Untitled - Sans Nom
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Untitled - Sans Nom
expediente editoras Adriana Brito [email protected] Patrícia Favalle [email protected] chefe de redação Ariana Brink [email protected] editores de estilo Cris Oiwane [email protected] Ray Mendel [email protected] editor de fotografia Marcelo Guarnieri [email protected] produtora Helen Pessoa [email protected] redação Sergio Martins [email protected] Daniel Froes [email protected] estagiária Ana Luisa Linhares Robson Lopes [email protected] ilustrador Orpheu Maia colaboradores Alfredo de Barros, Ana Pinho, Ana Wainer, Andy Warhol, Caio Zalc, Camila Coutelo, Carine Dietz, Daniel Malva, Elite Model, Flávio Melgarejo, Gê Prado, Jair Luís, Jéssica Lamie, Letícia Santos, Luisa Azevedo, Marcelo Coutelo, Maurício Cerqueira, Paulo Fabre, Sandi Dias, Sull Gunther, Ten Model, Tita Berg Fotos Nicole Fialdini designer visual w w w . s t u d i ot o ro. com Ilustração: Alfredo de Barros É tudo sempre tão igual. Será? Os ponteiros do relógio correm invariavelmente para o mesmo lado, num ritmo inalterado, sem direito a desvios, paradas ou contrapés. Cada segundo parece sufocar as cobiças e a cada minuto mais um desejo é sepultado. São assim que as badaladas marcam as horas, compassam os dias e findam os anos. Nada é contemporâneo, no máximo, inventismo requentado. O que se vê agorinha pipocando nas passarelas das semanas de moda é o mesmo que já deu pinta em décadas atrás: ombreiras destoantes, alfaiataria desconstruída, cintura marcada, vazados aqui e acolá, preto sobre branco, branco sobre preto e um dicionário capaz de denominar centenas de cores idênticas. Se o enredo fashion confunde com seus tons de cereja, rouge, carmim, rosa intenso, vermelho queimado, ferrugem e rubi, em passadas paralelas, desalinhadas aos avisos do Cuco, a bossa é nova. Enquanto a maioria dos estilistas brasucas renega a alta-costura (por medo das agulhadas!), nosso editor de estilo Ray Mendel se joga de corpo e alma nos moldes alongados e esvoaçantes. A pitada fresh vem com a escolha dos tecidos e das estampas grafitadas com o melhor da arte marginal. No ponto seguinte, os tesouros privativos revelam a elegância vista em proporções distintas. Da dona de casa estilosa às garotas de programa e as candidatas à santa, nos lambuzamos com carne de primeira e depois ancoramos entre as polaroides de Andy Warhol, o profeta dos quinze minutinhos de fama, as obras contundentes de Basquiat e JGor, e os caldeirões em ponto de ebulição das saunas. Fim de papo – está aí mais uma edição que veio pra provar que é possível transformar conceitos sem se refestelar no óbvio. sans nom lado a Por Patrícia Favalle Fotos Banco de imagem O dia da Santa Marilyn Monroe admitiu que passou a maior parte da vida de joelhos. Luiza, uma inocente moça do interior de Santa Catarina, tambémador! “Ajoelhou tem que rezar”, avisa a plaquinha enferrujada, pregada num pedaço de parede já embolorada e malcheirosa da velha igreja de Santa Gema. Se não fosse pelos altares despidos de imagens e pelos tocos de velas chorosas, quase não existiriam sinais de que ali se encontrava mais uma morada divina. Nem as cruzes resistiram ao último levante popular, liderado por gente impiedosa, que acusava o pobre Padre Ferdinando Gonzales de fazer as carolas pagar os pecados de forma nada ortodoxa. As sentenças proferidas pelo sexagenário homem de cabelos brancos e tez franzida não eram lá muito convencionais – mas havia quem disputava levar a coça dominical a portas fechadas. Entre as devotas militantes estava dona Lucinda e sua prole de meninotas endiabradas. A senhorinha bem intencionada fazia questão de arrastar as filhas para os recônditos celestiais, “sempre impregnadas de pecados impronunciáveis” – dizia ela, e que só eram confessados diante do santo representante do Criador. Lucinha, Luiza, Lucimar, Luana e Luzia eram mesmo do balaco, mas nada que as obrigasse a esfolar os joelhos