O discurso educacional no século XIX: a nova pedagogia em questão

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O discurso educacional no século XIX: a nova pedagogia em questão
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O DISCURSO EDUCACIONAL NO SÉCULO XIX:
A NOVA PEDAGOGIA EM QUESTÃO
Arlette Medeiros Gasparello
Heloisa de Oliveira Santos Villela
Universidade Federal Fluminense
RESUMO
A comunicação tem por objetivo discutir as idéias pedagógicas que configuravam o discurso educacional
produzido pelos intelectuais brasileiros na segunda metade do século XIX. Autores e tradutores de obras
sobre educação, divulgaram idéias novas da pedagogia européia e norte-americana, as quais inspiraram
mudanças na legislação sobre a instrução primária e secundária da Corte no Rio de Janeiro imperial.
Trata-se, portanto, de compreender as matrizes teóricas que se encontram nos modelos pedagógicos que
circulavam entre os intelectuais brasileiros que, de um lado, estavam ajudando a construir uma pedagogia
brasileira mais afinada com as questões do seu tempo – realista e científica e de outro, os que defendiam a
continuidade de um modelo clássico – humanista e literário. O texto resulta da pesquisa em andamento
sobre o nascimento de uma pedagogia com foco na produção didática dos professores/autores da escola
secundária brasileira e que analisa a instituição de novas pedagogias e saberes escolares nesse período. A
primeira fase da investigação priorizou o seu contexto interno: quem foram esses professores/autores? A
que grupo social pertenciam? Que tipos de obras escreveram e/ou traduziram? Em seguida, o contexto de
produção foi analisado tendo em vista a relação interna/externa:: quais os referenciais teóricos desses
autores? Como estabeleceram um diálogo com as idéias pedagógicas do seu tempo? Os resultados dessa
segunda fase do estudo são objeto deste trabalho. As principais fontes do estudo foram constituídas pelos
livros, artigos e pareceres de intelectuais brasileiros, e os textos traduzidos, comentados e divulgados por
esses autores em livros, jornais e congressos de ensino. A metodologia da pesquisa, definindo-se como
um exercício de ler textos relacionando-os aos contextos em que foram produzidos, é acompanhada por
uma análise cuidadosa das fontes existentes nos acervos arquivísticos consultados. Deste modo, numa
perspectiva relacional, a análise da produção pedagógica desses autores levou em consideração o estudo
de suas trajetórias de vida, seus escritos e atividades pedagógicas, na medida em que são relações que se
configuram na pluralidade da cultura educacional e dos demais processos sociais e culturais do seu tempo.
As formas de pensar e agir dos intelectuais-pedagogos com base em um contexto histórico e cultural
específico constitui um problema que pode ser situado nos domínios da nova história intelectual, que
possibilita diferentes enfoques, como o dos contextos de produção de idéias, dos agentes
socioprofissionais e das correntes de pensamento. Tais perspectivas possibilitam construir interfaces com
a história cultural, a história das idéias e a história dos intelectuais.
Nesse período, a figura do
autor/tradutor ganhou relevo. Tais autores eram, em geral, indivíduos ligados ao governo e que recebiam a
incumbência de relatórios e traduções de obras pedagógicas após viagens patrocinadas pelo poder público
ao exterior. A circulação de tais idéias permitiu alimentar a percepção do esgotamento de modelos
pedagógicos que estavam em desacordo com as mudanças culturais e sociais provocadas pelos novos
conhecimentos científicos e as demandas sociais de instrução pública e que se fortaleceram na realidade
histórica brasileira em transição para o século XX republicano. Uma percepção que está no centro do
debate sobre o ensino e que configurou um quadro no qual ganham relevo propostas de reformulação do
ensino, discussões e debates em eventos científicos, publicações e pareceres. Desse quadro, duas figuras
representativas do processo em andamento são aqui focalizadas: Joaquim Teixeira de Macedo e Rui
Barbosa.
O primeiro, quase desconhecido entre os historiadores da educação, foi um dos
intelectuais interessados na educação nacional e que se destacou como grande divulgador da pedagogia
alemã, através da tradução de leis, regulamentações e textos pedagógicos sobre a instrução pública da
Prússia e Áustria, publicados principalmente na década de 1880. Do segundo, que ao contrário, é muito
conhecido pelos pesquisadores por sua importância na cultura e política brasileira, foi objeto de análise o
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seu Parecer relativo à Reforma do ensino secundário e superior, redigido em 1882, onde expõe suas idéias
sobre educação fundamentadas em vasta literatura específica. Resultados: As fontes nos remetem aos
embates entre as diferentes visões pedagógicas naquele momento em que as humanidades são postas em
xeque tendo em vista propostas de um ensino de conteúdo científico. Foi possível identificar as principais
questões que mais polarizaram as discussões de intelectuais e políticos daquele momento. O período em
estudo mostrou-se privilegiado para a compreensão dos processos de constituição dos cursos primário,
secundário e de formação de professores no Brasil, sobretudo a partir da contribuição destes intelectuais
que divulgaram os novos modelos pedagógicos difundidos no eixo europeu e norte-americano, entre as
décadas de 60 e 90. Como agentes instituintes, realizaram um importante papel na ampliação de novos
campos de saberes, de organização do ensino e novas formas de ensinar e aprender.
