História da Arte Contemporânea no RS: a - MediaLab

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História da Arte Contemporânea no RS: a - MediaLab
Visitant Genet de Vera Chaves Barcellos: a história através do universo de Jean Genet
Giovanna Graziosi Casimiro, Bolsista PROBIC/Fapergs 2011 CAL/UFSM
Marcos Souto, Bolsista FIEX/UFSM 2011 CAL/UFSM
Nara Cristina Santos, Profª. Drª. PPGART/DAV/CAL/UFSM
RESUMO: O artigo visa analisar, a partir da obra Visitant Genet (2001), da artista multimídia gaúcha Vera
Chaves Barcellos, as questões da ficção e realidade, e tratando sobre os elementos e aspectos que envolvem a
estrutura desta vídeo-instalação. A aproximação com a obra foi realizada por meios que permitissem sua
análise, a partir dos processos de: criação, produção, visualização, disponibilização e manutenção.
Palavras-chaves: arte contemporânea; arte e tecnologia; vera chaves Barcellos; história, realidade.
ABSTRACT: The article aims to analyze, from the work Visitant Genet (2001), the multimedia Vera
Chaves Barcellos´work, the issues offiction and reality, and dealing with the elements and aspects that
involve the structure of this video installation. The approach to the work was done by means that allow their
analysis, from the process: creation, production, visualization, deployment and maintenance.
Key words: contemporary art, art and technology; Vera Chaves Barcellos, history, reality.
Este artigo enfatiza a obra Visitant Genet (2001), instalação multimídia desenvolvida por Vera Chaves
Barcellos, artista plástica gaúcha, cujos trabalhos são objeto de estudo no projeto de pesquisa Artistas
Contemporâneos no Rio Grande do Sul: arte, tecnologia e mídias digitais, desenvolvida no LABART-UFSM. A
pesquisa se detém na História da Arte Contemporânea, e na produção em arte, tecnologia e mídias digitais.
O projeto Visitant Genet (2001) é constituído de diversas partes, as quais vão se unindo à medida que
o espectador se insere na realidade proposta dentro da instalação. Todos os documentos, e o centro da
pesquisa que originou este trabalho, são a vida e obra de Jean Genet, escritor e teatrólogo francês.
Documentos, fragmentos de suas obras, personagens criados por ele e trabalhos de outros artistas, cujos
temas tratam de questões pertinentes à vida do escritor, são coletadas e apresentadas em vários momentos da
obra. Esses elementos revisitam a vida e obra de Genet, e propõe no final um encontro intimista com figura
central da pesquisa da artista.
A aproximação com a obra foi realizada por meios que permitissem sua análise, a partir dos processos
de: criação, produção, visualização, disponibilização e manutenção (Santos, 2004). Logo, a criação surgiu parte
da coleta de informações e dados quanto à vida e obra de Jean Genet. Paralelamente, há a pesquisa de seu
mundo ficcional, seus personagens, obras escritas e peças teatrais. Colaborando com a instalação final, Vera
Chaves faz uso do trabalho plástico de um segundo artista - Hudinilson Junior - vinculado às questões de
homossexualidade, que produz em cadernos, uma espécie de álbum através da colagem de imagens públicas e
pessoais. O momento, no qual todos os elementos levantados convergem, é um vídeo, onde ocorre a
simulação de um contato real com Jean Genet, na prisão, e este vídeo foi desenvolvido a partir de software
para programação de imagens/animações em 3D, além da filmagem em si, dos movimentos corporais do ator
Marcel-lí Antunes.
A produção da obra se dá em quatro núcleos, sendo o final a vídeo-instalação, que de certa forma conclui
o passeio pelo mundo de Jean Genet. A visualização da obra ocorreu somente no espaço expositivo onde foi
apresentada na forma de uma instalação - dos dias 23 de novembro de 2000 ao dia 18 de fevereiro de 2001 - e,
dessa maneira, não foi disponibilizada na íntegra, posterior a sua apresentação, mas somente através de
registros fotográficos que possibilitavam uma aproximação de seu contexto.
A obra ficou exposta no Museu D´Art de Girona, além do Santander Cultural (2001) em Porto Alegre,
permitindo acesso do público à obra completa: dividida nos quatro núcleos, a fim de formar um conjunto coeso
que abordasse e apresentasse os diferentes nuances do ambiente que cercava a vida e obra de Jean Genet.