juvenis. E quando o Padre avistava o quinteto, logo soltava um risinho diabólico. Entre o rebanho, a sua ovelha preferida era Luiza, moça de olhos languidos, cabelos aparados na altura do queixo e boca rosa-carmim. Era se aproximar dela para o Padre ser tomado por uma vozinha sem-vergonha: “pega ela”. E lá ia o beato para o seu quartinho do castigo, com uma vareta na mão e a bíblia noutra. Nem precisava chamar a aspirante à santinha, ela apressava o passo para mostrar que estava antecipadamente redimida. De cabeça baixa, ajoelhava-se numa estranha maçaroca e rezava uma, duas, três, dez ave-marias. Deixava as lágrimas escorrerem pela face e não se atrevia a levantar antes de completar o terço. Padre Ferdinando mantinha a vigília e só emitia algum som – sempre de desaprovação – quando ouvia “ui e ais” abafados, vindos da coitadinha que apreciava as poças de sangue formadas ao redor de suas pernocas. Junto do milho, somavam-se caroços de azeitonas, cacos de vidro e pedras pontiagudas. No entendimento do tal do Espírito Santo, como justificava o pároco, a “receita da dor” obrigava a culpa a renegar aquele corpo impuro. A seção de tortura era das mais amaldiçoadas (e temidas) do interior catarinense, razão pela qual os fiéis fugiram às tantas para os centros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé, além dos bancos evangélicos. “Só mesmo as predestinadas aguentam o fardo”, afirma Gonzales – e Luiza estava entre as apostas de Deus para seguir os caminhos de Calcutá. Uma santa de alma, que ainda teria que ralar muito para deixar miss Monroe injuriada de inveja. lado b Programas de Garotas Por Adriana Brito Fotos Daniel Malva te aos das grandes publicações masculinas, são poliglotas e possuem ideias modernas de administração. Tamanha mudança no paradigma mais antigo do mundo virou tema da série O Negócio, anunciada pelo canal HBO no último dia 11 e ainda sem data para chegar às telinhas. Com 13 episódios, a atração filmada pela Mixer mostrará como vivem três meninas que atendem somente homens milionários – numa coincidência infeliz, como o próprio Matsunaga. Alguém dúvida da audiência? Geni e o Zepelim Levantamento do sociólogo Sudhir Venkatesh (Universidade Columbia, nos Estados Unidos), publicado pela Wired, constatou que as redes sociais se tornaram o campo de atuação preferido de quem está na batalha. No estudo Como Ferramentas Tecnológicas Transformaram o Negócio do Sexo em Nova York soube-se que no ano de 2008, 25% das expertises atingiram seu público-alvo através do Facebook e 61% por meio do Craigslist, um dos classificados virtuais mais procurados pelos norte-americanos. Em entrevista à Karin Hueck, da Superinteressante, Venkatesh afirmou que o Facebook seria convertido “ainda em 2011, no maior serviço de prostituição online do mundo”. Andorinha, puriba, carcaia, tamanqueira, bagaxa ou canguicha. Sem levar em conta a denominação – e adaptando-se ao exotismo semântico –, as putas, de nome e codinome, elevaram o sexo ao hit das definições pós-culturais Depois de alguns dias tentando contatar uma acompanhante do site da vez, o M.Class, com o objetivo de apurar o cotidiano luxuoso da profissão, mudamos a abordagem. Não nos identificaríamos mais como imprensa. Liguei para *Sueli dizendo ser representante da empresa X, que participaria de uma feira de negócios em São Paulo, em busca de uma pessoa que pudesse escoltar um executivo de fora da cidade durante o evento e no jantar de confraternização que fecharia a noite. Curiosa, porém desconfiada, a jovem de 24 anos fez inúmeras perguntas antes de fechar o orçamento: como soubera do nome dela, o local do encontro e o que eu queria dizer com “escoltar”, entre outras coisas. Dúvidas dirimidas, o valor apresentado foi de R$ 1.300 por seis horas de trabalho. Caso o compromisso fosse reduzido para algo em torno de uma hora e meia, o total cairia para R$ 300. Sueli e a M.Class, agência-catálogo via internet, não são exatamente uma novidade