Rio, 05 de junho de 2002

Transcrição

Rio, 05 de junho de 2002
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Paulo Amador
Capitalização
Uma História de Prosperidade
Grupiara
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Apresentação
Este livro relata a história de uma idéia de prosperidade, a da capitalização, que teve berço na França, em 1850, e encontrou no Brasil as condições
indispensáveis para seu desenvolvimento.
Pedido pelos estudiosos, há muito já se sentia a necessidade de um livro
que apresentasse, não apenas os principais fatos da história institucional da
capitalização no Brasil, mas pesquisasse a origem e o desenvolvimento dos
conceitos fundamentais desta importante atividade econômica.
Sabe-se que a capitalização é descoberta típica da simplicidade cartesiana do gênio francês. Título de investimento de custo unitário baixo, para pagamento à vista ou em pequenas mensalidades, sua comercialização dispensa a
didática sofisticada do mercado financeiro. Conforme relatado neste livro, sua
importância econômica e social deriva sobretudo do emprego reprodutivo das
pequenas quantias que afluem em grande número, resultando em fomento e
progresso das atividades criadoras de riquezas.
No Brasil, onde a capitalização percorreu uma trajetória marcada por
crises de conjuntura econômica e até mesmo por períodos de confusão conceitual. Mas desde meados da década passada, quando o País ingressou num ciclo
positivo de estabilidade monetária, a capitalização pôde iniciar um ciclo de
prosperidade que se reflete nas estatísticas da produção do setor.
Este livro relata exatamente a história desta conquista da capitalização.
Escrito pelo jornalista Paulo Amador, editorialista do Jornal do Brasil e autor
de mais de uma dezena de livros publicados, pesquisou diligentemente os principais fatos que se relacionam com a trajetória de muito trabalho, muita deter-
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minação e muita crença nas possibilidades da capitalização. Em tudo que nossa
atividade pode representar para a economia brasileira, em termos de formação
de reservas aplicáveis em projetos de interesse nacional, e de retribuição aos
milhões de possuidores de títulos de capitalização.
Como afirma o autor deste livro, os fatos e os números aqui apresentados apontam em uma direção. Para a capitalização brasileira aparece que já
começou o futuro em que todos nós sempre acreditamos.
João Elisio Ferraz de Campos
Presidente da Fenaseg
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Introdução e agradecimento
Pode-se dizer que a capitalização brasileira nasceu da convergência do
acaso com a necessidade. Por acaso, seu introdutor no país, o empresário Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, conheceu os fundamentos conceituais dessa modalidade de título. Por necessidade, a capitalização foi introduzida no
Brasil, numa época de crise, quando o País viu-se repentinamente órfão dos
capitais externos que desde a proclamação da Independência vinham financiando nosso desenvolvimento.
Graças a sua simplicidade, e aos aspectos lúdicos que a envolvem, a capitalização se difundiu, a princípio apenas nos grandes centros financeiros, de
Rio e São Paulo, para progressivamente, e com o aprimoramento de sua comercialização, chegar a todos os recantos do território nacional. Hoje a capitalização está presente em todo o País.
Juntamente com as demais modalidades de ativos financeiros, o título
de capitalização tem vivido momentos bons e momentos difíceis. Sensível às
variações do humor da economia, que se refletem nos níveis de renda e propensão à poupança, a capitalização atravessou os anos de incerteza, quando a
inflação impedia o acesso das famílias aos produtos financeiros. Hoje, dá mostras de vigor e de maturidade, e vem cumprindo uma de suas finalidades, que é
favorecer a formação e a difusão da riqueza.
Por tudo isso é importante desvendar os principais momentos na história institucional da capitalização brasileira. Foi a tarefa a que me impus. E para
realizá-la, pude contar com a participação e os préstimos de alguns profissionais do setor. Eles tornaram menos embaraçosa a procura por documentos e
informações que permitissem dar à história da capitalização uma progressão
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aceitável por parte do leitor atual, e utilidade como fonte de consulta para os
estudiosos do futuro.
Agradeço, antes de tudo, o apoio recebido da Fenaseg e Funenseg, através de seu presidente João Elisio Ferraz de Campos, e das sociedades de
capitalização, que aceitaram patrocinar a pesquisa, redação e edição deste livro.
Devo aos estudiosos da matéria, e em especial ao professor Cláudio Contador
e Clarisse Ferraz, pela utilização de suas séries históricas sobre a evolução econômica da capitalização. Devo mais, ao estímulo sempre presente de Suzana
Munhoz. À iniciativa da presidente da comissão de capitalização da Fenaseg,
Rita Batista Moço, e à paciente generosidade de Glória Aranha.
Devo à boa vontade de Ana Paula Almeida, da Sul América Capitalização, e Márcia Cuntin, da Bradesco Capitalização, por terem partilhado comigo
o trabalho de inventariar documentos e ilustrações. Devo a Luiz Martiniano de
Gusmão as luzes sobre inúmeros fatos históricos. Sou grato a Ângela Cunha,
Valéria Maciel e Adriana Beltrão, por sua ajuda no levantamento de fontes de
pesquisa. Finalmente agradeço as bibliotecárias Juscenira de Freitas e Rosana
Figueiredo, por terem subsidiado e facilitado a consulta nos livros e documentos da biblioteca da Fenaseg.
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Pioneirsmo e trabalho
A capitalização brasileira nasceu dentro da Sul América, no dia 4 de setembro de 1929, por iniciativa de Antônio Sanchez de Larragoiti Junior. Casualmente ele conhecera essa modalidade de título, durante viagem a Paris, e
convencido de suas vantagens, entendeu que a capitalização poderia contribuir
para o desenvolvimento do Brasil, numa fase especialmente adversa da economia em todo o mundo.
O mundo, nessa época, sofria as conseqüências da quebra da bolsa de
Nova York. O Brasil, nessa época, sofria com a crise interna do café, e encontrava dificuldade para financiar sua produção, através de empréstimos nos centros financeiros internacionais. Era preciso, portanto, criar internamente algum
mecanismo de formação de grandes massas de poupança, de preferência a partir da economia popular já disponível.
A capitalização foi uma das respostas. E introduzida no Brasil a partir
da criação da Sulacap – Sul América Capitalização, desde 1929 vem mantendo
uma presença positiva no esforço de promover a formação da prosperidade,
que deve estender a todos os brasileiros os benefícios do desenvolvimento
econômico e social.
Desde então, a Sulacap tem preservado o mesmo entusiasmo de seu
fundador, que acreditou na capitalização, instrumento simples de formação de
riqueza, cuja comercialização dispensa a didática sofisticada do mercado financeiro. E temos a firme convicção de que a história relatada neste livro, que
apresenta a capitalização brasileira em suas verdadeiras dimensões, não teria
acontecido sem o ânimo pioneiro de Antônio Sanchez de Larragoiti Junior e
sem a dedicação de nosso trabalho.
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Capítulo Um
Quando o Presidente Washington Luis assinou o decreto nº 18.891, de
4 de setembro de 1929, autorizando o funcionamento da primeira companhia
de capitalização no Brasil, o mundo ocidental caminhava perigosamente para o
desastre de um mergulho nas águas turvas da depressão. Em Wall Street, no
coração do moderno capitalismo do Século XX, uma sucessão de acontecimentos dramáticos, que seriam levados ao ponto máximo de tensão no dia 24
de outubro desse ano fatídico, vinham turbilhonando a formação de ondas de
pânico e desespero, que nas semanas seguintes arrasariam os nervos do povo
americano e abalariam as os fundamentos da economia nacional mais próspera
da Terra.
Dificilmente a história da humanidade repetirá um ano igual àquele.
Sobretudo não se terá, até os dias de hoje, registro de um dia tão tragicamente surpreendente quanto essa quinta-feira, que entraria para a história
como a data inicial do crash que arrasaria com os negócios na Bolsa de Nova
York.
Desde o dia 19, um sábado, quando o poderoso Secretário de Comércio dos Estados Unidos encontrara dificuldade para levantar 100 mil dólares de
fundos governamentais, que se destinariam ao pagamento de despesas do iate
presidencial, já se sabia que uma legião de bruxas andava à solta. E ainda no
sábado, antes que acabasse o dia, a bolsa registraria uma movimentação recorde de 3,5 milhões de ações mudando de donos, e uma queda desnorteante de
12 pontos no índice industrial.
Na segunda-feira, 21, graças a um artifício de técnica, que retardava em
mais de uma hora a exibição do ritmo das transações, e apresentava índices
escolhidos para criar a ilusão de uma normalidade que já não existia, o mercado
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fechou com uma perda líquida de apenas 6 pontos negativos. Na terça, os analistas se encarregaram de alavancar artificialmente os ânimos, fazendo crer que
os dois dias de quedas significavam apenas a saída de especuladores do mercado, e que os preços dos papéis, a partir daí, deveriam refletir com mais realismo
os efeitos benéficos da Lei Seca, “que tinha tornado o trabalhador americano
mais produtivo e digno de confiança.” 1
Durou pouco o mel desse engodo. Na quarta-feira, 23, embora as negociações tivessem iniciado em calma e desconfiado otimismo, ao longo do dia
vai-se esgarçando a cortina de fumaça criada pelos ilusionistas de Wall Street, e
o mercado despenca: 31 pontos negativos. Milhares de especuladores puxando
o tapete, saindo fora com um ganho que julgavam razoável nas condições vigentes. E outros milhares sendo chamados para cobrir margens de negociações
já feitas. E ainda assim, corretores e operadores não entregam os pontos. Falase num deus ex-machina. Uma solução que cairia do céu. Ou melhor, que desceria do Olimpo onde viviam os banqueiros, que já estariam generosamente organizando o apoio financeiro necessário a uma travessia que a cada momento
ia-se mostrando mais improvável.
No dia 24, quinta-feira, na abertura dos negócios na Bolsa de Valores
de Nova York, medo e apreensão. Preços firmes, volumes razoáveis, uma aparência de calma. E de repente, o desastre. Os preços começam a cair. A gritaria
aumenta. Os compradores se retraem. Até mesmo os papéis cujas cotações
haviam sido artificialmente escolhidas para fazer figuração no painel eletrônico
deslizam vertiginosamente para o buraco. Às 11h o mercado se desorganiza
por completo. O medo aumenta. Já se fala em colapso da Bolsa. Às 11h30, a
maior economia do Ocidente mergulha no pânico. Numa das ruas próximas,
quando um operário surge no topo de um prédio, onde faria reparos, a multidão começa a gritar “pula, pula”.
Para alívio geral e provisório do mercado, os banqueiros decidem cumprir a promessa de salvação e enviam à Bolsa um corretor com ordem de compra de papéis acima das cotações do painel. Wall Street respira. Respira três
dias. As veias abertas por onde esguichava o sangue do mercado não se fecham
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completamente, mas pelo menos corta-se o ímpeto da hemorragia. Na sexta e
no sábado, baixa a febre do desespero. No domingo, a família americana reza
agradecida, pelo que parecia o fim da tragédia. Na segunda-feira, nova recaída,
e a cotação geral baixa 49 pontos. Os banqueiros voltam a se reunir, mas já não
fazem promessa de um novo milagre salvador. O pânico está de volta.
O pânico e a devastação, quando o pregão abre na terça-feira, dia 29,
com uma avalancha de ordens de venda. Tenta-se animar o mercado, com o
aceno de dividendos razoáveis. Mas a queda livre continua: 43 pontos abaixo,
mais de 16 milhões de ações mudando de mãos. Os banqueiros se reúnem.
Mas ninguém mais parece acreditar nos banqueiros. Fala-se numa possibilidade
que parecia sensata: o fechamento da Bolsa até que as coisas se acalmassem.
Um porta-voz do Presidente Hoover, falando pelo rádio, ainda tenta soprar o
balão da esperança em dias melhores, declarando que “os negócios fundamentais do País são sólidos e prósperos”. Muita gente já não acredita. E finalmente,
quando o corpo de um corretor apareceu boiando no Rio Hudson, o mundo
soube que a maior economia ocidental acabara de atolar as quatro rodas na
areia movediça da depressão.
Entre 1929 e 1932, mais de 9 mil instituições bancárias e 85 mil empresas decretam falência. A cotação dos papéis nas bolsas americanas cai em média 85%, reduzindo a pó e cinza a riqueza nacional. O trabalhador perde o poder de compra, quando os salários são reduzidos em 60%, e mais de 13 milhões de pessoas são atingidas pelo desemprego. Muita gente começa a desconfiar da eficácia da “mão invisível” que sustentava ideologicamente a democracia
americana, e começa a pedir que a mão do Estado – mais precisamente a de
Franklin Delano Roosevelt, eleito Presidente em 1932 – assuma um novo
compromisso (o “New Deal”) com a nação em desespero.
No seio da economia liberal americana, que até então praticamente só
conhecia de controle governamental uma escassíssima regulamentação de tarifas ferroviárias, telefônicas e telegráficas, e uma supervisão muito leve dos bancos, aparece a mão visível, e pesada, do Estado. A economia americana passa a
conviver com a intervenção do Estado no domínio econômico, no momento
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em que Roosevelt, adotando as idéias de John Maynard Keynes, decide combater o desemprego com a célebre teoria que determina que o Estado invista na
criação de postos de trabalho, ainda que seja para a ocupação de “enterrar e
desenterrar garrafas”. 2
Mas as conseqüências da depressão não param aí, no entusiasmo da regulamentação governamental do New Deal. Além das fronteiras dos Estados
Unidos o mundo e a economia, que nesse passado já remoto ainda não fora
globalizada, enfrentariam o rescaldo da quebradeira de Wall Street.
A Europa, desde 1920, vinha vivendo um pós-guerra de muita alegria,
boas transformações nas estruturas e no comportamento social. As mulheres,
que durante os anos de guerra haviam substituído os homens nas fábricas e nos
escritórios, assumiam um papel inteiramente novo num palco até então vedado
à sua presença. Na França, onde Josephine Baker fazia sucesso ao dançar seminua em cabarés, as moçoilas em flor já se atreviam a sair sozinhas nas ruas. Na
Inglaterra, onde Margaret Bondfield ocupava o cargo de Ministra do Trabalho
(!), as demais mulheres adquiriam o direito de voto aos 30 anos de idade. E por
toda a Europa, estimulada pelos atrevimentos do “Amante de Lady Chaterley”,
e amparada pela revolução libertadora de Freud, moças, rapazes, senhoras e
senhores já conseguiam sussurrar, publicamente, a palavra “sexo”.
Acima de tudo, a Europa vivia uma década de franca recuperação econômica. Os níveis de prosperidade material de antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eram recuperados e ultrapassados. A produção de trigo subira
de 25,8 milhões de toneladas em 1920 para alcançar 38,1 milhões em 1930. O
consumo de eletricidade, que havia sido de 30 bilhões de Kwh em 1912, subira
para cerca de 113 bilhões de Kwh em 1929. A produção de aço passara de 26,3
milhões de toneladas em 1920 para mais de 43 milhões de toneladas em 1930.
E a produção havia experimentado um avanço ainda mais espetacular em três
itens típicos da modernidade: borracha, de 70 para 230 mil toneladas entre
1920 e 1929; tecidos sintéticos, de 20 para 130 mil toneladas; e papel, 4,25 para
86 milhões de toneladas.
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De repente, a sombra da depressão americana cobre os céu de prosperidade da Europa com o manto negro da puxada de tapete dos empréstimos e
investimentos americanos de que o velho continente tanto dependia, desde o
fim da guerra, para manter o ímpeto de quase uma década inteira de recuperação e prosperidade. Em maio de 1931 o maior banco da Áustria, o Creditanstalt, é declarado insolvente. Na Alemanha, em junho, 67,5 milhões de libras
esterlinas em ouro e divisas deixam o país, obrigando o governo a impor sérias
restrições ao crédito. Em agosto, a Inglaterra assiste a uma brusca retirada de
fundos alemães de curto prazo, aplicados na City londrina. E obviamente que,
puxado o tapete das grandes economias do Ocidente, o passo a seguir era o
desmanche do castelo de cartas pobres das pequenas economias periféricas do
mundo que apenas emergia.
Foi o que aconteceu no Brasil.
País que o ufanismo do início do século gostava de apresentar ao mundo como “essencialmente agrícola”, o Brasil vinha havia apresentado nesse ano
de 1929 uma boa produção per capita de alimentos e de outros produtos extraídos da terra. Para uma população estimada em 36 milhões de brasileiros, nada
menos que 15 milhões de toneladas de cana haviam sido colhidas, o que representava mais de 400 quilos por habitante. A produção de cacau havia ficado
próxima de 65 mil toneladas, quase dois quilos de chocolate por habitante. E o
café, principal produto brasileiro de consumo e de exportação, apresentava a
terceira safra sucessiva de mais de um milhão de toneladas: 1.576.565 toneladas
em 1929, o que significava uma produção de mais de 40 quilos por habitante 3
O Rei Café, entretanto, não vivia seus melhores momentos. A comercialização da super safra do ano cafeeiro de 1927-1928, quando o Brasil colhera
mais de 1.670.000 toneladas do produto, vinha encontrando resistência nos
mercados internacionais. E dez anos depois de terminada a Primeira Guerra, o
país ainda não conseguira reconquistar totalmente os mercados perdidos ou
abalados pela desorganização do comércio internacional, ocorrida nos anos de
conflito. Para o Brasil, qualquer abalo ou desastre nos mercados desse produto,
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que representava mais de 70% de todas as nossas exportações na década de 20,
significava desequilíbrio, quebradeira, sofrimento para a população.
O Brasil procurava dançar na corda bamba das condições climáticas e
dos humores do comércio internacional, que ditavam o bom êxito ou o geral
desespero dos plantadores e da população. Procurava-se compensar o excesso
de uma safra com uma redução na colheita seguinte, na tentativa de manter o
equilíbrio em um mercado cuja demanda pouco elástica ditava preços de acordo com as condições de oferta. 4 Além disso, os fazendeiros de café ainda eram
obrigados a se submeter à praga da dependência de intermediários, que igualmente contribuíam para dificultar as coisas em momentos de crise.
Para tentar segurar os preços e as virtudes desse mercado tão viciado
por condicionadores que vinham de fora ou das praças de café, Santos e Rio de
Janeiro, os produtores experimentavam as soluções que podiam. E a primeira
grande medida foi o estabelecimento de uma política e a tentativa de se criar
um monopólio na comercialização do produto, o que de certa forma resultaria,
em 1906, na assinatura do célebre “Convênio de Taubaté”, pelos presidentes
(atualmente, governadores) dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo. Principal objetivo: definir uma estratégia e práticas de valorização do
produto, e impedir a queda nos preços em períodos de grandes safras, ajustando no mercado internacional a oferta e procura do café.
Essa política de valorização implicava, de um lado, numa medida fisicamente radical, que era reter e queimar excedentes nas áreas de produção e
nos armazéns; e complementarmente, financiar por meio de empréstimos contraídos no exterior, as operações comerciais do Brasil com os mercados consumidores.
Traduzindo em cifras, contrair dívidas no exterior significava, desde
1823, recorrer aos ingleses. Esse foi o ano em que o Brasil, já liberto de Portugal, decidira pedir ao Banco da Inglaterra um empréstimo de 300.000 libras
para fazer um acerto nos cofres do Tesouro. Operação repetida e ampliada no
ano seguinte, quando novamente o país recorre aos ingleses, a Nathan Roths-
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child e mais três firmas inglesas, para um outro empréstimo de 3.686.200 libras
(apenas 2.999.940 entraram efetivamente no Brasil), a juros de 5% ao ano, amortização de 1% e prazo de 36 anos. 5 Curioso nesse empréstimo é que ao
terminar seu prazo, em 1854, o Brasil tinha conseguido pagar apenas 513.000
libras, sendo obrigado a prorrogações sucessivas até sua liquidação em 1890.
Isto é: depois de 65 anos, período em que o Brasil pagou juros. 6
Desde então o Brasil se acostumaria a pedir dinheiro à Inglaterra. Ou a
pagar até o que não devíamos. Como foi feito em 1825, em decorrência do
Tratado de Paz firmado com Portugal, para reconhecimento de nossa Independência. Em troca de sermos livres, assumíamos uma dívida de 2.000.000 de
libras contraída por Portugal junto à Inglaterra, o que custaria ao Brasil, ao fim
de amortizações e consolidações de principal e juros, nada menos que
6.186.199 libras. E novamente recorreríamos aos ingleses, em 1829, para pedir
a Nathan Mayer Rothschild e Thomas Wilson & Cia. Um novo empréstimo, de
769.200, dos quais entrariam no País apenas 400.000, e cuja renda líquida seria
quase inteiramente absorvida pelos juros e amortizações dos empréstimos anteriores. 7
Criado o gosto e a dependência do dinheiro inglês, alguma coisa só
mudaria com a Primeira Guerra Mundial, quando finalmente deixamos de ter a
Inglaterra como emprestador e investidor hegemônico, e passamos a bater às
portas crescentemente generosas dos banqueiros americanos. Entre 1914 e
1930, enquanto as inversões inglesas no Brasil passavam de 254 para 282 milhões de libras esterlinas (incremento de apenas 10%), os investimentos americanos passavam de 10 para 120 milhões de libras. 8
Nessa época os capitais americanos evitavam os negócios tradicionais
do café, e tomavam prioritariamente a direção de setores novos, que vinham se
expandindo no Brasil, preferindo a indústria dos derivados de petróleo e os
serviços públicos, fossem de iluminação, transportes ou telefonia. Os americanos achavam uma justificativa na lei Anti-Trust para se afastarem da proposta
monopolista do “Convênio de Taubaté”, e chegavam a combater abertamente
a política adotada pelo Brasil. Tal como aconteceu em 1925, quando o Secretá-
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rio de Comércio dos Estados Unidos, Herbert Hoover, chegou a dirigir pessoalmente uma campanha contra a “defesa permanente do café”, tal como pretendida pelos signatários do célebre “Convênio”, deixando reservados, à fidelidade conservadora dos ingleses ao produto, os financiamentos à produção
nessa área.
Por todos esses motivos, no momento em que o rescaldo da Depressão
Americana atinge a City londrina, parecia anunciar-se para o Brasil um período
de dificuldades. Os historiadores, entretanto, têm se recusado, quase por unanimidade, a atribuir diretamente ao crash da Bolsa de Nova York a a origem de
uma grande crise que abalaria, exata e coincidentemente nesse ano fatídico de
1929, a produção cafeeira do Brasil. Caio Prado Junior faz recuar a gênese da
crise ao tempo do fim da Primeira Guerra, quando grandes setores da economia mundial assistem, como vítimas passivas, à formação de novos e poderosos trustes financeiros.
Participando do financiamento das colheitas, esses trustes manobravam
o Instituto do Café do Estado de São Paulo, órgão criado para controlar inteiramente o comércio exportador do produto, regulando suas entregas ao mercado e procurando manter o equilíbrio entre a oferta e a procura. Para tanto,
adota a prática de reter estoques, sem limite de quantidade, conservando-os
armazenados e liberando-os apenas na medida das necessidades do comércio
exportador. 9
Esperava-se, com essa política, dar ao Brasil as condições necessárias
para atuar especulativamente no mercado mundial do café, para o qual contribuía com 60% da produção na época. Mas o resultado acabaria por se tornar
um desastre. Como os preços internacionais eram altos, a produção interna era
fortemente estimulada. Só no Estado de São Paulo, entre 1924 e 1929 o número de cafeeiros sobe de 949 milhões para 1,155 bilhão em 1930. Em todo o
País, a produção exportável aumenta de 17,761 milhões de sacas para 28,492
milhões no mesmo período; mas o comércio exterior absorve apenas dois terços desse total; e em 1929, pouco menos da metade. E o pior ainda estava por
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vir. Contra expectativas mais otimistas, os produtores percebem que uma enxurrada de café está para chegar ao mercado com a safra de 1929-1930.
No dia 5 de outubro, o jornal Praça de Santos informa que agências bancárias do interior do estado de São Paulo vinham-se recusando a descontar
saques sobre qualquer empresa que operava com café. Já não há mais compradores. Os preços começam a ceder. E cedem mais ainda. Vertiginosamente,
quando chegam ao Brasil as primeiras notícias do crash da Bolsa. O Presidente
Washington Luis declara, em mensagem ao Congresso, que o “Instituto do
Café fez adiamentos à lavoura até os seus extremos recursos. Tudo, porém,
tem limites e a crise cafeeira chegou ao seu, produzindo-se verdadeiro pânico.
O pânico não se explica, constata-se. É inútil examiná-lo, estudá-lo, descrevêlo”. 10
Os efeitos dessa dupla adversidade, a crise e o crash, sobre a economia
brasileira são devastadores. As exportações caem de 95 milhões de libras em
1929 para 65 milhões em 1930. A entrada de capital estrangeiro no País, que
vinha minguando desde 1927, de repente pára de todo. As estimativas de um
saldo-ouro de mais de 64.000 contos, previstos para o orçamento federal para
1930, cai para menos de 10% do que era esperado. Em lugar de um excedente
líquido nas contas do País, que deveria atingir 117.000 contos de réis (2,2 milhões de libras esterlinas), registra-se um déficit de 785.000 contos (15 milhões
de libras).
Havia sobretudo o bem fundamentado pavor associado à perda de consistência nos preços do café cuja saca, que chegara a valer mais de 200 mil réis
em agosto de 1929, em janeiro de 1930 despencaria para pouco mais de 21 mil
réis em suas melhores cotações. E obviamente que essa desvalorização pesava
decisivamente na balança de nossas possibilidades naquele ano de crise, quando haviam sido registradas vendas de café para o exterior no valor de Cr$ 2,740
bilhões, equivalentes a 71% do total de Cr$ 3,860 bilhões de exportações. E
mesmo no ano seguinte, quando a corda já começava a arrebentar para o lado
dos cafeicultores, o café ainda responderia por 63% do total de nossas expor-
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tações, registrando vendas internacionais de Cr$ 1,827 bilhão, para um total de
exportações no valor de Cr$ 2,907 bilhões. 11
Abalado pela crise interna do café, alarmado com as notícias que chegavam de Nova York e Londres, e de repente órfão dos capitais externos que
tradicionalmente vinham financiando seu desenvolvimento, mais do que nunca
o Brasil precisava de algum tipo de negócio que promovesse a formação interna de grandes massas de poupança. De preferência, a partir da economia popular já disponível.
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Capítulo Dois
Esse instrumento, capaz de mobilizar as pequenas poupanças populares
e transformá-las em grandes massas de reservas, não só existia como já chegara
ao Brasil um ano antes, na bagagem de Antônio Sanchez de Larragoiti Junior,
Diretor Presidente do Grupo Sul América, em seu retorno de uma viagem a
Paris.
Tratava-se de uma descoberta típica da simplicidade cartesiana do gênio
francês: o título de Capitalização. Um título de investimento, de custo unitário
baixo, para pagamento à vista ou em pequenas mensalidades, cuja comercialização dispensava a didática sofisticada do mercado financeiro. Um título cuja
importância econômica e social derivava “da aplicação da massa de valores
arrecadados, do emprego reprodutivo das pequenas quantias que afluem em
grande número, resultando em fomento e progresso das atividades criadoras de
riquezas, portanto em benefício da economia pública e privada”. 12
Parece não haver dúvida de que a capitalização teve berço francês, e
veio ao mundo em 1850, em lar humilde, na oficina de um gravador estabelecido em Paris, na Rue des Martyrs, 7. Quanto ao nome do pai, isto é, do inventor da capitalização, Anatole Weber 13 , em tratado substancioso , diz que teria
sido um certo Paul Verger, que a teria dado à luz sob forma de uma sociedade
em participação integrada por 250 associados, que contribuíam com 10 centavos (“centimes”) por semana para a constituição de um fundo comum, que se
destinaria à distribuição por sorteios de 100 francos, realizados na Páscoa, São
João e Natal. Podiam concorrer todos os associados que se achassem em dia
com suas contribuições, e para que não houvesse dúvida quanto à lisura do
sorteio, os números de cada concorrente eram colocados num chapéu, e um
menino extraía os vencedores. O ganhador parava de contribuir para o fundo.
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A primeira sociedade de capitalização, que em homenagem a seu criador teria sido chamada de “Le Verger”, não sobreviveu a seus fundadores, mas
o modelo prosperou. Por toda a França começaram a surgir dezenas de outras
instituições com características semelhantes, que gradativamente iam incorporando mudanças. Até que, em 1869, quando a idéia já assumia ares de maturidade, uma sociedade denominada “La Ville de Paris” emitiu uma combinação
de títulos no valor unitário de 25 francos, reembolsáveis por sorteios de 150
francos, e emitidos pelo prazo de 60 anos! 14 Em pouco tempo espalha-se por
toda a França esse tipo de operação, rebatizada com o nome de “Reconstituição de Capital”, e sob essa capa comum abrigam-se as mais diversas modalidades de negócios que mantêm entre si a identidade fundamental da capitalização
tal como criada por Verger. É o que circula entre os estudiosos.
Traduzida diretamente de sua principal fonte de informação histórica,
que é o célebre tratado de Anatole Weber, essa versão entraria no Brasil bem
embalada numa envelopagem canônica, e repercutiria em praticamente todos
os textos disponíveis em língua pátria. Assumida por José Sciotti, 15 que acrescentaria uma adjetivação colorida à figura discreta de Verger, descrito como
"habilíssimo ourives”, que seria “dotado de fértil imaginação”, e que aliava “à
sua perícia de lapidário de pedras preciosas um senso incomum de financista."
Versão adotada sem restrições por Félix Sampaio 16 , que decide apenas mudar a
profissão de Verger, transformado em “inteligente operário decorador, imbuído do espírito de economia”. Ou por Francisco Marques 17 , que ampliaria o
número de versões nacionais para a história do inventor da capitalização, ao
mudar mais uma vez a profissão, e agora também o pré-nome de Verger, que
seria rebatizado como "Paul Berger, modesto gravador”.
Tradutores, traidores. Houve quem fosse ainda mais longe, e apareceu
uma outra versão, mal abonada, fantasiosa, e insistentemente repercutida, que
atribuiu a invenção da capitalização a um Paul Viget (não seria a corruptela de
Verger?). Tido por diretor de uma cooperativa de mineiros (não se diz exatamente de onde), teria sido ele o idealizador de um sistema de recolhimento de
pequenas contribuições individuais mensais, destinadas à formação de um capital garantido, que seria devolvido aos prestamistas em prazo previamente de-
18
19
terminado. Segundo essa versão, preocupado com a situação de penúria dos
associados, e mais preocupado ainda com o atraso no pagamento das contribuições, esse Viget teria decidido realizar sorteios entre os contribuintes pontuais,
atribuindo como prêmio a isenção do pagamento das mensalidades pelo período de um ano.
De qualquer forma, e não obstante a traição futura dos tradutores brasileiros, a boa semente plantada por Verger fora "lançada em bom terreno, e
surgiram então outras tentativas semelhantes, já um tanto organizadas, consistindo no que se chamava naquela época de reconstituição de capitais. Havia estabelecimentos emissores de títulos que assumiam a obrigação de pagar aos seus
subscritores, após um determinado prazo, uma importância fixa, em espécie,
além de distribuírem periodicamente, por meio de uma pequena loteria, prêmios suplementares, muito vantajosos." 18
Mas, antes de sua universal aceitação, e antes de assumir a forma como
hoje é conhecida no Brasil, a Capitalização estava destinada a enfrentar as vicissitudes naturais a tudo que decorre da condição humana. Eis que, ainda na
França, e em torno do berço embalado por Verger, ao lado de empresas honestas, que operavam sob o rigor da lei e da matemática, começaram a surgir aquelas que não se envergonhavam de prometer o que não cumpririam. E os tais
títulos, que até 1888 seriam emitidos sob a forma de “Reconstituição de Capital”, começam a ser colocados sob suspeita pela Corte de Justiça de Paris, que
vislumbrou, sob a máscara diáfana e honesta da idéia de poupança de longo
prazo cumulada com sorteios, alguma espécie mal conformada de loteria. Isto
é, jogo!
Desde então, uma cansativa discussão em torno da natureza moral da
capitalização começa a envolver financistas e advogados. Aqui mesmo, no Brasil, meio século depois, a chama dessa especulação intelectual ainda se manteria
acesa, e assoprada por algumas cabeças bem articuladas, que tentavam decifrar
o enigma proposto pela desconfiança da Corte de Paris: afinal de contas, a capitalização, quando recorre ao sorteio, deixa de ser um mero título formador
de economia, ou se transforma jogo?
19
20
René Brosar, em guia prático destinado aos produtores de capitalização,
advertiria, na década de 50, que esse profissional deve “estar preparado para
expor, sempre que puder, a diametral diferença existindo entre a capitalitação e
os jogos de loterias ou de azar”. E para melhor convencer, alinhava argumentos que julgava satisfatórios, dizendo que o “comprador de loteria, para obter,
gasta. O subscritor de títulos, para ter, guarda. O primeiro age por sentir falta
de dinheiro. O segundo, por dispor de sobras. Aquele desembolsa fácil, displicentemente. Este, contando, quase a contra-gosto” 19
Com argumentação menos direcionada ao sentimento e mais friamente
técnica, Jorge Aveline considera que os “sorteios, mediante os quais se amortizam contratos antes de seu natural vencimento, são praticados, sem exceção,
por todas as companhias de capitalização”. Nada justificaria, entretanto, a
comparação desse tipo de sorteio com qualquer modalidade de jogo de loteria.
Nesta, compra-se um bilhete pela possibilidade do prêmio, enquanto que na
capitalização “o desembolso único ou periódico favorece mensalmente uma
possibilidade de receber um capital mas, se isto não acontece, as contribuições
se encontram resguardadas num fundo, capitalizando”. Em síntese, diz que os
sorteios de capitalização “imprimem um fator psicológico ao subscritor, prendendo-o numa esperança mês a mês renovada, e que, com o decorrer do tempo, se cristaliza na realidade de uma economia perseverante”. 20
Pode ter sido esse o tom da argumentação dos defensores da capitalização, em face da suspeita levantada, perante a Corte francesa, da existência de
parentesco íntimo e próximo com o jogo. Lá, por volta de 1888, os adversários
da capitalização bradavam que títulos emitidos para resgate em até 100 anos,
certamente não achariam comprador se não existisse o apelo simples e direto
dos sorteios. Mas a Corte de Cassação (tribunal de Segunda Instância na Justiça
Francesa) deve ter percebido a inconsistência desse argumento solteiro, e decidiu a favor das muitas razões de defesa da capitalização. Segundo Georges
Hamon, advogado honorário nessa Corte francesa, “juízes supremos recusaram-se a identificar a prática exprobada dos sorteios de Capitalização como
uma loteria, baseando-se no fato de que sendo o montante e a atribuição dos
prêmios de capitalização determinados pelo próprio contrato e de modo uni-
20
21
forme para todos os subscritores, o acaso da sorte não intervém senão para
determinar a época do reembolso”. 21 E assim, no dia 26 de abril de 1902, a
Corte proferiu sentença que permitia a sobrevivência da Capitalização.
