O gatekeeper e as escolhas do noticiário internacional

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O gatekeeper e as escolhas do noticiário internacional
O GATEKEEPER E AS ESCOLHAS DO NOTICIÁRIO INTERNACIONAL
Anderson Paes1
Resumo
Este trabalho trata do contexto internacional do Jornalismo presente em
nosso cotidiano. Mostra a relevância do conteúdo e o processo seletivo
que existe desde a fonte original da matéria ao dedo do editor antes de
encerrar a rotina de produção da notícia. Através de uma pesquisa qualitativa e da análise de material jornalístico publicado, faz um panorama do
conteúdo que os meios recebem do resto do mundo – seja de agências
de notícias ou de outros veículos – e estuda a coerência/relevância das
notícias expostas por eles, com destaque para o processo subjetivo da
seleção, realizado pelos profissionais da área.
Palavras-chave: Jornalismo Internacional. Gatekeeper. Notícia.
INTRODUÇÃO
A cada momento somos bombardeados por notícias que chegam de todos os cantos do mundo, das mais difundidas histórias do hemisfério Norte às novidades da vizinha América Latina. No fim do ano de 2006, a futura execução do expresidente do Iraque estampou as páginas dos jornais. Em termos de regionalidade,
aquela notícia era a mais importante para o Estado de Santa Catarina em época de
fim de ano? Para um jornal de circulação estadual, como o Diário Catarinense, parece que sim, pois trouxe em sua capa: “Saddam será executado”. Mas o que aquilo
poderia interferir diretamente na vida dos cidadãos de Santa Catarina?
Numa editoria chamada Mundo, que recebe de tudo – de tudo mesmo! –
quem tem o poder de escolher o que é mais importante para o leitor? Quem são os
responsáveis por essa editoria? As notícias que recebemos são definidas por alguém como “notícias”. Mas nem sempre temos o conhecimento por inteiro. Um e1
Bacharel em Comunicação Social – habilitação Jornalismo e habilitação Publicidade e Propaganda
pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Cursando Especialização em Relações Internacionais na Universidade Federal do Paraná – UFPR.
1
xemplo disso foi o que aconteceu na Somália no início de janeiro de 2007. O país
africano estava em conflito armado – uma espécie de guerra civil. Tinha o apoio do
exército etíope para controlar a situação, quando os Estados Unidos resolveram entrar no país para caçar integrantes do grupo Al-Qaeda, de Osama Bin Laden. Que
interesses os Estados Unidos têm naquele país? E se tiverem algum, o que isso afeta nas relações com o Brasil? Precisamos saber os limites entre o que é informação,
que não podemos descartar, e o que é realmente notícia, aquela que muda o dia de
amanhã e, quando assim for, deve ser levada ao leitor de forma integral.
Os porquês de certas escolhas pelos editores do “mundo” e o porquê de
algumas delas estarem “incompletas”, deve ser questionado. Um mundo cada vez
mais banal, parece dar mais importância ao panda, que nasceu num zoológico na
China, do que às crianças passando fome na África – não que a sobrevivência dos
pandas seja desimportante. Entende-se que o Jornalismo não pode (ou não deve)
banalizar ou deixar de lado o sofrimento do homem e precisa de uma memória de
elefante. Deve fazer referência ao humanismo, que poderia estar mais presente no
Jornalismo Atual, mesmo que desviasse alguns graus do eixo da objetividade – realizando um trajeto que poderia causar mudanças concretas do ponto de vista social.
Existem pessoas interessadas no mundo como um todo e outras preocupadas com o seu próprio “mundo”. Não se pode deixar passar o buraco da estrada,
as “verdades” da política, a rodovia a ser duplicada, as obras atrasadas, o dinheiro
desviado, entre outras coisas do cotidiano de uma sociedade considerada normal.
Não se pode perder o foco e a identidade do Jornalismo Regional, por exemplo, e do
papel de cada veículo na sociedade.
A partir disto, chega-se ao processo que define as escolhas do noticiário
internacional. E busca-se, como objetivo principal deste estudo, identificar o que é
noticiado e escolhido como mais relevante pelos editores, de acordo com a relação
espaço x país/continente, e por eles publicado nas páginas dos jornais – levando-se
em consideração a ‘importância’ que cada região do globo recebe na editoria Internacional.