TRABALHO COMPLETO
A segunda metade do século XIX brasileiro viveu um momento de efervescência de novas idéias e
propostas pedagógicas para a organização educacional brasileira. O aparecimento de traduções de livros
sobre idéias e práticas pedagógicas em outros países alimentou esse processo, no qual ganharam relevo os
intelectuais brasileiros interessados na educação nacional e nos princípios que configuravam uma
“pedagogia moderna”. O estudo desse processo cultural e histórico pode contribuir na compreensão de
processos sociais como os de mediação e divulgação de saberes culturais. Neste trabalho, que resulta de
pesquisa em andamento1 chamamos a atenção para esses processos, seus sujeitos e ações, que naquele
momento interferiram nas propostas de mudanças na legislação sobre a instrução primária e secundária da
Corte e do Império brasileiro. Um processo no qual os autores e textos analisados, foram agentes
instituintes da nova configuração cultural que esse período vivenciou, e do qual podem ser destacados o
surgimento e ampliação de novos campos de saberes, organização do ensino e formas de ensinar e
aprender.
Para a compreensão desse processo, a primeira etapa da investigação2 precisou caracterizar seu
contexto interno, na dimensão dos sujeitos que participavam desse ambiente3 específico. Na compreensão
de que o ato de produção do saber constitui uma modalidade do agir social e que todo sujeito do
conhecimento é, como tal, um agente político, como aponta Brandão (2003), após essa primeira
abordagem, outra vertente se delineou como fundamental para a análise da relação interna/externa desse
contexto de produção. A pesquisa procurou então responder: quais os referenciais teóricos desses autores?
Como estabeleceram diálogo com as idéias pedagógicas do seu tempo? Desse modo, a metodologia da
pesquisa, numa perspectiva relacional, definiu-se como um exercício de ler textos, relacionando-os aos
contextos em que foram produzidos, numa análise cuidadosa das fontes 4.
1
Trata-se de pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa História e Educação: saberes e práticas (GRUPHESP),
da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e coordenado pelas autoras, com apoio financeiro
APQ1 FAPERJ e de Bolsas de Iniciação Científica para os alunos Luiz Antonio Nunes Cavalcanti, Rosane Santos
Silva (FAPERJ) e Luisa Kaufman (PROPP/ UFF/CNPq).
2
Cf GASPARELLO & VILLELA, 2004; 2005; GASPARELLO, 2005).
3
Brandão (2003, p. 353) discute as conotações sociais e suas inter-relações do tempo, do espaço e do ambiente para
defender o conceito de ambiente como noção-chave para a compreensão de como se articulam tais referentes. Na
noção una de ambiente, destaca o seu “caráter de trama conjuntural da diferença”, que serve para compreender “o
que é distinto – e, como contrapartida, o que expressa identidade” (grifos nossos).
4
Os principais arquivos visitados foram: Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Real
Gabinete Português de Leitura, Arquivo Nacional, Biblioteca Histórica e Núcleo de Documentação e Memória do
Colégio Pedro II (NUDOM).
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As fontes5 nos remeteram aos embates entre diferentes visões pedagógicas que procuravam
responder aos desafios frente aos novos conhecimentos científicos, as necessidades de uma sociedade
urbana e novas matrizes intelectuais. Nesse momento, as humanidades são postas em xeque e surgem
críticas ao ensino com base nas belas letras e na retórica, com sugestões e propostas de reformulação dos
programas para um ensino de conteúdo científico. Tais questões foram temas de congressos, discursos e
obras educacionais.
Prenúncio de novas práticas e a circulação de um novo modelo
No Brasil, o governo imperial, ao adotar a política de instituição oficial de um ensino secundário
como curso regular e seriado, fundou o Colégio de Pedro II na Corte do Rio de Janeiro em 1837, segundo
o modelo de ensino literário e humanístico. Na Europa, o início do século XIX foi marcado por
experiências de implantação de novas propostas para esse nível de ensino, como na Prússia, onde se
consolidou mais cedo um modelo que serviu de inspiração a outros países. Entre esses, a França, que
enviou o filósofo, educador e historiador francês Victor Cousin, então membro do Conselho de Instrução
Pública e mais tarde ministro da Educação Pública do seu país, para estudar o sistema de instrução pública
da Alemanha e especialmente da Prússia. Em seu Relatório, Cousin ressaltou a utilidade das chamadas
Bürgerschullen (escolas burguesas), ainda não existentes em seu país e constituíam um tipo de escolas
intermediárias entre o ensino elementar “e os colégios de ensino secundário”. (Macedo, 1880, p. VII)
Suas idéias foram aproveitadas na Lei da reforma da educação primária francesa em 1833 com tentativas
de criação, sob diversos nomes, desse tipo de escolas, até que o Ministro Duruy, em 1865, as classificou
de ensino secundário especial. 6
No nível secundário, as “escolas realistas” (realcshulen), modelo que equilibrava a formação
literária e científica, tornaram-se a marca do dinamismo do ensino secundário alemão. Após a vitória dos
alemães na Guerra Franco-Prussiana, em 1870, o mundo europeu atribuiu a “superioridade alemã” ao seu
sistema de ensino. O modelo literário das humanidades, marca do ensino secundário francês, difundido
pelo mundo inclusive no Brasil, recebeu duras críticas que favoreceram reformas educacionais então
implementadas.
Por outro lado, a década de 1860 foi também marcada por grandes eventos internacionais que
favoreceram intercâmbios culturais. As exposições internacionais tornaram-se “vitrines” onde os vários
países expunham suas mais recentes conquistas tecnológicas. Concebidas para oferecer um panorama dos
avanços da indústria mundial até aquele momento, a partir de 1867 os países exporiam também nos seus
pavilhões o que possuíam de mais moderno em temos de inovações educacionais. (KUHULMAN JR,
1998)
Nesse período os Estados Unidos da América tornar-se-iam também referência importante no
campo educacional e alvo de convergência de atenções de outros países como a França, que em fins da
década de 60 enviou Célestin Hipeau para estudar-lhe o sistema de ensino. Mais tarde, o seu Relatório foi
largamente divulgado, inclusive no Brasil7.
