Assim, há grande necessidade de introdução de novas medidas para se restabelecer o equilíbrio setorial, confiança
dos investidores e, consequentemente, reduzir o custo de capital. No longo prazo a redução de custo de capital junto
com medidas de redução de carga tributária irão viabilizar a combinação da modicidade tarifária com segurança
no suprimento. E com isso serão atraídos novos capitais, inovando nas práticas de gestão e tecnologias que também
contribuirão para a maior eficiência do sistema.
Nesse sentido listamos alguns pontos relevantes nessa direção: 1) recuperação da credibilidade institucional
do setor e redução da intervenção governamental 2) aprimoramento do planejamento setorial 3) mudança
profunda na gestão das empresas estatais e 4) estimular o aumento da participação do mercado de capitais no
financiamento setorial.
Chegaremos ao final do ano de 2014 com uma situação setorial muito complexa. Reservatórios nos níveis mais baixos
da história, trazendo como consequência um risco de suprimento não condizente com o tamanho e importância da
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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SETOR ELETRICO BRASILEIRO – Uma breve contribuição
Pedro Batista
Pedro Batista
SETOR ELETRICO BRASILEIRO – Uma breve contribuição
Credibilidade Institucional do Setor – Despolitização do Setor.
Mudança na Gestão das empresas estatais
Há necessidade de aumento da interlocução dos agentes setoriais com autoridades do setor elétrico. A criação da
A gestão das empresas estatais do governo federal no setor elétrico precisa passar por grande reformulação. No caso da
MP 579 sem a devida participação dos agentes representa um bom retrato de como decisões importantes no setor
Eletrobras, o processo de tomada de decisão de aceitar os termos prejudiciais na proposta feita pelo governo fala por
são tomadas hoje. Muitos dos erros cometidos nesse processo poderiam ter sido evitados caso houvesse maior
si só. Os termos foram tão prejudiciais que até hoje continuam sendo questionados em processos administrativos na
participação e interação com o setor. O processo de discussão da implementação do novo modelo setorial em 2003,
CVM. Além disso, no intuito de se estimular a competição setorial chegou-se até mesmo a ter 2 subsidiárias da empresa
por outro lado, pode ser classificado como um bom exemplo.
disputando o mesmo ativo em leilões organizados pelo governo. Isso é impensável na gestão de qualquer empresa.
Além disso, é preciso redução de componentes políticos nas tomadas de decisão no setor. Decisões como adiamento
Investimentos em taxas “patrióticas” de retorno, além de afastarem o capital privado, representam uma alocação
da implantação de bandeiras tarifárias ou não iniciar programas de redução do consumo em razão de níveis críticos
muito ineficiente de recursos dos contribuintes e um absoluto desrespeito aos acionistas minoritários das empresas.
de reservatórios em função de cronograma eleitoral não deveriam existir em nenhum país. Setor tão importante e
No sentido de se reduzir o custo de capital no setor é muito importante a melhora da gestão das empresas federais,
vital para o crescimento e funcionamento da economia não deveria ser movido por cronograma político.
passando até mesmo pela privatização de alguns ativos, como as empresas federalizadas de distribuição de energia.
Nesse sentido vemos como muito relevante uma mudança na governança corporativa dos principais orgãos do setor
no sentido de assegurar que decisões sejam tomadas de forma técnica e sempre precedidas de sólidas análises de
seus impactos. Introdução de medidas para aumento de responsabilidade civil para diretores de órgãos como ONS e
Aneel seriam interessantes, assim como aumento da transparência das decisões e reuniões de diretoria no ONS por
exemplo (como na Aneel) seriam bem vindas.
Mercado de Capitais e Fontes de Financiamento Privados
O BNDES é hoje, e continuará sendo por um bom tempo, o principal financiador dos novos projetos de expansão
do setor. Considerando a natureza de longo prazo do investimento no setor e a falta de instrumentos de mercado
com prazo tão longo, o suporte do BNDES é vital para o crescimento com o nível de tarifas atual. Sem sua presença
Aprimoramento do Planejamento Setorial
certamente o perfil de financiamento seria de prazo mais curto e custo mais alto, o que levaria a tarifas de energia
bem mais elevadas.
Apesar da reintrodução do planejamento setorial de longo prazo no novo modelo setorial, falhas no processo
Apesar do BNDES cumprir seu papel com grande competência, é muito importante o desenvolvimento de novas
de planejamento, seja na seleção, na pré-qualificação dos agentes, seja na introdução de prazos irrealistas de
fontes de financiamento. Incentivos a aumento do suporte de mercado de capitais são vitais a longo prazo. Incentivos
implementação de projetos, levou à situação atual de grande risco de suprimento.
regulatórios para o desenvolvimento de dívidas de longo prazo e captações de recursos no mercado acionário seriam
Alguns aprimoramentos no processo de planejamento são vitais: reintroduzir termelétricas de base, prazos realistas
para investimento (leilões A-7 por exemplo), incentivo ao aumento do gás natural na matriz energética, discussão
sobre subsídios para fontes renováveis não convencionais, introdução de requisitos mínimos de capacidade financeira
e operacional mais rígidos para agentes de geração participantes de leilão de energia, simplificação do processo de
passos importantes nessa direção. Desde 2004 empresas do setor de energia captaram aproximadamente R$15.2
bilhões de recursos em emissões de ações, que propiciaram aproximadamente R$40 bilhões em investimentos. Com
ajustes no modelo setorial e incentivos corretos, emissões de ações e de dívida de longo prazo tendem a ganhar
relevância e contribuir para a redução do custo de capital setorial.
licenciamento ambiental.
Além desses pontos, é crucial uma melhora da transparência do real custo de energia no Brasil. Subsídios devem
ser claros. Custo de projetos estruturantes no setor devem ser abertos e não camuflados através de encargos a serem
rateados entre todos os agentes setorias.
A introdução de medidas de uso racional de energia também deveriam ganhar importância no planejamento.
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Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR > Pedro Batista
Pedro Batista - Desde abril de 2013 - Sócio Fundador da 3G Radar e sócio da 3G Capital. De 2009 a 2013 - Sócio
Fundador e membro do Comitê Executivo da Vinci Partners, onde foi Head da equipe de Research. De 2006 a 2009 No UBS Pactual atuou como Head da equipe de Brazil Equity Research. De 1997 a 2006 - Foi sócio do Banco Pactual,
onde trabalhou desde 1997, recebendo diversos prêmios por suas análises, como o Institutional Investor, Latin Finance e
Institutional Investor em diversos setores, em especial o setor elétrico brasileiro. Se formou em Engenharia de Produção
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1997.
Visões do Setor Elétrico
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É grave a crise,
mas há solução
Adriano Pires e Elena Landau
A ANP, ANEEL e ANA devem em conjunto garantir a segurança energética de forma sustentável,
com gestão eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais e energéticos. Os órgãos
ambientais devem participar do planejamento setorial para evitar insegurança jurídica, atrasos e
elevação de custos na etapa de implantação de empreendimentos, contribuindo para modicidade
tarifária e segurança energética.
Segurança de suprimento energético, combinada com preços módicos, é fundamental para crescimento sustentado
da economia. Como parte da infraestrutura do país, o bom funcionamento do setor energético requer: planejamento,
gestão e regulação eficientes. É exatamente a fragilidade deste tripé que explica a situação caótica em que se encontra
o setor de energia no momento. O planejamento é falho, a regulação enfraquecida pela captura política das agências
e entidades, que deveriam atuar de forma autônoma, e a gestão é ineficiente. Este quadro é uma das consequências
mais perversas da opção pela intervenção direta do governo nas atividades regulatórias e econômicas do setor,
consequência da falta de crença no mercado. Esta política tornou-se dominante a partir de 2008 e caracteriza-se
por medidas autoritárias de curtíssimo prazo, através de intervenções que derrubam o planejamento das empresas.
Se o governo praticasse o planejamento, ao invés de intervenção, teria criado um ciclo virtuoso de energia competitiva,
investimentos e geração de empregos, na medida em que o país tem fontes diversificadas e abundantes de energia, e
contribuído para o fortalecimento de uma economia de baixo carbono. É difícil explicar o aumento de emissões de
CO2 frente à predominância de fontes limpas no país, a não ser por graves erros de operação e gestão do sistema.
Os efeitos da política míope, voltada para resultados políticos de curto prazo, estão produzindo estragos e criando
grandes esqueletos em todas as áreas do setor energético brasileiro. Ao mesmo tempo em que o setor não se desenvolve,
são gastos bilhões de reais provenientes recursos públicos, isto é, de impostos para manter artificialmente baixos os
preços de alguns energéticos escolhidos pelo governo sem justificativas técnicas, desequilibrando os preços relativos,
beneficiando uns em detrimentos de outros.
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Visões do Setor Elétrico
Desde 2003, e principalmente a partir de 2010, o governo vem se apoiando em políticas populistas de administração
de preços de energia na tentativa de controlar a inflação. Primeiro foram os combustíveis, como a gasolina e o diesel,
que são vendidos no mercado doméstico a preços inferiores aos do mercado internacional, gerando grandes perdas
para a Petrobras e seus acionistas e causando a deterioração da cadeia produtiva do etanol. Em setembro de 2012,
com a Medida Provisória (MP) nº 579, convertida na Lei no 12.783/2013, com a definição unilateral das regras de
renovação das concessões, o governo incluiu o setor elétrico nessa desastrosa política populista. A Medida Provisória
foi mais um ato de autoritarismo, que vem caracterizando a condução das atividades neste setor, e como tal foi
imposta aos investidores, aos consumidores e ao Congresso Nacional, sem que houvesse tempo hábil para uma
cuidadosa avaliação de seus impactos. Esta MP modificou completamente a forma de operação do setor elétrico,
desrespeitando, inclusive, direitos adquiridos. Assim, torna-se evidente a necessidade e urgência de se exigir a
Análise de Impactos Regulatórios para decisões dessa natureza o que, por sua vez, requer independência do órgão
regulador em relação ao Executivo.
O populismo tarifário, refletido no congelamento das tarifas, gerou enormes dificuldades financeiras às empresas do
setor, criando um grave problema fiscal. Os recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para compensar
as tarifas defasadas frente à elevação no custo da energia gerada e aos riscos de segurança no abastecimento,
inviabilizando o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, endividando consumidores e contribuintes, sem a
transparência necessária sobre a origem dos recursos e dos custos finais para a sociedade.
Destaque-se, ainda, que a falha do governo na realização dos leilões contribuiu, significativamente, para crise do
setor ao tornar as distribuidoras de energia expostas ao mercado de curto prazo. Apesar dessa restrição de oferta
estrutural, e mesmo diante do evidente quadro de hidrologia negativa, nenhuma política de racionalização no uso
de energia foi introduzida. Ao contrário, ao impedir o repasse dos custos de geração para tarifas, pelo menos até
meados deste ano, o usuário, seja residencial ou industrial, foi estimulado a consumir. O desequilíbrio entre oferta e
demanda foi se acentuando, sem que o governo tomasse qualquer iniciativa para reduzi-lo, forçando concessionárias
Visões do Setor Elétrico
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É grave a crise, mas há solução
Adriano Pires e Elena Landau
É grave a crise, mas há solução
Adriano Pires e Elena Landau
de distribuição a adquirir energia a preços elevadíssimos e gerando enormes desequilíbrios financeiros. A crise só
a função social para a qual foram criadas, no caso do setor energético, a expansão da oferta de energia. A Petrobras
não é pior por conta da recessão deste ano, que reduziu expressivamente o consumo industrial.
vem sendo seguidamente prejudicada pelo fato de ter como presidente de seu conselho de administração o Ministro
A falsa política de modicidade tarifaria – que na prática nada mais foi do que um subsídio governamental às tarifas
e adiamento de reajustes, gerando enormes dificuldades financeiras às empresas do setor – acabou criando um grave
problema fiscal, já que recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para compensar a desorganização do
setor ocasionada pela Lei nº 12.783. Novamente, os contribuintes são chamados a pagar no lugar dos usuários, até
mesmo os perdulários. Esses novos subsídios foram claramente desnecessários para a democratização do consumo
de energia, já que a regulação prevê tarifa social para o consumidor de baixa renda.
O montante de recursos necessários para manter as tarifas de energia elétrica baixas continua a crescer, podendo
atingir 70 bilhões de reais, segundo estimativas de especialistas do setor. Além disso, gerou inestimáveis impactos
ambientais, decorrentes do uso permanente de térmicas a óleo combustível. Estima-se que, para 2014, os subsídios
ao setor de petróleo e energia elétrica atinjam quase 1,6% do PIB.
A gravidade da crise de curto prazo demanda a criação de um grupo de trabalho, que atuando em conjunto com
agentes do setor, busque soluções capazes de superar os preocupantes desequilíbrios das empresas concessionárias
em todos os segmentos. Devem-se considerar soluções não só para o endividamento das distribuidoras, que
apenas serviu para adiar para os próximos anos reajustes tarifários elevadíssimos, mas também para o impacto
do risco hidrológico sobre geradoras e para as indenizações pendentes das empresas que aderiram à renovação de
concessão (geradoras e transmissoras). A situação da Eletrobras é igualmente preocupante, dado que a empresa vem
acumulando prejuízos elevados e está sobrevivendo por conta de empréstimos de bancos públicos.
A retomada do planejamento do setor energético colocaria o país novamente na rota da autossuficiência energética,
não só em petróleo. Além da camada pré-sal, o Brasil possui um elevado potencial de geração de energia hidroelétrica,
sobretudo na região Norte, com mais da metade do potencial remanescente. As reservas de gás natural inexploradas
encontram-se, em sua maioria, na região Sudeste e Norte. O potencial eólico localiza-se, sobretudo, na região
Nordeste e na Sul, onde os ventos são mais intensos e regulares. A produção de biomassa se concentra na região
da Fazenda. A atuação do ministro no Conselho da petrolífera tem impedido a introdução de qualquer mecanismo
de realinhamento de preços relativos, num claro conflito de interesses. A Eletrobras perdeu metade de seu valor por
ter aderido à proposta de renovação de concessões, que não remunera corretamente os investimentos da empresa.
Do mesmo modo, o presidente do conselho o grupo estatal de eletricidade é o próprio Ministro de Minas e Energia,
que assinou a MP 579, e que impôs à empresa enormes prejuízos. O voto do controlador foi questionado pelos
minoritários e vem encontrando apoio na CVM.
É fundamental o restabelecimento da autonomia das agências reguladoras, cuja atual falta afeta o setor e uma maior
harmonia na sua atuação. A ANP, ANEEL e ANA devem em conjunto garantir a segurança energética de forma
sustentável, com gestão eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais e energéticos. Os órgãos ambientais
devem participar do planejamento setorial para evitar insegurança jurídica, atrasos e elevação de custos na etapa de
implantação de empreendimentos, contribuindo para modicidade tarifária e segurança energética.
As Agências Reguladoras e sua eficácia, como órgãos de Estado e não como instrumentos de política de
Governo, são cruciais na definição de princípios importantes para o equilíbrio entre os direitos e deveres dos
concessionários, do poder concedente e dos usuários do serviço. Para tal, será preciso aprimorar os mecanismos
de indicação de diretores por parte do Executivo, impedindo a captura política das agências. Da mesma forma,
é necessário rever e fortalecer a governança regulatória do setor, hoje distribuída em várias instituições que não
cumprem as funções para as quais foram criadas. Também, mecanismos de auditoria e controle da sociedade
devem ser introduzidos para evitar que os erros de planejamento se perpetuem, tonando o monitoramento da
operação do sistema mais transparente.
Considera-se fundamental, também, a imposição de maior previsibilidade na formação de preços, com a
incorporação de mecanismos de mercado. Para tanto, é preciso fortalecer e ampliar o mercado livre de energia e
atribuir competitividade ao segmento de gás natural, hoje dominado por um monopólio, de fato, da Petrobras.
Sudeste, Centro Oeste e em parte do Nordeste, podendo ser ampliado, ao passo que o carvão mineral nacional tem
O atual processo de judicialização das decisões normativas, originadas nas instituições responsáveis pelo planejamento
seu maior potencial na região Sul. A agenda de reformas deve incluir, portanto, a possibilidade de realização de
e regulação no setor de energia, mostra que não está havendo diálogo, prevalecendo o autoritarismo, o que faz com
leilões regionais e por fontes.
que a conciliação não seja bem sucedida. A solução de conflitos regulatórios e de direito econômico estão sendo
Apesar dessas enormes potencialidades, atualmente importamos gasolina, diesel, gás natural e até etanol. A
autossuficiência é importante tanto do ponto de vista da segurança do abastecimento quanto com relação à solvência
das contas externas, trazendo, ainda, a soberania nacional na questão energética.
A gestão das empresas estatais vem sendo pautada por motivações políticas, assim como a das instituições
responsáveis pela correta operação do setor energético. Por isso, uma mudança na sua governança é essencial para
desvincular sua administração de objetivos políticos de curto prazo. Mesmo se tratando de empresas controladas
transferidos para o arbítrio da Justiça, causando insegurança jurídica nos negócios e afastando investidores. Seria
preciso restabelecer as competências dos Ministérios setoriais, que devem ser responsáveis pelas políticas, diretrizes,
planejamento e plano de outorgas, enquanto as Agências se encarregam da operacionalização de licitações, celebração
de contratos de concessão e fiscalização do setor. O fortalecimento institucional, com o fim da intervenção política
e a imposição de objetivos políticos de curto prazo, é pré-condição para a retomada do bom funcionamento do
setor, com uma política de preços transparente e evidente capacidade de planejamento e gestão. Consequentemente,
haverá equilíbrio entre os objetivos de modicidade tarifária, segurança energética e sustentabilidade.
pela União, os administradores das sociedades de economia mista devem zelar para que elas possam cumprir com
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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É grave a crise, mas há solução
Adriano Pires e Elena Landau
É grave a crise, mas há solução
Adriano Pires e Elena Landau
Em resumo, a sugestão para uma agenda de reformas para o próximo governo deveria, em nossa opinião, seguir as
• Conferir maior importância ao mercado livre de energia elétrica, por meio da revisão da metodologia do PLD,
diretrizes gerais, não exaustivas e nem segmentadas, abaixo relacionadas. É evidente que cada segmento e cada fonte
tornando-o mais estável e previsível, além de viabilizar a participação dos agentes do mercado livre nos leilões
demandam detalhamentos próprios.
oficiais de comercialização de energia, hoje exclusivo ao mercado cativo. Da mesma forma, eliminar qualquer
• Fortalecer o tripé Planejamento, Gestão e Regulação, reduzindo a intervenção excessiva do Estado no curto prazo.