no universo corporativo da prostituição; contudo, em razão do homicídio do empresário Marcos Kitano Matsunaga, ocorrido em 19 de maio de 2012, novas folhas desse diário rubro-rosa foram reveladas. Na investigação da polícia ficou claro, por exemplo, que Elize e Natália, respectivamente esposa e amante de Marcos, possuíam perfis nesse endereço e que fora através deles que a relação do trio tomou corpo. Em 2004, Elize era conhecida como Kelly – “loirinha carinhosa”. Já Natália teria topado tirar sua página do ar recentemente, tornando-se exclusiva por uma mesada de R$ 27 mil. Longe das esquinas que marginalizam a atividade, as garotas luxueux de programa mostram-se empreendedoras audaciosas e marqueteiras de mão cheia. Boa parte delas tem nível superior completo, produzem teasers fotográficos de qualidade semelhan- Vem dançar comigo Voltando ao quadrante high-tech, Altino Machado, do Blog da Amazônia, noticiou que a Associação de Prostitutas do Estado do Pará (Gempac) organizou o Puta Dei, em homenagem ao Dia Internacional da Prostituta, comemorado no dia 2 de junho. Conta a história que, em 1975, mais de cem moças ocuparam a Igreja de Saint-Nizier, na cidade francesa de Lyon, para protestar contra os excessos policiais cometidos à época. Diante do movimento decretou-se que a data marcaria a luta pelo reconhecimento da categoria e pelos direitos trabalhistas. No Brasil, o ex-deputado federal Fernando Gabeira apresentou o Projeto de Lei nº 98, de 2003, ainda em tramitação no Congresso Nacional, “que reconhece a existência de serviços de natureza sexual e dá algum direito a quem os fornece”. A Rede de Prostitutas lembra também que o Ministério do Trabalho já admite o ofício como profissão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Saiba mais: www.redeprostitutas.org.br; www.beijodarua.com.br; www. mclass.com.br e www.camara.gov.br e www.gabeira.com.br * Sueli é nome fictício. ürbe Por Ana Pinho Fotos Andy Warhol Identidade Revelada Uma câmera na mão e pronto – está tudo lá! Andy Warhol registrou rostos famosos e outros nem tanto durante décadas “Eu achava que os jovens tinham mais problemas que os velhos, e esperava poder envelhecer para não ter mais todos aqueles problemas. Aí olhei em volta e percebi que todo mundo que parecia jovem tinha problemas de jovens, e que todo mundo que parecia velho tinha problemas de velhos. Os problemas ‘de velho’ me pareciam mais fáceis que os problemas ‘de jovens’. Então decidi deixar meu cabelo grisalho para que ninguém soubesse a minha idade. Assim eu pareceria mais jovem pra eles, ao invés de quão velho eles pensavam que eu era.” Foi esse o raciocínio de Andy Warhol aos 23 anos, quão tingiu as madeixas pela primeira vez. Nascido em 1928 e formado em design pelo que é hoje a prestigiosa Universidade Carnegie Mellon, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Warhol foi sem dúvida o artista plástico mais famoso do século 20. Suas serigrafias, que incluem Marilyn Monroe, a lata de sopa Campbell’s e Mao Tse Tung são parte do pop art, movimento que visualmente encanta as crianças e que todo adulto já ouviu falar. Warhol era um ser com uma “curiosidade onívora”, como define sua biografia oficial. Onívora porque não se limitava aos quadros, mas dedicava-se a todos os meios de multimídia da época: áudio, vídeo e foto. Documentava seus afazeres com um gravador e uma câmera, e depois montava vernissages em que as pessoas se estapeavam para entrar. Criou um mundo glamouroso, uma espécie de era, formada pelo seu estúdio, The Factory, seu clube favorito, Studio 54, e suas polaroides. Em exposição no Museu de Imagem e Som (MIS), de São Paulo, até 24 de junho de 2012, estão 300 pequenos retratos de pessoas de amigos e colegas de festa que passaram por sua vida desde 1970 até sua morte, há 25 anos. São cliques de uma época de exageros (evidente pela maquiagem) e de um mundo diverso, que mistura princesas e travestis. Algumas das polaroides expostas foram