Através de pesquisa quantitativa e qualitativa, aplicada nos jornais Diário
Catarinense (Santa Catarina), Jornal do Brasil e O Globo (ambos do Rio de Janeiro),
e com base na teoria do gatekeeper (seleção da notícia), seguiu-se o estudo com os
objetivos específicos que tratam de verificar o espaço dedicado à editoria, em cada
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um dos veículos estudados, e a quantidade de notícias selecionadas e descartadas
diante das diversas fontes que mantêm a editoria Internacional como uma das que
mais recebe informações diariamente.
1. GATEKEEPER: A SELEÇÃO DA NOTÍCIA
O papel do gatekeeper é o de selecionador. É quem permite ou impede
que determinados conteúdos sigam seu caminho, exercendo a função de ‘filtro das
notícias’, no caso do Jornalismo. Este processo seletivo está presente em vários
meios sociais. Entretanto, estudos revelam que no fluxo de notícias a atividade do
gatekeeper supera a característica individual, devido à “idéia de seleção como processo ordenado hierarquicamente e ligado a uma rede complexa de feedback”.
(WOLF, 2005, p. 186).
De acordo com Nelson Traquina (2005), o processo de produção/seleção
da notícia passa por uma série de etapas (escolhas), por diversos caminhos (gates).
Tais caminhos, ou portões, são opções do jornalista (gatekeeper) que decide se a
notícia passa ou pára naquele instante.
A teoria do gatekeeper avança igualmente uma concepção bem limitada do
trabalho jornalístico, sendo uma teoria que se baseia no conceito de “seleção”, minimizando outras dimensões importantes do processo de produção
das notícias, uma visão limitada do processo de produção das notícias
(TRAQUINA, 2005, p. 151).
A teoria em si tem origem na pesquisa psicológica de vários aspectos sociais realizada por Kurt Lewin, em 1947. Em 1950, David White decidiu aplicar a
pesquisa de Lewin aos estudos do fluxo de informação para compreender as barreiras que permitem ou bloqueiam a seqüência da informação. White (citado por
WOLF, 2005, p. 185), pôde verificar a subjetividade no processo seletivo do jornalista enquanto gatekeeper. O profissional do Jornalismo faz escolhas e interfere diretamente no seguimento de determinada notícia-informação. A seleção de uma notícia, apesar de todos os critérios e valores que a compõem, não se dá por meio de
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uma escolha limitada e a relevância é complementar a uma escolha do jornalista,
que busca o equilíbrio para sua opção.
Na era da internet o gatekeeper jornalista pode perder o papel principal de
alguns anos passados. Com a liberdade de espaço, a exclusão de assuntos das páginas virtuais se torna difícil e quase todos os assuntos ganham o espaço do mundo
on-line, até mesmo os descartados pelos meios concretos.
Generalizando, todos passam a ser gatekeepers de áreas variadas, do
conteúdo produzido para os blogs ao que é noticiado via celular em serviços de notícias oferecidos pelas operadoras de telefonia móvel.
1.1 Os caminhos da notícia
O que é notícia ou relevante é relativo aos diversos interesses que envolvem o fato a ser publicado. A visão de realidade é uma questão subjetiva, ainda que
com toda a objetividade desejada pelo Jornalismo. Apesar dos critérios utilizados
pelo meio jornalístico, não há uma ordem estabelecida sobre qual critério é mais importante em relação a outro.
Segundo Serva (2001), cada notícia é classificada “de acordo com a sua
natureza específica”. Para ele o editor (gatekeeper) trabalha como em um sistema
carcerário, onde se classificam e organizam as notícias em ‘presídios’, tratados pelo
autor como “pavilhão jornalístico”. Serva ainda avalia que a relevância de uma notícia faz a diferença, pois, os jornais “nem sempre têm ‘notícias próprias’ ou ‘furos’”.
