Suplemento Adriano_590.indd - Eng. Adriano Murgel Branco

Transcrição

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Eminente Engenheiro do Ano de 2008
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Adriano Murgel Branco
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“A engenharia tem um papel
transcendental na
reversão dos procedimentos improdutivos”
ENTREVISTA
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A frase acima é do engº Adriano
Murgel Branco, ao comentar que
“quando se vê a humanidade
consumindo hoje mais recursos
naturais do que o globo terrestre
pode repor, a despeito de ainda
existirem 1,4 bilhão de pessoas
vivendo abaixo do nível da
pobreza, não há como não temer
pelo futuro”. Adriano Branco foi
eleito o Eminente Engenheiro do
Ano de 2008 pelo Instituto de
Engenharia – o 46º da história
desde que o título começou a ser
conferido em 1963. A escolha, feita
por uma comissão do Instituto
de Engenharia, teve como base
a grande contribuição que esse
brilhante profissional prestou para
o desenvolvimento da engenharia.
Com mais de 50 anos de profissão,
ele trabalhou em diversas empresas
privadas, foi professor das
universidades Mackenzie e Mauá,
secretário estadual dos Transportes
e da Habitação e membro dos
conselhos de administração da
Desenvolvimento Rodoviário S.A.
(Dersa), da Companhia do Metrô
de São Paulo e da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM). Atualmente, é consultor
nas áreas de transportes, habitação
e políticas públicas
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Entrevista concedida a Juan Garrido
os 77 anos, completados no último dia 15 de
novembro, o engenheiro eletricista e administrador Adriano Murgel Branco, especialista em
transportes, habitação e políticas públicas, é
um homem plenamente realizado. Muito embora seu espírito inquieto e realizador continue pondo de lado a idéia de
uma “aposentadoria”. Tanto que ele segue sendo um consultor muito requisitado (é diretor da AM Branco Consultores).
Paulistano, Adriano Branco formou-se engenheiro por uma
das melhores escolas de engenharia do país – a Universidade Mackenzie. Ao longo de sua carreira foi consultor no
Brasil e em Moçambique, professor universitário, ocupou
inúmeros cargos públicos, entre eles o de secretário estadual da Habitação e também dos Transportes, nos anos
1980. Ocupou ainda cargos privados como o de diretor das
empresas Coplan, Indústrias Trol, TCL Consultoria e Assessoria, Companhia Americana Industrial de Ônibus (CAIO),
entre outras. Ministrou palestras no Brasil, México, Colômbia, Venezuela, Equador, Paraguai, Argentina, Uruguai, Peru
e Chile sobre transporte, segurança rodoviária e habitação.
É autor de mais de duas centenas de artigos em jornais e
revistas, publicadas até na Inglaterra e Alemanha. Em
1972, foi publicada sua primeira monografia: Acidentes Rodoviários. Em 1975 foi publicada a Normatização Brasileira
de Defensas Rodoviárias. Teve também três de suas monografias publicadas em 1978: Trólebus, Tendências Modernas dos Transportes Coletivos Pneumáticos e Transportes
Urbanos por Trólebus. Nos anos 1980 foram publicadas:
Uma visão Sistêmica do Transporte Urbano, O Transporte
Urbano no Brasil e A Prevenção dos Recursos Hídricos no
Estado de São Paulo. Seus livros mais recentes são Segurança Rodoviária, O Financiamento de Obras e de Serviços
Públicos, em parceria com um mestre do Direito, o professor Adilson Abreu Dallari, e Desenvolvimento Sustentável na
Gestão de Serviços Públicos, em parceria com o economista
Márcio Henrique Bernardes Martins.
O início efetivo da sua carreira na área de transportes foi
em 1957 como funcionário da antiga Companhia Municipal
de Transportes Coletivos, a CMTC. A sua vocação para essa
área está no sangue, pois o seu pai, engº Plínio Antônio
Branco, foi um dos autores do primeiro Código de Trânsito do Brasil e o coordenador do primeiro grande plano de
transportes para a cidade de São Paulo, feito em 1939. A
partir de 1970, Adriano Branco dedicou-se intensamente
às questões de segurança do trânsito por meio de monografias e artigos em profusão, publicados em revistas
técnicas. Tais trabalhos resultaram em estudos e projetos
sobre segurança rodoviária e defensas metálicas (guard
rails), dos quais nasceu o padrão brasileiro desse equipamento, tornado norma brasileira pela Associação Brasileira
de Normas Técnicas, ABNT. De 1977 a 1979 foi diretor de
Trólebus da CMTC, responsável pela modernização e ampliação daquele sistema de transporte público. De 1984 a
1987 foi secretário dos Transportes do Estado de São Paulo. De 1987 a 1988 foi secretário estadual da Habitação.
Nesta entrevista exclusiva à REVISTA ENGENHARIA, Adriano Branco abre seu coração contando passagens importantes de sua vida pessoal e familiar. Sobre sua brilhante carreira, ele recorda – entre muitos outros destaques – que
como secretário de Transportes do governo Franco Montoro conseguiu bater alguns recordes, como o de cargas
transportadas por ferrovias, que alcançaram 23 milhões
de toneladas em 1986. “Trabalhei como nunca na minha
vida – até recebi o diploma da Ordem do Mérito do Trabalho – para colocar em ordem seis entidades de transporte
– Vasp, Fepasa, Dersa, DER, Daesp e DH – que tinham nada
menos do que 50 000 funcionários! Pautei minha administração por um eficiente esquema de planejamento global e
individual em cada entidade. Desse planejamento nasceram
vários programas. No dia 3 de outubro de 1984 pude apresentar no palácio, perante um auditório de 1 800 pessoas,
dentre as quais 300 prefeitos, um programa de 304 obras,
com 304 licitações lançadas naquele dia. Nos anos subseqüentes repetimos o feito e, nos intervalos, liberamos mais
obras, a ponto de chegar a cerca de 2 000. De estradas vicinais, lançamos mais de 7 500 quilômetros, deixando metade prontos e o restante em obras. Foram 500 estradas! Ou
seja, 500 concorrências públicas em dois anos.”
Como secretário da Habitação do governo Orestes Quércia,
logo depois, sua primeira preocupação foi a de caracterizar
o setor de habitação popular como de interesse público e
não como o de mero financiamento, cujos juros tornavam
impossível o acesso das classes mais pobres à casa própria. “Entendido assim, propus de saída que os juros de financiamento fossem reduzidos a zero. E para levar avante
os novos conceitos e os planos deles decorrentes, ajudei a
criar o Fórum Nacional de Secretários da Habitação, que
eu presidi, para encetar uma ação muito ampla no Brasil
e sem disputa entre estados: das verbas federais disponíveis, cada estado pleitearia a parte correspondente ao
seu déficit habitacional. Foi uma revolução, à qual aderiram
as Cohab’s de todo o país, mas que, afinal foi brecada em
instâncias superiores. Nas páginas seguintes, a íntegra da
entrevista.
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foram muito influenciados
pela visão social de meus
pais e tios. Samuel, o mais
velho, falecido em 2003, foi o
mais culto dentre nós todos.
Notável sanitarista, autor
de mais de 50 livros, foi um
professor emérito. Marcelo,
administrador – falecido em
ADRIANO MURGEL BRAN1993 –, também seguiu a
CO – Uma biografia de 77
carreira pública, tendo traanos nunca é muito sucinta.
“Meu pai, engenheiro
balhado na Companhia de SaMas vamos lá. Eu nasci em São
e um servidor público
neamento Básico do Estado
Paulo, em 15 de novembro de
exemplar, assim como
de São Paulo, a Sabesp, e na
1931, segundo filho de uma
meus tios engenheiros,
Companhia do Metrô de São
série de cinco. Minha família
Paulo. Zillah, socióloga, é um
tem diferentes origens: esme induziram desde
espírito guerreiro. Além de
panhóis, portugueses, escocedo para a engenharia”
muitos trabalhos feitos no
ceses e australianos. Flaquer
Brasil, cooperou com o govere Branco, do lado paterno,
e Drummond e Murgel, do lado materno. As no Salvador Allende, no Chile – e com o governo
pessoas que mais me influenciaram foram meu português, após a Revolução dos Cravos. É uma
pai – Plínio A. Branco – e meu avô paterno – Jo- palestrante internacional de grande mérito. O
aquim Branco –, cujas histórias eram infindá- caçula, Gabriel, engenheiro, é um especialista
veis. Ambos dotados de grande cultura técnica, raro em problemas ambientais resultantes
humanística e religiosa. Meu pai, engenheiro da poluição veicular. Foi o autor, no governo
e um servidor público exemplar, assim como Franco Montoro, do projeto da lei do Programa
meus tios engenheiros, me induziram desde de Controle de Poluição do Ar por Veículos Aucedo para o caminho de suas profissões. Meu tomotores, o Proconve, e é ainda um aguerrido
pai foi o controlador de todas as concessões de batalhador na área de sua especialidade.
serviços públicos da cidade de São Paulo. Meu
tio Orlando Murgel foi diretor de quase todas REVISTA ENGENHARIA – O que o levou a
as ferrovias paulistas. Meu tio Catullo Branco escolher o curso de Engenharia? O senhor
foi idealizador das usinas hidrelétricas do Rio se formou por que escola? Tem especialiTietê e de Caraguatatuba, baseadas nas então zações?
recentes teorias do uso múltiplo das águas. ADRIANO BRANCO – Como disse há pouco,
Mas tem mais: desde ancestrais com castelo na sou formado pelo Mackenzie, onde lecionei
Escócia, até o criador do “jogo do bicho” – um Elementos de Eletrotécnica por sete anos. Mas
grande atrativo para o zoológico por ele criado aos poucos fui me afastando da especialidade
no Rio de Janeiro. Também Charles Miller, in- – eletricista – e ocupando funções mais admitrodutor do futebol no Brasil. Cursei o Colégio nistrativas, embora quase sempre no campo da
Pasteur desde o primeiro até o último ano e engenharia. Participei, com outros colegas, da
fiz engenharia no Mackenzie. Recebi também criação do Instituto Mauá de Tecnologia [IMT],
diploma de administrador, em 1973, por força há 47 anos, tendo sido professor de Organização
da regulamentação da carreira, que eu vinha Industrial, de Administração e de Problemas
exercendo de longa data.