Divulgadores de novos modelos: um funcionário-tradutor e um político-parecerista
Para compreender como as novas idéias educacionais repercutiram no Brasil e como serviram de
base a uma pedagogia nacional, a análise das produções de diferentes sujeitos tornou-se relevante.
Situados em instâncias diferenciadas de poder – na docência, na imprensa, na política, na administração –
tiveram seu interesse voltado para questões educacionais participando ativamente na configuração
5
As principais fontes do estudo foram os livros, artigos e pareceres de intelectuais brasileiros, e os textos traduzidos,
comentados e divulgados por esses sujeitos em livros, jornais e congressos de ensino.
6
Contudo, segundo Macedo, elas não prestaram serviços iguais aos das “Bürgerschullen”. Na década de 1870, tais
escolas foram fundidas com outras em um só tipo denominado Escolas Médias, “recebendo todos os
aperfeiçoamentos modernos” (Macedo, 1880, p. VII).
7
O governo mandou traduzir e imprimir a obra pela Typografia Nacional em 1871, portanto dois anos apenas depois
do original ter sido publicado (ver Hippeau, 1871).
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intelectual daquele período. Nesse processo atuaram de formas diferenciadas como mediadores
intelectuais, divulgadores de idéias, princípios e práticas, recriando-os e construindo propostas para o
ambiente brasileiro da época.
Desse quadro, selecionamos duas figuras representativas do processo cultural de apropriação e
reconstrução pelos intelectuais brasileiros dos projetos em andamento e teorias educacionais surgidas em
outros países: Joaquim Teixeira de Macedo e Rui Barbosa. A diferença marca os sujeitos e as produções
selecionadas para a discussão neste trabalho. O primeiro, quase desconhecido dos historiadores da
educação, foi um dos intelectuais desse período cujo interesse pela educação nacional tornou-o grande
divulgador da pedagogia alemã, tradutor de leis, regulamentações e textos pedagógicos sobre a instrução
pública da Prússia e Áustria, publicados principalmente na década de 1880. O segundo, muito conhecido
pelos pesquisadores por sua importância e prestígio na cultura e política brasileira, foi autor de importante
Parecer redigido em 1882, fundamentado em vasta literatura específica, onde expôs suas idéias sobre a
Reforma do ensino primário,secundário e superior
- Teixeira de Macedo
Sobre Joaquim Teixeira de Macedo quase não há registro quanto à vida e produção, como
observou Collichio (1976), em sua dissertação de mestrado sobre o autor. Sabe- que sua família tinha boas
relações com o governo imperial, obtendo funções e cargos em Ministérios do Império e que recebera
título honorífico de Cavaleiro da Ordem da Rosa.8 Doutorou-se em Ciências Jurídicas na Universidade de
Munich, base de sua cultura alemã; fez então parte do grupo de intelectuais cujas idéias tinham o caráter
do que ficou conhecido como germanismo” nesse período. Tradutor, atuava no jornalismo literário e
pedagógico, função comum aos intelectuais da época. Foi Chefe de Seção na Secretaria do Ministério dos
Negócios Estrangeiros e obteve do Ministro do Império autorização para publicar traduções, geralmente
do alemão, de regulamentos, decretos, relatórios e outros escritos, principalmente de obras pedagógicas,
que comentava em prefácios e outros textos. 9 Desse modo, interessado em educação, especializou-se em
traduzir pedagogos alemães, como Seyfarth, adepto das idéias de Pestalozzi, considerado, pelo autor e
tradutor, “base de toda pedagogia moderna”. Seus escritos e traduções circularam e foram discutidos nos
lugares de sociabilidade intelectual da época, como jornais, revistas10, a Exposição Pedagógica de 1883 e
outros, nos quais defende, não a aplicação direta da organização de ensino existente em outros países,
como a Prússia, mas a reflexão sobre tais concepções e experiências para possíveis reformulações da
educação brasileira.
Dentre suas publicações, sobressaem: A instrucção publica na Prússia (1871), Breves
Apontamentos para o estudo das questões relativas ao ensino normal primario e a educação popular
(1876) e Escolas Normaes, Escolas Industriais e Jardins de Infância (1880).
Aqui, discutimos os textos de 1871 e de 1880, nos quais Teixeira de Macedo apresenta textos de
Seyfarth e outros, quase desconhecidos à época.
É interessante como Teixeira de Macedo (1880, p. XVI) utiliza-se da imagem da fábrica para
situar diferentes níveis de intelectuais que participavam desses processos, distinguindo os autores teóricos
que denomina de “grandes vultos”, como Pestalozzi, dos pedagogos que o divulgam, como ele próprio.
Assim, com os termos “operários subordinados” e “engenheiros-chefes”, distingue o papel intelectual dos
diferentes autores e suas produções: aos tradutores e comentadores, como operários do saber, caberia a
tarefa de popularizar, divulgar e tornar inteligível as “questões difíceis”, as teorias e os princípios
pedagógicos discutidos nos textos dos engenheiros-chefes intelectuais. E, podemos dizer, ele mesmo, se
incluía nessa função, como divulgador de idéias e práticas, e como tal também construtor, sujeito ativo na
elaboração de novos saberes pedagógicos.
8
Sobre o autor, ver principalmente Collichio, 1976; Blake, 1970.
Publicou ainda traduções de Legislação sobre Alfândega dos Estados Unidos da América Septentrional (para os
dados biográficos, ver o Diccionário Bibliographico Portuguez, MDCCCLX, p. 157.
10
Revista Brasileira. 1º. Ano, Tomo II, Rio de jJneiro, N. Midosi Editor, 1879, p. 419-432 e 328-336.
