Cancro - Biblioteca

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Cancro - Biblioteca
Revista trimestral de ciência e investigação em saúde
Nº9 - Ano 2008 - 4€ | Janeiro/Fevereiro/Março
Cancro
do pulmão no idoso
Cod. Barras
Alterações morfológicas e
hematológicas em altitude
estudo de caso
Estratégias educativas e
de intervenção
psicológica na asma pediátrica
Campus Académico do ISAVE
Quinta de Matos - Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso
Tel. 253 639 800
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Pós-graduações em:
Gerontologia Clínica
Motricidade Oro-Facial
Gestão de Organizações Sociais e da Saúde
Editorial
Consciente de que as alterações criam sempre significados
diversos, a partir desta data a Ser Saúde passa a trimestral. Esta
decisão foi pensada, reflectida e, em conjunto, definido que a
deliberação traria um tempo maior de reflexão nos artigos apresentados na Ser Saúde.
Sei que com esta atitude a Ser Saúde não ganha em qualidade
científica, pois com a redução anual em dois números haverá uma
diminuição dos trabalhos apresentados.Também assumo que uma
ideia de falta de trabalhos para manter a Ser Saúde de dois em dois
meses passe por pensamentos mais críticos e mais atentos.
Para mim, para quem directamente trabalha comigo, nenhuma
das ideias referidas anteriormente teve objectividade na decisão.
Os trabalhos que nos chegam são imensos e sei, dadas as características da Ser Saúde, que não haverá uma perda de qualidade
científica, havendo ainda um maior rigor na escolha e na apresentação dos trabalhos.
Na decisão de passar a Ser Saúde para trimestral esteve a
necessidade de tempo que os profissionais de saúde necessitam,
e nos referem, para verem com cuidado os artigos apresentados.
O tempo é fundamental para uma edição ser cuidadosamente
lida, pensada, reflectida. Um número contínuo de edições, dada
a densidade da Ser Saúde, já que muitas outras revistas apresentam, por vezes, no máximo, quatro trabalhos, levaria a que
o nosso desejo de multidisciplinaridade e cultura científica em
saúde não tivesse reflexo concreto e que, assim, fosse mais uma
revista não olhada com o cuidado que merece. Nesta decisão, o
ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, mantém o seu
nome unido à qualidade e à inovação, seja no ensino seja noutras
áreas que o futuro crie. O ISAVE continua a assumir o seu papel
preponderante na formação e difusão de ciência em saúde.
Sei que o caminho da Ser Saúde assumirá uma forma onde o
tempo, a multidisciplinaridade, o desejo de uma cultura em saúde
unida, virada para a pessoa, terá uma luminosidade constante.
Hoje, estamos nas Vossas mãos. Voltaremos a estar em Abril,
Julho e Outubro. A levar, sempre, o sonho real de uma saúde
humana e plural.
Eugénio Pinto
1
12
Susana Magádan
As novas balas mágicas na
imunoterapia oncológica
A grande incidência na população, a
extrema severidade que pode levar à morte
do paciente sem um tratamento adequado, a
resistência das células cancerígenas a muitos
tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou
a extrema toxicidade de algumas medicações
aplicadas actualmente, são algumas das razões
que levaram à procura de novas armas
terapêuticas, muito mais efectivas e com
menos toxicidade.
2
20
Carla Cristina Alves da Silva
Sandra Maria Alves Branco Miguel
Método da lactação e
amenorreia: uma alternativa
contraceptiva eficaz no
pós‑parto
A comprovação da eficácia do Método
da Lactação e Amenorreia como método
anticoncepcional nos primeiros seis meses
pós-parto é consensual em todo o mundo.
Cada vez mais se torna premente o incentivo
ao aleitamento materno já que os benefícios
que dali advêm são inquestionáveis sobre a
saúde da criança nos primeiros seis meses de
vida.
26
Filipa Costa, Fernando J. Barata
Cancro do pulmão no idoso
Com o envelhecimento progressivo da
população espera-se que a prevalência do
cancro do pulmão entre os idosos venha a
aumentar e que a problemática do tratamento
neste grupo etário seja cada vez mais
debatida. Até há poucos anos, imperava o
cepticismo no tratamento dos doentes idosos,
prevalecendo a noção de que qualquer que
fosse o tratamento instituído, o balanço
entre o benefício e os efeitos secundários era
desfavorável.
42
Entrevista a Rui Mota Cardoso
O sofrimento mental é
algo que não se vê e não é
respeitado
Sofrimento mental surge quando as
capacidades de elasticidade de funcionamento
mental estão diminuídas (…). Quando
as minhas capacidades de, por um lado,
integração no mundo e, por outro lado,
de flexibilidade ao mundo começam a
diminuir ou mesmo a desintegrar-se, surge o
sofrimento mental.
56 86
Domingos J. Lopes da Silva
Pedro A. Costa Alves
Alterações morfológicas e
hematológicas após uma
expedição a mais de 6500
metros de altitude; um
estudo-caso
Em face dos resultados obtidos podemos
concluir que uma expedição de 15 dias
a uma altitude superior a 6500 metros
promove, em termos morfológicos,
modificações diferenciais na composição
regional do corpo, sugerindo uma
preferencial perda de tecido adiposo e uma
manutenção relativa do tecido magro; em
termos hematológicos, a expressão das
modificações não foi tão significativa.
70
José Afonso Moreira, Isabel Vitória Figueiredo,
Amílcar Falcão
Aspirina como antiagregante
plaquetar “Resistência à
Aspirina” – diagnóstico e
prevalência
O conceito de “Resistência Laboratorial
à Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos,
um ênfase considerável com a realização de
diversos ensaios com vista a uma melhor
explicação e avaliação do fenómeno em
causa. Contudo, a diversidade de técnicas
empregues na sua avaliação, bem como os
diferentes ângulos de abordagem existentes,
reclamam com carácter de urgência o
desenvolvimento de uma definição precisa de
universal para a “Resistência Laboratorial à
Aspirina”.
José Reinaldo Madeiro Júnior, Adriano
Rockland, Ana Tereza Marques, Jailson Lopes
de Souza, Patrícia Machado Nogueira
Factores de risco para a
depressão em idosos
Este estudo visa identificar quais os
factores de risco que estão associados à
depressão no idoso. A procura destes factores
torna-se essencial numa consulta geriátrica,
facilitando o diagnóstico da depressão o
mais precocemente possível.Também serão
investigadas quais as diferenças entre estes
factores nos idosos e na população adulta em
geral, além de tentarmos compreender que
outras patologias são mais propensas a serem
associadas à depressão.
112
Lígia Lima, Marina Prista Guerra
Estratégias educativas e de
intervenção psicológica na
asma pediátrica
Apesar dos enormes avanços verificados
ao longo dos últimos anos na terapêutica
farmacológica da asma, o controlo desta
doença não se esgota aí, existindo toda uma
série de outro tipo de abordagens terapêuticas
que podem ser usadas em conjugação
com a primeira ou, se suficientes, por si
só. Neste artigo é apresentada uma revisão
das principais estratégias educativas e de
intervenção psicológica utilizadas no controlo
ou gestão da asma pediátrica.
Poster
Ana Paula Bernardo, Sandra Tapadas
Viver os últimos dias em
casa
3
Conselho Científico Ser Saúde
4
Adelino Correia
Carlos Albuquerque
Fernando Schmitt
Adília Rebelo
Carlos Pedro Castro
Fernando Ventura
Adrian Llerena
Carlos Pereira Alves
Freire Soares
A. Fernandes da Fonseca
Carlos Valério
Guilherme Macedo
Alberto Salgado
Carmen de la Cuesta
Gustavo Afonso
Albina Silva
Catarina Tavares
Gustavo Valdigem
Alexandre Antunes
Célia Cruz
Helena Alves
Alexandre Castro Caldas
Célia Franco
Helena Martins
Alexandre Quintanilha
Constança Paúl
Henrique de Almeida
Almerinda Pereira
Daniel Montanelli
Henrique Lecour
Alves de Matos
Daniel Pereira da Silva
Isabela Vieira
Amílcar Falcão
Daniel Serrão
João Costa
Ana Preto
Delminda Lopes de Magalhães
João Luís Silva Carvalho
António Miranda
Dinora Fantasia
João Pedro Marcelino
António Paiva
Duarte Pignatelli
João Queiroz
António Rosete
Eduarda Abreu
João Ramalho Santos
Armando Almeida
Elsa Pinto
Joaquim Faias
Arminda Mendes Costa
Eurico Monteiro
Jónatas Pego
Artur Manuel Ferreira
Fátima Francisco Faria
Jorge Correia Pinto
Berta Nunes
Fátima Martel
Jorge Delgado
Carla Matos
Fernando Azevedo
Jorge Ferreira
Carlos Alberto Bastos Ribeiro
Fernando Duarte
Jorge Marques
Jorge Soares
Manuela Vieira da Silva
Rui L. Reis
Jorge Sousa Pinto
Marco Oliveira
Rui de Melo Pato
José Amarante
Margarida Soveral Gonçalves
Rui Nunes
José Carlos Lemos Machado
Mari Mesquita
Sandra Cardoso
José Eduardo Cavaco
Maria Júlia Silva Lopes
Sandra Clara Soares
José Eduardo Lima Pinto da Costa
Maria Manuela Rojão
Sérgio Branco
José Luís Dória
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Sérgio Gonçalves
José Manuel Araújo
Marina Pereira Pires
Sérgio Nabais
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Mário Rui Araújo
Sónia Magalhães
José M. Schiappa
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José Rueff
Marta Marques
Tiago Barros
Laura Simão
Marta Pinto
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Wilson Abreu
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Veloso Gomes
Lucília Norton
Pedro Azevedo
Victor Machado Reis
Luís Basto
Pedro Vendeira
Virgílio Alves
Luís Cunha
Piedade Barros
Luís Martins
Querubim Ferreira
Luiza Kent-Smith
Ramiro Délio Borges de Menezes
Manuel Antunes
Ramiro Veríssimo
Manuel Domingos
Raquel Andrade
Manuel Mendes Silva
Regina Gonçalves
Manuel Teixeira Veríssimo
Rosa Martins
5
15
Revista Trimestral de ci�ncia e investiga��o em sa�de
4
15
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8
Janeiro - Fevereiro - Março
Janeiro
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11 de Janeiro
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Temas Ortodônticos: Diagnóstico e
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1º Congresso Internacional em
Estudos da Criança
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Colóquio Internacional de Segurança
e Higiene Ocupacionais
07 de Fevereiro
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21 de Fevereiro
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Temas Ortodônticos: Possibilidades
ortodônticas para correcção das
alterações verticais
21 de Fevereiro
Avenida dos Combatentes, Edifício
Green Park, Lisboa
Temas Ortodônticos: Os fios
ortodônticos actuais
22 de Fevereiro
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Green Park, Lisboa
IV Conferência Desenvolvimento
Vocacional 2008
I Conferência Virtual: Investigação e
Ensino
27 de Fevereiro
Universidade do Minho, Campus de
Gualtar, Braga
Março
Gestão de Emoções na Saúde
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ISAVE, Instituto Superior de Saúde do
Alto Ave, Póvoa de Lanhoso
I Colóquio Luso-Brasileiro em Saúde,
Educação e Representações Sociais
12 de Março
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Congresso de Análises Clínicas e
Saúde Pública APTAC 2008
14 de Março
Escola Superior de Tecnologia da
Saúde de Lisboa, Parque das Nações
III Encontro da Associação Portuguesa
de Psicologia Experimental
28 de Março
Campus de Gambelas da Universidade
do Algarve
Actualidade
As novas balas mágicas na
imunoterapia oncológica
Susana Magádan, Doutorada em Biologia. Investigadora e docente do ISAVE,
Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
[email protected]
12
A primeira evidência de que
os anticorpos monoclonais
podem ter um grande potencial
terapêutico aconteceu em
1982, quando um doente de
linfoma apresentou uma clara
resposta ao tratamento com
Os anticorpos ou imunoglobulinas são
glicoproteínas complexas constituídas por
duas cadeias pesadas e duas cadeias leves,
ligadas por pontes dissulfureto, que podem ser
expressas de maneira secretada ou associadas
à membrana celular dos linfócitos B (Figura
1). Os anticorpos solúveis constituem um dos
elementos mais importantes de defesa dos
animais vertebrados, produzidos depois da
activação e diferenciação dos linfócitos B à
célula plasmática.
AcsMo de rato.
VH
VL
CH
CL
CH
Humano
Quimério
Humanizado
scFv
Figura 1
Estrutura de uma molécula de imunoglobulina humana, consistente em duas cadeias pesadas (H, del Inglés “heavy”) e duas
cadeias leves (do Inglês “light”), ligadas por pontes dissulfureto e com as respectivas regiões variáveis (V) e constantes (C).
Também é mostrado um desenho comparativo de anticorpos quiméricos, humanizados e scFv. A claro, as sequências humanas
e, a escuro, as de rato.
13
Desde o seu conhecimento como substâncias
capazes de neutralizar ou activar a eliminação
de maneira específica os agentes patogénicos, foram realizados inúmeros intentos de
aplicação na terapia humana, assim como no
desenvolvimento de testes para o diagnóstico
de diferentes patologias, recuperando-se a
ideia de bala mágica proposta por Paul Ehrlich,
em 1908, relativa aos anticorpos.
Até à obtenção dos anticorpos monoclonais
(AcsMo), o uso dos anticorpos no diagnóstico e/ou terapia foi centrado na obtenção de
anti-soros convencionais a partir de diferentes
espécies animais, incluindo o homem. No
entanto, o panorama actual mudou radicalmente devido ao desenvolvimento, em 1975,
por G. Khöler e C. Milstein, da técnica de
obtenção de hibridomas. Este procedimento
permite imortalizar células produtoras de
anticorpos derivadas de ratos imunizados e,
posteriormente, selecionar clones derivados
de uma única célula que vão produzir anticorpos específicos para um determinado
alvo antigénico de alta afinidade (Figura 2).
A posibilidade de obter AcsMo permitiu
solucionar muitos dos problemas derivados do
uso de anti-soros, dos quais podemos salientar
a existência de uma mistura de anticorpos
procedentes de diferentes clones de linfócitos
B (anticorpos policlonais), mudando assim a
quantidade e afinidade dos anticorpos cada
vez que é extraído o soro, sendo muito difícil
a reprodutibilidade dos resultados obtidos.
Além disso, a terapia com anti-soros não está
isenta de inconvenientes devido à toxicidade
associada à administração de soro heterólogo,
o que leva, em muitas ocasiões, a reacções de
hipersensibilidade como a “doença do soro”.
Actualidade
14
A obtenção de anticorpos monoclonais de
rato e rata é uma técnica convencional para
muitos laboratórios de imunologia, com
poucas alterações desde a sua descrição em
1975. A primeira evidência de que os anticorpos monoclonais podem ter um grande
potencial terapêutico aconteceu em 1982,
quando um doente de linfoma apresentou
uma clara resposta ao tratamento com AcsMo
de rato. Isto provocou uma rápida implicação das empresas farmacêuticas na produção
de AcsMo dirigido às moléculas humanas
envolvidas em processos como o cancro, em
doenças autoimunes, na rejeição dos órgãos
transplantados, etc.
Nos primeiros ensaios clínicos, nos que
foram utilizados anticorpos de rato, observouse que os doentes desenvolvem rapidamente
uma resposta imune que altera o perfil farmacocinético e provoca uma eliminação muito
rápida do anticorpo sem permitir uma
repetição de dose. Assim sendo, o uso destes
anticorpos monoclonais de rato na terapia
humana vê-se restringido pela resposta imunitária do receptor HAMA (do inglês Human
Anti Mouse Antibodies).
As respostas HAMA poderíam ser evitadas
se os AcsMo fossem completamente humanos. No entanto, os inúmeros problemas para
obtenção de hibridomas e/ou imortalização
dos linfócitos B humanos, conduziram à
procura de novos métodos alternativos para
a produção de AcsMo humanos baseados na
engenharia genética, destacando-se a:
Figura 2
Técnica Clássica de Obtenção de Hibridomas e/ou Anticorpos Monoclonais
A grande incidência na população, a extrema severidade
que pode levar à morte do paciente sem um tratamento
adequado, a resistência das células cancerígenas a muitos
tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou a extrema
toxicidade de algumas medicações aplicadas actualmente,
são algumas das razões que levaram à procura de novas
armas terapêuticas, muito mais efectivas e com menos
toxicidade.
• Quimerização e Humanização. A quimerização consiste em ligar as regiões variáveis
dos anticorpos de rato às regiões constantes das
imunoglobulinas humanas; a humanização é
muito mais complexa e permite obter anticorpos, nos quais, além da região constante, parte
da região variável também é humana, sendo
apenas aproximadamente 1/10 da sequência
de rato (Figura 1).
• Uso de fagos para a construção de livrarias
génicas de regiões variáveis das imunoglobulinas humanas. Com esta técnica são obtidos
scFv (do inglês single chain Fragment variable)
ou regiões de ligação ao antigénio (Figura 1).
Uma desvantagem deste tipo de estratégia é
perder-se a capacidade de activar mecanismos
efectores tais como complemento, ADCC,
etc.
• XenoMouse ou ratos transgénicos. O
desenvolvimento de técnicas de biologia
molecular, tais como micro-injecção e manipulação de células embrionárias, leva a que na
actualidade seja possível trabalhar com ratos
transgénicos portadores de genes que codificam para as imunoglobulinas humanas. Estes
XenoMouse podem ser imunizados e utilizados para a obtenção de hibridomas produtores
de anticorpos monoclonais completamente
humanos que reconhecem antigénios também
humanos.
Este desenvolvimento tecnológico favoreceu a terapia com anticorpos monoclonais
que representa, actualmente, uma das áreas
de crescimento mais importante na indústria farmacêutica. Dentro do uso clínico
foram aprovados pela FDA (Food and Drug
Administration) perto de 29 anticorpos para
terapia ou diagnóstico e, na actualidade, aproximadamente 150 estão envolvidos em ensaios
clínicos.
15
Actualidade
16
Entre todas as patologias onde os AcsMo
estão a ser utilizados com êxito destaca-se,
pela sua grande relevância, a terapia frente
ao cancro; na Tabela 1 estão indicados alguns
exemplos. A grande incidência na população,
a extrema severidade que pode levar à morte
do paciente sem um tratamento adequado, a
resistência das células cancerígenas a muitos
tratamentos, a ausência de terapias eficazes, ou
a extrema toxicidade de algumas medicações
aplicadas actualmente, são algumas das razões
que levaram à procura de novas armas terapêuticas, muito mais efectivas e com menos
toxicidade. Entre elas destaca-se o uso de
AcsMo humanos, uma arma específica que
pode ser dirigida à célula cancerígena sem
afectar ou afectando pouco aos tecidos
saudáveis.
As células cancerígenas geralmente
expressam antigénios na superfície celular
característicos da linhagem, proteínas sinalizadoras, receptores de factores de crescimento e,
no caso de síndromas proliferativos das células
B, imunoglobulinas de membrana específicas
da célula tumoral. Muitos destes antigénios são
idênticos aos que são expressos pelas células
percursoras ou adultas normais; o que significa que para ser um bom candidato como
alvo terapêutico, estes devem encontrar-se
sub-expressos nas células normais, ou na
melhor das hipóteses, ser exclusivo das células
tumorais. Assim, o êxito do tratamento com
anticorpos recai na capacidade das células
normais tolerarem danos colaterais ou serem
substituídas por células percursoras negativas
para os antigénios alvo.
Tabela 1
Anticorpos Monoclonais utilizados em terapia frente a diferentes tipos de cancro
AcMo
Antigénio alvo e Aplicações
Rituximab
(Rituxan)
Anticorpo quimérico que reconhece o CD20 dos linfocitos B. Indicado no
tratamento de linfomas no Hodgkin.
Gemtuzumab
Ozogamicin
(Mylotarg)
Anticorpo humanizado que reconhece o CD33; é aplicado no tratamento da
leucemia mieloide aguda.
Alemtuzumab
(Campath)
Anticorpo Humanizado que reconhece a molécula CD52 do linfocito B.
Utililizado em terapia de leucemia linfocítica crónica.
Ibritumomab
Tiuxetan (Zevalin)
Anticorpo de rato marcado com Itrio 90 frente ao CD20.
Tratamento de linfoma nao Hodgkin de baixo grado folicular.
Tositumomab
(Bexxar)
Anticorpo de rato ligado a Iodo131 que reconhece o CD20
humano e é utilizado no tratamento do linfoma no Hodgkin folicular.
Trastuzumab
(Herceptin)
IgG humanizado frente ao receptor HER2,
aplicado no tratamento do cancro de mama.
Panitumumab
(Vectibix)
Anticorpo humano IgG2/ kappa frente ao factor de crescemento epidérmico
(EGFR), utilizado no cancro colorectal.
Bevacizumab
(Avastin)
Anticorpo humanizado que liga VEGF (Factor de Crescemento endotelio
vascular). Inibe a vasularização e o crescemento dos tumores.
Como agentes terapêuticos, os AcsMo
podem funcionar de duas maneiras:
Como anticorpos não conjugados ou
nus
Quando os anticorpos se ligam a uma molécula alvo podem provocar na célula morte por
apoptose, inibir a proliferação ou bloquear
moléculas relacionadas com a adesão celular. O
anticorpo também pode marcar ao antigénio,
por exemplo, células cancerígenas, para que
possam ser atacadas e eliminadas pelos componentes do Sistema Imune (Complemento ou
CDC, Citotoxicidade Celular Dependente
de Anticorpo ou ADCC e a fagocitose)
(Figura 3). Um exemplo deste tipo de agente é o Rituximab, um anticorpo quimérico
que reconhece a molécula CD20 humana,
inicialmente aprovado como tratamento para
o linfoma folicular de células B não Hodgkin.
Imunoconjugados
Os anticorpos também podem actuar como
transportadores de substâncias citotóxicas, tais
como radioisótopos, drogas e toxinas (Figura
3). Neste campo, a Nanotecnologia está a
abrir novas portas na oncologia, tanto a nível
diagnóstico como terapêutico.A recente aprovação pelo FDA da Abraxame (ABI-007), uma
nano-partícula unida à albumina para tratamento do cancro da mama, tem estimulado
o desenvolvimento de outros nano-sistemas
de libertação de drogas, como nano-partículas
unidas a AcsMo, com o objectivo de administrar maior quantidade de droga nos tecidos
alterados, sem afectar os tecidos saudáveis.
Em conclusão, podemos dizer que a obtenção de anticorpos monoclonais tem provocado
um grande impacto em diferentes campos
científicos, sobretudo no campo biomédico e
CDC
NK
ADCC
MC
Toxina
Fagocitase
Nanoparticula
Radioisotopo
Droga
Bloqueio
Sinal ou adesão
Célula
Apoptase
Formação poros
Lise celular
Figura 3
Mecanismos desenvolvidos pelos anticorpos nus e conjugados. NK: célula Asasina Natural; ADCC: Citotoxicidade Celular
Dependente de Anticorpo; MC: Macrófago; CDC: Citotoxicidade Dependente de Complemento.
17
Actualidade
Actualmente, estamos
a viver uma revolução
imuno‑tecnológica que irá
surpreender, tanto na área
terapêutica como no diagnóstico
e à qual todos aqueles que
trabalham na área da saúde
terão que se habituar. Deste
modo, o ISAVE, Instituto
Superior de Saúde do Alto Ave,
não quer ficar como um simples
18
espectador. Neste momento, o
ISAVE está a colocar em marcha
um projecto, em colaboração
na indústria farmacêutica. Actualmente, estamos a viver uma revolução imuno-tecnológica
que irá surpreender, tanto na área terapêutica
como no diagnóstico e à qual todos aqueles
que trabalham na área da saúde terão que
se habituar. Deste modo, o ISAVE, Instituto
Superior de Saúde do Alto Ave, não quer ficar
como um simples espectador. Neste momento,
o ISAVE está a colocar em marcha um projecto, em colaboração com outras instituições
nacionais e internacionais, para obtenção de
AcsMo completamente humanos que possam
ser utilizados na imunoterapia oncológica. A
inovar na investigação científica, com o desejo
de a breve prazo abrir um Centro de Estudos
e Tratamento Diferenciado, o ISAVE espera
desta forma desenvolver um foco de expansão
euro-regional e criar novas sementes de futuros
projectos relacionados com a Biotecnologia e
a Terapia Humana.
com outras instituições nacionais
e internacionais, para obtenção
de AcsMo completamente
humanos que possam ser
utilizados na imunoterapia
oncológica.
Bibliografia
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Nicodemus CF, Smith LM, Schultes BC. Role of
monoclonal antibodies in tumor-specific immunity. Expert
Opin Biol Ther. 2007;7(3):331-43.
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S. Victor
4710-348 Braga
Colégio 7 Fontes Academias:
Artes
Colégio 7 Fontes
Do Berço à Universidade,
a Educar o seu Filho.
Carla Cristina Alves da Silva
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE; Serviço de Radiologia,
aluna do II curso de pós-licenciatura de Especialidade em Enfermagem em
Saúde Materna e Obstetrícia
Sandra Maria Alves Branco
Miguel
Hospital Geral de Santo António, EPE; Serviço de Neurocirurgia, aluna do II
curso de pós-licenciatura de Especialidade em Enfermagem em Saúde Materna
e Obstetrícia
20
Método da lactação e amenorreia:
uma alternativa contraceptiva
eficaz no pós-parto
Resumo
Tem-se verificado nos últimos anos, sobretudo a nível internacional, um crescente interesse
sobre o conhecimento dos inúmeros benefícios do aleitamento materno. Estes benefícios são a
diversos níveis, nomeadamente para a mãe, criança, família, sociedade e meio ambiente.
Concomitantemente começam a surgir alguns estudos sobre o efeito da introdução do Método
da Lactação e Amenorreia (LAM), sobre a saúde do bebé, como método anticoncepcional durante a fase puerperal.
O conhecimento sobre a aplicação deste efeito fisiológico não tem sido explorado e muito
menos utilizado sistematicamente na anticoncepção puerperal.
21
22
Desenvolvimento
Nos últimos 30 anos têm surgido diversas
iniciativas e eventos, com vista a promoverem
o aleitamento materno como sendo uma
prioridade de saúde pública mundial. Duas
dessas entidades promotoras do aleitamento
são a Organização Mundial de Saúde (OMS)
e a UNICEF.
O conhecimento sobre o papel anticoncepcional do aleitamento materno é pouco
difundido e utilizado.
A OMS (1993) preconiza o aleitamento
materno exclusivo (só leite, sem outros líquidos, como água e chás) até ao sexto mês e
complementada com alimentos sólidos até aos
2 anos de vida do bebé ou mais.
O aleitamento materno exclusivo em sistema de horário livre (inclusive durante a noite),
nos seis primeiros meses após o parto, desde
que não surja menstruação, é um bom método de planeamento familiar, com uma falha
estimada inferior a 1,8%.
Surgem neste momento várias instituições
que têm vindo a operacionalizar programas
governamentais no sentido de desenvolverem
os hospitais amigos do bebé, onde a prática do
aleitamento materno é a mira principal.
Para Pechevis (1981), o sucesso da promoção
do aleitamento depende não só da aquisição
de saberes e práticas sobre a amamentação, mas
também das atitudes dos profissionais de saúde.
Segundo a OMS, os profissionais de saúde,
sobretudo os Enfermeiros, têm um papel
muito importante na promoção, protecção e
apoio ao aleitamento.
Para que a amamentação possa decorrer com
eficácia, é importante que o método anticoncepcional não se imiscua neste processo.
Antes de iniciar o uso de métodos anticoncepcionais, a mulher deverá ser orientada pelo
profissional de saúde sobre todos os métodos
disponíveis, sua eficácia e modo de actuação,
para que possa fazer uma escolha livre e informada.
A amenorreia lactacional é um efeito
que ocorre após o parto, em que a mãe não
menstrua devido aos efeitos hormonais da
amamentação.
O Método da Lactação e Amenorreia
(LAM) consiste no uso da amamentação
como um método temporário de anticoncepção. A LAM oferece protecção natural contra
a gravidez e permite que a mulher planeie
outro método na ocasião adequada.
Tem a vantagem de concomitantemente
garantir ao bebé os nutrientes de que necessita para o seu desenvolvimento e protegê-lo
contra doenças, protecção essa que advém do
leite materno.
O mecanismo de acção de todo este
processo acontece por inibição da ovulação:
a amamentação altera as taxas de secreção de
hormonas (FSH e LH) que interferem directamente com o crescimento folicular, ao nível
dos ovários.
Para garantir o sucesso deste método é
fundamental obedecer a três critérios em
simultâneo:
A sucção forte e frequente dos mamilos altera a
secreção da hormona liberadora de gonadotrofinas
(GnRH).
A secreção irregular de GnRH interfere na
libertação da hormona folículo estimulante (FSH) e
da hormona luteinizante (LH).
A diminuição da FSH e da LH interfere com o
crescimento folicular no ovário e suprime a ovulação.
1. Amamentação exclusiva ou quase
exclusiva. A dieta do bebé consiste em pelo
menos 85% de leite materno, a mãe tem que
amamentar o bebé frequentemente durante o
dia e a noite (nunca ultrapassar um intervalo
de 6 horas);
2. A mulher manter-se amenorreica;
3. O bebé ter menos de 6 meses de vida.
Se alguma destas condições não estiver
presente a mulher deverá usar outro método
eficaz e que não interfira com a amamentação.
Os gráficos apresentados ao lado represenProtecção não efectiva
tam as taxas de concentração
de estrogénios
Aleitamento parcial
nas semanas seguintes ao parto, segundo o tipo
de aleitamento: exclusivo ou parcial.
Concentração
Concentração
Protecção Efectiva Aleitamento exclusivo
0
10
20
30
40
Semanas Pós-parto
Concentração
Protecção não efectiva Aleitamento parcial
Quando a mulher amamenta em exclusividade, e sendo a sucção do recém- nascido
adequada, sabe-se que o retorno da menstruação é deferido por tempo imprevisível,
0
10
20
podendo
chegar
mesmo
a dois 30anos. No40
Semanas Pós-parto
entanto, embora a amenorreica não significa
que a ovulação não retorne antes disso. Daqui
se depreende a necessidade da introdução de
outro método anticoncepcional após os seis
meses de vida do bebé.