• Programas de eficiência energética e conservação de energia em todos os setores. Introduzir mecanismos de
administração da demanda pelos consumidores, livres ou cativos.
• Melhorar a governança das empresas estatais e instituições setoriais responsáveis pelo tripé, evitando sua captura
política. Aprimorar os mecanismos de escolha de dirigentes, controle externo e auditoria no planejamento e
operação do sistema, dando transparência às decisões de seus órgãos colegiados.
• Eliminar a insegurança jurídica causada pela MP 579, sobre remuneração de investimentos e pagamento de
indenizações. Colocar para consulta pública as regras para renovação das concessões das distribuidoras e de
autoprodução.
• Promover mecanismo de profissionalização das empresas estatais, Petrobras e Eletrobras, de forma a implantar
contrato de gestão atrelado a metas operacionais e financeiras e estabelecendo níveis de excelência em matéria
de Governança. Rever critérios para participação de membros do Executivo e Legislativo em seus Conselhos de
Administração de forma evitar o uso político dessas empresas e potenciais conflitos de interesse.
discriminação à participação dos autoprodutores nos leilões.
• Estabelecer um debate entre especialistas do setor elétrico, acadêmicos e sociedade em relação ao tipo de
construção das usinas hidroelétricas no país. Avaliar corretamente a complementariedade entre reservatórios,
fontes intermitentes e usinas térmicas para a definição ex-ante de uma matriz compatível com uma economia de
baixo carbono e segurança energética.
• Planejamento energético co-participativo com estados da federação, estimulando a uso eficiente de recursos regionais.
• Definição de calendário realista para os leilões de petróleo e energia elétrica, a partir do qual deve ser exigida a
pontualidade na execução dos investimentos e a qualidade dos serviços.
• Melhorar gestão na implantação de empreendimentos. Instituições do setor devem exigir e garantir a qualidade e
pontualidade nos investimentos. Em contrapartida, o governo e as agências devem atuar para garantir a obtenção
de licenças ambientais e o respeito aos contratos, aumentando a segurança jurídica dos empreendimentos.
• Instalação de um fórum de discussões para solucionar crise econômica financeira atual, sem o qual não há
ambiente para a retomada de investimentos necessários.
• Valorizar a diversidade de fontes e características regionais na matriz energética brasileira, buscando equilibrar
a busca de autossuficiência com sustentabilidade. Incorporar órgãos ambientais no planejamento para evitar
insegurança jurídica após os leilões, a elevação dos custos de implantação e riscos de abastecimento.
• Promover e assegurar mais transparência e previsibilidade na formação de preços e tarifas. Aprofundar os
mecanismos de mercado, buscar eficiência na operação do sistema e ampliar o mercado livre de energia.
• Garantir segurança energética, com modicidade tarifária[2] e equilíbrio das contas públicas.
• Política de preços relativos que reflitam as características de cada fonte de energia e a situação de mercado. Dar
previsibilidade aos investidores de cada fonte, eliminando o stop-and-go na política energética, que caracteriza os
anos recentes, a exemplo do que ocorreu com o programa do etanol.
• Repensar o papel da Petrobras no setor de gás natural. Atualmente, a empresa tem presença verticalizada nesse
setor, sendo responsável pela produção, importação, transporte, propriedade dos dutos e, até mesmo, distribuição.
Tal fato vem restringindo a competição no setor e limitando a expansão das térmicas a gás.
• Realização de leilões voltados às fontes renováveis descentralizadas como PCHs, biomassa, eólica e solar, com a
fixação de aquisição de um percentual significativo do crescimento projetado do mercado.
[1] Com a colaboração de Joisa Dutra.
[2] Destacar que modicidade tarifária não significa administrar preços de energia em descompasso com seus custos de
produção. Esse conceito significa a busca da menor tarifa possível para fazer frente aos investimentos necessárias à boa
operação do sistema de energia, garantindo a sua expansão e preservando justa remuneração aos investidores.
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Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR > Elena Landau
É mestre em economia e advogada, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados e diretora-presidente da Elandau
Consultoria Econômica Ltda. Professora licenciada da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de janeiro.
Foi professora do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Diretora de
Privatização do BNDES. Organizadora e autora dos Tomos I e II do livro “Regulação Jurídica do Setor Elétrico”, autora
de diversos artigos nas áreas do direito e da economia, com destaque para os temas da Privatização , Energia Elétrica e
Organização do Futebol no Brasil.
> Adriano Pires
É Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre em planejamento energético pela Coordenação
de Pós-graduação em Engenharia - COPPE/UFRJ e Doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII. A
sua última experiência no governo foi na Agência Nacional de Petróleo – ANP onde atuou como Assessor do DiretorGeral (2001), Superintendente de Importação e Exportação de petróleo, seus derivados e gás natural (abril/1998 a
novembro/1998) e Superintendente de Abastecimento (dezembro/1998 a agosto/1999). Na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, exerceu a função de professor, pesquisador e consultor junto a empresas e entidades internacionais (UNESCO,
CEE, BIRD); Aneel; CNPq e Unicamp. Desenvolveu atividades de pesquisa e ensino em áreas tais como: economia da
regulação; economia da infraestrutura; aspectos legais e institucionais da concessão dos serviços públicos e tarifas públicas.
É sócio-fundador do CBIE - Centro Brasileiro de Infra Estrutura atuando como consultor de empresas no setor de energia
elétrica, petróleo e gás natural.
Visões do Setor Elétrico
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Gás natural e energia elétrica:
fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
O custo do combustível passou a ser variável-chave para a definição do preço da energia no
mercado spot, mas nem por isso sua fixação deixou de ter um caráter simplista, sendo apenas
mais uma informação “elementar” prestada pelo proprietário da usina, que, na maioria das vezes
é o mesmo fornecedor do combustível, em uma verticalização que, sem qualquer controle do
poder de monopólio, pode resultar em condutas prejudiciais à eficiência na operação do sistema
elétricas, dados os custos disso decorrentes.
o custo médio de uma usina termelétrica (UTE) a gás natural gira entre US$ 45/MWh e US$ 50/MWh, e este valor
incorpora investimento (50%), combustível mais operação e manutenção (outros 50%).
No Brasil, se for tomada por base a Nota Técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que fundamentou
a revisão do Programa Mensal de Operação da semana operativa que começou em 08 de agosto de 2014, existem 22
UTE, de um conjunto de 37, em que apenas o Custo Variável Unitário (CVU) já ultrapassa de R$ 200/MWh, e uma
delas, a ciclo combinado, tem CVU maior do que R$ 578/MWh. E não fica apenas nisso: outra UTE, dessa vez a ciclo
simples, tem CVU de R$ 733/MWh, o que me parece um enorme exagero – dado que não tenho outro adjetivo para
qualificar a prática.
1.
Anotações iniciais
As anotações aqui delineadas têm como foco a avaliação de um aspecto de certa forma negligenciado no custo da
energia elétrica, que é formação do custo do combustível utilizado pelas termelétricas. Termelétricas, a propósito,
sem as quais, não tenho a menor dúvida, já teríamos há meses entrado em um racionamento de grandes proporções,
o que mostra a grande importância estratégica de tais empreendimentos e da constituição dos seus custos.
A principal conclusão das anotações é que o custo do combustível para a produção da energia elétrica é fortemente
associado com práticas monopolistas, algumas motivadas em razões históricas, que são agravadas com a previsibilidade
da demanda residual, aquela que para ser atendida é essencial o uso de combustíveis fósseis. Além disso, a dinâmica
de evolução do uso desses combustíveis no setor elétrico brasileiro (SEB), sempre de utilização não prioritária, ajuda
a explicar um certo desprezo na determinação de parâmetro tão relevante para a eficiência na operação do sistema
elétrico e, consequentemente, para as tarifas.
São tantos e tão graves os problemas por que passa o SEB que poucos se dão conta de que boa parte dos seus
elevados custos de operação decorre de um aparato regulatório que “convive bem” com os danosos efeitos do poder
de monopólio. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, com mercados razoavelmente competitivos,
46
Visões do Setor Elétrico
Mas por que isso acontece? Uma das explicações tem razão histórica, isto é, estaria relacionada à evolução do uso de
combustíveis fósseis no SEB. Nos primórdios, as UTE eram tidas como complementares às hidrelétricas, portanto
com muito pouca relevância em termos de custo, dado que o sistema era predominantemente hidrelétrico. Neste
contexto, pouco se dava importância ao valor do CVU, tendo em vista que as UTE eram pouco acionadas e, quando o
eram (e já chegamos à segunda explicação), os custos correspondentes eram repartidos entre todos os consumidores,
em uma modalidade tarifária denominada de custo médio ou custo do serviço.
Naquela época, e foi assim até o final dos anos 1990, o custo do combustível, mesmo no sistema interligado nacional
(SIN), era titulado na Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC), que antes era utilizada para subsidiar o
consumo do carvão natural do sul do Brasil. Em outras palavras, como o objetivo era o fomento ao uso do carvão
natural, importante para o setor siderúrgico até os 1990, o custo do combustível era negligenciado para efeitos da
busca de custos eficientes para o sistema elétrico, um costume que, inexplicavelmente, se consolidou.
Depois disso, com a introdução da livre comercialização no início dos anos 2000, e do que se pensou seria um
“mercado”, o preço spot, ou o preço do mercado à vista da energia elétrica, passou a ter como base o custo marginal
de curto prazo, ou seja, o custo unitário do último recurso energético a ser acionado para atender à carga. Assim, se,
Visões do Setor Elétrico
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Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
em uma determinada semana, é necessário o acionamento, por ordem de mérito, de 13.000 MW médios de UTE e a
Não é preciso qualquer estudo aprofundado para mostrar que a gigantesca alteração no valor do custo total de geração
última delas é a UTE Araucária, o custo marginal de curto prazo será R$ 578,08/MWh.
termelétrica é explicada pela mudança no valor do custo marginal, que passou a ser o CVU da UTE Camaçari, que é
Perdão por uma primeira e rápida digressão teórica, mas o custo marginal é uma relação entre a variação do custo
total quando se varia a quantidade. Contudo, se separarmos o custo total em fixo e variável, não é difícil descobrir
78% superior ao seu correspondente na UTE Mauá B3. Mas faz sentido tamanha variação de CVU? Antes disso: faz
sentido tamanho valor apenas para a cobertura do custo combustível?
que, como o custo fixo total não varia com a quantidade (senão não seria fixo), então o custo marginal pode ser
Respondo imediatamente que NÃO, para as duas questões, e explico. Foi destacado no início dessas anotações que,
entendido como a simples variação do custo variável em relação à variação na quantidade de energia, o que explica
em mercados razoavelmente competitivos, o custo geração com gás natural pode chegar a US$ 50/MWh, ou cerca
o uso do CVU como uma proxy do custo marginal de cada UTE. Adicionalmente, em uma UTE, o combustível
de R$ 115/MWh, para US$ 1,00 igual a R$ 2,30. Neste padrão, o custo do combustível seria R$ 57,50/MWh, valor
responde por mais de 90% do total dos custos variáveis, razão pela qual o CVU é sinônimo de custo do combustível.
só encontrado em um dos blocos da UTE Norte Fluminense, que possui CVU que variam de R$ 37,80/MWh a R$
Volto à dinâmica de evolução do SEB. Dentro dessa nova circunstância, o custo do combustível passou a ser variável-
346,62/MWh, e nas duas usinas nucleares, o que totalizaria cerca de 2.400 MW.
chave para a definição do preço da energia no mercado spot, mas nem por isso sua fixação deixou de ter um caráter
Posso admitir que nossa ineficiência (sinônimo aqui de incompetência) tolere um custo que é o dobro do competitivo,
simplista, sendo apenas mais uma informação “elementar” prestada pelo proprietário da usina, que, na maioria
o que levaria o custo “aceitável” do gás natural (apenas o combustível) para R$ 115/MWh. Neste caso, abrangeríamos
das vezes é o mesmo fornecedor do combustível, em uma verticalização que, sem qualquer controle do poder de
uma parte relevante das usinas a carvão mineral e mais oito UTE a gás natural, totalizando mais 3.600 MW, sendo
monopólio, pode resultar em condutas prejudiciais à eficiência na operação do sistema elétricas, dados os custos
1.690 MW de térmicas a carvão e 1.910 MW a gás natural, isto porque considerei no conjunto a UTE Termofortaleza,
disso decorrentes. É exatamente isso que tento mostrar nestas anotações.
cujo CVU é de R$ 118,51/MWh. Logo, apenas 7.000 MW de UTE (de um total de quase 18.000 MW) seriam
enquadrados como empreendimentos com custos competitivos, sendo que delas apenas 4.000 MW seriam usinas
que utilizam gás natural.
2.
CVU e poder de monopólio – um “costume” nem um pouco razoável
Inicio a segunda parte destas anotações com mais uma análise numérica. Suponha-se que em um determinado mês
seja necessário o despacho de 1.300 MW médios, além dos 11.000 MW médios que já estavam acionados. Fariam
parte da geração adicional as UTE Mário Covas (520 MW), Araucária (480 MW) e Camaçari (345 MW), cujos CVU
são, respectivamente, R$ 463,79/MWh, R$ 578,06/MWh e R$ 732,99/MWh. Para atender à ordem de despacho dos
13.000 MW médios, o último recurso acionado teria sido a UTE Mauá B3, cujo CVU é igual a R$ 411,92/MWh, que
seria o custo marginal de curto prazo e, por causa disso, definiria o preço de liquidação das diferenças (PLD). Todos
esses dados foram retirados da Nota Técnica do ONS que sustentou a última revisão do PMO.
Com as UTE adicionais, o PLD passaria para R$ 732,99/MWh, levando o custo total do despacho térmico de R$
3,8 bilhões para R$ 7,5 bilhões, quase o dobro do custo do despacho anterior. Ou seja, um acréscimo de menos do
que 10% na geração térmica provocaria um aumento de quase 100% no montante de custos. Os efeitos disso são
bastante perversos na situação atual, de severa escassez de água e de descontratação de parte da carga. Primeiro
porque a geração hidrelétrica poderia ser deslocada pelas UTE adicionais, o que implica vultosos custos por tal
exposição, tendo em vista que as hidrelétricas teriam que comprar energia no mercado de curto prazo para atender
seus contratos. Segundo porque toda a carga descontratada também teria que buscar energia no mercado spot, com
custos semelhantes aos dos geradores hidrelétricos. E terceiro porque, depois da MP nº 579/2012, o risco hidrológico
dos geradores “quotistas” – aqueles que aderiram às regras da MP – são repassados para os consumidores, em valor,
obviamente, também relevante.
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Visões do Setor Elétrico
Diversas são as razões para tal resultado na formação do preço do combustível, no caso o gás natural, e uma delas,
a histórica, destaquei nas anotações iniciais. Passo a destacar duas outras. Com um pouco mais de conhecimento
da matriz de contratação do SEB, percebe-se que as UTE de menores CVU são aquelas que, em 2004, já possuíam
contratos de venda de energia com distribuidoras, nos famosos contratos entre partes relacionadas, que até já
motivaram duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), uma em Pernambuco e outra na Câmara dos
Deputados, e diversas auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Esses contratos foram firmados ainda na
época do não menos famoso e criticado Valor Normativo (VN), definido pela ANEEL.
Por exemplo, a Norte Fluminense tem CVU entre R$ 37,80/MWh e R$ 102,80/MWh para o bloco 700 MW (de
um total de 870 MW de capacidade instalada), enquanto a Termopernanbuco e a Termofortaleza possuem CVU
de, respectivamente, R$ 70,16/MWh e R$ 118,51/MWh. Mas há também UTE que no início tinham seus contratos
configurados como entre partes relacionadas, como a UTE Juiz de Fora, cujo CVU é R$ 213,84/MWh, mas que tem
hoje como característica o fato de pertencer à Petrobrás.
A Petrobrás é hoje o principal player na geração de energia por meio de termelétricas, papel que assumiu desde
2000, com o programa prioritário de termeletricidade (PPT), sendo extremamente importante para a viabilidade
econômica de tal programa de governo. Sem a Petrobrás, parece-me, talvez tivéssemos a metade do que hoje
existe de capacidade instalada de UTE a gás natural. São cerca de 11.000 MW, sendo mais de 6.500 sob controle
da Petrobrás, distribuídos em 19 plantas, de um total de 33. De qualquer forma, excluindo-se as UTE L.C. Prestes
– L1 e Governador Leonel Brizola, todas as demais termelétricas da Petrobrás possuem CVU acima de R$ 213,18/
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Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
MWh, chegando a R$ 578,06/MWh, como é o caso, repita-se, da UTE Araucária, e grande parte dessas usas usinas
Em tal figura, a curva S representaria a curva de oferta de energia, enquanto a D denotaria a demanda que seria
já vende energia por meio de leilões regulados. Isto é, os custos estariam muito acima do que chamei no começo de
atendida em situação normal, ou seja, na ausência de regimes hidrológicos muito desfavoráveis. A demanda é
competitivo, dado que uma renda atrativa é obtida só com os contratos regulados.
assumida como dada, por isso é paralela ao eixo das ordenadas, o que é bastante razoável, pois, no Brasil, o programa
Com efeito, entre 2007 e 2008, quando, por intermédio de um teste, foi constatado que o gás existente nas regiões
Sul e Sudeste/Centro Oeste não seria suficiente para gerar a energia que teria sido autorizada para diversas UTE, a
Petrobrás, estimulada por uma Portaria do MME, foi obrigada a celebrar Termo de Compromisso com a ANEEL,
que contemplava metas rigorosas para comprovação de aumento de garantias físicas, do contrário a empresa sofreria
pesadas penalidades, como aconteceu em uma ocasião.