escolhidas como base para as serigrafias (vide Debbie Harry e Diane von Furstenberg), mas a maioria simplesmente juntou-se ao legado hiperativo de Warhol. São uma pequena parte de uma vasta coleção, quando comparadas às 28 mil fotos recentemente doadas pela Fundação Andy Warhol para museus e outros espaços pelo mundo. Então o que faz dessas três centenas de pequeninas imagens algo importante? Nos anos 1960, o artista previu: “No futuro, todos serão famosos por 15 minutos”. Bingo! Pouco mais de uma década depois, porém, reformulou: “Essa fala me entedia. Não a uso mais. Minha nova frase é: ‘em 15 minutos, todos serão famosos’”. A internet e seus pupilos, as (muitas) redes sociais, provaram que ele estava certo de novo. Vive-se numa época linkada pelo conceito de sociedade de Warhol, que envolvia beleza, poder, dinheiro, fama e pequenas coisas comuns entre todos, como beber uma Coca-Cola gelada no final da tarde. É bem verdade que nem todos os personagens de seus insights expostos no MIS sobreviveram ao teste do tempo como celebs. Alguns não passam de nomes que você acha que já leu em algum lugar. Outros, claro, continuam lendários, a exemplo de Mick Jagger, Muhammad Ali, Debbie Harry, Pelé, Liza Minelli e Sylvester Stallone. Mas diante das lentes do norte-americano, há um microcosmos que os unifica. Ele emprestou sua luz para garantir aos outros, pelo menos naquele contexto, uma nova rodada de fama. Uma última ironia de um crítico às avessas do culto à celebridade. art Por Daniel Froes Fotos Paulo Fabre Basquiat, Basquiat! Quando Jean-Michel Basquiat, afro-americano, nova-iorquino, de nome francês e ascendência latina, tinha 17 anos, sabia muito bem que poderia se tornar um artista de sucesso. O primeiro passo para isso foi transformar as ruas de Manhattan numa galeria a céu aberto Filho de pai haitiano, Gerard Jean-Baptiste Basquiat, ex-ministro do interior em seu país e proprietário de um grande escritório de contabilidade, e de mãe porto-riquenha, Mathilde Andrada, Basquiat começou a rabiscar caricaturas e cópias de personagens de desenhos animados muito cedo. O mais velho de três irmãos mantinha os olhos focados no mundo das artes. Aos seis anos, matriculado na Escola de Arte para jovens do Museu do Brooklin, nos Estados Unidos, um dos seus programas favoritos era frequentar os salões do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Manhattan, cuja carteirinha de sócio-mirim custava a sair do bolso de sua jaqueta. Após o divórcio dos pais, o rapaz se mudou com a mãe e as duas irmãs para Porto Rico, onde viveu de 1974 a 1976. Foi a primeira vez que o jovem teve contato com suas raízes latino-americanas. No retorno às terras do Tio Sam, já às vésperas da maioridade, Basquiat sofreu para se enquadrar nas normas das escolas convencionais. Para driblar a situação, Mathilde decidiu matriculá-lo na Edward R. Murrow High School, o que não o impediu de abandonar os livros um ano antes de concluir o ensino secundário, época em que saiu de casa para ir morar nas ruas com amigos e viver da venda de camisetas e cartões postais pintados à mão. No asfalto de Manhattan, Basquiat conheceu o designer gráfico Al Diaz, de quem se tornou amigo e cocriador da assinatura de grafites nas paredes dos prédios abandonados e nos metrôs da city: SAMO ou SAMO Shit, abreviatura de Same old Shit (em tradução livre: “essa merda de sempre”). Rapidamente seu talento despertou a atenção das pessoas e da imprensa. Aos poucos, Basquiat, fã de hip-hop, jazz, baseball, boxe, poesia francesa, Leonardo da Vinci e do modernismo, virou uma celebridade instantânea, com aparições em programas de TV e até como protagonista do longa-metragem Downtown 81 – baseado em sua história. Famoso e com telas procuradíssimas por marchands de Nova Iorque, Zurique, Tóquio, Roma e Los Angeles, Basquiat, no início dos anos 1980, já era visto com frequência ao lado de pintores como Julian Shnabel, David Salle e Andy Warhol –inventor da pop