O meio físico também interfere na noticiabilidade e no trabalho do gatekeeper. Seriam como pré ou pós-gatekeepers que influenciam na seleção do acontecimento – o que está antes e depois do “portão” por onde segue a notícia. A empresa, a pessoa do profissional, a hierarquia que se segue, e, certamente, o interesse
público, são exemplos concretos da influência que o meio exerce sobre o personagem gatekeeper. A partir dessas pressões que o jornalista sofre, no caso, as notícias
seguem caminhos diferentes a cada “barreira” de seleção que encontra pela frente
(WOLF, 2005, p. 186). A subjetividade está presente desde os primeiros rascunhos
da notícia, como outros teóricos já afirmaram.
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Além dos caminhos e “barreiras” que a notícia percorre, a escolha de
‘como contar a história’ depende do ponto de vista do autor, que é apenas um ponto
e não algo 100% concreto ou puramente imparcial.
Segundo Robinson (citado por WOLF, 2005, p. 186), “as decisões do gatekeeper são realizadas menos numa base de avaliação individual de noticiabilidade
do que em relação a um conjunto de valores que incluem critérios tanto profissionais
quanto organizacionais, como a eficiência, a produção de notícias, a velocidade”. O
que remete novamente à relação tempo/espaço na produção da notícia, presente
cada vez mais nas redações de nosso tempo. A necessidade da pressa pode vir a
ser questionada, uma vez que o Jornalismo Impresso deve voltar-se ao conteúdo
aprofundado e não a breves publicações, como as notas e notícias dos meios eletrônicos, mais rápidos e de fáceis acessos.
2. JORNALISMO INTERNACIONAL NO MEIO IMPRESSO
Os assuntos que estão além de nossas fronteiras ganham as páginas dos
jornais. Muitas vezes são notícias de cunho econômico, científico ou esportivo, e por
isso, nem sempre estão na editoria específica para o conteúdo internacional. Normalmente a editoria leva o nome de “Internacional” ou “Mundo”. É característico desta área do Jornalismo, a objetividade e a neutralidade na matéria, com certo nãoaprofundamento do caso. Por se tratarem de assuntos amplos do cenário internacional, as matérias tornam-se, em sua maioria, mais carentes desse aprofundamento
(PENA, 2005, p. 120).
Isso também se dá por motivos que envolvem o jornalista que trabalhou
na matéria. Esse Jornalismo Internacional é, na maioria das vezes, produzido e enviado pelas agências estrangeiras, grande parte européia, que possuem escritórios
em vários países – como Reuters, AFP, EFE, etc. Tal fato influencia o ponto de vista
de quem produz, sendo ele natural de um país e escrevendo sobre determinado fato
para outra cultura – a do país de destino. Conseqüentemente, os jornalistas (locais)
que recebem as notícias do exterior se encaixam em um segundo momento do processo de produção/seleção do fato noticioso, ou seja, ele refaz a seleção a partir do
que lhe é enviado dos demais veículos. Isso ocorre porque, basicamente, o Jorna5
lismo Internacional é composto por serviços externos. Em outros casos, os próprios
jornais e profissionais locais produzem matérias do exterior e as retornam ao jornal –
os correspondentes e/ou enviados especiais.
Outro advento dessa editoria é a facilidade que a internet proporciona e o
contato rápido com o que é “notícia” em determinado lugar do globo. Com isso, a
editoria Internacional nos jornais impressos conseguiu se diferenciar dos demais
meios, que seguem com notas e comentários de casos do estrangeiro (exceto as
reportagens especiais), aprofundando o noticiário com visões e versões diferentes
dos variados ângulos de um fato.
As agências internacionais de notícias, empresas que levam as informações diretamente das fontes aos veículos de comunicação, funcionam em escritórios
espalhados pelo mundo e interligados graças ao avanço tecnológico. Além dos funcionários locais (de cada escritório) algumas agências ainda possuem uma rede de
correspondentes colaboradores em outras cidades.
O Jornalismo Internacional no Brasil, como em outros países, trabalha
com os ser-viços oferecidos pelas agências e notícias de outros veículos. Entretanto,
e principalmente em jornais pequenos do interior, as notícias compradas das agências acabam publicadas na íntegra como vieram das fontes e praticamente são impressas iguais em veículos diferentes – o que pode ser visto no material publicado
nesses jornais –, nesses casos, o editor é mais gatekeeper do que editor e apenas
seleciona o que é publicado, com exceções. Nos jornais de maior circulação, além
dos serviços de agências e do trabalho dos editores em adaptar a matéria às normas dos manuais de redação de seus veículos, matérias de correspondentes e enviados especiais mantidos pelo próprio jornal fazem a diferença. Uma diferença que
gera custo ao veículo e que ocasionou mudanças nessa área da profissão.
