Viagem apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas

Transcrição

Viagem apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas
| FEVEREIRO - 2015 |
Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil
Especial
Papa Francisco
V iagem apostólica
ao Sri Lanka e às Filipinas
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
Sumário
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Editorial: “Mais do que comunicador,
um ‘Papa-comunicação’
Filipinas: a Igreja Católica
da Ásia mais ativa
Pedido pela paz na chegada
ao Sri Lanka
Encontro inter-religioso:
Papa pede respeito pelas religiões
Multidão para ver a
canonização do Beato José Vaz
Papa leva mensagem de
perdão a local marcado pela guerra
Papa visita templo budista
fora da programação
Liberdade de expressão sim,
mas sem insultos
Meio milhão de pessoas
recebe o Papa nas Filipinas
Com as autoridades, Papa
se solidariza com o povo filipino
| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
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Aos religiosos, diz: “Sejam
embaixadores de Cristo”
Comovente encontro com
os meninos de rua
Às famílias pede para
não deixarem de sonhar
Papa celebra Missa no local
da catástrofe do Tufão Yolanda
Tempestade mata voluntária
na Missa de Tacloban
Tempestade altera
programação do Papa
Aos Jovens, diz: “Não sejam
jovens de museu!”
Papa reúne mais de 6 milhões
na Missa de Manila
Os jovens fazem despedida
emocionante ao Papa
Coletiva do Papa no voo
de regresso a Roma
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
Editorial
MAIS DO QUE COMUNICADOR,
UM ‘PAPA-COMUNICAÇÃO’
“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”.
Ricardo Reis (Heterônimo de Fernando Pessoa)
m silêncio ou quando fala – ainda que num idioma diferente ao de seus
interlocutores –, por gestos espontâneos, acenos, sorrisos, abraços e afagos,
mais do que excelente comunicador, o Papa Francisco tem se revelado “todo-comunicação”. Apesar das mil preocupações que certamente traz na cabeça e
no coração, em cada encontro, pessoal ou com diferentes multidões, o Papa se
coloca por inteiro à disposição daqueles que o Senhor confia a seus cuidados.
Na viagem apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas, recebeu de bom grado todas
as homenagens próprias da cultura local, desde colares a mantos, cumprimentos e
homenagens. Agiu com total reverência diante dos líderes de outras denominações
religiosas, num dos primeiros compromissos de sua viagem, mostrando que o caminho do diálogo, da aceitação mútua e do respeito é aquele que leva o ser humano ao
verdadeiro crescimento. Fez ainda uma visita ao Templo Budista Baha Bohdy, em
Colombo, capital do Sri Lanka. Já nas Filipinas, ensinado pelo arcebispo de
Manilla, Dom Luis Antonio Tagle, num encontro com as famílias, saudou
a multidão com um gesto que faz lembrar uma saudação heavy metal, mas
que naquele país quer dizer “eu te amo”.
As crianças e jovens também tiveram um protagonismo especial
durante a visita do Santo Padre. No encontro com a juventude, realizado na manhã de domingo, dia 18, tocado pela emoção dos testemunhos e das peguntas que foram dirigidas a eles por três jovens, resolveu
deixar de lado o texto preparado e falou espontaneamente, a partir do coração. Finalmente, na missa de encerramento, reuniu uma multidão de mais de 6 milhões.
Mais uma vez Francisco se dá por inteiro, sem reservas, sem medo, tal qual Aquele
que, agindo no Espírito Santo, o escolheu para Vigário. Siga em Frente, Francisco!
Frei Gustavo Medella
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
frança
terra santa
Estrasburgo
novembro/2014
jerusalém
maio/2014
viagens do papa
visitas apostólicas
do papa francisco
brasil
rio de janeiro
julho/2013
itália
lampedusa
julho 2013
assis
outubro/2013
albânia turquia
istambul
novembro/2014
tirana
setembro/2014
A 7ª VIAGEM INTERNACIONAL DO PAPA FRANCISCO
A IGREJA CATÓLICA DA ÁSIA MAIS ATIVA
e 12 a 19 de janeiro, o Papa
Francisco fez a sétima viagem
internacional do seu Pontificado, sendo esta última a dois países
asiáticos: Sri Lanka e Filipinas.
As Filipinas têm uma população
de cerca de 100 milhões de habitantes,
que vivem num grande arquipélago de
7.107 ilhas com uma área territorial
total de cerca de 300 mil km². Apesar
do tamanho, as Filipinas têm uma população católica expressiva, sendo um
dos únicos países asiáticos com uma
maioria cristã, junto com o Timor-Leste. Com mais de 80 milhões de crentes,
a Igreja Católica Filipina é a mais ativa
na Ásia, promovendo iniciativas destinadas aos pobres e à defesa dos valores
cristãos e dos direitos humanos.
Outro aspecto interessante é, que
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embora seja asiático, a prática da fé
cristã é livre no país. A Constituição de
1986 das Filipinas sanciona a liberdade
religiosa na Seção 5, Artigo 3, e permite o exercício livre e o gozo de professar
a fé e o culto religioso sem discriminação ou privilégios.
Em 1995, as Filipinas chamaram a
atenção do mundo ao receberem a 10ª
Jornada Mundial da Juventude. Manila foi a cidade-sede. Mais de quatro
milhões de pessoas participaram do
evento presidido pelo então Papa João
Paulo II. O tema da maior JMJ da história foi: “Assim como o Pai me enviou,
também eu vos envio” (Jo 20,21).
Francisco é o terceiro Papa a visitar
o país (Paulo VI em 1970 e João Paulo
II em 1981 e 1995).
Uma das motivações do Santo Pa-
dre para esta viagem é a questão ecológica no país, atingido diversas vezes
por catástrofes naturais. A pior e mais
recente foi batizada de Tufão Haiyan.
O fenômeno atingiu o território filipino, no sudeste asiático, no início de
novembro de 2013, caracterizando-se
como um dos eventos naturais mais
catastróficos do ano. Sua intensidade encontrou um dos padrões mais
elevados, com ventos que atingiram
os 300 km/h, e matou, segundo estimativas, cerca de dez mil pessoas. O
país está integrado na região de tufões do Pacífico ocidental e é atingido
por uma média de 19 tufões por ano.
Grande parte das ilhas encontra-se
numa placa tectônica encravada entre
as placas Euroasiática e do Pacífico - a
Placa das Filipinas.
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
coreia do sul
seul
agosto/2014
sri lanka filipinas
colombo
janeiro/2015
manila
janeiro/2015
HISTÓRIA
Fernão de Magalhães, um navegador português a serviço do Rei de
Espanha, durante a primeira viagem
de circum-navegação, descobriu as
ilhas em 1521. Ele procurava uma
rota alternativa para comercializar
especiarias, e chamou a região de San
Lázaro. Ao chegar na Ilha de Cebu,
convenceu o chefe local Humabon e
outros 800 nativos a se converterem
ao catolicismo, posteriormente tentou
a mesma ação na Ilha Mactan, liderada por Lapu-Lapu, onde faleceu em
21 de abril.
No arquipélago, seus nativos possuíam uma religiosidade na qual seus
deuses eram associados à natureza. O
catolicismo empregado sofria concessões, ou seja, ajustes de acordo com a
cultura local, facilitando assim o domínio e aceitação desta religião naquele
local. Um exemplo é o fato de muitos
nativos considerarem a sexta-feira um
mau-presságio e os pescadores faziam
oferendas aos deuses com multilações;
sob o catolicismo as oferendas passaram a serem feitas na Sexta-feira Santa.
Em 1543, uma expedição de colonização, liderada por Ruy López
de Villalobos, renomeou duas ilhas
(Leyete e Samar) para Filipinas, em
homenagem ao rei Filipe II. Este nome
passou a ser usado para o arquipélago
todo. Os espanhóis estabeleceram sua
capital em Manila a partir de 1571,
garantindo seu domínio por mais de
trezentos anos.
As Filipinas foram um importante entreposto comercial espanhol na
Ásia, especialmente pelo comércio de
tecidos e especiarias. No século XVII,
os espanhóis construíram várias escolas, uma delas foi a Universidade de
Santo Tomás (1611).
As Filipinas são um dos dois países da Ásia de predominância cristã,
sendo o outro Timor-Leste (ambos
de maioria católica): mais de 90% da
população é cristã. Cerca de 80% são
fiéis da Igreja Católica Romana, enquanto os 10% restantes aderem a
outras denominações cristãs, como a
Igreja Filipina Independente, A Igreja
de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias, Igreja Adventista do Sétimo Dia,
Membros da Igreja de Deus International, Igreja Unida de Cristo e da
Igreja Ortodoxa. A divisão eclesiástica
do país compreende várias dioceses e
arquidioceses. É um dos dois países do
mundos que proíbe o divórcio, o outro
é a República de Malta
Entre 5% a 10% da população são
muçulmanos, a maioria dos quais vive
em Mindanao, Palawan e do arquipélago de Sulu, uma área conhecida
como Bangsamoro ou da região Moro.
Alguns migraram para zonas urbanas
e rurais em diferentes partes do país.
A maioria dos muçulmanos filipinos
pratica uma forma de islamismo sunita, enquanto outros grupos tribais,
como o Bajau, praticam uma forma
mista com animismo.
SRI LANKA, PAÍS MARCADO
POR GUERRA CIVIL DE 25 ANOS
O Santo Padre visitou um país que ainda sofre
as consequências da guerra civil de 1983-2009
entre a maioria cingalesa e a minoria tâmil, e
que deixou mais de 100 mil mortos. Hoje está
em andamento um processo de reconciliação
nacional.
O Sri Lanka, país insular do Sul da Ásia, constituído pela ilha de Ceilão e por pequenas ilhas adjacentes, situa-se no Oceano Índico e ocupa uma
área de cerca 65 mil km2.
A economia baseia-se no chá, têxteis e turismo.
A agricultura contribui com cerca de 1/4 do PIB;
contudo, o país não produz o suficiente para as
suas necessidades. São produzidos cereais, algodão, borracha e chá.
A população é de cerca 20 milhões de habitantes. A civilização do Sri Lanka remonta ao século
VI a. C. Os povos mais antigos da ilha são os tâmeis e os cingaleses. Os cingaleses constituem
83% dos habitantes do país, os tâmeis representam 9% e os mouros do Sri Lanka 8%. As principais religiões são o budismo (69%), o hinduísmo
(16%), o islamismo (8%) e o cristianismo (8%). O
tâmul (ou tâmil) e o cingalês são as línguas nacionais – embora o cingalês seja a oficial e o inglês uma língua também bastante falada.
A visita do Papa Francisco ao Sri Lanka será a
terceira visita de um Pontífice à ilha, depois da
primeira de Paulo VI em 1970, quando o país ainda se chamava Ceilão. E a segunda realizada por
João Paulo II em 1995 quando beatificou José
Vaz. O tema da viagem é tirado do Evangelho de
João, “Habitar no amor”.
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
PEDIDO PELA PAZ NA CHEGADA AO SRI LANKA
Papa Francisco chegou ao Sri
Lanka no dia 13 de janeiro,
desembarcando no aeroporto
internacional Bandaranaike da capital
Colombo, para fazer uma visita de pouco mais de dois dias, a primeira, em 20
anos, de um Pontífice ao antigo Ceilão.
Durante o voo, quando deixou Roma
no dia 12, o Papa deslocou-se por entre os jornalistas, saudando-os pessoalmente e detendo-se um pouco com
cada um deles. Não houve discurso.
Em Colombo, ao descer as escadas do avião, o Papa recebeu de duas
crianças 72 folhas de “beetle”, uma espécie de folha que se mastiga com o
tabaco (uma tradição de boas-vindas)
e o tradicional “garland”, um colar de
flores com as cores branca e amarela.
Em seguida, recebeu as boas-vindas do
novo presidente do país, Maithripala
Sirisena, acompanhado de sua mulher,
Jayanthi Pushpakumari, e vários membros do governo.
Nas palavras que lhe dirigiu, o Papa
sublinhou que o Sri Lanka é conhecido
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como a ‘Pérola do Oceano Índico’ pela
sua beleza natural, mas sobretudo pelo
seu povo e a sua rica variedade de tradições e culturas religiosas.
Depois, o Papa ilustrou as razões
da sua visita que é sobretudo pastoral:
“Na qualidade de pastor universal da
Igreja Católica, vim para encontrar e
encorajar os católicos desta ilha, e para
rezar com eles. Um ponto central desta
visita será a canonização do beato José
Vaz, cujo exemplo de caridade cristã e
de respeito para cada pessoa, sem distinção de etnia ou de religião, continua
ainda hoje a inspirar-nos e a servir-nos
de mestre. Mas a minha visita quer
também exprimir o amor e a preocupação da Igreja para com todos os
sri-lanqueses, e confirmar o desejo da
comunidade católica de ser ativamente
partícipe da vida desta sociedade”.
Frisando depois que muitas comunidades hoje no mundo estão em
guerra entre si, o Papa recordou que
também o Sri-Lanka passou muitos
anos pelos horrores da guerra civil e
agora procura consolidar a paz e curar
as feridas do passado.
“Não é uma tarefa fácil a de ultrapassar a amarga herança de injustiças
e hostilidades deixadas pelo conflito.
Só pode ser realizada ultrapassando o
mal com o bem e cultivando as virtudes que promovem a reconciliação, a
solidariedade e a paz.”
Programação
Na chegada, Francisco se dirigiu
diretamente para a sede da Nunciatura Apostólica cancelando o encontro
previsto na Arquidiocese de Colombo com os 20 bispos do Sri Lanka. Os
bispos já tinham se encontrado com o
Papa no último mês de maio durante a
visita “ad Limina” ao Vaticano.
A sala de imprensa, montada no
interior do Galle Face Hotel, recebeu 650 jornalistas credenciados:
400 do Sri Lanka e 250 de outras
partes do mundo. Outros 85 jornalistas acompanharam o Santo Padre
no voo papal.
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
íntegra do discurso da chegada
Senhor Presidente,
Ilustres Autoridades do Governo,
Eminência, Excelências,
Queridos amigos!
Obrigado pela vossa recepção calorosa.
Há muito que eu esperava por esta visita
ao Sri Lanka e os dias que passaremos juntos. O Sri Lanka é conhecido como a Pérola do Oceano Índico pelas suas belezas naturais. Mas, e muito mais importante, esta
ilha é conhecida pelo calor do seu povo e
a rica diversidade das suas tradições culturais e religiosas.
Senhor Presidente, apresento-lhe meus
venturosos votos para as suas novas responsabilidades. Saúdo os ilustres membros do governo e as autoridades civis
que nos honram com a sua presença. De
modo especial agradeço a presença dos
proeminentes líderes religiosos, que têm
um papel tão importante na vida deste
país. E, evidentemente, desejo manifestar
o meu apreço aos fiéis, aos membros do
coro, bem como às inúmeras pessoas que
trabalharam para tornar possível esta visita. Agradeço a todos, do fundo do coração, pela vossa gentileza e hospitalidade.
A minha visita ao Sri Lanka é primariamente pastoral. Como pastor universal da
Igreja Católica, vim para encontrar e encorajar os católicos desta ilha, bem como
para rezar com eles. Um ponto central
desta visita será a canonização do Beato
José Vaz, cujo exemplo de caridade cristã
e de respeito por todos, sem distinção de
etnia ou religião, continua a servir-nos de
inspiração e lição ainda hoje. Mas a minha
visita quer também expressar o amor e a
solicitude da Igreja por todos os srilanqueses e confirmar o desejo da comunidade
católica de participar ativamente na vida
desta sociedade.
É uma tragédia contínua no nosso mundo que muitas comunidades estejam em
guerra entre si. A incapacidade de conciliar
as diferenças e divergências, sejam elas antigas ou recentes, fez surgir tensões étnicas
e religiosas, muitas vezes acompanhadas
por surtos de violência. Durante muitos
anos, o Sri Lanka conheceu os horrores do
conflito civil e agora tem procurado consolidar a paz e curar as feridas daqueles anos.
Não é tarefa fácil superar a amarga herança
de injustiças, hostilidades e desconfiança
deixada pelo conflito. Só se pode conseguir, superando o mal com o bem (cf. Rm
12, 21) e cultivando aquelas virtudes que
promovem a reconciliação, a solidariedade
e a paz. Além disso, o processo de cura exige que se inclua a busca da verdade, não
com o objetivo de abrir velhas feridas, mas
como meio necessário para promover a
justiça, a cura e a unidade.
Queridos amigos, estou convencido de
que os seguidores das várias tradições religiosas têm um papel essencial a desempenhar no delicado processo de reconciliação e reconstrução em curso neste país.
Para que tal processo tenha lugar, é preciso que todos os membros da sociedade
trabalhem juntos; todos devem ter voz;
devem ser livres de expressar as suas preocupações, as suas necessidades, as suas
aspirações e os seus temores. Mais importante, porém, é estarem prontos a aceitar-se uns aos outros, respeitar as legítimas
diversidades e aprender a viver como
uma única família. Quando as pessoas se
ouvem humilde e francamente umas às
outras, pouco a pouco vão aparecendo
mais visivelmente os valores e aspirações
comuns. A diversidade será vista, não já
como uma ameaça, mas como uma fonte
de enriquecimento. Divisa-se mais claramente a estrada para a justiça, a reconciliação e a harmonia social.
Neste sentido, a grande obra de reconstrução deve incluir a melhoria das infraestruturas e prover às necessidades materiais,
mas também, e mais importante ainda,
promover a dignidade humana, o respeito
pelos direitos humanos e a plena inclusão
de todos os membros da sociedade. Formulo votos de que os líderes políticos, religiosos e culturais do Sri Lanka, medindo as
suas palavras e ação sobre a base do bem
e da cura que daí resultará, prestem uma
contribuição duradoura para o progresso
material e espiritual do povo do Sri Lanka.
Senhor Presidente, queridos amigos! Mais
uma vez vos agradeço pela vossa recepção. Possam estes dias que passaremos
juntos ser dias de amizade, diálogo e solidariedade. Invoco a abundância das bênçãos de Deus sobre o Sri Lanka, a Pérola do
Oceano Índico, e rezo para que a sua beleza brilhe em todo o seu esplendor para
bem da prosperidade e da paz de todos
os seus habitantes.
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
Encontro inter-religioso
RELIGIÃO NÃO COMBINA COM VIOLÊNCIA
a viagem ao Sri Lanka, o
Papa Francisco participou
no dia 13 (terça-feira), de
um encontro inter-religioso, que
contou com a presença de representantes de comunidades budistas,
hinduístas, muçulmanas e algumas
confissões cristãs. O Santo Padre
reiterou o respeito da Igreja católica por outras religiões, bem como o
seu desejo de confirmar os esforços
comuns em prol da harmonia e da
paz.
O Santo Padre lembrou que essas grandes tradições religiosas no
Sri Lanka partilham com a Igreja
Católica os desejos de sabedoria,
verdade e santidade. Já no Concílio
Vaticano II, mencionou o Pontífice,
a Igreja declarou seu respeito por
outras religiões. “De minha parte,
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desejo reafirmar o sincero respeito
da Igreja por vós, vossas tradições
e crenças”.
A Igreja quer cooperar com as
outras religiões na busca por prosperidade para todos os srilanqueses, disse o Papa. Ele acredita que
o diálogo é essencial para que as
partes se conheçam e se respeitem,
mas para que tal diálogo seja eficaz,
as convicções são importantes.
“É certo que esse diálogo fará
ressaltar como são diferentes as
nossas crenças, tradições e práticas;
mas, se formos honestos ao apresentar as nossas convicções, seremos capazes de ver mais claramente aquilo que temos em comum e
abrir-se-ão novos caminhos para a
mútua estima e cooperação e, seguramente, para a amizade”.
Lembrando o passado trágico
do Sri Lanka, que sofreu por anos
com conflitos civis, Francisco destacou que agora são necessários a
cura e a unidade, não mais conflitos
nem divisões. “Espero que a cooperação inter-religiosa e ecumênica
prove que os homens e as mulheres não têm de esquecer a própria
identidade, tanto étnica como religiosa, para viverem em harmonia
com os seus irmãos e irmãs”.
Francisco também destacou que
a reconciliação de todos os srilanqueses deve ser colocada no centro
dos esforços para renovar a sociedade e não se deve permitir o uso
da religião para atos de violência.