Estava aplainado o caminho para o bom futuro da criação de Verger. E
no dia 19 de dezembro de 1907 edita-se na França a lei que regulamentava a
atividade das companhias emissoras de capitalização, e protegia o portador de
títulos contra o possível desaparecimento de suas economias, “As Sociedades
de Capitalização, depois disso, ficaram definitivamente livres das controvérsias
e ao abrigo dos ataques. E firmadas em sua lei, passaram a ser na França uma
potência economicamente tão formidável que, no fim de 1936, o total dos capitais garantidos elevava-se a mais de 35 bilhões de francos.” 22 E em 1939 registrava-se a existência de 1 título de capitalização em cada grupo de quatro
franceses! 23
Apesar de sérias resistências que eventualmente encontrava, em razão
do equívoco de seu parentesco já devidamente esclarecido em relação ao jogo,
condenado pela moral pública de muitos países, a Capitalização conseguiu
mostrar sua real utilidade ao mundo sempre necessitado de instrumentos de
formação de poupança. E muitos outros países passaram a estudar, aceitar e
legalizar a instituição, “cuja estrutura repousava agora em bases sólidas e deixava perceber a contribuição dos economistas hábeis que a modificavam, aperfeiçoando-a segundo os cânones da Ciência das Finanças” 24
No Brasil, seu aparecimento ainda haveria de esperar algum tempo. E o
que é mais curioso, existiu em estado latente no corpo da lei, quase vinte anos
antes de aparecer no mercado. Isto é, diferentemente do que ocorrera na França, onde a legislação apareceria 57 anos depois de existirem o título e o mercado, entre nós a capitalização nasceu antes que “tivesse acordado a iniciativa
privada e para despertá-la tomou a si o legislador proclamar a legitimidade das
operações de capitalização, triunfante no grande embate que haviam sofrido no
seu país de origem” 25
21
22
Filha de um lampejo de clarividência da burocracia nacional, a Capitalização brasileira nasceu no berço de um regulamento (Decreto 14.593, de 31 de
dezembro de 1920), baixado pelo Presidente Epitácio Pessoa para definir as
bases da atuação administrativa do Estado na “fiscalização das companhias de
seguros nacionais e estrangeiras”. 26
O Artigo 4º desse famoso decreto estabelecia que dependem de prévia
autorização do Governo Federal, “para funcionamento na República, ou para
nela terem agentes e representantes” quaisquer sociedades ou agremiações,
nacionais ou estrangeiras, que se “consagrem a qualquer espécie ou ramo de
seguros”, terrestres, marítimos, agrícolas, industriais “e outros que tenham por
fim indenizar perdas ou danos, direta ou indiretamente causados a cousas ou
animais, quer se trate de seguros sobre a vida humana, de acidentes às pessoas,
e suas congêneres”. No Artigo 5º, o primeiro ovo do que futuramente seria a
capitalização, ao determinar que sujeitam-se ao regime de registro e fiscalização
“as sociedades nacionais e estrangeiras que, sob qualquer denominação, tenham por objetivo reunir e capitalizar em comum as economias de seus associados ou
aderentes, embora sem tomar para com os mesmos obrigações determinadas e positivas”. 27
O grifo, que naturalmente não consta do texto oficial, e foi acrescido a
essa verdadeira pérola barroca, estranha e excessiva, ajuda a destacar no célebre
decreto a revelação de uma dupla tendência do espírito nacional brasileiro.
Revela a predileção pela forma analítica, pela abundância que procura prefigurar no corpo de uma norma tantas situações concretas quantas possam se manifestar presentemente ao espírito do legislador. Mas acima de tudo revela a
boa intenção do legislador, que quis dar ao Brasil, ainda que para utilização
futura muito remota, um instrumento de iniciativa econômica apto a reproduzir, entre nós, os bons resultados que já vinham sendo observados em outros
países.
Essa boa intenção do legislador não escapou ao registro da história.
Schiotti, orgulhosamente a destaca em sua obra ao dizer que, “em nosso País,
muito antes de ser adotada, a Capitalização mereceu referências jurídicas que
concordavam inteiramente com o ponto de vista dos legisladores franceses.
22
23
Isso prova como, apesar de constituirmos uma Nação nova, todos os problemas humanos nos interessam de perto, como seguimos e nos deixamos entusiasmar pelos legítimos progressos do engenho e da arte, assimilando-os de logo
e dando-lhes feição própria, de acordo com o nosso temperamento e as nossas
tendências. No tocante à capitalização, o legislador brasileiro antecipou-se aos
fatos, estudou-os antes de serem realidade no País e a eles referiu-se em texto
de Lei!” 28
Pode-se dizer que uma das feições próprias, acrescentadas à capitalização pelo Decreto 14 594 e por “nosso temperamento e as nossas tendências”
foi abrigá-la, juntamente com as atividades tipicamente de seguros, sob um
título único (“Das condições de funcionamento das companhias de seguros”),
e disposições comuns de um mesmo Capítulo I. Vale dizer, submetê-las a um
regime único de fiscalização, acrescentando um grão de sal à receita originária
da França e ao modelo criado por Verger. No Brasil, desde sua mais remota
origem, Seguro e Capitalização têm sido normativamente considerados membros de um só corpo ou, quando muito, frutos ou galhos de uma árvore comum.
Então é o caso de se perguntar se haveria mesmo essa identidade fundamental entre as duas modalidades de negócios, ou a simplificação do histórico decreto deve ser vista apenas como uma solução de economia normativa?
Tanto quanto no passado, na França, antes da Lei de 1902, as opiniões se contradiziam quando tentavam confundir ou distinguir a Capitalização do puro
jogo lotérico, o Decreto 14.593 suscitou, no Brasil, o fogo cruzado dos argumentos contra ou a favor de uma identidade essencial entre Capitalização e
Seguro.
René Brosar, embora admitindo que “a base da capitalização é da
mesma essência do seguro”, delimita com aceitável evidência os termos de
definição e separação de campos de cada atividade. Segundo ele, o “seguro é
um contrato que visa à reparação ou recomposição de um valor ativo e produtivo. Esse valor se acaba prematuramente ou se amortiza antes do tempo. É
um fim imprevisto, que está dentro do previsto. As tarifas de seguros têm sua
23
24
base na probabilidade dos sinistros, estabelecida matematicamente. Enquanto a
capitalização é um contrato que tem por fim a constituição de um bem patrimonial, capaz de garantir a recomposição de um valor ativo e produtivo” –
afirma. E aprofunda sua argumentação ao acrescentar que tanto em uma como
outra modalidade, o segurado ou prestamista tem o ônus dos prêmios. No
seguro, entretanto, “o gasto é definitivo, haja ou não o sinistro”, enquanto que
na capitalização “o gasto é compensado pela constituição de reservas para atender à liquidação ou resgate dos contratos”. 29
Em síntese, e não obstante a simplificação normativa do Decreto
14.593, Seguro e Capitalização, embora calcados “nos mesmos preceitos técnicos e base científica” 30 não têm idêntica natureza. Embora ambos representem
“uma guarda de dinheiro”, donde decorreria “uma certa confusão legislativa,
quando cuida, no interesse fiscal, dessas empresas”, há quem considere que “a
capitalização melhor estaria, se subordinada sua atividade à fiscalização bancária. Porque mais ligação ao negócio bancário tem a Capitalização, do que com
o Seguro propriamente” 31
Discussões e divergências à parte, a verdade é que a capitalização, prefigurada no Artigo 6º do Decreto 14.593, aí repousaria como possibilidade
futura, até que o futuro chegou. Chegou como idéia, em 1928, trazida da França na mala de propósitos de Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, que a conhecera por casualidade, durante uma viagem a Paris, e quando lhe foi oferecida participação numa empresa de capitalização. O relato desse momento seminal da capitalização no Brasil seria feito anos depois, em conferência proferida
Larragoiti:
“Meus colegas e eu estávamos especializados no seguro de vida, e o
mecanismo da capitalização nos era estranho. Um grupo de amigos franceses
nos forneceu todos os esclarecimentos técnicos e comerciais que podíamos
desejar; e, afastada de nós a ocasião de participarmos de uma companhia francesa, surgiu de repente no nosso espírito a idéia de implantarmos a capitalização no Brasil. Não reagimos contra ela: antes a principiamos a acariciar. Pouco
tempo depois já gostávamos dela. Já nos íamos habituando. Finalmente decla-
24
25
ramos aos nossos interlocutores franceses que, se eles nos ajudassem a montar
u´a máquina com a mesma perfeição com que haviam sabido fazê-lo na França, aceitaríamos tentar a aventura”. 32
Além do incitamento à aventura, o entusiasmo de Larragoiti era movido pela crença do patriotismo e pela mola da simplicidade do que era a própria
capitalização. “Em 1929 fiz parte de um conjunto de homens que sonhou implantar no Brasil um método de economia sistematizada, já velho na Europa,
chamada Capitalização” relataria, em conferência proferida em 1954. 33 Segundo
ele, “naquela altura de nossa evolução nacional dizia-nos a grande maioria ser
impossível incutir no povo brasileiro isso a que os franceses chamam de
l´epargne (“poupança”, tradução do autor); os espanhóis de ahorro (“poupança”,
idem), e para o qual a língua lusitana não possui ainda uma denominação exata”. 34
Larragoiti acreditava que tanto o sul-americano em geral, como o brasileiro em particular, graças “às promissoras riquezas de seu ambiente continental”, não eram dados à prática da “economia”. Adicionalmente, ostentavam a
má fama de “sempre viverem acima de seus meios; de gastarem mais do que
seus ingressos permitiam em sã cautela, sacando sobre o futuro, enfim”. Diante
disso, ele se perguntava como “era possível sonhar em levá-lo a criar economias e dedicá-las à subscrição de títulos?” A acreditar nessa propensão continental para a irresponsabilidade financeira, o futuro da capitalização em nosso País
poderia já estar nascendo comprometido.
Assim mesmo Larragoiti parecia determinado. Acreditava firmemente
que “a capacidade de economia de uma nação é uma das maiores forças internas e externas que o destino pode reservar-lhe”, e que “um povo incapaz de
economizar não chegará nunca a ser um grande povo”. Mais que isto, os introdutores da capitalização no Brasil queriam “contribuir para despertar no espírito de nosso meio o sentimento da necessidade da economia, fonte de progresso para os destinos de um povo livre”. E se não bastasse o apelo do patriotismo, havia a praticidade do homem de negócios, que imediatamente acreditou
25
26
na simplicidade da capitalização, que “poderia por a economia ao alcance do
cidadão mais modesto”. 35
Ânimo e idéias. E também a colaboração intelectual de técnicos franceses, entre os quais René Cuvillier, um pioneiro. Tudo estava pronto para o aparecimento da primeira sociedade de capitalização no Brasil. E finalmente, no
dia 4 de setembro de 1929, o Presidente Washington Luis assina o Decreto
18.891, 36 que concedia autorização para o funcionamento da Sociedade Anônima Sul América – Capitalização. Ato a que se segue, no dia. 21 de outubro de
1929, a assinatura da Carta Patente nº 224, pelo Ministro da Fazenda Francisco
Chaves de Oliveira Botelho, e pelo Inspetor Geral de Seguros, Francisco Vergne de Abreu.
Registrada na Inspetoria, às folhas às folhas 28 do “livro competente”,
essa carta concedia à empresa recém-criada o direito de “funcionar nos Estados Unidos do Brazil, em seguros de capitalização”. 37
26
27
Capítulo três
Além de lutar contra a adversidade de uma crise importada, o sucesso
ou o fracasso da capitalização em nosso país teria que enfrentar um outro inimigo: a suspeita generalizada em relação ao espírito de gastança de nosso povo.
Dizia-se que “o brasileiro não possuía espírito de economia, que era jogador,
que a única cousa a interessá-lo seria o sorteio, e que, por conseguinte, pagaria
apenas algumas mensalidades de seus títulos, até a época dos primeiros sorteios, deixando caducar os títulos depois caso não fosse favorecido”. 38
Havia números, entretanto, que eram do conhecimento dos criadores
da capitalização brasileira, que contrariavam essa crença e demonstravam que a
tão achincalhada propensão nacional à gastança não passava de mais uma dessas meias-verdades que volta e meia aplicam a qualquer povo, e não necessariamente o brasileiro, traços de personalidade nacional que não resistem ao teste
dos fatos concretos. Hermann W. Sthamer, diretor da Sulacap, em trabalho
publicado em 1937, os valores relativos a saldos de depósitos em cadernetas de
“economia” nas Caixas Econômicas Federais: Cr$ 516 milhões em 1929, Cr$
492 milhões em 1930, e Cr$ 536 milhões em 1931. 39
Com base nesses números, Sthamer preferia argumentar que, ao invés
de suposto e não demonstrável traço de personalidade nacional, que impediria
o hábito da poupança, o que existiria na verdade era a situação de fragilidade
material das famílias. Era a insuficiência da “média dos ordenados, de salários,
da recompensa de qualquer trabalho em geral” que, segundo ele, dificultava a
formação de economias por parte do indivíduo, e de capital novo por parte das
empresas. ”Daí a dificuldade da constituição de economias no vasto círculo
dos menos abastados que, por sua vez, têm a maior necessidade de economias
para amparar seu lar e suas famílias contra as vicissitudes da vida”. 40
27
28
Desimpedida e desembaraçada do obstáculo da suposta propensão
nacional à gastança, a capitalização pôde ensaiar seus primeiros passos no mercado brasileiro. Para apresentá-la aos poupadores, a Sulacap “iniciou uma campanha de educação do público e, ao ofertar os seus títulos, evocava o sorteio
como um simples acessório, secundário; vendia-os fazendo compreender aos
compradores que se tratava de uma operação de verdadeira economia, independentemente dos bafejos da sorte, e quão interessante era a operação financeira para o subscritor” – lembraria, anos mais tarde, Antônio Larragoiti Junior. 41 Assim, embalada numa boa mensagem, a capitalização começou a chegar
aos lares brasileiros. A própria história do País, se incumbiria de dar a ela um
empurrãozinho a mais.
Em 1930 o Brasil vivia o Ano Zero de uma era de grandes transformações. Triste, o País chorava a morte de Sinhô, o pai e a mãe do samba carioca.
Fascinado, tentava decifrar o doce mistério da criação de um jovem farmacêutico de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, que acabara de publicar sua
“Alguma Poesia”, a mais refinada de todas as metáforas do quotidiano humilde
e das situações corriqueiras. Envaidecido, o País comemorava o título de Miss
Universo, conquistado pela gaúcha Yolanda Pereira no mês de Agosto. E olhava para o céu, do Rio de Janeiro e do Recife, onde um gigantesco charuto de
235 metros e 58 toneladas, o Graf Zeppelin, carregava no baixo-ventre a cápsula envidraçada onde 43 tripulantes se mobilizavam para propiciar a 19 passageiros o sonho caro (20 mil contos) da travessia aérea do Atlântico a uma velocidade de 128 quilômetros por hora.
Entretanto, no ar havia alguma coisa além do Graf Zeppelin. No ar. Na
terra, no mar, desmanchava-se a República Velha, e o País caminhava para a
modernidade da Revolução que levaria Getúlio Vargas ao Poder.
Desde a Presidência de Campos Salles (1898-1902), a República vinha
sendo alternadamente governada por paulistas e mineiros, irmanados num pacto de oligarcas, a célebre política do “café com leite”. E para as eleições de
1930, depois da gestão paulista de Washington Luís, havia chegado a vez dos
mineiros. Esse era o trato. Isso era o combinado.
28
29
Numa tentativa de salvar o barco da café de um naufrágio que tinha se
tornado ainda mais iminente após o crash da Bolsa de Nova Iork, Washington
Luís decide atender aos apelos dos produtores coestaduanos, e roí as cordas
que o atavam aos interesses do leite. Ele decide lançar e abençoar uma chapa
oficial, a “Concentração Conservadora”, encabeçada pelo paulista Júlio Prestes,
e tendo como candidato a vice Vital Soares.
Estava rasgado o pacto do “café com leite”.
Os oligarcas de Minas, e juntamente com eles os do Rio Grande do Sul
e da Paraíba, decidem resistir. Dentro do Partido Republicano, o mesmo que
sustentava o poder de Washington Luís e o pacto que acabava de ser rasgado,
fundam a divergência da Aliança Liberal, novo partido, que lança candidatura
própria à Presidência da República: Getúlio Vargas e seu Vice, João Pessoa.
Além disso, a Aliança Liberal assume pose revolucionária, e busca o apoio dos
célebres tenentes que desde 1922 vinham pregando a necessidade de uma revolução libertadora, que arrancasse o povo das garras da miséria e do status quo
mantido (ironicamente) pelas próprias oligarquias com que agora se aliavam.
A Aliança Liberal sabia bem o que podia significar o ardor e o ímpeto
guerreiro da jovem oficialidade, liderada por Luís Carlos Prestes e Juarez Távora. De qualquer modo, no dia 1º de março, em pleno carnaval, realizam-se as
eleições. A Aliança Liberal é derrotada, pela máquina situacionista, que Washington Luis tivera a competência de azeitar em 17 Estados, e pela fraude. A
chapa de Júlio Prestes e Vital Soares obtém1.091.709 votos, de um total de
1.890.524, contra os 737.000 votos dados a Getúlio Vargas e João Pessoa. É o
momento em que o Governador (à época Presidente) de Minas, Olegário Maciel, falando em nome da coragem conservadorista da Aliança derrotada, solta
a palavra de ordem de um partido que não esquecia suas raízes: “Façamos a
revolução, antes que o povo a faça!”
Mais que palavras de ordem, alguns líderes jovens, como Oswaldo Aranha e Lindolfo Collor, começam a inflamar o País com um vibrante pedido de
29
30
guerra. E no dia 26 de julho, quando João Pessoa, Governador da Paraíba,
candidato derrotado à Vice-Presidência na chapa de Vargas, é assassinado no
Recife, no interior de uma Confeitaria, a indignação nacional caminha para o
clímax. O país ferve. Marca-se uma revolução para o dia 3 de outubro, e os
combates têm início nessa data, em Porto Alegre, às 17h30, no encerramento
do expediente nos quartéis. Getúlio Vargas, comandante civil, faz um discurso
em que afirma que a Revolução é o povo “se levantando para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza do regime republicano, para a reconstrução
nacional”. 42
Tudo se precipita. As tropas revolucionárias, que subiam do Rio Grande do Sul na direção de Santa Catarina e do Paraná, chegam à fronteira com
São Paulo, ao município de Itararé São 7.800 homens e 18 canhões, sob o comando de Miguel Costa, e encontram pela frente 6.200 homens, tendo à frente
o Coronel Pais de Andrade. Uma grande batalha está para acontecer no dia 25
de outubro. “Defenda Itararé a todo transe”, são as ordens dadas a Pais de
Andrade. Mas, na véspera, dia 24 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro, Washington Luis tinha sido deposto, e não houve necessidade do disparo de um
tiro sequer pelos 14 mil soldados que se defrontavam..
Itararé entra para a história como a batalha que não houve, e os gaúchos continuam avançando na direção do Rio de Janeiro. Ali, cavalos amarrados no obelisco na Avenida Rio Branco, eles aguardariam e assistiriam à posse
de Getúlio Vargas, no dia 3 de novembro, como chefe do governo Provisório
da República dos Estados Unidos do Brasil.
Com a vitória da Revolução de 1930, parecia que o Brasil finalmente
entrava no Século XX. E o novo século, nessa década de transformações em
todas as partes do mundo, parecia anunciar um modo novo de relacionamento
do Estado com a economia. Na Europa, ensaiavam-se os primeiros passos da
encenação nacionalista, que na Alemanha resultaria na exacerbação do nazifascismo, e na Itália no anacronismo imperialista de Mussolini. Em ambos os
modelos, o Estado passava a ter uma presença forte na economia. Mesmo nos
Estados Unidos, pátria da livre iniciativa, o governo vinha ensaiando formas
30
31
cada vez mais escancaradas de intervenção no domínio econômico, o que por
lá era considerada um verdadeiro sacrilégio desde a Constituição de 1776.
Por força das circunstâncias e por um imperativo da época, o Brasil
também ensaiava um modo novo de relação do Estado com a economia. Empossado no cargo de Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, caberia a
Lindolfo Collor, uma das lideranças jovens da República de Vargas, seria o
porta-voz da proposta revolucionária de política econômica, ao declarar que
“O Brasil é o melhor mercado para o Brasil”. Isto é, o Brasil passaria a dar
maior valor a seu mercado interno, procurando se organizar economicamente a
partir de suas próprias forças.
Era uma proposta que vinha bem a calhar com os propósitos da Capitalização, que já começava a ter alguma visibilidade nos primeiros meses que se
seguiram à posse de Vargas. Antes mesmo, e no apagar das luzes de seu governo, o Presidente Washington Luis assinaria o Decreto 19.380, no dia 22 de
outubro, concedendo autorização para o funcionamento da Prudência Capitalização S.A., sediada em São Paulo. Essa empresa, que contribuiria para firmar o
bom conceito da capitalização no Brasil graças a uma presença marcante no
financiamento de grandes projetos imobiliários, iniciaria verdadeiramente suas
atividades no início do ano seguinte, ao receber da Inspetoria Geral de Seguros
a Carta Patente 228/31. A Prudência teria vida longa e produtiva, encerrada no
dia 2 de abril de 1959, quando suas atividades foram definitivamente interrompidas. 43
No dia 30 de abril de 1931, no salão nobre da Associação dos Empregados no Comércio, na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, realiza-se o primeiro sorteio de capitalização no Brasil. Além de diretores e funcionários da
Sulacap, achavam-se presentes jornalistas e grande número de subscritores, que
acompanharam a movimentação das máquinas Fichet, de onde foram extraídas
as seguintes combinações: KJM NIE KUK XOK XGV OVK.
Todos os portadores de títulos em vigor, que contivessem qualquer das
seis combinações, foram convocados para imediatamente receber, na sede da
31
32
Sul América Capitalização, na Rua do Ouvidor, esquina de Quitanda, o capital
integral do titulo sem desconto algum.
A capitalização dava passos muito firmes em sua primeira infância. Em
julho de 1931, a “Revista de Seguros” informa que a Prudência Capitalização
havia acabado de se filiar à Associação de Companhias de Seguros. Nessa
mesma edição, um pequeno anúncio dá conta de que em “21 meses de funcionamento a Sul América Capitalização amortizou, por meio de sorteios mensais,
títulos no valor de 4.275 contos de réis”. Esclarecia que os títulos, depois de
“pagos em 15 anos, não tendo sido sorteados, dão direito em qualquer momento a um valor de resgate superior às importâncias capitalizadas”. Diz ainda
que no “15º ano de vigência, os títulos participam dos lucros da Companhia”.
E informa que o próximo sorteio, mensal, ocorrerá no dia 31 de agosto, às
15h,
Era boa política, essa de dar visibilidade aos sorteios da capitalização. E
tudo parecia mesmo correr no melhor dos trilhos, nessa fase de expectativas
que normalmente se segue às revoluções transformadoras. "A revolução de
1930 encontrou a capitalização nos seus primeiros dias de existência” – anota
Álvaro Silva Lima Pereira, Presidente da Diretoria da Sulacap, em texto histórico publicado em 1954. “Como era natural sucedesse, o espírito reformador que
dominava os espíritos e os entusiasmos do momento tomaram a si analisar o
sistema que apenas iniciava seus passos, e dessa análise resultou a sua consolidação definitiva e que se traduzia em uma sábia e prudente regulamentação que
lhe deu estrutura, que seria, como o foi, a garantia de seu êxito, de vez que fixou os princípios de ordem técnica e matemática, que estabeleceram a absoluta
segurança de seus fins e objetivos." 44
Uma década havia decorrido desde a edição do Decreto 14.493, de 31
de dezembro de 1920, à sombra do qual a capitalização havia nascido no Brasil.
Baixada pelo Presidente Epitácio Pessoa, essa norma já pertencia às calendas
da história. E era ela que, em seu Artigo 5º, vinha abrigando a constituição de
“sociedades nacionais e estrangeiras que, sob qualquer denominação, tenham
por objetivo reunir e capitalizar em comum as economias de seus associados
32
33
ou aderentes, embora sem tomar para com os mesmos obrigações determinadas e positivas”.
Faltava, entretanto, um regulamento específico da capitalização, mesmo
depois da edição de um outro decreto, o 21.143, de 10 de março de 1932, que
apenas oficializava os termos da autorização para funcionamento das sociedades de capitalização. Era como se o Governo ganhasse tempo, enquanto urdia
a tessitura firme daquele que seria a verdadeira base ciclópica em cima da qual,
para as décadas a vir, o Brasil fundamentaria a solidez de sua indústria da capitalização: o Decreto 22 456, de 10 de fevereiro de 1933!
O mercado respirou fundo. E respirou aliviado, assim que o Diário Oficial publicou a íntegra desse famoso decreto que trazia, de quebra, além de
toda a regulamentação da atividade futura da capitalização no Brasil, uma substanciosa exposição de motivos assinada por ninguém menos que o ardoroso
talento de Oswaldo Aranha.
O alívio tinha razão de ser. É próprio da condição humana e traço comum de todas as revoluções que se pretendem transformadoras, um acentuado
vezo moralista, que tende a ver pecado e comprometimento em cada ato de
pessoa ou instituição. E durante dois anos, desde a eclosão vitoriosa do movimento revolucionário, até a edição do Decreto 22 456, ainda pairava sobre a
capitalização a velha suspeita de que se tratava de mais uma modalidade de
jogo.
“No Brasil, onde todos os sorteios são permitidos, e diários“ – anotaria
Francisco Marques, em conferência proferida em 1935 – “loterias, apólices
populares, prédios, mercadorias, relógios, pianos, comestíveis – também surgiram os moralizadores. E os sorteios de capitalização se acham reduzidos a doze por ano. A questão não foi levada aos tribunais, mas o governo revolucionário, impressionado com a grita de interessados ou por outro qualquer motivo,
num decreto regulamentando loterias, incluiu os sorteios da capitalização entre
os jogos de azar, equiparando-os à roleta, baccarat, pharoon etc., e os proibiu, não
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obstante já estarem funcionando, devidamente autorizados pelo governo constitucional, duas sociedades de capitalização.” 45
Mais que o alívio, com a edição do Decreto 22 456 o mercado seria
brindado com uma exposição de motivos assinada pelo Ministro da Fazenda
Oswaldo Aranha, que de certo modo assumia, explicitamente, não só a defesa
da moralidade mas da própria utilidade social e econômica da capitalização.
“É incontestável o serviço que as Capitalizações prestam à coletividade.
Elas vão buscar na economia popular as pequenas contribuições individuais
que de nada serviam, para transformá-las em massas colossais de dinheiro,
fecundando as indústrias e o comércio, criando empresas novas, desenvolvendo o crédito e aumentando o bem-estar das populações” – afirma o Ministro,
escorado na citação direta da edição francesa do “Vocabulário Jurídico” de
Henri Capitain. 46 E prossegue, advertindo sobre a necessidade de “uma rígida
fiscalização governamental para impedir que as sociedades, por incompetência
ou desarrazoada ambição de lucros, não destruam as enormes reservas monetárias, que de fato não lhes pertencem, nem mesmo excedam, com despesas e
lucros, uma determinada porcentagem das contribuições recolhidas. É indispensável que a economia popular encontre nessas operações, depois de um
certo prazo, a justa recompensa de sua perseverança, recebendo realmente,
pela força dos juros, somas maiores do que as empregadas”.
Oswaldo Aranha prossegue enumerando as garantias que o Decreto assegura à vida futura das empresas, e à lisura dos negócios da capitalização, ao
“amparar o público contra cláusulas leoninas, cuja verdadeira interpretação
passaria desapercebida”. E mostra os cuidados do legislador ao impedir a constituição de “vultosos lucros ocultos, prejudiciais não só ao erário público como
aos próprios subscritores dos títulos de Capitalização”. E ao comentar a criação de um prazo máximo para os títulos, deduz uma justa defesa desse tipo de
poupança afirmando que “se a previdência é um nobre ato de desprendimento
a favor de filhos ou netos, ela torna-se incompreensível se os beneficiários pertencerem à terceira ou quarta geração; e por isso, nas capitalizações a prazo
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demasiadamente longos, deixa de existir o caráter de previdência, predominando apenas o desejo egoísta de lucro imediato proveniente de uma loteria”.
A Exposição de Motivos assinada por Oswaldo Aranha, mas acima de
tudo o texto do Decreto, foram saudados como anunciadores de boa sorte
para a Capitalização. “Tais palavras do Poder Público, que culminaram o estudo prolongado que fizera pelos seus órgãos mais competentes do sistema de
Capitalização, constituem documento de alta valia, pois que, ao mesmo tempo
que afirma a legitimidade e segurança matemática das operações de capitalização, desdobra o panorama fecundo em benefícios resultantes de suas atividades
no meio social, de vez que congrega as pequenas contribuições individuais, que
só poderiam, pela imprevidência e desperdício, perder, e as transforma em
massas de capitais que, longe de ficarem inertes, logo se movimentam em proveito do comércio e da indústria, criando empresas novas, desenvolvendo o
crédito e aumentando o bem estar das populações!” – comenta Álvaro Silva
Lima Pereira, com muito fôlego, nenhuma pausa, e alguma redundância. 47
Exaustivamente analítico, o Decreto 22 456 estende-se por 89 artigos e
respectivos parágrafos, que descem à minúcia de regulamentar as condições
gerais de funcionamento das sociedades de capitalização, as formas de constituição e aplicação de capitais, a forma de cessação das operações, tabelas, planos, modos de constituição e emprego de reservas, perda e recuperação dos
títulos, fiscalização e “regime repressivo”.
No parágrafo único do Art.1º, o decreto estabelece que as “únicas sociedades que poderão usar o nome de Capitalização serão as que autorizadas pelo
Governo tiverem por objetivo oferecer ao público, de acordo com planos aprovados pela Inspetoria de Seguros, a constituição de um capital mínimo perfeitamente determinado em cada plano e pago em moeda corrente em um prazo máximo indicado no dito plano a pessoa que subscrever ou possuir um título, segundo cláusulas e regras aprovadas e mencionadas no mesmo título.” 48
O texto, embora ruim e redundante, delimita o campo e define os atores que nele podem atuar. E ele se completa com o Art. 37, em que são fixadas
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as regras e os pressupostos do jogo: tanto quanto a autorização para funcionar,
as sociedades dependem de prévia aprovação, pela autoridade competente, dos
planos, tabelas de contribuições, taxas de juros, fórmulas e modo de distribuição de lucro. Mas o que particularmente deve ter interessado ao Governo Provisório de Vargas, tanto quanto hoje interessa à economia do País, era o modo
como as reservas técnicas deviam ser empregadas: sem limite, em apólices da
dívida pública ou títulos que gozem de garantia da União, Estados ou Distrito
Federal; com prévia autorização, títulos de negociação privada, e,préstimos sob
caução de títulos, bancos, cadernetas da Caixa, ou imóveis.
Dois outros artigos do Decreto chamam atenção. O Art.45, ao estabelecer duração dos títulos nominativos, num mínimo de 10 e num máximo de
30 anos, bem de acordo com a mente do legislador, preocupado em arredar da
capitalização a pecha de aventura financeira ou de jogo. E o Art. 53, que determina que as “sociedades são obrigadas a manter nas capitais e nas praças
comerciais dos Estados onde lhes convier emitir títulos, um agente com poderes necessários para assumir as responsabilidades que lhes cabem em virtude
deste decreto, resolver reclamações e receber primeiras e outras citadas”.
Nada mais saudável e mais de acordo com a defesa do consumidor, que
essa preocupação, já antiga, de dar visibilidade e presença aos agentes de capitalização. Isto é, proteger o interesse mais vital para o comprador de um título,
que é saber com quem e onde vai falar quando necessário.
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Capítulo Quatro
Abençoada pelo Governo Provisório, a Capitalização enfim pôde
prosperar. Em 1933, assistiu ao nascimento de duas novas companhias: A Alliança da Bahia, sediada em Salvador, autorizada a funcionar pelo Decreto
22.488, de 22 de fevereiro de 1933, e Carta-patente 234/33; 49 e Companhia
Internacional de Capitalização, com sede no Rio de Janeiro, que recebeu autorização para funcionar pelo Decreto 23 287, de 25 de outubro de 1933, e Carta-patente 236/33. 50 E prosperava em um país que ainda não conseguira dar
estabilidade às próprias instituições políticas, episodicamente ameaçadas de
retrocesso em razão de cicatrizes, desconfianças e rancores antigos, deixados
no rastro do movimento revolucionário que levara Getúlio Vargas ao poder.
Assim foi em 1932, no dia 25 de janeiro, quando 100 mil pessoas, em
sua maioria jovens e trabalhadores, se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo,
para pedir a formação de uma Assembléia Constituinte que desse ao País uma
Carta de Direitos, e desse aos Estados uma autonomia político-administrativa
que vinha sendo sufocada pelo centralismo do ainda “Governo Provisório”. A
resposta ao clamor paulista é tímida. Marca-se para maio de 1933 a eleição para
a assembléia Constituinte. E como a história tinha pressa, no dia 9 de julho
explode o movimento que teve comando militar dos generais Bertoldo Klinger
e Isidoro Dias Lopes, e do coronel Euclides Figueiredo, pai de João Batista,
que mais de quarenta anos depois se tornaria Presidente da República pela mão
de um centralismo ironicamente parecido com o do Governo Provisório de
Vargas.
Nessa guerra de irmãos, perdida pelos constitucionalistas, o Brasil perderia o Pai da Aviação: deprimido ao ver o combate desigual e desumano, dos
“gaviões de penacho” da reduzida força aérea paulista contra os “vermelhinhos” legalistas, Santos Dumont suicida num hotel em Guarujá. E após três
meses de combate e algumas centenas de mortos nos dois lados (633 só no
lado paulista), no dia 1º de outubro de 1932 a revolução está encerrada.