Manter uma equipe no exterior tornou-se caro para as situações das empresas de mídia, no entanto, quando não contam com enviados especiais, utilizamse do trabalho de jornalistas freelancers residentes no local do acontecimento que
desejam informações.
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2.1 O espaço destinado ao noticiário internacional
Nos jornais diários do Brasil a editoria Internacional, em média, varia entre
uma e duas páginas de cada edição durante a semana. Durante o fim de semana
pode variar, chegando a cinco páginas ou mais, como no Jornal do Brasil, por exemplo.
Alguns jornais da Europa diversificam mais essa quantidade de páginas
destinadas às notícias do mundo. O The Guardian (Inglaterra) mantém cinco páginas na sua edição semanal. Os jornais portugueses Semanário e O Independente
trabalham com quatro páginas cada. Uma possível razão para essa diferença de
espaço às notícias estrangeiras deve-se à unidade européia e a relação entre aqueles países. Diferente do que acontece no cenário latino, onde o Brasil, apesar do
Mercosul, trabalha principalmente com notícias político-econômicas da Europa e da
América do Norte.
Na Ásia, o The Times of India, por exemplo, publica um caderno especial
de notícias do mundo. Enquanto na África, o Salke Beeld (África do Sul) e o Cameroon Tribune (Camarões) trabalham como as edições brasileiras, com poucas páginas para o noticiário internacional.
Isso ocorre de acordo com o foco de cada veículo. No caso brasileiro, jornais estaduais como o Diário Catarinense e A Notícia – ambos de Santa Catarina e
do Grupo RBS –, certas vezes são pautados por outros veículos e deixam passar
alguns fatos que interessam diretamente ao Estado de origem do veículo. Um exemplo de regionalidade aplicada aos jornais de circulação nacional é o que acontece com a Folha de São Paulo, que possui edição exclusiva para a cidade de São
Paulo – separando o regional do generalista.
As agências internacionais a cada instante mandam notícias do exterior.
Tamanho volume não pode ser absorvido totalmente pelos meios de comunicação e
permite, assim, desprezar grande parte desse conteúdo. Porém, a produção se dá
de acordo com a demanda. Segundo João Batista Natali (2004), a proporção do que
é recebido em relação ao que vem a ser publicado é, “na melhor das hipóteses”, de
um para setenta.
O que determina, então, o espaço que as notícias internacionais receberão nas publicações é a definição de relevância estabelecida pelo jornalista (gateke7
eper) responsável pela editoria – além do planejamento da página que prevê um
número variável de notícias.
2.2 A editoria no Brasil e no mundo
No Brasil, a editoria dos assuntos internacionais da maioria dos jornais
tem um giro maior de notícias vindas dos Estados Unidos, normalmente assuntos
políticos. Assuntos econômicos, atentados e temas do Oriente Médio também estão
presentes nas abordagens brasileiras de assuntos estrangeiras (PENA, 2005).
Diário Catarinense e Zero Hora (Rio Grande do Sul), por exemplo, (ambos
jornais do grupo RBS), nas páginas dedicadas aos assuntos exteriores, às vezes
seguem o mesmo caminho de jornais ‘maiores’ como O Globo (Rio de Janeiro), em
volta de temas da Europa e do Oriente Médio. Já a Folha de São Paulo (São Paulo)
e o Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) diversificam a pauta e abrem maior espaço para
os fatos da América Latina.
Segundo Pena (2005), na Europa o assunto principal é a União Européia,
sem deixar de lado outros países europeus e assuntos políticos e econômicos que
envolvem também a América. Enquanto nos Estados Unidos, a editoria Internacional
costuma mostrar assuntos econômicos que envolvem o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as relações daquele país, além de notícias “bélicas” com referência ao
Oriente Médio e atentados terroristas. Nos demais países a pauta mais recorrente
são os Estados Unidos devido à sua influência nas diversas economias do mundo.