9
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Em A instrucção publica na Prússia, de 1871, Macedo tem o cuidado de esclarecer que não
considerava possível “aplicar ao Brasil estatutos expressamente redigidos para um país cujas instituições
tanto diferem das nossas”. Porém analisa que o estudo de seus princípios básicos seria “proveitoso e útil”
para os brasileiros. (1871, p. 33), uma vez que o povo prussiano era “o primeiro do mundo em ilustração”,
servindo de modelo até para os Estados Unidos no que se referia à educação.
No livro de 1880, com sugestivo subtítulo Novos Apontamentos de origem alemã para o Estudo
das questões relativas à Educação Nacional, Teixeira de Macedo traduz diversos textos de L. W.
Seyfarth, reitor das “Escolas Urbanas” (2º grau primário) na Prússia e reproduz artigos seus publicados no
Jornal do Commercio, em 1878 e 1879. Em anexo, a tradução de legislação educacional prussiana.
A base teórica: Pestalozzi
Macedo (1880, p. XXIV), dá informações sobre a visita que Seyfarth teria feito ao Brasil em
1872, apresentando palestras sobre os princípios de Pestalozzi, no qual se inspirara para discutir a questão
de “como devia ser educado um mestre escola para desempenhar dignamente as suas funções”. Para o
tradutor, o texto de Seyfarth (1869) continha “matéria para mais de um livro, e sobretudo, para muitas
reflexões” mas esclarece que o próprio autor afirmava não ter “a pretensão de trazer novidades nem um
trabalho completo”.
Em seguida, apresenta o autor do texto traduzido e destaca que após quase um século, os
princípios de Pestalozzi são retomados por Seyfarth como “verdades eternas”. Com este “forte escudo” (os
princípios de Pestalozzi) o reitor Seyfarth teria se fortalecido “para combater as doutrinas de acanhada
instrução consignadas pelo seu governo nos célebres regulamentos de 1854”. 11 Ressalta que “não era o
regresso aos belos tempos” que Seyfarth defendia, pelo contrário, acompanhando “a marcha do século,
queria uma grande reforma das escolas do povo”, para uma instrução “verdadeiramente prática para os
que somente se destinavam às carreiras industriais”. Inclusive as escolas realistas do ensino secundário,
como estabelecimentos de preparatórios para os candidatos à Escola Normal, já pareciam ao reitor
Seyfarth “científicas demais”. No entanto, criticava o programa em vigor, pelo qual “o normalista devia
ser educado para lecionar somente na escola elementar, não aprendendo mais do que nesta lhe incumbisse
ensinar mais tarde”. (Macedo, 1880, p. XXIV)
- A organização do ensino
As medidas restritivas de 1854 tinham eliminado até a pedagogia nas escolas normais. Isto porque
teria havido um “excesso de teoria”, na antiga escola normal, devido a uma grande “liberdade científica”
então reinante na Prússia para os professores:
pesquisadores, tinham subdividido a Pedagogia em diferentes ramos, que sob as
denominações de Pedagógica (propriamente dita), Metodologia, Didática,
Catequese, Antropologia, Psicologia, etc., muito contribuíram para aprofundar a
ciência, porém afastavam cada vez mais as escolas primárias do seu verdadeiro
destino popular. (Macedo, 1880, p. XXIII)
Com sua luta, Seyfarth, embora não tenha obtido o restabelecimento da liberdade científica, como
desejava, conseguiu que a administração prussiana modificasse os regulamentos no sentido de “readmitir
os estudos da pedagogia oficialmente condenada em 1854”. (Macedo, 1880, p. XXVIII)
Pela reforma prussiana de 1869, a instrução é discriminada como primária, superior e universitária
ou acadêmica. Nesse processo de implantação de modelos institucionais de ensino que procuram
corresponder às concepções e necessidades de uma sociedade moderna, são utilizados diferentes nomes
que identificam suas finalidades. Por exemplo, o termo “escolas do povo” consideradas “indispensáveis a
todos os membros da nação” substitui o de “escola elementar”. (MACEDO, 1871, p. 41) Já as chamadas
“escolas burguesas” eram as intermediárias entre as escolas do povo e o ensino secundário, este destinado
“a fins científicos”. Desse modo, as “escolas burguesas” são entendidas como um grau mais elevado do
que as “escolas do povo”, e não como preparatório para as instituições de ensino secundário.
11
Os Regulamentos de 1854 sobre a instrução prussiana foram traduzidos por Macedo no livro de 1880.
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Nas escolas burguesas são aprofundados os estudos das matérias aprendidas na escola do povo,
especialmente a língua alemã, história, história natural. Podiam ainda ser ensinadas línguas estrangeiras,
sendo que nas lições de desenho, aritmética e geometria a orientação era o atendimento às necessidades
“da vida prática industrial” (MACEDO, 1871, p. 43)
As escolas de ensino secundário eram consideradas escolas superiores, com diferentes
denominações -ginásios, escolas realistas, pro-ginásios e escolas burguesas superiores – “mas são todas
igualmente destinadas a “proporcionar à mocidade masculina as bases de uma instrução científica, e
desenvolver a sua força moral” (MACEDO, 1880, p. 74) .
Pela reforma, o objetivo principal dos Gymnasios seria preparar os alunos para “o livre estudo das
ciências ensinadas na Universidade”, ou seja, ensinavam especialmente preparatórios (para os estudos
universitários). Os estabelecimentos que não reuniam as condições dos gymnasios completos, nem as das
escolas realistas, eram os denominados pro-gymnasios e escolas burguesas superiores.