“A bem da paz, não se deve permitir
que se abuse das crenças para a causa da violência ou da guerra”.
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
íntegra do discurso
Queridos amigos!
Agradeço a oportunidade de tomar parte neste encontro, que congrega, entre
outras, as quatro maiores comunidades
religiosas que são parte integrante da vida
do Sri Lanka: budismo, hinduísmo, islamismo e cristianismo. Agradeço-vos a vossa
presença e a calorosa recepção. Agradeço
também a quantos ofereceram orações e
bênçãos e, em particular, exprimo a minha
gratidão a D. Cletus Chandrasiri Perera e
ao Venerável Vigithasiri Niyangoda Thero
pelas suas amáveis palavras.
Vim ao Sri Lanka seguindo os passos dos
meus antecessores, os Papas Paulo VI e
João Paulo II, para demonstrar o grande
amor e a solicitude da Igreja Católica por
esta nação. É uma graça especial para
mim poder visitar a comunidade católica
daqui, confirmá-la na fé em Cristo, rezar
com ela e partilhar as suas alegrias e sofrimentos. De igual modo é uma graça também poder estar com todos vós, homens
e mulheres destas grandes tradições religiosas, que partilhais conosco um desejo
de sabedoria, verdade e santidade.
No Concílio Vaticano II, a Igreja Católica
declarou o seu profundo e duradouro respeito pelas outras religiões. Afirma ela que
«nada rejeita do que nessas religiões existe
de verdadeiro e santo. Olha com sincero
respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas» (Nostra Aetate,
2). Pela minha parte, desejo reafirmar o
sincero respeito da Igreja por vós, vossas
tradições e crenças.
É neste espírito de respeito que a Igreja
Católica deseja cooperar convosco e com
todas as pessoas de boa vontade na busca da prosperidade para todos os srilanqueses. Espero que a minha visita ajude
a encorajar e aprofundar as várias formas
de cooperação inter-religiosa e ecumênica que têm sido empreendidas nos anos
recentes.
Estas louváveis iniciativas proporcionaram
oportunidades de diálogo, que é essencial
se nos quisermos conhecer, compreender
e respeitar uns aos outros. Mas, como ensina a experiência, para que tal diálogo e
encontro sejam eficazes, devem fundar-se numa apresentação completa e franca
das nossas respectivas convicções. É certo
que esse diálogo fará ressaltar como são
diferentes as nossas crenças, tradições e
práticas; mas, se formos honestos ao apresentar as nossas convicções, seremos capazes de ver mais claramente aquilo que
temos em comum e abrir-se-ão novos
caminhos para a mútua estima e cooperação e, seguramente, para a amizade.
Tais progressos nas relações inter-religiosas e ecumênicas assumem um significado particular e urgente no Sri Lanka. Durante muitos anos, os homens e mulheres
deste país foram vítimas de guerra civil e
de violência. O que é necessário agora são
a cura e a unidade, não mais conflitos nem
divisões. Por certo, a promoção da cura e
da unidade é um nobre compromisso que
cabe aos que zelam pelo bem da nação
e, na verdade, da família humana inteira.
Espero que a cooperação inter-religiosa
e ecumênica prove que os homens e as
mulheres não têm de esquecer a própria
identidade, tanto étnica como religiosa,
para viverem em harmonia com os seus
irmãos e irmãs.
Há tantas maneiras de os seguidores das
diferentes religiões levarem a cabo tal serviço. Inúmeras são as necessidades que
precisam ser supridas com o bálsamo sanador da solidariedade fraterna. Penso de
modo particular nas necessidades materiais e espirituais dos pobres, dos indigentes, de quantos esperam ansiosamente
por uma palavra de consolação e de esperança. Penso aqui também em tantas
famílias que continuam a chorar a perda
dos seus entes queridos.
Sobretudo neste momento da história da vossa nação há tantas pessoas de
boa vontade que procuram reconstruir
os fundamentos morais do conjunto da
sociedade. Que o crescente espírito de
cooperação entre os líderes das diferentes comunidades religiosas encontre expressão num compromisso que ponha a
reconciliação de todos os srilanqueses no
centro de qualquer esforço para renovar
a sociedade e as suas instituições. A bem
da paz, não se deve permitir que se abuse
das crenças para a causa da violência ou
da guerra. Devemos ser claros e inequívocos ao desafiar as nossas comunidades a
viverem plenamente os princípios da paz
e da coexistência, que se encontram em
cada religião, e denunciar atos de violência sempre que são cometidos.
Queridos amigos, de novo vos agradeço
pela generosa recepção e pela vossa atenção. Que este encontro fraterno nos confirme a todos nos esforços por viver em
harmonia e espalhar as bênçãos da paz.
PAPA FRANCISCO
Encontro inter-religiosono
Bandaranaike Memorial
Intrenational Conference Hall
Terça-feira, 13 de janeiro de 2015
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
Canonização do Beato José Vaz
O PRIMEIRO SANTO DO SRI LANKA
omo era de se esperar, uma
multidão estimada em 500 mil
pessoas participou da missa de
canonização do beato José Vaz na
quarta-feira, 14, o primeiro santo
do Sri Lanka. Na homilia, Francisco destacou a figura de São José Vaz
como grande missionário do Evangelho.
O Pontífice enfatizou três razões
de São José Vaz como exemplo para
os fiéis: a primeira, o seu sacerdócio
exemplar, ensinando a sair rumo às
periferias e tornar Jesus conhecido e
amado em todo lugar.
O novo santo também mostrou a
importância de transcender às divisões religiosas no serviço da paz. O
Santo Padre lembrou que São José
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Vaz gastou seu ministério em favor
dos necessitados e assim é um exemplo para a Igreja no Sri Lanka, que
serve todos sem distinção de raça,
credo, tribo, condição social ou religião.
“A liberdade religiosa é um direito humano fundamental. (…) Como
nos ensina a vida de José Vaz, a autêntica adoração de Deus leva, não à
discriminação, ao ódio e à violência,
mas ao respeito pela sacralidade da
vida, ao respeito pela dignidade e a
liberdade dos outros e a um solícito
compromisso em prol do bem-estar
de todos”.
O último aspecto citado pelo
Papa foi o exemplo de zelo missionário dado por São José Vaz, que dei-
xou para trás sua casa e família para
responder ao chamado a ir mais longe e falar de Cristo.
“São José sabia como oferecer
a verdade e a beleza do Evangelho
num contexto plurirreligioso, com
respeito, dedicação, perseverança e
humildade. Este é, também hoje, o
caminho para os seguidores de Jesus”.
O Papa concluiu a homilia rezando para que, a exemplo de São José
Vaz, os cristãos do Sri Lanka possam
ser confirmados na fé e contribuir
ainda mais para a paz, justiça e reconciliação na sociedade do país.
“Isto é o que Cristo espera de vós.
Isto é o que São José vos ensina. Isto
é o que a Igreja precisa de vós”.
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
ÍNTEGRA DA HOMILIA
“Todos os confins da terra verão a salvação
do nosso Deus” (Is 52, 10).
Esta é a magnífica profecia que ouvimos na
primeira leitura de hoje. Isaías prediz o anúncio
do Evangelho de Jesus Cristo até aos confins da
terra. Esta profecia tem um significado especial
para nós, que celebramos a canonização do
grande missionário do Evangelho, São José Vaz.
Ele, como tantos outros missionários na história
da Igreja, respondeu à ordem dada pelo Senhor
ressuscitado para fazer discípulos de todas as
nações (cf. Mt 28, 19). Com as suas palavras e, o
mais importante, com o exemplo da sua vida,
conduziu o povo desta nação à fé que nos concede «parte na herança com todos os santificados» (Act 20, 32).
Em São José, vemos um sinal eloquente da
bondade e do amor de Deus pelo povo do Sri
Lanka. Mas, nele, vemos também um estímulo
para perseverar no caminho do Evangelho a
fim de crescermos nós próprios em santidade
e testemunharmos a mensagem evangélica de
reconciliação à qual dedicou a sua vida.
Padre do Oratório, José Vaz deixa Goa, sua terra
natal, e chega a este país movido apenas pelo
zelo missionário e por um grande amor a estes povos. Por causa da perseguição religiosa,
vestia-se como um mendigo, cumpria os seus
deveres sacerdotais encontrando secretamente os fiéis, muitas vezes durante a noite. Os
seus esforços deram energia espiritual e moral
à população católica assediada. Sentia uma
ânsia particular de servir os doentes e atribulados. O seu ministério em favor dos enfermos,
durante uma epidemia de varíola em Kandy,
foi tão apreciado pelo rei, que lhe foi concedida
maior liberdade de ministério. A partir de Kandy,
pôde alcançar outras partes da ilha. Deixou-se
consumir pelo trabalho missionário e morreu,
exausto, aos cinquenta e nove anos de idade,
venerado pela sua santidade.
São José Vaz continua a ser um exemplo e um
mestre por muitas razões, mas gostaria de focalizar três.
Antes de mais nada, foi um sacerdote exemplar.
Hoje temos aqui conosco muitos sacerdotes,
religiosos e religiosas, que, como ele, estão consagrados ao serviço do Evangelho de Deus e do
próximo. Encorajo cada um de vós a olhar para
12
São José como para um guia seguro. Ensina-nos
a sair para as periferias, a fim de tornar Jesus Cristo conhecido e amado por toda a parte. Ele é
também um exemplo de sofrimento paciente
por causa do Evangelho, de obediência aos superiores, de solícito cuidado pela Igreja de Deus
(cf. At 20, 28). Como nós, São José viveu num período de transformações rápidas e profundas; os
católicos eram uma minoria e, com frequência,
dividida no seu seio; havia hostilidade ocasional,
e até mesmo perseguição, dos de fora. Apesar
disso, ele, permanecendo constantemente
unido ao Senhor crucificado na oração, foi capaz de se tornar para todos um ícone vivo do
amor misericordioso e reconciliador de Deus.
Em segundo lugar, São José mostrou-nos a importância de transcender as divisões religiosas
no serviço da paz. O seu amor indiviso a Deus
abriu-o ao amor do próximo; gastou o seu ministério em favor dos necessitados, sem olhar
quem fosse e onde estivesse. O seu exemplo
continua a inspirar hoje a Igreja no Sri Lanka, a
qual, de bom grado e generosamente, serve
todos os membros da sociedade. Não faz distinção de raça, credo, tribo, condição social ou
religião, no serviço que proporciona através das
suas escolas, hospitais, clínicas e muitas outras
obras de caridade. Nada mais pede do que liberdade para exercer a sua missão.
A liberdade religiosa é um direito
humano fundamental. Cada indivíduo deve ser livre de procurar,
sozinho ou associado com outros, a
verdade, livre de expressar abertamente
as suas convicções religiosas, livre de intimidações e constrições externas. Como nos
ensina a vida de José Vaz, a autêntica adoração de Deus leva, não à discriminação, ao ódio
e à violência, mas ao respeito pela sacralidade
da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em
prol do bem-estar de todos.
Finalmente, São José oferece-nos um exemplo
de zelo missionário. Embora tenha partido para
o Ceilão a fim de assistir e apoiar a comunidade
católica, na sua caridade evangélica ele veio para
todos. Deixando para trás a sua casa, a sua família,
o conforto dos lugares que lhe eram familiares,
respondeu à chamada para ir mais longe, para
falar de Cristo onde quer que se encontrasse. São
José sabia como oferecer a verdade e a beleza
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do Evangelho num contexto plurirreligioso, com
respeito, dedicação, perseverança e humildade.
Este é, também hoje, o caminho para os seguidores de Jesus. Somos chamados a ir mais longe
com o mesmo zelo, com a mesma coragem de
São José, mas também com a sua sensibilidade,
com o seu respeito pelos outros, com a sua ânsia
de partilhar com eles a palavra da graça (cf. At 20,
32) que tem o poder de os edificar. Somos chamados a ser discípulos missionários.
Amados irmãos e irmãs, rezo para que, seguindo o exemplo de São José Vaz, os cristãos
desta nação possam ser confirmados na fé e
dar uma contribuição ainda maior para a paz,
a justiça e a reconciliação na sociedade srilanquesa. Isto é o que Cristo espera de vós. Isto é
o que São José vos ensina. Isto é o que a Igreja
precisa de vós. Confio-vos todos à intercessão
do nosso novo Santo, para que, em união com
toda a Igreja espalhada pelo mundo inteiro,
possais cantar um cântico novo ao Senhor
e proclamar a sua glória até aos confins do
mundo. Porque o Senhor é grande e digno
de todo o louvor (cf. Sal 96/95, 4). Amém.
PAPA FRANCISCO
Santa Missa e Canonização do
beato José Vaz - Colombo – Sri Lanka
Quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
No Santuário de Madhu
PAPA LEVA MENSAGEM DE PERDÃO
A LOCAL MARCADO PELA GUERRA
Papa Francisco esteve na
quarta-feira, 14, em Madhu, Diocese de Mannar,
para visitar e rezar no Santuário
dedicado a Nossa Senhora do Rosário. Duas crianças entregaram-lhe uma guirlanda de flores em
sinal de boas-vindas, tradição do
país. A imagem de Nossa Senhora
foi colocada no pórtico do Santuário para a bênção do Papa. No local,
marcado por intensos conflitos de
guerra e perseguição aos católicos
em anos passados, o Santo Padre
levou uma mensagem de conforto
aos cidadãos do Sri Lanka, tâmeis
e cingaleses. O Santuário de Nossa Senhora do Rosário em Madhu
fica ao Norte do Sri Lanka e é a primeira vez que um Papa visita essa
região do país.
Na chegada ao local, o Papa
foi acolhido pelo bispo de Mannar, Dom Joseph Rayappu, e por
algumas autoridades locais. No
Santuário foi feita uma oração a
Maria pela consolidação da paz
no país, alcançada em 2009 ao
término de um conflito de trinta
anos. Estavam presentes no momento de oração familiares de
tâmeis e cingaleses, particular-
mente atingidos pela hostilidade.
Na mensagem, Francisco destacou, sobretudo, o auxílio de Maria
Santíssima ao povo. “Nossa Senhora manteve-se sempre convosco.
Ela é mãe de cada casa, de cada
família ferida, de todos aqueles
que estão procurando voltar a uma
existência pacífica. Hoje, agradecemos-Lhe por ter protegido de tantos perigos, passados e presentes,
o povo do Sri Lanka. Maria nunca
esquece os seus filhos desta ilha esplêndida”. Em 2001, a imagem de
Nossa Senhora foi levada em peregrinação, ao longo de todo o ano,
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
por todos os cantos do Sri Lanka. E depois de sangrentas
batalhas, iniciaram em 2004 as negociações de paz que se
concluíram em 2009, com a fim definitivo da guerra. Por
isso, os srilanqueses veem em Nossa Senhora de Madhu
um símbolo de paz.
O Papa não deixou de lembrar os sofrimentos provocados pela guerra. Destacou a necessidade de pedir perdão pelos pecados e o mal que o Sri Lanka conheceu. No
entanto, afirmou não ser fácil tal tarefa, e refletiu que tais
sofrimentos só são compressíveis à luz da cruz de Cristo.
Depois do seu discurso, o Papa abençoou o povo e a
estátua de Nossa Senhora de Madhu e, em seguida, tomou de novo o helicóptero para Colombo, tendo jantado
na Nunciatura, onde pernoitou. E assim terminou este
segundo dia da visita pastoral do Papa na Pérola do Oceano Índico, o Sri-Lanka.
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Oração Mariana no Santuário
Amados irmãos e irmãs!
Encontramo-nos na casa da nossa Mãe.
Ela nos acolhe aqui na sua casa. Neste
santuário de Nossa Senhora de Madhu,
cada peregrino pode sentir-se em casa,
porque aqui Maria nos introduz na presença do seu Filho Jesus. Aqui todos os
cidadãos do Sri Lanka, tamis e cingaleses, vêm como membros de uma única
família. A Maria, confiam as suas alegrias
e os seus sofrimentos, as suas esperanças e as suas necessidades. Aqui, na sua
casa, sentem-se seguros. Sabem que
Deus está presente; sentem o seu amor;
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
de Madhu
conhecem a sua terna misericórdia.
Hoje estão aqui famílias que sofreram
muito no longo conflito que dilacerou
o coração do Sri Lanka. Muitas pessoas
– tanto do Norte como do Sul – foram
mortas na guerra terrível e sangrenta
destes anos. Nenhum srilanquês consegue esquecer os trágicos acontecimentos relacionados com este mesmo lugar,
nem o dia triste em que a venerável imagem de Maria, remontando à chegada
dos primeiros cristãos ao Sri Lanka, foi
levada do seu santuário.
Mas Nossa Senhora manteve-se sempre
convosco. Ela é mãe de cada casa, de
cada família ferida, de todos aqueles que
estão procurando voltar a uma existência pacífica. Hoje agradecemos-Lhe por
ter protegido de tantos perigos, passado
e presente, o povo do Sri Lanka. Maria
nunca esquece os seus filhos desta ilha
esplêndida. Assim como Ela nunca saiu
de junto do seu Filho na cruz, assim também nunca saiu de junto dos seus filhos
srilanqueses que sofriam.
Hoje, queremos agradecer a Nossa Senhora por esta presença. Depois de
tanto ódio, tanta violência e tanta destruição, queremos agradecer-Lhe por
continuar a trazer-nos Jesus, o único que
tem o poder de curar as feridas abertas
e restituir a paz aos corações destroçados. Mas queremos também pedir-Lhe
que nos alcance a graça da misericórdia
de Deus. Pedimos ainda a graça de nos
emendarmos dos nossos pecados e de
todo o mal que esta terra conheceu.
Não é fácil fazê-lo. Na verdade, só quando chegarmos a compreender, à luz da
Cruz, o mal de que somos capazes e
do qual porventura fomos cúmplices,
é que podemos experimentar um autêntico remorso e um verdadeiro arrependimento. Só então podemos receber a graça de nos aproximarmos uns
dos outros com verdadeira contrição,
oferecendo e procurando um verdadeiro perdão. Neste árduo esforço de
perdoar e encontrar a paz, Maria sempre está aqui a encorajar-nos, a guiar-nos, a levar-nos a dar mais um passo.
Precisamente como Ela perdoou aos
assassinos do seu Filho junto da Cruz,
quando segurava nas mãos o corpo
d’Ele sem vida, assim agora Ela quer
guiar os srilanqueses para uma maior
reconciliação, de tal modo que o bálsamo do perdão de Deus possa produzir
verdadeira cura para todos.
Por fim, queremos pedir a Maria, nossa Mãe, que acompanhe com as suas
orações os esforços dos cidadãos do Sri
Lanka de ambas as comunidades, tamil
e cingalesa, por reconstruir a unidade
perdida. Pedimos que, assim como a
imagem d’Ela voltou ao seu santuário
de Madhu depois da guerra, assim também todos os seus filhos e filhas do Sri
Lanka possam voltar à casa de Deus
num renovado espírito de reconciliação
e fraternidade.
Amados irmãos e irmãs, sinto-me feliz
por estar convosco na casa de Maria.
Rezemos uns pelos outros. Acima de
tudo, peçamos que este santuário possa ser sempre uma casa de oração e um
refúgio de paz. Por intercessão de Nossa
Senhora de Madhu, que todos possam
encontrar aqui inspiração e força para
construir um futuro de reconciliação,
justiça e paz para os filhos desta amada
terra. Amém.
PAPA FRANCISCO
Quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
VISITA A TEMPLO BUDISTA
Papa Francisco visitou na
quarta-feira (14) um templo budista no Sri Lanka,
o que não estava previsto em seu
programa, segundo informou seu
porta-voz Federico Lombardi. No
templo Baha Bohdy de Colombo,
o Papa foi recebido pelo presidente desta organização budista
internacional, Banagale Upathissa. O porta-voz do Papa disse a
jornalistas que Francisco desejava
“expressar a sua amizade” com o
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budismo neste encontro que durou cerca de 20 minutos.
Durante esta reunião, o monge
budista, que estava acompanhado
por sete jovens monges, abriu uma
estupa, um monumento funerário
com relíquias de dois monges falecidos. O monge decidiu abrir a estupa por ocasião da visita do Papa,
que tirou os sapatos no templo, no
qual havia uma grande estátua de
Buda. Normalmente, este monumento é aberto apenas uma vez ao
ano. O Sri Lanka tem 20 milhões
de habitantes. A população é predominantemente budista, enquanto os católicos representam 8%.