O jornal El País (Espanha) tem publicado, não somente assuntos da Europa e Estados Unidos, mas também notícias da América Latina. Além disto, outros
países importantes em seus continentes seguem na pauta, como o Brasil e China,
por exemplo. Já o The Guardian (Inglaterra) abre espaço para as ex-colônias britânicas na Ásia, além dos assuntos exclusivamente europeus. Enquanto o The New
York Times (Estados Unidos) segue com as notícias de economia e política que influenciam diretamente o mercado americano. Devido à influência americana, econômica ou política, as notícias daquele país quase sempre fazem referência à editoria local, pois estão diretamente envolvidos.
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3. MÉTODO DE PESQUISA
Durante a primeira semana do mês de abril (1° a 7, 2007) os jornais Diário
Catarinense (DC), Jornal do Brasil (JB), e O Globo (OG) foram objetos de estudos
deste projeto. Os jornais JB e OG foram escolhidos para uma comparação entre as
editorias “Internacional” e “O Mundo”, respectivamente, por se tratarem de veículos
de circulação nacional – ambos são editados no Estado do Rio de Janeiro. O jornal
DC faz o contraponto regional, tendo a editoria “Mundo” como objeto de análise. Hoje, Santa Catarina possui dois jornais que podemos tratar como ‘estaduais’, e os dois
pertencem ao mesmo grupo (RBS). Por isso a escolha de apenas um veículo estadual2.
Com o objetivo de analisar o conteúdo publicado pelos jornais no noticiário internacional, na relação espaço x país/continente, o que é considerado relevante
de acordo com cada um dos veículos e verificando o processo seletivo desse material, optou-se por uma pesquisa quantitativa a partir das edições dos três diários durante a primeira semana de abril. Analisando também o espaço destino à editoria
como um todo e o foco do Jornalismo Internacional produzido pelos jornais.
Com isso, foi necessário, ainda, buscar base na teoria do processo seletivo – gatekeeper – os critérios e valores utilizados para tal, utilizando-se da pesquisa
qualitativa para alcançar os resultados interpretativos nos veículos citados. Segundo
o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (2007), esse tipo de pesquisa é
usado “quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma
questão, abrindo espaço para a interpretação”.
4. ANÁLISE COMPARATIVA: DIÁRIO CATARINENSE,
O GLOBO E JORNAL DO BRASIL
Dos fatos que viraram notícias na primeira semana de abril, do dia 1° ao
dia 7, foram objetos de estudo as páginas da editoria Internacional dos jornais Diário
2
O outro veículo em questão é o jornal A Notícia.
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Catarinense, O Globo e Jornal do Brasil. O destaque da semana foi a prisão de marinheiros britânicos em águas territoriais do Irã. O ocorrido e as negociações para a
libertação dos marinheiros renderam páginas e algumas edições nos três jornais analisados.
A relação Irã x Inglaterra, com sutil presença americana, durante aquele
período de tempo tomou espaço de notícias da região de interesse do Brasil. A América Latina, com algumas nações instáveis e de políticas que interferem diretamente
no caminho brasileiro, teve menor espaço ou quase nada no noticiário do mundo –
em questões de relevância-espaço. Isso devido às relações diretas Brasil x América
Latina, certas vezes, estarem em editorias de política e economia, apesar de serem
relações internacionais.
Além de verificar quais assuntos foram mais recorrentes e a importância
dada às mesmas pautas, assim como a variedade de notícia de um veículo para outro e o espaço destinado à editoria como um todo, pôde-se, ainda, identificar as diferenças dos três veículos e as opções dos gatekeepers que trabalham nesses jornais.
Pôde-se também identificar o trabalho dos enviados especiais, correspondentes, e
serviços de agências adquiridos pelas empresas de comunicação.
O primeiro veículo, Diário Catarinense, do Grupo RBS, mostrou seguir os
padrões de outros veículos do grupo, como Zero Hora. Mesmo sendo o jornal um
veículo da região sul do país, e por isso mais próxima dos países do Mercosul, o
conteúdo internacional do DC circulou pelos assuntos também veiculados naquela
semana na TV aberta e demais jornais de circulação nacional – com semelhança a
um jornal nacional e não estadual em alguns momentos, deixando a ‘localidade’, em
termos gerais, de lado. Apesar disso, o jornal também dedicou espaço às lembranças da Guerra das Malvinas – um regionalismo à parte na editoria “Mundo” do DC.