Brasileiros na sua escola de engenharia. Lá
mesmo, criei o Centro de Cursos Especiais de
REVISTA ENGENHARIA – Como é a família que Administração, dedicado a engenheiros prino senhor constituiu depois de adulto?
cipalmente, e, mais tarde, projetei a Escola de
ADRIANO BRANCO – Casei-me em 1957 com Administração Mauá. Também participei da
Elza Galvão Branco, com quem tive três filhos. implantação do Centro de Pesquisas do IMT e de
Cintia, que é administradora de empresas; cursos de extensão universitária em engenharia
Sandra, que é psicóloga; e Alberto, também de tráfego. Essas atividades me retiveram no
administrador. Nenhum engenheiro... A esposa IMT, ora lecionando, ora gerenciando setores
infelizmente faleceu em 1987. Anos depois, em e cursos, durante 30 anos. Hoje atuo lá como
1992, casei-me de novo com a psicóloga Maria membro do Conselho Diretor. A minha curiosidaArielze Rabelo Branco. Meus irmãos também de intelectual e espírito de inovação fizeram-me
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mais passar por especializações de terceiros, do
que adquirir novas especializações. A audácia foi
a ponto de escrever um livro em parceria com
um mestre do Direito, professor Adilson Abreu
Dallari, e outro com um economista, Márcio
Henrique Bernardes Martins. No presente momento escrevo em meu site sobre os problemas
da economia mundial.
REVISTA ENGENHARIA – Dê, por favor, uma
“geral” sobre sua carreira, desde o primeiro
emprego até se tornar um engenheiro e
servidor público de grande sucesso?
ADRIANO BRANCO – Falar sobre minha carreira é narrar uma história sem fim. Afinal de
contas, com 52 anos de profissão e uma enorme
vocação para o novo, variei muito de atribuições
e percorri vários campos da engenharia, envolvendo desde a tecnologia até a administração
pública. Comecei as minhas atividades, pouco
antes de formado, como assessor de comunicação do prefeito paulistano Wladimir Toledo Pizza
[11 de abril de 1956 a 7 de abril de 1957], encarregado do noticiário das obras. Nesse mister
acompanhei diariamente o excelente secretário
de Obras, engº Maury de Freitas Julião, com
quem aprendi muito. Acho que meu entusiasmo
pela obra pública tem algo a ver com esse período. Após formado, fui para a CMTC, para dirigir
um laboratório de ensaios onde se aferiam as
qualidades de todos os produtos adquiridos pela
companhia: de xícaras de café a sofisticados
equipamentos de ônibus e bondes. Só não se
verificava a qualidade das peças fabricadas por
nossas oficinas, onde trabalhavam 900 pessoas.
Aí começou a “guerra” com os chefes de oficinas
de eletricidade e mecânica. Mas, com o tempo e
o apoio do chefe geral, engº Oswaldo Bianconi,
acabamos por melhorar consideravelmente os
nossos produtos.
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REVISTA ENGENHARIA –
Professor, fale um pouco
sobre sua pessoa e carreira. Onde e quando o senhor
nasceu, como era sua família de origem? Qual foi a influência de seus familiares
para seus estudos?
FOTOS: ANDRÉ SIQUEIRA
ENTREVISTA
Adriano Murgel Branco
REVISTA ENGENHARIA – Percebe-se que o
senhor dá grande valor à figura do primeiro
chefe, não?
ADRIANO BRANCO – Eu digo ainda hoje que
a nossa carreira depende muito do primeiro
chefe. E isso eu reconheci pelo meu trato com
o engº Bianconi e pelo meio ano de atividades
com o engº Julião. Passei a vida procurando ser
o “primeiro chefe” de muitos jovens, à semelhança deles. Mas, retomando o fio: um ano após, eu
estava requisitado para ocupar interinamente
o cargo de engenheiro chefe, último degrau da
carreira. De início eu recusei, lembrando que era
o mais jovem e mais recente engenheiro da casa.
Mas não houve jeito, diante da determinação do
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superintendente Durvalino
ampliada com o engº Álvaro
de Souza Lima e seu genro
Vieira. Nos dois anos que se
seguiram eu chefiei os deparadvogado Nelson Alves Vianna, dirigentes da Instituição,
tamentos de assessoria técnica da diretoria e de Ônibus,
que se convenceram que esem caráter oficial. Mas tamtávamos na estaca zero, probém tive a chance de chefiar
metendo vestibular para dois
interinamente os departameses depois. Pior, já estávamentos de Trólebus, Bondes
mos inscrevendo candidatos.
e Oficinas. Neste fiz completa
Não é difícil imaginar a corremodelação da fundição e
reria que se seguiu, andando
“Com 52 anos de
projetei uma carroceria ino nosso processo de mão em
profissão e uma
teiramente de alumínio, para
mão até ser levado ao primeienorme vocação para
substituir aquelas de madeiro ministro Tancredo Neves,
ra que a CMTC fabricava. Não
pelo líder do PTB na Câmara
o novo, variei muito de
tive muito apoio para os meus
Federal, deputado Almino
atribuições e percorri
últimos projetos e deixei a
Affonso. Hoje olho para trás
vários campos”
companhia. Curiosamente,
com saudade dessa aventura
fui chamado mais tarde pelo
saborosa, que deu origem a
então diretor superintendente engº Claudio Ja- uma das mais sérias e importantes instituições
coponi para implantar o projeto de carrocerias, universitárias do país. E é preciso recordar,
criando-se uma oficina para a recuperação e tro- sem demérito para os demais envolvidos, a
ca de carrocerias dos velhos trólebus. Fizemos figura ímpar de professor e diretor da Escola
mais de 200 dessas recuperações.
de Engenharia, engº Izrael M. Rozenberg, cuja
gestão traçou a linha reta que o IMT segue até
REVISTA ENGENHARIA – E depois da CMTC, hoje. Eu tenho 47 anos de história do Mauá para
o que o senhor fez?
contar. Mas fica para outra ocasião.
ADRIANO BRANCO – Após a CMTC, dediqueime à consultoria, no campo industrial. Essa REVISTA ENGENHARIA – Como foi sua pastransição fez-me deixar o magistério de Ele- sagem pela iniciativa privada?
trotécnica, no Mackenzie, pela disciplina de ADRIANO BRANCO – Em 1963, aceitei ser
Organização Industrial, na Mauá. Talvez a coisa diretor das indústrias do engº Dilson Funaro,
mais importante que eu haja feito nesse período, onde fiquei dez anos. Eu não queria ser indusalém da fábrica de carrocerias, foi participar trial: queria, isso sim, ajudar Dilson em sua
da criação do Instituto Mauá de Tecnologia carreira de empresário lúcido e dedicado às
[IMT]. Fundado em 11 de Dezembro de 1961, causas nacionais. Vivi grandes transformações
na sede do Instituto de Engenharia, já marcara da indústria, em momento histórico turbulento,
exames vestibulares para dois ou três meses mas sob o ímpeto de crescimento imposto pelo
depois, sem qualquer autorização do Ministério Dilson. Um dos meus maiores aprendizados foi
da Educação. Procurei então o seu presidente, gerir um amplo contrato de fornecimento de
engº Plínio de Queiroz, para advertir que o peças em caráter exclusivo à Philips do Brasil,
louvável desejo de fazer uma faculdade à moda que me fez conhecer por dentro uma das maioempresarial não tinha acolhida na legislação. E res organizações internacionais e um celeiro de
ele respondeu-me: “Aceitei ouvir você porque profissionais inigualável. Mas a vocação para o
sou amigo de seu pai; mas se você vem aqui setor público não apagou. Desenvolvi na Trol
para atrapalhar, encerramos o assunto”. E eu, vários produtos para segurança rodoviária e
sem embargo da admiração que nutria pelo Dr. mergulhei no assunto. Em 1972 eu publicava
Plínio, retruquei: “Estou aqui porque conheço os o primeiro livro brasileiro sobre o tema, com o
seus méritos através de meu pai e me penaliza título de Acidentes Rodoviários, Sinalização e
imaginar que o senhor vá ter que prestar contas Segurança. Esse livro deu origem a uma moderna
à Justiça”.
normatização brasileira [ABNT] de dispositivos
de segurança viária, vigente até hoje. Embora
REVISTA ENGENHARIA – Fico aqui imaginan- deva ser objeto de modificações importantes,
do o clima pesado que se criou...
condizentes com as características atuais do
ADRIANO BRANCO – Mas o que importa é tráfego – venho sugerindo isso há 10 anos...
que desse duro diálogo resultou uma conversa De qualquer forma, o fato de estar vigente até
hoje mostra o grau de avanço alcançado 35
anos atrás.