As escolas realistas ensinavam as ciências para as carreiras da vida prática. Mas com o tempo,
“começaram a concorrer com a mesma finalidade, ou seja, proporcionar as bases científicas precisas para
uma instrução de natureza elevada”. As escolas realistas que pudessem oferecer o programa de latim
seriam reconhecidas como de 1ª. ordem. As demais seriam consideradas de 2ª. ordem. (MACEDO, 1880,
p. 74) A diferença seria que as escolas realistas preparavam para as escolas profissionais e escolas de
aplicação técnica, e os Gymnasios possuíam caráter mais universal Os pro-gymnasios seriam “ginásios
incompletos” e as escolas burguesas seriam “escolas realistas incompletas” (MACEDO, 1880, p. 107).
- Alguns princípios
A escola não é feita para o professor; o professor é quem se faz para a escola.
Seyfarth, 1869, apud Macedo, 1880, p. 46)
A leitura do texto de Macedo nos fornece um resumo um roteiro dos princípios divulgados por
Seyfarth que mais interessariam ao Brasil, dentre os quais destacamos:
- Um fator educativo
O que nos falta (para tudo vencer) é precisamente um fator educativo que, a
partir da escola e em continuação a ela, vai seguindo de guia no meio da vida
aos que saíram da mesma escola, quando a vida de família não se presta a isso
(Seyfarth, 1869, apud Macedo, 1880, p. XXVII)
Para Macedo (1880), Temos ainda de procurar esse “fator educativo” que acompanha o homem
antes mesmo dele entrar para a escola, e assinala que na Prússia esse fator já existiria há muito tempo:
Tal é o ponto cardeal para que sempre aponta o filósofo suíço e a que ele
subordina todas as particularidades de sua doutrina; é o princípio por meio do
qual remoçou idéias já antigas, pois que Rousseau e outros depois dele já se
tinham ocupado muito da “geral educação humana”, de conformidade com a lei
natural (Macedo, 1880, p. XXXII)
A educação do homem, nessa concepção, aproxima-se da noção de “ente moralizado”, que seria o
objetivo principal da educação. Nos dicionários da época pesquisados, moral refere-se ao procedimento e
aos costumes, mas o caráter de ente moralizado parece estar mais próximo à conotação de saber moral,
com respeito a tudo o que se relaciona à inteligência, às faculdades intelectuais, ou do espírito, bem como
ao estudo, em oposição ao que é físico e material (LACERDA, s.d., e CALDAS, s.d.)
O principal mérito de Pestalozzi teria sido transformar essas idéias em um sistema de ensino
prático, tendo sido a Prússia o país que melhor o compreendeu e praticou, “até a época em que entendeu
dever modificar seus princípios”, com os regulamentos de 1854 (Macedo, 1880, p. XXXII)
Em sua análise da organização do ensino Seifarth (apud Macedo, 1880, p. 41), percebe a
complexidade dos objetivos da educação na vida social. Para atender a essa complexidade, o autor defende
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reformas na legislação, para que a formação humana possa atender aos objetivos de formação humana
individual, e Aos sociais ou externos.
Defende, ainda, uma educação dos mestres que os habilite exercer a docência para além das
escolas elementares, posicionando-se, dessa maneira, frontalmente contra os estatutos vigentes, que
limitavam o conhecimento das escolas normais ao que seria ensinado nas escolas do povo:
O tradutor, ao refletir sobre tais questões, enfatiza que cada nação, como o Brasil, deveria procurar
se aproximar o mais possível desses princípios, a partir da reflexão de suas próprias circunstâncias locais.
- Uma nova organização do ensino
Em seu texto de 1869, Seyfarth faz uma série de considerações a respeito da instrução em geral,
defendendo a extensão do período da escola elementar. O autor acentua que a escola popular, ao iniciar “a
instrução até aos 14 anos, dá os primeiros elementos até essa idade, e é simplesmente uma escola
elementar”. Porém defende que pelo menos, até os 17 anos, o homem deve ser educado por meio da
escola: “aos 14 ou 15 anos pode cessar a instrução escolar; porém a educação pública, nunca (MACEDO,
1880, p. 42, grifos nossos)
Entretanto, Seyfarth recomenda que, para os “rapazes” cujas circunstâncias lhes permitiriam uma
educação “além do prazo propriamente marcado para a freqüência das escolas primárias, mas nem por isso
lhes conviriam as escolas reais ou os ginásios” conviria preferencialmente
as altas escolas burguesas; são exatamente as que mais se prestam para
continuar a primária de onde eles acabam de sair. Dariam também as melhores
aulas de preparatórios para as escolas normais, onde se formam os professores
públicos. E é lícito perguntar se à maioria da classe industrial não conviria mais
semelhante educação puramente burguesa do que o ensino dado nas escolas
reais, que sempre alimentam mais aspirações às ‘honrarias’. (MACEDO, 1880,
p. 44)
O autor ressalta então o que considera “duas exigências”: primeiro, “a criação de escolas de
educação progressiva para os meninos que aos 14 anos passam a aprender uma profissão ou vão seguir
qualquer outra carreira”; segundo, “a criação de altas escolas burguesas, em continuação às escolas
elementares e como complementos delas”. (MACEDO, 1880, p. 44)
- O método
Em defesa de suas idéias, Seyfarth cita diversos pedagogos e pensadores 12 , enfatizando que a
vida prática “determina a escolha da matéria do ensino”, mas que “as escolas não são simples
estabelecimentos de ensino para proporcionar somente conhecimentos e habilidades”. Ressalta que “da
educação do homem para ser homem resulta o método”. Na sua concepção de método, ganha significado a
idéia de formação humana do autor:
O método não consiste unicamente na elaboração da matéria de ensino pra os
fins da instrução (o que se chama didática); com ele tem-se principalmente uma
vista a maneira de tratar do homem como tal, e não das suas disposições e
faculdades; tem-se enfim de estudar a sua natureza e essência para educá-lo.