No final do dia, ainda na Nunciatura, o Papa recebeu os 20 bispos do Sri-Lanka, mantendo com
eles um breve colóquio e um momento de oração. O encontro com
os bispos estava previsto para o
primeiro dia da visita, mas foi
adiado devido a atrasos no programa.
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
PAPA SE DESPEDE DO SRI LANKA
Papa Francisco terminou na
manhã do dia 15 sua visita
ao Sri-Lanka, primeira etapa
desta sua segunda viagem apostólica
à Ásia. As últimas horas da visita ao
Sri-Lanka foram marcadas pela Missa em privado às 6h30 (hora local),
seguida da despedida da Nunciatura
Apostólica de Colombo e a transferência ao Santuário de “Nossa Senhora do Lanka”, em Bolawana, 35km a
Oeste de Colombo. Ali, o Papa deteve-se em oração na Capela dedicada
precisamente a “Nossa Senhora do
Lanka”. A capela encontra-se integrada no complexo do Instituto Cultural
Bento XVI, onde o Papa Francisco
foi acolhido pelo Reitor do mesmo,
Pe Mahamalage Quintus Fernando,
que o acompanhou à capela, onde
já se encontravam 10 padres jesuítas
da Comunidade próxima do Centro,
e um coro de alguns pescadores da
região. No exterior estavam cerca de
250 operários que colaboraram na
construção do Centro.
O Santuário de “Nossa Senhora
do Lanka” foi fundado em 1911. Inicialmente era dedicado a Nossa Senhora de Lourdes, razão pela qual foi
integrado com uma gruta em 1917,
atraindo um número cada vez maior
de peregrinos. Isso tornou necessário a sua ampliação.
Com o início da Segunda Guerra
Mundial, o arcebispo de Colombo,
Cardeal Jean Marie Masson, fez votos
a Nossa Senhora de que teria man-
dado construir um Santuário com o
nome de “Nossa Senhora do Lanka”
se o país fosse poupado dos horrores
da guerra. Assim aconteceu. A construção terminou em 1947 e a consagração da nova estrutura foi feita a 6
de fevereiro desse mesmo ano com o
título de Basílica Menor, concedido
pelo Papa Paulo VI.
A construção do complexo do
“Instituto Cultural Bento XVI” começou, pelo contrário, em 2011,
sob a orientação do arcebispo de
Colombo, Cardeal Malcolm Ranjith, com o objetivo de colaborar com
as autoridades e as outras agências
do país na reconstrução da nação
srilanquesa após a terrível guerra
de 30 anos. O Instituto é composto
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
por um Departamento de Diálogo
Inter-religioso e Cooperação, um
Departamento Linguístico para o
ensino de línguas estrangeiras, e um
Departamento de Estudos Superiores (Ciências humanas, teologia e
filosofia, economia e comércio, informática etc).
Do Santuário de “Nossa Senhora
do Lanka”, o Papa dirigiu-se ao Aeroporto de Colombo, onde se despediu
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do país na presença do Presidente
da República e outras autoridades
civis e religiosas e um grupo de fiéis. Durante o voo para Manila, o
Papa enviou telegramas de saudação
e orações aos países sobrevoados, o
próprio Sri-Lanka, Índia, Myanmar,
Tailândia, Camboja e Vietnã.
É importante destacar ainda que,
por ocasião desta visita do Papa ao
Sri-Lanka, as autoridades srilan-
quesas libertaram 612 detidos, 575
homens e 37 mulheres. A notícia
foi dada pelo Administrador penitenciário, Thushara Upuldeniya, citado pelo jornal “Daily Mirror” de
Colombo. Os beneficiários da graça
presidencial, anciãos com mais de 75
anos de idade e detidos por crimes
menores. A libertação foi celebrada
com uma cerimônia na “Welikada
Prison”.
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SIM;
MAS SEM INSULTOS
Papa Francisco condenou
na quinta-feira (15) os assassinatos realizados em
nome de Deus, mas insistiu que
a liberdade de expressão não dá
o direito de “insultar” o próximo,
referindo-se aos ataques realizados
na França, especialmente o contra o
jornal “Charlie Hebdo”, no qual 12
pessoas foram mortas. Os comentários do Papa foram feitos a bordo do
avião que o levava do Sri Lanka às
Filipinas.
O ataque contra o “Charlie Hebdo” foi motivado pela publicação
de charges do profeta Maomé, considerado sagrado pelos muçulmanos. A representação gráfica do
profeta é proibida, e os muçulmanos consideraram ofensivos e uma
provocação os desenhos de Maomé.
O Pontífice disse que tanto a liberdade de expressão como a liberdade religiosa “são direitos humanos
fundamentais”. “Temos a obrigação
de falar abertamente, de ter esta liberdade, mas sem ofender”, continuou.
Sobre a liberdade religiosa, destacou que “cada um tem o direito de
praticar sua religião, mas sem ofender” e considerou uma “aberração”
matar em nome de Deus. “Não se
pode ofender, ou fazer guerra, ou assassinar em nome da própria religião
ou em nome de Deus”, afirmou.
O Papa lembrou que no passado
houve guerras nas quais a religião desempenhou um papel determinante.
“Também nós fomos pecadores, mas
não se pode assassinar em nome de
Deus”, insistiu. “Acho que os dois
são direitos humanos fundamentais,
tanto a liberdade religiosa, como a
liberdade de expressão”, completou.
“É verdade que não se pode reagir
violentamente, mas se Gasbarri [ele
se referiu a um de seus colaboradores junto com ele no avião], grande
amigo, diz uma palavra feia da minha mãe, pode esperar um murro. É
normal!”, assegurou.
Francisco lamentou que haja
“muita gente que fala mal de outras
religiões ou das religiões (…), que
transforma em um brinquedo as religiões dos demais”. Para o Pontífice,
estas pessoas “provocam” e, por isso,
acredita que “há um limite para a liberdade de expressão”.
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
Chegadas às Filipinas
MEIO MILHÃO
DE PESSOAS
RECEBE O PAPA
Papa Francisco chegou no dia 15
(quinta-feira) às Filipinas, a segunda
parada de sua viagem à Ásia.
A nação católica mais populosa da Ásia
montou a maior operação de segurança já vista no país para a visita do papa, com o destaque de cerca de 50 mil soldados e policiais na
capital, Manila, e na província central de Leyte,
que o Pontífice visitará no fim de semana.
Os sinos das igrejas começaram a tocar
nas Filipinas quando o Pontífice aterrissou
em Manila procedente do Sri Lanka. Através
da janela do avião era possível ver um Papa
sorridente, enquanto centenas de crianças
cantavam na pista do aeroporto internacional
de Manila uma música de boas-vindas para
Francisco.
Centenas de milhares de pessoas se reuniram ao longo da estrada por onde Francisco
passou ao sair do aeroporto. “Cada um de seus
passos, cada um de seus deslocamentos, cada
momento passado conosco são preciosos”,
afirmou o arcebispo Socrates Villegas, presidente da Conferência Episcopal das Filipinas.
O presidente Benigno Aquino suplicou aos
filipinos que mantivessem a calma e evitassem
criar tumultos para não colocar em perigo a
segurança do Papa.
Após a saída do aeroporto, o cortejo do
Pontífice percorreu algumas das principais
ruas da capital a caminho da Nunciatura em
Manila, onde se hospedou o Papa até o final
da viagem. As autoridades filipinas estimaram
que pelo menos meio milhão de pessoas foi receber o Santo Padre, que percorreu cerca de 20
km/h no papamóvel.
Mais de mil crianças fizeram uma dança
que deu o caráter festivo à recepção do Pontífice nas Filipinas.
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
SOLIDARIEDADE AO POVO FILIPINO
primeiro compromisso do
Papa Francisco no segundo
dia (16/1) de sua visita às
Filipinas, foi a cerimônia de boas-vindas no Palácio Presidencial, em
Manila. O Pontífice foi acolhido no
jardim pelo Presidente da República. Uma salva de tiros de canhão e o
desfile da Guarda de Honra saudaram Francisco, que junto às maiores
autoridades do país, ouviram a exe-
cução dos hinos. Após este momento, foram apresentadas as respectivas
delegações e entoadas músicas tradicionais do país.
Ao entrar no Palácio Presidencial, o Santo Padre recebeu um
lenço refrescante em sinal de hospitalidade. Acompanhado pelo
Presidente, o Papa assinou o Livro
Ouro, ato seguido por um encontro privado, também com os fa-
miliares de Benigno Aquino III. O
atual presidente filipino é filho do
ex-senador Ninoy Aquino e do 11º
Presidente do país, a Sra. Corazón
Aquino.
No “Rizal Cerimonial Hall”, deu-se o encontro com as autoridades, o
Corpo Diplomático e o séquito papal. Após o discurso do Presidente
filipino, foi a vez do Papa Francisco
dirigir sua mensagem.
ÍNTEGRA Do discurso
Senhoras e Senhores!
Agradeço-lhe, Senhor Presidente, a sua
amável recepção e as palavras de saudação
que me dirigiu em nome das autoridades,
do povo filipino e dos ilustres membros do
Corpo Diplomático. Sinto-me muito grato
pelo convite para visitar as Filipinas. A minha
visita é primariamente pastoral. Acontece
num momento em que a Igreja neste país se
prepara para celebrar o quinto centenário do
primeiro anúncio do Evangelho de Jesus Cris-
22
to nestas terras. A mensagem cristã teve uma
influência enorme sobre a cultura filipina. A
minha esperança é que tão importante efeméride faça ressaltar a sua constante fecundidade e a sua capacidade de inspirar uma
sociedade digna da bondade, dignidade e
aspirações do povo filipino.
De modo particular, esta visita quer exprimir
a minha solidariedade aos nossos irmãos e
irmãs que sofreram a tribulação, as perdas e
a devastação causadas pelo tufão Yolanda.
| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
Juntamente com as pessoas de todo o mundo, admirei a força heroica, a fé e a resistência demonstradas por tantos filipinos face a
este desastre natural, e muitos outros. Tais
virtudes, radicadas em grande medida na
esperança e solidariedade infundidas pela
fé cristã, deram origem a uma profusão de
bondade e generosidade, especialmente por
parte de muitos jovens. Naquele momento
de crise nacional, inúmeras pessoas vieram
em auxílio dos seus vizinhos em necessida-
viagem APOSTÓLICA às filipinas
de. Com grande sacrifício, ofereceram o seu
tempo e os seus recursos, criando uma rede
de apoio mútuo e compromisso em prol do
bem comum.
Este exemplo de solidariedade no trabalho
de reconstrução oferece-nos uma lição importante. Como uma família, cada sociedade
tira força dos seus recursos mais profundos
para enfrentar novos desafios. Hoje, as Filipinas, juntamente com muitas outras nações
da Ásia, têm pela frente a necessidade de
construir uma sociedade moderna, fundada
em bases sólidas: uma sociedade respeitadora dos valores humanos autênticos, que tutele a nossa dignidade e direitos humanos, com
base em Deus, e que esteja pronta a enfrentar
novos e complexos problemas éticos e políticos. Como muitas vozes na vossa nação assinalaram, agora, mais do que nunca, é necessário que os dirigentes políticos se distingam
por honestidade, integridade e responsabilidade quanto ao bem comum. Desta forma,
poderão preservar os ricos recursos naturais e
humanos com que Deus abençoou este país.
Assim serão capazes de gerir os recursos morais necessários para enfrentar as solicitações
do presente e transmitir às gerações futuras
uma sociedade verdadeiramente justa, solidária e pacífica.
Essencial para a realização destes objetivos
nacionais é o imperativo moral de assegurar
a justiça social e o respeito pela dignidade
humana. A grande tradição bíblica prescreve
para todos os povos o dever de ouvir a voz
dos pobres e quebrar as cadeias da injustiça
e da opressão, que dão origem a óbvias e
verdadeiramente escandalosas desigualdades sociais. A reforma das estruturas sociais
que perpetuam a pobreza e a exclusão dos
pobres, exige, antes de mais nada, uma conversão da mente e do coração. Os bispos das
Filipinas pediram que este ano fosse proclamado «Ano dos Pobres». Espero que esta
instância profética determine em cada um, a
todos os níveis da sociedade, a firme rejeição
de toda a forma de corrupção, que desvia recursos dos pobres, e configure a vontade de
um esforço concentrado para incluir todo o
homem, mulher e criança na vida da comunidade.
Um papel fundamental na renovação da
sociedade cabe, naturalmente, à família e
especialmente aos jovens. Um aspecto particular da minha visita será o encontro com
as famílias e com os jovens aqui em Manila.
As famílias desempenham uma missão indispensável na sociedade. É na família que as
crianças crescem nos sãos valores, nos altos
ideais e na genuína preocupação pelos outros. Mas, como todos os dons de Deus, a família pode também ser desfigurada e destruída. Precisa do nosso apoio. Sabemos como
é difícil hoje, para as nossas democracias,
preservar e defender certos valores humanos
basilares, como o respeito pela dignidade inviolável de cada pessoa humana, o respeito
pelos direitos de liberdade de consciência e
de religião, o respeito pelo direito inalienável
à vida, a começar pela vida dos nascituros até
à dos idosos e dos doentes. Por esta razão, as
famílias e as comunidades locais devem ser
encorajadas e assistidas nos seus esforços por
transmitir aos nossos jovens os valores e a
visão que podem ajudar a criar uma cultura
de integridade, na qual se honre bondade,
sinceridade, fidelidade e solidariedade como
bases sólidas e vínculo moral que mantenha
unida a sociedade.
Senhor Presidente, ilustres autoridades, queridos amigos!
No início de minha visita a esta nação, não
posso deixar de mencionar o papel importante das Filipinas na promoção do entendimento e cooperação entre as nações da
Ásia, bem como a contribuição muitas vezes
esquecida, mas não menos real, dos filipinos
da diáspora para a vida e o bem-estar das sociedades onde residem. É precisamente à luz
da rica herança cultural e religiosa, de que a
vossa nação se sente orgulhosa, que vos deixo um desafio e um encorajamento. Que os
valores espirituais mais profundos do povo
filipino continuem a encontrar expressão no
esforço por proporcionar aos vossos concidadãos um progresso humano integral. Desta
forma, cada pessoa será capaz de realizar as
suas potencialidades e assim contribuir, de
maneira sábia e justa, para o futuro da própria
nação. Tenho confiança de que os louváveis
esforços por promover o diálogo e a cooperação entre os seguidores das diferentes religiões produzirão fruto na busca desta nobre
finalidade. De modo particular, exprimo a minha confiança de que o progresso conseguido levando a paz ao sul do país há de gerar
soluções justas de acordo com os princípios
basilares da nação e no respeito pelos direitos inalienáveis de todos, incluindo as populações indígenas e as minorias religiosas.
Sobre vós e sobre cada homem, mulher e
criança desta amada nação, de coração invoco a abundância das bênçãos de Deus.
Encontro com autoridades e com o corpo diplomático
Sala de Cerimônias do Palácio Presidencial
Sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
Missa com os bispos, sacerdotes e religiosos
“SEJAM EMBAIXADORES DE CRISTO”
o primeiro dia da visita do
Papa Francisco às Filipinas, na
sexta-feira, 16, o Santo Padre
celebrou a Missa com os bispos, sacerdotes e religiosos na Catedral da
Imaculada Conceição em Manila.
Dando continuidade à sua reflexão, Francisco explicou que estas palavras recordam algo essencial: “Todo
o ministério pastoral nasce do amor.
Toda a vida consagrada é um sinal do
amor reconciliador de Cristo”.
O Papa enfatizou que como Santa
Tereza do Menino Jesus, na variedade
das vocações, cada consagrado é chamado de alguma forma, “a ser o amor
no coração da Igreja”.
Recordando todos os consagrados que se esforçaram para pregar o
Evangelho nas Filipinas, construir a
Igreja nesta nação e uma sociedade
inspirada na mensagem evangélica
da caridade, perdão e solidariedade,
Francisco destacou que também hoje
os bispos, sacerdotes e religiosos continuam a mesma obra de amor.
Segundo o Papa, ser embaixador de Cristo significa, antes de mais
nada, convidar cada pessoa a um renovado encontro com o Senhor Jesus.
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| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
Contudo, ressaltou, o Evangelho é
também uma exortação à conversão,
a um exame de consciência.
O Santo Padre finalizou a homilia, recordando que os filipinos são
conhecidos por seu amor a Deus, sua
piedade fervorosa e a cordial devoção
a Nossa Senhora. Um legado que, se-
gundo ele, contém um forte potencial
missionário.
“No vosso esforço de preparação
para o quinto centenário, construí sobre estas bases sólidas”, disse. A Igreja
Católica nas Filipinas se prepara para
celebrar os 500 anos de evangelização
no país em 2021.
ENCONTRO COM OS JESUÍTAS
Em seu segundo dia, nas Filipinas, o Papa Francisco fez outra surpresa e reuniu-se com seus companheiros jesuítas por cerca de uma hora. De acordo com o
padre Jett Villarin, presidente da Universidade Ateneo de Manila, o papa e os
jesuítas falaram sobre vocação, o amor de Cristo e a juventude. Foi um encontro “muito jesuíta, muito casual”.
Em uma coletiva de imprensa, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi,
citou os jesuítas filipinos dizendo: “Nós somos 40, como os 40 elefantes no Sri
Lanka!”.
Foi Moreno que disse ao papa: “O senhor foi recebido por 40 elefantes no Sri
Lanka. Agora o senhor tem 40 jesuítas”, ao que o papa respondeu: “Os elefantes estavam mais bem vestidos”. O diálogo levou todos ao riso.
Era uma referência aos elefantes que acolheram o papa no Sri Lanka na primeira etapa de sua viagem asiática na terça-feira.
Descrevendo a reunião, Villarin disse: “Foi como uma reunião simples de família e nós conversamos sobre todos os tipos de coisas, desde vocação, o amor
de Cristo, a oração, a missão, os jovens, o serviço àqueles que vivem nas periferias, os migrantes etc”.
Perguntado sobre o que ele achou mais marcante nas palavras de Francisco
para o grupo, Villarin disse: “Quando Cristo olha para os pobres, ele está olhando para si mesmo”.
viagem APOSTÓLICA às filipinas
ÍNTEGRA DA HOMILIA
“Tu me amas?” [as pessoas: “Sim”!] Obrigado; mas
ao ler a palavra de Jeus, diz o Senhor:“Tu me amas?
(....) «Cuide das minhas ovelhas.». Jo 21, 15.16). As
palavras de Jesus a Pedro, no Evangelho de hoje,
são as primeiras palavras que vos dirijo, amados
irmãos bispos e sacerdotes, religiosos e religiosas,
e jovens seminaristas. Estas palavras recordam-nos
algo de essencial: todo o ministério pastoral nasce do amor. Todo o ministério pastoral nasce do
amor! Toda a vida consagrada é um sinal do amor
reconciliador de Cristo. Na variedade das nossas
vocações, cada um de nós é chamado de alguma
forma, como Santa Teresa do Menino Jesus, a ser o
amor no coração da Igreja.
Com grande afeto vos saúdo e peço para levardes o meu afeto a todos os vossos irmãos e irmãs
idosos e doentes e a todos aqueles que hoje não
puderam se juntar a nós. Com a Igreja nas Filipinas que olha para o quinto centenário da sua
evangelização, sentimos gratidão pela herança
deixada por tantos bispos, sacerdotes e religiosos
das gerações passadas. Eles esforçaram-se não só
por pregar o Evangelho e construir a Igreja nesta
nação, mas também por forjar uma sociedade
inspirada pela mensagem evangélica da caridade, do perdão e da solidariedade ao serviço do
bem comum. Hoje vós continuais a mesma obra
de amor. Como eles, sois chamados a construir
pontes, apascentar o rebanho de Cristo e preparar
vigorosos caminhos para o Evangelho na Ásia ao
alvorecer duma nova era.
