Cancro - Biblioteca
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Revista trimestral de ciência e investigação em saúde Nº9 - Ano 2008 - 4€ | Janeiro/Fevereiro/Março Cancro do pulmão no idoso Cod. Barras Alterações morfológicas e hematológicas em altitude estudo de caso Estratégias educativas e de intervenção psicológica na asma pediátrica Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.pt Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública Pós-graduações em: Gerontologia Clínica Motricidade Oro-Facial Gestão de Organizações Sociais e da Saúde Editorial Consciente de que as alterações criam sempre significados diversos, a partir desta data a Ser Saúde passa a trimestral. Esta decisão foi pensada, reflectida e, em conjunto, definido que a deliberação traria um tempo maior de reflexão nos artigos apresentados na Ser Saúde. Sei que com esta atitude a Ser Saúde não ganha em qualidade científica, pois com a redução anual em dois números haverá uma diminuição dos trabalhos apresentados.Também assumo que uma ideia de falta de trabalhos para manter a Ser Saúde de dois em dois meses passe por pensamentos mais críticos e mais atentos. Para mim, para quem directamente trabalha comigo, nenhuma das ideias referidas anteriormente teve objectividade na decisão. Os trabalhos que nos chegam são imensos e sei, dadas as características da Ser Saúde, que não haverá uma perda de qualidade científica, havendo ainda um maior rigor na escolha e na apresentação dos trabalhos. Na decisão de passar a Ser Saúde para trimestral esteve a necessidade de tempo que os profissionais de saúde necessitam, e nos referem, para verem com cuidado os artigos apresentados. O tempo é fundamental para uma edição ser cuidadosamente lida, pensada, reflectida. Um número contínuo de edições, dada a densidade da Ser Saúde, já que muitas outras revistas apresentam, por vezes, no máximo, quatro trabalhos, levaria a que o nosso desejo de multidisciplinaridade e cultura científica em saúde não tivesse reflexo concreto e que, assim, fosse mais uma revista não olhada com o cuidado que merece. Nesta decisão, o ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, mantém o seu nome unido à qualidade e à inovação, seja no ensino seja noutras áreas que o futuro crie. O ISAVE continua a assumir o seu papel preponderante na formação e difusão de ciência em saúde. Sei que o caminho da Ser Saúde assumirá uma forma onde o tempo, a multidisciplinaridade, o desejo de uma cultura em saúde unida, virada para a pessoa, terá uma luminosidade constante. Hoje, estamos nas Vossas mãos. Voltaremos a estar em Abril, Julho e Outubro. A levar, sempre, o sonho real de uma saúde humana e plural. Eugénio Pinto 1 12 Susana Magádan As novas balas mágicas na imunoterapia oncológica A grande incidência na população, a extrema severidade que pode levar à morte do paciente sem um tratamento adequado, a resistência das células cancerígenas a muitos tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou a extrema toxicidade de algumas medicações aplicadas actualmente, são algumas das razões que levaram à procura de novas armas terapêuticas, muito mais efectivas e com menos toxicidade. 2 20 Carla Cristina Alves da Silva Sandra Maria Alves Branco Miguel Método da lactação e amenorreia: uma alternativa contraceptiva eficaz no pós‑parto A comprovação da eficácia do Método da Lactação e Amenorreia como método anticoncepcional nos primeiros seis meses pós-parto é consensual em todo o mundo. Cada vez mais se torna premente o incentivo ao aleitamento materno já que os benefícios que dali advêm são inquestionáveis sobre a saúde da criança nos primeiros seis meses de vida. 26 Filipa Costa, Fernando J. Barata Cancro do pulmão no idoso Com o envelhecimento progressivo da população espera-se que a prevalência do cancro do pulmão entre os idosos venha a aumentar e que a problemática do tratamento neste grupo etário seja cada vez mais debatida. Até há poucos anos, imperava o cepticismo no tratamento dos doentes idosos, prevalecendo a noção de que qualquer que fosse o tratamento instituído, o balanço entre o benefício e os efeitos secundários era desfavorável. 42 Entrevista a Rui Mota Cardoso O sofrimento mental é algo que não se vê e não é respeitado Sofrimento mental surge quando as capacidades de elasticidade de funcionamento mental estão diminuídas (…). Quando as minhas capacidades de, por um lado, integração no mundo e, por outro lado, de flexibilidade ao mundo começam a diminuir ou mesmo a desintegrar-se, surge o sofrimento mental. 56 86 Domingos J. Lopes da Silva Pedro A. Costa Alves Alterações morfológicas e hematológicas após uma expedição a mais de 6500 metros de altitude; um estudo-caso Em face dos resultados obtidos podemos concluir que uma expedição de 15 dias a uma altitude superior a 6500 metros promove, em termos morfológicos, modificações diferenciais na composição regional do corpo, sugerindo uma preferencial perda de tecido adiposo e uma manutenção relativa do tecido magro; em termos hematológicos, a expressão das modificações não foi tão significativa. 70 José Afonso Moreira, Isabel Vitória Figueiredo, Amílcar Falcão Aspirina como antiagregante plaquetar “Resistência à Aspirina” – diagnóstico e prevalência O conceito de “Resistência Laboratorial à Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos, um ênfase considerável com a realização de diversos ensaios com vista a uma melhor explicação e avaliação do fenómeno em causa. Contudo, a diversidade de técnicas empregues na sua avaliação, bem como os diferentes ângulos de abordagem existentes, reclamam com carácter de urgência o desenvolvimento de uma definição precisa de universal para a “Resistência Laboratorial à Aspirina”. José Reinaldo Madeiro Júnior, Adriano Rockland, Ana Tereza Marques, Jailson Lopes de Souza, Patrícia Machado Nogueira Factores de risco para a depressão em idosos Este estudo visa identificar quais os factores de risco que estão associados à depressão no idoso. A procura destes factores torna-se essencial numa consulta geriátrica, facilitando o diagnóstico da depressão o mais precocemente possível.Também serão investigadas quais as diferenças entre estes factores nos idosos e na população adulta em geral, além de tentarmos compreender que outras patologias são mais propensas a serem associadas à depressão. 112 Lígia Lima, Marina Prista Guerra Estratégias educativas e de intervenção psicológica na asma pediátrica Apesar dos enormes avanços verificados ao longo dos últimos anos na terapêutica farmacológica da asma, o controlo desta doença não se esgota aí, existindo toda uma série de outro tipo de abordagens terapêuticas que podem ser usadas em conjugação com a primeira ou, se suficientes, por si só. Neste artigo é apresentada uma revisão das principais estratégias educativas e de intervenção psicológica utilizadas no controlo ou gestão da asma pediátrica. Poster Ana Paula Bernardo, Sandra Tapadas Viver os últimos dias em casa 3 Conselho Científico Ser Saúde 4 Adelino Correia Carlos Albuquerque Fernando Schmitt Adília Rebelo Carlos Pedro Castro Fernando Ventura Adrian Llerena Carlos Pereira Alves Freire Soares A. Fernandes da Fonseca Carlos Valério Guilherme Macedo Alberto Salgado Carmen de la Cuesta Gustavo Afonso Albina Silva Catarina Tavares Gustavo Valdigem Alexandre Antunes Célia Cruz Helena Alves Alexandre Castro Caldas Célia Franco Helena Martins Alexandre Quintanilha Constança Paúl Henrique de Almeida Almerinda Pereira Daniel Montanelli Henrique Lecour Alves de Matos Daniel Pereira da Silva Isabela Vieira Amílcar Falcão Daniel Serrão João Costa Ana Preto Delminda Lopes de Magalhães João Luís Silva Carvalho António Miranda Dinora Fantasia João Pedro Marcelino António Paiva Duarte Pignatelli João Queiroz António Rosete Eduarda Abreu João Ramalho Santos Armando Almeida Elsa Pinto Joaquim Faias Arminda Mendes Costa Eurico Monteiro Jónatas Pego Artur Manuel Ferreira Fátima Francisco Faria Jorge Correia Pinto Berta Nunes Fátima Martel Jorge Delgado Carla Matos Fernando Azevedo Jorge Ferreira Carlos Alberto Bastos Ribeiro Fernando Duarte Jorge Marques Jorge Soares Manuela Vieira da Silva Rui L. Reis Jorge Sousa Pinto Marco Oliveira Rui de Melo Pato José Amarante Margarida Soveral Gonçalves Rui Nunes José Carlos Lemos Machado Mari Mesquita Sandra Cardoso José Eduardo Cavaco Maria Júlia Silva Lopes Sandra Clara Soares José Eduardo Lima Pinto da Costa Maria Manuela Rojão Sérgio Branco José Luís Dória Maria Margarida Dias Sérgio Gonçalves José Manuel Araújo Marina Pereira Pires Sérgio Nabais José Matos Cruz Mário Rui Araújo Sónia Magalhães José M. Schiappa Mário Simões Susana Magadán José Rueff Marta Marques Tiago Barros Laura Simão Marta Pinto Tiago Osório de Barros Liliana Osório Miguel Álvares Pereira Wilson Abreu Lisete Madeira Paulo Daniel Mendes Veloso Gomes Lucília Norton Pedro Azevedo Victor Machado Reis Luís Basto Pedro Vendeira Virgílio Alves Luís Cunha Piedade Barros Luís Martins Querubim Ferreira Luiza Kent-Smith Ramiro Délio Borges de Menezes Manuel Antunes Ramiro Veríssimo Manuel Domingos Raquel Andrade Manuel Mendes Silva Regina Gonçalves Manuel Teixeira Veríssimo Rosa Martins 5 15 Revista Trimestral de ci�ncia e investiga��o em sa�de 4 15 Palácio da Igreja Velha Hotel Sénior Atendimento médico permanente Piscina Ginásio áreas comuns de lazer Restaurante Espaço verde Contactos Avenida do Palácio, 600 4760-750 Vermoim | Vila Nova de Famalicão Telefone -252.920.000 Fax - 252.920.009 E-mail - [email protected] 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 AG EN DA 8 Janeiro - Fevereiro - Março Janeiro Projecto Crioestudante 11 de Janeiro Biocant Park, Cantanhede Jornadas Internacionais de Medicina de Urgência 16 de Janeiro Porto Palácio Hotel 23ª Reunião Actualizações em Oncologia 2008 17 de Janeiro Auditório dos Hospitais da Universidade de Coimbra Director Eugénio Pinto [email protected] [email protected] Editores Isabela Vieira Rui Castelar Joana Sousa Dias Director de arte e grafismo Ângelo Mendes [email protected] Publicidade Celmira Dias Propriedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso NIF – 504 983 300 Impressão Orgal, impressores Rua do Godim, 272 4300-236 Porto Tiragem 5 mil exemplares / trimestral Nº de Registo na ERC 124994 ISSN 1646-5229 Depósito Legal 246971/06 Contactos Ser Saúde Campus Académico do ISAVE Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253 639 800 Fax – 253 639 801 www.isave.pt [email protected] [email protected] _____________________________________ Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução parcial ou total, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita. Temas Ortodônticos: Diagnóstico e tratamento da atresia maxilar 17 de Janeiro Avenida dos Combatentes, Edifício Green Park, Lisboa XVI Congresso Internacional de Odontologia 25 de Janeiro Parque Anhembi, São Paulo 10 International Conference on Health Informatics 28 de Janeiro Funchal, Madeira IV Jornadas Internacionais de Medicina de Reabilitação 30 de Janeiro Centro de Medicina de Reabilitação, Alcoitão VII Congresso Nacional de Psicologia da Saúde 31 de Janeiro Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto Fevereiro II Jornadas de Análises Clínicas e Saúde Pública 01 de Fevereiro Auditório do Instituto Politécnico de Bragança (Escola Superior Agrária do IPB), Campus de Santa Apolónia, Bragança 1º Congresso Internacional em Estudos da Criança 02 de Fevereiro Campus de Gualtar, Braga Colóquio Internacional de Segurança e Higiene Ocupacionais 07 de Fevereiro Universidade do Minho, Guimarães Temas Ortodônticos: O uso de distalizadores para a correcção da Classe II 21 de Fevereiro Avenida dos Combatentes, Edifício Green Park, Lisboa Temas Ortodônticos: Possibilidades ortodônticas para correcção das alterações verticais 21 de Fevereiro Avenida dos Combatentes, Edifício Green Park, Lisboa Temas Ortodônticos: Os fios ortodônticos actuais 22 de Fevereiro Avenida dos Combatentes, Edifício Green Park, Lisboa IV Conferência Desenvolvimento Vocacional 2008 I Conferência Virtual: Investigação e Ensino 27 de Fevereiro Universidade do Minho, Campus de Gualtar, Braga Março Gestão de Emoções na Saúde 1 e 2 de Março ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, Póvoa de Lanhoso I Colóquio Luso-Brasileiro em Saúde, Educação e Representações Sociais 12 de Março Universidade de Évora Congresso de Análises Clínicas e Saúde Pública APTAC 2008 14 de Março Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Parque das Nações III Encontro da Associação Portuguesa de Psicologia Experimental 28 de Março Campus de Gambelas da Universidade do Algarve Actualidade As novas balas mágicas na imunoterapia oncológica Susana Magádan, Doutorada em Biologia. Investigadora e docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave [email protected] 12 A primeira evidência de que os anticorpos monoclonais podem ter um grande potencial terapêutico aconteceu em 1982, quando um doente de linfoma apresentou uma clara resposta ao tratamento com Os anticorpos ou imunoglobulinas são glicoproteínas complexas constituídas por duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, ligadas por pontes dissulfureto, que podem ser expressas de maneira secretada ou associadas à membrana celular dos linfócitos B (Figura 1). Os anticorpos solúveis constituem um dos elementos mais importantes de defesa dos animais vertebrados, produzidos depois da activação e diferenciação dos linfócitos B à célula plasmática. AcsMo de rato. VH VL CH CL CH Humano Quimério Humanizado scFv Figura 1 Estrutura de uma molécula de imunoglobulina humana, consistente em duas cadeias pesadas (H, del Inglés “heavy”) e duas cadeias leves (do Inglês “light”), ligadas por pontes dissulfureto e com as respectivas regiões variáveis (V) e constantes (C). Também é mostrado um desenho comparativo de anticorpos quiméricos, humanizados e scFv. A claro, as sequências humanas e, a escuro, as de rato. 13 Desde o seu conhecimento como substâncias capazes de neutralizar ou activar a eliminação de maneira específica os agentes patogénicos, foram realizados inúmeros intentos de aplicação na terapia humana, assim como no desenvolvimento de testes para o diagnóstico de diferentes patologias, recuperando-se a ideia de bala mágica proposta por Paul Ehrlich, em 1908, relativa aos anticorpos. Até à obtenção dos anticorpos monoclonais (AcsMo), o uso dos anticorpos no diagnóstico e/ou terapia foi centrado na obtenção de anti-soros convencionais a partir de diferentes espécies animais, incluindo o homem. No entanto, o panorama actual mudou radicalmente devido ao desenvolvimento, em 1975, por G. Khöler e C. Milstein, da técnica de obtenção de hibridomas. Este procedimento permite imortalizar células produtoras de anticorpos derivadas de ratos imunizados e, posteriormente, selecionar clones derivados de uma única célula que vão produzir anticorpos específicos para um determinado alvo antigénico de alta afinidade (Figura 2). A posibilidade de obter AcsMo permitiu solucionar muitos dos problemas derivados do uso de anti-soros, dos quais podemos salientar a existência de uma mistura de anticorpos procedentes de diferentes clones de linfócitos B (anticorpos policlonais), mudando assim a quantidade e afinidade dos anticorpos cada vez que é extraído o soro, sendo muito difícil a reprodutibilidade dos resultados obtidos. Além disso, a terapia com anti-soros não está isenta de inconvenientes devido à toxicidade associada à administração de soro heterólogo, o que leva, em muitas ocasiões, a reacções de hipersensibilidade como a “doença do soro”. Actualidade 14 A obtenção de anticorpos monoclonais de rato e rata é uma técnica convencional para muitos laboratórios de imunologia, com poucas alterações desde a sua descrição em 1975. A primeira evidência de que os anticorpos monoclonais podem ter um grande potencial terapêutico aconteceu em 1982, quando um doente de linfoma apresentou uma clara resposta ao tratamento com AcsMo de rato. Isto provocou uma rápida implicação das empresas farmacêuticas na produção de AcsMo dirigido às moléculas humanas envolvidas em processos como o cancro, em doenças autoimunes, na rejeição dos órgãos transplantados, etc. Nos primeiros ensaios clínicos, nos que foram utilizados anticorpos de rato, observouse que os doentes desenvolvem rapidamente uma resposta imune que altera o perfil farmacocinético e provoca uma eliminação muito rápida do anticorpo sem permitir uma repetição de dose. Assim sendo, o uso destes anticorpos monoclonais de rato na terapia humana vê-se restringido pela resposta imunitária do receptor HAMA (do inglês Human Anti Mouse Antibodies). As respostas HAMA poderíam ser evitadas se os AcsMo fossem completamente humanos. No entanto, os inúmeros problemas para obtenção de hibridomas e/ou imortalização dos linfócitos B humanos, conduziram à procura de novos métodos alternativos para a produção de AcsMo humanos baseados na engenharia genética, destacando-se a: Figura 2 Técnica Clássica de Obtenção de Hibridomas e/ou Anticorpos Monoclonais A grande incidência na população, a extrema severidade que pode levar à morte do paciente sem um tratamento adequado, a resistência das células cancerígenas a muitos tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou a extrema toxicidade de algumas medicações aplicadas actualmente, são algumas das razões que levaram à procura de novas armas terapêuticas, muito mais efectivas e com menos toxicidade. • Quimerização e Humanização. A quimerização consiste em ligar as regiões variáveis dos anticorpos de rato às regiões constantes das imunoglobulinas humanas; a humanização é muito mais complexa e permite obter anticorpos, nos quais, além da região constante, parte da região variável também é humana, sendo apenas aproximadamente 1/10 da sequência de rato (Figura 1). • Uso de fagos para a construção de livrarias génicas de regiões variáveis das imunoglobulinas humanas. Com esta técnica são obtidos scFv (do inglês single chain Fragment variable) ou regiões de ligação ao antigénio (Figura 1). Uma desvantagem deste tipo de estratégia é perder-se a capacidade de activar mecanismos efectores tais como complemento, ADCC, etc. • XenoMouse ou ratos transgénicos. O desenvolvimento de técnicas de biologia molecular, tais como micro-injecção e manipulação de células embrionárias, leva a que na actualidade seja possível trabalhar com ratos transgénicos portadores de genes que codificam para as imunoglobulinas humanas. Estes XenoMouse podem ser imunizados e utilizados para a obtenção de hibridomas produtores de anticorpos monoclonais completamente humanos que reconhecem antigénios também humanos. Este desenvolvimento tecnológico favoreceu a terapia com anticorpos monoclonais que representa, actualmente, uma das áreas de crescimento mais importante na indústria farmacêutica. Dentro do uso clínico foram aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) perto de 29 anticorpos para terapia ou diagnóstico e, na actualidade, aproximadamente 150 estão envolvidos em ensaios clínicos. 15 Actualidade 16 Entre todas as patologias onde os AcsMo estão a ser utilizados com êxito destaca-se, pela sua grande relevância, a terapia frente ao cancro; na Tabela 1 estão indicados alguns exemplos. A grande incidência na população, a extrema severidade que pode levar à morte do paciente sem um tratamento adequado, a resistência das células cancerígenas a muitos tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou a extrema toxicidade de algumas medicações aplicadas actualmente, são algumas das razões que levaram à procura de novas armas terapêuticas, muito mais efectivas e com menos toxicidade. Entre elas destaca-se o uso de AcsMo humanos, uma arma específica que pode ser dirigida à célula cancerígena sem afectar ou afectando pouco aos tecidos saudáveis. As células cancerígenas geralmente expressam antigénios na superfície celular característicos da linhagem, proteínas sinalizadoras, receptores de factores de crescimento e, no caso de síndromas proliferativos das células B, imunoglobulinas de membrana específicas da célula tumoral. Muitos destes antigénios são idênticos aos que são expressos pelas células percursoras ou adultas normais; o que significa que para ser um bom candidato como alvo terapêutico, estes devem encontrar-se sub-expressos nas células normais, ou na melhor das hipóteses, ser exclusivo das células tumorais. Assim, o êxito do tratamento com anticorpos recai na capacidade das células normais tolerarem danos colaterais ou serem substituídas por células percursoras negativas para os antigénios alvo. Tabela 1 Anticorpos Monoclonais utilizados em terapia frente a diferentes tipos de cancro AcMo Antigénio alvo e Aplicações Rituximab (Rituxan) Anticorpo quimérico que reconhece o CD20 dos linfocitos B. Indicado no tratamento de linfomas no Hodgkin. Gemtuzumab Ozogamicin (Mylotarg) Anticorpo humanizado que reconhece o CD33; é aplicado no tratamento da leucemia mieloide aguda. Alemtuzumab (Campath) Anticorpo Humanizado que reconhece a molécula CD52 do linfocito B. Utililizado em terapia de leucemia linfocítica crónica. Ibritumomab Tiuxetan (Zevalin) Anticorpo de rato marcado com Itrio 90 frente ao CD20. Tratamento de linfoma nao Hodgkin de baixo grado folicular. Tositumomab (Bexxar) Anticorpo de rato ligado a Iodo131 que reconhece o CD20 humano e é utilizado no tratamento do linfoma no Hodgkin folicular. Trastuzumab (Herceptin) IgG humanizado frente ao receptor HER2, aplicado no tratamento do cancro de mama. Panitumumab (Vectibix) Anticorpo humano IgG2/ kappa frente ao factor de crescemento epidérmico (EGFR), utilizado no cancro colorectal. Bevacizumab (Avastin) Anticorpo humanizado que liga VEGF (Factor de Crescemento endotelio vascular). Inibe a vasularização e o crescemento dos tumores. Como agentes terapêuticos, os AcsMo podem funcionar de duas maneiras: Como anticorpos não conjugados ou nus Quando os anticorpos se ligam a uma molécula alvo podem provocar na célula morte por apoptose, inibir a proliferação ou bloquear moléculas relacionadas com a adesão celular. O anticorpo também pode marcar ao antigénio, por exemplo, células cancerígenas, para que possam ser atacadas e eliminadas pelos componentes do Sistema Imune (Complemento ou CDC, Citotoxicidade Celular Dependente de Anticorpo ou ADCC e a fagocitose) (Figura 3). Um exemplo deste tipo de agente é o Rituximab, um anticorpo quimérico que reconhece a molécula CD20 humana, inicialmente aprovado como tratamento para o linfoma folicular de células B não Hodgkin. Imunoconjugados Os anticorpos também podem actuar como transportadores de substâncias citotóxicas, tais como radioisótopos, drogas e toxinas (Figura 3). Neste campo, a Nanotecnologia está a abrir novas portas na oncologia, tanto a nível diagnóstico como terapêutico.A recente aprovação pelo FDA da Abraxame (ABI-007), uma nano-partícula unida à albumina para tratamento do cancro da mama, tem estimulado o desenvolvimento de outros nano-sistemas de libertação de drogas, como nano-partículas unidas a AcsMo, com o objectivo de administrar maior quantidade de droga nos tecidos alterados, sem afectar os tecidos saudáveis. Em conclusão, podemos dizer que a obtenção de anticorpos monoclonais tem provocado um grande impacto em diferentes campos científicos, sobretudo no campo biomédico e CDC NK ADCC MC Toxina Fagocitase Nanoparticula Radioisotopo Droga Bloqueio Sinal ou adesão Célula Apoptase Formação poros Lise celular Figura 3 Mecanismos desenvolvidos pelos anticorpos nus e conjugados. NK: célula Asasina Natural; ADCC: Citotoxicidade Celular Dependente de Anticorpo; MC: Macrófago; CDC: Citotoxicidade Dependente de Complemento. 17 Actualidade Actualmente, estamos a viver uma revolução imuno‑tecnológica que irá surpreender, tanto na área terapêutica como no diagnóstico e à qual todos aqueles que trabalham na área da saúde terão que se habituar. Deste modo, o ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, não quer ficar como um simples 18 espectador. Neste momento, o ISAVE está a colocar em marcha um projecto, em colaboração na indústria farmacêutica. Actualmente, estamos a viver uma revolução imuno-tecnológica que irá surpreender, tanto na área terapêutica como no diagnóstico e à qual todos aqueles que trabalham na área da saúde terão que se habituar. Deste modo, o ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, não quer ficar como um simples espectador. Neste momento, o ISAVE está a colocar em marcha um projecto, em colaboração com outras instituições nacionais e internacionais, para obtenção de AcsMo completamente humanos que possam ser utilizados na imunoterapia oncológica. A inovar na investigação científica, com o desejo de a breve prazo abrir um Centro de Estudos e Tratamento Diferenciado, o ISAVE espera desta forma desenvolver um foco de expansão euro-regional e criar novas sementes de futuros projectos relacionados com a Biotecnologia e a Terapia Humana. com outras instituições nacionais e internacionais, para obtenção de AcsMo completamente humanos que possam ser utilizados na imunoterapia oncológica. Bibliografia Cartenì G, Fiorentino R, Vecchione L, Chiurazzi B, Battista C. Panitumumab a novel drug in cancer treatment.. Ann Oncol. 2007;18:vi16-21. Dearden CE. Role of antibody therapy in lymphoid malignancies. Br Med Bull. 2007;83:275-90. Han ES, Monk BJ. Bevacizumab in the treatment of ovarian cancer. Expert Rev Anticancer Ther. 2007 ;7(10):1339-45. Papkoff J.New solid tumor targets for therapeutic monoclonal antibodies. Expert Opin Ther Targets. 2007;11(5):585-8. Piccaluga P., Martinelli G. and Baccarani M., Advances in the treatment for haematological malignancies. Expert Opin Pharmacother. 2006; 7:721-32 Sharkey RM. and Goldenberg DM.. Targeted Therapy of Cancer:New Prospects for Antibodies and Inmunoconjugates. CA Cancer J Clin. 2006;56(4):226-43. Weiner LM. Building better magic bullets--improving unconjugated monoclonal antibody therapy for cancer. Nat Rev Cancer. 2007;7(9):701-6. Zafir-Lavie I, Michaeli Y, Reiter Y. Novel antibodies as anticancer agents. Oncogene. 2007;26(25):3714-33. Nicodemus CF, Smith LM, Schultes BC. Role of monoclonal antibodies in tumor-specific immunity. Expert Opin Biol Ther. 2007;7(3):331-43. www.colegio7fontes.pt Futuro Modernidade Qualidade Rigor Tradição Línguas Desporto Civilidade Telefone - 253.263.096/097 Fax - 253.263.098 [email protected] www.colegio7fontes.pt Ciências Colégio 7 Fontes Quinta do Cedro - Sete Fontes S. Victor 4710-348 Braga Colégio 7 Fontes Academias: Artes Colégio 7 Fontes Do Berço à Universidade, a Educar o seu Filho. Carla Cristina Alves da Silva Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE; Serviço de Radiologia, aluna do II curso de pós-licenciatura de Especialidade em Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia Sandra Maria Alves Branco Miguel Hospital Geral de Santo António, EPE; Serviço de Neurocirurgia, aluna do II curso de pós-licenciatura de Especialidade em Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia 20 Método da lactação e amenorreia: uma alternativa contraceptiva eficaz no pós-parto Resumo Tem-se verificado nos últimos anos, sobretudo a nível internacional, um crescente interesse sobre o conhecimento dos inúmeros benefícios do aleitamento materno. Estes benefícios são a diversos níveis, nomeadamente para a mãe, criança, família, sociedade e meio ambiente. Concomitantemente começam a surgir alguns estudos sobre o efeito da introdução do Método da Lactação e Amenorreia (LAM), sobre a saúde do bebé, como método anticoncepcional durante a fase puerperal. O conhecimento sobre a aplicação deste efeito fisiológico não tem sido explorado e muito menos utilizado sistematicamente na anticoncepção puerperal. 21 22 Desenvolvimento Nos últimos 30 anos têm surgido diversas iniciativas e eventos, com vista a promoverem o aleitamento materno como sendo uma prioridade de saúde pública mundial. Duas dessas entidades promotoras do aleitamento são a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a UNICEF. O conhecimento sobre o papel anticoncepcional do aleitamento materno é pouco difundido e utilizado. A OMS (1993) preconiza o aleitamento materno exclusivo (só leite, sem outros líquidos, como água e chás) até ao sexto mês e complementada com alimentos sólidos até aos 2 anos de vida do bebé ou mais. O aleitamento materno exclusivo em sistema de horário livre (inclusive durante a noite), nos seis primeiros meses após o parto, desde que não surja menstruação, é um bom método de planeamento familiar, com uma falha estimada inferior a 1,8%. Surgem neste momento várias instituições que têm vindo a operacionalizar programas governamentais no sentido de desenvolverem os hospitais amigos do bebé, onde a prática do aleitamento materno é a mira principal. Para Pechevis (1981), o sucesso da promoção do aleitamento depende não só da aquisição de saberes e práticas sobre a amamentação, mas também das atitudes dos profissionais de saúde. Segundo a OMS, os profissionais de saúde, sobretudo os Enfermeiros, têm um papel muito importante na promoção, protecção e apoio ao aleitamento. Para que a amamentação possa decorrer com eficácia, é importante que o método anticoncepcional não se imiscua neste processo. Antes de iniciar o uso de métodos anticoncepcionais, a mulher deverá ser orientada pelo profissional de saúde sobre todos os métodos disponíveis, sua eficácia e modo de actuação, para que possa fazer uma escolha livre e informada. A amenorreia lactacional é um efeito que ocorre após o parto, em que a mãe não menstrua devido aos efeitos hormonais da amamentação. O Método da Lactação e Amenorreia (LAM) consiste no uso da amamentação como um método temporário de anticoncepção. A LAM oferece protecção natural contra a gravidez e permite que a mulher planeie outro método na ocasião adequada. Tem a vantagem de concomitantemente garantir ao bebé os nutrientes de que necessita para o seu desenvolvimento e protegê-lo contra doenças, protecção essa que advém do leite materno. O mecanismo de acção de todo este processo acontece por inibição da ovulação: a amamentação altera as taxas de secreção de hormonas (FSH e LH) que interferem directamente com o crescimento folicular, ao nível dos ovários. Para garantir o sucesso deste método é fundamental obedecer a três critérios em simultâneo: A sucção forte e frequente dos mamilos altera a secreção da hormona liberadora de gonadotrofinas (GnRH). A secreção irregular de GnRH interfere na libertação da hormona folículo estimulante (FSH) e da hormona luteinizante (LH). A diminuição da FSH e da LH interfere com o crescimento folicular no ovário e suprime a ovulação. 