No caso do jornal O Globo, um jornal expressivo de circulação nacional,
os assuntos do mundo – condizentes com as notícias exibidas pela rede de televisão
do mesmo grupo –, foram destacados pelas notícias da Europa e Oriente Médio (estes, quase sempre, ligados aos Estados Unidos). Já no Jornal do Brasil, o papel do
correspondente ou enviado especial ganha destaque na edição de domingo, sem
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perder o critério de veículo de porte nacional que é e mantém um equilíbrio entre os
países/continentes citados na editoria3.
70%
61%
60%
50%
41%
40%
30%
33%
33%
23%
20%
23%
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10%
23%
13%
11%
8%
8%
Oriente Médio
Ásia e Oceania
8%
0%
Europa
Jornal do Brasil
Diário Catarinense
Américas
África
O Globo
Gráfico 1 – Percentual países/continentes citados nos três jornais analisados.
De fato, os três jornais mostraram seguir uma agenda comum – possivelmente baseada nos mesmos serviços de informações mundiais –, ou seja, foram,
em certos momentos, pautados por veículos de outros lugares.
Independente da relação relevância-espaço, a dúvida permanece na
questão relevância x fato. No período de estudo, assuntos como o aumento de divórcios no Japão ou o trem bala que bateu recorde de velocidade na França foram
publicados pelo DC; a presença da política americana Nancy Pelosi na Síria foi notícia em O Globo e JB. Enquanto os jornais divulgavam esses ocorridos, nem mesmo
no espaço dedicado aos resumos do dia noticiaram La Semana Santa deja más de
240 muertos en América Latina (EFE) e Combates já mataram quase 400 civis na
Somália (Agência Globo). Existem hipóteses de que o gatekeeper tenha ‘barrado’ a
chegada de tais fatos à edição ou que as informações (já na origem da notícia) tenham sido insuficientes.
Já no ponto de vista da relevância da pauta, na relação espaço destinado
na edição por países/continentes citados, os jornais seguiram os seguintes padrões
3
Refere aos países citados nas matérias independentes da relevância-espaço dedicados à pauta.
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quanto às principais notícias durante a semana: o Jornal do Brasil publicou, das sete
notícias principais da editoria, 42% sobre as Américas, 29% de notícias da Europa, e
outros 29% sobre o Oriente Médio; o Diário Catarinense publicou 42% sobre a Europa, 29% sobre as Américas e 29% do Oriente Médio; enquanto o jornal o Globo noticiou como matéria principal 42% de Oriente Médio e 42% de Europa, e 16% para as
Américas.
45%
42%
42%
42%
42%
40%
35%
30%
29%
29%
29%
29%
25%
20%
16%
15%
10%
5%
0%
Américas
Europa
Jornal do Brasil
Diário Catarinense
Oriente Médio
O Globo
Gráfico 2 – Percentual países/continentes noticiado como matéria principal.
Percebe-se um equilíbrio entre os assuntos noticiados em relação à origem das notícias (países/continentes) pelo Jornal do Brasil e Diário Catarinense.
Porém, quando o JB trata das Américas é através de reportagens especiais e notícias da região produzidas por seus correspondentes/enviados – sem deixar de publicar outras notícias que seguem os critérios de noticiabilidade do veículo. O Diário
Catarinense fez o mesmo na edição de domingo onde publicou reportagens especiais sobre as Malvinas – com uma página de infográfico –, produzida por enviados
especiais ou jornalistas freelancers, deixando em menos de meia página a notícia
sobre a disputa pela presidência da França.
A relevância então deixa de ser critério, pois o veículo passa a publicar
quase que exclusivamente o material produzido por seus repórteres no exterior,
desconsiderando o material recebido naquele dia. No mesmo período, o que o DC
noticiou sobre as Américas, quase que constantemente, foi sobre a ‘Guerra das Mal12
vinas’ e destacou notícias vindas da Europa. O Oriente Médio ganhou destaque na
primeira semana de abril, principalmente no jornal O Globo, pela prisão dos marinheiros britânicos no Irã, como visto anteriormente. Como afirma Serva (2001), “o
volume de cobertura é proporcional ao desentendimento do fato”, pois, segundo ele,
os jornais publicam os desdobramentos das notícias cada vez menores à medida
que os assuntos vão se tornando conhecidos do público.