«O amor de Cristo nos absorve completamente»
(2 Cor 5, 14). Na primeira leitura de hoje, São Paulo
diz-nos que o amor que somos chamados a anunciar é um amor reconciliador, que jorra do coração
do Salvador crucificado. Somos chamados a ser
«embaixadores em nome de Cristo» (cf. 2 Cor 5,
20). O nosso é um ministério de reconciliação. Proclamamos a Boa-Nova do amor, da misericórdia e
da compaixão infinitos de Deus. Proclamamos a
alegria do Evangelho. Uma vez que o Evangelho
é a promessa da graça de Deus, a única que pode
trazer plenitude e cura ao nosso mundo arruinado, ele pode inspirar a construção duma ordem
social verdadeiramente justa e redimida.
Ser embaixador de Cristo significa, antes de mais
nada, convidar cada pessoa a um renovado encontro com o Senhor Jesus (cf. Evangelii Gaudium, 3). O nosso encontro pessoal com Ele. Este
convite deve estar no centro da vossa comemoração da evangelização das Filipinas. Mas o Evangelho é também uma exortação à conversão, a um
exame da nossa consciência, como indivíduos e
como povo. Como justamente ensinaram os vossos bispos, a Igreja nas Filipinas é chamada a combater as causas da desigualdade e injustiça profundamente enraizadas, que mancham o rosto
da sociedade filipina, contradizendo claramente
o ensinamento de Cristo. O Evangelho chama os
indivíduos cristãos a conduzirem vidas honestas,
íntegras e solícitas pelo bem comum. Mas chama
também as comunidades cristãs a criarem «círculos de integridade», redes de solidariedade que
possam impelir a abraçar e transformar a sociedade com o seu testemunho profético.
Os pobres. Os pobres estão no centro do Evangelho, são o coração do Evangelho; se tirarmos
os pobres do Evangelho, não podemos compreender plenamente a mensagem de Jesus Cristo.
Como embaixadores de Cristo, nós, bispos, sacerdotes e religiosos, devemos ser os primeiros
a receber a sua graça reconciliadora nos nossos
corações. São Paulo deixa claro o que isto significa;
significa rejeitar perspectivas mundanas, olhando
tudo de novo à luz de Cristo. Isto faz com que sejamos os primeiros a examinar a nossa consciência,
reconhecer os nossos pecados e quedas e tomar
o caminho de uma contínua conversão, da conversão diária. Como poderemos proclamar aos
outros a novidade e o poder libertador da Cruz,
se nós mesmos não permitirmos que a Palavra de
Deus abale o comprazimento em nós próprios, o
nosso medo de mudar, os nossos comprometimentos mesquinhos com as modalidades deste
mundo, o nosso «mundanismo espiritual» (cf.
Evangelii Gaudium, 93)?
Para nós, sacerdotes e pessoas consagradas, a
conversão à novidade do Evangelho implica
um encontro diário com o Senhor na oração.
Os Santos ensinam-nos que isto é a fonte de
todo o zelo apostólico. Para os religiosos, viver
a novidade do Evangelho significa encontrar
incessantemente na vida da comunidade e nos
apostolados da comunidade o incentivo para
uma união cada vez mais estreita com o Senhor
na caridade perfeita. Para todos nós, isto significa viver de tal forma que espelhemos a pobreza
de Cristo, cuja vida estava inteiramente focalizada em fazer a vontade do Pai e servir os outros.
Naturalmente, a grande ameaça a isto mesmo é
cair num certo materialismo que pode insinuar-se dentro das nossas vidas e comprometer o
testemunho que prestamos. Somente o tornar-nos pobres, tornando-nos nós próprios pobres,
expulsando o nosso autocomprazimento, permitirá identificar-nos com os últimos dos nossos
irmãos e irmãs. Veremos as coisas sob uma nova
luz e, deste modo, poderemos responder, com
honestidade e integridade, ao desafio de anunciar a radicalidade do Evangelho numa sociedade acostumada à exclusão, à polarização e a uma
desigualdade escandalosa.
Aqui desejo dizer uma palavra especial aos jovens
sacerdotes, religiosos, e seminaristas presentes.
Peço-vos que partilheis a alegria e o entusiasmo
do vosso amor por Cristo e pela Igreja com todos,
mas sobretudo com os da vossa idade. Mantende-vos presentes no meio dos jovens que possam
sentir-se confusos e desanimados, e todavia continuam a ver a Igreja como sua amiga no caminho
e uma fonte de esperança.
Sede solidários com aqueles que, vivendo no
meio de uma sociedade molestada pela pobreza
e a corrupção, sentem-se com o espírito abatido,
tentados a largar tudo, deixar a escola e viver pela
estrada. Proclamai a beleza e a verdade do matrimônio cristão a uma sociedade que é tentada por
apresentações confusas da sexualidade, do matrimônio e da família. Como sabeis, estas realidades
estão cada vez mais sob ataque de forças poderosas que ameaçam desfigurar o plano criador de
Deus e trair os verdadeiros valores que inspiraram
e moldaram quanto de belo existe na vossa cultura.
Na realidade, a cultura filipina foi plasmada pela
criatividade da fé. Por todo o lado, os filipinos são
conhecidos pelo seu amor a Deus, pela sua piedade fervorosa e a sua ardente e cordial devoção a
Nossa Senhora e ao seu terço; Este grande legado
contém um forte potencial missionário. É o modo
como o vosso povo inculturou o Evangelho e
continua a acolher a sua mensagem (cf. Evangelii
Gaudium, 122). No vosso esforço de preparação
para o quinto centenário, construí sobre estas bases sólidas.
Cristo morreu por todos a fim de que, mortos n’Ele,
não vivamos mais para nós mesmos, mas para Ele
(cf. 2 Cor 5, 15). Amados irmãos bispos, sacerdotes
e religiosos, rogo a Maria, Mãe da Igreja, que faça
jorrar sobre todos vós uma tal abundância de
zelo, que possais gastar-vos abnegadamente ao
serviço dos nossos irmãos e irmãs. Possa, assim, o
amor reconciliador de Cristo penetrar ainda mais
profundamente no tecido da sociedade filipina e,
por vosso intermédio, nos ângulos mais distantes
do mundo. Amém.
Catedral da Imaculada Conceição, Manila
Sexta-feira, 16 de Janeiro de 2015
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
EMOÇÃO NO ENCONTRO COM MENINOS DE RUA
pós a Missa de sexta-feira
(16), o Papa Francisco visitou a “Fundação TNK”, que
fica ao lado da Catedral de Manila e é administrada pelo sacerdote
francês Pe. Mathieu. Hoje, ela abriga cerca de 300 crianças em diferentes centros de Manila.
“Foi um encontro comovente”,
definiu o diretor da Sala de Imprensa
da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi. Durante 20 minutos, Francisco
conversou com as crianças e ganhou
abraços, fotos e pequenos presentes.
No final, o Pontífice concedeu a sua
bênção.
O problema da infância é um dos
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mais desafiadores para a sociedade
filipina. A religiosa brasileira, Ir. Maria da Salete Costa, da Congregação
de Santa Catarina de Sena, diz que
essa é uma realidade preocupante e,
por isso, a visita traz muita esperança
para o povo. “Todos estão esperando
essa visita do Papa como algo que vai
mudar alguma coisa aqui nesse país.
Eu também tenho esperança, porque
ainda tem muita coisa a desejar”, disse a Ir. Maria.
Por ocasião da visita do Papa,
os repórteres do jornal britânico
“Daily Mail” descobriram cenas
dignas de campos de concentração:
crianças de rua presas entre grades,
ao lado de criminosos. Nas prisões,
pouca ou nenhuma condição de
higiene é oferecida e os jovens contam apenas com baldes no lugar de
banheiros. A decisão de prender
menores de idade no país começou
em 1995, quando as primeiras levas
de adolescentes e crianças acusadas
de roubo ou tráfico chegaram aos
presídios. Segundo a ONG Bahay
Tuluyan, as crianças são levadas
das ruas por motivos banais. Muitas não tinham cometido nenhum
crime e foram presas simplesmente
por dormirem nas ruas. (veja o depoimento da menina que emocionou o
Papa na página 39)
viagem APOSTÓLICA às filipinas
Encontro com as famílias
“NÃO PERCAM A CAPACIDADE DE SONHAR”
ue a família nunca perca a capacidade de sonhar. Esta foi
uma das mensagens deixadas
pelo Papa Francisco às famílias das Filipinas no encontro que teve com elas
na sexta-feira, 16. Falando várias vezes de improviso, em espanhol, Francisco também destacou a necessidade
da família permanecer em Deus e rezar sempre unida.
O discurso do Papa se concentrou na figura de São José, que muitas vezes aparece nas escrituras repousando enquanto lhe é revelada
em sonho a vontade de Deus. Francisco disse que não é possível uma
família que não sonhe pois, sem essa
capacidade, os filhos não crescem e o
amor se perde.
“Por isso, recomendo a vocês
que à noite, quando fizerem o exame de consciência, se coloquem
essa pergunta: hoje sonhei com o
futuro dos meus filhos? Sonhei com
o amor do meu esposo, da minha
esposa, sonhei com meus pais e avós
que fizeram história também? É tão
importante sonhar. Primeiro de
tudo sonhar em uma família. Não
percam essa capacidade de sonhar”.
O Santo Padre observou que Deus
também fala com o homem nos momentos de repouso, quando ele coloca
de lado seus deveres e atividades diárias. A partir disso, o Papa pediu que
as famílias considerem três aspectos,
em especial: repousar no Senhor, levantar-se com Jesus e Maria e ser voz
profética.
“O repouso é essencial também
para a nossa saúde espiritual, para podermos ouvir a voz de Deus e compreender aquilo que nos pede”. E para
que cada cristão possa providenciar
uma casa para Jesus, a exemplo da
Sagrada Família, é preciso repousar
em Deus, encontrar tempo para rezar,
mesmo diante dos afazeres da vida
cotidiana.
“Se não rezarmos, nunca conheceremos a coisa mais importante de todas: a vontade de Deus a nosso respeito. Além disso, durante toda a nossa
atividade, na multiplicidade das nossas ocupações, conseguiremos verdadeiramente pouco sem a oração”.
Embora necessários, tais momentos de repouso não podem se prolon-
gar por muito tempo, ressaltou o Papa.
A exemplo de São José, após ouvir a
voz de Deus, é preciso despertar e agir.
“A fé não nos tira do mundo, mas
insere-nos mais profundamente nele.
Na realidade, a cada um de nós cabe
um papel especial na preparação da
vinda do Reino de Deus ao nosso
mundo. (…) Deus chama-nos a reconhecer os perigos que ameaçam as
nossas próprias famílias e a protegê-las do mal.
Francisco mencionou ainda as
várias pressões que a vida a família
sofre hoje. “A família está ameaçada
também pelos crescentes esforços de
alguns em redefinir a própria instituição do matrimônio mediante o relativismo, a cultura do efêmero, a falta de
abertura à vida”.
Nesse ponto, o Pontífice recordou
o beato Paulo VI, que teve a coragem
de de defender a abertura à vida na
família. “Paulo VI era valente, era um
bom pastor e alertou suas ovelhas sobre os lobos que as rondava. Que ele
nos abençoe nesta tarde”. E acrescentou: “Toda a ameaça à família é uma
ameaça à própria sociedade”.
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
ÍNTEGRA DO DISCURSO
Queridas famílias,
Queridos amigos em Cristo!
Obrigado pela vossa presença aqui, nesta noite, e
pelo testemunho do vosso amor a Jesus e à sua
Igreja. Agradeço a D. Reyes, Presidente da Comissão Episcopal para a Família e a Vida, as suas palavras de boas-vindas em vosso nome. De maneira
particular, agradeço àqueles que apresentaram
o seu testemunho – obrigado! – e partilharam
conosco a sua vida de fé. A Igreja nas Filipinas é
abençoada pelo apostolado de muitos movimentos que se ocupam da família; agradeço-lhes
pelo seu testemunho.
Raramente as Escrituras falam de São José e,
quando o fazem, muitas vezes encontramo-lo
repousando, enquanto lhe é revelada em sonho
a vontade de Deus. No texto do Evangelho que
acabamos de ouvir, encontramos, não uma mas
duas vezes, José repousando. Nesta noite, quero
repousar no Senhor com todos vós. Preciso de
repousar no Senhor com as famílias, e recordar
a minha família: meu pai, minha mãe, meu avô,
minha avó… Hoje eu repouso convosco e quero
refletir convosco sobre o dom da família.
Mas, antes, quero dizer algo sobre o sonho. O
meu inglês, porém, é tão pobre! Se me permitis,
vou pedir a Mons. Miles que traduza e eu falarei
em espanhol. Tenho em muito apreço o sonhar
numa família. Toda a mãe e todo o pai sonharam
o seu filho durante nove meses. É verdade ou
não? [Sim!]. Sonharam como seria aquele filho…
Não é possível uma família sem o sonho. Numa
família, quando se perde a capacidade de sonhar,
os filhos não crescem, o amor não cresce; a vida
debilita-se e apaga-se. Por isso, recomendo-vos
que à noite, ao fazer o exame de consciência,
vos ponhais também esta pergunta: Hoje sonhei
com o futuro dos meus filhos? Hoje sonhei com
o amor do meu esposo, da minha esposa? Hoje
sonhei com os meus pais, os meus avós que fizeram a vida avançar até mim. É muito importante
sonhar. Antes de mais nada, numa família, sonhai.
Não percais esta capacidade de sonhar.
E, na vida dos cônjuges, quantas dificuldades se
resolvem, se conservarmos um espaço para o sonho, se nos detivermos em pensar no cônjuge e
sonharmos com a bondade, com as coisas boas
que tem. Por isso, é muito importante recuperar
o amor através do sonho de cada dia. Nunca deixeis de ser namorados!
O repouso de José revelou-lhe a vontade de
Deus. Neste momento de repouso no Senhor,
pondo de lado os nossos numerosos deveres e
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atividades diárias, Deus fala também a nós. Fala-nos na leitura que ouvimos, nas nossas orações
e testemunhos e no silêncio do nosso coração.
Reflitamos sobre o que nos diz o Senhor, especialmente no Evangelho desta noite. Há três aspectos deste texto que vos peço para considerardes: primeiro, repousar no Senhor; segundo,
levantar-se com Jesus e Maria; terceiro, ser voz
profética.
Repousar no Senhor. O repouso, apesar de
ser necessário para a saúde das nossas mentes
e dos nossos corpos, com frequência é muito
difícil de conciliar por causa das numerosas exigências que pesam sobre nós. Mas o repouso é
essencial também para a nossa saúde espiritual,
para podermos ouvir a voz de Deus e compreender aquilo que nos pede. José foi escolhido por
Deus para ser pai putativo de Jesus e marido de
Maria. Como cristãos, também vós sois chamados, à semelhança de José, a preparar uma casa
para Jesus. Preparar uma casa para Jesus. Preparais uma casa para Ele nos vossos corações, nas
vossas famílias, nas vossas paróquias e nas vossas
comunidades.
Para ouvir e aceitar o chamado de Deus, para
construir uma casa para Jesus, deveis ser capazes
de repousar no Senhor. Deveis encontrar cada dia
o tempo para repousar no Senhor, para rezar. Rezar é repousar no Senhor. Mas poderíeis dizer-me:
Santo Padre, isso sabemos nós; eu quero rezar,
mas há tanto que fazer! Devo cuidar dos meus
filhos; tenho os deveres de casa; estou demasiado cansado até mesmo para dormir bem. É justo.
Isto até pode ser verdade; mas, se não rezarmos,
nunca conheceremos a coisa mais importante de
todas: a vontade de Deus a nosso respeito. Além
disso, durante toda a nossa atividade, na multiplicidade das nossas ocupações, com a nossa oração tudo conseguiremos.
Repousar na oração é particularmente importante para as famílias. É, antes de tudo, na família que aprendemos como rezar. Não esqueçais:
quando a família reza unida, permanece unida.
Isto é importante. Nela chegamos a conhecer
Deus, a crescer como homens e mulheres de fé,
a considerar-nos como membros da família mais
ampla de Deus, a Igreja. Na família, aprendemos
a amar, a perdoar, a ser generosos e disponíveis
e não fechados e egoístas. Aprendemos a ir além
das nossas próprias necessidades, para encontrar
outras pessoas e partilhar as nossas vidas com
elas. Por isso é tão importante rezar como família.
Tão importante! É por isso que as famílias são tão
importantes no plano de Deus para a Igreja. Repousar no Senhor é rezar, unidos em família.
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Queria ainda dizer-vos algo de pessoal. Amo muito São José, porque é um homem forte e silencioso. Na minha escrivaninha, tenho uma imagem
de São José que dorme e, enquanto dorme, cuida da Igreja. Sim! Pode fazê-lo, como sabemos. E,
quando tenho um problema, uma dificuldade,
escrevo um bilhetinho e meto-o debaixo de São
José, para que o sonhe. Este gesto significa: reza
por este problema.
Segundo ponto: levantar-se com Jesus e
Maria. Estes momentos preciosos de repouso,
de uma pausa com o Senhor na oração, talvez
gostássemos de poder prolongá-los. Mas, como
São José, uma vez que se ouviu a voz de Deus,
temos de despertar do nosso sono; devemos
levantar-nos e agir (cf. Rm 13, 11). Em família, devemos levantar-nos e agir. A fé não nos tira do
mundo, mas insere-nos mais profundamente
nele. Isto é muito importante. Devemos caminhar
em profundidade no mundo, mas com a força da
oração. Na realidade, a cada um de nós cabe um
papel especial na preparação da vinda do Reino
de Deus ao nosso mundo.
Tal como o dom da Sagrada Família foi confiado a
São José, assim também o dom da família e o seu
lugar no plano de Deus estão confiados a nós.
Como a São José. O dom da Sagrada Família foi
confiado a São José, para que o levasse por diante. A cada um de vós – e de nós, porque também
eu sou filho duma família – é confiado o plano de
Deus, para que seja levado adiante. O Anjo do Senhor revelou a José os perigos que ameaçavam
Jesus e Maria, obrigando-os a fugir para o Egito e,
em seguida, estabelecer-se em Nazaré. De igual
modo, no nosso tempo, Deus chama-nos a reconhecer os perigos que ameaçam as nossas próprias famílias e a protegê-las do mal.
Existem colonizações ideológicas que procu-
viagem APOSTÓLICA às filipinas
ram destruir a família. Não nascem do sonho, da
oração, do encontro com Deus, da missão que
Deus nos dá. Provêm de fora; por isso, digo que
são colonizações. Não percamos a liberdade da
missão que Deus nos dá, a missão da família E
assim como os nossos povos, num determinado
momento da sua história, chegaram à maturidade de dizer «não» a qualquer colonização política, assim também como família devemos ser
muito sagazes, muito hábeis, muito fortes, para
dizer «não» a qualquer tentativa de colonização
ideológica da família. E pedir a intercessão de São
José, que é amigo do Anjo, para saber quando
podemos dizer «sim» e quando devemos dizer
«não».
Hoje ,os pesos sobre a vida da família são muitos.
Aqui, nas Filipinas, inumeráveis famílias sofrem
ainda as consequências das catástrofes naturais.
A situação econômica provocou a fragmentação
das famílias com a emigração e a busca de um
emprego, para além dos problemas financeiros
que atormentam muitos lares domésticos. Enquanto muitas pessoas vivem em pobreza extrema, outras caem nas malhas do materialismo
e de estilos de vida que abolem a vida familiar e
as exigências mais fundamentais da moral cristã.
Estas são as colonizações ideológicas. A família
está ameaçada também pelos crescentes esforços de alguns em redefinir a própria instituição
do matrimônio mediante o relativismo, a cultura
do efêmero, a falta de abertura à vida.
Penso no Beato Paulo VI. Num período em que
se propunha o problema do crescimento demográfico, teve a coragem de defender a abertura à
vida na família. Ele conhecia as dificuldades que
havia em cada família; por isso, na sua Encíclica,
era tão misericordioso com os casos particulares.
E pediu aos confessores que fossem muito misericordiosos e compreensivos com os casos particulares. Mas ele olhou mais longe: olhou os povos
da terra e viu esta ameaça da destruição da família pela falta de filhos. Paulo VI era corajoso, era um
bom pastor e avisou as suas ovelhas a propósito
dos lobos que chegavam. Que ele, lá do Céu, nos
abençoe nesta tarde!