Como boa parte da capacidade instalada da empresa ainda não possuía contratos de longo prazo para a venda de
energia, toda sua receita (com o setor elétrico) viria do mercado de curto prazo, situação em que o CVU poderia
agregar investimento, um custo fixo, e todos os custos variáveis, o que serviria de incentivo para que o gás natural
“aparecesse”. Porém, mesmo que considerássemos como “aceitável” o custo de nossa ineficiência (e incompetência)
de operação é elaborado para atender a uma demanda também dada – conhecida. A demanda DR, por outro lado,
é aquela que só é atendida com o acionamento de UTE com custos maiores, o que resulta em um aumento relevante
de preço, que passa de P para P*. A diferença, medida no eixo das abcissas, entre DR e D é a demanda residual, que
aqui será denominada de ∆D.
Admitindo-se que os agentes de geração atuem em um mercado em que boa parte de suas receitas resulta da venda
de energia no mercado de curto prazo – do contrário o CVU, necessariamente, teria que ser muito baixo -, então eles
teriam interesse em ser cada vez mais despachados, o que, de alguma forma, estimularia uma certa competição. Esta
competição é ainda maior quando os ofertantes não sabem, ex-antes e com precisão, o valor de DR, ou seja, quando
a ∆D é estocástica.
na formação do custo do combustível (R$ 115/MWh), ainda assim o CVU (“brasileiro”) não poderia ultrapassar
Sucede que, no Brasil, não só uma única empresa detém parcela significativa do mercado (60% das UTE a gás
de R$ 172,50/MWh, que está muito longe do praticado pela Petrobrás (e outros). Retirando as famosas UTE dos
natural), como ela também é responsável pelo suprimento de quase 95% do combustível, mesmo considerando o gás
contratos entre empresas do mesmo grupo econômico, existem oito usinas que possuem CVU menores do que R$
natural liquefeito (GNL). Ou seja, são ínfimas as chances de que uma competição direta estimule preços eficientes.
172,50/MWh, que somam 3.057 MW, só que apenas duas delas são da Petrobrás e contribuem com 1.444 MW.
O mais grave de tudo isso é que, desde 2010, a carga não é atendida sem o acionamento de termelétricas, o que torna
Convém destacar que um CVU de R$ 172,5/MWh equivale a uma UTE cujo custo médio seria de US$ 75/MWh, ou
seja, 50% maior do que o custo efetivamente competitivo. Com um detalhe importante: este valor é apenas 5% menor
do que o preço cheio do contrato de venda de energia da Termofortaleza para a COELCE e da Norte Fluminense
a demanda residual previsível. Em outras palavras, os geradores termelétricos já sabem com antecedência que
a demanda total não será atendida sem uso de boa parte de suas usinas, o que lhes aumenta, de forma muito
significativa, o poder de monopólio.
para a Light, mas é quase 20% maior do que o preço do contrato entre a Termopernambuco e a CELPE. Mais: é
Assim, na medida em que ∆D se torna conhecida, maior tende a ser a área do grande retângulo da Figura 1, tendo
também um valor acima da faixa de preços dos leilões regulados (de UTE) realizados depois da Lei n° 10.848, de
em vista que maior tende a ser o valor do próprio ∆D e, mesmo que isso não aconteça, maior tende a ser pressão por
2004, portanto um valor dentro do praticável, com todas as “gorduras”.
maiores CVU, portanto maior P*, que se afastará cada vez mais de P, o que é muito danoso para os consumidores e
A situação atual é bastante perigosa (e grave), sobretudo quando se leva em conta uma visão do futuro. E aqui
para os geradores hidrelétricos que serão deslocados.
peço licença para mais uma digressão acadêmica, que é uma simples discussão entre a previsibilidade da demanda
Traduzindo tudo isso em números, se, durante 2014, os CVU já fossem os “competitivamente aceitáveis” (que já
residual e seus efeitos sobre o poder do monopólio do agente verticalizado. Suponha-se a Figura 1 abaixo:
incorporam um perdão pela ineficiência), o custo dos 11.000 MW médios de UTE a gás natural despachados ao
Fig. 1: Efeitos da demanda residual
longo de todo o ano seria R$ 16,6 bilhões, para um CVU de R$ 172,50/MWh, e não R$ 55,7 bilhões que se pode
esperar para um CVU de R$ 578,06/MWh, da UTE Araucária. Acho que tamanha diferença não é desprezível, por
isso o tema não pode mais ser negligenciado. Ressalte-se que ao volume de termelétrica a gás natural devem ser
adicionados os cerca de 2.000 MW do parque nuclear e mais 2.300 MW do carvão competitivo, o que aumentaria
(muito) mais ainda o total das despesas.
É bem verdade que nem todo esse custo seria transformado em aumento de tarifas, uma vez que uma parte importante
das termelétricas foram contratadas por disponibilidade, situação em que quando o PLD é maior do que o CVU esta
diferença é revertida em prol da modicidade das tarifas. Outra parte relevante do custo total (entre 7 e 10%) é de
responsabilidade dos geradores expostos, o que também reduz a conta para o consumidor final, mas dificilmente o
custo total ficaria abaixo da casa das dezenas de bilhões de Reais, considerando os volumes de energia do exemplo
aqui utilizado, que não são precisos, mas da mesma ordem de grandeza.
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Visões do Setor Elétrico
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Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
Edvaldo Alves de Santana
Gás natural e energia elétrica: fluindo em monopólio
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Vejam que resultado interessante: como o despacho de termelétricas, de acordo com o algoritmo de otimização validado
a indisponibilidade de usinas termelétricas de grande porte, de custos, ainda que muito elevados para padrões
pela ANEEL, não depende só da função dos custos atuais, mas também de uma função de custo futuro (encerro aqui as
competitivos, menores do que o de diversas outras. Com efeito, na semana em referência verifica-se que as UTE A.
“teorias”), então menores CVU implicam mais termelétricas de custos bem menores acionadas com maior frequência,
Chaves (226 MW), M. Covas (480 MW), Santa Cruz 34 (436 MW) e P. Médice (126 MW), dentre outras, estavam
o que é uma importante contribuição para preservar mais água nos reservatórios, só que agora com custos totais
indisponíveis por declaração do agente, o que é previsto nas normas. Porém, três dessas UTE, as de menores CVU
sensivelmente inferiores. Na prática, o custo total de gerar 5.500 MW médios ao longo de 12 meses, com o uso de UTE
(entre R$ 115,90/MWh e R$ 310,41/MWh), agregariam quase 800 MW médios à oferta e reduziriam o Custo
com CVU de até R$ 115/MWh, é mais do que 3,7 vezes mais barato do que acionar 16.500 MW médios, uma vez que o
Marginal de Operação (CMO) para menos de R$ 600/MWh, contra os mais de R$ 700/MWh da semana operativa.
CVU passaria para R$ 578,06/MWh, sem contar a estabilidade dos custos marginais durante o ano.
Parece-me uma redução que não deve ser desprezada, o que exige enorme rigor no exame dessas declarações de
Logo, não seria razoável se continuar a conviver com uma certa indulgência com CVU que nem de longe se
aproximam de valores minimamente competitivos, o que requer mudanças urgentes.
indisponibilidade, como sempre acontece (o rigor) com o parque nuclear, também indisponível na mesma semana.
No mais, limitar o CVU de termelétricas a valores competitivos implicaria cutucar uma onça muito feroz com
uma vara bastante curta, tendo em vista que já estão consolidadas as posições monopolistas para a fixação de tal
parâmetro, o que tornaria os obstáculos à missão do regulador quase que intransponíveis, sobretudo do ponto de
3.
Anotações finais
As anotações aqui organizadas não têm a menor pretensão de ser uma crítica ao governo, à Petrobrás, à ANEEL ou
à ANP, até porque seu autor foi diretor da ANEEL por oito anos e superintendente de mercado por mais de cinco. É,
antes de tudo, uma análise sensata e independente, onde se assume com humildade que se há problemas os mesmos
precisam ser equacionados.
É fácil a solução do problema? Nem um pouco. Envolve uma situação que faz parte da dinâmica de evolução do
SEB, em que sempre se acreditou que as termelétricas seriam complementares e que, portanto, seus custos variáveis
poderiam ser desprezados ou de pouca importância. E seriam de pouca importância (também) porque a premissa
prevista em lei é de os consumidores estariam 100% contratados, logo nunca expostos aos custos marginais de
curto prazo. Vê-se, agora, que nada disso é verdade: o sistema já não é mais hidrotérmico, mas sim quase que
“termohidro”, como bem mencionou recentemente o Diretor-Geral do ONS, nem os consumidores sempre estarão
100% contratados, pois suas compras dependem da eficácia do governo e de uma sistemática de leilão.
Também é complexa a equação porque há um grave problema de fronteira regulatória e até de conflitos de leis. O gás
natural não é regulado pela ANEEL, mas sim pela ANP, e, o que é mais grave, é de livre comercialização a molécula
do combustível, cabendo regulação apenas para seu transporte. Em apertada síntese, as condições são as ideais para
vista político. No entanto, não tenho a menor dúvida de que vale à pena tentar e é muito mais coerente e consistente
do que simplesmente procurar modificar a forma de cálculo do PLD.
O custo marginal é a única maneira de alocação dos recursos energéticos (ou qualquer recurso) de forma eficiente,
situação em que não se deve abandonar mais de 200 anos de fundamentos econômicos apenas para buscar um
caminho fácil, por exemplo, do simples cálculo de uma média. Entendo que é muito mais efetivo a correção dos
dados de entrada, isto é, trabalharmos com rigor na definição dos CVU, nem que para isso seja necessário o uso de
dados de outras economias e, o que é extremamente prudente, uma transição, por exemplo, de 24 meses.
Como havia limitação de espaço para estas anotações, deixei de lado o caso do carvão e dos combustíveis líquidos,
também monopolizados, mas adianto que os resultados estariam na mesma direção, isto é, de que há espaço
considerável para a economia de bilhões de Reais apenas com a definição de custos “aceitavelmente” competitivos,
que também incorporariam uma “boa” parcela para nossa incompetência.
Como a vara é curta e a onça é muito brava, recomendo o uso de luvas de aço e de proteção divina. Porém, se os
pecados não dão certeza da ajuda das divindades e se as luvas não cabem nas mãos, uma boa dose de humildade
(para reconhecer e negociar), de perseverança (para buscar o correto, ainda de forma árdua) e de independência
(para dar consistência aos resultados) é um bom caminho a ser trilhado.
condutas monopolistas, não só da Petrobrás, agravada pela previsibilidade na estimativa da carga que só ser atendida
com uso das termelétricas. A rigor, a volatilidade dos custos marginais e as incertezas, até 2010, quanto ao uso
da termeletricidade, podem ter influenciado os valores do CVU, dado que as empresas precisavam recuperar seus
investimentos com a venda esporádica de energia no mercado spot. Outras explicações técnicas com toda certeza
existirão, mas é difícil que uma delas justifique um CVU, para uma UTE a gás natural e a ciclo combinado, igual a
US$ 251/MWh, cinco vezes o custo total de uma termelétrica competitiva.
O uso da termeletricidade deve ser ainda intenso ao longo de 2014 e também em 2015, pelo menos, e cuidados
com os dados de entrada são essenciais. A julgar pela semana operativa que começou no dia 16/08/2014, com mais
de 1.700 MW médias de UTE despachadas fora da ordem de mérito, outros aspectos devem ser examinados, como
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Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR > Edvaldo Santana
Edvaldo Alves de Santana é Doutor, desde 1993, em Engenharia de Produção, Professor Titular (aposentado) da UFSC,
já tendo orientado mais de 20 teses de doutorado sobre o setor elétrico. Na ANEEL foi um dos seus diretores por oito
anos, sendo também superintendente de estudos do mercado entre 2000 e 2005, época em que o mercado foi estruturado
e passou a funcionar. Sua publicação científica pode ser encontrada na internet, incluindo publicações em periódicos
internacionais e nacionais de primeira linha, como a Estudos Econômicos, da USP, Revista Brasileira de Economia, da
FGV, e a Pesquisa e Planejamento Econômico, do IPEA.
Visões do Setor Elétrico
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Indústria, energia
e desenvolvimento
Ricardo Lima
Soluções adotadas em gabinetes fechados, por mais brilhantes que sejam os tomadores de decisão,
serão sempre parciais e refletirão apenas facetas da solução. O setor elétrico, assim como outros
setores da economia e da infraestrutura, é complexo e multifacetado. Nada se perde, ao contrário,
ao adotar-se uma atitude de escuta ativa e de ampla consulta. A testemunhar a favor disso está o
processo de audiência adotado desde o princípio pelo regulador do setor elétrico.
O tema energia elétrica deixou, felizmente, de ser um assunto restrito aos técnicos e especialistas do setor. Mesmo
de diversas empresas e, não menos importante, a criação do agente regulador e fiscalizador, que nasceu para ser
independente, entre outras medidas saneadoras e modernizadoras do setor elétrico.
Esse modelo, implantado do final da década de 1990, era fortemente apoiado nas leis do mercado e previa a expansão
da livre escolha do fornecedor até os pequenos consumidores e sinais de preço como indicadores fundamentais para
a expansão da oferta e para ajustes na demanda – base para um equilíbrio eficiente do mercado.
seus termos específicos, jargões e siglas, passaram a fazer parte do cotidiano de parcela significativa de nosso “povo”,
E aí veio o racionamento no início dos anos 2000 para colocar em xeque todo o modelo, além de promover o tema
como gostam de chamar os populistas de plantão.
energia elétrica para as manchetes e as rodas de discussão da população. Tratou-se o modelo vigente, ainda não
Mas, por outro lado, e como todo bastão tem duas pontas, essa popularização se deu, infelizmente por razões nem
sempre benéficas à sociedade e à economia brasileiras, ou seja, por crises sucessivas e notícias poucas vezes positivas.
Quando, no início da década de 90, vejam só, do século passado (!), com a Lei Elizeu Rezende, houve o final da
chamada remuneração garantida para as concessionárias de energia elétrica, o Tesouro Nacional “bancou” cerca
de US$ 22 bilhões (guardem este número) para que as tarifas fossem desequalizadas e estabeleceu a necessidade de
contratos entre geradores e distribuidores e tarifas realistas, baseadas no custo do serviço. Naquela época, tal debate,
apesar dos vultosos valores envolvidos, não chegou até a população.
Mas isso foi o que deu início, ou foi o que possibilitou o nascimento, alguns anos depois, na esteira das leis de
concessões, de uma verdadeira reforma estrutural no setor, o Projeto RESEB, iniciado em meados daquela década.
O conjunto de mudanças decorrentes do processo incluiu a desverticalização das empresas elétricas, a retomada
dos investimentos e conclusão de diversas obras paradas, o fim da inadimplência sistêmica que atingia novamente
o setor elétrico, a criação do mercado livre, das figuras do consumidor livre, do comercializador e do produtor
54
independente de energia, do Operador do Sistema Elétrico e do Operador do Mercado (ASMAE), a privatização
Visões do Setor Elétrico
completamente implementado como o maior vilão do racionamento, como se este fosse o grande culpado! Claro
que falhas existiam no modelo e que aprimoramentos eram necessários. Daí a dizer que TUDO estava errado vai
uma grande distância. Mas esse é sempre o problema que separa o discurso da prática. A realidade é mais dura e
é implacável.
Não é intenção deste texto defender o modelo criado a partir do RESEB. Mas ele teve méritos que devem ser
destacados. Entre eles o de ter sido criado a partir de uma ampla discussão com os maiores técnicos e dirigentes deste
país, contando com o suporte de consultores internacionais. Debates intermináveis, por longos meses, em busca
de um consenso, em busca de uma solução, ou de soluções, de alternativas, com impactos analisados à exaustão.
Debates francos e abertos. Esse foi o maior mérito. Além do mérito de acreditar nas forças e nas leis do mercado!
Não esqueçamos dois pontos positivos do racionamento: o esforço bem sucedido de racionalização do consumo
e o aparecimento de um mercado de certificados de redução de consumo, com sucesso enorme, que possibilitou a
inúmeras indústrias mitigar os efeitos perversos da redução obrigatória da carga – ao mesmo tempo que provou que
as leis do mercado poderiam funcionar para a energia elétrica, mesmo em tempos de crise.
Visões do Setor Elétrico
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Indústria, energia e desenvolvimento
Ricardo Lima
Indústria, energia e desenvolvimento
Ricardo Lima
Buscou-se então, com alterações no modelo vigente, corrigir distorções e algumas boas medidas foram adotadas,
por mais brilhantes que sejam os tomadores de decisão, serão sempre parciais e refletirão apenas facetas da solução.
entre elas a criação da EPE em 2003.