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A capitalização atravessaria impávida os poucos meses de conflito,
quando a economia do País enfrentava alguns reveses. Antônio Lopes da Costa, inspetor da Sulacap em São Paulo, em depoimento prestado alguns depois,
relembraria o que foi essa prova de vitalidade em tempos tão difíceis. “Quando
em 1932 deflagrou o movimento Constitucionalista da Capital da generosa
terra Bandeirante, numa época em que a medo se faziam negócios e empréstimos, quando os Bancos, com suas portas cerradas não operavam por prudência, a Sulacap processava e fazia adiantamentos aos portadores de seus títulos
que já tinham mais de dois anos, na elevada soma de cerca de cinco mil contos!” 51 E concluiria seu relato com um entusiasmo que patrioticamente se justificava: “Que lição maravilhosa podemos tomar aqui! Aos imprevidentes e descuidados, na formação de reservas para o futuro!”
Os números justificavam a boa expectativa de Lopes da Costa: em
1932 a Sulacap comercializou 27.129 títulos novos, num valor de 334.335 contos, tendo a carteira em vigor atingido um montante acumulado de 887.640
contos. Por sorteio, foram amortizados 541 títulos, representando a importância de 6.605 contos de réis. 52
Rapidamente a capitalização adquiria maior prestígio e visibilidade junto ao consumidor e ao próprio Governo, que manifesta mais uma vez a importância crescente dessa atividade, ao editar o Decreto 24.782, de 14 de julho de
1934, pelo qual era extinta a Inspetoria Geral de Seguros, criando-se em seu
lugar o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização.
Fruto de uma modernidade pós-revolucionária que então se ensaiava
no Brasil, essa nova regulamentação viria à luz dois dias antes de o País ter
assistido, em 16 de julho de 1934, à promulgação de uma nova Constituição
Federal. E nasceria três dias depois de Getúlio Vargas ser, finalmente e para
alívio geral dos ânimos ainda assustados de todos os brasileiros, eleito Presidente da República no dia 17 de julho, por maioria dos votos dos constituintes,
reunidos no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro.
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Pelo Decreto 24.782 o Governo criava o Ministério do Trabalho, Indústria e comércio e o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização. E em sua regulamentação, baixada pelo Decreto nº 24.783, de 14 de
julho de 1934, pode-se dizer que já se acha refletido o ânimo intervencionista e
centralizador do Estado, que a partir do Artigo 111 da nova Constituição, caminharia no sentido da nacionalização das empresas de seguros em todas as
suas modalidades, e da negação dos princípios teóricos do liberalismo,
O Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização substituiria a Inspetoria de Seguros, em funcionamento desde 1903, e sua ação se
estenderia por todo o País. Caberia a ele, como objetivo geral, “fiscalizar as
operações de seguros privados em geral e as que consistem em reunir, capitalizar e distribuir pelos contribuintes as economias individuais, mediante obrigações determinadas e positivas ou não sob a forma de capitais mobiliários,” 53
Também caberia a ele amparar, nos limites de suas atribuições administrativas,
os interesses e direitos do público relativos às operações de seguros e capitalização, e “promover o desenvolvimento de tais operações, bem como o espírito
de previdência em relação às mesmas”.
Além de fomentar o desenvolvimento do seguro e da capitalização, cabia ao Departamento o estudo das “questões técnicas e jurídicas referentes às
aludidas operações e interessar-se junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio pela adoção de todas as providências que julgar úteis e necessárias
aos interesses gerais, relacionados com tais operações.” E como não podia
deixar de ser, também a ele incumbia “zelar os interesses da Fazenda nacional
relacionados com as operações já citadas, auxiliando de modo direto a fiscalização da arrecadação dos impostos que recaiam sobre tais operações.”
Regulamentação nova e quatro empresas constituídas e operantes (Sul
América, Prudência, Aliança da Bahia e Internacional), a Capitalização apresenta, em 1935, um primeiro balanço setorial cujos números globais já começam a
impressionar: 119.632 títulos vendidos no ano, e constituição de reservas matemáticas que atingem o montante de 90.675:749$038. Isto é, em linguagem e
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moeda da época, mais de 90 mil contos de réis em títulos reservas acumuladas
em apenas um ano! 54
Somada essa produção à dos anos anteriores, em 1935 a capitalização
brasileira já contabilizava um total de 245.317 títulos ativos em carteira, o que
representava um capital de 2.367.398:000$000 (1.876.065:000$000 em 1934) e
receita correspondente a prêmios únicos num montante de 53.308:966$300
(contra 42.356.688$250 no ano anterior). Isto é, em 1935 havia no Brasil mais
de 2 milhões e 300 mil contos aplicados em títulos de capitalização, valor que
era superior à produção de café registrada naquele ano. 55
Os números eram animadores. A capitalização em 1935 havia superado
o Seguro de Vida, que mantinha em carteira 2 milhões de contos em apólices
emitidas no Brasil. E o ufanismo nacional já começava a vislumbrar a possibilidade de fazer comparações com a capitalização francesa que, nesse mesmo
ano, havia registrado um total acumulado de 42,777 milhões de contos de réis
de títulos em vigor. Isto, na pátria da capitalização, com uma indústria que operava ininterruptamente desde 1850. 56
E tudo isto acontecia num país ainda conflagrado politicamente, e que
ainda não conseguira resolver todas as contradições inerentes ao processo revolucionário, que se institucionalizara como Governo mas que continuava a
bater cabeça em meio às facções de poder e interesses que pareciam inconciliáveis. No centro, as velhas oligarquias, que haviam demonstrado vigor novo nas
eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, realizadas em 1933, e de
certo modo conseguiriam dominar a cena política nos debates que resultaram
na elaboração da nova Constituição. À direita, a Ação Integralista Brasileira,
organizada por Plínio Salgado em torno de um ideário fascistóide, que procurava recriar nos trópicos a experiência o modelo nacionalista de Mussolini. À
esquerda, a Aliança Nacional Libertadora, criada em janeiro de 1935 sob o comando de Luis Carlos Prestes e a bandeira vermelha da luta anti-fascista. Acima de todos, Getúlio Vargas, que tenta responder aos assanhamentos das várias facções invocando e aplicando a Lei de Segurança Nacional, promulgada
no mês de abril desse ano.
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Em maio, Maurício de (pai de Carlos) Lacerda, prefeito de Vassouras,
dissolve no tiro uma tentativa de desfile integralista. Em junho, Vargas expulsa
do exército um grupo de soldados e sargentos que haviam participado de um
comício da Aliança Nacional Libertadora no bairro de Madureira, no Rio. Em
julho, durante comício realizado no Rio, é lido manifesto de Luis Carlos Prestes, em que se pede “todo poder à ANL”. Como resposta, uma semana depois
a Aliança é colocada na ilegalidade e sua sede no Rio de Janeiro é fechada. Em
setembro uma reunião de integralistas no bairro de Bonsucesso é dissolvida a
tiros, e em novembro a Justiça proíbe o uso das camisas verdes, uniforme dos
seguidores de Plínio Salgado. Em novembro, explode uma rebelião comunista
em Natal e depois em Recife. O País entra em Estado de Sítio, na madrugada
de 26 para 27 de novembro, na Praia Vermelha, cumprindo ordens de Prestes e
sob o comando de Agildo Barata, comanda um levante armado no quartel do
3º Regimento de Infantaria.
O episódio, que entraria para a história como “Intentona Comunista”,
foi de curta mas dolorosa duração. Depois de sofrer um bombardeio cerrado
de obuses e metralhadoras, já no início da tarde do dia 28, com uma bandeira
branca amarrada num cabo de vassoura, os amotinados capitulavam, para embarcar em vários ônibus rumo ao cárcere.
Mas nem tudo era dor, violência e perplexidade. Pelas ondas do rádio,
o Brasil descobria e se encantava com uma constelação de astros e estrelas da
música e dramaturgia. Araci de Almeida, a “Dama da Central”, que cantava as
músicas de Noel Rosa e mostrava ao país uma cara nova da boemia. A boemia
das mulheres. E Carmem Miranda, a “Pequena Notável”, vestida de baiana e
coberta de balangandãs. Ou Dalva de Oliveira, que integrava o “Trio de Ouro”
com Herivelto Martins e Nilo Chagas. Elas e mais os gênios de Ary Barroso,
Noel Rosa, e Lupicínio Rodrigues, inventavam no éter, no espaço, uma nova
cultura e um novo gosto que em poucos anos mudaria a sensibilidade do povo
brasileiro.
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Em meio aos trancos das rebeliões e ao balanço da boa música, e das
ondas médias e curtas da Rádio Nacional, Rádio Tupi, Mayrink Veiga e outras
grandes emissoras que surgiam, operava-se, finalmente o tão proclamado milagre instantâneo da unidade nacional. O Brasil progredia. A capitalização progredia.
"No Brasil, que absolutamente não está em atraso no progresso” –
afirmava na época George Hamon – “a capitalização colheu resultados: os capitais garantidos elevam-se, em dezembro de 1936, a mais de Cr$
2.500.000.000,00; e nesta cifra a Sul América Capitalização, S.A. figura sozinha
em dois bilhões de cruzeiros. Isto é melhor do que um começo honroso; é um
êxito brilhante, que denota o espírito progressista na nação e que será, esperemo-lo, seguido de outros muitos." 57
Contaminadas por esse “espírito progressista”, as empresas procuravam se expandir. A Sul América Capitalização, por exemplo, deu início em
1936 às obras de construção de um prédio, situado no Rio de Janeiro, na esquina das ruas da Alfândega e Quitanda, “modelado nas suas necessidades cada
vez mais desdobradas”, destinado a abrigar sua sede. “O programa da direção é
dotar essa companhia em todas as capitais brasileiras de prédios próprios, não
só para renda como para a instalação dos seus serviços” – anunciava a “Revista
de Seguros. O edifício seria inaugurado no segundo semestre de 1937, em presença de Herbert Moses, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, e
Edmundo Perry, Diretor do Departamento Nacional de Seguros Privados e
Capitalização.
Sobre pretensões futuras da empresa, a revista acrescentava: “lemos no
seu relatório agora publicado, a notícia da compra de um prédio em Santos, o
qual já demoliu para, em seu lugar, construir um edifício que faça honra ao
nosso primeiro porto marítimo. Também adquiriu três prédios em Porto Alegre, à rua dos Andradas, os quais vão também ser demolidos, surgindo no local
um majestoso edifício que atestará o prestigio dessa sociedade no Rio Grande
do Sul.” 58
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O mesmo espírito de progresso estava presente em outras iniciativas.
Como a criação da Kosmos Capitalização, que se constituiu no dia 9 de março
de 1937, pelo Decreto número 1.483, e Carta Patente número 264/37. Tendo
sede no Rio de Janeiro, seu capital era de 2.000:000$000 (dois mil contos de
réis), dividido em 10.000 ações de 200$000 (duzentos mil réis) cada uma, tendo
sido realizado imediatamente 40% A duração prevista para a empresa era de
99 anos, e de seus lucros líquidos 20% seriam levados a Fundo de Reserva,
10% para oscilação de valores do ativo, 50%, no máximo, para dividendos aos
acionistas, 15% para remuneração aos fundadores, cabendo 3% a cada um, e
5%, no mínimo, para lucros suspensos. 59
Ainda em 1937, entre 9 e 15 de agosto, transcorreu o 1º Congresso Sulacap. Realizado no Rio de Janeiro, foi o primeiro do gênero a acontecer no
Brasil.. Nele, a capitalização, “foi estudada em todos os seus aspectos, desdobrando-se em 82 teses concernentes à técnica, à doutrina, à administração,
produção, experiência e estímulo, organização, aspecto legal” e Participaram do
evento, além de autoridades e dirigentes da empresa, inspetores, agentes, “ bem
como altos funcionários, todos irmanados num ideal santo de melhorar o índice econômico do nosso povo.” 60
Sem dúvida, aquele foi um ano muito especial para a capitalização brasileira. Na produção agregada de todas as cinco empresas que operaram naquele ano, a carteira de títulos ativos havia registrado um capital de
3.099.008:250$000 (isto é, mais de 3 milhões de contos), com um crescimento
de 13% sobre os 2.736.933:000$000 (2,7 milhões de contos) registrados em
1936. A receita de prêmios registrados no ano ascenderia a 90.857:937 (mais de
90 mil contos), o que significava um crescimento de 25% sobre os 72.971:646
$000 (72,97 mil contos) registrados em 1936. E o volume de reservas totais
constituídas no exercício ascenderia a 165.461:183$000 contra 124.420:780$000
constituídas em 1935.. 61
A recém-criada Kosmos, em pouco mais de oito meses de funcionamento, emitiria 12.726 títulos, que representavam um capital de
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84.343:750$000 (84,343 contos de réis), e constituiria reservas matemáticas
num montante de 735:115$012 (735 contos de réis).
Os resultados de cada uma das quatro outras companhias eram mais
que animadores. A Aliança da Bahia, que mantinha em vigor uma carteira de
498.336:000$000 (498 mil contos) emitiu 21.881 novos títulos, e constituiu
reservas num total de 10.866:154$500 (mais de 10 mil contos). A Internacional,
que encerrou o exercício com uma carteira no valor de 212.415:000$000 (212
mil contos), emitiu 21.321 títulos num valor de 165.422:500$000, e constituiu
reservas no valor de 6.389.383$400. A Prudência encerrou o exercício com
25.558 em vigor, representando um capital garantido de 213.123:500$000, e
reservas no montante de 8.611:742$154. A Sul América, que representava aproximadamente 70% do mercado brasileiro de capitalização, encerrou o ano
de 1935 com uma carteira de títulos no valor de 2.090.790:000$000, isto é, mais
de 2 milhões de contos de réis. 62
Não havia mais dúvida: a capitalização tinha iniciado no Brasil uma trajetória sem retorno. E nessa fase em que o País ainda parecia não ter encontrado um caminho que trouxesse paz social e tranqüilidade à população, nem
mesmo os atropelos da história política pareciam capazes de impedir seu desenvolvimento.
Em setembro de 1937 o País é sacudido pela inquietação da descoberta
de um documento, o chamado “Plano Cohen”. Sua autoria era grotescamente
atribuída ao chefe do partido comunista húngaro Bela Kuhn (donde a corruptela “Cohen”), e seu teor entraria para a história como a mais grosseira falsificação de um projeto de insurreição destinada a instalar no Brasil uma ditadura
comunista. Hoje, sabe-se, o “Plano Cohen” não passou de uma farsa montada
com a participação de um capitão do Exército, Mourão Filho, integralista.
“Não há dúvida que foi uma burla novelesca, em que, num enredo complicado
de equívocos, o papel hipotético, concebido como um possível plano de agressão comunista assinado por Bela Kuhn, transitou sigilosamente nos gabinetes
civis e militares, até ser dado à imprensa e considerado, com seriedade, uma
prova da ameaça grave que pesava sobre o regime”. 63
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Acreditasse, ou não, e é praticamente certo que não acreditou, Vargas
deixou que o caldeirão dos medos, rancores e desconfianças dos políticos e dos
militares fervesse num tempo que deve ter julgado suficiente, e no dia 10 de
novembro, valendo-se da falsa ameaça ao regime fechou o Congresso Nacional
e extinguiu os partidos políticos. Sob os aplausos de batalhões de inimigos de
outros momentos, os “camisas verdes” de Plínio Salgado (e do Capitão Mourão Filho), que desfilaram saudando o nascimento de uma nova ditadura. Acabava de nascer o Estado Novo.
As repercussões da nova ordem sobre a vida das seguradoras e das sociedades de capitalização chegariam pela via indireta de um remendo constitucional, redigido às pressas por Francisco Campos, e empurrado goela abaixo
do País na manhã do mesmo dia 10. “Ideologicamente, era a tomada de posição intermédia, em que sucederia ao dissídio comuno-fascista (arredado o sistema democrático propriamente dito), um misto de presidencialismo onipotente (à polonesa) e trabalhismo italiano”. 64 E nessa “nova Constituição”, que em
razão de sua origem caricata receberia o apelido de “Polaca”, havia um incômodo Artigo 145 onde se mexia com os nervos e a paciência de muitas seguradoras, numa época em que o mercado brasileiro era fortemente dominado pela
presença de companhias estrangeiras.
Estava lá, no Artigo 145 da “Polaca”: “Só poderão funcionar no Brasil
os bancos de depósito e as empresas de seguros, quando brasileiros os seus
acionistas. Aos bancos de depósitos e empresas de seguros atualmente autorizados a operar no País, a lei dará um prazo razoável para que se transformem
de acordo com as exigências desde artigo”. 65
As cinco sociedades de capitalização em atividade passaram ao largo
dessa novidade. E sem atropelo, puderam apresentar em 1938 um balanço altamente positivo de sua produção. O valor dos títulos ativos ascendeu a
3.467.650:750$000 (3 milhões e 467 mil contos), com um crescimento de 12%
sobre o ano anterior. O volume de reservas atingiu o montante de
209.330:709$000 (209,3 mil contos), contra 165.013:312$000 (165 mil contos)
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registrados em 1937. E especialmente uma empresa, a Kosmos, apresentou
crescimento ainda mais convincente: 94.446:750$000 (94,4 mil contos) em títulos ativos, contra 50.855:000$000 (50,8 mil contos), isto é, 86% de crescimento
em apenas um ano.
Dois registros de natureza administrativa. Em junho de 1938 foram solenemente instaladas, no Departamento de Seguros do Ministério do Trabalho,
as Comissões Permanentes de Seguros e de Capitalização, destinadas a promover o diálogo produtivo entre as classes produtoras e os poderes públicos. E
em maio de 1939, o Conselho Nacional do Trabalho reconheceu aos corretores de capitalização o direito de se associarem aos Institutos dos Comerciários,
equiparados, portanto, aos agentes de seguros.
Um registro de natureza cultural: em abril de 1938 a Sulacap exibiu, no
“Cine Broadway”, no Rio, um filme sobre o congresso de seus agentes. Além
de mostrar na tela o “magnífico edifício” de sua sede, os dirigentes da empresa
saíram do cinema convencidos de que “os que nunca tiveram h´bitos de economia e que virem essa fita, certo mudarão de pensar. Pensarão, então, no futuro e no triste fim dos imprevidentes”. 66
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Capítulo cinco
No dia 31 de outubro de 1939, nas comemorações do décimo aniversário da capitalização no Brasil, os pioneiros se reuniram numa grande solenidade
realizada nos salões do Automóvel Clube, na Cinelândia, e decidiram fazer uma
homenagem simbólica à comunidade. Além dos discursos de praxe, que não
pouparam adjetivos para exaltar a “fé nos destinos do Brasil e de confiança no
constante progredir da capitalização”, foi entregue ao Dr. Herbert Moses,
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, um titulo saldado no valor de
10:000$000 destinado a compor o patrimônio da Casa do Pequeno Jornaleiro.
A capitalização tinha mesmo razões de sobra para comemorar. Havia
atravessado galhardamente uma década inteira de turbulência política, e as cinco empresas que operavam no Brasil podiam apresentar um balanço conjunto
de sua atuação que era um verdadeiro atestado de eficiência, e uma prova da
importância dessa atividade para o desenvolvimento econômico e social do
País. A carteira de títulos em vigor registrava a quantia - astronômica para a
época - de 3.960.220:000$000, isto é, quase quatro milhões de contos de réis,
valor que naquele ano representava o dobro da produção nacional de café,
contabilizada em 1.979.850:000$000 em 1939. 67 Mais importante que isso: o
volume agregado de reservas matemáticas das cinco sociedades de capitalização
atingia o montante de 325.375:340$000 (mais de 325 mil contos).
O crescimento no volume dessas reservas era sempre muito bem visto
pelo País, pois essa massa formidável de recursos normalmente era canalizada
para ativos que, em última instância, representavam investimento em setores
vitais da economia. Para se ter uma idéia do que a capitalização podia significar
no financiamento do desenvolvimento nacional, apenas a Sul América, nesse
ano de 1939, canalizara 113.055:479$000 (mais de 113 mil contos) de suas re-
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servas matemáticas para aplicação em apólices e outros títulos de renda, e
31.296:351$000 (mais de 31 mil contos) para investimento em imóveis.
Tanto em um como em outro caso quem ganhava era o País. E em
razão de sua crescente utilidade social e econômica, a capitalização vinha conquistando a ardorosa simpatia de aliados cada dia mais numerosos. “As sociedades brasileiras de capitalização têm tido boa aceitação pelo povo” – destacava a “Revista de Seguros”, em editorial publicado na edição de outubro de
1940. “São empresas bem administradas e honradamente dirigidas. Algumas se
formaram à sombra de sociedades de seguros fortíssimas e acreditadas no país;
outras, sob a influência de nomes comercialmente conhecidos e prestigiosos. A
situação financeira é de absoluta segurança. O serviço prestado pela Capitalização é incontestável. Buscando no seio do povo contribuições, transformam-nas
em massas colossais de valores. As indústrias e o comércio não deixam de ser
auxiliados por esse dinheiro de caráter social” – acrescentava. 68
O “caráter social” desse dinheiro é cada dia mais evidente nos balanços
das empresas e nas áreas urbanas, onde começavam a aparecer, em concreto e
tijolo, os primeiros resultados de uma política de investimentos que já vinha
sendo praticada pela capitalização. No balanço conjunto das operações de capitalização no ano de 1941 69 , entre os ativos das empresas começam a ganhar
corpo dois itens que interessavam muito ao país: os investimentos em imóveis,
que somaram 46.499:045$000, e as aplicações em empréstimos hipotecários,
destinados à construção de moradias, que somaram 78.589:184$000. Somados,
esses valores já se aproximavam do montante aplicado em títulos de renda
naquele ano, num total conjunto de 156.538:462$000.
Dois anos depois, e agora contabilizado na moeda nova do País, o Cruzeiro (Cr$), o balanço conjunto das cinco empresas de capitalização registrava a
mudança: os títulos de renda, em que haviam sido investidos Cr$
180.091.266,40, tinham sido superados pela soma dos totais de aplicações em
imóveis (Cr$ 95.249.672,60) e empréstimos hipotecários ao comércio e à indústria ( Cr$ 136.476.918,00). 70
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Isto significava que o País passava a contar com uma extraordinária
fonte de financiamentos para seu desenvolvimento urbano e programas de
construção de moradias, o que contribuía para a busca de solução ao mais grave problema de economia familiar que perdura ainda hoje, a questão habitacional. Também ganhavam as empresas, que podiam constituir reservas com uma
lastro mais sólido e mais permanente, capaz de resistir às variações bruscas dos
humores da política e dos planejamentos econômicos. “Eu fazia então muitas
incorporações” explicaria um dirigente de empresa na época. “Eu já tinha uma
freguesia, tinha indivíduos inscritos para quando eu começasse uma incorporação. Então eu não gastava um tostão de publicidade, não gastava corretagem.
Porque os sujeitos já vinham comprar diretamente. Minhas incorporações eram
baratas. Eu tinha, tranqüilamente, um lucro de 40% sobre o capital que investia, até mesmo 50% chegava a ser”. 71
Um dos mais notáveis programas de investimentos imobiliários dessa
época foi implementado pela Prudência Capitalização. “O emprego das reservas em imóveis é indicada por lei e pela técnica como o de maior solidez, o que
a experiência vem comprovando incontestavelmente. Pois, si de um lado concorre para o conforto e embelezamento das cidades, por outro assegura absoluta garantia à inversão dos fundos que são destinados” – justificava a direção da
Prudência, em informe promocional inserido na “Revista de Seguros” em junho de 1945. Daí a decisão de “adquirir imóveis onde fosse conveniente levantar edifícios, não somente para renda como para dotar todas as suas sucursais
de prédios condignos da importância crescente da empresa” – acrescentava. 72
A Prudência “brindaria” algumas das cidades com edifícios que concorriam “para aumentar a estética urbanística desses centros de cultura e de trabalho”. Em São Paulo, o “Apartamentos Prudência”, construído no “rico e tradicionalmente aristocrático bairro de Higienópolis”, ao custo de Cr$ 25 milhões,
considerado pela empresa o “mais importante no seu gênero na América do
Sul”. Em Manaus, o “Hotel Ajuricaba”, construção “em estilo moderníssimo,
compatível com o clima” tropical da cidade. Em Fortaleza, “Edifício Jangada”;
em Salvador, “Edifício Caramuru”; em Recife, “Edifício Nassau”; em Campinas, o “Edifício Prudência e Salvador. Todos estes, edifícios comerciais, desti-
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nados a abrigar instalações da empresa que, em 1945, orgulhava-se de manter
uma rede de serviços que compreendia 19 sucursais, 20 escritórios auxiliares, e
1.045 agências (agentes de capitalização) espalhados por todo território nacional. 73
A Prudência fora uma das primeiras empresas de capitalização a perceber a boa oportunidade que representava a utilização de reservas, em volumes
crescentes, em investimentos em bens de raiz. Desde o encerramento da década de 30, juntamente com a Sul América e Aliança da Bahia, vinha participando
ativamente do mercado de empréstimos hipotecários. A Kosmos, que havia
virado a década sem grande interesses nesse tipo de negócio, parece ter descoberto num estalo as vantagens das aplicações imobiliárias, e já em seu balanço
de 1942 surge como grande financiadora nessa área: 6.711:210$000, contra .
426:407$000 registrados em 1941. E daí evoluiria rapidamente, para cinco anos
depois apresentar números que refletiam com evidência indiscutível uma escolha empresarial: a Kosmos em 1947 se tornaria uma das grandes aplicadoras
em propriedades imobiliárias, nas quais investiria Cr$ 52.543.108,30 de um
ativo total de Cr$ 93 milhões. Isto é, mais de 50% de seus investimentos nesse
ano.
Esses números têm ainda maior relevância quando se considera que em
1947 às cinco sociedades pioneiras da capitalização brasileira (Sulacap, Aliança
da Bahia, Prudência, Internacional e Kosmos), mais quatro empresas tinham
vindo se juntar: Liderança, Cruzeiro do Sul, Satúrnia e União. E mais, o total
aplicado por todas elas em imóveis atingira nesse ano o montante de Cr$
330.980.255,30. A Kosmos, portanto, já respondia nessa época por mais de
16% do total investido pelo mercado brasileiro de capitalização em projetos
imobiliários. E melhor ainda que a quantidade era a destinação desse dinheiro
investido em imóveis. A Kosmos, em 1951, inaugura no centro do Rio de Janeiro o “Edifício Kosmocap”, esquina de rua Sete de Setembro com Rua do
Carmo, anunciado como “o marco de uma nova etapa na vida” da empresa.
Também investiria na construção de um grande conjunto habitacional, em
Vicente de Carvalho, Zona Norte do Rio, onde a empresa buscou, além de
uma taxa de rentabilidade compensadora, a realização de investimentos com “a
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máxima segurança e orientados no interesse da coletividade”. O conjunto habitacional, hoje bairro densamente povoado, de certo modo contribui para manter viva a memória da empresa: atualmente é conhecido como “Vila Kosmos”.
A Sulacap desde os primeiros tempos de funcionamento foi sempre
aplicadora em imóveis. Desde a inauguração de sua sede, em 1936, no Rio,
situada na esquina das ruas Quitanda com Alfândega, a empresa deu início, a
empresa passou a provisionar recursos para aplicação em outros projetos imobiliários, pondo “em prática um programa útil à comunidade brasileira e de
apurada estética para o urbanismo” das cidades. 74 Assim foram surgindo os
edifícios “Sulacap” em várias cidades Brasileiras, ampliando o valor da carteira
imobiliária da empresa, que ao fim de 1946 atingiam o montante de Cr$
236.982.169,10. E somados esses valores aos Cr$ 287.539.285,90 aplicados na
concessão de empréstimos imobiliários, chegava-se a um número que representava mais da metade de todo o ativo da empresa nesse ano.
A empresa decidiu ir além desse programa de construção de prédios
para utilização própria, em fins da década de 40 iniciou uma nova experiência:
a construção de conjuntos habitacionais. No início, foram 23 unidades, no
“Jardim Sulacap”, em Recife. Depois, no Rio de Janeiro, a incorporação do
“Jardim Sulacap”, no Campo dos Afonsos, com 6 milhões de metros quadrados, e “Jardim da Barra”, no Itanhangá, com 1,2 milhão de metros quadrados.
Em 1950, deu início às obras de dois prédios de apartamentos, o “Cervantes” e
“Camões”, ambos em Copacabana. Depois, a construção de casas populares
em 270 lotes situados no bairro de Marechal Hemes, no Rio, destinadas à venda financiada em 15 anos. E finalmente, decidida a “colaborar com a política
social preconizada pelo Presidente Getúlio Vargas, o qual por diversas vezes
tem focalizado o grave problema da crise de habitações, que se manifesta de
maneira aguda nos grandes centros” 75 , a Sulacap decidiu construir 2.000 residências no Jardim Sulacap e Jardim Maria Teresa, também no Rio.
Esse ânimo, de se associar às preocupações do Governo com os problemas de infra-estrutura, tinha seu lado prático, reconhecido pela empresa. “É
fato notório a valorização dos imóveis, tanto nesta capital, como nas principais
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cidades do Brasil, não havendo exagero no afirmar-se que dobraram, senão
triplicaram de valor e, por isso, seu título representativo no ativo ficar muito
aquém da realidade. Maior valor de tal majoração existe latente, não se consigna na expressão contábil, mas sua realidade é irrefutável e certa”. 76
Mas não havia apenas pragmatismo nesse tipo de empreendimento. A
Capitalização brasileira, exatamente por uma virtude que é próxima desse ramo
de negócios, mantinha-se numa perfeita sintonia com a vida e as aspirações do
povo. E na década de 40, quando o País vivia a emoção de se envolver em uma
guerra, e redescobrir na experiência internacional o valor da vida em uma democracia, a todo momento o seguro e a capitalização davam mostras de uma
aliança íntima com a comunidade brasileira. Assim, por exemplo, em 1944, em
cerimônia presidida pelo Ministro da Aeronáutica Joaquim Pedro Salgado Filho, na qual a Aliança da Bahia doou um caça P-40 à Força Aérea Brasileira. O
avião recebeu no batismo de champanhe o nome de um herói brasileiro, morto
nos campos de batalha na Segunda Guerra: John Richardson Cordeiro da Silva.
Quando o Brasil entrou na Guerra, e chamou a sociedade a um esforço
que se traduzia na colocação de bônus para o aparelhamento de nossas forças
expedicionárias, a Capitalização se alinhou entre os segmentos mais empenhados. De repente, nos balanços das empresas, entre as modalidades de investimentos surgem, em montantes crescentes, as aplicações em Obrigações de
Guerra, criadas pelo Decreto 4.789 de 1942. Somente a Sulacap, ao final do
exercício de 1945, contabilizava a aquisição de Cr$ 50.343.326 desses títulos. 77
Mera atitude patriótica? Não. A sintonia fina com os sentimentos do povo
parecia fazer bem à capitalização, e dar frutos que iam além da pura e simples
solidariedade.
Uma análise de estatísticas históricas, corrigidas para valores de 1998,
demonstra que a Capitalização, desde 1939, jamais experimentou período mais
duradouro de prosperidade, que o que se inicia em 1943, quando já eram sentidos os efeitos da guerra, até 1948, em pleno Governo do Marechal Dutra,
quando o Brasil cristalizava um ciclo de conquistas democráticas ocorridas,
pode-se dizer que em grande parte, como decorrência da própria guerra. Em
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1943 a produção de receitas na capitalização registrava (em reais de 1998) R$
136,006 milhões, que seriam R$ 154,872 milhões em 1944, R$ 184,037 milhões
em 1945, R$ 202,378 milhões em 1946, R$ 218,053 milhões em 1947, e R$
229,526 milhões em 1948. 78
.Era indiscutível o crescimento da capitalização no Brasil. A imprensa,
ao comentar os números até então inéditos em um país que tinha fama de gastador, não se cansava de destacar as possibilidades didáticas dessa forma de
investimento, que parecia mesmo ter encontrado no Brasil sua verdadeira pátria. “Outra forma de previdência que muito veio fomentar a economia popular foi a capitalização, cujo desenvolvimento em nosso país é de molde a fazer
acreditar na elevação do nível educacional de nossos meios. Parece que em
nenhum outro país, nem mesmo no que lhe deu origem, a velha França, essa
instituição logrou tanto êxito como no Brasil”. 79
De fato, a “velha França”, ou qualquer outro país em que a capitalização vinha construindo sua história, não conhecera até então um crescimento
tão consistente como o que era registrado a cada ano pelo balanço da produção
agregada das várias empresas. E obviamente, que além das boas conseqüências
imediatas dessa atividade sobre a economia do país, que em tempo de guerra
encontrava dentro de seu próprio território uma fonte de recursos canalizáveis
para investimentos que parecia inesgotável, a capitalização acenava para o mercado com a possibilidade promissora da constituição de novas empresas.
“A atração exercida pelos altos resultados obtidos pelas empresas de
capitalização veio dar margem que crescesse o número de sociedades que se
dedicam a este ramo de operação. De 5 que eram em 1944, passam a 9 em
1946, com a fundação das seguintes: Liderança, Cruzeiro do Sul, Satúrnia e
União Americana” – destaca o “Anuário de Seguros” de 1947. 80 E prosseguindo, anuncia o aparecimento de mais três, que já se achavam em fase de organização: Colúmbia, Soberana, Urano, “ficando assim elevado a 12 o número delas, e não é para admirar que ainda outras venham a surgir pois o espírito de
imitação é um elemento dinâmico de 1ª ordem”. Esse grupo de empresas cons-
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tituídas na segunda quadra histórica da capitalização no Brasil seria completado
pela Caixa Nacional, Mauá Capitalização e Urbania Capitalização.
Pela ordem de sua constituição, as novas empresas foram aparecendo.
A primeira delas, a Liderança Capitalização, fundada em São Paulo no dia 5 de
abril de 1944, com um Capital Social de Cr$ 2.000.000,00 dividido em 2.000
ações de Cr$ 1.000,00. Seu funcionamento foi autorizado pelo Decreto 19.185,
de 13 de julho de 1945, e a Liderança recebeu a Carta Patente nº 322, de 21 de
setembro de 1945, assinada pelo Ministro do Trabalho Indústria e Comércio
Alexandre Marcondes Filho. Suas operações, iniciadas no dia 8 de dezembro
de 1945, seriam interrompidas 30 anos depois, e novamente reativadas quando,
no dia 30 de julho de 1975, seu controle acionário foi adquirido pelo Grupo
Sílvio Santos.