O nosso mundo tem necessidade de famílias sãs
e fortes para superar estas ameaças. As Filipinas
precisam de famílias santas e cheias de amor
para proteger a beleza e a verdade da família no
plano de Deus e servir de apoio e exemplo para
as outras famílias. Toda a ameaça à família é uma
ameaça à própria sociedade. O futuro da humanidade – como várias vezes disse São João Paulo
II – passa através da família (cf. Familiaris Consortio, 85). O futuro passa através da família. Por isso,
guardai as vossas famílias. Protegei as vossas famílias! Vede nelas o maior tesouro da vossa nação, e
alimentai-as sempre com a oração e a graça dos
sacramentos. As famílias sempre terão as suas
provações, não precisam que lhes junteis mais!
Pelo contrário, sede exemplos de amor, perdão e
solicitude. Sede santuários de respeito pela vida,
proclamando a sacralidade de toda a vida humana desde a concepção até à morte natural. Que
grande dom seria para a sociedade: cada família
cristã viver plenamente a sua nobre vocação!
Então, levantai-vos com Jesus e Maria e colocai-vos a percorrer a estrada que o Senhor traça para
cada um de vós.
Por fim, o Evangelho que ouvimos recorda-nos
que o nosso dever de cristãos é ser vozes proféticas no meio das nossas comunidades.
José ouviu a voz do Anjo do Senhor e respondeu
à chamada que Deus lhe fez de cuidar de Jesus
e Maria. Assim desempenhou ele o seu papel no
plano de Deus e tornou-se uma bênção não só
para a Sagrada Família, mas também para toda a
humanidade. Juntamente com Maria, José serviu
de modelo para o menino Jesus que ia crescendo
em sabedoria, idade e graça (cf. Lc 2, 52). Quando
as famílias permitem às crianças nascer para este
nosso mundo, as educam na fé e em sãos valores e as ensinam a dar a sua contribuição para a
sociedade, tornam-se uma bênção ao seu redor.
As famílias podem tornar-se uma bênção para
o mundo. O amor de Deus torna-se presente e
ativo a partir do modo como nós amamos e das
boas obras que praticamos. Fazemos crescer o
Reino de Cristo neste mundo. Ao fazê-lo, mostramo-nos fiéis à missão profética que recebemos
no Batismo.
Durante este ano consagrado pelos vossos bispos como “Ano dos Pobres”, pedir-vos-ia que estivésseis, como família, particularmente atentos à
vossa chamada para ser discípulos missionários
de Jesus. Isto significa estar prontos para ir além
dos limites das vossas casas e cuidar dos irmãos
e irmãs mais necessitados. Peço que vos interesseis de modo especial por aqueles que não têm
uma família própria, particularmente os idosos e
as crianças sem pais. Nunca os deixeis sentir-se
isolados, sozinhos e abandonados, mas ajudai-os
a saber que Deus não os esqueceu. Hoje, depois
da Missa, senti-me profundamente comovido ao
visitar aquela casa de crianças sozinhas, sem família. E, na Igreja, quantas pessoas trabalham para
que aquela casa seja uma família! Isto significa
levar por diante, profeticamente, o significado de
uma família.
E, no caso de vós próprios serdes pobres em sentido material, sabei que tendes uma abundância
de dons a distribuir quando ofereceis Cristo e a
comunidade da sua Igreja. Não escondais a vossa
fé, não escondais Jesus, mas colocai-O no mundo
e oferecei o testemunho da vossa vida familiar.
Queridos amigos em Cristo, sabei que rezo sempre por vós. Rezo pelas famílias; rezo mesmo!
Rezo para que o Senhor continue a aprofundar
o vosso amor por Ele e que este amor se possa
manifestar no vosso amor recíproco e pela Igreja.
Não esqueçais Jesus que dorme. Não esqueçais
São José que dorme. Jesus dormiu com a proteção de José. Não esqueçais: o repouso da família
é a oração. Não esqueçais de rezar pela família.
Rezai com frequência e levai os frutos da vossa
oração para o mundo, a fim de que todos possam conhecer Jesus Cristo e o seu amor misericordioso. Por favor, «dormi» também por mim:
rezai também por mim; preciso verdadeiramente
das vossas orações e sempre contarei com elas.
Muito obrigado!
Mall of Asia Arena, Manila
Sexta-feira, 16 de Janeiro de 2015
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
Em tacloban
“JESUS
NÃO OS
ABANDONA”
Francisco visita o local 14
meses após a catástrofe do
Tufão Yolanda e afirma que
Jesus compreende a dor
de cada pessoa.w
esmo sob a ameaça da
chegada de uma tempestade a Tacloban, no sábado (17), o Papa Francisco dirigiu-se à cidade para presidir a Missa
com os fiéis que o aguardavam. A
intensa chuva e os fortes ventos
não assustaram a multidão que se
reuniu no aeroporto local para participar da celebração.
Na homilia, o Santo Padre contou aos presentes que, de Roma,
quando viu a catástrofe provocada
pelo Tufão Yolanda, há 14 meses,
sentiu que tinha que estar ali. “Eu
quis vir para estar com vocês. Um
pouco tarde, é verdade. Mas estou”,
disse o Papa.
Dirigindo-se espontaneamente
aos presentes, Francisco explicou
que diante de todo o sofrimento
vivido pelos cidadãos de Tacloban, que perderam casa, familiares
ou ficaram enfermos, ele somente
30
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
guarda silêncio. “Não sei o que dizer-lhes, (…) os acompanho com o
coração em silêncio”.
Entretanto, o Pontífice afirmou
que Jesus sabe o que dizer a cada
um. “Jesus vai adiante de nós sempre. E quando passamos por alguma cruz, ele passou primeiro. (…)
Jesus não nos decepciona. Temos
um Senhor que é capaz de chorar
conosco, que é capaz de nos acompanhar nos momentos mais difíceis da vida”, destacou.
As lágrimas e o silêncio eram
visíveis entre os presentes, à medida que Francisco falava.
“Muitos de vocês se perguntaram olhando para Cristo, ‘por
que, Senhor?’ O Senhor responde a cada um no coração, do seu
coração. Não tenho outras palavras para dizer-lhes. Olhemos
para Cristo. Ele é o Senhor, Ele
nos compreende porque expe-
rimentou a Cruz”, disse o Papa.
Ao final da homilia, o Santo Padre convidou os fiéis a dirigirem
seu olhar a Nossa Senhora e a Jesus na cruz, e num momento de
silêncio, falarem o que traziam no
coração.
“Não estamos sozinhos”, afirmou o Pontífice. “Temos uma mãe,
temos Jesus, nosso irmão mais velho, não estamos sós. E também
temos muitos irmãos que neste
momento de catástrofe vieram encontrar-nos”.
O Papa concluiu pedindo desculpas por não ter outra palavra a
dizer aos presentes, e lembrou-os
mais uma vez, que Jesus não decepciona, nem mesmo Maria, com seu
amor e ternura. “Olhemos para ela
como filhos (…) Sigamos adiante!”
Na comunhão, fez a seguinte
oração: “Obrigado, Senhor, por
estardes conosco hoje. Obrigado,
Senhor, por compartilhardes os
nossos sofrimentos. Obrigado, Senhor, por nos dardes esperança.
Obrigado, Senhor, pela vossa grande misericórdia. Obrigado, Senhor,
porque quisestes ser como um de
nós. Obrigado, Senhor, porque estais sempre junto de nós, mesmo
nos momentos de cruz. Obrigado,
Senhor, porque nos dais a esperança. Senhor, que não nos roubem a
esperança! Obrigado, Senhor, porque na cruz, no momento mais escuro da vossa vida, Vos lembrastes
de nós e nos deixastes uma Mãe.
Obrigado, Senhor, por não nos terdes deixado órfãos”.
Após a Missa, o Santo Padre almoçou com 30 vítimas do Tufão, e
depois se deslocou até a Catedral,
para explicar aos sobreviventes da
catástrofe os motivos do cancelamento do encontro. Em seguida, o
Papa retornou a Manila.
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
HOMILIA IMPROVISADA EM TACLOBAN
Ouvimos, na primeira Leitura, que temos
um grande sacerdote que é capaz de Se
compadecer das nossas fraquezas, pois
Ele mesmo foi provado em todas as coisas,
exceto no pecado (cf. Heb 4, 15). Jesus é
como nós. Jesus viveu como nós. É igual a
nós em tudo; em tudo, exceto no pecado,
porque Ele não era pecador. Mas, para ser
mais igual a nós, revestiu-Se, tomou sobre
Si os nossos pecados. Fez-Se pecado (cf. 2
Cor 5, 21): é São Paulo quem no-lo diz e ele
conhecia Jesus muito bem. E Jesus sempre
nos precede: quando nós passamos através de alguma cruz, Ele já passou antes.
E, se hoje nos encontramos todos nós reunidos aqui, 14 meses depois de ter passado
o tufão Yolanda, é porque temos a certeza
de que não seremos desiludidos na fé, porque Jesus passou antes. Na sua paixão, tomou sobre Si todos os nossos sofrimentos.
E quando – deixai que vos faça uma confidência – quando de Roma vi esta catástrofe, senti que devia vir aqui. Naqueles dias,
decidi viajar até aqui. Quis vir estar convosco. Um pouco tarde: dir-me-eis. É verdade,
mas estou aqui.
Estou aqui para vos dizer que Jesus é o
Senhor, que Jesus não desilude. «Padre –
pode dizer-me um de vós -, a mim desiludiu-me porque perdi a casa, perdi a família,
perdi aquilo que tinha, estou doente...». É
verdade isto que me dizes, e eu respeito os
teus sentimentos; mas olho para Ele ali pregado, e dali não nos desilude. Ele foi consagrado Senhor naquele trono, e lá passou
por todas as calamidades que nós temos.
Jesus é o Senhor! E é o Senhor a partir da
Cruz; lá reinou! Por isso, Ele é capaz de compreender-nos, como ouvimos na primeira
leitura: fez-Se em tudo igual a nós. Por isso,
temos um Senhor que é capaz de chorar
conosco, é capaz de nos acompanhar nos
momentos mais difíceis da vida.
Muitos de vós perderam tudo. Eu não sei o
que dizer-vos. Mas Ele sim; Ele sabe o que
dizer-vos! Muitos de vós perderam parte
da família. Eu sei apenas permanecer em
silêncio, acompanho-vos com o meu coração em silêncio... Muitos de vós se puseram
esta pergunta olhando para Cristo: «Por
que Senhor?». E o Senhor responde a cada
um a partir do seu coração. Eu não tenho
outras palavras, para vos dizer. Olhemos
para Cristo: Ele é o Senhor e Ele compreende-nos, porque passou por todas as provas
que nos atingiram.
E, junto d’Ele crucificado, estava a Mãe. Nós
somos como a criança que está no chão:
nos momentos de aflição, de pena, nos
momentos em que não compreendemos
nada, nos momentos em que temos vontade de nos rebelar, só nos apetece estender
a mão e agarrar-nos ao seu avental e dizer-Lhe: «Mama!» Como uma criança que,
quando tem medo, diz: «Mama!» É talvez
a única palavra que pode exprimir o que
sentimos nos momentos escuros: «Mãe!
Mama!».
Façamos, juntos, um momento de silêncio.
Olhemos para o Senhor: Ele pode compreender-nos, porque passou por todas
estas coisas. E olhemos para a nossa Mãe,
e como a criança que está no chão agarremo-nos ao seu avental e, com o coração,
digamos-Lhe: «Mãe». Façamos, em silêncio,
esta oração; cada um diga-Lhe o que sente.
[silêncio]
Não estamos sozinhos, temos uma Mãe.
Temos Jesus, nosso irmão mais velho. Não
estamos sozinhos. Temos também tantos irmãos que, no momento da catástrofe, vieram
ajudar-nos. E também nós nos sentimos mais
irmãos, ajudando-nos, porque nos ajudamos
uns aos outros.
Isto é tudo o que me ocorre dizer-vos. Perdoai-me se não tenho outras palavras. Mas
tende a certeza que Jesus não desilude. Tende a certeza que o amor e a ternura da nossa
Mãe não desiludem. E, agarrados a Ela como
filhos e com a força que nos dá Jesus, nosso
irmão mais velho, vamos para diante. Caminhemos como irmãos. Obrigado.
Aeroporto Internacional de
Tacloban – Filipinas
Sábado, 17 de janeiro de 201
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TEMPESTADE MATA JOVEM
E ALTERA PROGRAMAÇÃO DO PAPA
jovem Kristel Mae Padasas, de 27 anos,
morreu ao ser atingida por um andaime
de aço devido ao forte vento da tempestade
tropical Mekkhala na área do aeroporto de Tacloban,
um pouco antes de ter início a celebração eucarística,
no sábado (17).
Kristel estava no local como voluntária, pois trabalhava para a associação Catholic Relief Services.
A notícia entristeceu muito o Papa, que mobilizou o
comitê organizador de sua viagem para se encontrar
com o pai Paulino da jovem no domingo, depois da
reunião com os jovens na Pontifícia Universidade
de Santo Tomas. Acompanhado por um primo da
jovem, o pai esteve com o Papa Francisco por mais
de 20 minutos, conforme relatado pelo Pe. Federico Lombardi. O Cardeal Luis Antonio Tagle atuou
como intérprete.
O pai mostrou ao Pontífice duas fotos de sua filha
e confidenciou a ele que estava chocado com o acontecido, mas sentia-se confortado pelo fato de que,
graças ao trabalho de sua filha, muitas pessoas puderam participar do encontro em Tacloban. A mãe
não participou do encontro, pois estava em viagem a
Hong Kong. Kristel era filha única.
No encontro com trinta mil jovens, pediu para
fazer alguns minutos de silêncio pela jovem; em seguida, invocou a intercessão de Maria e pediu para
rezar uma Ave Maria e um Pai Nosso por sua alma.
PROGRAMAÇÃO ALTERADA
Devido à tempestade – a primeira a passar pelo
arquipélago filipino este ano com ventos de até 130
km/h –, a programação de Francisco teve que ser
abreviada. O Papa voou de regresso a Manila quatro
horas antes do previsto, a conselho do serviço meteorológico.
Mas antes do vovo, ainda teve tempo para almoçar rapidamente com os 30 familiares das vítimas do
O Papa Francisco
consolou o pai
da jovem morta
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tufão na residência do Arcebispo de Palo, Dom John F.
Du.
Como a chuva era intensa, o Pontífice abençoou, do
papamóvel, o novo “Centro Papa Francisco para os pobres”, que ainda não foi inaugurado e é uma obra financiada pelo Cor Unum, o Conselho Pontifício encarregado
de iniciativas de caridade.
O encontro previsto com o clero local, às 15h30 (hora
local) na Catedral de Palo, foi cancelado, mas Francisco
passou pela igreja para saudar todos os presentes – cerca
de 500 pessoas – e explicar-lhes o motivo da mudança de
programa:
“Obrigado por suas calorosas boas-vindas; devo lhes
dizer uma coisa que me entristece: estava programado
que o avião voltasse a Manila às 17h, mas um tufão do 2º
grau se aproxima e o piloto disse que temos que ir embora às 13h. Desculpo-me por isso”, acrescentou o Pontífice,
que em seguida rezou uma ‘Ave Maria’ e abençoou os fiéis.
Momentos depois, recebeu de presente a imagem de
uma virgem entalhada na madeira das ruínas da Catedral, que ficou destruída com o tufão Yolanda. O Papa
Francisco quis, todavia, conhecer uma família de pescadores de Tacloban, com quem permaneceu cerca de dez
minutos.
A chuva e o forte vento na cidade não impediram que
milhares de cidadãos, cobertos com capas e capuzes, lotassem as ruas para assistir à passagem do papamóvel.
Uma média de 20 tempestades tropicais atinge todos
os anos as Filipinas.
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ÍNTEGRA DO DISCURSO QUE FARIA NA CATEDRAL DE PALO
Queridos irmãos e irmãs!
Saúdo-vos a todos com grande afeto no Senhor. Sinto-me feliz pelo fato de nos podermos
encontrar nesta catedral da Transfiguração do
Senhor. Esta casa de oração, a par de muitas
outras, foi restaurada graças à notável generosidade de tantas pessoas. Ergue-se como sinal
eloquente do imenso esforço de reconstrução,
que vós, com os vizinhos, empreendestes depois da devastação causada pelo tufão Yolanda.
Mas é também um memorial concreto, para
todos nós, de que o nosso Deus atua continuamente, mesmo nos desastres e nas tribulações,
fazendo novas todas as coisas.
Muitos de vós sofreram enormemente não só
pela destruição causada pelo tufão, mas também pela perda de membros da família e amigos. Hoje confiamos à misericórdia de Deus
aqueles que morreram e invocamos a sua
consolação e a sua paz para aqueles que ainda choram. Recordamos de maneira especial
a quantos de nós, anuviados pelo sofrimento,
sentem dificuldade em ver o caminho a seguir.
Ao mesmo tempo agradecemos ao Senhor
por aqueles que trabalharam nestes meses
para retirar os escombros, visitar os doentes
e os moribundos, confortar os atribulados e
enterrar os mortos. A sua bondade e a ajuda
generosa recebida de muitíssimas pessoas de
todo o mundo são um sinal real de que Deus
nunca nos abandona.
De modo especial quero agradecer aqui a
tantos sacerdotes e religiosos que corresponderam, com enorme generosidade, às desesperadas carências das pessoas dos locais mais
intensamente atingidos. Através da vossa presença e da vossa caridade, deste testemunho
da beleza e verdade do Evangelho. Tornastes
presente a Igreja como fonte de esperança,
cura, misericórdia. Juntamente com muitíssimos vizinhos, demonstrastes também a profunda fé e a capacidade de renascimento do
povo filipino. As inúmeras histórias pessoais de
bondade e sacrifício, surgidas daqueles dias escuros, devem ser recordadas e transmitidas às
gerações futuras.
Há pouco, benzi o novo Centro para os Pobres,
que se destaca como mais um sinal do cuidado e solicitude da Igreja pelos nossos irmãos
e irmãs necessitados. E são tantos! Oh como
Deus os ama! Hoje, a partir deste lugar que
experimentou um sofrimento e uma carência
humana tão profundos, peço que se faça mais
pelos pobres. Peço sobretudo que os pobres
do país inteiro sejam tratados de forma equitativa, que a sua dignidade seja respeitada, que
as abordagens políticas e econômicas sejam
justas e inclusivas, que as oportunidades de
emprego e educação sejam desenvolvidas e
que sejam removidos os obstáculos na prestação dos serviços sociais. O critério com que
tratarmos os pobres será o mesmo com que
seremos julgados (cf. Mt 25, 40.45). Peço a
todos vós e a quantos são responsáveis pelo
bem da sociedade que reafirmem o compro-
misso com a justiça social e o resgate dos pobres, tanto aqui como em toda a nação filipina.
Por fim, quero deixar uma palavra de sincero
agradecimento aos jovens presentes, incluindo os seminaristas e os jovens consagrados.
Muitos dentre vós mostraram uma generosidade heroica nas circunstâncias subsequentes
ao tufão. Espero que sempre vos deis conta de
que a verdadeira felicidade provém de ajudar
os outros, oferecendo-nos nós mesmos em
sacrifício por eles com misericórdia e compaixão. Então sereis uma força poderosa para
a renovação da sociedade, não só na obra de
reconstrução dos edifícios, mas também, e
muito mais importante, na edificação do Reino de Deus, reino de santidade, justiça e paz
na vossa terra natal.
Queridos sacerdotes e consagrados, queridas
famílias e amigos, nesta catedral da Transfiguração do Senhor, peçamos que as nossas vidas
continuem a ser sustentadas e transfiguradas
pela força da sua ressurreição. Confio-vos todos
à proteção amorosa de Maria, Mãe da Igreja.
Que Ela alcance, para vós e para todos os amados habitantes destas terras, as bênçãos da consolação, da alegria e da paz do Senhor. Deus vos
abençoe a todos.