O setor elétrico, assim como outros setores da economia e da infraestrutura, é complexo e multifacetado. Nada se
Mas, quando se busca soluções focadas na modicidade tarifária, e a lei 10.848 fala explicitamente em “modicidade de
tarifas e preços”, tem-se que ter cuidado com os efeitos secundários dessa decisão. Não se pode e não se deve negar
perde, ao contrário, ao adotar-se uma atitude de escuta ativa e de ampla consulta. A testemunhar a favor disso está o
processo de audiência adotado desde o princípio pelo regulador do setor elétrico.
que o setor produtivo nacional carece de condições de competitividade. Ao apontar para modicidade de tarifas e de
Apenas neste ano de 2014, o socorro financeiro às distribuidoras, decorrente em boa parte dos efeitos do modelo de
preços, independente do populismo, sinalizou-se para a busca de uma economia mais competitiva. No entanto, será
contratação e também do modelo adotado para a renovação das concessões de geração, importante para que o setor
que essa foi a direção seguida? As medidas foras as mais corretas?
não entre em colapso, e que poucos discordam da necessidade, já atingiu a metade do valor daquele que o Tesouro
Aparentemente sim. Vejamos. Os preços para energia resultante dos leilões foram cada vez menores! Leilões de
Nacional aportou na década de 90, apontado no início deste texto.
transmissão com grandes deságios! Sucesso? Será? Aí vêm os leilões de reserva. Empreendedores que não cumprem
Mas, porque o mercado livre ficou estagnado nos 25% do mercado total? Mercado livre pode e deve financiar a
cronograma ou que nunca entregam seus empreendimentos (sejam eles estatais ou privados).
expansão! Alguns defendem, sem nenhum critério objetivo, que a proporção ¾ mercado cativo e1/4 para o
E não se ataca a base real da composição final do custo da energia, onde apenas metade é geração transmissão e
distribuição. Encargos e tributos? Será que é impossível atacar? As mudanças feitas na CCC, por exemplo, ao longo
desse período foram largamente compensadas pelo aumento nos Encargos de Serviço de Sistema pela necessidade
de despacho das usinas térmicas, usadas, claro, para garantir o abastecimento e fugir do fantasma do racionamento.
Faltou a consulta ao consumidor se queria ou podia pagar esse seguro contra o racionamento.
Por quê voltar ao passado no momento de propor caminhos para o futuro? Porque se não tivermos um olhar
isento, imparcial e desapaixonado não conseguiremos propor e construir um futuro mais sadio e consistente para a
economia brasileira e, consequentemente, para o setor elétrico.
Parênteses: neste ponto pode-se identificar como um dos focos da origem da crise atual pelo que passa o setor
a retirada do único risco que ainda existia nas distribuidoras: o risco de mercado, passando esse risco para o
planejamento centralizado estatal, como se o Estado fosse infalível e dando às distribuidoras o chamado “alívio de
exposição”, coberto pelos consumidores, que infelizmente não contam com alívio nenhum! Até a reforma de 2004,
as distribuidoras eram responsáveis por gerir 5% de seu mercado através da contratação. Ao obrigar que estivessem
100% contratadas em leilões promovidos pelo Governo a partir de declarações de seu mercado futuro, ao preço
resultante do leilão, seja de energia ou de reserva (onde o consumidor arca com o custo, qualquer que seja ele), o
risco de gestão deixa de existir. Centralização mais uma vez traz seus efeitos, bons ou maus, à frente. Como pode-
mercado livre é a ideal. Mas o mercado livre foi o responsável não apenas pela recuperação da produção nacional
após o racionamento, como também pelo reequilíbrio econômico-financeiro das geradoras ao adquirir o excedente
energético dessas (mais uma vez confirmando que as leis de mercado funcionam para a energia). Além disso, foi um
importante motor da economia, ao sinalizar para a expansão através da autoprodução e da contratação de energia
de produtores independentes e ao crescimento das fontes alternativas na matriz energética para o suprimento aos
consumidores especiais.
A limitação do mercado livre ao patamar de 25 a 28% deve-se principalmente à limitação das condições de sua
participação na expansão da oferta, à limitação ao patamar mínimo de 500 kW e, principalmente, às condições
pouco competitivas do mercado e pouco transparentes na formação de preço do mercado livre brasileiro.
A indústria brasileira ressente-se desse quadro. Ano após ano a indústria perde participação no PIB nacional.
E perde condições de competitividade com seus concorrentes internacionais. Energia é fator fundamental de
competitividade. Energia, produtividade, carga tributária, mão de obra, qualidade, etc. são vetores fundamentais.
Nosso tema é energia. Mas todos esses vetores estão intrinsecamente conectados. Energia elétrica, gás natural,
derivados estão ainda vinculados a um tema cada vez mais caro a todos: meio ambiente e emissões. E isso, com
nossa matriz energética com conteúdo elevado de fontes limpas e renováveis, é um diferencial competitivo que deve
ser melhor explorado. Mas muito pode e precisa ainda ser feito na busca do uso eficiente da energia.
se ver, o custo aparece agora. O outro ponto, óbvio, e por isso não precisa ser aprofundado, foi a solução dada às
Alguns setores industriais passaram de exportadores a importadores líquidos. Corremos o risco de voltarmos a ser
concessões vincendas.
exportadores de minério, deixando de processá-lo devido ao custo proibitivo da energia, que tira a competitividade
Pode-se citar ainda o “efeito borboleta”, que resumidamente diz que o bater das asas de uma borboleta pode provocar
um furacão do outro lado do mundo e faz parte da “Teoria do Caos”. Lembrar desse efeito tem como objetivo chamar a atenção para as diversas intervenções que têm sido feitas no setor elétrico, desde o que se chama “velho
do produto beneficiado! Indústrias ou segmentos industriais deixam de ser produtores para usar sua rede comercial
e de logística para vender e distribuir produtos feitos no exterior. É esse o futuro que queremos para nossa indústria?
Definitivamente NÃO!
modelo”, até o que se convencionou chamar “novo modelo”, implantado em 2004, e que não é mais que um ajuste no
Como o setor elétrico pode colaborar para mudar esse quadro? Simples: com mais mercado, mais estabilidade e
modelo anterior, feito no modo de contratação. Acredita-se que com ajustes pontuais pode-se resolver o problema,
menos intervenção.
esquecendo-se dos efeitos, inevitáveis, que advirão de sua implementação. Soluções adotadas em gabinetes fechados,
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Indústria, energia e desenvolvimento
Ricardo Lima
Indústria, energia e desenvolvimento
Ricardo Lima
Ninguém, nenhum de nós tem a solução mágica. O que precisamos é parar de acreditar que o que vivemos é apenas
uma crise conjuntural. Ela é estrutural. Ela é mais profunda e mais séria. É uma crise de modelo. Não do modelo
setorial. Mas da necessidade de um modelo de desenvolvimento para o país. Um modelo que integre e harmonize
as diversas políticas: social, agrícola, industrial, de infraestrutura, financeira, etc. E a política do setor elétrico, como
um setor fundamental para a sustentabilidade do desenvolvimento, deve estar integrada e pode sinalizar direções
para essa política integrada.
De que forma? Como sair desse impasse? A partir de um grande pacto, onde as paixões sejam deixadas de lado, as
camisas coloridas e as ideologias deixadas fora da sala e, unidos, se consiga construir um setor mais adequado ao que
o país necessita. Do contrário, seremos engolidos e esmagados pela nossa inépcia e pelo nosso sonho de que tudo
pode ser resolvido com “ajustes”. É hora de coragem.
Sem nenhuma pretensão e sem querer antecipar teses desse pacto, mas apenas a título colaborativo e provocativo,
três direções que talvez possam contribuir para o desenvolvimento, não apenas da economia nacional, ampliando
a competitividade de nossos setores produtivos, mas dando condições estruturais mais adequadas para que o setor
elétrico evolua de maneira mais consistente:
1. Ampliação do mercado livre, com redução aumento da elegibilidade, reduzindo dos atuais 500 kW para 50kW;
3. Participação do mercado livre na expansão da geração, através da certificação, securitização e da criação de
mecanismos e ambientes de negociação e de clearing, possibilitando que os contratos sejam dados em garantia
de financiamento, em ambiente seguro;
4. Ampliação dos mecanismos de contratação pelo ACR, seja diretamente, seja através da geração distribuída ou de
excedentes de autoprodutores, reduzindo a centralização.
Um grande Pacto, com maiúscula mesmo, baseado em três pilares: mais mercado e liberdade, mais competitividade
e mais eficiência. E com a participação de todos.
CONHEÇA O AUTOR > Ricardo Lima
Físico pela universidade de são paulo. Atua na área de energia desde 1977. Iniciou na área energética com pesquisas
acadêmicas na universidade e a carreira profissional com fontes alternativas de energia e eficiência energética. Foi o
responsável pela coordenação da privatização das empresas energéticas do estado de são paulo, que arrecadou um total
de us$12,5 bilhões. Foi assessor da presidência da Bovespa, trabalhou na implantação do mercado atacadista de energia
elétrica, foi diretor comercial da enertrade, vice presidente comercial da aes Eletropaulo, diretor comercial da AES tietê ,
presidente do conselho da Abraceel, presidente executivo da abrace e conselheiro na CCEE, entre outros.
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Visões do
Setor Elétrico
Ashley Brown
While the creation of a new market model in the first years of this century helped steer Brazil
away from the apagao by structurally stimulating investment in generation, that model must
now be updated to keep pace with the changes of the past decade. Current circumstances
require more than merely expansion of generating capacity. They require more of a focus on
market dynamics and appropriate price signals to enable the needed efficiency gains, both
economic and energy, in the sector.
The Brazilian power sector, historically a model of planning, hydrological management, and coordination, is no
longer sustainable in its current form. It is not only vulnerable to changes in climate and weather, but also to political
and environmental constraints that it confronts. In addition, the terms of its biggest generating asset, Itaipu, must be
renegotiated with Paraguay before 2023. While the sector has undergone past crises, most notably the apagao more
than a decade ago, the current situation, the current situation may be less a crisis than a slow decline into increasingly
problematic and perilous circumstances. While the creation of a new market model in the first years of this century
helped steer Brazil away from the apagao by structurally stimulating investment in generation, that model must
now be updated to keep pace with the changes of the past decade. Current circumstances require more than merely
expansion of generating capacity. They require more of a focus on market dynamics and appropriate price signals to
1.
Reform of the Natural Gas Market
The current state of the natural gas market is harmful to the Brazilian economy in general. It is particularly harmful
to the power sector. Because of the politically and environmentally drive constraints on building reservoirs, the
energy storage on which the country has relied for many years, is about to diminish in size relative to demand. The
slack has to be picked up in from some other source. Renewables such as biomass, wind, and solar, will be of value,
but are not sufficient. Nuclear can also be helpful, but it is, to put it mildly, quite expensive to build. There is simply
no alternative but to increase thermal capacity, and because coal is not readily available and is environmentally
problematic, the logical fuel is gas. Unfortunately, the gas market is dysfunctional. For generators, it is only reliably
available on a “take or pay” basis which makes Brazil, perhaps unique among the world’s large economies, as having
fuel be a fixed rather than variable cost ion generating electricity. It also makes it impossible for natural gas fired
generation to do what it does in most power sectors, namely to set the marginal, market clearing price for generation.
Without that marginal price being produced, the wholesale market is inadequate to provide the optimal input for
proper retail pricing. More importantly, it greatly impoverishes the energy, or spot market, a sine qua non, for an
efficient electricity system. For more on needed reform of the natural gas market, please see the author’s article on
ABRACE’s website, Visoes do Gas.
enable the needed efficiency gains, both economic and energy, in the sector.
The key change required is moving away from non-dynamic, flat, average cost pricing toward a more dynamic system
which delivers appropriate, truly market reflective, price signals to customers, service providers, and investors that
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2.
Reform of Transmission Pricing
would encourage and incentivize efficiency on both the supply and demand sides of the electricity market. Getting
There are two critical areas in regard to transmission where reform would add efficiency to the system, transmission
the prices right is classic economic advice and simple to say. Accomplishing that in Brazil would requires more than
pricing, and ancillary services. In regard to pricing Brazil, has over the years moved slowly away from fully socialized
simply correcting the prices, it requires fundamental reforms in both the power sector and the natural gas market
transmission rates to more distance and congestion sensitive pricing. The logical next step is to adopt fully transparent
which provides the fuel most needed for thermal generation, to generate the signals and information essential for
locational marginal cost pricing. That would enable consumer prices to more accurately reflect actual costs and
meaningful pricing. The reforms required to enable appropriate pricing, must, at a minimum, include the following:
enhance incentives for more end use efficiency, provide incentives to locating new generation (particularly thermal)
Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Visões do Setor Elétrico
Ashley Brown
Visões do Setor Elétrico
Ashley Brown
to locate in places where they optimally impact system operations and costs, encourage more diversity of investment
in the grid, particularly “smart” controls, and to enable more economic and competitive ancillary services (e.g.
voltage support, reactive power, etc.). Indeed, the second area of reform is to fully open up of the ancillary services
market to competition. The process for doing so was begun in MP 579, which first opened the “black box” of ancillary
services to public scrutiny. Completing that process would make the market more transparent, more efficient, and
more sustaining of a viable wholesale energy market. It would also make absolutely clear that the marginal price
of dispatching hydro, even in times of plentiful water, is never zero, and reflects more than simply hydrological
considerations.
3.
Smart Grid
Conveying meaningful information on energy use and costs to market participants, customers, or to entrepreneurs
who can translate that information into something of practical value, such as promoting energy efficiency and
reducing technical and non-technical losses, and using existing technology and assets more productively, would be
of great value to the system. Doing so requires substantial investment in “smart grid” technology, including smart
meters, more effective transmission controls, etc. . Utilities should be provided with reasonable incentives for making
such investments. Failing to bring smart grid assets on line will make the power sector in Brazil fall well below world
standards, and will cause overall productivity in the sector to decline over time. It is also an essential element for
getting the prices right.
4.
Demand Response and Energy Efficiency
One of the many shortcomings of poor pricing is that demand side response to prices is missing. In almost all
markets, demand responses to prices are essential to maintaining an effective marketplace. Averaged cost pricing
gives customers nothing to react to because it simply presents them with a bill at the end of the month without any
useful information as to how they might consume energy in more efficient and less costly ways. It also provides
energy services companies, who can provide valuable services in promoting more efficient use of energy, and/or,
effective demand side responses to compete with supply side options in the marketplace (i.e. negawatts compete with
megawatts). Conservation and efficiency are beneficial to both the economy and the environment, and meaningful
price signals will enable that to occur. Toward that same end, it would be useful to provide incentives or, at a
minimum, remove disincentives, from distributors to engage in energy efficiency programs themselves.
While these steps will not solve all problems in the power sector, they will certainly move the market in directions
that would be helpful for all market participants, for consumers, and more importantly, for the economy and society
as a whole.
62
Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR > Ashley Brown
Ashley C. Brown is Executive Director of the Harvard Electricity Policy Group [HEPG], a program of the MossavarRahmani Center for Business and Government at Harvard University’s John F. Kennedy School of Government. The HEPG
provides a forum for the discussion and analysis of important policy issues regarding the United States electricity industry.
Ashley Brown is also of counsel to the law firm of Greenberg Traurig, LLC. He has also served as an advisor to numerous
governments around the world on infrastructure regulatory issues. Before his current activities, Ashley Brown served
as Commissioner of the Public Utilities Commission of Ohio, appointed twice by Governor Richard F. Celeste, first for
a term from April 1983 to April 1988 and for a second term from April 1988 to April 1993. Prior to his appointment to
the Commission, Mr. Brown was Coordinator and Counsel of the Montgomery County, Ohio, Fair Housing Center. From
1979-1981 he was Managing Attorney for the Legal Aid Society of Dayton, Inc. From 1977 to 1979 he was Legal Advisor
of the Miami Valley Regional Planning Commission in Dayton. While practicing law, he specialized in litigation in federal
and state courts, as well as before administrative bodies. In addition, Mr. Brown has extensive teaching experience in
public schools and universities.
Visões do Setor Elétrico
63
Uma agenda para o
desenvolvimento do setor
elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
Duas medidas de caráter estratégico que são capazes de contribuir para o desenvolvimento do
setor energético em geral e elétrico no Brasil são: o desenvolvimento de um arcabouço regulatório
que viabilize integração energética regional e a integração de mercados.
Integração Energética e Elétrica Regional e Aumento da Participação
do Gás Natural na Matriz Elétrica Brasileira
O desenvolvimento do setor elétrico é essencial para promover crescimento do Brasil. Entretanto, a conjuntura atual
Duas medidas de caráter estratégico que são capazes de contribuir para o desenvolvimento do setor energético em
do setor apresenta dúvidas em relação à capacidade de atender objetivos explícitos de segurança do suprimento e à
solvência dos agentes dos diversos segmentos da cadeia de valor. Este quadro é agravado ainda por um conjunto de
medidas inauguradas com a Medida Provisória n.º 579, de setembro de 2012, a qual visava melhorar as condições de
competitividade da indústria e assegurar preços e tarifas mais adequadas para a energia elétrica no Brasil.
As inquietações recentes, no entanto, são uma oportunidade para uma reflexão do setor em perspectiva, pensando
não apenas em uma solução conjuntural, mas em soluções que enxerguem um horizonte maior. Nossa intenção
nesse documento é ir além das inquietações que acompanham o desempenho recente dessa indústria, discutindo
perspectivas futuras que permitam ao setor contribuir para o bom desempenho da economia.
Nesse espírito, abordamos medidas de caráter estratégico, que envolvem transformações de longo prazo, mas
também outras ações de implementação mais imediata, como a ampliação do direito de escolha do consumidor,
o aperfeiçoamentos dos sistemas de contratação no ambiente regulado que incorporem de modo transparente
diferenças nos custos de transmissão e no grau de despachabilidade de diferentes fontes de geração; e mecanismos
de resposta da demanda que compensem os usuários por mudanças de comportamento que aumentam a segurança
e confiabilidade do suprimento.
Por certo que todos essas propostas envolvem um fortalecimento da regulação e dos processos de formulação de
políticas para o setor, primando-se por uma boa governança entre as entidades envolvidas, pela transparência
dos processos de tomada de decisão e por uma participação ativa dos que são afetados – positiva e negativamente
Transformações estratégicas de política demandam prazo longo para sua implantação e para que produzam efeitos.
geral e elétrico no Brasil são: o desenvolvimento de um arcabouço regulatório que viabilize integração energética
regional e a integração de mercados; e um aumento da participação do gás natural na matriz elétrica brasileira.