(MACEDO, 1880, p. 50)
- Rui Barbosa
12
Além de Pestalozzi, Seyfarth cita: Niemeyer, Herder, Froebel, Ch. Schwarz, Graser, Curtman, Diesteraweg,
Shulze, Meyer.
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A obra educacional de Rui Barbosa, encontra-se sintetizada nos “Pareceres” acerca do decreto de
1879, expedido pelo ministro do Império Carlos Leôncio de Carvalho.13 Como o decreto continha
disposições que dependiam da aprovação do legislativo, instaurou-se uma Comissão de Instrução Pública
para estudá-lo tendo sido Rui indicado como seu relator, em 1881. No ano seguinte, se apresentavam dois
pareceres, o primeiro entregue em abril, referia-se ao ensino secundário e superior e o segundo, de
novembro, tratava do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública14
Estudos15 sobre Rui Barbosa já mencionaram a sua espantosa capacidade de trabalho.
Especialmente sobre esses “Pareceres”, observou Lourenço Filho, “... a grande massa do material citado, a
variedade de seus assuntos, e a admirável propriedade com que aparecem os trechos transcritos ou
comentados, - tudo é na verdade de causar assombro”16. Jacobina Lacombe, no prefácio das Obras
Completas de Rui Barbosa, ressalta também a repercussão que tiveram esses relatórios em sua época e
posteriores destacando ainda sua recepção além de nossas fronteiras como, por exemplo, no elogio
constante do Annuaire de Législation Étrangère, publicado pela Société de Legislation Comparée e nas
referência honrosas feitas pelo professor da Universidade de Coimbra e depois presidente da República,
Bernardino Machado 17.
Lacombe (1947) destaca, ainda, a feição de inquérito que o trabalho de Rui assumiu em torno da
situação do ensino. Distanciando-se do que era a expectativa comum em relação aos relatórios
parlamentares, em geral superficiais, o relator não se isolou em seu gabinete, pelo contrário, executou um
demorado trabalho de pesquisa, dialogando com técnicos, ouvindo autoridades, visitando colégios
importantes, entrevistando professores e dirigentes de ensino.
Do ponto de vista da história cultural o material apresentado por Rui nesses “Pareceres” revestiuse de grande importância para os propósitos da presente pesquisa que investiga as bases de uma pedagogia
nacional, especialmente a pedagogia da escola secundária que é o foco desse estudo. Deliberadamente
procurou-se um distanciamento das análises já realizadas sobre a obra que a enxergam do ponto de vista
ideológico. Com certeza elas prestaram sua contribuição ao entendimento geral do que se convencionou
chamar de liberalismo conservador modernizante18 que caracterizaria o pensamento de Rui Barbosa.
Entretanto, como a questão que nos orienta é a circulação de modelos culturais, interessou-nos sobretudo
reconhecer as matrizes do pensamento que orientaram as propostas educacionais do parecerista, as
apropriações que fez das teorias e práticas de sua época e que síntese propôs para o caso nacional.
Vejamos, então, em relação ao secundário brasileiro, as bases pedagógicas definidas por Rui
Barbosa.
Em primeiro lugar defende a proposta de sistema integrado de níveis de ensino, idéia original, já
que a educação no país caracterizava-se pela descontinuidade de um segmento a outro, sobretudo em
relação ao secundário, com a prática dos exames parcelados de preparatórios aos cursos superiores. Na sua
concepção “A escola, o liceu e a universidade não são senão uma série de esferas concêntricas...”
(BARBOSA, 1942, p. 34). Assim a distribuição dos conhecimentos deveria atender ao princípio da
seriação com uma graduação de dificuldades, o que contrariava a prática comum dos exames parcelados
por matérias que ele julgava artificial e improdutiva.
Barbosa (1947, p. 35) ataca veementemente o ensino secundário literário que considera abstrato,
vazio de conteúdo científico, transmitido pela memorização com a única função de conquistar a matrícula
numa faculdade. Na sua opinião essa situação resultava da ausência do “espírito científico” que formava
uma sociedade de “ parladores” sem senso da realidade:
13
Brasil. Coleção de Leis do Império do Brasil. Decreto nº. 7.247 de 19 de abril de 1879.
Cf. Barbosa, 1947, p.XII e XIII, prefácio de A. J. Lacombe
15
Cf., por exemplo, Nascimento, 1997; Gonçalves, 1994.
16
Lourenço Filho, citado por Lacombe. Apud Barbosa, 1947, p. XIX.
17
Lacombe. Apud Barbosa, 1947, p .XIV. Essas referências encontram-se especialmente nos livros Introdução à
Pedagogia, Coimbra, 1892; Afirmações Políticas, 1896 e O Ensino Primário e Secundário, Coimbra, 1899 de
autoria de Bernardino Machado.
18
A esse respeito consultar Nascimento, 1997. e Gonçalves, 1994
14
4445
“[...] Em vez de educar no estudante os sentidos, de industriá-lo em descobrir e pensar, a
escola e o liceu entre nós ocupam-se exclusivamente em criar e desenvolver nele os hábitos
mecânicos de decorar, e repetir. [...] Mais tarde os cursos sociais e as academias de direito
inundam o país de juriperitos, de magistrados, de administradores, de diplomatas, que
decidem do direito, da lei, da honra e da propriedade dos indivíduos, que se julgam
habilitados a governar a nação e o mundo, a regular a produção de riqueza, e a resolver os
mais complexos problemas sociológicos [...]. Entretanto, qualquer desses doutos [...]
discorrerá magistralmente de altas questões metafísicas, e sustentará com todas as sutilezas da
lógica e todas as pompas de retórica as hipóteses mais inverificáveis sobre a existência do
incognoscível. Daí a elaboração gradual de uma nacionalidade sem vigor, nutrida de palavras
e abstrações, incapaz de gerir os seus negócios [...] um povo de parladores e ideólogos [...]”