ENCONTRO COM SACERDOTES, RELIGIOSAS, RELIGIOSOS, SEMINARISTAS E FAMÍLIAS
Catedral de Palo, Manila
Sábado, 17 de Janeiro de 2015
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ENCONTRO COM OS JOVENS
“NÃO SEJAM
JOVENS DE MUSEU”
encontro do Papa Francisco
com os jovens em Manila,
no domingo (18), foi marcado pela emoção. Uma das jovens
que falou para o Papa não conseguiu
conter as lágrimas. Tocado pelos testemunhos, Francisco abandonou o
discurso preparado para falar o que
lhe veio ao coração. Ele se desculpou
por não ler o que estava preparado,
mas justificou sua decisão: “A realidade que vocês apresentaram é superior a todas as respostas que eu tinha
preparado”.
“Quando falo de maneira espontânea, faço isso em espanhol, porque
não conheço a língua inglesa. Posso
fazer isso? Muito obrigado!”, disse o
Papa, explicando seu objetivo para o
encontro: exprimir o amor e a esperança que a Igreja tem pelos jovens
e encorajá-los a se dedicarem com
paixão e honestidade para renovar a
sociedade e contribuir na construção
de um mundo melhor.
No encontro, três jovens que já foram moradores de rua apresentaram
seus testemunhos ao Papa. Um deles
era uma menina, que se emocionou,
não conseguiu conter as lágrimas e
foi consolada por Francisco. Ela perguntou ao Papa algo que, segundo o
Pontífice, não tem resposta: por que
as crianças sofrem?
Francisco destacou que as pesso| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
as só conseguem entender alguma
coisa quando o coração está pronto
para interrogar a si mesmo e chorar.
Ele falou da “compaixão” mundana,
que consiste em, no máximo, dar
uma moeda. “Se Cristo tivesse tido
esse tipo de compaixão, seria simplesmente passado, teria curado três
ou quatro pessoas e teria voltado ao
Pai. Somente quanto Cristo foi capaz
de chorar compreendeu o que acontecia nas nossas vidas”.
No mundo de hoje falta essa capacidade de chorar, disse o Papa: “Algumas realidades da vida são vistas
apenas com os olhos lavados pelas
lágrimas”. Ele pediu que as pessoas
aprendam a chorar, como a pequena
jovem fez hoje, pois isso é necessário
para um bom cristão.
A pergunta do outro jovem foi
sobre o excesso de informação dos
dias atuais. Não se trata de um mal,
disse o Papa, mas há o perigo de
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acumular informação e não saber
como utilizá-la. “Corremos o risco
de nos transformarmos em jovens
de museu, que têm tudo, mas não
sabem o que fazer. Não precisamos
de jovens ‘museu’, mas de jovens sábios”.
Para se tornar, sábio, porém,
Francisco reconheceu que há o desafio do amor: é preciso aprender a
amar. Ele enfatizou que é através do
amor que toda a informação se torna
fecunda e o Evangelho propõe três
linguagens simples para isso: pensar,
sentir e realizar. “As informações que
recebemos devem chegar ao coração
e se transformarem em algo concreto”.
O outro testemunho foi de um jovem que, junto a um grupo de amigos, criou um sistema de iluminação
para ajudar os atingidos pelo tufão
Yolanda. Francisco agradeceu por
esse trabalho e destacou que, assim
como é preciso dar, deve-se aprender
a receber.
Como exemplo, ele citou os doutores da lei do tempo de Jesus, que
davam as leis ao povo, ensinavam as
pessoas, mas nunca permitiu que o
povo desse alguma coisa a eles. Segundo o Papa, há muitos jovens assim, que sabem dar, mas não sabem
receber.
“Não é fácil de compreender.
Aprender a mendigar, aprender a
receber da humildade daqueles que
ajudamos. Aprender a ser evangelizados pelos pobres (…) Vocês que
vivem dando sempre e acreditam
não precisar de nada, sabem que
também vocês são pobres? Sabem
que estão na pobreza e que precisam
ser evangelizados pelos pobres, pelos
doentes, por aqueles que vocês ajudam? Isso é o que vos ajuda a amadurecer no vosso empenho e querer
ajudar os outros”
viagem APOSTÓLICA às filipinas
A MENINA QUE EMOCIONOU O PAPA
Glyzelle Palomar, de 12 anos, vive numa instituição que tenta recuperar crianças abandonadas. Num encontro entre o Papa e os jovens, questionou Francisco sobre a realidade dos meninos da rua, que ela própria experimentou: “Muitas crianças envolvem-se em drogas e prostituição. Por que Deus permite que estas coisas
aconteçam? As crianças não são culpadas de nada”. As perguntas foram interrompidas pelas lágrimas. Quando
se recompôs, abraçou-se ao Papa. Em resposta, Francisco pôs de lado o discurso. E disse: “Falta ao mundo a
capacidade de chorar”.
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
ÍNTEGRA DO DISCURSO
Começo por uma notícia triste. Ontem, quando
estava prestes a principiar a Missa, caiu uma das
torres e atingiu uma jovem, que morreu. O seu
nome é Cristal. Ela trabalhou na organização
daquela Missa. Tinha 27 anos, era jovem como
vós e trabalhava para uma associação. Era uma
voluntária. Queria que nós todos juntos – vós,
jovens como ela – rezássemos em silêncio por
um minuto e depois invocássemos a nossa Mãe
do Céu.
[Silêncio. Ave Maria…].
Façamos uma oração também por seu pai e sua
mãe. Era filha única. A sua mãe está em viagem
de Hong Kong, enquanto o pai já chegou a Manila e espera a esposa.
É uma alegria para mim estar hoje convosco.
Saúdo cordialmente a cada um de vós e agradeço a todos aqueles que tornaram possível
este encontro. Durante a minha visita às Filipinas, senti uma vontade particular de me encontrar convosco, queridos jovens, para vos escutar
e falar. Desejo exprimir o amor e a esperança
que a Igreja tem por vós. A minha intenção é
encorajar-vos, como cidadãos cristãos deste
país, na oferta de vós mesmos feita com entusiasmo e honestidade para o grande compromisso de renovar a vossa sociedade e contribuir
para a construção de um mundo melhor.
De modo especial, agradeço aos jovens que me
dirigiram palavras de boas-vindas: Jun, Leandro
e Rikki. Muito obrigado!
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Um aparte… sobre a reduzida representação
das mulheres. Demasiado pouco! As mulheres
têm muito a dizer-nos na sociedade atual. Às
vezes somos demasiado machistas, e não deixamos espaço à mulher. Mas a mulher sabe ver
as coisas com olhos diferentes dos homens. A
mulher sabe fazer perguntas que nós, homens,
não conseguimos compreender. Senão vede…
Ela [indica Glyzelle] fez hoje a única pergunta
que não tem resposta. E não lhe vinham as palavras, teve de a dizer com as lágrimas. Assim,
quando vier o próximo Papa a Manila, que haja
mais mulheres!
Agradeço-te, Jun, que apresentaste com tanta
coragem a tua experiência. Como disse antes,
o núcleo da tua pergunta quase não tem resposta. Somente quando formos capazes de
chorar sobre as coisas que vós vivestes, é que
podemos compreender qualquer coisa e dar alguma resposta. A grande pergunta que se põe
a todos: Por que sofrem as crianças? Por que
sofrem as crianças? Precisamente quando o coração consegue pôr a si mesmo a pergunta e
chorar, então podemos compreender qualquer
coisa. Há uma compaixão mundana que para
nada serve! Uma compaixão que, no máximo,
nos leva a meter a mão na carteira e dar uma
moeda. Se esta tivesse sido a compaixão de
Cristo, teria passado, teria curado três ou quatro pessoas e teria regressado ao Pai. Somente
quando Cristo chorou e foi capaz de chorar é
que compreendeu os nossos dramas.
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Queridos moços e moças, no mundo de hoje
falta o pranto! Choram os marginalizados, choram aqueles que são postos de lado, choram
os desprezados, mas aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades
não sabemos chorar. Certas realidades da vida
só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um de vós a perguntar-se:
Aprendi eu a chorar? Quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada,
uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade? Oh! O meu
não passa do pranto caprichoso de quem
chora porque quereria ter mais alguma coisa?
Esta é a primeira coisa que vos queria dizer:
aprendamos a chorar, como ela [Glyzelle] nos
ensinou hoje. Não esqueçamos este testemunho. A grande pergunta – por que sofrem as
crianças? – foi feita por ela ao chorar e a grande resposta que lhe podemos dar todos nós é
aprender a chorar.
No Evangelho, Jesus chorou, chorou pelo amigo morto. Chorou no seu coração por aquela
família que perdeu a filha. Chorou no seu coração, quando viu aquela pobre mãe viúva que
levava o seu filho ao cemitério. Comoveu-Se e
chorou no seu coração, quando viu a multidão
como ovelhas sem pastor. Se vós não aprenderdes a chorar, não sois bons cristãos. E este é um
desafio. Jun lançou-nos este desafio. E quando
nos fizerem a pergunta «por que sofrem as
viagem APOSTÓLICA às filipinas
crianças, porque acontece isto ou aquilo de trágico na vida», que a nossa resposta seja o silêncio ou a palavra que nasce das lágrimas? Sede
corajosos, não tenhais medo de chorar.
A seguir veio Leandro Santos. Fez perguntas
sobre o mundo da informação. Hoje, com tantos mass-media, estamos superinformados:
será mal isto? Não. Isto é bom e ajuda, mas
corremos o perigo de viver acumulando informações. E temos tantas informações, mas talvez não saibamos o que fazer com elas. Corremos o risco de nos tornarmos «jovens-museu»
e não jovens sapientes. Poder-me-íeis pedir:
Padre, como se chega a ser sapiente? E este
é outro desafio: o desafio do amor. Qual é o
assunto mais importante que é preciso aprender na universidade? Qual é o mais importante que se deve aprender na vida? Aprender a
amar! E este é o desafio que o dia de hoje vos
põe: aprender a amar! Não só acumular informações, sem saber o que fazer delas. É um
museu. Mas, através do amor, fazer com que
esta informação seja fecunda. Com este objetivo, o Evangelho propõe-nos um caminho
sereno, tranquilo: usar as três linguagens, ou
seja, a linguagem da mente, a linguagem do
coração e a linguagem das mãos. E usar estas
três linguagens de forma harmoniosa: aquilo
que pensas, isso mesmo sentes e realizas. A
tua informação desce ao coração, comove-o
e realiza-se. E isto harmoniosamente: pensar o
que se sente e o que se faz. Sentir aquilo que
penso e faço; fazer o que penso e sinto. As três
linguagens. Sois capazes de repetir, em voz
alta, as três linguagens?
O verdadeiro amor é amar e deixar-me amar.
É mais difícil deixar-me amar do que amar. Por
isso é tão difícil chegar ao perfeito amor de
Deus, porque podemos amá-Lo, mas o importante é deixar-se amar por Ele. O verdadeiro
amor é abrir-se a este amor que nos precede
e gera surpresa. Se tudo o que possuís é informação, toda a informação, estais fechados às
surpresas; o amor abre-te às surpresas: o amor
é sempre uma surpresa, porque pressupõe
um diálogo a dois. Entre quem ama e quem
é amado. E nós dizemos que Deus é o Deus
das surpresas, porque Ele nos amou primeiro e
espera-nos com uma surpresa. Deus surpreende-nos... Deixemo-nos surpreender por Deus!
E não tenhamos a psicologia do computador:
crer que sabe tudo. Isto que quer dizer? Um átimo e o computador dá-te todas as respostas,
nenhuma surpresa. No desafio do amor, Deus
manifesta-Se com surpresas. Pensemos em São
Mateus… Era um bom homem de negócios;
mas traía a sua pátria porque recolhia os impostos dos judeus para os dar aos romanos. Enfim,
estava cheio de dinheiro e recebia os impostos.
Passa Jesus, fixa-o e diz-lhe: «Segue-Me!» Aqueles que estavam com Jesus, dizem: Chama este
que é um traidor, um vilão? Ele vive agarrado ao
dinheiro... Mas a surpresa de ser amado vence-o e ele segue Jesus. Naquela manhã, quando
se despedia da esposa, nunca teria pensado
que iria voltar sem dinheiro e com pressa para
dizer à sua esposa que preparasse um banquete. O banquete para Aquele que o tinha amado
primeiro; que o havia surpreendido com algo
mais importante do que todo o dinheiro que
ele tinha.
Deixa-te surpreender pelo amor de Deus! Não
tenhas medo das surpresas, que te agitam,
põem em crise, mas de novo te colocam em
caminho. O verdadeiro amor impele-te de gastar a vida, mesmo com o risco de ficares com
as mãos vazias. Pensemos em São Francisco:
deixou tudo, morreu com as mãos vazias, mas
com o coração cheio.
Estais de acordo? Não jovens de museu, mas
jovens sapientes. Para ser sapientes, usai as três
linguagens: pensar bem, sentir bem e fazer
bem. E para ser sapientes, deixai-vos surpreender pelo amor de Deus! Ide e gastai a vida!
Obrigado pela tua contribuição de hoje!
Quem veio com um bom programa para nos
ajudar a ver que podemos fazer na vida foi Rikki.
Contou todas as atividades, tudo aquilo que fazem, tudo o que querem fazer. Obrigado, Rikki!
Obrigado pelo que fazeis, tu e os teus companheiros. Mas, quero fazer-te uma pergunta: Tu e
os teus amigos estais comprometidos em dar
– dais, dais, dais, ajudais... –, mas deixais também
que vos deem? Responde no teu coração. No
Evangelho, que há pouco ouvimos, há uma frase que, para mim, é a mais importante de todas.
O Evangelho diz que Jesus fitou o olhar naquele
jovem e o amou (cf. Mc 10, 21). Quando alguém
vê o grupo de Rikki e os seus companheiros,
gosta muito deles porque fazem coisas muito
boas, mas a frase mais importante que Jesus diz
é: «Falta-te apenas uma coisa» (Mc 10, 21). Cada
um de nós ouça em silêncio esta frase de Jesus:
«Falta-te apenas uma coisa».
Que me falta? A todos aqueles que Jesus ama
muito porque dão muito aos outros, eu per-
gunto: Deixais vós que os demais vos deem outras riquezas que vós não tendes? Os saduceus,
os doutores da Lei do tempo de Jesus davam
muito ao povo, davam a Lei, ensinavam, mas
nunca deixaram que o povo lhes desse qualquer coisa. Teve que vir Jesus para Se deixar
comover pelo povo. Quantos jovens como vós,
que estão aqui, sabem dar, mas não são igualmente capazes de receber!
«Falta-te apenas uma coisa». Isto é o que nos
falta: aprender a mendigar daqueles a quem
damos. Isto não é fácil de compreender: aprender a mendigar. Aprender a receber da humildade daqueles a quem ajudamos. Aprender
a ser evangelizados pelos pobres. As pessoas
que ajudamos – pobres, doentes, órfãos…
– têm tanto para nos dar. Faço-me mendigo
e peço também isto? Ou então sinto-me autossuficiente e sei apenas dar? Vós que viveis
dando sempre e julgais que de nada precisais,
sabeis que sois verdadeiramente pobres? Sabeis que tendes uma grande pobreza e precisais de receber? Deixas-te ajudar pelos pobres,
pelos doentes e por aqueles que ajudas? Isto
é o que ajuda a amadurecer os jovens comprometidos como Rikki no trabalho de dar aos
outros: aprender a estender a mão a partir da
sua miséria.
Há alguns pontos que eu tinha preparado. O
primeiro, que já disse, é aprender a amar e deixar-se amar. É o desafio da integridade moral.
Temos outro desafio, que é cuidar do meio ambiente. Isto não se deve apenas ao fato de que
o vosso país, mais do que outros, corre o risco
de ser seriamente afetado pelas alterações climáticas.
E, finalmente, há o desafio dos pobres. Amar os
pobres. Os vossos bispos querem que vos preocupeis com os pobres, sobretudo neste «Ano
dos Pobres». Vós pensais nos pobres? Sentis
com os pobres? Fazeis algo pelos pobres? E pedis aos pobres para vos darem aquela sabedoria
que eles possuem? Isto é o que eu vos queria
dizer. Perdoai-me porque não li quase nada do
que tinha preparado. Mas há uma expressão
que me consola um pouco: «A realidade é superior à ideia». E a realidade que apresentastes,
a realidade que sois é superior a todas as respostas que eu tinha preparado. Obrigado!
Campo Desportivo da Universidade
de São Tomás, Manila
Domingo, 18 de Janeiro de 2015
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
sete MILHÕ
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
ES
Papa reúne a
maior multidão
na história das
viagens papais
s filipinos já tinham o recorde de público na visita de
um papa, conseguido com o
Papa João Paulo II durante a Jornada
Mundial da Juventude em 2005. Mas
nesta viagem do Papa Francisco eles
deram outra grande demonstração
de fé ao reunir 7 milhões de pessoas
no Rizal Park, em Manila, durante a
última celebração do Papa Francisco
na capital filipina.
“Temos seis milhões” de pessoas,
disse o presidente da Autoridade de
Desenvolvimento de Manila, Francis
Tolentino, durante a celebração, mas
o número foi revisado, horas mais
tarde, para 7 milhões de pessoas.
Os filipinos comemoraram junto
com Francisco o dia de Santo Niño –
uma festa onde se venera a imagem
do Menino Jesus, vestido em trajes
reais, coroado e ornado com o cetro, o globo e a cruz. O Papa usou da
festividade para lembrar os fiéis de
serem sempre como crianças e espalharem o Reino de Cristo no mundo.
Santo Niño, disse o Papa, “recorda-nos a nossa identidade mais profunda: todos nós somos filhos de Deus,
membros da família de Deus”.
Na Missa, o Pontífice pediu aos
fiéis do país, cuja grande maioria da
população é católica, para que sejam
missionários na Ásia, onde o catolicismo é a religião de apenas 3,2% da
população. “As Filipinas são o país líder na Ásia. É um dom de Deus, uma
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
bênção, mas também é uma vocação.
Os Filipinos são chamados a ser missionários da fé na Ásia”, afirmou, na
homilia realizada em Manila, perante milhões de pessoas, apesar da forte
chuva que atingia a capital.
Francisco criticou a corrupção, o
conformismo, o desperdício, as ameaças contra o meio ambiente e “os
ataques insidiosos” contra a família.
A missa em Manila foi um dos
pontos altos da visita de cinco dias
do papa ao país. Protegido com uma
capa impermeável amarela, o pontífice, de 78 anos, acenou e sorriu ao
longo do percurso que fez no seu papamóvel, até chegar ao local da celebração.
O mal causado pelo pecado tam-
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bém foi recordado pelo Papa na homilia. Francisco atribuiu ao pecado a
destruição da unidade e da beleza da
família humana e a autoria das estruturas sociais que perpetuam a pobreza, a ignorância e a corrupção. Mas,
ainda neste sentido, Francisco disse
que a grande ameaça ao plano de
amor de Deus é, e sempre foi, a mentira que tem por pai, o diabo. Ele,
disse o Papa, tem a função de distrair
o homem com “prazeres efêmeros e
passatempos superficiais”.
“Desta forma, desperdiçamos os
dons recebidos de Deus, entretendo-nos com apetrechos fúteis; gastamos
o nosso dinheiro em jogos de azar
e na bebida; fechamo-nos em nós
mesmos. Esquecemos de nos centrar
nas coisas que realmente contam.
Esquecemo-nos de permanecer interiormente como crianças”, refletiu.
Entretanto, o Santo Padre recordou que uma Criança, o Santo
Niño, trouxe ao mundo a bondade
de Deus, a misericórdia e a justiça.
“Resistiu à desonestidade e à corrupção, que são a herança do pecado, e
triunfou sobre elas com o poder da
cruz”. “Agora, no final da minha visita às Filipinas, entrego-vos a Jesus
que veio estar entre nós como criança. Que Ele torne todo o amado povo
deste país capaz de trabalhar unido,
de se proteger mutuamente a começar pelas vossas famílias e comunidades, na construção de um mundo de
justiça, integridade e paz”, concluiu.
viagem APOSTÓLICA às filipinas
ÍNTEGRA DO DISCURSO
«Um menino nasceu para nós, um filho nos
foi dado» (Is 9, 5). Sinto uma alegria particular
por celebrar convosco o domingo do «Santo Niño». A imagem do Santo Menino Jesus
acompanhou a difusão do Evangelho neste
país desde o início. Vestido com os trajes reais, coroado e ornado com o cetro, o globo e
a cruz, recorda-nos continuamente a ligação
entre o Reino de Deus e o mistério da infância
espiritual. Disto mesmo nos fala Ele no Evangelho de hoje: «Quem não receber o Reino
de Deus como um pequenino, não entrará
nele» (Mc 10, 15). O «Santo Niño» continua a
anunciar-nos que a luz da graça de Deus brilhou sobre um mundo que habitava nas trevas, trazendo a Boa-Nova da nossa libertação
da escravidão e guiando-nos pela senda da
paz, do direito e da justiça. Além disso, recor-
da-nos que fomos chamados para espalhar o
Reino de Cristo no mundo.