A Cruzeiro do Sul Capitalização foi a segunda nesse bloco de novas
empresas, fundada no Rio no dia 25 de setembro de 1944, com um Capital
Social de Cr$ 3.000.000,00, dividido em 3.000 títulos de Cr$ 1.000,00 cada. Seu
funcionamento foi autorizado pelo Decreto 20.537, de 26 de janeiro de 1946,
assinado pelo novo mInistro do Trabalho Indústria e Comércio Roberto Carneiro de Mendonça. A Cruzeiro do Sul recebeu a carta Patente nº 328, de 23 de
julho de 1946 e iniciou suas operações no dia 23 de março de 1947, e igualmente funcionou até ser desativada, na década de 70, sendo novamente posta
em funcionamento pelo Grupo Delfim, que a adquiriu em agosto de 1975.
Reativada em julho de 1980, as vendas de seus títulos foi suspensa em janeiro
de 1983.
Fundada em Porto alegre, no dia 13 de outubro de 1944, a União Americana de Capitalização foi autorizada a funcionar pelo Decreto 19.631, de 20
de setembro de 1945, assinado pelo Ministro Alexandre Marcondes Filho.
Com um capital inicial de Cr$ 2.100.000,00, dividido em 4.200 ações de Cr$
500,00, recebeu a Carta Patente nº 325, no dia 18 de fevereiro de 1946, e iniciou suas operações no dia 2 de maio de 1946, funcionamento ininterruptamente até o dia 7 de maio de 1966, quando teve sua autorização cassada.
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No dia 9 de outubro de 1945 foi fundada, no Rio, a Satúrnia Capitalização, com capital social de CR$ 3.000.000,00 dividido em ações de valor unitário de CR$ 1.000,00. Autorizada a funcionar pelo Decreto 21.582, de 5 de agosto de 1946, assinado pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio Otacílio Negrão de Lima, a Satúrnia recebeu a Carta Patente nº 336, de 19 de novembro de 1946, e iniciou suas operações no dia 22 de março de 1947. Teve
pouco fôlego e vida curta, e suas atividades seriam suspensas pouco mais de
quatro anos depois, no dia 18 de julho de 1951.
Depois veio a Companhia Urano de Capitalização, fundada em São
Paulo no dia 15 de novembro de 1945, e autorizada a funcionar pelo Decreto
20.923 de 5 de abril de 1946, e Carta Patente nº 329 de 15 de junho do mesmo
ano. As atividades da Urano, que tinha capital de C$ 3.000.000,00, dividido em
3.000 ações de valor unitário de CR$ 1.000,00, foram iniciadas no dia 3 de janeiro de 1947, e seriam interrompida quase 30 anos depois, no dia 16 de janeiro de 1966.
A Companhia Soberana de Capitalização foi fundada no dia 30 de agosto de 1946, na cidade de São Paulo, com um Capital Social de Cr$
3.000.000,00, dividido em 3.000 ações de valor unitário de Cr$ 1.000,00. Sua
autorização foi expedida pelo Decreto 22.459, de 16 de novembro de 1947,
assinado pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Morvan Dias de
Figueiredo, e a Soberana recebeu a Carta Patente nº 338, de 5 de fevereiro de
1947. Operações, iniciadas em junho de 1947, a Soberana seria desativada, adquirida pelo Grupo Nacional no dia 30 de julho de 1970, e novamente reativada em janeiro de 1974, mas agora sob nova denominação.
No dia 26 de novembro de 1946 foi fundada, no Rio de Janeiro, a Colúmbia Capitalização, com Capital Social de Cr$ 3.000.000,00, dividido em
6.000 ações de Cr$ 500,00 cada. Autorizada a funcionar pelo Decreto 22.906,
de 10 de abril de 1947, assinado pelo Ministro Morvan Dias de Figueiredo, , a
Colúmbia recebeu Carta Patente nº 343, no dia 07 de junho de 1947. Suas operações tiveram início no dia 16 de julho de 1947, e atravessou três décadas, até
sua desativação em fins dos anos 60 e sua aquisição pelo Grupo Letra, no dia
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22 de maio de 1970. Reativada em janeiro de 1974, e agora sob a denominação
de Letra S.A. Capitalização, a empresa, que assumiria na capitalização brasileira
um papel inovador, já na década de 80 seria vendida ao Banco Bamerindus,
passando à denominação de Bamerindus Capitalização S.A, até nova transformação já na década de 90.
Ainda na década de 40, mais três novas empresas de capitalização iniciariam suas atividades. A Caixa Nacional de Capitalização, fundada em São Paulo, em abril de 1946, e autorizada a funcionar no dia 12 de dezembro desse
ano, pelo Decreto 22.258, assinado pelo Ministro Morvan Dias de Figueiredo,
tinha um capital de Cr$ 3.000.000,00, dividido em 3.000 ações de Cr$ 1.000,00.
Recebeu a Carta Patente 340/46, e iniciou suas operações no dia 2 de maio de
1947, tendo funcionado até o dia 11 de dezembro de 1956, quando suas atividades foram suspensas.
No dia 30 de dezembro de 1946, na cidade de Salvador, foi fundada a
Urbania Capitalização, com um capital que à época superava o de todas as novas empresas constituídas: Cr$ 10.000.000,00, dividido em 10.000 ações de Cr$
1.000,00. Com tamanho fôlego, a Urbania teve autorização para funcionar pelo
Decreto 24.066, de 17 de novembro de 1947, assinado pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio Morvan Dias de Figueiredo, e recebeu Carta Patente
nº 346/47. Suas operações foram iniciadas no dia 7 de julho de 1948, e suspensas oito anos depois, no dia 7 de agosto de 1956.
Finalmente, no dia 22 de abril de 1947, em Porto Alegre, foi fundada a
Mauá Capitalização. Seu capital inicial era de Cr$ 3.000.000,00, dividido em
3.000 ações de Cr$ 1.000,00, e seu funcionamento foi autorizado pelo Decreto
24.189, de 10 de novembro de 1947, assinado pelo Ministro Morvan Dias de
Figueiredo. A Mauá recebeu a Carta Patente 348/47, e iniciou suas operações
em janeiro de 1948, funcionando até a suspensão de suas atividades no dia 20
de setembro de 1956.
Estava completo o time das sociedades que iam escrever a história da
Capitalização brasileira na década de 50. 81
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Capítulo Seis
Na década de 40 a história da capitalização no Brasil fora marcada por
um crescimento vigoroso, do ponto de vista econômico e institucional, e as 15
empresas que operavam no encerramento do exercício de 1949 pareciam viver
no melhor dos mundos possíveis. Embora em ritmo menos acelerado que o
dos primeiros anos da década, a receita de prêmios continuava a registrar recordes sobre recordes: Cr$ 819.282.681,00 no volume agregado da produção
das 15 empresas, contra Cr$ 749.051.095,00 de 1948, que já havia sido um ano
extraordinário.
Mas, de repente o sonho parece ter acabado. E ao completar vinte anos
de sua chegada ao Brasil a Capitalização começa as enfrentar os primeiros obstáculos da plena maturidade, e entra na descendente de uma reversão de expectativas que até então parece não ter sido percebida pelas empresas. Em 1950,
pela primeira vez em muitos anos o valor global da subscrição de novos títulos
cai de Cr$ 11.173.645.500,00 registrados em 1949, para Cr$ 9.779.816.500,00
em 1950. E o total de prêmios recebidos, ao atingir Cr$ 858.118.923,00 representa um crescimento nominal de apenas 5%, o que significa um resultado
negativo, em face de uma inflação calculada para aquele ano em 11,60%.
Na verdade, entretanto, quando as boas expectativas até então vividas
pelas empresas começam a se transformar em dor de cabeça, em especial para
as pequenas sociedades ainda pouco capitalizadas, o mercado prefere imaginar
que tudo não passava de uma fase de acomodação. Era uma época em que o
bicho horroroso da inflação ainda se mascarava no eufemismo de uma expressão quase inocente - “aumento do custo de vida” -, mas algumas pessoas já
conseguiam ver com muita clareza o que significava a ameaça do monstro que
corrói as economias. Entre elas, Humberto Roncarati, que anos depois viria a
presidir a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização – Fenaseg. Em artigo publicado em 1946 na “Revista de Seguros” ele já se
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aventurava a desconfiar do futuro, ao afirmar que “numa época de inflação,
por determinado período de tempo, a crescente atividade apresenta prosperidade, mas a inflação no seu ponto agudo não tardará a terminar num colapso, a
chamada crise de estabilização. Com ela sobrevirá a baixa dos valores, as bancarrotas, um período de estagnação ou convalescença se fará gradualmente, até
reconduzir as coisas à sua normalidade” 82
Não havia mais como não perceber. A inflação, ou, eufemisticamente,
o aumento do “custo de vida”, que historicamente havia sido mantido na jaula
de aço do consumo sob controle, acabara de se libertar do confinamento e e já
fazia estragos na economia. Esse aumento do “custo de vida”, que em 1947
não passara de 2,7%, vinha subindo com algum atrevimento: 6,60% em 1948;
6,20% em 1949; 11,60% em 1950; 15,60% em 1951; 12,40% em 1952; 15% em
1953; e atingira 27,00% em 1954. 83
O primeiro sinal mais concreto dos reflexos desse descontrole do “custo de vida” sobre a capitalização, estampado no “Anuário de Seguros” de 1950,
seriam os números do balanço consolidado das empresas em 1949, no qual o
valor nominal dos novos títulos colocados no mercado montou a Cr$
9.779.816.500,00, contra Cr$ 11.173.645.500,00 registrado em 1949. Ainda
assim, e não confiando nas evidências, os redatores do Anuário preferiam acreditar num soluço de conjuntura, que deveria passar logo. “As operações de
capitalização no Brasil quanto à colocação de novos títulos e arrecadação de
prêmios, tendem para a estabilização, seja pela saturação do mercado, seja por
falta de atrativos para essa classe de negócios, cujos aderentes, na maioria dos
casos, tomam parte neles como se tratasse da compra de um bilhete de loteria”
afirmavam. 84 E não deixavam de advertir que uma empresa, a Saturnia, deixara
de apresentar seu balanço, e das 14 que figuravam no Anuário, 8 haviam encerrado o exercício de 1950 com um déficit global de Cr$ 9.442.611,00.
Os números da produção relativa a novos títulos subscritos não deixavam margem a dúvida. Três empresas haviam ampliado suas vendas: Sul América, que passara de Cr$2.332.675.000 em 1949 para Cr$ 2.364.055.000,00 em
1950; Cruzeiro do Sul, que passara de uma produção de Cr$ 852.670.000,00 em
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1949 para Cr$ 934.570.000,00 em 1950; Colúmbia, que passara de Cr$
255.155.000,00 para Cr$ 314.763.000,00.
As demais tinham experimentado o gosto amargo de uma queda em
seus novos negócios: Prudência, caíra de Cr$ 1.898.745.000,00 para Cr$
1.830.645.000,00; Kosmos, que caíra de Cr$ 1.169.608.500,00 para Cr$
1.140.480.500,00; Internacional, que caíra de Cr$ 1.652.305.000 para Cr$
1.133.960.000; Aliança da Bahia, de cr$ 1.030.980.000,00 para Cr$
853.668.000,00; Urano, de Cr$ 632.520.000,00 para Cr$ 534.675.000,00; Urbânia, de Cr$ 387.645.000,00 para Cr$ 255.245.000,00; Liderança, de Cr$
381.475.000,00; Mauá, de Cr$ 117.000.000,00 para Cr$ 111.660.000,00; e Soberana, que caiu de Cr$ 135.230.000,00 para Cr$ 101.640.000,00. 85
No ano seguinte, 1951, quando o aumento do “custo de vida” já alcançava um índice escandaloso para a época, 15,60%, novamente a capitalização
perde no volume de novos títulos colocados: Cr$ 9.317.356.500,00 contra
9.779.816.500,00 em 1950. e no encerramento do exercício o valor das carteiras
de 11 sociedades que apresentaram seus balanços ao “Anuário” (três não apresentaram) registrava Cr$ 33.347.370.967,00 contra 33.473.749.179,00 em 1950,
e dentre essas 11, cinco encerraram com déficit global de 4.788.712,00.
O mercado parece não acreditar ainda em uma crise. “As operações de
capitalização não se afastaram, em 1951, do ritmo, um tanto lento, que vem
sendo observado nos últimos 10 anos. Analisando o fenômeno da marcha da
capitalização no Brasil, traduzida nas estatísticas de receitas e prêmios, há quem
afirme a tendência iniludível dessa instituição econômica para a estabilização.
Não é de crer que, como pensam alguns, o mercado já esteja saturado, pois se
fizermos uma cuidadosa investigação por certo concluiremos que ainda há um
imenso campo para a penetração da capitalização. Assim, a solução talvez seja
a do empreendimento de uma larga campanha educativa do público, alertandoo e instruindo-o a respeito do largo alcance econômico da capitalização, e fazendo-o livrar-se da impressão exclusiva de que tal instituto o que tem de mais
atraente seja a antecipação do capital por sorteio.” 86
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Mas, não há como esconder. É visível, no balanço de algumas empresas, o estrago feito pela inflação na credibilidade de um negócio que depende
fundamentalmente de expectativas futuras. Em 1952 alguns pesos pesados da
capitalização apresentam quedas em sua produção que já não deixam margem a
dúvidas. A Sul América registra um volume de Cr$ 2.364.055.000,00 na subscrição de novos títulos, contra Cr$ 2.428.880.000,00 do ano anterior. A Kosmos cai de uma produção de Cr$ 1.390.037.500,00 em 1951 para Cr$
1.140.480.500,00 em 1952. A Internacional registra queda menor: de Cr$
1.141.775.000,00 para Cr$ 1.133.960.000,00. E Aliança da Bahia cai de Cr$
1.057.554.000,00 para Cr$ 853.668.000,00. Salva-se, entre os grandes, a Prudência, que registra um aumento de Cr$ 1.396.210.000,00 para Cr$
1.830.645.000,00, e a Cruzeiro do Sul, que amplia seus novos negócios dos Cr$
740.670.000,00 registrados em 1951 para Cr$ 934.570.000,00 em 1952.
Entre as empresas de menor porte o estrago é igualmente sério. A Urano cai de uma produção de novos títulos de Cr$ 620.705.000,00 em 1951 para
Cr$ 534.675.000,00. A Colúmbia cai de Cr$ 387.440.000,00 registrados no ano
anterior para Cr$ 314.763.000,00. E a Soberana cai dos Cr$ 154.085.000,00 de
novos negócios registrados em 1951 para Cr$ 101.640.000,00 em 1952. E sobre todas elas, como se não bastasse a queda, o coice da inflação de 12,40%,
que tornava a situação ainda mais dramática.
Para não operar no vermelho, as empresas valem-se das rendas de inversões, juros, aluguéis e dividendos, que nesse ano representaram mais de
31%da receita de prêmios. “Sem essa contribuição, sobremodo valiosa , os
resultados econômicos do exercício teriam sido fortemente negativos” – é a
conclusão óbvia dos redatores do anuário de seguros 87 .
E diante dos resultados do ano seguinte, eles já não têm mais dúvida: a
capitalização está em crise. E consideram que são “bastante sombrias, como
vemos, as perspectivas que oferecem, no Brasil, os negócios desta natureza.
Para as sociedades já firmemente consolidadas, a situação, de um ponto de
vista geral, pode ser considerada boa, uma vez que as rendas de seus vultosos
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patrimônios dão de sobra para cobrir os déficits de exploração e ainda remunerar o capital investido.” 88
Quem pode agüentar, vai se agüentando. Quem não pode, deixa o mercado. Como aconteceu à Saturnia, primeira a jogar a toalha quando as coisas de
complicam, e encerra suas atividades em julho de 1951. Em seguida, é a União
Americana de Capitalização, que pára de respirar no dia 7 de maio de 1953. E
em seguida, a Urbânia, que parecera ter um futuro tão promissor, mas vinha
dando mostras de fraqueza crônica, e desaparece em agosto de 1956. Mesmo
ano em que a Mauá Capitalização fecha suas portas em Porto Alegre no dia 20
de setembro. E já no apagar das luzes desse ano tão fatídico para a capitalização, as despedidas da Caixa Nacional, que jamais conseguira ficar longe da lanterna nos negócios de capitalização, e deixa o mundo dos negócios no dia 11
de dezembro de 1956.
A terra deve ter sido leve sobre a sepultura dessas empresas, pois já em
1956, ano em que algumas delas ainda se debatiam nas vascas da morte, o mercado começava novamente a respirar novos ares de prosperidade e retomada
mais firme dos negócios. Entre as dez sociedades que haviam sobrevivido à
maré negra da inflação, oito apresentaram seus resultados para a consolidação
de números inserida no anuário desse ano.
Dessas oito, seis haviam apresentado um comportamento nominalmente positivo: Sul América, havia passado de uma produção de novos negócios
no valor de Cr$ 3.039.760.000,00 em 1955 para Cr$ 3.611.015.000,00 em 1956.
Prudência, saltara de Cr$ 823.910.000,00 para Cr$ 1.135.325.000,00. Kosmos,
de Cr$ 1.371.181.000,00 para Cr$ 1.750.703.500,00. Internacional, de Cr$
1.068.870.000,00 para Cr$ 1.304.100.000,00. Aliança, de Cr$ 916.147.000,00
para Cr$ 927.917.000,00. Urano, de Cr$ 699.690.000,00 para Cr$
1.007.905.000,00. Duas empresas registraram perdas nominais em 1956: Cruzeiro do Sul, cuja produção nova caíra de Cr$ 513.140.000,00 para Cr$
372.060.000,00; e Colúmbia, que caíra de Cr$ 142.265.000,00 para Cr$
46.690.000,00. 89
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Descontada a inflação desse ano, que atingira 19,40%, 90 dois resultados
positivos são pulverizados, Sul América e Aliança; ainda assim, mantém-se a
performance da Prudência, Kosmos, Internacional e Urano, acenando com
uma boa luz de esperança na escuridão provisória de um quadro global tão
adverso à capitalização. O que já era alguma coisa. Embora fosse ainda muito
pouco para segurar a tendência estrutural de queda que vinha se acentuando
desde o início da década.
De acordo com estatísticas históricas, levantadas e corrigidas por Cláudio Contador para R$ de 1998, o volume global das receitas da capitalização
brasileira vinha caindo sistemática e consistentemente desde 1948. Nesse ano, a
produção de receitas havia atingido em valor deflacionado R$ 229,526 milhões,
caindo para R$ 226,630 milhões em 1949; para R$ 213,402 milhões em 1950. A
partir daí, caindo para R$ 203,786 milhões em 1951; para R$ 136,087 milhões
em 1954; para R$ 107,128 milhões em 1956; e já no ano seguinte, quebrando
para baixo a barreira centenária (R$ 97,065 milhões em 1957)), à qual só retornaria mais de 20 anos, em 1980,quando a capitalização registraria R$ 104,365
milhões em moeda de 1998. 91
Obrigadas a cortar na carne e na gordura de suas reservas para manter
o bom andamento dos negócios, as sociedades de capitalização esperavam por
dias melhores. Impunham-se uma severa disciplina negocial, com “redobrada
vigilância no sentido do aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, das restrições de despesas, do aumento e seleção da produção e da melhor rentabilidade
dos investimentos”. 92 Mas não havia mais como segurar. Numa economia em
que faltava a referência firme do valor da moeda, a capitalização já não conseguia manter o mesmo fascínio dos tempos de estabilidade.
“Na desordem financeira que nos assola” – afirmava David Campista
Filho, em artigo publicado em 1959 – “e sob torrencial inflação, o ato de capitalizar deixou de ser elemento imediato da poupança, pois a acumulação de
recursos que se esvaziam de substância anemiza qualquer economia, neutraliza
a função das quantias em reserva, e compromete as previsões de negócios futuros, A poupança através de depósitos nas Caixas Econômicas e Bancos perde
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inteiramente sua significação, pois que lhes acontece exatamente o contrário –
aquele que deposita, depois de um ano transcorrido verifica que perdeu em
proporção tal, o valor pecuniário de seu depósito, e que sua operação foi perfeitamente o posto daquilo que havia pretendido”. 93
A propósito: em 1959 a inflação atingiria a marca inédita de 38%, inaugurando um patamar que se manteria, agravado e ainda mais assustador, pelos
próximos cinco anos. Nesse período, enquanto as receitas das sociedades de
capitalização, medidas em moeda de 1998, caíam de R$77 milhões para pouco
mais de R$ 31 milhões (compare-se com 1948 quando atingiram R$ 229,5 milhões!), a participação do setor na formação do PIB, que em 1947 chegara a
0,33%, caía para inexpressivos 0,02%.
Em síntese: a inflação é inimiga de morte da capitalização. Mas não era
a única. Havia mais a conspirar e a se abater contra e sobre a capitalização,
naquela década em que o Brasil crescia tanto, no embalo da euforia desenvolvimentista do Governo JK.
Empossado em janeiro de 1956, e decidido a fazer o Brasil dar um salto
de 50 anos em apenas cinco, Juscelino Kubitscheck de Oliveira firmara um
Programa de Metas que compreendia 30 grandes objetivos, agrupados em cinco setores. Por meio dele seriam canalizados 43,4% dos investimentos do País
para um ambicioso programa de produção de energia elétrica. Seriam destinados 29,6% ao reequipamento e ampliação dos vários meios de transportes.
Investidos mais 20,4% em indústrias de base, outros 3,2% na produção agropecuária, armazenamento e circulação de bens e, finalmente, 4,3 % em Educação.
Como os capitais disponíveis eram insuficientes para esse grande empreendimento, JK promove a abertura da economia ao capital externo e volve
seu olhar otimista para cima das seguradoras e empresas de capitalização. Reconhece que havia ali, nas cento e poucas companhias que operavam no País, a
mina potencial de geração de poupança, pela utilização de reservas técnicas que
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poderiam ser canalizadas para investimentos em infraestrutura. E não era pouco dinheiro: o montante das reservas matemáticas das 10 sociedades de capitalização em atividade em 1956 já passava dos Cr$ 4 bilhões. E no ativo dessas
companhias figurava, nesse ano, um total de Cr$ 415 milhões investidos em
apólices e títulos de renda, dos quais cerca de 50% eram constituídos por Obrigações e papéis da dívida pública.
Além disso, desde 1953 as seguradoras e empresas de capitalização vinham sendo submetidas a um regime de recolhimento compulsório de 25% de
suas reservas técnicas ao BNDE, que as convertia em Obrigações do Reaparelhamento Econômico, títulos com prazo de cinco anos e rendimento de 5%
em todo esse período. As empresas, embora vissem nesse recolhimento um
modo pouco escrupuloso de expropriação, pouca coisa podiam fazer. Restava
pouco mais que o direito de lamentar.
“Quando minguam, na Lei de Meios, os recursos para a realização de
importantes obras a cargo do Poder Público, invariavelmente se recorre, entre
nós, aos empréstimos compulsórios” – reclamava Luis de Mendonça, em artigo
publicado em abril de 1953. “É um vezo antigo, de que infelizmente ainda não
conseguimos nos libertar. Dele se vale a União, ainda agora, para obter a cobertura financeira de um programa enfaticamente denominado de reaparelhamento econômico” prossegue, para a final lamentar, diante de nova garfada aplicada
por Vargas ao bolo das reservas das empresas, que o “seguro e a capitalização,
como se já não fossem suficientes as dificuldades em que se debatem tais instituições, mais uma vez sofreram o golpe mais profundo”. 94
Juntamente com o choro e o ranger de dentes das empresas “aumentavam os volumes de reservas aplicados nos projetos de investimento do Governo JK. Em 1953 haviam sido CR$ 185 milhões, que representavam 7% do total
dos recursos disponíveis no BNDE. Em 1956, primeiro ano do Governo de
JK, esse volume aumentava ligeiramente para CR$ 196 milhões, mas sua participação relativa no montante de capitais do Banco de Desenvolvimento caía
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para 1%. E nos anos seguintes os valores cresciam para CR$ 247 milhões em
1957, CR$ 375 milhões em 1958, e CR$ 500 milhões em 1959.” 95
A briga era boa. E para esse combate com a burocracia, e muitos outros com o próprio mercado, seguradoras e sociedades de capitalização já dispunham, desde o dia 21 de junho de 1951, de uma boa voz corporativa através
da FNESPC – Federação Nacional de Empresas de Seguros Privados e de Capitalização, que havia sido fundada nessa data.
A FNESPC – a futura Fenaseg - era aspiração antiga. Pode-se dizer que
a idéia de uma entidade “que combatesse o bom combate corporativo contra o
excesso de intervencionismo do governo já existia desde fins do século XIX,
quando Vargas era ainda apenas um aplicado estudante gaúcho em Ouro Preto”. 96 Eis que, em 1895, revoltados contra o que consideravam uma ação desnecessariamente intervencionista em sua atividade, algumas seguradoras andaram procurando se ajustar numa ação conjunta.
Mas a idéia parou aí. E hibernou até 1920, quando se soube no Brasil
que havia sido criado em Portugal um “Centro de Seguradores”, para a defesa
dos interesses das companhias, e em 1921, quando é fundada no Rio uma “Associação das Companhias de Seguros”, filiada à Associação Comercial, e contando, em tempos pioneiros, com 41 companhias afiliadas, entre as quais cinco
eram empresas alemãs, três portuguesas e uma Argentina. Nas águas da Revolução de 30, e do espírito corporativista de Vargas, em maio de 1933 a Associação constituiria um Sindicato dos Seguradores do Rio de Janeiro, que posteriormente seria chamado Sindicato das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização.
Caberia a essa instituição, o sindicato, juntamente com outros quatro Minas, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia -, reunidos no dia 25 de junho de
1951, em assembléia realizada no 13ª andar do Edifício das Seguradoras, no
Centro do Rio, a criação da entidade sindical de grau superior, “que desse voz e
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forma às aspirações, anseios e temores das empresas e profissionais da capitalização e do seguro”. 97 Essa entidade tão desejada foi a FNESPC, e à sua frente,
presidindo a diretoria provisória, foi empossado ninguém menos que o político
mineiro Carlos Coimbra da Luz, que três anos depois acabaria por se tornar
Presidente da República, em razão da morte de Getúlio e da impossibilidade
física do Vice. Seu mandato à frente da República? Um micro-mandato. Curtíssima duração. Apenas dois dias, até ser demitido por ter comprado uma briga
com o Exército..
Uma outra curiosidade em relação a Carlos Luz.
Na primeira entrevista que concedeu, assim que tomou posse na
FNESPC, deixou claro que a primeira grande batalha da entidade, antes mesmo de terçar armas com a burocracia intervencionista, teria que ser travada no
campo do preconceito e do inconsciente popular. Segundo ele, o povo brasileiro conhecia e “pragmaticamente gostava da capitalização, mas desconhecia a
atividade seguradora”. 98
A propósito, e voltando à questão do recolhimento compulsório de
parte de suas reservas ao BNDE, no Governo de Kubitscheck, a FNESPC
conseguiu uma vitória parcial. O Ministro da Fazenda, José Maria Alkimim
acatou o pedido feito pelo mercado, no sentido de que o investimento de suas
reservas pudesse ser feito mais livremente, desde que constasse de uma carteira
definida pelo BNDE.
O mercado entendeu que havia aí uma conquista.
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Capítulo Sete
O mercado de capitalização precisava mesmo dessas pequenas vitórias
para continuar a manter acesa a esperança de dias melhores. As coisas não andavam nada boas para esse tipo de negócio, em queda livre desde 1950 e a cada
dia mais próximo do chão: segundo o “Anuário de Seguros”, em 1960 o volume total de receitas de nove companhias sobreviventes não passava de Cr$
1,365 bilhão, contra um montante de Cr$ 1,233 bilhão registrado em 1959,
números que, apresentados a seco, representavam um crescimento nominal de
11% sobre o exercício anterior. Entretanto, descontada a inflação daquele ano,
38,70%, a mais alta do século até então, acabava por revelar uma realidade desoladora: o mercado encolhera, em termos reais. E encolhera muito. Em valores atualizados para reais de 1998, caíra de uma receita de R$ 77,125 milhões
registrada em 1959 para R$ 65,054 milhões. 99
Não havia mais como ter ilusões. A crise da capitalização tinha vindo
para ficar. E um dos sinais mais alarmantes das dificuldades enfrentadas pelo
mercado viria estampado na edição de junho do “Diário Oficial” de 18 de maio
de 1960, que publicava o relatório de liquidantes da Prudência Capitalização,
acompanhado de balanço geral e conta de lucros e perdas do exercício encerrado no dia 31 de março de 1959. A Prudência, que desde 1931 alinhava-se
entre as empresas mais bem sucedidas do setor, cerrara as portas com uma
diferença negativa entre ativo e passivo exigível de mais de Cr$ 254 milhões.
“Considerando o assunto sob o ponto exclusivamente industrial, a conclusão a que chegamos” – afirmavam os redatores do Anuário de Seguros – “é
que a capitalização não mais é negócio para as empresas que a exploram. Não é
de agora que os resultados industriais se têm mostrado francamente negativos e
não há nenhuma esperança de a situação se modificar para melhor. Aliás, ex-
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pondo lealmente a nossa opinião, não acreditamos na possibilidade do encontro de fórmula salvadora para a situação.” 100
Heroicamente, as nove sobreviventes tentavam se equilibrar num arame cada dia mais instável. E à vista das arrecadações de prêmios a cada dia
mais minguadas, tentavam manter a dignidade nos compromissos já assumidos,
queimando a gordura de suas reservas matemáticas (Cr$ 4.880.625.000,00 em
1960) no pagamento de suas despesas de funcionamento e na capitalização
propriamente dita. “Por outro lado, cumpre salientar que, tal como ocorre com
as empresas de seguros, seus recursos financeiros não permanecem estagnados,
mas são postos em circulação mediante sua aplicação, sob variadas formas,
quer direta ou indiretamente, mediante empréstimos e financiamentos, contribuindo assim, também, para o progresso nacional”. 101
De fato, para um ativo total de Cr$ 6.293.518.000,00 registrado em
1961, as nove empresas sobreviventes apresentavam em seus balanços um
montante de Cr$2.760.521.000,00 investidos em imóveis, Cr$ 1.276.938.000,00
em empréstimos sobre títulos, Cr$ 854.577.000,00 em empréstimos hipotecários que ajudavam a tocar o barco do comércio e da indústria, e Cr$
604.726.000,00 aplicados em títulos de renda, entre os quais uma parcela substancial representada por papéis emitidos pelo Governo.
Honra e patriotismo continuavam a ser as palavras de ordem e o comportamento da capitalização, que mesmo submetida aos duros golpes dos
“aumentos do custo de vida” que inviabilizavam os negócios, não deixou cair a
peteca. Nem mesmo quando Jânio Quadros, que assumira a Presidência da
República em janeiro de 1961, resolveu azucrinar ainda mais os nervos dos
dirigentes das empresas, ao ameaçar a atividade com um decreto futuro e a
pecha antiga de que se tratava de jogo, e “sistema ainda mais nocivo que o jogo
do bicho”. 102
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A capitalização defendeu-se como pôde. “O sorteio não foi feito para
beneficiar ninguém” – argumentaria Mário de Matos Pimenta, gerente-geral da
Companhia Internacional. “Trata-se apenas de antecipar aquilo que o portador
se propôs a fazer dentro de um determinado tempo, conforme o plano do título. Não é, absolutamente, fazer jogo com a capitalização, e sim um incentivo à
economia popular. Frise-se que o próprio fiscal do Governo assiste a todos os
sorteios realizados. Minha opinião pessoal é a de que o Governo pode atualizar
a atual regulamentação, tornando-a mais condizente com a nossa época, pois
os limites das despesas das companhias estão fora de propósito na presente
conjuntura econômica”. 103
Como se sabe, em poucos meses de Governo, Jânio realizaria algumas
proezas: lançou lama na memória de Juscelino Kubitscheck; proibiu o funcionamento das rinhas de galo; proibiu o uso de monoquíni nas praias por considerá-lo indecente e criou um uniforme para a população civil brasileira que
deveria, segundo ele, vestir-se mais adequadamente para enfrentar o calor dos
trópicos; e finalmente arranjou briga com os militares quando condecorou Che
Guevara. Sua vassoura, com pretensões de moralidade, permaneceu no Governo apenas sete meses, e renunciou no dia 25 de agosto daquele ano, em gesto
de grande teatralidade. Jânio esperava que o povo não aceitasse a renúncia, que
segundo ele era turbinada por “forças ocultas”.
O povo brasileiro, calma e ordeiramente como é de seu temperamento,
não só aceitou essa atitude generosa do Presidente, como de certo modo, ainda
confuso por tanta novidade em tão pouco tempo, até se sentiu bem aliviado.
Com o povo, a capitalização, que acabara de atravessar mais uma prova de
delírio normativo.
A capitalização tinha coisa mais séria com que se preocupar. A inflação
vinha se alimentando da instabilidade política em que o país mergulhara desde
a renúncia de Jânio e era a cada dia mais voraz. Saltara de 37% em 1961 para
51,70% em 1962, e já chegava a 75,30% em1963.
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De que forma isso atingia diretamente a capitalização? “Basicamente o
aumento inflacionário acarretava prejuízos para as companhias por implicar
majoração dos encargos administrativos, denominados também “carregamentos”, reduzindo assim as taxas de lucros e interferindo na constituição das reservas técnicas e de sinistros não liquidados. Por outro lado, a inexistência de
correção monetária defasava o valor dos prêmios mensais da capitalização e do
seguro de vida em grupo. Constituía-se então um problema na órbita da própria comercialização dos seguros, pois não se tornavam atrativos investimentos
de longo prazo, como a capitalização, que tinham também seus valores decompostos pela evolução inflacionária”. 104
Essa “decomposição” de valores era visível nos balanços apresentados
pelas nove sobreviventes, cuja produção global em 1963 fora da ordem de Cr$
32,341 bilhões contra Cr$ 20,981 bilhões em 1962. Isto é, aparência de aumento puramente nominal de 53%, o qual, submetidos à voracidade implacável da
inflação de 1963, que mais uma vez atingira um pico histórico, inimaginável
àquela época, de 75,30% , acaba revelando a gravidade crescente da situação do
mercado: perda real de 14% naquele ano. 105
Em 1964, vivendo no clima de transformações criado pelo início do ciclo revolucionário, a inflação, contrariando o desespero de uma expectativa de
140%, se contivera em absurdos 87%. E em 1965, já sob os influxos do Plano
de Ação Econômica do Governo – PAEG 106 , elaborado sob a coordenação de
Roberto Campos, ela recuaria para 45%.