Uma decisão estratégica fundamental nesse processo consiste em definir uma participação dos recursos que permita
atender aos objetivos de política energética estabelecidos, tais como garantir segurança do suprimento e preços e
tarifas adequados, capazes de incentivar a competitividade.
Originariamente marcado pela predominância da hidroeletricidade, a evolução do setor elétrico no Brasil tem se
caracterizado por uma redução da capacidade relativa de armazenamento no sistema. As mudanças climáticas e as
restrições ambientais tem resultado em uma menor participação relativa da geração hidrelétrica com base em grandes
reservatórios. Ainda que as políticas recentes tenham permitido aumentar a participação de fontes renováveis, como
energia eólica, a segurança do suprimento requer aumento da participação de usinas termelétricas a gás natural.
Internacionalmente o quadro atual é de maior disponibilidade e consequente suprimento desse recurso a preços
mais competitivos. Há benefícios, portanto, em estabelecer um marco legal e regulatório aplicável ao gás natural que
aloque de modo eficiente esse recurso e permita o aproveitamento do potencial de usos múltiplos, maximizando
o retorno em potencial do investimento e se traduzindo em preços menores para o consumidor. Por essa razão, o
desenvolvimento desse mercado deve ser capaz de canalizar esse recurso não apenas para a geração de eletricidade,
mas também para seus diferentes usos, tais como:, consumo industrial, residencial e no segmento de transporte.
Desse modo torna-se possível reduzir o custo total do recurso.
– pela regulação.
64
Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
Joisa Dutra
Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Atualmente no Brasil os principais obstáculos a um aumento da participação do gás natural são: a reduzida
Atualmente, a participação do mercado livre no Brasil corresponde a cerca de 25% da energia comercializada. Esse
disponibilidade do recurso; e uma incipiente/insuficiente infraestrutura da malha dutoviária.
valor tem se mantido aproximadamente constante por longo período de tempo.
Esse quadro é normalmente tratado como um dilema do tipo “ovo-galinha”, cuja solução apontada consiste em
A ampliação do direito de escolha do fornecedor de energia, reduzindo-se progressivamente o nível mínimo de
identificar um fator de causa e então “atacá-lo”, por meio de políticas públicas. Nossa visão, ao contrário, busca
demanda contratada, é medida desejável, capaz de promover ganhos de performance ao setor elétrico no Brasil.
inspiração na moderna literatura econômica: identificada um equilíbrio (ou situação final) virtuoso(a), cabe
O aumento desse universo de consumidores cria oportunidades para viabilizar a instalação de empreendimentos
desenvolver mecanismos ou propostas para alcançá-la.
de geração cuja energia seja destinada a atender esse (potencialmente crescente) mercado livre, expandindo-se a
Com relação ao objetivo estratégico de promover uma maior participação do gás devem ser criadas condições para
potência instalada no país por um canal diverso dos leilões do ambiente regulado.
um aumento da disponibilidade desse recurso energético e também melhorias na malha de transporte.
Algumas medidas conducentes a esse objetivo estratégico são: separação dos segmentos de produção e transporte,
restringindo-se a participação de um mesmo agente (com poder de mercado) em dois segmentos da cadeia, para
evitar práticas e condutas indevidas e/ou discriminatórias; e mudança no marco legal e regulatório de exploração
que flexibilizem os critérios de participação e entrada na atividade de exploração. Tais medidas promovem entrada
de agentes na indústria e tendem a gerar preços mais adequados, investimentos e expansão das redes.
Leilões e a Contratação de Energia
O modelo que atualmente pauta o funcionamento de setor elétrico no Brasil estabelece mecanismos de contratação
compulsórios para o ambiente regulado. Os leilões realizados são os principais instrumentos para viabilizar a
expansão do setor. Como resultado, são firmados contratos de longo prazo entre distribuidores e geradores, os quais
são dados em garantia para os financiamentos; entretanto, a experiência recente mostra contratação insuficiente
pelos distribuidores de eletricidade, com exposição dos consumidores a preços elevados no mercado de curto
Expansão do Mercado Livre
Nas décadas de 80 e 90 do século XX tiveram lugar em diversos países movimentos de reestruturação de industrias
de rede. Setores antes dominados por monopólios verticalmente integrados passaram por separação vertical
prazo para energia elétrica.
Os leilões são instrumentos para implementar decisões de política energética. Nesse contexto, deve-se estabelecer
diretrizes para a matriz energética que atendam à necessária diversificação dos recursos energéticos envolvidos.
(unbundling), abrindo-se a competição em segmentos de produção (geração) e comercialização e difundindo-
O aperfeiçoamento dos mecanismos de contratação envolve conjunto de medidas. Um aumento da participação
se a regulação nas atividades de rede (transmissão e distribuição). Criaram-se assim oportunidades para que os
nos leilões é essencial para produzir resultados eficientes e benefícios para os consumidores e agentes: aumentam-
consumidores pudessem escolher seu fornecedor de energia.
se assim as chances de selecionar agentes com capacidade de implantar os empreendimentos em tempo hábil e que
De modo geral, na indústria de eletricidade esses movimentos produziram reduções de custo sem comprometer a
tenham menores custos ou preços ou requeiram menores tarifas para a provisão dos serviços.
qualidade da prestação dos serviços. As mudanças normalmente envolvem uma regulação das redes de transmissão
Uma forma importante de atrair participantes é aumentar a previsibilidade e transparência, estabelecendo regras
e distribuição que incentiva ganhos de performance e eficiência.
claras nos leilões de contratação, que devem ser realizados com antecedência suficiente para garantir a implantação
Ademais, a extensão do direito de escolha do fornecedor de energia a um número cada vez maior de usuários, por
meio de mercados, contratando apenas o serviço de fio junto ao distribuidor de eletricidade, incentivou ganhos de
performance, reduções de preço e investimentos em nova capacidade de geração.
No Brasil o modelo de comercialização de energia elétrica estabelecido garante o direito de escolha do fornecedor
a consumidores com carga contratada maior ou igual a 3.000kW. Adicionalmente, a categoria de consumidor
livre especial confere esse direito àqueles que tenham demanda contratada igual ou maior que 500 kW, desde que
adquiram energia proveniente de fontes alternativas, que incluem pequenas centrais hidrelétricas, termelétricas a
biomassa e usinas eólicas.
dos empreendimento e que contemple tempo para imprevistos que tem se mostrado cada vez mais frequentes, em
muitos casos motivados por atrasos no processo de licenciamento ambiental. Esse também é o caso das instalações
de transmissão de eletricidade, fundamentais para conectar as unidades de geração aos centros de consumo.
É também importante projetar leilões que incorporem adequadamente as diferentes dimensões dos recursos de
eletricidade, de modo a apreçá-los adequadamente. Os resultados finais devem refletir as diferenças nos custos de
transmissão entre a geração e os centros de consumo e a capacidade que tem diferentes e o grau de despachabilidade
das diferentes fontes. Nesse sentido, usinas hidrelétricas sem grandes reservatórios de regularização agregam menos
segurança ao sistema, caso também das fontes intermitentes de geração. Importa precificar essas diferenças de
modo apropriado e transparente, o que pode ser feito por meio de leilões adequadamente projetados e que tenham
capacidade de incorporar essas diferenças.
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Visões do Setor Elétrico
Visões do Setor Elétrico
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Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
Mecanismos de Resposta da Demanda e Bandeiras Tarifárias
Em prazo mais curto, uma avaliação do potencial de resposta dos consumidores, acompanhada de um desenho
cuidadoso de mecanismos capazes de incentivar também ações de eficiência energética são aperfeiçoamentos
necessários para a evolução do setor energético no Brasil. Tais propostas tem inclusive a capacidade de melhorar as
condições de operação do sistema, mitigando as chances de ocorrência de interrupções.
Em situações de crise, programas de resposta da demanda contribuem para uma melhoria no nível de armazenamento
dos reservatórios, evitando o risco de não se viabilizar o atendimento integral do mercado previsto.
Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
O setor elétrico no Brasil faz uso escasso de tais mecanismos. A título ilustrativo, mecanismos de preços já em
discussão, como as bandeiras tarifárias, programadas para vigorarem a partir do início de 2014, transmitem ao
consumidor sinais de escassez e preços mais elevados no mercado de curto prazo. Caso sua vigência não tivesse sido
adiada, teriam sido arrecadados cerca de R$ 6 bilhões no primeiro semestre desse ano, valor este que diminuiria
sensivelmente a necessidade de aporte de recursos externos ao setor.
Adicionalmente, os sinais de preços resultantes seriam benéficos para os consumidores, que teriam a oportunidade
de responder de modo oportuno aos aumentos de custos, evitando o represamento e a postergação de reajustes
de preços.
Do ponto de vista econômico, a adesão voluntária dos consumidores gera economia para o sistema e redução dos
custos e faturas dos usuários. Ademais um programa de resposta da demanda adequadamente projetado minimiza
os custos econômicos, na forma de redução de produção (Produto Interno Bruto – PIB) e emprego, de promover
uma redução no consumo de energia que vise melhorar segurança de suprimento ou mesmo confiabilidade do
sistema elétrico.
Governança Regulatória
Investimentos nos setores de infraestrutura demandam volumes expressivos de recursos que devem ser aplicados
em ativos de longo prazo de maturação, normalmente em por períodos muito superiores aos mandatos de governo.
Recente estudo realizado pela FGV analisa os impactos econômicos de um programa de resposta da demanda que
Diante da necessidade de contar com capitais privados e também fazer uso racional dos fundos públicos investidos, a
tenha uma meta de economia de resposta da demanda de 5% do consumo total de energia elétrica, com vigência de
regulação, por meio de agências reguladoras exercendo papel de Estado, tem o objetivo de assegurar coerência entre
julho a dezembro de 2014, com abrangência restrita ao subsistema SE/CO, o que totaliza 7.500 GWh no período.
objetivos de curto e longo prazo, garantindo preços, tarifas e qualidade adequada, mas também assegurando retorno
Adicionalmente, no estudo foram comparados os efeitos de estabelecer programas que abranjam diferentes
apropriado aos investimentos e incentivando a necessária expansão do sistema elétrico.
classes de consumidores: metas para todos os segmentos, restritas a consumidores residenciais e exclusivas para
Há importantes resultados na literatura econômica que evidenciam uma relação positiva entre boa regulação
consumidores industriais.
e performance na indústria. Essa boa qualidade é medida por dimensões de governança regulatória que
Os efeitos da diminuição do consumo de energia por parte dos consumidores residenciais são menores sobre PIB
e emprego do que quando comparados a uma diminuição do consumo de energia por parte da indústria. Essa
constatação pode ser explicada por uma interdependência maior entre os setores.
Portanto, de acordo com o estudo, a mitigação do impacto de um programa de resposta da demanda sobre o nível de
atividade econômica, medido pelo efeito sobre o PIB e o emprego, é alcançada por meio de um programa preventivo
contemplam: autonomia decisória e financeira, transparência, responsabilização (ou accountability) e clareza
na atribuição de funções.
Uma dotação institucional adequada é também fator primordial para a condução do processo de formulação das
políticas que pautam a ação regulatória. Ademais, progressivamente se faz urgente aperfeiçoar esse processo de
modo a conferir caráter informado, transparente e inclusivo.
de incentivos direcionado à classe residencial de consumo de eletricidade.
Programas desse tipo melhoram as condições de atendimento da carga.
Conclusão
Outro exemplo importante de instrumento de resposta da demanda são os mecanismos de fixação de tarifas de
Baixo crescimento e alta inflação são preocupações frequentemente apontadas quando se analisa o cenário econômico
eletricidade. A promoção de eficiência econômica depende do estabelecimento de sinais de preços que reflitam
recente no Brasil, em termos absolutos, ou quando avaliados países comparáveis na América Latina ou no bloco das
adequadamente os custos de prover bens e serviços. Do contrário, os sinais geram expansões e investimentos
economias emergentes. No setor elétrico preocupações semelhantes se manifestam na forma de fraca performance,
ineficientes.
por meio do ritmo de investimento, atrasos nas obras e início da operação de instalações de geração e transmissão e
aumento de preços e tarifas. Tais elementos prejudicam a competitividade da indústria e da economia como um todo.
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Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
Uma agenda para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
Joisa Dutra
Diante desse quadro, considerando a relevância do setor, esse artigo discute um conjunto de medidas que representam
aperfeiçoamentos importantes para o desenvolvimento do setor elétrico e em benefício do país. São elas:
1.Estabelecimento de objetivos claros de política energética que se reflitam em diretrizes para a matriz elétrica
conducentes à necessária diversificação e que promovam segurança e confiabilidade do suprimento, e
desenvolvimento do setor com equilíbrio entre objetivos de longo (expansão do sistema) e curto (preços e tarifas
adequados) prazo.
2.Estabelecimento de um marco regulatório que promova um desenvolvimento harmônico do mercado de gás
natural, de modo a viabilizar um aumento da participação relativa da geração termelétrica a gás natural no SEB.
3.Ampliação do direito de escolha do fornecedor de energia, aumentando as possibilidades de contratação no
ambiente livre e portanto incentivando canais alternativos para a expansão do sistema elétrico no país.
4. Um adequado desenho ou projeto dos leilões deve incorporar de modo explícito e transparente diferenças nos
custos de transmissão e na capacidade que tem as diferentes fontes de agregar segurança ao sistema elétrico
brasileiro (grau de despachabilidade).
5. Incentivo a mecanismos de resposta da demanda e eficiência energética com efeitos positivos sobre segurança e
confiabilidade do suprimento.
6. Promoção e zelo por boas práticas de governança regulatória, que incentivem transparência, responsabilização e
clareza na atribuição de funções, de modo a delimitar o escopo da regulação.
7. Fortalecimento dos mecanismos de representação dos diferentes segmentos da sociedade nos processos
regulatórios e na discussão da formulação das políticas, as quais devem promover o desenvolvimento do setor e
do país.
CONHEÇA O AUTOR > Joisa Dutra
Economista,foi Diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), entre 2005 e 2009. No primeiro semestre
de 2010, foi Professora Convidada na Mossavar-Rahmani Center for Business and Government na Harvard Kennedy
School (Universidade de Harvard). No primeiro semestre de 2013, participou do Australian Leadership Award Fellowship
Program, prêmio do governo australiano. Coordena o Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação
Getulio Vargas (CERI-FGV) desde 2010. Também é professora da Escola de Pos- Graduação em Economia - EPGE/FGV
e na Direito Rio na FGV.
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O Setor Elétrico –
uma visão de agosto
de 2014
Jerson Kelman
Mais importante do que analisar quem ganhou e quem perdeu conjunturalmente pelo efeito
combinado de decisões políticas e empresariais, bem como de uma situação hidrológica pior do
que a média, embora não extrema, é procurar entender porque os reservatórios têm permanecido
teimosamente com pouca água, mesmo quando São Pedro não nos castiga com secas excepcionais.
muito. Porém, são pouquíssimos os empreendedores com apetite para apostar na pouco provável hipótese de situação
hidrológica adversa, o que explica parcialmente o baixo investimento nos anos anteriores a 2001.
O aprendizado de 2001 resultou no novo “Modelo do Setor”, concebido em 2003-2004. Nesse Modelo, os vendedores
(geradores) e os compradores do mercado regulado (distribuidoras) são induzidos a firmar contratos de longo prazo,
via leilões organizados pelo Governo, com preços razoavelmente estáveis, que se aproximam do custo marginal de
expansão, em contraposição ao volátil custo marginal de operação. A quantidade de energia que uma usina pode
Qual a oferta firme do parque gerador?
vender num contrato de longo prazo é limitada ao que consta de seu “Certificado de Energia Assegurada – CEA”.
Tivemos um racionamento em 2001 porque ocorreu uma hidrologia desfavorável e porque nos anos anteriores
a usina que esteja “na berlinda”. Trata-se de uma grandeza calculada por modelos matemáticos que representam
não se construíram novas usinas para aumentar a oferta firme[1] do sistema no ritmo do crescimento do consumo.
simplificadamente o funcionamento do sistema real e cuja precisão não tem sido suficientemente verificada ao longo
Esse desequilíbrio passou quase despercebido no final da década de 90, enquanto a hidrologia se manteve favorável.
dos anos de operação.
Porém, a experiência mostrou que, contrariamente ao que se observa em outros países, em que a produção de energia
é basicamente feita por usinas térmicas, num sistema dominado por usinas hidráulicas apenas o funcionamento
do mercado de curto prazo não é capaz de induzir os investimentos necessários para atender o crescimento do
consumo. Isso porque, mesmo quando a oferta firme de energia é inferior ao consumo, o mais provável é que ocorra
uma hidrologia conjunturalmente favorável (normal ou úmida) e que não se perceba o desequilíbrio estrutural entre
oferta e demanda já que não faltaria água nas hidroelétricas para atender o consumo. Ou seja, mesmo quando há um
problema estrutural – o sistema gerador é insuficiente para atender a carga na hipótese de um stress hidrológico –
conjunturalmente a aparência pode ser de falsa normalidade, com reservatórios razoavelmente cheios e preço baixo
de energia no mercado de curto prazo. Nessas situações, os vendedores no mercado de curto prazo têm um esquálido
fluxo de caixa.
Só nos raros anos de hidrologia desfavorável é que o preço sobe e, eventualmente, dependendo da gravidade, se
torna necessário acionar o racionamento. Nessas circunstâncias os vendedores no mercado de curto prazo ganham
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Visões do Setor Elétrico
Grosso modo, corresponde à diferença de consumo que pode ser atendido pelo conjunto das geradoras, com e sem
Embora a maior parte das liquidações financeiras entre vendedores e compradores de energia ocorra com base nos
preços pactuados nos contratos de longo prazo, as diferenças entre as quantidades de energia transacionadas nesses
contratos e o que tenha sido efetivamente consumido são liquidadas com base nos preços do mercado de curto
prazo, chamados de PLD (preços de liquidação de diferenças).