1. Amamentação exclusiva ou quase exclusiva. A dieta do bebé consiste em pelo menos 85% de leite materno, a mãe tem que amamentar o bebé frequentemente durante o dia e a noite (nunca ultrapassar um intervalo de 6 horas); 2. A mulher manter-se amenorreica; 3. O bebé ter menos de 6 meses de vida. Se alguma destas condições não estiver presente a mulher deverá usar outro método eficaz e que não interfira com a amamentação. Os gráficos apresentados ao lado represenProtecção não efectiva tam as taxas de concentração de estrogénios Aleitamento parcial nas semanas seguintes ao parto, segundo o tipo de aleitamento: exclusivo ou parcial. Concentração Concentração Protecção Efectiva Aleitamento exclusivo 0 10 20 30 40 Semanas Pós-parto Concentração Protecção não efectiva Aleitamento parcial Quando a mulher amamenta em exclusividade, e sendo a sucção do recém- nascido adequada, sabe-se que o retorno da menstruação é deferido por tempo imprevisível, 0 10 20 podendo chegar mesmo a dois 30anos. No40 Semanas Pós-parto entanto, embora a amenorreica não significa que a ovulação não retorne antes disso. Daqui se depreende a necessidade da introdução de outro método anticoncepcional após os seis meses de vida do bebé. O uso de LAM não apresenta efeitos colaterais. 0 10 20 Semanas Pós-parto 30 40 23 Os seus benefícios são: • Benefícios anticoncepcionais • Eficácia (falha estimada inferior a 1,8%.); • Eficácia Imediata; • Não interfere com o coito; • Sem efeitos colaterais sistémicos; • Não necessita de supervisão médica; • Dispensa suprimento adicional; • Sem custos. 24 Problemas potenciais a considerar • Após 6 meses a eficácia é incerta; • A necessidade de amamentar frequentemente poderá ser inconveniente para algumas mães, em especial aquelas que trabalham fora de casa; • Não oferece protecção contra doenças sexualmente transmissíveis; • Se a mãe tem HIV, há um risco considerável de o transmitir para o bebé através do leite. Todas as mulheres podem usufruir deste método mesmo padecendo de determinada patologia que as impede de usar outro método nomeadamente em circunstâncias de: • Doença mamária benigna; • Cancro da mama; • Cefaleias; • Hipertensão; • Varizes; • Doença cardíaca valvular; • Diabetes; • Anemia ferropriva; • Malária; • Anemia falciforme; • Doença biliar; • Tiroidopatias; • Miomas uterinos. • Benefícios não anticoncepcionais • Para o bebé: • Imunização passiva e proteção de doenças infecciosas; • Melhor fonte de nutrição; • Diminui a exposição a contaminantes da água, outros leites ou fórmulas e utensílios. • Para a mãe: • Menor sangramento pós-parto. Indicações que o enfermeiro Especialista em saúde materna e obstetrícia deve dar à puérpera: • Dar de mamar com as duas mamas e com regime de horário livre (cerca 6-10 vezes por dia); • Dar de mamar pelo menos uma vez durante a noite (não deve ultrapassar as 6 horas entre as mamadas); • Não substituir a mamada por outros alimentos ou líquidos; • Se o bebé não quiser mamar 6-10 vezes por dia ou se o bebé dormir a noite inteira, o LAM pode perder parte de sua eficácia como método anticoncepcional; • Quando as mamadas forem substituidas por outros alimentos ou líquidos, o bebé irá mamar menos e o LAM deixará de ser um método anticoncepcional; • Ter sempre um método anticoncepcional de apoio tal como preservativo, à disposição. Usá-lo se: • Retornar a menstruação; • Iniciar a suplementação alimentar do bebé; • O bebé completar 6 meses de idade. • Consultar o médico antes de iniciar o uso de outro método anticoncepcional; • Se a mulher ou o seu parceiro tiver alto risco de contrair doenças sexualmente transmitidas, inclusive o vírus da SIDA, você deve usar o preservativo concomitantemente com o LAM. A comprovação da eficácia do LAM como método anticoncepcional nos primeiros seis meses pós-parto é consensual em todo o mundo. Cada vez mais se torna premente o incentivo ao aleitamento materno já que os benefícios que dali advêm são inquestionáveis sobre a saúde da criança nos primeiros seis meses de vida. Conclusão A comprovação da eficácia do LAM como método anticoncepcional nos primeiros seis meses pós-parto é consensual em todo o mundo. Cada vez mais se torna premente o incentivo ao aleitamento materno já que os benefícios que dali advêm são inquestionáveis sobre a saúde da criança nos primeiros seis meses de vida. Todos os profissionais de saúde deveriam estimular a utilização deste método como forma de promover a saúde do bebé e da mãe, evitando a utilização de outros métodos anticoncepcionais quando esses ainda não são necessários, podendo interferir no sucesso da amamentação. Bibliografia CECATTI, J. G. et all – Introdução da lactação e amenorréia como método contraceptivo (LAM) em um programa de planejamento familiar pós-parto: Repercussões sobre a saúde das crianças. Revista Brasileira Saúde Materna e Infantil. Recife, volume 4, nº 2, Abril/Junho, 2004, 159 – 169. PECHEVIS, M. – Training health personnel in the área of breast-feeding. Assignment child. Feb., 1981, 55 – 56:91 – 105. PEREIRA, Maria Adriana – Aleitamento materno: Importância da correcção da pega no sucesso da amamentação. Lusociência, 2006. www.anticoncepcao.org.br www.maqweb.org www.nutriweb.org.br www.portalfeminino.com.br www.reproline.jhu.edu/portuguese www.scielo.br www.sogesp.com.br 25 Filipa Costa Interna do Internato Complementar de Pneumologia, Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar de Coimbra Fernando J. Barata Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia, Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar de Coimbra 26 Cancro do pulmão no idoso Introdução O cancro do pulmão é a primeira causa de morte por cancro nos países ocidentais. O carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC), que inclui o carcinoma epidermóide, o adenocarcinoma e o carcinoma de grandes células representa aproximadamente 80-85% de todas as neoplasias do pulmão, sendo os restantes 15% constituídos pelo carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC) e outras neoplasias. Infelizmente na altura do diagnóstico, cerca de ¾ dos doentes apresentam-se já com doença metastática ou avançada e um tratamento sistémico com intenção paliativa é a única opção terapêutica. Dado o envelhecimento global da população, actualmente mais de 50% de todos os doentes com CPNPC têm mais de 65 anos.Com o envelhecimento progressivo da população espera-se que a prevalência do cancro do pulmão entre os idosos venha a aumentar e que a problemática do tratamento neste grupo etário seja cada vez mais debatida. Até há poucos anos, imperava o cepticismo no tratamento dos doentes idosos, prevalecendo a noção de que qualquer que fosse o tratamento instituído, o balanço entre o benefício e os efeitos secundários era desfavorável. A falência orgânica dependente da idade, as comorbilidades, a polimedicação e a fragilidade do idoso explicavam esta opinião geral. Nos últimos anos, mudou-se radicalmente esta atitude. A idade avançada não deve constituir uma contra-indicação ao tratamento. Vários estudos demonstraram claramente que a idade não é um factor de mau prognóstico para a sobrevida global no CPNPC1,2,3. Quando se decide na estratégia terapêutica destes doentes, a idade biológica (baseada no performance status - PS e nas comorbilidades) e não a idade cronológica deverá ser tida em conta, e a não administração do tratamento standard ou a sua modificação só deverá ser feita se houver uma razão válida. Isto aplica-se de igual forma para a cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapêutica biológica, as armas terapêuticas que temos ao nosso dispor para combater esta patologia em franca expansão. Os estudos publicados recentemente e que se dedicaram especificamente à avaliação dos doentes idosos vieram comprovar que, se tratados de forma adequada, os doentes idosos com bom PS e sem comorbilidades major têm uma sobrevida e uma qualidade de vida semelhante à dos doentes mais jovens4. 27 28 Epidemiologia Na esmagadora maioria dos países europeus, o cancro do pulmão ocupa o primeiro lugar em incidência e mortalidade na lista das neoplasias. Em Portugal, ocupa o quarto lugar em incidência, atrás da mama, da próstata e do cólon. Apesar de os últimos dados estatísticos oncológicos nacionais datarem de 1995 e portanto estarem claramente abaixo da realidade actual, o cancro do pulmão em Portugal apresentava nesta altura uma incidência de 28,01/105 no homem e de 5,91/105 na mulher, o que representa cerca de 1700/1800 novos casos/ano. Na análise dos dados em subgrupos etários e de sexo observa-se uma franca incidência na 6ª e 7ª décadas de vida com predomínio do sexo masculino na 6ª e do sexo feminino na 7ª década. Estima-se que a incidência de cancro do pulmão no nosso país continue a aumentar cerca de 0,5% ano, em paralelo com o aumento do consumo de tabaco. A associação entre cancro do pulmão e tabaco é inquestionável, sabendo-se que aproximadamente 90-95% de todos os indivíduos com cancro do pulmão têm uma história de exposição directa ao tabaco. O risco de neoplasia aumenta com o número de cigarros consumidos, a idade precoce de início e a duração em anos dos hábitos tabágicos, o grau de inalação e conteúdo em nicotina do tabaco. No que respeita a mortalidade, e segundo a Direcção Geral de Saúde, embora as doenças cardio-vasculares e cerebro-vasculares continuem a ser a principal causa de morte em Portugal, as doenças oncológicas encontra-se em segundo lugar. Actualmente o cancro do pulmão é a primeira causa de morte oncológica no nosso país (3400 doentes/ano), acima do cancro do estômago (2404 óbitos), do cólon (2337 óbitos) e da mama (1459 óbitos). Apesar de termos a mais baixa taxa de mortalidade por cancro do pulmão da União Europeia, esta taxa aumentou cerca de 7,3% entre 1998 e 2003. Entre os distritos com maior taxa de mortalidade encontram-se os Açores, o grande Porto, a grande Lisboa e Setúbal, ao passo que as zonas com menor taxa de mortalidade são Santarém, Guarda e Bragança5. Dados mais recentes (2005) mostram que foram internados 4815 doentes com cancro do pulmão, perfazendo um total de 60000 dias de internamento, com uma taxa de mortalidade de 34,5%. O aumento da esperança de vida à nascença aumentou praticamente para o dobro durante o século XX. Em 2006 e segundo dados da OMS, a esperança média de vida à nascença era de 74 anos para os homens e de 81 anos para as mulheres6.A existência de melhores recursos materiais, humanos e financeiros para a saúde bem como a melhores condições económicas e sociais (habitação, educação, condições sanitárias, etc.) conduziram a este aumento da esperança de vida e da melhoria do estado de saúde da população. Como consequência do envelhecimento da população, aumentou o número de doenças oncológicas, entre elas o cancro do pulmão.Actualmente, a idade média na altura do diagnóstico é de 69 anos7; mais de 50% dos casos de CPNPC avançado são diagnosticados em doentes com mais de 65 anos e cerca de 30-40% em doentes com mais de 70 anos, não sendo raro encontrarem-se neoplasias do pulmão em doentes com mais de 85 anos. Desta forma, 66,6% dos óbitos ocorrem em indivíduos com mais de 65 anos. Com o envelhecimento progressivo da população espera-se que a prevalência do cancro do pulmão entre os idosos venha a aumentar e que a problemática do tratamento neste grupo etário seja cada vez mais debatida. Até há poucos anos, imperava o cepticismo no tratamento dos doentes idosos, prevalecendo a noção de que qualquer que fosse o tratamento instituído, o balanço entre o benefício e os efeitos secundários era desfavorável. Avaliação multidimensional do idoso Com o envelhecimento global da população, o limite entre a idade adulta e a terceira idade que historicamente se encontrava nos 65 anos, teve que ser redefinido para os 70 ou mesmo para os 75 anos. No entanto, dada a heterogeneidade dos indivíduos com mais de 65 anos, o termo idoso começa agora a ser definido não com base na idade cronológica mas sim na idade fisiológica de cada um. Esta diferenciação é essencial, dado que o envelhecimento representa uma perda progressiva da reserva funcional que varia de indivíduo para indivíduo e dentro da mesma pessoa de função para função. Na avaliação dos doentes com cancro do pulmão com idade avançada, várias questões se colocam: será que o doente morrerá de cancro do pulmão ou com cancro do pulmão?, será que a idade afecta o prognóstico?, será que o doente tolera os regimes terapêuticos normais?, qual será o balanço entre a qualidade de vida e a sobrevida em doentes com doença incurável?. Cada doente deve ser submetido a uma avaliação compreensiva e multidimensional, com o objectivo de definir o prognóstico, avaliar a tolerabilidade ao tratamento instituído e seleccionar a melhor forma de tratamento9.A questão essencial é saber se o índice terapêutico (relação entre risco e benefício) é favorável. Porque o envelhecimento é multifactorial, uma avaliação completa que tenha em conta a função, as co-morbilidades, os recursos pessoais e sociais, é o método mais apropriado para a avaliação do doente idoso. Uma ferramenta muito utilizada pelos geriatras, a avaliação geriátrica compreensiva (AGC), pode contribuir para uma melhor avaliação e compreensão 29 30 da idade fisiológica de cada indivíduo (Tabela 1). Através de instrumentos próprios e validados, analisam-se factores prognósticos que são factores independentes de morbilidade, mortalidade e de necessidade de recursos. Nesta escala avaliam-se o estado funcional (capacidade de realizar as tarefas diárias em casa e na comunidade, de forma independente), co-morbilidades, estado socio-económico e suporte social, função cognitiva, funcionamento psicológico, medicação e estado nutricional8. O objectivo da AGC é reconhecer condições que possam diminuir a tolerabilidade ao tratamento, avaliar a reserva funcional e estimar a esperança de vida. Desta forma, o médico pode realizar decisões terapêuticas individualizadas usando factores de prognóstico importantes para além da idade cronológica. Pode ainda identificar quais os doentes em risco de declínio funcional e de toxicidade com o tratamento, para quem intervenções mais dirigidas podem ser benéficas. A AGC já demonstrou adicionar informação importante no que diz respeito à avaliação funcional dos doentes idosos com cancro, permitindo uma discriminação prognóstica entre os doentes com bom PS9. Tabela 1 Avaliação Geriátrica Compreensiva. Parâmetro Elementos de Avaliação Performance Status Estado funcional Actividades da vida diária (ADL) Actividades instrumentais da vida diária (IADL) Nº de co-morbilidades Co-morbilidades Severidade das co-morbilidades Índice de co-morbilidades (Ex: Índice de co-morbilidades de Charlson, Escala de avaliação de doenças cumulativas) Condições de vida Estado sócio-económico Presença e adequação de um prestador de cuidados Rendimento Acesso a transporte Função cognitiva Estado emocional Avaliação breve do estado mental (mini-mental state) Outros testes Escala de depressão geriátrica (GDS) Nº de fármacos usados Polimedicação Adequação da medicação Risco de interacção medicamentosa Estado nutricional Presença de síndromes geriátricos Mini-avaliação nutricional Demência, delirium, depressão, quedas, negligência e abuso, fracturas ósseas espontâneas, má evolução ponderal Higiene pessoal Veste-se Vai à casa de banho Move-se fora da cama É continente Alimenta-se Actividades Diárias Instrumentais (Escala IADL) Co-morbilidades As co-morbilidades representam condições médicas concomitantes que contribuem conjuntamente com o tumor para a morbilidade e mortalidade dos doentes. O número de co-morbilidades vai aumentando com a idade e diminui a esperança de vida. Uma avaliação e conhecimento completo das co-morbilidades destes doentes é importante não só para avaliar a interferência destas situações clínicas na capacidade que o doente tem para tolerar o tratamento que será instituído, mas também para averiguar se existem outras condições médicas que limitem a esperança de vida mais do que a neoplasia. Tabela 2 e 3 Escala ADL (adaptado de Katz, JAMA, 1963;85 (12):914919) e Escala IADL (adaptado de Lawton, Gerontologist, 1969;15-19). >5 ADL e >7 IADL indica que o doente é funcionalmente independente15. Actividades Diárias (Escala ADL) Estado funcional O diagnóstico de cancro está muitas vezes associado a um aumento da dependência funcional10. Os métodos mais frequentemente usados para avaliar o estado funcional são as escalas de actividades de vida diária – AVD (Tabela 2) e de actividades instrumentais da vida diária – AIVD (Tabela 3).A escala de actividades da vida diária inclui tarefas básicas de auto-cuidado que são essenciais para manter a independência no domicílio e que incluem a capacidade para tomar banho, vestir-se, manter a continência esfincteriana e cuidar da higiene pessoal e alimentação de forma independente. A dependência nestas actividades mostrou estar relacionada com uma diminuição da sobrevida, aumento da duração do internamento, a institucionalização e maior recurso a cuidados domiciliários11,12. A escala de actividades instrumentais da vida diária inclui tarefas de auto-cuidado mais avançadas que são necessárias para manter a independência na actividade comunitária e que incluem a capacidade para preparar refeições, fazer a limpeza da casa, fazer compras, usar o telefone, viajar, tomar a medicação e cuidar das finanças. A dependência nestas actividades está relacionada com uma menor sobrevida e com um maior risco de incapacidade cognitiva13,14. Os estudos publicados recentemente e que se dedicaram especificamente à avaliação dos doentes idosos vieram comprovar que, se tratados de forma adequada, os doentes idosos com bom PS e sem comorbilidades major têm uma sobrevida e uma qualidade de vida semelhante à dos doentes mais jovens. Usa o telefone Vai às compras Prepara refeições Arruma a casa Lava a roupa Usa transportes autonomamentea Medica-se autonomamente Usa dinheiro 31 Funcionamento psicológico e suporte social Geralmente, os doentes idosos aceitam com mais facilidade o diagnóstico de neoplasia de que os doentes mais jovens, exceptuando-se os casos de doentes com doenças mentais préexistentes (ex.: depressão) ou com ausência de suporte social. Nestes casos, a presença de apoio social tem um papel preponderante no ajuste psicológico dos doentes quando confrontados com o diagnóstico de cancro. O isolamento social mostrou ser um factor prognóstico independente de mortalidade nos doentes idosos16. Um apoio social adequado é especialmente importante em doentes com deterioração da função cognitiva. 32 Função cognitiva A presença de demência é um factor independente de prognóstico, estando associada a um aumento da mortalidade17,18. Desta forma, uma avaliação basal da função cognitiva é fundamental para excluir alterações subtis de doença metastática e para determinar se o doente necessita de apoio adicional para acompanhar um plano terapêutico que muitas vezes é complexo. Um prestador de cuidados é essencial para manter a segurança destes doentes, assegurar que o tratamento é cumprido correctamente e reconhecer sinais de toxicidade que necessitem de cuidados médicos. AVD e diminuição da sobrevida no primeiro ano20. A perda de peso não intencional está associada a uma pior resposta à quimioterapia e diminuição da performance status (PS)21. Uma perda ponderal igual ou superior a 5% revelou estar associada a um aumento da mortalidade22. A AGC pode ser muito longa para a prática clínica diária.Assim, foram desenvolvidos vários instrumentos de rastreio para seleccionar os idosos que podem beneficiar da realização de uma AGC completa. Na nossa prática clínica diária utilizamos um fluxograma de decisão baseado na idade, PS (Tabela 4), co-morbilidades (Escala de Charlson) (Tabela 5), escala de AVD (Tabela 2) e escala de AIVD (Tabela 3). Para além destes instrumentos, também a qualidade de vida (QoL), referida pelo próprio doente através do preenchimento de um questionário simples, pode adicionar informação prognóstica importante. Quando avaliada em doentes com CPNPC, a QoL foi um factor prognóstico forte e importante na sobrevida de doentes submetidos a tratamento de primeira linha para CPNPC23. Medicação Os doentes idosos usam cerca de três vezes mais medicação que os doentes mais jovens e estão mais susceptíveis de desenvolver reacções adversas19. Uma revisão integral da medicação do doente é fundamental antes de prescrever um tratamento oncológico que possa levar a interacções medicamentosas. Tratamento Em termos práticos, a escolha do tratamento do CPNPC tanto no idoso como no jovem depende do seu estadio (Tabela 6).Dependendo do estadio do tumor, o tratamento a adoptar (cirurgia, quimioterapia e radioterapia isoladas ou em associação) poderá ter uma intenção curativa (estadios I, II, IIIA e IIIB sem derrame neoplásico) ou paliativa (IIIB com derrame neoplásico e IV). Dentro do tratamento com intenção curativa, é de extrema importância avaliar a possibilidade de ressecção cirúrgica. Estado nutricional A avaliação do estado nutricional é importante no idoso, sendo a desnutrição e os estados de carência específica de certos micro-nutrientes importantes factores de morbilidade e mortalidade nos indivíduos deste escalão etário. Um mau estado nutricional, definido como um índice de massa corporal inferior a 22 Kg/m2 está associado a uma maior dependência nas De uma forma geral, os estadios I e II apresentam tamanho, forma e localização que permitem a sua remoção completa por cirurgia. Os tumores em estadio I ainda não atingiram os gânglios linfáticos; os tumores em estadio II, apesar de já se terem estendido aos gânglios linfáticos, estão contidos na proximidade do pulmão de forma que podem ser removidos em bloco juntamente com o lobo ou com o Tabela 4 Performance Status. Valor Descrição Tabela 5 Escala de co-morbilidades de Charlson (adaptado de Charlson, J Chron Dis, 1987;40(5):373-383). Um valor alto indica um risco elevado de morte por co-morbilidade; um valor total ≤3 mostra um doente potencialmente apto para quimioterapia24. Co-morbilidade Valor Assintomático, completamente activo, executando todas as tarefas profissionais e familiares, sem restrição Enfarte do miocárdio 1 Insuficiência cardíaca congestiva 1 Doença vascular periférica 1 Sintomático, ambulatório mas com restrição da sua actividade física, executando trabalhos leves e sedentários Doença cerebro-vascular 1 1 Demência 1 Doença pulmonar crónica 1 2 Sintomático, ambulatório, capaz de se auto-cuidar, mas incapaz de qualquer outro trabalho familiar ou profissional. Deitado menos de 50% do dia. Conectivite 1 Doença ulcerosa 1 Insuficiência hepática ligeira 1 3 Sintomático, confinado à cama ou cadeirão mais de 50% do dia, ocasionalmente levantando-se para se cuidar Diabetes 1 Diabetes com lesão de órgão alvo 2 Hemiplegia 2 4 Sintomático, completamente dependente para cuidados básicos. Acamado de forma permanente Insuficiência renal ligeira ou moderada 2 Outro tumor 2 Leucemia 2 Linfoma 2 0 5 Morte Insuficiência hepática moderada ou grave 3 Outro tumor sólido metastizado 6 SIDA 6 33 pulmão ressecado. Para o estadio II, estudos recentes confirmaram a quimioterapia póscirurgia (QT adjuvante) como uma mais-valia, traduzindo-se numa menor taxa de recidiva global e maior sobrevida. Os tumores em estadio III são muitas vezes impossíveis de remover cirurgicamente. Quando a neoplasia atinge apenas os gânglios linfáticos mediastínicos do mesmo lado do tumor (N2) então estamos perante um estadio IIIA. A doença neste estadio pode ainda ser considerada ressecável desde que os gânglios não sejam muito numerosos e não formem grandes conglomerados. Nestes casos, a cirurgia é muitas vezes precedida de uma QT neo-adjuvante com a finalidade de diminuir a carga tumoral. Quando são atingidos gânglios linfáticos mediastínicos do lado oposto ao do tumor, na região supra-clavicular ou no pescoço (N3), então estamos perante um estadio IIIB, que é quase sempre irressecável. Outras situações que tornam os tumores em estadio III impossíveis de ressecar são a invasão de estruturas vitais (T4: coração, grandes vasos, esófago, corpos vertebrais, traqueia, carina) ou a existência de disseminação para a pleura com derrame pleural neoplásico. As neoplasias que se estendem para outras localizações dentro do lobo de origem (nódulos satélite) são também consideradas T4 e portanto incluídas no estadio IIIB. Com avaliação caso a caso, na invasão de estruturas vitais a quimio-radioterapia concomitante constitui-se como a principal opção terapêutica. Os tumores em estadio IIIB devidos a derrame pleural ou derrame pericárdico neoplásico bem como os tumores em estadio IV disseminados ao pulmão contra-lateral ou para outros órgãos são tratados com intenção paliativa habitualmente com quimioterapia (QT). Tabela 6 Critérios de estadiamento segundo a AJCC. Estadio Tumor(T) Ganglios Linfáticos (N) Metástases (M) IA T1 N0 M0 IB T2 N0 M0 IIA T1 N1 M0 IIB T2 N1 M0 T3 N0 M0 T1 N2 M0 T2 N2 M0 T3 N1 M0 T3 N2 M0 qualquer T N3 M0 T4 qualquer N M0 qualquer T qualquer N M1 IIIA IIIB IV A. Cirurgia A ressecção cirúrgica ainda é a forma mais eficaz de tratamento para o CPNPC e está associada a uma maior sobrevida a longo prazo. Infelizmente, apenas 20% dos doentes com CPNPC apresentam critérios de operabilidade. A cirurgia está indicada em doentes em estadio I como única terapêutica. Para os doentes em estadio II e IIIA ressecáveis, a cirurgia deverá ser complementada com QT (QT adjuvante ou neo-adjuvante). Numa revisão realizada nos EUA, os idosos com mais de 65 anos, com CPNPC localizado, tinham uma probabilidade de um terço de ser submetidos a ressecção cirúrgica quando comparados com indivíduos mais jovens em estadios semelhantes. Por cada década de vida após os 65 anos, a probabilidade de serem submetidos a cirurgia diminuía 65%25. Estes dados, obtidos de estudos das décadas de 80 e 90, sugeriam que a cirurgia praticamente não Tumor primário (T): T1 – Tumor <3cm na sua maior dimensão, rodeado por pulmão ou pleura visceral. T2 – Tumor com pelo menos uma das seguintes: - >3cm na sua maior dimensão - envolvimento de um brônquio principal, >2cm da carina - invasão da pleura visceral - associação a atelectasia ou pneumonia obstrutiva que se estende até ao hilo mas não envolve todo o pulmão. T3 – Tumor de qualquer dimensão que envolve directamente pelo menos um dos seguintes: parede torácica, diafragma, pleura mediastínica, pericárdio ou tumor do brônquio principal a <2cm da Carina ou tumor associado a atelectasia ou pneumonia obstrutiva de todo o pulmão. T4 – Tumor de qualquer dimensão que envolva pelo menos um dos seguintes: mediastino, coração, grandes vasos, traqueia, esófago, corpos vertebrais, carina ou nódulos tumorais separados no mesmo lobo ou derrame pleural neoplásico. Gânglios linfáticos regionais (N): N0 – Ausência de metástases nos gânglios linfáticos. N1 – Metástases nos gânglios linfáticos peri-brônquicos e/ ou hilares ipsilaterais e nódulos intrapulmonares incluindo envolvimento directo pelo tumor. N2 – Metástases nos gânglios linfáticos mediastínicos ipsilaterais e/ou sub-carinais. N3 – Metástases nos gânglios linfáticos mediastínicos contralaterais, hilares contra-laterais, escalenos ou supra-claviculares. Metástases à distância (M): M0 – sem metástases M1 – com metástases à distância. era recomendada aos doentes idosos, embora os tumores se apresentassem tecnicamente ressecáveis e sem contra-indicações médicas para o procedimento. No momento actual, o consenso é que o tratamento cirúrgico deva ser o tratamento de escolha para os doentes idosos com CPNPC sempre que exista indicação cirúrgica e o doente não apresente contraindicações major. 