Visitant Genet se compõe de ambientes com o acervo de fotos, as informações do autor francês, dos trabalhos
de Hudinilson, além da video animação. Como foi exposta apenas duas vezes ao público sua manutenção se
tornou mais simples, apenas necessitando dos cuidados com o acervo durante o período expositivo e na
sustentação dos dispositivos em uso, o equipamento digital responsável pelo funcionamento da vídeoanimação e projeção, visando manter o total funcionamento da obra.
Vera Chaves Barcellos
Vera Chaves Barcellos é gaúcha de Porto Alegre, nasceu em 1938 e na década de 1960 foi estudar no
exterior. Nessa fase a artista ainda trabalhava com as técnicas tradicionais de representação. Na década de
1970, Vera começa a se dedicar cada vez mais a arte conceitual e a fotografia. Em 1976 representou o Brasil da
Bienal de Veneza, e expôs trabalhos coletivamente em outros países - Alemanha, Bélgica, Coréia, Japão, França,
Holanda, Inglaterra, Estados Unidos e Austrália - como sua instalação – Cegueses (1997 – Museu D´Art de
Girona.
Nos últimos anos a artista tem se dedicado às novas tecnologias. Seu trabalho Visitant Genet é um
exemplo, pois para sua elaboração foram necessários o uso de programas para a produção de animações
tridimensionais e dispositivos tecnológicos, com é o caso do projetos multimídia. A obra esteve na exposição
Sem Fronteiras no Santander Cultural (2001) e na Espanha no Museu D’Art de Girona (2001). Em seu site
pessoal, Vera utiliza as facilidades da internet para disponibilizar seus recentes trabalhos em vídeo. Instituições
culturais possuem obras da artista em seus acervos, como o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do
Sul (MAC), Galeria Sotero Cosme na Casa de Cultura Mário Quintana, o Museu de Artes do Rio Grande do Sul
(MARGS) e também a Fundação Vera Chaves Barcellos que mantem obras do acervo particular da própria
artista.
Chaves Barcellos também contribui para a cena cultural de Porto Alegre como uma das fundadoras do
Centro Alternativo de Cultura Espaço N.O. em 1979 e da Galeria Obra Aberta, que durou três anos. Em 2003 é
criada a Fundação Vera Chaves Barcellos, sendo a própria artista sua instituidora. A FVCB é dividida em dois
espaços, o Espaço 0 e o Espaço 1. O Espaço 0 localiza-se no centro de Porto Alegre, onde funciona a
administração e a sala de exposição; e o Espaço 1, em Viamão, onde se encontra a reserva técnica e estão
guardadas as obras do acervo. Dessa maneira, a instituição tem como objetivo a preservação, pesquisa e
difusão da arte contemporânea a partir da realização de exposições, seminários e debates.
Visitant Genet
Vera Chaves Barcellos, Visitant Genet (2001)
Vera Chaves Barcellos, Visitant Genet (2001)
A obra Visitant Genet – exposta no Museu D´Art de Girona (2000/2001) e no Santader Cultura (2001) convida o espectador a realmente participar e visitar o mundo psicológico, a vida e obra de Jean Genet. Depois
de adentrar nos arquivos que contam sobre o escritor francês, há uma simulação de visita ao presídio – local
onde Genet passou parte de sua vida – através de uma vídeo-animação. O processo de montagem do vídeo se
dá por meio de um ator, que interpreta gestos com seu corpo, onde somente o tronco e a cabeça aparecem.
Depois, a face é substituída por uma animação tridimensional, pelo rosto de Jean Genet, simulando uma
conversa.
Escritor e teatrólogo francês, Jean Genet, nasceu em 1910 em Paris, atuando na vanguarda dos anos
40 e 50, e nos movimentos ativistas políticos. Intelectual autodidata, homossexual, marginalizado social, e que,
abandonado por sua mãe solteira, viveu depois de adulto de prisão em prisão na França e em vários países da
Europa, até completar trinta e cinto anos, em que foi resgatado ao mundo intelectual francês, graças à anistia
alcançada pela intervenção de outros intelectuais franceses, a exemplo de Jean Cocteau e Jean Paul Sartre.