Nesse ano de 1965 é que seria atingido o fundo do poço, e a capitalização teria o pior resultado de sua história no Brasil. A produção global de prêmios das ainda sobreviventes e resistentes empresas, que já não eram nove,
mas apenas oito (Aliança da Bahia, Colúmbia, Cruzeiro do Sul, Internacional,
Kosmos, Liderança, Soberana e Sul América), chegou a R$ 20,053 milhões em
valores corrigidos. 107 , e a participação da capitalização no PIB caíra à insignificância de 0,01%. Isso fazia chorar de nostalgia seus pioneiros, quando se lem-
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bravam de índices antigos: por exemplo, o 0,33% registrado em 1947! 108 E no
agravamento da crise, em janeiro de 1966 a Urano Capitalização deixa de existir, depois de vinte anos de funcionamento e de uma agonia longa, que vinha se
arrastando desde meados da década de 50.
O mercado esperava que alguma coisa fosse feita.
Desde 1963 o mercado de seguros e capitalização vinha falando na necessidade de uma reforma em suas estruturas normativas. “Baixou no país o
espírito reformista” – exclamava o editorialista da “Revista de Seguros”, em
edição de janeiro de 1963. “Só se fala em reformas de base, e dos slogans criados em torno dos magnos problemas nacionais de infra-estrutura, o que resultou foi a disseminação, por todos os setores da vida brasileira, da idéia fixa de
rever e reformar tudo” – prossegue. “Tal mania já se estendeu ao campo da
atividade seguradora, onde não negamos haja necessidade, não de reformar,
mas pura e simplesmente, isto sim, da instauração de um processo de atualização”. 109
Esse “processo de atualização” não veio de imediato. Foi necessário
esperar que o Brasil virasse mais uma página de sua conturbada histórica política, com a derrubada do Presidente João Goulart pelo movimento revolucionário de 31 de março de 1964. Por cautela, que tanto mais se recomendava quanto a vida pública no Brasil parecia agora “campo minado pela suspeita, pela
delação fácil e pelo oportunismo sem escrúpulo”, o mercado, através de seu
porta-voz corporativo, a FNESPC (ainda não era Fenaseg), começou “a moer
o duro grão do diálogo com o novo Governo”. 110
Em maio de 1964 a Federação renova o apelo já tantas vezes feito, no
sentido de que as empresas de seguros e de capitalização fossem autorizadas a
fazer investimentos de suas reservas técnicas, livremente, em indústrias de base
do setor privado. A Revolução faz ouvidos surdos aos apelos. Em julho, entretanto, a FNESPC recebe pedido de apoio ao Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, que estaria trabalhando em anteprojeto de reforma de toda a atividade seguradora no Brasil. A Federação se manifesta, através
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de pronunciamento de uma comissão de notáveis, que desaconselha o anteprojeto em suas linhas gerais, embora reconhecendo que a legislação então vigente
era omissa ou inadequada, e que cumpria “submetê-la a revisão, harmonizá-la
com a nova realidade nacional”. 111
Entre as críticas mais contundentes da comissão nomeada pela
FNESPC, a de José Acioly de Sá, economista do Ministério da Indústria e Comércio, condenando a criação do CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados. Segundo ele, o pretendido aparecimento desse novo órgão constituía-se,
“do ponto de vista administrativo, medida em inteiro desacordo com as necessidades do sistema segurador, não havendo entre este e o sistema bancário, que
serviu de inspiração aos autores do anteprojeto, qualquer semelhança possível”. 112
Desconfianças à parte, uma primeira luz, no fim desse túnel que para a
capitalização já parecia tão longo, seria finalmente acesa no dia 21 de agosto de
1964, quando o Governo promulgou a Lei 4.380, que instituía no Brasil a correção monetária. Essa lei, que se destinava a estimular a construção de moradias, embora não tratasse diretamente de qualquer matéria relacionada à capitalização, pelo menos criava o precedente ao aparecimento de mecanismos de
reajustes periódicos nos valores de contratos, o que permitiria a preservação do
valor real da poupança e dos prêmios de sorteio.
De certo modo a correção monetária já havia nascido um mês antes, no
corpo da Lei 4.357, de 16 de julho de 1964, que autorizava o Poder Executivo
Federal a emitir Obrigações do Tesouro Nacional até o limite de Cr$ 700 bilhões, com vencimento entre 3 e 20 anos e juros mínimos de 6% ao ano. Detalhe: juros calculados sobre o valor nominal atualizado periodicamente em função
das variações do poder aquisitivo da moeda nacional. 113 O que a Lei 4.380, editada um
mês depois, no dia 21 de agosto de 1964 fez, foi apenas incluir, em seu Art. 5º,
uma permissão para que a correção monetária incidisse nas prestações e dívida
provenientes de contratos de vendas ou construção de habitações, ou de empréstimo para aquisição ou construção de habitações.
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Portanto, a correção monetária ainda não se constituíra na tão prometida salvação da lavoura da capitalização. Mas já era um início. Pelo menos, já
estava criada, e representava uma porta aberta para futuros aprimoramentos na
legislação, que permitissem à atividade seguradora, em seus vários segmentos,
colocar-se a salvo da voracidade inflacionária.
No fim desse túnel tão comprido em que se metera a capitalização, e
que já durava 15 anos, uma segunda luz, ainda bruxuleante mas uma luz, veio
juntar-se ao brilho da Lei 4380/64 no dia 21 de dezembro de 1966, através do
Decreto-lei nº 73.
Desde o início daquele ano, o mercado vinha discutindo, com receios e
muita precaução, o projeto que viria se tornar esse Dl-73. Em editorial publicado na Revista de Seguros no mês de junho, dava-se o tom exato do pé atrás
com que o mercado aguardava a epifania desse famoso decreto-lei, nessa época
já em estado avançado de gestação.
“Acreditamos que os problemas fundamentais da atividade seguradora
nacional” – advertia o editorialista – “não se resolvam através de uma simples
mudança de sistema legal. Sabemos que na legislação vigente alguns dispositivos concorrem, na verdade, para tolher ou dificultar a evolução desembaraçada
das operações de mercado. São dessa natureza, por exemplo, os dispositivos
que estabelecem procedimentos inculcados ou presos a valores monetários
fixos, todos eles fartamente superados pela inflação”. 114
Era evidente que ao mercado, muito mais que a velhice das normas
vigentes, o que preocupava era a inflação, e a falta, ainda, de uma boa correção
monetária aos valores que perdiam consistência com o passar dos meses. “Parece-nos que os problemas mais sérios não decorrem de falhas ou deficiências
da estrutura legal em vigor” – lembrava o editorialista – “resultam, isto sim, de
transgressões às leis econômicas, que não fazem parte do direito positivo elaborado pelo Homem. Se o nosso ponto de vista, que é também o de muitos
líderes e técnicos da classe seguradora, é realmente correto, então a reforma de
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que carece o mercado de seguros não depende dos juristas, mas dos administradores que contem com boa assessoria econômica.” 115
Com o passar dos meses e o avanço das conversas, ainda possíveis, com o
governo de Castelo Branco, o tom de suspeita era substituído pela simpatia, quase
esperança. “Embora ainda insepulto, o DL 2063 entrou para o nosso obituário
legislativo. Agonizante há alguns anos, aquele diploma legal padecia de grave
enfermidade: anacronite. Surge agora em seu lugar, com o vigor e o ímpeto
peculiares à vida que desabrocha, o DL 73. 116 - escreveria o editorialista na
edição de outubro de 1966 da Revista de Seguros. E em seguida, economizar
elogios a uma norma cujo texto final ainda nem era conhecido, atribuía a essa
norma em formação um “alto objetivo de promover a expansão do seguro
privado, toma a livre empresa como sustentáculo dessa expansão.”
E concluía dizendo que “o novo estatuto da atividade seguradora nacional, ao mesmo tempo em que procura dar instrumentos de expansão ao
mercado e condições de fortalecimento à iniciativa privada, situa em níveis
mais altos a responsabilidade empresarial, tornando-se severo no regime repressivo adotado para os desvios de natureza ética. Começa agora uma vida
nova para o seguro brasileiro.”
Para o seguro, podia ser. Para a capitalização, nem tanto. Ela entrava
nesse decreto mais ou menos como Pilatos no Credo. Podia ter benefícios futuros e eventuais decorrentes do Art. 14, que trazia a correção monetária para
o âmbito da atividade das seguradoras. Desaparecia da sigla e denominação do
DNSPC – Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, que
pelo Art. 136 daria lugar à Susep - Superintendência de Seguros Privados (sem
a capitalização, pelo menos aí, no nome). Pelo Art. 147 submetia-se ao âmbito
da fiscalização do Banco Central da República do Brasil, no que dizia respeito à
sua gestão financeira e administrativa. E pelos Arts. 150 e 151, em caso de liquidação compulsória, teria liquidante nomeado e demissível pelo Ministério da
Fazenda.
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No mais, tudo como dantes, pelo menos em relação à cada dia mais esperada possibilidade de correção monetária. E enquanto ela não vinha, a capitalização ganhava, finalmente, um estatuto próprio, que revogava o já antiquado Decreto 22.456/33, e colocava alguns pingos nos iis em relação à subordinação institucional e regulamentar da capitalização ao Governo.
Tratava-se do Decreto-lei nº 261, de 28 de fevereiro de 1967, que em
seu Art.1º, parágrafo único definia: “Consideram-se sociedades de capitalização
as que tiverem por objetivo fornecer ao público de acordo com planos aprovados pelo Governo Federal, a constituição de um capital mínimo perfeitamente
determinado em cada plano, e pago em moeda corrente em prazo indicado no
mesmo plano, à pessoa que possuir um título, segundo cláusulas e regras aprovadas e mencionadas no próprio título”.
A redação não era lá essas coisas. Além de redundante, cópia quase servil do Art.1º do Decreto 22456/33. Mas pelo menos, em seu Art.2º, esse DL
261 já atribuía à capitalização um estatuto que ia além do alcance puramente
negocial dessa atividade, e a colocava ao lado de outras que se constituiriam em
pilares do desenvolvimento econômico e social do País. Repetia, de certo modo, o olho grande que o Governo jamais deixara de ter sobre as reservas das
sociedades de capitalização. E estabelecia, no inciso IV desse Art. 2º, entre
outros objetivos, o controle do Estado, a ser exercido “no interesse dos portadores de títulos”, objetivava coordenar a “política de capitalização com a política de investimentos do Governo Federal, observados os critérios estabelecidos para as políticas monetária, creditícia e fiscal, bem como as características a
que devem obedecer as aplicações de cobertura das reservas técnicas”. 117
Mais importante que tudo isso, o DL 261 instituía, por seu Art. 3º, o
Sistema Nacional de Capitalização, que se constituiria dos já existentes (pelo
Dl-73/66) CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados, pela Susep – Superintendência de Seguros Privados, e pelas próprias sociedades de capitalização. Nesse sistema competiria ao CNSP, privativamente, “fixar as diretrizes e
normas da política de capitalização e regulamentar as operações das sociedades
do ramo, relativamente às quais exercerá atribuições idênticas às estabelecidas
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para as sociedades de seguros”. Finalmente, atribuía à Susep a missão de órgão
“executor da política de capitalização traçada pelo CNSP, cabendo-lhe fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operações das sociedades do
ramo, relativamente às quais exercerá atribuições idênticas às estabelecidas para
as sociedades de seguros”.
Aleluia! Depois de mais trinta anos em que vinha ajudando o País na
formação de poupança, que se destinava a remunerar capitais aplicados, mas
também, e sobretudo, à canalização para investimentos em obras de infraestrutura e ao financiamento da dívida pública, a Capitalização era reconhecida
como partícipe na política de desenvolvimento nacional.
Isso era bom. Embora não fosse tudo. Mas, de qualquer modo, as sociedades de capitalização vinham ensaiando, lenta e corajosamente, uma ressurreição que já se anunciava. Em 1966, em moeda da época, o Cruzeiro Novo, a
arrecadação global de prêmios, das oito empresas operantes, ascendeu a NCr$
6.399.503, o que representou um crescimento nominal de 42% sobre o exercício anterior. A produção de prêmios subiria para NCr$ 9.081.993 no ano de
1967, e para NCr$ 12.931.403 em 1968. Descontada a inflação, e transformados esses valores em reais de 1998, fica nítida a recuperação, lenta mas consistente do mercado: R$ 20,502 milhões em 1966; R$ 22,853 milhões em 1967; e
R$ 25,463 milhões em 1968. 118
O mercado ganhava fôlego para o que estava por vir.
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Capítulo 8
Ao iniciar a década de 70, embora a capitalização desse alguns sinais de
vida e de expectativa, as oito empresas sobreviventes pareciam hibernar, à espera de dias que fossem menos assustadores e menos atormentados que aqueles que acabavam viver De todas as companhias existentes apenas cinco (Aliança da Bahia, Cruzeiro do Sul, Internacional, Kosmos, Sul América) apresentavam ainda alguma produção, sendo as restantes (Colúmbia, Liderança, e Soberana, que desde 22 de maio de 1970 passara ao controle e à denominação de
Nacional Capitalização), meros fantasmas que figuravam nas edições do Anuário de Seguros como simulacros das empresas que, na verdade, nunca haviam
experimentado um passado de muita glória.
De qualquer modo, o ano de 1971, o registro de uma produção global
de prêmios da ordem de Cr$ 28.384.726, que representava um crescimento
nominal de 35% sobre o exercício anterior (Cr$ 21.075.699,00 em 1970), já
podia ser visto como o capítulo inicial de uma boa história de recuperação.
Embora fossem números excessivamente modestos, se comparados com a
atividade das empresas de seguros, que naquele ano haviam registrado uma
produção global de Cr$ 2,.523.366.104,00, e embora daí se devesse deduzir a
inflação de 1971, que chegara a 21%, sobrava alguma coisa para se falar em
crescimento real da atividade. E, obviamente, para se dar uma injeção de ânimo
nas resistentes empresas do setor. .
Mas a capitalização, que hibernava em sono manso e na lenta ruminação desses números que tinham um certo travo de saudade dos bons velhos
tempos, padecia ainda, quarenta anos depois de ter chegado ao Brasil, de um
outro mal dessa época: a pouca visibilidade. Praticamente não dava as caras à
luz dos regulamentos e das preocupações normativas da Susep que, desde sua
efetiva instalação e início de funcionamento no dia 29 de dezembro de 1966,
vinha tentando colocar ordem no setor pondo fim a “uma das causas do pro-
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cesso de enfraquecimento do mercado”, que residia na “dispersão desarmoniosa das leis e regulamentos e das fontes de decisão”. 119
Para acabar com essa “dispersão desarmoniosa”, o Governo e a Susep
vinham normatizando furiosamente sobre a atividade seguradora, que entre
julho de 1971 e junho de 1972 foi brindada com a edição de um Decreto-Lei
(Nº 1182, de 16 de julho de 1971, estímulo às fusões, incorporações e abertura
de capital de empresas), quatro decretos (69.565, de 18-11-71, instituindo o
sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos; 69.827, 22-1271, relativo ao funcionamento de seguradoras estrangeiras; 69.841, de 27-12-71,
sobre reservas de acidentes não liqüidados em Acidente do Trabalho; e Dec.
70.076, de 28 de janeiro de 1972, que autorizava a Susep a expedir normas regulamentares sobre fiscalização de entidades que operavam em seguros). No
período houve ainda duas Resoluções do CNSP, sobre constituição de reservas
e limites operacionais das seguradoras, e nada menos 62 Circulares da Susep.
Tratou-se de tudo nessas circulares da Susep: seguro facultativo RCOVAT, seguros de tumultos, motins e riscos congêneres, riscos comerciais e de
crédito à exportação, seguros sobre valores de casas lotéricas, enquadramento
legal do “Buggy” entre veículos seguráveis, seguro para perda de ponto, sobre
ingressos de jogos e treinos de futebol profissional, riscos de derrame de água
ou outra substância líqüida de instalação de chuveiros automáticos (sprinklers),
lucros cessantes, competições automobilísticas, fabricação e deposito de sêmen
de boi congelado, enquadramento tarifário de caminhão de asfalto. Só não se
falava em Capitalização! 120
A aparente despreocupação da Susep com a capitalização se manteria
ao longo da década, mesmo nos momentos de maior furor normativo, como
por exemplo no período de maio a maio de 1976 e 1977, quando seriam baixadas pelo órgão 102 circulares. Dessas, apenas três tangenciavam pela capitalização: Circular nº 45, de 25 de agosto de 1976, sobre cálculo de reservas técnicas
em vida e capitalização; Circular nº 54, de 12 de outubro de 1976, sobre sorteios de seguro de vida em grupo e capitalização; e Circular nº 22, de 28 de fevereiro de 1977, sobre o mesmo assunto. 121
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De certo modo era estranho esse aparente desinteresse pela capitalização, atividade que no passado havia sido uma das molas de sustentação de alguns projetos de interesse nacional. Era estranho vê-la, no início da década de
70, colocada à margem do oba-oba que contaminava o País, com uma idéia de
desenvolvimento econômico que parecia ter se tornado obsessão do Governo,
inebriado pela perspectiva de um Brasil Potência.
Havia no planejamento governamental um Programa de Metas a cumprir, no qual era estabelecido o objetivo de um crescimento médio anual de 7 a
9%. E contaminado pela euforia que, de quebra, ainda encontrara a alavanca
do futebol campeão do mundo em 1970, para colocar a nação inteira em atitude de delirante expectativa em torno de algumas das metas do Governo, o Brasil vinha batendo recorde em cima de recorde de crescimento econômico: 9,5%
em 1970, 11,3% em 1971, 10,4% em 1972, e 11,4% em 1973.
Era o início da década do tão decantado “Milagre Brasileiro”.
Repetindo, de certo modo, a política de crescimento econômico do
Governo JK, e aprofundando algumas transformações, esse modelo novo de
desenvolvimento acelerado vinha promovendo a expansão do mercado interno, a modernização do sistema de crédito e estabelecimento de uma nova política mais favorável às exportações, aliada à entrada maciça de capital estrangeiro, e ao fortalecimento do setor Estatal, através das empresas já existentes (Petrobrás, Vale do Rio Doce, Siderbrás), e da criação de inúmeras outras. Sobretudo nos setores de petroquímica e siderurgia. 122
Entre 1970 e 1973, obedecendo às linhas mestras da programação governamental, a indústria de transformação (extração e beneficiamento de matérias-primas), cresce 14% ao ano. No mesmo período, a indústria de automóveis
cresce 25,5%; a de eletrodomésticos, 28%; o setor de bens de produção, máquinas e equipamentos, cresce 22,5%, e bens intermediários (aço e cimento).
13,2%. Aparecem os shopping-centers, e o País entra na era do consumo pessoal.
Gasta mais 9,1% ao ano com alimentos e vestuário, e mais de 80% das famílias
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urbanas passam a dispor de rádio, geladeira, fogão a gás, ferro de passar roupa,
televisão e liquidificador. O automóvel chega à classe média, e ao final de 1973
já se produzem no Brasil mais de 750.000 veículos por ano. As exportações
crescem, de US$ 3 bilhões em 1969, para US$ 6,2 bilhões em 1973 (taxa anual
de crescimento médio de 32%). E o crescimento das exportações financia a
importação, sobretudo de máquinas e equipamentos. No prazo de dez anos, o
BNH construirá mais de 1.050.000 de moradias.
Vive-se a era das grandes construções. A Ponte Rio-Niterói, onde trabalharam mais de 10.000 operários, e onde se empregou material que daria para
construir 350 edifícios de 20 andares, uma verdadeira cidade de porte médio. A
Hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo, para produzir 12,6 milhões de KW.
Surgem os pólos petroquímicos: Camaçari, na Bahia, em 1970, Copene, no
Nordeste, em 1972, e Petroquímica União, em São Paulo, no mesmo ano.
Nesse admirável mundo novo do “Milagre”, continuava-se a procurar
um lugar e um papel novo para a capitalização.
Esse lugar foi descoberto, à sombra da correção monetária, que desde a
edição de Lei 4380, de 21 de agosto de 1964, vinha sendo aplicada a contratos
de venda ou construção de habitações, ou aos empréstimos contraídos para
aquisição ou construção de moradias. Aí, no conforto e ao abrigo da lei, começaram a ser criadas no Brasil as sociedades de crédito imobiliário, instituições
integrantes do SFH - Sistema Financeiro Nacional, “destinadas a proporcionar
amparo financeiro a operações imobiliárias relativas à incorporação, construção, venda ou aquisição de habitação”. 123 Paralelamente às sociedades de crédito imobiliário, e no corpo da mesma Lei 4380/64, foram criadas as associações
de poupança e empréstimo, cujos objetivos, explicitados pelo Decreto-lei nº
70, de 21 de novembro de 1966, seriam os de propiciar ou facilitar a aquisição
de casa própria a seus associados (depositantes), captar, incentivar e disseminar
a poupança. 124
Destinadas a captar e aplicar recursos financeiros de terceiros, as associações começaram a operar através da abertura de contas de depósito de pou-
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pança livre ou programada, às quais era assegurada a correção monetária, isenção de imposto de renda, juros e garantia contra o risco de insolvência, na
forma e condições estipuladas pelo Banco Nacional de Habitação, criado à
época para ser o executor da política de crédito imobiliário. 125 Além dessas
atividades de captação e incentivo à poupança, as associações podiam ser autorizadas a “constituir empresas que tenham por objeto a prestação de serviços
julgados essenciais ou necessários ao seu funcionamento”.
Havia, como se vê, um certo parentesco entre a caderneta de poupança,
a atividade de captação e gerenciamento de recursos destinados a projetos imobiliários, e a capitalização. Parentesco aparentemente legitimado, pela permissão geral de constituição de empresas “que tenham por objeto a prestação
de serviços julgados essenciais ou necessários”, e pela experiência histórica das
sociedades de capitalização, Kosmos, Sul América, Aliança da Bahia e Prudência entre elas, que no passado haviam patrocinado programas habitacionais.
Por quê, então, não se tentar de novo, uma experiência que havia sido tão bem
sucedida?
E então houve a luz. E o primeiro a vê-la foi Luiz Martiniano de Gusmão, diretor da Letra Crédito Imobiliário, que se tornaria um dos responsáveis
pelo renascimento da capitalização na década de 70. Foi dele a idéia de comercializar o título de capitalização junto com a caderneta de poupança. E muito
embora tenha encontrado boa receptividade na empresa onde trabalhava, foi
obrigado a enfrentar o riso desconfiado e desiludido de muita gente que não
acreditava em qualquer possibilidade de sucesso no casamento da caderneta
com “um defunto que haviam esquecido de enterrar.” 126
“Começou aí a grande batalha” – relataria Martiniano. “No dia 22 de
maio de 1970 adquiri a carta patente da Colúmbia, que se achava desativada, e
levei quatro anos para conseguir fazer a Letra Capitalização funcionar. Diziam
que era brincadeira. Que no Brasil ninguém compraria um título de longo prazo. Dificuldade por dificuldade, com a caderneta de poupança tinha sido a
mesma coisa. Fora difícil implantar. Tive muita dor de cabeça. Mas estava decidido. Achava que a própria caderneta de poupança teria um destino melhor, e
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se difundiria ainda mais rapidamente, se fosse colocada junto com a capitalização. E foi efetivamente o que aconteceu. Em janeiro de 1974 conseguimos
reativar a antiga sociedade, agora Letra Capitalização, e de uma agência que
éramos, em dois anos tínhamos passado a 36. De repente nos tornáramos uma
grande empresa. Uma aventura que virou realmente empresa. E eu posso dizer
que minha participação efetiva foi introduzir a correção monetária no espírito
de capitalização”.
O primeiro passo, e o mais difícil: a descrença inicial havia sido derrotada pela pertinácia de Martiniano, que foi mais longe. Encurtou os prazos da
capitalização antiga, que podiam chegar a 30 anos, e a tornou mais parecida
com a poupança. Adotou a correção monetária tal como praticada pelo BNH,
através de um indexador que se manteria por muitos anos, a UPC, Unidade
Padrão de Capital. Estava criada a correção monetária trimestral para os títulos
de capitalização.
“Foi uma fofoca geral” – prossegue Martiniano. “Todo mundo ria. E
de repente todo mundo se calou. Foi uma avalancha que caiu sobre nossas
cabeças. A gente nem sabia mais o que fazer, porque nem tínhamos estrutura
para suportar o volume de negócios gerados. Novamente tivemos que inovar.
Compramos um computador, um B-500, daquele computador antigo, de fita
magnética em lugar dos atuais hard-drives, e resolvi introduzi-lo na capitalização.
As outras empresas continuavam a operar no sistema antigo, manual, e aquilo
tinha um custo operacional muito alto. Aboli a papelada, o sistema antiquado
de carnês serrilhados, as idas e vindas do agente da capitalização ao comprador.
Paguei uma fortuna pela modernidade. O último computador que comprei,
nessa época, nos custou uma verdadeira fortuna para a época. Mas valeu a pena. E o mercado começou a nos copiar”. 127
A evidência mais imediata de que a coragem de Martiniano frutificaria
em bons resultados está escrita nos balanços apresentados pela capitalização na
década de 70.
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Em 1972 as oito empresas existentes arrecadaram um total de Cr$
36.552.275,00 em prêmios, contra Cr$ 28.384.726,00 registrados em 1971, o
que representa um crescimento nominal de 29%, e um crescimento real de 9%,
descontada a inflação de 20%. Esse valor, que atualizados em reais de 1998
daria para o ano de 1972 uma produção de R$ 34,70 milhões, mostram que o
mercado vinha ensaiando uma recuperação ainda tímida, mas já se distanciava
do pior ano de sua história, 1965, quando chegara ao fundo do poço com uma
produção de R$ 20,05 milhões. 128 :
Tais números referem-se à produção de apenas cinco empresas, pois a
Colúmbia, a Liderança e a Nacional mantinham uma presença meramente escritural no mercado. E é relevante observar que, nesse ano de 1972, a Sul América ainda se mantinha como líder incontestável do mercado, com uma produção total de prêmios da ordem de Cr$ 28.588.765,00 (78% da produção global
do mercado), permanecendo a Kosmos em segundo lugar, com uma produção
de Cr$ 3.487.962,00; a Aliança da Bahia em terceiro, com Ce$ 2.226.330,00; a
Internacional em quarto, com Cr$ 1.932.367,00; e finalmente, a Cruzeiro do
Sul, para não fechar as portas, com inexpressivos Cr$ 392,00 em prêmios. Isto
é, pouco mais que um salário mínimo da época, Cr$ 268,80.
Para não morrer à míngua de bons acontecimentos, as empresas mantinham a prática do canibalismo autofágico, e vinham se alimentando de suas
próprias gorduras, acumuladas em tempos de vacas gordas.
Em 1972, a Sul América, poderosa mesmo em tempo de crise, revertia
Cr$ 28.371.648,00 de suas reservas e Cr$ 14.717.535,00 de seus investimentos.
A Kosmos, ainda a segunda do mercado, usava de Cr$ 3.348.644,00 relativos a
aluguéis e outras rendas, e Cr$ 2.429.194,00 de suas reservas. A Aliança da Bahia revertia Cr$ 3.059.580,00 de suas reservas. A Internacional queimava Cr$
1.608.285,00. E em seguida vinha o time heróico das três empresas já quase
sem oxigênio: Cruzeiro do Sul, que em face dos minguados prêmios recebidos
apresentava um resultado de renda de imóveis da ordem de Cr$ 246.023,00, e
reversão de Cr$ 14.650,00 de suas reservas. A Liderança, que não produzira um
centavo de prêmio, e viveu de Cr$ 522.671,00 cortados de suas reservas e in-
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vestimentos. E a Nacional, em absoluta inanição, revertia Cr$ 230,00 de suas
reservas para não desaparecer de vez
.
O quadro de pobreza heróica permanece mais ou menos o mesmo até
1974 quando, finalmente, as nuvens mais negras já começam a correr para fora
de um céu que se anuncia azul. Em janeiro desse ano a Letra Capitalização
entra no mercado com a força de todas as novidades pensadas por Luiz Martiniano, e no encerrar do exercício a produção global das oito sociedades de
capitalização ainda vivas atinge Cr$ 69.139.100,00 contra Cr$ 47.881.198,00 no
ano anterior, crescimento nominal de 44%, e crescimento real de aproximados
9,5%, se descontada a inflação de 34,5%. 129 Além disso, esses montantes, atualizados para valores de reais de 1998, confirmam a tendência de crescimento do
mercado: R$ 37,69 milhões, quase o dobro dos R$ 20 milhões registrados em
1965, pior ano da crise.
Também é relevante e auspicioso observar que nesse ano a Letra Capitalização consegue a proeza de se alinhar entre os pesos médios do mercado,
ao apresentar uma produção de prêmios da ordem de Cr$ 1.047.491,00. São
valores que, em seu primeiro ano de funcionamento, já a tornam próxima da
Internacional (Cr$ 3.018.851,00), e Aliança da Bahia (Cr$ 4.279.377,00). Mais
distantes encontram-se a Kosmos (Cr$ 6.334.319,00), a até então hegemônica
Sul América (Cr$ 54.446.453,00.), e infinitamente acima da mambembe Cruzeiro do Sul, cuja produção de prêmios não passou de Cr$ 12.609,00 em 1974.
Liderança e Nacional eram apenas nomes nessa relação heroicamente resistente..
Mais expressiva, entretanto, que a produção final de prêmios, foi nesse
ano a geração de novos negócios por alguma sociedades, e mais especificamente no caso da Aliança da Bahia, que dobrou sua produção: passou de Cr$
63,874 milhões em 1973 para Cr$ 116,260 milhões em 1974. A Internacional,
com uma performance ainda mais convincente, dobrou sua produção: passou
de Cr$ 28.354.000 em 1973 para 56.596.000,00 em 1974. Nas demais, crescimento de moderado para bom.
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Soprava, no mundo da capitalização, a brisa tão esperada da prosperidade. Começava a soprar, também, a brisa da modernidade transformadora,
iniciada com a descoberta da capitalização pelas associações de poupança e
crédito imobiliário. E já em 1975, pela primeira vez depois de quarenta anos,
começa o desmanche do gesso que mantinha inalteradas as posições no ranking das empresas de capitalização, no momento em que a Letra assume o segundo lugar na produção de prêmios.
Nesse ano, em que o total produzido pelo setor cresce 44%, passando a
Cr$ 99.831.892,00 (contra os Cr$ 69.139.100,00 registrados em 1974), a Sul
América mantém sua participação relativa, e representa 75% do mercado, com
produção de 73.225.892,00. Mantida a Kosmos em segundo lugar, com uma
produção de Cr$ 8.657.061,00, em terceiro já aparece, vitoriosamente, a Letra
Capitalização, ao produzir Cr$ 6.889.526 em prêmios, e ao superar a tradicional
Aliança da Bahia, que cai para quarto lugar com Cr$ 6.813.174,00. A Internacional se colocaria em quinto, com uma produção de Cr$ 4.246.925,00, e três
sociedades não apresentariam resultado nesse ano de 1975: Nacional, Cruzeiro
do Sul e Liderança. 130
Em 1976, mais uma grande mexida no tabuleiro da capitalização brasileira. Em janeiro desse ano o Grupo Silvio Santos reativa a Liderança Capitalização, adquirida no ano anterior. Sob nova direção, imediatamente diz a que
veio, e lança os primeiros títulos PM-15/21 e 10/16, 131 com valor nominal de
Cr$ 3.000,00 e mensalidades de Cr$ 12,00 e Cr$ 18,00, respectivamente. Em
1977, lança o título de Plano Único (PU), com valor fixo e mínimo de Cr$
100,00, resgate para prazo pré-fixado de 360 ou 720 dias, corrigido e com juros.
Os resultados são imediatos: a Liderança passa a ocupar o terceiro lugar
no ranking brasileiro, e já figura entre os pesos pesados da capitalização, com
um volume anual de prêmios da ordem de Cr$ 38.499.050, 00.
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No ano seguinte, 1977, enquanto a Sul América se mantém em primeiro lugar com uma produção de prêmios da ordem de Cr$ 138.499.050, a Letra
Capitalização conquista o segundo lugar com Cr$ 44.218.380,00. A Kosmos,
com a ascensão da Liderança, cai para o quarto posto, ao registrar uma produção de Cr$ 24.890.933,00. Não muito distante ficaria a Aliança da Bahia, no
quinto lugar, Cr$ 16.929.621,00, e a Internacional cairia um posto, para sexto,
com Cr$ 5.100.376,00. Cruzeiro do Sul, adquirida pela Delfin Crédito Imobiliário em agosto de 1975, mas ainda desativada, e Nacional, que embora adquirida
desde 1970 pelo Banco Nacional só seria reativada em 1979, não apresentaram
produção nesse ano de tantas mudanças. 132
Não havia mais como negar. A Capitalização, na segunda metade da
década de 70, voltava a respirar novos ares de prosperidade. O mercado sabia
disso. Episodicamente podia ainda acontecer um susto ou outro, mas como
fato isolado dentro de um quadro geral de crescimento da capitalização, que
em 1978, pela primeira vez, em quase vinte anos, quebraria uma barreira psicológica. Nesse ano, atualizado o valor da produção global de prêmios da capitalização para reais de 1998, as sete empresas registrariam um montante global
recorde: R$ 67,732 milhões, quase três vezes a produção de dez anos antes! 133
Em dinheiro da época, os já tão inflacionados cruzeiros, a produção
global de prêmios da capitalização brasileira em 1978 foi de Cr$ 459,2 milhões,
com crescimento nominal de 106% sobre os Cr$ 235,8 milhões em prêmios
registrados em 1977. Desse total, a produção da Sul América (Cr$
224.462.000,00) passava a representar menos da metade, e era seguida já a uma
distância vencível pela Liderança (Cr$ 119.246.000,00), que assumira o segundo
posto e continuava a crescer, tornando-se o maior fenômeno dessa década de
recuperação da atividade. A Letra mantinha o terceiro lugar, com expressiva
produção de Cr$ 56.941.000,00, e a Kosmos, em quarto, já não reproduzia a
mesma performance do passado, com Cr$ 31.788.000,00. A Aliança da Bahia
continuava no bloco dos pesos médios, com uma produção de Cr$
19.635.000,00 em 1978.