O uso de LAM não apresenta efeitos colaterais.
0
10
20
Semanas Pós-parto
30
40
23
Os seus benefícios são:
• Benefícios anticoncepcionais
• Eficácia (falha estimada inferior a 1,8%.);
• Eficácia Imediata;
• Não interfere com o coito;
• Sem efeitos colaterais sistémicos;
• Não necessita de supervisão médica;
• Dispensa suprimento adicional;
• Sem custos.
24
Problemas potenciais a considerar
• Após 6 meses a eficácia é incerta;
• A necessidade de amamentar frequentemente poderá ser inconveniente para
algumas mães, em especial aquelas que
trabalham fora de casa;
• Não oferece protecção contra doenças
sexualmente transmissíveis;
• Se a mãe tem HIV, há um risco considerável de o transmitir para o bebé através do
leite.
Todas as mulheres podem usufruir deste
método mesmo padecendo de determinada
patologia que as impede de usar outro método
nomeadamente em circunstâncias de:
• Doença mamária benigna;
• Cancro da mama;
• Cefaleias;
• Hipertensão;
• Varizes;
• Doença cardíaca valvular;
• Diabetes;
• Anemia ferropriva;
• Malária;
• Anemia falciforme;
• Doença biliar;
• Tiroidopatias;
• Miomas uterinos.
• Benefícios não anticoncepcionais
• Para o bebé:
• Imunização passiva e proteção de doenças infecciosas;
• Melhor fonte de nutrição;
• Diminui a exposição a contaminantes
da água, outros leites ou fórmulas e utensílios.
• Para a mãe:
• Menor sangramento pós-parto.
Indicações que o enfermeiro Especialista em
saúde materna e obstetrícia deve dar à puérpera:
• Dar de mamar com as duas mamas e com
regime de horário livre (cerca 6-10 vezes
por dia);
• Dar de mamar pelo menos uma vez
durante a noite (não deve ultrapassar as 6
horas entre as mamadas);
• Não substituir a mamada por outros
alimentos ou líquidos;
• Se o bebé não quiser mamar 6-10 vezes
por dia ou se o bebé dormir a noite inteira,
o LAM pode perder parte de sua eficácia
como método anticoncepcional;
• Quando as mamadas forem substituidas
por outros alimentos ou líquidos, o bebé irá
mamar menos e o LAM deixará de ser um
método anticoncepcional;
• Ter sempre um método anticoncepcional
de apoio tal como preservativo, à disposição.
Usá-lo se:
• Retornar a menstruação;
• Iniciar a suplementação alimentar do
bebé;
• O bebé completar 6 meses de idade.
• Consultar o médico antes de iniciar o uso
de outro método anticoncepcional;
• Se a mulher ou o seu parceiro tiver alto
risco de contrair doenças sexualmente transmitidas, inclusive o vírus da SIDA, você deve
usar o preservativo concomitantemente com
o LAM.
A comprovação da eficácia
do LAM como método
anticoncepcional nos
primeiros seis meses pós-parto
é consensual em todo o
mundo. Cada vez mais se
torna premente o incentivo
ao aleitamento materno já
que os benefícios que dali
advêm são inquestionáveis
sobre a saúde da criança nos
primeiros seis meses de vida.
Conclusão
A comprovação da eficácia do LAM como
método anticoncepcional nos primeiros seis
meses pós-parto é consensual em todo o
mundo.
Cada vez mais se torna premente o incentivo
ao aleitamento materno já que os benefícios
que dali advêm são inquestionáveis sobre a
saúde da criança nos primeiros seis meses de
vida.
Todos os profissionais de saúde deveriam
estimular a utilização deste método como
forma de promover a saúde do bebé e da
mãe, evitando a utilização de outros métodos
anticoncepcionais quando esses ainda não são
necessários, podendo interferir no sucesso da
amamentação.
Bibliografia
CECATTI, J. G. et all – Introdução da lactação e amenorréia
como método contraceptivo (LAM) em um programa de
planejamento familiar pós-parto: Repercussões sobre a saúde
das crianças. Revista Brasileira Saúde Materna e Infantil.
Recife, volume 4, nº 2, Abril/Junho, 2004, 159 – 169.
PECHEVIS, M. – Training health personnel in the área of
breast-feeding. Assignment child. Feb., 1981, 55 – 56:91 –
105.
PEREIRA, Maria Adriana – Aleitamento materno:
Importância da correcção da pega no sucesso da amamentação. Lusociência, 2006.
www.anticoncepcao.org.br
www.maqweb.org
www.nutriweb.org.br
www.portalfeminino.com.br
www.reproline.jhu.edu/portuguese
www.scielo.br
www.sogesp.com.br
25
Filipa Costa
Interna do Internato Complementar de Pneumologia, Serviço de
Pneumologia, Centro Hospitalar de Coimbra
Fernando J. Barata
Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia, Serviço de
Pneumologia, Centro Hospitalar de Coimbra
26
Cancro do pulmão
no idoso
Introdução
O cancro do pulmão é a primeira causa
de morte por cancro nos países ocidentais. O
carcinoma pulmonar de não pequenas células
(CPNPC), que inclui o carcinoma epidermóide, o adenocarcinoma e o carcinoma de grandes
células representa aproximadamente 80-85% de
todas as neoplasias do pulmão, sendo os restantes
15% constituídos pelo carcinoma pulmonar de
pequenas células (CPPC) e outras neoplasias.
Infelizmente na altura do diagnóstico, cerca de
¾ dos doentes apresentam-se já com doença
metastática ou avançada e um tratamento sistémico com intenção paliativa é a única opção
terapêutica.
Dado o envelhecimento global da população,
actualmente mais de 50% de todos os doentes
com CPNPC têm mais de 65 anos.Com o envelhecimento progressivo da população espera-se
que a prevalência do cancro do pulmão entre
os idosos venha a aumentar e que a problemática do tratamento neste grupo etário seja cada
vez mais debatida. Até há poucos anos, imperava o cepticismo no tratamento dos doentes
idosos, prevalecendo a noção de que qualquer
que fosse o tratamento instituído, o balanço
entre o benefício e os efeitos secundários era
desfavorável. A falência orgânica dependente
da idade, as comorbilidades, a polimedicação e
a fragilidade do idoso explicavam esta opinião
geral. Nos últimos anos, mudou-se radicalmente esta atitude. A idade avançada não deve
constituir uma contra-indicação ao tratamento.
Vários estudos demonstraram claramente que a
idade não é um factor de mau prognóstico para
a sobrevida global no CPNPC1,2,3. Quando se
decide na estratégia terapêutica destes doentes,
a idade biológica (baseada no performance
status - PS e nas comorbilidades) e não a idade
cronológica deverá ser tida em conta, e a não
administração do tratamento standard ou a sua
modificação só deverá ser feita se houver uma
razão válida. Isto aplica-se de igual forma para a
cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapêutica biológica, as armas terapêuticas que temos
ao nosso dispor para combater esta patologia
em franca expansão.
Os estudos publicados recentemente e que
se dedicaram especificamente à avaliação dos
doentes idosos vieram comprovar que, se tratados de forma adequada, os doentes idosos com
bom PS e sem comorbilidades major têm uma
sobrevida e uma qualidade de vida semelhante
à dos doentes mais jovens4.
27
28
Epidemiologia
Na esmagadora maioria dos países europeus,
o cancro do pulmão ocupa o primeiro lugar em
incidência e mortalidade na lista das neoplasias.
Em Portugal, ocupa o quarto lugar em incidência, atrás da mama, da próstata e do cólon.
Apesar de os últimos dados estatísticos oncológicos nacionais datarem de 1995 e portanto
estarem claramente abaixo da realidade actual,
o cancro do pulmão em Portugal apresentava
nesta altura uma incidência de 28,01/105 no
homem e de 5,91/105 na mulher, o que representa cerca de 1700/1800 novos casos/ano.
Na análise dos dados em subgrupos etários e
de sexo observa-se uma franca incidência na
6ª e 7ª décadas de vida com predomínio do
sexo masculino na 6ª e do sexo feminino na 7ª
década. Estima-se que a incidência de cancro
do pulmão no nosso país continue a aumentar
cerca de 0,5% ano, em paralelo com o aumento do consumo de tabaco. A associação entre
cancro do pulmão e tabaco é inquestionável,
sabendo-se que aproximadamente 90-95% de
todos os indivíduos com cancro do pulmão têm
uma história de exposição directa ao tabaco. O
risco de neoplasia aumenta com o número de
cigarros consumidos, a idade precoce de início
e a duração em anos dos hábitos tabágicos, o
grau de inalação e conteúdo em nicotina do
tabaco.
No que respeita a mortalidade, e segundo a
Direcção Geral de Saúde, embora as doenças
cardio-vasculares e cerebro-vasculares continuem a ser a principal causa de morte em
Portugal, as doenças oncológicas encontra-se
em segundo lugar. Actualmente o cancro do
pulmão é a primeira causa de morte oncológica no nosso país (3400 doentes/ano), acima do
cancro do estômago (2404 óbitos), do cólon
(2337 óbitos) e da mama (1459 óbitos). Apesar
de termos a mais baixa taxa de mortalidade
por cancro do pulmão da União Europeia,
esta taxa aumentou cerca de 7,3% entre 1998
e 2003. Entre os distritos com maior taxa de
mortalidade encontram-se os Açores, o grande
Porto, a grande Lisboa e Setúbal, ao passo que
as zonas com menor taxa de mortalidade são
Santarém, Guarda e Bragança5. Dados mais
recentes (2005) mostram que foram internados
4815 doentes com cancro do pulmão, perfazendo um total de 60000 dias de internamento,
com uma taxa de mortalidade de 34,5%.
O aumento da esperança de vida à nascença
aumentou praticamente para o dobro durante
o século XX. Em 2006 e segundo dados da
OMS, a esperança média de vida à nascença era
de 74 anos para os homens e de 81 anos para
as mulheres6.A existência de melhores recursos
materiais, humanos e financeiros para a saúde
bem como a melhores condições económicas e sociais (habitação, educação, condições
sanitárias, etc.) conduziram a este aumento da
esperança de vida e da melhoria do estado de
saúde da população. Como consequência do
envelhecimento da população, aumentou o
número de doenças oncológicas, entre elas o
cancro do pulmão.Actualmente, a idade média
na altura do diagnóstico é de 69 anos7; mais de
50% dos casos de CPNPC avançado são diagnosticados em doentes com mais de 65 anos e
cerca de 30-40% em doentes com mais de 70
anos, não sendo raro encontrarem-se neoplasias do pulmão em doentes com mais de 85
anos. Desta forma, 66,6% dos óbitos ocorrem
em indivíduos com mais de 65 anos.
Com o envelhecimento
progressivo da população
espera-se que a prevalência
do cancro do pulmão entre
os idosos venha a aumentar
e que a problemática do
tratamento neste grupo
etário seja cada vez mais
debatida. Até há poucos
anos, imperava o cepticismo
no tratamento dos doentes
idosos, prevalecendo a noção
de que qualquer que fosse
o tratamento instituído, o
balanço entre o benefício e
os efeitos secundários era
desfavorável.
Avaliação multidimensional do idoso
Com o envelhecimento global da população, o limite entre a idade adulta e a terceira
idade que historicamente se encontrava nos
65 anos, teve que ser redefinido para os 70 ou
mesmo para os 75 anos. No entanto, dada a
heterogeneidade dos indivíduos com mais de
65 anos, o termo idoso começa agora a ser
definido não com base na idade cronológica
mas sim na idade fisiológica de cada um. Esta
diferenciação é essencial, dado que o envelhecimento representa uma perda progressiva da
reserva funcional que varia de indivíduo para
indivíduo e dentro da mesma pessoa de função
para função.
Na avaliação dos doentes com cancro do
pulmão com idade avançada, várias questões
se colocam: será que o doente morrerá de cancro
do pulmão ou com cancro do pulmão?, será que a
idade afecta o prognóstico?, será que o doente tolera
os regimes terapêuticos normais?, qual será o balanço
entre a qualidade de vida e a sobrevida em doentes
com doença incurável?. Cada doente deve ser
submetido a uma avaliação compreensiva e
multidimensional, com o objectivo de definir
o prognóstico, avaliar a tolerabilidade ao tratamento instituído e seleccionar a melhor forma
de tratamento9.A questão essencial é saber se o
índice terapêutico (relação entre risco e benefício) é favorável.
Porque o envelhecimento é multifactorial,
uma avaliação completa que tenha em conta a
função, as co-morbilidades, os recursos pessoais
e sociais, é o método mais apropriado para a
avaliação do doente idoso. Uma ferramenta
muito utilizada pelos geriatras, a avaliação geriátrica compreensiva (AGC), pode contribuir
para uma melhor avaliação e compreensão
29
30
da idade fisiológica de cada indivíduo (Tabela
1). Através de instrumentos próprios e validados, analisam-se factores prognósticos que
são factores independentes de morbilidade,
mortalidade e de necessidade de recursos.
Nesta escala avaliam-se o estado funcional
(capacidade de realizar as tarefas diárias em casa
e na comunidade, de forma independente),
co-morbilidades, estado socio-económico e
suporte social, função cognitiva, funcionamento psicológico, medicação e estado nutricional8.
O objectivo da AGC é reconhecer condições
que possam diminuir a tolerabilidade ao tratamento, avaliar a reserva funcional e estimar a
esperança de vida. Desta forma, o médico pode
realizar decisões terapêuticas individualizadas
usando factores de prognóstico importantes
para além da idade cronológica. Pode ainda
identificar quais os doentes em risco de declínio
funcional e de toxicidade com o tratamento,
para quem intervenções mais dirigidas podem
ser benéficas. A AGC já demonstrou adicionar
informação importante no que diz respeito à
avaliação funcional dos doentes idosos com
cancro, permitindo uma discriminação prognóstica entre os doentes com bom PS9.
Tabela 1
Avaliação Geriátrica Compreensiva.
Parâmetro Elementos de Avaliação
Performance Status
Estado funcional
Actividades da vida diária (ADL)
Actividades instrumentais da vida diária (IADL)
Nº de co-morbilidades
Co-morbilidades
Severidade das co-morbilidades
Índice de co-morbilidades (Ex: Índice de co-morbilidades de
Charlson, Escala de avaliação de doenças cumulativas)
Condições de vida
Estado sócio-económico
Presença e adequação de um prestador de cuidados
Rendimento
Acesso a transporte
Função cognitiva
Estado emocional
Avaliação breve do estado mental (mini-mental state)
Outros testes
Escala de depressão geriátrica (GDS)
Nº de fármacos usados
Polimedicação
Adequação da medicação
Risco de interacção medicamentosa
Estado nutricional
Presença de síndromes
geriátricos
Mini-avaliação nutricional
Demência, delirium, depressão, quedas, negligência e abuso,
fracturas ósseas espontâneas, má evolução ponderal
Higiene pessoal
Veste-se
Vai à casa de
banho
Move-se fora da
cama
É continente
Alimenta-se
Actividades Diárias Instrumentais (Escala IADL)
Co-morbilidades
As co-morbilidades representam condições
médicas concomitantes que contribuem
conjuntamente com o tumor para a morbilidade e mortalidade dos doentes. O número de
co-morbilidades vai aumentando com a idade
e diminui a esperança de vida. Uma avaliação e
conhecimento completo das co-morbilidades
destes doentes é importante não só para
avaliar a interferência destas situações clínicas
na capacidade que o doente tem para tolerar
o tratamento que será instituído, mas também
para averiguar se existem outras condições
médicas que limitem a esperança de vida mais
do que a neoplasia.
Tabela 2 e 3
Escala ADL (adaptado de Katz, JAMA, 1963;85 (12):914919) e Escala IADL (adaptado de Lawton, Gerontologist,
1969;15-19). >5 ADL e >7 IADL indica que o doente é
funcionalmente independente15.
Actividades Diárias (Escala ADL)
Estado funcional
O diagnóstico de cancro está muitas vezes
associado a um aumento da dependência
funcional10. Os métodos mais frequentemente
usados para avaliar o estado funcional são as
escalas de actividades de vida diária – AVD
(Tabela 2) e de actividades instrumentais da
vida diária – AIVD (Tabela 3).A escala de actividades da vida diária inclui tarefas básicas de
auto-cuidado que são essenciais para manter a
independência no domicílio e que incluem a
capacidade para tomar banho, vestir-se, manter
a continência esfincteriana e cuidar da higiene
pessoal e alimentação de forma independente.
A dependência nestas actividades mostrou estar
relacionada com uma diminuição da sobrevida, aumento da duração do internamento, a
institucionalização e maior recurso a cuidados domiciliários11,12. A escala de actividades
instrumentais da vida diária inclui tarefas de
auto-cuidado mais avançadas que são necessárias para manter a independência na actividade
comunitária e que incluem a capacidade para
preparar refeições, fazer a limpeza da casa, fazer
compras, usar o telefone, viajar, tomar a medicação e cuidar das finanças. A dependência
nestas actividades está relacionada com uma
menor sobrevida e com um maior risco de
incapacidade cognitiva13,14.
Os estudos publicados
recentemente e que se
dedicaram especificamente à
avaliação dos doentes idosos
vieram comprovar que, se
tratados de forma adequada,
os doentes idosos com bom
PS e sem comorbilidades
major têm uma sobrevida
e uma qualidade de vida
semelhante à dos doentes
mais jovens.
Usa o telefone
Vai às compras
Prepara refeições
Arruma a casa
Lava a roupa
Usa transportes
autonomamentea
Medica-se
autonomamente
Usa dinheiro
31
Funcionamento psicológico e suporte
social
Geralmente, os doentes idosos aceitam com
mais facilidade o diagnóstico de neoplasia de
que os doentes mais jovens, exceptuando-se
os casos de doentes com doenças mentais préexistentes (ex.: depressão) ou com ausência de
suporte social. Nestes casos, a presença de apoio
social tem um papel preponderante no ajuste
psicológico dos doentes quando confrontados
com o diagnóstico de cancro. O isolamento
social mostrou ser um factor prognóstico independente de mortalidade nos doentes idosos16.
Um apoio social adequado é especialmente
importante em doentes com deterioração da
função cognitiva.
32
Função cognitiva
A presença de demência é um factor independente de prognóstico, estando associada a
um aumento da mortalidade17,18. Desta forma,
uma avaliação basal da função cognitiva é
fundamental para excluir alterações subtis
de doença metastática e para determinar se
o doente necessita de apoio adicional para
acompanhar um plano terapêutico que muitas
vezes é complexo. Um prestador de cuidados é
essencial para manter a segurança destes doentes, assegurar que o tratamento é cumprido
correctamente e reconhecer sinais de toxicidade que necessitem de cuidados médicos.
AVD e diminuição da sobrevida no primeiro
ano20. A perda de peso não intencional está
associada a uma pior resposta à quimioterapia e
diminuição da performance status (PS)21. Uma
perda ponderal igual ou superior a 5% revelou
estar associada a um aumento da mortalidade22.
A AGC pode ser muito longa para a prática
clínica diária.Assim, foram desenvolvidos vários
instrumentos de rastreio para seleccionar os
idosos que podem beneficiar da realização de
uma AGC completa. Na nossa prática clínica
diária utilizamos um fluxograma de decisão
baseado na idade, PS (Tabela 4), co-morbilidades (Escala de Charlson) (Tabela 5), escala de
AVD (Tabela 2) e escala de AIVD (Tabela 3).
Para além destes instrumentos, também a
qualidade de vida (QoL), referida pelo próprio
doente através do preenchimento de um questionário simples, pode adicionar informação
prognóstica importante. Quando avaliada em
doentes com CPNPC, a QoL foi um factor
prognóstico forte e importante na sobrevida de
doentes submetidos a tratamento de primeira
linha para CPNPC23.
Medicação
Os doentes idosos usam cerca de três vezes
mais medicação que os doentes mais jovens e
estão mais susceptíveis de desenvolver reacções
adversas19. Uma revisão integral da medicação
do doente é fundamental antes de prescrever
um tratamento oncológico que possa levar a
interacções medicamentosas.
Tratamento
Em termos práticos, a escolha do tratamento
do CPNPC tanto no idoso como no jovem
depende do seu estadio (Tabela 6).Dependendo
do estadio do tumor, o tratamento a adoptar
(cirurgia, quimioterapia e radioterapia isoladas
ou em associação) poderá ter uma intenção
curativa (estadios I, II, IIIA e IIIB sem derrame
neoplásico) ou paliativa (IIIB com derrame
neoplásico e IV). Dentro do tratamento com
intenção curativa, é de extrema importância
avaliar a possibilidade de ressecção cirúrgica.
Estado nutricional
A avaliação do estado nutricional é importante no idoso, sendo a desnutrição e os estados de
carência específica de certos micro-nutrientes
importantes factores de morbilidade e mortalidade nos indivíduos deste escalão etário. Um
mau estado nutricional, definido como um
índice de massa corporal inferior a 22 Kg/m2
está associado a uma maior dependência nas
De uma forma geral, os estadios I e II
apresentam tamanho, forma e localização que
permitem a sua remoção completa por cirurgia.
Os tumores em estadio I ainda não atingiram
os gânglios linfáticos; os tumores em estadio
II, apesar de já se terem estendido aos gânglios
linfáticos, estão contidos na proximidade do
pulmão de forma que podem ser removidos
em bloco juntamente com o lobo ou com o
Tabela 4
Performance Status.
Valor Descrição
Tabela 5
Escala de co-morbilidades de Charlson (adaptado de
Charlson, J Chron Dis, 1987;40(5):373-383). Um valor alto
indica um risco elevado de morte por co-morbilidade; um
valor total ≤3 mostra um doente potencialmente apto para
quimioterapia24.
Co-morbilidade
Valor
Assintomático, completamente activo,
executando todas as tarefas profissionais e
familiares, sem restrição
Enfarte do miocárdio
1
Insuficiência cardíaca congestiva
1
Doença vascular periférica
1
Sintomático, ambulatório mas com
restrição da sua actividade física,
executando trabalhos leves e sedentários
Doença cerebro-vascular
1
1
Demência
1
Doença pulmonar crónica
1
2
Sintomático, ambulatório, capaz de se
auto-cuidar, mas incapaz de qualquer
outro trabalho familiar ou profissional.
Deitado menos de 50% do dia.
Conectivite
1
Doença ulcerosa
1
Insuficiência hepática ligeira
1
3
Sintomático, confinado à cama
ou cadeirão mais de 50% do dia,
ocasionalmente levantando-se para se
cuidar
Diabetes
1
Diabetes com lesão de órgão alvo
2
Hemiplegia
2
4
Sintomático, completamente dependente
para cuidados básicos. Acamado de forma
permanente
Insuficiência renal ligeira ou moderada
2
Outro tumor
2
Leucemia
2
Linfoma
2
0
5
Morte
Insuficiência hepática moderada ou grave 3
Outro tumor sólido metastizado
6
SIDA
6
33
pulmão ressecado. Para o estadio II, estudos
recentes confirmaram a quimioterapia póscirurgia (QT adjuvante) como uma mais-valia,
traduzindo-se numa menor taxa de recidiva
global e maior sobrevida.
Os tumores em estadio III são muitas
vezes impossíveis de remover cirurgicamente.
Quando a neoplasia atinge apenas os gânglios
linfáticos mediastínicos do mesmo lado do
tumor (N2) então estamos perante um estadio
IIIA. A doença neste estadio pode ainda ser
considerada ressecável desde que os gânglios
não sejam muito numerosos e não formem
grandes conglomerados. Nestes casos, a cirurgia é muitas vezes precedida de uma QT
neo-adjuvante com a finalidade de diminuir a
carga tumoral. Quando são atingidos gânglios
linfáticos mediastínicos do lado oposto ao
do tumor, na região supra-clavicular ou no
pescoço (N3), então estamos perante um
estadio IIIB, que é quase sempre irressecável.
Outras situações que tornam os tumores em
estadio III impossíveis de ressecar são a invasão
de estruturas vitais (T4: coração, grandes vasos,
esófago, corpos vertebrais, traqueia, carina) ou
a existência de disseminação para a pleura com
derrame pleural neoplásico. As neoplasias que
se estendem para outras localizações dentro do
lobo de origem (nódulos satélite) são também
consideradas T4 e portanto incluídas no estadio
IIIB. Com avaliação caso a caso, na invasão de
estruturas vitais a quimio-radioterapia concomitante constitui-se como a principal opção
terapêutica.
Os tumores em estadio IIIB devidos a derrame pleural ou derrame pericárdico neoplásico
bem como os tumores em estadio IV disseminados ao pulmão contra-lateral ou para outros
órgãos são tratados com intenção paliativa
habitualmente com quimioterapia (QT).
Tabela 6
Critérios de estadiamento segundo a AJCC.
Estadio
Tumor(T)
Ganglios Linfáticos (N)
Metástases (M)
IA
T1
N0
M0
IB
T2
N0
M0
IIA
T1
N1
M0
IIB
T2
N1
M0
T3
N0
M0
T1
N2
M0
T2
N2
M0
T3
N1
M0
T3
N2
M0
qualquer T
N3
M0
T4
qualquer N
M0
qualquer T
qualquer N
M1
IIIA
IIIB
IV
A. Cirurgia
A ressecção cirúrgica ainda é a forma mais
eficaz de tratamento para o CPNPC e está
associada a uma maior sobrevida a longo prazo.
Infelizmente, apenas 20% dos doentes com
CPNPC apresentam critérios de operabilidade.
A cirurgia está indicada em doentes em estadio
I como única terapêutica. Para os doentes em
estadio II e IIIA ressecáveis, a cirurgia deverá
ser complementada com QT (QT adjuvante
ou neo-adjuvante).
Numa revisão realizada nos EUA, os idosos
com mais de 65 anos, com CPNPC localizado,
tinham uma probabilidade de um terço de
ser submetidos a ressecção cirúrgica quando
comparados com indivíduos mais jovens em
estadios semelhantes. Por cada década de vida
após os 65 anos, a probabilidade de serem
submetidos a cirurgia diminuía 65%25. Estes
dados, obtidos de estudos das décadas de 80 e
90, sugeriam que a cirurgia praticamente não
Tumor primário (T):
T1 – Tumor <3cm na sua maior dimensão, rodeado por
pulmão ou pleura visceral.
T2 – Tumor com pelo menos uma das seguintes:
- >3cm na sua maior dimensão
- envolvimento de um brônquio principal, >2cm da
carina
- invasão da pleura visceral
- associação a atelectasia ou pneumonia obstrutiva que se
estende até ao hilo mas não envolve todo o pulmão.
T3 – Tumor de qualquer dimensão que envolve directamente
pelo menos um dos seguintes:
parede torácica, diafragma, pleura mediastínica,
pericárdio ou tumor do brônquio principal a <2cm da
Carina
ou tumor associado a atelectasia
ou pneumonia obstrutiva de todo o pulmão.
T4 – Tumor de qualquer dimensão que envolva pelo menos
um dos seguintes:
mediastino, coração, grandes vasos,
traqueia, esófago, corpos vertebrais, carina ou
nódulos tumorais separados no mesmo lobo ou
derrame pleural neoplásico.
Gânglios linfáticos regionais (N):
N0 – Ausência de metástases nos gânglios linfáticos.
N1 – Metástases nos gânglios linfáticos peri-brônquicos e/
ou hilares ipsilaterais e nódulos intrapulmonares incluindo
envolvimento directo pelo tumor.
N2 – Metástases nos gânglios linfáticos mediastínicos ipsilaterais e/ou sub-carinais.
N3 – Metástases nos gânglios linfáticos mediastínicos contralaterais, hilares contra-laterais, escalenos ou supra-claviculares.
Metástases à distância (M):
M0 – sem metástases
M1 – com metástases à distância.
era recomendada aos doentes idosos, embora
os tumores se apresentassem tecnicamente
ressecáveis e sem contra-indicações médicas
para o procedimento. No momento actual, o
consenso é que o tratamento cirúrgico deva ser
o tratamento de escolha para os doentes idosos
com CPNPC sempre que exista indicação
cirúrgica e o doente não apresente contraindicações major.
36
Nos doentes idosos, para além de um estadiamento correcto é necessário efectuar uma
correcta avaliação pré-operatória. A evidência
sugere que a relação entre a idade avançada
e a mortalidade operatória é um reflexo das
co-morbilidades e não da idade em si26. Num
estudo efectuado em 3864 doentes com cancro
do pulmão, as co-morbilidades mais frequentes
incluíam as doenças cardio-vasculares e a doença pulmonar obstrutiva crónica27. Também
a morbilidade peri-operatória aumenta nas
idades mais avançadas. Os maiores desafios ao
tratamento cirúrgico no idoso são as alterações
fisiológicas causadas pelo envelhecimento no
sistema respiratório e cardiovascular e que
podem diminuir a tolerância à cirurgia.As alterações pulmonares relacionadas com a idade
incluem a diminuição da resposta à hipoxémia
e à hipercápnia, diminuição da elasticidade do
tecido pulmonar, aumento dos defeitos de
ventilação-perfusão e diminuição do volume
expiratório forçado no primeiro segundo
(VEMS). O declínio na função respiratória é
um factor major dado o aumento do risco de
morbilidade peri-operatória, de mortalidade e
do risco de disfunção pós-operatória permanente secundária à insuficiência respiratória.
As alterações cardiovasculares relacionadas
com a idade incluem a diminuição do débito
cardíaco, a diminuição da frequência cardíaca,
o prolongamento do tempo de recuperação
após o esforço e uma diminuição da resposta às
catecolaminas durante o stress. Assim, deve ser
efectuada uma avaliação completa da função
pulmonar e cardio-vascular em todos os doentes no pré-operatório em fase de estabilidade
e com a terapêutica médica optimizada, o que
muitas vezes exige a colaboração próxima do
pneumologista, cardiologista, oncologista e
cirurgião. Além disso, deve ser realizada uma
monitorização apertada e prevenção das
complicações no pós-operatório.