36 Nos doentes idosos, para além de um estadiamento correcto é necessário efectuar uma correcta avaliação pré-operatória. A evidência sugere que a relação entre a idade avançada e a mortalidade operatória é um reflexo das co-morbilidades e não da idade em si26. Num estudo efectuado em 3864 doentes com cancro do pulmão, as co-morbilidades mais frequentes incluíam as doenças cardio-vasculares e a doença pulmonar obstrutiva crónica27. Também a morbilidade peri-operatória aumenta nas idades mais avançadas. Os maiores desafios ao tratamento cirúrgico no idoso são as alterações fisiológicas causadas pelo envelhecimento no sistema respiratório e cardiovascular e que podem diminuir a tolerância à cirurgia.As alterações pulmonares relacionadas com a idade incluem a diminuição da resposta à hipoxémia e à hipercápnia, diminuição da elasticidade do tecido pulmonar, aumento dos defeitos de ventilação-perfusão e diminuição do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEMS). O declínio na função respiratória é um factor major dado o aumento do risco de morbilidade peri-operatória, de mortalidade e do risco de disfunção pós-operatória permanente secundária à insuficiência respiratória. As alterações cardiovasculares relacionadas com a idade incluem a diminuição do débito cardíaco, a diminuição da frequência cardíaca, o prolongamento do tempo de recuperação após o esforço e uma diminuição da resposta às catecolaminas durante o stress. Assim, deve ser efectuada uma avaliação completa da função pulmonar e cardio-vascular em todos os doentes no pré-operatório em fase de estabilidade e com a terapêutica médica optimizada, o que muitas vezes exige a colaboração próxima do pneumologista, cardiologista, oncologista e cirurgião. Além disso, deve ser realizada uma monitorização apertada e prevenção das complicações no pós-operatório. O tipo de procedimento cirúrgico adoptado também é de extrema importância para minimizar o risco de complicações. Vários estudos realizados estabeleceram uma relação entre o aumento da mortalidade após uma toracotomia e uma idade superior a 65 anos28. A cirurgia torácica video-assistida (VATS) tem relativamente à toracotomia a vantagem de ser um procedimento menos invasivo, de diminuir a dor pós-operatória, preservar a função muscular, de diminuir a disfunção pulmonar e de diminuir o número de dias de internamento29. Os dados existentes sugerem que a mortalidade peri-operatória e a sobrevida são semelhantes à da toracotomia mas a morbilidade está diminuída30,31.AVATS também pode ser usada antes da toracotomia para avaliar a presença de doença avançada previamente não suspeitada e impedir assim a realização de uma toracotomia. A lobectomia é o procedimento de escolha de forma a preservar o máximo de função pulmonar. A pneumectomia está associada a uma maior mortalidade e deve ser reservada para os tumores que não podem ser excisados por lobectomia. As ressecções limitadas, que nos jovens estão associadas a uma maior taxa de recidiva, constituem no idoso uma alternativa razoável para doentes que não toleram uma lobectomia32. No idoso as diferenças na recorrência e na sobrevida entre doentes que foram submetidos a lobectomia e os que foram submetidos a ressecções parciais não é tão clara como nos jovens, particularmente acima dos 71 anos33. A redução na morbilidade e na mortalidade conferida pelas ressecções limitadas beneficia os doentes idosos dada a sua reserva cardio-pulmonar diminuída, co-morbilidades associadas e maior propensão para as complicações cirúrgicas. Um outro factor que parece estar relacionado com a morbilidade e mortalidade cirúrgicas é a experiência do cirurgião que efectua o procedimento34. B. Radioterapia A radioterapia (RT) pode ser usada no tratamento do CPNPC de duas formas distintas: radioterapia radical com intenção curativa em doentes em estadio I e II que não reúnam condições para serem submetidos a cirurgia, ou combinada com quimioterapia para doentes com CPNPC localmente avançado irressecável (IIIA e IIIB). Pode ainda ser utilizada para paliação de sintomas relacionados com a neoplasia como as hemoptises e a dor torácica. Apesar de existirem poucos estudos com a RT radical nos estadios I e II em idosos, parece que a sobrevida nestes doentes é semelhante à dos doentes mais jovens35.A radioterapia radical é eficaz, segura e tem um impacto mínimo no PS dos doentes idosos com doença limitada. No entanto, a sobrevida é menor que com a cirurgia, o controle dos sintomas não é atingido em 100% dos casos, e em casos particulares a qualidade de vida pode ser afectada. Nos casos de CPNPC localmente avançado, a combinação de quimio-radioterapia concomitante com esquemas contendo um derivado do platino é hoje em dia considerado o tratamento standard. Para os doentes idosos com PS 2, pode ser necessário arranjar estratégias terapêuticas alternativas como QT com agente único com intenção paliativa, RT isolada ou mesmo melhor terapêutica de suporte, dada a toxicidade elevada destes esquemas concomitantes (mielossupressão, esofagite, pneumonite, toxicidade renal)36.No entanto,existe um grupo crescente de idosos com bom PS (0-1) que toleram relativamente bem estes regimes e aos quais pode ser oferecido um tratamento com intenção curativa. Estes doentes devem fazer os esquemas standard, e com doses normais de QT e RT. Os estudos publicados mostraram que no idoso tal como nos doentes mais jovens, a utilização de doses mais baixas de RT e os esquemas de quimio-radioterapia sequencial produzem resultados inferiores aos esquemas com terapêutica concomitante37. C. Quimioterapia Vários esquemas terapêuticos têm sido avançados para o tratamento do idoso com CPNPC avançado: QT com agente único, QT combinada incluindo um derivado do platino ou QT combinada sem derivados do platino. a) QT com agente único Numa tentativa de evitar ou diminuir a toxicidade enquanto se tentava controlar a doença, a QT com agente único foi uma das primeiras abordagens a ser avaliada no idoso e tem sido investigada nos últimos 15 anos com vários fármacos. A vinorrelbina foi já investigada de forma extensiva em idosos. O seu perfil toxicológico é ligeiro com baixas taxas de toxicidade hematológica e não hematológica e com a vantagem de poder ser administrada por via oral. O estudo ELVIS38 comparou o uso de vinorrelbina com a melhor terapêutica de suporte, concluindo por uma maior sobrevida no grupo da vinorrelbina. A gemcitabina é um dos fármacos mais usados no tratamento do CPNPC e também ela tem mostrado boa actividade e tolerabilidade39,40,41. Os taxanos demonstraram bons resultados no tratamento do CPNPC. Os estudos iniciais mostraram taxas de sobrevida semelhantes às dos indivíduos mais jovens, mas com maior toxicidade global nos idosos42. Numa tentativa de reduzir a toxicidade implementaram-se regimes semanais de paclitaxel e docetaxel com melhor tolerabilidade43,44. No entanto, são necessários mais estudos para determinar o melhor esquema de administração dos taxanos na população idosa. Uma outra modalidade agora em estudo e com resultados promissores é a administração de agentes únicos de forma sequencial, permitindo a administração de vários fármacos sem os efeitos tóxicos cumulativos da associação. A administração de vinorrelbina e docetaxel sequencial foi testada em doentes idosos com PS de 0 ou 1, tendo mostrado resultados encorajadores45. 37 38 b) QT combinada sem derivados do platino Dados os bons resultados em termos de actividade e de tolerabilidade descritos para a QT com agente isolado, realizaram-se estudos com regimes de QT combinada sem derivados do platino. Destes, a combinação mais estudada é a associação de gemcitabina com vinorrelbina. O estudo MILES46, o maior estudo fase III publicado em idosos comparou a vinorrelbina e a gemcitabina isoladas com a associação das duas em indivíduos com mais de 70 anos. O tratamento combinado não mostrou vantagem em termos de taxa de resposta, tempo para a progressão, sobrevida ou qualidade de vida, e embora a toxicidade tenha sido aceitável em todos os grupos, foi maior no grupo que fez tratamento com a associação dos dois fármacos (maior trombocitopenia e toxicidade hepática). Os autores concluíram por isso, que o uso de gemcitabina ou vinorrelbina isoladas era preferível ao uso da combinação no tratamento do CPNPC no idoso. Baseados neste resultado, a American Society of Clinical Oncology (ASCO) publicou normas de orientação47 que recomendam o uso de QT com agente único como tratamento standard do CPNPC avançado do idoso. c) QT combinada contendo derivados do platino A QT contendo derivados do platino é hoje em dia recomendada como a terapêutica standard para doentes não-idosos com CPNPC avançado dado que prolonga a sobrevida, melhora a qualidade de vida e controla os sintomas40,48,49. No entanto, até à data ainda não houve nenhum estudo prospectivo fase III que tenha avaliado a reprodutibilidade deste benefício em doentes idosos, e por isso o papel da QT combinada contendo derivados do platino neste grupo etário continua em debate. A administração de cisplatino está associada a toxicidade hematológica e não hematológica significativa e a avaliação da relação risco/ benefício deverá ser particularmente cautelosa no idoso. A diminuição da clearence da creatinina e portanto da excreção renal do cisplatino leva a um aumento do potencial de toxicidade e a presença de co-morbilidades e de um PS 2 pode impedir a administração do fármaco numa percentagem significativa de doentes idosos50. Alguns estudos foram elaborados para testar a combinação de agentes de 3ª geração com o cis-platino em esquemas modificados ou com doses atenuadas, de forma a obter um tratamento activo e bem tolerado pelos idosos. Obtiveram-se resultados interessantes com cisplatino e gemcitabina51,52, cisplatino e vinorrelbina53 e cisplatino e docetaxel54. Comparado com o cisplatino, o carboplatino causa menos vómitos, nefrotoxicidade e neurotoxicidade, mas a sua segurança mantém-se um problema principalmente em termos de toxicidade hematológica. São necessários estudos randomizados fase III com poder para responder às questões em aberto relativamente à actividade e toxicidade da QT combinada com derivados do platino em idosos. d) Agentes biológicos Em anos mais recentes, os conhecimentos acerca das bases moleculares dos tumores permitiram o desenvolvimento de novos agentes. Várias características destes agentes biológicos tornam-nos ideais para o tratamento de doentes idosos. Primeiro são mais selectivos para o tumor e menos tóxicos para os tecidos normais. Segundo, como apresentam um mecanismo de acção citostático e não citotóxico, são mais eficazes quando administrados de forma contínua do que em pulsos. Dos agentes disponíveis, o gefitinib e o erlotinib são inibidores da actividade da tirosina cinase do EGF.Tanto o gefitinib como o erlotinib, já mostraram actividade clínica e baixa toxicidade em doentes idosos com CPNPC avançado previamente tratados com QT55,56. A adição destes fármacos à QT não mostrou qualquer benefício quer no idoso quer no não-idoso. O erlotinib como agente único mostrou eficácia em termos de sobrevida quando comparado com a melhor terapêutica de suporte num estudo fase III de doentes com CPNPC avançado após falência do tratamento de primeira e segunda linha. Muitos estudos estão programados para um futuro próximo, relativamente às terapêuticas alvo em idosos com CPNPC, aguardando-se com expectativa os resultados. Conclusão Porque a população está a envelhecer e o cancro do pulmão afecta um número cada vez maior de doentes idosos, a abordagem do cancro do pulmão neste grupo etário tem que ser bem delineada de forma a maximizar a eficácia terapêutica, minimizar a toxicidade e compreender as preferências deste grupo populacional. Um dos pontos mais importantes na abordagem dos doentes idosos com CPNPC, é conseguir separar a idade cronológica da idade biológica entrando em linha de conta com as co-morbilidades, a escala de PS, o estado funcional, factores sociais, psicológicos e mesmo económicos. Os instrumentos de avaliação geriátrica já testados são uma ferramenta de avaliação fundamental na abordagem terapêutica desta população heterogénea. Da evidência clínica disponível no momento para o CPNPC, nos estadios iniciais a cirurgia, quando possível, é o tratamento de eleição. Os doentes que não são candidatos a cirurgia podem ser tratados com RT com intenção curativa, no entanto com valores de sobrevida inferiores aos da cirurgia. Na doença localmente avançada, a quimioterapia neo-adjuvante seguida de cirurgia ou a QRT concomitante são a terapêutica de eleição nos idosos com bom estado geral e poucas co-morbilidades. No entanto, é necessário ter atenção à toxicidade marcada destes esquemas que pode sobrepor-se aos potenciais benefícios. Nas fases avançadas, a QT com um agente único de 3ª geração (vinorrelbina, gemcitabina, docetaxel ou paclitaxel) deve ser considerado o tratamento standard para os doentes idosos. Os esquemas combinados contendo platino representam uma opção válida para idosos aptos com função orgânica adequada. A melhor terapêutica de suporte incluindo factores de crescimento, quando indicados, deve ser oferecido a todos os doentes, principalmente quando sofrem de co-morbilidades e sintomas relacionados com o tumor. Para muitos doentes, a melhor terapêutica de suporte pode representar a única opção terapêutica. De qualquer forma é urgente a elaboração de normas de orientação clínica para este grupo etário que possam ajudar o médico no prcesso de decisão terapêutica. 39 Bibliografia 40 16 Seeman TE, Berkman LF, Kohout F, et al. 1 ( Albain KS, Crowley JJ, LeBlanc M, et al. 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Não tem como preocupação mudar o mundo, mas ajudar a socorrer quem precisa. Em Portugal, temos milhão e meio de pessoas com doença psiquiátrica. O sofrimento mental é algo que não se vê e não é respeitado. Para prevenir? Provavelmente, cuidar bem das crianças nos primeiros anos de vida. 43 44 A calma que transmite na forma de estar, de falar, de olhar, cria um espaço quente, humano, como a luz fria da manhã somente iluminasse a sala onde estamos. Rui Mota Cardoso, doutorado em psiquiatria, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, coordena actualmente a Unidade de Educação Contínua e Difusão Científica do IPATIMUP, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto. Com 61 anos, sente que teve uma vida boa, sente-se um homem feliz, realizado… «se morresse agora morria bem. A minha vida faz sentido, não é ter um sentido, mas faz sentido. Vejo a minha vida como um itinerário interior para uma certa serenidade onde sinto que consegui chegar, e isso é muito mais importante que títulos ou carreiras». Por isso, em todas as palavras, pausadas, percorre um mundo preenchido de sabedoria, de saber, humano. Uma das suas áreas de interesse, ao longo da sua vida, foi o stress. Porquê? Dediquei-me sobretudo à psicossomática e, por isso, em certas alturas debrucei-me sobre o stress. Mas o que mais me interessou foi como é que a vida pessoal, quer intrapsíquica quer interpessoal, poderia contribuir para melhorar ou piorar a situação orgânica, as doenças médicas. Doutorei-me, não como cardiologista, mas com os aspectos psicossociais que interferiam no enfarte do miocárdio. Nos caminhos que me levam a pensar na psicossomática, por exemplo, como as emoções interferem no organismo, aparece o stress. Como se pode definir stress? Há duas concepções de stress e, provavelmente, ambas incompletas. As pessoas chegam a casa e dizem hoje o trânsito estava um stress. A ideia aqui é que é qualquer coisa de fora que nos incomoda, que nos cria stress. É o trânsito que é stress. Outras vezes chegamos a casa e dizemos estou cheio de stress. É qualquer coisa interior, um estado de tensão. Provavelmente, são as duas coisas. O stress surge quando o meio me exige coisas que neste momento não sou capaz de fazer ou nunca serei. Quando há uma discrepância entre as minhas capacidades de lidar com o mundo e as exigências do mundo, então entro em stress. O stress não é algo que tenha, é uma situação em que estou. E às coisas como o trânsito chamaremos fonte de stress e às coisas que sinto dentro de mim quando estou numa situação de stress provavelmente devemos chamar sobrecarga de stress ou reacção pessoal ao stress. O stress é a situação, o estado interaccional em que me encontro. Existe stress positivo e negativo? No stress há duas situações: as que consigo superar, que de facto consigo resolver -– eis um stress positivo porque me faz crescer e faz aumentar a minha estima e as minhas capacidades, realiza-me -– este é um stress bom que toda a gente tem; depois há outro stress, que é este que nos interessa no sentido médico, é aquele em que não tenho, ou até às vezes 45 O stress surge quando o meio me exige coisas que neste momento não sou capaz de fazer ou nunca serei. Quando há uma discrepância entre as minhas capacidades de lidar com o mundo e as exigências do mundo, então entro em stress. O stress não é algo que tenha, é uma situação em que estou. 46 ninguém tem, capacidade de superar. E este sim é que cria, provoca a doença. Que doença? Todas. Não há uma doença do stress. O stress é uma situação de tal sobrecarga que o organismo claudica na totalidade. Posso ter desde doenças psiquiátricas, doenças físicas, a perturbações comportamentais, ir para o álcool, para a droga, ou bater em toda a gente. As consequências são perturbações médicas ou psicológicas. Muitas vezes, até demagogicamente, algumas pessoas confundem bom stress com mau stress para nos explicarem que é bom trabalhar sobre stress, sobre competição. É se for superado, se não for é mau. Tentar meter na cabeça às pessoas que devem trabalhar sobre stress porque aumentam a eficácia é uma falácia, pois se for o tal mau stress diminui a eficácia, além de provocar doença. Até com o stress se criam mitos. Criaram-se alguns mitos que foram aproveitados demagogicamente em relação ao stress, à competição, em relação a inúmeras coisas que se está a incutir nas novas gerações. É preciso ter algum cuidado. É tudo verdade se for superado, mas a pessoa pode não ter capacidade para superar. Em que casos? Em determinadas situações, mais ligadas às relações interpessoais, como médicos e enfermeiros, professores, pessoas que têm relações interpessoais carregadas de afectos, de emoções, de sobrecarga emocional, tendem a ficar com uma perturbação psicológica que é insidiosa, apanha a pessoa pelas costas, a pessoa não repara que aquilo está a acontecer e surge o que chamamos burnout, esgotamento. Este burnout apanha sobretudo as pessoas mais motivadas. As que têm a sua profissão, imagine um médico, para ganhar dinheiro, nunca vão ter burnout, porque estão descontraídos, não se dedicam profundamente à profissão. Há quem chame ao burnout a doença da desilusão; a pessoa perde as ilusões da profissão. É uma doença gravíssima. O burnout é uma doença para um, dois anos, nem sempre curável, é pior do que uma depressão. Os cuidadores de pessoas diminuídas ou pessoas com Alzheimer estão muito sujeitos a isto. Na Inglaterra, por exemplo, um em cada cinco professores, tinha burnout. Em Portugal, no estudo que fiz em 2000, era um em cada 15. As pessoas têm essa consciência? É insidioso e as pessoas não se apercebem. Quando estão no fundo é que têm de parar. É uma situação em que a pessoa se encontra num meio que exige comportamentos, capacidades, reacções que ela não tem nem consegue resolver, pelo menos temporariamente, poderá vir a ter, ou nunca terá. Há coisas que são humanamente impossíveis de superar. É verdade que o ser humano tem uma capacidade enorme para se adaptar. Há um estudo norte-americano que diz que nós, hoje, durante três meses, somos submetidos ao mesmo número de estímulos a que os nossos avós eram submetidos a vida toda. A capacidade de adaptação tem de ser enorme. Isso é bom? Somos o animal que nasce no estado mais atrasado de desenvolvimento. Isso permitenos desenvolver cá fora, desenvolver de acordo com as necessidades que existem. Então, desde que a gente nasce, o mundo está sempre a exigir o que não temos. Sem stress só um morto. O homem é um ser em devir, significa que é um ser em stress, de bom stress, que é esse que me faz crescer, não adoecer. O como surge a perturbação mental? Sofrimento mental surge quando as capacidades de elasticidade de funcionamento mental estão diminuídas. O mundo está sempre a tentar desequilibrar-me, como se fosse um objecto sujeito às acções do mundo, e eu tenho capacidades interiores de me autoregular de novo em relação a essas ameaças de 47 48 desintegração que o mundo me faz, quer seja fisicamente, se me ferir tenho a capacidade de me cicatrizar, quer seja emocionalmente, psicologicamente, até moralmente. Quando esta relação, ou porque me fragilizo, pessoalmente até geneticamente, ou porque o mundo me abana de mais, tenho três maneiras de reagir. Que são… Posso superar e cresço, não há sofrimento, há luta, é o stress positivo, fico mais seguro, com mais estima; outro é desintegrar-me e, finalmente, o que normalmente acontece, reduzo a minha capacidade de flexibilidade, fico mais ou menos rígido, vou-me comportando dentro do possível. É dentro destas duas situações que começa o sofrimento mental. Quando as minhas capacidades de, por um lado, integração no mundo e, por outro lado, de flexibilidade ao mundo começam a diminuir ou mesmo a desintegrar-se, surge o sofrimento mental. Em determinadas situações este sofrimento traduz-se em qualquer alteração estável, quer no sentido biológico quer psicológico quer comportamental, a ponto de podermos diagnosticar uma perturbação constante, estável e dificilmente reversível sem tratamento. Já não estamos só no sofrimento, estamos na doença mental. A doença mental surge quando? A doença ou sofrimento mental surge de três grandes forças: da acção do mundo sobre mim, da minha vulnerabilidade ou resiliência a esse mundo e do meu próprio momento de desenvolvimento. Destes três vectores pode surgir o sofrimento. Posso fazer a mim mesmo o próprio sofrimento, o mundo que me altera é também o próprio mundo que vou criando. Pode exemplificar com um exemplo… Imagine que existe aqui ao lado uma bomba. Se achar que aquilo não é perigoso não sofro tanto como se achar que aquilo é perigosíssimo. Incluo aqui uma vida psicológica interior, muitas vezes cognitiva, emocional, que também interfere nesta relação entre o eu e o mundo. São as nossas próprias interacções com as do mundo, com o nosso corpo, com a mente? Somos corpo e temos uma vida psicológica que actua em tudo. Há muito a ideia de pensar corpo/meio e esquecemos que ao criarmos a capacidade de simbolizar acabamos por criar outro mundo interno que interage com o mundo externo e com o corpo. De facto, o problema não é o que me acontece, é o que acho que me está a acontecer. Não há uma doença do stress. O stress é uma situação de tal sobrecarga que o organismo claudica na totalidade. Posso ter desde doenças psiquiátricas, doenças físicas, a perturbações comportamentais, ir para o álcool, para a droga, ou bater em toda a gente. As consequências são perturbações médicas ou psicológicas. É um mundo subjectivo, de várias frentes, em jogo no homem. Havia um autor que dizia que o homem era o único animal que conseguia distinguir água de água benta. Já imaginou porque é que as pessoas são incapazes de beber água benta ou o que aconteceria se bebêssemos água benta? Havia qualquer movimento interior, ou qualquer ressonância interior, que nos faria ter alguma aversão por beber água benta. É o papel do simbólico. Água benta é água mas é também um símbolo que tem uma força interna fnotável. Quando falamos em doença mental ou quando falamos em conhecimento psico-patológico, estamos a entrar num mundo muito difícil de estudo pela sua complexidade. Não é linear, não podemos dizer: isto faz aquilo. Isto faz aquilo, mas pode fazer isto, mais aquilo, interferir em rede. É algo organizado, tudo se relaciona. E em estruturas altamente organizadas, uma coisa pode provocar várias coisas e a mesma coisa pode ser provocada por imensas. Como fazer ciência aqui? É entrar na mente e na mente da própria pessoa que não sabe o que tem. É a parte não consciente da sua integração em sociedade e da sua vida psicológica. Os profissionais de saúde têm conhecimento desta complexidade? Não tinham, começam a ter, até mais os enfermeiros. Os cursos de enfermagem em Portugal têm tido um crescimento ligado aos problemas psicológicos e de sofrimento e de relação enfermeiro/doente do que propriamente os cursos de medicina. Mas não só em Portugal, no mundo todo. Os conhecimentos médicos e, sobretudo, a possibilidade de instrumentação médica, desde o uso de aparelhos sofisticadíssimos ao recurso a técnicas inovadoras, estão a transformar a medicina em algo altamente especializado e técnico; mas esta está a perder aquilo que era a alma da medicina, no fundo, não só tentar curar a doença, mas cuidar do doente. Hoje começa-se a ”re-conhecer” que é necessário cuidar do doente. E isso do cuidar entra muito mais pelo lado da enfermagem do que pelo da medicina. Um doente que se sente com determinada doença melhorará ou piorará conforme o tipo de segurança, de afecto, que perceba Quanto melhor reagir, quanto mais apoio, melhor poderá ser o final. É um conhecimento que existe, mas que tem que ser treinado a nível profissional. Há competências clínicas de comunicação que os profissionais futuros de saúde têm de conhecer. 49 50 Nestas sociedades, tecem-nos vazios nos nossos desejos? O ser humano, em determinado altura, sentia-se religado ao mundo. Falo da Idade Média. O homem pertencia a alguma coisa e ao pertencer sentia-se preenchido. Isso é a origem da palavra religião, estar religado. Com o aparecimento da ciência, há uma espécie de quebra de relação com o sagrado.A natureza é natureza e o sagrado, a espiritualidade, retorna para dentro de mim. Aquilo que estava no mundo todo vem para dentro de mim. Sou eu que transporto o sagrado e o mundo passa a ser rex natura, e o sagrado refugia-se na mente, na alma. Mas, de facto, o preenchimento que a pessoa tinha nessa altura tem outra componente interpessoal, sobretudo para as relações de amor e de afecto. O que se está agora a quebrar é esta relação interpessoal. A distância entre as pessoas aumenta pela velocidade com que as coisas se passam, aumenta pela quebra das grandes famílias, agora são famílias nucleares, aumenta pela quebra das relações grupais, das tertúlias, as pessoas estão cada vez mais isoladas, e as relações de afecto tendem cada vez mais a tornar-se comerciais pela utilidade da relação, do que propriamente pelo benefício da comunhão. Há um sentido de vida diferente. O sentido da vida deixou de ser de natureza espiritual, não no sentido religioso mas no sentido de vida interior, e passou a ser de natureza comercial ou de utilidade directa. Por um lado, o indivíduo está cada vez mais só, numa uma solidão quase cósmica, perde os laços com as outras pessoas e, ao mesmo tempo, a sua vida interior tende também a esvaziar-se.A criatividade, a imaginação, o sonho, são coisas que a gente adquire na infância; quando não as temos sonhamos com elas. Hoje, os nossos filhos antes de sonharem já têm as coisas. Isto não só não permite uma vida interior de imaginação como não permite aprender a esperar para ter, aprender a resistir à frustração.A perda disto tudo e o esvaziamento de vida interior é que leva ao vazio. Até o sagrado, que se tinha retirado para a alma, está agora no colesterol, numa coisa qualquer. As pessoas correm para baixar o colesterol para não morrerem. Isto é razão para viver? Onde está hoje o sagrado? Onde está hoje uma vida interior, espiritual? Onde encontro a beleza, onde me sinto bem comigo e com os outros? Hoje o sentido da vida é dar prazer aos sentidos. Mas os vazios são fundamentais? Claro. Uma coisa é o vazio que sinto da minha incompletude e que me faz buscar essa completude, mesmo sabendo que não a vou ter, mas isso dá sentido à vida. O outro vazio é de sentido, de intersubjectividade, de relação entre duas subjectividades. Hoje a ciência do marketing tem um poder sobre a necessidade das pessoas que as pessoas não imaginam. As pessoas nem sabem o quanto da sua vida é comandada pelo marketing e pelas imagens. Hoje não temos natureza nem as coisas, temos a imagem das coisas. Não estive no tsunami mas vi-o. E isto isola-me do mundo, porque a realidade que tenho é a realidade publicável. Cria-se uma ausência de espírito crítico, desintegração? A psiquiatria trabalha sempre com os que não se integram. Se no futuro toda a gente for assim, criamos uma sociedade de normopatas. O sentido crítico pressupõe uma individualidade e uma alteralidade, eu e outra opinião, que morre no momento que não tenho opinião, faço parte de uma opinião geral. Isso é mais um factor que prova que, embora isolado, não sou individual. A quem eu pertenço? Acaba por ser a pseudocomunidades. Pertenço à Ordem dos Médicos, mas não conheço muitos médicos. Até a noção de pertença é de pseudocomunidades. A nossa comunidade é a nossa tribo, 20/30 pessoas que conhecemos, que podem nem viver no mesmo sítio, mas que são a nossa comunidade, as outras pessoas, com quem cruzamos na cidade, não o são. Na cidade, o isolamento é maior e a individualidade perde. Escreveu: «As pessoas estão cada vez mais esvaziadas de sonhos, de projectos, de amor, de grupos de apoio e até de vida interior». Que sociedade estamos a criar? É um mundo louco que estamos a criar? Não sei se é um mundo louco, é um mundo, de certeza, Novo. Não sei se é o admirável mundo novo. Para a minha geração e para a minha idade é um mundo stressante. Tenho alguma esperança não só que os novos se adaptem mas também que sejam capazes de mudar e preencher de novo a vida. Porque vai ser difícil viver assim. 