A continuidade das matérias, no Jornalismo Brasileiro – não apenas na
editoria Internacional –, segue o desdobramento de notícias mostrado por Serva, às
vezes, não situando o leitor novamente ao contexto geral da história. Deste modo,
corre-se o risco de os desdobramentos passarem a ser histórias com apenas meio e
fim, apostando na memória do leitor.
CONCLUSÃO
O Jornalismo Internacional é umas das variações mais ricas do Jornalismo, mesmo quando suas pautas são divididas/distribuídas em diversas editorias. O
mundo é tudo que nos cerca e por fazer parte dele existe o interesse em saber o que
acontece pelos quatro cantos deste planeta. Seja política ou economicamente, as
relações internacionais alteram significativamente os caminhos da História. Da guerra pelo petróleo à guerra pela paz – por mais contraditório que seja a expressão –,
do cotidiano de outras culturas aos movimentos que pressionam as mudanças sociais.
Entretanto, o Jornalismo Internacional produzido no Brasil é quase que
exclusivamente o que vem de fora – seja por agência ou por profissionais do próprio
jornal –, o que não cita diretamente o Brasil como foco da matéria, deixando de abordar casos que influenciariam a vida no país. Ao mesmo tempo em que esse ponto de vista é ‘definido’ pelos veículos brasileiros, certas vezes, é constante a repetição do noticiário entre um jornal e outro – devido à origem das notícias, como se
fosse um produto ‘empacotado’. Não se pode perder o foco. A regionalidade é importante para que o leitor possa analisar a situação de um país ou até mesmo de um
Estado como o de Santa Catarina em relação ao mundo – as relações comerciais
com Rússia ou nossa região de fronteira com a Argentina, por exemplo.
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A relevância no processo de seleção de um assunto, às vezes é posta em
dúvida, quando o jornal deixa de publicar certas notícias ou as publica de forma incompleta em virtude de produções próprias. Os critérios utilizados nas demais edições, mesmo que subjetivos, são diferentes quando o espaço da editoria pode ser
divido com reportagens de correspondentes e/ou enviados especiais do próprio veículo. Pode-se considerar a hipótese de o ego – do indivíduo que determina a publicação preferencial de certo conteúdo – interferir nessa questão criteriosa.
No Jornalismo também existe, na visão deste pesquisador, a ‘miopia de
mercado’, muito usada para certas ações em publicidade. O mesmo conceito pode
ser adaptado ao Jornalismo como ‘miopia de edição’, quando os responsáveis pelos
processos de produção/seleção da notícia alteram o campo focal da realidade do
veículo para o que ele (gatekeeper) acredita ‘ver’. Em alguns casos, e principalmente em jornais menores, existe ainda o que podemos chamar de ‘mal do ctrl+c ctrl+v’,
utilizando-se exclusivamente de serviços adquiridos (nem sempre pagos) e às vezes
sem citar a origem das informações. Isso leva ao leitor somente a visão de quem
produziu a notícia primária, ou seja, uma agência de notícias internacional, por exemplo, distante da realidade regional a quem se destina o material publicado. O
mesmo se repete em outras editorias de um jornal, não somente nas páginas de assuntos estrangeiros.
Com os veículos online, o Jornalismo Internacional tornou-se mais amplo
e conseqüentemente mais abrangente de conteúdos antes descartados. Na internet
os veículos permitiram noticiar ainda mais, o que provocou uma ‘pressão’ nos jornais
impressos. Noticiar mais e mostrar tudo o que o mundo produz. A editoria Internacional no veículo impresso também parece competir com o digital, mas, atualmente,
o Jornalismo na internet tem se aprofundado e criado uma rede de notícias vinculadas – que o meio impresso não tem feito ou é limitado a certos caminhos.
O Jornalismo Impresso pode vir a ser autêntico de fato (deixar de tentar
competir com o mundo virtual), e não superficial como em alguns casos, com o trabalho de jornalistas criativos que saibam expor o conteúdo proposto e relacionar ao
dia-a-dia do leitor que busca se interessar por questões externas, assim como se
interessa pelo buraco da estrada. Afinal, este é o mundo onde vivemos e as informações que o fazem são de interesses de todos os públicos. Além do foco que pode
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ser considerado comercial, existe ainda a realidade do envolvimento das pessoas
com o mundo que elas fazem.