REVISTA ENGENHARIA – No assunto trânsito, qual foi a rusga que o senhor teve com
Fontenelle [coronel reformado Francisco
Américo Fontenelle, que foi convidado pelo
então governador Abreu Sodré para solucionar os problemas do trânsito da São Paulo
de 1967]?
ADRIANO BRANCO – De fato, também no
período de dedicação à indústria, envolvi-me
em enorme celeuma em torno das questões do
trânsito, quando aqui esteve o coronel Fontenelle para reorganizar a circulação paulistana,
entre 1966 e 1967. Eu me opus frontalmente ao
que estava sendo feito, privilegiando o tráfego
de automóveis em detrimento do transporte
coletivo. E mais, recusei de forma peremptória
o processo de tentativa-e-erro com que se
pretendeu regrar o trânsito.
Foi a maior polêmica de minha vida. O chamado
plano Fontec não deu certo, como eu previa, mas
a sociedade fora sacudida pelos fatos, o que
abriu as portas da imprensa para um debate
sério. Recentemente fui entrevistado pela “Folha
de S. Paulo” que, recapitulando os momentos
mais críticos do trânsito paulistano, deparou-se
com recomendações feitas em 1967 e que hoje
estão sendo reapresentadas como solução para
a nova crise.
REVISTA ENGENHARIA – Nessa altura o senhor continuava com Dilson Funaro?
ADRIANO BRANCO – Saí das empresas de Dilson para montar uma indústria de materiais de
segurança rodoviária, segundo as novas normas,
que teve grande sucesso. Por isso mesmo, os
seus proprietários a venderam três anos depois,
a um grupo mais especializado. Aí recebi um
convite irrecusável. O Dr. Olavo Egydio Setubal,
então prefeito paulistano, me recrutara, através
de seu competente secretário de Transportes
Olavo Guimarães Cupertino, para criar e dirigir
a Diretoria de Trólebus da CMTC. O objetivo era
colocar em marcha um amplo plano de corredores exclusivos de trólebus, concebido pela
prefeitura em conjunto com a Secretaria de Negócios Metropolitanos, dirigida pelo arquiteto
Roberto Cerqueira César, o que exigia também a
atualização tecnológica dos veículos, das redes,
das subestações e das garagens. E era preciso
pôr em circulação o primeiro veiculo dois anos
e meio depois... Trabalhar com essa gente foi
uma experiência de vida inesquecível. A partir de
uma equipe de sete pessoas, com engenheiros
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ENTREVISTA
Adriano Murgel Branco
de outros aproveitamentos – pescoço de frango
etc. – e concentrada, viabilizando o produto e o
processo. Para encurtar a história, só no final
do governo Luiz Antonio Fleury Filho, em 1994,
conseguimos implantar uma pequena fábrica
no Ceasa, graças ao apoio da Fundação Ayrton
Senna, que foi inaugurada na gestão seguinte.
Mas logo após o Ceasa foi vendido para o governo federal e a sopa acabou.
REVISTA ENGENHARIA – Mas a idéia não foi
copiada em outras partes?
ADRIANO BRANCO – Felizmente a repercussão do patrocínio de Viviane Senna levou a
idéia aos quatro cantos do Brasil e até a países
vizinhos. Um dos projetos mais amplos foi o
desenvolvido em Salvador, com a tecnologia
do IMT. E também com o desdobramento: distribuição do produto enlatado, de durabilidade
de um ano, e a distribuição in natura, diariamente, nas áreas pobres da capital baiana.
Projetos como esse não vingam ainda no Brasil.
Há uma enorme preocupação com a equação
custo-benefício imediato, sem enxergar, por
exemplo, as vantagens da escala futura. Mas
não se vê o efeito pedagógico de projetos como
esse, o real aproveitamento de alimentos que
normalmente vão para o lixo, o atendimento a
pessoas que não têm o que comer. Nessa época
o jornalista Roberto Muylaert, presidente da
Fundação Padre Anchieta, apoiando o nosso
projeto, fez uma reportagem, com o título de
“País do Desperdício”, em que mostrou com clareza a imensa possibilidade de reduzir perdas
em todas as nossas atividades. Mas...
REVISTA ENGENHARIA – E suas atividades
como consultor, na época?
ADRIANO BRANCO – Voltei à consultoria, desenvolvendo estudos de transportes para várias
cidades brasileiras e cumprindo um programa
de palestras sobre o assunto para quase todos
os países da América do Sul e mais o México, em
associação com a Setepla-Tecnometal Engenharia Ltda. e patrocínio do Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o Sebrae.
Uma das atividades que desenvolvi nesta fase
de consultoria e dedicação ao Instituto Mauá
de Tecnologia me é muito grata. Por volta de
1982, vendo um noticiário de TV, deparei-me
com a notícia, devidamente comprovada por
vídeo, que no Centro Estadual de Abastecimento,
o Ceasa – mantido pelo governo de São Paulo
– se jogavam fora, todos os dias, cerca de 80
toneladas de alimentos. Ou porque estavam
fora de especificação – cenoura com verruga
etc. – ou haviam sobrado da comercialização
diária, ou porque era preciso segurá-las para
elevar o preço, ou porque estavam amassadas
– o caso típico do tomate, embalado em caixa K,
aquelas de Kerozene do início
do século, absolutamente imprópria para o produto.
Ato contínuo visitei o presidente do Ceasa, que se limitou a dizer que a reportagem
era falsa, para prejudicar o
governo... Levei a idéia de
aproveitamento daqueles
produtos, por industrialização, ao presidente da Companhia Nacional de Abaste“Em 1963, aceitei ser
cimento, a Conab, que gostou
muito. Mas ele ficou pouco
diretor das indústrias do
tempo no cargo.
engº Dilson Funaro, onde
Enquanto peregrinava de
organismo em organismo, o
fiquei dez anos. Eu não
Centro de Pesquisas desenqueria ser industrial, só
volveu uma sopa de legumes,
ajudar Dilson”
enriquecida com proteínas
REVISTA ENGENHARIA –
Como era seu relacionamento com Franco Montoro?
ADRIANO BRANCO – Em
1982 eu estava debatendo
pela imprensa o problema
das enchentes na cidade de
São Paulo, quando fui chamado pelo então senador
Franco Montoro. Queria ele
a minha colaboração para o
seu programa de governo,
nas áreas de transportes e,
obviamente, enchentes. Foi
com muita alegria que aceitei
o convite, pois Montoro era
a revolução paulista: trocarse-ia uma administração totalitária, prepotente, por outra completamente diversa,
democrática, com visão de futuro econômico,
político, social, ambiental. Cumpri meu papel e
voltei às minhas lides habituais, naquele momento concentradas na implantação do centro
de pesquisas do IMT. Eleito Montoro, fui convidado, por três vezes, para presidir empresas
do Estado, o que recusei, devido ao meu envolvimento com o Mauá. Em sua posse, Montoro
perguntou-me por que eu desaparecera. “Você
brigou comigo?”, perguntou ele. Explicadas as
minhas razões, convidou-me para, em tempo
parcial, ajudá-lo a montar os chamados Conselhos de Governo e ser secretário executivo do
Conselho de Infra-Estrutura. Diante de minha
aquiescência, aproveitou para convidar-me
para os Conselhos de Ciência e Tecnologia e de
Energia. Exerci por mais de um ano essas funções, com muito agrado do próprio governador.
Pena que não se tenha repetido a experiência
dos Conselhos, que eu consolidei num trabalho
que ofereci aos governadores que se seguiram.
Franco Montoro foi um governador notável.
Democrata visceral, dotado de uma visão de
mundo avançada, enfronhava-se de cada assunto para poder decidir bem. Confiava em seus
subordinados e dava-lhes autoridade. Minha
experiência com ele, sobretudo no período
em que fui secretário, daria um livro precioso,
sobretudo relatando situações difíceis em
que reivindiquei autoridade absoluta, que me
foi conferida.
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jovens e dedicados, sob a batuta do experiente
engenheiro Christiano B. Murgel, contratamos
várias empresas de consultoria especializada
e nos pusemos a campo, inicialmente visitando
os principais países que operavam e fabricavam
trólebus. Para encurtar a história, no final da
gestão Setubal estava pronta a primeira linha,
contando com tecnologia de ponta. Mais uma
vez, passados 30 anos, procura-se desenvolver
um programa de corredores com veículo elétricos modernos...
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63
REVISTA ENGENHARIA – Depois viriam os
desafios da secretaria estadual dos Transportes, não?