51 52 São estes vazios que ajudam a criar doença? Estamos habituados ao paradigma de doença a nível biológico. Se perguntar o que provoca o enfarte de miocárdio qualquer pessoa dirá que são os ateromas na coronária, mas porque se criaram os ateromas?. Dirão então que se criaram porque o indivíduo era hipertenso, tinha o colesterol elevado, não corria, comia mal, fumava; é tudo verdade. Mas não dizem que, além disso, existem os aspectos psicológicos. Há pessoas que fazem enfartes de miocárdio a ver desafios de futebol. A emoção também participa disto. Estamos a um nível superior ao nível biológico. Quando entramos em situações psicológicas ou psicossociais de sofrimento aí entram outras causas. Entra o vazio, a humilhação, a prepotência, uma data de momentos que a gente se esquece. As pessoas vivem em situações de insegurança, de prepotência, de humilhação, de frustração elevada, de competição, de uma data de situações que, de certeza, são acumuladoras de razões para depois vir o cigarro, a má alimentação, etc., ou seja, levar às doenças. E qual é o papel do psiquiatra nestas sociedades? Os médicos trabalham primeiro com os doentes. Não posso estar à espera que mude o mundo para que aquele meu doente melhore. A minha primeira preocupação não é mudar o mundo, é de ajudar a pessoa. O meu primeiro papel é socorrer quem precisa, quem pede ajuda, segundo duas regras muito importantes: não lhe posso fazer mal e tenho de defender, com ela, a sua própria autonomia. Somos o animal que nasce no estado mais atrasado de desenvolvimento. Isso permite-nos desenvolver cá fora, desenvolver de acordo com as necessidades que existem. Então, desde que a gente nasce, o mundo está sempre a exigir o que não temos. Sem stress só um morto. O homem é um ser em devir, significa que é um ser em stress, de bom stress, que é esse que me faz crescer, não adoecer. Indirectamente, como profissional de saúde, tenho obrigação de denunciar e contribuir para a mudança como cidadão informado ou especializado. Mais não posso fazer.A primeira coisa que tenho são pessoas a sofrer que quero ajudar. A Psiquiatria para onde segue? Não sei. Para onde gostava que ela fosse é diferente, talvez saiba. A Psiquiatria está, no momento, na encruzilhada em que tem de integrar os grandes conhecimentos que agora existem de biologia molecular e de neurociências com o seu património de saberes e práticas. Há um longo caminho a percorrer. Corre um enorme risco de esquecer tudo o que era e é para pode caircair numa perversão técnico-científica que esqueceria o doente e só pensaria na doença. Os aspectos técnicos, farmacológicos e terapêuticos são muito importantes, mas a psiquiatria, obrigatoriamente, tem de humanizar os seus processos. O doente mental é, por definição, um doente pouco respeitado, mesmo socialmente. O movimento de levar a psiquiatria à comunidade e não o de trazer o doente à psiquiatria é irreversível. Há riscos. Com a pressa, pe: eu pnso que estamos a correr o risco de acabar precocemente com as instituições clássicas que temos e que continuam a ser necessárias para voluntariosa mas irresponsavelmente as trocarmos por outras também necessárias e que não temos. Pode-me dar exemplos. Ao estar na comunidade não tiro o doente do seu meio, posso estar perto para prevenir a crise de início e ajudar a resolver a situação antes de uma agudização; mas há situações de agudeza que exigem internamentos. Não posso ir para a comunidade e fechar os locais de internamento, vão ser sempre necessários. Fechar todas as instituições hospitalares psiquiátricas é criminoso e, se não for criminoso, é leviandade. É preciso integrar os hospícios, hospitais e comunidade, se não quem paga o erro é o doente. Sabemos que as doenças psiquiátricas mais graves são longas e que, portanto, um tratamento a meia haste é leviano e criminoso. O futuro da psiquiatria passa, para além da integração de serviços, pela comunidade? O futuro da psiquiatria é comunitário com logística de retaguarda. Creio que neste momento as pessoas responsáveis pela saúde mental têm esta ideia, mas correm riscos de exageros de boa vontade e entusiasmo. Reconheço que quer esta corrente nova quer a corrente mais conservadora e hospitalar estão condenadas a encontrarem-se e a conheceremse.Ambas as partes têm de fazer um esforço de negociação e não de competição, quem paga são os doentes. Quantos doentes psiquiátricos existem em Portugal? Não há estudos completos. Mas para termos uma ideia, podemos utilizar os dados americanos. Teríamos 15% de pessoas com doença psiquiátrica, desde muito grave a moderada. 53 54 É muita gente. Em Portugal teríamos milhão e meio de pessoas. O sofrimento mental é algo que não se vê e não é respeitado. A maioria são mulheres. Ouvem do marido: se tivesses tanto para fazer como eu nem tinhas tempo para isso, é a resposta clássica; se não puderem trabalhar, a empresa di-las preguiçosas. As doenças psiquiátricas, a não serem as ditas loucuras, que são mínimas, mas essas de todos os dias, a depressão, ansiedade, fobias, são em número elevado. As psicoses, as esquizofrenias, são uma percentagem mínima. Talvez 1%/2%. Com as outras, andam as pessoas na rua com elas às costas ou fecham-se em casa. O que significa um enorme sofrimento para as pessoas. Em estudos feitos, comparando doenças crónicas com depressão, a diminuição de rendimento físico e social, é maior do que qualquer outra doença.A doença mental é a que tem uma menor qualidade de vida.As doenças mentais obrigam a uma perda enorme de dias de trabalho. Economicamente é mais barato tratar do que deixar andar. E muito mais barato ainda seria prevenir. Como se previnem essas doenças? Provavelmente, cuidando bem das nossas crianças nos primeiros anos de vida. É altura em que se está a fazer pessoa, a pessoa vulnerável ou a pessoa forte, a pessoa confiante ou a pessoa insegura. Nessa altura estamos a criar pessoas e as primeiras fases da vida são muito importantes. Um centro de saúde mental na comunidade, por exemplo, cuidando das grávidas, cuidando dos primeiros momentos de relação entre mãe e filho, cuidando das mães abandonadas, cuidando das que fizeram depressão pós-parto, seria uma forma eficaz de tratar, ou antes, prevenir essas doenças. Depois teríamos as prevenções do alcoolismo, da droga, das doenças sexualmente transmissíveis, do stress, isso era o trabalho da psiquiatria na comunidade. Um trabalho contínuo, global, estruturado. Claro. Sofrimento mental surge quando as capacidades de elasticidade de funcionamento mental estão diminuídas (…). Quando as minhas capacidades de, por um lado, integração no mundo e, por outro lado, de flexibilidade ao mundo começam a diminuir ou mesmo a desintegrar-se, surge o sofrimento mental. O que o marcou até hoje na sua vida? Há coisas muito importantes na minha vida e que nem sempre dei importância. Uma delas foi ter nascido no Bonfim, no Porto. Outra foi ter ido para psiquiatria e ser professor. Depois, a doença. Há uns anos atrás fui transplantado; permitiu-me reformular as prioridades da vida e perceber melhor ainda o que é ser doente, estar do outro lado da bata. Também foi importante ter-me apaixonado algumas vezes, foram momentos na minha vida que alicerçaram hoje quer o que sou quer os laços de afecto que tenho, os meus filhos, os meus netos. Mesmo como psiquiatra, como professor, é fundamental ter esse equilíbrio para doar algo aos outros? Os médicos da área psiquiátrica ou psicológica são mais ou menos como os professores de artes. Toda a gente para atingir esse equilíbrio faz o seu percurso interior e nós, psiquiatras, ensinamos a mexer nos pincéis, mas eles têm de fazer o quadro, a obra-prima. Mas não é por sermos psiquiatras que estamos dispensados de fazer também esse percurso, essa carreira pessoal, esse itinerário pessoal. Ajudamos de facto, mas como uma espécie de treinador, facilitador de técnicas ou instrumentos. O processo de saúde é um processo individual do próprio doente. Publicou, em conjunto com outros autores, três livros. Escrevo muito pouco. Acho que se escreve de mais e que se gasta muito papel e a maioria das coisas não tem interesse nenhum. Tenho algum pudor e provavelmente já escrevi demais. Quando me perguntam porque é que escrevo tão pouco costumo dizer que quando tiver alguma coisa para dizer escrevo. Um dos livros é um estudo profundo sobre o stress dos professores em Portugal. Os outros livros partem da ideia de fazer pontes com historiadores, críticos, filósofos. Foi sobre o pensar o conhecimento científico que tenho numa certa cultura de cidadania. Tentar aproximar a cultura da ciência, como é que a cultura hoje precisa da ciência e vice-versa e como se integra numa certa cidadania. Nesses outros dois livros participei como psiquiatra. Mas, de facto, escrevo muito pouco, sou muito mais uma pessoa de falar e intervir do que uma pessoa de escrever. Para profissionais de saúde que palavras deixar? Sinto que temos em Portugal bons profissionais de saúde. Se há coisas de que Portugal se pode orgulhar é dos profissionais de saúde que tem. Acho que está no momento dos profissionais de saúde começarem a pensar mais no doente e menos na doença; pensar que a sua função, além de curar doenças, é também, cuidar dos doentes.Temos os melhores profissionais de saúde, temos dos melhores serviços de saúde do mundo, penso que poderíamos ser ainda melhores se todos os profissionais de saúde pensassem para além da doença, no doente. E que para isso têm que estabelecer relações fortes, na certeza porém que uma relação profissional não é uma relação de amizade e tem características intrínsecas e singulares. Para além de tudo o que sabem em termos técnicos, têm de desenvolver as suas competências de comunicação e de relação. 55 Domingos José Lopes da Silva Doutorado em Ciência do Desporto, Professor Titular da Escola Secundária/3 de Barcelinhos [email protected] Pedro A. Costa Alves Amigos da Montanha – Associação de Montanhismo de Barcelinhos [email protected] Palavras-chave: montanhismo, altitude, composição corporal, hematologia Este artigo foi originalmente publicado na revista Motricidade, vol. 02, n.º 02, Abril 2006 56 6501m 4835m 4000m 3752m 2287m Alterações morfológicas e hematológicas em altitude estudo de caso 4152m Resumo Com o presente estudo pretendemos avaliar as alterações morfológicas e hematológicas num único montanheiro que fez uma expedição a mais de 6500 metros de altitude. O sujeito da nossa amostra é adulto jovem (34 anos de idade), do sexo masculino, não fumador, com profusa prática desportiva. 3429m 2919m 57 Foram avaliados as seguintes componentes: • Composição corporal – peso, estatura, 13 pregas de adiposidade subcutânea (queixo, bicipital, tricipital, antebraço, subescapular, peitoral, midaxilar, abdominal, suprailíaca, supraespinal, crural, suprapatelar e geminal), 7 circunferências musculares (braço relaxado, braço em máxima contracção, expansão torácica, cintura, anca, coxa e geminal). • Indicadores hematológicos – eritrograma, leucograma e plaquetas. Constatámos as seguintes alterações: 58 • Diminuição da espessura das pregas adiposas e da maior parte das circunferências musculares. • Aumento da circunferência torácica. • Diminuição do peso corporal. • Diminuição da quantidade de tecido adiposo, reduzindo os valores absoluto e relativo. • Aumento da densidade corporal. Os riscos de uma ascensão rápida são por demais conhecidos, vão desde um estado de sensação de estar doente e com náuseas, até ao surgimento de outros sintomas, como fortes dores de cabeça, perda do apetite, excitabilidade, insónias, rápida descida do peso corporal e vómitos, que no seu conjunto foram o denominado mal de montanha. • Aumento dos indicadores do eritrograma. • Aumento dos leucócitos, linfócitos e do 4152m de plaquetas sanguíneas. número • Diminuição dos neutrófilos. 3429m 2919m Introdução Ainda que não esteja definido com precisão o conceito de alta montanha, é comummente aceite como sendo todas as elevações de terreno que passam além dos 2500 metros de altitude. Um número crescendo de pessoas em todo o mundo tem vindo a dedicar-se às práticas de alta montanha, quer sejam por praticantes regulares e sistemáticos na dedicação ao treino quer turistas aventureiros, na maior parte das vezes durante o período de férias deVerão, que desejam ultrapassar os seus próprios limites. Os riscos de uma ascensão rápida são por demais conhecidos, vão desde um estado de sensação de estar doente e com náuseas, até ao surgimento de outros sintomas, como fortes dores de cabeça, perda do apetite, excitabilidade, insónias, rápida descida do peso corporal e vómitos,que no seu conjunto foram o denominado mal de montanha. E não é preciso subir-se muito para que estas advertências emitam o seu sinal de alerta. Num trabalho pioneiro publicado na Revista Military Medicine1, está referenciado que tal situação é susceptível de ocorrer em altitudes de 2743m; mais recentemente, alguns investigadores2, mostraram que tal fenómeno pode ocorrer em indivíduos que não realizaram aclimatação em altitudes de 3000m, dependendo da velocidade de ascensão e do grau de aptidão. Estes sintomas, geralmente, permanecem por três dias, mas a recuperação do peso corporal perdido só ocorrerá quando se regressar ao nível do mar3. Todavia, está por explicar se a perda de peso corporal que ocorre em expedições prolongadas de alta-montanha é devida a um inadequado aporte nutricional, à desidratação ou a outros factores desconhecidos4,5. Muita da informação existente acerca dos efeitos da altitude aborda a problemática das características fisiológicas, mas pouco se sabe acerca dos efeitos na composição corporal. Por outro lado, a composição da massa corporal perdida não foi ainda totalmente esclarecida, por exemplo, i) Guilland e Klepping6 mostraram uma redução considerável de tecido adiposo, ii) diversos investigadores7,8,9 mostraram a existência de uma redução substancial de massa gorda e de massa magra, iii) no trabalho de Hoppeler et al.10, foi observado uma redução de 20% no tamanho da fibra muscular e 25% na sua capacidade oxidativa, iv) por tomografia axial computorizada observou-se que a principal perda de peso corporal derivou da redução do tecido magro11. De todo o modo, parece que a magnitude das transformações morfológicas também depende da altitude alcançada e do tempo de permanência em altitude12, bem como do aporte nutricional13, particularmente a suplementação de aminoácidos de cadeia ramificada, susceptível de reduzir a depleção muscular14. Ao nível das modificações produzidas nos indicadores hematológicos com a permanência prolongada em altitude, apesar do primeiro trabalho datar de 1901, só a partir da década de 80 do século passado é que alguns investigadores passaram a debruçar-se seriamente sobre esta temática. Por exemplo, hoje sabe-se que a leucocitose é uma das mais consistentes modificações produzidas com a exposição prolongada em altitude15 e com a prática de exercício físico, podendo aumentar até quatro vezes o seu valor basal,não parecendo estar relacionada com a capacidade física do indivíduo, mas antes parece estar directamente associada com a intensidade e duração do exercício16. Este aumento deve-se sobretudo ao aumento dos neutrófilos, e em menor percentagem dos linfócitos e dos monócitos17. Com este estudo pretendemos avaliar as alterações morfológicas e hematológicas que ocorrem num indivíduo (estudo-caso) após uma expedição de alta montanha a mais de 6500 metros de altitude. 59 Metodologia Amostra Sujeito: atleta adulto jovem (34 anos de idade), não fumador, praticante de montanhismo à mais de 10 anos (dos 24 aos 34 anos). O sujeito não usava hormonas ou outras drogas susceptíveis de interferir com o metabolismo. O consentimento informado respeitou as normas explícitas na Declaração de Helsínquia (1975). Procedimentos Expedição: com a participação do mais famoso montanheiro de Portugal da actualidade, João Garcia, e alguns atletas do Clube de Montanhismo da Guarda, foi realizada uma expedição a Aconcágua (Argentina), cujo cume fica a 6962 metros de altitude. A duração da expedição foi de 21 dias. Todavia, o tempo de permanência em altitude igual ou superior ao campo-base foi de 15 dias (de 23 de Dezembro de 2002 a 6 de Janeiro de 2003). A expedição foi auto-organizada, pelo que não obedeceu a nenhuma aprovação ética. 60 Quadro 1 Desenho do estudo. Partida 50m altitude Campo Base 4300m Campo 1 Campo 2 Campo 3 Cume Chegada 4900m 50m altitude 5400m 6000m 6962m Antes: A actividade física desenvolvida pelo sujeito foi aquela avaliação necessária para o deslocar de um campo para outro, com antropométrica vista à aclimatação. e hematológica. Depois: avaliação antropométrica e hematológica. Avaliação/extensão temporal e medidas registadas: foi efectuada, em dois momentos de observação (M1: 4 de Dezembro de 2002; M2: 9 de Janeiro de 2003), a medição das seguintes variáveis: • Composição corporal – peso, estatura, 13 pregas de adiposidade subcutânea (PAS) (queixo, bicipital, tricipital, antebraço, subescapular,peitoral,midaxilar,abdominal,suprailíaca, supraespinal, crural, suprapatelar e geminal), 7 circunferências musculares (braço relaxado, braço em máxima contracção, expansão torácica, cintura, anca, coxa e geminal). • Indicadores hematológicos – eritrograma, leucograma e plaquetas. Composição corporal: todas as medições foram efectuadas pelo mesmo observador no hemicorpo direito. A selecção das PAS e os pontos anatómicos de medição respeitaram os princípios metodológicos definidos por Harrison et al.18. Foi registada a média de duas medições. Em todas as PAS utilizámos um adipómetro Holtain, o qual apresenta uma pressão constante (10g/mm2) entre as duas pinças ao longo de toda a sua amplitude de abertura. Foram, ainda, efectuadas medições de algumas circunferências musculares, nomeadamente, braquial relaxado e em contracção, expansão torácica, cintura, anca, coxa e da perna. Foi registada a média de duas medições. Em todas as circunferências musculares utilizámos uma fita métrica flexível e inextensível Circumeter Enraf-Nonius®. Na medição do peso corporal, com o sujeito vestindo apenas cuecas, foi utilizada uma balança electrónica portátil Tanita Body Fat Monitor Scale TBF-531. Na medição da estatura utilizámos um estadiómetro de parede de fabrico pessoal. O cálculo da densidade corporal foi efectuado pela equação de Durnin e Rahaman19. O percentual de gordura foi calculado pela equação de Siri20. Com este estudo pretendemos avaliar as alterações morfológicas e hematológicas que ocorrem num indivíduo (estudo-caso) após uma expedição de alta montanha a mais de 6500 metros de altitude. A resposta imunitária ao exercício físico está dependente de um conjunto multivariado de factores, dos quais destacamos, a intensidade, duração e tipo de prática físico-motora, o nível de treino do sujeito, a fase do dia em que se procede à recolha da amostra sanguínea, a prática física anterior, entre outros. 61 Quadro 2 Composição corporal: resultados obtidos nos dois momentos de observação. Diferença entre momentos. Percentagem de modificação. M1 [Dez. 2002] M2 [Jan. 2003] Dif. M2–M1 Modificação (%) Peso (kg) 76.0 74.8 –1.2 1.6 Estatura (cm) 183.5 183.5 0 0.0 Composição Corporal Medidas Antropométricas de Base: Pregas de Adiposidade Subcutânea: 62 Queixo (mm) 12.9 11.4 –1.5 11.6 Bicipital (mm) 2.7 2.3 –0.4 14.8 Tricipital (mm) 6.8 5.6 –1.2 17.6 Antebraço (mm) 3.7 3.2 –0.5 13.5 Subescapular (mm) 8.6 8.4 –0.2 2.3 Peitoral (mm) 4.6 3.5 –1.1 23.9 Midaxilar (mm) 5.3 4.8 –0.5 9.4 Abdominal (mm) 12.1 11.6 –0.5 4.1 Suprailíaca (mm) 7.2 6.1 –1.1 15.3 Crural (mm) 12.0 9.8 –0.2 18.3 Suprapatelar (mm) 6.0 6.0 0 0.0 Geminal (mm) 4.7 4.0 –0.7 14.9 ∑12PAS (mm) 86.4 76.7 –9.7 11.2 ∑5PAS do Tronco (mm) 37.7 ∑3PAS Membros Superiores (MS) 13.1 (mm) ∑3PAS Membros Inferiores (MI) 22.7 (mm) Circunferências Musculares: 34.3 –3.4 9.0 11.1 –2.0 15.3 19.9 –2.8 12.3 Braço Relaxado (cm) 28.3 27.9 –0.4 1.4 Braço em Contracção (cm) 32.8 32.0 –0.8 2.4 Expansão Torácica (cm) 102.0 104.6 +2.6 2.5 Abdominal (cm) 77.0 78.0 +1.0 1.3 Anca (cm) 91.6 89.5 –2.1 2.3 Crural (cm) 54.6 54.5 –0.1 0.2 Perna (cm) 37.7 38.5 +0.8 2.1 Ratio Cintura/Anca 0.84 0.87 +0.03 3.6 Composição Corporal: Densidade Corporal (g.cm–3) 1.07236 1.07575 +0.00339 0.3 Gordura Corporal (%) 11.6 10.1 –1.5 12.9 Gordura Corporal (kg) 8.8 7.6 –1.2 13.6 Massa Magra (kg) 67.2 67.2 0 0.0 Recolha sanguínea Indicadores hematológicos: a amostra de sangue venoso periférico, obtido pela veia antecubital, para determinação dos indicadores hematológicos, foi realizada por especialistas num laboratório privado de análises clínicas e analisada dentro das 6 horas seguintes à recolha. Resultados e discussão Com excepção da PAS suprapatelar que não sofreu alteração de um momento de registo para o outro, nas restantes PAS verificou-se uma diminuição da espessura em M2, o que equivale a dizer a uma redução na quantidade de tecido adiposo após a expedição. De todo o modo, em termos absolutos, a redução foi mais evidente nas PAS queixo, tricipital, peitoral e suprailíaca. Por sua vez, em termos relativos, a redução foi mais pronunciada nas PAS dos membros superiores, seguida dos membros inferiores e, por último, do tronco. A redução de 11.4% no total das PAS é semelhante aos 10.8% observados em outros estudos21. Traduzindo para avaliação da CC, após a expedição a Aconcágua (Argentina), elevaramse os valores da densidade corporal, estabilizou a quantidade de tecido magro e reduziu-se a quantidade de tecido adiposo, quer em valor absoluto (kg), quer relativo (%). Na realidade, se não estranhamos o facto da diminuição da massa gorda, o mesmo não se sucede com a estabilização da massa magra, uma vez que o tipo e qualidade do esforço físico despendido orienta-se no sentido, também, da depleção muscular8,10,11, tal como se verificou na massa corporal total, cuja diminuição atingiu os 1.2kg, o que é significativamente mais baixo comparativamente a outros estudos envolvendo montanheiros5,22. Para além da permanência em altitude e a habituação a situações limite de sobrevivência, provavelmente também o rigor na adequação alimentar/nutricional, fizeram com que o valor da redução do peso corporal registado não fosse significativo. De modo concordante com o presente estudo (PE), valores reduzidos de redução da quantidade de tecido magro também foram registados noutros estudos9,10,11. Porém, a redução do peso corporal devido à má nutrição por perda do paladar num ambiente desconfortável com redução do aporte calórico e a anorexia da altitude por falta de apetite, a desidratação, a inapropriada aclimatação, o dispêndio energético e possivelmente a má absorção intestinal são fenómenos bem conhecidos em montanheiros. Ainda que o ser humano, realizando uma complexa série de adaptações, consiga sobreviver em ambientes com baixas pressões barométricas em altitudes acima dos 6000m. Relativamente à massa corporal total, um estudo levado a efeito por Piccoli et al.22 com um grupo de sete montanheiros que durante quatro semanas fizeram uma ascensão até aos 7000 metros nos Himalaias (Nepal), a perda média de peso corporal situou-se em 1.8kg (antes: 71.8kg; após: 70.0kg); de modo mais acentuado, no estudo de Zamboni et al.5, que consistiu na realização de uma expedição a 7546m ao Muz Tagh Ata (China), envolvendo dez homens e duas mulheres, a perda de peso corporal foi superior a 3kg (antes: 70.2kg; após: 66.9kg); por sua vez, Tanner e Stager21 observaram uma redução do peso em torno dos 4.2kg, num grupo de cinco montanheiros que realizaram uma expedição durante 21 dias até aos 4300m no Monte McKinley, Alaska. Westerterp et al.23 registaram num grupo de seis homens e quatro mulheres que realizaram uma expedição de 21 dias a Sajama (Bolívia), 6542m, uma redução do peso corporal de 4.9kg (antes: 65.7kg; após: 60.8kg). O atleta do PE reduziu o peso corporal não a expensas do tecido magro, mas do tecido adiposo. De modo semelhante, outros estudos7,9 mostraram que 2/3 da redução do peso corporal foi devida à redução da massa gorda, enquanto que 1/3 de massa muscular. Numa expedição de 62 dias a uma das montanhas mais altas do mundo, Broad Peak, 8047m, envolvendo 13 montanheiros (11 homens e duas mulheres), a perda de peso corporal situou-se em torno dos 6.5kg, principalmente devido à perda de água e de tecido adiposo4. A manutenção da massa magra e a diminuição 63 64 Quadro 3 Indicadores hematológicos: resultados obtidos nos dois momentos de observação. Diferença entre momentos. Percentagem de modificação. Indicadores Hematológicos M1 M2 Dif. M2–M1 [Dez/2002] [Jan/2003] Modificação (%) Eritrócitos (1012/L) 5.25 5.43 +0.18 3.4 Hemoglobina (g/dL) 15.6 16.7 +1.1 7.1 Hematócrito (%) 46.7 49.4 +2.7 5.8 Volume Globular Médio (fL) 89.0 90.9 +1.9 2.1 Hemoglobina Globular Média (pg) 29.7 30.8 +1.1 3.7 Conc. Hemog. Globular Média (g/Dl) 33.4 33.8 +0.4 1.2 Leucócitos (109/L) 5.4 6.5 +1.1 20.4 Neutrófilos (%) 41.3 [2.2] 40.0 [2.6] –1.3 VR +0.4 VA 3.1VR 15.4VA Eosinófilos (%) 3.2 [0.2] 3.3 [0.2] +0.1 VR 0.0 VA 3.0VR 0.0VA Basófilos (%) 0.5 [0.0] 0.4 [0.0] –0.1 VR 0.0 VA 25VR 0.0VA Linfócitos (%) 46.8 [2.5] 49.2 [3.2] +2.4 VR +0.7 VA 4.9VR 21.9VA Monócitos (%) 8.1 [0.4] 7.1 [0.5] –1.0 VR +0.1 VA 14.1VR 20VA 195 215 +20.0 ERITROGRAMA LEUCOGRAMA PLAQUETAS Plaquetas sanguíneas (109/L) 10.3 da massa gorda leva a um aumento da densidade corporal. No PE, o aumento de 0.003g. cm–3 na densidade corporal, equivalente a 0.3%, não parece ser relevante. Contudo, está associado à redução da massa gorda e manutenção da massa magra. As modificações morfológicas registadas não permitem, no entanto, asseverar se foram o produto do tipo de aporte nutricional e hídrico adoptado ou se por outros factores desconhecidos. Alguns investigadores8,24 demonstraram que em altitude as variáveis antropométricas sofreriam pequenas modificações desde que estivesse presente uma ampla disponibilidade alimentar. Num trabalho de Kayser et al.25 ficou patente que uma diminuição de 1% de tecido adiposo foi referido como sendo uma diferença pouco relevante (p>0.05). Outros autores9 registaram com relevância estatística uma redução de 2.2% de massa gorda após uma expedição de alta montanha durante 16 dias. Por sua vez, diversos investigadores23 observaram após uma expedição a 6542m uma redução de 3.7kg de tecido gordo, representando cerca de ¾ da massa perdida. Também em exercício de simulação em situação de hipoxia em câmara hipobárica, foi observado uma potente redução de ácidos gordos plasmáticos26. No PE, a redução de tecido adiposo situou-se em 1.5%. À semelhança das PAS, também se registou uma diminuição das circunferências musculares braquial relaxado e em contracção, da anca e da coxa, embora apenas a medida da anca tenha sido aquela que sofreu a modificação absoluta mais pronunciada (–2.1cm). Opostamente, as circunferências abdominal e máxima expansão torácica sofreram modificações positivas. O conjunto de todas as circunferências avaliadas registou um equilíbrio entre momentos de observação, o que é contrário a estudo de Tanner e Stager21 cujo total reduziu 2.8%. A relação cintura/anca (RCA), identificada como i) estando directamente relacionada com os níveis de concentração de tecido adiposo visceral27, ii) significativamente correlacionada com a quantidade de gordura depositada intraabdominal e subcutaneamente28, iii) associada a um conjunto variado de doenças29, foi ligeiramente mais elevada em M2 do que em M1 (M1:RCA=0.84; M2:RCA=0.87). Segundo Kirschener e Samojlik30, o homem geralmente apresenta valores de RCA superiores a 0.85. Estes valores estão em oposição com outros estudos5, cujo ratio cintura/anca registou um decréscimo considerável (p<0.05). Outras medidas aumentaram após a expedição, são o caso das circunferências abdominal, da perna e máxima expansão torácica, com esta última a apresentar a diferença mais expressiva (+2.6cm). Aliás, a permanência em altitude e o subsequente treino em regime de resistência de longa duração é susceptível de promover o aumento da caixa torácica31. VR – valor relativo (%) VA – valor absoluto A resposta imunitária ao exercício físico está dependente de um conjunto multivariado de 65 3752m 2287m 66 factores, dos quais destacamos, a intensidade, duração e tipo de prática físico-motora, o nível de treino do sujeito, a fase do dia em que se procede à recolha da amostra sanguínea, a prática física anterior, entre outros. Não existem a nível internacional muitos estudos que tenham efectuado a comparação dos indicadores hematológicos antes e depois de uma expedição a alta montanha, o que logicamente inviabiliza uma discussão mais profunda. Por outro lado, este estudo, apesar da natureza relativa, apresenta-se como o primeiro a ser realizado em Portugal, avaliando cumulativamente componentes morfológicas e hematológicas, antes e depois de uma expedição de alta montanha. Todavia, a recolha sanguínea no segundo momento de avaliação ocorreu três dias após a expedição, o que é susceptível de interferir com as adaptações agudas ao esforço desenvolvido. De uma forma geral, os indicadores hematológicos aumentaram após a expedição. O eritrograma mostrou, como seria de esperar, valores mais elevados após a expedição. A rarefacção de oxigénio e o treino (sob a forma de marcha) continuado em tais circunstâncias são as principais causas do aumento de cada um dos seus indicadores32. Contudo, de todos eles, apenas aqueles referentes à taxa de hemoglobina se aproximaram do mais elevado valor de referência laboratorial, os restantes permaneceram sensivelmente a meio das referências. O aumento da taxa de hemoglobina, em termos absolutos e relativos, é acompanhado pelo estudo de outros autores33. Um estudo realizado com um grupo de montanheiros34, revelou que após um a dois dias de expedição a 3500m, as concentrações de eritropoetina aumentavam cerca de três vezes os valores iniciais; ao ascenderem aos 4500m ainda se registou um ligeiro aumento, porém os valores retornaram gradualmente aos valores iniciais durante os 22 dias de permanência nesta altitude. Este dado revela a evidência do estímulo da hipoxia hipobárica no aumento significativo da eritropoiése particularmente nos primeiros dias, a altitudes mais baixas, no entanto não se pode assumir que esse estímulo se traduza num aumento importante da produção de eritrócitos, tal como foi verificável neste estudo (Dif. M2–M1= +0.18; 3.4%). A análise do leucograma mostrou que o atleta da nossa amostra apresentou aumentos «mais significativos» nos leucócitos (109/L) e linfócitos (%), ainda que ambos dentro dos valores de referência laboratorial.Os leucócitos, como demonstraram alguns investigadores16, são susceptíveis de aumentar na resposta à actividade física continuada. Embora usualmente normal em atletas,diversos autores35 mostraram 3429m 2919m a existência de baixas concentrações linfocitárias em maratonistas. Os neutrófilos registaram a descida relativa mais acentuada (–1.3%), embora tenham aumentado em termos absolutos (+0.4). Todavia, ambos os valores aproximam-se perigosamente do mais baixo valor de referência laboratorial (2.0), ao passo que os monócitos, apesar da descida relativa de valores (–1.0) e um ligeiro aumento em termos absolutos (+0.1), continuam com uma margem estável dentro do sujeito. De forma semelhante encontra-se o percentual de basófilos e de eosinófilos. Por estes dados, verifica-se que um pouco contrariamente a outros trabalhos17, ao aumento dos leucócitos não se registaram aumentos cumulativos de neutrófilos e de monócitos, em termos relativos, mas registaram-se aumentos em termos absolutos. Provavelmente, devido à especificidade da prática desportiva em questão. O aumento de 10.3% do número de plaquetas sanguíneas vai de encontro aos resultados de outros estudos36,37. De uma forma geral, os indicadores hematológicos aumentaram após a expedição. O eritrograma mostrou, como seria de esperar, valores mais elevados após a expedição. A rarefacção de oxigénio e o treino (sob a forma de marcha) continuado em tais circunstâncias são as principais causas do aumento de cada um dos seus indicadores. 