Quanto aos veículos analisados, a presença constante do Jornalismo Internacional como ‘produto’ é clara, quando, por exemplo, o Diário Catarinense apenas publica a maioria das notícias com o nome as cidades de onde se originam os
fatos logo abaixo dos títulos, sem citar autor e/ou agência que repassou a informação. O Jornal do Brasil, particularmente, mostra o equilíbrio entre o que é notícia
comum a todos os demais órgãos de imprensa e o que o próprio jornal considera
relevante para levar aos leitores brasileiros. O JB dá espaço considerável à América
Latina, relacionando o Brasil com os países vizinhos, não só em matérias compradas de serviços de agências como em matérias próprias de correspondentes e enviados especiais. Já o jornal O Globo mostra-se interessado nas relações que influenciam globalmente e não necessariamente de forma local. Entretanto, não deixa de
noticiar acontecimentos relativos ao Brasil e/ou brasileiros que ‘fazem o mundo’ –
como o caso do Timor Leste.
Do objetivo geral, que buscou identificar a ‘relevância’, de acordo com o
espaço x país/continente, publicado nos jornais selecionados, pôde-se verificar como cada jornal trata os diversos países e variadas culturas. Cabe questionar se a
política editorial de cada empresa jornalística sofre influência da regionalidade,
quanto à cultura e o processo histórico/meio em que vivem as pessoas que produzem e selecionam o conteúdo dos jornais (desde os tempos da colonização). Por
exemplo, o Diário Catarinense, um jornal de Santa Catarina que pertence a um grupo do Rio Grande do Sul – dois Estados que têm influências da colonização italiana,
alemã e portuguesa principalmente –, certamente, ao lado do jornal gaúcho Zero
Hora, os dois veículos tratam de forma particular, em relação às demais culturas do
país, os assuntos internacionais. Enquanto isso, os outros dois jornais, ambos do
Estado do Rio de Janeiro – Estado onde a colonização franco-portuguesa tem destaque e que desde a chegada da coroa portuguesa ao Brasil, tornando-se a capital
do império, dedicou-se à cultura, em especial da Europa –, vêem o mundo de outra
forma. Hipoteticamente, as empresas (indivíduos) podem influenciar direta ou indiretamente o autor ou editor da matéria.
Dos objetivos específicos, quanto ao espaço dedicado à editoria nos três
veículos diários, observa-se que os jornais O Globo e Jornal do Brasil (nacionais)
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circulam em média duas páginas por edição – exceto nos fins de semana, quando
eventualmente publicam cadernos especiais ou páginas adicionais com matérias
produzidas não somente por agências, mas também por seus correspondentes e/ou
enviados especiais. Já o jornal Diário Catarinense, de circulação estadual, mantém
uma página por edição durante a semana e também, a exemplo dos de porte nacional, amplia a editoria na edição de domingo. A editoria Internacional pode sofrer interferência pessoal/organizacional, uma vez que a relevância deixa de ser critério,
pois o veículo passa a publicar quase que exclusivamente o material produzido por
seus repórteres no exterior, desconsiderando o material recebido naquele dia.
Quanto ao objetivo específico de quantificar as notícias repassadas pelas
agências, e aproveitadas pelos veículos selecionados, não foi possível identificar de
forma geral, uma vez que as listas de notícias publicadas na internet já foram previamente selecionadas pelos próprios profissionais responsáveis por este serviço (gratuito) online. Isto pode ser comprovado ao comparar o ‘recebimento de conteúdo’
(RSS), oferecido gratuitamente por estas empresas, com a quantidade de material
noticioso que um jornal recebe.
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REFERÊNCIAS
NATALI, João Batista. Jornalismo Internacional. São Paulo. Contexto, 2004.
SERVA, Leão. Jornalismo e desinformação. São Paulo. Editora SENAC, 2001.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – Volume 1. Florianópolis. Insular,
2005.
________________. Teorias do Jornalismo – Volume 2. Florianópolis. Insular,
2005.
WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. São Paulo. Martins Fontes,
2005.
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