Essas diferenças deveriam ser de pequena monta, sem efeito significativo sobre o caixa tanto dos compradores quanto
dos vendedores. Porém o vencimento e não renovação ou substituição de alguns contratos de longo prazo[2] frustrou
essa expectativa e trouxe enorme instabilidade financeira para os agentes do Setor, particularmente as distribuidoras,
que usualmente esperam meses para receber dos consumidores o ressarcimento pelas despesas incorridas na compra
de energia no mercado de curto prazo.
Grandes blocos de energia livre – isto é, sem amarras com contratos de longo prazo – passaram a ser transacionados
no mercado de curto prazo. Os principais vendedores foram as usinas da Cemig, Copel e Cesp, que recusaram
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O Setor Elétrico – uma visão de agosto de 2014
Jerson Kelman
O Setor Elétrico – uma visão de agosto de 2014
Jerson Kelman
a proposta do Governo Federal para antecipar o término da concessão, por entenderem que a proposta não lhes
novos CEAs. Tudo se passa como se as usinas de reserva compensassem: (a) a contribuição insuficiente de algumas
servia. Pode-se dizer que essas empresas fizeram uma aposta. Se o PLD subisse no final de 2012 e caso se mantivesse
usinas ao esforço coletivo das hidroelétricas “solidarizadas” por meio do Mecanismo de Realocação de Energia –
alto, teriam tomado a decisão correta. Foi o que aconteceu. Como em qualquer jogo, se há um lado ganhador, há
MRE (assunto tratado mais adiante); (b) a frustração de expectativas devido ao atraso na entrada em operação
também um lado perdedor. Nesse caso, o lado perdedor é composto tanto por consumidores quanto pelos geradores
de novas usinas; (c) a frustração de expectativas quanto à produção real da usina vis à vis a produção prevista. É
atrelados a contratos de longo prazo. Os consumidores, tanto os livres quanto os cativos, porque sobre eles recaem
desejável que, além dos leilões de reserva, se proceda à revisão dos CEAs nos limites permitidos pelas regras em
as consequências econômicas das custosas transações feitas no mercado de curto prazo. Os geradores porque têm
vigor, sem perder de vista que o mais importante é conhecer a real capacidade de produção do conjunto de usinas e
que comprar no mercado de curto prazo a diferença entre o que tenham vendido em contratos de longo prazo e a
não punir as usinas que pegam carona no esforço das demais. Porém, o esforço para conhecer a real capacidade de
parcela a que têm direito da produção conjunta das usinas hidroelétricas, que se reduz devido ao acionamento das
produção do conjunto de usinas esbarra no desinteresse de muitas usinas hidroelétricas em conhecer precisamente
usinas térmicas. Perderam também as distribuidoras, embora apenas financeiramente e não economicamente, já
as suas respectivas funções de produção. Os parâmetros utilizados no cálculo dos CEAs são em geral teóricos, com
que repassam os custos para os consumidores. Claro, se no final de 2012 o PLD descesse e se mantivesse baixo, tudo
pouca comprovação in situ.
seria exatamente o oposto. Os ganhadores seriam perdedores e vice-versa. Porém, quando os ganhadores fizeram a
“aposta”, já se sabia que a chance maior era de ganhar.
Aperfeiçoamentos do modelo ou da regulação não devem ser vistos como “provas” de que o previamente existente
era defeituoso. No entanto, observa-se no Setor Elétrico alguma hesitação em identificar imperfeições. Por exemplo,
Mais importante do que analisar quem ganhou e quem perdeu conjunturalmente pelo efeito combinado de decisões
no início de 2013 a PSR constatou significativa discrepância entre o que dizia o modelo e o que se observava no
políticas e empresariais, bem como de uma situação hidrológica pior do que a média, embora não extrema, é procurar
mundo real (Energy Report, edição especial, janeiro 2013). Essencialmente, se alguém simulasse a evolução dos
entender porque os reservatórios têm permanecido teimosamente com pouca água, mesmo quando São Pedro
reservatórios ao longo de 2012, respeitando a energia efetivamente gerada em cada mês pelo bloco hidráulico e
não nos castiga com secas excepcionais. Ao que tudo indica, trata-se de um sintoma de um mau funcionamento
registrada pelo ONS, concluiria que o armazenamento no final do ano deveria ser maior do que de fato era. Dito
estrutural, que faz com que as térmicas sejam acionadas mais frequentemente do que teoricamente se considerava
de outra maneira, aparentemente o o conjunto de modelos utilizado pelo Setor Elétrico subestima a quantidade de
provável. Num ano em que as térmicas fiquem continuamente acionadas, como ocorreu em 2013 e se repete em
água que deve passar pelas turbinas para produzir energia. O ONS estudou o assunto e também encontrou uma
2014, o gasto anual suplanta R$20 bilhões e é rateado entre todos os consumidores. Desvendar esse mistério é o
discrepância, embora de menor magnitude.
principal desafio do Setor Elétrico na atualidade.
Conceitualmente, a soma dos CEAs do parque gerador corresponde ao máximo consumo que pode ser atendido com
segurança. Se por qualquer motivo algumas usinas tiverem certificados “superestimados” – isto é, maiores do que
a real contribuição à produção coletiva do parque gerador – ocorreria um desequilíbrio entre oferta e demanda de
energia. Nessa hipótese, embora em teoria o sistema pareça equilibrado, na prática apresenta sintomas perturbadores,
como o abrupto esvaziamento dos reservatórios em condições hidrológicas não particularmente severas. À medida
que os reservatórios esvaziam, aumenta o risco de racionamento e a frequência com que as usinas térmicas são
Recomendação 1 – Realizar uma auditoria técnica para reavaliar a oferta firme de energia do existente parque
gerador.
Parte do desinteresse das geradoras em quantificar precisamente suas funções de produção decorre da existência
do MRE, que funciona como se fosse uma cooperativa de produção. A quantidade de energia a que uma usina
hidroelétrica tem direito não coincide com a quantidade de energia que ela própria produz. Depende, isso sim, de
uma fração da energia total produzida pelo conjunto das usinas. É um conceito concebido para atenuar as flutuações
despachadas. Aparentemente, é o que tem acontecido nos últimos anos.
dos fluxos de caixas das empresas geradoras por efeito de variações hidrológicas e para forçar as usinas de um
Verificou-se num trabalho acadêmico de 2004 que se o parque gerador fosse submetido à pior seca já observada no
diferente da soma das máximas produções individuais. Porém, tem o indesejável efeito colateral de desestimular a
registro histórico, seria necessário diminuir a soma dos CEAs em 4%, para manter o fornecimento sem falhas[3]. O
produtividade e a inovação, já que os eventuais ganhos são apropriados coletivamente. As usinas integrantes do MRE
que na prática resultaria na construção de novas usinas para aumentar a soma dos CEAs, uma vez que o consumo
se comportam de forma análoga aos apartamentos de um prédio que rateia a conta de água, em que ninguém se sente
máximo não é uma decisão governamental e sim o resultado de milhões de decisões individuais. Apesar disso os
particularmente compelido a economizar água. Todos se comportam como “caronas”[4].
certificados não foram diminuídos, presumivelmente para evitar impactos comerciais (diminuição da possibilidade
de contratação no longo prazo). Com exceção de Itaipu, cuja tarifa é calculada para cobrir o correspondente custo, e
que, portanto, não estaria sujeita a impactos comerciais dessa natureza.
mesmo rio, pertencentes a proprietários diferentes, a cooperarem para a maximização da produção coletiva, que é
Recomendação 2 – Estabelecer MREs (cooperativas de produção) por bacia hidrográfica para induzir a colaboração
de usinas dispostas numa cascata, mas não um único MRE para todo o país.
Para compensar a existência de CEAs “inflados”, o Governo organizou os chamados “leilões de reserva”, nos quais
novas usinas se viabilizam por meio de rateio de custo entre os consumidores, sem que seja necessária a emissão de
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Jerson Kelman
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Novos leilões
Reservatórios
Quando os leilões foram concebidos, em 2003-04, surgiu o desafio de comparar usinas que produzem energia por
Atualmente o Setor Elétrico já opera as usinas hidroelétricas visando o uso múltiplo de recursos hídricos[6]. Porém,
diferentes rotas tecnológicas e com variadas externalidades, positivas e negativas. Isto é, como comparar usinas
há muito mais que poderia ser feito para incrementar o múltiplo uso dos rios. Por exemplo, a maior parte da soja
localizadas em diferentes lugares, com diferentes facilidades operacionais, causando diferentes impactos, tanto
produzida em Mato Grosso é transportada em caminhões por milhares de quilômetros para os portos de Santos,
ambientais quanto sociais? A solução então adotada foi resumir as múltiplas características de cada usina numa
Paranaguá e Vitória. Se o transporte fosse hidroviário, o custo do frete e o uso de combustíveis fósseis diminuiriam
única medida, o índice de custo-benefício (ICB), calculado na ótica do consumidor[5]. Em teoria, essa abordagem
significativamente. E as estradas ficariam menos congestionadas.
deveria resultar em uma matriz elétrica de mínimo custo para consumidor. Mas, como o diabo mora nos detalhes, o
custo de transporte de energia não tem sido adequadamente considerado no cálculo do ICB e tem sido difícil estimar
os futuros custos e benefícios ao longo de um horizonte de décadas. Consequentemente, nossa matriz elétrica tem
evoluído de uma forma criticável, com muitas usinas térmicas a óleo, que custam pouco para construir, mas uma
fortuna para operar. Para não falar dos impactos ambientais, tanto o local quanto o global (efeito estufa).
Levando em consideração a experiência acumulada em dez anos, seria recomendável encontrar outra maneira de
organizar os leilões. O Governo Federal deveria periodicamente preparar um “cardápio” contendo pelo menos três
alternativas para a matriz de energia elétrica (a% de hidroelétricas, b% de eólicas, c% de solar, d% de biomassa,
e% de gás natural, f% de nuclear, g% de carvão…), considerando a necessidade de oferta firme do país para os
próximos, digamos, 20 anos. Cada alternativa conteria uma caracterização das usinas consideradas, acompanhada
de clara descrição, e se possível quantificação, das correspondentes consequências econômicas, sociais ambientais
e energéticas. A escolha da melhor opção seria feita por um conselho diretamente vinculado ao Presidente da
República ou pelo Congresso Nacional, na forma de uma lei.
A lista de empreendimentos a compor cada alternativa resultaria de uma ação articulada entre MME, MMA, MPO,
EPE, ANEEL, ANA, IBAMA, FUNAI, ICMBIO e IPHAN, no sentido de encontrar uma solução que certamente não
Recomendação 5 – Em rios vocacionados para o transporte fluvial, licitar o uso múltiplo (produção de energia elétrica
e hidrovia) da bacia hidrográfica como um todo; ou, de trechos de rios, e não de aproveitamentos hidroelétricos
individualizados.
Os reservatórios de regularização das hidroelétricas[7], aliados à rede de transmissão, correspondem a “armazéns de
energia” que regularizam não apenas as flutuações hidrológicas, mas também a sazonalidade da cana-de-açúcar e a
intermitência do vento e do Sol. Nesse contexto, causa grande preocupação que as equipes de engenharia descartem
alternativas com reservatórios ainda no nascedouro, quando os projetos estão sendo concebidos, pelo temor da
inviabilidade do correspondente licenciamento[8]. Significa que uma parte de nosso potencial hidroelétrico está
sendo esterilizada e que no futuro será problemático comportar maiores fatias das novas renováveis na matriz elétrica.
Recomendação 6 – Usinas com reservatórios de regularização não devem ser descartadas a priori devido aos
impactos locais, que são em geral negativos. É preciso também examinar os impactos numa escala mais abrangente,
que inclui a menor emissão de gases que causam o efeito estufa e a complementariedade com as novas fontes
renováveis, bioeletricidade, vento e Sol. Ou seja, é preciso perguntar “o que acontece se a usina for construída com
reservatório de regularização” e também “o que acontece se ela não for construída”.
seria a ideal na ótica exclusivamente econômica, social, ambiental, cultural ou energética. Mas que seria a solução de
compromisso possível entre as diferentes visões.
Naturalmente, esse procedimento estaria sujeito a todo tipo de lobby e barganha, como ocorre anualmente com a
discussão da Lei Orçamentária. Todavia, teria o mérito de eliminar a insegurança jurídica que hoje cerca a construção
de usinas. Insegurança fortemente alimentada pelos conflitos entre entidades da administração federal que, devido a
um leque exageradamente amplo de alianças política, internalizam no Governo as contradições da própria sociedade.
Recomendação 3 – Realizar leilões específicos, por fonte e por região, em obediência a uma alternativa de expansão
do sistema decidida politicamente em processo tão transparente quanto possível.
Novas usinas só são licitadas com a devida licença ambiental. Mas isso não ocorre com novas linhas de transmissão,
o que explica o desencontro de cronogramas. Por exemplo, é bem conhecido o caso das usinas eólicas da Bahia que
estão aptas a gerar, mas sem possibilidade de escoamento da produção.
Nuclear e Gás Natural
Mesmo que não houvesse restrição às hidroelétricas com ou sem reservatórios, ainda assim seria conveniente que
uma parcela do parque gerador fosse constituída por termoelétricas para complementarem a produção da hidrelétrica
e demais fontes renováveis. Assim sendo, é preciso escolher dentre as fontes de geração termoelétrica aquelas que
menos impacto causem ao meio ambiente e à economia. Há dois candidatos principais: nuclear e gás natural. Porém,
a produção de gás natural é limitada pela falta de competição. Hoje tudo depende da Petrobrás.
Recomendação 7 – Aumentar a competição na produção e consumo de gás natural, por meio de: (i) planejamento
e divulgação de rodadas de licitação para exploração em terra firme; (ii) separação das atividades empresariais de
produção e transporte de gás (para evitar conflito de interesses); (iii) desenvolvimento de mercado de gás que seja
interrompível e complementar ao consumo termoelétrico; por exemplo, combustível veicular.
Recomendação 4 – Licitar linhas de transmissão apenas nos casos em que haja a licença prévia, como ocorre com
as usinas de geração.
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O Setor Elétrico – uma visão de agosto de 2014
Jerson Kelman
A questão indígena
A Constituição veda a remoção compulsória dos grupos indígenas de suas terras (art. 231, § 5º). Esse conceito
Jerson Kelman
O Setor Elétrico – uma visão de agosto de 2014
[3] Kelman, J.; Kelman, R. & Pereira, M. V. F. – Energia Firme de Sistemas Hidrelétricos e Usos Múltiplos dos Recursos Hídricos.
RBRH – Revista Brasileira de Recursos Hídricos, vol. 9, n. 1, jan. / mar. 2004. p. 189-198
[4] A tendência em prédios onde se evoluiu da medição coletiva para a individualizada é de diminuição drástica do consumo, devido
foi reafirmado pela subscrição do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (Decreto
à eliminação do efeito “carona”.
5051/2004), que estabelece o direito de veto das comunidades indígenas à construção de usinas hidroelétricas quando
[5] Embora o ICB seja expresso em R$/MWh, não é rigorosamente um preço. Na verdade, é um estimativa do custo para o consumidor
houver necessidade de reassentamento da comunidade. Nos outros casos – isto é, quando não houver reassentamento
– não há poder de veto. Mas há a obrigação de consulta à comunidade, devidamente acompanhada pela FUNAI (Lei
6001/1973), de boa fé, com transparência de informações, com suficiente tempo para a compreensão dos temas
debatidos e, acima de tudo, com respeito à cultura e tradições específicas da comunidade afetada.
Há que se buscar uma solução que permita a utilização de alguns recursos naturais em mais de um milhão de
quilômetros quadrados de reservas indígenas (12% do território nacional), que garanta a participação da comunidade
do acréscimo de 1 MWh na capacidade de atendimento energético do sistema (não da usina isoladamente).
[6] É pouco conhecida a regra operativa aplicada em muitas usinas de esvaziar preventivamente uma parte do volume dos
reservatórios antes do início do período chuvoso para acomodar o excesso de água durante as cheias, evitando assim inundações a
jusante das barragens.
[7] Quase todas as usinas hidroelétricas têm algum reservatório. Porém, só será de regularização se for capaz de guardar água
durante o período de cheia para ser usada no período de estiagem.
nos resultados da atividade econômica e que receba a aprovação do Congresso Nacional, como previsto na
[8] É um fenômeno análogo à autocensura dos jornalistas durante o regime militar.
Constituição (art. 231, § 3º). É preciso assegurar uma melhoria na qualidade de vida da atual e das futuras gerações
[9] Há agências ditas reguladoras, mas que verdadeiramente exercem funções de Governo e não de Estado. Melhor seria se fossem
de indígenas, na percepção deles próprios, e não na nossa.
classificadas como “Agências Executivas”.
Recomendação 8 – Articular no Congresso Nacional a regulamentação do Artigo 231 da Constituição.
ANEEL
A difícil escolha entre manter a estabilidade regulatória ou simplificar as complexas regras que regem o Setor Elétrico
tem sido feita pela ANEEL com arte e competência, graças à qualidade técnica e estofo moral da maioria de seus
técnicos e dirigentes. Por essa razão a ANEEL é considerada uma agência modelo no Brasil e no exterior. É preciso
preservar esse patrimônio, que rende frutos na forma de menor custo de capital e, consequentemente, menores tarifas.
A regulação – qualquer regulação – é sempre de melhor qualidade quando o regulador já tenha passado pela
experiência de “colocar a mão na massa”. Ou seja, é desejável que quem tenha autoridade para determinar o que
deve ser feito também saiba como fazer. E possivelmente tenha a sabedoria de pouco determinar, para dar espaço ao
empreendedorismo criador dos regulados.
Recomendação 9 – Ajudar a ANEEL e demais agências verdadeiramente reguladoras[9] a se comportarem como
entidades de Estado, com independência decisória. A remuneração dos diretores, por exemplo, deve ser capaz de atrair
os melhores quadros do Setor Elétrico e da Administração Pública, sem a necessidade de sacrifícios de ordem pessoal.