Ao longo da minha visita, ouvi-vos cantar:
«Somos todos filhos de Deus». Isto é o que
o «Santo Niño» nos vem dizer. Recorda-nos a
nossa identidade mais profunda. Todos nós
somos filhos de Deus, membros da família
de Deus. São Paulo disse-nos hoje que, em
Cristo, nos tornamos filhos adotivos de Deus,
irmãos e irmãs em Cristo. Isto é o que nós somos. Esta é a nossa identidade. Vimos uma
belíssima expressão disto, quando os filipinos
se uniram em torno dos nossos irmãos e irmãs atingidos pelo tufão.
O Apóstolo diz-nos que fomos abundantemente abençoados porque Deus nos escolheu: «no alto do Céu [Ele] nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais
em Cristo» (Ef 1, 3). Estas palavras têm uma
ressonância especial nas Filipinas, porque é o
maior país católico na Ásia. E isto é já um dom
especial de Deus, uma bênção; mas é também uma vocação: os filipinos são chamados
a ser exímios missionários da fé na Ásia.
Deus escolheu-nos e abençoou-nos com
uma finalidade: ser santos e irrepreensíveis
na sua presença (cf. Ef 1, 4). Escolheu cada
um de nós para ser testemunha, neste mundo, da sua verdade e da sua justiça. Criou
o mundo como um jardim esplêndido e
pediu-nos para cuidar dele. Todavia, com o
pecado, o homem desfigurou aquela beleza natural; pelo pecado, o homem destruiu
também a unidade e a beleza da nossa família humana, criando estruturas sociais que
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viagem APOSTÓLICA às filipinas
O dia de Santo Niño é uma festa onde se venera a imagem do Menino Jesus, vestido em trajes reais, coroado e ornado com o cetro, o globo e a cruz
perpetuam a pobreza, a ignorância e a corrupção.
Às vezes, vendo os problemas, as dificuldades e as injustiças, somos tentados a desistir.
Quase parece que as promessas do Evangelho não são realizáveis, são irreais. Mas a Bíblia diz-nos que a grande ameaça ao plano
de Deus a nosso respeito é, e sempre foi, a
mentira. O diabo é o pai da mentira. Muitas
vezes, ele esconde as suas insídias por detrás
da aparência da sofisticação, do fascínio de
ser «moderno», de ser «como todos os outros». Distrai-nos com a miragem de prazeres
efêmeros e passatempos superficiais. Desta
forma, desperdiçamos os dons recebidos de
Deus, entretendo-nos com apetrechos fúteis;
gastamos o nosso dinheiro em jogos de azar
e na bebida; fechamo-nos em nós mesmos.
Esquecemos de nos centrar nas coisas que
realmente contam. Esquecemo-nos de permanecer interiormente como crianças. Na
realidade, estas – como nos ensina o Senhor
– têm uma sabedoria própria, que não é a sabedoria do mundo. É por isso que a mensagem do «Santo Niño» é tão importante. Fala
profundamente a cada um de nós; recorda-
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-nos a nossa identidade mais profunda, aquilo que somos chamados a ser como família
de Deus.
O «Santo Niño» recorda-nos também que
esta identidade deve ser protegida. Cristo
Menino é o protetor deste grande país. Quando Ele veio ao nosso mundo, a sua própria
vida esteve ameaçada por um rei corrupto.
O próprio Jesus viu-Se na necessidade de ser
protegido. Ele teve um protetor na terra: São
José. Teve uma família aqui na terra: a Sagrada
Família de Nazaré. Desta forma, recorda-nos a
importância de proteger as nossas famílias e
a família mais ampla que é a Igreja, a família
de Deus, e o mundo, a nossa família humana.
Hoje, infelizmente, a família tem necessidade
de ser protegida de ataques insidiosos e programas contrários a tudo o que nós consideramos de mais verdadeiro e sagrado, tudo o
que há de mais nobre e belo na nossa cultura.
No Evangelho, Jesus acolhe as crianças, abraça-as e abençoa-as. Também nós temos o dever de proteger, guiar e encorajar os nossos
jovens, ajudando-os a construir uma sociedade digna do seu grande patrimônio espiritual
e cultural. Especificamente, temos neces-
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sidade de ver cada criança como um dom
que deve ser acolhido, amado e protegido. E
devemos cuidar dos jovens, não permitindo
que lhes seja roubada a esperança e sejam
condenados a viver pela estrada.
Uma criança frágil trouxe ao mundo a bondade de Deus, a misericórdia e a justiça. Resistiu
à desonestidade e à corrupção, que são a herança do pecado, e triunfou sobre elas com
o poder da cruz. Agora, no final da minha visita às Filipinas, entrego-vos a Jesus que veio
estar entre nós como criança. Que Ele torne
todo o amado povo deste país capaz de trabalhar unido, de se proteger mutuamente a
começar pelas vossas famílias e comunidades, na construção dum mundo de justiça,
integridade e paz. O «Santo Niño» continue
a abençoar as Filipinas e a sustentar os cristãos desta grande nação na sua vocação de
ser testemunhas e missionários da alegria do
Evangelho, na Ásia e no mundo inteiro.
Por favor, rezai por mim. Deus vos abençoe
a todos!
Santa Missa no Rizal Park em Manila – Filipinas
Domingo, 18 de janeiro de 2015
viagem APOSTÓLICA às filipinas
DESPEDIDA EMOCIONANTE
papa Francisco partiu na segunda-feira (19) das Filipinas
rumo a Roma após uma visita de cinco dias ao país que terminou
no domingo com uma missa em Manila, da qual participaram sete milhões de pessoas, qualificado como o
maior evento papal da história.
O pontífice foi hoje de novo recebido por centenas de milhares de
filipinos, que foram para às ruas para
acompanhá-lo no caminho desde a
Nunciatura do Vaticano em Manila,
onde ficou hospedado, até a base aérea de Villamor.
Também foram se despedir do
papa o presidente das Filipinas, Benigno Aquino III, e o arcebispo de
Manila, Luis Antonio Tagle, junto
com vários oficiais do Governo.
Antes de partir, várias crianças,
que foram os grandes protagonistas
da visita papal, voltaram a dar o toque de festa ao evento e dedicaram a
ele uma dança.
Finalmente, o avião papal, no
qual viajam também 77 jornalistas
internacionais que acompanharam a
visita do Papa, decolou da base aérea
às 10h12 (horário local).
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
Coletiva no voo de regresso
Padre Lombardi - Santo Padre, obrigado por vir
até aqui. Vemo-lo em grande forma depois destes
dias de visita e agradecemos-lhe por nos dar de
novo trabalho para fazer hoje também, porque,
com a sua conversa, faz-nos trabalhar durante
toda a viagem.
Papa Francisco - Antes de mais nada, quero
saudar-vos. Bom dia, obrigado pelo vosso trabalho. Foi bom, e muito obrigado pelo que fizestes.
Kara David, grupo filipino - Bom dia, Santo
Padre. Desculpe, vou falar em inglês. Muito obrigado por ter visitado o nosso país e por dar tanta
esperança aos filipinos. Gostaríamos que voltasse ao nosso país. A minha pergunta: Os filipinos
aprenderam muito ouvindo a sua mensagem. Há
alguma coisa que o Santo Padre tenha aprendido
dos filipinos do seu encontro conosco?
Papa Francisco - Os gestos! Os gestos comoveram-me. Não são gestos protocolares... São gestos bons, gestos sentidos, gestos que vêm do
coração. Alguns quase fazem chorar. Neles está
tudo: a fé, o amor, a família, a esperança, o futuro... Aquele gesto dos pais quando levantavam
as crianças para que o Papa as abençoasse. O
gesto de um pai... Havia tantos que levantavam
as crianças quando eu passava pela estrada.
Um gesto que não se vê em outros lugares. Era
como se dissessem: este é o meu tesouro, este é
o meu futuro, este é o meu amor; por ele vale a
pena trabalhar, por ele vale a pena sofrer. É um
gesto original, nascido do coração.
O segundo gesto que me impressionou muito
foi um entusiasmo sincero, o júbilo, a alegria;
eram capazes de fazer festa mesmo sob a chuva. Dizia-me um dos cerimoniários que ficou
edificado porque os acólitos em Tacloban, com
toda aquela chuva, nunca perderam o sorriso.
É a alegria, a alegria sincera. Não era um sorriso maquiado, não; era um sorriso que vinha
de dentro. E, por detrás daquele sorriso, há a
vida normal, existem as tribulações, existem os
problemas... Outro gesto: as mães que traziam
os filhos doentes; e o modo como as mães os
traziam. As mães não levantavam tanto os filhos... até aqui [até ao braço]. Sim, viam-se tantas crianças deficientes, mas não escondiam a
criança, levavam-na ao Papa para que a abençoasse. Este é o meu filho: é assim, mas é meu.
Todas as mães sabem disso e fazem-no; mas a
maneira de como fazer é que me impressionou.
O gesto da paternidade, da maternidade, do
entusiasmo, da alegria. E há uma palavra que é
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de difícil compreensão para nós porque foi demasiado vulgarizada, usada demasiado mal ou
mal compreendida, mas é uma palavra que tem
substância: a resignação. Um povo que sabe sofrer e que é capaz de se levantar e ir adiante. Ontem, no colóquio que tive com o pai de Krystel
– a jovem voluntária que morreu em Tacloban
– fiquei edificado [com aquilo que me disse]:
«Morreu em serviço», e procurava palavras para
se confortar, para aceitar aquilo. Um povo que
sabe sofrer. Foi isto o que eu vi, segundo a minha interpretação dos gestos.
Jean-Louis de la Vaissière, da France Presse,
pelo grupo francês - Santidade, já foi duas vezes
à Ásia. Os católicos na África ainda não receberam
a sua visita. O Santo Padre sabe que, desde a República Centro-Africana à Nigéria e a Uganda, há
muitos fiéis atribulados pela pobreza, a guerra, o
fundamentalismo islâmico que esperam a sua visita este ano. Assim queria-lhe perguntar: Quando
e onde pensa ir?
Papa Francisco - A minha resposta é hipotética. O plano é ir à República Centro-Africana
e a Uganda; os dois, neste ano. Creio que será
lá para o fim, por causa do tempo. Devem encontrar a melhor condição climática, que não
haja mau tempo. Está um pouco atrasada esta
viagem por causa do problema do ebola. É uma
grave responsabilidade promover grandes encontros devido ao contágio. Mas, nestes países,
isso não é problema. Como hipótese, neste ano,
serão os dois citados.
Salvatore Izzo, da AGI - Agência Italiana de
Informação, pelo grupo italiano - Santo Padre,
em Manila estávamos num albergue muito bom,
eram todos muito gentis e comia-se muito bem.
Mas logo que se deixava o hotel, éramos – digamos assim – moralmente agredidos pela pobreza.
Víamos crianças que vagavam no meio dos desperdícios; tratados, diria talvez Vossa Santidade,
como desperdícios. Sabe?! Tenho um filho de seis
anos e senti vergonha ao ver estes que estão tão
mal. Mas o meu filho, que se chama Rocco, compreendeu muito bem aquilo que Vossa Santidade
nos ensina quando diz para partilhar com os pobres. E assim, a caminho da escola, procura distribuir o lanche pelos mendigos da área. Para mim,
porém, é muito mais difícil. E também para outras
pessoas adultas é difícil. Um único Cardeal, há 40
anos, deixou tudo para ir estar com os leprosos
(Léger). Bem, a minha pergunta é esta: Por que é
tão difícil seguir aquele exemplo, mesmo para os
Cardeais? Entretanto há outra coisa que lhe que-
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ria perguntar, mas diz respeito ao Sri Lanka. Lá
vimos todas aquelas favelas, quando íamos para
o aeroporto. São barracas apoiadas nas árvores;
vivem praticamente debaixo das árvores. A maioria são tâmeis, claramente discriminados. O Santo
Padre, no dia seguinte ao massacre de Paris, talvez
como primeira impressão, disse: «Há um terrorismo isolado e um terrorismo de Estado». Que queria dizer com a expressão «terrorismo de Estado»?
Ocorreu-me aquela expressão ao ver o sofrimento
e a discriminação daquelas pessoas.
Papa Francisco - Quando uma de vós me perguntava qual era a mensagem que levava para
as Filipinas, eu disse: os pobres. É a mensagem
da Igreja hoje. Aquilo que o senhor diz do Sri
Lanka, dos tâmis, da discriminação... Os pobres,
as vítimas desta cultura do descarte. Isso é verdade. Hoje não se descarta apenas o papel, o
que sobra. Descartam-se as pessoas. E a discriminação é um tipo de descarte. Descartam-se
estas pessoas. Vem-me ao pensamento a imagem das castas... Isto não pode continuar. E o
descarte hoje parece quase normal. O senhor
falava do hotel de luxo ao lado das barracas.
Na minha diocese de Buenos Aires, havia toda
uma área nova, chamada Puerto Madero, até à
estação ferroviária, e depois começa a «Villa Miseria», os pobres, uns atrás dos outros. Da parte
de cá, existem 36 restaurantes de luxo, que, se lá
fores comer, levam-te couro e cabelo; da parte
de lá, temos a fome. Uma coisa pegada à outra;
e nós temos tendência para nos habituar a isto.
Sim, aqui estamos nós, e lá estão os descartados. Esta é a pobreza, e creio que a Igreja deve
dar sempre maior exemplo nisto, deve rejeitar
todo o mundanismo. Para nós, consagrados,
bispos, padres, religiosas, leigos que acreditam verdadeiramente, o pecado mais grave, a
ameaça mais grave é o mundanismo. É tão feio
quando se vê um consagrado, um homem da
Igreja, uma religiosa, mundanos. É feio. Este não
é o caminho de Jesus. É o caminho duma ONG
que se chama Igreja. Mas esta ONG não é a Igreja de Jesus. Porque a Igreja não é uma ONG, é
outra coisa. Mas, quando uma parte da Igreja –
estas pessoas – se torna mundana, transforma-se numa ONG e deixa de ser a Igreja. A Igreja
é Cristo morto e ressuscitado para nossa salvação, é o testemunho dos cristãos que seguem
a Cristo. Aquele escândalo de que falou é verdade: sim, muitas vezes nós escandalizamos os
cristãos; escandalizamos quer sejamos padres
quer leigos, porque é difícil o caminho de Jesus.
É verdade; a Igreja deve despojar-se.
O senhor fez-me voltar com o pensamento
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
àquela expressão terrorismo do Estado: que
este descarte seja uma espécie de terrorismo.
Verdadeiramente, eu nunca o tinha pensado;
mas, deixa-me pensar. Não sei, de verdade, que
lhe dizer; uma coisa é certa, não se trata de carícias; é como dizer: Não, tu não! Tu fora…
Ou aquilo que aconteceu aqui em Roma. Um
sem-abrigo, coitado, tinha uma dor de barriga; e, quando tens uma dor de barriga e vais
ao hospital, às Urgências, dão-te uma aspirina
ou qualquer coisa do gênero, ou marcam-te
consulta quinze dias depois: daqui a quinze
dias volta aqui. Então o homem foi ter com um
padre, este viu-o, compadeceu-se e disse-lhe:
«Levo-te ao hospital, mas tu faz-me um favor:
quando eu começar a explicar aquilo que tens,
finge que desmaias» E assim aconteceu: um
artista, fê-lo bem. Era uma peritonite. Este homem estava descartado. Se fosse sozinho, era
descartado e morria. Aquele pároco era sagaz
e ajudou-o bem. Vivia longe do mundanismo.
Isto será terrorismo? Bem... pode-se pensar que
seja... pensá-lo com cautela. Obrigado! Os melhores votos para a Agência.
Jan-Christoph Kitzler, da ARD, a rádio alemã,
pelo grupo alemão - Obrigado, Santo Padre. Eu
gostaria de voltar brevemente ao encontro que
teve com as famílias. Lá falou da «colonização ideológica». Poder-nos-ia explicar um pouco melhor
a expressão? Depois, referiu-se ao Papa Paulo VI,
falando dos casos particulares que são importantes na pastoral das famílias. Pode dar-nos alguns
exemplos destes casos particulares e, quem sabe,
dizer-nos mesmo se há necessidade de abrir as
estradas, alargar o corredor destes casos particulares?
Papa Francisco - Quanto à colonização ideológica, direi apenas um exemplo que eu mesmo
constatei. Vinte anos atrás, em 1995, uma Ministra da Educação pedira um grande empréstimo
para construir escolas para os pobres. Deram-lhe o empréstimo com a condição de que, nas
escolas, houvesse um livro para as crianças de
certo grau de escolaridade. Era um livro escolar,
um livro didaticamente bem preparado, onde
se ensinava a teoria do gênero. Esta senhora
precisava do dinheiro do empréstimo, mas havia aquela condição. Sagaz, disse que sim e fez
preparar outro livro, tendo dado os dois e assim
resolveu o problema... Esta é a colonização ideológica: invadem um povo com uma ideia que
não tem nada a ver com o povo: com grupos do
povo, sim; mas não com o povo. E colonizam o
povo com uma ideia que altera ou quer alterar
uma mentalidade ou uma estrutura. Durante
o Sínodo, os bispos africanos lamentavam-se
disto mesmo: que, para certos empréstimos, se
imponham determinadas condições. Limito-
-me a dizer este caso que vi. Porque falo de
«colonização ideológica»? Porque agarram-se
precisamente à necessidade de um povo: aproveitam-se das crianças para ali entrar e consolidar-se. Mas isto não é novo. Fizeram o mesmo
as ditaduras do século passado; entraram com
a sua doutrina. Pensai nos «Balilla» (jovens aliciados pelo fascismo), pensai na Juventude Hitleriana... Colonizaram o povo; queriam fazê-lo.
Mas, quanto sofrimento! Os povos não devem
perder a liberdade. O povo tem a sua cultura, a
sua história; cada povo tem a sua cultura. Mas,
quando chegam condições impostas pelos impérios colonizadores, procuram fazer com que
os povos percam a sua identidade para se criar
uniformidade. Esta é a globalização da esfera:
todos os pontos são equidistantes do centro.
Mas, a verdadeira globalização – como gosto
de dizer – não é a da esfera. É importante globalizar, não como a esfera, mas como o poliedro,
isto é, que cada povo, cada parte mantenha a
sua identidade, o seu ser, sem acabar colonizada ideologicamente. Estas são as «colonizações
ideológicas». Há um livro (desculpai, se faço
publicidade!), há um livro intitulado “Lord of the
World” [Senhor do Mundo]. Talvez inicialmente
o estilo nos pareça um pouco pesado, porque
foi escrito no ano 1907, em Londres; naquela
época, o escritor viu este drama da colonização
ideológica e descreve-o no livro. O autor é Benson; escreveu-o em 1907, recomendo-vos a sua
leitura. Lendo-o, compreendereis bem o que
quero dizer com «colonização ideológica».
Esta era a primeira questão. A segunda: Que
queria eu dizer de Paulo VI? É certo que a abertura à vida é uma condição do sacramento do
Matrimônio. Um homem não pode dar o sacramento à mulher nem a mulher ao homem se
ambos não estão de acordo sobre este ponto:
estar abertos à vida. Tanto é assim que, se se
puder provar que um tal ou uma tal se casou
com a intenção de não estar aberto à vida,
aquele matrimônio é nulo; a falta de abertura à
vida é causa de nulidade matrimonial. Paulo VI
estudou isto com uma comissão: como proceder para ajudar tantos casos, tantos problemas,
problemas importantes que dificultam o amor
da família. Problemas de todos os dias. Muitos,
muitos... Mas era qualquer coisa de mais grave.