O tipo de procedimento cirúrgico adoptado também é de extrema importância para
minimizar o risco de complicações. Vários
estudos realizados estabeleceram uma relação
entre o aumento da mortalidade após uma
toracotomia e uma idade superior a 65 anos28.
A cirurgia torácica video-assistida (VATS) tem
relativamente à toracotomia a vantagem de ser
um procedimento menos invasivo, de diminuir a dor pós-operatória, preservar a função
muscular, de diminuir a disfunção pulmonar
e de diminuir o número de dias de internamento29. Os dados existentes sugerem que a
mortalidade peri-operatória e a sobrevida são
semelhantes à da toracotomia mas a morbilidade está diminuída30,31.AVATS também pode
ser usada antes da toracotomia para avaliar a
presença de doença avançada previamente não
suspeitada e impedir assim a realização de uma
toracotomia.
A lobectomia é o procedimento de escolha
de forma a preservar o máximo de função
pulmonar. A pneumectomia está associada a
uma maior mortalidade e deve ser reservada
para os tumores que não podem ser excisados
por lobectomia. As ressecções limitadas, que
nos jovens estão associadas a uma maior taxa
de recidiva, constituem no idoso uma alternativa razoável para doentes que não toleram
uma lobectomia32. No idoso as diferenças na
recorrência e na sobrevida entre doentes que
foram submetidos a lobectomia e os que foram
submetidos a ressecções parciais não é tão clara
como nos jovens, particularmente acima dos 71
anos33. A redução na morbilidade e na mortalidade conferida pelas ressecções limitadas
beneficia os doentes idosos dada a sua reserva
cardio-pulmonar diminuída, co-morbilidades
associadas e maior propensão para as complicações cirúrgicas.
Um outro factor que parece estar relacionado com a morbilidade e mortalidade cirúrgicas
é a experiência do cirurgião que efectua o
procedimento34.
B. Radioterapia
A radioterapia (RT) pode ser usada no tratamento do CPNPC de duas formas distintas:
radioterapia radical com intenção curativa em
doentes em estadio I e II que não reúnam
condições para serem submetidos a cirurgia, ou
combinada com quimioterapia para doentes
com CPNPC localmente avançado irressecável
(IIIA e IIIB). Pode ainda ser utilizada para paliação de sintomas relacionados com a neoplasia
como as hemoptises e a dor torácica.
Apesar de existirem poucos estudos com a
RT radical nos estadios I e II em idosos, parece
que a sobrevida nestes doentes é semelhante à
dos doentes mais jovens35.A radioterapia radical
é eficaz, segura e tem um impacto mínimo no
PS dos doentes idosos com doença limitada.
No entanto, a sobrevida é menor que com a
cirurgia, o controle dos sintomas não é atingido em 100% dos casos, e em casos particulares
a qualidade de vida pode ser afectada.
Nos casos de CPNPC localmente avançado,
a combinação de quimio-radioterapia concomitante com esquemas contendo um derivado
do platino é hoje em dia considerado o tratamento standard. Para os doentes idosos com
PS 2, pode ser necessário arranjar estratégias
terapêuticas alternativas como QT com agente
único com intenção paliativa, RT isolada ou
mesmo melhor terapêutica de suporte, dada a
toxicidade elevada destes esquemas concomitantes (mielossupressão, esofagite, pneumonite,
toxicidade renal)36.No entanto,existe um grupo
crescente de idosos com bom PS (0-1) que
toleram relativamente bem estes regimes e aos
quais pode ser oferecido um tratamento com
intenção curativa. Estes doentes devem fazer
os esquemas standard, e com doses normais de
QT e RT. Os estudos publicados mostraram
que no idoso tal como nos doentes mais jovens,
a utilização de doses mais baixas de RT e os
esquemas de quimio-radioterapia sequencial
produzem resultados inferiores aos esquemas
com terapêutica concomitante37.
C. Quimioterapia
Vários esquemas terapêuticos têm sido
avançados para o tratamento do idoso com
CPNPC avançado: QT com agente único,
QT combinada incluindo um derivado do
platino ou QT combinada sem derivados do
platino.
a) QT com agente único
Numa tentativa de evitar ou diminuir a toxicidade enquanto se tentava controlar a doença,
a QT com agente único foi uma das primeiras
abordagens a ser avaliada no idoso e tem sido
investigada nos últimos 15 anos com vários
fármacos.
A vinorrelbina foi já investigada de forma
extensiva em idosos. O seu perfil toxicológico
é ligeiro com baixas taxas de toxicidade hematológica e não hematológica e com a vantagem
de poder ser administrada por via oral. O estudo
ELVIS38 comparou o uso de vinorrelbina com a
melhor terapêutica de suporte, concluindo por
uma maior sobrevida no grupo da vinorrelbina.
A gemcitabina é um dos fármacos mais usados
no tratamento do CPNPC e também ela tem
mostrado boa actividade e tolerabilidade39,40,41.
Os taxanos demonstraram bons resultados no
tratamento do CPNPC. Os estudos iniciais
mostraram taxas de sobrevida semelhantes às
dos indivíduos mais jovens, mas com maior
toxicidade global nos idosos42. Numa tentativa
de reduzir a toxicidade implementaram-se
regimes semanais de paclitaxel e docetaxel com
melhor tolerabilidade43,44. No entanto, são
necessários mais estudos para determinar o
melhor esquema de administração dos taxanos
na população idosa.
Uma outra modalidade agora em estudo e
com resultados promissores é a administração
de agentes únicos de forma sequencial, permitindo a administração de vários fármacos sem
os efeitos tóxicos cumulativos da associação.
A administração de vinorrelbina e docetaxel
sequencial foi testada em doentes idosos com
PS de 0 ou 1, tendo mostrado resultados encorajadores45.
37
38
b) QT combinada sem derivados do
platino
Dados os bons resultados em termos de actividade e de tolerabilidade descritos para a QT
com agente isolado, realizaram-se estudos com
regimes de QT combinada sem derivados do
platino. Destes, a combinação mais estudada é
a associação de gemcitabina com vinorrelbina.
O estudo MILES46, o maior estudo fase III
publicado em idosos comparou a vinorrelbina
e a gemcitabina isoladas com a associação das
duas em indivíduos com mais de 70 anos. O
tratamento combinado não mostrou vantagem
em termos de taxa de resposta, tempo para a
progressão, sobrevida ou qualidade de vida, e
embora a toxicidade tenha sido aceitável em
todos os grupos, foi maior no grupo que fez
tratamento com a associação dos dois fármacos
(maior trombocitopenia e toxicidade hepática).
Os autores concluíram por isso, que o uso de
gemcitabina ou vinorrelbina isoladas era preferível ao uso da combinação no tratamento do
CPNPC no idoso. Baseados neste resultado,
a American Society of Clinical Oncology
(ASCO) publicou normas de orientação47
que recomendam o uso de QT com agente
único como tratamento standard do CPNPC
avançado do idoso.
c) QT combinada contendo derivados
do platino
A QT contendo derivados do platino é hoje
em dia recomendada como a terapêutica standard para doentes não-idosos com CPNPC
avançado dado que prolonga a sobrevida,
melhora a qualidade de vida e controla os
sintomas40,48,49. No entanto, até à data ainda
não houve nenhum estudo prospectivo fase
III que tenha avaliado a reprodutibilidade deste
benefício em doentes idosos, e por isso o papel
da QT combinada contendo derivados do
platino neste grupo etário continua em debate.
A administração de cisplatino está associada a
toxicidade hematológica e não hematológica
significativa e a avaliação da relação risco/
benefício deverá ser particularmente cautelosa
no idoso. A diminuição da clearence da creatinina e portanto da excreção renal do cisplatino
leva a um aumento do potencial de toxicidade
e a presença de co-morbilidades e de um PS
2 pode impedir a administração do fármaco
numa percentagem significativa de doentes
idosos50.
Alguns estudos foram elaborados para testar
a combinação de agentes de 3ª geração com
o cis-platino em esquemas modificados ou
com doses atenuadas, de forma a obter um
tratamento activo e bem tolerado pelos idosos.
Obtiveram-se resultados interessantes com
cisplatino e gemcitabina51,52, cisplatino e vinorrelbina53 e cisplatino e docetaxel54. Comparado
com o cisplatino, o carboplatino causa menos
vómitos, nefrotoxicidade e neurotoxicidade,
mas a sua segurança mantém-se um problema principalmente em termos de toxicidade
hematológica.
São necessários estudos randomizados fase
III com poder para responder às questões em
aberto relativamente à actividade e toxicidade
da QT combinada com derivados do platino
em idosos.
d) Agentes biológicos
Em anos mais recentes, os conhecimentos
acerca das bases moleculares dos tumores
permitiram o desenvolvimento de novos
agentes. Várias características destes agentes
biológicos tornam-nos ideais para o tratamento
de doentes idosos. Primeiro são mais selectivos
para o tumor e menos tóxicos para os tecidos
normais. Segundo, como apresentam um
mecanismo de acção citostático e não citotóxico, são mais eficazes quando administrados de
forma contínua do que em pulsos.
Dos agentes disponíveis, o gefitinib e o erlotinib são inibidores da actividade da tirosina
cinase do EGF.Tanto o gefitinib como o erlotinib, já mostraram actividade clínica e baixa
toxicidade em doentes idosos com CPNPC
avançado previamente tratados com QT55,56.
A adição destes fármacos à QT não mostrou
qualquer benefício quer no idoso quer no
não-idoso. O erlotinib como agente único
mostrou eficácia em termos de sobrevida
quando comparado com a melhor terapêutica
de suporte num estudo fase III de doentes com
CPNPC avançado após falência do tratamento
de primeira e segunda linha. Muitos estudos
estão programados para um futuro próximo,
relativamente às terapêuticas alvo em idosos
com CPNPC, aguardando-se com expectativa
os resultados.
Conclusão
Porque a população está a envelhecer e o cancro do pulmão afecta
um número cada vez maior de doentes idosos, a abordagem do cancro
do pulmão neste grupo etário tem que ser bem delineada de forma a
maximizar a eficácia terapêutica, minimizar a toxicidade e compreender
as preferências deste grupo populacional.
Um dos pontos mais importantes na abordagem dos doentes idosos
com CPNPC, é conseguir separar a idade cronológica da idade biológica entrando em linha de conta com as co-morbilidades, a escala de PS,
o estado funcional, factores sociais, psicológicos e mesmo económicos.
Os instrumentos de avaliação geriátrica já testados são uma ferramenta
de avaliação fundamental na abordagem terapêutica desta população
heterogénea.
Da evidência clínica disponível no momento para o CPNPC, nos
estadios iniciais a cirurgia, quando possível, é o tratamento de eleição.
Os doentes que não são candidatos a cirurgia podem ser tratados
com RT com intenção curativa, no entanto com valores de sobrevida
inferiores aos da cirurgia. Na doença localmente avançada, a quimioterapia neo-adjuvante seguida de cirurgia ou a QRT concomitante
são a terapêutica de eleição nos idosos com bom estado geral e poucas
co-morbilidades. No entanto, é necessário ter atenção à toxicidade
marcada destes esquemas que pode sobrepor-se aos potenciais benefícios. Nas fases avançadas, a QT com um agente único de 3ª geração
(vinorrelbina, gemcitabina, docetaxel ou paclitaxel) deve ser considerado
o tratamento standard para os doentes idosos. Os esquemas combinados
contendo platino representam uma opção válida para idosos aptos com
função orgânica adequada. A melhor terapêutica de suporte incluindo
factores de crescimento, quando indicados, deve ser oferecido a todos os
doentes, principalmente quando sofrem de co-morbilidades e sintomas
relacionados com o tumor. Para muitos doentes, a melhor terapêutica
de suporte pode representar a única opção terapêutica.
De qualquer forma é urgente a elaboração de normas de orientação
clínica para este grupo etário que possam ajudar o médico no prcesso
de decisão terapêutica.
39
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with cisplatin and vinorrelbine for elderly non-small cell
41 Martoni A, Di Fabio F, Guaraldi M, et al. Prospective
lung cancer patients. Proc Am Soc Clin Oncol, 1999;
phase II study of single agent gemcitabine in untreated
18:468a.
elderly patients with stage IIIB/IV non small cell luna
54 Ohe Y, Niho S, Kakinuma R, et al. A phase II study of
cancer. Am J Clin Oncol, 2001; 24:614-617.
cisplatin and docetaxel administered as three consecutive weekly infusions for advanced non-small cell lung
cancer in elderly patients. Ann Oncol, 2004; 15:45-50.
55 Copin M, Kommareddy A, Behnken D, et al.
Gefitinib in elderly patients with non-small cell lung
cancer (NSCLC). Proc Am Soc Clin Oncol, 2003;
22:758.
56 Cappuzzo F, Bartolini S, Ceresoli GL, et al. Efficacy
and tolerability of gefitinib in pre-treated elderly patients
with advanced non-small cell lung cancer (NSCLC).
Br J Cancer, 2004; 90:82-86.
42 Nakamura Y, Sekine I, Furuse K, et al. Retrospective
comparison of toxicity and efficacy in phase II trials of
3h infusions of paclitaxel for patients aged 70 of age or
older and patients under 70 of age. Cancer Chemother
Pharmacol, 2000; 46:114-118.
43 Fidias P, Supko JG, Martins R, et al. A phase II study
of weekly paclitaxel in elderly patients with advanced
non-small cell lung cancer. Clin Cancer Res, 2001;
7:3942-3949.
44 Hainsworth JD, Burris IIA, Litchy S, et al. Weekly
docetaxel in the treatment of elderly patients with
advanced non-small cell lung carcinoma. Cancer, 2000;
89:328-333.
41
42
O sofrimento mental
é algo que não se vê
e não é respeitado
Entrevista a Rui Mota Cardoso
Sem stress só um morto. O stress não é
algo que se tenha, é a situação em que estou.
E não há uma doença do stress, pois o stress
pode provocar todas as doenças. O sofrimento
mental existe quando as minhas capacidades de integração e flexibilidade no mundo
começam a deteriorar-se. Rui Mota Cardoso,
Psiquiatra, afirma que o conhecimento
psico-patológico é um mundo de extrema
complexidade. Receia que hoje o sentido da
vida seja apenas dar prazer aos sentidos. Na
verdade, são os vazios que nos tecem. Não tem
como preocupação mudar o mundo, mas
ajudar a socorrer quem precisa. Em Portugal,
temos milhão e meio de pessoas com doença
psiquiátrica. O sofrimento mental é algo que
não se vê e não é respeitado. Para prevenir?
Provavelmente, cuidar bem das crianças nos
primeiros anos de vida.
43
44
A calma que transmite na
forma de estar, de falar, de
olhar, cria um espaço quente,
humano, como a luz fria da
manhã somente iluminasse
a sala onde estamos. Rui
Mota Cardoso, doutorado
em psiquiatria, professor
catedrático da Faculdade de
Medicina da Universidade do
Porto, coordena actualmente
a Unidade de Educação
Contínua e Difusão Científica
do IPATIMUP, Instituto de
Patologia e Imunologia
Molecular da Universidade
do Porto. Com 61 anos,
sente que teve uma vida boa,
sente-se um homem feliz,
realizado… «se morresse
agora morria bem. A minha
vida faz sentido, não é ter
um sentido, mas faz sentido.
Vejo a minha vida como um
itinerário interior para uma
certa serenidade onde sinto
que consegui chegar, e isso
é muito mais importante
que títulos ou carreiras».
Por isso, em todas as
palavras, pausadas, percorre
um mundo preenchido
de sabedoria, de saber,
humano.
Uma das suas áreas de interesse,
ao longo da sua vida, foi o stress.
Porquê?
Dediquei-me sobretudo à psicossomática e,
por isso, em certas alturas debrucei-me sobre o
stress. Mas o que mais me interessou foi como
é que a vida pessoal, quer intrapsíquica quer
interpessoal, poderia contribuir para melhorar
ou piorar a situação orgânica, as doenças médicas. Doutorei-me, não como cardiologista, mas
com os aspectos psicossociais que interferiam
no enfarte do miocárdio. Nos caminhos que
me levam a pensar na psicossomática, por
exemplo, como as emoções interferem no
organismo, aparece o stress.
Como se pode definir stress?
Há duas concepções de stress e, provavelmente, ambas incompletas. As pessoas chegam
a casa e dizem hoje o trânsito estava um stress. A
ideia aqui é que é qualquer coisa de fora que
nos incomoda, que nos cria stress. É o trânsito
que é stress. Outras vezes chegamos a casa e
dizemos estou cheio de stress. É qualquer coisa
interior, um estado de tensão. Provavelmente,
são as duas coisas. O stress surge quando o meio
me exige coisas que neste momento não sou
capaz de fazer ou nunca serei. Quando há uma
discrepância entre as minhas capacidades de
lidar com o mundo e as exigências do mundo,
então entro em stress. O stress não é algo que
tenha, é uma situação em que estou. E às coisas
como o trânsito chamaremos fonte de stress
e às coisas que sinto dentro de mim quando
estou numa situação de stress provavelmente
devemos chamar sobrecarga de stress ou reacção pessoal ao stress. O stress é a situação, o
estado interaccional em que me encontro.
Existe stress positivo e negativo?
No stress há duas situações: as que consigo
superar, que de facto consigo resolver -– eis
um stress positivo porque me faz crescer e faz
aumentar a minha estima e as minhas capacidades, realiza-me -– este é um stress bom que
toda a gente tem; depois há outro stress, que
é este que nos interessa no sentido médico,
é aquele em que não tenho, ou até às vezes
45
O stress surge quando o meio me exige coisas que
neste momento não sou capaz de fazer ou nunca
serei. Quando há uma discrepância entre as minhas
capacidades de lidar com o mundo e as exigências
do mundo, então entro em stress. O stress não é
algo que tenha, é uma situação em que estou.
46
ninguém tem, capacidade de superar. E este
sim é que cria, provoca a doença.
Que doença?
Todas. Não há uma doença do stress. O
stress é uma situação de tal sobrecarga que o
organismo claudica na totalidade. Posso ter
desde doenças psiquiátricas, doenças físicas,
a perturbações comportamentais, ir para o
álcool, para a droga, ou bater em toda a gente.
As consequências são perturbações médicas
ou psicológicas. Muitas vezes, até demagogicamente, algumas pessoas confundem bom
stress com mau stress para nos explicarem que
é bom trabalhar sobre stress, sobre competição.
É se for superado, se não for é mau. Tentar
meter na cabeça às pessoas que devem trabalhar sobre stress porque aumentam a eficácia é
uma falácia, pois se for o tal mau stress diminui
a eficácia, além de provocar doença.
Até com o stress se criam mitos.
Criaram-se alguns mitos que foram aproveitados demagogicamente em relação ao
stress, à competição, em relação a inúmeras
coisas que se está a incutir nas novas gerações.
É preciso ter algum cuidado. É tudo verdade
se for superado, mas a pessoa pode não ter
capacidade para superar.
Em que casos?
Em determinadas situações, mais ligadas
às relações interpessoais, como médicos e
enfermeiros, professores, pessoas que têm
relações interpessoais carregadas de afectos, de
emoções, de sobrecarga emocional, tendem a
ficar com uma perturbação psicológica que é
insidiosa, apanha a pessoa pelas costas, a pessoa
não repara que aquilo está a acontecer e surge
o que chamamos burnout, esgotamento. Este
burnout apanha sobretudo as pessoas mais
motivadas. As que têm a sua profissão, imagine
um médico, para ganhar dinheiro, nunca vão
ter burnout, porque estão descontraídos, não
se dedicam profundamente à profissão. Há
quem chame ao burnout a doença da desilusão;
a pessoa perde as ilusões da profissão. É uma
doença gravíssima. O burnout é uma doença
para um, dois anos, nem sempre curável, é
pior do que uma depressão. Os cuidadores de
pessoas diminuídas ou pessoas com Alzheimer
estão muito sujeitos a isto. Na Inglaterra, por
exemplo, um em cada cinco professores, tinha
burnout. Em Portugal, no estudo que fiz em
2000, era um em cada 15.
As pessoas têm essa consciência?
É insidioso e as pessoas não se apercebem.
Quando estão no fundo é que têm de parar.
É uma situação em que a pessoa se encontra num meio que exige comportamentos,
capacidades, reacções que ela não tem nem
consegue resolver, pelo menos temporariamente, poderá vir a ter, ou nunca terá. Há
coisas que são humanamente impossíveis de
superar. É verdade que o ser humano tem
uma capacidade enorme para se adaptar. Há
um estudo norte-americano que diz que nós,
hoje, durante três meses, somos submetidos ao
mesmo número de estímulos a que os nossos
avós eram submetidos a vida toda. A capacidade de adaptação tem de ser enorme.
Isso é bom?
Somos o animal que nasce no estado mais
atrasado de desenvolvimento. Isso permitenos desenvolver cá fora, desenvolver de acordo
com as necessidades que existem. Então, desde
que a gente nasce, o mundo está sempre
a exigir o que não temos. Sem stress só um
morto. O homem é um ser em devir, significa
que é um ser em stress, de bom stress, que é
esse que me faz crescer, não adoecer.
O como surge a perturbação mental?
Sofrimento mental surge quando as capacidades de elasticidade de funcionamento
mental estão diminuídas. O mundo está
sempre a tentar desequilibrar-me, como se
fosse um objecto sujeito às acções do mundo,
e eu tenho capacidades interiores de me autoregular de novo em relação a essas ameaças de
47
48
desintegração que o mundo me faz, quer seja
fisicamente, se me ferir tenho a capacidade
de me cicatrizar, quer seja emocionalmente,
psicologicamente, até moralmente. Quando
esta relação, ou porque me fragilizo, pessoalmente até geneticamente, ou porque o
mundo me abana de mais, tenho três maneiras
de reagir.
Que são…
Posso superar e cresço, não há sofrimento, há
luta, é o stress positivo, fico mais seguro, com
mais estima; outro é desintegrar-me e, finalmente, o que normalmente acontece, reduzo a
minha capacidade de flexibilidade, fico mais ou
menos rígido, vou-me comportando dentro
do possível. É dentro destas duas situações
que começa o sofrimento mental. Quando as
minhas capacidades de, por um lado, integração
no mundo e, por outro lado, de flexibilidade
ao mundo começam a diminuir ou mesmo
a desintegrar-se, surge o sofrimento mental.
Em determinadas situações este sofrimento
traduz-se em qualquer alteração estável, quer
no sentido biológico quer psicológico quer
comportamental, a ponto de podermos diagnosticar uma perturbação constante, estável e
dificilmente reversível sem tratamento. Já não
estamos só no sofrimento, estamos na doença
mental.
A doença mental surge quando?
A doença ou sofrimento mental surge de
três grandes forças: da acção do mundo sobre
mim, da minha vulnerabilidade ou resiliência
a esse mundo e do meu próprio momento de
desenvolvimento. Destes três vectores pode
surgir o sofrimento. Posso fazer a mim mesmo
o próprio sofrimento, o mundo que me altera
é também o próprio mundo que vou criando.
Pode exemplificar com um exemplo…
Imagine que existe aqui ao lado uma
bomba. Se achar que aquilo não é perigoso
não sofro tanto como se achar que aquilo é
perigosíssimo. Incluo aqui uma vida psicológica interior, muitas vezes cognitiva, emocional,
que também interfere nesta relação entre o eu
e o mundo.
São as nossas próprias interacções
com as do mundo, com o nosso
corpo, com a mente?
Somos corpo e temos uma vida psicológica
que actua em tudo. Há muito a ideia de pensar
corpo/meio e esquecemos que ao criarmos a
capacidade de simbolizar acabamos por criar
outro mundo interno que interage com o
mundo externo e com o corpo. De facto, o
problema não é o que me acontece, é o que
acho que me está a acontecer.
Não há uma doença do stress. O stress é uma
situação de tal sobrecarga que o organismo
claudica na totalidade. Posso ter desde doenças
psiquiátricas, doenças físicas, a perturbações
comportamentais, ir para o álcool, para a droga,
ou bater em toda a gente. As consequências são
perturbações médicas ou psicológicas.
É um mundo subjectivo, de várias
frentes, em jogo no homem.
Havia um autor que dizia que o homem
era o único animal que conseguia distinguir
água de água benta. Já imaginou porque é que
as pessoas são incapazes de beber água benta
ou o que aconteceria se bebêssemos água
benta? Havia qualquer movimento interior,
ou qualquer ressonância interior, que nos faria
ter alguma aversão por beber água benta. É o
papel do simbólico. Água benta é água mas
é também um símbolo que tem uma força
interna fnotável. Quando falamos em doença
mental ou quando falamos em conhecimento
psico-patológico, estamos a entrar num mundo
muito difícil de estudo pela sua complexidade. Não é linear, não podemos dizer: isto faz
aquilo. Isto faz aquilo, mas pode fazer isto, mais
aquilo, interferir em rede. É algo organizado,
tudo se relaciona. E em estruturas altamente
organizadas, uma coisa pode provocar várias
coisas e a mesma coisa pode ser provocada por
imensas. Como fazer ciência aqui? É entrar
na mente e na mente da própria pessoa que
não sabe o que tem. É a parte não consciente
da sua integração em sociedade e da sua vida
psicológica.
Os profissionais de saúde têm
conhecimento desta complexidade?
Não tinham, começam a ter, até mais os
enfermeiros. Os cursos de enfermagem em
Portugal têm tido um crescimento ligado aos
problemas psicológicos e de sofrimento e de
relação enfermeiro/doente do que propriamente os cursos de medicina. Mas não só em
Portugal, no mundo todo. Os conhecimentos
médicos e, sobretudo, a possibilidade de instrumentação médica, desde o uso de aparelhos
sofisticadíssimos ao recurso a técnicas inovadoras, estão a transformar a medicina em algo
altamente especializado e técnico; mas esta está
a perder aquilo que era a alma da medicina, no
fundo, não só tentar curar a doença, mas cuidar
do doente. Hoje começa-se a ”re-conhecer” que
é necessário cuidar do doente. E isso do cuidar
entra muito mais pelo lado da enfermagem
do que pelo da medicina. Um doente que se
sente com determinada doença melhorará ou
piorará conforme o tipo de segurança, de afecto, que perceba Quanto melhor reagir, quanto
mais apoio, melhor poderá ser o final. É um
conhecimento que existe, mas que tem que ser
treinado a nível profissional. Há competências
clínicas de comunicação que os profissionais
futuros de saúde têm de conhecer.
49
50
Nestas sociedades, tecem-nos vazios
nos nossos desejos?
O ser humano, em determinado altura,
sentia-se religado ao mundo. Falo da Idade
Média. O homem pertencia a alguma coisa
e ao pertencer sentia-se preenchido. Isso é a
origem da palavra religião, estar religado. Com
o aparecimento da ciência, há uma espécie de
quebra de relação com o sagrado.A natureza é
natureza e o sagrado, a espiritualidade, retorna
para dentro de mim. Aquilo que estava no
mundo todo vem para dentro de mim. Sou eu
que transporto o sagrado e o mundo passa a
ser rex natura, e o sagrado refugia-se na mente,
na alma. Mas, de facto, o preenchimento que
a pessoa tinha nessa altura tem outra componente interpessoal, sobretudo para as relações
de amor e de afecto. O que se está agora a
quebrar é esta relação interpessoal. A distância
entre as pessoas aumenta pela velocidade com
que as coisas se passam, aumenta pela quebra
das grandes famílias, agora são famílias nucleares, aumenta pela quebra das relações grupais,
das tertúlias, as pessoas estão cada vez mais
isoladas, e as relações de afecto tendem cada
vez mais a tornar-se comerciais pela utilidade
da relação, do que propriamente pelo benefício da comunhão.
Há um sentido de vida diferente.
O sentido da vida deixou de ser de natureza
espiritual, não no sentido religioso mas no
sentido de vida interior, e passou a ser de natureza comercial ou de utilidade directa. Por um
lado, o indivíduo está cada vez mais só, numa
uma solidão quase cósmica, perde os laços
com as outras pessoas e, ao mesmo tempo, a
sua vida interior tende também a esvaziar-se.A
criatividade, a imaginação, o sonho, são coisas
que a gente adquire na infância; quando não
as temos sonhamos com elas. Hoje, os nossos
filhos antes de sonharem já têm as coisas. Isto
não só não permite uma vida interior de imaginação como não permite aprender a esperar
para ter, aprender a resistir à frustração.A perda
disto tudo e o esvaziamento de vida interior é
que leva ao vazio. Até o sagrado, que se tinha
retirado para a alma, está agora no colesterol,
numa coisa qualquer. As pessoas correm para
baixar o colesterol para não morrerem. Isto é
razão para viver? Onde está hoje o sagrado?
Onde está hoje uma vida interior, espiritual?
Onde encontro a beleza, onde me sinto bem
comigo e com os outros? Hoje o sentido da
vida é dar prazer aos sentidos.
Mas os vazios são fundamentais?
Claro. Uma coisa é o vazio que sinto da
minha incompletude e que me faz buscar essa
completude, mesmo sabendo que não a vou
ter, mas isso dá sentido à vida. O outro vazio
é de sentido, de intersubjectividade, de relação
entre duas subjectividades. Hoje a ciência do
marketing tem um poder sobre a necessidade
das pessoas que as pessoas não imaginam. As
pessoas nem sabem o quanto da sua vida é
comandada pelo marketing e pelas imagens.
Hoje não temos natureza nem as coisas, temos
a imagem das coisas. Não estive no tsunami
mas vi-o. E isto isola-me do mundo, porque a
realidade que tenho é a realidade publicável.
Cria-se uma ausência de espírito
crítico, desintegração?