[1] Oferta firme é quantidade de energia que o parque gerador consegue produzir em condições hidrológicas adversas. O Setor
Elétrico tem diferentes denominações para essa grandeza, que refletem distintas alternativas de cálculo (energia firme, energia
garantida e energia assegurada).
[2] Em 2012 poderia ter sido organizado um leilão para a substituição dos contratos de longo prazo na iminência de vencer. Mas o
leilão não ocorreu porque havia a expectativa de maciça adesão das geradoras às novas condições de contratação, expressas na MP
CONHEÇA O AUTOR > Jerson Kelman
Jerson Kelman é professor da COPPE-UFRJ, engenheiro, mestre em ciências e Ph.D. Foi presidente de duas agências
reguladoras (águas - ANA e energia elétrica - ANEEL), de duas concessionárias de energia elétrica (Light e Enersul) e
de uma entidade técnico-científica (Associação Brasileira de Recursos Hídricos - ABRH). Participa ou participou de três
conselhos nacionais (recursos hídricos, energia elétrica e meio ambiente), da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável (FBDS) e de diversas entidades profissionais ou científicas (Academia Nacional de Engenharia, IHAUnesco- Delft, Comitê Científico de SWW - Estocolmo, Comitê Internacional da Abengoa). É membro de dois conselhos
empresariais de energia e infraestrutura (FIRJAN e FIESP). Recebeu as comendas da Ordem Científica e da Ordem de
Rio Branco, e o prêmio King Hassan II.
579/2012, da energia de usinas com contratos de concessão prestes a vencer.
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Visões do Setor Elétrico
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A Eterna Evolução do Setor
Elétrico – Desafios e Soluções
João Carlos Mello
Mais importante do que analisar quem ganhou e quem perdeu conjunturalmente pelo efeito
combinado de decisões políticas e empresariais, bem como de uma situação hidrológica pior do
que a média, embora não extrema, é procurar entender porque os reservatórios têm permanecido
teimosamente com pouca água, mesmo quando São Pedro não nos castiga com secas excepcionais.
muito. Porém, são pouquíssimos os empreendedores com apetite para apostar na pouco provável hipótese de situação
hidrológica adversa, o que explica parcialmente o baixo investimento nos anos anteriores a 2001.
O aprendizado de 2001 resultou no novo “Modelo do Setor”, concebido em 2003-2004. Nesse Modelo, os vendedores
(geradores) e os compradores do mercado regulado (distribuidoras) são induzidos a firmar contratos de longo prazo,
via leilões organizados pelo Governo, com preços razoavelmente estáveis, que se aproximam do custo marginal de
expansão, em contraposição ao volátil custo marginal de operação. A quantidade de energia que uma usina pode
Qual a oferta firme do parque gerador?
vender num contrato de longo prazo é limitada ao que consta de seu “Certificado de Energia Assegurada – CEA”.
Tivemos um racionamento em 2001 porque ocorreu uma hidrologia desfavorável e porque nos anos anteriores
a usina que esteja “na berlinda”. Trata-se de uma grandeza calculada por modelos matemáticos que representam
não se construíram novas usinas para aumentar a oferta firme[1] do sistema no ritmo do crescimento do consumo.
simplificadamente o funcionamento do sistema real e cuja precisão não tem sido suficientemente verificada ao longo
Esse desequilíbrio passou quase despercebido no final da década de 90, enquanto a hidrologia se manteve favorável.
dos anos de operação.
Porém, a experiência mostrou que, contrariamente ao que se observa em outros países, em que a produção de energia
é basicamente feita por usinas térmicas, num sistema dominado por usinas hidráulicas apenas o funcionamento
do mercado de curto prazo não é capaz de induzir os investimentos necessários para atender o crescimento do
consumo. Isso porque, mesmo quando a oferta firme de energia é inferior ao consumo, o mais provável é que ocorra
uma hidrologia conjunturalmente favorável (normal ou úmida) e que não se perceba o desequilíbrio estrutural entre
oferta e demanda já que não faltaria água nas hidroelétricas para atender o consumo. Ou seja, mesmo quando há um
problema estrutural – o sistema gerador é insuficiente para atender a carga na hipótese de um stress hidrológico –
conjunturalmente a aparência pode ser de falsa normalidade, com reservatórios razoavelmente cheios e preço baixo
de energia no mercado de curto prazo. Nessas situações, os vendedores no mercado de curto prazo têm um esquálido
fluxo de caixa.
Só nos raros anos de hidrologia desfavorável é que o preço sobe e, eventualmente, dependendo da gravidade, se
torna necessário acionar o racionamento. Nessas circunstâncias os vendedores no mercado de curto prazo ganham
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Visões do Setor Elétrico
Grosso modo, corresponde à diferença de consumo que pode ser atendido pelo conjunto das geradoras, com e sem
Embora a maior parte das liquidações financeiras entre vendedores e compradores de energia ocorra com base nos
preços pactuados nos contratos de longo prazo, as diferenças entre as quantidades de energia transacionadas nesses
contratos e o que tenha sido efetivamente consumido são liquidadas com base nos preços do mercado de curto
prazo, chamados de PLD (preços de liquidação de diferenças).
Essas diferenças deveriam ser de pequena monta, sem efeito significativo sobre o caixa tanto dos compradores quanto
dos vendedores. Porém o vencimento e não renovação ou substituição de alguns contratos de longo prazo[2] frustrou
essa expectativa e trouxe enorme instabilidade financeira para os agentes do Setor, particularmente as distribuidoras,
que usualmente esperam meses para receber dos consumidores o ressarcimento pelas despesas incorridas na compra
de energia no mercado de curto prazo.
Grandes blocos de energia livre – isto é, sem amarras com contratos de longo prazo – passaram a ser transacionados
no mercado de curto prazo. Os principais vendedores foram as usinas da Cemig, Copel e Cesp, que recusaram
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A Eterna Evolução do Setor Elétrico – Desafios e Soluções
João Carlos Mello
Este é um debate amplo que não deve ser entendido como política partidária, ou mesmo de
ideologia, e sim uma reflexão de todos os interessados no melhor para um dos segmentos mais
importantes da infraestrutura nacional. Em suma, o momento atual é de muito esforço junto
aos responsáveis pelas futuras diretrizes, para que as medidas a serem tomadas, sejam elas
quais forem, estejam dentro de uma lógica e coerência que permita, ao setor elétrico, uma maior
previsibilidade e poucos sobressaltos, com garantia de oferta e preços competitivos para todos os
consumidores finais, sejam eles cativos ou livres.
Ao longo do Século XX, as empresas estatais e verticalizadas dominavam o mercado brasileiro de energia elétrica.
Tal estrutura começou a ser mudada a partir da década de 90, período marcado pela falta de investimentos,
quando o governo brasileiro decidiu seguir a tendência internacional de reestruturação do setor elétrico, em busca
da competitividade em todos os segmentos. Para tal, foi construído um novo modelo no setor elétrico, baseado
numa estrutura comercial evolutiva que paulatinamente implementa um ambiente de ampla competição entre os
novos agentes do mercado de energia elétrica. Neste contexto apenas a Transmissão e Distribuição permaneceram
reguladas e a Geração e Comercialização começaram a operar apenas com uma regulação parcial de suas atividades.
Em 1993, começa a desequalização tarifária vigente e contratos de suprimento entre geradores e distribuidores graças
A Eterna Evolução do Setor Elétrico – Desafios e Soluções
João Carlos Mello
Nem sempre todos estes atributos são atendidos e muitas vezes existe uma boa intenção, sempre por parte do
governo federal, de rever conceitos para corrigir os problemas. Isto incorre numa eterna evolução contínua do setor
de energia, muitas vezes buscando ajustar problemas e criando outros. Claro, as evoluções mesmo que pontuais
são sempre benvindas, desde que não crie o chamado “risco regulatório”, e institua um desincentivo para novos
investimentos no setor elétrico brasileiro.
O ponto fundamental no momento é interromper esta eterna evolução apenas pontual, e refletir de forma estrutural em
todas as mudanças relevantes para um setor elétrico sustentável, e implantá-las. Este é um debate amplo que não deve
ser entendido como política partidária, ou mesmo de ideologia, e sim uma reflexão de todos os interessados no melhor
para um dos segmentos mais importantes da infraestrutura nacional. Em suma, o momento atual é de muito esforço
junto aos responsáveis pelas futuras diretrizes, para que as medidas a serem tomadas, sejam elas quais forem, estejam
dentro de uma lógica e coerência que permita, ao setor elétrico, uma maior previsibilidade e poucos sobressaltos, com
garantia de oferta e preços competitivos para todos os consumidores finais, sejam eles cativos ou livres.
A seguir são oferecidos alguns desafios e soluções para a vida do setor elétrico nacional, que por consequência,
devem constar como uma preocupação para quem vier a ocupar o lugar de Presidente da República, e comandante
do Poder Executivo.
à reforma do setor elétrico brasileiro com base na Lei nº 8.631. Já em 1995, a Lei nº 9.074 cria o Produtor Independente
e o conceito de Consumidor Livre. Esta reestruturação passou parte da responsabilidade de manutenção, operação
e investimentos para a iniciativa privada e o governo manteve seu papel de coordenação da política pública na
regulamentação do setor ao criar novas instituições, como a ANEEL, o ONS e o MAE, e alterar funções de outros
órgãos já existentes. Durante os anos de 2003 e 2004, o Governo Federal, buscando promover a contínua evolução
I. MEDIDAS EMERGENCIAIS
• Desafios
do mercado, lançou as bases de um novo modelo para o setor através da Lei nº 10.848 e pelo Decreto nº 5.163, que
i. O setor elétrico no momento passa por um estresse financeiro extraordinário, muito ocasionado pelo desequilíbrio
criaram a EPE, CMSE e a CCEE, esta última substituindo o antigo MAE.
conjuntural da oferta e demanda devido à baixa hidrologia. Os efeitos financeiros estão se refletindo em muitos
A abertura do mercado no Brasil trouxe benefícios claros para o sistema, e devem ser mantidos como uma conquista
a ser ainda mais cristalizada. Estas conquistas podem ser resumidas nos avanços encontrados para o consumidor
final. Estes avanços são os seguintes: (i) reduções no custo de construção com a participação do capital privado
nos investimentos de expansão; (ii) a negociação direta dos contratos de compra e venda com os fornecedores;
(iii) o progresso da transmissão com custos competitivos; (iv) a crescente melhoria na transparência das operações
coordenadas pelo ONS, Operador Nacional do Sistema, assim como; (v) o aprimoramento da regulação praticada
pela ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, um aprendizado permanente num país sem tradição em aspectos
agentes de mercado, como as distribuidoras, geradores hidrelétricos e consumidores finais. Certamente outros
impactos no fluxo de caixa dos agentes ainda estão por vir nos próximos anos.
• Sugestões
i. Os ajustes financeiros das concessionárias de distribuição passam pela revisão/reajuste tarifário, que devem
recuperar o impacto no seu fluxo de caixa de extra aporte recebidos do mercado financeiro e do Tesouro. Esta
recuperação deve ser mantida para o bem das concessionárias, entretanto políticas de controle do governo podem
regulatórios, e na sua manutenção.
ser toleradas, desde que conhecidas às bases estruturais da proposta no médio e longo prazo.
O funcionamento adequado do novo modelo institucional tem como atribuições permanentes as seguintes metas:
ii. Os geradores hidrelétricos estão sofrendo com a redução expressiva de sua produção, e como consequência de sua
eficiência econômica da indústria, sustentação adequada da indústria de modo a garantir a expansão do sistema,
operação do sistema com elevado grau de confiabilidade em consonância com requisitos de qualidade impostos pela
receita. Esta frustação de receita atinge diretamente a margem do negócio. Alguma forma de blindagem dever ser
estruturada para os problemas similares, que sejam recorrentes no futuro.
sociedade e prestação dos serviços não discriminatória incluindo sua universalização.
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João Carlos Mello
iii. A solução destes desbalanços financeiros exige uma visão estratégica do poder concedente e da regulação, e deve
iii. Debater profundamente a possibilidade de retomada das hidrelétricas com reservatório, dentro de um processo
ser priorizada, levando ao ajuste na origem dos problemas, bem como uma solução conjuntural de aporte financeiro,
equilibrado de preservação dos interesses de toda a sociedade, seja pelo lado ambiental, seja pelo lado técnico e
com o possível diferimento de parcelas futuras.
econômico, seja pela segurança no atendimento e crescimento da demanda. A posição de equilíbrio para toda a
sociedade neste tópico está muito longe do equilíbrio, e uma reconciliação de interesses é necessária.
II. SEGURANÇA E CUSTO DA ENERGIA
• Desafios
i. No momento a gestão do setor elétrico busca uma prioridade maior que é a “modicidade tarifária”, e se observa
que o compromisso com a segurança do setor é um fator suplementar. Os riscos de atendimento estão aumentando,
o que por consequência por fim prejudica a “modicidade tarifária”, ou em outras palavras, os custos de energia aos
consumidores finais.
• Sugestões
i. Imprimir um choque de gestão para acelerar as obras de expansão do setor de energia elétrica e atendimento das
iv. Eliminar obstáculos existentes e imprevisibilidade no Licenciamento Ambiental através da criação de Comitê
Permanente de Gestão Ambiental de Empreendimentos, que assegure os prazos definidos no licenciamento; que
realize uma definição prévia do orçamento ambiental dos projetos, na fase de licença prévia, sem possibilidade de
agregação de outros custos.
v. Acelerar ainda mais os novos inventários de aproveitamentos através de um Plano Nacional de Inventários
Hidrelétricos. Desta forma, se busca antecipar a disponibilização seletiva de aproveitamentos hidrelétricos
competitivos.
vi. Desonerar a nova oferta de energia para o mercado livre (ACL), seja para venda direta nos leilões de energia nova
de concessões, seja para autoprodução. Permitir a participação sem ônus nos leilões de energia nova das concessões
hidrelétricas – já existem instrumentos legais e todos estão perdendo por restrições ideológicas insensatas.
metas contratadas.
ii. Criação de mecanismos de compra mais eficazes de redução dos riscos periódicos no suprimento futuro de
energia elétrica, com a revisão da composição da matriz futura, através dos leilões públicos de compra de contratos
IV. RENOVAÇÃO DE CONCESSÕES DE GERAÇÃO
e energia, os leilões de reserva.
• Desafios
iii. Gestão agressiva na liberação do Licenciamento Ambiental e no acompanhamento de obras.
i. A recente regulamentação (leis e decretos) das concessões vincendas de setembro de 2012 (MP 579) e da Lei nº
12.783 de janeiro de 2013, provocaram profundas alterações no processo regulatório nacional. As concessionárias de
geração prorrogadas estarão vivendo num novo modelo da tarifa pelo custo do serviço, com valores de receita muito
III. CUSTO FINAL DA ENERGIA ELÉTRICA
• Desafios
i. Apesar da legítima meta da “modicidade tarifária”, o custo final da energia elétrica ainda é alto no Brasil, quando
comparado ao mercado internacional, incluindo os demais países do BRICS.
• Sugestões
i. Reduzir de forma ainda mais agressiva os tributos nos investimentos através da redução ou eliminação dos tributos
incidentes sobre construção, montagem e compra de equipamentos utilizados na geração, transmissão e distribuição
de energia elétrica, que não são compensados.
ii. Estimular a geração competitiva com a hidroeletricidade, através de uma opção clara pela máxima geração hídrica
no planejamento energético com reserva imediata das áreas potenciais de aproveitamentos hídricos, com uma
baixos com as cotas de geração para as distribuidoras (ACR), comprometendo a segurança financeira dos geradores,
e por conseguinte de todo o sistema.
• Sugestões
i. Blindar de forma objetiva todo o processo de renovação, nos moldes da MP 579, focando apenas o bloco de
geradoras vincendas até 2017, de forma a estancar os problemas para o futuro. Aquelas que já renovaram concessões,
permanecem com seus contratos de concessão já renovados sob a égide da lei 12.783/13.
ii. A falta de isonomia na distribuição das cotas apenas no ACR, ao invés de uma repartição pró-rata com todos
os consumidores, inclusive o mercado livre no ACL, precisa ser revista. Desta forma, é desejável aplicar o mesmo
conceito de cotas de geração ao ACL e ACR, recompondo o ACL com um número maior de cotas nas próximas
concessões vincendas até 2017. A meta é alcançar uma divisão pró-rata de todas as cotas entre o ACL e o ACR. O
mecanismo contínuo de alocação das cotas pode seguir a mesma lógica da divisão do PROINFA ao longo dos anos.
definição inequívoca das necessidades de índios e quilombolas, ainda em aberto na Constituição de 1988.
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João Carlos Mello
iii. A nova legislação de renovação das concessões após 2017 deverá seguir o ritual de comprovação da competência
v. Inserção paulatina de fontes energéticas de novas tecnologias, como a fonte solar, com suportes iniciais para
do concessionário demonstrada ao longo da operação da concessão como uma condição prévia para manter sua
alavancagem da indústria nacional de fabricação de equipamentos.
qualificação na renovação.
vi. Eliminação da opção única da compra em bloco de todas as distribuidoras em leilões públicos compartilhados.
iv. A recolocação da energia nos mercados ACR e ACL pode seguir um processo competitivo de escolha do agente
As concessionárias devem também poder exercer sua capacidade de compra, sempre através de licitações públicas
gerador, sem limite de preços finais ao mercado, mas com limite de repasse para a concessão renovada. Estes limites
específicas, e que cumpram as regras de repasse. Isto trará o benefício de compras mais objetivas com responsabilidades
estariam baseados nos custos contábeis de balanço das geradoras. O excedente seria revertido na redução da receita
bem definidas.
do sistema de transmissão, como um “benefício hidráulico”. A obrigação de reinvestir no propósito da concessão
deve estar refletida no custo máximo a ser aplicada pelo poder concedente quando da renovação. Assegurar o
investimento no setor da concessão deve ser uma das metas do poder concedente, em troca de uma renúncia de novas
taxas de renovação e, em contrapartida, os concessionários abdicam do ressarcimento dos custos residuais dos ativos
nos balanços regulatórios – pagamento pela reversão do ativo. A fiscalização do comportamento do concessionário
pode ficar a cargo do regulador, estando a concessão sujeita a penalidades caso as performances estabelecidas na
renovação do contrato de concessão não sejam alcançadas.