ADRIANO BRANCO – Exato. Em maio de 1984
fui convidado por Franco Montoro para ocupar
o cargo de secretário dos Transportes. Um
convite sem injunções políticas, que eu aceitei
– o próprio Montoro já inaugurara o Centro de
Pesquisas do IMT –, com ampla liberdade de
escolha de meus subordinados. Trabalhei como
nunca na minha vida – até recebi o diploma da
Ordem do Mérito do Trabalho – para colocar
em ordem seis entidades de transporte – Vasp,
Fepasa, Dersa, DER, Daesp e DH – que tinham
nada menos do que 50 000 funcionários! Pautei
minha administração por um eficiente esquema
de planejamento global e individual em cada
entidade. Desse planejamento nasceram os
vários programas.
Os anos de 1983 e 1984 foram muito ruins
para o Estado, que se dedicava prioritariamente a reorganizar as suas finanças e enfrentar
protestos daqueles que, vítimas da ditadura,
deveriam estar ao seu lado e não fazendo
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cionamento com o governabaderna nas ruas, como fidor Orestes Quércia?
zeram. Mas em 3 de outubro
de 1984 pude apresentar no
ADRIANO BRANCO – No
palácio, perante um auditógoverno seguinte, de Oresrio de 1 800 pessoas, dentre
tes Quércia, trabalhei pouco
as quais 300 prefeitos e a
menos de dois anos, como
maior parte do secretariasecretário da Habitação. Endo e dos parlamentares da
contrei uma secretaria sem
base de apoio, um prograrecursos, com um passado
ma de 304 obras, com 304
de muito pouca efetividade.
licitações lançadas naquele
Toda a atividade habitacional
“Logo após sair do
dia. Nos anos subseqüendo Estado até então se resugoverno dediquei-me a
tes repetimos o feito e, nos
mia a um universo de cerca
algo especial: a criação
intervalos, liberamos mais
de 40 000 unidades. Minha
obras, a ponto de chegar a
primeira preocupação foi a
da entidade Associação
cerca de 2 000. De estradas
de caracterizar o setor como
Beneficente de Amparo
vicinais, lançamos mais de
de interesse público e não
7 500 quilômetros, deixando
como o de mero financiamene Solidariedade, ABAS”
metade prontos e o restante
to, cujos juros tornaram imem obras. Foram 500 estrapossível o acesso das classes
das! Ou seja, 500 concorrências públicas em mais pobres à casa própria. Entendido assim,
dois anos! Mas eu não gosto muito de só falar propusemos de saída que os juros de financiaem obras...
mento fossem reduzidos a zero, o que espantou
as autoridades financeiras. Para levar avante os
REVISTA ENGENHARIA – Então, como foi o novos conceitos e os planos deles decorrentes,
saneamento daquelas seis entidades de criamos o Fórum Nacional de Secretários da
transporte?
Habitação, que eu presidi, para encetar uma
ADRIANO BRANCO – Foi possível sanear ação muito ampla no Brasil e sem disputa entre
economicamente a Fepasa, o Dersa e a Vasp. estados: das verbas federais disponíveis, cada
Obviamente, as dívidas encontradas perdu- estado pleitearia a parte correspondente ao seu
raram. Mas adquirimos novos trens e novos déficit habitacional. Foi uma revolução, à qual
aviões. Recuperamos todas as embarcações do aderiram as Cohab’s de todo o país. Num primeiro
Departamento Hidroviário, o DH. Pavimentamos momento, a União destinou verbas significativas
praticamente todos os aeroportos. Duplicamos e praticamente zerou os juros para as casas
rodovias de tráfego intenso e criamos o pro- de menor custo; mas pouco depois o Conselho
grama de perenização de estradas de terra. Monetário Nacional revogou as verbas.
Contratamos financiamento internacional para
dois grandes programas – o de recuperação e REVISTA ENGENHARIA – Qual foi a alegação
melhoria ferroviárias e o de aumento da capa- dos membros do governo federal?
cidade de tráfego do sistema rodoviário. Reti- ADRIANO BRANCO – O Estado de São Paulo
ficamos e reformamos o corredor ferroviário havia lançado um programa de 120 000 morade exportação Campinas a Santos. Retomamos dias, após um diálogo com 360 prefeitos, feito
o programa de eletrificação ferroviária. Alcan- pelo próprio secretário, um a um, em 45 dias.
çamos o recorde do transporte ferroviário de A notícia, então, foi uma bomba. O governador
cargas – 23 milhões de toneladas em 1986. e eu fomos ao presidente da República, que
Reformamos todas as obras-de-arte das ro- nos encaminhou ao ministro da Fazenda. Tudo
dovias e ferrovias no trecho da Serra do Mar. foi negado, em nome do combate à inflação.
Ampliamos o Porto de São Sebastião e batemos De um combate que pouco tempo depois levou
o recorde de transporte quando o governo o país àquela famosa inflação de 80% ao mês.
federal importou carne. Articulamos a navega- Em vão os secretários argumentaram com a
ção fluvial na Hidrovia Tietê-Paraná com vários necessidade de investir na infra-estrutura
estados servidos por ela, enquanto o governo para sair da recessão. Escrevi vários artigos
desenvolvia forte programa de implantação de lembrando o New Deal, do presidente amerieclusas. Acho melhor parar por aqui.
cano Franklin Delano Roosevelt, e da solução
keynesiana para as crises do gênero. É curioso
REVISTA ENGENHARIA – E como foi seu rela- que hoje, mais de 20 anos depois, estamos às
voltas com problemas semelhantes; mas agora
com outra compreensão. Mas, além de tudo, o
investimento que propúnhamos era para reduzir
a miséria, melhorar as condições de educação
e saúde, elevar a produtividade nacional. Mais
ainda, provamos que o efeito multiplicador dos
investimentos possibilitaria um retorno, através
dos tributos, de 100% do investimento em 15
anos, ou 60% em quatro anos. E, finalmente,
mostramos que o retorno de caráter social seria
o dobro ou o triplo do valor aplicado.
REVISTA ENGENHARIA – Mas o esforço para
explicar isso tudo foi baldado?
ADRIANO BRANCO – Toda essa argumentação
valeu, porém, para outro fim: idealizamos um
processo de vinculação consentida de pequena
parcela do ICMS só para habitação. O secretário
da Fazenda, José Machado, deu grande força
ao projeto e o então presidente da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo [Fiesp],
Mário Amato, também. Disso resultou um projeto de lei específico, que entrou em vigor em
1989 – quando eu já não estava na secretaria
de Habitação – e permitiu fazer, de lá para cá,
400 000 habitações, além de um sem número
de obras de requalificação de moradias.
REVISTA ENGENHARIA – Mas havia uma
pedra no meio do caminho, não?
ADRIANO BRANCO – De fato. Em meio a essa
luta, com o projeto do ICMS em pleno debate,
o governador resolveu extinguir a Secretaria
da Habitação, passando a tarefa habitacional
para a Secretaria dos Negócios Metropolitanos.
Seria uma tarefa de alcance estadual entregue
a um órgão de jurisdição metropolitana. Coisas
da política... Embora eu fosse convidado para
outro cargo importante, recusei, manifestando
a minha perplexidade diante da decisão tomada.
Mais ainda, quando convidado para a Secretaria
da Habitação eu recusara, por ter minha esposa
muito doente. O governador insistiu, assim
como o fizeram Montoro e Covas. Finalmente,
atendendo ao apelo de minha própria mulher,
eu aceitei. No primeiro ano de minha gestão
ela morreu; no segundo, extinguiram a secretaria. Daí em diante nunca mais aceitei cargos
públicos, embora convidado mais de cinco vezes
para secretarias de Estado e duas para secretarias municipais. Isto não é simples desabafo:
é a parte triste da história. Mas a luta não foi
em vão: o Estado produziu muito e se prepara
agora, mediante a “lei do fomento”, para buscar
um grande reforço na iniciativa privada, para
acelerar o processo.
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ENTREVISTA
Adriano Murgel Branco
para a habitação, que fiz com a cooperação
do eng° Francisco Christovam. Também levei a
Maputo, representando o IMT, o prof° Mário
Pinheiro de Andrade, que promoveu seminários
sobre planejamento estratégico. Foi uma colaboração gratuita, com a doação das passagens
pela embaixada brasileira e pela Varig, que não
só me propiciou uma experiência inédita, como
me deu a oportunidade de fazer alguma coisa
por aquele povo tão sofrido. E me fez constatar,
infelizmente, o desinteresse de então, do Brasil,
pelos países pobres, já que a equação custobenefício nunca fecha com eles...
REVISTA ENGENHARIA – Qual foi sua atuação durante o período do governador Mário
Covas?