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Registre-se que em 1978 a capitalização, que nos anos mais que dourados da década de 40 chegara a representar 0,33% do PIB brasileiro, e que desde 1965 (sempre esse ano péssimo para a atividade) amargava num patamar
que raiava à insignificância de 0,01%, finalmente retornava à vizinhança de
0,02% do Produto Interno Bruto do Brasil. Aleluia! 134
E em 1979, a capitalização prosseguia em sua firme trajetória de recuperação. Das sete empresas que atuavam (Cruzeiro do Sul, adquirida pela Delfim em 1975, ainda estava fora de combate), seis apresentaram um volume
global de arrecadação de prêmios da ordem de Cr$ 882 milhões, com crescimento de 92% sobre o ano anterior. Esse número, comparado com a inflação
de 54,4% registrada no ano, representa um crescimento real significativo. Além
disso, é relevante o registro de que, nesse ano de 1979, a Liderança manteve e
consolidou sua segunda colocação no ranking brasileiro, ao registrar uma produção de Cr$ 283,933 milhões em prêmios, já muito próxima da Sul América
(Cr$ 384,713 milhões), ainda no primeiro lugar. A Letra, que vinha expandindo
seus negócios, fatura Cr$ 100,057 milhões nesse ano, e logo a seguir aparece,
pela primeira vez, a Nacional, cuja produção superou os Cr$ 84 milhões. Maior
portanto, que duas empresas tradicionais somadas: Aliança e Internacional,
cuja produção conjunta ficou em Cr$ 35 milhões. 135
Não obstante todas essas conquistas, sinais visíveis de franca recuperação, e embora parecesse que tudo ia muito bem, e transcorria no melhor dos
mundos possíveis., a capitalização continuava mais ou menos invisível ao olhar
atento dos órgãos de normatização.
Entre maio de 1978 a abril de 1979 a Susep emitiria nada menos que 69
circulares. De todas elas, apenas uma, a Circular nº 27, de 21 de março de 1979,
tratava de assunto relacionado à capitalização, Dispunha que as sociedades
realizarão assembléia geral extraordinária, cumulativamente com a AGO, no
mesmo loca e hora, em cumprimento ao Art. 67 e § 1º do Art.168 da Lei
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6404/76, que dispunha sobre as Sociedades Anônimas. Determinava, ainda,
que as sociedades de capitalização deviam se abster de publicar a ata dessas
Assembléias antes de ato aprovatório da Susep. Estabelecia, finalmente, que o
prazo para arquivamento ds atas no Registro de Comércio seria de 30 dias,
contados a partir da publicação da Portaria e da ata única, e que esses dispositivos se aplicavam, no que coubesse, às seguradoras estrangeiras.
136
E entre
abril de 1979 e de 1980, a Susep emitiria 74 circulares, sendo que apenas uma, a
de nº 23/80, trataria de assunto ligado à capitalização. Fixava uma taxa de 5%
do valor de referência para a emissão de cartão de inscrição de corretor de seguro de vida e de capitalização. 137
Registre-se que no dia 30 de junho de 1971 foi criada, no Rio, a Funenseg - Fundação Escola Nacional de Seguros, iniciativa do Presidente do IRB
José Lopes de Oliveira, e conseqüência da necessidade de se dar ao Brasil as
condições de surgimento de uma nova cultura para o mercado de seguros.
Uma cultura que implicasse o esforço didático de preparação de profissionais,
inclusive corretores; criasse a mentalidade de empresariado, junto aos vários
agentes; permitisse a troca de informações; e criasse, finalmente, uma verdadeira ideologia de serviço, para o ramo de seguros.
Registre-se, finalmente, nesse apagar de luzes tão intensas da década de
70 para a capitalização, que no balanço da atividade no ano de 1980 já despontam duas novas sociedades, tiradas da mesma costela de onde viera a Letra: as
sociedades de crédito imobiliário e poupança. Aparecem, a Delfin Capitalização, com a Carta Patente adquirida à Cruzeiro do Sul em agosto de 1975, mas
só reativada em julho de 1980; e a Residência, com a Carta Patente que havia
pertencido à Kosmos, que desaparecia depois de escrever um dos mais produtivos capítulos da história da capitalização no Brasil.
No encerramento dessa década de transformações, a Liderança torna-se
a primeira empresa brasileira de capitalização, ao apresentar uma produção de
Cr$ 751,477 milhões, ficando a Sul América em segundo, com Cr$ 677,049
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milhões. A Nacional, finalmente, ganha fôlego nesse ano e produz Cr$ 455,326
milhões, e a Letra, que havia caído para quarto, registra uma produção de Cr$
155,350 milhões. Aliança da Bahia, grande no passado, cai para Cr$ 30,682
milhões, já sendo superada pela Delfin.
Ao completar meio século no Brasil, a capitalização apresentava um
perfil institucional inteiramente modificado.
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Capítulo nove
Do ponto de vista regulamentar, o mercado de capitalização entrou na
década de 80 com o mesmo perfil dos dez anos anteriores: discreta normatividade, escorada ainda no Decreto-lei 73 de 1966 e no Decreto 261, de 1967, e
relativa liberdade de movimentos, excetuado quanto ao destino das reservas,
que continuava sempre sujeito a contingenciamentos.
Tanto havia essa liberdade de movimentação, que as empresas de crédito imobiliário continuavam a avançar num território que era vizinho ao seu, e
na falta de uma cerca normativa que as barrasse em sua expansão institucional
já dividiam o mercado com as empresas pioneiras, Sulacap, Aliança da Bahia e
Liderança, que operavam exclusivamente nos negócios da capitalização. Além
disso, em julho de 1979, com o início do funcionamento da Nacional Capitalização, ligada ao banco de mesmo nome, dava-se início à primeira experiência
de uma empresa, do setor, ligada a um grande conglomerado financeiro.
Não era apenas na atividade financeira que o País ensaiava um quadro
de mudanças. Batia e pulsava forte o coração do Brasil pedindo a transformação que transportasse o país do estado de amarras políticas da ditadura militar
para a distensão democrática, tal como já vinha sendo anunciado em uns primeiros movimentos.
Data emblemática na história contemporânea do País, no dia 10 de
fevereiro de 1980 era anunciada a descoberta a jazida de ouro em Serra Pelada,
que provocaria uma corrida sem precedentes ao sul do Pará e norte de Goiás,
as proximidades do Bico do Papagaio, região conflagrada por conflitos de terra
e violência. Nesse mesmo dia, no ABC paulista, era aprovado e divulgado o
manifesto de criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Dois dias depois o
Senador Tancredo Neves, de Minas Gerais, lançava o programa de atuação
política do Partido Popular (PP), e no dia 12 de maio, depois de uma rumorosa
disputa em torno do espólio ideológico de Getúlio, o Tribunal Superior Eleito-
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ral concedia a Ivete Vargas a legendária sigla do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB). Leonel Brizola, inconformado, criaria uma nova sigla e uma nova bandeira para o movimento histórico do trabalhismo, lançando o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
No dia 30 de junho o Brasil recebia a visita do Papa João Paulo II, saudado nas ruas das principais cidades por milhões de pessoas que pediam a bênção a João de Deus. O Papa, entre outros assuntos, falaria em opressão, em
sofrimento, em liberdade. Quase como resposta ao desejo de paz a violência
política recrudesce, e no dia 2 de julho o jurista Dalmo Dallari, da Comissão de
Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo é seqüestrado e espancado. Em
agosto, novos atentados contra a cidadania, quando cartas-bombas são enviadas ao gabinete de um vereador e à sede da Ordem dos Advogados, no Rio de
Janeiro. É quando seis pessoas são feridas e morre a secretária da OAB Lyda
Monteiro, cujo nome imediatamente seria desfraldado como bandeira de luta
pelo restabelecimento da plenitude democrática no Brasil.
Finalmente, em novembro, quando o Congresso Nacional aprova a
Emenda à Constituição de 1967, restabelecendo a eleição direta para governadores de Estado, o povo, unido, começa a vencer a batalha da cidadania, que
vinha sendo dramaticamente travada com o regime vigente.
Mas havia mais que a emoção do povo e a crescente manifestação de
desagrado civil em face da ditadura. É que já iam longe os dias do chamado
“milagre brasileiro”, registrado entre 1968 e 1973, e que desde então servira
para dar sustentação social ao regime vigente e para legitimá-lo aos olhos e à
opinião do povo. O “milagre”, que não era exclusivamente brasileiro, também
havia sido registrado na Coréia, Japão, Grécia, Espanha, Formosa e muitos
outros países. Durante ele, não apenas o Brasil, mas pelo menos uns vinte outros países, haviam se beneficiado do crescimento do comércio mundial e dos
fluxos financeiros internacionais, para financiar seu desenvolvimento interno.
Caracterizado, no Brasil, sobretudo pela expansão dos setores de bens
de consumo duráveis e bens de capital, permitiu que entre 1967 e 1973 se re-
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gistrasse no país um crescimento médio do PIB da ordem de 11,2% ao ano,
enquanto a indústria manufatureira crescia à taxa média de 12,6%. Nesse mesmo período, enquanto as importações aumentavam de 5,4% para 8,6% do PIB,
as exportações mais que dobravam, o que resultaria em uma balança comercial
praticamente equilibrada. 138
O “milagre” teve como primeiro preço: o crescimento do endividamento externo líquido, que passou de US$ 3,1 bilhões em 1967 para US$ 6,2
bilhões em 1973. Na medida em que as reservas do país cresceram, no mesmo
período, em proporções ainda maiores, passado de US$ 200 milhões em 1967
para US$ 6,4 bilhões em 1973, essa dívida mostrava-se comodamente suportável, tendo em vista que dois terços do endividamento acabaram por ser convertidos em reservas. 139
Um outro preço do “milagre” já se mostrava mais difícil de ser suportado pela população brasileira. Tratava-se de um agravamento geral do quadro
de indicadores sociais, isto é, indicadores de pobreza, que entraram em absurdo
descompasso com os indicadores favoráveis do crescimento da riqueza, Assim,
para se dar um exemplo, enquanto aumenta o número de pessoas empregadas
por família, cai o valor médio do salário dos chefes de família. Agravam-se as
condições de saúde, com o crescimento das taxas de mortalidade infantil em
todo o país, e o reaparecimento de epidemias já consideradas debeladas, como
a da meningite.
No governo do General Geisel (1974-1979) tentou-se não apenas salvar
o barco da economia, que já fazia água, mas empurrar o país em uma “fuga
para a frente”, através do lançamento do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Tratava-se de um plano bem articulado, em torno de uma visão que a ortodoxia econômica acabaria por colocar sob suspeita: o II PND assumia “os riscos de aumentar provisoriamente os déficits comerciais e a dívida externa, mas
construindo uma estrutura industrial avançada que permitiria superar conjuntamente a crise e o subdesenvolvimento”. 140 Assumia, também, a suposição de
que os transtornos da economia mundial eram passageiros, e que as condições
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de financiamento externo, a juros pré-fixados baixos e longo prazo de amortização, eram um risco perfeitamente aceitável.
Efetivamente, o tempo mostraria que os idealizadores do II PND tinham certa razão. Em um mundo já desestabilizado por uma crise mundial
provocada pela quebra no fornecimento de petróleo da OPEP aos Estados
Unidos e Europa, o Brasil conseguiu manter um quadro de crescimento que
parecia artificializado: 9,0% em 1974, caindo para 5,2% em 1975, novamente
subindo para 9,8% em 1976, e índices mais moderados até 1979, quando registrou 7,2% de crescimento do PIB.
Não era propriamente um “milagre”, se comparado com o de 1973,
quando o crescimento econômico havia sido de 14,0%%. Mas, ainda assim,
permitia manter um oba-oba meio nervoso e meio desconfiado, e pretensões
ufanistas de um “Brasil Potência” que acabariam por não se concretizar. Dava
para tocar o barco até 1980 quando, já no governo de João Figueiredo (19791985), finalmente a ficha caiu. A taxa de crescimento declina de 9,1% em 1980
para um índice negativo de –3,1% em 1981, subindo fracamente para 1,1% em
1982, caindo novamente para –2,8% em 1983, e mais uma vez recuperando o
fôlego, em 1984, quando atinge 8,4%. 141 Enquanto isso, a dívida externa líquida do país, que em 1968 havia sido de US$ 3,1 bilhões, cresce aceleradamente e
é multiplicada por dez, chegando a US$ 31,6 bilhões em 1978. Isto é: crescimento médio de 38,7% ao ano. 142 No mesmo período, o coeficiente de vulnerabilidade , que indica o grau de solvência externa do país, e mede a relação
entre a dívida externa líquida e o valor das exportações, passa de 1,64 para
2,51. 143
O céu da economia brasileira começava a se cobrir com as nuvens que
agouravam crise, e os indicadores da economia interna do país já começavam a
apresentar uns primeiros sinais de evidência de problemas à vista. Entre 1975 e
1983 a poupança interna global do Brasil despenca de 26,4% para 13,3% em
1983, e esse índice só não foi pior porque, no mesmo período, a poupança
privada se manteve bravamente em patamares de resistência, entre margens de
18,2% a 12,7%. 144 .
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Mas ainda não era tudo. Havia também o complicador interno da inflação, que é sentida na pele e no bolso do cidadão. Ela havia saltado de um índice de 29,4% registrado em 1975 para 77,2% em 1979, para no ano seguinte
entrar na casa dos três dígitos (110,2%, e a partir daí empreender uma carreira
de bicho doido desenfreado: 95,2% em 1981, 99,7% em 1982, 211,0% em
1983, 223,8% em 1994, e 235,1% em 1985. 145
O bicho doido da inflação andava solto. A capitalização se defendia
com as armas a seu alcance, sobretudo aquelas que haviam sido aportadas pelas
sociedades de crédito imobiliário, que agora integravam o mercado. E foram
elas que contribuíram para a agilização nas vendas, introdução da correção
monetária em bases mais justas para o adquirente do título, cobrança de prêmios através de rede bancária, e a mecanização das operações pelo uso cada dia
mais freqüente do computador.
Nesse contexto, a Letra Capitalização assumiu uma atitude pioneira.
Lançou um título que apresentava todas as características tradicionais – sorteio,
pagamento periódico, e possibilidade de resgate antecipado ou ao final -, com
duas únicas novidades. Confundia, deliberadamente, o conceito de poupança
com o da capitalização, e agregava a correção monetária ao título. E para escorar as vendas, valeu-se de um jingle, insistentemente repetido no rádio e na televisão, chamando o pequeno investidor a poupar na Letra.
“Foi um sucesso imediato” – relembra Luiz Martiniano de Gusmão,
responsável pelo lançamento do produto. “Em pouco tempo, mais de três milhões de títulos vendidos. Tempos depois, já em outra empresa, lancei o Poupalização Delfin, título convencional de 15 anos, que assegurava um rendimento
maior ao cliente e promovia sorteios milionários. Dávamos o máximo ao cliente, e eu tinha um custo operacional muito baixo, pois utilizava a rede de agências da Delfin e uma área de computação moderníssima. Com a poupalização,
associamos a capitalização ao jogo do bicho embora nada tivesse desse jogo.
Com a proposta de aquisição do título, o comprador recebia uma carteirinha,
na qual podia escolher o bicho de sua preferência. Era apenas um atrativo. A
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Delfin era popular, todo mundo entrava lá, não tinha luxo. E havia as equipes
externas, que promoviam a capitalização nas escolas, no teatro, na oficina. E o
apoio massificado da mídia. O povo fazia fila para comprar a capitalização da
Delfin, e chegamos a ter 6 milhões de títulos ativos.” 146
Valendo-se do hibridismo de um produto que prometia, além das virtudes da caderneta de poupança e dos títulos tradicionais, a capitalização experimentou uma boa fase de crescimento no início da década de 80. Conseguiu
registrar um aumento no volume de suas receitas, que passam de R$ 82,36 milhões em 1979 para R$ 104,36 milhões em 1980. E depois de um ano de recuo,
em 1981, quando cai para R$ 97,617 milhões, retoma uma trajetória boa, para
registrar uma receita global de R$ 178,10 milhões em 1982, recuando para R$
160,81 em 1983, e novamente avançando para R$ 167,48 milhões em 1984,
com nova queda em 1985: receita global de R$ 139,05 milhões. 147 E tudo isso,
apesar do chumbo grosso com que inflação vinha atingindo as economias familiares, os pequenos poupadores, que eram sua clientela-alvo.
As sociedades de capitalização mais tradicionais preservavam os resultados, de sua atividade, mantida a salvo da propaganda assumidamente apelativa. Já as empresas oriundas do crédito imobiliário apresentavam, no início da
década de 80, uma participação apenas modesta no setor. Em 1981, por exemplo, funcionavam quatro empresas oriundas da poupança e do crédito imobiliário: Delfin (ex-Cruzeiro do Sul), Haspa (ex-Internacional), Residência (exKosmos), e Letra (ex-Colúmbia). E a soma da receita de prêmios das quatro,
Cr$ 1,470 bilhão, era pouco mais que a produção de uma única empresa, a
Nacional Capitalização, que nesse ano nesse ano auferiu Cr$ 1,412 bilhão.
Havia, por parte das demais empresas, uma certa resistência a admitir
que o conceito clássico do título de capitalização fosse contaminado pelas novas formas apresentadas pelos títulos das sociedades que procuravam, intencionalmente, aproximá-los da caderneta de poupança. Além do zelo, no sentido de preservar uma boa instituição cujas linhas mestras haviam atravessado
mais de um século na França, e meio século no Brasil, as empresas tradicionais
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viam com muita clareza o quanto era arriscado a capitalização manter esse parentesco declarado com a caderneta de poupança.
O receio se tornaria ainda mais fundado em 1982, quando o modelo
econômico brasileiro já fazia água, em ambiente de inflação muito alta, que
tornava a captação de depósitos à vista para aplicação a longo prazo em construção imobiliária uma atividade de alto risco. Enquanto, porém, a captação
líquida era positiva (depósitos superiores a saques) e a inadimplência dos mutuários mantida a noiveis razoáveis, o sistema conseguia proporcionar crescimento e reproduzir as bases do seu equilíbrio” – assinala José Bezerra Cavalcanti,
em artigo publicado em 1985. 148
Entretanto, com o agravamento da crise e o surgimento de suas conseqüências mais dramáticas - o declínio da renda e o aumento do desemprego –
acabaria por afetar a entrada de recursos nas sociedades de crédito imobiliário;
igualmente sacrificadas pelo aumento dos saques nas cadernetas e pela inadimplência dos mutuários, que já não conseguiam manter em dia suas prestações.
Resultado? Crise no sistema de crédito imobiliário, e descrédito e quebradeira
nas sociedades de capitalização ligadas a essa atividade.
No curto espaço de tempo, de janeiro de 1983 a setembro de 1984, duas das quatro companhias de capitalização que eram ligadas ao crédito imobiliário (Delfin e Haspa) entraram em processo de liquidação extrajudicial, e as
duas outras (Residência e Letra) tiveram que transferir seu controle acionário
aos grupos Bradesco e Bamerindus.
Segundo Bezerra Cavalcanti, a causa essencial dos problemas que teriam levado essas empresas ao desenlace teria sido seu vínculo societário com as
sociedades de crédito imobiliário, “abaladas em conseqüência de má administração financeira, exígua margem de ação (delimitada pelo porte relativamente
pequeno de cada uma), e da crise de liquidez que sobre elas se abateu, originada pela drástica redução do fluxo de recursos que as mantinha em equilíbrio”. 149 .
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Tanto quanto as razões de natureza puramente econômicas e de conjuntura, somavam-se, na raiz da crise de confiança que abalou o prestígio dessas sociedades de capitalização e as levou à quebradeira, o tipo de publicidade
usada para atribuir à capitalização apelos que não correspondem ao desenho
clássico desse tipo de negócio.
“O que realmente mais contribuiu para gerar mal entendidos e criar expectativas falsas de retorno foram, sem dúvida, peças publicitárias utilizando
uma linguagem que, premeditadamente ou não, insinuava uma identificação
entre títulos de capitalização e caderneta de poupança.”– assinala Bezerra Cavalcanti. “A mais evidente prova dessa política de comunicação foram as tentativas de rebatizar o produto: Poupalização (Delfin) e Poupança Premiada (Haspa).
O termo depósito passou a substituir o termo mensalidade, ou prêmio mensal até
nos contratos (Condições Gerais), como aconteceu com a ex-Residência Capitalização, cuja antecessora legal, a Kosmos Capitalização, chegou a imprimir
Plano de Poupança Programa nos carnês dos seus títulos, enquanto outra companhia, com indisfarçável dubiedade, denominava seu carnê Caderneta de Capitalização.” – conclui. 150
Em meio à crise dessas empresas ligadas às sociedades de crédito imobiliário, que confundiam o consumidor comum, a capitalização brasileira demonstrou que tinha vigor e credibilidade ainda suficiente para mantê-la no
bom caminho do crescimento. Nos primeiros anos da década de 80, a densidade de penetração dos títulos, medida em moeda atualizada, evoluiu de R$0,88
por habitante em 1980 para R$ 1,05 em 1985. O volume de prêmios, também
atualizado, subiu de R$ 104,36 milhões em 1980 para R$ 139,05 milhões em
1985, tendo atingido picos intermediários de R$ 178 milhões em 1982 e R$
167,48 milhões em 1984. 151
Também cresceu o volume de reservas técnicas, passando de R$ 131,40
milhões registrados em 1980 para R$ 229,72 milhões em 1985, com avanços e
recuos intermediários: queda para R$ 133,51 milhões em 1981, avanço para R$
190,43 milhões em 1982, novo crescimento para R$ 230,911 milhões em 1983,
e novo recuo para R$ 229,193 milhões em 1984. Importante anotar que a par-
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ticipação da capitalização no PIB brasileiro manteve-se em rota ascensional,
registrando 0,03% em 1983 e 1984, contra 0,02% do início da década. 152
Da mesma forma que a história da capitalização no Brasil na década anterior havia sido marcada pelo ingresso das sociedades ligadas ao crédito imobiliário, na década de 80 foi a vez do ingresso de dois grandes conglomerados
financeiros, Bradesco e Bamerindus. No espaço de seis meses, entre maio e
novembro de 1984, esses dois gigantes do setor financeiro vieram juntar-se ao
pioneiro Nacional, que desde julho de 1979 já atuava no mercado, com a carta
patente adquirida à Soberana em 1970. A Bradesco daria início à comercialização de seus produtos em janeiro de 1985; Bamerindus começaria em julho do
mesmo ano.
De imediato, a presença de grupos financeiros de tal porte e credibilidade provocou no mercado uma boa reversão de expectativas, em relação dos
abalos sofridos no início da década. Responsáveis pela introdução do débito
em conta corrente, que permitira a queda no nível de inadimplência no pagamento de mensalidades, e pela utilização de uma rede de pontos de negócios
que, finalmente, passava a cobrir a totalidade do território nacional, Nacional,
Bradesco e Bamerindus promoveram uma verdadeira revolução no mercado. E
abriram espaço para novas iniciativas, como a da Sul América, ao firmar acordo
operacional com o Unibanco, para a colocação dos títulos da mais antiga empresa de capitalização em funcionamento no Brasil através das agências da União de Bancos Brasileiros.
O mercado tinha consciência de que havia um potencial de vendas imenso e então inexplorado. Uma pesquisa feita na época dava conta da existência de um potencial presumível para colocação de 60 milhões de títulos, que
até então não havia sido trabalhado, exatamente por falta de uma rede de postos, como a que passava a existir, que cobrisse todo o território nacional. Sabiase, por exemplo, que apenas 1,7% das populações do Rio e de São Paulo participavam da capitalização, e que pelo menos 20% das pessoas eram detentoras
de mais de um título.
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Isto é, a capitalização ainda praticamente não constava do menu de
serviços financeiros da população, mesmo nos grandes centros. E os grupos
financeiros, contando com suas redes de agências, popularizaram os pontos de
vendas da capitalização e apresentaram resultados quase que imediatos. E as
demais empresas, agora estimuladas pela concorrência e pelas dimensões novas
prometidas pelo mercado, partiram para o lançamento de novos produtos.
Todo o mercado começou a fazer as contas do que devia ser um grande ano em suas vendas. Falava-se na possibilidade da colocação de 1,5 milhão
de títulos e uma receita de prêmios em torno de Cr$ 225 bilhões, o que representaria um aumento nominal de 400% na receita de prêmios em relação a
1984. A Liderança lançou um plano a prazo. A Sul América, um novo produto
à vista. A Nacional deu início a uma campanha publicitária destinada a levar a
capitalização para fora do eixo Rio-São Paulo, onde se concentrava. A Bradesco estabeleceu a meta de colocação de 600.000 títulos em 12 meses.
Mas não foi exatamente o que aconteceu pois 1985, que entraria para a
história como o ano da esperança, acabaria por se tornar uma passagem de dor
na vida política do país. Tancredo Neves, eleito presidente da República pela
via ainda indireta, com 480 votos que lhe foram dados pelo Colégio Eleitoral,
contra 180 atribuídos a Paulo Maluf, devia ter inaugurado a nova era da redemocratização. Mas, internado às pressas no Hospital de Base, em Brasília, com
problemas intestinais, acabaria transferido para São Paulo onde viria a falecer.
José Sarney o substitui para governar um país aparentemente ingovernável, cuja inflação medida, naquele ano, pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor, atingira a maior marca anual da história da economia brasileira:
239%.
A inflação vitimava a sociedade e suas instituições. E uma de suas vítimas foi a Capitalização, que não teve como confirmar as boas expectativas das
empresas. A tão esperada receita recorde de prêmios (aumento nominal de
400%!) não se confirmou, e acabou apresentando queda: em valores atualizados para reais de 1998, passou de R$ 167,48 milhões em 1984 para R$ 139,05
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em 1985, fazendo com a participação do capitalização no PIB recuasse, mais
uma vez, de 0,03% do ano anterior para 0,02%, levando consigo o índice que
mede a densidade per capita, que recuou de R$1,30 por habitante em 1984 para
R$1,05 em 1985. 153
De alguma forma o mercado já intuía que as transformações institucionais ocorridas, com a entrada dos grandes conglomerados financeiros na
capitalização, tinha frutos em fase de amadurecimento, e que poderiam aparecer em ambiente menos alarmado pela inflação.
Durante a campanha eleitoral, Tancredo Neves havia prometido a seus
eleitores indiretos, o povo, que acordaria com a nação um pacto social que
harmonizasse duas variáveis que pareciam antagonizadas: a recomposição do
poder de compra dos salários, e a redução das taxas de inflação. E Francisco
Dorneles, Ministro da Fazenda dos primeiros meses do governo de José Sarney, procurou caminhar no sentido do pacto, ao adotar como forma de combater a inflação uma política fiscal dura, baseada em um corte de 10% do orçamento para 1985, e um congelamento de preços a partir do mês de abril desse
ano.
A inflação pareceu dar sinais de fraqueza. Caiu artificialmente de 12,7%
em março para 7,2% em abril, em conseqüência de um adiamento do reajuste
em alguns preços por atacado, de produtos que se refletiam na composição
final do Índice Geral de Preços. Mas assim que tais preços foram descomprimidos, a partir de junho, a inflação voltou com vigor novo, saltando de 8,9%
em julho para 14% em agosto. Trocou-se o ministro. Saiu Francisco Dorneles
e entrou Dílson Funaro. Manteve-se um tratamento ortodoxo ao problema da
inflação. Em novembro a inflação dá mais um pulo: 15%. E em janeiro, medida pelo IPCA, 16,2%.
O governo já não tinha mais dúvida. A solução era um tratamento de
choque. No dia 28 de fevereiro de 1986 foi lançado o Plano Cruzado, com
moeda nova e preços congelados por tempo indeterminado, com base nos
níveis de consumo do dia 27 de fevereiro.
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O país assistiu a algumas cenas curiosas – como a do fiscal-cidadão que
fechou um supermercado, via-Embratel, à vista de toda a população brasileira,
dizendo agir “em nome do Presidente Sarney” – e uma esperança meio desnorteada.
A capitalização, beneficiada por uma trégua no descontrole de preços
que era sonhada desde 1929, quando aportou no Brasil, finalmente teve um
ano de relativa paz. Havia um padrão fixo de moeda. Estabilidade. E embora
frágil, foi o suficiente para dar à atividade as condições indispensáveis a seu
crescimento. Sobe espetacularmente o volume de receitas da capitalização,
medido em valores atualizados para reais de 1998: R$ 375,039 milhões, contra
R$ 139,054 milhões do ano anterior. A participação no PIB finalmente sobe do
patamar histórico de 0,02% para 0,05%, e a densidade per capita mais do que
dobra, passando de R$ 1,05 em 1985 para R$ 2,78 em 1986!
A boa vontade do Presidente Sarney, e o messianismo do Ministro Dílson Funaro pareciam ter salvado o Brasil. Nesse ano bom, de saudosa memória
para o povo, as vendas cresceram 22,8%, a produção de bens de consumo duráveis (o plano da tão esperada geladeira nova) subiu 33,2%, a taxa de desemprego caiu de 4,4% em março para 3,8% em junho, e os salários apresentaram
um ganho real de 12% desde fevereiro. Com mais dinheiro e menos preço, o
povo começou a comprar. O consumo excessivo deu nascimento à prática do
ágio, na carne, no leite, nos brinquedos e nos eletrodomésticos. A inflação começava de novo a mandar recados. Tentou-se um “Cruzadinho”. Tentou depois um Plano Cruzado II. Disparou-se o primeiro “gatilho” na correção dos
salários. E não se parou mais. Ao comemorar seu primeiro aniversário, o Plano
Cruzado morreu. No dia 27 de fevereiro de 1987, data em que o controle dos
preços foi abolido e a correção monetária voltou a ser praticada como indexador mensal de preços e rendimentos. 154
Com a morte do Cruzado, a inflação tomou conta: 21% no mês de abril, decretando a queda do Ministro Dílson Funaro, substituído por Luis Carlos Bresser Pereira.
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Com a troca de comando na Fazenda o governo põe em execução um
novo plano de estabilização econômica, o Plano Bresser, fundamentado no
congelamento de salários e preços por três meses, recomposição de tarifas e
dos preços do pão, leite e combustíveis, e adoção de um indexador nos salários, a Unidade de Referência de Preços – URP. A moeda, ainda cruzado, sobre uma desvalorização de 9,5%, e a partir daí tem início um processo de minidesvalorizações diárias, impondo-se aos contratos financeiros uma tabela, diariamente ajustada, para deflação de valores.
Para salvar o mercado de um afogamento geral nas ondas revoltas da
inflação, as empresas partem para a criatividade do lançamento de novos produtos, que procuravam oferecer melhores perspectivas aos investidores. “Apesar do dinamismo empregado, não houve como manter o título, que devido à
acelerada deflação da moeda deixou de ser atrativo financeiro ao investidor” –
esclarece uma das empresas mais atuantes na época, a Liderança, em trabalho
onde é apresentada a origem e transformações da capitalização. Mudavam
também as práticas de comercialização, como a venda de porta-a-porta então
praticada pela Liderança, que começou a se revelar ineficaz, por ter-se tornado
dispendiosa. 155
Um dos produtos de boa aceitação na época trazia a marca registrada
de um dos introdutores de novos conceitos ligados à capitalização, Luiz Martiniano. Com a quebra da Delfin havia se transferido para a Bamerindus Capitalização, sociedade ligada ao banco de mesmo nome, que dispunha de uma rede
de 800 agências para a comercialização de seus produtos. Além do título convencional, o TC Bamerindus, a empresa havia lançado, em 1986, o Coop-Cap
Bamerindus, que consistia basicamente na entrega de uma carta de crédito ao
adquirente para a aquisição de bens. “Com o Coop-Cap, Cooperação de Capital, que se tornou o nosso carro-chefe, vendemos um bocado de caminhão,
ônibus, casa” – relata Luiz Martiniano. “E deu uma confusão que não tinha
mais tamanho. Os consórcios se rebelaram, houve até comissão parlamentar de
inquérito. Mas chegamos a ter mais de 11 milhões de títulos no Bamerindus.Fiz
uma coisa no Bamerindus que ninguém depois ninguém repetiu: pagar décimo
terceiro salário com capitalização. O empresário que fizesse um TC, além de
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ter uma taxa de juros mais barata no banco, acumulava dinheiro com a capitalização, e quando chegava em novembro já tinha o dinheiro para pagar o décimo
terceiro.a seus funcionários.” 156
A população, que passa a conviver com inflações altas, afasta-se provisoriamente da capitalização que, como não podia deixar de ser, é atingida frontalmente pelo fim do Plano Cruzado. O volume de prêmios recua mais de
160% em 1987, caindo de R$ 375,039 milhões registrados no ano anterior para
R$ 142,817 milhões. Há uma drástica redução no volume das reservas, que
recua de R$ 348,481 milhões registrados em 1986 para R$ 131,196 milhões em
1987. A participação da capitalização na formação do PIB, que na bolha temporal tão promissora do cruzado chegara a 0,05%, novamente recua para a
marca persistente do 0,02%, levando nessa queda a densidade per capita, que cai
de R$ 2,78 registrados no ano feliz de 1986 para R$ 1,04 em 1987. Menos da
metade dos meses de euforia do Cruzado! 157
No dia 26 de maio de 1987 a Susep tornou pública a Resolução CNSP
09, que facultava a inserção de cláusula de reajuste vinculado à variação do
valor nominal das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional nos contratos
de seguro. A partir de então passa-se a corrigir monetariamente o valor da importância segurada, a indenização de sinistro, recuperação de cosseguro, de
resseguro e de retrocessão, além das provisões técnicas.
Grande conquista da atividade seguradora, a indexação dos contratos
era medida prefigurada no corpo do Decreto-lei 73, e desde 1966 esperava
regulamentação, a correção monetária foi entusiasticamente saudada por uns
como medida de salvação, por outros, colocada sob suspeita, na medida em
que sua inexistência, no sistema anterior, aparentemente beneficiava as seguradoras, que recebiam prêmios à vista, aplicavam os recursos, e mantinham fixo
o valor da importância segurada e, em caso de sinistro, indenizavam por valores históricos. O que parecia um bom negócio.
Fosse boa medida ou ruim, mais uma vez a capitalização era deixada de
lado na regulamentação de matéria que era de seu interesse. A capitalização
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continuou a esperar a regulamentação anunciada do Decreto-lei nº 261/67, e
quanto à correção monetária, algumas empresas a praticavam por analogia fundada na Lei 4380/64.
Enquanto não vinha essa regulamentação tão desejada, o país foi brindado com uma importante conquista que abrangia a todos, e particularmente
afetava os segmentos de atuação econômica, entre os quais a capitalização.