VI. AMBIENTE COMPETITIVO – ACL
• Desafios
i. As reformas ocorridas no setor elétrico brasileiro, ao longo das últimas décadas, incluíram um novo agente ativo,
denominado consumidor livre, que possui capacidade de resposta às condições de mercado através da competição e
atualmente engloba grande parte da indústria, e com cerca de 30% do mercado nacional.
V. REFORMULAÇÃO DOS LEILÕES PÚBLICOS
• Desafios
i. Os leilões de energia nova encontraram uma boa receptividade no mercado investidor e devem ser aprimorados. Os
leilões de energia nova até o momento buscaram priorizar a “modicidade tarifária” sem incorporar outros atributos
importantes da geração para o sistema elétrico.
com a “competição para o mercado”. Atualmente a expansão da oferta busca atender o crescimento do mercado
numa “competição pelo mercado”.
iii. No Brasil, a questão da expansão do sistema é crucial, não só pela garantia da oferta, mas também pelo impacto
dos custos envolvidos. O mercado competitivo, por si só, não é capaz de resolver todas as dificuldades, porém isto
não significa que ele seja um “fracasso” como alguns críticos chegam a alardear, ou mesmo “impossível” de se adaptar
• Sugestões
em sistemas como o brasileiro.
i. Os leilões devem ser regionalmente orientados pelo planejamento, procurando cobrir de forma eficiente as
• Sugestões
melhores opções para a matriz energética nacional, no seu devido lugar. Desta forma, os leilões devem promover a
competição plena e ser orientado regionalmente por tipo de fonte e de combustível.
ii. A composição do parque térmico futuro deve ser uma das prioridades. Os custos na pilha do despacho térmico
são muito heterogêneos, com poucos custos unitários baixos de térmicas mais eficientes, e um rápido crescimento
de custos mais altos de térmicas flexíveis, menos eficientes e com combustíveis líquidos.
iii. Incluir o setor de energia nuclear na estrutura de gestão energética brasileira. Concomitantemente, adequar a
estrutura de enriquecimento de urânio para as necessidades futuras da nova geração nuclear. A definição do capital
privado na geração nuclear também é uma necessidade da regulamentação.
iv. A produção de gás natural proveniente das bacias do pré-sal é uma forte esperança de uma expansão mais segura
no setor, e necessita para isso de uma definição de cotas dedicadas a geração térmica, que tenham capacidade em
volume e competitividade para o setor elétrico e fornecedores do combustível.
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ii. A necessidade atual do sistema elétrico brasileiro de expandir sua nova oferta de geração da forma mais harmônica
Visões do Setor Elétrico
i. Consolidar a expansão do Mercado Livre – convencional e especial – requalificando rotineiramente de forma
evolutiva as características que definem o consumidor livre, garantindo suas condições de suprimento através de um
amplo mercado competitivo. Estabelecer um cronograma de metas de evolução do mercado livre.
ii. Segmentação paulatina das atividades de comercialização final de energia nas distribuidoras das suas atividades
de operação, manutenção e expansão das redes de distribuição. A comercialização das empresas passaria a atender o
mercado comprador, seja ele na forma cativo ou livre, em empresa separada da concessão de distribuição.
iii. Eliminar as restrições para venda de energia nova para o mercado livre. As incertezas inerentes ao processo
de expansão, muitas vezes não permitem que as decisões imediatas de todos os investimentos necessários sejam
feitas no momento exato, implicando na criação da figura dos leilões de compra regulados para as distribuidoras. O
papel deste “estoque regulador” é uma evolução bem identificada, tendo trazido ganhos para todos. Considera-se,
porém, que o mercado comprador no longo prazo do ACL necessita de ferramentas, de processos mais objetivos e
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linhas de financiamento compatíveis com seu padrão de contratação de menor duração com reposição recorrente
da contratação.
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VIII. REVITALIZAÇÃO DO CNPE – COMPOSIÇÃO E TRANSPARÊNCIA
• Desafios
i. O sistema brasileiro deverá sofrer grandes transformações no seu perfil energético nos próximos anos com a
VII. INSERÇÃO DA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA (GD) REGULADA
inserção de novas tecnologias e fontes alternativas.
• Desafios
• Sugestões
i. A geração distribuída (GD) regulada é uma definição já existente no arcabouço regulatório brasileiro, no
i. Inclusão de representação dos agentes de mercados e consumidores de forma a obter visões mais abrangentes de
qual se define a forma de contratação desta pelas distribuidoras, porém é um mecanismo pouco utilizado para
política energética.
compor a carteira de contratos do mercado regulado. O conceito da Geração Distribuída regulada foi criado na
reforma do modelo setorial em 2004 – Lei 10.848/04 e Decreto 5.163/04. A GD regulada deve possuir um papel de
desenvolvimento regional das novas fontes de energia e agrega benefícios para a rede de transporte e para a região.
Não obstante esta importância, a comercialização da GD com o ambiente regulado ainda não deu certo. Um fato
ii. Forte participação em diretrizes para gestão de crises, quando estas estiverem próximas ou mesmo ocorrendo. As
normativas são importantes para dar andamento objetivo nas práticas do CMSE e dos órgãos executivo, em termos
operacionais, ambientais e regulatórios.
incontestável que a inserção da GD não é uma realidade é que considerando o potencial comercial de cerca de 4
GW.médios apenas 0,1 GW.médios foram negociados desde 2004. As principais barreiras identificadas para a GD
regulada são as seguintes: Valor máximo de repasse está inadequado; Restrições para uma conexão mais abrangente;
Processo de aprovação do repasse com riscos e requisições excessivas; A obrigação de chamadas públicas pelas
IX. FORTALECIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
distribuidoras torna o processo pouco objetivo.
• Desafios
• Sugestões
i. Garantir autonomia às agências reguladoras nas suas atribuições, capacitando-as e fortalecendo seu poder de
i. Os projetos de GD são mais ágeis e podem ser implantados rapidamente, e com uma correção de rumos no
processo de GD Regulada a resposta positiva é praticamente imediata. O avanço deste tipo de geração coloca a
geração de energia no centro de carga trazendo benefícios neste padrão de atendimento; além de trazer também
maior complementariedade com os demais tipos de fontes de geração; e finalmente busca inserir novas tecnologias
no setor. Um sumário da proposta de mudanças no ambiente de comercialização da GD com as distribuidoras
(ACR) é apresentado a seguir: (i) energia contratada pelas distribuidoras nas áreas elétricas a que estas pertencem;
(ii) manutenção do limite de contratação de até 10% do mercado da distribuidoras; (iii) repasse tarifário com base
regulamentação, normatização e de fiscalização.
• Sugestões
i. A independência das agências reguladoras é um marco importante, e para tal é necessário evitar que as agências
reguladoras fiquem com forte vinculação aos comandos do executivo; desintegradas; desaparelhadas e com recursos
escassos. Garantir de forma clara através de nova regulamentação, o papel de todas as instituições do setor elétrico
nacional, bem como sua abrangência, é fundamental para uma regulação forte e independente.
num valor de referência acumulado dos leilões de energia nova do mercado regulado; (iv) agregação no repasse
tarifário de uma forma objetiva dos benefícios da GD para capturar o valor de cada projeto para o consumidor final,
através de indicadores durante a competição pelo mercado de GD; (v) processo de licitação de novos projetos de
GD organizado anualmente, de forma regional e descentralizado; (vi) duração de contratos de GD de 10 a 20 anos,
a critério do investidor ou comprador.
X. GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS ESTATAIS
• Desafios
i. O Grupo Eletrobrás desde o seu princípio foi criado como uma alavanca da política de desenvolvimento do
setor elétrico nacional. A atuação do Grupo eminentemente no setor de geração e transmissão sempre foi uma
referência. Com a privatização e desverticalização de segmentos de G/T/D do modelo brasileiro, outros agentes
privados apareceram e estão caminhando com sucesso, entretanto o papel do Grupo Eletrobrás sempre se manteve
de fundamental importância para a operação e expansão do setor.
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• Sugestões
• Sugestões
i. Promover um choque de gestão nas estatais do Grupo Eletrobrás ampliando a capacidade de investimento e dando
i. Aprimorar as atribuições e a atuação da EPE consolidando o planejamento energético indicativo e participativo,
a elas condições de competição em igualdade de competição com o setor privado.
com interação com agentes na sua confecção.
ii. Tratar com isonomia empresas estatais e privadas, dando transparência aos objetivos e limites das estatais,
ii. Elaborar e manter sempre atualizado o planejamento indicativo de médio e longo prazo do setor de energia, como
aperfeiçoando sua governança corporativa. A isonomia deve-se ocorrer no plano legal.
instrumento de orientação para estratégias de investimentos dos agentes.
iii. Estimular as parcerias públicos privadas através da participação conjunta em novos projetos.
iii. Integração com o planejamento regional das secretarias estaduais, onde os resultados forem reconhecidamente
iv. Alavancagem financeira do Grupo Eletrobrás com privatização onde julgado necessário.
XI. OBSTÁCULOS SÓCIO-AMBIENTAIS
• Desafios
i. As barreiras socioambientais têm sido enfrentadas de forma difusa por todos os segmentos do setor elétrico,
resultando na inviabilidade técnica e econômica de várias ações setoriais.
• Sugestões
i. Introduzir, de forma objetiva e com equilíbrio, a variável ambiental na formulação dos estudos da matriz energética.
ii. As diretrizes do CNPE são importantes para uma definição exata do que quer a sociedade em relação as temáticas
que envolvem o setor elétrico e o licenciamento ambiental.
iii. Agilizar o processo de licenciamento ambiental e tornar seus custos previsíveis.
eficientes e possam incorporar a sincronização entre o atacado e o varejo.
XIII. MODERNIZAÇÃO DE REDES
• Desafios
i. O tradicional modelo secular do setor de energia elétrica de produção no atacado e entrega no varejo através
das redes de transmissão e distribuição, tende a evoluir para soluções próprias de infraestrutura para acomodar a
geração distribuída próxima do consumo final.
ii. As tendências de evolução de necessidade de modernização da rede são óbvias e necessárias para atender os novos
produtos de geração distribuída, carro elétrico e gestão pelo lado da demanda.
• Sugestões
i. O governo federal, através do CNPE, deve estabelecer um plano de negócios para a nova era do setor elétrico que está
por vir com uma política regulatória sustentável, que inclua dentre outros aspectos: a renovação e modernização dos
ativos visando uma “rede inteligente”; um ambiente regulatório que incorpore novas práticas para reconhecimento
iv. Dar transparência à gestão das medidas compensatórias, incluídas em todo o processo de licenciamento.
dos investimentos iniciais necessários para implantar a nova tecnologia e taxas de retorno compatíveis com o risco
v. Rever a disciplina organizacional no processo decisório de licenciamento, de forma a torná-lo menos difuso
serviços e a busca da eficiência energética como objetivo prioritário e permanente.
e sujeito a judicialização. Para tal também é necessário liberar os analistas ambientais da atual responsabilização
criminal no licenciamento.
tecnológico; incentivos para a transição das concessionárias para o novo modelo de negócios, que inclua novos
ii. As novas tecnologias com certeza vão trazer benefícios para a sociedade, entretanto a criação de um novo modelo
de negócios transcende as empresas e deverão existir linhas de financiamento especiais para a modernização
tecnológica.
XII. PLANEJAMENTO ENERGÉTICO
• Desafios
i. O papel da EPE como indutor de políticas de expansão no setor elétrico está consolidado, entretanto precisa de
alguns aprimoramentos.
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XIV. RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA
• Desafios
i. O setor elétrico nacional possui um tamanho expressivo frente aos vizinhos na América do Sul, e sua região de
influência, e deve comandar os princípios de uma maior integração regional. A integração eletro-energética com os
países vizinhos traz benefícios comuns para todos.
ii. A energia de Itaipu possui ainda uma importância vital para o sistema brasileiro, e o destino da energia da
hidrelétrica de Itaipu a partir de 2023 passará a ser uma arbitragem própria do Paraguai. As regras vigentes do
Tratado de Itaipu, que impedia o redirecionamento da energia de Itaipu para outros países, deixarão de prevalecer.
• Sugestões
i. O governo federal brasileiro, através do CNPE e Ministério das Relações Exteriores, deve estabelecer, em debate
com uma cúpula de países vizinhos, um plano de integração regional. O plano deve definir as bases regulatórias e
operacionais de interconexões, das exportações e importações de energia elétrica, e dos projetos multinacionais.
ii. Um pacto comum de políticas públicas e regulatórias mínimas entre os países é muito bem-vindo, entretanto não é
necessária uma reformulação completa em todos países e sim uma forma de sincronia que seja satisfatória para todos.
iii. O caso Itaipu merece uma atenção imediata do governo brasileiro para se estabeleça as relações futuras com o
Paraguai, acerca da energia de Itaipu. Mudanças radicais no padrão de uso atual implicam num forte processo de
transição das relações comerciais e operacionais no sistema brasileiro.
XV. INVESTIMENTOS PRIVADOS
• Desafios
i. O papel das empresas controladas pelo Estado em investimentos setoriais não é suficiente para toda a expansão
setorial necessária e avanços tecnológicos em curso.
• Sugestões
i. O Estado Brasileiro deve criar plenas condições para os investimentos através da estabilidade e transparência de
regras e de uma política realista de preços, em sincronia com os interesses públicos e privados.
ii. A regulação deve criar um ambiente favorável e estável aos investimentos, sempre promovendo a eficiência e a eficácia
através da competição, da estabilidade das regras, da transparência e da previsibilidade dos processos decisórios.
iii. Fomentar e facilitar as parcerias públicas privadas (PPP) em diversas frentes do setor elétrico.
92
Visões do Setor Elétrico
CONHEÇA O AUTOR > João Carlos Mello
O Dr. Mello recebeu os títulos de bacharel, mestre e doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC/RJ) respectivamente em 1983, 1988 e 1994. De 1982 a 1989, trabalhou na Monasa Consultoria e Themag
Engenharia, grandes empresas brasileiras de consultoria. De 1989 a 2000, trabalhou na CEPEL, o centro brasileiro de
pesquisas em energia elétrica. O Dr. Mello participou do desenvolvimento de modelos computacionais elétricos e energéticos
neste centro de pesquisas. O Dr. Mello participou igualmente de várias atividades ligadas ao projeto de reestruturação do
setor de energia brasileiro (RE-SEB) em meados dos anos 90. Em 2000, tornou-se sócio da Andrade & Canellas (A&C)
e trabalhou até novembro de 2001 na ASMAE (ramo administrativo do mercado atacadista de energia) como assistente
do presidente. Era responsável pela área de preços de mercado e coordenou os projetos visando à implantação da CCEE
– ex-MAE. A partir de novembro de 2001 o Dr. Mello torna-se diretor da A&C, dando apoio à implantação de projetos
de usinas hidrelétricas, de transmissão, grandes consumidores, entre outros. Em 2013, Dr. Mello criou uma nova empresa
de consultoria denominada THYMOS ENERGIA, com o escopo de suporte técnico, regulatório e econômico-financeiro
para todos os segmentos do mercado de energia. É também o autor e coautor de mais de 100 artigos elaborados tanto para
sociedades nacionais quanto internacionais tais como a CIGRÉ e o IEEE.
Visões do Setor Elétrico
93
Quem Somos
Os problemas enfrentados pelo setor elétrico, com-
Importante observar que, em complemento às visões
binados com a situação difícil vivida pela indústria,
técnicas, o projeto desafiará as principais instituições
ampliam os desafios do próximo governante para or-
que orbitam o universo do setor a apresentarem suas
ganizar uma agenda setorial que garanta energia em
contribuições. Da mesma forma, profissionais do atual
condições competitivas para o País sem afastar os in-
governo, representantes de grupos que lhe fazem opo-
vestimentos também no setor elétrico. Ou seja, uma
sição e a sociedade em geral terão a oportunidade de
agenda que promova a modicidade de preços e tarifas
expressar suas ideias. Além disso, todo o acervo reunido
da energia, atraia novos investimentos, garanta a segu-
pelo projeto estará disponível no site www.visoesdose-
rança de abastecimento e agregue inovação ao setor.
toreletrico.com.br para consulta e será entregue àque-
Preocupada com esse cenário e suas implicações, a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE)
les que definem a política nacional, particularmente aos
que estão dedicados a definir as propostas e programas
de governo dos candidatos à Presidência da República.
desenvolveu o Projeto Visões do Setor Elétrico. A pers-
Este projeto é um espelho do Visões do Gás Natural,
pectiva é reunir os principais especialistas da área no
uma iniciativa que lançamos, com o apoio da CNI e da
Brasil para que apresentem sua visão sobre o que deve
Abegás, para fomentar discussão semelhante na área
ser feito para que, não só sejam superados os atuais de-
de gás natural. As visões de especialistas, do mercado
safios, como para que o setor tenha condições de con-
e da sociedade sobre o setor podem ser encontradas
tribuir para a retomada da competitividade nacional.
no site do projeto (www.visoesdogas.com.br).
PRODUÇÃO DA ABRACE
Camila Schoti
Coordenadora de Energia
Daniela Coutinho
Coordenadora de Relações Institucionais
Helder Sousa
Especialista em Energia
Rivaldo Moreira Neto
Especialista em Energia
Victor Hugo Iocca
Especialista em Energia
Marcos Vinícius Lima
Analista de Suporte em TI
Karine Pacheco
Designer Gráfico
SP4 Comunicação
Assessoria de Imprensa
Para maiores informações entre em contato através
do e-mail: [email protected].
Iniciativa:

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