Colocava-se contrário à bifurcação do bacharelado em dois ramos, incomunicáveis, - o literário e
o científico – valendo-se da opinião de dois positivistas19, Wyrouboff e Georges Lafargue, partidários do
ensino científico na escola secundária. Assim, não era contra o bacharelado que se deveria insurgir mas
contra os seus métodos e programas, contra a segregação entre ciência e letras que torna “deficiente” o
primeiro ramo e “estéril” o segundo. Contra o exame por séries20 em vez de matérias “que dá um caráter
inevitável de superficialidade, e, portanto, de facilidade às provas de habilitação dos candidatos”. E
concluindo, afirmava - “Eis o que desmoraliza o bacharelado em França como entre nós” (BARBOSA,
1942, p.39).
Sua proposta era então introduzir obrigatoriamente no bacharelado a física, a química e as ciências
naturais, anatomia e fisiologia recorrendo à autoridade de Mismer21, Ferneuil 22 e Huxley23, para quem o
ensino da fisiologia deveria começar já na escola elementar.
Em relação ao Colégio Pedro II, esperava converter o externato num grande modelo nacional, que
não só oferecesse a instrução secundária mas implementasse também o ensino técnico dirigido às camadas
populares. “Uma nação será sempre tanto mais pobre, dizia, quanto menos difundida se achar nas camadas
populares a educação técnica e o saber positivo”. (BARBOSA, 1942, p.148)
Acreditava na relação positiva entre investimento em educação popular e enriquecimento da
Nação: “O meio de ter dinheiro é habilitar o povo a produzi-lo, educando-o (...)” (BARBOSA, 1942, 149).
Recordava os discursos de Fichte em prol da necessidade de reformar a educação para reconstruir uma
nação fulminada por Napoleão Bonaparte em 1806, lembrando que suas esperanças se confirmariam meio
século depois e sua memória ficaria para sempre associada a obra de ressurreição nacional. Através desses
elementos Rui buscava reforço a suas idéias de reorganização do ensino público. Seu projeto de
reconstrução consistia na integralidade do ensino desde a escola inicial e na rigorosa “universalidade do
ensino”, amparada nas posições de Augusto Comte.
Outra proposta nova defendida pelo parecerista era o ensino da arte na escola secundária como
vetor de prosperidade. Citando Walter Smith, um dos organizadores do ensino da arte na união americana,
mostrava o desequilíbrio entre o que era formado pela educação clássica — jovens sabedores de historia,
lógica, filosofia — e aquilo que a sociedade necessitava, ou seja, pessoas qualificadas para o comércio e
fábricas. Reforça, então, a necessidade de uma educação também artística, apoiada na música e
principalmente no desenho, pois, este se aplicaria aos fins da indústria, como vinha sendo realizado com
19
G. Wyrouboff: Quelques mots à propôs du discurs de M. Mill sur l´instruction moderne. Na Philosophie Positive
(Revue). Tome I, 1867, n. 3, pág.417 e Georges Lafargue: Des programes de intruction publique. Na mesma
Revista. Tomo X. 1873, n 4. pág.110 citados nas notas 28 e 29 respectivamente. Citado por Barbosa, 1942, p. 38.
20
Na época a prática comum eram os exames parcelados por disciplinas, mais conhecidos como exames de
preparatórios (HAIDAR, 1972; GSPARELLO, 2004).
21
Ch.Mismer. Mémoire sur la reforme des méthodes et programes d´enseignement. Paris, 1980, citado por Barbosa,
1942.
22
M. Ferneuil Les principes de 1789 et la science sociale Paris, Hachette, 1889, citado por Barbosa, 1942.
23
Huxley, Aldous. Les sciences natureles et les problèmes qu´elles suscitent. Paris.1877. Citado por Barbosa, 1942.
4446
bons resultados na Inglaterra, EUA, França, Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica, Holanda e Itália
(BARBOSA, 1942, p.160).
Defendia o ensino técnico e uma agricultura tecnificada, capaz de viabilizar a aproximação do
Brasil aos níveis de desenvolvimento dos países industrializados. “Se o Brasil é um país especialmente
agrícola, por isso mesmo cumpre que seja um país ativamente industrial” , afirmava, “Nenhuma nação tem
mais imensas regiões que rotear que os EUA; o que não impede que vejam na industria a fonte produtiva
da riqueza nacional”.. Acreditava que a agricultura poderia prosperar se superasse a situação de tributária
forçada à indústria estrangeira” (BARBOSA, 1942, p.170).
A crença na utilidade do adestramento do corpo fez o autor do parecer atribuir extrema
importância às atividades físicas escolares. Sobre essa questão afirmava “... é impossível formar uma
nação laboriosa e produtiva, sem que a educação higiênica do corpo acompanhe pari passu, desde o
primeiro ensino ao limiar do superior, o desenvolvimento do espírito” (BARBOSA, 1942, p.174) A
educação física aparece, então, como outra disciplina fundamental no âmbito de uma educação inovadora,
voltada para as necessidades industriais da nação.
Evocando a noção de civilização, retoma a Grécia, descrita por Platão, Aristóteles e Sócrates para
relembrar a importância do corpo são e cita também autores mais recentes como Stuart Mill para defender
o risco de “depauperação das raças mais bem dotadas” (BARBOSA, 1942, p.177).
Como última advertência, põe em cheque a importância da “quantidade de conhecimento”
transmitida em detrimento da qualidade do mesmo, lembrando que as famílias são grandes culpadas pois
ambicionam dos filhos de pouca idade que eles saibam tudo, rápido, para receber um grau e logo adentrar
o mercado de trabalho e as profissões liberais.