67 Referências 68 1. Gray E (1955). Appetite and acclimatization to high altitude. Mil Med. 117 (5):427-431. 2. Dinmore AJ, Edwards JS, Menzies IS, Travis SP (1994). Intestinal carbohydrate absorption and at high altitude (5730m). J Appl Physiol. 76 (5):1903-1907. 3. Butterfield GE, Gates G, Flemming S, Sutton JR, Reeves JT (1992). Increased energy intake minimises weight loss in men at high altitude. J Appl Physiol. 72 (5):1741-1748. 4. Fusch C, Gfrorer W, Koch C, Thomas A, Grunert A, Moeller H (1996). Water turnover and body composition during long-term exposure to high altitude (4,900-7,600 m). J Appl Physiol. 80 (4):1118-1125. 5. Zamboni M, Armellini F, Turcato E, Robbi R, Micciolo R, Todesco T, Mandragona R, Angelini G, Bosello O (1996). 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Effect of altitude on thrombopoietin and the platelet count in healthy volunteers. Thromb Haemost. 93 (1):115-117. Conclusão Apesar deste estudo ser o primeiro a ser realizado em Portugal considerando simultaneamente indicadores morfológicos e hematológicos, os resultados obtidos devem ser relativizados, na medida em que apenas um único atleta/montanheiro não pode ser representativo da população de montanheiros existente, mas que serve como referencial daquilo que poderá ocorrer morfológica e hematologicamente a quem esteja a pensar em expedições de alta montanha. Em face dos resultados obtidos podemos concluir que uma expedição de 15 dias a uma altitude superior a 6500 metros promove, em termos morfológicos, modificações diferenciais na composição regional do corpo, sugerindo uma preferencial perda de tecido adiposo e uma manutenção relativa do tecido magro; em termos hematológicos, a expressão das modificações não foi tão significativa. Em suma, as principais alterações foram: • Diminuição da espessura de quase todas as PAS e da maior parte das circunferências musculares. • Diminuição do peso corporal (ainda que no PE tal não tenha sido tão evidente quanto é referido na revisão da literatura). • Diminuição da quantidade de tecido adiposo, reduzindo os valores absoluto e relativo. • Aumento da densidade corporal. • Aumento da circunferência torácica. • Aumento dos indicadores do eritrograma. • Aumento dos leucócitos, linfócitos e do número de plaquetas sanguíneas. • Diminuição dos neutrófilos. 69 70 José Afonso Moreira Farmacêutico Hospitalar; Serviço de Imunohemoterapia; Hospital Distrital da Figueira da Foz Isabel Vitória Figueiredo Professora Auxiliar de Nomeação Definitiva do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade de Coimbra Amílcar Falcão Professor Catedrático do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade de Coimbra Aspirina como antiagregante plaquetar “Resistência à Aspirina” diagnóstico e prevalência Conceito de “Resistência à Aspirina” A eficácia antiagregante do ácido acetilsalicílico encontra-se bem documentada em diversos ensaios clínicos e metanálises (Antithrombotic Trialists’ Collaboration, 2002). Contudo, vemse verificando uma recorrência de patologias vasculares em 10-20% dos doentes a terapêutica a longo termo com aspirina (Michelson et al., 2005). Estes factos suportam uma evidência crescente de que existem subpopulações que não respondem ao efeito antiagregante da aspirina. Vários investigadores atribuem estes eventos vasculares recorrentes, em doentes com terapêutica profiláctica, a um fenómeno a que chamam de “Resistência à Aspirina” (Chen et al., 2004; Michelson et al., 2005). O termo em causa foi utilizado para descrever diferentes fenómenos, em particular a incapacidade da aspirina em proteger contra eventos cardiovasculares e, por outro lado, o efeito do fármaco em diversos testes laboratoriais que traduzem a actividade plaquetar (Szczeklik et al., 2005). Estudos efectuados associam, de um modo independente, a “Resistência à Aspirina” 71 72 a um aumento da incidência de patologias cardiovasculares (Patrono, 2003; Eikelboom et al., 2002; Gum et al., 2003). Como referimos anteriormente (Ser Saúde 8, págs.26-43), a “Resistência à Aspirina” pode ser definida num contexto clínico (Resistência Clínica) e/ou laboratorial (Resistência Laboratorial) (Bhatt et Topo, 2003). “Resistência Clínica” traduz a incapacidade do ácido acetilsalicílico para prevenir acidentes isquémicos tromboembólicos em doentes a tomar aspirina. Este conceito apresenta certas limitações, em particular a falta de especificidade, na medida em que o ácido acetilsalicílico apenas evita 25% da totalidade dos episódios isquémicos e, por outro lado, o facto de permitir um diagnóstico apenas após a ocorrência de um episódio isquémico (Tran et al., 2007). “Resistência Laboratorial” refere-se à incapacidade do ácido acetilsalicílico em inibir a produção de TXA2 ou em inibir os testes da função plaquetar dependentes da produção de tromboxano plaquetar. Por outras palavras, traduz uma persistente activação plaquetar (apesar da terapêutica) demonstrada pelos testes de avaliação da função plaquetar. O diagnóstico de “Resistência Laboratorial” pode ser efectuado antes da ocorrência de um evento, permitindo a identificação de doentes que possam beneficiar de uma abordagem terapêutica mais efectiva (Tran et al., 2007).Vários estudos referem que a avaliação da “Resistência Laboratorial à Aspirina”, através da ausência do efeito mensurável esperado na medição da função plaquetar, está associada a um aumento de acidentes cardiovasculares (Eikelboom et al., 2002; Gum et al., 2003; Grotemeyer et al., 1993; Mueller et al., 1997). No entanto, com base na bibliografia existente, resulta sempre arriscado catalogar os doentes em “resistentes” ou “bons respondedores” à aspirina, tornando difícil prever com exactidão a eventualidade de se assistir a uma recidiva clínica e, consequentemente, proceder de forma adequada à implementação de uma estratégia terapêutica que contrarie essa situação (Hennekens et al., 2004). A definição laboratorial de “Resistência à Aspirina” envolve, por um lado, a detecção da ausência de um efeito farmacológico e, por outro,a incapacidade de inibição do processo de agregação plaquetar pela aspirina (Wong et al., 2004). Alguns autores, no sentido de clarificar os diferentes padrões associados a “Resistência à Aspirina”, sugeriram a existência de três grupos distintos de acordo com o comportamento farmacológico (Tabela 1) (Weber et al., 2002). A definição proposta procura classificar de uma forma objectiva as diferenças entre “Resistência à Aspirina” e falha na resposta à aspirina (aspirin non-response), mas encontra-se restringida ao método de avaliação da função plaquetar utilizado (teste de agregometria) com as consequentes limitações associadas a esta metodologia (Wong et al., 2004). “Resistência Clínica” traduz a incapacidade do ácido acetilsalicílico para prevenir acidentes isquémicos tromboembólicos em doentes a tomar aspirina. Este conceito apresenta certas limitações, em particular a falta de especificidade, na medida que o ácido acetilsalicílico apenas evita 25% da totalidade dos episódios isquémicos e, por outro lado, o facto de permitir um diagnóstico apenas após a ocorrência de um episódio isquémico. Tabela1 Tipos de “Resistência à Aspirina” Tipo I Tipo II Tipo III Farmacocinética Agregação plaquetar inibida in vivo pela administração de aspirina. A resistência pode dever-se à não adesão à terapêutica pelo doente ou à variabilidade da relação dose/resposta entre os diversos doentes. Farmacodinâmica Agregação plaquetar contínua após a administração in vitro de aspirina, com formação persistente de TXA2. Isto sugere que a activação plaquetar persiste apesar da inibição da COX-1, possivelmente devido à produção de PGH2 (que pode ser convertida em TXA2) por intermédio da COX-2 (Maclouf et al, 1998). Uma explicação alternativa pode estar relacionada com defeitos de ligação da aspirina à COX-1 devido a polimorfismos genéticos. Pseudo-resistência Agregação plaquetar contínua após a administração in vitro de aspirina, mas com inibição efectiva da produção de TXA2. Os mecanismos prováveis estão relacionados com vias alternativas à formação de TXA2 e um aumento da sensibilidade ao colagénio (Kawasaki et al., 2000; Zimmermann et al., 2001). 73 74 Diagnóstico da “Resistência à Aspirina” Diferentes métodos têm sido utilizados para monitorização de uma resposta individual à acção da aspirina, incluindo testes da função plaquetar e determinações directas do fármaco na inibição da síntese de TXA2. “Resistência Clínica” A “Resistência Clínica” pode ser diagnosticada pela ocorrência de episódios isquémicos aterotrombóticos num doente a fazer terapêutica com ácido acetilsalicílico (Bhatt et Topo, 2003). Como foi referido anteriormente (Ser Saúde 8, págs.26-43), este conceito apresenta limitações relativas ao carácter retrospectivo e à não especificidade. É mais correcto classificar estes doentes como apresentando uma falha na resposta à terapia (Hankey et Eikelboom, 2006). 1.“Resistência Laboratorial” Tempo de hemorragia O tempo de hemorragia mede a função plaquetar in vivo. Em geral, o ácido acetilsalicílico prolonga o tempo de hemorragia. Este teste é simples e fácil de realizar, mas apresenta falta de sensibilidade para a detecção de anormalidades moderadas da hemostase primária, não constituindo, deste modo, um processo muito útil na avaliação da resposta de um doente à terapêutica (Szczeklick et al., 2005). Figura 1 Avaliação do Tempo de hemorragia (in vivo bleding time) por intermédio do dispositivo Simplate II. 2. Determinação do tromboxano B2 sérico/11-dihidro-tromboxano B2 urinário A avaliação da produção de tromboxano pode ser determinada pela medição de metabolitos estáveis do TXA2, tais como o tromboxano B2, no soro ou plasma, e o 11-dihidro-tromboxano B2, detectável na urina. Na medida em que a produção de tromboxano B2 sérico (TXB2) depende, em grande parte, da COX-1 plaquetar – que é, recordese, a enzima-alvo da acção da aspirina – este metabolito utiliza-se para a medição do efeito de baixas doses de ácido acetilsalicílico nas plaquetas (Patrono, 2003). Esta técnica pode- rá não ser específica da função plaquetar e é limitada essencialmente pela complexidade e duração inerentes à sua própria execução, bem como pela necessidade de recurso a técnicos especializados (Hankey et Eikelboom, 2006). O 11-dihidro-tromboxano B2 urinário é o metabolito final da via do ácido araquidónico e, tal como o TXB2, a grande vantagem da sua utilização relaciona-se com a sua dependência da COX-1 plaquetar. A técnica é relativamente simples e de baixo custo, e tem sido usada na avaliação da “Resistência à Aspirina” (Eikelboom et al., 2002). Este metabolito é substancialmente afectado pela dose de aspirina é utilizada, pelo que a administração de doses elevadas de aspirina resulta também numa grande inibição da COX-2 e, consequentemente, concentrações muito baixas do metabolito (Fitzgerald et al., 1983; Dippel et al., 2004). Sabendo que o ácido acetilsalicílico é efectivo na prevenção de doenças cardiovasculares independentemente da dose, este método poderá não ser muito válido na avaliação laboratorial. A falta de reprodutibilidade e a pouca informação disponível constituem também limitações relativas à técnica (Hankey et Eikelboom, 2006). 75 76 3. Expressão de P-selectina nas membranas plaquetares As selectinas são proteínas de adesão expressas em todos os tipos de células sanguíneas (Carlos et Harlan, 1994). A P-selectina desloca-se para a membrana plaquetar quando as plaquetas são activadas e se encontram desgranuladas. O aumento da expressão de P-selectina na superfície da membrana plaquetar traduz, deste modo, um aumento do processo de activação plaquetar (O´Connor et al., 1999).A avaliação da expressão da P-selectina ao nível das membranas plaquetares é feita pela técnica de citometria de fluxo. As desvantagens deste método estão relacionadas com os custos inerentes ao equipamento e com a necessidade de um apertado controlo das condições de teste a utilizar (Serebruany et al., 1999). É também atribuída à técnica alguma falta de sensibilidade, especificidade, reprodutibilidade e fraca correlação clínica com eventos isquémicos (Sanderson et al., 2005). “Resistência Laboratorial” refere-se à incapacidade do ácido acetilsalicílico em inibir a produção de TXA2 ou em inibir os testes da função plaquetar dependentes da produção de tromboxano plaquetar. Por outras palavras, traduz uma persistente activação plaquetar (apesar da terapêutica) demonstrada pelos testes de avaliação da função plaquetar. O diagnóstico de “Resistência Laboratorial” pode ser efectuado antes da ocorrência de um evento, permitindo a identificação de doentes que possam beneficiar de uma abordagem terapêutica mais efectiva. 4. Determinação de P-selectina solúvel O aumento plasmático desta proteína de adesão é indicativo de um aumento da activação plaquetar (O´Connor et al., 1999; Blann et Lip, 1997). A quantificação dos níveis plasmáticos desta proteína faz-se através de um teste simples de executar e apresenta uma boa correlação clínica com episódios vasculares. A estabilidade da proteína e a possibilidade de armazenamento por vários meses, permite que este teste possa ser utilizado em estudos epidemiológicos de longa duração. No entanto, o processo apresenta algumas limitações no que respeita à sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade (Sanderson, 2005). 77 5.Testes de agregometria a) Teste de agregometria turbidimétrica em plasma rico em plaquetas 78 Este tipo de teste, também designado por teste de agregometria de transmissão óptica/ luz, mede o aumento da transmissão de luz numa suspensão de plaquetas quando estas se encontram agregadas por acção de agonistas, tais como o TXA2, ADP ou colagénio (De Gaetano et Cerletti, 2003). Este teste constitui a técnica standard mais utilizada em termos de função plaquetar. Para avaliação da acção da aspirina, o ácido araquidónico é o agonista plaquetar mais indicado. Observa-se também uma boa correlação com episódios clínicos (Hankey et Eikelboom, 2006). b) Teste de agregometria plaquetar em sangue total Este método mede a alteração na impedância eléctrica entre dois eléctrodos quando as plaquetas se encontram agregadas. A diferença em relação ao método anterior consiste na medição em sangue total, evitando-se deste modo a preparação da suspensão plaquetar (Hankey et Eikelboom, 2006). Ambos os testes de agregometria apresentam algumas limitações, das quais se salienta uma reduzida especificidade (resultante do facto das plaquetas poderem ser activadas por outras vias que não a da estimulação do receptor do TXA2), a influência do operador e tempo longo de execução (Patrono, 2003). Figura 2 Aparelho de agregometria plaquetar Modelo PAP-8E. 6. PFA-100 O PFA-100 é um analisador semi-automático da função plaquetar que reproduz, in vitro, as condições fisiológicas que levam à adesão, activação e agregação das plaquetas, simulando o complexo processo de hemostase primária (Kundu et al., 1995). O processo de simulação da função plaquetar compreende, além do aparelho propriamente dito, a utilização de dois cartuchos de testes descartáveis (Colagénio/Epinefrina e Colagénio/ADP). Um simples cartucho de teste do PFA-100 consiste num conjunto de partes integradas que compreendem um capilar,um reservatório da amostra e uma membrana bioquimicamente (colagénio/epinefrina ou colagénio/ ADP dependendo do tipo de cartucho) activa com uma abertura microscópica central. O aparelho PFA-100 vai determinar o tempo (em segundos) que ocorreu desde o início do teste até à formação do trombo plaquetário na abertura (e consequente oclusão da abertura membranar), reportando esse intervalo de tempo como Tempo de Oclusão/ Closure Time (CT). O CT é, deste modo, um indicador da função plaquetar, reflectindo a capacidade hemostática plaquetar da amostra de sangue analisada (Kundu et al., 1995). O aparelho PFA-100 é indicado para a detecção de disfunções plaquetares induzidas pelo ácido acetilsalicílico, com uma sensibilidade de 95% em indivíduos normais após a ingestão de uma única dose de 325 mg. A obtenção de resultados anormais no PFA-100 após ingestão do ácido acetilsalicílico é indicativa de um efeito inibitório do fármaco na função plaquetar do doente; se, pelo contrário, não se detectar qualquer alteração plaquetar após a ingestão do fármaco, é de considerar uma reavaliação na terapia antiagregante instituída (Jilma et Fuchs, 2001; Gum et al., 2001). A técnica é simples, rápida, semi-automática e apresenta correlação com eventos clínicos (Anderson et al., 2002; Grundmann et al., 2002). As limitações da técnica prendem-se com a sensibilidade a diversas variáveis (além da produção de TXA2), nomeadamente os níveis de factor de von Willebrand e a contagem plaquetar (Cattaneo, 2004). Figura 3 Analisador semi-automático PFA-100. 79 80 7. Ultegra RPFA O Ultrega RPFA® é um aparelho semi-automático que mede a aglutinação de grânulos revestidos com fibrinogénio em resposta a estímulos por um agonista (ácido araquidónico). Se o ácido acetilsalicílico produzir o efeito pretendido, os grânulos não se aglutinam e a transmissão óptica não aumenta. O resultado é expresso em unidades de reacção da aspirina (Chen et al., 2004). As vantagens do instrumento relacionam-se com a simplicidade de uso, rapidez de resultados, semi-automatismo e correlação com eventos clínicos (Hankey et Eikelboom, 2006). As limitações inerentes ao aparelho estão associadas ao facto de o critério de diagnóstico para a “Resistência Laboratorial à Aspirina” ser baseado num limite estabelecido por comparação com a agregometria plaquetar óptica após administração de uma dose de 325 mg de ácido acetilsalicílico, em resposta a um estímulo com adrenalina. O problema surge pelo facto da indução pela adrenalina não ser específica e de se conhecer de forma pouco exacta qual o grau de correlação com o efeito antiplaquetar do fármaco (Malinin et al., 2004; Hankey et Eikelboom, 2006). Outros aparelhos e testes laboratoriais foram propostos para o diagnóstico de “Resistência Laboratorial à Aspirina”, nomeadamente o sistema Plateletworks® e o analisador Impact®. Estes testes apresentam, contudo, poucos estudos no contexto da avaliação da “Resistência Laboratorial à Aspirina” (Hankey et Eikelboom, 2006). Figura 4 Aparelho Ultegra RPFA®. Prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina” Diversos trabalhos têm sido desenvolvidos no sentido de se proceder à determinação da prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina”. A tabela seguinte (Tabela 2) apresenta os resultados relativos aos estudos em que foram empregues os testes de função plaquetar mais utilizados actualmente (PFA-100, Ultegra RPFA e testes de agregometria). Os resultados mostram que a prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina” varia entre 9,5% e 35% quando o teste utilizado é o PFA-100, entre 7% e 27% quando se emprega o Ultegra RPFA e entre 0,4% e 9% para os testes de agregometria óptica. Tabela 2 Prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina”, (Dalen, 2007) Referência População Teste da função plaquetar Aspirina (mg/dia) Resistência Grundman et al., 2003 53 doentes com história de acidentes cerebrovasculares PFA-100 100 34% Macchi et al., 2002 72 doentes com doença coronária arterial PFA-100 160 29% Anderson et al., 2002 202 doentes com história de enfarte agudo do miocárdio PFA-100 161 35% Gum et al., 2001 325 doentes com doença cardiovascular estabilizada PFA-100 325 9,5% Chen et al., 2004 151 doentes com intervenção percutânea coronária UltegraRPFA 80-325 19% Wang et al., 2003 422 doentes submetidos a terapêutica com aspirina UltegraRPFA 80-325 23% UltegraRPFA 80-325 27% UltegraRPFA 325 7% 81-325 9% 325 0,4% 325 5,2% 325 0,7% Lee et al., 2005 Malinin et al., 2004 Schwartz et al., 2005 468 doentes com doença coronária arterial estabilizada 141 doentes com factores de risco de patologia isquémica 190 (doentes com história de enfarte agudo do miocárdio) Tantry et al., 2005 223 doentes com doença coronária arterial Gum et al., 2003 326 doentes com doença cardiovascular estabilizada Malinin et al., 2004 141 doentes com factores de risco de patologia isquémica Agregometria de transmissão óptica Agregometria de transmissão óptica Agregometria de transmissão óptica Agregometria de transmissão óptica 81 82 O conceito de “Resistência Laboratorial à Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos, um ênfase considerável com a realização de diversos ensaios com vista a uma melhor explicação e avaliação do fenómeno em causa. Contudo, a diversidade de técnicas empregues na sua avaliação, bem como os diferentes ângulos de abordagem existentes, reclamam com carácter de urgência o desenvolvimento de uma definição precisa e universal para a “Resistência Laboratorial à Aspirina”. Conclusão O conceito de “Resistência Laboratorial à Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos, um ênfase considerável com a realização de diversos ensaios com vista a uma melhor explicação e avaliação do fenómeno em causa. Contudo, a diversidade de técnicas empregues na sua avaliação, bem como os diferentes ângulos de abordagem existentes, reclamam com carácter de urgência o desenvolvimento de uma definição precisa e universal para a “Resistência Laboratorial à Aspirina”. A ausência de um consenso relativamente ao processo de referência para medição da função plaquetar levou a que muitos dos estudos realizados para avaliação da “Resistência Laboratorial à Aspirina” tivessem sido desenvolvidos numa base de grande multiplicidade metodológica. Para além disso, a própria a complexidade de todo o processo de agregação e activação plaquetar pode condicionar a capacidade de um único teste reflectir todos os aspectos da função plaquetar que são relevantes num contexto clínico (Sanderson et al., 2005). Os testes semi-automáticos (PFA-100 e UltegraRPFA) apresentam vantagens significativas em relação aos testes padrão da função plaquetar (agregometria plaquetar), nomeadamente a sua simplicidade e rapidez na obtenção de resultados (Tran et al., 2007). No entanto, este tipo de testes revela uma certa falta de correlação de resultados com os testes de agregometria, sendo ainda necessário que se venha a estabelecer um processo de padronização (Harrison et al., 2005). Os valores relativos à prevalência de “Resistência Laboratorial à Aspirina” apresentados naTabela 2 (0,4% a 35%) reportam apenas resultados recentemente obtidos por recurso aos testes da função plaquetar mais utilizados na rotina:PFA-100,UltegraRPFA e testes de agregometria. No entanto, estudos anteriores com base em metodologias menos evoluídas estimam uma “Resistência à Aspirina” posicionada algures num intervalo entre 5,5% e 61% (Hankey et Eikelboom, 2006; Sanderson et al., 2005). A variabilidade observada resulta, em parte, do tipo de método de avaliação da função plaquetar utilizado, do tamanho das 83 amostras, dos critérios de inclusão/exclusão, de incertezas relacionadas com a toma diária da aspirina, da estabilidade da medicação com o tempo, de diferentes definições de resistência e de regimes terapêuticos utilizados (Hankey et Eikelboom, 2006). A somar aos aspectos metodológicos, já de si fonte de variabilidade reconhecida, a dose administrada pode igualmente afectar a avaliação dos níveis de prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina”. Como se pode verificar na Tabela 2, para o aparelho PFA-100, a prevalência situa-se aproximadamente entre os 10% e os 30%, consoante as doses administradas (325 mg e 100-161 mg, respectivamente). Em resumo, é uma evidência que actualmente o diagnóstico laboratorial de “Resistência Laboratorial à Aspirina” se encontra extremamente dependente da metodologia adoptada. Nesse sentido é critico que a medição laboratorial do efeito da Aspirina na função plaquetar (e consequente identificação de doentes resistentes) passe pelo desenvolvimento e avaliação de testes da função plaquetar específicos, padronizados, de fácil manuseamento, com grande rapidez e reprodutibilidade de resultados. Estes devem ser devidamente validados e correlacionar-se, de um modo independente, com um aumento do risco de acidentes vasculares isquémicos. É igualmente determinante que se procedam a estudos adicionais com vista a um desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento dos métodos utilizados tendo sempre em conta potenciais interferentes (dose, adesão à terapêutica, interacções farmacológicas, etc.) procurando obter um elevado grau de padronização e especificidade na metodologia utilizada. Simultaneamente, é também do maior interesse que se estabeleça uma uniformização na definição do conceito de Resistência à Aspirina. Estes dois aspectos (conceito e metodologia) devidamente identificados e padronizados possibilitarão uma estimativa mais credível da prevalência deste fenómeno e uma abordagem mais correcta enquanto ferramenta auxiliar de diagnóstico. Bibliografia 84 Andersen K, Hurlen M, Arnesen H, Seljeflot I. 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Para alcançá-lo, utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica em livros e artigos da área, e a pesquisa electrónica, nas principais bases de dados do Brasil, a partir de 1995. Os resultados comprovaram a hipótese de que a depressão no idoso é uma síndroma heterogénea de natureza multifactorial. Várias doenças que apresentam elevada frequência na população idosa correlacionam-se posteriormente com a depressão. Entre elas o acidente vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson, cardiopatias, distúrbios da tiróide, demências (destacando-se a doença de Alzheimer), catarata e climatério. Observou-se também que idosos sedentários são menos activos socialmente e mais propensos à depressão. Já quanto a factores psicossociais, a análise das representações sociais do envelhecimento revela uma imagem em que predominam a deterioração do corpo e um afastamento do mundo social. Contudo, estas visões podem ser diferentes quando são investigadas sociedades distintas e consequentes modos de estar. Também foi analisado o papel de fases de vida como o luto e a reforma. As considerações finais dos autores ressaltam o potencial das normalizações surgidas na área de saúde do idoso no Brasil, que, se efectivamente implementadas, podem transformar a abordagem que hoje comummente é dada a uma patologia complexa como a depressão no idoso. 