A psiquiatria trabalha sempre com os que
não se integram. Se no futuro toda a gente for
assim, criamos uma sociedade de normopatas. O
sentido crítico pressupõe uma individualidade
e uma alteralidade, eu e outra opinião, que
morre no momento que não tenho opinião,
faço parte de uma opinião geral. Isso é mais
um factor que prova que, embora isolado, não
sou individual. A quem eu pertenço? Acaba
por ser a pseudocomunidades. Pertenço à
Ordem dos Médicos, mas não conheço
muitos médicos. Até a noção de pertença é de
pseudocomunidades. A nossa comunidade é a
nossa tribo, 20/30 pessoas que conhecemos,
que podem nem viver no mesmo sítio, mas
que são a nossa comunidade, as outras pessoas,
com quem cruzamos na cidade, não o são. Na
cidade, o isolamento é maior e a individualidade perde.
Escreveu: «As pessoas estão cada
vez mais esvaziadas de sonhos, de
projectos, de amor, de grupos de
apoio e até de vida interior». Que
sociedade estamos a criar? É um
mundo louco que estamos a criar?
Não sei se é um mundo louco, é um
mundo, de certeza, Novo. Não sei se é o
admirável mundo novo. Para a minha geração
e para a minha idade é um mundo stressante.
Tenho alguma esperança não só que os novos
se adaptem mas também que sejam capazes de
mudar e preencher de novo a vida. Porque vai
ser difícil viver assim.
51
52
São estes vazios que ajudam a criar
doença?
Estamos habituados ao paradigma de doença
a nível biológico. Se perguntar o que provoca
o enfarte de miocárdio qualquer pessoa dirá
que são os ateromas na coronária, mas porque
se criaram os ateromas?. Dirão então que se
criaram porque o indivíduo era hipertenso,
tinha o colesterol elevado, não corria, comia
mal, fumava; é tudo verdade. Mas não dizem
que, além disso, existem os aspectos psicológicos. Há pessoas que fazem enfartes de
miocárdio a ver desafios de futebol. A emoção
também participa disto. Estamos a um nível
superior ao nível biológico. Quando entramos
em situações psicológicas ou psicossociais de
sofrimento aí entram outras causas. Entra o
vazio, a humilhação, a prepotência, uma data de
momentos que a gente se esquece. As pessoas
vivem em situações de insegurança, de prepotência, de humilhação, de frustração elevada,
de competição, de uma data de situações que,
de certeza, são acumuladoras de razões para
depois vir o cigarro, a má alimentação, etc., ou
seja, levar às doenças.
E qual é o papel do psiquiatra nestas
sociedades?
Os médicos trabalham primeiro com os
doentes. Não posso estar à espera que mude
o mundo para que aquele meu doente
melhore. A minha primeira preocupação não
é mudar o mundo, é de ajudar a pessoa. O
meu primeiro papel é socorrer quem precisa,
quem pede ajuda, segundo duas regras muito
importantes: não lhe posso fazer mal e tenho
de defender, com ela, a sua própria autonomia.
Somos o animal que nasce
no estado mais atrasado
de desenvolvimento. Isso
permite-nos desenvolver cá
fora, desenvolver de acordo
com as necessidades que
existem. Então, desde que a
gente nasce, o mundo está
sempre a exigir o que não
temos. Sem stress só um
morto. O homem é um ser
em devir, significa que é um
ser em stress, de bom stress,
que é esse que me faz crescer,
não adoecer.
Indirectamente, como profissional de saúde,
tenho obrigação de denunciar e contribuir
para a mudança como cidadão informado ou
especializado. Mais não posso fazer.A primeira
coisa que tenho são pessoas a sofrer que quero
ajudar.
A Psiquiatria para onde segue?
Não sei. Para onde gostava que ela fosse é
diferente, talvez saiba. A Psiquiatria está, no
momento, na encruzilhada em que tem de
integrar os grandes conhecimentos que agora
existem de biologia molecular e de neurociências com o seu património de saberes e
práticas. Há um longo caminho a percorrer.
Corre um enorme risco de esquecer tudo o
que era e é para pode caircair numa perversão
técnico-científica que esqueceria o doente e
só pensaria na doença. Os aspectos técnicos,
farmacológicos e terapêuticos são muito
importantes, mas a psiquiatria, obrigatoriamente, tem de humanizar os seus processos.
O doente mental é, por definição, um doente
pouco respeitado, mesmo socialmente. O
movimento de levar a psiquiatria à comunidade e não o de trazer o doente à psiquiatria
é irreversível. Há riscos. Com a pressa, pe: eu
pnso que estamos a correr o risco de acabar
precocemente com as instituições clássicas
que temos e que continuam a ser necessárias
para voluntariosa mas irresponsavelmente as
trocarmos por outras também necessárias e
que não temos.
Pode-me dar exemplos.
Ao estar na comunidade não tiro o doente
do seu meio, posso estar perto para prevenir
a crise de início e ajudar a resolver a situação
antes de uma agudização; mas há situações
de agudeza que exigem internamentos. Não
posso ir para a comunidade e fechar os locais
de internamento, vão ser sempre necessários.
Fechar todas as instituições hospitalares psiquiátricas é criminoso e, se não for criminoso, é
leviandade. É preciso integrar os hospícios,
hospitais e comunidade, se não quem paga
o erro é o doente. Sabemos que as doenças
psiquiátricas mais graves são longas e que,
portanto, um tratamento a meia haste é leviano
e criminoso.
O futuro da psiquiatria passa, para
além da integração de serviços, pela
comunidade?
O futuro da psiquiatria é comunitário
com logística de retaguarda. Creio que neste
momento as pessoas responsáveis pela saúde
mental têm esta ideia, mas correm riscos
de exageros de boa vontade e entusiasmo.
Reconheço que quer esta corrente nova quer
a corrente mais conservadora e hospitalar estão
condenadas a encontrarem-se e a conheceremse.Ambas as partes têm de fazer um esforço de
negociação e não de competição, quem paga
são os doentes.
Quantos doentes psiquiátricos
existem em Portugal?
Não há estudos completos. Mas para termos
uma ideia, podemos utilizar os dados americanos. Teríamos 15% de pessoas com doença
psiquiátrica, desde muito grave a moderada.
53
54
É muita gente. Em Portugal teríamos
milhão e meio de pessoas.
O sofrimento mental é algo que não se vê
e não é respeitado. A maioria são mulheres.
Ouvem do marido: se tivesses tanto para fazer
como eu nem tinhas tempo para isso, é a resposta
clássica; se não puderem trabalhar, a empresa
di-las preguiçosas. As doenças psiquiátricas, a
não serem as ditas loucuras, que são mínimas,
mas essas de todos os dias, a depressão, ansiedade, fobias, são em número elevado. As psicoses,
as esquizofrenias, são uma percentagem mínima. Talvez 1%/2%. Com as outras, andam as
pessoas na rua com elas às costas ou fecham-se
em casa. O que significa um enorme sofrimento para as pessoas. Em estudos feitos,
comparando doenças crónicas com depressão,
a diminuição de rendimento físico e social, é
maior do que qualquer outra doença.A doença
mental é a que tem uma menor qualidade de
vida.As doenças mentais obrigam a uma perda
enorme de dias de trabalho. Economicamente
é mais barato tratar do que deixar andar. E
muito mais barato ainda seria prevenir.
Como se previnem essas doenças?
Provavelmente, cuidando bem das nossas
crianças nos primeiros anos de vida. É altura
em que se está a fazer pessoa, a pessoa vulnerável ou a pessoa forte, a pessoa confiante ou
a pessoa insegura. Nessa altura estamos a criar
pessoas e as primeiras fases da vida são muito
importantes. Um centro de saúde mental
na comunidade, por exemplo, cuidando das
grávidas, cuidando dos primeiros momentos
de relação entre mãe e filho, cuidando das
mães abandonadas, cuidando das que fizeram
depressão pós-parto, seria uma forma eficaz de
tratar, ou antes, prevenir essas doenças. Depois
teríamos as prevenções do alcoolismo, da
droga, das doenças sexualmente transmissíveis,
do stress, isso era o trabalho da psiquiatria na
comunidade.
Um trabalho contínuo, global,
estruturado.
Claro.
Sofrimento mental surge
quando as capacidades
de elasticidade de
funcionamento mental estão
diminuídas (…). Quando
as minhas capacidades de,
por um lado, integração no
mundo e, por outro lado,
de flexibilidade ao mundo
começam a diminuir ou
mesmo a desintegrar-se, surge
o sofrimento mental.
O que o marcou até hoje na sua vida?
Há coisas muito importantes na minha vida
e que nem sempre dei importância. Uma delas
foi ter nascido no Bonfim, no Porto. Outra foi
ter ido para psiquiatria e ser professor. Depois,
a doença. Há uns anos atrás fui transplantado;
permitiu-me reformular as prioridades da
vida e perceber melhor ainda o que é ser
doente, estar do outro lado da bata. Também
foi importante ter-me apaixonado algumas
vezes, foram momentos na minha vida que
alicerçaram hoje quer o que sou quer os laços
de afecto que tenho, os meus filhos, os meus
netos.
Mesmo como psiquiatra, como
professor, é fundamental ter esse
equilíbrio para doar algo aos outros?
Os médicos da área psiquiátrica ou psicológica são mais ou menos como os professores de
artes. Toda a gente para atingir esse equilíbrio
faz o seu percurso interior e nós, psiquiatras,
ensinamos a mexer nos pincéis, mas eles têm
de fazer o quadro, a obra-prima. Mas não é por
sermos psiquiatras que estamos dispensados
de fazer também esse percurso, essa carreira
pessoal, esse itinerário pessoal. Ajudamos de
facto, mas como uma espécie de treinador,
facilitador de técnicas ou instrumentos. O
processo de saúde é um processo individual
do próprio doente.
Publicou, em conjunto com outros
autores, três livros.
Escrevo muito pouco. Acho que se escreve
de mais e que se gasta muito papel e a maioria
das coisas não tem interesse nenhum. Tenho
algum pudor e provavelmente já escrevi
demais. Quando me perguntam porque é que
escrevo tão pouco costumo dizer que quando
tiver alguma coisa para dizer escrevo. Um dos
livros é um estudo profundo sobre o stress
dos professores em Portugal. Os outros livros
partem da ideia de fazer pontes com historiadores, críticos, filósofos. Foi sobre o pensar
o conhecimento científico que tenho numa
certa cultura de cidadania. Tentar aproximar a
cultura da ciência, como é que a cultura hoje
precisa da ciência e vice-versa e como se integra numa certa cidadania. Nesses outros dois
livros participei como psiquiatra. Mas, de facto,
escrevo muito pouco, sou muito mais uma
pessoa de falar e intervir do que uma pessoa
de escrever.
Para profissionais de saúde que
palavras deixar?
Sinto que temos em Portugal bons profissionais de saúde. Se há coisas de que Portugal se
pode orgulhar é dos profissionais de saúde que
tem. Acho que está no momento dos profissionais de saúde começarem a pensar mais
no doente e menos na doença; pensar que a
sua função, além de curar doenças, é também,
cuidar dos doentes.Temos os melhores profissionais de saúde, temos dos melhores serviços
de saúde do mundo, penso que poderíamos
ser ainda melhores se todos os profissionais
de saúde pensassem para além da doença, no
doente. E que para isso têm que estabelecer
relações fortes, na certeza porém que uma
relação profissional não é uma relação de
amizade e tem características intrínsecas e
singulares. Para além de tudo o que sabem em
termos técnicos, têm de desenvolver as suas
competências de comunicação e de relação.
55
Domingos José Lopes da Silva
Doutorado em Ciência do Desporto, Professor Titular da Escola Secundária/3
de Barcelinhos
[email protected]
Pedro A. Costa Alves
Amigos da Montanha – Associação de Montanhismo de Barcelinhos
[email protected]
Palavras-chave: montanhismo, altitude, composição corporal, hematologia
Este artigo foi originalmente publicado na revista Motricidade, vol. 02, n.º 02, Abril
2006
56
6501m
4835m
4000m
3752m
2287m
Alterações
morfológicas e hematológicas
em altitude
estudo de caso
4152m
Resumo
Com o presente estudo pretendemos avaliar
as alterações morfológicas e hematológicas
num único montanheiro que fez uma expedição a mais de 6500 metros de altitude. O
sujeito da nossa amostra é adulto jovem (34
anos de idade), do sexo masculino, não fumador, com profusa prática desportiva.
3429m
2919m
57
Foram avaliados as seguintes componentes:
• Composição corporal – peso, estatura, 13
pregas de adiposidade subcutânea (queixo,
bicipital, tricipital, antebraço, subescapular,
peitoral, midaxilar, abdominal, suprailíaca,
supraespinal, crural, suprapatelar e geminal),
7 circunferências musculares (braço relaxado, braço em máxima contracção, expansão
torácica, cintura, anca, coxa e geminal).
• Indicadores hematológicos – eritrograma,
leucograma e plaquetas.
Constatámos as seguintes alterações:
58
• Diminuição da espessura das pregas adiposas e da maior parte das circunferências
musculares.
• Aumento da circunferência torácica.
• Diminuição do peso corporal.
• Diminuição da quantidade de tecido
adiposo, reduzindo os valores absoluto e
relativo.
• Aumento da densidade corporal.
Os riscos de uma ascensão
rápida são por demais
conhecidos, vão desde um
estado de sensação de estar
doente e com náuseas, até
ao surgimento de outros
sintomas, como fortes dores
de cabeça, perda do apetite,
excitabilidade, insónias, rápida
descida do peso corporal e
vómitos, que no seu conjunto
foram o denominado mal de
montanha.
• Aumento dos indicadores do eritrograma.
• Aumento dos leucócitos, linfócitos e do
4152m de plaquetas sanguíneas.
número
• Diminuição dos neutrófilos.
3429m
2919m
Introdução
Ainda que não esteja definido com precisão
o conceito de alta montanha, é comummente
aceite como sendo todas as elevações de terreno
que passam além dos 2500 metros de altitude.
Um número crescendo de pessoas em todo
o mundo tem vindo a dedicar-se às práticas
de alta montanha, quer sejam por praticantes
regulares e sistemáticos na dedicação ao treino
quer turistas aventureiros, na maior parte das
vezes durante o período de férias deVerão, que
desejam ultrapassar os seus próprios limites.
Os riscos de uma ascensão rápida são por
demais conhecidos, vão desde um estado de
sensação de estar doente e com náuseas, até ao
surgimento de outros sintomas, como fortes
dores de cabeça, perda do apetite, excitabilidade, insónias, rápida descida do peso corporal e
vómitos,que no seu conjunto foram o denominado mal de montanha. E não é preciso subir-se
muito para que estas advertências emitam o
seu sinal de alerta. Num trabalho pioneiro
publicado na Revista Military Medicine1, está
referenciado que tal situação é susceptível de
ocorrer em altitudes de 2743m; mais recentemente, alguns investigadores2, mostraram que
tal fenómeno pode ocorrer em indivíduos
que não realizaram aclimatação em altitudes
de 3000m, dependendo da velocidade de
ascensão e do grau de aptidão. Estes sintomas, geralmente, permanecem por três dias,
mas a recuperação do peso corporal perdido
só ocorrerá quando se regressar ao nível do
mar3. Todavia, está por explicar se a perda de
peso corporal que ocorre em expedições
prolongadas de alta-montanha é devida a um
inadequado aporte nutricional, à desidratação
ou a outros factores desconhecidos4,5. Muita
da informação existente acerca dos efeitos da
altitude aborda a problemática das características fisiológicas, mas pouco se sabe acerca dos
efeitos na composição corporal. Por outro lado,
a composição da massa corporal perdida não
foi ainda totalmente esclarecida, por exemplo,
i) Guilland e Klepping6 mostraram uma redução considerável de tecido adiposo, ii) diversos
investigadores7,8,9 mostraram a existência de
uma redução substancial de massa gorda e
de massa magra, iii) no trabalho de Hoppeler
et al.10, foi observado uma redução de 20%
no tamanho da fibra muscular e 25% na sua
capacidade oxidativa, iv) por tomografia axial
computorizada observou-se que a principal
perda de peso corporal derivou da redução do
tecido magro11. De todo o modo, parece que
a magnitude das transformações morfológicas
também depende da altitude alcançada e do
tempo de permanência em altitude12, bem
como do aporte nutricional13, particularmente a suplementação de aminoácidos de cadeia
ramificada, susceptível de reduzir a depleção
muscular14.
Ao nível das modificações produzidas nos
indicadores hematológicos com a permanência prolongada em altitude, apesar do primeiro
trabalho datar de 1901, só a partir da década
de 80 do século passado é que alguns investigadores passaram a debruçar-se seriamente
sobre esta temática. Por exemplo, hoje sabe-se
que a leucocitose é uma das mais consistentes
modificações produzidas com a exposição
prolongada em altitude15 e com a prática de
exercício físico, podendo aumentar até quatro
vezes o seu valor basal,não parecendo estar relacionada com a capacidade física do indivíduo,
mas antes parece estar directamente associada
com a intensidade e duração do exercício16.
Este aumento deve-se sobretudo ao aumento
dos neutrófilos, e em menor percentagem dos
linfócitos e dos monócitos17.
Com este estudo pretendemos avaliar as
alterações morfológicas e hematológicas que
ocorrem num indivíduo (estudo-caso) após
uma expedição de alta montanha a mais de
6500 metros de altitude.
59
Metodologia
Amostra
Sujeito: atleta adulto jovem (34 anos de
idade), não fumador, praticante de montanhismo à mais de 10 anos (dos 24 aos 34 anos). O
sujeito não usava hormonas ou outras drogas
susceptíveis de interferir com o metabolismo.
O consentimento informado respeitou as
normas explícitas na Declaração de Helsínquia
(1975).
Procedimentos
Expedição: com a participação do mais
famoso montanheiro de Portugal da actualidade, João Garcia, e alguns atletas do Clube
de Montanhismo da Guarda, foi realizada
uma expedição a Aconcágua (Argentina),
cujo cume fica a 6962 metros de altitude. A
duração da expedição foi de 21 dias. Todavia,
o tempo de permanência em altitude igual ou
superior ao campo-base foi de 15 dias (de 23
de Dezembro de 2002 a 6 de Janeiro de 2003).
A expedição foi auto-organizada, pelo que
não obedeceu a nenhuma aprovação ética.
60
Quadro 1
Desenho do estudo.
Partida
50m altitude
Campo
Base
4300m
Campo 1 Campo 2 Campo 3 Cume
Chegada
4900m
50m altitude
5400m
6000m
6962m
Antes:
A actividade física desenvolvida pelo sujeito foi aquela
avaliação
necessária para o deslocar de um campo para outro, com
antropométrica
vista à aclimatação.
e hematológica.
Depois:
avaliação
antropométrica
e hematológica.
Avaliação/extensão temporal e medidas
registadas: foi efectuada, em dois momentos
de observação (M1: 4 de Dezembro de 2002;
M2: 9 de Janeiro de 2003), a medição das
seguintes variáveis:
• Composição corporal – peso, estatura,
13 pregas de adiposidade subcutânea (PAS)
(queixo, bicipital, tricipital, antebraço, subescapular,peitoral,midaxilar,abdominal,suprailíaca,
supraespinal, crural, suprapatelar e geminal), 7
circunferências musculares (braço relaxado,
braço em máxima contracção, expansão torácica, cintura, anca, coxa e geminal).
• Indicadores hematológicos – eritrograma,
leucograma e plaquetas.
Composição corporal: todas as medições
foram efectuadas pelo mesmo observador no
hemicorpo direito. A selecção das PAS e os
pontos anatómicos de medição respeitaram
os princípios metodológicos definidos por
Harrison et al.18. Foi registada a média de duas
medições. Em todas as PAS utilizámos um
adipómetro Holtain, o qual apresenta uma
pressão constante (10g/mm2) entre as duas
pinças ao longo de toda a sua amplitude de
abertura.
Foram, ainda, efectuadas medições de
algumas circunferências musculares, nomeadamente, braquial relaxado e em contracção,
expansão torácica, cintura, anca, coxa e da
perna. Foi registada a média de duas medições.
Em todas as circunferências musculares utilizámos uma fita métrica flexível e inextensível
Circumeter Enraf-Nonius®.
Na medição do peso corporal, com o
sujeito vestindo apenas cuecas, foi utilizada
uma balança electrónica portátil Tanita Body
Fat Monitor Scale TBF-531. Na medição da
estatura utilizámos um estadiómetro de parede
de fabrico pessoal.
O cálculo da densidade corporal foi efectuado pela equação de Durnin e Rahaman19.
O percentual de gordura foi calculado pela
equação de Siri20.
Com este estudo
pretendemos avaliar as
alterações morfológicas e
hematológicas que ocorrem
num indivíduo (estudo-caso)
após uma expedição de alta
montanha a mais de 6500
metros de altitude.
A resposta imunitária
ao exercício físico está
dependente de um conjunto
multivariado de factores,
dos quais destacamos, a
intensidade, duração e tipo
de prática físico-motora, o
nível de treino do sujeito,
a fase do dia em que se
procede à recolha da amostra
sanguínea, a prática física
anterior, entre outros.
61
Quadro 2
Composição corporal: resultados obtidos nos dois momentos de observação. Diferença entre momentos. Percentagem de
modificação.
M1
[Dez. 2002]
M2
[Jan. 2003]
Dif. M2–M1
Modificação
(%)
Peso (kg)
76.0
74.8
–1.2
1.6
Estatura (cm)
183.5
183.5
0
0.0
Composição Corporal
Medidas Antropométricas de Base:
Pregas de Adiposidade Subcutânea:
62
Queixo (mm)
12.9
11.4
–1.5
11.6
Bicipital (mm)
2.7
2.3
–0.4
14.8
Tricipital (mm)
6.8
5.6
–1.2
17.6
Antebraço (mm)
3.7
3.2
–0.5
13.5
Subescapular (mm)
8.6
8.4
–0.2
2.3
Peitoral (mm)
4.6
3.5
–1.1
23.9
Midaxilar (mm)
5.3
4.8
–0.5
9.4
Abdominal (mm)
12.1
11.6
–0.5
4.1
Suprailíaca (mm)
7.2
6.1
–1.1
15.3
Crural (mm)
12.0
9.8
–0.2
18.3
Suprapatelar (mm)
6.0
6.0
0
0.0
Geminal (mm)
4.7
4.0
–0.7
14.9
∑12PAS (mm)
86.4
76.7
–9.7
11.2
∑5PAS do Tronco (mm)
37.7
∑3PAS Membros Superiores (MS)
13.1
(mm)
∑3PAS Membros Inferiores (MI)
22.7
(mm)
Circunferências Musculares:
34.3
–3.4
9.0
11.1
–2.0
15.3
19.9
–2.8
12.3
Braço Relaxado (cm)
28.3
27.9
–0.4
1.4
Braço em Contracção (cm)
32.8
32.0
–0.8
2.4
Expansão Torácica (cm)
102.0
104.6
+2.6
2.5
Abdominal (cm)
77.0
78.0
+1.0
1.3
Anca (cm)
91.6
89.5
–2.1
2.3
Crural (cm)
54.6
54.5
–0.1
0.2
Perna (cm)
37.7
38.5
+0.8
2.1
Ratio Cintura/Anca
0.84
0.87
+0.03
3.6
Composição Corporal:
Densidade Corporal (g.cm–3)
1.07236
1.07575
+0.00339
0.3
Gordura Corporal (%)
11.6
10.1
–1.5
12.9
Gordura Corporal (kg)
8.8
7.6
–1.2
13.6
Massa Magra (kg)
67.2
67.2
0
0.0
Recolha sanguínea
Indicadores hematológicos: a amostra de
sangue venoso periférico, obtido pela veia
antecubital, para determinação dos indicadores
hematológicos, foi realizada por especialistas
num laboratório privado de análises clínicas e
analisada dentro das 6 horas seguintes à recolha.
Resultados e discussão
Com excepção da PAS suprapatelar que não
sofreu alteração de um momento de registo
para o outro, nas restantes PAS verificou-se
uma diminuição da espessura em M2, o que
equivale a dizer a uma redução na quantidade
de tecido adiposo após a expedição. De todo o
modo, em termos absolutos, a redução foi mais
evidente nas PAS queixo, tricipital, peitoral e
suprailíaca. Por sua vez, em termos relativos,
a redução foi mais pronunciada nas PAS dos
membros superiores, seguida dos membros
inferiores e, por último, do tronco. A redução
de 11.4% no total das PAS é semelhante aos
10.8% observados em outros estudos21.
Traduzindo para avaliação da CC, após a
expedição a Aconcágua (Argentina), elevaramse os valores da densidade corporal, estabilizou
a quantidade de tecido magro e reduziu-se a
quantidade de tecido adiposo, quer em valor
absoluto (kg), quer relativo (%). Na realidade,
se não estranhamos o facto da diminuição da
massa gorda, o mesmo não se sucede com a
estabilização da massa magra, uma vez que o
tipo e qualidade do esforço físico despendido
orienta-se no sentido, também, da depleção
muscular8,10,11, tal como se verificou na massa
corporal total, cuja diminuição atingiu os
1.2kg, o que é significativamente mais baixo
comparativamente a outros estudos envolvendo montanheiros5,22. Para além da permanência
em altitude e a habituação a situações limite de
sobrevivência, provavelmente também o rigor
na adequação alimentar/nutricional, fizeram
com que o valor da redução do peso corporal
registado não fosse significativo. De modo
concordante com o presente estudo (PE),
valores reduzidos de redução da quantidade
de tecido magro também foram registados
noutros estudos9,10,11. Porém, a redução do
peso corporal devido à má nutrição por perda
do paladar num ambiente desconfortável com
redução do aporte calórico e a anorexia da
altitude por falta de apetite, a desidratação, a
inapropriada aclimatação, o dispêndio energético e possivelmente a má absorção intestinal
são fenómenos bem conhecidos em montanheiros. Ainda que o ser humano, realizando
uma complexa série de adaptações, consiga
sobreviver em ambientes com baixas pressões
barométricas em altitudes acima dos 6000m.
Relativamente à massa corporal total, um
estudo levado a efeito por Piccoli et al.22 com
um grupo de sete montanheiros que durante
quatro semanas fizeram uma ascensão até aos
7000 metros nos Himalaias (Nepal), a perda
média de peso corporal situou-se em 1.8kg
(antes: 71.8kg; após: 70.0kg); de modo mais
acentuado, no estudo de Zamboni et al.5, que
consistiu na realização de uma expedição a
7546m ao Muz Tagh Ata (China), envolvendo
dez homens e duas mulheres, a perda de peso
corporal foi superior a 3kg (antes: 70.2kg;
após: 66.9kg); por sua vez, Tanner e Stager21
observaram uma redução do peso em torno
dos 4.2kg, num grupo de cinco montanheiros
que realizaram uma expedição durante 21 dias
até aos 4300m no Monte McKinley, Alaska.
Westerterp et al.23 registaram num grupo de
seis homens e quatro mulheres que realizaram
uma expedição de 21 dias a Sajama (Bolívia),
6542m, uma redução do peso corporal de
4.9kg (antes: 65.7kg; após: 60.8kg).
O atleta do PE reduziu o peso corporal
não a expensas do tecido magro, mas do
tecido adiposo. De modo semelhante, outros
estudos7,9 mostraram que 2/3 da redução do
peso corporal foi devida à redução da massa
gorda, enquanto que 1/3 de massa muscular.
Numa expedição de 62 dias a uma das montanhas mais altas do mundo, Broad Peak, 8047m,
envolvendo 13 montanheiros (11 homens
e duas mulheres), a perda de peso corporal
situou-se em torno dos 6.5kg, principalmente
devido à perda de água e de tecido adiposo4.
A manutenção da massa magra e a diminuição
63
64
Quadro 3
Indicadores hematológicos: resultados obtidos nos dois momentos de observação. Diferença entre momentos.
Percentagem de modificação.
Indicadores
Hematológicos
M1
M2
Dif. M2–M1
[Dez/2002] [Jan/2003]
Modificação
(%)
Eritrócitos (1012/L)
5.25
5.43
+0.18
3.4
Hemoglobina (g/dL)
15.6
16.7
+1.1
7.1
Hematócrito (%)
46.7
49.4
+2.7
5.8
Volume Globular Médio
(fL)
89.0
90.9
+1.9
2.1
Hemoglobina Globular
Média (pg)
29.7
30.8
+1.1
3.7
Conc. Hemog. Globular
Média (g/Dl)
33.4
33.8
+0.4
1.2
Leucócitos (109/L)
5.4
6.5
+1.1
20.4
Neutrófilos (%)
41.3 [2.2]
40.0 [2.6]
–1.3 VR
+0.4 VA
3.1VR
15.4VA
Eosinófilos (%)
3.2 [0.2]
3.3 [0.2]
+0.1 VR
0.0 VA
3.0VR
0.0VA
Basófilos (%)
0.5 [0.0]
0.4 [0.0]
–0.1 VR
0.0 VA
25VR
0.0VA
Linfócitos (%)
46.8 [2.5]
49.2 [3.2]
+2.4 VR
+0.7 VA
4.9VR
21.9VA
Monócitos (%)
8.1 [0.4]
7.1 [0.5]
–1.0 VR
+0.1 VA
14.1VR
20VA
195
215
+20.0
ERITROGRAMA
LEUCOGRAMA
PLAQUETAS
Plaquetas sanguíneas
(109/L)
10.3
da massa gorda leva a um aumento da densidade corporal. No PE, o aumento de 0.003g.
cm–3 na densidade corporal, equivalente
a 0.3%, não parece ser relevante. Contudo,
está associado à redução da massa gorda e
manutenção da massa magra. As modificações
morfológicas registadas não permitem, no
entanto, asseverar se foram o produto do tipo
de aporte nutricional e hídrico adoptado ou
se por outros factores desconhecidos. Alguns
investigadores8,24 demonstraram que em altitude as variáveis antropométricas sofreriam
pequenas modificações desde que estivesse
presente uma ampla disponibilidade alimentar.
Num trabalho de Kayser et al.25 ficou patente
que uma diminuição de 1% de tecido adiposo
foi referido como sendo uma diferença pouco
relevante (p>0.05). Outros autores9 registaram
com relevância estatística uma redução de
2.2% de massa gorda após uma expedição de
alta montanha durante 16 dias. Por sua vez,
diversos investigadores23 observaram após uma
expedição a 6542m uma redução de 3.7kg
de tecido gordo, representando cerca de ¾
da massa perdida. Também em exercício de
simulação em situação de hipoxia em câmara
hipobárica, foi observado uma potente redução de ácidos gordos plasmáticos26. No PE,
a redução de tecido adiposo situou-se em
1.5%.