A recusa de Paulo VI não incidia sobre os problemas pessoais, a propósito dos quais dirá depois
aos confessores para serem misericordiosos e
compreenderem as situações e perdoarem, isto
é, serem misericordiosos, compreensivos. Mas,
ele olhava para o neomalthusianismo [newmalthusiana é a atualização da Teoria populacional
malthusiana, criada pelo demógrafo, arquiteto
e engenheiro Thomas Malthus. Para os neomalthusianos, a superpopulação dos países é
a causa do subdesenvolvimento desses países]
universal em expansão. E como se reconhece
este neomalthusianismo? É a natalidade abaixo
de 1% na Itália; e o mesmo em Espanha. Aquele
neomalthusianismo que visava o controle da
humanidade pelas grandes potências. Isto não
significa que o cristão deve fazer filhos em série. Há alguns meses, numa paróquia, censurei
uma mulher porque estava grávida do oitavo
depois de sete cesarianas. «Mas a senhora quer
deixar sete órfãos?» Isto é tentar a Deus. Fala-se
de paternidade responsável. Este é o caminho:
a paternidade responsável. Mas aquilo que eu
queria dizer era que Paulo VI não tivera uma
visão antiquada, fechada. Não. Foi um profeta,
que daquele modo nos disse: cuidado com o
neomalthusianismo que está chegando. Era
isto que eu queria dizer. Obrigado.
Padre Lombardi - Entretanto, uma informação.
Estamos de novo sobre a China. Até parece que
estamos ganhando o hábito de fazer estas conferências com o Papa enquanto sobrevoamos a
China, como já sucedeu ao regressar da Coreia.
Valentina Alazraki, pelo grupo espanhol Santidade, no nosso voo para as Filipinas, usou
uma determinada imagem e relativo gesto com o
nosso bom Gasbarri, ou seja, que se ele insultasse
sua mãe mereceria um soco. Esta frase criou um
pouco de confusão e não foi bem compreendida
por todos, no mundo, porque parecia dizer que,
perante uma provocação, talvez se justificasse um
pouco uma reação violenta. Poder-nos-ia explicar
um pouco melhor o que queria dizer?
Papa Francisco - Em teoria, podemos dizer
que uma reação violenta perante uma ofensa,
uma provocação – em teoria, sim?! – não é uma
coisa boa, não se deve fazer. Em teoria, podemos dizer o que diz o Evangelho, ou seja, que
devemos apresentar a outra face. Em teoria,
podemos dizer que temos a liberdade de exprimir e esta é importante. Em teoria, estamos
todos de acordo. Mas somos humanos, e existe
a prudência, que é uma virtude da convivência
humana. Eu não posso insultar, provocar uma
pessoa continuamente, porque arrisco-me de a
irritar e receber uma reação não justa, não justa.
Mas é humano. Por isso, digo que a liberdade de
expressão deve ter em conta a realidade humana, digo que se deve ser prudente. É um modo
de dizer também que se deve ser educado.
Prudente. A prudência é a virtude que regula as
nossas relações humanas. Eu posso ir até este
ponto; mais além, não. Era isto o que eu queria
dizer: em teoria, todos estamos de acordo que
há liberdade de expressão, que uma reação
violenta não é boa, que é sempre má. Todos
estamos de acordo. Mas, na prática, contenha-
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viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
mo-nos um pouco, porque somos humanos e
corremos o risco de provocar os outros e, por
isso, a liberdade deve ser acompanhada pela
prudência. Queria dizer isto.
Nicole Winfield, da Associated Press dos Estados Unidos, pelo grupo inglês - Santo Padre, pelo grupo inglês, queria de novo perguntar
sobre as viagens deste ano. O Santo Padre disse-nos já que estava prevista a viagem à América.
Mencionou três cidades: Nova York, Washington
e Filadélfia; mas, com a canonização de Junípero Serra, perguntamo-nos se não estará prevista
também uma etapa na Califórnia ou nas fronteiras do México. E depois, na América do Sul, disse
à nossa colega Isabel Piqué que estavam previstas três viagens ou uma viagem em três países
da América do Sul. Quais são? E pensa beatificar
pessoalmente o Arcebispo Romero, considerado
recentemente mártir?
Papa Francisco - Começo pelo último ponto.
Aqui haverá uma guerra entre o Cardeal Amado e o Arcebispo Paglia; qual dos dois fará a beatificação? Não eu, pessoalmente: a cerimônia
para os Beatos é normalmente celebrada pelo
Cardeal do Dicastério ou outro.
Da última pergunta, passemos à primeira: os
Estados Unidos. Sim, as três cidades são as indicadas: Filadélfia, para o Encontro das Famílias, Nova York – tenho já a data, mas não me
lembro dela – para a visita às Nações Unidas e
Washington. São estas três. Gostaria de ir à Califórnia para a canonização de Junípero Serra,
mas há o problema do tempo: são necessários
mais dois dias. Penso fazer tal canonização no
Santuário de Washington. É um acontecimento
nacional. Em Washington (creio que no Capitólio) há mesmo uma estátua de Junípero. Penso
que seja lá. Entrar nos Estados Unidos pela fronteira do México seria interessante, como sinal
de fraternidade e ajuda aos emigrantes, mas o
senhor sabe que ir ao México sem visitar Nossa
Senhora seria um drama e poder-se-ia desencadear uma guerra! E também porque haveria
necessidade de mais três dias. Enfim, ainda não
está tudo definido. Penso que serão apenas
estas três cidades. Haverá tempo depois para
ir ao México. Esqueci-me de qualquer coisa?
Ah, quanto aos países latino-americanos, estão
previstos três para este ano (está tudo ainda em
fase de estudo): Equador, Bolívia e Paraguai. Estes três. No próximo ano, se Deus quiser, desejava visitar (mas ainda não está nada resolvido)
Chile, Argentina e Uruguai. E falta incluir o Peru,
que não sabemos onde colocá-lo... Mas é isto!
Carla Lim, pelo grupo filipino - Bom dia, Santo Padre. Agradeço-lhe por inspirar o meu país.
Em nome do povo filipino, muito lhe agradeço.
50
Perdoe-me por não poder falar italiano. O Santo
Padre mencionou em alguns dos discursos nas Filipinas a corrupção, dizendo que esta tira recursos
ao povo. Que se pode fazer, Santidade, para combater a corrupção, e não só no governo mas talvez
na Igreja também?
Papa Francisco - Esta é forte! Hoje, no mundo,
a corrupção é assunto de todos os dias e o comportamento corrupto encontra, rápida e facilmente, ninho nas instituições. Dado que uma
instituição tem tantos setores, aqui e além, tem
tantos dirigentes e vice-dirigentes, é muito fácil
que nela possa fazer ninho a corrupção. Toda a
instituição pode cair nisto. A corrupção é tirar
do povo. A pessoa corrupta, que faz negócios
corruptos, governa de forma corrupta ou se
associa com outras para fazer um negócio corrupto, rouba do povo. As vítimas são as pessoas
que ele [aponta para Salvatore Izzo] viu perto
do albergue de luxo: aquelas são as vítimas da
corrupção. A corrupção não está fechada em si
mesma: move-se. E mata, sabe? A corrupção,
hoje, é um problema mundial. Uma vez, no ano
2001 mais ou menos, perguntei ao Chefe de gabinete do Presidente de então (era um governo
que pensávamos fosse menos corrupto; e era
verdade: não era tão corrupto aquele governo):
«Diga-me, as ajudas que enviais para o interior
do país, em dinheiro ou coisas para comer, vestir... de tudo isso quanto chega ao destino?»
Imediatamente aquele homem, que é um homem verdadeiro, com as mãos limpas, diz-me:
«Cerca de 35%». Assim ele me disse, em 2001,
na Argentina.
E agora, a corrupção nas instituições eclesiais.
Quando falo da Igreja, gosto de pensar nos fiéis,
nos batizados, na Igreja inteira. E é melhor falar
de pecadores. Todos somos pecadores. Mas,
quando falamos de corrupção, referimo-nos a
pessoas corruptas ou a instituições da Igreja que
caem na corrupção; e há casos, há. Recordo que
uma vez, no ano de 1994 – tinha acabado de
ser nomeado bispo do Bairro Flores, em Buenos
Aires – vieram ter comigo dois trabalhadores ou
funcionários de um Ministério, dizendo-me: «O
senhor tem aqui tanta necessidade, com tantos
pobres nas Villas Miséria». «Oh sim!» – retorqui;
e contei. «Nós podemos ajudá-lo. Conseguimos, se quiser, uma ajuda de 400.000 pesos».
Naquela altura, o peso e o dólar equivaliam-se:
eram 400.000 dólares americanos. «E vós conseguis?» «Mas certamente». Eu ouvia-os, pois,
«quando a esmola é demasiado grande, até o
Santo desconfia» e eles continuaram: «Para isso,
nós fazemos o depósito e depois o senhor dá-nos metade». Naquele momento, pensei: Que
fazer? Ou insulto-os e dou-lhes um pontapé
onde não bate o sol ou faço-me de desentendido. Fiz-me de desentendido. Disse-lhes (e era
| Comunicações | Viagem apostólica do Papa |
verdade!): «Os senhores sabem que nós, nas vicariatos, não temos conta; os senhores devem
fazer o depósito na arquidiocese com recibo».
«Ah, não sabíamos... prazer...» E foram-se embora. Mas depois pensei: Se estes dois vieram
diretamente ter comigo, sem pedir autorização
(é um pensamento mau!), é porque alguém já
lhes disse que sim. Mas é um pensamento mau!
A corrupção é fácil de fazer. Mas lembremo-nos
disto: pecadores, sim; corruptos, não! Corruptos, nunca! Devemos pedir perdão pelos católicos, pelos cristãos que escandalizam com
a sua corrupção. É uma praga, na Igreja; mas
existem tantos santos... santos pecadores, mas
não corruptos. Olhemos também para a outra
parte, para a Igreja santa! Também há algum...
Obrigado pela coragem de fazer esta pergunta.
Anaïs Feuga, de «Radio France», pelo grupo
francês - Estamos sobrevoando a China. Quando íamos para a Coreia, o Santo Padre disse-nos
que estava pronto para ir à China já amanhã. À
luz destas declarações, pode-nos explicar por que
não recebeu o Dalai Lama, quando recentemente
esteve em Roma, e como vão as relações com a
China?
Papa Francisco - Obrigado por esta pergunta.
Obrigado. É costume, no protocolo da Secretaria de Estado, não receber chefes de Estado ou
pessoas desse nível, quando estão em Roma
para uma reunião internacional. Por exemplo,
por ocasião da reunião da FAO, não recebi ninguém. Por isso é que ele não foi recebido. Vi que
alguns jornais disseram que não o recebi com
medo da China: isso não é verdade. Naquela
altura, a razão foi esta. Ele solicitou audiência,
e foi-lhe referida uma certa data. Tinha-a pedido antes, mas não para aquela ocasião; temos
bom relacionamento. Mas o motivo não foi a recusa da pessoa nem o medo da China. Estamos
abertos, e queremos a paz com todos. E como
estão as relações? O governo chinês é educado;
e nós também somos educados. Fazemos as
coisas passo a passo, como tudo o que se faz na
história. Ainda não se sabe; mas eles sabem que
eu estou disposto a receber ou a ir. Eles sabem
disso.
Marco Ansaldo, da «Repubblica», pelo grupo italiano - Santo Padre, acaba de fazer uma
viagem encantadora, muito rica, cheia de coisas
belas, aqui nas Filipinas. Mas eu gostaria de recuar
um passo, até porque o terrorismo atinge a cristandade, os católicos, em muitas partes do mundo. Vimo-lo ainda nestes últimos dias, no Níger;
mas os exemplos são muitíssimos. Ora o Santo
Padre, na última viagem que fizemos, ao regressar da Turquia fez um apelo aos líderes islâmicos
dizendo que era útil um passo, uma intervenção
viagem APOSTÓLICA ao sri lanka e às filipinas
muito firme da parte deles. Mas não me parece
que isto tenha sido tomado em consideração e
acolhido, apesar das suas palavras. Há alguns
países muçulmanos moderados – pode-se muito
bem dar o exemplo da Turquia – que mantêm,
a propósito do terrorismo (cito os casos do IS ou
mesmo do «Charlie Hebdo»), uma atitude pelo
menos ambígua. Pois bem, não sei se o Santo
Padre teve possibilidades, neste mês e meio,
de refletir e pensar como ir mais além do seu
convite, que não foi acolhido, e contudo era importante. O Santo Padre ou alguém por si – penso
na Secretaria de Estado, vejo aqui Mons. Becciu ou
o próprio Cardeal Parolin –, até porque este é um
problema que continuará a interpelar-nos.
Papa Francisco - Repeti aquele apelo no próprio dia da partida para o Sri Lanka, ao falar ao
Corpo Diplomático na parte de manhã. No discurso ao Corpo Diplomático, disse ser meu desejo que se exprimam os líderes religiosos, políticos, acadêmicos e intelectuais. O próprio povo
moderado islâmico pede isto aos seus líderes.
Alguns já fizeram qualquer coisa. Creio que é
preciso também dar-lhes um pouco de tempo,
porque, para eles, a situação não é fácil. Tenho
esperança, porque há tantas pessoas boas entre eles, tanta gente boa, tantos líderes bons, e
estou certo de que se chegará a isso. Mas queria
dizer e salientar que repeti o mesmo no dia da
partida.
Cristoph Schmidt, pelo grupo alemão - Santo
Padre, antes de mais nada queria dizer-lhe muito
obrigado por todos os momentos tão impressionantes desta semana. É a primeira vez que o
acompanho e gostaria de lhe dizer mil vezes obrigado. A minha pergunta: O Santo Padre falou da
multidão de crianças nas Filipinas, da sua alegria
por haver assim tantas crianças. Mas, segundo
as sondagens, a maioria dos filipinos pensa que
o enorme crescimento da população filipina é
uma das razões mais importantes para a pobreza
imensa do país, já que, em média, uma mulher,
nas Filipinas, dá à luz mais de três filhos na sua
vida, e a posição católica relativamente à contracepção parece ser uma das poucas questões em
que um grande número de pessoas nas Filipinas
não está de acordo com a Igreja. Que pensa disto?
Papa Francisco - Creio que o número de três
por família, mencionado pelo senhor, seja importante – de acordo com o que dizem os peritos – para manter a população. Três por casal.
Quando se desce abaixo deste nível, acontece
o outro extremo, como, por exemplo, na Itália onde ouvi dizer (não sei se é verdade) que,
em 2024, não haverá dinheiro para pagar aos
aposentados. A diminuição da população. Por
isso a palavra-chave para responder é esta expressão que usa sempre a Igreja, e eu também:
«paternidade responsável». Como se consegue
isto? Com o diálogo. Cada pessoa, com o seu
pastor, deve procurar o modo como fazer esta
paternidade responsável. Aquele exemplo,
que mencionei há pouco, de uma mulher que
esperava o oitavo filho e tinha sete com partos
cesáreos: isto é uma irresponsabilidade. «Não!
Eu confio em Deus». «Mas atenção! Deus dá-te
os meios; sê responsável». Creem alguns – desculpem a frase – que, para ser bons católicos,
devem ser como coelhos. Não. Paternidade
responsável. Isto é claro e por isso, na Igreja, há
os movimentos matrimoniais, há os especialistas no assunto, há os pastores, e investiga-se.
Eu conheço muitas e muitas soluções lícitas,
que serviram de ajuda para o efeito. Mas fez
bem em mo dizer. Há ainda outra coisa curiosa,
que é diversa mas está relacionada a isso. Para
as pessoas mais pobres, um filho é um tesouro.
É verdade que aqui se deve ser prudente. Mas,
para eles, um filho é um tesouro. Deus sabe
como ajudá-los. Talvez alguns não sejam prudentes nisto, é verdade. Paternidade responsável. Mas é preciso também ver a generosidade
daquele pai e daquela mãe que veem em cada
criança um tesouro.
Isabel Piqué, pelo grupo espanhol - Em representação do grupo espanhol, duas perguntas.
Foi uma viagem comovente para todos: vimos
chorar, em Tacloban, durante o tempo todo; nós
mesmos, jornalistas, choramos; ontem o Santo
Padre disse que o mundo precisa de chorar. Foi
tudo muito intenso. Queríamos perguntar qual
foi, para o Santo Padre, o momento mais intenso:
a Missa em Tacloban e depois, ontem, quando
aquela jovem se pôs a chorar... Esta é a primeira
pergunta. Depois, a segunda: Ontem o Santo Padre fez história, bateu o recorde de João Paulo II no
mesmo lugar, isto é, havia 6/7 milhões de pessoas.
Como vive isto? O Cardeal Tagle contou-nos que
no altar, durante a Missa, o Santo Padre lhe perguntou: «Mas quantas pessoas estão?» Assim,
como vive o fato de ter superado este recorde,
ter entrado na história como o Papa com a Missa mais numerosa da história?
Papa Francisco - A primeira: o momento mais
intenso. O de Tacloban, a Missa, para mim, foi intenso, muito intenso. Ver todo o povo de Deus
ali de pé, rezando, depois daquela catástrofe...
Pensar nos meus pecados e naquela gente...
Foi intenso, um momento muito intenso. Lá,
no momento da Missa, sentia-me como que
aniquilado, quase não me saía a voz. Não sei o
que me sucedeu; talvez fosse a emoção, não
sei. Mas, tudo o que sentia era isto: uma espécie
de aniquilação. E, depois, momentos intensos
foram os gestos, cada gesto. Quando passava
e um pai fazia assim [faz o gesto de levantar a
criança], eu dava a bênção, e ele dizia-me obrigado; para eles, era suficiente uma bênção.
Pensei: e eu com tantas pretensões, quero isto,
quero aquilo... Aquilo fez-me bem. Momentos
intensos. Mesmo quando soube que aterrissamos, em Tacloban, com um vento de 70 Km/h,
tomei a sério o aviso de que deveríamos sair à
uma hora da tarde, e não depois, porque havia
perigo. Mas não tive medo.
Quanto à grande presença, senti-me tão aniquilado. Aquele era o povo de Deus, e o Senhor
estava ali. É a alegria da presença de Deus que
nos diz: pensai bem que sois os servidores destas pessoas. Os protagonistas são elas...
E depois o fato do pranto. Uma das coisas que
se perde quando há demasiado bem-estar,
quando não se compreendem bem os valores,
ou quando nos habituamos à injustiça, a esta
cultura do descarte, é a capacidade de chorar.
É uma graça que devemos pedir. No Missal antigo, havia uma bela oração para se pedir o pranto. Dizia mais ou menos assim: «Ó Senhor, Vós
que fizestes com que Moisés fizesse sair, com a
sua vara, água do rochedo, fazei que da rocha
do meu coração saia a água das lágrimas». É
uma belíssima oração. Nós, cristãos, devemos
pedir a graça de chorar, sobretudo os cristãos
abastados, e chorar pelas injustiças, chorar pelos pecados. É que o pranto abre-te à compreensão de novas realidades ou de novas dimensões da realidade. Foi aquilo que disse a jovem,
e também o que eu lhe disse a ela. Ela foi a única
a fazer aquela pergunta a que não se pode responder: «Por que sofrem as crianças?» O grande
Dostoiévski pôs a pergunta, mas não conseguiu
responder: Por que sofrem as crianças? Ela, sim,
com o seu pranto: uma mulher que chorava.
Quando digo que é importante que as mulheres sejam tidas mais em conta na Igreja, não é
só para lhes dar uma função de secretária num
dicastério; isso também pode ser. Mas não é
para isso; é para que elas nos digam como sentem e veem a realidade, porque as mulheres
olham a partir duma riqueza diferente, maior.
Outra coisa, que desejo sublinhar aqui: aquilo
que disse ao último jovem [no encontro com a
juventude], ou seja, que verdadeiramente trabalha bem, dá, organiza, ajuda os pobres. Mas
não esqueças – disse-lhe eu – que também nós
devemos ser mendigos junto deles, porque os
pobres evangelizam-nos. Se tiramos os pobres
do Evangelho, não podemos compreender a
mensagem de Jesus. Os pobres evangelizam-nos. «Eu vou evangelizar os pobres». Sim, mas
deixa-te evangelizar por eles, porque têm valores que tu não tens.
Agradeço-vos imensamente pelo vosso trabalho! Estimo-o. E muito obrigado.
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“Lolo Kiko”
(Vovô Chico, apelido carinhoso dos filipinos ao Santo Padre)

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