Apesar da grande importância de Jean Genet para o teatro de vanguarda do século XX, a obra de Vera Chaves
tem como fonte de inspiração as peças “Journal Du Voleur”, “Notre Dame-des-Fleurs, y “Le Miracle de La
Rose”, todos estes de certa forma autobiográficos e extremamente sugestivos em imagens, tanto literárias,
quanto visuais. Outro aspecto trabalhado é a questão da distância, ou seja, de ele não estar envolvido
excessivamente com a obra e também de forma similar, trabalhar a diferença: penetrar e compreender um
universo não somente alheio, como oposto ao próprio universo do observador.
A obra se dá num processo de substituição da realidade (Jean Genet não mais vivo) pela ficção (a
possibilidade de visitar Genet na prisão), permitindo a inserção e interação do participante/espectador. Por
ficção pode-se compreender o “Ato ou efeito de fingir; simulação, fingimento. Coisa imaginária: fantasia,
invenção, criação. Literatura de ficção” Dicionário Aurélio. Para Ivete Walty: “A arte ou a literatura é ficção “no
sentido de criação de uma supra realidade” (2001. p.15).
Seria interessante, então, entender a ficção como algo que nos permite desvendar a realidade, como a
percebemos, cada um a seu modo. Segundo Ivete Walty, na sociedade atual a ficção possui papel para diversas
áreas da comunicação, buscando promover a fantasia como forma de alienação, reduplicando o real,
instituindo-lhe e conservando-lhe as máscaras e os disfarces. A autora, em seu livro ainda usa as palavras de
Herbert Marcuse, definindo a arte como reconciliadora do indivíduo com o todo: “Na arte a ficção ganha o seu
sentido original, ou seja, ligado ao verbo fazer, criar e isso permite a reconciliação do indivíduo com o todo, do
desejo com a realização, da felicidade coma razão.” (2001. p. 59)
A percepção do mundo se dá de modos diferentes entre os indivíduos, e a arte contemporânea é um
espaço de constante reflexão sobre isso. Anne Cauquelin (2008, p.188) propõe que separamos a ficção da
realidade, dividindo os elementos ficcionais dos reais: imagens, imaginário, verossímil, inverossímil, opostos às
realidades pertinentes, ao vivido, à presença, à trama do cotidiano, ao que é rotineiro e não configura objeto
nem dúvida ou incerteza. A realidade da ficção e a própria realidade se mantêm lado a lado, indicando que
vivemos em dois mundos separados, simultaneamente: a realidade vivida, concreta, e a realidade não
presente, das ficções nocionais. Há uma espécie de conexão desenvolvida entre realidade de sonho.
E esse conceitos de realidade e ficção, por estarem lado a lado, são percebido, principalmente na
parte conclusiva da obra – a vídeo-animação –, que enlaça os elementos de toda a pesquisa da artista e os leve
ao interator. O vídeo foi criado a partir dos movimentos reais de outra pessoa, cuja cabeça e face foram
substituídas pelas de Jean Genet. Nesse ponto da instalação de Vera Chaves Barcellos, fica evidente a
contraposição da realidade e da ficção, diretamente ligadas à história. Pois a partir de elementos pertencentes
ao nosso mundo real, como é o caso dos resquícios históricos de Jean Genet ou os movimentos do corpo de
Marcel-Lí Antunes, é gerada uma situação completamente ficcional, na qual o participante dialoga com a
situação proposta no vídeo.
Deleuze propõe que a indiscernibilidade do real e do ficcional, ou do presente e do passado, do atual e
do virtual, não se produz, portanto, de modo algum, na cabeça ou no espírito, mas é o caráter objetivo de
certas imagens existentes, duplas por natureza. O olhar imaginário faz do real algo imaginário, ao mesmo
tempo em que, por sua vez, se torna real e torna a nos dar realidade (1990, p. 18). Compreendemos melhor
essa sensação causada pela instalação de Visitant Genet, na qual revisitamos uma figura que no momento
presente não está mais viva, ou seja, trata de uma situação ficcional. Todo o conjunto de elementos causa uma
inserção gradual no contexto e na realidade simulada, proposta pela artista - ao longo da instalação, e aos
poucos, o participante é induzido a se aproximar da figura do poeta francês - até ser alcançado o clímax desse
processo de assimilação de informações e estímulos, que culmina na vídeo-animação.