À semelhança das PAS, também se registou
uma diminuição das circunferências musculares
braquial relaxado e em contracção, da anca e da
coxa, embora apenas a medida da anca tenha
sido aquela que sofreu a modificação absoluta
mais pronunciada (–2.1cm). Opostamente, as
circunferências abdominal e máxima expansão torácica sofreram modificações positivas.
O conjunto de todas as circunferências avaliadas registou um equilíbrio entre momentos
de observação, o que é contrário a estudo de
Tanner e Stager21 cujo total reduziu 2.8%.
A relação cintura/anca (RCA), identificada
como i) estando directamente relacionada com
os níveis de concentração de tecido adiposo
visceral27, ii) significativamente correlacionada
com a quantidade de gordura depositada intraabdominal e subcutaneamente28, iii) associada
a um conjunto variado de doenças29, foi ligeiramente mais elevada em M2 do que em M1
(M1:RCA=0.84; M2:RCA=0.87). Segundo
Kirschener e Samojlik30, o homem geralmente apresenta valores de RCA superiores a 0.85.
Estes valores estão em oposição com outros
estudos5, cujo ratio cintura/anca registou um
decréscimo considerável (p<0.05). Outras
medidas aumentaram após a expedição, são o
caso das circunferências abdominal, da perna
e máxima expansão torácica, com esta última a apresentar a diferença mais expressiva
(+2.6cm). Aliás, a permanência em altitude e
o subsequente treino em regime de resistência
de longa duração é susceptível de promover o
aumento da caixa torácica31.
VR – valor relativo (%)
VA – valor absoluto
A resposta imunitária ao exercício físico está
dependente de um conjunto multivariado de
65
3752m
2287m
66
factores, dos quais destacamos, a intensidade,
duração e tipo de prática físico-motora, o
nível de treino do sujeito, a fase do dia em
que se procede à recolha da amostra sanguínea, a prática física anterior, entre outros. Não
existem a nível internacional muitos estudos
que tenham efectuado a comparação dos
indicadores hematológicos antes e depois
de uma expedição a alta montanha, o que
logicamente inviabiliza uma discussão mais
profunda. Por outro lado, este estudo, apesar
da natureza relativa, apresenta-se como o
primeiro a ser realizado em Portugal, avaliando
cumulativamente componentes morfológicas
e hematológicas, antes e depois de uma expedição de alta montanha. Todavia, a recolha
sanguínea no segundo momento de avaliação
ocorreu três dias após a expedição, o que é
susceptível de interferir com as adaptações
agudas ao esforço desenvolvido.
De uma forma geral, os indicadores hematológicos aumentaram após a expedição. O
eritrograma mostrou, como seria de esperar,
valores mais elevados após a expedição. A
rarefacção de oxigénio e o treino (sob a forma
de marcha) continuado em tais circunstâncias
são as principais causas do aumento de cada
um dos seus indicadores32. Contudo, de todos
eles, apenas aqueles referentes à taxa de hemoglobina se aproximaram do mais elevado valor
de referência laboratorial, os restantes permaneceram sensivelmente a meio das referências.
O aumento da taxa de hemoglobina, em
termos absolutos e relativos, é acompanhado
pelo estudo de outros autores33. Um estudo
realizado com um grupo de montanheiros34,
revelou que após um a dois dias de expedição
a 3500m, as concentrações de eritropoetina
aumentavam cerca de três vezes os valores
iniciais; ao ascenderem aos 4500m ainda se
registou um ligeiro aumento, porém os valores
retornaram gradualmente aos valores iniciais
durante os 22 dias de permanência nesta altitude. Este dado revela a evidência do estímulo da
hipoxia hipobárica no aumento significativo
da eritropoiése particularmente nos primeiros
dias, a altitudes mais baixas, no entanto não
se pode assumir que esse estímulo se traduza
num aumento importante da produção de
eritrócitos, tal como foi verificável neste estudo (Dif. M2–M1= +0.18; 3.4%).
A análise do leucograma mostrou que o
atleta da nossa amostra apresentou aumentos
«mais significativos» nos leucócitos (109/L)
e linfócitos (%), ainda que ambos dentro dos
valores de referência laboratorial.Os leucócitos,
como demonstraram alguns investigadores16,
são susceptíveis de aumentar na resposta à actividade física continuada. Embora usualmente
normal em atletas,diversos autores35 mostraram
3429m
2919m
a existência de baixas concentrações linfocitárias em maratonistas. Os neutrófilos registaram
a descida relativa mais acentuada (–1.3%),
embora tenham aumentado em termos
absolutos (+0.4). Todavia, ambos os valores
aproximam-se perigosamente do mais baixo
valor de referência laboratorial (2.0), ao passo
que os monócitos, apesar da descida relativa
de valores (–1.0) e um ligeiro aumento em
termos absolutos (+0.1), continuam com
uma margem estável dentro do sujeito. De
forma semelhante encontra-se o percentual
de basófilos e de eosinófilos. Por estes dados,
verifica-se que um pouco contrariamente a
outros trabalhos17, ao aumento dos leucócitos
não se registaram aumentos cumulativos de
neutrófilos e de monócitos, em termos relativos, mas registaram-se aumentos em termos
absolutos. Provavelmente, devido à especificidade da prática desportiva em questão. O
aumento de 10.3% do número de plaquetas
sanguíneas vai de encontro aos resultados de
outros estudos36,37.
De uma forma geral, os
indicadores hematológicos
aumentaram após a
expedição. O eritrograma
mostrou, como seria
de esperar, valores mais
elevados após a expedição.
A rarefacção de oxigénio
e o treino (sob a forma de
marcha) continuado em tais
circunstâncias são as principais
causas do aumento de cada
um dos seus indicadores.
67
Referências
68
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Conclusão
Apesar deste estudo ser o primeiro a ser realizado em Portugal
considerando simultaneamente indicadores morfológicos e
hematológicos, os resultados obtidos devem ser relativizados, na
medida em que apenas um único atleta/montanheiro não pode ser
representativo da população de montanheiros existente, mas que
serve como referencial daquilo que poderá ocorrer morfológica e
hematologicamente a quem esteja a pensar em expedições de alta
montanha.
Em face dos resultados obtidos podemos concluir que uma
expedição de 15 dias a uma altitude superior a 6500 metros
promove, em termos morfológicos, modificações diferenciais na
composição regional do corpo, sugerindo uma preferencial perda
de tecido adiposo e uma manutenção relativa do tecido magro; em
termos hematológicos, a expressão das modificações não foi tão
significativa. Em suma, as principais alterações foram:
• Diminuição da espessura de quase todas as PAS e da maior
parte das circunferências musculares.
• Diminuição do peso corporal (ainda que no PE tal não tenha
sido tão evidente quanto é referido na revisão da literatura).
• Diminuição da quantidade de tecido adiposo, reduzindo os
valores absoluto e relativo.
• Aumento da densidade corporal.
• Aumento da circunferência torácica.
• Aumento dos indicadores do eritrograma.
• Aumento dos leucócitos, linfócitos e do número de plaquetas
sanguíneas.
• Diminuição dos neutrófilos.
69
70
José Afonso Moreira
Farmacêutico Hospitalar; Serviço de Imunohemoterapia; Hospital
Distrital da Figueira da Foz
Isabel Vitória Figueiredo
Professora Auxiliar de Nomeação Definitiva do Laboratório de
Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade de Coimbra
Amílcar Falcão
Professor Catedrático do Laboratório de Farmacologia; Faculdade
de Farmácia; Universidade de Coimbra
Aspirina como
antiagregante plaquetar
“Resistência à Aspirina”
diagnóstico e prevalência
Conceito de “Resistência à Aspirina”
A eficácia antiagregante do ácido acetilsalicílico encontra-se bem documentada em diversos
ensaios clínicos e metanálises (Antithrombotic
Trialists’ Collaboration, 2002). Contudo, vemse verificando uma recorrência de patologias
vasculares em 10-20% dos doentes a terapêutica a longo termo com aspirina (Michelson et
al., 2005). Estes factos suportam uma evidência crescente de que existem subpopulações
que não respondem ao efeito antiagregante da
aspirina. Vários investigadores atribuem estes
eventos vasculares recorrentes, em doentes
com terapêutica profiláctica, a um fenómeno
a que chamam de “Resistência à Aspirina”
(Chen et al., 2004; Michelson et al., 2005). O
termo em causa foi utilizado para descrever
diferentes fenómenos, em particular a incapacidade da aspirina em proteger contra eventos
cardiovasculares e, por outro lado, o efeito do
fármaco em diversos testes laboratoriais que
traduzem a actividade plaquetar (Szczeklik et
al., 2005). Estudos efectuados associam, de um
modo independente, a “Resistência à Aspirina”
71
72
a um aumento da incidência de patologias
cardiovasculares (Patrono, 2003; Eikelboom et
al., 2002; Gum et al., 2003). Como referimos
anteriormente (Ser Saúde 8, págs.26-43), a
“Resistência à Aspirina” pode ser definida
num contexto clínico (Resistência Clínica)
e/ou laboratorial (Resistência Laboratorial)
(Bhatt et Topo, 2003).
“Resistência Clínica” traduz a incapacidade
do ácido acetilsalicílico para prevenir acidentes
isquémicos tromboembólicos em doentes a
tomar aspirina. Este conceito apresenta certas
limitações, em particular a falta de especificidade, na medida em que o ácido acetilsalicílico
apenas evita 25% da totalidade dos episódios
isquémicos e, por outro lado, o facto de permitir um diagnóstico apenas após a ocorrência de
um episódio isquémico (Tran et al., 2007).
“Resistência Laboratorial” refere-se à incapacidade do ácido acetilsalicílico em inibir a
produção de TXA2 ou em inibir os testes da
função plaquetar dependentes da produção
de tromboxano plaquetar. Por outras palavras,
traduz uma persistente activação plaquetar
(apesar da terapêutica) demonstrada pelos
testes de avaliação da função plaquetar. O diagnóstico de “Resistência Laboratorial” pode ser
efectuado antes da ocorrência de um evento,
permitindo a identificação de doentes que
possam beneficiar de uma abordagem terapêutica mais efectiva (Tran et al., 2007).Vários
estudos referem que a avaliação da “Resistência
Laboratorial à Aspirina”, através da ausência
do efeito mensurável esperado na medição da
função plaquetar, está associada a um aumento
de acidentes cardiovasculares (Eikelboom et
al., 2002; Gum et al., 2003; Grotemeyer et al.,
1993; Mueller et al., 1997). No entanto, com
base na bibliografia existente, resulta sempre
arriscado catalogar os doentes em “resistentes”
ou “bons respondedores” à aspirina, tornando
difícil prever com exactidão a eventualidade
de se assistir a uma recidiva clínica e, consequentemente, proceder de forma adequada à
implementação de uma estratégia terapêutica
que contrarie essa situação (Hennekens et al.,
2004).
A definição laboratorial de “Resistência à
Aspirina” envolve, por um lado, a detecção da
ausência de um efeito farmacológico e, por
outro,a incapacidade de inibição do processo de
agregação plaquetar pela aspirina (Wong et al.,
2004). Alguns autores, no sentido de clarificar
os diferentes padrões associados a “Resistência
à Aspirina”, sugeriram a existência de três
grupos distintos de acordo com o comportamento farmacológico (Tabela 1) (Weber et al.,
2002). A definição proposta procura classificar
de uma forma objectiva as diferenças entre
“Resistência à Aspirina” e falha na resposta à
aspirina (aspirin non-response), mas encontra-se
restringida ao método de avaliação da função
plaquetar utilizado (teste de agregometria)
com as consequentes limitações associadas a
esta metodologia (Wong et al., 2004).
“Resistência Clínica” traduz a incapacidade do ácido
acetilsalicílico para prevenir acidentes isquémicos
tromboembólicos em doentes a tomar aspirina. Este
conceito apresenta certas limitações, em particular a falta de
especificidade, na medida que o ácido acetilsalicílico apenas
evita 25% da totalidade dos episódios isquémicos e, por
outro lado, o facto de permitir um diagnóstico apenas após a
ocorrência de um episódio isquémico.
Tabela1
Tipos de “Resistência à Aspirina”
Tipo I
Tipo II
Tipo III
Farmacocinética
Agregação plaquetar inibida in vivo pela administração de aspirina. A resistência pode dever-se à não
adesão à terapêutica pelo doente ou à variabilidade da
relação dose/resposta entre os diversos doentes.
Farmacodinâmica
Agregação plaquetar contínua após a administração in vitro de aspirina, com formação persistente de
TXA2. Isto sugere que a activação plaquetar persiste
apesar da inibição da COX-1, possivelmente devido
à produção de PGH2 (que pode ser convertida em
TXA2) por intermédio da COX-2 (Maclouf et al,
1998). Uma explicação alternativa pode estar relacionada com defeitos de ligação da aspirina à COX-1
devido a polimorfismos genéticos.
Pseudo-resistência
Agregação plaquetar contínua após a administração in vitro de aspirina, mas com inibição efectiva da
produção de TXA2. Os mecanismos prováveis estão
relacionados com vias alternativas à formação de
TXA2 e um aumento da sensibilidade ao colagénio
(Kawasaki et al., 2000; Zimmermann et al., 2001).
73
74
Diagnóstico da “Resistência à
Aspirina”
Diferentes métodos têm sido utilizados
para monitorização de uma resposta individual à acção da aspirina, incluindo testes da
função plaquetar e determinações directas do
fármaco na inibição da síntese de TXA2.
“Resistência Clínica”
A “Resistência Clínica” pode ser diagnosticada pela ocorrência de episódios
isquémicos aterotrombóticos num doente
a fazer terapêutica com ácido acetilsalicílico
(Bhatt et Topo, 2003). Como foi referido
anteriormente (Ser Saúde 8, págs.26-43),
este conceito apresenta limitações relativas ao
carácter retrospectivo e à não especificidade.
É mais correcto classificar estes doentes como
apresentando uma falha na resposta à terapia
(Hankey et Eikelboom, 2006).
1.“Resistência Laboratorial”
Tempo de hemorragia
O tempo de hemorragia mede a função
plaquetar in vivo. Em geral, o ácido acetilsalicílico prolonga o tempo de hemorragia. Este
teste é simples e fácil de realizar, mas apresenta
falta de sensibilidade para a detecção de anormalidades moderadas da hemostase primária,
não constituindo, deste modo, um processo
muito útil na avaliação da resposta de um
doente à terapêutica (Szczeklick et al., 2005).
Figura 1
Avaliação do Tempo de hemorragia (in vivo bleding time)
por intermédio do dispositivo Simplate II.
2. Determinação do tromboxano
B2 sérico/11-dihidro-tromboxano B2
urinário
A avaliação da produção de tromboxano pode ser determinada pela medição de
metabolitos estáveis do TXA2, tais como
o tromboxano B2, no soro ou plasma, e o
11-dihidro-tromboxano B2, detectável na
urina.
Na medida em que a produção de tromboxano B2 sérico (TXB2) depende, em grande
parte, da COX-1 plaquetar – que é, recordese, a enzima-alvo da acção da aspirina – este
metabolito utiliza-se para a medição do efeito
de baixas doses de ácido acetilsalicílico nas
plaquetas (Patrono, 2003). Esta técnica pode-
rá não ser específica da função plaquetar e é
limitada essencialmente pela complexidade e
duração inerentes à sua própria execução, bem
como pela necessidade de recurso a técnicos
especializados (Hankey et Eikelboom, 2006).
O 11-dihidro-tromboxano B2 urinário é o
metabolito final da via do ácido araquidónico
e, tal como o TXB2, a grande vantagem da sua
utilização relaciona-se com a sua dependência
da COX-1 plaquetar. A técnica é relativamente simples e de baixo custo, e tem sido
usada na avaliação da “Resistência à Aspirina”
(Eikelboom et al., 2002). Este metabolito
é substancialmente afectado pela dose de
aspirina é utilizada, pelo que a administração
de doses elevadas de aspirina resulta também
numa grande inibição da COX-2 e, consequentemente, concentrações muito baixas do
metabolito (Fitzgerald et al., 1983; Dippel et
al., 2004). Sabendo que o ácido acetilsalicílico
é efectivo na prevenção de doenças cardiovasculares independentemente da dose, este
método poderá não ser muito válido na avaliação laboratorial. A falta de reprodutibilidade e
a pouca informação disponível constituem
também limitações relativas à técnica (Hankey
et Eikelboom, 2006).
75
76
3. Expressão de P-selectina nas
membranas plaquetares
As selectinas são proteínas de adesão expressas
em todos os tipos de células sanguíneas (Carlos
et Harlan, 1994). A P-selectina desloca-se para
a membrana plaquetar quando as plaquetas
são activadas e se encontram desgranuladas.
O aumento da expressão de P-selectina na
superfície da membrana plaquetar traduz,
deste modo, um aumento do processo de
activação plaquetar (O´Connor et al., 1999).A
avaliação da expressão da P-selectina ao nível
das membranas plaquetares é feita pela técnica
de citometria de fluxo. As desvantagens deste
método estão relacionadas com os custos
inerentes ao equipamento e com a necessidade de um apertado controlo das condições
de teste a utilizar (Serebruany et al., 1999). É
também atribuída à técnica alguma falta de
sensibilidade, especificidade, reprodutibilidade
e fraca correlação clínica com eventos isquémicos (Sanderson et al., 2005).
“Resistência Laboratorial”
refere-se à incapacidade
do ácido acetilsalicílico
em inibir a produção
de TXA2 ou em inibir os
testes da função plaquetar
dependentes da produção
de tromboxano plaquetar.
Por outras palavras, traduz
uma persistente activação
plaquetar (apesar da
terapêutica) demonstrada
pelos testes de avaliação
da função plaquetar. O
diagnóstico de “Resistência
Laboratorial” pode ser
efectuado antes da
ocorrência de um evento,
permitindo a identificação
de doentes que possam
beneficiar de uma
abordagem terapêutica mais
efectiva.
4. Determinação de P-selectina
solúvel
O aumento plasmático desta proteína
de adesão é indicativo de um aumento da
activação plaquetar (O´Connor et al., 1999;
Blann et Lip, 1997). A quantificação dos níveis
plasmáticos desta proteína faz-se através de um
teste simples de executar e apresenta uma boa
correlação clínica com episódios vasculares. A
estabilidade da proteína e a possibilidade de
armazenamento por vários meses, permite
que este teste possa ser utilizado em estudos
epidemiológicos de longa duração. No entanto, o processo apresenta algumas limitações no
que respeita à sensibilidade, especificidade e
reprodutibilidade (Sanderson, 2005).
77
5.Testes de agregometria
a) Teste de agregometria turbidimétrica em plasma rico em plaquetas
78
Este tipo de teste, também designado por
teste de agregometria de transmissão óptica/
luz, mede o aumento da transmissão de luz
numa suspensão de plaquetas quando estas se
encontram agregadas por acção de agonistas,
tais como o TXA2, ADP ou colagénio (De
Gaetano et Cerletti, 2003). Este teste constitui
a técnica standard mais utilizada em termos de
função plaquetar. Para avaliação da acção da
aspirina, o ácido araquidónico é o agonista
plaquetar mais indicado. Observa-se também
uma boa correlação com episódios clínicos
(Hankey et Eikelboom, 2006).
b) Teste de agregometria plaquetar
em sangue total
Este método mede a alteração na impedância eléctrica entre dois eléctrodos quando as
plaquetas se encontram agregadas. A diferença
em relação ao método anterior consiste na
medição em sangue total, evitando-se deste
modo a preparação da suspensão plaquetar
(Hankey et Eikelboom, 2006).
Ambos os testes de agregometria apresentam
algumas limitações, das quais se salienta uma
reduzida especificidade (resultante do facto
das plaquetas poderem ser activadas por outras
vias que não a da estimulação do receptor do
TXA2), a influência do operador e tempo
longo de execução (Patrono, 2003).
Figura 2
Aparelho de agregometria plaquetar Modelo PAP-8E.
6. PFA-100
O PFA-100 é um analisador semi-automático da função plaquetar que reproduz,
in vitro, as condições fisiológicas que levam à
adesão, activação e agregação das plaquetas,
simulando o complexo processo de hemostase
primária (Kundu et al., 1995). O processo de
simulação da função plaquetar compreende,
além do aparelho propriamente dito, a utilização de dois cartuchos de testes descartáveis
(Colagénio/Epinefrina e Colagénio/ADP).
Um simples cartucho de teste do PFA-100
consiste num conjunto de partes integradas
que compreendem um capilar,um reservatório
da amostra e uma membrana bioquimicamente (colagénio/epinefrina ou colagénio/
ADP dependendo do tipo de cartucho) activa
com uma abertura microscópica central. O
aparelho PFA-100 vai determinar o tempo
(em segundos) que ocorreu desde o início
do teste até à formação do trombo plaquetário na abertura (e consequente oclusão da
abertura membranar), reportando esse intervalo de tempo como Tempo de Oclusão/
Closure Time (CT). O CT é, deste modo, um
indicador da função plaquetar, reflectindo a
capacidade hemostática plaquetar da amostra
de sangue analisada (Kundu et al., 1995). O
aparelho PFA-100 é indicado para a detecção de disfunções plaquetares induzidas pelo
ácido acetilsalicílico, com uma sensibilidade de
95% em indivíduos normais após a ingestão
de uma única dose de 325 mg. A obtenção
de resultados anormais no PFA-100 após
ingestão do ácido acetilsalicílico é indicativa
de um efeito inibitório do fármaco na função
plaquetar do doente; se, pelo contrário, não
se detectar qualquer alteração plaquetar após
a ingestão do fármaco, é de considerar uma
reavaliação na terapia antiagregante instituída
(Jilma et Fuchs, 2001; Gum et al., 2001). A
técnica é simples, rápida, semi-automática e
apresenta correlação com eventos clínicos
(Anderson et al., 2002; Grundmann et al.,
2002). As limitações da técnica prendem-se
com a sensibilidade a diversas variáveis (além
da produção de TXA2), nomeadamente os
níveis de factor de von Willebrand e a contagem plaquetar (Cattaneo, 2004).
Figura 3
Analisador semi-automático PFA-100.
79
80
7. Ultegra RPFA
O Ultrega RPFA® é um aparelho semi-automático que mede a aglutinação de grânulos
revestidos com fibrinogénio em resposta a
estímulos por um agonista (ácido araquidónico). Se o ácido acetilsalicílico produzir o efeito
pretendido, os grânulos não se aglutinam e a
transmissão óptica não aumenta. O resultado
é expresso em unidades de reacção da aspirina
(Chen et al., 2004). As vantagens do instrumento relacionam-se com a simplicidade de
uso, rapidez de resultados, semi-automatismo
e correlação com eventos clínicos (Hankey et
Eikelboom, 2006). As limitações inerentes ao
aparelho estão associadas ao facto de o critério
de diagnóstico para a “Resistência Laboratorial
à Aspirina” ser baseado num limite estabelecido
por comparação com a agregometria plaquetar óptica após administração de uma dose de
325 mg de ácido acetilsalicílico, em resposta
a um estímulo com adrenalina. O problema
surge pelo facto da indução pela adrenalina
não ser específica e de se conhecer de forma
pouco exacta qual o grau de correlação com o
efeito antiplaquetar do fármaco (Malinin et al.,
2004; Hankey et Eikelboom, 2006).
Outros aparelhos e testes laboratoriais foram
propostos para o diagnóstico de “Resistência
Laboratorial à Aspirina”, nomeadamente o sistema Plateletworks® e o analisador
Impact®. Estes testes apresentam, contudo,
poucos estudos no contexto da avaliação da
“Resistência Laboratorial à Aspirina” (Hankey
et Eikelboom, 2006).
Figura 4
Aparelho Ultegra RPFA®.
Prevalência da “Resistência
Laboratorial à Aspirina”
Diversos trabalhos têm sido desenvolvidos
no sentido de se proceder à determinação
da prevalência da “Resistência Laboratorial à
Aspirina”. A tabela seguinte (Tabela 2) apresenta os resultados relativos aos estudos em que
foram empregues os testes de função plaquetar mais utilizados actualmente (PFA-100,
Ultegra RPFA e testes de agregometria).
Os resultados mostram que a prevalência da
“Resistência Laboratorial à Aspirina” varia
entre 9,5% e 35% quando o teste utilizado é o
PFA-100, entre 7% e 27% quando se emprega o Ultegra RPFA e entre 0,4% e 9% para
os testes de agregometria óptica.
Tabela 2
Prevalência da “Resistência Laboratorial à Aspirina”, (Dalen, 2007)
Referência
População
Teste da
função
plaquetar
Aspirina
(mg/dia)
Resistência
Grundman et al., 2003
53 doentes com história de
acidentes cerebrovasculares
PFA-100
100
34%
Macchi et al., 2002
72 doentes com doença
coronária arterial
PFA-100
160
29%
Anderson et al., 2002
202 doentes com história de
enfarte agudo do miocárdio
PFA-100
161
35%
Gum et al., 2001
325 doentes com doença
cardiovascular estabilizada
PFA-100
325
9,5%
Chen et al., 2004
151 doentes com intervenção percutânea coronária
UltegraRPFA
80-325
19%
Wang et al., 2003
422 doentes submetidos a
terapêutica com aspirina
UltegraRPFA
80-325
23%
UltegraRPFA
80-325
27%
UltegraRPFA
325
7%
81-325
9%
325
0,4%
325
5,2%
325
0,7%
Lee et al., 2005
Malinin et al., 2004
Schwartz et al., 2005
468 doentes com doença
coronária arterial estabilizada
141 doentes com factores
de risco de patologia
isquémica
190 (doentes com história
de enfarte agudo do
miocárdio)
Tantry et al., 2005
223 doentes com doença
coronária arterial
Gum et al., 2003
326 doentes com doença
cardiovascular estabilizada
Malinin et al., 2004
141 doentes com factores
de risco de patologia
isquémica
Agregometria
de transmissão
óptica
Agregometria
de transmissão
óptica
Agregometria
de transmissão
óptica
Agregometria
de transmissão
óptica
81
82
O conceito de “Resistência Laboratorial à
Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos,
um ênfase considerável com a realização
de diversos ensaios com vista a uma melhor
explicação e avaliação do fenómeno em causa.
Contudo, a diversidade de técnicas empregues
na sua avaliação, bem como os diferentes
ângulos de abordagem existentes, reclamam
com carácter de urgência o desenvolvimento
de uma definição precisa e universal para a
“Resistência Laboratorial à Aspirina”.
Conclusão
O conceito de “Resistência Laboratorial à
Aspirina” tem ganho, nos últimos tempos, um
ênfase considerável com a realização de diversos ensaios com vista a uma melhor explicação
e avaliação do fenómeno em causa. Contudo,
a diversidade de técnicas empregues na sua
avaliação, bem como os diferentes ângulos de
abordagem existentes, reclamam com carácter
de urgência o desenvolvimento de uma definição precisa e universal para a “Resistência
Laboratorial à Aspirina”.
A ausência de um consenso relativamente
ao processo de referência para medição da
função plaquetar levou a que muitos dos estudos realizados para avaliação da “Resistência
Laboratorial à Aspirina” tivessem sido desenvolvidos numa base de grande multiplicidade
metodológica. Para além disso, a própria a
complexidade de todo o processo de agregação e activação plaquetar pode condicionar a
capacidade de um único teste reflectir todos
os aspectos da função plaquetar que são relevantes num contexto clínico (Sanderson et al.,
2005).
Os testes semi-automáticos (PFA-100
e UltegraRPFA) apresentam vantagens
significativas em relação aos testes padrão da
função plaquetar (agregometria plaquetar),
nomeadamente a sua simplicidade e rapidez
na obtenção de resultados (Tran et al., 2007).
No entanto, este tipo de testes revela uma
certa falta de correlação de resultados com os
testes de agregometria, sendo ainda necessário
que se venha a estabelecer um processo de
padronização (Harrison et al., 2005).
Os valores relativos à prevalência de
“Resistência Laboratorial à Aspirina” apresentados naTabela 2 (0,4% a 35%) reportam apenas
resultados recentemente obtidos por recurso
aos testes da função plaquetar mais utilizados
na rotina:PFA-100,UltegraRPFA e testes de
agregometria. No entanto, estudos anteriores
com base em metodologias menos evoluídas
estimam uma “Resistência à Aspirina” posicionada algures num intervalo entre 5,5% e
61% (Hankey et Eikelboom, 2006; Sanderson
et al., 2005). A variabilidade observada resulta,
em parte, do tipo de método de avaliação da
função plaquetar utilizado, do tamanho das
83
amostras, dos critérios de inclusão/exclusão,
de incertezas relacionadas com a toma diária
da aspirina, da estabilidade da medicação com
o tempo, de diferentes definições de resistência
e de regimes terapêuticos utilizados (Hankey
et Eikelboom, 2006).
A somar aos aspectos metodológicos, já de
si fonte de variabilidade reconhecida, a dose
administrada pode igualmente afectar a avaliação dos níveis de prevalência da “Resistência
Laboratorial à Aspirina”. Como se pode verificar na Tabela 2, para o aparelho PFA-100, a
prevalência situa-se aproximadamente entre os
10% e os 30%, consoante as doses administradas (325 mg e 100-161 mg, respectivamente).