art – que, além de amigo pessoal, converteu-se num tipo de mecenas do jovem, proporcionando-lhe moradia, materiais para trabalhar e ajuda na divulgação do seu portfólio. Paralelo a isso, o mais novo protegido de Andy aposentou de vez o projeto SAMO e resolveu enterrá-lo literalmente através da inscrição: “SAMO is dead” ou “SAMO morreu”. Em 1985, o artista de dreadlocks e retrato bem acabado de uma metamorfose ambulante, viciado em idas e vindas, e com aversão a “merda de sempre” posou para a capa do caderno de artes do The New York Times Magazine, que trouxe um especial sobre sua carreira. A publicação repercutiu no mundo todo. Basquiat, que namorava a desconhecida cantora Madona, escancarava ali as portas do sucesso internacional, alcançando o posto de primeiro pintor negro norte-americano a ganhar prestígio além-mares. Contudo, o seu auge coincidiu com o mergulho nas drogas. Basquiat afogou-se no consumo compulsivo de “speedball”, coquetel que combina porções de cocaína e injeções de heroína. A morte do amigo mais próximo e protetor, Andy Warhol, em 1987, desestabilizou de vez o virtuose. Estremecido pela dor da perda, Basquiat, um ano após o falecimento do criador da famosa série de latas de sopa Campbells, é vítima de overdose. Ele tinha fatídicos 27 anos... Chamada pelos especialistas de “primitivismo intelectualizado”, corrente neoexpressionista, a arte de Jean Basquiat é inspirada na cultura africana e nas situações vivenciadas por ele durante a sua curta vida – recheada de personagens esqueléticos, rostos macabros e apavorados, carros policiais, ícones negros da música e do boxe e cenas da vida urbana, retratados sempre em telas grandes, com miscelânea de colagens, pinceladas caóticas, cores intensas e escrituras quase indecifráveis. Depois de Basquiat, o que revigora? Em Terra de Palmeiras, onde canta o sabiá, JGor, nascido no interior paulista como José Roberto Ferreira Júnior, parece respirar a arte extremada e sem limites desse mesmo Basquiat em seus grafites. Menu de técnicas que se acomodam desordenadamente ao que está à disposição, das portas de aço e papel corrugado retirados do lixo até os painéis de madeira, JGor preserva e maximiza em tudo o que toca os riscos meticulosamente tramados com giz de cera, tinta a óleo, caneta hidrocor, esmalte sintético e spray. O cotidiano, o comum e o invisível são as matérias-primas de sua arte quase brutalista. Carros, pessoas, muros, periferias e assuntos médicos sacados de sua rotina nada tradicional são reinventados em imagens denominadas de “Grávida”, “Rosto” e “Feto”, elementos facilmente encontrados na produção que tomou forma na década seguinte a morte de Basquiat. JGor é um desses artistas complexos, ainda pouco compreendidos e explorados, mas deliciosamente talentoso. Sabe somar criatividade aos casualismos transformadores. E é desse emaranhado de informações que a sua máxima acabou no liquidificador à Lavoisier (estampada matreiramente nas linhas robustas da peça). Eis a arte em seu estado mais latente. www.jgor.com.br prato feito Por Caio Zalc Fotos Jair Luís Minha vaca de estimação Uma narrativa de amor incondicional entre Gabriela e Lucy, sua linda vaquinha caramelo A história de Gabriela não é nada convencional. Tudo que uma garotinha de seis anos espera nessa idade é um cachorro para chamar de seu. Pelo menos, era o que seu núcleo de amigas sonhava em ter. E assim foi para Camila, Julia e Débora, suas BFFs. Mas no lugar do tão esperado cão serelepe, os pais de Gabi compraram um bezerro fofo. Num primeiro momento, ela estranhou o animal, afinal, ele não corria atrás de bolas e muito menos latia. Que injustiça! “Eu quero um cãozinho, já!”, esbravejava. E não é que as coisas mudaram? Demorou uma semana até a criança se apaixonar frivolamente pelo quadrúpede. Lucy, como Gabi a batizou, era superdócil. Gostava de carinho na barriga e fazia manha quando não ganhava um mimo extra. Elas se tornaram companheiras inseparáveis. Todos