87 Este estudo visa identificar quais os factores de risco que estão associados à depressão no idoso. A procura destes factores torna-se essencial numa consulta geriátrica, facilitando o diagnóstico da depressão o mais precocemente possível. Também serão investigadas quais as diferenças entre estes factores nos idosos e na população adulta em geral, além de tentarmos compreender que outras patologias são mais propensas a serem associadas à depressão. 88 Introdução O envelhecimento populacional que ascendeu exponencialmente no Brasil durante o século XX trouxe vários desafios ao sistema de saúde. Segundo o IBGE (2002), o crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos, é um fenómeno mundial e está a ocorrer a um nível sem precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo. Já em 1998, quase cinco décadas após, este contingente alcançou 579 milhões de pessoas, o que corresponde a um aumento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As projecções indicam que em 2050 a população idosa será de 1,9 biliões de pessoas, montante equivalente à população infantil de 0 a 14 anos de idade (ANDREWS, 2000). O mesmo autor refere que actualmente uma em cada dez pessoas tem 60 ou mais anos de idade. Para 2050, estima-se que a relação será de uma para cinco para o mundo no seu conjunto, e de uma para três para o mundo desenvolvido. No Brasil, a população idosa já representa quase 9% da população total. Neste país, chama-se a atenção para os grupos etários de 70 a 74 anos e 75 anos ou mais, os quais alcançaram a maior taxa de crescimento nos grupos etários entre 1991 a 2002. Tal facto confirma que não somente ocorre o aumento da população idosa, mas também um envelhecimento desta população, com um número de idosos nas faixas etárias mais elevadas, o que significa uma população exposta a mais factores de riscos e por um tempo mais prolongado (PEREIRA; CURIONI;VERAS, 2000). Maior número de pessoas idosas representa, entre tantas outras consequências, um incremento no número e na importância de patologias que, manifestando-se neste grupo etário de maneira atípica, nem sempre são eficientemente diagnosticadas e tratadas. De tantas outras condições, a depressão destaca-se por ser um dos problemas mais comuns com que os médicos da rede nacional de saúde se deparam diariamente. Acreditase que entre 7% a 13% da população geral esteja afectada por este transtorno (SOUGEY; AZEVEDO;TAVEIRA, 2001). Já entre os pacientes com 65 anos ou mais, Gordilho (2002) relata que 17% a 30% apresentam sintomas depressivos em unidades de atenção primária. Este número pode variar de acordo com os critérios de avaliação de diferentes estudos. Este mesmo autor também ressaltou o aumento deste número em idosos que vivem em instituições de longa permanência. Ainda segundo Sougey, Azevedo e Taveira (op. cit.), a depressão é a condição clínica mais positivamente correlacionada com o suicídio. Das pessoas que tentam suicídio, 80% sofrem de algum transtorno psiquiátrico e 60% são acometidos de alguma forma de depressão. Entre os que têm depressão, 10% tentam suicídio e 1% morrem anualmente na Inglaterra. Os autores supracitados também ressaltaram que mais de 50% das pessoas que cometeram suicídio por depressão procuraram um médico no mês anterior à morte. de sentir prazer, tristeza, alegria, disposição, entre outros tantos aspectos da vida afectiva. Sofrer de depressão significa não conseguir desfrutar os prazeres normais da vida. Além disso, dificulta a fluidez e a organização das ideias e causa vários sintomas físicos como fadiga, lentificação geral, perturbação do sono, perda de peso e diminuição das competências (SOUGEY; AZEVEDO;TAVEIRA, 2001). Cada vez mais, a depressão tem chamado a atenção daqueles que lidam com a área de gerontologia. Não faltam relatos sobre a alta prevalência desta patologia nos idosos como também dos inadequados diagnósticos e tratamentos. Entende-se por depressão um distúrbio da área afectiva ou do humor, com forte impacto funcional independente da faixa etária, reconhecidamente de natureza multifactorial, envolvendo inúmeros aspectos de ordem biológica, psicológica e social (GORDILHO, 2002). A depressão no idoso é uma síndroma heterogénea. A sua causa é frequentemente multifactorial, com factores biológicos, psicológicos e sociais interagindo e desempenhando um papel fundamental. De todos os factores referidos, os idosos são expostos a vários deles, explicando a elevada prevalência da depressão neste grupo etário (FORLENZA, 2002). Do ponto de vista médico-nosológico, a depressão é uma doença de expressão clínica complexa que altera particularmente o humor ou estado de ânimo, é uma dimensão do psiquismo responsável pela nossa capacidade Este mesmo autor argumenta que nem sempre os pacientes e os familiares estão conscientes da presença da depressão, já que, culturalmente, muitos dos sintomas são associados ao envelhecimento normal ou à carga 89 90 específica de doenças físicas. Assim, procedimentos para diagnósticos adequados e um alto índice de suspeição são o primeiro passo para um tratamento eficaz. Por outro lado, o envelhecimento acompanha o surgir de vários factores psicossociais que estão intimamente relacionados com a depressão. Blay (2001) dividiu os factores de risco psicossociais em dois grandes grupos: os internos e os externos. Os internos estão associados às questões de desenvolvimento da personalidade, teorias psicológicas e psicanalíticas. Os externos estão relacionados aos importantes acontecimentos que inevitavelmente cercam o indivíduo idoso: eventos vitais, condições ligadas à saúde, suporte social, luto, reforma, etc. Gordilho (op. cit.), observou que a maioria das pessoas reforma-se sem se preparar devidamente, sem um projecto definido, o que frequentemente leva a perda de auto-estima, do ritmo das actividades e do interesse pelo quotidiano. Ou seja, uma série de modificações sociais acontece no ambiente de indivíduos que normalmente têm uma rede de apoio precário, surgindo assim um «terreno fértil» para o aparecimento da depressão. Este estudo visa identificar quais os factores de risco que estão associados à depressão no idoso.A procura destes factores torna-se essencial numa consulta geriátrica, facilitando o diagnóstico da depressão o mais precocemente possível.Também serão investigadas quais as diferenças entre estes factores nos idosos e na população adulta em geral, além de tentarmos compreender que outras patologias são mais propensas a serem associadas à depressão. Para alcançar este objectivo, utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica em livros de referência da área e artigos científicos publicados em veículos de reconhecida repercussão, desde o ano de 1995 até os dias actuais (englobando a língua portuguesa, a inglesa e a espanhola). A depressão no idoso: factores de risco biológico e sua relação com outras patologias A depressão, síndroma psiquiátrica de importante incidência na população idosa, assume índices ainda superiores em populações clínicas, atingindo de 5% a 10% dos pacientes externos, e de 9% a 16% dos internados (KATON, 2003). Apesar da conhecida prevalência, é indiscutível que a depressão nestes pacientes é ainda subdiagnosticada e, mesmo quando adequadamente diagnosticada, nem sempre é correctamente tratada (TENG et al, 2005). A presença de depressão numa patologia clínica já existente torna o prognóstico do paciente mais reservado. Pacientes com doenças associadas a depressão apresentam menores índices de adesão aos tratamentos prescritos pelos seus médicos (DIMATTEO et al, 2000). Analisar sintomas depressivos em pacientes já acometidos por condições clínicas é bastante difícil. Comummente, sintomas que fazem parte do quadro clínico da depressão no idoso, como fadiga, alterações do apetite, insónia, dor e declínio cognitivo, também podem ser explicados pela doença clínica. Teng et al. (op. cit.) alertou que critérios intuitivos como a intensidade dos sintomas não proporcional ao esperado pelo quadro clínico e a relação entre o início dos sintomas depressivos e da patologia clínica podem levar a erros, como atraso no diagnóstico da depressão. Este autor propõe também, para a prática clínica diária, uma abordagem inclusiva, em que os sintomas depressivos devem ser contabilizados mesmo que possam ser explicados pela patologia clínica. Mesmo sabendo-se que esta abordagem aumenta o número de falsos positivos, o facto de diminuir de forma considerável o risco de não diagnosticar um paciente oligossintomático diminui bastante. Uma abordagem eliminatória, por sua vez, retira os sintomas que podem ser explicadas por patologias clínicas. Desta forma, gera um número bem maior de diagnósticos falsos negativos, sendo uma abordagem preferencial para pesquisas clínicas. Doenças neurológicas Patologias de grande importância e gravidade no idoso, como grande parte das perturbações neurológicas que apresentam algum comprometimento do sistema nervoso central, podem ter a depressão associada. As causas podem ser desde as alterações neurofisiológicas directamente implicadas na génese biológica da depressão até às consequências adversas para as capacidades de adaptação psicossocial que as doenças infligem nestes indivíduos (TENG et al., 2005). 91 92 Acidente vascular cerebral A participação de factores psicológicos na depressão pós-AVC é difícil de ser questionada. Entretanto, são crescentes as evidências científicas de que tais aspectos não são capazes de justificar por si só os episódios de depressão (MARMORATO et al., 2002). Evidências neste sentido foram indicadas ao verificar que pacientes ortopédicos com limitação física semelhante quando comparados a pacientes com AVC apresentaram menores índices de depressão (FOLSTEIN et. al, 1977 apud TERRONI et al., 2003). O mesmo autor relatou diversos factores que contribuem para o aparecimento da depressão pós-AVC, entre eles: grau de incapacidade para realizar determinadas actividades, défice cognitivo no 1º mês, história prévia de depressão e volume da região encefálica lesada. Enxaqueca Uma das mais importantes formas de dor de cabeça, tem sido associada a depressão em diversos estudos epidemiológicos e prospectivos (BRESLAU, 1994 apud GALEGO et al, 2004). Um estudo realizado em São Paulo mostrou que 85,8% dos pacientes com enxaqueca apresentavam algum grau de depressão, sendo que 58,7% exibiam formas moderadas ou graves. Epilepsia A prevalência de depressão em indivíduos epiléticos é alta, atingindo 20% a 55% dos pacientes com crises recorrentes, e 3% a 9% dos pacientes controlados (KANNER, 2003 apud TENG, 2005). O mesmo autor ressalta que a depressão pode ser consequência dos tratamentos antiepiléticos farmacológicos e cirúrgicos e, por vezes, de quadros atípicos. Doença de Parkinson (DP) Além da reacção psicológica à incapacidade causada pela doença, a neurodegeneração de áreas cerebrais, principalmente no circuito gânglios da base-tálamo-córtex pré-frontal e frontal,com consequente redução da actividade serotoninérgica, dopaminérgica e noradrenérgica está implicada na génese da depressão (MC DONALD et al., 2003 apud TENG et al., 2005). Através de um levantamento realizado por Prado (2005), envolvendo 60 pacientes portadores de DP em diferentes estágios, não dementes, verificou-se que 38,3% apresentavam depressão frequente. Doença de Alzheimer (DA) A Doença de Alzheimer, entidade clínica causadora de demência, apresenta um elevado índice de alterações de humor. Humor depressivo é observado entre 40% a 50% dos Maior número de pessoas idosas representa, entre tantas outras consequências, um incremento no número e na importância de patologias que, manifestando-se neste grupo etário de maneira atípica, nem sempre são eficientemente diagnosticadas e tratadas. pacientes, enquanto que a frequência de transtornos depressivos varia em torno dos 10% e 20% dos casos (WRAGG et al., 1989 apud FORLENJA, 2001). Bottino (2002) defende a tese de que seria mais adequado considerar a existência de um contínuum de sintomas depressivos na DA. Esta ideia, segundo o autor, estaria de acordo com a realidade clínica sendo mais importante do que identificar categorias estatísticas de transtornos depressivos em pacientes portadores de DA. Este contínuum poderia ser assim exemplificado: DA sem manifestação depressiva DA com sintomas depressivos DA com distimia DA com depressão Cardiopatias O aumento dos índices de depressão em pacientes cardiopatas é descrito há bastante tempo. Portadores de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou pacientes após enfarte agudo do miocárdio (IAM) apresentam uma prevalência de depressão que varia entre os 17% e os 27%, podendo ainda ser mais elevada se forem consideradas perturbações depressivas subsindrómicas. São factores que contribuem para esta alta taxa a gravidade das consequências funcionais pós-IAM, o risco médio geral elevado, histórico prévio de IAM, histórico prévio de depressão de baixo suporte social (RUDSEH e NEMEROFL, 2003 apud TENG et al., 2005). Ainda segundo o mesmo autor, é bem documentada o aumento da taxa de mortalidade e da morbilidade de pacientes cardíacos que adquirem depressão. A mortalidade chega a ser 3,1 vezes superior em cardiopatas deprimidos (FRASURE-SMITH et al, 1993 apud TENG, 2005). Carney e colaboradores, num estudo publicado em 2002, expuseram raros factores que poderão estar relacionados à piora do prognóstico cardiovascular em pacientes deprimidos, o que ressalta a importância do tema: baixa adesão aos programas de reabilitação cardiovascular e de medicamentos, níveis séricos elevados de citocinas pró-inflamatórios, aumento da agregação plaquetária, hiperexcitabilidade do eixo hipotálamo – hipófise – adrenal, decréscimo da variabilidade da frequência cardíaca, entre outras. 93 Existem evidências de que os sintomas cognitivos da depressão (humor depressivo, pessimismo, culpa, desespero) sejam medidores mais adequados de depressão de que os sintomas somáticos (como alterações do sono e apetite). Revisão feita por Scalco e colaboradores (2001), que pretendia relacionar a hipertensão arterial sistémica com a depressão, identificou um aumento da prevalência de depressão em pacientes hipertensos. Acredita-se que mecanismos envolvendo hiperactividade do sistema nervoso simpático e influências genéticas possam ser a base fisiopatológica desta relação. 94 Distúrbio da tiróide As doenças da tiróide apresentam grande importância para o idoso, tanto pela sua alta incidência quanto pela presença de manifestações clínicas diversas nos adultos jovens. A incidência de hipotiroidismo em pacientes com mais de 60 anos é de 0,5% a 5% no hipotiroidismo franco e de 15% a 20% nos casos de hipotiroidismo sub-clínico, dependendo das referências, sendo mais frequente em indivíduos do sexo feminino e na raça branca. Já o hipertiroidismo no idoso alcança uma incidência que varia entre os 0,5 e os 3% (FREITAS, 2002). O papel da função tiroidana nas doenças depressivas ainda não está bem esclarecido. Tem sido encontrada uma alta prevalência de alterações do humor, principalmente depressão em pacientes com doenças endocrinológicas, particularmente as tiroideopatias. Esta relação deu origem ao psiconeuendocrinologia (ESPOSITO, 1997 apud BAHLS e CARVALHO, 2004). Estes mesmos autores citam o trabalho de Boswell e seus colaboradores (1997), em que a prevalência de sintomas depressivos no hipotiroidismo é de aproximadamente 50% e no hipertiroidismo atinge 28% dos casos. Embora a maioria dos deprimidos tenham níveis circulantes de T3, T4 e TSH normais, existem evidências de que o eixo hipotálomo – hipólise – tiróide (HHT) apresenta actividade alterada em alguns casos. Também tem sido considerado que as mudanças no eixo HHT em depressões não tratadas podem ser explicadas parcialmente pela alteração cerebral de serotonina e/ou de noradrenalina. Tem sido demonstrado, ainda, que o T3 tem função fundamental na neurotransmissão noradrenérgica. Esta linha de pesquisa apresenta ainda resultados pouco consistentes, requerendo ampliação e confirmação dos mesmos. BAHLS e CARVALHO, (op. cit.). Diabetes mellitus Patologia de indiscutível importância na terceira idade, atingindo, segundo Freitas (2002), cerca de 17,4% da população na faixa etária entre os 60 e os 69 anos, a diabetes mellitus apresenta clara associação com a depressão. Metanálise de Anderson e colaboradores (2001), avaliando estudos que utilizaram controlos normais encontraram uma prevalência de depressão em diabéticos que variava entre os 11% e os 31%. A presença de diabetes aumenta em 2 vezes o risco de depressão em relação ao grupo controlo, tanto para diabete tipo I quanto para o tipo II. 95 Teng e colaboradores (2005), analisando os estudos de Fisher (2001) e Everson (2002), relataram que pacientes diabéticos com depressão apresentam maiores índices de obesidade, menor nível educacional e socioeconómico, além de psicossociais e de suporte social insuficiente com maior vulnerabilidade a aspectos financeiros stressantes. Assim, pacientes, diabéticos deprimidos, apresentam controlo glicémico insuficiente, apresentando maiores taxas de complicações, sejam agudas ou crónicas. Ainda não há um perfeito esclarecimento sobre quais os mecanismos biológicos que estão na base desta associação. Evidências sugerem que as alterações hormonais (principalmente a hipercortisolemia) e o aumento da activação imunoinflamatória poderiam explicar o maior risco de diabetes em deprimidos e alterações do transporte de glicose em regiões específicas do cérebro que ocorrendo em diabéticos, favoreceria o surgimento de depressão. (MUSSELMAN et al., 2003 apud TENG et al.). Esquizofrenia A prevalência de esquizofrenia na terceira idade varia de 0,1% a 1,7%. Na quase totalidade esta prevalência deve-se a estados de paranóia, como a parafrenia tardia, as psicoses orgânicas e Cada vez mais, a depressão tem chamado a atenção daqueles que lidam com a área de gerontologia. Não faltam relatos sobre a alta prevalência desta patologia nos idosos como também dos inadequados diagnósticos e tratamentos. 96 os transtornos delirantes.Tais transtornos resultam de uma complexa interacção de factores como o envelhecimento, género feminino, défices auditivos, lesões cerebrais menores e declínio cognitivo. Estudos de neuroimagem e neuropsicológicos sugerem que estes pacientes podem ser divididos em dois grupos: um tipo mais funcional, em que predominam sintomas positivos com comprometimento cognitivo limitado a testes avaliando funções executivas e um tipo mais orgânico, com comprometimento cognitivo generalizado e sintomas negativos mais frequentes que no grupo anterior (ALMEIDA, 2000). Estimativas da frequência de episódios depressivos em pacientes com esquizofrenia variam entre 20% a 80% (BARTELS;DRAKE, 1998; DELISI, 1990 apud ZISOOK et al., 1999). Embora a maioria dos estudos no assunto envolvam pacientes mais jovens, um trabalho envolvendo pacientes com idades superiores a 55 anos associou maiores índices de depressão com sintomas positivos limitações físicas causando limitações e diminuição de vida social, (COHEN, 1995 apud ZISOOK et al., 1999). O mesmo autor citado acima, juntamente com outros investigadores, realizou um estudo em San Diego (EUA), com o objectivo de identificar a frequência relativa e o grau de sintomas depressivos num grupo de 60 pacientes entre os 45 e os 79 anos com esquizofrenia e sem diagnóstico de depressão ou desordem psico-afectiva. Sintomas depressivos foram analisados através do uso da escola de depressão de Hamilton. Além deste, foram usados instrumentos para mensurar sintomas positivos, sintomas negativos, distúrbios de movimento e estado cognitivo global.Tanto pacientes masculinos como femininos apresentaram maiores índices de depressão, incluindo os estágios leve, moderado e grave. A severidade dos sintomas depressivos correlacionou-se com a presença de maior quantidade de sintomas positivos, mas não com a idade, sexo, sintomas negativos, sintomas extrapiramidais ou dose de neurolépticos. Desta forma, fica evidente que os sintomas depressivos são comuns em pacientes idosos esquizofrénicos. O autor sugere estudos posteriores para que se torne mais claro se tais sintomas são independentes, componentes do espectro de sintomas que compreende a esquizofrenia, ou, se alternativamente são um sub-produto de sintomas psicóticos severos. Transtorno de stresse pós-traumático Indivíduos submetidos a eventos traumáticos apresentam um risco aumentado de desenvolver transtorno de stresse póstraumático (TEPT), atingindo 14% a 25% dos casos. Pacientes que apresentam TEPT necessitam de ser examinados no que se refere à presença de comorbilidades, já que os transtornos psiquiátricos acometem cerca de 80% dos pacientes com TEPT. De entre estes transtornos, a depressão destaca-se ao lado da fobia simples, fobia social, abuso de substâncias e transtorno de personalidade. (KESSLER et al., 1995). Patologias de grande importância e gravidade no idoso, como grande parte das perturbações neurológicas que apresentam algum comprometimento do sistema nervoso central, podem ter a depressão associada. Uma interessante revisão sobre a relação entre depressão e TEPT foi feita por Berlim, Perizzolo e Fleck (2003). Os autores relataram que a maioria das evidências sugerem que a depressão é frequentemente secundária ao TEPT. Contudo, citam também um estudo feito com veteranos de Israel, no qual o TEPT e a depressão se iniciaram em conjunto em 65% dos casos. Em 16% dos indivíduos a depressão precedeu o TEPT e em 19% o TEPT precedeu a depressão (BLEICH et al., 1997 apud BERLIN et al., 2003). Os autores concluíram que a TEPT e a depressão encontram-se estreitamente relacionadas, porém com relação de natureza complexa e variáveis que devem ser examinadas caso a caso. São necessários maiores estudos para esclarecer questões que permanecem em aberto, como se o desenvolvimento da comorbilidade com a depressão estaria na vulnerabilidade individual para a depressão, e se a intensidade ou qualidade do evento traumático estaria mais associada ao desenvolvimento de depressão. Distúrbios do sono Com o envelhecimento, ocorrem alterações fisiológicas no sono. O idoso dorme cerca de seis horas, com período de latência maior, o sono é mais superficial e há ausência dos estágios mais profundos (FREITAS, 2002). A insónia, distúrbio do sono mais comum no idoso, tem por definição a dificuldade em iniciar e manter o sono, podendo ser classifica- da em inicial, intermediária e final. Um estudo realizado em 1993 mostrou uma maior prevalência de insónia inicial nos homens de 75 a 79 anos, e em mulheres de 70 a 74 anos. Já para a insónia intermediária, há uma prevalência de 42,2% nos homens entre os 75 e os 79 anos e 40,4% nas mulheres entre os 80 e os 84 anos.A insónia final, que se caracteriza pelo despertar precoce, apresentou prevalência de 16,7% e o despertar ocasional, 19,9%. (GLISLASON, 1993 apud FREITAS, 2002). Através de um estudo prospectivo realizado por Roberts e colaboradores (2000), na Califórnia, que se propôs fornecer dados adicionais sobre o papel dos distúrbios do sono na ocorrência de depressão em idosos, foram estudados idosos que tinham distúrbios do sono, mas não preenchiam critérios para a depressão no início do estudo (em 1994).Tais pacientes foram novamente avaliados após um ano com o objectivo de pesquisar a presença sintomas depressivos. Pacientes que exibam qualquer queixa sobre o sono em 1994 apresentaram um risco relativo de 2,85% para o desenvolvimento de depressão em 1995. Apenas para os pacientes com hipersónia, que se caracteriza por um aumento significativo do sono, o risco relativo foi de 2,46. Já o aumento do risco relativo para pacientes com insónia foi de 1,66 sem significância estatística. O estudo também abordou a importância dos distúrbios crónicos do sono, ou seja, 97 98 pacientes que apresentaram queixas em 1994 e 1995. Para os pacientes que referiram insónia nas duas entrevistas, o risco relativo de depressão em 1995 foi elevado (8,08). Já para aqueles com hipersónia nos dois questionários, tal risco foi de 3,46. Quando se estudou, sem distinção, os distúrbios do sono, o risco foi de 14,8. Os autores também abordaram o papel dos distúrbios do sono no risco de episódios futuros de depressão, comparando-o com o papel de outros sintomas de depressão. Os resultados, neste caso, sugeriram que os distúrbios do sono foram menos importantes.Assim, sentimento de inutilidade, agitação ou atraso psicomotor, distúrbios do humor e pensamento sobre a morte apresentaram-se como mais fortes preditores para o desenvolvimento de depressão. Roberts e colaboradores concluíram que os distúrbios do sono, particularmente de natureza crónica, estão associados com um maior risco de desenvolver futuramente depressão. Embora tal relação pareça inquestionável, o papel dos distúrbios do sono quando comparado com outros sintomas que costumam ser comorbidos parece ser menor. Climatério O envelhecimento, enquanto processo multifactorial determinado por declínio fisiológico, bioquímico e funcional dos órgãos, exibe características distintas em diferentes indivíduos, embora aumente a susceptibilidade a doenças crónico-degenerativas em todos eles. As mulheres, especificamente, apresentam inevitáveis consequências do envelhecimento após a instalação da menopausa (FREITAS E PIMENTA, 2002). Os autores citados explicam que, embora seja um processo fisiológico, a menopausa resulta em profundas modificações no organismo feminino. Como consequência, surge a susceptibilidade a doenças como a osteoporose, as doenças cardiovasculares, a atrofia urogenital, o declínio cognitivo, a doença de Alzheimer e, também, a depressão. Assim sendo, o climatério deve ser entendido e manuseado como uma endocrinopatia. Diversos estudos foram realizados procurando associar o climatério e a perimenopausa (período que se estende de dois a oito anos antes da menopausa até um ano após a última menstruação) a um maior risco de sintomas depressivos. Soares e Cohen (2001), relataram estudos em que investigaram 96 pacientes em perimenopausa endocrinologicamente confirmada e identificaram 46 pacientes (48%) apresentando sintomas psiquiátricos significativos. Destas mulheres, 28 (29,2% do total), preencheram critérios para desordens depressivas. Os mecanismos neuroendocrinológicos que justificam a associação entre síndroma climatérica e depressão ainda permanecem controversos. Aldrighi e colaboradores (2001) fizeram versão sobre o assunto. Segundo os estudiosos, a diminuição dos níveis séricos dos hormónios sexuais que ocorre no período climatérico provoca modificações neuroendocrinológicas relevantes que envolvem o hipotálamo (estrutura do diencéfalo, responsável pela termoregulação, pela saciedade, pelo apetite e pela pressão arterial). Além disso, afectam também o sistema límbico, que controla a cognição, o humor, o comportamento e o estado emocional (LOBO E COL, 1999; SPEROFF E COL, 1995). Assim sendo, é fácil a dedução de que a diminuição dos níveis de esteróides sexuais no hipotálamo causará diversas repercussões clínicas, entre elas a depressão. Ainda segundo Aldrighi e colegas, a redução do nível sérico dos hormónios sexuais é paralela à diminuição do tónus serotoninérgico do Sistema Nervoso Central, tendo em consideração que a diminuição dos níveis de estrogónios promove uma menor degradação da monoamino oxidase, enzima que inactiva a serotonina. Esta redução parece estar relacionada com a depressão e com as alterações da memória da mulher climatérica. De forma análoga o hipoestrogenismo aumenta o tónus noradrenérgico e diminui o dopaminérgico, que apresenta também repercussão sobre o humor, como observado em mulheres que se submeteram a ooforectomia (Lune e Col, 1977, Bartus e Col, 1982, Yen e Col, 1991, Philips e Col, 1992, apud Aldrighi e Col). Outros factores As constantes limitações e incapacidades surgidas durante a terceira idade, como a diminuição da visão, audição e actividade física, proporcionam uma maior susceptibilidade para o surgimento da depressão. Promover a saúde e ser um importante aliado da funcionalidade física dos idosos são alguns dos benefícios da actividade física (BORGES E RAUCHBACH, 2004). Citando Okuma (2002), os autores afirmam que as dificuldades dos idosos em realizar actividades da vida diária devido a problemas físicos causam dificuldades no relacionamento social e na autonomia. Apesar deste facto, a maioria dos idosos mantém o sedentarismo. Um estudo realizado pelos autores citados, na cidade de Curitiba, avaliou a tendência à depressão em idosos e a sua relação com a prática de actividade física. Cento e vinte e cinco idosos foram estudados durante o primeiro semestre de 2003, através dos quais foram analisados os sintomas mais comuns na ocorrência de depressão. Em relação à actividade física, foram considerados activos todos os que declararam fazer actividade física regular no mínimo duas vezes na semana há pelo menos um ano. A tendência de depressão foi significativamente maior na população idosa não activa, independentemente do sexo e da faixa etária analisados. Uma perturbação muito comum no idoso é a perda auditiva, a qual é mais um sério factor de limitação, contribuindo para o surgimento 99 100 de distúrbios psiquiátricos.Tais situações advêm do isolamento