Entre fevereiro de 1987 e outubro de 1988, deputados federais e senadores
vinham-se reunindo em Assembléia Nacional Constituinte, para elaborar e
discutir a nova Carta de direitos, que ampliaria todos os conceitos de cidadania
e fortaleceria as liberdades públicas no Brasil.
O mercado segurador, e dentro dele a capitalização, mantinha-se na
expectativa de que, além dos aspectos gerais dos atributos e do exercício da
cidadania, a nova Constituição modernizasse as relações entre a produção, os
agentes econômicos e a sociedade brasileira. Aguardava um bom desenho para
o capítulo que tratava da Ordem Econômica e Social. Esperava que se resolvesse em definitivo as incertezas acumuladas ao longo das décadas, desde a
Constituição de 46, em torno da questão que lhes era tão essencial: a presença
do Estado no domínio econômico. Além de outras, que interessavam mais
particularmente à atividade seguradora propriamente dita, como a quebra do
monopólio do resseguro mantido pelo IRB desde os tempos de Vargas, o retorno do Seguro de Acidente do Trabalho à iniciativa privada. Mas estas eram
questões que interessavam apenas ao seguro. Havia, ainda, questões mais substantivas, que ganhavam destaque e despertavam o interesse das sociedades de
capitalização, figurava a possibilidade de se acabar com as cartas-patentes para
que as pudessem operar no Brasil.
E foi mais ou menos isso que aconteceu. A nova Constituição, promulgada e publicada no Diário Oficial da União no dia 5 de outubro de 1988 representou, pelo menos do ponto de vista regulamentar, uma conquista de status para a capitalização. Pela primeira vez em um texto constitucional, no Art.
Art.192, II, foi inserido o termo capitalização. E mais, ao dispor que será regulado em lei complementar o processo de autorização e funcionamento dos esta-
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belecimentos de seguro, previdência e capitalização, a nova carta constitucional
estabeleceu, pelo § 1º desse mesmo Art. 192, que a
“autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e instransferível,
permitida a transmissão do controle de pessoa jurídica e concedida
sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional,
a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada,
e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento”. 158
Na prática, extinguia-se o sistema de Carta Patente criado com a primeira sociedade de capitalização no Brasil em 1929. Manteve-se a expectativa
da norma que devia fixar o capital mínimo fixar o capital mínimo para autorização de funcionamento. 159
Um mês após a promulgação da Constituição Federal, o mercado reuniu-se no Rio de Janeiro para a realização da 13ª Conferência Brasileira de Seguros Privados e de Capitalização, para discutir as questões relacionadas com o
“Desenvolvimento do mercado de seguros: o papel da iniciativa privada e do
Estado”..
Vinha em boa hora essa discussão. Vivia-se, ainda, a emocionalidade de
acontecimentos recentes que se refletiam no comportamento das empresas e
do próprio mercado, ora atraído, ora afastado da capitalização por questões de
conjuntura. Era preciso tomar consciência e aprofundar algumas discussões, de
temas ainda crepitantes, como o Plano Cruzado, a correção monetária, e questões mais antigas, como a regulamentação do Decreto-Lei 261/67, ainda esperada pelo mercado.
O presidente da Fenaseg, Sérgio Ribeiro, discursando na ocasião conclamava o mercado a se envolver na discussão de sua atividade. “Não utilizamos toda a capacidade do setor. Há um grau de ineficiência no mercado que
precisa ser superado através de maior agressividade, um marketing melhor e a
criação de novos produtos. Vamos definir a participação do Estado e das em-
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presas privadas no mercado. E discutiremos a falta de liberdade que ainda existe nas aplicações das reservas técnicas das companhias”. 160
Fazendo eco a essas preocupações, no ano seguinte o Superintendente
da Susep João Régis Ricardo dos Santos submeteria à audiência pública um
projeto de norma com 80 artigos, destinado à reestruturação geral do mercado,
à regulamentação do Art. 192 da Constituição e à substituição do Decreto-Lei
73. A Fenaseg apresentou proposta alternativa mais enxuta, com 39 artigos e
um objetivo definido claramente por seu presidente, Rubens dos Santos Dias:
facilitar o trabalho dos legisladores na abordagem dos princípios básicos que
devem nortear a atividade das seguradoras e demais entidades participantes do
mercado.
Entre elas, as sociedades de capitalização, que deveriam esperar ainda
alguns anos para verem regulamentada sua atividade.
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Capítulo Dez
No ano de 1990 vamos encontrar sete sociedades operando no país Sul
América Capitalização S.A., Aliança da Bahia Capitalização S.A., Bamerindus
Capitalização S.A. (ex-Letra S.A. Capitalização), Bradesco Capitalização S.A.
(ex-Residência Capitalização S.A.), Nacional Cia de Capitalização, Liderança
Capitalização S.A. e Financial Cia de Capitalização (pertencente ao Grupo Bamerindus).
A produção do setor desde 1981 vinha experimentando um crescimento firme, intervalado apenas duas vezes. Em 1985, quando o país vivera a emoção da mudança de modelo político do governo militar do General João Batista
Figueiredo para o sonho de curtíssima duração da Nova República de Tancredo Neves, e caíra na crise de governabilidade que resultara na sucessão de planos econômicos.
Nesse ano de 1985, quando a inflação atinge 239,05%, a produção das
sociedades de capitalização cai de R$ 167,48 milhões registrados em 1984 para
R$ R$ 139,05 milhões. Vive no ano seguinte, do Plano Cruzado, um espasmo
de prosperidade, e sobe para R$ 375,03 milhões em face de uma inflação de
62,36%. Novamente cede em 1987, caindo para R$ 142,81 milhões diante de
uma inflação anual de 365,96%. Vive novo espasmo de crescimento, subindo
para R$ 314,01 milhões, em presença da já monstruosa inflação de 933,60%
em 1988. E fecha a década como começara, caindo para R$ 196,95 milhões,
joelhos dobrados diante da inclemência de uma inflação absurdamente alta:
1.764,80% em apenas um ano! 161
Em 1990, quando a inflação mensal registrada em fevereiro já chegara a
85%, o país vive mais uma vez o sonho curtíssimo de pouco mais que alguns
dias e algumas noites de verão. No dia 15 de março toma posse o governo do
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impetuoso Fernando Collor, saudado com pavoroso entusiasmo pelo povo que
dizia já não agüentar mais tamanho sofrimento nas garras do monstro ruim da
inflação e, boquiaberto, assiste à implantação do mais radical de todos os planos de estabilização econômica até então conhecido, o Plano Collor. Com ele,
escancara-se o mercado às importações, tem início um desmonte até então
nunca visto da máquina empresarial do Estado, e cria-se moeda nova, reinstituindo o velho Cruzeiro (Cr$) de tão boas memórias.
A inflação mensal, que em março ainda pairava na estratosfera de
82,18%, imediatamente recua para 14,67% em abril, e 7,31 em maio. Para segurá-la o governo adota a medida alucinada do confisco de ativos monetários,
que isentou apenas as contas públicas. Esse choque na liquidez representou o
bloqueio de ativos calculados em US$ 110 bilhões, e apresentava um objetivo
definido pela poderosa Ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello: acabar
com a especulação em estoques de mercadorias e operações financeiras. Tudo
para impedir que a indústria nacional forçasse os preços, o que poderia provocar o estouro geral da economia, o governo manteve a aposta firme nas importações.
Nutrida pelo déficit público, e por algumas contradições do modelo
novo de governar, que comportava o combate à corrupção em alguns setores,
e a leniência com os corruptos articulados em esquema de rapina dentro do
próprio poder, a inflação gradativamente ganhava fôlego novo. Voltava aos
poucos aos patamares antigos: 12,62% em julho de 1990, subindo em setembro para 14,26%, chegando a 16,14% em dezembro, com um acumulado anual
de 1.585,18.
A capitalização, mesmo encurralada pela inflação e desafiada pela competição de outros ativos que se mostravam mais protegidos, ainda assim conseguiu crescer em 1990. Sua produção chegou a R$ 294,368 milhões, com crescimento real de 30% sobre o ano anterior, e sua participação relativa na formação do PIB finalmente deixa para trás a estaca de 0,02%, chegando a 0,03% em
1990, de onde saltaria para 0,05 em 1991 e dando início a um ciclo de crescimento consistente, que se mantém até o momento.
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Em fevereiro de 1991 o governo Collor abandona a política de golpes
bruscos na economia, ao empossa Marcílio Marques Moreira no Ministério da
Economia, Fazenda e Planejamento, em substituição à até então todopoderosa Zélia Cardoso. A mudança de comando, que dava início ao Plano
Collor II, inaugurando nova fase de congelamento de preços e salários, acompanhado de forte elevação nas tarifas públicas.
Foi tentada, mais uma vez, a desindexação da economia, pela edição da
Lei 8.177, de 1º de março de 1991, pela qual era criada Taxa Referencial, TR,
imagina para funcionar como uma espécie de libor brasileira, que flutuaria de
acordo com a inflação futura.
No texto repetitivo e de fôlego cumprido do Art.29 a Lei de desindexação estabelecia que as “entidades de previdência privada, as companhias seguradoras e as de capitalização são equiparadas às instituições financeiras e às
instituições do sistema de distribuição do mercado de valores mobiliários, com
relação às suas operações realizadas nos mercados financeiro e de valores mobiliários, respectivamente, inclusive em relação ao cumprimento das diretrizes
do Conselho Monetário Nacional quanto às suas aplicações, para efeito de
fiscalização do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários e
da aplicação de penalidades previstas nas Leis 4.595, de 31 de dezembro de
1964, e 6.385, de 7 de dezembro de 1976”. 162
Curiosamente, a lei equiparava as sociedades de capitalização às instituições financeiras, submetendo-as à Banco Central e CVM quando atuassem no
mercado de valores. De certo modo, a capitalização era levada para um campo
institucional por onde algumas empresas (Letra, Residência, Haspa e Delfin),
oriundas do crédito imobiliário, andaram incursionando na década anterior
numa zona cinzenta que as aproximava operacionalmente das cadernetas de
poupança. Estas, sim, instituições financeiras.
A desindexação, com a criação da libor brasileira (TR), chegou a fazer
cócegas na inflação, que deu sinais explícitos de fraqueza no mês de abril de
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1991 (5,01%) e maio (6,68%), mas novamente retornou, impávida, sua caminhada de destruição. Em junho subiu para 10,83%, em agosto já estava em
15,62%, e em novembro já retornava a um patamar alarmante: 26,48% em
apenas um mês.
A capitalização resistia bem à inflação e produziu R$ 378,34 milhões
em 1991, com volumes de reservas que ascendiam a R$ 347,582 milhões. Sua
participação no PIB, ao cravar nesse ano 0,05, preparava o terreno para avanços ainda maiores nos anos seguinte, e o que era mais significativo, em 1991 a
densidade da capitalização passa de R$2,57 por habitante. 163
No dia 3 de dezembro a Susep torna pública a Resolução CNSP 15/91,
que contém normas reguladoras das operações de capitalização. Tratava-se,
finalmente, de um minucioso regulamento da atividade no país, analiticamente
alongado ao longo de 73 artigos e vinha, finalmente, preencher os claros normativos deixados pelo até então vigente Decreto-Lei 261/67. Repetiam-se os
termos em que esse DL havia definido as sociedades de capitalização, e logo
no Art.2º eram explicitadas as propostas do Estado com o controle sobre a
atividade: proteger o consumidor, promover a expansão do mercado e o aperfeiçoamento das sociedades de capitalização, zelar pela liquid3ez do sistema,
inserir a política de capitalização na moldura mais ampla das políticas econômicas do governo, e estimular a livre concorrência. 164
A Resolução 15/91 consagrava, em regulamento, o fim das cartas patentes já previsto na Constituição de 88. Definia, em seu Art.4º, item II, que
caberia ao CNSP estabelecer os critérios para constituição e funcionamento das
sociedades de capitalização. Pelo Art. 5º, caput e item I, explicitava a delegação
legal à Susep do papel de órgão executor da política de capitalização traçada
pelo governo, e de fiscalizador da constituição e funcionamento das empresas.
Pelo menos um artigo da Resolução suscitou nos empresários a certeza
de que estavam diante de uma norma que definia campos de atuação econômica, entre iniciativa pública e privada: o Art.14, que vedava a autorização para
sociedades controladas, direta ou indiretamente, por pessoas jurídicas de Direi-
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to Público. Isto é, o Estado atuaria nos limites de seu poder regulamentar, mas
delegava à iniciativa privada a atuação institucional no mercado.
A capitalização brasileira sentiu-se diante de um tratamento mais de acordo com o porte de seus negócios, que nesse início de década já sinalizava
com promessas de crescimento até então inéditas.
Desde sua fundação em 1951 a Fenaseg (que então era conhecida como FNESPC) se constituíra em órgão de representação das empresas de seguros privados e de capitalização. Em raros momentos, entretanto, a entidade
assumira diretamente a efetiva defesa das sociedades de capitalização, que atuando sempre em número significativamente mais reduzido que o das seguradoras e sem grandes problemas corporativos, demandavam pouco mais que um
ambiente econômico favorável a seu funcionamento. Era o que a histórica
contemporânea do país vinha mostrando.
No dia 6 de maio de 1992 essa quase invisibilidade da capitalização na
pauta de assuntos corporativos da Fenaseg começou a mudar. Nessa data, em
Brasília, ao tomar posse como presidente da entidade, João Elisio Ferraz de
Campos, explicita em discurso o que devia ser esperado da atuação governamental e da própria atividade seguradora, entendida esta em seu sentido mais
amplo, que abrangia, além do seguro, a capitalização e a previdência complementar aberta.
Ao Estado, segundo João Elisio, cabia a partir de então “refluir dos
amplos espaços hoje ocupados para posições que lhe permitam realizar plenamente as missões políticas, econômicas e sociais que lhe são essenciais e intransferíveis, consagradas na Constituição”. À Fenaseg caberia assumir, entre
outras, as bandeiras da modernização atividade seguradora, resumida pragmaticamente numa política de três ddd: desregulamentação, descentralização e desestatização. 165
Os três ddd, no que diz respeito especificamente à capitalização, desdobrados em propostas de atuação concreta da Fenaseg, deviam se refletir em uns
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poucos pontos básicos. Devia buscar a eficiência econômica entendida como
fonte de progresso socialmente justo; aumentar o nível de informação como
forma de ampliar o mercado e sua participação no PIB; trabalhar para a redução do excesso regulatório que possa prejudicar a atividade, e pela maior autonomia e flexibilidade na realização dos investimentos das reservas técnicas.
Com o discurso de intenção de trabalho, João Elisio divulgou, no ato
de sua posse, uma “Carta de Brasília”, documento que interpretava o pensamento do empresariado, definia responsabilidades e propunha diretrizes de
atuação. A “Carta” repercutiria dois meses depois, na edição de um programa
com objetivos de modernidade, o “Plano Diretor do Sistema de Seguros, Capitalização e Previdência Complementar”, lançado em ação conjunta pelo Secretário de Política Econômica, Roberto Macedo, IBR e Susep.
No que diz respeito à capitalização, João Elisio procurou dar conseqüência administrativa às propostas desenvolvimentistas constantes de seu
discurso de posse e da “Carta”. Assim, no dia 27 de julho de 1992, por decisão
tomada em reunião da diretoria da Fenaseg, determinou que fosse reativada a
Comissão Especial de Capitalização, cuja existência, prevista nos estatutos,
havia sido testada no passado, sem grandes resultados visíveis.
Esta medida atendia sugestão de Oswaldo Mário Pego de Amorim Azevedo, da Sul América. Até então, as cinco empresas de capitalização congregavam-se através da Abecap – Associação Brasileira de Empresas de Capitalização, e promoviam reuniões em restaurantes. Com o novo papel que se esperava da capitalização, o reaparecimento da comissão foi então justificado por
Luiz Mendonça, assessor da diretoria: “O Plano Diretor há pouco lançado pelo
governo, não é só de seguro, mas também de capitalização. Há um longo caminho a percorrer, exigindo soma de esforços”.
De fato, havia um longo caminho esperando o funcionamento da Comissão de capitalização. Tomou posse como seu primeiro presidente o representante da Sul América Capitalização, economista Sérgio Alfredo Diuana, para
o mandato 1992-1995. Foi substituído, para o segundo mandato, 1995-1998,
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pelo diretor da Itaú Capitalização, Edelver Carnovali. Para o mandato 19981999 foi escolhido presidente o diretor da Sasse (Caixa Econômica Federal),
Valdery Frota de Albuquerque. Para o quarto mandato, iniciado em 1999, extendendo-se até 2002, foi escolhida a diretora da Real Capitalização, Rita de
Cássia Rebelo Batista Môço.
Desenhava-se no Brasil uma boa moldura para o desenvolvimento, em
bases empresariais mais modernas, de toda a atividade de seguros, previdência
complementar e capitalização. E, conseqüência ou coincidência, já em 1992 os
números da atividade da capitalização parecem responder às propostas da Fenaseg. Num ano em que a inflação atinge 1.149,06%, a atividade experimenta
seu mais forte crescimento anual desde os anos pioneiros: R$ 715,04 milhões
de receita de prêmios, mais de R$ 656,90 milhões em reservas técnicas; densidade de penetração do produto de R$ 4,79 por habitante, e pela primeira vez,
desde 1955, a participação no PIB ultrapassa o percentual de 0,10%.
Pode-se dizer que a primeira metade da década de 90 marca a fase inaugural de uma geração nova de produtos, que desde então revolucionou a
produção do setor.
Desde meados da década anterior o mercado, com a entrada de grandes conglomerados financeiros no mercado, as práticas de comercialização
vinham sendo modernizadas. A Bradesco Capitalização, que adquirira o controle da extinta Residência, havia lançado em 1985, primeiro ano de sua atividade, uma primeira série de 100.000 títulos de pagamento mensal, com correção monetária. Para chegar ao consumidor, utilizou-se do apelo de um astro do
vôlei brasileiro, Bernard, dentro de uma campanha - Jornada dos Milhões que fazia referência a uma jogada que tornara mundialmente conhecido esse
jogador:, o saque jornada nas estrelas.
Para a colocação dos títulos capitalização valeu-se da vasta rede de agências do Banco Bradesco, que se consolidava como a maior organização
bancária privada da América Latina, e já se achava presente em praticamente
todo o território nacional. O sucesso foi imediato. Vendas de 170 mil títulos
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em um mês, esgotando a primeira série e praticamente chegando ao final da
segunda.
Quatro anos depois, novamente inovando, a empresa lança um novo título que se tornaria campeão de vendas: Vida Nova Bradesco. Emitido em
séries de 635.628 títulos, utilizava nos sorteios, pela primeira vez no Brasil, os
números da Sena extraída pela Caixa Econômica Federal, saindo fora do sistema tradicional de números de loteria. Cada título era composto de 25 conjuntos de 6 dezenas, e a premiação atribuía ao ganhador 12.000 vezes o valor adquirido. Posteriormente esse valor seria distribuído em três prêmios, um de
6.000 vezes para o contemplado com a sena principal, e dois de 3.000, para a
sena anterior e a posterior.
Gradativamente a Bradesco Capitalização iria incorporando novas modalidades de títulos e novas formas de premiação, passando a assumir boa colocação no ranking brasileiro das sociedades emissoras. Respaldada na utilização de canais inéditos de vendas (como a recente negociação por internet e
Telebanco Bradesco), além de parcerias com empresas estimuladoras de vendas, a Bradesco Capitalização se tornaria a primeira empresa brasileira do setor
a conquistar o Certificado de Qualidade ISSO 9002, e classificação pela Standard & Poors na categoria “br AA”.
O Banco Itaú foi outro conglomerado financeiro que assumiu uma
presença pioneira na capitalização, ao entrar no mercado em outubro de 1991
com uma família de títulos, o PIC - Plano Itaú de Capitalização, que se tornaria
um dos campeões de preferência entre subscritores. Passados três anos de boas
vendas, em outubro de 1994 a Itaú Capitalização iria além, com o lançamento
de uma série especial de seu produto, que aliava, às características históricas do
título de capitalização, um apelo de cunho humanitário: o PIC Criança. 166
Esta série nova, cujos resultados financeiros seriam integralmente
transferidos ao Fundo das Nações Unidas para a Criança - UNICEF, torna-se
carro-chefe de uma ação que vinha sendo implementada pelo Itaú, o PROAC
Programa de Apoio Comunitário. Título de pagamento em 60 meses, com sor-
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teios semanais e mensais pela Loteria federal, sua comercialização era fortemente apoiada por campanha que o exporia a cerca de dois milhões de pessoas
por dia nos pontos-de-venda, além de mala direta a 500 mil clientes selecionados, e trabalho de motivação interna à venda do produto. Como reforço à credibilidade do PIC-Criança, a Itaú Capitalização implantou um programa de
informações periódicas aos clientes, sobre a aplicação dos recursos.
Em previsão que considerava ousada, a Itaú Capitalização imaginou colocar 70 mil títulos em um mês. Mas a vendas não deixaram sequer margem
para sonhos: mais de 140 mil títulos vendidos em 20 dias, e 8% dos adquirentes fizeram opção de doar parte de seus prêmios à UNICEF que recebeu, de
outubro de 1994 a julho de 1995, cerca de US$ 700 mil dólares em repasses da
Itaú Capitalização.
Tradicionalmente, capitalização era comercializada através de corretores, de bancos oficiais ou, durante certo tempo, nos balcões das cadernetas de
poupança. Mas em meados de 1991 surge no mercado um produto que revolucionar o sistema de vendas, por utilizar canais até então recusados pela ortodoxia da capitalização. Trata-se da Tele Sena, lançada pela Liderança, com as características de rápida liquidez, premiação elevada e investimento baixo, e que
se constituiu em aposta na popularização dos produtos da capitalização, que
passava a ser vendida em agências de correios, casas lotéricas, supermercados e
bancas de jornais. Mas esse produto foi pioneiro sobretudo em razão de utilizar
intensivamente a mídia, e em especial a televisão, tendo à frente de sua publicidade ninguém menos que o bem-sucedido apresentador do SBT, Silvio Santos. 167
Lançada em séries de 1 milhão, prazo de 12 meses e forma de pagamento único, a Tele Sena constitui como reserva matemática 50% do valor
pago na compra dos títulos, corrigida mensalmente pela TR. Prevê três possibilidades de sorteio: por pontuação, por prêmio instantâneo e pelas rodas da
fortuna. O sistema de premiação por pontos consiste em que cada título concorre com três independentes de 25 dezenas cada, selecionadas entre 1 e 50,
sendo 24 em quatro sorteios de seis números, respectivamente, e um sorteio
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das 26 dezenas restantes em uma quinta data. Vence quem acerta 25 números
ou acerta o menor número de dezenas.
Em seu lançamento, a Tele Sena estabeleceu prêmio de 66.667 vezes o
valor do título para quem teve 25 acertos e 6.667 vezes o valor para quem acertou menos. O prêmio instantâneo é igualmente de 6.667 vezes o valor do título, e na roda da fortuna é de 13.333 vezes. Nesta, é sorteado quem tiver o número impresso sob a denominação Roda da Fortuna com os seis algarismos
sorteados.
A Tele Sena apresentou expressiva performance em suas vendas. Estima-se que sua produção gerou vendas de US$ 32,7 milhões em 1991 e US$
179,6 milhões em 1992. Estima-se, também, que em quatro anos a Tele Sena
recolheu em impostos diretos e indiretos soma superior a US$ 50 milhões.
Seu modelo foi caprichosamente copiado, e em 1994 aparece um outro
campeão de Vendas que se beneficiava da mesma espécie de apelo mercadológico: o Papa Tudo. Parecido com o Tele Sena no tamanho da série (um milhão
de títulos), forma de pagamento, prazo de capitalização (12 meses), resgate de
50% do valor do título atualizado pela TR, o Papa Tudo diferia nas formas de
premiação, uma por ponto e outra por sorteio instantâneo. O cliente comprava
o título em bancas de jornal ou correios por R$ 3, e passado um ano metade do
valor podia ser recuperado com a correção da caderneta de poupança. 168
Durante as primeiras semanas os compradores concorriam a vos prêmios. Havia a premiação Vapt Vupt, que distribuía 16.666,667 vezes o valor do
título, e uma premiação por dezenas premiadas, que atribuía 76.666,667 vezes
o valor do título (após o pagamento de impostos). Ganhava quem acertava
mais e quem errava mais.
Nos temos áureos do Papa Tudo os sorteios, realizados na tevê, distribuíam casas, automóveis e eletrodomésticos. Contando com bom esquema de
publicidade, que usava o prestígio da apresentadora Xuxa, a Interunion chegou
a vender até 8 milhões de cartelas do Papa Tudo por mês, e a apresentar um
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faturamento anual de R$ 360 milhões. Curioso e inquietante é que cerca de
40% dos clientes não resgatavam seus títulos, por pensarem que tinham adquirido um tipo de rifa.
Em junho de 1996 a Susep decretaria a intervenção na Interunion Capitalização. Motivo? A empresa havia aplicado a maior parte de suas reservas
técnicas em ações com incentivos fiscais, emitidas companhias fechadas do
Nordeste, e comprometera parte dos recursos destinados ao resgate futuro de
cerca de 40 milhões de títulos.
Ainda na primeira metade da década de 90 a Sulacap, mais antiga empresa de capitalização do país, se renovaria com o lançamento de uma outra
família de títulos que representariam uma vertente nova na história comercialização do produto: o Super Fácil Sul América.
Idealizado, inicialmente, como empreendimento comum com a IBM do
Brasil, consistia em um título, com prestações corrigidas pelo IDTR (Índice
Diário da Taxa Referencial), que assegurava ao comprador, num prazo máximo
de 12 meses, a opção entre receber o valor aplicado em dinheiro ou microcomputadores IBM. Através do Super-Fácil, foram comercializados dois produtos IBM: o microcomputador PS/1 modelo K-b1 e o notebook Think Pad
modelo 350.
Em 1992 a Sulacap lançou, em parceria com a Philips, um título de
acumulação de capital destinado à compra de eletroeletrônicos. Posteriormente
estendeu a parceria a outras empresas, como a Semp Toshiba, PCI, Brastemp e
Cônsul. À medida em que se confirmavam as boas expectativas de aceitação
desses planos, a Sulacap desenhava novos produtos da família: Super Fácil Carro, para aquisição de veículo em até 60 meses, sem comprovação de renda e
sem consulta ao SPC ou Serasa. Super Fácil Aluguel de Imóvel, sem fiador e
sem burocracia. Super Fácil Moto, para compra de veículo sem análise de crédito e sem comprovação de renda. 169
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No dia 20 de outubro de 1995, a partir de uma associação entre o Banco do Brasil, Icatu Hartford, Sul América e Aliança da Bahia, nasceu uma sociedade que em pouco mais de um ano assumiria a liderança no mercado brasileiro: Brasilcap. O objetivo da nova empresa era atuar na capitalização, podendo comercializar outros produtos e serviços financeiros próprios do setor.
Nessa mesma data foi lançado o Ourocap PM 36, título que apresentava como
diferencial a devolução de 100% da aplicação do cliente em prazo de 36 meses.
Para conhecer o mercado e o comportamento do consumidor, a Brasilcap realizou uma pesquisa que abrangeu 600 clientes bancários de diversas
regiões do Brasil. Os resultados foram animadoramente surpreendentes. Mais
da metade dos entrevistados (56%) afirmou que já havia ouvido falar a respeito, mas pouco sabia sobre títulos de capitalização. Homens conheciam mais o
produto, e os títulos mais conhecidos eram a Tele Sena, o Papa Tudo e o TC
Bamerindus.
“Investimento para o futuro” foi a finalidade de compra citada por
34% dos respondentes. Metade dos entrevistados apontou a premiação como
principal atrativo para a compra. Essa resposta apareceu de forma mais significativa junto a quem possuía renda individual entre 10 e 15 salários mínimos
ao mês e entre os indivíduos de até 25 anos.
A atualização dos valores aplicados, a partir dos índices de poupança,
foi vista de forma satisfatória por cerca de 50% dos entrevistados. Para 23%
dos que não acharam satisfatório, o principal motivo foram os índices de correção da poupança, que não acompanhavam a inflação, devido aos juros baixos; cerca de metade afirmou que o seguro de vida era uma vantagem e um
fator de decisão para a compra; aproximadamente dois terços mostraram-se
satisfeitos em relação aos quatro primeiros prêmios. Apontavam como forma
mais confiável para o sorteio a vinculação aos resultados da Loteria Federal.
Considerou-se que o mercado de títulos de capitalização gozava de baixa credibilidade junto aos consumidores potenciais e , além disso, o nível de
conhecimento do produto também era baixo. Os valores dos títulos constituí-
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am fator de decisão de compra, de acordo com o poder aquisitivo de cada cliente. Sabia-se, no entanto, que grande parte das vendas era feita por insistência
dos gerentes e funcionários dos bancos, sendo poucos os casos em que o consumidor procurava o banco com a decisão de compra já tomada. A forma tradicionalmente usada nas campanhas publicitárias da capitalização induzia a
clientela a acreditar que, ao final do plano, receberiam 100% do valor que haviam investido.
De posse de um bom diagrama do mercado e das motivações do consumidor, a empresa definiu que o público-alvo do Ourocap seria representado,
basicamente, pelos clientes e usuários do Banco do Brasil, pertencentes às classes sociais A, B e C, num total de 5,4 milhões de correntistas. A meta de lançamento era vender 200 mil títulos nos primeiros 60 dias, a contar da data de
lançamento. Pretendia-se atingir 10% do faturamento bruto do mercado no
primeiro ano. Os preços foram determinados a partir de um conjunto de considerações: os dados obtidos na pesquisa, o retorno de capital esperado, os
custos operacionais e os recursos disponíveis. 170
Iniciada a comercialização do Ourocap através da rede de agências e
postos do Banco do Brasil, e o produto imediatamente tornou-se recorde de
vendas: entre novembro e dezembro de 1995 foram 500.000 títulos vendidos,
superando em 150% a meta prevista. Em 12 meses, 1.500.000 títulos, média de
130.000 por mês. No primeiro semestre de 1996, a Brasilcap assumiu a 6ª posição, com faturamento de R$ 185 milhões e participação de 9,6% no mercado
brasileiro de capitalização. Ao final desse mesmo ano, a empresa era a 4ª maior
do mercado, com 11,4% de participação e faturamento de R$ 574,2 milhões.
Em 1996 a Brasilcap decidiu associar à imagem de seu produto a idéia vencedora do vôlei brasileiro de praia, e passou a patrocinar atletas de projeção olímpica, e posteriormente associou sua imagem à do exemplaríssimo craque
Zico, símbolo de credibilidade. Em março de 1997 foi vendido o título
2.000.000. No fim desse ano, a Brasilcap assumia o primeiro lugar no ranking
brasileiro da capitalização.
Estava iniciada uma nova carreira de liderança no mercado..
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A capitalização brasileira encerrou o ano de 1993 apresentando um
crescimento firme sobre o exercício anterior: produção geral de prêmios da
ordem de R$ 843,66 milhões, contra os R$ 715,04 milhões registrados em
1992; reservas técnicas de R$ 766,41 milhões, contra R$ 656,90 milhões em
1992; densidade de R$ 5,55 por habitante, e participação de 0,11% na formação do PIB.
Números animadores. Mas podiam ter sido ainda mais expressivos, se a
capitalização não tivesse que conviver com um quadro inflacionário de gelar a
espinha: 2.489,11% de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor,
do IBGE, ou 2.087% pelo Índice Geral de Preços, da Fundação Getúlio Vargas. 171 E o ano de 1994 já iniciara com fôlego idêntico, ao registrar dois novos
recordes mensais de inflação: 41,32% em janeiro e 40,57% em fevereiro, ambos medidos pelo INPC.
Em dezembro de 1992, depois de passar pelo constrangimento de se
ver politicamente isolado e desacreditado frente à população que, cheia de esperança em dias melhores, o levara à Presidência da República, Fernando Collor de Mello evita o impeachment que é praticamente inevitável, renunciando ao
cargo. Assume em seu lugar o Vice, Itamar Franco.
Para trazer o país à normalidade econômica e institucional, o novo Presidente lança um novo Plano Econômico, em três fases racionalmente distintas. Na primeira, implantada a partir de 14 de junho de 1993, procura restabelecer o equilíbrio das contas do governo, que eram vistas como um dos focos
malignos da inflação. Itamar determina um corte de 6 bilhões de dólares no
orçamento, encaminha projeto de lei que limita em 60% da receita corrente os
gastos com servidores civis, de cria formas de responsabilidade fiscal para estados e municípios.
Na segunda etapa implanta uma Unidade Real de Valor (URV), padrão
estável de moeda adotado a partir de 27 de maio de 1994, em substituição ao
Cruzeiro Real (CR$), pelo expediente simplista de cortar três zeros. No dia 1º
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de julho de 1994, finalmente, o Brasil ganha a maior conquista de sua história
econômica republicana, com a implantação do Real (R$), anunciada pelo Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, como nova moeda com valor
aquisitivo estável.
Com esperança, o país procura se ajustar à realidade inédita de moeda
forte. Caem os preços, que passam a variar apenas em razão de oferta e demanda; expande-se ordenadamente o consumo; a moeda brasileira, mesmo
legalmente cotada ao par com o dólar, passa a valer mais que a moeda americana; entram capitais novos no Brasil.
A inflação finalmente recebe golpe de morte. Sem a necessidade de tabelamentos ou de grilhões normativos. Dobra-se vencida por forças de mercado e de uma política econômica de raízes firmemente adubadas por bons fundamentos e razão. O Brasil dá um passo à frente. A capitalização vai junto.
Em 1994, a produção geral de prêmios da capitalização brasileira dobra: R$ 1,941 bilhão (contra R$ 843 milhões do ano anterior). Também dobra
o volume de reservas técnicas: R$ 1,487 bilhão. A densidade por habitante sobe para inéditos R$ 12,63, o mais alto até então, em 65 anos de atividade. E a
participação no bolo do PIB sobe para 0,24%, nível igual aos dos melhores
anos da história da capitalização na década de 40.
Em 1995, nova safra de bons resultados. As 10 empresas que atuam no
mercado de capitalização (Itaú, Liderança, Bamerindus, Bradesco, Interunion,
Nacional, Sulacap, Real, Brasilcap e Cobrac, na ordem do ranking brasileiro
nesse ano ) apresentam uma produção englobada de R$ 2,407 bilhões em valores históricos ( R$ 2,988 bilhões em reais de 1998), e um volume de R$ 1,789
bilhão em reservas técnicas ( R$2,22 bilhões em reais de 1998).