Sua proposta em relação ao Colégio Pedro II inclui, para além dos bacharelados, a criação de mais
seis cursos: finanças; comércio, agrimensura e direção dos trabalhos agrícolas, maquinista, industrial e
relojoaria e instrumentos de precisão (BARBOSA, 1942, p.184)
Concluindo
Os pressupostos desta pesquisa não compartilharam da idéia muitas vezes difundida na
historiografia de que os modelos pedagógicos no século XIX eram importados acriticamente, sem a
preocupação de adequação à realidade do nosso país. Como se pretendeu evidenciar com o estudo das
propostas de Rui Barbosa e Teixeira de Macedo relativas a nossa educação, não se tratavam de mera
importação desse ou daquele modelo estrangeiro, mas de um verdadeiro esforço de análise da realidade e
escolha de alternativas para a composição de um sistema nacional viável do ponto de vista de uma
proposta liberal, da qual comungavam os intelectuais da “ilustração brasileira” (Barros, 1959) em
ascensão nas últimas décadas do oitocentos.
Os processos de circulação, apropriação e reelaboração de novas idéias do que ficou marcada
como a nova pedagogia – cujos princípios conformaram a organização dos vários níveis de ensino em sua
estrutura curricular e pedagógica, bem como na formação de professores, tiveram como interferência
fundamental a ação mediadora de diversos agentes culturais, como os intelectuais tradutores e os
professores. Sob diversas formas e em diferentes níveis e âmbitos de atuação, como no magistério, na
política e no jornalismo, tais mediadores culturais contribuíram na leitura diferenciada e reconstruída de
teorias e práticas educacionais, seja na sala de aula, nos discursos e pareceres, nos comentários e análise
críticas em artigos, revistas, jornais e livros.
Nesse processo, ganham evidência as matrizes teóricas que se encontram nos modelos
pedagógicos que circulavam entre os intelectuais brasileiros que, de um lado, estavam ajudando a
construir uma pedagogia brasileira mais afinada com as questões do seu tempo – realista e científica e, de
outro, os que se defendiam a continuidade de um modelo clássico – humanista e literário.
Teixeira de Macedo e Rui Barbosa fizeram parte dessa parcela da intelectualidade que no dizer de
Roque Spencer Maciel de Barros (1959) constituiria a ‘ ilustração brasileira’. Homens que, sobretudo a
partir da década de 70 e 80 do século XIX assumiram posições em prol da educação nacional e se
propunham ‘ilustrar’ o país, ‘iluminá-lo’ pela ciência e pela cultura. É necessário compreender o espírito
dessa época para entender por que um alto funcionário do governo se interessou por traduzir obras
4447
educacionais do alemão ou porque um ilustre bacharel e deputado empregou dois anos de sua vida e sua
vasta cultura em vasculhar tudo que havia sido produzido até aquele momento sobre educação na Europa e
nos Estados Unidos que pudesse servir à nossa realidade.
Da obra de Teixeira de Macedo sabe-se que algumas partes foram publicadas em jornais oficiais e
pedagógicos, podendo assim chegar aos seus principais destinatários os professores brasileiros. Sua
produção torna-se importante como testemunho de um momento da educação. Nesse processo, faz
comparações com a realidade educacional brasileira, compara, argumenta e fornece um quadro do que
ocorria em termos de organização e princípios pedagógicos em outros países, principalmente França e
Alemanha. Sem ter sido professor, ao que tudo indica, seus textos evidenciam as principais questões que
necessitavam ser enfrentadas por docentes, estudantes, administradores e intelectuais em um tempo em
que muito estava por fazer, pensar, definir, em relação à escolarização. Questões cuja abrangência talvez
nem fossem percebidas, mas que eram discutidas paralelamente às questões mais práticas sobre o ensino e
sua organização. Questões permanentes que, em novas roupagens, muitas vezes alimentam os debates
intelectuais de nossa época.
Dentre essas questões, sobressaem: a distinção entre educar e instruir; entre “escolas do povo” e
instituições secundárias; ensino “prático” e ensino “científico”; a formação “científica” ou “prática”; a
defesa de um ensino “realista” ou do “ensino literário”.
Em outra esfera, Rui Barbosa, calcado em positivistas, cientificistas e pedagogos da época reuniu
argumentos em favor de um sistema nacional integrado de ensino, do jardim de infância ao superior,
posicionando-se contra a bifurcação do bacharelado literário ou científico, defendendo novas disciplinas
como o desenho, a ginástica e a introdução dos cursos técnicos na formação secundária.
Os Pareceres de Rui foram arquivados, não tendo uso imediato. Entretanto, suas idéias
fundamentaram as discussões do projeto republicano e, segundo seus estudiosos, permaneceram
fermentando o pensamento educacional no Brasil e em Portugal até que eclodissem novamente nas
propostas dos pioneiros da escola nova.
Sobretudo, o que interessou nessa pesquisa foi mapear algumas rotas das idéias pedagógicas que
circularam no Brasil a partir da segunda metade do século XIX e que constituíram a bases de uma
pedagogia nacional. Identificar, por exemplo: com quem dialogavam esses homens? De que autores se
apropriaram para elaborar suas sínteses? Foi possível, então, concluir que no seu papel de divulgadores de
modelos culturais cumpriram a tarefa de multiplicar informações, instigar novos estudos, lançar idéias
para serem confirmadas, ou não, pelas práticas em sua concretude desafiadora. Nessa trajetória foi
importante tentar não enxergá-los como meros transplantadores acríticos de idéias inoperantes, mas como
agentes políticos que participam ativamente da produção de saberes e práticas educacionais. Entendê-los
no seu “ambiente”, temporal e espacial, nos possibilitou flagrá-los como construtores de uma nova
mentalidade pedagógica que se instaurava no Brasil na transição para um novo século.
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