As quatro etapas de Visitant Genet (2001) - Vera Chaves Barcellos
1. Galeria de Retratos: a galeria de retratos compreende fotos de criminosos da época de Genet, misturadas às
imagens de flores evocadas pelo autor no livro “Journal du Voleur”. São cerca de doze retratos de tamanho
grande
(100
cm
x
92
cm),
em
impressão
digital
sobre
linho.
2. Fotos dos “cadernos de referências” de Hudinilson Junior: esta parte compreende uma série de 240
fotografias, constantemente projetadas, com imagens de um universo sugestivamente genetiano. Hudinilson
Junior, artista convidado a participar do projeto, foi um dos fundadores do grupo 3nós3, que realizava
intervenções artísticas na cidade de São Paulo. Trabalhou com o tema narcisismo e o universo homoerótico,
lotando cadernos com colagens, mesclando suas próprias fotos com imagens impressas e fotocopiadas de
revistas e jornais. Sua obra retrata não somente seu universo pessoal, mas vários aspectos da sociedade
contemporânea. As fotografias utilizadas na instalação dos “cadernos de referências” de Hudinilson Junior não
foram elaboradas especificamente para esta obra, mas trata-se de recortes que o artista possuía e que foram
dispostas e projetadas no espaço expositivo.
Vera Chaves Barcellos, Visitant Genet (2001)
3. Reservoir: esta seção é uma mostra do caráter peseudo-museológico, onde os objetos concretos, dispostos
em vitrines, sugerem personagens e situações de diversas obras genetianas. São recriados objetos pessoais do
ladrão, de Divine e outros. Entre os objetos de Divine, uma foto criada através do computador, de Genet,
travestido em Divine, uma referência a uma das fantasias do próprio autor.
Vera Chaves Barcellos, Visitant Genet (2001)
4. Visita à prisão: considerado o núcleo de todo o projeto. Uma projeção de uma vídeo-animação, em tamanho
natural, “revive” a figura física de Jean Genet, com cerca de seus trinta anos, sentado em uma espécie de
locutório, que fala com o espectador, em uma reconstituição de uma visita ao presídio. A vídeo-animação se
restringe a cabeça, a parte do corpo e mãos representadas por ator: Marcel-lí Antunes. Simula a luz de
interrogatório, o que facilita a união da imagem virtual com a imagem real na hora da construção do vídeo.
Durante a projeção ele é visto sentado frontalmente, com os braços apoiados sobre uma mesa. O som,
independente da imagem, busca significar a incomunicabilidade do preso com o mundo exterior, e também
evitar a obviedade excessiva, e distanciar-se da idéia de um exagerado realismo na cena
(http://www.verachaves.com/)
Visitant Genet foi produzida por meio da manipulação digital de imagens, a modelagem e animação
em 3D e a vídeo-animação, todas elas criadas a partir de softwares gráficos e baseadas na imagem de Jean
Genet.
A artista demonstra sua intencionalidade em questionar a realidade e a ficção por meio da obra
Visitant Genet. E proporciona diferentes estímulos sensoriais ao resgatar fragmentos de história, para que
assim, a instalação atinja o expectador de tal maneira, que este se torna um visitante no mundo particular de
Jean Genet.
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Giovanna Graziosi Casimiro.
Acadêmica do Curso de Artes Visuais/UFSM, bolsista PROBIC/FAPERGS 2011 sob orientação da Prof.ª Drª. Nara
Cristina Santos. Integrante do LABART e Grupo de Pesquisa Arte e Tecnologia/CNPq.
Email: [email protected]
Marcos Souto
Acadêmico do Curso de Artes Visuais/UFSM, bolsista FIEX/UFSM 2011, sob orientação da Prof. ª Dr.ª Nara
Cristina Santos. Integrante do LABART e Grupo de Pesquisa Arte e Tecnologia/CNPq.
Email: [email protected]
Nara Cristina Santos.
Doutora em Artes Visuais/HTC, pelo PPGAV/IA/UFRGS, 2004. Doutorado Sanduíche na Université Paris 8,
França, 2001. Professora do DAV/CAL/UFSM. Orientadora no PPGART/Mestrado em Artes Visuais/UFSM.
Coordenadora do LABART e Grupo de Pesquisa Arte e Tecnologia/CNPq.
Email: [email protected]

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