Em 1996, mantido o primeiro e segundo lugares no ranking, e ampliado para 13 o número de sociedades de capitalização (Itaú, Liderança, Unibanco, Brasilcap, Bradesco, Bamerindus-Financial, Interunion, Real, Sulacap, Bandeirantes, Cobrac, Capitaliza e Aplub), o mercado brasileiro mantém sua traje-
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tória de crescimento. Sua produção é mais uma vez a maior da história, atingindo R$ 5,727 bilhão em valores históricos e um volume de R$ 3,343 bilhões
em reservas técnicas.
Nessa época, ao final de 1996, algumas instituições financeiras passaram a oferecer a seus clientes modalidades de aplicações com liquidez diária,
lastreadas em títulos de capitalização. Tratava-se de uma espécie de overnight
com fachada de capitalização, e prometiam liquidez diária. A Susep, então, por
considerar que esses ativos representavam um tipo de concorrência em desigualdade de condições com outros títulos, decidiu retirá-las do mercado no
final de janeiro de 1997.
Segundo análise setorial da Gazeta Mercantil, sobre dados da Susep, Itaú e Bradesco foram as empresas que mais sofreram com a retirada do produto o mercado. A receita da Itaú caiu de R$ 325,609 milhões em janeiro de 97
para R$ 26,638 em janeiro de 98, e a da Bradesco Capitalização caiu de R$
206,686 para R$ 33,453 milhões no mesmo período. 172
O ano de 1997 o mercado apresentou uma produção global de R$
4,420 bilhões em valores históricos (R$ 4,593 bilhões em valores corrigidos
para reais de 1998). Esses números refletem, mesmo remotamente, a crise
cambial acontecida a partir de outubro, e irradiada de Hong Kong para o resto
do mundo, e que, no Brasil, determinou a edição de pacote fiscal do governo.
Com um déficit em contas correntes de US$ 33,4 bilhões, que equivalia a cerca
de 4,2% do PIB, o governo viu-se obrigado a adotar medidas, necessárias e
duras, que colocaram o prestígio do Real momentaneamente na berlinda. Conteve o ímpeto do nível geral de atividades do país, mas evitou o descontrole
externo e preservou as principais conquistas do Plano Real. 173
O mercado de capitalização refletiu a dureza do pacote fiscal, apresentando quebra de 30% no total de prêmios produzidos. Além disso, 1997 foi
marcado por algumas mexidas no tabuleiro institucional da capitalização. Nesse
ano entrou no mercado uma nova sociedade ligada a instituição financeira, a
Federal Capitalização, cuja composição de capital acionário foi integrada pela
122
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Sasse – Cia. Nacional de Seguros (51% do controle), Icatu Hartford (24,5%) e
Sul América. Valendo-se da boa capilaridade do sistema Caixa Econômica Federal para a realização de suas vendas, em apenas seis meses de operação a
Federal registraria a colocação de 260.526 títulos, e lucro de R$ 3,851 milhões,
com rentabilidade de 48,14% sobre o patrimônio de R$ 8 milhões.
Outra movimentação institucional ocorrida em 1997 foi a mudança de
controle da Bamerindus Capitalização, que passou a integrar o grupo financeiro
HSBC, Com nova denominação, a empresa procedeu a uma revisão em sua
vitrine de produtos, deixando provisoriamente de comercializar títulos de capitalização até 1999. A partir daí, relançou o TC Cash, produto de curto prazo de
pagamento, disponibilizado através da rede de agências do HSBC Bamerindus
em todo o país. Uma novidade: o TC cash passou a integrar o porta-fólio de
produtos de investimento, facultando ao cliente a escolha entre duas modalidades de título.
Também houve movimentação no ranking das sociedades de capitalização, com a entrada da Brasilcap, que registrou em 1997 produção de R$
1,018 bilhão em prêmios e assumiu o primeiro posto. A Bradesco Capitalização, com uma performance surpreendente, subiu do quinto para o segundo
lugar, com produção de R$ 894,678 milhões. A Itaú, com montante de prêmios
de R$ 810,914 milhões, desceu do primeiro para o terceiro lugar. Liderança, em
quarto lugar, manteve uma boa participação no mercado com produção de R$
488,294 milhões. Unibanco situou-se em quinto, com R$ 238,533 milhões, e
Interunion ocupou o sexto posto no ranking, com produção de R$ 227,289
milhões. HSBC Bamerindus situou-se em sétimo, com R$ 188,255 milhões.
Em oitavo ficou a Real Capitalização, com R$ 181,091 milhões. Em nono, a
Sul América Capitalização, com R$ 114,916 milhões. Em décimo a Icatu Hartford Capitalização com R$ 65,499 milhões. Com participações menos expressivas seguiram-se a Federal, Bandeirantes, Capitaliza Empresa de Capitalização,
BCN, Arca e Aplub. 174
O ano de 1998 manteve o ritmo de queda. Produção de R$ 3,553 bilhões, com redução de 20% em relação a 1997. Cai igualmente a participação
123
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da capitalização na formação do PIB, 0,39% contra 0,51% alcançado no ano
anterior. E mais um indicador de retração: a densidade por habitante cai dos
excepcionais R$ 40,50 registrados em 1996 para R$ 21,97 em 1998. Em meio à
crise, um número se mantém em crescimento: o volume de provisões técnicas,
que passa dos R$ 3,702 bilhões registrados em 1997 para R$ 4,296 bilhões em
1998.
O tranco do pacote fiscal foi absorvido no tempo. E em 1999, um
mercado em que figuram 20 sociedades autorizadas a operar, produz R$ 4,090
bilhões em prêmios, o que representa um crescimento de 20% sobre o ano
anterior, Há novas mexidas no ranking: Brasilcap se mantém em primeiro lugar, pelo terceiro ano consecutivo, com uma produção de R$ 1,006 bilhão. Em
segundo, a Bradesco Capitalização, que perdera esse posto no ano anterior,
volta com uma produção de R$ 654 milhões, ficando a Itaú em terceiro, com
R$ 536 milhões. Em quarto, Liderança, e Icatu Hartford, que em dois anos
galgara cinco postos, ficando em quinto.
São interessantes alguns números desse ano: provisões técnicas, R$ 4,5
bilhões; resgates, R$ 4 bilhões; premiações, R$ 174 milhões; aplicações em
títulos públicos, R$ 2,1 bilhões; títulos privados, R$ 2,3 bilhões.; impostos federais (IR, Cofins, CPMF), R$ 268 milhões.
No dia 17 de fevereiro de 2000, o Superintendente da Susep Hélio Oliveira Portocarrero de Castro divulga o texto da Resolução CNSP de nº 23. E,
cinco artigos, essa norma altera dispositivos da Resolução 15/91 objetivando
atualizar, sobretudo o rito de publicidade e acesso pelo público ao lugar dos
sorteios, a forma de pagamento de prêmios, o registro dos bens garantidores
das provisões, e a notificação do contemplado em sorteio.
A 12 de maio é editada a Circular SUSEP nº 130 que, analiticamente,
em 26 artigos, normatiza sobre as formas de comercialização dos títulos, características das séries de emissão, taxas de juros, indivisibilidade do título em
relação à emissora, participação dos titulares de títulos nos lucros das sociedades de capitalização, forma de sorteio e constituição de reservas, carregamen-
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tos, resgate, pagamento de resgates e sorteios, e tipos de publicidade. A Circular 130 tem a preocupação de conferir ao título de capitalização maior segurança em sua comercialização e mais transparência para o consumidor.
Pela Circular Susep nº 130/2000 foram revogadas as circulares nº 3, de
29 de março de 1996; a de nº 15, de 27 de outubro de 1997; e a de nº 100, de
29 de julho de 1999. O mercado de capitalização, mais de setenta anos depois
de sua chegada ao Brasil, ganha linhas nítidas que se ajustavam não apenas ao
desenho clássico do produto, mas o colocava sob norma inteiramente ajustada
aos direitos consagrados em código de defesa do consumidor.
Nesse mesmo ano 2000, em setembro, durante a Conseguro - Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e Capitalização,
realizada no Hotel Intercontinental, no Rio, a atualidade e o futuro do mercado
foram discutidos. Uma visão geral da capitalização foi apresentada por Antônio
Eduardo Trindade (Unibanco Capitalização) e José Luiz Florippes Lima (Sul
américa Capitalização), em mesa presidida por Sérgio Ricardo Miranda Nazaré,
tendo como debatedores a representante da Real Capitalização, Rita de Cássia
rebelo Batista Môço; Anésio Fassina Filho, da Bradesco Capitalização, e José
de Medeiros Carvalho Filho, da Icatu Hartford Capitalização.
Em palestra de abertura, o presidente da Fenaseg João Elisio Ferraz de
Campos destacou o “extraordinário crescimento” da capitalização entre 1995 e
1999, período em que sua receita passara de R$ 2,4 bilhões para R$ 4,1 bilhões.
“Em futuro próximo” – afirmou – “e porque também no Brasil se instalou a
tendência das economias desenvolvidas para incorporar produtos financeiros a
planos de seguros, para estes e para a capitalização novos horizontes poderão
ser abertos”. 175
Durante as sessões de trabalho, os palestrantes escalados aprofundaram
a análise da atualidade da capitalização. Mostraram a atividade como instrumento de formação de poupança, desde seu aparecimento na França em 1850 e
sua chegada ao Brasil em 1929. Além de uma apresentação de aspectos técnicos relacionados à produção, foi discutida numa perspectiva macroeconômica,
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em seu potencial de geração de empregos, sua contribuição às políticas de aumento e distribuição de renda.
Também foi enfatizada a presença da capitalização nas economias individuais, incentivada graças a seu aspecto lúdico e seu diferencial em relação à
caderneta de poupança, além de se constituir em alternativa ao consumo imediato através das compras programadas. Em conclusão, os palestrantes apontaram tendências futuras da capitalização: alongamento do perfil dos títulos,
maior transparência do produto, maior capilaridade no sistema de distribuição,
e crescimento do mercado, estimado em R$ 6,3 bilhões em 2005.
Demonstrações tão convencidas, de crença no futuro da capitalização,
parecem encontrar eco nos resultados apresentados pela atividade nos últimos
anos. Superados os anos de incerteza, quando a inflação devastava as economias familiares e impedia seu acesso aos produtos financeiros, o mercado brasileiro de capitalização fechou o ano de 2001 com evidentes sinais de vigorosa maturidade: R$ 4,658 bilhões em prêmios (contra R$ 4,375 bilhões em 2000), e
nada menos que 236.887.681 títulos ativos.
No primeiro semestre de 2002 operavam no Brasil 23 sociedades de
capitalização: Alfa, América, Aplub, Arca, Bandeirantes, BCN, Bradesco, Brasilcap, Capitalização, Cia. Itaú de Capitalização, Creficap, Federal, Horizonte,
HSBC Capitalização Brasil, HSBC Financial Capitalização Brasil, Icatu Hartford, Itaí Capitalização, Liderança, Real, Santander, Santos, sul américa e Unibanco. Número recorde. Juntas, essas empresas arrecadaram R$ 2,396 bilhões
nos seis primeiros meses de 2002, com crescimento de 2,47% sobre igual período do ano anterior, e apresentaram um volume de R$ 5,472 bilhões em reservas técnicas. O mapa de sua distribuição geográfica aponta para uma outra
realidade desejada desde os tempos dos pioneiros: a capitalização está presente
em todas as unidades da federação.
Os números apontam em uma direção: para a capitalização brasileira
parece que já começou o futuro em que tanta gente sempre acreditou.
126
127
Bibliografia e fontes, consultadas e citadas
1 J.K.Galbraith, “A grande quebra de Wall Street”, em “História do Século XX”, Abril
Cultural, Pág.1345.
“História da Civilização Mundial”, coordenada por Max Savelle, Editora Itatiaia,
1968, Vol. 4, Pág. 143 e seguintes.
2
3
seguintes.
“Nosso Século – Anos de crise e criação”, 1ª parte, Abril Cultural, Vol. 3, Pág. 12 e
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro, “Brasil: a crise do café”, em “História
do Século XX”, Abril cultural, Pág. 1355.
4
5 Heitor Ferreira Lima, “História político-econômica e industrial do Brasil”, Coleção
Brasiliana, vol. 347, Companhia Editora Nacional, 2ª edição, 1976, Pág.194.
F.T. de Sousa Reis, em “A dívida do Brasil”, Editora Olegário Ribeiro & Cia., São
Paulo, 1917, Pág. 35, apud Ferreira Lima, em obra citada.
6
7
Heitor Ferreira Lima, ibidem, Pág. 195).
8
“Nosso Século”, obra citada, Pág. 158.
9 Caio Prado Junior, “História econômica do Brasil”, Editora Brasiliense, 4ª edição,
1956, Pág.240.
10
Paulo Sérgio Moraes Sarmento Pinheiro, ibidem, “História do Século XX”, Pág.
11
- “Nosso Século – Brasil”, 5º Volume, 1930-1945, Primeira Parte, Abril Cultural,
1358.
Pág. 7
- David Campista Filho, “Capitalização – Sua interpretação econômica e social”,
Rio de Janeiro, 1949, Pág. 37.
12
- Anatole Weber, “Traité des Societés de Capitalisation”, Marcel Rivière Editeur,
2ème édition, Paris, 1931, Pág. 9 e 13.
13
14
- Anatole Weber, obra citada.
15
- José Schiotti, “A capitalização do Brasil”, Instituto de Resseguros do Brasil - Edigraf Edições Gráficas, São Paulo 1948, Págs. 27 e 28.
16
- Felix M.P.Sampaio, “A capitalização dos nossos dias”, em “Revista de Seguros”,
edição de Outubro de 1941.
127
128
17
- Francisco Marques, “Revista de Seguros”, edição de novembro de 1935.
18
- José Schiotti, obra citada, Pág. 28.
19 - René Brosar, “Produção de Capitalização – Guia prático do produtor novo”, Edição do Departamento de Imprensa Nacional, 1950, Págs.153 e 154.
20
- Jorge Aveline, “Os sorteios na capitalização”, em “Revista de Seguros”, março de
1950.
21
- Georges Hamon, “História concisa da capitalização e sua evolução”, em “Anais
do 1º Congresso Sulacap”, Rio de Janeiro, 1937.
22
23
- Georges Hamon, idem, ibidem.
- José Schiotti, obra citada, Pág. 32.
24
- José Schiotti, Idem, Ibidem.
25
- Álvaro Silva Lima Pereira, “Primórdios da capitalização no Brasil”, em Anais do
1º Congresso Sulacap, Rio de Janeiro, 1937).
26
- Ministério da Fazenda, Decreto 14.593, de 31 de dezembro de 1920, em que é aprovado o novo regulamento para o serviço de fiscalização das companhias de seguros nacionais e estrangeiras. Em edição da Imprensa Oficial, 1930.
27
- Idem, Decreto nº 14.593, texto sem os grifos, na edição citada.
28
- José Schiotti, idem, Pág. 33.
29
- René Brosar, “Que é Capitalização”, em “Revista de Seguros”, Abril de 1949.
30
- Jorge Aveline, “Capitalização e Seguro de Vida”, em “Revista de Seguros”, Abril
31
- Avio Brasil, “Capitalização é Seguro”, em “Revista de Seguros”, Outubro de 1947.
de 1950.
32 - Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, “O Grupo Sul América e sua participação
na evolução da previdência social na América do Sul”, conferência proferida no dia 6 de novembro de 1944, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. Edição
do “Jornal do Commércio”, 1945, Págs. 27 e 28.
33 - Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, “A Capitalização”. Conferência proferioda
no encerramento do II Congresso Sulacap, Rio de Janeiro, novembro de 1954.
34
- Nota do autor: Nessa época, final dos anos 20, o Brasil já conhecia a experiência
mais que centenária da “poupança”, que recebia o nome de “economia”. Eram as cadernetas
econômicas da Caixa, já existente. O termo l´epargne, que havia causado confusão na própria
128
129
França por quase quarenta anos, até que por volta de 1888 já se podia, lá, distingui-lo com o
significado que apresenta até hoje.
35
- Antônio S. de Larragoiti Junior, na citada “A Capitalização”, novembro de 1954.
36
- Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil”, Ano LXVIII, 41º da República,
Terça-Feira, 10 de setembro de 1929).
- Carta Patente nº 224, emitida pela Inspetoria de Seguros, do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro, em 21 de outubro de 1929).
37
38
- Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, na citada “O Grupo Sul América e sua
participação na evolução da previdência social na América do Sul”, Pág. 30.
39
- Nota do autor - São números consideráveis, se os comparamos com outros in-
dicadores da economia brasileira naqueles anos: Em 1929, toda a produção do café correspondia a Cr$ 4.146.327.000, e em 1930 cairia Cr$ 3.471.376.000,00. A produção de cana registrava
o valor de Cr$ 328 milhões em 1929 e Cr$ 377 milhões em 1930. A produção de feijão, Cr$
456 milhões em 1929 e Cr$ 309 milhões em 1930. A produção de algodão, Cr$ 153 milhões em
1929 e Cr$ 84 milhões em 1930. E cacau, Cr$ 81 milhões em 1929 e Cr$ 93 milhões em 1930.
E os números citados por Sthamer são ainda mais expressivos, se os comparamos com as
exportações do café na época: Cr$ 2,740 bilhões em 1929, e Cr$ 1,827 bilhão em 1930. Com
base em estatística publicada em “Nosso Século, Brasil”, Editora Abril Cultural, 1986, Págs. 16
a 19).
40
- Hermann W. Sthamer, “O povo brasileiro é infenso à economia sistematizada?”,
em “História, Finalidade e Técnica da Capitalização”, nos Anais do 1º Congresso Sulacap”, Rio
de Janeiro, 1937, Pág. 29.
41
- Antônio Sanchez de Larragoiti Junior, na citada “O Grupo Sul América e sua
participação na evolução da previdência social na América do Sul”, na mesma Pág. 30.
42
- Thomas Skidmore, “De Getúlio a Castelo”, Paz e Terra, 4ª edição, 1975, Pág. 21.
43 - José Bezerra Cavalcanti, “Capitalização – História, Teoria, Mercado, Perspectiva”,
em “Cadernos de Seguro”, da Fundação Escola Nacional de Seguros, nº 14, Jan-fev de 1984.
- Álvaro Silva Lima Pereira, em “História da capitalização no Brasil”, nos Anais do
Congresso Sulacap, 1954, Pág. 6.
44
2o
129
130
- Francisco Marques, em conferência realizada a 18 de outubro de 1935 no Rotary
Club do Rio de Janeiro, publicada na edição número 217, de julho de 1939, da “Revista de
Seguros”:
45
46
de 1933.
- Oswaldo Aranha, “Exposição de Motivos ao Decreto 22.456, de 10 de fevereiro
- Álvaro Silva Lima Pereira, na já citada “Primórdios da capitalização no Brasil”,
em Anais do 1º Congresso Sulacap, Primeira Parte, 2ª edição, agosto de 1946.
47
48
- Decreto 22.456, de 10 de fevereiro de 1933.
- Nota do autor: - Em 29 de abril de 1976 a Aliança da Bahia mudou sua sede para o Rio de Janeiro.
49
50 - Nota do autor - A Companhia Internacional de Capitalização teve sua Cartapatente adquirida pelo Grupo Haspa, de São Paulo, em outubro de 1980, quando foi adotado o
nome Haspa S.A. de Capitalização.
51 - Antônio Lopes da Costa, em “Inspetores e agentes de Sulacap, vamos olhar para
o futuro!”, Anais do 1º Congresso Sulacap, Segunda Parte,Rio de Janeiro, 1937, Pág. 12.
- Nota do autor – São valores expressivos, se consideramos, a título de comparação, que nesse ano em que a Sulacap realizou negócios no valor de 334.335 contos de réis, a
produção nacional de cimento não chegava a 30.000 contos, e a produção de cacau em amêndoas teve valor pouco superior a 113.000 contos. De acordo com dados publicados em “Nosso Século”, Brasil, Abril Cultural, “A era de Vargas”, 1930-1945, I Volume, Págs. 19 e 21.
52
- Regulamento ao Decreto nº 24.783, de 14 de julho de 1934, em seu Art.2º, de acordo com texto publicado em “Anuário de Seguros”, 1936, Pág.19.
53
54 - “Anuário de Seguros”, editado pela “Revista de Seguros”, 1936, Págs.59, 66, 74 e
76. Compare-se esse valor de 90 mil contos com a produção de cacau (163 mil contos) e borracha (36 mil contos) nesse ano de 1935.
- Nota do autor: Em 1935 a produção brasileira de café, em queda desde 1930, foi
calculada em 1.588.835:000$000, isto é, 1 bilhão e 588 milhões de contos de réis. Com base em
estatística publicada em “Nosso Século – Brasil”, Abril Cultural, Vol. 5, Pág. 16.
55
56
57
- “Anuário de Seguros”, 1936, Pág. 146.
- George Hamon, em “História concisa da capitalização e sua evolução”, para os
“Anais do 1o Congresso Sulacap”, agosto de 1937, Pág.. 8.
58
- “Revista de Seguros”, nº 189, março de 1937.
59
- José Bezerra Cavalcanti, em “Capitalização – História, Teoria, Mercado, Perspec-
tiva”, publicada pelos “Cadernos de Seguro” da Funenseg, nº14, janeiro e fevereiro de 1984.
60
- “Revista de Seguros”, nº 193, Setembro de 1937.
130
131
61
- “Diretório Segurador Brasileiro”, em “Anuário de Seguros”, 1938.
62
- Idem, ibidem.
63 - Pedro Calmon, “História do Brasil – Século XX, A república e o desenvolvimento nacional”, Vol.VI, 2ª edição, José Olympio, 1963, Pág. 2304.
64
- Idem, ibidem, Pág. 2302.
65 - “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil – 10 de novembro de
1937”, em “Constituições do Brasil”, de Floriano de Aguiar Dias, Editora Líber Júris, 1975, 1º
vol, Pág. 615.
66
- “Revista de Seguros”, edição nº 203, maio de 1938, Pág. 306.
67
- Fontes: “Anuário de Seguros” de 1941, Pág. 59; e “Nosso século – Brasil”, Vol.
5, Pág. 16.
68
- “Revista de Seguros”, Nº 232, outubro de 1940, Pág.75 e 76.
69
- “Revista de Seguros”, julho de 1942, Edição nº 253.
70
- “Anuário de Seguros de 1944, Págs. 150 e 151.
- Jorge Oscar de Mello Flores, diretor da Sulacap, em depoimento prestado a Carlos Eduardo Sarmento, no livro “Entre a solidariedade e o risco: história do seguro privado no
Brasil”, Funenseg-FGV, 1998, Pág. 163 e 164.
71
72
73
- “Revista de Seguros”, Edição nº 288, junho de 1945, Pág. 456.
- “Revista de Seguros”, Edição nº 324, junho de 1948.
74 - “Revista de Seguros”, Edição nº 235, janeiro de 1941, em informe publicitário da
Sulacap, Pág. 159.
75
- “Sul América Capitalização – Relatório e Balanço” de 1952, Pág.18.
76
- “Revista de Seguros”, Edição nº 274, Abril de 1944, Pág. 331.
77
- “Sul América Capitalização – Relatório e Balanço” de 1945, Pág. 8.
- Cláudio Contador e Clarisse B. Ferraz, “Mercado de Capitalização: o resgate da
história e os cenários futuros”, Edição da Silcon – Estudos Econômicos, nº 42, Outubro de
1999, Pág. 10.
78
79
- “Anuário de Seguros”, 1945, Pág. 97.
80
- “Anuário de Seguros”, 1947, Pág. 84.
131
132
- Fontes: “Anuário de Seguros” de 1948 e 1949; e José Antônio Bezerra Cavalcanti,
“Capitalização – história, teoria, mercado, perspectiva”, Edição de “Cadernos de Seguro, nº 14,
jan-fev. 1984, Págs. 16 e 17.
81
82 - Humberto Roncarati, “Revista de Seguros”, Edição 302, 1946, Págs. 60-70. Citado por Carlos Eduardo Sarmento, “Entre a solidariedade e o risco: história do seguro privado
no Brasil”, Pág.190.
83 - Antônio Cláudio Sochaczewski, “Desenvolvimento econômico e financeiro do
Brasil – 1952-1968”, citado por Carlos Eduardo Sarmento, em “Entre a solidariedade e o risco...”, Pág. 189.
84
- “Anuário de Seguros”, 1951, Pág. 95.
85
- “Anuário de Seguros – 1951”, Pág. 182 e 183.
86
- “Anuário de Seguros”, 1952, Pág. 95.
87
- “Anuário de Seguros”, 1953, Pág. 95.
88
- “Anuário de Seguros”, 1954, Pág. 95.
89
- “Anuário de Seguros”, 1957, Pág. 172.
90
- Antônio Cláudio Sochaczewski, apud Carlos Eduardo Sarmento, em obra citada.
91 - Correção feita por Cláudio Contador e Clarisse B. Ferraz, em “O mercado de capitalização no Brasil: papel, desafios e futuro”, com base nas estimativas de Raymond Goldsmith, “Brasil 1850-1984: desenvolvimento financeiro sob um século de inflação”. .
92
- Sul América Capitalização, “Relatório e Balanço” de 1959, Pág. 9.
93 - David Campista Filho, “Empresa de capitalização deveria evolver para a de investimento”, artigo publicado na edição nº 460 da “Revista de Seguros”, outubro de 1959, Pág.
153.
94 - Luis Mendonça, “O Seguro e a Capitalização no reaparelhamento econômico do
País”, em “Revista de Seguros”, edição nº 382, abril de 1953, Pág. 507.
95 - Paulo Amador, “Do retrato de Vargas à Carta de Brasília”, edição comemorativa
dos 50 Anos da Fenaseg, edição da Grupiara, 2001, Pág. 34.
96
- Paulo Amador, obra citada, Pág. 4.
97
- Paulo Amador, idem, ibidem, Pág. 18.
98
- Paulo Amador, idem, ibidem, Pág. 27.
- Números do “Anuário de Seguros” de 1961, Pág. 118, e atualização de moeda
por deflator implícito das contas nacionais, com base em estimativa de Raymond Goldsmith,
99
132
133
em “Brasil – 1850-1984: desenvolvimento financeiro sob um século de inflação”, citado e
glosado por Cláudio Contador em “O mercado de capitalização no Brasil: papel, desafios e
futuro”, apresentado na Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e
Capitalização, Rio, Setembro de 2000, Pág. 10.
100 - “Anuário de Seguros”, 1961, Pág. 118.
101
- “Anuário de Seguros”, idem, ibidem.
102
- “Revista de Seguros”, Edição nº 481, julho de 1961, Pág. 31,
103
- “Revista de Seguros”, idem, ibidem.
- Carlos Eduardo Sarmento, “Entre a solidariedade e o risco: história do seguro
privado no Brasil”, FGV-Funenseg, 1998, Pág. 191.
104
105 - Em valor corrigido para reais de 1998, a produção total de prêmios das nove empresas de capitalização caíra de R$ 43,612 milhões em 1962 para R$ 31,199 milhões em 1963.
Ver Cláudio Contador, no trabalho citado, Pág. 10.
106
107
- “Nosso Século – Brasil”, 1960/1980, II, Abril Cultural, Pág. 42.
- Cláudio Contador, idem, ibidem.
108
- Cláudio Contador, obra e Pág. 10 já citadas.
109
- “Revista de Seguros”, Edição nº 499, Janeiro de 1963, Pág. 7.
110
- Paulo Amador, “Do retrato de Vargas à Carta de Brasília”, Grupiara, 2001, Pág.
57.
111
- Paulo Amador, idem, ibidem, Pág. 60.
112
- Paulo Amador, idem, ibidem, Pág. 60.
113
- Lei nº 4.357/64, Art.1º, § 1º.
114
- “Revista de Seguros”, Junho de 1966.
115
- Idem, ibidem.
116
- “Revista de Seguros”, Outubro de 1966.
- Decreto-lei nº 261, de 28 de fevereiro de 1967, tal como publicado no Diário Oficial da União, nessa mesma data.
117
118
Pág. 10.
- “Anuário de Seguros”, dos anos de 1967, 1968, 1969, e Contador, obra citada,
- Raul de Sousa Silveira, primeiro Superintendente da Susep, em discurso de posse. Apud Paulo Amador, “Do retrato de Vargas à Carta de Brasília”, Pág. 72.
119
133
134
120
- “Anuário de Seguros”, 1972, Págs. 7 a 9.
121
- “Anuário de Seguros”, 1977, Págs. 4 e 5.
122
- Paulo Amador, na obra citada “Do retrato de Vargas à Carta de Brasília”, Págs.
123
- Resolução nº 20, de 4 de março de 1966, do Banco Central do Brasil.
124
- Decreto-lei 70, de 21/11/66, Art. 1º, e §§ 1º e 2º.
80 e 81.
125 - Aloysio Lopes Pontes, “Instituições financeiras privadas”, Editora Forense, 2ª
edição, 1982, Págs. 256 e 265.
- Entrevista de Luiz Martiniano de Gusmão, concedida ao autor no Rio de Janeiro,
no dia 24 de junho de 2002.
126
127
Luiz Martiniano de Gusmão, idem.
- Cláudio Contador, na já citada “O mercado de de capitalização no Brasil: papel,
desafios e futuro”, com Clarisse B.Ferraz.
128
129 - Cláudio Contador e Clarisse B. Ferraz, idem, ibidem. Também o “Anuário de
Seguros”, 1975.
130
- “Anuário de Seguros”, 1976, Pág. 134.
131 - Nota do autor: PM-15/21 significa “Pagamento Mensal em 15 anos, com prazo
de capitalização de 21 anos; P.U. significa “Pagamento Único”.
132
- “Anuário de Seguros”, 1978, Pág. 192.
133
- “Anuário de Seguros”, 1979, Pág. 158, com atualização baseada em Cláudio
Contador.
134
- Contador e Ferraz, obra citada, ibidem.
135
- “Anuário de Seguros”, 1980, Pág. 154 e 155.
136
- “Anuário de Seguros “, 1979, Pág. 14.
137
- “Anuário de Seguros”, 1981, Pág. 5 a 8.
- Antônio Correa Lacerda e outros, “Economia Brasileira”, Editora Saraiva, 4ª tiragem, 2002, Pág. 112.
138
134
135
139
- Fonte: Banco do Brasil e Banco Central, apud Antônio Correa de Lacerda, idem,
140
- Antônio Correa Lacerda, idem, ibidem, Pág. 122.
Pág. 114.
141 - Fonte, Banco Central, em estatísticas citadas por Luis Carlos Bresser Pereira,
“Crise econômica e reforma do Estado no Brasil”, Editora 34, 1ª edição, 1996, Pág. 83.
142
- Antônio Correa Lacerda, idem, ibidem, Pág. 141.
143 - Antônio Evaristo Teixeira Lanzana, “Economia brasileira – fundamentos e atualidade”, Editora Atlas, 2ª edição, 2002, Pág. 130.
- Luiz Carlos Bresser Pereira, na citada “Crise econômica e reforma do Estado no
Brasil”, Pág. 83.
144
145
- Antônio Corre de Lacerda, na obra citada, Pág. 127 e 154.
146
- Luiz Martiniano de Gusmão, na entrevista citada.
- Moeda atualizada em reais de 1998 por Cláudio Contador, na citada “O Mercado
de Capitalização no Brasil: papel, desafios e futuro”, outubro de 1999, Pág. 10.
147
- José Bezerra Cavalcanti, “Capitalização: um novo boom?”, em “Caderno de Seguros”, nº 23, Agosto de 1985, Pág. 12 a 14.
148
149
150
- José Bezerra Cavalcanti, idem, ibidem.
- José Bezerra Cavalcanti, idem, ibidem.
151
- Cláudio Contador, idem, ibidem..
152
- Idem, ibidem.
153 - Idem, ibidem. E Luiz Carlos Bresser Pereira, na citada “Crise econômica e reforma do Estado no Brasil”, Pág. 112.
154 - Cyro Rezende, “Economia brasileira contemporânea”, Editora Contexto, 1ª edição, 1999, Pág. 173 usque ad 178.
155 - Liderança Capitalização, “Títulos de Capitalização”, no lançamento da Tele Sena,
em 1991, Pág. 22.
156
- Luiz Martiniano de Gusmão, na citada entrevista.
157
- Cláudio Contador, trabalho citado, idem, ibidem.
158
- Constituição Federal, Art. 192, itens I e II e § 1º.
- Nota do Autor: a fixação desse capital mínimo para funcionamento de sociedade de capitalização seria feita no dia 13 de maio de 2002, através da Resolução CNSP nº 75.
159
135
136
- Sérgio Ribeiro, citado por Paulo Amador na obra “Do retrato de Vargas à Carta
de Brasília”, Pág. 114.
160
161
- Fontes: Contador, idem, ibidem; e Cyro Rezende, obra citada. Págs. 84 e 188.
162
- Lei 8.177, de 1º de março de 1991.
163
- Contador, idem, ibidem.
164
- Resolução 15/91 e anexo, tal como publicado no DOU de 12/05/92, Pág. 5928.
Seção I.
165
- Paulo Amador, obra citada, Págs.119,121.
166 - José Roberto Whitaker Penteado, “Marketing Best – os melhores casos brasileiros de marketing”, 1ª Edição, 1999, Makron Books do Brasil, Págs.62 e segs.
167
- “Títulos de Capitalização”, editado pela Liderança Capitalização, Págs. 23-26.
168
- Gazeta Mercantil, “Análise setorial de Seguros” , Vol. I, Agosto de 1998, Pág. 77
e 78.
169 - Valéria Maciel, “Os produtos que realizam sonhos”, Revista de Seguros, out/dez
2001, Pág. 28.
- Ângela da Rocha e Renato Cotta de Mello, “Marketing de Serviços – Casos Basileiros”, Editora Atlas, 1ª edição, 2000, Págs.244 a 254.
170
171 - Cyro Rezende, obra citada, pág. 188 (para o INPC), e Antônio Correa de Lacerda
e outros, idem, pág. 154 (para o IGP).
172
- “Análise Setorial de Seguros” da Gazeta Mercantil, volume I, agosto de 1998.
173
- Antônio Correa de Lacerda, obra citada, Pág. 215.
174
- “Informe Fenaseg – Setembro 2000”, Pág. 50. E Contador, obra e tabela citada.
- João Elisio Ferraz de Campos, “Mercado Segurador Brasileiro: Perspectivas”,
palestra de abertura da Conseguro, Rio, setembro de 2000. Em “Arquivos da Conferência
Brasileira de Seguros”, Pág.15.
175
136

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