ADRIANO BRANCO – No início da gestão Covas, fui membro dos conselhos de administração
da Dersa, da CPTM e do Metrô, tendo propiciado
estudos e discussões sobre o “balanço social”
das empresas e sobre as perdas que a sociedade
sofre por conta da má qualidade do transporte
público e do congestionamento da cidade. Repeti as linhas de análise de estudo semelhante,
feito para a prefeitura paulistana em 1958,
pelo economista Paulo Assis Ribeiro. Àquela
época, foi demonstrado que as perdas sofridas
pela população equivaliam a uma vez e meia o
orçamento da cidade. Pois bem, no meu estudo
de 1998 conclui que as perdas da sociedade
metropolitana também equivaliam ao orçamento
global da metrópole! Algo estimado em 22 bilhões de reais por ano, valor esse avaliado hoje
em 40 bilhões de reais. O impressionante nesses
números é que, se admitirmos que, ao longo
desses 50 anos, o fenômeno
não se alterou, pode-se estar
concluindo que a população
regional perdeu cerca de 1
trilhão de dólares! E continuamos dizendo não haver
recursos para o transporte.
REVISTA ENGENHARIA – Pode contar-nos um
pouco de suas incursões
internacionais?
ADRIANO BRANCO – Nesse período de consultoria e
atuação no IMT, prestei uma
colaboração a Moçambique,
tendo estado lá por quatro
vezes, a partir de 1988.
Convidado pelo ministro dos
Transportes e pelo embaixador brasileiro na capital
Maputo, ajudei este a reali“Como consultor do
zar uma semana de debates
sobre a economia e sobre os
secretário Zeitlin,
transportes daquele país. O
dediquei-me às questões
desdobramento desse semida concessão de
nário resultou na elaboração
de dois estudos de planejarodovias, com foco na
mento estratégico, um para a
questão da segurança”
área dos transportes e outro
REVISTA ENGENHARIA –
Esse número – 1 trilhão de
dólares – é de arrepiar...
ADRIANO BRANCO – Para
você ver... Outra atividade
que desenvolvi com muita
satisfação, entre 1997 e
1998, como consultor, foi a
colaboração com a SPTrans,
presidida pelo eng° Francisco
Christovam, para o desenvolvimento de um projeto de Veí-
culo Leve sobre Pneus [VLP] em faixa segregada,
então chamado de Fura Fila. Desde 1977, quando
fui diretor de Trólebus da CMTC, convenci-me
da importância, para São Paulo, de um sistema
de corredores de trólebus e, nessa época, a
SPTrans desenvolvia os estudos de uma rede de
cerca de 120 quilômetros, com algumas linhas
radiais e um anel em torno do Centro, ligando
todos os trechos radiais, incluindo os de metrô
e de ônibus. Era um belo projeto, através do qual
se pretendia ter um sistema com capacidade de
30 000 passageiros por hora e por sentido –
metade do metrô –, a um custo da ordem de 20%
daquele das linhas metroviárias. Para conceber
o projeto, a SPTrans contratou especialistas em
diversas atividades e promoveu uma visita a
vários países da Europa e dos Estados Unidos,
além do Japão e da Austrália. A mim coube
traçar as especificações do veículo de molde a
tê-lo tão moderno como os estrangeiros, mas
fabricado no Brasil. Para isso, fui conhecer os
sistemas VLP do Japão, especialmente Tokyo, e
da Austrália – da cidade de Adelaide. Além disso,
inteirei-me das características dos veículos de
países visitados pelos demais colegas. Posso
dizer que foi um projeto muito avançado, desvirtuado, porém, pelas gestões municipais que se
seguiram. Mas deve voltar a ser examinado por
quem deseje resolver os problemas da cidade
de São Paulo com seriedade.
SUPLEMENTO/ENGENHARIA/2008
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REVISTA ENGENHARIA – O que o senhor fez,
depois de deixar as secretarias estaduais?
ADRIANO BRANCO – Logo após sair do governo dediquei-me a algo especial: a criação da
entidade beneficente Associação Beneficente
de Amparo e Solidariedade, a ABAS, que mantém
uma creche para crianças pobres no município
de Itanhaém. Temos hoje 90 crianças graças
ao apoio de generosos amigos. O pedaço triste
dessa experiência foi ver negado um novo projeto, grandioso, pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis,
o Ibama, que não autorizou o desmatamento de
um metro quadrado sequer, de área de 40 000
metros quadrados doada para o empreendimento. Nele se pretendeu implantar uma praça de
esportes, um centro cultural, uma unidade de
convivência com idosos, uma área de convivência
com a natureza, uma escola profissionalizante,
uma cozinha experimental, uma creche e uma
pré-escola, visando acolher as crianças pequenas e ocupar condignamente os meninos de
rua. Argumento do Ibama: o projeto não é de
interesse público e nem social! Viva o Brasil!
De 1989 para cá, logo após sair do governo,
dediquei-me especialmente à consultoria, pois
aposentei-me das lidas universitárias em 1992.
De 1992 a 1994, porém, assumi em Botucatu a
diretoria da Companhia Americana Industrial de
Ônibus, a CAIO, quando me dediquei a um esforço
de profissionalização e modernização da empresa. Cumpri os meus dois anos de contrato com
satisfação de lidar novamente com a tecnologia
do transporte e regressei a São Paulo.
9
REVISTA ENGENHARIA – Foi logo depois
disso que o senhor voltou a atuar como
consultor do governo paulista, na área dos
Transportes?
ADRIANO BRANCO – A partir do ano 2000
desvinculei-me dos conselhos estaduais para
poder trabalhar, como consultor, para o governo
do Estado de São Paulo, a convite do secretário
dos Transportes Michael Zeitlin. Dediquei-me,
então, às questões da concessão de rodovias
à iniciativa privada, com foco no problema da
segurança rodoviária, sobre cujo tema escrevi
o livro Segurança Rodoviária, patrocinado pela
Associação Brasileira de Concessionárias de
Rodovias, a ABCR. Mais tarde, através da mesma consultoria coordenei o Plano Estratégico
Hidroviário, a convite do secretário de Transportes Dario Rais Lopes, Eminente Engenheiro
do Ano de 2005. Foi uma importante atividade
feita em conjunto com o Departamento Hidroviário, que possui ótimos quadros, com o
arquiteto José Wagner Ferreira, especialista de
grandes méritos no assunto e com o eng° Mário
Pinheiro de Andrade, professor de Planejamento
Estratégico. Esse plano deu origem aos estudos
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10
é conhecer o alcance econôde transporte de álcool e de
mico e social da obra”. Assim
açúcar por meio hidroviário,
ele definia a sua idéia de “enconjugado à ferrovia e a uma
genharia global”. E criticava:
rede de dutos a construir.
“Os jesuítas construíram São
Algo muito inovador. Também
Paulo junto a importantes
colaborei com a gestão de
rios porque a cidade precisa
engº Jurandir Fernandes, na
de água. Depois a população
Secretaria dos Transportes
passou a contaminar essa
Metropolitanos, na elaboraágua com os esgotos e, agoção do Programa Prioridade
ra, em vez de corrigir o erro,
na Rede. Mais recentemente
“No Estado de São Paulo
planeja trazer água limpa de
tenho prestado assessoria
93% das cargas estão
mais de 100 quilômetros de
à Secretaria da Habitação,
sendo transportadas
distância, passando por duas
a convite do secretário Lair
usinas elevatórias. Isso é enKrähenbühl, como também
por caminhões, que
genharia de fato, ou exibicioà prefeitura paulistana, por
gastam mais energia,
nismo tecnológico?”
convite do prefeito Gilberto
causam acidentes e são
Problemas como esse se
Kassab, com quem já colaboagravaram em escala munrara à época de sua passagem
poluidores”
dial, a ponto de comprometer
pela Secretaria Municipal de
a vida do planeta. Quando se
Planejamento. Independentemente de relações formais de trabalho, procurei vê que a humanidade hoje consome mais recursempre contribuir com governadores e prefei- sos naturais do que o globo terrestre pode retos que me solicitaram ajuda, como Mário Covas, por, a despeito de ainda existirem 1,4 bilhão de
pessoas vivendo abaixo do nível da pobreza, não
Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab.
há como não temer pelo futuro. E a engenharia
REVISTA ENGENHARIA – Qual o papel reser- tem um papel transcendental na reversão dos
vado para a engenharia brasileira e para processos improdutivos.
a categoria dos engenheiros em geral no
trabalho de reverter as insuficiências que REVISTA ENGENHARIA – O Brasil tem muitos
afetam nossa infra-estrutura de transpor- processos improdutivos?
tes – rodoviária, ferroviária, hidroviária, ADRIANO BRANCO – No Brasil, em particular,
aeroviária, portuária – e de energia numa estamos caminhando na direção errada em váfase em que o Brasil ainda tem uma posição rias coisas. Por exemplo, no Estado de São Paulo
relativamente confortável – sendo otimista 93% das cargas estão sendo transportadas
– para continuar mantendo-se em cresci- por caminhões, que consomem mais energia,
mento do ponto de vista econômico?