os dias, depois da escola, Gabriela almoçava no contra pé para brincar com sua folete de tom caramelo. Até que um dia aconteceu algo estranho: Gabriela havia acabado de completar oito anos e, mesmo assim, cumpriu com o acordo diário – engoliu a comida rapidamente e foi em direção à sua melhor amiga, para poderem passar o tempo juntas. Mas Lucy não estava no jardim. “Onde será que ela se escondeu?”, perguntou. “Lucy? Lucy? LUCY?”, gritou. “Calma”, disse o pai. “Ela está na casa dos fundos.” A garota nem se deu ao trabalho de responder, correu em direção ao recinto. Chegando lá, percebeu que Lucy tinha tubos pregados nas tetas. Estavam tentando sugar o leite da pobre vaquinha. Mera ilusão; o animal não deixa de ser um mamífero tradicional. Se não está grávida, não dá leite. “Então vamos emprenhar o bicho, mulher”, ouviu atrás da porta. Gabriela não dormiu bem a noite. O que estavam fazendo com seu bicho de estimação? Ela era sua ou era mais um projeto de seu pai? Ninguém pensou em questioná-la se estava de acordo com isso tudo. A garota esperta tomou uma decisão: “Vou falar com meu pai e convencê-lo a deixar a minha Lucy em paz”. No dia seguinte, já era tarde demais quando Gabriela chegou da escola, pois já haviam cruzado Lucy. A garota ficou brava. Esperneou. Chorou. Respirou fundo. E finalmente entendeu o ciclo da natureza. Os nove meses passaram rápido. Gabriela acordou mais cedo para se preparar para o parto de Lucy. E novamente o destino lhe pregou uma peça. O lindo bezerrinho viera ao mundo morto. “Por que D-us?” Lucy definitivamente não merecia isso. Apesar de Gabriela ter aprendido a viver com esse infortúnio, Lucy não estava bem. Ela era uma vaca inteligente, havia percebido a situação. Talvez ela não soubesse o que havia acontecido com o bebê, mas sabia que ele não estava ao lado dela como deveria. Mesmo assim estava entubada; se saísse leite de suas unhas, teriam colocado um cano lá também... Nenhum adulto se deu conta de que a vaquinha estava deprê. Por mais que a garota alarmasse, eles não davam ouvidos. Só queriam saber de tirar leite, leite e mais leite. Lucy não comia mais. Começou a emagrecer: um, dois, cinco, dez quilos. Ela não dava mais leite. As costelas estavam aparentes e seu humor refletia na menina, que, agora com dez anos, também não sorria mais. Certo dia, Gabriela mentiu para os pais e não foi para a escola. Preferiu ficar ao lado da amiga, que nem mais levantar conseguia. Acabou adormecendo ao lado dela, sem querer. Que azar. Logo no dia em que o pai havia contratado o seu Sebastião para abater a vaca. “Sebastião, meu caro, mate a vaca agora mesmo. Se esperarmos alguns dias, não sobrará carne para a picanha de domingo.” Seu Sebastião estava acostumado com a situação. Não precisava mais de cerimônias. Por isso, entrou com a pistola e, sem acender a luz da casa dos fundos, mirou-a na cabeça da vaca adormecida e atirou. Ouviu-se um grito. Grito de misericórdia. Mas já não adiantava nada. Gabriela e Lucy haviam morrido juntas pelo mesmo tiro. Viraram picanha do mesmo saco. moda Fotos Julia Rodrigues Styling e edição de estilo Camila Coutelo, Cristiano Oiwane e Ray Mendel Zona de Luxo O inverno é a temporada ideal para circular por aí a bordo de elegantes peças sacadas da alta-costura. Longe da caretice que o termo remete, os longos despontam com cortes fluídos, estampas moderninhas e acessórios badalados. Para compor o visual, vale até misturar elementos equestres e da cultura punk, como os coturnos e o cinto corselet. Agradecimentos: Elite Model e Marcelo Guarnieri Modelos: Jéssica Lamie (Elite Model) e Marcelo Coutelo Vestido de organza devorê, RAY MENDEL, cinto corselet e botas, CORI, gargantilha equestre, CAMILA KLEIN, meia-calça, TRIFIL, pulseira ACERVO Vestido de cetim grafitado, RAY MENDEL, cinto corselet, CORI, pulseira, anel e coturnos, ACERVO Vestido de tule plissado, RAY MENDEL, colar e brincos, CAMILA KLEIN, cinto corselet e botas, CORI, e pulseira, ACERVO