Em resumo, é uma evidência que actualmente o diagnóstico laboratorial de
“Resistência Laboratorial à Aspirina” se
encontra extremamente dependente da metodologia adoptada. Nesse sentido é critico que
a medição laboratorial do efeito da Aspirina na
função plaquetar (e consequente identificação
de doentes resistentes) passe pelo desenvolvimento e avaliação de testes da função plaquetar
específicos, padronizados, de fácil manuseamento, com grande rapidez e reprodutibilidade
de resultados. Estes devem ser devidamente
validados e correlacionar-se, de um modo
independente, com um aumento do risco de
acidentes vasculares isquémicos. É igualmente
determinante que se procedam a estudos
adicionais com vista a um desenvolvimento
e/ou aperfeiçoamento dos métodos utilizados
tendo sempre em conta potenciais interferentes (dose, adesão à terapêutica, interacções
farmacológicas, etc.) procurando obter um
elevado grau de padronização e especificidade
na metodologia utilizada. Simultaneamente, é
também do maior interesse que se estabeleça
uma uniformização na definição do conceito
de Resistência à Aspirina. Estes dois aspectos
(conceito e metodologia) devidamente identificados e padronizados possibilitarão uma
estimativa mais credível da prevalência deste
fenómeno e uma abordagem mais correcta
enquanto ferramenta auxiliar de diagnóstico.
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85
José Reinaldo Madeiro Júnior
Médico pela UFPE; especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade
Estácio de Sá; membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
Adriano Rockland
Docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave; coordenador da Pósgraduação em Motricidade Oro-facial, ISAVE; mestrando em Gerontologia Social
pela Universidade Católica Portuguesa; especialista em Geriatria e Gerontologia
pela Universidade de Aveiro, ESSUA
Ana Tereza Marques
Fonoaudióloga pela Universidade Católica de Pernambuco; especialista em
Fonoaudiologia no âmbito Hospitalar pela Faculdade Maurício de Nassau;
fonoaudióloga da Instituição Geriátrica Casa dos Pobres São Francisco de Assis,
Caruaru/PE
Jailson Lopes de Souza
Odontólogo; residência em Saúde Colectiva pela Universidade de Pernambuco;
mestrando em Saúde Pública pela UFPE
Patrícia Machado Nogueira
Docente e Coordenadora da Licenciatura em Terapia da Fala do ISAVE, Instituto
Superior de Saúde do Alto Ave; mestranda em Ciências da Fala pela Escola de
Saúde de Alcoitão
Palavras-chave: Depressão, Idoso, factores de risco
86
Factores de risco
para a depressão em idosos
Resumo
Este estudo tem como objectivo identificar
quais os factores de risco que estão associados à
depressão no idoso. Para alcançá-lo, utilizou-se
como metodologia a pesquisa bibliográfica em
livros e artigos da área, e a pesquisa electrónica,
nas principais bases de dados do Brasil, a partir
de 1995. Os resultados comprovaram a hipótese de que a depressão no idoso é uma síndroma
heterogénea de natureza multifactorial. Várias
doenças que apresentam elevada frequência na
população idosa correlacionam-se posteriormente com a depressão. Entre elas o acidente
vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson,
cardiopatias, distúrbios da tiróide, demências
(destacando-se a doença de Alzheimer), catarata
e climatério. Observou-se também que idosos
sedentários são menos activos socialmente e
mais propensos à depressão. Já quanto a factores
psicossociais, a análise das representações sociais
do envelhecimento revela uma imagem em
que predominam a deterioração do corpo e
um afastamento do mundo social. Contudo,
estas visões podem ser diferentes quando são
investigadas sociedades distintas e consequentes modos de estar. Também foi analisado o
papel de fases de vida como o luto e a reforma.
As considerações finais dos autores ressaltam o
potencial das normalizações surgidas na área
de saúde do idoso no Brasil, que, se efectivamente implementadas, podem transformar a
abordagem que hoje comummente é dada a
uma patologia complexa como a depressão no
idoso.
87
Este estudo visa identificar quais os factores de risco que estão
associados à depressão no idoso. A procura destes factores
torna-se essencial numa consulta geriátrica, facilitando o
diagnóstico da depressão o mais precocemente possível.
Também serão investigadas quais as diferenças entre estes
factores nos idosos e na população adulta em geral, além
de tentarmos compreender que outras patologias são mais
propensas a serem associadas à depressão.
88
Introdução
O envelhecimento populacional que ascendeu exponencialmente no Brasil durante o
século XX trouxe vários desafios ao sistema
de saúde.
Segundo o IBGE (2002), o crescimento da
população de idosos, em números absolutos
e relativos, é um fenómeno mundial e está
a ocorrer a um nível sem precedentes. Em
1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no
mundo. Já em 1998, quase cinco décadas após,
este contingente alcançou 579 milhões de
pessoas, o que corresponde a um aumento de
quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As
projecções indicam que em 2050 a população
idosa será de 1,9 biliões de pessoas, montante
equivalente à população infantil de 0 a 14 anos
de idade (ANDREWS, 2000).
O mesmo autor refere que actualmente
uma em cada dez pessoas tem 60 ou mais anos
de idade. Para 2050, estima-se que a relação
será de uma para cinco para o mundo no seu
conjunto, e de uma para três para o mundo
desenvolvido.
No Brasil, a população idosa já representa
quase 9% da população total. Neste país,
chama-se a atenção para os grupos etários
de 70 a 74 anos e 75 anos ou mais, os quais
alcançaram a maior taxa de crescimento nos
grupos etários entre 1991 a 2002. Tal facto
confirma que não somente ocorre o aumento
da população idosa, mas também um envelhecimento desta população, com um número de
idosos nas faixas etárias mais elevadas, o que
significa uma população exposta a mais factores de riscos e por um tempo mais prolongado
(PEREIRA; CURIONI;VERAS, 2000).
Maior número de pessoas idosas representa, entre tantas outras consequências, um
incremento no número e na importância de
patologias que, manifestando-se neste grupo
etário de maneira atípica, nem sempre são
eficientemente diagnosticadas e tratadas.
De tantas outras condições, a depressão
destaca-se por ser um dos problemas mais
comuns com que os médicos da rede nacional
de saúde se deparam diariamente. Acreditase que entre 7% a 13% da população geral
esteja afectada por este transtorno (SOUGEY;
AZEVEDO;TAVEIRA, 2001).
Já entre os pacientes com 65 anos ou mais,
Gordilho (2002) relata que 17% a 30% apresentam sintomas depressivos em unidades de
atenção primária. Este número pode variar
de acordo com os critérios de avaliação de
diferentes estudos. Este mesmo autor também
ressaltou o aumento deste número em idosos
que vivem em instituições de longa permanência.
Ainda segundo Sougey, Azevedo e Taveira
(op. cit.), a depressão é a condição clínica mais
positivamente correlacionada com o suicídio.
Das pessoas que tentam suicídio, 80% sofrem
de algum transtorno psiquiátrico e 60% são
acometidos de alguma forma de depressão.
Entre os que têm depressão, 10% tentam
suicídio e 1% morrem anualmente na
Inglaterra. Os autores supracitados também
ressaltaram que mais de 50% das pessoas que
cometeram suicídio por depressão procuraram
um médico no mês anterior à morte.
de sentir prazer, tristeza, alegria, disposição,
entre outros tantos aspectos da vida afectiva.
Sofrer de depressão significa não conseguir
desfrutar os prazeres normais da vida. Além
disso, dificulta a fluidez e a organização das
ideias e causa vários sintomas físicos como
fadiga, lentificação geral, perturbação do sono,
perda de peso e diminuição das competências
(SOUGEY; AZEVEDO;TAVEIRA, 2001).
Cada vez mais, a depressão tem chamado
a atenção daqueles que lidam com a área de
gerontologia. Não faltam relatos sobre a alta
prevalência desta patologia nos idosos como
também dos inadequados diagnósticos e tratamentos.
Entende-se por depressão um distúrbio da
área afectiva ou do humor, com forte impacto funcional independente da faixa etária,
reconhecidamente de natureza multifactorial,
envolvendo inúmeros aspectos de ordem
biológica, psicológica e social (GORDILHO,
2002).
A depressão no idoso é uma síndroma
heterogénea. A sua causa é frequentemente
multifactorial, com factores biológicos, psicológicos e sociais interagindo e desempenhando
um papel fundamental. De todos os factores
referidos, os idosos são expostos a vários deles,
explicando a elevada prevalência da depressão
neste grupo etário (FORLENZA, 2002).
Do ponto de vista médico-nosológico, a
depressão é uma doença de expressão clínica
complexa que altera particularmente o humor
ou estado de ânimo, é uma dimensão do
psiquismo responsável pela nossa capacidade
Este mesmo autor argumenta que nem
sempre os pacientes e os familiares estão
conscientes da presença da depressão, já que,
culturalmente, muitos dos sintomas são associados ao envelhecimento normal ou à carga
89
90
específica de doenças físicas. Assim, procedimentos para diagnósticos adequados e um alto
índice de suspeição são o primeiro passo para
um tratamento eficaz.
Por outro lado, o envelhecimento acompanha o surgir de vários factores psicossociais
que estão intimamente relacionados com a
depressão.
Blay (2001) dividiu os factores de risco
psicossociais em dois grandes grupos: os internos e os externos. Os internos estão associados
às questões de desenvolvimento da personalidade, teorias psicológicas e psicanalíticas. Os
externos estão relacionados aos importantes
acontecimentos que inevitavelmente cercam
o indivíduo idoso: eventos vitais, condições
ligadas à saúde, suporte social, luto, reforma,
etc.
Gordilho (op. cit.), observou que a maioria
das pessoas reforma-se sem se preparar devidamente, sem um projecto definido, o que
frequentemente leva a perda de auto-estima,
do ritmo das actividades e do interesse pelo
quotidiano. Ou seja, uma série de modificações
sociais acontece no ambiente de indivíduos
que normalmente têm uma rede de apoio
precário, surgindo assim um «terreno fértil»
para o aparecimento da depressão.
Este estudo visa identificar quais os factores
de risco que estão associados à depressão no
idoso.A procura destes factores torna-se essencial numa consulta geriátrica, facilitando o
diagnóstico da depressão o mais precocemente possível.Também serão investigadas quais as
diferenças entre estes factores nos idosos e na
população adulta em geral, além de tentarmos
compreender que outras patologias são mais
propensas a serem associadas à depressão.
Para alcançar este objectivo, utilizou-se
como metodologia a pesquisa bibliográfica
em livros de referência da área e artigos científicos publicados em veículos de reconhecida
repercussão, desde o ano de 1995 até os dias
actuais (englobando a língua portuguesa, a
inglesa e a espanhola).
A depressão no idoso: factores de risco
biológico e sua relação com outras
patologias
A depressão, síndroma psiquiátrica de
importante incidência na população idosa,
assume índices ainda superiores em populações clínicas, atingindo de 5% a 10% dos
pacientes externos, e de 9% a 16% dos internados (KATON, 2003).
Apesar da conhecida prevalência, é indiscutível que a depressão nestes pacientes é
ainda subdiagnosticada e, mesmo quando
adequadamente diagnosticada, nem sempre é
correctamente tratada (TENG et al, 2005).
A presença de depressão numa patologia
clínica já existente torna o prognóstico do
paciente mais reservado. Pacientes com doenças associadas a depressão apresentam menores
índices de adesão aos tratamentos prescritos
pelos seus médicos (DIMATTEO et al, 2000).
Analisar sintomas depressivos em pacientes
já acometidos por condições clínicas é bastante difícil. Comummente, sintomas que fazem
parte do quadro clínico da depressão no idoso,
como fadiga, alterações do apetite, insónia,
dor e declínio cognitivo, também podem ser
explicados pela doença clínica.
Teng et al. (op. cit.) alertou que critérios
intuitivos como a intensidade dos sintomas
não proporcional ao esperado pelo quadro
clínico e a relação entre o início dos sintomas
depressivos e da patologia clínica podem levar
a erros, como atraso no diagnóstico da depressão. Este autor propõe também, para a prática
clínica diária, uma abordagem inclusiva, em
que os sintomas depressivos devem ser contabilizados mesmo que possam ser explicados
pela patologia clínica. Mesmo sabendo-se
que esta abordagem aumenta o número de
falsos positivos, o facto de diminuir de forma
considerável o risco de não diagnosticar um
paciente oligossintomático diminui bastante.
Uma abordagem eliminatória, por sua vez,
retira os sintomas que podem ser explicadas
por patologias clínicas. Desta forma, gera um
número bem maior de diagnósticos falsos
negativos, sendo uma abordagem preferencial
para pesquisas clínicas.
Doenças neurológicas
Patologias de grande importância e gravidade
no idoso, como grande parte das perturbações
neurológicas que apresentam algum comprometimento do sistema nervoso central, podem
ter a depressão associada. As causas podem ser
desde as alterações neurofisiológicas directamente implicadas na génese biológica da
depressão até às consequências adversas para
as capacidades de adaptação psicossocial que
as doenças infligem nestes indivíduos (TENG
et al., 2005).
91
92
Acidente vascular cerebral
A participação de factores psicológicos na
depressão pós-AVC é difícil de ser questionada. Entretanto, são crescentes as evidências
científicas de que tais aspectos não são capazes
de justificar por si só os episódios de depressão
(MARMORATO et al., 2002).
Evidências neste sentido foram indicadas ao
verificar que pacientes ortopédicos com limitação física semelhante quando comparados
a pacientes com AVC apresentaram menores
índices de depressão (FOLSTEIN et. al, 1977
apud TERRONI et al., 2003). O mesmo autor
relatou diversos factores que contribuem para
o aparecimento da depressão pós-AVC, entre
eles: grau de incapacidade para realizar determinadas actividades, défice cognitivo no 1º
mês, história prévia de depressão e volume da
região encefálica lesada.
Enxaqueca
Uma das mais importantes formas de dor
de cabeça, tem sido associada a depressão em
diversos estudos epidemiológicos e prospectivos (BRESLAU, 1994 apud GALEGO et al,
2004).
Um estudo realizado em São Paulo mostrou
que 85,8% dos pacientes com enxaqueca apresentavam algum grau de depressão, sendo que
58,7% exibiam formas moderadas ou graves.
Epilepsia
A prevalência de depressão em indivíduos
epiléticos é alta, atingindo 20% a 55% dos
pacientes com crises recorrentes, e 3% a 9%
dos pacientes controlados (KANNER, 2003
apud TENG, 2005). O mesmo autor ressalta
que a depressão pode ser consequência dos
tratamentos antiepiléticos farmacológicos e
cirúrgicos e, por vezes, de quadros atípicos.
Doença de Parkinson (DP)
Além da reacção psicológica à incapacidade
causada pela doença, a neurodegeneração de
áreas cerebrais, principalmente no circuito
gânglios da base-tálamo-córtex pré-frontal e
frontal,com consequente redução da actividade
serotoninérgica, dopaminérgica e noradrenérgica está implicada na génese da depressão
(MC DONALD et al., 2003 apud TENG et
al., 2005).
Através de um levantamento realizado
por Prado (2005), envolvendo 60 pacientes
portadores de DP em diferentes estágios, não
dementes, verificou-se que 38,3% apresentavam depressão frequente.
Doença de Alzheimer (DA)
A Doença de Alzheimer, entidade clínica
causadora de demência, apresenta um elevado índice de alterações de humor. Humor
depressivo é observado entre 40% a 50% dos
Maior número de pessoas idosas representa, entre tantas
outras consequências, um incremento no número e na
importância de patologias que, manifestando-se neste grupo
etário de maneira atípica, nem sempre são eficientemente
diagnosticadas e tratadas.
pacientes, enquanto que a frequência de transtornos depressivos varia em torno dos 10% e
20% dos casos (WRAGG et al., 1989 apud
FORLENJA, 2001).
Bottino (2002) defende a tese de que seria
mais adequado considerar a existência de um
contínuum de sintomas depressivos na DA. Esta
ideia, segundo o autor, estaria de acordo com
a realidade clínica sendo mais importante do
que identificar categorias estatísticas de transtornos depressivos em pacientes portadores de
DA. Este contínuum poderia ser assim exemplificado:
DA sem manifestação
depressiva
DA com sintomas depressivos
DA com distimia
DA com depressão
Cardiopatias
O aumento dos índices de depressão em
pacientes cardiopatas é descrito há bastante
tempo. Portadores de insuficiência cardíaca
congestiva (ICC) ou pacientes após enfarte
agudo do miocárdio (IAM) apresentam uma
prevalência de depressão que varia entre
os 17% e os 27%, podendo ainda ser mais
elevada se forem consideradas perturbações
depressivas subsindrómicas. São factores que
contribuem para esta alta taxa a gravidade das
consequências funcionais pós-IAM, o risco
médio geral elevado, histórico prévio de IAM,
histórico prévio de depressão de baixo suporte
social (RUDSEH e NEMEROFL, 2003 apud
TENG et al., 2005).
Ainda segundo o mesmo autor, é bem
documentada o aumento da taxa de mortalidade e da morbilidade de pacientes cardíacos
que adquirem depressão. A mortalidade chega
a ser 3,1 vezes superior em cardiopatas deprimidos (FRASURE-SMITH et al, 1993 apud
TENG, 2005). Carney e colaboradores, num
estudo publicado em 2002, expuseram raros
factores que poderão estar relacionados à piora
do prognóstico cardiovascular em pacientes
deprimidos, o que ressalta a importância do
tema: baixa adesão aos programas de reabilitação cardiovascular e de medicamentos,
níveis séricos elevados de citocinas pró-inflamatórios, aumento da agregação plaquetária,
hiperexcitabilidade do eixo hipotálamo –
hipófise – adrenal, decréscimo da variabilidade
da frequência cardíaca, entre outras.
93
Existem evidências de que os sintomas
cognitivos da depressão (humor depressivo,
pessimismo, culpa, desespero) sejam medidores mais adequados de depressão de que os
sintomas somáticos (como alterações do sono
e apetite).
Revisão feita por Scalco e colaboradores
(2001), que pretendia relacionar a hipertensão
arterial sistémica com a depressão, identificou
um aumento da prevalência de depressão em
pacientes hipertensos. Acredita-se que mecanismos envolvendo hiperactividade do sistema
nervoso simpático e influências genéticas
possam ser a base fisiopatológica desta relação.
94
Distúrbio da tiróide
As doenças da tiróide apresentam grande
importância para o idoso, tanto pela sua alta
incidência quanto pela presença de manifestações clínicas diversas nos adultos jovens. A
incidência de hipotiroidismo em pacientes
com mais de 60 anos é de 0,5% a 5% no
hipotiroidismo franco e de 15% a 20% nos
casos de hipotiroidismo sub-clínico, dependendo das referências, sendo mais frequente
em indivíduos do sexo feminino e na raça
branca. Já o hipertiroidismo no idoso alcança
uma incidência que varia entre os 0,5 e os 3%
(FREITAS, 2002).
O papel da função tiroidana nas
doenças depressivas ainda não está bem
esclarecido. Tem sido encontrada uma alta
prevalência de alterações do humor, principalmente depressão em pacientes com
doenças endocrinológicas, particularmente
as tiroideopatias. Esta relação deu origem ao
psiconeuendocrinologia (ESPOSITO, 1997
apud BAHLS e CARVALHO, 2004).
Estes mesmos autores citam o trabalho
de Boswell e seus colaboradores (1997), em
que a prevalência de sintomas depressivos no
hipotiroidismo é de aproximadamente 50%
e no hipertiroidismo atinge 28% dos casos.
Embora a maioria dos deprimidos tenham
níveis circulantes de T3, T4 e TSH normais,
existem evidências de que o eixo hipotálomo
– hipólise – tiróide (HHT) apresenta actividade alterada em alguns casos.
Também tem sido considerado que as
mudanças no eixo HHT em depressões não
tratadas podem ser explicadas parcialmente
pela alteração cerebral de serotonina e/ou
de noradrenalina. Tem sido demonstrado,
ainda, que o T3 tem função fundamental na
neurotransmissão noradrenérgica. Esta linha
de pesquisa apresenta ainda resultados pouco
consistentes, requerendo ampliação e confirmação dos mesmos. BAHLS e CARVALHO,
(op. cit.).
Diabetes mellitus
Patologia de indiscutível importância na
terceira idade, atingindo, segundo Freitas
(2002), cerca de 17,4% da população na faixa
etária entre os 60 e os 69 anos, a diabetes
mellitus apresenta clara associação com a
depressão. Metanálise de Anderson e colaboradores (2001), avaliando estudos que utilizaram
controlos normais encontraram uma prevalência de depressão em diabéticos que variava
entre os 11% e os 31%. A presença de diabetes
aumenta em 2 vezes o risco de depressão em
relação ao grupo controlo, tanto para diabete
tipo I quanto para o tipo II.
95
Teng e colaboradores (2005), analisando os
estudos de Fisher (2001) e Everson (2002),
relataram que pacientes diabéticos com depressão apresentam maiores índices de obesidade,
menor nível educacional e socioeconómico,
além de psicossociais e de suporte social
insuficiente com maior vulnerabilidade a
aspectos financeiros stressantes. Assim, pacientes, diabéticos deprimidos, apresentam
controlo glicémico insuficiente, apresentando
maiores taxas de complicações, sejam agudas
ou crónicas.
Ainda não há um perfeito esclarecimento
sobre quais os mecanismos biológicos que
estão na base desta associação. Evidências
sugerem que as alterações hormonais (principalmente a hipercortisolemia) e o aumento
da activação imunoinflamatória poderiam
explicar o maior risco de diabetes em deprimidos e alterações do transporte de glicose em
regiões específicas do cérebro que ocorrendo
em diabéticos, favoreceria o surgimento de
depressão. (MUSSELMAN et al., 2003 apud
TENG et al.).
Esquizofrenia
A prevalência de esquizofrenia na terceira
idade varia de 0,1% a 1,7%. Na quase totalidade
esta prevalência deve-se a estados de paranóia,
como a parafrenia tardia, as psicoses orgânicas e
Cada vez mais, a depressão
tem chamado a atenção
daqueles que lidam com a
área de gerontologia. Não
faltam relatos sobre a alta
prevalência desta patologia
nos idosos como também dos
inadequados diagnósticos e
tratamentos.
96
os transtornos delirantes.Tais transtornos resultam de uma complexa interacção de factores
como o envelhecimento, género feminino,
défices auditivos, lesões cerebrais menores e
declínio cognitivo. Estudos de neuroimagem e
neuropsicológicos sugerem que estes pacientes podem ser divididos em dois grupos: um
tipo mais funcional, em que predominam
sintomas positivos com comprometimento
cognitivo limitado a testes avaliando funções
executivas e um tipo mais orgânico, com
comprometimento cognitivo generalizado
e sintomas negativos mais frequentes que no
grupo anterior (ALMEIDA, 2000).
Estimativas da frequência de episódios
depressivos em pacientes com esquizofrenia
variam entre 20% a 80% (BARTELS;DRAKE,
1998; DELISI, 1990 apud ZISOOK et al.,
1999).
Embora a maioria dos estudos no assunto
envolvam pacientes mais jovens, um trabalho
envolvendo pacientes com idades superiores a
55 anos associou maiores índices de depressão com sintomas positivos limitações físicas
causando limitações e diminuição de vida
social, (COHEN, 1995 apud ZISOOK et al.,
1999). O mesmo autor citado acima, juntamente com outros investigadores, realizou um
estudo em San Diego (EUA), com o objectivo
de identificar a frequência relativa e o grau de
sintomas depressivos num grupo de 60 pacientes entre os 45 e os 79 anos com esquizofrenia
e sem diagnóstico de depressão ou desordem
psico-afectiva. Sintomas depressivos foram
analisados através do uso da escola de depressão de Hamilton. Além deste, foram usados
instrumentos para mensurar sintomas positivos,
sintomas negativos, distúrbios de movimento e
estado cognitivo global.Tanto pacientes masculinos como femininos apresentaram maiores
índices de depressão, incluindo os estágios leve,
moderado e grave. A severidade dos sintomas
depressivos correlacionou-se com a presença
de maior quantidade de sintomas positivos,
mas não com a idade, sexo, sintomas negativos,
sintomas extrapiramidais ou dose de neurolépticos. Desta forma, fica evidente que os
sintomas depressivos são comuns em pacientes
idosos esquizofrénicos. O autor sugere estudos
posteriores para que se torne mais claro se tais
sintomas são independentes, componentes
do espectro de sintomas que compreende a
esquizofrenia, ou, se alternativamente são um
sub-produto de sintomas psicóticos severos.
Transtorno de stresse pós-traumático
Indivíduos submetidos a eventos traumáticos apresentam um risco aumentado
de desenvolver transtorno de stresse póstraumático (TEPT), atingindo 14% a 25%
dos casos. Pacientes que apresentam TEPT
necessitam de ser examinados no que se
refere à presença de comorbilidades, já que os
transtornos psiquiátricos acometem cerca de
80% dos pacientes com TEPT. De entre estes
transtornos, a depressão destaca-se ao lado da
fobia simples, fobia social, abuso de substâncias
e transtorno de personalidade. (KESSLER et
al., 1995).
Patologias de grande importância e gravidade no idoso, como
grande parte das perturbações neurológicas que apresentam
algum comprometimento do sistema nervoso central, podem
ter a depressão associada.
Uma interessante revisão sobre a relação
entre depressão e TEPT foi feita por Berlim,
Perizzolo e Fleck (2003). Os autores relataram
que a maioria das evidências sugerem que a
depressão é frequentemente secundária ao
TEPT. Contudo, citam também um estudo
feito com veteranos de Israel, no qual o TEPT
e a depressão se iniciaram em conjunto em
65% dos casos. Em 16% dos indivíduos a
depressão precedeu o TEPT e em 19% o
TEPT precedeu a depressão (BLEICH et al.,
1997 apud BERLIN et al., 2003).
Os autores concluíram que a TEPT e a
depressão encontram-se estreitamente relacionadas, porém com relação de natureza
complexa e variáveis que devem ser examinadas caso a caso. São necessários maiores
estudos para esclarecer questões que permanecem em aberto, como se o desenvolvimento
da comorbilidade com a depressão estaria na
vulnerabilidade individual para a depressão,
e se a intensidade ou qualidade do evento
traumático estaria mais associada ao desenvolvimento de depressão.
Distúrbios do sono
Com o envelhecimento, ocorrem alterações
fisiológicas no sono. O idoso dorme cerca de
seis horas, com período de latência maior, o
sono é mais superficial e há ausência dos estágios mais profundos (FREITAS, 2002).
A insónia, distúrbio do sono mais comum
no idoso, tem por definição a dificuldade em
iniciar e manter o sono, podendo ser classifica-
da em inicial, intermediária e final. Um estudo
realizado em 1993 mostrou uma maior prevalência de insónia inicial nos homens de 75 a
79 anos, e em mulheres de 70 a 74 anos. Já para
a insónia intermediária, há uma prevalência de
42,2% nos homens entre os 75 e os 79 anos e
40,4% nas mulheres entre os 80 e os 84 anos.A
insónia final, que se caracteriza pelo despertar
precoce, apresentou prevalência de 16,7% e
o despertar ocasional, 19,9%. (GLISLASON,
1993 apud FREITAS, 2002).
Através de um estudo prospectivo realizado por Roberts e colaboradores (2000),
na Califórnia, que se propôs fornecer dados
adicionais sobre o papel dos distúrbios do
sono na ocorrência de depressão em idosos,
foram estudados idosos que tinham distúrbios
do sono, mas não preenchiam critérios para a
depressão no início do estudo (em 1994).Tais
pacientes foram novamente avaliados após um
ano com o objectivo de pesquisar a presença
sintomas depressivos. Pacientes que exibam
qualquer queixa sobre o sono em 1994 apresentaram um risco relativo de 2,85% para o
desenvolvimento de depressão em 1995.
Apenas para os pacientes com hipersónia,
que se caracteriza por um aumento significativo do sono, o risco relativo foi de 2,46. Já o
aumento do risco relativo para pacientes com
insónia foi de 1,66 sem significância estatística.
O estudo também abordou a importância dos distúrbios crónicos do sono, ou seja,
97
98
pacientes que apresentaram queixas em 1994
e 1995. Para os pacientes que referiram insónia
nas duas entrevistas, o risco relativo de depressão em 1995 foi elevado (8,08). Já para aqueles
com hipersónia nos dois questionários, tal risco
foi de 3,46. Quando se estudou, sem distinção,
os distúrbios do sono, o risco foi de 14,8.
Os autores também abordaram o papel
dos distúrbios do sono no risco de episódios
futuros de depressão, comparando-o com
o papel de outros sintomas de depressão. Os
resultados, neste caso, sugeriram que os distúrbios do sono foram menos importantes.Assim,
sentimento de inutilidade, agitação ou atraso
psicomotor, distúrbios do humor e pensamento sobre a morte apresentaram-se como mais
fortes preditores para o desenvolvimento de
depressão.
Roberts e colaboradores concluíram que os
distúrbios do sono, particularmente de natureza crónica, estão associados com um maior
risco de desenvolver futuramente depressão.
Embora tal relação pareça inquestionável, o
papel dos distúrbios do sono quando comparado com outros sintomas que costumam ser
comorbidos parece ser menor.
Climatério
O envelhecimento, enquanto processo
multifactorial determinado por declínio fisiológico, bioquímico e funcional dos órgãos,
exibe características distintas em diferentes
indivíduos, embora aumente a susceptibilidade a doenças crónico-degenerativas em todos
eles.
As mulheres, especificamente, apresentam
inevitáveis consequências do envelhecimento
após a instalação da menopausa (FREITAS E
PIMENTA, 2002). Os autores citados explicam que, embora seja um processo fisiológico, a
menopausa resulta em profundas modificações
no organismo feminino. Como consequência, surge a susceptibilidade a doenças como
a osteoporose, as doenças cardiovasculares,
a atrofia urogenital, o declínio cognitivo, a
doença de Alzheimer e, também, a depressão.
Assim sendo, o climatério deve ser entendido
e manuseado como uma endocrinopatia.
Diversos estudos foram realizados procurando associar o climatério e a perimenopausa
(período que se estende de dois a oito anos
antes da menopausa até um ano após a última
menstruação) a um maior risco de sintomas
depressivos. Soares e Cohen (2001), relataram
estudos em que investigaram 96 pacientes
em perimenopausa endocrinologicamente
confirmada e identificaram 46 pacientes (48%)
apresentando sintomas psiquiátricos significativos. Destas mulheres, 28 (29,2% do total),
preencheram critérios para desordens depressivas.