promovem acidentes, poluem o meio ambiente
ADRIANO BRANCO – Falar sobre o papel e cujo transporte, se levados em conta os cusda engenharia em favor do desenvolvimento tos indiretos, chamados eufemisticamente de
nacional é sempre gratificante. A engenharia “externalidades negativas”, custa cinco vezes
sempre teve papel relevante na implantação da mais do que se fosse efetuado por aquavia. É o
infra-estrutura necessária ao crescimento do colapso anunciado. Semelhantemente, criam-se
país. Mas ao longo dos anos ela vem agregando todos os obstáculos possíveis para a implantanovas preocupações e novos conhecimentos, ção de usinas hidrelétricas, substituídas por
para transcender a visão técnica das coisas. De outras de energia térmica, poluidoras e de baixo
um certo momento para cá a engenharia passou rendimento energético. São muitos os exemplos
a se preocupar com a viabilidade econômica, para mostrar que, no tocante à produtividade, o
depois com a sustentabilidade ambiental e Brasil não vai bem. Por isso os autores do livro
finalmente com o reflexo social de suas obras Produtividade no Brasil: A Chave do Desenvolvie equipamentos. Lá pela década de 1970 eu mento Acelerado atribuem ao Brasil produtividiscutia esse tema com o eng° Plínio de Queiroz, dade equivalente a 27% da norte americana [N.
ex-presidente do Instituto de Engenharia, e ele, da R. – Em 1997, o McKinsey Global Institute
referindo-se ao plano de captação de águas na embarcou em estudos sobre o desempenho e
Bacia do Rio Juqueri para trazer para São Paulo, o potencial de economias emergentes, em um
dizia: “Mais importante do que fazer a ‘obra do trabalho conjunto com escritórios locais da
século’ [como estava sendo denominado o plano] McKinsey & Co. Os países analisados foram
Brasil, Coréia, Rússia e Polônia. No Brasil, os
resultados foram surpreendentes o bastante
para justificar que o estudo fosse transformado
em livro].
REVISTA ENGENHARIA – Especificamente
em relação às propostas do Programa de
Aceleração do Crescimento, o PAC, qual a
importância para o Brasil da existência de
um plano que invista em infra-estrutura em
longo prazo?
ADRIANO BRANCO – O PAC é um programa
absolutamente necessário ao Brasil, para vencer
alguns gargalos sérios da economia nacional,
embora possa ser questionado quanto a algumas prioridades e mesmo algumas opções. Mas
ele é ainda muito pouco perto do que o país
precisa. Basta lembrar que os programas de
transporte coletivo e de habitação popular, para
a Região Metropolitana de São Paulo, demandarão 100 bilhões de reais em 10 anos, para ver
que é preciso fazer mais. E, por isso, é preciso
buscar fontes novas de recursos [objeto de meu
livro em parceria com o Dr. Adilson Abreu Dallari,
O Financiamento de Obras e de Serviços Públicos], principalmente transferindo a mais valia
da obra pública para o empreendedor público
– como fizeram as ferrovias no passado. Não é
mais possível construir o Rodoanel Mário Covas
com recursos orçamentários, deixando para o
especulador imobiliário toda a valorização das
terras lindeiras. É preciso também ter clareza
quanto aos retornos econômicos, ambientais
e sociais, objeto do livro Desenvolvimento Sustentável na Gestão de Serviços Públicos que
escrevi em parceria com o economista Márcio
Henrique Bernardes Martins, para estabelecer
prioridades. Mas temos que reconhecer que o
PAC veio em muito boa hora, como que resultante
de uma antevisão da crise financeira mundial.
Agora que os economistas reabilitaram o grande
economista John Maynard Keynes e “descobriram” que as regras do Consenso de Washington
só atrasaram os países mais pobres, estão
apostando nos investimentos na infra-estrutura
produtiva para sair da crise.
REVISTA ENGENHARIA – Quais os grandes
problemas e principais avanços nos últimos
anos no transporte de passageiros e de
cargas, nos sistemas ferroviário, rodoviário,
hidroviário e aeroviário? Que fatores – talvez políticos e até psicossociais – levam a
que continue se fazendo a substituição de
serviços mais econômicos (a hidrovia é um
grande exemplo) por aqueles mais caros,
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ENTREVISTA
Adriano Murgel Branco
Anhaia Mello, Bilac Pinto, Alves de Souza e outros.
Uma vez consagrada essa doutrina, no Código
de Águas, os órgãos controladores das concessões passaram a se organizar cada vez mais
para exercer as suas funções precípuas. Nesse
afã, meu pai chegou a dirigir o Departamento
de Serviços de Utilidade Pública, responsável
pelas concessões de eletricidade, transportes,
telefonia, serviço funerário e gás. O último livro
técnico de meu pai, escrito em 1949, denominase, não por acaso, Diretrizes Modernas para a
Concessão de Serviços de Utilidade Pública. Eu
acompanhei de perto todos os debates sobre a
matéria, a partir de meus 15 anos, quando se
planejou a CMTC, resultado de uma completa
unificação dos transportes coletivos através de
uma concessionária de economia mista. E fui levado a entender a importância das concessões.
Quando secretário dos Transportes lidei a fundo
com a prestação de serviços públicos, que eram
objeto principalmente da ação da Vasp, da Fepasa e do DH. O envolvimento com as concessões
rodoviárias se deu quando eu era conselheiro
da Dersa, depois, assessor da Secretaria dos
Transportes na formação da Agência Reguladora
de Serviços Públicos Delegados de Transporte
do Estado de São Paulo, a Artesp.
SUPLEMENTO/ENGENHARIA/2008
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embora de aparente superioridade (como e ferroviário e investiu fortunas nas rodovias.
Hoje, assustados com o fato de o transporte
o rodoviário)?
ADRIANO BRANCO – As ações na área de rodoviário responder por 40% das cargas, com
transportes no Brasil, incluindo políticas, planos os enormes congestionamentos nas rodovias
e concretizações, deixam muito a desejar. O e nas cidades, com o crescimento do número
sistema rodoviário tomou conta do país, a ponto de acidentes, com a escassez de combustíveis
de ser necessário levar o veículo novo, fabricado e com a poluição, os europeus estão condupraticamente a beira-mar, para Belém ou Ma- zindo um audacioso plano de reversão dessa
naus, por rodovia. Abandonamos a cabotagem e situação, ampliando e modernizando ferrovias
pusemos todas as fichas em um transporte mui- e hidrovias. O arquiteto José Wagner Ferreira
to mais caro, poluente, causador de acidentes, tem feito várias palestras muito elucidativas
de baixo rendimento energético. E, o que é pior, sobre o tema.
nós abandonamos a malha rodoviária federal
à própria sorte, salvo pequenos trechos hoje REVISTA ENGENHARIA – O senhor pode coconcedidos à iniciativa privada. O transporte mentar a importância de quatro grandes
ferroviário praticamente desapareceu, menos projetos ora em discussão no âmbito da
no que respeita ao transporte de minérios, CPTM: Trem de Guarulhos (futura Linha 13grãos e mais alguns poucos produtos em que Jade), Expresso Aeroporto (futura Linha 14concorre com o caminhão. Temos 10 vezes Ônix), Trem Expresso Bandeirante (regional
menos quilômetros de ferrovia que os Estados intermetropolitano São Paulo-Campinas), e,
Unidos, em condições precárias em sua maior finalmente, o chamado trem bala, entre São
parte. No Estado de São Paulo, 93% das cargas Paulo e Rio de Janeiro?
hoje são rodoviárias. Mas o pior é que não se ADRIANO BRANCO – Em relação aos três
vê uma ação decidida em favor da ferrovia. Os primeiros projetos mencionados eu não tenho
concessionários têm poucas obrigações e “es- dúvidas quanto à sua necessidade e urgência.
colhem” os trechos que lhes convêm. Enquanto São projetos acalentados há muito tempo e cuja
isso, ficamos entusiasmados com a idéia de ausência complica cada vez mais a circulação
implantar um trem bala, de elevadíssimo custo, de pessoas e até de cargas, como poderia ser
para transportar passageiros. E as cargas? O pensado em relação ao transporte noturno
Brasil tem cerca de 50 000 quilômetros de vá- dos correios para os aeroportos. Já no que diz
rios cursos d’água potencialmente navegáveis. respeito ao trem bala, de São Paulo para o Rio
É claro que a hidrovia não nasce pronta, da de Janeiro, não me parece uma prioridade, dado
mesma forma que ocorre com a ferrovia ou a o seu elevado custo. Mas havendo financiadores
rodovia, que também não nascem do nada. Para externos para a obra, sem comprometimento de
tornar navegáveis esses rios é preciso investir. outras mais necessárias e sem participação do
Entretanto, qualquer obra que seja necessá- escasso dinheiro nacional, a sua implantação
ria é descartada, enquanto
poderá contribuir para a sanas rodovias se investem em
ída da crise.
obras monumentais. Faltanos uma mentalidade de proREVISTA ENGENHARIA – De
dutividade, falta-nos visão de
quando remonta seu enfuturo, faltam-nos análises
volvimento pessoal com o
econômico-socioambientais
tema concessões rodoviadequadas. Mas do lado roárias (ou de outros segdoviário, conta-se com a visão
mentos de transportes)
de conforto dos automobilisno Brasil?
tas – conforto bem discutível
ADRIANO BRANCO – Eu
hoje, diga-se de passagem – e
diria a você que eu não fui
“Há todas as condições
também com as pressões da
concebido: fui “concedido” (riindústria, dos produtores e
sos). Em 1931, quando nasci,
de as concessionárias
distribuidores de combusmeu pai estava profundamentratarem com o devido
tíveis, dos construtores. A
te envolvido na doutrina das
cuidado a qualidade das
Europa deixou-se levar pelos
concessões, que vinha sendo
apelos do automobilismo nos
difundida no Brasil, a partir
estradas, em favor da
últimos 30 anos. Estagnou
da experiência norte-amesegurança dos usuários”
os transportes hidroviário
ricana, por Alfredo Valadão,
11
REVISTA ENGENHARIA – Muito se falou, na
época do lançamento do programa de concessão, que as rodovias brasileiras enfrentavam sérios problemas de manutenção,
além de não acompanharem o desenvolvimento internacional do setor. Quais as
dificuldades iniciais para a implementação
do programa? A maior parte da malha rodoviária realmente estava em estado irrecuperável, exigindo total reconstrução?