dos portadores da deficiência, em virtude da falta de contacto com o meio social. O idoso sente-se constrangido perante as suas dificuldades, o que favorece o quadro depressivo (Portal da Família, 2005). Situação similar surge aquando da presença de alterações visuais. Um importante estudo sobre este assunto foi realizado por Ribeiro e colaboradores (2004), com 23 pacientes com alterações visuais significativas causadas por catarata, em que foram analisados a presença de sintomas depressivos antes e após a realização da cirurgia correctiva da catarata. Destes, 12 eram do sexo masculino e 11 sexo do feminino. Antes da cirurgia 11 pacientes apresentaram resultados indicativos de depressão (três do sexo masculino e oito do feminino) segundo o instrumento utilizado. Após a cirurgia, encontrou-se dez deprimidos (dois homens e oito mulheres). As diferenças estatisticamente significativas foram encontradas quando se observou a intensidade dos factores na escala utilizada. Após a cirurgia, os sintomas depressivos foram indiscutivelmente menos intensos, com um valor mediano da escala de 5,0 antes e 4,0 após a cirurgia. É incontável o número de condições que são relatadas na literatura potencialmente causadoras de depressão, ainda que por mecanismos não totalmente conhecidos. Revisão feita por Scalco e colegas (2002) cita, entre outras: doenças infecciosas (a sífilis terciária, a toxoplasmose, a influeza, a hepatite viral, a mononucleose, a SIDA); distúrbios metabólicos e nutricionais (a insuficiência hepática, a deficiência de folato, a vitamina B12, a Tiamina, a doença de Wilson, a hipo ou hipercalcemia); neoplasias (carcinoma de pulmão ou pâncreas). Além disso, muitas medicações podem estar associadas à depressão incluindo algumas de uso comum. Para que esta relação seja comprovada, é necessário que os sintomas se tenham desenvolvido durante ou dentro de um mês de uma intoxicação ou abstinência de uma substância. As drogas que mais frequentemente têm este potencial, ainda segundo Scalco, são corticóides, reserpina, metildopa, clonidina, betabloqueadores, anfetamina, cocaína, sedativos, hipnóticos, álcool, cimetidina, ranitidina, indometacina, antipsicóticos, benzodiazepínicos, vincristina e vinblastina. Factores de risco psicossociais Apesar de todos os factores de risco para a depressão estarem intimamente interligados, a análise particularizada dos factores psicossociais é essencial em virtude da forte presença destes na população idosa. O rápido envelhecimento populacional traz associadas dificuldades na inserção do idoso na sociedade. Apesar das constantes discussões realizadas sobre o assunto, o idoso é ainda, muitas vezes, vítima de rejeição directa ou indirecta. O rápido envelhecimento populacional traz associadas dificuldades na inserção do idoso na sociedade. Apesar das constantes discussões realizadas sobre o assunto, o idoso é ainda, muitas vezes, vítima de rejeição directa ou indirecta. Um estudo realizado porVeloz,NascimentoSchulze e Carmargo, em Santa Catarina, durante o ano de 1999, discutiu como diferentes grupos de pessoas que se aproximavam da terceira idade compreendem o envelhecimento através de três fenómenos: o idoso como protagonista, a velhice como a última fase da vida e o próprio envelhecimento enquanto processo que transcende a própria velhice para abranger todo o curso da vida. O objectivo central foi analisar os conteúdos das representações sociais que os diferentes grupos de pessoas têm no que se refere a estas questões sobre o envelhecimento. Citando Moscovic (1981, p. 181), os autores definiram representação social como: [...] «um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originadas no quotidiano, no curso de comunicações inter-individuais. Elas são equivalentes, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, elas podem até mesmo ser vistas como uma versão contemporânea do senso comum». Foram entrevistadas 37 pessoas entre os 52 e os 92 anos, pertencentes a três grupos residentes na cidade de Florianópolis: (i) professores reformados da Universidade Federal de Santa Catarina, (ii) participantes de um programa da Universidade da Terceira Idade e (iii) residentes num centro para idosos. Os resultados das análises dos entrevistados indicaram a complexidade da compreensão do envelhecimento por parte das pessoas idosas ou próximas dessa condição. Em linhas gerais as respostas aponta- ram para três tipos de representação social do envelhecimento: • Uma representação doméstica e feminina, onde o ponto principal é a perda dos laços familiares (abandono) e dos atractivos físicos; • A segunda, tipicamente masculina, apoiase na noção de actividade, caracterizando o envelhecimento como a perda do ritmo de trabalho; • Uma representação mais utilitarista, organizando-se em duas noções centrais a da fase da vida e a de pessoa, sendo o envelhecimento caracterizado como o desgaste da máquina humana. Tais resultados estão de acordo com outros estudos realizados no Brasil, também citados pelos autores, onde os próprios idosos simplificam o envelhecimento humano exclusivamente a partir das perdas, apresentando predisposições desfavoráveis,estereótipos negativos e preconceitos. Medrado em Carnaúba (Bahia), em 1994, encontrou representações sobre o idoso caracterizadas por conteúdos, como: não serve para nada, inutilidade, não vai para a frente, não tem saúde, só doença, não tem destino, não volta (...). Santos (1990) fez uma análise da influência da reforma sobre a identidade do sujeito. Os resultados sugeriram que, nas sociedades modernas, a ênfase continua a ser dada à juventude e à capacidade de produção; ser 101 idoso é considerado como um afastamento do mundo social. 102 Goldfard (2002), descrevendo o ponto de vista da psicanálise na depressão do idoso, coloca um pano de fundo depressivo para a velhice dos nossos dias. Tal realidade é fruto da consciência da finitude em articulação com os valores da nossa época. Segundo a autora, a reacção de um jovem ante uma perda é diferente da reacção de um idoso porque, para ele, os objectos do mundo para os quais poderá dirigir a sua energia vital são numerosos e conta com tempo para os atingir. Perante o estreitamento do campo dos objectos e do horizonte futuro, o idoso costuma reagir retirando os seus interesses do mundo exterior, voltando-se para seu próprio ego ou não investindo no seu próprio corpo ou partes dele, surgindo sintomas hipocondríacos bastante comuns na depressão. Questões referentes ao envelhecimento começam a ser estudadas pela antropologia, e algumas contribuições são já conhecidas. Uma delas, segundo Uchoa (2003), em artigos que abordam o assunto, pode ser descrita como a relativização da visão universalista, já cristalizada principalmente no mundo ocidental e usualmente adoptada nos estudos sobre o envelhecimento. Segundo esta visão, a delimitação do envelhecimento é basicamente a partir da sua dimensão biológica, caracterizada como uma etapa de deterioração do corpo. É fácil de notar a restritiva visão orgânica do envelhecer. Entretanto, Uchoa relata visões diversas do assunto, nas quais o envelhecimento é retratado com visões fundamentadas, num questionar à universalidade da visão ocidental. Como exemplo clássico desta outra visão, a autora cita, referindo-se a Evans-Pitchard (1989), um estudo sobre os Nuer, grupo étnico do Sudão. Os membros de uma classe de idade devem respeito aos da classe anterior, composta por pessoas mais velhas e superiores na hierarquia social.Todas as dimensões da sua vida social são regidas por estas regras. Podese citar os Bambara do Mali. Para este grupo, o envelhecimento é considerado como uma conquista. Envelhecer significa passar por um processo de crescimento que ensina, enriquece e enobrece o ser humano, e a idade é elemento determinante da posição que o indivíduo ocupa dentro da sociedade. A importância de integrar as contribuições da antropologia na investigação das questões relativas à saúde do idoso pode ser observada num outro estudo de Uchoa, em 2002, na cidade de Bambuí, Minas Gerais. Neste caso, foi utilizada uma abordagem interpretativa do envelhecimento. A partir de informações obtidas através de reconstruções de vida e entrevistas com informantes-chave, verificou-se que a avaliação da gravidade e da importância de um problema de saúde parecia ser claramente determinado pela possibilidade de enfrentá-lo, mais do que pelo problema em si. Como exemplo, para senhoras de alto poder aquisitivo, a saúde não constituiria um problema, apesar das várias patologias por elas relatadas (diabetes, doença de Chagas, fracturas, problemas cardíacos). Com excepção destas pacientes, que tinham fácil acesso a médicos particulares, todas as outras referiam dificuldades em conseguir atendimento no sistema público de saúde. Quando conseguir a consulta médica não era um problema, a aquisição de medicamentos poderia ser uma outra dificuldade. rabilidade que o indivíduo apresenta aos desafios do próprio ambiente. Esta condição é comummente observada em idosos com 85 anos ou mais ou naqueles mais jovens que apresentam uma combinação de doenças ou limitações funcionais que reduzem a sua capacidade de adaptação ao stresse causado por situações de risco como doenças agudas ou hospitalizações. Esta representação da saúde que a autora chamou de «dinheiro-dependente», referindo-se a Lima-Costa (2003), é reflexo das profundas dificuldades que caracterizam o acesso dos idosos brasileiros a serviços de saúde e medicamentos.Tal fenómeno é mais um dos aspectos que tornam extremamente complexa a abordagem do paciente idoso na realidade brasileira. O artigo de Caldas explica que, citando Chappel (1993), Kosberg (1992), Karsch (1998) e Moragas (1994), quando os idosos adquirem doenças causadoras de dependência, os cuidados são prestados por um sistema de suporte informal, principalmente nos países em desenvolvimento. Este sistema inclui cuidadores que podem ser familiares, amigos, vizinhos e membros da comunidade, cujas actividades são prestadas voluntariamente, sem remuneração. Caldas cita o estudo de Ramos (1993), em São Paulo, que demonstrou que 2% dos idosos não contam com nenhuma ajuda familiar no caso de incapacidade; 40% contam com o cônjuge, 35% com o apoio da filha; 11% com o do filho e 10% com toda a família. Nos domicílios unigeracionais cresce a perspectiva de ajuda do cônjuge (60%) e, nos domicílios multigeracionais, da filha (56%) e do filho (13%). Os aspectos antropológicos citados, que incluem experiências subjectivas interagindo com diversos elementos do contexto social e cultural ao qual as pessoas estão submetidos, têm íntima relação com os sentimentos de bem-estar, qualidade de vida e auto-estima do idoso. Tais sentimentos estão directamente relacionados à possibilidade de aparecimento da depressão num paciente da terceira idade. A situação acima explanada ganha contornos ainda mais particulares quando analisamos os idosos dependentes. Caldas (2003) definiu, citando Hazzard e colegas (1994), que a dependência apresenta-se ligada a um termo fundamental na geriatria: a «fragilidade». Fragilidade foi conceituada como a vulne- Ainda segundo a autora supracitada, o facto de um membro da família desencadear um processo de dependência repercute com muita intensidade na dinâmica familiar. Uma mudança de papéis dos membros da família vai ocorrendo à medida que a dependência 103 Perante o estreitamento do campo dos objectos e do horizonte futuro, o idoso costuma reagir retirando os seus interesses do mundo exterior, voltando-se para seu próprio ego ou não investindo no seu próprio corpo ou partes dele, surgindo sintomas hipocondríacos bastante comuns na depressão. 104 avança. Referindo-se a Mendes (1995), a autora descreve certas regras para a designação do cuidador: parentesco, com frequência maior para os cônjuges, antecedendo a presença de algum filho; género, com predominância da mulher; proximidade física, considerando quem vive com a pessoa que requer cuidados e proximidade afectiva, destacando a relação conjugal e a relação entre pais e filhos. Também, não podem ser esquecidas as demandas económicas advindas da presença de um idoso dependente. Para abordar estes pontos, Caldas referiu-se ao estudo de Úrsula Karsch, denominado Estudo do Suporte Domiciliar aos Adultos com Perda da Independência e Perfil do Cuidador Principal. Realizado no município de São Paulo entre os anos de 1991 e 1995, esta pesquisa objectivou conhecer as características dos cuidados comunitários oferecidos aos adultos com diferentes graus de dependência. Os dados revelaram que se tratavam de famílias de baixo nível sócioeconómico. Aproximadamente 70% viviam com até cinco salários mínimos, e destes quase 50% com até três salários mínimos. Foi também observado que não houve substituição das tarefas anteriores à tarefa de cuidar do idoso acometido por doenças incapacitantes como o AVC. O desempenho quotidiano viu-se acrescido da tarefa de cuidar. Aponta-se também a pequena extensão dos orçamentos, que passam a ser mais comprimidos pelas inesperadas despesas, como factor de sobrecarga para estas famílias. Resumindo, podemos observar que os idosos dependentes brasileiros sobrevivem com poucos recursos pessoais e sociais. O sistema de cuidados geralmente é informal, com cuidadores, na maioria das vezes, não conhecedores das especificidades da assistência aos idosos. Some-se a isto uma comum falta de estruturação das famílias, muitas vezes, devido à escassez de recursos económicos. Além desta questão conjuntural,é imprescindível a análise do impacto dos acontecimentos externos na génese da depressão do idoso. Não é incomum que tais acontecimentos motivem muitas procuras de atendimentos em unidades de saúde. Pode-se conceituar evento vital como um acontecimento tipificado (acidente,morte,etc.) que ocorre num dado momento (KANNER et al. 1981 apud BLAY, 2001). O autor acima citado, ao abordar o tema, coloca duas tendências nos modos de fazer pesquisas sobre este assunto. A concepção de desenvolvimento vital, a primeira delas, entende que um acontecimento ocorre dentro de um cenário de continuidade, ou seja, certos acontecimentos são esperados para determinadas etapas da vida. Este parâmetro de normalidade criaria um «relógio social», como, por exemplo, a morte dos pais antecedendo a morte dos filhos. Um evento que contrarie esta noção tem a capacidade de proporcionar uma repercussão mais significativa. A segunda tendência refere-se à identificação de factores de risco psicológicos ou sociais, associados às doenças mentais, dentro das quais subentendese uma relação de causalidade. Blay, referindo-se a Cameron e colaboradores (1995) e Ganguli e colaboradores (1995), reforça que são inúmeros os relatos na literatura que mostram uma relação entre ocorrência de eventos vitais e depressão. Este mesmo estudioso deixa claro que o efeito de um determinado evento vital poderá manifestar-se de modo diferente de acordo com o suporte social que o paciente tem, sendo que este pode ser entendido como o sujeito amado, estimado, cuidado e pertencente a um sistema de ligações múltiplas e obrigações (COBB, 1976 apud BLAY). Dentre todos os eventos vitais, sem dúvida o mais estudado tem sido o luto, proporcionando o surgimento de um novo campo científico, Bereavement Studies. Sem dúvida as perdas mais dolorosas são de pessoas próximas: parentes, amigos, filhos e, com particular importância, o parceiro (DOLL, 2002).Tratar da viuvez é um tema sensível e complexo. O impacto que a viuvez causa nas pessoas pode ser devido a dois problemas simultâneos: a perda do parceiro e o confronto com a proximidade da morte. Esta sobrecarga emocional gera consequências em todas as esferas do ser humano, exigindo processos de readaptação que comummente são acompanhados por tristeza profunda, problemas de saúde, distúrbios psíquicos e diminuição dos contactos sociais. Na maior parte dos casos, depois de um certo tempo, o paciente supera esta situação sem maiores complicações psiquiátricas. No entanto, uma parcela experimenta formas patológicas de luto, ocasionando diversos problemas emocionais, destacando-se entre eles a depressão (BLAY, 2001). Doll deixa claro que, apesar de a viuvez poder acontecer em qualquer idade, é hoje um acontecimento típico da terceira idade. Para exemplificar, descreve que 43% das pessoas com 60 anos ou mais, no Rio Grande do Sul, são viúvos segundo dados do Conselho Estadual de Saúde (1996). O risco de perder o parceiro é bem maior para as mulheres na idade avançada. Na Alemanha, de um grupo de viúvos e viúvas com mais de 60 anos, 85% são do sexo feminino (Statistisches Jahrbuch 1993 apud Doll). Além da maior expectativa de vida para o sexo feminino, é facto de que uma parcela considerável dos homens viúvos procura outro casamento, ao contrário da maioria das mulheres. Prosseguindo as explanações, o autor explica que estudos sobre a viuvez provêem de várias áreas, como psicologia, antropologia, psiquiatria e sociologia, apresentando todas elas aspectos complementares. Pela importância histórica merece ser destacada a obra de Freud Traner und Melancholise (Luto e Melancolia), publicada em 1917. Neste trabalho, o luto é descrito como uma forte reacção à perda de uma pessoa ou de um objecto amado. Ocorre afastamento daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, mas sem ser considerado uma condição patológica que necessita de tratamento médico. Freud deixa claro que tal situação seria superada após um determinado período de tempo, e interferências neste processo seriam inúteis ou, até mesmo, preju- 105 106 diciais. Prosseguindo esta linha de pensamento, afirma que a função do luto é a solução dos vínculos com a pessoa ou objecto perdido, para que se abra a possibilidade de transferir a libido existente para a outra pessoa ou objecto. Diferentemente do luto normal, o luto patológico, com semelhança à melancolia, tem maior duração e pode trazer consequência devido à dificuldade na solução dos vínculos. O motivo para isto acontecer é a ambivalência de sentimentos relativos à pessoa perdida: a tristeza pela perda une-se a um sentimento de raiva por ter sido abandonado. Assim, em vez de retirar os vínculos da pessoa falecida, a pessoa enlutada fixa-se na pessoa morta, auto-acusando-se de ser o causador da perda da pessoa ou objecto amado. O luto e a viuvez devem ser examinados dentro do contexto vital de cada indivíduo, a natureza da perda, o tipo de vínculo, o significado da morte e os seus mecanismos de elaboração. Observa-se, portanto, ser uma experiência complexa, o que apresenta sérias dificuldades para a realização de pesquisas. O trabalho de Breckenvidge (1986), examinou o fenómeno do luto e de como este era encarado nos idosos quando comparados com adultos. Os resultados demonstraram uma maior capacidade por parte dos idosos em lidar com a situação, o que corrobora a teoria do relógio social, que aborda a previsibilidade dos eventos em certas faixas etárias. (BLAIR, 2001). Revisão das pesquisas realizadas em 2001 sobre reacções depressivas ao luto, demonstrou diferenças individuais significativas. Enquanto entre 20 e 35% das pessoas apresentaram sinais de forte depressão, outras pesquisas mostraram cerca de 60% das pessoas com depressão leve. Existia sempre um grupo significativo (entre 40 e 50%) sem evidências de tristeza prolongada ou depressão (WORTMAN e SILVER 2001 apud DOLL, 2002). Outro ponto passível de controvérsia é se a ausência de luto depois de uma perda dramática pode ser indicativo de um luto anormal ou patológico. Doll, ao discutir o assunto, relata a opinião de Wortman e Silver, (2001) que afirmam tratar-se de um ajuste rápido depois de uma perda já esperada, ou de uma situação stressante (sofrimento por doença prolongada, problemas no casamento, etc). Como contraponto, cita também as opiniões de Parkes (1996) que afirma que suprimir a expressão de luto pode ter uma correlação com dificuldades na recuperação, e de Stappen (1998) que propõe que um casamento com problemas pode também ser um factor negativo para uma futura adaptação. Complementando o seu trabalho, explica que a viuvez na velhice segue padrões diferentes das pessoas mais jovens. Se, por um lado, há vários relatos de que o primeiro impacto pareceu ser menos intenso, por outro as consequências, especialmente as práticas e concretas como a manutenção de contactos sociais, resolução de problemas e realização de tarefas, apresentamse mais difíceis para os idosos. É certo que a interacção das diversas variáveis que podem influenciar o aparecimento da depressão nos pacientes enlutados é bastante complexa e de difícil interpretação. Um outro evento vital gerador de grandes discussões é a reforma. Tradicionalmente, a interrupção do trabalho é considerada um evento causador de tensões e impactos negativos nas esferas física e emocional. Entre outras explicações as pessoas passam muitos anos envolvidas na sua actividade de trabalho, o que contribui tanto para seu sustento financeiro como para a formação da sua identidade. Além disso, acredita-se que as pessoas sentem muito o impacto do afastamento, e é comum a ideia de que muitas doenças surgem nesta época. Por fim, no mundo ocidental é bastante difundida a ideia de que o trabalho salva e é libertador (BLAY, 2001). Apesar desta visão ser válida e aplicável a várias situações, tem sido estudada por alguns investigadores nas últimas décadas. Citando o trabalho de Bossé e colaboradores (1991), o autor diz que indivíduos idosos que ainda trabalham muitas vezes referem ser esta actividade muito mais causadora de stresse do que a reforma. A satisfação no trabalho foi citada como pouco comum. Este resultado foi explicado pelo facto de as actividades realizadas não fornecerem liberdade, criatividade e estímulos, sendo mantidas por razões puramente económicas. Esta é mais uma questão complexa, que ao ser analisada do ponto de vista individual pode funcionar como factor de risco ou protector para a depressão no idoso. Os aspectos antropológicos citados, que incluem experiências subjectivas interagindo com diversos elementos do contexto social e cultural ao qual as pessoas estão submetidos, têm íntima relação com os sentimentos de bem-estar, qualidade de vida e auto-estima do idoso. Tais sentimentos estão directamente relacionados à possibilidade de aparecimento da depressão num paciente da terceira idade. 107 108 Considerações finais Numa sociedade que exalta a beleza, a juventude e a produtividade, o idoso sofre sérias dificuldade para uma digna inserção. O envelhecer é acompanhado por inúmeras perdas tais como: sensoriais, de memória, económicas, do papel social outrora exercido, dos seus contemporâneos que falecem, da saúde física. Ao mesmo tempo surge a perspectiva da finitude, da aproximação da morte. Diante de tantos obstáculos, é bastante difícil transformar a terceira idade numa fase de prazer e potencialmente capaz de ser produtiva. Cabe a todos os profissionais que trabalham com geriatria e gerontologia a busca incessante deste objectivo no sentido de que o aumento da esperança de vida venha acompanhado de uma melhor qualidade de vida. A depressão no idoso, enquanto patologia potencialmente capaz de ser consequência de várias perdas que caracterizam a idade, tem vindo a assumir índices elevados e preocupantes. Os factores de risco, conforme este trabalho revela, são inúmeros e com capacidades de interacção praticamente incontáveis, exigindo uma abordagem interdisciplinar para diagnóstico e tratamento adequado. Como pudemos analisar, várias patologias, cuja incidência aumenta com a idade, são potenciais factores de risco, como hipertensão, diabetes, distúrbios do sono, AVC, tireóideopatias, entre outras. Além destes factores biológicos, vários factores psicossociais aos quais os idosos estão expostos representam uma séria ameaça. Fica claro que a depressão no idoso apresenta características distintas das dos adultos jovens e que seu tratamento também precisa de ser particularizado. A realidade socioeconómica à qual grande parte da população brasileira está submetida impede o acesso adequado ao sistema de saúde, a boas condições sanitárias e a medicamentos, entre outras adversidades. O sistema de cuidados, informal e precário, não atende às necessidades. Fica claro, principalmente se levarmos em consideração que o envelhecimento populacional é um fenómeno recente e ainda não compreendido por boa parte das pessoas, que os obstáculos a serem vencidos são muitos. Políticas de saúde referente ao idoso são recentes e carecem de completa implementação. Apesar desta ressalva, o Estatuto do Idoso no Brasil, portaria nº 1395/GM, publicada em 10 de Dezembro de 1999, representa um avanço encontrando-se em consonância com os mais actuais conceitos da gerontologia. Entre as directrizes está a promoção do envelhecimento saudável, compreendendo o desenvolvimento de acções que orientem os idosos e os indivíduos ao longo do processo de envelhecimento quanto à importância da melhoria constante das suas competências funcionais. Este aspecto pode ser atingido mediante a adopção precoce de hábitos saudáveis e a eliminação de comportamentos nocivos à saúde, além da manutenção da capacidade funcional que inclui a prevenção da perda da independência e da autonomia e o incentivo à criação de oportunidades sociais, como clubes, grupos de convivência, associação de reformados, etc. Uma outra acção governamental com capacidade de criar é a portaria número 73, de 10 de Maio de 2001, da Secretaria de Assistência Social, como medida complementar à política de saúde do idoso. Propõe, em regime de co-responsabilidade entre o governo, a sociedade e as famílias, novas modalidades de atenção ao idoso que serão individualizados, para cada caso. Assim, o atendimento prestado pela família natural do idoso é sem dúvida a mais adequada quando possível, seguindo-se a partir daí os centros de dia, lares e centros de convivência e terminando no atendimento prestado nas instituições de longa permanência, uma modalidade voltada para idoso sem família (DIOGO, 2002). Passa pela implementação de qualquer política de saúde a formação de recursos humanos capacitados em saúde do idoso. Um estudo transversal realizado em Pelotas (RS), em 2004, entrevistou 583 idosos dos quais 76,6% afirmaram que na sua última consulta o médico não questionou se eles se sentiam tristes ou deprimidos (GAZZALE et al, 2004). Fica, assim, evidente que a depressão não tem sido levada em consideração de maneira proporcional os seus potenciais prejuízos. Em linhas gerais podemos concluir que os nossos idosos, ao representarem um grupo bastante vulnerável a adversidades ambientais, necessitam de uma ampla rede de suporte incluindo cuidadores capazes e preparados, serviços de saúde estruturalmente prontos para atender a esta faixa etária e profissionais sensibilizados e capacitados para proporcionar a resolução dos problemas encontrados. 109 Referências 110 ALDRIGHI, J.M. et al. Alterações Cognitivas e do Humor da Mulher Climatérica. In: FORLENZA, O.V.; CARAMELLI, P. Neuropsiquiatria Geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2001, pp. 687-695. ALMEIDA, O.P. Quadros Psicóticos de Início Tardio: Fatores de Risco e Desempenho Cognitivo. In: FORLENZA, O.V.; CARAMELLI, P. Neuropsiquiatria Geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2001, pp. 309-313. ANDREWS, G.A. Los desafios del proceso envejecimento em lãs sociedades de ney y del futuro. Cad. Saúde pública, 59 (1), 2000, pp.247-256. APOLINARIO, J.C.; MEIRELES, R.M.R.; COUTINHO, W. 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Trata-se de uma doença crónica muito frequente em Portugal e nos países industrializados em geral, com tendência de crescimento na sua incidência e prevalência (Comissão de Coordenação do Programa Asma, 2001). A asma é a doença crónica mais comum na infância e possui um impacto psicossocial amplamente documentado quer a nível da criança quer da sua família e outros grupos de pertença (World Health Organization, 2000), justificando-se, assim, discutir as suas abordagens terapêuticas. As medidas terapêuticas da asma incluem abordagens farmacológicas (profilácticas ou para intervenção em crise) e medidas não farmacológicas. Entre as terapêuticas nãofarmacológicas existem medidas que são instituídas e implementadas por vários tipos de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos) ou da educação (educadores de infância, professores) como é o caso do relaxamento ou dos programas educativos, enquanto outras exigem profissionais com formação específica, como é o caso da cinesiterapia que é da competência dos profissionais de reabilitação ou das terapias psicológicas, que exigem formação na área da saúde mental. Nestas últimas incluem-se também o cumprimento de medidas comportamentais e as medidas de controlo ambiental, dado que, como em qualquer situação de doença crónica, a gestão da doença implica que o doente e a sua família assumam a responsabilidade de manterem o tratamento e que desenvolvam competências para a monitorização da doença no dia a dia. Neste contexto, torna-se também fundamental partilhar informação referente à doença e tratamento, pelo que se tem demonstrado eficaz o desenvolvimento de programas educativos. Neste artigo serão apenas abordadas as estratégias terapêuticas do tipo educativo ou de intervenção psicológica. 