Os mecanismos neuroendocrinológicos
que justificam a associação entre síndroma
climatérica e depressão ainda permanecem
controversos. Aldrighi e colaboradores (2001)
fizeram versão sobre o assunto. Segundo
os estudiosos, a diminuição dos níveis séricos dos hormónios sexuais que ocorre no
período climatérico provoca modificações
neuroendocrinológicas relevantes que envolvem o hipotálamo (estrutura do diencéfalo,
responsável pela termoregulação, pela saciedade, pelo apetite e pela pressão arterial). Além
disso, afectam também o sistema límbico, que
controla a cognição, o humor, o comportamento e o estado emocional (LOBO E COL,
1999; SPEROFF E COL, 1995). Assim sendo,
é fácil a dedução de que a diminuição dos
níveis de esteróides sexuais no hipotálamo
causará diversas repercussões clínicas, entre elas
a depressão.
Ainda segundo Aldrighi e colegas, a redução do nível sérico dos hormónios sexuais é
paralela à diminuição do tónus serotoninérgico do Sistema Nervoso Central, tendo em
consideração que a diminuição dos níveis de
estrogónios promove uma menor degradação
da monoamino oxidase, enzima que inactiva
a serotonina. Esta redução parece estar relacionada com a depressão e com as alterações
da memória da mulher climatérica. De forma
análoga o hipoestrogenismo aumenta o tónus
noradrenérgico e diminui o dopaminérgico,
que apresenta também repercussão sobre o
humor, como observado em mulheres que
se submeteram a ooforectomia (Lune e Col,
1977, Bartus e Col, 1982, Yen e Col, 1991,
Philips e Col, 1992, apud Aldrighi e Col).
Outros factores
As constantes limitações e incapacidades
surgidas durante a terceira idade, como a
diminuição da visão, audição e actividade física, proporcionam uma maior susceptibilidade
para o surgimento da depressão.
Promover a saúde e ser um importante aliado
da funcionalidade física dos idosos são alguns
dos benefícios da actividade física (BORGES
E RAUCHBACH, 2004). Citando Okuma
(2002), os autores afirmam que as dificuldades dos idosos em realizar actividades da
vida diária devido a problemas físicos causam
dificuldades no relacionamento social e na
autonomia. Apesar deste facto, a maioria dos
idosos mantém o sedentarismo.
Um estudo realizado pelos autores citados,
na cidade de Curitiba, avaliou a tendência
à depressão em idosos e a sua relação com
a prática de actividade física. Cento e vinte
e cinco idosos foram estudados durante o
primeiro semestre de 2003, através dos quais
foram analisados os sintomas mais comuns na
ocorrência de depressão.
Em relação à actividade física, foram considerados activos todos os que declararam fazer
actividade física regular no mínimo duas vezes
na semana há pelo menos um ano. A tendência de depressão foi significativamente maior
na população idosa não activa, independentemente do sexo e da faixa etária analisados.
Uma perturbação muito comum no idoso é
a perda auditiva, a qual é mais um sério factor
de limitação, contribuindo para o surgimento
99
100
de distúrbios psiquiátricos.Tais situações advêm
do isolamento dos portadores da deficiência,
em virtude da falta de contacto com o meio
social. O idoso sente-se constrangido perante
as suas dificuldades, o que favorece o quadro
depressivo (Portal da Família, 2005).
Situação similar surge aquando da presença
de alterações visuais. Um importante estudo
sobre este assunto foi realizado por Ribeiro e
colaboradores (2004), com 23 pacientes com
alterações visuais significativas causadas por
catarata, em que foram analisados a presença
de sintomas depressivos antes e após a realização da cirurgia correctiva da catarata. Destes,
12 eram do sexo masculino e 11 sexo do
feminino. Antes da cirurgia 11 pacientes apresentaram resultados indicativos de depressão
(três do sexo masculino e oito do feminino)
segundo o instrumento utilizado. Após a
cirurgia, encontrou-se dez deprimidos (dois
homens e oito mulheres).
As diferenças estatisticamente significativas
foram encontradas quando se observou a
intensidade dos factores na escala utilizada.
Após a cirurgia, os sintomas depressivos
foram indiscutivelmente menos intensos, com
um valor mediano da escala de 5,0 antes e 4,0
após a cirurgia.
É incontável o número de condições que são
relatadas na literatura potencialmente causadoras de depressão, ainda que por mecanismos
não totalmente conhecidos. Revisão feita por
Scalco e colegas (2002) cita, entre outras: doenças infecciosas (a sífilis terciária, a toxoplasmose,
a influeza, a hepatite viral, a mononucleose, a
SIDA); distúrbios metabólicos e nutricionais (a
insuficiência hepática, a deficiência de folato, a
vitamina B12, a Tiamina, a doença de Wilson, a
hipo ou hipercalcemia); neoplasias (carcinoma
de pulmão ou pâncreas). Além disso, muitas
medicações podem estar associadas à depressão
incluindo algumas de uso comum. Para que
esta relação seja comprovada, é necessário que
os sintomas se tenham desenvolvido durante
ou dentro de um mês de uma intoxicação ou
abstinência de uma substância. As drogas que
mais frequentemente têm este potencial, ainda
segundo Scalco, são corticóides, reserpina,
metildopa, clonidina, betabloqueadores, anfetamina, cocaína, sedativos, hipnóticos, álcool,
cimetidina, ranitidina, indometacina, antipsicóticos, benzodiazepínicos, vincristina e
vinblastina.
Factores de risco psicossociais
Apesar de todos os factores de risco para a
depressão estarem intimamente interligados, a
análise particularizada dos factores psicossociais
é essencial em virtude da forte presença destes
na população idosa.
O rápido envelhecimento populacional traz
associadas dificuldades na inserção do idoso
na sociedade. Apesar das constantes discussões
realizadas sobre o assunto, o idoso é ainda,
muitas vezes, vítima de rejeição directa ou
indirecta.
O rápido envelhecimento populacional traz associadas
dificuldades na inserção do idoso na sociedade. Apesar das
constantes discussões realizadas sobre o assunto, o idoso é
ainda, muitas vezes, vítima de rejeição directa ou indirecta.
Um estudo realizado porVeloz,NascimentoSchulze e Carmargo, em Santa Catarina,
durante o ano de 1999, discutiu como diferentes grupos de pessoas que se aproximavam
da terceira idade compreendem o envelhecimento através de três fenómenos: o idoso
como protagonista, a velhice como a última
fase da vida e o próprio envelhecimento
enquanto processo que transcende a própria
velhice para abranger todo o curso da vida. O
objectivo central foi analisar os conteúdos das
representações sociais que os diferentes grupos
de pessoas têm no que se refere a estas questões
sobre o envelhecimento.
Citando Moscovic (1981, p. 181), os autores
definiram representação social como: [...] «um
conjunto de conceitos, afirmações e explicações
originadas no quotidiano, no curso de comunicações inter-individuais. Elas são equivalentes,
em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de
crenças das sociedades tradicionais, elas podem
até mesmo ser vistas como uma versão contemporânea do senso comum».
Foram entrevistadas 37 pessoas entre os 52 e
os 92 anos, pertencentes a três grupos residentes na cidade de Florianópolis: (i) professores
reformados da Universidade Federal de Santa
Catarina, (ii) participantes de um programa da
Universidade da Terceira Idade e (iii) residentes num centro para idosos. Os resultados das
análises dos entrevistados indicaram a complexidade da compreensão do envelhecimento
por parte das pessoas idosas ou próximas dessa
condição. Em linhas gerais as respostas aponta-
ram para três tipos de representação social do
envelhecimento:
• Uma representação doméstica e feminina,
onde o ponto principal é a perda dos laços
familiares (abandono) e dos atractivos físicos;
• A segunda, tipicamente masculina, apoiase na noção de actividade, caracterizando o
envelhecimento como a perda do ritmo de
trabalho;
• Uma representação mais utilitarista, organizando-se em duas noções centrais a da fase
da vida e a de pessoa, sendo o envelhecimento
caracterizado como o desgaste da máquina
humana.
Tais resultados estão de acordo com outros
estudos realizados no Brasil, também citados pelos autores, onde os próprios idosos
simplificam o envelhecimento humano exclusivamente a partir das perdas, apresentando
predisposições desfavoráveis,estereótipos negativos e preconceitos. Medrado em Carnaúba
(Bahia), em 1994, encontrou representações
sobre o idoso caracterizadas por conteúdos,
como: não serve para nada, inutilidade, não vai
para a frente, não tem saúde, só doença, não tem
destino, não volta (...).
Santos (1990) fez uma análise da influência da reforma sobre a identidade do sujeito.
Os resultados sugeriram que, nas sociedades
modernas, a ênfase continua a ser dada à
juventude e à capacidade de produção; ser
101
idoso é considerado como um afastamento do
mundo social.
102
Goldfard (2002), descrevendo o ponto de
vista da psicanálise na depressão do idoso,
coloca um pano de fundo depressivo para a
velhice dos nossos dias. Tal realidade é fruto
da consciência da finitude em articulação com
os valores da nossa época. Segundo a autora, a
reacção de um jovem ante uma perda é diferente da reacção de um idoso porque, para ele,
os objectos do mundo para os quais poderá
dirigir a sua energia vital são numerosos e
conta com tempo para os atingir.
Perante o estreitamento do campo dos
objectos e do horizonte futuro, o idoso
costuma reagir retirando os seus interesses do
mundo exterior, voltando-se para seu próprio
ego ou não investindo no seu próprio corpo
ou partes dele, surgindo sintomas hipocondríacos bastante comuns na depressão.
Questões referentes ao envelhecimento
começam a ser estudadas pela antropologia, e
algumas contribuições são já conhecidas. Uma
delas, segundo Uchoa (2003), em artigos que
abordam o assunto, pode ser descrita como
a relativização da visão universalista, já cristalizada principalmente no mundo ocidental
e usualmente adoptada nos estudos sobre o
envelhecimento. Segundo esta visão, a delimitação do envelhecimento é basicamente a
partir da sua dimensão biológica, caracterizada
como uma etapa de deterioração do corpo.
É fácil de notar a restritiva visão orgânica do
envelhecer.
Entretanto, Uchoa relata visões diversas do
assunto, nas quais o envelhecimento é retratado
com visões fundamentadas, num questionar à
universalidade da visão ocidental.
Como exemplo clássico desta outra visão,
a autora cita, referindo-se a Evans-Pitchard
(1989), um estudo sobre os Nuer, grupo étnico do Sudão. Os membros de uma classe de
idade devem respeito aos da classe anterior,
composta por pessoas mais velhas e superiores
na hierarquia social.Todas as dimensões da sua
vida social são regidas por estas regras. Podese citar os Bambara do Mali. Para este grupo,
o envelhecimento é considerado como uma
conquista. Envelhecer significa passar por um
processo de crescimento que ensina, enriquece
e enobrece o ser humano, e a idade é elemento determinante da posição que o indivíduo
ocupa dentro da sociedade.
A importância de integrar as contribuições da antropologia na investigação das
questões relativas à saúde do idoso pode ser
observada num outro estudo de Uchoa, em
2002, na cidade de Bambuí, Minas Gerais.
Neste caso, foi utilizada uma abordagem
interpretativa do envelhecimento. A partir de
informações obtidas através de reconstruções
de vida e entrevistas com informantes-chave,
verificou-se que a avaliação da gravidade e da
importância de um problema de saúde parecia
ser claramente determinado pela possibilidade
de enfrentá-lo, mais do que pelo problema
em si. Como exemplo, para senhoras de alto
poder aquisitivo, a saúde não constituiria um
problema, apesar das várias patologias por elas
relatadas (diabetes, doença de Chagas, fracturas, problemas cardíacos). Com excepção
destas pacientes, que tinham fácil acesso a
médicos particulares, todas as outras referiam
dificuldades em conseguir atendimento no
sistema público de saúde. Quando conseguir
a consulta médica não era um problema, a
aquisição de medicamentos poderia ser uma
outra dificuldade.
rabilidade que o indivíduo apresenta aos
desafios do próprio ambiente. Esta condição
é comummente observada em idosos com
85 anos ou mais ou naqueles mais jovens
que apresentam uma combinação de doenças
ou limitações funcionais que reduzem a sua
capacidade de adaptação ao stresse causado
por situações de risco como doenças agudas
ou hospitalizações.
Esta representação da saúde que a autora chamou de «dinheiro-dependente»,
referindo-se a Lima-Costa (2003), é reflexo
das profundas dificuldades que caracterizam o
acesso dos idosos brasileiros a serviços de saúde
e medicamentos.Tal fenómeno é mais um dos
aspectos que tornam extremamente complexa
a abordagem do paciente idoso na realidade
brasileira.
O artigo de Caldas explica que, citando
Chappel (1993), Kosberg (1992), Karsch
(1998) e Moragas (1994), quando os idosos
adquirem doenças causadoras de dependência,
os cuidados são prestados por um sistema de
suporte informal, principalmente nos países
em desenvolvimento. Este sistema inclui
cuidadores que podem ser familiares, amigos,
vizinhos e membros da comunidade, cujas
actividades são prestadas voluntariamente, sem
remuneração. Caldas cita o estudo de Ramos
(1993), em São Paulo, que demonstrou que
2% dos idosos não contam com nenhuma
ajuda familiar no caso de incapacidade; 40%
contam com o cônjuge, 35% com o apoio da
filha; 11% com o do filho e 10% com toda a
família. Nos domicílios unigeracionais cresce a
perspectiva de ajuda do cônjuge (60%) e, nos
domicílios multigeracionais, da filha (56%) e
do filho (13%).
Os aspectos antropológicos citados, que
incluem experiências subjectivas interagindo
com diversos elementos do contexto social e
cultural ao qual as pessoas estão submetidos,
têm íntima relação com os sentimentos de
bem-estar, qualidade de vida e auto-estima
do idoso. Tais sentimentos estão directamente
relacionados à possibilidade de aparecimento
da depressão num paciente da terceira idade.
A situação acima explanada ganha contornos ainda mais particulares quando analisamos
os idosos dependentes. Caldas (2003) definiu,
citando Hazzard e colegas (1994), que a
dependência apresenta-se ligada a um termo
fundamental na geriatria: a «fragilidade».
Fragilidade foi conceituada como a vulne-
Ainda segundo a autora supracitada, o
facto de um membro da família desencadear
um processo de dependência repercute com
muita intensidade na dinâmica familiar. Uma
mudança de papéis dos membros da família
vai ocorrendo à medida que a dependência
103
Perante o estreitamento do campo dos objectos e do horizonte
futuro, o idoso costuma reagir retirando os seus interesses
do mundo exterior, voltando-se para seu próprio ego ou não
investindo no seu próprio corpo ou partes dele, surgindo
sintomas hipocondríacos bastante comuns na depressão.
104
avança. Referindo-se a Mendes (1995), a autora descreve certas regras para a designação do
cuidador: parentesco, com frequência maior
para os cônjuges, antecedendo a presença de
algum filho; género, com predominância da
mulher; proximidade física, considerando
quem vive com a pessoa que requer cuidados
e proximidade afectiva, destacando a relação
conjugal e a relação entre pais e filhos.
Também, não podem ser esquecidas as
demandas económicas advindas da presença de um idoso dependente. Para abordar
estes pontos, Caldas referiu-se ao estudo de
Úrsula Karsch, denominado Estudo do Suporte
Domiciliar aos Adultos com Perda da Independência
e Perfil do Cuidador Principal. Realizado no
município de São Paulo entre os anos de 1991
e 1995, esta pesquisa objectivou conhecer
as características dos cuidados comunitários
oferecidos aos adultos com diferentes graus
de dependência. Os dados revelaram que se
tratavam de famílias de baixo nível sócioeconómico. Aproximadamente 70% viviam
com até cinco salários mínimos, e destes
quase 50% com até três salários mínimos. Foi
também observado que não houve substituição das tarefas anteriores à tarefa de cuidar do
idoso acometido por doenças incapacitantes
como o AVC. O desempenho quotidiano
viu-se acrescido da tarefa de cuidar. Aponta-se
também a pequena extensão dos orçamentos,
que passam a ser mais comprimidos pelas inesperadas despesas, como factor de sobrecarga
para estas famílias.
Resumindo, podemos observar que os
idosos dependentes brasileiros sobrevivem
com poucos recursos pessoais e sociais. O
sistema de cuidados geralmente é informal,
com cuidadores, na maioria das vezes, não
conhecedores das especificidades da assistência
aos idosos. Some-se a isto uma comum falta de
estruturação das famílias, muitas vezes, devido
à escassez de recursos económicos.
Além desta questão conjuntural,é imprescindível a análise do impacto dos acontecimentos
externos na génese da depressão do idoso. Não
é incomum que tais acontecimentos motivem
muitas procuras de atendimentos em unidades
de saúde.
Pode-se conceituar evento vital como um
acontecimento tipificado (acidente,morte,etc.)
que ocorre num dado momento (KANNER
et al. 1981 apud BLAY, 2001).
O autor acima citado, ao abordar o tema,
coloca duas tendências nos modos de fazer
pesquisas sobre este assunto. A concepção de
desenvolvimento vital, a primeira delas, entende que um acontecimento ocorre dentro de
um cenário de continuidade, ou seja, certos
acontecimentos são esperados para determinadas etapas da vida. Este parâmetro de
normalidade criaria um «relógio social», como,
por exemplo, a morte dos pais antecedendo
a morte dos filhos. Um evento que contrarie
esta noção tem a capacidade de proporcionar
uma repercussão mais significativa. A segunda
tendência refere-se à identificação de factores
de risco psicológicos ou sociais, associados às
doenças mentais, dentro das quais subentendese uma relação de causalidade.
Blay, referindo-se a Cameron e colaboradores (1995) e Ganguli e colaboradores (1995),
reforça que são inúmeros os relatos na literatura que mostram uma relação entre ocorrência
de eventos vitais e depressão. Este mesmo
estudioso deixa claro que o efeito de um
determinado evento vital poderá manifestar-se
de modo diferente de acordo com o suporte
social que o paciente tem, sendo que este
pode ser entendido como o sujeito amado,
estimado, cuidado e pertencente a um sistema
de ligações múltiplas e obrigações (COBB,
1976 apud BLAY).
Dentre todos os eventos vitais, sem dúvida o
mais estudado tem sido o luto, proporcionando
o surgimento de um novo campo científico,
Bereavement Studies. Sem dúvida as perdas mais
dolorosas são de pessoas próximas: parentes,
amigos, filhos e, com particular importância, o
parceiro (DOLL, 2002).Tratar da viuvez é um
tema sensível e complexo. O impacto que a
viuvez causa nas pessoas pode ser devido a dois
problemas simultâneos: a perda do parceiro e
o confronto com a proximidade da morte.
Esta sobrecarga emocional gera consequências
em todas as esferas do ser humano, exigindo
processos de readaptação que comummente
são acompanhados por tristeza profunda,
problemas de saúde, distúrbios psíquicos e
diminuição dos contactos sociais.
Na maior parte dos casos, depois de um
certo tempo, o paciente supera esta situação
sem maiores complicações psiquiátricas. No
entanto, uma parcela experimenta formas
patológicas de luto, ocasionando diversos
problemas emocionais, destacando-se entre
eles a depressão (BLAY, 2001).
Doll deixa claro que, apesar de a viuvez
poder acontecer em qualquer idade, é hoje
um acontecimento típico da terceira idade.
Para exemplificar, descreve que 43% das pessoas com 60 anos ou mais, no Rio Grande do
Sul, são viúvos segundo dados do Conselho
Estadual de Saúde (1996).
O risco de perder o parceiro é bem maior
para as mulheres na idade avançada. Na
Alemanha, de um grupo de viúvos e viúvas
com mais de 60 anos, 85% são do sexo feminino (Statistisches Jahrbuch 1993 apud Doll).
Além da maior expectativa de vida para o
sexo feminino, é facto de que uma parcela
considerável dos homens viúvos procura
outro casamento, ao contrário da maioria das
mulheres. Prosseguindo as explanações, o autor
explica que estudos sobre a viuvez provêem
de várias áreas, como psicologia, antropologia,
psiquiatria e sociologia, apresentando todas elas
aspectos complementares. Pela importância
histórica merece ser destacada a obra de Freud
Traner und Melancholise (Luto e Melancolia),
publicada em 1917. Neste trabalho, o luto é
descrito como uma forte reacção à perda de
uma pessoa ou de um objecto amado. Ocorre
afastamento daquilo que constitui a atitude
normal para com a vida, mas sem ser considerado uma condição patológica que necessita
de tratamento médico. Freud deixa claro que
tal situação seria superada após um determinado período de tempo, e interferências neste
processo seriam inúteis ou, até mesmo, preju-
105
106
diciais. Prosseguindo esta linha de pensamento,
afirma que a função do luto é a solução dos
vínculos com a pessoa ou objecto perdido,
para que se abra a possibilidade de transferir a
libido existente para a outra pessoa ou objecto.
Diferentemente do luto normal, o luto patológico, com semelhança à melancolia, tem
maior duração e pode trazer consequência
devido à dificuldade na solução dos vínculos.
O motivo para isto acontecer é a ambivalência
de sentimentos relativos à pessoa perdida: a
tristeza pela perda une-se a um sentimento
de raiva por ter sido abandonado. Assim, em
vez de retirar os vínculos da pessoa falecida,
a pessoa enlutada fixa-se na pessoa morta,
auto-acusando-se de ser o causador da perda
da pessoa ou objecto amado.
O luto e a viuvez devem ser examinados
dentro do contexto vital de cada indivíduo,
a natureza da perda, o tipo de vínculo, o
significado da morte e os seus mecanismos
de elaboração. Observa-se, portanto, ser uma
experiência complexa, o que apresenta sérias
dificuldades para a realização de pesquisas.
O trabalho de Breckenvidge (1986), examinou o fenómeno do luto e de como este era
encarado nos idosos quando comparados com
adultos. Os resultados demonstraram uma
maior capacidade por parte dos idosos em
lidar com a situação, o que corrobora a teoria
do relógio social, que aborda a previsibilidade
dos eventos em certas faixas etárias. (BLAIR,
2001).
Revisão das pesquisas realizadas em 2001
sobre reacções depressivas ao luto, demonstrou
diferenças individuais significativas. Enquanto
entre 20 e 35% das pessoas apresentaram sinais
de forte depressão, outras pesquisas mostraram
cerca de 60% das pessoas com depressão leve.
Existia sempre um grupo significativo (entre
40 e 50%) sem evidências de tristeza prolongada ou depressão (WORTMAN e SILVER
2001 apud DOLL, 2002).
Outro ponto passível de controvérsia é
se a ausência de luto depois de uma perda
dramática pode ser indicativo de um luto
anormal ou patológico. Doll, ao discutir o
assunto, relata a opinião de Wortman e Silver,
(2001) que afirmam tratar-se de um ajuste
rápido depois de uma perda já esperada, ou
de uma situação stressante (sofrimento por
doença prolongada, problemas no casamento, etc). Como contraponto, cita também as
opiniões de Parkes (1996) que afirma que
suprimir a expressão de luto pode ter uma
correlação com dificuldades na recuperação,
e de Stappen (1998) que propõe que um
casamento com problemas pode também ser
um factor negativo para uma futura adaptação.
Complementando o seu trabalho, explica que
a viuvez na velhice segue padrões diferentes das
pessoas mais jovens. Se, por um lado, há vários
relatos de que o primeiro impacto pareceu ser
menos intenso, por outro as consequências,
especialmente as práticas e concretas como a
manutenção de contactos sociais, resolução de
problemas e realização de tarefas, apresentamse mais difíceis para os idosos. É certo que a
interacção das diversas variáveis que podem
influenciar o aparecimento da depressão nos
pacientes enlutados é bastante complexa e de
difícil interpretação.
Um outro evento vital gerador de grandes
discussões é a reforma. Tradicionalmente, a
interrupção do trabalho é considerada um
evento causador de tensões e impactos negativos nas esferas física e emocional. Entre outras
explicações as pessoas passam muitos anos
envolvidas na sua actividade de trabalho, o
que contribui tanto para seu sustento financeiro como para a formação da sua identidade.
Além disso, acredita-se que as pessoas sentem
muito o impacto do afastamento, e é comum
a ideia de que muitas doenças surgem nesta
época. Por fim, no mundo ocidental é bastante
difundida a ideia de que o trabalho salva e é
libertador (BLAY, 2001).
Apesar desta visão ser válida e aplicável a
várias situações, tem sido estudada por alguns
investigadores nas últimas décadas. Citando
o trabalho de Bossé e colaboradores (1991),
o autor diz que indivíduos idosos que ainda
trabalham muitas vezes referem ser esta actividade muito mais causadora de stresse do que
a reforma. A satisfação no trabalho foi citada
como pouco comum. Este resultado foi explicado pelo facto de as actividades realizadas não
fornecerem liberdade, criatividade e estímulos,
sendo mantidas por razões puramente económicas. Esta é mais uma questão complexa, que
ao ser analisada do ponto de vista individual
pode funcionar como factor de risco ou
protector para a depressão no idoso.
Os aspectos antropológicos
citados, que incluem
experiências subjectivas
interagindo com diversos
elementos do contexto social
e cultural ao qual as pessoas
estão submetidos, têm íntima
relação com os sentimentos
de bem-estar, qualidade
de vida e auto-estima do
idoso. Tais sentimentos estão
directamente relacionados à
possibilidade de aparecimento
da depressão num paciente
da terceira idade.
107
108
Considerações finais
Numa sociedade que exalta a beleza, a
juventude e a produtividade, o idoso sofre
sérias dificuldade para uma digna inserção.
O envelhecer é acompanhado por inúmeras
perdas tais como: sensoriais, de memória,
económicas, do papel social outrora exercido,
dos seus contemporâneos que falecem, da
saúde física. Ao mesmo tempo surge a perspectiva da finitude, da aproximação da morte.
Diante de tantos obstáculos, é bastante difícil transformar a terceira idade numa fase de
prazer e potencialmente capaz de ser produtiva. Cabe a todos os profissionais que trabalham
com geriatria e gerontologia a busca incessante
deste objectivo no sentido de que o aumento
da esperança de vida venha acompanhado de
uma melhor qualidade de vida.
A depressão no idoso, enquanto patologia
potencialmente capaz de ser consequência de
várias perdas que caracterizam a idade, tem
vindo a assumir índices elevados e preocupantes. Os factores de risco, conforme este
trabalho revela, são inúmeros e com capacidades de interacção praticamente incontáveis,
exigindo uma abordagem interdisciplinar para
diagnóstico e tratamento adequado.
Como pudemos analisar, várias patologias,
cuja incidência aumenta com a idade, são
potenciais factores de risco, como hipertensão, diabetes, distúrbios do sono, AVC,
tireóideopatias, entre outras. Além destes
factores biológicos, vários factores psicossociais
aos quais os idosos estão expostos representam
uma séria ameaça. Fica claro que a depressão
no idoso apresenta características distintas
das dos adultos jovens e que seu tratamento
também precisa de ser particularizado.
A realidade socioeconómica à qual grande
parte da população brasileira está submetida
impede o acesso adequado ao sistema de
saúde, a boas condições sanitárias e a medicamentos, entre outras adversidades. O sistema
de cuidados, informal e precário, não atende
às necessidades. Fica claro, principalmente se
levarmos em consideração que o envelhecimento populacional é um fenómeno recente
e ainda não compreendido por boa parte das
pessoas, que os obstáculos a serem vencidos
são muitos.
Políticas de saúde referente ao idoso são
recentes e carecem de completa implementação. Apesar desta ressalva, o Estatuto do Idoso
no Brasil, portaria nº 1395/GM, publicada
em 10 de Dezembro de 1999, representa
um avanço encontrando-se em consonância
com os mais actuais conceitos da gerontologia. Entre as directrizes está a promoção do
envelhecimento saudável, compreendendo o
desenvolvimento de acções que orientem os
idosos e os indivíduos ao longo do processo
de envelhecimento quanto à importância da
melhoria constante das suas competências
funcionais. Este aspecto pode ser atingido
mediante a adopção precoce de hábitos saudáveis e a eliminação de comportamentos
nocivos à saúde, além da manutenção da capacidade funcional que inclui a prevenção da
perda da independência e da autonomia e o
incentivo à criação de oportunidades sociais,
como clubes, grupos de convivência, associação de reformados, etc.
Uma outra acção governamental com capacidade de criar é a portaria número 73, de 10
de Maio de 2001, da Secretaria de Assistência
Social, como medida complementar à política de saúde do idoso. Propõe, em regime
de co-responsabilidade entre o governo, a
sociedade e as famílias, novas modalidades de
atenção ao idoso que serão individualizados,
para cada caso. Assim, o atendimento prestado
pela família natural do idoso é sem dúvida a
mais adequada quando possível, seguindo-se
a partir daí os centros de dia, lares e centros
de convivência e terminando no atendimento
prestado nas instituições de longa permanência, uma modalidade voltada para idoso sem
família (DIOGO, 2002).
Passa pela implementação de qualquer política de saúde a formação de recursos humanos
capacitados em saúde do idoso. Um estudo
transversal realizado em Pelotas (RS), em
2004, entrevistou 583 idosos dos quais 76,6%
afirmaram que na sua última consulta o médico não questionou se eles se sentiam tristes ou
deprimidos (GAZZALE et al, 2004).
Fica, assim, evidente que a depressão não
tem sido levada em consideração de maneira
proporcional os seus potenciais prejuízos. Em
linhas gerais podemos concluir que os nossos
idosos, ao representarem um grupo bastante
vulnerável a adversidades ambientais, necessitam de uma ampla rede de suporte incluindo
cuidadores capazes e preparados, serviços de
saúde estruturalmente prontos para atender a
esta faixa etária e profissionais sensibilizados e
capacitados para proporcionar a resolução dos
problemas encontrados.