ADRIANO BRANCO – Com todas as carências,
as rodovias de São Paulo eram – como o são – as
melhores do Brasil. A concessão de parte das
rodovias do DER à Dersa, que era concessionária, permitiu que a obtenção de financiamentos
externos, garantidos pela cobrança de pedágios,
ajudasse a ampliar e modernizar as rodovias.
Quando assumi a Secretaria dos Transportes, a
Dersa estava literalmente falida, devendo mais
de 1 bilhão de dólares. Fazia dois anos que não
se atualizava o valor do pedágio. Minha primeira
ação foi reajustá-lo em 200%. Foi uma dura
experiência, da qual quiseram se aproveitar as
forças políticas adversárias, o que me obrigou
a agir com mão-de-ferro. Mas a Dersa se recuperou e voltou a aperfeiçoar as suas estradas,
que depois foram concedias à iniciativa privada.
Embora a situação de conservação das estradas
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12
concedidas não fosse das pioé dos mais importantes. Eu
res, era necessário promover
reafirmo que a segurança
ampliações, melhorar consié o alvo maior da disciplina
deravelmente a segurança,
do tráfego e do projeto da
o que foi feito. Mas não havia
rodovia. Mas vejo hoje que,
malha irrecuperável. O prono afã de não permitir a
blema atual, representado
concorrência ferroviária,
por índices de acidentes ainos transportadores rododa elevados, é de natureza
viários conseguiram autocomportamental. Os usuários
rização para caminhões de
“Comecei a minha
reagem à legislação de trânaté 80 toneladas. Eu estava
sito, dirigem sem condições
presente em reunião técnica
carreira no transporte
de saúde – inclusive drogado Departamento Nacional
coletivo após anos de
dos e alcoolizados –, não mande Trânsito, o Denatran, que
tém em condições adequadas
autorizou esse absurdo. O
‘doutrinação’ de meu
os veículos, tomam remédios
engenheiro defensor da propai. Ele escreveu vários
– principalmente os motorisposta argumentava com a boa
livros cujas ‘provas’ eu
tas de caminhões – para não
distribuição das rodas, não
dormir, e assim por diante.
afetando os pavimentos, para
ajudava a corrigir”
Por outro lado – o lado do
dizer que a proposta era boa,
governo – falta legislação de
que favorecia a competição.
controle veicular e falta uma vigilância severa, Mas eu lhe perguntei em que estrada do Brasil
que autue os infratores. Em nenhum lugar do havia segurança compatível com caminhões
mundo se alcançaram índices de acidentes bai- de 80 toneladas. Ninguém respondeu; mas a
xos – um quarto dos nossos – sem um absoluto autorização passou. Eu fui o autor das normas
respeito a essas regras.
brasileiras de defensas metálicas, ao tempo em
que os caminhões tinham 30 toneladas. É um
REVISTA ENGENHARIA – O programa brasi- grande risco o que hoje se autoriza: risco nas
leiro de concessão de rodovias vem moderni- estradas e nas vias urbanas. Basta olhar para o
zando, ampliando e melhorando os sistemas noticiário para ver isso.
viários brasileiros de maneira a que não se
dêem margens a dúvidas?
REVISTA ENGENHARIA – Que perspectivas
ADRIANO BRANCO – A experiência inicial de o senhor vê para a próxima rodada de conconcessão de rodovias foi um grande aprendi- cessões rodoviárias prevista no Estado de
zado. Algumas normas contratuais mostraram- São Paulo?
se inadequadas e vão sendo corrigidas com o ADRIANO BRANCO – São Paulo tem tudo
tempo. As novas concessões aproveitam a expe- para se sair bem no programa de concessões
riência adquirida, sobretudo admitindo que as rodoviárias. Tem experiência, tem fluxos de
melhores propostas incluam serviços adicionais. tráfego bons, tem estradas em razoável situaTodavia, eu não concordo com o julgamento pela ção, evitando investimentos impossíveis para a
tarifa. A tarifa deve decorrer de uma política pú- iniciativa privada. Mas desde o início eu venho
blica que regule a oferta e a demanda. Deve ser propugnando por um sistema de Câmara de
fixada pelo poder concedente, dando margem a Compensação, analisado no livro O Financiaque umas estradas subsidiem outras. Essa regra mento de Obras e de Serviços Públicos [2006],
concorrencial é absolutamente inadequada para que permita fazer “pacotes” de rodovias, de
os serviços públicos.
tal sorte que as melhores subsidiem as menos
rentáveis. A lei de concessões de Pernambuco
REVISTA ENGENHARIA – O senhor costuma admitiu até que serviços públicos mais rentádizer em seus livros que as estradas não veis subsidiassem outros menos rentáveis. Se
podem mais ser concebidas apenas com o assim se fizera no primeiro bloco de concesúnico objetivo de permitir o máximo fluxo de sões, teria sido possível conceder 20 rodovias
tráfego possível, mas sim com vistas – pri- em vez de 12. Para otimizar esses resultados,
mordialmente – à segurança. Que conceitos porém, será necessário que o julgamento das
básicos envolvidos nos transportes teriam ofertas de concessões não se faça pela menor
que ser reformulados?
tarifa. É o Estado que deverá fixar a tarifa, até
ADRIANO BRANCO – Esse ponto considerado como instrumento regulador do serviço público
evitando, por exemplo, que o sistema rodoviário aniquile o ferroviário. O Brasil precisa dos
transportes ferroviários e hidroviários, que
são complementares entre si e com rodoviário
e não concorrentes. Principalmente porque
a concorrência é falsa, graças à ocultação de
muitos custos reais do sistema rodoviário sob
a capa de “externalidades negativas”, tão claramente denunciadas por Hazel Henderson, em
seu livro Mercado Ético. Por último, chamo a
atenção, também, para a necessidade de se criarem mecanismos de apropriação da mais valia
resultante da modernização das estradas em
favor da própria obra, reduzindo os investimentos finais. Foi assim que a Companhia Paulista
de Estradas de Ferro prosperou, valorizando
e vendendo as terras no seu entorno através
da CAIC. Foi assim que a Light capitalizou o seu
sistema de bondes, loteando áreas contíguas às
linhas de transporte. Indo até além, a lei 2249,
de 1927, que concedeu à Light a retificação
do Rio Pinheiros, admitiu a desapropriação de
larga faixa que, uma vez retificado o rio, seria
vendida valorizada.
REVISTA ENGENHARIA – Tendo em vista as
possíveis PPPs futuras, como está hoje a
condição das construtoras no sentido de
dispensar especial atenção ao controle
de qualidade de materiais empregados na
execução das obras, tratamento do solo
e conformidade com as especificações do
projeto?
ADRIANO BRANCO – Independentemente das
PPPs, há todas as condições de as empresas
tratarem com o devido cuidado a qualidade das
estradas, seja em favor da segurança dos usuários, seja em benefício da durabilidade. Aliás,
sendo os concessionários responsáveis pela
conservação, tem eles o máximo interesse por
essa durabilidade. Por outro lado, já se viu que a
economia do sistema permite até que se cobrem
“ônus” das concessões, medida essa que eu não
considero boa. Melhor será instituir Câmaras
de Compensação, como eu disse antes. Graças
à relativa folga no equilíbrio econômico, as concessionárias estão indo além de suas obrigações
contratuais, organizando cursos e palestras
sobre segurança, distribuindo material de comunicação adequado, inspecionando veículos,
dando assistência de saúde a motoristas etc.,
aceitando que suas responsabilidades públicas
vão além das contratuais. Reafirmo aqui que
solução melhor do que as PPPs, muito limitadas
em razão das disponibilidades públicas para
investimentos e garantias, é a de “calibrar” as
w w w. b rasilengenharia .com . b r
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ENTREVISTA
Adriano Murgel Branco
de superfície. E o fiz ... para os arquivos.
REVISTA ENGENHARIA – Há solução para a REVISTA ENGENHARIA – E o senhor tinha
mobilidade urbana (trânsito) na cidade de dito que hoje a situação não mudou quase
São Paulo? Como vê o Plano de Moderniza- nada...