113 114 Programas educativos O aumento da prevalência das doenças crónicas tem suscitado o aparecimento de um número crescente de programas de educação de pacientes (Barlow & Ellard, 2004). Grande parte destes programas tem como objectivo principal fornecer informação relacionada com a doença e é implementada em intervenções com pequenos grupos, durante um período limitado de tempo, com resultados positivos atingidos a nível do grau de conhecimentos, atitudes e comportamentos dos pacientes relativamente à sua doença (Mesters, 1993). No domínio da asma pediátrica, foi já demonstrado que a educação de pacientes constitui um meio eficaz de aumentar a capacidade das crianças e seus pais para controlar a sua doença (McQuaid & Walders, 2003). As medidas terapêuticas da asma incluem abordagens farmacológicas (profilácticas ou para intervenção em crise) e medidas não farmacológicas. Programas de auto-gestão da asma Os programas de auto-gestão da asma, em Inglês de Self-management, consistem em programas destinados a dotar a criança com asma de um reportório de competências que lhe permita controlar a sua doença e manter o seu estado físico dentro das melhores condições possíveis (Vásquez & Buceta, 1996). Os pressupostos subjacentes ao desenvolvimento deste tipo de programas são: que o estado de saúde das crianças com asma pode ser controlado através da adopção de determinados comportamentos de saúde (Mesters, 1993; Pinheiro & Aguilar, 1995); e que só é possível controlar efectivamente a asma, se a criança e a família assumirem um papel de participantes activos no seu tratamento (Botella & Benedito, 1993; Colland, 1994). Grande parte dos programas de autogestão desenvolvidos até ao momento caracterizam-se pelo facto de a componente educativa se centrar em factores comportamentais para além da transmissão de informação (Creer et al., 1990 cit in Mesters, 1993). Esta característica resulta em grande parte do facto da avaliação dos programas centrados apenas na transmissão de informações ter demonstrado que o simples conhecimento dos sintomas ou de formas de tratamento não está linearmente associado a comportamentos de adesão à terapêutica (Lehrer et al., 1992). Assim, os programas educativos mais eficazes parecem ser aqueles que para além de visarem um aumento de conhecimentos acerca da doença, incluem também estratégias de modificação comportamental (Kotses, 1999), nomeadamente o treino de competências de auto-controlo e auto-tratamento (Geffken & Johnson, 1994 cit in Barros, 1999). Geralmente os programas são constituídos por um número de etapas mais ou menos previsíveis, que incluem (Creer, Harm e Marion, 1988 cit in Barros, 1999): • Auto-observação dos comportamentos que acompanham as crises de asma, especificamente em termos de padrões respiratórios; • Auto-registo das situações em que se verificam alterações respiratórias e dos seus antecedentes (por exemplo, contacto com alergénios ou activação emocional), assim como das acções a tomar de modo a controlar a crise, farmacológicas, de relaxamento, pedido de ajuda; • Auto-instrução e tomada de decisão de forma a controlar a doença, quer através do cumprimento do regime farmacológico quer através de medidas de controlo ambiental e de gestão da crise. Os programas de auto-gestão da asma têm sido desenvolvidos de forma a serem aplicados em diferentes contextos: hospitais, centros de saúde e outros serviços ambulatórios de saúde, escolas, campos de férias, entre outros, e vários tipos de técnicas têm sido utilizadas para aumentar a motivação e competências 115 116 da criança com asma e/ou sua família para a auto-gestão da doença, entre as quais: sessões de ensino individuais, sessões com pequenos grupos de pacientes, jogos de computador e vídeo, palestras para grandes grupos, folhetos, diários de auto-monotorização, sessões para aprendizagem do uso de debitómetro e campos de férias (Spencer, Atav, Johnston, & Harrigan, 2000). A eficácia destes programas em geral tem vindo a ser alvo de investigação. Segundo Pérez, Feldman e Caballero (1999), estudos realizados em diversos países demonstram que os programas de auto-controlo para crianças com asma são eficazes no tratamento da doença, nomeadamente na redução do número de hospitalizações, visitas aos serviços de urgência e número de crises. Também numa revisão realizada por Guevara e colaboradores (2003) de 32 estudos sobre o tema, a eficácia dos programas de auto-controlo traduzia-se nos seguintes ganhos: incremento da função pulmonar, redução do absentismo escolar, diminuição do número de dias com restrição de actividades, redução do numero de idas à urgência e de noites de sono perdidas ou alteradas. Por sua vez, Lemanek, Kamps e Chung (2001) destacam, como resultados positivos deste tipo de programas, o incremento das taxas de adesão aos tratamentos e uma maior cooperação entre as famílias e os profissionais de saúde. Mas a avaliação da eficácia dos resultados dos programas de auto-gestão depende também do tipo de técnicas utilizadas, pelo que serão descritos alguns exemplos. Este tipo de programas poderão ser implementados num contexto individual ou de pequenos grupos, embora no primeiro caso haja mais facilidade em assegurar, por um lado, a continuidade dos cuidados, fundamental para a manutenção dos resultados (Mesters, 1993), e por outro, uma intervenção mais individualizada e adequada à realidade particular de cada criança e família (Barros, 1999). Num programa de auto-gestão da asma que foi implementado através de enfermeiras de serviço domiciliário (health visitors) em Inglaterra, foram testados os dois métodos – individual e em grupo. Ambos demonstraram ser métodos eficazes para aumentar os conhecimentos das crianças acerca da asma e seus tratamentos e para fazer diminuir os indicadores de morbilidade relacionados com os sintomas nocturnos de asma e o número de actividades restritas à criança (Deaves, 1993). Relativamente aos campos de férias, os programas destinados a crianças com asma variam na sua duração entre um só dia a uma estadia de uma ou mais semanas e no seu programa incluem-se para além do treino de competências de auto-controlo e autotratamento da asma, actividades recreativas do tipo de ateliers de artes plásticas, jogos tradicionais, desporto, entre outras. O objectivo é promover a adaptação da criança à sua doença, a auto-gestão da doença e a redução de sintomas. Em termos de resultados deste tipo de intervenção, eles variam imenso, o que se explica, entre outras causas, pelo tipo de avaliação realizada, uma vez que é possível encontrar desde relatos qualitativos dos participantes sobre as suas atitudes face à experiência, a resultados expressos em termos de índices de morbilidade. Também quando se compara a eficácia deste tipo de programas relativamente à dos programas desenvolvidos com crianças hospitalizadas, verifica-se que os últimos conseguem maiores ganhos em termos da diminuição da frequência de crises asmáticas e comportamentos de autocontrolo e auto-tratamento (Brazil, MacLean, Abbey & Musselman, 1997). No entanto, estes últimos autores concluem que a situação ideal seria a realização de campos de férias em que se utilizassem as mesmas estratégias dos programas hospitalares, nomeadamente o envolvimento activo dos pais e oportunidades para as crianças porem em prática as competências de auto-controlo aprendidas, de forma a promover mais eficazmente as mudanças de atitudes e comportamentos. Os programas desenvolvidos no contexto escolar são também frequentes e, em muitas situações, os professores são formados previamente por profissionais de saúde no sentido de poderem implementar o programa. Um exemplo muito citado na bibliografia é o de um programa Americano denominado Open Airways for Schools e que consiste numa adaptação de um programa de auto-gestão individualizado desenvolvido pela Universidade de Columbia. Este programa engloba um conjunto de sessões de 40 minutos (seis destinadas às crianças e duas aos pais, acrescidas de uma cerimónia de graduação para todos), em que são abordadas as seguintes áreas: informação básica e vivências acerca da asma; reconhecimento e gestão dos sintomas da asma; resolução de problemas relativos à medicação e à gravidade dos sintomas; identificação e controlo dos desencadeantes da asma; prática de exercício físico necessário e ter sucesso na escola. Um estudo de avaliação da eficácia deste programa revelou que se tratava de um programa capaz de afectar significativamente os comportamentos de controlo da doença na criança e sua família (Spencer et al., 2000). Mais recentemente surgiram programas que para o seu desenvolvimento e implementação recorrem às chamadas novas tecnologias, que geralmente são muito atractivas para as camadas mais jovens da população. São exemplo os jogos de vídeo interactivos que, segundo 117 118 um estudo de Lieberman (2001), constituem meios eficazes de promover o auto-controlo da asma nas crianças e jovens. O recurso à Internet tem-se tornado também cada vez mais frequente e, neste âmbito, Krishna e colaboradores (2003) fizeram uma investigação com o objectivo de avaliar se os resultados do tratamento da asma poderiam ser melhorados através de um programa de educação de asma desenvolvido através de um programa multimédia interactivo e de acesso às crianças com asma através da Internet. Verificaram que a utilização do programa aumentava significativamente os conhecimentos das crianças e pais acerca da asma, fazia diminuir o número de dias em que as crianças experimentavam sintomas (de 81 para 51 dias por ano) e ainda reduzia de forma significativa o número de idas aos serviços de urgência. Os jogos de computador são outro recurso que tem vindo a ser utilizado. Rubin e colaboradores (1986) estudaram a eficácia de um jogo de computador desenvolvido para a área de educação de crianças com asma e denominado Asthma Command, tendo verificado que este produzia efeitos positivos e estatisticamente significativos a nível de conhecimentos e comportamentos de auto-gestão da doença. Já numa investigação realizada com o objectivo de comparar a eficácia deste tipo de material educativo face aos tradicionais materiais escritos (manuais, folhetos, etc.), apesar de as crianças relatarem uma maior satisfação no uso dos programas de computador, não foram encontradas grandes diferenças nos resultados produzidos por ambos (Homer et al., 1999). Estratégias de intervenção psicológica na asma pediátrica Iremos seguidamente descrever sumariamente as estratégias de intervenção psicológica mais frequentemente utilizadas no controlo da asma pediátrica. Procurámos mencionar as estratégias mais utilizadas pelos profissionais das áreas da psicologia ou saúde mental no controlo da asma, quase sempre como complemento ao tratamento médico, sem fazer uma descrição exaustiva das mesmas. Os programas de auto‑gestão da asma têm sido desenvolvidos de forma a serem aplicados em diferentes contextos: hospitais, centros de saúde e outros serviços ambulatórios de saúde, escolas, campos de férias, entre outros, e vários tipos de técnicas têm sido utilizadas para aumentar a motivação e competências da criança com asma e/ou sua família para a auto‑gestão da doença… Técnicas comportamentais As técnicas terapêuticas comportamentais têm sido utilizadas no controlo dos sintomas asmáticos, quer como complemento à abordagem médica (farmacológica) quer ainda, embora mais raramente, como alternativa à mesma (McQuaid & Walders, 2003; Vásquez & Buceta, 1996). Iremos sumariamente descrever as mais frequentemente utilizadas no tratamento das crianças com asma, todas elas partilhando basicamente os mesmos objectivos que segundo Alarcão (1991, p.97) «visam: 1) o desaparecimento dos sintomas asmáticos e a modificação dos comportamentos correlacionados, através da eliminação dos factores que mantêm/exacerbam o comportamento sintomático e da alteração dos padrões disfuncionais de comportamento produzidos pela própria doença; 2) o treino da capacidade de discriminação de sinais preditivos das crises e subsequente controlo antecipatório; 3) a adesão ao tratamento». 119 Os programas desenvolvidos no contexto escolar são também frequentes e, em muitas situações, os professores são formados previamente por profissionais de saúde no sentido de poderem implementar o programa. 120 Técnicas de relaxamento O relaxamento é uma das técnicas que mais frequentemente tem sido usada na terapêutica da asma, quer como parte integrante do regime de tratamento estabelecido quer como complemento a este. Entre as técnicas mais utilizadas encontram-se o Relaxamento Muscular Progressivo de Jacobson e o Treino Autogénico de Schultz, com as devidas adaptações à população infantil (McQuaid & Walders, 2003). de relaxamento actuam de forma mais eficaz (Vásquez & Buceta, 1993). Uma outra questão que pode colocar em causa a utilização deste tipo de técnicas prende-se com o facto de nos casos em que a função pulmonar se altera no sentido positivo, a melhoria geralmente não ultrapassa a ordem dos 10%, o que tem pouco significado do ponto de vista clínico, principalmente quando comparada com a eficácia das terapêuticas farmacológicas (King, 1980 cit in McQuaid & Nassau, 1999). A utilização de técnicas de relaxamento no tratamento de crianças com asma partiu da observação de que quando estas se sentavam calma e relaxadamente durante as crises, conseguiam desta forma diminuir os seus sintomas (McQuaid & Nassau, 1999). Os primeiros estudos a relatarem os efeitos positivos (embora modestos) do relaxamento muscular progressivo no funcionamento pulmonar de crianças com asma grave foram publicados no início dos anos 70 por Alexander e colaboradores, embora estes efeitos não tenham sido confirmados em estudos posteriores desenvolvidos por estes mesmos autores (1972 cit in Gila & Martin-Mateos, 1991). Mesmo perante estes resultados pouco encorajadores, muitos autores continuam a defender que o relaxamento deve integrar o arsenal de técnicas a utilizar na terapêutica da asma, porque mesmo que o seu efeito não seja sempre muito significativo em termos de funcionamento pulmonar, tem sempre alguma eficácia em termos de diminuição de ansiedade e no incremento do estado geral do doente (Gila & Martin-Mateos, 1991). A revisão de investigações realizadas sobre a eficácia do relaxamento no tratamento da asma tem produzido resultados pouco consistentes (Hajjar, 1999; McQuaid & Nassau, 1999) e um factor que se tem salientado como possível moderador da eficácia desta técnica são as variáveis emocionais. É nos casos em que a asma tem subjacentes desencadeadores do tipo emocional que as técnicas Estratégias de intervenção psicológica na asma pediátrica: • Técnicas comportamentais • Técnicas de relaxamento • Dessensibilização Sistemática • Métodos operantes • Técnicas cognitivocomportamentais • Terapias familiares Dessensibilização Sistemática (DS) Com base no paradigma do condicionamento clássico, podemos considerar que uma crise de asma é desencadeada pela ansiedade com que uma criança aprende a responder a certos estímulos ou situações de stress. Consequentemente será também possível ensinar a criança a responder a esses mesmos estímulos através do relaxamento, que constitui a resposta antagónica da ansiedade e, desta forma, diminuir a probabilidade de esse mesmo estímulo desencadear uma crise de asma (Barros, 1999; Hajjar, 1999; Vásquez & Buceta, 1996). Este método exige a identificação e hierarquização dos estímulos que suscitam ansiedade e que estão relacionados com o aparecimento das crises asmáticas e posteriormente, a sua hierarquização, de forma a obter-se uma lista organizada do menos ao mais stressante. O passo seguinte consiste em ensinar a criança, após treino de relaxamento muscular, a imaginar cada uma destas situações (estímulos) continuando relaxada, para que mais tarde consiga enfrentá-las nas situações reais sem ansiedade. Segundo Barros (1999) a DS tem sido usada sobretudo em crianças com asma do tipo grave, cujas crises exigem hospitalizações urgentes e procedimentos invasivos. Segundo Botella e Benedito (1993) existem poucos estudos que relatem a aplicação desta técnica, no entanto entre os existentes, a maioria refere resultados positivos no sentido da diminuição da ansiedade, de sintomas, crises, uso de medicação e hospitalizações. Existem contudo investigações com resultados menos aliciantes, como por exemplo, a de Miklich e colaboradores (1977 cit in Vásquez & Buceta, 1996), em que os resultados do protocolo de DS na gestão da asma foram apenas verificados a nível dos volumes expiratórios forçados e sem grande significado clínico. 121 122 Métodos operantes Estas técnicas são desenvolvidas a partir dos princípios de aprendizagem por condicionamento operante e destinam-se a modificar, iniciar ou eliminar comportamentos, como por exemplo: a aumentar a frequência do uso dos inaladores nas situações em que é necessário, a diminuir os sintomas autoprovocadosa, extinguir comportamentos mal-adaptativos como o entrar em pânico durante a exarcebação dos sintomas e começar a fazer exercícios respiratórios para um maior controlo da função respiratória. Partindo da identificação da relação existente entre um determinado comportamento e os acontecimentos ambientais que têm influência sobre o mesmo (ou seja, os ganhos secundários), é assumido que é possível manipular as contigências ambientais e fazer aumentar ou diminuir a ocorrência do comportamento em causa (Botella & Benedito, 1993). É de notar que as situações de asma grave foram as primeiras a chamar a atenção para a necessidade das crianças hospitalizadas estarem acompanhadas pelos pais, na medida em que os profissionais de saúde constantemente verificavam que a presença da mãe era um factor determinante no controlo dos sintomas. Como em qualquer situação de doença crónica, a gestão da asma pediátrica implica que o doente e a sua família assumam a responsabilidade de manterem o tratamento e que desenvolvam competências para a monitorização da doença no dia a dia. Neste contexto, torna-se fundamental partilhar informação referente à doença e tratamento, pelo que se tem demonstrado eficaz o desenvolvimento de programas do tipo educativo. Estas técnicas têm conseguido bons resultados no tratamento de crianças com asma, embora por vezes apenas a curto prazo (Hajjar, 1999). Um exemplo de sucesso é o estudo de Neisworth e Moore (1972 cit in Alarcão, 1991) em que, após a verificação de que o factor operante de manutenção era a atenção dada pelos pais contigentemente às crises, se conseguiu reduzir a frequência das crises nocturnas de asma, através da instrução dos pais para ignorarem os sintomas e reforçarem positivamente a diminuição das crises. Por vezes as crianças provocam crises de asma através da hiperventilação ou exercício físico, com o objectivo de conseguirem mais atenção sobre si próprias ou poderem fugir à realização de uma tarefa que por alguma razão que lhes é desagradável. a Técnicas cognitivo-comportamentais Entre as várias terapias não-farmacológicas de tratamento da asma encontram-se também algumas técnicas cognitivo-comportamentais, sendo a mais frequentemente utilizada a Inoculação de Stress. Os principais objectivos deste tipo de técnicas são o de dar à criança um maior conhecimento acerca da asma, modificar crenças erradas e cognições desadaptativas acerca da doença e seu tratamento e ensinar-lhe estratégias de coping que ajudem a controlar a gravidade das crises, a diminuir a ocorrência de sintomas e contribuam para reduzir o impacto psicossocial da doença (Vásquez & Buceta, 1996). A Inoculação de Stress é uma estratégia desenvolvida por Meichenbaum (1977) e que combina o procedimento de auto-instrução com o de relaxamento, e ainda com a exposição (imaginada) a uma hierarquia de estímulos ansiogénicos (Barros, 1999). Só é passível de ser utilizada em crianças com idades superiores aos sete, oito anos devido às competências cognitivas que são exigidas para o seu domínio. A inoculação de stress foi já utilizada em estudos de casos com crianças cuja asma tinha desencadeadores emocionais, tendo sido conseguidos resultados positivos em termos de diminuição da frequência das crises e de idas à urgência (Benedito & Botella, 1991). Consiste na separação temporária da criança dos seus pais ou principais cuidadores, de forma a eliminar a sua influência negativa na manutenção da doença. b Terapias familiares As terapias familiares constituem também uma das abordagens terapêuticas utilizadas na intervenção psicológica junto de crianças com asma e suas famílias (Alarcão, 1991; McQuaid & Nassau, 1999; Panton & Bartley, 2000). A intervenção junto da família da criança com asma foi desde cedo sentida como fundamental no tratamento da doença, embora inicialmente o seu objectivo fosse apenas o de facilitar a terapia individual da criança. O envolvimento da família partiu do reconhecimento de que, por um lado, só através da família se podia garantir o cumprimento adequado dos regimes terapêuticos, por outro lado, da constatação que o aparecimento e/ou agravamento de sintomas estavam frequentemente associados a situações de crises ou tensões familiares. Devido a este último facto, a parentectomiab foi durante algum tempo considerada uma estratégia terapêutica no tratamento da asma, embora na actualidade se reconheça todos os riscos associados (nomeadamente a de desencadear uma crise fatal) e a sua prática seja totalmente desaconselhada (Alarcão, 1991). As primeiras abordagens familiares derivaram de correntes de cariz psicodinâmica e, ainda hoje, existem estratégias de intervenção familiar que seguindo esta orientação, têm como objectivo primordial «redução, neutralização ou superação da influência patologizante da(s) figura(s) parental(ais) no desenvolvimen- 123 Neste artigo, foi ainda feita uma breve revisão das principais estratégias de intervenção psicológica utilizadas no controlo ou gestão da asma pediátrica, sendo que as técnicas de relaxamento e as estratégias de intervenção familiar continuam a ser das mais frequentemente mencionadas como tendo um impacto significativo a nível de uma melhor gestão da doença, em especial nos casos em que existe algum grau de perturbação emocional associado. 124 to da criança» (Alarcão, 1991, p.95). Com o contributo das correntes sistémicas, o foco de intervenção deixou de ser unicamente a criança para passar a integrar todo o sistema familiar e os objectivos terapêuticos passaram a concentrar-se na alteração dos padrões de interacção familiar que sustentam os sintomas asmáticos. Entre os aspectos mais trabalhados neste tipo de estratégias terapêuticas encontram-se: a adopção de atitudes mais realistas face à doença; o abandono de padrões de interacção do tipo da sobreprotecção ou negação; e a promoção de uma comunicação directa e aberta, de forma a permitir a expressão de reconhecimento do sofrimento e a identificação e resolução de conflitos, principalmente os que envolvem a criança com asma (Lask, 1992). A eficácia das terapias familiares no tratamento da asma pediátrica tem sido já demonstrada em alguns estudos empíricos, embora sejam mais escassos os que provam a sua influência em termos de sintomas físicos (McQuaid & Nassau, 1999; Panton & Barley, 2000). Lask e Matthew (1979) realizaram uma investigação no sentido de avaliar a eficácia da terapia familiar como coadjuvante da terapia médica convencional. Compararam um grupo de crianças com asma do tipo moderada e grave medicadas de acordo com a terapêutica recomendada na altura e sujeitas a um protocolo de seis sessões de terapia familar, com um outro grupo de crianças com asma da mesma gravidade e apenas sujeitas a medicação. No final do estudo, os autores encontraram diferenças significativas a nível do volume respiratório. Um outro exemplo é o estudo de Gustaffson, Kjellman e Ceberblau (1986) em que foi avaliado o valor terapêutico da terapia familiar em crianças com asma grave, tendo sido encontrados resultados bastante positivos, inclusive em termos físicos. Estes autores acompanharam um grupo de 18 crianças diagnosticadas com asma grave durante 3 anos e meio, que foram aleatoriamente divididas em dois grupos de tratamento: um sujeito a tratamento médico convencional e o outro a terapia familiar. Verificaram que o grupo de crianças sujeitas a terapia familiar apresentava melhoras significativas a nível de grau de desenvolvimento pediátrico, classificação clínica, número de dias afectados por limitações funcionais, débito expiratório máximo e necessidade de medicação para controlo dos sintomas asmáticos, enquanto que as crianças do grupo de controlo não apresentavam mudanças significativas a nível dos sintomas da asma. Conclusão Como em qualquer situação de doença crónica, a gestão da asma pediátrica implica que o doente e a sua família assumam a responsabilidade de manterem o tratamento e que desenvolvam competências para a monitorização da doença no dia a dia. Neste contexto, torna-se fundamental partilhar informação referente à doença e tratamento, pelo que se tem demonstrado eficaz o desenvolvimento de programas do tipo educativo. Entre estes, destacam-se os programas de auto-gestão da asma, que para além da transmissão de conhecimentos incluem também o desenvolvimento de competências de auto-controlo e auto-tratamento. Este tipo de programas resulta em ganhos importantes para a criança com asma e sua família, expressos em termos de maior adesão às terapêuticas e na redução significativa na ocorrência de sintomas, entre outros aspectos. Neste artigo, foi ainda feita uma breve revisão das principais estratégias de intervenção psicológica utilizadas no controlo ou gestão da asma pediátrica, sendo que as técnicas de relaxamento e as estratégias de intervenção familiar continuam a ser das mais frequentemente mencionadas como tendo um impacto significativo a nível de uma melhor gestão da doença (McQuaid & Walders, 2003), em especial nos casos em que existe algum grau de perturbação emocional associado. 125 126 Bibliografia Alarcão, M. A. (1991). Criança Asmática: Subsídios para Compreensão das Interrelações Familiares da Criança. Dissertação de Doutoramento, em Psicologia Clínica apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Universidade de Coimbra. Barlow, J. H. & Ellard, D.R. (2004). Psycho-educational interventions for children with chronic disease, parents and siblings: an overview of the research evidence base. Child Care Health Development. 30(49,637-645. Barros, L. (1999). 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Revised January 2000. 127 Próxima edição Rui Medeiros Farmacogenómica e individualização do tratamento: implicações na terapêutica do cancro do ovário 128 O conceito de Farmacogenómica, pelo estudo de como as diferenças individuais influenciam a variabilidade nas respostas dos doentes aos fármacos, poderá possibilitar a definição de um perfil de variações do genoma de cada indivíduo (perfil farmacogenómico) que possa prever a resposta a cada um dos procedimentos terapêuticos. Madalena Torres, Margarida Lopes, Margarida Peixoto, Pedro Rodrigues, Rosário Meireles, Rui Dias O papel do enfermeiro perante a criança traumatizada O enfermeiro que cuida de crianças sabe que elas têm características próprias, múltiplas particularidades anatómicas, fisiológicas e psicológicas que as diferenciam dos adultos, sendo algumas delas de particular relevância na abordagem da criança vítima de trauma. Sofia Silva Eutanásia à luz dos cuidados paliativos A pessoa com conhecimento da sua doença avançada tem bem presente essa catástrofe biológica como um acontecimento de profunda tristeza que se antecipa na sua psique como vivência solitária, de insegurança, envolvendo sempre os elementos familiares e sociais que a rodeiam. Gabriela Álvares-Pereira, Conceição Almeida, Manuel Domingos Stresse e as doenças cardiovasculares As doenças vasculares constituem uma importante causa de morte nas sociedades modernas. Em Portugal, à semelhança de outros países, as doenças infecciosas, que eram a principal causa de morte no início do século, diminuíram drasticamente para valores quase insignificantes. Por outro lado, as doenças degenerativas como as doenças cerebrovasculares aumentaram de forma significativa, associando-se positivamente a sua prevalência com o envelhecimento. Vanda Maria Veiga Pereira OCAI – Organizational Culture Assessment Instrument Uma aplicação prática ao contexto hospitalar As organizações de saúde possuem características tecnológicas, sócio-estruturais e culturais que as distinguem das organizações de outra natureza; integram uma multiplicidade de profissões, de formações diferenciadas e de qualificações académicas elevadas, com atitudes corporativas e fechadas dos grupos profissionais ao que lhes é exterior, determinando a coexistência, numa mesma organização, de sub culturas pautadas por valores de natureza diversa. Licenciaturas em: Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.pt Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública Pós-graduações em: Gerontologia Clínica Motricidade Oro-Facial Gestão de Organizações Sociais e da Saúde 1 e 2 de Março de 2008 Gestão de Emoções na Saúde Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone - 253 639 800 Fax - 253 639 801 Email - [email protected] www.isave.pt