109
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Lígia Lima
Escola Superior de Enfermagem do Porto
Marina Prista Guerra
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
112
Estratégias educativas
e de intervenção psicológica
na asma pediátrica
Resumo
Apesar dos enormes avanços verificados ao
longo dos últimos anos na terapêutica farmacológica da asma, o controlo desta doença não
se esgota aí, existindo toda uma série de outro
tipo de abordagens terapêuticas que podem ser
usadas em conjugação com a primeira ou, se
suficientes, por si só. Neste artigo é apresentada
uma revisão das principais estratégias educativas e de intervenção psicológica utilizadas no
controlo ou gestão da asma pediátrica.
Introdução
A asma pediátrica constitui um risco em
termos de adaptação e desenvolvimento
psicológicos (McQuaid, Kopel & Nassau,
2001; McQuaid & Walders, 2003;Thompson
& Gustafson, 1996). Trata-se de uma doença crónica muito frequente em Portugal e
nos países industrializados em geral, com
tendência de crescimento na sua incidência
e prevalência (Comissão de Coordenação do
Programa Asma, 2001). A asma é a doença
crónica mais comum na infância e possui um
impacto psicossocial amplamente documentado quer a nível da criança quer da sua família
e outros grupos de pertença (World Health
Organization, 2000), justificando-se, assim,
discutir as suas abordagens terapêuticas.
As medidas terapêuticas da asma incluem
abordagens farmacológicas (profilácticas ou
para intervenção em crise) e medidas não
farmacológicas. Entre as terapêuticas nãofarmacológicas existem medidas que são
instituídas e implementadas por vários tipos de
profissionais de saúde (médicos, enfermeiros,
psicólogos) ou da educação (educadores de
infância, professores) como é o caso do relaxamento ou dos programas educativos, enquanto
outras exigem profissionais com formação
específica, como é o caso da cinesiterapia que
é da competência dos profissionais de reabilitação ou das terapias psicológicas, que exigem
formação na área da saúde mental. Nestas
últimas incluem-se também o cumprimento
de medidas comportamentais e as medidas
de controlo ambiental, dado que, como em
qualquer situação de doença crónica, a gestão
da doença implica que o doente e a sua família
assumam a responsabilidade de manterem o
tratamento e que desenvolvam competências
para a monitorização da doença no dia a dia.
Neste contexto, torna-se também fundamental partilhar informação referente à doença
e tratamento, pelo que se tem demonstrado
eficaz o desenvolvimento de programas
educativos.
Neste artigo serão apenas abordadas as
estratégias terapêuticas do tipo educativo ou
de intervenção psicológica.
113
114
Programas educativos
O aumento da prevalência das doenças
crónicas tem suscitado o aparecimento de um
número crescente de programas de educação
de pacientes (Barlow & Ellard, 2004). Grande
parte destes programas tem como objectivo
principal fornecer informação relacionada
com a doença e é implementada em intervenções com pequenos grupos, durante um
período limitado de tempo, com resultados
positivos atingidos a nível do grau de conhecimentos, atitudes e comportamentos dos
pacientes relativamente à sua doença (Mesters,
1993). No domínio da asma pediátrica, foi
já demonstrado que a educação de pacientes
constitui um meio eficaz de aumentar a capacidade das crianças e seus pais para controlar a
sua doença (McQuaid & Walders, 2003).
As medidas terapêuticas da asma
incluem abordagens farmacológicas
(profilácticas ou para intervenção em
crise) e medidas não farmacológicas.
Programas de auto-gestão da asma
Os programas de auto-gestão da asma,
em Inglês de Self-management, consistem em
programas destinados a dotar a criança com
asma de um reportório de competências que
lhe permita controlar a sua doença e manter
o seu estado físico dentro das melhores condições possíveis (Vásquez & Buceta, 1996). Os
pressupostos subjacentes ao desenvolvimento
deste tipo de programas são: que o estado de
saúde das crianças com asma pode ser controlado através da adopção de determinados
comportamentos de saúde (Mesters, 1993;
Pinheiro & Aguilar, 1995); e que só é possível
controlar efectivamente a asma, se a criança e
a família assumirem um papel de participantes
activos no seu tratamento (Botella & Benedito,
1993; Colland, 1994).
Grande parte dos programas de autogestão desenvolvidos até ao momento
caracterizam-se pelo facto de a componente
educativa se centrar em factores comportamentais para além da transmissão de
informação (Creer et al., 1990 cit in Mesters,
1993). Esta característica resulta em grande
parte do facto da avaliação dos programas
centrados apenas na transmissão de informações ter demonstrado que o simples
conhecimento dos sintomas ou de formas de
tratamento não está linearmente associado
a comportamentos de adesão à terapêutica
(Lehrer et al., 1992). Assim, os programas
educativos mais eficazes parecem ser aqueles
que para além de visarem um aumento de
conhecimentos acerca da doença, incluem
também estratégias de modificação comportamental (Kotses, 1999), nomeadamente o
treino de competências de auto-controlo e
auto-tratamento (Geffken & Johnson, 1994
cit in Barros, 1999).
Geralmente os programas são constituídos
por um número de etapas mais ou menos
previsíveis, que incluem (Creer, Harm e
Marion, 1988 cit in Barros, 1999):
• Auto-observação dos comportamentos
que acompanham as crises de asma, especificamente em termos de padrões respiratórios;
• Auto-registo das situações em que se
verificam alterações respiratórias e dos seus
antecedentes (por exemplo, contacto com
alergénios ou activação emocional), assim
como das acções a tomar de modo a controlar
a crise, farmacológicas, de relaxamento, pedido
de ajuda;
• Auto-instrução e tomada de decisão de
forma a controlar a doença, quer através do
cumprimento do regime farmacológico quer
através de medidas de controlo ambiental e de
gestão da crise.
Os programas de auto-gestão da asma têm
sido desenvolvidos de forma a serem aplicados
em diferentes contextos: hospitais, centros
de saúde e outros serviços ambulatórios de
saúde, escolas, campos de férias, entre outros,
e vários tipos de técnicas têm sido utilizadas
para aumentar a motivação e competências
115
116
da criança com asma e/ou sua família para a
auto-gestão da doença, entre as quais: sessões
de ensino individuais, sessões com pequenos
grupos de pacientes, jogos de computador e
vídeo, palestras para grandes grupos, folhetos, diários de auto-monotorização, sessões
para aprendizagem do uso de debitómetro e
campos de férias (Spencer, Atav, Johnston, &
Harrigan, 2000).
A eficácia destes programas em geral tem
vindo a ser alvo de investigação. Segundo
Pérez, Feldman e Caballero (1999), estudos
realizados em diversos países demonstram que
os programas de auto-controlo para crianças
com asma são eficazes no tratamento da
doença, nomeadamente na redução do número de hospitalizações, visitas aos serviços de
urgência e número de crises. Também numa
revisão realizada por Guevara e colaboradores
(2003) de 32 estudos sobre o tema, a eficácia
dos programas de auto-controlo traduzia-se
nos seguintes ganhos: incremento da função
pulmonar, redução do absentismo escolar,
diminuição do número de dias com restrição
de actividades, redução do numero de idas à
urgência e de noites de sono perdidas ou alteradas. Por sua vez, Lemanek, Kamps e Chung
(2001) destacam, como resultados positivos
deste tipo de programas, o incremento das
taxas de adesão aos tratamentos e uma maior
cooperação entre as famílias e os profissionais
de saúde.
Mas a avaliação da eficácia dos resultados dos
programas de auto-gestão depende também
do tipo de técnicas utilizadas, pelo que serão
descritos alguns exemplos.
Este tipo de programas poderão ser implementados num contexto individual ou de
pequenos grupos, embora no primeiro caso
haja mais facilidade em assegurar, por um lado,
a continuidade dos cuidados, fundamental para
a manutenção dos resultados (Mesters, 1993),
e por outro, uma intervenção mais individualizada e adequada à realidade particular de
cada criança e família (Barros, 1999). Num
programa de auto-gestão da asma que foi
implementado através de enfermeiras de serviço domiciliário (health visitors) em Inglaterra,
foram testados os dois métodos – individual e
em grupo. Ambos demonstraram ser métodos
eficazes para aumentar os conhecimentos das
crianças acerca da asma e seus tratamentos e
para fazer diminuir os indicadores de morbilidade relacionados com os sintomas nocturnos
de asma e o número de actividades restritas à
criança (Deaves, 1993).
Relativamente aos campos de férias, os
programas destinados a crianças com asma
variam na sua duração entre um só dia a uma
estadia de uma ou mais semanas e no seu
programa incluem-se para além do treino
de competências de auto-controlo e autotratamento da asma, actividades recreativas
do tipo de ateliers de artes plásticas, jogos
tradicionais, desporto, entre outras. O objectivo é promover a adaptação da criança à sua
doença, a auto-gestão da doença e a redução
de sintomas. Em termos de resultados deste
tipo de intervenção, eles variam imenso, o
que se explica, entre outras causas, pelo tipo
de avaliação realizada, uma vez que é possível encontrar desde relatos qualitativos dos
participantes sobre as suas atitudes face à
experiência, a resultados expressos em termos
de índices de morbilidade. Também quando
se compara a eficácia deste tipo de programas
relativamente à dos programas desenvolvidos com crianças hospitalizadas, verifica-se
que os últimos conseguem maiores ganhos
em termos da diminuição da frequência de
crises asmáticas e comportamentos de autocontrolo e auto-tratamento (Brazil, MacLean,
Abbey & Musselman, 1997). No entanto,
estes últimos autores concluem que a situação
ideal seria a realização de campos de férias
em que se utilizassem as mesmas estratégias
dos programas hospitalares, nomeadamente o
envolvimento activo dos pais e oportunidades
para as crianças porem em prática as competências de auto-controlo aprendidas, de forma
a promover mais eficazmente as mudanças de
atitudes e comportamentos.
Os programas desenvolvidos no contexto escolar são também frequentes e, em
muitas situações, os professores são formados previamente por profissionais de saúde
no sentido de poderem implementar o
programa. Um exemplo muito citado na
bibliografia é o de um programa Americano
denominado Open Airways for Schools e que
consiste numa adaptação de um programa
de auto-gestão individualizado desenvolvido pela Universidade de Columbia. Este
programa engloba um conjunto de sessões
de 40 minutos (seis destinadas às crianças e
duas aos pais, acrescidas de uma cerimónia
de graduação para todos), em que são abordadas as seguintes áreas: informação básica
e vivências acerca da asma; reconhecimento
e gestão dos sintomas da asma; resolução de
problemas relativos à medicação e à gravidade dos sintomas; identificação e controlo dos
desencadeantes da asma; prática de exercício
físico necessário e ter sucesso na escola. Um
estudo de avaliação da eficácia deste programa revelou que se tratava de um programa
capaz de afectar significativamente os
comportamentos de controlo da doença na
criança e sua família (Spencer et al., 2000).
Mais recentemente surgiram programas que
para o seu desenvolvimento e implementação
recorrem às chamadas novas tecnologias, que
geralmente são muito atractivas para as camadas mais jovens da população. São exemplo
os jogos de vídeo interactivos que, segundo
117
118
um estudo de Lieberman (2001), constituem
meios eficazes de promover o auto-controlo
da asma nas crianças e jovens. O recurso à
Internet tem-se tornado também cada vez
mais frequente e, neste âmbito, Krishna e colaboradores (2003) fizeram uma investigação
com o objectivo de avaliar se os resultados do
tratamento da asma poderiam ser melhorados
através de um programa de educação de asma
desenvolvido através de um programa multimédia interactivo e de acesso às crianças com
asma através da Internet. Verificaram que a
utilização do programa aumentava significativamente os conhecimentos das crianças e
pais acerca da asma, fazia diminuir o número
de dias em que as crianças experimentavam
sintomas (de 81 para 51 dias por ano) e ainda
reduzia de forma significativa o número de
idas aos serviços de urgência.
Os jogos de computador são outro recurso
que tem vindo a ser utilizado. Rubin e colaboradores (1986) estudaram a eficácia de um
jogo de computador desenvolvido para a área
de educação de crianças com asma e denominado Asthma Command, tendo verificado que
este produzia efeitos positivos e estatisticamente significativos a nível de conhecimentos e
comportamentos de auto-gestão da doença. Já
numa investigação realizada com o objectivo
de comparar a eficácia deste tipo de material educativo face aos tradicionais materiais
escritos (manuais, folhetos, etc.), apesar de as
crianças relatarem uma maior satisfação no
uso dos programas de computador, não foram
encontradas grandes diferenças nos resultados
produzidos por ambos (Homer et al., 1999).
Estratégias de intervenção psicológica
na asma pediátrica
Iremos seguidamente descrever sumariamente as estratégias de intervenção psicológica
mais frequentemente utilizadas no controlo
da asma pediátrica. Procurámos mencionar
as estratégias mais utilizadas pelos profissionais das áreas da psicologia ou saúde mental
no controlo da asma, quase sempre como
complemento ao tratamento médico, sem
fazer uma descrição exaustiva das mesmas.
Os programas de
auto‑gestão da asma têm
sido desenvolvidos de
forma a serem aplicados
em diferentes contextos:
hospitais, centros de saúde e
outros serviços ambulatórios
de saúde, escolas, campos
de férias, entre outros, e
vários tipos de técnicas
têm sido utilizadas para
aumentar a motivação e
competências da criança com
asma e/ou sua família para a
auto‑gestão da doença…
Técnicas comportamentais
As técnicas terapêuticas comportamentais
têm sido utilizadas no controlo dos sintomas
asmáticos, quer como complemento à abordagem médica (farmacológica) quer ainda,
embora mais raramente, como alternativa à
mesma (McQuaid & Walders, 2003; Vásquez
& Buceta, 1996).
Iremos sumariamente descrever as mais
frequentemente utilizadas no tratamento
das crianças com asma, todas elas partilhando basicamente os mesmos objectivos que
segundo Alarcão (1991, p.97) «visam: 1) o
desaparecimento dos sintomas asmáticos e a
modificação dos comportamentos correlacionados, através da eliminação dos factores
que mantêm/exacerbam o comportamento
sintomático e da alteração dos padrões disfuncionais de comportamento produzidos pela
própria doença; 2) o treino da capacidade de
discriminação de sinais preditivos das crises
e subsequente controlo antecipatório; 3) a
adesão ao tratamento».
119
Os programas desenvolvidos no contexto escolar são também
frequentes e, em muitas situações, os professores são
formados previamente por profissionais de saúde no sentido de
poderem implementar o programa.
120
Técnicas de relaxamento
O relaxamento é uma das técnicas que
mais frequentemente tem sido usada na terapêutica da asma, quer como parte integrante
do regime de tratamento estabelecido quer
como complemento a este. Entre as técnicas
mais utilizadas encontram-se o Relaxamento
Muscular Progressivo de Jacobson e o Treino
Autogénico de Schultz, com as devidas
adaptações à população infantil (McQuaid &
Walders, 2003).
de relaxamento actuam de forma mais eficaz
(Vásquez & Buceta, 1993). Uma outra questão
que pode colocar em causa a utilização deste
tipo de técnicas prende-se com o facto de nos
casos em que a função pulmonar se altera no
sentido positivo, a melhoria geralmente não
ultrapassa a ordem dos 10%, o que tem pouco
significado do ponto de vista clínico, principalmente quando comparada com a eficácia
das terapêuticas farmacológicas (King, 1980
cit in McQuaid & Nassau, 1999).
A utilização de técnicas de relaxamento no
tratamento de crianças com asma partiu da
observação de que quando estas se sentavam
calma e relaxadamente durante as crises, conseguiam desta forma diminuir os seus sintomas
(McQuaid & Nassau, 1999). Os primeiros
estudos a relatarem os efeitos positivos (embora
modestos) do relaxamento muscular progressivo no funcionamento pulmonar de crianças
com asma grave foram publicados no início
dos anos 70 por Alexander e colaboradores,
embora estes efeitos não tenham sido confirmados em estudos posteriores desenvolvidos
por estes mesmos autores (1972 cit in Gila &
Martin-Mateos, 1991).
Mesmo perante estes resultados pouco
encorajadores, muitos autores continuam a
defender que o relaxamento deve integrar
o arsenal de técnicas a utilizar na terapêutica
da asma, porque mesmo que o seu efeito não
seja sempre muito significativo em termos
de funcionamento pulmonar, tem sempre
alguma eficácia em termos de diminuição de
ansiedade e no incremento do estado geral do
doente (Gila & Martin-Mateos, 1991).
A revisão de investigações realizadas sobre
a eficácia do relaxamento no tratamento da
asma tem produzido resultados pouco consistentes (Hajjar, 1999; McQuaid & Nassau,
1999) e um factor que se tem salientado
como possível moderador da eficácia desta
técnica são as variáveis emocionais. É nos
casos em que a asma tem subjacentes desencadeadores do tipo emocional que as técnicas
Estratégias de intervenção
psicológica na asma
pediátrica:
• Técnicas comportamentais
• Técnicas de relaxamento
• Dessensibilização Sistemática
• Métodos operantes
• Técnicas cognitivocomportamentais
• Terapias familiares
Dessensibilização Sistemática (DS)
Com base no paradigma do condicionamento clássico, podemos considerar que
uma crise de asma é desencadeada pela
ansiedade com que uma criança aprende a
responder a certos estímulos ou situações
de stress. Consequentemente será também
possível ensinar a criança a responder a esses
mesmos estímulos através do relaxamento, que
constitui a resposta antagónica da ansiedade e,
desta forma, diminuir a probabilidade de esse
mesmo estímulo desencadear uma crise de
asma (Barros, 1999; Hajjar, 1999; Vásquez &
Buceta, 1996).
Este método exige a identificação e hierarquização dos estímulos que suscitam ansiedade
e que estão relacionados com o aparecimento
das crises asmáticas e posteriormente, a sua
hierarquização, de forma a obter-se uma lista
organizada do menos ao mais stressante. O
passo seguinte consiste em ensinar a criança, após treino de relaxamento muscular, a
imaginar cada uma destas situações (estímulos)
continuando relaxada, para que mais tarde
consiga enfrentá-las nas situações reais sem
ansiedade. Segundo Barros (1999) a DS tem
sido usada sobretudo em crianças com asma
do tipo grave, cujas crises exigem hospitalizações urgentes e procedimentos invasivos.
Segundo Botella e Benedito (1993) existem
poucos estudos que relatem a aplicação desta
técnica, no entanto entre os existentes, a maioria refere resultados positivos no sentido da
diminuição da ansiedade, de sintomas, crises,
uso de medicação e hospitalizações. Existem
contudo investigações com resultados menos
aliciantes, como por exemplo, a de Miklich e
colaboradores (1977 cit in Vásquez & Buceta,
1996), em que os resultados do protocolo de
DS na gestão da asma foram apenas verificados a nível dos volumes expiratórios forçados
e sem grande significado clínico.
121
122
Métodos operantes
Estas técnicas são desenvolvidas a partir dos
princípios de aprendizagem por condicionamento operante e destinam-se a modificar,
iniciar ou eliminar comportamentos, como
por exemplo: a aumentar a frequência do
uso dos inaladores nas situações em que é
necessário, a diminuir os sintomas autoprovocadosa, extinguir comportamentos
mal-adaptativos como o entrar em pânico
durante a exarcebação dos sintomas e começar
a fazer exercícios respiratórios para um maior
controlo da função respiratória. Partindo da
identificação da relação existente entre um
determinado comportamento e os acontecimentos ambientais que têm influência sobre
o mesmo (ou seja, os ganhos secundários), é
assumido que é possível manipular as contigências ambientais e fazer aumentar ou diminuir
a ocorrência do comportamento em causa
(Botella & Benedito, 1993). É de notar que
as situações de asma grave foram as primeiras
a chamar a atenção para a necessidade das
crianças hospitalizadas estarem acompanhadas
pelos pais, na medida em que os profissionais
de saúde constantemente verificavam que a
presença da mãe era um factor determinante
no controlo dos sintomas.
Como em qualquer situação
de doença crónica, a gestão
da asma pediátrica implica
que o doente e a sua família
assumam a responsabilidade
de manterem o tratamento
e que desenvolvam
competências para a
monitorização da doença no
dia a dia. Neste contexto,
torna-se fundamental
partilhar informação referente
à doença e tratamento, pelo
que se tem demonstrado
eficaz o desenvolvimento de
programas do tipo educativo.
Estas técnicas têm conseguido bons resultados no tratamento de crianças com asma,
embora por vezes apenas a curto prazo (Hajjar,
1999). Um exemplo de sucesso é o estudo
de Neisworth e Moore (1972 cit in Alarcão,
1991) em que, após a verificação de que o
factor operante de manutenção era a atenção
dada pelos pais contigentemente às crises,
se conseguiu reduzir a frequência das crises
nocturnas de asma, através da instrução dos
pais para ignorarem os sintomas e reforçarem
positivamente a diminuição das crises.
Por vezes as crianças provocam crises de asma através da
hiperventilação ou exercício físico, com o objectivo de
conseguirem mais atenção sobre si próprias ou poderem
fugir à realização de uma tarefa que por alguma razão que
lhes é desagradável.
a
Técnicas cognitivo-comportamentais
Entre as várias terapias não-farmacológicas
de tratamento da asma encontram-se também
algumas técnicas cognitivo-comportamentais,
sendo a mais frequentemente utilizada a
Inoculação de Stress. Os principais objectivos
deste tipo de técnicas são o de dar à criança
um maior conhecimento acerca da asma,
modificar crenças erradas e cognições desadaptativas acerca da doença e seu tratamento e
ensinar-lhe estratégias de coping que ajudem
a controlar a gravidade das crises, a diminuir
a ocorrência de sintomas e contribuam para
reduzir o impacto psicossocial da doença
(Vásquez & Buceta, 1996).
A Inoculação de Stress é uma estratégia
desenvolvida por Meichenbaum (1977) e que
combina o procedimento de auto-instrução
com o de relaxamento, e ainda com a exposição (imaginada) a uma hierarquia de estímulos
ansiogénicos (Barros, 1999). Só é passível de
ser utilizada em crianças com idades superiores aos sete, oito anos devido às competências
cognitivas que são exigidas para o seu domínio. A inoculação de stress foi já utilizada
em estudos de casos com crianças cuja asma
tinha desencadeadores emocionais, tendo sido
conseguidos resultados positivos em termos de
diminuição da frequência das crises e de idas à
urgência (Benedito & Botella, 1991).
Consiste na separação temporária da criança dos seus pais
ou principais cuidadores, de forma a eliminar a sua influência
negativa na manutenção da doença.
b
Terapias familiares
As terapias familiares constituem também
uma das abordagens terapêuticas utilizadas na
intervenção psicológica junto de crianças com
asma e suas famílias (Alarcão, 1991; McQuaid
& Nassau, 1999; Panton & Bartley, 2000).
A intervenção junto da família da criança
com asma foi desde cedo sentida como fundamental no tratamento da doença, embora
inicialmente o seu objectivo fosse apenas
o de facilitar a terapia individual da criança.
O envolvimento da família partiu do reconhecimento de que, por um lado, só através
da família se podia garantir o cumprimento
adequado dos regimes terapêuticos, por outro
lado, da constatação que o aparecimento e/ou
agravamento de sintomas estavam frequentemente associados a situações de crises ou
tensões familiares. Devido a este último facto,
a parentectomiab foi durante algum tempo
considerada uma estratégia terapêutica no
tratamento da asma, embora na actualidade se
reconheça todos os riscos associados (nomeadamente a de desencadear uma crise fatal) e
a sua prática seja totalmente desaconselhada
(Alarcão, 1991).
As primeiras abordagens familiares derivaram de correntes de cariz psicodinâmica e,
ainda hoje, existem estratégias de intervenção
familiar que seguindo esta orientação, têm
como objectivo primordial «redução, neutralização ou superação da influência patologizante
da(s) figura(s) parental(ais) no desenvolvimen-
123
Neste artigo, foi ainda feita uma breve revisão das principais
estratégias de intervenção psicológica utilizadas no controlo ou
gestão da asma pediátrica, sendo que as técnicas de relaxamento
e as estratégias de intervenção familiar continuam a ser das
mais frequentemente mencionadas como tendo um impacto
significativo a nível de uma melhor gestão da doença, em especial
nos casos em que existe algum grau de perturbação emocional
associado.
124
to da criança» (Alarcão, 1991, p.95). Com o
contributo das correntes sistémicas, o foco
de intervenção deixou de ser unicamente a
criança para passar a integrar todo o sistema
familiar e os objectivos terapêuticos passaram
a concentrar-se na alteração dos padrões de
interacção familiar que sustentam os sintomas
asmáticos. Entre os aspectos mais trabalhados
neste tipo de estratégias terapêuticas encontram-se: a adopção de atitudes mais realistas
face à doença; o abandono de padrões de interacção do tipo da sobreprotecção ou negação;
e a promoção de uma comunicação directa
e aberta, de forma a permitir a expressão de
reconhecimento do sofrimento e a identificação e resolução de conflitos, principalmente
os que envolvem a criança com asma (Lask,
1992).
A eficácia das terapias familiares no tratamento da asma pediátrica tem sido já demonstrada
em alguns estudos empíricos, embora sejam
mais escassos os que provam a sua influência
em termos de sintomas físicos (McQuaid &
Nassau, 1999; Panton & Barley, 2000).
Lask e Matthew (1979) realizaram uma
investigação no sentido de avaliar a eficácia
da terapia familiar como coadjuvante da
terapia médica convencional. Compararam
um grupo de crianças com asma do tipo
moderada e grave medicadas de acordo com
a terapêutica recomendada na altura e sujeitas a um protocolo de seis sessões de terapia
familar, com um outro grupo de crianças com
asma da mesma gravidade e apenas sujeitas
a medicação. No final do estudo, os autores
encontraram diferenças significativas a nível
do volume respiratório.
Um outro exemplo é o estudo de
Gustaffson, Kjellman e Ceberblau (1986) em
que foi avaliado o valor terapêutico da terapia
familiar em crianças com asma grave, tendo
sido encontrados resultados bastante positivos, inclusive em termos físicos. Estes autores
acompanharam um grupo de 18 crianças
diagnosticadas com asma grave durante 3 anos
e meio, que foram aleatoriamente divididas
em dois grupos de tratamento: um sujeito a
tratamento médico convencional e o outro a
terapia familiar. Verificaram que o grupo de
crianças sujeitas a terapia familiar apresentava melhoras significativas a nível de grau
de desenvolvimento pediátrico, classificação
clínica, número de dias afectados por limitações funcionais, débito expiratório máximo
e necessidade de medicação para controlo dos
sintomas asmáticos, enquanto que as crianças do grupo de controlo não apresentavam
mudanças significativas a nível dos sintomas
da asma.
Conclusão
Como em qualquer situação de doença
crónica, a gestão da asma pediátrica implica
que o doente e a sua família assumam a responsabilidade de manterem o tratamento e que
desenvolvam competências para a monitorização da doença no dia a dia. Neste contexto,
torna-se fundamental partilhar informação
referente à doença e tratamento, pelo que se
tem demonstrado eficaz o desenvolvimento
de programas do tipo educativo. Entre estes,
destacam-se os programas de auto-gestão
da asma, que para além da transmissão de
conhecimentos incluem também o desenvolvimento de competências de auto-controlo
e auto-tratamento. Este tipo de programas
resulta em ganhos importantes para a criança
com asma e sua família, expressos em termos
de maior adesão às terapêuticas e na redução
significativa na ocorrência de sintomas, entre
outros aspectos.
Neste artigo, foi ainda feita uma breve revisão das principais estratégias de intervenção
psicológica utilizadas no controlo ou gestão
da asma pediátrica, sendo que as técnicas de
relaxamento e as estratégias de intervenção
familiar continuam a ser das mais frequentemente mencionadas como tendo um impacto
significativo a nível de uma melhor gestão
da doença (McQuaid & Walders, 2003), em
especial nos casos em que existe algum grau
de perturbação emocional associado.
125
126
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127
Próxima edição
Rui Medeiros
Farmacogenómica e
individualização do
tratamento: implicações na
terapêutica do cancro do
ovário
128
O conceito de Farmacogenómica, pelo
estudo de como as diferenças individu­ais
influenciam a variabilidade nas respostas dos
doentes aos fármacos, poderá possibilitar
a definição de um perfil de variações do
genoma de cada indivíduo (perfil farmacogenómico) que possa prever a resposta a cada
um dos procedimentos terapêuticos.
Madalena Torres, Margarida Lopes, Margarida
Peixoto, Pedro Rodrigues, Rosário Meireles, Rui
Dias
O papel do enfermeiro
perante a criança
traumatizada
O enfermeiro que cuida de crianças sabe
que elas têm características próprias, múltiplas
particularidades anatómicas, fisiológicas e
psicológicas que as diferenciam dos adultos,
sendo algumas delas de particular relevância
na abordagem da criança vítima de trauma.
Sofia Silva
Eutanásia à luz dos cuidados
paliativos
A pessoa com conhecimento da sua doença
avançada tem bem presente essa catástrofe biológica como um acontecimento de profunda
tristeza que se antecipa na sua psique como
vivência solitária, de insegurança, envolvendo
sempre os elementos familiares e sociais que
a rodeiam.
Gabriela Álvares-Pereira, Conceição Almeida,
Manuel Domingos
Stresse e as doenças
cardiovasculares
As doenças vasculares constituem uma
importante causa de morte nas sociedades
modernas. Em Portugal, à semelhança de
outros países, as doenças infecciosas, que
eram a principal causa de morte no início
do século, diminuíram drasticamente para
valores quase insignificantes. Por outro lado,
as doenças degenerativas como as doenças
cerebrovasculares aumentaram de forma
significativa, associando-se positivamente a
sua prevalência com o envelhecimento.
Vanda Maria Veiga Pereira
OCAI – Organizational
Culture Assessment
Instrument
Uma aplicação prática ao
contexto hospitalar
As organizações de saúde possuem
características tecnológicas, sócio-estruturais
e culturais que as distinguem das organizações de outra natureza; integram uma
multiplicidade de profissões, de formações
diferenciadas e de qualificações académicas
elevadas, com atitudes corporativas e fechadas
dos grupos profissionais ao que lhes é
exterior, determinando a coexistência, numa
mesma organização, de sub culturas pautadas
por valores de natureza diversa.
Licenciaturas em:
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