ção e Expansão da CPTM, com diminuição ADRIANO BRANCO – Em 1998 repeti aqueles
de intervalo entre trens e tentativa de se cálculos, como já disse, e cheguei a conclusão
atingir um padrão de serviço de metrô de semelhante, só que em relação à Região Metrosuperfície?
politana de São Paulo. Destas análises, atualizaADRIANO BRANCO – Agora você mexe com das para 2008 – 50 anos depois! – extraio dois
todos os meus neurônios. Como eu já disse, grandes números, realmente alarmantes. As
comecei a minha carreira no transporte cole- perdas hoje são de 40 bilhões de reais por ano.
tivo, após anos de “doutrinação” de meu pai. Ele As perdas acumuladas nos 50 anos – reafirmo –
escreveu vários livros sobre serviços públicos, chegam a 1 trilhão de dólares! Eu repito sempre
cujas “provas”, montadas pelo sistema de “ti- isso para contestar liminarmente a idéia de
pos”, eu ajudava a corrigir. Mas meu pai foi o que a Região Metropolitana não tem recursos.
coordenador do maior estudo de transportes Tem sim! Mas joga fora e, de lambuja, mata as
que a cidade de São Paulo teve até aquela pessoas por acidentes e por poluição. O erro é
época [1943], como presidente da Comissão de base: a preponderância, sempre crescente,
de Estudos de Transportes Coletivos, criada do transporte de pessoas por automóveis, em
pelo então prefeito Prestes Maia. Nessa época relação ao sistema coletivo. Em 1948, primeiro
a prefeitura paulistana teve o mais notável ano de funcionamento da CMTC, apenas 12% dos
grupo de especialistas, seja na área técnica, deslocamentos da cidade se davam por automóseja no campo jurídico. Mesmo correndo o risco veis; hoje, essa cifra chega a 45% dos deslocade alguma omissão, cito Frederico Hermann mentos motorizados. Com o agravante de que
Junior, Antonio Le Voci, Milciades Pereira da hoje, ademais, 12,3 milhões de deslocamentos
Silva, Aulio Clemente Ferreira, Mário Lopes se dão a pé, diariamente. A correção disso está
de Leão, J. Gabriel Sant’Anna, Bruno Rudolfer, na intensificação e melhoria do transporte
Oswaldo Bandeira de Mello, J. F. Moreno, Car- coletivo, principalmente considerados o metrô,
valho Pinto, Meirelles Teixeira. São nomes de os trens e os corredores de trólebus. Mas a
pessoas que eu, ainda ginasiano, tive a honra de escala não pode ser a de 1,5 quilômetro de
conhecer. Estas equipes, de técnicos e juristas metrô por ano, como aconteceu nos últimos 40
que fizeram escola, foram fruto da ação do anos. É programa para gente grande. A cidade
notável urbanista Anhaia Mello, precursor dos de São Paulo conta hoje com legislação básica
estudos de concessão de serviços de utilidade para as chamadas concessões urbanísticas,
que possibilitarão a aplicapública, que fora prefeito do
ção nas obras de toda a valoano de 1931. Mas foi no ano
rização imobiliária que se dá
de 1958 – segundo de minha
em torno dela. E estou em lhe
carreira – que fui indicado
afirmar que a mais valia obtipelo presidente da CMTC,
da das implantação de linhas
Dr. João Saad, para analide metrô pode pagar todo o
sar o relatório da chamada
investimento nelas. Em Tokyo,
Comissão Anápio Gomes,
77% da receita do metrô
elaborado por Paulo Assis
são de natureza imobiliária.
Ribeiro, que alertara para a
Como esse, há muitos outros
grave constatação de que a
exemplos relevantes. Por fim,
população paulista perdia
“A esta altura, em
há que considerar a grande
anualmente o equivalente a
importância da parceria com
1,5 vezes o orçamento da
um momento em que
a iniciativa privada, que será
cidade em razão das perdas
não estou mais nos
a concessionária das concesde tempo e de produtividade,
sões urbanísticas e que, num
cansadas pelas deficiências
holofotes, este diploma
de transporte coletivo. A
de Eminente Engenheiro segundo momento, poderá
ser concessionária da própartir dessas informações,
do Ano, cala-me fundo
pria operação do transporte,
fui encarregado de propor a
sem grandes encargos de
remodelação do transporte
na alma”
investimento. Os ingredientes básicos para isso
são a “visão de futuro” e a “determinação”.
REVISTA ENGENHARIA – Como o senhor
avalia toda essa jornada de 52 anos de
profissão?
ADRIANO BRANCO – Eu tenho a sensação do
dever cumprido. Mas valho-me muito, e com certa
ponta de orgulho, da avaliação que outros fazem.
Só este diploma de Eminente Engenheiro do Ano
de 2008, em um momento em que não estou mais
nos holofotes, cala-me fundo na alma. Mas ao
longo dos cinco anos em que fui secretário de
Estado, recebi mais de 100 homenagens, principalmente dos municípios; 30 delas são diplomas
de Cidadania. Recebi também medalhas de mérito dos transportes e do trabalho, dentre outras.
Tendo ocupado relevantes cargos públicos em
três oportunidades, recebi entretanto mais 10
convites para funções públicas executivas, que
não aceitei, em geral por não me sentir apto a
desempenhá-las naqueles momentos. Fui professor em duas escolas de engenharia e por várias
vezes homenageado, duas das quais como paraninfo. No Instituto Mauá de Tecnologia recebi
o diploma de Associado Benemérito. Trabalhei
em muitos lugares e coleciono homenagens
recebidas daqueles que trabalharam comigo.
Entretanto, nada se faz sozinho. Não posso esquecer os inúmeros companheiros de trabalho,
em todos os lugares por onde passei, muitos dos
quais me procuraram para dizer do seu desejo
de trabalhar comigo. E também aqueles que, nos
vários rincões do Estado, se empolgaram com
nossos programas públicos e tudo fizeram para
que eles se cumprissem. Com eles, compartilho
as homenagens que recebi. Também não posso
deixar sem referência os cinco anos em que
me dediquei à chamada política universitária.
Tive a ventura de longo diálogo, de extensa
oportunidade de discussão e aprendizado com
colegas de várias especialidades no ensino superior, sobre o futuro do Brasil, participando
dos inesquecíveis fatos políticos daquela década
– a campanha “O Petróleo é Nosso”, a defesa de
nossos recursos minerais, a morte de Getúlio
Vargas, as tentativas do golpe contra Juscelino
Kubitschek. Adquiri, ainda, a experiência e o
gosto pelo debate político. Mas a homenagem
definitiva é ver reunidos periodicamente os
meus netos e sobrinhos-netos para ouvir-me e
debater comigo desde problemas da economia
global, política, tecnologia, serviços públicos e
sociais, meio ambiente, solidariedade universal,
até questões familiares que dizem respeito à
formação de cada um.
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tarifas e montar Câmaras de Compensação.
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Galeria dos
Eminentes Engenheiros do Ano,
de 1963 até hoje
Em 12 de novembro de 1963 o Instituto de Engenharia, na procura de exemplos para
valorização profissional e engrandecimento da engenharia brasileira, criou o título
Eminente Engenheiro do Ano. De acordo com o regulamento próprio, a escolha do
Eminente Engenheiro do Ano é feita por uma comissão integrada por cinco sócios
do Instituto de Engenharia: o presidente do Instituto, o presidente do Conselho
Consultivo, um ex-presidente indicado pelo Conselho Consultivo, e dois membros do
Conselho Deliberativo indicados pelos seus pares.
Relacionamos a seguir os engenheiros premiados até hoje.
1963 – Oscar Machado da Costa
1964 – Adriano Marchini
1965 – Luiz Cintra do Prado
1966 – Luciano Jacques de Morais
1967 – Amaro Lanari Junior
1968 – Lucas Nogueira Garcez
1969 – Mário Lopes Leão
1970 – Alberto Pereira de Castro
1971 – Eduardo Celestino Rodrigues
1972 – Pedro Viriato Parigot de Souza
1973 – Telemaco Hippolyto Van Langendonck
1974 – Francisco Lima de Souza Dias Filho
1975 – Luiz Dumont Villares
1976 – André Tosello
1977 – Antonio Hélio Guerra Vieira
1978 – Olavo Egydio Setubal
1979 – Antonio Ermírio de Moraes
1980 – Ozires Silva
1981 – José Celestino Monteiro de Barros Bourroul
1982 – Rubens Vianna de Andrade
1983 – Edson Fregni
1984 – Theodósio Pereira da Silva
1985 – Eliezer Batista da Silva
1986 – Guido Fontegalant Pessoti
1987 – Wagner Freire de Oliveira e Silva
1988 – Milton Vargas
1989 – João Augusto Conrado do Amaral Gurgel
1990 – Edson Vaz Musa
1991 – Bernardino Pimentel Mendes
1992 – Rinaldo Campos Soares
1993 – Augusto Carlos de Vasconcelos
1994 – Hermann Wever
1995 – Carlos de Paiva Lopes
1996 – Paulo Salim Maluf
1997 – Luiz Carlos Mendonça de Barros
1998 – Mário Covas Junior
1999 – João Carlos de Souza Meirelles
2000 – Francisco Romeu Landi
2001 – Mário Franco
2002 – Roberto Egydio Setubal
2003 – Cristiano Kok
2004 – Vahan Agopyan
2005 – Dario Rais Lopes
2006 – Rubens Ometto Silveira Mello
2007 – Gilberto Kassab
2008 – Adriano Murgel Branco
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