Vestido de penas, LANÇA PERFUME, colar, CAMILA KLEIN, meia-calça, TRIFIL, botas, CORI, e cinto, ACERVO ensaio Fotos Gê Prado Edição de Moda Ana Wainer Garagens Urbanas Camisa e calça, MULHER ELÁSTICA, sapatos, SCHUTZ, lenço, LOUIS VUITTON, colar e pulseiras, ACERVO. Há tempos a moda se tornou uma série de adjetivos comuns, para não dizer vulgar. Do ato compulsivo e sistemático de se vestir à (falta de) originalidade, existem centenas de degraus e quase nenhuma luz no fim do túnel. Enquanto o fast fashion invade as araras dos grandes magazines e o “glam” se transforma em sinônimo de chique, a haute-couture é confinada em apequenados metros quadrados, recheados de referências e de muita personalidade. São nesses cubículos superpoderosos que o cinza discorre suas porções acetinadas, a liga da cinta adentra o modelito e o pijama desfila como o fino da bossa. Um must. Vestido e calça, ambos ANIMALE, estola e sapatos, ACERVO, pulseiras, SAAD Kimono, JOGÊ, pulseira, GALIBARDY, óculos, ABSURDA, e sapatos, TOP SHOP Body, FERNANDA YAMAMOTO, botas, CORELLO Macacão, ANIMALE, pérolas, ACERVO Camiseta, BILLABONG, cinta liga e luvas, ACERVO, e meias, LUPO ta liga, sutiã e luvas, ACERVO, e meias, LUPO Vestido, PATRÍCIA BONALDI, colar, ACERVO, sapatos, TOP SHOP Direção de Arte: Luisa Azevedo Produção Executiva: Letícia Santos Beleza: Maurício Cerqueira Assistente de foto: Flavio Melgarejo Modelo: Carine Dietz/ Ten Model Realização: Agência 3xt – Three Times Trouble tour Por Sergio Martins Ilustração Alfredo de Barros Pulp Fiction: sexo acima dos 40ºC Que tal mergulhar entre ursos, caçar na companhia de Barbies e beliscar franguinhos ao lado de bacanas do high society? Esqueça absolutamente tudo aquilo que já lhe contaram sobre as acaloradas saunas – elas são ainda mais interessantes quando visitadas em plena luz do dia. Se ao cair da noite, todos os gatos são pardos, no acender das luzes, eles ostentam bem mais do que os fumegantes olhos castanhos. Antes de sair por aí derretendo sob o vapor escaldante desses recintos, a dica é conversar com frequentadores de todas “as espécies”, assim, dá para eleger o dia da caça ou do caçador, claro! Nas rodas recheadas de ursos, aqueles seres fofos e peludinhos, descobri, por exemplo, que eles adoram exibir as corpulências nas piscininhas, batizadas ironicamente de “sopão”. Já o público despido de células adiposas prefere manter os ossos encobertos pela privacidade dos panos felpudos (é um truque de ilusão de ótica). Não é de se estranhar que esses predadores se sentem nos degraus mais altos das miniarquibancadas que rodeiam o sopão, prontos para abocanhar um gordo bem resolvido. A turma apelidada de “Barbie” circula pelos ambientes superaquecidos com bíceps, tríceps e outros “eps” à mostra. Eles a-m-a-m encarar os olhares invejosos dos frangotes, se contorcem de medo com os gordalhões em banho-maria e vão à lona quando paquerados por outros sarados. Os tiozões (alguns, pais de família renomados) também dão pinta entre um vaporzinho e outro – e aí se um rapazola recém-saído da puberdade der trela... Mas nem todos os lances das escadas estão tomados por essa curiosa fauna que habita o mundinho, também há espaço para gente (blasé) que está ali unicamente para suar. Faço vista grossa. Para mim, sauna é sinônimo de sexo casual e fervilhante. Por sinal, aqui cabe uma explicação exatamente sobre a origem dessas casas que promovem o suadouro coletivo: trata-se de uma invenção adaptada das termas romanas destinadas aos banhos públicos, e que existe desde o século 5 a.C. Num mesmo endereço é possível zanzar entre o amadeirado seco, com forte cheiro de eucalipto, as disputadas duchas turcas e os balneários revestidos de azulejos e que transitam na casa dos 50ºC. Antes da imersão final, a comprovação: é o lugar perfeito para a convivência entre pessoas do mesmo sexo – e todas com as respectivas genitálias a postos! Só podia dar no que deu. *www.flickr.com/photos/brandsitter